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Ana Mafalda de Castro e Pinho O CONTEXTO EDUCATIVO DE CRECHE COMO PROMOTOR DO DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA Tese de doutoramento em Psicologia, na especialidade em Psicologia do Desen- volvimento, orientada pela Professora Doutora Maria da Luz Bernardes Rodri- gues Vale Dias e pela Professora Doutora Maria de Lourdes Mendes Rocha Cró Braz e apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade de Coimbra. Julho/2015

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  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    Ana Mafalda de Castro e Pinho

    O CONTEXTO EDUCATIVO DE CRECHE COMO PROMOTOR

    DO DESENVOLVIMENTO PSICOLGICO DA CRIANA

    Tese de doutoramento em Psicologia, na especialidade em Psicologia do Desen-

    volvimento, orientada pela Professora Doutora Maria da Luz Bernardes Rodri-

    gues Vale Dias e pela Professora Doutora Maria de Lourdes Mendes Rocha Cr

    Braz e apresentada Faculdade de Psicologia e de Cincias de Educao da

    Universidade de Coimbra.

    Julho/2015

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    Imagem da capa adaptada de: http://www.guiadoscasados.com.br/creche-

    para-criancas-quando-deixar-os-filhos-na-creche/

    http://www.guiadoscasados.com.br/creche-para-criancas-quando-deixar-os-filhos-na-creche/http://www.guiadoscasados.com.br/creche-para-criancas-quando-deixar-os-filhos-na-creche/

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao de Coimbra

    O CONTEXTO EDUCATIVO DE CRECHE COMO PROMOTOR DO

    DESENVOLVIMENTO PSICOLGICO DA CRIANA

    Ana Mafalda de Castro e Pinho

    Tese de doutoramento em Psicologia, na especialidade em

    Psicologia do Desenvolvimento, orientada pela Professora Douto-

    ra Maria da Luz Bernardes Rodrigues Vale Dias e pela Professora

    Doutora Maria de Lourdes Mendes Rocha Cr Braz e apresentada

    Faculdade de Psicologia e de Cincias de Educao da Universi-

    dade de Coimbra.

    Coimbra

    2015

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    Education is the most powerful weapon

    which you can use to change the world.

    (Nelson Mandela)

    A educao o dever fundamental do homem pa-

    ra com o homem, a responsabilidade que ningum

    poder negligenciar sem contradio.

    (Cauly, 1995, p. 13)

    Fique, portanto, assente que a todos aqueles que nasce-

    ram homens necessria a educao, porque necessrio

    que sejam homens, no animais ferozes, nem animais bru-

    tos, nem troncos inertes. Da se segue tambm que, quanto

    mais algum educado, mais se eleva acima dos outros.

    (Comnio, 2006, p. 125)

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    Agradecimentos

    Sendo sempre ingrata a tarefa de um agradecimento quando se sente que esta corre o

    risco de conter omisses, devo, no entanto, deixar aqui expresso o meu reconhecimento

    a todos aqueles, que mais de perto e de uma forma ou de outra, tornaram possvel a con-

    cretizao deste trabalho.

    Em primeiro lugar, s minhas queridas orientadoras, que provocaram em mim uma en-

    volvncia e um fascnio enormes pela rea da educao e da psicologia, e a quem atri-

    buo o meu desenvolvimento pessoal e profissional por considerar que se tratam de

    exemplos de referncia excecionais. Devo, deste modo, expressar a minha maior grati-

    do Professora Doutora Maria de Lurdes Cr, pela sua amizade, carinho, orientao

    cientfica, apoio, confiana, dedicao, pelos conhecimentos transmitidos que estaro

    sempre presentes no meu percurso de vida e, tambm, por ter possibilitado conhecer a

    Professora Doutora Maria da Luz Vale Dias, a quem agradeo igualmente a amizade, o

    carinho, a disponibilidade, o conhecimento e rigor cientfico, o incentivo, a estima

    Obrigada por terem confiado e por me terem feito acreditar que Fernando Pessoa tem

    razo quando escreveu: [] Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir

    um castelo. Quero, por isso, deixar aqui bem expressa a minha mais profunda grati-

    do e, ainda, reconhecer que apesar das perdas irreparveis que ambas sofreram, nunca

    me senti sozinha ao longo deste percurso. Espero no ter defraudado as expetativas de

    V/Excs.

    Professora Doutora Florbela Vitria pelo incansvel auxlio no tratamento estatstico

    dos dados.

    Ao Professor Doutor Meireles-Coelho, professor da Universidade de Aveiro do Depar-

    tamento de Educao, por ter acreditado em mim, por me ter despertado o gosto pela

    investigao e por me ter guiado, na fase inicial do Mestrado em Cincias da Educao,

    e que de alguma forma continuou a inspirar-me at este trabalho.

    Aos educadores de infncia que aceitaram participar neste estudo.

    Aos verdadeiros amigos que incansavelmente me apoiaram e compreenderam as minhas

    ausncias sem questionar, sem exigir e sem pressionar.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    Zitinha pelo esprito crtico e pela capacidade de aguardar, sem data, o que devia ter

    sido feito ontem e pelo sbio conselho que um dia me escreveu num pedao de papel:

    Para ser grande, s inteiro [] S todo em cada coisa. Pe quanto s no mnimo que

    fazes. [] de Ricardo Reis.

    Finalmente, o meu reconhecimento e a dedicao deste trabalho aos meus pais pelo es-

    tmulo, apoio permanentes e pelo esforo e sacrifcios de uma vida inteira.

    Para ti avzinho!

    "Aqueles que passam por ns, no vo ss,

    no nos deixam ss. Deixam um pouco de

    si, levam um pouco de ns."

    (Antoine de Saint-Exupry)

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    ndice

    Resumo _____________________________________________________________ 13

    Abstract _____________________________________________________________ 17

    Lista de figuras _______________________________________________________ 19

    Lista de quadros ______________________________________________________ 21

    Lista de esquemas _____________________________________________________ 23

    Lista de tabelas _______________________________________________________ 25

    Lista de grficos ______________________________________________________ 29

    Lista de abreviaturas ___________________________________________________ 31

    Introduo ___________________________________________________________ 33

    Parte I - Enquadramento concetual ________________________________________ 39

    Captulo I - Contextualizao histrica da infncia e da educao de infncia ___ 40

    Introduo__________________________________________________________________ 43

    1.1. A descoberta da infncia: construindo a criana _________________________________ 49

    1.1.1. A infncia at finais da Idade Mdia ______________________________________ 53

    1.1.2. A infncia a partir do sculo XV _________________________________________ 55

    1.1.3. A infncia da segunda modernidade _______________________________________ 57

    1.1.4. A infncia e a criana luz da perspetiva dos que a procuraram notabilizar:

    intervenes adequadas _____________________________________________________ 60

    1.1.5. A infncia contempornea ______________________________________________ 66

    1.2. Contextualizao histrica da educao de infncia e das instituies dedicadas infncia69

    1.2.1. A educao de infncia em Portugal _______________________________________ 77

    1.2.2. A educao de crianas dos 0 aos 3 anos ___________________________________ 92

    1.2.3. As instituies dedicadas infncia _______________________________________ 99

    1.3. O percurso da formao de educadores de infncia em Portugal ___________________ 107

    1.3.1. A formao de educadores de infncia no mbito do contexto de creche _________ 108

    1.3.2. Formao inicial: desajuste em relao realidade profissional ________________ 111

    1.3.3. Opes tericas que enquadram a formao inicial __________________________ 113

    1.3.4. Formao contnua e formao em contexto _______________________________ 117

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    10

    1.3.5. O educador de infncia em contexto de creche: competncias __________________ 119

    Concluso _________________________________________________________________ 125

    Captulo II - O processo de desenvolvimento na infncia ___________________ 128

    Introduo_________________________________________________________________ 131

    2.1. Teorias explicativas do desenvolvimento na infncia ____________________________ 137

    2.2.1. O desenvolvimento cognitivo perspetivado por Piaget _______________________ 140

    2.2.2 Teoria cognitiva de Vygotsky ___________________________________________ 144

    2.2.3. Etapas da personalidade da criana perspetivadas por Wallon __________________ 149

    2.2.4. Teoria bruneriana do desenvolvimento intelectual ___________________________ 153

    2.2.5. Teoria ecolgica e bio ecolgica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner _ 160

    2.2.6. O desenvolvimento da criana na perspetiva de Brazelton ____________________ 169

    2.2. Desenvolvimento psicolgico dos 0 aos 3 anos ________________________________ 185

    2.2.1. Neuro desenvolvimento _______________________________________________ 196

    2.2.2. Aprendizagem e desenvolvimento _______________________________________ 203

    2.2.3. Ativao do desenvolvimento psicolgico _________________________________ 208

    Concluso _________________________________________________________________ 215

    Captulo III A interveno educativa em contexto de creche _________________ 217

    Introduo_________________________________________________________________ 219

    3.1. A educao de crianas dos 0 aos 3 anos _____________________________________ 223

    3.1.1. Princpios educativos em contexto de creche _______________________________ 227

    3.1.2. Intencionalidade educativa _____________________________________________ 233

    3.2. Prticas adequadas ao desenvolvimento de crianas em creche ____________________ 237

    3.2.1. Prticas adequadas ao desenvolvimento de bebs ___________________________ 241

    3.2.2. Prticas adequadas a crianas de 1 a 3 anos ________________________________ 250

    3.3. Qualidade do contexto educativo de creche ___________________________________ 259

    3.3.1. Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ITERS-R _____________________ 270

