vida livre ou crep sculo: a liberdade existencial e seus

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CAMPUS DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLOGICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SAMARA APOLINÁRIO SANTOS VIDA LIVRE OU CREPÚSCULO: a liberdade existencial e seus desígnios CAMPINA GRANDE – PB 2011

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Page 1: VIDA LIVRE OU CREP SCULO: a liberdade existencial e seus

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

CAMPUS DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLOGICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

SAMARA APOLINÁRIO SANTOS

VIDA LIVRE OU CREPÚSCULO: a liberdade existencial

e seus desígnios

CAMPINA GRANDE – PB

2011

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SAMARA APOLINÁRIO SANTOS

VIDA LIVRE OU CREPÚSCULO: a liberdade existencial e

seus desígnios

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, em cumprimento à exigência para conclusão do curso de Licenciatura e Formação em Psicologia.

Orientador: Gutenberg Germano Barbosa.

Campina Grande – PB 2011

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S232v Santos, Samara Apolinário.

Vida livre ou crepúsculo [manuscrito]: a liberdade existencial e seus desígnios / Samara Apolinário Santos. – 2011.

28 f. Digitado. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em

Psicologia) – Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, 2011.

“Orientação: Prof. Esp. Gutenberg Germano Barbosa, Departamento de Psicologia”.

1. Logoterapia. 2. Psicoterapia. 3. Existencialismo.

I. Título.

21. ed. CDD 616.891 4

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“Quem nunca comeu seu pão com lagrimas,

Quem nunca passou as noites aflitas

Chorando, sentado na cama,

Não vos conhece, forças celestes!”

(Goethe)

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VIDA LIVRE OU CREPÚSCULO: a liberdade existencial e

seus desígnios

SANTOS, Samara Apolinário

RESUMO A liberdade funciona para o homem como reveladora de sua essência. O homem deixa seu caráter animalesco e vive sua liberdade existencial através da tomada de posição diante as condições que lhe são apresentadas, sejam biológicas, psicológicas ou sociológicas. Nesta perspectiva, o trabalho tem como objetivo tornar clara a relevância da liberdade como vivência consciente da realidade do homem através do ser – responsável comprometido com sua existência e que não se deixa levar por “verdades alheias”. Para tanto, foi desenvolvido um estudo referencial bibliográfico sobre a liberdade existencial, levando em consideração aspectos fenomenológicos e existenciais; utilizando-se da prática psicoterapêutica Logoterapia que tem a liberdade como pressuposto fundamental de sua teoria, para esclarecer pontos proeminentes referentes à liberdade e seus desígnios. Após esse estudo foi possível perceber que a liberdade se faz importante para o homem como a luz se faz necessária para que o crepúsculo deixe de ser assustador em toda sua obscuridade. Palavras - chave: Logoterapia. Psicoterapia. Existencialismo.

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ABSTRACT

Freedom words for men as indicative of their trend. The man leaves his animalistic nature and live their existential freedom by taking a position on the conditions that are presented are biological, psychological or sociological. In this perspective, the paper aims to clarify the importance of freedom as a conscious experience of reality through the being of man – responsible and committed to its existence that can not be carried away by “truth of others” phenomenological and existential aspects of action; utilizing’ from the logotherapy psychotherapy practice that has freedom as fundamental presuppositions of his theory, to clarify salient points concerning freedom and its designees. After this study it was possible to realize that freedom is important to be man and the light that is needed to stop being the twilight alarming in all its obscurity.

Keywords: Logotherapy. Psychotherapy. Existentialism.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7

2 FENOMENOLOGIA, EXISTENCIALISMO E PSICOTERAPIA EXISTENCIAL

HUMANISTA ............................................................................................................... 8

2.1 Fenomenologia e Existencialismo ........................................................................... 8

2.2 Psicoterapia existencial e humanista .................................................................... 11

3 A LIBERDADE NA PERSPECTIVA LOGOTERAPEUTICA ..................................... 13

3.1 Pressupostos Básicos da Logoterapia .................................................................. 13

3.2 Liberdade e Responsabilidade: o medo de ser livre ............................................. 16

3.3 A Liberdade correlacionada com a Neurose e o destino ....................................... 20

4 A EDUCAÇÃO COMO IMPULSIONADOR DA LIBERDADE ................................... 23

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 25

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 27

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1 INTRODUÇÃO

Diante da insensata ameaça a qual a liberdade vem sofrendo desde os

primórdios da sociedade, com atos de opressão e omissão do ser para com ele

mesmo pelo medo de exercer o ato de ser livre, impulsionando-o a fuga. Fez-se

necessário a realização de um trabalho desenvolvido a partir de uma revisão

bibliográfica, oferecendo a comunidade acadêmica uma compreensão aprofundada,

porém objetiva, sobre a liberdade e, consequentemente, responsabilidade humana,

que representa para o homem um fardo.

Para isso, considerou-se pertinente que o estudo fosse realizado segundo a

perspectiva logoterapeutica, cujos princípios estão embasados na fenomenologia e

no existencialismo. Objetivando enfatizar a importância da liberdade do ser.

Responsabilizando-o por suas escolhas, tendo em vista que o ser humano

autodetermina sua existência, sendo ele capaz de decidir por si mesmo.

A logoterapia propõe que o ser humano esteja motivado a buscar um sentido

para sua vida, cada indivíduo deve cumprir com seu sentido. O ser humano é livre

para encontrar o caminho e as condições para tal realização, sendo necessário que

este esteja consciente que suas escolhas remetem a um caráter de

responsabilidade por suas atitudes mediante a vida e o sentido que ele busca.

