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7/28/2019 A Tortura Do Ciume http://slidepdf.com/reader/full/a-tortura-do-ciume 1/78 1 Bianca 196 – A Tortura do Ciúme – Yvonne Whittal "Você me ama? Ama, mesmo?" A pergunta já estava se tomando uma obsessão para Paul. E uma angústia para Catherine. Será que já não havia dado provas suficientes ao marido de que o adorava? O que mais podia fazer para que ele acreditasse? Verdade que muitas pacientes pensam se apaixonar por seus médicos, confundindo gratidão com amor. Verdade também que devia muito a Paul: se não fosse por ele, ainda estaria presa a uma cadeira de rodas. Mas Catherine já o amava antes de ser operada; tinha visto nele primeiro o homem e, depois, o grande médico. Paul, no entanto, não acreditava. Desconfiava de todos os homens que se aproximavam dela. E acabaria arruinando a vida dos dois!

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Bianca 196 – A Tortura do Ciúme – Yvonne Whittal

"Você me ama? Ama, mesmo?" A pergunta já estava se tomando uma obsessão para Paul. Euma angústia para Catherine. Será que já não havia dado provas suficientes ao marido de que oadorava? O que mais podia fazer para que ele acreditasse? Verdade que muitas pacientes pensamse apaixonar por seus médicos, confundindo gratidão com amor. Verdade também que deviamuito a Paul: se não fosse por ele, ainda estaria presa a uma cadeira de rodas. Mas Catherine já oamava antes de ser operada; tinha visto nele primeiro o homem e, depois, o grande médico. Paul, noentanto, não acreditava. Desconfiava de todos os homens que se aproximavam dela. E acabariaarruinando a vida dos dois!

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Bianca 196 – A Tortura do Ciúme – Yvonne Whittal

Copyright: Yvonne Whittal

Título original: "The Slender Thread"

Publicado originalmente em 1976 pela,

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Tradução: Hilda Loch

Copyright para a língua portuguesa: 1984 Abril S.A. Cultural - São Paulo

Esta obra foi integralmente composta e impressa na

Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Foto da capa: Apla

Digitalização e Revisão: Alice MariaContribuição com as páginas 89, 90, 91 e 93: Deborah

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CAPÍTULO I

Era verão no Cabo, e, apesar do calor abrasador, a população da cidade estava muitoaumentada por causa dos turistas que vinham aproveitar as férias. Cada vez ficava mais

difícil encontrar lugar num hotel ou acampamento.As barracas em Cape Malays, com seu colorido berrante, atraíam enxames de turistas,ansiosos para comprarem as belas frutas e flores da época. Era dezembro, e as vitrines seenfeitavam.

Os melhores vinhos eram trazidos das adegas, para serem servidos aos turistas, que jantavam lautamente, depois de passarem o dia deitados ao sol.

Da janela de um dos mais modernos edifícios do centro da cidade, um homem demeia-idade olhava o tráfego pesado do meio-dia, ignorando o alegre ir e vir da cidade, láembaixo. Acabara de ser informado de que sua única filha, Catherine, teria que passar o restoda vida numa cadeira de rodas, e aceitar isso não era absolutamente fácil.

Ele se virou para o outro homem que estava na sala. — Não há mesmo nada que possa ser feito por ela? — perguntou Charles Anderson,com um olhar de infinita tristeza.

O dr. David Marsden baixou os olhos para o relatório sobre a mesa edesnecessariamente rearrumou os papéis.

 — Acredite em mim. Charles: fiz tudo o que podia para ajudá-la. Não há nadamais que eu possa fazer, mas... — O dr. Marsden calou-se a tempo. Tinha se lembrado dealgo, mas seria cruel fazer renascer esperanças que muito possivelmente seriam outra vezdestruídas.

 — Outra operação?

 — É muito perigoso arriscar. Um nervo da coluna foi atingido e...Continuou explicando os intrincados detalhes do ferimento, mas Charles já não o escutavamais. Seus pensamentos estavam na filha, que naquele instante o esperava em casa, parasaber o resultado das últimas radiografias e testes. Estava confiante em que finalmentehaveria alguma coisa que pudessem fazer por ela, e sua impaciência insistindo em que elefosse depressa à cidade tinha alimentado a chama da esperança no coração do pai. Catherinegarantia que ele não precisava se preocupar, pois Sarah, sua empregada africana, tomariamuito bem conta dela. Sarah tinha sido uma verdadeira mãe, para a moça, desde a morte dasra. Anderson, muitos anos atrás.

O que ele diria à filha? Como ia encará-la, depois do veredicto de David Marsden? Os

testes, os raios X, a terapia, as semanas obrigada a ficar deitada de costas...Foi trazido ao presente por uma mão amiga que o sacudia ligeiramente. — Está bem. Charles?Olhou espantado para o jovem médico.

 — Sim... sim... acho que sim. — Levantou-se. — Bem, então é isso! Agora devo falar com Catherine, e Deus sabe quanto isso vai me custar!

David era um homem de pouco mais de trinta anos. Amava sua profissão, mas emhoras como essa desejava fazer uma coisa inteiramente diferente. Olhou preocupado paraCharles Anderson, saindo de seu consultório, os ombros curvados, os passos inseguros.Quando a porta se fechou atrás daquela figura patética, David amaldiçoou sua falta de

habilidade.

Charles guiava de volta para casa, desalentado. A viagem a Constantia não era longa,mas naquele dia parecia ainda mais curta.

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Ou seria a ingrata tarefa de informar Catherine dos resultados finais lhe davam essaimpressão?

Quando finalmente transpôs os portões da Mansão De Rust, sentia um vazio noestômago. Esperava de todo o coração que a filha tivesse seguido seu conselho e ido para oquarto, descansar. Assim, teria tempo para se recuperar, antes de enfrentar a terrível

 provação.Parou o carro sob a pérgula e olhou por alguns instantes para a maravilhosa buganvília

vermelha, toda florida, que a cobria. Como ficava estupenda, nessa época do ano!Andou devagar até o terraço, o perfume suave das rosas envolvendo-o. Parou para

admirar o enorme roseiral. Precisava recomendar a Joseph para tirar os botões murchos. Demanhã, levaria para Catherine um lindo buquê, com as rosas ainda molhadas de orvalho.

Joseph era seu jardineiro há muitos anos; quando a mãe de Catherine morreu, Josephtrouxe a mulher, Sarah, para tomar conta da menina.

Charles abriu a pesada porta de carvalho e suspirou, ao entrar, hesitante, no hall

acarpetado. Não tinha o hábito de beber durante o dia, mas agora precisava de uma boadose de conhaque para se acalmar. Mal tinha tomado o primeiro gole, quando um ruídoatrás dele o fez voltar-se.

Catherine estava entrando, manejando a cadeira de rodas com habilidade. Seus cabeloscastanho-acobreados tinham sido cortados, depois do acidente, para que não dessem muitotrabalho, e agora formavam halo avermelhado em volta do rosto de anjo. Os olhoscinzentos e brilhantes, levemente puxados, o nariz fino e arrebitado, a boca bem desenhada erosada formavam um conjunto especialmente harmonioso. Mas, naquele momento, CharlesAnderson só percebia o tormento que se refletia no rosto perfeito.

Ela era uma moça muito atraente, mas eram seus olhos que chamavam atenção e

envolviam a todos com sua magia. Ainda sorriu, esperançosa, e Charles teve a impressão deque seu coração sangrava. Engoliu o resto da bebida de uma só vez e pôs o copo na bandeja. — O que foi, papai? — O sorriso morreu em seus lábios. — Cathy... — Procurava as palavras certas, mas não as encontrava.

Desejava ardentemente ser de alguma maneira libertado da ingrata tarefa que tinha pelafrente. Mas não havia ninguém em quem se apoiar, nessa hora de sofrimento.

Catherine percebeu a aflição do pai e logo entendeu. O que quer que ele tivesse a lhedizer, não era o que ela esperara.

 — Não há mais nada que possam fazer por mim, não é? — perguntou, com umavozinha controlada, sabendo o que havia atrás do silêncio dele.

Charles balançou a cabeça, concordando, e ajoelhou-se ao lado da cadeira da filha,apoiando a cabeça grisalha em seu colo. Cathy acariciou-lhe os cabelos com mãos leves eencorajadoras. Mas para ela o futuro parecia subitamente incerto e sombrio, sabendo que teriaque passar o resto da vida numa cadeira de rodas. Ainda tinha seus livros, pensou, tentando seconsolar. Mas isso nunca compensaria as pernas agora inúteis.

Charles levantou a cabeça e olhou-a com compaixão. — Não se preocupe, papai. Não 6 o fim do mundo. Quem sabe, no futuro, alguém

descobrirá alguma coisa nova? Talvez um novo tratamento. Ou uma operação. Quem sabe?Charles segurou com força as mãos frias da filha.

 Na manhã seguinte, em Johannesburg, o dr. Paul de Meillon tomava o café da manhãe lia o jornal em sua suíte do hotel. Tinha vindo à África do Sul para uma série deconferências e deveria voar de volta à França naquele mesmo dia. Tinha sido uma viagemmuito agradável, e estava resolvido a voltar para conhecer melhor aquele belo país.

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Paul jogou de lado o jornal e sentou-se, esfregando o queixo, pensativo, o caféesquecido. Gostaria de ter conseguido localizar seu velho amigo David Marsden antes devoltar; infelizmente nem fazia idéia de por onde começar a procurar. Não tinha havidotempo para muitas perguntas, e o jeito agora era tentar achar David numa próxima viagem.

A campainha do telefone interrompeu seus pensamentos. Jogando o guardanapo namesa, levantou-se e foi atender.

 — De Meillon falando. — Paul! Telefonei para todos os hotéis respeitáveis de Johannesburg, tentando

descobrir você. Aqui é David Marsden, lembra-se de mim? — David, mon ami! Que bom ouvir sua voz outra vez! Estava neste exato

momento pensando em você. De onde está telefonando? — Paul, também fico muito contente! Estou telefonando da Cidade do Cabo. Por 

que não me procurou? — Não sabia seu endereço.

 — Escute, vai ter que voltar para a França com muita urgência? — Não. Posso adiar a partida. — Ótimo! Tenho um caso muito interessante e adoraria que desse sua opinião

 — explicou David. — É um caso muito difícil, mas de sua especialidade, amigo velho. Não poderia vir dar uma olhada?

 — Significa ver você outra vez, mon ami; portanto, claro que irei! — Ótimo! Quando posso esperá-lo? Hoje?Paul de Meillon riu, bem-humorado.

 — Logo que conseguir uma passagem para a Cidade do Cabo. Deixe seu númerocomigo que eu ligarei avisando.

Era de noitinha, quando o dr. Paul de Meillon chegou ao Malan Airport, na Cidade doCabo. David Marsden lá estava para recebê-lo, e, depois das costumeiras formalidades, osdois se encaminharam até onde David deixara o carro.

 — Estou muito satisfeito por você ter conseguido ficar mais alguns dias. Paul. Possofazer uma adivinhação maliciosa e dizer que a razão não foi o caso que tenho para você,

 porém mais provavelmente, uma bela loira cheia de curvas nos lugares certos?Paul deu uma gargalhada.

 — Não desta vez, David. Foi uma viagem estritamente de negócios, e meu prazer  pessoal não entrou, de maneira alguma.

 — Mas tem que reconhecer que as mulheres sempre o acham irresistível.

 — Que posso fazer, se elas imploram minha atenção? — respondeu Paul, nomesmo tom brincalhão. — Não, mon ami, você sabe muito bem que tenho pouco tempo para perder com romances complicados. — Depois, olhando para o amigo: — Ainda nãocasou?

David Marsden encolheu os ombros, num gesto de desânimo.

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 — Ainda não encontrei a mulher certa. Não demoraram a chegar ao luxuoso bloco de apartamentos. Pegando sua mala no

 banco de trás do carro, Paul seguiu o amigo. Desceram do elevador no sexto andar. Naquela noite, enquanto tomavam café no terraço, sob um céu cheio de estrelas, Paul

 perguntou: — O caso de que me falou no telefone... É um paciente seu? — Sim, ela é minha paciente — respondeu David, com uma inflexão diferente

na voz. — Então é uma moça? Agora, estou muito interessado... — Esperava que estivesse, mesmo. Foi por isso que me esforcei tanto até

conseguir entrar em contato com você. — Então, não vai se importar se eu examinar as radiografias e ler os relatórios,

amanhã de manhã? — Eu ficaria encantado, se fizesse isso. — Paul de Meillon era um brilhante

neurocirurgião. Tinha uma sólida reputação, tendo realizado operações e conseguido curasquase milagrosas. Tinha uma clínica na França, com fama internacional. — Pode usar meuconsultório de manhã, enquanto eu estiver no hospital.

Quando David Marsden voltou, no dia seguinte, um pouco antes do almoço, encontrou oamigo andando de um lado para o outro, preocupado. David olhou-o, calado, por algumtempo, percebendo o ar de indecisão do brilhante médico.

Paul parou e pôs em cima da escrivaninha o relatório que tinha nas mãos. — Você pode internar essa moça por alguns dias? Gostaria de fazer mais alguns

testes, antes de tomar uma decisão. — Ficou olhando para David, ansioso, as mãos nos bolsos

da calça. — Isso seria possível? — Não só é possível, como será feito!Catherine Anderson achava que mais testes seriam uma inutilidade e disse isso a David,

quando ele foi visitá-la, naquele mesmo dia. — Por que continuar com testes que só me deixam exausta e não adiantam nada? — Tenho razão, agora, para pedir isso a você, Cathy — respondeu ele, sem

querer ainda mencionar o nome de Paul. — Volte ao hospital e completaremos essa últimasérie de testes! Você vai?

A moça olhou para ele em silêncio, durante alguns instantes. A esperança tentourenascer, fracamente, em seu coração, mas ela a esmagou com determinação, temendo maisuma decepção.

 — Será mesmo a última vez? — perguntou, controlada. — Vou ser deixada em paz,depois desses testes, para me ajustar à minha nova vida?

David olhou-a, sério. Se a garota lhe desse o mínimo encorajamento, inválida ou não,ele a pediria em casamento imediatamente. De repente, percebeu que Catherine oobservava, intrigada.

 — Estou esperando... — Sim, Cathy; será a última vez.

Charles Anderson levou a filha para o hospital na manhã seguinte e ficou só o tempo

necessário para vê-la instalada, indo depois para o escritório.Sozinha e infeliz, Catherine aconchegou-se aos travesseiros, sem saber quanto tempo

teria que ficar no hospital. O pai não estava nada animado com a idéia e tinha dado sua opinião

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francamente: — É como tentar escaldar um gato duas vezes.Catherine concordava com ele. Suspirando, ela começou a folhear uma revista.Quando Paul de Meillon entrou no quarto particular com David, algo o atingiu, ao

olhar para a linda mocinha dormindo, muito branca entre os lençóis de linho. Seus olhos percorreram o rosto delicado, as longas pestanas escuras, os cabelos cor de cobre, as mãosdelicadas com dedos longos. Estava curioso de descobrir a cor dos olhos dela e a olhavacom tanta intensidade, que David comentou:

 — E mesmo linda, não?Imediatamente, Paul percebeu que havia algo mais do que admiração na voz do

amigo.Catherine estremeceu e abriu os olhos, encontrando David Marsden ao lado da cama.

Mas não estava sozinho. A seu lado estava o homem mais atraente que ela jamais tinhavisto, e que a olhava intensamente, tão intensamente que ela corou. Alto, com ombros

largos, mais parecia um artista de cinema e estava deslocado, num hospital. — Gostaria de apresentar um grande amigo meu — disse David. — O dr. Paul deMeillon. Ele veio da França para uma série de conferências e decidiu ficar um pouco mais.Paul, esta é Catherine Anderson, de quem já lhe falei tanto.

O francês aproximou-se e segurou a mão dela, que levou aos lábios. — Estou encantado, mademoiselle. — Como vai? — disse ela, quase sem fôlego. Sua voz quente e grave, o sotaque

delicioso, tudo a deixava profundamente perturbada. — Espero que não esteja muito aborrecida por ter sido trazida de volta ao

hospital — disse ele, soltando sua mão.

Catherine poderia responder que não se importava; não depois de tê-lo conhecido.Mas apenas sorriu. — David... o dr. Marsden insistiu demais, e não tive muita escolha. — Prometo, mademoiselle Anderson, que sua estada aqui não será longa. — O dr. de Meillon é neurocirurgião, Cathy. Ele está muito interessado em

examinar a gravidade de seus ferimentos. — Porquê?Os dois homens se entreolharam, embaraçados com a pergunta, e imediatamente

Catherine percebeu que escondiam alguma coisa dela. Ficou assustada. Percebendo isso,David apertou sua mão, encorajador, antes de se virar para Paul.

 — Talvez seja melhor dizer a verdade a ela. — Talvez tenha razão, mon ami. Por que não vai visitar aquele seu paciente,enquanto explico tudo a mademoiselle Anderson? Eu o encontro mais tarde, no saguão.

 — Está bem. — David deu uma piscada para Catherine. — Se precisar de ajuda,é só gritar por socorro. A sala da chefe das enfermeiras fica bem do outro lado do corredor.

 — Vai fazer com que mademoiselle Anderson pense que sou um monstro —  protestou Paul, no mesmo tom de brincadeira.

 — Lembre-se do que eu disse, Catherine — disse David, ainda rindo. — Lembrarei.Sozinha com o dr. Paul de Meillon, Catherine sentiu os olhos negros observando-a

mais uma vez e ficou terrivelmente confusa. Medo?, pensou. Mas não, era uma sensação quenunca experimentara. Nunca tinha achado difícil se comportar com naturalidade nacompanhia de um homem, mas Paul de Meillon a deixava insegura, não sabia por quê.David havia dito, brincando, para gritar, se precisasse de socorro. Seria mesmo necessário?

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 — Não terá que pedir socorro a ninguém, mademoiselle — ele garantiu, como se lesseseus pensamentos. — Na verdade, sou inofensivo.

Catherine viu que havia uma sombra de zombaria nos olhos dele. — Não estou com medo do senhor, dr. de Meillon. Só do que vai me dizer. — O que tenho para lhe dizer não deve assustá-la — respondeu, sorrindo,

enquanto puxava uma cadeira para mais perto da cama.Ela o olhou disfarçadamente. Os cabelos castanhos estavam cortados bem curto,

dando-lhe um ar de garoto. Tinha os traços firmes e orgulhosos, uma boca bem-feita esensual, e um olhar firme e obstinado, que não deixava dúvidas de que, no que se referia aseu trabalho, era perfeccionista, chegando talvez até a crueldade. E isso era confirmado

 pelo maxilar forte. Mas ele agora sorria docemente, e ela se acalmou. — Percebi que estava me estudando, mademoiselle — disse, com uma pitada de ironia

 bem-humorada. — Posso saber o veredicto?O rosto já corado pela emoção ficou mais vermelho ainda, mas Catherine respondeu,

sem hesitar: — Acho que pode ser implacável, até desumano, se suas instruções não foremobedecidas. Mas concordo em que não há razão para temores.

 —   Merci, mademoiselle Anderson. Agora, está na hora de uma conversa muitoséria. Durante os últimos dois anos, houve grandes progressos no campo da neurocirurgia.

 Novos métodos foram desenvolvidos e, embora alguns tenham alcançado sucesso, outrosainda estão em estágio experimental.

 — Está querendo dizer que pode fazer alguma coisa por mim? — Não. — Ah... — Suas esperanças desmoronaram, como um castelo de areia. — Eu

 pensei... que o senhor... que... — Não conseguiu terminar a frase, mordendo os lábios, quetremiam.Paul de Meillon inclinou-se para a frente.

 — Não posso lhe dizer o que deseja ouvir, até fazer novos testes. É por isso que estáaqui, e é também por isso que vou lhe pedir para não sonhar demais. Seja paciente, e o temponos dirá.

Catherine voltou para casa, depois de alguns dias, e começou o torturante período deespera. O bom senso aconselhava que não aumentasse esperanças, mas era quaseimpossível. Já estavam às vésperas do Natal e ainda não tinha recebido nenhuma

comunicação de David ou do dr. de Meillon. O que teriam decidido? Quanto tempo mais precisaria esperar? O pai também tinha começado a ficar apreensivo, mas, pelo menos, tinhao trabalho para distraí-lo.

Sentada na cadeira de rodas, olhando pela janela do quarto, ela via as luzes da árvorede Natal brilhando na janela da sala da casa em frente. Um dia, tinha sido divertido enfeitar a árvore. Naquele ano, nem pensaram nisso! Nem se preocupara em comprar ura presente

 para o pai, até Sarah tocar no assunto, uma tarde. — Srta. Cathy, não pode deixar passar o Natal sem dar um presente a seu pai. Seria

muito triste!Envergonhada, reconheceu que Sarah tinha razão.

 — Mas não posso ir até a cidade. Estou presa a esta cadeira de rodas!... — Eu farei isso pela senhorita. Irei até a cidade e comprarei alguma coisa paraseu pai. Só me diga o que gostaria que fosse.

 No dia seguinte, Sarah trouxe um gravador portátil que há meses Charles Anderson

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ameaçava comprar. Animadas, as duas embrulharam o presente e o enfeitaram com uma belafita, antes de o esconderem no armário de Catherine.

Suspirou, desanimada. Era um tempo de alegria, mas tinha a impressão de que seucoração era de chumbo, tanto que pesava no peito.

De repente, viu que um carro subia pelo caminho da casa. Rodou a cadeira mais para perto da janela, para descobrir quem seria o visitante inesperado. Para sua surpresa, viu o dr.de Meillon descer do carro e caminhar até a porta de entrada. Rapidamente, guiou a cadeira

 para fora do quarto. Será que ele tinha novidades?, pensou, tentando reprimir uma onda deesperança que ameaçava sufocá-la.

A campainha da porta de entrada soou no momento em que saía do quarto. Escondida,Catherine viu que o pai foi abrir a porta.

 — Dr. de Meillon! Mas que agradável surpresa! — Espero não ter chegado numa hora inconveniente. — Meu caro amigo, não poderia ser mai& bem-vindo!

Os dois homens ficaram ainda algum tempo conversando no hall, enquanto Catherinetinha consciência das batidas surdas de seu coração. Que homem fascinante era ele! Queolhos expressivos! Enquanto falava. Paul de Meillon gesticulava, e ela olhava, encantada,

 para as mãos fortes, de dedos longos e sensíveis.Obviamente, ele se sentiu observado, pois virou-se e olhou para o corredor. Não tinha

mais sentido continuar escondida, e Catherine rodou a cadeira para a frente. — Boa noite, dr. de Meillon. —   Bon soir, mademoiselle. — Levou a mão dela aos lábios. — Está se sentindo

 bem? — Sim, muito bem, obrigada — respondeu, perturbada.

 — Bom. Tenho uma notícia para a senhorita e seu pai. — Vamos então para a sala — sugeriu Charles, empurrando a cadeira da filha. — Ali podemos conversar com mais calma. Aceita um copo de vinho, dr. de Meillon? Ou prefere um conhaque?

 — Um copo de vinho, monsieur.  — Paul sentou-se numa confortável poltrona. — Não sou um connoisseur, mas o vinho da Cidade do Cabo é realmente superior, mesmo para um francês acostumado aos melhores vinhos!

 — Ah, sim, tenho aqui um vinho da vinícola de Franschhoek. — Charles serviu a bebida em belos cálices de cristal. — É um dos melhores! Prove.

O dr. de Meillon tomou um gole.

 —  Magnifique! Nunca provei um vinho tão bom!Satisfeito, Charles entregou outro cálice a Catherine. — Feliz Natal, dr. de Meillon. —  Oui, monsieur, e mademoiselle. Feliz Natal!Esvaziaram os copos e conversaram ainda durante algum tempo, até que um silêncio

apreensivo caiu entre eles. Era como se quisessem adiar o inevitável mas tivessem chegadoao limite. Foi Catherine quem falou sobre o assunto que preocupava os três. Pressentia aansiedade do pai e a reserva do dr. de Meillon e sabia que era inútil protelar aquilo aindamais. Preparando-se para o pior, perguntou:

 — Quais foram os resultados dos testes, dr. de Meillon?

Charles Anderson respirou penosamente, os dentes cerrados, enquanto os olhos negrosdo dr. de Meillon se fixavam na moça. —   Mademoiselle  — começou, cuidadoso —, o que vou sugerir agora a ambos

vai exigir que pensem algum tempo, antes de decidirem. Não quero que me respondam

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apressadamente. — Parou um instante, até se certificar de que tinha a total atenção de pai efilha. — Posso fazer uma cirurgia, mas... e quero enfatizar isso... as chances de voltar novamente a andar serão de cinqüenta por cento. Se a operação não der certo, poderá estar anulada qualquer chance futura para outra operação. É um risco.

 — E se for um sucesso? — perguntou Catherine, com uma calma que asurpreendeu, pois sua cabeça rodava num turbilhão.

Houve um breve silêncio. Charles Anderson ofereceu a Paul um cigarro e pegou outro para si, mas suas mãos tremiam tanto que Paul teve que acendê-lo.

 — Não sei o que dizer — falou Charles. — Eu sei — disse Catherine, com voz baixa, mas determinada. — Se quer fazer 

a operação, dr. de Meillon, estou mais do que disposta a enfrentar o risco.

CAPÍTULO II

O zunzum da atividade do hospital embalava Catherine, deitada em sua cama. As festasde fim de ano tinham passado e a vida voltava ao normal. Suspirou, feliz. Que maravilhaestar novamente livre! Livre para ir aonde quisesse, como antes do acidente. O dr. Paul deMeillon, com seu cérebro prodigioso e suas mãos hábeis, tinha realizado mais um milagre.

Catherine não podia deixar de sorrir, ao se lembrar da noite em que ele fora até suacasa para oferecer a opção de uma cirurgia em que teria chance de andar. Menos de umasemana depois, era levada para a sala de operação.

 — Ainda está em tempo para mudar de opinião — Paul de Meillon disse,momentos antes de o anestesista enfiar a agulha em seu braço.

 — Eu rezei para ter uma oportunidade — respondeu, confiante. — E queroarriscar.Os olhos negros de Paul brilhavam intensamente.

 — Farei o melhor que puder. — Eu sei.Isso tinha sido há um mês. Com um tratamento auxiliar, o dr. de Meillon garantia que

não havia razão para que ela não andasse. Ele viajara para a França, com a promessa devoltar logo que pudesse. Tinha a intenção de acompanhar sua recuperação até o fim.

