um sculo de pernambucanos mal contados estatsticas demogrficas nos oitocentos

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UFRJ

UM SCULO DE PERNAMBUCANOS MAL CONTADOS:Estatsticas demogrficas nos oitocentos

Heitor Pinto de MOURA FILHO

Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Histria. Orientador: Prof. Joo Lus Ribeiro Fragoso

Rio de Janeiro Junho 2005

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UM SCULO DE P ERNAM B UCANOS MAL CONTADOS: E s t a t s t i c a s d e mo g r fi c a s n o s o i t o c e n t o s Heitor Pinto de MOURA FILHO Orientador: Joo Lus Ribeiro Fragoso Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Histria. Aprovada por:

______________________________ Presidente, Prof. Joo Lus Ribeiro Fragoso

______________________________ Prof. Tams Szmrecsnyi

______________________________ Prof. Manolo Florentino

______________________________ Prof. Antnio Carlos Juc de Sampaio (Suplente)

______________________________ Prof. Carlos Gabriel Guimares (Suplente) Rio de Janeiro Junho 2005

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Moura Filho, Heitor Pinto de. Um sculo de pernambucanos mal contados. Estatsticas demogrficas nos oitocentos/ Heitor Pinto de Moura Filho. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2005. xx, 180f.: il. xxcm. Orientador: Joo Lus Ribeiro Fragoso Dissertao (mestrado) UFRJ/IFCS/Programa de Psgraduo em Histria Social Referncias bibliogrficas: xxf. 1. Demografia histrica. 2. Pernambuco I. Fragoso, Joo Lus Ribeiro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Programa de Psgraduao em Histria Social. III. Ttulo.

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UM SCULO DE P ERNAM B UCANOS MAL CONTADOS: E s t a t s t i c a s d e mo g r fi c a s n o s o i t o c e n t o s Heitor Pinto de MOURA FILHO Orientador: Prof. Joo Lus Ribeiro FRAGOSO

RESUMOda Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Histria.

Trata da produo de estatsticas demogrficas sobre Pernambuco no final do sculo XVIII e no sculo XIX, enfatizando a heterogeneidade das fontes e as discrepncias entre elas. Depois de examinar os produtores de estatsticas e as muitas reaes populares aos recenseamentos, resenha problemas conceituais encontrados ao se fazer uso dessas fontes em textos historiogrficos. Estas dificuldades dizem respeito delimitao do territrio, compatibilizao temporal e ao entendimento diacrnico dos conceitos que intitulam as estatsticas. Diversas fontes com referncias sobre a populao total de Pernambuco so analisadas. Os mltiplos fluxos de ordem social e demogrfica que afetaram esta populao so resenhados: trfico africano, trfico interprovincial e alforrias de escravos; imigrao, migraes intraprovinciais e migraes interprovinciais de livres; natalidade e mortalidade. Discute os efeitos da mortalidade episdica decorrente de epidemias e convulses sociais. proposto modelo demogrfico para estimar a populao pernambucana em intervalos anuais, baseado em ncoras peridicas (totais reconhecidos como tendo maior preciso) e nos fluxos demogrficos sociais e naturais conhecidos para este perodo. A partir da determinao de uma taxa de crescimento vegetativo nica que leva a populao inicial final, considerando os fluxos dados, em cada intervalo entre ncoras, so determinadas sries populacionais de pessoas livres e escravos, em 4 regies de Pernambuco (Recife, Zona da Mata, Agreste e Serto). Esta modelagem, associada a padres reconhecidos de natalidade e mortalidade, permite a suposio da existncia, em certos perodos, de maiores fluxos de trfico africano e de trfico interprovincial do que registrados nas fontes e na bibliografia.

E-mail: [email protected].

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ONE C ENTURY OF UNRE CORDED PE RNAMB U CANOS: D e mo g r a p h i c s t a t i s t i c s i n t h e 1 8 0 0 s Heitor Pinto de MOURA FILHO Supervisor: Prof. Joo Lus Ribeiro FRAGOSO

ABSTRACTof the Dissertation presented to the Graduate Program in Social History-IFCS, of the Federal University of Rio de Janeiro, as part of the requirements for the concession of the title of Master in History. This dissertation deals with demographic statistics on Pernambuco during the late XVIIIth and XIXth centuries, emphasizing the heterogeneity of sources and the discrepancies among them. After examining the institutions responsible for the production of statistics and popular reactions to censuses, conceptual problems encountered when making use of these sources in historiographical texts are examined. These difficulties regard the delimitation of territories, temporal adequacy and the diacronic understanding of concepts which give title to statistics. Various sources which contain references to the total population of Pernambuco are analysed. The multiple flows of a social and demographic nature which affected this population are reviewed: African traffic, interprovincial traffic and slave manumission; immigration, intraprovincial and interprovincial migrations of the free population; births and deaths. The effects of episodic mortality in consequence of epidemics and social convulsions are discussed. A demographic model to estimate the population of Pernambuco at annual intervals is then proposed, based on periodic anchors (estimates recognized as having a greater precision) and the known social and natural flows in these intervals. Based on the determination of a natural growth rate which takes the initial population to the end population, given the known flows in each period between anchors, population series for free citizens and slaves, in 4 regions of Pernambuco (Recife, Zona da Mata, Agreste and Serto) are calculated. This modeling, associated with recognized birth and death patterns, permits to envisage the existence, in certain periods, of African and interprovincial traffic greater than those registered in the sources or mentioned in the literature.

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AGRADECIMENTOS

Aos fundamentais incentivadores de primeira hora, Renato Galvo Flres Jnior, Dlia Maimon e Michel Shiray, Afrnio Garcia e Marieta Moraes Ferreira. Aos Professores Joo L.R. Fragoso, Jos Augusto Pdua, Jacqueline Hermann e Jos Murilo de Carvalho, pela agradvel e instrutiva convivncia nos cursos do IFCS. Ao Professor Tams Szmrecsnyi por sua participao na banca de defesa da dissertao e por seu apoio durante o processo de pesquisa e redao, que incluiu desvios por textos preliminares sobre estatsticas aucareiras, tema que findou relegado a trabalhos futuros. Ao Professor Manolo Florentino, pelo oferecimento de dados da pesquisa sobre o trfico trans-atlntico de escravos e por sua participao nas bancas de qualificao e de defesa da dissertao. Ao Professor Antnio Carlos Juc de Sampaio, por sua participao nas bancas de qualificao e suplncia na defesa. Ao Professor Carlos Gabriel Guimares, por sua participao como suplente na banca de defesa. Ao Professor Francisco Jos Silva Gomes, pelos comentrios e referncias sobre histria da Igreja no Brasil. Ao Professor Joo Lus Ribeiro Fragoso pela recepo entre seus orientandos, pela dinmica de discusses coletivas que marca sua orientao e pelos comentrios precisos e proveitosos aos muitos textos que antecederam a este. Aos meus colegas do IFCS, co-orientandos do Professor Joo Fragoso, que participaram das discusses de textos que ajudaram a formar as idias aqui expostas: Alexandre Vieira Ribeiro, Carlos Leonardo Kelmer Mathias, Clia Maria Loureiro Muniz, Cuca Machado, Daniel B. Domingues da Silva, Maria Fernanda Vieira Martins, Luciana Marinho Batista, Luiz Augusto Ebling Farinati, Martha Daisson Hameister, Roberto Guedes Ferreira, Tiago Lus Gil; com agradecimento especial a Cuca e Alexandre, pelo apoio na busca bibliogrfica, e a Daniel, pelo oferecimento das importantes estatsticas que vem levantando sobre o trfico africano. s muitas pessoas que me ajudaram, desde as pesquisas anteriores escolha deste tema, primeiro sobre as relaes internacionais do Brasil no setor aucareiro, depois sobre

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estatsticas referentes a este setor em Pernambuco e, por fim, sobre demografia pernambucana: Danielle Sanches de Almeida e Tamara Rangel Vieira, estagirias responsveis pelo acmulo de ampla bibliografia; Paulo Roberto Braga e Mello e seus colegas do Inmetro; Armnio Lobo da Cunha Filho e Janine Houard, pelo emprstimo de livros; Helena e Joo Pinheiro Lins, pelas sondagens no Recife; Luzil Gonalves Ferreira, Jos Raimundo Vergolino e seus colegas do IAHGP pelo apoio pesquisa; Luiz de Barros Moreira, pelas buscas em So Paulo; Benedito Tadeu de Oliveira e Miriam Bahia, pela recepo em Belo Horizonte e Ouro Preto; Renato Pinto Venncio, pela conversa simptica e sugestes de bibliografia. A Clara Sodr S. Gama, Cludia M. Arantes da Silva e Patrcia L. Kegel, pela leitura e comentrios precisos ao texto. A Lcia Helena Pinheiro Lins, cuja alegre acolhida no Recife foi essencial para me possibilitar o levantamento de muito material nas fontes primrias do Arquivo Pblico Estadual Jordo Emerenciano. A meu pai, Embaixador Heitor Pinto de Moura, em cuja pernambucana pude dispor de raridades difceis de encontrar numa nica biblioteca. A meus pais, Da e Heitor, sem cuja rgua e compasso no teria existido esta dissertao. A ngela de Arajo Prto, companheira de todas as horas, pelas pesquisas criteriosas e revises sistemticas. A ngela, ainda, e a Eleonora, minha filha, um carinho especial pela compreenso e apoio nesses tempos mono-temticos.