Inicialmente será apresentado um breve esclarecimento sobre

Fenomenologia, Existencialismo e Psicoterapia Existencial e Humanista;

direcionando para a questão da liberdade humana.

Em seguida, serão tratados alguns dos pressupostos principais da

Logoterapia, onde será exposta a importância da liberdade para a saúde psíquica do

homem, ressaltando o medo da responsabilidade que o acomete. Estando esse

medo diretamente associado à fuga de uma vida livre e autêntica, levando o homem

a se apoiar no destino para explicar sua inércia frente à vida.

Por fim, será tratada a influência da educação para a formação do homem

mediante a liberdade, a qual todos os seres humanos têm de forma intrínseca na

sua existência.

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2 FENOMENOLOGIA, EXISTENCIALISMO E PSICOTERAPIA

EXISTENCIAL HUMANISTA

2.1 Fenomenologia e Existencialismo

Segundo Angerami (1984, p. 23) “o universo é explicado pela ciência e tudo

passa a existir a partir dela”. A partir das explicações científicas o homem passa a

negar sua própria existência, permitindo ser reduzido a um objeto, sendo observado

e estudado. Os estudos relativos ao universo devem à ciência o fato de classificar

em nomes, espécies, inter-relações, etc.; por serem de uma plenitude intangível, os

fenômenos independem da ciência.

O mesmo autor (1984) afirma que, com o transpor do tempo o homem passou

a negar seus próprios sentimentos e sensações deixando de sensibilizar-se com os

fenômenos próprios de seu mundo devido exigências cotidianas, tendo sua

existência coisificada de maneira incessante. Para o homem contemporâneo fez-se

necessário que os fenômenos fossem coisificados, classificados e definidos

cientificamente para terem importância. Vive mercantilizando e coisificando a sua

própria existência.

Por isso, a fenomenologia, o existencialismo e o humanismo existencial

fazem-se necessários para que um estudo relativo ao ser humano, em sua total

essência, seja proveitoso.

Conforme Aranha e Martins (1993), a fenomenologia tem como precursor

Franz Brentano, final do século XIX, porém as principais linhas dessa filosofia foram

formuladas por Edmund Husserl, permitindo uma nova abordagem do real. Husserl

tem como postulado básico a noção de intencionalidade, que tenta a superação das

tendências racionalistas e empiristas. Sendo considerada como uma filosofia da

vivência, a fenomenologia aborda os objetos do conhecimento exatamente como

eles se apresentam a consciência, consciência essa dotada de sentido, não

existindo um puro ser “escondido” atrás das aparências. Tendo o estudo dos fenômenos em sua essência, a fenomenologia aborda

aquilo que se manifesta por si mesmo, não deixando influenciar-se por crenças ou

conceitos prévios para explicá-los (MARTINS; BICUDO apud BRUNS; HOLANDA,

2007).

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Aranha e Martins (1993) ainda colocam que, a fenomenologia vem

estabelecer uma nova relação entre sujeito e objeto, homem e mundo, corpo e alma,

descobrindo uma relação de reciprocidade. Além de criticar a filosofia tradicional,

cuja noção de ser é vazia e abstrata, tem ainda como preocupação a descrição da

realidade, onde esta tem que ser feita do ponto de vista daquele que vive a situação

concreta.

É importante que o homem esteja preparado para identificar seus sentimentos

e sensações diante do mundo, para que esta descrição seja fidedigna a sua

essência. Essência essa que está diretamente relacionada ao estudo existencialista.

O homem inicialmente existe no mundo para depois poder se definir, ou seja,

a sua essência é criada após sua existência, o homem é como ele quer que seja. O

existir do homem é um existir consciente e auto-reflexivo, fazendo com que o

homem se diferencie das coisas e dos animais, já que esses não são capazes de se

auto-examinarem. Desse modo, o homem descobrindo que não há modelo ou

essência para se espelhar, ele está livre para seguir seu caminho, estando seu

futuro em aberto, todavia a liberdade deve ser norteada de responsabilidade

(ARANHA; MARTINS, 1993).

O homem nasce sem que exista anteriormente uma essência que oriente seu

caminho. A cada vivência o ser humano define sua essência. Somos o que

escolhemos ser e sempre poderemos modificar o que somos. A liberdade de fazer

de si o que quiser.

Em termos históricos, o existencialismo teve sua origem no século XIX com o

dinamarquês Kierkegaard, registrando seus primeiros escritos em 1840. Via o

homem em continuo crescimento, sempre estando em formação, estando sempre

em superação de si mesmo (BÜHLER, 1973).

O existencialismo de Jean-Paul Sartre é de grande destaque, sofreu

influência de Husserl, Heidegger, Jaspers, Max Scheler e Kierkegaard.

Sartre teve sua produção intelectual marcada pela segunda guerra mundial,

desenvolveu o pensamento voltado para analise da situação concreta que viveu, foi

solidário aos acontecimentos de seu tempo; pelo engajamento a liberdade passa a

se comprometer com a ação deixando de ser imaginária, dando a mesma um

comportamento moral. O existencialismo determina o homem por seus atos, atos

estes livres, dotados de responsabilidade, não apenas para com sua individualidade,

mas para com toda humanidade (ARANHA; MARTINS, 1993).

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Por muitos, o existencialismo ateu de Sartre foi visto como uma filosofia

prejudicial aos valores sociais e da conservação da ordem. Por estar em defesa da

liberdade de escolhas, dando a vida um caráter de autenticidade.

