14 cronicas 1907

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O T , //
Realisaram-se, durante o anno de , em os nossos theatros, excepção feita do Parque Fluminense, pois, não me foi possivel obter a respectiva
nota, . espectaculos, sendo no theatro da Maison Moderne, no Palace Théàtre, no Carlos Gomes, depois Moulin Rouge, no Recreio
Dramatico, no Apollo, no Lucinda, no São José, no São Pedro de Alcantara e no Lyrico. O music-hall sempre na ponta.
Façamos agora a nomenclatura das peças representadas nesta cidade durante o anno de . As que levam o titulo em italico foram exhibidas pela
primeira vez. O numero de representações vae indicado logo após o título; a ausencia do numero quer dizer que a paca teve uma unica representação.
Dividindo convenientemente os generos, comecemos pelas
O  Aida, ; Baile de mascaras; Barbeiro de Sevilha, ; Bohemia (de Puccini),
; Bohemia (de Leoncavallo), ; Carmela, ; Carmen; Cavalleria rusticana, ;
Favorita; Fausto, ; Gioconda, ; Guarany, ; Hernani; Iris, ; Lucia, ; Manon, ; Manon Lescaut, ; Mephistofeles, ; Othelo, ; Palhaços, ; Resurreição do
 Lazaro (oratoria), Rigoletto, ; Tosca, ; Traviata, Trovador, .
T, D C  Adriana Lecourveur (em italiano); O adversário, em port. e em ital.;
 Água de Caxambú, Álvaro Abranches; Ama de leite, ; Amantes (em ital.);
 Amigo das mulheres, ; Amor de perdição, ; Amor engarrafado; Andorinhas;  A anedocta; Apuros de um diplomata, ; L’autre danger; Un’avventura in viaggio; Bode expiatório, ; Blanchette; Cabana do pae Thomaz, ; Cabello branco, ;
 As calças da autoridade, ; Casa de boneca (em francez); A Casa de Suzanna,
; Castello do Diabo, ; Castellan, ; La cavalière; Ceia dos cardeaes, ; Chôroou rio?, ; Ciume com ciume se paga; Ciumenta, ; Coitadinho, ; Come le foglie; O commisario è bom rapaz, ; Conde de Monte-Christo, ; O conselho
de guerra, ; Corally & C., ; O crime da rua da Carioca; Dalila, ; Dama das camelias, ( em italiano e em francez); O desfalque, ; Demi-monde; La
demoiselle de chez maxim, ; Demise; Le deitour, ; Diabo atrás da porta; Divorçons (em ital.); Doida de Montmayour, ; A Dolores, ; D. Cezar de Bazan, ; Dora (em ital.); Dois sargentos: Dois proscriptos, ; Duas orphãs, ; A duvida, ; O eclypse; Escola antiga, ; Estranguladores, ; Europeus e americanos, ; La figlia de Jefte, ; Filha do mar, ; Filho de Coralia, ; Fédora,
; Frei Luiz de Souza, ; Frou-frou (em ital.); Le garçon de chez Potia, ;
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O gendarme, ; Genro do Sr. Poirier, ; La Gioconda ( em fr. e em ital.); Hamleto, ; Homem da bomba, ; O homem sem cabeça, ; Hotel do Livre Cambio, ; L’hypnoliseur malgre lui, ; Infedele; Jack, o estripador, ; João José, ; Julieta e Romeu (em ital.); Kean, ; Ladrões do mar, ; Lagartixa,
; Leonor Telles, ; Locandera, ; Magdá, ( em italiano e em francez); A mala de cupido, ; Maria Antonietta, ; (em ital.); o marido de minha mulher, ; Il marito in campagna; Marquez de Villemer, ; Martyr do Calvario, ; La
massière; Megio soli che male acompagnali; Mestre de forjas (em ital.); Milagres de Santo Antonio; Ministro e rei, ; Morgadinha de Val-Flor, ; Monsieur
 Alphonse (em port.); Mudança á meia noite, ; Naugragio da fragata Medusa, ; Nelly Rozier, ; No cerco de Paris, ; Novo Jesus, ; Nunca!; O outro sexo, ; Papão, ; Pastoral, (por amadores); Phédre; Petite Amie; Os pirralhos; Poder
do ouro; Poil de Carotte, ; Por causa da “Capital Federal”; Prefeito Chateau Bazard; O premio da virtude, ; Quasi! ; Quo vadis? ; Quem vé caras..., ;
 La rafale, ( em ital. e em francez); O rei maldito, ; Remorso vivo, ; Le
retour de Jerusalem; La robe rouge, ; Romance de um moço pobre, ( em ital.); Rosa Engeitada, ; Sapateiro das senhoras, ; Sr. Director, ; A Severa, ; Sociedade onde a gente se aborrece, ( em ital.); Talilha, ; Temperança,
Regabofe & C., ; Theodora, ( em ital.); Tia Leontina, ; Timidez de Cornelio Guerra, ; Tomada da Bastilha, ; Tosca, ; La trilogia de Dorina; Verso l’amore;
Os velhos, ; Victimas de Barnabé; Viuva das camelias; Volta do mundo em dias, ; Voluntarios de Cuba, ; Voz do tumuló, ; Zazá, ( em ital.)
O, M, R, E.  Achille cha va e Achille che viene, ; Allons au Palais! ; L’ami Roscanvel,
; Bico de papagaio, ; Le billet de Loche Ment, ; Bocacio (em ital.), ;  Bagolamento fostoscultura, ; Boneca; Cá e lá, ; Capital Federal, ; Le
capricorne, ; Carnet du diable (em ital.); Casames a sogra(em ital.); La
chambrée; Chic-Chic, ; A classe dos burros (em ital.) , ; Coco Bel-OEil, ; Contreappel, ; Corda sensível; D’Artagnan (ital.); Dona Juanita (id.), ; Dous nenès, ; Les enfants d’Edouard; Esfolado, ; Fada de coral, ; Fanfan la Tulipe (em ital.), ; Filha de Mme. Angot (em ital.), ; Filha do feiticeiro, ; Les filles de
 Barazin, ; Les femes qui fument, ; Francesca dal Ri... dere, ; Le fuzilier Larifia, ; Gato preto, ; Geisha, ( em ital.); Granadeiros, ( em ital.); Gran-via
(em ital.), ; Guanabarina, ; O homem das botas, ; Ilha do Paraizo, ; Le licée
 Poulardin, ; Le vieux marche à l’heure, ; Maçans de ourro, ; Mademoiselle
 Loulotte, ; Madgyares, ; Le major Pivolin, ; Mascotte (em ital.), ; O Maxixe,; Milagres de Santo Antonio, ; Um milanez em mar (ital.); Mon camarade, ; Monsieur et Mme. Sans Géne, ; Não lhe bulas!, ; Napoleón malgré lui,
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; Nos pious-pious, ; Nú e crú, ; Nuit de bonheur, ; Othelo chez Thais, ; Pacto infernal, ; Pan...ça y est! ; Patifa da primavera, ; Pera de Satanaz, ; Pescadores de Napoles (em ital.), ; Petit Duc(id.) ; Por cima e por baixo, ;
 Pour une pipe, ; Principe Lili, ; Proezas de Tareco, ;  La reception de Peroulios,
; Rio nú, ; Robinsou Crusoé, ; Roupa velha, ; Santarelina, ; Sinos de Corneville, ( em ital.); O sonho da pastora, ; Um suicidio em café  (ital.); Tim tim por tim tim, ; Travesuras de Cupido, ; Trinta Botões, ; Vem cá,
mulata! ; Vendedor de passaros (ital.), . Como se vê, a peça mais represenada no Rio de Janeiro, durante o anno de
, foi o Maxixe. A Filha de feiticeiro, que se lhe segue immediatamente, não teve nem metade das representações que aquella revista alcançou.
 A opera, o drama, o vaudeville, a opereta, a magica, e, sem fallar no
 Maxixe, (a revista) que mais vezes figuraram nos annuncios, foram a Tosca ( representações), o Conde de Monte Christo (), a Casa da Suzanna (), a Filha
***
O anno começou bem para a companhia Dias Braga: foi um successo a representação do vaudeville em actos, o Homem das tetas, de Nancey e
 Armont, traducção de Bruno Nunes. A peça intitula-se no original Le truc du Brésilien, e nada tem que offenda os brasileiros, como suppòz esta folha. Um dos personagens, para verificar si a sua amante lhe é fiel, disfarça-se em brasileiro rico. Como esse disfarce nenhum resultado daria num palco basiléiro, fez o traductor com que o homem se disfarçasse em argentino, como poderia dirfarçar-se em mexicano ou japonez.
Esta farça, que não se póde contar, tão grande é a série dos seus quiproquos, não é peça que se recommende a senhoritas: pertence ao genero livre, ou antes, liberrimo; entretanto, como tem graça a valer, e é muito bem feita, faz rir a bandeiras despregadas, e vae dar, certamente, uma bôa série de
representações. O Homem das têtas (pelo titulo não perca!) está em posta em scena, e é
sufficientemente representada por todos os artistas da Companhia Dias Braga. O actor Ramos, que fez o protagonista, não o homem das têtas, que o não é, mas o homem do truc, tem feito visiveis progressos. O publico da primeira
***
No Palace-Théátre continuam as representações da discutida revista Chic-
Chic, e no São José reappareceu a Pepa nos dezoito papeis do Tim tim por tim
tim. Está annunciada para amanhã, neste ultimo theatro, a primeira
representação da peça em actos, quadros e apotheose, Fé em Deus ou os estranguladores do rio, original de um escriptor brasileiro que se occulta sob o pseudonymo João Claudio.
 A. A.
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 A companhia de operetas, vaudevilles, magicas e revistas. que trabalha no theatro São José, e da qual é emprezario o Sr. Francisco de Souza, representou
um drama em actos e quadros, original de João Cláudio, pseudonymo do Dr. Ataliba Reis.
Trata-se da estréa de um dramaturgo nacional, e tanto basta para que eu ligue a essa representação o mais vivo interesse.
