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VIVÊNCIAS EM ATIVIDADES DIVERSIFICADAS DE LAZER: A CONVIVÊNCIA
E O DIÁLOGO COMO PRINCÍPIOS FUNDANTES DA PRÁTICA DIALÓGICA
Maurício Mendes Belmonte (SMCAS/PMSC – PPGE- NEFEF/UFSCar)
Max Douglas Vieira (CLM/UFSCar)
Marina Guerra Rossi (CBCI/UFSCar)
Vinícius Fernandes de Souza Silveira (CEF/UFSCar)
Eixo Temático: Ludomotricidade
Agência Financiadora: ProExt/UFSCar - NuMI-EcoSol
Resumo
A presente pesquisa se configura com estudo preliminar acerca processos educativos
decorrentes da prática dialógica empregada no projeto Vivências em Atividades
Diversificadas em Lazer. Como metodologia de pesquisa foi empregada a perspectiva
qualitativa de inspiração fenomenológica. Na coleta de dados foram utilizados diários de
campo. Para análise dos dados foram empregadas as fases de Identificação das Unidades de
Significado, Redução Fenomenológica, Organização de Categorias e Construção dos
Resultados. Foram encontradas três categorias, a saber: A) Convivência prazerosa e
compartilhada; B) Cuidados com a saúde; C) Processos Educativos Dialógicos. Consideramos
que a convivência e o dialogo tem contribuído para o protagonismo e autonomia da
comunidade participante do VADL.
Palavras-chave: Pedagogia dialógica, Motricidade Humana, Lazer.
Introdução
A presente pesquisa foi desenvolvida junto a equipe de educadores e
educadoras do projeto de extensão “Vivências em Atividades Diversificadas de Lazer”
(VADL) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), bem como às crianças
participantes do citado projeto e equipe de educadores(as) da Secretaria de Cidadania e
Assistência Social (SMCAS) da Prefeitura Municipal de São Carlos (PMSC). Nesse sentido,
faz necessária uma breve contextualização histórica do VADL até os dias atuais.
As ações do VADL foram iniciadas em 1999 através do programa “Esporte
para Cidadania”, do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana (DEFMH) da
UFSCar. Os encontros eram semanais e as ações eram desenvolvidas dentro do próprio
campus desta instituição. Sua atenção era voltada para crianças e adolescentes da comunidade
sancarlense, bem como os filhos e filhas de funcionários e funcionárias da UFSCar.
Historicamente o VADL tem desenvolvido ações junto a grupos
marginalizados, desqualificados e empobrecidos. Em 2000 projeto de extensão extrapolou os
limites do campus, passando a atuar dentro da “Escola Estadual de Primeiro Grau Esterina
Placco”, atendendo o convite feito pela coordenadora pedagógica daquela escola.
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No ano seguinte, em 2001, foi iniciada atuação junto à equipe de educadores e
educadoras da “Casa Aberta”. Neste local foram atendidos adolescentes em situação de risco
social. Naquele mesmo ano recebeu convite da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer
(SMEL/PMSC) para desenvolver atividades junto a crianças e adolescentes com idade
compreendida entre 7 e 14 anos que atuavam como “guardadores de carro”. Para tanto, suas
atividades foram desenvolvidas no Centro Integrado da Criança e do Adolescente (CICA)
“Dário Placeres Cardoso Júnior”, instalado na região central.
Após essa breve trajetória, de 1999 à 2001, porém profícua, o VADL chega em
2002 ao bairro Jardim Gonzaga reafirmando a parceria com as SMEL e iniciando uma nova
com a SMCAS para atuar com a equipe do projeto “Campeões na Rua”, em bairro periférico e
marginalizado conhecido naquela época como “Favela do Gonzaga” que hoje é chamado de
Jardim Gonzaga. Desde então, o projeto de extensão universitária deitou raízes na citada
comunidade e, no ano corrente, 2012, completará 10 anos de atuação junto à comunidade.
