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Universidade Severino Sombra Programa de Mestrado em História Selos Moedas e Poder: O Estado imperial e seus símbolos 1840-1889 Luciano Mendes Cabral Vassouras 2008 1

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Universidade Severino Sombra

Programa de Mestrado em História

Selos Moedas e Poder:

O Estado imperial e seus símbolos

1840-1889

Luciano Mendes Cabral

Vassouras2008

1

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Universidade Severino Sombra

Programa de Mestrado em História

Selos, Moedas e Poder:

O Estado imperial e seus símbolos

1840-1889

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em História da

Universidade Severino Sombra, como

requisito para obtenção do título de Mestre

em História

Orientador:

Prof. Dr. Eduardo Scheidt

Vassouras

2008

Luciano Mendes Cabral

2

Selos, Moedas e Poder:

O Estado imperial e seus símbolos

1840-1889

Dissertação de mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em História da

Universidade Severino Sombra, como

requisito para obtenção do título de Mestre

em História

Banca Examinadora

Prof. Dr. Eduardo Scheidt – USS ( membro )

Profª Drª Cláudia Regina Andrade dos Santos – USS ( membro )

Profª Drª Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves – UERJ ( membro )

Vassouras2008

3

A minha família, razão de minha

vida e a meus alunos, sentido do meu

trabalho.

4

AGRADECIMENTOS

Tarefa, certamente, mais complexa do que a produção desse trabalho é agradecer

a todos que contribuíram para a sua realização. Digo isso, pois foram tantas as

manifestações de carinho e apoio, provenientes de todos as direções, que o medo de

deixar alguém de lado, ou de cometer alguma injustiça, dificulta tal empreitada. Mas,

desde já, me desculpando com aqueles que, porventura, tenham ficado de fora sigo

nesse propósito, assegurando, porém, que os pontos positivos dessa pesquisa devem-se

em boa dose a esses muito queridos amigos, cabendo exclusivamente ao autor as

inúmeras falhas.

Acima de tudo agradeço a minha família. Com Regina, Arthur e Pedro adquiri

enorme dívida por todos os momentos em que tiveram de tolerar as crises e lamentações

inerentes às dificuldades do trabalho, pela constante compreensão e apoio, pelo amor

que sempre me dedicaram, e que foi o principal combustível que me trouxe até aqui. A

vocês, meus queridos, minha eterna gratidão e amor.

A minha mãe Vera, exemplo de mulher que me dá a certeza de que nunca estou

só, meu muito obrigado pela confiança e pelo constante apoio. A minha dinha Mariza e

a meus irmãos Lúcio e Leonardo, faltam palavras pelo companheirismo e constante

apoio que permitiram a superação dos inúmeros obstáculos. Ao Oswaldinho, amigo de

sempre e irmão do coração, não tenho como agradecer o suporte afetivo, humano e

muitas vezes financeiro que viabilizou a realização desse projeto. A Tereza e a

Margarete, meu Anjo da Guarda, obrigado pelo grande apoio.

Não poderia deixar de fazer especial menção ao querido amigo Simão Pedro dos

Santos e a Profª Drª Ana Maria da Silva Moura. Nos momentos em que tateava no

escuro e onde as dúvidas quase me fizeram desistir, foi seu desprendimento, amizade,

competência e confiança que fizeram com que esse projeto se concretizasse. A vocês,

obrigado.

Um lugar muito especial também é devido ao Prof. Dr. Eduardo Scheidt. Mais

do que um orientador tornou-se um amigo. Sua paciência, capacidade a constante

confiança em meu trabalho, foram fatores decisivos para que chegasse até aqui.

Aos professores do Programa de Mestrado em História da Universidade

Severino Sombra, mais do que minha gratidão externo a honra que foi ter sido aluno de

5

todos vocês. Aos Doutores José D’Assunção, Cláudio Monteiro, Lúcia Silva, Rosângela

Dias, Surama Conde, José Jorge, Carlos Engemann e Philomena Gebran meu muito

obrigado. A minha muito querida e sempre professora Drª Miridan Britto, faltam

palavras para dar forma ao que sinto. Uso, portanto, somente uma: obrigado.

Algumas pessoas marcam nossas vidas, outras nossas carreiras, algumas poucas

a ambas. Nesse último grupo não poderia deixar de agradecer aos maiores responsáveis

por fazer da História o meu ofício. Minha constante gratidão à irmã Maria Emília e a

meus inesquecíveis professores Drª Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Dr. Celso

Péricles Thompson, Drª Lucia Bastos e Carlos Alberto Sertã.