Para Sartre a liberdade é ilimitada, apesar de que possam existir limitações

físicas, por exemplo, o homem mesmo assim poderá ser livre diante as

possibilidades de sua escolha. Pois a pessoa deve escolher a si mesmo em

resposta a facticidade que se apresenta. “Não posso ser aleijado sem me escolher

como aleijado. Isso significa que eu escolho o caminho no qual eu constituo minha

incapacidade física” (SARTRE, 2000, p. 328).

Existindo uma universalidade de condições humanas, Sartre (apud COX,

2010) afirma que o homem não tem em comum a “natureza”, e sim um conjunto de

limites e restrições: inevitavelmente vai morrer, tem que trabalhar para viver, tem que

habitar um mundo já habitado por outros homens; situação básica humana.

Para poder realizar a liberdade é preciso que o homem esteja consciente

destas limitações, para não as colocar como empecilho.

Cox (2010) completa que, todo indivíduo apesar de ser colocado em meio a

uma universalidade de condições humanas, tem seu projeto único. Cada pessoa é

única; mesmo que determinadas pessoas tenham origens semelhantes, vidas

semelhantes, aspectos semelhantes, não quer dizer que sejam idênticas.

O homem também tem como condição humana o livre-arbítrio, que o motiva

para a liberdade através de suas escolhas. Cada homem é capaz de transcender a

ordem casual do universo. Não podendo aferir-se como sendo um objeto

casualmente determinado pelo mundo físico, pois até em conferir isso a ele mesmo

torna-se uma escolha. Para Sartre (1973, p. 48) “O que não é possível é não

escolher. Sempre posso escolher, mas preciso saber que se não escolher, isso

ainda é uma escolha”, não existe a liberdade de não escolher. O homem não

escolhe não ser livre, ele é livre necessariamente.

Assim o debate tradicional, que coloca o livre-arbítrio como algo ilusório e que

tudo o que acontece ou o que as pessoas fazem é casualmente necessário, torna-se

mal orientado. Pois o determinismo das coisas não livre e o livre-arbítrio estão

internamente relacionados, um dependendo do outro para encontrar significado.

Para o homem exercer a liberdade deve transcender a facticidade, resistências

constantes a suas ações, dificuldades, mesmo assim continua sendo possibilidade

para suas ações, por serem ações para superar a facticidade (COX, 2010).

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Nesse sentido, vale salientar que o existencialismo sartriano coloca o homem

como sendo responsável por suas escolhas; escolhas essas que vão definir sua

essência, o que muitas vezes causa no homem certa angústia. O homem deve estar

consciente de seu ser responsável no mundo.

Além do mais, o humanismo existencial vem combinar aspectos do

existencialismo e do humanismo para poder reconhecer o caos, o desespero do

homem que no mundo só ele é responsável pelo seu devir, como trata o

existencialismo. Incluindo, também, a visão humanista de que o homem é capaz de

transformar-se e alcançar a plena realização (GREENING, 1975).

2.2 Psicoterapia existencial e humanista

Com as influências da fenomenologia e do existencialismo surgiram diversas

abordagens terapêuticas, tendo como objetivo proporcionar o autoconhecimento e a

autonomia psicológica ao paciente. Podendo assim, o homem assumir-se livremente

no mundo de forma autêntica.

A diferença entre a psicoterapia existencial e a humanista está na maneira

como estas trabalham o processo de mudança no indivíduo em sua finalidade

(VILLEGAS, 1989).

A psicoterapia existencial busca uma construção do indivíduo de maneira

autêntica e significativa. Porém cada autor segue um caminho para alcançar sua

finalidade terapêutica de maneira singular. Já a psicoterapia humanista busca como

finalidade a auto-descoberta, fazendo com que o homem busque compreender-se.

Um dos principais objetivos do terapeuta humanista é ajudar o paciente a descobrir-se, descobrir o que quer da vida, descobrir os seus melhores potenciais. O terapeuta não lhe dirá o que fazer ou onde ir. O terapeuta acredita na liberdade de escolha do paciente, uma vez liberto de suas fixações neuróticas; e também acredita na existência de um potencial criador em cada ser humano (BÜHLER, 1975, p. 45).

Bühler (1975) acrescenta ainda que, os humanistas apresentam um caráter

mais otimista sobre a natureza humana, acreditando no poder criador e na

capacidade de escolher como privilégio do homem, enquanto que alguns

existencialistas como Sartre e Kierkegaard têm temor por o homem ser forçado a

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escolher, quando este não está preparado para a escolha, tendo em vista que não

tem conhecimento sobre a realidade de sua existência.

Estando para MATSON (1975), como denominador comum entre os

psicoterapeutas, humanistas e existencialistas, o respeito pela pessoa,

reconhecendo-a como ela mesma, não como um feixe de instintos, ou como um

caso, ou objeto. Significando assim, o respeito pelo poder de criatividade e

responsabilidade do ser humano.

A dimensão terapêutica se dá em direção à reestruturação da liberdade, por

vezes comprometida. Yalom (2006) ressalta ainda que, a liberdade é

psicologicamente complexa por estar relacionada com a autocriação, com a

vontade, com a escolha; sendo importante que a terapia esteja voltada para o

incentivo a responsabilidade do paciente. Fazer com que ele perceba o quanto

colabora para seu próprio sofrimento uma vez que, pode decidir por si mesmo.

Para a psicoterapia existencial é importante que o ser humano consiga

conhecer a si próprio e a partir daí aceitar a liberdade, sendo capaz de usar seu

existir no mundo através de todas as possibilidades, conforme Erthal (1999). Agindo

de maneira legítima e responsável.