 A peça não é uma obra-prima, nem como tal a considera nem a impõe o autor; sendo, como é, um trabalho de occasião, ou antes, um a-proposito
dramatico, para aproveitar, no theatro, a extraordinaria repercussão de um crime excepcional, não farei carga ao dramaturgo de umas tantas
extravagancias e anomalias inherentes ás producções dessa especie, e das quaes não se eximiria, talvez, o mais avisado que em semelhante empreza se mettesse.
Escrevendo uma peça popular, destinada a certo e determinado publico, João Cláudio fez o que faria um mestre no genero: poz em evidencia os episodios do crime que mais sensação produziram, romantisou individuos que na vida real nada tinham de interessantes, e introduzio na peça o elemento do amor, sem o qual não ha theatro popular possivel.
O que me cabe averiguar é si o auctor possue realmente aptidões para o theatro, e, neste particular, é de justiça reconhecer-lhe certo engenho dramatico, levando em conta as difficuldades com que necessariamente luctou para engendrar aquelles tres actos. O leitor, si algum dia tentou a litteratura
dramatica, imagine que lhe punham sobre a mesa de trabalho Carluccio, Paulino, Rocca e Carletto, e lhe diziam: – Péga nestes dois assassinados e nestes dois assassinos, e escreve um drama!
Comquanto sem desenlace, pois o publico não sabe que destino vae
ter a principal personagem, a peça de João Claudio revela habilidade, principalmente no segundo acto. Encontram-se nella situações bem preparadas e typos bem desenhados; as scenas articulam-se umas ás outras, os interlocutores entram e saem a proposito, o dialogo é, por vezes simples e natural, embora em certas passagens se torne emphatico, aliás por conveniência do gênero, que tem a sua poetica especial.
Em summa, Fé em Deus fez-me desejos de ver o Dr. Ataliba Reis ensaiar- se noutra obra theatral, em que a sua imaginação e a sua fantasia estejam á
 vontade e não subordinadas a um facto real. Creio bem que o nosso theatro, em cuja regeneração confio, poderá contar com os seus serviços.
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 A peça não foi mal representada. Toda a gente se admirou de que Maria Lino, a gentil maxixeira, désse muito bôa conta de um papel dramatico.
João Barbosa, que seria um artista precioso si não adoecesse tão a miudo (já hontem foi substituido pelo Colás), desempenhou com talento o papel do
abomínavel Rocca, monstro cuja ferocidade o auctor attenuou, pondo-lhe no coração que não existe, um amor impossivel.
Marzulo, que se caracterizou perfeitamente, a julgar pelo Carletto que vi, photographado num cinematographo, Balbina Maia, João Rocha, Serra, Castro e os demais artistas do S. José, que todos, á excepção do Machado Careca e da
***
 A companhia Lucinda-Chrístiano passou com o Chic-chic para o Apollo, (amanhã, recita dos auctores, com um quadro novo), deixando o Palace – Théâtre entregue, como d’antes, ao intrépido Cateysson, que contractou, para substituil-a, uma companhia de variedades.
O espectaculo de estréa consistio na representação de uma comedia, Le
 stratagème, de uma pornographia tão grosseira, que não parece franceza, ou, pelo menos, pariziense. Essa comedia, sem graça nem originalidade, foi, aliás,
mal representada.Seguio-se um intermedio, que agradou francamente. Duas cantoras, tambem francezas, parizienses talvez, Mlles. Marnix e Duvernot, foram ambas applaudidas, e um casal de artistas, que respondem aos nomes de Mimi e Momo (leia-se Mômô), fizeram rir a valer n’uma grande troça aos sports.
Terminou a funcção por uma hilariante parodia da Carmen, intitulada  La petite Carmen, que foi a alegria da noite. No papel de José reappareceu o comico Fortuné, que se fartou de fazer rir, e Mlle. Devernot, a mesma do intermedio, foi uma deliciosa Carmen. As demais artistas (a peça “mette” nada menos de dezesseis personagens) não se sahiram mal, e a orchestra do nosso
Luiz Moreira portou-se galhardamente. Em summa: um bom espectaculo, principalmente para quem chegava ao
theatro depois de Le stratagème, que servia de lever de rideau. Hoje, mudança de programma: está annunciada uma parodia do Cyrano de
 Bergerac.
***
No Recreio continúa em scena, dando boas casas, o Homem das tetas. O traductor desse vaudeville escreveu-me dizendo que tambem elle adora
o bom teatro e detesta o genero livre; se traduzio aquella peça, e a Casa da
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Suzanna, foi porque previo, e não se enganou, que ellas proporcionariam meios de subsistência a alguns artistas muito estimaveis, que têm debalde tentado attrahir o publico desta capital com producções mais dignas dos seus applausos.
Escusava o Sr. Bruno Neves de se justificar: não o censurei nem o censuro. Pois não sou eu o traductor das Pilulas de Hercules? Albarde-se o burro á  vontade do dono!
***
Está marcado para terça-feira proxima, no S. José, um espectaculo em
beneficio do mais antigo e do mais moderno dos nossos ensaiadores, – AdolphoFaria e Rego Barros. É possível que reappareça naquella noite a estimada opereta Os dias de
***
Rogo aos meus consocios da Caixa Beneficente Theatral, que não faltem á
assembléa geral annunciada para hoje, ás horas, na séde da associação.  A. A.
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 A gente se habituou por tal forma a ver os theatros vasios, não sendo em representação de peça nova, ou algum beneficio, que se admira todas vezes que
lhe succede o contrario. Foi com sorpresa que, entrando, sabbado passado, no Recreio Dramatico, para assistir á representação do Kean, reparei que o theatro
estava cheio, comquanto se tratasse de uma peça velha e muito “batida”. E que, apezar de escripta segundo a esthetica de , a famosa comedia
do velho Dumas ainda agrada e ha de agradar emquanto houver um publico despreoccupado de todo o movimento litterario. e que só vá ao theatro para
divertir-se. Desempenhando o papel do protagonista, Dias Braga ainda vibra nas
scenas mais importantes. Na sua edade raros atores conseguem tanto. O publico applaudio-o com enthusiàmo.
Entretanto, ahi está um papel que lhe não convem, não porque Dias Braga
não tenha talento e autoridade para represental-o, mas porque esse papel, para servir-me de uma expressão da peça, é uma charrua que exige para arrastal-a uma saude de ferro, e o nosso artista infelizmente não a tem; deve poupar-se.
Tambem não lhe aconselho que represente o Kean a meia força, ou a tres quartos de força, conforme a concorrencia, como fazia o anno passado
Eduardo Brazão; nem Dias Braga, com o temperamento que tem, sujeitaria a semelhante regimen um personagem tão impetuoso e turbulento: O melhor é, não insistir; o º acto deixou-o fatigadissimo.
Quem, isto escreve não é um critico, é um amigo, que ainda espera muito
do velho artista, não como actor, mas como ensaiador que o é de primeira ordem.
Não quero dizer que elle deva deixar o palco, onde tantos triunphos colheu e póde colher ainda; desejo apenas que não se sacrifique a papeis tão fatigantes
como o od Kean. Lucilia Peres representou discretamente o de miss Anna Damby, e
Guilhermina Rocha satisfez no da condessa de Koefeld. Portulez foi um nome magnifico... Lá me esqueceu o nome do rapazito pelotiqueiro! Os demais artistas – Alfredo Silva, Bragança, Henrique Machado, Domingos Braga e outros – portaram-se convenientemente.
Bragança fez o principe de Galles barbado e outros artistas o têm feito. Por que? Aquelle principe de Galles, que foi depois Jorge IV, nunca usou barba,
como Eduardo VII. É verdade que, sendo a peça representada como da actualidade, quando
aliás a acção se passa antes de , anno em que o referido principe
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subio ao throno de Ingleterra, o publico faz vista grossa áquella e outras impropriedades, de que não vale a pena fallar.
Continuam em ensaios a revista Berliques e berloques e o Dote, comedia cuja primeira representação vae ser dada em beneficio de Lucinda Peres. O
principal papel de mulher foi escripto expressamente para ella.
***
No Lucinda houve uma representação, apenas uma, do vaudeville em tres actos o Bosque Encantado, de J. Coimbra, musica de diversos autores, apanhada aqui e ali.
 A peça, que foi representada em beneficio do actor Vianna e da sua esposa, a actriz Julieta Vianna, pouco, muito pouco vale, mas ao menos servio para
revelar ao publico, naquella moça, filha do inesquecivel violinista Pereira daCosta, uma vocação dramatica digna de ser aproveitada. Já nas columnas do Paiz externei a magnifica impressão que me causou o trabalho dessa esperançosa actriz, que tem feito a sua carreira nos theatrinhos do interior.
Muitas vezes não me occore o nome dos artistas a quem desejo fazer uma
referencia agradavel. É o que me succede agora com o intelligente actor que fez o galã do tal Bosque encantado. Por mais tratos que dê á bola, não ha meio de me lembrar como se elle chama, e não tenho tempo agora para recorrer
aos jornaes. São horas de mandar o artigo para a typographia. Pois, senhores,é pena que me falte a memoria; trata-se de um rapaz de quem se póde fazer alguma coisa.
***
O segundo espectaculo da companhia franceza de operetas e “vaudevilles”,
do Palace-Théâtre, agradou ainda mais que o primeiro. Começou por uma farça intitulada Fais ça pour moi. É livre, bastante livre,
mas não é grosseira nem sensaborona como o tal Stratagéme a que me referi no folhetim passado. Faz rir, pelo menos.
Seguio-se um intermedio no qual se estrearam o cantor, dansarino e
transformista Stephany, que não é mào artista no seu genero, e os irmãos Untell, dois comicos realmente espirituosos, que alcançaram um ruidoso successo de gargalhada.
 A parodia Cyraunez de Blairgerac, com que terminou o espectaculo, escripta por Cerny e Briollet, que têm fornecido alguns trabalhos dessa natureza aos
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pequenos theatros de Paris e sempre com exito, é um modelo no genero, e tem graça para dar e vender.
