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12 | Tribuna do Brasil - UnB - SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | DOMINGO, 5 DE FEVEREIRO DE 2006

RReellaaççõõeess eennttrree oo CCoonnggrreessssoo ee ooSSTTFF eemm tteemmppooss ddee ccrriissee ppoollííttiiccaa

Acrise enfrentada pelogoverno e pelo Con-gresso Nacional nosúltimos meses tem

uma série de desdobramen-tos importantes para quemacompanha a nossa tradiçãoconstitucional e nossa culturapolítica. O fato de termos vári-as Comissões Parlamentaresde Inquérito (CPIs) em fun-cionamento simultâneo, alia-do a um grande número deprocessos contra deputadosno Conselho de Ética da Câ-mara, acaba fornecendooportunidade para discus-sões que envolvem órgãostécnicos, como a Comissão deConstituição e Justiça, e, prin-cipalmente, o Poder Judiciá-rio – em especial o SupremoTribunal Federal (STF).

Tem sido muito comumouvir de deputados reclama-ções sobre a excessiva inter-ferência do STF no âmbito deprocedimentos internos daCâmara. De fato, a tradiçãodo Supremo sempre foi inter-ferir o mínimo possível noPoder Legislativo. O Tribunalentende que só pode julgarquestões internas da Câmaraou do Senado quando estasenvolverem diretamente ma-téria constitucional, ou seja,quando estiver ocorrendo vi-olação ou ameaça de viola-ção a alguma norma ou direi-to previsto na Constituição.Assim, o descumprimento doRegimento Interno da Câma-ra ou do Senado, ou ainda dequalquer outra norma regu-lamentar interna das Casaslegislativas não poderia serobjeto de apreciação pelo Po-der Judiciário. Esta tese ga-nhou o nome de doutrinados atos interna corporis, istoé, atos que são internos a umórgão e não podem ser discu-tidos por outro.

A doutrina dos atos inter-na corporis é questionada porvários profissionais do direitoque entendem ser importan-te a fiscalização judicial de to-do o processo de formaçãodas leis, independente se oato questionado está funda-mentado em uma norma daConstituição ou em uma nor-ma interna da Câmara ou doSenado. Seria importante,portanto, que o Tribunal in-terferisse no Poder Legislativopara garantir a lisura e a cor-reção dos seus procedimen-tos internos.

Por ora, não discutiremoso mérito dessa doutrina. Gos-

taríamos, tão-somente, demostrar que a atuação do STFneste período de crise políticatem sido, em grande medida,coerente com a posição quejá vinha adotando o Tribunal.Em outras palavras, as recla-mações de uma suposta “in-terferência indevida” por par-te do Poder Judiciário emquestões internas do PoderLegislativo parecem equivo-cadas. O que de fato ocorreufoi um aumento do númerode procedimentos disciplina-res (processos que, em geral,têm como objetivo a aplica-ção da sanção de perda demandato) e investigaçõesparlamentares (CPI´s). Emtais situações, está semprepresente a possibilidade deviolação de direitos constitu-cionais dos investigados.

Para avaliarmos melhoressa afirmação, é interessanterecorrer a alguns dos exem-plos de interferência do Su-premo nos procedimentosinternos do Poder Legislativo,todos eles associados ao con-

texto da recente crise política.Uma das primeiras ques-

tões levantadas no bojo dacrise foi acerca da correção dadecisão do ex-Presidente doSenado, Senador José Sarney,que se recusou a instalar achamada CPI dos Bingos.

O requerimento para ins-talação da CPI cumpria todosos requisitos constitucionais.Entretanto, as lideranças liga-das à base de apoio ao gover-no se recusaram a indicar osmembros para compor a CPI.O Regimento Interno da Câ-mara dos Deputados e o Regi-

mento Comum do CongressoNacional prevêem que, nessahipótese, caberia ao Presi-dente suprir a omissão dos Lí-deres. O Regimento do Sena-do, entretanto, nada dizia so-bre o assunto. Diante do im-passe, Sarney decidiu que elenão tinha competência paraindicar os membros da CPIno lugar dos Líderes. A deci-são levou os Senadores Jeffer-son Péres e Pedro Simon a re-correrem ao STF. O Tribunalordenou à Presidência do Se-nado que indicasse os mem-bros faltosos e instalasse aCPI, argumentando que asminorias parlamentares pos-suem a prerrogativa de fazerinstaurar comissões parla-mentares de inquérito, desdeque atendidas as exigênciasimpostas pela Constituição. OMinistro Celso de Mello, rela-tor do processo, afirmou ain-da que tal prerrogativa é deestatura constitucional, “afas-tado o caráter interna corpo-ris do comportamento im-pugnado”, isto é, da recusa

por parte da Presidência doSenado em indicar os mem-bros da CPI no lugar das lide-ranças partidárias.

