07 cronicas 1900

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  • 11900

  • 2O Theatro, 01/01/1900

    muito commum dizer-se que o theatro brazileiro est em decadencia, que necessario reerguel-o, etc., mas a grande verdade esta: o theatro brazileiro nunca existio. Ha um bom numero de peas theatraes escriptas por patricios nossos, e entre ellas algumas que figurariam dignamente na litteratura de qualquer paiz adiantado; tudo, entretanto, que se tem feito em prol do nosso theatro so tentativas sporadicas, a que faltou a indispensavel perseverana, e no mereceram, infelizmente, a atteno de nenhum governo.

    Depois dos famosos mysterios do seculo XVI, escriptos pelo glorioso Anchieta, para entretenimento e catechese de bugres, passaram-se dous longos seculos sem que houvesse noticia de que no Rio de Janeiro a litteratura dramatica se manifestasse por qualquer frma.

    Em meados do seculo XVIII, a fama do popular theatro do Bairro Alto, de Lisboa, repercutio no Rio de Janeiro, e padre Ventura, mulato intelligente, fundou a Casa da Opera,onde exhibio o repertorio de Antonio Jos, poeta que s pelo nascimento pde ser considerado brazileiro.

    Esse theatro acabou por um incendio, e foi substituido pela Nova Casa de Opera, construida pelo musico e dansarino portuguez Manuel Luiz, muito protegido pelo vice-rei, conde de Avintes, segundo marquez do Lavradio.

    Para a Nova Casa da Opera vieram os primeiros actores da metropole que pisaram terras de Santa-Cruz; o padre Ventura servia-se da prata de casa.

    Com a retirada do marquez do Lavradio, em 1775, ao qual succedeu Luiz de Vasconcellos, pouco amante de espectaculos, e depois o conde de Rezende, que tinha particular ogeriza por tudo quanto cheirasse a arte, a Nova Cada da Opera desappareceu, e s depois da vinda de D. Joo VI, em 1808, o Rio de Janeiro teve um theatro.

    Aquelle rei, a quem esta cidade tanta deve, fez construir por Fernando Jos de Almeida o Real Theatro de S. Joo, e mandou vir de Lisboa duas companhias, uma dramatica e outra lyrica.

    Da primeira faziam parte os artistas mais applaudidos de Lisboa, entre os quaes o grande actor comico Victor Porfirio de Borja, cuja tradio ainda perdura; a segunda trazia como regente da orchestra Marcos Portugal, o primeiro musico portuguez daquella epoca.

    O theatro foi inaugurado aos 12 de outubro de 1813, e durante dez annos deram-se alli muitos espectaculos lyricos e dramaticos.

    A 25 de maro de1824 incendiou-se pela primeira vez o S. Joo, que estava condemnado pelo destino a mais dous incendios.

  • 3Entretanto, em menos de dous annos o theatro foi reconstruido, effectuando-se a reabertura em 22 de janeiro de 1826. Intitulou-se Imperial Theatro S. Pedro de Alcantara.

    Fernando Jos de Almeida mandou vir de Lisboa outra companhia dramatica, na qual figuravam os famosos artistas Manuel e Ludovina Soares; mas o emprezario morreu justamente no dia em que ella aqui chegou. Dessa companhia tambem fazia parte o bailarino Luiz Montani, chefe de uma familia de artistas, pae de Jesuina e av de Gabriella e Olympia Montani.

    D. Pedro I tomou os comicos sob a sua imperial proteco, e elles durante dous annos deram espectaculos regulares, em que foram muito applaudidos; mas a companhia dispersou-se, pudra! logo depois da revoluo de 7 de abril de 1831, e o imperial theatro, que passou a chamar-se Constitucional Fluminense, ficou, por bem dizer, abandonado.

    Um grupo de actores do S. Pedro alugou um theatro particular que havia na rua dos Arcos, outro foi dar espectaculos em Nictheroy, e outro ainda, entre os quaes se achavam Manuel Soares e Ludovina, construio o theatro da praia de D. Manuel, depois chamado de S. Januario, e inaugurou-o em 1831.

    Um anno antes apparecra Joo Caetano dos Santos, que mourejou aqui e alli no thetro de Nictheroy, no do Vallongo (construido expressamente para elle) e no de S. Januario, at que, aos 7 de setembro de 1839, frente de uma companhia organisada por elle, da qual fazia parte Estella Sezefreda, de quem fez sua esposa, re-inaugurou o Constitucional, que j se intitulava de S. Pedro de Alcantara, titulo que ainda hoje conserva.

    No elenco desta companhia figurava o actor Jos Luiz da Silveira, que ainda ahi esta sadio e bem disposto, carregando galhardamente o peso dos seus oitenta e no sei quantos annos. Ainda hontem o vi.

    Naquella noite de 7 de setembro de 1839 foi representada a tragedia Olgiato, de Domingos Jos Gonalves e Magalhes, depois visconde de Araguaya... Parecia, realmente, que o theatro brazileiro nascia nessa occasio, mas no nasceu. Joo Caetano era um grande artista, mas no comprehendeu que estava nas suas mos a nacionalisao do nosso theatro, que at ento vivera, como ainda hoje vive, da litteratura de importao. De Magalhes o que elle mais apreciava eram as traduces das traduces de Ducis, e quando appareceu Luiz Carlos Martins Penna, o creador da comedia nacional, o artista no comprehendeu tambem que esse moo era um predestinado, que Joo Caetano e Martins Penna haviam nascido para se completarem reciprocamente.

    Qual foi o resultado disso? O auctor do Novio no nos deixou seno faras, levando comsigo para a eternidade, aos 33 annos, todos os seus sonhos de

  • 4arte, e ninguem aponta do genial Joo Caetano outra creao notavel, em pea brazileira, que no seja o papel de Antonio Jos na tragedia de Magalhes.

    Como houvesse, desde o exodo produzido pela revoluo de 89, uma importante colonia franceza nesta cidade, colonia que mais importante se tornou depois que D. Joo VI trouxe comsigo alguns artistas notaveis daquella nacionalidade, o Rio de Janeiro era constantemente visitado por bons actores francezes, alguns dos quaes edificaram, em 1832, o theatro que se chamou de S. Francisco e se chamava Gymnasio quando ha alguns annos foi transformado em club carnavalesco.

    O gosto pelo theatro francez implatou-se devras na populao, e Joo Caetano, tendo, alis, musculos para reagir contra o estrangeirismo, deixou-se levar na corrente, e no foi outra cousa seno um Frederick Lemaitre adaptado scena brazileira.

    Pode-se mesmo dizer que elle antipathisava com as peas nacionaes. Por outra forma no se explica o negar-se a pr em scena o Jesuita, de Jos de Alencar.

    No ha, at 1889, dramaturgo francez que no fosse traduzido e representado no Rio de Janeiro. O periodo mais notavel do nosso theatro dramatico foi de 1853 a 1860, naquelle mesmo Gymnasio sob a direco de um emprezario brasileiro, o benemerito Joaquim Heleodoro dos Santos, que organisou uma companhia modesta, justamente com o pessoal dissidente da de Joo Caetano.

    Parecia que, effectivamente, se bem que ainda sob a influencia immediata do theatro francez, ia nascer o theatro brasileiro...

    Representaram-se no gymnasio peas de Jos de Alencar, Macedo, Pinheiro Guimares, Quintino Bocayuva e outros, que deixaram nome; mas pouco durou esse fogo de palha, e quando, alguns annos mais tarde, com a abertura do Alcazar, o Rio de Janeiro foi invadido pela opereta e Offembach comeou a reinar como despota em todos os espiritos, desvaneceram-se as ultimas esperanas.

    Furtado Coelho, o incomparavel Furtado Coelho, prestou os mais relevantes servios arte dramatica no Brazil, e foi, mesmo depois da debcle, o emprezario e actor que conseguio, com elementos encontrados no proprio paiz, dar-no o theatro litterario; mas no se pde dizer que fizesse o menor esforo para o advento do theatro brazileiro propriamente dito.

    No que nos faltem aptides: mesmo depois da invaso alcazarina appareceu Frana Junior, que foi um continuador de Martins Penna, e appareceram outros.

  • 5Na provincia e basta citar dous nomes, um do norte Agrario de Menezes, e outro do sul Arthur Rocha, na provincia no faltaram bons cultores da litteratura dramatica.

    Actores tivemol-os sempre e ainda alguns existem ou vindos de Portugal e feitos aqui, como Aras, Lisboa, Guilherme de Aguiar e tantos outros, ou nascidos no Brazil, como Vasques, Martinho, Galvo, Peregrino, Xisto Bahia, etc.

    A vinda ao Brazil de algumas summidades da arte dramatica, universalmente conhecidas, longe de concorrer para que o theatro nacional desabrochasse, produzio um effeito diametralmente opposto. Parece que o publico fluminense no perda aos nossos artistas o no serem Rossis, Ristoris, Salvinis, Coquelins e Sarahs Bernhardt.

    De um lado a indifferena dos governos e a falta de estimulo; do outro a maldita inveno dos theatros abertos, e o nenhum escrupulo de certos emprezarios, de certos auctores e de certos artistas, foram motivos que se combinaram para que o theatro no Rio de Janeiro chegasse a um estado sobre o qual no insisto para no repetir o que tantas vezes tenho escripto nesta folha.

    Espero, entretanto, que no termine o seculo que vai principiar de hoje a um anno, sem que as leis concernentes ao theatro municipal tenham um comeo de execuo.

    ***

    O director dA Noticia pedio-me algumas linhas sobre o movimento do theatro dramatico no Rio de Janeiro durante o seculo, e eu no tenho tempo nem espao para outra cousa mais alem do que ahi fica.

    A. A.

  • 6O Theatro, 11/01/1900

    Publicando a estatistica theatral do Rio de Janeiro em 1896, escrevi as seguintes linhas no meu folhetim publicado nesta folha a 7 de janeiro de 1897: O que se vai ler o attestado mais eloquente do descalabro a que chegaram os nossos theatros, e o protesto mais vehemente contra a indifferena do publico e das auctoridades. Hoje a estatistica ainda mais dolorosa e pungente, como vo ver:

    Durante o anno passado realisaram-se nesta capital 1.127 espetaculos (menos 187 que em 1898, menos 109 que em 1897, menos 549 que em 1896 e menos 690 que em 1895), os qaues vo descriminados no seguinte quadro:

    Teatros/ Ms

    Apollo Recreio SantAnna Variedades S. Pedro Lucinda Lyrico Eden-Laveadio

    noite/dia noite/dia noite/dia noite/dia noite/dia noite/dia noite/dia noite/dia

    Janeiro 20 3 23 2 1 0 0 0 2 0 14 2 0 0 17 0

    Fevereiro 14 3 15 2 1 0 0 0 0 0 18 1 0 0 0 0

    Maro 3 0 20 2 0 0 3 0 0 0 16 1 0 0 0 0

    Abril 4 1 27 3 0 0 6 0 11 3 18 0 0 0 0 0

    Maio 31 1 27 2 4 0 8 2 21 6 12 1 0 0 0 0

    Junho 28 1 26 2 29 4 14 1 2 2 0 0 12 0 1 0

    Julho 30 5 18 1 27 5 16 1 0 0 6 0 12 4 1 0

    Agosto 31 4 22 3 29 4 10 0 23 1 1 0 10 1 0 0

    Setembro 28 4 22 2 28 2 16 1 5 1 1 0 1 0 0 0

    Outubro 30 4 16 2 8 2 8 1 1 1 1 0 0 0 0 0

    Novembro 29 3 12 1 5 2 27 2 1 0 2 0 0 0 0 0

    Dezembro 4 1 26 3 1 0 29 3 25 5 2 0 0 0 0 0

    Total 282 274 154 148 109 93 48 19

    1.427

    Convm observar que nesses 1.127 espetaculos esto comprehendidas algumas representaes equestres e acrobaticas.

    Segue-se a nomenclatura, por ordem alphabetica, das peas representadas durante o anno, com o numero de representaes ao lado do titulo, que ser impresso em italico todas as vezes que se tratar de pea exhibida pela primeira vez nesta capital.

