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K50: OH MEU DEUS SERRA DA

ESTRELA

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PERFIL TÉCNICO PREVISTO

EVENTO: OH MEU DEUS Ultra Trail Serra da Estrela

EDIÇÃO: 8ª Edição (2011-2012: K50; 2013: K60; 2014-2017: K70)

DISTÂNCIA: 53,1K

ALTIMETRIA: 1900+

DATA E HORÁRIO: 9 de junho, pelas 8h00

TIPO: Linha reta

ITINERÁRIO: Vila de Cabeça – Loriga – Garganta de Loriga – Torre – Maciço Central – Penhas

Douradas – Sabugueiro – Póvoa Velha – Seia

CIRCUITO: Nacional de Ultra Trail

SÉRIE: 100

ORGANIZAÇÃO: Horizontes Aventura

O perfil técnico, gráfico de altimetria e localização dos postos de abastecimento/controlo

foram sujeitos a alterações significativas nos dois dias antecedentes ao evento, por

comunicado da proteção civil, face às condições atmosféricas adversas em curso na data em

Localização

Distância entre

bases

Distância

Acumulada

Desnível entre

bases

Desnível Positivo

Acumulado

B1 Loriga 7,1 7,1 605 605

B2 Torre 10,6 17,7 1318 1923

B3 Penhas Douradas 14,4 32,1 207 2130

B4 Sabugueiro 9,6 41,7 113 2243

B5 Seia 10,6 52,3 219 2462

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questão. Assim, o percurso dos 50+ foi cancelado e criado um novo; o percurso dos 100+

passou a 50 milhas (80+) e o estreante percurso de viriatos (160 + 40) ficou reduzido a pouco

mais das 100 milhas.

Na primeira figura apresento o percurso inicial com início na aldeia de Cabeça, passagem pela

vila de Loriga, subida pela garganta até ao ponto mais alto do continente e descida ao

Sabugueiro e Seia pela rota do maçico central.

Na segunda figura, relativa ao percurso final da prova, saliento a mudança no mapa e as

oscilações na altimetria todavia sem alterar o desnível positivo acumulado final. A prova

iniciava em Vide (ponto de passagem do K100 e K160), seguia pelo poço da broca para Cabeça

(uma cascata incrível com uma beleza própria) contornava um canavial até Loriga e, até entrar

na belíssima Lapa dos Dinheiros, seguia em mata florestal. A Lapa dos Dinheiros, preciosa, com

passagem pela praia fluvial, levadas, cabeça da velha e, por fim, a descida, incontornável, a

Seia.

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Em dois dias, dez percursos foram criados, dois para o K50 e, no fim, nenhum o final. O

percurso inicial era, na minha ótica, bastante consistente, paisagístico, rápido e “acessível” a

todo o tipo de atletas e com uma boa mostra da Serra. Um bom longo termo. O segundo,

encurtado para 43K, mostrava uma Serra pincelada de xisto, muito arborizada por trilhos

pouco conhecidos, aldeias enigmáticas e gentes acolhedoras.

…Saída 13…

“Neste canto, a amar tudo convida

Que amar é vida

Amae, Amae”

Cheguei a Seia pelas 21h, comi uma sopa na Ceia dos Pacatos e fui para o Secretariado.

Reunião de trabalho com a organização – Paulo Garcia, diretor de prova, Pedro Santos,

responsável pelo controlo da posição e tempos dos atletas e, ainda, a equipa de

cronometragem. Os percursos mantinham as (segundas) alterações efetuadas mas passíveis de

novas alterações. Finda, assegurei a rendição no secretariado – receber e encaminhar atletas,

entrega de sacos das bases de vida e dos peitorais para as três distâncias. Acompanhei o

Localização

Distância entre

bases

Distância

Acumulada

Desnível entre

bases

Desnível Positivo

Acumulado

B5 Cabeça 14,3 14,3 1010 1010

B6 Loriga 7,1 21,4 605 1615

B7 Lapa dos

Dinheiros 12,6 34,0 411 2026

B8 Seia 9,0 43,0 519 2545

Fig 1. Paulo Borges, diretor de traçado e responsável pela marcação do terreno, na Meta

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briefing e posicionei-me na entrada para a box de partida, a fim de proceder à verificação do

material obrigatório. E ainda trotei com os atletas até à saída de Seia.