Dentre as mais significativas mudanças vivenciadas pelo projeto, destacamos o
aprofundamento no trabalho de levantamento de Temas Geradores, possibilitado a partir do
agraciamento com o prêmio “Nike Esporte Pela Mudança Social” em 2009. Nesta feita foi
possível a contratação de mais educadores. Assim, uniram-se a equipe do projeto estudantes
das áreas da Música, Biblioteconomia e pedagogia, para além daqueles e daquelas,
tradicionalmente, da Educação Física.
Após apresentar um breve apanhado histórico do VADL, será apresentado o
contexto ao qual se insere o projeto de extensão.
A cidade de São Carlos e o Jardim Gonzaga.
A dinâmica do sistema econômico vigente tem gerado processos de exclusão
social, desumanização e opressão de uns sobre os outros. O bairro Jardim Gonzaga, situado na
cidade de São Carlos, não escapa a esta dura realidade. Seus moradores e moradoras são
estigmatizado enquanto favelados e faveladas: “Diante desse universo em contradição, seres
humanos tomam posições contraditórias: alguns trabalham na manutenção das estruturas
desumanizantes, outros em sua mudança” (OLIVEIRA, 2003, p.6).
A possibilidade de superação de tal estigma, de irromper com as situações
limites vivenciadas no cotidiano da comunidade mantém uma relação direta com a
necessidade de refletir acerca dos condicionantes históricos que permeiam aquela população.
Pois como nos alerta Dussel (1995):
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Vale decir que estoy siendo condicionado por una historia milenaria. Yo soy lo que
he sido, pero a su vez lo que he sido es el que emplaza como futuro un proyecto (f).
Si hubiera nacido en Japón tendría un proyecto de japonés; pero nací en Argentina, e
inevitablemente, aunque me suicide (que es un modo de afirmar lo dicho) o me vaya
a vivir al Japón (que es un modo de traicionarme), sigo siendo en el fondo argentino.
Es decir, el pasado condiciona o emplaza un proyecto futuro; desde ese proyecto se
abren las posibilidades (a, b, c, que tienden a f ) que empuño en mi presente
(DUSSEL, 1995, p. 94).
O Município de São Carlos por sua, vez, situada no interior do estado de São
Paulo, região sudeste do Brasil, portanto América Latina, não escapa a condicionalidade
histórica ao qual toda nação latino-americana se encontra subjugada à uma totalidade de um
projeto eurocêntrico de ser no mundo galgado sob o “mito da modernidade” (DUSSEL,
1995).
A cidade é considerada polo tecnológico devido à implantação de duas grandes
universidades nos anos de 1950 e 1960. São elas a Universidade de São Paulo (USP/campus
São Carlos) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), respectivamente. Na segunda
metade da década de 70 e início da década de 80 ocorreu uma crescente industrialização no
município. Esse processo de industrialização promoveu um grande deslocamento de famílias
de várias cidades do estado, excluídas do campo, bem como famílias da própria capital que
buscando “melhoria de vida” (ROSA, 2008, p.48).
As famílias que vinham para o munícipio e não conseguiam se estabelecer
emprego nessas indústrias acabavam por assumir postos de trabalhos sazonais em meio as
atividades de trabalho agrícola. Essas pessoas, com empregos temporários, não conseguiam
arcar com as despesas de aluguel e moradia. Foi quando começou a ocupação irregular onde
hoje chamamos de Jardim Gonzaga. Nesse sentido Rosa (2008) aponta:
Sem condições de prosseguir arcando com os custos de vida na cidade, ameaçados
de despejo, é nesse momento que a família parte para a ocupação, última alternativa
encontrada. Ocupam, por uma semana, um bar abandonado, em um dos bairros mais
próximos ao que viria a ser o Jardim Gonzaga, até tomarem conhecimento, através
da rede de relações estabelecida pelo trabalho “na roça”, de que algumas famílias
haviam ocupado um terreno por ali: seus pais e ela trabalhavam junto com 'seo' Gonzaga, o primeiro morador do Jardim Gonzaga (p. 49).