Não se imagina a quantidade de pilheterias á que dá logar o nariz de Cyraunez, e dos bons versos que os autores semearam nesta producção
despretenciosa; delicada e alegre, recumando vida e mocidade.  Apenas um reparo: na parodia da scena da janella de Roxane, aliás muito
feliz, os autores esqueceram-se da descripção do beijo, que daria panno pra mangas.
No papel de Cyraunez o autor Fortuné pôz em contribuição todos os
seus recursos comicos, dando-nos uma excelente caricatura de Coquelin, e Jane Freder representou com talento e delicadeza o papel de Roxelane (Roxane). Citarei ainda Martial, um magnifico Ragoutneau (Ragonneau), e
accrescentarei que a parodia foi bem representada por todos os artistas. Para hoje os artistas do Palace-Théâtre promettem-nos dois vaudevilles,
***
J. Brito, um dos autores do discutido Chic-chic, que completou hontem um quarto de centenario, accrescentou á revista um quadro que, segundo me disseram, é de uma grande frescura e tem dois bonitos numeros de musica
***
No S. José houve duas representações sporadicas da Paquita e dos Vinte e
oito dias de Clarinha; continúa em scena o drama brasileiro Fé em Deus, e está em ensaios uma revista de Alvaro Peres, intitulada o Casamento do Maxixe (na
casa da Suzanna).  A. A.
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Uma noite destas encontrei a Pepa na Avenida Central. Eram onze horas, fazia um calor soffocante, e a nova arteria estava deserta. Havia meia duzia de
pessoas sentadas á porta do café Frontin, outra meia duzia de pessoas, senadas a porta do café Jeremias, quatro ou cinco transeuntes bufando, um guarda-
civil, e, de espaço a espaço, cortando aquelle silencio de morte, o “fon-fon” de um automovel melancolico. No emtanto, a Avenida, profusamente illuminada, resplandecia, contribuindo tanto fulgor para augmentar a tristeza que ella causava.
Não tinha visto ainda a Pepa, depois que regressára de sua excursão ao Rio Grande. Achei-a triste, quase tão triste como a Avenida.
***
Não respondi; mas não significa o meu silencio que eu concordasse
com essa opinião. O Theatro no Rio de Janeiro não está morto; póde-se mesmo dizer que está mais vivo que nunca porque, ou eu me engano, ou este
abatimento, a que assistimos, é a consequencia do protesto do publico. Equando o publico protesta, é signal de que nem tudo está perdido, e alguma coisa se poderá levantar sobre as ruinas do que foi.
 A elle, ao publico, deve-se, em grande parte, o haver chegado o theatro no Rio de Janeiro ao estado que chegou; o publico acceitava de cara alegre tudo quanto lhe davam, e tudo pagava e applaudia com uma indulgencia que chegava a tornar suspeito o funccionamento das suas faculdades intellectuaes.
Emprezarios, auctores e artistas habituaram-se a essa indulgencia morbida, e
abusaram della.Mas o publico renova-se, como todas as coisas se renovam neste mundo, e a geração de hoje é mais exigente que a de hontem. Póde-se mesmo dizer que, em materia de theatro, é mais civilisada. Os artistas dramaticos de mais
cotação na Europa têm vindo ao Rio de Janeiro, e, mesmo quando não viessem. havia esta observação importante a fazer, de que o brasileiro de hoje é muito mais viajado que o de hontem.
O esforço dos poucos artistas que ainda nos restam de nada valerá sem o influxo dos poderes publicos. Dos nossos dominadores depende – já o tenho
dito mil vezes e não me farto de repetir – depende o levantamento do Theatro, que parece morto e se acha apenas em estado de catalepsia.
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***
 A sympathica empreza do Palace-Théâtre tirante Pitete Carmen e Cyraunez
de Blairgerac, não tem sido lá muito feliz na escolha do repertorio. Depois de duas insignificancias, escriptas sobre a perna por Mr. Chicot, tivemos alli uma Claudine en vadrouille, que os parisienses toleram, provavelmente por lhe faltarem elementos da enscenação que escasseiam na rua do Passeio.
 A peça, um verdadeiro attentado comettido contra a Claudine, de Willy, é
toda escripta em argot e não tem pés nem cabeça.Quer o amigo Cateysson um conselho? Accrescente á sua troupe um corpo de córos, e faça reviver o repertorio do Alcazar. Melhac, Halévy e Offenbach não encontraram ainda quem lhes levasse as lampas. A opereta, mas a  verdadeira opereta, espirituosa e fantasista, póde fazer a fortuna do Palace-
Théâtre.
***
 A Companhia Dias Braga fez, no Recreio, uma reprise do Poder do ouro, e
annuncia para amanhã a primeira representação de um vaudeville intitulado  Lua de mel, o mesmo, creio, que esteve em ensaios no S. José. Esse vaudeville  é de Daniel Riche e Arthur Bernide, dois autores novos em quem nunca ouvi
fallar; a traducção é de Raul Pederneiras.
***
Reservando o Triple patte para depois do Carnaval, a Companhia Lucinda-
Christiano, transferida do Apollo para o Lucinda, acceitou a traducção, que lhe
foi proposta por Luiz de Castro, de uma farça ingleza intitulada o Macaco. Si a peça não fosse ingleza, dir-se-ia, a julgar pelo titulo, e por uma ligeira
descripção que della fez o Jornal do Commercio, tratar-se de uma allusão ao
***
Com quanto perdesse agora um dos seus bons elementos o Machado, que segundo me consta, vae para o theatro do Parque Fluminense representar
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pequenas comedia e cantar cançonetas, a companhia do S. José continúa a ensaiar a revista de Alvaro Peres.
Temos, pois, tres revistas em perspectiva, Berliques e berloques, no Recreio, o Entra, zimpathico! no Palace-Théâtre, e o Casamento do Maxixe, no S. José,
– sem contar com uma revista em actos e uma infinidade de quadros, que o  Paiz cemeçará a publicar segunda-feira proxima, e da qual apparecerá um acto cada mez até janeiro de .
 Aimez-vous la révue? On nous l’a mis partout.
***
Está annunciado para amanhã, no Apollo, com a interessante comedia Quasi!, um espectaculo em beneficio de tres artistas merecedores da sympathia
***
Está convocada para hoje, ás horas da tarde, a assembléa geral da Caixa Beeficiente Theatral, para eleição da nova directoria.
Peço aos meus dignos consocios que não faltem, evitando assim que se gaste dinheiro em annuncios de novas convocações.
 A. A.
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 A companhia Dias Braga, que todos os dias annunciava ter em ensaios a revista Berliques e berloques e a comedia o Dote, pôz em scena, quase que sem
fazer annuncios previos, um engraçado vaudeville em actos, a Lua de mel, que nem por mal annunciado deixou de attrahir o publico e de agradar bastante.
 A peça não prima pela originalidade: entre as mais espirituosas comedias de Labiche ha uma, Les suites d’un prémier lit, representada ha muitos annos, em portuguez, com o titulo a Filha mais velha que o pae, na qual se encontra o germen deste vaudeville, com a differença de que a comedia de Labiche tem
apenas um acto. Não contarei aos leitores por miudo as peripecias desse vaudeville, que aliás
não é dos mais complicados. Imaginem que um compositor, casado com uma senhora que o não póde
arurar, nem elle a ella, divorcia e ausenta-se para longe, deixando uma filha
cuja existencia embryonaria elle ignora.  A menina cresce e casa-se com um official de marinha reformado já
outonico. Esse official de marinha tem um filho natural, de que sua sogra se enamora e com quem se casa, de modo que o rapaz fica sendo sogro do seu proprio pae.
 As situações, a que dão logar esses casamentos, complicam-se pelo facto de não querer o official da marinha revelar á sua esposa que tem um filho natural. O moço passa por ser filho de um militar, tambem reformado, e isto dá logar a alguns “qui-pro-quos” de um comico irresistivel, que produziram muita
hilaridade.  A peça, não sendo feita, aliás, por um vaudevilista de primeira ordem,
como Brisson, por exemplo, mestre dos mestres naquelle genero, tem uma  virtude rar nos vaudevilles: dos tres actos o terceiro é o de mais effeito,
concorrendo para isso a intervenção de um personagem que não apparece nos dois primeiros e faz com que a acção da peça dê uma viravolta muito engenhosa.
Esse personagem é o do compositor divorciado, que volta depois de uma ausencia de dezoito annos. É um typo original, que não falla senão por musica, e diz cantando, a guisa de recitativos de opera, as coisas mais comesinhas,
como por exemplo: “Este presunto está delicioso!” O actor Bragança, sempre muito mal contemplado nas distribuições de
papeis, apanhou esse, que lhe valeu um successo pessoal. Lucilia, na esposa do official de marinha e Helena Cavalier na sogra do pae
de seu marido, deram ambas muito realce á peça, e o mesmo se póde dizer de
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Guilhermina Rocha no papelinho de uma cocotte sem a qual a comedia não teria nenhuma pimenta.
 Alfredo Silva, no official de marinha e Claudino n’um velho marinheiro transformado em criado de servir, satisfizeram plenamente, e Domingos Braga
foi servido pela sua rouquidão chronica no papel do militar que esté sempre constipado.
Ramos, que estuda e tem feito visiveis progressos, interpretou com talento o rapaz que se casa com a sogra do pae. Este actor é ainda novo: se continuar a applicar-se como tem feito ultimamente, póde tornar-se um artista de grande
cotação no nosso meio theatral. Raul Pederneiras traduzio a Lua de Mel sem lhe alterar a graça, e pondo-
lhe alguma da sua, que elle a tem tanto a escrever como a desenhar; mas eu,
no seu caso, não empregaria o vocabulo carona que a capadoçagem carioca inventou para corresponder ao lapin dos francezes. Carona é rebarbativo, principalmente no theatro onde as expressões dessa natureza quase sempre crescem de intenção. Isto não é uma censura: é apenas um reparo, porque, mesmo com isso, a Lua de Mel é um vaudeville que não offende o decoro publico. Não ha camas em scena, nem homens de ceroulas, nem mulheres em
fraldas de camisa. Entretanto, a peça tem agradado muito, proporcionando “boas casas” á Companhia Dias Braga.
