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1 XII Seminário Nacional TCMSP Educação Ambiental Mudança de Cultura Período: 26 a 28 de novembro de 2007 Dia: 27/11/2007 Palestrante: Miriam Duailibi Jornalista Especialista em Educação Ambiental e Professora convidada da FGV de São Paulo e da FESP (Funcação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo Tema: Educação Ambiental no Mundo O Sr. Mestre-de-cerimônias – Bem, senhoras e senhores, o Tribunal de Contas recebe, nesse momento, a jornalista Miriam Duailibi, ela que tem formação em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Tem sua atuação profissional como Professora convidada da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e da Fundação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde ministra o curso de Educação para a Sustentabilidade. Ela é parceira, no Brasil, do Center of Ecoliteracy de Berkeley, Califórnia, criado e presidido por Fritjof Capra. É coordenadora geral do Instituto ECOAR para a Cidadania, da Associação ECOAR Florestal e do Centro ECOAR de Educação para a Sustentabilidade, onde criou, implementou e coordenou vários projetos, entre outros, geração de trabalho e renda, com base em sua experiência como Presidente do Banco da Mulher, elaborou e ministra cursos onde o público-alvo aprende a transformar habilidades em atividades produtivas, a montar um pequeno negócio capaz de gerar renda para si e sua família em ambiente urbano. Também, o Projeto Fomento à Cultura de Responsabilidade Social e Sustentabilidade do Cenpes, projeto realizado junto ao Centro de Pesquisa da Petrobrás, no Rio de Janeiro. Também, o Projeto De Olho no Ambiente, projeto de construção de 81 Agendas 21, unitárias, no

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XII Seminário Nacional TCMSP

Educação Ambiental

Mudança de Cultura

Período: 26 a 28 de novembro de 2007

Dia: 27/11/2007

Palestrante: Miriam Duailibi

Jornalista Especialista em Educação Ambiental e

Professora convidada da FGV de São Paulo e da FESP

(Funcação da Escola de Sociologia e Política de São

Paulo

Tema: Educação Ambiental no Mundo

O Sr. Mestre-de-cerimônias – Bem, senhoras e senhores, o

Tribunal de Contas recebe, nesse momento, a jornalista Miriam

Duailibi, ela que tem formação em jornalismo pela Escola de

Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Tem sua atuação

profissional como Professora convidada da Fundação Getúlio Vargas

de São Paulo e da Fundação da Escola de Sociologia e Política de

São Paulo, onde ministra o curso de Educação para a

Sustentabilidade. Ela é parceira, no Brasil, do Center of

Ecoliteracy de Berkeley, Califórnia, criado e presidido por Fritjof

Capra. É coordenadora geral do Instituto ECOAR para a Cidadania, da

Associação ECOAR Florestal e do Centro ECOAR de Educação para a

Sustentabilidade, onde criou, implementou e coordenou vários

projetos, entre outros, geração de trabalho e renda, com base em

sua experiência como Presidente do Banco da Mulher, elaborou e

ministra cursos onde o público-alvo aprende a transformar

habilidades em atividades produtivas, a montar um pequeno negócio

capaz de gerar renda para si e sua família em ambiente urbano.

Também, o Projeto Fomento à Cultura de Responsabilidade Social e

Sustentabilidade do Cenpes, projeto realizado junto ao Centro de

Pesquisa da Petrobrás, no Rio de Janeiro. Também, o Projeto De Olho

no Ambiente, projeto de construção de 81 Agendas 21, unitárias, no

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Estado de São Paulo, realizado em parceria com a Petrobrás. Também,

mais um projeto, que é o Bacias Irmãs, projeto realizado em

parceria com a Universidade de York, no Canadá, e a Universidade de

São Paulo, com vistas a formular novos métodos para a capacitação

da sociedade civil e para a participação qualificada na gestão dos

recursos hídricos, a sub-bacias do rio Pirajuçara, em São Paulo, do

rio Piracica-Mirim, em Piracicaba, e do River Creek, em Toronto –

Canadá, constituem-se no lócus do projeto.

Também participa de diversas redes de ONGs, onde se

destacam: Associação Brasileira de ONGs, o Conselho Estadual do

Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Fórum

Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, a Rede Brasileira de

Educação Ambiental, a Rede Paulista de Educação Ambiental,

Observatório do Clima, o Fórum Brasileiro de ONGs, a Rede de

Tecnologia Social, o Centro de Saber Ambiental da Bacia do Prata.

Participa ainda, também, como coordenadora nacional da

CIVES, Associação Brasileira de Empresários e Profissionais

Liberais pela Cidadania, é membro do Conselho da Central de Crédito

Solidário do Município de São Paulo, Diretora do Instituto Agora em

Defesa do Eleitor e da Democracia.

Além de participar diversas ONGs, também tem diversas

publicações como destacamos. Os livros: Cadernos de Educação

Ambiental, Negócio de Mulher - capacitação em gênero e geração de

trabalho e renda, Um sonho de Energia com a participação do

professor Gilberto de Palma e professor José Domingos Vasconcelos.

Também fez diversas publicações sobre alfabetização ecológica; a

educação das crianças para um mundo sustentável; educação ambiental

para corredores de biodiversidade; e o Parque Estadual do Pedroso –

Belezas e tensões e o Instituto ECOAR para Cidadania.

Vejam, senhoras e senhores, que é um currículo muito

extenso, o da Doutora Miriam Duailibi, e o Tribunal de Contas,

nesse momento, tem a honra de recebê-la neste Seminário.

A Sra. Miriam Duailibi – Bom dia a todos e todas. Muito

obrigada ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo pelo

convite, obrigada a todos vocês por terem vindo.

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Vocês deram um olhada, pelo currículo, de quanta coisa

nós participamos, então, vocês podem imaginar o tanta de trabalho

que nós temos. Isso é um pouco a missão de todos nós, educadores e

educadoras nesse país. Minha primeira formação é em jornalismo,

mas, toda a minha trajetória tem sido nessa área cidadã, da

educação para a cidadania, da educação ambiental e, agora, nós

estamos falando muito em educação ambiental para a sociedade

sustentável.

Eu vou contar um pouco dessa história, dessa evolução da

questão da educação ambiental propriamente dita, como é que nós,

como é que o mundo, e o meu tema é educação ambiental no mundo,

então, eu vou começar mostrando para vocês como houve essa evolução

de um modelo excludente, predatório, que nunca levou em conta a

questão ambiental, para este modelo de hoje, em que a educação

ambiental só já não basta, que é preciso nós imprimirmos mais um

objetivo a ela, que não é um objetivo, é uma missão, que é o da

educação ambiental para a construção da sustentabilidade.