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SUMRIO

RESUMO .............................................................................................................................................................. iv ABSTRACT ........................................................................................................................................................... v AGRADECIMENTOS ......................................................................................................................................... vi SUMRIO...........................................................................................................................................................viii LISTA DE QUADROS ......................................................................................................................................... x LISTA DE FIGURAS .........................................................................................................................................xii INTRODUO ..................................................................................................................................................... 1 CAPTULO I ...................................................................................................................................................... 14 1. 2. 3. OS PRODUTORES DE ESTATSTICAS .............................................................................................. 15 REAES A RECENSEAMENTOS ..................................................................................................... 23 DIFICULDADES CONCEITUAIS ........................................................................................................ 28 3.1. 3.2. 3.3. 4. 4.1. 4.2. 4.3. 4.4. 4.5. 5. A DEFINIO TERRITORIAL ..................................................................................................... 28 FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL............................................................................. 39 ASPECTOS TAXONMICOS ....................................................................................................... 40 PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS...................................... 47 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824...................................................... 49 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 AT 1871 .......................................................... 56 O RECENSEAMENTO DE 1872 E DADOS POSTERIORES ....................................................... 59 PANORAMA DAS AVALIAES POPULACIONAIS .................................................................. 62

ALGUMAS FONTES PARA A DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA DO SCULO XIX .................. 46

CAPTULO II...................................................................................................................................................... 66 DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ................................................................................. 67 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. 5.5. 5.6. 5.7. 6. 6.1. 6.2. 6.3. 6.4. 6.5. 7. OCUPAO DO TERRITRIO.................................................................................................... 67 TRANSPORTE FERROVIRIO..................................................................................................... 70 MIGRAES INTERNAS.............................................................................................................. 74 IMIGRAO ESTRANGEIRA....................................................................................................... 77 ESCRAVIDO TRFICO AFRICANO....................................................................................... 83 ESCRAVIDO TRFICO INTERPROVINCIAL ........................................................................ 86 ESCRAVIDO ALFORRIAS....................................................................................................... 90 OS CEMITRIOS PBLICOS ...................................................................................................... 92 MORTALIDADE EPISDICA ...................................................................................................... 95 MORTALIDADE NATURAL ......................................................................................................... 97 NATALIDADE ............................................................................................................................. 100 CRESCIMENTO VEGETATIVO ................................................................................................. 101

DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS BIOLGICOS......................................................................... 92

DISTRIBUIO REGIONAL DA POPULAO .............................................................................. 104

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7.1. 7.2. 7.3. 7.4. 7.5. 7.6. 7.7. 8.

AS REGIES PERNAMBUCANAS ............................................................................................. 104 FINAL DO SCULO XVIII ......................................................................................................... 106 INCIO DO SCULO XIX ........................................................................................................... 107 MEADOS DO SCULO XIX ....................................................................................................... 108 CENSO DE 1872 ......................................................................................................................... 109 ENTORNOS DA ABOLIO ...................................................................................................... 110 CENSOS DE 1890 E 1900........................................................................................................... 110

CAPTULO III ................................................................................................................................................. 111 UM MODELO DEMOGRFICO NO-EXPLICATIVO ................................................................... 112 8.1. 8.2. 8.3. 8.4. 8.5. 9. 9.1. 9.2. 9.3. 9.4. 9.5. 9.6. 10. 10.1. 10.2. 10.3. O MODELO, SEUS OBJETIVOS E CONCLUSES.................................................................. 112 CONJUNTOS DEMOGRFICOS E REGIES .......................................................................... 116 MOVIMENTOS DEMOGRFICOS ............................................................................................ 117 CRITRIOS GERAIS DA MODELAGEM................................................................................... 119 NCORAS PARA A POPULAO TOTAL E SUA DISTRIBUIO ......................................... 120 NATALIDADE ............................................................................................................................. 131 MORTALIDADE EPISDICA .................................................................................................... 131 MORTALIDADE NATURAL ....................................................................................................... 132 IMIGRAO ESTRANGEIRA..................................................................................................... 132 MIGRAO INTERPROVINCIAL .............................................................................................. 133 TRFICO E ALFORRIA DE ESCRAVOS ................................................................................... 133 SRIES ESTIMADAS ..................................................................................................................... 135 RESULTADO POPULAO CATIVA ..................................................................................... 135 RESULTADO POPULAO LIVRE........................................................................................ 144 ROTAS PARA PESQUISA ........................................................................................................... 148

ESTIMATIVA DOS MOVIMENTOS DEMOGRFICOS.................................................................. 131

CONCLUSO ................................................................................................................................................... 150 FONTES E REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................................ 153 ANEXOS ............................................................................................................................................................ 166 ANEXO 1 POPULAO TOTAL ESTIMADA, SEGUNDO A CONDIO CIVIL ........................... 167 ANEXO 2 POPULAO TOTAL ESTIMADA, POR REGIO............................................................. 170 ANEXO 3 POPULAO LIVRE ESTIMADA, POR REGIO .............................................................. 173 ANEXO 4 POPULAO CATIVA ESTIMADA, POR REGIO........................................................... 176 ANEXO 5 FLUXOS DEMOGRFICOS ESTIMADOS. POPULAO LIVRE................................... 179 ANEXO 6 FLUXOS DEMOGRFICOS ESTIMADOS. POPULAO CATIVA................................ 182 ANEXO 7 DESCRIO DOS CLCULOS DO MODELO ..................................................................... 185

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Existncia de estatsticas populacionais referentes ao Recife ou a Pernambuco nos relatrios dos presidentes da Provncia de Pernambuco (1838 a 1888) ...........................21 Quadro 2 Data das separaes polticas e eclesisticas de Pernambuco .............................................31 Quadro 3 Esquema da composio e sobreposio de hierarquias na administrao da provncia ....33 Quadro 4 Justia brasileira no perodo imperial..................................................................................35 Quadro 5 Pernambuco (1859). Topnimos coincidentes para comarca, termo, municpio e freguesia/parquia ............................................................................................................37 Quadro 6 Alguns relatos de viajantes que mencionam aspectos demogrficos de Pernambuco.........49 Quadro 7 Abrangncia geogrfica das fontes e estimativas correspondentes para PE1 .....................55 Quadro 8 Fontes sobre populao escrava total em Pernambuco, entre 1872 e 1888.........................61 Quadro 9 Pernambuco. Trfego ferrovirio e populao ....................................................................73 Quadro 10 Chegada das estradas de ferro ao interior de Pernambuco ...............................................73 Quadro 11 Pernambuco. Populao residente, segundo a nacionalidade, 1872..................................81 Quadro 12 Algumas estimativas do trfico interprovincial de escravos, por origem..........................88 Quadro 13 Trfico interprovincial 1877-1880 ....................................................................................89 Quadro 14 Fontes sobre populao de escravos matriculados, entre 1872 e 1888 .............................90 Quadro 15 Regimes brasileiros de mortalidade episdica no sculo XIX, segundo M.L.Marclio ....96 Quadro 16 Epidemias ocorridas no Recife durante a segunda metade do sculo XIX .......................97 Quadro 17 Regimes brasileiros de mortalidade natural no sculo XIX, segundo M.L.Marclio ........98 Quadro 18 Referncias sobre mortalidade natural ..............................................................................99 Quadro 19 Regimes brasileiros de fecundidade no sculo XIX, segundo M.L.Marclio..................100 Quadro 20 Algumas comparaes entre natalidade e mortalidade de livres e escravos ...................101 Quadro 21 Natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo da populao brasileira, segundo Nadalin apud Merrick & Graham...................................................................................102 Quadro 22 Crescimento vegetativo da populao brasileira no sculo XIX, a partir da tipologia de M.L.Marclio ..................................................................................................................103 Quadro 23 Pernambuco. Levantamentos populacionais de 1782 e 1788 ..........................................107 Quadro 24 Pernambuco. Levantamentos populacionais do incio do sculo XIX ............................107 Quadro 25 Pernambuco. Levantamentos populacionais em meados do sculo XIX ........................108 Quadro 26 Pernambuco. Populao residente, segundo a condio civil, 1872 ...............................109 Quadro 27 Movimentos anuais a serem modelados..........................................................................118 Quadro 28 ncoras empricas utilizadas no modelo.........................................................................121 Quadro 29 Distribuio regional da populao total em 1800 ..........................................................122 Quadro 30 Distribuio regional da populao em 1800 livres e escravos....................................122 Quadro 31 Distribuio regional da populao total em 1815 ..........................................................123 Quadro 32 Distribuio regional da populao em 1815 livres e escravos....................................123 Quadro 33 Distribuio regional da populao total em 1830 ..........................................................124 Quadro 34 Distribuio regional da populao em 1830 livres e escravos....................................124 Quadro 35 Distribuio regional da populao total em 1845 ..........................................................125 Quadro 36 Distribuio regional da populao em 1845 livres e escravos.....................................125 Quadro 37 Distribuio regional da populao total em 1860 ..........................................................126 Quadro 38 Distribuio regional da populao em 1860 livres e escravos....................................126

