08 robotica industrial desafios

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Os Desafios da Robótica Industrial Da interdisciplinaridade às vantagens da cooperação entre empresas e universidades. J. Norberto Pires Departamento de Engenharia Mecânica Universidade de Coimbra [email protected]

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Page 1: 08 robotica industrial desafios

Os Desafios da Robótica Industrial Da interdisciplinaridade às vantagens da cooperação entre empresas e universidades.

J. Norberto Pires

Departamento de Engenharia Mecânica

Universidade de Coimbra

[email protected]

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Os Desafios da Robótica Industrial

Da interdisciplinaridade às vantagens da cooperação entre empresas e universidades.

Os modernos sistemas de produção utilizam de forma crescente equipamentos

automáticos, nomeadamente equipamentos baseados em robôs industriais. Essa é

uma opção económica, que se prende essencialmente com os seguintes factores:

1. Os robôs manipuladores podem executar tarefas de uma forma quase

humana;

2. Os robôs industriais são, de todos os equipamentos usados na Automação

Industrial, aqueles que apresentam melhor índice de custo de produção por

unidade de produto, em função do volume de produção, para

pequenos/médios volumes de produção (Figura 1). Ora esse é o caso da

esmagadora maioria das pequenas e médias empresas, existentes nos

países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Na verdade, dadas as

características de mercado (elevada concorrência, produtos definidos em

parte pelos clientes, produtos com tempos de vida curtos, exigência

crescente de mais qualidade a mais baixo preço, etc.), as empresas

produzem essencialmente por encomenda e não arriscam stocks (para além

dos indispensáveis stocks de segurança), pelo que as produções são de

pequena e média escala. Essa é talvez a razão da utilização crescente de

robôs em ambiente industrial.

3. Os robôs mais evoluídos são máquinas programáveis poderosas, possuindo

vários mecanismos de interface com outros equipamentos. Estas

características tornam os robôs equipamentos flexíveis por excelência, isto

é, máquinas que se podem adaptar às mais diferentes tarefas. Estas

características aumentam a disponibilidade dos equipamentos robotizados

para alterações significativas de tarefas e operações, o que é fundamental

para responder de forma ágil a alterações de mercado ou à introdução de

novos produtos.

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Custo por Unidade

Volume

TrabalhoManual

Automação DedicadaRobô

Zona da Robótica Industrial

PequenaPequena MédiaMédia GrandeGrande

Figura 1 – A zona da Robótica

A utilização de robôs em ambiente industrial não é, ao contrário do que muita

gente pensa, um assunto resolvido ou uma mera questão de integração, mas

coloca desafios muito interessantes que constituem uma vasta área de Investigação

e Desenvolvimento (I&D), da qual podem resultar spin-offs de alta tecnologia.

Esses desafios são desde logo motivados pela necessidade de fazer a interface com

os operadores humanos, visto que ambos terão de coexistir e cooperar em

ambiente industrial. Na verdade, nas fábricas modernas actuais verifica-se uma

grande mistura de trabalho humano e trabalho baseado em máquinas automáticas

(robôs manipuladores e móveis, máquinas ferramenta, autómatos programáveis,

equipamentos pneumáticos e hidráulicos, etc.). Essa realidade coloca enormes

desafios ao nível dos dispositivos e software de interface homem-máquina (HM), os

quais não se encontram resolvidos e são tema actual de I&D. É necessário tornar

essa interface mais simples, intuitiva, menos formal e mais segura. Para além

disso, o factor humano pela sua baixa previsibilidade tende a colocar situações aos

sistemas automáticos que são de difícil solução, nomeadamente em sistemas que

não podem parar com frequência, e que têm de manter graus de segurança muito

elevados. Isso reforça a importância das soluções de interface HM no sucesso de

um sistema automático industrial.

Um outro enorme desafio é o da agilidade. Isso significa tirar partido, de forma

eficiente, da flexibilidade inerente aos equipamentos modernos de automação

industrial. Não é uma tarefa fácil, e exige que se explorem os vários equipamentos

à disposição, distribuindo tarefas e coordenando o seu desempenho. A agilidade é

hoje um factor importante, dado o tempo de vida reduzido dos produtos e a

necessidade que existe de ter sistemas produtivos adaptados à produção de vários

tipos de produtos diferentes, com vários modelos diferentes.

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Figura 2 - Fluxo de produtos dentro de uma instalação produtiva (exemplo).

