fragmentos cronicas urbanas

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Page 1: Fragmentos cronicas urbanas

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Page 2: Fragmentos cronicas urbanas

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F R A G M E N T O S

CRÔNICAS URBANAS

ECOBUENO

ECO

Page 3: Fragmentos cronicas urbanas

3

Inquietante é a vida! As observações diárias

afirmam isso. Ainda mais numa cidade onde o corre-

corre, esse afã diário de chegar a nenhum lugar, nos

dá a sensação de vazio.

.Uma cidade que muitas vezes nos parece

angustiante, inquietante, tanto quanto encantadora e

que revela sua alma nos personagens que vão

compondo sua paisagem, os seres.

Para uns pode parecer carrancuda, para

outros apenas um espaço impessoal, mas para

muitos é encantadora, cheia de histórias. Meu caso.

Edson Bueno

Page 4: Fragmentos cronicas urbanas

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Há dois tipos de memória visual: aquela em que, de

olhos abertos, recriamos com habilidade uma imagem no

laboratório da mente (...); e a outra em que, de olhos fechados,

instantaneamente projetamos sobre o escuro interior das

pálpebras a réplica objetiva e absolutamente fiel ao rosto

amado, um pequeno fantasma em cores naturais (...)

Vladmir Nabokov (Lolita)

Page 5: Fragmentos cronicas urbanas

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Sumário

Art of Love ............................................................................................................. 6

Be(ll)atriz ............................................................................................................... 8

Cardápio Instantâneo ........................................................................................ 10

Dom de Existir .................................................................................................... 12

De La Musique .................................................................................................... 13

De Repente! ......................................................................................................... 15

Garrafas ao Mar .................................................................................................. 17

Oásis Primaveril ................................................................................................... 19

Porque Morremos ............................................................................................... 21

De Menina a Mulher ........................................................................................... 24

Ação do Tempo .................................................................................................. 26

Um Ser Especial ................................................................................................. 27

Anjo Existe? ........................................................................................................ 28

Carnaval ............................................................................................................... 30

O Peso da Intolerância ...................................................................................... 31

Homens de Marte, Mulheres de Vênus ............................................................ 33

Tudo Novo, de Novo .......................................................................................... 35

Flashes do passado ........................................................................................... 37

Urbanos ............................................................................................................... 39

Eles revelam ........................................................................................................ 41

Page 6: Fragmentos cronicas urbanas

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Art of Love

É mês de Junho, e no Brasil dia 12 se comemora o Dia dos Namorados, uma

data que faz lembrar que, apesar de parecer um tema tão batido, ainda é

renovável, ambíguo, feito o viver; o amor.

Iluminados como Buda, Jesus Cristos, Maomé, Gandhi, Madre Tereza, Kardec,

Martin Luther King, entre tantos, tiveram suas lições ligados ao amor. E esse

sentimento que além de ter sua definição clássica, também significa procurar o

melhor de cada ser.

Erich Fromm, psicanalista, destaca em seu livro A Arte de Amar, que: “o amor é

a única resposta sadia e satisfatória para o problema da existência humana”-

pena que nem todos veem assim. O poeta Carlos Drummond de Andrade em

Amar se Aprende Amando, reforça: “amor, a descoberta de sentido no absurdo

de existir”.

No filme O Amor é Contagioso, o personagem Patch Adams, ensina-nos que o

grande antídoto para as enfermidades, é o amor. Sim, o carinho e o afeto,

substitui muitas vezes, a frieza dos hospitais. Na musica, Amadeus Mozart,

compositor clássico, disse: “nem uma inteligência inusitada ou grande

imaginação, nem ambas juntas fazem um gênio. Amor, amor, amor é alma do

gênio”. Camões em Sonetos de Amor, diz que: “Amor é o fogo que arde sem se

ver/ É ferida que dói e não se sente”. Genialidade em prol de um sentimento

maior.

Apesar de ser tema tão repetido, ainda assim se renova, é o veio central da

vida. Acredito que é o sopro da criação, dá-nos a forma e a emoção. Gabriel

Garcia Marques, o Gabo, em Memórias de Minhas Putas Tristes, revela que o

amor é essencial na maturidade; escreveu: “O sexo é o consolo que a gente

tem quando o amor não nos alcança”.

Page 7: Fragmentos cronicas urbanas

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Mas tem os que encaram o amor de outra maneira. “(..) é o que há de mais

trágico no mundo e na vida; o amor é filho do engano e pai do desengano”.

Adverte o poeta Miguel de Unamuno. No filme 2046-Segredos de Amor, o

cineasta chinês Wong Kar, mostra-nos, em sua visão que amor verdadeiro é

impossível. Sendo assim, só o amor impossível é o verdadeiro amor, o parcial

existe e nos excita, a única possibilidade humana é a incompletude.

Aquilo que sei sobre o amor – apesar de não ser o interlocutor ideal devido

meu anonimato – é que, mesmo que pesem a opinião desses brilhantes

autores a favor ou contra, ainda assim, só ele tem a chave para desvendar o

mistério da existência humana e vencer a morte.

O amor vai além da possibilidade da revolução a dois, não está restrito aos

casais, existem muitas formas de amar. É só prestar atenção que ele se revela.

“Se tiver o amor, jamais morrerá de sede no mar da vida”, disse o poeta.

Por tudo isso, essa data seria uma das mais representativas, se não fosse por

uma questão meramente humana e atual. Tudo, hoje em dia beira o

imediatismo. Quem celebra o verdadeiro amor, num tempo em que os valores

parecem perdidos em meio às banalidades?

Nessa data, muitos correm para comprar um presente, mas não se dão conta

que o presente maior é saber que a cada dia ele, o amor, se renova e se faz

presente nos mais variados temas e formas do viver. Como escreveu

Shakespeare “O amor, não se vê com os olhos, mas com o coração”. Por isso,

eu simplesmente amo.

ecobueno

Page 8: Fragmentos cronicas urbanas

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Be(ll)atriz

A manhã de um domingo ensolarado anunciava o que estava por vir. No teatro,

quando as cortinas descerraram e as luzes ascenderam, no palco se revela,

doce, leve, encantadora, emanando seu feixe de luz, a bela menina-bailarina.

A música irrompe, ecoando no ar e, segura de si, ela se equilibra sobre o

pedestal de suas pequeninas sapatilhas rosa, com pliés, croisés, elevés, e

meias-ponta, transforma o clássico em lúdico e a competição flui; agradável

brincadeira. Gestos cândidos, meigos, serenos, desliza firme, imperiosa, altiva;

se integra ao cenário, soberana. Centelha divina!

Seu figurino: alegria e dedicação, composto de movimentos em perfeita

harmonia, graciosidade, equilíbrio, Adagio. Os adereços: elegância, perfeição e

pleno domínio do corpo e dos pés, Aplomb. Resultado da fusão, corpo e

musica; o ballet.

Menina, Allegro, de tantos encantos, sua tenra idade não a impede de bailar.

Ela destoa dos demais concorrentes, faz de sua apresentação uma diversão e

nos leva ao estado de êxtase, pura emoção, denunciado no arrepio da pele e

nos olhos marejados.

Sozinha no tablado - sem minhas mãos para amparar - não se assusta, pois

não está só, afinal ali é o seu espaço, seu mundo, se sente a vontade para

revelar o grande domínio de quem, mesmo sendo sua primeira vez

competindo, nasceu para dançar, trazer alegria, encantar e fazer o público

sonhar.

Além dos expectadores, há a banca de jurados composta por bailarinos e

coreógrafos – com experiência internacional - o que torna sua tarefa mais

seletiva e árdua. Mesmo que fosse só uma apresentação lúdica e

descontraída, já seria sublime, porém o peso de estar ali, sendo observada por

tantos olhos atentos faz dela, apesar da pouca idade, um ser de brilho único.

