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Curso de Português para Vestibulares e Concursos - Professor Romão Júnior DENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO Às vezes empregamos certas palavras com um sentido diferente do convencional, como ocorre na fala de Hagar, um dos personagens da tira lida. Hagar diz a seu amigo Eddie que, segundo ele, a vida deve ser vivida “até a última gota” E Helga, esposa de Hagar, interferindo na conversa explica que é por isso que o marido “enche o copo até a borda”. Observe que Hagar emprega a expressão em sentido subjetivo ou figurado. Ao dizer “viver a vida até a última gota”, ele sugere que as pessoas vivam intensamente. Mas Helga interpreta essas palavras ao pé da letra, ou seja, de forma objetiva ou real, ao explicar ironicamente que era por essa razão que o marido enchia tanto o copo. Vemos, portanto, que as palavras podem apresentar um sentido objetivo ou real, também chamado denotativo, ou, então, um sentido subjetivo, irreal, também chamado conotativo ou figurado. →Denotação é o emprego da palavra em seu sentido objetivo, real ou literal. →Conotação é o emprego da palavra em seu sentido subjetivo, irreal ou figurado. O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO Mudernos de butique Tem silicone nessa teoria de que os alternativos estão gastando os tubos para comprar roupa de grife. Quem vê a galerinha suando a camiseta Hering para entrar em festas como Maldita, Loud! e Alien Nation sabe que isso está bem distante da realidade. A turma do lado B anda de buzum e toma cerveja no bar da esquina antes de entrar na boate só pra economizar. Ouve Peaches e não Maria Rita. Coerentemente com essa atitude, seu visual não é uniforme e muito menos caro. Cada um faz o seu, com o que está a seu alcance. E geralmente fica legal. Afinal, estilo não tem marca, muito menos preço. Tem coisa mais triste do que um grupo de meninas vestidas igualzinho passeando no shopping? Cadê a identidade? Ficou em casa? O povo que paga uma baba por uma camiseta, só para parecer “louquinho”, acaba sendo tão fake quanto os peitos daquela atriz quase-famosa. Que tal ser você mesmo? Evita pagar mico e é bem mais barato. Carlos Albuquerque. Megazine. O Globo, 28 out. 2003.p. 15. Desmembrando o texto acima percebemos um falante (um dos participantes) que manipula um código (sistema de sinais que vai utilizar; por exemplo, a língua portuguesa) para a construção de uma mensagem (texto, enunciado), sobre um referente (assunto, tema), por meio de um canal (meio pelo qual a mensagem é veiculada), e um interlocutor (outro participante) a quem o texto é destinado e que interage com a mensagem para compreendê-la. Mas será que é só isso? Ao pensarmos o processo comunicativo como ato social e, como tal, concretizando diversas interações sociais por meio da linguagem, temos de levar em consideração o contexto situacional (ambiente externo aos participantes, em que se realiza o processo), a intenção do falante (o que ele quer realmente com a mensagem) e quem é o interlocutor da mensagem. Dessa maneira, um falante, ao formular uma determinada mensagem, além de escolher o assunto, o código e o canal, escolhe o interlocutor e, portanto, terá de adequar sua mensagem às características do interlocutor para agir sobre ele. Por que tudo isso? Porque é o interlocutor que constrói um sentido para a mensagem, fazendo uso de competência de leitura e dos seus conhecimentos prévios, sua ideologia, sua cultura, etc. Retomando o artigo “Mudernos de butique”, temos, por exemplo, o caso do jornalista (o falante) que, ao direcionar seu artigo (mensagem) para o estudante universitário (interlocutor), faz uso de expressões típicas dessa faixa etária e desse universo e cita exemplos, argumenta em função disso. Assim, tenta atingir seu objetivo: questionar os “mudemos de butique”, tentar convencê-los de

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Curso de Português para Vestibulares e Concursos - Professor Romão JúniorDENOTAÇÃO E CONOTAÇÃO

Às vezes empregamos certas palavras com um sentido diferente do convencional, como ocorre na fala de Hagar, um dos personagens da tira lida.

Hagar diz a seu amigo Eddie que, segundo ele, a vida deve ser vivida “até a última gota” E Helga, esposa de Hagar, interferindo na conversa explica que é por isso que o marido “enche o copo até a borda”.

