watchmen e a teoria do caos - gian danton

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WATCHMEN E A TEORIA DO CAOS Gian Danton 2005 Coleção Quiosque -13 MARCA DE FANTASIA Rua Antônio Lira, 970/303 58045-030 João Pessoa, PB - Brasil [email protected] www.marcadefantasia.com.br Editor: Henrique Magalhães D 194w Watchmen e a teoria do caos / Gian Danton, pseud, de Ivan Cario Andrade de Oliveira. - João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005. 84 p.: il. (Coleção Quiosque, 13) ISBN 85- 87018-56-6 1. Comunicação de massa 2. História em quadrinhos. UFPB/BC CDU: 659.3 f Indice Watchmen e a teoria do caos Os autores...................9 A obra......................24 Uma imagem do caos..........39

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Watchmen e a Teoria Do Caos - Gian DantonWatchmen e a Teoria Do Caos - Gian Danton

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WATCHMEN E A TEORIA DO CAOSGian Danton 2005Coleo Quiosque -13MARCA DE FANTASIARua Antnio Lira, 970/303 58045-030 Joo Pessoa, PB - Brasil [email protected] www.marcadefantasia.com.brEditor: Henrique MagalhesD 194w Watchmen e a teoria do caos / Gian Danton, pseud, de Ivan Cario Andrade de Oliveira. - Joo Pessoa: Marca de Fantasia, 2005. 84 p.: il. (Coleo Quiosque, 13) ISBN 85-87018-56-61. Comunicao de massa 2. Histria em quadrinhos. UFPB/BCCDU: 659.3fIndiceWatchmen e a teoria do caosOs autores9A obra24Uma imagem do caos39A complexidade em escalas60Referncias bibliogrficas75Sobre o autor79Watchmen e a teoria do caosOs autores"Ningum mais l poesia hoje em dia. Ela ainda a coisa mais fcil de ser publicada e a ltima que as pessoas iro 1er, talvez porque nas escolas tiveram de decorar dezenas de "mestres" parnasianos, empurrados garganta abaixo por velhos professores e acabaram concluindo que poesia isso. Em Monstro do Pntano, voc pode no ter uma boa poesia, mas h alguma poesia aqui que as pessoas podem 1er, gostar e, quem sabe, ver como a poesia pode ser conectada a um mundo de idias. E possvel devolver poesia - e poltica - s pessoas atravs deste meio." 1Dave Gibbons um artista veterano nos quadrinhos britnicos. Um de seus primeiros trabalhos, de 1975, foi um super-heri africano chamado Powerman. O personagem era desenhado, escrito e publicado na Inglaterra, mas vendido apenas na Nigria. Depois Gibbons iniciou sua freqente colaborao com a revista 2000 AD, para a qual ilustrou personagens como Harlen Heroes, Dan Dare e Rogue Trooper.Em 1979, Gibbons comeou a desenhar as tiras di1. MOORE, Alan. Monstro do Pntano, 10. So Paulo: Abril Jovem, outubro de 1990, p. 4.rias em preto e branco do Dr. Who, personagem famoso da fico cientfica britnica. Em 1982 ele fez seu primeiro trabalho para os comics americanos, desenhando, para a DC Comics, a revista do Lanterna Verde. Mas, embora trabalhasse com quadrinhos desde o incio da dcada de 70, a fama s chegou em 86 com o sucesso de pblico e crtica obtido por Watchmen.A partir de ento Gibbons se tornou um dos astros dos quadrinhos americanos. Em 1987 ele e Alan Moore ganharam o Jack Kirby Awards como melhor dupla artista/escritor.O sucesso valeu-lhe um convite de Frank Miller para desenhar Give Me Liberty (publicado no Brasil como Liberdade - Um sonho americano). Um trabalho particularmente importante porque na poca Frank Miller era o artista do mercado dos comics de maior sucesso e decidira no mais trabalhar com as grandes editoras. A editora Dark Horse ofereceu a Gibbons e Miller o total das vendas da revista. Em outras palavras, Give Me Liberty praticamente inaugurou a concesso de direitos autorais que caracterizou os quadrinhos americanos a partir dessa poca.Depois disso, Gibbons resolveu produzir roteiros e escreveu histrias com Os Melhores do Mundo, uma tima mini-srie em homenagem ao Batman e ao Super-ho- mem da era de prata.Antes de comear a produzir histrias em quadrinhos, Alan Moore trabalhava como balconista em uma companhia de gs da Inglaterra. Moore deixou o emprego na companhia de gs j com a idia de ser quadrinista. Seu primeiro trabalho no ramo foi um tira quinzenal em um jornal alternativo de Oxford, chamado Backstreet Bugle. Ele desenhava e escrevia. No havia pagamento, mas era uma chance de mostrar seu trabalho.Na poca ele completava seu faturamento fazendo a tira de Maxwell, The Magic Cat, para o Northampton Post. Foi quando teve a idia de esquecer o desenho e se dedicar exclusivamente aos roteiros. Steve Moore o ajudou a formatar o roteiro e Alan Grant os levou para a revista 2000 AD.Foi nessa poca que surgiu a mania por roteiros extremamente detalhados (que chegam a gastar at uma pgina para descrever um nico quadro). Moore conta que fazia tais roteiros para que fossem prova de artista. Em 2000 AD ele nunca sabia quem iria ilustrar seus textos. Podia ser algum experiente, como Dave Gibbons, ou um novato. Os roteiros detalhados garantiriam um mnimo de qualidade, caso fosse um novato.Seu primeiro trabalho de porte foi a srie Miracleman, publicada em captulos de oito pginas na revista britnica Warrior. Miracleman (Marvelman no original) era uma cpia do Capito Marvel, criado por Mick Anglo em 1954. A editora L Miller & Son enfrentava na poca o seguinte problema: O Capito Marvel original havia deixado de ser publicado nos EUA no auge de sua popularidade, e ainda existia na Inglaterra um pblico vido por suas aventuras. L Miller achou que no haveria problema em continuar a publicar o personagem com histrias escritas e desenhadas por ingleses. Para evitar problemas de copyright, foram feitas algumas modificaes. O personagem sofreu mudanas fsicas e passou a se chamar Marvelman.A palavra SHAZAN tornou-se KIMOTA e Dr. Silvana passou a cha- mar-se Dr. Gargunza.Alan Moore lia Marvelman na sua infncia e, em 1981, numa entrevista revista da Society of Strip Ilustrator, mencionou que gostaria que algum trouxesse o heri de volta para que ele pudesse escrev-lo. A entrevista provavelmente fez com que Dez Skin o convidasse a escrever o personagem para a revista Warrior.O que Moore fez com o personagem foi uma antecipao do que seria Watchmen. Ele partia de uma idia simples: como seria o mundo se um super-heri realmente existisse? Como ele se comportaria de verdade? A idia veio- lhe quando ele ainda era criana e lia as pardias do Super- Homem que Harvey Kurtzman publicava na revista Mad.O resultado foi revolucionrio. Essa era uma perspectiva completamente nova nos quadrinhos.J em Miracleman vamos encontrar a preocupao de Moore com a cincia e suas conseqncias. Logo na primeira histria, vemos uma manifestao contra uma usina nuclear. Uma criana segura uma faixa onde se l: "Estamos apenas tomando um banho de radiao".Em outra histria o heri encontra na floresta um garoto obcecado pela possibilidade de uma guerra nuclear. Ele guarda alimentos num buraco de uma rvore e planeja fazer uma roupa anti-radiao com papel laminado. Revelando uma tranqilidade que s as crianas demonstram diante do desconhecido, o menino pede simplesmente: "Voc poderia salvar o mundo, pelo menos eu e meus amigos, se houver uma guerra nuclear?"2 Moore coloca-se uma pergunta: o que um ser onipotente e bem intencionado faria diante da possibilidade de um conflito nuclear?"A resposta 'uma utopia'. Destruiria todas as armas nucleares e biolgicas, acabaria com a fome, o crime e o dinheiro (melhor momento: Miracleman anuncia a Margareth Tatcher que acaba de revogar o conceito de mercado). Levaria o planeta a uma 'Era de Ouro'." 3

2. MOORE, Alan. Miracleman, 4. So Paulo: Tannos, 1990, p. 22.O segundo trabalho de Moore numa srie em continuao foi V de Vingana. A srie surgiu quando o editor da Warrior, Dez Skin, pediu ao desenhista David Lloyd, que fizesse para a Warrior algo parecido com o Night Raven, que David desenhava para a Marvel UK: "recusei - porque posso ser muito bom em narrativa, mas no em roteiro. Ento, sugeri Alan Moore. Foi dessa forma que V realmente comeou."4V de Vingana uma histria de horror e herosmo ambientada numa Inglaterra de regime totalitrio, um mundo muito prximo daquele imaginado por George Orwell em 1984:"A aventura se passa em 1997, depois de uma guerra nuclear que deixou Londres em permanente estado de stio e dominada por um regime ditatorial e fascista, com campos de concentrao onde ficam isolados os judeus, negros e homossexuais. O slogan desse governo 'Fora atravs da pureza. Pureza atravs da f'."5V, o personagem principal, uma espcie de heri anarquista, culto e excntrico. Cita Shakespeare e Goethe enquanto mata fascistas. Na histria, Moore expe suas idias polticas, contrapondo-as ao fascismo. No sabemos quem V e no vemos seu rosto, encoberto por uma mscara de teatro. Ele permanece na mente do leitor no como uma pessoa, mas como um smbolo do anarquismo.

3.FORASTIERE, Andr. Semideus Anarquista de Moore cria utopia. Folha de So Paulo: 15 de abril de 1991.4.LLOYD, David apud Vde Vingana - A Gnese. Sandman, 5. So Paulo: Globo, 1990.5.ROSA, Franco. Chega s bancas "Vde Vingana". So Paulo: Folha da Tarde, 28 de dezembro de 1990,p. 14.Em uma das seqncias, V transmite uma espcie de propaganda poltica pela TV. Enquanto vemos imagens de Hitler, Mussolini, Stalin e de bombas atmicas, l-se:"Ns tivemos uma sucesso de malversadores, larpios e lunticos tomando um sem nmeros de decises catastrficas. Isso inegvel. Mas quem os elegeu? Voc! Voc indicou essas pessoas. Voc deu a elas poder para tomar decises em seu lugar (...) Voc encorajou esses incompetentes que transformaram sua vida profissional num inferno. Voc aceitou suas ordens insensatas sem questionar. Sempre permitiu que enchessem seu espao de trabalho com mquinas perigosas. Voc podia ter detido essa gente."6A preocupao de Moore com armas atmicas, apenas entrevista no trecho acima, fica bvia na introduo que ele escreve para a obra:"H tambm uma certa parcela de inexperincia poltica de minha parte nos captulos antigos. Em 1981, o termo 'inverno nuclear' ainda no havia passado para o cotidiano da lngua e, embora meu palpite sobre as catstrofes climticas chegasse bem perto da possvel verdade, a histria ainda sugere que uma guerra nuclear, mesmo limitada, poderia deixar sobreviventes. Pelo que sei atualmente, isso no possvel."76.MOORE, Alan & LLOYD, David. V de Vingana, III. So Paulo: Globo, 1990, p. 8-9.7.MOORE, Alan. Eu dei incio aVde Vingana. V de Vingana, I. So Paulo: Globo, 1989, p. 2.V um dos melhores exemplos do fenmeno a que se refere Paul Gravett, segundo o qual os leitores jovens estariam se dirigindo aos quadrinhos para "obter notcias verdadeiras". E notrio que a maioria dos jornais impressos e televisivos sonegam e distorcem informaes. Grande parte dos jovens no confia nesses veculos. Soma-se a isso o fato dos jornais terem um certo rano, que afasta os leitores mais jovens. Isso absolutamente no acontece com os quadrinhos. Num gibi espera-se encontrar terror, aventura, fico e diverso em geral. E um veculo ideal para que o roteirista transmita sua ideologia. O problema era o conservadorismo das editoras.Esse quadro mudou a partir do momento em que surgiram os grandes astros da HQ, como Bill Sienkiewicz, Alan Moore e Frank Miller, que passaram a produzir histrias direcionadas a um pblico mais adulto. Os quadrinhos passaram a ser considerados como arte e isso permitiu que qualquer assunto pudesse ser tratado em suas pginas. As HQs tinham tambm uma vantagem sobre o cinema: a grande equipe necessria para realizar um filme e os grandes oramentos fazem com que muitas vezes os objetivos do roteirista se diluam. Uma histria em quadrinhos, como Watchmen ou V de Vingana, muito barata em comparao com os milhes de dlares necessrios para realizar um filme. A editora no arrisca muito ao investir em algo inovador. A equipe pequena (em geral um roteirista e um desenhista) tambm permite que os objetivos sejam menos diludos ao longo da produo.E, quando o jovem procura uma HQ como V de Vingana e Miracleman, o que ele encontra? Um vivo discurso anti-nuclear. O que autores como Alan Moore esperam que esses jovens se tornem adultos menos conformistas que seus pais.