Page 9: Fragmentos cronicas urbanas

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Traz em mim a doce lembrança de um tempo mágico, sua chegada. Hoje, no

palco é só ela e sua majestosa dança. Com o dom que lhe é peculiar, numa

apresentação brilhante, transforma o sonho em realidade, fantasia em verdade.

Não poderia ser diferente, superando todas as expectativas e os concorrentes,

ganha o merecido prêmio com seu solo.

Sua alegria leve, iluminada e segura, impressiona e revela a raridade do seu

talento de atriz. No palco a bailar, desfilando seu encanto, a bailarina campeã,

é a brilhante Beatriz.

ecobueno14

Page 10: Fragmentos cronicas urbanas

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Cardápio Instantâneo

Existem coisas que estão aí e que são parte indissociável da vida. Não damos

muita atenção, é bem verdade, até que num determinado dia, zás, ela nos

toma e fica impossível viver sem.

Não, não é o celular (primeiro na lista das prioridades), nem as redes sociais

(que causa dependência em alguns), ou qualquer uma dessas maravilhas

eletrônicas que povoam nossa casa.

Estou falando de algo que está me salvando (sem exageros) na hora das

refeições. Não é muito agradável contar com aquela pizza amanhecida na

geladeira, quase todos os dias, ou com os lanches que, apesar de ter um leque

variado de opções, parecem sempre ter o mesmo sabor. Haja calorias! A

comida congelada é uma boa alternativa, mas dá trabalho e toma tempo na

hora de descongelar. Tanto faz se no micro-ondas, no forno elétrico ou a gás,

e se for em temperatura ambiente então... A fome não espera.

Então o correto é se alimentar adequadamente. A saúde agradece (dizem).

Uma saída para a falta de tempo é fazer pequenas porções separadas e utilizar

na hora das refeições. Porém tem apenas um probleminha, precisa ser

preparado, geralmente nos finais de semana e isso está fora de cogitação.

Sem contar que não tenho intimidade para a variação de cardápio.

Muitas vezes abro a geladeira e a gaveta de legumes parece um lindo canteiro

(ou latifúndio) da agricultura familiar, tudo em plena brotação. Melhor não

colher fora de hora, penso. Então o que me resta é atacar um pacotinho que já

vem na medida certa - da minha necessidade - colocar água e em três

minutinhos, salpicar o temperinho e, voilá, é só servir.

Tudo bem que não tem muitas opções, pois não importa se é de legumes,

galinha, carne, ou qualquer outro sabor, parecem todos iguais. Mas não sou

muito exigente, dependendo do momento e da disponibilidade (coragem),

acrescento acompanhamento, ovo mexido e queijo ralado.

Page 11: Fragmentos cronicas urbanas

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Impossível não dar loas a essa maravilha da vida moderna, rápido, prático, não

precisa consultar a receita e tão pouco ficar provando para saber o ponto.

Apesar do custo beneficio não ser um dos melhores, ainda assim dá a

sensação (ilusão) de que estou saboreando – me desculpem pela heresia - um

belo prato da especiaria d’ Itália.

Despois de tanto relutar cheguei a conclusão de que tenho muito a aprender

com meus pequenos. Eles descobriram isso bem antes, e adoram. Sabem das

coisas! Ah, já me tornei um expert nesse tipo de cardápio. Que me perdoem os

chefs de plantão, mas no momento a minha especialidade (necessidade) é o

macarrão instantâneo. Santa invenção! Tá servido?

Estou aguardando ansiosamente pelo ovo frito no mesmo formato, evitaria que

eu o destruísse toda vez que tento virá-lo na frigideira. Seria mais uma opção

de acompanhamento além do queijo ralado e do ovo mexido.

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Page 12: Fragmentos cronicas urbanas

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Dom de Existir

Hoje, muitos dos que te admiram, pessoas mais próximas, ligadas a ti. Pessoas

que fazem parte do seu dia-a-dia, que pedem e também aconselham, afagam e

recebem a sua recíproca. Pessoas queridas que constam da primeira página

da sua agenda; que habitam seus pensamentos, sentimentos. Pessoas que

compartilham suas alegrias e decepções. Não poderia ser diferente; felicitar-te-

ão!

Sei que durante os demais dias do ano, tais pessoas terão a felicidade de

partilhar suas histórias, seus sorrisos e até mesmo suas lágrimas. Poderão

dizer-te oi, receber seu abraço, sentir seu calor, ganhar seus carinhos mais

íntimos e revelar sentimentos verdadeiros que és capaz de despertar. Nada

mais gratificante!

Dentre as pessoas que farão deste tempo e gestos, uma bela e grata

lembrança e transformar-se-ão numa passagem tão especial que constará no

capítulo dessa única e bela história, seu viver, serei apenas um eco a juntar-se

ao coro de vozes que dirão da sua infinita importância.

Mesmo que seja à distância e apenas nesse átimo de tempo – infinito enquanto

o é - quero fazer parte dessas vozes. E, se puder ao menos, pelo instante em

que dure a leitura dessas linhas, passar a minha admiração e carinho, tenha

certeza que essa felicidade que podes sentir é a minha fonte de alegria em

todos os instantes que tua falta se faz presente. Pois em todos os dias tu és

esse raro presente. Parabéns!

Aconteceu: à Lu(z) ascendeu

Amanheceu mais um dia, seu

E a menina que teus olhos habita

Derrama a luz que d’alma emana

Ondados fios castanhos

Que escorrem ladeando a face

Emolduram traços lhanos

D’onde vem a força e energia

Carregados de paz e harmonia

Beleza interior que aflora

Seu dom de existir, absoluto

Revelados num sorriso, magia

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Page 13: Fragmentos cronicas urbanas

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De La Musique

Saí de casa, a manhã estava cinza, fria, chuvosa e, para completar, o transito

me obrigou a parar. Enquanto muitos “apressados” seguiam pelo acostamento,

o que me irritava profundamente, no radio algo me chamou a atenção, então

me desliguei do externo.

Ela, Tulipa Ruiz, cantava Efêmera, do disco de mesmo nome, em que diz, “Vou

ficar mais um pouquinho/Para ver se eu aprendo alguma coisa/nessa parte do

caminho”. Dona de uma voz privilegiada amarra poesia e melodia, esbanjando

atitude, saindo do lugar comum. Nada mais direto.

Ela continuava insistente “Martelo o tempo/Pra eu ficar mais pianinho/Com as

coisas que eu gosto/e que nunca são efêmeras” Me resignei, esqueci o

transito, desbanquei o afã e comecei a pensar em como a pressa, a agenda,

esse eterno ir e vir, nos tira momentos preciosos.

Sem contar que essa “disputa” por espaço faz de nós gladiadores urbanos,

supostamente protegidos em nossa armadura, onde o que importa é ganhar

tempo, que tempo? O acostamento vira estrada e as leis de transito, hora as

leis, só servem para atrapalhar. Se paradoxalmente o acostamento está

“andando”, porque tenho que ficar aqui parado?

Mas Tulipa com sua malemolência descontraída, diz “Martelo o tempo preu

ficar mais pianinho/Com as coisas que eu gosto/ E que nunca são efêmeras/E

que estão despetaladas, acabadas/Sempre pedem um tipo de recomeço”. Uma

forma de dizer, esqueça sua pressa, congele o momento e se reconstrua. A

vida é, apesar de rápida, sublime, aproveite o instante.

Mesmo com esse transito carregado e os “espertos” furando fila, ainda estou

confortável e posso ouvir boa musica, então para que me chatear se “Vou ficar

mais um pouquinho/...Congele o tempo preu ficar devagarinho/ Com as coisa

que eu gosto/...E que passam perecíveis/ E acabam, se despedem/Mas eu

nunca esqueço”. Ela ensina.

Page 14: Fragmentos cronicas urbanas

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E o transito? O compromisso? A pressa? “Sempre pedem um tipo de

recomeço”, logo estarei em meu destino e o melhor, sem atropelos e ainda foi

possível ouvir boa musica.