Observamos que o Jardim Gonzaga começou a ser ocupado em 1977 e possui
tal nome em decorrência de um dos primeiros moradores, Gervásio Gonçalves, ser conhecido
como “Seu Gonzaga”. Entre 2004 e 2006 o citado bairro passou por transformações através
do “Projeto de Urbanização Integrado – Gonzaga e Monte Carlo” que se tornou possível a
partir de financiamento viabilizado pela PMSC junto ao “Programa Habitar Brasil do Banco
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Interamericano de Desenvolvimento” (HBB-BID), cujo objetivo principal foi o de revitalizar
áreas degradadas econômica e socialmente, como foi o caso do Jardim Gonzaga.
Destacaram-se, nesta feita, obras de infra-estrutura (drenagem, rede de água e
esgoto, pavimentação, iluminação e contenção de encostas), as de reestruturação das casas e
legalização daquelas em que os moradores já habitavam há mais de cinco anos (portanto, com
direito de “usucapião”), a edificação de dois conjuntos habitacionais (pois várias construções
se localizam próximas de uma grande área de risco e de preservação ambiental, a bacia
hidrográfica do Córrego da Água Quente, chamada pelos moradores locais de “buracão”) e da
Estação Comunitária (ECO) - na qual foi construída uma quadra poliesportiva coberta, um
minicampo de futebol, uma área de recreação infantil, uma sala multiuso, uma área de
convivência e uma Unidade de Saúde da Família (USF), cozinha e banheiros masculino e
feminino (GONÇALVES JUNIOR; SANTOS, 2006).
Porém, mesmo frente às transformações do bairro, a população que lá habita
continua estigmatizada e, não raro, ouvimos depoimentos de moradores(as) que declaram
morar em outros bairros quando buscam emprego, por exemplo. A busca por superar as
situações limite que vem interferindo no desenvolvimento pessoal e comunitário da população
local é algo encarnado no dia a dia dela a partir da realidade concreta que vivenciam:
desemprego, trabalho informal e baixa remuneração; violência doméstica; predominante
presença da mulher como “chefe de família”; pouca diferença de idade entre pais e filhos;
baixa escolaridade; vulnerabilidade as drogas.
Como se observa a trajetória histórica de processo de formação do Jardim Gonzaga,
onde o projeto VADL se desenvolve atualmente, particularmente na ECO, denuncia a luta na
busca de melhoria das condições de vida dos moradores e moradoras daquela comunidade
que, segundo Rosa (2008), é marcada por grandes embates políticos e repleta de interesses,
muitas vezes, alheios aos da população.
Referencial para intervenção do VADL.
Em sua dimensão teórica o VADL encontra na “Pedagogia dialógica” de Paulo
Freire (1897) a perspectiva de estabelecer um espaço educativo dialógico com vistas a
promover educação para e pelo lazer. Tendo como pano de fundo o “mundo-vida”
(GONÇALVES JUNIOR, 2003) das pessoas que compõem a realidade local, o contexto ao
qual o projeto se insere.
Em consonância com a pedagogia dialógica freireana está a perspectiva da
“Filosofia da Libertação” de Enrique Dussel (1995). Este autor denuncia a necessidade de
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romper com a “Totalidade Vigente” que manifesta através do sistema econômico hegemônico
a sua dinâmica de desumanização aos auspícios de um projeto eurocêntrico, quando não
estadunidense, de desenvolvimento exclusivamente econômico. Transformando homens e
mulheres em instrumentos, ferramentas, ou ainda, em coisas na qual a economia dos Estados
não tem conseguido suprir com os mínimos sociais gerando um sem números de “pobres
latino americanos” (DUSSEL, 1995), ou dos “oprimidos e oprimidas” (FREIRE, 1987).
