anais 4º seminário de pesquisa em linguagem, leitura e cultura

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ISBN - 978-85-8209-020-6 1 Anais Organizadora: Taiza Mara Rauen Moraes

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Anais

Organizadora: Taiza Mara Rauen Moraes

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Anais

Organizadora Taiza Mara Rauen Moraes

Realização

Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE Programa Nacional de Incentivo à Leitura - PROLER

Reitora

Sandra Aparecida Furlan

Vice-Reitor

Alexandre Cidral

Pró-Reitora de Ensino

Sirlei de Souza

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação

Denise Abatti Kasper Silva

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários

Claiton Emilio do Amaral

Pró-Reitor de Administração

Cleiton Vaz

Joinville 2013

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Comitê PROLER Joinville

Alcione Pauli Alex Maciel Fernandes

Eliana Aparecida de Quadra Corrêa Ilcirene Dias

Marilene Gerent Joel Gehlen

Rita de Cássia Alves Barraca Gomes Taiza Mara Rauen Moraes

Valéria Alves

Comissão Científica

Adair de Aguiar Neitzel

Fernando Cesar Sossai

Ilanil Coelho

Mariluci Neis Carelli

Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes

Equipe de Apoio

Fábio Henrique Nunes Medeiros (PROLER)

Núbia Policarpo (Eventos)

Sônia Regina Biscaia Veiga (PROLER)

Thays Aparecida da Silva (PROLER)

Diagramação

Thays Aparecida da Silva

Sônia Regina Biscaia Veiga

Campus Joinville - Rua Paulo Malschitzki, nº 10

Campus Universitário - Zona Industrial Joinville SC - CEP: 89219-710

Fone: (47) 3461-9000 | Fax: (47) 3473-0131

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APRESENTAÇÃO

O 17º Encontro do Proler de Joinville e 4 º Seminário de Pesquisa em linguagens,

leitura e Cultura – Livro e leitura na era digital entre verbal, visual e sonoro tem a

proposição de discutir questões que envolvem leitura/sujeitos/diversidades

culturais/hibridismos, para ampliar espaços de compreensão do mundo que facilitem a

convivência, gerando atitudes mais conscientes e, portanto, realizadoras de políticas que

promovam a dinamização da leitura como móvel transformador da sociedade.

O evento prevê a discussão e a fortificação da proposta de política de leitura para a

região, integrando instituições educacionais e culturais: Universidade da Região de Joinville

– UNIVILLE, representantes das Secretarias de Educação, da Fundação Cultural,

Bibliotecas Públicas, GERED, dos Municípios envolvidos.

A implementação de Políticas de Leitura para Joinville e Região prevê ampliar

condições efetivas que permitam às pessoas reconhecer seus direitos e deveres, apreender

o conteúdo das leis e contratos, refletir com relativa autonomia e capacidade crítica sobre

informações que circulam nos meios de comunicação, fruir e valorizar os bens culturais

produzidos em seus espaços (re) significando suas vidas e os espaços democráticos.

O evento instituirá um diálogo entre as contribuições teóricas e as necessidades de

nossa sociedade de vencer os problemas de acesso à leitura. Partimos do princípio de que

espaços que façam circular a leitura, a discussão sobre políticas / teoria/métodos de leitura

são meios poderosos de (re)criação da realidade social mostrando outras possibilidades de

viver, agir e pensar de modo mais gregário e democrático.

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4º SEMINÁRIO DE PESQUISA EM LINGUAGENS, LEITURA E CULTURA

ÍNDICE

A LITERATURA CATARINENSE E AS MÍDIAS DIGITAIS: UM FAZER POÉTICO.....................................................................................................................6 O NARRADO E O VIVIDO NOS FIOS DA MEMÓRIA: ENCONTROS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ABRIGADOS.............................................................................16 UM ABSURDO MUITO CALMO: UMA LEITURA DOS LIMERIQUES DE EDWARD LEAR..........................................................................................................................24 [email protected] – O CARTEIRO CHEGOU: A FALTA DE PRIVACIDADE NO CIBERESPAÇO, A EXPOSIÇÃO DE GOSTOS E PREFERÊNCIAS E O ESTÍMULO CONSTANTE AO USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS INFLUENCIANDO NAS RELAÇÕES AMOROSAS..........................................................................................31 LEITURA FRUITIVA, CULTURA BRASILEIRA - PIBID: A LEITURA DO TEXTO, DO CONTEXTO E DE SI..................................................................................................42 UM OLHAR MEMORIALÍSTICO SOBRE O TEATRO JOINVILENSE: 1970 à 2010............................................................................................................................51 REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE CULTURAL NA CONTEMPORANEIDADE..........................................................................................59 JOINVILLE, MITOS E MEMÓRIAS: A INFÂNCIA......................................................66 HIBRIDISMO E MITO: NARRATIVAS COM “SABOR” DE LITERATURA.................75 O BLOG POÉTICA TECNOLÓGICA: ESPAÇO DE LEITURA DO LITERÁRIO........84 CONTANDO HISTÓRIAS ANIMANDO O “INVISÍVEL”: VIDAS EFÊMERAS............91 POLÍTICA E RELIGIOSIDADE EM JOINVILLE: OS LUTERANOS E OS DOIS REINOS DE LUTERO................................................................................................92

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A LITERATURA CATARINENSE E AS MÍDIAS DIGITAIS:

UM FAZER POÉTICO

Maria de Fátima Tonin Lunardi Correa Msc em Educação

([email protected])

RESUMO

O projeto A formação do leitor no Século XXI e a Literatura Infantil Catarinense foi desenvolvido junto ao curso de especialização em Coordenação Pedagógica, da Universidade Federal de Santa Catarina, objetivando testar as mídias digitais como importante artefato a ser utilizado no processo de formação do leitor. O projeto iniciou com a intervenção em uma turma de 5º Ano da Escola Reunida Monteiro Lobato, em Balneário Piçarras, SC. A sistemática do projeto deu-se na seguinte ordem: a formação para um grupo de professores, a aplicação dos questionários e a intervenção. A intervenção deu-se por meio de contações de histórias orais e digitais baseadas em narrativas, poesias e obras visuais de literatura de Santa Catarina, visando à formação do leitor. Este trabalho teve o aporte teórico de Barthes (1993), Sisto (2002), Eco (2003), Neitzel (2005) e Santos (2008). Esta pesquisa elucidou a importância da escola como agente promotora na formação do leitor, a importância do trabalho fruitivo na formação do leitor, o conhecimento e a catalogação de obras e de autores de literatura de Santa Catarina, além da percepção das mídias digitais como aliadas na formação do leitor e o gosto pela leitura e a contação de histórias no computador.

Palavras chaves: formação do leitor, literatura de Santa Catarina, livros impressos e digitais.

Mapeando a realidade

O presente artigo busca socializar o Projeto de Intervenção (PI) "A formação

de leitores no Século XXI e os autores catarinenses de literatura infantil", realizado

no período de outubro a novembro de 2011, como requisito parcial no curso de Pós-

Graduação Lato Sensu em Coordenação Pedagógica, da Universidade Federal de

Santa Catarina.

O projeto de Intervenção aconteceu em uma turma de 5º Ano do período

vespertino, formada por 22 alunos - 10 meninos e 12 meninas. A faixa etária dessa

turma é de 9 a 13 anos de idade, sendo dois alunos com 13 anos de idade, ou seja,

ocorre uma distorção idade/série, e, destes, um apresenta também dislexia. Os

alunos são de classes sociais heterogêneas e provenientes de famílias

razoavelmente estruturadas.

O projeto tem como referência a contação em meio impresso e digital, a

leitura em meio impresso e digital e a literatura infantil de Santa Catarina com a

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seguinte questão problema: Pode a contação de histórias, via oral e digital, estimular

a formação de leitores a partir de obras de autores de Santa Catarina?

Refletindo com os autores

A arte de contar histórias vem ganhando fôlego nos tempos atuais e já

conquistou o seu espaço, demarcando o seu território como um importante artefato

na função de educar a geração do presente século, visto que "o homem já nasce,

praticamente, contando história. Está inserido numa história que o antecede e que,

com certeza, irá sucedê-lo. A vida se organiza como uma história, tem um fio

condutor, uma linha temporal e evolutiva.” (SISTO, 2012, p.83). A contação de

histórias é mais vista como apenas um entretenimento, um passatempo, seja nas

longas noites ao redor dos fogões à lenha contada por nossos avós, ou pelos

nossos pais antes de dormirmos, as quais, diga-se de passagem, fazem muita falta

neste século XXI. “Cada contação é singular, porque evoca tanto no contador quanto

no ouvinte reações diversas, em virtude principalmente do contexto em que a

história está sendo desenrolada.” (NEITZEL, 2005, p. 150, grifos da autora). A

contação de histórias tem conquistado o seu espaço, sobretudo, como recurso

pedagógico para a valorização de princípios, de costumes culturais tradicionais, de

práticas de sociabilidade e de integração, além de servir como importante

instrumento de motivação para a prática da leitura. Dessa forma, justificamos a

escolha pela contação de histórias e dela nos servimos para conquistar leitores.

A escola do século XXI deve priorizar a leitura literária e trabalhar na

formação do sujeito leitor, transformando tal atividade em um momento prazeroso,

cheio de significados, que produza na criança o desejo, a ânsia por aprender a ler,

visto que esta é uma atividade que necessita ser aprendida. E, como todo o

aprendizado, demanda tempo, esforço e desejo.

Para que o aluno constitua-se como leitor, devemos possibilitar-lhe vivências

que permitam o contato com um amplo repertório literário, seja por meio do objeto

livro ou pelas ferramentas digitais, pois a literatura é um campo fértil para a

imaginação e para a criatividade, ao direcionar o nosso olhar para o outro e para o

universo que nos circunda.

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Adotamos a contação de histórias em uma perspectiva também fruitiva e não

pedagógica, como nos afirma Neitzel (2005, p. 149): “O momento de contação de

histórias leva ao prazer do texto, mas a fruição só será alcançada pelo sujeito que

toca o livro e por ele é tocado, se dedicando a esta leitura que põe em estado de

perda”. A prática da formação de leitores pressupõe que se deve ouvir e ler histórias,

e para ler deve haver a escrita, ou seja, o registro. A literatura infantil é uma área

fértil do mercado editorial devido aos inúmeros incentivos, ações e fomentos

particulares e/ou governamentais, como o Plano Nacional de Bibliotecas Escolares

(PNBE), Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e outros. Diante desse contexto e

no convívio com a literatura, uma hora ou outra, deparamo-nos com obras de

autores de Santa Catarina. Este trabalho, portanto, também intenciona garimpar e

valorizar autores e títulos de Santa Catarina de literatura infantil. Nessa linha, já

temos trabalhos realizados e outros em andamento que abordam a temática,

embora essa produção “é um fazer bastante recente e quase que inexiste até a

década de 1970, se avaliarmos pelo viés da constância, difusão e volume de obras”.

(DEBUS, 1996, p. 21).

Contando e encantando: construindo significados a partir da contação de

histórias

É necessário destacar que a escolha do professor para integrar o projeto

deu-se a partir de um Curso de Formação, bem como aqueles que participaram do

PI inicial, efetivado em dois módulos datados de 24 de agosto de 2011 e 26 de

outubro de 2011 consecutivamente: a) contação oral de histórias: narrativas,

narrativas visuais e poesias; b) contação digital de histórias: narrativas, narrativas

visuais e poesias.

O primeiro módulo trabalhou com a formação dos professores com diversos

gêneros literários na contação de histórias a partir de narrativas escritas e visuais e

do trabalho com as poesias para o público infantil e juvenil, produzida por escritores

de Santa Catarina. O segundo módulo trabalhou com a formação dos professores

em diversos gêneros literários na contação de histórias a partir de narrativas escritas

e visuais digitais e do trabalho com as poesias de literatura infantil de Santa Catarina

a partir das tecnologias digitais, as ciberpoesias.

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Após a aplicação do questionário, acompanhamos e auxiliamos a professora

no desenvolvimento das atividades propostas pelo projeto, já destacadas no Curso

de Formação. O trabalho foi dividido em três partes: 1) Contação/Recitação de

poemas; 2) Contação de narrativas orais e digitais e 3) Contação de narrativas

visuais e outras atividades digitais.

Acompanhamos e auxiliamos a professora regente na aplicação das

atividades propostas pelo Projeto e Intervenção (PI) e conhecidas nos Cursos de

Formação, as quais deram subsídios para que os alunos respondessem as questões

do questionário.

No momento subsequente, aplicou-se novamente o questionário para saber,

por meio da análise das respostas, se houve ampliação dos conhecimentos e do

repertório das crianças. Os questionários configuram os instrumentos de coleta de

dados mais utilizados nos levantamentos quando se pretende obter dados de um

grande número de sujeitos. São constituídos por uma série ordenada de perguntas

que devem ser respondidas por escrito pelo próprio respondente, geralmente sem a

presença do investigador. Marconi e Lakatos (2002) conceituam que se trata de um

instrumento para recolher informação. É uma técnica de investigação composta por

questões apresentadas por escrito.

Pensadas e desenvolvidas todas essas atividades, aplicamos, novamente, o

questionário, para assim podermos visualizar os avanços obtidos nesta pesquisa.

Após fazermos esse trabalho, percebemos o quanto a literatura sempre precisa de

ações e investimentos. Assim sendo, conseguimos obras e contato com 24 autores

catarinenses sendo eles: Alcides Buss, Anair Weirich, Daniele Garcia, Dinara

Tessari, Dóris Rocha Ruiz, Eloí Elisabete Bocheco, Flávio José Cardoso, Gilbero

Cardoso, Glaucia Regiane Nunes, Jamila Mafra, Juarez Machado, Luiz Ferreira,

Marilda Wolff Gasparin, Maria de Lourdes Krieger, Maria de Lourdes Scottini Heiden,

Marta Martins da Silva, Miriam Aparecida da Rocha, Márcia Cardeal, Nana Toledo,

Neida Rocha, Regina Carvalho, Ricardo Brandes, Rubens da Cunha e Valdemir

Klant, os quais, de uma forma ou outra, deram importante contribuições para a

efetivação desse trabalho. Conseguimos, também, montar um acervo de livros

infantis e juvenis, livros enviados por esses escritores.

De posse desses materiais, e, após ter trabalhado nos cursos de formação

oral e digital, além do acompanhamento nas intervenções com os alunos, pudemos

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fazer um comparativo com as respostas dadas pelos alunos no 1º e 2º questionário

os quais apontam alguns resultados.

Percebemos um avanço significativo no número de alunos que passaram a

ler histórias ou poesias no computador, evidenciando, assim, a importância da

escola e do papel do professor como agentes fomentadores do processo de leitura.

Muitas atividades são realizadas no cotidiano escolar, no entanto pouco tempo

dedica-se a leitura de literatura nesse espaço Constatamos que cresceu de onze

(11) para dezenove (19) o número de alunos que passaram a ler no computador,

reconhecendo-o também como um instrumento de formação de leitores. Paulino e

Cosson (2009, p.61) afirmam que “[...] a escola enfatiza demasiadamente o

conhecido e o mensurável, negando espaço para o estranho e o inusitado”.

Também perguntados sobre o local que esses alunos fazem as suas leituras no

computador o número de alunos que as fazia em casa era mais significativo do que

os outros, crescendo esse número consideravelmente em se tratando da leitura no

computador na escola.

Outro dado que nos chamou a atenção foi o número de autores de Santa

Catarina que esses alunos conheciam, aumentando significativamente. Os alunos

que antes conheciam apenas dois (2) autores catarinenses de literatura infantil, que,

a propósito, um é avô de uma criança e o outro é mãe de outra criança, e deste

livro os mesmos foram os ilustradores, aumentaram para nove (9) o número de

autores que foram lembrados ao responder pela segunda vez o questionário. Debus

(2012, p. 4) afirma: “Acreditamos que a aproximação com a literatura produzida em

Santa Catarina seja uma forma de conquistar a criança para o texto literário, em

especial quando a narrativa ficcionaliza uma realidade próxima”.

Ao serem questionados sobre o número de livros lidos por mês, percebemos

um aumento significativo na leitura de livros, pois, no primeiro questionário, nove (9)

crianças liam apenas um livro por mês diminuindo esse dado significativamente para

um. Também percebemos que cinco (5) crianças liam três (3) livros, ou mais,

mensalmente passando esse número agora para 13 crianças. Esse acréscimo se

deve, acreditamos, ao papel mediador do professor, pois como observam Paulino e

Cosson:

[...] a interferência crítica do professor é fundamental para que os alunos ampliem sua competência de leitura, lendo textos culturalmente

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significativos e entendendo o que os faz significativos. Percebemos a importância do papel do professor nas ações desenvolvidas na escola para a formação de leitores. (2009, p. 76)

Ao serem perguntados sobre o tipo de leituras que faziam, as crianças

subdividiram-se entre narrativas, livros visuais, poemas, gibis e revistas. Chamou-

nos a atenção o significativo aumento do gosto pelos livros de literatura em

detrimento dos gibis e revistas, o que também ficou evidenciado pela preferência de

leitura de literatura citados. No primeiro questionário as crianças colocaram como

livros lidos títulos de gibis, e revistas, sendo, no segundo questionário, os livros

citados, em sua grande maioria, os utilizados no acervo construído para o projeto

que foram, na maior parte, doação dos autores de literatura de Santa Catarina.

Percebemos assim diminuir o gosto pelos gibis e revistas e aumentar pelas obras de

literatura infantil.

Ao serem indagados sobre sua preferência de leitura, no livro ou no

computador, manteve-se a estatística de onze (11) crianças para o livro e onze (11)

crianças para o computador no primeiro e no segundo questionário. Mesmo com o

grande número de avanços tecnológicos, com as inovações que a leitura

hipertextual oferece, tanto nos e-books, como nas poesias digitais/eletrônicas,

Busatto (2007, p. 92) argumenta: “Assim como o texto escrito não deu cabo da

oralidade, a Internet não excluiu e não excluirá, a palavra escrita. Apenas são

instâncias distintas”.

Estas novas formas de construção do conhecimento pressupõem novas

formas de leitura que podem e devem ser aprendidas na escola.

A leitura no meio digital pode ser entendida também como uma encenação em múltiplos espaços. E é importante salientar que não estou falando de uma multi-espacialidade virtual tal como a das literaturas impressa e oral, em que a leitura que fazemos traz, para a concretude das frases que temos diante de nós num dado momento, a virtualidade da trama da obra e das referências intratextuais de vários outros trechos, além dos diferentes intertextos. (SANTOS, 2008)

Como vivemos uma época em que os avanços tecnológicos estão sendo

utilizados por todos os ramos do conhecimento, a educação pode se servir destas

tecnologias para instigar vivências dessa natureza, visto que principalmente com as

crianças estas tecnologias despertam um verdadeiro fascínio, ao ponto de podemos

chamá-las de nativos digitais, pois interagem muito bem com elas. Portanto, unir

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educação e novas tecnologias de informação e comunicação representa um desafio

quando apresentamos como proposta mudanças na metodologia de ensino. Partindo

deste princípio, as tecnologias digitais são umas das maiores ferramentas de

conexão com o mundo e pode auxiliar o professor nesta tarefa educativa. Ao utilizá-

las, abandonará a postura de um professor/contador de histórias e mediador de

leitura e assumirá o papel de mediador, de articulador no processo de formação de

leitores por intermédio das novas tecnologias, ou seja na contação digital. As

ferramentas digitais podem ajudar o professor no processo de formação de leitores,

servindo como um excelente suporte.

O mundo atual, através do desenvolvimento e da rápida expansão das

novas tecnologias de Informação e de Comunicação e a passagem para uma

sociedade de informação, digital ou de rede, em que a Internet e a World Wide Web

assumem uma especial importância, tem levantado diversas questões sobre tantas

mudanças e novas demandas, exigindo dos indivíduos, habilidades e atitudes

diferentes das observadas em épocas anteriores. Segundo Maria Elisabette Brisola

Brito Prado, pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação da

Universidade Estadual de Campinas,

Existe quase um consenso entre educadores e educandos quanto à necessidade de mudar o sistema educacional vigente. O descompasso que existe entre as características do novo modelo emergente do século XXI e as características da escola baseada no século XIX torna-se cada vez mais visível. Nesse novo paradigma, o dinamismo e a rapidez da informação demandam uma nova forma de pensar a aprendizagem e o conhecimento. Quando se reflete sobre o sistema educacional para a nova era, é impossível ignorar o uso da tecnologia. E, certamente, as intenções podem ser as melhores, quando se pensa em modernizar a escola por meio da aquisição de equipamentos tecnológicos, como os computadores

O cidadão deste século não pode ter o mesmo perfil de habilidades do

século passado. Não pode mais ignorar o que se passa no mundo, pois necessita se

inserir de maneira adequada no meio social. Esse cidadão precisa, antes de tudo,

ser crítico, ativo, pensar e agir. É preciso mudar profundamente os métodos de

ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar, a capacidade de

pensar, em vez de desenvolver a memória. Necessita saber pensar sobre tudo o que

chega até ele através das novas tecnologias de informação e comunicação. A

função da escola será, cada vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para isso

é preciso dominar mais metodologias e linguagens, inclusive a linguagem eletrônica.

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Não há como negar a insubstituível presença do livro como artefato

imprescindível nos processos de desenvolvimento do gosto pela leitura, e esta,

acredita-se, dá-se de forma mais efetiva por meio da literatura. Como destaca Miguel

Rettenmaier:

Na ficção dos séculos XIX e XX estavam as respostas aos meados que, no início do século XXI previam o fim dos livros em nome da absoluta supremacia do computador. Vistos por um tempo como frágeis objetos perecíveis, os livros, terminada a primeira década de globalização informático-mediático, são cada vez mais reconhecidos como os verdadeiros suportes da ficção literária. (RETTENMAIER, 2009, p.184).

Proficiência leitora na Era Digital: Conclusões

Quando pensamos em formação de leitores, esse é um grande desafio que

necessita ser trabalhado e vencido por todos. Para que tenhamos leitores

proficientes, é necessário que a escola trabalhe na função maior de formar leitores

por meio da leitura de literatura, como assim frisa Rettenmaier (2009, p. 184), ”[...] é

pelo livro que se chega à literatura, é pela literatura que se pensa o mundo”. A

literatura remete-nos a pensar, a refletir, a fruir; dessa forma, percebemos o papel

essencial do livro na formação humana do homem. A leitura como processo de

aquisição de conhecimento e a literatura como instrumento de reflexão são

instrumentos indispensáveis na formação humana e consequentemente na

construção da sociedade.

A escola é um espaço de formação humana e, portanto, deve possibilitar o

acesso a momentos de prazer ao ato de ler, seja ele em que suporte for, sendo uma

boa estratégia a contação de histórias, tanto oral quanto digital. Sabemos que esse

é um desafio que necessita ser vencido, visto que para muitos ler parece não ter

muita significação, pois estão muito atrelados a conteúdos e esquecem-se que a

leitura é conteúdo sim, e tudo o que fazemos nas instituições escolares visa um fim

único que é o da leitura e o da escrita, que envolve outras habilidades e

competências como a de interpretação e compreensão. Se a escola negar o direito à

criança de promover momentos de aproximação desta ao objeto livro, quem o fará?

Até quando teremos uma significativa parcela da humanidade marginalizada? Nesse

sentido, Eco (2003, p. 12) discorre ”mas por que forma excluídos do universo do livro

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e dos lugares onde, através da educação e da discussão, poderiam chegar até eles

os ecos de um mundo de valores que chega de e remete a livros”. Dessa forma, é

necessário refletir sobre a função da leitura de literatura na escola.