Um outro exemplo quepode ser lembrado diz res-peito à concessão, pelo Mi-nistro Nelson Jobim, de umamedida liminar requeridapor seis deputados federaiscujos nomes foram encami-nhados à Mesa da Câmarasob acusação de prática deatos incompatíveis com odecoro parlamentar. A de-núncia veio das CPI´s emfuncionamento no Congres-so, que investigam o escân-dalo dos Correios e da com-pra de votos. O processo porquebra de decoro em face dedeputado federal pode seriniciado por partido políticocom representação no Con-gresso ou pela Mesa da Câ-mara. Em outras palavras,como a CPI não é partido po-lítico, não poderia instauraro processo diretamente, masapenas solicitar à Mesa daCâmara que o fizesse.

LEONARDO A. DE ANDRADE BARBOSA

Várias CPIs ativase processos contradeputados criamoportunidade deenfrentamento

entre Legislativo eJudiciário

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CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | DOMINGO, 5 DE FEVEREIRO DE 2006 Tribuna do Brasil - UnB - SindjusDF | 13

O problema surgiu quan-do a Mesa acolheu a denún-cia das CPIs e enviou a repre-sentação ao Conselho de Éti-ca, para que fosse instauradoo processo. É que existe umregulamento, o Ato da Mesanº 17, de 2003, que disciplinacomo a Mesa deve agir nessasituação. Segundo o regula-mento, quando a Mesa rece-be uma denúncia de quebrade decoro, o Presidente deveencaminhá-la à Corregedo-ria, para um procedimentopreliminar. Esse procedimen-to envolve a apresentação dedefesa por parte do acusado,no prazo de cinco sessões or-dinárias da Câmara. Tal nor-ma não foi observada. Inde-pendente de se tratar de meroregulamento, o Supremo en-tendeu que a desconsidera-ção do Ato da Mesa feria oprincípio constitucional dodevido processo legal, cerce-ando o direito dos investiga-dos à defesa.

O Supremo também apre-ciou, em sede de medida li-minar, questão relacionada àsituação do deputado JoséDirceu (PT-SP). Dirceu estásendo acusado por quebra dedecoro parlamentar por atosque teria praticado quandoocupava o cargo de MinistroChefe da Casa Civil, isto é, emum período no qual não esta-va no exercício do mandatode deputado. É importanteesclarecer, entretanto, que oparlamentar que ocupa cargode Ministro de Estado nãoperde o mandato, conformedetermina a Constituição. As-sim, a rigor, José Dirceu eradeputado federal no exercíciodo cargo de Ministro de Esta-do. A dúvida seria, então, seele responderia por quebrade decoro parlamentar. O re-lator do processo, MinistroSepúlveda Pertence, entendiaque não. Estando no exercíciodo cargo de ministro, Dirceuresponderia por crime de res-ponsabilidade, não por que-bra de decoro.

A posição do Ministro Per-tence, entretanto, acabouvencida por maioria (7 x 3). OA dificuldade no raciocíniode Pertence está no seguinte:para que José Dirceu fosseprocessado por crime de res-ponsabilidade, ele ainda de-veria estar no exercício docargo de Ministro de Estado.Sua tese, que acabou derrota-da, levaria à impossibilidadede responsabilização do ex-Ministro José Dirceu peloseventuais ilícitos cometidos.Novamente, temos uma dis-cussão constitucional – é aConstituição que prevê queos deputados respondem porquebra de decoro e que não

perdem o mandato quandoinvestidos no cargo de Minis-tro de Estado.

Outra questão interessanteposta ao Tribunal foi a possi-bilidade de que as CPI´s re-passassem informações sigi-losas ao Conselho de Ética eDecoro Parlamentar. No direi-to, quando uma prova produ-zida em um processo é apro-veitada em outro, dizemosque houve “empréstimo deprova”. O problema enfrenta-do pelo Tribunal pode ser re-sumido assim: (a) as CPI´stêm poderes de investigaçãode autoridade judicial, isto é,salvo algumas exceções (cha-madas de “reserva jurisdicio-nal”, atos que só podem serpraticados pelo juiz), as CPI´spodem determinar a chama-da “quebra de sigilo” de dadosdos investigados; (b) o termo“quebra de sigilo” pode levar aum engano: não é porque aCPI tem acesso a dados sigilo-sos de um investigado quequalquer outra pessoa podeconsultá-los. Na realidade, adecisão da CPI que “quebra osigilo” bancário de uma pes-soa sob investigação, simples-mente torna possível que es-ses dados possam ser consul-tados pela CPI e seus mem-bros – mas eles permanecemsigilosos (não podem, porexemplo, ser repassados à im-prensa) e é responsabilidadeda Comissão garantir que elesnão sejam irregularmente di-vulgados; (c) o sigilo de dadosé uma garantia constitucionaldo direito à intimidade.

