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#928 07.MAR.2010 Este suplemento faz parte do Jornal de Notícias n.º 279/122, Diário de Notícias n.º 51468 e é vendido com o Diário de Notícias (Madeira) n.º 43655. Não pode ser vendido separadamente João Duque Toda a verdade sobre a crise Cinema Alice no país das quê? 100 anos pela igualdade Mabel Vernon, uma das primeiras sufragistas, a discursar perante uma multidão, em Chicago, Estados Unidos, em Junho de 1916. Era o início de uma longa luta. Teresa Pizarro Beleza, Anália Torres,Sara Falcão Casaca e Isabel Cruz escrevem sobre mulheres e relações de género. Na lei,no trabalho,na família,na sociedade. Em Portugal é grande a diferença entre o Direito e a vida. DIA INTERNACIONAL DA MULHER

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Page 1: 07.MAR.2010 100 das quê? · plas revisões –, já fizera desaparecer a impossibilidade legal de violação entre casados. A incriminação da violência doméstica, de que as mulheres

#92807.MAR.2010

Este suplemento faz parte do Jornal de Notícias n.º 279/122, Diário de Notícias n.º 51468 e é vendido com o Diário de Notícias (Madeira) n.º 43655. Não pode ser vendido separadamente

João DuqueToda a

verdadesobre a crise

CinemaAlice no país

das quê?100anos pelaigualdade

Mabel Vernon, uma dasprimeiras sufragistas, a discursar perante umamultidão, em Chicago,Estados Unidos, em Junhode 1916. Era o início de uma longa luta.

Teresa Pizarro Beleza,AnáliaTorres,SaraFalcão Casaca e Isabel Cruz escrevem sobre mulheres e relações de género. Na lei,notrabalho,na família,na sociedade.Em Portugalé grande a diferença entre o Direito e a vida.

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

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MULHERES

Entrea lei e arealida-deCem anos depois da criação do Dia Internacional da Mulher a8 de Março,as mulheres portuguesas têm consagrados em leios direitos que lhes garantem a igualdade.¬Mas entre a lei e arealidade há um abismo difícil de medir.¬A nm pediu a qua-tro estudiosas que há muito investigam a igualdade de opor-tunidades entre homens e mulheres que fizessem o ponto dasituação neste início do século XXI, em que se assiste à tentati-va de «são-valentinizar» este dia consagrado ao feminino.28»noticiasmagazine 07.MAR.2010

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GéneroPão e rosasEm vésperas do Dia Internacional das Mu-lheres, procuro reunir três reflexões que cru-zam reconhecimento, regozijo e inquietude.No primeiro plano, entendo que nesta datanos incumbe prestar homenagem à centenade mulheres operárias de uma fábrica de No-va Iorque que, no dia 8 de Março de 1857, per-deram violentamente a vida enquanto rei-vindicavam a redução da jornada de trabalhopara dez horas diárias, a igualdade salarial eo justo direito à licença de maternidade. Lu-tavam também pela nossa dignidade, por di-reitos laborais e sociais elementares. Cercade cinquenta anos depois, em 1908, a mesmacidade testemunhava a marcha de mais de 15 mil mulheres, movidas pela campanhaBread and Roses, que retornaria em 1912, emLawrence, Massachusetts; as suas vozes cla-mavam então por salários menos pobres (o«pão») e pelo direito a trabalhar e a viver emmelhores condições (as «rosas»). Associe-

mos este tributo a todas as «vozes insubmis-sas» [título da obra de Isabel do Carmo e Lí-gia Amâncio] que têm pugnado pelos direi-tos das mulheres, pelo fim da subordinaçãoda condição feminina, por uma sociedadesolta de preconceitos e de discriminações,em que os deveres e os direitos sejam efecti-vamente iguais para todas e todos.

A segunda reflexão considera os progres-sos alcançados nas relações de género, nosentido da crescente participação das mu-lheres na actividade económica, do seu es-forço empreendedor, do forte investimentona escolarização e nas qualificações formais,do progressivo processo de autonomizaçãoeconómica e simbólica e da sua maior afir-

mação na vida pública. Esta tendência ocor-re a par da valorização dos afectos, crescen-temente assumida por alguns segmentosmasculinos; trata-se de homens que não sópassaram a beneficiar de uma maior cons-ciência cívica dos seus direitos e deveres en-quanto pais, como estão a experimentar osganhos emocionais e a desfrutar da genuínarealização pessoal que decorre do exercíciode uma paternidade activa e próxima. Assim,no dia 8 de Março celebra-se, com regozijo, ocaminho do progresso, da modernização, dodesenvolvimento humano, sem retorno àsestruturas e ideologias patriarcais e arcaicas.É este o percurso preconizado, que reconhe-cemos em marcha, mas que nos impõe umacrescido sentido de vigilância e apela a umaconjugação forte e profunda de esforços, emnome de uma sociedade mais justa, paritária,inclusiva e democrática.