As psicoterapias, humanista e existencial, ressaltam no homem a

possibilidade que este tem para realizar-se para além do seu estado atual.

Rejeitando sistemas mecanicistas e deterministas como a psicanálise.

Entre as diversas psicoterapias que seguem a linha existencial está a

Logoterapia que auxilia o homem a buscar sentido, significado para sua vida, para

que ele possa atingir realização.

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3 A LIBERDADE NA PERSPECTIVA LOGOTERAPEUTICA

3.1 Pressupostos Básicos da Logoterapia

Conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia. A logoterapia

segue uma linha existencial, buscando superar o psicologismo reducionista de

outras linhas, como a psicanálise de Freud e a teoria individual de Adler. Sendo

Viktor Emil Frankl seu real fundador, a logoterapia busca alcançar o espírito

humano. Tanto os homens que sofrem, como os que não sofrem, devem encontrar o

significado de sua existência, tendo ajuda de alguém que os possam auxiliar na

busca por um “sim” para suas vidas (RODRIGUES, 2003).

Sofrendo os horrores da segunda guerra mundial como judeu prisioneiro em

um campo de concentração, Viktor E. Frankl desenvolveu sua teoria sobre o

homem, onde ele deve ir à busca de um sentido para sua vida, sentido esse que

deve ser encontrado e nunca dado por alguém. O homem estando para além de

seus impulsos ou instintos. Frankl (1990, p. 11) “O homem é um ser que,

propriamente e em última instância, se encontra à procura de sentido. Constituído e

ordenado para algo que não é simplesmente ele próprio, direciona-se para um

sentido a ser realizado”.

O sentido pode ser encontrado em três categorias de valores: os criadores, os

vivenciais e os de atitude. O homem pode encontrar sentido no trabalho, criando ou

praticando um ato; encontrar sentido no amor, relações com outros indivíduos e com

o mundo; e encontrar sentido no sofrimento, quando toma atitudes em situações

difíceis e inevitáveis. Para realizá-los é preciso conhecê-los, deve-se então, antes de

tudo, descobri-los.

De acordo com Frankl (2008), quando a vontade de sentindo não é satisfeita

origina-se a frustração existencial, que pode resultar em neuroses, que é

denominada como neurose noogênica pela logoterapia. A frustração existencial em

si não é patológica nem patogênica, pois certa dose de conflitos chega a ser

saudável.

Faz-se necessário ao homem, muitas vezes, que ele saia de seu estado de

homeostase (equilíbrio) para que possa ir à busca do novo. A tensão significa que o

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indivíduo está a buscar seu sentido. Tensão entre aquilo que já alcançou e aquilo

que deveria alcançar. Em busca de um projeto escolhido livremente.

Existem situações, onde o homem sofre de forma profunda as agruras do desabamento de seus ideais e projetos de vida. Nessas ocasiões a vida parece carecer de todo e qualquer sentido e somente a decisão de novos projetos de vida é que irá dar novo alento e propulsão à existência. A vida em si é um nada, cabendo ao Homem dar-lhe sentido e significação, pois do contrário a existência se reduzirá a uma fração de segundo, sem a menor razão de ser (ANGERAMI, 1984, p. 20).

Podendo o sentido ser modificado sempre, porém não deixando de existir

jamais. É por meio do mundo que o sentido vai ser descoberto, pois o homem não é

um sistema fechado. A partir disso, dar-se a autotranscendência, o homem dirigindo-

se para algo ou alguém além de si mesmo (FRANKL, 2008).

Para a logoterapia, a autotranscendência seria para o homem um indício de

“evolução”, passando a ser mais humano e realizado a partir do momento que se

dedica a algo ou alguém.

Lukas (1990) traz que, todas as virtudes são “descendentes” da

autotranscendência, onde essas virtudes deixam de serem virtudes quando estão

trabalhando a favor do próprio eu. Estando para Frankl (1989), também, que a

negação da autotranscendência tende a tirar do homem seu caráter de existência,

despersonalizando-o, fazendo com que ele passe a ser visto como objeto. Tendo em

vista que, a autotranscendência é porta de entrada para os significados, se o homem

não é dotado de significados e valores, este fica sujeito a condicionamentos e

manipulações de outrem.

A logoterapia traz, ainda, à tona através de seu fundador, Viktor E. Frankl,

que o homem, além das dimensões somática (condições corporais) e psíquica

(impulsos, instintos, desejos, etc.), apresenta-se em mais uma dimensão, a

dimensão espiritual ou noética, que seria especificamente humana, diferenciando o

homem dos animais, pois é nesta que encontram-se as decisões pessoais, a

vontade, os interesses, a ética; a liberdade humana diante seus instintos, impulsos,

desejos, limitações físicas, entre outras.

Não negamos, de modo algum, a vida instintiva, o mundo dos instintos no homem, assim como não negamos o mundo exterior, não negamos o mundo interior [...]. O que, todavia, acentuamos é o fato do homem como ser espiritual, não só se encontra colocado em face do mundo – interior e exterior – mas também toma posição em relação a ele; pode de qualquer

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modo sempre “tomar posição”, “comportar-se” perante o mundo, e este se comportar é propriamente livre. O homem [...] toma posição tanto perante o ambiente natural e social, perante o meio externo, como perante o mundo interior vital psicofísico, o meio interior (FRANKL, 1978, p. 157).