Para além disso, um processo produtivo automatizado é um processo produtivo que

foi estudado, identificando e racionalizando as fases desse processo. Está

normalmente organizado em células de produção, onde se realizam um

determinado número de tarefas sobre as matérias-primas e produtos semi-

acabados, formando produtos que se aproximam sucessivamente do produto final,

à medida que vão passando por mais células de produção. Esta “viagem” desde o

armazém de matérias-primas até ao armazém de produto acabado, passando pelas

várias células de produção, entre as quais existem em determinadas fases de

fabrico pequenos armazéns (buffers) de produto semi-acabado, constitui o processo

produtivo de um determinado produto (Figura 2). Para manter equilibrado e

eficiente todo este processo, conseguindo níveis de produtividade elevados, é

necessário ter informação detalhada, e em tempo-real, do que está acontecer. Isso

significa que todo o processo produtivo deve estar organizado de forma hierárquica,

permitindo o fluxo de informação entre os vários níveis funcionais de uma empresa

integrando assim todo o processo produtivo. A figura 3 mostra, de forma simplista,

uma forma de organização conhecida por CIM – Computer Integrated

Manufacturing, e que é apresentada como uma rede de informação entre os vários

níveis da empresa.

Quem desenvolve equipamentos tem de ter a noção clara da maneira como se

organizam as empresas modernas, de forma a adaptar os seus equipamentos para

Fornecedores

Buffer Buffer

Buffer

Buffer Clientes

Ciclo 1 Ciclo 2

Ciclo 4

Ciclo 3

Ciclo 5

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trabalharem neste tipo de ambientes, permitindo uma exploração exaustiva das

suas capacidades.

Router

Switch

InternetGestão Económicae Financeira

Marketing e Estudos de Mercado

ProjectoGestão e Planeamentoda Produção

HUB

CL_1 CL_N...

HUB HUB

CC_1 CC_N... ...

Equipamentosda

CFM_1

Equipamentosda

CFM_N

...

Nív

eldo

sEq

uipa

men

tos

Nív

elda

Cél

ula

Nív

eldo

Proc

esso

Nív

elda

Prod

ução

Nív

elda

Ges

tão

Figura 3 - Organização do tipo CIM – Computer Integrated Manufacturing.

Com o objectivo de exemplificar as ideias aqui apresentadas, descrevem-se de

seguida, de forma breve, dois sistemas industriais desenvolvidos para responder a

alguns dos desafios mencionados, e que foram instalados em empresas a operar

em Portugal. Ambos os desenvolvimentos, nomeadamente a concepção da parte de

robótica, foram realizados no Laboratório de Robótica Industrial, do Departamento

de Engenharia Mecânica, da Universidade de Coimbra.

Sistema Industrial: Paletização de vidros.

Neste caso, como é vulgar em muitas indústrias, o produto semi-acabado tem de

ser paletizado em vários estágios do seu ciclo produtivo como forma de transitar de

célula em célula, poder ser vendido em vários estágios (a outras empresas que

completam o seu fabrico, introduzindo-lhe características próprias) e poder ser

armazenado por períodos mais ou menos longos de acordo com o planeamento da

produção e as necessidades da empresa. Os produtos usados neste exemplo são

vidros laterais para automóvel, e a tarefa é a sua paletização. Neste caso

particular, os vidros são paletizados a cerca de 30% do seu ciclo, para poderem ser

usados na linha que permite dar a curvatura característica do modelo de vidro. Essa

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linha, que inclui um forno de alta temperatura e um sistema de encurvamento a

quente, é partilhada por todos os modelos de vidros da empresa, pelo que a

alimentação automática a partir das linhas seria muito complexa ou até impossível.

Assim, os vidros são paletizados por modelos, usando um robô manipulador, e são

colocados na linha de encurvamento por outro robô, bastando, para isso, colocar as

paletes junto ao robô e configurar o seu software com o modelo respectivo. Isso

permite trabalhar com toda a gama de modelos produzidos de forma simples e

eficiente.

Figura 4 – Componentes do sistema de paletização para a indústria automóvel.

Na fig. 4 representa-se uma vista geral do sistema constituído por:

1. Robô antropomórfico industrial ABB IRB 4400 com controlador S4C+ (versão de 2002);

2. PLC Siemens S7 300, para controlo dos sistemas periféricos ao robô;

3. Transportador que recebe os vidros da linha e os centra, usando um conjunto de cilindros pneumáticos, para que sejam manipulados partindo sempre da mesma posição. Este sistema é gerido pelo PLC;

4. Ferramenta pneumática com sensores de contacto mecânicos retracteis, usando cilindros pneumáticos, para operações de obtenção de ângulos da base e das costas da palete, e ventosa de sucção por venturi para segurar os vidros;

5. Base rotativa que suporta duas paletes de forma a ter troca rápida de paletes;

Controlador

do Robô

(ABB S4 C+)

Robô

Manipulador

Ferramenta

PLC

(Siemens S7 300)

Transportador

Centragem

Paletes

Máquina

Papel

Sincronização com

resto da linha.