Observe que Hagar emprega a expressão em sentido subjetivo ou figurado. Ao dizer “viver a vida até a última gota”, ele sugere que as pessoas vivam intensamente. Mas Helga interpreta essas palavras ao pé da letra, ou seja, de forma objetiva ou real, ao explicar ironicamente que era por essa razão que o marido enchia tanto o copo.

Vemos, portanto, que as palavras podem apresentar um sentido objetivo ou real, também chamado denotativo, ou, então, um sentido subjetivo, irreal, também chamado conotativo ou figurado.

→Denotação é o emprego da palavra em seu sentido objetivo, real ou literal.

→Conotação é o emprego da palavra em seu sentido subjetivo, irreal ou figurado.

O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

Mudernos de butique

Tem silicone nessa teoria de que os alternativos estão gastando os tubos para comprar roupa de grife. Quem vê a galerinha suando a camiseta Hering para entrar em festas como Maldita, Loud! e Alien Nation sabe que isso está bem distante da realidade. A turma do lado B anda de buzum e toma cerveja no bar da esquina antes de entrar na boate só pra economizar. Ouve Peaches e não Maria Rita. Coerentemente com essa atitude, seu visual não é uniforme e muito menos caro. Cada um faz o seu, com o que está a seu alcance. E geralmente fica legal. Afinal, estilo não tem marca, muito menos preço. Tem coisa mais triste do que um grupo de meninas vestidas igualzinho passeando no shopping? Cadê a identidade? Ficou em casa? O povo que paga uma baba por uma camiseta, só para parecer “louquinho”, acaba sendo tão fake quanto os peitos daquela atriz quase-famosa. Que tal ser você mesmo? Evita pagar mico e é bem mais barato. Carlos Albuquerque. Megazine. O Globo, 28 out. 2003.p. 15.

Desmembrando o texto acima percebemos um falante (um dos participantes) que manipula um código (sistema de sinais que

vai utilizar; por exemplo, a língua portuguesa) para a construção de uma mensagem (texto, enunciado), sobre um referente (assunto, tema), por meio de um canal (meio pelo qual a mensagem é veiculada), e um interlocutor (outro participante) a quem o texto é destinado e que interage com a mensagem para compreendê-la.

Mas será que é só isso? Ao pensarmos o processo comunicativo como ato social e, como tal, concretizando diversas interações sociais por meio da linguagem, temos de levar em consideração o contexto situacional (ambiente externo aos participantes, em que se realiza o processo), a intenção do falante (o que ele quer realmente com a mensagem) e quem é o interlocutor da mensagem. Dessa maneira, um falante, ao formular uma determinada mensagem, além de escolher o assunto, o código e o canal, escolhe o interlocutor e, portanto, terá de adequar sua mensagem às características do interlocutor para agir sobre ele. Por que tudo isso? Porque é o interlocutor que constrói um sentido para a mensagem, fazendo uso de competência de leitura e dos seus conhecimentos prévios, sua ideologia, sua cultura, etc.

Retomando o artigo “Mudernos de butique”, temos, por exemplo, o caso do jornalista (o falante) que, ao direcionar seu artigo (mensagem) para o estudante universitário (interlocutor), faz uso de expressões típicas dessa faixa etária e desse universo e cita exemplos, argumenta em função disso. Assim, tenta atingir seu objetivo: questionar os “mudemos de butique”, tentar convencê-los de que ser alternativo é ser você mesmo, ter identidade, ter estilo não apenas “usar roupa da moda”. Se o jornalista tivesse empregado um tom muito formal, sem levar em conta as características de seu interlocutor, poderia não ser compreendido ou não despertar a atenção dele.

Esse processo a que nos referimos não é uma passagem de informação linear e mecânica, mas sim uma complexa cadeia comunicativa:

As Competências dos Participantes

No esquema acima, podemos observar que tanto para o falante como para seu interlocutor são apontados diversos conhecimentos e características que vão interferir no processo comunicativo.

A competência comunicativa, isto é, a habilidade que um indivíduo tem para lidar com a linguagem, seja formular enunciados (no caso do falante), seja para atribuir sentido a eles (no caso do interlocutor), envolve o conhecimento de uma determinada língua, suas variantes e registros. Se um falante formula um enunciado em japonês para um interlocutor que desconhece essa língua, não se completará o processo comunicativo; se um falante formula um enunciado em um registro ultraformal para um

Curso de Português para Vestibulares e Concursos - Professor Romão Júniorinterlocutor de apenas cinco anos, provavelmente o processo comunicativo não será inteiramente efetivado.

