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    OAB 2 FASE XIII EXAME Direito Civil

    Cristiano Sobral

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    DIREITOS DAS OBRIGAES

    1. INTRODUO

    O direito das obrigaes o ramo do Direito Civil que se ocupa em estudar a relao jurdica que existe entre devedor e credor, onde este pode exigir daquele o cumprimento de uma prestao, que pode consistir em um dar, um fazer ou um no fazer.

    A obrigao tem, portanto, trs elementos: devedor, credor e vnculo jurdico. O vnculo jurdico a ligao que existe entre o devedor e o credor, que composta por dois elementos: dbito e responsabilidade. Significa que h duas questes ligando devedor e credor: a existncia de uma dvida (dbito) e a possibilidade de cobrana judicial em caso de inadimplemento (responsabilidade).

    Importante para prova da OAB: obrigao natural. a obrigao em que o vnculo jurdico formado apenas pelo dbito, no existindo responsabilidade. Existe uma dvida, mas, se no for cumprida a prestao, o credor no tem o poder de exigi-la judicialmente. No entanto, se adimplida espontaneamente ou at mesmo por engano, no se pode exigir devoluo, pois o dbito existe (art. 882 do CC). o que chamamos de soluti retentio (reteno de pagamento). Exemplo de obrigao natural: dvida de jogo ou aposta.

    Importante para prova da OAB: obrigao propter rem (em razo da coisa). Como o nome sinaliza, direito obrigacional (confrontando devedor e credor) e no direito real. Todavia, tem uma especificidade: a obrigao que surge em razo da aquisio de um direito real. Ao se adquirir um direito real, seu titular adquire algumas obrigaes de devedor perante credor. Exemplos: obrigao de pagar condomnio quando se adquire o direito de propriedade de um apartamento ou o dever que o proprietrio tem de indenizar o possuidor que realiza benfeitorias em seu imvel, nos termos destacados em direitos reais neste livro.

    Como a obrigao propter rem surge por fora da titularidade de um direito real, acompanha o bem se houver transferncia dele, ou seja, o novo titular do direito real a assume. Exemplo: quem compra um apartamento assume as obrigaes de pagar condomnio, at mesmo aquelas que estejam em atraso.

    Cuidado: a obrigao propter rem no se consubstancia apenas no pagamento de valor pecunirio. Deve ser uma obrigao devedor/credor, mas esta pode ser consubstanciada em um dar (dinheiro ou qualquer bem), um fazer ou um no fazer. Assim sendo, o respeito s limitaes dos direitos de vizinhana so obrigaes propter rem, pois consistem em obrigaes de no fazer do proprietrio para respeito a direito de vizinhos. 2. MODALIDADE DAS OBRIGAES

    As modalidades de obrigaes decorrem de dois tipos de classificaes: bsica e especial. Em uma classificao bsica, a depender da natureza da prestao, a obrigao pode ser de trs tipos: obrigao de dar, obrigao de fazer e obrigao de no fazer. Em uma classificao especial, o CC trata de mais trs tipos de modalidades: obrigao alternativa, obrigao divisvel ou indivisvel e obrigao solidria. 2.1. Obrigao de dar

    A obrigao de dar aquela em que a prestao do devedor consiste na entrega de um bem. A obrigao de dar pode ser de dois tipos: dar coisa certa ou dar coisa incerta. Na obrigao de dar coisa certa, o devedor tem a prestao de entregar um bem especfico. Por exemplo, quando algum vende o cavalo campeo de sua fazenda. J a obrigao de dar coisa incerta aquela em que o devedor assume a obrigao de dar um gnero em certa quantidade - por exemplo, quando algum vende trs cavalos de sua fazenda.

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    2.1.1. Obrigao de dar coisa certa

    a obrigao de dar um bem especfico, no servindo outro de mesma espcie, como quando uma pessoa vende o cavalo campeo de sua fazenda. Na verdade, h dois tipos de obrigao de dar coisa certa: dar e restituir. A razo que quando tenho a obrigao de devolver um bem que recebi, no posso impor a entrega de outro de mesma espcie. Portanto, tenho obrigao de dar coisa certa tanto quando tenho que entregar um cavalo que vendi quanto quando tenho que devolver um cavalo que me foi emprestado.

    O tema vem previsto entre os arts. 233 e 242 do CC, onde um nico tema tratado: perda ou deteriorao do bem depois que assumo a obrigao de dar, mas antes da efetiva entrega. Como obrigao de dar coisa certa, no sendo possvel a entrega de outro bem equivalente, qual a consequncia? Quem suporta o prejuzo? isso que a prova da OAB vai exigir de voc saber e as possibilidades so muitas, pois pode ser com culpa ou sem culpa do devedor, pode ser um dar ou um restituir, pode ser perda ou deteriorao ou at mesmo uma melhora no bem.

    Como questo constantemente cobrada na prova da OAB, apresento um macete para que voc, caro leitor, conhea todos os casos previstos nos citados artigos. Basta conhecer uma regra bsica, qual somamos duas regras acessrias lgicas:

    REGRA BSICA: Se o devedor teve culpa na perda do bem, a regra sempre ser a mesma: dever pagar ao credor o equivalente acrescido de perdas e danos. Se o devedor no teve culpa na perda do bem, a regra ser sempre a mesma: res perit domino (a coisa perece para o dono), ser dele o prejuzo. E quem o dono? Depende se a obrigao de dar ou de restituir. Na obrigao de dar, antes da entrega o dono o devedor, pois a aquisio da propriedade s se d com a entrega do bem. Na obrigao de restituir, o dono o credor, pois ele sempre foi o dono, uma vez s ter emprestado para o devedor.

    REGRA ACESSRIA 1: Se ao invs de perda, houver apenas deteriorao do bem, a soluo a mesma, mas com uma diferena: ele poder optar entre a soluo da perda supramencionada ou receber o bem deteriorado, abatendo-se o valor da deteriorao.

    REGRA ACESSRIA 2: Se a coisa perece para o dono, a coisa tambm melhora para o dono, ou seja, se, ao invs da perda ou deteriorao, houver uma melhora no bem antes da entrega, quem dela se beneficiar ser o dono.

    Vamos analisar, com base no macete apresentado, as regras dos arts. 234 a 242 do CC. Qual a consequncia da perda, deteriorao ou melhora do bem antes da tradio, no caso da prestao de dar e no caso da prestao de restituir? a) Prestao de dar, perda do bem, com culpa do devedor (art. 234): Devedor de um carro por t-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o destri porque provoca um acidente com perda total do carro por dirigir embriagado. Ser devedor no equivalente (devolve o valor recebido ou no o recebe) acrescido de perdas e danos. b) Prestao de dar, perda do bem, sem culpa do devedor (art. 234): Devedor de um carro por t-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o carro cai em uma ribanceira por ser levado pela correnteza da inundao provocada por violenta tempestade. Consequncia: resolve-se a obrigao, o que significa desfazer o negcio. Veja que o dono (devedor do carro) sofreu a perda, pois ficou sem o carro e sem o dinheiro. c) Prestao de dar, deteriorao do bem, com culpa do devedor (art. 236): Devedor de um carro por t-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o amassa ao bater por dirigir embriagado. O credor poder escolher entre receber o equivalente mais perdas e danos ou aceitar o bem no estado em que se acha acrescido de perdas e danos, incluindo o abatimento do valor em razo da deteriorao.

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    d) Prestao de dar, deteriorao do bem, sem culpa do devedor (art. 235): Devedor de um carro por t-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o carro amassado por bater em um poste ao ser levado pela correnteza da inundao provocada por violenta tempestade. Consequncia: credor poder optar em resolver a obrigao (desfazer o negcio) ou aceitar o carro amassado, abatendo do seu preo o valor perdido pela deteriorao. Note que o dono (devedor do carro) que sofre a perda, pois ficou sem dinheiro e com o carro amassado ou sem o carro pagando pela deteriorao. e) Prestao de dar, melhora do bem (art. 237): Devedor de uma fazenda por t-la vendido ao credor, mas antes da entrega o bem se valoriza em razo do acrscimo de terra trazido pela correnteza das guas (fenmeno chamado de avulso). O vendedor poder pedir aumento de preo, pois o dono e ele se beneficia com a vantagem. Se o comprador no aceitar pagar o acrscimo, poder o vendedor resolver a obrigao, ou seja, desfazer a venda. E se, ao invs de melhoramento ou acrescido, o bem deu frutos? Os frutos percebidos ou colhidos antes da tradio so do devedor, pois ele ainda dono do bem, mas se pendente quando da tradio, ser do credor, pois o bem acessrio segue a sorte do bem principal. Assim, se o devedor vende uma cadela para entregar tempo depois e antes da entrega fica prenha, se na poca da entrega o filhote j nasceu ser do vendedor, mas se estiver na barriga da cadela na poca da entrega, ser do comprador. f) Prestao de restituir, perda do bem, com culpa do devedor (art. 239): Devedor de um carro por t-lo recebido emprestado do credor, mas antes da entrega o destri porque provoca um acidente de perda total do carro por dirigir embriagado. Ser devedor no equivalente (indeniza o valor do carro) acrescido de perdas e danos. g) Prestao de restituir, perda do bem, sem culpa do devedor (art. 238): Devedor de um carro por t-lo em emprstimo do credor, mas antes da entrega o carro cai em ribanceira levado pela correnteza da inundao provocada por tempestade. O dono o credor

    e ele sofre a perda, ou seja, o devedor no ter que indeniz-lo da perda do carro. h) Prestao de restituir, deteriorao do bem, com culpa do devedor (art. 240): Devedor de um carro por t-lo recebido emprestado do credor, mas antes da entrega o amassa ao bater por dirigir embriagado. O credor poder escolher entre receber o equivalente mais perdas e danos ou aceitar o bem no estado em que se acha acrescido de perdas e danos, incluindo o abatimento do valor em razo da deteriorao. i) Prestao de restituir, deteriorao do bem, sem culpa do devedor (art. 240): Devedor de um carro por t-lo recebido emprestado do credor, mas antes da entrega o carro amassado por bater em um poste ao ser levado pela correnteza da inundao provocada por violenta tempestade. O dono o credor, que sofrer a perda, pois a lei diz que ele receber o bem deteriorado sem direito de indenizao. j) Prestao de restituir, melhora do bem (art. 241 e 242): Devedor de uma fazenda por t-la recebida emprestada do credor, mas antes da entrega o bem se valoriza em razo do acrscimo de terra trazido pela correnteza das guas (fenmeno chamado de avulso). Por evidente, ser do credor o ganho, pois ele o dono do bem, recebendo-o de volta valorizado, desobrigado de indenizar. Se para o melhoramento ou acrscimo houve trabalho do devedor, benfeitoria, razo pela qual o art. 242 do CC determina aplicar as regras do direito de indenizao que o possuidor de boa-f e de m-f tem em razo das benfeitorias que faz no bem (sobre isso, ver o captulo prprio na parte de direitos reais neste livro, quando da abordagem dos efeitos da posse). 2.1.2. Obrigao de dar coisa incerta

    a obrigao de dar um gnero em certa quantidade, como na venda de trs cavalos de uma fazenda. Em dado momento, os bens a serem entregues devero ser escolhidos, o que chamamos de concentrao da prestao. A quem cabe a escolha? A quem definido no contrato. Se nada for dito, a escolha caber ao devedor, que no poder

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    escolher o pior nem ser obrigado a escolher o melhor.