Nos momentos em que faltaram as forças e a concentração para seguir nesse

trabalho, sobraram alguns amigos. Logo não poderia deixá-los de fora. Três em especial

me acompanham por mais de uma década, de seu carinho e amizade muito utilizei para

chegar até aqui. Aos professores Paulo César Machado, Joel Ferreira da Mota e Raul

Gomes de Siqueira Filho minha gratidão e inabalável amizade.

Sabendo que falta espaço para relacionar a muitos outros, cito alguns pois sei

que estenderão os votos de afeto aos amigos ausentes: José Pereira Pires, Guilherme

Morra, Oswaldo, Vandeílton, Amaro, França, Joanice, Vera, Antonio Marcelo, Lara,

Silas, Tânia, Cláudia, Paulo, Mariléia e Márcio. A todos vocês e muitos outros,

obrigado.

Se algumas questões me moveram para a realização desse trabalho, uma das

mais importantes foi a vontade de oferecer sempre mais aos alunos que tive e tenho

nesses quase vinte anos de magistério. A vocês, obrigado por esse estímulo.

Na certeza de que diferentes planos de existência nos privam do contato físico,

porém não separam nunca nossos espíritos e, muito menos, acabam com o amor

construído, agradeço de todo o meu coração a meu muito amado pai Edgard e avós

Cicinho e Olinda. Sem vocês nada disso seria possível.

Não poderia deixar de fora amigos que fizeram história, são história e que agora

me iluminam e apóiam para que faça a minha história. A Benedito, José, João, Maria e

Ana minha eterna gratidão.

Finalmente levo meu muito obrigado ao grande autor, compositor, arquiteto e,

por que não, síndico desse mundo em que vivemos. Obrigado meu Deus.

6

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo promover uma leitura da construção do Estado

Nacional brasileiro, no Segundo Reinado, a partir das imagens oficiais desse Estado

veiculadas nos selos postais e moedas do período. Acreditamos que essas imagens,

centradas na efígie do imperador, foram produzidas com base em matrizes ideológicas

que buscavam, essencialmente, referendar uma ordem produzida a partir dos interesses

da classe dominante, através das ações de um grupo de dirigentes políticos.

No primeiro capítulo discutimos os indivíduos que produziram essas imagens que,

seguindo uma proposta metodológica de análise de imagens de Roland Barthes,

chamamos de operatores. Nesse mesmo capítulo analisamos ainda os referenciais

ideológicos que orientaram esse processo, ao qual chamamos, ainda de acordo com

Barthes, de studium.

No capítulo 2 trabalhamos o padrão imagético predominante nos selos e moedas

brasileiras na década de 1840. Procuramos demonstrar como, nesse momento, não é

possível detectar uma ruptura com os padrões predominantes anteriormente, uma vez

que a imagem do imperador D. Pedro II ainda estaria sendo construída.

No terceiro capítulo de nosso trabalho demonstramos como, na segunda metade do

século XIX, um novo padrão de imagens foi inserido nos selos postais e moedas. Esse

novo padrão centrava-se na efígie do soberano, reflexo do desenvolvimento do capital

simbólico do mesmo. Estabelecemos ainda a relação da introdução desse padrão

imagético com as principais dificuldades enfrentadas pelas instituições monárquicas

nesse período, bem como com as discussões e críticas que passaram a freqüentar o

cenário político do Império do Brasil.

7

Sumário

Agradecimentos...................................................................................................................... 5

Introdução...............................................................................................................................10

Capítulo 1 – Operatores e Studium: a produção de imagens no Segundo Reinado..............29

1.1) Os Operatores: produtores de imagens no Império do Brasil........................................29

1.2) O Studium: pensamento e ideologia no Brasil do Segundo Reinado............................74

Capítulo 2 – A Criação de uma Imagem: a produção imagética e o Estado no Brasil da década de 1840..................................................................................................................... 762.1) Selos postais e moedas na primeira década do Segundo Reinado............................... 76

2.2) Uma Imagem em Construção: o padrão imagético dos selos postais e moedas do

Império do Brasil na década de 1840................................................................................... 85

Capítulo 3 – O Spectrum: selos postais e moedas no Brasil da segunda metade do século

XIX..................................................................................................................................... 120

3.1) Selos postais e moedas no Brasil da segunda metade dos oitocentos......................... 122

3.2) Em cena o Imperador: mudanças no padrão imagético dos selos postais e moedas do

Brasil no Segundo Reinado................................................................................................ 129

Considerações Finais......................................................................................................... 166

