É uma tortura

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AméricaEconomia TELEFONIA MÓVEL N o 430 Dezembro/2013 BRASIL n º 430 www.americaeconomiabrasil.com.br N o 430 DEZ/2013 R$ 10,00 ISSN 1414-2341 CARTEIRAS RECHEADAS Vendas de R$ 130 bilhões sustentam investimentos em shopping centers Apagões, falhas de ligações, chamadas que nunca chegam. As redes de telefonia móvel latino-americanas precisam de investimento urgente para não entrar em colapso É UMA TORTURA PRESENÇA CHINESA Interesse pelo Brasil aumenta e vai do pré-sal ao mercado financeiro EDUCAÇÃO EXECUTIVA Conheça o ranking das melhores escolas da América Latina

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BRASIL nº 430 www.americaeconomiabrasil.com.br

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430

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141

4-23

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CARTEIRAS RECHEADASVendas de R$ 130 bilhões sustentam investimentos em shopping centers

Apagões, falhas de ligações, chamadas que nunca chegam. As redes de telefonia móvel latino-americanas precisam de investimento urgente para não entrar em colapso

É UMA TORTURA

PRESENÇA CHINESAInteresse pelo Brasil aumenta e vai do pré-salao mercado fi nanceiro

EDUCAÇÃO EXECUTIVAConheça o ranking das melhores escolasda América Latina

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DEBATESESTRATÉGIA

Quebra das empresas do bilionário poderá tornar mais cautelosos potenciais investidores de companhias e projetos no BrasilSérgio Siscaro, de São Paulo

O legado de Eike Batista

N a primeira metade do século passado, o “pai da psicanáli-se”, Sigmund Freud, definiu trauma como um aconteci-

mento que “vai gerar uma enorme per-turbação no gerenciamento de energia do organismo e pôr em movimento to-dos os meios de defesa” (Além do Prin-cípio do Prazer, de 1920). Trazendo es-sa descrição para o mundo dos negócios, será que poderíamos qualificar a derro-cada do grupo EBX, do empresário Eike Batista, como algo capaz de influenciar a disposição de investidores em apostar nas empresas brasileiras?

Sim e não. A fragilidade das empresas X – puxada pela revisão para baixo das perspectivas de prospecção de petróleo da OGX – mostrou que nem sempre há um acompanhamento eficiente por parte das autoridades do governo sobre a real saúde financeira das empresas ou sobre sua capacidade de efetivamente cumprir o que foi prometido aos acionistas quan-do ingressaram no mercado de capitais.

Na avaliação do professor da Faculda-de de Economia, Administração e Con-tabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e presidente do Conselho da Pequena Empresa da Federação do Co-mércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), Paulo Roberto Feldmann, o efeito da que-bra do “império X” é traumatizar os in-vestidores. “Como se trata de uma em-presa grande, cria um trauma irreversível. E, no caso da OGX, fará com que os in-

vestidores pensem bastante antes de apli-car seu dinheiro”, afirma.

Para ele, um dos grandes responsáveis pelo ocorrido foi a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não teria cum-prido sua missão – acompanhar de per-to as empresas com papéis negociados em bolsa. “Ela não protege o acionista. Ao contrário do que faz o Banco Central (BC), que acompanha a saúde financeira dos bancos, a CVM se omitiu”, comple-menta Feldmann.

O fim do sonho do milionário Eike Ba-tista em formar um grande conglomera-do de empresas, com elevado grau de si-nergia entre suas atividades (e, portanto, maximizando-se seu potencial de lucra-tividade), pode ser resumido pela mudan-ça de nome de sua empresa principal, a OGX – que poderá se tornar Óleo e Gás Brasil. Com isso, sai a letra “X”, que in-tegrava a denominação das companhias para simbolizar a multiplicação dos re-cursos que seriam gerados por elas.

Até o final do mês passado, a situação do Grupo EBX ainda era indefinida. A Justiça do Rio de Janeiro aprovou parcial-mente o pedido de recuperação judicial da OGX, ao passo que um processo se-melhante foi iniciado para a empresa de construção naval OSX. A divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2013 e a realização de assembleia geral extraordi-nária, previstas para meados de novembro, não foram realizadas até o fechamento desta edição de AméricaEconomia. Além da mudança de nome, a assembleia deverá

discutir o anúncio de saída da companhia da OGX Maranhão – o que deve render à empresa cerca de R$ 344 milhões. Com uma dívida avaliada em R$ 11,2 bilhões, a OGX ainda buscava fechar um acordo com seus credores internacionais.

