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1 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES ALEMÃES CURITIBA 2011 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES ALEMÃES

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOPOLÍTICA

E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES ALEMÃES

CURITIBA

2011

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOPOLÍTICA

E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES ALEMÃES

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Artigo apresentado como requisito parcial

para obtenção do título de Especialista ao curso

de Geopolítica e Relações Internacionais do

Programa de Pós-Graduação da Universidade

Tuiuti do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Eugênio

Pereira

Co-Orientadora: Profª. Drª. Eliane Regina

Ferretti

CURITIBA

2011

PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA DOS TRABALHADORES

ALEMÃES – NSDAP

Edson Gomes Martins Junior1

1 Geógrafo graduado pela Universidade Federal do Paraná. Pós-graduando em Geopolítica e Relações Internacionais pela Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: [email protected].

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RESUMO O NSDAP – Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, nasce em uma Alemanha angustiada e ferida em seu orgulho. A Alemanha, que até 1918 assombrava a Europa e o mundo com sua capacidade de organização e seu poderio militar, agora encontrava-se de joelhos diante de seus algozes. Ao término da Grande Guerra (1914-1918), a Alemanha derrotada via-se num abismo escuro e sem fim; vulnerável e fragilizada, observava, após séculos de orgulho, o fim da monarquia e o surgimento da República de Weimar. A desestruturação e a desordem econômica e social varriam o país. Os vencedores da Grande Guerra reunidos em Paris, em 1919, traçavam o destino da Alemanha com a elaboração do Tratado de Versalhes, onde exigências e condições humilhantes eram impostas à Alemanha derrotada. Surge um campo fértil para os “salvadores da pátria”. Nesse contexto, em 1919 nasce, entre tantos outros, um tímido e desconhecido partido político, o DAP – Partido dos Trabalhadores Alemães, que ao ser reestruturado e liderado por mãos extremamente hábeis e carregado de um discurso racial-nacionalista inflamado, prometia mostrar à Alemanha o caminho para a retomada do orgulho germânico perante a Europa e o mundo. Homem de origem austríaca, até então totalmente desconhecido, Adolf Hitler iria, através de sua máquina ideológica – o Partido Nazista, reconstruir a Alemanha durante a década de trinta, baseado no discurso de superioridade racial germânica, vingança pelos ultrajes do Tratado de Versalhes e pela conspiração judaica para dominação do mundo. Palavras como vingança, culpados e revanche embriagavam a nação alemã que, dirigida pelo poder hipnótico e carismático de Hitler, avançou para um futuro ainda mais sombrio. PALAVRAS-CHAVE: Grande Guerra, Tratado de Versalhes, Weimar, Adolf Hitler, Nazismo.

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ABSTRACT The NSDAP - National Socialist German Workers, German born in a distressed and wounded in their pride. Germany, which until 1918 had haunted Europe and the world with his organizational skills and military might, now found himself kneeling before their captors. At the end of the Great War (1914-1918), via the defeated Germany into a dark abyss without end, vulnerable and frail, looked after centuries of pride, the end of the monarchy and the emergence of the Weimar Republic. The disintegration and economic and social disorder swept the country. Winners of the Great War Meeting in Paris in 1919, traced the fate of Germany with the drafting of the Treaty of Versailles, where demands and humiliating conditions were imposed on defeated Germany. There is a fertile field for the "saviors of the fatherland." In this context, born in 1919, among others, a shy, unknown political party, the DAP - German Workers' Party, which to be restructured and led by highly skilled hands and is full of racial discourse inflamed nationalist, promised to show to Germany the way for the return of German pride before Europe and the world. Man of Austrian origin, hitherto totally unknown, Adolf Hitler would, through its ideological machine - the Nazi Party, to rebuild Germany during the thirties, based on the speech of German racial superiority, vengeance for the indignities of the Versailles Treaty and the Jewish conspiracy for world domination. Words like revenge, guilt and revenge that intoxicated the German nation, led by charismatic and hypnotic power of Hitler, rose to an even darker future. KEYWORDS: World War, the Treaty of Versailles, Weimar, Hitler, Nazism.

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INTRODUÇÃO

“Não é cegueira ou ignorância o que leva à ruína os homens e os estados. Não demora muito para que percebam até onde os

levará o caminho escolhido. Mas há neles um impulso, que sua natureza favorece e o hábito reforça, ao qual não podem resistir,

e que continua a empurrá-los enquanto lhes resta a mínima energia. Aquele que consegue dominar-se é um ser superior. A

maioria vê diante dos olhos a ruína, e avança para ela.” Leopoldo Von Henke

O mundo atual é o que é porque Adolf Hitler existiu, a figura política mais

extraordinária, marcante e tempestuosa na história do século XX. A Segunda Guerra

Mundial, por exemplo, sem ele seria inconcebível.

Todo conhecimento humano deriva de conhecimentos passados. História

significa repensar interminavelmente o passado, revisá-la e revisitá-la. Não se pode

afirmar que exista uma história final e definitiva do Terceiro Reich, de Hitler e do

partido nazista.

Os métodos políticos que permitiram Hitler controlar todo um país, fazer

reagir todos os cidadãos como se fossem um só homem continuam, ainda hoje vivos e

tão eficazes que os governos, mesmo os mais distantes do espírito hitlerista, não

podem deixar de utilizá-los. Em cada um de nós, de certa maneira, Hitler pode

sobreviver.

Adolf Hitler foi, sem temor de erros, o homem que mais agitou o século XX, o

que mais lhe comunicou movimento. É certo que nenhum outro homem, em nosso

tempo, interveio no curso de tantas vidas e provocou tanto ódio. A história conhecida

não registra outro fenômeno que se assemelhe. A grandeza (enquanto histórica), de

Hitler e do partido nazista são objetos de intermináveis discussões políticas,

sociológicas, filosóficas, morais e até religiosas.

Ninguém suscitou tamanho entusiasmo e histeria; ninguém despertou tanto

ódio e tão grande esperança de salvação, acelerou o curso do tempo e modificou as

condições do mundo de maneira tão inacreditável como ele o fez, deixando atrás de si

tamanho rastro de destruição e ruínas. Foi necessária a coalização de quase todas as

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potências mundiais, numa guerra que durou quase seis anos, para extingui-lo da face

da terra.

Hitler era apenas um “homem”, e isso assombra até hoje historiadores,

psicólogos e sociólogos. Não era um deus ou semideus de outro mundo, mas um

humano, que se utilizou dos instrumentos certos num momento certo para que pudesse

materializar seus mais obscuros desejos. De ordem negativa ou positiva, Hitler é, com

certeza, uma “grandeza histórica”. Para os poucos adeptos que lhe ficaram fiéis, Hitler

é um herói, um messias destruído; para os demais, ele ainda é um louco, um psicopata,

um líder político e militar desastrado.

A teoria da geração espontânea (uma das teorias que procura explicar a origem

da vida na Terra) se encaixa muito bem quando se fala de Adolf Hitler. No início de

sua carreira, Hilter era um “nada”. Nada tinha atrás de si, nada, nem um nome, ou

poder, ou imprensa, absolutamente nada. De maneira sem igual ele se fez sozinho, e

foi mestre de si mesmo, organizador de um partido, criador de uma ideologia

estrategista de salvação, chefe, estrategista e, durante um decênio, o eixo do mundo.

O trabalho em questão não visa, em absoluto, exaltar o líder nazista ou seus

feitos, mas sim oferecer um breve exame histórico sobre o assunto que, embora

tenham se passado mais de sessenta anos desde a Segunda Guerra Mundial, continua

sendo um tabu para o mundo, dada a sua barbárie.