    3.4. O currculo em contexto de creche __________________________________________ 275

    3.5. Modelos curriculares adaptados ao contexto de creche __________________________ 285

    3.5.1. Modelo curricular: interpessoal-ambiental _________________________________ 285

    3.5.2. O modelo curricular High/Scope ________________________________________ 286

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    11

    3.6. O educador de infncia em contexto de creche _________________________________ 337

    Concluso _________________________________________________________________ 341

    Parte II Estudo emprico _____________________________________________ 343

    1. Formulao do problema, caracterizao do estudo, objetivos e hiptese geral _________ 345

    2. Desenho de investigao e procedimentos gerais ________________________________ 351

    3. Consideraes metodolgicas prvias _________________________________________ 357

    4. Metodologia _____________________________________________________________ 365

    4.1. Amostra _______________________________________________________________ 365

    4.2. Instrumentos e procedimentos ______________________________________________ 408

    4.2.1. Instrumentos ________________________________________________________ 408

    4.2.2. Fundamentao da escolha do programa de interveno ______________________ 416

    4.2.3. Procedimentos_______________________________________________________ 438

    5. Resultados ______________________________________________________________ 443

    5.1. Anlise qualitativa dos dados relativos s entrevistas __________________________ 443

    5.2. Anlise quantitativa dos dados ___________________________________________ 475

    5.3. Discusso dos resultados ________________________________________________ 519

    Concluses gerais ___________________________________________________________ 543

    Referncias bibliogrficas ____________________________________________________ 549

    Anexos ___________________________________________________________________ 611

    Anexo 1- Guio de entrevista ________________________________________________ 613

    Anexo 2 - Equipamento a constar na rea da casinha das bonecas____________________ 639

    Anexo 3 - Questionrio scio-demogrfico, caractersticas e comportamento___________ 645

    Anexo 4 - Avaliao do programa de interveno ________________________________ 659

    Anexo 5 - Grelha de observao/apreciao do desenvolvimento psicolgico (2 - 3 anos) _ 665

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    13

    Resumo

    Esta investigao enquadra-se na rea da Psicologia do Desenvolvimento, enquanto

    ingrediente vital na globalizao da infncia (Burman, 1996), particularmente, no que

    se refere promoo do desenvolvimento psicolgico da criana considerando o

    contexto educativo. Pretendeu-se, especificamente, estudar a importncia para o

    desenvolvimento psicolgico das crianas da sua permanncia, em idades precoces, em

    contextos educativos de creche, baseando a interveno educativa na utilizao de um

    programa de interveno, perspetivado pela investigadora, fundamentado na

    aprendizagem ativa e em experincias-chave da abordagem curricular High/Scope (Post

    & Homann, 2011) bem como no modelo Portage (Williams & Aiello, 2009),

    abrangendo diversos domnios especficos (sentido de si prprio; relaes sociais;

    representao criativa; movimento e msica; comunicao e linguagem; cognio;

    compreenso do espao e tempo; noo precoce da quantidade e do nmero).

    Uma vez que o cuidado e a educao de crianas em idades precoces tm vindo a ser

    transferidos do domnio privado da famlia para o domnio pblico, em instituies,

    como resposta s alteraes ocorridas durante as ltimas dcadas em Portugal,

    relativamente s condies econmicas, sociais e culturais, torna-se necessrio que tal

    contexto e o seu efeito sobre o desenvolvimento das crianas sejam objeto de

    investigaes contextualizadas e sistemticas neste pas. Com efeito, apesar das notrias

    abordagens, nas ltimas dcadas, ao estatuto da criana e respetiva educao (Portugal,

    2009a), continua a ser negligenciada em Portugal a educao das crianas at aos 3

    anos, sendo a prpria Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) omissa em relao a

    estas idades precoces. Deste modo, assumindo como objetivo primordial a promoo do

    desenvolvimento psicolgico destas crianas, torna-se assim premente a necessidade de

    se refletir sobre intervenes educativas para idades precoces (Belsky, 2006, 2009;

    Crosnoe, Leventhal, Wirth, Pierce, Pianta & NICHD, 2010; Field, 2008; Marcho,

    2003; NICHD, 2000; Pluess & Belsky, 2010; Vandell, 1997, 2004), sendo de

    importncia igualmente significativa, que essas sejam devidamente sustentadas em

    teorias cientficas do desenvolvimento humano. De facto, face ausncia de orientaes

    especficas que definam a interveno educativa em contexto de creche,

    imprescindvel estabelecer linhas de orientao que permitam aos educadores de

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    14

    infncia, a desempenhar funes nesse contexto, monitorizar, aperfeioar e elevar

    qualitativamente a sua interveno, com base na adoo de prticas adequadas ao

    desenvolvimento de crianas deste nvel etrio. Assim, na presente investigao,

    contando com a participao de crianas (N= 59) com cerca de 2 anos de idade,

    residentes em seis concelhos do pas, assim como com os respetivos educadores de

    infncia (N= 4), pretendeu-se, atravs de um estudo comparativo entre grupos de

    crianas sujeitas ou no ao programa acima referido e perspetivado no mbito desta

    pesquisa, conhecer o seu impacto no desenvolvimento psicolgico utilizando, nas fases

    de pr e ps-teste, grelhas de apreciao/avaliao desse desenvolvimento para crianas

    em idade de creche, construdas e aferidas anteriormente pela investigadora (Pinho,

    2008). Na pesquisa, foi tambm controlado o efeito do percurso profissional e

    acadmico dos educadores de infncia envolvidos.

    Preconizmos assim desenvolver um estudo, mais precisamente uma investigao-aco

    com uma componente quasi-experimental, cujos resultados permitissem perspetivar um

    curriculum para o contexto de creche, suscetvel de ativar o desenvolvimento

    psicolgico das crianas e de elevar qualitativamente a interveno educativa. Dado

    que, em Portugal, tal como j referido, a prpria LBSE lacunar neste aspeto, este

    estudo revela-se muito pertinente. Em suma, com esta investigao, ambicionmos

    contribuir para a reflexo acerca da importncia para o desenvolvimento psicolgico das

    crianas de uma interveno educativa cientificamente informada durante os trs

    primeiros anos de vida, retirando implicaes suscetveis de ser aplicadas no mbito da

    poltica educativa da infncia em Portugal.

    No que particularmente diz respeito aos dados recolhidos possvel avanar que as

    crianas que fizeram parte dos grupos experimentais, e que foram sujeitas ao programa

    de interveno, apresentaram ganhos superiores, na fase de ps-teste, ao nvel do

    desenvolvimento da motricidade glogal, da motricidade fina, da linguagem recetiva, da

    linguagem expressiva, do desenvolvimento cognitivo e do desenvolvimento afetivo-

    relacional, relativamente s crianas dos grupos de controlo, que vivenciaram uma

    interveno educativa natural.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    15

    Palavras-chave: desenvolvimento psicolgico dos 0 aos 3 anos, contexto educativo de

    creche, programa de interveno, prticas adequadas ao desenvolvimento de crianas

    em idade precoce

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    16

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    17

    Abstract

    This research falls in the area of developmental psychology as a vital ingredient in the

    "globalization of childhood" (Burman, 1996), particularly with regard to the promotion

    of the child's psychological development considering the educational context. It was

    specifically intended to study the importance to the psychological development of chil-

    dren of its sojourn at early ages in daycare educational contexts, basing the pedagogical

    intervention in the use of an intervention program, envisaged by the researcher, based

    on active learning and on key experiences of the High / Scope curricular approach (Post

    & Homann, 2011), as well as on the Portage model (Williams & Aiello, 2009), covering

    several specific areas (sense of self, social relations, creative representation, movement

    and music; communication and language, cognition, comprehension of space and time,

    early notion of the amount and number).

    Once the care and education of children in early ages have been transferred from the

    private domain of the family into the public domain, in institutions, as a response to

    changes during the last decades of economic, social and cultural conditions in Portugal,

    it is necessary that such a context and its effect on children's development are the sub-

    ject of contextualized and systematic investigations in this country. Indeed, despite no-

    torious approaches in recent decades to the status of children and their education (Por-

    tugal, 2009a), the education of children up to three years old continues to be neglected

    in Portugal, being the very Law of the Education System (LBSE) silent on these early

    ages. Assuming as a primary objective the promotion of the psychological development

    of these children, it becomes a pressing need to reflect on educational interventions for

    early ages (Belsky, 2006, 2009; Crosnoe, Leventhal, Wirth, Pierce, Pianta & NICHD,

    2010; Field, 2008; Marcho, 2003; NICHD, 2000; Pluess & Belsky, 2010; Vandell,

    1997, 2004), being also of significant importance, that these are properly supported in

    scientific theories of human development. In fact, in the absence of specific guidelines

    that define educational intervention in the context of childcare, it is urgent to establish

    guidelines that enable early childhood educators, performing functions in this context,

    to monitor, improve and qualitatively raise its intervention basing it in the adoption of

    appropriate practices in the development of children of this age level. Thus, in this re-

    search, with the participation of children (N = 59) with about two years of age, living in

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    18

    six municipalities in the country, as well as with their kindergarten teachers (N = 4), it

    was intended, through a comparative study between groups of children, subject or notto

    the above program and under this research, to know their impact on the psychological

    development using, in the pre and post-test phases, observation / appreciation grids of

    this development for children in childcare age, built and verified previously by the can-

    didate (Pinho, 2008). In the research, the effect of professional and academic career of

    the kindergarten teachers involved was also controlled.