Para Frankl (2008) a vida espera que o homem a responda de maneira

responsável, colocando para o homem tarefas que devem ser cumpridas por cada

um de acordo com a exigência do momento e, consequentemente, cada sentido da

exigência vai alterar de acordo com cada um, pois a resposta ao sentido nunca pode

ser dada de maneira geral, cada indivíduo e cada destino é único. Nenhum destino é

igual ao outro, as situações não se repetem. O homem é sempre chamado a

assumir outra atitude diante sua vida em seu caráter de irrepetibilidade.

A logoterapia não encara o sofrimento como algo que possa tirar o sentido

para o homem, pelo contrário, o sofrimento deve ser entendido como mais uma

possibilidade de crescimento rumo ao sentido. Como o próprio Viktor E. Frankl

retrata referente sua experiência no campo de concentração como prisioneiro

durante segunda guerra mundial:

Quando um homem descobre que seu destino lhe reservou um sofrimento, tem que ver nesse sofrimento também uma tarefa sua única e original. Mesmo diante do sofrimento, a pessoa precisa conquistar a consciência de que ela é única e exclusiva em todo o cosmo dentro deste destino sofrido. Ninguém pode assumir dela o destino, e a maneira como ela própria suporta esse sofrimento está também a possibilidade de uma realização única e singular (FRANKL, 2008, p. 103).

O homem é ser – livre e ser – responsável, só ele pode definir como cada

experiência, cada sofrimento, cada culpa, cada ansiedade, pode ser assimilada para

sua vida. O homem é livre para decidir, cabendo a ele que essa decisão seja feita de

forma consciente para com a responsabilidade que este tem diante sua existência e

mundo no qual está inserido. Com retrata Boff (2009, p. 78) “o que efetivamente

conta não são as coisas que nos acontecem. Mas, sobretudo, a nossa reação frente

a elas.”

Além de decidir mediante seu estado de sofrimento, o homem pode mais que

isso, pode decidir perante seus valores, seu sentido, deixando ser guiado por sua

consciência, consciência essa que é segundo Frankl (1989) o órgão do sentido. E é

através desta que o homem pode decidir livremente, porém não arbitrariamente,

com responsabilidade. Estando a liberdade voltada para dois caminhos: ouvir a

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consciência ou reprimir-se e ficar entre o conformismo ou totalitarismo, através de

“valores” generalizados pela sociedade, sejam propostos ou impostos forçosamente.

3.2 Liberdade e Responsabilidade: o medo de ser liv re

Para Fizzotti (1996) a consciência direciona o ser humano todos os instantes

de sua vida apresentado-lhe o que deve ser feito. Cada situação tem um significado

e a consciência busca desvendá-lo, estando o homem sempre livre para aceitar ou

não o que a consciência diz. Completa, ainda, Frankl (2007, p. 86) “não se trata de

conflitos de consciência, os quais na realidade nem existem; pois o que diz a

consciência é bem claro”.

O homem que deixa de atender o que sua consciência o conduz a fazer,

ainda está agindo com liberdade, pois a liberdade na dimensão noética também é

liberdade ante a consciência. Como afirma Sartre (1973) mesmo o homem decidindo

por não escolher está a escolher não escolher. Exercendo assim seu livre-arbítrio.

Conforme Fabry (1970, p. 80) “Nossa vida não é regulada a cada momento

em que cruzamos com a luz vermelha, que ordena parar, ou com luz verde, que

manda seguir. Vivemos numa época de luz amarela lampejante, que deixa ao

indivíduo o peso da decisão”. Sendo importante ressaltar que uma decisão nunca

deve ser feita de maneira a esquecer-se da responsabilidade que esta exige, por

isso ela é encarada como enfadonha. Muitos homens não conseguem lidar com seu

peso.

Porém vale ressaltar que o homem que se decide por não agir diante sua vida

através da sua consciência, passa a perder o que o coloca em escala de evolução

superior aos animais, sua capacidade de racionalizar sobre sua existência, embora

esteja a exercer sua liberdade, ele não a está utilizando em sua totalidade, em

conjuntura com a responsabilidade. Pois o homem que deixa de agir de maneira

autêntica, preferindo ser levado pelas massas, ou deixando-se oprimir, o faz por

medo de arcar com as responsabilidades que esta atitude possa gerar.

De acordo com Frankl (1989), o homem é o ser que se liberta daquilo que o

vai determinando biologicamente, psicologicamente e sociologicamente. É preciso

que o homem haja transcendendo todas as determinações para ser-lo realmente;

embora dependa delas também, o homem é possibilidade, um poder-ser.

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Configurando-se uma tragicomédia do homem quando ele faz “como se” não tivesse

nenhuma escolha e nenhuma liberdade para decidir.

A liberdade não se perde, pois a liberdade não é algo que “se tem” como

qualquer coisa que se pode perder, a liberdade é o homem em si. Podendo o

homem, apenas, ter uma atitude de desistência. Sendo o homem o ser que decide,

ele pode decidir a favor ou contra a influência do ambiente sobre ele (FRANKL,

1989).

Evidentemente, a liberdade do homem não é uma liberdade dos condicionamentos, sejam eles biológicos, psicológicos ou sociológicos; ela não é, alias, liberdade de alguma coisa, mas liberdade para alguma coisa, a saber, a liberdade para se posicionar perante todos os condicionamentos. E, assim, um homem só se mostra como verdadeiro homem quando se ergue à dimensão da liberdade (LUKAS, 1992, p. 42, grifo do autor).

O homem durante toda sua existência passa por situações que o limita, seja

fisicamente ou socialmente. Cabendo a ele, unicamente, a decisão de deixar-se

intimidar, ou não, pela situação. Quando se sente acobardado diante as limitações

físico-psicológicas, ou frente às opressões sociais e as ideologias da massa, o

homem tende a agir de maneira omissa a sua existência. Por medo de enfrentar o

que estar por vim.

