a formaÇÃo inicial do professor de mÚsica: o que pensam os egressos pernambucanos

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ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010 1 ARTE/EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: PERSPECTIVAS MULTIPLAS Everson Melquiades Araújo Silva, UFPE Paula Tecla Bernardes Mozinho Ferreira, UFPE Emília Patrícia de Freitas, UFPE Valdiene Carneiro Pereira, FAFIRE Maria da Conceição Carrilho de Aguiar, UFPE RESUMO Observa-se que o ensino de arte, desde a década de 1970 vem se constituindo como uma temática que tem sido tratada, até certo ponto, com abundância pela literatura educacional brasileira, sob variados ângulos e critérios e que conta, inclusive, com um amplo movimento de discussão e reflexão institucionalizada sobre o campo denominado “Arte/Educação”. Dessa forma, a Arte/Educação é epistemologia da arte. É a ciência do ensino de arte. Nesse sentido, a Arte/Educação tem se caracterizado como um campo amplo de conhecimento que, durante a sua trajetória histórica e sócio-epistemológica, vem agregando diferentes estudos, os quais são frutos de pesquisas científicas na área da arte e seu ensino, pesquisas artísticas e da produção de conhecimento/saberes, através da prática de ensino experimental de arte, na educação escolar e não-escolar. Assim, a Arte/Educação, como campo de conhecimento empírico-conceitual, tornou-se aberto a diferentes enfoques e vem agregando em seu corpus uma diversificada linha de atuação, estudo e pesquisa tais como, a formação do professor para o ensino de arte, História do ensino de arte no Brasil, Dança/Educação, Educação Musical, o ensino da arte na educação escolar, o ensino da arte na educação não-escolar, o ensino das artes visuais, o ensino inclusivo de arte, entre outros. Nesta direção, este painel tem como objetivo compreender os diferentes processos de formação humana no âmbito do campo da Arte/Educação, através da apresentação de pesquisa que buscam problematizar essa temática a partir de perspectivas múltiplas, tais como, a formação inicial de professores de música, a formação humana de aluno-ator nos cursos profissionalizante de teatro e a formação de arte/educadores que atuam no âmbito das Organizações Não- Governamentais. Desta forma, a Arte/Educação assume papel fundamental para a formação humana enquanto práxis pedagógica, reconhecida, nestas pesquisas, como prática que podem proporcionar experiências significativas ao aperfeiçoamento dos sujeitos humanos. Palavras-Chave: Arte/Educação; Ensino de Arte; Formação Humana; Formação de Professores; Organizações Não-Governamentais.

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ARTE/EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: PERSPECTIVAS MULTI PLAS

Everson Melquiades Araújo Silva, UFPE Paula Tecla Bernardes Mozinho Ferreira, UFPE

Emília Patrícia de Freitas, UFPE Valdiene Carneiro Pereira, FAFIRE

Maria da Conceição Carrilho de Aguiar, UFPE

RESUMO Observa-se que o ensino de arte, desde a década de 1970 vem se constituindo como uma temática que tem sido tratada, até certo ponto, com abundância pela literatura educacional brasileira, sob variados ângulos e critérios e que conta, inclusive, com um amplo movimento de discussão e reflexão institucionalizada sobre o campo denominado “Arte/Educação”. Dessa forma, a Arte/Educação é epistemologia da arte. É a ciência do ensino de arte. Nesse sentido, a Arte/Educação tem se caracterizado como um campo amplo de conhecimento que, durante a sua trajetória histórica e sócio-epistemológica, vem agregando diferentes estudos, os quais são frutos de pesquisas científicas na área da arte e seu ensino, pesquisas artísticas e da produção de conhecimento/saberes, através da prática de ensino experimental de arte, na educação escolar e não-escolar. Assim, a Arte/Educação, como campo de conhecimento empírico-conceitual, tornou-se aberto a diferentes enfoques e vem agregando em seu corpus uma diversificada linha de atuação, estudo e pesquisa tais como, a formação do professor para o ensino de arte, História do ensino de arte no Brasil, Dança/Educação, Educação Musical, o ensino da arte na educação escolar, o ensino da arte na educação não-escolar, o ensino das artes visuais, o ensino inclusivo de arte, entre outros. Nesta direção, este painel tem como objetivo compreender os diferentes processos de formação humana no âmbito do campo da Arte/Educação, através da apresentação de pesquisa que buscam problematizar essa temática a partir de perspectivas múltiplas, tais como, a formação inicial de professores de música, a formação humana de aluno-ator nos cursos profissionalizante de teatro e a formação de arte/educadores que atuam no âmbito das Organizações Não-Governamentais. Desta forma, a Arte/Educação assume papel fundamental para a formação humana enquanto práxis pedagógica, reconhecida, nestas pesquisas, como prática que podem proporcionar experiências significativas ao aperfeiçoamento dos sujeitos humanos. Palavras-Chave: Arte/Educação; Ensino de Arte; Formação Humana; Formação de Professores; Organizações Não-Governamentais.

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AS CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE TEATRO PARA A FORMAÇÃ O

HUMANA: O que pensam os arte-educadores?

Paula Tecla Bernardes Mozinho Ferreira, UFPE Everson Melquiades Araújo Silva, UFPE

RESUMO

O objetivo deste estudo foi compreender a partir do discurso dos arte/educadores quais são as contribuições do ensino de teatro para a formação humana do aluno-ator. Para tanto, realizamos uma entrevista semi-estruturada com os arte/educadores do curso profissionalizante de teatro, da Escola Municipal de Arte João Pernambuco, que faz parte da Rede Municipal de Ensino da Cidade de Recife. A partir da análise categorial foi possível mapear no discurso dos arte/educadores as aprendizagens extras teatrais desenvolvidas pelos alunos-atores no curso profissionalizante de teatro que contribuem com a sua formação humana. Nesta direção, agrupamos em três categorias as aprendizagens identificadas. São elas: (1) Autoconhecimento; (2) Autonomia; (3) Senso de Alteridade. Dentro da aprendizagem Autoconhecimento encontramos os processos de (a) Consciência de Inacabamento, (b) Consciência Corporal e (c) Conhecimento das Habilidades Mentais. Na aprendizagem Autonomia encontramos por sua vez os processos de (d) Iniciativa Própria, (e) Capacidade de Superação e Transformação do Individuo e (f) Expressividade Autêntica. Com relação ao Senso de Alteridade encontramos enquanto aprendizagem a atitude de preocupar-se com o bem-estar do outro. Concluiu-se que o ensino de teatro proporciona aos atores em formação aprendizagens que superam o aperfeiçoamento técnico contribuindo para a sua humanização. Constatou-se, nesse sentido, que o ensino de teatro supera as expectativas de aquisição de conhecimentos técnicos da atuação profissional do ator, refletindo também na vida extra-teatral dos estudantes. Desta forma, o ensino de teatro assume papel fundamental para a formação humana enquanto prática pedagógica, reconhecidas, neste trabalho, como práticas que podem proporcionar experiências significativas ao aperfeiçoamento dos sujeitos humanos. Acreditamos que a contribuição do ensino de teatro para a formação humana do indivíduo é proporcionada principalmente pelo espaço que dá ao educando para a livre adesão e expressão no que concerne aos conhecimentos teatrais. PALAVRAS-CHAVES: Arte/Educação; Ensino de Teatro; Formação Humana;

Aprendizagens Extras Teatrais.

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O ENSINO DE TEATRO E A FORMAÇÃO HUMANA

Desde a antiguidade a arte vem sendo pensada como um caminho para

desenvolver no homem aquilo que é essencialmente humano. Era unânime a idéia de

que a dança, a música e o teatro ajudavam aos jovens a aprender e desenvolver

comportamentos sadios para o corpo, a mente e o espírito (COURTNEY, 1980). Neste

contexto, o teatro foi utilizado para auxiliar a despertar no sujeito humano inúmeras

habilidades. Assim, a importância do ensino de teatro na educação do homem encontra-

se na influência que esse processo educativo atua no desenvolvimento da ampliação da

consciência humana (KOUDELA, 1992). Nesta direção, defendemos a idéia do ensino

de teatro como uma pratica pedagógica que possibilita a formação de humana do aluno-

ator.

Corroborando com essa perspectiva diferentes estudos contemporâneos

defendem que o ensino de teatro desenvolve habilidades e proporciona experiências

que, no nosso entender, auxiliam os sujeitos a ativarem processos de humanização, tais

como os estudos de Silva, 2006; Telles, 2006; Doria, 2006; Rocha, 2006; Coutinho,

2006; Cabral, 2006.

Dentre esses processos os referidos estudos destacam a liberação de emoções e

pensamentos, a motivação da expressão autêntica, a busca pelo próprio

aperfeiçoamento, o conhecimento do outro através de reflexões sobre a cultura e

realidade em que está inserido, promover o desenvolvimento da espontaneidade,

criatividade e originalidade, entre outros.

Desta forma, acreditamos que o processo educativo em teatro tem uma

contribuição única a dar para a experiência e cultura diferenciando-se de outros campos

de estudo, atuando de forma própria na consciência humana Neste contexto, realizamos

este estudo que teve como objetivo compreender a partir do discurso de arte/educadores

quais são as contribuições do ensino de teatro para a formação humana do aluno-ator.

Aqui, formação humana é entendida como um processo no qual o homem,

percebendo-se como um ser inacabado procura desenvolver-se em todos os sentidos,

aperfeiçoando-se cada vez mais para relacionar-se com a realidade que o cerca. Ele

mesmo é co-responsável por sua formação e, portanto, por proporcionar a si mesmo

experiências nas quais possa se aproximar cada vez mais da sua humanidade (RÖHR,

2006).

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Na próxima seção, apresentaremos o percurso metodológico que desenvolvemos

para encontramos os resultados do nosso estudo.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa, conforme anunciado anteriormente, teve como objetivo

compreender a partir do discurso de arte/educadores quais são as contribuições do

ensino de teatro para a formação humana do aluno-ator.

Nesta direção, escolhemos como campo de investigação da nossa pesquisa a

Escola Municipal de Artes João Pernambuco. Situada na Cidade do Recife, a instituição

atende hoje uma clientela bastante diversificada advinda de diferentes cidades do Estado

de Pernambuco. Além do público espontâneo, alguns alunos são encaminhados pelos

por órgãos de proteção a criança e ao adolescente. Desta forma, são oferecidos para essa

clientela oficinas nas linguagens do Teatro, Música, Artes Visuais e Dança e cursos

profissionalizantes em Teatro e Música.