Mas Alan Moore no se limita a avisar os leitores sobre o terror atmico. Em Monstro do Pntano, ele focou sua ateno na questo ecolgica.Seus textos em Miracleman haviam chamado a ateno da editora norte-americana DC, que resolveu test-lo em um ttulo em baixa: O Monstro do Pntano.Moore no s impediu que a revista fosse cancelada, como a transformou em um clssico dos quadrinhos. A importncia do Monstro do Pntano pode ser sentida na linha Vertigo, uma subdiviso da DC, que s publica histrias de terror no estilo das que Moore fazia com seu personagem.Na primeira srie, Lio de Anatomia, Woodrue, o Homem Flornico, resolve se vingar dos seres humanos pelos danos causados natureza: "Vocs travaram uma guerra no declarada contra o verde, sangrando florestas tropicais, alqueire por alqueire, dia aps dia."8Para conseguir seu intento, ele faz com que todas as plantas do mundo aumentem a quantidade de oxignio na atmosfera: "Os primeiros a morrer sero os mais jovens e os mais velhos... os galhos novos e os tocos! Os sobreviventes tero diante de si uma atmosfera to inflamvel que, menor fagulha, ser deflagrado um inferno!"9O Monstro do Pntano, que na verdade um elemental das plantas, derrota Woodrue com um argumento lgico: "E o que... vai transformar o oxignio... os gases... necessrios para a nossa sobrevivncia... quando os homens e animais morrerem?"108.MOORE, Razes in Ibid, p. 29.Ibid, p. 2.Alan Moore usa informaes e teorias cientfica o tempo todo em Monstro do Pntano. J na primeira histria, Woodrue tenta explicar a um general que o Monstro do Pntano no o cientista Alec Holland, mas plantas pensando ser Holland. Para isso ele nos informa a respeito de uma experincia realizada com planrias:"Tempos atrs fizeram um experimento! Ensinaram uma planria a percorrer um labirinto simples! Educaram um verme! Depois trituraram seu corpo e deram a planrias que no sabiam percorrer o labirinto... mas, ao digerirem o colega, os vermes puderam percorrer o caminho perfeitamente! Entendeu, general? A implicao que conscincia e inteligncia podem ser transmitidas como alimentos!" 11 Moore est se referindo, obviamente, s experincias realizadas por James V. McConnell, professor de psicologia da Universidade de Michigan e editor da revista The Worm Runner's Digest (que mistura humor e cincia).James descobriu que cortando um platelminto ao meio desencadeava a reproduo assexuada do animal. O cientista, ento ensinou o gusano a percorrer um labirinto e cortou-o ao meio. Os dois seres resultantes se revelaram aptos a atravessar o labirinto sem adestramento adicional. Ele descobriu tambm que a parte do animal que conservava melhor memria era justamente o rabo, e no a cabea."Na experincia seguinte, amestramos um grupo de gusanos vtimas, cortamo-los em pedaos e os demos de comer a um grupo inocente de canibais famintos. Depois de deixar que os canibais fizessem a digesto, comeamos a dar-lhes o mesmo adestramento dado antes s pobres vtimas. Com grande satisfao, comprovamos que os canibais que haviam comido vtimas educadas aprendiam muito melhor (j desde a primeira lio) que os canibais que haviam comido vtimas no-amestradas. Tnhamos conseguido a primeira transferncia de informao interanimal!"12

10.Ibid, p. 14.11.MOORE, Lio de Anatomia in Ibid, p. 10.Em outra histria, Moore faz uma retrospectiva de toda a vida na Terra, desde o perodo pr-cambiano at o cretceo:"No cretceo... quando a Terra se cansou de surios... apagando-os com neve... voltando sua ateno em vez disso para os macacos e cerejeiras... os guardies no se moveram... para deter aquela mo... e deixar a era dos dinossauros continuar.'"3Mas a principal preocupao de Moore em Monstro do Pntano mesmo com a ecologia. Uma das melhores histrias girava em torno do lixo radioativo jogado no Pntano. Em outra HQ, Able, a namorada do Monstro, se engaja em um grupo ecolgico e sua fala a esse respeito parece refletir as preocupaes do autor:"As vezes, acho que para ajudarmos mesmo o ambiente, precisamos de um mundo diferente. Algum lugar que ensinasse a pensar e assumir responsabilidades... vejo gente trabalhando nisso, mas a coisa nunca sai do cMo."14 Quando o personagem percebe que pode recompor a biosfera do planeta, danificada por anos de poluio e desmatamento, ele decide no faz-lo:12 MCCONNELL, James. Aventuras de um cientista no mundo do humorismo in Correio da Unesco. S.d.b.13.MOORE, Alan et alii. A Volta do Bom Deus. Monstro do Pntano, 19. So Paulo: Abril Jovem, julho de 1991, p. 42.14.MOORE, op. cit., p. 37."Se eu fosse alimentar o mundo... curar todas as feridas que as indstrias fumacentas do homem causaram... o que ele faria? Iria renunciar... riqueza que suas serrarias trazem... pisar suavemente nas flores... e colher cada ma com respeito... por este mundo abundante... em toda a sua providncia? No. O homem bombearia mais venenos.... construiria mais minas... garantido pelo conhecimento de que eu estaria mo... para reparar a biosfera... incessantemente cobrindo cicatrizes... que ele agora causaria.'"5 Depois do sucesso de Watchmen e Monstro do Pntano, Moore deixou a DC para investir em projetos pessoais. Foram trabalhos com ntido fundo poltico. Ele escreveu "Real War Stories, sobre as injustias do servio militar e Brought to light, sobre as aes secretas da CIA no Terceiro Mundo."Em 1990 ele deu incio ao seu projeto mais ambicioso: Big Numbers (chamado originalmente de Mandelbrot Set), uma minissrie em 12 edies que se propunha a aplicar os conceitos da teoria do caos vida dos habitantes de uma pequena cidadezinha britnica perturbada pela construo de um shopping center.A seriedade do tema, numa mdia dominada por super- heris, causou impacto na poca. Apareceram diversos artigos e matrias nos mais diversos rgos de imprensa. Big Numbers era considerada a obra definitiva de Moore sobre a geometria fractal:O que Moore se pergunta em Big Numbers se a teoria do caos estaria providenciando ferramentas que permitiriam diagnosticar as conseqncias de pequenas mu15. MOORE, Alan. Monstro do Pntano, 19. So Paulo: Abril, 1991,p. 42.danas, empurrando a sociedade para um caminho previamente planejado.Uma questo que chegou a se colocar na poca como Moore, um anarquista declarado, trabalharia o problema do livre-arbtrio. Ou seja, como o ser humano comum poderia ser um agente consciente das transformaes sociais - como em V de Vingana - numa sociedade na qual os governantes tivessem o controle atravs dos conhecimentos permitidos pela teoria do caos: "Desta vez, uma frase to continuamente ouvida em histrias em quadrinhos parece ser a nica aplicvel: o destino de toda a humanidade parece estar realmente em jogo".16Essa, no entanto, uma pergunta que ficou sem resposta. Aps desenhar alguns nmeros da srie, Bill Sienkiewicz entrou numa crise emocional e interrompeu a continuidade da srie. O desenho foi passado, ento, para Ali Columba. Mesmo assim a srie no foi concluda.O trabalho seguinte de Moore foi to ambicioso quanto Big Numbers. Em From Hell, o roteirista se props a analisar a Inglaterra vitoriana atravs do caso de Jack, o Estripador. From Hell resultado de um meticuloso trabalho de pesquisa de Moore e equipe de assistentes, entre eles o roteirista Neil Gaiman (Sandman) e Jamie Delano (Hellblazer). A srie to detalhada que ao final de cada captulo Moore acrescentou um apndice no qual enumera a bibliografia usada para construir cada quadro. H quem diga que From Hell foi a primeira tese de doutorado escrita na forma de quadrinhos. Em From Hell temos contato no s com a histria de Jack, mas com a situao poltica e social da poca.A histria, anunciada como um melodrama em seis partes e publicada em co-edio entre a Mad Love e a Tundra, " mais uma oportunidade que Moore usa para atacar o que considera a hipocrisia e loucura do conservadorismo ingls.'"7O roteiro parte da hiptese do pesquisador Stephen Knight, de que Jack era o mdico da famlia real, Sir Willian Gull. Para Moore, Gull era um agente do moralismo vitoriano. O roteirista declarou, recentemente, que seu interesse no era necessariamente descobrir quem era Jack, mas em explorar o mito.Algum tempo depois, Moore surpreendeu a todos ao aceitar produzir histrias para a editora Image, famosa por seguir uma linha na qual o desenho mais importante que o roteiro. Seu entusiasmo com a editora se deve ao fato de que ela fazia forte concorrncia Marvel e DC e prometia respeitar os direitos autorais dos quadrinistas.Moore escreveu histrias para Spaw e WildCATS, mas seus melhores trabalhos na Image seriam 1963 e Supreme. Certa vez ele declarou que o saudosismo era, provavelmente, o nico motivo pelo qual continuava no meio quadrinstico. Essas duas sries mostram bem isso. Em 1963 ele criou uma editora imaginria que teria existido na dcada de 60. A histria contada ao longo de vrias revistas dessa editora hipottica.Todos que conheciam um pouco de histria dos quadrinhos perceberam claramente que se tratava de uma homenagem Marvel da Era de Prata. Moore criou uma farsa, na qual ele mesmo personagem, fazendo o papel de Stan Lee, o principal roteirista dos primrdios da Marvel.17. Ibid.1963 uma obra metalingustica. Ou seja, uma HQ que fala de HQs e analisa as transformaes pelas quais essa mdia e a sociedade que ela reflete passaram nesses ltimos 30 anos.O detalhismo das referncias de Moore em 1963 chega a ser doentio. As capas, a impresso, o texto e os desenhos lembram as revistas da Marvel da dcada de 60. Moore chega ao cmulo de publicar propagandas, como aquelas que eram veinculadas nas revistas da poca. Uma delas anuncia a venda de um boneco de monstro que tem a cara de Stalin, demonstrando o terror anti-sovitico do auge da guerra-fria. Moore at mesmo escreve cartas de hipotticos leitores da poca e as responde. A metalinguagem chega a um de seus pontos mais criativos quando o Hipernaut (uma pardia do Homem de Ferro) enfrenta um monstro tridimensional. O monstro no tem as limitaes de Hipernaut, um personagem de quadrinhos e, portanto, bi-dimensional. Em uma das seqncias, o monstro puxa a borda do quadri- nho, direcionando o raio do heri contra ele mesmo.Como j foi dito no livro Cincia e Quadrinhos (Marca de Fantasia), o Quarteto Fantstico ficou conhecido, entre outras coisas, por antecipar o uso de realidade virtual para simular experincias cientficas. O equivalente do Quarteto no mundo de 1963, o grupo Mistery Incorporated, ganhou uma mquina denominada Maybe Machine. Na seqncia em que se v os personagens entrando na mquina, possvel ver de fundo um cenrio criado em computador que inclui fractais.Depois Moore escreveu Supreme, um personagem criado por Rob Liefield e desenhado pelo brasileiro Ben Nascimento (que assina Joe Bennett). Aproveitando o fato de que o Supreme uma cpia descarada do Super-homem, Moore resolveu trabalhar de novo a metalinguagem, numa homenagem ao Homem de Ao da dcada de 60.