Por fim, equacionemos algumas perple-xidades que nos são suscitadas pela con-juntura presente. Pese embora os avançosnotáveis, que comemoramos, os estudoscientíficos e os testemunhos de várias or-ganizações confirmam a persistência demecanismos e práticas de segregação se-xual; apontam a elevada precariedade evulnerabilidade laboral vivida pelas mu-lheres, o surgimento de novos padrões se-gregativos, geradores de pobreza, de ex-clusão económica e social.

Importa assumir a igualdade como valorfundamental, para bem de uma nova orga-nização do trabalho humanizada, inclusiva,objectivamente centrada no mérito, nasqualificações, na inovação e no potencial

criativo. Quando conjugada com políticas epráticas de conciliação entre a actividadeprofissional e a vida familiar e pessoal, aigualdade serve a competitividade das em-presas e das economias, mas também a sus-tentabilidade das sociedades.

As transformações socioeconómicas es-tão associadas a outros fenómenos, que me-recem atenção. É o caso da feminização dosfluxos migratórios e das condições de tra-balho e de vida das mulheres imigrantes. É-lhes devido o reconhecimento à igualda-de de oportunidades e de tratamento, bemcomo a valorização do seu contributo parao crescimento económico, para a coesão so-cial e para o desenvolvimento do país.Acresce que os direitos humanos são uni-versais e, como tal, não são redutíveis a in-terpretações de «relativismo cultural». Ca-be-nos zelar colectivamente pelo direito àsaúde sexual e reprodutiva, à integridade fí-sica e psíquica de mulheres e crianças, ex-primindo veementemente a nossa «to-lerância zero» quanto à MGF (mutilaçãogenital feminina), ao tráfico de seres huma-nos para fins de exploração laboral ou se-xual, e à violência de género, em todas assuas manifestações (desde os maus tratosno espaço doméstico ao assédio moral e se-xual). Estas são algumas das inquietudesque nos mobilizam neste 8 de Março de2010. A CIG permanece atenta, empenhadae determinada em promover e consolidaros direitos das mulheres e em contribuir pa-ra a vivência plena da cidadania. Só assim,sabemos, não serão silenciados os progres-sos e os tributos.

Sara Falcão Casaca, professora universitária e presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).

História«A 8 de Março de

1857,mulheresmanifestaram-se

pela redução dajornada de trabalho,

pela igualdadesalarial e licença de

maternidade.»

RUI COUTINHO

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não é este o lugar para essa complicada ex-plicação. Digamos, simplesmente, que épara mim evidente que o mundo (ou a hu-manidade) se divide tão pouco entre ho-mens e mulheres como entre negros ebrancos, homossexuais e heterossexuais,ou cristãos e muçulmanos. «Nós» o imagi-namos, vemos e construímos assim. E a leié autora principal nesta regulação discur-siva do mundo.

Este texto vem a pretexto do Dia Inter-nacional da Mulher (que implicações nãoditas vão neste simples uso do singular…);falemos pois de mulheres. Ou de relaçõesde género. O que não é a mesma coisa, mas,não por acaso, surge recorrentemente emsinonímia.

Há três temas em que a evolução do Di-reito Penal nesta matéria é por demais evi-dente: os crimes sexuais, a violência domés-tica e a interrupção da gravidez. Com-preender-se-á que, dadas a limitação doespaço e a complexidade do que falo, aquidesenho em escorço.

LeisLa donna è mobileUma das mais notórias evoluções do Direi-to Penal nos últimos anos em Portugalaconteceu certamente no campo do quehoje comummente se designa (ou, talvezmelhor, se pode designar) por regulaçãojurídica das relações de género. Ou seja, nadeterminação legal – nas leis, na sua aplica-ção ou desaplicação pelos tribunais ( judi-catura) e outras instâncias (polícias; Minis-tério Público; serviços de reinserção social;guardas e educadores prisionais…) da for-ma como se relacionam ou devem relacio-nar as pessoas tendo em conta a sua divisãojurídica, tida como natural e relativamen-te imutável, entre homens e mulheres. Coi-sa que fundamentadamente contesto, mas

As mulheres deixaram legalmente deser propriedade do marido e garante dahonra deste. O seu preço deixou de ser es-tabelecido em função da nubilidade (vir-gindade). O dote das mulheres violadasou a obrigação de casamento com as mu-lheres estupradas desapareceram dasnossas leis penais. A tentação de Eva, istoé, a circunstância atenuante (para o ar-guido) de provocação da vítima (uma es-pécie de «agravante» para esta) e a siste-mática suspeição que tal norma envolviapara as vítimas de violação caíram na Re-visão do Código Penal em 1995. Antes, lo-go em 1982 – o primeiro Código Penal dademocracia, ainda vigente, com múlti-plas revisões –, já fizera desaparecer aimpossibilidade legal de violação entrecasados.