    We advocated, then, to develop a study, more precisely a research-action with a quasi-

    experimental component, whose results would allow to envisage a curriculum for the

    context of childcare, which could activate the psychological development of children

    and qualitatively raise the educational intervention. As in Portugal, as mentioned above,

    the very Law on the Education System is blank in this aspect, this study proves to be

    very relevant. In short, with this research, we aim to contribute to the reflection on the

    importance to the psychological development of children of a scientifically informed

    educational intervention during the first three years of life, removing implications sus-

    ceptible of being applied within the childhood education policy in Portugal.

    With particular regard to the data collected is possible to advance that children who

    were part of the experimental groups, which were subject to an intervention program,

    showed higher gains in the post-test phase at the level of development of glogal motor

    skills, fine motor skills, receptive language, expressive language, cognitive development

    and affective and relational development, comparing to the children of the control

    group, who experienced a natural educational intervention.

    Keywords: psychological development from 0 to 3 years old, educational context of

    daycare, intervention program, appropriatepractices to the development of children at an

    early age

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    19

    Lista de figuras

    Figura 1 - Modelo Ecolgico de Bronfenbrenner ____________________________ 161

    Figura 2 - Modelo Bio Ecolgico de Bronfenbrenner ________________________ 168

    Figura 3 - Processo de aprendizagem _____________________________________ 204

    Figura 4 - Elementos a considerar no trabalho com crianas em idade precoce ____ 232

    Figura 5 - Standards for child care _______________________________________ 265

    Figura 6 - "Teaching pyramid" Modelo de promoo de competncias especiais e de

    mudana de comportamento ____________________________________________ 267

    Figura 7 - Roda de aprendizagem ________________________________________ 300

    Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062469Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062470Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062471Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062471Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062472

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    20

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    21

    Lista de quadros

    Quadro 1 - Princpios educativos de Cataldo _______________________________ 228

    Quadro 2 - Princpios educativos de Gonzalez-Mena & Eyer __________________ 230

    Quadro 3 - Perfil de implementao do programa ___________________________ 291

    Quadro 4 - Experincias-chave para bebs e crianas ________________________ 308

    Quadro 5 - Estratgias que facilitam interaes entre adulto-criana ____________ 319

    Quadro 6 - Organizao de um ambiente para crianas at aos trs anos _________ 324

    Quadro 7 - Programao diria e de rotinas de cuidados para crianas at aos trs anos

    __________________________________________________________________ 333

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    22

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    23

    Lista de esquemas

    Esquema 1 - Conceo da investigao ___________________________________ 355

    Esquema 2 - Etapas aplicadas aos grupos experimentais ______________________ 355

    Esquema 3 - Aplicao do pr e ps-teste aos grupos de controlo _______________ 356

    Esquema 4 - Programa de interveno ____________________________________ 425

    Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062550Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062551Tese%20-%20Junho%202015.doc#_Toc422062552

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    24

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    25

    Lista de tabelas

    Tabela 1. Subestdios do perodo sensrio-motor ___________________________ 142

    Tabela 2. Teorias da aprendizagem ______________________________________ 205

    Tabela 3. Capacidade e organizao dos grupos e do pessoal __________________ 266

    Tabela 4. reas/subescalas e itens da ITERS-R _____________________________ 271

    Tabela 5. Caraterizao dos grupos de pesquisa e etapas do estudo _____________ 352

    Tabela 6. Caraterizao da amostra de crianas: por grupo e por idade___________ 366

    Tabela 7. Caraterizao da amostra de crianas: por grupo e gnero _____________ 367

    Tabela 8. Distribuio da amostra por concelho ____________________________ 368

    Tabela 9. Idade de admisso e tempo de permanncia mdios por grupo e amostra total

    __________________________________________________________________ 369

    Tabela 10. Outras respostas sociais antes da creche por grupo e amostra total _____ 370

    Tabela 11. Perodo de adaptao por grupo e amostra total ____________________ 371

    Tabela 12 - Reao da criana durante o perodo de adaptao por grupo e amostra total

    __________________________________________________________________ 372

    Tabela 13. Reao da criana durante o perodo de adaptao por grupo e amostra total

    (%) _______________________________________________________________ 373

    Tabela 14. Estado civil dos pais por grupo e amostra total ____________________ 374

    Tabela 15. Habilitaes do pai por grupo e amostra total _____________________ 375

    Tabela 16. Habilitaes da me por grupo e amostra total _____________________ 376

    Tabela 17. Profisso do pai por grupo e amostra total ________________________ 377

    Tabela 18. Profisso do pai por grupo e amostra total (n=59) __________________ 378

    Tabela 19. Profisso da me por grupo e amostra total _______________________ 379

    Tabela 20. Profisso da me por grupo e amostra total (n=59) _________________ 380

    Tabela 21. Tipo de habitao e propriedade por grupo e amostra total ___________ 381

    Tabela 22. A criana por grupo e amostra total (n=59) ____________________ 382

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    26

    Tabela 23. Hbitos de sono por grupo e amostra total ________________________ 383

    Tabela 24. Hbitos alimentares por grupo e amostra total (n=59) _______________ 384

    Tabela 25. Hbitos de higiene por grupo e amostra total ______________________ 385

    Tabela 26. Brincadeiras preferidas por grupo e amostra total __________________ 386

    Tabela 27. Situao desenvolvimental: rea da linguagem, rea psicomotora, por grupo

    e amostra total _______________________________________________________ 387

    Tabela 28. Situao desenvolvimental: rea afetivo-relacional, rea cognitiva, por grupo

    e amostra total _______________________________________________________ 388

    Tabela 29. Reao da criana em grande grupo, por grupo e amostra total ________ 389

    Tabela 30. Reao da criana na comunicao com os adultos, por grupo e amostra total

    __________________________________________________________________ 390

    Tabela 31. Reao da criana na comunicao com outras crianas _____________ 392

    Tabela 32. Circunstncias em que a criana comunica por grupo e amostra total ___ 393

    Tabela 33. Motivo para a colocao na instituio, por grupo e amostra total _____ 394

    Tabela 34. Caraterizao dos educadores de infncia por grupo, gnero, idade, estado

    civil e rea de residncia _______________________________________________ 397

    Tabela 35. Formao acadmica dos educadores de infncia __________________ 397

    Tabela 36. Tempo de servio dos educadores de infncia _____________________ 398

    Tabela 37. Fases de implementao do programa de interveno _______________ 425

    Tabela 38. Tabela de categorizao ______________________________________ 443

    Tabela 39. Categoria 1 Formao de e para educadores de infncia ____________ 447

    Tabela 40. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Conceito de infncia __ 448

    Tabela 41. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Objetivos e funes da

    educao de infncia __________________________________________________ 449

    Tabela 42. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Educao de crianas dos 0

    aos 3 anos __________________________________________________________ 449

    Tabela 43. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Objetivos e funes da

    educao de crianas dos 0 aos 3 anos ____________________________________ 450

    Tabela 44. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Vantagens dos contextos de

    creche _____________________________________________________________ 452

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    27

    Tabela 45. Categoria 2 - Educao de Infncia / Indicador: Qualidade dos contextos de

    creche _____________________________________________________________ 453

    Tabela 46. Aspetos influentes na qualidade dos contextos de creche ____________ 454

    Tabela 47. Categoria 3 Programa de interveno / Indicador: Programa de interveno

    __________________________________________________________________ 455

    Tabela 48. Categoria 3 Programa de interveno / Indicador: Aspetos a contemplar na

    adequao de um programa de interveno ________________________________ 456

    Tabela 49. Categoria 3 - Programa de interveno / Indicador: Envolvimento das

    crianas nas experincias/atividades _____________________________________ 457

    Tabela 50. Categoria 4 Interveno educativa / Fundamentos cientficos da

    interveno educativa _________________________________________________ 458

    Tabela 51. Categoria 4 Interveno educativa / Prioridades mais valorizadas na

    interveno educativa _________________________________________________ 459

    Tabela 52. Categoria 4 Interveno educativa / Indicador: Principais dificuldades na

    interveno educativa _________________________________________________ 460

    Tabela 53. Categoria 4 Interveno educativa / Indicador: Frequncia de atividades e

    experincias proporcionadas ____________________________________________ 461

    Tabela 54. Categoria 4 - Interveno educativa / Indicador: Organizao do ambiente

    educativo (espao fsico da sala de atividades) _____________________________ 463

    Tabela 55. Categoria 4 Interveno educativa /Indicador: Organizao do ambiente

    educativo (Rotina diria) ______________________________________________ 464

    Tabela 56. Categoria 4 - Interveno educativa/Indicador: Contacto adultos-crianas 465

    Tabela 57. Categoria 4 Interveno educativa/Indicador: As crianas so incentivadas

    a... ________________________________________________________________ 466

    Tabela 58. Tabela de categorizao ______________________________________ 467

    Tabela 59. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,

    para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Global _____________ 475

    Tabela 60. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os

    grupos experimentais e de controlo na Motricidade Global ____________________ 481

    Tabela 61. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas

    pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Global ____ 482

    Tabela 62. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,

    para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Fina _______________ 485

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    28

    Tabela 63. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os

    grupos experimentais e de controlo na Motricidade Fina ______________________ 488

    Tabela 64. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas

    pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Motricidade Fina ______ 490

    Tabela 65. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,

    para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Recetiva_____________ 491