Então, eu queria dizer a vocês que a primeira surpresa

que nós temos quando paramos para pensar no que estamos falando,

quando falamos em ambientalismo, quando falamos em educação

ambiental, é saber que é tudo muito recente. Embora haja, e sempre

tem havido, desde a década de 30, 40, 50, existem registros até em

1800 de algumas pessoas, alguns cientistas, algumas pequenas

organizações já falando em ambientalismo, já falando em uma visão

ambiental no planeta, mas, na realidade, isto sempre estava

reduzido a pequenos grupos e com ações muito pontuais. A humanidade

só começou a se preocupar, realmente, com as questões ambientais,

percebendo e entendendo que elas eram globais, e que, portanto, as

soluções ultrapassavam e muito as fronteiras de um país, por volta

da década de 60. Na década de 60 começa a surgir uma nova

consciência no mundo, e essa nova consciência é fruto,

especialmente, das descobertas da ciência da década de 50, mais

especificamente da física atômica e subatômica, que vem trazer uma

série de mudanças na visão cartesiana e newtoniana que nós

tínhamos, e que todos nós, ainda, estamos impregnados por essa

visão cartesiana e newtoniana de mundo, e construímos todo o nosso

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modelo civilizatório dessa forma absolutamente fragmentada. Então,

as descobertas da ciência da década de 50, que começam a se

refletir e a se tornar mais conhecidas na década de 60, ajudam a

fazer, a sedimentar uma nova maneira de ver o mundo, que é

acrescida da força dos movimentos sociais que eclodem em toda a sua

magnitude na década de 60. É nessa época que vem o movimento mais

forte do ambientalismo, o movimento da liberação feminina, o

movimento dos direitos humanos, o movimento pelos direitos dos

negros, os movimentos pelos direitos do consumidor. Parece que toda

uma nova cultura, que hoje nós chamamos de contra-cultura, estava

sendo gestada na década de 60.

Todo esse caldo, aliado aos problemas ambientais que

começam a se tornar muito explícitos, muito nítidos, e que ninguém

mais consegue ignorar, faz com que essa década comece a mudar a

história, também, sobre o ponto de vista ambiental. É a primeira

vez, nessa década, que Governos e empresários começam a perceber

que precisam tomar atitudes conjuntas para enfrentar os problemas

que não mais se circunscrevem a um Município, ou a um bairro, ou a

um país, mas sim a todo o planeta.

E, aí, em 1968 acontece a primeira grande reunião para

discutir os problemas globais. É a primeira vez que Chefes de

Estado e homens de negócios se reúnem para discutir os problemas

globais. Foi o chamado Clube de Roma. E, quando eu falo homens de

negócio, eu não estou usando uma linguagem sexista, eram,

realmente, homens de negócios, porque, naquela época, não tinha

mulheres de negócio, só tinham homens de negócios. Então, era uma

reunião, basicamente, só de homens. O Clube de Roma é o grande

marco na questão ambiental mundial.

Em 1971, é encomendado ao MIT, que é o Instituto de

Tecnologia de Massachusetts, o mais famoso do mundo até hoje, um

estudo sobre o planeta. Esse estudo sobre o planeta deveria apontar

qual era a realidade que o planeta estava enfrentando e como que se

poderia fazer frente a esses problemas. O estudo mostra que nós

deveríamos parar, interromper o crescimento naquele momento. Ele

ficou conhecido como “Limites do Crescimento”. O MIT diz com todas

as letras que não havia mais espaço para se crescer no mundo, nem

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em forma de desenvolvimento, e nem em forma populacional. Houve uma

grande revolta com esse documento, porque esse documento sugeria

que se congelassem diferenças, isto é, aqueles países que já tinham

conseguido o seu desenvolvimento muito bem, e os que não tinham não

iam poder fazê-lo. E, é mais ou menos desta época aquela posição

controversa brasileira que dizia que se o problema do mundo era

poluição e se poluição significava desenvolvimento, que o resto do

mundo poderia mandar poluição para nós que nós aceitaríamos, porque

o nosso grande interesse era o desenvolvimento. Para vocês terem

uma idéia de quão equivocadas, e quão ainda toscas eram as visões

que a humanidade tinha sobre a realidade ambiental.

Bom, a partir desse documento, começam a acontecer com

muito mais rapidez, vocês vão ver, eu vou passar apenas por alguns

fatos para que nós possamos focar na educação ambiental, chegar até

a emergência da educação ambiental, mas começa a acontecer uma

série de ações e de Conferências no sentido de tentar debater e

refletir sobre a questão ambiental. E, é em 72, que é instituído

como marco o dia 05 de junho como dia do meio ambiente, e é feito o

primeiro plano de ação enfocando a terra como uma única terra. E, é

só em 1975, ou seja, só há trinta anos, que a UNESCO cria o

primeiro programa internacional de educação ambiental. Então, vocês

vejam que, em termos históricos, nós estamos falando de coisas

muito recentes. Talvez isso ajude a acalmar a nossa angústia quando

achamos que está tudo andando muito devagar, mas é porque trinta

anos, em termos históricos, não significa absolutamente nada.

Em 77 acontece uma grande Conferência, que é a

Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental, na Grécia, em

Tbilisi, e, essa Conferência pontua o que deve ser a educação

ambiental. E, pela primeira vez se fala em uma educação ambiental

baseada na ciência e na tecnologia. Então, ali sai uma resolução

que diz que a educação ambiental tem que estar baseada na ciência e

na tecnologia para tomar decisões. E, eu enfatizo bastante isso

porque, até hoje, tem muita gente, dentre os educadores ambientais,

que costuma não acreditar muito em ciência e tecnologia. Não que

elas sejam as únicas fontes do conhecimento, mas nós precisamos

estar muito ciente de seus avanços.

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Bom, em 83, começa a mudar, um pouco, isso tudo, quando a

ONU institui uma Comissão Mundial de Meio Ambiente, aliando a

questão do meio ambiente e do desenvolvimento. A ONU para e diz:

“Bom, então, vamos estudar como é que pode ser possível nós

trabalharmos a questão do desenvolvimento sem destruir o meio

ambiente, que nós já sabemos que, desde 72, com o relatório do MTI,

que é impossível nós continuarmos depredando e degradando como

temos feito historicamente”. Essa Comissão é presidida por uma

pessoa que se tornou uma das maiores líderes ambientais do mundo,

que é a Gro Harlem Brundtland, ela vai ser, depois, a Primeira-

Ministra da Noruega, Presidente da Noruega, e, recentemente,

Presidente da Organização Mundial de Saúde.

O relatório que sai desta Comissão fica famoso e

conhecido com Relatório Brundtland, em homenagem à Presidente da

Comissão, e, esse relatório tem o nome de “Nosso Futuro Comum”. Eu

tenho certeza de que todos vocês já devem ter ouvido falar dele, é

um dos relatórios mais famosos do mundo, e é ali que aparece, pela

primeira vez, a definição de desenvolvimento sustentável. Então, já

não está se falando mais, não se fala, neste ponto, na educação,

não se fala mais na preservação do meio ambiente, mas surge esse

conceito de desenvolvimento sustentável, que diz que o

desenvolvimento sustentável é aquele que atende as nossas

necessidades sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras

atenderem às suas. Para a época, essa definição é um avanço

considerável.