Fontes e Referências Bibliográficas................................................................................... 170

1) Fontes............................................................................................................................. 170

2) Referências Bibliográficas............................................................................................. 174

8

Introdução

Para a mitologia grega, Proteu corresponde a uma divindade dos mares, filho de

Netuno e Fenice. Era o pastor dos rebanhos de seu pai, compostos por grandes peixes e

focas. Como recompensa, foi agraciado com o conhecimento do passado, do presente e

do futuro. Tal atributo fazia com que a divindade fosse constantemente procurada por

aqueles que pretendiam saber de sua sorte. Seu temperamento recluso, o que se

evidencia na opção de fugir do contato com a humanidade retirando-se para o Egito,

tornava o constante assédio e tentativas de consultas causa de grande tormento. A fim

de se livrar da insistência dos mortais, mudava constantemente a sua forma diante

daqueles que se aproximavam. Em alguns momentos era um leão, em outros um

9

leopardo, podendo também se metamorfosear em árvore, água e até mesmo fogo.

Portanto a sua imagem mudava constantemente1.

É a partir dessa perspectiva que a pesquisadora Martine Joly2 constrói seu

conceito de imagem, e propõe o método que permitiria analisá-la. Para ela o termo

imagem guarda o caráter do Proteu mitológico, uma vez que possui diversos sentidos e

conotações que, a todo o momento, estão em mudança:

Embora certamente não exaustivo, o vertiginoso

apanhado das diferentes utilizações do termo “imagem”

lembra-nos o deus Proteu: parece que a imagem pode ser

tudo e seu contrário – visual e imaterial, fabricada e

“natural”, real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana,

antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte,

analógica, comparativa, convencional e expressiva,

comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e

ameaçadora. 3

Essa propriedade das imagens torna necessário, em um primeiro momento, que

ao tentarmos estudar a iconografia do Estado Imperial brasileiro entre 1840 e 1889,

estabeleçamos a definição do que entendemos por imagem e o tratamento metodológico

que damos ao nosso objeto.

Como imagem compreendemos algo visível, ou que remeta ao visível tomando

emprestado traços do visual, que depende de um ou mais sujeitos que a produz, e de um

ou mais sujeitos que a consomem4. Nesse sentido as imagens podem ter uma conotação

visual, midiática, psíquica, científica e virtual, entre diversas outras.

Em nosso caso priorizamos as imagens visuais que o Estado Monárquico

produziu dele mesmo durante o Segundo Reinado, em especial aquelas veiculadas nos

selos postais e nas moedas, as fontes iconográficas a partir das quais construímos nossa

análise. Entendemos que essas imagens correspondem a Imagens Oficiais do Estado, o

que se explica a partir de algumas questões.

1Cf: COMMELIN, P. Nova Mythologia Grega e Romana. Paris: Garnier, s/d.2 JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Campinas: Papirus, 1996. p. 26.3 JOLY, Martine Op. Cit. p. 27.4 Nosso conceito de imagem parte da visão de JOLY, Martine Op. Cit. p.13 – 16.

10

Em primeiro lugar os selos e as moedas foram concebidos a fim de

desempenhar um papel específico dentro da estrutura administrativa e financeira do

Império, sendo sua produção e distribuição incumbências do Aparelho Estatal. Um

segundo ponto, também fundamental, liga-se ao fato de que era o próprio Estado quem

determinava as características físicas dos mesmos, isto é, seus valores, formatos, cores,

os materiais com que eram confeccionados e principalmente as imagens que conteriam.

Acreditamos ainda que os selos e moedas exerciam o papel de veículos daquilo que Joly

chama de imagens de si ou imagens de marca5. Estas corresponderiam a operações

mentais, de caráter individual ou coletivo, centradas na construção de uma identidade ao

nível representacional, sem implicar, necessariamente, na reprodução de uma

semelhança visual. A conjugação desses fatores resultaria no padrão ao qual

denominamos anteriormente de imagens oficiais do Estado. Vale ainda ressaltar que os

selos e moedas não são os únicos a contê-las, ainda poderiam ser encontradas na

bandeira, no brasão e em diversas comendas e condecorações do período.

A utilização das imagens visuais como fontes históricas, embora já fosse usual

desde os oitocentos, consolidou-se e ganhou nova dimensão a partir de meados dos anos

cinqüenta do século XX. Até esse momento predominava uma visão construída no

decorrer do século XIX, na qual o historiador corresponderia, principalmente, ao

homem de letras que trabalhava em bibliotecas, arquivos e gabinetes, distante do tempo

presente e das fontes não documentais. Apesar disso o aprofundamento das discussões

em torno da importância da materialidade da cultura para a produção historiográfica,

levou ao reconhecimento dos documentos materiais e à valorização das chamadas

Ciências Auxiliares da História. Surgiam então dois padrões de fontes: as fontes

materiais, correspondendo aos objetos, e as fontes imateriais, que seriam os textos6.