    Feita a escolha, a obrigao de dar coisa incerta se transforma em obrigao de dar coisa certa, aplicando-se as regras que lhe so prprias. No entanto, se antes da escolha o bem se perder ou se deteriorar, mesmo que por caso fortuito ou motivo de fora maior, o devedor no se exime de cumprir a prestao, pois o gnero no perece, podendo o bem ser substitudo por outro da mesma espcie para ser entregue ao credor. 2.2. Obrigao de fazer

    A obrigao de fazer aquela em que a prestao do devedor consiste na realizao de uma atividade, como na contratao da prestao de um servio. A obrigao de fazer pode ser de dois tipos: personalssima (infungvel) ou no personalssima (fungvel). Ser personalssima quando s o devedor puder cumprir a prestao, como na contratao de um pintor famoso para pintura do retrato do credor em um quadro. Ser no personalssima quando no s o devedor, mas outra pessoa tambm puder cumprir a prestao, como a contratao de um pintor para pintura das paredes de uma casa.

    Por que diferenciar? Se for obrigao personalssima e o devedor se recusa a cumpri-la ou por sua culpa se tornou impossvel, responde por perdas e danos. Se for obrigao no personalssima, poder o credor optar em reclamar indenizao por perdas e danos ou mandar executar s custas do devedor. Como isso feito? Ajuizamento de ao com oramento do servio, pedindo condenao do devedor do fazer a pagar. Todavia, se for urgente, poder o credor mandar executar o fato independente de prvia autorizao judicial, buscando em juzo depois o ressarcimento do que foi gasto.

    As obrigaes de fazer podem ser classificadas em obrigao de meio e de resultado ou de fim. Nas obrigaes de resultado, o devedor se vincula a atingir determinado resultado, sob pena de inadimplemento e, consequentemente, dever de indenizar perdas e danos. J na obrigao

    de meio, o devedor no se vincula a atingir determinado resultado, mas sim a corresponder no meio para atingi-lo, ou seja, a empregar a diligncia na busca do resultado. No responde se o resultado no for atingido, apenas se no empregou a diligncia necessria. Um advogado ou um mdico tem obrigao de meio, enquanto que, segundo a jurisprudncia do STJ, o cirurgio plstico, embora seja um mdico, tem obrigao de resultado, quando se tratar de interveno meramente esttica ou embelezadora. 2.3. Obrigao de no fazer

    A obrigao de no fazer uma obrigao a uma absteno, por exemplo, no levantar um muro divisrio. Se o devedor descumprir a obrigao, fazendo o que se obrigou a no fazer, dever indenizar o credor em perdas e danos? Nem sempre, pois s vezes se tornou impossvel, sem culpa do devedor, abster-se do ato. Nesse caso, apenas se resolve a obrigao (volta ao estado anterior do negcio), no tendo que indenizar perdas e danos. Exemplo: a pessoa se viu obrigada a levantar o muro para impedir que a gua invadisse sua casa. Se, porm, simplesmente decidiu fazer o que se obrigara a no fazer, ser condenado a indenizar perdas e danos e, se o fizer, consistir em uma obra, poder o credor pedir judicialmente para desfaz-la. Se for urgente, poder mandar desfazer independente de autorizao judicial, buscando em juzo o ressarcimento. 2.4. Obrigaes alternativas

    A obrigao alternativa aquela que compreende duas ou mais prestaes, mas se extingue com a realizao de apenas uma delas. Exemplo: obrigao de dar um carro ou uma moto. A quem cabe a escolha de que prestao cumprir? Em regra ao devedor, pois a obrigao se extingue com ele cumprindo uma ou outra prestao. Todavia, o contrato pode prever que a escolha cabe ao credor. o que diz o art. 252 do CC, que completa: no pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestao e parte em outra.

    Importante: o que ocorre quando uma ou todas as prestaes no puderem ser

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    cumpridas? A resposta ir variar se a escolha cabia ao devedor ou ao credor. a) Impossibilidade de uma das prestaes: Se a escolha couber ao devedor, subsiste a obrigao com a outra prestao (art. 253 do CC). Mesma soluo, se a escolha couber ao credor e a impossibilidade se deu sem culpa do devedor. Todavia, se por culpa dele, o credor poder exigir a prestao subsistente ou o valor em dinheiro da prestao impossibilitada, acrescido de perdas e danos (art. 255 do CC). Exemplo: devedor de um carro ou uma moto destri a moto ao dirigir embriagado. Consequncia: se a escolha cabe ao devedor, obrigao simples de dar o carro; se cabe ao credor, pode cobrar o carro ou o valor em dinheiro da moto mais perdas e danos. Se a moto foi destruda acidentalmente, mesmo cabendo a escolha ao credor, obrigao simples de dar o carro. b) Impossibilidade de ambas as prestaes: Se a escolha couber ao devedor e este tiver culpa, ficar obrigado a pagar o valor da prestao que se impossibilitou por ltimo, acrescido de perdas e danos (art. 254 do CC). Se a escolha couber ao credor e o devedor culpado, poder reclamar o valor de qualquer uma delas acrescido de perdas e danos (art. 255 do CC, in fine). No entanto, se ambas as prestaes tornaram-se impossvel sem culpa do devedor, independe de quem cabe a escolha: extinta estar a obrigao, ou seja, desfeito o negcio jurdico (art. 256 do CC). 2.5. Obrigaes divisveis e indivisveis

    Obrigao divisvel aquela em que pode ser fracionado o objeto da prestao, o que no possvel na obrigao indivisvel. Como exemplo, a obrigao de dar dinheiro obrigao divisvel e a obrigao de dar um cavalo obrigao indivisvel.

    S h importncia em determinar o tipo de obrigao quando houver pluralidade de devedores e/ou credores. Sendo obrigao divisvel, no h problema, pois cada um cobra ou cobrado em sua parte (se no for determinada a parte que cabe a cada um, presume-se dividida em partes iguais). Entretanto, sendo obrigao indivisvel, como

    cada um cobrar ou ser cobrado em sua parte, j que o objeto no pode ser dividido?

    Havendo mais de um devedor em obrigao indivisvel, cada um responde por toda a dvida, pois no h como fracionar a cobrana. Agora, aquele que pagar a dvida, sub-roga-se nos direitos do credor perante os demais coobrigados (art. 259 do CC). Exemplo: se duas pessoas devem um cavalo, qualquer um deles pode ser cobrado, mas quem pagar poder cobrar do outro, em dinheiro, metade do valor do animal.

    Havendo mais de um credor em obrigao indivisvel, qualquer um deles poder cobrar a dvida por inteiro, tornando-se devedor perante os demais credores nas suas respectivas partes em dinheiro (art. 261 do CC). 2.6. Obrigaes solidrias

    Na pluralidade de credores ou devedores em obrigao indivisvel, todos so obrigados ou tm direito a toda dvida por ser fisicamente impossvel dividir o objeto da prestao. Todavia, possvel haver obrigao divisvel em que todos so obrigados ou tm direito a toda a dvida por determinao da lei ou da vontade das partes: a obrigao solidria.

    Imagine dois amigos devendo vinte mil reais a um credor. Em tese, cada um deve dez mil reais, mas, se for obrigao solidria, o credor pode cobrar toda a dvida de qualquer deles (quem paga se sub-roga nos direitos do credor perante os demais devedores). Por outro lado, se um devedor deve vinte mil reais a dois amigos, em tese, deve dez mil reais para cada um deles, mas, se for obrigao solidria, qualquer dos credores pode cobrar toda a dvida (quem recebe se torna devedor perante os demais credores).

    Portanto, haver solidariedade quando houver mais de um devedor ou mais de um credor obrigados ou com direito totalidade da dvida. A solidariedade no se presume, resultando apenas da lei ou da vontade das partes. A solidariedade pode ser ativa ou

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    passiva, a depender se a pluralidade est no plo ativo ou passivo da obrigao. 2.6.1. Solidariedade ativa

    a obrigao em que h mais de um credor, cada um deles com direito a toda a dvida. No vencimento, qualquer credor pode se antecipar e cobrar toda a dvida ou, enquanto nenhum deles a cobrar, o devedor se libera pagando a qualquer deles. Quem receber, responde perante os demais credores, tornando-se devedor nas partes que lhes cabe.

    O mesmo ocorre se um dos credores remitir (perdoar) a dvida. Devedor deve trinta mil reais a trs credores solidrios e um deles perdoa toda a dvida. Este se tornar devedor de dez mil reais a cada um dos demais credores, como se ele tivesse se antecipado e cobrado o devedor (art. 272 do CC). Cuidado: diferente quando credor solidrio perdoa sua parte. Nesse caso, subsiste a solidariedade para os demais credores depois de sua parte ser descontada. No exemplo citado, o devedor continua a dever vinte mil reais a dois credores solidrios.

    A solidariedade personalssima, ou seja, se um dos credores falecer e deixar herdeiros, estes no se tornaro credores solidrios. Significa que cada um de seus herdeiros s poder exigir e receber a quota que corresponder ao seu quinho hereditrio. Imagine um devedor devendo trinta mil reais a trs credores solidrios, sendo que um deles morre deixando dois filhos. Os filhos no podero cobrar os trinta mil, pois no se tornam credores solidrios. Cada um s poder cobrar a parte que lhe cabe na herana, ou seja, cada um s pode cobrar cinco mil reais.

    Todavia, em dois casos, os herdeiros podero cobrar a dvida toda: se a obrigao for indivisvel (exemplo: o devedor deve um cavalo aos trs credores solidrios) ou, segundo jurisprudncia do STJ, se os herdeiros cobrarem juntos atravs do esplio, pois no direito das sucesses aprendemos que o esplio se sub-roga nos direitos do de cujos.

    Nos termos do art. 271 do CC, convertendo-se a prestao em perdas e

    danos, nelas subsistem a solidariedade. Imagine um devedor de um carro a trs credores solidrios, mas o destri ao dirigir embriagado. Trata-se de obrigao de dar coisa certa com perda do bem por culpa do devedor. Conforme visto, torna-se devedor no equivalente acrescido em perdas e danos, no que permanecer havendo a solidariedade. 2.6.2. Solidariedade passiva

    a obrigao em que h mais de um devedor, cada um deles obrigados a toda a dvida. Significa que o credor tem direito de exigir de qualquer deles o valor total da dvida, mas quem pagar se tornar credor dos demais devedores nas suas respectivas partes (internamente no h solidariedade). Se o credor optar cobrar apenas parcialmente de um dos devedores solidrios, os demais continuam obrigados solidariamente pelo resto.