***
 A empreza Lucinda-Christiano tem luctado com a peor das difficuldades que perseguem as nossas emprezas theatraes, – a falta de peças.
 A companhia ensaiava ultimamente o Triple patte, de Tristan Bernard, mas não só essa comedia não póde ser representada de afogadilho, como não  valia a pena exibil-a antes do Carnaval. É axioma corrente nos theatros nos theatros do Rio de Janeiro que uma peça cuja carreira é interrompida pelos folguedos carnavalescos fica inutilisada, por melhor que seja. Effectivamente,
a experiencia tem demonstrado que assim succede quasi sempre. De resto, a semana que precede o Carnaval e a que lhe seccede foram sempre consideradas climatericas para o theatro nesta capital. O publico abadona o theatro ou porque se prepara e prepara a bolsa para o Carnaval; ou porque descansa e ao
mesmo tempo repara o desequilibrio orçamentario. Estavam, pois, Lucinda e Christiano sem saber a que santo se pegassem,
quando lhes appareceu, por acaso, Luiz de Castro, que, ouvindo-lhes as
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queixas, disse que tinha em casa uma farça ingleza, engraçadissima, intitulada o Macaco, muito apropriada á época do Carnaval.
Mas não está traduzida, objectou Christiano. Isso é o de menos, respondeu Luiz de Castro; posso traduzil-a em tres dias,
– um acto por dia! Pois então venha o Macaco! Luiz de Castro cumpriu a sua palavra, e em meia duzia de dias o Macaco foi
traduzido, ensaiado e representado. Um verdadeiro tour de force. Infelizmente, essa farça ingleza não correspondeu, como seria justo, a
tanta diligencia e boa vontade. Não é que não seja, no seu genero, o que póde haver de melhor, mas perdeu, nem podia deixar de perder, pelo desempenho, a principiar por Ferreira de Souza, que nunca em dias de sua vida será um
interprete de farças. Nós temos artistas capazes de representar a farça, mas esses artistas não
estão na companhia Christiano-Lucinda. Brandão, Machado e Leonardo poderiam talvez salvar o Macaco. Ferreira de Souza e seus companheiros do Lucinda tornaram-n’o lugubre.
O actor Mendonça representou o papel de protagonista, isto é, do macaco.
***
No São José tivemos o Tim tim por tim tim com os sexos invertidos. O Leonardo, chegado ultimamente de Portugal, representou e cantou os dezoito papeis da Pepa. Gabo-lhe a pachorra.
Não fui ver a nova edição do Tim tim e confesso que essas mascaradas não
me agradam. Theatro é theatro e Carnaval é carnaval.
***
No Palace-Théâtre não houve grandes novidades depois do meu ultimo folhetim. Prepara-se activamente a revista de Chicot e J. Carioca, Entra,
 zimpathico!
O T , //
Como os nossos theatros não nos offerecem hoje materia, visto que os ultimos dias foram exclusivamente consagrados ao Carnaval,fallemos do
theatro argentino. Muita gente ignora que ha tres annos se instituiu em Buenos-Aires o
Theatro Nacional. destinado á representação de peças cujos autores sejam não só argentinos como sul-americanos.
O governo auxilia-o poderosamente, e, nestes tres annos, o Theatro Nacional tem produzido os melhores fructos. Duas das comedias alli
representadas, Jetattore, em actos, de Lafenere, e Em el campo, em acto, de Nicoláo Granada, fizeram grande successo em Buenos-Aires, e foram
traduzidas e representadas com muito agrado na Italia. Os ultimos premios conferidos pelo governo couberam a quatro autores
orientaes: Cione, Ximenes Pastor, Pires Petit e Florencio Sanches.
 André Demarchi, nosso patricio, que ha muitos annos reside no Rio da Prata, é um dos dramaturgos sul-americanos mais apreciados no Rio da Prata. É o autor de peças consagradas, como El enemigo, Hácia la muerte. Un rincon
del passado e outras. El enemigo foi tradizido em italiano e mereceu a honra de ser represento por Ermete Novelli.
 André Demachi acaba de escrever a um amigo, residente nesta capital, dizendo que elle e mais quatro ou cinco dramaturgos estão empenhados em trazer ao Rio de Janeiro a companhia nacional argentina, com todo o seu pessoal e material de scena.
 A companhia poderá emprehender essa viagem de abril ate julho, sendo preferivel que a estréa nesta capital seja a de abril, si nessa data estiver disponivel o S. Pedro ou o Apollo ao menos por um mez.
Essa idéa produzio em Buenos Aires grande enthusiasmo entre auctores e
actores, “y estoy cierto, diz André Demarchi, que después de una estadia en Rio  volverán todos encantados de nuestra patria y tejerán sua alabanzas, siendo ellos, además de autores, periodistas.”
 A vinda ao Brasil de uma companhia dramatica argentina, patrocinada pelo governo do seu paiz, póde ser das mais felizes consequencias para o theatro brasileiro. Os nossos visinhos, não ha negal-o, têm sido estimulo para o
nosso progresso material; quem sabe si os seus dramaturgos e os seus artistas não virão determinar um movimento dos poderes publicos em favor da nossa
arte theatral?... quem sabe si os nossos dominadores não se convencerão de que devemos ter um theatro, não porque o não tenhamos, mas porque os
argentinos o têm?...

***
 A Companhia Lucinda-Christiano está fazendo as malas: volta para S. Paulo, levando comsigo a traducção do Triple-patte. Tão cedo não nos
delicíaremos com essa enacantadora comedia de Triston Bernard.
***
No Recreio continuam as representações da Lua de mel, um dos vaudevilles 
que mais têm agradado ao nosso publico, e no S. José os ensaios do Casamento
do Maxixe.
***
Está marcado para de março proximo futuro o espectaculo em beneficio de Lucilia Peres com uma comedia de João do Rio,em acto, cujo titulo ainda ignoro, e a comedia em actos, o Dote, que escrevi expressamente para a beneficiada. Como se vê, será um espectaculo inteiramente novo e
inteiramente nacional. Espero que o Sr. Presidente da República assista a essa representação. Pelo
***
Falleceu em Paris, o actor Langier, um dos mais talentosos e menos pretenciosos artistas da Comédie-Française, á que prestou relevantes serviços.
 Vio-o represenar ha vinte e quatro annos, quando elle era pouco mais que um menino, e promettia já o insigne artista que se tornou depois de uma laboriosa carreira.
Langier pertencia a uma familia illustre: era neto do grande Arago.
Tinha apenas quarenta e dois annos.  A. A.
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Quand nous serons a dix nous ferons une croix.
 A primeira foi representada uma unica vez, no São José, em beneficio do Leonardo. Intitula-se o Bicho, e está assignada por Assis Pacheco, que a escreveu expressamente para ser exhibida durante a festa de Nazareth, no Pará.
Infelizmente o Leonardo não me mandou um bilhete para a sua festa, de modo que não posso dar aos leitores a minha opinião sobre o Bicho, que,
segundo me disseram, fez rir.  A segunda revista subio á scena ante-hontem, no Palace-Théâtre. Intitula-
se Entra, sympathico!, titulo que foi disputado que nem o vello de ouro, e são
seus autores Mr. Chicot, habitual fornecedor daquelle estabelecimento, e Juca Carioca. Dizem-me que este pseudonimo é de pura fantasia, e que Mr. Chicot, o único autor da peça, não tem que dividir com ninguem os louros da victoria.
Confesso muito á puridade que não comprehendo uma revista de acontecimentos escripta em idioma diverso do que se falla na terra onde taes
acontecimentos se deram; é exquisito que o governador da Bahia, saltando do Comandatuba (é verdade que no largo da Lapa), nos diga: – Ou s’est f... de moi! –, e que um soldado, da nossa policia, grite ás mulheres da rua Senador Dantas: – Fermez vos bouches et vos fenétres!
Emfim, como toda a gente que vae ao Palace-Théâtre sabe, ou julga saber, o francez, o publico diverte-se, rindo-se até de coisas que em portuguez não o fariam rir.
 A revista, cumpre dizel-o, tem scenas e ditos engraçados, e é, talvez, a mais
espirituosa e bem feita de quantas do mesmo auctor tem sido ali representadas. Mr. Chicot está com a mão assentada no genero, cujos effeitos conhece. Um espectador impertinente poderia exigir um pouco mais de cohesão, pois não ha genero theatral que prescinda dessa virtude; mas hoje a revista parisiense é aquillo mesmo, mero pretexto para exhibições plasticas. Desde que haja couplets interessantes, culembourgs, pilheiras e mulheres bonitas que mostrem
tudo quanto a policia lhes consente que mostrem, não se faz questão do resto, e dispensa-se qualquer preoccupação de theatrologo. Já se foi o tempo em que
os Clairvilles, os Siraudins, os Cogniard, etc., escreviam revistas de anno com principio, meio e fim.
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 Entra, sympathico! tem apenas dois actos que de principio a fim se ouvem com agrado, porque a satyra é em geral delicada e branda. A principio irritou- me ver uma senhora que fazia a caricatura da grande actriz Lucinda Simões dançar a dança do ventre, mais cahi logo em mim, reflectindo que os revisteiros
tem o direito da troça e da irreverencia. A propria Lucinda seria a primeira a rir daquella falta de respeito.
Nesta revista ha de tudo, inclusive quadros vivos e cinematographo. Termina a peça com uma bonita apotheose em que apparecem formosas flores animadas. Esse é o unico scenario que presta porque os outros... benza-os
Deus! É para admirar que a empreza do Palace-Théâtre mandasse vir de Paris tão lindas vestimentas, e confiasse a um amador os scenarios. Pois não nos faltam scenographos.
 A musica foi arranjada pelo infatigavel Luiz Moreira, que deu a melhor conta do recado.
O desempenho dos papeis nada deixou a desejar: Mme Aimée Roxane e Mr. Martial foram dois bons compadres; um comico chamado Cadet, que me dizem ser irmão do Fortuné, que deixou a troupe; alegrou muito o º acto representando um alcoolico interessado pelo augmento da população; G.