A partir da segunda metade do século XX, desenvolveu-se uma nova percepção

das antigas fontes materiais e, mais ainda, uma perspectiva bem mais ampla de sua

utilização pelos historiadores. Nesse momento os objetos materiais passaram a ser

concebidos como objetos culturais, portadores assim de sentidos imateriais7. Dessa

forma quadros, esculturas, obras arquitetônicas, moedas e uma variada gama de objetos

5 JOLY, Martine Op. Cit. p. 21.6 Para as discussões do uso e da evolução de uma historiografia produzida a partir de fontes visuais, lançamos mão do trabalho de Ângela de Castro Gomes e Mônica Almeida Kornis em:GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Com a História no Bolso: moeda e a República no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL “O outro lado da moeda”. (2001: Rio de Janeiro, RJ). Livro do Seminário Internacional. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2002. p. 107-134.7 GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Op. Cit. p. 107 –108.

11

passaram a ser valorizados não só pelas imagens visuais das quais eram portadores, mas

também pelas possibilidades de interpretação e análise que se podia desenvolver a partir

delas. Intensificaram-se os debates acerca dos métodos e referenciais teóricos mais

eficazes na condução das análises e interpretações das fontes imagéticas.

Embora tenha sido a década de 1950 o marco dessa virada, no tocante ao uso de

fontes históricas não escritas, os trabalhos que alguns pioneiros já vinham

desenvolvendo nesse campo foram de fundamental importância. Nesse sentido o maior

destaque cabe a Aby Warburg, que entre o final do século XIX e as primeiras décadas

do século XX, lançou as bases de muitas das propostas metodológicas atualmente

utilizadas. Nascido em 1866, em Hamburgo, descendia de banqueiros judeus, cujas

raízes na cidade remontavam ao século XVII. Afastou-se dos negócios da família,

dedicando-se integralmente aos seus estudos e à formação de sua importante biblioteca

que, em 1933 quando foi transferida para Londres fugindo dos riscos que o Nazismo

oferecia à cultura em geral, possuía um acervo de sessenta mil livros e milhares de

imagens. Em 1891 apresentou tese em Estrasburgo sobre O Nascimento de Vênus e A

Primavera de Botticelli, dando início a um trabalho de toda a vida8, cujas fontes

principais eram imagéticas9.

Ao morrer em 1929, Warburg havia desenvolvido um método de abordagem de

seu objeto baseado na utilização de testemunhos figurativos como fontes históricas10.

Tais testemunhos partem de um dado formal, a representação do movimento das vestes

e cabelos nas obras de arte da Renascença, com o propósito de chegar às atitudes

fundamentais do que considerava como Civilização Renascentista. Embora priorizasse

as imagens, defendia a utilização de tipos diversos de fontes, como testamentos, cartas

de mercadores, relatos de aventuras amorosas, além de tapeçarias e quadros, famosos e

obscuros. Tal postura promovia a recuperação do que chamava de documentos de pouca

importância, obviamente que para os pares de Warburg, das curiosidades11. Utilizava

como suportes teóricos para seu método, os trabalhos de Burkhardt, em especial seu

8 O objeto central do trabalho de Warburg era o Renascimento e a sobrevivência (nachieben) da Antiguidade. 9 In: GUERREIRO, António. Aby Warburg e os arquivos da memória. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt. Acessado em 23/04/2007.10 As considerações relativas ao método de Warburg foram construídas a partir da análise de Carlo Ginsburg, In: GINSBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. Morfologia e História. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p. 41 a 93. 11 Nesse particular nos apoiamos na proposta warburguiana de lançar mão de fontes que poderiam ser consideradas menores, posto que referenda e valida nossas fontes principais: os selos postais e as moedas. Acreditamos, assim como o referido autor, que através desses pequenos elementos do cotidiano podemos perceber a teia de relações que compõem o real.

12

conceito de cultura como entidade unitária, e Nietzsche, ao abordar o caráter dionisíaco

da Antiguidade.