    Se um dos devedores solidrios falecer, a solidariedade transferida aos seus herdeiros? No, pois, como visto, a solidariedade personalssima. Significa que os herdeiros s podem ser cobrados na quota que corresponde ao seu quinho hereditrio. Todavia, h duas excees: se a obrigao for indivisvel (ex: devedores solidrios devem um cavalo) ou se os herdeiros forem cobrados juntos atravs do esplio, pois o direito das sucesses preceitua que o esplio se sub-roga nos deveres do de cujos.

    Ateno: a lei d tratamento diferente quanto manuteno da solidariedade no que se refere ao pagamento de perdas e danos e de juros que podem ser irradiados da obrigao, pois nas perdas e danos no subsiste a solidariedade. Mas nos juros, sim.

    Se devedores solidrios tm obrigao de dar um carro e, por culpa de um deles, este destrudo, a obrigao se converte no pagamento do valor equivalente acrescido de perdas e danos. No valor equivalente, todos continuam devedores solidrios, mas pelas perdas e danos s responde o culpado (art. 279 do CC). Todavia, se um dos devedores solidrios d causa a acrscimo de juros ao valor devido, todos respondem solidariamente pelo valor dos juros, pois o pagamento de juros

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    uma obrigao acessria e o acessrio segue a sorte do principal (art. 280 do CC).

    Importante (art. 285 do CC): Conforme vimos, o devedor solidrio que paga a dvida pode cobrar dos demais devedores a parte que lhes cabe (se nada for dito, presume-se dividida em partes iguais). Todavia, se a dvida solidria interessar exclusivamente a um dos devedores solidrios, responder este por toda a dvida quando da ao regressiva aos demais credores. O exemplo tpico o contrato de fiana. Quando h renncia ao benefcio de ordem, devedor principal e fiador so devedores solidrios. Se o fiador for cobrado, poder cobrar em regresso do devedor principal no s a metade da dvida, mas sim sua totalidade, pois uma dvida contrada no seu exclusivo interesse. Da mesma forma, sendo caso de mais de um fiador e um deles sendo cobrado pela dvida, s ter ao regressiva contra o devedor principal na totalidade da dvida, no tendo ao contra os demais co-fiadores. 3. TRANSMISSO DAS OBRIGAES

    Haver transmisso da obrigao quando houver uma substituio subjetiva em seus polos, ou seja, uma troca de devedor ou de credor. So dois os tipos de transmisso das obrigaes: cesso de crdito e assuno de dvida. Na cesso de crdito h uma substituio no polo ativo, ou seja, h uma troca de credores, pois o credor cede a um terceiro o seu crdito. Na assuno de dvida h uma substituio no polo passivo, ou seja, uma troca de devedores, pois um terceiro assume a obrigao do devedor. 3.1. Cesso de crdito

    A cesso de crdito se caracteriza pela substituio no polo ativo da obrigao, havendo uma troca de credores em razo da alienao, gratuita ou onerosa, de um crdito a um terceiro, que se tornar o novo credor da obrigao. A lei permite a cesso do crdito quando a isso no se opuser a natureza da obrigao, a lei ou o acordo das partes. Quem cede o crdito chamado de cedente e quem o recebe chamado de cessionrio.

    A cesso do crdito independe da concordncia do devedor. A lei exige apenas a notificao da cesso, para que ele no pague pessoa errada. Caso o devedor no seja notificado e pague de boa-f ao antigo credor, ele estar desobrigado, s restando ao verdadeiro credor cobrar do cedente, que indevidamente recebeu o pagamento.

    Em regra, o cedente no responde pela solvncia do devedor, ou seja, caso o cessionrio no consiga receber o crdito em razo da insolvncia do devedor, no poder cobrar a dvida do cedente. No entanto, ele responder se vier expresso no contrato. Quando o cedente no responde pela solvncia do devedor, a cesso chamada de cesso de crdito pro soluto; quando o cedente responde pela solvncia do devedor, chamada de cesso de crdito pro solvendo.

    Embora o cedente, em regra, no responda pela solvncia do devedor, ele responde pela existncia do crdito, ou seja, se ceder um crdito que no existe, a sim poder ser cobrado pelo cessionrio. O cedente responder pela existncia do crdito tendo o cedido gratuita ou onerosamente. Se ceder de forma onerosa, responder tendo agido de m-f ou at mesmo de boa-f, pois recebeu pela cesso, devolvendo o valor auferido. No entanto, na cesso gratuita, como nada recebeu em troca, s responder se tiver procedido de m-f, ou seja, se sabia da inexistncia do credito que cedeu.

    Por fim, na cesso de crdito vigora o princpio da oponibilidade das excees pessoais contra terceiros. O que significa isso? Quando o cessionrio cobrar a dvida do devedor, este poder se defender alegando as defesas pessoais que cabiam contra o cedente (art. 294 do CC). Exemplo: o devedor comprou um carro usado do credor, mas no vai pagar porque apresentou vcio redibitrio. S que o credor cedeu o crdito a um terceiro, que quem cobra a dvida. O devedor poder se defender contra o cessionrio alegando o vcio redibitrio, mesmo sendo uma defesa pessoal contra o cedente.

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    3.2. Assuno de dvida

    A assuno de dvida se caracteriza pela substituio no polo passivo da obrigao, havendo uma troca de devedores. A lei permite que terceiro assuma a dvida do devedor, mas exige a concordncia expressa do credor. No entanto, independe de consentimento do devedor, podendo a assuno de dvida ser por delegao (com consentimento do devedor) ou por expromisso (sem consentimento do devedor).

    O terceiro que assume a obrigao chamado de assuntor. Quando ele assume a obrigao, o devedor primitivo est exonerado, pois deixou de ser o devedor. Todavia, h um caso em que o devedor primitivo no estar exonerado, podendo ser cobrado pelo credor: se a cesso foi feita a quem insolvente e o credor a aceitou por no saber do fato.

    Com a assuno de dvida, salvo consentimento expresso do devedor primitivo, estaro extintas as garantias dadas por ele, afinal ele no mais o devedor. Se a substituio vier a ser anulada, restaura-se o dbito do devedor primitivo, com todas as garantias que existiam. Exceo: no retornaro as garantias dadas por terceiros, por exemplo, hipoteca de um bem de terceiro. Exceo da exceo: a garantia dada por terceiro poder retornar, caso ele soubesse da causa que gerou anulao da substituio.

    O assuntor, como novo devedor, poder alegar que tipo de defesa ao ser cobrado pelo credor? Com efeito, a defesa pode ser de dois tipos: comum ou pessoal. Ser comum quando for defesa de qualquer pessoa que venha a ser cobrado pelo credor (ex. prescrio da dvida). Por outro lado, ser defesa pessoal quando for exclusiva de uma pessoa (ex. compensao de dvida). O assuntor, ao ser cobrado, poder se valer das defesas comuns ou das suas pessoais, no podendo se valer das defesas pessoais que cabiam ao devedor primitivo (art. 302 do CC). 4. ADIMPLEMENTO E EXTINO DAS OBRIGAES

    O meio normal de extino da obrigao o devedor cumprir a prestao, o que chamamos de pagamento. Note que o sentido tcnico de pagamento difere do seu sentido leigo, pois pagamento coloquialmente usado no sentido de dar dinheiro. Pagamento em sentido tcnico cumprir a prestao, seja um dar (dinheiro ou qualquer outro bem), um fazer ou at um no fazer.

    No entanto, a obrigao pode ser extinta por meios anormais, havendo extino da obrigao de uma forma alternativa, de uma forma diferente do que o cumprimento da prestao. So as formas anormais de extino da obrigao: pagamento em consignao, pagamento com sub-rogao, imputao de pagamento, dao em pagamento, novao, compensao, confuso e remisso. 4.1. Pagamento

    Pagamento o meio normal de extino da obrigao, ou seja, o cumprimento da prestao (dar, fazer ou no fazer). O CC inicia o tema abordando quem deve pagar (chamado de solvens) e a quem se deve pagar (chamado de accipiens).

    O CC trata de quem deve pagar, mas, na verdade, o que se estabelece so regras sobre quem pode pagar. A obrigao pode ser paga por qualquer pessoa que tenha algum tipo de interesse, ou seja, pelo devedor ou por um terceiro. A lei, no entanto, estabelece consequncias diferentes para o pagamento sendo feito pelo devedor, por terceiro interessado ou por terceiro no interessado. Quando se fala em terceiro interessado ou no interessado, fala-se em interesse jurdico, pois, se o terceiro paga, algum tipo de interesse ele tem. O terceiro ser interessado quando puder ser cobrado pela dvida. Assim, um fiador que paga a dvida do afianado um terceiro interessado, mas o pai que paga a dvida de um filho maior de idade, embora tenha um interesse sentimental, considerado um terceiro no interessado.

    Se o devedor efetuar o pagamento, extinta estar a obrigao e ele estar exonerado. Se um terceiro pagar, tambm estar extinta, mas ele poder reaver o valor

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    pago, embora de forma diferente a depender de quem pagou: se terceiro interessado, sub-roga-se nos direitos do credor; se terceiro no interessado, apenas tem direito de reembolso, no se sub-rogando nos direitos do credor. Em ambos os casos, o terceiro cobra do devedor o que pagou por ele, mas diferem porque, ao se sub-rogar nos direitos do credor, ter as garantias especiais dadas a ele, o que no ocorre no mero direito de reembolso. Detalhe: isso ocorrer se o terceiro pagar em seu nome, pois se pagar em nome do devedor, considerado uma mera ajuda, no tendo direito de reaver o que pagou.

    A quem se deve pagar? O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente. Se o pagamento foi feito pessoa errada, pagou-se mal e quem paga mal, paga duas vezes, pois o verdadeiro credor poder cobr-lo. No entanto, em dois casos, o pagamento feito a um terceiro libera o devedor: se o credor confirmar o pagamento ou tanto quanto provar ter se revertido ao credor.

    H um caso em que o pagamento feito a um terceiro e o devedor est liberado, mesmo que o credor no confirme nem se prove a reverso em seu benefcio. o caso do pagamento feito ao chamado credor putativo. Putativo vem de putare, que significa crer, acreditar. Haver credor putativo quando se paga de boa-f a quem no o credor, ou seja, se pagou pessoa errada, mas havia motivos para acreditar ser ele o credor. Um exemplo j foi visto quando da abordagem do tema cesso de crdito. Vimos que o devedor no precisa concordar, mas deve ser notificado da cesso de crdito para saber que o credor mudou. Vimos que se no for notificado e de boa-f pagar ao cedente, ele est exonerado e a razo simples: pagou a credor putativo.