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Quadro 39 Estimativa da populao em 1872...................................................................................128 Quadro 40 Distribuio regional da populao total em 1872 ..........................................................128 Quadro 41 Distribuio regional da populao em 1872 livres e escravos....................................128 Quadro 42 ncoras para a populao cativa, ps 1872 ....................................................................129 Quadro 43 Distribuio regional da populao em 1890 e 1900 ......................................................130 Quadro 44 Referncias sobre mortalidade episdica incorporadas aos clculos do modelo ............131 Quadro 45 Pernambuco. Trfico de importao 1800-1855. Diversas fontes...................................134 Quadro 46 Decomposio dos fluxos por perodo da estimativa, 1 iterao ...................................136 Quadro 47 Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, por perodo da estimativa, 1 Iterao ...........................................................................................................................136 Quadro 48 Taxas de crescimento vegetativo, por perodo, 2 iterao (reduo da populao de 1845 e aumento da populao de 1830 em 10%) ....................................................................138 Quadro 49 Taxas de crescimento vegetativo, por perodo da estimativa, 3 iterao (sem alforrias de 1800 a 1845 e com reduo vegetativa fixa para 1831- 1845) .......................................138 Quadro 50 Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, por perodo da estimativa, 4 Iterao ...........................................................................................................................140 Quadro 51 Decomposio dos fluxos por perodo da estimativa, 5 iterao ...................................140 Quadro 52 Decomposio das variaes na populao cativa (estimativa final) em mdias anuais 143 Quadro 53 Decomposio percentual das variaes na populao cativa (estimativa final) ............143 Quadro 54 Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, por perodo da estimativa, 1 Iterao (livres)...............................................................................................................144 Quadro 55 Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo, 2 Iterao (livres, com migrao lquida)............................................................................................................145 Quadro 56 Decomposio dos fluxos por perodo da estimativa, 5 iterao ...................................145 Quadro 57 Decomposio das variaes na populao livre (estimativa final) em mdias anuais...146 Quadro 58 Decomposio percentual das variaes na populao livre (estimativa final) ..............147 Quadro 59 Pernambuco. Populao estimada, segundo a condio civil (1800 a 1834) ..................167 Quadro 60 Pernambuco. Populao estimada, segundo a condio civil (1835 a 1869) ..................168 Quadro 61 Pernambuco. Populao estimada, segundo a condio civil (1870 a 1900) ..................169 Quadro 62 Pernambuco. Populao total estimada, por regio (1800 a 1834) .................................170 Quadro 63 Pernambuco. Populao total estimada, por regio (1835 a 1869) .................................171 Quadro 64 Pernambuco. Populao total estimada, por regio (1870 a 1900) .................................172 Quadro 65 Pernambuco. Populao livre estimada, por regio (1800 a 1834) .................................173 Quadro 66 Pernambuco. Populao livre estimada, por regio (1835 a 1869) .................................174 Quadro 67 Pernambuco. Populao livre estimada, por regio (1870 a 1900) .................................175 Quadro 68 Pernambuco. Populao cativa estimada, por regio (1800 a 1834) ...............................176 Quadro 69 Pernambuco. Populao cativa estimada, por regio (1835 a 1869) ...............................177 Quadro 70 Pernambuco. Populao cativa estimada, por regio (1870 a 1900) ...............................178 Quadro 71 Pernambuco. Fluxos demogrficos estimados. Populao livre (1800 a 1834) ..............179 Quadro 72 Pernambuco. Fluxos demogrficos estimados. Populao livre (1834 a 1869) ..............180 Quadro 73 Pernambuco. Fluxos demogrficos estimados. Populao livre (1870 a 1900) ..............181 Quadro 74 Pernambuco. Fluxos demogrficos estimados. Populao cativa (1800 a 1834)............182 Quadro 75 Pernambuco. Fluxos demogrficos estimados. Populao cativa (1834 a 1869)............183 Quadro 76 Pernambuco. Fluxos demogrficos estimados. Populao cativa (1870 a 1900)............184

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapa com as fronteiras da capitania de Pernambuco de 1799 at 1817, incluindo as Alagoas e a Comarca do So Francisco..............................................................................29 Figura 2 Brasil. Estrutura do Poder Judicial........................................................................................35 Figura 3 Pernambuco. Populao total segundo as diversas fontes compiladas .................................63 Figura 4 Pernambuco. Dados sobre populao total, com indicao de estimativas super ou subestimadas. ......................................................................................................................63 Figura 5 Pernambuco. Estimativas para o total da populao cativa, segundo as diversas fontes compiladas. .........................................................................................................................64 Figura 6 Pernambuco. Estimativas para o total da populao cativa, com indicao de estimativas super ou subestimadas. .......................................................................................................64 Figura 7 Exportaes de algodo do Recife para Portugal (em mil arrobas) ......................................69 Figura 8 Rede de ferrovias (trao largo) e principais estradas (traos finos) em Pernambuco na segunda metade do sculo XIX, com data do incio do trfego ferrovirio........................71 Figura 9 Evoluo do trfego anual de passageiros (em ambos os sentidos) nas estradas de ferro de Pernambuco. (Eixo de trfego em escala logartmica) .......................................................72 Figura 10 Pernambuco. Trfego anual de passageiros nas estradas de ferro (em ambos os sentidos). Total de todas as estradas-de-ferro, com indicao dos perodos de maior crescimento. (Eixo de trfego em escala logartmica) .............................................................................72 Figura 11 Freqncia e intensidade de secas no Nordeste durante o sculo XIX ...............................75 Figura 12 Pernambuco, 1872. Distribuio regional da populao livre total e dos estrangeiros livres ............................................................................................................................................82 Figura 13 Pernambuco. Importao anual de escravos. ......................................................................83 Figura 14 Pernambuco. Importao anual de escravos. Diversas fontes e estimativas.......................84 Figura 15 Pernambuco e Norte da Bahia. Importao anual de escravos. Duas estimativas...........85 Figura 16 Pernambuco. Algumas estimativas de sadas de escravos. .................................................87 Figura 17 Pernambuco. Estimativas de sadas, entradas e sadas lquidas de escravos no Recife, segundo registros oficiais (1840-1871)...............................................................................87 Figura 18 Salvador. Exportao anual de escravos. ............................................................................89 Figura 19 Regies modeladas ...........................................................................................................117 Figura 20 Populao de escravos estimada. ......................................................................................135 Figura 21 Componentes da variao demogrfica ............................................................................137 Figura 22 Populao de escravos. Estimativa final...........................................................................141 Figura 23 Fluxos de aumento e reduo da populao escrava (iterao final) ................................142 Figura 24 Fluxos de aumento e reduo da populao livre (iterao final).....................................146 Figura 25 Populao estimada de Pernambuco, total, livres e escravos ...........................................147 Figura 26 Nossa estimativa e das mltiplas fontes para a populao de Pernambuco......................148

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INTRODUO

... the historian who dispenses with quantifiable statistical information is as likely to present a partial, one-sided view as the historian who believes that only the quantifiable data are relevant.1 Geoffrey Barraclough, Main Trends in History, 1978

Ainda no transcorreu um sculo desde que historiadores passaram a considerar uma srie estatstica como objeto lcito e desejvel para suas investigaes. Desde ento, muito se escreveu sobre o que eram ou deveriam ser tais sries, sobre sua validade e seus limites na anlise histrica. A distino entre seu emprego em histria, por historiadores, e nas demais cincias sociais, por seus respectivos profissionais, rendeu polmicas e posicionamentos aguerridos. Sua participao como teste emprico em modelagens matematizadas pelos defensores de teorias funcionalistas que enfatizam a integrao social angariou para os mtodos quantitativos em geral uma antipatia apriorstica da parte dos defensores das teorias que se opunham a estas, enfatizando o conflito social2. Independentemente do apartheid metodolgico, no entanto, o emprego sistemtico de sries estatsticas moda dos Annales, fora de modelos quantitativos, tornou-se um procedimento reconhecido pela historiografia. Nas ltimas dcadas, as discusses envolvendo aspectos interpretativos e textuais da produo cientfica abriram dimenso adicional nessas polmicas, que at ento se travavam primordialmente em face das oposies empricoterico e integraoconflito. Desde ento, seja a tradicional ncora emprica dos historiadores, proporcionada pelas fontes, seja o mpeto analtico dos cientistas sociais, mais propenso a aceitar construes tericas representantes de uma realidade, mas irreais, por no corresponder a nenhum evento, pessoa ou processo viram-se relegados a planos secundrios frente s questes semiticas. Nesse novo contexto epistemolgico, houve reao crescente historiografia fundada na descrio estatstica. Esta reao no atacou caractersticas quantitativas do mtodo, antes criticando a ausncia de ateno a aspectos sociais e individuais pouco propensos quantificao. Em1

O historiador que dispensa a informao quantificvel to propenso a oferecer uma viso parcial, distorcida, quanto o historiador que acredita que s os dados quantificveis so relevantes (Barraclough, 1991:87). 2 Adotamos aqui a tipologia empregada por Ciro F. Cardoso em (Cardoso, 1998b).

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meio s crticas ps-modernas, o antigo debate opondo mtodos quantitativos aos no quantitativos perdeu sua motivao diante da nfase em pluralidade de construes e leituras admitidas como vlidas e, portanto, irrefutveis pela produo de provas empricas tarefa a que se destinavam essencialmente as estatsticas. Mais recentemente, o anti-realismo ps-moderno vem-se mostrando suscetvel a crticas que, para aqueles mais prximos a filosofias realistas, abalam fundamentalmente seu embasamento epistemolgico, afigurando-se agora bem menos inevitvel do que afirmam seus propaladores (Cardoso, 1998a; 1998b:111). Por outro lado, muitas das prticas historiogrficas desenvolvidas durante as ltimas dcadas, sombra da virtual hegemonia ps-moderna, foram assimiladas por historiadores para quem o uso de fontes e mtodos quantitativos no significa, necessariamente, desconhecimento ou pouco caso com relao aos temas e procedimentos discutidos durante essas dcadas, incluindo destacadamente aqueles focados pela microstoria, por vezes apagados diante dos debates epistemolgicos. Comentando o exagero de certas crticas histria baseada em informaes estatsticas seriadas, Joo Fragoso lembrou, em 2001, que:Insiste-se em duvidar das investigaes que procuram apreender as regularidades observveis e, com isso, construir quadros explicativos. Acredita-se, ainda, que essa decrpita abordagem deixaria os comportamentos e o acaso, isto , a experincia social, de fora. (...) Mas se esquece que a apreenso de tais conflitos e solidariedades como caractersticas da vida dos grupos sociais pressupe o estudo da regularidade daqueles fenmenos. Somente com isso seria possvel elaborar teorias, explicar o porqu dos conflitos e do acaso no cotidiano dos grupos sociais (Fragoso, 2002:31).