O estudo dos trabalhos de Aby Warburg suscitou algumas questões, que

incorporamos como recursos metodológicos para as análises que desenvolvemos sobre

nossas fontes imagéticas. A primeira delas reporta-se às características das fontes

iconográficas12, que o autor considera como consideravelmente ambíguas e mais

propensas a interpretações diversas do que o que chama de fontes verbais. Além disso,

ainda ressalta a dificuldade de transposição dessas fontes para uma análise em um plano

racional e articulado13. Dessa forma torna-se necessário o uso combinado de fontes

imagéticas e fontes verbais14. Essa prática possibilita uma leitura mais psicologizante e

biográfica das imagens, uma vez que a ausência de documentos verbais poderia limitar

a ação do historiador a uma descrição de suas fontes15.

O século XX viu surgir seguidores do pensamento de Warburg, dentre os quais

destacamos Erwin Panofsky. Aprofundando os estudos de seu Mestre, Panofsky criou o

chamado Método Iconológico para o estudo de imagens. Esse método pressupõe a

existência de três níveis ou etapas para a análise das fontes iconográficas: a etapa

Fenomênica ou Pré-Iconográfica, a etapa do Significado ou Iconográfica, e a etapa do

Sentido da Essência ou Iconológica. Do método desse autor, no entanto, lançamos mão

de dois conceitos a fim de construir nossa análise. O primeiro é o de dado iconográfico,

que corresponde a um elemento de mediação entre os diversos ambientes em que a

imagem foi produzida (cultural, religioso, político etc) e a própria imagem, cabendo ao

historiador descobrir em seu objeto os dados iconográficos que o compõem. Ainda em

relação ao modelo de Panofsky, destacamos o que ele considera como o elemento

legitimador da análise iconológica, isto é, o grau de coerência interna e de

correspondência entre textos e imagens, o que tornaria essa análise aceitável a partir do

momento em que o historiador consegue comprovar a existência desse elemento16.

Além das contribuições de Warburg e Panofsky, incorporamos ainda ao método

que utilizamos para o trabalho em nossas fontes, elementos de dois outros autores.

Acreditamos ser possível utilizar o método proposto por Roland Barthes17 e Philippe

12 Utilizamos como sinônimos os conceitos de fonte iconográfica, fonte imagética e fonte visual fixa. 13 GINSBURG, Carlo. Op. Cit. p. 59.14 Por fontes verbais Warburg entende toda fonte produzida a partir de uma linguagem escrita.15 GINSBURG, Carlo. Op. Cit. p. 59 a 63. 16 Para a análise da obra de Panofsky, também utilizamos os trabalhos de Ginsburg, In: GINSBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. Morfologia e História. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p. 41 a 93.17 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006.

13

Dubois18, para a analise das imagens fotográficas, como veículo que possibilita pensar

os selos e moedas do Império Brasileiro como fontes históricas e imagens oficiais do

Estado, além de viabilizar a sua leitura.

Essa opção metodológica fundamenta-se, a princípio, na constatação de

semelhanças entre a imagem fotográfica e o padrão de imagens que está presente nos

selos e moedas do Brasil entre 1860 e 1889. Em um primeiro momento, percebemos

essas semelhanças no fato de que, assim como as fotografias, nossas fontes contêm

imagens que apresentam o que Barthes chama de paradoxo fotográfico, isto é,

pressupõem uma imagem sem código e uma imagem codificada. A primeira

corresponderia a uma analogia, enquanto a segunda seria a escrita ou retórica do fato.

Para o autor esse paradoxo se soluciona através do desenvolvimento de uma mensagem

de base conotativa a partir de uma mensagem sem código, uma identificação completa

entre conteúdo e expressão. Seria ainda possível estabelecer uma relação entre a

construção de Barthes e a visão de Jacques Le Goff, ao propor a existência de um duplo

caráter nas imagens: a imagem documento e a imagem monumento19. No paradoxo

barthesiano a imagem decodificada corresponderia à imagem documento, ao passo que

a imagem codificada seria a imagem monumento.

Da mesma forma que nas fotografias, em nossas fontes as imagens tomam forma

e sentido a partir de um duplo movimento: produção e consumo. É necessário que exista

um ou mais sujeitos que produzam essas imagens, o que na análise de Barthes

corresponderia ao operator. As imagens produzidas, ao mesmo tempo, necessitam de

um ou mais sujeitos que as consumam, o que para esse autor seria o spectator.

Além desses fatores, tanto nos selos e moedas quanto nas fotos as imagens estão

revestidas de um caráter artístico.

Partindo dessas semelhanças, podemos ler as imagens dos selos e moedas da

mesma forma que Barthes e Dubois lêem as imagens fotográficas.

