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 Direito das Obrigações 1 DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Wanderlei de Paula Barreto: Professor da Universidade Estadual de Maringá. O ordenamento civil obrigacional brasileiro não contém normas específicas e tampouco outras adequadas para regular hipóteses do chamado adimplemento ruim ou insatisfatório e das denominadas violações positivas do contrato. As recentes nor- mas sobre a boa-fé (arts. 113 e 422 do Código Civil de 2002) e sobre o abuso de direito (art. 187 do mesmo Código, que se vale, entre outros, da boa-fé como valor paradigma para aferir o abuso de direito) introduziram fundamento legal para a admissibilidade de deveres secundários nos negócios jurídicos e nos contratos. Enquant o as obriga ções princi pais ou primá rias pressupõem violaçã o culposa para ensejar responsabilidade pela indenização, os denominados deveres anexos ou secundários consideram-se violados objetivamente. O contraente lesado pela violação de deveres secundários faz jus, independente ment e de culpa do inadimplente, à exce- ção non rite adimpleti contractus (art. 476, novo Código Civil) e à exceção por falta ou diminuição de garantia (art. 477, id.), à indenização das perdas e danos (interesses negativos e positivos) com fundamento no art. 402 do novo Código, à execução das prestações principais ou do equivalente mais perdas e danos, inclusive do interesse positivo (art. 475, id.) e à resolução do negócio/contrato, se: a) não recebeu parte substancial das prestações de obrigações principais com fulcro no art. 475; b) a pres- tação tornar-se inútil em razão da quebra de confiança, com respaldo no art. 395, parágrafo único, do mesmo Código, em analogia à hipótese de mora. DEDUÇÃO DO PROBLEMA Matéria das mais importantes e, ao mesmo tempo, tormentosas para o direi- to obrigacional é a referente ao chamado adimplemento ruim ou insatisfatório e às denominadas violações positivas do contrato. O sistema do inadimplemento – tomado o termo em seu sentido mais amplo – desdobra-se em variáveis com pressupostos, causas e conseqüências di ferenciada s, exempli gr a tia , a impossibilidade física ou obje- tiva da entrega da coisa certa (arts. 234-236, novo Código Civil), impossibilidade física subjetiva ou involuntariedade da prestação de fazer (art. 248, id.), e de não fazer (art. 250, id.), impossibilidade/involuntariedade do cumprimento de obrigação alternativa (arts. 254-256, id.), indivisíveis (art. 263, id.), solidárias (arts. 279-280 c/c 414, id.), entrega da coisa (= adimplemento parcial) com vício material oculto (arts. 441-444, id.), entrega da coisa (= adimplemento parcial) com vício de direito (evicção) (arts. 447- 455, id.), inadimplemento parcial ou relativo (mora) (arts. 394-400, id.). Grosso modo, as formas de inadimplemento acima têm em comum: a) como causa, o descumprimento de deveres (ou obrigações) chamados principais ou primários, por exemplo, o pagamento do preço e a entrega da res vendita na compra e venda; o pagamento do aluguel na locação; a confecção da obra na empreitada etc.; b) como

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Direito das Obrigaes 1

DIREITO DAS OBRIGAES Wanderlei de Paula Barreto: Professor da Universidade Estadual de Maring.

O ordenamento civil obrigacional brasileiro no contm normas especficas e tampouco outras adequadas para regular hipteses do chamado adimplemento ruim ou insatisfatrio e das denominadas violaes positivas do contrato. As recentes normas sobre a boa-f (arts. 113 e 422 do Cdigo Civil de 2002) e sobre o abuso de direito (art. 187 do mesmo Cdigo, que se vale, entre outros, da boa-f como valor paradigma para aferir o abuso de direito) introduziram fundamento legal para a admissibilidade de deveres secundrios nos negcios jurdicos e nos contratos. Enquanto as obrigaes principais ou primrias pressupem violao culposa para ensejar responsabilidade pela indenizao, os denominados deveres anexos ou secundrios consideram-se violados objetivamente. O contraente lesado pela violao de deveres secundrios faz jus, independentemente de culpa do inadimplente, exceo non rite adimpleti contractus (art. 476, novo Cdigo Civil) e exceo por falta ou diminuio de garantia (art. 477, id.), indenizao das perdas e danos (interesses negativos e positivos) com fundamento no art. 402 do novo Cdigo, execuo das prestaes principais ou do equivalente mais perdas e danos, inclusive do interesse positivo (art. 475, id.) e resoluo do negcio/contrato, se: a) no recebeu parte substancial das prestaes de obrigaes principais com fulcro no art. 475; b) a prestao tornar-se intil em razo da quebra de confiana, com respaldo no art. 395, pargrafo nico, do mesmo Cdigo, em analogia hiptese de mora. DEDUO DO PROBLEMA Matria das mais importantes e, ao mesmo tempo, tormentosas para o direito obrigacional a referente ao chamado adimplemento ruim ou insatisfatrio e s denominadas violaes positivas do contrato. O sistema do inadimplemento tomado o termo em seu sentido mais amplo desdobra-se em variveis com pressupostos, causas e conseqncias diferenciadas, exempli gratia, a impossibilidade fsica ou objetiva da entrega da coisa certa (arts. 234-236, novo Cdigo Civil), impossibilidade fsica subjetiva ou involuntariedade da prestao de fazer (art. 248, id.), e de no fazer (art. 250, id.), impossibilidade/involuntariedade do cumprimento de obrigao alternativa (arts. 254-256, id.), indivisveis (art. 263, id.), solidrias (arts. 279-280 c/c 414, id.), entrega da coisa (= adimplemento parcial) com vcio material oculto (arts. 441-444, id.), entrega da coisa (= adimplemento parcial) com vcio de direito (evico) (arts. 447455, id.), inadimplemento parcial ou relativo (mora) (arts. 394-400, id.). Grosso modo, as formas de inadimplemento acima tm em comum: a) como causa, o descumprimento de deveres (ou obrigaes) chamados principais ou primrios, por exemplo, o pagamento do preo e a entrega da res vendita na compra e venda; o pagamento do aluguel na locao; a confeco da obra na empreitada etc.; b) como

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pressuposto objetivo, a ao/absteno humana ou a imprestabilidade da prestao, c) como pressuposto subjetivo, a culpa do devedor (com exceo da regra do art. 443 do Cdigo de 2002 sobre vcio redibitrio, que prev hiptese de responsabilidade objetiva). Parte da doutrina verbera a insuficincia dessas regras para dar soluo pletora de hipteses e nuanas que podem e que soem ocorrer no trfico jurdico cada vez mais complexo.

JUSTIFICATIVA Argumentam os doutrinadores que, se o prprio legislador no logrou estabelecer normas completas e claras sobre o inadimplemento, muito menos descem a mincias e casusmos os contratantes. Na praxe do comrcio jurdico, so recorrentes os casos nos quais, por falta de norma direta e mngua de clusula negocial expressa, a prestao, apesar de causar dano ao credor, deve ser dada como regular, legal ou contratualmente efetuada. Vale dizer: conquanto tenha infligido dano ao credor a maneira pela qual a obrigao foi cumprida, no houve, a rigor, ofensa lei ou ao contrato. Caracteriza os deveres/obrigaes principais ou primrias, entre outros traos, o fato de emanarem, expressa ou tacitamente, diretamente da norma legal ou convencional (contrato). Numerosos so os exemplos citados pela doutrina: o do devedor que tem de pagar, no cais, ao credor que vai embarcar e efetua o pagamento em notas ou moedas de mnimo valor, ou paga porta do banco, como se avenara, mas no momento em que se fechava a porta1; o do reparador de telhados que, aps haver concludo o trabalho satisfatoriamente, isto , em conformidade com o pactuado, acendeu um cigarro antes de descer e jogou o fsforo aceso, causando incndio do madeiramento do telhado2; o do mdico que diagnostica, com exao, a doena do paciente, administrando-lhe, porm, dentre vrios tratamentos disponveis, o mais penoso e prolongado3; o do comerciante que convenciona com agncia de publicidade a confeco de anncio luminoso do seu produto, o qual confeccionado segundo a prescrio do contrato, contudo instalado em local de pouco trnsito de pedestres, silente o contrato a respeito de indicao do local onde deveria ser exposto o reclame.4 Em todos os exemplos antes descritos, os chamados deveres (ou obrigaes) principais ou primrios foram cumpridos de acordo com o estipulado. No se pode cogitar, portanto, de inadimplemento daqueles deveres ou obrigaes. Contudo tampouco se pode ignorar que a maneira pela qual foram cumpridos imps danos aos

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MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, 3 ed., Rio: Borsoi, 1970, tomo II, p. 242. LARENZ, Karl, Lehrbuch des Schuldrechts. 11. Auf., Mnchen: C.H. Beck, 1976, Bd. I, p. 296-297. ASSIS, Araken de. Resoluo do contrato por inadimplemento, 3 ed., SP: RT, 1999, p. 113. SILVA, Clvis do Couto e. A obrigao como processo. SP: Jos Bushatsky, 1976, p. 40.

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credores: o que recebeu a prestao pecuniria em cdulas/moedas de valor mnimo, gerando um grande volume, momentos antes do embarque ou do fechamento das portas do banco arcou com o transtorno do transporte, da guarda e do risco de manter em seu poder o numerrio; o dono da obra de reparao do telhado recebeu, verdade, a prestao devida, porm experimentou o dano (incndio do madeiramento) decorrente da violao de outros deveres; o paciente recebeu o tratamento eficaz, todavia foi penalizado com sofrimento e demora desnecessrios; finalmente, o comerciante recebeu a prestao que constava no contrato o anncio luminoso fora confeccionado satisfatoriamente , absorveu, entretanto, o prejuzo do inexpressivo resultado nas vendas. Hermann Staub, em 1902, denominou violaes positivas do contrato essas expresses do inadimplemento. Karl Larenz, em 1953, alargou a denominao para violaes positivas do crdito (ou pretenso), por entender que sua aplicao extrapola o mbito dos contratos. Pontes de Miranda sugere extenso ainda maior: violaes positivas do negcio jurdico e atos jurdicos stricto sensu.5 Com o devido respeito aos crticos que censuram a denominao, pareceme, todavia, que o adjetivo positivas, na expresso criada por Staub no se refere forma de inadimplemento, se por ao ou omisso (at porque essa classificao refere-se, normalmente, ao inadimplemento de deveres/obrigaes principais ou primrias), mas sim ao fato de e a a novidade , mesmo havendo cumprimento contratual positivado, pode ocorrer violao aos legtimos interesses do credor. Violao, com (apesar do) cumprimento, pois. O que justificaria, ento, fossem considerados violados os direitos/interesses do credor diante do cumprimento regular (dos deveres/obrigaes principais ou primrias) do contrato? O sistema de obrigaes, no geral, e o do inadimplemento, em particular, esto organizados, em nosso Cdigo Civil, a partir das obrigaes principais ou primrias e estas, por sua vez, revelam como critrio de regulao o primado da culpa. Modernamente, como reao a essa concepo, construiu-se a teoria dos deveres laterais, paralelos, anexos, instrumentais, acessrios ou secundrios (que no se confundem com obrigaes acessrias: p. ex., clusula penal, juros etc.). Ao lado dos deveres/obrigaes principais ou primrios, incumbem s partes contratantes deveres laterais ou secundrios recprocos de cumprir o contrato cuidadosamente, diligentemente, de adotar conduta em conformidade com o contrato ou com a sua funo ou finalidade (vertragsgerechtes verhalten). Reportando-se ao exemplo do reparador de telhados, Heinrich Stoll identifica um dever de proteo fundamentado na relao de confiana derivada do contrato e compatvel com ele.6 Entre os deveres de proteo tpicos dos contratos constam o dever do locatrio e do comodatrio de custdia da

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Ob. e loc. cits., p. 532, referncia bibliogrfica n 883. Apud LARENZ, Karl, ob. cit., p. 297.