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Page 15: Fragmentos cronicas urbanas

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De Repente!

Um belo dia você percebe que, de repente, eles se perderam numa esquina

qualquer do passado. Onde ela está? Onde ele está? Que fim levaram os

amigos? Em desespero, a gente corre para o meio da rua, ou um lugar

específico, onde possam se esbarrar novamente. Não encontra ninguém,

talvez tenha passado muito tempo e ele, ela, não se recorda mais do lugar, ou

trocou o caminho sem avisar. Então pergunta á quem passa; um guarda, um

transeunte, se não viram alguém com tais características e a resposta é

sempre negativa. Volta para a casa, busca algum vestígio. Relê as cartas,

talvez nos dê uma pista. Rega as plantas, colhe umas flores, melhor decorar o

ambiente. Talvez esteja preparando uma visita surpresa. O telefone toca, a

esperança se renova. Mas do outro lado, engano.

Os dias passam e o carteiro que não bate a sua porta, e a sensação, em cada

cômodo da casa (nosso interior) de vazio, aumenta. Mente, coração,

sentimentos e, sem perceber, soltamos um urro. É inútil! Procuramos, dias,

noites inteiras aquele rosto suave, aquele olhar de brilho único, aquele sorriso

de candura no quarto escuro da memória. Não tem ninguém, não o vemos

mais. Aí o que resta? Se conformar? Talvez seja esse o caminho. Mas a gente

no fundo sabe que não quer isso, afinal pessoas com essas características são

tão raras. Melhor não se entregar, insistir, manter as esperanças acesas.

Sim, tudo passa. Aquele momento de segundos atrás não volta mais. As águas

do rio não passam sob a mesma ponte duas vezes. O que fizemos ontem, não

serve hoje. Mas a gente pode ao menos perpetuar os momentos como nas

reprises, nos flashes, clareando as fotografias da memória, não deixando que

esses momentos tão peculiares escureçam com o tempo e se apaguem.

Mesmo que voltemos aos lugares de sempre, esperemos as cartas que não

chegam. Os telefonemas que são enganos. Que vejamos em nossa busca os

“cômodos” vazios, o tempo que se esvai por entre os dedos. Mesmo que

nossas perguntas não tenham respostas - pois ninguém os viu - e que a

sensação de solidão tome conta de nossas casas, nada melhor que revisitar na

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memória tudo que ficou de bom e claro, assim as chamas do calor desses

carinhos jamais se findarão.

Por isso, volto sempre á mesma esquina e ali, olhando para todos os lados,

para não perder nenhuma cena, um momento, sequer, fico ligado em tudo o

que acontece. Quem sabe verei novamente seus braços abertos vindo em

minha direção para me vestir num abraço. Assim como aconteceu quando nos

esbarramos por acaso e nos conhecemos. Ainda te espero na mesma esquina,

passado, presente e futuro onde num belo dia, as vidas, de repente, se

encontram.

ecobueno

Page 17: Fragmentos cronicas urbanas

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Garrafas ao Mar

Sim as cartas, mensagens, garrafas...

Quando coloquei uma mensagem numa garrafa e atirei ao mar não poderia

imaginar por onde ela poderia viajar. Ou se seria resgatada. Mas em mim havia

a certeza que o que continha em seu interior era verdadeiro e te encontraria.

E ela percorreu tantos lugares. Tantos mares. Visitou ilhas, geleiras, costas,

arrecifes, praias paradisíacas e desertas. Um longo caminho, nenhum lugar

para atracar.

Seguindo seu destino, tantos locais. Enfrentou tempestades, maremotos,

calmarias. Grandes navios indo e vindo, ora empurrando para um lado, ora

para outro, quase quebrando-a. Barcos grandes pequenos, ancorados ou

soltos ao mar. Eram tantos obstáculos, mas nada fazia com que ela parasse.

Viajou, navegou, boiou. Tantas noites estreladas. Noites de luas que

iluminavam seu mar. Tantas outras, escuras, sombrias. Também foram tantos

dias, quentes, frios, com e sem auroras. Dias longos, intermináveis. Dias

curtos: átimos de segundo. Enfim, nenhum dia se repetia.

Viu pássaros sobrevoarem seu infinito, às vezes curiosos desciam e bicavam

seu casco, outras procuravam abrigo e pousavam em sua superfície lisa, para

um simples descanso. Aviões cruzando o céu, era a vida que seguia. O

cotidiano, tal qual a ela, continuava. A chegada deveria estar próxima -

pensava.

Em seu interior uma mensagem importante para alguém especial, parecendo

pulsar. Tinha que encontrá-la! A garrafa, para tantos, parecia ter um simples

pedaço de papel em seu interior, sem valor. Mas ali se alojava algo de

significado único, de entendimento recíproco.

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Demorou? Talvez! Ficara encalhada em um banco de areia no meio do nada,

esperando pacientemente por uma nova maré. E assim que ela veio, mais

experiente e segura, se lançou ao mar novamente. Onde poderia ir parar? Não

importa. Um lugar, aquele alguém, logo vai chegar.

Enfim, naquela praia, diferente de todas; um ser. A onda, calmamente a leva a

beira mar. Ali estavas tu, olhar distante, como a esperar. Sentiu a água banhar

seus pés descalços e algo frio tocar-lhe a pele. Agachou, no meio da espuma

branca retirou a garrafa. No seu interior aquele bilhete; abriu, e nele estava

escrito: “O destino me trouxe até o teu cais, não estarei só, jamais. (eco)”.

ecobueno

Page 19: Fragmentos cronicas urbanas

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Oásis Primaveril

Nesses tempos de aridez que faz nascer um deserto de sentimentos, n’alma.

Onde a correria e a rotina diária tornam as pessoas assim, um tanto quanto

distantes e reticentes, é tão bom quando há essa elevação de gestos simples e

verdadeiros que revelam o outro lado, um oásis florido, alegre e vivo!

Ultima sexta-feira de outubro, nenhuma data em especial ou uma

comemoração específica. Apenas mais uma noite que transcorreria

normalmente, rotineira. A única coisa que tínhamos era a temperatura amena e

agradável denunciando essa explosão inebriante de cores, aromas e sabores,

que desperta em nós o espírito primaveril.

Espírito que nos faz, ao menos nesse tempo, baixar o escudo criado ao longo

dessa estiagem, nos tornando, de certa forma, rudes e avessos aos

sentimentos mais simples. E essa umidade e o frescor se exprimem em tons e

sobre tons anunciando a boa nova em nós.

A simplicidade que nos faz lembrar o quanto é bom caminhar por caminhos

salpicados do verde musgo das folhas que devido ao vento forram ao chão.

Simplicidade que se alimenta desses olores que preenchem os ares e se

refestela na magia dessas inúmeras pétalas que despontam e se equilibram

em caules flexíveis. Simplicidade que se mostra em gestos, sorrisos, palavras,

olhares eternizados em flashes de memória.

Noite sem luar? Pouco importa! Pois sabemos que a luz mais importante nesse

momento é a que vem de cada um. O cenário pode não ter as nuanças e

matizes captadas num quadro de Monet, mas tem a unicidade das cores de

cada ser. Nem a trilha sonora é a de Beethoven, mas as notas compostas

pelos tons das cordas vocais de cada um é a mais bela de todas as toadas.

Nem as histórias ali contadas podem ter o mesmo enredo e a clareza de um

livro de Flaubert, mas cada uma delas é tão ou mais importante quanto. Nem

os personagens podem ter a mesma conotação marcante como num livro de

Machado de Assis, mesmo assim são fortes e vibrantes, reais.