  • 7Dividido convenientemente, comecemos pelas

    Oper asAida, 3; Baile de mascaras, 1; Barbeiro de Sevilha, 1; Bohemia, 4;

    Carmen,4; Cavalleria rusticana, 7; Fausto,1; Favorita, 1; Fedora, 3; Fra-Diavolo, 1; Gioconda, 3; Guarany (nac.), 5; Huguenotes, 4; Lucia, 1; Manon Lescaut, 5; Mephistofeles, 1; Othelo, 1; Palhaos, 6; Rigoletto, 4; Sanso e Dalila, 6; Sapho, 1; Traviata, 3; Trovador, 2.

    Tr agedias, Dr amas e ComediasAnastacia & C., 2; Anjo da meia-noite, 2; Amantes, 9; Amores de Cleopatra,

    5; Amor por annexins (nac.), 1; Uma aposta, 4; O badejo (nac.), 2; Um banho frio (ital), 1; A Bexigosa, 10; Borboletismo, 1; Cabana do pai Thomaz, 10; Casa de boneca, 26; Casa paterna (ital.), 1; Capricho feminino, 4; Causa celebre, 9; Cavalheiro particular, 3; Cavalleria rusticana, 2; Uma chavena de ch, 3; Ciumenta (ital), 2; Commissario de policia, 2; Conde de Monte Christo, 10; Crimes do Brando, 1; Crime honroso, 1; Curas maravilhosas (nac.), 1; Dalila, 4; Dama das Camelias, 9 em port. e uma em ital.; Dar corda para se enforcar, 1; o Defunto (nac.), 1; Demi-monde, 6; De Petropolis a Paris (nac.), 3; Divorciemo-nos, 6; a Dolorosa (ital.), 1; Dom Sebastio, 3; Dona Ignez de Castro, 2; Dous Bebs, 2; Dous proscriptos, 1; Dous surdos, 1; Doutoras (nac.), 2; Em-baixo da escada (ital.), 1; Espada e Noiva, 1; Est c o Augusto, 1; Estatua de carne, 1; Estranguladoros de Paris, 2; Estra de uma actriz, 3; F, esperana e caridade, 1; Feras de Paris, 1; Fernanda (ital.), 2; Filha de Jepht (ital.), 1; Filha do mar, 8; Filho da noite, 7; Filho de Coralia, 2; Filhos do capito Grant, 2; o Fiscal dos wagons-leitos, 12 em port. e 2 em ital.; Francillou, 2; Frou-frou (ital.), 1; Gioconda (ital.) 1; Gruta das gaivotas, 4; Guerra aos Nunes, 1; Hamlet (ital.), 2; Herana de odio, 1; Here de Chaimite, 2; Homem da mascara negra, 1; Um homem excepcional (ital.), 1; a Honra (ital.), 1; Hotel do Livre Cambio, 8 em port. e 1 em ital.; Independencia da America, 1; Jack, o estripador, 4; Jesuitas em Portugal, 3; Joo Darlot, 5; Joo Jos, 4; Jos do Telhado, 3; Kean, 3 em port. e 1 em ital.; Ladres do mar, 2; a Lagartixa, 48; Leno branco, 7; Os louros (nac.), 8; Maricota ou os effeitos da educao, 4; Maridos na corda bamba, 13; O marquez, 1; Marquez de Torres-Novas, 1; Martuccio e Frontino, (ital.), 1; Mestre de dansa, 1; Mestre de forjas (ital.), 1; Minha mulher no tem chic (ital.), 1; Morgadinha de Val-flr, 6; Morte civil (ital.), 1; Mulher de Claudio, 4; Mulher, marido e sogra, 3; Mulher para dous, 9; Mulher que deita cartas, 4; No tem titulo, 2 (presumo que a mesma comedia representada com o titulo O marquez); Naufragio da fragata Meduza, 3; Noites da India, 8; Odette (ital.),

  • 81; Orphanzinha, 2; Othelo (ital.), 1; O outro (ital.), 1; O Paraiso, 5; A partilha, 3; Pedro, o pescador, 2; Pedro, 1; Pena de morte, 1; Phariseus do templo, 2; Piperlin, 1; P. L. M. ou o crime da estrada de ferro, 6; Poder do ouro, 1; Por fora, 1; Pragas do capito, 1; Que sogra!, 4; Um quiproqu (ital.); Reconciliao (a mesma comedia representada anteriormente com o titulo O cabelo branco), 5; O relicario (nac.), 3; Remorso vivo, 10; Revolta no mar, 2; Romance de um moo pobre, 11; Ruy Blas, 1; As sedas do Bon March (nac.), 2; Sempre chorando, 1; O senhor Affonso, 10; A sombra do diabo (nac.), 1; Sra Francisca, 2; Sub-prefeito, 1; Supersticiosos, 1; Surcout, 4; Thereza Raquin, 8; A tia, 2; A Tosca, 15 em port. e 1 em ital.; Trabalho e honra, 1; Tragedias dalma (ital.), 1; Os tres amores ou o governador de Braga, 2; Trocas e baldrocas (nac.), 3; 29, ou honra e gloria, 1; Voluntario de Cuba, 3; A voz do sangue, 2; Zaz (ital.), 3;? (nac.), 1.

    Oper etas, Zar zuelas, Magicas, R ev istas e ParodiasAbacaxi (nac.), 7; Abel-Helena, 3; Adamastor (nac.), 2; Ali-Bab, 6; Amor

    molhado, 4; procura da felicidade (ital.), 1; A banda de trombetas (hesp.), 2; O baro de Pituass (nac.), 6; Barba-azul, 14; Los Baturros (hesp.), 1; Bico do papagaio, 7; O boato (nac.), 3; Boccacio, 12 em port., 3 em ital. e 1 em hesp.; A boneca, 24, O buraco (nac.), 36; El cabo primero (hesp.), 2; Campanone (hesp.), 1; A Capital Federal (nac.), 14; Certamen nacional (hesp.), 4; El chaleco blanco (hesp.), 5; A chave do inferno (nac.), 27; A czarina (hesp.), 2; DArtagnan (ital.), 2; O dia e a noite, 7); Don Pedro de Medina (ital.), 3; Dona Juanita (ital.), 3; Donzela Theodora (nac.), 8; Duetto da Africana, 1; O Engrossa (nac.), 20; O Filhote, 8; Filha de Mme. Angot (ital.), 1; Filha de Maria Ang, 5; Os filhos do capito-mor, 10; Furias de amor, 2; Garroche (nac.), 82; Granaderos (ital.), 7; Gran-duqueza de Gerolstein, 6; La gran-via (hesp.), 3; O Jaguno (nac.), 11; Jovem Telemaco, 2; Kikiriki (hesp.), 1; Lambe fras, 4; Lambiasi, menino de 1 anno (ital.), 1; Los de Cuba (hesp.), 2; Marcha de Cadiz (hesp.), 2; Mascotte (ital.), 1; M troca (nac.), 1, Milagres de Santo Antonio, 2; Milagres de S. Benedicto, 3; Os Ministros do inferno, 17; Mosqueteiros no convento, 2 em hesp. e 2 em ital.; Nh Quim (nac.), 1; Las Nina desenvueltas (hesp.), 2; Nos bastidores (hesp.), 1; a Perichole, 26; Raphael e a Fornarina (ital.), 1; Rei que damnou (ital.), 2; Rio N (nac.), 12; a Roda da fortuna (nac.), 5; a Sabina, 1; Sataniello (ital.), 1; Sino do eremiterio, 4; Sinos de Corneville, 18 em port. e 2 em hesp.; os Sinos de Corneville em casa, 2; Solar dos Barrigas, 10; Surcouf, 2; Tempestade (hesp.), 1; Testamento da velha, 14; Tim tim por tim tim, 35; Toros de punta (hesp.), 1; Trinta botes, 2; Trunfo s avessas (nac.), 1;

  • 9Vade retro, Satanaz!, 1; a Velhinha (ital.), 5; o Velho da montanha (ital.), 2; o Vendedor de passaros (ital.), 6; Los zangolotinos (hesp.), 2.

    Fao votos para que o ultimo anno do seculo das luzes seja mais propicio arte dramatica no Rio de Janeiro.

    A. A.

  • 10

    O Theatro, 19/01/1900

    Noutra seco desta folha encontraro os leitores uma carta que me dirige o meu amigo e collega Julio de Freitas Junior, digno secretario do Elite-Club. No a publico dentro deste folhetim, por saber que o director dA Noticia (e faz elle muito bem) no gosta que no espao reservado na sua folha redaco e collaborao anonymos tenham resposta.

    O secretario do Elite, a quem deve a distincta associao os mais desinteressados e relevantes servios, no tinha absolutamente que se defender de accusaes sem assignatura.

    Ha muito tempo deixei de ler as seces ineditoriaes da nossa imprensa. uma boa medida de hygiene moral, que recommendo a todos os meus amigos e conhecidos.

    O anonymo, que me aggride a tanto por linha e sob a responsabilidade alheia, tem, para mim, a mesma imputabilidade do garoto que, de longe, fra do alcance da minha bengala, me dirigisse uma chufa.

    Responder a anonymos, sobre ser tempo perdido, um mo servio que se presta sociedade, porque, se ainda ha mofinas, justamente por se encontrarem ainda homens de bem que as tomam a serio, e se convencem de que ellas calam no espirito publico. A verdade que um artigo insultuoso, mas anonymo, embora bem escripto, o mesmo que uma arma de fogo carregada com polvora secca: faz barulho mas no mata. O mais que pde succeder ao individuo que recebe o tiro em cheio, ficar um pouco tisnado pela bucha; mas bastante um leno molhado para fazer desapparecer o tisne.

    Em toda essa questo do Elite, se houve um impertinente, fui eu. A directoria, os amadores e os socios desse club estariam no seu direito se me dissessem: Que tem voc com a nossa vida? Ns somos uma associao particular, no temos que dar conta dos nossos actos; representamos as peas que entendemos dever representar, e no temos outra preoccupao que no seja nos divertir. Nesta casa a critica perde os seus direitos. Se voc anda empenhado nessa penosa e ardua propaganda do theatro brasileiro, limite aos theatros publicos a sua esphera de aco, e deixe-nos em paz.

    O Elite no me diz, isso porque muito delicado; mas, se mo dissesse, eu tudo ouviria caladinho e murcho.

    ***

    A proposito de amadores, lembro-me que devo traar nestas columnas um saudoso adeus ao pobre Rodolpho Croner, um artista que o preconceito afastou

  • 11

    do theatro, um actor e ensaiador que consagrou toda a sua actividade, toda a sua energia, todo o seu talento ao theatrinho da Gava.

    O seu fallecimento, occorido no primeiro dia do anno, foi uma triste surpresa para grande numero dos seus amigos, que o no sabiam gravemente enfermo.

    J no Paiz me referi largamente a esse morto, que no um morto vulgar; contei no meu artigo quanto lhe devia aquella brilhante e utilissima associao, a cujas rcitas no assisto, como desejava, pela formidavel distancia que me separa da Gava.

    Nas poucas vezes que l fui, Rodolpho Croner acolheu-me com uma fidalguia que me captivou. Esse homem tinha delicadezas femininas; era uma dama, como se diz na linguagem familiar, mais expressiva que todas as outras. Conversar com elle cinco minutos era o bastante para estimal-o e guardar para sempre a lembrana das suas maneiras affectuosas e distinctas.

    A despeito daquelle artigo, eu quiz deixar consignado neste folhetim o nome de um artista que se apaixonou pelo theatro, e lhe fugio, como os rapazes de juizo fogem das mulheres perigosas que os seduzem.

    ***

    Uma vez que tratei de um assumpto doloroso, no deixarei no tinteiro o caso de Charles Moulin.

    Lembram-se desse nome? Talvez que no, porque no theatro os nomes desapparecem com muita facilidade. Falla-se ainda, vagamente, de um Joo Caetano, de um Guilherme de Aguiar, de um Vasques, e de ninguem mais... Auctores, actores, musicos, scenographos, etc. vo todos para a vala commum do esquecimento publico.

    verdade que Charles Moulin no era um actor notavel. Se no me falha a memoria, elle estreou-se na Phenix quando uma companhia de Irene Manzone representou alli, ha um bom par de annos, a Dona Juanita. Fazia o papel do capito, o amoroso da pea, e era um tenorino agradavel. Julgo que tinha sido educado em Frana, porque, apezar de brasileiro, tinha um sotaque francez muito pronunciado.