J na primeira histria, Supreme visita a Terra dos Mil Supremes, onde esto os Supremes que j saram de circulao. E, evidentemente, uma referncia s mudanas editoriais que a DC realiza de tempos em tempos a fim de revitalizar o Super-homem. O trao verstil de Ben Nascimento consegue imitar o estilo de vrios desenhistas que ilustraram o personagem, de Curt Swan a Jack Kirby.A partir dessa apresentao, as histrias passam a seguir uma estrutura mais ou menos rgida: Supreme visita certos locais, como a Cidadela Supreme, e tem lembranas. Esses flash backs so mostrados como se fossem histrias da dcada de 60. O desenho torna-se tosco e charmoso, como era o de Curt Swan. At os bales, que hoje so arredondados, tornam-se irregulares como nuvens. Ento voltamos ao presente e o Supreme enfrenta alguma ameaa que se relaciona com o flash back.Em 1963 e Supreme, Alan Moore aponta um caminho at ento inexplorado nas aventuras de super-heris: histrias em quadrinhos cujo principal tema so as histrias em quadrinhos. Na verdade, o primeiro a fazer isso foi Harvey Kurtzman, na revista Mad. Nos dois trabalhos ele tambm faz um mea culpa. Depois de Watchmen os autores comearam a introduzir a realidade nas histrias de super- heris, levando o gnero a uma era sombria e violenta. Os super-heris teriam perdido seu charme.Atutalmente, Moore est envolvido com a srie Amrican Best Comics. A srie divida em vrias revistas e mostra o que aconteceria com o mercado de quadrinhos se os super-heris no tivessem surgido. Para ele, os quadrinhos seriam dominados por personagens da literatura pop do final do sculo passado, por personagens mitolgicos e pela fico-cientfica pulp.

A mais aclamada das revistas dessa srie a League of Extraordinary Gentlemen. Nela, vemos os principais personagens da literatura do sculo passado. L esto o Dupin, de Edgar Alan Poe, o Homem invisvel, de H.G. Wells, o Capito Nemo, de Jlio Verne, o Alan Quatermain, de Haggard e Mina, de Bran Stocker.O desenho coube a Kevin O'Neill, que fez uma Londres vitoriana e, ao mesmo tempo futurista. Outras revistas da srie so: Tom Strong, Tomorrow Stories e Promethea.A obra Watchmen surgiu de um pedido que Dick Giordano, editor da DC Comics, fez a Alan Moore. A editora do Super- homem adquirira os direitos sobre os heris da extinta Charlton Comics e a idia era fazer uma minissrie em 12 partes com eles. Mas a proposta apresentada pelo roteirista era to revolucionria que Giordano resolveu dissoci-la dos heris da Charlton. Assim, o Capito Atmo tornou-se o Dr. Manhattan, o Pacificador tornou-se o Comediante e o Besouro Azul contentou-se com o ttulo de Nite Owl.

O enfoque bsico de Watchmen partia de uma idia que Moore j havia experimentado em Miracleman: o que aconteceria se os super-heris realmente existissem?Moore havia pensado nessa possiblidade quando ainda era criana e lia as pardias de Harvey Kurtzman na revista Mad. Mas Kurtzman usava o recurso para causar um efeito cmico e Moore pretendia, girando o parafuso, alcanar um efeito dramtico.

Assim, Moore faz a pergunta: como seria um mundo sobre o qual os super-heris realmente caminhassem? Como eles se relacionariam com os seres humanos normais, quais seriam suas angstias, que conseqncias isso teria?Para responder a essas perguntas, Moore lanou mo de um dos princpios da teoria do caos: o efeito borboleta. Esse conceito foi elaborado a partir da grande dependncia das condies iniciais apresentadas pelos fractais. A mudana de um nico nmero pode transformar completamente o formato de um desenho fractal. A mesma regra vale para alguns eventos no lineares. Assim, o bater de asas de uma borboleta em Pequin pode modificar o sistema de chuvas em Nova York.Moore transps o conceito para os quadrinhos. Se o bater de asas de uma borboleta pode ter conseqncias to imprevistas, imagine-se o surgimento de super-heris... Para Moore, o mundo jamais seria o mesmo.At ento, os avanos tecnolgicos conseguidos pelos super-heris no afetavam em absoluto o mundo em que viviam. Um exemplo disso so as histrias do Quarteto Fantstico, no qual apareciam foguetes estelares e computadores capazes de criar realidade virtual, mas isso no afetava o dia-a-dia das pessoas.O mundo de Watchmen que, at a dcada de 60 era semelhante ao nosso, transforma-se com o surgimento do primeiro heri com superpoderes de verdade. O Dr. Manhattan podia alterar a estrutura da matria, manipular o espao-tempo continuum e tinha muita fora. Seu surgimento faz com que os EUA ganhem a guerra do Vietn e torna possvel maravilhas tecnolgicas, como os carros movidos a eletricidade. Essa nova perspectiva e a narrativa no-linear, repleta de flash-backs tornaram a obra a mais revolucionria da poca.

Vista sob a perspectiva dos anos 90, Watchmen destaca-se por ser uma obra nitidamente ps-moderna. Algumas caractersticas das obras ps-modernas podem ser facilmente encontradas na HQ. Entre elas o uso de formas gastas e da cultura de massas. Na poca em que Watchmen foi publicada, a narrativa super-heroiesca parecia destinada ao desaparecimento.A construo em abismo outra caracterstica que encaixa Watchmen no grupo de obras ps-modernas. A histria se inicia com uma trama bsica, a respeito de um matador de mascarados, e, a partir dela, desmembram-se outras tramas. Como num fractal, medida que nos aprofundamos, a histria vai nos revelando novas complexidades."Temos ainda o uso de personagens reais (Nixon aparece na histria), o pesadelo tecnolgico (o mundo de Watchmen est beira de uma guerra nuclear), o uso de citaes e metalinguagem (um garoto l, em uma banca de revistas, um gibi de piratas que pode ser considerado como uma metfora de toda a histria)."18Mas a principal caracterstica ps-moderna da histria parece ser a mistura do srio com o divertido. Divertido porque Watchmen uma histria de super-heris e, em certo sentido, policial, e guarda muitas caractersticas desses dois gneros.

18. OLIVEIRA, Ivan Cario Andrade de Oliveira. A Cincia e a Razo nas Histrias em Quadrinhos. CALAZANS, Flvio Mrio de Alcntara. As Histrias em Quadrinhos no Brasil, Teoria e Prtica. Coleo GT Intercom, 7. So Paulo: Intercom, 1997, p. 100.O carter srio a discusso sobre o mundo em que vivemos, sobre o que nos tornamos e sobre a cincia e a razo. Um dos pontos-chave dessa discusso o Dr. Manhattan que, graas a um acidente em um laboratrio, torna-se onisciente e onipresente. Sua criao parte do princpio de que o universo um relgio e que, sabendo-se como funcionam seus mecanismos, possvel prever sua trajetria. Essa noo do universo como um relgio remonta a Laplace, sendo uma promessa da filosofia das luzes do sculo XVIII. Acreditava-se que a natureza seguia regras fixas que podiam ser descobertas com o uso da razo, como no caso de um relgio19.

Para Laplace, "uma inteligncia que conhecesse em determinado momento todas as foras da natureza e posio de todos os seres que a compem, que fosse suficientemente vasta para submeter estes dados anlise matemtica, poderia exprimir numa s frmula os movimentos dos maiores astros e dos menores tomos. Nada seria incerto para ela, e tanto o futuro quanto o passado estariam diante de seu olhar."20

A inteligncia laplaciana seria onisciente, mas impotente para realizar alteraes no mundo sua volta. Uma vez que tudo determinado, restaria a ela apenas "um olhar entediado sobre o porvir, pois nada poderia ocorrer que no estivesse previsto."21

19. Talvez o surgimento dos relgios tenha fascinado a tal ponto os filsofos e cientistas que eles imaginaram um mundo que fosse como ele: determinista e seguindo leis estveis.

20 Laplace apud EPSTEIN, Isaac. Teoria da Informao. So Paulo: tica, 1986, p. 30.A inteligncia laplaciana, como uma metfora da cincia clssica, representada em Watchmen pelo personagem Dr. Manhattan. Manhattan um ser superpoderoso, mas incapaz de tomar decises que no estejam includas no curso dos acontecimentos. A certa altura o personagem diz: "Tudo pr-ordenado, at minhas respostas. Todos somos marionetes, Laurie. A diferena que eu vejo os barbantes."22Manhattan vive uma sabedoria que, ao invs de libert- lo, torna-o prisioneiro dos acontecimentos. Essa postura o exime de responsabilidades. Quando a Terra est ameaada por uma guerra nuclear, ele no se preocupa em intervir, j que tudo est pr-ordenado. Essa noo de uma cincia isenta e objetiva remonta ao positivismo, que acabou criando uma espcie de "religio da cincia." Segundo Japiassu, a cincia "no conseguiu evitar expor-se aos desvios ideolgicos e mitolgicos. Isso comeou a ocorrer quando cientistas do sculo XIX (sobretudo Comte), ao saudarem a evoluo cientfica e o advento do estado positivo, confiaram cincia o cuidado exclusivo de garantir, em lugar da magia, das ideologias, das religies e das supersties, dos saberes esotricos e dos mitos superados, a ordem religiosa e poltica."23Moore usa Manhattan para criticar os aspectos potencialmente nocivos da cincia, representados pela bomba atmica. Na frase de Einstein, "A liberao da bomba atmica mudou tudo, exceto nosso modo de pensar. A soluo para esse problema est na cabea da humanidade. Se eu soubesse, teria me tornado um relojoeiro."24

21.Ibid, p. 31.22.MOORE, Alan & GIBBONS, Dave. Watchmen, V. 5-1, p. 7.23.JAPIASSU, Hilton. A Crise da Razo e do Saber Objetivo - As Ondas do Irracional. So Paulo:, Letras&Letras, 1996,p. 44.A modernidade no cumpriu sua promessa de que um acrscimo de razo levaria a um acrscimo de felicidade. O desenvolvimento da cincia nos levou bomba atmica, poluio, aos alimentos cancergenos e s experincias com animais.Edgar Morin argumenta que estamos vivendo um progresso inaudito dos conhecimentos cientficos, correlativo com um progresso mltiplo da ignorncia, progresso dos aspectos benficos da cincia, correlativo com o progresso dos aspectos nocivos e mortferos; progresso acrescido de poderes da cincia, correlativo com a impotncia dos cientistas a respeito desses mesmo poderes.25Mas, para o cientista, o problema no est na cincia, essa pura e desinteressada. O problema est na tcnica, que pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal e, principalmente, na poltica, essa potencialmente m e nociva. Para o cientista, a poltica que perverte a utilizao da cincia.Entretanto, separar a cincia da poltica no uma opo possvel. No sculo passado tnhamos, verdade, a cincia do cientista solitrio, uma figura romntica e abnegada. Mas a partir da Segunda Guerra Mundial o quadro muda. Surgem os grandes projetos militares, que agregam grande quantidade de cientistas. O Estado passa a subsidiar as pesquisas visando, em geral, resultados armamentsticos.