David Marsden continuava com o caso, na ausência do amigo, seguindometiculosamente as instruções deixadas. Catherine riu muito, uma manhã, quando ele

repreendeu severamente uma enfermeira por ter esquecido de lhe fazer a massagem programada. — Não gostaria que, na volta de Paul, nós tivéssemos negligenciado uma parte do

tratamento prescrito.Sim, pensou Catherine, Paul de Meillon não toleraria o menor deslize. Mas onde estaria

agora? Tentou dormir um pouco. Será que ele voltaria mesmo, ou seus compromissos o prenderiam na França? Afinal, David podia muito bem substituí-lo e não havia realmente maisnecessidade de sua volta. Mas precisavam dele, sim! Ela precisava!

Mexendo-se na cama agitada, tentou afastar Paul do pensamento. Inúmeras vezes ela osurpreendera olhando-a com uma estranha expressão, mas imediatamente ele baixava os

olhos, escondendo o brilho de admiração que julgava ver neles. O que estaria pensando,nessas ocasiões? O que aquele homem tinha que a perturbava tanto?O cansaço afinal a venceu, e ela dormiu até lhe trazerem o jantar.

 — Está esperando visitas hoje, srta. Anderson? — perguntou a jovem

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enfermeira, quando voltou, mais tarde, para buscar a bandeja e esticar os lençóis. — Esta noite, não. Meu pai foi a Johannesburg a negócios, e não estou

esperando mais ninguém. — Nem mesmo um namorado?

 — Não. — Que pena! Se ficar muito solitária, toque a campainha, que eu venhoconversar um pouco.

 — Não vai estar muito ocupada? — As noites são geralmente bem quietas. Algumas vezes não temos muito que

fazer, mas outras vezes... — rolou os olhos para o teto — ... é uma loucura! — Vamos esperar que hoje a noite seja calma. — Amém — disse a enfermeira, desaparecendo em seguida.

Catherine pegou um livro e começou a ler. Felizmente, estava num quarto particular e,assim, tinha mais sossego.

 — Uma pessoa para vê-la, sita. Anderson — anunciou a mesma enfermeira, um poucodepois.A moça olhou surpresa para o rapaz que entrava no quarto.

 — Ronnie! O que está fazendo aqui? — Que maneira de receber um velho amigo, boneca! — disse ele, inclinando-se

 para beijá-la. Nem sonhava ver Ronald Jansen outra vez. Não depois do que tinha acontecido.

Continuava a usar roupas tão espalhafatosas como antes, pensou. Os cabelos louros, lisos ecompridos, estavam cortados impecavelmente. Se não fosse pela pequena cicatriz sobre oolho esquerdo, ele estaria exatamente igual. O rosto era fraco e sem personalidade, e ela

ficou estarrecida por um dia ter imaginado que o amava. Oh, sim, na aparência ele era um jovem Apoio, mas no íntimo não passava de um inseguro, um egoísta que só pensava em simesmo. E tinha provado isso, sem a menor dúvida.

 — Por que está olhando assim para mim; boneca? Não fica feliz de me ver? — Francamente, não! Pensei que, depois do que aconteceu, nunca mais veria

você. Para ser sincera, era o que eu queria! — Ainda zangada comigo por causa do acidente?Zangada? Era só isso que esperava que ela sentisse por ele, o único responsável por 

estar numa cadeira de rodas? Como Ronnie era infantil e egoísta! Que diferença de umhomem como Paul de Meillon!

 — Naquela noite de festa, você tinha bebido demais. — Ora, Cathy, não vamos começar com isso outra vez. — Implorei para que você me deixasse guiar. Mas sua reação foi se irritar. Para

 provar que estava sóbrio, dirigiu ainda mais depressa. Não era de surpreender que perdesseo controle do carro; não conseguia nem mesmo controlar as próprias pernas,

 — Está exagerando, boneca. — Estou mesmo, Ronnie? Se eu não amparasse você, quando saímos daquela

festa, teria rolado pelos degraus do terraço. Chama isso de exagero? — Será que não aprecia o fato de eu ter andado quase três quilômetros para

conseguir ajuda para você?

 — Oh, sim, e agradeço. Mas não se preocupou em voltar para ter certeza de que eu realmente tinha sido socorrida. E quando a polícia chegou na suacasa, pouco depois, você estava deitado, dormindo!

 — Deve compreender, bonequinha. Quando cheguei em casa, naquela noite, eu

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me encontrava em tal estado de choque que minha mãe chamou um médico imediatamente para costurar o corte no meu olho e depois insistiu para eu ir direto para a cama.

 — Isso não é desculpa para ficar seis meses sem se interessar pela saúde dealguém que você dizia amar.

Ronnie mexeu-se, inquieto, na cadeira. Dava pra notar que estava abalado: as coisasnão corriam como planejara. Se achava que podia voltar e recomeçar tudo de onde tinhadeixado, estava redondamente enganado! Há seis meses, Catherine era tão superficial comoele, mas, depois de tanto sofrimento, tinha descoberto que a vida era mais do que badalar de festa em festa. Havia mudado muito, Ronnie, no entanto, continuava o mesmo garotãoinsensível.

 — Sinto muito por não ter ido visitar você, Cathy. Andei ocupado. — Sim, tenho certeza que sim — concordou, irônica. — Ocupado, dividindo seu

tempo entre uma dúzia de garotas.Ronnie pelos menos teve sensibilidade para ficar vermelho.

 — Não é assim, Catherine. Boneca, vamos acabar com esta briguinha — pediu,recuperando o autocontrole e segurando o braço dela. — Você me ama, sabe que me ama. — Seu,pretensioso! Saia já daqui e não volte nunca mais!Ronnie ficou no mesmo lugar, rindo. Depois, abraçou-a e puxou-a para o peito.

 — Não tente negar, bonequinha — murmurou, a boca muito próxima da dela. Você élouca por mim. Sempre foi!

Como tantas vezes no passado, ele tentava dobrá-la com beijos. — Vá embora! Me deixe em paz! Ouviu dizer que eu ia andar de novo e achou

que estava ansiosa para ter você de volta, não foi? Pois se enganou! — Me beije, querida — insistiu Ronnie, ainda confiante. — E depois diga se

não tenho razão.Cathy sacudia a cabeça de um lado para o outro, num esforço para fugir dos lábiosdele, mas foi inútil. O beijo apaixonado, que pretendia fazê-la ceder, só serviu para deixá-laenojada.

 — Diga agora que não me ama, Cathy. — Eu odeio você! Se não sair deste quarto imediatamente, vou tocar a

campainha e chamar a enfermeira! — Não vai, não, boneca — disse Ronnie, segurando a mão dela. — Quero

mais um beijinho. — Não!

O quarto começou a rodar, o rosto de Ronnie se distorceu e se afastou dela. — Oh, meu Deus, vou desmaiar!Lutando contra a escuridão que ameaçava envolvê-la, escutou uma voz muito

conhecida: — Acho, monsieur, que já aborreceu minha paciente demais, para uma noite. — Paul! — exclamou ela, antes de perder os sentidos.Uma mão pesada segurou Ronnie pelos ombros, e ele foi puxado violentamente

 para trás. Quando se viu frente a frente com aquele homem alto e musculoso, seus olhosse arregalaram, mas não perdeu a insolência.

 — Quem é você? O que quer? Que direito tem de se meter?

O rosto de Paul de Meillon se endureceu, com uma raiva fria. — Como médico de mademoiselle Anderson, tenho todo o direito. Está prejudicando a recuperação de minha paciente e, enquanto ela estiver sob meuscuidados, não permitirei mais que a visite. Será que fui claro?

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 — Minha mãe morreu logo após o nascimento de Adèle. Meu pai nunca seconformou e morreu alguns anos depois.

 — Sinto muito. — Obrigado. — Mudou abruptamente de assunto: — Esse rapaz... Ronnie, é um

amigo especial? — Foi, uma vez.Catherine contou então a conversa que tinham tido um pouco antes de ele chegar e

como havia ocorrido o acidente. Seus olhos transparentes e límpidos deixavamtransparecer toda a revolta que sentia.

 — Agora me arrependo de não ter dado uma surra nele — disse Paul, quando elaterminou de contar. — O idiota podia ter matado você! Tantos jovens perdem a vida por imprudência e bebedeira! Dieu... o fim é quase sempre trágico.

Quando ficava nervoso, o sotaque francês se tomava mais. forte, mas normalmentesua pronúncia era perfeita. Será que, como a irmã, ele também tinha estudado na

Inglaterra? Algum dia perguntaria. — Está ficando cansada, petite. Acha que vai conseguir dormir ou prefere que euchame a enfermeira para lhe dar um sedativo?

 — Vou dormir. Obrigada, Paul. — Estendeu a mão, que ele apertou. — Eobrigada por ter voltado.

 — Pensou que eu não voltaria? — perguntou, surpreso. — Não tinha certeza. — Nunca quebro uma promessa, Catherine. Agora durma. De amanhã em

diante, não vai ter muito tempo para descansar. Não vou lhe dar paz, até que estejaandando. Lembre-se disso.

Paul falava sério, quando disse que ela teria pouco tempo para descansar nos diasseguintes. Programou rigorosos exercícios diários e a forçava a praticá-los, sem piedade,até ficar completamente exausta. Mas sua recompensa era a emocionante sensação deformigamento, cada vez mais forte, que provava que suas pernas estavam lentamentevoltando à vida. Embora no fim de cada dia estivesse esgotada, dormia profundamente eacordava pronta para começar tudo de novo.

Quando Paul ordenou que andasse entre as barras pela primeira vez, olhou para ele,estarrecida.

 — Não posso! Não pode fazer isso comigo!

 —   Mon Dieu! Será que perdi meu tempo? Se é assim, lavo minhas mãos e desistode você! — Deu meia-volta e começou a se afastar como se pretendesse ir embora. — Paul! Por favor, volte! — Ele parou e olhou para seu rostinho choroso. Cathy

engoliu as lágrimas. — Sinto muito — falou, com os lábios trêmulos. — Vou fazer tudo oque mandar.

 No fim dessa sessão especial. Paul pegou-a no colo e, sem se importar com asenfermeiras e os fisioterapeutas presentes, carregou-a até sua cadeira, como se ela fosse umacriança.

 — Foi assim tão ruim? — perguntou, tirando um lenço do bolso e enxugando o suor datesta dela. — Foi, chérie?

Sempre que a olhava com tanta ternura e falava com tanto calor, Catherine tinha certezade que seria capaz até de escalar o Everest sem nenhuma ajuda, se ele mandasse.

 — Não. Não foi assim tão difícil.

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Quando finalmente permitiram que voltasse para casa, ainda caminhava apoiada emuma bengala. Mas isso não alterou a alegria de Charles Anderson, ao ver a filha de pénovamente. Chorou de emoção, quando foi buscá-la no hospital, naquela manhã, abraçando-a como se não quisesse mais soltá-la.

 — Deus foi muito bom para nós — disse simplesmente, e Catherine sentia a mesmacoisa. Na Mansão de Rust, Sarah a esperava com uma verdadeira festa. — É tão bom tê-la de novo em casa, srta. Cathy! Outro dia, estava dizendo a Joseph que

a casa fica muito triste com o patrão no escritório e a senhorita no hospital. Mas está tão bonita! Nem posso acreditar!

Ficou com as duas mãos unidas e levantadas contra o peito farto. Cathy estavacontente de vê-la também.

 — É muito bom estar de volta, Sarah, e espero que não me atormente como Paulfez comigo nas últimas semanas!

 — Se está com tão boa aparência, depois de ter sido atormentada — Charles interrompeu, rindo —, talvez devamos continuar fazendo o mesmo aqui emcasa.

 — O patrão tem razão. Está com as faces rosadas e não mais tão pálida, comoandava. — Olhou para a jovem apoiada na bengala. — Emagreceu um pouco, srta. Cathy,mas logo vamos deixá-la mais cheinha, como antes do acidente.

 — Nem diga isso! Eu estava muito gorda, e você sabe. Portanto, Sarah, não mefaça engordar outra vez, ou serei obrigada a fazer dieta semana sim, semana não.

A negra balançou a cabeça e voltou à cozinha, resmungando: — Essas moças de hoje, sempre fazendo dieta... É tão pouco saudável!

 No dia seguinte, Paul chegou a De Rust, num automóvel esporte vermelho. Catherine oesperava no terraço. Vestindo um temo de Unho creme, ele parecia ainda mais bronzeado eextremamente másculo, e a moça pensou que ele levaria um susto, se soubesse o quanto adeixava perturbada. Paul subiu os degraus, indo ao encontro dela, e depois olhou-a comatenção.

 — Está muito bonita. Feliz por voltar para casa? — Sim, Paul. Estou sendo tratada como uma princesa e ninguém ainda me

obrigou a fazer nada. — Então, algo terá que ser feito, urgentemente, para remediar isso — 

respondeu, bem-humorado. — Aceita um pouco de chá? — Para dizer a verdade,  petite, vim convidar você para tomar chá comigo.

Conhece algum 'lugar onde sirvam chá e bolinhos de creme? E que seja sossegado?Catherine sorriu.

 — Gosta de doces? — Tenho que confessar que sim. Conhece algum lugar assim, Catherine? E iria

comigo? — Conheço. E gostaria muito de ir com você. — Seria a primeira vez que ficaria

sozinha com Paul, sem enfermeiras entrando e saindo. — É melhor eu avisar Sarah, para que

não fique preocupada. — Pode deixar, eu digo a ela.Paul entrou na casa e voltou logo depois, avisando que tudo estava em ordem. Para

surpresa de Cathy, ele se inclinou e a levantou nos braços.

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"O que estaria planejando agora?", pensou, nervosa, quando ele desceu os degraus e a pôs de pé ao lado de uma parede de pedra.

 — Apóie-se na parede. — Afastou-se alguns passos. — Agora, venha para mim.Catherine ficou parada, petrificada.

 — Você deve ser louco, se acha que posso andar sem bengala! — Pois vai andar sem ela, hoje. — Não posso! — gritou em pânico. — Venha! — Abriu os braços. — Não vou deixar que caia ou se machuque.Os olhos fixos nos dele, Cathy deu o primeiro passo, hesitante, depois outro, e mais

outro, até cair, sem fôlego, nos braÇos de Paul. — Eu andei! Andei sem a bengala! — dizia, chorando, agarrada a ele. — Mas claro que sim, chéri! Acha que eu lhe pediria uma coisa impossível? — Não. É que não pensei que pudesse. — Tudo o que precisava era confiança em si mesma. Agora, vai se apoiar em meu

 braço e andar até o carro. — Minha bengala... — Não hoje, petite. Hoje, vai sair comigo e deixar a bengala em casa.Catherine obedeceu, agarrando o braço dele e andando lentamente até o carro.

 — Ainda não me disse aonde vamos — Paul lembrou, depois de ter dirigido por dois quarteirões.

 — Espero que goste de flores, Paul, porque estou levando você para o jardimBotânico Kirstenbosch. É muito tranqüilo, e o salão de chá serve o mais delicioso bolinhode creme que existe.

 —  Oui, os bolos de creme! Estou ansioso para conhecer o seu

 jardim botânico. Nas poucas semanas que passei aqui, não tive tempo de conhecer atrações turísticas. E é uma coisa que quero fazer, em meus três últimos dias na África doSul.

Um pesado silêncio caiu entre eles, depois dessa revelação. Catherine tinha aimpressão de que o coração sangrava, no peito. Ele partiria em três dias! Só uns trêsmiseráveis dias, e nunca mais o veria. Voltaria à França, à sua clínica, e ela seria depressaesquecida, embora ele continuasse a ser lembrado por ela, por toda a vida!

 — Está quieta demais, Cathy. Não se sente bem? — Eu... eu não imaginava que você fosse embora tão cedo. Paul olhou para ela,

rapidamente. — Fiquei afastado da clínica muito tempo. Eles devem estar pensando que não

tenho intenção de voltar. — Sinto muito. Foi por minha causa que ficou tanto tempo. — Não deve se desculpar. Fiquei por minha própria vontade. Seu caso me

interessou tanto, que resolvi ficar.Então, era isso que significava para ele? Só um caso, clínico interessante? Mais uma

operação sensacional em sua fabulosa carreira? Que perfeita idiota tinha sido, apaixonando-se por ele! O dia estava estragado, com a notícia de sua partida iminente.

O Kirstenbosch ficava nas encostas da Table Mountain. Acres de magníficos jardins,com caminhos por entre canteiros de flores. O dia estava quente e não havia nuvens no céu,até os pássaros procuravam a sombra e se banhavam na lagoa entre as árvores.

Sentados num banco, Catherine e Paul olhavam seus trejeitos, rindo.

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 — Em seu país, nada é pequeno — comentou ele, acendendo um cigarro. — Emqualquer lado para onde se vá, há tanto espaço! Olhe só esses jardins e a variedade deflores!

 — Esta não é a melhor época para vir aqui. Em outubro, os jardins ficam

maravilhosos. — Já descansou, chérie? Podemos agora procurar os tais bolinhos?Sentaram-se diante de uma janela, olhando para o Kirstenbosch, contra os flancos escurosda Table Montain. Paul pediu chá e doces, e, enquanto esperava, felicitou Cathy pelo

 progresso daquela manhã. — Você andou muito bem. De agora em diante, nada de bengala, compreende? — Compreendi. — Franziu a testa, como se algo a preocupasse. — Paul, nunca

 poderei agradecer o bastante pelo que fez por mim. Quando sua conta chegar, será paga coma maior satisfação.

 — Não vai haver nenhuma conta.

 — Mas... — Para mim, foi uma experiência que eu nunca deixaria escapar. Foi umaespécie de desafio. — Sorriu para ela. — Já se esqueceu,  petite, de que fui eu quem a

 procurei. — Sim, mas certamente... — Como pagamento, poderá me mostrar um pouco de seu país, antes que eu

 parta. Fará isso por mim? — Está me pedindo muito pouco. — Olhou-o, com carinho. — Será um prazer 

mostrar a você as belezas de meu país, embora a Cidade do Cabo e seus arredores sejam sóuma pequena parte dele.

Um estremecimento sacudiu seu corpo frágil. Pelo menos passariam juntos os últimosdias dele na África. Era uma pequena consolação, mas durante toda a vida se lembraria.A viagem de volta foi rápida.

 — Ligo para você amanhã, às nove — disse Paul, quando a deixou na porta de casa. — Deixo a excursão inteiramente a seu cargo.

Depois que ele partiu, Catherine caminhou devagar até seu quarto. Tinha sido umamanhã maravilhosa, e nos três dias seguintes ele seria só dela. Tinha que fazer com queaqueles dias fossem memoráveis. Memoráveis, não apenas para Paul, mas para ela também!

CAPÍTULO III

Uma sensação familiar de excitação invadiu Catherine, quando o teleférico começou asubir suavemente em direção ao pico da Table Mountain. Num dia claro, podia-se ver bemalém dos limites da cidade.

Quando chegaram ao cume, Paul segurou-lhe o braço para saltarem, e amparou-aenquanto andavam pelo caminho irregular e seguiam os outros turistas, até um ponto de ondeteriam uma melhor visão do belo panorama. Soprava um ventinho frio, e ela estremeceu.

 — Está com frio, chérie? —perguntou Paul, passando o braço em seus ombros. — A queda brusca da temperatura me pegou desprevenida.

O calor protetor do corpo dele deixou-a nervosa. Seu coração começou a bater traiçoeiramente, é Catherine teve que se controlar para não ceder ao louco desejo deaconchegar o rosto no peito largo e forte de Paul.

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 — A que altura estamos, Cathy? — Mais ou menos mil metros acima do nível do mar.Paul assobiou baixinho e depois apontou um ponto lá embaixo.

 — Quantas árvores bem no meio da cidade! É um parque?Intensamente perturbada com a proximidade dele, ela respondeu:

 — É o Jardim Botânico Municipal. Eles têm uma grande variedade de árvores,orquídeas e samambaias, e também um jardim perfumado para cegos.

Sentia o hálito quente de Paul no rosto e fechou os olhos, ainda dominada pelo desejode encostar o rosto no peito dele.

 — Eu levo você até lá — prometeu, afastando-se um pouco.Paul comprou um cartão-postal no salão de chá, antes de descerem e irem para o

Jardim Botânico. Logo estavam alimentando os pombos com migalhas de pão. — Olhando daqui para a montanha, ninguém poderia sequer imaginar que lá em

cima existem aquelas rochas imensas.

 — Às vezes, quando o sudoeste sopra, a neblina cobre o topo e desce pelasencostas — disse Catherine. — Nós a chamamos "a toalha da mesa''. — Adèle iria adorar seu país. Talvez eu a traga aqui, algum dia. — Sua irmã? Você a traria mesmo? — Claro. Vocês duas iam se dar muito bem. São quase da mesma idade. Por falar 

nisso, qual é mesmo sua idade? Dezoito? Ou dezenove? — Tenho vinte e dois anos — disse Catherine, com tanto orgulho que Paul teve

que rir. Sentia-se aliviado por descobrir que ela não era tão jovem como aparentava. — Minhas desculpas, chérie. Nunca teria adivinhado. Talvez por eu ser tão mais

velho...

 — Quantos anos você tem? — Trinta e cinco. Treze anos mais que você. É uma vida, não? — Não! A idade não significa nada, quando... — Quando duas pessoas estão apaixonadas? Ia dizer isso, chérie?

 — perguntou, rindo. — Mas nós não estamos apaixonados. Ou está apaixonada por mim, Catherine?

 — Claro que não! — Mas um rubor intenso desmentiu as palavras. — Todos os franceses são assim francos e diretos? — Absolutamente. Não deve acreditar no que contam sobre os homens da França.

Somos iguais aos outros.

Sentaram-se à sombra de um enorme carvalho, e os raios de sol se filtravam entre asfolhas, formando sombras no tampo da mesa. Paul gostaria de prolongar um pouco maissua visita, mas tinha ficado mais do que planejara.

 — Você fala perfeitamente o inglês — Catherine disse, num elogio. — Vaimuito à Inglaterra?

 — Minha mãe era inglesa. Fiz a universidade lá. Foi quando conheci DavidMarsden.

 — Fica muitas vezes assim afastado da clínica, quando tem um paciente emoutro país?

 — Nem sempre. Isso foi como um período de férias que tirei. Mas a equipe é

muito bem treinada e pode funcionar sem rainha presença. Nos últimos dias da estadia de Paul, visitaram a cidade, e Paul se encantou com GrootConstantia, um excelente exemplo das antigas casas de estilo holandês, ainda de pé. Alihavia morado um antigo governador do Cabo, o holandês Simon van der Stel.

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 — Depois da morte dele, em 1712 — contou Catherine, enquanto admirava a bela mobília da sala de estar —, a casa mudou dedono várias vezes, até se transformar numa fazenda experimental. Foi danificada por umincêndio em 1925 e teve que ser cuidadosamente reconstituída.

 — Como sabe tanto sobre isso? — Venho muito aqui, e História sempre foi minha matéria preferida, na escola.Durante todos os passeios, Paul se preocupava para que ela não se cansasse muito e

 parava para um descanso quando notava sinais de fadiga. — Esse médico com nome francês — disse Sarah, enquanto preparava uma

cesta para piquenique, na véspera da partida dele — quando vai voltar para o país dele? — Amanhã, Sarah. Por quê? — Estava só pensando, senhorita. Saiu com ele todos os dias, esta semana...Cathy apoiou-se na bengala e ficou observando Sarah trabalhar. Reparou na

expressão de crítica da criada e pressentiu que aquele comentário era o prenuncio para outras

 perguntas perigosas. — Está apaixonada por ele, não está? — perguntou a negra, enxugando as mãos noavental e olhando para Catherine com preocupação. — Não adianta negar, está escritoem seu rosto.

 — Sarah, eu não... — Eu a criei desde que sua mãe morreu. Era tão pequenina que seu nariz

alcançava o topo da mesa. Eu a conheço, srta. Cathy, conheço muito bem. Já esteveapaixonada antes, mas desta vez está amando como uma mulher ama o homem de sua vida:com o coração, a mente e a alma. Mas quero que fique prevenida. Vai encontrar sofrimentoem seu caminho. Esse médico com um nome diferente é um homem que pensa com a

cabeça, e não com o coração. Nunca acreditará que a senhorita, tão linda e tão jovem, o ama.Vai sempre desconfiar de que tem só gratidão pelo que ele fez. — Mas... — Ele agora está muito doce e só tem olhos para a senhorita, mas pode se tomar 

um homem sem piedade, se imaginar que está sendo enganado. Eu o observei muito bem,quando esteve aqui. E, srta. Cathy, Joseph concorda comigo.

Catherine sentiu as pernas trêmulas é teve que sentar-se na cadeira da cozinha. — Por que está me dizendo todas essas coisas, Sarah?A velha negra deu a volta na mesa e pôs a mão no ombro da moça, como se quisesse

 protegê-la.

 — Vai ter que lutar por sua felicidade, srta. Cathy. Vai ter que ser paciente. Mas no fimencontrará o que mais deseja na vida: o amor e a confiança do homem que escolheu.Quando a campainha da porta tocou, Catherine foi depressa abrir e encontrou Paul com

um belo ramo de rosas. — Para a bela mademoiselle — disse ele, com uma ligeira curvatura, entregando

as flores. — Muito obrigada, são lindas. — Tirou um dos botões e o colocou na lapela do

casaco dele.Seus olhos se encontraram, e Paul percebeu que estava embaraçada. Sabia que Cathy não

ficava indiferente às suas atenções; entretanto, o relacionamento deles tinha sido muito breve

 para que pudesse ter certeza de que o que a moça sentia era apenas gratidão ou algo mais profundo.Pouco depois, quando viajavam rumo ao campo, as palavras de Sarah vieram à mente

de Catherine. Eram muito misteriosas e a deixavam assustada! Não queria que nada

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estragasse a felicidade de estar ao lado de Paul. Pensaria no assunto quando estivesse sozinha.Passaram a manhã passeando pelos vales do Franschhoek, visitando as adegas da

região e os vinhedos. Finalmente, cansados e famintos, foram para as margens do rioEerste, para fazerem o piquenique. A tarde estava quente, e as cigarras cantavam, enquantoCatherine e Paul estendiam a manta debaixo de uma árvore enorme e copada. Comeram emsilêncio.

Depois, ela se deitou e desejou que o dia nunca mais acabasse. Na última semanatinham conversado sobre muitas coisas, mas não falaram sobre a partida próxima dele. Eracomo se ambos quisessem evitar o assunto, embora estivessem sempre presente na mentede Catherine, atormentando-a sem parar. Nada seria igual outra vez. Não, depois de ter conhecido um homem como Paul de Meillon.