O século XX foi um dos mais sangrentos da história da humanidade. O

movimento nazista tornou-se parte tão integrante dele que é praticamente impossível

analisar o período sem tocar no assunto.

Escrever algo sobre Hitler é um grande desafio. Através do partido nazista,

Hitler construiu uma máquina complexa para escrever páginas terríveis da história da

humanidade. Difícil identificar quem foi o homem Adolf Hitler, pois seu caráter, suas

crenças e seus distúrbios sempre serão objetos de discussões e conclusões não

definitivas. Nenhum outro político da Alemanha está ligado a transformações tão

profundas na história mundial e à crimes tão abomináveis quanto Adolf Hitler. Seu

nome tornou-se sinônimo de Guerra Mundial e de Holocausto. Para Ian Kershaw2:

“subtraindo-se nele a política, resta pouco ou nada”. Na visão de Kershaw, Hitler não

2 KERSHAW, Ian. Hitler: um perfil do poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

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tinha vida pessoal – era um homem sem qualidades, para quem a esfera pública era

tudo. O partido nazista alemão, que a partir de 1933 pôs em prática todos os desejos

íntimos, toda a fúria e ódio de Hitler, nasceu pelas mãos de homens comuns, mas

cresceu e tomou forma na pessoa de Adolf Hitler.

O presente trabalho tem a discreta pretensão de reconstituir o nascimento, a

origem, os objetivos e os primeiros passos do partido nazista em terras alemãs.

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1 A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E A RIVALIDADE FRANÇA –

ALEMANHA

“O mundo funciona somente graças ao mal-entendido. É mediante o mal-entendido universal que todos concordam. Pois, se, por falta de sorte, as pessoas se compreendessem umas às outras, jamais concordariam”.

Baudelaire, 1867. (in GIANNETTI, 2008)

França e Alemanha, as duas potências continentais européias, têm uma longa

história de desentendimento e crises. A relação conflituosa entre franceses e alemães

levou o continente a pelo menos quatro guerras. O início das rivalidades está nas

diferenças entre tribos celtas e germânicas, que no tempo do império romano

ocupavam o que, hoje, vem a ser os territórios de França e Alemanha.

Foi no século IX (843), que os historiadores concordam em afirmar que,

oficialmente, iniciou-se a rivalidade entre as duas nações. A divisão de Verdun com a

partilha do reino de Carlos Magno entre os seus três netos: Luís, Carlos e Lotário.

Carlos herdou as terras ocidentais, que mais tarde se tornariam França. Luís recebeu o

reino oriental, de tradição germânica. No meio dos dois ficou Lotário, que herdara o

centro de equilíbrio: a capital, Aachen, e a região central do antigo reino. Sem a menor

unidade política, o reino de Lotário se esfacelou e o espólio passou a ser disputado

pelos outros dois.

Até a segunda metade do século XIX, o que se entende, hoje, por Alemanha,

constituía-se em pequenos reinos e cidades livres que gravitavam em torno de uma

confederação conhecida por Sacro Império Germânico, capitaneada pela Áustria e

governada pela dinastia dos Habsburgos. O império era uma Torre de Babel, o que o

colocava em posição de desvantagem perante a França.

Durante o século XVII (1618-1648), uma guerra ocasionada por diferenças

religiosas entre católicos e protestantes no Sacro Império Germânico terminou por

reduzir a população germânica drasticamente, e o Império foi fragmentado em mais de

trezentos territórios soberanos. Foi neste conflito que a França anexou a Alsácia,

território-chave para a deflagração de conflitos futuros entre as duas nações.

Durante o século XVII, manter os alemães enfraquecidos se tornou ponto

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comum na diplomacia francesa. À custa dos pequenos reinos alemães, os franceses

expandiram o país. Conquistaram a Lorena, a cidade de Estrasburgo e se fixaram à

margem esquerda do rio Reno.

O século XVIII trouxe um novo componente à rivalidade: o reino da Prússia.

Inicialmente, Áustria e Prússia rivalizavam e disputavam a hegemonia regional. Duas

guerras ocorreram: Guerra da Sucessão Austríaca (1740-48), e a Guerra dos Sete Anos

(1756-63). Em 1792, prussianos e austríacos se uniram, dados os efeitos da Revolução

Francesa que queriam varrer as monarquias da Europa. Em 1813, na batalha de

Leipzig, prussianos e austríacos derrotaram o agora inimigo comum, a França.

O Congresso de Viena, em 1815, que redesenhou o mapa europeu, foi

generoso com a Prússia, que herdou territórios da Renânia e na Vestfália, duplicando

sua população e aumentando consideravelmente a influência sobre a recém-criada

Confederação Germânica, a Deutsche bund, embrião da atual Alemanha.

O crescimento da Prússia fez com que uma vitória contra a Áustria fosse

apenas uma questão de tempo. Sob a liderança de Otto Von Bismarck - ministro-

presidente da Prússia a partir de 1862 e chanceler do Reich desde 1871 - os prussianos

colocaram os austríacos num plano secundário até confiná-los em um estado à parte.

Bismarck acreditava que a França jamais permitiria que a Prússia anexasse

determinados estados germânicos e patrocinasse a unificação sem outro conflito.

Assim, em 1870 estourou a guerra franco-prussiana. O embate durou cerca de um ano

e foi uma rápida e contundente vitória da cada vez mais poderosa nação alemã, agora

unificada sob a égide do Kaiser Guilherme I, da Prússia.

Com isso, a Alemanha se tornou a principal potência da Europa continental, na

forma de uma confederação sob a hegemonia da Prússia conservadora. Depois da

vitória sobre a França, nascia, da guerra e do sangue o Estado Nacional Alemão, o

“Kaiserreich”, fortemente marcado pelo espírito militar e autoritário da aristocracia

agrária prussiana. Em 18 de janeiro de 1871, o Kaiser Guilherme I (1797-1888), da

Prússia, foi proclamado imperador. O local escolhido para se fazer as honras não

poderia ser mais simbólico: o Palácio de Versalhes, na França. Em razão da guerra

franco-prussiana, a capital francesa estava ocupada pelos germânicos. Enquanto o

interior francês ainda resistia à invasão, o nobre salão de espelhos do palácio foi

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transformado em hospital de campanha para os militares feridos alemães. Mais quatro

meses se arrastaram até a derrota da França. A vitória sobre a França deu à Alemanha

o direito de reaver a Alsácia, boa parte da Lorena e ainda pedir uma fortuna de

indenizações aos franceses. Assim, estava acionada a bomba-relógio. Em junho de

1919 a França pôde amenizar a situação de humilhação pela qual passou impondo aos

alemães a assinatura do Tratado de Versalhes, no mesmo local.

Mesmo a existência de confrontos não apagava o brilho da Europa que na

segunda metade do século XIX brilhava sobre o mundo, e as sociedades liberais, sob a

égide do capitalismo, viviam seu apogeu. O apogeu, dialeticamente, traz consigo o

germe da mudança, que eram as próprias contradições permanentes e fundamentais do

modo de produção capitalista: a miséria do proletariado em meio à abundância, as

crises de superprodução, a busca de mercados, os problemas sociais e econômicos,

que, ao evoluírem, geraram a crise no mundo liberal capitalista, e a Primeira Grande

Guerra representou, na prática, o início dessa crise.

Os lideres das nações européias, mesmo às vésperas de um provável conflito

armado, resultante de atritos, divergências, disputas neocoloniais e mágoas históricas,

não acreditavam na possibilidade de uma guerra generalizada. Acreditavam que uma

guerra rápida e localizada, nos moldes das ocorridas no século XIX, resolveria as

divergências e não abalaria as estruturas políticas e econômicas vigentes. Porém, o

equilíbrio europeu estabelecido com o fim das guerras napoleônicas e o Congresso de

Viena, em 1815, estava por terminar.