Tendo a prtica acadmica, aps dcadas de polmicas, chegado, talvez no a um entendimento, mas certamente a um convvio metodolgico, cabe-nos apurar em que essas questes podem afetar a aplicao dos mtodos quantitativos em histria. Qui tal apurao possa favorecer maior equilbrio entre perspectivas metodolgicas, eventualmente desmontando, mesmo que parcialmente, algumas mitologias ps-modernas, a toques estatsticos de So Tom: eis aqui, foi assim. O assunto, contudo, requer cuidados. Como empregar os mtodos estatsticos isto , recursos aplicveis a conjuntos formados por elementos repetidos ou repetveis em contextos histricos, a princpio nicos e, portanto, no repetveis ? Procurando evitar controvrsias desnecessrias, queremos deixar logo claro que no pretendemos ver empregados, na histria, mtodos e padres de preciso prprios s cincias

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fsicas ou biolgicas, ou mesmo s cincias sociais matematizadas3. Trata-se, antes de tudo, no quotidiano das prticas quantitativas, de evitar iludir o leitor (ou mesmo de no se iludir) com uma preciso numrica irreal. Para isso, preciso reconhecer e explicitar as lacunas, os acrscimos, os erros e as dvidas inevitavelmente embutidos em seus nmeros, mas opacos ao leitor. Os manuais descrevem as tcnicas estatsticas, mas pouco abordam das relaes entre validade de fontes e validade dos argumentos estatsticos produzidos sobre tais informaes. Ou seja, mesmo que um conjunto de dados tabulados tenha significado estatstico intrnseco, qual a relevncia e coerncia, na argumentao desenvolvida, de suas informaes originais, que foram traduzidas para estatsticas e conceitos historiogrficos ? Os mtodos matemticos se impem, por natureza, como invariantes frente a suas aplicaes. Ora, a epistemologia da histria sempre procurou distinguir a historiografia tanto das prticas cientficas nomotticas fsicas, biolgicas ou mesmo sociais quanto, mais recentemente, das prticas com maior contedo interpretativo e textual, como teoria literria ou psicanlise. Afirma que a prtica da histria no pode aspirar a contedo terico semelhante ao das cincias nomotticas ou mesmo ao das cincias sociais, por lidar, por definio, com eventos, indivduos e processos nicos e posicionados inarredavelmente na linha do tempo. Por outro lado, tambm ficou claro, na discusso sobre o contedo ficcional da historiografia, que a histria se distingue do grupo das prticas mais interpretativas justamente por essa ncora emprica, representada pelas fontes, que de fato oferecem aos historiadores contedo objetivo, pouco malevel pelas opes narrativas de se fazer histria4. Em termos epistemolgicos, os mtodos estatsticos buscam lidar, exatamente, com as relaes entre o emprico e o terico. Tanto nas cincias nomotticas como nas sociais, tornaram-se um instrumento da teorizao a partir da descrio estatstica. Surge da a questo: se tantos historiadores recusam aceitar a preeminncia ou, at, a necessidade da teoria na prtica historiogrfica, porque aceitariam sem qualificativos um instrumentalPara um resumo de abordagens quantitativas em histria, ver (Barraclough, 1991; Linhares & Silva, 1981); sobre mtodos e tcnicas quantitativas em histria, (Cardoso & Brignoli, 1979; Hudson, 2000; Kula, 1973); para uma exposio abrangente da oposio entre os estilos analtico e continental, (Toninelli, 2002). 4 O tema ampla e interessantemente desenvolvido em (Rsen, 2001). Falando da produo historiogrfica brasileira na dcada de 1990, Fico (2000:28), descreve ambiente semelhante, deixando clara a sobrevivncia de maquisards realistas: O ceticismo quanto s teorizaes totalizantes, a opo por objetos discretos, particulares ou mesmo singulares, e a busca por equacionamentos conceituais ad hoc seriam os traos que definiriam a maioria dos trabalhos brasileiros recentes, traos estes bastante correlacionados s crticas provenientes da filosofia e da teoria literria acerca da impossibilidade gnoseolgica de referncia ao real. Porm, no parece subsistir nenhuma dvida quanto a essa possibilidade, dentre os historiadores do Brasil ou alhures, que, mesmo quando infensos s pretenses cientificistas, no abdicam da crena na capacidade das fontes documentais constiturem-se em vestgios seguros do passado capacidade amplamente posta em dvida pelas crticas mais radicais, inclusive brasileiras, segundo as quais indiscutvel o estatuto criativo e convencional do documento histrico que, tal como o literrio, gera um fictcio e, portanto, no refere uma verdade objetiva indiferente quela permeada por seus efeitos de sentido. [nosso grifo]3

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concebido e utilizado para fazer teoria a partir do emprico ?5 Existem, de fato, zonas cinzentas, que aproximam a histria seja da teoria atravs de construes como as de inspirao marxistas ou, noutro universo, as modelagens economtricas, seja das prticas interpretativas-textuais atravs da histria das idias ou de personae sociais, ou ainda pela utilizao historiogrfica de mtodos interpretativos. No acreditamos, contudo, que isto altere as distines fundamentais entre o ncleo da prtica da histria e os ncleos das demais prticas cientficas e interpretativas. Um dos resultados que esperamos emirja dessa dissertao mostrar que o emprego, em si, de tcnicas quantitativas no deve servir para incluir um tipo de argumentao na historiografia ou para exclu-la da historiografia. Tal classificao decorre muito mais de como isso feito e do uso que se d informao obtida, do que dos simples fatos de serem numrica a informao e matematizado o mtodo de seu tratamento. Mesmo que os mtodos matemticos e estatsticos sejam uniformes para todos, ao postular para a historiografia um relacionamento especial entre o emprico e a teoria, no podemos deixar de examinar as relaes estendidas, por tais operaes, entre as fontes e nossos argumentos. Enquanto, nas cincias nomotticas, se considera que a aplicao de procedimentos estatsticos no s no altera os dados originais como at identifica regularidades cientficas, pode-se dizer o mesmo de uma prtica que preza a unicidade de seus dados ? Em que medida pode-se considerar repetio de um evento ou de um processo o que transcorreu noutro lugar ou noutro momento, inevitavelmente dentro de outro contexto histrico ? Cabe atentarmos, portanto, para o significado, dentro de cnones historiogrficos, de resultados obtidos pela aplicao de mtodos estatsticos, que se baseiam fundamentalmente nessa repetio. Witold Kula abordou o mesmo problema a partir da noo de que a estatstica trata de fenmenos coletivos:Segn la definicin de Schule, el mtodo estadstico constituye un modo especfico de anlisis numrico de un tipo especial de fenmenos colectivos. Cada manual de estadstica aclara lo que se entiende por modo especfico de anlisis numrico, sobre todo respecto a su contenido. Pero el concepto de fenmeno colectivo requiere ser analizado ms detenidamente, sobre todo por los historiadores. (Kula, 1973:252)

Segue, reforando a idia de conjunto: ...de tal definicin resulta que el objeto del anlisis debe ser alguma conjuncin, algn agregado..., mas logo em seguida aparentemente se contradiz: Por otra parte, la colectividad o el agregado analizado no debe compornese deNem precisamos nos referir aqui queles que, de fato, buscam a teorizao e, portanto, esto em seu direito de recorrer a ferramenta prpria para isto.5

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unidades similares o por lo menos similares desde el punto de vista de la investigacin. Ou seja: Este agregado no puede compornese de unidades sinnimas pero tampoco de unidades heterogneas. Las unidades que lo componen, deben poderse adicionar en cualquier grado, poseer algn denominador comn. Procurando resumir a idia de Kula, preciso que haja suficientes semelhanas entre as entidades para que formem um conjunto reconhecvel e cuja agregao tenha significado lgico; mas que, ao mesmo tempo, os membros desse conjunto possam ser classificados ou ordenados segundo outra ou outras caractersticas que os diferenciem entre si. dessa oposio que dever surgir a anlise estatstica: semelhantes classificados, contados e ordenados segundo suas dessemelhanas. Cabe lembrar que esta abordagem, bastante genrica, feita por Kula, historiador polons que escreveu principalmente durante as dcadas de 1950 e 60, num contexto marxista, d conta tanto de categorias claramente tericas, como classes sociais, quanto de categorias mais reconhecidamente descritiva, como homens e mulheres, por exemplo. Ou seja, este embasamento para mtodos estatsticos transparente a diversas opes tericometodolgicas. Para a historiografia, esses comentrios dizem respeito essencialmente ao elo entre as fontes e a anlise isto , o modo de combinar seleo de categorias, especificao de problemas e proposio de um entendimento feito pelo historiador sobre suas fontes e sobre o corpus historiogrfico que maneja. O uso de mtodos matematizados na prtica historiogrfica, no entanto, depara-se com uma dificuldade adicional importante, que decorre de caracterstica muito prpria desses mtodos. Constatamos que existe, nas tcnicas quantitativas, uma gradao de complexidade lgica, acompanhada por um distanciamento crescente entre o objeto inicial contado ou medido e os sucessivos objetos tericos criados matematicamente a partir da. medida que os conceitos estatsticos se tornam mais abstratos e distanciados de uma realidade emprica, perdemos noo de seu relacionamento com o conjunto inicial. Entramos logo num ambiente lgicomatemtico, onde os conceitos se sustentam uns sobre os outros e ganham sentido unicamente a partir de seus relacionamentos lgicos com os demais conceitos. Como fazer a ponte, na prtica historiogrfica, entre tais conceitos abstratos, as fontes e um discurso que seja histrico e no puramente terico ? Veremos que, diante da multiplicidade de situaes e contextos, uma primeira regra para nos resguardar conhecer em detalhe, e manter nossos leitores igualmente informados, sobre os nmeros originais empregados, sobre os procedimentos matemticos aplicados a eles e sobre as inferncias que fazemos a partir desses