Page 20: Fragmentos cronicas urbanas

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Um lugar comum, uma noite qualquer, após um dia cansativo, pouco importa, o

que vale mesmo é o significado. E nesse cenário, o mosaico de luzes e cores

vai se formando em mais um capitulo inesquecível desse livro, com enredo das

pulsações e reverberações do dom do ser, a Vida! E cada vida que ali se

apresenta, contribui com sua parte para completar esse momento primaveril

denunciado pelas cores percebidas nas formas originais das flores (pessoas).

Um trio inigualável, matiz de amarelo, rosa e verde.

O amarelo vivo que denuncia a áurea alegre, vibrante e espontânea, ao qual

não é possível passar incólume, pois possui luz própria, o Girassol.

O rosa, encanta, acalenta, embala e apazigua os corações, almas e mentes.

Apesar dos espinhos tem um ar frágil, porém forte, intermitente. A delicadeza

aveludada das pétalas de aroma suave, não deixa dúvidas, a Rosa!

O verde, comum a maioria das plantas e que faz com azul o elo para enfeitar

dias gris. Se expõem, e se impõem essa eterna esperança, tão importante,

verdes mares!

Eu, ali, apenas um aprendiz de jardineiro, observando, admirando, cultivando e

solvendo tão sublimes flores (mulheres) que com suas diferenças completam

esse oásis primaveril!

ecobueno2010

Page 21: Fragmentos cronicas urbanas

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Porque Morremos

Uma das coisas que não gostamos de falar é que, todo dia morremos um

pouco. Não é algo agradável de dizer, mas convivemos com isso todos os dias.

Tinha uma frase que minha avó sempre dizia, “se não está remediado,

remediado está”. Então, dia menos dia iremos nos deparar com essa realidade:

O apagar das luzes.

Mas qual será o motivo em que relutamos tanto para entrar nesse tipo de

detalhe? Isso mesmo, detalhe, pois temos tantos momentos magníficos, o

nascimento, o aprendizado, o amor dos pais, os amigos, saúde, trabalho, e

tantas coisas que já valeriam esse viver, então não deveríamos ter medo de

falar a respeito. É estranho escrever sobre isso, algo que a gente não quer,

mas é real. Por que morremos?

Essa é uma pergunta que não gostaríamos de fazer e tão pouco responder.

Todos preferem o “Por que vivemos?”. Mas a verdade é que morremos um

pouco a cada dia.

Eu morro um pouco cada vez que um novo ano se inicia. A cada aniversário.

Também morro quando vejo tantas mazelas desses ditos nossos

representantes políticos. A cada notícia de atentado a bomba, sequestros,

mortes banais e essa arrogância dos poderosos para com os menos

favorecidos. Uma célula em mim é assassinada a todo instante.

A cada dia sinto que a idade avança. A linda juventude será apenas uma

lembrança do passado. Quando a idade apertar, se é que chegarei até ela,

lembrarei que jamais sentirei pulsar novamente um seio jovem em minhas

mãos, e que a agilidade que tanto me gabava, não a terei mais. Por isso a cada

dia, morro um pouco.

Morro um pouco a cada dia, ao ver essa juventude sem perspectiva, tão

consumista, só querem ter, e tão alheia ao viver, ao ser. Morro um pouco a

cada dia, quando ouço essas musicas, se é que podemos chamar de música

Page 22: Fragmentos cronicas urbanas

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isso que nos empurram ouvidos adentro e, acreditem, é o som do momento,

está nas paradas, às dez mais, etc. Assistir tanta banalidade na TV, programas

que exploram a miséria humana, novelas intermináveis que mostram o quanto

é fácil trocar de amantes, o quanto a vida é fútil. Revistas que evidenciam os

artistas e suas casas “chiques”, automóveis de luxo, viagens, posses, e deixam

a alma tão vazia. Riquezas conseguidas ás custas dos fãs tão pobres (não só

no sentido figurado) que economizam para poder comprar um CD, roupa,

calçado, e tudo o mais que tenha a marca do ídolo. Morro ao ver que os

estudos são desprezados por carreiras meteóricas, onde o ser famoso é mais

importante que ser culto, critico, inteligente, humano. Isso não dá ibope.

Morro um pouco a cada dia, ao lembrar do abandono, da falta de carinho, do

tão esquecido beijo apaixonado, do sexo com amor e do respeito esquecido.

Essa vertiginosa busca por mais e mais prazeres e menos emoção, temos que

ser uma máquina sexual, sensual, etc e tal. Esse estado de letargia que toma

os casais e que leva à rotina, a falta de compreensão para com os “defeitos”

alheios como se fossemos todos perfeitos.

Morro um pouco a cada momento quando lembro que nunca mais recebi um oi

de um amigo tão querido, quando envio cartas e elas retornam. Quando me

recordo que um dia dei o meu amor e ele não foi correspondido. Sentimento

descartado feito objeto ultrapassado. Tais lembranças corroem a alma. Morro

um pouco a cada dia quando sinto que posso tocar nessa imensa solidão e

provar o silêncio. A partida dos entes queridos, as crianças que crescem e não

querem mais passear com os pais caretas, os tios ultrapassados, “melhor

andar com a tribo”, dizem. Sair para as baladas, festas, diversão... tudo vão.

Morro um pouco a cada dia quando paro nos sinais e vejo uma criança pedinte.

Qual será o seu futuro? Quando ando pelas ruas da cidade e lá estão tantos

andarilhos e mendigos, que nada mais são que minha imagem e semelhança.

Quando olho nos suntuosos palácios, prédios com suas fachadas e marquises

em mármores frios, frequentadas por pessoas maltrapilhas se escondendo do

frio, da chuva e sequer possuem um canto para se aquecerem. Num paradoxo

entre a riqueza e pobreza.

Page 23: Fragmentos cronicas urbanas

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Morro a cada dia porque sou simplesmente humano e estou aqui apenas para

cumprir o ciclo da vida, “crescei e multiplicai”. Morro a cada dia, mesmo não

querendo e cada ano que passa tudo isso se torna mais evidente nas mexas

brancas dos cabelos, no reflexo do espelho e nas recordações. Morro, a cada

instante um pouco, e nem por isso deixo de ter esperança no viver. Morro sim,

como todos morrem, envelheço, sim e isso não me preocupa, pois o mais

importante é acreditar que ao vivermos cumprimos nosso papel e quando

chegar o momento, das luzes se apagarem e as cortinas cerrarem, haverá

sempre uma nova vida, que continuará o que planejamos.

Então antes que isso aconteça: Melhor ouvir músicas de verdade, ler bons

livros, ir ao teatro, ao cinema, não feito meros expectadores e sim como

formadores de opinião, críticos de verdade. Ler uma coluna de jornal e debatê-

la. Mesmo não sendo poeta ou escritor, escrever ao menos uma carta de

felicitações, ou um simples “oi, como vai?”. Nunca perder o endereço de um

amigo. Mesmo que os “amores” do passado se forem, lembre-se que eles um

dia foram atuais, então, nada melhor compartilhar com outro alguém, um novo

amor, sem medo de ser feliz.

Antes que o tempo nos leve, melhor fazer uma criança sorrir, dar um pouco de

alento á quem precisa. Dar aquele abraço carinhoso sem pedir nada em troca.

Se possível, dê um presente á um órfão, mesmo que ele seja sua própria

companhia. Encontre melhores amigos. Dê um beijo demorado em seu

companheiro (a) e recorde o quanto era bom namorar. Brinque mais, sorria

mais. Não diga que precisa sempre de mais dinheiro, torne o que tens o

suficiente. Viva mais, porque morremos um pouco a cada dia e o tempo não

volta.

Sei que morro um pouco a cada dia, mas quando as luzes se apagarem e as

cortinas cerrarem, valerá ao menos ter vivido esse pouco tempo que tive,

intensamente, e saber que ao menos eu fui feliz, por te conhecer.

ecobueno

Page 24: Fragmentos cronicas urbanas

24

De Menina a Mulher

Vendo as crianças crescerem num mundo onde tudo parece correr rápido

demais, fico sem entender porque muitas coisas não mudam com a mesma

velocidade. Ainda mais no que se refere ao tratamento com as meninas.