Mudança de cenárioSe por um lado o surgimento do “impé-rio X” aconteceu em um momento bas-tante favorável para o Brasil, no qual o país era visto como um dos emergentes com taxas de crescimento mais dinâ-micas, sua derrocada ocorre exatamen-te quando os indicadores do país já não são tão positivos. O próprio grau de in-vestimento, outorgado ao Brasil pelas agências classificadoras de risco inter-nacionais entre 2008 e 2009, corre o ris-co de ser perdido no ano que vem. E es-ses são motivos mais do que suficientes Fo

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para afastar qualquer investidor do país.“Quando o Eike Batista foi ao mercado

para abrir o capital de suas empresas, ele aproveitou o momento positivo, no qual os investidores olhavam para o Brasil. O país era capa da [revista britânica de ne-gócios] The Economist e se destacava en-tre os demais membros do Bric”, afirma o professor do curso de MBA de Gestão de Riscos da Trevisan Escola de Negócios, Cláudio Gonçalves. “Havia a ideia de que estava nascendo um novo [John D.] Ro-ckefeller [empreendedor milionário dos EUA na segunda metade do século 19]; e houve uma ganância muito grande para aproveitar uma janela de oportunidades que existia no mercado. Agora o momen-to é outro – já observamos fuga de capitais da bolsa e certo mau humor do mercado em relação ao atual cenário do país. Dian-te desse contexto, o Brasil deve deixar de

atrair capitais por questões relacionadas à macroeconomia, como o aspecto fiscal e o controle inflacionário”, complementa.

Na avaliação de Gonçalves, o “efei-to X” não deverá, por si só, espantar os investidores das empresas brasileiras. “Acho difícil. Entre os investidores que

perderam dinheiro com as empresas X, seguramente 75% são estrangeiros, da Europa ou dos EUA. Eles perderam o que estavam dispostos a colocar em risco diante do prometido nos business plans do Grupo EBX. Penso que agora, com um cenário macroeconômico desfavorá-vel, alguns investidores só vão alocar re-

cursos em economias que tenham grau de investimento”, pondera.

Com a derrocada das companhias de Eike Batista, certamente os investidores tomarão mais cuidado com projetos como os oferecidos pelo empresário – que pro-metiam oportunidades bastante atraentes de lucratividade sem ter, em contraparti-da, um histórico operacional. “Os custos de captação de recursos deverão ser mais altos para empresas que apresentem es-se perfil da OGX – que não havia extraí-do um barril de petróleo sequer”, explica o professor de Economia da Escola Supe-rior de Propaganda e Marketing (ESPM), Orlando Assunção Fernandes. “Empre-sas mais tradicionais, como Vale e Ger-dau, não correrão grandes riscos ao fazer novas captações ou ao buscar recursos.”

cultura de riscoOutro possível efeito é que a fragilidade revelada neste ano pelo Grupo EBX afas-te ainda mais os investidores brasileiros do mercado de capitais. Diferentemente dos EUA, onde existe uma cultura de risco as-sociada à aplicação de recursos em bolsas (e onde o cidadão comum considera co-mo uma opção normal aplicar suas econo-mias em papéis de empresas), no Brasil es-se processo de popularização do mercado de capitais é recente. Décadas de instabili-dade econômica colaboraram para que as bolsas fossem vistas como uma aplicação de elite. E o susto tomado com a queda das empresas X poderá reforçar essa visão.

“O contexto das empresas X [de buscar recursos no mercado de capitais] ocor-

re normalmente na economia dos EUA – tendo levado a casos como a bolha das empresas ponto-com. Como a economia de lá se caracteriza por uma baixa taxa de juro, o investidor está sempre atento às oportunidades e com um apetite muito grande para tomar risco”, afirma Gonçal-ves, citando o exemplo da rede de cafe-

O Grupo EBX se beneficiou do bom momento da economia brasileira, quando o país era visto como exemplo de expansão no grupo dos Brics

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DEBATESESTRATÉGIA

terias Starbucks, que se capitalizou tendo apenas um business plan. Ele acrescen-ta que, atuando como gestor de ativos, teve a oportunidade de analisar os busi-ness plans das empresas X e optou por não comprar seus papéis. “No prospec-to estavam claros os fatores de risco do negócio. Quem comprou as ações sabia do perigo que corria e efetivamente que-ria participar do prêmio, caso ele viesse.”