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resultados. E mais, termos claros para ns mesmos e sermos capazes de expor aos leitores porque e como pulamos dos resultados obtidos matematicamente para essa nossa concluso. No existe, por certo, receita de bolo definitiva. E, tambm certamente, estamos entregues a contextos imprevisveis. Da o interesse renovado de sucessivas geraes de historiadores pelas mesmas matrias. O salto argumentativo entre conjuntos estatsticos e concluses historiogrficas torna-se certamente problemtico ao tomarmos conscincia dos contextos sociais em que foram produzidos e empregados. De fato as discusses sobre a relevncia do quantitativo se ressentem da pouca importncia atribuda a duas vertentes que reputamos fundamentais. Primeiramente, dar ateno informao estatstica enquanto instrumento de poder, isto , ter em mente que sua produo, o tratamento quantitativo a que submetida a informao original, sua forma de apresentao e o uso que se d ao resultado fazem inescapavelmente parte de um contexto histrico e nem sempre seja nas fontes ou pelas mos de historiadores tero surgido dentro dos estritos cnones dos manuais. Em segundo lugar, cuidar, no quotidiano, das prticas acadmicas relativas a questes quantitativas, que no deveriam se esgotar pela aplicao mecnica dos ensinamentos de manuais. Cremos ser necessrio que o historiador, diante de suas fontes e criaes quantitativas, busque aplicar o que vemos pouco hoje o mesmo rigor metodolgico e a mesma objetividade que deseja transmitir frente s fontes no quantitativas. Por tudo o que acabamos de elencar, nossa proposio que a adoo de mtodos matemticos, dentro de um raciocnio desenvolvido sobre fontes histricas, no necessariamente neutra com relao argumentao historiogrfica. No entanto, estes mtodos so capazes de proporcionar ao historiador um entendimento definido, e por vezes inalcanvel por outros caminhos, sobre suas fontes e, atravs dessa intermediao, sobre as situaes, eventos, pessoas e processos que busca alcanar. Como qualquer outra ferramenta, fsica ou intelectual, os resultados que poderemos obter por seu intermdio decorrem conjuntamente da qualidade do material, da tcnica e da arte do historiador. Alm disso, cremos que a simples adaptao, ao quotidiano da prtica historiogrfica, das tcnicas estatsticas empregadas nas cincias sociais no possa refletir, per se, as dificuldades e problemas prprios da histria. As cautelas genricas mencionadas nos manuais tambm valem para a histria, certo, mas existem outras cautelas especficas prtica historiogrfica isto , transformao de informaes colhidas de fontes em argumentao histrica que tm escapado a essas apresentaes. Apesar da relevncia do patrimnio trazido pela histria

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serial a esta rea, acreditamos que a comunidade de historiadores, aps quase um sculo manuseando estatsticas histricas, ainda no tenha fixado seu prprio paradigma para esses problemas, oscilando coletivamente entre o mundo hegemonicamente economtrico da cliometria e o completo desprezo do quantitativo. Na histria econmica, desde os estudos pioneiros de Franois Simiand sobre preos, na dcada de 1930, houve impressionante acmulo de pesquisas e dados, acompanhado por aguerridas polmicas sobre mtodos. Aps as dcadas de liderana das prticas dos annalistes, a microstoria trouxe novas perspectivas historiogrficas, em que dados estatsticos adquiriam insero tambm renovada. Enquanto isso, a nfase mais estritamente quantitativa, na tradio de Jean Marczewski, desabrochada pela New Economic History e hoje em dia visceralmente associada modelagem economtrica, seguia caminho prprio, com objetivos, mtodos e pblico distintos6. As discusses sobre mtodo que opuseram os praticantes da histria serial aos defensores de tendncias mais cliomtricas pouco atingiram, entretanto, os estudos sobre demografia histrica. O pioneiro dessa historiografia foi Louis Henry, na dcada de 1950, que, ao se fixar sobre o universo dos registros paroquiais, estabeleceu um paradigma de pesquisa atual e profcuo ainda hoje, meio sculo depois7 (Gautier & Henry, 1958). Estas fontes, disponveis principalmente a partir do sculo XVII, mostraram-se bastante fecundas quanto a informaes ausentes de estudos tradicionais sobre populao (mais focados sobre natalidade e mortalidade), tais como padres de nupcialidade (casamento x celibato, casamento legtimo x unio ilegtima, idade dos noivos, origem social dos noivos, naturalidade dos noivos etc.) e padres de reposio populacional (nmero de filhos, prazo intergensico, taxa geral de reposio, efeito de epidemias, crises demogrficas etc.). Tais anlises mais precisas foram possveis, em boa parte, graas ao carter fechado das populaes reconstitudas atravs do levantamento de sucessivas geraes interligadas. No Brasil, foi Maria Luza Marclio a estudiosa pioneira sobre temas demogrficos dentro desta nova metodologia, com suas teses sobre a cidade de So Paulo (1967) e, posteriormente, sobre a rea rural paulista (1974)8.

Merecem rpida meno alguns dos desbravadores e praticantes, majoritariamente franceses, da histria serial Ernest Labrousse (sobre a extrao de estatsticas em perodos pr-estatsticos), Pierre Vilar (sobre crescimento econmico e moeda), Pierre Chaunu (sobre Sevilha e o Atlntico), Posthumus (sobre preos seculares na Holanda) e Phyllis Dean e W.A.Cole (sobre crescimento econmico ingls). 7 Muito rapidamente, os mtodos de investigao aperfeioados em particular, o mtodo de reconstituio de famlias imaginado por L.Henry, criador inesgotvel de tcnicas de anlise estatsticas desse novo tipo de fontes deram demografia histrica uma base cientfica slida (Burguire, 1976:59). 8 (Marclio, 1967, 2000) Na coletnea Populao e Sociedade (Marclio, 1984a), M.L.Marclio rene textos que discutem estes temas e escreve especificamente sobre os Sistemas demogrficos no Brasil do sculo XIX (Marclio, 1984b). Sobre o Rio de Janeiro, Maria Yedda L. Linhares e Maria Brbara Levy realizavam ento

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Nesse amplo intervalo desde o incio do sculo XX, os padres quantitativos das cincias sociais e os mtodos, j bem internalizados, da histria serial traaram um balizamento que vem sendo aplicado h dcadas, embora ainda no tenham sido devidamente assimiladas algumas dificuldades inerentes aos nmeros enquanto instrumento de trabalho em histria. Talvez s agora, aps o mergulho coletivo de algumas dcadas em ambientes conceitualmente distintos e, possivelmente, mais complexos que uma simples srie estatstica, que os mtodos matematizados possam voltar a ser vistos como simples instrumentos disposio do artfice, e no como opes quase-ideolgicas, inevitavelmente (de)formadoras do resultado. Neste papel renovado, todavia, esses mtodos no devem perder sua condio de instrumentos, cada vez mais sofisticados, certo, e at potencialmente perigosos. Desejamos tach-los de perigosos por serem capazes de produzir, tanto quanto qualquer discurso verbal, uma interpretao deformadamente pessoal da realidade, com o agravante de esta interpretao ser mais facilmente tida como real, posto que alicerada em provas numricas. No entanto, raramente ficam explicitados, ou melhor, embora quase sempre fiquem escondidos seus caminhos e seus subterrneos para a construo nessa realidade autoral. O common sense pragmtico de Geoffrey Barraclough, ao resenhar a discusso sobre histria quantitativa e histria serial, resume olimpicamente a importncia dos mtodos quantitativos em histria pela oposio irnica que citamos em epgrafe a esta Introduo (Barraclough, 1991:87).

So vrios os motivadores para este trabalho. Pernambuco se manteve, ao longo do sculo XIX, como a quarta provncia mais populosa do Brasil, depois do Rio de Janeiro, corte, e das maiores provncias do pas, Bahia e Minas Gerais. Seus aspectos demogrficos no mereceram, no entanto, a ateno dedicada s demais regies9. Alm disso, a disperso e, principalmente, a heterogeneidade das fontes sobre demografia pernambucana do perodo dificultam a utilizao de muitas delas pela maioria dos historiadores. No existem estudos que renam, para o perodo, um leque abrangente de informaes estatsticas. H trs dcadas,pesquisas com base nos registros paroquiais nas diversas freguesias da cidade (Levy, 1973; Linhares & Levy, 1971), em seguida reproduzidos na Histria do Rio de Janeiro de Eullia M.L.Lobo (Lobo, 1978). 9 Percebe-se, entretanto, uma centralizao das pesquisas [sobre demografia] no sudeste e sul do pas, mais contemplados com estudos do que, por exemplo, a regio nordestina, indiscutivelmente a principal rea econmica do perodo colonial brasileiro (Faria, 1997:254). So excees recentes os trabalhos de Versiani & Vergolino (2001, 2002) que revem a questo da populao cativa no Agreste e no Serto. O clssico estudo de Eisenberg (1977) lista diversas fontes, mas no chega a coment-las criticamente, nem oferece dados sobre todo o perodo. A tese de Silva (2003) discute os levantamentos populacionais de 1782 e 1788, ao tratar dos sculos XVII e XVIII. As dissertaes de mestrado em histria de Melo (1978) e Nascimento (1988) renem informaes demogrficas sobre Pernambuco disponveis em fontes secundrias ao tratar da evoluo econmica de Pernambuco, empregando basicamente o estudo de Peter Eisenberg.

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esta necessidade tem sido suprida principalmente pelas tabelas pioneiras de Peter Eisenberg, apesar de suas lacunas e heterogeneidades pouco claras. Por outro lado, vemos Caio C. Boschi, ao tratar recentemente da produo sobre histria econmica colonial, considerar que tem havido poucos estudos sobre o tema, principalmente a partir de um enfoque macroeconmico, devido ausncia de fontes documentais seriadas, documentao que tenha seqncia, sobretudo cronolgica, citando as dificuldades, inclusive metodolgicas, para elaborar tais sries (Boschi, 2005). A reunio sistemtica de diversas fontes poder, sem dvida, agregar conhecimento novo ao completar lacunas temporais nessas sries e ao avaliar criticamente valores conflitantes, procurando apontar os mais plausveis e defensveis. tambm comum vermos os dados disponveis serem citados e re-citados, muitas vezes sem uma compreenso (ou sem esclarecimento ao leitor) de suas limitaes de origem. Vemos este aspecto como particularmente relevante, pois estabelece uma cadeia de validao de informaes por vezes falhas em seu embasamento ou at desencaminhadoras da anlise. Ao serem repetidas, tornam-se aceitas como padro do estado atual do conhecimento, afastando e dificultando possveis crticas s fontes originais ou aos procedimentos empregados para sua construo. Completamos o trabalho de reunio, organizao e comentrio das fontes com uma modelagem algo aparentemente alm dos limites da historiografia, mas que propomos seja visto como exemplo de que mtodos quantitativos empregados com cuidados prprios de historiador podem contribuir para a historiografia. As relaes demogrficas prestam-se eminentemente a um tratamento matemtico, em que uma populao qualquer, contada em certo momento, pode ser decomposta entre membros existentes ali num outro momento anterior, menos membros que deixaram a populao entre esses dois momentos, por falecimento ou outros motivos, mais membros que entraram para a populao nesse mesmo perodo, isto , pessoas que ali nasceram ou chegaram quela populao por outros caminhos. As fontes estatsticas sobre populao em Pernambuco incluem informaes dispersas e heterogneas sobre todos esses grupos. Ao incluir os dados e relaes disponveis num modelo matemtico adequado, resultar uma estimativa demogrfica que ter incorporado a gama de informaes existentes nas fontes conhecidas e, alm disso, que oferece estimativas necessariamente coerentes com todo o conjunto. A importncia e, at, a necessidade de recurso a uma modelagem matematizada explicam-se pela situao atual de heterogeneidade e incompletude das fontes. Como reunir dados esparsos num corpo logicamente coerente de informao ? Como melhorar a qualidade