Até 1914, a Europa exercia a supremacia econômico-política sobre o resto do

mundo. Estados Unidos e Japão já despontavam como potências, mas ainda ocupavam

um papel secundário no contexto mundial. As potências européias dominavam o

mercado mundial e ditavam as regras sobre os recursos naturais, matérias-primas e

produtos industrializados. Ásia, África e América Latina estavam sendo a esfera de

controle das potências européias.

Em princípios do século XX, a Europa apresentava um quadro heterogêneo

quanto à sua estrutura político-econômica. Alemanha e Áustria-Hungria possuíam

formas autoritárias de governo sob o sistema monárquico. França, Suíça e Portugal

eram repúblicas e Inglaterra e Bélgica eram regidas pelo sistema monárquico-

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parlamentarista.

Os problemas sociais refletiam a diversidade das estruturas sócio-econômicas.

Nos países da Europa centro-oriental a nobreza predominava. Já nos países da Europa

ocidental, a industrialização colocava frente a frente a burguesia e a classe operária.

Entretanto, a ameaça de uma revolução social era remota naquele momento, pois a

maioria dos partidos socialistas tendia à moderação, aderindo ao jogo político do

liberalismo. As únicas exceções eram algumas facções de esquerda, como os

bolcheviques russos.

Os Estados Unidos e o Japão colocavam-se fora da influência européia,

disputando com o capitalismo europeu as áreas de influência. Em 1914, os Estados

Unidos já era uma potência econômica mundial, controlando pequena parcela do

mercado mundial e recebendo investimentos da Europa. O Japão, após sua abertura ao

ocidente, desenvolveu-se rapidamente, voltando suas atenções para a China e a

Manchúria, na Ásia.

O clima internacional em nível de Europa era carregado de antagonismos e se

traduzia na formação de alianças secretas e de sistemas de alianças, criando a

possibilidade de um conflito armado de dimensões continentais quase inevitável.

O desenvolvimento desigual dos países capitalistas europeus, a partir de fins

do século XIX, levara países que chegaram tardiamente à corrida neocolonialista

internacional, caso da Alemanha, a reivindicar uma redivisão do território no espaço

econômico mundial: tendo-se acentuado a rivalidade pela disputa de mercados

consumidores, pela aquisição de matérias-primas fundamentais e por áreas de

investimentos. O caráter não apenas continental, mas de dimensão mundial do

provável conflito deve-se à interdependência criada entre as economias das diversas

regiões do mundo pela expansão do capitalismo. Existiam inúmeros pontos de atritos

entre as potências, os quais geraram antagonismos. Dentre eles, destacam-se, primeiro,

o conflito anglo-germânico, onde a Alemanha, unificada tardiamente e tendo se

desenvolvido rompendo etapas no final do século XIX, já desbancava a Inglaterra de

sua posição de “oficina” do mundo. Porém, não possuía colônias, áreas de

investimento e outros mercados correspondentes à sua pujança econômica, daí a

política agressiva expressada também na corrida “navalista”, o que foi considerado

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uma ameaça à secular hegemonia marítima inglesa; segundo, o conflito franco-alemão,

que girava em torno da questão da Alsácia-Lorena, territórios franceses anexados à

Alemanha em 1871. Os alemães se opunham também à penetração francesa no

Marrocos, o que ameaçava a paz mundial com incidentes no Tanger (1905),

Casablanca (1908) e Agadir (1911); terceiro, o conflito austro-russo, maximizado

quando os russos, afastados do extremo oriente após a derrota para o Japão, em 1905,

voltaram as atenções para os Balcãs, onde a política russa foi de apoio à Sérvia, foco

de agitação nacionalista anti-austríaca; quarto, o conflito russo-alemão girava em torno

do controle dos estreito de Dardanelos, já que a rota do expasionismo russo cortava a

do império alemão (Berlim-Bagdá); e quinto, o conflito austro-sérvio na região

balcânica, onde a Sérvia alimentava agitações nacionalistas dentro do império Austro-

Húngaro, sendo constante fonte de atritos que levaram quase à um conflito armado em

1908, quando a Bósnia-Herzegovina, em 1912, exigiu a independência da Albânia. O

conflito austro-sérvio foi a faísca que detonou o grande barril de pólvora em que se

transformara o continente europeu.

No plano ideológico o momento histórico da Europa se caracterizou pela

intensificação dos nacionalismos, os quais serviam para encobrir as ambições

imperialistas. Deve-se destacar a questão do Pangermanismo (desenvolvido na

Alemanha e afirmado com convicção a superioridade da “raça” alemã), o

Revanchismo (dominando a França com idéias e desforra contra a Alemanha devido às

perdas e humilhações que sofrera em 1870) e o Pan-Eslavismo (propagado pela Rússia

difundia que era atributo dos russos proteger os demais povos eslavos).

Para sustentar o nacionalismo agressivo e o imperialismo beligerante, os

países empreenderam a corrida armamentista. Intensificou-se a produção de armas e

munições, desenvolveu-se a construção naval, aumentaram-se os exércitos: era a Paz

Armada.

Esta atmosfera de tensão explicita favoreceu a formação de dois sistemas de

alianças. Um, a tríplice aliança, aparentemente mais coesa, agrupando Alemanha,

Áustria-Hungria e Itália. O único ponto frágil era a Itália, por ser incerta a sua atitude

por ocasião de um conflito e também por estar se aproximando das potências da

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“Entente Cordiale” 3. O outro sistema era a “Tríplice Entente” 4, constituída de uma

aliança militar (a franco-russa) e dois acordos (a “Entente Cordiale” franco-inglesa e o

acordo anglo-russo). Os vínculos entre tais países eram mais frágeis do que aqueles

que entrelaçavam o “sistema alemão”, e tinha contra si a fragilidade social, política e

econômica da Rússia, sendo também difícil prever o comportamento da Inglaterra

antes de iniciar-se um conflito armado.

O sistema de alianças secretas gerou um mecanismo tal que bastava um mero

incidente para desencadear um conflito generalizado. E foi o que ocorreu em julho de

1914, quando o arquiduque herdeiro do trono austríaco, Francisco Ferdinando, foi

assassinado em Sarajevo por um estudante da Bósnia-Herzegovina (província austríaca

reivindicada pela Sérvia). A partir daí, os acontecimentos se precipitaram. Era chegada

a hora, com relutância ou não por parte das potências, de resolver as questões que por

décadas ou séculos estavam pendentes. Todos estavam convictos de um conflito rápido

e com resultados imediatos. Porém, como a história assim o mostrou, estavam

enganados.

Karl Von Clausewitz5 escrevera, em meio às consequências das guerras

napoleônicas, que a guerra era uma trindade composta pela política do governo, pelas

atividades dos militares e pelas “paixões dos povos”. Cada um desses elementos deve

ser levado em consideração para que seja possível se compreender não apenas por que

a guerra aconteceu, mas, também, por que ela tomou o curso que tomou.

A Áustria, apoiada pela Alemanha, enviou um ultimatum6 à Sérvia, o qual, não

sendo atendido integralmente, levou os austríacos a declararem a guerra: a Rússia

mobilizou as tropas sérvias, o que resultou na reação da Alemanha que, inicialmente se

limitou a exigir a desmobilização destas tropas. Não tendo esta exigência atendida, em

1º de agosto os alemães declararam guerra à Rússia e, dois dias após, à França.