 — Conte alguma coisa sobre sua clínica — pediu, rolando de braços.Paul colocou a xícara vazia na cesta e deitou-se ao lado dela. Apoiado num cotovelo,

ele olhou para o rio, e naquele instante ela soube que seus pensamentos estavam muito

longe; não pertencia a essa parte da vida dele, para a qual voltaria no dia seguinte. Semdúvida, depois de algumas semanas, seria completamente esquecida. Sentiu uma intensaangústia.

 — O que gostaria de saber, petite?

 — Tudo o que quiser me contar.

 — A clínica neurológica fica num bairro afastado de Paris. Aceitamos pacientes com

vários tipos de problema. Alguns têm condições de serem operados, outros, não. Minha

casa fica perto da clínica, o que toma as coisas mais convenientes e práticas. — Sua irmã mora com você?

 — Durante as férias, sim. É seu lar. — Sorriu, feliz. — Mas ela vai voltar para ficar no

fim do ano, quando terminar o curso secundário na Inglaterra. Resolveu abrir uma butiqueem Paris. É louca por moda e roupas.

 — Deve ser muito divertida. Ela tem dinheiro para começar um negóciodesses?

 — Uma boa parte de sua herança ficou a meus cuidados até que ela complete vinte e

um anos. Acha estranho que situações assim ainda existam? Talvez me ache um poucoantiquado. — De jeito nenhum. Aqui na África do Sul, uma moça com menos de vinte e um

anos precisa de autorização do pai ou tutor para casar. — Ah! É assim? Adèle também não pode casar sem meu consentimento.Havia uma tal intransigência na voz dele, que Catherine olhou-o, surpresa, notando uma

certa dureza em seu rosto, geralmente calmo. — É um irmão severo demais? — Só quando preciso, chérie. Mas chega de falar em mim. Quero saber alguma

coisa sobre você.

 — Não há muito a dizer. Eu estava na universidade para tirar meu diploma emLiteratura Inglesa. Se não fosse pelo acidente, teria terminado no fim do ano passado.

 — Agora, pode voltar e terminar.

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 — Não sei — respondeu, um pouco nervosa. — Já fui por muito tempo umacarga para meu pai. Acho que está na hora de começar a ganhar para me sustentar.

 — Mas seu pai é um homem rico, chérie. Tenho certeza de que ele não aconsidera uma... carga!

 — Não sou esse tipo de pessoa, Paul. Tenho que fazer alguma coisa. Ou volto àfaculdade, ou arranjo um emprego. Não gostaria de passar o resto da vida sem fazer nada deútil, como a filha do milionário Charles Anderson. Quero ter minha própria personalidade.

Havia calor, nos olhos de Paul, e mais alguma coisa que ela não conseguiu definir.Gostaria de dizer que tudo o que queria era passar o resto da vida ao lado dele. Mas Paulestava ansioso para voltar à França, para sua amada clínica. Era desesperador!

Como tinha sido tola, entregando seu coração com tanta facilidade! Principalmente porque ele não tinha o menor interesse por ela. Será que Paul se apaixonaria, algum dia?Será que chegaria o dia em que apenas o trabalho não seria o bastante para ele? Em que oamor de uma mulher seria essencial para sua felicidade?

Esse pensamento a fez estremecer. A simples idéia de outra mulher em seus braços,recebendo seus beijos e seus carinhos, era dolorosa demais.

Voltaram à tardinha, quando os últimos raios de sol cobriam a montanha com uma luzdourada. Soprava uma brisa fresca e o suave perfume das flores enchia o ar, tomando aindamais nostálgico o momento da despedida.

Catherine ficaria radiante, se pudesse saber o que se passava no coração de Paul deMeillon, naquele instante. Ele nunca se sentira tão desesperado por se separar de alguém.Sabia agora que amava a moça profundamente.

Poderia ter dito a ela, mas algo o impedira. Cathy era muito jovem e precisava de tempo.O sucesso espetacular da operação ainda estava muito vivo em sua memória para que

soubesse distinguir entre amor, gratidão e admiração. Admiração! Esta palavra o assustavaterrivelmente. Talvez estivesse sendo cuidadoso demais, mas, aos trinta e cinco anos, umhomem não podia correr riscos ao escolher sua esposa!

 Não, tinha que voltar à França e deixar que ela conhecesse outros homens mais jovens, por mais que esse pensamento fosse insuportável para ele, por mais que sofresse!

Em um ano, voltaria. Se ela ainda estivesse livre, então se comportaria como umhomem apaixonado. Aí, ela não estaria mais influenciada por nada além da linguagem de seucoração.

 — Catherine, chérie  — começou a dizer, tomando as mãos dela. — Abusei de suahospitalidade. Ainda não está bastante forte para todos esses passeios, e deve ter se

cansado demais. — Não, não! Adorei cada minuto. Depois de ficar seis meses numa cama ou numa

cadeira de rodas, poder andar outra vez é a coisa mais maravilhosa do mundo. — Por nadadeste mundo confessaria que muitas vezes se sentira exausta. — Ainda não agradeci o

 bastante pelo que fez por mim. Se não fosse você... — Outros fariam a mesma coisa, petite, se eu não tivesse aparecido por aqui — 

interrompeu ele, tenso. — Quem, por exemplo? David Marsden? É nosso melhor neurocirurgião e nem

ele teve coragem de arriscar aquela operação. — Não julgue tão duramente meu colega, Catherine. Não é fácil, para um

homem, operar a mulher que ama.Ela arregalou os olhos.

 — Não pode estar falando sério!

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 — Garanto que estou, chérie. Quando eu for embora, dê uma chance a ele. — Mas eu não... —Catherine mordeu o lábio. Era inútil explicar a ele que não

havia a menor chance de ela vir a se apaixonar por David, a não ser que estivesse disposta arevelar tudo o que sentia.

 — Fará isso por mim? — Não posso prometer uma coisa dessas, Paul. O que sinto por David é sóamizade. Para ser franca, não acredito que algum dia será diferente. Ele é meu médico,apenas isso.

Paul levou as mãos dela aos lábios. — Tome bem conta de você, chérie. Durante algum tempo, não se esforce demais.

Tenho certeza de que não vai querer desfazer todo o meu trabalho. Promete? — Prometo, Paul — respondeu, tentando manter a calma e não chorar. — 

Pretende voltar para nos ver? — Talvez, chérie. Quem sabe?

A brisa agitou o lenço que ela usava no pescoço. Paul segurou a ponta, rapidamente. — Posso guardar como lembrança?Atônita com o pedido, ela ficou um instante incapaz de responder. Depois concordou,

vendo-o guardar o lenço no bolso do casaco. Por que quereria uma lembrança dela? Por queia querer se lembra dela?

 — Agora preciso ir, petite. Está um pouco tarde e ainda tenho que fazer as malas. — Mais uma vez, beijou as mãos dela. — Foi muito gentil em me mostrar um pouco de seu

 belo país. Não me esquecerei.Inesperadamente, baixou a cabeça e beijou-a nos lábios de leve. Cathy desejava de

todo coração que a abraçasse, mas Paul recuou um passo. — Dê um abraço em seu pai. Talvez algum dia você e eu nos encontraremos

novamente. Adieu. — Virou-se e foi embora, deixando-a sozinha no terraço, arrasada.Para Catherine, era o fim do mundo, mas, e para Paul de Meillon? Gostaria de saber.

 Não tinha a mínima idéia do que ele sentia. Com os olhos cheios de lágrimas, viu o carro passar pelos portões e desaparecer.

De uma janela do andar superior, Sarah viu quando Catherine entrou em casa e,sacudindo a cabeça, murmurou:

 — Aconteceu, e só o bom Deus sabe como tudo isso vai terminar. Minha pobre srta.Cathy!

CAPÍTULO IV

As festas de Sue Grainger eram experiências que não se deviam perder. Catherinechegou cedo, como Sue sugeriu. Tinham muito que conversar, depois dos meses em queCathy ficara fora de circulação. Mais do que isso. Sue estava ansiosa para mostrar à amigaseu novo apartamento.

Agora, a sala já estava cheia de gente. Num canto perto da porta que dava para o terraço, Catherine sentia-se cada vez mais

impaciente. E pensar que há menos de um ano adorava festas assim!

A música estridente tocava tão alto, que sua cabeça parecia que ia estourar. Casaisagarrados se arrastavam pela sala em penumbra, num arremedo de dança. — Olhem só quem está aqui!Catherine ergueu o olhar, surpresa, e encontrou Ronnie Jansen à sua frente, o inevitável

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copo de bebida na mão. — Como vai, Ronnie? — "Como vai, Ronnie?" — ele repetiu, imitando-a e rindo. — Parece até que a

gente se encontra todos os dias. — O que esperava que eu dissesse? Que felicidade encontrar você por aqui? — Não exatamente. Mas não podia pelo menos ser um pouco mais original? — Eu devia saber que você viria; nunca faltava às festas de Sue. — Foi por isso que veio, hoje? — Continua pretensioso como sempre, não é? — O que aconteceu com seu guarda-costas? — Guarda-costas? — perguntou, sem entender, a princípio, mas logo se

lembrou. — Está falando do dr. de Meillon? — Quem mais? — Ele voltou para a França — respondeu, tensa.

 — Que pena! Então, a menininha está completamente sozinha esta noite? — Riude um jeito desagradável e tentou abraçá-la, mas ela se livrou. — Está bem! Não pode meculpar por tentar, não é? Não precisa fugir de mim como se eu tivesse uma doençacontagiosa. Entendi o recado, doçura, e não vou mais aborrecer você. Quem quer umageladeira como namorada?

Depois disso, ele foi para o outro lado da sala e Catherine suspirou, aliviada. Tentouimaginar Paul de Meillon numa festa daquelas. Sem a menor dúvida, ele detestaria. Sim, eera exatamente essa sua sensação, naquele instante: mal-estar! Como podia já ter achadograça nessas festas barulhentas? Chegou a abençoar o acidente, que tinha posto um fim aesse tipo de vida. Não devia ter vindo, pensou. Mas Sue insistira tanto, e o pai acreditava

que ela se animaria um pouco. Desde a partida de Paul, estava infeliz e insatisfeita. Ainutilidade de seu amor a deprimia, deixando-a indiferente e incapaz de decidir o que fazer nofuturo.

Sua dor de cabeça começou a aumentar, com o barulho e a agitação na sala. Na primeira oportunidade, procurou Sue, deu uma desculpa e foi embora respirando aliviada oar frio e refrescante da noite, enquanto guiava para casa.

Quando chegou a De Rust, tinha resolvido nunca mais comparecer às festas de Sue. Aamizade das duas estava no fim: a diferença de temperamentos era grande demais.

 — Voltou cedo para casa — disse o pai, quando a viu entrar. — Estou com uma dorzinha de cabeça. — Inclinando-se, beijou-o na testa.

Charles Anderson pôs o livro que lia de lado e olhou atentamente para a filha. — Está preocupada com alguma coisa?Catherine tirou os sapatos e depois serviu-se de um suco de frutas.

 — Nada me preocupa, papai. É que de repente percebi que amadureci e já nãoacho graça nas festas de Sue, como em muitas outras coisas que antes me agradavam. — Sentou-se numa poltrona diante dele. — Como passou a noite?

 — A reunião terminou cedo. Fiquei a maior parte do tempo aqui, lendo. — Acendeu um cigarro. — David Marsden telefonou, quando você estava fora.

 — Ah... Ele disse o que queria? — Não. Só disse para eu lhe dar o recado de que gostaria de convidar você para

almoçar com ele, amanhã. Se tiver outro compromisso, é para telefonar. Se não, deveencontrá-lo no Restaurante Cabana a uma da tarde.Catherine não entendia a razão do estranho convite. Ela e David tinham se tomado

 bons amigos durante as últimas semanas, e, embora ele deixasse óbvio que desejava mais do

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que uma simples amizade, nunca a forçava a nada. — Você tem saído com David, ultimamente — comentou o pai. — É. — Existe... quero dizer...A frase, embora incompleta, era bastante eloqüente, e Catherine riu de sua

atrapalhação. — Não, papai, não existe absolutamente nada. Gosto muito de David como amigo,

mas é só. — E ele sente a mesma coisa por você?

Ela hesitou antes de responder: — David está apaixonado por mim. Mas sabe que não sinto a mesma coisa e

aceita isso. — Acha que está agindo certo com ele, saindo sempre em sua companhia?Catherine arregalou os olhos.

 — Acha então que devo recusar os convites dele?Charles Anderson mexeu-se desconfortavelmente na poltrona. — Não disse isso, Catiiy. Você tem saído muito pouco, ultimamente, e não posso

culpá-la por sair algumas vezes com ele. O que estou querendo dizer é que não é fácil paraum sujeito apaixonado sair com uma mulher que não corresponde a seus sentimentos.

Ela pensou algum tempo. — Tem razão, papai. Não é mesmo justo, mas será difícil convencer David de que é

 para o bem dele. — Suspirou, desanimada, e se levantou. — Vou me deitar, agora, estouexausta. Boa noite, papai.

Charles ainda ficou acordado por um longo tempo, pensando. Estava preocupado

com Catherine. Parecia muito diferente nos últimos tempos, sem nenhuma alegria de viver. Não sabia o motivo de uma mudança tão grande, mas estava resolvido a descobrir.

Quando Catherine chegou ao Restaurante Cabana, no dia seguinte, a uma da tarde,David já a esperava. Levou-a para uma mesa de canto e pediu bebidas.

 — Você me disse, há algum tempo, que tinha feito um requerimento paravoltar à universidade e terminar o último ano — disse ele, enquanto bebiam os aperitivos.

 — Ainda quer voltar? — Sim, David, quero. — Ontem à noite, estive com o deão da universidade e ele me contou que seu

 pedido foi aceito.Pela primeira vez em semanas, Catherine ficou emocionada. Finalmente, teria

 possibilidade de fazer algo útil. Precisaria estudar muito, mas isso era bom, porquetalvez a ajudasse a esquecer. Esquecer que conhecia um homem chamado Paul de Meillon.

 — Cathy, se não quiser, não precisa voltar para a universidade. — Não está sugerindo que eu passe o resto da vida sem fazer absolutamente

nada, está?David inclinou-se para ela e pegou sua mão.

 — Poderia casar comigo. Sabe que eu a amo, não sabe?Por alguns momentos, eles se olharam nos olhos. Os dele eram apaixonados; os dela,

 pesarosos. — Sei, sim, David. Mas... — Com o tempo, poderia aprender a me amar.

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Catherine sorriu, descrente. Que bom se fosse assim fácil! David não era um homemsem atrativos, com seus cabelos loiros e olhos verdes, mas entre ambos existia a figuramorena do médico francês.

 — Não adiantaria, querido. Eu não... eu não posso... — Sua voz sumiu, e elaficou calada.

 — Ama outro?Catherine não respondeu logo.

 — Sim, amo. Sinto muito. — Alguém que eu conheça? — Sim. — Não... não Paul de Meillon! — Vendo a verdade nos olhos enevoados de

Cathy, soltou a mão dela e se recostou na cadeira, com uma expressão de desgosto. — Entãoé ele! Devia ter imaginado!

 — Sinto muito, David.

Ele esvaziou seu copo e, durante algum tempo, os dois comeram em silêncio. — Mas pelo menos você reconhece que é inútil amar Paul — disse David, com um traçoamargo na voz. — Ele é casado com a profissão. Sempre foi e sempre será.

 Não tinha meios de saber o quanto estava enganado. Nem Catherine. Ela estava semapetite, mas, por causa de David, tentava comer alguma coisa.

 — Sei disso muito bem. Desde o primeiro instante em que vi Paul soube que nãohá lugar para uma mulher em sua vida.

 — Mas então por quê, em nome de Deus...?! — Por que fiz uma coisa tão tola como me apaixonar por ele? — Sorriu, amargurada.

 — Não sei, David. Não procurei nada disso, simplesmente aconteceu. É algo que está agora

em meu coração, e nada no mundo pode arrancá-lo daqui.As lágrimas pesavam em seus longos cílios escuros.David segurou a mão dela e apertou-a, carinhoso.

 — Sinto muito, Cathy. Não queria fazer você chorar. — Ora, estou mesmo fazendo papel de boba. Com o tempo isso vai passar, tenho

certeza. — E Paul sabe? — Não! E nunca deve saber! — respondeu, muito aflita. — Não se preocupe, não serei eu que direi a ele. Além disso, nós nos

correspondemos raramente e sempre escrevemos sobre assuntos profissionais. Por favor,

Cathy, lembre-se de que estarei sempre à sua espera. Ainda podemos ser amigos, não podemos?Ela sorriu.

 — Sim, meu querido, podemos continuar amigos. E muito obrigada pelo excelentealmoço.

O ano passou com surpreendente velocidade para Catherine. Uma vez de volta àuniversidade, não havia tempo para pensar em seus problemas, sendo imediatamenteenvolvida pela intensa atividade, inteiramente voltada para os estudos. Conseguiu atémesmo um emprego durante as férias. Não que precisasse de dinheiro, pois Charles

Anderson era um homem rico, mas precisava se manter ocupada.Quando recebeu seu diploma, o pai e David estavam presentes. Foi um dia alegre, edepois da cerimônia os três jantaram num luxuoso restaurante para comemorar.

 — Tenho uma surpresa para você, Cathy — disse o pai, quando tomavam o café.

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 — Mas tem que esperar até chegar em casa. — O que é, papai? — Olhou para David: — Você sabe qual é a surpresa? — Sei — confessou ele, rindo. — Mas não pense nem por um momento que vou

contar o que é. — Acho que vocês dois estão sendo muito malvados. — Sim, somos dois monstros — respondeu o pai, sorrindo. — Mas a surpresa

tem que esperar até estarmos em casa. Você também está convidado, David — acrescentouCharles, piscando para o outro.

Mais tarde, voltando para casa, Catherine mal podia controlar a curiosidade. Qualquer que fosse a surpresa, era certo que tinha sido tramada pelo pai e David, juntos. Os doisestavam se portando como crianças, guardando um segredo e sem conseguir conter o riso.

 — Muito bem — disse Charles Anderson, dramaticamente, quando já estavaminstalados na suntuosa sala de estar da Mansão De Rust. — Agora, a surpresa que lhe

 prometi, Cathy.

Foi até a antiga escrivaninha de estilo vitoriano e pegou um envelope que entregou àfilha.Trêmula, ela segurou por um instante o envelope pesado, tentando adivinhar o que teria

dentro. Depois, com um movimento rápido, abriu-o e arregalou os olhos ao descobrir o queera.

 — Mas são duas passagens para uma viagem internacional! — Isso mesmo. Para mim, será uma combinação de negócios e férias, mas para

você será somente umas belas férias.Por um louco momento ela se lembrou de Paul, depois, afastando as recordações, atirou-

se no pescoço do pai e beijou-o, agradecida.

 — Ah, papai, você é um amor! Sempre quis ir à Europa, e agora, de uma hora paraoutra...David, que tinha ficado calado, deu um passo à frente e pôs a mão no ombro dela.

 — Seu pai e eu achamos que você bem merece essas férias, mais do quequalquer outro presente. Você se esforçou demais no último ano. — Beijou-a suavementeno rosto. — Espero que os dois aproveitem muito.

 — Foram muito bons, pensando em mim, e quero que saibam que estou muitofeliz. Eu... eu... — calou-se, porque, se dissesse mais uma palavra, ia chorar.

Charles limpou a garganta, também emocionado. — Precisa começar logo a fazer as malas, meu bem. Não temos muito tempo.

 — Acredita que fiquei tão zonza que nem vi a data da partida? — disse ela,sorrindo. — Partiremos depois de amanhã. Dezembro não é a melhor época para se ir à

Europa; leve suas roupas mais quentes. — Céus! Vou ter mesmo que correr! E suas roupas, papai? — Não se preocupe comigo. Sarah já começou a tratar disso, escondido de você. — Seu danadinho! — Abraçou-o mais uma vez. — Que países vão visitar? — perguntou David.Catherine olhou para o pai.

 — Bem — respondeu o velho —, começaremos pela Itália; depois. Suíça, onde

 passaremos o Natal. De lá iremos à Alemanha, França,Espanha e, finalmente, Inglaterra. Talvez não seja bem nessa ordem, pois tenhoalguns compromissos de negócio, mas visitaremos o maior número possível de países.

 — Quanto tempo pretende demorar? — David olhou de relance para

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David beijou-a de leve nos lábios. — Estarei aqui, esperando por você, Cathy. Esperando confiante.Antes que Catherine pudesse responder, ele já tinha se virado e caminhava a passos

largos em direção ao carro. Ela ficou no mesmo lugar por um longo tempo, pensativa. Seráque estava sendo uma grande tola em não aceitar o pedido de casamento de David? Sabiaque teria uma vida de luxo como sua esposa, mas... seria isso justo com ele? Será que oamor dele bastaria para dois? E por quanto tempo David se sentiria feliz, com uma esposa quenão o amava? No entanto, gostava muito dele. Sim, tinha uma profunda afeição por DavidMarsden. Será que conseguiria amá-lo?

Suspirou, desanimada, e entrou. Estava exausta, excitada e preocupada, tudo aomesmo tempo. Tinha acontecido tanta coisa naquele dia! A emoção de receber o diploma, aalegria com a viagem e, agora, a tristeza de magoar David. Era demais para ela!

Trancou a porta e apagou a luz do hall. O dia seguinte seria uma correria, pensou, mastambém seria divertido.

Catherine passeava pelos Champs Elysées, em Paris, com intensa emoção. Era janeiro einverno, mas nem o frio conseguia diminuir a fascinação que sentia. Tinham visitadodiversos países, e adorara a todos. Agora, estava sem destino, pois o pai tinhacompromissos sérios naquela tarde; podia passear, aproveitando a bela tarde fria eensolarada.

Levantou a gola do casaco. A sua frente estava o Arco do Triunfo e, um pouco àesquerda, a Torre Eiffel, dominando a cidade. Suspirou, pensou, olhando as pessoas à suavolta. Para os outros, era uma cidade como qualquer outra, mas para ela parecia quase irrealem sua beleza. Uma cidade única!

Olhou as horas, percebendo que o trânsito estava ficando mais intenso, e resolveutomar um táxi até o hotel, a fim de não se atrasar para o jantar.

 Na recepção, a informaram de que o pai ainda não tinha voltado; portanto, não precisava se apressar. Tomou um banho demorado, vestiu um conjunto de lã, fez amaquilagem e foi até a janela, admirar a Torre Eiffel iluminada, à distância.

Até agora, as férias tinham sido maravilhosas, apesar de ainda estar um pouco perturbada com o comportamento de David no aeroporto. Ele chegou atrasado, depois de ovôo já ter sido anunciado, e ali, na frente de todo mundo e do pai dela, abraçou-a com forçae beijou-a apaixonadamente, quase desesperadamente. Cathy ficou tão constrangida quenão soube o que fazer ou dizer. Por sorte, o vôo foi anunciado outra vez e, apressados, ela e o

 pai embarcaram, seguindo diretamente para a Itália.Da Itália, viajaram para a Suíça e Alemanha. De lá, resolveram ir para a França e,finalmente, para a Inglaterra, antes de voltarem para a Afica do Sul.

A campainha do telefone interrompeu seus pensamentos. Pensando ser chamada do pai, correu para atender.

 — Quarto 209. —  Salut, chérie. E bem-vinda a Paris.Catherine ficou muda por um momento e quase deixou cair o aparelho, ao ouvir 

aquela voz grave e quente. — Paul! — exclamou, afinal, encostando-se na parede e sentindo o coração

começar a bater forte, enquanto parecia estar flutuando. — Estou surpreso por ter reconhecido minha voz depois de tanto tempo! — Não sei de mais ninguém em Paris que teria a audácia de me chamar de

chérie — brincou, aliviada por ele não poder ver seu rosto nem as mãos trêmulas. — De

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onde está ligando? — Do bar de seu hotel. Encontrei seu pai por acaso, esta tarde, em casa de

monsieur Berton, e ele me convidou para jantar com vocês. — Ah... — Atônita, ao perceber o efeito devastador que a voz dele lhe causava,

Catherine não sabia o que dizer. — Ele me mandou dizer que é para você descer em cinco minutos — continuou

Paul. — Diga a ele para esticar esses cinco minutos para dez. Se achar ruim, lembre-o

das vezes em que eu o esperei — respondeu, olhando para o vestido de lã e pensando emalgo mais sedutor para usar.

 — Direi, chérie. Au revoir. — E desligou.Por alguns segundos, Catherine ficou olhando para o telefone, sem ação. Paul estava ali,

naquele mesmo hotel! Pensava que nunca mais o veria e tinha conseguido se convencer deque o que sentira por ele era uma profunda gratidão. Entretanto, ah estava ela, vibrante, só

com o som da sua voz, e os sentimentos que ela julgava mortos e enterrados surgiam bemvivos e fortes.Correu ao armário e escolheu um vestido cinza-escuro, de veludo, com mangas

compridas e um profundo decote nas costas. Trocou depressa de roupa e depois olhou-se noespelho. O modelo, comprado em Paris, era sofisticadíssimo e lhe dava a confiança de que

 precisava. Retocou a maquilagem, ajeitou os cabelos, que agora estavam longos, e, pegandoo casaco de peles e a bolsa, saiu do quarto.

Quando tomou o elevador para ir até o térreo, sentiu que seu pulsoestava perigosamente rápido. Será que era medo de encontrar Paul outra vez?Alguns minutos depois, ela entrava no bar. Viu o pai e, depois... Paul. Alto, moreno,

impressionantemente sedutor num temo escuro. Ele logo se adiantou para ela, um sorrisoiluminando o rosto bonito, e beijou sua mão. — Está muito linda, chérie. Muito mais linda do que eu me lembrava. — Está exagerando, Paul, mas muito obrigada. — Não estou exagerando, Catherine, é a pura verdade. Vamos — disse, levando-

a até o bar —, sente-se enquanto peço uma bebida, antes de irmos para o restaurante.-Catherine deu um beijo no pai e sentou-se.

 — Quanto tempo pretendem ficar na França? — perguntou Paul a Charles, depoisde ter feito os pedidos.

 — Não tenho certeza. Alguns dias, talvez. Tudo vai depender de Cathy.

 — Já viram muita coisa da cidade? — Eu não vi quase nada — respondeu ela. — Chegamos ontem. Só deu tempode olhar vitrines e fazer umas compras.

 — Então permita-me ser seu guia. Dos dois, naturalmente — acrescentou,virando-se para Charles.

 — Ah, estou muito velho para ficar me cansando por aí. Mas leveCatherine, que ela vai adorar.

 — Não se importa, monsieur? — Claro que não.Mais tarde, quando tomavam Ucor, Paul levantou-se e estendeu a mão para a moça.