    No que se refere ao objeto do pagamento, este ser o cumprimento da prestao. O credor no obrigado a aceitar prestao diversa da que lhe devida, ainda que mais valiosa, afirma o art. 313 do CC. Ainda que a obrigao seja divisvel, como dever dinheiro, no pode o credor ser obrigado a receber nem o devedor ser obrigado a pagar por partes, se assim no se ajustou.

    Quem paga tem direito de receber uma prova de que pagou. o que chamamos de quitao. O instrumento da quitao o recibo, que sempre pode ser por instrumento particular. Se o credor se recusar a dar quitao, o devedor pode legitimamente reter o pagamento enquanto no lhe for dada.

    Assim sendo, em regra, quem prova o pagamento o devedor, apresentando o recibo recebido como instrumento da quitao. No entanto, em trs casos haver presuno de pagamento, dispensando o devedor de provar que pagou. Ocorre que uma presuno relativa, ou seja, aquela que admite prova em contrrio. Desta forma, sendo um dos casos de presuno de pagamento, no se fixa uma verdade absoluta de que existiu pagamento, mas sim uma inverso do nus da prova, pois o devedor no precisa provar que pagou, mas o credor pode provar que o devedor no pagou. So os trs casos de presuno de pagamento: a) Art. 322 do CC: quando o pagamento for em quotas peridicas, a quitao da ltima estabelece, at em prova em contrrio, a presuno de estarem solvidas as anteriores; b) Art. 323 do CC: sendo a quitao do capital sem fazer reserva que os juros no foram pagos, estes se presumem pagos; e c) Art. 324 do CC: a entrega do ttulo firma presuno do pagamento, presuno que pode ser elidida no prazo de sessenta dias.

    Para se efetuar o pagamento, importa saber o lugar do cumprimento da obrigao. nesse lugar que se devem reunir credor e devedor na data marcada, no podendo o devedor oferecer nem o credor exigir o cumprimento em lugar diverso.

    No direito comparado, h dois tipos de obrigao: qurable ou portable. A obrigao qurable (chamada no Brasil de quesvel) aquela que deve ser cumprida no domiclio do devedor e obrigao portable (chamada no Brasil de portvel) aquela que deve ser cumprida no domiclio do credor. No Brasil,

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    conforme previso do art. 327 do CC, em regra as obrigaes devem ser cumpridas no domiclio do devedor, ou seja, so quesveis ou qurable. Poder ser portvel ou at em outro local a depender da vontade das partes, da lei, da natureza da obrigao ou das circunstncias. Como exemplo, o art. 328 do CC determina que se o pagamento consistir na entrega de um imvel ou de prestaes relativas a ele dever ser cumprido onde situado o bem. 4.2. Pagamento em consignao

    Consignao de pagamento significa o depsito judicial ou em estabelecimento bancrio da coisa devida, o que a lei equipara a pagamento, extinguindo a obrigao. O devedor tem no s o dever de pagar, mas tambm o direito de faz-lo para evitar as consequncias de sua mora. A consignao em pagamento , portanto, um valioso instrumento para o devedor no suportar os encargos moratrios.

    Poder o devedor consignar pagamento basicamente quando houver mora do credor ou algum risco para o devedor na realizao do pagamento direto. Nesse sentido, o art. 335 do CC arrola casos de cabimento da consignao em pagamento: se o credor se recusar sem justa causa a receber o pagamento ou no puder receb-lo, se o devedor tiver dvida sobre quem o verdadeiro credor ou se o credor for desconhecido, entre outros.

    Feito o depsito, a princpio, suspende a incidncia dos encargos moratrios, mas o devedor dever propor ao judicial para discusso da matria, podendo o credor impugnar o pagamento, pois s exonera o devedor se observados os mesmos requisitos exigidos para validade do pagamento. Se julgado improcedente, o depsito no ter efeito. O processo tem procedimento especial previsto no CPC. 4.3. Pagamento com sub-rogao

    Pagamento com sub-rogao a operao pela qual o crdito se transfere com todos os seus acessrios a um terceiro que paga dvida alheia. Sub-rogar substituir, o

    que significa que haver aqui uma substituio de credor, extinguindo a obrigao com relao ao credor originrio. A ideia : A deve a B e um terceiro C paga essa dvida e agora A deve a C, pois este se sub-rogou nos direitos de B.

    Como uma simples substituio no polo ativo, o vnculo se mantm e o novo credor tem todos os privilgios e garantias que tinha o credor originrio (art. 349 do CC). No entanto, possvel que um terceiro pague dvida alheia e no se sub-rogue nos direitos do credor, caso em que ter mero direito de reembolso contra o devedor, por no ser um dos casos de pagamento com sub-rogao. A diferena que poder cobrar dele o que pagou, mas sem ter os privilgios e garantias do credor originrio, pois surge um novo vnculo, uma nova obrigao (de reembolso), extinguindo a obrigao primitiva.

    A sub-rogao pode ser de dois tipos: legal ou convencional, a depender se decorre de lei ou da vontade das partes. O CC prev, em art. 346, os casos em que a sub-rogao se opera de pleno direito, ou seja, se um terceiro paga a dvida, ele se sub-roga automaticamente nos direitos do credor primitivo, independente da vontade das partes. Se a lei no prev como caso de sub-rogao, teria o terceiro mero direito de reembolso, mas as partes podero prever a sub-rogao, passando o terceiro a ter os privilgios e garantias do credor primitivo, o que no existiria no mero direito de reembolso.

    Como exemplo, trago um caso visto no estudo do pagamento. Se terceiro interessado paga a dvida do devedor, sub-roga-se automaticamente nos direitos do credor, mantendo-se os privilgios e as garantias (art. 346, III, do CC). Se terceiro no interessado paga a dvida do devedor, apenas ter direito de reembolso, no se sub-rogando nos direitos do credor (sem os privilgios e garantias do credor originrio). No entanto, se o terceiro no interessado pagar a dvida do devedor condicionado a sub-rogar-se nos direitos do credor, haver pagamento com sub-rogao convencional e ter o novo credor os privilgios e garantias do credor primitivo (art.347, II, do CC).

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    4.4. Novao

    Novao o meio de extino da obrigao pelo surgimento de uma nova obrigao. A novao pode ser de dois tipos: objetiva ou subjetiva. A novao objetiva quando a nova obrigao difere da obrigao anterior pela substituio da prestao (ex. obrigao de dar dinheiro transformada em obrigao de fazer ou obrigao veiculada em cheque substituda por obrigao veiculada em nota promissria). A novao ser subjetiva quando a nova obrigao difere da obrigao anterior pela substituio do credor (novao subjetiva ativa) ou do devedor (novao subjetiva passiva).

    Importante: qual a diferena entre pagamento com sub-rogao e novao subjetiva ativa? Em ambos os casos, h troca do credor, mas diferem porque no pagamento com sub-rogao o vnculo se mantm, havendo apenas a troca de credor, enquanto que na novao, extingue-se o vnculo anterior, surgindo uma nova obrigao com um novo vnculo. Consequncia: no pagamento com sub-rogao se mantm para o novo credor os privilgios e garantias do credor primitivo, enquanto que na novao, extinguem-se os privilgios e garantias do credor primitivo, no as tendo o novo credor.

    Do exposto acerca da sub-rogao e novao, podemos chegar a uma concluso: quando o pagamento efetuado por um terceiro, seja interessado ou no interessado, ele poder reaver do devedor primitivo o que por ele pagou. A diferena que quando o pagamento feito por terceiro interessado, h pagamento com sub-rogao, enquanto que no pagamento feito por terceiro no interessado, h novao, pois se extingue o vnculo anterior, surgindo uma nova obrigao com um novo vnculo (a obrigao de reembolso). Por isso, o terceiro interessado ter os privilgios e garantias do credor primitivo, mas o terceiro no interessado no, a no ser que se valha do pagamento com sub-rogao convencional, ou seja, condicionando o pagamento a sub-rogar-se nos direitos do credor. 4.5. Imputao ao pagamento

    Se um devedor tem vrias dvidas diferentes com um credor, mas no lhe entrega valor suficiente para pagamento de todas, preciso identificar quais as dvidas foram extintas.

    Imputao ao pagamento a indicao da dvida a ser paga quando uma pessoa se encontra obrigada por dois ou mais dbitos com o mesmo credor, sem poder pagar todos eles. Note que imputao ao pagamento no bem um meio de extino da obrigao, mas sim a determinao de que obrigao est extinta quando nem todas forem pagas.

    Antes de a lei definir quais obrigaes esto extintas (imputao legal), as partes tm o direto de definir (imputao convencional). Assim, em primeiro lugar, quem define o devedor. No seu silncio, o credor define em quais d quitao. Se nenhum deles definir, a lei definir, estabelecendo a seguinte ordem: (i) primeiro se pagam os juros vencidos e s depois o capital; (ii) pagamento imputado s dvidas vencidas h mais tempo; (iii) se todas vencidas no mesmo tempo, a imputao ser na mais onerosa (maiores juros ou multas); (iv) se todas no mesmo tempo e mesmos nus, a lei no d soluo, mas jurisprudncia diz ser de forma proporcional em cada uma das obrigaes. 4.6. Dao em pagamento

    Dao em pagamento a forma de extino da obrigao atravs da qual o credor aceita receber prestao diversa da que lhe devida. Conforme visto, nos termos do art. 313 do CC, o credor no obrigado a aceitar prestao diversa da contratada, ainda que mais valiosa. Porm, nada impede que o credor aceite prestao diversa, caso em que haver extino da obrigao de uma forma anormal, que no pelo pagamento, chamada de dao em pagamento.

    Conforme ser visto em contratos neste livro, evico a perda judicial ou at administrativa de um bem em razo de vcio jurdico anterior alienao. Quem vende no poderia ter vendido e quem compra perde para um terceiro, buscando do alienante uma indenizao. Se o devedor d coisa diversa em

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    pagamento e o credor a perde pela evico, restabelece-se a obrigao primitiva, ficando sem efeito a quitao dada, ressalvados os direitos de terceiro (art. 359 do CC). 4.7. Compensao

    Compensao a forma de extino das obrigaes entre duas pessoas que so, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra. O meio normal de extino da obrigao o pagamento, ou seja, o cumprimento da prestao. Todavia, quando duas pessoas so devedoras e credoras uma da outra, no h sentido que os pagamentos sejam feitos para extino das obrigaes. Compensam-se as dvidas e extintas esto as obrigaes at onde se compensarem.

