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o ORGANISMO SOCIALIn:
Historia das Teorias da Comunica9ao.Periodo de invencao dos sistemas tecnicos basicos
da comunicacao e do principio do livre comercio, 0
seculo XIX viu nascer nocoes fundadoras de uma visaoda comunicacao como fator de integracao das socie-
dades humanas. Centrada de inicio na questao das
redes fisicas, e projetada no micleo da ideologia do
progresso, a nocao de comunicacao englobou, no fi-
nal do seculo XIX, a gestae das multidoes humanas.
o pensamento da sociedade como organismo, como
conjunto de orgaos desincumbindo-se de funcoes de-
terminadas, inspira as primeiras concepcoes de uma
"ciencia da comunicacao".
Armand e Michele Mattelart.
Sao Paulo: Loyola, 1999.
1. A descoberta das trocas e dos fluxos
A divisiio do trabalho
A "divisao do trabalho" representa urn primeiro
passo te6rico. : I t preciso rem ontar ao final do seculo
XVIII para encontrar em Adam Smith (1723-1790) a
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14 Hist6ria das teorias da comunicat;ao o organismo social 15
primeira formulacao cientifica, A comunicacao contri-
bui para a organizacao do trabalho coletivo no interior
da fabrica e na estruturacao dos espacos economicos,
Na cosmopolis comercial do laissez-faire, a divisao do
trabalho e as meios de comunicacao (vias fluviais,
maritimas e terrestres) rimam com opulencia e cresci-
menta. A Inglaterra ja efetuou sua "revolucao da circu-
laeao", que comeca a integrar-se naturalmente a nova
paisagem da revolucao industrial em andamento.
Em contrapartida, na mesma epoca, a Franca con-
tinua em busca da unificacao de seu espaco comercial
interior. Nesse reino fundamentalmente agricola, 0 dis-
curso sabre as virtudes dos sistemas de comunicacao e
diretamente proporcional ao estado das carencias. 0
afastamento entre a realidade e urna teorizacao volun-tarista sabre a domesticaeao do movimento caracteri-
zara por muito tempo as visoes francesas da comunica-
~ao como vetor do progresso e realizacao da razao,
Francois Quesnay (1694-1774) e a escola dos fisiocratas
invent ores da maxima "laissez faire, laissez passer":
que 0 liberalismo retomara na segunda metade do se-
culo XIX, sao sua primeira expressao, Fieis ao postu-
lado das Luzes, segundo 0 qual a comercio tern urn
poder criador, proclamam a necessidade, para a despo-
ta esclarecido do reino agricola, de liberar os fluxos de
bens emao-de-obra e de sustentar urna politica de cons-
trucao e conservacao das vias de comunicacao, toman-
do a China como exemplo.
Quesnay mostra-se atento ao conjunto de circui-
tos do mundo economico, que ele procura apreender
como "sistema", "unidade". Inspirando-se em seus
conhecimentos sabre a duplacirculacao do sangue,
esse medico imagina uma representacao grafica da
circulaeao das riquezas em urn Tableau economique
(1758). Dessa figura geometrica em ziguezague, na
qual se entrecruzam e justapoem linhas que indicam
o comercio entre a terra e as homens, por urn lado, e
entre as tres classes que compoem a sociedade, por
outro, obtem-se uma visao macrosc6pica de urna eco-
nomia de "fluxos". A Revolucao de 1789 libera esses
fluxos ao tomar urna serie de medidas, como a ado-
~ao do sistema metrico, destinadas a acelerar a uni-
ficacao do territ6rio nacional. 0 primeiro sistema de
comunicacao a distancia, a telegrafo 6ptico de Claude
Chappe, e inaugurado em 1793 para fins militares.
A divisao do trabalho e a modelo de fluxos mate-
riais alimentarao especialmente a escola da economia
classica inglesa, as analises de John Stuart Mill (1806-
-1873) em particular, que prefigurarao " U r n modela
cibernetico dos fluxos materiais com os fluxos feedback
do dinheiro como informacao" [Beniger, 1992]. 0 con-
ceito de divisao do trabalho estimula igualmente as
reflexoes de Charles Babbage (1792-1871) sabre a "di-
visao do trabalho mental", que a levam a elaborar seus
projetos de mecanizacao das operacoes da inteligencia,
a "maquina de diferenca" e a "maquina analitica" ,
ancestrais das grandes calculadoras eletr6nicas que pre-
cederam a inveneao do computador.