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coisa; os deveres de informao e de considerao, de respeito e cooperao leal, especialmente em relaes de prestaes peridicas; deveres preparatrios ou prcontratuais; dever de sigilo. O sistema dos deveres secundrios foi concebido originariamente como mais um sistema aberto, caracterstico dos sculos XIX e XX, que priorizou os standards jurdicos, as chamadas normas em branco talhadas para ser preenchidas pelo denominado direito de juzes (judge law, Richterrecht), do qual exemplo primoroso o BGB. Controvertido , igualmente, o fundamento dos deveres secundrios, estribando-se, para uns, na confiana legitimamente nutrida pelo lesado; para outros, na prpria funo ou finalidade do contrato; para outros ainda, no princpio ou proposio normativa da boa-f e, finalmente, para uma quarta corrente, na teoria do abuso de direito, sendo as mais representativas a penltima e a ltima tendncia. Como se advertiu acima, as obrigaes principais ou primrias ostentam no Cdigo Civil o critrio da culpa como diretriz de regulao dos efeitos do seu inadimplemento. Com a adoo do princpio da boa-f objetiva como fundamento ou categoria catalisadora dos deveres secundrios, enceta-se importante passo para a superao da lacuna existente no ordenamento civil referentemente s chamadas violaes positivas do contrato ou do crdito e se extremam mais claramente as hipteses de mora de carter subjetivo-culposo e as de violaes positivas do contrato/crdito ou de adimplemento ruim ou no satisfatrio, que prescindem do elemento culpa. Reconhecem a existncia de lacuna em relao regulao dos deveres secundrios o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jnior 7 e o Prof. Antonio Junqueira de Azevedo.8 Resta analisar como a colmatao dessa lacuna pode e deve ser atingida. Pode-se partir da constatao da existncia de preceito normativo para incorporar o princpio da boa-f no ordenamento positivo civil, a saber, os arts. 113, 187 e 422 do novo Cdigo. Cabe indagar, inicialmente, se os citados dispositivos configuram normas autnomas e cogentes. Quanto primeira caracterstica, a cogncia, no h dvidas de que, em se tratando do princpio da boa-f como conceito nuclear, fundamental ou essencial, relacionado com valores ticos que se manifesta como mxima objetiva que determina aumento de deveres, alm daqueles que a conveno explicitamente constitui 9, no pode ser reduzido a norma dispositiva, sujeitando-se a uma auto-regulao ditada pelas convenincias particulares dos contratantes. Atente-se, alis, para a advertncia de Larenz 10 de que nem mesmo o juiz desfruta de arbtrio subjetivo na aplicao do princpio da boa-f. Quanto autonomia, parece evidente que as citadas normas no comportam uma aplicao isolada exauriente, auto-suficiente, da soluo buscada, as normas so-

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Extino dos contratos por incumprimento do devedor. Rio: AIDE, 1991, p. 126. Insuficincias, deficincias e desatualizao do Projeto de Cdigo Civil na questo da boa-f objetiva nos contratos. In Revista Trimestral de Direito Civil. Rio, jan/mar 2000, v. 1, p. 8. 9 SILVA, Clvis do Couto e. ob. cit., p. 16 e 29. 10 Ob. cit., p. 100.

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bre a boa-f so normas de conexo, porquanto apenas definem comportamentos, mas no estabelecem os efeitos, as conseqncias da sua violao. As normas sobre a boa-f so normas de conexo.11 SOLUO PROPOSTA Na seqncia, cumpre averiguar, luz do sistema do direito do inadimplemento, quais alternativas de tutela, quais pretenses podem ser deferidas ao contratante lesado por conta do dano sofrido e com fundamento em quais normas do sistema ou se em normas de lege ferenda. Afigura-se no haver dificuldade em reconhecer pretenso a perdas e danos, a priori, quer dos chamados interesses negativos (vertrauensinteresse), fundados na confiana na eficcia do negcio; o que o prejudicado despendeu com a feitura do negcio, as exigncias fiscais, o dano emergente com a preparao do adimplemento da contraprestao e o que perdeu com o desperdcio da oportunidade de outro negcio; no cabe a reposio do ganho que teria o ofendido com a eficcia do negcio jurdico ineficaz em questo12; este ltimo corresponde aos denominados interesses positivos (vertragserfllungsinteresse), quer dos ditos interesses positivos.13 O fundamento legal da pretenso de lege lata o prprio art. 402 do Cdigo Civil de 2002, que comporta tanto os interesses negativos quanto os positivos. Socorrem parte lesada a exceo non adimpleti contractus tratando-se do adimplemento ruim e das violaes positivas do contrato de inadimplemento parcial ou relativo, a exceo, a rigor, a non rite adimpleti contractus (art. 476, id.) e a exceo por falta ou diminuio de garantia (art. 477, id.) com a dispensa do requisito da culpa. Pretenso resoluo do contrato entendo que somente h de ser reconhecida nas hipteses em que a parte lesada ou no recebeu parte substancial da prestao (substantial performance), com fundamento no art. 475 do Cdigo Civil considerando-se a violao positiva do contrato por descumprimento de deveres secundrios situao anloga do inadimplemento parcial substancial de prestaes de obrigaes principais ou devido quebra da confiana, decorrente da violao de deveres de lealdade, a manuteno do contrato j no guarda, objetivamente, qualquer interesse para o lesado; o fundamento legal pode ser o art. 395, pargrafo nico, do Cdigo Civil.

11 O preceito do art. 421 do projeto tem o mrito de atuar como a lei de conexo, para permitir jurisprudncia a reunio, a sistematizao e o desenvolvimento das vrias hipteses de conduta contratual. MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um sistema em construo as clusulas gerais no Projeto do Cdigo Civil Brasileiro. In RT 753, julho de 1998. P. 24(47)48. 12 Escapam s duas classes os danos derivados da mora, no os que se originam de violaes positivas do contrato, grifou-se. MIRANDA, F.C.P. de. Ob. cit., Tomo XXVI, p. 25; cp. tb. tomo IV, p. 83 ss., 255. 13 Exemplo representativo de interesses negativos ministrado pelo Professor Antonio Junqueira de Azevedo ob. cit., p. 5 envolvendo plantadores de tomate no Rio Grande do Sul e a Cia. Cica, que, aps haver criado legtimas expectativas, distribuindo sementes para que plantassem, recusou-se a comprar suas safras.

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Ampliando-se o mbito de aplicao da violao aos deveres secundrios derivados do princpio-norma da boa-f para abranger tambm as hipteses de ruptura das tratativas, de ser reconhecida parte lesada pretenso execuo das prestaes principais ou, no sendo possvel execuo in natura, pretenso ao equivalente mais as perdas e danos, inclusive do interesse positivo, com fundamento no art. 475. Urge lembrar que, nas solues acima propugnadas, aplicam-se analogicamente normas do Cdigo Civil orientadas no critrio da culpa; dispensa-se, todavia, a sua verificao na anlise da hiptese ftica da violao a deveres secundrios que compem o princpio-norma da boa-f, porquanto objetiva a responsabilidade nela fundada. 14

14 Por este modelo objetivo de conduta, levam-se em considerao os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, no se admitindo uma aplicao mecnica do standard, de tipo meramente subsuntivo, o que vem a significar que, na concreo da boa-f objetiva, deve o intrprete desprender-se da pesquisa da intencionalidade da parte, de nada importando, para a sua aplicao, a sua conscincia individual no sentido de no estar lesionando direito de outrem ou violando regra jurdica. O que importa a considerao de um padro objetivo de conduta, verificvel em certo tempo, em certo meio social ou profissional e em certo momento histrico. MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 42.

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Arts. 234, 240 e 374 Renan Lotuffo: Professor da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

Art. 234: O presente dispositivo disciplina a responsabilidade pela coisa certa no perodo antecedente ao momento do adimplemento e enseja, no dizer de Clvis, a distino entre o jus in re e o jus ad rem. Portanto no so hipteses comuns decorrentes do inadimplemento da obrigao principal ou da mora, mas de impossibilidade de cumprimento sem culpa e o futuro e certo inadimplemento, em razo de, no perodo antecedente ao fixado para o adimplemento, ter ocorrido a perda ou a inservibilidade da coisa certa por culpa do devedor.

JUSTIFICATIVA H que se lembrar que a impossibilidade da obrigao torna-a resolvida se, ao ser criada ou ser executada a prestao, havia impossibilidade fsica ou jurdica, pois, no existindo o objeto da prestao, impossvel o cumprimento desta. Temos, pois, que nasce uma obrigao e que, antes do momento do adimplemento, perde-se a coisa, ou deteriora-se de tal forma que fica inservvel para os fins a que se destinava e, por ser coisa certa, no pode ser substituda por outra. Duas hipteses so tratadas no presente dispositivo, ou seja, a impossibilidade por causas inimputveis ao devedor, extinguindo a relao, e a impossibilidade decorrente do comportamento culposo do devedor na guarda da coisa para que no momento oportuno pudesse ser transmitida ao credor. Fica claro aqui o sentido de se falar em obrigao complexa, isto , aquela em que, alm de um ncleo (a prestao) bem definido como principal, outros deveres obrigacionais surgem antes do momento do adimplemento, como podem existir deveres posteriores. Cumpre, pois, lembrar a ligao de Karl Larenz quanto obrigao como complexa, ou um processo: Hemos examinado los elementos esenciales la relacin de obligacin: el deber de prestacin y los deberes de conducta; el crdito como derecho a la prestacin y la posibilidad de realizarlo por va jurdica, as como la garanta del acreedor a virtud de la responsabilidad patrimonial general del deudor normalmente conectada a la deuda. Pasaremos, pues, ahora a estudiar la relacion de obligacin como un todo. Bajo este concepto entendemos la relacin de obligacin no slo como lo hace la ley (p. ej., en el 362), es decir, como la relacin de prestacin aislada (crdito y deber de prestacin) (*), sino como la realacin jurdica total (p. ej.: relacin de compraventa, de arrendamiento, de trabajo) fundamentada por un hecho determinado (p. ej.: ese contrato concreto de compraventa, de arrendamiento o de trabajo) y que configura como una ralacin jurdica especial entre las partes.