A referida instituição foi escolhida como campo de investigação desta pesquisa

por se tratar da única escola pública municipal do Estado de Pernambuco que oferece o

curso profissionalizante em teatro, reconhecido inclusive pelo Sindicato dos Artistas e

Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado de Pernambuco (SATED-PE).

Foram selecionados como sujeitos de nossa investigação os quatro

arte/educadores titulares do curso profissionalizante de teatro da referida escola. A

seguir iremos apresentar um breve perfil desses sujeitos, a partir da caracterização de

sua formação e experiência profissional.

Todos os arte/educadores possuem curso de graduação em licenciatura em

Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, pela Universidade Federal de

Pernambuco (UFPE), bem como Pós-Graduação na área de arte e seu ensino, além de

possuírem larga experiência como atores. Os referidos sujeitos atuam na Escola

Municipal de Artes João Pernambuco, como arte/educadores do curso profissionalizante

de teatro, no mínimo, há cinco anos. Apenas três dos quatro arte/educadores declaram

possuir experiência ou estar atuando com ensino de arte no Ensino Fundamental.

Para obtermos uma compreensão do objeto investigado adotamos como

procedimento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Nesta direção, foram

realizadas entrevistas semi-estruturadas com os nossos sujeitos, que, depois de gravadas

em fitas de áudio, foram transcritas posteriormente, formando, ao final, quatro

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protocolos de entrevistas. A entrevista semi-estruturada foi adotada, nesta pesquisa, por

constituir-se como um procedimento que “possibilita a flexibilidade ao se pautar em

perguntas temáticas e não em questões fechadas, favorecendo assim a ênfase nos

aspectos que se mostrarem mais relevantes para análise e compreensão do objeto”

(GUIMARÃES, 2002, p. 14).

Utilizamos como procedimentos para análise dos dados, as técnicas da análise

de conteúdo sistematizada a partir dos estudos de Bardin (1997). No entanto, diante da

especificidade do nosso objeto de investigação e da compreensão de que a análise de

conteúdo não se trata de um instrumento, mas de um conjunto de técnicas de análise das

comunicações, adotamos para tratamento, organização e análise dos dados desta

pesquisa os procedimentos da análise categorial.

Nesta direção, a partir da análise categorial foi possível extrair dos discursos dos

arte/educadores as aprendizagens mais significativos para as vivências extra-teatrais dos

alunos-atores possibilitadas no curso de formação de ator, conforme iremos apresentar a

seguir nos resultados da nossa pesquisa.

AS APRENDIZAGENS EXTRA-TETRAIS

A partir da análise dos conteúdos dos discursos dos arte/educadores expressos na

entrevista semi-estruturada, emergiram diferentes aprendizagens extras teatrais que

contribuem com a formação humana do aluno-ator, conforme explicitaremos a seguir.

No entanto, é preciso esclarecer que o termo “aprendizagens extras teatrais” que

utilizamos aqui em nosso trabalho está relacionado a toda aprendizagem adquirida

através do contato prolongado com a linguagem teatral, que influência a vida cotidiana

dos alunos-atores, nas mais diferentes situações. Em outras palavras, é tudo que se

aprende no ou com teatro e se leva para a vida fora do teatro.

Nesta direção, para uma maior compreensão dos resultados obtidos com essa

pesquisa, agrupamos em três categorias as aprendizagens extras teatrais inferidas nos

discursos dos arte/educadores. São elas: (1) Autoconhecimento; (2) Autonomia; (3)

Senso de Alteridade.

Denominamos de AUTOCONHECIMENTO o primeiro grupo de

aprendizagens. Esse conjunto de aprendizagens refere-se, primordialmente, a

capacidade do ser humano se reconhecer enquanto ser em seu devir, e, a partir daí,

sugere-se a habilidade de reconhecer as próprias necessidades corporais, emocionais,

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mentais e espirituais. Exemplos dessas aprendizagens podem ser verificados abaixo nos

fragmentos dos discursos dos arte/educadores:

Olha, eu acho que a estarem mais inteiros. [...] pelo menos é isso que eu quero passar pra eles, né. Essa possibilidade que a vida é toda esfacelada. E o papel da gente é sair juntando. Junta aqui, junta ali e tal. Aí fica um pouco inteiro. Aí desmonta e vai e tal. É isso que eu quero. Que eles fiquem mais inteiros. (Arte/Educador C)

[...] é na saúde do corpo. Então geralmente eles chegam com posturas muito, né, assim viciadas na verdade. Posturas viciadas no sentar, no andar, no parar, né. O corpo tenso. O corpo desalinhado, né. As pessoas tensas a gente tem um trabalho todo de relaxamento. Tem um trabalho todo de alongamento. Tem um trabalho de conhecimento das partes do corpo. De reconhecimento dessas partes. Então eu acho que antes de mais nada, a gente trabalha com a consciência corporal, com a saúde do corpo. (Arte/Educador A)

a arte de uma forma geral ela tem pra mim a principal... O principal objeto dela é a possibilidade que ela dá de transcendência. Essa transcendência né de caráter espiritual não. É caráter de você ser outro. Estar em outra situação. Construir uma nova identidade. Ou é.... é... ver-se de forma diferente, ver o outro de forma diferente. Né ter uma olhar de ressignificação pro mundo. (Arte/Educador C)

A partir desses fragmentos dos discursos dos Arte/Educadores é possível

compreender que a aprendizagem do Autoconhecimento está relacionada diretamente a

três processos de conhecimento: (1) Consciência do Inacabamento; (2) Consciência

Corporal; (3) Consciência das Habilidades Mentais.

A Consciência de Inacabamento, apontada pelo Arte/Educador C pode se

realizar através da percepção da inconsistência das próprias inclinações habituais para

responder satisfatoriamente em determinada situação, bem como no ato de perceber

também que a própria realidade não suscita motivações suficientes ao crescimento

humano e precisa ela mesma ser modificada (RÖHR, 2002). Idéia ratificada por

Koudela (1992) ao destacar em seus estudos como aprendizagem significativa

proporcionada pelo ensino de teatro a “consciência do momento presente e a percepção

da realidade como algo em constante transformação” (p. 81).

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Outro conhecimento relacionado à aprendizagem do Autoconhecimento

apresentada pelo Arte/Educador A é a Consciência Corporal. Entende-se que aprender

sobre as necessidades do próprio corpo enquanto organismo físico-biológico e

instrumento de interação com o ambiente, bem como a sua influência sobre a vida

psíquica-mental é essencial para o processo de humanização. A esse respeito,

compreende-se que para se estar bem consigo mesmo, deve-se procurar estar ligado ao

próprio corpo a fim de liberá-lo de tensões que comprometam o seu funcionamento

original, como explica Mota (2004):

Se a energia não está cronicamente congelada e fixada, a vida vegetativa, 'inerentemente produtiva e dotada de infinitas possibilidades de desenvolvimento' (REICH, 1994/1995: 304), permite ao organismo manter-se ligado à vida, estabelecendo relações naturais com o mundo externo, pois o psíquico e o somático encontram-se sintonizados” (p. 4)

O Conhecimento das Habilidades Mentais é outro conhecimento destacado

pelo Arte/Educador C, dentro da aprendizagem do Autoconhecimento. Desta forma, a

transcendência, é entendida como a capacidade do indivíduo extrapolar o habitual e

trazer o novo enquanto resposta original. A criatividade nesse sentido é essencial para

corroborar com o movimento de auto-reflexão.

O segundo grupo de aprendizagens foi denominado de AUTONOMIA. Esta

aprendizagem caracterizar-se como aquela que capacita o indivíduo a ser autor de sua

própria vida. Aqui, ele vai, por um lado, apoiar-se nas suas habilidades de

discernimento e transformação e, por outro, buscar e criar experiências, através da

própria vontade e iniciativa, nas quais ele possa desenvolver-se humanamente e

expressar-se autenticamente, conforme podemos verificar nos fragmentos a seguir:

E aí, ao mesmo tempo que você forma o profissional de teatro, você também tá trabalhando o fruidor, [...] Da maneira que você forma o profissional, você forma o fruidor de teatro, aquele que não vai ser o ator, mas aquele que vai ao teatro. (Arte/Educador B)

Mas, tem o crescimento pessoal, né. Tem a mudança interior. E também dar um rumo pra muita gente, um rumo profissional mesmo. Teve pessoas que passaram aqui... Saíram daqui diretamente pra o curso da universidade. Chegaram aqui sem saber o que fazer da vida, pra onde iam, o que queriam, não sei o

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que. Hoje em dia estão inseridos no contesto teatral da cidade. Em grupos de teatro, em grupos de dança também. (Arte/Educador D)

Porque a partir do momento que eu estou desenvolvendo a linguagem gestual, à linguagem corporal, a respiração que me traz equilíbrio. Eu uso muito também as posturas da ioga nas minhas aulas. Então, de.. de a... nesses momentos, você está expressando sentimentos. Você está jogando pra fora coisas que estão guardadas lá dentro. Que por muito tempo ficam guardadas e aquele é um momento de você tá jogando. De você tá recebendo energias boas do outro. De você tá reconhecendo o outro e sendo reconhecido como importante. Então essas são formas de expressar sentimentos, de expressar emoções, de dialogar. (Arte/Educador A)

Esses fragmentos dos discursos dos Arte/Educadores relacionados à

aprendizagem da AUTONOMIA revelaram outros conhecimentos fundamentais ao

processo de formação humana, tais como: (1) Iniciativa Própria; (2) Capacidade de

Superação e Transformação do Indivíduo; (3) Expressividade Autêntica.

Percebemos no discurso do Arte/Educador B aquilo que caracteriza a Iniciativa

Própria . Nesta fala, fica evidente que o respeito à vontade do indivíduo e o despertar

desta nele é essencial para o aprendizado. Verifica-se que os conhecimentos de si e de

mundo enquanto realidades em processo de realização proporcionam aos alunos-atores

um interesse íntimo em relação a outros conhecimentos.

