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Vida, trabalho e linguagem na cultura das redes: elementos para uma antropológica do ciberespaço Cláudio Cardoso de Paiva * Índice 1 Introdução ............. 1 2 Gestão da felicidade na cultura das redes ................ 3 3 Estratégias de subjetividade e so- ciabilidade ............. 4 4 Novas empiricidades na cultura das redes .............. 6 5 Novas competências na iniciação e capacitação científica ....... 7 6 Conclusão ............. 13 7 Bibliografia ............ 14 Resumo Exploramos aqui as diferentes modalidades como os internautas utilizam os computado- res. Para a maioria a hipermídia funciona como um canal de diversão e entretenimento. Para outros, além de se constituir como um vetor de informação permanente, funciona como uma estratégia operacional eficiente no campo da pesquisa científica e como opor- tunidade de trabalho numa época de reces- são e desemprego. Há outros ainda que vêm a Internet como uma via de acesso a outras espiritualidades e corporeidades. Sondamos * Professor adjunto do Departamento de Comuni- cação - UFPB então as formas afirmativas na cultura das redes, recorrendo a autores que têm apre- sentado elementos vigorosos para um saber em moldes de uma antropológica do ciberes- paço. São eles Maffesoli, Morin, Castells, Lévy e Mattelart (no estrangeiro) e Sodré, Lemos, Parente, Marcondes Filho, Moraes (no Brasil), entre outros. 1 Introdução A cultura das redes aparece contemporane- amente como uma metáfora para traduzir o sentido das experiências de interação, comu- nicabilidade e sociabilidade. No contexto brasileiro (e particularmente na região Nor- deste), os tempos de trabalho e de lazer têm se realizado visceralmente ligados a uma lin- guagem e uma pragmática das “redes”, se- jam “redes de dormir” ou “redes de pescar”. A configuração histórica das redes de al- godão, nas casas grandes e favelas, liga-se ao imaginário do sonho, do despertar, das re- lações amorosas e do devaneio poético; isto se mostra exuberante, por exemplo, na obra de Gilberto Freyre. A textura das redes de pesca (em corda ou nylon), por sua vez, tra- duz as expressões do trabalho ao ar livre, um ritmo de vida, uma temporalidade e uma eco- logia que possui enraizamentos muito fortes

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Page 1: Vida, trabalho e linguagem na cultura das redes: … trabalho e linguagem na cultura das redes: elementos para uma antropológica do ciberespaço Cláudio Cardoso de Paiva ∗ Índice

Vida, trabalho e linguagem na cultura das redes:elementos para uma antropológica do ciberespaço

Cláudio Cardoso de Paiva∗

Índice

1 Introdução. . . . . . . . . . . . . 12 Gestão da felicidade na cultura das

redes. . . . . . . . . . . . . . . . 33 Estratégias de subjetividade e so-

ciabilidade. . . . . . . . . . . . . 44 Novas empiricidades na cultura

das redes. . . . . . . . . . . . . . 65 Novas competências na iniciação e

capacitação científica. . . . . . . 76 Conclusão. . . . . . . . . . . . . 137 Bibliografia . . . . . . . . . . . . 14

Resumo

Exploramos aqui as diferentes modalidadescomo os internautas utilizam os computado-res. Para a maioria a hipermídia funcionacomo um canal de diversão e entretenimento.Para outros, além de se constituir como umvetor de informação permanente, funcionacomo uma estratégia operacional eficiente nocampo da pesquisa científica e como opor-tunidade de trabalho numa época de reces-são e desemprego. Há outros ainda que vêma Internet como uma via de acesso a outrasespiritualidades e corporeidades. Sondamos

∗Professor adjunto do Departamento de Comuni-cação - UFPB

então as formas afirmativas na cultura dasredes, recorrendo a autores que têm apre-sentado elementos vigorosos para um saberem moldes de uma antropológica do ciberes-paço. São eles Maffesoli, Morin, Castells,Lévy e Mattelart (no estrangeiro) e Sodré,Lemos, Parente, Marcondes Filho, Moraes(no Brasil), entre outros.

1 Introdução

A cultura das redes aparece contemporane-amente como uma metáfora para traduzir osentido das experiências de interação, comu-nicabilidade e sociabilidade. No contextobrasileiro (e particularmente na região Nor-deste), os tempos de trabalho e de lazer têmse realizado visceralmente ligados a uma lin-guagem e uma pragmática das “redes”, se-jam “redes de dormir” ou “redes de pescar”.

A configuração histórica das redes de al-godão, nas casas grandes e favelas, liga-seao imaginário do sonho, do despertar, das re-lações amorosas e do devaneio poético; istose mostra exuberante, por exemplo, na obrade Gilberto Freyre. A textura das redes depesca (em corda ou nylon), por sua vez, tra-duz as expressões do trabalho ao ar livre, umritmo de vida, uma temporalidade e uma eco-logia que possui enraizamentos muito fortes

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no contexto antropológico. Isto se faz pre-sente - por exemplo - na descrição que VictorHugo faz dosOs trabalhadores do mar, umaobra rica em detalhes da vida cotidiana queinspirou pensadores como Karl Marx. Emlinhas gerais, a cultura das redes, historica-mente, refere uma bacia semântica que situaos seres humanos na rotina do trabalho e dolazer cotidiano, mas, sobretudo, traz consigoos traços de uma experiência marcada pelossignos do homem, da terra e da luta.

Esta concepção se faz presente no âmbitode uma história social, cujas emanações per-sistem até hoje e não podem ser negligenci-adas quando nos predispomos a um esforçode leitura e interpretação das culturas con-temporâneas.