Elas passam por várias transformações ao longo da vida e são responsáveis

por tantas belezas, não apenas físicas que muitas vezes as prejudicam, mas

principalmente sentimentais, que fica difícil entender o porquê de tantas

cobranças. São sempre responsabilizadas, desde o comportamento até as

tarefas diárias e por coisas (abusos, por exemplo) que por ventura possam a vir

acontecer a elas.

Acredito – mesmo não podendo sentir fisicamente, infelizmente - que ser

mulher é algo, divino, engrandecedor e único. Cientificamente falando, está

comprovado que o corpo feminino é duas vezes mais resistente que o

masculino. Por isso elas suportam a dor do parto. Mesmo não gerando, a

mulher tem essa coisa indescritível que é o dom e a capacidade de ser mãe.

Algo sublime e que transcende uma explicação do feminino.

Ser menina-mulher é passar da inocência para a descoberta do que é a vida.

Os medos os anseios, tudo vem mais forte com as mudanças hormonais. Mas

também é a chegada da transcendência, das habilidades mais apuradas, é

viver um novo sonho a cada amanhecer, é encantar, não só pela beleza, mas

pela sua representatividade. A capacidade de se reinventar rapidamente. É ser

intensa e superficial quando for preciso. É saber com harmonia e sensibilidade,

encontrar a saída diante de situações difíceis. É ter essa sutileza única,

feminina.

Tudo isso deve ser tão difícil e desesperador, ás vezes, ainda mais numa

sociedade tão egoísta e machista. Mesmo que se diga que muita coisa mudou,

sabemos que por questões e razões culturais, o machismo ainda é

predominante. Vivemos numa cultura patriarcal, onde o papel masculino é o de

dominador.

Page 25: Fragmentos cronicas urbanas

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Quantas meninas que por descuido, imaturidade, falta de conhecimento, base

familiar, dentre tantas outras carências, acabam fazendo algo que não “é coisa

de menina”, e por isso recebem toda a carga de recriminação e

responsabilidade, por uma coisa que não se pode fazer sozinho? Se por

ventura ela engravida, é um “Deus nos acuda!”, pois o menino não tem culpa,

afinal “está no seu papel de homem”.

Muitas vezes vemos pais que por não se importarem, se conscientizarem, ou

por pura ignorância, incentivam a sensualidade em suas filhas ao ouvirem

certas músicas com letras pejorativas, assistirem programas impróprios, etc.

Outros incitam seus pupilos a serem machos, “pegarem” todas, sem ensinar

que o respeito cabe em qualquer situação, que a responsabilidade é mutua, e

que a figura materna também é uma mulher.

Sempre cabe a figura feminina saber se “pôr” no seu devido lugar. Até nas

brincadeiras é assim. Não pode brincar na rua, de bola, carrinho, pois são

brincadeiras de menino. As repreensões como: não seja vulgar, arrume o

vestido, essa saia está muito curta, sente-se direito, etc. Mesmo que se diga

que muita coisa mudou, ainda é evidente que os costumes machistas

continuam arraigados. É triste!

Quem sabe um dia, não muito distante, tudo isso muda. Quero ver essas

crianças passando de meninas a mulheres sendo o que são de verdade, belas,

fortes, libertas, sonhadoras, criativas, encantadoras, plenas e corajosas. Sem

que o passado seja um peso sobre seus ombros. E assim possam tomar os

lugares que lhes são de direito.

ecobueno

Page 26: Fragmentos cronicas urbanas

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Ação do Tempo

A casa plantada em meio ao arvoredo e coberta pela pálida claridade do

entardecer, parece mergulhada em tristeza. Suas paredes de um quase rosa,

desbotadas, ainda eram capazes de refletir a despedida do dia que começava

a esmaecer dando lugar à noitinha que se insinuava.

Rodeada de um lúgubre sentimento, não era mais a mesma de tempos atrás,

pois nela jaz seu ilustre morador. Aquele que enchia de luz e cor cada canto,

reluzindo cada objeto, trazendo a sensação de bem estar. Aquela imensa

cordialidade que habitava o seu interior, não se segurava entre suas paredes e

transbordava porta afora, contagiando a vizinhança com sua poesia.

Como o tempo tudo corrói e o passado não é capaz de fixar e revelar por si só

o que representava aquele pequeno lar, a impressão de quem pela primeira

vez a vê, é de assombro, por tanto, vazio, silêncio e escombros. Afinal quem

poderia imaginar que ali, um dia, ele vivera com toda força e ardor?

Mas, como é o ser humano, com suas deficiências, incoerências e fragilidades,

quem escreve a história, conseguiu, com tais limitações, matar aquele que nos

ensina a viver dentro da verdade, do carinho e do respeito; o amor.

ecobueno

Page 27: Fragmentos cronicas urbanas

27

Um Ser Especial

(Happy Birthday)

Mais um ano, e temos a sua admirável presença. Não é apenas mais um dia

entre tantos, é o seu dia! E nesse dia o presente, é nosso!

Tu que sempre me acolheu, de alegrias me encheu, de carinhos me cercou, e

se hoje tenho que comemorar, é porque tu o concebeu.

Não és mais um apenas, entre tantos seres, és única. És mulher, amiga,

companheira, mãe é pra vida inteira.

Em minhas veias não corre teu sangue, mas minha alma tem a sua alegria.

Meus dias a sua magia. Minha formação tem suas mãos. Minha personalidade

tem a sua força, e sempre hei de enfatizar, no meu viver, ainda bem que existe

teu ser.

Então, sem errar, posso dizer, com todo respeito e admiração, que fazer parte

dos seus dias, é uma grande benção. Obrigado e Parabéns!

ecobueno

Page 28: Fragmentos cronicas urbanas

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Anjo Existe?

Nessa correria, onde tudo parece o caos, os compromissos, o transito

alucinado das grandes cidades, o relógio que não dá trégua, horas marcadas, a

repetição, enfim a rotina, às vezes pode ser quebrada por uma simples

situação, pequena, singular, mas que faz valer o dia.

Na Avenida Rebouças, sentido Rua da Consolação em meio ao transito caótico

que se repete todos os dias, característicos das manhãs nas ruas de São

Paulo, seguia. Creio que isso não vai melhorar nunca, afinal construíram um

túnel que apenas antecipa a chegada ao próximo congestionamento. Também

fizeram novos corredores de ônibus para que o transporte de massa fluísse

mais rápido, e que na verdade, são utilizados por certos motoristas – “os bons”

- em seus possantes que passam por nós, ali parados nas faixas regulares,

como se nos dissessem o quanto somos otários, pois eles é que são os

espertos, claro, assim conseguem ir mais rápido e quando lá adiante, não há

mais saída, forçam a entrada colocando suas máquinas, sem a menor

cerimônia, entre os carros que estão “atrapalhando”, e se não os deixam entrar

os fulminam com seus olhares desafiadores, cheios de razão. Quem sabe um

pouquinho mais educação, ajudaria a melhorar um pouquinho esse caos.

Os motores dos carros roncando aflitos e as buzinas insistentes, agonizantes

nos dedos aflitos dos motoqueiros, que ciceroneiam por entre os carros a toda

velocidade desafiando a lei da gravidade, até que tudo para, o farol fecha. Ali

espremido, cercado de carros por todos os lados, o que me resta é olhar os

outdoors, as fachadas das lojas, ou qualquer coisa que se movimente pelas

calçadas. E em meio a esse caos sinto uma vontade louca de largar tudo e

sair correndo.