A incriminação da violência doméstica,de que as mulheres são as vítimas prototí-picas (mas também as crianças, os idosos, eobviamente alguns homens em situação demaior vulnerabilidade), deu um passo de-cisivo com a determinação legal do carác-ter público (o Ministério Público abre pro-cesso e acusa por dever de ofício, o que sig-nifica que pode não haver queixa da vítima,mas mera denúncia de um terceiro; sobre-tudo, a vítima não está sujeita à pressão echantagem do agressor, da sua própria fa-mília ou da família de ambos, para desistirou perdoar). Sensatamente, a Lei da Me-diação Penal, ainda em aplicação experi-mental, exclui expressamente a hipóteseda mediação alternativa de conflitos paracasos de «violência doméstica». Isto indi-cia que o legislador está bem consciente darealidade sociológica das agressões e com-plicados processos de evolução na convi-vência do casal (situação típica, estatistica-mente falando).

Significa tudo isto, que aqui vai em resu-mida reflexão, que as mulheres adquiriramfinalmente o estatuto de livres e iguais?

Quem dera. A «coutada do macho ibéri-co» (Supremo Tribunal de Justiça, re viola-ção, 1987) resiste à erosão dos privilégios.Muitas mulheres avalizam essa resistência,eternizando o seu papel de espelho conve-xo (Virginia Woolf ).

A descriminação do aborto num sistemade prazos devolveu às mulheres algum po-der de escolha e alguma dignidade. Mas du-vido de que lhes assegure uma verdadeiraliberdade.

A maioria das mulheres em Portugal su-porta um pesado fardo de tarefas duplas etriplas: casa, família (parentes e afins) e tra-balho (mal) remunerado.

O paradigma dominante do sucesso fe-minino – na imprensa, na televisão, na fic-ção dita popular – é pouco menos que con-frangedor.

Contra isso, o poder da lei é limitado.Mas pode ser um bom princípio.

Teresa PizarroBeleza, directorada Faculdade de Direito da UniversidadeNova de Lisboa. Para aprofessorauniversitária, «o paradigmadominante do sucesso feminino – na imprensa, na televisão, na ficção dita popular – é poucomenos queconfrangedor.»

RODRIGO CABRITA/ARQ. DN

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Dentro de dois meses, o vale do Jamor serálocal de reunião de atletas profissionais deténis para mais uma edição do Estoril Open.Paralelamente, o ajuntamento social, talvezmais importante do que o desportivo, agre-gará pessoas afamadas da televisão e das re-vistas. Por lá passarão também alguns res-ponsáveis governamentais mas ninguémirá questionar que o valor do prize money fe-minino seja inferior a um terço do masculi-no (450 contra 147 mil euros), ou que o «úni-co» vencedor de singlesganhe o equivalenteaos 14 prémios femininos, todos somados.

Explique-se que a empresa organizadorado Estoril não segue a decisão de outros opensmais ilustres, como Roland Garros ou Wim-bledon, que finalmente igualaram, pelo me-nos no primeiro lugar, os prémios monetáriosde mulheres e homens. Mas não será, certa-mente, por causa deste pormenor que osprincipais patrocinadores, grandes gruposcomo a PT ou o BES, entidades públicas co-mo o Instituto do Desporto de Portugal, a Se-cretaria de Estado da Juventude e do Despor-to ou a Câmara Municipal de Oeiras, irão fal-tar com o seu apoio financeiro ou logístico aeste apregoadíssimo evento desportivo.

A discriminação das mulheres no despor-to tem como face mais visível a desigualda-de dos prémios monetários em diversas mo-dalidades. O exemplo do ténis não é único. O surf atribui «naturalmente» um terço dovalor aos lugares do pódio, o ciclismo meta-de, e o atletismo ainda acolhe diferençassimbólicas em algumas provas de estrada.

Tal como as desigualdades salariais no tra-balho, também no desporto a atribuição deprémios monetários inferiores confirma adesvalorização das mulheres. Infelizmente,confirma também o apoio do Estado na ma-nutenção das desigualdades e discriminações.