Quem diria que em meados de 1950 iniciar-se-ia, em Santa Catarina, a

literatura infantil, sendo Lausimar Laus, uma das pioneiras (DEBUS, 2012). A

literatura infantil de Santa Catarina já possui o seu espaço demarcado e é

importante instrumento para aproximação da criança do objeto livro. Há muitas obras

publicadas, muitas esgotadas, muitas a publicar, é necessário, assim, investimentos

tanto no setor livreiro e editorial, tanto em ações fomentadoras de leitura e,

principalmente, da nossa literatura. Vamos pensar em um país de leitores, fazer um

estado de leitores e, parafraseando Monteiro Lobato: Um estado, Santa Catarina, se

faz de Homens e Livros, por isso Conte, Cante, enCante, e enCantarine-se com

literatura produzida aqui em Santa Catarina.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil. Gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997. BUSATTO, C. A arte de contar histórias no século XXI: tradição e ciberespaço. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. DEBUS, E. S. D. Entre vozes e leituras: a recepção da literatura infantil e juvenil. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 1996.

_____. A produção literária para crianças e jovens em Santa Catarina.UCS-2012. Disponível em: <www.ucs.br/etc/revistas/index.php/antares/article/download/.../949>. Acesso em: 20 jun. 2012. ECO, U. Sobre a Literatura. Tradução Eliana Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Atlas, 2002. NEITZEL, A. de A. O jogo de cena do contarte. Educação e diversidade: contribuições para uma educação inclusiva: Anais da IV Jornada Nacional de Pedagogia. Itajaí. Universidade do Vale do Itajaí, 2005.

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PAULINO G.; COSSON, R. Letramento Literário: Para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; ROSING, T. M. K. Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. Org... São Paulo, Global, 2009. Coleção Leitura e Formação RETTENMAIER. M. A Fogueira dos livros e a era do computador. In: ZILBERMAN, R.; ROSING, T. Escola e leitura velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. SANTOS, A. Texto digital e reconfiguração do leitor. In: Revista Z Cultural, n. IV - Número 2 - Abril 2008/Julho 2008. Disponível em: www.pacc.ufrj.br/z/ano4/2/alckmar.htm./ >. Acesso em: 15 mai. 2012. SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. 3. ed. Belo Horizonte: Aletria, 2012.

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O NARRADO E O VIVIDO NOS FIOS DA MEMÓRIA – ENCONTROS DE

CRIANÇAS E ADOLESCENTES ABRIGADOS

Laura Meireles Gomes Moura

Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade na Univille. Orientadora Profª Drª Taiza Mara Rauen Moraes.

([email protected])

Este artigo potencializa identificações do texto literário com o leitor/ouvinte, abrigado na Casa Lar Ecos da Esperança, fazendo os emergir lembranças/ memórias catalisadas por esses reconhecimentos, a respeito de suas vivências, na família restrita e ampliada, impregnadas por situações de violência e frágeis laços sociais. Assim como mediador dessa possibilidade de diálogo entre o sujeito e suas memórias, os textos literários de Lygia Bojunga em a “Bolsa Amarela” (1976) e “Tchau” (1985) acessam os “cenários mentais” abordando de maneira simbólica questões pertinentes aos enfrentamentos que a realidade oferece e a liberdade do ato imaginativo como constituintes legítimos para a autodescoberta. Dessa forma, múltiplos sujeitos e de múltiplas experiências podem estabelecer pontos de encontro nessas narrativas que ofertam espaços de (re)significação de suas memórias. A condução da pesquisa se efetivou através de mediações de leitura dos capítulos do livro e do preenchimento de fichas de leitura/análise do discurso. Essa trajetória que o discurso interior mescla com as memórias e lembranças culmina com o processo de exteriorização, num trânsito que, segundo Vygotsky (1989b, p. 108), se estabelece como “movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vive-versa” construindo e reorganizando os sentidos para que a interlocução se efetive entre as vozes internas e as vozes diversas configurando-se numa legitimação de sua narrativa e história.

Palavras chave: Abrigamento; Memórias; Literatura.

“– Que que há? to dizendo que ele é inventado. Invento onde é que ele vai escrever, invento o que é que ele vai dizer, invento tudo”

(Lygia Bojunga. Bolsa amarela)

“Rebeca fingiu que nem tinha visto a mala da mãe aberta em cima da cama e já quase pronta pra fechar. Voltou pro quarto Sentou. Fingiu que estava desenhando um barco”.

(Lygia Bojunga. Tchau)

Os estudos de Parreira e Justo (2005, p. 175) estigmatizam abrigos e

abrigados como espaços de passagem, e consideram o abrigo como um lugar que

inibe a identidade social, assim segundo os autores, a criança que viver abrigada por

longo período, ”[...] dificilmente reconhecerá aí sua própria imagem, pelos estigmas

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que pesam sobre os asilados”. É preciso, portanto, considerar que para algumas

crianças estar nessa situação de asilamento / acolhimento que os abrigos

promovem, mesmo que sob a forma de famílias acolhedoras ou substitutas significa

mais uma face de enfrentamentos sociais. Dessa forma, a vida de crianças e

adolescentes em abrigos desvinculados de seu espaço (casa), amigos, escola e

vínculos familiares pode representar não uma forma de proteção que a lei pretende

conferir, e sim, uma configuração de uma nova rede de significações.

Uma das modalidades de acolhimento para salvaguardar a integridade física

e psíquica dos acolhidos são os espaços denominados Casa-Lar. E é, portanto, com

o nome Casa Lar que é produzida a ideia ou a lembrança do que é um lar, espaço

que permite engendrar a gestação das representações de um lar, de uma família, do

seu ambiente sob o olhar de crianças e adolescentes.

Um lugar, com equipamentos e atores sociais aptos a interromper trajetórias

de sofrimento e promover a perspectiva de reconstrução e estabilidade para uma

possibilidade de retorno à família natural reestruturada e fortificada nos programas

de assistência social ou a possibilidade de encaminhamentos, respeitadas as

singularidades do caso de cada criança/adolescente.

No artigo 92, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA atribui à

Instituição de Abrigo a preservação dos vínculos familiares e promoção da

reintegração familiar, integração em família substituta quando esgotados os recursos

de manutenção na família natural ou extensa e de atendimento personalizado e em

pequenos grupos.

A “Associação Ecos de Esperança” está vinculada ao sistema de

acolhimento, através do programa que desenvolve em parceria com a MEUC –

Missão Evangélica União Cristã e nela habitam vozes como G, de 6 anos,

mostrando que a casa lar é um espaço coletivo – “gosto de dormir porque aí estou

sozinha” que simboliza a necessidade de – o estar consigo, demonstrando a

necessidade de espaços individuais, aliados ao aconchego da família. O que nos

leva pensar abrigo como lugar “semelhante à casa”, no qual os espaços são

compartilhados por aqueles que o habitam, com uma diferença, seu caráter de

temporalidade, pois as crianças abrigadas estão cientes que o abrigo é um espaço

temporário, mesmo que permaneçam vivendo nele por vários anos. Na prática

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entram em cena os papeis experienciados nas famílias naturais e, de alguma forma,

são reproduzidos nas falas e memórias dos acolhidos.

Algumas falas trazem à tona a saudade de brinquedos, objetos pessoais que

se perderam devido à urgência da retirada dos mesmos dos espaços familiares. São

bonecas, carrinhos, “paninhos” que lhes serviriam de amparo e ligação de alguma

forma com o lar e que foram desassociadas das necessidades dessas crianças no

momento de suas vindas ao abrigo.

Assim, tratar de questões relativas ao abandono e a outras formas de

egresso de crianças e de adolescentes aos abrigos impõe reflexões a respeito da

violência e de suas formas de reprodução. O sentimento e o receio de tocar nos

tênues fios que ainda suportam a esperança e a confiança que essas

crianças/adolescentes mantêm nos espaços de acolhimento demandam

sensibilização no trato de suas lembranças e memórias, que se mantém

salvaguardadas como forma de proteção social. Para alguns falar dessas memórias,

é libertar-se, para outros a liberdade consiste em ocultá-las. Assim, no convívio com

os acolhidos deve ser considerado esse jogo de salvaguardar e expor lembranças e

memórias. Desta forma, as crianças e adolescentes abrigados convivem grande

parte de suas vidas, segundo Mendes (2008, p. 9) “tecendo importantes vínculos

afetivos de diferentes naturezas e também sofrendo relevantes rupturas afetivas”,

devido ao tempo relativo à sua permanência nesses espaços.

A recepção e a permanência dessas crianças nos abrigos requer um olhar

sensível, um cuidado com essas bagagens de experiências configurando-se como

catalisadores para validar ou anular a possibilidade de novos vínculos quer nos

espaços do abrigo quer nas novas relações decorrentes da adoção. Manifestar suas

histórias de vida e apresentá-las como registros de existência, resultará na abertura

de espaços de encontro com suas histórias de vida.

Desta forma, permitir que não seccionem ou apaguem as lembranças das

crianças e dos adolescentes abrigados, pode devolver-lhes aos emaranhados do

apanhar o seu fio de história; assim, oferecer o suporte para essas captações não

justifica frases como “iniciar uma nova vida” comumente usada para aquele que vai

iniciar uma nova aventura, mas sim, “um continuar a vida”, com a história única de

cada indivíduo.

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Prosseguindo nessa reflexão, podemos unir o ato de narrar ao de memorar

reportando ambos às questões que envolvem a existência humana, pois acessam

instantes de particularização nos tornando únicos ao narrar, ao memorar e nos

acompanham em nossa existência.

Observa-se que crianças na primeira infância podem ter contato com

diferentes formas de narração: ouvir uma história contada pelos pais, diálogos que

tomam forma melodiosa, cantigas, parlendas. E, assim, no seu desenvolver criam e

recriam cantigas, histórias narrando acontecimentos vividos na escola, em casa ou

com outro grupo de relações. As narrativas orais e escritas formalizam-se pela

escola e pelos demais contatos sociais em padrões sequenciais do relatar, do

escrever, muito embora sejam perceptíveis na fala e na escrita dos sujeitos

envolvidos na pesquisa valorizações subjetivas que refletem o consciente e o

inconsciente. Estabelecer um diálogo subjetivo entre suas histórias e as narrativas

ficcionais pode criar elos de reinserção e reconhecimento de aspectos que nos

particularizam no mesmo instante em que nos inserem na roda do coletivo.

A narrativa pode ser assim considerada como uma ferramenta simbólica

inerente à cultura, operante da consciência humana capaz de gerir as interações do

sujeito com o mundo ao seu redor, atribuindo, a fala e a escrita manifestações da

materialização dessas interações e organizadores dos sentidos das experiências

vividas, pois enuncia nos espaços velados dos discursos o que há de comum,

interno na simbiose escritor-leitor; locutor e ouvinte (MENDES, 2008).

É no contexto cultural que se dá o sentido da narrativa constituindo-se numa

base sócio histórica de produção que Vygotsky (1998) denomina como “sistemas

simbólicos mediadores” das representações do real, havendo nesse campo uma

mescla de histórias e vivências mediadas pelo simbólico.

A frase “Era uma vez” desencadeia desconstruções de tempo/espaço

cartesiano abrindo-se ao “domínio do imaginário” que, segundo Machado, pode

tornar familiar um lugar desconhecido.

“Era uma vez” quer dizer que a singularidade do momento da narração

unifica o passado mítico – fora do tempo – com o presente único – no tempo – daquela pessoa que a escuta e a presentifica. É a história dessa pessoa que se conta para ela por meio do relato universal. (MACHADO, 2004, p. 23)

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Nessa perspectiva, verificamos que na narração, o poder mágico da palavra

se instaura podendo nos conduzir a instâncias impregnadas de fantasia, onde tudo

pode acontecer sem que nos pareça irreal, promovendo a materialização de uma

“ideia narrativa” nas formas do recontar. Num recontar que presentificado inventa e

transfigura-se em “imaginação criadora” (DURAND, 2002), ocorrendo assim um

acordo simbólico entre o mundo, não apenas como um acordo de lugares, de

refúgio, mas algo que reflete na construção da cultura. Durand atribui assim uma

dimensão antropológica e estrutural à função fantástica na espécie humana.

Se os pequenos europeus ocidentais brincam de caubóis e índios, é porque toda uma literatura de história em quadrinhos vestiu o arquétipo da luta com a roupa histórica e cultural de Búfalo Bill e Olho de Falcão. Por outro lado, depois do estádio educativo a função fantástica desempenha um papel direto na ação: não há “obras de imaginação” e toda criação humana, mesmo a mais utilitária, não é sempre aurealada de alguma fantasia? Neste mundo pleno que é o mundo humano criado pelo homem, o útil e o imaginativo estão inextricavelmente misturados, é por essa razão que cabanas, palácios e templos não são formigueiros nem colmeias, e que a imaginação criadora ornamenta o menor utensílio a fim de que o gênio do homem não se aliene nelas. (DURAND, 2002, p. 397)

Nessa perspectiva, a memória é associada à imaginação, permitindo um

redobramento dos instantes perenizados existencialmente. Dessa forma, o

sofrimento recria fragmentos positivos de outros fatos e que não os vividos, diluindo

o sofrimento. A memória confere assim um caráter eufemista ao destino imaginado.

Para Durand (2002) a memória pertence de fato ao domínio do fantástico, dado que

organiza esteticamente a recordação.

É nisso que constitui a “aura” estética que nimba a infância; a infância é sempre e universalmente recordação da infância, é o arquétipo do ser eufêmico, ignorante da morte, porque cada um de nós foi criança antes de ser homem. (DURAND, 2002, p. 402).

A memória tece assim o poder de organização a partir de um fragmento

vivido simbolizado como um todo, capturando ou refutando aquilo que a

subjetividade julgou para expressar sua história mostrando também o viés cultural

dessas representações, pois ainda, segundo Durand (2002, p. 397), “toda cultura

incultada pela educação é um conjunto de estruturas fantásticas”. Nesse

entrelaçamento entre os lugares de experiência interior e exterior há o lugar/espaço

da narrativa que materializa o pensamento abstrato e mescla esses lugares

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ofertando as experiências vividas e as que projetamos para vir a ser, emergindo

juntas, nas paisagens da narrativa.

A análise das experiências vividas por crianças e adolescentes que são

afastadas de suas casas para viver em abrigos como migração imposta por leis de

proteção social demonstram que esses deslocamentos interferem nas relações que

se estabelecem nas memórias e nas construções de suas histórias de vida e

identidade advindas dessas mudanças. Em decorrência, esses novos espaços,

inicialmente estranhos, passam a tornar-se micromundos a parte daquele do qual

saíram, constituindo-se novos espaços de significação na mesma medida em que se

cristalizam na memória os lares antigos pertencentes agora ao laço do território do

fantástico – espaço que revive na fala dos acolhidos inúmeras vezes com um tom de

idealismo.

No território das palavras emerge um conflito latente entre o simbólico e o

real que deixa transparecer a necessidade de ultrapassar a própria palavra e o que

está por trás dela. Além desses aspectos, há o imaginário que perpassa os sentidos

oferecendo-se como um facho de luz que ilumina a realidade. O texto escrito pode

indicar alguns distanciamentos entre o narrado e o vivido, o dizer e o dito, visto estar

modulado às instâncias das experimentações subjetivas que ofertam uma

pluralidade de sentidos, o que o torna de certa forma território estrangeiro, nas

palavras de Ricoeur (1977, p. 44):

O texto é para mim, muito mais que um caso particular de comunicação inter-humana: é o paradigma do distanciamento na comunicação. Por esta razão, revela um caráter fundamental da própria historicidade da experiência humana, a saber, que ela é uma comunicação na e pela distância.

As tramas do texto oferecem a possibilidade de acesso aos “cenários

mentais” e de maneira simbólica, propiciam enfrentamentos com a realidade, pois a

liberdade do ato imaginativo conduz para a autodescoberta. Desta forma, múltiplos

sujeitos e de múltiplas experiências podem estabelecer pontos de encontro nessas

narrativas que (re)significam memórias.

Breton (2003, p. 56) fala de “palácios de memória” baseado na evocação de

textos antigos para fazer referência à consciência de um espaço interior acessado

pela palavra: “A construção de um espaço interior também é a construção de uma

proteção, de uma cerca no interior da qual a palavra pode se experimentar como

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singular”. É importante considerar essa dualidade da palavra e do duplo sentido que

apresenta, que segundo ele:

Assim, ao nos separar do mundo e de nós mesmos, a palavra abre um espaço essencial, o que permite o desenvolvimento da pessoa. A palavra “tempo do ser”, para retornar a fórmula de Heidegger, é uma instância inteira e irredutivelmente nossa, ao mesmo tempo em que se inscreve em um leve, mas essencial, deslocamento em relação a nós mesmos. Essa dupla direção implica na espécie de descentramento da palavra em relação àquele que a emite e igualmente aquele que a recebe.

A dualidade da palavra assegura um espaço entre a realidade e a ficção e

segundo Candido (2004) histórias e narrativas já eram contadas desde os tempos

mais remotos por pessoas próximas e permitiam que fatos corriqueiros apoiassem a

imaginação e a reflexão sobre a vida. Segundo Machado (2004), esses encontros

com as pessoas eram embalados pelas histórias que se cercadas pela afetividade

tornavam legítimos a transmissão de valores.

Antigamente a fogueira, o fogão, a lenha, o lampião aceso na porta de casa, ou as velas reuniam as pessoas em torno do aconchego da semi-escuridão. Momento propício para o descanso depois do trabalho para se vaguear pelas sombras e mistérios da noite, à vontade, deixando as palavras soltas passeando a toda pelos causos, pelos assombros, pelas perguntas sem resposta, pelos fatos engraçados, pelas dificuldades da vida. (MACHADO, 2004, p. 34).

Lugares esses que ainda podem ser assegurados como “espaços da

imaginação humana” através do contato com os contos e com a literatura

representando uma mescla de possibilidades e acessos subjetivos integrados ao

coletivo.

A escolha dos livros de Lygia Bojunga “A Bolsa Amarela” e “Tchau” prendeu-

se aos caminhos que a narrativa tece em relação ao realismo cotidiano presente no

texto, possibilitando, através do mágico, como enfatiza (Coelho 2006), a ruptura com

o realismo que limita as ações do presente e da projeção do futuro da protagonista,

enfatizando a necessidade do autoconhecimento como forma de também entender o

outro. Essas relações transparecem na protagonista Raquel que vê o mundo a sua

volta, saído metaforicamente de sua grande bolsa amarela repleta de vontades e

personagens, estimulando a imaginação criadora, atribuindo os sentidos subjetivos a

vida a ao entendimento dela, num transporte fora do tempo, presentificado pelos

encontros de suas próprias histórias no texto. Assim como as frustrações de outra

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menina que não consegue impedir que a mãe abandonasse o lar, bem como na

trama das diferenças sociais que se anulam frente a amizade de dois meninos,

estabelecendo nos textos de Lygia Bojunga os contrapontos que a vida oferta que

entremeados nos caminhos da criação literária tornam-se compreensíveis e

revestem-se do belo, dinamizando as emoções dos encontros humanos.

REFERÊNCIAS BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. 3. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2009. BRETON, Philippe. Elogio da palavra. São Paulo: Loyola, 2003. CÂNDIDO, Antonio. O direito a literatura. In: Antonio Cândido vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004. COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2006. DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipotogia geral. Trad. Hélder Godinho. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Dispositivos Constitucionais Pertinentes – Lei nº 8.069,de 13 de Julho de 1990 – Legislação Correlata – Índice Temático.8. ed. DF. FIORIN, José Luiz. Leitura e dialogismo. In: Zilberman, Regina; Rosing, Tania M. K. (Orgs.). Leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004. MENDES, Cynthia Lopes Peiter Carballido. Vínculos e rupturas na adoção: do abrigo para a família adotiva. 2008. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Universidade de São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/tesesdisponiveis/47/47133/tde-27032009-153918/>. Acesso em: 03 out 2013. PARREIRA, S. M. C. P.; JUSTO, J. S. A criança abrigada: considerações acerca do sentido da filiação. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 2, p. 175-180, mai./ago. 2005. RICOEUR, Paul. Interpretações e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. VIGOTSKI, Lev S. O desenvolvimento psicológico na infância. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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UM ABSURDO MUITO CALMO: UMA LEITURA DOS LIMERIQUES DE EDWARD

LEAR

Eduardo Silveira Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

([email protected])

Muitas são as suposições acerca da época e do local de criação do limerick,

ou - na versão aportuguesada - limerique, mas é certo que seu desenvolvimento

principal ocorreu no seio das culturas irlandesas e inglesas, pois foi nessas culturas

que o limerique ganhou status de item folclórico e multiplicou-se. De grande

popularidade, o limerique apresenta características marcadamente subliterárias,

sobretudo por seu caráter convivial: nos séculos XVIII e XIX, dos quais datam suas

primeiras manifestações sob o nome de „limerique‟, eram poemas declamados em

encontros e festas, motivos de festivais e torneios, apresentando, assim,

características semelhantes à de outras composições poético-musicais mais

familiares aos brasileiros, como as quadrinhas, o rap e a literatura de cordel.

O limerique pode ser descrito como um gênero poético-humorístico, pois é

sempre um poema em versos, que obedece a certa estrutura fixa, ao mesmo tempo

em que visa o humor. O limerique faz troça, ironiza, conta um causo bizarro, sempre

com a intenção de fazer sorrir. É essencialmente uma anedota em verso, diz Baring-

Gould (1967). O sucesso do limerique nas culturas de língua inglesa reside

provavelmente na sintonia entre a língua e o humor inglês, que vai da ironia polida

ao nonsense escrachado e a estrutura rígida e musical do limerique. O poema

sempre possui cinco versos, que devem seguir o esquema rímico do tipo A-A-B-B-A,

bem como um esquema rítmico pré-definido: os dois primeiros versos com três pés

cada, o terceiro com quatro pés (que se desdobra em dois versos de dois pés cada,

tornando-se dois versos, o terceiro e o quarto) e o quinto e último verso de três pés.

A grande referência quando se fala no gênero é o inglês Edward Lear, nascido em

1812 e falecido em 1888, que não foi o criador dessa forma poética, nem tampouco

usou o termo limerique em seus livros. Sua primeira obra, de 1846, chamava-se “A

book of nonsense” e apresentava 112 poemas escritos conforme as regras do

gênero. O sucesso de seus limeriques, e razão para que seja até hoje divulgado e

lido como o grande cultor do gênero, está na sua refinada criação de um universo

nonsense. Até então, o limerique era um poema de humor que se prestava a toda e

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qualquer anedota: paródias, sátiras, ditos pornográficos, cruéis e escatológicos.