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historiogrfica desse conjunto pela integrao das informaes sobre os mltiplos aspectos demogrficos ? Os instrumentos usuais da historiografia permitem que relacionemos as fontes, faamos a triagem das informaes e criemos, com isso, um mosaico de nmeros dispersos. Resta integr-lo num conjunto que supra simultaneamente os requisitos de (a) preencher os escaninhos vagos e (b) aproveitar ao melhor as inmeras informaes tidas por confiveis. Podemos nos valer aqui do comentrio de Pierre Chaunu de quase meio sculo atrs (1960): ... o historiador no conhece diretamente o que pretende conhecer... quase todo conhecimento do passado necessariamente artificial.10 Merrick e Graham11 distinguem trs tipos de estatsticas histricas sobre a populao brasileira do sculo XIX: a) as que foram produzidas na poca, com base em registros eclesisticos e censos coloniais; b) as estimativas modernas baseadas em novas fontes; e c) sries retrospectivas preparadas com tcnicas demogrficas modernas. Imaginamos que este trabalho se insira em ambas as categorias contemporneas: usa um arcabouo geral baseado em tcnicas demogrficas matematizadas e incorpora coerentemente o maior nmero de informaes de poca disponveis. Procura, no entanto, fugir a um dos objetivos usuais de estudos demogrficos e atuariais, que homogeneizar as estatsticas, mesmo que por perodos ou categorias, para extrair regularidades, enunciveis como fatos demogrficos. Contrariamente, desejamos considerar e incluir em nossa modelagem tantos fatos heterogneos ou discrepantes quantos estiverem registrados, para montar um retrato quantitativo da populao de Pernambuco que reflita as principais flutuaes e movimentos ocorridos durante o sculo XIX. Cabe aqui um comentrio sobre os estudos de demografia histrica referidos mais acima, que privilegiam o que poderamos chamar de microdemografia, j que buscam a reconstituio e um entendimento sobre a dinmica de famlias e grupos sociais, fazendo uso de registros paroquiais, inventrios post-mortem e outras fontes que individualizam informaes sobre etapas da vida de cada pessoa (Faria, 1997; Marclio, 1984a). Tais populaes so analisadas como grupos fechados, sobre os quais h informaes genealgicas que permitem a reconstituio de famlias e o clculo de mltiplas estatsticas demogrficas precisas sobre

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On a parfois oppos, sur le plan mthodologique, et tort, videmment, histoire statistique et histoire traditionnelle. Nos dmarches, en ralit, sont identiques, si nos prtentions sont diffrentes. Lhistoire est de toute manire una connaissance mdiate. Lhistorien ne connat pas directement ce quil prtend connatre. On ne pourra donc nous opposer la supriorit des mthodes prouves de lhistoire traditionnelle, au nom de ce quil faut bien appeler le complexe de la donne immdiate; presque toute connaissance du pass est, ncessairement, artificielle (Chaunu, 1978:13). 11 Merrick, T.W. & Graham, D.H. Populao e desenvolvimento econmico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1981, citado em (Paiva et al., 1990).

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elas. Alm da anlise puramente demogrfica, estes resultados permitem estudos mais abrangentes sobre, por exemplo, endogamia social ou diferenciao por categoria social. Nas palavras de Andr Burguire:O interesse essencial dos registros paroquiais consiste em modificar a natureza da informao estatstica. (...) As informaes mais originais e mais preciosas que possvel extrair das fichas de famlia, as estatsticas de fecundidade, do, ao contrrio [de outras estatsticas], a impresso de uma passagem direta, graas linguagem matemtica, de uma realidade manifesta a uma realidade secreta, dos comportamentos aos motivos (Burguire, 1976:61).

Vale lembrar aqui que no adotamos, neste trabalho, perspectiva de histria social, em que as estatsticas demogrficas so usadas com fonte para uma anlise de comportamentos e composio de grupos, possivelmente representados num modelo demogrfico explicativo. Restringimo-nos identificao e crtica de fontes, seguidas da estimao do tamanho da populao total, organizada em macro-sries que individualizam os grandes contingentes populacionais de Pernambuco do dezenove: livres e escravos, nas suas 4 regies geogrficas no que poderamos, analogamente, chamar de macrodemografia. Estes contingentes so escancaradamente abertos, sendo os principais determinantes para seu tamanho justamente os fluxos de entrada e de sada (trfico de escravos e migraes de livres), em oposio aos fluxos naturais de nascimentos e mortes. As dificuldades de obteno desse tipo de estatstica so importantes, mas as conseqncias de no dispor destas informaes so fatais para um entendimento da demografia de uma provncia brasileira no dezenove. Mesmo de posse de informaes suficientes para reconstituir a macro-composio e a evoluo demogrfica da provncia, ainda ser preciso respeitar as relaes lgicas de sua constituio, decorrentes das prprias definies dos fluxos demogrficos: nascimentos, mortes, entradas e sadas. Por esta razo, torna-se essencial uma modelagem demogrfica que mantenha esta lgica de definies. Ressaltamos, mais uma vez, que no se trata aqui de modelagem explicativa, mas somente de uma modelagem auxiliar para a organizao dos dados existentes. Antes de descrever e analisar a modelagem realizada, examinamos os percalos da produo de estatsticas provinciais, apontando a multiplicidade de estruturas hierrquicas envolvidas e seus interesses conflitantes como principal pano de fundo para o entendimento dessa produo. Mencionamos tambm as muitas reaes populares e institucionais s contagens e censos, bem como s regulaes do governo central sobre o registro civil. Em seguida, passamos rapidamente sobre os diversos movimentos demogrficos, tanto sociais como biolgicos, que afetaram o tamanho, a distribuio geogrfica e a classificao da populao de Pernambuco durante nosso perodo de estudo: natalidade e mortalidade,

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migraes intra- e interprovinciais, trfico e alforria de escravos, imigrao e naturalizao de estrangeiros. Esperamos que estes relatos sejam suficientes para convencer o leitor da necessidade de uma reviso abrangente nos nmeros esparsos e pouco coerentes usualmente encontrados na historiografia. Desejamos, alm disso, que o mtodo de proceder proposto possa igualmente convenc-lo da inevitabilidade de uma abordagem matematizada para realizar esta tarefa.

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Provncias do nordeste do Brasil, com Pernambuco ainda englobando a Comarca do So Francisco (Detalhe de mapa publicado por R.M.Martin e J&F Tallis, Nova Iorque, 1851; desenho e gravao de J.Rapkin)Fonte: David Rumsey Historical Maps (Martin & Tallis, 1851)

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CAPTULO IA PRODUO DE ESTATSTICAS DEMOGRFICAS

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OS PRODUTORES DE ESTATSTICAS

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REAES A RECENSEAMENTOS

3 3.1 3.2 3.3

DIFICULDADES CONCEITUAIS A DEFINIO TERRITORIAL FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL ASPECTOS TAXONMICOS

4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5

ALGUMAS FONTES PARA DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA DO SCULO XIX PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 AT 1871 O CENSO DE 1872 E DADOS POSTERIORES PANORAMA DAS AVALIAES POPULACIONAIS

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OS PRODUTORES DE ESTATSTICAS

Pouco acostumados estes trabalhos os Empregados Publicos deixo quazi sempre, sob diversos pretextos de cumprir as ordens que lhe so expedidas para a organisao ao menos de certas partes da statistica geral, no obstante ser esta uma das attribuies dos seus respectivos Cargos, certos como esto de que a authoridade se canar de ordenar. Francisco do Rego Barros, Presidente de Pernambuco, Fala Assemblia Legislativa Provincial, 1838

A primeira tentativa de recenseamento do Brasil, no sculo XIX, decorreu de deciso do governo portugus em 1808, possivelmente dirigida para expandir a milcia, da qual se conhece o resultado agregado de 4 milhes de habitantes12. Em 1819, em relatrio preliminar criao de novos arcebispados, o conselheiro Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira apresenta uma populao brasileira de menos de 4,4 milhes, a includos 800 mil ndios bravios, o que Souza e Silva argumentou posteriormente ser fortemente subestimado, avaliando a realidade em pelo menos 6 milhes de habitantes. Durante o meio sculo entre a independncia e a realizao do recenseamento geral de 1872, a produo sistemtica de estatsticas populacionais amargou um longo recesso no Brasil. Apesar das tentativas determinadas em 1829 e em 1850, no foi possvel estruturar nem executar levantamentos de mbito nacional durante esse perodo (Marclio, 2000:40-43; Smith, 2002). Em mbito provincial, houve alguns recenseamentos mais abrangentes e sistemticos, mas os levantamentos sobre Pernambuco durante o sculo XIX no podem ser includos nestes casos13. Durante as primeiras sete dcadas do sculo, enquanto os governos provinciais obtinham levantamentos pouco fidedignos, viajantes, diplomatas, funcionrios

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Aviso de 16/03/1808 expedido por D.Rodrigo de Souza Coitinho, depois Conde de Linhares, ento ministro dos Negocios da Guerra (Silva, 1870). Four millions is also the total reported by the Minister of War in 1808 upon the completion of a general census of Brazil by the newly arrived government of John IV. The details of that census have never been revealed, but one student [Oliveira Vianna] considers the reported figure to have been a deliberate exaggeration intended to facilitate the crowns efforts to increase the size of the colonial militia, and contrasts it with the much lower sum included in an anonymous report dated some years later which gives Brazils population in 1808 as only 2,473,641 (Alden, 1963:194-5). 13 Contrariamente, Dauril Alden considera que, dos levantamentos coloniais das ltimas dcadas dos setecentos, o de Pernambuco seria talvez o mais completo The census of 1782 is in some ways the most complete demographic record available for any part of Brazil, and was included in a long economic report sent to the crown in that year. The data appear to derive mainly from the mid-1770s... (Alden, 1963:180).