A rede e a totalidade orgiinica
Outro conceito-chave e 0 de rede. Claude Henri de
Saint-Simon (1760-1825) renova a leitura do social a
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16 Historic das teorias da comu.nic aciio o organism a social 17
partir da metafora do ser vivo . . I t 0 advento do pen-
samento do "organisrno-rede" [Musso, 1990J. A "f i-
siologia social" de Saint-Simon pretende ser urna
ciencia da reorganizacao social, administrando a pas-
sagem do "governo dos homens" a "adrnirristr acao
das coisas". A sociedade e concebida como sistemaorganico, justaposicao ou tecer de redes, mas tam-
bern como "sistema industrial", gerado por e como
industria. Em estreita Iilacao ao pensamento dos
engenheiros e obras publ icas de entao, ele concede
urn lugar estrategico a adrniriistracao do sistema das
vias de comun icacao e ao estabelecimento de um
sistema de cred ito. Do mesmo modo que a imagem
do sangue em rel acao ao coracao humano, a circu-
Iacao do dinheiro da a sociedade-industria uma vidauni tar ia.
o sansimoriismo simboliza 0 espirito de ernpree n-
dimerito cla segunda meta de do seculo XIX.
cia epoca, sua Iilosofia do progrvsso inf'l uenci
os panfletos de Eugene Sue e SUdS
ci li.acao pacifica des antagoriismos socials
quanta as narrativas de aritecipacao dos mundos
tecnicos de Julio Verne.
Nessa segunda vertente do seculo, Herbert Spencer
(1820-1903), engenheiro Ierroviario convertido a filoso-
fia, promove 0 avanco da reflexao sobre a comunicacao
como sistema organico. Sua "fisiologia social" ~ em
germe em urn escrito de 1852, sete anos antes da publi-
cacao da obra principal de Darwin sobre a Origem das
especies, formalizada a partir de 1870 ~ leva ao extre-
mo a hip6tese da continuidade entre a ordem bio16gica
e a ordem social. Divisao fisio16gica do trabalho e pro-
gresso do organismo caminham lado a lado. Do homo-
geneo ao heterogeneo, do simples ao complexo, da con-
centracao a diferenciacao, a sociedade industrial encar-
na a "sociedade organica". Uma sociedade-organismo
cada vez mais coerente e integrada, onde as funcoes sao
cada vez rna is definidas, e as partes cada vez mais
interdependentes. Nesse sistema total, a comunicacao e
componente basico dos dois "aparelhos organicos", 0
distribuidor e 0regulador. A imagem do sistema vascular,
o primeiro (estradas, canais e ferrovias) assegura 0
encaminhamento da substancia nutritiva. 0 segundo
assegura 0 equivalente da funcao do sistema nervoso.
Torna possivel a gestae das relacoes complexas entre
um centro dominante e sua periferia . . I t 0 papel das
informacoes (imprensa, peticoes, pesquisas) e do con-
junto dos meios de cornunicacao pelos quais 0 centro
pode "propagar sua influencia" (correio, telegrafo, agen-
cias noticiosas). Os informes sao comparados a descar-
gas nervosas que comunicam um movimento de urn
habitante de uma cidade ao de outra.
Dessa Iilosofia da industr ial izacao seus discipu-
los retem uma idei a operat6ria para acelerar 0 ad-
vento do que charnam "era posit.iva": a funcao orga-
nizadora da producao das redes artificiais. de cornu-
nicacao-transporte ("redes materials") e de Iinancas
("redes espirituais"). Eles 'criam Iinhas de estradas
de ferro, socicdades bancar ias e cornpa nh ias mariti-
mas. Sao mestres-de-obras das grandes exposicoes
universais.
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18 Hist6ria das teorias da comunicat;aoo organismo social 19
A hist6ria como desenvolvimento
Outra nocao fundadora de uma analise dos siste-
mas de comunicaeao e a de desenvolvimento. Spencer
criou a sociologia positivista em sua versao inglesa.