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En este sentido la relacin de obligacin comprender una serie de deberes de prestacin y conducta, y adems de ellos puede contener para una u outra de las partes derechos de formacin (p. ej.: un derecho de denuncia o un derecho de opcin) u otras situaciones jurdicas (p. ej., competencia para recibir una denuncia). Es, pues, un conjunto no de hechos o de acontecimiento del mundo exterior perceptibles por los sentido, sino de consecuencias jurdicases decir, de aquellas relaciones y situaciones que corresponden al mundo de la validez objetiva del orden jurdico - pg. 37. No caso presente, tem-se claro que o descumprimento do dever de guarda da coisa implica responsabilizao do devedor. Tradicionalmente se refere hiptese de que a coisa perece para o dono, res perit domino, porque at ento a coisa est no seu patrimnio; no h para o credor, ainda, o jus in re, direito sobre a coisa, mas s o jus ad rem, o direito de vir a ter a coisa. Na obrigao de dar coisa certa, a transmisso da propriedade somente ocorre com a tradio, pelo que, antes desse evento, a coisa continua na propriedade do devedor. O mesmo raciocnio aplicvel quando a eficcia do negcio sujeita condio suspensiva (art. 125), pois, enquanto esta no se verificar, no ocorrer a aquisio do direito correspondente. Dessa maneira, o devedor dever conservar a integridade da coisa para possibilitar o cumprimento da obrigao. Entretanto, a coisa pode perder-se antes da efetiva tradio ou quando pendente condio suspensiva. A perda da coisa ocorre quando ela deixa de existir, quando perece perdendo as suas qualidades essenciais ou o seu valor econmico. Assim, perdida a coisa, deve-se determinar se houve ou no o descumprimento do dever de mant-la ntegra para a satisfao do crdito. Se a perda decorreu de caso fortuito ou fora maior, portanto sem culpa do devedor, a obrigao ficar resolvida para ambas as partes, pois inexiste qualquer nexo causal entre o ato do devedor e a perda. S que o prejuzo pela perda da coisa no pode ser levado ao credor, porque aquela se deu de bem de propriedade do devedor. Como j se disse, decorre da aplicao da regra res perit domino, em que o devedor o proprietrio da coisa antes ou do implemento da condio suspensiva ou do termo ajustado para a tradio, arcando, como titular do domnio, se ocorre o seu perecimento. Nessa hiptese a obrigao resolvida, no devendo subsistir qualquer obrigao para as partes, restaurando-se o status quo ante. Em razo disso, se o devedor tiver recebido alguma quantia do credor, ou seja, se o preo havia sido pago total ou parcialmente, de forma antecipada, o devedor estar obrigado a restituir ao credor a quantia recebida, sob pena de seu enriquecimento sem causa (art. 884), uma vez que esse recebimento antecipado, embora tivesse uma justa causa quando efetuado, tornou-se injusto, pois a causa para o pagamento deixou de existir quando a obrigao foi resolvida, surgindo, por fora do art. 885, a obrigao de restituir. Por outro lado, se a perda da coisa decorrer de culpa do devedor, este responder pelo valor equivalente coisa certa e mais perdas e danos decorrentes de no-cumprimento do dever anterior obrigao principal com sua atividade culposa, que impede a satisfao do crdito por sua culpa. Essa obrigao decorre da falta de

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diligncia do devedor na conservao da coisa, que no permite sua entrega certa ao credor. Por conseguinte, em razo do inadimplemento na conservao da coisa, a lei estabelece a responsabilidade do devedor pelo pagamento do seu valor acrescido de perdas e danos, envolvendo o que o credor efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar (art. 402) em decorrncia do no-cumprimento da obrigao de dar coisa certa. a decorrncia de se entender a obrigao como um processo, visto que vai ser alcanado seu fim mediante indenizao. Como bem se v ainda em Karl Larenz, p. 39: Ahora bien, por el hecho mismo de que en toda ralacin de obligacin late el fin de la satisfaccin del inters en la prestacin del acreedor, puede y debe considerarse la relacin de obligacin como un proceso. Est desde un principio encaminada a alcanzar un fin determinado y a extinguirse con la obtencin de ese fin. Y precisamente la obtencin del fin puede exigir alguna modificacin; as acontece cuando la prestacin debida se haya hecho imposible, pero el inters del deudor en la prestacin pueda ser satisfecho de otra forma, mediante indemnizacin. La satisfaccin del acreedor se produce normalmente mediante cumplimiento del deber de prestacin; pero puede producirse de otra forma, p. ej., mediante compensacin (de modo que el acreedor compensado extingue una deuda propia) o mediante prestacin subsidiaria consentida por el acreedor. La relacin de obligacin como un todo se extingue cuando su fn haya sido alcanzado totalmente, es decir, cuando el acreedor (o todo el que participa como acreedor) haya sido totalmente satisfecho en su inters en la prestacin. No mesmo sentido de se entender a obrigao, veja-se Clvis do Couto e Silva em sua obra A Obrigao como Processo. Art. 240: Como a obrigao de restituir a principal no processo ou complexo da obrigao, envolve, para o devedor, o dever de conservao da coisa, porque o credor e proprietrio tem o direito de receb-la no mesmo estado em que a entregou. Se, porm, antes da tradio, a coisa deteriorar-se, ter-se- que apurar a conduta do devedor, para se verificar se pode ou no ocorrer a imputao da responsabilidade.

JUSTIFICATIVA Se a coisa objeto da restituio deteriorar-se sem culpa do devedor, como o caso fortuito ou a fora maior, o credor receb-la- no estado em que se encontrar, sem direito a qualquer indenizao, pois o risco de deteriorao, nessa situao, corre para o dono em decorrncia da regra res perit domino. Reiteramos, lembrando a posio de Ragner Limongelli Vianna, pp. 36/38 de sua tese de mestrado, com apoio nas lies de Agostinho Alvim e de Giovanna Visintini, que, ocorrendo caso fortuito ou fora maior, a impossibilidade de cumprir a prestao devida no pode ser imputada ao devedor, j que no h nexo causal entre o comportamento da parte e o inadimplemento;

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este se d por causa do evento, logo inadmissvel a imputao. Alis, o Cdigo Civil italiano adota formulao de cunho mais cientfico, ao expressamente referir-se s causas no-imputveis de responsabilidade em seu art. 1.218, do que a nossa formulao no atual art. 393, equivalente ao antigo 1.058, o qual mantm a mesma noo de que caso fortuito e fora maior so excludentes de responsabilidade, como se primeiro houvesse a tipificao desta e posteriormente ocorresse a excluso, e no especificamente a no-incidncia da hiptese por ausncia do nexo de causa. Para que no paire dvida, transcrevemos trechos especficos da ilustre professora italiana, na sua obra j traduzida para o espanhol, Tratado de la Responsabilidad Civil, v. II, Buenos Aires: Editorial Astrea. 1999, pp. 286 e 375: En otras palabras, los perjucios respecto de los cuales se plantea el problema para fijar un lmite al resarcimiento son consecuencias del incumplimiento o del hecho ilcito. Por lo tanto, la investigacin realizada para comprobar un nexo de causalidad natura o de hecho, entre el dao resarcible y el hecho que es fuente de la responsabilidad, es preliminar o anterior a la indagacin relativa a la delimitacin de las consecuencias daosas resarcbles (la causalidad jurdica) (p.286). Adems, conforme aparece en los usos jurisprudenciales, la nocin de caso fortuto es muy ampla y comprende todo hecho idneo para interrumpir la relacin de causalidad entre la cosa y el dao, absolutamente imprevisible y no controlable por parte del guardin (p.375). No entanto, se a coisa for deteriorada por culpa do devedor, o Cdigo determina a aplicao da regra do art. 239, qual seja, responder o credor pelo valor equivalente em dinheiro, acrescido de perdas e danos. Nesse ponto, o Cdigo diferencia-se do Cdigo de 1916, pois, nessa situao (culpa do devedor), o credor tinha a possibilidade de aplicar o disposto no art. 867 daquele cdigo, isto , exigir o equivalente mais perdas e danos ou, alternativamente, aceitar a coisa no estado em que se achava, mais perdas e danos. Deve-se entender que a remisso feita ao art. 239, que especfico para o caso de perda total da coisa, feita quanto sua disposio final, ou seja, que determina a responsabilidade pelas perdas e danos. Evidentemente, pela prpria natureza da hiptese deteriorao e no perda , a obrigao alternativa resultante da regra do Cdigo de 1916 no foi extinta pela nova formulao, isto , na deteriorao culposa, poder o credor aceitar a restituio da coisa deteriorada no estado em que se encontrar, alm do direito reparao pelas perdas e danos. A lei confere autonomia pessoa para que possa dar o destino que lhe aprouver aos seus bens, de tal sorte que o credor est apto a receber a coisa que, segundo seu prprio juzo, poder ser-lhe til. Recebendo-a, tem pleno direito de pleitear perdas e danos. Aplica-se aqui, por absoluta simetria, a orientao do art. 236. Ademais, no poder o credor cumular o recebimento da coisa, mesmo deteriorada, com o do valor equivalente, visto que excludentes uma da outra. A razoabilidade dita a regra de que poder optar por uma ou outra alternativa, acrescida, em qualquer caso, de perdas e danos.

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Art. 374: Este artigo inova profundamente o que se tinha no art. 1.017 do Cdigo de 1916, que estipulava a insuscetibilidade de compensao que no fosse prevista em lei especial.

JUSTIFICATIVA Tal fora, tambm, a orientao da comisso elaboradora do anteprojeto, mantida no projeto e aprovada na Cmara e no Senado, de onde saiu com a seguinte redao e o nmero 373: A matria de compensao, no que concerne s dvidas fiscais, regida pela legislao especial a esse respeito. H que se lembrar que Cmara, pela Constituio, cabia, to-somente, a apreciao das emendas oferecidas pelo Senado, o qual s havia alterado a redao do dispositivo para incluir esse como penltima palavra do perodo, visto que o texto aprovado pela Cmara foi o original da Comisso e tinha o n 374: A matria de compensao, no que concerne s dvidas fiscais, regida pela legislao especial a respeito. Porm, na redao final, veio a ser dada a presente formulao, que vai contra a posio estratificada do crdito fiscal. A inovao ocorreu por emenda de redao do relator na Cmara na tramitao da redao final do projeto, com apoio em texto de Gabriel Lacerda Troianelli, em Compensao do Indbito Tributrio, So Paulo: Editora Dialtica. 1998, pp. 48 a 52. Curioso que no tenha havido consulta ao direito estrangeiro nem obra monogrfica de Euclides Mesquita, op. cit. pp. 124/125, que desde h muito j dizia: A disposio do 395 do BGB confirma o princpio universalmente reconhecido. Revela que a separao dos crditos tributrios dos crditos patrimoniais ou contratos more civili do Estado, em matria de compensao, j de aceitao universal e inscrito em todas as legislaes contemporneas. O que se denominou de emenda de redao teria de estar dentro do que ficou estipulado na Resoluo n 1, de 2000-CN, de 28 de janeiro de 2.000, que deu a seguinte redao ao art. 139-A, no 1, da Resoluo n 1, de 1970-CN: 1 O relator do projeto na Casa em que se finalizar a sua tramitao no Congresso Nacional, antes de apresentar perante a Comisso respectiva seu parecer, encaminhar ao Presidente da Casa relatrio apontando as alteraes necessrias para atualizar o texto do projeto em face das alteraes legais aprovadas durante o curso de sua tramitao. Os demais pargrafos se referem ao trmite desse parecer para a retomada da fase final, o que se deu com a inrcia da Comisso de Constituio e Justia do Senado, que j no contava mais com a presena do senador Josaphat Marinho. flagrante que o relator cometeu alterao intencional do contedo, o que no lhe era dado fazer, adulterando de vedao do regime privado da compensao, para aplicao compulsria quanto dvida fiscal. Em primeiro lugar, h que se duvidar da constitucionalidade do artigo, pois o que a se tem nunca foi emenda de redao, mas sim substancial adulterao do que no era mais suscetvel de ser modificado, pois, como matria de deciso poltica, j