O termo “cultura das redes” traduz experi-ências reais, cuja força imaginante e concre-tude histórica, na época da chamada globa-lização, neoliberalismo, aceleração tecnoló-gica e fluxos informacionais adquirem novassignificações. Hoje as redes de informaçãotêm modificado o sentido da nossa culturadas redes e evidentemente promovem novasrelações de sentido nas dimensões da econo-mia, sociedade, estética e política.

Remontando a Manuel Castells - e seu es-tudo daSociedade em Rede- percebemosque, imbuído numa perspectiva crítica, o au-tor se empenha em decifrar o alcance e oslimites, os paradoxos e as contradições, asespecificidades e generalidades das redes deinformação como o produto mais acabadona nova fase do capitalismo global. Toda-via a perspicácia do sociólogo catalão resideem revelar como no contexto da “globaliza-ção” se inscrevem novas redes de sociabili-dade, com matizes regressivos, mas tambémprogressistas. A hiperconcentração de renda,os fundamentalismos, as conexões do crime

global, o apartheid tecnológico, as novas for-mas de segregação e exclusão mundiais com-poriam assim a face perversa dessa nova de-sordem mundial. Por outro lado, as novasredes de identidade (a emancipação das mu-lheres, dos negros, dos gays), as comunida-des virtuais, os ambientalistas, os novos mo-vimentos sociais e seus agenciamentos mi-cropolíticos estabelecem os termos das no-vas estratégias inscritas no interior desta ex-periência que nomeamos por “cultura das re-des”.

O controle remoto, os celulares, os vide-ogames, o fax, o computador, a Internet, etcgeraram experiências culturais inéditas, in-clusive as inovações no âmbito dos discur-sos e das práticas comunicacionais. O ensinoà distância, as teleconferências, o namorovirtual, a correspondência on line, a virtu-alidade, disponibilidade e acesso dos textoson line, entre outros dispositivos criaram no-vas espacialidades e temporalidades. Ocor-reram alterações fundamentais nos temposdo trabalho e nos tempos do lazer, nos mo-dos de pensar, de falar e de agir. Dora-vante evidenciam-se novas modulações quenos permitem repensar a significação do “es-paço público” e os modos de participaçãono contexto das decisões públicas. As no-vas redes atualizam o estilo dos confrontos edas cooperações, dos conflitos e das negoci-ações.

Com a mundialização as fronteiras se tor-naram mais próximas e implicam uma di-mensão de pureza, mas também de perigo.Na época dos mercados globais faz-se ne-cessário distinguir as formas de expansão ede contração em que se misturam o tradici-onal e o ultramoderno. Num mesmo espaçoregional se inscrevem as enxadas e os com-putadores, as feiras tradicionais e os hiper-

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mercados, as receitas domésticas e a enge-nharia genética. As tecnologias da informa-ção se projetam nas estruturas do cotidiano,criando novas formas de “inteligência cole-tiva”, como sugere Lévy, novos modos do“agir comunicacional”, novas “competênciascomunicativas” e novos estilos de intersubje-tividade, como escreve Habermas.

2 Gestão da felicidade na culturadas redes

O nosso argumento sobre a comunicação nocontexto cultural do Brasil coloca em pers-pectiva o problema das tecnologias de in-formação, tentando acertar os ponteiros comos novos discursos institucionais e instituin-tes motivados pela irradiação da idéia do“novo”. Após a eleição no Brasil de umPresidente da República advindo dos estra-tos mais populares, irradia-se uma aura denovidade e esperança, e de certo modo, istoimplica na renovação das apostas acerca dodesenvolvimento sustentável. Assim, situa-mos o debate sobre as tecnologias de infor-mação como uma atualização da “cultura dasredes”, que reúne num mesmo intervalo his-tórico as formas arcaicas e ultramodernas.

Situamos um lugar de fala norteado poruma antropologia da comunicação, conside-rando os processos comunicacionais em suasrelações com os mundos do trabalho, vida elinguagem. Assim, lançamos um olhar so-bre as formas recentes como os atores soci-ais realizam suas experiências profissionaispor meio das tecnologias da informação eda comunicação. Verificamos que as nano-tecnologias são contemporâneas dos proces-sos biotecnológicos que acenam para sinaispositivos no mundo da vida. E ao mesmo

tempo, observamos que os internautas par-tilham as emoções, afetos e sensações atra-vés da Internet e percebemos que as salas debate-papo são exemplares para entendermosalgumas nuances das novas relações dos se-res em rede. Percebemos igualmente que aambiência virtual tem possibilitado a emer-gência de linguagens nas estruturas da vidacotidiana e isto implica na aproximação dasfronteiras entre os sujeitos e grupos sociais.

O universo do ciberespaço tem performa-tizado a emergência de novos estilos de vi-sibilidades, sonoridades e dizibilidades iné-ditas, que são - simultaneamente - produzi-dos, irradiados e consumidos pelos usuários.Tudo isto proporciona novas relações de sen-tido, novos gêneros de comunicabilidade, ci-dadania e experiência comunitária. Focaliza-mos as modificações nas formas cognitivas,sensoriais, estéticas, sociais e políticas quese instauram no espaço das redes virtuais, eneste sentido, buscamos examinar como astecnologias da informação e da comunica-ção se processam junto aos processos sócio-históricos.

Assim privilegiamos a “cultura das redes”em nossas pesquisas mais recentes, perma-necendo atentos às formas históricas, soci-ais e subjetivas. Espreitamos as concretudese empiricidades que formalizam o espectroda “sociedade em rede” e procuramos deci-frar os tipos de relações dialógicas entre osseres por meio das técnicas que habitam osnovos meios interativos. Desta forma, bus-camos apreender os modos de saber, poder efazer que aquecem o novo ambiente comu-nicacional, e ao mesmo tempo, investigamosas modalidades do pensar, dizer e agir ex-perimentadas pelos atores sociais no contatoimediato com as máquinas de comunicar.