    Ao que parece, o theatro no lhe sorrio, porque algum tempo depois tive noticia de que elle havia recorrido a outro officio.

    Perdi-o de vista durante alguns annos, e, afinal, uma noite, fui dar com elle, no mesmo theatro, a representar numa companhia organisada com artistas e amadores, mistura hybrida que nunca deu resultado satisfactorio.

  • 12

    E nunca mais o vi. Hontem um ex-collega de imprensa, hoje funccionario da secretaria do senado, o Sr. Campos Porto, me communicou que Charles Moulin ensandeceu e foi recolhido, como indigente, no Hospicio de Alienados.

    A triste noticia ahi fica para conhecimento dos amigos e collegas do infeliz tenorino.

    ***

    A empreza Dias Braga deu-se to bem com a Bexigosa, que se atirou a outro drama do mesmo genero, a Mendiga de S. Sulpicio, de Xavier de Montpin e Jules Dornay, muito bem traduzido por Eduardo Victorino, e menos mal representada pelos artistas do Variedades. Toda a companhia se apercebeu de boa vontade pra levar o drama a bom porto, e no faltam a estes nove quadros (no se assustem: o espectaculo termina a tempo e a horas!) todos os elementos indispensaveis s platas populares.

    Uma actriz que se estreou, pde-se dizer, porque ninguem deu por ella, ha um anno, no Apollo, quando alli figurou nas seis representaes do drama P. L. M. ou o crime da estrada de ferro (por onde andar a Ismenia?), uma actriz estreante, ia eu dizendo, Bemvinda Canedo, tem sido muito distinguida pela imprensa. No hesito em fazer cro com os meus collegas, e dizer-lhe: Bemvinda seja!, comtanto que ella no se convena de que no precisa aprender e aprender muito, afim de que to lisonjeiros juizos sejam rectificados pelo publico.

    Apezar da grve dos cocheiros, que rebentou na melhor occasio para dar cabo de uma pea nova, a empreza Dias Braga conta fazer com a Mendiga ainda mais do que fez com a Bexigosa.

    Mendiga... Bexigosa...V por ahi o Variedades! Deixe-se de litteraturas! Ns no estamos em Paris...

    Nem mesmo em Bordeaux! accrescentava o saudoso Joaquim Serra, sempre que ouvia essa phrase.

    A. A.

  • 13

    O Theatro, 26/01/1900

    A empreza Sampaio & Faria, que parece empenhada em fazer figurar no seu repertorio as obras completas de Georges Feydeau, acaba de pr em scena um dos primeiros vaudevilles desse afortunado auctor, escripto aos 23 annos e no qual j se achavam bem indicadas as melhores qualidades do futuro auctor de Champingol fora.

    So tres actos, um pouco atropelados talvez, em comparao com os ultimos trabalhos de Feydeau, mas turbulentos, engraadissimos e endiabrados.

    A pea, traduzida pelo saudoso Figueiredo Coimbra, e por Azeredo Coutinho, j tinha sido aqui representada, ha uma boa duzia de annos, no theatro Lucinda, por uma companhia dirigida pelo proprio Adolfo Faria, um dos actuaes emprezarios do Recreio, e da qual faziam parte alguns dos bons artistas que l se foram para a ultima excurso, Maia, Maggioli, Xisto Bahia, etc.

    O pessoal do Recreio no hoje to brilhante como naquelle tempo era o do Lucinda; entretanto, o Alfaiate de senhoras (assim se intitula o vaudeville) parece ter agradado agora mais do que na primitiva, o que muito claramente quer dizer que a reputao dos actores influe sobre o destino das peas,e que o publico fluminense, como todos os publicos, faz questo de rotulo. Ha doze annos Feydeau era um desconhecido, no obstante ser filho do auctor da Fanny, um dos romances mais famosos do seculo; hoje um escriptor celebre em toda a parte do mundo,inclusive no Rio de Janeiro,onde o recente successo da Lagartixa acabou de consagral-o definitivamente.

    No desempenho dos papeis do Alfaiate de senhoras merece meno a actriz Olympia Montani, a quem mais de uma vez me tenho referido com sinceros encomios.

    No papel de um criado insolente e taralho, meio Frontin, meio Mascarille, personagem que exigia, talvez, um interprete mais leviano e mais vivo, reappareceu o actor Raposo, que ha muito tempo andava, como a maior parte dos nossos artistas, mambembando pela provincia. Raposo intelligente, e foi dotado pela natureza com uma physionomia e um tom de voz que deveriam fatalmente arrastal-o para o theatro; nasceu actor. Foi ha tempos um morphimano terrivel, mas, ao que parece, corregio-se inteiramente desse vicio, e resuscitou o caso para a sua arte. Deus o conserve longe dos mambembes e das seringas de Pravat. Depravadas, como dizia um personagem no sei de que pea de Frana Junior.

    ***

  • 14

    O Recreio annuncia para breve a comedia em 3 actos Rua dos Arcos, n. 109, de Alexandre Bisson, adaptada scena brazileira por Orlando Teixeira, e corre por ahi, em lettra redonda, que no Recreio vai ser representada uma traduco da mesma pea, cujo titulo original 115, rue Pigalle.

    No sei se os leitores tm observado que isso de representar simultameamente a mesma pea em dous theatros d sempre um resultado negativo, e das duas emprezas que se disputam a preferencia do publico nem uma nem outra leva a melhor.

    O caso, que resulta naturalmente da ausencia completa de legislao em materia de industria theatral, no abona a sagacidade e muito menos o espirito de confraternisao dos nossos emprezarios.

    No tocante pea de que se trata, a razo est com o Recreio, que primeiro a annunciou, e de mais a mais nacionalisada por um escriptor de talento. Que diabo! o vaudeville de Bisson foi representado e est impresso ha dezoito anos, e para que A se lembrasse de traduzil-o, foi preciso que B o houvesse adaptado scena brasileira! Ahi est um facto que no se daria, se ns tivessemos uma sociedade de auctores organisada como a franceza; mas infelizmente, ho de passar muitos annos antes que no Rio de Janeiro se organise qualquer cousa sria interessando o theatro.

    preciso notar que 1 15, rue Pigalle no um desses vaudevilles excepcionaes a que um emprezario se atire como gato a bifes. divertido, no ha duvida, como todos os trabalhos de Bisson, mas no nenhuma cousa do outro mundo, como vulgarmente se diz.

    No estou fallando so a conhecimento de causa. Vi-o representado, em 1883, no theatro Gymnasio, de Lisboa, bem traduzido por Gervasio Lobato, com o titulo O crime da rua da Paz, e admiravelmente interpretado pelo incomparavel Jos Antonio do Valle, pelo excellente Montedonio, que veio morrer no Brasil, e por outros bons artistas, entre os quaes a Jesuina (essa nunca sahio de Portugal), que era extraordinaria num papel de porteira, muito bem tratado pelo auctor.

    Magnifica pea no seu genero, mas isso no d, isso no d, para dous theatros ao mesmo tempo...

    ***

    Estive ante-hontem pela primeira vez numa casa de chopps. Como vem os leitores, no sou um fluminense completo.

    Fiquei admirado por ver, no fundo da loja, um theatrinho, em cujo palco figuram artistas que cantam, dansam, representam scenas comicas, etc.

  • 15

    Dizem-me que ha outras casas de chopps do mesmo genero, e que todas fazem muito negocio.

    Agora pergunto eu:esses espectaculos, dados em verdadeiros theatros, com todos os deus pertences e accessorios, no esto sujeitos ao imposto lanado pela intendencia para essa enorme pilheria do Theatro municipal?O Variedades, onde ainda se cuida um pouco de arte, onde ainda se representa, onde ainda ha actores que sabem collocar as mos e os sses, o Variedades paga 30$000 todas as noites intendecia, e a casa de chopps, onde se parodia e se insulta a arte, onde se desmoralisa o theatro, onde se attrae o publico arredio das boas plateas, a casa de chopps no paga nada. Porque?

    ***

    Na estatistica theatral de 1899, publicada no meu penultimo folhetim, escaparam, no sei como, tres peas que devem ser incluidas na rubrica Operetas, zarzuelas, magicas, revistas e parodias. Foram ellas: O Caso do boneco, parodia, tres representaes; a Falote, opereta, sete representaes; o Principe Rubim, opereta, tres representaes.

    ***

    pessoa que me escreve, perguntando se na minha burleta a Viuva Clark, em ensaios no Apollo, posto em scena, segundo lhe constou, um cavalheiro muito conhecido na sociedade fluminense, respondo que a Viuva Clark no uma revista, mas uma comedia espectaculosa e com musica. O enredo, as scenas, os episodios so inventados e os personagens de pura fantasia. A minha heroina, a viuva Clark, nada tem de commum com o celebre sapateiro nem com o famoso fabricante de linhas de mesmo nome. Sahio inteirinha da minha cabea, comquanto nem ella seja Minerva nem eu Jupiter.

    A. A.

  • 16

    O Theatro, 01/02/1900

    Aos 17 de abril de 1882 representou-se, pela primeira vez, em Paris, no theatro Cluny, a comedia 115, rue Pigalle,de Alexandre Bisson, que naquelle tempo no era ainda o auctor popularissimo do Deputado de Bombignac, das Surprezas do divorcio, da Familia Pont-Biquel e de tantas outras comedias espirituosas e de real successo. Entretanto, elle tinha j no seu activo Un voyage dagrment, interessante comedia que foi aqui representada tanto em portuguez como no idioma original, e Un lyce de jeunes-filles, opereta exhibida no SantAnna com o titulo O lyceu Polycarpo, e muito bem representada,lembram-se? pelo Vasques e pelo Guilherme de Aguiar.

    O argumento de 115, rue Pigalle , pouco mais ou menos,o seguinte, que vou traduzir litteralmente dos Annaes do theatro, de Noel e Stoullig (vol. VIII, pag. 476):

    Na rua Pigalle n. 115 mora uma sujeita to interessante como interesseira, que se prevalece no idiotismo do Sr. Quiquemel, seu marido, e de uma separao que se tornou imperiosa, para continuar a fazer das suas, longe dos olhares ciumentos do seu Othelo dessecado. Ora, esse Sr. Quiquemel, , ao mesmo tempo, marido in partibus, tio real e socio effectivo; marido da tal sujeita, tio de um mancebo libertino e socio do Sr. Loriot, pae de uma filha encantadora, que o Sr. Quiquemel sonhra para esposa da boa bisca do sobrinho.

    O honrado e prudente Loriot soube resistir s suggestes do socio e evitar um genro to perigoso. Acaba precisamente de dar a menina em casamento a um advogado talentoso e de futuro, o Sr. Anatolio Bernard, e isto a despeito de Quiquemel, que vem declarar hora da cerimonia que o dito Anatolio um assassino, e, o que mais , assassino de sua primeira mulher! Elle, Quiquemel, tem provas disso, e sabe at qual foi o logar do crime: rua Pigalle n. 115.

    Essa novidade no encontra o menor credito, mas no deixa de impressionar a familia; entretanto, o casamento effectua-se.

    No 2 acto a terrivel noticia confirmada.Facilmente imaginareis os transes, as apprehenses, as mil e uma precaues do pobre Loriot que no abandona um instante o genro,segue-o por toda a parte, espia-o, remove subrepticiamente da alcova nupcial todos os intrumentos capazes de servir a um malfeitor, taes como a p do fogo, as pinas e at uma inoffensiva espatula de cortar papel. No nos esqueamos do processo Clemenceau! exclama o pobre pae.

    A noticia confirma-se e complica-se por um circumstancia naturalissima: Anatolio Bernard vem dizer ao publico que a sua reputao de advogado esta feita: encarregaram-no da defeza de um marido que matou a mulher, e eil-o

  • 17

    que ensaia o seu discurso, ouvido pelo sogro e pela sogra,sempre embuscados por traz das portas: Sim, elle matou-a porque a apanhou em flagrante delicto de adulterio; elle matou-a, e fez muito bem, e o mesmo far quando algum dia se achar outra vez em situao identica! Horror!

