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VÉUS E VELAS WANDA LIBERATORE

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VÉUS E VELAS

WANDA LIBERATORE

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Copyright by Wanda Liberatore

Todos os direitos reservados à Autora. Proibida a reprodu-ção total ou parcial, por qualquer meio ou processo, espe-cialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográfi-cos, reprográficos, fonográficos, videográficos, atualmente existentes ou que venham a ser inventados. A violação dos direitos autorais é passível de punição como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal, Lei n° 6.895, de 17/12/80) com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão, e indenizações diversas (artigos 122 a 124 e 126 da Lei 11° 5.988, de 14/12/73, Lei dos Direitos Autorais).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático: 1. Mulheres : Histórias de vida : Autobiografia 920.72

Liberatore, Wanda Véus e velas / Wanda Liberatore. – São Paulo:

PerSe, 2014 ISBN 978-85-8196-657-1 1. Experiências de vida 2. Histórias de vida

3. Liberatore, Wanda 4. Literatura Brasileira 5. Memórias 6. Mulheres – Relatos I . Título

14 – 05743 CDD – 920.72

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WANDA LIBERATORE

VÉUS E VELAS

Primeira Edição

São Paulo

2014

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DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Fábio Luís, Ana Elisa e Ana Flávia;

aos genros Miguel, Frédéric, à nora Marcia e suas trajetó-

rias iluminadas.

Aos meus netos, Isabella, Maria Amélia, Miguel

Luiz, Nicolas, Emilia e Julia.

Aos meus irmãos, Caetano e Vilma e suas famílias;

aos meus afilhados e seus pais, meus amigos.

Aos muitos queridos que fizeram diferença na mi-

nha vida pela boa influência exercida, em especial, na arte

de escrever.

E, finalmente, mas não menos importante, ao Se-

bastião, meu companheiro querido na estrada da vida, com

o qual compartilhei boa parte do conteúdo deste livro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO __________________________ 9

VÉUS - PARTE I __________________________ 11

SOU DO TEMPO .... ______________________ 13

EU, APRENDIZ _________________________ 20

ESPARSAS LEMBRANÇAS DE INFÂNCIA ___________ 25

MINHA MÃE __________________________ 32

LEMBRANÇAS QUE NÃO TENHO _______________ 37

AVÔ CAETANO E AVÔ NATALE ________________ 41

QUERIDO QUINTAL_______________________ 47

A RUA DA MINHA CASA ____________________ 52

INICIAÇÃO RELIGIOSA _____________________ 55

SALAS SEPARADAS ______________________ 60

ESCUTAR E FALAR _______________________ 65

BEIJOS E ABRAÇOS ______________________ 70

PÁSCOA – TRÊS GERAÇÕES __________________ 74

FORTES EMOÇÕES: O PRIMEIRO INCÊNDIO _______ 77

QUERIDOS PROFESSORES __________________ 80

A COZINHA E EU _______________________ 85

RECEITA DE SOBREMESA PARA DIA DE FESTA _____ 90

PROFISSÕES __________________________ 94

VÉUS - PARTE II ________________________ 99

MEIOS DE TRANSPORTE ___________________ 101

CERTEZAS EQUIVOCADAS __________________ 108

ANOS DE EXCEÇÃO ______________________ 112

O MAPA JÁ VEM TRAÇADO _________________ 121

FESTAS VIVIDAS________________________ 127

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CARNAVAIS __________________________ 132