Desta forma, a experiência com a expressão artística é algo necessário para que a

pessoa possa, entre outros aspectos, superar a ignorância e a indiferença, conforme

fragmento do discurso do Arte/Educador D. Percebe-se então claramente, que a

participação na vida cultural se encontra entre os recursos que favorecem o

aperfeiçoamento humano. Nesta direção, a experiência teatral oferece critérios para

julgar a qualidade das experiências culturais enquanto influência sobre a sua formação,

conforme defendido por Pinto (2006):

Essa interação constitui o formato de uma linguagem artística e carrega consigo um objetivo fundamental: “ampliar as possibilidades e interação direta do educador e educando com o campo estético-sensível e cognitivo da arte” (LOPES, 2002) e essa clara intencionalidade compreende uma releitura acerca da função social e educativa do “fazer artístico-popular” dos alunos. Lopes confere ao teatro um caráter educativo, se entendemos por educar a descoberta e utilização de formas e meios de apoio para o desenvolvimento do ser humano, em direção a vida autônoma e conseqüente, para a sociedade de que seja membro. (p. 126)

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Como fica explicito na fala do Arte/Educador D, outro aspecto relacionado à

aprendizagem da Autonomia refere-se à Capacidade de Superação e Transformação

do Indivíduo. Ao ampliar a visão de mundo dos alunos-atores, o ensino de teatro

proporcionou a eles o reconhecimento das possibilidades de superação das dificuldades

através da habilidade de transformar as situações.

Demonstrada na fala da Arte/Educador A, ainda relacionado à Autonomia, outra

atitude identificada diz respeito à preocupação de assumir uma Expressividade

Autêntica. Os alunos-atores aprendem a serem verdadeiros consigo ao reconhecerem a

importância disso na interação com as pessoas, primeiramente com o teatro no dever de

tornar real (KOUDELA, 1992). O teatro ajuda a pessoa, a partir do autoconhecimento, a

reconhecer as várias possibilidades do seu ser e transcender suas atitudes habituais

quando na vivência de uma personagem. Desta forma, no exemplo do Arte/Educador A,

a autenticidade mostra-se importante para que o indivíduo se reconheça enquanto ser

digno, único, possuidor de um espaço que não poderia lhe ser negado por nenhuma

instância, conforme ratificado por Doria (2006) ao defender que:

[...] descobre seu lugar no espaço, um lugar onde cada um assume o seu tamanho e descobre o seu brilho. Talvez o exercício de transformação humana comece por aí, simplesmente subindo ao palco, após um longo processo artístico de descobertas. (p. 130)

O terceiro e ultimo grupo de aprendizagens denominamos SENSO DE

ALTERIDADE. Este se refere à preocupação com o bem estar do outro, bem como as

formas de proporcionar esse bem estar. Um bom exemplo desse tipo de aprendizagem

pode ser constatado no fragmento apresentado abaixo:

Eles se reúnem. Eles criam vínculos para ir verem peças, pra ir dançarem. Para saírem para beber. Pra eles fazerem uma festa, né. Então assim. Eu acho que eles tem esse aspecto profissional. Tem uma seleção pra tal coisa. Então eles tem essa coisa legal de... eles socializam e vão todos para essa seleção, aquele esquema todo. (Arte/Educador C)

O fragmento do discurso do Arte/Educador C, demonstrar que apesar dos

constantes incentivos a concorrência no mercado de trabalho, podemos destacar nesse

relato uma preocupação com o outro. Uma preocupação em construir vínculos cada vez

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mais estreitos. Propor vivências em que possam se conhecer e interagir. Socializar

conhecimentos e experiências entre eles.

Todas essas aprendizagens que acabamos de apresentar são interdependentes e

contribuem para que o indivíduo tenha uma visão cada vez mais ampla do mundo. Isso

nos possibilita uma ação maior sobre a realidade, de forma a transformá-la em favor do

nosso aperfeiçoamento.

A seguir, apresentaremos as considerações finais do nosso trabalho e suas

contribuições do ensino de teatro para a formação humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi compreender a partir do discurso de arte/educadores

quais são as contribuições do ensino de teatro para a formação humana do aluno-ator.

Neste sentido, escolheu-se explicitar as aprendizagens extras teatrais adquiridas pelo

aluno-ator, a fim de comprovar a idéia de que a prática pedagógica desenvolvida no

âmbito do curso de profissionalização em Teatro oferece recursos também para o

processo de humanização do ser humano.

Desta forma, a partir do mapeamento do discurso dos arte/educadores foi

possível identificar um conjunto de aprendizagens que é adquirida pelo aluno-ator, que

para além do desenvolvimento das técnicas de atuação profissional do ator que

contribuem pra a formação humana. São elas: (1) Autoconhecimento; (2) Autonomia;

(3) Senso de Alteridade. Dentro da aprendizagem Autoconhecimento encontramos os

processos de (a) Consciência de Inacabamento, (b) Consciência Corporal e (c)

Conhecimento das Habilidades Mentais. Na aprendizagem Autonomia encontramos por

sua vez os processos de (d) Iniciativa Própria, (e) Capacidade de Superação e

Transformação do Individuo e (f) Expressividade Autêntica. Com relação ao Senso de

Alteridade encontramos enquanto aprendizagem a atitude de preocupar-se com o bem-

estar do outro.

Constatou-se, nesse sentido, que o ensino de teatro supera as expectativas de

aquisição de conhecimentos técnicos da atuação profissional do ator, refletindo também

na vida extra-teatral dos estudantes. Desta forma, o ensino de teatro assume papel

fundamental para a formação humana enquanto prática pedagógica, reconhecida, neste

trabalho, como prática que podem proporcionar experiências significativas ao

aperfeiçoamento dos sujeitos humanos.

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Acreditamos que a contribuição do ensino de teatro para a formação humana do

indivíduo é proporcionada principalmente pelo espaço que dá ao educando para a livre

adesão e expressão no que concerne aos conhecimentos teatrais.

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A FORMAÇÃO DO EDUCADOR QUE ATUA COM O ENSINO DE ART E: UM OLHAR A PARTIR DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS DE

PERNAMBUCO

Emília Patrícia de Freitas, UFPE Maria da Conceição Carrilho de Aguiar, UFPE

RESUMO O ensino de artes nas Organizações Não-Governamentais – ONGs, vem sendo considerado um dos componentes fundamentais em seus programas educativos, por proporcionar e valorizar os contextos sociais, históricos e culturais das comunidades onde estão inseridas (Castro, 2001). É nas ONGs onde a exclusão social é combatida e a arte é utilizada como importante elemento de reconstrução pessoal e social. Neste sentido esta pesquisa tem como objetivo compreender o percurso formativo dos educadores que desenvolvem o ensino de artes nas ONGs. O estudo foi realizado em duas ONGs da cidade do Recife/PE: o Grupo AdoleScER e o Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis – NEIMFA. No contexto atual, e modo mais geral, as ONGs se constituem a partir da vontade autônoma de homens e mulheres, que se reúnem com a finalidade de promover objetivos comuns de forma não lucrativa. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa (Bogdan e Biklen, 1994), que utilizou como procedimentos de coleta de dados a pesquisa documental (onde foram analisados o regimento interno das instituições, como também, os respectivos estatutos e as propostas formativas para os educadores que atuam com o ensino de arte) e a realização de entrevistas semi-estruturadas com a responsável legal de uma das organizações e com a coordenadora de núcleo da outra instituição. Quanto aos procedimentos de análise e tratamento dos dados obtidos, utilizou-se a análise de conteúdos (Bardin, 1977). Os resultados apontaram que as ONGs vem se preocupando em formar seus educadores que atuam com o ensino de arte, no intuito de realizar práticas artísticas coerentes e que proporcionem aos beneficiários destas instituições a possibilidade de conhecer, interagir e contribuir com a formação integral dos indivíduos. Palavras-chave: Formação do educador; Ensino de Arte; Organizações Não-Governamentais.

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Introdução Desenvolvendo ações educativas na educação não-formal, no âmbito das

organizações não-governamentais (ONGs), desde 1986 e tendo cursado a Licenciatura

em Educação Artística, com Habilitação em Artes Plásticas, pela Universidade Federal

de Pernambuco – UFPE (2001), a arte e seu ensino sempre estiveram presentes nas

atividades formais e não-formais do meu dia a dia.

Castro (2001) ao realizar um estudo aponta como o ensino de artes nas ONGs,

vem sendo considerado um dos componentes fundamentais em seus programas

educativos. No entanto, ressalta em sua pesquisa, que apesar da forte presença do ensino

de artes nessas organizações, essa prática educativa não vem se constituindo objeto de

análise e reflexão das pesquisas no campo da educação.

O desafio da escola de abrir suas portas para a comunidade não é o desafio das

ONGs. Essas desenvolvem ações educativas na área de arte enfatizando e valorizando

os contextos sociais, históricos e culturais das comunidades onde estão inseridas. É nas

ONGs onde a exclusão social é combatida e a arte é utilizada como importante elemento

de reconstrução pessoal e social.

Para melhor compreender este fenômeno, Carvalho (2005) realizou um estudo

sobre o ensino de arte que vem sendo desenvolvido nessas organizações. Neste estudo,

dentre os resultados apontados, verificou-se que a arte contribui para a reconstrução

pessoal e para a inclusão social, pois proporciona aos seus beneficiários o

fortalecimento da auto-estima, o desenvolvimento da capacidade cognitiva, permitindo

o acesso aos bens culturais produzidos pela Humanidade.

Nas ONGs, ainda segundo Carvalho (2005), o ensino de arte está organizado na

forma de oficinas artísticas, com uma carga horária média de 6 horas semanais e tendo

como principais objetivos o aprendizado de conteúdos teóricos e específicos das

linguagens artísticas; o aperfeiçoamento das habilidades técnicas; o conhecimento de

técnicas e materiais; a profissionalização e a inserção no mercado de trabalho; a

promoção de sujeitos que sejam autores de sua própria história; o acesso aos bens

culturais e simbólicos; o desenvolvimento da auto-estima, entre outros.

Dentre os conteúdos estudados nas oficinas artísticas destacam-se o ensino das

técnicas e os eixos teóricos das linguagens artísticas. Notam-se, ainda, uma

predominância das atividades performáticas (músicas, danças, teatro), atividades essas

que possibilitam a apresentação de espetáculos e repercussões mais abrangentes, em

detrimento das atividades das artes visuais (desenho, pintura, escultura, entre outras).