 — Venha, chérie, os músicos estão inspirados esta noite.Catherine escondeu o nervosismo atrás de um sorriso, quando o seguiu até a pista.Vários casais dançavam aquela música romântica, e Paul guiou-a entre eles com habilidade.Era um ótimo dançarino. Logo a magia da noite os envolvia, e Catherine tinha a impressão

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de estar flutuando. — Não falou muito, chérie  — disse ele, baixinho, os lábios roçando sua orelha. — 

Embora eu ache seu silêncio perturbador, estou curioso de saber os pensamentos que seescondem em sua cabecinha.

 — Nada de interessante. Isso eu garanto.Ele levaria um susto, se adivinhasse o efeito devastador que tinha sobre seu pobre

coração. — Deixe que eu mesmo julgue. — Eu... eu... — Ela perdeu o compasso e mordeu o lábio. — Sinto muito. — Venha, vamos respirar um pouco de ar puro e conversar. Estou vendo que seu

 pai está numa animada conversa com a dama da mesa ao lado da nossa; assim, não sentiránossa falta por alguns minutos.

Paul levou-a até o terraço, e lá fora estava bastante frio. Catherine estremeceu. — Pronto — disse ele, tirando o paletó e colocando-o sobre seus ombros. — Estou

acostumado com essa temperatura — acrescentou, quando ela tentou protestar.O calor do corpo dele ainda aquecia o casaco e ela ficou emocionada como se ele ativesse tocado.

 — O que fez nos últimos meses? — perguntou Paul, enquanto se sentavam num bancode pedra.

As luzes de Paris cintilavam, causando em Cathy a mesma sensação de magia quesentira naquela tarde. Havia alguma coisa na cidade que tocava sua alma.

 — Voltei à universidade e consegui meu diploma. — Ah... — Acendeu um cigarro. — Calculei que faria isso.Os botões perolados da camisa de seda brilhavam na luz incerta que vinha do restaurante.

Ele pegou a mão dela e a examinou detidamente. — Vejo que não está usando um anel de noivado. Então, meu caro amigo David nãoconseguiu convencê-la a casar com ele?

Catherine baixou o olhar. — Somos só bons amigos. — Mas, com certeza, David pediu para você casar com ele.Cathy evitou aqueles olhos negros. Eram muito perspicazes, e havia uma verdade que

não queria deixar que ele descobrisse. — Sim, pediu. Mas... — Você não o ama?

 — Não. — É uma pena — comentou baixinho, mas havia em sua voz algo que desmentiaas palavras; era evidente que não sentia nenhuma pena.

 — Sua irmã Adèle — perguntou Cathy, mudando de assunto — abriu mesmo a butique como planejava?

 — Então, ainda se lembra! Sim, já inaugurou. E vai indo muito bem. Precisaconhecê-la.

 — Teria um grande prazer. —   Bon!

A música parou e os dois entraram.

 —  Monsieur  Anderson — disse Paul, logo que chegaram à mesa —, peço mildesculpas, mas tenho que fazer uma visita a um paciente recém-operado, e minha clínica ficalonge daqui. Obrigado por me convidar para jantar, foi muito agradável. — Virou-se paraCatherine, sorrindo: — Telefono, assim que tiver um momento livre.  Bonne nuit, chérie,

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monsieur.

Os dois lhe deram boa-noite e, fazendo uma ligeira reverência, ele se foi. ParaCatherine, era como se de repente a noite tivesse perdido o encanto, Pegando o casaco e a

 bolsa, sugeriu ao pai que também fossem embora. — Vou me deitar, papai. Até amanhã. — Até amanhã. — Pensativo, olhou a filha que se afastava.O destino tinha feito com que o caminho de Paul de Meillon e o dela se cruzassem

novamente, e Charles estava ao mesmo tempo esperançoso e assustado, temendo pelafelicidade de Catherine.

CAPÍTULO V

 Na noite seguinte, quando a campainha do telefone soou na suíte de Catherine, elainstintivamente soube que era Paul e correu para atender.

 — Espero não estar telefonando numa hora inconveniente. Acabei de voltar daclínica. — De jeito nenhum. Estava lendo um pouco, porque é muito cedo para dormir. — Já tem algum plano para amanhã? — Não, ainda não — respondeu ela, o coração aos pulos. —   Bon! Consegui arranjar as coisas para ficar livre amanhã. — Hesitou um

momento. — Posso ligar de manhã para passarmos o dia passeando? — Sim! — respondeu, depressa, depressa demais! — Seria maravilhoso. Paul!Do outro lado da linha, ele sorriu, ao perceber a ansiedade na voz dela, sem saber 

como faria para passar as horas que faltavam até vê-la outra vez.

 — O que fez hoje, Cathy? — Papai e eu fomos de ônibus até uma cidadezinha, no campo. Voltamos agoraà noite, um pouco antes do jantar.

 — Então, deve estar muito cansada, e eu a estou impedindo de ir dormir. — Não! — Não queria que ele desligasse. Era um paraíso escutar sua voz, e ela

saboreava cada instante. — Não estou nada cansada. Com certeza, ainda vou ficar horasacordada!

 — É muito amável, chérie, mas não quero cansá-la mais. Ligo amanhã, às oito. Bonne nuit, chérie.

 — Boa noite. Paul.

 Nos arredores de Paris, sentado em sua biblioteca. Paul ficou subitamente sombrio.Tinha que ter cuidado. Catherine era excepcionalmente linda e encantadora, ainda com ainocência da juventude. Era evidente que a moça não conhecia o amor, e ele precisavamanter o autocontrole para não precipitar as coisas. Tinha um medo enorme de que, se a

 pedisse em casamento, ela aceitasse só por gratidão. Mas ele queria muito mais do quegratidão da mulher que adorava, e queria, portanto, estar mais certo dos sentimentos dela,antes que fosse dominado pela paixão.

Acendeu um cigarro. Os últimos dez meses não tinham sido fáceis para ele. Sabia queDavid Marsden estava apaixonado por Catherine, e a cada dia temia receber a notícia deque os dois iam casar. Mas era um risco que tinha que correr. A chegada inesperada de

Catherine a Paris economizara mais uma viagem à África do Sul, que já estava planejando. O propósito dessa viagem era visitar a moça e descobrir em definitivo se havia algumaesperança para ele.

Paul franziu a testa. Estava longe de ser um homem paciente, mas seu temor de que a

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decisão de Catherine pudesse ser influenciada pela gratidão dava-lhe coragem para continuar com os planos. Seria insuportável, se, no fim de tudo, descobrisse que ela não o amava!

Seu encontro, na véspera, com Charles Anderson não havia sido uma coincidência,como os fez acreditar. Tinha um cliente que conhecia Charles e, por acaso, ficou sabendode sua viagem a Paris. Paul arranjou um motivo para procurá-lo naquele mesmo dia. Ainesperada descoberta de que Catherine acompanhava o pai foi uma surpresa mais do queagradável.

Esmagou o resto do cigarro no cinzeiro e foi escolher um livro na estante. Se nãoconseguisse dormir, leria alguma coisa.

 Na manhã seguinte, Catherine acordou com um bom pressentimento. Nem mesmo otempo nublado conseguiu abater seu estado de espírito. Cantarolando baixinho, tomou

 banho e se vestiu com cuidado, feliz com a perspectiva de passar um dia inteiro emcompanhia de Paul,

Escolheu um vestido de jérsei de lã bordo, que combinava maravilhosamente bem

com a cor acobreada de seus cabelos e acentuava o cinzento límpido dos olhos. Tomou caférapidamente e desceu, ansiosa.Paul estava entrando no hotel, quando ela saiu do elevador. Ao vê-lo, Catherine sentiu

o coração disparar.Um belo Bentley branco estava estacionado na entrada e ele não perdeu tempo para

acomodá-la. Olhou-a por um instante, antes de dar a partida, um sorriso nos lábios. — Espero que esteja preparada, chérie. Vai ser um dia muito cansativo.Quase sem fôlego, de tanta emoção, Catherine concordou, movendo a cabeça.Paul tinha razão sobre o dia exaustivo, pois a levou para conhecer o Louvre, Notre-

Dame e os jardins do Luxemburgo. Passearam num bote, no Bois de Boulogne, e depois

atravessaram a cidade para visitar o Jardim zoológico, onde ela ficou entusiasmada com oscisnes. — Você é encantadora, minha menina — disse Paul, rindo, ao sentarem-se num

 banco. — Nessas poucas horas, eu a fiz conhecer as maravilhas de Paris, e aqui está você,toda interessada na cena de alguns cisnes nadando! Você me ofendeu, ma petite!

 — Oh, Paul, sinto muito! Vi tantos lugares lindos, hoje, e tantas obras de arteimpressionantes, que meu cérebro não consegue absorver mais nada. A quietude dessescisnes era um contraste tão grande com o que eu vi, que me impressionou. Por favor, me

 perdoe!Levantou os olhos para ele, e o belo e sofisticado Paul de Meillon sentiu o coração

 bater com mais força.  Dieu, como ela era linda! E estava tão perto! Só precisava abaixar acabeça para provar a doçura daqueles lábios de mel. Ciei! Em que loucura estava pensando? Não queria assustá-la. Com todas as forças, conseguiu controlar as emoções.

Catherine sentiu que algo estava para acontecer. Naqueles rápidos segundos, quando seusolhares se encontraram, parecia que tinham se olhado durante horas, tão forte era omagnetismo que os atraía um para o outro. Os olhos negros dele pareciam feitos de fogo.Mas então tudo se desvaneceu. Ela baixou o olhar e ele se ocupou acendendo outro cigarro.

 — Estava brincando, chérie; não fique assim assustada. — Pensei mesmo que estivesse zangado comigo. Paul pegou a mão dela e levou-a

aos lábios.

 — Nunca poderia ficar zangado com você, ma três chère. —   Ma três chêre... Por que está me chamando assim? — Quem sabe, algum dia eu lhe conto — respondeu ele, sorrindo. Jogou o cigarro no

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chão e o apagou com o salto do sapato. — Quanto tempo ainda pretende ficar na França? —  perguntou, subitamente.

 — Não sei — respondeu ela, hesitante. — Estamos pensando em partir no fim dasemana.

 — Tão depressa? — Por que pergunta?Ele se virou para ela, colocando o braço ao longo do encosto do banco, atrás dela. Sua

expressão estava calma e pensativa, e Catherine esperou, ansiosa. — Você e seu pai não gostariam de ficar mais tempo, agora como

meus hóspedes?O oferecimento era tão inesperado, que por um momento ela hão soube o que

responder. — Eu... eu não sei... Terei que conversar com meu pai, antes de lhe dar uma

resposta.

 — Não será melhor eu mesmo falar com ele? — Paul, tem certeza de que não será inconveniente para você? —   Ma petite, eu não os convidaria, se fosse assim. — Nesse caso, eu adoraria — murmurou, pensativa. — Tenho certeza que sim. Significaria que poderiam ficar mais tempo do que

 planejaram e teriam oportunidade de conhecer melhor meu país, e muito melhor acomodados, em minha casa.

 — Sim, "E também verei você mais vezes", pensou ela. — Vamos conversar melhor, depois que eu falar com seu pai — sugeriu ele, mas

Catherine sabia que o pai faria sua vontade.

Quando chegaram ao hotel, encontraram Charles Anderson na suíte, escrevendo cartas.Paul não perdeu tempo e repetiu o convite. Charles pareceu surpreso, pousou a caneta e ouviucom atenção.

 — Minha casa fica num subúrbio de Paris, e lá é muito mais sossegado. Deixareimeu carro à sua disposição, para poderem sair quando quiserem.

 — É muita amabilidade sua, dr. de Meillon, mas não queremos incomodar — respondeu Charles.

 —   Monsieur, minha irmã e eu ficamos fora de casa o dia todo. Seria só à noiteque todos nos encontraríamos. E tenho certeza de que não acharia desagradável ter que meaceitar como seu anfitrião, durante essas poucas horas.

 — Claro que não — disse Charles, rindo. — De jeito algum eu me aborreceria,sendo seu hóspede.

 — Então...? — Catherine? — Mas, quando olhou para a filha, a resposta estava clara em seu

rosto. — Seria... muito bom — disse ela. Virou-se para Paul. — Acho uma grande

gentileza sua.Paul não tinha feito o convite por gentileza: precisava de mais tempo com Catherine.

 Na casa dele, seria mais fácil vê-la, sem os convites formais que, de outro modo, seriaobrigado a fazer.

 — Dr. de Meillon, aceitamos agradecidos — disse Charles, e foi visível o alívio dePaul.

Combinaram que ele telefonaria na tarde do dia seguinte, pois Charles ainda tinha

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alguns compromissos profissionais. Depois, beijando as pontas dos dedos de Catherine, Paulse despediu.

Se ela tivesse pedido para prolongar mais a estada em Paris, Charles concordaria,mesmo sem o convite de Paul. Percebera que a moça havia revivido, na companhia dofrancês, e descobrira, afinal, a razão da infelicidade dela nos últimos meses.

Se o romance fosse adiante, a estada na própria casa de Paul daria a Charles aoportunidade de conhecer melhor o tipo de vida e o caráter de Paul de Meillon.

As horas se arrastaram para Catherine, até Paul telefonar. O pai tinha passado a maior  parte do dia trabalhando, enquanto ela arrumara as malas e pagara a conta. Quando Paulchegou finalmente, estava muito nervosa, e mal se falaram enquanto ele guiava através dacidade. Charles, ao contrário, estava muito conversador.

Ao chegarem ao Château de Bonheur, como Paul contara que sua casa se chamava,ela estava bem mais calma e podia apreciar tudo com muito interesse. O carro passou pelosimponentes portões de ferro trabalhado e subiu pela alameda de castanheiros. A casa era

impressionante, com pilares de mármore na entrada e vários balcões no andar superior. Erao tipo de casa em que se espera encontrar um mordomo na porta, mas aü era a França, emordomos estavam fora de moda.

Assim que o carro parou, a pesada porta de madeira maciça se abriu e uma moçaapareceu para recebê-los.

 — Venha conhecer nossos hóspedes, Adèle.Desde o primeiro instante, Catherine sentiu uma grande simpatia pela irmã de Paul.

 Não se parecia com ele; embora seus cabelos fossem também castanhos, e os olhos negros,tinha um rosto miúdo e traços muito delicados.

 — Paul já me falou tanto de você que esperava ansiosa pela sua chegada — disse ela

num inglês perfeito, com leve sotaque. — Vou mostrar seus quartos.Carregados de malas e maletas, entraram e subiram a escadaria de madeira, com balaustrada toda entalhada.

 — Paul mostrará ao senhor o quarto, monsieur Anderson — disse Adèle. — Venha,Catherine, o seu é deste lado.

Seguiram para a direita do largo corredor, todo coberto por um carpete grosso e macio,que abafava o som dos passos.

 — Aqui é a sua suíte. — Abriu a porta e colocou a mala no chão, ao lado da cama. — É face norte e dá para o roseiral. Durante o verão, fica todo colorido. De manhã, a genteacorda e logo sente o perfume das rosas. O banheiro é naquela porta. Ficará com total

 privacidade.Virou-se para olhar Catherine, que estava imóvel, apreciando o luxo da enorme camacom dossel e altas colunas. O quarto era mobiliado

com muito gosto, todo lilás e branco. As cortinas de voile transparente se abriam paraum balcão.

 — Gosta? — Se gosto? Não encontro palavras para o que estou achando! Você escolheu

este quarto para mim, Adèle? — Sim, fui eu.Catherine pegou a mão da moça e a apertou.

 — Obrigada, foi muita bondade. — Não demore muito, Adèle — chamou Paul, do corredor. —   Monsieur 

Anderson e eu estaremos esperando por vocês duas na sala.

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 — Descemos num minuto, monfrère.

 — Château de Bonheur... — murmurou Catherine. — O que significa? — Castelo da Felicidade. Foi meu avô que o batizou assim, quando trouxe para cá a

noiva, que também se chamava Adèle. — Que romântico! Quantos quartos existem na casa? — Quinze. — Todos têm banheiros privativos? — Meu Deus, não! Só alguns. Mas Paul disse que você era uma hóspede muito

especial, e então... — Costumam ter sempre hóspedes? — Não sempre — respondeu ela, com uma ponta de tristeza. — Paul é muito

retraído. — Depois, olhando as malas: — Quer que eu a ajude a desfazer as malas? — Não há necessidade, obrigada. Acho melhor descermos, que os dois estão à

nossa espera.

 —  Oui. Mas antes... — Adèle hesitou, parecendo um pouco sem jeito. — Desculpe a minha indiscrição, mas existe alguma coisa entre você e Paul?

 — Por que está perguntando? — Meu irmão nunca convidou uma mulher para se hospedar aqui. Nem mesmo

acompanhada pelo pai, como você. — Seu irmão me operou enquanto esteve na África do Sul, e nós nos

encontrávamos constantemente, mas não há mais nada — respondeu Catherine, aliviada porque pelo menos isso era verdade.

Realmente, não existia nada além de amizade entre Paul e ela, por mais que desejasseque houvesse.

 — É melhor irmos — disse Adèle, afinal. — Paul não gosta de esperar.Catherine seguiu-a pelo corredor, onde retratos dos ancestrais dos de Meillon olhavam

 para ela. Adèle levou-a para um salão aquecido e acolhedor. A lareira estava acesa, mas asala tinha um calor que não vinha só do fogo. Era um lugar confortável e acolhedor, ondeuma pessoa podia relaxar e se recuperar dos problemas do dia.

 — Chegaram, afinal — disse Paul. — Sinto muito ter deixado você esperando. Paul — desculpou-se Catherine. — Não faz mal. O que prefere beber, chérie? Um Dubonnet, talvez? — Eu adoraria, obrigada. — Para você o Pemod de sempre, Adèle? —   Merci, Paul. — Depois do jantar, mostrarei a casa para você, Catherine — disse Paul,

entregando o cálice a ela. — Foi meu avô quem mandou construir. Depois, foi o lar de meu pai, e agora é o meu. — Havia um intenso orgulho em sua voz. — Temos aqui quartosdemais, que ficam fechados a maior parte do tempo, mas eu nunca trocaria o Château deBonheur por algo menor.

 — Não o critico por isso, dr. de Meillon — disse Charles. — Tem umamagnífica casa!

 — Obrigado, monsieur. Mas, por favor, me chame de Paul.

 — Está bem, Paul. Diga-me, aquele quadro ali é... — É um portrait de maman  — respondeu Adèle. — Foi pintado por um artistaaleijado que se refugiou aqui durante a guerra. É muito bom, não acha?

 — Sim, muito natural. E você é muito parecida com sua mãe, minha cara.

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 — Parece preocupada, chérie. Está pensando em algo desagradável, talvez? — Não — respondeu, hesitante. Seria impossível explicar a Paul o quanto havia

mudado por causa dele. — Viu tudo que queria ver de meu país durante essas duas semanas?

 — Vi muita coisa. Só sinto não ter tempo para conhecer o sul da França. — E por que não? — perguntou ele, subitamente alerta. — Não está pensandoem voltar para a África do Sul, está?

 — Estamos pensando em partir nos próximos dias. Assim, parece que o sul daFrança não será explorado pelos Anderson — completou com um sorriso, tentando disfarçar a dor que sentia.

 — Poderia ir até a Cote d'Azur, chérie. Quem sabe? — Quem sabe...?Houve algum tempo de silêncio, cada um mergulhado em pensamentos. Foi Paul

quem falou primeiro:

 — Devo partir para Grasse amanhã de manhã. Um colega meu quer que eu examine um paciente dele. — Inclinou-se para a frente, e havia uma entonação desesperada em sua voz,que Catherine nunca tinha ouvi do antes, ao continuar: — Não ficarei fora mais de três dias.Prometa, chérie, que não partirão até eu voltar. Prometa, ma três chère.

Outra vez!  Ma três chère. Por que ele a chamava assim? Será que devia perguntar aAdèle?

 — Então? — Paul insistiu, visivelmente impaciente. — Prometo, Paul: não partiremos até você voltar.Charles Anderson concordou prontamente com a filha para adiarem a partida até a

volta de Paul. Mais uma vez, a separação se aproximava, e agora Catherine sabia que não

agüentaria a dor.Durante a ausência de Paul, ela sentiu uma saudade louca. Tentou fingir que ele estava

na clínica e que à noite voltaria, mas essa farsa só durava até a hora do jantar, quando entãoa realidade não podia mais ser negada. .

 Na segunda noite, Catherine foi dar um passeio pelo jardim. A volta dele era umaquestão de horas, e sentia-se como uma criança na véspera de uma festa. O vento geladofustigava seu rosto e, pela primeira vez, lembrou-se de David Marsden, que estava à sua esperana Cidade do Cabo. Ela lhe enviara alguns cartões-postais, mas não teve disposição paraescrever uma carta. As novidades podiam esperar.

David a amava e queria casar com ela, mas... seus pensamentos voltavam para Paul.

Seria tão mais difícil dizer adeus pela segunda vez, e mais difícil ainda esquecer. Seu amor era inútil, mas era eterno. Eterno! Sentiu lágrimas escorrerem pelo rosto, e as secou, antesde voltar para a casa.

 No pátio, parou um instante e olhou, nostálgica, para o caminho que subia da estrada.Ah, que bom se já fosse o dia seguinte e visse o carro dele subindo pela alameda!

Suspirou e virou-se, ficando imediatamente imóvel. À sua frente estava Paul; os braços estendidos, um sorriso nos lábios. Sem hesitação, ela correu para ele e enterrou orosto contra o peito largo.

 — Paul! Paul! Quando chegou? Como não escutei seu carro? — Cheguei há poucos minutos — respondeu ele, sorrindo, afastando-a um

 pouco para olhar para ela. — Deixei o carro do lado de fora e vim andando. Foi por isso quenão me escutou. Não foi uma bela surpresa, chérie?

 — Foi sim. Paul! Nós só esperávamos você anuuihã de manhã.

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 — Dei um jeito de voltar antes e... aqui estou.Catherine libertou-se dos braços dele, levemente embaraçada. O

que Paul pensaria de seu comportamento? — Venha, chérie. Vamos até a biblioteca. Trouxe um presente para você e quero

ver se gosta. — Oh, não. Paul! — exclamou, tímida, mas ele não se importou com seus protestos, e os dois entraram na casa.

Só tinha estado na biblioteca de Paul uma vez, no dia em que chegara. Mais uma vez,ela se impressionou com o bom gosto da decoração e com a grande quantidade de livros,alinhados nas prateleiras. Ele era evidentemente um amante de poesia, pois ela viu Livrosde Keats e Milton.

Paul tirou da maleta um pequeno pacote, luxuosamente feito. — Para você, chérie.

Por um instante, Cathy não o abriu. Mas, sentindo a ansiedade de Paul, tirou a fita e

rasgou o papel, e logo tinha nas mãos um frasco de perfume. Tirou a tampa e sentiu afragrância delicada.

 — Não devia ter feito isso!Mas foi maravilhoso que tivesse se lembrado de mim!

 — Grasse é conhecida por seus perfumes — explicou ele. E depois, levementeinseguro: — Gostou, mesmo?

 — Se gostei? Adorei! — Uma sombra de tristeza passou por seus olhos. — Cadavez que eu o usar, me lembrarei de você. Muito obrigada. Paul.

 — Vai partir logo? — perguntou ele, olhando-a intensamente. — Sim. — Colocou o perfume em cima da mesa e foi até a janela. — Reservamos

 passagem para Londres para depois de amanhã.Os castanheiros da alameda pareciam gigantes ondulando ao vento. A serenidade da

casa de Paul e a magnificência dos jardins eram coisas de que jamais se esqueceria. Aolonge cintilavam as luzes de

Paris, e Catherine tinha certeza de que ninguém podia visitar a bela e vibrante cidadesem se apaixonar por ela.

Mas, quando Paul segurou sua cintura, ela não viu mais nada. Sentiu o corpo inteiro pulsar e teve a impressão de que se derreteria com o calor daquelas mãos.

 —  Mon coeur  — sussurrou ele, angustiado. — Não posso deixar que vá!Ela se virou, os olhos muito abertos, implorantes. No instante seguinte, sentiu-se

esmagada contra ele e sufocada por um beijo ardente e apaixonado que parecia reclamar sua alma.

Ele a beijou outra vez, e mais outra, e outra, murmurando palavras que ela nãoentendia, mas que, mesmo assim, revelavam paixão. Nunca, em nenhum momento,Catherine desconfiara dessa paixão que agora explodia em carícias, como se ele quisessesenti-la toda para guardá-la na memória.

Com os braços envolvendo o pescoço dele, ela se entregou, vibrando, beijando-otambém, até pensar que não poderiam mais parar.

Mas, de repente. Paul afastou-a, e tão inesperadamente que teve que se encostar na parede para não cair.

 — Desculpe, chérie. Perdão! Eu não tinha esse direito, nenhum direito! — Passou amão pelo rosto e se afastou dela, mas não antes que Catherine visse o brilho atormentadonos olhos expressivos e um ríctus de desespero na boca sensual, que a beijara tão

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apaixonadamente, segundos antes.Zonza, ela não conseguiu se mover por alguns instantes. Depois, correu para ele e

agarrou seu braço, obrigando-o a olhar para ela. — Paul! O que aconteceu? Como pode dizer que não devia ter me beijado? — Porque não devia mesmo, chérie  — insistiu, teimoso, com uma calma que a

enfureceu.Desnorteada pelo comportamento estranho de Paul, ela esqueceu o orgulho, não se

 preocupando em escolher as palavras. — Se está me pedindo que acredite que tem o hábito de andar por aí, beijando toda

mulher que encontra, e que logo se arrepende — gritou, os olhos cheios de lágrimas —,saiba que não acredito!

 — Catherine, você está muito nervosa e abalada. Afinal, o que é um beijo? — Mas não foi só "um beijo"! Você me beijou como se... como se gostasse de

mim, e certamente percebeu, pela maneira como retribuí, que eu... eu...

 —  Chérie — interrompeu, determinado a pôr um fim àquela discussão —, vocêé muito jovem e muito impressionável. Se outro homem a tivesse beijado como a beijeiagora há pouco, reagiria da mesma maneira.

 — Tolice! — protestou, os olhos ainda cheios de lágrimas, mas reunindo todas asforças para manter o autocontrole. Sabia que estava lutando por sua felicidade. — Não sejatão descrente! Não queira desprezar o amor que tenho para lhe dar. Sim, eu o amo. Semdúvida, acha que estou sendo inconseqüente, talvez atrevida, mas o tempo está se esgotando,e acho que pelo menos desta vez temos que ser francos.

A luz que brilhava nos olhos dela o encantava, mas ele se enfureceu ainda mais, paraenfrentá-la. Conheciam-se muito superficialmente. Como podia ter certeza do amor dela?