Se é verdade que este di-reito não pode inviabilizaruma investigação profundasobre atos ilícitos, também éverdade que a transferênciade dados sigilosos de uma au-toridade para outra exige au-torização judicial. As CPI´stêm poder para conceder talautorização, mas devem fazê-lo de forma motivada, isto é,explicitando quais as razõesque a levaram a tomar a deci-são. O dever de fundamentaré, também, uma exigênciaconstitucional.

Segundo o Ministro ErosGrau, relator do Mandado deSegurança nº 25.618, o em-préstimo das provas produzi-das na CPI envolvendo dados

sigilosos do deputado JoséDirceu, não foi fundamenta-da. Em razão disso, o Ministrodeterminou que o parecerproduzido pelo relator noConselho de Ética, deputadoJúlio Delgado, fosse refeito,desconsiderando as informa-ções obtidas por meio datransferência irregular de da-dos sigilosos da CPMI para oConselho de Ética da Câmara.

Além dessas situações, to-das elas envolvendo questõesconstitucionais, o STF recen-temente reformou a decisãoda Presidência do Senado Fe-deral que declarou a perda demandato do Senador JoãoCapiberibe (PSB-AP). Nova-mente, estava em discussãonorma constitucional. O Se-nador Capiberibe e sua espo-sa, a deputada federal JaneteCapiberibe, foram condena-dos pela Justiça Eleitoral porcompra de votos na eleiçãode 2002. Quando uma deci-são da justiça eleitoral decre-ta a perda de mandato, cabe àMesa da Casa à qual pertenceo parlamentar – no caso deCapiberibe, o Senado Federal– declarar a situação. A Cons-tituição, entretanto, determi-na que a declaração de perdade mandato pela Mesa nessahipótese deve assegurar aampla defesa. O MinistroMarco Aurélio, do STF, conce-deu liminar a Capiberibe pa-ra que este retornasse ao car-go e produzisse, no exercíciodo mandato, sua defesa. Naspalavras do Ministro, “as dis-cussões travadas no Senado

Federal revelam o afastamen-to do impetrante [Capiberi-be] sem que observados osditames constitucionais, semque observada a Lei Funda-mental da República, que atodos, indistintamente, sub-mete, considerado o devidoprocesso legal”.

A crise política não tem al-terado de forma significativaa lógica das relações entre oCongresso e o STF. Entretan-to, a partir da crise, aumenta afreqüência de episódios nosquais o Tribunal desempenhaum papel importante nosprocedimentos internos daCâmara e do Senado. A inten-sificação dessa intervençãojudicial, por outro lado, ame-aça expor a grave inconsis-tência da doutrina dos atosinterna corporis.

Como explicado acima,essa doutrina sustenta que aintervenção judicial em pro-cedimentos internos do Con-gresso (Câmara ou Senado)só se justifica se ocorrer viola-ção direta da constituição, is-

to é, violação imediata deuma norma constitucional,não apenas de uma normainterna das Casas Legislati-vas. Entretanto, a violação deuma norma interna da Câma-ra, por exemplo, que dispo-nha sobre o trâmite de umprocesso disciplinar, consti-tui evidente violação do direi-to ao devido processo legal.Seria impossível, porém, par-tindo do conceito propostopela jurisprudência assenta-da nos Tribunais, configuraruma violação direta ao princí-pio do devido processo, poisele significa exatamente quetodos têm direito a um julga-mento conforme a regula-mentação legal. O descum-primento de normas procedi-mentais relacionadas à ampladefesa e ao contraditóriosempre viola diretamente oprincípio do devido processolegal. A percepção do caráterparadoxal da doutrina dosatos interna corporis, por suavez, pode levar a uma revisãomais ampla e significativa dacompreensão que o SupremoTribunal Federal tem acercade seu papel de guardião daConstituição perante atospraticados pela Câmara dosDeputados e pelo Senado Fe-deral. Tal discussão teria ocondão de apontar um novocaminho para a jurisdição doTribunal nessa matéria, pro-gressivamente mais ligado àproteção das condições pro-cedimentais em que se for-mam as decisões políticas noCongresso.

Erro da Mesa ajuda Tribunal

O Supremoentendeu que o

processo legal foiferido e o direitode defesa dosacusados foi

cerceadoA cada criseaumenta a

freqüência comque os tribunais

superioresparticipam das

discussõeslegislativas