    Tabela 66. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os

    grupos experimentais e de controlo na Linguagem Recetiva ___________________ 494

    Tabela 67. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas

    pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Recetiva ___ 495

    Tabela 68. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,

    para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Expressiva ___________ 497

    Tabela 69. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os

    grupos experimentais e de controlo na Linguagem Expressiva _________________ 500

    Tabela 70. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas

    pontuaes para os grupos experimentais e de controlo na Linguagem Expressiva _ 501

    Tabela 71. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,

    para os grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Cognitivo ______ 503

    Tabela 72. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os

    grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Cognitivo _____________ 506

    Tabela 73. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas

    pontuaes para os grupos experimentais e para os grupos de controlo no

    Desenvolvimento Cognitivo ____________________________________________ 507

    Tabela 74. Pontuaes mdias, desvios-padro, mnimo e mximo, no pr e ps-teste,

    para os grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Afetivo-Relacional 509

    Tabela 75. Mdias e desvios-padro da diferena entre o pr-teste e o ps-teste para os

    grupos experimentais e para os grupos de controlo no Desenvolvimento Afetivo-

    Relacional __________________________________________________________ 512

    Tabela 76. Proporo de crianas que baixaram, mantiveram e aumentaram as suas

    pontuaes para os grupos experimentais e de controlo no Desenvolvimento Afetivo-

    Relacional __________________________________________________________ 513

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    29

    Lista de grficos

    Grfico 1. Perodos sensveis (Fonte: Bardin, 2012) _________________________ 132

    Grfico 2. Perceo das educadoras dos grupos experimentais acerca dos ganhos obtidos

    nas diversas dimenses com a implementao do Programa ___________________ 470

    Grfico 3. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais e de

    controlo na Motricidade Global _________________________________________ 476

    Grfico 4. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais (GE >

    tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo

    de servio) na Motricidade Global _______________________________________ 477

    Grfico 5. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos

    GE>ts, GEts e GC

    tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo

    de servio) na Motricidade Fina _________________________________________ 487

    Grfico 8. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos

    GE>ts, GEts e GC

    tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo

    de servio) na Linguagem Recetiva ______________________________________ 493

    Grfico 11. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos

    GE>ts, GEts e GC

    tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo

    de servio) na Linguagem Expressiva ____________________________________ 498

    Grfico 14. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos

    GE>ts, GEts e GC

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    30

    Grfico 15. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais e de

    controlo no Desenvolvimento Cognitivo __________________________________ 504

    Grfico 16. Pontuaes mdias no pr e ps-teste para os grupos experimentais (GE >

    tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo

    de servio) no Desenvolvimento Cognitivo ________________________________ 504

    Grfico 17. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos

    GE>ts, GEts e GC

    tempo servio; GE < tempo de servio) e de controlo (GC> tempo servio; GC< tempo

    de servio) no Desenvolvimento Afetivo-Relacional _________________________ 510

    Grfico 20. Diferena entre a pontuao obtida no pr-teste e no ps-teste nos grupos

    GE>ts, GEts e GC

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    31

    Lista de abreviaturas

    1 CEB 1 Ciclo Ensino Bsico

    ADP Ativao do desenvolvimento psicolgico

    CNE Conselho Nacional de Educao

    C.A.T.L. Centro de Atividades de Tempos Livres

    COR Child Observation Record

    DAP Developmentally appropriate practice

    ECERS-R Early Childhood Environment Rating Scale - Revised Edition

    ENEI Escolas Normais de Educao de Infncia

    GC Grupo de controlo

    GE Grupo experimental

    Grupo de controlo < ts Grupo de controlo cujo educador de infncia apresenta tempo

    de servio inferior

    Grupo de controlo > ts Grupo de controlo cujo educador de infncia apresenta tempo

    de servio superior

    Grupo experimental< ts Grupo de controlo cujo educador de infncia apresenta tempo

    de servio inferior

    Grupo experimental> ts Grupo experimental cujo educador de infncia apresenta tem-

    po de servio superior

    IPSS Instituio Particular de Solidariedade Social

    ITERS-R Infant/Toddler Environment Rating Scale - Revised Edition

    LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo

    MCEECDYA Ministerial Council for Education, Early Childhood Development and

    Youth Affairs

    NAEYC National Association for the Education of Young Children

    NCATE National Council for Accreditation of Teacher Education

    NICHD National Institute of Child Health and Human Development

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    32

    NIEER National Institute for Early Education Research

    OCDE Organizao para a Cooperao Econmica e Desenvolvimento

    OECD The Organisation for Economic Co-operation and Development

    ONG Organizao no-governamental

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PB Pr-Bolonha

    PIP Perfil de Implementao do Programa

    UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

    UNICEF United Nations Children's Fund

    ZDP Zona de desenvolvimento proximal

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    33

    Introduo

    A temtica desta dissertao prope uma perspetiva inovadora de conceber a educao

    em contexto de creche distinta daquela que tem sido usual. Numa altura em que, final-

    mente, se comea a perceber que a educao de qualidade um requisito fundamental

    para o desenvolvimento psicolgico de qualquer criana e que intervenes educativas

    e/ou contextos de qualidade dbia podem constituir um risco para a vida das crianas

    premente identificar os fatores mais favorveis a esse desenvolvimento. As questes

    relacionadas com a qualidade das intervenes educativas e/ou dos contextos educativos

    tm sido discutidas, muito recentemente, por essas estarem a ser perspetivadas como

    tendo uma relao muito prxima com a evoluo dos pases, sendo que a educao de

    qualidade encarada como o caminho mais plausvel para colmatar as desigualdades

    sociais e para a promoo do empreendedorismo, tal como a The Organisation for

    Economic Co-operation and Development preconiza, destacando que efetivamente h

    vrias teorias a relacionar o investimento no desenvolvimento do capital humano com a

    educao, bem como o papel do capital humano no desenvolvimento econmico.

    Many theories explicity connect investment in human capital development to educati-

    on, and the role of human capital in economic development [] (OECD, 2013, p.

    286). De facto, a aprendizagem humana est relacionada com educao e desenvolvi-

    mento pessoal. tida como um processo integrado que provoca uma transformao

    qualitativa na estrutura mental do indivduo [] (Oliveira et al. 2012, p. 1627). Neste

    sentido, e tendo em vista um retorno positivo, procuraremos provocar uma reflexo em

    torno de questes geradoras da qualidade da interveno em contexto de creche e do que

    realmente significa educar no mbito do contexto em questo, uma vez tratar-se de um

    contexto que integra crianas com especificidades muito particulares, como a precoci-

    dade em relao idade e a consequente dependncia relativamente ao adulto que, de

    acordo com Pedro Strecht, quanto mais pequena uma criana, mais dependente dos

    outros estar para se poder organizar e crescer (Strecht, 2001, p. 31).

    A propsito da precocidade relativamente idade a Organizao Mundial de Sade

    determinou que a primeira infncia decorre do perodo pr-natal at aos oito anos e,

    tambm, que se trata da fase da vida mais importante para o desenvolvimento do ser

    humano (Cardoso & Mendes, 2014). Assim, e atendendo a que o desenvolvimento da

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    34

    criana se processa na interao com outras crianas, com adultos, com objetos e mate-

    riais, premente perspetivar a infncia como uma etapa da vida que implica a dade

    cuidado e educao, proporcionados intencionalmente em ambientes adequados, de ele-

    vada qualidade, uma vez que, amplamente reconhecido que o desenvolvimento das

    crianas no se processa de uma forma linear e que todo o ambiente que a envolve o

    influncia, o que determina que a frequncia de contextos de qualidade interfira de for-

    ma positiva no desenvolvimento. It is recognised now that childrens development is

    not simply linear; rather, childrens development plateaus, accelerates and deviates ac-

    cording to the environment and context of their lives (Blandford & Knowles, 2013, p.

    80).

    Considerando o contexto de creche como um ambiente adequado e a intencionalidade

    educativa como um propsito na interveno mais apropriada, na medida em que o seu

    objetivo primordial se relaciona com o bem-estar da criana, o que consequentemente

    favorece o seu desenvolvimento psicolgico, vrios estudos apontam resultados desen-

    volvimentais superiores, apresentados por vrias crianas, e que tm sido associados

    qualidade dos contextos educativos de creche frequentados.

    No que particularmente se refere aos resultados desenvolvimentais superiores apresen-

    tados pelas crianas destacam-se especificamente as competncias sociais (autorregula-

    o, autocontrolo, cumprimento de regras, capacidade de aceitao); a aptido para a

    resoluo dos prprios conflitos; as competncias ao nvel da linguagem (recetiva e ex-

    pressiva); as competncias cognitivas; a nveis de envolvimento mais elevados; as com-

    petncias ao nvel da gesto emocional (bem estar emocional e expresso de emoes

    positivas) e a relaes estveis com vinculaes mais seguras, com um papel fulcral na

    promoo de uma conduta social positiva (Anastcio & Nobre-Lima, 2015), o que vem

    corroborar com a perspetiva de Zabalza (1998, p. 9) quando refere que parece [] no

    haver dvida alguma sobre a importncia que os aspectos qualitativos adquirem no m-

    bito da educao. E, mais ainda, quando se trata de dar atendimento a crianas peque-

    nas, ainda que a anlise da qualidade do contexto de creche seja suscetvel de se opera-

    cionalizar em torno de diferentes indicadores e que se relacione frequentemente com

    questes social e culturalmente aceites.