Lear, por sua vez, afastou-se da tendência popular do limerique, abrindo mão da

promiscuidade e da intenção anedótica em favor da criação de um mundo particular

habitado por pessoas de curiosos e inexplicáveis hábitos. Enquanto nos limeriques

populares a anedota ou situação cômica era contada por meio de cinco versos, Lear

alterou a estrutura de modo que as ações do enredo acontecem quase sempre nos

quatro primeiros versos, reservando ao quinto a tarefa de fechamento do enredo e

retomada do primeiro verso. Esse efeito cíclico impossibilita a classificação do

limerique leariano como anedota, uma vez que, embora haja um enredo cômico e,

muitas vezes, um clímax, não se desvela diante do leitor a resolução . O limerique

leariano não dá a chave para o leitor, como fazem as anedotas, e mantém o

suspense ao não explicar de forma satisfatória o comportamento singular dos

personagens. O limerique é antes uma mininarrativa, a minidescrição de um

personagem curioso:

Havia uma moça cujo nariz comprido Chegava-lhe bem abaixo do umbigo; Contratou então uma criada, senhora bem-comportada, Para levar seu formidável nariz comprido. (LEAR, 2011, p. 28)

O sucesso e popularização dos poemas nonsenses de Lear fez com que o

termo „nonsense‟ ganhasse novas definições ao longo do tempo, inclusive dando

origem a um gênero literário: a literatura nonsense, da qual Edward Lear e Lewis

Carroll são unanimemente considerados os principais representantes. O estudioso

alemão Klaus Reichert (apud ÁVILA, 1995) circunscreve a produção da literatura

nonsense em um curto período de anos, uma vez que entende que ela foi uma

resposta a uma série de fatores sócio-históricos específicos e, portanto, esse

movimento teve um início e fim. Reichert marca a publicação do primeiro livro de

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Lear, em 1846, e a morte de Carroll, em 1898, como marcos inicial e final da

literatura nonsense, justificando que se

antes não existia, depois não precisava existir. Ela é um fenômeno transitório, reação a condições determinadas, historicamente delimitáveis, que perdeu o sentido assim que essas condições se tornaram transparentes e puderam ser descritas de maneira não-nonsense. (REICHERT apud ÁVILA, 1995, p.97)

Assim, a literatura nonsense de Lear e Carroll pode ser considerada

pioneira na crítica às transformações pelas quais o mundo, sobretudo a Inglaterra,

passou após a Revolução Industrial. Sob essa ótica, ao denunciar por meio do

humor nonsense a tensão entre as ações dos personagens e os valores da

sociedade em transformação, a produção nonsense dos dois autores antecipa a

crítica que mais tarde seria feita ao modelo capitalista industrial pelos movimentos

modernistas. Nos poemas de Lear é comum que o protagonista vá de encontro a

valores, exigências e crenças vigentes em sua sociedade, retratando a dificuldade (e

muitas vezes a impossibilidade) de se adequar ao novo mundo que se impunha.

Essa tensão entre indivíduo, sociedade e valores tradicionais é uma constante na

leitura de seus limeriques nonsense, uma vez que a maioria deles tem como

protagonista apenas um personagem, sendo que – em vários limeriques – esse

personagem toma atitudes que contrariam a expectativa e a vontade das pessoas

que o cercam – a sociedade. Esse forte caráter individualista dos poemas de Lear

antecipa, assim, conflitos morais que se adensariam com as conseqüências da

industrialização vertiginosa pela qual passava a Inglaterra no fim do século XIX. O

êxodo rural, o aumento da carga de trabalho, a divisão das fases da produção, a

urbanização e a consequente diminuição das comunidades coletivas foram fatores

que contribuíram para a construção de uma sociedade cada vez mais individualista e

tensa, cujos valores morais foram transformados e confundidos pelos ideais

capitalistas. Nada mais propício e discreto para representar as contradições e

confusões desse mundo em transformação do que o humor nonsense. É

característica dos limeriques de Edward Lear a criação de personagens solitários,

que se destacam dos demais por sua condição ou hábito absurdo. Cada limerique é

um microuniverso em cujo centro está o personagem absurdo e nada há mais que

importe. Não há referências significativas da passagem do tempo. Não há

possibilidades e nada fica em aberto. O universo nonsense é marcado pelo não-

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sentimentalismo, e assim os personagens de Lear agem com total despreocupação,

mesmo em situação conflituosa diante da sociedade, e não demonstram qualquer

reação ao mundo exterior e suas críticas à suas escolhas e suas sanidades. No

imaginário coletivo, o louco costuma se mostrar por meio de atos inusitados e

extravagantes. Em muitas obras de ficção e humor, o louco é espalhafatoso,

agitado, aquele que grita e quebra coisas. Representações assim reforçam a

diferença que há entre as pessoas ditas loucas e as pessoas ditas normais. Mas os

limeriques nonsense de Lear parecem tornar essa barreira cada vez mais

imperceptível e confusa. Plantam, assim, a dúvida: somos normais mesmo? O que é

ser normal? Sem demonstrar uma gota de espanto, o autor apresenta uma coleção

de homens e mulheres bizarríssimas em um universo absurdo, mas muito calmo. O

destaque destes personagens absurdos em relação ao mundo que os cercam às

vezes é demarcado com a criação de um coro que repreende o personagem:

Havia um velho senhor em João Ramalho que vivia a dançar na ponta de um galho; mas disseram: "Se espirrar, a árvore vai se arruinar, seu imprudente velho de João Ramalho" (LEAR, 2003, 47) (grifo meu)

Nota-se que o nonsense leariano nasce de contrastes. Segundo Bastos

(1996, p.13), “O nonsense não se resume a uma falta, a uma ausência de sentido,

trata-se mais de uma negação, de um não-sentido. (...) O nonsense remete ao

sentido. Na medida em que o nega, afirma-o.” Assim, a leitura nonsense se dá

quando o leitor se depara com um texto que nega (ao divergir) o sentido habitual das

coisas. O conflito é a condição essencial para a existência do nonsense. No

limerique citado anteriormente, o protagonista dança sobre um galho, uma cena

incomum se considerarmos o arquétipo do galho: fino, roliço, frágil e terreno

impossível para a execução de uma dança, ato que pressupõe (novo arquétipo,

nova representação mental) o movimento do corpo. Cabe investigar, pois, de que

forma a leitura se instala e qual é o caminho que liga o leitor à leitura que faz, ou

seja, o que o leva à leitura nonsense. Para a análise de alguns limeriques de Lear,

optou-se pela leitura semiológica, por ser a teoria geral dos sinais. Ao tomar os

signos como tema, a semiologia, fundada pelo linguista francês Ferdinand de

Saussure, e aperfeiçoada por uma série de estudiosos posteriores, liga-se

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diretamente ao processo de significação. No limerique em questão, aquilo

anteriormente chamado de representação mental é, sob a perspectiva saussureana,

o significado. A outra face do signo é o significante, aquilo que é dizível por meio do

código linguístico. Aplicando tais conceitos ao caso do limerique do velho senhor de

João Ramalho temos que um conflito entre os signos “galho” e “dançar”. O leitor tem

dificuldade de compor uma imagem dessa soma, e o resultado disso, o significado

confuso e impossível, é nonsense. Nota-se que a relação entre signos e

significantes é sempre tensa nos textos de Lear. Outro exemplo é este outro

limerique:

Havia um velho senhor lá de Monte Pilar Que adorava olhar sua mulher a cozinhar; Mas um dia ela se enganou E no forno o que ela enfiou Foi o coitado do velho de Monte Pilar. (LEAR, 2003, p.25)

Aqui, nota-se que o nonsense se manifesta antes mesmo do texto, na

ilustração do poema. Mais do que ornamentar, a ilustração em vários dos poemas

de Lear exerce a função lúdica e narrativa, fazendo parte e modificando o enredo do

poema. No caso do limerique acima, a leitura da imagem mostra que a mulher está

feliz com o infortúnio do marido, uma conclusão que vai de encontro à afirmação

“Mas um dia ela se enganou”, que sugere que o ato de levar ao marido ao forno foi

não-intencional. O confronto desses dois indícios opostos é o que gera o efeito

nonsense. Mais do que ilustrar a cena, o que constituiria redundância, os desenhos

de Lear aumentam a carga de humor do poema, uma vez que também são irônicos

e bizarros a seu modo. Nos poemas, não há uma intenção principal: o próprio Lear

declarou que o único objetivo deles era ser nonsense. Não há entrelinhas, ele não

quis dizer nada. No entanto, muitas coisas podem ser discutidas a partir da leitura

dos limeriques. De algum modo, todos os seus limeriques carregam dentro de si

atitudes e indagações humanas, relacionadas a medos, paranóias, desejos. A partir

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do momento em que apresenta atitudes absurdas, Lear nos confronta com as

atitudes esperadas para aquelas situações, levando-nos a repensar nossas rotinas,

nossos modos, nossa humanidade e nossa língua. À primeira vista, o limerique pode

parecer uma peça com sérios problemas de coerência. Um texto coerente pode ser

definido como aquele no qual há uma continuidade de sentidos entre os

conhecimentos ativados pelas expressões do texto, enquanto incoerente é “aquele

em que o leitor/alocutário não consegue descobrir nenhuma continuidade,

comumente porque há uma série discrepância entre a configuração de conceitos e

relações expressas e o conhecimento anterior de mundo dos receptores.”

(BEAUGRANDE e DRESSLER apud FÁVERO, 2009, p.61)

Tais definições, embora perfeitamente aplicáveis à análise da competência

textual de diversos textos, não se mostram suficientes para analisar exemplares da

literatura nonsense, dadas as especificidades que tais textos apresentam. Isso

porque se é verdade que os acontecimentos inesperados nos limeriques trazem

dificuldade para o leitor dos poemas, não se pode afirmar que não há continuidade

possível à trama. Os limeriques de Lear, além de apresentarem relações de coesão

e coerência perfeitas, muitas vezes apresentam uma solução possível, ainda que

incomum, para o problema/particularidade do protagonista. A identificação do

nonsense em Lear está, portanto, fora da sintaxe, e muito mais próxima no campo

da semântica. A especificidade do nonsense leariano está, portanto, em diversos

embates entre forças de ordem e desordem, que se dão em vários níveis do texto.

Há embates dentro do texto e embates fora do texto, como por exemplo, o confronto

entre a realidade absurdo dos limeriques e o seu contexto de produção – a

sociedade realista e rígida da Era Vitoriana.

Os poemas de Lear propõem uma reflexão (que na verdade é dependente

da linguagem, e por isso é reflexão linguística também) sobre a vida, uma vez que o

texto nonsense, por meio da linguagem, desconstrói significados, imagens e idéias.

Há, ainda, as reflexões que o texto nonsense provoca em seus leitores mais

experimentados. São reflexões linguísticas e cognitivas, atreladas ao complexo

processo de produção de sentido, que durante a leitura do texto nonsense é

desnudado diante do leitor, como se fosse uma engrenagem que, ao perder uma

peça, desmonta-se. A leitura dos limeriques de Edward Lear aponta para a

afirmação de que os poemas apresentam múltiplas formas de nonsense, ou seja,

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variados jogos – ou embates - entre a ordem e a desordem: seja o conflito entre

imagem e texto, ou o conflito do protagonista com o resto da sociedade, ou então o

uso inesperado de um vocábulo em determinada cena. Uma vez que a leitura dos

limeriques absurdos de Lear coloca o leitor diante de múltiplos nonsenses e

múltiplos questionamentos, entrar em contato com os limeriques desse fantástico

autor é refletir sobre o que o ser humano tem de óbvio e tolo. E fazer isso rindo.

REFERÊNCIAS:

ÁVILA, Myriam. Rima e Solução: a poesia nonsense de Lewis Carroll e Edward Lear. São Paulo: Annablume, 1995 BARING-GOULD, Willian S. The Lure of The Limerick: An Uninhibited History. New York: Clarkson N. Potter, Inc/Publisher, 1967. BASTOS, L. K. Anotações sobre leitura e nonsense. 1996. 126f. Tese (Doutorado em Linguística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2001. CARVALHO, Castelar de. Saussure e a língua portuguesa. In: http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm Acesso em 10/10/21013 FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2009. LEAR, Edward. Adeus, ponta do meu nariz! Tradução de Marcos Maffei. São Paulo: Hedra, 2003. LEAR, Edward. Complete Nonsense. Hertfordshire: Wordsworth Editions, 1994. LEAR, Edward. Viagem numa peneira. Tradução de Dirce Waltrick do Amarante. São Paulo: Iluminuras, 2001.

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[email protected] – O CARTEIRO CHEGOU

A FALTA DE PRIVACIDADE NO CIBERESPAÇO, A EXPOSIÇÃO DE GOSTOS E PREFERÊNCIAS E O ESTÍMULO CONSTANTE AO USO DAS NOVAS

TECNOLOGIAS INFLUENCIANDO NAS RELAÇÕES AMOROSAS

Rosilda da Silva Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade na Univille.

Orientadora Profª Drª Taiza Mara Rauen Moraes. ([email protected])

O gênero textual carta íntima, de caráter dialógico, interativo e interlocutivo;

instaurado pelas idas e vindas e troca de correspondências entre as pessoas,

apresenta em seu funcionamento uma produção de linguagem capaz de situar

socialmente aquele que a escreve. Todavia, a carta íntima vem se transformando

com o avanço dos meios eletrônicos, pois, com o surgimento da internet os usuários

desta prática têm cada vez mais se distanciado deste tipo de escrita e optado por

outros meios; mais rápidos e supostamente mais seguros, como os e-mails, as redes

sociais e até mesmo sites de relacionamento.

Nesses tempos pautados pelo imediatismo, pela mídia, de relacionamentos

fluidos, marcados pela anulação do individual e pela hegemonia da multidão,

criando-se assim um cenário característico do anonimato e que ambienta as novas

condições de existência, nas quais as pessoas parecem sempre estar acopladas a

algum tipo de máquina, percebe-se que muitas mudanças ocorreram nos processos

comunicativos.

De um modo geral as pessoas inquietam-se. Buscam a todo custo a felicidade

nas mais variadas fontes; baladas, internet e tecnologias afins; na satisfação sexual;

no culto às eternas beleza e juventude fabricadas pelo bisturi; no acúmulo de

riquezas materiais e em tantas outras fugas existenciais que acabam por perderem-

se no caminho das efemeridades tornando-se reféns desses novos tempos

permissivos, no qual aprenderam com tamanha facilidade a desencontrarem-se do

seu verdadeiro eu. Buscam soluções para esse reencontro consigo mesmas no

olhar do outro e sobre si próprias, muitas vezes, por meio do novo espaço público

surgido, o ciberespaço; influenciando em muitos casos no relacionamento humano,

no qual o avatar substitui o indivíduo/sujeito.

Entretanto, é válido lembrar que as cartas íntimas já imortalizaram vivências e

sentimentos de casais apaixonados, como por exemplo, Dom Pedro I e a Marquesa

de Santos, Fernando Pessoa e Ofélia, Machado de Assis e Carolina, Jean-Paul

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Sartre e Simone de Beauvoir, além de tantos outros. As cartas aproximavam os

apaixonados pela escrita, encurtavam distâncias e ofereciam o conhecimento sobre

o outro, alicerce para um futuro relacionamento, por vezes, tão sonhado e em muitos

casos, duradouro.

Pierre Nora (1993, p.02), historiador francês contemporâneo, afirma em Les

Lieux de Mémoire, traduzido para a cátedra Seminário de História Argentina pelo

professor Fernando Jumar que

La memória es la vida, siempre llevada por grupos vivientes y a este título, está en evolucion permanente, abierta a la dialéctica del recuerdo y la amnésia insconsciente de sus deformaciones sucessivas, vulnerable a todas las utilizaciones y manipulaciones, susceptible a largas latências y repentinas revitalizaciones. La historia es la reconstrucción, siempre problemática e incompleta, de ló que ya no es. La memória es un fenômeno siempre actúa un lazo vivido em presente eterno; la historia, una representación; ella se alimenta de recuerdos vagos, globales o flontantes, particulares o simbólicos, sensible a todas las tranferencias, pantallas, censura o proyecciones.

Cartas, até mesmo as de amor, são documentos escritos, que merecem um

olhar atento porque fornecem registros identificadores de uma cultura. O sentimento

pode até ser ilusório, ou efêmero, ou provisório, mas as palavras escritas, trocadas

entre o casal podem, se isto teve algum valor para pelo menos uma das partes,

tornarem-se permanentes, porque, acredita-se que, quem ama preserva aquilo que

ama. Mas, para o pensador alemão Walter Benjamin (1995, p.84),“algumas vezes o

choque de resgatar o passado seria tão destrutivo, que no exato momento,

forçosamente deixaríamos de compreender nossa saudade”. E é por isso talvez que

tantas pessoas ao terminarem seus relacionamentos destroem ou desfazem-se de

suas correspondências, dificultando dessa forma aos pesquisadores, um resgate do

que se prefere deixar no esquecimento.

Em Memória e Poder: dois movimentos, Mário de Souza Chagas expõe o que

pensa acerca deste tema,

[...] trata-se freqüentemente de justificar a preservação pela iminência da perda e a memória pela ameaça do esquecimento, com isso, deixa-se de considerar que o jogo e as regras do jogo entre esquecimento e memória não são alimentados por eles mesmos e que a preservação e a destruição não se opõem num duelo mortal, complementam-se e sempre estão a serviço de sujeitos que se constroem e são construídos através de práticas sociais.

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Aqui, vale ressaltar que as cartas que sobrevivem ao tempo e aos jogos de

poder entre preservação e destruição, perdem seus significados e outra função entra

em jogo. A escrita é refuncionalizada para atender a outras intenções e objetivos,

tornando-se assim objeto de estudo, provocando o interesse de quem pesquisa e a

curiosidade de quem se interessa pelo tema.

Quanto maior a liberdade, maior o prazer

Nesses tempos voltados e movidos à tecnologia em que vivemos, criou-se

uma visão que se supõe otimista para os relacionamentos pessoais e amorosos, são

os novos arranjos disponibilizados por sites de relacionamentos, assim como o “Par

Perfeito”, encontrados facilmente na internet, nos quais as pessoas ficam expostas

como os produtos em uma vitrine, que cada um pode escolher o que quer,

experimentar e se decidir a levar ou não. Parece que os critérios aplicados aqui,

pode-se dizer que são os mesmos disponibilizados para os bens de consumo, nos

relacionamentos assim como nas aquisições de bens, o que importa é a utilidade e

não o outro ser humano. Perdendo-se a utilidade torna-se obsoleto, perde-se

também o vínculo, pois já não se conhece mais a noção básica de dignidade

humana.(WESTPHAL, 2010)

Atualmente tem se tornado um hábito o agir mimético, a descaracterização da

personalidade e a paralisia visual diante do computador. Frente à fragilização dos

sentimentos e aos absurdos vistos diariamente tudo isso se mostra tão desconexo.

Procura-se o virtual para realizar os desejos da vida real. E, pressupondo que nos

grandes centros urbanos uma aproximação entre pessoas ou a busca por

relacionamentos amorosos nos ciberespaços demonstre um desejo de ser visto, de

ser aceito, de colocar-se em evidência; acredita-se que o tempo ocupado

virtualmente, não seja capaz em muitos casos de suprir a insatisfação e a solidão. É

possível que haja aí uma crise de identidade, que é o que se supõe acontecer

quando as pessoas passam a não se reconhecerem mais no meio em que estão, ou

quando suas práticas entram em conflito com seu modo de pensar; e para Castell

(1999, p.22), identidade é definida como

[...] o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s)

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qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Para um indivíduo (...) [há] identidades múltiplas. No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social.

Vale lembrar que as facilidades que são ofertadas virtualmente e que tantas

contradições oferecem com o acúmulo de informações e possibilidades, não

representam sinônimo de conhecimento ou autoconhecimento e tampouco dão

garantias de satisfação; o que por sua vez nos remete ao pensamento foucaultiano

em relação ao poderio exercido pela identidade dominante de cada indivíduo, pois

dependendo da posição ocupada por essa pessoa será a sua prática social.

Em A Dialética do Esclarecimento, Theodor W. Adorno (1988) afirma que

O indivíduo vê-se completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo vê-se ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores, materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a negação da reificação. Mas ele necessariamente se esvai quando se vê concretizado em um bem cultural e distribuído para fins de consumo. A enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo.

Vivemos em um período no qual, as pessoas de uma forma geral optam pelas

informações prontas, compactadas e de preferência com imagens e fotos, para lhes

facilitar a leitura e reduzir os esforços do pensar reflexivo. O que Theodor W.

Adorno preconizava já em meados do século XX ainda hoje se faz atual, pois a pós-

modernidade é o período que se caracteriza pelo isolamento dos sujeitos, a

alienação e o anonimato nos grandes centros urbanos. Esvai-se aí a individualidade

e se sobressai a coletividade mimética, ou seja, é a anulação do indivíduo, que entre

tantas outras coisas também sai à procura de parceiros amorosos na internet,

buscando dessa forma minimizar sua solidão.

Nessas relações virtuais parece haver algo que assusta e fascina ao mesmo

tempo. A rapidez com que se criam vínculos impressiona, pois, neste caso muitas

etapas são queimadas, diferente dos relacionamentos ao vivo, “olho no olho”, nos

quais primeiro estuda-se o terreno, depois surge um primeiro convite, um primeiro

encontro e assim se segue o que pode vir a ser duradouro ou não.

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Já em trocas de e-mails tudo isso é feito em pouco tempo, algumas horas às

vezes. Bastam algumas dúzias de mensagens para que a intimidade comece a se

impor. Cada um a seu modo, no seu mundo tecnológico, com seu micro, notebook,

tablet, ipad, iphone ou qualquer outro eletrônico, fica livre para criar, fantasiar e

transgredir. As pessoas tornam-se personagens, alguns mais sedutores e

fascinantes, outros mais ousados, outros ainda, misteriosos. Perde-se a timidez,

uma possível gagueira, perde-se o medo de errar e não agradar. Tudo pode ser

escrito e reescrito antes, várias vezes, até que se pareça bem natural.

O ritmo com que o avanço acontece nas relações cibernéticas é tão intenso

que por vezes é possível às pessoas sentirem-se como que roubadas de seus

próprios pensamentos, de sua intimidade. Todavia, ao se intencionar passar do

virtual para o real como num passe de mágica, como a continuidade do que foi

iniciado por detrás das telas, é preciso cautela e bom senso, pois, pelas dificuldades

naturais de ajustamento, quando este se dá, nem sempre as coisas ficam como

deveriam ficar; e nesse contexto pós-moderno e globalizado, um fato relevante é

que nossas vidas podem facilmente ser afetadas por qualquer coisa que aconteça

em qualquer lugar do mundo.(GIDDENS, 2002)

Contraditoriamente a isso, Canclini expõe alguns pontos envolvendo o

homem pós-moderno, o que imediatamente nos leva a pensar que a modernização

provocou o desaparecimento das culturas tradicionais. Entretanto, é preciso se

perguntar como essas culturas estão se transformando e como interagem com as

forças da modernidade. (CANCLINI, 2008)

Isso por sua vez nos permite observar a tecnologia como um recurso

contemporâneo que se transforma em um meio para se chegar a um fim, como uma

ponte a se transpor do virtual para o real. Em muitas vezes as dimensões de uso

são tão amplas que as trocas virtuais além de reduzirem o espaço/tempo entre

pessoas que talvez nunca se viram, proporcionam o anonimato e a liberdade para se

expressarem de forma mais livre, porque se sentem seguras, protegidas e, por

conseguinte, se revelam, em alguns casos muito mais do que fariam com alguém

que já conhecessem, dividindo segredos, intimidades e desejos, intensamente e

sem culpa, na busca do prazer sem conexões com cobranças ou responsabilidades

que transgridam a ideia de manter os privilégios que as facilidades tecnológicas

oferecem.

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Santaella, em sua obra “A cultura das mídias” (2000), apresenta algumas

sugestões às inúmeras indagações surgidas em relação à cibercultura. Apresenta o

homem como um humano-máquina e o significado dessa nova figura para

mudanças na cultura e na comunicação. Vive-se, segundo ela, em um período de

incertezas, para o qual se tem muito mais perguntas que respostas, pois ao mesmo

tempo em que a tecnologia aproxima também distancia as pessoas. O novo homem

do século XXI vê, na maioria dos casos, os eletrônicos como uma extensão do seu

corpo e muitas vezes é mais presente com quem está do outro lado da tela do que

com quem está realmente ao seu lado.