Precisavam de mais tempo, pensou. Quem sabe, a solução seria seguir com ela para aÁfrica do Sul. Lá, pelo menos, não precisava dividir seu tempo entre Catherine e a clínica. — Você não me ama, Cathy — disse, com a voz perfeitamente controlada, fria e tensa.

 — O que sente por mim é admiração e gratidão. Está grata pelo que fiz por você. Percebiisso logo depois da operação, ainda na Cidade do Cabo. Embora eu goste disso, queromuito mais de minha esposa do que gratidão.

Catherine vacilou; via agora que seria quase impossível provar alguma coisa a ele.Entretanto, havia ainda uma pergunta por fazer.

 — Você me ama. Paul? —   Bon Dieu! Não tem o direito de perguntar isso!

 — Acho que tenho, meu amor — respondeu ela, o coração disparado. — Se aresposta for "não", então não falaremos mais no assunto. Voltarei para casa dentro de doisdias, e nunca mais nos veremos.

Paul olhou-a por um instante. Nos olhos límpidos brilhava uma luz. Seria amor? Seriaseu medo completamente sem fundamento? Ela logo

 partiria e talvez nunca mais a visse. Será que teria forças para suportar a separaçãodefinitiva?

Continuou impenetrável, e Catherine se afastou. Tinha lutado e perdido, e seu coraçãosangrava de dor. Quando chegou à porta, ele barrou seu caminho.

 — Realmente me ama, chérie?

 — Sim. — Não é só gratidão? — Não, não! Mil vezes não! — Adorada! — Sem saber como, estava outra vez nos braços dele, e seus lábios

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se entreabriram. — Sou louco por você, Cathy! — Paul? Por que sempre me chamava de ma três chère? Ele riu e beijou-a

novamente, antes de responder: — Quer dizer que é meu amor, minha querida, minha vida. — Quando descobriu que me amava? — No exato momento em que você abriu os olhos naquela cama de hospital. Eles

me fascinaram. — Não consigo acreditar que você me ama mesmo.Então, ele tirou do bolso interno do paletó um lenço que ela reconheceu logo. Era o

mesmo que tinha pedido para guardar como recordação. — Acha que eu carregaria isso sempre comigo, se não a amasse? — Oh, Paul! — E você, mignone? Quando soube? — Acho que tive certeza naquele dia em que você chegou ao meu quarto no

instante em que Ronnie estava me atormentando. Por que perdeu tanto tempo, meu amor? — Não perderemos mais tempo, minha querida. Agora mesmo, vou pedir  permissão a seu pai para nos casarmos o mais depressa possível. — Olhou-a, sério, e depoisacariciou os fartos cabelos cor de cobre. — Vai ficar muito triste, se não se casar em seu país?

 — Querido! Não importa onde vou casar; a única coisa que quero é ficar sempreao seu lado.

Palavras insensatas, pois o futuro é sempre um mistério que vai se revelando dia a dia.

CAPÍTULO VI

Charles Anderson mais uma vez adiou a partida, em vista do casamento da filha. Nãofoi nenhuma surpresa para ele, pois há algum tempo suspeitava de que Paul de Meillon tinhaconquistado o coração de Cathy. Durante as poucas semanas que tinham passado noChâteau de Bonheur, Charles tinha tido a oportunidade de conhecer melhor o futuro genro egostara muito.

Catherine e Paul casaram discretamente, alguns dias depois. Charles, Adèle e um casalamigo de Paul foram as testemunhas. O sol surgiu, no meio das nuvens, como uma bênçãosilenciosa, quando saíam da igreja. Foram para a casa do noivo, onde havia um almoço

 preparado para comemorar o acontecimento. Adèle ficara radiante por poder arranjar em sua butique um belo vestido de noiva para a cunhada, e mais encantada ainda com a esposa

escolhida pelo irmão, que ela aprovava de todo o coração.Foi com emoções conflitantes que Catherine se despediu do pai, naquele mesmo dia,um pouco mais tarde. Embora chorosa com a partida dele, ainda estava assustada, ao pensar que tinha conseguido afinal ser a esposa de Paul de Meillon. Na mão esquerda, a pesadaaliança brilhava. Era inacreditável que só há poucos dias ele a tivesse pedido em casamento.A pressa com que providenciaram tudo não deixou a nenhum dos dois tempo para sentir alguma dúvida.

Quando o avião de Charles Anderson sumiu no céu, saíram do aeroporto e viajaram para o sul, para a lua-de-mel. Estavam finalmente casados e não haveria mais separações, pensava Catherine, admirando o belo anel e pensando na felicidade que a esperava.

Alguns quilômetros fora de Paris, Paul parou o carro e tirou a gravata e o casaco.Quando sentou outra vez ao volante, inclinou-se para a esposa e beijou-a longamente. — Finalmente, sozinhos! Os últimos dias foram exaustivos para nós dois, mon

coeur. Agora, vamos poder descansar e aproveitar a companhia um do outro.

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esperava uma festa tão imponente. Havia arranjos de flores estupendos, fogos de artifíciode uma beleza de tirar o fôlego, música, um desfile de carros alegóricos e enormes figurasde papier-mâché.

Paul, que já assistira à festa muitas vezes, observava, encantado, as reações de Catherine,caçoando de sua alegria quase infantil.

 — Você parece uma criança que saiu para fazer um piquenique no domingo — disse ele,rindo.

 — Sinto muito, Paul, que você ache tudo isso aborrecido, mas para mim é muitoexcitante.

A animação aumentou no meio da multidão, quando mais alguns carros desfilaram, eCatherine percebeu que estava sendo arrastada pela multidão para longe de Paul.

 — Aqui! — gritou ele, segurando a mão dela com força. — É melhor se agarrar amim, chérie, ou vamos acabar nos separando. Depois vai ser praticamente impossível nosacharmos outra vez, no meio dessa confusão.

Abriram caminho e chegaram a um barzinho onde se sentaram sob um toldo. Paul pediu dois refrescos, e dali apreciaram confortavelmente o desfile. — Divertiu-se, mon coeur? Ainda não está arrependida de ter casado comigo e

deixado seu pai voltar sozinho?Catherine olhou para ele, o sorriso sendo substituído por uma expressão doce.

 — Não me arrependi nem um só instante, meu amor. Amo você, Paul, mais do que pensei que pudesse amar alguém.

 Nenhum homem resiste a uma declaração dessas, e Paul era humano. Segurou acabeça dela e fez com que ficasse mais perto; depois, beijou os lábios com paixão.

 — Tome seu refresco, querida. Ainda quero mostrar muita coisa a você. O dia está

lindo. Assim, podemos fazer calmamente a viagem de volta, para você apreciar oMediterrâneo.Foi realmente uma viagem encantadora. Paravam de tempos em tempos, para que ela

admirasse a bela vista. À esquerda estava o mar, brilhando, muito azul, ao sol. À direita, overde profundo e aveludado da vegetação: laranjeiras, eucaliptos, mimosas em flor comoum buquê de noiva. E, à frente, as rochas avermelhadas do Esterel, contrastando com o céusem nuvens.

 — Oh, Paul! Mas como tudo isso é lindo! Algum dia, voltaremos, não é? — Minha villa estará sempre a seu dispor. E os criados estão sempre preparados

 para minha chegada imprevista.

 — Você fala tanto que meu país é lindo — comentou ele, naquela mesma noite,enquanto admiravam a Lua pratear o mar —, mas o seu também me encantou. — Existe uma beleza clássica na Europa que me fascina — disse ela, arrumando

o jarro cheio de mimosas que Paul havia colhido para ela durante a viagem de volta. — Écompletamente diferente da beleza ainda rude de meu país e não pode ser comparada. Agente se acostuma com o que vê sempre e não entende quando os outros mostramentusiasmo. Só quando vemos tudo novamente, através dos olhos de um estranho, reparamosnas montanhas majestosas, nos vales verdes, nos vinhedos, nas velhas fazendas. Mesmo aterra plana de minha região tem sua beleza própria.

 — Quero que saiba que nunca impedirei que visite seu pai quando sentir saudade.

É só me dizer quando quer partir, e providenciarei tudo para que vá.Ela olhou para ele e sorriu com ternura. — Meu lugar é a seu lado. Paul, e não tenho nenhuma intenção de ficar pulando

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daqui para a África do Sul e vice-versa, sem mais nem menos. —   Mon amour!  — Abraçou-a com paixão. — Não mereço um amor como o

seu!Catherine levantou o rosto para ele e estremeceu de prazer, como fazia sempre que a

 beijava. As mãos dele a acariciavam, deixando um rasto de fogo onde a tocavam, o que aassustava um pouco.

 — Paul, amo você tanto! Tanto!Com uma exclamação abafada, ele a suspendeu nos braços. Aquelas duas semanas

 passariam como um relâmpago e ficariam na memória de ambos como se fossem umsonho.

 — Está muito quieta, Cathy — comentou Paul, quando viajavam perto das colinas deGrasse, no dia seguinte. O ar era intensamente perfumado com o aroma dos lírios, cravos,mimosas. — Está contente de voltar a Paris comigo?

Tinha percebido o silêncio dela logo depois de deixarem Cannes e aquilo o perturbava.

Sensível a qualquer mudança de humor da esposa, envolvido na teia do medo que tinha de perdê-la, também ficou em silêncio, até que a angústia o obrigou a falar. — Não consigo me livrar da terrível sensação de que nossa felicidade é como uma

 bolha de sabão que pode estourar a qualquer momento — respondeu ela, ainda preocupada.Paul parou o carro no alto de uma colina, de onde podiam apreciar o vale. Estava

sério, quando a encarou. — Arrependida de nosso casamento?Catherine estremeceu involuntariamente. Paul insistira nessa pergunta, durante as duas

semanas de casamento. Será que a incerteza que sentia quanto ao amor dela podia ser a causadesse temor mórbido que a perturbava?

O medo em seu coração estava claramente visível nos olhos cinzentos, quando elasegurou o rosto dele. — Paul, meu querido, eu amo você. Por favor, nunca se esqueça disso, não importa o

que aconteça entre nós.Ele percebeu sua angustia. Que tolo era, por duvidar do amor dela! De sua

sinceridade. Será que Cathy não havia lhe dado provas suficientes, durante aquelas duasmaravilhosas semanas em Cannes?

 Nos minutos seguintes, eles se esqueceram da bela paisagem que os cercava e, nos braços um do outro, renovaram seu imenso amor.

Adèle os recebeu alegremente, e até Greta, a governanta, saiu da cozinha parademonstrar seu contentamento com a volta de monsieur le docteur e madame.

O Château de Bonheur tinha sofrido uma pequena mudança durante a ausência deles.Seguindo as instruções de Paul, o quarto principal, que não era ocupado há muitos anos,tinha sido reaberto e todo redecorado em vários tons de rosa.

A magnífica cama de colunas de madeira entalhada, com seu dossel de rendas, pertencia à família de Meillon há várias gerações. Paul contou. Catherine olhou tudo aquilo,fascinada. Ao lado do dormitório havia uma saleta, que podia ser usada como quarto devestir. Havia ainda um diva, uma cômoda e uma poltrona.

 — Gosta, mon coeur?

 — Mandou fazer tudo isso para mim? — Mas é claro. — Paul! — Atirou-se no pescoço dele e beijou-o. — É absolutamente lindo e eu

te adoro por isso!

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Adèle estava ao lado, assistindo àquela demonstração de afeição com uma expressão pensativa. Mas o irmão e a esposa não notaram nada, pois estavam ocupados demais um como outro.

Para afastar a solidão quando Paul ia trabalhar, Catherine passava a maior parte dotempo ao ar livre, no jardim, ou supervisionando o jantar. Mas isso não era necessário, poisGreta era muito bem treinada, assim como o resto dos empregados.

Chegou uma carta de seu pai. Tinha feito uma ótima viagem de volta à África do Sule sentia muita saudade dela. Mas ficava consolado, sabendo que estava protegida por Paule que seria muito bem cuidada. No fim da carta havia um recado de Sarah, desejando todaa felicidade aos dois, e também que fossem abençoados com muitos filhos.

Catherine achou graça. Era típico dos negros acharem que os filhos uniam o casal ecompletavam sua felicidade.

Havia ainda uma carta de David Marsden dirigida a ambos."Meus queridos amigos," escrevia ele, "não foi surpresa para mim o casamento de

vocês. Sempre soube que seu coração pertencia a Paul, Cathy, mas tolamente esperei que oesquecesse. Talvez eu nunca devesse ter permitido que você fizesse essa viagem, pois, nodia em que partiu, soube que a tinha perdido.

"Paul, meu amigo, o melhor ganhou. Desejo sinceramente a maior felicidade a ambos.Tome conta de Cathy, pois gosto muito dela. Senão, terá que enfrentar David Marsden em

 pessoa."Paul se divertiu, quando leu esse trecho, porque David era um pouco mais baixo e

mais franzino do que ele."Espero, no futuro, me encontrar com vocês, ou em alguma viagem minha à Europa,

ou nas que fizerem à África do Sul. Um abraço, David."

Paul jogou a carta no colo de Catherine e abraçou-a. — Voltaremos sempre a seu país, mon coeur.  Não quero separar você de seu pai eainda quero conhecer melhor a Cidade do Cabo.

Catherine sorriu e aconchegou-se mais a ele. — Acho que já é tempo de meus colegas serem apresentados à minha linda esposa — 

comentou Paul. — Convidarei alguns para jantar na sexta-feira, se acha que está bem. — Mas claro que sim — respondeu ela, prontamente, apesar de sentir um frio no

estômago. — Quantas pessoas está pensando em convidar? — Estou pensando em falar com os Dunbury, que você já conheceu no nosso

casamento, e os Chilton. Os dois casais são ingleses, assim, você não terá problemas com o

francês. — Paul ficou pensativo, antes de continuar: — Talvez eu convide também Félix deClergé. É nosso patologista.Catherine engoliu em seco, e mais uma vez garantiu a ele que tudo daria certo. Afinal

de contas, Greta era uma excelente cozinheira e cobriria suas falhas.

A noite do jantar chegou depressa. Catherine estava muito nervosa, pois era a primeiravez que recebia os amigos de Paul, e tudo devia estar perfeito. Adèle caçoava de seunervosismo, mas ajudou em tudo que pôde.

Greta trabalhava no Château de Bonheur desde que Adèle era criança.. Durante essetempo. Paul entregava inteiramente em suas mãos a tarefa de preparar as reuniões, sempre

que tinha convidados, e nunca se desapontara. — Madame não precisa se preocupar — disse ela a Catherine, naquela manhã. — Tudo sairá como deseja.

 — Sinto muito, Greta, não duvido nem por um segundo de sua capacidade.

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afastando-se para deixá-la passar.

Conhecer os amigos de Paul não foi um sofrimento tão grande como Catherineimaginara, e, depois de tomarem um cálice de xerez, o jantar foi servido.

Durante o jantar, ela foi se sentindo cada vez mais à vontade. Observando como todos pareciam satisfeitos, percebeu que tinha se preocupado sem necessidade. Como no dia docasamento, achou o dr. Dunbury agradável e sereno, enquanto a esposa, Susan, era tímida esincera, e Catherine simpatizou imediatamente com ela. Por outro lado, os Chilton eramconversadores e barulhentos. Eileen Chilton, sentada à direita de Catherine, mantinha aconversa sempre movimentada, com seus comentários espirituosos, fazendo com que todosrissem. Apesar da aparência descontraída da mulher, Cathy sentiu por ela uma imediatadesconfiança. Tinha que tomar cuidado com Eileen Chilton.

Adèle, sentada à frente de Félix de Clergé, parecia incapaz de se concentrar naconversa. Seu olhar estava constantemente sobre o belo rapaz, e os olhos dele também

 procuravam sempre os dela e pareciam sorrir discretamente.Se havia alguma coisa entre aqueles dois, pensou Catherine, então Paul, sentado à

cabeceira da mesa, parecia completamente alheio ao fato. Ao mesmo tempo, ficou surpresa por Adèle não ter comentado nada, quando soubera que Félix estava entre os convidados.Será que estava tão mergulhada na própria felicidade que não via mais nada à sua volta?

Mas Eileen Chilton fez um comentário para Catherine, e por algum tempo ela seesqueceu do comportamento estranho de Adèle e Félix.

 — Deve se sentir muito só neste casarão, quando Paul está na clínica — disseela. — Já fez alguns amigos?

 — Não me sinto particularmente sozinha — respondeu, com cuidado. — Passomuito tempo no jardim e leio bastante.

 — E sai também? — Vou à cidade quando preciso comprar alguma coisa. Eileen gesticulou, agitando

a mão cheia de anéis. — Precisa ir à nossa casa, qualquer dia desses. — Muito obrigada. — Mas, intimamente, resolveu que aquele era um convite

que não pretendia aceitar. — Então, nasceu na África do Sul? — perguntou Susan Dunbury. — Nasci — disse Catherine, aliviada por poder encerrar a conversa com Eileen. — Meu irmão é engenheiro civil em Johannesburg — continuou Susan. — Não

acredito que... — Catherine vem da Cidade do Cabo — interrompeu Paul. — Tenho certeza de

que não conhece muita gente em Johannesburg. — Cidade do Cabo? — perguntou Eileen, surpresa. — Vocês se conheceram lá?Cathy olhou para o marido e percebeu que ele estava tenso. Não parecia satisfeito

com o rumo da conversa. — Sim, nós nos conhecemos na Cidade do Cabo — respondeu, com uma ponta

de apreensão. — Não sabia que também tinha feito conferências na Cidade do Cabo, Paul — 

disse a mulher, olhando para ele. — E não fiz. Fui até lá visitar um velho colega de faculdade e ele me apresentou

a Catherine. — Colocou o guardanapo na mesa e se levantou. — Vamos voltar ao salão etomar o café?

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Todos concordaram e a conversa tomou outro rumo.Por que Paul ficara tão agitado? Catherine pensava, enquanto servia o café, momentos

depois. Por que tinha receio de mencionar que ela havia sido sua paciente? Será que aindanão estava convencido do profundo amor que sentia por ela?

Susan sentou-se ao lado dela no sofá. — Sempre digo as coisas erradas nos momentos errados — comentou, baixinho.Catherine sorriu para ela, amavelmente. Aquela mulher morena e elegante, com traços

delicados como os de uma porcelana de Dresden e gênio tão tranqüilo, era uma amiga em potencial, muito mais do que a agitada Eileen Chilton, que naquele instante dava umagargalhada depois de contar alguma piada.

 — Você não disse nada que mereça um pedido de desculpas, Susan. Não há nenhumsegredo na maneira como Paul e eu nos conhecemos. Talvez algum dia eu lhe diga, e então

 julgará por si mesma.Satisfeita, a outra se acalmou e acabou de tomar o café.

O resto da noite passou agradavelmente para Cathy. Num certo momento, Félix seaproximou dela e lhe ofereceu um pouco de vinho, que ela recusou. Ele então perguntou se avida na França era muito diferente da que levava em seu país.

 — Não, de jeito nenhum. — Paris se ilumina à noite, para os turistas. — Talvez — respondeu ela, sorrindo. — Mas, em meu país, o turista não

 precisa esperar a noite para se divertir. — Você é uma sul-africana apaixonada? — É o lugar onde eu nasci, monsieur de Clergé. É muito natural, não acha? — Meu comentário não significava um insulto, madame. Peço que me desculpe

 — disse ele, inclinando-se ligeiramente.Catherine riu. — Não precisa se desculpar, monsieur. Gostaria imensamente de lhe falar sobre meu

 país, algum dia.Félix de Clergé tinha um encanto muito especial, e Catherine estava certa de que muitas

mulheres o consideravam extremamente atraente. Ele fez mais algumas perguntas, a que elarespondeu com simplicidade, mas de repente percebeu que estavam sendo vigiados pelosoutros. Félix também notou isso e voltou à sua poltrona, ficando algum tempo com os olhosfixos no tapete. Catherine não compreendia por que todos tinham ficado tão interessados narápida conversa dos dois.

Um pouco irritada virou-se para Susan Dunbury, disposta a esquecer aquele incidenteintrigante.Os Dunbury foram os primeiros a sair; depois os Chilton e Félix. Adèle ajudou a levar 

os copos e os cinzeiros sujos para a cozinha, antes de ir apressadamente para o quarto.Quando Catherine voltou finalmente à sala, encontrou Paul fumando um último cigarro.

Ele estava pensativo, . olhando as brasas da lareira. Os acontecimentos daquela noitevoltaram imediatamente à cabeça de Catherine. Embora desejasse fazer algumas perguntas,sabia instintivamente que não era nem a hora nem o lugar.

 — O dr. de Clergé vem aqui muitas vezes? — Raramente, quando temos necessidade de discutir algum teste de laboratório.

 — Ele parece muito amável. — Sim, se você aprecia esse tipo de charme — respondeu Paul, irritado,atirando o cigarro na lareira e olhando para ela com desconfiança.

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 — Bem, isso não me interessa muito. Só me interesso por um certo homemchamado Paul de Meillon, e ele tem todo o charme necessário.

Paul abraçou-a pela cintura e puxou-a para mais perto, enquanto com a outra mão afazia erguer o rosto para ele. Havia uma angústia em seus olhos que a surpreendeu.

 — Você me ama, Catherine?Outra vez! Aquela pergunta estava se tomando uma obsessão. A insegurança dele

começava a contagiá-la, e novamente aquele medo de que sua felicidade terminasse a fezestremecer.

 — Por que duvida tanto de mim?Paul a soltou, de repente. Depois de algumas semanas adormecido, o demônio da

dúvida reaparecia, como uma serpente destilando veneno. — Não pode negar que achou Félix atraente. — Mas é claro que ele é muito atraente. Uma mulher precisaria ser cega para não

 perceber. Ele é encantador, atencioso... extremamente francês. Tenho certeza de que as

mulheres o acham irresistível, embora eu não acredite que um homem como ele me atrairia particularmente. — É conhecido pelos casos que tem. Um dom-juan! — Paul acendeu outro cigarro e

começou a andar pela sala. — Já teve tantas mulheres que perdeu a conta. Não pode deixar uma bela mulher em paz, aparentemente, elas não conseguem resistir. Você é linda,Catherine. E muito atraente. Do que estava conversando tão animados?

Era uma cena de ciúme? Ou mera curiosidade? — Não conversamos sobre nada em particular. Ele me perguntou se eu gostava de

Paris e se sentia falta do clima quente da África do Sul. E me perguntou se eu eraenfermeira. Quando contei que tinha me formado em Literatura, pareceu interessado.

Obviamente, pretendia perguntar outras coisas, mas deve ter percebido que vocês todosestavam nos observando, a censura clara em todos os rostos, e então pediu licença e voltouà cadeira dele.

Havia ressentimento em seu coração, e, por uma razão indefinível, sentiu a necessidadede defender Félix de Clergé... algo de que se arrependeria em breve.

 — Félix foi amável e encantador. Nem por um instante me deu a impressão dequerer flertar comigo. Muito pelo contrário. Achei-o até um pouco retraído.

 — Félix? Retraído?  Mon Dieu! Você deve estar louca! — Paul jogou mais umcigarro na lareira. — Félix nunca se retraiu em relação às mulheres, mas talvez estejausando uma nova tática, e parece óbvio que teve sucesso com você. Bonne nuit!

Depois da última frase, dita por cima do ombro. Paul saiu da sala, deixando Catherineintrigada. O que o tinha feito convidar Félix de Clergé, se claramente não gostava dele?Tinham tido a primeira briga, pensou, triste, sentando-se na poltrona e olhando para

as brasas na lareira. Era a primeira, mas não seria a última, concluiu com pessimismo.

CAPÍTULO VII

Paul já tinha saído, quando Catherine acordou, na manhã seguinte. Automaticamente, procurou pelo costumeiro bilhetinho na mesinha-de-cabeceira; nada encontrando, levantou-se, tomou banho e se vestiu, tentando afastar a depressão que ameaçava dominá-la. Não

fazia a mínima idéia da hora em que Paul fora se deitar, na véspera. Ficara acordada muitotempo, esperando por ele, até não conseguir mais lutar contra o sono. Se ao menos tivessetido chance de falar com o marido naquela manhã, estaria menos nervosa e agitada.

Adèie estava à mesa, quando Catherine entrou na sala.

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 — Paul já saiu. E tenho que me apressar, porque já estou atrasada. — Você conhece bem Félix de Clergé? — perguntou Catherine, com

naturalidade, enquanto se servia de café.Imediatamente, a expressão de Adèle mudou.

 — Não muito bem... Por quê? — Estava pensando...Um silêncio embaraçado surgiu entre ambas e continuou até Adèle terminar o café e se

levantar, apressada.Catherine percebeu que a pressa da cunhada não era só porque estava atrasada. E, em

sua mente, nasceu a dúvida: com certeza. Adèle conhecia Félix muito mais do que queriadeixar transparecer, mas a razão era um mistério para ela.

Talvez Paul fosse contra a amizade da irmã com um homem que considerava um dom- juan. Teve pena de Adèle, a quem já dedicava uma grande afeição. Que situação terríveldevia ser a da moça e Félix! Será que ele era mesmo o conquistador que Paul dizia? Se fosse,

o que restaria para Adèle, senão sofrimento?Susan Dunbury telefonou mais tarde, naquela manhã. — Vou à cidade hoje à tarde e pensei que talvez você gostasse de ir comigo. Poderia

ensinar a você onde comprar mais barato, já que ainda não conhece Paris muito bem.Catherine aceitou o convite, agradecida. Seria pelo menos uma coisa para fazer, e

também uma distração temporária de seus problemas. — Passo por aí, lá pelas duas horas — disse Susan, e desligou.Catherine passou o resto da manhã escrevendo cartas, uma delas para o pai. Mas teve

o cuidado de não mencionar sua pequena discussão com Paul, procurando falar só de coisasalegres.

Paul não voltou para casa na hora do almoço, nem Catherine o esperava. Geralmente,comia qualquer coisa na própria clínica e, muitas vezes, quando estava operando, nemalmoçava. A princípio, isso a preocupava, mas era o modo dele trabalhar. Uma xícara de café ealguns sanduíches bastavam, ele havia dito, e o assunto ficara encerrado.

Apesar de tudo, ela teve esperança de que, pelo menos uma vez, ele viesse para casa nahora do almoço, nem que fosse para derrubar a barreira que começara a se levantar entre osdois.

Pontual, Susan Dunbury chegou um pouco antes das duas, e Catherine afastou as preocupações, concentrando a atenção nas compras que ia fazer com a amiga. Susan levou-a a lugares aonde nunca iria sozinha e, embora não pretendesse comprar nada, voltou para

casa com um belo vestido muito caro. — Bem que eu gostaria de poder usar uma roupa assim — comentou Susan, quandoCatherine colocou o vestido e se olhou no espelho. — Sou magra demais, e seria umdesperdício usar essa maravilha num feixe de ossos.