O «fenómeno» desporto é hoje altamentelucrativo. Com um volume de negócios equi-valente ao das telecomunicações, envolvevários sectores económicos abrangendo em-presas locais, mas sobretudo multinacionais,grupos empresariais do sector financeiro eimobiliário. Assim se explica que a dita «in-formação» desportiva se concentre em pou-cos eventos e notícias. Negócio é negócio!

A empresa com a qual o Estado contratua-liza a concessão do serviço público de televi-são rege a sua agenda «informativa» em be-nefício dos interesses económicos de umaspoucas sociedades desportivas que enqua-dram o futebol profissional, em detrimentode uma informação independente e objecti-va que espelhe a participação desportiva di-versificada de praticantes e atletas, mulhe-res ou homens.

A campeã Naide Gomes só teve honras deprimeira página informativa quando «per-deu» a final olímpica em Pequim, sem queidêntica cortesia tivesse sido dada às suas vi-tórias e títulos de campeã europeia, con-quistados por mais de uma vez.

A invisibilidade mediática das atletas criacondições muito desfavoráveis de patrocí-nio quando comparadas com atletas mascu-linos de nível idêntico.

O enunciado constitucional que determi-na como tarefa do Estado «a promoção daigualdade», o desígnio de que o desporto de-ve «contribuir para a promoção de uma situa-

ção não discriminatória entre homens e mu-lheres», consagrado na Lei de Bases da Acti-vidade Física e do Desporto, ou as medidasenunciadas nos sucessivos Planos para aIgualdade e que nunca passaram do «papel»,são exemplos de produção legislativa nestaprimeira década do século XXI. Mas a igualda-de na lei esbarra com o abismo da realidade.Por exemplo, o patrocínio institucional ou oapoio financeiro, por vezes bastante signifi-cativo, do Estado (central ou local) a eventosdesportivos não é comandado pelo princípioda igualdade e da não discriminação. E se oEstado não promove a igualdade porque o fa-riam as organizações desportivas?

A decisão de atribuir aos Jogos da Lusofo-nia (JL), realizados no ano passado na regiãode Lisboa, um estatuto de «referência emmatéria de igualdade de género» tomada pe-lo então membro do governo que tutelava aComissão para a Cidadania e Igualdade deGénero (CIG), foi em si um acto paradoxal.

O protocolo celebrado mencionou expli-citamente o uso de uma «linguagem inclusi-va» mas ignorou a discriminação sexistagrosseira presente no programa desportivodos Jogos que, sem qualquer fundamento,excluiu as competições femininas de fute-bol e futsal, e afastou as mulheres destascompetições.

Esta absurda decisão da organização go-vernamental com a atribuição de intervirnos domínios «da igualdade e não discrimi-nação entre homens e mulheres» originouuma iniciativa inédita em Portugal – a pri-meira petição à Assembleia da República so-bre discriminação em função do sexo nodesporto, subscrita por mais de oito mil pes-soas de todo o país. Mas apesar de toda a con-testação, ficará para a «história» que estesJogos constituíram uma «boa prática» e se-rão considerados no âmbito da execução dasmedidas anunciadas no III PNI (vide Agen-da da Igualdade 2005-2009, CIG).

Para lá dos discursos mais igualitários oumais retrógrados, dos anúncios sobre as me-didas de promoção da igualdade, é importan-te analisar o impacte das políticas desporti-vas nestas últimas décadas. Na escola, só seisem cada cem raparigas têm acesso à práticadesportiva organizada. O sector feminino dodesporto federado representa apenas umquinto do total de praticantes e tem uma ta-xa de abandono superior a oitenta por cento.Portugal apresenta um dos mais baixos índi-ces de prática desportiva feminina da UE.

Neste ano em que celebramos o centená-rio da proclamação do Dia Internacional daMulher (1910-2010) é necessário relembraro caminho que ainda falta percorrer. É sobre-tudo fundamental que as mulheres do des-porto tomem nas suas mãos este combatepela igualdade real, que se organizem contrao agravamento das desigualdades e discrimi-nações, que se mobilizem pela realização dodireito ao desporto. Em igualdade!

32»noticiasmagazine 07.MAR.2010

DesportoObjectivo:empate

Isabel Cruz, investigadora e vice--presidente da Associação PortuguesaMulheres e o Desporto

Prémios«O surf atribui umterço do valor mo-netário aos lugaresdo pódio,o ciclismometade,e o atletis-mo tem diferenças

em algumas provasde estrada.»