Mas nem tudo está perdido e nessa tresloucada agonia, algo me chama a

atenção. No carro ao lado, com janelas de vidros esverdeados - ainda bem que

não são aqueles todos pretos (fumê) - posso ver aquela linda imagem, quase

uma pintura. Olhos amendoados, vivos, sorriso fácil, gestos delicados e

decididos, cabelos castanhos claros, curtos, naturais, sem tinta, com cachinhos

Page 29: Fragmentos cronicas urbanas

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dourados que refletiam os raios de sol da manhã, deixando à mostra orelhas

rosadas de onde reluzia um delicado par de brincos em forma de minúsculas

gotas. Um oásis.

Fico hipnotizado, não consigo desviar o olhar; não vejo mais nada ao redor.

Como são meigos aqueles olhos. Os lábios pequenos, vermelho carmim, bem

desenhados se abrem em um sorriso maroto. Um rosto com ar tão angelical e

gestos calmos. Não consigo fazer outra coisa a não ser ficar admirando. E

mesmo através dos vidros, posso sentir a paz que transmite.

Repentinamente ela me fita e sorri timidamente. Desfaço o ar defensivo. Por

instantes perco os sentidos. Olho ao redor para certificar se é para mim. Ela,

como que percebendo minha aflição e desconfiança, reafirma o gesto, agora

com um sorriso largo e acena com suas mãos pequenas, delicadas e afoitas.

Ainda titubeante retribuo, sinto meu coração disparar de alegria. Devo estar

com aquela cara de bobo. Mas ela nem liga e continua me acenando

insistentemente.

O transito lá fora... Que transito? O sinal vermelho? Tomara que demore! As

buzinas que irritavam, agora parecem acompanhamento da musica de

Bettoven que tocava no radio do carro. Ela conseguiu transformar a rotina em

um dia repleto de emoções. A pressa desacelerou!

Nesse pequeno instante consegui sorrir, me encantar e viver com coisas tão

singelas que andavam tão esquecidas. Aquele olhar doce e meigo de um par

d’olhos vívidos e brilhantes, sorriso suave e farto, vindos daquele ser que em

sua cadeirinha, fixada no banco traseiro do carro, me fitava através da janela.

Tão linda! Quem seria aquela menina? Não sei. O farol ficou verde e ela

partiu... Seria o meu anjo da guarda? Não sei só sei que valeu o dia!

ecobueno

Page 30: Fragmentos cronicas urbanas

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Carnaval

O som que ecoa. Essa mistura de repiques, agogôs, reco-reco, chocalhos,

cuícas, tamborins, caixas, surdos, pandeiros, ao comando de apitos, vão

estruturando as peças, formando esse mosaico de timbres e tons que se

encaixam em perfeita harmonia, bateria.

Nas alas, a coreografia que vai num crescente, feito onda, toma forma, se

espalhando por todos os lados, ocupando cada espaço, cada canto, cada

corpo, num transe coletivo, a massa se agiganta e deságua nesse mar de

euforia, onde o que vale é se divertir, dançar, sambar.

Em meio à folia, esse pulsar forte, estandarte, no peito que bate sem parar,

corre por entre as veias, eriçam pêlos, dilata os poros e explode na carne

quente, na pele molhada, branca ou corada, pura ou miscigenada, revelando a

alegria estampada no rosto de olhos brilhantes, vida!

Cabeças, troncos, peitos, braços, coxas, pernas; cobertos, entreabertos,

coloridos, ou simplesmente desnudos. Sem pudores, gingando, rodopiando,

bailando, se entregando às batidas fortes de cada instrumento, o compasso

que dita o passo, em uníssono reverberando no ar, onde curvas e sons se

completam, corpos.

Em meio ao colorido dos adereços, fantasias e serpentinas, o corpo parece sair

de nós, se lança ao imponderável, tem vida própria, e nos leva onde querem. E

nessa inquietude onde se misturam todos os sentidos, nada parece fazer

sentido, a não ser esse ritmo compassado que faz o corpo flutuar. Samba!

Um dia, outro dia, até o sol raiar, atrás do trio elétrico, na avenida, nas praças,

salões, em qualquer lugar. Um dia outro dia, até o corpo não mais aguentar, se

entregar ao êxtase, e completamente em cinzas, na quarta chegar, quando o

carnaval terminar.

ecobueno

Page 31: Fragmentos cronicas urbanas

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O Peso da Intolerância

Caminhar por entre a multidão e não conhecer ninguém é algo no mínimo

curioso, mesmo rodeado de pessoas, ainda assim dá sensação de vazio e

solidão. Que situação estranha, tantos rostos e nenhum familiar! Bate uma

saudade não sei bem porque, um medo não sei bem de quê, e a vontade louca

de voltar para o afago de um olhar conhecido.

Era o que sentia ao caminhar por entre os prédios antigos e as ruas estreitas

do centro velho de São Paulo, apesar do movimento intenso e o coro dos

ambulantes querendo a atenção (dinheiro) dos transeuntes, afinal o fim de ano

se aproxima, precisam faturar.

Após ter cumprido minha “missão”, é preciso abortar a incursão pelos

“labirintos” dessa cidade fria e cinzenta e pôr fim a essa solidão. Segui célere

pela Rua da Consolação rumo ao estacionamento da Praça Roosevelt, onde

estava o carro. Na esquina com a Rua Nestor Pestana me deparei com uma

cena muito insólita. Em meio ao som de buzinas insistentes que se misturavam

às vozes, via alguns motoristas que colocavam o corpo para fora da janela do

carro e aos berros proferiam palavrões. Qual seria o motivo de tanta ira?

Aparentando muito mais idade que verdadeiramente poderia ter, devido aos

seus trajes surrados, rosto sofrido, cabelos sem corte, que mal se ajeitavam

sob o boné, desbotado, reflexo da exposição excessiva ao sol. Os pés

calçados com aquelas famosas sandálias de grife internacional, alojadas por

entre os vãos dos dedos, que faltavam nos calcanhares, sem glamour,

revelando a realidade de um pedaço de borracha, que mal servia para proteger

as solas calejadas, uma mulher com visível esforço, indiferente aos

xingamentos, determinada, puxava uma carroça com materiais que encontrara

pela calçada.

À sua frente, duas crianças, um casal, que não aparentava mais que sete ou

oito anos, com suas vestes também surradas. Ele mais novo, de cabelos

raspados, olhar vívido, porém distante, camiseta e bermuda, ambos

Page 32: Fragmentos cronicas urbanas

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desbotados, os tênis que não lhe serviam direito nos pés e por isso eram

usados como se fossem sandálias. Ela com os cabelos curtos e emaranhados

que emolduravam seu rosto e olhos miúdos, brilhantes; blusinha em que uma

das alças pendia dos ombros, bermuda preta, nos pés um par de sandálias

com tirinhas amareladas pelo tempo, mas que ainda lhe serviam. Alheios à

realidade, os dois pareciam se divertir como qualquer criança dessa idade.

Por que o espanto, afinal de contas quantas pessoas não perambulam pelas

ruas da cidade, puxando uma carroça? Indaguei, tentando não me sensibilizar.

Mas era impossível ignorar tal cena. A mulher e, possivelmente, seus filhos,

com aquela carroça “atrapalhava” o trânsito e isso era motivo da ira dos

motoristas que afloravam seus instintos mais primitivos. Ela era hostilizada por

cometer tamanha heresia, impedir a boa fluidez do transito. Que fosse puxar a

carroça em outro lugar, ali não!

Fiquei sem ação diante de tamanha intolerância daqueles que se veem como

civilizados e se acham superiores só por terem uma condição “melhor” (será?).

Envergonhado, pude notar a minha pequenez e insignificância diante de tanta

covardia e ignorância. Minha solidão se misturou a angustia e a sensação de

impotência. Deixei a cidade para traz, mas ela me acompanha corrói m’alma e

dilacera meus sentimentos, é o peso da intolerância.

ecobueno2006/14

Page 33: Fragmentos cronicas urbanas

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Homens de Marte, Mulheres de Vênus

O que acontece no universo entre homens e mulheres é algo inusitado e

imprevisível. Não existe uma formula a ser seguida, afinal, parafraseando John

Gray, homens são de Marte, mulheres são de Vênus.