Com vistas a superação das situações limites imposta por tal sistema o projeto
de extensão tem-se primado pelo estabelecimento da “convivência metodológica”
(OLIVEIRA, 2009) na qual permite aos educadores e educadoras conhecer melhor a realidade
e a comunidade onde o projeto se insere por meio de relações de respeito, companheirismo,
cooperação, simpatia e reciprocidade. Nesse sentido, desde o início da intervenção do VADL
no atual Jardim Gonzaga, que ocorreu no ano de 2002 ainda enquanto era tal território era
compreendido como a “favela do Gonzaga” (ROSA, 2008), já se vislumbrava o diálogo como
princípio para a realização da leitura de mundo no encontro intersubjetivo entre a
interioridade de cada um e cada uma com a exterioridade mundana, com o outro.
Para o estabelecimento das relações dialógicas e reconhecimento do Outro,
pautado na “ética da alteridade” (DUSSEL, 1995) é necessária uma concepção de Ser que
rompe com a dicotomia cartesiana que tem impelido sua ideologia dualista às várias esferas
sociais. Assim, os trabalhos em saúde, a educação, as ciências, acabam por fragmentar o ser,
tornando-se na cultura corporal comum falar-se em “corpo e mente”. Buscando romper com
esse dualismo durante as atividades do VADL tem-se procurado dialogar sobre as interfaces
existentes entre saúde-trabalho-lazer-cidadania. Desta forma, de acordo com Gonçalves Junior
(2011):
Explicitamos que o VADL realiza ação junto a crianças e adolescentes entre 3 e 17
anos, tendo, como objetivo geral, desenvolver a educação para e pelo lazer. O
referencial do VADL “é embasado na perspectiva da motricidade humana (Manuel
Sérgio; Sergio Toro), na fenomenologia existencial (Maurice Merleau-Ponty; Joel
Martins) e na pedagogia dialógica (Paulo Freire)” (GONÇALVES JUNIOR, 2011).
A partir do prêmio “Nike Esporte Pela Mudança Social”, em 2009, temos
buscado aperfeiçoar a sistematização do trabalho de investigação temática que, de Acordo
com Gonçalves Junior (2009) são “equiprimordiais e inter-relacionados”. Nas palavras do
autor.
Investigação temática – descobrir o que as pessoas da comunidade já sabem, que
leitura fazem do mundo e qual assunto/temática lhes afeta e interessa (proporcionam
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tema gerador). Descobrindo o que sabem aprimorarmos juntos os conhecimentos,
educando e nos educando, partindo do saber de experiência feito.
Tematização – o educador é aquele que incentiva e motiva a partir da palavra, do
tema gerador. O diálogo se faz necessário para percebermos posturas, posições,
pontos de vista distintos, modos de perceber o mundo, e, de modo igualitário,
compartilhar conhecimentos.
Problematização – momento do engajamento, do compromisso emancipador
solidário daquele conhecimento, da construção-reconstrução do mundo lido, da
transformação das condições de vida, da libertação (p.705).
Metodologia e análise dos dados
Os resultados a seguir foram organizados em categorias que emergiram a partir
da intersubjetividade da equipe de educadores/as do VADL com os(as) crianças participantes.
Para tanto foram identificadas a partir dos registros em Diários de Campos (BOGDAN;
BIKLEN, 1994). Estes são apresentados e identificados em ordem cronológica crescente por
algarismos romanos (I, II, III...).
Com metodologia de análise inspirada na fenomenologia, após intenso trabalho
de leitura dos DC foi realizada a identificação das Unidades de Significado (US) colhidas
diretamente nas descrições dos DC, tratando-se de um primeiro movimento em busca da
essência do fenômeno (MARTINS; BICUDO, 1989; GONÇALVES JUNIOR; COUTO;
RAMOS, 2003). Tais US aparecem com numeração arábica crescente (1, 2, 3...).
Para formar as categorias foi realizada a redução fenomenológica a partir de
convergências ou divergências (d) identificadas nos discursos expressos nos DC. Do processo
de redução emergiram três categorias, identificadas pelas letras maiúsculas A, B e C.