Por isso, em uma época anterior ao computador, à internet e/ou aos

ciberespaços, espaços esses identificados por Marc Augé (2004) como não-lugares,

na qual a comunicação entre os pares amorosos acontecia também e, em grande

quantidade, por meio da troca de cartas, era possível observar um campo de

possibilidades, circunscritos histórica e culturalmente. As cartas trocadas entre pares

amorosos nos permitem observar algumas mudanças socioculturais ocorridas nos

últimos tempos. Algumas mudanças que influenciaram entre tantas outras coisas,

diretamente, no meio de comunicação dos relacionamentos amorosos, porque

cultura para Eagleton (2011) é em grande parte, também o que se vive, pelo qual se

tem afeto e se relaciona, como um lugar, um prazer, uma satisfação; é memória.

E a memória pode sim ser preservada, selecionada e transformada em

patrimônio, lembrando que para isto não há a necessidade de uma valoração

monetária, mas principalmente de um valor simbólico, mágico, representativo,

identitário, no qual o indivíduo se reconheça e pelo qual desenvolva um sentimento

de pertencimento; isso pode acontecer tanto em relação a bens materiais, quanto a

representações imateriais, fazendo com que um patrimônio transite tanto no

passado quanto no presente, representando um discurso à distância, carregado de

espontaneidade, emoções, sentimentos, vivências.

No início era o verbo – agora, verborragia

Assim como para se apreciar uma obra de arte é necessário o afastamento

para que se possa ter uma visão melhor do conjunto, é possível que nas relações

pessoais, principalmente à distância, ocorresse ou ainda ocorra o mesmo. As

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palavras são as ligaduras que dão vida aos sentimentos, alimentam o imaginário e

suscitam em seus usuários uma poesia muitas vezes capaz de captar a alma do

outro e comover de forma tão cadenciada que acaba conquistando o receptor

solitário. Fica mais fácil dessa forma fazê-lo crer na promessa de dias melhores,

cheios de encantamentos, compreensão, harmonia, paixão, da quietude que tanto

inspira as tomadas de decisões e norteia o sentido da vida.

E os amores que já foram tão desfolhados em cartas, tanto quanto os

dissabores; sofrem atualmente com a influência da mídia, o que pode ser verificado

por meios dos mais diversos sites que oportunizam essa facilidade pós-moderna

ofertando uma possibilidade de sentimentos nos mais diversos pares cadastrados,

podendo ou não corresponder ao amor que se busca no outro.

Fragmento de carta de acervo pessoal especialmente cedida para esta

pesquisa

Perfil de um usuário encontrado em site de relacionamento no ciberespaço

roquentin Usuário Ouro

Quando eu me vi nos seus olhos...

Apresentação pessoal

Sou simples, gentil, um pouco retraído, com uma tendência a ser protetor e

quase sempre bem humorado. Gosto de uma boa conversa e uma boa

música. Não acredito que pessoas possam ser selecionadas por um "check

list" (não tenho vocação para Frankestein). Creio que palavras bem escritas,

bem arranjadas, imagens produzidas podem nos enganar. Conhecer

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alguém, para mim, é muito mais que saber detalhes sobre sua vida ou seus

hábitos. Conhecer alguém é trocar visões, se expor, tocar em sentimentos.

Se você tem algo para trocar será um prazer conversar com você.

Fale mais sobre você

Acredito que a vida é um grande enigma e que nossa missão é tentar

desvendar a pequena fração que nos é permitida.

Descrição de quem roquentin busca

Pessoa bem-humorada e inteligente, que goste de ouvir boa música. Goste

de ter seu espaço e respeite o dos demais. Que tenha alguns valores

tradicionais, mas não seja fechada em seus conceitos. Que acredite que a

vida vai muito além que "curtir" e "compartilhar". Que se preocupe com o

mundo que vai entregar para os seus.

Intenção, Fidelidade, Romantismo

Intenção: Amizade/Diversão/Relacionamento sério

Fidelidade no relacionamento: Sou sempre fiel

Romantismo: Sou relativamente romântico

Disponível em: www.parperfeito.com.br

Depois de quatro décadas entre a carta afetuosa de Mariângela para Sérgio,

muitas transformações ocorreram na escrita, representação de mundo fixada pela

palavra em gênero historicamente demarcado. Enquanto em uma época

escrevia-se para manter acesa a chama de um relacionamento à distância; hoje o

ciberespaço, na tentativa de encurtar estas distâncias e aproximar as pessoas,

coloca à disposição os mais íntimos desejos de se relacionar, expondo aquilo que

deveria estar reservado sem, contudo, implicar compromisso, intimidade ou conexão

amorosa. A complexidade da sociedade atual parece ir de encontro ao pensamento

de Huyssen (2000, p.30)

[...] uma das lamentações permanentes da modernidade se refere à perda de um passado melhor, da memória de viver em um lugar seguramente circunscrito, com um senso de fronteiras estáveis e

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numa cultura construída localmente com o seu fluxo regular de tempo e um núcleo de relações permanentes.

A busca realizada no ciberespaço por parceiros amorosos remete-se ao

tempo em que se publicavam anúncios em revistas para troca de cartas à procura

de namorado; tornando assim, o antigo muito atual. A partir disto é possível

observar que não é novidade esse modo de se comunicar à distância, mas, uma

releitura mais acelerada, carregada de mudanças profundas naquilo que se

mostrava um processo moroso e que visava tornar presente aquele que escrevia.

A elaboração e o cadastro de um perfil em um site de relacionamento deixa

visível a falta de privacidade que há no ciberespaço, a exposição de gostos e

preferências e o estímulo constante ao uso das novas tecnologias influenciando nas

relações amorosas, pois a escolha de parceiros é facilitada, como quem escolhe

uma mercadoria em um mercado qualquer. A contemporaneidade com todos os

seus avanços tecnológicos permite isso, a relação entre entretenimento e

ressignificação de sentimentos de maneira diferenciada, sem a preocupação de ser

original, sem o compromisso com a perenidade. É a ruptura com os conceitos até

então bem definidos e aceitos acerca do relacionamento humano.

O quase abandono à escrita de cartas de amor, a busca por parceiros

amorosos e a retomada da escrita sentimental no ciberespaço, apresenta a

reconstrução de um costume passado, representando o desapego de um hábito hoje

obsoleto em detrimento da teatralização de um estigma comportamental, que muito

além da pedra e cal, marca a fluidez cultural de um tempo, o nosso, o

contemporâneo.

Entretanto, mesmo após todas essas mudanças ocorridas na sociedade,

parece que o medo de não encontrar um parceiro ideal continua rondando os

usuários cibernéticos, pois, assumir possibilidades de conhecer alguém que traga

emoções mais intensas, profundas e verdadeiras, que possam de alguma forma

quebrar a rotina e alterar os padrões é urgente. E, por isso, gastar parte do tempo

livre analisando e procurando perfis interessantes e compatíveis com o que se quer

marca o eterno retorno ao mito da “alma gêmea”, ainda que com reedição dos

antigos papéis, homem/mulher, hoje adaptados às novas exigências. Além disso, a

possibilidade de escolher um parceiro (a), ainda que não com o interesse de uma

relação a longo prazo, coloca um certo temor em não corresponder às buscas feitas

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pelo sexo oposto, pois quem se dispõe a escolher alguém em um site de

relacionamento, também pode ser escolhido.

Por outro lado, há momentos em que até mesmo em meio a tanta tecnologia

e facilidades o tédio aparece. A tentativa de amar outra pessoa e não estar

comprometido com ela envolve muitas possibilidades de novos encontros, novas

buscas e talvez, novos amores, porque tudo está fácil demais. Consegue-se tudo o

que se quer, mas o encanto facilmente se esvai e então se abrem novas

possibilidades para outras inquietações, outras escuridões contemporâneas ou

experimentações, que não se transformam em um relacionamento duradouro,

mas em recortes metafóricos que não chegam à narrativas construídas por uma

história de amor, mas apenas por fragmentos, pedaços de histórias que a

efemeridade plantou.

REFERÊNCIAS

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GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória. Arquitetura, Monumentos, Mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10, dez. 1993, p.7-28. SANTAELLA, Lúcia. A cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 2000. WESTPHAL, Euler Renato. A pós-modernidade e as verdades universais: a desconstrução dos vínculos e a descoberta da alteridade. In: Nadja de Carvalho Lamas; Taíza Mara Rauen Moraes. (Org.). (Pro)posições Culturais. 1ed. Joinville: Editora Univille, 2010, v. , p. 11-32

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LEITURA FRUITIVA, CULTURA BRASILEIRA - PIBID: A LEITURA DO TEXTO,

DO CONTEXTO E DE SI

Adair de Aguiar Neitzel, Universidade do Vale do Itajaí (CI)

Cleide J. M. Pareja, Universidade do Vale do Itajaí (CA) ([email protected]; [email protected])

Trazer ao aluno uma nova concepção de leitura e de livros que esteja

desvinculada das propostas fragmentadas da leitura escolarizada, ainda dentro do

ambiente escolar, é um grande desafio aos educadores que acreditam na leitura

literária. Assim, ler histórias para e com os alunos é uma das práticas que pode vir a

contribuir significativamente com a educação.

Todorov (2009), em seu livro A literatura em perigo, convida-nos a pensar

sobre as metodologias empregadas na escola para o ensino da literatura. Tendo em

vista a função estética do texto literário, segundo Todorov, o seu ensino deveria

possibilitar que o leitor pudesse encontrar nelas um sentido que o permitisse

compreender “[...] melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que

enriqueça sua existência”. (TODOROV, 2009, p. 33). Lidar com a literatura tendo em

vista a percepção estética em uma instituição de ensino requer, portanto, inovar nas

metodologias de ensino, pois as estratégias de leitura precisam levar o leitor a

perceber o texto de modo poético para que não nos arrisquemos a afastá-lo do texto

literário. É preciso, antes de retirar informações do texto, ter “amor pela literatura”,

sinaliza Todorov (2009).

A partir desses pressupostos, o PIBID/Letras da UNIVALI, que tem como

foco a formação de leitores na Educação Básica, apresenta o livro como objeto

artístico, com propriedades estéticas e que, portanto, deve ser apreciado como uma

obra de arte e a leitura como um exercício de fruição. Pensar e refletir acerca do

texto literário como objeto artístico, nem sempre é lugar comum, como exemplificam

Todorov (2009) e Duarte Jr. (2010). Com isso em mente, o programa foi implantado

na Escola Estadual Alcuíno Gonçalo Vieira em 2012.

O PIBID é uma política pública brasileira de valorização do magistério

público, que está sendo implementado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES) desde 2007. É viabilizado por meio da

distribuição de bolsas a três segmentos: professores da rede pública, licenciandos e

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professores coordenadores das universidades. O PIBID visa “[...] elevar a qualidade

das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de professores nos cursos de

licenciatura das universidades” (BRASIL, 2010, p. 3), com vistas a “[...] inserir os

licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, promovendo a

integração entre educação superior e educação básica”. (BRASIL, 2010, p. 3). O

programa possibilita ao professor da rede pública ser um coformador dos

licenciandos, o qual participa de diversas atividades de formação e desenvolve

projetos inovadores na escola alterando sua rotina - atividades que o levam a

repensar sua prática em sala de aula. Desta forma, o PIBID contribui para a

elevação da qualidade do ensino na Educação Básica e no Ensino Superior.

Após o diagnóstico e o reconhecimento do contexto escolar da EEB Alcuíno

Gonçalo Vieira, foi elaborado um projeto de leitura em parceria com outro já

existente na escola, intitulado Projeto AMBIAL, do Governo Estadual de Santa

Catarina, para promoção de crianças em situação de risco e extrema pobreza. Esse

projeto é desenvolvido dentro da noção de sustentabilidade, educação ambiental e

alimentar. Ele surgiu a partir do ideal de escola que oportuniza vivências

significativas, ou seja, vivências que tornam o aluno protagonista de suas ações

para transformar a realidade física e social, além de alertar a comunidade para que

modifique sua forma de conviver com o meio ambiente. O Projeto proporciona a

vivência desses conhecimentos, por meio de oficinas que ensinam técnicas de

reaproveitamento dos alimentos e dos recursos naturais, confecção de artesanato e

reciclagem de lixo. São vários os espaços organizados com auxílio de verba do

Estado que contribuem para a realização plena do Projeto AMBIAL na escola:

a horta agroecológica, a cozinha comunitária, a quadra de multiuso e a sala

informatizada. Esses espaços ampliam as oportunidades de aprendizagem dos

alunos.

As atividades são desenvolvidas extraclasse e com alunos do Ensino

Fundamental / Médio, uma vez que estes devem ficar o dia inteiro na escola,

fazendo, inclusive, suas refeições. A coordenadora do projeto tem formação em

Biologia e desenvolve atividades que devem despertar para a importância da

qualidade de vida e ajudem a forjar a consciência coletiva da sociedade sustentável.

Em uma de suas apresentações, em reunião com os professores, a coordenadora

solicitou ajuda no sentido de que um professor de Português se incorporasse ao

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programa uma vez que há uma grande quantidade de livros ofertados para leitura,

mas os alunos apresentam muita dificuldade para lidar com ela. Assim sendo,

estava aberto o projeto para a implantação de nosso programa o qual enfoca a

leitura e a formação de leitores.

Tendo em vista essa realidade diferenciada, carente, plural em séries de

estudo, adotou-se para leitura o livro Tosco, de autoria de Gilberto Mattje, Filósofo e

Psicólogo, Especialista em Psicanálise, Mestre em Psicologia Social e da Saúde,

Psicológico Clínico e Professor Universitário. Pautados nessas ideias e com a obra

escolhida, os licenciandos foram responsáveis em aguçar o interesse dos

educandos pela leitura com a adoção de estratégias diferenciadas e inovadoras.

Como metodologia de trabalho, os seis alunos de Letras dividiram-se em

dois grupos, com três licenciandos em cada um, atuando um grupo no período

matutino e o outro no turno vespertino, para que todos os alunos do projeto fossem

atendidos. Os licenciandos efetuaram um planejamento que consistiu em: a) leitura

pelo grupo de licenciandos das obras escolhidas; b) encontros dos licenciandos para

discussão sobre as obras; c) reunião com a coordenadora de área e supervisora

para criar estratégias de leitura das obras; d) produção de estratégias de leitura que

foram aplicadas a cada encontro, na escola, junto aos alunos para que eles

pudessem apreciar o texto literário como objeto de arte e sentirem-se envolvidos

pelo texto; e) vivências literárias; f) socialização das atividades em seminário interno

do PIBID.

Desta forma, percebeu-se que, não apenas os alunos do projeto foram

iniciados em um movimento crescente de aprendizagem sobre o texto literário, de

desejo pela leitura, mas também os licenciandos e os professores supervisores que

se envolveram em um processo de leitura individual, silenciosa, oral e coletiva, que

os auxiliou a ampliar seu repertório e compreender como a satisfação estética é

fundamental em projetos de formação de leitores. Pois, se o desejo é que o aluno

seja leitor, deve o professor ser o primeiro a apropriar-se do texto, mostrar-se leitor,

para então propor deslocamentos sobre o texto. Para Michele Petit (2008), a leitura

“trabalha” o leitor, é o texto que o lê e, por isso, é o texto que o revela. Assim, a

entrega ao texto, sem intenções outras, é o primeiro passo para que a paixão pelo

texto aconteça.

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Com o objetivo de aproximar o leitor do livro, foram planejadas estratégias

de leitura no decorrer do projeto.

A primeira estratégia foi intitulada Lendo e divulgando a obra na escola. Em

seguida foram realizadas as estratégias Lendo e interagindo com a natureza, Lendo

e reconhecendo o contexto, Lendo e indo ao cinema, Lendo e Contando Histórias na

Feira de Ciências e Programa Ação Global.

1. Lendo e divulgando a obra na escola

O que mata um jardim, Não é

Abandono... O que mata um jardim é esse olhar

Vazio, De quem por ele passa indiferente.

Mário Quintana

A apresentação do autor e da obra ao público foi a estratégia inicial dos

bolsistas do Programa PIBID. Após apresentação inicial do grupo da Universidade

às crianças, fez-se a entrega da obra a ser lida. Foi realizada a leitura do primeiro

capítulo na sala do Projeto AMBIAL com a participação dos que se sentiam a

vontade para leitura em voz alta. A partir da leitura inicial, todos puderam captar o

tema da história e foi proposta uma atividade para a leitura do próximo encontro. A

estratégia seria elaborar crachás com o vocábulo “Tosco” que, ao mesmo tempo, é

substantivo e adjetivo, sendo importante chave para a compreensão leitora e para a

escolha do nome da personagem. Na sequência, foi proposto que todos viessem

vestidos como as pessoas toscas costumam apresentar-se no seu contexto, para

que os alunos, antes da leitura do dia, fizessem um passeio pela escola, divulgando

a leitura da obra e incitando todos à leitura, uma vez que a escola possuía uma

quantidade considerável de obras na biblioteca.

2. Lendo e interagindo com a natureza

A escola, em sua singularidade, contém em si a presença da sociedade como um todo.

Edgar Morin

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Para quebrar a linearidade da maioria dos espaços escolares e em sintonia

com os objetivos da leitura fruitiva do projeto AMBIAL foi programada uma leitura ao

ar livre, em um espaço preservado para lazer da comunidade, na qual está inserida

a escola, tendo a noção de que “[...] letramento é diversão, é leitura à luz de vela, ou

lá fora, à luz do sol”. (SOARES, 1999, p.45).

A atividade de leitura trabalhou com todos os sentidos, corporal, visual, tátil,

gustativa, olfativa e complementando-se com a leitura fruitiva. Levou-se uma bola e

a estratégia era passe a bola e a leitura. Então, quem recebia a bola, lia um trecho e

assim sucessivamente. Cada um leu um trecho com todos sentados na grama do

Parque da Bica, como é chamado o local. Finalizou-se com um lanche e retorno à

escola. Foram uma tarde e uma manhã dedicadas a essa atividade, uma vez que

eram dois os grupos atendidos.

3. Lendo e reconhecendo o contexto

Dize-me qual é o teu infinito e eu saberei o sentido do teu universo; é o infinito do mar ou do céu,

é o infinito da terra profunda ou da fogueira? Gaston Bachelard

Ao ler uma obra, buscamos o sentido do universo, de nós mesmos, dos

outros que nos cercam, porque a leitura de mundo tece tramas na leitura da obra.

Assim, atravessou-se o mundo da ficção para o mundo real para discutir sobre o que

as atitudes toscas podem provocar na realidade ao homem real. Para contribuir com

este momento da leitura que levou a reflexões, convidou-se um policial rodoviário

aposentado por invalidez para fazer leitura com e para os alunos, bem como dar

uma palestra sobre sua vida.

Após a explanação sobre a causa de sua paraplegia, os alunos fizeram uma

entrevista com o convidado especial que estabeleceu uma relação de afetividade

com eles. Na sequência, ele foi convidado a realizar a leitura de mais um capítulo da

obra. Houve, assim, o compartilhamento da leitura com uma intensa interação.

Para encerrar o encontro, as bolsistas colocaram algumas questões a

respeito da palestra e sua relação com a obra que foram entregues na semana

seguinte. Em suas respostas, os alunos fizeram questão de relatar episódios

pessoais ou familiares similares aos vividos pelo palestrante.

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4. Lendo e indo ao cinema

No cinema, as relações entre visível e invisível, a interação entre o dado imediato e sua significação tornam-se mais intrincadas. A sucessão de

imagens criada pela montagem produz relações novas a todo instante e somos sempre levados a estabelecer ligações propriamente não existentes

na tela. Ismail Xavier

O uso da leitura de múltiplas linguagens aprimora a concepção estética das

pessoas, pois ensina a ver, a contemplar, a olhar e a desvendar o mundo que as

cerca; e a compreender as suas representações e os diversos textos, sejam eles em

forma de palavras, sons e imagens. Segundo Thiel (2009, p. 13), “[...] o prazer de

um filme deve ser mantido e, aliado a isso, é importante que haja um trabalho para

que o gosto se transforme em fruição, ou seja, para que o ato de assistir a um filme

seja um prazer aprimorado ainda mais pelo reconhecimento dos valores estéticos

que tornam a obra única”.

Desse modo, para fazer uma pausa na leitura do livro Tosco, organizaram-se

duas sessões de cinema - “Sessão pipoca”. Os filmes escolhidos foram o Clube do

Imperador e o As invenções de Hugo Cabret. Esses filmes foram escolhidos para

que os alunos estabelecessem relações temáticas com a obra o Tosco e

identificassem-nas em contextos diferentes. No primeiro filme, o ambiente é de

pessoas com excelente poder aquisitivo, os pais e professores são preocupados

com a cultura e a educação dos jovens, enquanto em Tosco o ambiente é pobre,

periférico, e os familiares têm muita dificuldade em dar aos jovens uma boa

educação. No segundo, o que se pode observar é que o ambiente no qual Cabret

vive (no relógio de uma estação de trem) é tosco, no sentido de ausência de

qualquer conforto e, ainda, a personagem não tem pais e nenhum recurso

financeiro. Ao estabelecerem-se relações entre os três, pode-se perceber que,

mesmo em um ambiente no qual nada falta em termos financeiros, pode surgir uma

personagem com atitudes toscas e que, em um ambiente tosco, pode surgir uma

personagem com paixão para transformar-se e transformar a sociedade que a cerca.

Ao término das apresentações, todos foram convidados a expor suas reflexões

sobre esses paralelos que se procurou fazer entre o livro e os filmes, em especial,

nas diferenças próprias da linguagem fílmica que associa artes cênicas, música,

literatura, arquitetura e outros espaços sociais e culturais. As invenções de Hugo

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Cabret encantou os alunos justamente pelos recursos contemporâneos que a

indústria cinematográfica tem atingido. Por outro lado, também demonstraram

espanto com o comportamento da personagem sem caráter que não modifica

apesar de todo o empenho do professor em transformá-lo. Essa estratégia foi uma

entrada para realização da próxima atividade no processo de leitura, o envolvimento

real com a comunidade.

5. Lendo e Contando Histórias na Feira de Ciências e Programa Ação Global

O estético só surge na relação entre sujeito e objeto, e existe unicamente, em consequência, pelo homem e para o homem. Na medida em que é um modo de expressão e afirmação do humano, só tem sentido para ele [...] O valor estético

não é, portanto, uma propriedade ou qualidade que os objetos possuam em si mesmo, mas algo que adquirem na sociedade humana e graças à existência do

homem como ser criador. Adolfo Sanchez Vasquez

Quando a família se envolve, o aproveitamento escolar tende a melhorar.

Essa participação pode acontecer de diversas formas: incentivando a leitura e a

escrita, acompanhando a lição de casa, indo às reuniões de pais, tendo interesse

pela rotina. Essas atitudes positivas valorizam o esforço diário da criança, afirma o

coordenador do Educar para Crescer, Kadu Palhano.

Com esse objetivo, a EEB Alcuíno realizou, no segundo semestre letivo, a

Feira de Ciências da Escola. Tanto o Projeto AMBIAL quanto o PIBID com seus

alunos e bolsistas participaram do evento de dois modos: com a montagem de um

estande e com uma apresentação, no momento da abertura da leitura dramática da

história Chapeuzinho Azul. No estande, foram apresentados à comunidade escolar

todos os livros que foram lidos com e pelos alunos, bem como os trabalhos

realizados por eles. Os pais aprovaram as obras e pediram para levar os livros para

lerem também.

Logo após a realização da Feira de Ciências, a Escola foi escolhida para

sediar o Programa Ação Global que é organizado pela Secretaria Regional do

Estado e leva serviços para toda a comunidade, tais quais: emissão de carteira de

identidade, exames de saúde, corte e pintura de cabelo, dentre outros. Todos os

órgãos públicos fazem-se presentes. Para abertura oficial das atividades,

novamente o grupo AMBIAL/PIBID organizou duas apresentações: uma das

crianças do projeto que declamaram um poema sobre a preservação da natureza;

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e a outra pelos bolsistas que fizeram a leitura dramática do conto Chapeuzinho

Verde dentro do mesmo tema. Além disto, a exposição dos materiais do projeto fez

parte do processo. Essa foi a última atividade do grupo do PIBID com as crianças

do Projeto AMBIAL.