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fora aprovado por ambas as casas do Congresso. No h dvida de que a ns, como contribuintes, agradaria, e muito, ficasse a compensao do indbito tributrio imediata e permanentemente submetida ao regime geral do Direito Privado. Todavia, para que se chegue a tanto, ser mediante legal e legtimo processo legislativo, disciplinado pela Constituio Federal, arts. 61 a 69, no mediante usurpao do poder legislativo pelo uso indevido de funo formal atribuda restritamente. O problema maior que se ter ser o texto constante da lei o que se v acima, porquanto ele, efetivamente, cria um conflito de normas bastante grave, pois, a partir das competncias, tem-se distino constitucional. O direito civil est na previso da competncia privativa da Unio, art. 22, 1. A legislao tributria, econmica e financeira de competncia concorrente, do art. 24, 1, mas reservada Unio a edio de normas gerais, l. O art. 146, III, b, impe que lei complementar discipline normas gerais sobre obrigao, lanamento e crdito tributrio. Da a observao aguda de Estevo Horvath, em artigo constante do 3 volume de Problemas de Processo Judicial Tributrio, p. 170: O que se viu at aqui talvez possa servir como prova de que a lei complementar em matria tributria teve seu campo de atuao ampliado pela Constituio de 1.988, dada a incluso expressa, no seu texto, de matrias sobre as quais parte da doutrina duvidava devessem ser objeto de serem tratadas com normas gerais. Muito antes da promulgao da atual constituio, passou a integrar o sistema nacional o denominado Cdigo Tributrio Nacional, Lei n 5.172/66, lei nacional no dizer de Aliomar Baleeiro, e no meramente federal, pois veiculado por lei complementar, cujo art. 170 dispe sobre a compensao como forma de extino do crdito tributrio, cabendo lei ordinria fixar as respectivas condies. A Lei n. 8.383/91 veio a fix-las. Logo no se pode admitir a genrica argumentao trazida na fundamentao, quando at pela mesma editora sobrevieram o 3 e o 4 volume de Problemas de Processo Judicial Tributrio, com artigos especficos sobre a compensao tributria, como os de Andrade Martins e Eliana Maria Barbieri Beriachini, no 3, de 1999, e de Erik Frederico Gramstrup e Hugo Brito Machado, no 4, de 2000, sem falar que os tribunais superiores jamais acenaram com a inconstitucionalidade dos dispositivos e leis referidas. At que o presente artigo seja apreciado judicialmente quanto a sua validade no sistema, surgiro grandes problemas, mesmo porque, at o momento, desconhecemos qualquer medida tendente declarao de inconstitucionalidade ou de simples ilegalidade do dispositivo que no fruto dos poderes competentes, segundo o processo constitucional de legislar. Pode-se imaginar a proliferao de lides tributrias to logo inicie a vigncia do Cdigo, pois, quanto a esse dispositivo, no se conhece, nem no projeto do relator de alterao de dispositivos, qualquer previso de correo. Curioso que, com a supervenincia da Lei n 8.383/91, o artigo na redao original podia at ser suprimido, porquanto, existente lei expressa regulando a compensao tributria, descabia ao Cdigo Civil referir-se matria estranha a sua competncia.

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Nem a invocao do art. 110 do CTN, que veda a alterao, a definio, o contedo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituio Federal, para definir ou limitar competncias tributrias. A formulao do art. 146, III, b, explicita a competncia sobre os institutos bsicos e fundamentais do Direito Tributrio, sendo certo que a obrigao reconhecida como instituto do Direito, e no s do Direito Civil, como de h muito j referia Mario Alara. Art. 381: A confuso, como fica claro do dispositivo, se d quando numa mesma pessoa se renam definitivamente as posies de credor e devedor. uma figura que obteve denominao variada.

JUSTIFICATIVA Assim, v-se sob a denominao de confuso, de unio (Enneccerus, Kipp e Wolff, op. cit. p. 376), de reunio (Bianca, op. cit., p. 515), de consolidao (Giorgi, op. cit., p. 158), mas em compensao, como diz Giorgi: En la teoria de las obligaciones la palabra confusin tiene un significado tan determinado y preciso, que cualquiera aclaracin seria superflua. Bianca esclarece que no se deve entender como sendo fruto da coexistncia de tais posies, mas a modificao sucessria pela qual o devedor sucede na posio do credor, o credor sucede na do devedor, ou um terceiro sucede na posio de ambos. Curiosamente, Giorgi refere-se a uma hiptese que diz ser suscitada por escritores, que no identifica, que a reunio de vrios crditos e de vrias dvidas em uma s pessoa, o que mal pode figurar entre as causas de extino, pois mais um acmulo de obrigaes do que extino, mas seria denominada de confuso acumulativa. Os romanos fixaram que no era a dvida que se extinguia, mas que o credor no podia agir contra si mesmo como devedor, no brocardo que Carvalho Santos reputou notvel: Confusio eximit personam ad obligatione, patius quam extinquit obrigationem. Ainda que tivessem partido do direito romano, os franceses neste ponto acabaram redigindo de forma confusa o art. 1.300 de seu cdigo, como se pode ver: Quando as qualidades de credor e devedor se reunirem na mesma pessoa, far-se- uma confuso de direito que extinguir os dois crditos. Henri De Page, op. cit., vol. III, p. 681, faz crtica a essa redao, porque a extino de dois crditos um pelo outro implica a compensao, no a confuso. Giorgi fazia crtica, tambm, redao dos arts. 1.296 e 1.297 do Cdigo Civil italiano de 1865, porque baseado no francs, dizendo: La confusin segn ese artculo, extinguira la deuda y el crdito; de donde, tomando a la letra lo que dice podra creerse que la confusin, de igual modo que la

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compensacin, extingue dos obligaciones a un mismo tiempo. O instituto da confuso sempre foi saudado como uma forma de extino das obrigaes, elaborado com tal lgica que no se refere a qualquer exceo. Na doutrina mais recente, tal afirmao no unnime, como se v de Pietro Perlingieri, op. cit., p. 53 e seguintes. Diz o mestre de Camerino que: At poucos anos atrs este instituto era considerado como resultado de regras lgicas absolutas, hoje o estudo mais atento tem contribudo para demonstrar a inconsistncia daquelas concepes da relao diante da crtica. Afirma-se reiteradamente que inconcebvel a existncia de uma relao obrigatria quando as duas situaes jurdicas contrapostas, a creditria e a debitria, confluem no mesmo sujeito; e se sustenta a impossibilidade lgica no somente de constituir uma relao jurdica obrigatria com um nico sujeito, mas tambm de fazer sobreviver uma relao obrigatria na qual a duas situaes jurdicas contrapostas, creditria e debitria, confluram no mesmo sujeito. Mas esta regra lgica fica desmentida em muitas hipteses, nas quais, por exemplo, o legislador configura, talvez por interesse especfico, uma relao com um nico sujeito. Assim a regra relativa e no absoluta a que consente excluir que a relao tenha que ser entre sujeitos. Cita hiptese existente no direito alemo, de hipoteca em favor de si prprio, figura inexistente no direito italiano, mas no se pode negar que aquela figura estabelece relao entre situaes subjetivas, ainda que sendo unissubjetiva. No fica nessa nica e estranha exceo especfica, pois afirma que logicamente no se pode excluir a possibilidade de constituir uma relao com um nico sujeito, porque no uma necessidade lgica a dualidade de sujeitos na constituio da relao jurdica, mas sim a existncia de normas positivas que no admitem a possibilidade jurdica. Mas, aps o nascimento da relao, diz ser possvel, no ordenamento italiano, sustentar que o dogma da dualidade seja desrespeitado. Dentre os casos em que a partir da diversidade se pode chegar unissubjetividade, traz a aceitao da herana com o benefcio de inventrio, prevista no art. 490 do Cdigo Civile. Diz que o efeito do benefcio de inventrio consiste em ser o patrimnio do defunto distinto do patrimnio do herdeiro. Mas fica clara a possibilidade de conflurem no mesmo sujeito as duas qualidades, a de credor e a de devedor em razo da mesma relao. Porm, para essa confluncia, o legislador no impe a confuso, prevista no art. 1.253 do Cd. Civile. Assim, com a aceitao com benefcio de inventrio permanecem distintos os dois patrimnios e remanescem vivas as respectivas situaes subjetivas patrimoniais, debitria e creditria, ambas com as garantias pessoais ou reais. Outra hiptese que o mestre traz a do ttulo ordem posto em circulao no vencido que volta ao emitente. Afirma que a lei cambiria italiana, art. 15, 3, prev expressamente que no se extingue a obrigao, pois continua a existir a possibilidade de o sujeito recolocar o ttulo em circulao. Assim, a regra do art. 1.253 no uma regra absoluta, sem exceo, mas sim um valor, um interesse do ordenamento de no manter em vida relaes jurdicas

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que no representem interesses contrapostos, que possam gerar interesse jurdico merecedor de tutela por parte do prprio ordenamento. Conclui dizendo que o instituto da confuso responde no a razes exclusivamente mecnicas ou de estrutura, mas a uma valorao teleolgica, funcional da relao jurdica. Tal valorao no se limita aos interesses dos sujeitos protagonistas, titulares de duas situaes jurdicas coligadas ou contrapostas, mas so interesses que devem estender-se necessariamente aos terceiros qualificados, aos interesses gerais relevantes da coletividade jurdica. As concluses de Perlingieri parecem ter sido emitidas em conformidade com os princpios que inspiraram o legislador do nosso cdigo atual. No moderno direito italiano, essa posio no nica, pois Bianca acompanha, em grande parte, at a exemplificao fornecida por Perilingieri, como se v s pginas 521 e 522, devendo-se, ainda, salientar que Salvatore Pugliatti desenvolveu toda uma obra sobre A Relao Jurdica Unissubjetiva. Poder-se- dizer que as referncias so oriundas de direito estrangeiro, sem qualquer aplicao no mbito do nosso sistema. No bem assim. Se verdade que, tal como os italianos, no temos a estranha figura da hipoteca em favor de si prprio, o benefcio de inventrio figura do nosso Direito positivo. Itabaiana de Oliveira, em seu Tratado de Direito das Sucesses (Rio de Janeiro: Livraria Jacinatho, 1936, vol. I), aps fazer o histrico da figura, lembra que, aps certa vacilao, acabou sendo admitida no nosso Direito exatamente pelo Cdigo Civil com o art. 1.587, que corresponde ao art. 490 citado por Perlingieri. Lembra Itabaiana, p. 89, que: 103 - Conseguintemente, o princpio cardeal do instituto de benefcio de inventrio no direito moderno que, alis, apresentado, pela generalidade dos doutrinadores e dos intrpretes dos cdigos, como o seu mais predominante efeito - a separao dos patrimnios do de cujus e do herdeiro, da qual decorrem os efeitos seguintes: a) o herdeiro conserva o seu patrimnio distinto dos bens da herana; b) herdeiro pode ficar com todos os bens da herana pagando, em dinheiro, aos credores, sem que estes se arroguem o direito de haver o respectivo pagamento pelos prprios do esplio; c) herdeiro tem o direito de pagar-se das despesas feitas com o falecimento do de cujus, como o funeral e outras, tal como se tratasse de um credor estranho; o herdeiro pode penhorar os bens da sucesso como outro qualquer credor, d) o herdeiro pode tonar-se credor adjudicatrio, como credor hipotecrio, de qualquer imvel da herana; e) o herdeiro pode fazer valer contra os bens da sucesso quaisquer direitos reais, como servides, etc., que se no extinguem por confuso. Como se v, h exceo tambm clara no nosso direito, como aplicvel o exposto quanto aos ttulos ordem que entraram em circulao.