    No que diz respeito problemtica da investigao tratada nesta dissertao centra-se

    sobretudo na necessidade de elevar qualitativamente a interveno educativa no mbito

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    35

    do contexto de creche, sendo que para o efeito, formulmos o nosso problema em torno

    da possibilidade de ativar o desenvolvimento psicolgico das crianas, com dois anos de

    idade, em contexto de creche de qualidade, cuja interveno educativa se baseie na im-

    plementao de um programa de interveno e em estratgias pedaggicas adequadas.

    Deste modo, ao problematizar a interveno educativa em contexto de creche, face

    possibilidade de se tratar de um contexto promotor do desenvolvimento psicolgico,

    consideramos que fulcral o educador de infncia criar hbitos enraizados de observa-

    o e reflexo para ajustar continuamente a sua interveno s reais necessidades das

    crianas.

    Relativamente ao nosso estudo, adotmos um estudo com carcter de investigao-ao,

    com uma componente quasi-experimental, com dois grupos experimentais e dois grupos

    de controlo, e com aspetos de natureza qualitativa e quantitativa, uma vez que todo o

    processo investigativo se desenvolveu de uma forma participada e construda com todos

    os intervenientes por fases. Para alm de envolver os participantes nesse processo, o

    mtodo alia a investigao interveno e possui, igualmente, um carter reflexivo de

    extrema relevncia para o nosso projeto.

    Em relao estrutura desta dissertao, e particularmente no que se refere ao enqua-

    dramento concetual (Parte I), que se organiza em torno de uma perspetiva reflexiva com

    base em princpios formulados por Schn (1987) e Dewey (1910), situada na linha de

    uma prtica verdadeiramente reflexiva, no primeiro captulo elabormos uma contextua-

    lizao histrica sobre a descoberta da infncia, percorrendo perodos histricos desde a

    Idade Mdia at atualidade, e tambm uma contextualizao histrica sobre o apare-

    cimento da educao de infncia e das instituies dedicadas infncia, com maior n-

    fase na sua organizao no nosso pas, o que possibilita uma melhor compreenso da

    sua situao atual e das diferentes questes que influenciam o seu funcionamento. Ain-

    da neste captulo aborda-se o percurso de formao dos educadores de infncia em Por-

    tugal, sobretudo no que se refere formao adequada ao contexto educativo de creche,

    nomeadamente formao inicial, formao contnua e formao em contexto. Deste

    modo, sero referidas opes tericas que devem enquadrar a formao inicial, mas

    tambm aspetos da formao contnua e da formao em contexto que devem assegurar,

    cumulativamente, a qualidade do ambiente educativo e o desenvolvimento das crianas.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    36

    A finalizar o primeiro captulo so abordadas as principais competncias do educador de

    infncia em contexto de creche.

    Posteriormente, no segundo captulo, e tendo em considerao que esta dissertao se

    enquadra na rea da psicologia do desenvolvimento, que [] tem como objecto de

    estudo as vrias etapas do ciclo de vida humano, atravs do desenvolvimento biopsico-

    lgico resultante da interao entre o sujeito e o meio (Tavares et al., 2011, p. 18),

    enunciam-se as principais teorias explicativas do desenvolvimento na infncia e aspetos

    mais especficos relacionados com a promoo do desenvolvimento dos 0 aos 3 anos,

    em particular o neuro desenvolvimento, a aprendizagem e a ativao do desenvolvimen-

    to psicolgico.

    A finalizar o enquadramento concetual, no terceiro captulo, faz-se referncia inter-

    veno educativa em contexto de creche, com aluso a princpios educativos perspeti-

    vados por Cataldo (1983) e Gonzalez-Mena & Eyer (2012, 2001) e importncia da

    intencionalidade educativa; a prticas adequadas ao desenvolvimento de crianas em

    idade de creche perspetivadas pela National Association for the Education of Young

    Children (NAEYC); a aspetos que favorecem a qualidade do contexto de creche, com

    destaque para a Escala de Avaliao do Ambiente de Creche ITERS-R The Infant

    Toddler Environment Rating Scale - Revised Edition de Thelma Harms, Debby Cryer

    e Richard M. Clifford (Harms, Cryer & Clifford, 2003, 1990); com o enquadramento

    curricular para o contexto de creche; a abordagens curriculares adequadas ao contexto

    educativo em questo, com maior incidncia na abordagem curricular High/Scope; e,

    por fim, ao perfil do educador de infncia em contexto de creche.

    No que se refere ao estudo emprico (Parte II), inicialmente faz referncia formulao

    do problema, caraterizao do estudo, aos objetivos e hiptese geral. No que particu-

    larmente diz respeito ao desenho da investigao e procedimentos gerais so apresenta-

    dos no segundo ponto. No ponto trs so abordadas consideraes metodolgicas pr-

    vias e no ponto seguinte feita uma aluso metodologia, com destaque para a amostra

    e para os instrumentos e procedimentos. Neste ponto feita referncia fundamentao

    da escolha do programa de interveno. No ponto cinco feita uma apresentao dos

    resultados, com base na anlise qualitativa e quantitativa dos dados, e uma discusso

    desses resultados.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    37

    A terminar, na concluso h espao para abordar concluses gerais, assim como para a

    descrio de implicaes, limitaes e investigaes futuras.

    Conclumos com a apresentao das referncias bibliogrficas e dos anexos.

    All I really need to know about how to live and what

    to do and how to be i learned in kindergarten.

    Wisdom was not at the top of the graduate school mountain,

    but there in the sandpile at sunday school.

    These are the things I learned:

    Share everything.

    Play fair.

    Don't hit people.

    Put things back where you found them.

    Clean up your own mess.

    Don't take things that aren't yours.

    Say you're sorry when you hurt somebody.

    Wash your hands before you eat.

    Flush.

    Warm cookies and cold milk are good for you.

    Live a balanced life - learn some and think some and draw and

    paint and sing and dance and play and work everyday some.

    Take a nap every afternoon.

    When you go out into the world, watch out for traffic,

    hold hands and stick together.

    Robert Fulghum (Fulghum, 2004)

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    38

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    39

    Parte I - Enquadramento concetual

    Parte I Enquadramento concetual

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    40

    Captulo I - Contextualizao histrica da infncia e da educao

    de infncia

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    41

    Captulo I

    Contextualizao histrica da infncia e da educao de infncia

    _________________________________________________________________________

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    42

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    43

    Introduo

    A contextualizao da educao de infncia implica, em primeiro lugar, a abordagem

    histrica da criana e da infncia justificando-se, este facto, pela sua associao, sendo

    que o aparecimento da educao de infncia s se torna significativo a partir do momen-

    to em que se considera, tambm, a existncia da infncia e da criana. A confuso exis-

    tente em relao aos conceitos de infncia e de criana leva-nos a definir cada um deles,

    em torno do que Gomes-Pedro (2004) perspetiva ser criana, um novo e urgente sentir

    da criana (Gomes-Pedro, 2005), e tambm luz das perspetivas de Vilarinho (2004) e

    do movimento da Escola Nova, por se tratar de explicaes que se completam. Assim

    sendo, para Gomes-Pedro (2004, p. 33) a criana a razo de ser do mundo e, mais do

    que isso, representa o futuro desse mundo. A concetualizao de Vilarinho (2004) tem

    como fio condutor o facto de a infncia no se tratar de uma fase transitria, sendo que

    os sujeitos que so transitrios, ou seja, a criana. O movimento da Escola Nova1, que

    se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos em finais do sculo XIX e incio do

    sculo XX, que contraria e renova o ensino praticado at essa altura, fez a distino en-

    tre criana e infncia, como reao s anteriores concees educativas da Escola

    Tradicional (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2012; Meireles-Coelho, Cotovio &

    1 Assente no estudo da psicologia do desenvolvimento na infncia, defende o respeito pela indi-

    vidualidade dos alunos e uma participao mais ativa na prpria formao. Pode dizer-se,

    semelhana de Meireles-Coelho & Ferreira (2009), que as razes da Escola Nova remontam a

    Scrates e a Plato, que defendiam a descoberta e a aprendizagem por parte do aluno, em oposi-o ao conhecimento organizado e ensinado pelo professor, mas sobretudo a Rousseau (1712-

    1778) que salientou o facto de a criana no ser um adulto em miniatura, mas antes um ser que

    vive num mundo prprio. Estes princpios permitiram a Pestalozzi (1746-1827), Froebel (1782-1852) e Tolstoi (1828-1910) incrementar as bases para o desenvolvimento do movimento da

    Escola Nova com princpios pedaggicos assentes nos interesses das crianas, no ensino indivi-

    dualizado, na actividade manual, na ligao escola/meio e no autogoverno. Associado a este

    movimento encontram-se, tambm, Claparde (1873-1940), Decroly (1871-1932), Freinet (1896-1966), Dewey (1859-1952), Faria de Vasconcelos (1880-1939), entre outros. Este ltimo,

    portugus nascido em Castelo Branco, criou em Bierges, na Blgica, uma instituio onde o

    ensino se centrava na aprendizagem das crianas, a partir dos seus prprios interesses, numa pedagogia diferenciada e orientada por um ensino individualizado, com recurso a mtodos ati-

    vos e metodologia de projeto. A sua perspetiva deu a oportunidade a Ferrire (1879-1960),

    fundador do Bureau International des coles Nouvelles (1899), de enunciar os 30 princpios segundo os quais seria possvel reconhecer uma Escola Nova (Cabanas, 2002; Meireles-Coelho,

    Cotovio & Ferreira, 2012; Duarte & Meireles-Coelho, 2011; Duarte, 2010; Reizinho, 1981;

    Figueira, 2004; Cr, 1990, 1994a, 2006).