É importante ressaltar que, no decorrer do projeto, foram identificados alunos

com grandes dificuldades em leitura conforme havia afirmado a professora

coordenadora do Projeto AMBIAL. Porém, após as estratégias de leitura aplicadas,

assistir a filmes, realizar passeios, palestras, atividades na escola e fora dela,

envolver a família, explicar o contexto social em que a obra está inserida,

estabelecer paralelos com o próprio contexto, trazer expectativas e curiosidades,

como, por exemplo, vocabulário, vestimentas, e outras informações pertinentes

para uma leitura consistente, ficaram evidentes o crescimento intelectual, social,

ético e crítico por parte dos alunos, tornando-os seguros em relação à leitura e à

sua compreensão, ao reconhecimento de si no contexto apresentado no livro, na

escola e na comunidade.

A biblioteca tornou-se um lugar agradável e acolhedor, fazendo com que os

demais alunos visitassem-na em outros horários. Devido ao interesse de outros

professores e estudantes, pôde-se notar que houve um grande crescimento do

interesse por ler a obra de Gilberto Mattje. Assim, os livros que ocupavam lugares

não visíveis foram para uma prateleira de fácil acesso. As novas professoras que

assumiram a disciplina de Língua Portuguesa passaram a valorizar a leitura fruitiva.

Como o Governo Federal tem enviado muitas obras para a biblioteca da escola, não

há problema com a falta de livros. O que se precisa é incentivar o professor a

assumir que a leitura em sala é de fundamental importância.

Além disso, as famílias que participaram dos eventos demonstraram

satisfação em acompanhar a vida escolar de seus filhos, envolvendo-se no cotidiano

da escola, valorizando assim o trabalho de leitura. A possibilidade de se abordar, na

escola, as atividades de leitura contextualizadas com o cotidiano dos alunos deve

ser considerada referência para que os professores ampliem sua interação com os

alunos, definindo, assim, objetivos comuns no processo ensino-aprendizagem.

Desta forma, percebeu-se que não apenas os alunos do projeto foram iniciados em

um movimento crescente de aprendizagem sobre o texto literário, de desejo pela

leitura, mas os licenciandos e os professores supervisores que se envolveram em

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um processo de leitura individual, silenciosa, oral e coletiva que os auxiliou a ampliar

seu repertório e compreender como a satisfação estética é fundamental em projetos

de formação de leitores.

Referências

BRASIL. Decreto nº 7.219 de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e dá outras providências. 2010. Disponível em: <http://gestao2010.mec.gov.br/marcos_legais/decree_61.php>. Acesso em: 10 jan. 2013. DUARTE JR., João Francisco. O Sentido dos Sentidos: A Educação (do) Sensível. 5. ed. Curitiba: Criar, 2010. MATTJE, Gilberto. Tosco. Campo Grande: Alvorada, 2009. TODOROV, A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel, 2009. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. São Paulo: Autêntica, 1999.

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UM OLHAR MEMORIALÍSTICO SOBRE O TEATRO JOINVILENSE: 1970 à 2010

Sandra Pereira

Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade na Univille. Orientadora Profª Drª Taiza Mara Rauen Moraes.

([email protected])

Joinville é conhecida por ser uma cidade de perfil industrial e por concentrar,

predominantemente, o seu ramo econômico na indústria metal-mecânica além de

outros segmentos. No entanto, o fazer teatral em Joinville, remonta ao início do

século XX com a articulação de grupos musicais , de canto-coral, orquestrais e

ligados ao fazer dramatúrgico.

Herkenhoff (1987, p. 92-93) salienta que desde muito cedo a colônia

alemã estabelecida em Joinville, já por volta de 1865, na zona urbana como na área

rural, por meio da igreja Luterana e Católica ou de associações de ginastas ou

culturais, valorizava a música por intermédio do canto coral. A música fazia

parte da vida das famílias de Joinville. Segundo a pesquisadora Rosenete Marlene

Eberhardt Llerena, em sua dissertação sobre o patrimônio musical Joinvilense1, há

dados que remontam ao ano de 1900 e que dão testemunho de todo esse

movimento musical só crescia e vinha acrescentado de pequenas orquestras e

grupos musicais.

A pesquisadora ampara-se em Herkenhoff (1989, p. 15) que situa a

existência de um meio artístico na cidade em 1900, descrevendo o 4.° centenário

do descobrimento do Brasil, comemorado durante dois dias em nossa cidade e

afirma que “nos dias 3 e 4 de maio de 1900 a comemoração

aconteceu com extensa programação cultural. Três peças de teatro

foram apresentadas naqueles dias, duas peças no idioma alemão e uma em

português as três seguidas de bailes. Em 1901, nos festejos de 50 anos de fundação

da cidade de joinville, aconteceu a estreia de três grupos teatrais, com considerável

1 LLERENA, Rosenete M.E. A memória do patrimônio musical de Joinville: uma abordagem sócio-

histórica e cultural das composições de 1900 a 1950. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade)–Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2012, p.65-66.

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público.”

Ainda sobre o crescimento de grupos teatrais e sociedades culturais naquele

início de século, Herkenhoff (1989) ressalta o grupo da Sociedade 25 de Abril,

que em 1900 apresentou uma peça teatral em português.

A prática cultural no início do séc. XX era exercida de modo interdisciplinar,

como é o caso exemplar de João Graxa Gonçalves, um dos músicos que se

destacaram na cidade também atuou nos bastidores do teatro joinvilense.

Herkenhoff (1989, p. 16) o situa como maestro e diretor teatral. Além de ter

sido “grande incentivador do teatro falado em português”, compôs textos

musicais para várias peças teatrais. Outro nome citado é o de Inácio Bastos, chefe

da estação telegráfica de Joinville, poeta e autor de várias peças teatrais.

O livro “História de Joinville”, de Carlos Ficker (2008), traz muitos relatos

sobre a vida e o desenvolvimento da cidade de Joinville por volta de 1904 e 1906

que contribuem para assinalar as primeiras produções teatrais compostas e

encenadas em Joinville. Porém, nas duas primeiras décadas do século XX

ocorreu o primeiro grande abalo na estrutura psicossocial, por fatos

relacionados com a Primeira Grande Guerra Mundial. Abalos não sentidos

em âmbito econômico, e sim incidentes em suas atividades culturais e formas

de repressão relacionadas às questões étnicas, conforme Herkenhoff (1987).

Segundo Coelho (2005), os imigrantes alemães estariam longe de constituírem

maioria numérica, porém, pela construção e preservação de sua identidade

étnica, se destacaram no processo de colonização e integração ao meio nacional.

No fim da década de 1930 uma mescla de valores nacionalistas e autoritários

movia o Estado Novo sob ordem do Presidente da República Federativa do Brasil.

Getúlio Vargas iniciou no ano de 1938 a chamada “grande obra de

nacionalização”, que tinha como função principal suprimir qualquer atividade política

de estrangeiros imigrantes no Brasil.

Os grupos de canto-coral e de teatro que se formavam, muitos deles, dentro

das escolas, passam a sofrer os efeitos da nacionalização imposta por Getúlio

Vargas, presidente do Brasil por dois mandatos. Coelho (2005) enfatiza ainda

que no estado de Santa Catarina a nacionalização adquiriu formas diferenciadas,

dirigidas enfaticamente aos imigrantes descendentes de origem alemã, o que

culminou numa combinação de esforços por parte do governo, de ações militares,

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com a firme intenção de “abrasileirar os brasileiros”. Até 1930 o idioma

alemão era o cotidiano na cidade de Joinville, em todos os modos de relações.

Para Ternes (1984), tal fato decorria da falta de oferta por parte dos governos,

até então, de escolas e outras formas de auxílio aos imigrantes que viviam

conforme a bagagem de conhecimentos que trouxeram da Europa.

Segundo Ternes (1984), as medidas da nacionalização

forçaram o fechamento de todas as escolas que ensinavam em idioma alemão,

o que acabou por provocar falta de vagas em escolas públicas aos alunos

egressos das escolas particulares. “O governo não criou escolas públicas

suplementares”; principalmente em áreas rurais da cidade faltavam professores,

traduzindo em queda na qualidade no ensino. Das 661 escolas que atuavam nas

regiões de imigração alemã em 1937, sobraram 113 em 1938 e em 1939 o

número de escolas era 69. Logo, não havia vagas nas escolas públicas para

todas as crianças em idade escolar, assim a obrigatoriedade de uso do idioma

português nas atividades escolares teve o reflexo de “emudecer” a maior parte

das crianças e dos professores que tinha como primeira língua o alemão,

causando graves problemas pedagógicos. As medidas tomadas pela

nacionalização geraram reflexos imediatos na comunidade dos imigrantes

alemães, que não foram absorvidos na sua totalidade pelas escolas públicas

existentes nesse período e nos movimentos culturais.

Partindo da premisssa de que quanto mais cedo um cidadão for

exposto à fruição de um bem cultural e/ou ao ensino de uma arte terá maiores

possibilidades de fruição estética. Assim sendo, a política cultural nacionalista dos

anos 1930 e o consequente fechamento das escolas alemãs em Joinville implicaram

numa visão reducionista acerca da fruição de bens culturais até então circulantes.

Encerrava-se um ciclo produtivo nas apresentações teatrais musicadas e faladas e

nas quatro décadas seguintes a produção cultural desenvolvida em Joinville se

limitou a algumas festas de igreja, aos bailes de salão nos finais de semana (que

persistem até os dias atuais), à Festa das Flores, aos jogos de futebol, à fruição do

acervo dos museus, aos cinemas e eventuais exposições de artes plásticas.

Da época getulista até os idos de 1970, ocorre um refluxo no movimento da

produção teatral em Joinviille, apesar da potencialização da expansão industrial que

ocorria na cidade.

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“[...] da década de 1970 para cá a população de Joinville cresceu de 150 mil habitantes para pouco além dos 500 mil atuais. A área urbana ampliou-se em vários quilômetros, surgindo na geografia da cidade novos e populosos bairros. O perímetro urbano, de uma extremidade a outra, varia em torno de 25 km. Novas três Joinvilles foram agregadas à cidade de 1973. A frota de veículos automotores saltou de 19 mil para os atuais 250 mil. Em 1966 a frota não chegava a 5 .140 mil veículos motorizados. O número oficial de ruas e avenidas cresceu de 1.200, em 1974, para 4.129 hoje, o que, somando a becos e servidões, eleva a mais de 5 mil as ruas na cidade. “ (TERNES, 2010: 332)

Ainda sobre a década de 80, vale ressaltar que a cidade continuou a

progredir no ramo industrial e também em outros segmentos o que propiciou uma

diversidade econômica que trouxe em seu bôjo oportunidades de negócios para os

setores ligados ao comércio, à saúde, ao turismo executivo notadamente, ao lazer e

à cultura em termos de festas populares, abertura de salas de cinema em shoppings

e exposições de artes plásticas. Segundo Ternes (2010: 333) “A globalização

mudou o cenário econômico de Joinville nas últimas décadas [...]” e novos

negócios surgiram como fábricas de equipamentos para ginástica, produtoras de

softwares, modernização tecnológica, gestão empresarial informatizada e um

número expressivo de abertura de pequenas e médias empresas fomentando o

crescimento econômico local.

No entanto, a partir de 1997 ocorre uma retormada de uma produção local

com novos delineamentos de políticas culturais públicas e universitária. A UNIVILLE-

Universidade da Região de Joinville e o Bom Jesus - IELUSC passaram a estimular

o desenvolvimento teatral com a criação de grupos experimentais. Face ao poder do

teatro em operar uma leitura do social e do nosso entorno; de possiblitar a

percepção de uma verdade sob vários ângulos treinando nosso olhar e aguçando

nosso senso crítico sobre temas variados (BOAL: 1991) é significativo estudar as

representações dos movimentos teatrais.

O recorte analítico será demarcado entre as décadas de 1970 à 2010, e que

pode tornar-se viável a partir de pesquisas bibliográficas, documentais, webgráficas

e mediante a construção de um roteiro de entrevista semiestruturada que

possibilitará recuperar, oralmente, as memórias dos diretores, autores e atores das

décadas focadas, pois segundo Halbwachs cada indivíduo carrega consigo

lembranças de situações passadas que representam um tempo e que,

rememoradas, representam a memória de um grupo.

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Para além disso, como tentativa de aferir o quanto a produção desse bem

cultural impactou a população e o quanto foi possível avançar na questão da

formação de um público espectador de teatro, será efetuada uma pesquisa por

amostragem junto a um grupo de 50 (cinquenta) pessoas frequentadoras habitués

das salas de teatro joinvilenses sob o formato de um formulário contendo questões

estruturadas, onde lhes será perguntado, entre outras coisas, quando e onde

tiveram contato com o teatro pela primeira vez enquanto espectadores.

Outro fator que move esse trabalho é demarcar a quantidade de vezes ao

ano que um cidadão, residente em Joinville, costuma frequentar salas teatrais.

Mediante a resposta a esta e a outras perguntas, será possível construir um

panorama sobre a formação de público e como o teatro representa e registra a

memória cultural local.

A escolha pela entrevista oral com autores, diretores e atores como o

caminho metodológico preponderante se justifica pelo valor que é possível atribuir à

oralidade como uma das formas de se “guardar a memória” (LE GOFF, 1992, p.

432).

Nesse sentido, as entrevistas orais com os escritores de peças teatrais,

diretores e atores do teatro joinvilense que mais se projetaram e tiveram seus

trabalhos reconhecidos e premiados pode ajudar a recuperar as memórias dos

principais acontecimentos daquelas décadas e colaborar para que sejam

preservadas posto que a memória recupera, em primeira instância, as lembranças

de fatos vividos e compartilhados coletivamente por um grupo, e as lembranças

relativas a fatos experienciados em caráter individual ou por um certo número de

pessoas. Sobre isso, Hobsbawn sublinha em seus estudos que a memória coletiva é

vista pelo grupo como explicitadora das lembranças individuais precedendo-as.

Em todo caso, agora é preciso se pôr no ponto de vista de um pensamento coletivo que é o único, a qualquer momento, capaz de formular uma relação de causalidade desse tipo (em termos gerais válidos), aplicando-se às coisas que são do terreno de sua experiência. Esse ponto de vista é o de natureza (no sentido que especificamos), ou seja, dos objetos tais como são conhecidos pelo grupo. Portanto, qualquer recordação de uma série de lembranças que se refere ao mundo exterior é explicada pelas leis da percepção coletiva” (HOBSBAWN 2006:62)

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Outra justificativa ao trabalho que ora se empreende é o fato de que o teatro

é uma ferramenta de para questionar o mundo, pois tematiza problemas do cotidiano

e do entorno do cidadão, conclamando-o à reflexão, à mudança de posturas e

tomada de decisão, à quebra de paradigmas, à reconstrução de um novo cenário

social, melhor ou inteiramente novo o que significa aprender a fazer a política no

cotidiano de nossas ações “pois todo o teatro é necessariamente político, porque

políticas são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas. Afinal, o teatro

é transformação, movimento, e não simples apresentação do que existe. É tornar-se

e não ser.” (BOAL: 1991). Nesse sentido, entendemos que ao registrar a evolução

do teatro em Joinville será possivel perceber a crescente oferta desse bem cultural

como uma intervenção positiva no dia a dia da cidade, uma mudança nos hábitos de

consumir cultura e, portanto, uma transformação social em função de um cardápio

cultural reconfigurado.

A formação de público é um desafio a ser vencido e tal empreitada passa

pela formação de gosto do expectador. Proporcionar a oportunidade para alguém

familiarizar-se com com peças teatrais cujos temas partam do próprio universo

vivido pelo expectador e venham a desembocar numa temática mais trabalhada

afim de que esse novo expectador vá refinando seu gosto por temas mais

desafiadores é tarefa para muitos anos e um desafio constante ainda mais

considerando-se o apelo midiático de outras vias de entretenimento que se faz mais

forte e não necessariamente pleno em seus conteúdos; basta que se observe o

cardápio orgiástico (MAFFESOLI : 2005) que nos é ofertado diariamente,

notadamente pelos canais de televisão abertos.

Como os diferentes momentos políticos vividos nas décadas de 70 e 90

possivelmente impactaram as produções de quem escrevia para teatro, espera-se,

mediante as entrevistas com os diretores e alguns atores, visualizar quais critérios

norteavam suas escolhas sempre que decidiam escrever e/ou encenar um roteiro.

Tais escolhas podem denotar se havia um alinhamento ideológico ao momento

político vigente ou não; que tipo de teatro se buscava fazer em Joinville: se era

socialmente engajado; se buscava incentivar a criticidade do expectador; se visava

apenas o divertimento; se era um teatro produzido de forma pedagógica, em escolas

ou em empresas, ou se havia alternância de abordagens; quais as linhas de atuação

de cada grupo; quais as influências que permeavam seu trabalho; se havia uma

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visão estratégica, um norte a ser atingido por cada equipe teatral e, nesse sentido,

face o convívio profissional e pessoal dentro do grupo de atores, cabe ressaltar a

conceituação de memória individual e coletiva (HALBWACHS, 1968), na medida em

que a pesquisa irá estudar o patrimônio imaterial legado por cada grupo teatral à luz

de suas memórias individuais e coletivas acerca de sua produção dentro de uma

determinada época.

A investigação sobre as representações memorialísticas do

teatro em Joinville, nas décadas de 1970 e 2010 sustentada com conceitos de

cultura, patrimônio, identidade, memória, arte e diferentes concepções de teatro a

partir da análise de múltiplas vozes permite perceber o como a cidade é receptora e

produtora da arte teatral.

REFERÊNCIAS BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6ª. Rio de Janeiro: CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 1991. BRASIL. MINISTÈRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros curriculares nacionais: Arte. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental: Brasília (DF), 1997 v.VI. COELHO, Ilanil. É proibido ser alemão: é tempo de abrasileirar-se. In: GUEDES, Sandra P. L. de Camargo (Org.). Histórias de (i)migrantes: o cotidiano de uma cidade. Joinville: Editora Univille, 1998. ______ . É proibido ser alemão: é tempo de abrasileirar-se. In: GUEDES, Sandra P. L. de Camargo (Org.). Histórias de (i)migrantes: o cotidiano de uma cidade. 2. ed. rev. e atual. Joinville: Editora Univille, 2005. ______ . Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville): 1980-2010. Tese (Doutorado em História)–Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. FICKER, Carlos. História de Joinville. Crônica da Colônia Dona Francisca. 3. ed. Joinville: Letradágua, 2008. HALBWACHS, M. A Memória coletiva. Trad. de Laurent Léon Schaffter. São Paulo, Vértice/Revista dos Tribunais, 1990. Tradução de: La mémoire collective. HERKENHOFF, Elly. Era uma vez um simples caminho... Fragmentos da história de Joinville. Joinville: Fundação Cultural, 1987. ______. Joinville nosso teatro amador (1858-1938). Joinville: AHJ, 1989. LE GOFF, Jacques. História e memória. 2ª. São Paulo: UNICAMP, 1992.

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MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. 3ª. Petrópolis: VOZES, 2005. MAFFESOLI, Michel. Saturações. 1ª. São Paulo: ILUMINURAS, 2010. MINAYO, Maria Cecília de S. e SANCHES, Odécio. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade? Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.9, n.3, jul/set. 1993. MICHALSKI, Yan. Augusto Boal. In: ______. Pequena enciclopédia do teatro brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro, 1989. Material inédito, elaborado em projeto para o CNPq TERNES. Apolinário. Tempos modernos: a presença dos italianos em Joinville – 1973-2008. Joinville: Editora Univille, 2010. Sites consultados: Página na internet sobre a Lei Rouanet e seus diversos editais. Disponível em: <http://www2.cultura.gov.br/site>. Acesso em: 18 mai. 2013,

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REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE CULTURAL NA CONTEMPORANEIDADE

Maurício Biscaia Veiga Mestre em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo - USP

([email protected])

Um conceito bastante discutido nos estudos culturais na contemporaneidade

é o de identidade cultural, bem como os desdobramentos e conflitos a ele

relacionados em virtude da globalização, cujo modelo de padronização mundial

apresenta uma suposta ameaça de supressão das identidades culturais.

Antes de entrar nesta discussão propriamente dita, é preciso trazer a

definição clássica do que se entende por identidade cultural. Autores como Hall

(2004) e Canclini (2008) a conceituam como um conjunto de elementos e

características pertencentes a um determinado grupo de pessoas que as

diferenciam de outro grupo. Canclini (2008, p. 190) afirma que “ter uma identidade

seria [...] ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é

compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável”.

Ou seja, a identidade é o sentimento que um indivíduo tem de pertencer a

determinado local, cultura ou grupo social, de falar a mesma língua, de compartilhar

os mesmos hábitos etc.

Contudo, embora haja, de fato, elementos culturais comuns entre os

membros de determinada sociedade, os próprios autores desconstroem esta ideia

fechada de identidade. Primeiramente porque, por mais que existam estas

características culturais comuns, elas jamais serão comuns a todos os indivíduos

desta sociedade. Como analisa Canclini (1994), esta ideia de uma identidade

cultural comum corresponderia a comunidades arcaicas, onde todos os indivíduos

compartilhavam os mesmos conhecimentos, as mesmas crenças e os mesmos

gostos. Contudo, este conceito não se aplica ao mundo contemporâneo, marcado

pela sua grande heterogeneidade social. Frente a isso, Hall (2004) questiona o que

seria ter uma identidade cultural em um mundo globalizado, em que a disseminação

de hábitos culturais, bem como os fluxos migratórios, são intensos e constantes?

Além disso, conforme analisam Hall (2006) e Canclini (2008), a existência de

uma identidade cultural solidificada é um mito, uma vez que a cultura é algo

naturalmente mutável. Para Hall (2006, p. 13), “a identidade plenamente unificada,

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completa, segura e coerente é uma fantasia”, pois ela se transforma ao longo do

tempo, recebendo constantemente influências de outras culturas, hibridizando-se

com elas. Obviamente, determinadas características permanecem mesmo quando

misturadas a outras, ainda que de forma modificada do que eram originalmente.

Estas seriam as culturas híbridas, às quais se refere Canclini (2008). Mas, de modo

geral, a identidade cultural é “formada e transformada continuamente em relação às

formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que

nos rodeiam” (HALL, 2006, p. 13). E isto sempre foi assim, desde os primórdios da

humanidade.

Toda cultura é resultado de uma seleção e de uma combinação, sempre

renovada, de suas fontes. [...] é produto de uma encenação, na qual se

escolhe e se adapta o que vai ser representado, de acordo com o que os

receptores podem escutar, ver e compreender (CANCLINI, 2008, p. 201).

Hall (2006), assim como outros autores, discorre ainda sobre como o

conceito de identidade nacional é também forjado. Ele afirma:

Uma cultura nacional é um discurso - um modo de construir sentidos que

influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de

nós mesmos [...]. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre „a nação‟,

sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.

Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação,

memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela

são construídas. (HALL, 2006, p. 50-51).

Para Anderson (apud HALL, 2006, p. 51), “a identidade nacional é uma

comunidade imaginada”. Ou seja, embora a identidade e a nacionalidade possam

ser entendidas como o conjunto de características comuns de determinado grupo, é

importante frisar a sua natureza mutável e, muitas vezes, artificial, podendo ter sido

até mesmo forjada e construída.