    A porteira da rua Pigalle n. 115, que est ao corrente do crime, vem felizmente desfazer o quipro-qu: tratava-se, j todos o adivinharam, de outro Bernard.

    Releva dizer que esse compte-rendu no est bem feito:em alguns pontos infiel, e no d uma idia completa da pea,que prima pelas situaes engenhosas e pelo dialogo.

    Orlando Teixeira no se limitou a traduzir a comedia de Bisson; adaptou-a scena brasileira, e fel-o sem lhe tirar a graa, dando-lhe antes alguma da nossa, que, se no to boa como a parisiense, produz necessariamente mais effeito numa plata fluminense. Mas, se as situaes se prestavam a essa transplantao desde que della se encarregasse um escriptor habil como Orlando Teixeira, os personagens da comedia, por mais trabalho que tivesse o adaptador, jmais se nacionalisariam; toda aquella gente exotica para ns; no tem o nosso temperamento, nem os nossos habitos, nem o nosso modo de sentir e de pensar.

    Em Paris tudo permittido, porque Paris... Paris: tem uma Babylonia em cada quarteiro; mas nesta grande aldeia que se chama o Rio de Janeiro, era impossivel que um advogado inoffensivo passasse por assassino aos olhos dos paes de sua mulher, e nenhum brasileiro casaria a filha sem conhecer todos os antecedentes do noivo.

    Aquelle marido, aquelle Quiquemel crivel em Paris, principalmente no Paris dos vaudevilles, que no o real, mas inverossimel no Rio de Janeiro, e, por conseguinte, nada tem de caracteristico.

    Orlando Teixeira melhor faria empregando na produco de uma comedia orignal o tempo que despendeu com essa adaptao incompleta, porque,adaptando as situaes, no adaptou, nem podia adaptar, os personagens ao nosso meio.

    Houve um erro grave na distribuio da pea: o papel de Dolores, dona da casa de penso da rua dos Arcos, e que na comedia original Mme. Taupin, a porteira da casa da rua Pigalle, um papel caricato, e, como tal, devia ter sido confiado actriz Elisa de Castro e no actriz Candelaria, que nenhum relevo lhe deu. Em Paris o papel foi criado por Mme. Anbry, que era inimitavel no genero, e em Lisboa pela espirituosa Jesuina, como tive occasio de dizer no meu folhetim passado; era o personagem mais comico da pea, ainda mais comico que o do proprio Quiquemel e para provar que Bisson o considerava

  • 18

    tambem o mais saliente, ahi est o facto, relatado nos referidos Annaes, de ter querido intitular a sua comedia Mme. Taupin.

    No papel do marido da senhora da rua dos Arcos, Raposo confirmou o juizo que a respeito da sua habilidade externei ha oito dias. Esse actor pde conquistar uma boa collocao no palco fluminense, mas preciso cuidar seriamente da sua dico, que est um pouco viciada.

    Nazareth pareceu-me de uma exuberancia mais de drama que de vaudeville; a culpa, entretanto, no do artista mas do proprio personagem, que joga com uma paixo muito dramatica, a paixo paterna.

    Os demais interpretes deram boa conta dos seus papeis, inclusive um estreante, o Sr. Mario Brando, que tem por emquanto o defeito de no saber o que fazer das mos, mas me parece com boas disposies de aprender.

    ***

    Para hoje est annunciada no Variedades a mesma comedia, Rua Pigalle n. 115, traduzida por Machado Corra, que, a proposito do meu ultimo folhetim, me escreveu, dizendo que essa traduco lhe foi encommendada pela empreza Dias Braga num dos ultimos dias do mez passado, quando nenhuma noticia havia de que a empreza do Recreio tencionasse pr em scena a mesma pea.

    Por seu lado esta ultima empreza assegura que, quando recebeu e ensaiou a arranjo de Orlando Teixeira, no lhe constava absolutamente que Dias Braga tivesse em vista exhibir a comedia de Bisson.

    Desta vez no houve,por conseguinte, espirito de hostilidade. Foi mra coincidencia que duas emprezas se lembraram ao mesmo tempo, na mesma cidade, quasi na mesma rua, de pr em scena uma comedia estrangeira que corre na impressa ha 18 annos.

    Pois bem, ha um meio muito simples de evitar essas coincidencias desagradaveis: o perfeito accrdo entre as emprezas, accrdo que me parece de proveito para todas as partes. Porque o emprezario A no comunica ao emprezario B, e vice-versa, quaes as peas que tenciona representar? Desde que assim se fizesse, o emprezario B ficaria na contingencia moral de no lanar mo das mesmas peas com que contasse o emprezario A. Esse meio seria simplicissimo, e, o que mais,necessario neste paiz onde infelizmente no ha direito de propriedade litteraria para os auctores estrangeiros.

    O que escrevi no meu ultimo folhetim no foi ditado seno pelo desejo de ver estabelecida a melhor harmonia entre quantos trabalham para o theatro, harmonia sem a qual difficilmente a arte dramatica sahir do abatimento e da miseria em que estrebucha.

    ***

  • 19

    Ha algum tempo tive occasio de fazer as melhores referencias a uma comedia em 1 acto, em verso, o Beijo, original de Filinto de Almeida, que a leu em sua casa a alguns amigos em cujo numero me achava.

    Essa bonita comedia foi representada com extraordinario exito, a 5 do mez passado, em Lisboa, no theatro Dona Amelia.

    Como triste ter um poeta brasileiro que recorrer aos estranhos pra exhibir um trabalho litterario, escripto no Brasil!

    Seja esse facto um pretexto para pedir ao novo prefeito, o illustre Dr. Coelho Rodrigues, a sua piedosa atteno para o Theatro Municipal. Trata-se simplesmente do cumprimento da lei, da applicao de recursos votados, arrecadados e escripturados.

    Indague S. Ex. da historia do Theatro Municipal, e, se lhe disserem a verdade, diabos me levem se essa historia no impressionar a sua alma de homem de bem e o seu cerebro de jurisconsulto.

    A. A.

  • 20

    O Theatro, 08/02/1900

    Os tempos andam to climatericos para o theatro, que este folhetim, apparecendo, como apparece, de sete em sete dias, chega muitas vezes atrasado para tratar de peas novas, isto , j no as apanha em scena.

    A 1 representao da comedia Rua Pigalle, 115, realisou-se quinta-feira passada, e j hoje a comedia de Bisson substituida pelo drama O castello do Diabo, em que reapparecer, depois de longa ausencia (no mettendo em linha de conta uma representao recente da Doida de Montmayour) a estimada actriz brasileira Apollonia Pinto, que a nossa plata outrora applaudio tanto.

    Dias Braga, que j est conformado com a ingratido do publico, no contava absolutamente com uma grande serie de representaes quando poz em scena Rua Pigalle, 115. O que elle deseja organisar repertorio novo para a sua proxima excurso ao Norte, excurso que ser sem duvida fructuosissima, por que a companhia, nas actuaes circumstancias, pde ser considerada de primeira ordem, pois ha muito tempo no se reunia pessoal to harmonico.

    Dito isso, creio estar dispensado de tratar longamente de Rua Pigalle, 115, cujo argumento publiquei, alis, no meu ultimo folhetin. Direi apenas que correcta a traduco de Machado Corra, e que o desempenho nos papeis, sem ser brilhante, foi muito regular.

    ***

    No Recreio a Rua dos Arcos, 109, tambem foi substituida pela espirituosa comedia de Labiche Deve-se dizer? bem traduzida por Moreira Sampaio.

    A pea e no nova para o nosso publico. No nova, porque aqui foi representada, ha um bom par de annos, com outro titulo, e nova, porque naquelle tempo o defunto Conservatorio Dramatico Brasileiro (diabos o guardem!) tinha lhe tirado a graa sob o pretexto de lhe tirar a immoralidade, como se no theatro do honesto Labiche houvesse immoralidades.

    O publico no foi ao Recreio. Pois no sabe o que perdeu! No quero dizer que a interpretao dos papeis, estudados de afogadilho, estivesse acima de todo o elogio, oh! no; mas Labiche sempre Labiche, ainda que mal interpretado. O dialogo, os conceitos e as situaes resistem a tudo. Nas comedias do illustre academico francez ha sempre um fundo de philosophia que faz com que os espectadores fechem os olhos a quaesquer defeitos de exhibio theatral.

    Emilie Augier escreveu o seguinte a respeito de Labiche: Pour avoir une rputation de profondeur, il ne lui a manqu quun peu de pdantisme; et quun peu damertune pour tre un moraliste de haute voll. E disse a verdade, porque

  • 21

    entre a gerao do auctor de Monsieur Perrichon no houve, talvez, no theatro, observador mais profundo.

    Bem sei que hoje em Paris (e Paris comprehende o resto do mundo) moda desdenhar de Labiche; ha dous annos, por occasio da reprise de uma das suas obras-primas, Celimare, le bien aim, na Comdie-Franaise, fizeram-lhe muita carga por no se parecer com Ibsen, e o proprio Francisque Sarcay, que talvez tivesse morrido a tempo, me quiz ento parecer que se ia deixando ganhar pelo snobismo universal.

    Labiche, effectivamente, no pde ter cheiro de santidade para os modernistas, porque sabia architectar as peas, desenvolver os dialogos, interessar o publico, e alegral-o, o que mais difficil que aborrecel-o. Pois essa gente, que morre ou finge morrer de amores pelas comedias mal feitas, pde l perdoar a um auctor que sabe fazer com que os personagens entrem e saiam?

    Depois de ler as noticias da reprise de Celimare,reli a comedia, que me pareceu ainda mais interessante e mais espirituosa do que me parecra quando a li pela primeira vez.

    V o leitor ao Recreio assistir a uma representao de Deve-se dizer? Affirmo-lhe que no perder o tempo nem dar por mal empregado o preo do bilhete, e, demais, aprender com um philosopho amavel e risonho como deve proceder quando as suas relaes de amisade o colocarem numa situao melindrosa.

    Raposo (no citarei outro artista) contna a mostrar-se um actor muito apoveitavel, e contina igualmente a fallar mal. Imaginem que ele diz abessurdo por absurdo! So defeitos faceis de corrigir, e que espero ver corrigidos.

    ***

    No jardim da Guarda Velha foi inaugurado um caf cantante. Ainda l no fui, mas dizem-me que divertido e tem apanhado boas casas.

    uma questo de novidade. O genero no pga no Rio de Janeiro, porque ha, infelizmente, muitos rapazes sem educao, que se encarregam de perturbar e desmoralisar taes espectaculos.

    Lembram-se do Eldorado? Aquillo a principio no era mo: a gente divertia-se; mas no tardaram os rolos, que afugentaram as familias e por fim os artistas. E desde que um caf cantante no disponha de artistas de certa ordem, perde toda a razo de ser.

    pena, porque eu quizera que nesta capital houvesse espectaculos de todos os generos, pois para todos ha publico.

    ***

  • 22

    Tenho que registrar o fallecimento de um dos nossos dramaturgos, Rangel de S. Paio, auctor de varios trabalhos, entre os quaes o conhecido drama sacro Milagres de S. Benedicto, que elle escreveu de collaborao com Souza Pinto, e tem sido innumeras vezes representado em todo o Brasil.

    Ultimamente Rangel de S. Paio fundara o Gremio Dramatico Antonio Jos, e retomra a sua penna de auctor dramatico, de muito tempo esquecida. Creio que deixou peas ineditas.

    ***

    Tambem falleceu Charles Moulin, que tinha sido ha tempos recolhido ao Hospicio de Alienados, conforme noticiei num dos meus ultimos folhetins.

    ***

    Tratando-se de desgraa e morte, vem a proposito a Caixa Beneficente Theatral:

    O secretario desta associao de caridade convocou domingo passado uma assembla geral para apresentao do relatorio do presidente e eleio da comisso de contas. Comparaceu apenas meia duzia do socios.