De acordo com Lukas (1992) grande parte dos conflitos psíquicos se

estabelece quando o homem não consegue tomar suas decisões de acordo com

suas dimensões psíquica e noética. Este se ver dividido entre o que ele não quer e

faz, ou entre o que ele não faz e quer, dessa maneira não fica em paz consigo

mesmo, castiga-se. Porém outras vezes, esse homem se ver em situações de

escolha, onde ele sabe qual a decisão seria a mais sensata, todavia ele prefere não

decidir pelo o que sua consciência diz, pois a situação a qual ele se encontra é mais

confortável, pois já é conhecida e experimentada.

Para muitos homens a comodidade da situação atual é mais segura do que se

arriscar ao obscuro, ao desconhecido. Estando, assim, o homem com medo de

exercer sua liberdade de maneira autêntica.

Cada situação irá limitar a possibilidade do agir do homem. Pois a realidade

do homem encontra em todos os caminhos obstáculos, porém as resistências só

terão sentido na escolha do homem (SARTRE, 2000).

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O homem é livre para escolher, por vezes, escolhe não escolher de maneira

autêntica, permitindo que outros o influencie, deixando ser levado pelas ideologias

da massa. Onde ele cai em meio a uma ilusão própria, acreditando que não terá que

responder por sua escolha, tendo em vista que ele se apóia na massa para justificar

o porquê de ter seguido aquele caminho.

O homem de hoje se perde, faz o que os outros querem que ele faça. Ele

deve agir e agir de maneira responsável e autentica. A massa não se preocupa com

o valor do homem, interessada unicamente em sua utilidade (FIZZOTTI, 1996).

De acordo com Boff (2009), o homem deve ser capaz de transpor as normas,

assumir novas posturas, novos valores. Não é valido para o homem estar preso

apenas a “valores” da tradição, faz-se necessário que o homem seja, também, ético.

Sendo aberto para valores que possam ultrapassar os valores da tradição ou de

culturas deterministas.

Desde o surgimento da sociedade o homem é inserido em atos opressores e

de dominação. Por vezes sendo o opressor, por vezes sendo o oprimido. Não dá

para dizer que, em qualquer das facetas, esse ato de dominação sobre o outro não

tenha seu caráter de “doentio”. Ideais de uma parcela da sociedade que são

cristalizados na cultura como únicos e que devem ser aceitos e seguidos.

É na massa que o homem perde sua individualidade e fica impossibilitado de

realizar seu sentido, porque ele não o tem. Sendo impossibilitado de exercer sua

liberdade o homem passa a não responder por suas atitudes, pois ele também não

as têm. Fincando a mercê do que a massa coloca como verdade a ser seguida.

Assim sendo, o homem pode fugir do fardo que a responsabilidade é para ele,

todavia sobra-lhe a despersonalização.

Sobre a sugestão de um ambiente que a muito deixou de dar valor à vida humana ou à dignidade das pessoas [...] A pessoa que estiver no campo de concentração e não resistir a essa sugestão com um impulso último do sentimento de valor próprio acaba perdendo a sensação de ser ainda um sujeito, ou sequer um ente espiritual dotado de liberdade interior e valor pessoal. Ela experimenta a si mesma somente como partícula de uma massa enorme, e sua existência se reduz ao nível de existência num rebanho. Sem poder pensar nem querer, as pessoas ali ora são tocadas para cá, ora para lá [...] como rebanho de ovelhas (FRANKL, 2008, p. 69-70).

O homem busca a fuga de sua responsabilidade por se sentir muito cobrado

com as exigências impostas pela vida. O medo de fazer uma escolha e essa ser

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errada faz com que o homem opte por seguir o que a maioria faz, omitindo sua

autenticidade, para assim eximisse da culpa. Para Precht (2009, p. 270) “Não há

desculpas para pessoas que se inebriam com o nada, pois elas estão apenas

fugindo de si mesmas e de sua responsabilidade”.

Lukas (1990) ressalta que algumas decisões são tomadas na tentativa de

evitar algo que para o homem é desagradável, na pretensão de fugir de algo ele não

a faz por engajamento, e isso se torna perigoso para o mesmo, de modo que o fato

de não decidir de maneira autêntica fará com que decida erroneamente.

De fato, uma decisão nunca pode ser tomada por outra pessoa, tendo em

vista que esse é um assunto de cunho pessoal, não pode ser assumido por outrem.

Há a possibilidade de influenciar na decisão a ser tomada, apresentando-lhe

argumentos que a entusiasme a seguir determinado caminho. Porém ninguém

decide, sem que antes exista vontade para tal decisão (LUKAS, 1992).

Vale salientar que o homem deve ter coragem para lidar com sua liberdade de

maneira autêntica para poder, assim, saí deste estado de má-fé, sendo aquilo que

não é. Deve escolher a si mesmo na situação que se apresentar, apesar de qualquer

coisa que lhe seja imposto.

A coragem é um sim dito ao abalo da existência, aceito como uma necessidade para que se possa efetuar a realização do ser que nos é próprio. Ela implica a capacidade de ordenar uma situação particular em um conjunto maior, isto é, uma atitude orientada para o possível ainda não realizado (GOLDSTEIN, 1951, p. 260 apud BUZZI, 2005, p. 71).