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6. PC de supervisão e comando, que funciona ainda como interface com o operador.

O ciclo executado neste sistema tem as seguintes etapas fundamentais:

Identificar se a palete é nova e palpar paletes novas

Uma palete nova precisa de ser verificada no sentido de obter ângulos de inclinação

da base e das costas da palete, a altura da palete relativamente ao chão, a

profundidade da palete, bem como o desnível da base da palete (tende a aumentar

com o uso intensivo da palete). Estes valores mudam de palete para palete,

independentemente do modelo, pelo que têm de ser adquiridos sempre que uma

palete vazia é introduzida. Esta operação é fundamental para o sucesso da tarefa

de paletização, visto que permite largar o vidro sempre à mesma altura relativa à

base da palete, e à mesma distância relativamente ao vidro imediatamente

anterior. Isso permite evitar defeitos no vidro: lascar os topos por ser largado

demasiado alto (mais que 1-2 mm), ou riscar a superfície (permitindo que os vidros

deslizem entre si).

Assim, se a palete estiver vazia (existem sensores de presença ópticos, colocados

na mesa de suporte da palete, que detectam a presença de vidro nas duas

vertentes da palete) e o processo de palpação ainda não tiver sido executado, o

sistema faz uma palpação da palete para obter os valores referidos para a palete

actual. Esses valores serão usados durante o processo de paletização, até que essa

palete seja terminada.

Apanhar um vidro da linha

Depois de obtida informação do PLC de que existe um vidro em posição, isto é

centrado e pronto a ser recolhido, o robô deve apanhar o vidro na posição pré-

definida (por modelo de vidro) e levá-lo até à entrada da palete.

Paletizar o vidro

O vidro deve ser colocado na vertente em uso, de acordo com o número de vidros

já paletizados e com os parâmetros da palete em uso (ângulo da base e costas,

altura e profundidade da palete). Esta operação implica conhecer ainda a espessura

do vidro, para calcular o passo de recuo sobre a palete, mantendo o movimento

paralelo à base da palete, e registando o número de vidros já colocados. No fim, o

robô comunica ao PLC que a palete está cheia e coloca-se fora da zona de colisão

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com a palete, de forma que se inicie o processo de troca de palete fazendo rodar a

base em que elas assentam (Figura 5).

Figura 5 – Célula de paletização de vidros para indústria automóvel.

Zona de Centragem

Linha (vista de cima)

Vista Geral do Sistema

Ventosa

Sensores de

contacto,

retrácteis

por cilindro

pneumático.

Palete com duas

vertentes para vidro.

Apoiada em base

rotativa, o que permite

substituir

imediatamente a

palete quando está

cheia.

Máquina de

papel

separador,

com sistema

de corte

pneumático.

Vidro

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Figura 6 – Aspecto geral do sistema.

Tendo em conta que o sistema deve trabalhar com vários modelos de vidros (até

128 modelos diferentes), que exigem configuração própria para pegar no vidro,

para paletizar o vidro na palete, o software desenvolvido deveria permitir a

utilização da consola de programação do robô durante a fase de configuração do

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modelo. Essa configuração é feita fazendo movimentos genéricos, pedindo ao

operador que os ajuste de forma a obter os valores correctos para cada modelo.

Esses valores são guardados numa base de dados, organizada pelo número do

modelo, de forma a serem utilizados mais tarde. Este processo de “ensino”,

conduzindo o robô, é feito sempre com o robô em modo automático, estando, por

isso, o software de operação sempre a correr e a ser monitorizado pelo PC remoto.

Quando o operador coloca o robô em modo manual de operação, não é permitido

colocar a linha em modo automático, pelo que o processo normal da linha fica

interrompido. Basta colocar o software em modo automático para permitir o

funcionamento automático da linha, e permitir dar início à paletização automática.

Como já foi referido, esta solução de paletização industrial foi desenvolvida para ser

comandada a partir de um PC remoto. O software desenvolvido para o PC usa o

objecto ActiveX denominado PCROB [1]. Esse software constitui o painel de

comando do sistema de paletização (Figura 7).