Cathy olhou para amiga. Apesar dos comentários nada lisonjeiros de si mesma, Susan podia vestir qualquer coisa e sempre ficaria elegante.

 — Vamos, Catherine, faça uma loucura e compre!Ela comprou, antecipando os comentários de Paul, quando a visse com o vestido.Já passava das cinco, quando Susan a deixou em casa. O telefone estava tocando, no

hall. Deixando o pacote numa cadeira, ela correu para atender. Era Paul.

 — Onde você estava? — perguntou ele, com desconfiança. — Faz mais de meia horaque estou ligando. — Fui fazer compras com Susan Dunbury e acabei de chegar. — explicou,

contrariada. Em seu consultório, na clínica. Paul continuou desconfiando. Tinha passado

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uma noite infernal e um dia mais infernal ainda. Quando um dos empregados lhe disse queCatherine não estava em casa, começou a imaginar uma porção de situações nas quais ela

 poderia estar envolvida. Sabia que Félix de Clergé estava no laboratório e tinha estado ládurante toda a tarde. Mas havia outros, pensou, desesperado, que na certa só esperavam por um sorriso dela. Dieu! Segurou com mais força o telefone. Estava ficando maluco, permitindoque o ciúme perturbasse tanto assim seu senso comum!

 — Paul? — chamou Catherine. Havia algo errado, ela podia sentir isso mesmo àdistância.

 — Hoje vou chegar mais tarde — disse ele, afinal. — Tenho que começar umaoperação de urgência dentro de alguns minutos. Não espere por mim.

 — Vou deixar seu jantar no forno. —   Merci.

 — Paul? Não está zangado comigo por alguma coisa, está? — Agora não é hora para conversar sobre isso — disse, áspero, e bateu o telefone.

Catherine franziu a testa. Mas não teve mais tempo para pensar no comportamentoestranho do marido, pois Adèle chegou naquele instante e seu entusiasmo com a lojaafastou as preocupações da cunhada.

Depois do jantar," Catherine andou desanimada pela casa. Havia muito para fazer,mas estava tão agitada que não conseguia se concentrar em nada. Adèle subira a fim de rever os esboços de alguns modelos para a coleção de primavera. Então, escutou o ruído do motor de um carro, subindo a alameda.

Curiosa de saber quem apareceria àquela hora para uma visita, Catherine já estava acaminho da porta, quando a campainha tocou.

 —   Monsieur de Clergé! Entre, por favor.

 —   Merci, madame. Espero não estar incomodando. — Absolutamente — respondeu, sorrindo, mas intrigada com a visitainesperada.

 Nesse instante, os olhos escuros de Félix se iluminaram. —  Bon soir, Adèle.Catherine virou-se e viu a cunhada de pé na escada, apoiada no corrimão. Estava

muito nervosa, e seu olhar ia de Félix para Catherine. — Como vai? O que faz aqui?Félix sorriu.

 — Sabia que Paul se atrasaria hoje, na clínica; portanto, vim falar com madame

de Meillon. Espero que ela possa me ajudar. — Ajudá-lo? —   perguntou Catherine, atônita. — Não compreendo. — Não acho que Félix tenha realmente qualquer coisa para discutir com você,

Cathy — interrompeu Adèle, adiantando-se e dando um olhar cheio de significado a Félix. — Quem sabe ele mudou de idéia. Não é mesmo, Félix?

Por alguns momentos, a atmosfera ficou tensa, as duas vontades se enfrentando numa batalha silenciosa. Félix falou, afinal:

 — Não, Adèle. Não mudei de idéia, chérie.

 — Escutem, vocês dois — protestou Catherine. — Não podemos ficar aqui na porta, discutindo. Entre, Félix. Posso chamá-lo assim, não? Venham até a sala para podermos conversar mais confortavelmente.

 — Cathy — insistiu Adèle, muito nervosa —, não seria melhor se... — Adèle! Não sou uma completa idiota. Existe alguma coisa e sei disso. Percebi

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 — E você não acredita que vai ser assim? — perguntou Catherine. —  Non. Acho que não vai funcionar. Quando um homem tem uma reputação, ela o

 persegue pelo resto da vida. Digo que preciso falar com Paul, mas Adèle não quer. O quenos aconselha, Catherine?

Ela pensou um instante, lembrando-se egoisticamente de seus próprios problemas. SeFélix se aproximasse de Paul e contasse o que estava acontecendo, certamente ele o ouviria,

 pois Paul não era um homem rude por natureza. Ela mesmo não conhecera o quanto ele podia ser delicado e compreensivo? Não tinha sido, ele que a salvara de passar o resto davida numa cadeira de rodas?

Olhou para Adèle, que torcia as mãos, os belos olhos negros torturados, e depois paraFélix, esperando ansioso por uma resposta. Ele também estava desesperado, mas não havianenhuma dúvida de que amava Adèle profundamente. Paul não podia ser tão cego a pontode não ver a verdade nos olhos do rapaz.

 — Acho que você tem razão, Félix. Deve falar com Paul. Ele não é um homem

intransigente e compreenderá, com certeza. — Não! Paul não compreenderá! Eu sei, eu sei! — gritou Adèle, levantando-se eandando agitada pela sala, como se não conseguisse mais ficar parada. — Ele nunca fezsegredo do que pensa sobre Félix. No passado, sempre criticou meus amigos. Ninguém era

 bom o bastante. — Olhou para os dois, implorando: — Oh, Cathy, entenda, por favor! Paulnão tem sido cruel. É um irmão maravilhoso, mas é protetor demais, crítico demais. Senunca aprovou nenhum dos rapazes com quem saí, não vejo como vai aprovar Félix.

 — Mas Paul não sabe, não tem idéia das circunstâncias... — Não, não, não! — gritou Adèle, quase histérica. — Paul não pode saber!

Ainda não! — Agarrou o braço de Catherine, a angústia contorcendo o rosto. — Pelo amor de

Deus, Gathy! Félix... quero um pouco mais de tempo; Deixem que Paul veja por si mesmocomo você mudou. E, logo que eu perceber alguma mudança na atitude dele, eu mesma lhedirei toda a verdade. Por favor!...

Catherine olhou interrogativamente para Félix, que encolheu os ombros, vencido. Elee ela sabiam que as coisas não seriam assim tão fáceis como Adèle imaginava.

 — Muito bem então, querida — disse Catherine. — Se tem tanta certeza, não hámais nada que nós dois possamos fazer.

 — E vai guardar segredo? — Sim, guardarei segredo. — Oh, Cathy, você é maravilhosa!

 — Sinto muito, Félix. — Eu também sinto. Mas posso esperar. Posso esperar para sempre por ela, se for  preciso.

Catherine aconchegou-se numa poltrona, em frente à lareira, com um livro no colo.Tinha tentado ler, mas estava preocupada demais com Félix e Adèle para conseguir seconcentrar em alguma coisa. Quando Paul finalmente chegou em casa, estava tão frio, queela não teve jeito de se atirar em seus braços; aquilo a feriu mais do que ele poderiaimaginar.

 — Deve estar cansado — disse, ao ver como ele se sentava pesadamente na

 poltrona à sua frente. — Greta deixou seu jantar no forno. Quer agora ou mais tarde? — Mais tarde — respondeu, acendendo um cigarro. — Primeiro, quero que meconte o que fez o dia inteiro.

 — Não muita coisa. Foi um dia longo e triste, sem você — disse ela, numa

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tentativa de quebrar o gelo. — Você saiu, esta manhã, antes de eu acordar... — Sim, saí. Teve alguma visita? — Não.Era a primeira vez que mentia para Paul. Como gostaria de contar a ele toda a

verdade! — Então, subitamente, deu para fumar cigarrilhas? — comentou, cínico. — Oh! — Que idiota tinha sido, esquecendo-se de limpar o cinzeiro! — Bem...

sim, tivemos uma visita, um pouco depois do jantar. — Félix de Clergé? — Foi. — E não ia me contar?Os olhos de Paul, febris e implacáveis, a observavam, cheios de raiva, e Catherine

quase perdeu o fôlego. — Eu... não achei que fosse importante.

 — É, mesmo? — Paul levantou-se e atirou o cigarro na lareira. — Um homemcomo Félix, que tem a reputação de seduzir todas as mulheres que encontra, visita vocêdurante minha ausência e você não acha importante mencionar o fato!

 — Paul, por favor! — protestou, pondo o livro de lado e ficando também de pé.Estava agora tão zangada quanto ele. — Félix veio até aqui s' para... para agradecer oexcelente jantar de ontem.

Mais uma mentira, pensou, aflita. — Isso não tomaria mais do que alguns minutos, não o bastante para fumar uma

cigarrilha inteira — disse, com fria violência.Catherine sentiu-se como se estivesse sendo interrogada por um inquisidor da

Idade Média. — Pode ser que você já tenha caído na conversa dele. — Você está sendo ridículo! — Estou? — Paul chegou perto dela. Tão perto, que ela podia sentir o corpo dele

inteiro vibrado de ódio. A boca estava contorcida, e, por um breve instante, Catherineteve a impressão de que ia esbofeteá-la. Fechou os olhos, esperando, e nesse instantecompreendeu a enormidade do sacrifício que a promessa feita a Adèle iria exigir dela. Uma

 promessa de silêncio, feita num instante de fraqueza. E que agora estava prejudicandoseu casamento de uma maneira como nunca imaginara.

Paul recuou subitamente, como se não suportasse a proximidade dela.

 — Não levou muito tempo para se cansar de mim, não é? E Félix éum amante tão experiente e suave, não? Ou ainda não sabe? — Paul! — Arregalou os olhos, sem acreditar no que ouvia.A gravidade daquelas palavras a deixou trêmula e sem fala. O que tinha feito para

merecer uma desfeita dessas? E, mais importante, o que acontecera ao homem terno ecompreensivo com quem havia casado? Esse estranho grosseiro e frio não era o marido queconhecia e amava, e ele a assustava. Ela fez um gesto de socorro para ele, mas Paul deumeia-volta e saiu da sala, dizendo:

 — Tenho muito trabalho, agora. — Seu jantar...

 — Dê para os cachorros. Não estou com fome. E, Catherine — voltou-se para ela,o rosto frio e distante —, não quero ser incomodado.As mãos de Catherine caíram ao longo do corpo, enquanto o via sair. Era

compreensível que Paul desconfiasse de Félix, mas será que não tinha a mínima confiança

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que está causando ao seu casamento? — Não contei nada a ela.Susan sacudiu a cabeça, preocupada.

 — Cathy, você é uma pessoa muito leal, mas sua lealdade deve ser primeiro para seumarido e, depois, para a irmã dele.

 — Eu sei, mas Adèle estava tão aterrorizada com a idéia de Paul vir a saber, que nãotive outra saída senão prometer guardar segredo.

 — Espere só, até eu falar com Adèle. Ela também tem muito que ouvir!Catherine riu, nervosa.

 — Sinto muito aborrecer você com problemas, Susan. Não é justo. — Bobagem! Afinal, somos amigas. Naquela tarde, no caminho de volta para o Château de Bonheur, Catherine decidiu

falar com Paul quando ele voltasse do congresso médico a que comparecia na semanaseguinte. Ele a informara, quase indiferente, que ficaria fora três ou quatro dias, e agora

estava satisfeita por ter alguns dias sozinha, para poder pensar cuidadosamentecomo falar com ele. Esperava que estivesse mais receptivo, depois de voltar de Londres, enão tão arrogante e frio como nos últimos tempos.

Quanto mais se aproximava a data da partida de Paul, mais ansiosa ela ficava,tentando melhorar o clima entre ambos. Seria inútil falar com ele antes do congresso, poisestava muito taciturno. Quebrar a promessa feita a Adèle não ia ser fácil, mas, como Susanhavia dito, sua lealdade era primeiro para com o marido. Assim que ele soubesse averdade, perceberia que seu ciúme era infundado e saberia resolver o problema de Adèle eFélix muito melhor do que ela.

Adèle também não estava feliz com a situação, Catherine percebia. Como qualquer outra

moça, gostaria de poder namorar abertamente o homem que amava; entretanto, o medo dareação de Paul era maior do que o desejo de revelar ao irmão seu amor. Mas a ansiedade emque vivia permanentemente estava tendo conseqüências, e Catherine notava que acunhada estava cada dia mais pálida e calada.

 Na véspera de sua partida para a Inglaterra, Paul surpreendeu Catherine, entrando noquarto de ambos, pela primeira vez, em semanas. Ficou por um instante parado na porta, osolhos brilhando febrilmente.

Ela parou de escovar os cabelos e baixou o olhar, não querendo que ele percebesse seuembaraço.

 — Queria me dizer alguma coisa. Paul? — perguntou, quando o silêncio se tomou

insuportável.Ele estremeceu. Estivera olhando para ela fixamente, sem perceber, pensando que nunca

lhe havia parecido tão desejável como naquele instante. A camisola branca de cetim erendas revelava o busto suave, os quadris redondos, a cintura marcada, e seu coraçãocomeçou a bater loucamente, quando se lembrou da maciez do corpo dela em seus braços.

 — Paul? — murmurou Catherine, lutando contra o medo que estava sentindodele.

 — Eu... eu vou partir amanhã, antes do café. Achei que tinha que lhe dizer. — Ah... — Ultimamente, ele não se importava mais de informá-la sobre sua vida;

então, por que agora?

Havia uma forte tensão no ar, que Catherine não sabia explicar. Depois de dar seurecado. Paul devia sair, mas ficou olhando para ela, com aquele jeito inseguro e torturado.Havia agora uma força magnética atraindo-os, mas nenhum dos dois dava o primeiro passo.

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Foi Catherine quem, involuntariamente, quebrou o gelo. Deu um passo à frente edeixou cair a escova.

 — Paul...Ele não precisava de mais encorajamento, pois no instante seguinte ela estava em seus

 braços, sendo beijada e apertada. Paul afastou as alças finas da camisola, enquanto a beijavaavidamente. — Oh, Paul, Paul, meu amor... — murmurou, sentindo outra vez o despertar do desejo.

Entregou-se sem reservas, feliz e esperançosa de que aquelas semanas de sofrimentotivessem afinal chegado ao fim.

De repente, ele a ergueu nos braços e a levou até a cama.A brisa soprava entre os castanheiros. Depois, só houve silêncio.

Catherine acordou, no dia seguinte, sentindo-se maravilhosamente bem. Espreguiçou-se gostosamente e, depois, virou a cabeça à procura de Paul, mas ele já tinha partido. Com

um sorriso, esticou o braço para pegar um bilhete deixado sobre o travesseiro dele.Quando começou a ler, sua expressão mudou. Pálida e trêmula, sentou-se e leu maisuma vez aquele bilhete inacreditável:

"Catherine, minhas desculpas pela noite de ontem. Você estava diabolicamente atraente eeu não resisti. Afinal, sou humano. Mas não acontecerá outra vez. Paul."

Ela ficou olhando para o papel, aflita. Paul tinha escrito que não resistira! Se fosseoutra mulher, ele teria reagido da mesma maneira? Será que precisava de uma mulher?Uma mulher qualquer? E, como era ela que estava à mão, ele a usara?

Esse pensamento feriu sua alma e ela sentiu-se envergonhada. Que tola havia sido, pensando que Paul queria se reconciliar! Que ingênua, achando que ele, finalmente,

reconhecera o erro de sua desconfiança!Olhou em volta, desesperada. Como agüentaria passar esses dias, até a volta de Paul?

Agora, ás paredes do Château de Bonheur pareciam as de uma prisão. Castelo deFelicidade! Que ironia, aquele nome; sua felicidade tinha sido curta demais, naquela casa tãolinda.

Uma hora depois, quando desceu, Adèle a chamou: — Não vai tomar café, Cathy? — Não estou com fome. — Não posso convencê-la a tomar nem uma xícara de café? Catherine hesitou, mas

depois cedeu.

 — Está acontecendo alguma coisa? — perguntou a cunhada, ao ver que elatremia ao apanhar o bule para se servir.

 — Estou com dor de cabeça. Pensei que um passeio pelo jardim poderia meajudar.

 — Paul me chamou, esta manhã, e me pediu para levá-lo ao aeroporto. Deixouisto para você.

Adèle pôs o molho de chaves^^a mesa. — As chaves do Bentley? —  Oui. Paul disse para você não se preocupar. Ele tomará um táxi na volta do

aeroporto.

 — Está bem... Isso seria parte de seu pedido de desculpas? Deixar com ela aschaves do Bentley? Subitamente, sentiu uma onda de revolta. Como tinha coragem detratá-la assim?

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 — Você sabe guiar o Bentley, não sabe? — perguntou Adèle, sem entender por que a cunhada parecia tão irritada.

 — Sim, já guiei algumas vezes. Mas quase sempre pego o ônibus. — Devia pedir a Paul para lhe dar um carro como o meu. — Talvez eu peça. — Q que vai fazer hoje? — Oh... ainda não pensei nisso. Não há quase nada para fazer, na casa; os

empregados são tão eficientes... Poderia supervisionar o jantar, mas será só para nós duas,e vou dizer a Greta para não fazer nada muito complicado.

 — Não vou jantar com você hoje, Cathy. Felix me convidou. — Ah...Quando o gato vai passear, os ratos fazem a festa, pensou Catherine, com amargura.

 — Sinto muito — disse Adèle. — Não se preocupe. Vou comer alguma coisa leve, me deitar e ler um pouco.

 — Pode ir com a gente.- — Não seja tola — respondeu, irritada, mas logo se acalmou. — Há um velhoditado inglês que diz: "Dois é bom; três é uma multidão". Eu nunca sonharia estragar os

 poucos momentos em que podem ficar sozinhos. — Preciso ir, agora — disse Adèle, vestindo o casaco e pegando a bolsa. — 

Aproveite bem o dia.Aproveitar o dia! Aquelas palavras ficaram ecoando na mente de Catherine muito

depois de a cunhada ter saído. Aproveitar o dia! Sim, pensou ela, perigosamente perto deexplodir em lágrimas, certamente aproveitaria seu dia, e os próximos dias também, depoisdo incrível bilhete de Paul!

Sentindo-se profundamente desesperada, pegou as chaves do carro e correu escadaacima para refazer a pintura e apanhar a bolsa. Um dia no campo lhe faria bem, pensou,enquanto penteava os cabelos com impaciência. Por que não? Não havia ninguém paraimpedi-la,

 Ninguém que se importasse com ela, "Castelo de Felicidade”!...Pegando a primeira estrada que encontrou, Catherine guiou sem se preocupar com seu

destino. Não tinha medo de se perder, pois havia sinalização em pontos estratégicos, que não podia deixar de notar. Mas era uma viagem solitária, e não estava com disposição de apreciar os belos campos, que reviviam depois do longo inverno. Depois de um rápido almoço numacidadezinha, resolveu voltar para casa. Era melhor sentir-se sozinha num ambiente familiar 

do que ser alvo dos olhares curiosos de estranhos. Naquela noite, Catherine se virava na cama, sem conseguir dormir, na imensa camavazia. Nunca em sua vida se sentira tão só como agora, sem nada, a não ser seus infelizes

 pensamentos como companhia. Os empregados já tinham há muito voltado para suas casas,deixando um silêncio opressivo.

Passava das onze horas, quando escutou um carro subindo a alameda e, depois dealguns minutos, as vozes abafadas de Félix e Adèle lá embaixo. Então, ouviu a porta daentrada sendo cuidadosamente trancada e as luzes dos faróis do carro passaram por sua

 janela, voltando pelo mesmo caminho por onde vieram.Pouco depois, Adèle batia de leve na porta do quarto.

 — Catherine, está acordada? — Entre, Adèle — disse, acendendo o abajur. — Não estava dormindo?

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 — Não. Venha, sente-se aqui e me conte como foi sua noite. — Oh, Cathy! Foi uma noite divina! Félix me levou a um pequeno restaurante,

depois dançamos um pouco e conversamos, conversamos, conversamos.Como devia ser raro poderem ficar juntos assim, pensou Catherine, com pena.

 — Paul não costuma viajar muito. Como se encontram, quando ele está em Paris? —Há um pequeno café que pertence a uns amigos de Felix. São um casal de velhos enão vão abrir a boca. Algumas vezes vamos almoçar lá, ou então tomar uma xícara de caféna cozinha.

Cathy sorriu. — Por falar nisso, vamos até a cozinha esquentar um pouco de leite? —  Oui, seria ótimo.Afinal, o dia terminou agradavelmente, as duas sentadas à mesa da cozinha, tomando

leite quente. Ficaram tão distraídas, conversando, que, quando o relógio bateu a uma damanhã, olharam espantadas uma para a outra.

 — Você precisa ir para a cama, Adèle, ou não vai conseguir se levantar amanhãde manhã.

 — Não quero que esta noite termine. — Eu sei, minha querida — disse Catherine, beijando afetuosamente a cunhada

 —, mas está na hora de ir para a cama. —   Bonne nuit, Cathy. —   Bonne nuit.

 Na noite anterior à volta de Paul, Félix apareceu para ver Adèle. Catherine deixou-os juntos na sala, enquanto ficava no quarto levantando a bainha de um de seus vestidoslongos. Um pouco mais tarde, quando ia até a lavanderia, passar a ferro a barra,

surpreendeu-se, escutando vozes alteradas na sala. Evidentemente, Adèle e Félix estavamdiscutindo, mas Catherine não entendia uma só palavra, pois falavam em francês.

Ao chegar ao hall, a porta da sala se abriu e Adèle passou por ela correndo, o rostomolhado em lágrimas.

 — O que aconteceu? — Catherine perguntou a Félix, quando escutou que a porta doquarto de Adèle se fechou com estrondo.

O rapaz, com as mãos nos bolsos e os ombros curvados, explicou: — É sempre a mesma discussão. Eu gostaria de falar com Paul, mas ela recusa. O que

 posso fazer?Era uma situação delicada, que afetava não só as vidas dos dois, mas também a de

Catherine. Não podia dizer a ele de sua intenção de contar tudo a Paul quando voltasse, poisnão sabia quando teria a oportunidade, ou se o marido a escutaria.

 — Dê-lhe tempo, Félix. — Tempo? Tempo? Já houve tempo demais desperdiçado! — Eu sei, mas... — Catherine, não podemos continuar assim! — Concordo com você, Félix: não podem continuar assim — disse uma voz muito sua

conhecida, atrás dela.Catherine virou-se, os olhos arregalados, e encontrou Paul de pé na porta.

 — Paul, não esperava você tão cedo! -— De todas as palavras que poderia dizer,

escolhera as mais erradas! — Não, tenho certeza de que não. Que lamentável, eu vir atrapalhar esse

agradável tetê-à-tetê, voltando tm inesperadamente.

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 — Paul, não é o que você... — Catherine e Félix começaram a falar ao mesmotempo, e pararam juntos, olhando um para o outro.

 — Talvez seja melhor você sair, Félix — disse ela. — Mas eu... — Por favor, Félix, vá. — Sim, Félix — repetiu Paul, com sarcasmo. — Por favor, vá para que eu possa

conversar com minha... mulher. Vou falar com ela em particular e sem interrupção. Vá,antes que eu perca a paciência e jogue você na rua!

Félix olhou angustiado para Catherine, mas ela mais uma vez fez um gesto aflito, pedindo que saísse, e ele não teve outro jeito, senão obedecer. Só não queria que fossemaltratada, porque nunca tinha visto Paul tão fora de si.

Paul fechou a porta e apoiou as costas contra ela, os braços cruzados no peito largo. 0silêncio era opressivo, e Catherine estremeceu involuntariamente. Tinha que permanecer calma, repetia a si mesma, ou a situação degeneraria para sempre.

Olhando para o vestido de noite que ela segurava. Paul comentou: — Parece que você ia sair. — Não, eu... — Como ousa?! Em nome de Deus, como ousa?! Como se atreve a levar adiante

seu... seu caso, dentro de minha própria casa? — Mas, Paul, eu... — Deve ter ficado muito feliz com minha viagem: teria o caminho livre para se

encontrar com seu amante. — Você não sabe o que está dizendo! — Ela tentava manter a calma, lutando

com todas as forças para não se deixar intimidar por seu ódio. — Sei que, encontrando Félix

aqui, parece que...— Acha mesmo que não vejo o que está acontecendo debaixo de meu nariz? Achaque sou um imbecil?

 — Paul, sei o que está pensando, mas... — Pois eu lhe digo, Catherine — interrompeu ele, aos berros, fazendo com que

sentisse um calafrio pela espinha. — Pensei que podia confiar em você, mas parece que não posso. Sei que não devia ter casado cora você, mas, com muita esperteza... — Deu umarisada cínica. — Sim, com muita esperteza, você me fez acreditar que me amava. Eu medeixei convencer, porque, pela primeira vez, permiti que o coração governasse a cabeça.Mas não demorou muito para que se cansasse de mim, não é? Não é?

Ele a pegou pelo ombro e a sacudiu brutalmente. O vestido de noite caiu no chão. — Por favor. Paul, deixe-me explicar — implorou, as lágrimas brilhando nosolhos.

 — Explicar? — Soltou-a com desprezo. — O que há para explicar? Mentiras! É sóisso que vou conseguir de você, mentiras! Mas tenho uma coisa para lhe dizer: não vou lhedar o divórcio, para que possa se atirar nos braços de Félix. Você é casada comigo e vaicontinuar casada. E, mais uma coisa: não traga os seus casos sórdidos para dentro de casa.

 No futuro, seja um pouco mais discreta.Aquelas últimas palavras provocaram a fúria de Catherine.

 — Não tem o direito de falar assim comigo!

 — Tenho o direito de falar com minha esposa infiel da maneira que eu quiser. — Infiel? Imagino que não lhe ocorreu que possa estar enganado.Paul deu uma gargalhada.

 — Félix não é o tipo de homem que visita uma mulher só para conversar sobre o

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tempo. — Você não conhece os fatos e se recusa a me dar a oportunidade de explicar. — Não quero escutar mais mentiras. — Droga, Paul! É Adèle que Félix ama, e foi a ela que ele veio ver!Furiosa e levada pelo desespero, tinha revelado a verdade, não como havia planejado.

Desprezava-se por permitir que Paul a deixasse tão fora de si, mas agora não podia recuar.As palavras já tinham sido pronunciadas e estavam tendo resultado.

Paul encarou-a calado, os lábios lívidos. Se ela o tivesse atingido fisicamente, oresultado não seria diferente. O desejo ridículo de confortá-lo em seus braços tomou contadela, um desejo de abrandar o golpe que ela mesmo havia desferido.