Enquanto perspectiva ética todos(as) participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Os Educadores tiveram seus nomes mantidos, já as
crianças participantes tiveram seus nomes substituídos por nomes fictícios.
Será realizada agora a apresentação das categorias emergentes no trabalho de
análise dos dados.
A – Convivência prazerosa e compartilhada.
Durante os processos de releitura dos DC pude perceber asserções que
apontavam para a identificação de momentos de satisfação, ou felicidade em estar ali
convivendo com seus pares. Momentos estes, nas quais as crianças, ou educadores(as)
expressos através de suas falas, gestos, atitudes, ou mesmo, externalizadas em seus
semblantes:
As atividades musicais tem nos auxiliado no sentido de estimular mais processos de
cooperação/coletivismo. Nesse sentido foi muito satisfatório e importante perceber
todas as crianças envolvidas na atividade musical. Assim, mesmo com a divisão
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didática (caxixi de um lado e bolinha de tênis no outro), foi destacada por Max a
importância da interação entre os grupos e a harmonia musical para que toda gente
pudesse desenvolver o mesmo ritmo e o compasso. As crianças pareciam se divertir
no instante em que descobriam novas possibilidades de explorar movimentos e
produzir sons dentro da proposta da musicalidade indígena proposta pelo Max.
Assim no ritmo dos “quatro tempos” as crianças riam, interagiam, ajudavam umas as
outras. Principalmente aquelas que estavam com a bolinha de tênis (MAURÍCIO,
DC V, US-7).
A convivência prazerosa, a prática do diálogo, leituras de mundo que as
crianças faziam, a comunicação de fatos do dia-a-dia, a atitude de compartilhar instantes de
alegria, a cooperação com seus/suas colegas, o sorriso. Tais manifestações também
compuseram as US que convergiram para a categoria “A”:
Na hora do almoço, sentei ao lado da Maria, ficamos conversando sobre a escola e
seus afazeres. Ela contou que suas disciplinas favoritas são matemática e português
e que em sua casa ajuda sua mãe a lavar roupa, lavar louça e varrer a casa. Ela disse
que gosta de ajudar no que pode e que gosta de estudar (VINÍCIUS, DC III, US-7).
Nesta categoria também foram identificadas US que divergiam com a categoria
apresentada. Tais asserções indicavam a ocorrência de atitudes desrespeitosas entre as
crianças, ou atitudes que não colaboravam para o bom andamento da atividade:
A leitura do jornalzinho estava indo bem até as crianças Caroline e Arlene
começarem a reclamar que queriam ir logo a quadra para brincar, com isso a turma
se agitou e o resto das crianças também queriam acabar logo o jornalzinho para começarmos as acrobacias. Explicamos a importância de realizar o que havia sido
combinado, porém a atitude tomada pelas duas meninas foi de acelerar o processo de
leitura da entrevista, não importando com a real qualidade do que se estava fazendo
para poder ir para a quadra o mais rápido possível. O que acabou influenciando no
comportamento das outras crianças que reproduziram a mesma atitude. Assim, foi
rapidamente terminada a leitura da entrevista realizada com o funcionário Odair e
nos dirigimos para a quadra para realizar a outra atividade proposta (VINÍCIUS, DC
III, US-6d).
A perspectiva dialógica tem referenciado todas as ações do projeto. Desta
forma, em ocasiões em que ocorre desentendimentos, conflitos, opiniões divergentes,
estimulamos a resolução de conflitos através do diálogo, pois este é o princípio fundante de
uma intervenção que objetiva gerar a conscientização para a transformação social:
No ensaio da coreografia todos participaram ativamente na dança, tanto na quadrilha
tradicional, como na maluca e a única reação que julgo de mau comportamento foi
da participante Jéssica de não querer dançar com outra pessoa além da sua melhor
amiga (como ela mesma diz), Laurinda. Chorando quando a colega ia dançar com
outras pessoas. Porém é uma ação natural se tratando de uma criança de 4 anos de idade. Conversamos com ela para dançar também com os outros colegas, ela não
levou muito em consideração, e só voltou a dançar quando a Laurinda dançou com
ela novamente (VINÍCIUS, DC XIV, US-7).