    A compensao pode ser de dois tipos: legal ou convencional, a depender se decorre da lei ou da vontade das partes. A compensao legal se dar automaticamente, bastando presentes os requisitos legais, quais sejam: reciprocidade das obrigaes (um deve ao outro e vice versa), liquidez e vencimento das prestaes e envolverem bens fungveis entre si (no basta serem bens fungveis, devem ser substituveis entre si, ou seja, homogneos, por exemplo, dinheiro por dinheiro ou saca de caf por saca de caf, no podendo ser dinheiro por saca de caf). Mesmo ausentes tais requisitos, ainda sim poder haver compensao, mas ser convencional, por depender da vontade das partes. Nada impede, portanto, haver compensao de uma dvida vencida com outra a termo, com bens infungveis ou de natureza diferente (dinheiro por saca de caf), mas ser compensao convencional, onde o que importa a vontade das partes.

    A reciprocidade um requisito para a compensao legal, ou seja, devedor deve ao credor e vice-versa, mas h uma exceo: quando envolver o fiador. O devedor somente compensa sua dvida para o credor com a dvida do credor contra ele, mas o fiador pode compensar sua dvida para o credor ( dele devedor porque fiador) com a dvida que o credor tem com o afianado, ou seja, no com ele, pois o fiador no devedor em causa

    prpria, mas mero garantidor de uma dvida do afianado (art. 371 do CC). 4.8. Confuso e Remisso

    Confuso a forma de extino das obrigaes por reunirem na mesma pessoa a qualidade de credor e devedor. Imagine um pai que deve uma quantia em dinheiro a seu filho, que seu nico herdeiro. Com a morte do pai, o filho assume o dbito, mas ele prprio o credor, gerando extino da obrigao pela confuso. A confuso pode se verificar a respeito de toda a dvida (total) ou s de parte dela (parcial). No exemplo citado, se so dois filhos, tendo o credor um irmo, s haver extino da obrigao relativa metade da dvida (esplio devedor de metade do valor para o filho credor).

    Remisso a forma de extino da obrigao com o perdo da dvida pelo credor. Cuidado: no confunda remisso com remio. A causa de extino da obrigao a remisso, o ato de remitir, que significa perdo, perdoar. Remio ou ato de remir no causa de extino da obrigao, pois significa resgate, resgatar.

    Tanto na confuso quanto na remisso h um aspecto importante para voc saber sobre obrigaes solidrias. Confuso ou remisso entre credor e um dos devedores solidrios ou entre o devedor e um dos credores solidrios: mantm-se a solidariedade entre os demais, descontada a parte remitida ou da confuso parcial.

    Exemplo: Imagine trs devedores solidrios em trinta mil reais ao pai de um deles (solidariedade passiva). Com a morte do pai ou do filho ou se o pai perdoar s a dvida do filho, os outros dois devedores sero solidrios em vinte mil reais. Da mesma forma, imagine que um devedor deve trinta mil reais a trs credores solidrios, sendo um deles o pai do devedor (solidariedade ativa). Com a morte do pai ou do filho ou se o pai perdoar s a dvida do filho, os outros dois credores sero solidrios em vinte mil reais.

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    5. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAES 5.1. Diferena entre inadimplemento e mora

    Quando o devedor no cumpre a prestao, estamos diante do inadimplemento, que pode ser de dois os tipos: absoluto ou relativo. O inadimplemento absoluto quando a prestao no cumprida e no mais til ao credor que o devedor a cumpra - por exemplo, contratao de cantor para cantar em um casamento que no comparece cerimnia. O inadimplemento relativo quando a prestao no cumprida, mas ainda til ao credor que o devedor a cumpra, por exemplo, no pagamento de uma dvida em dinheiro no dia do vencimento. O inadimplemento absoluto chamado simplesmente de inadimplemento e o inadimplemento relativo chamado de mora.

    Note que a diferena entre inadimplemento e mora reside no critrio de utilidade para o credor. Em ambos os casos, a prestao no cumprida, sendo inadimplemento se a prestao no mais til ao credor e mora se a prestao ainda til ao credor.

    Por que diferenciar mora e inadimplemento? Se o caso de inadimplemento, como a prestao no mais til ao credor, a nica soluo o pagamento de indenizao por perdas e danos (ar. 389 do CC). Por outro lado, se o caso de mora, cabe o que chamamos de purgao ou emenda da mora. O que isso? cumprir a obrigao, porque ainda til para o credor, acrescido dos encargos moratrios. Purga-se a mora pagando-se com retardo, acrescido de: correo monetria, juros de mora, perdas e danos decorrentes da mora e eventual honorrios de advogado (art. 395 do CC). 5.2. Mora

    O art. 394 do CC diz que se considera em mora o devedor que no efetuar o pagamento e o credor que no quiser receb-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a conveno estabelecer. Note haver mora no apenas quando no se paga no tempo devido, mas tambm se no se paga no lugar e na

    forma devida. Note ainda no haver mora s do devedor, mas tambm do credor, que ocorre quando este no quiser injustificadamente receber o pagamento, sendo o pagamento em consignao a soluo para o devedor se livrar dos encargos da mora.

    Segundo art. 395 do CC, configurada a mora, o devedor pode purg-la, cumprindo a prestao acrescida dos encargos moratrios. Todavia, se a prestao tornar-se intil ao credor, este poder enjeit-la e pedir perdas e danos. A razo simples: se intil ao credor, deixou de ser mora e se transformou em inadimplemento absoluto.

    Como exemplo, imagine uma costureira que deixa de entregar o vestido de noiva no prazo estipulado. caso de mora ou inadimplemento? Depende. Se ainda no houve a cerimnia, em razo de a data marcada lhe ser bastante anterior, o caso de mora; se j houve a cerimnia, em razo da data marcada ter sido na vspera do casamento, o caso de inadimplemento, caso em que o credor poder rejeitar a coisa e pedir perdas e danos, pois ao se tornar intil a ela, a mora se transformou em inadimplemento absoluto.

    Completa a ideia de mora o art. 396 do CC, que preceitua no incorrer em mora o devedor quando no haja fato ou omisso imposta a ele. Significa que a mora o no cumprimento culposo da obrigao. Se no h culpa, no h mora. Se uma conta do devedor s pode ser paga no banco e o vencimento cai em um domingo, ao se pagar no dia seguinte, no h de se falar em mora, tanto que se paga sem encargos moratrios.

    O art. 397 do CC nos faz perceber haver dois tipos de mora: ex re e ex persona. A mora ex re automtica, ou seja, aquela que independe de ato do credor para o devedor ser constitudo em mora (interpelao judicial ou extrajudicial, notificao, protesto ou citao do devedor). Por sua vez, a mora ex persona aquela que precisa de um dos citados atos do credor para o devedor ser constitudo em mora. Quando a mora ex re e quando ex persona?

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    H dois tipos de obrigaes: com dia certo de vencimento e sem dia certo de vencimento. Quando a obrigao tem um dia certo de vencimento, o devedor no precisa ser constitudo em mora por ato do credor, pois o simples no pagamento no vencimento o constitui em mora (dies interpellat pro homine, ou seja, o prprio dia interpela o devedor). Por outro lado, quando a obrigao no tem dia certo de vencimento, o devedor s estar em mora se for constitudo por ato do credor. Assim, quando a obrigao com dia certo de vencimento, a mora ex re e quando a obrigao sem dia certo de vencimento, a mora ex persona.

    O art. 398 do CC demonstra que a mora ex re quando a obrigao no cumprida decorre de ato ilcito. Com efeito, ato ilcito civil causar dano a algum, gerando ao causador o dever de indeniz-lo. Poderamos pensar ser caso de mora ex persona, pois o devedor deve ser constitudo em mora por um ato do credor, propondo ao judicial (citao vlida constitui o devedor em mora). No entanto, tal entendimento equivocado, pois a lei diz que essa mora automtica, independendo de qualquer ato do credor. O art. neste momento em anlise diz que nas obrigaes provenientes de ato ilcito, considera-se o devedor em mora desde que o praticou (a responsabilidade de reparar o dano fixada na sentena judicial retroage data do ato para aplicar os efeitos da mora).

    Os arts. 399 e 400 do CC trazem dois efeitos da mora, um para mora do devedor e outro para a mora do credor: a) Efeito da mora do devedor (art. 399 do CC): O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestao, ainda que esta se d por caso fortuito ou fora maior. Se a prestao do devedor se torna impossvel sem culpa do devedor, simplesmente se resolve a obrigao sem qualquer nus a lhe ser imposto. Todavia, se a impossibilidade ocorrer durante seu atraso, o devedor ficar obrigado a indenizar o credor pela impossibilidade da prestao, mesmo que esta tenha se dado por caso fortuito ou por fora maior. Apenas em dois casos, estar desobrigado de indenizao: quando provar iseno de culpa no seu atraso

    (evidente, pois nesse caso no h mora, pois a mora o no cumprimento culposo da obrigao) e se provar que o dano ocorreria mesmo se a prestao tivesse sido cumprida no tempo, lugar ou forma devida, ou seja, mesmo se no houvesse mora. b) Efeito da mora do credor (art. 400 do CC): A mora do credor, ou seja, se o credor se recusar injustificadamente a receber o pagamento, gera trs efeitos: (i) retira do devedor isento de dolo a responsabilidade pela conservao da coisa (s indeniza perda ou deteriorao do bem se teve dolo, no respondendo se teve culpa stricto sensu, ou seja, imprudncia, negligncia ou impercia); (ii) obriga o credor a ressarcir o devedor das despesas que teve para conservar o bem; e (iii) sujeita o credor a receber o bem pela estimao mais favorvel ao devedor se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivao. 5.3. Responsabilidade Civil Contratual

    Responsabilidade civil o dever de indenizar um prejuzo causado. H dois tipos de responsabilidade civil: contratual e extracontratual. A responsabilidade civil contratual aquela em que h um contrato entre as partes, ou seja, um contratante no cumpre o contrato, causando prejuzo ao outro contratante, gerando dever de indenizao. A responsabilidade civil extracontratual, tambm chamada de aquiliana, aquela em que no existe um contrato entre quem causa e quem sofre o dano, como no caso de algum bater no carro de outrem, tendo que indeniz-lo. Responsabilidade civil extracontratual tema do captulo responsabilidade civil. Responsabilidade civil contratual estudada aqui em obrigaes, pois ocorre diante de mora e inadimplemento.

    O contratante que no cumpre o contrato ser civilmente responsabilizado, mas apenas se isso gerar um dano ao outro contratante, pois responsabilidade civil o dever de indenizar um dano causado. Conforme o art. 402 do CC, o inadimplente dever indenizar no s o dano emergente, mas tambm os lucros cessantes, que so os dois tipos de dano material. Dano emergente:

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    prejuzo efetivamente experimentado; lucro cessante: o que se legitimamente se deixou de ganhar. A eles se acrescenta dano moral.

    Diante de inadimplemento, seja absoluto ou relativo, quem no cumpre o contrato causando dano ao outro contratante dever indeniz-lo. A questo : a responsabilidade civil contratual subjetiva (depende de culpa) ou objetiva (independe de culpa)?