Os tipos de vida marcados pelo hibridismo

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de formatos e tendências expressam uma es-tilística da existência guarnecida por diferen-tes registros territoriais, cronológicos, senso-riais, políticos e ecológicos. Esta geogra-fia híbrida que estrutura o imaginário pós-moderno não está ausente no cotidiano doBrasil, no século XXI, em suas vastas di-mensões territoriais (hoje tão próximas) econvém prudentemente apreciar os seus bonspresságios.

Com a proliferação das mídias (analógi-cas e digitais) assistimos uma tal mundia-lização cultural, de maneira que quase nin-guém, mesmo nas regiões mais remotas doglobo, está imune às formas de influência eirradiação globais. Isto implica na difusão,circulação e consumo de imagens, sons, le-tras, cifras e símbolos que se irradiam portodo o planeta. Neste contexto, é interes-sante observar que esta irradiação oportuna-mente leva à difusão das culturas locais paraos espaços globais, com toda as suas redesde desejos, representações, afetos, emoções,sentimentos, utopias e paixões.

Nessa direção atentamos para o fato quetudo isso encerra uma dimensão evolutiva eque se mostra evidente quando apreciamosos novos estilos de comportamento numa so-ciedade em que os indivíduos e grupos rein-ventam as suas “ilusões necessárias”. Ho-mens, mulheres, velhos e crianças não ces-sam de recriar novas modalidades de atraçãoe de trocas coletivas, na atual cultura das re-des. Os indivíduos em rede refazem assimas utopias e os milagres driblando as formasrecessivas e injustas da existência social.

3 Estratégias de subjetividade esociabilidade

Os seres humanos religados pelas redes vir-tuais dedicam-se permanentemente a rear-ranjar os modos de expressão de suas sub-jetividades e intersubjetividades. No exercí-cio ativo das tramas culturais os indivíduosem tribo atualizam a memória, a tradição e ahistória em meio às novas interfaces urbanas,industriais, tecnológicas e cibernéticas queos assediam e os fascinam, que podem atra-palhar, mas podem abrir novos caminhos. Osnovos protocolos globais e informacionaispodem gerar níveis de desemprego e infeli-cidade, mas também podem abrir novas fren-tes de trabalho e participação. Podem propi-ciar migrações sofridas, mas podem desper-tar outras percepções, afetos e sociabilidadesfelizes a partir de novas regionalizações e re-territorializações.

As culturas híbridas sob o signo das re-des encerram contradições e paradoxos, masao mesmo tempo, abrangem dimensões di-nâmicas e solidárias. Experimentamos napós-modernidade inúmeros desafios expres-sos pela pluridiversidade de mundos que àsvezes parecem irreconciliáveis. E de fatoexiste uma série de tensões na interpenetra-bilidade destes mundos dotados de caracte-rísticas bem diferentes. Outrora isto se fa-zia presente na disparidade entre a moder-nidade urbano-industrial e o atraso sócio-econômico. Hoje as desigualdades se atu-alizam sob uma nova espécie de apartheidcultural. De um lado temos a configuraçãode redes em que os indivíduos e grupos so-ciais estão formidavelmente interconectadosatravés dos satélites, das parabólicas e das te-vês pagas. Do outro lado, temos a permanên-cia de outras tribos formadas pelos televiden-

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tes ligados na programação das tevês abertas,cuja programação se faz ainda de maneiramassiva.

Mas, sobretudo, há os novos “outsiders”na sociedade da informação, compondo atribo dos “sem micro”, o que de certo modo,remete à situação histórica dos sem-terra. Ouseja, ao invés de passividade e conformismohá expressões afirmativas que impõem a re-ordenação do novo sistema globalizante. Vi-venciamos uma conjuntura que demanda aadoção de competências que nos permitamtransformar as crises em oportunidades.

No que concerne à atualidade da culturadas redes, verificamos que o problema re-mete a novas estratégias de comunicação, in-cluindo as suas interfaces econômicas, so-ciais e ético-políticas. O que está em jogoaqui são os modos de acesso à informação,à educação e às diversas modalidades cul-turais que poderiam balancear o desnivela-mento dos fluxos informacionais. No querespeita às culturas híbridas do Brasil (e doNordeste), o desafio que se impõe é ma-pear as formas culturais, políticas, econômi-cas e sociais que se delineiam no contextodo nordeste brasileiro, considerando que osseus espaços e tempos são inteiramente atra-vessados pelos processos midiáticos. Sendouma região que experimenta distintas espa-cialidades e temporalidades, ou seja, con-tendo traços da idade média, moderna e pós-moderna, o nordeste não pára de surpreen-der. Primeiramente porque secularmente temelaborado modos de resistência e carnavali-zação face aos diferentes tipos de coloniza-ção, dominação e exclusão, exibindo uma fi-sionomia particular dentre as outras regiõesdo país. Surpreende também porque con-serva um repertório de expressões artísticas eculturais, que sendo atemporais, adeqüam-se