Bom, vamos pular um pouquinho, vamos pular cinco anos, e

vamos passar para aquela que foi, sem dúvida nenhuma, a mais

emblemática e importante de todas as Conferências até hoje, que foi

a ECO-92, ou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, que aconteceu, para a nossa felicidade, no Rio de

Janeiro. Na ECO-92 surgem os mais importantes documentos ambientais

de toda a história. Documentos esses que, até hoje, estão muito

válidos e, alguns deles só agora começam a ser implementados.

Dentre eles eu destaco a Convenção do Clima, nós vamos nos deter um

pouco mais sobre a questão climática, uma vez que ela é a mais

importante do nosso século, e a Convenção do Clima data da ECO-92;

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a Convenção da Biodiversidade, ou o Documento da Agenda 21, sobre o

qual o Eduardo já falou rapidamente aqui, e não vai dar tempo de

nós tratarmos; e o Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades

Sustentáveis e Responsabilidade Global, esse Tratado é um documento

que foi redigido à muitas mãos, por pessoas do mundo inteiro, em um

amplo trabalho preparatório que, depois, se concretiza na ECO-92,

dentre essas mãos eu destaco as mãos da Equipe do Instituto ECOAR,

que eu tenho a honra de presidir, e que estivemos todos

trabalhando, também, e contribuindo com uma série de estudiosos e

cientistas do mundo inteiro, na elaboração desse Tratado. Se vocês

repararem, ele já dá uma missão para a educação ambiental. Ele já

não fala mais da educação ambiental como um fim em si mesmo, porque

ela não é. Então, ele é o Tratado de Educação Ambiental para quê?

Para que nós queremos educar ambientalmente? Para a construção de

sociedades sustentáveis e responsabilidade global.

Esse conceito, de educação ambiental, já naquela época,

estava bastante popularizado, e, hoje, eu diria que ele está

bastante vulgarizado. Quando nós falamos hoje em educação

ambiental... É como aconteceu com a questão da cidadania, tudo

virou cidadania. E, com a educação ambiental aconteceu bastante

isso, para a nossa tristeza. A educação ambiental, já nessa década

de 90, e agora ainda mais, ela era vista apenas como aquela

educação nas escolas. Educação para coleta de lixo, a educação para

reciclagem, educação para fazer pequenas hortas. Quando nós

dizíamos que trabalhava educação ambiental com adultos, com

empresas, com Governos, as pessoas não entendiam nada, porque

achavam, realmente, que a educação ambiental era bastante limitada.

No entanto, enquanto o conceito de educação ambiental é

visto de uma forma apequenada, o conceito de desenvolvimento

sustentável, aquele que surgiu em 87, no relatório Brundtland, ele

começa a ganhar força, começa a se propagar e é assumido pelo

discurso das empresas. E, as empresas criam o chamado “triple

bottom”, que são os três pilares do desenvolvimento sustentável,

segundo as empresas, que é o pilar econômico, que se relaciona aos

impactos daquela organização sobre as circunstâncias econômicas das

chamadas partes interessadas, e sobre os sistemas econômicos como

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um todo, no nível local, municipal, regional e global. O tripé do

social, o impacto da organização sobre os sistemas sociais nos

quais opera. E, o ambiental, que é o impacto das organizações sobre

os sistemas naturais, vivos ou não, incluindo os ecossistemas

terra, água e ar. Esta definição, até hoje, é muito usada, e quase

todas as grandes empresas de todo o mundo usam como lema. Quase

todo o mundo diz que está trabalhando com o desenvolvimento

sustentável baseada nesse chamado “triple bottom”.

Essa definição de desenvolvimento sustentável também

evolui e já em 2002, o GRI, por exemplo, já diz que esse

desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento sustentável para

quê? Ele tem que ter um resultado. E, o resultado é a

sustentabilidade nas suas várias dimensões. Eu estou querendo

mostrar para vocês a evolução desses conceitos e aonde é que nós

chegamos hoje, sobre como nós temos que refletir para entender essa

confusão conceitual que está colocada.

O conceito de sustentabilidade, então, é bastante

confundido com este conceito de desenvolvimento sustentável, com o

tripé que nós já falamos, que nós já vimos. No entanto, muito pouca

gente fala, e muito pouca gente pensa no que quer dizer a palavra

sustentabilidade. Muita gente acha que educar para a

sustentabilidade, ou educar para promover o desenvolvimento

sustentável é se preocupar só com o “triple bottom”, e esquece que,

na essência da palavra, na essência do conceito da sustentabilidade

está a garantia de manutenção da vida. Se nós olharmos a definição

de sustentabilidade, a definição científica de sustentabilidade,

como ela é usada nos meios ecológicos, nós vamos ver que ela se

refere à capacidade que a natureza tem de sustentar a vida há três

bilhões de anos. Esse equilíbrio cósmico, costurado pela natureza

há três bilhões de anos, costurado e sustentado pela natureza, é

que está, agora, ameaçado. E, está ameaçado, justamente, pelo não-

entendimento que nós, humanos, temos de como funciona essa

natureza. Então, se nós tivermos na nossa mente, no nosso coração

que sustentabilidade é a capacidade que a natureza tem de manter a

vida, nós vamos perceber que se nós quisermos fazer um

desenvolvimento sustentável, se nós quisermos caminhar para

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sociedades sustentáveis, o primeiro passo tem que ser o de entender

os princípios de organização que a teia da vida desenvolveu para

manter a vida e saber como é que nós vamos agir de acordo com eles.

E começam a surgir, a partir dessa visão, dessa

compreensão mais aprofundada do que é sustentabilidade, começam a

surgir vários outros conceitos que nascem, que bebem da fonte da

educação ambiental, mas procuram caminhar um pouco mais para além,

como o conceito da alfabetização ecológica, que é um conceito muito

usado no hemisfério norte, e que tem sido, particularmente,

trabalhado pela Universidade de Berkeley e pelo Centro de

Alfabetização Ecológica de Berkeley, onde estão grandes cientistas,

grandes educadores trabalhando esse conceito, que é muito parecido

com o da educação ambiental, muito parecido com a educação até de

Paulo Freire, porque ela é toda baseada no estudo do meio, educação

por projetos, mas ela começa dizendo que nós precisamos entender

esses princípios que regulam a vida. E educa para a

sustentabilidade, educar para sociedades sustentáveis é promover o

entendimento de como esses ecossistemas sustentam a vida. E, assim,

podemos desenhar comunidades humanas sustentáveis a exemplo das

comunidades naturais.