Em um primeiro momento se faz mister analisar o processo que possibilitou a

produção dessas imagens. Para tanto é fundamental que avaliemos a relação da imagem

codificada com a situação referencial, isto é, os eventos ou os elementos que

corresponderiam ao conteúdo pictórico da imagem, o que poderíamos associar à

imagem decodificada. Esse exercício é realizado considerando o momento da produção

da imagem, ou a ação do operator.18 DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros Ensaios. Campinas: Papirus, 199319 LE GOFF, Jacques. Documento / Monumento. In Enciclopédia Eunaudi. Vol. 1 Memória e História. Lisboa. Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2003. p. 95 a 100.

14

Na proposta desses autores, especialmente de Dubois, a ação do operator

corresponderia a uma fragmentação do real. Através de sua câmera o fotógrafo recorta

uma parcela da realidade que pretende eternizar. Assim a foto aparece (...), no sentido

forte, como uma fatia, única e singular de espaço-tempo, literalmente cortada ao vivo20.

Tal fragmentação não ocorreria de forma aleatória, ela seria motivada pelo que Barthes

chama de studium, o que corresponderia a um saber ou educação que nos permitiria

chegar ao operator e a suas intenções21 .

Como as imagens que estudamos não são produzidas a partir do uso de uma

câmera, entendemos que o studium de nossos operatores levaria a uma opção por

determinada imagem decodificada que será impressa e cunhada nos selos e moedas.

Acreditamos que nesse studium pode ser detectado o concurso de ideologias que

norteiam a ação dos operatores e de todo um poder simbólico inerente à imagem que foi

escolhida. Dessa forma nossa proposta consiste, nesse particular, em fazer o

levantamento dos operatores responsáveis pela produção das imagens presentes nos

selos e moedas do Brasil, durante o Segundo Reinado, bem como em analisar o studium

que atuava nessa produção.

Na outra ponta do processo encontram-se os agentes que consomem ou captam a

imagem produzida, os spectatores. Barthes propõe que esse consumo se dá através do

que chama de um estoque de signos22, que formaria um Código de Conotação

Fotográfica. Esse código é fruto de uma prática coletiva, cultural e, portanto, histórica.

Logo podemos concluir que o consumo da imagem de uma foto, e de outros tipos de

imagem, é algo que será, sempre, historicamente determinado. A adequação dessa

proposta metodológica às fontes que trabalhamos, exige que, em primeiro lugar,

definamos quem são os spectatores que consumiram as imagens dos selos e moedas no

período em questão e, principalmente, que seja estabelecido o código de conotação que

viabilizava esse consumo. Consideramos ainda que as ideologias, a partir de sua

capacidade de produzir significados, desempenham importante papel na produção desse

sistema de signos, o que estabeleceria um vínculo entre operatores e spectatores.

20 DUBOIS, Philippe. Op. Cit. p. 161.21LIMA, Osvaldo Santos. Câmera Clara, um diálogo com Barthes. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt. Acesso em 15/07/2007.22 Para Roland Barthes, os signos que compõem esse código, corresponderiam a gestos, atitudes, expressões, cores, efeitos especiais etc. No caso de nosso objeto os signos que formam o código de conotação que possibilita o consumo da imagem possuem um caráter ideológico e simbólico.

15

O objetivo central dessas considerações metodológicas está ligado à necessidade

que sentimos de definir, de forma clara, o método que utilizamos para trabalhar os selos

postais e as moedas como fontes históricas. Tal procedimento torna-se relevante a

partir do caráter dessas próprias fontes, que em lugar de documentos escritos servem de

documentos imagéticos, cuja leitura exige cuidados diferentes daqueles que devemos ter

com os primeiros. Além disso, pensamos que as considerações anteriores são

fundamentais para a compreensão dos passos que daremos nos capítulos seguintes, uma

vez que os mesmos corresponderão a nossa análise da produção das imagens contidas

nessas fontes, entendidas como imagens oficiais do Estado Imperial, bem como da

função das mesmas no contexto histórico em que foram produzidas.

Nesse momento nos vemos na iminência de algumas discussões conceituais. A

primeira delas reporta-se ao que entendemos por ideologia. O ponto de partida dessa

discussão, a nosso ver, deve ser o reconhecimento do caráter polissêmico do termo.

Envolvendo toda uma série de sentidos que, muitas vezes, são incompatíveis, ela faz

com que seja quase impossível que se estabeleça aquilo que Eagleton chama de uma

“Grande Teoria Geral”23. Logo consideramos como fundamental definir que sentidos

seguimos em nossas análises.