    Para hoje, s 3 horas da tarde, est feita nova convocao. Se no houver numero, far-se-ha terceira, resolvendo-se ento com os poucos ou muitos que comparecerem.

    Ahi fica o aviso.A. A.

  • 23

    O Theatro, 15/02/1900

    A Viuva Clar kBurleta em 3 actos e 12 quadros, por Arthur Azevedo

    Musica de Costa Junior

    Acto i

    quadro i i iNuma casa de jogo. Sala mobiliada com certo luxo. Portas latteraes.

    Scena i

    Saraiva, 1 Jogador, 2 Jogador, Jogadores, depois Jojoca.( mutao, Saraiva, cercado de jogadores conta-lhes um caso.)

    Saraiva: Pois verdade! Foi as mais agradavel das surpresas! Eu tinha jogado vinte fichas de dous mil ris no 27. Eram as ultimas que me restavam. Como no tinha a menor esperana, fiz a parada, levantei-me e fui tomar qualquer cousa. Cahio a bola e o Jojoca cantou: 24. Bom, disse eu commigo; estou prompto. Mas logo em seguida o Jojoca accrescentou: 700 madreperolas! As madreperolas eram minhas! Corri banca... Ah, meus amigos, que supresa! em vez de fazer a parada no 27, eu tinha-a feito no 24, que pegado. (Risadas.)

    1 Jogador: Dos enganos comem os escrives.2 Jogador: Mas sesahisse o 27, que ferro!Saraiva: No falles! Seria caso para suicidio. Por fallar em suicidio: que

    fim levaria o Freitinhas? No apareceu hontem nem hoje!1 Jogador: realmente extraordinario!2 Jogador: No creio que se suicidasse, mas com certeza esta doente.Saraiva: Eu iria vel-o se soubesse onde mora... mas nem seu nem

    ninguem o sabe!2 Jogador: Onde est o Jojoca? No se trabalha hoje nesta casa?1 Jogador: verdade! So mais que horas!(Jojoca, entrando da esquerda.).C estou, meus amigos, c estou!(Distribuie apertos de mo. Movimentos.).Todos: Ora viva! Seja bem apparecido!

  • 24

    Jojoca: Demorei-me um pouco...Saraiva: J se sabe.... algum rabo de saia...Jojoca: verdade; mas que querem! o meu fraco... No posso ver na

    rua uma mulher geitosa, que no a acompanhe ate a egrejinha de Copacabana, se for preciso... e, o que mais original, desinteressadamente, sem outro fim que no satisfazer a minha curiosidade. Que querem? Cada um como Deus o fez.

    CoplasISe uma senhoraPassar eu vejo,Onde que moraSaber desejo:Se nas Paineiras,Se em Botafogo,Nas LaranjeirasOu em S. Diogo.Uma,em que viaModerna Circe,Commigo um diaQuiz divertir-se:Levou me ao BicoDo Papagaio!Quasi l fico...Noutra no caio!Bem sei que isto provocaDe toda gente riso,Mas seu JojocaNo tem juizo

    TodosBem sabe que provoca, etc.

    JojocaIIBeldade austera,Facil beldadeSigo por mra

  • 25

    Curiosidade,No lhe dirijoSiquer a falla,Smente exijo...Acompanhal-a.Se se equivoca,Se afrouxa o passo,Se me provoca,Sei o que fao:Muito escorreitoDobro uma esquina,No tenho geitoPara bolina!Bem sei que isto provoca etc.

    Saraiva: Acabas de seguir alguma?Jojoca: Segui. Um typo de franceza. Um p assimsinho... Encontrei-a

    no largo da Lapa.Tomou um bond de Botafogo que vinha para a cidade. Apeou-se na Carioca. Foi pela rua Gonalves Dias. Demorou-se meia hora na Rennome...

    2 Jogador: E t esperando...Jojoca: E eu esperando na esquina. Sahio,dobrou a rua Sete,depois a

    dos Ourives... comprou musica numa cada de pianos...1 Jogador: E voc esperando?Jojoca: E eu esperando na porta da viuva Henry. Sahio, desceu a rua

    do Ouvidor, e, ao chegar a rua Primeiro de Maro, enfiou o brao ao brao de um sujeito que estava parado no Carceller.

    Saraiva: Desta vez no esperaste.Jojoca: No; desde que a mulher no esteja ssinha, perde para mim

    todo o interesse; entretanto, ainda esperei ver o destino que tomavam.2 Jogador: Sempre uma consolao.Jojoca: Entraram num bond do Sacco do Alferes.Saraiva: Gabo-te a pachorra.Jojoca: Que hei de fazer? um vicio!(Ouve-se uma campainha electrica

    soar de um modo especial.) Este toque...!1 Jogador (aterrorisado): a policia?Saraiva: No. O toque de policia este. (Imita o toque de campainha

    electrica tal qual soava no fim do quadro).

  • 26

    Jojoca: Aquelle toque significa que entraram mulheres. Mulheres aqui! Que viro fazer? Naturalmente vem procura de algum ponto.

    2 Jogador: Logo se saber! Vamos ao trabalhinho que so horas!Jojoca (consultando o relogio.): Temos tempo de fazer uma banca de

    meia hora. Acabar justamente hora de jantar. Vamos!Todos: Vamos!

    Cro.Deixem l fallar quem fallaBello vicio o de jogar,Pois,se os nervos nos abala,Faz o espirito gozar.Sensao nos d completaVer o numero que saeQuando a bola da roletaGyra, gyra, gyra e cae.(Sahem todos pela direita. Dahi por diante e por diante ouve-se contar fixas,

    fallar, dizer numeros, emfim todos os numeros proprios de uma casa de jogo; mas isso de um modo que no perturbe a representao.)

    Scena i i

    Tellles Freitinhas, a Viuva, a Baroneza.Freitinhas, entrando em primeiro logar.

    Vo entrando.Telles, entrando e fallando para dentro.Minhas senhoras... (As senhoras entram, a viuva desembaraamente e a

    Baroneza com ares receiosos.)A Viuva, entrando: Pois isto uma casa de jogo? Sempre suppuz que fosse

    diversa das outras!A Baroneza: Uma casa de jogo!... Maria Santissima! se o defunto baro

    me visse!Freitinhas: O jogo alli dentro. Ouvem o barulho das fichas? Vai

    comear a banca.Telles: E o tal Saraiva? O porteiro disse-nos que elle estava c.Freitinhas, olhando para a direita. L est elle; mas melhor esperar que

    comece o jogo, para no dar na vista. (Aparte) Que intallao!...

  • 27

    Telles, apontando para a direita. Dona Corina, Baroneza, apreciem aquelle movimento. No veem o banqueiro?

    A Viuva: Qual ? Telles: O barbado.Freitinhas: O Jojoca.Telles: Aquelle que distribui torres de fixas e recebe dinheiro. O felizardo

    ganha pela certa!Freitinhas: No tanto assimTelles: Vejam... vejam como os parceiros enchem de fixas todos os

    numeros... L vai rodar a bola! Como roda vertiginosamente! Cahio! quantas fixas leva o banqueiro no seu rateau!

    Baroneza: Aquella enxadinha de po chama-se rateau?Telles: Chama-se, sim, senhora. Aquella enxadinha de po carrega para

    o banqueiro a tranquillidade, o po e a honra de todos aquelles desgraados!Freitinhas: Ora! perde-se hoje, ganha-se amanh...A Viuva: Ao jogo nunca se ganha... O menos que se perde o tempo.Freitinhas: Mas to bom! No imaginam que sensao produz dentro

    de mim a musica daquellas fixas!A Baroneza: O senhor chama aquillo de musica?Freitinhas: No se tenta, Sr. Telles?Telles: Eu?!...Freitinhas: Se, emquanto espera, quizesse fazer uma vaquinha

    commigo...A Viuva: Uma vaquinha... Que expresso delicada!A Baroneza: verdade!... Cousa exquisita!... Fazer uma vaquinha com o

    outro!...Telles: Meu caro senhor, eu no vim c para fazer vaquinhas, mas para

    fallar ao tal Saraiva... O jogo j comeou... V ter com esse homem e traga-o immediatamente nossa presena!

    Freitinhas: Mas que...Telles, (interrompendo-o): V! v!... No me obrigue a entrar naquella

    sala e gritar bem alto: Quem aqui o senhor Saraiva?Freitinhas: Eu vou... eu vou... (Se pela direita)

  • 28

    Scena i i i

    Telles, A viuva, A Baroneza, depois 1 jogador, depois 2 jogador

    A Baroneza: Uma vaquinha! preciso a gente vir a estas casas para saber certas cousas!...

    Telles: As senhoras querem saber o que uma vaquinha?A Viuva: No se nos dava.Telles: uma sociedade entre dous ou mais individuos... Cada socio

    entra com um tanto e um delles aponta... Se ha lucro, repartido entre todos. Entretanto,quero crer que na vaquinha proposta pelo Sr. Freitinhas, teria eu que entrar com dinheiro por mim e por elle,e se a vaquinha desse algum leite, elle ficaria com a nata e me deixaria o soro.(Ao 1 jogador que entra da direita) Oh! doutor! tambem por c?

    1 Jogador: verdade. (Comprimenta as senhoras com um gesto de cabea) Como vai?

    Telles: Tem tambm o vcio?1 Jogador (muito espantado): O vicio? Que vicio? No senhor; venho

    simplesmente fazer a minha fria, isto , tirar algum proveito no do meu, mas do vicio alheio, e nada mais. Jogo por calculo... sem paixo nem desvario. A roleta uma fonte de receita segura.

    Telles: o primeiro a quem ouo dizer isso.1 Jogador: No duvido, porque no ha, talvez,no Rio de Janeiro outro

    ponto como eu.Telles: Mas qual a sua particularidade?1 Jogador. No insistir. A fortuna do banqueiro a insistencia do ponto.

    Ora, no ha ponto que, num momento dado, no tenha o seu lucro... Eu contento-me com esse,seja qual fr... Compro os meus vinte mil ris de fixas, e vou tenteando, piabando, e quando ganho dez ou doze mil ris, dou com o basta e levanto acampamento. (Batendo na algibeira.) Estou com a minha feria.

    Telles: Mas esse systema talvez no agrade ao dono da roleta. O senhor no precisamente um ponto um ponto; , quando muito, uma virgula.

    1 Jogador: No me importa que o meu systema agrade ou deixe de agradar. No quero outro. Olhe, quinze mil ris esto a ferros! Estes ninguem mos tira. Mas o senhor! estou admirado de o ver aqui... e acompanhado por senhoras...

    Telles: Circumstancias especiaes... estamos aqui por causa do Freitinhas, conhece-o?

    1 Jogador: Conheo-o. um pharol.

  • 29

    Telles: Um pharol?As Duas Senhoras (uma outra): Um pharol?1 Jogador: No sabem o que um pharol? um individuo que, de combi-

    nao com o banqueiro e naturalmente gratificado por este, finge que joga para animar a banca... Adeus, c vou com minha feria. (Aperta-lhe a mo.)

    Telles: Adeus,doutor. (O 1 jogador se. E cumprimentando as senhoras.) advogado... tem uma profisso... no precisa disto.

    A Viuva: E o bonito que est convencido de que no tem o vicio.

    Scena i v

    Telles, a Viuva, a Baroneza, 2 Jogador.

    2 Jogador, entrando e falando para dentro. Juro-lhe, seu Jojoca, juro-lhe que na sua casa nunca mais porei os ps... Nem na sua nem noutra qualquer onde se jogue!... (Dando murros na cabea.) Velho desmiolado!... sem juizo!... sem vergonha!... (Puxando as proprias orelhas.) Deixa puxar-te estas orelhas, miseravel!... Toma um pontap; cousa ruim!... Outro!... Mais outro!... (D pontaps em si mesmo.) Bate com a cabea naquella parede! Arrebenta, diabo!... (Quer bater com a cabea na parede.)