Algumas decadas antes dele, em seu COUTS de philo-
sophie positive, elaborado entre 1830e 1842,AugusteComte (1798-1857), antigo discipulo de Saint-Simon,
formulou as primicias de uma ciencia positiva das
sociedades humanas, sem no entanto dar atencao es-
pecial aos orgaos e aparelhos de comunicacao. Dife-
rentemente de Spencer, que combinara a biologia e a
ffsica da energia e das forcas, Comte se contenta com
a biologia, ainda que batize seu projeto sociol6gico
de "fisica social", "verdadeira ciencia do desenvolvi-
mento social". Conjuga 0 conceito de divisao do tra-balho com as nocoes de desenvolvimento, crescimen-
to, aperfeicoamento, homogeneidade, diferenciacao e
heterogeneidade, que toma diretamente de empres-
timo, alias como Spencer, a embriologia, teoria do
desenvolvimento do ser vivo. A sociedade, organismo
coletivo, obedece a uma lei fisiol6gica de desenvolvi-
mento progressivo.
A hist6ria e concebida como a sucessao de tres
estados ou eras: teol6gico ou ficticio, metaffsico ou
abstrato, e finalmente positivo ou cientffico. Este
Ultimo caracteriza a sociedade industrial, era da rea-
~idade, doutil, da organizacao, da ciencia e dodeclinio
das formas nao-cientificas do conhecimento, mesmo
que essa evolucao esteja longe de ser sincr6nica se-
gundo as disciplinas.
Essa concepcao biografica da hist6ria - hist6ria
necessaria, articulada em etapas, sem desvios nem
retornos, sem regressao, comandada por uma ideia de
progresso linear - espelha-se na concepcao elabora-
da na segunda metade do seculo XIX pela etnologia
e pela economia politica.0
darwinismo social trans-forma essa ordem de sucessao cronol6gica em escala
na ordem moral, quando nao na ordem de racas. De
modo geral, muitos encontraram nesse tipo de
periodizacao a argumentacao que fixa para os chama-
dos povos primitivos, os povos-criancas, entao sob
necessaria tutela, urn horizonte para seu desenvolvi-
mento futuro, uma trajet6ria para seu acesso a idade
adulta; somente a passagem pelos estagios em que
transitaram as nacoes que se dizem civilizadas ga-
rante uma evolucao bem-sucedida.
Dessa representacao do desenvolvimento das so-
ciedades humanas como "hist6ria em pedacos", se-
gundo a expressao do historiador Fernand Braudel,
emanam as primeiras formulacoes das teorias difu-
sionistas: 0 progresso s6 pode atingir a periferia por
meio da irradiacao pelos valores do centro. Essas
teorias puderam ser testadas no choque das culturas
na era dos imperios (1875-1914) e encontraram seus
principais artifices entre os etnologos e ge6grafos.
Serao revitalizadas ap6s a Segunda Guerra Mundial
pela sociologia da modernizacao e sua concepcao de
"desenvolvimento", na qual as midias ocupam papel
estrategico (ver capitulo II, 2).
No fim do seculo XIX, 0 modelo de biologizacao
do social se transformou em senso comum para ca-
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20 Hist6ria das teorias da comunicat;cio o organismo social 21
racterizar os sistemas de comunicacao como agentes
de desenvolvimento e civilizacao [Mattelart, 1994].
Em 1897, 0 aleman Friedrich Ratzel (1844-1904)
lanca as bases da geografia politica ou geopolitica,
ciencia do espaco e de seu controle. "0 Estado e urn
organismo ancorado no solo", e essa ciencia toma porobjeto 0 estudo das relacoes organicas que 0 Estado
mantem com 0 territ6rio. Redes e circuitos, troca,
interacao, mobilidade sao express6es da energia vi-
tal; redes e circuitos "vitalizam" 0 territ6rio. Nessa
reflexao sobre a dimensao espacial da potencia, 0
espaco volta a ser 0 espaco vital.
dio", equivalente ao centro de gravidade no corpo, a
partir do qual podem ser avaliadas as patologias, as
crises e os desequilfbrios da ordem social. Quetelet
elabora nao s6 tabelas de mortalidade como tambem
"tabelas de criminalidade", das quais procura extrair
urn indice de "tendencia ao crime" de acordo com 0
sexo, a idade, 0 clima, a condicaosocial, para obter
as leis de uma ordem moral pretensamente paralela a
ordem fisica.