bem no atual concerto das culturas híbridasdo planeta, constituídas pelos não-lugares etemporalidades imprecisas, em que se mis-turam o arcaico e o ultramoderno. E final-mente, pelo sincretismo dos ritos oficiais,religiosos, seculares, impregnados de ima-gens sagradas e pagãs. Ou seja, a especi-ficidade do hibridismo cultural brasileiro (enordestino) termina por imprimir caracterís-ticas particulares na vida cotidiana, inclu-sive nos “modos de usar” e “modos de fa-zer”, como propõe Michel de Certeau. Amiscigenação de etnias, os tipos de lingua-gens, falas, sotaques, expressões corporais egestualidades imprimem um sentido especí-fico ao que se tem designado de modo ge-nérico por “cultura das redes”. Tudo issoinstiga formas inusitadas de produção e con-sumo dos produtos culturais. Um olhar sobrea história da cultura pode observar os dife-rentes modos como os indivíduos se relaci-onam com os objetos, utensílios e mercado-rias, conferindo-lhes significações de acordocom as suas histórias de vida. Isto transpa-rece, por exemplo, nos estudos de Martin-Barbéro. É instigante examinar como funci-onam as suas relações com as formas mítico-religiosas, materiais e simbólicas, e comoisto repercute em seus estilos de apropria-ção das linguagens e inovações tecnológi-cas. Convém perceber as diferentes maneirascomo os indivíduos interagem no ambientegerado pela “terceira onda” do ciberespaçoporque as escolhas, respostas, usos e grati-ficações dos atores sociais face às máquinasde comunicar são geralmente imprevisíveis.

Procurando transcender os espectros decrise e pessimismo e buscando espreitar aemergência de novas oportunidades, perma-necemos “de olho nas frestas” de um sistemaeconômico-político global que se mostra for-

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temente excludente, mas que contém as cha-ves para decifrarmos os mecanismos de se-gregação social, econômica, política. Apos-tamos ser possível nos instalarmos no inte-rior deste sistema e descobrir as estratégiasde comunicação contribuindo para a reversãodo quadro global de adversidades; neste sen-tido os meios interativos podem se constituircomo vetores favoráveis.

4 Novas empiricidades nacultura das redes

Discutimos aqui a comunicação, em suas in-terfaces com as dimensões da cultura e soci-edade, particularizando o contexto brasileiro(com ênfase na região Nordeste). Logo, umdesafio que se impõe é conciliar as forçasda tradição e os arcaísmos com as potênciasinovadoras e as ações afirmativas.

Aliás, isto é algo que se realiza com as-túcia e sensibilidade nos diversos camposda ação pragmática. No ramo da ativi-dade político-partidária enxergamos como ovoto digital tem inibido as fraudes eleito-rais, numa região historicamente marcadapelo coronelismo e pelo chamado voto decabresto. Num outro registro, entendemosque nas localidades em que os fluxos comer-ciais se perfazem de maneira mais lenta, atelemática sem agenciado uma economia detrocas mais ágil gerando bons dividendos.Por meio dos novos movimentos artístico-culturais como o “Mangue Beat”, encontra-mos expressões atualizadas que traduzem asnovas sensibilidades estético-musicais. En-fim, novas experiências se desenham no es-paço de virtualidade da Internet, como porexemplo, o caso das páginas eletrônicas devárias organizações que têm aliado as ex-

pressões locais, marketing cultural, folcloree turismo promovendo experiências notáveisde desenvolvimento regional.

No plano das estruturas do cotidiano hánovos modos de interação e sociabilidadeque animam os diálogos e as conversaçõesdos indivíduos e grupos, criando um estiloespecífico de “cultura das redes”. Por vezesfuncionam como vetores de lazer e entrete-nimento, mas também, otimizam o trabalhonas ONGs e outras instituições sem fins lu-crativos voltadas para o desenvolvimento so-cial.

É importante observar os regimes de co-municabilidade que estruturam os novos ser-viços na “sociedade em rede”, na medida emque estes novos formatos implicam em mu-tações evolutivas na divisão do trabalho. En-tendemos que a informatização social tempropiciado favoravelmente a otimização dosrecursos nas áreas da saúde, agricultura, po-lítica, jornalismo, arte e economia. É rele-vante focalizarmos a gestão das informaçõesnos processos educacionais, principalmentediscutindo o tema da educação à distância.

Em nossas preocupações tencionamos dis-cutir os processos educacionais, cognitivos,estéticos e comunicacionais que constituema ambiência da “cultura das redes”.

Iniciamos aqui uma breve exploração dosmodos como as novas tecnologias têm con-tribuído para o aprimoramento das condiçõesde ensino, pesquisa e extensão nos quadrosdo ensino superior. Isto se justifica consi-derando a importância da universidade numespaço sócio-econômico, político e culturalcujos níveis de participação dos atores soci-ais na esfera pública se mostram desbalance-ados.

Especificamente examinamos as maneirascomo a “cultura das redes” tem promovido

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linhas evolutivas na qualificação do trabalhono campo da Comunicação e para isso reali-zamos um mapeamento seletivo de algumasempiricidades que podem servir como jane-las para uma apreciação dos processos cul-turais. Neste sentido, estabelecemos algunsníveis de empiricidades que se articulam -aqui, provisoriamente - em torno dos discur-sos e práticas ligadas ao contexto das “redesde informação” e seus duplos, ou seja, as re-des de identidade e de alteridade, redes deexclusão e redes de sociabilidade.

Propomos um trabalho que se realiza numnível de abstração atento à proximidade daspráticas cotidianas numa faculdade de comu-nicação no Nordeste. Isto é, situamos al-gumas experiências regionais que eventual-mente podem servir como pretexto para en-tendermos as linhas evolutivas de centro deensino e pesquisa em desenvolvimento, quese nutre na substância das conexões propici-adas pelas “cultura das redes”.