24.EISNTEIN apud MOORE, op. cit., v2, p. 28.25.MORIN, Edgar. Cincia com Conscincia. Portugal: Europa- Amrica, 1994, p. 15.Segundo Japiassu, "foi a partir, sobretudo, da ltima Grande Guerra, que a orgulhosa e prometica imagem da cincia comeou a ser abalada. At mesmo antes. Em 1935, E. Husserl, ao analisar a crise das cincias europias e a fenomenologia transcendental, num clima de confronto contra o irracionalismo nazista e contra o positivismo dos cientistas e filsofos, faz o seguinte diagnstico: 'Ocorreu uma reviravolta, na virada do sculo, na atitude em relao s cincias. Esta reviravolta diz respeito ao modo geral de avaliar as cincias. No visa sua cientificidade; visa aquilo que as cincias, que a cincia em geral significou e pode significar para a existncia humana' (...) No se trata mais da 'cientificidade' das cincias, mas de sua significao e seu poder. Hiroshima reforou os motivos desse movimento de desconfiana da cincia, pois ela teria se 'desumanizado'. Mas surge um outro motivo: o segredo, no o de Estado, mas o do 'pacto' celebrado entre os cientistas e o poder poltico-militar. Com isto, desmorona-se a imagem tradicional do sbio, para quem a norma do verdadeiro se convertia em imperativo tico."26Essa desumanizao da cincia mostrada em Watchmen. Ao ser informado da morte de um amigo, Manhattan responde simplesmente: "Um corpo vivo e um corpo morto tm o mesmo nmero de partculas. Estruturalmente no h diferena. Vida e morte so meras abstraes. No me preocupo com isso."27Em outra seqncia, o Comediante mata uma vietnamita grvida. Manhattan assiste a tudo impassvel. O26.JAPIASSU, op. cit., p. 49.27.MOORE, op. cit, v 1 -1, p. 21.Comediante percebe isso:"Voc me viu. Voc podia ter transformado o revlver em vapor, ou as balas em mercrio ou a garrafa em llocos de neve! Podia ter teleportado um de ns pra Austrlia... mas no levantou um dedo. No d a mnima pros seres humanos. Eu notei (...) Voc est se distanciando. Est se tornando indiferente. Que Deus nos ajude."Moore no est falando apenas do Dr. Manhattan, ele est se referindo cincia em geral. Como dizia Einstein, o mundo no est ameaado pelas pessoas ms, mas por aqueles que permitem a maldade.28 O mundo no est ameaado pelos militares que jogaram a bomba sobre Hirsohima, mas pelos cientistas que permitiram que isso fosse feito sob o pretexto de que nada poderiam fazer. Como Manhattan, os cientistas se tornaram prisioneiros da razo que deveria libert-los. O conceito de uma cincia neutra e imparcial fica nitidamente abalado sob esse ponto de vista.Morin lembra que o racionalismo iluminista, do qual essa viso positivista fruto, era um racionalismo humanista, "ou seja, associava sincreticamente o respeito e o culto do homem, ser livre e racional, sujeito do universo, e a ideologia de um universo integralmente racional. Assim, esse racionalismo humanista apresentou-se como uma ideologia de emancipao e progresso."29Entretanto, a imagem do universo como um relgio determinista deixou de lado a noo de humano. A cincia, preocupada com a eficincia, esqueceu o humanismo iluminista. Os cientistas do projeto Manhattan (que criou a bomba atmica)30 no estavam preocupados com os mortos, rfos e vivas. Eles queriam produzir uma bomba que funcionasse. Bastante emblemtica a cena de Tempos Modernos em que Carlitos serve de cobaia para uma mquina que iria alimentar os operrios enquanto eles trabalhavam, fazendo com que o horrio de almoo tambm fosse produtivo. A mquina recusada pelo dono da fbrica no porque fosse desumana, mas porque era no-funcional.

28.Superinteressante, ano 4,9. So Paulo: Abril, setembro de 1990, p. 55.29.MORTN, op. cit, p. 124.

Essa cincia ligada a grandes projetos - na maioria das vezes projetos militares - tirou o ser humano da posio de sujeito, relegando-o condio de objeto. Para Morin, isso no algo exterior cincia, mas est ligado a um dos princpios da cincia ocidental, a manipulao:"A cincia ocidental desenvolveu-se como cincia experimental e, para experincias, teve de desenvolver po- deres de manipulao precisos e seguros (...) No seu universo fechado, o cientfico est convencido de que manipula (experimenta) para a verdade, e manipula no s objetos, energias, electres, no s unicelulares e bactrias, mas tambm ratos, ces, macacos, convencido de que atormenta e tortura pelo ideal absolutamente puro do conhecimento. Na realidade, ele alimenta tambm o circuito scio-his- trico no qual a experimentao serve a manipulao."31Assim, "o desenvolvimento da tcnica no provoca somente processos de emancipao, provoca processos novos de manipulao do homem pelo homem, ou dos indivduos humanos pelas entidades sociais".3230.O nome do personagem Dr. Manhattan , provavelmente uma referncia a esse projeto.31.Morin, op. cit.,p. 85.Quando o Dr. Manhattan diz que um corpo vivo e um corpo morto tm o mesmo nmero de partculas, ele no est tratando o ser humano como sujeito, mas como objeto. Da mesma forma ele poderia dizer que um ser humano e um boneco de plstico so iguais, porque tm o mesmo nmero de partculas. Grficos e estatsticas confirmariam sua hiptese. Para Morin, justamente a que se encontra o perigo: "Basta, pois, que os homens sejam considerados como coisas para que se tornem manipulveis e merc, submetidos ditadura racionalizada moderna que encontra o seu apogeu no campo de concentrao."33Mas o mundo no precisa necessariamente ser visto como um relgio determinista e ordenado. A natureza pode ser vista como uma mistura de ordem e desordem:"Um universo estritamente determinista, que seria apenas ordem, seria um universo sem devir, sem inovao, sem criao. Mas um universo que fosse apenas desordem no conseguiria constituir organizao, portanto seria incapaz de conservar a novidade e, por conseguinte, a evoluo e o desenvolvimento. Um mundo absolutamente determinado, como um mundo aleatrio, so pobres e mutilados; o primeiro incapaz de evoluir e o segundo incapaz de nascer."34A sugesto de Moore para essa questo muito prxima daquilo que Morin chama de pensamento complexo. Devemos imaginar um mundo que uma mistura de ordem e desordem, de determinismo e indeterminao.A cincia clssica interessava-se apenas pelos sistemas lineares e ignorava os sistemas no-determinados.

32.Ibid, p. 85.33.Ibid, p. 126.34.MORIN op. cit., p 157."Aprendemos que h modelos clssicos onde tudo determinado pelas condies iniciais, e h tambm os modelos mecnicos qunticos, onde as coisas so determinadas, mas temos de enfrentar um limite sobre o volume de informao inicial que podemos colher. No linearidade era uma palavra s encontrada no fim do livro. Um aluno de fsica fazia um curso de matemtica, e o ltimo captulo era sobre equaes no-lineares. Pulvamos isso em geral."35 A abordagem da teoria do caos, dando mais importncia aos sistemas no lineares permite um avano a respeito da idia de destino:"Em nvel filosfico, pareceu-me como uma maneira operacional de definir o livre-arbtrio, de uma maneira que permita reconcili-lo com o determinismo. O sistema determinado, mas no podemos dizer o que ele far da prxima vez."36Em outras palavras, o destino existe, mas pode ser modificado a qualquer momento por aquilo que os tericos do caos chamam de efeito borboleta. E como um homem caminhando em uma estrada. Sabemos de onde a estrada vem e para onde ela se destina. Entretanto, um nico passo diverso dos outros capaz de coloc-lo em outro caminho, que o levar a um lugar completamente diferente.A todo momento estamos tomando decises que podem modificar completamente nosso destino. como se entrssemos em outra "estrada do destino". Mas outras decises podem nos enviar a outras estradas.Mas como viver num mundo onde a determinao cede lugar indeterminao, onde ordem e desordem esto intimamente relacionados? Para Edgar Morin a resposta o pensamento complexo.

35.FARNERapud GLEICK, op. cit, p. 241.36.FARNER apud Ibid, p. 242.No final do sculo passado o fsico James Clark Maxwell criou um ente que pode ser visto como uma alternativa inteligncia laplaciana, o demnio de Maxwell: "Este demnio separador opera abrindo e fechando um furo na parede divisria entre duas pores de um vaso cheio de gs com temperatura uniforme. Permitindo apenas a passagem das molculas mais rpidas de A para B e as mais lentas de B para A, o demnio podia provocar um gradiente de temperatura, isto , elevar a temperatura de B e abaixar a de A, sem ele prprio despender nenhuma energia."37O gs aqui um exemplo de caos. Como se sabe, os gases foram descobertos pelo mdico Jan Baptista Van Helmont, em 1624. Como esses ares no possuam um volume especfico, mas, mesmo assim, preenchiam um recipiente, Helmont achou que eram um exemplo de completo caos. Chamou-os de caos, pronunciando a palavra maneira de Flanders, que soava como gs.38A soluo encontrada pelo demnio de Maxwell para produzir ordem a partir desse caos inicial a estratgia."A estratgia permite, ao partir de uma deciso inicial, encarar um certo nmero de cenrios para a ao, cenrios que podero ser modificados segundo as informaes que nos vo chegar no decurso da ao e segundo os imprevistos que vo surgir e perturbar a ao".3937.ESPSTEIN, op.cit.p.31.38.ASIMOV, op. cit., p. 255.39.MORIN, op. cit., p. 116.J nos referimos anteriormente ao conceito de entropia40. Ela representa o segundo princpio da termodinmica, a tendncia do universo perda de energia, uniformidade de temperatura. O demnio imaginado por Maxwell consegue transformar esse gs em estado entrpico em uma fonte de energia disponvel. Ele faz isso se aproveitando do prprio estado catico das molculas:"O demnio de Maxwell, ao contrrio da inteligncia laplaciana, possui incerteza sobre a velocidade da molcula que se aproxima do furo, cuja abertura controla. A partir da informao que obtm acerca da velocidade da molcula, ele cria ordem (as mais velozes para um lado, as mais lentas para outro), a partir da desordem ou entropia inicial."41 Se o Dr Manhattan pode ser visto como uma metfora da inteligncia laplaciana, o demnio de Maxwell encontra sua representao, em Watchmen, no personagem Ozimandias. Ele trabalha, essencialmente, com a estratgia, como podemos perceber em uma das seqncias, em que ele observa a multitela.A multitela um aparelho que contm 36 televisores com mudana aleatria de canal a cada 100 segundos. O conjunto no possui uma forma, uma gestalt definida. a entropia no em seu estado mximo, mas num grau muito elevado para os padres humanos. A certa altura o heri explica a utilidade do aparelho: "Este planeta est cheio de eventos... e, numa poca como esta, nenhum deles insignificante. Preciso de informao na sua forma mais concentrada."4240.Ver introduo.41.EPSTEIN, op. cit., p.32.42.MOORE, op. cit., v5-2, p. 7.Em frente multitela, Ozimandias age como o demnio de Maxwell, que monta sua estratgia a partir das informaes que recebe a respeito da velocidade das partculas que se aproximam da abertura. A partir da entropia inicial, Ozimandias consegue perceber uma forma, um padro: "Homens musculosos portando armas... justaposio de violncia e imagens infantis... desejo de regresso e tendncia para subtrair responsabilidades... os itens configuram um quadro de guerra."43Em outras palavras, onde aparentemente s h caos sem sentido, Ozimandias consegue distinguir informao e reaproveitar essa informao, usando-a proveitosamente para tomar suas decises.Ozimandias percebe o poder potencialmente destrutivo da cincia, representado pela bomba atmica. Como veremos no captulo seguinte, a criao da bomba atmica um efeito borboleta, que provoca grandes alteraes em termos sociais, polticos e ecolgicos. Assim, o personagem decide engendrar um plano para impedir a guerra nuclear. Atravs da engenharia gentica, ele cria um suposto ser aliengena e transporta-o para o centro de Nova York, matando trs milhes de pessoas. Isso faz com que os governos da Unio Sovitica e Estados Unidos, convencidos de que esto enfrentando uma ameaa aliengena, paralisem as hostilidades no Afeganisto. Hostilidades essas que levariam, inevitavelmente, ao conflito atmico.O plano inspira-se no episdio do N Grdio. As profecias diziam que quem conseguisse desat-lo conquistaria todo o mundo. Alexandre Magno cortou-o ao meio com a espada: "Um problema intratvel pode ser resolvido somente indo alm das solues convencionais. Alexandre entendeu isso, dois mil anos atrs, na Grdia."44