A liberdade é ameaçada pela falta de coragem, devido à incapacidade do

homem de colocar em prática sua condição de condutor de sua própria vida, capaz

de abrir seus caminhos, conhecendo-se e tornando-se mais seguro de si (MATSON,

1975).

Cox (2010) acrescenta, o homem que aspira ser autêntico tem que assumir

seu passado com responsabilidade e sem arrependimentos. A partir do momento

que o homem deseja que seu passado não tivesse acontecido, ele deseja não ter

sido livre e ser o que não é. Não conseguindo assumir sua liberdade em totalidade.

Sem responsabilidade a liberdade torna-se “libertinagem”, corrompida no seu

real sentido de ser. Falta-lhe o compromisso para com o sentido da situação, a qual

o homem irresponsável está vivenciando, levando-o para uma vida vazia.

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3.3 A Liberdade correlacionada com a Neurose e o de stino

A liberdade sempre está presente no homem, cabendo a ele decidir como

utilizá-la; há os que por omissão chegam ao ponto de decidir por “se apagar”,

vivendo no obscuro de sua existência. Para o homem que encobre sua liberdade,

despersonalizado, resta-lhe a neurose. Sendo acometido pelo fatalismo típico, o

neurótico encara sua vivência no mundo como algo que “tinha que ser assim”, como

se ele não tivesse controle sobre sua vida e o que nela acontece, sendo unicamente

casualidade do destino tudo o que lhe sobrevém. Falta ao neurótico o manejo de

sua existência.

Velejar não é simplesmente deixar o bote correr ao sabor do vento que o “impulsa”; a arte de velejar começa, antes pelo contrário, precisamente quando se está em condições de imprimir à força do vento a direção desejada, podendo-se inclusive dirigir a embarcação contra o vento (FRANKL, 1989, p. 131).

O homem que é reprimido frente sua liberdade de decisão, seja por proposta

ou por força, com o tempo perde sua capacidade de direcionar suas decisões de

acordo com sua vontade, porque ao passo que ele vai se despersonalizando, vai

perdendo a crença em si mesmo, tornando-se inseguro.

O neurótico busca se apoiar em explicações para justificar sua fraqueza de

vontade apelando para as influências que ele sofreu na sociedade como um todo,

em vez de utilizar-se de suas fraquezas para uma auto-educação. Para o doente há

sempre uma margem de liberdade de movimentos frente seu destino, podendo ter

uma conduta humana de livre escolha diante o que o acomete. Faz-se necessário

um tratamento psicoterapêutico para que o ser humano que passa por limitações de

sua liberdade possa perceber o quanto de sentido lhe falta, instigando-o a realizar

valores (FRANKL, 1989).

O homem desde seu nascimento está destinado a diversas imposições

fisiológicas, sociológicas e até mesmo psicológicas, essas imposições estarão

diretamente correlacionadas com inúmeras limitações para o mesmo, fazendo com

que ele sofra frente sua vontade de realizar e, por vezes, sua impossibilidade de

fazê-lo. Este homem estará em meio à angústia de “não poder” ser livre em sua

totalidade, ou até poderá, mas temerá a responsabilidade frente sua liberdade,

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21

causando-lhe uma frustração existencial, vazio existencial, que poderá se constituir

em um estado neurótico, neurose noogênica.

Há, ainda, o homem que mesmo com receio de decidir, assim mesmo o faz,

porém este não havia se dado conta das possíveis consequências de sua escolha, e

quando se depara com a culpa de uma escolha não muito favorável a seu sentido de

vida acaba por cair em sofrimento extremo. Responsabilidade pode conduzir a certo

grau de culpabilidade. Cita Lukas (1989, p. 38) “Onde existem possibilidades de

escolha, deve-se também responder pela escolha feita, e pode também acontecer

que seja feita uma escolha não correta, ou errada”.

O ser humano ante a culpa sente-se amedrontado e é através de uma fuga

psicológica que tenta justificar esta culpa, colocando-se como vítima de seu destino.

Todavia, o destino não pode ser totalmente responsabilizado pelo comportamento

de uma pessoa.

Frankl (2008), referindo-se ao destino, relata que qualquer pessoa pode fazer

de seu destino uma grandeza interior própria, podendo ser interiormente mais forte

que seu destino inevitável que, por vezes, pode ser carregado de sofrimento.

Valendo ressaltar que o destino pode ser fonte de crescimento para o homem em

busca de um sentido de vida.

Lukas (1992) desenvolveu uma lista de regras que deve ser seguida pelo

homem, possibilitando ao mesmo uma prevenção, inclusive de recaídas quando já

houverem ocorrido; para casos de mau uso da decisão mediante a liberdade:

• É importante que o homem não fique a submeter à decisão a uma nova decisão,

pois isso pode gerar instabilidade de valores, fazendo com que ele “entre em pane”.

• A decisão deve sempre ser guiada por sua consciência e não por seu superego.

Sendo a consciência espiritual diferente da consciência definida pelas psicologias

tradicional. A consciência espiritual está diretamente relacionada a o que aceito

eticamente. O superego são as regras aprendidas no interior da sociedade.

• Não deve negar suas decisões erradas, como se não tivesse tido a oportunidade

de fazê-las diferente.

• Não deve tomar das outras pessoas suas decisões próprias.

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• Ao fazer renúncias diante uma decisão, devem ser feitas segundo um sentido,

para que não se tornem patológicas ou patogênicas. A renúncia deve estar voltada

para um valor que confere à pessoa crescimento.