    A responsabilidade civil contratual subjetiva, pois s h mora se o no cumprimento da prestao for culposo. Significa que no h mora e, portanto, no h responsabilidade civil contratual, se no houver culpa do contratante em no cumprir a prestao. O mesmo ocorre com o inadimplemento absoluto, que pode ser culposo (com culpa do devedor) ou fortuito (sem culpa do devedor), mas, em regra, s haver obrigao de indenizar se o devedor teve culpa no inadimplemento. Se um cantor contratado para cantar no casamento e propositalmente no aparece na cerimnia, ser responsabilizado em perdas e danos, mas se no cumpriu o contrato porque foi sequestrado na vspera, no h de se falar em dever indenizatrio.

    Importante: O art. 393 do CC dispe que o devedor no responde pelos prejuzos resultantes do caso fortuito ou de fora maior, se expressamente no se houver por eles responsabilizado Note que, conforme visto, a responsabilidade civil contratual subjetiva, mas as partes podem expressamente prever no contrato que o inadimplente responder mesmo que no tenha cumprido o contrato por caso fortuito ou motivo de fora maior, ou seja, sem ter tido culpa, pois caso fortuito ou motivo de fora maior so situaes inevitveis, que o inadimplente no podia impedir, como no caso do cantor contratado para cantar em um casamento que no cumpre a obrigao por ter sido sequestrado na vspera.

    Qual a diferena, ento, entre responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual subjetiva? Em ambos os casos s h responsabilidade civil diante da existncia de culpa do devedor,

    mas na responsabilidade civil contratual, a culpa presumida. Todavia, uma presuno relativa, ou seja, aquela que admite prova em contrrio, representando, assim, a inverso do nus da prova. Na responsabilidade civil contratual, basta ao contratante provar que o outro no cumpriu o contrato. Se este no teve culpa no inadimplemento, ele que prove. Por outro lado, se responsabilidade civil extracontratual subjetiva, a vtima do dano, ao cobrar perdas e danos, dever provar que o agressor teve culpa ao causar o dano, pois esta no presumida.

    Quando se diz que a responsabilidade subjetiva exige a culpa, usa-se o termo culpa em sentido amplo, ou seja, o dolo ou a culpa em sentido restrito (imprudncia, negligncia ou impercia). A princpio, no h diferena na responsabilidade civil contratual se o inadimplemento foi por dolo ou por culpa. O art. 404 do CC diz que no interfere no valor da indenizao se por dolo ou culpa, pois o valor da indenizao ser o valor do dano sofrido. No entanto, a lei consagrou uma diferena entre inadimplemento doloso ou culposo no negcio jurdico benfico, ou seja, no contrato gratuito.

    Nos termos do art. 392 do CC, se o contrato oneroso, o contratante inadimplente responde por no ter cumprido o contrato por dolo ou por culpa, mas, se for um contrato benfico ou gratuito, a parte que no favorecida (aquela que no recebe nada em troca) s responde pelo inadimplemento se agiu com dolo, ou seja, no ser responsabilizado civilmente pelo no cumprimento do contrato por culpa em sentido estrito.

    Assim sendo, ao doar um bem, o doador s responde pela impossibilidade de entregar a coisa doada, caso tenha agido dolosamente, por exemplo, se destruiu intencionalmente esse bem. No responder o doador, se o bem se quebrou porque foi negligente ao us-lo, caso em que simplesmente se resolver a obrigao, desfazendo a doao sem qualquer dever indenizatrio ao doador. Se o contrato for de compra e venda e a coisa se perde com culpa do devedor, vimos que a soluo dar o

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    equivalente acrescido de perdas e danos, que ser devido tanto no caso de dolo quanto de culpa, ou seja, se quebrou propositalmente ou se por negligncia, pois compra e venda contrato oneroso. 5.4. Clusula Penal

    Conforme vimos, tanto o inadimplemento quanto a mora podem gerar responsabilidade civil contratual. Em caso de inadimplemento, o contratante dever indenizar o outro em perdas e danos causados pelo no cumprimento do contrato e, em caso de mora, o devedor poder purg-la, cumprindo a prestao com retardado, acrescida de perdas e danos causados pela mora, correo monetria, juros de mora e honorrios advocatcios.

    O grande problema na responsabilidade civil contratual provar o valor da indenizao, ou seja, a extenso do prejuzo causado pelo no cumprimento do contrato. Para resolver esse problema, a lei traz como soluo a clusula penal, que uma multa prefixando o valor das perdas e danos em razo da mora ou do inadimplemento.

    Clusula penal, portanto, um pacto inserido no contrato, impondo multa ao devedor que no cumpre ou que retarda o cumprimento da prestao.

    Note que h multa tanto para o caso de mora quanto de inadimplemento. Assim, h dois tipos de clusula penal: moratria e compensatria. A clusula penal moratria para prefixar perdas e danos em razo da mora, ou seja, pelo retardamento no cumprimento da obrigao, e a clusula penal compensatria para prefixar perdas e danos em caso de inadimplemento absoluto, ou seja, pelo no cumprimento da prestao.

    Como exemplo, imaginemos um contrato de locao, cuja prestao do locatrio pagar, durante trs anos, mil reais por ms ao locador. Se no contrato houver uma multa no valor de trs meses de aluguel para o caso do locatrio devolver as chaves antes do fim do contrato, ser uma clusula penal compensatria, pois o locatrio pagar uma

    multa por no ter cumprido sua prestao, pelo menos em parte. Por outro lado, se houver no contrato uma multa em razo do locatrio atrasar o pagamento do aluguel por no pagar no dia do vencimento, ser uma clusula penal moratria, pois o pagamento da multa para o retardamento no cumprimento da prestao.

    Note que h dois tipos de clusula penal, cada uma com uma finalidade especfica. A clusula penal compensatria tem a funo de compensar o contratante por no ter o outro contratante cumprido sua prestao. J a clusula penal moratria tem a funo de intimidar, pois o contratante pagar uma multa se retardar o cumprimento da prestao.

    O art. 408 do CC demonstra que a clusula penal uma prefixao de perdas e danos e que a responsabilidade civil contratual subjetiva, pois diz que incorre de pleno direito na clusula penal o devedor que culposamente deixe de cumprir a obrigao ou que se constitua em mora. Significa que, em caso de inadimplemento, o outro contratante pode executar a multa, independente de provar a extenso do dano em ao de conhecimento. E a lei vai mais longe ainda com o art. 416 do CC, prevendo que sequer necessrio provar que houve dano, se este foi prefixado no contrato.

    Uma questo pode ser levantada: se o prejuzo do contratante for maior do que o valor da multa, poder ele cobrar a diferena? A princpio no, pois o pargrafo nico do art. 416 do CC diz que s poder cobrar eventual valor a mais, se esta possibilidade estiver expressa no contrato. Se assim for, o valor da multa j objeto de execuo e o valor a mais dever ser provado em ao de conhecimento para seguir a execuo por ttulo executivo judicial. Se no houver permissivo contratual, limita-se a executar a multa.

    H importante diferena na cobrana da clusula penal a depender se compensatria ou se moratria (arts. 410 e 411 do CC): no inadimplemento o credor cobra clusula penal compensatria ou o cumprimento da prestao enquanto que na mora o credor cobra cumprimento da prestao e clusula penal moratria.

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    No caso da clusula penal

    compensatria, havendo inadimplemento, esta se converter em alternativa a benefcio do credor, ou seja, este poder escolher entre cobrar do contratante inadimplente a multa ou o cumprimento da prestao. No exemplo do cantor contratado para cantar no casamento, diante do no comparecimento cerimnia, o contratante poder cobrar a multa ou pedir para cantar depois, por exemplo, no aniversrio dele que ser na semana seguinte. Sendo clusula penal moratria, sobrevindo mora, o credor pode exigir o cumprimento da prestao acrescido da multa, pois, se no pagou a dvida no dia, o credor a cobrar acrescido da multa com os demais encargos moratrios.

    Para fechar o tema, preciso saber que o juiz pode reduzir o valor da clusula penal compensatria em dois casos previsto no art. 413 do CC: a) Se o valor manifestamente excessivo: O art. 412 do CC estipula um valor mximo da clusula penal compensatria ao afirmar que ela no pode exceder o valor da obrigao principal. No entanto, mesmo dentro desse limite, o juiz poder reduzi-la a pedido da parte se manifestamente excessivo segundo as circunstncias do caso. b) Se a prestao tiver sido cumprida em parte: a funo da clusula penal compensatria compensar o contratante pelo fato do outro no ter cumprido a prestao. Assim, se este cumpre parte da prestao, a compensao deve ser apenas da parte no cumprida. Exemplo: se o contrato de locao diz que o locatrio deve pagar multa de trs meses de aluguel se devolver as chaves antes do fim do contrato, caso ele devolva tendo cumprido metade do contrato, no dever arcar com toda a multa, mas apenas metade dela. 5.5. Arras

    Arras significam sinal, ou seja, aquilo que entregue por um dos contratantes ao outro como princpio de pagamento quando da celebrao do contrato para confirmao do acordo. A vantagem do adiantamento de um sinal confirmar o negcio, pois se houver

    desistncia, aquele que desistiu perder o valor das arras para compensar os prejuzos. Se quem deu o sinal desistir, no poder cobr-lo de volta; se quem o recebeu desistir, devolver o valor em dobro (como recebeu arras, a perda efetiva ser no valor das arras)

    So dois os tipos de arras: confirmatria e penitenciais. A diferena decorre se no contrato existe ou no clusula de arrependimento. a) Arras confirmatrias: As arras sero confirmatrias quando no houver previso no contrato de direito de arrependimento. o normal, pois as partes celebram um contrato no esperando que a outra parte desista. Assim, estipulam um valor de sinal a ser pago imediatamente para confirmar o negcio. Se quem deu arras desistir, perder o sinal dado, mas se quem desistir foi quem recebeu o sinal, devolver o dobro do valor. b) Arras penitenciais: As arras sero penitenciais quando houver previso no contrato de direito de arrependimento. Qualquer das partes ter direito de se arrepender, mas tem um preo para isso, ou seja, o valor das arras. Se quem desiste deu arras, perder o sinal dado, mas se quem desistir foi quem recebeu o sinal, devolver o dobro do valor.

    Ora, tanto nas arras confirmatrias como penitenciais, a consequncia a mesma: se quem desiste deu arras, perder o sinal dado, mas se quem desiste foi quem recebeu o sinal, devolver o dobro do valor. Ento, pergunto: para que diferenciar uma da outra?

    Para o caso do prejuzo com a desistncia ser maior que o valor fixado a ttulo de arras. Se forem arras confirmatrias, no h previso de direito de arrependimento e posso cobrar o prejuzo que a desistncia me acarretar. Como j me beneficiei do valor das arras, cobro apenas o prejuzo que tive a mais. No entanto, se forem arras penitenciais, h no contrato previso de direito de arrependimento, sendo fixado um preo para isso, ou seja, o valor de arras, no podendo o prejudicado cobrar eventual valor a mais que tenha tido de

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    prejuzo com a desistncia do outro contratante.