3 Nome dado ao bloco formado pela República da França e pelo Império Britânico, com seus aliados na Primeira Guerra Mundial. Fonte: WIKIPÉDIA, 2011. 4 Aliança militar feita entre a Inglaterra, França e o Império Russo após a assinatura da Entente Anglo-Russa em 1907. A Aliança Franco-Russa de 1871, juntamente com a Entente Anglo-Russa de 1907 e a Entente Cordiale de 1903, formaram a Tríplice Entente, entre a França, o Império Britânico e a Rússia. Fonte: WIKIPÉDIA, 2011. 5 LEONARD, Rogers Ashley. Clausewitz – trechos de sua obra. Trad. Delcy G. Doubrawa. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988. 6 O termo provêm do latim (em português, ultimato), e refere-se ao conjunto de exigências ou condições que um Estado impõe a outro e cuja não aceitação implica declaração de guerra, ou à exigência feita durante o estado de guerra, por um chefe militar, no sentido de rendição imediata do inimigo, sob ameaça de alcançá-la por meios violentos (Fonte: Wikipédia, 2011).

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Imediatamente a Bélgica foi invadida, sendo sua neutralidade ignorada pela Alemanha,

o que levou, em 4 de agosto, a Inglaterra a declarar-lhe guerra. A Itália se omitiu,

embora fizesse parte da Tríplice Aliança, argumentando que o seu compromisso com a

Áustria e com a Alemanha previa sua participação apenas no caso destes países serem

agredidos.

O que era se configurava, portanto, como um simples e rápido acerto de

diferenças, constituiu-se em um grave e trágico evento que se estendeu por mais de 4

anos (1914-1918). Batalhas intermináveis em campos abertos, por água e ar

envolveram a Europa e, mais tarde, o resto do mundo. Todos sabem como uma guerra

começa, porém ninguém sabe como ela termina. Milhões de mortos de ambas as

alianças e a conseqüente destruição de suas economias foram o saldo trágico deste

conflito movido por questões imperialistas e rixas políticas.

Para o historiador David Reynolds7, o fato de Compiègne8 ter sido cenário para

dois armistícios (I e II Guerras Mundiais) serve como analogia para se compreender

como o desfecho da Primeira Guerra Mundial preparou o terreno para a deflagração da

Segunda. “Os historiadores com freqüência se interessam em estudar como as guerras

começam. Acredito que a maneira como elas terminam tem a mesma importância,

porque é quando as sementes de conflitos futuros podem ser plantadas”

Em 11 de novembro de 1918 as condições com as quais a delegação alemã

concordou com o armistício eram rigorosas. O país foi forçado a abandonar os

territórios já ocupados, renunciar a seus ganhos e entregar boa parte do seu maquinário

de guerra. Foi um acordo bastante criticado pelos próprios alemães porque representou

uma humilhação óbvia e não trazia uma relação clara com a situação em que o

confronto aparentava no início das negociações, uma vez que naquele momento, a

Alemanha ainda apresentava um importante avanço sobre a França e a Bélgica, o que

poderia sugerir que uma derrota não seria tão eminente.

Não era propriamente uma ameaça ocidental que preocupava o Alto-Comando

alemão, mas, sim, a situação alarmante que estava em curso dentro da própria

Alemanha. Em 1917 a unidade que existia até então entre a população alemã e a

7 Professor de História da Faculdade de História da Universidade de Cambridge. 8 Cidade francesa.

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política belicista e imperialista começava a se fragmentar. A nação já tinha suportado

valentemente quatro invernos de guerra e a perspectiva de um quinto lhes parecia

insuportável. A fome começava a assolar a população alemã que, insatisfeita, dava

início a movimentos de protesto, como motins e greves. O exemplo russo estava se

revelando gravemente infeccioso e as dificuldades econômicas afiavam o gume da

intumescida demanda de paz.

A entrada dos Estados Unidos neste conflito ao lado da Tríplice Entente, entre

1918-1919, arregimentou em mais um milhão o efetivo de homens a lutar contra a

Alemanha. Em março de 1918 a Rússia estava fora do conflito, com a assinatura de

rendição, por Lênin. A nação alemã, açoitada pela penúria, não via mais motivos em

prolongar o sofrimento, já que do ponto de vista ideológico a derrota russa

representava a destruição do despótico Império Czarista que os liberais e socialistas

alemães sempre haviam considerado seu inimigo natural.

Em 19 de julho de 1918 o “Reischtag”9 aprovou resolução que exigia uma paz

de compreensão e uma reconciliação permanente dos povos sem incorporação de

territórios à força e sem medidas políticas, econômicas ou financeiras de coerção.

Todavia, é importante destacar que tais intenções foram declaradas unilateralmente

pela Alemanha. A França, ressentida, e seus aliados já não mais conseguiam antever a

possibilidade de uma futura paz de compreensão.

Isolada na guerra, a Alemanha não contava mais com seus aliados. A partir de

setembro de 1918 a coalizão se desintegrava, com a Bulgária buscando acordo com os

aliados e com o colapso dos impérios Otomano e Austro-Húngaro. O império alemão

não teve outra alternativa senão aceitar um acordo. Seu exército já estava atuando além

de sua capacidade, a auto-estima dos combatentes estava a zero e as deserções em

massa ocorriam com regularidade. Com o caos instalado, a liderança alemã precisava

encontrar uma maneira de sair da guerra, por mais negativas que fossem as

conseqüências. Havia uma desintegração interna generalizada no país. Em 29 de

setembro, o general Ludendorff informou ao Kaiser Guilherme II que não havia mais

perspectivas de vencer a guerra, o que tornava urgente a assinatura do armistício para

que se evitasse uma catástrofe.

9 Parlamento alemão.

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Uma delegação precisava ser formada para negociar com os aliados. Mesmo

sabendo da necessidade e das justificativas para a assinatura de um armistício, a

orgulhosa população alemã manteve-se hostil à idéia de derrota –uma tendência, aliás,

que se manteve por décadas, abrindo caminho para o “nazismo”. Os militares –

representados pelo general Ludendorff – de início pressionaram para o fim das

hostilidades; porém, a população, movida pelo orgulho imperial prussiano, de maneira

alguma queria que a culpa pela rendição e derrota recaísse sobre eles.

A revolução na Alemanha tinha introduzido um governo democrático de

liderança socialista (SPD), que detinha o controle político quando o acordo de

rendição foi aceito. Foi justamente esta administração que serviu como bode

expiatório, tendo os militares lhe atribuído a culpa por negociar um armistício

humilhante no qual, na verdade, não tinha tido uma participação tão expressiva. O

governo foi considerado responsável por algo que, na realidade, tinha sido iniciativa

do alto comando do exército.

Desde seus primeiros dias a República de Weimar (denominação dada ao

governo da Alemanha após o golpe que derrubou o Kaiser) foi comprometida pelo

ressentimento da população que era contra o armistício, o que resultou na ausência de

apoio ao governo por boa parte da opinião pública alemã.

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2 O TRATADO DE VERSALHES

“Naquilo que concordamos denominar ‘civilização’ reside inegavelmente um princípio diabólico do qual o homem apenas se deu conta demasiado tarde, quando não era mais possível remediá-lo."

E. M. Cioran (1973)

É certo que o armistício imposto aos alemães foi por demais severo, com

restrições e exigências consideradas ultrajantes. O armistício foi danoso à democracia

alemã e ajudou a precipitar outra guerra. Pode-se concluir, então, que os aliados

erraram ao impor condições tão severas aos seus inimigos? Quando as negociações

estavam em andamento ainda era incerta a aceitação da Alemanha sobre os termos do

acordo. Os comandantes aliados temiam que a nação germânica abandonasse as

negociações e retomasse a guerra. A imposição dos termos severos de 11 de novembro

de 1919 foi motivada pela idéia de que, se tudo desse errado e a Alemanha reiterasse

sua participação nos combates, ao menos seu poderio militar estaria limitado ao

mínimo possível, conforme previam as regras do acordo.