Partimos de uma perspectiva menos base-ada numa lógica dedutiva e mais numa lógicaindutiva; ou seja, deslocamo-nos do particu-lar ao geral. Buscando escapar aos modelosdeterminantes que circunscreveriam as con-dições de enunciação de uma prática discur-siva sobre as culturas globais, optamos porexaminar como algumas experiências locaispodem sinalizar novas competências comu-nicativas no contexto cultural emergente.

Apoiamo-nos nas bases interpretativasfornecidas por autores e textos cuja contri-buição tem sido fértil no domínio das tecno-logias da informação e da comunicação.

Situamos algumas séries de experiênciasrealizadas na Escola de Comunicação daUFPB que nos parecem relevantes porque re-novam os métodos de atuação nos domíniosda pesquisa, ensino e extensão, e principal-

mente porque apresentam práticas interati-vas, que podem estimular um debate acercada diversidade de espaços e tempos que con-correm para decifrarmos alguns aspectos im-portantes da hibridização cultural no Brasil(e no Nordeste).

5 Novas competências nainiciação e capacitaçãocientífica

Enunciamos algumas experiências vivencia-das no âmbito do ensino e pesquisa no De-partamento de Comunicação, da UFPB. Eisto é pertinente porque mostra as articula-ções que se fazem entre o trabalho de funda-mentação científica e as práticas laboratori-ais gerando aptidões e habilidades num con-texto profissional que passo a passo vem atu-alizando as suas práticas, otimizando os re-cursos humanos e tecnológicos.

a) A busca da comunicação horizontal

Tivemos a oportunidade de orientar os tra-balhos de Pesquisa Científica de duas alunasinteressadas no tema do ciberespaço, intitu-lado “A busca da comunicação horizontal”.Delimitando como tema de estudo as páginaseletrônicas da Internet, dispuseram-se a exa-minar o agenciamento de novas competên-cias no campo da comunicação. Dedicaram-se à região Nordeste, particularmente, ao Es-tado da Paraíba e partiram das idéias pro-postas por Luiz Beltrão, contidas num textoclaro e pedagógico, chamado “Adeus Aristó-teles: o fim da comunicação vertical”. Comode praxe em estudos desta natureza, o enfo-que que se apoiara em princípio numa basecrítica, terminou se desenvolvendo por um

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caminho mais funcionalista. As autoras des-creveram uma certa quantidade de sites, ob-servando sua eficácia e utilidade. Investiga-ram estatisticamente o número de provedo-res atuantes no Estado, sem deixar de cui-dar do aspecto qualitativo dos sites. Realiza-ram uma razoável análise de conteúdo, apon-tando para as funções e disfunções presentesna configuração das páginas. Observaram aqualidade técnica, os efeitos audiovisuais ecumpriram o protocolo de uma enquete so-bre o novo meio partindo de bases empíricas,apoiadas num método dedutivo, mas o im-portante é que definiram os primeiros passosna pesquisa sobre cibercultura na UFPB, pri-mando pela coragem de criar num centro depesquisa ainda em fase de desenvolvimento.

Este trabalho é relevante em primeiro lu-gar por mostrar as novas tendências e seusdeslocamentos que prefigurariam “o iníciodo fim da comunicação massiva”, uma pers-pectiva adotada por estudiosos como SérgioPorto. É pertinente também porque busca seorientar a partir de novos prismas, que no fimdas contas apontam para a “implosão da te-oria da comunicação na experiência do cibe-respaço”, como escreve Eugenio Trivinho.

A análise é sensível e inteligente perce-bendo o aspecto de hipertextualidade das pá-ginas eletrônicas, um ângulo presente emtrabalhos importantes como o de André Pa-rente, abordando “o virtual e o hipertextual”.Mixando os estudos da forma e sentido dossites a investigação merece destaque na me-dida em inicia constrói uma ponte entre aperspectiva crítica que norteou as pesquisasem comunicação nos anos 70/80 e uma aná-lise atenta aos níveis de “verticalidade” e“horizontalidade” que tem caracterizado dis-tintamente as mídias analógicas e das mídiasdigitais.

b) Construção de um “Quiosque” inte-rativo

Por diversas razões, não é uma tarefa sim-ples transformar uma revista imprensa parao formato digital. A revista “QUIOSQUE -Observatório das Mídias” editada pelo Prof.Dr. Henrique Magalhães consiste numa re-vista de tamanho curto e de circulação limi-tada, mas que tem a qualidade de reunir arti-gos de estudantes, professores e pesquisado-res em comunicação impondo uma certa di-nâmica às leituras, discussões e conferênciasno Departamento de Comunicação da UFPB.

A transcodificação daQUIOSQUE nosparece exitosa porque em primeiro lugar, aaluna manteve a leveza gráfica característicada revista em seu formato original. Depoispela otimização dos recursos que permiti-riam uma certa agilidade na busca e acessoaos textos. E finalmente, pela disponibili-zação em rede de um produto de qualidade,mas que até então se mantivera restrito àsconsultas de um número reduzido de leito-res.

A revista QUIOSQUE é pertinente emnossa apreciação pelo hibridismo que mani-festa, no contexto das produções nordesti-nas. Primeiramente pela adequação de vá-rias tipologias discursivas em que se entre-cruzam os textos de caráter mais analítico,junto com intervenções poéticas, manifesta-ções artístico-culturais recentes, artigos jor-nalísticos e de cunho didático-pedagógicos.Assim, promove - no formato linear e digi-tal - uma experiência que Bakhtin nomeouenquanto uma “polifonia das vozes”. Isto,em última instância, mantém correspondên-cia com as expectativas dos internautas, ci-dadãos e consumidores, cujos referenciaisse inscrevem de modo pluralista e diferenci-

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ado. Depois disso, aQUIOSQUEassinalaa sua importância pelo seu caráter crítico-inventivo que reúne estilos diferentes de nar-rativas expressando a diversidade de sinta-xes, acentos e sotaques mantendo a especi-ficidade das intervenções locais no ambientedas enunciações globais.