Na avaliação do professor Feldmann, ainda há muita desconfiança no Brasil em relação às bolsas. “A falta de serieda-de da CVM em acompanhar o mercado faz com que ninguém acredite no merca-do acionário aqui no Brasil. Enquanto is-so, nos EUA a cultura de investimento é acompanhada pela rigorosa fiscalização da SEC [Securities and Exchange Comis-sion]”, diz. Para ele, tal monitoramento seria importante pelo fato de serem em-presas novas, ainda sem resultados con-cretos. “E, no caso da OGX, sabemos que o setor petrolífero é extremamente difí-cil. As grandes empresas do setor pesqui-sam vários poços que não dão certo an-tes de encontrar um que seja lucrativo. A empresa não poderia dar certo”, salienta.

Apesar dessa perspectiva de risco, uma instituição financeira brasileira mostrou acreditar bastante no Grupo EBX: o Ban-co Nacional de Desenvolvimento Econô-

mico e Social (BNDES). Estima-se que o banco federal de fomento tenha empres-tado ao conglomerado algo em torno de R$ 10 bilhões, dos quais R$ 6 bilhões te-riam sido efetivamente liberados. No fi-nal de outubro, quando a OGX ingressou com o pedido de recuperação judicial, o presidente da instituição, Luciano Couti-nho, buscou ressaltar que o BNDES teria “exposição zero” aos problemas financei-ros do grupo. “O banco se tornou um dos grandes acionistas, e o prejuízo imenso será, na verdade, pago por todos nós bra-sileiros”, avalia Feldmann.

lições do passadoNunca na história deste país houve um império como o de Eike – nem uma que-da tão rápida e pronunciada. Apesar de o Brasil ter assistido a diversas quebras de grandes empresas, estas eram geralmen-te companhias tradicionais – como redes varejistas (Mappin), companhias aéreas (Vasp, Transbrasil), do agronegócio (Fa-zendas Reunidas Boi Gordo, Frigoríficos Chapecó) e do setor financeiro (Banco Santos, Crefisul, Brasilinvest, Maison-nave, Auxiliar, Comind).

“Já tivemos no Brasil casos de proble-mas repentinos nas empresas, mas foram situações particulares. Foi o caso da Sa-dia, que embarcou na onda dos derivati-vos de forma desastrada e acabou tendo uma dívida enorme – levando a empre-sa a ser vendida à Perdigão. Mas o caso das empresas X é sem paralelo”, afirma o professor Feldmann, da FEA.

Gonçalves, da Trevisan, concorda. “Nosso capitalismo ainda é muito recen-te. Um caso desses só tem comparação com aqueles nos quais o Estado, que era o grande fomentador do desenvolvimen-

to, perdeu muito dinheiro. Exemplos são a rodovia Transamazônica, a antiga Fer-rovia Paulista (Fepasa) e a Rede Ferro- viária Federal (RFFSA). Como não tí-nhamos estabilidade macroeconômica, o único agente que estava disposto a as-sumir os riscos era o Estado.”

Apesar das diferenças, um exemplo que poderia ser próximo é o do empre-sário Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), mais conhecido como barão (e posteriormente visconde) de Mauá. Seu apetite por negócios dos mais diferentes setores era similar ao de Eike: enquanto este se ocupou de empreendimentos en-volvendo petróleo, construção naval, mi-neração de ferro, energia, logística e cate-ring, entre outros, o barão de Mauá, que inaugurou a primeira ferrovia brasileira, criou o primeiro Banco do Brasil, atuou na instalação do cabo telegráfico subma-rino entre Europa e América do Sul e im-plantou a primeira fundição de ferro e o primeiro estaleiro do país.

Vários dos negócios de Mauá acaba-ram dando prejuízo ou sendo inviabiliza-dos – o que levou o visconde à falência. Mas seu empreendedorismo lhe rendeu o legado de grande industrial brasileiro. Mais de um século depois, seu sucessor, Eike Batista, parece deixar apenas um rastro de empresas endividadas e proje-tos que não saíram do papel.

O BNDES tornou-se um dos grandes acionistas do “império X”, concedendo empréstimos de cerca de R$ 10 bilhões às suas empresas

Futuro da petroleira OGX ainda segue indefinido

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