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    44

    Ferreira, 2012; Martins, 2006). A criana seria, ento, um ser com uma necessidade

    natural de adquirir experincia e a infncia seria a poca ou a altura adequada para a

    aquisio dessa experincia, que levaria formao do adulto. Estas definies, condi-

    centes com a origem etimolgica das palavras:criana e infncia (criana deriva do

    latim creantia que significa criao; infncia deriva do latim infantia, que significa

    incapacidade para falar)2 (Cole & Packer, 2011), so ainda hoje aceites. Deste modo, e

    atendendo a que se trata de conceitos diferentes, mas com uma forte ligao indissoci-

    vel, referir-nos-emos a um ou a outro para considerarmos o Ser ou o perodo, porque

    a criana existe na infncia e a infncia da criana e foram historicamente construdos

    em simultneo (Sarmento, Fernandes & Toms, 2007).

    No que particularmente se refere atual situao da criana e da infncia, as transfor-

    maes sociais, culturais e econmicas, com impacto a nvel nacional e internacional,

    que resultam de um passado com elementos histricos significativos e apesar de sempre

    terem existido crianas, a construo da infncia enquanto categoria social muito re-

    cente (Ferreira, 2004). Na perspetiva de Sarmento (2004), trata-se de uma ideia moder-

    na, pautada por uma lenta construo social, enquanto Manen & Levering (1996) refe-

    rem que tanto a perspetiva de Aris como a de DeMause em relao infncia como

    categoria social e enquanto conceito com relevncia pedaggica uma inveno da so-

    ciedade ocidental, o que significa que [] as abordagens da construo social da in-

    fncia procuram mostrar que os modos como se concebem a(s) criana(s) so, por um

    lado, produto da histria, de teorias, ideias e debates situados nas esferas acadmicas,

    profissionais e polticas, pelo que o conhecimento acerca da infncia e das suas vidas

    depende, em grande medida, das predisposies de uma conscincia constituda em re-

    lao a contextos sociais, polticos, histricos, morais, cientficos. Por outro lado,

    tambm nas instituies e/ou na aco social que a infncia socialmente construda

    pelas prprias crianas e adultos, nas experincias quotidianas em que elas se inserem

    [] (Ferreira, 2004, p. 19).

    A criana e a infncia analisadas luz das perspetivas histrica, social, cultural, poltica

    e econmica permitem compreender o facto de estarem contempladas nas agendas pol-

    tico-educativas quer a nvel nacional e internacional, os problemas da infncia e da cri-

    2 Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa (2003). Lisboa: Temas e Debates.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    45

    ana, que, por um lado, promovem maior notoriedade infncia (Vilarinho, 2004; Sar-

    mento & Pinto, 1997) e, por outro, manifestam que a plena consagrao dos direitos da

    criana ainda uma utopia. A proclamao dos Direitos da Criana e de medidas de

    proteo para a infncia, to aclamados na sociedade atual, no se coadunam com o

    trfico de menores, o trabalho infantil, a pobreza e a excluso social, a pedofilia, etc.

    que diariamente so noticiados. Este paradoxo advm, certamente, dos vrios perodos

    histricos que repetidamente ignoraram a criana enquanto ator social, uma vez que

    reconhecer a criana enquanto ator social implicaria considerar o seu direito palavra e

    reconhec-la como produtora de sentido, o que seria contraproducente com a perspetiva

    vigente nesses perodos histricos. Vilarinho (2004) e Rocha, Ferreira & Vilarinho

    (2002) referem-se a este posicionamento como adultocentrismo, para explicar o facto de

    o adulto se encontrar no centro e ser detentor do poder.

    Uma perspetiva mais recente, apresentada por Dahlberg, Moss & Pence (2009) concebe

    a criana como co construtora do conhecimento, da identidade e da cultura e reconhece

    a infncia como uma construo social elaborada para e pelas prprias em interaes

    sociais contextualizadas relativamente ao tempo, ao local e cultura. As crianas so,

    neste caso especfico, atores sociais que participam na construo e determinam a pr-

    pria vida, a daqueles que as cercam e, tambm, das sociedades em que vivem. Assim

    sendo, a criana desde o incio da sua vida emerge como co construtora do prprio co-

    nhecimento, da cultura e da respetiva identidade. uma co construtora ativa, por um

    lado, porque nose trata de um ser que recebe e reproduz de forma passiva e, por outro

    lado, porque a aprendizagem no simplesmente uma transmisso de conhecimentos,

    que orienta a criana para determinados resultados. Assim, o conhecimento da criana

    advm de um processo de construo social e de construo do self, uma vez que de-

    sempenha um papel ativo na prpria socializao, que constri ao longo das interaes

    que vai estabelecendo. A criana vive no mundo como ele , incorpora-o, influenciada

    por ele e influencia-o.

    Ainda no que espeficimamente se refere evoluo da perspetiva em torno da conceo

    de criana e de infncia, se por um lado se tratam de momentos histricos pautados pelo

    desconhecimento e pela desvalorizao, que todos querem ultrapassar, por outro, est

    demasiadamente enraizado na mentalidade de outros tantos, que tem impedido o seu

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    46

    desaparecimento e, por esse facto, corroboramos com a perspetiva de Vilarinho (2004)

    quando se refere utopia da consagrao dos Direitos da Criana.

    O Comit dos Direitos das Crianas da Organizao das Naes Unidas (ONU) alertou,

    na apresentao das concluses da situao da infncia em Portugal, para o impacto

    negativo nas crianas portuguesas das atuais medidas de austeridade e da crise econ-

    mica, uma vez que, a atual crise financeira afeta severamente a educao, com um im-

    pacto significativo sobre os recursos disponveis para a educao, incluindo a interrup-

    o dos programas. O Comit dos Direitos das Crianas da Organizao das Naes

    Unidas alertor tambm para as disparidades regionais em termos de cobertura da educa-

    o pr-escolar e do elevado nmero de alunos que abandonam a escola com baixas

    qualificaes. [] The current financial crisis is severely affecting education in Portu-

    gal, with a significant impact on resources available for education, including discontin-

    uation of programmes. It is also concerned at regional disparities in terms of pre-school

    education coverage and the high number of students dropping-out of school with low

    skills (United Nations, 2014, p. 16). Assim sendo, o Comit observou que a recesso e

    a crise financeira e econmica esto a afetar as perspetivas de implementao da Con-

    veno, especialmente no que diz respeito ao artigo 4 da Conveno sobre os Direitos

    da Criana, adotada pela Assembleia Geral nas Naes Unidas em 20 de Novembro de

    1989, e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 19903 (Decreto do Presidente da

    Repblica n. 49/90), nomeadamente aumentando o risco de as crianas serem expostas

    pobreza e afetando o usufruto de muitos dos direitos contidos na Conveno, como: o

    direito sade, educao e proteo social. As medidas de austeridade levaram o

    Governo portugus a concertar os benefcios sociais para os mais vulnerveis, dimi-

    nuindo os benefcios globais.

    Debruar-nos-emos sobre a Conveno, em particular sobre o direito educao, que

    tem sido frequentemente comprometido, colocando em causa o superior interesse da

    criana. Associada infncia e educao, surge, tambm, o profissional de educao,

    e no caso particular deste trabalho referimo-nos ao Educador de Infncia, cuja formao

    3 Os Estados Partes comprometem-se a tomar todas as medidas legislativas, administrativas e

    outras necessrias realizao dos direitos reconhecidos pela presente Conveno. No caso de

    direitos econmicos, sociais e culturais, tomam essas medidas no limite mximo dos seus recur-

    sos disponveis e, se necessrio, no quadro da cooperao internacional.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    47

    tem, semelhana da evoluo do conceito de criana e de infncia, percorrido igual-

    mente um longo caminho.

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    48

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    49

    1.1. A descoberta da infncia: construindo a criana

    Aludiremos, neste ponto, representao e conceo de infncia desde a sua origem at

    sua atual condio. A este propsito Tavares et al. (2011), Sarmento (2004) e Dahl-

    berg, Moss & Pence (2009) defendem que a construo da infncia e da criana , como

    j mencionmos, produto da prtica, o que significa que tudo o que destinado crian-

    a concebido pelo adulto e produto do que esse adulto perspetiva que a criana seja.

    No fundo, as crianas vivem uma infncia construda para elas, a partir da interpretao

    que o adulto faz sobre infncia e sobre o que as crianas so e em que devem tornar-se,

    vivendo uma infncia que recriam a partir de uma transformao feita com base na pr-

    pria ao. Deste modo, as crianas suportam o peso de cada sociedade, detentora, tam-

    bm ela, de uma especificidade cultural, o que parece indicar que h tantas infncias

    quanto crianas e, para Sarmento (2004), h vrias infncias dentro da infncia global.