Neste sentido todo ser humano, mesmo sobre condições extremas pode

decidir de maneira consciente e responsável. É possível para este ter uma vida livre,

apesar de qualquer adversidade, sofrimento ou culpa, desde que use de sua

responsabilidade como significado de correção para crescer rumo à mudança e ao

sentido. Pois a liberdade espiritual do homem ninguém pode usurpar, só cabe a ele

saber como utilizá-la a seu favor.

A conversão de atitudes mediante as decisões responsáveis, ou sobre como

o homem deve encarar seu sofrimento, deve estar relacionada à educação como o

todo, seja uma auto-educação, seja uma educação complementar.

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4 A EDUCAÇÃO COMO IMPULSIONADOR DA LIBERDADE

Além de estar relacionada à mudança de atitude do homem que teve que

reaprender a lidar com a sua maneira de decidir diante a vida. Aprendendo a

escolher algo além do “nada”, ou aprendendo a escolher de forma responsável,

estando consciente das possíveis consequências de sua escolha. A educação deve,

antes de tudo, estar para o homem com caráter preventivo perante sua forma de agir

ante sua existência.

Conforme Lukas (1990), ultimamente tem sido difícil educar, pois não existe

uma orientação de valores, estando a pedagogia (ciência da educação) voltada para

modismos. Fazendo-se necessário que o ser humano, principalmente as crianças,

seja educado para a autotranscendência, ao contrário da degeneração dos atos

educacionais baseados nos regulamentos rígidos. Seria uma educação direcionada

para uma nova consciência de dever, onde o ser humano passa a desenvolver

aptidões positivas, não estando voltado unicamente para si próprio, mas para o

mundo, criando algo que tem sentido para o mundo.

A educação deve ser educação para a responsabilidade, possibilitando que o

homem possa distinguir o que é essencial e o que não é. Motivando os jovens para

a liberdade, tendo, estes, potencial para serem livres.

Para tanto, faz-se relevante que os educadores da vida, principalmente os

pais e professores, estejam engajados na busca pelo sentido e valores. Não sendo

necessário que estes finjam ser o mundo perfeito, mas eles devem transparecer

para os jovens que ainda vale a pena construir um lugar melhor para se viver.

A educação leva invariavelmente ao desenvolvimento, amplia as realidades, oportuniza a realização das potencialidades, leva ao assumir da própria existência, conscientizando o educando dos seus limites e, desta forma, o auxilia na sua busca de valores de sentido (RODRIGUES, 2003, p. 201).

Para Muller (2011), o primeiro passo na educação para liberdade legítima

deve acontecer quando os pais ensinam a obediência, tendo em vista que uma

criança indisciplinada é candidata para uma liberdade não autêntica. Já na idade

escolar (seis a doze anos), deve iniciar-se a educação da liberdade propriamente,

pois a criança já está em uma fase que começa a raciocinar com certa lógica. A

partir daí, também, os pais devem deixar que seus filhos comecem a decidir, para

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que eles possam aprender a escolher, todavia faz necessário que os pais os

ensinem a fazê-lo, ensinando-os a pensar. E isso será possível por intermédio de

diálogos, onde os pais ajudem seus filhos a avaliar as conveniências entre decidir

uma coisa ou outra, com base nas possibilidades e nas consequências de cada

decisão.

Lukas (1989) ressalva que, a educação não é tudo, apesar de ser de grande

influência. O homem a partir de seu amadurecimento é livre para educar-se a si

mesmo, educação esta que não depende do querer de seus pais. Dependendo

unicamente do próprio homem.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, o presente trabalho possibilitou um delinear da

liberdade existencial, correlacionado-a com o existencialismo, a fenomenologia e,

consequentemente, a logoterapia.

Através do mesmo, pôde-se adentrar na questão da liberdade como

autonomia espiritual do homem, mostrando que só ele é responsável por alcançar

uma vida livre e repleta de sentido, mesmo que esta esteja acometida de situações

adversas e repleta de culpas. Apesar da história de vida de cada ser humano, em

todas suas limitações, só ele é capaz de impor reais limites a sua existência.

Sendo ressaltada a importância de uma liberdade de escolha e decisões feita

através de atitudes responsáveis, com plena consciência de suas consequências.

Ressalvando a questão do medo que a responsabilidade ocasiona no homem

corrompido pela influência das massas, vivendo na obscuridade de sua existência,

pois ainda não consegue transparecer sua verdade, vivendo apenas de “verdades

alheias”.

Por medo de ser livre e se responsabilizar por si no mundo, o homem deixa,

por vezes, oprimir-se diante uma sociedade com todos seus conceitos pré-

estabelecidos. Deixando assim de se mostrar livre ante sua existência, mesmo

sendo provido de total liberdade espiritual, o homem tem medo de ser

responsabilizado por suas escolhas, a liberdade acaba tornando-se um fardo para

ele.

Todavia a restituição da liberdade consciente frente o sentido pode auxiliar no

processo de reestruturação da personalidade de pessoas, não só neuróticas, mas

sadias, que foram encobertas pela “sombra” da sociedade, devolvendo a elas os

holofotes de sua existência, para que o crepúsculo se desfaça e a luz volte ao

homem que um dia a perdeu junto com sua liberdade autêntica.

Por fim, esse trabalho traz à tona a relevância da educação no processo de

formação do ser humano, para que este possa responder ao mundo de maneira

autêntica através de valores, e assim encontrar o sentido de maneira serena.

Cabe a comunidade acadêmica disseminar os conhecimentos do referido

trabalho, para que as “boas novas” possam surtir resultados de cura na sociedade

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que a muito está sobrecarregada de tradições, modismos e opressões. Vida livre ou

crepúsculo?

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