Em 1919, foi realizada, em Paris, a Conferência da Paz, reunindo

representantes da coligação aliada dos 27 países vitoriosos na Primeira Guerra

Mundial. O evento foi palco de debates, acordos e tratados e nos primeiros seis meses

daquele ano foram tomadas diversas decisões.

Em 1871, na Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes foi realizada a

solenidade comemorativa da vitória germânica na guerra Franco-Prussiana. Anos

depois, em 28 de junho de 1919, agora derrotados pelo fracasso na Grande Guerra, os

alemães voltavam a Versalhes para assumir a culpa pelas hostilidades militares e

mostrar sua disposição em reparar territorial e financeiramente os estragos resultantes

de quatro anos de batalhas. Humilhados, concordaram em desmobilizar sua máquina

de guerra e seu exército, agora limitado e amansado pelas forças aliadas. Assinado por

vencedores e vencidos, o Tratado de Versalhes decretou oficialmente o término da

guerra. Constituiu-se em um tratado de paz unilateral, impositivo e de caráter

essencialmente punitivo, que visava impedir novas investidas militares da Alemanha.

Seus 440 artigos e inúmeros apêndices tratavam especialmente da responsabilidade

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alemã por todas as agruras ocorridas naqueles últimos anos. A lista de exigências

constantes do tratado era extensa e redefinia as fronteiras da Europa. A Alemanha

deveria ser exemplarmente punida e as demais potências Centrais, Áustria, Bulgária,

Hungria e Turquia, então aliadas da nação germânica, seriam alvo de negociações.

A seguir, são sintetizados alguns dos principais pontos abordados no Tratado

de Versalhes que versavam especificamente sobre a Alemanha:

i. Admissão da culpa e responsabilidade única da Alemanha, principal

culpada pela ocorrência dos conflitos que culminaram com a Grande

Guerra;

ii. Proibição da união entre Alemanha e Áustria;

iii. Compromisso de reparações financeiras a definir;

iv. Concordância com julgamento internacional do Kaiser e de outros líderes

da guerra;

v. Devolução dos territórios de Alsácia e Lorena à França;

vi. Cessão de Eupen-Malmedy10 à Bélgica, do território de Memel à Lituânia

e do distrito de Hultschin à Tchecoslováquia;

vii. Entrega da Poznania, Silésia Setentrional e Prússia Oriental à Polônia

restabelecida;

viii. Entrega de possessões ultramarinas na China, África e Pacífico;

ix. Transformação de Danzig em cidade livre

x. Desmilitarização permanente e ocupação aliada, por 15 anos, da província

do Reno;

xi. Limitação do exército alemão a 100.000 homens, somente para segurança

interna, sem tanques, artilharia pesada, suprimentos de gás, navios ou

aviões;

xii. Limitação da Marinha alemã a belonaves inferiores a 100.000 toneladas e

proibição de submarinos.

As cifras finais de indenização foram estabelecidas em Londres, em 1921, em 132 bilhões de marcos (£6,6 bilhões ou cerca de 33 bilhões de dólares). Na verdade, por intermédio de um engenhoso sistema de bônus e de cláusulas complexas, a

10 Território belga.

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Alemanha estava comprometida com o pagamento de menos da metade daquela soma. Só pagaria o restante quando as consições permitissem (McMILLAN, 1987, p. 22).

Em maio de 1919 o documento foi entregue às autoridades alemãs, com um

prazo de resposta de três semanas. A delegação de paz germânica, liderada pelo conde

Brockdorff-Rantzau, protestou com veemência contra os termos do pacto. Todavia,

tais protestos foram ignorados, uma vez que os aliados, pressionados pela França, se

posicionavam a favor dos termos e mostravam-se irredutíveis. Em 16 de junho, com a

persistente recusa alemã em assinar o tratado, os aliados ameaçaram reunir as forças

bélicas de Estados Unidos, França e Inglaterra para uma retomada de ações militares

contra a Alemanha. Pressionado, o conde Brockdorff-Rantzau aconselhou as

autoridades provisórias reunidas na Assembléia Nacional de Weimar a criar uma nova

constituição democrática para o país, autorizando a ratificação dos termos do tratado.

A assinatura do acordo ocorreu em 28 de junho, em um ambiente hostil de ambas as

partes.

O Tratado de Versalhes desagradou igualmente tanto a vencedores quanto a

vencidos e mesmo aos observadores neutros, pois, conforme se julgava, constituía-se

em um documento excessivamente punitivo, cuja elaboração havia se distanciado

substancialmente da aclamada proposta dos 14 pontos do presidente norte-americano

Woodrow Wilson, que fundamentou o armistício. Para os franceses, os termos não

puniam exemplarmente os abusos cometidos pela força alemã. George Clemenceau,

primeiro ministro francês, exigia que a província do Reno, de industrialização pujante,

fosse retirada da Alemanha, dificultando um re-fortalecimento daquele país. Tal

proposição foi vetada pelo primeiro ministro britânico Davis Lloyd George.

De modo geral, todos os envolvidos admitiram o excessivo rigor punitivo do

Tratado, admitindo que sua exigências poderiam, ao invés de apaziguar a Alemanha,

incitá-la a mais retaliações contra os aliados. A imprensa holandesa alertava para o

fato que “a Alemanha acorrentada e escravizada será sempre uma ameaça à Europa”

(Jornal Algemeen Handelblad). O próprio supremo comandante francês, Marechal

Ferdinand Foch, profetizou acerca do futuro da Europa: “Isto não é paz. É apenas em

armistício válido pelos próximos vinte anos”.

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3 A REPÚBLICA DE WEIMAR

De 1818 a 1923 a Alemanha foi palco da primeira revolução ocorrida em uma

sociedade industrial “desenvolvida”. Após a Revolução Russa, em 1917, pela primeira

vez pareciam possíveis as perspectivas de uma vitória do socialismo no ocidente.

Porém, contrariamente ao que ocorreu na Rússia, a revolução alemã fracassou e a

vitória das forças conservadoras acabou por pavimentar o caminho para a queda da

república e a ascensão do Nazismo.

A chamada República de Weimar (1919-1933) surge em uma época de grande

efervescência política e cultural, quando a Alemanha Imperial passava por profundas

transformações, as quais, porém, não foram suficientes para eliminar a herança

conservadora do antigo regime. A implantação da social democracia foi uma situação

emergencial e imposta por uma conjuntura cujos ingredientes eram o caos

socioeconômico, a derrota e a desestruturação política.

Herança cultural do reino da Prússia, a sociedade alemã se constituiu em um

ambiente dominado pela tradição militar de comando e obediência – e pela

glorificação da força. A Alemanha Imperial caracterizava-se, assim, por uma

sociedade formada por indivíduos disciplinados e rigidamente treinados para obedecer

a ordens das instâncias hierarquicamente superiores. Observava-se no alemão médio

traços de submissão e servilismo com relação aos níveis superiores de autoridade e

poder; e ao mesmo tempo, um comportamento de agressividade e dominação com

indivíduos de níveis inferiores. Essa era a matéria prima psíquica que moldaria, mais

tarde, a massa amorfa dos “pequenos nazistas” (AS e Waffen-SS).