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Art. 301: A ressalva de que trata o referido artigo dirige-se aos terceiros que no compem a relao jurdica, seja ela a original ou a de assuno de dvida. Leda de Pinho: Juza Federal em Maring/PR.

JUSTIFICATIVA O art. 301 tem a seguinte redao: Se a substituio do devedor vier a ser anulada, restaura-se o dbito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vcio que inquinava a obrigao. O retorno ao status quo ante assentado nesse artigo apresenta uma ressalva: as garantias prestadas por terceiros (?), que gravitavam em torno do devedor originrio, no se restauram, a menos que estes (?) conhecessem (?) do vcio que inquinava a obrigao. Como se v, a incorreo gramatical evidente e, conforme se d a correo, encaminha trs interpretaes possveis e absolutamente distintas. Acaso se entenda que onde est terceiros deve-se ler terceiro, no singular, e que este seria o assuntor, por remisso sistemtica ao precedente art. 299, as garantias de que se trata seriam as prestadas por aquele que assumiu a dvida e cujo negcio jurdico (entre credor e assuntor se expromisso ou entre devedor e assuntor se delegao) veio a ser anulado. A regra teria ento carter punitivo em relao ao assuntor que celebrou negcio mesmo sabendo do defeito e do risco da decretao de nulidade. Acaso se preceda mesma correo gramatical, mas se afaste a referncia sistemtica ao art. 299, considerando-se, pois, terceiro como pessoa alheia relao jurdica e no o assuntor (o qual, gize-se para bem refletir o alcance da expresso terceiro no art. 299, no tocante relao jurdica estaticamente considerada antes da transmisso da dvida terceiro), a regra seria dirigida ao terceiro prestador de garantia que tinha conhecimento do defeito que inquinava o negcio jurdico da translao e que, portanto, no poderia validamente forrar-se de sua responsabilidade original. A terceira possibilidade opera-se com a concordncia da segunda parte da expresso: este conhecia para estes conhecessem, desvincula-se da referncia ao art. 299, conduzindo, no entanto, mesma concluso que a alternativa precedente. Penso que a expresso restaura-se o dbito deve ser tomada como fio condutor para a correo do enunciado lingstico. Quando se fala em restaurao do dbito, est-se a falar da restaurao da relao jurdica em seu aspecto esttico, com todos as obrigaes, deveres, nus e faculdades que a caracterizavam antes do neg1 cio jurdico da assuno, o qual se resolve em perdas e danos, se for o caso.

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Vide, ainda, sobre as garantias que acompanham a dvida: RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 610-1.

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Esse retorno ao status quo ante contempla uma nica exceo: as garantias prestadas pelos terceiros 2, as quais havero de restaurar-se nos casos em que estes terceiros conheciam o vcio que atacava a relao jurdica de transmisso de dbito.3

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Nesse passo de se indagar o contedo e alcance da categoria terceiros. Para Santos Cifuentes, existem duas classes de terceiros: aqueles que no so partes no negcio jurdico e aos quais no se atribuem as relaes jurdicas que o negcio tem por fim criar, como o escrivo, a testemunha e o representante do ato, e os terceiros propriamente ditos, nada tm a ver com o negcio jurdico e no tm qualquer interesse direto ou indireto com o ato e seus efeitos ou conseqncias. Ora, o fiador, por exemplo, no pode ser enquadrado em nenhuma dessas categorias. Quais seriam, portanto, os terceiros a que se refere o CC/2002? (CIFUENTES, Santos. Negcio jurdico. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo Depalma, 1994, p.147 e 149.) Mudando o que deva ser mudado, vide: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. [Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.] Campinas: Bookseller, tomo 4, p. 400-1.

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Art. 317: A interpretao da expresso motivos imprevisveis constante do citado artigo deve abarcar tanto causas de desproporo no-previsveis, como causas previsveis mas de resultados imprevisveis para a economia interna do contrato. A razo encontra-se na aplicao do princpio do equilbrio, acolhido pelo Cdigo. Jorge Cesa Ferreira da Silva: Professor da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. JUSTIFICATIVA O dogma da vontade, herana dos postulados iluministas, engendra, no tocante fundamentao jurdica da relao obrigacional, uma legitimidade eminentemente formal. Dado que os membros da sociedade civil eram compreendidos como iguais em direitos e livres economicamente, caberia ao Estado garantir apenas que a vontade, ento entendida como o mvel por excelncia das atitudes humanas, fosse realmente livre. No por acaso, o Cdigo de 1916 previu um regime de invalidades conectado intrinsecamente vontade, retirando o espao da leso ou de outros mecanismos destinados a manter a equivalncia entre as prestaes, como o caso da clusula rebus sic standibus ou da resoluo por onerosidade excessiva. Da mesma forma, porm por motivos ligados vinculados a posicionamentos dogmticos de Bevilqua, o enriquecimento sem causa no foi includo no Cdigo, entendendo-se absorvido por outras figuras.1 Em desconformidade com esses postulados, o novo Cdigo Civil expressamente regulou um conjunto de institutos que se unificam sob o manto da legitimidade material do equilbrio. Assim ocorre com os institutos retro citados, cuja regulao permite ter por incorporado, no seio do Livro I da Parte Especial, princpio obrigacional que se pode chamar de princpio do equilbrio, o qual impe s partes e ao Estadojurisdio o zelo justia comutativa como tpica justia contratual. Com base nele, salvo em hipteses excepcionais, a justia contratual se realiza como equilbrio entre prestaes, o que possui grande aplicao prtica no mbito interpretativo. Exemplo dessa aplicao encontra-se na interpretao do art. 317 do novo diploma. Previsto originalmente para regular as conseqncias da desvalorizao da moeda2, o art. 317, aps revises legislativas, veio a servir de base genrica para a

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Conhecedor do direito comparado e crtico do modo de regulamentao do enriquecimento sem causa no direito alemo e suo, Bevilqua entendia que a grande maioria das hipteses de enriquecimento sem causa estaria j devidamente absorvida pelos institutos positivados, seja de direito obrigacional, seja de direito das coisas. Por isso sustentava no se poder, numa frmula geral, compreender todos os casos de enriquecimento antijurdico. Em vez de regul-lo diretamente, melhor seria deixar as hipteses de enriquecimento sem causa no previstas no cdigo para a eqidade judicial. Cf. Obrigaes, cit., p. 95 ss. O trecho transcrito encontra-se na p. 98. No Anteprojeto de Cdigo Civil, cuja segunda data de 1973, o atual art. 317 tinha o nmero 311 e a seguinte redao: Quando, pela desvalorizao da moeda, ocorrer desproporo manifesta entre o valor da prestao devida e o do momento da execuo, poder o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que preserve, quanto possvel, a equivalncia das prestaes. Grifou-se

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reviso, assim dispondo: Quando, por motivos imprevisveis, sobrevier desproporo manifesta entre o valor da prestao e o do momento da sua execuo, poder o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possvel, o valor real da prestao. A questo se pe na abrangncia da expresso motivos imprevisveis, ou seja, se ela se limita a abarcar causas imprevisveis ou se ela inclui tambm as conseqncias imprevisveis das causas previsveis. A resposta demanda sucinta passagem pela anlise do art. 478 do novo Cdigo, dedicado resoluo por onerosidade excessiva, o qual dispe que, nos contratos de execuo continuada ou diferida, se a prestao de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinrios e imprevisveis, poder o devedor pedir a resoluo do contrato. Os efeitos da sentena que a decretar retroagiro data da citao. Esse dispositivo se assemelha ao art. 1.467 do Cdigo Civil italiano e, tal como na Itlia, poderia ser usado para sustentar, analogicamente, a reviso judicial dos contratos.3 Ocorre que, se assim fosse, um expressivo conjunto de casos de desproporo entre as prestaes decorrentes de causas supervenientes celebrao do pacto restariam desacolhidas pelo Cdigo. Isso porque o art. 478 exige, para sua aplicao, a existncia de extrema vantagem para uma das partes decorrente do evento imprevisto. Essa exigncia limita por demais o campo revisional, porquanto muitos casos de desequilbrio prestacional no se do com vantagem, qui com extrema vantagem, para uma das partes, o que no torna a situao de desequilbrio menos injusta do ponto de vista da justia contratual. Voltando ao art. 317, verifica-se que o mesmo problema poderia ser encontrado, ainda que minorado, se a abrangncia da expresso motivos imprevisveis se limitasse s causas imprevisveis e no inclusse tambm os resultados imprevisveis. Uma srie de situaes de desequilbrio entre prestaes deixaria de ser atendida, dado serem previsveis as causas, como ocorre com a inflao no Brasil. Veja-se que, nessas hipteses, situaes de injustia contratual seriam plenamente aceitas pelo Cdigo, tendo em vista que tanto o art. 317 quanto o recurso analgico ao art. 478 no seriam capazes de evitar a situao de desequilbrio. Por esses fatores, tendo por base regncia posta pelo princpio do equilbrio, cumpre interpretar a expresso motivos imprevisveis abrangendo causas e conseqncias imprevisveis, de modo a tornar o Cdigo mais orgnico e sistemtico, alm de mais justo do ponto de vista da justia contratual.

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Cumpre lembrar que a utilizao do art. 478 para fundamentar a reviso dos contratos foi expressamente lembrada no recente Projeto de Lei 6.960/2002, de autoria do Dep. Ricardo Fiza.

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Art. 316: A permisso de aumento progressivo das prestaes no se confunde com a correo ou atualizao monetria do valor das prestaes; no compatvel com os contratos instantneos, mesmo os de execuo diferida e est sujeita aos limites traados na lei, no podendo ser pactuada em contratos que instrumentalizam prestaes essenciais pessoa. Judith Martins-Costa: Professora Adjunta na Faculdade de Direito da UFRGS.