    A descoberta da infncia resulta de um moroso e complexo processo de formulao de

    vrias representaes sobre esse conceito, que, na perspetiva de Aris se deve ao apare-

    cimento de uma instruo sistemtica fora de casa (Finkelstein, 1986), mas para Ferreira

    (2011) e Ferreira & Gondra (2006) condicionada pela interpretao da igreja e pelo

    conhecimento deixado pela Antiguidade, o que leva a concluir que cada perodo histri-

    co revelou a sua prpria conceo de criana e de infncia, influenciada pelos contextos

    sociais, culturais, econmicos, ticos, polticos, pedaggicos, mdicos, jurdicos e assis-

    tenciais. Nos ltimos tempos tem-se assistido a um reconhecimento progressivo da im-

    portncia da infncia, como uma fase no curso da vida que tem implicaes diretas em

    fases posteriores (Morrow, 2011) e, tambm, na sociedade em geral, uma vez que a cri-

    ana enquanto ser ativo e social desempenhar um papel na sociedade.

    No que especificamente se refere perspetiva histrica da descoberta da infncia, Silva

    (2009), com base na investigao realizada por Philippe Aris, refere que a sua perspe-

    tiva histrica, em relao construo social da infncia na Europa, formulada em

    torno da antiga sociedade tradicional e da sociedade industrial, apontando, desta forma,

    para duas perspetivas em relao criana e tambm em relao famlia, no seio da

    qual surge a criana. A primeira situa-se, ento, na antiga sociedade tradicional, que

    apresentava uma grande dificuldade em conceber a criana e, por esse motivo, a infn-

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    50

    cia estava restrita apenas ao perodo de maior fragilidade, principalmente enquanto a

    criana no fosse autossuficiente. Aps este momento, e logo que apresentasse peque-

    nos sinais de evoluo desenvolvimental era de imediato integrada no mundo dos adul-

    tos (Ulivieri, 1986). Por esta altura a criana era vista de forma diferente dos adultos

    apenas no que se referia ao tamanho e robustez fsica pois as restantes caractersticas

    eram semelhantes. Na antiga sociedade tradicional a socializao das crianas no era

    assegurada pela famlia, uma vez que, muito precocemente eram afastadas desse ncleo.

    Era no convvio com os adultos que aprendiam o necessrio para se desenvencilharem,

    isto , a sua socializao dependia quase que exclusivamente de si prpria, embora a

    vida das crianas tenha acompanhado, desde sempre, a vida dos adultos (Martins,

    2006).

    Ainda no que se refere perspetiva da antiga sociedade tradicional, a passagem da cri-

    ana pela famlia e pela sociedade era to breve e insignificante que no havia motivos

    para que a infncia se gravasse na memria dos que a rodeavam (Aris, 1994; Cardona,

    1997). No entanto, ainda assim, Aris (1994) refere-se a um sentimento superficial, ma-

    nifestado nos primeiros anos de vida criana brinquedo , em que os adultos brinca-

    vam com as crianas como se se tratassem de animais. A indiferena em relao cri-

    ana era igualmente notria no momento da morte, sendo que o desaparecimento de

    uma criana poderia no provocar grande impacto, porque em breve outra criana ocu-

    paria esse lugar. O facto de a famlia no ter como funo socializar a criana, acabava

    por no estabelecer qualquer relao afetiva, aspeto que no se revelava como primordi-

    al sua existncia. Os relacionamentos afetivos que pudessem ser estabelecidos desen-

    cadeavam-se para alm do ncleo familiar, com vizinhos por exemplo.

    A segunda perspetiva do autor situa-se no perdo em que a sociedade se industrializou,

    com a institucionalizao da infncia (Sarmento, 2004), ou seja, com uma nova conce-

    o de criana e de famlia, que foi impulsionada por uma vasta associao de fatores.

    Estes referem-se essencialmente reestruturao familiar, criao da escola pblica,

    ao aparecimento de novas perspetivas cientficas acerca do desenvolvimento da criana

    e administrao simblica da infncia. No que se refere reestruturao familiar a

    prestao de cuidados, a proteo e promoo do desenvolvimento da criana passou a

    ser da responsabilidade das famlias, que at esta altura era entregue aos cuidados de

    amas-de-leite, amas ou criadas. O recurso a estas foi, nos meios urbanos uma prtica

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    51

    bastante comum e transversal a todas as classes (Cunningham, 2005; Glis, 1990; San-

    tos, 1987), revestida de um enorme vazio afetivo, pois as crianas eram afastadas do lar

    e acabavam por perder a memria de pertencer a uma famlia (Aris, 1992). Este vazio

    afetivo no se limita apenas ao afastamento e indiferena em relao ao bem-estar e

    desenvolvimento, mas tambm, ao facto de limitar a probabilidade de essas crianas

    sobreviverem. As classes mais desprotegidas e sem recursos econmicos, que lhes im-

    possibilitava o usufruto dos servios de uma ama interna enviavam os filhos para que

    fossem criados com outras famlias. A ama interna era a opo preferida pela nobreza e

    grande burguesia. Santos (1987, p. 216) julga que este tenha sido, tambm, a opo ado-

    tada no contexto portugus. No entanto, esta modalidade, de inegveis benefcios para

    a criana que permanecia no seio da famlia sob vigilncia da me, no seria [], adop-

    tada, em alguns meios, a pensar no seu bem-estar, mas apenas como uma forma de pro-

    moo social para as famlias. Se por um lado a ama serve de apoio me, que pode

    continuar as suas tarefas habituais, quer sejam domsticas, profissionais ou sociais, por

    outro protege a vida conjugal, que deixa de ser afetada pela forada abstinncia sexual

    no perodo de amamentao, porque se acreditava que as relaes sexuais afetavam a

    qualidade do leite, alm do que, uma nova gravidez punha em risco a vida do lactente.

    No fundo, a contratao de uma ama permitia que a vida familiar, agora com um beb,

    pouco se alterasse. Ainda a propsito da reestruturao familiar, a tendncia da poca

    apontava para a reduo do nmero de filhos, para passar a cuidar melhor de cada um.

    A famlia converteu-se numa sociedade fechada onde se gosta de estar [] e, a moral

    destes tempos, impunha que as famlias apoiassem os filhos em todas as necessidades e

    na preparao para a vida, que veio a ser complementada com o aparecimento e organi-

    zao de instituies educativas (Aris, 1994, p. 317).

    A criao da escola pblica, em meados do sculo XVIII, na Prssia e no Portugal do

    Marqus de Pombal, e sua expanso como escola de massas, alargada, progressivamen-

    te, a todas as crianas , como vimos, outro fator com grande influncia na instituciona-

    lizao da infncia. Paralelamente a esta expanso d-se, tambm, o surgimento de no-

    vas descobertas cientficas que imprimiram descobertas fundamentais acerca do desen-

    volvimento na infncia e sobretudo ao nvel da perceo da criana como um ser vulne-

    rvel e com necessidade de proteo, o que contribuiu significativamente para o desen-

    volvimento da rea da pedagogia (Glis, 1990). Sarmento, (2004, p. 13), salienta, tam-

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    52

    bm, que, devido a [] um conjunto de procedimentos configuradores da administra-

    o simblica da infncia, isto , uma srie de normas informais, numa fase inicial,

    que condicionavam a vida das crianas na sociedade (definio de horas e locais de par-

    ticipao na vida coletiva, delimitao do acesso a determinados contedos ou informa-

    es, etc.) e que bastante mais tarde, no final da Primeira Guerra Mundial, foram regu-

    lamentadas com a constituiode organizaes no-governamentais (ONG) internacio-

    nais, que articularam cdigos de direitos humanos e marcaram, portanto, a conquista de

    um corpo de direitos para as crianas (Soares, 1997). Assim, em 26 de setembro de

    1924 a Liga das Naes adota a Declarao de Genebra sobre os Direitos da Criana,

    que articulava como princpios bsicos, o direito da criana aos meios para o desenvol-

    vimento material e espiritual; o direito ajuda em situao de fome, doena, incapacita-

    o, orfandade ou delinquncia; o direito prioridade no alvio em situaes de risco; o

    direito proteo contra a explorao; e o direito a uma formao orientada para a vida

    em sociedade (UNICEF, 2009). Contudo, os padres internacionais de direitos da crian-

    a, desde a Declarao de Genebra, percorreram um longo caminho at aprovao da

    Conveno dos Direitos da Criana, em 20 de Novembro de 1989, ratificada por Portu-

    gal em 21 de Setembro de 1990.

    Convm reforar que a representao de criana desde a antiguidade grega e romana at

    finais da Idade Mdia se relaciona, em grande medida, com indiferena e inutilidade

    (Morrow, 2011). Importa esclarecer, tambm, que na Antiguidade e nos perodos se-

    guintes no deve falar-se em Educao de Infncia, na medida em que a conceo atual

    acerca desta no se coaduna com as ideologias e prticas de perodos histricos anterio-

    res. Importa ainda salvaguardar, por um lado, que durante vrios sculos as crianas

    estiveram ao cuidado das mes at idade de sete anos e, por outro, e apesar de j se

    verificar a institucionalizao da infncia desde o sculo XVIII, s recentemente foram

    integradas no quadro de uma educao de infncia oficial, tambm ele recente.

    De acordo com Aris (1986, 1994) existiu uma relao entre a institucionalizao da

    infncia e a preocupao pedaggica que j era notria nas civilizaes clssicas, embo-

    ra no esteja diretamente relacionada com a viso de infncia enquanto categoria espe-

    cial. No entanto, Aris reconhece que a histria da educao revela progressos em rela-

    o ao sentimento de infncia. difcil acreditar que a um perodo de indiferena pela

    infncia se tenha seguido um outro durante o qual, com a ajuda do progresso e da

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    53

    civilizao, teria prevalecido o interesse O interesse ou a indiferena para com a

    criana no so na verdade caractersticas deste ou daquele perodo da histria. As duas

    atitudes coexistem no seio de uma mesma sociedade, vencendo uma a outra em dado

    momento por razes culturais e sociais que nem sempre fcil destrinar (Glis, 1990,

    p. 326).