Um outro conceito que deriva da questão da educação

ambiental, da questão do desenvolvimento sustentável, da questão da

sustentabilidade é o conceito do “ecodesign”. Se alfabetização

ecológica nos diz o que fazer, o que nós precisamos fazer para

tornar o mundo sustentável, o “ecodesign” nos mostra como é que nós

vamos fazer. Então, o “ecodesign”, que é uma expressão muito

difícil de nós traduzirmos para o português, porque podemos

entendê-la como planejamento ecológico, o design é usado, em

inglês, nesse sentido, no sentido de planejamento, mas pressupõe

nós entendermos a totalidade das nossas relações com o ambiente e

com os demais seres. E, a partir daí, desenhar a nossa sociedade. É

a partir dessa noção de “ecodesign” que surge, por exemplo, a

agricultura orgânica, a permacultura, a chamada bioarquitetura, que

são maneiras de se trabalhar, de se construir uma infra-estrutura,

de se trabalhar os processos agrícolas, de se trabalhar os

processos industriais de uma maneira que respeite aos princípios da

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natureza. Então, esse é um conceito que está em franca evolução. No

Brasil ele chega atrasado, mas chega. Hoje, nós já temos vários, 60

ou 70 empreendimentos só aqui no Sul e Sudeste, já baseados nos

princípios do “ecodesign”. Fora do Brasil isso já está se tornando

absolutamente comum. O Eduardo Jorge, o Secretário que estava aqui,

já deu vários passos nesse sentido durante a sua gestão, uma delas

é exigir que os novos prédios façam coleta de água de chuva, reuso

de água de chuva. Tudo isso está ligada à questão de “ecodesign”,

tudo isso tem, na sua base, os conceitos da educação ambiental e os

conceitos da sustentabilidade. Então, os conceitos vão se

aprimorando e se sofisticando.

Um outro conceito que surge muito forte nessa grande

reflexão sobre o ambiental é o conceito da Ecoeconomia, que tem

sido defendido por grande parte dos economistas que têm uma

tendência ambiental. O Ignacy Sachs que é um desses economistas diz

que a economia ambientalmente sustentável requer que os princípios

da ecologia ditem, estabeleçam o arcabouço para a formulação de

políticas econômicas, e que os economistas e ecólogos precisam

trabalhar juntos para modelar a nova economia, e diz, também, que é

preciso fazer uma grande reengenharia, em escala global, para

imprimir novos fundamentos para o desenvolvimento. Esse, também, é

um discurso que tem sido apropriado nos países de primeiro mundo e

que chega ao Brasil com alguma dificuldade, mas que já começa a

permear alguns processos econômicos.

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A Sra. Miriam Duailibi – Não mais as decisões só pelo

lucro, não mais as decisões só pelos princípios econômicos, mas os

princípios ambientais dando o alicerce para os princípios

econômicos.

E aí, nós chegamos nessa definição de sociedade

sustentável que eu acho que é a melhor que eu conheço até hoje que

diz que uma sociedade sustentável deve ser projetada de uma tal

maneira que seu modo de vida, seus negócios, sua engenharia, sua

economia, sua estrutura física, sua tecnologia não interfiram na

inerente habilidade da natureza manter a vida. Então, eu espero ter

deixado claro para vocês que o fundamento é a manutenção da vida. A

vida não só da nossa espécie, mas de todas as espécies. A vida e a

solidez, a sustentabilidade dessa grande teia que entrelaça todas

as formas de vida.

E essa educação ambiental ou essa educação para a

sociedade sustentável como chamamos para fugir um pouco do

apequenamento da expressão deve nos ajudar a desenvolver, nutrir

uma consciência ética que contemple todas as formas de vida com as

quais compartilhamos o nosso planeta, impor limites à exploração

desse planeta.

E, aí, nós temos uma série de princípios de

sustentabilidade, mas o primeiro deles, o que dá toda a base, o que

faz todo o diferencial, o que se nós não acreditarmos, nós não

vamos mudar de atitude é aquele que nos diz que precisamos

reconhecer a Terra como um sistema fechado, finito, com recursos

escassos. Não é verdade que os recursos naturais são infinitos.

Todos eles são finitos, todos eles são escassos e nós, hoje, somos

6 bilhões de pessoas, com tendência a sermos 9 daqui a 20, 30 anos.

Não há recursos para atender a todos.

Então, nós precisamos internalizar este primeiro

princípio e, a partir daí, entender que precisamos reduzir nosso

consumo. Nós precisamos acabar com o supérfluo e, quando

consumirmos, consumirmos de forma responsável. Nós precisamos

respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas, nós precisamos

respeitar a capacidade de resiliência da natureza. O que eu quero

dizer com isso? É que a natureza se recupera sim. Se nós cortarmos

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uma floresta hoje, vai surgir uma outra floresta no lugar. Não será

a mesma floresta, mas vai surgir uma outra floresta, chamada de

floresta secundária. Só que pode levar 30 anos algumas espécies, 50

as outras, 100, 200 as outras.

A mesma coisa com o clima. Os gases de efeito estufa que

nós lançamos para a atmosfera serão absorvidos e dispersos num

processo de tempo que, provavelmente, nem os nossos bisnetos

estarão aqui para ver. Então, a capacidade de recuperação que

chamamos de capacidade de resiliência da natureza, ela existe só

que ela tem o seu tempo e nós precisamos respeitá-lo. Nós não

estamos fazendo isso.

Nós precisamos maximizar o uso potencial dos recursos

naturais. Isso implica em tecnologia, isso implica em nós mudarmos

a visão predatória e fragmentada de mundo que diz que nós plantamos

café, plantamos um pé de café, plantamos uma lavoura de café, cada

pé de café daquele tamanho, nós tiramos o frutinho e desperdiçamos

todo o resto. Nós pegamos a cana e jogamos fora o bagaço. Essa é a

nossa cultura. No entanto, já existe conhecimento e tecnologia para

dizer que do café nós podemos aproveitar tudo. Que da cana, nós

podemos aproveitar tudo, porque o bagaço vira energia e assim por

diante.

Então, esse conhecimento que é o que chamamos de

“ecodesign”, das tecnologias desenvolvidas segundo os princípios da

ecologia já estão aí. Vamos ver o exemplo dos carros. Hoje, nós

temos carros no mundo todo que são desenhados e já estão em forma

de protótipo que são carros que pesam 50% a menos do que esses

carros enormes, pesadíssimos que usamos para transportar uma pessoa

como eu. E o carro pesa não sei quantas vezes o meu peso. Para quê?

Porque nós, quando desenvolvemos a tecnologia, desenvolvemos com

modelo mental de que os recursos naturais eram infinitos, que nós

podíamos usá-los infinitamente. Hoje, já sabemos que não é.