JUSTIFICATIVA O universo do art. 316 vem bem delimitado pela palavra aumento: no se trata de atualizao do valor, o que logrado pela correo monetria e pela clusula de escala mvel. A regra abre ensejo a que as partes estabeleam aumento do valor das prestaes seja de forma fechada (isto , pr-constituda) ou aberta, mediante o estabelecimento do dever de renegociao, quando houver prestaes sucessivas. Assim sendo, a possibilidade prevista no art. 316 no se verifica nos contratos ditos instantneos, ou de execuo nica, nem mesmo nos contratos instantneos de execuo diferida, ou nos quais a prestao est sujeita a um termo (prazo), mas protrada no tempo, realizando-se num s instante, ou ento naqueles em que a prestao est sujeita tambm a um termo (prazo), mas cujo pagamento , para uma ou para ambas as partes, protrado no tempo pela diviso em parcelas que dizem respeito a um nico e mesmo adimplemento, o qual, todavia, recortado em parcelas. O trao distintivo h de ser encontrado, pois, no adimplemento: nas prestaes nicas, mesmo que o adimplemento seja protrado no tempo pela diviso em parcelas, ele um s. Cada uma das prestaes (parcelas) que paga determina a extino parcial do dbito, at a extino do dbito com a conseqente extino do contrato. Por isso a regra incide apenas nos contratos que contm prestaes sucessivas (e no parcelas sucessivas de uma mesma prestao), dizendo respeito, tecnicamente, aos contratos de durao, tambm chamadas obrigaes duradouras ou de trato sucessivo ou de execuo continuada. O aumento ser lcito se no infringir norma de ordem pblica que imponha certos limites, os quais, bom frisar, no se encontram no texto do art. 316, antes derivando do contexto normativo no qual inserido, formado pelos demais princpios e regras do Cdigo (v.g, arts. 157, 187, 421, 422, 2.035) e pelos princpios constitucionais. Tocando diretamente na ordem econmica e possuindo dimenso para alm do indivduo, o pacto do aumento progressivo sofre restries de ordem tico-jurdica e legislativa, principalmente nos contratos que interessam diretamente subsistncia humana. As utilidades asseguradas por tais contratos dizem respeito, diretamente,

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concretizao da dignidade da pessoa humana, que valor fundante do Estado democrtico de direito (Constituio Federal, art. 1, inciso III). Mais ainda, tais utilidades no tm dimenso exclusivamente individual, mas social ou transindividual. Trata-se da incidncia, neste domnio, do princpio da funo social do contrato, acolhido expressamente no art. 421. A essencialidade do bem se deve prender no a um critrio subjetivo (isto , destinao conferida pelo sujeito contratante ao bem contratado), mas a um critrio objetivo. Assim, devem as utilidades referidas no pargrafo nico do art. 2 da Lei dos Crimes contra a Economia Popular (Lei n 1.521, de 26 de dezembro de 1951) e ainda as utilidades que se pem instrumentalmente para assegurar o livre desenvolvimento da personalidade atuarem como topoi para o estabelecimento jurisprudencial dos limites. Observe-se que o prprio Cdigo Civil, no pargrafo nico do art. 2.035, determina que nenhuma conveno prevalecer se contrariar preceitos de ordem pblica, tais como os estabelecidos por este Cdigo para assegurar a funo social da propriedade e dos contratos. Tambm no pode a conveno de aumento progressivo caracterizar negcio lesionador (art. 157), encontrando limites, outrossim, na ordem pblica econmica. Em conseqncia, o pacto do aumento sucessivo das prestaes (seja a prpria licitude da pacto, seja o seu contedo) est sujeita a observar a legislao especial quer a relativa s normas de defesa da concorrncia, da tutela do consumidor, de defesa comercial, quer a das agncias reguladoras, bem como os princpios antes destacados. Art. 317: Constitui condies de incidncia da regra do art. 317 a existncia de relao obrigacional, bilateral e comutativa, duradoura ou mesmo instantnea, desde que o adimplemento tenha sido dividido em vrias parcelas a serem pagas ao longo do tempo, na qual uma das prestaes venha a sofrer, por fatores supervenientes concluso do contrato e, naquele momento, imprevisveis isto , no correspondentes s legtimas expectativas das partes excessiva onerosidade no imputvel ao lesado; devendo a excessiva onerosidade tornar manifestamente desproporcional a relao entre o valor ajustado para a prestao devida e aquele a ser pago no momento do adimplemento.

JUSTIFICATIVA O Cdigo Civil no acolheu a teoria da impreviso, mas um misto entre as teorias da excessiva onerosidade e da base objetiva do negcio. Portanto, na interpretao do art. 317, deve-se considerar: a) que a desproporo manifesta, causadora de excessiva onerosidade,

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aquela que comporta uma notvel alterao da relao originria entre as prestaes, determinando uma situao de desequilbrio dos respectivos valores; b) a desproporo manifesta referida prestao considerada objetivamente, como totalidade, e no situao subjetiva na qual se encontra o devedor; c) a noo de desequilbrio entre o valor atual e o valor originrio da prestao devida equiparvel noo de desequilbrio entre a prestao devida e a contraprestao devida, de modo a equiparar-se onerosidade superveniente da prestao do devedor o superveniente envilecimento da contraprestao; d) deve-se ter em conta d.1) o sacrifcio em razo do qual reste alterada a economia do contrato e d.2) o equilbrio originariamente existente entre as duas prestaes. A configurao do sacrifcio no ocorre apenas quando o devedor se encontre na necessidade de procurar o objeto, por ele pagando preo excessivo, ou quando deva produzir algo a custo excessivo, ou pagar por um servio um custo tambm excessivo: tambm se verifica quando o objeto j se encontra no seu patrimnio e a situao de desequilbrio derive de um superveniente fenmeno de desvalorizao da moeda que, reduzindo excessivamente o valor intrnseco da contraprestao pecuniria, j no o torna adequado como contraprestao; e) para tanto necessrio confrontar o valor (ou o custo) inicial da prestao a ser executada e o seu valor (ou o seu custo) no momento do adimplemento, tendo a moeda como unidade de medida; f) na interpretao e concreo da regra do art. 317 deve ser considerada, fundamentalmente, a ratio do instituto revisional, que a manuteno do nus econmico assumido com o contrato, nos limites da sua lea tpica: o nus considerado globalmente, no se considerando apenas o peso isolado da prestao assumida; g) na considerao da imprevisibilidade, deve ser afastada qualquer conotao extraordinariedade (requisito afastado no Cdigo Civil); h) o imprevisvel o que no poderia ser legitimamente esperado pelos contratantes de acordo com a sua justa expectativa, a ser objetivamente avaliada no momento da concluso do ajuste. O fato previsvel, mas no esperado, situa-se na rea de risco inerente a qualquer atividade negocial; i) a imprevisibilidade, que sempre superveniente concluso do ajuste, diz respeito prpria natureza das relaes que se estendem no tempo vistas concretamente, segundo a tica da situao (Miguel Reale), de modo que, para apur-la, ser preciso detectar: i.1) o seu grau de abstrao ou concretude (vale dizer: a normalidade da lea assim o in abstracto ou concretamente, para aquele determinado contrato, vista de suas circunstncias?); i.2) o patamar de especificidade com o qual o evento ou no considerado pelo Direito (isto , o evento especificamente considerado na lea normal?); i.3) assim como o grau de certeza ou de incerteza que deve assumir a previso do acontecimento (a previso uma mera potencialidade ou no?).

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Art. 330: A presuno de renncia estabelecida no artigo tem carter absoluto, derivando de comportamento concludente.

JUSTIFICATIVA A regra acolhe instituto que, no Direito Comparado, vem denominado pela expresso supressio1, que constitui emanao da boa-f objetiva. Tal expresso indica um duplo e correlato fenmeno, derivado de um mesmo fato e fundamentado num mesmo valor, a confiana: o passar do tempo pode, em certas situaes, fazer desaparecer situaes jurdicas ou direitos subjetivos que no foram exercidos durante um certo lapso de tempo por seu titular, desde que o no-exerccio tenha causado contraparte um benefcio, em razo da confiana de que aquela situao ou direito no seria mais usado. que, em cada ordenamento, a confiana encontra particular e concreta eficcia jurdica como fundamento de um conjunto de regras que permitem, de um lado, a observncia do pactuado e, de outro, a coibio da deslealdade, nesta hiptese possuindo eficcia limitadora do exerccio de direitos subjetivos e formativos justamente para coibir a contradio desleal. Tal como acolhida no art. 330, so trs as condies de incidncia da supressio: a) a determinao do local em virtude de contrato; b) a sua alterao por perodo de tempo reiterado; c) a presuno de renncia do credor ao direito que lhe fora estabelecido no contrato. Quanto primeira condio, necessrio que o adimplemento possa, faticamente, ser feito em lugar diverso do ajustado no contrato, pois, se tratar daqueles apanhados no art. 358, em especial os imveis por natureza, no h como imaginar a mudana no local. O decurso de um razovel lapso temporal condio necessria para gerar a legtima confiana. Se o credor deu, em algumas ocasies, espaadamente, permisso excepcional para que o pagamento fosse realizado em local diverso do estabelecido, no h como falar em pagamento reiteradamente feito. necessria, como diz Canaris, a presena de uma previso de confiana, no sentido de o beneficiado ter, pelo menos como provvel, a regularidade da situao.2 Esse lapso temporal no , todavia, determinvel a priori, necessitando concretizar-se vista das circunstncias. Como assinala Menezes Cordeiro, ao analisar a extensa jurisprudncia alem, trao que res-

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A denominao supressio utilizada pelo jurista portugus Antnio Menezes Cordeiro, que assinala o emprego, por vezes, em lngua latina, de outras denominaes, como decadncia, inibio, paralisao, precluso ou perda, apontando a sua impropriedade, ou por misturar conceitos de direito material e de direito processual, ou por conotar o instituto da caducidade, ou por no refletir, por fim, o sentido do instituto, que , justamente, o de suprimir a situao de direito que, em certas circunstncias, no tendo sido exercido durante um determinado lapso de tempo, no possa mais s-lo, por, de outra forma, contrariar a boa-f (MENEZES CORDEIRO, A. M. Da Boa-F no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984. Tomo II. p. 797-836. CANARIS, C. W. Die Vertrauenshaftung im deutschen Privatrecht. Munich, 1971, p. 372 e 373, apud MENEZES CORDEIRO, A. M. Da Boa-F no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984. Tomo II. p. 822.

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salta a irregularidade dos lapsos de tempo requeridos pelos tribunais para a verificao da supressio, o que indicia que as circunstncias do tempo requerido se vinculam situao do beneficirio. Por fim, quanto presuno de renncia do direito pelo titular no-exercente, deve-se considerar que a supressio, tomada do ponto de vista do beneficirio, como tem sido considerada em outros ordenamentos, no carece da prova da vontade: basta o decurso de razovel lapso temporal, no qual so feitos, reiteradamente, pagamentos em local diverso do pactuado e a confiana despertada no beneficirio, a ser averiguada objetivamente, segundo os parmetros do homem mdio, ou pessoa razovel. A presuno , quanto ao menos, intil vista dos outros dois elementos de incidncia da regra. Assim, a melhor soluo tom-la como presuno absoluta, decorrente de um comportamento concludente. Art. 360: A novao tem eficcia de, ao mesmo tempo, criar e extinguir dvidas. Porm, ao se tratar de relao obrigacional complexa, notadamente as cadeias de contratos unificados de modo funcional e finalista, pode conviver com a persistncia da mesma relao obrigacional.