    Diferena: nas arras confirmatrias (quando no h direito de arrependimento), o contratante pode cobrar indenizao suplementar, enquanto que no poder faz-lo nas arras penitenciais (quando h direito de arrependimento), pois se fixou um preo para isso.

    DIREITO DOS CONTRATOS

    I. TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

    1. CONCEITO

    Contrato o negcio jurdico bilateral formado pela convergncia de duas ou mais vontades, que cria, modifica ou extingue relaes jurdicas de natureza patrimonial.

    um negcio jurdico, pois uma atuao humana em que as partes escolhem os efeitos que sero produzidos ao praticarem o ato. bilateral, pois formado pelo acordo de vontades, ou seja, so necessrias pelo menos duas vontades. O testamento um negcio jurdico, pois atuao humana em que se escolhem os efeitos que dele sero produzidos, mas no um contrato, pois um negcio jurdico unilateral. 2. CLASSIFICAES DOS CONTRATOS 2.1. Contrato unilateral, bilateral e plurilateral

    No se fala aqui no nmero de vontades envolvidas, pois vimos que no existe contrato com uma vontade apenas. Fala-se aqui em nmero de prestaes. a) Contrato unilateral: aquele em que h prestao apenas para uma das partes. Doao contrato, pois h duas vontades, em razo da necessidade do donatrio aceit-la. Todavia, contrato unilateral, pois s tem prestao para o doador (entregar o bem). b) Contrato bilateral: aquele que, alm de duas vontades, tem prestao para ambas as partes, por exemplo, contrato de compra e venda, pois o vendedor tem a prestao de entregar o bem e o comprador tem a prestao de dar o preo. c) Contrato plurilateral: aquele em que h pelo menos trs vontades envolvidas. Exemplo: contrato de sociedade, em que so partes os scios e a prpria sociedade, como parte

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    credora das prestaes dos scios (contribuio para o capital social). 2.2. Contrato oneroso e gratuito a) Contrato oneroso: aquele em que as partes ganham algo equivalente sua prestao, ou seja, h equilbrio econmico entre as partes porque ambos perdem e ganham na mesma proporo econmica, por exemplo, contrato de compra e venda. b) Contrato gratuito: aquele em que a parte no ganha algo equivalente sua prestao, ou seja, h desequilbrio econmico, pois uma das partes s ganha e uma das partes s perde, por exemplo, contrato de doao. 2.3. Contrato comutativo e aleatrio a) Contrato comutativo: aquele em que as partes podem antever os seus efeitos, ou seja, ao celebrar o contrato, j sabem os efeitos que sero produzidos. Exemplo: contrato de compra e venda, pois j se sabe que um entrega o bem e que outro entrega o preo. b) Contrato aleatrio: aquele em que as partes no podem antever os seus efeitos, ou seja, ao celebrar o contrato no h como saber os efeitos que sero produzidos. A razo simples: contrato aleatrio o contrato de risco (lea significa risco). Exemplo: contrato de seguro, pois o segurado pode ou no receber a indenizao, a depender se ocorre ou no o sinistro, o que no se sabe quando o contrato celebrado.

    O contrato aleatrio pode ser naturalmente aleatrio (aleatrio tpico) ou acidentalmente aleatrio (aleatrio atpico). O contrato naturalmente aleatrio quando for da sua essncia ser aleatrio, por exemplo, contrato de seguro. O contrato acidentalmente aleatrio quando for da sua essncia ser comutativo, mas aleatrio em razo de uma circunstncia que lhe especfica. Exemplo: contrato de compra e venda comutativo, mas o contrato de compra e venda de uma safra que est sendo plantada aleatrio, pois no se sabe qual ser a quantidade da produo.

    Os arts. 458 a 461 do CC trazem dois tipos de contratos de compra e venda atipicamente aleatrios: compra e venda de coisa futura e de coisa exposta a risco. a) Compra e venda de coisa futura: O contrato de compra e venda de coisa futura aleatrio, pois no se sabe se a coisa vir a existir e em que quantidade. Pode o contratante assumir o risco da coisa no vir a existir, pagando mesmo assim o preo (chamado de contrato de compra e venda emptio spei) ou assumir o risco de vir a existir em qualquer quantidade, pagando o preo se vier a existir em quantidade inferior esperada, mas no pagando se nada do avenado vier a existir (chamado contrato de compra e venda emptio rei speratae). Em ambos os casos, no pagar o preo se menos do esperado vier a existir por culpa ou dolo do contratante. Como exemplo, pense na compra de peixes que ainda sero pescados, em que se paga o preo mesmo que nenhum peixe seja pescado (emptio spei) ou se vier em qualquer quantidade, s no pagando se nenhum vier (emptio rei speratae). Em nenhum dos dois casos pagar, se o insucesso total ou parcial decorreu de dolo ou culpa do pescador. b) Compra e venda de coisa exposta a risco: O contrato de compra e venda de coisa exposta a risco de coisa que j existe, mas atipicamente aleatrio, pois o comprador assume o risco exposto. Exemplo: compra de cermica a ser transportada em navio, cujo risco de vir a se quebrar o comprador assuma. Dever pagar todo o preo, mesmo que alguns venham quebrados, a menos que dolosamente o vendedor se aproveite, colocando alguns j quebrados. 2.4. Contrato consensual e real

    O contrato se forma, em regra, quando a uma proposta se seguir uma aceitao, ou seja, com o acordo de vontade das partes. Essa regra quebrada em alguns casos, quando o acordo de vontades no suficiente para a formao do contrato, o que s ocorre com a prtica de um ato posterior: a entrega do bem objeto da prestao.

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    a) Contrato consensual: aquele que se forma com o acordo de vontades das partes. a regra em matria de contratos, por exemplo, o contrato de compra e venda. b) Contrato real: aquele que se forma com a tradio, ou seja, com a entrega do bem, que se segue ao acordo de vontade das partes. So trs os contratos reais: mtuo, comodato e depsito. 2.5. Contrato de execuo instantnea, continuada e diferida a) Contrato de execuo instantnea: aquele que cumprido em uma s vez, no momento da celebrao do contrato (exemplo: compra e venda com pagamento vista). b) Contrato de execuo continuada: aquele em que a prestao cumprida em cotas peridicas (exemplo: compra e venda com pagamento parcelado). c) Contrato de execuo diferida: aquele em que a prestao cumprida em uma s vez, mas no futuro (exemplo: compra e venda com pagamento a prazo). 2.6. Contrato entre presentes e entre ausentes

    uma classificao que se refere formao do contrato. Pelos nomes, parece que depende se as partes esto ou no na presena fsica um do outro. No bem assim, pois h tecnologias que fazem com que uma conversa entre pessoas distantes seja como se estivessem fisicamente presentes, pois proposta e aceitao se do em tempo real. a) Contrato entre presentes: aquele em que proposta e aceitao se do em tempo real, sendo firmado no s entre pessoas fisicamente presentes, mas tambm por telefone ou meio de comunicao semelhante (vdeo conferncia, chats, entre outros). b) Contrato entre ausentes: aquele em que proposta e aceitao no se do em tempo real, cujos principais exemplos so aqueles formados por carta ou por e-mail.

    3. PRINCPIOS CONTRATUAIS 3.1. Princpio da autonomia da vontade

    As partes so livres para contratar, ou seja, contratam se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem. Isso decorre de simples razo: contrato um acordo de vontades. O limite para suas atuaes a lei e, como veremos mais frente, o interesse social e a boa-f. 3.2. Princpio da obrigatoriedade e a teoria da impreviso (pacta sunt servanda x clusula rebus sic stantibus)

    As partes contratam se quiserem, mas, se contratarem, so obrigadas a cumprir o contrato. O contrato faz lei entre as partes, o que traduz o conhecido pacta sunt servanda, ou seja, os pactos devem ser cumpridos.

    Essa a noo bsica do princpio, mas o seu estudo pode e deve ser aprofundado. O atual CC adotou o princpio do pacta sunt servanda, mas no de forma absoluta, pois foi mitigado pela previso da chamada clusula rebus sic stantibus.

    Para entender essa clusula, necessria uma breve anlise histrica. Desde a origem dos contratos, vigora o princpio do pacta sunt servanda, ou seja, o contrato sempre fez lei entre as partes. No entanto, a Idade Mdia foi uma poca que ameaou a sobrevivncia desse princpio, pois foi um perodo marcado por constantes guerras e conflitos feudais, o que inviabilizava o cumprimento de um contrato. Por isso, naquela poca, tornou-se comum vir nos contratos com prestao que se prolongava no tempo uma clusula liberando o contratante em caso de ocorrer uma guerra ou conflito feudal, permitindo-lhe pedir o fim do contrato. Rebus sic stantibus significa coisa assim ficar, ou seja, o contratante obrigado a cumprir o contrato, mas apenas se a coisa assim ficar.

    A inovao do atual CC foi tornar a clusula rebus sic stantibus implcita aos contratos, quando passou a prever a teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva. Se um contrato for assinado e sobrevier fato

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    imprevisvel que o desequilibre, tornando-o excessivamente oneroso para uma das partes e com extrema vantagem para a outra, poder aquela pedir a resoluo do contrato (art. 478 do CC). O exemplo tpico o contrato de leasing de um carro, com valor atrelado ao dlar (locao com opo de compra ao fim do contrato mediante pagamento de valor residual). O dlar vale um real e passa do dia para noite para dois reais, dobrando o valor a ser pago. Poder ser pedida a resoluo do contrato com base na teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva.

    So os elementos necessrios para incidncia da teoria da impreviso ou da onerosidade excessiva: a) Contrato de execuo continuada ou diferida: A teoria da impreviso se aplica a contratos cuja execuo se prolongue no tempo, ou seja, quando a execuo continuada ou diferida no tempo. Como o contrato de execuo instantnea tem prestaes cumpridas quando da celebrao do contrato, estas no sero atingidas pelo fato imprevisvel superveniente. b) Prestao excessivamente onerosa para uma das partes: a ideia da teoria, a excessiva onerosidade para uma das partes, desequilibrando o contrato. c) Extrema vantagem para a outra parte: Para a resoluo dos contratos, no basta este ter ficado muito oneroso para uma das partes. preciso que, concomitantemente, tenha havido extrema vantagem para a outra parte. Assim sendo, se o contratante perde seu emprego e consegue outro recebendo metade do salrio anterior, o contrato fica excessivamente oneroso para ele, mas no poder pedir a resoluo pela onerosidade excessiva porque no houve extrema vantagem para a outra parte. c) Fato superveniente e imprevisvel: A resoluo do contrato s ter lugar se o desequilbrio das prestaes decorrerem de um fato superveniente que as partes no podiam prever quando da celebrao do contrato.