Então, por que é que nós não mudamos ainda? Se esses

carros, esses desenhos já existem. Se esses carros que, por

exemplo, pesam 50% a menos do que os carros convencionais com a

mesma segurança e desempenho, usarão 50% a menos de combustível

fóssil para lhe prover energia. Mas, mais do que isso, esses carros

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já podem ser híbridos. Se eles forem híbridos, eles vão usar 50% da

sua energia apenas em petróleo, ou seja, esse carro consome 25% do

combustível fóssil que nós usamos os nossos carros de hoje.

Por que é que esses carros não estão nas ruas? Porque

custa caro. Porque a indústria não quer mexer nisso. Porque tem

lobby da indústria de petróleo. E como é que se muda isso? Apenas

com educação, com a educação do consumidor. Eu escrevo para a

Toyota todos os dias, eu e um grupo de ambientalistas, todos os

dias nós repetimos o mesmo e-mail: por que o Toyota Prius, híbrido,

que roda há mais de dez anos nos Estados Unidos e na Europa, não

chega ao Brasil? É uma pergunta que não quer calar. Eu quero ter um

carrão híbrido, não quero emitir tudo que eu emito de gases estufa,

não é? Então, por que isso não acontece?

Agora, vocês imaginam se todos vocês fizessem isso?

Imaginem se todas as pessoas, por exemplo, se juntassem ao Eduardo

Jorge nessa briga para manter o trólebus? Mudaria. Isso é uma

questão do quê? De educação ambiental.

Conservação e recuperação da biodiversidade,

fortalecimento das organizações comunitárias, proteção aos grupos

vulneráveis, conservação da vida e da biodiversidade.

Nós podemos pensar que a ciência e a tecnologia têm que

estar submetidas a critérios éticos a serviço da proteção e

melhoria de vida e não apenas dos benefícios de alguns e interesses

de mercado, que foi essa história do carro que eu acabei de contar

aqui para vocês.

Não vai dar tempo, mas eu quero dizer a vocês que aquele

“triple bottom”, que nós vimos do econômico, social e ambiental, é

muito pequeno, ele é muito modesto, ele não dá conta do

enfrentamento que nós precisamos fazer. Quando falamos em construir

sociedades sustentáveis, nós precisamos prestar atenção que tem que

ter uma sustentabilidade econômica, mas que essa sustentabilidade

econômica quer dizer que nós temos que ser eficientes, mas não

priorizar o lucro imediato, porque se nós pensarmos em priorizar o

lucro imediato, nós vamos abrir mão de todas as outras coisas.

Quando você prioriza o lucro imediato, você abre mão de todo o

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cuidado com as demais dimensões como, por exemplo, a dimensão

social.

Nossas atividades, nossos projetos, nossas empresas,

nossos processos precisam contribuir para diminuir a iniqüidade

social. Não é possível nós falarmos num mundo sustentável

preocupando-nos apenas com os sistemas naturais. O sistema de

iniqüidade social em que nós vivemos é absolutamente insustentável.

Basta nós darmos uma olhada ao nosso redor, basta que saiamos na

rua e perceba a insustentabilidade do que estamos vivendo em países

de Terceiro Mundo como o nosso, tendo que enfrentar essa guerra

urbana. Em países de Primeiro Mundo que também discriminam e que se

você não tem uma iniqüidade social, você tem outro tipo de

desigualdade, o fenômeno cruel do terrorismo. Então, são duas faces

da mesma moeda que deixam claro o que é diferença, o que a

iniqüidade social provoca e que corrói todo e qualquer sistema que

se pretende sustentar.

Nós temos que pensar também na sustentabilidade

ecológica, na preservação da biodiversidade. Eu, aqui em São Paulo,

hoje, dentro do Tribunal de Contas, aqui sentada olhando essa mesa

me pergunto de onde vem essa madeira. Não é mais possível que não

pensarmos nisso, porque senão pensarmos, nós podemos estar

contribuindo com a destruição da Amazônia. E, antes que alguém diga

“O que eu tenho a ver com isso, com o que esta moça está aqui

falando?”. Tem tudo a ver, porque a distribuição da Amazônia no

ritmo que vai, pode significar, por exemplo, que os ciclones,

furacões e enchentes na região sudeste sejam cada vez mais intensos

e dramáticos e pode significar um ciclo de desertificação enorme no

centro-oeste. E o que nós temos a ver com isso? Tudo.

Essa sustentabilidade ecológica tem que estar focada na

preservação dos ecossistemas, na preservação da biodiversidade, na

eco-eficiência, na recuperação das áreas degradadas, na busca por

novas tecnologias mais sustentáveis no nosso cotidiano, no não-uso

do papel branco para não imprimir o que não precisa, usar o mínimo

possível de descartáveis ou não usar descartável e assim por

diante.

15

Mas, há uma outra dimensão que ameaça qualquer projeto de

sustentabilidade que é a dimensão espacial. Nós precisamos pensar

numa configuração rural urbana mais equilibrada. Nós estamos

urbanizando de uma maneira tão absurda a nossa vida. O Brasil,

hoje, tem uma taxa de 80% da população vivendo em áreas urbanas num

período muito curto de tempo, com todas as graves conseqüências que

nós conhecemos. É inadministrável, impossível alguém pensar em, por

exemplo, ter um equilíbrio na região metropolitana de São Paulo,

onde uma cidade está grudada na outra, que está acoplada a outra de

uma maneira ininterrupta. Está sendo assim no Brasil inteiro. É

assim nas grandes cidades do Terceiro Mundo inteiro. É

absolutamente insustentável. Então, quando nós falarmos em

sustentabilidade, ao invés de pensar naqueles modestos “triple

bottom”, vamos pensar nessas dimensões que são fundamentais.

Nós temos que pensar no aspecto cultural, de respeito às

culturas locais, as especificidades locais. Nós não podemos achar

como o grande erro que foi cometido nas fases desenvolvimentistas

do Brasil, por exemplo: vamos levar o progresso à Amazônia, vamos

levar o progresso ao centro-oeste. Nem sempre é o progresso que

levamos.

16

A Sra. Miriam Duailibi – As últimas pesquisas na Amazônia

mostram, por exemplo, que as populações têm um IDH baixo, mas elas

sobrevivem, elas vivem ali do seu extrativismo, elas vivem dos seus

recursos naturais, não têm muitas doenças, e têm um certo

equilíbrio. Quando chega a indústria ou os grandes negócios e

desmatam, vendem a madeira, em um primeiro momento tem um “boom” de

riqueza e de melhoria de IDH, depois, instala a pecuária, que dura

muito pouco tempo em terras amazônicas, quando acaba o ciclo de 10

anos, porque eles acabam esse ciclo e vão embora, a população está

profundamente empobrecida, ela passa de um estágio de pobreza para

um estágio de miséria, com uma saúde muito mais precária, tendo

adquirido todos os vícios das grandes cidades, como alcoolismo,

prostituição infantil AIDS, drogas, etc, e já se requer consegue se

relacionar mais com a floresta como se relacionava antes, até

porque aquele ambiente já está degradado. Então, aí você tem uma

queda violenta na qualidade de vida e estas pessoas só sobrevivem

graças aos programas sociais dos Governos. Ou seja, passam a ser um

ônus para o resto da sociedade. Esse é o desenvolvimento que nós

pregamos, isso é levar o desenvolvimento sem se preocupar com as

especificidades e características culturais de cada local, de cada

comunidade que nós nos aproximamos.