Untell deu-nos um engraçado Christiano de Souza, muito parecido com o  Vasco de Abreu, o proprio Chicot expectorou com a arte o que tinha a dizer e
a contar o heróe do Comandatuba; e R. Untell teve graça num tio que deseja iniciar o sobrinho nos mysterios da rua Senador Dantas. Do pessoal feminino destacarei Mlles. Danyl, D’Estrelle, Oavenrot, Marnix e Fieder.
Por que, dispondo dessa troupe, a empreza do Palace-Théâtre não se atira á  velha opereta de Meilhac, Halévy ou Offenbach? C’est une idée á creuser...
Entretanto, vejo que com o Entra, sympathico! O emprezario Cateysson tem peça para um bom numero de récitas. O publico applaudio ruidosamente o
auctor e seus interpretes.
***
Não ha nenhuma outra novidade em os nossos theatros: mas amanhã
***
 A companhia dramatica argentina, a que me referi no folhetim passado,
não poderá vir ao Rio de Janeiro em abril, como desejava, porque para essa época já foram tomados o S. Pedro e o Apollo, e não convém outro qualquer theatro.
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***
“A peça que arranjei para a festa de Lucilia Peres, escreve-me João do Rio, não é comedia, é drama.
Chama-se Ultima noite. Podiamos chamal-a Desfecho, si houvesse desfecho
na vida constante. Trata-se de quatro ou cinco scenas em que Lucilia poderá mostrar todos os
seus recursos dramaticos. Apenas. O enredo não sei si o li num compterendu, si num conto qualquer.
O facto é que a minha preoccupação não era fazer uma peça para ter a
impressão do Chic-chic; era arranjar quatro ou cinco scenas em que LuciliaPeres mostrasse os seus dotes artisticos antes de se mostrar no Dote. Ultima noite talvez seja de Lucilia. Será della só, porque muito pouco fez o
grato – João do Rio”
***
Partio ante-hontem para S. Paulo a companhia Lucinda-Christiano, e com ella Italia Fausta, que me deu a honra da sua visita.
 Ainda não a tinha visto de perto,nem lhe fallára nunca. É muito instruida
***
Passou uma nuvem, uma ligeira nuvem, pela Caixa Beneficiente Theatral. Felizmente passou.
É meu successor na presidencia da piedosa associação o actor e emprezario
Dias Braga. Nenhum nome poderia ser lembrado com mais justiça, nem os destinos da Caixa ser confiados a melhores mãos.
Faço votos para que reine sempre entre os meus dignos consocios a mais
doce harmonia, afim de que a nossa modesta aggremiação possa cumprir serenamente o seu programma de amor.
 A. A.
O T , //
Não me parece que Julio Dantas fosse tão feliz, escrevendo a Severa, como escrevendo Morte e o Paço de Vieiras, se bem que esta ultima peça cahisse
redondamente, o que não a impede de ser uma obra forte. Não ha duvida que a Severa tem qualidades theatraes de primeira ordem,
e um bello dialogo; mas aquelle conde de Marialva e aquelle outro fidalgo que o acompanha a Mouraria e lhe leva recados da marqueza, são dois pulhas que me indispõem contra a peça. Não essa indisposição existiria si o autor não me quizesse impingir os seus fidalgos como typos da nobreza luzitana, do “fado
liro” como diz a Severa; mas no º acto, quando o tal Marialva insistio com seu estribilho: “Isto é descer, marqueza?” (arremedo do Non, merci, de Cyrano),
tem a gente vontade de lhe dizer da platéa: – Sim, conde, isso é descer! pelo menos não é subir!
Si o famigerado Vimioso (o Marialva da peça) foi, na realidade, o
traficante, o bate-mulheres e aleijados, o navalhista, o depravado que Julio Dantas nos apresenta, não valia a pena tiral-o da lenda para trazel-o ao theatro, a menos que fosse para apresental-o como um interessante modelo da degenerescencia da velha e gloriosa fidalguia portugueza. Aquelle merece bem a manifestação que lhe faz a Severa, quando na praça de touros lhe atira a
chinella. Entretanto, como a peça agradou ao nosso publico, bem fez a companhia
Dias Braga incluindo-a no seu repertorio, tanto mais que tinha á mão o actor Portulez, o ideal dos Custodias. Isto não representa um grande elogio,
porque o papel é dos taes “papeis feitos”, como se diz em gyria theatral; mas o grande caso é que, depois de ter visto Portulez nesse personagem, o publico difficilmente acceitará outro Custodia. O distincto actor foi muito applaudido, concorrendo tambem para isso ter sido o espectaculo dado em seu beneficio.
 A actriz Luiza de Oliveira, que ganhou honrosos fóros de artista quando substituio a pobre Georgina Pinto e salvou, póde-se dizer, a companhia dramatica de Eduardo Victorino com uma excursão ao sul da Republica, acceitou o papel da Severa sem ter o physico nem o temperamento que o personagem reclama.
Elvira Mendes conseguio luctar com Angela; Luiza de Oliveira, porém, não
nos deu a menor idéa daquelle typo de Michela sentimental. Não lhe quero mal por isso.
Houve no Rio de Janeiro uma actriz muito popular, que no seu tempo seria a beijinho das Severas, mesmo porque sabia, como ninguem, fazer chorar uma
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guitarra. Já todos os rapazes da minha edade adivinharam que me refiro a Herminia Adelaide. Estou a vel-a na scena da tourada do primeiro acto!
Onde está essa velha amiga? No principio do anno passado recebi um cartão, que ella me enviou, dando-me boas fetas, e não lh’o respondi, porque
ninguem me informou seu escondedoiro! Como desappareceu assim, tão antes do tempo, uma artista de tanta popularidade?
 A graça é que Herminia Adelaide, quando Julio Dantas era ainda um fedelho, sonhava com esse papel. – A Severa dava uma boa peça! – disse-me ella mais de uma vez. Mas o que Herminia desejava era um drama: era uma
opereta. O papel do Marialva foi agora desempenhado pelo actor Ramos. É sina
desse personagem ser interpretado no Rio de Janeiro por artistas que não
podem nos dar a visão do athleta, do macho que deve ser aquelle fidalgo. Luiz Pinto e Henrique Alves eram por demais delicados, e agora o nosso Ramos é o mais mimoso dos tres.
José Bento que estava num camarote junto ao meu, criticou-o com uma phrase de gyria que lhe ouvio contar as suas proezas tauromachicas: – Não tem planta. – Não ha nada mais justo nem mais expressivo.
Nenhum dos demais papeis foi sacrificado; póde-se mesmo dizer que o do alquilador, a quem o fidalgo vende por quinze moedas um cavallo cego,
foi perfeitamente interpretado por Alfredo Silva, um artista que vae pouco a pouco perdendo os seus defeitos e crescendo na estima do publico. Demais, elle tem planta para o alquilador.
O drama foi posto em scena com certa preoccupação do pittoresco e da  verdade. A sala da Severa no º acto, está arranjada com muita observação.  Aquelle oratorio, aquella commoda, aquelle bahú de couro, descançando sobre os pés de páo, são suggestivos. Só falta ahi o cheiro da alfazema ou do
***
Ha dias Lucilia Peres, Dias Braga e eu tivemos a subida honra de ir ao
palacio do Cattete convidar o Sr. presidente da Republica para assistir ao espectaculo, exclusivamente nacional, que se realisará sexta-feira, de março, em beneficio daquella actriz, no Recreio Dramatico.
Sua Ex. recebeu-nos com muita bondade, e disse-nos que assistiria ao
espectaculo com sua Exma. familia. Sahimos penhoradissimos.
*** Nos meus dois ultimos folhetins alludi á bella idéa, que tiveram alguns
dramaturgos e artistas do Rio da Prata, de trazer ao Rio de Janeiro a
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companhia dramatica nacional de Buenos Aires, para dar aqui uma série de representações com dramas e comedias originaes.
O principal promotor dessa viagem foi André De Marchi, o festejado dramaturgo que, apezar de residir no Prata ha muitos annos, é nosso
compatriota, filho do Rio Grande do Sul. Elle acha-se ha dias nesta capital, aonde veio combinar os meios de realisar aquella idéa, que encontrará, espero, todas as facilidades e despertará todas as sympathias.
O governo argentino, além de auxiliar a companhia dramatica de Buenos aires, confere aos auctores das melhores peças magnificos premios em
dinheiro, premios cuja importancia tem augmentado de anno para anno. Este anno ha um de dez mil pezos.
Escusado é dizer que esses beneficios officiaes têm produzido o melhor
resultado em favor da arte e da litteratura dramatica. Os bons artistas e bons dramaturgos surgem como por encanto em Buenos-Aires e não arruinam o thesouro argentino, ao passo que no Rio de Janeiro empregam-se milhares de contos na construcção de um theatro monnumental, para uso dos estrangeiros e não se gasta meia pataca em beneficio da arte nacional, que tanto precisa de protecção e arrimo.
 Venham os dramaturgos e artistas platinos! Deus os traga! Talvez sejam elles os padrinhos do nosso theatro; talvez consigam abrir os olhos aos nossos
dominadores, e convencel-os de que o Brasil tem mais alguma coisa que  valorisar além do café.
 A. A.
O T , //
Nas ultimas noites os theatros estiveram desanimados. O Palace foi o unico, benza-o Deus, que funccionou regularmente, graças ao exito do Entra,
 sympathico! A espirituosa revista já esta com umas vinte representações. No Recreio a Severa foi exhibida apenas cinco vezes, o que representa, para
a companhia Dias Braga, um penoso sacrificio de tempo e de dinhero, e no São José continuam os interminaveis ensaios da revista o Casamento do Maxixe na
***
Chegam-me de S. Paulo agradaveis noticias da excursão Lucinda- Christiano.