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Um dos elementos que nos chamou muito a atenção neste estudo está

relacionado à formação escolar e profissional dos educadores que atuam nessas

organizações. Em geral, esses educadores são oriundos das próprias comunidades onde

essas instituições estão instaladas e uma significativa parte deles não possui habilitação

para o ensino de Arte, tendo apenas concluído o Ensino Fundamental ou o Ensino

Médio.

Sobre a prática educativa de artes, Barbosa (2005) apontou que o ensino de arte

de melhor qualidade não está nas escolas, mas nas ONGs. Segundo a referida autora:

No Brasil, todas as ONGs, que têm obtido sucesso na ação dos excluídos, esquecidos ou desprivilegiados da sociedade, estão trabalhando com arte e até vêm ensinando às escolas formais à lição da Arte como caminho para recuperar o que há de humano no ser humano (BARBOSA, 2005, p.291).

Conforme pudemos constatar nos estudos aqui apresentados, boas práticas

educativas de ensino de arte, no contexto atual do Brasil, estão sendo desenvolvidas nas

ONGs. Pode-se verificar, também, que uma significativa parte desses educadores que

desenvolvem essa prática educativa não possui formação específica para esse campo de

conhecimento. Neste sentido, que tipo de formação vem recebendo esses educadores,

para desenvolverem o ensino de arte? Que qualificação receberam e/ou recebem para

atuar neste segmento?

Nesta direção, essa pesquisa que faz parte de um estudo mais abrangente, teve

como objetivo geral compreender o percurso formativo dos educadores que

desenvolvem o ensino de artes nas ONGs. Para isso, foi necessário identificar o modelo

formativo construído pelas ONGs para o desenvolvimento profissional dos educadores.

A formação do professor de arte

A discussão sobre a formação de professores no cenário brasileiro não se

constitui em uma temática recente, posto que, desde a década de 1980, ela tornou-se

uma das questões centrais do campo educacional.

Mais especificamente no campo da Arte/educação, o marco histórico do

surgimento do processo de formação de professores para o Ensino da Arte no Brasil não

está relacionado à LDBEN de nº 5.692/71, que estabelece a obrigatoriedade do ensino

de arte nas escolas de 1º e 2º graus e a criação dos Cursos de Licenciatura Curta em

Educação Artística, na década de 1970.

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Segundo estudos de Varela (1986) e Barbosa (1984) é possível verificar que a

formação dos professores para o ensino de arte vem ocorrendo no Brasil desde a metade

do século XX. Mais precisamente, essa prática foi instituída na década de 1950, pelas

diferentes instituições que faziam parte do Movimento das Escolinhas de Arte (MEA),

através da realização de cursos de formação inicial e continuada, especialmente, para os

professores que atuavam no 1º grau.

No entanto, a maior expressão desse processo formativo aconteceu a partir da

década de 1960, com a criação do “Curso Intensivo de Arte na Educação” (CIAE). Esse

curso foi realizado sob a coordenação técnica e pedagógica da professora Noêmia

Varela, que sob uma orientação modernista, por vinte anos de existência (1961-1981),

formou aproximadamente mil e duzentos educadores de diferentes regiões do país. A

referida professora trouxe para a Escolinha de Arte do Brasil toda a sua experiência

acumulada no decorrer de sua formação como arte/educadora.

Vale ressaltar que a designação arte/educador e/ou arte/educadora vem sendo

utilizada nas últimas décadas para fazer referência aos educadores que, licenciados em

arte ou não, atuam com o ensino de arte nos mais variados ambiente formativos. A

expressão conectada por uma barra, busca reforçar a “ideia de imbricamento,

contigüidade, terceiro espaço” (FRANGE, 2003, p.45).

Com o decorrer dos anos, a ação formativa de preparação dos professores para o

ensino de arte vem se intensificando, em suas diferentes esferas. Nesse sentido, é

possível encontrar, em todo território nacional, diferentes iniciativas relacionadas à

necessidade de formação dos professores para o desenvolvimento do ensino-

aprendizagem da arte.

É no início da década de 1980, que acontece o primeiro curso de formação

continuada dentro de uma orientação Pós-Moderna da Arte/Educação, ocorrida no

Festival de Inverno de Campos de Jordão, em São Paulo, sob a orientação da professora

Ana Mae Barbosa. Realizado em parceria com diferentes instituições culturais, a partir

da implementação de inúmeras atividades, esse evento contou com a participação de

seis mil e quinhentos (6.500) professores de arte de São Paulo. Foi à primeira tentativa

de atualizar os educadores e/ou arte/educadores brasileiros sobre os novos princípios do

ensino de arte, dentro de uma perspectiva pós-moderna. Ou seja, dentro de uma

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perspectiva que trate o ensino de arte sob o viés da multiculturalidade, da

interdisciplinariedade, das novas tecnologias e da relação contínua e inseparável entre o

fazer, o apreciar e o contextualizar arte.

Percebe-se, portanto, a partir dos exemplos apresentados, que há mais de quatro

décadas, diferentes iniciativas vêm sendo empreendidas para a formação dos

professores para o ensino de arte, sejam elas no âmbito da formação inicial ou

continuada. Mas, como a literatura especializada vem teorizando essa prática formativa

para que possamos melhor compreendê-la e aperfeiçoá-la? Que estudos tratam sobre a

atuação do educador em espaços não-formais os mais diversos, incluindo aí, o ensino de

arte nas ONGs?

O que são as ONGs?

A sigla ONG corresponde, literalmente, a Organização Não-Governamental.

Todavia, essa é uma expressão que permite muitas interpretações. A definição textual,

ou seja, aquilo que não pertence ao governo é tão ampla, que abarca qualquer

organização que não seja estatal.

A expressão surge, pela primeira vez, após a II Guerra Mundial, na Organização

Nacional das Nações Unidas (Non-Governmental Organizations – NOGs) para designar

as organizações supranacionais e internacionais que foram se construindo por acordos

governamentais. Do ponto de vista formal, uma ONG é constituída pela vontade

autônoma de homens e mulheres, que se reúnem com a finalidade de promover

objetivos comuns de forma não lucrativa.

A legislação brasileira prevê três formatos para a constituição de uma

Organização sem fins lucrativos: associação, fundação ou organização religiosa. De

acordo com o estudo realizado pela Consultoria do Senado Federal, em 1999, “ONG

seria um grupo social organizado, sem fins lucrativos, constituído formal e

autonomamente, caracterizado por ações de solidariedade no campo das políticas

públicas e pelo legítimo exercício de pressões políticas em proveito das populações

excluídas das condições de cidadania” (Caderno da ABONG, s/d. p.3).

No Brasil, num estudo realizado em 2004, pelo Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada – IPEA e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em parceria

com a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG e o

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Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE, revelou que em 2002 havia 276 mil

fundações e associações sem fins lucrativos no país.

Essas organizações situadas na dimensão do não-governamental criam novos

modelos de trabalho, o principal deles, o voluntariado. Por fim, são as ONGs que vão

atuar e desenvolver ações em parceria com a comunidade local, as secretarias e o poder

público, agindo nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, geração de renda, entre

outras e passando a “constituir um setor da economia que está denominado como uma

‘economia social’ ou, simplesmente, terceiro setor, que se apresenta com fins públicos

não voltados para o lucro” (GOHN, 1999, p.17).

Gohn (2008) vai apontar quais foram os marcos de ação/atuação dos

movimentos associativos, em especial das ONGs, ressaltando os papéis por essas

instituições efetivados, no decorrer das décadas de 1970, 1980 e 1990, do século

passado, com o surgimento de outras entidades, que passam a se autodenominar como

terceiro setor (este mais articulado as empresas e fundações).

As ONGs, a partir da década de 1990, além de passarem a exercer um papel

mais ativo, produzindo e democratizando informações, vão se “especializar” em

assuntos, tais como a atuação junto às mulheres com relação a problemas de saúde, as

ações de proteção e apoio as crianças e adolescentes, a exigência do cumprimento de

políticas públicas, na promoção e acesso as manifestações culturais e artísticas, a

formação de sindicatos, etc.

No contexto atual as ONGs vão enfatizar a pluralidade da realidade onde estão

inseridas, como também, na pluralidade de seus atores sociais, priorizando as práticas

comunicacionais e interacionais, mobilizando as pessoas a agirem integralmente no

contexto onde estão inseridas e oportunizando a vivência de serem sujeitos mais ativos,

com clareza de suas capacidades de intervenção e alteração na conjuntura

política/econômica e social, melhorando assim, sua qualidade de vida, como também,

dos demais sujeitos.

ONGs em Pernambuco

De acordo com dados da Associação Brasileira das Organizações Não-

Governamentais – ABONG (Caderno da ABONG, 2006), a maior parte das ONGs em

Pernambuco, está situada na Região Metropolitana do Recife.

Entre os principais beneficiários da ação das ONGs estão outras Organizações

Populares e/ou Movimentos Sociais, ou seja, organizações que vão apoiar e incentivar a

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criação e as atividades de movimentos os mais diversos. Em seguida, as mulheres e as

crianças/adolescentes, são respectivamente, o público alvo dessas organizações.

Ainda segundo esse estudo, as áreas priorizadas pelas ONGs são, em ordem

crescente: a educação, a justiça, a promoção dos direitos humanos, a arte e a cultura.

Nota-se, diante desses dados, a preocupação dessas organizações em possibilitar, aos

que por razões diversas não estão usufruindo do uso dos direitos sociais, políticos e

econômicos, as legítimas formas de qualidade de vida.

A educação, que tem sido proclamada como uma das áreas mais importantes

para enfrentar os desafios da exclusão social que ocorre por todo o nosso país, e por

todo o mundo, tem encontrado nesses espaços de formação não-formal, a possibilidade

de materializar-se. Para isso, as ONGs vêm se utilizando da arte, como também, de uma

linguagem específica e significativa em seus ambientes formativos (PARK, 2007).

Como nosso país vem vivenciando, desde algumas décadas, um aumento

significativo de formas de exclusão social e, apesar da legitimação de direitos os mais

diversos, na prática, nem todos estão incluídos/ vivenciando esses direitos, o estudo da

ABONG, anteriormente citado, aponta que a promoção da justiça e dos direitos

humanos vem se constituindo como centro das preocupações e das ações dessas

organizações.