E, por último, eu gostaria de falar na dimensão ético-

política. Também não dá para ver uma empresa falando em

sustentabilidade, falando que está contribuindo para a construção

do desenvolvimento sustentável, da sociedade sustentável se ela não

tiver uma relação politicamente ética com o Poder Público. Se nós

temos problemas no Poder Público, se nós temos corrompidos no Poder

Público, nós temos corruptores do outro lado da sociedade. Então, é

preciso imprimir um modelo de seriedade na interface dos

empreendimentos, projetos e processos com a esfera governamental. É

preciso que as empresas, as sociedades, as associações de classes

participem ativamente da vida da cidadania, da vida da cidade para

poder influenciar, e não só jogar todo o ônus para o Governo.

Hoje nós enfrentamos cinco questões cruciais para a

sobrevivência da nossa sociedade no século XXI. A questão da

biodiversidade, da ameaça e dessa destruição contínua da

17

biodiversidade, com o desaparecimento de milhares de espécies antes

mesmo que nós tenhamos descoberto qual é a funcionalidade, qual é a

contribuição que essa espécie pode dar para a manutenção da vida. O

problema da água, que nós estamos poluindo de uma maneira absurda.

Nós devemos nos lembrar sempre que a quantidade de água que existe

no mundo é a mesma, não existe diminuição da água, não existe

aumento da água. A água que existe é a água que existe e ponto. 12%

da água doce do planeta está no Brasil. E o que acontece que ela

escasseia? Nós a poluímos, nós a tornamos, absolutamente

impossível, de ser consumida. Então, a água precisa de um cuidado

extraordinário. Se as guerras, hoje, ainda são por conta do

petróleo, e eu acredito que vão continuar a ser por uns bons anos

ainda, infelizmente, já, já se tornarão por conta da água. Aliás, a

ONU já registra, não sei se vocês sabem disso, a ONU tem registrado

oficialmente 500 conflitos armados, nos últimos dez anos, por conta

de água. São conflitos pequenos em locais que não ganham o destaque

da grande mídia, mas que são seríssimos. Então, a água é um

problema crucial para a nossa sobrevivência no século XXI.

O lixo é um outro problema. Nós estamos nos afogando na

produção de lixo. No Brasil essa questão é muito mais dramática,

porque no Brasil uma parcela ínfima dos nossos resíduos vão para a

reciclagem, a grande maioria vai para aterro sanitário, ou para

lixão mesmo, porque nem em todos os lugares nós temos aterros

sanitários. De novo na contramão da história, de novo atrasados,

porque nos demais países este problema já está muito mais avançado.

Hoje, você tem países europeus como a Suíça, por exemplo, onde um

grande trabalho de educação ambiental aliado a uma política muito

forte de penalização e de cobrança, por parte do Governo, fez com

que, em dez anos, se reduzisse em 40% a produção de resíduos. Eu

não estou falando da reciclagem, estou falando da produção. Hoje os

suíços produzem 40% a menos de resíduos do há dez anos, como fruto

de um trabalho de educação ambiental, e fruto de uma política de

tornar cada vez mais caro o recolhimento daquele lixo. Então, você

tem um saco plástico de 20 litros custando cinco euros, e você não

pode dispor o seu resíduo sem ser naquele saco com o timbre da

Prefeitura. Então, as pessoas começam a ficar muito preocupadas.

18

Aqui, nem sequer a coleta seletiva instituída em todo o Município

nós temos. A reciclagem nossa é muito pequena. A reciclagem de

resíduos da construção civil é, praticamente, inexistente. Tem dez

anos que o ECOAR, que é a organização que eu presido, trabalha no

sentido de tentar formar consciência para fazer reciclagem em

construção civil, e nós não conseguimos avançar nesse sentido.

Então, esse é um grande problema, é um desafio para todos nós,

brasileiros e brasileiras.

A questão da ocupação territorial, que eu já citei. E, o

dramático problema das mudanças climáticas que eu, como educadora

que sou, não poderia deixar de tocar nesse assunto. Hoje, é o

principal problema que nós enfrentamos. As mudanças climáticas têm

a ver com todos os demais, elas podem ser um catalisador de todas

as outras: elas já estão agravando e vão agravar muito o problema

da água, elas vão agravar profundamente a perda da biodiversidade,

eu recomendo a todos a leitura de um livro chamado “Senhores do

clima, com ele vocês vão ver o que está acontecendo com a

biodiversidade, a questão do lixo é, intrinsecamente, causadora do

aquecimento global, o gás metano, especialmente produzido pelo

lixão, é um grande causador do aquecimento global, e a ocupação

territorial também, grande parte dos gases estufa é causada pela

mudança nos usos da terra.

Este é um problema que eu tenho ficado muito preocupada,

enquanto educadora que sou, em relação ao pouco envolvimento que eu

tenho visto dos educadores e educadoras, no Brasil, com relação as

mudanças climáticas. O Brasil é um país que está ocupando uma

posição de destaque já há dez anos na discussão do tema do

aquecimento global, só que esta posição de destaque está sendo

puxada pela ciência e tecnologia. É o Ministério da Ciência e

Tecnologia que está representando o Brasil nas negociações, que

foca, que envolve, que concentra os esforços brasileiros de

reflexão, discussão e proposição neste tema.

O pessoal da educação, especificamente da educação

ambiental, ainda está muito afastado dessa discussão, como se não

fosse um problema de educação. Mas, é. E, eu vou mostrar para vocês

porque é um problema de educação. Porque, apesar de ter algumas

19

controvérsias, ainda existe um pequeno grupo de cientistas que diz

que o aquecimento global não é devido ao fator antrópico. Tem

cientistas que discutem taxas. Mas, já existe um consenso de que o

aquecimento global está aí, a Terra já aqueceu 0.9 graus Celsius, e

pode chegar a aquecer 4 a 6 graus nos próximos 60 anos. Mesmo

trabalhando com as previsões mais otimistas do IPCC, que é o Painel

Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que recebeu o Prêmio

Nobel da Paz, e do qual fazem parte vários cientistas brasileiros,

mesmo a previsão mais otimista do IPCC diz que, se nós fizermos o

melhor dos nossos esforços, essa temperatura subirá dois graus.