    Telles (impedindo-o): Que isso, senhor?2 Jogador: Deixe-me, deixe-me castigar este patife, que no toma juizo

    nem vergonha! (Batendo no rosto). Velho tonto! estupido! desmiolado!...Telles: Olha que se faz mal!2 Jogador: Isto todos os dias!... Todos os dias me castigo com

    pancadas e descomposturas, todos os dias juro no pr mais os ps nestas casas!... o mesmo que nada!... (Gritando.) Tambem o que faz a policia que no acaba com estes antros de perdio?... Ora, veja o senhor!... em tres paradas perdi tudo quanto trazia... tudo!... no me ficou dinheiro nem para o bonde!... E em casa a mulher e os filhos que padeam toda a sorte de privaes!... (Dando-se murros.) Miseravel!... infame!... assassino! ladro!...

    Telles (querendo impedir): Basta!A Baroneza: Deixe, seu Telles... deixe elle dar pancada no outro, que

    bem merece!A Viuva: Mas que grande typo!...Telles: O outro arranjou uma feria e este uma furia!...2 Jogador: Faz obsequio, cavalheiro: aplica-me um pontap? (Curva-se,

    voltando as costas a Telles.)

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    Telles: Esta agora!...2 Jogador, curvado: uma obra de misericordia! Castigar os que erram!

    Vamos!... Com toda a fora!...A Viuva: Eu applicava!A Baroneza: Applique, seu Telles, applique, e bem em cheio!... Telles: tanta gente a pedir, que no me posso recusar... (Applica um

    pontap no 2 jogador.)2 Jogador: Ah! muito obrigado! Isto allivia! Ah! j me sinto outro!... E

    quem sabe?... Talvez este pontap regulasse... Talvez eu encontrasse minha forra... O senhor quer fazer uma vacca?

    A Viuva: Bom: este agora no quer uma vaquinha...A Baroneza: Quer uma vacca.Telles: No, senhor! L pontaps quanto queira... dinheiro, no!2 Jogador: Faz muito bem, faz muito bem, no alimente o vicio deste

    sevandija ( Baroneza) Ah, minha senhora, no dia que V. Ex. souber que seu filho joga...

    A Baroneza: Eu no tenho filhos, senhor!2 Jogador: Pois se algum dia os tiver, afaste-os destas espeluncas!... (

    Telles.) Obrigado pelo pontap. (Sae)A. A.

  • 31

    O Theatro, 23/02/1900

    Em meio do anno passado, quando, ausente desta capital, eu soube que Furtado Coelho partira para Portugal, escrevi o seguinte: Enfermo e carregado de annos como vai, mais que possivel: provavel que nunca mais o vejamos, e isto me penalisa bastante. Realisaram-se minhas previses: Furtado Coelho j no existe.

    No disponho de espao neste folhetim para estudar essa grande figura do theatro portuguez, mas tantas e tantas vezes a ella me tenho referido nos meus escriptos,que a minha opinio bem conhecida por todos meus leitores.

    No dia em que aqui chegou a noticia do fallecimento do notavel artista, esta folha dignou-se transcrever um ligeiro artigo com que fiz acompanhar,em 1893, o retrado de Furtado Coelho; hoje eu no poderia dizer mais nem melhor do que naquella occasio.

    Resumindo o meu juizo, direi apenas que nenhum outro artista representou mais dignamente o theatro portuguez. arte dramatica no Brasil prestou elle servios inestimaveis. Pode-se dizer que foi neste paiz o paladino mais esforado e sincero que tem tido o theatro,e se a semente por elle plantada no brotou, o defeito era do terreno e no do plantador.

    Doeu-me no fundo da alma vel-o partir ha um anno para essa viagem que se me afigurava um enterro, e partir despercebido e mesquinho, desacompanhado da sympathia publica, levando no bolso o producto de algumas esmolas.

    Felizmente, Furtado Coelho,que trouxe do bero a sina de ser abandonado por quantos deveriam amal-o, e para que escondel-o? no primava pelas qualidades affectivas, encontrou em Lina Roy mais solicita, a mais carinhosa das companheiras.

    Essa estrangeira appareceu no Rio de Janeiro ha dez annos. Era,no que se dizia,reporter de uma folha ingleza, e viajava por conta dessa folha, mandando-lhe as suas impresses do mundo inteiro. Furtado, apezar de envelhecido e gasto, foi talvez a maior das impresses que ella recebeu. O destino approximou-os um do outro, e, como eram dous caracteres romanescos, que no fundo se assemelhavam muito, nunca mais se separaram.

    Dahi por diante, o velho actor s era visto ao lado daquella ingleza esguia, angulosa e nariguda, mas de uma physionomia original e sympathica.

    Quiz fazer della uma actriz; levou-a comsigo nas suas ultimas excurses, obrigando-a a representar por ahi os grandes papeis de Lucinda Simes.

    Imaginem uma ingleza a fallar portuguez... Era simplesmente insupportavel!

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    Mas Furtado Coelho via-a com outros olhos que no eram os do publico, e a mim me disse mais de uma vez que ella possuia um maravilhoso talento dramatico.

    De volta das taes excurses, elle quiz impol-a ao publico fluminense, mas este no a acceitou. Isto magoou-o;e contribuiu, talvez, para anniquilal-o mais depressa. Pelo menos data dahi seu depauperamento definitivo.

    Foi ento que essa mulher se revelou. No era uma actriz: era uma santa.Dir-se-ia que Deus a mandara ao Brasil expressamente com a misso

    de suavisar os sofrimentos e a miseria de um grande artista, que ella no conhecra na fora da mocidade, no auge do talento e da gloria. Sem outra recompensa que no fosse a indefinivel satisfao de ser boa, ella fez-se o guarda fiel daquelles vestigios de um homem, a conservadora dos ultimos lampejos daquelle cerebro.

    O egoismo humano adoptou esta sentena terrivel, posta em pratica pela humanidade inteira. Quem comeu carne que ra os ossos. Lina Roy, moa ainda, livre, independente, senhora do seu nariz, do seu enorme nariz de Cleopatra, acceitou, de animo resignado e physionomia alegre, os sobejos de um banquete a que no assistira.

    Que enorme sacrificio ter que aturar um velho enfermo, impertinente e pauperrimo, numa casa desapercebida de tudo, onde s se vive de expedientes e recordaes! Sem essa mulher, Furtado teria morrido sabe Deus como... Ella dividia com ele parte do seu talento vital. Sem ella, no existiriam os dous romances Lucia e Paixo de luxo, pelos quaes se v que elle teria sido um grande romancista se no houvesse abraado a carreira theatral.

    Se em melhores condies estivessem os nossos theatros, eu proporia que todos os artista se reunissem num grande espectaculo em beneficio de Lina Roy. Seria o melhor meio de agradecer (no de pagar) o muito que ella fez por Luiz Candido Furtado Coelho.

    ***

    Quero deixar aqui a expresso do meu reconhecimento Empreza Theatral Fluminense e aos excellentes artistas da companhia do Apollo pelo capricho e intelligencia com que puzeram em scena e representaram a burleta A viuva Clark, minha e de Costa Junior.

    Agradeo tambem aos meus collegas de imprensa o favor com que acolheram o nosso trabalho

    ***

    A Caixa Beneficente Theatral renovou a sua directoria, confiando-me de novo o cargo de presidente, distinco que muito me penhora.

  • 33

    Aos socios atrazados no pagamento de suas mensalidades concedeu-se agora um longo prazo e um grande abatimento para a satisfao do seu debito. Se esses socios no tratarem de regularisar a sua situao, ficar evidentemente provado que a piedosa associao no por elles amada nem comprehendida.

    A. A.

  • 34

    O Theatro, 01/03/1900

    Dolorosos correm os tempos para o mesquinho theatro brasileiro. O meu ultimo artigo enchi-o com a lembrana de um grande morto, Furtado Coelho, a quem tantos servios deve o nosso palco, e j hoje tenho que me ocupar de outra sombra illustre.

    Nascido de paes humildes, que no lhe puderam proporcionar apurados estudos, Francisco Moreira de Vasconcellos sentio-se desde criana inclinado para as lettras. Versejava com facilidade, assignando muitos sonetos estimaveis, que publicava aqui e alli, na imprensa periodica. Depois escreveu livros que foram recebidos com applauso, como A vida e a natureza.

    Por fim apaixonou-se pelo theatro e fez-se actor, auctor e emprezario.Como actor faltavam-lhe todas as condies. A voz, a figura, o gesto, a

    physionomia no o ajudavam. Era frio, mesmo quando representava as scenas menos impetuosas das suas proprias peas.

    Conseguio agradar-me num papel apenas, o de um engraxate, personagem episodico da revista Itabar, de Assis Pacheco.

    pouco, tratando-se de um artista que no hesitava em tomar sobre os hombros a responsabilidade esmagadora de grandes papeis daramaticos.

    muito curioso, e merecia estudado por um bom psychologo, esse caso, vulgarissimo,do homem de talento que se deixa fascinar e attrahir pelo palco, sem ter nenhuma das qualidades exigidas no actor.

    Moreira de Vasconcelos tinha tanta confiana na sua habilidade, que se atirava a todos os generos e durante o mesmo espectaculo se exhibia tanto no drama como na fara, encarregando-se invariavelmente do principal interlocutor.

    No ha duvida que as velleidades do actor prejudicaram seriamente a fama do dramaturgo. a eterna historia da rabeca de Ingres.

    Essas velleidades obrigaram-no a viver constantemente afastado deste centro onde o seu talento de escriptor dramatico encontraria fartas occasies de brillhar. Para ser actor e emprezario, preferia vagabundear por todo o Brasil, com uma companhia s costas, produzindo sobre o joelho, accommodado em pessimas estalagens, experimentado todos os climas.

    Foi numa dessas terras, em Palmares, a gloriosa Palmares, de que tanto se ufana Pernambuco, e com razo, que a morte o surprehendeu no theatro, s 10 horas da noite de 23 do passado, durante a representao de um dos seus ultimos dramas, o Calvario. Morreu como Molire. Tinha apenas 40 annos.

    Ainda nesse destino de errar de terra em terra, trabalhando hoje aqui, amanh acol, e produzindo sempre, Moreira de Vasconcellos, guardadas

  • 35

    as respectivas propores, assemelhava-se ao immortal poeta, com esta differena, entretanto, que Molire foi um dos actores mais notaveis do seu tempo, e as platas confundiam numa s a reputao do artista e escriptor.

    No sei se foi tambem para se parecer com o poeta que elle adoptou para seu uso particular a celebre divisa: Je prends mon bien ou je le trouxe. Entretanto, Molire s o achava em poder dos abastados como Plauto, Terencio, Moreto, Rabelais, etc., e o auctor brasileiro despojava os pobres, pois, entre outros escandalos, apresentou como obra sua o primeiro e unico ensaio theatral de duas pennas que antes disso s se tinham distinguido em trabalhos de outro genero.

    Esses actos reprovaveis, e reprovados, devemos ainda attribuil-os existencia nomade desse peregrino da arte.

    Que diabo! talento no lhe faltava! Quem escreveu Joanna Ferraz, um drama forte, no precisava absolutamente pr em pratica a maxima de Molire, convindo notar que no seculo XVII o plagio era quasi uma prerrogativa, e hoje uma vergonha.

    Moreira de Vasconcellos quiz fazer uma actriz, e ainda neste ponto no se afastou sensivelmente de Molire. Infelizmente Luiza Leonardo no ser, em arte, seno a eximia pianista que sempre foi. O proprio Furtado Coelho, que, segundo se dizia, era capaz de fazer representar um pedao de po, no obteve grande cousa das aptides dramaticas dessa deliciosa artista do teclado.

    Dizem-me, entretanto, que no papel de protagonista do referido drama Joanna Ferraz, Luiza Leonardo alcanou grandes effeitos e fez-se applaudir sinceramente. Nunca tive occasio de admiral-a nesse papel.

    Releva notar que a imprensa do norte e do sul no lhe regata os mais pomposos elogios, no publica o seu nome sem o cortejo de uma adjectivao excessiva; a minha opinio , portanto, a da minoria, e sou eu o primeiro a pedir a Luiza Leonardo que no faa cabedal do que ahi dexei escripto.

    Mas o melhor meio de me tapar a bocca mostrar-se realmente uma grande actriz. Serei o primeiro a engrandecel-a no dia em que a vir representar um papel com o mesmo talento com que tocava a Marcha funebre, de Chopin.