No quarto, com tudo “montado” e prestes a esticar-me, acedo ao e-mail e tenho uma surpresa

– novo percurso, com gpx, para o K50. Incrédula. Ao invés de iniciar em Vide, partia da vila de

Cabeça e tinha sido reposta a distância de 49K.

[O motivo pelo qual existiram estas alterações, na distância, foi assegurar que a prova

pontuava no campeonato nacional, na distância ultra. Face à diminuição da prova K100 para

80-90K, estava excluída do campeonato de endurance. Assim, para que o K50 se mantivessem,

o registo tinha de ser superior a 45K. Caso contrário, as duas não pontuavam no campeonato].

Quão longe vais pela tua estrela?

Às sete horas, dois autocarros partem de Seia com destino a Cabeça. A bordo mais de uma

centena de atletas. Quarenta minutos depois, estacionam.

Saio, em fuga, para a partida, enquanto os restantes, placidamente, caminham. Vou avisar o

speaker “Joca” do material obrigatório a inspecionar e, para agilizar o processo, solicitar que

informe os atletas para terem à mão ou de rápido acesso, os itens em questão. Pedi a um

comerciante para lhe tomar cinco cadeiras por uns minutos que, findo o processo, colocaria no

lugar. Diligentemente aceite, iniciei o controle de material.

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A três minutos da hora estava liberta da função. Tornei-me, também, atleta. Tinha como

objetivo fazer uma prova ponderada, dentro dos últimos, para apoiar quem viesse mais

sôfrego e, se necessário, fecharia o género. Mas estava elétrica.

PARTIDA: CABEÇA (K0 - K19)

A fita caiu, o apito soou, o Joca incitou, o fotógrafo captou. Durante quase um quilómetro

ninguém me passou.

A aldeia de Cabeça é um género de Piódão mas com mais luz e cor nos habitáculos e

envolvente. Habitada, não apenas turística, com as gentes nas lides agrícolas e hortícolas, a par

com a nossa passagem.

Uma descida em pedra de xisto e lama, extremamente escorregadia, premiou uns quantos

velozes. O mega grip safou-me. Felizmente, os ocorridos, sem lesões importantes. Os

primeiros cinco quilómetros foram em single florestado, num subida constante com

umbiliques, socalcos, pedras soltas e incontáveis raízes. No cimo, vegetação florida rasteira,

encaminhava numa descida medianamente técnica com pedras de todos os tamanhos e

formatos intercalado com um breve carrossel até desembocar, em estrada nacional, até à

aldeia de Fontão. Atravessámos a vila, muda, e voltámos a descer, a pique, em trilhos, até

Aguincho. Seguia-se uma subida constante, técnica, em trilho fechado, floresta densa, com

passagens por casas desabitadas, ainda, o rio Alvoco que banha este locais remotos com uma

flora possante.

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Com quinze quilómetros, ainda no trilho, cada vez mais denso e recatado, entendi que estava

por conta própria, sem abastecimento. A aldeia mais próxima distava um quilómetro e meio,

onde poderia abastecer de água serrana e o suposto abastecimento, na aldeia de Alvoco, ainda

tardaria, uns três ou quatro mais. Estava incomodada por não ter sido informado aos visados

que teriam de auto gerir vinte quilómetros à mercê de uma humidade média alta e, com a

temperatura a subir em flecha.

Na aldeia antecedente a Alvoco – Outeiro da Vinha – no fim de uma belísima escadaria de xisto

de altura irregular, uma fita indicava a fonte/torneira. Atestei os flask e mais sete igualaram.

Tentei perceber quantos estavam para trás mas com pouco sucesso. Continuei a minha

“corrinhada”.

POSTO 1: ALVOCO DA SERRA (K19 - K27)

Alvoco é um marco mnésico por variados motivos. Um deles ter iniciado o meu teste de

endurance em 2015. É, também, singular, de V's e Z's acentuados que dói só de ver o que se

vai palmilhar. O abastecimento, dentro da junta, reconheci ao me aproximar. A mesa farta, o

mesmo funcionário no balcão, a mesma atenção. Desta vez bebi pedras e comi 2 gomos de

banana. Tentei perceber, pela base de controlo mãe, o número de atletas atrás de mim mas,

sem sucesso. Não tinham comunicações a funcionar naquele momento. Pedi para registarem

tudo e assim que soubessem, contactassem. Saí. Vi uma placa a sinalizar a distância e

altimetria até ao abastecimento seguinte.