A arte e a cultura, como promotores das formas de consciência de si, do

reconhecimento do outro e de formas mais humanas de vivenciar o mundo, configuram-

se como importante eixo das ações dessas organizações e os estudos de Castro (2001),

anteriormente já citado, vem reafirmar isso. Mas uma questão se coloca: se de um lado,

temos o aumento significativo das ONGs e, do outro, a arte e a cultura são elementos

relevantes em suas ações formativas, por que tão poucos estudos vem “olhando” para

esse segmento?

Assim, na tentativa de compreender que tipo de formação vem recebendo esses

educadores, para desenvolverem um ensino de arte e que qualificação receberam e/ou

recebem para atuar neste segmento, desenvolvemos um estudo a partir de duas ONGs

sediadas na Região Metropolitana da cidade do Recife/PE, tendo utilizado como critério

para escolha, organizações que realizam um trabalho com arte e com seu ensino, que

sejam reconhecidas pela sociedade civil por suas atuações, que tenham um constante e

significativo tempo de atuação e que tenham como público beneficiário direto crianças,

adolescentes e jovens em situação de risco social e pessoal. As ONGs investigadas

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foram o Grupo AdoleScER – Saúde, Educação e Cidadania e o Núcleo Educacional

Irmãos Menores de Francisco de Assis.

O Grupo AdoleScER

O Grupo AdoleScER – Saúde, Educação e Cidadania é uma organização

filantrópica da Sociedade Civil, com sede na Rua Alexandre de Gusmão, número 170,

bairro do Cordeiro, em Recife, Pernambuco. Sua sede funciona como local de

convergência das atividades desenvolvidas em seus quatro anexos, situados em quatro

diferentes comunidades da mesma cidade: Ilha de Santa Terezinha (bairro de Santo

Amaro), Caranguejo/ Tabaiares (bairro de Afogados), Roda de Fogo (bairro dos

Torrões) e Vila Santa Luzia (bairro da Torre).

A Instituição se legitima juridicamente em 16 de Outubro de 2000 e conta, até a

atualidade, com duas de suas “pioneiras”: Kunigunde Schneider e Patrícia Travassos. A

organização possui como missão a promoção da formação humana de adolescentes e

jovens em situação de vulnerabilidade social.

A instituição possui como beneficiários diretos crianças, adolescentes, jovens e

mulheres, sendo seu eixo a formação dos Agentes Multiplicadores de Informação –

AMIN. O Grupo conta com formadores de várias áreas de conhecimento, sendo a maior

parte deles, remunerados.

É na estrutura curricular da proposta formativa dos AMIN que encontramos a

arte como um dos eixos formativos. A ênfase da proposta está centrada nas linguagens

da dança (em especial da dança popular e da dança circular) e do teatro. Cada uma

dessas linguagens possui, em média, 4 horas/aulas semanais.

Sobre os aspectos da formação para os seus educadores, o AdoleScER propõe

encontro semanais. Nesses encontros, são realizadas trocas de experiências, avaliação

das atividades e planejamento de novas ações. A formação pode acontecer tanto na sede

central, como nas sub-sedes.

Quanto ao aspecto formativo dos educadores que atuam com o ensino de arte, a

instituição não conta em sua equipe, com nenhum educador que tenha a formação

específica em arte no âmbito de Licenciatura. O educador responsável pelo ensino de

arte possui experiência prática das linguagens exercidas na ONG, como também

participou e continua a participar de encontros, eventos e formações em outras

instituições e/ou por acompanhamento de profissionais habilitados.

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O educador responsável pelo ensino de arte, juntamente com a equipe técnico-

pedagógica do grupo, elaboram e põe em prática os referidos encontros semanais, com

os demais educadores. As experiências elencadas/vivenciadas nesses encontros são

materializadas no decorrer das aulas nas sub-sedes da instituição.

O Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis

O Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis – NEIMFA é uma

organização da Sociedade Civil, com sede na Rua Jacaraú, número 31, bairro da Joana

Bezerra, em Recife/ Pernambuco.

A organização existe, juridicamente, desde 1994 mas seus primeiros integrantes,

desde 1989 já realizavam algumas atividades pela comunidade. A instituição não tem

um responsável único, sendo gerida, atualmente, por um conselho gestor, composto por

representantes de seus cinco núcleos de ação. Em um desses núcleos, está o Núcleo de

Arte e Cultura, que tem como um de seus principais programas a “Casa da

Criatividade”.

A Casa da Criatividade busca desenvolver estratégias formativas voltadas ao

cultivo da imaginação criadora e a produção de bens simbólicos e culturais, utilizando-

se das linguagens artísticas da dança, das artes visuais e do teatro. O programa é

responsável pelas atividades de formação dos arte/educadores da instituição, que

planejam, executam e avaliam oficinas de arte para as crianças, jovens e adultos da

comunidade.

Cada oficina oferecida pelo programa tem uma média 24 horas/aula e, em geral,

três meses de duração. Convém ressaltar que todos os arte/educadores atuam

voluntariamente.

Sobre os aspectos da formação, a instituição propõe cursos, de temáticas

variadas e direcionadas a arte e ao seu ensino, que acontecem ao longo de todo ano. Nos

meses de março e abril, os encontros são semanais (constitui o que denominam por

formação intensiva) e no período de maio a dezembro, os encontros passam a ser

quinzenais, sendo um encontro de formação continuada (onde se estudam, discutem,

planejam, acompanham e avaliam as oficinas de arte e dar-se continuidade/

aprofundamento à proposta da formação intensiva) e outro cultural (que acontece em

espaços diversos – museus, teatro, cinema, etc – no intuito de levar o arte/educador

onde acontecem as manifestações culturais e artísticas do estado).

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Na equipe que realiza o programa, dois possuem cursos de graduação, sendo um

na área de Arte e outro em Pedagogia. Outros dois arte/educadores estão cursando

Licenciatura em Pedagogia e os demais possuem o ensino médio completo.

Percurso Metodológico Para a realização desta pesquisa, que teve como objetivo compreender o

percurso formativo dos educadores que desenvolvem o ensino de artes nas ONGs foi

adotado uma abordagem de pesquisa qualitativa. Nas pesquisas de abordagem

qualitativa, todos os fatos e fenômenos são significativos e relevantes.

Bogdan e Biklen (1994) descrevem as mais significativas características da

pesquisa com abordagem qualitativa e apontam que nesse tipo de abordagem o ambiente

natural é a principal fonte de dados e o investigador é o principal instrumento.

Desta forma, a opção pela abordagem qualitativa na construção deste estudo

visou à condução de um diálogo, na compreensão dos fenômenos que permeiam a

formação dos educadores que atuam nas ONGs com o ensino de arte. Para obtermos

uma compreensão do objeto investigado em sua totalidade, foram adotados diferentes

instrumentos e procedimentos de investigação. Dessa forma, a coleta de dados realizou-

se a partir da pesquisa documental e da realização de entrevistas semi-estruturadas.

Na pesquisa documental, diferentes materiais impressos foram recolhidos dos

arquivos das ONGs participantes, incluindo aí o estatuto da organização, seu regimento

interno e a proposta formativa para os educadores.

As entrevistas realizadas com o representante legal (no caso do Grupo

AdoleScER) e com responsável pelo núcleo de arte e cultura (no caso do NEIMFA), por

sua vez, permitiram tratar de temas mais específicos como, por exemplo, sobre a

formação proposta pelas Instituições aos seus educadores. As entrevistas possibilitaram

complementar as informações obtidas através da análise documental. Foram realizadas

duas entrevistas com questões abertas e fechadas, que foram gravadas em MP4 e,

posteriormente, transcritas e formando, ao final, os protocolos de entrevistas.

A etapa de análise dos dados coletados e/ou produzidos, ao contrário do que

pode parecer, constitui-se como o início da pesquisa, pois é nesta importante etapa que

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vamos nos certificar das hipóteses levantadas ou elencar inesperados aspectos do campo

de estudo. Utilizamos como procedimentos para organização, tratamento e análise dos

dados coletados e/ ou produzidos, as técnicas da análise de conteúdo, sistematizada a

partir dos estudos de Bardin (1977). Desta forma, a nossa análise foi operacionalizada a

partir de três operações básicas: (1) a pré-analise, (2) a exploração do material, (3) o

tratamento e a interpretação dos resultados, a partir da inferência.

Resultados parciais

A partir da leitura e exploração dos documentos analisados e dos protocolos de

entrevistas é possível apontar que apesar de algumas diferenças metodológicas, as

referidas organizações têm buscado propor uma formação em ensino de arte aos seus

educadores.

O AdoleScER propõe encontros semanais, onde são elaboradas aulas de arte,

especificamente de dança e de teatro, onde os educadores trocam experiências entre si e

recebem uma formação com algum profissional da área, como acontece, por exemplo,

com a dança circular, onde um profissional ensina os passos e o contexto

histórico/social da referida dança aos educadores e esses operacionalizam tal

aprendizado nas sub-sedes, com os adolescentes e jovens diretamente beneficiários do

curso de AMIN.

A proposta formativa da Casa da Criatividade/NEIMFA articula encontros

semanais nos primeiros meses do ano e encontros quinzenais a partir do mês de maio.

Esses encontros quinzenais alternam-se entre atividades dentro da sede da instituição e

fora desta, em espaços onde o educador tem contato direto os centros produtores e/ou

difusores da arte e da cultura.

De acordo com os entrevistados, a preocupação com a formação desse educador

é imprescindível e deve ser contínua, além de valorizar as expectativas, os desejos e o

contexto onde eles atuam. A proposta formativa destas instituições estão em acordo com

as perspectivas e os interesses do ensino de arte da contemporaneidade, que propõe a

articulação contínua e inseparável entre o fazer, o apreciar e o contextualizar arte.

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No Grupo AdoleScER nenhum educador possui habilitação específica para o

ensino de arte, todavia, seu principal articulador, já participou (e continua a participar)

de inúmeras formações com profissionais habilitados, tanto nas áreas de teatro como na

de dança popular. Na Casa da Criatividade/NEIMFA um educador possui licenciatura

em Educação Artística, outro em Licenciatura em Pedagogia e dois formadores, por

incentivo e desejo de aprimorar sua formação estão cursando Pedagogia.