***
Uma nota funebre: falleceu ante-hontem, nesta capital, o velho actor Moreira Machado, que o nosso publico mal conhecia porque elle pouco se
demorava no Rio de Janeiro. Viajava sempre. Eu, que ha um quarto de seculo escrevo chronicas de theatro, e no theatro
gastei o melhor, talvez, do meu tempo, nunca vi representar esse artista. Dizem-me que revelava muita habilidade em certos papeis.
O pobre Moreira Machado morreu na penuria; teve, porém, á ultima hora,
ao menos a consolação de ver todos os seus collegas empenhados em minorar os seus sofrimentos. Cardoso da Motta angariou, entre os camaradas, alguns socorros para o enfermo, e a matinée do ultimo domingo, no Lucinda, em que
havia tudo, inclusive lua romana entre o Machado (caréca) e o Anchyses Pery, foi em beneficio delle. De nada lhe servio. Lá está o pobre Moreira Machado
debaixo da terra.
***
O Peixoto realisa a sua festa no Recreio, terça-feira proxima. O meu querido collega e amigo Raul, que hontem passou pelo terrivel
desgosto de perder seu velho pae, o venerando Dr. Pederneiras, que todos nós
da imprensa amavamos tanto, escreveu para a festa do popular artista umentre-acto intitulado Palavras... palavras, que será ouvido com muito prazer.
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E mais não digo, porque os beneficios do Peixoto dispensam reclames. Elle tem tantos amigos e admiradores, que poderia contar com uma casa cheia mesmo sem o chamariz de uma peça nova, assignada pelo Raul.
*** Realisa-se amanhã, no Recreio, a festa da actriz Lucilia Peres, com as
primeiras represenações do drama em acto, a Ultima noite, original de Paulo
Barreto, que tanto lustre tem dado ao pseudonymo João do Rio, e da comedia em actos o Dote, escripta pelo auctor destas linhas.
 A Ultima noite são quatro scenas de uma grande intensidade dramatica, a peça é apenas um desenlace, como a Cavelleria rusticana, de Verga, mas interessa profundamente á platéa. O auctor do Chic-chic vae ferir, deante do
publico, uma corda nova do seu instrumento. A historia do Dote já eu a contei hontem, na minha Palestra do Paiz. A idéa da peça foi inspirada por uma chronica de Julia Lopes de Almeida, publicada naquella folha. Sem essa boa leitura, e sem o desejo de acquiescer a um pedido de Lucilia Peres, é provável que eu não tivesse perpetrado mais uma comedia,
porque, como alli declaro, a minha penna pesa uma arroba todas as vezes que pego nella com velleidades de dramaturgo.
Posso afiançar aos leitores que a Companhia Dias Braga recebeu e tratou
o meu trabalho com um carinho que me desvanece. Pondo de parte Lucilia,que vae desempenhar um papel escripto expressamente para ella e que lhe  vae como uma luva, os espectadores apreciarão o esforço de Ramos, Marzulo, Helena Cavalier, Alfredo Silva, Dias Braga, Caudino e Domingos Braga. Deram- me tudo quanto me podiam dar.
Portulez ensaiou a peça amorosamente, com a preoccupação da verdade e
dos effeitos da scena. Dias Braga, o emprezario a quem nunca dei, como tenho dado a outros,
dinheiro a ganhar, mas sempre me penhorou pela maneira fidalga com que insiste por trabalhos meus, e pelo capricho com que os apresenta ao publico. Dias Braga, como a Companhia, organisada em associação, não podesse fazer
grandes gastos, tomou a si, espontaneamente, a despeza dos scenarios, e encomendou-os a Chrispim do Amaral. Com que palavras poderei pagar esse gesto do velho artista?
O artigo do Paiz, em que narro a historia da comedia que amanhã será
representada em presença do Sr. presidente da Republica e de uma sociedade escolhida, termina por estas palavras, que transcrevo, desejoso de lhes dar toda a publicidade possivel:
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“Inspirado pela nossa primeira prosadora, escripto expressamente para a nossa primeira actriz, o meu pobre trabalho merece, talvez. um pouco da attenção e da sympathia que para elle solicito com a consciencia tranquilla e satisfeita de um homem que não está desilludido... nem gasto.”
 A. A.
O T , //
Confesso-me penhorado pela maneira porque a minha comedia o Dote foi recebida pelo publico e pela imprensa, e não tenho expressões para agradecer
o carinho com que a trataram os artistas da companhia Dias Braga, inclusive Portulez, que foi um ensaiador incansavel.
Quando publiquei a Fonte Castalia, offereci o volume á nossa primeira actriz, com essa dedicatoria: “A Lucilia Peres, com muita pena de não lhe haver ainda escripto um papel digno do seu talento.” Agora, já não posso, creio, dizer a mesma coisa: Lucilia tem no papel de Herriqueta uma das suas
creações mais notaveis, e espero que daqui em deante não lhe faltarão ensejos de se apresentar ao publico n’outros papeis brasileiros que ainda mais a
recommendem.  A representação do Dote me encheu de jubilo, não por ter sido, como dizem
amigos e indifferentes, um triumpho, mas porque provei que nesta questão de
theatro não sou apenas um theorico, um declamador, pois demonstrei, com um exemplo arrancado ao meu proprio esforço, que não ha razão para descrêr do resurgimento da nossa arte, que não ha razão para pôr escriptos no theatro no Theatro Municipal e alugal-o a estranhos, como si não tivessemos o que metter lá dentro.
O verdadeiro theatro ahi está; fiquem sabendo os meus compatriotas que tambem eu posso fazel-o, embora as circumstancias ambientes me tenham feito seguir outro rumo. Tambem eu posso fazel-o, e, melhor, muito melhor que eu, toda essa mocidade litteraria que ahi surge brilhantemente, apercebida
para o combate. É nella que confio, é ella a unica razão de ser da minha propaganda em prol do Theatro, cada vez mais inflammada, cada vez mais enthusiastica e sincera.
 A essa mocidade pertence, entre tantos outros, Paulo Barreto, que conta
menos da metade dos annos que eu conto. Que bella amostra do seu talento de dramaturgo é essa Ultima noite, quatro scenas maravilhosas de vibração e de nervo!
Não me sinto velho, graças a Deus, mas é principalmente para os moços que trabalho, pedindo aos nossos dominadores um Theatro, que seja a expressão mais flagrante e mais civilisadora do pensamento nacional.
O chefe da Nação, que assistia ao espectaculo, deve ter sentido, no fundo do seu espirito bem cultivado, que não peço um impossivel, que não corro atrás
de uma utopia, que não sou um visionario nem um maluco... ***
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Os demais theatros nenhuma novidade nos deram. No Palace-Théâtre a revista Entra, sympathico! ganhou novo alento graças a
***
Encontrando-me com a Pepa, fiquei muito admirado por ella me dizer que
deixou de fazer parte do elenco do São José, e mais admirado fiquei quando accrescentou que seu desligamento daquelle theatro foi devido a uma conversa que tivemos na Avenida e eu reproduzi num dos meus folhetins.
***
No meu ultimo folhetim recommendei aos leitores a festa do popular Peixoto, que se devia realisar ante-hontem, no Recreio.
O espectaculo foi, por justos motivos, transferido para segunda-feira, ,
***
Um dos ultimos correios de Lisboa trouxe a noticia de ter alli fallecido o dramaturgo e emprezario Salvador Marques.
 Affirma a Carteira do artista que elle era, talvez, o homem mais extraordinario e original que tem apparecido no theatro portuguez, mas infelizmente não diz porquê. “Reservo-me para tratar largamente do Salvador
Marques, accrescenta Souza Bastos, noutro livro que trago entre mãos.” Esse
livro não appareceu ainda. Salvador Marques frequentou a Escola de Medicina até o terceiro anno;
abandonou o curso por lhe ter morrido o pae, e lhe ser preciso tomar conta da
casa paterna.  A sua vocação de dramaturgo revelou-se entre amadores, e a sua peça
original de mais successo e de maior merecimento, os Campinos, só foi representada num theatro a valer depois de o ter sido num theatrinho particular.
Esses Campinos, foram exhibidos no Rio de Janeiro por uma companhiadramatica de que era emprezario o actor Simões, que os trouxe de Lisboa.
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 Além dessa, deixou Salvador Marques outras originaes, como Fome e
honra, Santa Quiteria, etc., e grande numero de adaptações, imitações e traducções, sendo algumas de valor.
Foi tambem livreiro e editor: publicou livros, fundou jornaes e revistas;
mas a sua paixão dominante foi sempre o theatro, e por isso deu muitos annos á profissão de emprezario.
Diz Sousa Bastos que havia nelle duas entidades, uma de um raro bom senso, com admiraveis theorias sobre a arte, artistas e administração theatral, e outra que era a negação da primeira, e o levou a commeter, como emprezario,
toda a sorte de disparates. Para justificar essa opinião, Salvador Marques ha alguns annos deixára de
ter empreza, e arrastava uma existencia penosa, vivendo de beneficios. Estes
não lhe faltavam, porque toda a gente nos theatros de Lisboa lhe queria bem, e agora não faziam mais que elle fizera quando tinha dinheiro e saude.
Salvador Marques morreu aos annos de edade.  A. A.
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O T , //
Depois do meu ultimo folhetim nenhuma novidade houve em os nossos theatros, a não ser dois actos: Palavras... palavras, de Raul Pederneiras no
Recreio, e Le vieux, le melon et le rat, no Palace-Théâtre. É pouco, é muito pouco, mesmo neste mez ingrato de março, o mais quente dos mezes cariocas.