Sua atitude, ao no separar ordem do caos, ao trabalhar com a estratgia e com as solues inusitadas, ao criar sinergia a partir da entropia inicial, encaixam-no dentro do que Morin chama de pensamento complexo. Para o filsofo francs, "a realidade que a cincia investiga no uma realidade trivial, que no so verdades evidentes sobre as quais poderemos pr-nos de acordo com facilidade, mesa do caf. E que o real perfeitamente espantoso. E por isso que Popper tem razo quando diz: uma boa teoria cientfica uma teoria extremamente audaciosa, isto , uma teoria totalmente assombrosa."45Imaginando que o Dr. Manhattan seria o nico ser capaz de atrapalhar seus planos, Ozimandias providencia para que ele se exile em Marte. Mas a estratgia trabalha com todas as possibilidades e se aproveita do inesperado. Assim, ele se aproveita de uma tempestade de tachyons, que cria uma interferncia esttica no determinismo do Dr. Manhattan, fazendo com que tudo fique imprevisvel.A entropia no necessariamente negativa. Se for possvel control-la, como faz o demnio de Maxwell, ela se torna uma fonte de energia. A linguagem do vdeo-clip um exemplo de como a entropia pode ser usada para melhorar a comunicao. Uma mutao gentica que permita aos afetados por ela resistirem melhor s alteraes ambientais um exemplo de entropia positiva no campo biolgico.A tempestade de tachyons nos brinda com um dos melhores momentos de Watchmen. Manhattan, privado de seu determinismo, parece extasiado como uma criana que descobre novidades num objeto que parecia completamente conhecido: "Eu quase havia me esquecido o excitamento de no saber, as delcias da incerteza,..."46

44.MOORE, op. cit. v. 6-1, p. 27.45.MORIN, op. cit., p. 47.E como se Moore estivesse dando um recado para os cientistas. Ensimesmados em seu mundo determinista, repleto de grficos e estatsticas, eles se esqueceram do aspecto humano, da no linearidade, do acaso, da incerteza...Uma imagem do caosQue o caos o tema de Watchmen, isso parece bvio para qualquer um que leia a histria. Moore usa diversas vezes a palavra caos, com as mais variadas acepes.47 Na verdade, a obra, num todo, pode ser considerada catica por sua esttica entrpica. Watchmen tem muito mais informaes por pgina que a maior parte das histrias em quadrinhos. A narrativa linear, tpica dos super-heris, se fragmenta em tramas e subtramas, criando aquilo que Roberto Elsio dos Santos chama de caos semitico: "Com tantos narradores, a narrativa se fragmenta (um fato mostrado de formas diferentes ou muitos fatos so mostrados ao mesmo tempo, com ao alternada) o que causa o 'caos semitico'."48Moore usa o tempo todo flash backs, fazendo com que a histria adquira um alucinante vai-e-vem. O autor junta obra provas de jornais, recortes de revistas, relatrios mdicos e artigos cientficos, aumentando em muito as possibilidades informativas e caracterizando Watchmen como uma obra multimdia. A quantidade de quadrinhos (nove por pgina) muito maior que o normal dos comics americanos (uma mdia de seis por pgina). E, mesmo nesses, a ao constantemente se desenrola em dois nveis: h uma ao em primeiro plano e outra em segundo plano.49

46.MOORE, op. cit., v. 6-2, p. 7.47.Ver Introduo.Tudo isso faz com que, sem dvida, Watchmen possa ser considerada, do ponto de vista da teoria da informao, uma obra catica. Mas em que sentido pode-se afirmar que Watchmen se baseou na teoria do caos?50Antes de mais nada, bom lembrar o que representa a teoria do caos para a cincia deste sculo. Para Gleick, a cincia clssica pra onde comea o caos:"Desde que o mundo teve fsicos que investigavam as leis da natureza, sofreu tambm de um desconhecimento especial sobre a desordem da atmosfera, sobre o mar turbulento, as variaes das populaes animais, as oscilaes do corao e do crebro. O lado irregular da natureza, o lado descontnuo e incerto, tm sido enigmas para a cincia, ou pior: monstruosidades."31

448.SANTOS, Roberto Elsio dos. O Caos Semitico nos Quadrinhos: Um Estudo das Graphic Novels. Revista Comunicao e Sociedade, 18. So Bernardo do Campo: IMS, dezembro de 1991.49.Ver: OLIVEIRA, Ivan Cario Andrade de. Watchmen, o caos nos quadrinhos, paper apresentado no GT Humor e Quadrinhos, XIX Congresso Intercom de Cincias da Comunicao.50.Nunca demais lembrar que a teoria do caos e a teoria da informao no so excludentes. Na verdade, alguns cientistas do caos, como Shaw, basearam suas teorias nas descobertas da teoria da informao.A cincia clssica interessava-se pela regularidade, pela linearidade. As equaes encontradas nos livros didticos relacionam-se com sistemas lineares. Mas, na verdade, a linearidade e o determinismo no so a regra na natureza - e sim a exceo. A geometria construa modelos aproximados que eliminavam as reentrncias, os rudos e imperfeies. A geometria fractal constri modelos semelhantes aos da natureza:"As nuvens no so esferas, como Mandelbrot gosta de dizer. As montanhas no so cones. O relmpago no percorre uma linha reta. A nova geometria espelha um universo que irregular, e no redondo, spero e no liso. uma geometria de reentrncias, depresses, do que fragmentado, torcido, emaranhado e entrelaado. O entendimento da complexidade da natureza esperava a suspeita de que a complexidade no era apenas algo aleatrio, no era apenas um acaso. Exigia a convico de que o interessante na trajetria de um raio, por exemplo, no a sua direo, mas a distribuio dos zigue-zagues. O trabalho de Mandelbrot fez uma afirmao sobre o mundo, a afirmao de que tais formas mpares encerram um significado. As reentrncias e os emaranhados so mais do que imperfeies dformantes das formas clssicas da geometria euclidiana. So, muitas vezes, as chaves para a essncia das coisas."5251.GLEICK, James. Caos: A Criao de Uma Nova Cincia. Rio de Janeiro: Campus, p.3.52.Ibid, p. 90.A questo pode ser resumida no problema a que se props Mandelbrot em um de seus artigos: "Que extenso tem o litoral da Gr-Bretanha?".O cientista ingls Lewis Richardson j havia se feito essa mesma pergunta em 1926. Ele percebeu o quanto era difcil definir a extenso das fronteiras dos pases. Pesquisando em enciclopdias de Portugal, Espanha, Blgica e Holanda, ele descobriu discrepncias de 20% na extenso estimada das fronteiras comuns entre esses pases.Por que to difcil definir as fronteiras de um pas, ou do litoral da Gr Bretanha? Porque a medida feita a partir de uma aproximao da extenso real que ignora os recortes do litoral - ou da fronteira. Quanto mais o medidor se der conta dos detalhes, maior ser a medida:"Um observador que tente calcular a extenso do litoral da Inglaterra a partir de um satlite obter um resultado menor que o do observador que tente a mesma coisa caminhando pelas enseadas e praias, que por sua vez far uma estimativa menor do que uma lesma que percorre uma pedra."53Se o litoral fosse uma forma euclidiana, o mtodo de somar distncias em linhas retas cada vez menores convergiria para uma medida que seria a sua verdadeira extenso: "Mas Mandelbrot verificou que, proporo que a escala de medio se torna menor, a extenso medida do litoral aumenta sem limite, baas e pennsulas revelam subbaas e subpennsulas ainda menores - pelo menos at escalas atmicas, onde o processo finalmente concludo. Talvez".5453.Ibid, op. cit. p. 91.54.Ibid, p. 92.Mandelbrot estava interessado em medir propriedades que no tm definio clara: o grau de aspereza, de fragmentao, ou de irregularidade de um objeto. Para isso, ele usou a dimenso fracionada:"Mandelbrot especificou maneiras de calcular a dimenso fracionada dos objetos reais, levando-se em conta alguma tcnica de construo de uma forma, ou alguns dados, e fez com sua geometria uma afirmao sobre os padres irregulares que estudara na natureza: a de que o grau de irregularidade permanece constante em diferentes escalas. Com freqncia surpreendente, tal afirmao se mostra verdadeira. O mundo exibe, repetidamente, uma irregularidade regular."55Para denominar suas formas, Mandelbrot utilizou o adjetivo latino fractus, do verbo latino frangere, quebrar, fraturar. O resultado seria a palavra fractal.Uma maneira de construir um fractal j havia sido descrita pelo matemtico sueco Helger Von Koch, em 1904. Para produzir aquilo que ficou conhecido como curva de Koch, basta um tringulo com 30 cm de cada lado. Marca- se um tero da parte do meio de cada lado e coloca-se ali um novo tringulo com um tero do tamanho do primeiro. Ento se coloca tringulos menores em cada um dos 12 lados resultantes. Repete-se a operao at o infinito. O contorno se torna cada vez mais detalhado. Cada nova transformao acrescenta uma rea parte interna da curva, mas a rea total permanece finita. Entretanto, "a curva em si infinitamente longa, to longa quanto uma linha reta que se estendesse nas beiradas do universo."5655.Ibid, p. 93.56.Ibid, p. 95.Em Watchmen podemos encontrar um objeto produzido semelhana da curva de Koch no castelo do Dr. Manhattan. Constitudo de peas de relgio, com ponteiros como engrenagem, o castelo apresenta as mesmas caractersticas da curva de Koch.A primeira delas, evidentemente, relaciona-se com o processo de produzir um objeto de propores infinitas numa rea finita atravs da adio de partes semelhantes.Uma observao simples do castelo revela uma grande complexidade numa forma constituda de formas simples. Em termos de teoria da informao, poderamos dizer que o todo apresenta grande quantidade de informao, apesar de suas partes serem redundantes. Em outras palavras: o todo maior que a soma das partes.Mas o castelo apresenta uma outra caracterstica fractal, que a auto-semelhana. Em seu interior, copos e cadeiras refletem as mesmas formas geomtricas do todo.Para Gleick, a principal caracterstica dos fractais a auto-semelhana:"Acima de tudo, fractal significa auto-semelhana.A auto-semelhana a simetria atravs de escalas. Significa recorrncia, um padro dentro de outro padro (...) Formas monstruosas como a curva de Koch exibem uma auto- semelhana porque parecem exatamente a mesma coisa, mesmo sob grande ampliao. A auto-semelhana est contida na tcnica de construo de curvas - a mesma transformao repetida em escalas cada vez menores. A auto- semelhana uma caracterstica facilmente identificvel. Suas imagens esto por toda parte, na cultura: no reflexo infinitamente profundo de uma pessoa entre dois espelhos, ou na caricatura em que um peixe come um peixe menor, que come um peixe menor etc. Mandelbrot gosta de citar Swift: 'E assim, observam os naturalistas, uma pulga/ Tem pulgas menores que a atormentam/ E estas tm pulgas menores que as picam,/ E assim por diante, ad infinitum'