A rápida modernização do país revelava outra peculiaridade do

comportamento social: o alemão, numa atitude compensatória, via a si mesmo como

um ser superior, portador de valores elevados do espírito, ideologicamente contra o

materialismo da “civilização ocidental”. A suposta superioridade germânica que

exaltava a comunidade tradicional, em contraposição à sociedade composta por

indivíduos alienados, produto da modernização capitalista, acabou se traduzindo, na

época do nazismo, na oposição entre estado autoritário e democrático. O primeiro,

visto como o único regime capaz de proteger a “cultura” germânica da decadente

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“civilização ocidental”. Em 1890, o Kaiser Guilherme II inaugurou uma fase política

expansionista, pautada na crença das virtudes de um povo que se considerava superior,

o que lhe dava o direito de ampliar o seu “espaço vital” por meio de conquistas. Tal

ideologia foi profundamente internalizada pela população, estabelecendo um

nacionalismo exaltado associado a um anti-semitismo difuso, sentimentos que

fincaram profundas raízes na sociedade alemã.

Na Alemanha Imperial os grupos dirigentes desejavam a industrialização,

porém sem as inovações políticas correspondentes. Tratava-se de um Estado moderno,

industrializado, que se abrigava em uma ultrapassada “casca” política autoritária e

semi-feudal. Tais características resultavam em inúmeras dificuldades para a formação

de uma Alemanha moderna no período pós-guerra. E embora a nova República Alemã

tenha se iniciado oficialmente a partir da promulgação de sua Constituição, em 11 de

agosto de 1919, na cidade de Weimar, ela surge diretamente, com efeito, da Primeira

Guerra Mundial.

O social-democrata Friedrich Ebert foi encarregado de constituir o primeiro

governo republicano na história da Alemanha. Os social-democratas consideravam

como sua principal tarefa a transição ordenada para a nova forma de Estado e as

tentativas de introdução do socialismo por forças revolucionárias de esquerda -

encabeçadas por nomes como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que foram

assassinados – foram reprimidas pela força das armas em 1918. Não houve mudanças

em relação à propriedade privada, à administração ou ao comando de tropas, e as

forças anti-republicanas permaneceram em posições-chave no país.

A primeira eleição, em 1919, determinou uma grande maioria para a

democracia parlamentar. A Nova Constituição acentuou a unidade alemã e os Estados

continuavam sem soberania. A multiplicidade ideológica fervia em uma Alemanha que

buscava, angustiada, soluções para a desordem instalada. Em 1918, a política alemã se

estruturava a partir de seis vertentes principais:

− Esquerda: a) SPD – Partido Social-Democrata, liderado por Friedrich

Ebert; USPD – Partido Social-Democrata Alemão Independente; b) KPD –

Partido Comunista Alemão (que até 30 de dezembro de 1918 formava a

Liga Spartakus como membro do USPD); c) RO – Delegados

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Revolucionários (organismo surgido nas fábricas de Berlim nos primeiros

anos de guerra);

− Centro: Zentrum (Centro) – partido católico fundado em 1870. Partido do

Progresso Alemão, representava a ala esquerda dos liberais;

− Centro-Direita: Partido Nacional Liberal, fundado em 1867;

− Direita: a) DNVP – Partido Nacional Popular Alemão, principal partido

em 1919, seus membros eram monarquistas, anti-semitas, representado

pelos grandes proprietários de terras, altos funcionários, oficiais, alguns

industriais e, sobretudo no leste, por uma parte da classe média; b) DVP –

Partido Popular Alemão, que representava os interesses do grande capital;

− Centro: a) Zentrum (Centro) – tendência democrática que exprimia os

interesses dos operários católicos e pequenos camponeses do sul da

Alemanha; b) BVP – Partido Popular Bávaro, que era a denominação local

do zentrum católico; c) DDP – Partido Democrata Alemão, que

representava os interesses da burguesia liberal e da pequena burguesia.

Cada vez menos importantes, eram a favor da República;

− NSDAP: Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, fundado

em 1920, refundado em fevereiro de 1925 e razão da pesquisa realizada

neste estudo. Seu líder: Adolf Hitler.

O ceticismo em relação à República atingiu seu auge em 1923, momento em

que a inflação assumiu proporções dramáticas (01 dólar chegou a valer 4,2 bilhões de

marcos alemães). Franceses e ingleses ocuparam a região do rio Ruhr quando os

alemães deixaram de pagar as parcelas da indenização de guerra. Neste ambiente

conturbado, Adolf Hitler, líder do Partido Nacional Socialista (e espinha dorsal desta

pesquisa), tentou um golpe malogrado em Munique (Baviera).

A República Alemã atravessou um breve período de prosperidade antes de seu

fim. Entre 1924 e 1929 houve um breve período de reconstrução, graças à influência

de Gustav Stresemann, um nacionalista apaixonado pela Alemanha e contra qualquer

tipo de extremismo. Pelas mãos de Stresemann a Alemanha obteve empréstimos

externos, empregados na modernização da indústria. Com a cooperação dos Estados

Unidos foi elaborado o plano DAWES, que visava criar condições para que o país

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pudesse arcar com suas obrigações de guerra sem arruinar totalmente sua economia.

Esta política externa de Stresemann auxiliou no processo de recuperação da igualdade

de direitos da Alemanha através do Tratado de Locarno (1925) e do ingresso do país

na Liga das Nações (1926).

Com a morte do social-democrata Friedrich Ebert, primeiro presidente

republicano, a vertente conservadora alemã, com eleições democráticas, elege como

chefe de Estado o ex-marechal Paul Von Hindenburg, em 1925, candidato de direita

que seguiu à risca a Constituição, embora não fosse partidário do Estado republicano.

A economia alemã caminhava, então, a passos seguros e a população

respirava, aliviada, quando a conjuntura econômica internacional aplica o golpe de

misericórdia na ainda jovem e frágil República alemã: o colapso da Bolsa de Valores

de Nova York e a crise econômica mundial de 1929 (mesmo ano da morte de Gustav

Stresemann) colocam novamente a Alemanha no abismo das crises socieconômicas e

políticas. Nas eleições de 1930, os nacional-socialistas e os marxistas (comunistas)

conquistam maior espaço na política alemã. O caminho, assim, estava livre para

aqueles que se beneficiariam do desemprego em massa e da miséria geral da nação.

Campo livre, portanto, para que os discursos do Partido Nacional Socialista dos

Trabalhadores Alemães (NSDAP) passasse a ecoar por toda a Alemanha.

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4 A ORIGEM DO NSDAP – PARTIDO NACIONAL SOCIALISTA D OS TRABALHADORES ALEMÃES

“Mil anos se passarão e a culpa da Alemanha não será apagada”

Hans Frank

No hospital militar de Pasewalk, na Pomerânia, Adolf Hitler recuperava-se de

uma cegueira temporária causada por um ataque a gás lançado pelos ingleses. Era 10

de novembro de 1918, quando, ao receber a notícia da abdicação do Kaiser Guilherme

II, e a seguida assinatura de um armistício em Compiègne, na França, Hitler, com toda

a frustração e ódio que um homem pode sentir, viu a gloriosa Alemanha, agora, de

joelhos perante os aliados vitoriosos.

Revoltado, Hitler não aceitava a derrota de seu país. Combatente apaixonado,

por diversas vezes colocara sua vida em risco nos campos de batalha em nome do país

que adotara. Ainda como um jovem cabo, de forte personalidade, em momentos de

reflexão externava a seus companheiros de pelotão que a Alemanha estava sendo

traída por adversários invisíveis, “os judeus e os marxistas”.

Sua juventude passada na Áustria, na cidade de Viena, definia sua visão de

mundo e do que era benéfico ou não para a Alemanha e para os alemães. Quando

sofreu o primeiro ferimento, Hitler se recuperou em um hospital em Beelitz, localidade

próxima a Berlim. Após sua alta, de passagem pela capital, ele observava: “Só

encontrei patifes espalhados pelas ruas, que desejavam que a guerra terminasse logo,

amaldiçoando-a”. Segundo ele, abundavam desertores, na maioria judeus, que

dominavam os postos de trabalho em escritórios, lojas e repartições públicas; em sua

concepção, o sistema produtivo alemão estava sob o controle financeiros destes

judeus, que roubavam a nação. Era o ano de 1916 e na mente de Hitler se definia o

principal e primeiro inimigo que a Alemanha teria de combater: os judeus.