2. A qestao das multldoes
Quetelet e 0 homem da institucionalizacao do
calculo de probabilidades. Anunciado pela "geome-
tria do acaso" de Pascal, 0 calculo de probabilidades
convida a urn novo modo de governo dos homens: a
"sociedade de seguros" [Ewald, 1986]. A tecnologia
do risco e a razao probabilitaria, ja presentes na gestaedos seguros privados aplicados a mortalidade, aos
riscos maritimes ou aos incendios, transferem-se no
campo politico e tornam-se ferramenta de gestae dos
individuos tornados emmassa. Aolongo desse trajeto
do direito civil ao direito social, em direcao a solida-
riedade e a interdependencia calculadas, emerge 0
principio do Estado-providencia, que socializa as
responsabilidades e reduz todos os problemas sociais
a quest6es de risco. A nocao de solidariedade foge ao
discurso voluntarista da caridade e da fraternidade,
para encampar a linguagem da necessaria interde-
pendencia biol6gica das celulas. Funda a seguranca
de urn individuo que se sente parte de urn todo, liga-
do que esta por urn contrato (e portanto por uma
divida) desde seu nascimento, assim como funda a
irrterdependencia das nacoes. A nocao biom6rfica de
A estatistica moral e 0 hom em medic
Qual a natureza da nova sociedade anunciada pela
irrupcao das multid6es na cidade? Em torno dessa
questao se forma, nas duas ultimas decadas do seculo
XIX, a problematica da "sociedade de massa" e dos
meios de difusao de massa, seus corolarios,
A massa apresenta-se como ameaca real ou po-
tencial para a sociedade como urn todo, e esse risco
justifica a instalacao de urn dispositivo de controle
estatistico dos fluxos [udiciarios e demograf'icos
[Desrosieres, 1993).
o astronomo ematematico belga AdolpheQuetelet(1796-1874) fundar a, por volta de 1835, essa nova
ciencia da mensuracao social batizada de "fisica so-
cial", ciencia cuja unidade basica e 0 "homem me-
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interdependencia prepara por sua vez a ideia de uma
comunicacao necessaria.
Cerca de meio seculo ap6s 0 projeto de calculo
das patologias sociais por Quetelet, surgem as cien-
cias criminais da mensuracao humana. Nomenclatu-
ras e indices servem aos [ufzes, policiais e medicoslegistas para codificar e cumprir sua missao higienis-
ta de vigilancia e normatizacao das classes suposta-
mente perigosas. Antropometria de Bertillon, biome-
tria e eugenia de Galton e antropologia criminal de
Lombroso contribuem para a identificacao do indivi-
duo, para 0 estabelecimento de "perfis".
Se a tipologia dos leitores faz uma primeira apa-
rieao na gestae da midia, desde a criacao das revistas
femininas na penultima decada do seculo XIX nos
Estados Unidos, completando-se sob 0 fordismo dos
anos 20, sera preciso esperar a decada de 30 para ver
a razao probabilitaria exprimir-se na racionalizacao
da comunicacao de massa (ver capitulo II, 2).
o ensaio de Sighele, A masse criminosa, publica-
do em Turim em 1891, extrapola a "psicologia indi-
vidual" e se volta para a "psicologia coletiva". Sob 0
conceito de "crime da massa", Sighele acomoda to-
das as "violencias coletivas da plebe", das greves
operarias as revoltas publicas. Em toda multidao, ha
condutores e conduzidos, hipnotizadores e hipnotiza-
dos. S6 a "sugestao" explica como os segundos pas-
sam a seguir cegamente os primeiros. Pouco presen-
tes na primeira edicao de sua obra, as novas "formas
de sugestao" representadas pelos orgaos de imprensa
sao amplamente tratadas na segunda edicao, publi-
cada em 1901, na qual 0 jornalista - especialmente
o da "literatura de processos" - e retratado como
urn agitador e seus leitores como "0gesso molhado
sobre 0 qual sua mao deposita sua marca".