Nota-se, a partir dos dados elencados que as Organizações Não-Governamentais

vem se preocupando em formar seus educadores que atuam com o ensino de arte, no

intuito de realizar práticas artísticas coerentes e que proporcionem aos beneficiários

destas instituições a possibilidade de conhecer, interagir e contribuir com a formação

integral dos indivíduos.

Considerações finais

Essa pesquisa que teve como objetivo geral compreender o percurso formativo

dos educadores que desenvolvem o ensino de artes nas ONGs, a partir da investigação e

identificação dos modelos formativos que são construídos pelas ONGs, no contexto da

Região Metropolitana da Cidade do Recife, para o desenvolvimento profissional dos

educadores, apontou, a partir da análise documental e da realização de entrevistas, que

as organizações não-governamentais vêm concretizando diferentes propostas

metodológicas para a formação de educadores e, mais especificamente, para os

educadores que atuam com o ensino de arte.

Mas é relevante nos questionarmos se estes modelos propostos pelas instituições

têm atendido aos desejos e as expectativas dos educadores. Será que estes educadores

limitam-se a receber a formação proposta pelas organizações onde estão inseridos? Ou

estes tem buscado formações a partir de interesses e motivações pessoais? Formações

para além das propostas institucionais?

Diante da importância e da crescente inclusão da arte nos programas formativos

das Organizações Não-Governamentais em nosso Estado, como também por todo o

país; diante dos poucos estudos sobre a formação desse educador, conforme os estudos

anteriormente apontados; torna-se necessário ouvir os sujeitos de diretamente executam

o ensino de arte. Neste sentido, novas pesquisas devem ser priorizadas, no intuito de

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apontar as vozes destes importantes sujeitos que vêm, conforme dados de Barbosa

(2005, 2008) realizando práticas educativas em arte com criatividade, com

singularidades e com resultados enaltecidos, reconhecidos e valorizados pela sociedade.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, A. M. Arte-Educação: conflitos e acertos. São Paulo: Max Limond, 1984; _____________. Pesquisa em Arte/Educação: recorte sociopolítico. In: Educação e Realidade: Dossiê Arte e Educação – Arte, Criação e Aprendizagem. Porto Alegre, V.30, n.2, p.291 – 301, jul./dez. 2005; BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977; BOGDAN, Robert C. BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora LTDA, 1994. (Coleção Ciências da Educação); BRASIL. Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG). Ação das ONGs no Brasil: perguntas e respostas. Brasília, s/d; ________. ABONG. ONGs no Brasil: perfil das associadas à ABONG. Brasília, 2006; CARVALHO, L. M. O ensino de artes em ONGs: tecendo a reconstrução pessoal e social. 2005. 143f. Tese (Doutorado em Artes). Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005; CASTRO, M.G. et AL. Cultivando vidas desarmando violência. Brasília: UNESCO; Brasil Telecom; Fundação Kellog; Banco Internacional de Desenvolvimento, 2001; FRANGE, L. B. P. Arte e seu ensino, uma questão ou várias questões? In: BARBOSA, A. M. (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2003; GOHN, M. da G. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. São Paulo: Cortez, 1999; _____________. O Protagonismo da Sociedade Civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2008 (Col. Questões da Nossa Época; v. 123); PARK, Margareth Brandini (org). Palavras-chaves em educação não-formal. Holambra, São Paulo: Editora Setembro; Campinas, São Paulo: Unicamp/CMU, 2007; VARELA, N. de A. A formação do arte-educador no Brasil. In:BARBOSA, A. M.(org). História da Arte-educação. São Paulo: Max Limondad, 1986.

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A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE MÚSICA: O QUE PENSAM OS EGRESSOS PERNAMBUCANOS

Valdiene Carneiro Pereira, FAFIRE

Maria da Conceição Carrilho de Aguiar, UFPE

Resumo

Esse trabalho teve como objetivos verificar e analisar os conteúdos básicos necessários à formação inicial do professor de música; analisar o currículo do curso de licenciatura em música de uma universidade pública de Pernambuco à luz da LDBEN 9.394/96; bem como conhecer o que pensam os egressos do curso de Licenciatura em Música de Pernambuco sobre sua formação inicial. O referencial teórico está fundamentado em autores da pedagogia que versam sobre o currículo, paradigmas curriculares e nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música. A abordagem metodológica utilizada foi a qualitativa. Os participantes foram: o Coordenador do Curso de Graduação em Música da UFPE e cinco professores egressos do curso de Licenciatura em Música da referida universidade. Os licenciados concluíram a graduação após a promulgação da LDBEN 9.394/96 e estão atuando como docentes de música em Pernambuco. Para a coleta de dados foram utilizados a entrevista semi-estruturada e o questionário com perguntas abertas. A entrevista foi realizada com o referido Coordenador. Para os professores, utilizaram-se questionários digitados em aplicativo Word e encaminhados por e-mail a cada um deles. Os dados coletados foram tratados de acordo com a análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Os resultados apontam para uma tendência de pouca valorização dos cursos de licenciatura em música em relação aos bacharelados em música. A análise do currículo do curso de Licenciatura em Música da UFPE, fundamentada nos princípios constantes nas Diretrizes de Música e no paradigma curricular de Domingues (1986), permitiu a identificação de lacunas significativas existentes na formação inicial do professor de música em Pernambuco, o que ficou confirmado por meio das falas dos egressos, as quais podem chegar a comprometer a qualidade de ensino se o professor não refletir sobre a sua prática, procurando através da formação continuada suprir as suas necessidades educacionais.

Palavras-chave: formação inicial, egressos, currículo em música.

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Introdução

O interesse pelo estudo sobre a formação inicial de professores de música surgiu

durante a realização do curso de Licenciatura em Música. Mais do que um assunto de

interesse pessoal, a pesquisa curricular é um tema relevante no Brasil e no mundo. O

VIII Encontro da Associação Brasileira de Educação Musical – ABEM em Curitiba –

PR, 1999, teve o seguinte tema “A formação de Professores para o Ensino de Música”.

No ano de 2004, em Natal – RN, foi abordado no XI Encontro da ABEM o sub-tema:

Diretrizes Curriculares, Avaliação e Projeto Pedagógico, Políticas Educacionais e

Reformas Curriculares. Em Campo Grande – MS, 2007, foi abordado o tema Educação

Musical na América Latina: concepções, funções e ações durante o XVI Encontro da

ABEM e Congresso Regional da ISME (International Society for Music Education) na

América Latina. A despeito disso, não se tem conhecimento de nenhum estudo sobre a

formação do professor de música no estado de Pernambuco, o que mostra a relevância

acadêmica e social desta pesquisa.

Os objetivos dessa pesquisa foram: verificar e analisar os conteúdos básicos

necessários à formação inicial do professor de música; analisar a matriz curricular do

curso de licenciatura em música de uma universidade pública de Pernambuco, à luz da

LDBEN 9.394/96; bem como conhecer o que pensam os egressos do curso de

Licenciatura em Música de Pernambuco sobre sua formação inicial.

Foi utilizada para essa investigação a pesquisa documental. Analisou-se a matriz

curricular do curso de Licenciatura em Música da UFPE, a partir dos princípios

estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Música e à luz do modelo teórico de Domingues (1986).

Formação de Professores de Música no Brasil

O ensino de música estava estreitamente ligado à igreja durante o Período

Colonial brasileiro até o século XVII. De forma geral, a partir do século XIX, a

educação musical, no Brasil, consistia no ensino particular de música, muitas vezes

ministrado por músicos vindos da Europa. Posteriormente, através de formação

oferecida pela Escola Normal, eram preparados os professores, na sua maioria mulheres,

que recebiam uma formação generalista que incluía Música, especificamente Canto.

Esses professores atuariam nas escolas de ensino regular (DENARDI, 2008, p. 50). Os

professores especializados em Música eram formados nos Conservatórios, seguindo os

preceitos do modelo técnico-científico europeu. Essa educação conservatorial consiste

no ensino tradicional de música, que privilegia a Música Erudita, e expressa claramente

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o pensamento do Romantismo em Música – domínio da técnica instrumental e

individualismo exacerbado (FONTERRADA, 2005, p. 71-72).

Christiane Denardi relata que, no início dos anos sessenta, existia o curso de

professor de música de nível médio, vigente nos conservatórios, e em nível superior nas

modalidades de Instrumento, Canto, bem como Composição e Regência. Depois ficou

prevista a criação dos cursos de professor de Educação Musical e diretor de Cena Lírica.

No final da década de sessenta, o Conselho Federal de Educação transformou o nome de

Curso de Professor de Educação Musical para Licenciatura em Música. Em 1969, foram

previstos mais quatro cursos Superiores de Música – Instrumento, Canto, Arte Lírica e

Composição, bem como Regência. (2008, p. 52)

Em decorrência da Lei 5.692/71, são criados os cursos de Licenciatura Plena em

Educação Artística (2.500 horas) com habilitações em Artes Plásticas, Artes Cênicas,

Música e Desenho, bem como a chamada Licenciatura Curta em Educação Artística

(1.500 horas), que oferecia uma formação geral em Educação Artística e habilitava para

a atuação profissional no antigo Ensino de 1º grau. A concepção de formação

polivalente do professor provocou uma diluição dos conteúdos específicos de cada área

das Artes, gerando uma fragilidade na formação inicial do professor de música. Dessa

forma, a música não se insere significativamente no ambiente escolar, cuja prática de

ensino de Educação Artística passa a ser gradativamente dominada pelas Artes

Plásticas. A partir dos anos oitenta, século passado, vão se intensificando as discussões

sobre a formação docente, abrangendo assuntos referentes às questões das Licenciaturas

Plenas, Curtas e Polivalentes. Para as duas últimas, gradativamente, vai-se reafirmando

a necessidade de extinção. (DENARDI, 2008, p. 55).

Com o advento da LDBEN 9.394/96, surgem as modalidades de bacharelados e

licenciaturas para os cursos superiores de música. É na Licenciatura que se dá a

formação inicial do professor de Música para a Educação Básica, conforme Artigo 62

da LDB 9.394/1996. No caso específico da música, percebe-se uma dicotomia entre o

Bacharel em Canto, Instrumento ou Regência – o artista, aquele que faz música, e o

Licenciado em Música – o professor, aquele que ensina música. Há também a

concepção de que para ensinar música basta somente tocar algum instrumento musical.