Em que sentido a auto-semelhana pode ser encontrada em Watchmen?Primeiramente, atravs de uma metfora com o prprio ttulo. Relgios podem ser observados na histria em micro e macro-escalas. O universo do Dr. Manhattan visto como um relgio: "Talvez o mundo no seja feito. Talvez nada seja feito. Talvez simplesmente tenha estado sempre l. Um relgio sem relojoeiro."58Se nos aproximarmos um pouco, veremos o castelo do Dr. Manhattan, construdo a partir de peas de relgios. Se olharmos um pouco mais de perto, veremos que Joe Osterman se tornou o Dr. Manhattan graas a um relgio esquecido dentro de uma cmara de testes. No mundo determinista do Dr. Manhattan, o relgio um padro recorrente em diversas escalas. No por acaso, o captulo reservado a ele chama-se Relojoeiro ( Watchmaker, no original).Uma outra construo que imita os fractais o botton do Comediante manchado de sangue. J no primeiro qua- drinho da histria, ns o vemos sobre uma calada suja de sangue. A imagem se repete por toda a obra, em diversas escalas: um rosto de uma mulher refletida em uma xcara de caf, uma nave refletida em um par de culos, uma cratera em Marte...57.Ibid, p. 98.58.MOORE, op. cit, v 2-2, p. 28. 46Uma vez que formas fraetais podem ser facilmente encontradas na natureza, Moore reproduz o conceito, espalhando formas auto-semelhantes em diversas escalas ao longo de sua obra.Como j foi dito anteriormente, o primeiro quadrinho apresenta o botton do Comediante manchado de sangue. O ltimo quadrinho, por sua vez, apresenta um plano detalhe de uma camisa onde vemos o mesmo rosto sorridente, agora manchado de catchup. Com isso os autores revelam a ntida influncia da geometria fractal. Por mais que ampliemos uma forma fractal, ela resultar na mesma figura. Da mesma forma, todos os captulos comeam e terminam com figuras semelhantes, revelando o mesmo efeito fractal.Mais difcil de perceber que o seu aspecto iconogrfico, a auto-semelhana em termos de narrativa tambm pode ser encontrada em Watchmen. A partir do segundo nmero da srie, acompanhamos um garoto que l, em uma banca de revistas, um gibi de piratas chamado Contos do Cargueiro Negro.Moore chega a escrever um artigo, supostamente extrado do livro Tesouro em Quadrinhos, em que analisa o estilo dos autores e faz o resumo da histria:"Em MAROONED, saga que ocupa as edies 23 e 24, ns encontramos Feinberg e Shea em sua melhor forma. O que diferencia esse conto dos demais o fato de ele explorar apenas um personagem. Trata-se de um jovem marinheiro, cujo barco afundado pelo Cargueiro Negro antes que ele possa retornar terra natal e avisar sua gente da chegada da diablica embarcao. Lanado numa ilha desabitada, tendo apenas a companhia dos amigos mortos, acompanhamos o drama do marinheiro, atormentado pela existncia daquela tripulao bestial que se aproxima de sua famlia. Para evitar uma calamidade, somos testemunhas do fato mais grotesco j usado em revistas em quadrinhos piratas: o nufrago constri uma balsa utilizando como bia os cadveres dos companheiros cheios de gs. Ao chegar terra, so e salvo na sua horrvel balsa, ele tenta, de- sesperadamente, alcanar sua casa; apela at para um assassinato a fim de conseguir um cavalo."59

A histria do gibi acaba se revelando uma metfora da histria de Watchmen. O marinheiro seria o equivalente, a ponto pequeno, de Ozimandias. Ele chega a matar pessoas para conseguir a salvao de sua famlia. Ozimandias tambm no se deixa tolher por questes ticas na realizao de seu plano para salvar o mundo de uma guerra nuclear.Da mesma forma que uma cratera em Marte e um botton tm a mesma imagem, se aproximarmos nossos olhos de Watchmen com uma lupa, encontraremos o gibi de piratas.Essa auto-semelhana fica implcita na fala de Ozimandias: "Jon, sei que as pessoas me acham insensvel, mas eu sinto cada morte. Todas as noites... sonho que estou nadando em direo a um... esquea, isso no significante."60A referncia torna-se bvia quando lembramos que a histria de piratas termina com o marinheiro nadando em direo ao Cargueiro Negro, enquanto o texto diz:"A horrvel verdade surgiu minha frente, enquanto eu nadava em direo ao Cargueiro ancorado. No havia nenhum plano para capturar Davidstown. O que uma cida-59.MOORE, op. cit. v. 3-1 ,p. 30.60.MOORE, op. cit, v. 6-2, p. 27.dezinha como aquela poderia oferecer aos piratas que ceifaram a riqueza de Sargao? O navio estava mais perto. Continuei nadando."61Mas passemos para outro conceito bsico da teoria do caos: a dependncia sensvel das condies iniciais, ou efeito borboleta.Em Watchmen podem ser encontrados inmeros efeitos borboleta. O primeiro deles relaciona-se com o mote principal da srie: a noo de que o surgimento dos super- heris modificaria o mundo. Mais especificamente, o surgimento do Dr. Manhattan, na dcada de 60, provoca uma reviravolta que distancia completamente o mundo de Watchmen do nosso. Com a ajuda de Manhattan, os EUA ganham a guerra do Vietn e, fortalecido por essa vitria, Nixon no deposto pelo escndalo de Watergate, sendo reeleito duas vezes."Com a derrota vietnamita o mundo transforma-se. O fracasso dos hippies e das revolues estudantis de 1968 tornam a Terra um lugar violento e dominado por punks (...) O mundo ainda se mantm sob o estigma da Guerra Fria, ameaado por uma guerra atmica."62O prprio Moore, em um dos anexos, analisa a influncia do surgimento dos super-heris:"A tecnologia criada pelo Dr. Manhattan mudou o nosso modo de encarar o vesturio, alimentao e meios de transporte. Ns dirigimos carros eltricos e viajamos em confortveis e econmicas aeronaves. Toda nossa cultura teve que se acomodar diante da presena de um ser mais61.MOORE, op. cit., v. 6-1, p. 13.62.LEROSI, Paulo. Histria Revolucionria. Folha da Tarde. So Paulo: 9 de outubro de 1990, p. 20.do que humano, e todos ns sentimos as conseqncias. Tal evidncia nos cerca diariamente nas primeiras pginas dos jornais: um nico ser mudou o mundo inteiro, levando-o a ficar mais prximo de sua derradeira destruio."63E, no entanto, toda essa transformao resultado de eventos insignificantes que vo se sobrepondo. Como vimos anteriormente, Jon torna-se o Dr. Manhattan ao ficar preso na cmara de testes que desintegra seu campo intrnseco. Se ele e Janey no tivessem ido ao parque de diverses no dia anterior, se a pulseira do relgio da moa no tivesse arrebentado, se um sujeito gordo no tivesse pisado nele, se Jon no tivesse se oferecido para consert-lo, se ele no tivesse esquecido o relgio na cmara de campo intrnseco, se um nico desses pequenos eventos tivesse se passado de maneira diversa, o Dr. Manhattan no existiria e, portanto, as alteraes causadas por ele deixariam de acontecer. Na verdade, no existiria Watchmen se no fosse o relgio quebrado de Janey. Esse o grande efeito borboleta da histria. Mas, se procurarmos bem, acabaremos encontrando outros.Em 1966, Nelson Gardner, o Capito Metropolis, organizou uma reunio do grupo anticrime. A idia era formar uma equipe como os Minutemen da dcada de 40. Compareceram reunio o prprio Capito, o Dr. Manhattan e sua esposa Jane, Silk Spectre (Laurie), Ozimandias, Rorschach, Nite Owl e o Comediante. A reunio uma metfora das especulaes de Farner a respeito do livre arbtrio e do destino: "O sistema determinista, mas no sabemos dizer o que ele far da prxima vez".6463.MOORE, op. cit., v2-2, p.32.64.FARNER apud GLEICK,op. cit, p. 242.A linha do destino dos personagens (em especial de Ozimandias) se modifica a partir daquela reunio. Essa a razo pela qual ela lembrada por vrios personagens, sendo mostrada de vrios pontos de vista. De certo modo, essa reunio responsvel pela trama de Watchmen. E ali que Ozimandias decide engendrar um plano para salvar o planeta da ameaa atmica. A importncia do evento evidenciada pela fala do heri: "aquela comdia negra da vida foi explicada pelo prprio Comediante no fracasso de 66. Esto lembrados? Ele discutiu a inevitabilidade de um conflito nuclear mundial... e eu abri os olhos! S os melhores comediantes fazem isso. Eu me lembro do grfico chamuscando. Nelson dizia que algum tinha que salvar o mundo. Sua voz era trmula e queixosa... Ento eu entendi... e tudo ficou claro.65E naquela reunio que comea o romance entre o Dr. Manhattan e Laurie. Sua esposa, Janey, ressentida, faz as acusaes que levariam Jon ao exlio em Marte (entre outras, a acusao de que ele teria lhe provocado cncer). Em outras palavras, se no houvesse aquela reunio, talvez Jon e Laurie no tivessem se conhecido e no tivessem iniciado o namoro que teria como resultado o seu exlio em Marte. Sem o exlio, o plano de Ozimandias seria impraticvel.Finalmente, para Laurie a reunio foi marcada por eventos que a levariam a descobrir a verdadeira identidade de seu pai, como veremos no captulo seguinte.Watchmen comea com um efeito borboleta (o assassinato do Comediante) e termina com um. J nos referimos anteriormente ao plano de Ozimandias. Na segunda parte do captulo 5 (captulo 10 na edio americana) Rorschach e Nite Owl descobrem o plano de Ozimandias. Rorschach escreve todas as informaes em seu dirio e o manda ao New Frontiersman, um jornaleco de extrema direita, envolvido numa paranica campanha anticomunista. Na ltima pgina da histria, vemos Hector Godfrey, o editor, preocupado com a nova situao mundial. Uma vez que, graas ao plano de Ozimandias, o mundo est em paz, isso tem conseqncias inevitveis sobre o pasquim: "Agora ningum mais pode falar mal dos nossos velhos camaradas russos, e l se foi um artigo de duas pginas".66

Assim, ele deixa que seu assistente Seymor, a figura mais pattica de Watchmen, escolha a matria que ser manchete da prxima edio. Seymor est usando uma camisa onde se v o mesmo rosto sorridente que inicia a histria. Enquanto ele se vira para escolher algo no arquivo, um pouco de catchup cai em sua camisa, formando o mesmo desenho fractal que se repete diversas vezes ao longo da histria. O ltimo quadrinho mostra um plano detalhe da mo de Seymor se aproximando do dirio. As conseqncias de seu ato so imprevisveis. Uma vez publicado o plano de Ozimandias, o mundo pode voltar ao estado de tenso pr-guerra nuclear. Literalmente, o destino da humanidade est nas mos de um idiota. Com isso, Moore pretende demonstrar o princpio do efeito borboleta: pequenos eventos podem ter grandes conseqncias.Tambm interessante notar que essa cena muito semelhante quela que inicia a histria. Watchmen termina e comea com a mesma imagem.A relao entre a teoria do caos e a teoria da informao, desenvolvida na introduo, trabalhada por Moore. Isso fica bvio em certa seqncia em que Ozimandias grava observaes para uma futura palestra:

"Observao... a vista da multitela antecipada pela tcnica de Burroughs. Ele sugeriu a reclassificao das palavras e imagens, evitando a anlise racional e permitindo uma viso subliminar do futuro... um extico mundo visto apenas superficialmente. Essa entrada simultnea me atrai como o equivalente cintico de uma pintura abstrata... pontos fluorescentes... significados em um caos semitico, perdidos num mar de incoerncia. Transitrios e esquivos, devem ser entendidos com rapidez. Animao por computador permeia at mesmo os sucrilhos do caf da manh de um futuro alucingeno. Os canais musicais processam infinitas representaes lineares... Estabelecidos esses pontos de referncia, um inesperado mundo se torna gradualmente discernvel dentro da mdia. Esse modelo fragmentado do amanh alinha-se em reas especficas, obscurecidas pela indeterminao. Grandes suposies quanto a esse futuro devem ser afastadas... podemos, contudo, lanar hipteses sobre sua psicologia. Aliado macia acelerao tecnolgica, prevista para o fim do milnio, esse oblquo mosaico revela a imagem de uma era de novas sensaes ou probabilidades. Uma era do imaginvel feito concreto... e do milagre casual! O mtodo tem um precursor, ainda anterior a Burroughs, na tradio xamanstica de divinizar vsceras de bode espalhadas ao acaso."67O discurso, evidentemente, uma anlise da multitela. J nos referimos, anteriormente, a esse equipamento composto de 36 televisores sintonizados em emissoras de todo o mundo, com mudana aleatria de canal a cada 100 segundos. O resultado disso o que o prprio Ozimandias chama de caos semitico. O grau de entropia elevadssimo. Ao menos teoricamente, Ozimandias s pode focar sua ateno em um televisor, permanecendo os outros 35 como subliminares.