Para além de uma retórica fisgada peloscânones editoriais, acadêmicos e cristaliza-dos das revistas convencionais, esta se per-faz correta, instrutiva e instigante na medidaem que sugere caminhos de busca, pesquisae também entretenimento.

De maneira análoga apontamos a relevân-cia da página eletrônicaIN SITE UNIVERSI-TÁRIO –http://www.insite.pro.br/index.htmorganizada pelo Prof. Dr. Marcos Nico-lau (UFPB). O site se propõe a possibili-tar um acompanhamento das disciplinas doCurso de Comunicação, a que os alunos ti-rem suas dúvidas e obtenha conhecimentosextra-classe. Ali são contemplados assun-tos pertinentes às áreas de jornalismo, mar-keting, radio, TV. Além disso, trata-se deuma página que permite o intercâmbio en-tre as diferentes matérias do curso, assimcomo, disponibiliza as pesquisas e textos dosprofessores inscritos no programa de curso.Logo, consiste num dispositivo que tem con-tribuído para uma melhoria considerável naEscola de Comunicação da UFPB.

c) Webdifusão: radio digital, do local aomundial

O sistema de Webdifusão tem evoluido naUFPB também graças aos esforços do Grupode Trabalho organizado pelo Prof. CarmélioReynaldo. Aliando a sua experiência de te-leradiodifusão, as pesquisas sobre os movi-mentos sociais e a manutenção duradoura de

uma programação dinâmica na Rádio Taba-jara, o grupo tem contribuído para uma linhaevolutiva no tocante aos estudos dos audio-visuais.

Encontramos aqui algumas especificida-des que podem ilustrar a dinâmica da “cul-tura das redes”. Em sintonia com as expres-sões mais fortes na vida cultural da cidade deJoão pessoa, este sistema de webdifusão temsido eficaz e criativo na edição de falas, sota-ques e sonoridades que atualizam as formasda cultura verbal. Entrevistas, discussões edebates, assim como a divulgações de can-ções e melodias que recapturam um estilo deoralidade atualizando a função das culturaspopulares no contexto dos processos midiá-ticos.

Assim, o projeto instaura um tipo de polí-tica cultural importante numa ambiência cul-tural saturada pelos produtos mercantiliza-dos sem muita referência com o repertóriolocal. O que se processa aqui são novasreterritorializações, novos formatos reticula-res abrindo espaço para a construção das re-des identitárias e novas formas de possíveisde cidadania. Refaz-se aqui o que Matte-lart enunciava como um tipo de “revanchedas culturas” num contexto minado pela glo-balização. Num outro prisma, a experiên-cia registra novas construções em meio à he-gemonia audiovisual, como escreve Martin-Barbéro. Deslocam-se assim as formaçõesdiscursivas do massivo ao interativo, dosmeios às mediações. O sistema de webdi-fusão realiza também um novo campo de-signado por webjornalismo, implicando emmudanças radicais nos campos da produção,dos meios e das mediações - numa palavra,aqui temos uma nova reconfiguração das re-lações de poder e comunicação. Tudo issoainda é muito incipiente – e cá entre nós –

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ainda desenha uma pré-história do que estápor vir, mas percebemos que as experiênciasda cibercultura no contexto do nordeste an-tecipam um novo formato e sentido da nossa“cultura das redes”.

d) Tecnologia e afetividade das relaçõesvirtuais

No comecinho do novo século, em Joãopessoa, alguns alunos se mostraram mais in-teressados em estudar as novas tecnologiase uma jovem pesquisadora, particularmente,marcou uma certa distinção escolhendo umestudo tratando das “relações virtuais”, numprojeto que terminou ganhando um belo tí-tulo: “Comunicação, Sentimento e Interati-vidade: Um estudo das relações afetivas nassalas de bate-papo da Internet”.

Diferentemente da maior parte das inves-tigações sobre o bate-papo na Internet, a pes-quisadora preteriu o “discurso da sexuali-dade” e optou por uma análise do discursoda afetividade em rede, visando as relaçõesde amizade no espaço efêmero das salas debate-papo. Aqui teríamos um primeiro des-locamento, deixando de lado o aspecto ma-terial, infra-estrutural, técnico-instrumentalque tem norteado o interesse da maior partedas pesquisas na graduação. A nova pos-tura da pesquisadora movia-se pela inten-ção de analisar os discursos, examinando assuas condições de possibilidade, a sua pro-dução de sentido. Então se percebe aquiuma aliança entre as preocupações das ciên-cias sociais, dos estudos culturais e das ci-ências da linguagem, caminhando na dire-ção de uma semiótica da cibercultura. O as-pecto quantitativo então foi cedendo lugar aoaspecto qualitativo. No contexto da mundi-alização das trocas simbólicas, a pesquisa-

dora construiu um histórico, abrangendo oformato do correio sentimental, da comuni-cação epistolar (recorrendo às correspondên-cias dos namorados virtuais através de car-tas) e as experiências telefônicas do “Dis-que Amizade”, como uma pré-história so-nora das relações afetivas na Internet. Esta-vam lançadas a preliminares para os estudosde comunicação orientados por uma perspec-tiva histórico-hermenêutica, em que a opi-nião e a mera informação empírica, cediamterreno para as práticas de caráter mais inter-pretativo.