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pblicos e polticos propuseram estimativas de preciso talvez por vezes mais acurada. Apesar das falhas dos primeiros censos, as informaes sobre o tamanho da populao s vieram a adquirir uma confiabilidade mnima com os recenseamentos gerais, em 1872, 1890 e 1900. Durante o perodo colonial, as estruturas eclesistica e militar foram incumbidas de listar e contar a populao. Silva & Linhares (1995) lembram queNo caso do Brasil, e muito particularmente no perodo colonial, a administrao eclesistica precedeu em muito as estruturas administrativas civis. (...) Decorria...com naturalidade que o poder pblico recorresse aos procos para obter informaes e servios de que necessitava, compondo-se, assim, a estrutura bsica do padroado. Desta forma, a administrao pblica, de cunho civil, confundia-se claramente com a estrutura administrativa da Igreja, onde a rea de atuao dos procos era bastante bem definida, impondo-se que as reas de administrao religiosa fossem tomadas como unidades bsicas da administrao pblica.

Joaquim Norberto de Souza e Silva, em seu relatrio sobre os recenseamentos havidos no Brasil at ento, aponta a estrutura eclesistica como a primeira a servir como rede de coleta de informaes demogrficas:O que hoje seria de difficil execuo, no o era tanto para aquelle tempo, em que toda a populao era conhecida pelas listas das desobrigas das freguezias. Orava-se ento o nmero dos habitantes pela designao de commungantes ou freguezes, limitando-se unicamente communho catholica, como observa Roberto Southey, na sua History of Brasil (sic) (Silva, 1870:6).

No entanto, conforme adverte o conselheiro Joo Manoel Pereira da Silva, j se depositava pouca confiana nesses levantamentos:Confiavo [os bispos] nos parochos para os arrolamentos de seus districtos pastoraes. Incluio elles com exactido os moradores que conhecio e que procuravo os seus servios espirituaes, e lhes pagavo os emolumentos a que tinho direito. Formavo hypotheticamente o resto do calculo (Silva, 1870).

Souza e Silva afirma que havia sistemtica subcontagem, por omitirem os menores de 7 anos (no relacionados nas listas de desobriga pascal) ou as tropas pagas, e que ainda ...deve-se ter presente que os vigarios, de commum accrdo com os capites mres, diminuio o numero da populao para obstarem a diviso das freguezias...14 Havia, sem dvida, dificuldades bastante objetivas para realizar os levantamentos populacionais: longas distncias, viagens penosas, chefes de famlia recalcitrantes e um nmero excessivo de pessoas, de hierarquias distintas, envolvidas. Alm desses problemas, Dauril Alden lembra que a compilao de relatrios precisos talvez excedesse a competncia tcnica da burocracia portuguesa, semelhana do que acontecia com as espanholas e inglesas. O nico pas que possivelmente ento tivesse tais condies teria sido a Sucia (Alden, 1963). O prprio governo portugusNa populao de 207 mil da Comarca (eclesistica) de Olinda, listada em Mapa que mostra o numero dos habitantes das quatro capitanias deste governo... de 1782, incluindo as freguesias de Alagoas, conforme apresentada por Silva (2003:76), calculamos uma proporo de 25% do total de habitantes abaixo de 7 anos.14

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no teria confiana nos levantamentos organizados pela estrutura eclesistica. Ainda nas palavras de Alden: ...a coroa estava dissatisfeita com os resultados de censos eclesisticos anteriores e, portanto, determinou s autoridades seculares que assumissem os futuros levantamentos15. Sendo exatamente a parquia o local para onde convergiam os momentos definidores da vida oficial dos cidados seu incio, com o batismo, e seu fim, com o enterro em terreno consagrado era a caprichosa estrutura eclesistica, tambm subordinada s presidncias das provncias, o alvo de grande parte dessas reclamaes. Escapavam ao controle da Igreja os protestantes em geral, tendo como contrapartida a impossibilidade de obterem os ritos religiosos associados a esses momentos fora das instncias igrejas e cemitrios criados a partir da chegada da corte joanina. O depoimento do pastor Kidder, falando sobre o cemitrio norte-americano de Salvador, esclarecedor:No somente os sditos britnicos se beneficiam dessa louvvel atitude do governo ingls. Protestantes de todas as nacionalidades, especialmente cidados norte-americanos, devem grande soma de obrigaes colnia inglesa, pelo fato de freqentemente facilitar, esta ltima, o enterramento de seus mortos. No fora a cortesia dos ingleses, os nossos conterrneos ver-seiam embaraados, principalmente em pases essencialmente catlicos, quando tivessem que realizar funerais (Kidder, 1951:38).

Alm dos protestantes, fugiam a essa estrutura catlica ndios bugres, africanos no batizados e quilombolas, todos de fato inexistentes como populao para a burocracia brasileira16. Depois de historiar os registros paroquiais, desde sua criao pelo Conclio de Trento, Maria Luza Marclio lembra que O estatuto do Padroado Rgio no Brasil at pelo menos a Constituio Republicana (...) deu aos Registros Paroquiais uma cobertura praticamente universal da populao brasileira (...) (Marclio, 2004). Generalizao semelhante aventada por Paiva et al. (1990:23) de que tanto a Igreja Catlica com o Corpo Militar possuam uma organizao institucional suficientemente preparada para a realizao da tarefa pretendida pela Coroa, isto , relacionar em cada ano, nominalmente, todos os habitantes do domiclio (...) apesar de colidir com as restries mencionadas mais acima, poderia ser eventualmente verdadeira para a corte e outras capitanias, mas de fato no pode ser aplicada a Pernambuco.15

...the crown was dissatisfied with the results of previous ecclesiastical censuses and therefore directed secular authorities in Brazil to take charge of future enumerations (Alden, 1963:194). 16 Gilberto Freyre, no mapa-diagrama includo em seu Ingleses no Brasil, intitulado Pontos do Brasil onde os ingleses primeiro se instalaram depois da abertura dos portos (1808) coloca cemitrios em Belm, So Luis, Recife, Salvador e Rio de Janeiro (Freyre, 1948). O relatrio do Ministro dos Negcios do Imprio para o ano de 1853 cita as estatsticas de bitos, inclusive de estrangeiros enterrados nos cemitrios da corte, excetuando explicitamente aqueles sepultados no Cemitrio dos Ingleses, sobre os quais no oferece informaes (Brasil. Ministrio do Imprio, 1853:15).

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Nos diversos relatrios apresentados pelos presidentes de Pernambuco Assemblia Legislativa Provincial ao longo do sculo XIX, aparecem inmeras estatsticas sobre efetivos militares, estruturas e processos judiciais, alm de detalhes sobre orfanatos, hospitais e escolas. Vacinaes e doenas tambm ganham particular destaque, principalmente em vista das recorrentes epidemias sofridas pela provncia, no entanto so bem menos freqentes as estatsticas sobre populao, sua natalidade e mortalidade17. Podemos buscar nas estruturas burocrticas responsveis pelos levantamentos estatsticos uma primeira explicao para essa ausncia. Ao longo do Imprio, os governantes de Pernambuco reclamaram regularmente da displicncia de seus subordinados, que, sendo testemunhas ex oficio de eventos cuja compilao era de interesse do governo, no se mostravam confiveis nem como geradores dos registros primrios, nem como produtores das estatsticas. Esta incapacidade (ou recusa) dos funcionrios de seguir instrues explcitas, mesmo que s dissessem respeito a seus restritos domnios burocrticos, impediu a compilao regular e confivel de estatsticas agregadas para a provncia. O contexto mais amplo dessas dificuldades remete, sem dvida, aos embates entre as mltiplas estruturas burocrticas (a politico-administrativa, a eclesistica, a judicial, a policial, a militar) e, atravessando essas mesmas estruturas, entre os divergentes interesses de segmentos sociais. ilustrativa a impotncia de Francisco do Rego Barros, presidente de Pernambuco, em sua fala por ocasio da abertura da Assemblia Legislativa Provincial, em 1838:STATISTICA He este, Snrs., um dos ramos da Sciencia Administrativa, que mais em atraso se acha em nossa Provincia, e que entre tanto muito deve coadjuvar o Governo em suas providencias. Pouco acostumados estes trabalhos os Empregados Publicos deixo quazi sempre, sob diversos pretextos de cumprir as ordens que lhe so expedidas para a organisao ao menos de certas partes da statistica geral, no obstante ser esta uma das attribuies dos seus respectivos Cargos, certos como esto de que a authoridade se canar de ordenar (Pernambuco. Presidente, 1838:53).

No relatrio do ano seguinte, Rego Barros demonstra seu correto entendimento do que seriam estatsticas teis ao governo e nomeia os inoperantes responsveis diretos por sua produo:A reconhecida necessidade de uma Statistica provincial, e as difficuldades com que o Governo luta para organisal-a do melhor modo possvel, me obrigo a pedir segunda vez os necessarios meios para a confeco de uma obra de tanta magnitude sobre as bases, que vos foro apresentadas no passado Relatorio. O Governo Provincial deo aos Vigarios e Juizes de Direito os modellos dos mappas, que deverio remetter, os primeiros de todos os casamentos, obitos e baptisados, que tiveram lugar em suas Freguesias, e os segundos de todos os Reos (...) a fim de17

Foram consultados os relatrios a partir de 1838, quando se inicia a srie disponibilizada pelo Brazilian Government Document Digitization Project do Center for Research Libraries (www.crl.edu). Este site ficou indisponvel de novembro de 2004 a maro de 2005, o que atrasou bastante as pesquisas. O quadro ao final desta seo lista os relatrios de Presidentes da Provncia em que so mencionadas estatsticas populacionais.