Figura 7 – Painel de comando/monitorização da aplicação de paletização.

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Exemplo Industrial: despaletização de peças cerâmicas não planas

Este é um exemplo muito interessante de mistura de trabalho humano com

trabalho automático, neste caso também executado por robôs. Na indústria

cerâmica não plana (onde se fazem sanitas e bidés, banheiras, etc.), é necessário

inspeccionar 100% das peças depois do cozimento final. Essa inspecção é feita por

operadoras, humanas claro, as quais executam essa tarefa quando as peças são

colocadas em tapetes rolantes (Figura 8). A operação de desfazer paletes para

colocar as peças nos tapetes é uma tarefa árdua, devido ao peso das peças, e

muito monótona, ou seja, é uma tarefa típica para robôs. Coloca, no entanto, muito

problemas. Desde logo, sendo as paletes montadas por homens à saída do forno,

existem erros de posicionamento das peças na palete (32 peças por palete,

empilhadas em 4 níveis de 8 peças cada). Esses erros podem ser significativos, isto

é, atingir alguns centímetros no posicionamento no plano, e alguns graus em

rotação. Isto significa, que o sistema automático deve resolver esses erros. Por

outro lado existem vários tipos de peças diferentes, e dentro de cada tipo existem

modelos diferentes, mudando as dimensões, forma, cor, etc..

O sistema robotizado desenvolvido trabalha com duas paletes e dois tapetes de

inspecção. Possui sistemas de segurança, que impedem o operador de entrar na

célula sem autorização e, eventualmente, sofrer qualquer acidente. Para além

disso, todo o interface com o sistema é feito a partir de um PC, permitindo ao

operador seleccionar o modelo em operação, o tipo de palete que introduziu,

verificar a produção, eventuais avisos ou mensagens de erro, etc..

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Palete 1 Palete 2

Linha de Inspecção 1

Gripper

ABB IRB6400

Linha de Inspecção 2

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Figura 8 – Aspecto do sistema desenvolvido.

Figura 9 - Painel de comando/monitorização da aplicação da indústria cerâmica.

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Para além disso, o operador tem à sua disposição rotinas simples que permitem

introduzir, conduzindo o robô com um joystick, um novo modelo em menos de 5

minutos. As vantagens deste tipo de sistema podem ser resumidas em:

1. Os novos modelos são introduzidos de forma intuitiva, num espaço de

tempo curto compatível com a produção;

2. Possibilidade de ajustar os parâmetros de cada modelo de forma a optimizar

a produção;

3. Possibilidade de mudar de modelo sem parar a produção;

4. Monitorização da produção usando um interface gráfico on-line, a partir de

um PC remoto sem afectar a produção;

5. Obter ciclos de produção optimizados, que neste caso particular rondam os

12 segundos por peça.

Em conclusão, apresentaram-se de forma resumida duas aplicações industriais de

automação/robótica industrial, onde se procurou mostrar a interdisciplinaridade de

assuntos que se conjugam em trabalhos deste tipo. Para além disso, procurou-se

ainda mostrar o interesse prático e operacional em conjugar software local, a correr

nos controladores dos vários equipamentos usados, com software em PC usado

para comando e monitorização. Finalmente, este exemplo pretendeu de certa forma

ilustrar a utilização de componentes de software, desenvolvidos com o objectivo de

simplificar a utilização de máquinas avançadas, como os robôs manipuladores, a

partir de PCs comuns.

Para além disso, procurou-se demonstrar que os desafios colocados por aplicações

industriais exigentes, em termos de desempenho e de interface com os operadores,

pode ser um desafio muito interessante, potenciador de uma actividade de

cooperação entre empresas e universidades muito proveitosa para ambas as partes

e para o País.

J. Norberto Pires

Laboratório de Robótica Industrial

Departamento de Engenharia Mecânica

Universidade de Coimbra

[email protected]

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Para saber mais:

1. PCROB, um componente ActiveX para robôs industriais,

http://robotics.dem.uc.pt/norberto/pcrob.htm

2. Automação Industrial, J. Norberto Pires, ETEP-LIDEL (Edições técnicas

especializadas), 2002. http://robotics.dem.uc.pt/norberto/ai/

3. RobTools 2.01, Uma colecção de ferramentas para robótica industrial,

http://robotics.dem.uc.pt/norberto/microsoft2001/

4. Exemplos na área da indústria do papel,

http://robotics.dem.uc.pt/norberto/isr01/

5. Exemplos na área da soldadura, http://robotics.dem.uc.pt/norberto/welding/