Flvio Calazans explica que a psicologia define subliminar como qualquer estmulo abaixo do limiar da conscincia, estmulo que - no obstante, produz efeitos na atividade psquica.68O psiclogo Carl Gustav Jung props um modelo em que a conscincia seria um holofote, iluminando as reas de interesse. Tudo que estivesse na penumbra de tal foco seria subliminar.69Wilson Key levantou uma explicao fisiolgica para o fenmeno. Abordando a fisiologia do olho humano, ele descobriu que a fvea, parte central do olho, do tamanho de uma cabea de alfinete e composta por clulas cones, o foco da viso consciente: "Key aprofunda esse conceito fisiolgico quando afirma que a viso perifrica, canto do olho, composto de clulas bastonetes, seria o responsvel pelo registro visual das percepes subliminares".70Calazans afirma que a informao subliminar destinada ao inconsciente, sendo pr-verbal, icnica e figurativa. Baseando-se na semitica de Peirce, ele encaixa o subliminar no eixo paradigmtico - similaridade, modelo, cone, no verbal, analgico. A informao consciente se encaixa no eixo sintagmtico - contigidade, smbolos, verbal, lgico, hierrquico.71

68.CALAZANS, Flvio. Propaganda Subliminar Multimdia.So Paulo: Summus, 1992, p. 260.69.Ibid, p. 26.70.Ibid, 29.O que Ozimandias prope em seu discurso aquilo que poderamos chamar de viso catica, uma maneira de entender e observar fenmenos entrpicos. No caso, a multitela a representao do sistema no-linear que compreende as relaes polticas e sociais deste planeta.Wiener distinguia as categorias demnio maniqueu e demnio agositiniano. Os fenmenos fsicos so demnios agostinianos, pois seguem regras, leis, constantes, que no mudam. O fsico "no precisa temer que, eventualmente, a natureza venha a descobrir-lhe os ardis e mtodos e, em conseqncia, mudar de ttica".72J o demnio maniqueu enfrentado pelos guerreiros e jogadores. Ele " um antagonista como outro qualquer, decidido a conquistar a vitria, e que usar de qualquer recurso de astcia e dissimulao para alcan-la".73 Segundo Epstein, o cientista social lida com o demnio maniqueu:"As leis que descobre sobre o desempenho dos indivduos ou dos grupos podem ser traduzidas, em certos casos, em dominao. Os 'objetos' deste conhecimento, se conscientes desse fato, podem, numa certa medida e tambm em certas circunstncias, engendrar uma mudana de seus comportamentos e conseqentemente uma alterao das 'leis' que a regem."7471.Ibid, 35.72.WIENER apud EPSTEIN, Issac. Ciberntica. So Paulo: tica, 1986, p. 60.73.WIENER apud Ibid, p. 60.74.Ibid, p. 61.Diante de tal sistema, que representa um fluxo constante de informaes75 a estratgia clssica e determinista encontra srias dificuldades. Para lidar com esse sistema, Ozimandias prope que se evite uma anlise racional e clas- sificadora. Os eventos sociais, sendo esquivos e transitrios, devem ser entendidos com rapidez.Do mesmo modo que uma previso meteorolgica pode ser bastante acertada a curto prazo e no ter valor algum a longo prazo, as previses sociais perdem valor rapidamente. Essa a razo pela qual poucos analistas foram capazes de prever a queda do muro de Berlin: "Grandes suposies quanto a esse futuro devem ser afastadas... podemos contudo lanar hipteses sobre sua psicologia".76 Uma vez que, enquanto se assiste a multitela, a maior parte das informaes adquirida de maneira subliminar e, tendo em vista que o subliminar destinado ao subconsciente, a melhor resposta a esse estmulo deve ser uma resposta intuitiva. Em outras palavras, Ozimandias est dizendo que impossvel lidar com fenmenos caticos, como os sociais, de acordo com a lgica clssica, hierarquizadora e excludente. Isso porque fenmenos entrpicos interagem de tal maneira que haja um fluxo constante de informaes.Ozimandias refere-se a Willian Burrgoughs que, em seu livro Nucked Lunch, teria antecipado a tcnica usada por ele. A tcnica teria um outro precursor nos xams, que faziam previses sobre o futuro observando as vsceras de um bode espalhadas ao acaso.Mais frente, Ozimandias refere-se a outra situao que pode ser considerada como uma viso catica:75.Ver introduo.76.MOORE, op. cit. v. 6-1, p. 1."Alexandre retornou Babilnia para morrer de uma infeco aos trinta e trs anos. Ali, entre os templos da cidade, eu finalmente vi suas falhas... meu heri no havia unificado o mundo e no sobreviveu a ele. Desiludido, mas determinado a completar minha odisssia, fui visitar seu tmulo em Alexandria. Na vspera de meu retorno Amrica, vaguei pelo deserto e provei um punhado de haxixe. O resultado foi uma viso que me transformou. Voltando na histria, eu ouvi reis mortos andando sob o cho e fanfarras soando atravs de crnios humanos. Alexandre tinha ressuscitado uma era de faras. Sua sabedoria verdadeiramente imortal, agora me inspirava. Sua magnificincia intelectual encorajara Ptolomeu a pesquisar o piv do universo. Eraststenes mediu o mundo usando apenas sombras...77No livro As Portas da percepo, lembra a teoria segundo a qual a funo da memria seria eliminativa e no produtiva:"Refletindo sobre minha experincia, vejo-me levado a concordar com o eminente filsofo de Cambridge, Dr. C.D. Broad 'que ser bom consideremos, muito mais seriamente do que at ento temos feito, o tipo de teoria estabelecida por Bergson, com relao memria e ao senso de percepo. Segundo ela, a funo do crebro e do sistema nervoso , principalmente, eliminativa e no produtiva. Cada um de ns capaz de lembrar-se, a qualquer momento, de tudo que j ocorreu conosco, bem como de se aperceber de tudo o que est acontecendo em qualquer parte do universo. A funo do crebro e do sistema nervoso proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos, na sua maioria inteis e sem importncia, eliminando muita coisa que, de outro modo, deveramos perceber ou recordar constantemente, e deixando passar apenas aquelas poucas sensaes selecionadas que, provavelmente, tero utilidade na prtica'. De acordo com tal teoria, cada um de ns possui a Oniscincia. Mas, posto que somos animais, o que mais nos preocupa viver a todo custo. Para tornar possvel a sobrevivncia biolgica, a torrente da Oniscincia tem de passar pelo estrangulamento da vlvula redutora que so o nosso crebro e o nosso sistema nervoso."78

Ou seja, toda informao existente no Universo est ao nosso alcance. Ocorre que no temos capacidade para lidar com uma quantidade to grande de informao, assim a percepo feita atravs de modelos. Dessa maneira, a funo do crebro no seria captar informao, mas selecionar informao, funcionando como um funil. Em determinadas situaes essa barreira pode ser levantada, expondo o indivduo a uma extraordinria quantidade de informao. Huxley sugere que os alucingenos teriam essa capacidade.Situaes semelhantes podem ser observadas na mitologia de quase todas as culturas. Temos um exemplo literrio e ficcional no Aleph, de Borges:"Na parte inferior do degrau, direita, vi uma pequena esfera furta-cor, de brilho quase intolervel. Primeiro supus que fosse giratria; depois compreendi que esse movimento era uma iluso produzida pelos vertiginosos espetculos que encerrava. O dimetro do Aleph seria de dois ou trs centmetros, mas o espao csmico ali estava, sem diminuio de tamanho. Cada coisa (o cristal do espelho, digamos) era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo."79

78. HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepo e o Cu e OInferno. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1973, p. 10-11.O prprio Borges refere-se a outros mitos a respeito do assunto.Por volta de 1867, o Cap. Burton exerceu o cargo de cnsul britnico no Brasil; em julho de 1942, Pedro Henrquez Lhena descobriu numa biblioteca de Santos um manuscrito seu que versava sobre o espelho que atribui o Oriente a Iskandar Zu al-Karmayn, ou Alexandre Bircone da Macedonia. Em seu cristal refletia-se o universo inteiro. Burton mencionava outros artifcios semelhantes - o stuplo clice de Kai Josru, o espelho que Tarik Benzeyad encontrou numa torre (Mil e Uma Noites, 272), o espelho que Luciano de Samosata pde examinar na Lua (As Histrias Verdadeiras, I, 26), a lana especular que o primeiro livro do Satiricon, de Capela atribuiu a Jupiter, o espelho universal de Merlin, "redondo, oco e semelhante a um mundo de vidro" (The Faere Queen, II, 2,19). 80Os instrumentos referidos acima so instrumentos caticos, onde no se apresenta redundncia e a entropia mxima. A multitela de Ozimandias seria uma verso tecnolgica desses instrumentos. Enquanto observa, o heri tem diante de si o mundo, seus processos polticos, sociais e psicolgicos.79.BORGES, Jorge Luis. OAleph. Rio de Janeiro: Globo, 1986,p. 133.80.Ibid, pl 136.A complexidade em escalasEste captulo uma analise da primeira parte do quinto volume da edio brasileira de Watchmen (correspondente ao nono volume da edio americana).A capa da revista apresenta um plano detalhe de um vidro de Nostalgia solto no espao, tendo as estrelas ao fundo e espirrando um pouco de lquido, o que sugere movimento rotativo. O ttulo Watchmen vem na vertical, no canto esquerdo da pgina. Abaixo do ttulo, temos um relgio que marca cinco para meia-noite. J nos referimos anteriormente importncia dos relgios em Watchmen, inclusive como figuras semelhantes a fractais. Aqui ele representa o tempo da humanidade, que est se esgotando (fica claro que algo, provavelmente uma guerra nuclear, vai acontecer meia-noite)O perfume, tema da capa, parece representar Laurie, na medida em que o bottton sorridente (capa do volume 1 da edio brasileira) representa o Comediante, o smbolo nuclear (capa do volume 2) representa o Dr. Manhattan e os culos com formato de olho de coruja (capa do volume 4) representam Nite Owl.Pgina 1O primeiro quadrinho praticamente a mesma ilustrao da capa, com menos detalhes. Observamos aqui a repetio de imagens que caracteriza os fractais. Para a artista plstica Fayga Ostrower, os fractais no so obras de arte, pois "correspondem a clculos matemticos e no vivncias pessoais".81 Na opinio da artista, os fractais de veriam ter um contedo emocional para serem considerados arte. Ou seja, uma obra que usasse a tcnica de auto- semelhana dos fractais, mas que representasse um contedo emocional, seria arte. E isso que Moore e Gibbons fazem em Watchmen. Como j foi dito anteriormente, todos os captulos de Watchmen comeam e terminam com imagens semelhantes. Da mesma forma, a obra comea e termina com a imagem do botton sorridente manchado de vermelho no olho direito.