Esta construção de uma identidade unificadora esteve presente no

surgimento de grande parte dos países do mundo, a partir do momento em que se

viram como nação, inclusive o Brasil. Hobsbawm (1997) também analisa a invenção

do conceito de nacionalidade: “muitas instituições políticas, movimentos ideológicos

e grupos - inclusive o nacionalismo [...] tornaram necessária a invenção de uma

continuidade histórica” (HOBSBAWM, 1997, p. 15). Desta forma, para se forjar uma

identidade nacional, são criados os símbolos nacionais, tais como bandeira, hino,

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brasão etc., assim como se faz a reescrita da história, construindo mitos e criando

heróis. Hall (2006) comenta como é marcante no discurso nacionalista a ênfase nas

origens e na tradição, além do mito fundacional, “uma estória que localiza a origem

da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se

perdem nas brumas do tempo, não do tempo real, mas de um tempo mítico” (HALL,

2006, p. 54). Frotscher (2000, p. 190) analisa o discurso sobre o mito fundacional,

que “ao ser repetido sempre, não dá historicidade aos fatos, não mostra as

determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um acontecimento

histórico”. Assim, ao se reproduzir um mito fundacional, estereótipos e visões

parciais da história são transmitidos e retransmitidos pela sociedade através das

gerações.

Os símbolos nacionais, mitos e heróis foram, então, criados pelas classes

dominantes com o objetivo de ter um poder unificador e, desta forma, ter um maior

controle sobre a sociedade, impondo-a os seus valores, e manter a ordem vigente.

Conforme analisa Canclini (2008), a seleção dos bens considerados patrimônio

cultural, embora este também tenha um discurso unificador, também carregava este

ideal. O autor (p. 160) afirma que “o patrimônio é o lugar onde melhor sobrevive

hoje a ideologia dos setores oligárquicos” e que foram justamente estas classes

dominantes que “fixaram o alto valor de certos bens culturais” (idem). Ou seja, a

seleção daquilo que é considerado patrimônio sempre foi feita de forma desigual,

privilegiando o que era representativo dos grupos dominantes. Assim pode ser

entendida a ideia de Benjamin (1986), de que todo documento de cultura, é também

um documento de barbárie, pois contar a história sob o ponto de vista do vencedor

implica na existência de um derrotado, o qual é suprimido do discurso oficial.

Se outrora o discurso nacionalista se propunha a unificar um país para

melhor controlar a sociedade, atualmente, em um mundo globalizado, em que as

migrações, tanto de pessoas quanto de mercadorias e, principalmente, de ideias e

costumes, são intensas, ele vem sendo amplamente questionado por diversos

autores. Canclini (1994, p. 98) afirma que “aquilo que se entende por cultura

nacional muda de acordo com as épocas”. Hall (2006) analisa como estas migrações

contribuem para tornar o multiculturalismo bastante forte, sendo ele mais evidente

nas grandes metrópoles e centros urbanos. O autor cita o caso de Londres,

estimando que, pelo menos, 25% de sua população é formada por estrangeiros.

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Assim, em um mundo globalizado e multicultural, onde as transformações ocorrem

mais depressa do que em qualquer outra época, “as velhas identidades, que por

tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas

identidades” (HALL, 2006, p. 7).

Outro mito relacionado à identidade cultural e nacional é o de que as nações

são constituídas por povos puros. Hall (2006) desmistifica esta ideia, afirmando que

a maioria das nações “consiste de culturas separadas que só foram unificadas por

um longo processo de conquista violenta, isto é, pela supressão forçada da

diferença cultural” (HALL, 2006, p. 59). Ou seja, no processo de formação das

nações, através de disputas entre diferentes povos, etnias ou grupos sociais, algum

destes, geralmente através do uso de violência, sempre acabava por derrotar e

dominar os outros, fazendo-os absorver seus valores e sua cultura. O Brasil é um

exemplo disso. Para começar, os portugueses que vieram para cá haviam derrotado

os mouros, que haviam derrotado os visigodos, que, por sua vez, derrotaram os

romanos. Apesar disso, eles acabaram por incorporar características culturais de

todos estes povos, misturando-se a eles, embora a sua visão e seus valores

prevalecessem sobre os demais. No Brasil, acabaram ainda por oprimir e dominar os

povos indígenas e africanos, que também não eram povos unificados, sendo

bastante diversos, inclusive, havendo entre eles grupos dominantes e grupos

oprimidos. Assim, embora grande parte dos brasileiros seja descendente de

indígenas e africanos e muitos aspectos culturais destes povos estejam até hoje

presentes no cotidiano, a história, de modo geral, continua sendo contada sob o

ponto de vista dos portugueses.

Desta forma, se antigamente aquilo que se entendia por identidade era, de

certa forma, forjada, na contemporaneidade este discurso unificador não se aplica

mais, fazendo com que justamente se pense mais no que seria a identidade devido

a uma suposta ameaça de seu desaparecimento. Para Mercer (apud HALL, 2006,

p.9), “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando

algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da

dúvida e da incerteza”. Este sentimento de perda da identidade é recorrente na

contemporaneidade, pois estes se sentem ameaçados ao tomar consciência de que

outros grupos sociais não se sentem mais representados em seu discurso unificador

de outrora. Há a crença de que as identidades e nacionalidades são imutáveis, mas,

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como dito anteriormente, a identidade cultural dos povos sempre esteve se

transformando. Contudo, com a globalização, estas transformações ocorrem de

forma mais dinâmica e acelerada, devido aos intensos processos migratórios e

fluxos de ideias e mercadorias, que adquiriram uma dimensão maior do que em

qualquer outra época. Assim, em meio a esta crise de identidade, surgem

movimentos que visam resgatar uma identidade que estaria sendo perdida,

resultando numa revisitação ao passado. Abreu (2011, p. 21) discorre sobre esta

questão:

Se a instantaneidade das comunicações vem permitindo a homogeneização

do espaço global, se ela está contribuindo para que todos os lugares sejam

hoje bastante parecidos, [...] ela também vem dando estímulos para que

cada lugar, na busca de sobrevivência e individualidade, procure se

diferenciar o mais que possível dos demais. Em outras palavras, a

tendência à abolição do lugar como singularidade reforça justamente a

busca desta última.

Uma marcante característica da sociedade contemporânea é a falta de

confiança no futuro, fazendo com que haja uma maior referência e revisitação ao

passado. Conforme analisa Le Goff (2010), a ideologia do progresso e a crença de

que a ciência faria do mundo um lugar perfeito eram ideias bastantes presentes há

um século, havendo plena confiança de que a vida seria melhor no futuro. Contudo,

estas ideias ruíram devido às grandes catástrofes humanas do século XX, muitas

delas causadas exatamente com a promessa de que após elas viria um futuro

melhor. Para agravar esta situação, no final do século o homem percebe a

fragilidade da natureza e que os recursos naturais não são infinitos. Frente a estes

problemas, não sabemos mais responder a pergunta: Para onde vamos? Assim, se

já não há mais a certeza de que o futuro será melhor do que o presente, como foi

outrora, uma tendência da sociedade contemporânea é olhar para trás, para aquilo

que já se conhece, para aquilo que já foi vivido, rememorando o passado, mas de

forma que haja certa idealização de um passado supostamente melhor. Canclini

(2008) também discorre sobre este fenômeno:

o tradicionalismo aparece muitas vezes como recurso para suportar as

contradições contemporâneas. Nessa época em que duvidamos dos

benefícios da modernidade, multiplicam-se as tentações de retornar a algum

passado que imaginamos mais tolerável (CANCLINI, 2008, p. 166).

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Flores (1997) também aborda a questão:

a aceleração da história levou as massas dos países industrializados a

ligarem-se nostalgicamente às suas raízes: daí a moda retrô, o gosto pela

história e pela arqueologia, o interesse pelo folclore, o entusiasmo pela

fotografia criadora de memórias e recordações, o prestígio da noção de

patrimônio (FLORES, 1997, p. 32).

Este fenômeno de se trazer novamente o passado ao presente, fruto

justamente da contemporaneidade pode se desdobrar de várias formas.

Primeiramente em uma maior valorização da memória coletiva e do patrimônio

cultural, resultando numa maior preocupação de proteção de bens culturais

ameaçados de desaparecer ou que nos ligam a um tempo passado. É recorrente,

por exemplo, a nostalgia sentida até mesmo por pessoas jovens ao olhar fotografias

antigas da cidade onde mora, havendo certa lamentação por aquilo que foi perdido,

resultando também em uma idealização de determinada época. Esta valorização da

memória patrimonial, contudo, pode ter seus efeitos perversos, de modo que, ao ser

incorporado pela indústria turística, acabe justamente por perder seus valores

simbólicos ao ser transformado em produto cultural. Assim, a nostalgia ali

representada acaba se tornado um produto comercializável.

Há também as tentativas de se reviver antigas tradições ameaçadas de

desaparecer, como manifestações folclóricas, línguas, etc. Em casos assim, o que

move os grupos sociais que o fazem é uma busca pela identidade, motivados a

produzir uma memória coletiva. Isto tem sido bastante comum entre os grupos

minoritários e os marginalizados e oprimidos ao longo da história. Segundo Winter

(2006, p. 70), “muitos grupos étnicos e minorias desprivilegiadas têm exigido seu

direito à palavra, à ação e de conquistar a sua liberdade ou a sua

autodeterminação”. Para Abreu (2011, p. 21), esta procura é “defensável em termos

de preservação das tradições vitais de uma sociedade”. Contudo, como enfatiza o

autor, ela pode ser perigosa quando levada a extremos, gerando os

fundamentalismos.

Este é justamente um dos maiores conflitos resultantes do sentimento de

perda da identidade cultural na contemporaneidade. Se os grupos oprimidos têm

exigido seu direito à palavra, os grupos dominantes, que outrora definiram e

impuseram qual deveria ser a identidade comum, sentem que estariam ameaçados,

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justamente por terem sua hegemonia contestada. Isto acaba resultando tanto em

xenofobia, especialmente em cidades e em países onde há grande foco de

imigração, como nos fundamentalismos políticos e religiosos, estes por não

aceitarem as mudanças inevitáveis da sociedade. Mas a própria religião, tomando o

cristianismo como exemplo, não é também um grande hibridismo cultural, resultado

de diversas influências culturais de diversos povos e de diversas épocas?

Se anteriormente a identidade nacional buscava unificar a todos, o grande

desafio atual e futuro é justamente não buscar enquadrar toda a sociedade em torno

de uma identidade comum, mas permitir e garantir que todas as identidades

culturais, de cada indivíduo ou grupo social, coexistam em igualdade.

Referências

ABREU, Maurício. Sobre a memória das cidades. In: CARLOS, A.F.A.; LOPES, M.;

SPOSITO, M.E. (Org.). A produção do espaço urbano: Agentes e processos, escalas e

desafios. São Paulo: Contexto, 2011.

BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos

escolhidos. São Paulo: EDUSP, 1986.

CANCLINI, Nestor G. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008.

________. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Revista do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, nº 23, 1994. p. 95-115.

FLORES, Maria B. R. Oktoberfest: Turismo, festa e cultura na estação do chopp.

Florianópolis: Letras contemporâneas, 1997.

FROTSCHER, Méri. Blumenau e as enchentes de 1983 e 1984: Identidade, memória e

poder. In: FERREIRA, C.; FROTSCHER, M. (Org.). Visões do Vale: perspectivas

historiográficas recentes. Blumenau: Nova Letra, 2000. p. 185-205.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

______. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas/SP: Unicamp, 2010.

WINTER, Jay. A geração da memória: reflexões sobre o “boom” da memória nos estudos

contemporâneos. In: SELLINGMANN-SILVA, Márcio (Org.). Palavra e imagem, memória e

escritura. Chapecó/SC: Argos, 2006. p. 67-90.

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JOINVILLE, MITOS E MEMÓRIAS: A INFÂNCIA

Msc Eliana Aparecida de Quadra Corrêa

Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade na Univille. Orientadora Profª Drª Taiza Mara Rauen Moraes.

([email protected])

INTRODUÇÃO

A história cronológica, como outra história memorativa, trabalhada por meio

das biografias dos idosos migrantes entrevistados, marca espaços, tempo e valores.

Neste artigo propõe uma análise das memórias coletadas e organizadas através das

memórias da infância cotejadas com textos fixados por folcloristas e olhares

históricos.

Os causos e lendas na fase da infância são os aspectos essenciais deste

trabalho, que pretende, por intermédio da história oral, conhecer e compreender as

histórias contadas e vivenciadas pelos idosos, nascidos antes da década de 1950 e

que nas décadas seguintes migraram para a cidade de Joinville, Santa Catarina,

trazendo em sua bagagem, além de seus objetos pessoais, lembranças da cidade

natal, da infância e das histórias contadas pelos familiares, principalmente pelos

avós.

O campo de pesquisa abrangeu dois espaços: a Biblioteca Pública Prefeito

Rolf Colin, no bairro Anita Garibaldi, e o Lar Vila Vicentina, no bairro Boa Vista. As

entrevistas ocorreram nesses locais, e nelas foram narrados histórias de literatura

oral, causos e lendas de Joinville, na voz do idoso.

Mitos e ritos dos causos e das lendas

O mito circula entre o real e o irreal, recupera fatos reais para explicar os

fatos acontecidos misturando personagens sobrenaturais com personagens

identificáveis com grupos sociais e se torna parte da cultura expressando uma forma

de pensar e agir de um povo ou de um grupo..

O mito vem sendo investigado por estudiosos na contemporaneidade com a

ideia de “ficção ou ilusão” e, como diz Eliade2, de “[...] familiar sobretudo aos

2 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 8.

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etnólogos, sociólogos e historiadores de religiões – de tradição sagrada e revelação

primordial, modelo exemplar”. O objetivo de pesquisas contemporâneas sobre o mito

é compreender a estrutura e seus significados, como também sua função no tempo

e no espaço passado e presente.

Falando de mito tem-se nele muito presente o rito. Desde os tempos do Egito,

com a coroação de um faraó, ou a coroação de um novo rei na Idade Média, ou na

colheita por agricultores ou até mesmo com a comemoração da entrada do ano

novo, aparece o rito, com suas celebrações e simbologias de renovação universal,

de fertilidade, prosperidade, vencer o mal, completar um ciclo, passar para uma

nova fase. Eliade3 afirma: “Trata-se, contudo, sempre de um ciclo, isto é, de uma

duração temporal que tem um começo e um fim. Ora, no fim de um ciclo e no início

do ciclo seguinte, realiza-se uma série de rituais que visam à renovação do Mundo”.

Já as narrativas dos causos remetem à tradição de um povo reunida em

histórias populares reais ou imaginárias articuladas pela memória. Às vezes se

confundem com as superstições. É uma forma de comunicar valores e saberes

coletivos. Conforme Cascudo4, “Sua caracterização é compreendida quando uma

tradição é evocada. Quase sempre inicia-se pela frase: os antigos diziam... Não é

uma lenda, nem um mito, fábula ou conto. É uma informação, um dado, um

elemento indispensável [...]” para se compreender o modo de agir e pensar dos

antepassados e entender o presente.

Construindo um espaço de estudo sobre as lendas, Bayard em suas

pesquisas traz:

A lenda, mais verdadeira do que a história, é um precioso documento: ela exara a vida do povo, comunica-lhe um ardor de sentimentos que nos comove mais do que a rigidez cronológica de fatos consignados; desta forma, o romance é a sobrevivência das lendas

5.

A palavra lenda no baixo latim significava “que deve ser lido”, conforme

estudos de Bayard6. Ao autor também diz que, no princípio, as lendas falavam sobre

3 ELIADE, 2004, p. 44.

4 CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:

USP, 1984. p. 52.

5 BAYARD, Jean Pierre. História das lendas. Tradução de Jeanne Marillier. São Paulo: Difusão

Européia do Livro, 1957. p. 9.

6 BAYARD, 1957, p. 11.

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vida dos santos, dos mártires e eram lidas nos refeitórios dos conventos. Com o

tempo essas narrações populares, baseadas em fatos históricos precisos, não

tardaram a modificar-se. Hoje, a lenda, transformada pela tradição, é produto

inconsciente da imaginação popular. Dessa forma, o herói, sujeito a dados

históricos, reflete os anseios de um grupo ou de um povo.

Um repertório de histórias com suas variantes, decorrentes do grande fluxo

migratório de Joinville, variações e versões contadas conforme especificidades

vividas por seus locutores relacionadas às culturas das localidades onde moravam

ou ouvidas e contadas pelos locutores nascidos aqui.

Causos rememorados da infância

Os migrantes joinvilenses entrevistados, no período da infância na cidade

natal, foram orientados culturalmente por intermédio de ditos populares, frases-

feitas, exemplos sacros; reparos dos antepassados e causos foram recorrentes nas

memórias da infância. Os que viviam no campo rememoraram o trabalho na

agricultura, já os que nasceram no litoral rememoraram a relação com a pesca. E a

vida, comandada pelos pais ou responsáveis pela sua guarda7, era conduzida por

um pensamento patriarcal e de uma tradição conservadora e mítica. Como ressalta

Cascudo:

A vida nas povoações e fazendas era setecentista nas duas primeiras décadas do século XX. A organização do trabalho, o horário das refeições, as roupas de casa, o vocabulário comum, os temperos e condutos alimentares, as bebidas, as festas, a criação de gado dominadora, as superstições, assombros, rezas-fortes estavam numa distância de duzentos anos para o plano atual

8.

Os estudos sobre o mito passaram a resignificar a infância e conforme

Eliade9, “A criança vive num tempo mítico, paradisíaco”, afirma também que o

inconsciente apresenta a estrutura de uma mitologia privada, pois “[...] alguns de

seus conteúdos estão carregados de valores cósmicos [...]”. Para o mitólogo é na

7 Algumas idosas foram criadas por parentes ou por outras famílias, por motivos de falecimento dos

pais ou por ter famílias numerosas e os pais não terem condições de criar.

8 CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:

USP, 1984. p. 15.

9 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 73.

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infância que os valores são transmitidos com mais facilidade, pois a criança

compreende o mundo de forma aberta e imaginária.

A cultura é linguagem e existência para Morin10 assim por meio da linguagem

é possível compreender o sistema cultural do grupo no qual a criança está inserida.

Nas memórias dos idosos migrantes sobre a infância, relataram experiências vividas.

Alguns recordam as dificuldades da vida no campo, condições de trabalho nas

pequenas propriedades familiares, com uma infância com muito trabalho na roça,

pouco tempo para brincadeiras e estudo, enquanto outros aproveitavam o espaço

rural para o entretenimento. Alguns culturalmente ligados ao mar associavam a

pesca como atividade de subsistência e também mítica, vinculada aos mistérios do

mar. As vozes ouvidas retrataram as condições de vida que orientavam

posicionamentos em sociedade.

Dona Luiza também relembrou que sua infância foi de muito trabalho, tinha de

levantar cedo para ajudar os pais na roça: “Na minha infância foi só pra trabalhar.

[risos] Meu pai vinha, chamava nós de manhã cedo e nós já ia acompanhando ele

pra trabalhar e ajudando ele” 11. Para que o trabalho rendesse, sua mãe preparava o

café e levava na roça para que lá fizessem o lanche. Ao meio-dia, iam para casa

almoçar, à tarde voltavam a trabalhar até chegar a noite. Dona Luiza conta que eles

não tinham relógio, sabiam das horas conforme a posição do sol12. A medição da

hora mediante a observação da posição do sol é uma cultura milenar baseada no

redimencionamento da sombra que se amplia até a metade do dia e decresce com a

aproximação da noite. Dona Luiza relembra que na sua infância o horário era

medido pelo sol: “A mãe fazia café e daí ia levar pra nós. Depois chegava meio-dia

10

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo 2 – necrose. Tradução de

Aguiar Soares Santos. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 1986. p. 87.

11 AMARAL, Luiza Tercila do. Luiza Tercila do Amaral: entrevista [7 fev. 2011]. Entrevistadora:

Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de Florianópolis (SC), moradora da Vila Vicentina, em

Joinville (SC).

12 Com o tempo o homem construiu um método chamado de Relógio de Sol, utilizado para medir as

horas ou o tempo por meio da visualização da luz solar na terra em diferentes posições, justamente

essa variação fornece as horas. Isso acontece com a medição da variação da posição do sol,

conforme a sombra desloca-se pela superfície do mostrador, passando sucessivamente pelas linhas

que indicam as horas.

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nós ia pra casa. Naquele tempo não tinha nem relógio, era tudo na base do sol. É o

sol ia chegando e chegava na hora” 13.

Seu Luiz, nascido em São Francisco do Sul, no estado de Santa Catarina,

contou que morava no litoral, em uma cidade portuária onde apareciam muitos

estrangeiros. Assim, desde pequenas, as crianças ouviam diferentes idiomas. Outro

fato relevante desvelado em sua entrevista é que sua família tinha a tradição de

contar histórias orais, como anedotas, causos, adivinhações, piadas a beira do fogão

em situações ritualísticas.

Os avós, os tios, as pessoas mais velhas se reuniam nas casas dos parentes e faziam uma roda de brincadeiras, de adivinhações, piadas, anedotas, contos, sempre a beira do fogão. Não tínhamos lareira por que éramos pobres. Pobres [risos] mas o foguinho do fogão substituía, e alegremente a gente era incluído no meio dos adultos novamente. Como eu disse só que havia uma grande distância, havia o momento exato das crianças participarem. Os pais simplesmente não permitiam menores tomando parte das conversas. Eles eram permitidos de acordo com a vontade dos adultos

14.

As lendas na infância: o medo do Bicho-papão

“A escuridão parece que tem dom de ligar os motores da nossa imaginação.”

É o que relata Azevedo15 em seus estudos sobre a cultura oral e sobre as histórias

que surgiram por meio do medo, tanto do escuro quanto da evolução da sociedade.

O medo é o que move a imaginação. Desde muito tempo algumas culturas antigas

acreditavam que o sol nascia e morria todos os dias. Conta à lenda:

Quando a noite chegava, era aquela tristeza. O céu ficava vermelho e todo mundo chorava pensando no coitado do sol havia sido assassinado e agora estava sangrando. Mas aquelas pessoas também acreditavam que todos os dias, um herói, um deus, pegava seu barco, partia valente, ia até o céu, enfrentava mil desafios e conseguia trazer o sol de volta. Graças a esse grande herói, as plantas podiam brotar, as plantações prosperavam,

13

AMARAL, entrevista citada.

14 NASCIMENTO, Luiz Diomedes do. Luiz Diomedes do Nascimento: entrevista [21 fev. 2011].

Entrevistadora: Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de São Francisco do Sul, trabalha na

Biblioteca Pública Municipal Prefeito Rolf Colin de Joinville (SC).

15 AZEVEDO, Ricardo. Quem tem medo de bicho papão? 2008b. Áudio. Diponível em:

<http://www.sescsp.org.br/sesc/convivencia/curumim/mitos/bicho.wma>. Acesso em: 24 nov. 2011.

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as frutas amadureciam, os bichos cresciam e a vida podia seguir o seu percurso glorioso

16.

Por intermédio dessa lenda que a noite e a escuridão ficaram parceiras da

morte, do esquecimento e da incerteza. Nasceram, então, os bichos-papões, da

noite que esconde e desorganiza tudo e do medo da perda do ente querido,

reforçados pelos adultos como forma pedagógica. Com base em modelos da

infância, a criança educada não fala palavrão, obedece aos pais, dorme cedo e não

faz xixi na cama e, assim, o bicho-papão não aparece.

Para Bayard17, o bicho-papão faz parte dos ritos iniciáticos e é o devorador de

crianças, como forma de aprovações aos medos. Isso é visto no conto O pequeno

polegar, que traz, por meio do ritual iniciático, a luta de uma criança contra o papão.

O papão ou o Diabo, segundo o mito, é “[...] Saturno que devora seus filhos à

medida que Cibele (a Terra) os põe no mundo”.