Apesar das mudanças que vêm acontecendo nos últimos anos, esse pensamento

ainda persiste nas instituições de ensino que oferecem cursos superiores de música, bem

como nas escolas, principalmente as escolas específicas de música. De fato, ensinar

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música requer o domínio da linguagem musical. Por outro lado, são necessários, além

dos saberes específicos, os saberes pedagógicos, pois

[...] a formação do professor não se esgota apenas no domínio da linguagem musical, sendo indispensável uma perspectiva pedagógica que o prepare para compreender a especificidade de cada contexto educativo e lhe dê recursos para a sua atuação docente e para a construção de alternativas metodológicas (PENNA, 2007).

A reflexão sobre o histórico da formação inicial do professor de música no

Brasil permite uma compreensão do processo que gerou a tendência da valorização dos

bacharelados em música em detrimento das licenciaturas em música. Provavelmente

essa dicotomia tenha surgido em virtude do modelo de ensino técnico-científico europeu

do século XIX, que privilegia o virtuosismo e o individualismo, e ainda permeia o

ensino musical brasileiro, conforme Fonterrada (2005) e Penna (2006, 2007).

A Análise do Currículo do Curso de Licenciatura em Música da UFPE

O currículo consiste numa rota que apresenta informações sobre o que, quando e

como ensinar, bem como o conteúdo, a maneira e o tempo oportuno para se avaliar,

considerando o contexto de ensino e a construção social deste currículo. (GOODSON,

2002, p. 31), (COLL, 1998, p. 43, 45). Nossa análise se restringirá às ementas das

disciplinas do curso – o que ensinar – e ao contexto de ensino para a formação inicial

dos professores de música.

Para o Ensino Superior de Música, existem, pelo menos, dois documentos

principais do MEC, decorrentes da LDBEN 9.394/96, que norteiam a construção das

matrizes curriculares dos cursos de Licenciatura em Música (Art. 12 da Resolução nº 2,

de 08/03/2004): as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Música, bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores

da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

A partir dos princípios estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Música e à luz do modelo teórico de Domingues apud

(DENARDI, 2008, p. 66), será analisada a matriz curricular do Curso de Licenciatura

em Música da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, única universidade no

estado que oferece formação inicial para o professor de música.

O Departamento de Música, ligado ao Centro de Artes e Comunicação da UFPE,

oferece os cursos de Bacharelado em Instrumento (Piano, Violino, Viola, Violoncelo,

Contrabaixo, Violão, Flauta Doce, Oboé, Clarinete e Flauta Transversa), Bacharelado

em Canto e Licenciatura em Música.

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Segundo dados da página da Pró-reitoria para Assuntos Acadêmicos da UFPE na

internet,

O curso de Licenciatura em Música tem por objetivo a formação de professores para o ensino teórico-prático da Música, capaz de atuar nas áreas de formação de corais, bandas, conjuntos instrumentais e ensino na área de educação musical – iniciação e matérias teóricas. As áreas de atuação desse profissional são as escolas de 1º e 2º graus da rede pública e privada, e escolas especializadas – conservatórios, Escolas Profissionalizantes.

O curso teve seu funcionamento autorizado em 16 de agosto de 1972 pelo

Conselho Coordenador de Ensino Pesquisa e Extensão da UFPE (CCEPE), tendo sido

reconhecido através do Decreto 82.167 de 24/08/1978. Atualmente a Licenciatura

conta com um total de sessenta vagas oferecidas através de vestibular, sendo trinta

vagas na primeira entrada (manhã e tarde) e trinta vagas na segunda entrada (noite).

O curso tem uma carga horária de 2.430 horas, com uma duração mínima de oito

semestres, e máxima de doze semestres. A matriz curricular da Licenciatura em Música

da UFPE é estruturada em três partes: Ciclo Geral ou Ciclo Básico, Ciclo Profissional ou

Tronco Comum, e Componentes Eletivos.

Acerca do currículo nos cursos de Licenciatura Plena, o Parecer CNE/CP 9/2001

(p. 33) prescreve que o currículo deve incluir os conteúdos necessários ao

desenvolvimento das competências pertinentes ao exercício profissional e precisa tratá-

los nas suas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais, pois é na

aprendizagem dos conteúdos que se dá a construção das competências necessárias à

atuação profissional do docente. O Artigo 5º das Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Música estabelece que o curso de graduação em Música deve

assegurar o perfil profissional desejado a partir dos seguintes tópicos de estudo:

I - conteúdos Básicos: estudos relacionados com a Cultura e as Artes, envolvendo também as Ciências Humanas e Sociais, com ênfase em Antropologia e Psico-Pedagogia;

II - conteúdos Específicos: estudos que particularizam e dão consistência à área de Música, abrangendo os relacionados com o Conhecimento Instrumental, Composicional, Estético e de Regência;

III - conteúdos Teórico-Práticos: estudos que permitam a integração teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e do desempenho profissional, incluindo também Estágio Curricular Supervisionado, Prática de Ensino, Iniciação Científica e utilização de novas Tecnologias.

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O curso de Licenciatura em Música da UFPE é constituído de quarenta e oito

componentes curriculares obrigatórios e um eletivo. Trinta e dois dos componentes

obrigatórios, mais da metade do total deste tipo, são de conteúdos específicos. Os

conteúdos teórico-práticos são representados por apenas cinco componentes curriculares

obrigatórios. Onze componentes obrigatórios são de conteúdo básico. O aluno é

obrigado a cursar uma disciplina eletiva, que pode ser escolhida entre os três tópicos de

estudo – conteúdos básicos, específicos ou teórico-práticos.

Apesar de as Diretrizes Curriculares de Música não deixarem claro o percentual

de disciplinas por tópicos de estudo, evidencia-se uma formação voltada para os

aspectos técnicos específicos da música, o modelo conservatorial de ensino musical

apresentado por Fonterrada (2005) e Penna (2006, 2007). Além disso, essa organização

curricular vai de encontro ao Parecer CNE/CP 9/2001 (p. 33), que prescreve que o

currículo das Licenciaturas deve incluir os conteúdos necessários ao desenvolvimento

das competências pertinentes ao exercício profissional.

Ainda, de acordo com as propostas dos paradigmas curriculares de Domingues,

o curso de Licenciatura da UFPE se enquadra no paradigma técnico-linear, pois seu

currículo se aproxima das concepções humanista tradicional e humanista moderna,

ambas com concepções superficiais e restritas de inovação. Baseia-se também numa

visão de mundo previamente estruturado, na valorização do método e da lógica na

apreensão do objeto de pesquisa.

Agrupando as disciplinas da Licenciatura em Música da UFPE sob os parâmetros

das sub-áreas da Música e área pedagógica, tem-se o seguinte: Teoria e Percepção

Musical (cinco), Educação Musical (quatro), Musicologia (onze), Práticas

Interpretativas (dezoito), Composição (quatro), Pesquisa e Tecnologia em Música

(cinco) e Pedagógicas (sete).

O Artigo 3º das Diretrizes diz que o curso de graduação em Música deve

esperar como perfil desejado do formando a revelação de “habilidades e aptidões

indispensáveis à atuação profissional na sociedade, nas dimensões artísticas, culturais,

sociais, científicas e tecnológicas, inerentes à área da Música.” A partir da exposição

no parágrafo anterior, verifica-se que, das quarenta e oito disciplinas obrigatórias, a

maior parte delas concentra-se nas áreas de Práticas Interpretativas (dezoito) e

Musicologia (dez), contra apenas quatro disciplinas da área de Educação Musical, o

campo de trabalho do egresso. Acrescente-se a isso as sete disciplinas da área

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pedagógica e o egresso terá o suporte dos saberes pedagógicos para atuação docente.

Parece muito pouco em comparação às demais trinta e sete disciplinas que compõem a

matriz curricular, uma vez que o curso se propõe a formar professores que atuarão nas

Escolas de Educação Básica da Rede Pública e Privada, nos Conservatórios e na

Educação Profissional.

Outro aspecto a ressaltar é que todas as disciplinas da área de Pesquisa e

Tecnologia em Música são eletivas, exceto Metodologia do Estudo que é uma disciplina

afim, pois não prevê necessariamente a pesquisa em música, mas prepara o aluno para

elaboração de trabalhos acadêmicos baseados na pesquisa bibliográfica.

Como último destaque, apresenta-se a situação do currículo na cultura brasileira.

Existem somente duas disciplinas que abordam a música brasileira: História da Música

Brasileira e História da Música Popular Brasileira, sendo a última eletiva. Dessa forma,

o aluno escolhe se vai aprofundar na música brasileira ou se vai iniciar nos estudos de

Tecnologia da Música, que se constitui em quatro dos seis componentes curriculares

das disciplinas eletivas.

O curso atende às exigências do Artigo 7º das Diretrizes do Curso de Música,

que trata do Estágio Supervisionado, mas não apresenta em sua matriz nenhuma

menção às Atividades Complementares, prevista no Artigo 8º das Diretrizes. O

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC (Artigo 9º) é um componente curricular opcional

e não está presente na matriz da UFPE. O curso não possui Projeto Pedagógico.

Em entrevista semi-estruturada realizada em abril de 2009, o Coordenador do

Curso de Música da UFPE nos informou que desde 1987 o curso de Licenciatura da

UFPE não sofreu nenhuma reforma estrutural em seu currículo, mas sim adequações

curriculares realizadas nos anos de 1993, 1997, 2000 e 2002. Em face da Resolução

12/2008 do CCEPE/UFPE, segundo o Coordenador, está em tramitação na Reitoria da

UFPE a nova matriz curricular do curso de Licenciatura em Música para o ano de 2011.

O novo curso terá quatro anos de duração e oferecerá oito ênfases para a formação do

licenciado – Musicologia, Música Popular, Composição, Instrumento, Canto, Tecnologia

Musical, Regência e Educação Musical. Segundo o Coordenador dos Cursos de

Graduação em Música, a reforma curricular do curso de Licenciatura em Música da

UFPE foi feita também visando atender às exigências do REUNI, o Plano de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, lançado pelo Governo Federal

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com o objetivo de expandir as vagas para estudantes de graduação no sistema federal

de ensino superior.