    Releva tambem notar que Luiza Leonardo contribuio, como estrella de primeira grandeza, para o exito excepcional da revista Amap, que no norte fez a fortuna de Moreira de Vasconcellos como auctor e como emprezario, fortuna que elle desbaratou, em parte, no Rio de Janeiro, exhibindo a mesma pea com grande luxo de enscenao.

    Resumindo a minha opino singela e franca sobre o operoso dramaturgo nacional cujo passatempo deploro, direi que elle conquistou um nome que ser lembrado quando os posteros examinarem o nosso pequeno acervo litterario.

  • 36

    O auctor de Joanna Ferraz seria, se Deus no o levasse to cedo, um dos trabalhadores com quem mais poderia contar o futuro (no se riam!) o futuro Theatro Municipal.

    ***

    Nada de novo: no Variedades prosseguem as representaes da Amante do assassino e no Apollo as dA viuva Clark.

    Pede-me o auctor desta ultima pea para prevenir os meus amigos (e os delle) que a sua recita se effectuar segunda-feria proxima. Os bilhetes, diz elle, esto na bilheteria a disposio do publico. No ha convites por cartas.

    ***

    Chegou hontem do Sul a companhia Lucinda Simes, que depois de amanh reapparecer com a Casa de bonneca.

    O espectaculo e cheio de attractivos: como se sabe, o festejado drama de Ibsen muito bem representado pelos excellentes artistas capitaneados por Lucinda, e o theatrinho, que tem o nome da primorosa actriz, enfeitou-se todo para recebel-a, e receber Lucilia, ai-jesus da imprensa de Buenos Aires e de Rio Grande. Est o Lucinda que nem um brinco!

    A. A.

  • 37

    O Theatro, 09/03/1900

    Hontem, ao meio dia, o edificio da Comdie-Franaise foi reduzido a cinzas. Tal a dolorosa noticia que hontem mesmo nos trasmittio um telegramma de Paris, publicado por esta folha.

    J hoje, pelo Paiz, lastimei profundamente esse desastre, que priva Paris, a Frana, a Europa, o mundo inteiro, do templo augusto em que se sacrificava com mais venerao arte dramatica, e onde se conservava, ha um seculo, a tradio de glorioso theatro francez.

    No mesmo artigo lamentei que o fogo devorasse tantos thesouros iconographicos accumulados na casa de Molire, que, alm de ser o primeiro theatro do mundo, era um opulento museu de pintura e esculptura, visitado pelos estrangeiros com o mesmo interesse com que percorriam as preciosas colleces do Louvre, do Luxembourg, de Versailles, Cluny, Carnavalet, etc.

    No momento de escrever estas linhas, no li ainda os jornais de hoje, ainda no conheo os pormenores do incendio, e fao votos para que tantas e to insubstituiveis riquezas tenha escapado s chammas. Toda a historia da Comdie Franaise, desde Molire, estava alli representada em quadros, bronzes, marmores, gravuras, desenhos, autographos, livros, documentos de toda a especie.

    Aperta-se-me o corao ao lembrar-me que a estas horas a biblioteca do Theatro Francez no quem sabe? mais do que um monto de cinzas, e que tenham sido queimados os unicos autographos, que existiam, de Molire, e tambem o famoso registro de Lagrange, que tanto contribuio para elucidar a historia do troupe do immortal poeta.

    No o desapparecimento do edifico que me inquieta, mas sim do que l estava dentro; a Comdie-Franaise no acaba, mesmo porque no se comprehende Paris sem ella, mormente o Paris de 1900, recebendo a visita de todos os povos durante essa esplendida e sumptuosa festa do trabalho com que vai fechar o seculo. Os artistas iro para outro theatro, improvisado embora, e os espectaculos da casa de Molire soffrero apenas uma ligeria interrupo. O que me rala, o que me agonia lembrar-me de que o incendio fosse to rapido e to violento que destruisse tudo.

    ***

    Agora aqui vai um pequeno historico endereado aos leitores, se os ha, que no conheam, ao menos por tradio, a casa de Molire.

  • 38

    Depois da morte do poeta, em 1673, a companhia de que elle era actor e emprezario e que trabalhava numa dependencia do Palais-Royal, transferio-se para o theatro Guenergand, da rua Mazarine.

    Em 1680, por ordem de Luiz XIV, a mesma companhia fez fuso com a famosa troupe de lhtel de Bourgogne, e foi ento creada a Comdie-Franaise, nome official que at hoje conserva.

    Em consequencia dessa fuso e da supresso do theatro Marais, havia em Paris aquelle unico theatro, que recebia por anno uma penso real de 12.000 libras.

    Os artistas eram em numero de 27, entre os quais brilhavam a Champmesl, Baron, Hauteroche, Poisson etc.

    Em 1687 a Comdie-Franaise transportou-se do theatro Guenegand para um sala de jogo da pella, na rua des Fosss-Saint-Germain-des-Prs, que actualmente se intitula de lAncienne-Comdie, e ahi se conservou at 1770. Foi ahi, mesmo em frente do celebre Caf Procope que foram representadas as tragedias de Voltaire; foi l que brilharam Lekain, Clairon, Adrienne Lecouvreur, etc.

    Em 1771, a Comdie-Franaise mudou-se para as Tulherias, onde occupou o theatro que mais tarde foi transformado para as tragicas sesses da Conveno.

    Em 1782 ella construio um theatro seu, no local at ento ocupado pelo palacio de Cond, e nesse theatro, que ainda existe ( o Odon), conservou-se durante toda a Revoluo.

    Ahi foi representado o Casamento de Figaro; ahi surgiram Talma, Dazincourt, Fleury, Saint-Phal, Mol, Mmes. Rancourt, Contat, Suin, Thenard, etc.

    Em 1792 o pessoal da Comdie-Franaise se dispersou, e s se reconstituio em 1802, construindo ento o theatro que hontem ardeu, e cujo palco foi honrado por Talma, Ligier, Provost, Beauvallet, Sanson, Regnier, Got, Brindeau, Bressant, Delaunay, Mounet-Sully, Coquelin, Mlles.Mars, Georges, Duchesnoy, Rachel, Agar, Augustine Brohan, Sarah Bernhardt, Reichemberg, Bartet, etc.

    Depois da revoluo, a Comdie-Franaise tem tido 13 administradores. O 1 foi Maherault; o decimo 13 Jules Clartie, que necessariamente hontem passou momentos bem amargos.

    O Estado Francez subvenciona a Comdie com um milho de francos annualmente.

    ***

    Casa de boneca, Francillon e A Tosca so as peas representadas pela excelente companhia Lucinda Simes depois que voltou do Sul. Do bom

  • 39

    desempenho de qualquer das tres peas j tratei nos meus folhetins; estou, portanto, dispensado de insistir.

    A empreza, que acaba de fazer acquisio de mais um artista de merecimento, Eugenio de Magalhes, promette agradabilissimas noites no Lucinda, e tem uma poro de bons projectos, que a seu tempo sero assoalhados.

    ***

    No Recreio inaugurou os seus trabalhos uma nova empreza artistica theatral, com a 1 representao de Nh baroneza, vaudeville em 4 actos de Isaias de Assis, musica de Assis Pacheco.

    A musica muito graciosa, e a pea, no obstante as inverossimilhanas de que est cheia, alis desculpaveis naquele genero, revela, a par de alguma inexperiencia, muita habilidade. Pelo menos faz rir, e fazer rir muito difficil.

    Brando tem um papel nas suas cordas, e Gabriella Montani, Elisa de Castro, Barbosa, Nazareth, Francisco de Mesquita e outros artistas do muito boa conta do recado.

    Raposo, actor que decididamente vai cahindo nas boas graas do publico, interpreta com vivacidade e leveza um moleque pernostico, uma especie de demonio familiar, um tanto carregado pelo auctor. pena, porm, que o artista, fazendo um moleque do Rio de Janeiro, taralho, insolente e capoeira, typo essencialmente carioca, falle como um preto de Angola. um defeito de observao que eu jamais notaria se se no tratasse de um actor cujo tirocinio acompanho com interesse.

    ***

    No Variedades, a companhia Dias Braga fez uma reprise do Vinte e nove, e no Apollo continuam as representaes da Viuva Clark.

    A. A.

  • 40

    O Theatro, 16/03/1900

    Impressionado pelo incendio do theatro da Comdie-Franaise, procurei uma leitura de circumstancia e encontrei-a no curiosissimo numero especial do Figaro ilustr, publicado em junho de 1897, e consagrado inteiramente Casa de Molire.

    Recommendamos a leitura desse numero especial a quantos desejem conhecer de perto a historia,as tradies, os costumes e a economia daquelle theatro, o primeiro do mundo. uma polyantha em que figuram Sarcey, Clartie, Paul Perret, Got, Truffier e Emile Berr.

    A parte artistica tambm muito curiosa: alm das reprodues do retracto de Molire, por Mignard, do de Talma, por Picot, e do de Rachel, por Grome, alli se encontram illustraes photographicas instantaneas, coloridas, com os retratos de todos os artistas nas scenas principaes do repertorio antigo e moderno, alm da reproduco dos dous famosos quadros de Geffroy, que foi actor, pintor e gravador, representando todo o pessoal da Comdie em 1840 e 1864, telas que se achavam no foyer des artistes e naturalmente desappareceram no incendio.

    Do artigo de Sarcey, Le repertoire classique, traduzirei algumas linhas que nos podem servir de ensinamento. O grande critico d-nos o segredo daquella encantadora homogeneidade que se nota na Casa de Molire, onde os artistas parece completarem-se uns aos outros, e, assim harmonisados, do, representando, uma ida justa da vida real.,

    porque, em regra geral, diz Sarcey, o societario inicia e termina a sua carreira na Comdie. O uso estabeleceu que mesmo os pensionistas sem bastante talento ou habilidade para forar as portas do societariato, s deixam a Casa por sua boa vontade. A maioria delles prefere ficar, embora occupando uma situao inferior. No pequena honra para um actor poder mandar imprimir nos seus bilhetes de visita: de la Comdie Franaise.

    Graas a esta organisao e a esta harmonia de costumes, houve sempre alli uma companhia de actores que, impregnando-se,quando jovens,da tradio, souberam guardal-a fielmente e transmitil-a sem interrupo aos seus successores.

    Entre Fraudy e Molire, a cadeia no conta mais que sete ou oito nomes, que so os seus anneis. Fraudy foi o discipullo predilecto de Got, Got trabalhou ao lado de Monrose, Monrose conheceu Dazincourt, Dazincourt aprendeu com Prville, e Prville com Poisson, e Poisson poderia apertar a mo de um contemporaneo de Molire.

  • 41

    Seria exaggerado dizer que todos os anneis da cadeia so formados por grandes nomes. Alguns ha que no reluzem tanto.

    Lembra-me que na minha mocidade, escrevi contra Talbot, que no seu genero no era de primeira ordem,sendo,alis, actor muito acceitavel. Um dos velhos frequentadores da comdie,encontrando-me depois da publicao de um dos meus folhetins, chamou-me de parte e disse-me: O senhor faz mal; Talbot tem uma grande virtude: mantem a cadeia. E como eu o interrogasse com o olhar: Sim, respondeu elle; certos generos de papeis nem sempre encontram um artista superior a quem possam ser confiados; foroso ento recorrer mediocridade honesta, que serve de ponte entre o grande actor que desapareceu e o grande actor que ha de vir. Talbot dos taes que asseguram a perpetuidade do repertorio.

    Reconheci depois quanto era justa essa opinio.Ns no temos, infelizmente, um repertorio que seja preciso conservar

    como o fogo de Vesta; mas no ha duvida que uma das causas da nossa decadencia, em materia de theatro, justamente a instabilidade do pessoal artistico. As nossas companhias dramaticas renovam-se de mez em mez, e isto necessariamente as desconcerta.