Nos quadros 2 e 3 a imagem representa a viso de Laurie. Em primeiro plano, temos o Dr. Manhattan e, em segundo plano, Daniel (Nite Owl). Laurie est explicando a Dan que Manhattan quer lev-la at Marte para discutirem o destino do mundo.No quadro 4 a imagem representa o incio do teleporte, do ponto de vista de Laurie. A figura comea normal e vai sendo tomada por barras escuras da esquerda para a direita. um recurso grfico tpico dos quadrinhos, usado aqui para simular movimento, da mesma maneira que as linhas cinticas. Em segundo plano, esquerda do quadro, temos um relgio, representando a repetio de imagens semelhantes que caracteriza os fractais.O quadro 5 um quadro negro. Abaixo dele temos o ttulo da histria, Uma luz nas trevas, que retirado da frase de Jung citada ao final do captulo: "Pelo que posso perceber, o nico propsito da existncia humana acender uma luz nas trevas da mera sobrevivncia". Esse ttulo, vindo abaixo do quadro negro, acaba ganhando um aspecto81. OSTROWER, FAYGA apud Uma possibilidade para ilustrar o infinito. Cincia Hoje, 80. Rio de Janeiro: SBPC, 1992, p. 56.metafrico importante e, de certa forma, resume aquilo que Moore chama de "Idia" ou "Tema" da histria.A maioria das religies relaciona as trevas, o vazio, com o caos. No por acaso, o Deus cristo diz: "Faa-se a luz", quando da criao. O objetivo das religies tem sido justamente demonstrar uma ordem nesse caos. A cincia, embora seja bem diferente da religio, sempre buscou o mesmo: encontrar ordem no caos. De Aristteles dividindo os animais em classes e subclasses a Newton formulando a lei da gravidade, todos os empreendimentos cientficos importantes foram tentativas de encontrar um padro na desordem - luz nas trevas. O ttulo deixa claro que esse o tema da histria.Pgina 2Nos quadros 1 e 2 temos uma imagem semelhante quele quarto quadrinho da primeira pgina. S que agora as barras escuras vo diminuindo da esquerda para a direita, de acordo com o fluxo de leitura, at mostrar a cena completamente sem barras. Ao fundo, v-se a superfcie de Marte.Nos quadros seguintes, Laurie sufoca com a falta de oxignio e despenca morro abaixo.Pgina 3O primeiro quadrinho mostra o mesmo vidro de perfume que observamos na pgina 1, agora mais avanado em sua queda. A essa altura fica bvio que essa cena no faz parte do fluxo normal de tempo, representando, provavelmente, um evento futuro. No quadro 8 temos uma viso subjetiva, representando o ponto de vista de Laurie. Ela estende as mos para o Dr. Manhattan, que aparece num azul mais escuro que o normal. Dessa forma, o colorista John Higgins mostra, de maneira subliminar, o sufocamento de Laurie.

A cor do Dr. Manhattan acaba sendo um detalhe importante. Para os indianos, o azul a cor caracterstica de Krishna, sendo, portanto, associada com a divindade. Flvio Calazans explica a significao antropolgica dessa cor:"Conforme as culturas vo se civilizando, urbanizando e perdendo o contato com a natureza, vo surgindo as cores frias como o verde (535 nm), azul (460 nm) e violeta (400 nm) (...) Isto indica um padro cultural de percepo das cores que cresce, evolui historicamente do vermelho para o azul. O ocidente vermelho e o Oriente azul. Dez mil anos antes de Cristo a arte egpcia j empregava o azul, e os egpcios eram mais msticos que os gregos com seus deuses antropomrficos."82A cor azul , portanto, um arqutipo que representa a perfeio, a divindade. Ao usarem essa cor em seus personagens, os autores esto associando-os subliminarmente a Deus. Seus poderes, que beiram a onipotncia e a oniscincia, reforam essa associao.Pgina 4Temos aqui trs quadros, que desembocam num maior, no qual aparece o castelo de cristal criado a partir da curva de Koch, como foi demonstrado nos captulos anteriores.82. CALAZANS, Flvio. Propaganda Subliminar Multimdia.So Paulo: Summus, 1992, p. 65-66.Pgina 5Moore comea jorrar texto pela pgina, no caso 132 palavras, retirando-se artigos e preposies. Um nmero bem maior que o dos quadrinhos normais. Alm disso, os nove quadrinhos, os dois nveis de ao e uso da cor com significao (como no caso do azul para o Dr. Manhattan) fazem com que a quantidade de informaes transmitidas em cada pgina seja enorme.A discusso sobre o destino relaciona-se com o conceito de inteligncia laplaciana. Sabendo como o universo funciona e qual o fluxo do destino, Manhattan no se sente capaz de alterar qualquer coisa. Ele apenas segue o fluxo dos acontecimentos: "Tudo pr-ordenado, at minhas respostas". Uma vez que tudo pr-ordenado, resta apenas seguir o fluxo.Pgina 6Novamente aqui a discusso sobre determinismo e tempo. Para o Dr. Manhattan, assim como para a inteligncia laplaciana, nem o futuro nem o passado guardam segredos. A partir do quadro quatro temos, surgindo do cho, uma mesa com duas cadeiras, uma jarra e um copo. Como num fractal, as cadeiras, o copo e a jarra guardam semelhana com o todo, no caso, o castelo. No quadro sete vemos um castelo em miniatura dentro de uma bola de vidro. Embora ele no seja uma rplica do castelo de Manhattan, fica bvia, na histria, a relao entre os dois. Em certo sentido, ele semelhante ao castelo maior. Mesmo num fractal, as partes pequenas no so exatamente iguais ao todo, mas semelhantes. Com isso fica evidenciada a preocupao dos autores de injetar na histria formas construdas semelhana dos fractais.Pgina 7Temos, aqui, a repetio da cena com o castelo em miniatura. Esse aspecto da constante repetio dos fractais c salientado por Bill Sienkiewicz, desenhista de Big Numbers: "Voc entra visualmente numa equao fractal dentro de um computador como voc entra na concha do Nutilus. Voc continua entrando e as coisas se repetem".83Pgina 8Novamente a repetio do castelo em miniatura, agora numa evidente comparao com o vidro de perfume Nostalgia. Quando Laurie revela que est dormindo com Daniel (Nite Owl), Manhattan responde simplesmente:"Eu disse muitas vezes, que voc era o meu nico elo com o mundo. Quando voc me deixou, eu parti. Isso no lhe diz nada? Agora fui substitudo, e o elo se partiu. No v a futilidade... de me pedir para salvar um mundo com o qual no tenho nenhuma ligao?"84Com isso, Moore demonstra a desumanizao da cincia. Ela perdeu o seu elo com o mundo, ou seja, o humanismo. No universo visto como um relgio da concepo laplaciana, o ser humano apenas mais uma engrenagem. Mais frente, Manhattan diz que o universo nem mesmo notar caso a humanidade seja destruda.Pgina 9-10Nessas pginas, Manhattan reafirma sua frieza83.SIENK.IEWCZ, Bill. Entrevista. Revista HQ, 1. So Paulo, Palermo, p. 9.84.MOORE, op. cit., v5-l, p. 8.Iaplaciana: "Para mim, este mundo vermelho mais importante que o seu mundo azul". No quarto quadro, que ocupa dois teros da pgina nove, vemos o castelo em toda a sua extenso. O conjunto apresenta a simetria caracterstica dos fractais. A parte de cima simtrica de baixo. O lado esquerdo simtrico ao direito.Pgina 11Nesta pgina h uma referncia ao livro Sob a Mscara, de Hollis Mason, o antigo Nite Owl. No livro, Mason revela que o Comediante tentara estuprar a me de Laurie:"Em 1940, aps uma reunio, ele tentou estuprar Sally Jupiter na sala de trofus dos Minutemen. Ele deixou o grupo pouco depois, por consenso mtuo, e com o mnimo de publicidade. Schexnayder persuadiu Sally a no lanar acusao sobre o Comediante para no prejudicar a boa imagem do grupo, e ela acabou concordando."Pgina 12Aqui temos a repetio da cena do perfume. Interessante notar a ao em dois planos, que aumenta a quantidade de informaes por quadrinho. E um recurso semelhante ao efeito de profundidade usado por Orson Wells em Cidado Kane.Pgina 13Moore volta a tocar no assunto da frieza da inteligncia Iaplaciana. Para Manhattan, a existncia de vida no importante: "Marte leva sua vida com perfeio, sem um microorganismo sequer. Veja. Estamos passando pelo plo sul. Nenhuma vida. Contudo, degraus de quase trinta metros de altura formam gigantescas ondulaes".Pgina 14Aqui temos uma viso dos desfiladeiros marcianos chamados por Manhattan de formao catica. Ele est profundamente interessado na geometria desse acidente geogrfico: "A vida pode ter florescido aqui, mas Marte no optou por ela. Escolheu isto".Para Manhattan, em comparao com os fenmenos fsicos, a vida humana breve e previsvel. Ela no apresenta surpresas. Laurie argumenta que sua vida tambm adquiriu uma formao catica e se lembra da reunio do grupo anticrime, organizada pelo Capito Metropolis em 1967. Essa reunio um efeito borboleta para vrios personagens de Watchmen, inclusive para Laurie, embora no pela mesma razo. Laurie, ao contrrio de Ozimandias, no percebe, na poca, que o mundo est beira da destruio. Sua principal preocupao parece ser o interesse amoroso por Manhattan.Pgina 15Nesta pgina, Laurie se encontra com o Comediante. Ateno para o sexto quadro. Os dois so vistos de perfil e Blake diz: "Voc puxou a Sally em tudo... tudo... menos nos cabelos". O desenhista e o colorista se esforaram em mostrar, nesse quadro, a semelhana entre os cabelos dos dois: a mesma textura e a mesma cor. Dessa forma, os autores preparam o leitor, de forma subliminar, para a revelao que vir a seguir.Pgina 16O quadrinho emblemtico desta pgina o segundo. Quando a me de Laurie repreende o Comedidante, eleresponde simplesmente: "Jesus Cristol A gente s tava papeando\ No se pode mais conversar com a prp... com a filha de uma velha amiga? O que pensa que eu sou?".No oitavo quadrinho, temos novamente o vidro de Nostalgia. A posio do vidro sugere uma ampulheta. O tempo est se esgotando e a histria se aproxima de seu clmax... O mundo logo ser arrasado por uma catstrofe nuclear e a salvao do planeta depende das lembranas de Laurie.Pgina 17A responsabilidade de Laurie fica ainda mais patente nesta pgina. Apesar de todos os indcios apontarem para o conflito nuclear, Manhattan no est abalado. Ao contrrio, ele parece mais interessado no monte Olympus, que se aproxima.Pginas 18-19Aqui chegamos ao mago da discusso do captulo. Manhattan argumenta que o universo no ir notar, caso a humanidade desaparea:"Ns j passamos por isso antes, Laurie. Voc defendia que a vida humana era mais importante que esta desolao, e eu no fiquei convencido. Voc tentou comparar a incerteza de sua existncia com o caos deste mundo... Mas onde esto os pinculos para rivalizarem com o Olympus? Onde esto as profundezas para serem comparadas queles... Ah, estamos nos aproximando do Vale Marineris. Veja! Ele se estende por mais de cinco mil quilmetros. Enquanto uma parte recebe a luz do sol, na outra ainda noite. As diferenas de temperatura provocam ventos frios, que formam oceanos de nvoa ao longo de um(lesfiladeiro de mais de seis quilmetros de profundidade. O corao humano conhece abismos to profundos?."85No livro Cincia com Conscincia, Edgar Morin toca no mesmo assunto que Alan Moore. Para ele, a vida humana no um sistema linear. Se, por um lado, possvel visualizar uma determinao em termos de sociedade, praticamente impossvel previses acerca do indivduo:"Qualquer estatstica comporta uma viso em dois nveis: ao nvel dos indivduos, a eventualidade, as desordens, as colises; ao nvel das populaes, so as regulari- dades, as probabilidades, as necessidades. Bem entendido, o restabelecimento da ordem e da previso ao nvel estatstico no elimina a desordem e a imprevisibilidade ao nvel individual. Podemos, por exemplo, fazer uma previso estatstica bastante rigorosa dos acidentes e das mortes nas estradas durante os fins-de-semana ou a festa de Pscoa. Mas ningum pode dizer quem vai morrer durante esses acidentes da estrada, a comear por aqueles que so suas vtimas."86A sociedade previsvel apenas em termos de probabilidade. O indivduo, por sua vez, completamente indeter