No plano teórico conceitual a experiênciadas relações afetivo-sexuais e intersubjetivas(prescrevendo um novo estilo do espaço pú-blico), tem sido revisitada por diversos gru-pos de trabalho e aqui conviria destacar es-pecificamente o trabalho de Raquel Paiva,Histeria na Mídia - a simulação da sexua-lidade na era digital. Trata-se de um en-foque crítico do que a autora designa comouma “formação histérica na cultura atual”.Apoiando-se nas noções e conceitos psicana-líticos, Paiva atualiza uma compreensão crí-tica das mídias digitais e das relações entreos seres humanos por meio dos novos dispo-sitivos informacionais. Deste modo, a “cul-tura das redes” aparece aqui em sua dimen-são neurótica, assim como, para o pesquisa-dor Muniz Sodré, os processos midiáticos es-timulavam as dimensões narcísicas dos teles-pectadores, ou seja, um aspecto mais confor-mista e regressivo. Num registro oposto, en-contramos o Grupo de Estudos, coordenadopelo Prof. Sérgio Porto, da UnB, tratandodas relações intersubjetivas pelo viés da afe-tividade e que encontra-se sistematizada napublicação “Sexo, afeto e era tecnológica –um estudo de chats na internet. Esta perspec-tiva se mostra mais compreensiva com rela-

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ção às novas modalidades da comunicação,matizadas sob a forma do “namoro virtual”.Em sua maioria são pesquisa norteadas porum prisma histórico-hermenêutico, viabili-zado por um tratamento semiótico-textualque se realiza por meio da análise dos dis-cursos. Como escreve Janice Caiafa em suaapresentação, “a pesquisa busca sinais, mar-cas, indícios de que no final do século XX atecnologia estimula o imaginário e os dese-jos do ser humano e instala publica e pom-posamente a relação discurso virtual versusdiscurso real, de modo a criar uma nova ati-tude no que diz respeito ao comportamentosexual e afetivo”.

Podemos depreender que diversas sãoas “dobras” que se manifestam no campodiscursivo da “vida on line”. A “cultura dasredes” longe de apresentar uma superfícielinear, plana, livre das tensões e conflitos,impõe-se como lugar de tensões e conflitos– isto se comprova – por exemplo – no níveldas investigações teórico-metodológicas quesuscita. Ao longo da história social, as redesse configuraram como um suporte para asrelações amorosas em que os senhores eescravos se dedicavam ao calor das trocasafetivo-sexuais, desde o período colonial.Hoje, na época do pós-colonialismo a“cultura das redes” redefine-se através denovas intersubjetividades e de novas trocasafetivas, que se constroem dentro e forados novos processo midiáticos, e tudo istosolicita novos pressupostos, metodologias eepistemologias cujo exercício nos permitauma aproximação mais livre e imune aospreconceitos; de certo modo, isto é o quefazemos um pouco aqui.

e) Experimentações e competências donovo milênio

Certamente uma das elaborações mais ar-rojadas produzidas no âmbito dos trabalhosde conclusão de curso, sob a rubrica dos Pro-jetos Experimentais, foi apresentada por umaluno e pesquisador, que ousou realizar a pri-meira defesa de monografia para obtençãodo grau de bacharel em comunicação em co-nexão com a Internet. Em tempo real os alu-nos e interessados puderam assistir e intera-gir com o pesquisador durante o momentode sua apresentação. Assim, tivemos ali oexemplo de uma estratégia feliz que soubealiar competência técnica e imaginação cria-dora tratando de um tema relevante, pois sedebruçou sobre a disponibilidade virtual dosjornais locais no Estado da Paraíba, tema dasua monografia:Estudos de Jornalismo emRede.

O trabalho de Oliveira traz novos elemen-tos para uma epistemologia da comunicaçãoe de modo específico, no âmbito de umaepistemologia do jornalismo. No queconcerne à cultura das redes, o jovem pes-quisador e jornalista ilumina uma dimensãobastante fértil, mostrando ser possível reali-zar um trabalho original a partir de recursosminimalistas e inaugura um novo modode se exercitar no mundo acadêmico, semrelegar o rigor e a sistematização. Oliveiraé responsável pela produção de um Centrode Informação on Line (CIO), experiênciapioneira no campo da telemática produzidapor um aluno de comunicação da UFPB.Trata-se de um site contendo inovações nocampo da comunicação e ciências afins.Professores, pesquisadores, estudantes eespecialistas encontram nesta página ummeio eficaz de expor suas idéias, publicar

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seus textos, disponibilizar seus artigos.O CIO contém uns links conectando osusuários aos principais jornais e às páginasligadas aos temas da comunicação, cultura esociedade.

f) Comunicação e cultura organizacio-nal no ciberespaço

Experiências curiosas se expressam notrabalho de pesquisa de dois jovens inscritosno programa de bolsas de iniciação cientí-fica, desde o ano 2002. Os pesquisadores sãomatriculados nas habilitações de Jornalismoe Relações Públicas, do curso de Comuni-cação Social da UFPB, e têm se dedicadoa realizar um mapeamento seletivo dos sitesdas universidades. O aluno de RRPP tem ex-plorado os sites como manifestações de “co-municação e cultura organizacional”. Paraisso, o mesmo tem se guarnecido de diver-sos textos teóricos, aprimorando sua funda-mentação científica através de uma rigorosarevisão bibliográfica, além de repertoriar umacervo de textos na Internet, cujos conteúdostêm afinidade com o seu objeto de pesquisa.Tendo se voltado para a dimensão interativados meios de comunicação, o mesmo tem vi-venciado na prática os aspectos presentes emseu tema de estudo, na medida em que rea-liza simultaneamente uma experiência inter-midiática, passando pelo registro das mídiasanalógicas até as mídias digitais.