Não fui ao Palace-Théâtre, cuja empreza entendeu que não valia a pena convidar a imprensa por tão pouco. Parece, por uma noticia publicada nesta mesma folha, que o amigo Cateysson acceitou o meu conselho, e mandou contractar em França uma companhia que nos dê a velha opereta parisiense,
o repertorio, sempre novo, de Offenbach. Si assim é, antecipo-lhe os meus parabens, porque toda a população irá ao Palace-Théâtre, attrahida pelo alegre
 flon-flon que fez as delicias da nossa juventude.  Ao Recreio fui. Palavras... palavras não chegam a ser uma peça, mas um
dialogo, e um dialogo escripto para ser representado uma unica noite, em
beneficio de um artista querido. O autor fez aquillo sobre o joelho, não com a penna dos seus bellos versos lyricos, mas com o lapis das suas caricaturas. Dois traços e nada mais. Peixoto e Guilhermina Rocha sopraram, a brincar, essa bolha de sabão que se desfez no ar, quando subia, e os espectadores acceitaram a peça como um simples pretexto para o beneficiado (elle, o Peixoto) apparecer
***
Naquelle theatro continuam em scena a Ultima noite e o Dote, que só tiveram uma representação infeliz, não alli, mas no S. Pedro de Alcantara, formando o espectaculo dado em homenagem ao general D. Julio Roca, que lá não foi, nem mandou dizer que não ia, comquanto estivesse annunciado que a
festa só cemeçaria quando elle chegasse...
O espectaculo, que não deveria começar nunca, principiou ás dez horas, e acompanhia Dias Braga mandou levar, num automovel, á residencia do general argentino, as formosas flores que deveriam ser entregues, no camarote, á S. Ex. e á sua familia, se lá fossem.
Hoje no Recreio, não no S. Pedro, realisa-se outro espectaculo em homenagem, não a nenhum hospede illustre, mas à Imprensa fluminense, que tão credora se tornou da gratidão da companhia Dias Braga e dos autores da Ultima noite e do Dote.
Naturalmente os meus collegas de imprensa não brilharão pela ausencia,
como o festejado estadista.
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O espectaculo será honrado, espero, com a presença do Sr. prefeito do Districto Federal, em cujas mãos está, como diz hoje o Paiz, o destino do Theatro brasileiro.
Tratando-se do Dote, perdoado me seja encaixar aqui um pequeno reclame.
 A comedia está sendo impressa pelos srs. M. Piedade & C., livreiros que ha dias se estabeleram á rua da Assembléa, e farão, com ella, a sua estréa de editores.
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Os ultimos correios da França trouxeram a noticia do fallecimento de
William Busnach, escriptor theatral que trabalhou durante mais de quarenta
annos, e fez representar centenas de peças nos theatros de Paris.  A opereta foi o genero mais cultivado por Busnach, que forneceu alguns
bons librettos a Litolff, (Lembram-se do de Heloise et Abélard? É delle),
Offenbach, Lecocq, Vasseur e outros compositores; mas ha de tudo na sua bagagem, desde o melodrama do Ambigu até a revista ligeira do Palace Royal.
Busnach tinha, inconstestavelmente, muita habilidade e muito espirito, mas as peças que lhe deram mais nome foram não as que elle inventou, mas as que extrahio dos tres romances de Zola, L’assommoir, Nana e Pot-Bouille.
 As duas primeiras foram representadas em portuguez no Rio de Janeiro, e agradaram muito, principalmente L’assomoir, que fez, aliás, successo no mundo inteiro. Nessa, como n’outras adaptações, Busnach deu provas reaes do seu engenho.
Elle morreu velho, pois caminnava para os oitenta, e havia já dez annos que
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Por um telegramma de Paris, publicado pelo Jornal do Commercio, sabe-se ter ali fallecido, a do corrente, o famoso emprezario americano Mauricio Grau que, associado ao seu collega e compatriota Abbey, levaram a New York as maiores companhias de opera que alli tem estado, e inauguraram as grandes
excursões artisticas inter-occeanicas. Grau e Abbey trouxeram ao Rio de Janeiro, em , uma grande
companhia de opera-comica e opereta franceza, em cujo elenco figurava, como principal estrella, Paola Marié. Foi essa companhia a primeira que cantou aqui a Carmen, e justiça é dizer que a obra-prima de Bizet, de então em deante
executada exclusivamente por artistas italianos, nunca mais teve entre nós interpretação mais completa e mais agradavel.
Entretanto, o que assignalou profundamente a passagem da companhia
Grau e Abbey, no Rio de Janeiro, foi a primeira e unica representação da  Mascotte.
Nesse tempo havia o Conservatorio Dramatico, e este, que andava a descobrir obscenidades onde não as havia, prohibio no º acto da Mascotte  o emprego da palavra vinaigre, na qual suspeitára um trocadilho torpe que Chivot e Duru não imaginaram, nem imaginaria jámais nenhum escriptor
parisiense. O actor, que devia supprimir essa palavra, tão habituado estava a
proferil-a, que, no momento, não se lembrou da prohibição. No dia seguinte a peça, que agradára á propria familia imperial, foi implacavelmente interdicta.
Mauricio Grau jurou aos seus deuzes nunca mais pôr os pés numa cidade
onde as emprezas theatraes se expunham a taes desastres, e cumprio o  juramento...
 A companhia deixou-nos uma recordação viva, que ainda ahi está: a actriz Blanche Grau, que adoptou como nome de guerra o nome do famoso
emprezario, fellecido ha dias.
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Foi, afinal, representada no Lucinda, pela companhia Francisco de Souza, a annunciadissima revista de Alvaro Peres e Pedro Augusto O casamento do
 Maxixe (na casa da Suzana), e o resultado não poderia ser melhor, pois que o theatro ficou repleto na primeira recita, e depois disso tem tido algumas
enchentes. Os auctores, já experimentedos noutros trabalhos originaes, não
queimaram as pestanas para engedrar a nova peça, que é, como elles proprios a classificaram, uma revista das revistas, lembrando scenas e aproveitando typos
conhecidos; entretanto nesse mesmo aproveitamento ha certa originalidade, e algum engenho houve na concatenação geral da peça.
O que falta ao Casamento do Maxixe é dialogo, são ditos adequados áquelle genero de theatro, mas esse é um defeito da maioria das revistas que se representam no Rio de Janeiro. Os numeros de musica succederam-se com
ligeiras intermitencias, e o maxixe victorioso invasor, toma o logar do dialogo. O publico, e até certo ponto isso desculpa os auctores, parece que concorda
com esse processo: durante a primeira representação do Casamento do Maxixe, a platéa parecia mais satisfeita todas as vezes que o Paulino de Sacramento, regente da orchestra, dava signal para um novo numero. Os musicos não
descansavam.  Acompanhando, naturalmente, as exigencias do libretto, a partitura
é tambem uma revista das revistas; teve, todavia alguns numeros novos habilmente compostos pelo referido Paulino do Sacramento, merecendo
especial menção o bonito concertante com que termina o º acto, e que foi muito bem cantado graças á Cezanna e a um bom corpo de córos.
 A revista foi valentemente defendida pelos principaes artisas, destacando- se no primeiro plano um excellente quartetto, formado por Maria Lino, Colás,
Leonardo e Leite. Maria Lino desempenha o papel de mulata do “Vem cá, mulata”; é com
ella que se casa o Maxixe em casa da Suzanna, representado, felizmente para Suzanna, que deve estar satisfeita, pela graciosa Pepita Anglada, agora pouco mais nutrida, mas sempre salerosa.
Maria Lino põe em evidencia nesta revista, mais do que outra qualquer,
os seus talentos de maxixeira, aos espectadores intelligentes e de bôa fé, principalmente aquelles que a viram figurar na Sorte, de Capus, ao lado de
Lucinda, dá pena que não tenhamos um theatro que aproveitasse melhor esse interessante pedaço de gente, visivelmente nascido para o theatro.
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Leonardo faz valer no papel do Maxixe a sua poderosa instituição comica, Colás, sempre moço, põe ao serviço da peça, no papel do Esfolado, toda a sua exuberancia de nortista, e Leite apresentando varios typos, confirma o bom  juizo que todos fazem de suas aptidões.
Figuram na revista ainda outros actores, como Franklin Rocha, Pedro  Augusto, João de Deus, etc., que dão todos muito boa conta do recado.
Therezinha Chiarini dansou com arte diversos bailados, entre os quaes um minuete que o publico deveria applaudir si fosse justo.
 Alguns scenarios são bons, e as apotheoses de muito effeito; mas é
indesculpavel que, passando-se um dos quadros no Sumaré, exhibissem uma scena velha, que nem por sonhos faz lembrar aquelle sitio da moda. Bem pintado, bem reproduzido, o Sumaré, com o seu incomparavel panorama,
daria muita importancia á revista. Bem sei que os tempos andam bicudos, mas ahi está um caso em que a despeza seria largamente compensada.
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Tive o prazer de assistir ao concerto dado no S. Pedro de Alcantara, por D. Francisco de Souza Coutinho, mais conhecido por “Chico Redondo”.
Não me lembra ter ouvido nunca uma voz de barytono mais possante nemmais agradavelmente timbrada; entretanto, não seria grande merecimento possuir essa voz excepcional, si o cantor não a tivesse educudo e não soubese fazer uso della.
Elle é um artista completo. Entre as peças do programma houve uma romanza portugueza em que foi
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No Recreio continuam em scena a Ultima noite e o Dote.
 A recita do auctor desta ultima peça está marcada para a proxima terça- feira.
Nessa noite, além do Dote, será representada a comedia inedita em I acto,
o Oraculo, escripta pelo mesmo auctor para a pobre Georgina Pinto, que a estudava quando adoeceu e morreu.
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No Palace-Théâtre, além de outras novidades não dramaticas, tivemos um engraçado vaudeville de costumes militares, Une nuit de manoeuvres, que ainda se conserva em scena.
Encontrando-me ha dias com o actor-auctor Chicot, este me confirmou a noticia de que o emprezario Cateysson estava resolvido a contractar uma companhis de opereta franceza para o Palace-Théâtre, e accrescentou que elle, Chicot, partia brevemente para a Europa, encarregado daquelle contracto.
 Ainda bem.
*** O emprezario Silva Pinto organisou uma companhia tendo como principaes
elementos Pepa e Brandão. Essa companhia, que funccionará no S. José, fará depois d’amanhã a sua
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 Vae começar a invasão estrangeira.
Batem-nos á porta duas companhias italianas, uma de opera, a companhia Milone, que trabalhará no Apollo e no S. Pedro alternadamente, e outra de
opera-comica, a companhia Vitale, que trabalhará no Lyrico.  A. A.