Com a queda da monarquia, coube ao governo civil e emergencial,

inicialmente chefiado pelo Príncipe Max Von Baden, a inglória responsabilidade de

assumir o armistício pedido pelo alto comando militar alemão, que havia convencido o

governo republicano a asssiná-lo, aceitando os termos do Tratado de Versalhes. A

nascente República comandada pelo social-democrata viria a pagar um alto preço por

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aceitar este tratado, uma vez que Hitler tiraria partido dessa insatisfação e revolta da

nação alemã para colocar em prática seus objetivos. Neste cenário, com seu orgulho

ferido, Hitler tomaria a decisão irrevogável que viria a se mostrar uma das mais

funestas e letais tanto para ele quanto para o mundo: tornar-se político.

Austríaco de nascimento, Hitler vagava por Berlim sem trabalho, sem

profissão e sem dinheiro, não possuindo nenhuma experiência política. Em novembro

de 1918, Hitler volta à Munique, encontrando a cidade irreconhecível: a monarquia se

fora, e a revolução socialista lá se instalara. O governo da Baviera e a política bávara

mantinham um governo sócio-democrata moderado na figura de Johannes Hoffmann;

porém, o poder em definitivo passara para a Direita, representada pelo exército

regular, o “Reichswehr”, monarquistas que não se submetiam ao governo democrata

que se estabelecia em Berlim e se expandia por toda a Alemanha. Constituído por

soldados sem rumo, rudes e violentos que haviam sido desmobilizados com o final da

guerra, Hitler fazia parte deste contingente de milhares de soldados derrotados e

humilhados nos campos de batalha, na França.

O Reichswehr tendia sempre a apoiar complôs para derrubada do regime

republicano. Em 1920, a jovem República de Weimar sofria ataques seguidos por parte

dos monarquistas militares, decididos a estabelecer um governo autoritário. Foi neste

cenário que Adolf Hitler iniciou sua carreira. Ainda como cabo do exército alemão,

retornando a Berlim é informado que seu antigo pelotão se encontrava, agora,

subordinado ao “conselho dos soldados”, o que o indignou a ponto de se decidir por

sua baixa. Durante o inverno de 1918, Hitler trabalhou em Traunstein, como guarda

em um campo de prisioneiros. Na primavera seguinte volta à Munique, devido à queda

do regime comunista, passando a dar seus primeiros passos no mundo da política.

O Segundo Regimento da Infantaria ao qual ele pertencia criou uma comissão

de inquérito encarregada de investigar a responsabilidade dos que haviam participado

do breve regime soviético em Munique. Hitler foi incumbido de fornecer informações

a esta Comissão, tarefa que executou com dedicação. O exército alemão, satisfeito

com seu desempenho, concedeu-lhe uma oportunidade de trabalho no bureau de

imprensa e publicidade do departamento político do comando distrital do exército.

Hitler passou, então, a ministrar cursos de instrução política a soldados, enxergando

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nesta oportunidade uma chance de expandir suas opiniões conservadoras e raciais.

A conjuntura alemã da época abria espaço para aqueles que possuíssem um

discurso nacionalista e que apontasse culpados pela derrota alemã na grande guerra.

Sua posição abertamente anti-semítica e bolchevista despertou simpatia dos superiores

militares, que providenciaram sua promoção a oficial educador em um regimento de

Munique, o “Bundungsoffizier”, tendo como tarefa principal combater idéias vistas

como “perigosas”, como o pacifismo, o socialismo e a democracia. Era uma

oportunidade única para sua entrada no mundo da política e para exercitar seus dotes

de oratória, um requisito básico, na sua concepção, para se tornar um grande político.

Hitler se convencia cada vez mais que tinha um lugar especial na história política da

Alemanha.

O mês de setembro de 1919 foi um divisor de águas na vida de Hitler. Nessa

época, ele recebe ordens do departamento político do exército para observar um

reduzido grupo político de Munique que se auto-denominava “Partido dos

Trabalhadores Alemães”, tendo em vista que, na época, qualquer partido de cunho

operário deveria ser observado de perto. Embora para Hitler aquele fosse apenas um

serviço a ser cumprido, encontrou entre os membros desta associação o engenheiro-

construtor Gottfried Feder, uma pessoa obcecada pela idéia de que o capital

especulativo era a raiz de todo o mal pelo qual a Alemanha passava.

O DAP – Partido dos Trabalhadores Alemães, se reunia nos fundos de uma

cervejaria, a “Sterneckerbrau”, onde Feder discursava e, ao final, entregou um panfleto

a Hitler. Após a fala do engenheiro, Hitler, intempestivamente, resolve interpelar um

professor que fazia parte da reunião e que questionava as posições de Feder e defendia

o rompimento de Estado da Baviera com a Prússia e a fundação, com a Áustria, de

uma nação meridional alemã. A forma veemente como Hitler se manifestou despertou

a atenção dos presentes, dentre eles, Anton Drexler, fundador do DAP e do “Nacional

Socialismo Alemão”, um homem sem instrução formal, péssimo orador, mas de

espírito independente. Como trabalhador nas oficinas ferroviárias de Munique, Drexler

criou um comitê de empregados independentes em março de 1918, cujo objetivo era o

de combater o marxismo dos sindicatos livres e defender a questão de uma paz justa

para a Alemanha. Todavia, encontrava dificuldades para expandir o número de

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associados do comitê, o que o levou, em janeiro de 1919, a unir forças com um grupo

similar, o “Círculo dos Trabalhadores Políticos”, chefiado por Karl Harrer. Desta fusão

se originou o DAP e Harrer foi seu primeiro presidente.

Somente no dia seguinte Hitler foi ler o tal panfleto, que tinha um título

bastante sugestivo, “O meu despertar político”, empolgando-se com o texto de Drexler

e reconhecendo nele muitas das suas próprias convicções, como o sonho de criar um

partido fortemente nacionalista que se baseasse nas massas da classe trabalhadora.

Curiosamente, recebeu um comunicado que sua admissão no partido tinha sido aceita e

movido por curiosidade retornou a uma segunda reunião do comitê, embora com a

intenção de justificar o seu não ingresso nesse partido. No entanto, sentiu-se

fortemente atraído pela convicção do partido em se constituir como um meio de luta

contra o marxismo para conquistar novamente a pátria para os trabalhadores alemães.

Relutante, decide, por fim, inscrever-se, acreditando que aquele partido poderia ser sua

porta de entrada para a atividade política, a qual lhe permitiria realizar o que

considerava como missão quase que divina: limpar a Alemanha de seus traidores.

Como membro do DAP, passou a freqüentar as reuniões da comissão, as quais

não avançavam, embora todos os seus membros concentrassem seus esforços para a

busca de soluções. Para Hitler, alavancar o pequeno partido tornou-se sua primeira

missão. Com iniciativa e vontade, Hitler pôs em prática algumas idéias de propaganda

para arregimentar mais associados e gradativamente o número de membros do partido

aumentava na mesma proporção de sua expectativa, o que lhe indicava que seus ideais

eram compartilhados por um número cada vez maior de pessoas que, como ele,

estavam descontentes com os rumos que a nação havia tomado. Esta experiência o fez

perceber a força e o poder da propaganda como aliada na conquista do povo alemão.