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B – Cuidados com a saúde
O trabalho de leitura dos DC permitiu a emersão da categoria “B – Cuidados
com a saúde”. Nesta, foram identificadas asserções que apontavam para uma grande atenção
em cuidados com a higiene pessoal. A saber: A saúde bucal, e a higienização das mãos.
Foram recorrentes asserções que apontavam para esses momentos (higienização das mãos e
saúde bucal).
Devida a dinâmica de trabalho do VADL, nos momentos que precedem a
refeição tem sido estimulado a higienização das mãos. Já nos momentos posteriores aos de
desjejuns todas as crianças escovam os dentes:
Quase no fim do projeto enquanto eu acompanhava a escovação, percebi que muitas
crianças estavam escovando o dente com uma consciência tão grande que refleti
sobre o quanto era importante para elas este momento pois lembrei que muitos colegas meus quando mais novos assim como eu perdemos alguns dentes devido a
uma atitude simples que nossos antigos professores poderiam ter nos ensinados após
as merendas.(MAX, DC I, US-5).
Em sua trajetória histórica o projeto de extensão da UFSCar sempre atuou
também na dimensão da saúde, uma vez que tem buscado contemplar compreende o ser em
sua plenitude, não fragmentando-o. Desta forma, a fruição do lazer em si traz contribuições
significativas para o âmbito da saúde. No ano de 2009, após visitação ao SESC São Carlos, à
exposição “Sorriso é coisa séria”, os educadores e educadoras do projeto intensificaram as
ações em saúde bucal e pleitearam, conjuntamente à equipe pedagógica da PMSC a aquisição
de kits para escovação durante a permanência das crianças no projeto.
No ano de 2011, através da ação da SMCAS foi instalado um
bebedouro/enxaguatório bucal, bem como o fornecimento de sabonete líquido para que as
crianças pudessem higienizar suas mãos de maneira mais adequada.
Essas atitudes foram tomadas e conquistadas, pensando que a melhor maneira
de se combater problemas como cáries e doenças relacionadas a falta de higiene, é o prevenir.
Com isso antes e depois das refeições, então, os responsáveis por lembrar e organizar, essas
ações, são os educadores. Entretanto, também visto nos diários de campo, essas atitudes tem
se tornado um habito comum para as crianças, que ultimamente, nem precisam ser cobradas
para realizar tais ações. O que nos deixa muito felizes e satisfeitos, pois vemos que o trabalho
com os cuidados com a saúde tem dado resultado:
Conforme elas terminavam sua refeição elas iam escovar os dentes. Interessante notar que diferentemente do passado, não se faz mais necessário insistir para que as
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crianças escovem os dentes. Elas realizam tal tarefa autonomamente. Após a
escovação as crianças retornaram para seus lares para poder se arrumar para ir para
escola (MAURÍCIO, DC 5, US-4).
C – Processos Educativos Dialógicos
Esta categoria foi formada a partir da convergência de um conjunto de US na
qual foi observada que a convivência entre os(as) educadores(as) e participantes do projeto
durante as vivências foi promovida uma relação de reciprocidade na qual não houve polos no
processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, os educadores e educadoras aprenderam
com as crianças, estas aprenderam com seus pares, bem como com a equipe pedagógica.
De forma intencional houveram atividades que estimularam esse processo
horizontal de aprendizagem. Dentre elas destacamos o processo de planejamento das
atividades do VADL. Assim, ora no momento inicial, ora no momento final, era estimulado a
retomada e deliberação das atividades que seriam vivenciadas, respectivamente.