Existe a máxima de que os opostos se atraem, mas nem sempre isso se

confirma. A mulher é criada sobre alguns valores bem distintos dos homens.

Mulher é emoção; homem é razão. Mulheres acreditam nos sonhos; homens

na praticidade. Mulher é carinho; homem é toque. Mulher é sensação; homem

é reação. Mulher é inspiração; homem é transpiração. Mulher tem sexto

sentido; homem, imediatismo. Mulher é família; homens, círculo de amigos.

Mulheres trocam confidencias; homens conquistas. Mulher é sensibilidade;

homem intuição. Mulher é amor; homem, sexo. Enfim, seria possível continuar

descrevendo um enorme rosário sobre as diferenças de cada ser.

E em meio a esse turbilhão, fico entre a cruz e a espada. Afinal nasci de uma

mulher, mas sou homem e fui criado dentro de uma sociedade machista.

Recebi dos seios os primeiros sumos da vida, porém segui o caminho

masculino, como homem que sou, ou deveria ser. Convivo com seres do sexo

feminino. Gosto delas e muito do que elas gostam me fazem bem. Tento

entendê-las, mas nem sempre é possível, afinal meu instinto é masculino.

Por ter esse instinto, penso, anseio, desejo, sofro e vivo como tal. Às vezes me

sinto perdido entre um mundo e outro. Mesmo ambíguo, como seria bom ter a

força e a delicadeza. Ter a emoção e a razão. Ser inspiração e transpiração.

Ter o sexto sentido e o imediatismo. Ser família e conviver com o círculo de

amigos. Ser confidente e saborear as conquistas. Ser de Marte e habitar

Vênus. Aliar e viver em harmonia com amor e sexo. Enfim, com a união do

contraditório, ser completo!

As diferenças são tão gritantes que ao tentar viver essa emoção, poderei

confundir-me (ou se confundirem), ou até mesmo perder o norte. Ao mesmo

tempo penso que poderia acontecer o contrário e então me realizaria

Page 34: Fragmentos cronicas urbanas

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definitivamente. Depois concluo que a complexidade feminina ainda não seja

acessível a um mero mortal (homem), que sou.

Em momentos difíceis, entre Vênus e Marte, busco uma compreensão, mesmo

que pequena (conforme limitações óbvias). E diante de tantas diferenças, a

única coisa que tenho certeza é que as lágrimas que caem – comuns a ambos

- são fragmentos desses sentimentos tão difusos.

Quem sabe um dia, possa evoluir feito á alma feminina, e nesse dia saberei,

que tanto homem como mulher (mais o homem), verão, entenderão e se

completarão pela mesma ótica. Então, quem sabe, minhas limitações sejam

diminuídas. Sendo assim essas dores que hoje carrego, devido essa

insipiência nata que me é peculiar e que revela a falta do conhecimento e

sensibilidade da alma feminina, sejam apenas lembranças distantes que não

mais abalarão minhas finitudes masculinas. E assim, não mais me verei tão só.

ecobueno07

Page 35: Fragmentos cronicas urbanas

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Tudo Novo, de Novo

Inicio de ano. Autoridades competentes, discursos, consistentes, reticentes,

improvisados ou não. Poderia ser um refrão de musica de rock, samba enredo,

ou a máxima de mais uma entre tantas inaugurações que acontecem durante o

ano em nossa cidade. Seria apenas mais uma instituição entre tantas outras?

Não foi.

Corpo docente, diretores, autoridades municipais, militares, religiosa,

funcionários, todos reunidos para prestigiar essa que seria a “aula inaugural” da

nossa FIT. Sim nossa, pois somos o alvo principal para a criação de uma

instituição com esse quesito, apesar de ser particular, ainda assim nos

pertence. Nós, alunos, isso mesmo!

As apresentações de praxe, as considerações se misturavam as expectativas

contidas no semblante de cada um que estava na plateia com os olhos fixos

nos palestrantes, pareciam hipnotizados, mesmo sem se conhecerem tinham a

mesma convicção, ávidos por uma força maior: a esperança.

Apesar de estarem mirados no instante, no visível, no próximo, no palpável, no

agora, eles revelavam o abstrato. As emoções traduzidas num brilho

compenetrado, único e emocionado, vislumbrando a satisfação de, lá adiante,

terem atingido mais uma etapa. Era o futuro, o amanhã, o sucesso que lhes

saltavam aos olhos. O término do curso.

Vinte e seis de Fevereiro, o inicio das aulas, o primeiro dia das primeiras

disciplinas - Letras, Pedagogia, Administração - os primeiros alunos, os

primeiros professores, as primeiras palavras proferidas, a primeira lição

recebida feito um novo bálsamo que escorre pela alma e alimenta o espírito da

sabedoria, tudo isso se misturando a alvenaria das paredes ainda cheirando a

tinta. Tudo novo, de novo!

Page 36: Fragmentos cronicas urbanas

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A sala de aula repleta. Tantas faces, muitos sonhos, diferentes histórias. Um

grande mosaico feito de olhos, bocas, lábios, sorriso e sentidos, formando uma

tela viva, emoldurada pela ânsia do aprender: Estudantes!

Essa miscigenação de pessoas e anseios, alinhavados com paciência, feito os

retalhos que são apenas um pedacinho de tecido qualquer, mas que com

capricho, atenção e sabedoria vão sendo aos poucos transformados, por

mestres, em uma linda colcha de retalhos multicolorida. Um manto que cobrirá

de alegria e orgulho aqueles que podem desfrutá-la.

Como não poderia deixar de ser, nesse intrincado, maravilhoso e infinito mundo

do conhecimento, metafórico ou não, tantas pessoas diferentes, mas com um

sonho em comum nesse primeiro passo em busca de um objetivo latente, um

amanhã menos nebuloso e um futuro promissor.

É o que eu pretendo e sinto, assim como todos, que se matricularam nessa

instituição que veio para dar mais vida e brilho a esses olhares ansiosos e

visionários. Valeu FIT- Faculdade de Itapecerica da Serra.

ecobueno

Page 37: Fragmentos cronicas urbanas

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Flashes do passado

O tempo passa, a vida segue até chegar o dia de descer naquela estação, que

não sabemos onde nem quando. Só sabemos, isso sim, que muita coisa

mudou e isso está estampado nas marcas (rugas) da face, nos cabelos

brancos, que começam a aparecer, a agilidade que foi perdida, e que a gente

reluta em aceitar, mas é verdade.

Quando as lembranças ficam mais frequentes que o normal, tantas que a

ordem cronológica não são respeitadas, as datas nunca são precisas, e

aquelas crianças, tão pequenas que pareciam indefesas, um dia, nos

apresentam suas namoradas (os). Os gostos culturais e musicais, de certa

forma, se moldaram. É a sequência da vida, o tempo que segue.

Tanta coisa muda, vidas que se vão, outras vidas que chegam. Novos

caminhos, novos velhos amigos, novas maneiras de ver as mesmas coisas, as

cicatrizes que ficaram. Amores que não vingaram, outros que vieram, lágrimas

que rolaram, mas que secaram devido ao calor dos sorrisos, tantos

acontecimentos que é impossível lembrar de todos assim, de repente.

Sim, tudo passa, mas algo nunca se esvai, o passado. E esse tempo que ficou

para trás, sempre nos chega em flashes, quadro a quadro, revelando aos

poucos certas fotografias que pareciam perdidas em um canto qualquer da

memória. Momentos que marcaram, músicas, lugares, paisagens e o principal,

as pessoas e suas particularidades.