    Ateno: no confunda teoria da onerosidade excessiva com leso e estado de perigo. Nesses defeitos do negcio jurdico, o ato j nasce viciado, enquanto que na aplicao da teoria ora em estudo, o contrato nasce conforme a lei, mas se vicia por fato superveniente. A consequncia disso que na leso e no estado de perigo o contrato anulado, enquanto que na teoria da impreviso ele objeto de resoluo. Nos citados vcios da vontade, como o ato invalidado, a sentena anulatria retroage data da prtica do ato, desfazendo todos os efeitos produzidos, inclusive os anteriores anulao. Na resoluo do contrato pela onerosidade excessiva, a sentena no deveria retroagir, s aniquilando os efeitos a partir da resoluo. Todavia, por expressa previso legal, efeitos anteriores resoluo sero desfeitos, pois a lei determina que a sentena retroaja data da citao, ou seja, s so preservados os efeitos anteriores citao.

    Importante lembrar que o contrato atingido pela teoria da impreviso ou onerosidade excessiva pode se manter, sem ser objeto de resoluo, o que ocorrer se o contratante beneficiado concordar com a reduo do seu ganho, reequilibrando as prestaes. 3.3. Princpio da relatividade dos efeitos dos contratos

    O contrato s produz efeitos em relao s partes. por isso que dizemos que o direito contratual inter parte (entre as partes), diferente dos direitos reais, que so direitos oponveis erga omnes (contra todos). Significa que o contratante s pode opor seu direito contratual ao outro contratante e no a pessoas estranhas relao contratual, pois s as partes podem ter direitos e deveres frutos do contrato que celebraram. 3.4. Princpio da funo social do contrato

    O contrato no interessa apenas s partes contratantes, mas sim a toda sociedade, porque ele repercute no meio social. Essa a ideia do princpio da funo social do contrato, que reflete a atual tendncia de sociabilidade do direito, ou seja, de subordinao da

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    liberdade individual em funo do interesse social. Assim sendo, se o contrato repercute negativamente para a sociedade, o juiz pode nele intervir para preservao do interesse coletivo.

    Como exemplo, podemos pensar em um contrato com juros excessivamente elevados. No ruim apenas para a parte devedora, mas para toda a sociedade, pois aumenta o risco de inadimplemento, o que aumenta ainda mais os juros, o que dificulta a circulao do crdito, diminuindo os investimentos produtivos e fazendo com que o Estado no se desenvolva. O juiz, sob o fundamento da funo social do contrato, poder intervir nessa relao entre particulares, trazendo os juros para valor de mercado.

    O CC, em vrias oportunidades, tem regras que refletem essa tendncia da sociabilidade do direito. o caso, por exemplo, da teoria da impreviso, podendo o juiz pr fim ao contrato em razo do seu desequilbrio econmico pela supervenincia de um fato imprevisvel. O mesmo ocorre no caso de leso e estado de perigo, podendo o juiz invalidar o contrato, por uma das partes ter assumido obrigao excessivamente onerosa em razo de determinadas circunstncias que foram a contratao. Isso demonstra a preocupao socializante do atual CC, pois, mesmo preenchidos os requisitos formais de validade do negcio jurdico, a lei pretende amparar um dos contratantes da esperteza ou ganncia do outro ou do prejuzo econmico imprevisvel com extrema vantagem para o outro contratante. Qual a razo disso? O Poder Judicirio s pode chancelar contratos que respeitem no s regras formais de validade jurdica, mas, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social.

    Essa concepo social do contrato chega ao seu pice quando o CC, j em seu primeiro artigo sobre contratos, diz que a funo social do contrato representa uma limitao na liberdade de contratar (art. 421 do CC). As partes so livres para, dentro dos limites legais, colocarem no contrato as clusulas que quiserem, mas a limitao autonomia da vontade no se d apenas pela lei, mas tambm pelo interesse social.

    Imagine um contrato para a construo de uma obra de vulto ou de uma indstria. No obstante estejam observados os requisitos legais de validade (agente capaz, objeto possvel, determinado ou determinado e forma prescrita ou no defesa em lei), alguns questionamentos podem ser feitos: e os reflexos ambientais? E os reflexos trabalhistas? E os reflexos sociais? E os reflexos morais, ou seja, no mbito dos direitos da personalidade? Por melhor que seja o contrato do ponto de vista econmico para os contratantes, no se pode chancelar como vlido um negcio negativo para a sociedade em razo do desrespeito de leis ambientais, que pretenda fraudar leis trabalhistas ou que viole a livre concorrncia, as leis do mercado ou postulados de defesa do consumidor, mesmo sob o pretexto da livre iniciativa.

    Analisando os exemplos supramencionados, podemos verificar que um contrato que no cumpre a sua funo social pode ser bom apenas para uma das partes, como ocorre com o contrato com juros excessivos. Neste caso, caber ao contratante prejudicado pedir a tutela jurisdicional com base na funo social do contrato. No entanto, at mesmo quando o contrato for bom do ponto de vista econmico para ambas as partes, poder ser alvo de interveno do juiz, caso contrarie o interesse social, como o caso de um contrato muito lucrativo, mas que gera danos ambientais ou que fraude leis trabalhistas. A questo : nesse caso de mtuo benefcio, a quem caber pedir a interveno judicial?

    O papel de guardio do princpio da funo social do contrato deve recair sobre os ombros do Ministrio Pblico. A princpio, o parquet no teria legitimidade ativa para pedir a interveno do juiz no contrato, por tratar-se de interesse privado. Todavia, como o contrato tem uma funo social, no podendo prejudicar a sociedade como um todo, o interesse passa a ser coletivo, legitimando a atuao ministerial.

    Com efeito, o princpio da funo social do contrato possibilita uma nova tendncia de controle dos contratos inaugurada pelo atual CC: o dirigismo judicial dos contratos. O que

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    significa isso? O contrato sempre sofreu controle externo, limitando a atuao dos contratantes. At ento, prevalecia o controle feito pela lei, razo pela qual esse controle chamado de dirigismo legal dos contratos. Pense, como exemplo, no contrato de locao, onde a lei do inquilinato limita a atuao do locador. Hoje, com o CC vigente, prevalece o dirigismo judicial dos contratos, ou seja, no a lei que controla o contrato, mas sim o juiz, na anlise do caso concreto.

    O que torna isso possvel a utilizao das chamadas clusulas gerais ou conceitos jurdicos indeterminados, que tem como exemplo a funo social dos contratos. So expresses vagas em seu contedo, exigindo do aplicador do direito uma anlise do caso concreto para suprir a vacncia. A lei diz que o contrato deve atender a funo social, ou seja, no pode ir contra o interesse social. O que atender ou ir contra o interesse social? A lei no enumera casos, preferindo usar uma expresso vaga, permitindo ao juiz dizer, analisando o contrato, se ele atende ou no o interesse social.

    Em concluso, no se pretende aniquilar o princpio da autonomia da vontade ou o pacta sunt servanda, mas temper-lo, tornando-os mais vocacionados ao bem-estar comum, sem prejuzo do interesse econmico pretendido pelas partes contratantes. A lei relativiza o princpio do pacta sunt servanda com regras especficas, como a clusula rebus sic stantibus ou com a previso da leso ou do estado de perigo, mas tambm relativiza permitindo interveno judicial em uma relao que deveria interessar unicamente s partes do contrato, mas que interessa a toda a sociedade, pois a lei diz que o contrato tem uma funo social. 3.5. Princpio da boa-f objetiva

    Este princpio vem consagrado no art. 422 do CC, que obriga as partes contratantes a agirem de boa-f quando da celebrao de um contrato. A palavra chave do princpio confiana, que significa parceria contratual. A ideia que os contratantes no so lutadores, um querendo prejudicar o seu adversrio, mas sim parceiros, porque um confia no outro, uma

    vez que so obrigados a agir conforme os ditames da boa-f.

    Imagine um casal de noivos que compra suas alianas em uma joalheria, optando por um modelo que feito com ouro amarelo e ouro branco. Satisfeitos com a bela aliana, no dia da festa do noivado, um casal de amigos informa que toda aliana com ouro branco fica amarelada com o decorrer do tempo. Revoltados, reclamam junto joalheria, que diz nada poder fazer. Os noivos podero pedir a resoluo do contrato de compra e venda, devolvendo as alianas e recebendo seu dinheiro de volta, em funo da quebra da boa-f do vendedor, que no informou um relevante aspecto do contrato, que interferiria na escolha do modelo da aliana ou na prpria realizao do negcio.

    O princpio que rege os contratos o princpio da boa-f objetiva, mas, em realidade, existem dois tipos: a objetiva ou a subjetiva. A subjetiva, como o nome sinaliza, a boa-f interior, psicolgica, ou seja, o que o contratante acredita ser correto. J a objetiva lhe exterior, ou seja, agir de forma correta, segundo um padro normal de conduta. A boa-f que rege os contratos a objetiva, pois mais segura, uma vez que no depende do que pensa o outro contratante, mas sim em verificar se o contratante agiu seguindo um comportamento normal das pessoas.

    O que um comportamento normal? Como saber se o contratante agiu seguindo um padro normal de conduta? o juiz que dir na anlise do caso concreto. Com efeito, vimos que a tendncia atual em matria de controle contratual o chamado dirigismo judicial dos contratos, em substituio da antiga prevalncia do dirigismo legal. Cabe ao juiz controlar os contratos, o que lhe permitido a partir do uso de clusulas gerais ou de conceitos jurdicos indeterminados, que so expresses vagas, reclamando suprimento da vacncia pelo aplicador do direito na anlise do caso concreto. o caso no s da funo social dos contratos, mas tambm da boa-f objetiva. A lei obriga as partes a agirem de boa-f, sem, no entanto, enumerar as condutas permitidas e proibidas sob esse aspecto. Esse papel caber ao juiz, que poder intervir em um

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    contrato, podendo at resolv-lo, mesmo tendo sido observados os requisitos formais de validade em uma livre negociao entre particulares.

    Ateno: Conforme o art. 422 do CC, a boa-f deve nortear o comportamento dos contratantes no s no momento da concluso do contrato, mas tambm durante a sua execuo. o fundamento da chamada responsabilidade civil ps-contratual. s vezes, um contrato produz efeitos aps a sua celebrao, devendo a boa-f perdurar enquanto durarem esses efeitos. Imagine que uma pessoa compre um carro junto a uma concessionria. O carro quebra, mas no existe pea para reposio e o comprador no poder mais utiliz-lo. Ele poder pedir a resoluo do contrato alegando quebra da boa-f objetiva em razo de no ter informado fato que poderia ocorrer aps a execuo do contrato.

    Importante: embora no mencionado expressamente no art. 422 do CC, a boa- f deve nortear o comportamento dos contratantes at mesmo antes da proposta. o fundamento da chamada responsabilidade civil pr-contratual, que ser an