    Para explicar os motivos do afastamento do publico, tenho ouvido muitas vezes dizer que elle se cansa de vr sempre os mesmos artistas no mesmo theatro. Ora, justamente o contraio que o aborrece. A primeira qualidade de uma companhia ser afinada, para empregar aqui uma expresso de bastidores que exprime perfeitamente a minha ida. No um paradoxo dizer que, numa companhia afinada, mesmo os artistas mediocres se tornam dignos de atteno e applauso. Um exemplo recente desta verdade tivemol-o no pessoal da companhia de Andr Maggi e Clara Della Guardia, na qual cada um dos artistas contribuia, evidentemente, para que os collegas fizessem a melhor figura.

    Nos nossos theatros, salvo honrosas excepes, no ha mais artistas que se dem ao trabalho penoso, reconheo, de decorar os seus papeis, e o leitor sabe,a menos que desconhea completamente a arte, que um artista, no tendo o seu papel na ponta da lingua, prejudica o seu trabalho, certo, mas prejudica ainda mais o trabalho dos deus companheiros de scena. No ha, no pode haver actor que trabalhe limpamente quando no lhe do a deixa.

    Ora, calculem o que ser o dialogo, entre um artista experiente, consummado, que conhea todos os segredos do palco, mas no saiba patavina do seu papel, e um actor novel, principiante, bisonho, que esteja, coitado! merc do seu interlocutor, sem saber como ouvir, nem como gesticular, nem

  • 42

    como responder, sem preparar os seus effeitos, quando todos sabem que no theatro no ha effeitos sem preparo!

    Ns ainda temos, graas a Deus, aqui e alli, alguns artistas que, consagrados, animados do mesmo zelo, ajudando-se uns aos outros, podem formar uma companhia homogenea, harmonica, afinada, que vibre, attraia e enthusiasme o publico; mas para isso imprescindivel uma estabilidade, uma perseverana que, infelizmente, no a qualidade dominante entre os nossos artistas.

    verdade que muitas vezes os emprezarios so os primeiros culpados dessa inconstancia, e outras vezes certas condies precarias contribuem para os resultados que deploro; mas, argumentando assim, no sahiremos de um circulo vicioso, e no theatro, como em tudo mais, necessario combater nos os effeitos, mas as causas.

    Confesso: aborrece-me ver todos os dias esta noticia que apparece nos jornaes com uma lastimavel insistencia: Desligou-se da companhia tal o actor Fulano. Quer dizer que a respectiva empreza descalou uma luva que se lhe ia afeioando mo.

    Sigamos o conselho que resulta do artigo de Sarcey: evitemos que se quebrem os elos das cadeias que mantem, no o repertorio, mas a famosa afinao sem a qual o publico decididamente no toma a serio nenhuma tentativa de arte dramatica. Decore o artista o seu papel, embora o diabo lhe sopre no ouvido a convico de que o representar uma unica vez, para meia duzia de espectadores. a isso que se chama consciencia.

    ***

    Nada de novo nos nossos theatros.A excellente companhia de que so os emprezarios Lucinda Simes e

    Christiano de Souza, depois de exhibir A Fosca, Monsieur Alphonse e o Leno branco, annuncia para hoje A Lagartixa, grande successo do anno passado, successo que sem duvida ser renovado agora. (*)

    Apollo annnuncia as ultimas representaes da Viuva Clark, e annuncia para breve O Tragabalas, opereta arranjada por Accacio Antunes, musica de Costa Junior.

    Variedades promette-nos para amanh mais um drama, o Domador de feras, de Dennery, traduzido por Moreira Sampaio e Azevedo Coutinho.

    O Recreio tem quasi prompta uma magica, o Besouro encantado, e est dando as ultimas representaes de Nh baroneza.

  • 43

    Hoje a recita do auctor. Desejo sinceramente ao meu prezado collega Isaias de Assis que seja mais feliz (no faam caso da rima) do que foi, na sua recita, o auctor da Viuva Clark.

    Para isso, basta que todos os seus maigos resolvam ir ao Recreio.A. A.

    (*) Este folhetim foi escripto e deveria ter sido publicado hontem. No. da R.

  • 44

    O Theatro, 22/03/1900

    A companhia Dias Braga, que tem as malas promptas e vai partir, na proxima segunda-feira, para o Norte, acaba de fazer reprise do drama em 5 actos e 6 quadros, O domador de fras, de Dennery, bem traduzido por Moreira Sampaio e Azevedo Coutinho.

    A pea tinha sido representada, ha um bom par de annos, no Recreio Dramatico, pela propria companhia Dias Braga, que depois disso passou por grandes transformaes.

    O Domador apenas me deixara uma impresso: a de uma queda dagua a valer, que era, necessariamente, o clou do espectaculo. No Variedades a agua fingida, mas a pea nada perde com isso, Nada perde nem ganha: o quadro aquatico pode ser supprimido sem que ninguem se queixe, e creio bem que nessa viagem do Norte Dias Braga no levar comsigo aquella cascata. Ser um trambolho de menos.

    O drama (no fosse elle de Dennery!) dispe de outros matadores; admira-me at que o deixassem durante tantos annos sepultado no archivo. o que se chama de pea para o povinho, com todos aquelles extraordinarios effeitos que o celebre dramaturgo conseguia pondo de alguma forma em pratica a terrivel divisa dos jesuitas: conseguir os fins sem se importar com os meios. O bom senso, ou, se quizerem, a verossimilhana muito sacrificada, mas o espectador que aprecia esse genero de peas no leva para o theatro nenhum espirito de critica, e chora, ou ri, conforme a vontade omnipotente do auctor.

    Releva dizer, e o digo com satisfao, que a parte um ou outro defeito remediavel, o desempenho dos papeis do Domador de fras faz honra companhia Dias Braga. O emprezario interpreta brilhantemente o grand premier role do protagonista, e ao seu lado fazem boa figura Apollonia Pinto, Aurelia Delorme, Marques, Eduardo Vieira, Grij, Bragana e um estreante, o actor portuguez Santos Ferreira, que tem magnifico porte scenico e muito boa dico, o que infelizmente raro nos theatros brasileiros. Dizem-me ser esta a primeira vez que esse actor representa como profissional, pois at agora s o tem feito como amador. Ningum o dir.

    Note-se que o papel do velho almirante, que lhe foi distribuido no Domador de fras, pouco se affeioa ao temperamento do artista, que de mais a mais parecia terrivelmente preocupado com a sua espada; mas sou capaz de apostar que o Santos Ferreira satisfar plenamente quando a empreza lhe confiar um papel de dizer... e sem espada.

    A companhia Dias Braga tem todos os elementos para realisar uma excurso futurosa. O seu repertorio vastissimo e variado, e o seu pessoal

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    excellente. Se j no tem Eugenio de Magalhes e Adelaide Coutinho, duas perdas realmente sensiveis, adquirio, em compensao, Olympia Montani, Canario e esse Santos Ferreira, que ou eu me engano ou lhe vai prestar os mais relevantes servios.

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    A companhia dramatica dirigida por Lucinda Simes e Christiano de Souza tem conseguido, graas Lagartixa, attrair muita concurrencia, o que nesta poca de casas de chopps e cafs cantantes, ou berrantes, pde ser considerado um verdadeiro milagre.

    Nada direi sobre o hilariante vaudeville de Georges Feydeau, que incomparavel traductor Eduardo Garrido (diga-se a verdade) tornou ainda mais hilariante: escusado repetir o que escrevi quando a pea foi exhibida pela primeira vez.

    Direi apenas que a representao est agora mais viva e mais harmonica; os artistas, desde o primeiro at o ultimo absolutamente senhores dos seus papeis, movem-se com um entrain que o publico j est deshabituado de ver nos nossos palcos.

    Deshabituado, diga-se, pela obvia razo de que as peas actualmente no se sustentam em scena, como outrora, o tempo indispensavel para estabelecer uma harmonia difficil de obter no decurso dos ensaios, na maior parte dos casos insufficientes e rapidos. Os pobres astistas no tm tempo de ensaiar as peas antes da representao, nem de as representar depois dos ensaios. O caso esse.

    A Lagartixa neste momento exhibida no Rio de Janeiro como deveria sel-o toda e qualquer pea no espectaculo de estra. Durante a representao o ponto pde ir jogar xadrez com o contra-regra. Nem um nem outro so necessarios alli. Que idal...

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    A Viuva Clark recolheu-se envergonhada aos bastidores do Apollo, depois de duas duzias de representaes inglorias e com o prejuizo de alguns contos de ris para a sympathica Associao Theatral Fluminense, digna de melhor sorte.

    Eu, auctor da pea, no tenho que me queixar seno de mim; nem mesmo exero o classico direito, que se concede a todo o condemnado, de maldizer os seus juizes. Quando tinha menos idade, revoltava-me contra o que me parecia e no era uma injustia do publico; hoje, que l vou para o mezzo del camin, curvo aos seus arestos e cabea meio encanecida. Embora muitas vezes no pea, elle tem sempre razo.

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    S de mim me devo queixar, repito. A representao, sem ser brilhante, no era m. Clelia foi prodigiosa no papel da baroneza, escripto expressamente para ella; Peixoto e Herminia, meus velhos companheiros de lides theatraes, fizeram o mais que podiam fazer para salvar a pea; Galvo, um dos nossos primeiros actores, foi o Saraiva com quem sonhei; Adelaide Lacerda fez um creao porque no direi notavel? interpretando o papel de Eulalia, e os outros, uns mais outros menos como sempre succede, deram a melhor conta do recado. De um delles me occuparei mais abaixo.

    A pea estava bem marcada e ensaiada pelos meus distinctos collegas Acacio Antunes e Machado Corra. A musica de Costa Junior saltitante e bem feita. A empreza no olhou a despezas de enscenao: Carrancini contribuio com toda o seu talento de scenographo e Augusto Coutinho com toda a sua habilidade de machinista. Capitani caprichou para que a sua magnifica oschestra brilhasse, como brilhou, e os cros cantaram irreprehensivelmente. No me posso queixar seno de mim.

    Mas agora que a minha infeliz Viuva desappareceu no tenebroso poro do Apollo, agora, que no posso ser accusado e vir fazer reclame a um trabalho meu, pois que esse trabalho j no existe, deixem-me agradecer Associao Theatral Fluminense a delicadeza de, infelizmente para ella, se haver lembrado de mim para fornecer-lhe a pea de estra,e o asseio, o cuidado, a consciencia com que a pz em scena; deixem-me agradecer aos artistas a boa vontade com que interpretaram; deixem-me agradecer a todo o pessoal do Apollo o muito que fizeram pelo meu trabalho.

    Todo meu desejo que Tragabalas, a opereta de Acacio Antunes e Costa Junior, cuja 1 representao est annunciada para amanh, possa reparar os prejuizos causados pela Viuva Clark. Fao votos para que a fortuna da nova pea no se limite aos louvores alis honrosissimos da imprensa, como aconteceu outra; mas que o publico fluminense concorde com esses louvores e applauda durante cem representaes.

    Entretanto, estou satisfeito de ter escripto a Viuva Clark, porque ha uma circumstancia que me consola: a minha burleta (j houve quem dissesse que foi essa classificao de burleta que me enguiou a pea) a minha burleta foi a revelao de um artista, que vivia ignorado, e de quem hoje, apezar do trambolho da Viuva, toda a gente falla. Refiro-me ao actor Antonio Serra, que to bem comprehendeu e reproduzio, physica e moralmente, o papel de Freitinhas, e inventou aquella bonita e pittoresca silhouette do preto velho, servente de secretaria, trabalho delicioso de observao intelligente.

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    Antonio Serra tem (l vai a chapa) um bello futuro diante de si; , pois, caminhar para a frente, ouvindo os conselhos de Peixoto, o mais leal dos collegas, e de Acacio Antunes, o mais carinhoso dos amigos.

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    Os ultimos correios da Europa trouxeram a noticia do fallecimento de dous artistas parisienses muito conhecidos: Lonce e Magdaleine Brohan.

    Ambos estavam j retirados de scena. Elle morreu octagenario; ella quasi setuagenaria.

    Tive ocasio de apreciar Lonce no papel de Loriot, de Mamselle Nitouche, em que representava primorosamente uma scena de embriaguez, e Magdeleine Brohan em diversos papeis na Comdie Franaise, mas em nenhum como na velha viscondessa de Le monde ou lon sennuye, em que era inc