Pessoas especiais que nunca somem, pois quando menos se espera, elas vão

se materializando em cada clique da memória. Tomam forma e se tornam

presentes. As peculiaridades como o brilho nos olhos, o sorriso franco, o jeito

de cortar os cabelos, o tom dos esmaltes, do batom, a cor das roupas, os

gostos, o paladar, a maneira de se expressar, a melanina da pele, o jeito de

andar, de falar, as manias, os trejeitos e vícios, denunciam cada um, é

simplesmente revelador.

Page 38: Fragmentos cronicas urbanas

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Então, buscando na memória, nomes, apelidos, ou algo que relembre tais

pessoas, bate a vontade de revê-las (como é difícil, pois estão dispersos por aí,

cada um seguindo sua vida) para revivermos juntos os momentos, ou

simplesmente olhar nos olhos. Quantas revelações aparecerão? Quantos

segredos dissiparão? A paixão escondida, as noites passadas em claro devido

à ansiedade por querer rever. A raiva escondida num momento de

desentendimento. O beijo que nunca fora dado, as dores de cada um, da alma,

do peito, as cólicas, mal estar, as desconfianças, que hoje mais parecem

temperos e destemperos da vida.

Em meio a tantos fatos e fotos, sempre há o especial, o inesquecível, um

momento específico, um passeio, um presente, um dia, uma data, e aquela

pessoa que jamais desaparece e quando os flashes começam. Ela ou ele está

em todas as cenas, em todos os momentos, são os atores principais.

Engraçado como isso é único, para mim pode ser fulano, paro o outro, beltrano,

e assim nesse circulo, todos são ou foram especiais para alguém.

Estou escrevendo, pois só assim tento dizer um olá aos que estão distantes,

mas continuam presentes. Pois um dia, fomos parte da mesma “família”, e hoje

nem ao menos nos vemos. Não quero reviver o passado, mas perdê-los de

vista assim é ruim demais.

ecobueno2004

Page 39: Fragmentos cronicas urbanas

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Urbanos

Todo dia é isso, transito carregado. Essa São Paulo que corre para algum

lugar, não sei onde, e a gente se envolve, ou fica envolvido (preso) nesse

trânsito que anda e para, para e anda. Se bem que no meu entender trânsito é

onde se transita e como fica tudo parado deveria ter outro nome. Daqui, de

dentro do carro só se consegue ver esse horizonte limitado, um mar de carros,

cimento, concreto... Mas pensando bem, é possível ter uma visão diferente.

Farol vermelho; tenho que parar, é a regra do jogo. Como tudo na vida existe

uma regra esta é a de quem está no transito. Vale também para se manter

vivo. E logo ali em frente uma faixa pintada sobre o asfalto negro, listras

brancas, (da paz?) indicam onde devem passar os pedestres, pessoas. Tantos

e tão diferentes.

Mas não é uma simples faixa. Tem-se ali um desfile de gente que não há igual

em passarela alguma, nem mesmo nos mais badalados desfiles de moda, onde

todos são parecidos, magérrimos e com aquela cara de “tô nem aí!”. Ali em

frente, passando, desfilando, tantas modas, tantas estações que se misturam é

uma verdadeira miscigenação de estilos e cores. É a faixa de pedestres!

Primavera, verão, outono ou inverno, não importa a estação, o que importa são

as peculiaridades. Homens, mulheres, crianças, jovens ou idosos. Cabelos

pintados, descoloridos, cortados, compridos, ou a falta deles, caíram ou foram

raspados. Calças, saias, bermudas, vestidos, conjuntos, baby luck, bad boy,

fashion ou qualquer outra combinação. Cores variadas, mas o que predomina é

o branco (ou será que sou eu que vejo mais o branco?), impressionante.

Listradas, xadrezadas, estampadas, cores sóbrias, chamativas, floridas,

manchadas. Será que existe passarela mais versátil e eclética que a faixa de

pedestres?

Pessoas indo e vindo, se trombam, algumas com olhares assustados, fixos,

outros displicentes, distantes. Homens sisudos, outros nem tantos; barbas por

fazer, outros nem as tem ainda. Mulheres altas, baixas, magras, esquálidas,

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pálidas, sílfides, gordinhas, rostos suaves, ou extremamente maquiados.

Pessoas contentes, altivas, outras tristes, o que será que carregam em seu

interior? Crianças puxadas pelas mãos, que procuram entender o porquê de

tanta correria, olhares de espanto, de admiração, incompreensão. Os mais

levadinhos que saltitam, sorriem para quem passa. Jovens que passam com

seus fones de ouvidos, mascam seus chicletes, cabelos de cores indefinidas.

Meninos com seus bermudões, cabelos compridos, tênis sujos, transgredindo

as regras, ou será preguiça de lavá-los? Meninas com suas minis sais, calças

de cós baixo, umbigo á mostra, com ou sem piercing, óculos tipo pára-brisa de

carro, iguais aos da revista teen, assim mostram que são da mesma tribo.

Os mais idosos com toda aquela bagagem, cabelos brancos que brilham ao

sol. A pele enrugada, marcas do tempo, mas em suas expressões uma certa

satisfação ou mera interrogação. Mudança dos tempos? Observam toda essa

correria com um sorriso maroto de quem desdenha tanta pressa e sem se

importar com o “pique dos jovens”. E passo a passo atravessam a rua.

Carros motos, competindo por um espaço, essa correria e a pressa de chegar

a nenhum lugar. Tantos e essa cidade tão vazia, tu não está. Ouço buzinas,

tenho que seguir. O farol está verde outra vez.

ecobueno2003

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Eles revelam

São pequenos pontos luminosos localizados estrategicamente no cume mais

elevado, emoldurados por franjas longas ou curtas, flavas ou trigueiras, de

onde é possível ter uma magnifica panorâmica. Não são grandes em

dimensões, porém tem uma amplidão invejável e, além de tudo, são capazes

de traduzir sentimentos sem dizer palavra alguma.

São aos pares, compostos: diamantes-negros, azul-turquesa, cerúleo, ou

mareado, verde-esmeralda, turmalinas, tão diversos quanto raros. Tem brilho

próprio, cores vivas e vibrantes, ávidos por absorver, desvendar os segredos

dessa imensidão, mundo.

Por esse maravilhoso instrumento, a luz adentra, escancara matizes de claros

e escuros e, feito prisma, nos reflete essa possibilidade de imagens, cores e

formas. Ao mesmo tempo decanta e enriquece a beleza ao redor; arco-íris.

Desbravam esse mundo intrigante, emocionante, cativante, inquietante,

diverso. Faz perder o fôlego quando mira essa pintura, céu e mar que se

juntam no horizonte. Farol. Despertam, ascendem à luz das manhãs, curiosos,

percorrem o dia até o entardecer, refletem as estrelas e o brilho do luar e

quando o cansaço chega, feito eclipse, serenam.

Mesmo quando não estão alertas, fechados para o mundo, num merecido

descanso, no sono, as imagens hora refletidas, luzes da memória, serão

relembradas em todos os seus detalhes, flashes, como numa fotografia, que

ilustrará os sonhos.

Nada é tão múltiplo e ao mesmo tempo, tão singular. Altivos, paralelos,

acompanham movimentos, gravam momentos, desvendam sentimentos, dores

e alegrias. Muitas vezes revelam um ser tão maravilhoso, que num belo dia há

de emanar sua luz, um presente, às vezes com ares de interrogação, timidez,

espanto, desdém e emoção, a fim de refletir em sua órbita, nossa imagem e

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semelhança, dessa alegria vinda de uma cor sublime, enamorada. Vida,

luminada.

O tempo passa, os traços do rosto se acentuam, o corpo cansa, a voz

embarga, o cabelo perde a cor, o andar se acalma, mas eles jamais perdem o

brilho, a paixão e a vontade de observar, enquanto energia tiver. Ah, eles

iluminam e revelam de uma maneira tão simples e peculiar, brilhos e lágrimas,

num simples piscar: Seu olhar!

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Page 43: Fragmentos cronicas urbanas

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Edson Bueno

Ecobueno

Eco

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