Roda de conversa para colocar “o papo” em dia e combinar as vivências do encontro
(8h30min às 9hrs): Neste momento aproveitamos para dialogar com as crianças
sobre “como?” haviam passado a semana, instigando-as a informar/contar alguma novidade, ou algo que achassem interessante para toda a turma, bem como relembrar
o que tínhamos combinado na semana anterior e acertar a sequência na qual
vivenciaríamos o que foi proposto coletivamente para aquele encontro. Assim foi
combinado que iríamos realizar primeiramente a Atividade Musical, seguida pelo
“Garrafobol” e, por fim, o jogo “Rouba-Castelo”. Aproveitamos também para
informar que na quinta-feira seguinte (24/05/2012) realizaríamos o passeio para o
museu da TAM (empresa privada de transporte aéreo) e que desta forma
combinaríamos jogos e atividades para semana seguinte, para além do passeio
(MAURÍCIO, DC V, US-2).
Outras situações vivenciadas que convergiram para o desvelamento desta
categoria foram observadas durante as atividades de musicalização. Nestes momentos as
crianças se expressaram mais, interagiam umas com as outras, sorriam, dançavam e
protagonizavam momentos de criação e contemplação musical.
Ao fim da atividade observei que é extremamente importante estimular as crianças a
experimentar tocar os instrumentos, construindo ritmos, aplicando coletivamente,
gerando uma comunicação maior entre eles e o fazer musical, possibilitando uma
aproximação e apropriação da música, diferente da recebida pelos meios de comunicação, fazendo com que elas compreendam seus potencias, vivenciando a
música de uma forma espontânea (VINÍCIUS, DC III, US-3).
Após a apresentação realizada logo acima, acerca das categorias apresentamos,
logo abaixo as considerações acerca do estudo realizado.
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Considerações
Temos desenvolvido o planejamento das ações do VADL a partir das
experiências e diálogos colhidas nos encontros semanais que ocorrem no Jardim Gonzaga,
bem como nos momentos sistematizados de reuniões, destinados para planejamento e
avaliação das vivências. Em ambos os espaços o diálogo tem se configurado como princípio
fundante para a convivência que de acordo com Freire (1987):
O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que solidarizam o
refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e
humanizado, não pode redurzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no
outro, nem tampouco torna-se simples troca de idéias a serem consumidas pelo
permutante ( p.79).
A perspectiva metodológica do projeto “Vivências em atividades diversificadas
de lazer” tem possibilitado um trabalho a partir de uma ótica interdisciplinar construindo um
diálogo através da relação entre as áreas da Educação Física, Biblioteconomia e Educação
Musical, buscando desencadear processos educativos por meio da vivência de atividades
musicais, atividades lúdicas, exercícios rítmicos, cantos populares, improvisações rítmicas,
gestos e jogos sonoros, leitura de livros e materiais informativos confeccionados com a
colaboração de toda gente participante, passeios.
A convivência, que não se limita ao da atuação interdisciplinar, mas a
convivência entre as pessoas da comunidade participante do VADL (educadores/as e
crianças). Nesse sentido, a partir de sua perspectiva de educação popular empregada em seu
referencial teórico, o VADL tem possibilitado disparar processos educativos a partir de
vivências não escolares. Nesse sentido apontamos para as compreensões de Freire (2005),
acerca da educação não ser um privilégio somente da escola, que aqui parafraseamos com
“academia”. Nas palavras do autor:
Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar,
teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas
ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios,
em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se
cruzam cheios de significação (p.44).
Vislumbramos que com a organização da biblioteca “Menino Maluquinho”, a
proposta de ação cultural libertadora oportunizará um maior acesso a cultura literária, se
configurando como um espaço na qual o bibliotecário(a) troca experiências com crianças e
adultos da comunidade do jardim Gonzaga.
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Por ora, compreendemos que a atividade de musicalização e os momentos de
planejamento e deliberação das atividades tem se desvelado como os momentos mais
significativos para desencadear processos educativos no sentido a gerar maior autonomia e
protagonismo e uma relação de reciprocidade com a comunidade participante.
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