Isso vai significar conseqüências muito mais graves do que nós já

temos enfrentado. Mas, se passar dos dois graus, essas

conseqüências deixarão de ser graves para serem dramáticas.

Então, todo o esforço, que todo mundo que está envolvido

nesse tema está fazendo, é no sentido de diminuir muito as

emissões. 50, 60% a menos do que nós emitimos hoje para que essa

elevação de temperatura chegue a “apenas” dois graus. Como é que

nós vamos fazer isso? Essa é a pergunta que nós colocamos. Isso é

uma decisão só de Governo? Isso é uma decisão que só os cientistas

podem tomar? Ou esse é o maior esforço já exigido da humanidade em

todos os tempos? Desde a segunda guerra mundial não há nenhuma

causa capaz de mobilizar a humanidade como um todo como o

aquecimento global. E, nós só vamos conseguir fazer esse

enfrentamento se todos nós fizermos a nossa parte. E como é que nós

vamos fazer isso? Na minha opinião só por meio de educação,

educação e educação.

O aquecimento global é cumulativo, é abrangente, é um

tema complexo, mas as conseqüências vão afetar a todos em todos os

lugares. E, é por isso que ele é um drama de toda a humanidade. Por

exemplo, os estudos de vulnerabilidade mostram que, na África, as

conseqüências do aquecimento global serão extremamente perversas,

com o aumento da área de deserto, com empobrecimento, com

propagação cada vez maior de doenças, etc. No entanto, o continente

africano contribui apenas com 3% dos gases estufa do mundo. Então,

é uma grande tragédia cósmica, e que todos nós vamos pagar o preço,

os países mais pobres pagarão mais, e os pobres dos países ricos

20

também pagarão mais. E, nós aqui, de classe média, teremos

oportunidade, no Brasil, por exemplo, de mudar dos lugares de

enchente, teremos possibilidade, se tivermos morando na praia, de

abandonar a casa da praia e irmos para outro lugar, se morarmos em

encosta de morro, poderemos sair e procurar outro lugar em que não

vai haver deslizamentos, mas e os mais pobres, como é que eles vão

fazer? Para onde irão essas pessoas, que já estão sendo chamados de

refugiados do clima?

No entanto, a maioria das pessoas se quer sabe do que

estamos falando. Não sabe e desconhece totalmente as conexões que

existe entre o seu modo de vida e o aquecimento global. Se nós

perguntarmos para a grande maioria das pessoas o que elas têm a ver

com o aquecimento global, elas vão responder que não sabem. O fato

de você andar em um carro todos os dias, sozinho, contribui para o

aquecimento global? Não sei. A produção de lixo que você faz,

contribui para o aquecimento global? Não sei. E, mesmo assim, o

Brasil é considerado, pelas pesquisas, como um dos países em que as

pessoas mais estão informadas. Graças, principalmente, ao esforço

da Rede Globo que tem falado diuturnamente no assunto. Mas, ainda é

muito pouco, porque ninguém está preparado para enfrentar as

conseqüências, e o Brasil tem feito a lição de casa, viu

Presidente, há anos, na proposição de novos mecanismos do protocolo

de Kyoto, nas discussões, e está procurando fazer a lição de casa

no grande problema das emissões brasileiras que é o desmatamento.

75% dos gases estufa emitidos no Brasil vem do desmatamento e

mudança de uso do solo, porque nós temos uma matriz energética

limpa, 90% da nossa energia elétrica é hidrelétrica. Nós temos um

problema, como o Eduardo mostrou, que 75% do inventário das grandes

cidades é carros e ônibus, mas, no cômputo geral, a grande

contribuição do Brasil é desmatamento.

Então, o Brasil tem feito a lição de casa, mas ninguém no

Brasil está falando em adaptação. Enquanto os outros países,

especialmente os países mais ricos, já estão transferindo

populações de áreas de risco, construindo diques, nós temos, por

exemplo, no Rio de Janeiro, um sistema de esgoto tão mal planejado

que, se o mar subir meio metro, e a previsão é que suba mais, no

21

Rio de Janeiro, vai acontecer a inversão do sistema de esgoto.

Alguém pode imaginar o que isso significa para a saúde pública? E

ninguém está falando nisso. Os educadores também estão falando

muito pouco. Então, a proposta que o ECOAR vem trabalhando há dez

anos, muito antes de as pessoas falarem com tanta veemência nesse

assunto é democratizar o conhecimento sobre aquecimento global e as

mudanças climáticas. Nós consideramos que democratizar, levar esse

conhecimento para os senhores, para as comunidades de base, para as

periferias, para os empresários, para quem quer que seja, é uma

questão de direitos humanos, é uma questão de ética. É antiético

não informar as pessoas do que está acontecendo. É desrespeito aos

direitos humanos deixar as pessoas tão vulneráveis. E tem que ser

um compromisso da educação ambiental, da educação para a

sustentabilidade trabalhar nesse sentido. Nós precisamos pensar, eu

já falei isso, em como é que nós vamos adaptar as nossas estruturas

físicas para o enfrentamento dessas novas e desconhecidas condições

climáticas. Nós ainda não sabemos como vai ser o clima, nós só

sabemos que os eventos extremos serão muito mais freqüentes. Então,

a incidência de ciclones, furacões, terremotos, tsunamis serão cada

vez mais intensos e de maior freqüência. E, nós precisamos convocar

a sociedade a assumir a sua cidadania planetária. Nós estamos,

hoje, vendo um movimento grande, mas ainda insuficiente, de pessoas

que estão dizendo que podem ser parte da solução, que é parte do

problema e assim pode ser parte da solução; eu posso reduzir de 25

a 30% das minhas emissões, mudando pequenas coisas no meu cotidiano

e sem mudar a minha qualidade de vida; eu posso trocar o meu

chuveiro elétrico, por exemplo, por um outro de aquecimento, o

aquecimento solar de baixo custo de água -, eu posso praticar

carona solidária, eu posso andar mais de bicicleta, eu posso fazer

uma série de coisas, eu posso comer menos carne, porque cada 36

quilos de carne que chega na mesa do consumidor corresponde a 37

quilos de CO2, equivalente, emitidos em todo o processo da criação

do gado, industrialização, transporte e etc, então, nós podemos

comer menos carne, podemos produzir menos lixo. Tem uma série de

pequenas atitudes que podemos fazer e que não significam grande

coisa. Eu pergunto a vocês: Qual o problema de tomar um banho de 7

22

minutos ao invés de um banho de 10? Alguém vai ficar mais sujinho

por causa disso? E, no entanto, nós vamos estar diminuindo em 30% o

consumo de água e de eletricidade. E, antes que eu alguém me diga

que a eletricidade é limpa, eu digo que se nós diminuirmos a

demanda por eletricidade, nós vamos diminuir a necessidade de

construção de novas usinas, porque cada vez que nós vamos construir

uma nova usina, mesmo que hidrelétrica, nós temos um impacto

ambiental enorme. E assim vai. O Greenpeace estima que nós podemos

diminuir em 47% a demanda energética do mundo só diminuindo o

desperdício, só, por exemplo, abrindo janelas para poder trabalhar

com a luz do dia. Um trabalho que, inclusive, há muitos anos, já

foi feito nas escolas de Curitiba. E, nesse ponto, o “ecodesign”