JUSTIFICATIVA O instituto da novao deve ser compreendido na perspectiva funcional, em razo das novas exigncias sociais e dos renovados princpios que atingem o Direito Obrigacional, incidindo, de modo especial, o princpio da funo social do contrato (art. 421) e a compreenso de que, em variados setores, o instituto conforma verdadeiro modelo jurdico complexo (Miguel Reale). Considerada a perspectiva dinmica da relao obrigacional (Clvis do Couto e Silva), a novao, conquanto crie nova dvida que extingue a anterior (razo pela qual no se estar, juridicamente, modificando ou prosseguindo uma mesma dvida da mesma forma como ocorre com as demais modalidades modificadoras da relao obrigacional), pode estar inserida em relao obrigacional complexa, de modo a conduzir persistncia da relao obrigacional (embora no da mesma dvida), o que se verifica em negcios novativos socialmente significativos inseridos em cadeias de contratos, uns e outros se coligando instrumentalmente em ateno a um mesmo fim econmico-social. Assim sendo, na interpretao dos negcios novativos, dever-se- ter em conta a funcionalidade econmico-social do negcio novatrio, a sua causa tpica (a ser apreciada no de forma meramente abstrata, isto , aquela que a mesma, em todos os negcios do mesmo tipo, mas in concreto, de acordo com as suas peculiaridades, v.g, negcios novatrios inseridos em negcios de crdito comercial, de crdito ao consumidor, de crdito rural etc. e a maior ou menor carga de socialidade atada aos respectivos direitos de crdito). Por igual, devem ser compostas, em unidade finalista, as normas de ordem pblica de direo (portanto indisponveis) juntamente com as

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normas disponveis, normas de Direito Pblico e de Direito Privado, todas polarizadas pelos fins postos no art. 421: da que a novao h de obedecer e de dar concretude s finalidades postas nas normas de ordem pblica infraconstitucionais e nas normas (constitucionais) instituidoras de polticas pblicas, na medida em que o instituto novatrio se mostra instrumentalmente voltado para o atingimento daquelas finalidades. Art. 319: A quitao regular referida engloba a quitao dada por meios eletrnicos ou quaisquer formas de comunicao a distncia, assim entendida aquela que permite ajustar negcios jurdicos e praticar atos jurdicos sem a presena fsica corprea simultnea das partes ou seus representantes. Porm, para tal fim, deve haver razovel grau de certeza quanto atribuio de autoria da quitao.

JUSTIFICATIVA Fora de dvida que a expanso universal da internet veio situar aos olhos do jurista um novo espao (cyberespao), uma nova idia de tempo (tempo virtual) e uma srie de questes complexas que ainda no tm resposta definitiva. Uma delas diz respeito s transaes realizadas por meio da internet, a dao de quitao e do seu recibo (sejam ou no certificados por firma digital) e a sua prova. Como requisitos mnimos, deve-se considerar haver razovel grau de certeza se no documento foi aposta firma digital ou se, por outros meios, comprova-se a autenticidade, reconhecimento, integridade e perenidade do documento. Se ocorrer telepagamento por via bancria, verificando-se, pois, um triplo feixe de relaes (credor do recibo/instituio bancria/ devedor da quitao), deve ser considerada essa tripla relao a partir de uma distino fundamental, essa dplice, concernente a dois diversos feixes de relaes, distino que ter importncia em matria de regime jurdico e de prova: a) nas relaes entre o cliente e o banco, nas quais incide o Cdigo de Defesa do Consumidor, por expressa disposio legal (CDC, art. 3, 2), a carga probatria da instituio bancria, depositria dos fundos de seu cliente, consumidor de seus servios, e responsvel, objetivamente, pelo seu adequado emprego. Cabe, pois, ao banco, justificar que recebeu, ou no, a ordem de pagamento, tornando legtimo o dbito na conta; b) nas relaes entre o cliente do banco e o seu fornecedor, no entanto, preciso ver, quanto ao regime jurdico, se se trata, ou no, de relao de consumo conforme todos os critrios estabelecidos na legislao prpria, inclusive por equiparao (CDC, arts. 2, pargrafo nico, e 29). Se a resposta for positiva, naturalmente incide o CDC, se no, o Cdigo Civil. No primeiro caso, preciso, para determinar a quem cabe o nus probatrio, ver qual a posio ocupada pelo cliente, se consumidor ou fornecedor. Se no caracterizada a relao de consumo e afastada, portanto, a tutela especial do CDC, o cliente quem deve provar que pagou a fatura, apresentando os comprovantes que o banco, necessariamente, deve pr sua disposio, por via eletrnica ou atravs das presta-

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es de conta em suporte material que o banco deve regularmente enviar, cumprindo rigorosamente os deveres de informao e esclarecimento correspondentes. Art. 422: Na interpretao da clusula geral da boa-f, deve-se levar em conta a estrutura e a metodologia do Cdigo Civil e as conexes sistemticas, intrasistemticas e extra-sistemticas que enseja.

JUSTIFICATIVA A estrutura e a metodologia adotadas pelo Cdigo conduzem potencial expanso de seus princpios de e para dentro do prprio Cdigo, de e para outros estatutos normativos e de e para instncias extra-jurdicas. Assim, a clusula geral do art. 422 se deve projetar sobre toda a matria contida no Livro I (Direito das Obrigaes) e ainda no Livro II (Direito de Empresa), com o qual aquele se encontra estrutural e funcionalmente ligado. Do mesmo modo, o art. 422 est apto a receber o reflexo de outros princpios e regras. Para cuidar-se da boa-f na fase das tratativas negociais, deve-se conectar o art. 422 com os arts. 187 e 927, caput, entendendo-se que o termo concluso aposto no art. 422 alarga-se para englobar a fase que, em certos negcios, lhe funcionalmente necessria e antecedente. Por fim, em ateno estrutura sistemtica, a jurisprudncia deve cuidar no apenas de discernir a conduta segundo a boa-f (boa-f objetiva), amparada pelo art. 422, das aes ou omisses de boa-f (boa-f subjetiva) e do julgamento por eqidade 3, como perceber as conexes com a diretriz constitucional da solidariedade social e do princpio do livre desenvolvimento da personalidade, implcito no princpio constitucional da dignidade da pessoa.

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Pois, enquanto a conduta segundo a boa-f (objetiva) deve ser encontrada nos quadros do sistema jurdico, o julgamento por eqidade deve ser buscado extra-sistematicamente.

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Novo Cdigo Civil: na interpretao da disciplina dos contratos preliminares, deve ser entendido que a promessa de contrato gratuito, presente a genuna cortesia, no gera conseqncia para o devedor que no quiser honr-la, caracterizando-se como mera obrigao natural. Art. 374: No obstante o teor do referido artigo, a compensao de crditos tributrios continua a reger-se por diplomas prprios, no se operando ex lege (referncia: Constituio Federal, art. 146, III, b, e Cdigo Tributrio Nacional, art. 170). Art. 478: Os pressupostos da teoria da impreviso, referidos no citado artigo, aplicam-se s relaes de consumo. Guilherme Couto de Castro: Juiz Federal no Rio de Janeiro.

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O Problema da taxa de juros no Novo Cdigo Civil Paulo Eduardo Razuk: Juiz do Primeiro Tribunal de Alada Civil de So Paulo.

Os arts. 1.062 e 1.063 do Cdigo Civil de 1.916 fixaram a taxa de juros moratrios, quando no convencionados ou convencionados sem taxa estipulada ou devidos por fora de lei, em 6% ao ano. O art. 406 do Cdigo Civil de 2.002, em tais casos, remete taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos Fazenda Nacional. O art. 1.262 do Cdigo Civil de 1.916 permite a livre pactuao da taxa dos juros compensatrios, com ou sem capitalizao. O art. 591 do novo Cdigo Civil diz que a taxa dos juros compensatrios no poder exceder, sob pena de reduo, aquela a que se refere o art. 406, permitida a capitalizao anual. Tais artigos no so objeto de alterao no projeto de lei do Deputado Ricardo Fiza, que modifica numerosos dispositivos do Cdigo Civil de 2.002 antes mesmo da sua entrada em vigor. A liberdade na fixao da taxa de juros foi contida pelo art. 1 do Decreto n 22.626, de 7.4.33, a chamada Lei da Usura, que proibiu a estipulao de taxa de juros superior ao dobro da taxa legal, fixada em 6% ao ano pelos arts. 1.062 e 1.063 do Cdigo Civil. O art. 4 da Lei da Usura proibiu a capitalizao dos juros, salvo a acumulao dos juros vencidos em conta-corrente ano a ano. Por sua vez, a eficcia do art. 1 da Lei da Usura foi contida para o sistema financeiro nacional pelo art. 4, VI e IX, da Lei n 4.595, de 31.12.64, denominada Lei do Mercado de Capitais, que autorizou o Conselho Monetrio Nacional a disciplinar o crdito e a limitar a taxa de juros. Esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, cristalizado na smula n 596. O art. 192, 3, da Constituio Federal pretendeu limitar a taxa de juros a 12% ao ano, mas foi considerado de eficcia limitada, dependente de lei complementar, pelo Supremo Tribunal Federal. O art. 4 da Lei da Usura no parece ter sido atingido pela Lei de Mercado de Capitais, uma vez que a jurisprudncia continua a restringir o anatocismo, salvo excees previstas em lei (smulas n 121 do STF e n 93 do STJ). O problema trazido pelo novo Cdigo Civil que os arts. 406 e 591 so normas em branco, a serem preenchidas por outro dispositivo legal que no existe. A legislao tributria federal remete taxa referencial do Sistema Especial de Liqidao e Custdia SELIC, para a remunerao de ttulos pblicos, que no foi criada por lei. Tal sistema regulado pela Circular n 2.727 do Banco Central do Brasil, de 14.11.96, para o registro de ttulos pblicos, para efeito de liqidao e custdia. Por um lado, a taxa referencial dos juros Selic fixada periodicamente pelo Comit de Poltica Monetria Copom, constitudo no mbito do Banco Central do Brasil, consoante a Circular Bacen/DC n 3.010, de 17.10.00. Em conseqncia, o novo Cdigo remete a fixao da taxa legal de juros a uma taxa que no foi criada por

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lei, mas por ato administrativo. Por sua vez, tal ato delega a fixao peridica dessa taxa a um rgo administrativo, que tambm no foi criado por lei. Esse o problema formal. De outro lado, a taxa Selic de natureza remuneratria de ttulos pblicos em custdia, englobando atualizao monetria e juros compensatrios ou moratrios. A cumulao da taxa Selic com o coeficiente oficial de correo monetria ir configurar verdadeiro bis in idem, verberado pela smula n 30 do Superior Tribunal de Justia. Esse o problema material. A utilizao da taxa Selic como sucedneo de juros compensatrios ou moratrios contestada na doutrina e na jurisprudncia, conforme estudo do Ministro Domingos Franciulli Netto (Da Inconstitucionalidade da Taxa Selic para Fins Tributrios. Revista Tributria e de Finanas Pblicas , vol. 33, julho/agosto de 2.000, pgs. 86/88). Aspecto particular que merece ateno a possvel sujeio das instituies financeiras ao disposto no art. 591 do novo Cdigo Civil, que unificou o direito das obrigaes. No faltar quem sustente a no-aplicao do referido dispositivo legal aos bancos, por no haver sido editada a lei complementar a que se refere o art. 192, caput, da Constituio Federal, que regularia o sistema financeiro nacional. A experincia judicante permite vislumbrar que a entrada em vigor dos arts. 406 e 591 do novo Cdigo Civil, na redao atual, ser muito contestada nos aspectos formal e material, constituindo srio problema a ser resolvido pelo Poder Judicirio, congestionando-o ainda mais.

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Do inadimplemento das obrigaes. Dos juros legais. Artur Csar de Souza: Juiz Federal no Paran.