Tal ritual iniciático, por um lado, traz consigo a simbologia do crescimento

interior, de amadurecimento, passagem para uma nova fase, a de ser jovem ou

adulto. Por outro, é visto como símbolo de obediência aos mais velhos e utilizado de

forma mítica e lúdica para ensinar as regras (os deveres) para a criança.

É o que se percebe nas memórias dos idosos entrevistados quando

recuperavam em suas lembranças as histórias que seus pais, avós e parentes lhes

contavam na infância; histórias simples, cotidianas e carregadas de simbolismo.

Dona Hilda fala: “Do bicho-papão já ouvi falar, né. Já do bicho-papão, mas eu não

sei mais sobre o que é. Geralmente eles usavam assim para assustar as crianças”18.

Apesar de dona Hilda não recordar dos detalhes da lenda, lembrava da sua

simbologia, do significado do mito, de sua função social de alertar e orientar as

crianças para a obediência aos mais velhos.

16

AZEVEDO, Ricardo. Quem tem medo de bicho papão? 2008b. Áudio. Diponível em:

<http://www.sescsp.org.br/sesc/convivencia/curumim/mitos/bicho.wma>. Acesso em: 24 nov. 2011.

17 BAYARD, Jean Pierre. História das lendas. Tradução de Jeanne Marillier. São Paulo: Difusão

Européia do Livro, 1957. p. 137.

18 SILVA, Hilda Carvalho da. Hilda Carvalho da Silva: entrevista [11 fev. 2011]. Entrevistadora:

Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de Curitiba (PR), moradora da Vila Vicentina, em Joinville

(SC).

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A lenda do Bicho-papão foi recuperada de várias maneiras e com elementos

simbólicos diferentes. Para auxiliar a entender a simbologia que envolve esse mito

foi efetuado um cotejamento com as informações coletadas por Ricardo Azevedo:

Existem muitos e muitos tipos de bicho-papão assustadores de criancinhas. O Tutu marambá por exemplo, bem conhecido como Tutu Zambe, Tutu do mato, Tutu Garanga ou Bicho do mato, ninguém viu até hoje, mas aparece. Deixa rastros. E é medonho feito o pior pesadelo. A Cuca é um bicho encantado, velho e feioso que costuma meter num saco as crianças e levar embora crianças que não querem dormir cedo, as muito bagunceiras e as que têm mania de dizer palavrão. Já o Gibamba é uma espécie de fantasma que aparece uivando e é de assustar e meter medo em criança que não quer saber de dormir. O Papa-figo é um monstrengo asqueroso, com cheiro de carne podre que aparece para as criancinhas e levam no saco para comer em casa. Mão de cabelo é um monstro que anda sempre embolado em um lençol branco. Dizem que prefere pegar as crianças que fazem xixi na cama. Com todos esses bichos-papões são filhos da imaginação da noite impenetrável, das sombras que não conseguiram decifrar [...]

19.

Entre as lembranças do medo que essas personagens míticas traziam às

crianças desobedientes, Dona Terezinha, migrante de Uruguaiana, Rio Grande do

Sul, recupera a lenda do Sete trouxas: “[...] tinha um velhinho que o apelido dele era

sete trouxa, andava cheio de trouxa. Então todo mundo tinha medo do sete trouxas.

– Ah, o Sete trouxas tá vindo lá. E todo mundo entrava pra dentro. Medo, a gente

tinha medo do Sete trouxas”. Ela compara o Sete trouxas com um bicho-papão que

leva as crianças embora. Ela ressalta: “Eu morria de medo dele” 20.

Para compreensão do personagem lendário Sete trouxas, foi efetuada uma

relação com o filme O sete trouxas21, curta, acessado via Web, dirigido por Marcio

Schoenerdie, Rio Grande do Sul, esclarecendo assim, as informações pouco

articuladas sobre a lenda transmitidas por Dona Terezinha. O filme mostra um avô

contando a lenda para a sua neta e a maneira que encontrou para enganar o Sete

19

AZEVEDO, Ricardo. Cultura da Terra. São Paulo: Moderna, 2008a.

20 CASTRO, Terezinha Azevedo de. Terezinha Azevedo de Castro: entrevista [8 fev. 2011].

Entrevistadora: Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de Uruguaiana (RS), moradora da Vila

Vicentina, em Joinville (SC).

21 O Sete trouxas. Direção: Marcio Schoenerdie. Elenco: Caio Pereira, Eduardo Sandagorda, Luiz

Paulo Vasconcellos, Natanielhe Pacheco. 2007 (14 min), color. Disponível em:

<http://www.portacurtas.com.br/filme.asp?COD=8737#> acesso em: 28/11/2011. Jair, hoje um avô,

conta para sua neta suas aventuras na infância e o medo do lendário Sete trouxas e de como com a

ajuda de um amigo derrotou o monstro e livrou-se dele.

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trouxas. Segundo o filme, o avô diz que o Sete trouxas sempre existiu desde o

tempo dos dinossauros:

O Sete trouxas pegava as criancinhas pra alimentar aquelas criaturas pré-históricas que ele criava. Mas um dia todos os dinossauros morreram, e o sete trouxas ficou sem emprego. Mas como ele tinha experiência em capturar crianças, o belzebu, o Diabo, lhe ofereceu um emprego. Diabo: – Então você quer um emprego. Então encha estes sacos com crianças mal-educadas, malvadas, fedorentas e as que são bocudas também. Tragam todas para mim, agora. Hahaha, vai. Então, durante os séculos o sete trouxas vem capturando crianças. Agora, só poderia capturar as que não se comportassem, que fossem sem educação. Ele ganhou sete sacos. Ele pegava uma criança a cada dia da semana e levava com ele.

Segundo o avô Jair, como o Sete trouxas não fez o combinado com o Diabo e

acabou deixando fugir as crianças, foi castigado e acabou ficando só com um saco,

transformando-se no Homem do saco ou Velho do saco.

Essa lenda urbana circula muito nas cidades e é recuperada para assustar as

crianças, para que elas não brinquem na rua sem a ordem de seus pais. As famílias

para proteger seus filhos dos mendigos, dos ciganos e do tráfico infantil, buscaram

na personagem do Homem do saco ou Velho do saco uma forma de mantê-los em

espaços controlados.

Em cada versão da lenda, o mítico e sua simbologia são recuperados de

forma diferenciada. Aqui em Joinville, em virtude dos cruzamentos interculturais

promovidos pelos migrantes de várias regiões do país com traços italianos,

portugueses, gaúchos, açorianos, nordestinos, paranaenses, a lenda é contada com

variações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia é defender o respeito à multiplicidade. Para que haja autonomia

cultural, faz-se necessário transcender os limites tanto do naturalmente possível

como do moralmente aceitável. A diversidade é também outro assunto discutido e

defendido pelas políticas públicas como um processo do hibridismo, que aparece

nos causos, nas lendas, nos mitos e seus rituais pelas variações de valores dos

textos coletados nesta pesquisa.

Ouvir as vozes de idosos e, por meio dos seus relatos, identificar questões

místicas que envolvem os causos, as lendas e os mitos presentes na religiosidade,

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nos costumes, no pensamento da cultura oral numa sociedade grafocêntrica objetiva

fundamentar questões de identificações do idoso na sociedade, bem como mostrar a

força da memória familiar e do grupo, de modo a valorizar a função social do ser e

da memória.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Luiza Tercila do. Luiza Tercila do Amaral: entrevista [7 fev. 2011]. Entrevistadora: Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de Florianópolis (SC), moradora da Vila Vicentina, em Joinville (SC). AZEVEDO, Ricardo. Cultura da Terra. São Paulo: Moderna, 2008a. AZEVEDO, Ricardo. Quem tem medo de bicho papão? 2008b. Áudio. Diponível em: <http://www.sescsp.org.br/sesc/convivencia/curumim/mitos/bicho.wma>. Acesso em: 24 nov. 2011. BAYARD, Jean Pierre. História das lendas. Tradução de Jeanne Marillier. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1957. CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1984. CASTRO, Terezinha Azevedo de. Terezinha Azevedo de Castro: entrevista [8 fev. 2011]. Entrevistadora: Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de Uruguaiana (RS), moradora da Vila Vicentina, em Joinville (SC). ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo 2 – necrose. Tradução de Aguiar Soares Santos. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 1986. NASCIMENTO, Luiz Diomedes do. Luiz Diomedes do Nascimento: entrevista [21 fev. 2011]. Entrevistadora: Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de São Francisco do Sul, trabalha na Biblioteca Pública Municipal Prefeito Rolf Colin de Joinville (SC). O Sete trouxas. Direção: Marcio Schoenerdie. Elenco: Caio Pereira, Eduardo Sandagorda, Luiz Paulo Vasconcellos, Natanielhe Pacheco. 2007 (14 min), color. Disponível em: <http://www.portacurtas.com.br/filme.asp?COD=8737#> acesso em: 28/11/2011. SILVA, Hilda Carvalho da. Hilda Carvalho da Silva: entrevista [11 fev. 2011]. Entrevistadora: Eliana Ap. de Quadra Corrêa. Migrante de Curitiba (PR), moradora da Vila Vicentina, em Joinville (SC).

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HIBRIDISMO E MITO: NARRATIVAS COM “SABOR” DE LITERATURA

Jailson Estevão dos Santos Taiza Mara Rauen Moraes

Universidade da Região de Joinville- UNIVILLE ([email protected]; [email protected])

RESUMO

Este artigo é parte de uma pesquisa que analisou transformações e deslocamentos entre descendentes de alemães em Joinville - SC., a partir do referencial linguístico e interfaces culturais. Os recortes são tomados em função de fluxos identitários que geraram diversas narrativas, as quais indicam a linguagem do mito e a culminância de um contínuo híbrido. Estes resultados são associados a embasamentos teóricos que explicam a cadeia de potencialidades, e daí, a criação literária na perspectiva barthiana: apreensão, representação e geração dos novos significados. Para este artigo são utilizados, além de Roland Barthes, entre outros, autores como: Pierre Bourdieu, Nestor Canclini, Thomas Mann, Joseph Campbel, Oswald Ducrot e Clifford Geertz. O pressuposto literário baseia-se no ponto de partida das narrativas contidas nas entrevistas, considerando-se as transformações e os deslocamentos identitários como fundamentos que impulsionaram fatores de mudanças linguísticas, os quais preconizam a diversidade. O processo está vinculado à admissão da perda linguística, persistência nas memórias e valorização da cultura. Palavras-chave – cultura, narrativas, hibridismo, mito

ABSTRACT

This article is part of a research that examined transformations and displacements between descendants of Germans in Joinville - SC., from the linguistic referential and cultural Interfaces. The clippings are taken on the basis of identity flows which generated different narratives, which indicate the language of myth and the culmination of a continuou hybrid. These results are associated with theoretical bases to explain the chain of potential, and hence, the literary creation in Barthian perspective: seizure, representation and generation of new meanings. For this article are used, beyond Roland Barthes, among others, authors such as Pierre Bourdieu, Nestor Canclini, Thomas Mann, Joseph Campbell, Oswald Ducrot and Clifford Geertz. The assumption is based on the literary starting point of the narratives contained in the interviews, considering the transformations and displacements identity as fundamental factors that promoted linguistic changes, which advocate the diversity. The process is linked to the admission of language loss, persistence in the memories and appreciation of culture. Keywords - culture, narratives, hybridity, myth

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“[...] Na ordem do saber, é o sal das palavras que faz com que este se torne profundo,

fecundo”. (BARTHES 2008, p. 21)

INTRODUÇÃO

Neste artigo a análise sob a perspectiva do hibridismo cultural e dos mitos

criados em torno da linguagem, é parte de um estudo e pesquisa realizados entre

descendentes de alemães em Joinville – SC. Tal pesquisa teve como abordagem

central as transformações e os deslocamentos identitários a partir do referencial

linguístico. As narrativas em estudo apontam a diversidade cultural como uma das

transformações mais importantes impulsionadas pelos deslocamentos do sujeito e

objeto dos fluxos identitários. Os recortes são tomados em função dos vários

movimentos envolvendo os sujeitos em suas experiências culturais, e da mudança

linguística que determinou as transformações identitárias, as quais geraram diversas

narrativas. Essas narrativas indicam a linguagem do mito e a culminância de um

contínuo híbrido. Mas as palavras vão mais além, elas indicam representações e

traduções como fruto de experiências contemporâneas.

1. Hibridismo cultural

Hibridação compreende os “processos socioculturais nos quais estruturas ou

práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas

estruturas, objetos e práticas”. Assim entende Canclini (2008 pp. XIX, XXII); o

mesmo sustenta ainda que o seu “objeto de estudo não é a hibridez, mas, sim, os

processos de hibridação”.

Assim, Canclini levanta uma discussão voltada para o hibridismo cultural,

idealizado num movimento que combina vários e intensos fluxos culturais. Ao rejeitar

a ideia de um hibridismo estabelecido, possivelmente ele quer relacionar,

linguisticamente em termos de aspecto,22 o verbo hibridizar colocando-o numa ação

22

Ou seja: aktionsart - termo alemão relacionado ao “aspecto verbal”; refere-se às quatro classes acionais dos verbos: estado, atividade, accomplishiment e achievement. Neste particular, a linguística estuda várias questões associadas ao aspecto durativo e télico da ação verbal.

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direta imperfectiva com os fluxos identitários. Pela “noção semântica de tempo”23

(diferente da noção gramatical), conforme Ducrot e Todorov (1988, p. 278) pode-se

esclarecer como a “atividade” de hibridização em continuidade e reciprocidade

ampliam o hibridismo e atraem a diversidade.

Podemos lembrar, nesse contexto, a leitura do romance “Os Buddenbrook, a

decadência de uma família”, de Thomas Mann, que descortina como deslocamentos

culturais produzem transformações identitárias. A narrativa é uma abordagem

ficcional sobre uma família, objeto de análise, e revela como a diversidade se

introduz a partir de duas vertentes. Primeiro com o deslocamento do espaço cultural,

e depois com a convivência com “estranhos” como: domésticas, negociantes,

amigos e intercâmbio de valores que culminam o enfraquecimento de relações tidas

como hegemônicas. A diversidade convive com um fluxo linear constante,

pluridimensional e impossível de deter.

A tendência em qualquer cidade que se constitui no fluxo humano é marcar

pela diversidade tanto étnica quanto cultural. Em Joinville, quando da chegada dos

imigrantes europeus, havia entre eles alemães, noruegueses e suíços.

Considerando-se por esses dados, atualmente segue-se a tendência da história

inicial. Prevalece o aspecto híbrido, e essa realidade interage com discursos que

desconstroem a imagem de Joinville como uma cidade tipicamente alemã.

Conforme se pode compreender da afirmação de Silva (2008, p. 39),

Uma cidade sempre apresenta múltiplas facetas, mas em Joinville, onde a presença dos teuto-brasileiros é grande e a história da imigração os privilegia, um discurso a construiu como uma cidade germânica, numa operação de encobrimento da diversidade. [...].

Nas entrevistas realizadas entre membros da Sociedade Cultural alemã de

Joinville, com metodologia focada numa pesquisa qualitativa com um questionário

semiestruturado, feita entre sete sujeitos, todos joinvillenses ficou evidenciado que

as mudanças culturais foram decorrentes da proibição do uso da língua alemã, com

o programa da nacionalização. Período tenso que teve no referencial linguístico sua

importância. Trinks (2012) lembra que seu “pai chegou a ser preso” por falar alemão;

enquanto Rosskamp (2012) afirma que as mudanças ocorrem com “a posição do

23

Para maior compreensão vide: Oswald Ducrot, e Tzvetan Todorov (1988 ps. 278, 283).

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Brasil na Segunda Guerra Mundial, com a proibição da língua e atividades teatrais

culturais alemãs”; Reis e Hardt (2012) constatam que os espaços e interlocutores da

língua diminuíram, ou seja, o mito de um modus vivendi é recuperado por essas

memórias.

Verifica-se, portanto em todas essas circunstâncias a existência da memória

enquanto representação; “uma fala”, pra concordar com Barthes (2001, p. 132), “pois

é a história que transforma o real em discurso”. Portanto, os resultados das

entrevistas são associados a embasamentos que explicam a importância do mito

numa cadeia de potencialidades, e daí, a criação literária na perspectiva barthiana:

apreensão, representação e novos significados.

As mudanças ocorreram também pelo convívio com os brasileiros e

escolarização. Voigt (2012) identifica “o convívio com os que não sabem falar

alemão” como um dos fatores para o esquecimento da língua alemã. É nesse

sentido que os associados valorizam, no discurso, a preservação da cultura e da

língua como elemento motivador, presente nas práticas discursivas, e nos eventos

culturais promovidos.

A proibição da língua transmigra para outras atividades e repercute num

sufocamento do sentimento de nacionalidade. E é o elemento cultural que mais

aparece demonstrando que já não se leva tanto em consideração a questão

linguística como sistema formal obrigatório, mas a perda de identificações culturais e

a criação de outras. Para formar a orquestra preconizada por Paz (1986, p. 54), o

“concerto” da diversidade, uma harmonia entre as multiculturais traduções das

culturas e identidades enredadas nos imbricamentos de sua própria diversidade.

Naturalmente, a sincronia não é perfeita, mas basta que nos afastemos um pouco para perceber que ouvimos um concerto em que músicos, com instrumentos diversos, sem obedecer a nenhum maestro nem sequer qualquer partitura, compõem uma obra coletiva em que a improvisação é inseparável da tradução, e a invenção da imitação.

Os sujeitos da pesquisa admitem a perda da Língua como identidade

linguística, mas afirmam sua persistência em continuar estudando e aprendendo

mais da Língua e tentando interagir com alguns remanescentes culturais, Voigt,

Reis, Trinks (2012). Assim, deve ser levada em consideração, que as

transformações culturais são fruto da inexistência de neutralidade no processo,

como afirma Decrosse, (1989, p. 19), ao descrever a língua materna como um mito:

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Mas seria utopia acreditar que as línguas maternas tenham adquirido, de imediato, uma realidade. Bem ao contrário, a noção, o termo e os usos foram forjando, aos poucos, uma identidade através de séries de operações socioculturais, políticas e religiosas, das quais, cada momento tem uma identidade própria e estados linguísticos distintos.

2. Mito e sabor literário

Os sujeitos da pesquisa narram e ressignificam os costumes que lhes foram

deixados, que hoje ou não praticam mais, ou com muitas dificuldades tentam

preservar. Butzke e Voigt (2012) citam: “visitação aos amigos e conhecidos”; “festas

e bailes em Clubes de Caça e Tiro”; “torneios, festas e bailes de Rei e de Tiro ao

alvo”, as quais juntamente com aspectos folclóricos procura-se manter com vistas à

preservação de uma tradição idealizada por pureza cultural cuja não efetivação é

comprovada pela identidade linguística de hoje entre outros costumes assimilados.

E assim confirma Canclini (2008, p. xxiii),

A ênfase na hibridação não enclausura apenas a pretensão de estabelecer identidades “puras” ou “autênticas”. Além disso, põe em evidência o risco de delimitar identidades locais autocontidas ou que tentem afirmar-se como radicalmente opostas à sociedade nacional ou à globalização.

A análise das entrevistas sinaliza o hibridismo existente como uma realidade

histórica. Butzke, Voigt, Hardt, Trinks, Reis (2012) reafirmaram as mudanças.

Afirmaram: que os problemas gradativamente “foram superados”; que “o convívio

com os brasileiros que não sabem falar alemão” foi um elemento novo que fez “com

que a Língua Alemã caísse no esquecimento”. Os casamentos, antes “deviam ser

com pessoas da mesma raça”; e “algumas palavras da língua portuguesa foram

alemoadas”; houve o abrasileiramento dos nomes próprios, transliterados,

acomodados foneticamente, traduzidos, ou mudados aproveitando-se de novos

dados, como é o caso dos nomes de ruas

São mudanças como essas que ajudaram a operar o hibridismo cultural e

desconstruir o aspecto emblemático ligado à identidade e à luta em torno de

classificação regional. Sobre isso, afirma Bourdieu (2008 p. 108):

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As lutas em torno da identidade étnica ou regional, quer dizer, em torno de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas à origem através do lugar de origem bem como das demais marcas que lhe são correlatas, como, por exemplo, o sotaque, constituem um caso particular das lutas entres classificações, lutas pelo monopólio do poder de fazer ver e fazer crer, de fazer conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por essa via, de fazer e desfazer os grupos.

Contudo, nas programações e eventos ainda há uma demonstração de luta

por um discurso identitário como numa tentativa de retornar às origens. Nesse

sentido podemos entender que se utilizam do discurso para afirmar a identidade

cultural germânica como um mito, vista numa perspectiva de distanciamento da

história. Desta forma se instala o “sabor da literatura”, como no dizer de Barthes

(2008, p. 21). É a literatura que revela as muitas alternativas da língua. “A escritura

se encontra em toda parte onde as palavras tem sabor. Saber e sabor vêm de uma

mesma etimologia. [...] Na ordem do saber, é o sal das palavras que faz com que

este se torne profundo, fecundo”.

O que jaz nas entrelinhas da filosofia da história está na trilha da “teimosia”

da literatura. “[...] A literatura é categoricamente realista, na medida em que ela

sempre tem o real por objeto de desejo; [...] ela é também obstinadamente: irrealista;

ela acredita sensato o desejo do impossível”. Barthes chama a isso de “função

utópica” – “a história” - É nesse sentido que o conceito de escritor, que é trazido, vai

além de uma função e respinga numa prática, comum e constante, diz, Barthes, que

o sujeito dessa prática é associado ao espia teimoso, que deve estar na

encruzilhada de todos os discursos, em posição “trivial”. A grande característica da

literatura e do escritor deve ser o deslocamento e o “transportar-se para onde não se

é esperado”. O lugar da literatura é na teimosia e no deslocamento, lugares onde a

língua tenta escapar ao seu próprio poder e se apresenta relacionada ao teatro, à

apresentação, à mimesis. É nesse sentido, também, que os sujeitos lembram o peso

cultural de padrões educacionais. Bruhns (2012) afirma: “a gente adquire hábitos na

infância e disciplina [...]”

A linguagem mítica existe a partir de significantes com base nos conceitos

que formam o “determinado” linguístico. A exaltação de mitos nacionais como

símbolos de germanidade se apresentam como desejo no próprio grupo em estudo.

As narrativas compõem, portanto, as criações literárias que conduzem às

identidades culturais. Estas se situam no que Barthes (2008, p. 17) chama de “forças

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da literatura”, usando três conceitos gregos: μαθήσις (mathesis), μιμήσις (mimeses)

e σημεώσις (semiosis), assim compreendidos: μαθήσις - ação de apreender, de se

instruir, de receber conhecimento; μιμήσις - imitação, imagem, representação

teatral; e σημεώσις - (σημα - sinal) – sinal distintivo, marca, aviso. Pela mathesis a

literatura traz todos os saberes; “pela mimesis, a literatura é usada para representar

o real, embora este não se possa representar”; com a semiosis, Barthes joga com os

signos e diz que essa é “a terceira força da literatura”. O discurso que advém

determina o mito identitário, fruto das práticas discursivas.

Foi assim que, com a campanha de nacionalização, um discurso elaborou o

mito de que tudo que estava ligado à “cultura alemã” era, também, associado ao

“perigo alemão”, este, atrelado à pregação e divulgação do nazismo. Neste

momento costumes e outros elementos culturais foram deixados para trás, e as

festividades que tanto marcaram o convívio dos imigrantes, transformaram-se em

fator de nostalgia. Contudo, o discurso de que a “cultura alemã” deve prevalecer em

Joinville, está presente nos depoimentos apresentados pelos sujeitos da pesquisa.