Conscientes dessa polissemia e, conseqüentemente, da infinidade de abordagens

existentes, nos limitamos aos trabalhos dos críticos ingleses Terry Eagleton e Raymond

Williams. Segundo Eagleton24 podemos discernir duas grandes linhas de pensamento no

tocante à questão da ideologia: uma mais tradicional, ligada às abordagens de Hegel,

Marx e Lukács, que encara a ideologia como uma ilusão, distorção e mistificação do

real e uma outra que analisa estas questões no contexto da função das idéias na vida

social, portanto sob um prisma mais amplo e vinculado, sobretudo, à perspectiva

sociológica, relegando a um segundo plano os aspectos epistemológicos. Nesse

contexto, ficaremos com a postura adotada por Eagleton que, sem deixar de lado o

aspecto epistemológico inerente ao conceito de Ideologia, prioriza o seu caráter

sociológico.

Para tanto partiremos de dois conceitos de ideologia elaborados pelos autores

ingleses. Segundo Eagleton a ideologia pode ser encarada como “(...) um processo

material geral de produção de idéias, crenças e valores na vida social”25. Esse

processo, segundo o autor, teria um sentido universal, correspondendo a ideologia tanto 23 EAGLETON, Terry. Ideologia – Uma Introdução. São Paulo: Unesp; Boitempo, 1997. p. 15.24EAGLETON, Terry. Op. cit. p.16. 25 Id. Ibid. p.20

16

aos produtos quanto aos processos envolvidos na significação26. Nesse contexto, e

sustentando tal argumentação, Williams nos diz que:

Finalmente, há uma necessidade obvia de um termo

geral para descrever não só os produtos, mas também os

processos de toda significação, inclusive a significação dos

valores. É interessante que ‘ideologia’ e ‘ideológico’ tenham

sido amplamente usados nesse sentido. Volosinov, por

exemplo, usa ‘ideológico’ para descrever o processo da

produção do significado através de signos, e ‘ideologia’ é

tomada como a dimensão da experiência social, na qual

significados e valores são produzidos. 27

A partir dessa definição, torna-se possível estabelecer algumas características

para as questões ideológicas, que favorecem sobremodo seu estudo e compreensão.

Inicialmente observamos uma estreita relação entre ideologia e poder, John B.

Thompson chega a afirmar que: “Estudar ideologia, é estudar os modos pelos quais o

significado (ou significação) contribui para manter relações de dominação”28.

A interação da ideologia com essas relações de dominação ou poder se efetivaria

através de seis estratégias: a promoção de crenças valores; a naturalização e

universalização de crenças; a exclusão de formas rivais de pensamento; o

obscurecimento da realidade social de modo a favorecer o discurso ideológico e o fato

da ideologia atuar anulando idéias que a desafiam.

Ainda no tocante às suas relações com o poder, constatamos que a ideologia atua

como um ponto de interseção entre os sistemas de crenças e o poder político servindo,

portanto, como um veículo que permite aos homens postularem, explicarem e

justificarem seus fins e meios na ação social organizada, especialmente na ação política.

No entanto podemos detectar duas limitações fundamentais nesses vínculos existentes

entre as questões ideológicas, o poder e as relações de dominação. A primeira diz

respeito ao fato de que nem todo campo de crenças ideológicas está associado a um

26 Essa visão ganha força com as proposições de Raymond Williams, para quem a ideologia corresponderia a um “(...) processo geral da produção de significados e idéias.” In: WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro. Zahar, 1979. p. 75.27 WILLIAMS, Raymond. Op. Cit. p. 75. 28 Cf: EAGLETON, Terry. Op. cit. p. 19.

17

poder político dominante e, além disso, percebemos também que nem todas as

ideologias são opressivas e dominadoras.

Outra importante característica das ideologias concerne à questão de elas

estarem vinculadas a uma prática discursiva, isto é, o exame e a compreensão dos

postulados ideológicos somente se tornam efetivos quando consideram o contexto

discursivo em que foram produzidos. Nesse sentido observamos também que as

ideologias funcionam como matrizes de significados, que permitem o entendimento, a

construção e a ação sobre o real, por parte dos indivíduos, grupos ou classes atuantes em

uma formação social. Tem, portanto, a propriedade de racionalizar o mundo e os

interesses sociais, produzindo justificativas para comportamentos e atitudes, gerando

motivações para a ação efetiva e explicando contradições e incoerências.

A partir dessa visão, acreditamos poder considerar as Ideologias como matrizes

para a produção de símbolos. Isso porque consideramos que os significados que

produzem, podem ser apreendidos e transmitidos tanto no plano dialógico quanto no de

uma linguagem simbólica.