o contagio, a sugestao e a alucinacao - palavras
que indicam a influencia do alienista Jean-Martin
Charcot - transformam os individuos tornados na
massa em automates, em sonambulos: e em termos
muito semelhantes (a ponto de ser publicamente acu-
sado de plagio por Sighele) que Le Bon analisa 0
comportamento das multidoes em Psychologie des
Joules (1895). Se 0 sociologo italiano compreende a
revolta dos deixados-a-propria-sorte, Le Bon, em
contrapartida, contrario as ideologias igualitaristas,
condena todas as formas de 16gicascoletivas, que ele
interpreta como urn retrocesso na evolucao das socie-
dades humanas. Antes de tratar da psicologia das
massas, teorizou sobre a a psicologia dos povos, fa-
zendo do fator racial elemento determinante da hie-
A psicologia das massas
Os debates que se abrem sobre a natureza politica
de uma opiniao publica recentemente liberada dascoercoes impostas a liberdade de imprensa e reuniao
suscitam a emergencia da "psicologia das multidoes",
formulada pelo sociologo italiano Scipio Sighele
(1868-1913) e pelo medico psicopatologista frances
Gustave LeBon (1841-1931).Ambos subscrevem uma
mesma visao manipulat6ria da sociedade.
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24 Hist6ria das teorias da comunicat;:iio o organismo social 25
rarquia das civilizacoes, Sua argumentacao sobre a
"alma da massa", ser autonomo em relacao aos indi-
viduos que 0 compoem, e portanto indissociavel de
suas analises da "alma da raca", do carater impulsi-
YO, nao-racional, de todos os "povos inferiores", re-
manescente nas sociedades civilizadas por meio das"criancas e mulheres".
Em 1921, Sigmund Freud (1856-1939) contesta os
dois axiomas da psicologia das massas: a exaltacao
dos afetos e a inibicao do pensamento na massa. Ele
critica 0 que chama de "tirania da sugestao", como
explicacao "magica" da transformacao do individuo.
Para esclarecer a "essencia da alma das massas",
recorre ao conceito de libido, testado por ele no es-
tudo das psiconeuroses. "Se 0 individuo isolado na
multidao abandona sua singularidade e se deixa
sugestionar pelos outros, fa-lo porque nele existe a
necessidade de estar de acordo com eles, mais do que
em oposicao, fazendo-o pois talvez, afinal de contas,
'por amor a eles'" [Freud, 1921].
A psicologia social de Tarde esta em franca opo-
sicao com a sociologia positiva de Emile Durkheim
(1858-1917). Tarde censura-lhe 0 considerar os Ieno-
menos sociais isolados dos sujeitos conscientes que
os pensam e 0 trata-Ios de fora, como coisas exte-
riores. Explicar a natureza subjetiva das interacoes
sociais para evitar a raificacao dos fatos sociais: 0
objetivo de Tarde vai ao encontro do projeto de Georg
Simmel (1858-1918). A uma sociologia organicista
inclinada aver nas condutas individuais apenas rea-
<;6es a urn "dado", a "fatos sociais" exteriores, 0 so-
ciologo aleman contrapoe a ideia de urn social proce-
dente das trocas, das relacoes e acoes reciprocas en-
tre individuos, urn movimento intersubjetivo, uma
"rede de afiliacoes". Contrapondo-se a uma sociolo-
gia que define seu objeto a partir do "instituido" e
das "estruturas", tais como 0 Estado, a familia, as
classes, as Igrejas, as corporacoes e os grupos de in-
A esses autores, 0 magistrado Gabriel Tarde (1843-
-1904) responde que a era das massas ja pertence ao
passado, e que a sociedade esta em vias de entrar na
"era dos publicos", Ao contrario da massa, conjunto de
contagios psiquicos essencialmente produzidos por con-
tatos fisicos, 0publico ou os publicos, produto da longa
hist6ria dos meios de transporte e de difusao, "progri-
dem com a sociabilidade". S6 se pertence a uma unica
massa por vez. Pode-se fazer parte de varios publicos
ao mesmo tempo. E essa complexidade exige que se
bus quem suas consequencias sobre os destin os dos gru-
pos (partidos, parlamento, associacoes cientificas, reli-
giosas, profissionais). Nao se trata mais de lamentar a
irrupcao apocaliptica da "massa-populacho",
Gabriel Tarde permanece bastante influenciado
pela nocao de sugestao e sugestibilidade. E suas no-coes de imitacao contra-imitacao como laco social
Ihe sao vinculadas. Ainda que trate tambem do outro
motor das relacoes sociais, a invencao, essa nocao de
imitacao, colhida numa teoria social de grande ri-
queza conceitual, sera com Irequencia deformada a
seguir, isolada de seu contexto, e retida como unico
fator determinante da sociabilidade.