Então se de um lado pode-se falar de mitos na persistência de um processo

identitário entre descendentes de alemães em Joinville, historicamente, não se pode

negar que mitos da classe dominante também marcaram com o jogo da exclusão.

Há uma história recíproca, do opressor e do oprimido. E para concordar com

Barthes (2001, p. 269), o discurso do opressor é intransitivo, enquanto o do oprimido

procura transformações.

Sabe-se que o processo identitário cultural existe numa relação construtiva

direta e proporcional ao saber local. As culturas são construções históricas bastante

rígidas e facilmente adaptáveis a mitos. Foi essa condição, que levou Geertz (2009,

p. 253) a analisar em sua obra “O saber local”, a questão do direito. Cada sociedade

tem suas leis e estas se adéquam às realidades de suas crenças e costumes,

interferindo na hermenêutica jurídica.

Assim, as identidades se imbricam e interferem com juízos de valor nos

estatutos jurídicos. O direito também é visto como um fato cultural, tal qual a arte, e

a religião etc., considerando-se que o mesmo é desenvolvido numa relação direta

com os contextos culturais. Então Geertz (2009 p. 253) fala de um “ir e vir”

hermenêutico. Os fatos sociais, os quais garantem a hibridização e o surgimento dos

mitos culturais, provam que já não basta conhecer somente as leis, Geertz (2009 p.

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255). Esta tese de que o direito é saber local, e, portanto, mais que leis, e ainda,

submisso ao relativismo cultural, ajuda-nos a entender como as identidades são

estabelecidas a partir de conhecimentos variados, independente de sua análise

epistemológica pela sociedade que as constrói através das narrativas ressignificadas

– literatura de mitologia fecunda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A convivência com “o diferente”, pode não ter sido a mais aceita entre os

descendentes de imigrantes alemães em Joinville, mas ela foi absorvida, gerou

consequências e expôs mudanças identitárias.

Tais mudanças corroboram a desconstrução de mitos e abrem uma

discussão em torno do respeito e da diversidade cultural. Na afirmação de Voigt

(2012), respeito, convivência e a não discriminação, eram os elementos motivadores

para uma mudança linguística. Assim, os descendentes de alemães em Joinville

enfrentam sua realidade histórica como um grupo que, se sente diferenciado por

considerar a sua origem e identidade cultural, porém trazendo “poder” de literatura

em suas narrativas. Como afirma Campbell (1990 p. 6) quando diz que as narrativas

são geradoras de “[...] pistas para as potencialidades espirituais da vida humana” e

de uma “experiência de sentido”. Essas potencialidades fazem-se presentes no

esforço pela convivência com todos os contextos sócio-históricos vividos.

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. Aula, São Paulo: Cultrix, 2008. ______. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. ______. Economia das trocas linguísticas. São Paulo: Edusp, 2008.

BRUHNS, Iracema; BUTZKE, André; HARDT, Humberto; REIS, Asta dos; ROSSKAMP, Raulino; TRINKS, Myrta Ebrhardt; VOIGT, Vilson; Entrevistas concedidas a Jailson Estevão dos Santos. Joinville: 26 Abril 2012. CAMPBEL, JOSEPH. O poder do mito. São Paulo: Athena, 2008.

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CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas, estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP. 2008. Ducrot, Oswald e Todorov, Tzvetan. Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. São Paulo: Ed. Perspectiva 1988. DECROSSE, Anne. Um mito histórico, a língua materna. In: VERMES, Geneviève; BOUTET, Josiane. (Org). Multilinguismo. Campinas: Unicamp, 1989, p. 19-29. GEERTZ, Clifford. O saber local, novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 2009. MANN, Thomas. Os Buddenbrook - decadência duma família. São Paulo: Círculo do livro, s/d. PAZ, Octavio. Sobre a tradução. O Correio da Unesco. Antologia de o correio, 40º aniversário da UNESCO. n. duplo 7,8, p, 54. Ano 14. Fundação Getúlio Vargas, 1986. SILVA, Janine Gomes da. Tempo de lembrar , tempo de esquecer... As vibrações do centenário e o período da nacionalização: histórias e memórias sobre a cidade de Joinville. Univille: Joinville-SC. 2008.

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O BLOG POÉTICA TECNOLÓGICA: ESPAÇO DE LEITURA DO LITERÁRIO

Amanda Corrêa da Silva24 Sônia Regina Biscaia Veiga25 Taiza Mara Rauen Moraes26

Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE ([email protected]; [email protected]; [email protected])

Resumo

O blog se constitui como um espaço virtual que propicia a leitura em rede e a postagem de impressões críticas partilháveis por um grupo e simultaneamente disseminadas pela internet, rompendo as fronteiras entre espaços públicos e privados, bem como a percepção de diferentes textualidades, do texto para o hipertexto. Desse modo, a pesquisa apresentada é uma análise de experimentos de leitura desenvolvidos em 2013, no blog www.poeticatecnologica.blogspot.com instrumento que auxilia e (re) configura o ensino de literatura propiciando o registro do movimento do sujeito como autor e receptor. A metodologia adotada foi a de propor exercícios de leitura do literário no laboratório de informática para subsidiar a disciplina Literatura Brasileira I, Curso de Letras da UNIVILLE , tendo por base o acesso a textos disponíveis na biblioteca digital do Núcleo de Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística – NUPILL/UFSC, www.literaturabrasileira.ufsc.br. As propostas de leitura do literário foram dirigidas para o acesso à biblioteca virtual e ampliadas para a percepção da leitura no imbricamento das linguagens, em exercícios com vídeos, imagens e textos.As ideias foram ancoradas nos conceitos de Lévy (1997, 2003), Foucault (1992), Bauman (2011), Santaella (2008) e Jameson (2007), que discutem livro, leitura, literatura, autoria, ciberespaço e cibercultura.

Palavras-chave: blog; leitura; literatura.

Os ambientes de hipermídia são geradores de novas relações do leitor com

o texto, influenciando o olhar sobre estudos do literário, que não mais se limita ao

livro. Viabilizar a leitura em bibliotecas virtuais, blogs, propicia a construção de

espaços de leitura dinâmicos e mutáveis, que ampliam as percepções sensíveis.

Para Santaella (2007), no ciberespaço a linearidade textual é interrompida, dando

lugar a unidades ou módulos informacionais, constituídos de fragmentos de texto.

Tal ruptura é o que caracteriza também o ciberleitor, que segue as pistas fornecidas

e constrói seus próprios caminhos de leitura por meio de hiperligações e

24

Acadêmica do curso de Letras da UNIVILLE.

25Acadêmica do curso de Letras da UNIVILLE.

26 Professora de Letras da UNIVILLE

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associações de links. Neste contexto, os blogs se apresentam como parte do

labirinto hipertextual, que proporcionam ao leitor o prazer de se perder, descobrindo

múltiplas possibilidades de se mover nesses universos subjetivos. Assim, outros

espaços de leitura se instauram a partir dos percursos de navegação estabelecidos

pelo internauta, espaços esses geradores de trocas ilimitadas, assim sendo as redes

permitem analisar a relação texto/leitor sob um novo prisma, pois o caráter interativo

e semovente do hipertexto confere grande flexibilidade ao ato de ler. No

ciberespaço, a leitura assume uma nova configuração, tornando-se uma teia de

conexões multidimensionais que levam o usuário a construir percepções leitoras

distintas daquelas encontradas no texto impresso. Santaella (2007, p. 312) aponta

que “[...] em tempos de hipertexto, um mesmo texto, quando passa do suporte

impresso para um suporte digital, já não é realmente o mesmo, pois os novos

dispositivos formais modificam suas condições de recepção e de compreensão”.

Com o intuito de explorar as multifaces construídas pelo cruzamento de

linguagens no suporte virtual, criou-se o blog poeticatecnologica.blogspot.com, como

um espaço de registro de impressões de leitura, que poderá possibilitar ao leitor

inscrever-se também como autor.

O projeto do blog, Poética Tecnológica, está vinculado a um projeto maior27

que visa analisar os dispositivos hipermidiáticos que viabilizam o ensino e a leitura

do literário em bibliotecas virtuais. Portanto, estes ciberambientes, não são

meramente recursos tecnológicos, mas permitem uma nova assimilação das formas

didáticas presentes na contemporaneidade.

A metodologia adotada em 2013 foi a de propor exercícios de leitura do

literário no laboratório de informática para subsidiar a disciplina Literatura Brasileira

l28, tendo por base o acesso a textos disponíveis na biblioteca digital do Núcleo de

Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística – NUPILL/UFSC,

www.literaturabrasileira.ufsc.br, no imbricamento das linguagens, articulando vídeos,

imagens e textos.

27

Projeto de Pesquisa Autores, obras e acervos literários catarinenses em meio digital – PRONEX 2.

UFSC/UDESC/UNIVILLE/Universidade Complutense de Madri (FAPESC/CNPq). Coord. Prof. Dr. Alckmar Luiz dos

Santos (UFSC).

28 Disciplina Literatura Brasileira l, curso de Letras – Universidade da Região de Joinville-UNIVILLE. 1º anos,

regime seriado, anos 2012/2013.

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BLOG POÉTICA TECNOLÓGICA: ESPAÇO DE LEITURA DO LITERÁRIO

As propostas de leitura e de discussão do literário em meio eletrônico

desenvolvidas no blog Poética Tecnológica foram analisadas, tendo como

perspectivas de investigação, detectar como se processa a leitura em rede e a

compreensão leitora em diferentes tipos de mídia, considerando textos inicialmente

produzidos para serem publicados em livros e posteriormente digitados e postados

na Biblioteca Virtual do NUPILL - UFSC e textos escritos para o ciberespaço, como

fotografia, vídeo, música, contrapondo linguagens e suportes:

A busca que aqui se realiza, de reflexão sobre as fugidias configurações das linguagens líquidas na era da mobilidade, encontra uma síntese vertiginosa na obra imaginativa, nascida não apenas da capacidade abdutiva, adivinhatória do artista, mas daquilo que seu mergulho nas potencialidades abertas pelos oceanos vivificados do virtual pode trazer à tona da sensibilidade (SANTAELLA, 2007, p. 27).

A circulação e as discussões culturais postadas em rede pelos alunos de

Letras abordam leituras do Quinhentismo, Carta de Pero Vaz de Caminha ao El Rei

D. Manuel, perpassando pelos textos Barrocos de Gregório de Matos e Padre

Antônio Vieira, construções românticas de Gonçalves Dias e de José de Alencar,

finalizando com a crítica social de Machado de Assis.

A proposta do blog é de desenvolver leituras cruzando textos e linguagens,

estabelecendo assim diálogos entre textos literários com textos visuais, jornalísticos,

históricos, filosóficos tecendo enredamentos múltiplos, geradores de homologias

resultantes do isolamento de uma estrutura abstrata subjacente aos vários textos

lidos considerando suas dinâmicas específicas, sem hierarquias, caracterizadores

do pensamento pós moderno proposto por Jameson (2007). O ponto de partida para

a demarcação das estratégias de leitura foi a promoção de uma nova relação

espaço/ tempo, pois no ciberespaço ocorre uma justaposição de temporalidades,

passado e futuro igualam-se, e como aponta Alckmar Santos (2005, p.17) “reduzem-

se ao absoluto de um presente que esteve no passado e estará no futuro,

simplesmente porque está por trás de tudo.”

A desmaterialização das fronteiras espaciais e temporais e os imbricamentos

de linguagens propostos na postagem “Visões do amor no período barroco sob a

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perspectiva do cristianismo” (22/05/2013) propõe o cruzamento de leitura de textos

produzidos em épocas e suportes diferentes. Os textos selecionados foram “O

sermão do mandato” (1650), do Padre Antônio Vieira, disponível na Biblioteca Virtual

do NUPILL; os poemas “O que ingrato me deixa busco amante” e “Quando meu erro

em teu opróbrio vejo” de sóror Juana Inés de La Cruz (1651-1695) e o filme

Constelaciones, (1981) dirigido por Alfredo Joskowicz29, que atualiza pelo cinema a

criticidade da sóror Juana de La Cruz.

Portanto, a leitura no suporte virtual, espaço desenraizado, proporciona ao

leitor/navegador possibilidades emancipatórias, viabilizando a esse sujeito outra

relação identitária, diversa da relação de leitura no suporte livro, que por meio da

materialidade da impressão promove um distanciamento entre autor e leitor. Na

cibercultura os leitores com identidades móveis circulam em espaços fluidos, assim

sendo o leitor assume o papel de criador/leitor, identificado no exercício “Visão do

amor sob a ótica cristã, no período Barroco” que resultou em 18 postagens dirigidas

para a percepção de des- e reterritorialização de um espaço tempo construído, em

meio eletrônico, viabilizando comparações textuais que em outros suportes seriam

difíceis de serem efetuados, a exemplo:

Ao comparar o “Sermão do Mandato” de Padre Vieira com o curta metragem “A voz de Juana Inés de la Cruz” em que a Madre Juana relata suas experiências cotidianas pode-se analisar que: O Padre Antônio Vieira tem uma visão de amor limitada apenas à divindade, relaciona o amor diretamente a Cristo, apenas Deus possui amor verdadeiro os homens comuns não o têm, não sabem nem ao menos o que isso representa, ele compara com muita frequência o amor de Deus com a dos homens e afirma que o amor divino é soberano é fino, enquanto o amor que julgamos sentir não passa de emoções vazias. Enquanto a Madre Juana entrava em conflito com suas próprias crenças, a começar por ser uma das poucas mulheres que escrevia naquela época e apesar de ser mulher, enfatizava que era preciso pensar, analisar o que lhe era dado como “regra” deixava claro que tudo o que acreditava precisava ser refutado, precisava passar pelo crivo da razão, e que, apesar de ser Madre, reconhecia que os homens viviam o amor, que não era só amor divino existente, que ela, mesmo estando em uma condição no qual lhe era permitido apenas sentir o amor de Deus, envergonhada confessa que sentiu o amor carnal e diz com convicção que este amor é real que está além das nossas crenças e vontades, que é muito maior do que podemos entender e que este amor nos faz bem, tanto a alma quanto ao corpo. Ao comparar estes dois pontos de vista, me arrisco dizer que talvez Vieira só tenha conhecido o amor que a Bíblia ensinava que ele não tenha vivido um amor carnal, portanto, não poderia descrevê-lo como verdadeiro. Já Juana pode viver esse amor, e por isso discordava de Vieira

29

Constelaciones, Alfredo Joskowicz – México, 1981.

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como colocou em sua carta ensaística, na qual reflete sobre os conceitos de amor propostos por Vieira.

30

A postagem sinaliza que a percepção do amor pode ser associada ao lugar

e à sensibilidade de quem escreve a partir de uma leitura hipertextual. Na web, em

decorrência do avanço da tecnologia ocorre a dissociação entre tempo real e

espaço, assim a compressão espaço-temporal proporciona uma “experiência

cambiante do espaço e do tempo exatamente por envolverem a construção de

representações e artefatos espaciais a partir do fluxo da experiência humana”

(HARVEY, 2000, p. 293).

Porém, os níveis de mobilidade de navegação na web são oscilantes, para

Santaella (2008), há três perfis de internautas: o navegador ou internauta errante, o

internauta detetive e o internauta previdente. O exemplo anterior identifica

internautas previdentes que se auto percebem como pesquisadores, se

movimentando com intimidade no ciberespaço, ampliando conexões informativas,

geradoras de novos conhecimentos.

Enquanto que o exemplo a seguir tipifica internautas detetives ou

previdentes, por adotarem a lógica de previsibilidade na construção do comentário.

Pois mesmo tendo a possibilidade de circular em ambientes informacionais, não

sentem a necessidade de operar conexões passíveis de ampliar percursos, por não

compreenderem que o hipertexto se constitui na instabilidade como um mosaico de

unidades ou fragmentos. Assim sendo, a leitura não resulta de um processo de

busca, mas, de uma reflexão comparativa a partir das proposições, visíveis na

postagem abaixo:

O Sermão do Mandato de Padre Vieira trata do amor divino, demonstra o amor de Cristo como um amor supremo e fino, um sentimento que não exige algo em troca. A maior demonstração divina foi enviar seu filho (Cristo) para viver humildemente como homem, despojando-se da glória que o cercava no céu. Este ato é considerado por Vieira o reflexo do amor incondicional e puro de Cristo. Diferente do amor humano, que é idealizado e sempre espera retorno de outrem. Cristo ama sabendo, o homem ama limitadamente. Os poemas O que ingrato me deixa busco amante” e “Quando meu erro em teu opróbrio vejo” de Soror Juana Inés De La Cruz fixam outra perspectiva do amor. Ela descreve sobre o amor humano carnal e conflituoso, que pela sua condição de madre e mulher, impedia-a de desfrutar deste desejo que possuía. Essa situação atormentadora faz com

30

Comentário postado por acadêmicos do 1º ano do curso de Letras – UNIVILLE, no blog Poética Tecnológica,

22/05/2013.

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que ela tenha que entregar este amor, pois em sua situação, tal sentimento era considerado pecaminoso. Sua redenção (a confissão) era a alternativa que ela encontrou de negar essa angústia, esse sentimento calado..

31

As situações analisadas indicam variados perfis de leitores que oscilam

entre o cognitivo e o imersivo (Santaella, 2008), ou seja, uns operam uma síntese e

outros navegam em busca de informações na web. Comprovando que no espaço

tempo contemporâneo somos alimentados por imagens visuais e sonoras que

dissipam modelos e provocam fraturas geradoras de percepção de novos ângulos

de mundo, reafirmando a asserção de Santaella (2007, p. 90-92), segundo a qual, a

comunicação em rede constitui sujeitos culturais diferenciados do “indivíduo racional

e autônomo” que tipificam a cultura impressa. O rompimento com a materialidade da

letra sobre o papel e da autoria com a emergência da cibercultura é gerador de

sujeitos mediados pela linguagem que instauram “uma cultura de simulação”, pois a

mídia transforma as realidades e referencialidades, tornando o real próximo de jogos

performáticos.

REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. Trad. José Lino Grünnewald. In: Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e jurgen Habermas. Textos Escolhidos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980 CONSTELACIONES. Direção Alfredo Joskowicz. México, 1981. Duração 85 min. (aprox.). Color. CRUZ, Juana Inés de La. Carta Atenagórica. Disponível em: <http://www.ensayistas.org/antologia/XVII/sorjuana/>. Acesso em: 20 mai. 2013.

DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. Tradução de Daniel Pellizzari. São Paulo: Companhia da Letras, 2010.

FOUCAULT, Michel. O que é um autor. 3 ed. Lisboa: Passagens, 1992.

31

Comentário postado por acadêmicos do 1º ano do curso de Letras – UNIVILLE, no blog Poética Tecnológica,

22/05/2013.

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HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da murança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 5ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 1992 JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. Trad. Maria Elisa Cevasco. 2 ed. São Paulo: Editora Ática, 2007. LÉVY, Pierre. O que é virtual? Trad. Paulo Neves,São Paulo: Ed 34, 1997. MANOVICH, Lev. How to follow global digital cultures, or cultural analytics for beginners. Disponível em: http://www.manovich.net/articles.php Acesso em: 24/05/2013

SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007. _________________. O novo estatuto do texto nos ambientes de hipermídia. In: SIGNORINI, Inês et al (Org.). [Re]discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. (p. 47-72). SANTOS, Alckmar Luiz dos. Saber o/no/do ciberespaço. In: Memória, literatura e tecnologia. Org. Benedito Antunes. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2005. VIEIRA, Antônio. Sermões. 5 ed. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1968. VIRILIO, Paul. O espaço crítico. Trad. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Editora 34, 2005.

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CONTANDO HISTÓRIAS ANIMANDO O “INVISÍVEL”: VIDAS EFÊMERAS

Fábio Henrique Nunes Medeiros

USP - Universidade de São Paulo e Bolsista da FAPESP – Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo

([email protected])

RESUMO O ato de contar histórias, bem como todas as linguagens artísticas efêmeras, tais como as artes cênicas, são expressões que se dissipam no ar e têm como característica fundamental a recepção. Suas formas de “tocar” o outro exigem a presença in loco, tanto do que faz como do que vê, diferentemente de outras formas de linguagem artística que têm suportes rígidos e cuja forma de recepção se dá noutro nível temporal, como a escultura, a pintura, a literatura, entre outras, que perduram no tempo devido a sua materialidade. Numa sessão de contação de histórias, recorrentemente se utiliza a animação de bonecos e objetos como estratégias do narrador, muitas vezes para dar vida e/ou alma para as personagens da história, mas também se anima o “invisível”, no sentido de animação de “formas” que se fazem naquele tempo e se dissipam naquele mesmo tempo, como o gesto, por exemplo, e não objetos concretos, como bonecos. A mímica é um exemplo objetivo de construção de objetos por gestos, objetos estes possíveis ou não de serem animados. A expressão animar o invisível não corresponde literalmente à animação destes seres que não tem matéria sólida, pois eles se constroem pelo audível (voz) e também pelo visível (gesto). Todavia, suas formas concretas não existem materialmente. Existe um conflito que perpassa inúmeras discussões no âmbito da teoria e da prática do teatro de animação, sobre a vida do Ser animado (bonecos ou objetos): ela está na matéria ou no movimento? Esta é uma discussão significativamente relevante, uma vez que, se considerarmos a matéria como parte da vida do ser animado, no final de uma sessão de contação de histórias que se utiliza de bonecos, por exemplo, a vida não é tão efémera, ela é prolongada pela matéria (boneco). Quanto a considerarmos que o movimento é o único referencial de vida do ser animado, seja com materialidade (bonecos, objetos) ou não, as vidas dos personagens sempre irão escoar junto com a performance do artista. Este trabalho, de caráter ensaístico, tem como perspectiva observar estes seres animados que vêm à vida por uma fagulha de tempo e se dissipam no ar junto com as histórias-performance de narrador.

Palavras-chave: Contação de histórias, animação do “invisível”, vidas efêmeras

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POLÍTICA E RELIGIOSIDADE EM JOINVILLE: OS LUTERANOS E OS DOIS REINOS DE LUTERO

Filipe Ferrari

Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE [email protected]

RESUMO

Tendo em vista a colonização europeia, com predominância de alemães, suíços e noruegueses, a presença protestante/luterana em Joinville é marcante. Como resultado desse fenômeno, os imigrantes e seus descendentes, ocuparam (e ainda ocupam) espaços de influência no cotidiano da cidade. Porém, observam-se hiatos na historiografia joinvilense. Percebe-se a necessidade de analisar a influência dos luteranos de Joinville, no campo econômico, educacional, comportamental e político, com sua identidade plural. Esta pesquisa encontra-se referenciada principalmente no reformador alemão Martinho Lutero, que desenvolveu a chamada “Doutrina dos Dois Reinos”, que propõe a divisão da sociedade em duas esferas: o Reino de Deus, composto por aqueles que ele denomina de “verdadeiros crentes”, e o outro é o reino do mundo, composto pelas demais pessoas e o governo, onde todos (cristãos ou não) relacionam-se politicamente. Além de Lutero, o referencial conta com o teólogo alemão Paul Tillich, e suas discussões acerca da correlação entre teologia e cultura. Para a análise das fontes, a base será a teoria da análise do discurso de Michel Foucault. Dentre estas fontes, destaca-se a análise das correspondências oficiais da IECLB referentes ao campo político. Ainda, será realizada uma análise de editoriais e correspondências do jornal Joinville Luterano, distribuído entre os luteranos de Joinville, que conta com um arquivo de mais de 50 anos. A partir dessas fontes, será realizada a análise do discurso de ambas, frente à teologia luterana, entendendo o constituinte de grupo, e de como a religiosidade, fator influenciador da identidade, constitui-se enquanto um patrimônio cultural do grupo.

Palavras-chave: Luteranismo, Patrimônio Cultural, Política