O enunciado proposto para anlise da comisso a ser indicada por ocasio da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judicirios e referente ao novo Cdigo Civil brasileiro, tem por enfoque a nova configurao dos juros legais preconizada no art. 406 da Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002, relativa questo do inadimplemento das obrigaes, que assim dispe: Quando os juros moratrios no forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinao da lei, sero fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos Fazenda Nacional. Tal artigo alterou substancialmente a tratativa dos juros moratrios que, at ento, regulamentada pelo art. 1.062 do Cdigo de 1916, o qual preconiza que a taxa de juros moratrios, quando no convencionada, ser de seis por cento ao ano. Por sua vez, estabelece o art. 1.063 do mesmo Cdigo: Sero tambm de 6% (seis por cento) ao ano os juros devidos por fora de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada. A mudana normativa concretizada pelo novo Cdigo Civil brasileiro no que concerne aos juros de mora vinculados taxa prevista para a mora dos impostos da Fazenda Nacional, alm de ir de encontro ao princpio da funo social do contrato, expressamente consignado no art. 421 do Cdigo de 2002, configura certo retrocesso nas conquistas observadas tanto na legislao infraconstitucional como nos valores inseridos na Constituio Federal de 1988. Atualmente, a taxa prevista para a mora dos impostos da Fazenda Nacional vem regulamentada no art. 13 da Lei n 9.065, de 20 de junho de 1995, in verbis: A partir de 1 de abril de 1995, os juros de que tratam a alnea c do pargrafo nico do art. 14 da Lei n 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redao dada pelo art. 6 da Lei n 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei n 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, pargrafo nico, alnea a.2, da Lei n 8.981, de 1995, sero equivalentes taxa referencial do sistema especial de liquidao e de custdia SELIC para ttulo federais, acumulada mensalmente. Assim, se estivesse em vigor o novo Cdigo Civil, a SELIC seria a taxa de juros de mora para obrigaes resultantes de relaes regidas pelo Direito Civil. Referencial voltil, inconsistente e substancialmente oneroso. Contudo, conforme j exteriorizado, tal fato vai de encontro aos modernos pensamentos que preconizam a despatrimonializao do Direito Civil. No se pode esquecer que a Constituio Federal de 1988 estabeleceu como fundamento da Repblica a dignidade da pessoa humana, abandonando a postura patrimonialista herdada do sculo XX. A nova roupagem sobre os juros moratrios aperfeioada pelo art. 406 do novo Cdigo merece um estudo pormenorizado no sentido de recuperar o marco ideolgico que ensejou a mudana preconizada, a fim de

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eliminar qualquer possibilidade que privilegie uma viso patrimonialista em detrimento de uma concepo vinculada proteo do ser humano concreto e funo social do contrato. Busca-se, portanto, uma nova racionalidade, que, na viso de Gustavo Tepedino, assim configurada: Fala-se, por isso mesmo, de uma despatrimonializao do direito privado, de modo a bem demarcar a diferena entre o atual sistema em relao quele de 1916, patrimonialista e individualista.1 Ressalte-se que a postura adotada pelo Cdigo novo em relao aos juros de mora mantm-se fiel quela que fora adotada quando da entrada em vigor do Cdigo Civil de 1916, vinculando-se os juros moratrios a um critrio pouco objetivo e quase nada preocupado com a questo da funo social do contrato. Por isso, o Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, corrigindo o erro inicial de percurso, trouxe nova tratativa aos juros de mora nos seguintes termos: Considerando que todas as legislaes modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura; considerando que de interesse superior da economia do pas no tenha o capital remunerao exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras; decreta: Art. 1 vedado, e ser punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal. Vincular-se, no mbito do direito civil, os juros de mora taxa cobrada por inadimplemento dos impostos da Fazenda Nacional, alm de afrontar o princpio constitucional da igualdade, pois o tratamento normativo em prol da Fazenda Nacional, por questes bvias, deve ser diferenciado daquele outorgado aos particulares (tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais), tambm representa um critrio perigoso, retrgrado e divorciado dos princpios que regem a democracia social brasileira, voltados para um contedo finalstico da mora obrigacional para, no mximo, doze por cento ao ano. Vislumbra-se essa tendncia moderna pelo prprio teor do art. 192, 3, da Constituio Federal, que, ao tratar do Sistema Financeiro Nacional, estabelece no poderem ser superiores a doze por cento ao ano as taxas de juros reais, nelas includas comisses e quaisquer outras remuneraes direta ou indiretamente referidas concesso de crdito; a cobrana acima desse limite ser conceituada como crime de usura em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Ora, se sociedade democrtica brasileira, representada pelos constituintes de 1988, com a finalidade de restringir os abusos cometidos pelo Sistema Financeiro Nacional, foi abeberar-se nos princpios preconizados pela Lei de Usura (Decreto n. 22.626, de 7/4/1933), que rege as relaes de natureza civil, incompreensvel e censurvel se mostra o retrocesso consignado no art. 406 citado. No obstante a regra constitucional tenha destino certo (o Sistema Financei-

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TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 438.

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ro Nacional), no se pode esquecer de que, onde existe a mesma razo de ser, aplicase a mesma norma princpio. Manter-se numa concepo eminentemente patrimonialista em relao ao direito civil seguir na contramo da direo delineada pelos modernos pensadores, que propugnam por uma postura voltada para a funo social do contrato e em prol da dignidade da pessoa humana. bem verdade que o Supremo Tribunal entendeu que a regra dos juros reais mximos de 12% ao ano (art. 192, 3) necessita de legislao complementar prevista no caput do dispositivo, impedindo sua imediata aplicao. Contudo, conforme ensinam Luiz Alberto Davida Arajo e Vidal Serrano Nunes Junior:2 As normas de eficcia limitada antes de sua complementao pela via integrativa infraconstitucional produzem os seguintes efeitos: a) estabelecem um dever para o legislador ordinrio; b) condicionam a legislao futura, com a conseqncia de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; c) informam a concepo do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenao jurdica, mediante a atribuio de fins sociais, proteo de valores da justia social e revelao dos componentes do bem comum; d) constituem sentido teleolgico para a interpretao, integrao e aplicao das normas jurdicas; e) condicionam a atividade discricionria da Administrao e do Judicirio; f) criam situaes jurdicas subjetivas de vantagem ou desvantagem. Assim, no obstante o entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Federal de que a norma em questo est inserida no campo terico de eficcia limitada, esse tipo de normatizao constitucional informa a concepo do Estado e da sociedade e inspira sua ordenao jurdica mediante a atribuio de fins sociais, proteo de valores da justia social e revelao dos componentes do bem comum, condicionando a legislao futura, com a conseqncia de serem inconstitucionais as leis ou atos que a ferirem. Portanto a regra estabelecida no art. 406 do Cdigo de 2002 mostra-se dissociada da norma prevista no art. 192, 3, da Constituio, razo pela qual, se pretendesse o legislador fazer qualquer mudana no que concerne questo dos juros moratrios no mbito civil, deveria faz-lo de modo a preservar o princpio da funo social do contrato, mas jamais no sentido de onerar as relaes regidas pelo direito civil, principalmente quando diante de uma nova postura voltada para a sua despatrimonializao. Por fim, ressalta-se o risco de vincular os juros de mora, no mbito do direito civil, taxa instituda para o inadimplemento dos impostos da Fazenda Nacional SELIC, uma vez que o prprio Superior Tribunal de Justia, no Recurso Especial n. 215.891 PR, j teve oportunidade de se manifestar no seguinte sentido: ... taxa SELIC,

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indevidamente aplicada como sucedneo dos juros moratrios, quando na realidade possui natureza de juros remuneratrios, sem prejuzo de sua conotao de correo monetria.... Assim, a taxa SELIC, alm de corresponder a uma perspectiva remuneratria, apresenta no seu contexto a incidncia de correo monetria. No obstante essa constatao ftica, o novo Cdigo Civil, alm de legitimar a sua aplicao nas relaes de natureza civil com a caracterstica de juros de mora, determina ainda a incidncia de correo monetria nos termos do art. 404, in verbis: As perdas e danos, nas obrigaes de pagamento em dinheiro, sero pagas com atualizao monetria segundo ndices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorrios de advogado, sem prejuzo da pena convencional.

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Arts. 406 e 591: A utilizao da Taxa SELIC como ndice de apurao dos juros legais no juridicamente segura, porque impede o prvio conhecimento dos juros; no operacional, porque seu uso ser invivel sempre que se calcularem somente juros ou somente correo monetria; incompatvel com a regra do art. 591 do novo Cdigo Civil, que permite apenas a capitalizao anual dos juros, e pode ser incompatvel com o art. 192, 3, da Constituio Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano. Nesse alinhamento, a taxa de juros moratrios a que se refere o art. 406 a do art. 161, 1, do Cdigo Tributrio Nacional, ou seja, um por cento ao ms. Francisco Jos Moesch: Desembargador do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul e Professor da Escola da Magistratura do Rio Grande do Sul e da PUC/RS.

JUSTIFICATIVA Louvado em preciso trabalho sobre Os Juros Legais no novo Cdigo Civil e a Inaplicabilidade da Taxa Selic, do magistrado gacho Pio Giovani Dresch com a colaborao da contadora do Foro de Iju/RS, Beatriz Mller Zborowski, apresentado no curso organizado pela Ajuris sobre o novo Cdigo Civil, resolvi trazer o presente enunciado, acompanhado de breve motivao. O novo Cdigo Civil, que entrar em vigor em janeiro de 2003, no seu art. 406, estabelece que os juros legais sero fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos Fazenda Nacional. Pela Lei n 9.065/95, a Taxa SELIC (sistema especial de liquidao e custdia) que remunera os impostos pagos em atraso Unio, a qual apurada pelo Banco Central do Brasil a partir da mdia dos financiamentos dirios referentes a ttulos pblicos federais. fixada mensalmente e reflete uma expectativa de inflao mais os juros referentes dvida pblica interna federal. Portanto uma taxa mista, que engloba correo monetria e juros, no podendo ser usada concomitantemente com outro ndice de correo monetria ou de juros. Disso, conclui-se que a utilizao da Taxa SELIC para apurao dos juros legais no apenas desaconselhada, mas tambm impraticvel, pois estabelecer um conflito com outras regras jurdicas, inclusive de natureza constitucional. No momento em que se confundem os institutos dos juros legais e da correo monetria num ndice nico, criam-se vrias dificuldades, por exemplo, naquelas situaes em que incide correo monetria sem juros ou incidem juros sem correo monetria. A utilizao da Taxa SELIC, nesse caso, impossvel, porquanto no se distingue nela o que so juros e o que correo monetria. Alm disso, vale lembrar que os juros podem ser simples ou capitalizados. J a correo monetria um ndice que no pode ser seno cumulado, porque mede sempre a variao dos preos de um determinado perodo de tempo a outro. A Taxa SELIC, que, por sua finalidade, calculada cumulativamente, no poderia ser usada de

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outra forma, sob pena de no responder adequadamente desvalorizao da moeda. No entanto, sendo um ndice que conjuga correo monetria e juros, sua utilizao, feita em observncia ao comando do art. 406, ofender o art. 591 do novo Cdigo Civil, que probe, pelo menos no que se refere ao contrato de mtuo, a capitalizao com periodicidade menor que a anual. Tambm no recomendvel tomar a Taxa SELIC como ndice definidor dos juros pela insegurana que decorre das oscilaes. Como ela fixada ms a ms, nunca se conhecero os juros futuros, ningum saber qual o montante da taxa legal de juros. Ademais, se, feito o cotejo com outro ndice que apure unicamente a correo monetria, concluir-se que, num determinado perodo, os juros mensais includos na SELIC foram superiores a 1%, caber a discusso sobre excesso de cobrana por ofensa ao art. 192, 3, da Constituio Federal. Em sntese, a utilizao da Taxa SELIC como ndice de apurao dos juros legais no juridicamente segura, porq