 — Você está mentido! No momento seguinte, ele já tinha dado meia-volta e aberto a porta. Atravessou o hall

com passos largos e subiu a escada de dois em dois degraus. Se Catherine estivesse falando averdade, saberia com Adèle, naquele mesmo momento.

A porta de Adèle estava fechada. Sem se importar de bater, ele a abriu violentamente,quase tirando-a dos gonzos, e parou, respirando pesadamente, enquanto Adèle se sentava nacama, o rosto revelando o pavor que sentia do irmão.

 — É verdade? — perguntou ele, em francês. — É verdade que você e Félix estãoapaixonados e que ele veio visitar você, e não Catherine? Não minta para mim, Adèle, jáhouve mentiras demais nesta casa. Agora, quero a verdade.

A moça estava em pânico. Só agora percebia o grande mal que causara, ao arrancar aquela promessa de Catherine. E Cathy, a boa e leal Cathy, tinha mantido a promessa,apesar da infelicidade que ela lhe trouxera. Adèle tinha ouvido a discussão dos dois nasala. Pelo bem de Catherine, devia contar a verdade. Mas o olhar desvairado do irmão a

assustava. Não havia possibilidade de convencê-lo, quando estava irritado assim. — Sinto muito, monfrère, mas não é verdade.Catherine esperava na sala, tranqüila. Adèle nunca a perdoaria, tinha certeza disso,

mas não pretendia contar a ele daquela maneira. Por que Félix tivera que aparecer lánaquela noite? Se ao menos... Que pensamento inútil!

Quando Paul finalmente voltou, seu rosto estava lívido. Seu sofrimento era tão grandecomo o dela, Cathy sabia, mas agora poderia ajudá-lo.

 — Então, você mentiu outra vez!O coração de Catherine deu um salto no peito e ela teve que se apoiar numa cadeira

 para não cair. — Você é uma sem-vergonha — disse ele, implacável. — Nunca pensei que fosse

capaz de uma coisa dessas. Que tivesse a audácia de envolver minha irmã em seus casossórdidos! Isso é mais do que eu poderia imaginar. Como a desprezo!

 — Paul, não! — Mas ele já saía da sala. — Paul, por favor, espere! — Não quero ouvir mais nada! — Aonde você vai? — Sair daqui! — berrou, batendo a porta atrás de si.Tonta, Catherine ficou imóvel. "Oh, Deus, o que posso fazer? A quem posso recorrer 

 para me ajudar?" — Cathy?Ela se virou como um autômato e encontrou Adèle de camisola, com os braços

cruzados sobre o peito. — Cathy, me perdoe! — Correu para a cunhada, soluçando. — Por favor, me

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 perdoe! — Sou eu que devo pedir perdão — disse, tentando consolar a mocinha. — 

Quebrei minha promessa, mas eu pretendia falar cora Paul com toda calma, não da maneiracomo fiz. Deixei que ele me irritasse e estraguei tudo. Receio que o fato de encontrar Félixaqui fez com que ficasse fora de si e...

 — Não explique, eu compreendo. — O que vamos fazer agora? — perguntou Catherine, olhando para a outra,

desamparada. — Direi tudo a Paul. Quando ele não estiver tão zangado, direi a verdade a ele.

Só me dê tempo para pensar no que vou dizer.Sim, Paul acreditaria na irmã. Não havia razão para desconfiar dela, e assim ele a

escutaria, compreensivo.Sentiu uma dor imensa no peito. Como gostaria de poder chorar, agora. A quem

 poderia procurar para ajudá-la? Susan Dunbury? Não, não podia incomodar a amiga com

seus problemas.A predição da velha Sarah, naquela manhã em que Paul fora buscá-la para irem atéFranschhoek, voltou-lhe subitamente à memória. Catherine se lembrava de cada palavra:

"Você tem uma dor de cabeça à sua frente. Ele é um homem que pensa com a cabeça,e não com o coração, Nunca acreditará que você o ama realmente e não está só agradecida

 por tudo o que fez por você."Mas Sarah também a tinha aconselhado:"Seja paciente."Catherine suspirou. Teria que aprender a ser paciente, não importava quantas

dificuldades encontrasse em seu caminho.

CAPÍTULO IX

Paul trabalhou febrilmente, em seu consultório na clínica, na hora seguinte. Havia uma porção de relatórios para conferir, e, tendo ficado fora três dias, o trabalho estavaacumulado.

 Naquela noite, ao sair de casa, sentia-se furioso. Sempre se orgulhara de ser um bom juiz do caráter das pessoas, mas tinha falhado miseravelmente no caso de Catherine. Deviater percebido que ela era muito jovem e impressionável, como ele temia, e incapaz de

distinguir entre amor e gratidão. Como odiava a palavra "gratidão"!Tinha deixado que ela o convencesse de seu amor, numa ocasião em que suas própriasemoções dominavam o raciocínio, e agora se desprezava por isso. Era previsível que ela sesentisse atraída por um homem como Félix, que estava sempre à disposição de uma belamulher farta do marido.

Jogou a caneta na mesa e se levantou. Era impossível trabalhar com esses pensamentosatormentando-o. Há anos que sabia das aventuras amorosas de Félix; mesmo assim, Catherinetinha esperado que ele acreditasse que não havia nada entre os dois. Claro que estavam tendoum caso! Por que outra razão Félix iria até lá?

Mas nunca pensara que ela fosse tão baixa a ponto de sugerir que era por Adèle que

Félix estava apaixonado. Adèle não era o tipo de mulher que atrairia um homem comoFélix. Mas... nem Catherine, bon Dieu!  Não sabia mais o que pensar. O pensamento deCatherine nos braços de outro homem dava-lhe o desejo de matar.

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' 'Ela é minha! Ela é minha e continuará minha!''Era muito tarde quando Paul chegou finalmente em casa. Encontrou a luz da sala ainda

acesa e, no chão, ao lado da cadeira, o vestido de Cathy. Pegou-o e ficou olhando para ele por um instante. Então, angustiado, afundou o rosto na fazenda macia, sentindo o leve perfume que tinha ficado na roupa. O mesmo perfume que ele havia trazido para ela deGrasse e que lhe dera no dia em que a havia pedido em casamento.

Um brilho de metal chamou sua atenção. Examinando melhor o vestido, descobriuuma agulha presa à barra, ainda enfiada na linha. Será que ela estava trabalhando novestido? Era evidente agora que não pretendia usá-lo. E Félix? Poderia ser puramente

 platônica aquela visita?"Não podemos continuar assim!", tinha ouvido Félix dizer, ao entrar na sala. O que

aquilo podia significar, senão que ele e Catherine não podiam continuar se encontrandosecretamente? Adèle? Não, disse a si mesmo com teimosia; apesar das afirmações deCatherine, não acreditava que a irmã estivesse envolvida com Félix. Afinal, já estava deitada,

quando ele chegara. E quem a conheceria melhor do que ele mesmo?Tentava, sem sucesso, encontrar uma desculpa para Catherine, qualquer outraexplicação para a presença de Félix em sua casa. Mas não podia pensar em nenhuma.

Deixou o vestido cair na poltrona e saiu da sala, apagando a luz. No dia seguinte falaria com Félix e exigiria toda a verdade. Mas o que esperava

ouvir?, pensou, desesperado, ao entrar no quarto. Félix simplesmente negaria tudo. E que provas tinha da traição? Se ele os estivesse surpreendido se beijando, isso alteraria tudo. Não, talvez fosse melhor esperar e ter certeza, antes de fazer alguma coisa. Será que nãoestava também com medo de saber a verdade?

Catherine começou a fazer o serviço de casa, para espanto dos empregados. Atémesmo Greta pareceu surpresa, quando, uma manhã, a patroa entrou na cozinha e quisajudá-la a descascar batatas e planejar o jantar.

 — Não está se sentindo bem, madame? — Greta, se eu não fizer alguma coisa, acho que ficarei maluca, nesta casa

imensa, sem ter ninguém com quem falar, a não ser os retratos dos ancestrais de monsieur 

de Meillon!O tom de desespero em sua voz não escapou aos ouvidos sensíveis da mulher. Embora

nem sonhasse em espionar a vida de madame, não podia deixar de notar que algo a faziainfeliz.

Uma manhã, enquanto tomava uma xícara de chá na cozinha, em companhia de Greta, otelefone tocou: — Eu atendo, madame — disse a cozinheira, indo até o hall. Voltou logo depois: — É

 para a senhora. É o dr. Félix, da clínica.Cheia de apreensão, Catherine foi atender.

 — Alô, Félix. — Olhou apreensiva por cima do ombro, como se temesse quePaul estivesse na porta.

 —   Bonjour, Catherine. Sinto muito incomodar. Estive muito preocupado comvocê, estes dias, e preciso lhe falar. Não poderia almoçar comigo, hoje?

 — Não sei — respondeu, com medo das conseqüências.

 — Por favor, Catherine. O telefone... Não posso conversar aqui! — Pareciamuito abalado.

 — Está bem, Félix. Onde e a que horas?

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Ele deu o nome de um restaurante perto da Étoile. — Meio-dia e meia, está bem para você? — Sim, Félix, estarei lá.Exatamente ao meio-dia, ela entrou no restaurante, e o cheiro de comida lhe deu uma

sensação de náusea. "São meus nervos", pensou. Não tinha conseguido tomar o café damanhã e talvez não conseguisse almoçar agora.Félix aproximou-se.

 — Por aqui — disse, sem preâmbulos, guiando-a até uma mesa no fundo da sala. — O que quer comer? — perguntou, entregando o menu a ela.

 — Peça você, Félix. Mas gostaria de alguma coisa leve.Ele fez o pedido e, quando o garçom se afastou, inclinou se para ela.

 — Estava muito preocupado com você. Paul parecia tão furioso, naquela noite, que tivereceio de que batesse em você.

Catherine sorriu, amargurada.

 — Não precisa se preocupar. Paul não me bateu. — Minha presença na casa trouxe complicações? Ela começou a torcer a alça da bolsa.

 — Claro que não — respondeu, sem olhar para ele. — Por que teria? — Ora, Catherine, você sabe muito bem que tenho... péssima fama. E Paul

também sabe. Ele não ficou pensando que... bem, que nós... Sabe o que quero dizer.Ela sentiu que corava violentamente, e Félix logo entendeu a razão.

 — Bem que imaginei — disse, amargurado, os punhos fechados sobre a mesa. — Já é tempo de Paul e eu termos uma longa conversa. E, desta vez, não deixarei queAdèle me impeça.

 — Não, não deve fazer isso! Adèle me prometeu que falaria com Paul logo quesurgisse uma oportunidade. Não faça nada impulsivamente. Ainda não... não até que...Como explicar a ele a situação em sua casa? Nunca poderia falar sobre a fria

indiferença e os silêncios explosivos de Paul. O marido mal ficava em casa, agora, e,quando ficava, era para se trancar na biblioteca e lá passar a noite toda. Também Adèle nãoconseguia se aproximar dele, pois estava de tão mau humor que ela não tinha coragem delhe fazer as difíceis confidencias.

 — Vou dar a ela mais esta chance — concordou Félix. — Mas, se Adèle não agir, eu...Ele se calou, empalidecendo subitamente, ao ver alguém atrás de Catherine que se

aproximava. O medo tomou conta dela. Paul!, pensou logo. Mas não era. Vindo na direção

deles, lá estava Eileen Chilton. Cathy não a via desde o jantar no Château de Bonheur, ecertamente aquele era o momento mais errado para encontrá-la novamente.

 — Catherine, meu bem! Faz séculos que não nos vemos, Você também, Félix. Comovão?

 — Muito bem — respondeu ele, tenso. — Nunca pensei que encontraria vocês dois almoçando juntos! — continuou

Eileen, maldosa. Era evidente que estava morta de curiosidade. — Então, ficaram amigos?A insinuação, aparentemente inocente, enojou Catherine.

 — Você parece se esquecer, Eileen — disse Félix, sem hesitação, dirigindo a ela seumais encantador sorriso —, de que madame de Meillon é casada com um colega meu.

Assim como você. E isso não impediu que eu almoçasse com você também, impediu? E no passadonós almoçamos muitas vezes juntos, não é mesmo?

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Eileen ficou vermelha como um tomate, e não havia dúvida de que existia ódio em seuolhar.

 — Bem, não quero mais interromper seu almoço — disse, recuperando oautocontrole. — Mas, Catherine, tome cuidado, Félix é um menino muito levado. Ou seráque já sabe? Adeuzinho...

Os dois a viram se afastar e sair do restaurante com um passo ligeiro, deixando amalícia daquele comentário no ar.

 — Essa mulher é uma cobra! — exclamou Félix, irritado. — Sempre detesteimulheres que correm atrás de um homem, e Eileen Chilton me perseguiu até que tive que ser grosseiro com ela. Mon Dieu!

 — Acha que... que ela vai comentar? Vai falar que nos viu juntos? — Não tenho a menor dúvida que sim. Eileen nunca perde a chance de comentar 

a vida dos outros. — Eu sabia que nunca deveria ter vindo!

 — Agora é tarde demais. Só podemos esperar que, por milagre, ela fique calada.Ah, aqui está nosso almoço.Catherine teve um forte enjôo, quando chegou em casa, naquela tarde. Cada vez a

náusea ficava mais forte, nas últimas semanas, e só podia atribuir isso à pressão emocionalque estava sofrendo.

Quando Susan chegou, no dia seguinte, ao Château de Bonheur, encontrou-a sentadano jardim, pálida e fraca.

 — Você está com uma péssima aparência! — comentou a amiga, muito preocupada.

 — Não estou me sentindo nada bem. Achei que melhoraria se me sentasse aqui

fora e tomasse um pouco de sol. Estou com tanto frio!Susan observou-a atentamente. — Foi ao médico? — É só um enjôo de nervoso. Vai passar logo. — Imagino que não pensou na hipótese de estar grávida. — Grávida?! Não, nem pensei nisso... — Você é uma mulher casada, e essas coisas costumam acontecer. Catherine

sentia-se terrivelmente confusa. Parecia impossível. No entanto... Ultimamente, andava tão preocupada com seu desentendimento com Paul que nem uma só vez pensara nessahipótese. Olhou para Susan, insegura.

 — Acha mesmo que... ? — Nunca acho uma coisa dessas, minha querida. Para isso, existem os médicos. Vá buscar seu casaco e vamos agora mesmo ver meu médico.

O velho médico de Susan não precisou de muitos exames para descobrir a causa domal-estar de Catherine. Foi com emoções confusas que ela encontrou a amiga, que ficara àsua espera, no carro.

 — Então? — perguntou Susan, quando Catherine sentou-se ao lado dela, olhandofixamente para a frente.

 — Você tinha razão: vou mesmo ter uma criança. — Oh, querida, estou tão contente! Imagine como Paul vai ficar... — Calou-se,

quando Catherine escondeu o rosto nas mãos trêmulas. Passando o braço pelos ombros damoça, Susan perguntou: — O que há? Eu disse alguma coisa que não devia? — Não. É só que... Oh, Susan, o que vou fazer? — Fazer? Não há nada que você possa fazer a não ser permitir que a natureza

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siga seu curso.Enquanto iam para casa, Catherine pensava se as novidades mudariam a atitude de

Paul com ela. Será que agora escutaria com mais paciência suas explicações? Ou a idéia dese tomar pai seria odiosa para ele?

 — Você me faria um favor, Susan? — pediu, ao chegarem ao Château deBonheur. — Não diga a ninguém ainda. Nem mesmo a seu marido.

 — Não quer que Paul saiba? Quer fazer uma surpresa a ele? — Sim — mentiu, agarrando-se a essa idéia. — Quero fazer uma surpresa a ele. — Muito bem, Cathy, pode contar com meu silêncio.Muito tempo depois de Susan partir, Catherine continuava no mesmo lugar, receosa

de entrar em casa e enfrentar olhares curiosos dos empregados. Só entrou quando tevecerteza de que não ia explodir em lágrimas.

 Naquela noite, Paul voltou mais cedo do que de hábito. Catherine ouviu seus passosfamiliares subindo a escada, e esperou, com a respiração presa, até ele chegar à porta do

quarto. Com o coração disparado, ouviu-o bater de leve, antes de entrar. — Não está se sentindo bem? — perguntou ele, notando, pela primeira vez suasolheiras e sua palidez.

 — Eu... eu estou bem, obrigada. — John Dunbury veio até meu consultório, esta tarde. — Ah... é? — Será que Susan não tinha guardado o segredo? — Sexta-feira é aniversário de casamento deles, e fomos convidados para jantar. — Ah... Você aceitou? — Disse a ele que perguntaria antes a você.Uma noite fora suportando a indiferença fria e a polidez forçada de Paul era demais

 para ela. — Temos que ir? — perguntou, aflita. — Não podemos recusar. — Quando ela silenciosamente balançou a cabeça,

concordando, continuou: — Pode telefonar a Susan, confirmando?Depois do jantar, assim que Paul se trancou na biblioteca, Catherine discou o número de

Susan. — Cathy! Como está passando, querida? — Melhor, obrigada. — E depois de leve hesitação: — Parece que fomos

convidados para jantar com vocês, na sexta-feira, não é? — Céus, é mesmo! Foi por isso que estive em sua casa, esta manhã. Mas,

quando a vi tão abatida, esqueci completamente. Sou mesmo muito distraída. Por sorte, eutinha pedido a John para falar com Paul na clínica. — Depois de um breve silêncio: — Vocês vêm, não é?

 — Claro. — Ótimo! — A que horas? — Sete horas é muito cedo para você? — Para nós está muito bem. Assim, Paul terá tempo para trocar de roupa. Só

espero que não aconteça nada na clínica para que ele não se atrase.

Catherine escolheu o belo vestido verde-mar, que havia comprado com Stisan.Felizmente, Paul chegou cedo em casa, e não precisariam correr para chegarem a tempo àcasa dos Dunbury.

Caprichou mais do que normalmente na maquilagem, para tentar esconder as olheiras, e

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o resultado foi surpreendente. Não podia dizer nada quanto à magreza, pensou, olhando-seno grande espelho do quarto. Pegando o agasalho e a bolsa, desceu a escada, ao encontro dePaul, que já a esperava lá embaixo.

 — Quer tomar alguma coisa, antes de sair? — sugeriu ele, mas sem olhar páraela. — Estamos adiantados.

 — Sim, por favor — respondeu, aflita, pensando se ele ao menos lhe diria queestava bonita.

Observou-o disfarçadamente, enquanto o marido preparava as bebidas. Como gostavado formato da nuca dele e dos cabelos castanhos! E daqueles ombros largos e atléticos! Umsimples olhar de Paul fazia com que seu sangue corresse mais depressa. E também, comoestava acontecendo ultimamente, a deixava gelada e trêmula.

 — Sua bebida — disse ele, entregando-lhe o cálice.Por um breve instante, seu olhar prendeu o dela.Paul sentira o impacto da beleza de Cathy como se tivesse recebido um golpe. Mas

uma vez tinha sido vencido pela mesma beleza e não queria que acontecesse novamente.Havia jurado nunca mais tocar nela. — Termine logo — disse, seco, tomando um gole de seu copo.O coração de Catherine começou a bater mais devagar, dolorosamente devagar.Quando chegaram à casa dos Dunbury, havia mais dois carros estacionados do lado de

fora; um era dos Chilton, percebeu Cathy apreensiva; o outro, de um casal francês, com umsobrenome difícil para ela pronunciar.

 — Me chame de Mignon — disse a mulherzinha miúda e morena, falando inglês comum forte sotaque. — Meu marido é Louis.

Catherine sorriu.

 — Minha querida! — exclamou Eileen, num tom ligeiramente desagradável. — Posso dizer que você está mesmo sensacional? Não concorda, Paul? — Sim — respondeu ele, contrafeito. — Quer vir comigo guardar o casaco no quarto? — sugeriu Susan, livrando-a da

outra. — Trouxe um presentinho para você — disse Catherine, quando as duas ficaram

sozinhas. Feliz aniversário! — Ora, não devia ter se incomodado... — Abra.Susan abriu o pacote. Dentro havia uma pequena peça de prata que ela havia admirado

durante um dos passeios que as duas tinham feito pela cidade. — Oh, Cathy. Isso é caríssimo, e você é um encanto! Nem sei como agradecer! — Não precisa. Sou eu que agradeço por tanto apoio e amizade. Agora, vamos

voltar para junto dos outros, antes que pensem que a anfitriã fugiu.Louis e Mignon, com o tal sobrenome que Catherine não sabia pronunciar, moravam

 perto do Dunbury. Eram um casal extremamente simpático e conversavam animadamente otempo todo. Catherine estava satisfeita com isso; assim, os outros não notariam a tensãoentre Paul e ela.

A única pessoa que a perturbava era Eileen Chilton. Não levou muito tempo para que percebesse que a outra estava se preparando para o grande momento, quando,

dramaticamente, soltaria a bomba. Seus olhares maliciosos e as indiretas que para osoutros nada significavam enchiam Catherine de um terrível pressentimento. Tensa, incapazde tomar parte da conversa, esperava o terrível momento.

 — Mais salada, Cathy? — ofereceu Susan.

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 — Não, obrigada. Seu jantar estava realmente maravilhoso. — Espere até provar a sobremesa — disse John. — Nunca vi umacoisa igual. Nós todos sobrevivemos até agora, mas não posso garantir nada, depois da

sobremesa. — Esses homens! — Susan riu. — Eles simplesmente não reconhecem que

 preparar uma refeição é uma arte. — Depois desta noite, eu não nego, querida. Mas você realmente caprichou na

sobremesa.Todos riam, e até mesmo Catherine sentia o gelo se derreter em seu coração. Paul

também parecia mais descontraído.O ambiente estava agradável, apesar do perigo que pairava sobre sua cabeça. E houve

risos, quando, triunfante, Susan entrou com o prato de sobremesa. Era um sorvete, muito bem decorado com frutas, e não tão assustador como John ameaçara.

Mais tarde, quando tomava café na sala, Cathy teve novamente um pressentimento de

desastre. Sabia que tinha que evitar a qualquer custo a indiscrição de Eileen, mas não havia jeito.De repente, a conversa morreu e a sala ficou em silêncio. E então, o que ela temera a

noite toda aconteceu. — Servem um ótimo almoço num pequeno restaurante perto da Étoile — começou

Eileen, olhando para ela, maldosa.Foi um comentário feito na hora exata, a conversa ainda girando era tomo dos ótimos

 pratos servidos, e portanto soou perfeitamente natural. Só Catherine, sentada muito tensa,sabia o que Eileen pretendia.

Ignorando o olhar de súplica de Cathy, ela continuou, imperturbável:

 — Catherine pode confirmar. Eu a encontrei almoçando lá, há alguns dias.Susan pareceu preocupada, ao notar a palidez e o olhar de imenso desespero da amiga.Estava a ponto de falar alguma coisa, mas Eileen foi mais rápida. Com a atenção geralfocalizada nela, não tinha intenção de deixar passar a oportunidade de causar sensação.

 — Acho que você devia tomar mais conta de sua mulher, Paul — disse, olhando paraele, satisfeita de ser o centro das atenções. — Não devia permitir que ela almoçasse com umhomem tão perigoso como Félix.

Catherine sentia o sangue lhe pulsar nas têmporas, e aquele latejar tomou-se tão intensoque pensou que ia ficar louca. A única coisa que via agora, à sua frente, era o brilho intensodos olhos negros de Paul.

Aquilo era o fim de seu casamento. Só tinha mais um trunfo, e se falhasse... No instante seguinte, em que ninguém encontrava o que dizer, Louis e Mignon seentreolharam e rapidamente mudaram de assunto; John tossiu, Susan ofereceu mais café eHarold Chilton se remexeu na poltrona, embaraçado, lançando um olhar de reprovação àmulher, que se manteve totalmente indiferente.

Eileen tinha feito muito bem o seu trabalho. Se a situação fosse diferente, seucomentário teria causado uma meia dúzia de frases maliciosas, e nada mais.

Depois disso, a conversa se tomou forçada, e, quando Paul teve uma chance,aproximou-se de Catherine e cochichou:

 — Você, que sabe mentir tão bem, arranje alguma mentira agora para podermos ir 

embora.Lívida, Cathy disse a Susan e John que não estava se sentindo muito bem. O que nãoera uma mentira.

 — O que aconteceu? — perguntou a amiga, quando as duas ficaram sozinhas

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 por alguns instantes, no quarto. — Não posso explicar agora, mas realmente estou me sentindo muito mal. — Não contou ainda a Paul? Sobre o bebê, quero dizer. — Ainda não.

 — Minha querida, está esperando o quê?O que estava esperando?, pensava ela, enquanto voltavam para casa. Esperar por ummomento de ternura seria inútil. O silêncio dentro daquele carro era angustiante, mas, comonem ela nem Paul conseguiam falar, a situação continuou. Só depois de entrarem em casa,Catherine decidiu jogar seu último trunfo.

Seguindo Paul até a biblioteca, fechou a porta atrás dela e o enfrentou, trêmula. — Paul, eu gostaria de explicar. — Explicar? — reagiu, brutal. — O que há para explicar? A menos que pretenda

me contar mais mentiras.Ao ver a fúria que havia naqueles olhos antigamente tão doces, Cathy estremeceu.

 — Félix me convidou para almoçar porque estava preocupado comigo. Desconfiou deque a presença dele aqui, naquele dia, tinha me trazido problemas.Paul deu uma risada. Era um som assustador, e ela sentiu um arrepio de medo.

 — Félix nunca, em toda a vida, se preocupou com as conseqüências de seus casos.Tente outra, Catherine; quem sabe, vou acreditar.

Ela ficou em silêncio algum tempo, parada diante dele. Paul estava inacessível; não sedeixaria convencer de modo algum.

 — Tenho uma razão muito importante para pedir que me deixe explicar. — E qual é? — Vou ter um filho.

Se Paul não desconfiasse tanto dela, teria percebido como Catherine estava angustiada.Mas, dominado pelo ciúme, teve a reação mais violenta possível: com palavras cruéis, feriuimpiedosamente a pessoa que mais amava no mundo.

 — Quem é o pai?A pergunta atingiu Catherine como um soco, e ela vacilou um instante sob seu

impacto. Mas logo se equilibrou e o rosto pálido subitamente foi invadido com um calor febril, tingindo as faces.

 — Apesar de todas as evidências estarem contra mim — disse, com dificuldade —, vocênão pode acreditar que eu... que Félix...