Prestando assessoria para profissionais dewebjornalismo, o pesquisador empenhou-se no trabalho de registrar num gravadoros discursos radiofônicos de políticos, em-presários, artistas, formadores de opiniãoe transcrevê-los para o texto digital. al-guns condicionamentos infra-estruturais suatarefa seria de codificar, transcrever as con-

versações para a linguagem escrita e istofreqüentemente era feito por meio de manus-critos com canetas esferográficas e papéis deofício. Dali em diante, o próximo passo seriadigitar os textos num computador público eem seguida enviar o produto por email parao seu destinatário, que posteriormente se en-carregaria de disponibilizar os textos na In-ternet, prontos para serem acessados pelosvirtuais usuários.

O interessante neste percurso é o fato dese tratar de uma pesquisa que alia a expe-riência teórica e a dimensão pragmática doobjeto de estudo. O aluno interessado em es-tudar a sociedade em rede, ao mesmo tempoem que consulta os trabalhos de Lévy, Cas-tells, Mattelart, entre outros, além daquelesespecializados nos assuntos de Relações Pú-blicas e da Comunicação Organizacional. Omesmo pôde experimentar na prática o trân-sito característico dos processos intermidiá-ticos, passando do rádio à escrita, da escritaao computador à Internet. Este é um exem-plo de trabalho que expressa com clareza aintervenção num processo de comunicaçãoem rede. O exercício da escuta, da escri-tura, comunicação digital, reticular e biná-ria se fundem aqui num tipo de intertextuali-dade, intermediatização e intersemioticidadeque revelam a nova forma e sentido da co-municação social - abrangendo as dimensõesda vida, trabalho e linguagem, e particular-mente atualiza um novo sentido nos estágiosda história da “cultura das redes”.

O estudo de Marcos Alexandre, igual-mente, contém este aspecto de originalidadealiando a praxis teórica e o exercício maispragmático no campo da comunicação, namedida em que se dedica aos estudos decibercultura, baseado em autores voltadospara as novas tecnologias e também para as

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investigações sobre as imagens fotográficas.Atuando em estágios como fotógrafo pro-fissional, o pesquisador se dedica ao examedas funções imagísticas nos processos deintertextualidade em que dialogam imagense textos, ressituando a sua significaçãodesde o formato do jornalismo impressoaté o formato recente do webjornalismo.Deste modo, no campo das ciências dacomunicação, Alexandre tem aberto umcampo original que redefine a “cultura dasredes” pelo viés de uma hibridação em quediversos suportes e discursos configuramum novo estilo do processo comunicacional,sinalizando novas tendências nas escolas decomunicação.

g) O CEAD - Centro de Educação à Dis-tância - consiste num núcleo de produçãotecnológica da UFPB que tem colocado estainstituição no trânsito das infovias, gerandonovas modalidades de produção, circulaçãoe acesso ao conhecimento. Estas experiên-cias pontuais têm nos servido para contem-plarmos os estágios de evolução - no domí-nio das tecnologias de comunicação - suasinterfaces com as práticas sócio-culturais esuas relações com a produção de conheci-mento científico visando o desenvolvimentosustentável do nordeste (e particularmente daParaíba). Aqui evidenciam-se tendências nasatividades ligadas ao mundo acadêmico, àuniversidade e as suas conexões num nívelmais local, interno, regional. Mas sobretudo,abrem-se novas arestas para o exercício deum trabalho que extrapola os limites da uni-versidade, na medida em que interage juntoàs comunidades locais. O CEAD acerta osponteiros com a produção nacional, a exem-plo de outros centros de pesquisa como aUFBa, UNB, UFF, UNISINOS, USP, entre

outras que têm fertilizado a cultura das redes,promovendo aberturas para o exercício da in-vestigação científica por meio das redes tele-máticas e verificamos que isto se perfaz se-gundo as características das formações cultu-rais locais, enriquecendo a ambiência da in-formação global, uma vez que estimula des-locamentos promissores do virtual ao atualcomo escreve Lévy.

6 Conclusão

Conforme indicamos este é um estágio ini-cial da nossa pesquisa sobre a “cultura dasredes”. Este texto configura uma parte deum projeto de pesquisa mais amplo que de-signamos provisoriamente sob a rubricaNa-vegação e Renascimento nas Águas da Ci-bercultura. Aqui tentamos enunciar um tipode perspectiva procurando situar as práticascomunicacionais emergentes (configuradaspelo ciberespaço) num contexto histórico-cultural que preserva ainda as práticas cul-turais tradicionais. Daí a provocação amis-tosa que busca reunir num mesmo espaço astemporalidades e espacialidades caracteriza-das pelo hibridismo cultural compreendendoas “redes de balanço”, as “redes de pescar”e as “redes interativas”. Objetivamos, destemodo, explorar “as estruturas antropológi-cas do ciberespaço”, respeitando as estrutu-ras e conjunturas que configuram o imagi-nário brasileiro (e do Nordeste). Em nossopercurso permanecemos atentos aos estilosde identidade e identificações, sociabilidadee tribalizações, subjetividades e intersubje-tividades que já se mostravam latentes naecologia comunicacional da vida cotidiana,mas que adquirem novos contornos a partirdos novos agenciamentos possibilitados pe-los dispositivos informacionais. Ao invés de

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partir de um modelo teórico-metodológicoconstruído a priori, aceitamos auscutar algu-mas empiricidades que em sua simplicidadenos levam a refletir sobre a acústica, dizibi-lidade e visibilidade das novas práticas co-municacionais que configuram um novo for-mato e sentido à nossa cultura das redes,desde as redes de corda até a imaginação cri-adora das redes virtuais.

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