    Philippe Aris desenvolveu um estudo pioneiro sobre A criana e a vida familiar no

    Antigo Regime (King, 2007; Aris, 1994) que impulsionou o desenvolvimento de outros

    estudos na rea, igualmente importantes. At concluso desse estudo analisou um vas-

    to conjunto de fontes iconogrficas para perceber a evoluo da institucionalizao da

    infncia, uma vez que essa no era uma condio essencial e constante ao longo do

    tempo, mas algo que mudava com regularidade. Assim, a conceo de infncia adquire

    um estatuto diferente a partir de finais do sculo XVII, com maior incidncia nos scu-

    los seguintes. O estatuto adquirido pela infncia nasce mais precocemente nas classes

    econmicas, sociais e culturais mais favorecidas que na classe dos trabalhadores, fre-

    quentemente condenada pobreza, mendicidade e precariedade (Martins, 2006, 2010).

    Aris (1994) verificou que, at ao sculo XVII, a criana seria representada enfaixada

    (tira de tecido que se enrolava volta do seu corpo) ou vestida. Por outro lado, a apa-

    rncia de uma criana nua representava, desde a Idade Mdia, a alma. Em alguns casos

    a alma apareceu tambm ela enfaixada e, a partir do sculo XVII, deixa de ser represen-

    tada sob a forma de criana, altura em que esta passa a ser representada por si prpria.

    1.1.1. A infncia at finais da Idade Mdia

    Em 1946 fundado um organismo Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNI-

    CEF) , que ser determinante na melhoria das condies de vida das crianas e na de-

    fesa dos seus direitos. A preocupao com os direitos da criana surge com mais notori-

    edade no Ps 2 Guerra Mundial, como forma de suprimir as carncias e a pobreza en-

    raizadas na Europa, sendo proclamada, mais tarde, na Assembleia Geral das Naes

    Unidas, em 20 de Novembro de 1959, a Declarao dos Direitos da Criana (Martins,

    2006). a partir do sculo XVI que se iniciam as mudanas mais significativas, que

    viriam a alterar a posio e estatuto das crianas relativamente aos adultos. Atitudes

    associadas sobrevivncia, proteo e educao das crianas, que gradualmente se fo-

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    54

    ram fortalecendo durante os sculos XVII e XVIII, comearam a permitir delinear um

    espao social especial destinado s crianas, no qual j possvel salvaguardar algumas

    das suas necessidades e direitos (Soares, 1997, p. 78).

    O processo educativo institudo na Idade Mdia seguiu a tradio de as mes assegura-

    rem a educao das crianas de tenra idade, sendo que, nas classes mais desfavorecidas

    os rapazes a partir dos sete anos acompanhavam os pais para os trabalhos nos campos

    enquanto as meninas ficavam em casa a tratar das lides domsticas. Entre a Nobreza

    tanto os rapazes como as meninas cresciam juntos, at aos sete anos, numa dependncia

    especfica da casa, mas a partir dessa idade, os jovens iam aprender a arte da guerra ou

    prosseguir a sua educao num mosteiro (Carvalho, 2008). Durante a Idade Mdia e nas

    civilizaes clssicas, as crianas pertenciam ao universo feminino at atingirem algu-

    ma autonomia que lhes permitisse integrar as atividades dos adultos e assim adquirir o

    estatuto de adulto, at perfazer sete anos de idade (Glis, 1990; Aris, 1994; Pinto,

    1997), que no corresponde atual conceo legal de adulto. Presentemente a aquisio

    do estatuto social de adulto sustentada pela obteno de uma posio social que decor-

    re do desempenho de vrios papis, nomeadamente ao nvel profissional e familiar, e

    que simultaneamente marcam o final da juventude e o incio da idade adulta (Andrade,

    2010). Se por um lado as dvidas em relao ao incio da infncia so inexistentes, uma

    vez que que coincide exatamente com o nascimento ou, de acordo com investigaes no

    mbito da formao pr-natal, poder, j no perodo de formao pr-natal, considerar-

    se a existncia humana, por outro lado, o mesmo no poder dizer-se em relao ao pe-

    rodo em que se deixa de ser criana (Sarmento & Pinto, 1997). O problema da defini-

    o das idades da infncia, j abordado por Aris (1994), de alguma forma esclarecido

    pela Conveno dos Direitos da Criana, que considera como criana todo o ser humano

    at aos 18 anos.

    Ainda no perodo da Idade Mdia as crianas eram vistas como seres meramente biol-

    gicos sem autonomia existencial e sem qualquer estatuto social (Sarmento, 2004). Esta

    desconsiderao era manifestada no dia-a-dia, e ficou registada de forma muito evidente

    nas fontes iconogrficas at ao sculo XII (Aris, 1994), que no representavam a in-

    fncia. As crianas representadas no apresentavam qualquer trao ou expresses infan-

    tis e apenas a altura as distinguia dos adultos. Em relao ao vesturio, a criana era

    representada enfaixada ou logo que a sua condio o permitisse passava a vestir-se co-

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

    55

    mo os adultos, com uma tnica comprida usada pelos adultos at ao sculo XIV (a dos

    homens era diferente da usada pelas mulheres, frequentemente mais curta e aberta

    frente). Aris (1994) afirma que neste perodo a infncia era um tempo de transio que

    passava de forma muito rpida, perspetiva que se ope conceo de Vilarinho (2004),

    mais recente e j abordada, que considera que a infncia no uma fase transitria, mas

    que os seus sujeitos o so.

    Ter sido a partir do sculo XIII que se deu a emergncia da infncia, percecionada em

    vrias fontes iconogrficas, altura em que a criana deixa de ser excluda e em que a sua

    representao, na arte, se aproxima da realidade, com traos mais arredondados e graci-

    osos e no tanto como miniaturas de adultos (Sarmento, 2004; Aris, 1994). No entanto,

    ningum pensava em conservar a imagem de uma criana, quer esta tivesse sobrevivi-

    do, tornando-se um adulto, quer tivesse morrido com pouca idade. No primeiro caso, a

    infncia era apenas uma passagem sem importncia que no havia razo para fixar na

    lembrana; no segundo, o da criana morta no se pensava que essa criaturinha desapa-

    recida cedo de mais fosse digna de memria: havia crianas a mais e a sua sobrevivn-

    cia era problemtica! (Aris, 1994, p. 65).

    1.1.2. A infncia a partir do sculo XV

    No que particularmente se refere descoberta da infncia a partir do sculo XV e XVI

    notria uma alterao positiva em comparao com o perodo anterior. As fontes icono-

    grficas apresentam representaes da criana diferentes. A criana passa a ser repre-

    sentada como fazendo parte de uma pequena histria, mas raramente aparece represen-

    tada sozinha. no sculo XV que surgem dois novos tipos de representao da infncia,

    especificamente: o retrato e o putto (criana nua). Os retratos das crianas entre os scu-

    los XV e XVI representam-nas, maioritariamente, enfaixadas ou com traje prprio para

    a sua idade, com maior incidncia a partir do sculo XVII, e apenas as crianas de con-

    dio elevada deixam de se vestir como os adultos. O putto surge com maior predomi-

    nncia em finais do sculo XVI. O aparecimento do retrato da criana morta, tambm

    no sculo XVI, demonstra que a perda de uma criana deixa de ser naturalmente aceite,

    o que marca, de acordo com Aris (1994, 2010), um momento importante na histria

  • O contexto educativo de creche como promotor do desenvolvimento psicolgico da criana

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    dos sentimentos. A morte deixou de ser o esquecimento de um eu vigoroso e, tambm,

    de ser a aceitao de um destino temeroso.

    O sculo XVII marcado pela abundncia da representao individual da criana, em

    vrias atividades infantis, e esta passa a ser um dos modelos favoritos dos artistas.

    neste sculo que os retratos das crianas se tornam habituais, assim como, os retratos de

    famlia que tendem a organizar-se em torno da criana, que passa a ser retratada para

    dar ao retrato de grupo algum dinamismo. No seguimento desta abundante representa-

    o da criana evidente um maior apreo pelas crianas pequenas, relativamente sua

    figura, forma de estar e de falar, mas sobretudo a partir do final sculo XVIII (Sculo

    das Luzes) que este apreo se torna verdadeiramente claro. Vasconcelos (2005) reitera

    que o projeto iluminista que amplia a preocupao com a infncia de forma sistemati-

    zada. A criana passa a ocupar um lugar de maior destaque no seio familiar, sobretudo

    nas famlias de nveis socioeconmicos mais elevados (King, 2007; Vilarinho, 2004;

    Sarmento 2004; Cardona, 1997; Glis, 1990). Este apreo notrio, tambm, ao nvel

    do vesturio, uma vez que, nas representaes das crianas dos sculos XVII so vis-

    veis duas fitas largas que caam pelas costas e que estavam presas nos ombros. Tratava-

    se de ornamentos especiais que identificavam a infncia, e que frequentemente eram

    confundidas com as andadeiras (correias que seguravam as crianas quando estas ain-

    da no tinham adquirido autonomia na marcha) e que desapareceram no final do sculo

    XVIII, altura em que o vesturio infantil sofre alteraes (Aris, 1986). A diferenciao

    do vesturio das crianas em relao ao dos adultos denota uma preocupao, ignorada

    no per