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26 Hist6ria das teorias da comunica~iio o organismo social 27
na qual a razao e soberana. 0
primeiro estagio - 0do socia-
lismo - sera caracterizado
por urn desenvolvimento ja-
mais visto do maquinismo,
que permi tira aos humanos
entrar na idade de ouro do
comunismo, Morris postula quesomente a mudanca previa da
base material abrira a era da
transformacao da cultura. Para
ter aces so a sociedade utopi-
ca, e te6rico da arte, poeta, pin-
tor e urn dos fundadores da
Socialist League, dispoe-se a
aceitar urn eclipse temporario
da arte, para reencontra-la em
urn mundo livre da opressao e
da corrupcao capitalistas, ondeele voltara a encontrar as fon-
tes puras e natura is da beleza.
Amaquina estara presente para
evitar a humanidade qualquer
tipo de trabalho desagradavel
epenoso.
teresses, Simmel se interessa pelos "pequenos obje-
tos" da vida coletiva no cotidiano. E ai que ele ere
discernir esse duplo processo paradoxal que caracte-
riza 0 social, feito dessas realidades complementares
e concomitantes: a "sociacao" e a "dissociaeao". A
primeira, que ele exprime pela metafora da ponte
iBriickei, corresponde a essa capacidade do indivi-
duo de associar 0 que esta separado, dissociado. A
segunda, que ele traduz pela metafora da porta (Tur),
corresponde a capacidade de separar e the permite 0
acaso a uma outra ordem de significacao [Javeau,
1986; Quere, 1988].
Atradicao durkheimiana, por muito tempo incon-
testada nos paises de lingua francesa, eclipsou ate os
anos 80 essa outra tradicao sociol6gica e sua analisedas relacoes sociais como interacoes comunicativas.
Tecnlca e utopias
o final do seculo XIX e
Iertil em discursos ut6picos. 0
imaginario de urna tecnica sal-
vadora ganha contornos mais
especfficos. 0 ge6grafo anar-quista russo Piotr Kropotkin e
o soci6logo escoces Patrick
Geddes veem nas redes eletri-
cas e suas propriedades des-
centralizadoras a promessa de
urna nova vida comunitaria, a
reconciliacao entre 0 trabalho
eo lazer, 0 trabalho manual e
Em 1888, 0 socialista da
Nova Inglaterra, Edward Bella-
my, em Looking Backward
(2000-1887), imaginou uma
sociedade em que as grandes
industrias fossem nacionaliza-
das e 0 radio, esse "telefone co-
letivo" cuja invencao ele pre-viu, posta a service da mobi-
lizacao de todos no "exercito
industrial" que conduzira a
sociedade de abundancia co-
munitaria.
Em 1872, opondo-se a
uma concepcao instrumental
e salvi fica da tecnica, 0 pen-
sador liberal Ingles Samuel
Butler publicara Erewhon,
anagrama de "No Where", 0
lugar de parte alguma, is to e,
a utopia, que apresentava 0
problema da lenta metamor-
fose das subjetividades no
contexto da ascensao da racio-
nalidade tecnica.
o trabalho intelectual, a cida-
de e 0 campo. A era neotecnica
que se seguiu a era paleo-
tecnica, mecanica e imperial,
deve significar 0 advento deuma sociedade horizontal e
transparente.
Em News from Nowhere(1891), 0 brrtanico William
Morris traca as etapas da futu-
ra sociedade da abundancia
comunista em urna natureza re-
encontrada graeas a revolucao,