 Não conseguiu mais falar, os olhos cheios de lágrimas e os lábios tremendo

convulsivamente. — Não tenho nenhuma intenção de aceitar uma criança que nem sei se é minha.Catherine olhou para ele, sem acreditar no que ouvira. Depois, teve que se apoiar 

numa poltrona, pois seu corpo tremia incontrolavelmente. — Eu poderia perdoar qualquer coisa de você. Paul — conseguiu dizer, afinal. — Mas

nunca o perdoarei por isso!Muito depois de Catherine ter saído. Paul continuava imóvel, olhando a porta sem ver 

nada. Sentia agora um intenso arrependimento, que fazia seus ombros se curvarem comosob um imenso peso. O demônio do ciúme o havia transformado num verdadeiro monstro.Apesar de todas as evidências, como dissera Catherine, sabia que ela não seria capaz das

coisas de que a acusara. Mas não tinha conseguido se controlar.Passou a mão pelos olhos, como se quisesse apagar a imagem de dor do rosto daesposa, quando ele lhe tinha feito a odiosa pergunta. A expressão angustiada dos olhos delanunca se apagaria de sua memória.

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Mas Félix pagaria por isso, decidiu. E saiu de casa, guiando feito um louco.Lá em cima, em seu quarto, Catherine escutou Paul sair. Também precisava tomar uma

decisão rápida. As acusações do marido tinham sido o insulto final, tomando o casamentodeles sem sentido. Sua vida se transformara completamente, nos últimos meses: de uracomeço feliz, num pesadelo permanente. Tinha certeza, agora, de que nada alteraria asituação e não queria criar o filho num ambiente de ódio e desconfianças.

Descendo rapidamente a escada, procurou na lista telefônica o número que queria.Com mãos trêmulas, discou.

 — Peço desculpas por ligar tão tarde, mas gostaria de reservar um lugar no próximo vôo para a África do Sul.

 —  Un moment, madame.  — E depois de um silêncio que para ela pareceu dehoras: —  Madame está com sorte. Houve um cancelamento para o vôo direto para aCidade do Cabo, que sai hoje, às dez e meia.

Aquilo daria a ela menos de uma hora para fazer as malas, mas estava decidida a não

ficar nem mais uma noite naquela casa. — Por favor, reserve o lugar para mim.Catherine subiu para fazer as malas. Agora, tinha receio de não conseguir sair antes

da volta de Paul. Não queria mais olhar para ele, depois de ter rejeitado o filho de ambos.Pois aquela rejeição destruíra tudo o que tinha existido de lindo e puro entre eles, deixandoapenas as cinzas da desconfiança e da amargura.

CAPÍTULO X

Paul não teve paciência para esperar o elevador do prédio onde Félix morava. Subiu

 pela escada até o terceiro andar e tocou com impaciência a campainha. Se Félix não tivesseaberto a porta logo, Paul a derrubaria a pontapés. O outro logo percebeu que ele estavacompletamente desnorteado e se afastou para que entrasse.

 — Boa noite, mon ami. A que devo o prazer dessa visita? — Feche a porta.Felix obedeceu e seguiu Paul até o luxuoso living. Não estava absolutamente satisfeito

com aquela visita, pois desconfiava de que tinha algo a ver com seu relacionamento comAdèle, e também com Catherine.

Paul foi direto ao ponto: — Você está tendo um caso com minha mulher?

 — Não. — Mentiroso!O soco de Paul veio com uma rapidez de relâmpago, e no instante seguinte Félix estava

estendido no chão, com uma poltrona virada por cima dele. Apalpou o queixo no lugar atingido, mas, percebendo que tudo estava em ordem, sorriu.

 — Sabe de uma coisa? Faz muito tempo que um marido zangado me derrubou assim.Mas, desta vez, isso é desnecessário, mon ami.

 — Fique de pé e me enfrente. Esta noite vou saber a verdade, nem que tenha quemoer você de pancadas!

Félix ficou de pé, mas suas mãos continuaram caídas.

 — Paul, nós dois sabemos que não podemos nos envolver numa briga dessas. Vamosnos sentar e conversar como duas pessoas sensatas. Se quer mesmo saber a verdade, euconto.

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A calma com que o outro falava intrigou Paul. Reconhecendo a lógica das palavras deFélix, acalmou-se e aceitou um copo de conhaque.

 — Você tem uma esposa completamente fiel — disse Félix, entregando-lhe a bebida. — A lealdade dela é tão grande que se estendeu a mim e a Adèle.

 — Adèle? O que Adèle tem a ver com isso? — Tudo.Paul ficou imediatamente alerta. Uma vez, Catherine tinha tentado envolver sua irmã, e

agora Félix fazia a mesma coisa. Não permitiria que o nome de Adèle fosse arrastado nalama.

 — Explique-se.Enquanto tomavam o conhaque, Félix fez exatamente isso: contou sobre sua infância,

sua vida desregrada, seu amor por Adèle, e o medo que a moça sentia de Paul não oconsiderar um marido adequado para ela. Contou também que Adèle o fizera prometer nãofalar com Paul, quando ele, Félix, quisera tomar público o relacionamento dos dois.

Finalmente, esclareceu o papel de Catherine em tudo aquilo. — Como pode ver, mon ami, só tenho admiração e respeito por sua mulher, e suas

suspeitas são totalmente infundadas.Paul caiu num silêncio arrependido e confuso. Que terríveis acusações tinha feito a

Catherine, naquelas últimas semanas! Há menos de uma hora, ela lhe contara que ia ter umfilho... um filho dele... e ele lhe fizera a maior ofensa que poderia fazer, perguntando quemera o pai! Por que permitira que seu louco ciúme e sua insegurança arruinassem sua vida?Como seu intenso amor por ela acabara destruindo o bom senso?

Olhou para Félix, sentado à sua frente, esperando pelo veredicto. Não havia nada alémde honestidade e franqueza, no rosto daquele homem que ele acusara de dom-juan. Todos

nós não somos, às vezes, muito tolos e inconseqüentes? Ele não tinha sido, há poucosminutos, o maior tolo de todos?

 — Não me aceita como cunhado, Paul? — perguntou Félix, afinal, com uma ponta de angústia.

 — Dou minha permissão para que fiquem noivos, mas... Adèle é ainda muito jovem e peço que espere pelo menos um ano antes de casar com ela. Durante esse ano, você provará sua sinceridade e eu me sentirei satisfeito.

 —   Merci, Paul. — Félix estendeu-lhe a mão.Paul cumprimentou o futuro cunhado e saiu logo depois. Tinha pressa de voltar para

Catherine e reparar seus erros. Não queria perder nem mais um minuto.Quando chegou, o Château estava às escuras, a não ser pela luz do quarto da esposa.

Então, ela ainda estava acordada, pensou, mais animado. Subiu a escada de dois em doisdegraus e bateu na porta do quarto.

 — Catherine?Quando não recebeu resposta, pela primeira vez sentiu medo. Abrindo a porta, entrou

apressado no quarto.A cama estava intacta, e o vestido de seda verde-mar, pendurado num cabide, na porta

do armário. O suave perfume dela enchia o ar, e ele então percebeu que seu material demaquilagem não estava mais na penteadeira. Confirmando suas suspeitas, abriu as gavetas edescobriu que estavam vazias.

Correu para baixo e procurou o passaporte de Catherine, na gaveta de suaescrivaninha. Não o encontrou. Era evidente que Cathy pretendia abandoná-lo e voltar paraa África do Sul. Sem perda de tempo, saiu de casa e guiou até o aeroporto, em alta

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velocidade.O Aeroporto de Orly estava excepcionalmente movimentado, para aquela hora da

noite. Abrindo caminho apressadamente e atraindo alguns olhares zangados. Paul chegouao balcão.

 — Há uma madame de Meillon no vôo para a África do Sul? —  Out, monsieur. No vôo das dez e meia.O ponteiro maior marcava exatamente a meia hora.

 — Em que direção? — perguntou, aflito.O homem apontou para o portão dos passageiros.

 — Mas chegou tarde demais, monsieur  — avisou, inutilmente, enquanto Paul sumiade sua vista.

Tinha que alcançar Catherine antes de o avião partir! Tinha que impedir que oabandonasse! Quando chegou ao portão, o Boeing estava rodando suavemente para a pistade decolagem. Tarde demais! Em algum lugar, dentro daquele avião, estava sua adorada

Catherine, e pela primeira vez percebeu como a tinha tomado infeliz, a ponto de ela tomar uma decisão tão drástica. Não ia ser fácil convencê-la de seu arrependimento; mas tentariaaté o fim. A vida sem Cathy era impossível!

Paul não dormiu, naquela noite. Antes de sair do aeroporto, comprara uma passagem para o primeiro vôo da manhã para a Cidade do Cabo. Sua mala já Êstava pronta. Andou peloquarto, fumando um cigarro atrás do outro, enquanto se recriminava pelo comportamentovergonhoso.

Quando o dia começou a raiar, escreveu um bilhete para Adèle:"Catherine partiu para a África do Sul ontem à noite. Quando você ler esta carta,

também estarei a caminho. Minha intenção é trazê-la de volta, se ela me perdoar pelo que

fiz. Quando eu voltar, nós dois teremos uma conversa muito séria. Se quiser saber sobre oque, procure Félix. Paul."Antes de sair, deixou o bilhete na mesa do café, onde tinha certeza de que Adèle o

veria. O táxi já estava à espera, e ele falou rapidamente com a clínica, avisando que ficariafora alguns dias.

Foi um vôo cansativo, pois o avião fez várias escalas pelo caminho. Quando aterrissaramno Aeroporto Jan Smuts, em Johannesburg, os passageiros foram avisados de que teriam queesperar uma hora pelo vôo para a Cidade do Cabo. Ao chegar afinal a seu destino, à tarde,Paul tomou o ônibus da companhia de aviação até a cidade e depois alugou um carro para ir a Constantia.

Sarah, a empregada negra, abriu a porta, e seus olhos se arregalaram. —  Bonjour, Sarah. Onde está Catherine? — Eu... ela não está aqui — disse a mulher, quando Paul forçou a entrada. — Então, onde está? — Não sei, senhor.Com os olhos pregados no chão, ela ficou ali, parada. Não era seu hábito mentir, e ficava

ainda mais difícil sob o olhar penetrante de Paul. — É muito importante que eu fale com ela, Sarah. Diga onde está.A negra suspirou, aflita, e encolheu os ombros. Não conseguia mesmo mentir.

 — A sra. Cathy chegou hoje, muito cedo, e partiu novamente, para a casa da

 praia em Gideon's Bay. E me fez prometer não contar ao sr. Charles ou a outra pessoaqualquer que ela estava aqui. Agora, quebrei minha promessa... — Não se preocupe, sei que ela a perdoará.

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Pediu que explicasse como poderia chegar a Gideon's Bay, e ela o fez, agora maisanimada.

 — Está acontecendo alguma coisa, sr. Paul? — Um mal-entendido. Guarde segredo, Sarah, e espere amanhã por nós. Se tudo

der certo, ficaremos alguns dias por aqui.Sarah o viu afastar-se, balançando devagar a cabeça. Um mal-entendido! Ah! Ela nãoera nenhuma boba!

Usando uma calça velha e uma camisa que achara numa d^s gavetas, em seu velhoquarto, Catherine se ocupou em ventilar e limpar um pouco a casa de praia. As lágrimas hámuito tinham secado, e resolveu manter-se ocupada até se acalmar e poder pensar no quefazer.

Tinha tomado o trem até Gideon's Bay naquela manhã e depois conseguira uma caronana carroça que ia buscar correspondência na cidade. Tudo ainda era muito primitivo, em

Gideon's Bay, e os moradores queriam que continuasse assim.A paz daquele lugarejo era como um bálsamo para sua alma torturada. Precisava de

tempo para pensar no futuro... um futuro sem Paul."Não tenho nenhuma intenção de aceitar uma criança que nem sei se é minha", ele

havia dito, e ela estremeceu novamente, lembrando-se daquelas palavras cruéis, queatingiram o mais íntimo de sua alma. Depois delas, Catharine só queria uma coisa: fugir dohomem a quem um dia entregara o coração.

 Não duvidava de que, quando ele soubesse a verdade pelos lábios de Adèle, perceberia seu imenso erro. Mas seria tarde demais, pois o mal já estava feito.

À tardinha, depois de um rápido lanche, foi dar uma volta pela praia deserta. Sentia-se

extremamente cansada, pois dormira muito pouco durante o vôo; mesmo assim, estavaagitada demais para se deitar e descansar. Subiu numas rochas, até chegar num ponto de onde

 pudesse apreciar as ondas quebrando na praia cheia de pedras. Era perigoso nadar nesse ponto da costa, mas era o paraíso dos pescadores.

Os pensamentos de Catherine estavam tão turbulentos quanto as águas do mar, láembaixo, batendo violentamente nas rochas e levantando uma fina garoa que chegava atélá em cima, umedecendo seu rosto e seus braços.

Paul tinha muito pouca fé nela, se acreditava que era capaz de fazer as coisas de que aacusava. Como seu pai reagiria, quando ela lhe contasse? Enfrentá-lo neste instante eraimpossível. Precisava de tempo para cuidar de seu orgulho ferido, tempo para se acostumar 

com o imenso vazio no coração. Não adiantaria nada explodir em lágrimas, quando lhecontasse suas razões para voltar para casa. Admitir que seu casamento havia sido umdesastre não era um motivo de orgulho. Mas teria o bebê... o filho de Paul, por mais que elenão acreditasse nela.

"Não tenho nenhuma intenção de aceitar uma criança que nem sei se é minha.'' Aacusação ecoava em sua mente torturada.

 Nunca pediria a ajuda dele, nem que fosse o último homem da terra! Educar sozinhauma criança não seria uma tarefa fácil, sabia, mas aquele era seu filho. Seu filho! E tudo oque sobrara de um maravilhoso sonho.

As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto já úmido pela espuma do mar. A maré

estava em alta, e as águas, cada vez mais agitadas. Mas Catherine estava indiferente a tudo,mergulhada em sua dor.

Um movimento na praia chamou sua atenção. Paul se aproximava, vestindo ainda o

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temo cinza com que viajara. Depois, ele foi subindo pelas pedras.Estava tão ferida, que nem mesmo a chegada dele a abalava, e isso lhe dava a medida

do vazio que sentia. Quando o marido finalmente parou junto dela, Catherine não sentianada além de uma vaga curiosidade. O que ele ia fazer? Espancá-la? Implorar? Ousimplesmente carregá-la de volta para a França, para que continuassem aquele casamentosem sentido, só por causa de sua reputação e de seu orgulho?

 Não! Todo o seu ser rejeitava essa idéia. Nada no mundo a faria voltar a viver comele!

 — Está se molhando, Catherine. Quer ficar doente?Que típico!, pensou, beirando a histeria. Sempre o médico antes e depois o homem.

 — Teria importância?O rosto de Paul revelou seu temor. Não esperava nenhuma recepção alegre, mas o gelo

com que ela o recebeu era assustador. Até aquele instante, tinha certeza de que a levaria devolta, mas agora não estava tão confiante. Não ia ser fácil derrubar a muralha de defesa que

ela erguera naquele curto espaço de tempo, desde sua última briga.Estendeu a mão para ajudá-la, mas ela a ignorou e levantou-se sozinha. Em silêncio,os dois desceram pelas pedras e andaram pela areia, até o chalé, na beira da praia. O Soltinha se escondido, e Catherine sentiu um arrepio de frio. Estava realmente molhada... egelada.

Entrou na casa e Paul a seguiu, em silêncio, fechando a porta. — Tome um banho quente, chérie, e vista uma roupa mais confortável.Catherine deu meia-volta e o encarou, feroz.

 — Quer, por favor, parar de me dizer o que fazer e o que não fazer?Paul nunca a vira tão linda como naquele instante, com os olhos cinzentos brilhando

de raiva, as pernas ligeiramente afastadas e as mãos nos quadris. Aquele ar desafiador oexcitou e teve que se controlar penosamente para não agarrá-la. Dieu! Como ansiava sentir a maciez de seu corpo novamente, os lábios doces e trêmulos sobre os dele!

Paul encolheu os ombros e, sem uma palavra, entrou na salinha. Momentos depois,escutou o barulho da água do chuveiro, e sorriu.

Procurando no armário, encontrou uma garrafa de vinho. Serviu-se e sentou-seconfortavelmente. Se conhecia Catherine, ela o faria esperar. Armou-se de paciência.

 Dieu, como estava cansado! Fechou os olhos por um momento. Não tinha conseguidodormir, na véspera, e durante o vôo não parava de

 pensar em Catherine e na própria estupidez, fazendo com que ela fugisse, ferida e

horrorizada.Devia ter cochilado, porque, quando abriu os olhos outra vez, a sala estava escura.Escutou barulho na cozinha. Bebendo o resto do vinho, atravessou o corredor e encontrouCatherine em frente ao fogão de gás, num vestido quente de lã, com um avental amarado nacintura.

 — O que está fazendo? — Preparando alguma coisa para o jantar — respondeu ela, sem se voltar. — 

Calculo que vá ficar. — Estou convidado? — Parece que não tenho muita escolha, tenho? Mas devo avisar que a comida é

 pouca. Não esperava visitas.Paul se aproximou e, surpreendentemente, ajudou-a a preparar a omelete.

 — Estou notando um leve sarcasmo em sua voz, chérie  — disse ele. — Não

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aquele comportamento insensível. Pela milésima vez, se amaldiçoou por ter agido como um perfeito imbecil.

 — Tentei compreender as razões de seu comportamento — continuou Catherine,recuperando um pouco o controle. — Eu o perdoei, porque você não conhecia a verdade e

 porque eu sabia que tinha receio de que eu tivesse casado por gratidão. Mas não posso perdoá-lo por pensar que vou ter o filho de outro homem.

Paul estava de pé, agora. A única coisa que queria era abraçá-la e implorar seu perdão. — Não encoste a mão em mim! — gritou Catherine, recuando, quando percebeu o

que ele pretendia.Aceitando a vontade dela, ele deixou os braços caírem ao longo do corpo. Tinha que ir 

com extremo cuidado, pois o futuro de ambos dependia disso. — Quando saí, ontem à noite, fui direto à casa de Félix — disse ele, e foi

recompensado com um rápido brilho de interesse nos olhos de Cathy. — Não foi umencontro agradável, mas agora sei toda a verdade.

 — Foi por isso que me seguiu tão depressa?Aquelas palavras o atingiram duramente, mas sabia que as merecia. — Eu teria vindo da mesma maneira. — Teria, mesmo? Duvido!Mais uma vez, seus lábios se entreabriram num sorriso cínico, que não combinava

com ela. Olhou para ele, pensativa. Deveria acreditar nele? Tantas perguntas se cruzavamem sua mente, c, entre elas, quantas dúvidas apareciam agora!

 — Por que não me contou tudo, desde o princípio? Se fizesse isso, nada teriaacontecido.

 — Teria, sim, não importam as circunstâncias. Além disso, eu tinha prometido a

Adèle guardar segredo. — Por quê? — Adèle tinha medo do que você poderia fazer. Mas já sabe tudo isso, Félix

deve ter lhe contado.O tique-taque do relógio, na prateleira, se fez ouvir, no silêncio profundo que se

seguiu. Foi quando Catherine percebeu como os ombros de Paul estavam curvados, como secarregassem uma carga insuportável. Por um instante, sentiu pena dele, mas logo serevoltou. Ele não a fizera sofrer também?

 — Será que sou uma pessoa tão pouco compreensiva que nem você nem Adèle poderiam me contar todos esses problemas? — perguntou, ressentido, acendendo um

cigarro e sentando-se novamente. Por algum tempo, fumou em silêncio, e depois tomou a perguntar: — Sou, Chérie?

Agora era Catherine que sentia remorso pelo sofrimento dele. Andou até a janela eolhou para a escuridão lá fora.

 — Não, Paul, não posso dizer que não seja compreensivo. Uma vez, quando preciseidesesperadamente de você, recebi uma profunda compreensão. Eu não me esqueci.

Depois disso, novamente caiu o silêncio entre eles, mas era como se a tensão tivessedesparecido. Agora, estavam mais calmos para pensarem com clareza.

 — Por que me seguiu? — ela perguntou, ainda sem olhar para ele.Paul logo estava a seu lado. Tão perto, que ela sentia o cheiro da colônia e o leve

aroma de tabaco que ele sempre tinha. Seu coração traiçoeiro começou a bater depressa. — Vim para levar você de volta comigo — respondeu, provocando nela o desejolouco de fugir antes que fosse tarde demais.

 — Simples assim? Fez essa longa viagem para me levar de volta para a França?

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Pois sinto muito, porque não tenho intenção de voltar.As mãos de Paul caíram pesadas nos ombros dela e a obrigaram a se virar e encará-lo de

frente. — Acho que não fui bastante claro. Eu estou pedindo... Não! Estou implorando para

que volte comigo. — Havia uma súplica sincera em seus olhos, um toque de desespero nosdedos que pressionavam seus ombros. —  Dieu, Catherine, não consigo me perdoar pelosofrimento que causei a você e me desprezo pelo que disse ontem à noite sobre... sobre acriança. Me arrependi no mesmo instante em que você saiu daquela biblioteca, mas estavazangado demais... e, sim, eu era muito orgulhoso para seguir você e pedir perdão.  Mon

coeur, não vai me perdoar?Ele a envolveu nos braços, mas ela logo se libertou dele, os olhos brilhando como os de

um animalzinho assustado. — Não! Como vou saber se não vai começar a duvidar de mira outra vez, no

futuro? Não agüentaria sofrer outra vez tudo o que sofri:

 —  Chérie, você tem minha palavra... — Não, Paul — interrompeu, a voz ligeiramente insegura. — Estou agradecida pelo fato de você ter se arrependido e aceito suas desculpas, mas... você sempre terá umdúvida, bem no fundo do coração, de que casei com você por gratidão, e nada mais. E então,acontecendo qualquer coisinha, se tornará ciumento e desconfiado, e nos encontraremos noinferno em que estávamos nos últimos tempos.

Percebendo o significado das palavras dela. Paul sentiu-se profundamentedesamparado. Não havia nenhum jeito de provar que seu antigo ciúme não existia mais, e,se Catherine não voltasse para ele, nunca poderia provar que estava falando a verdade.

 — Chérie, a fronteira que separa a gratidão do amor é tão frágil, que uma pode ser 

confundida com o outro. Você foi minha paciente e a seus olhos eu fiz um milagre com aajuda de Deus. Você poderia facilmente ser influenciada pelo sucesso da operação. Não pode me culpar inteiramente por duvidar de você. E, conhecendo Félix como sempreconheci, isso só serviu para aumentar minha insegurança. — Paul estava achando difícilcontinuar. — Agora vejo que nunca devia ter duvidado de você, pois tudo foi culpa de meuciúme e de meus receios. — Hesitou um pouco, antes de continuar: — Só desejo suafelicidade, chérie. Se quiser que eu vá embora, eu irei. A decisão é sua.

As palavras dele aumentavam o enorme sofrimento de Catherine. Então, estava preparado para voltar à França sozinho, se ela decidisse terminar o casamento? Os longosanos de solidão que teria à frente, durante os quais teria apenas o filho para dar todo o amor,

a fizeram estremecer. Sentiu a garganta apertada, a emoção não a deixou falar. Tomandoseu silêncio como recusa, ele se virou lentamente e caminhou para a porta, vencido. — Paul...Sua voz era um simples sussurro, mas no silêncio da noite de outono ele a escutou.

Virou-se depressa e, no mesmo instante, ela estava em seus braços.Ficaram agarrados como se não suportassem a idéia de se afastarem. Os lábios

apaixonados e os abraços temos diziam mais do que as palavras poderiam dizer. Beijaram-se longamente. Quando o tormento da paixão diminuiu, ele a fez sentar-se a seu lado, nosofá, a cabeça apoiada em seu ombro.

 —  Mignonne, eu a amo desesperadamente. Juro que a compensarei por toda a

infelicidade que a fiz sofrer. — Oh, Paul, querido! Amo você com todas as minhas forças, e nunca mais deveduvidar de mim!

 — Perdão, chérie.

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Mas ela pôs um dedo nos lábios do marido. — Chega de pedir perdão, meu amor. Afinal, eu também tive culpa. Devia ter 

contado o segredo a você, desde o começo. Oh, quase me esqueci! O que decidiu sobreAdèle e Félix?

Paul explicou rapidamente. — Não quis falar com Adèle antes dê partir. Ela certamente terá muito que me

explicar. — Não — disse Catherine, sacudindo a cabeça. — Vamos esquecer tudo, agora.

Estamos novamente unidos, e é isso que importa. — Você é muito generosa, mon coeur, e espero que Adèle reconheça isso.Só bem mais tarde, Catherine disse ao apaixonado marido que precisava arrumar o

quarto de casal para os dois. — Mas por quê? — perguntou ele, sem entender. — Eu não esperava que você aparecesse por aqui e arrumei minha cama no

antigo quarto de solteira. — Não me incomodo de dormir com você numa cama de solteiro, por uma noite — disse Paul, abraçando-a mais. — De manhã, voltaremos para a Cidade do Cabo econtaremos a seu pai que ele vai ser avô. E, quem sabe, ficaremos alguns dias, antes devoltarmos a Paris.

 — Oh, Paul, seria maravilhoso! Seria um paraíso! — O paraíso está aqui, mon coeur.

Beijou-a novamente, com paixão, e Catherine soube que era, verdade. O paraíso erarealmente o lugar onde os dois ficavam juntos.

 Não, duas vezes já era demais! Karen jogou longe o jornal, depois de ler a crítica da

 peça em que trabalhava. O que aquele tal de Drew Chalmers estava querendo, afinal? Que

ela perdesse novamente o emprego? Destruir de uma vez por todas sua carreira de atriz? Já estava virando perseguição. Só não entendia por quê. O que tinha de tão especial para

merecer tanta atenção de um crítico famoso? O pior era que não podia fazer nada para se

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vingar e... Mas claro que podia! A idéia lhe ocorreu de repente e parecia ótima. Mostraria

a Drew Chalmers que tinha talento e, de quebra, ainda lhe arranjaria uma bela dor de ca-

beça. Agora, era a vez de ele sofrer!

"Vem cá!" Blake não precisou chamar duas vezes. Sem fazer barulho, Miranda foi

deitar ao lado dele e deixou que a abraçasse. O acampamento estava em silêncio; só se

ouvia o crepitar da fogueira. Sempre havia o perigo de os outros acordarem, mas sentia-se

tão excitada que nem se importava. "Fique quietinha", ele disse, começando a beijá-la. No

entanto, Miranda não pôde se controlar e gemeu de prazer, quando Blake desabotoou sua

blusa e tocou os seios palpitantes. Estava pouco ligando para que alguém os visse agora.

Se a noiva dele os pegasse em flagrante, melhor ainda. Queria aquele homem mais do que

tudo na vida. Nunca, nunca tinha se sentido tão mulher!