A ideologia e a cultura dos participantes estão presentes na formulação e na leitura de um texto, condicionando e limitando as duas atividades, pois incluem o conjunto de crenças, representações e avaliações do mundo e da vida.

O aspecto psicológico retrata as influências variáveis do humor, da sensibilidade, da capacidade de tolerância, etc. de cada indivíduo no momento exato do processo comunicativo. Muitas vezes, um mesmo enunciado em momentos diferentes pode ser formulado de maneiras distintas por um mesmo falante, e pode ser lido e interpretado de maneiras distintas por um mesmo interlocutor.

A tipologia textual condiciona a formulação do enunciado a modelos preexistentes. Dessa maneira, o falante deve conhecer as particularidades dos tipos de texto, adequando sua mensagem a eles, assim como o interlocutor deve conhecê-las também, para poder fazer a leitura da mensagem.

Podemos concluir que o falante deve, além de observar suas próprias capacidades e características, prestar muita atenção nas capacidades e características de seu interlocutor. Quanto mais comuns forem as características do falante e do interlocutor, maior o êxito do processo comunicativo.

FUNÇÕES DA LINGUAGEM

EMOTIVA ou EXPRESSIVA (centra-se no emissor). A linguagem é subjetiva: predominam as sensações, opiniões e reflexões pessoais do emissor; observa-se a presença de verbos e pronomes na primeira pessoa (eu, me, mim, meu, minha). Exemplo:

CONATIVA ou APELATIVA (centra-se no receptor). Essa função representa um esforço de tentar convencer o receptor através de uma ordem, exortação, chamamento saudação ou súplica. Ela produz textos que “falam a mesma língua que o receptor”. Assim a característica gramatical desse tipo de texto é a segunda pessoa do discurso, (tu, vós) ou, ainda, os pronomes de tratamento (você, o senhor, a senhora, etc.), o imperativo e o vocativo. A mensagem publicitária é o exemplo mais flagrante desse tipo de função. Exemplo:

POÉTICA OU ESTÉTICA (centrada na mensagem). É a função que supervaloriza a mensagem, operando um trabalho com a própria linguagem. Coloca em evidência o lado palpável do signo. Isso, vale dizer que o significante é trabalhado na sonoridade, no ritmo, na disposição gráfica das palavras, na página em branco, na utilização das figuras de linguagem, etc.

Uma parte de mimé todo mundo;outra parte é ninguém:fundo sem fundo.

Uma parte de mimé multidãooutra parte estranhezae solidão

Uma parte de mimpesa, ponderaoutra partedelira

Uma parte de mimalmoça e janta;outra partese espanta.

Uma parte de mimé permanente;outra partese sabe de repente.

REFERENCIAL ou DENOTATIVA (centra-se no referente, no objeto da comunicação). Nela os signos organizam-se

Curso de Português para Vestibulares e Concursos - Professor Romão Júniorprocurando transmitir informações precisas. A mensagem está apoiada em informações definidas, claras, transparentes, sem ambigüidades. Esta função, identifica-se pelo uso da terceira pessoa do discurso e da denotação. Exemplo:

FÁTICA (centrada no canal), Quando a mensagem centrar-se no contato, no suporte físico, no canal, a função será fática. O objetivo desta função é abrir, testar, prolongar ou interromper o canal de contato entre emissor e receptor.

No nosso cotidiano, certos tiques lingüísticos como “entender, “ta”, “certo? etc. são elementos conectores que reforçam a mensagem, embora não transmitam nenhuma informação. Exemplo:

METALINGÜÍSTICA (centrada no código). A função metalingüística é aquela que utiliza o código como assunto ou como explicação do próprio código, isto é, num espelhar-se, a linguagem fala da própria linguagem. Exemplo:

Poética

O que é poesia?uma ilhacercadade palavraspor todosos lados

O que é poeta?um homemque trabalha o poemacom o suor de seu rostoum homemque tem fomecomo qualquer outro homem

(Cassiano Ricardo)

Essa poesia disseca o ato de fazer poesia. O fazer poético é o próprio tema da poesia. Um dicionário, uma gramática e mesmo esta nossa apostila são exemplos de exercício metalingüístico.