RUI COUTINHO

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Sabia que em vinte anos, entre 1981 e 2001,o número de mulheres com actividade eco-nómica registada nos recenseamentos dapopulação aumentou cerca de novecentasmil, enquanto no mesmo período o acrésci-mo equivalente para os homens foi apenasde noventa mil? Nos últimos anos, a popula-ção activa portuguesa cresceu fundamen-talmente à custa da entrada generalizadadas mulheres no mercado de trabalho cons-tituindo estas hoje, praticamente, metadeda força de trabalho.

Será que as mulheres passaram da inacti-vidade para o mercado de trabalho? Isto é,seriam todas elas, antes, domésticas? Seráque têm razão aqueles que clamam que osmales do mundo actual se devem ao facto deas mulheres terem de sair do remanso do larpara começarem a desenvolver trabalho pa-go? Nada mais falso, pelo menos para a gran-de maioria das mulheres. Todos sabemosque apenas para um conjunto muito mino-ritário ser doméstica era, no passado, umaopção possível. A verdade é que, tanto no ca-so português como nos dos outros paísesocidentais, as mulheres sempre desenvolve-ram um conjunto de actividades com rele-vância económica, ou mesmo directamentepara o mercado: trabalho no campo, nas fá-bricas, no comércio e nos serviços pessoaisdomésticos.

Mas, por um lado, frequentemente, estetrabalho não era declarado para efeitos derecenseamento, já que ficava melhor de-clarar-se como doméstica. E, por outro,constituindo um contributo económicoinestimável, na maioria das situações nãoera pago. Assim, a entrada das cerca de no-vecentas mil mulheres no espaço de vinteanos para o mercado de trabalho é em par-te alimentada por trabalho que passa a serdeclarado, embora sobretudo pelo aumen-to da participação das mulheres num mer-cado que se alargou de forma substancialcom as mudanças socioeconómicas, no-meadamente com o crescimento do sectordos serviços. A esta actividade juntam-seainda os cuidados com os filhos e as tarefasdomésticas, que a grande maioria acumulacom o trabalho pago.

Sabia que o valor prioritário na vida de ca-da um, mulheres ou homens, portuguesesou europeus, é a família, ao contrário do tãopropalado desinteresse relativo por esta di-mensão da vida? E sabia que as mulheres va-lorizam, para além da família, o trabalhoprofissional ao mesmo nível dos homens? É mesmo na dimensão da valorização do

trabalho que as mulheres – portuguesas eeuropeias – se distinguem menos dos ho-mens. E sabia que as diferenças entre paísesao nível das opiniões práticas e atitudes sãomaiores do que as diferenças entre homense mulheres?

Se aspirações ao trabalho e à família, aosafectos tanto como à autonomia, parecemnão distinguir suficientemente as mulhe-res dos homens, nem as diferenças entre osdois sexos são tão esmagadoras como é su-posto, o que dizer das desigualdades? Essassão bem reais…

Assim, só para dar um exemplo, se os ren-dimentos dos homens e das mulheres paraiguais níveis de formação escolar são dife-rentes, a verdade é que essa diferença au-menta consideravelmente à medida que osníveis de formação sobem. Assim, a dispari-dade do ganho médio mensal entre mulhe-res e homens com profissões menos qualifi-cadas e ensino básico anda à volta dos dezpontos percentuais, mas aumenta para vin-te quando se trata de pessoas com ensino su-perior e é ainda maior quando se trata dedoutoradas e doutorados.

Estas desigualdades têm sido explicadas,entre outros factores, pelo facto de as mu-lheres acumularem as responsabilidadesprofissionais com as familiares. O que, alémde se traduzir em sobretrabalho, dificulta ascarreiras e impede, nomeadamente, a inter-venção cívica e política.

Hoje as famílias têm dois provedores. Mascontinuamos a ter apenas, na maioria dos ca-sos, uma cuidadora. As mulheres portugue-sas, com maior ou menor visibilidade, foramas protagonistas de mudanças sem preceden-tes como os números que vos indiquei mos-tram à evidência. Mas idêntico protagonismonão é reconhecível por parte dos homens, anão ser em alguns ainda muito tímidos sinais.É da acentuação desse movimento que a so-ciedade portuguesa precisa. Porque uma so-ciedade menos desigual é uma sociedademais coesa, mais livre, mais cidadã.«

EmpregoUma carga detrabalhos

Salários«A disparidade

do ganho médiomensal entre

mulheres aumentapara vinte por cento

quando se trata depessoas com

ensino superior.»

Anália Torres,professora universitária e presidente daEuropean Sociological Association.

HELDER ALMEIDA CAPELA/ARQ. DN