Conforme o número de associados do comitê foi se ampliando, Hitler

percebeu que seria o momento de demonstrar seus dotes como orador. O fervor de seu

discurso e seu carisma magnetizava os participantes e seu poder de oratória

embriagava a platéia, destacando as promessas de uma Alemanha novamente poderosa

e livre de seus algozes. Sua força carismática – para o bem ou para o mal - em pouco

tempo foi capaz de transformar um insignificante comitê de debates no maior partido

político que a Alemanha já teve.

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Hitler era um líder nato, transformando-se rapidamente na coluna vertebral do

partido nascente. Na medida em que o partido crescia os desacordos surgiam. Harrer,

então chefe nominal do DAP, entrou em choque com Hitler, pois era contra a idéia da

organização de comícios de massa, além de considerar o discurso anti-semita de Hitler

excessivamente violento. Todavia, Hitler já começava a expurgar aqueles que ousavam

ir contra suas idéias e, fez prevalecer, por imposição, sua vontade de realizar um

grande comício. Harrer pediu demissão do cargo, sendo substituído por Anton Drexler.

A grande assembléia foi realizada no Salão de Atos da Holfbrauhaus, em 24

de fevereiro de 1920, onde Hitler se pôs a falar para mais de 2.000 pessoas, ávidas por

palavras de esperança para o caos em que a população alemã vivia. Durante seu

discurso, Hitler deu fim ao DAP e anunciou a criação do novo partido, o NSDAP –

Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, definindo os 25 pontos do

programa do Partido, oficializados em 01 de abril de 1920. Alguns pontos do

programa merecem destaque, uma vez que ressaltavam o sentimento nacionalista e

racista do partido:

1º - Nós exigimos a união de todos os alemães numa grande Alemanha com base no princípio da autodeterminação de todos os povos; 4º - Somente aqueles que são nossos compatriotas podem se tornar cidadãos. Somente aqueles que têm sangue alemão, independente do credo, podem ser nossos compatriotas. Por esta razão, nenhum judeu pode ser um compatriota; 7º - Nós exigimos que o estado especialmente se encarregará de garantir que todos os cidadãos tenham a possibilidade de viver decentemente e recebam um sustento. Se não puder ser possível alimentar toda a população, então os estrangeiros (não-cidadãos) devem ser expulsos do reich; 18º - Nós exigimos que uma guerra dura seja travada contra aqueles que trabalham para o prejuízo do bem estar comum. Traidores, aproveitadores, etc., serão punidos com morte, independente de credo ou raça.

Com a ascensão do partido nazista ao poder vários pontos deste programa

foram eliminados e substituídos, pois o próprio Hitler, mais tarde e já Führer da

Alemanha, reconheceria a inconsistência deles.

No verão de 1920, Hitler recrutou e organizou a “esquadra de choque” –

Ordnertruppe – constituída por veteranos sob o comando de Emil Maurice, que se

camuflava sob a denominação de “Divisão de Ginástica e Esporte” do Partido para se

manter distante da perseguição do governo de Berlim. Mais tarde, em novembro de

1921, estas esquadras de choque adotaram o nome de “Sturmabteilung” – Divisão de

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Assalto, que originou a sigla SA.

Ainda durante o verão de 1920, Hitler, exercendo seu talento para a arte da

propaganda com a finalidade de atrair as massas, criou símbolos que demonstrassem à

Alemanha o que a nova organização representava, buscando inspirar o povo alemão e

mobilizá-lo à causa do Partido. Foi, assim, criada a bandeira com fundo vermelho,

tendo ao centro um disco branco com uma suástica negra sobreposta, a Hakenkreuz -

tomada de empréstimo de antigas civilizações - que representava a missão da luta pela

vitória do povo ariano. Conhecendo a importância dos símbolos, Hitler reforçava,

assim, o movimento nazista e seus objetivos no senso coletivo da população alemã.

Em novembro de 1921, o Partido se instalava na Corneliensstrasse, sua nova

sede. A atividade administrativa recebia o reforço de um antigo camarada de Hitler,

Amann, encarregado da gestão do Partido. Um ano depois, o NSDAP já possuía um

fichário central e suas finanças organizadas, selecionando seus membros de forma a

evitar a entrada de incompetentes na organização partidária. A ascensão do Partido se

manifestava tanto na estrutura física quanto na interna, tendo sido estabelecida até

mesmo uma data comemorativa, o “Dia do Partido”, com a bandeira sendo consagrada

no Campo de Marte. A partir daquele momento, como Hitler idealizara, o Partido

Nazista passaria a comandar os destinos da Alemanha.

Em fevereiro de 1923, o jornal do Partido, “Volkischer Beobatcher”, surgia em

versão diária, Alfred Rosemberg assumia a chefia da redação e sua circulação

reforçava ainda mais os objetivos do movimento Nacional Socialista atingindo uma

parcela cada vez maior da população e ampliando de forma assustadora e significativa

o poderio no nazismo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A derrota alemã na Grande Guerra se constituiu em mais uma etapa no

processo secular de conflitos e desavenças entre a Alemanha e a França, um histórico

de rivalidade marcado por disputas territoriais e pela hegemonia política e econômica

na Europa continental que alimentou o revanchismo entre as duas potências.

A criação do Partido Nazista não pode ser analisado como um fato isolado e

alheio a toda essa conjuntura. O Partido Nacional Socialista Alemão foi visto como

ferramenta que iria, em definitivo, pôr um fim a essas disputas. A ambição de criar um

“Império Mundial” materializou-se no nascimento do Partido Nazista, uma máquina

mortífera que não admitia negociações e esmagava qualquer opinião contrária a seus

objetivos.

Somente uma coalizão de dimensões planetárias conseguiria bloquear o

ímpeto expansionista deste Partido. O sonho de Hitler em estabelecer e perpetuar um

III Reich desabou em função de estratégias militares e decisões políticas equivocadas.

O Partido Nazista, na pessoa de Adolf Hitler, subestimou a capacidade de organização

das forças contrárias e a teoria da raça superior ariana retornou à sua condição de

“mito”. A violência com que foi aplicada a política de extermínio das chamadas “raças

inferiores” se perpetuou como o símbolo da barbárie humana sobre a humanidade.

É fato que Adols Hitler atuou como protagonista na história do século XX.

Suas ações adquiriram tal força que o mapa do mundo teve que ser redesenhado

política e economicamente após a II Guerra Mundial.

Adolf Hitler e o Partido Nazista são produtos que espelham uma sociedade

germânica carregada de sentimentos negativos que brotaram com o advento do

Tratado de Versalhes. Hitler filtrou e sumarizou o que se tinha, na época, como

verdades. O sentimento anti-semita, a crença na superioridade alemã e a busca de um

espaço vital para o povo alemão guiaram sua vida.

O escritor Ian Kershaw sintetizou este momento singular e doloroso da

história da Alemanha e do Continente Europeu, dizendo:

De forma intensa e extrema, a ditadura de Hitler significou, entre outras coisas, a reivindicação total do Estado Moderno, graus imprevistos de repressão e violência

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estatal, manipulação sem paralelo anterior dos meios de comunicação para controlar e mobilizar as massas, cinismo sem precedentes nas relações internacionais, os graves perigos do ultranacionalismo, o poder imensamente destrutivo da supremacia racial e as conseqüências últimas do racismo, ao lado da utilização pervertida da tecnologia moderna e da “engenharia social”.

Sobretudo, acendeu um farol de advertência que ainda brilha com intensidade:

mostrou como uma sociedade moderna, avançada e culta pode afundar rapidamente na

barbárie, culminando em guerra ideológica, brutalidade e rapacidade dificilmente

imagináveis, e em um genocídio como o mundo jamais testemunhara. A ditadura de

Hitler equivaleu ao colapso da civilização moderna: uma forma de explosão nuclear

dentro da sociedade. Ela mostrou do que somos capazes.

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REFERÊNCIAS

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