Contornámos toda a vila pelas calçadas íngremes, tão características, e escadarias

desconformes até desembocar na estrada. Quase dois quilómetros em estrada, vazia, negra,

em que o toc-toc de bastões, longínquos, perturbava a calmia conquistada. Valeria a pena. Ser-

nos-ia dada permissão para entrar na Quinta Cabrum, privada, protegida, e desnudar a dureza

que esconde. Só na subida de acesso à quinta, em menos de um quilómetro, subimos 110

metros. Do topo, descemos em single, até cruzar com a estrada e continuámos sob calçada

romana, até às imediações de Loriga. Circundámos a vila, subimos junto ao coreto, passámos

ao lado do restaurante mais famoso da vila e cortámos, na estrada nacional, à esquerda em

direção ao posto de bombeiros que albergava o posto de abastecimento 2.

POSTO 2: LORIGA (K27 – K45)

Com 4h10 minutos entrei no abastecimento. Elétrica, feliz, viva. Demorei-me, papagueei com

atletas conhecidos das diversas distâncias, com elementos de apoio que conhecia, e a

estabelecer contacto com o Pedro Santos, responsável pela monitorização dos atletas para

inquirir o número de atletas na cauda da prova mas, também, sem sucesso. Nesta azáfama

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pouco (ou nada) comi. Bebi um café e segui. Passei imensos atletas e vi a grandiosa cobiça

mostrar-me o quão a avidez pode destruir a intensidade dos sonhos.

A cobiça é a subida que nos levou ao ponto mais alto da prova – 1313 metros – e termina junto

ao mítico adamastor. Em menos de 4 quilómetros subimos 462 metros e eu demorei 61

minutos para os fazer! Demorei porque ao me esquecer de abastecer adequadamente, de

introduzir sais e de ingerir frutos, queimei o resto da prova e assumo que sofri como nunca em

todas as provas e treinos que algum dia efetuei. Exatamente pelo K30, no início da subida

começei a sentir formigueiros e choques nas pernas – o aviso das vulgares cãibras. Pensei que

as conseguia retardar e pus redrat na água (o único que tinha). Mas foi tarde, muito tarde. Eu

não páro em subidas. E parei. Quando parei, para inalar ar, entendi que aquele era o dia em

que iria descobrir o que é a marreta. E, ademais, crucificante. Ainda o dia que a cabeça teria de

ser extra forte (e foi).

A cada metro sentia o aumento de intensidade. A cada minuto custava mais. A cada “levantar

os olhos sobre o horizonte” a retração muscular avançava. Enquanto andava e parava, três

mulheres da minha prova passaram e atletas do K100 e K160, de bastões, fugiram. Fitava o

infinito. Respirava a pureza. Sossegava o físico. Convencia a razão. Não sabia se saía dali “viva”.

Se tinha de chamar auxílio. Se conseguiria caminhar, inclusive. Sabia que a trovoada estava a

chegar e não ia ser branda comigo. Afinal tinha sido leviana.

Quando me aproximo do alto da cobiça começa a trovejar, forte, muito forte. Vento ríspido e

gelado, tipo chicote. Quem dizia que eu andava na descida? Mal conseguia por um pé à frente

do outro. Que dores! Passei um pastor que me disse para me sentar na fonte, abaixo, que

tinha água fresquinha e potável. Mas e chegar? Felizmente o João Pedro Couto surge. Um

anjinho! Tinha um brufen e ofereceu-me. Pelo menos debelava as dores. Pus debaixo da língua

e aguardei a ação. Extremamente rápida e eficaz.

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Aproximar-me da fonte, um atleta do K160 (com quem tinha tagarelado uns bons quilómetros

até Loriga) passa e inquire o meu estado. Pergunto se tem magnesona (Disse mesmo isto? Eu

que considerava placebo, mudei de ideias.) Tinha! E deu-me! Super atencioso e diligente,

aconselhou-me a ir com calma e ouvir o corpo. Bebi a poção.

Nem cinco minutos começei “a voar”. O corpo reagiu assim tipo foguete! E como estava numa

descida, foi sempre a somar quilómetros. Exatamente onze com algum (ligeiro) sobe e desce.

Tinha vestido o impermeável, mais básico, no cimo da cobiça e quando iniciei a descida tirei-o

tal era o calor que a atividade gerava.