FORTES EMOÇÕES: O SEGUNDO INCÊNDIO ______ 136

A CASA EM QUE CRIEI OS MEUS FILHOS ________ 141

TÍTULO DE ELEITOR, MEU COMPANHEIRO _______ 149

SER NÚMERO UM! ______________________ 158

TRANSMISSÃO DE EDUCAÇÃO RELIGIOSA________ 162

A DEBANDADA DOS FILHOS ________________ 167

CONFORTO REAL GERADO PELO VIRTUAL _______ 175

ENSINAMENTOS DO CASAMENTO _____________ 180

VÉUS - PARTE III _______________________ 185

A PROGRESSÃO DO OLHAR_________________ 187

PERCEPÇÕES _________________________ 191

POR QUE É IMPORTANTE SONHAR? ___________ 194

ESPELHOS ___________________________ 198

“VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA” __________ 202

COISAS QUE EU GOSTARIA DE FAZER __________ 207

“POR ALGUNS DOS SEUS TRAÇOS A INFÂNCIA DURA A VIDA INTEIRA” ___________________________ 210

AO MEU QUERIDO COMPANHEIRO, ___________ 214

RECUPERAR ENQUANTO HÁ TEMPO: É POSSÍVEL? __ 218

VELAS _______________________________ 221

QUERIDO PROFESSOR GOFFREDO ____________ 223

O INCOMPARÁVEL OSWALDO _______________ 227

A PRIMEIRA PESSOA A VER MEUS TRÊS FILHOS ___ 235

TRIBUTO A AVELITA _____________________ 241

APÊNDICE ___________________________ 247

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INTRODUÇÃO

Atravessamos grande parte da vida passando ao

largo da consideração ou da crença que, possivelmente,

chegaremos à velhice, acontecimento natural, cuja alterna-

tiva, morte prematura, é pior. De repente, nos apercebemos

que mais da metade da nossa vida já passou. Quando essa

descoberta se escancara diante de nós, é inevitável que re-

trospectivas, balanços, indagações sobre o nosso legado

povoem nossa cabeça. Nesse momento, podem até surgir

dúvidas sobre o real entendimento que as pessoas tiveram

sobre nossos atos, nossas decisões, isto porque, na verdade,

somos vistos pelo que aparentamos, demonstramos, o que,

nem sempre, corresponde ao que realmente somos.

Percebo que já atingi essa descoberta e surgiu uma

vontade incontida de registrar memórias de fatos que, de

alguma forma, me moldaram e que podem explicar muitas

das minhas ações pela vida afora e, até, influências que

exerci nas pessoas do meu entorno.

Registrar memórias envolve, a meu ver, o compro-

misso de ser, o mais possível, neutro e fiel em relação aos

sentimentos experimentados na época em que os fatos

aconteceram. Não é tarefa fácil, e nem sempre possível,

porque nossa compreensão, nossa maneira de ver o

mundo, sofre mudanças ao longo do tempo e tende a se

aperfeiçoar, o que significa que fatos entendidos de uma

forma na época em que aconteceram, possam ter outro en-

tendimento agora. As situações e imagens foram interpre-

tadas de acordo com a capacidade do alcance emocional e

intelectual que tínhamos na ocasião. Decorrido um inter-

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valo de tempo, o passado pode ganhar uma ressignifica-

ção, fica mais claro e pode até ter seu julgamento modifi-

cado. Nesta coletânea, alguns dos textos privilegiam o do-

cumental, mas a tônica de todos eles é mesclar história com

os sentimentos envolvidos.

Para quem estou levantando estes véus de memória?

Em princípio, para leitores em geral, aqueles que se

interessam por relatos de experiências de vida e, em espe-

cial, para a família e para as pessoas que passaram pela mi-

nha vida.

A estrutura desta coletânea trata tópicos, como se

fosse uma entrevista, evidenciando meu posicionamento

sobre eles. Há uma certa organização cronológica para me-

lhor entendimento dos assuntos abordados; não pretende

ser linear, nem tratar de todos os acontecimentos já vivi-

dos. O objetivo é tentar passar a percepção das reações e

comportamentos diante de contextos, de realidades que se

apresentaram. São alguns dos meus véus.

Escrevo também sobre minhas velas, pessoas que já

partiram e que, de alguma forma, tiveram importância e

significado diferenciado na minha vida.

Wanda Liberatore

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VÉUS - PARTE I

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SOU DO TEMPO ....

Evito usar a expressão “sou do tempo”. Parece-me

saudosista e com forte conotação de que os tempos passa-

dos eram melhores. Na verdade, nem tudo eram flores;

costumamos filtrar só as lembranças boas, sepultando as

ruins no cemitério do esquecimento. Prefiro então usar o

verbo no pretérito passado: “fui dos tempos”, mesmo por-

que, queiramos ou não, somos cidadãos da atualidade,

transitando pelos incríveis acontecimentos deste século

XXI. Utilizando o velho lugar comum, estamos a bordo do

trem da evolução, passando pelas estações do tempo. Por

enquanto estamos nesse trem e, quanto mais nele perma-

necermos, mais estações visitaremos e mais histórias tere-

mos para contar.