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Escrevo estas linhas de volta do espectaculo de estréa da Companhia Lyrica Italiana, trazida pelo emprezario Milone.
 Antes de mais nada, communicarei aos leitores que as velhas cadeiras do Apollo, tão incommodas, foram agora substituidas por outras, de braços
e com os assentos moveis. Não sei si o barytono Chico Redondo ficará bem accommodado numa dessas cadeiras; eu não tive que me queixar da minha; e sou dos mais górdos, embora não seja redondo. O publico ficou bem satisfeito com esse melhoramento, e agora espera que os proprietarios dos demais
theatros imitem o Apollo. Da opera nada tenho a dizer senão que me parece cada vez mais bella: foi a
 Manon Lescaut, de Puccini. Os dois personagens principaes, Manon e Des Grieux, foram interpretados
pela prima-doua Aida Alloro e pelo tenor Innocenti, ambos nossos conhecidos,
os quaes não perderam nenuma das qualidades, que lhes valeram já os nossos applausos. Creio mesmo que Innocenti voltou com mais voz.
O sargento Lescaut foi um barytono que teve a pachorra de se chamar Novelli e noutro papel se mostrará digno deste nome, e o baixo Medosi deve ficar tambem reservado para uma opera que lhe forneça melhor ensejo de se
exhibir. O tenor comprimario Pietro Paggi merece menção honrosa, e o barytono
Cellini applicou ao papel do mestre de dansa, no º acto, os processos comicos do actor Gravina da companhia Vitale. Foi pena.
O corpo de coros não é mau, e a orchestra, muito bem dirigida pelo regente  Anselmi, tambem nosso conhecido, portou-se discretamente.
 A enscenação é modesta, mas limpa. Escusado é dizer que o theatro estava completamente cheio. O publico
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 As duas companhias de opera-comica e opereta, italianas, que gozam de melhor fama são a companhia Marenetti e a companhia Vitale.
 A companhia Vitale cá está; a outra provavelmente não virá nunca ao Rio de Janeiro, á vista da indifferença com que a sua emula foi recebida pelo nosso publico.
Essa indifferença não póde ser mais injusta, porque a companhia Vitale, diga-se a verdade, não usurpa a reputação de que veio precedida. Traz
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excellentes artistas, magnifico repertorio, esplendidos scenarios, enscenação deslumbrante. Desta vez não é favor a applicação desses adjectivos tão barateados.
Dizem que seu erro foi se ter installado no Lyrico. O emprezario Cateysson,
que a contractou, convenceu-se de que era aquella a sala que mais lhe convinha e fechou o Palace-Théâtre. É, pois, provavel que a companhia Vitale se transfira para a rua do Passeio, onde encontrará, talvez, a fortuna que lhe não sorrio ainda na Guarda-Velha.
 Até hontem deu a companhia as seguintes peças: Geisha, La bella
adormentata, Il Topolino bianco e Dona Juanita. Como não tenho o dom da ubiquidade, só vi e ouvi as duas primeiras.
 A Geisha é um deslumbramento como enscenação, e pode-se affirmar que a
linda partitura de Sidney Jones nunca foi tão bem executada no Rio de Janeiro.  A prima dona Rigutini, que que tem bellisima voz, deu extraordinario valor
á parte da protagonista, e Giselda Morosini, que vei de S. Paulo consagrada, como graciosa, é mais do que isso: é uma artista completa no genero opereta. Deve ser preciosissima na Bonecá, annunciada para hoje.
 A notar ainda na Geisha o tenor Baznolli, e o tenorino Silvani, além do
actor Farri, artista provecto, e do comico Gravina, turbulento e exuberante como todos os comicos italianos quando representam a opereta, e que só nos
desgosta quando enxerta nos seus papeis annuncios e chalaças que lá não estão.
 La bella adormentata é, supponho, a ultima partitura de Lecoq. Ninguem,
si não fosse o annuncio, descobriria ahi o incomparavel compositor do Petit
duc, da Petite marié , do Le jour et la nuit, de Giroflé-Giroflá, e, principalmente, daquella obra prima que se chama La fille de Madame Angot. Lecoq nasceu em e não tem a fibra de uma Auber ou de um Verdi.
O libretto é positivamente massador; mas como não conheço o original,
nenhuma carga farei a Duval e Vanloo. Os traductores italianos têm a mania de emendar os librettos francezes, mesmo quando assignam Meilhac e Halévy. Póde ser que La belle au bois dormant tenha sido desfigurado.
Entretanto, a peça, graças aos scenarios e ás vestimentas, é um prazer
para os olhos, e tambem para os ouvidos, graças á Morosini e á Regutini, já mencionadas, – a outra boa cantora, L. Labroz, muito interessante n’um travesti
militar, – e ao exellente barytono Schottler. O artista Farri, consegue agradar n’um papel de rei da opereta absolutamente manqué , e Gravina é um ridiculo
 Prince Charmant, que mantém, pelo próprio esforço, a hilaridade da sala. Estou informado de que o Topolino bianco e a Dona Juanita não destoaram.
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 A companhia Silva Pinto, que inaugurou os seus espectaculos, no S. José, com uma reprise do Rio Nú, apanhou tres enchentes com a feliz revista de Moreira Sampaio, e mais tres apanhará sabbado e domingo proximos.
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No Recreio tivemos uma comedia nova, em um acto, o Oraculo, da qual não me compete falar, por ser escripta por mim.
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No Lucinda continuam as representações do Casamento do Maxixe, que vae
fazendo sua obrigação.  A. A.
P.S. – Para satisfazer a innumeras perguntas, que me têm sido feitas epistolarmente, declaro que a comedia o Dote foi publicada e posta á venda pelos Srs. M. Piedade & C., proprietarios da interessante revista O Theatro, e da livraria Luzo-Brasileira, ultimamente estabelecida na rua da Assembléa. Não digo o numero, porque o meu amigo Waddington, director-caixa da Noticia,
não m’o perdoaria – A.A.
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 A companhia lyrica Milone firmou ante-hontem seus creditos com a representação do Rigoletto.
O barytono Viglione Borghese, que já tinha dado muito boas provas de si no Amonasro, da Aida, foi incontestavelente, quer como cantor, quer como
actor, um dos melhores Rigolettos que ainda se exhibiram no Rio de Janeiro; a prima-dona Zwelfer foi uma Gilda digna daquelle pae, e disputou com elle, valentemente, os applausos do publico. O tenor De Neri, que não tem uma grande voz mas sabe fazer o melhor uso da que tem, foi egualmente
applaudido, e bem assim a contralto Marenzi, uma bella Magdalena. O baixo Medosi (Sparafucile) não destoou do conjuncto. Foi esse o melhor dos
espectaculos até hoje realisados pela comapanhia Milone.  A Aida não provocára grandes enthusiasmos, comquanto nada se tivesse
que dizer contra as primadonas David e Linari, Aida e Amneris, nem contra o
tenor Bialeto, um Rhadamés muito acceitavel. Viglione Borghese, já eu o disse, foi um bom Amonasro, e ao papel de Ramfis, o sacerdote, Cirino revelou-se um magnifico baixo cantante.
No emtanto, alguma coisa faltou á Aida... Que foi? Não sei. A representação peccou, talvez, pela inferioridade da enscenação ou dos córos. Aquella é
uma opera que para produzir o desejado effeito, precisa de uma absoluta homogeneidade entre os varios elementos do espectaculo. Apezar disso, o publico tem mostrado que a Aida é uma das suas partituras de predilecção; já a ouvio tres vezes.
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Tinha eu razão quando aconselhava á companhia Vitale a transportar-se doLyrico para o Palace-Théâtre. A D. Juanita e a Geisha, a Geisha principalmente, produziriam outro effeito na rua do Passeio, e fizeram com que o publico affluisse ao theatro.
 A Boneca, de Audran, deixou a platéa um pouco fria. Essa opereta, que não é as melhores do auctor da Mascotte, já tem sido aqui cantada e representada em melhores condições. A Morosini estava muito bem no papel de Alesia, mas o Gravina pareceu singularmente deslocado no de Lancelot, que reclama um bonito rapaz e uma voz de tenorino. Os demais artistas nada fizeram que se
tornasse digno de menção especial.
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 A companhia desforrou-se ante-hontem, alcançando um verdadeiro triunpho com Il viaggio della sposa, opereta franceza de Paul Ferrier e Maurice Ordonneau, musica de Edmunf Diet.
 A peça original, Le voyage de la mariée, foi, pela primeira vez, representada,
não em Paris, que não a conhece ainda, mas em Bruxellas, no theatro das Galeries-Saint-Hubert.
Trata-se de uma rapariga requestada simultaneamnete por um toureiro e por um negociante de vinhos. O tio, para dissuadil-a do toureiro, que ella prefere, faz inserir num jornal a falsa noticia de que elle esposára a marqueza
de Porto-Xerez, e a rapariga, por despique, immediatamente, casa-se com o outro. Mas, de volta da mairie, ella vem ao conhecimento do embuste de que foi victima, e foge com o toureiro.
 A peça consiste na perseguição dos fugitivos, e desenrola-se em quatro actos e não sei quantos quadros, cada qual mais pittoresco e variado.
Descobre-se, afinal, que o toureiro é sobrinho de um millionario do Oriente, e que o casamento está nullo, porque o maire, tendo muito medo ao ar encanado, mandou fechar as portas da mairie, durante a cerimonia.
 A musica é de Edmond Diet, compositor de nomeada em França, discipulo
de Cezar Franck. Não é um moço: tem mais de annos; sua partitura, porém, é cheia de mocidade e filia-se á tradição de Offenbach, não sendo essa, aliás, a
propensão artistica de Edmond Diet. As suas grandes qualidades de compositor revelam-se nalguns trechos, principalmente numa delicada romanza do º acto.
O final do º acto, uma especie de transcripção do Coke-Walk, tocando em surdina e finalisando num crescendo extravagante, é de um grande effeito comico-musical.
O papel da mariée foi desenpenhado pela Morosini com muita graça e
muita vivacida