POSTO 3: LAPA DOS DINHEIROS (K45 – K54)

Cheguei muito preocupada com a conjuntura – estado geral e continuidade da prova. Tinha

chegado ali mas o défice era exabundante e tudo o que nutrisse o corpo, doravante, já não

surtiria o efeito necessário. Apenas retardava a marreta final (Se é que existe porque vivenciá-

la vinte e quatro quilómetros é do demo!).

Comi duas tigelas de sopa e pedras. Coloquei o isotónico final na água e reabasteci os flask.

Tinha de dar. Faltavam 9K. A andar, a pastelar, a trotar, mas queria atravessar aquele pórtico.

Era a minha Serra! Mente, mente, mente, força, força, força, aguenta!

O meu amigo Ruizinho apareceu ali, vindo do nada. Fiquei tão feliz e serena. Ao menos sabia

que se sucedesse algo, estava próximo de mim. Preocupado, disse que me encontrava, um

pouco à frente, na praia fluvial. E com esta confiança parti. Parti ao seu encontro. Os últimos

quilómetros foram vividos deste modo. Em pequenas golfadas. Primeiro chegar até ao Rui,

depois até à Velha, e por fim, almejar a meta.

Cheguei à praia fluvial desesperada. Os músculos novamente a bloquear. Não sorria. Nem para

ele. Deu-me a mão e caminhou comigo até me perder de vista. Ainda tive tempo de o abraçar

e dizer o quão feliz estava por o ver junto a mim (Foi o meu elixir). Subi, subi, subi até chegar à

levada do desterro. O primeiro quilómetro tentei trotar e consegui, o segundo começei a

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fraquejar, o terceiro foi a passo e a maldizer a minha insensatez. Tanta dor! Nunca tinha

descoberto o significado de cãibras até este dia. Nunca tinha sentido este atroz e profundo

agonizar dos músculos. Estava toda descompensada! Sentia, inclusivamente, a bomba sódio-

potássio incapaz de gerir a contração e relaxamento muscular.

No fim da levada já só pensava na cabeça da velha. Aquela que marca o início dos últimos

quatro quilómetros de descida à meta. Mas chegar lá era o cerne! Caminhava cada vez mais

lentamente. Até que a chuva começou a cair. Na hora prevista pela metereologia. A início

fraquita. Mas a aproximar-me da cabeça começa a cair a picareta! Uns atletas abrigam-se e

vestem os impermeáveis. Pondero tirar o softshell mas… sabia bem…

Juro, soube-me pela vida! Aquela chuva foi milagrosa! De tal modo que eu corri até à meta,

sem parar, sem agonizar ao extremo, simplesmente porque a chuva acalmava o corpo e os

movimentos de contração/relaxamento lá se “ajustaram”. Jamais julguei gostar tanto daquele

momento. Adoro chuva, adoro correr à chuva, mas admito, jamais esquecerei aquela chuvada!

Corri como estava. Não vesti impermeável. Fiquei cada vez mais molhada. Saturada de água. E

o pórtico aproximava-se. A terra formava rios de lama, cada vez mais espessos. Eu chafurdava.

E ria. E estava verdadeiramente feliz. Seia fez-se sentir. Apesar da chuva, estava calor. Passei

junto ao Museu do Pão, pela igreja, a cafetaria e restaurante que costumo ir, as ruelas

“históricas”, a rotunda do Millennium, a farmácia e, enfim, a reta da meta. Vi o pórtico sorrir.

Vi o Ruizinho no fim. Vi a medalha surgir. Pela terceira vez estava concluída. A pior das três.

Mas “de grandiosa aprendizagem”.

META: SEIA (K53.60 D+2.736)

A meta não é o fim. É, tão somente, o início. O visível, uma seta apontar para o invisível.

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Em jeito de conclusão, unanimemente, a 8ª edição foi

“glamorosa” pelos trilhos, inóspitos, completos, diferenciados,

heterogêneos. Os planos alternativos devem estar integrados

em qualquer evento, no caso de situações de urgência, pela

segurança do evento e atleta. E a planificação da prova é

imprescindível para que défices como os meus não ocorram.

Porque perfeição não existe mas “a passo” se constrói (Inté).

A edição 2018 será recordada pelo bafejar das quatro estações. E, eu, o

nirvana.

Quem tem um porquê, resiste a qualquer como…