Em virtude de todo o histórico do ensino superior de música no Brasil remeter a

um ensino tradicional, uma educação tecnicista baseada nas propostas de ensino

conservatorial oriundas da Europa, percebe-se, a partir da compreensão das implicações

que as Diretrizes trazem, que há um caminho ainda a ser percorrido por universidades

brasileiras para se adequarem às novas demandas curriculares decorrentes da LDBEN

9.394/1996 para o Ensino Superior de Música. No caso da UFPE, pode-se perceber no

decorrer da entrevista o empenho que vem sendo realizado pelo Coordenador do Curso

e Professores do Departamento de Música para o cumprimento das exigências legais e

para o atendimento das demandas educacionais contemporâneas para a formação inicial

do licenciado e o ensino de música.

A análise do currículo do curso de Licenciatura em Música da UFPE,

fundamentada nos princípios constantes nas Diretrizes de Música e no paradigma

curricular de Domingues (1986), permitiu a identificação de lacunas existentes na

formação inicial do professor de música em Pernambuco.

Metodologia

A abordagem metodológica utilizada para a realização da pesquisa foi a

qualitativa. Os participantes foram: o Coordenador dos Cursos de Graduação em

Música da UFPE e cinco professores egressos do curso de Licenciatura em Música da

referida universidade. Os licenciados concluíram a graduação após a promulgação da

LDBEN 9.394/96 e estão atuando como docentes de música no estado de Pernambuco.

Para a escolha dos professores que participaram da pesquisa, foi utilizada a

amostragem não-probabilística do tipo intencional, na qual “o pesquisador determina

quais serão os sujeitos do seu estudo” (AMARAL, 1991, p. 67). Considerando a área de

atuação para o egresso proposta na matriz curricular do Curso de Licenciatura, foram

escolhidos cinco egressos que lecionam em espaços formais e não-formais de ensino de

música na Educação Básica Pública, Educação Básica Privada, Educação Profissional,

Organização não-governamental e Curso Livre (QUADRO 1).

Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados a entrevista semi-

estruturada e o questionário com perguntas abertas. A entrevista semi-estruturada foi

realizada com o Coordenador dos Cursos de Graduação em Música da UFPE em abril

de 2009. Para os professores de música, foram utilizados questionários digitados em

aplicativo Word e encaminhados por e-mail a cada um deles, individualmente. As cinco

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perguntas do questionário foram elaboradas com base no Artigo 4º das Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música. Os instrumentos de coleta

foram aplicados aos egressos durante o período de junho a julho de 2009.

Análise e Discussão dos Resultados

Os dados coletados durante a pesquisa foram tratados de acordo com a análise de

conteúdo proposta por Bardin (1977). Adotar esse suporte analítico implica buscar

interpretar as informações captando e refinando seus sentidos e significados. Este

procedimento de análise considera tanto o conteúdo manifesto quanto o conteúdo

latente. Neste sentido, Ludke e André afirmam que a análise deve descobrir mensagens

implícitas, dimensões contraditórias e temas silenciados (1986, p.48).

A seguir, serão apresentados os resultados das perguntas do questionário

aplicado aos cinco professores, bem como será realizada a análise de conteúdo, à luz da

proposta de Bardin. As cinco categorias de análise surgiram a partir das respostas dos

entrevistados.

Categoria 1 – Intervenção na sociedade de acordo com suas manifestações culturais

Na primeira pergunta do questionário – “o estudo da música predominantemente

européia ofereceu subsídios para sua intervenção nas diversas manifestações culturais

da música brasileira?”, percebeu-se na fala de todos os egressos a consciência das

lacunas existentes em relação a um conhecimento adequado das manifestações culturais

da música brasileira, o que pode levá-los a limitações no exercício da docência se eles

não praticarem a pesquisa e não se submeterem à formação continuada.

Categoria 2 – Estímulo à criação musical e sua divulgação como manifestação do

potencial artístico

Como resultado da análise da segunda pergunta: “durante sua formação inicial,

você teve oportunidade de criar e produzir música ou somente os bacharelandos foram

estimulados a isso?”, evidencia-se entre os entrevistados a deficiência na sua formação

em relação à criação e prática musical, deixando latente a idéia de que o licenciado

ensina música e o bacharel executa ou faz música, conforme afirmamos inicialmente.

Fica claro também na fala dos egressos que, apesar de existirem quatro disciplinas de

Composição e dezoito de Práticas Interpretativas na matriz curricular do curso de

Licenciatura, a abordagem dada durante as aulas, de forma geral, parecia não estimular

a criatividade e a manifestação do potencial artístico através da produção artística, pois

dos cinco respondentes, quatro declaram que tiveram poucas oportunidades de compor e

executar música em sua formação inicial. Um dos respondentes afirma que somente foi

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estimulado a compor e executar música nas aulas de Iniciação Musical, uma das quatro

disciplinas de Educação Musical.

Categoria 3 – Viabilização da pesquisa científica e tecnológica em música

Na terceira pergunta – “durante a sua formação inicial, todos os alunos tiveram

igual acesso à pesquisa científica e tecnológica em Música?”, o relato dos egressos

chama a atenção para uma situação preocupante, pois a dinâmica do processo de ensino-

aprendizagem nas escolas e organizações dos tempos atuais – a era do conhecimento –

exige cada vez mais do professor uma atitude pró-ativa, coerente e fundamentada nas

bases teóricas e epistemológicas apropriadas ao desenvolvimento de uma prática

docente eficiente e eficaz, que se utilize dos recursos tecnológicos disponíveis como

importantes ferramentas de facilitação da aprendizagem e, no caso da música, também a

criação e execução musical. Mais uma vez o egresso deverá procurar na formação

continuada o preenchimento dessa importante lacuna em sua formação inicial para se

adequar às demandas atuais de sua profissão.

Categoria 4 – Atuação significativa nas manifestações musicais instituídas ou

emergentes

No caso da pergunta 4 – “os saberes oferecidos em sua formação inicial de

licenciado lhe deram condições para que você atue de forma significativa nas

manifestações musicais instituídas ou emergentes?”, as lacunas relatadas pelos egressos

acerca das manifestações musicais instituídas ou emergentes, como aconteceu em outras

categorias analisadas, podem levá-los a limitações no exercício da docência se eles não

submeterem à capacitação e/ou formação continuada, principalmente em relação à

música na cultura brasileira, demanda importante atualmente no ensino e na pesquisa

em música no país, para qual sua formação inicial foi bastante comprometida.

Categoria 5 – Atuação nos diferenciados espaços culturais

Na quinta e última pergunta – “você se sente preparado para atuar nos diversos

espaços de ensino de música – educação formal e não-formal?”, constatou-se que menos

da metade dos egressos se sente totalmente preparado para a atuar nesses espaços. Para

ensinar música, o professor precisa pensar sobre as formas de vivenciá-la e como ela é

aprendida. É fundamental que o docente de música reflita sobre os objetivos do ensino

de música no espaço escolar onde ele atua – ensino profissionalizante de música, escola

de educação básica, ONG, cursos livres, igrejas, entre outros. Toda essa reflexão,

fundamentada em referenciais teóricos relevantes para a prática docente geral e

específica de música, fará com que o professor exerça seu trabalho de maneira coerente,

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utilizando dos recursos disponíveis para a sua prática profissional, permitindo a

expansão do universo musical dos alunos.

A análise dos questionários dos egressos do curso de Licenciatura em Música da

UFPE permite afirmar que, de forma geral, evidencia-se na fala dos respondentes as

diversas lacunas existentes durante a sua formação inicial, insuficiências referentes às

competências e habilidades requeridas para a formação profissional, conforme o Art. 4º

das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música, decorrentes

da LDBEN 9.394/96. Percebe-se também que os licenciados que concluíram há mais

tempo o seu curso de graduação, relatam mais deficiências na sua formação inicial, o

que leva a crer que as adequações curriculares realizadas pela UFPE após a

promulgação da LDBEN em vigência surtiram efeitos positivos na formação inicial dos

licenciados, ainda que poucos.

Considerações Finais

Os dados coletados no estudo sobre a formação inicial do professor de música no

Brasil, articulados com a fundamentação teórica e as falas dos egressos, apontam para

uma tendência de pouca valorização dos cursos de licenciatura em música em relação

aos bacharelados em música.

A análise do currículo do curso de Licenciatura em Música da UFPE,

fundamentada nos princípios constantes nas Diretrizes de Música e no paradigma

curricular de Domingues (1986), permitiu a identificação de lacunas significativas

existentes na formação inicial do professor de música em Pernambuco, o que ficou

confirmado por meio das falas dos egressos, as quais podem chegar a comprometer a

qualidade de ensino se o professor não refletir sobre a sua prática, procurando através da

formação continuada suprir as suas necessidades educacionais.

É de fundamental importância o investimento e o estímulo à pesquisa científica e

tecnológica em música no curso de Licenciatura, situação mais preocupante no currículo

em vigência na UFPE. É necessário contextualizar o ensino nas cultura brasileira e

pernambucana, seja ela erudita, popular ou emergente.. É preciso preparar o estudante

de licenciatura para atuar não somente em espaços formais, mas também em espaços

não-formais e informais, demandas contemporâneas para o ensino de música.

Finalmente, considerando a situação daqueles que já concluíram o curso de

licenciatura e precisam de formação continuada, sugere-se que a universidade promova

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ANAIS DO XV ENDIPE – ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010

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cursos de aperfeiçoamento e pós-graduação na área de música, uma vez que,

atualmente, existe apenas um curso de pós-graduação lato sensu em música em

andamento na cidade do Recife, ministrado em modalidade semi-presencial. Não há

Mestrado, nem Doutorado em Música no estado de Pernambuco.

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QUADRO 1 Dados dos egressos entrevistados

IDENTIFICAÇÃO IDADE SEXO ANO DE

CONCLUSÃO ATUAÇÃO

PROFISSIONAL Egresso 1 29 Masc. 2006 Educação Básica

Pública Egresso 2 35 Masc. 2006 Educação Básica

Privada Egresso 3 37 Masc. 2005 Educação

Profissional Egresso 4 26 Fem. 2006 ONG Egresso 5 37 Fem. 2001 Curso Livre