Fui do tempo em que ainda não havia eletrodomés-

ticos para facilitar e agilizar as tarefas diárias; não havia te-

levisão, nem chuveiro elétrico, por exemplo. Os telefones

eram poucos e difíceis de conseguir. A abertura de novas

linhas para acompanhar o progresso de São Paulo depen-

dia da expansão da congestionada estação telefônica cen-

tral, de forma que a aquisição de um aparelho demorava às

vezes mais de dez anos. Foi assim até meados da década

de 70. Para fazermos ligações interurbanas era necessário

falar com uma telefonista da Central que anotava o pedido

e nos informava sobre o tempo de espera, o que, depen-

dendo do lugar, significava horas. No quarteirão onde eu

morava, um bairro bem próximo do centro da cidade, só

havia um telefone instalado; era na casa da Dona Maria

“cervejeira”, uma portuguesa casada com um transporta-

dor de cerveja, daí o apelido. Era uma senhora muito pres-

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tativa. Recebia pacientemente recados para toda a vizi-

nhança e, quando a ligação era urgente ou uma emergên-

cia, interrompia o que estava fazendo para ir chamar o des-

tinatário, o que gerava uma demora de pelo menos uns

cinco a dez minutos de espera, com o telefone fora do gan-

cho, encarecendo o custo da ligação. Dona Maria cerve-

jeira, uma santa alminha! Nunca deixava de dar os recados

recebidos.

Fui do tempo em que somente as principais ruas

dos bairros eram pavimentadas, tempo em que as crianças

podiam brincar nas calçadas até tarde e até ir à escola de-

sacompanhadas. Os casos de violência contra a pessoa e

contra a propriedade eram raros. Lembro-me de um ladrão

da época, famoso porque não havia outros tão ousados – o

Meneghetti. Mais tarde surgiria o Bandido da Luz Verme-

lha. Eram casos esporádicos de violência e, por isso, não

tínhamos medo de sair às ruas. Cresci apenas com certo re-

ceio dos ciganos que, não raro, apareciam em grupos. Mi-

nha mãe me alertava para ficar longe deles, pois tinham

fama de raptar crianças.

Fui do tempo em que as mães “medicavam” os fi-

lhos com pozinhos, fortificantes, chás diversos, infusões e

outras preparações esquisitas: para aumentar o apetite, o

Biotônico Fontoura; para fortalecer os ossos, o Calcigenol;

para limpar o organismo, a magnésia Phillips ou São Pele-

grino, pelo menos uma ou duas vezes por ano; para tosse,

doses de água com alho; para evitar lombrigas, suco de

hortelã. O farmacêutico era um profissional muito respei-

tado e requisitado nas emergências do dia a dia: aconse-

lhava, fazia atendimentos corriqueiros, como dar injeções,

pincelar gargantas com iodo ou azul de metileno e efetuar

intervenções de pequeno porte, como extrair furúnculos,

fazer suturas em ferimentos provenientes de tombos, apli-

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car pontos falsos. Só quando a situação era mais grave cha-

mava-se o médico em domicílio. A visita de um médico na

vizinhança era um acontecimento de gravidade, motivo de

muitos comentários e especulações.

Fui do tempo dos almanaques Tico-Tico e da Edi-

tora Melhoramentos. Minha irmã lia o Jornal das Moças, que

publicava figurinos de roupas, moldes, penteados, dicas de

beleza e notícias das atividades dos galãs do rádio e do ci-

nema. Circulavam também na minha casa a revista O Cru-

zeiro e o jornal O Estado de São Paulo, assinado pelo meu pai

desde a sua vinda para São Paulo. Ouviam-se as novelas

da rádio São Paulo, especialista nesse tipo de entreteni-

mento, o programa humorístico PRK-30, com os geniais

Lauro Borges e Castro Barbosa e o programa do Nhô-Totico.

Aos sábados à tarde havia a Hora do Pato, um programa de

calouros muito famoso. Meu pai não perdia os programas

de óperas da Rádio Gazeta, com gravações de tenores fa-

mosos, Caruso, Beniamino Gigli, Tito Schipa. A Rádio Na-

cional tinha enorme audiência e havia a eleição anual de

Rainha do Rádio, com a disputa acirrada entre Emilinha

Borba e Marlene, duas ótimas cantoras. Lembro-me ainda

do noticiário radiofônico Repórter Esso e da propaganda:

“Só Esso dá a seu carro o máximo/ só Esso dá a seu carro

o máximo/ só Esso dá a seu carro o máximo/ veja o que

Esso faz! Só Esso extra/ extra/ extra!”.

Fui do tempo em que os cinemas eram enormes,

com capacidade para dois mil lugares ou mais. As sessões

noturnas exibiam dois filmes, além do noticiário contendo

imagens dos acontecimentos políticos, sociais, esportivos

de semanas anteriores. Aos domingos de manhã havia a

sessão de desenhos animados – Tom e Jerry, Frajola e Piu-

Piu - e a exibição de filmes infantis, geralmente dos estú-

dios da Disney: Cinderela, Branca de Neve, Bambi... À