ajuda muito. Nos Estados Unidos, o ex-Presidente Jimmy Carter, que

tem uma fundação, estabeleceu uma medida bastante simples e que fez

com que a diminuição do consumo de energia fosse mais de 30%, e lá

é termo elétrica, o que é muito mais grave ainda. Ele,

simplesmente, pediu para as pessoas que no inverno, quando fossem

tirar todos os casacos para ficar dentro da sala, eles ficassem com

uma suéter, porque assim, ao invés de eles aquecerem a sala a 22,

23 graus, eles poderiam aquecer só a 17, 16, o que já diminuiria o

consumo de energia. E, que no verão, eles viessem com uma roupa

mais fresca, com camisetas, com bermudas, porque assim eles não

precisariam refrigerar a 17, 16 graus, mas poderiam refrigerar a

23, 22 graus, e, assim, o consumo de energia caiu em 30%.

Então, são dessas medidas simples que nós, no ECOAR,

estamos falando em um grande programa que nós estamos lançando

chamado “ECOAR no Clima do Futuro”, onde nós criamos tabelas e

ensinamos as pessoas a diminuírem em 30% as suas emissões mexendo

em pequenas coisas. Mas isso não basta. Nós precisamos educar para

o exercício da cidadania. Além de trabalhar na nossa dimensão

individual, nós temos que trabalhar na nossa dimensão cidadã. Eu

preciso exigir que o Poder Público faça a sua parte. Nós precisamos

entulhar a Secretaria de Transporte, o Ministério dos Transporte de

emails, de cartas, de telefonemas que digam: “nós queremos

transporte limpo”. Apoiar os poucos políticos, pouquíssimos aliás,

que estão comprometidos com essa causa como o Eduardo Jorge. E, eu

23

não tenho nada a ver com o Eduardo Jorge, eu falo porque é a

verdade e ela precisa ser falada. Quando nós temos um político que

está agindo nesse sentido nós temos a obrigação de apoiá-lo, porque

a briga interna dele para passar os projetos é enorme. Nós

precisamos exigir que o Poder Público faça a sua parte. Mas nós

precisamos, também, agir na dimensão de consumidor. Hoje, na

Europa, as grandes cadeias de supermercados já estão fazendo acordo

com os seus fornecedores, para que tenha, na embalagem, como tem

caloria e essas outras medidas, para que tenha a quantidade de CO2

que foi emitida na fabricação e transporte daquele produto, e eles

estão dando um selo que chama “low-carbon”, carbono baixo, e as

pessoas estão todas preferindo comprar esses produtos. Então, nós

também precisamos tomar muito cuidado de quem nós compramos.

E, por último, nós temos que nos preocupar, também, em

neutralizar as nossas emissões. Porque emissão zero não existe.

Impacto zero não existe. Mas, nós podemos minimizar muito as

emissões, e aquelas que nós não conseguirmos minimizar, nós podemos

neutralizá-las, por exemplo, plantando árvores. Por exemplo,

quebrando calçadas na frente das nossas casas e fazendo canteiro,

porque não é só árvore que seqüestra gás, canteiros também, vasos,

plantas, gramíneas, tudo isso pode ajudar a tirarmos um pouco

desses gases da atmosfera.

Então, o que podemos fazer? Qual o papel, hoje, do

educador e da educadora, seja ambiental, ou aquele que se diz

educador ambiental para a sustentabilidade, ou aqueles que se chama

de alfabetizadores ecológicos, ou os alfabetizadores ambientais,

como diz o Leonardo Boff, do que nós quisermos falar. Ou ativistas

ambientais, não importa a denominação, isso é mais uma questão de

Universidade, de semântica, e tem muito pouca diferença na prática.

Na pratica, o que nós precisamos fazer? Cada um de nós precisa se

tornar um ativista do clima, especialmente do clima, porque esta é

a grande oportunidade que a humanidade tem de mudar o modelo de

civilização sem fazer revolução, SM destruir qualidade de vida, sem

sair dizendo como algumas pessoas ainda dizem, que tem que parar

tudo, que tem que parar a indústrias do petróleo, que temos que

todos andarmos a pé, vivermos de agricultura organiza. Isso é

24

impossível. Nós somos 6 bilhões. Mas nós podemos, aos poucos, ir

fazendo essa mudança, e essa mudança pode ser muito rápida se todos

nós tivermos consciência e pressionarmos para que seja. Eu não

conheço nenhuma grande mudança na história da humanidade, e olha

que eu pesquiso e estudo, que tenha vindo por decreto, que tenha

acontecido porque algum Governo de algum país decidiu, ou porque

alguma empresa decidiu. Todas as mudanças históricas vieram de

movimentos sociais, vieram de mobilização da sociedade. E é isso

que nós precisamos fazer agora, nos informando, e essa informação

já existe, tem inúmeros institutos, associações, ONGs, enfim, que

podem prover e democratizar esse conhecimento. Nós temos tecnologia

suficiente para enfrentar esse problema e fazermos a transição. Ou

nós podemos optar por não fazer nada e deixar com que as

conseqüências sejam muito graves para nós, para os nossos filhos e

para os nossos netos.

Aí são algumas idéias do que podemos fazer enquanto

educadores e enquanto ativistas. Uma das coisas que nós podemos

fazer muito é acabar com essa história de queimar lixo, que aqui,

em São Paulo, não é tão comum, mas que, no interior, é uma coisa

extremamente comum, se varre a calçada e se queima as folhas, nas

fazendas, nos sítios todo mundo queima lixo. Existe uma emissão de

gases estufa. E, lembrar que, nas próximas décadas, a sobrevivência

da humanidade vai depender de nós, da nossa capacidade de entender

a natureza, extrair conhecimento dela, entender os princípios

básicos da ecologia e viver de acordo com eles.

Então, eu queria terminar dizendo a vocês que educação

ambiental no mundo é cada vez mais fundamental, chame-se ela

educação ambiental, chame-se ela educação para sustentabilidade,

alfabetização ecológica, “ecodesign”, como quiserem, mas ela é

fundamental para que nós possamos sobreviver e deixar o mundo, não

igual ao nosso, mas eu tenho esperança que até muito melhor do que

o nosso, para os nossos filhos e para os nossos netos.

Muito obrigada pela oportunidade.