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que, sendo uniformes os mappas, podessem ser organisados os Mappas Geraes com as indicaes, que foro julgadas necessarias. (Pernambuco. Presidente, 1839:38-39)

Dois anos depois (no incio de 1841), talvez descrente na capacidade da sua estrutura oficial, contrata com o secretrio da provncia, Figueira de Mello, a feitura das estatsticas to almejadas18. Em seu ltimo relatrio como presidente (1844), Rego Barros (j Baro da Boa Vista), aps o recorde de 7 anos como presidente da provncia, relata que concedeu a Figueira de Mello prorrogao de mais um ano em seu contrato para que pudesse conclu-la, j que este ocupava, na poca, a presidncia da provncia do Maranho19. Seu sucessor decide por nova prorrogao, de 2 anos agora, alegando que as continuadas occupaes deste Empregado o tem inhibido de cumprir o seu contracto dentro do tempo marcado, mas tambm por lhe no haverem sido subministrados todos os esclarecimentos por elle pedidos (Pernambuco. Presidente, 1845:16). O funcionrio pblico, individualmente contratado para produzir a estatstica oficial da provncia, continua na dependncia da estrutura de governo para as informaes locais e de funcionrios que nenhum zelo ... pem em sua confeco.... Em 1845, quatro anos depois de sua assinatura, a Assemblia Provincial resolveu buscar a resciso judicial do contrato com Figueira de Mello, o que, contudo, lhe foi negado pela justia (Pernambuco. Presidente, 1845:16). Neste mesmo ano, aparece longo artigo no Dirio de Pernambuco, com autor annimo, dissertando sobre a populao provincial e suas estimativas, transcrito do jornal Minerva Brasiliense, publicado no Rio de Janeiro. Seu autor foi sem dvida Figueira de Mello, pois o texto corresponde precisamente ao do seu estudo, publicado em 1852 (Mello, 1975:435-448). interessante constatarmos que um dos criadores do Minerva Brasiliense, Joaquim Norberto de Souza e Silva, iria escrever, nas dcadas seguintes, importantes estudos sobre estatsticas populacionais, inclusive o relatrio que se tornou uma das principais referncias brasileiras sobre recenseamentos gerais, onde, na seo sobre Pernambuco, transcreve integralmente o texto de Figueira de Mello, a quem atribui

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Com o Secretario da Provincia contratei a confeco de huma Statistica na parte to somente civil, e politica, e segundo hum programma, que lhe foi dado, vencendo elle a quantia de rs.4:000$000, consignados na Lei Provincial N87, Art.36, e ficando a obra sua propriedade. He de esperar que os seus trabalhos mereo a approvao dos homens, que se interesso pelo progresso dos conhecimentos statisticos do Paiz. (Pernambuco. Presidente, 1841:7) Conforme relata Maria Luza Marclio, houve contrataes semelhantes em So Paulo (1836) e, posteriormente, em Alagoas (1856) (Marclio, 2000:41-2). Neste texto, no entanto, a autora no menciona Pernambuco. 19 Estando findar-se o prazo, em que devia ser apresentada a Estatistica desta Provincia, requereo o encarregado della uma prorrogao. Attendendo gavidade da commisso, que lhe foi incumbida pelo Governo Imperial, ha mais de um anno, e ao nenhum tempo, que resta ao Presidente de uma Provincia consideravel, como a do Maranho, para empregar-se em qualquer outro objeto, e ainda menos na Estatistica civil, e politica de outra Provincia mais populosa, concedi-lhe um anno de prorrogaao para ultimar to importante trabalho, cuja falta, em geral, at hoje sente todo o Brasil (Pernambuco. Presidente, 1844:17). Figueira de Mello apresentou o relatrio da presidncia do Maranho em 7/9/1843, mas j no mais exercia o cargo em junho de 1844.

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erudio e conhecimento na materia20. Apesar da divulgao do artigo de jornal quatro anos antes, o trabalho dado oficialmente como concludo em 1849, mas ficou sem ser publicado, possivelmente engavetado por presidentes menos interessados no tema (ou espicaados pelo furo do Dirio), j que em 1850 o autor ainda reclama sua publicao, prevista no contrato. finalmente publicado em 1852, tornando-se desde ento referncia essencial sobre o assunto21. A sistemtica dificuldade para reunir informaes completas sobre toda a provncia notria. No levantamento provincial promovido em 1838, o relatrio d uma populao total de pouco mais de 289 mil habitantes. Figueira de Mello, que, na qualidade de secretrio da provncia, assinava o resultado desse levantamento, criticou, comarca a comarca, os dados subestimados, chegando concluso de que a populao de Pernambuco na realidade no poderia ser menor do que 620 mil !22 No relatrio dos Negcios do Imprio de 1848, o Ministro escreve:Populao Subsistem ainda todas as difficuldades que de ha muito obsto organisao de hum quadro estatistico da populao do Imperio, e seria ocioso enumera-las, tendo-o feito os Relatorios anteriores. De raras Provincias tem vindo alguns trabalhos que se approximem exactido; de outras, e entre estas a mais populosa do Imperio, nenhuns dados se tem recebido, taes so as de Minas, Pernambuco, S.Paulo, e Cear; da Bahia ha apenas o arrolamento de 14 dos seus 60 Municipios; finalmente do proprio Municipio da Crte apenas possue a Secretaria o censo da populao que vos foi apresentado em 1838 (Brasil. Ministrio do Imprio, 1848:36).

No relatrio de 1851, o Presidente Jos Ildefonso de Souza Ramos relata o resultado de levantamento que havia solicitado aos procos. Das 45 freguesias requeridas, no havia obtido resultado de 10, todas localizadas no Serto (Comarcas de Flores e Boa Vista) (Pernambuco. Presidente, 1851:26-27). So alguns exemplos das dificuldades crnicas associadas produo estatstica na provncia.

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(Silva, 1870). Outros dos criadores do Minerva Brasiliense foram Francisco de Salles Torres Homem e Francisco Bernardino Ribeiro (Brasil. Biblioteca Nacional, 1881:438-9#5139). 21 Tendo o dezembargador Jeronymo Martiniano Figueira de Mello concludo o trabalho, de que fora incumbido pelo contracto celebrado em 27 de fevereiro de 1841 em virtude da lei provincial n.87 de 6 de Maio do anno anterior, e recebido em 23 de Junho de 1849 o premio ajustado, reclama o cumprimento do art.3 do contracto na parte em que dispe que a impresso da obra seja feita custa dos cofres provinciaes. (Pernambuco. Presidente, 1851:31) Mello, J.M.Figueira de. Ensaio sobre a estatistica civil e politica da Provincia de Pernambuco. Recife: Typ. de M.F. de Faria, 1852. Galloway (1968) escreve que This book was never published. After the proofs were prepared, the printers blocks were destroyed in a fire. A copy of the proofs, with the authors corrections, can be consulted in the library of the Colgio Estadual, Rua da Aurora, Recife, Pernambuco. [Este livro nunca foi publicado. Depois de preparadas as provas, as formas foram queimadas num incndio. Uma cpia dessas provas, com as correes do autor, pode ser consultada na biblioteca do Colgio Estadual, na rua da Aurora, Recife, Pernambuco.] O relatrio de Souza e Silva (1870) tambm transcrece o texto de Figueira de Mello. No podemos apurar mais sobre o assunto. 22 Mappa Statistico da Populao da Provincia de Pernambuco no Anno de 1838 em (Pernambuco. Presidente, 1839) e (Minerva Brasiliense, 1975).

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O quadro seguinte indica os poucos relatrios de presidentes da provncia de Pernambuco, ao longo do Imprio, que contm algum tipo de informao demogrfica.

Quadro 1 Existncia de estatsticas populacionais referentes ao Recife ou a Pernambuco nos relatrios dos presidentes da Provncia de Pernambuco (1838 a 1888)PE = dados referentes provncia de Pernambuco Cemitrio = dados sobre sepultamentos no cemitrio pblico do Recife Recife = dados sobre a capital, mas sem meno ao cemitrio

ANO 1838 1839 1840 1841 1842 1843 1844 1845 1846 1847 1848 1849 1850 1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863

Populao PE

Batismos / Casamentos

bitos

ANO 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1883 1884 1885 1886 1887 1888

Populao

Batismos / Casamentos

bitos Recife

Img/Exp(c)

Recife PE? (d) Recife Cemitrio Cemitrio

PE

PE-Censo (e) PE-Censo

PE (a)

PE (a)

PE (a) Cemitrio (b) Cemitrio Cemitrio Cemitrio Cemitrio

Cemitrio Cemitrio Cemitrio Cemitrio

PE

PE

Recife+PE

(f) (g) (g) (f) (f) (f) (f) (f) (f) (f)

PE? (d)

Fonte: Diversos relatrios dos presidentes da Provncia de Pernambuco, disponveis em http://brazil.crl.edu Nota: (a) Nmeros parciais referentes ao total de 45 das 55 freguesias. (b) Existe meno ao incio de enterros no cemitrio, no relatrio de 1852. (c) Nmeros de imigrantes e emigrantes; dados sobre exportao de escravos para outras provncias na dcada anterior. (d) No fica claro se os dados se referem provncia ou somente capital. (e) Dados parciais do recenseamento. (f) Nmero de estrangeiros entrados e sados da provncia. (g) Nmero de escravos existentes e respectivas quotas do fundo de emancipao.

E mais, em quadros demogrficos apresentados no relatrio referente a 1857, no h

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informaes sobre mortes em 12 dos 25 municpios da Provncia, includos entre os ausentes Recife e Olinda. Em compensao, somente 2 municpios no apresentam estatsticas sobre batizados (Pernambuco. Presidente, 1857b). No relatrio do presidente de 1859, novo levantamento provincial apresentado, cobrindo 59 freguesias em 14 comarcas, sendo que no h estatsticas sobre 14 dessas freguesias (Pernambuco. Presidente, 1859). A partir de meados do sculo, a criao de cemitrios pblicos (tratada na seo 6.1), inicialmente no Recife e logo em seguida por toda a Provncia, inicia a centralizao administrativa das estatsticas de falecimentos fora da responsabilidade das parquias. A exigncia de registro para todo nascimento e bito (bem como dos casamentos), estabelecida em 1851 e motivadora de diversas reaes, em especia