Também como características das ideologias, devemos citar a sua intrínseca

ligação com o real. Muito embora viabilize a percepção e a construção (individual ou

coletiva) da realidade, as questões e os discursos ideológicos são produzidos com base

em uma realidade que lhe antecede e que existe objetivamente. Isso explica como as

ideologias são capazes de intervir na consciência daqueles que submetem ou que as

adotam, apropriando-se de suas experiências e refletindo-as. Tal análise permite

também que concebamos as questões ideológicas como elementos atuantes no plano

teórico e no prático, estando presentes nos mais elaborados sistemas de pensamento, ao

mesmo tempo em que interagem com a realidade cotidiana.

Finalmente constatamos que as ideologias não podem ser vistas como blocos

monolíticos, ao contrário, correspondem a formações diferenciadas, que conhecem

choques e conflitos entre seus elementos constitutivos, entre os agentes que as

produzem e aqueles que seriam os seus alvos. Isso faz com que sejam constantemente

reavaliadas, renegociadas e resolvidas, ocasionando as disputas ideológicas. Dessa

forma os discursos ideológicos não podem ser totalmente hegemônicos e absolutos, uma

vez que em cada sociedade subsiste um cadinho de formas de consciência dominantes,

residuais e emergentes.

Ainda nesse último aspecto, vale lembrar as considerações de Eagleton ao

afirmar que as ideologias não possuem um caráter “puro” ou “unitário”. Segundo o

18

autor, elas somente têm uma existência em relação a outras ideologias, com as quais tem

de, constantemente, estabelecer diálogos e canais de negociação. Dessa maneira

conseguem “apropriar-se da consciência” daqueles que pretendem subjugar, obtendo

assim o poder enquanto ideologias29.

Após a definição de nossos referenciais metodológicos e teóricos, consideramos

ser de fundamental importância tecermos algumas considerações sobre nossas fontes.

Nesse sentido tentaremos entender tanto a sua produção, quanto a função que exerciam

no contexto histórico em que foram criadas.

Os selos postais surgiram, no século XIX, com uma função vinculada ao serviço

de correios, e à comunicação à distância. Muito antes deles, no entanto, o homem já se

preocupava com o estabelecimento de sistemas regulares, que levassem informações e

notícias a regiões distantes, viabilizando o encaminhamento e a solução de questões de

paz e de guerra. Desde as primeiras civilizações da Antiguidade observamos a

preocupação em enviar e receber mensagens, evidenciando o próprio desenvolvimento

das sociedades e do sistema de correios.

Não é nosso propósito historiar a evolução dos mecanismos utilizados para o

intercâmbio regular de correspondências, porém o caso da Inglaterra merece uma

análise à parte, posto que a partir do século XIX ela serve de modelo para todo o serviço

de Correios do mundo, evidenciando a eficácia do sistema ali implantado.

Do século XVI até a década de 1840, os ingleses não fugiam muito da realidade

existente no restante da Europa, no tocante ao envio de correspondências. Durante o

século XVI encontramos duas modalidades de correios, um primeiro que correspondia

ao sistema de mensageiros oficiais, e funcionava paralelamente a outro, mantido por

comerciantes da ilha e estrangeiros a fim de entregar sua correspondência. Os séculos

XVII e XVIII conheceram alguns avanços: o serviço de correios-cavaleiros, obrigados a

expedir a correspondência, no máximo, um quarto de hora após o seu recebimento; a

criação de uma linha regular entre a Inglaterra e a Escócia; a ampliação do uso do

serviço a todos os ingleses e ainda no século XVII a absorção de todo o serviço pelo

Estado.

No entanto, até os anos quarenta, do século XIX, o serviço postal da ilha era

deficitário gerando grandes prejuízos a Coroa30. Isso se explica pelo fato de que o porte

da correspondência era pago pelo destinatário, que na grande maioria dos casos 29 EAGLETON, Terry. Op. cit. p. 51.30 QUEIROZ, Raymundo Galvão. Introdução ao Estudo da Filatelia. Brasília: Edição do autor, 1980.. p. 29 – 32.

19

simplesmente rejeitava as cartas e demais objetos enviados, não arcando com os custos.

Diante da negativa, os mensageiros eram obrigados a retornar com as remessas para as

agências de correios que as expediram, sem que as despesas envolvidas em todo o

processo fossem pagas, já que nada obrigava os destinatários a fazê-lo.Essa situação

somente foi alterada a partir da reforma postal de 1839, proposta por Rowland Hill. Este

personagem era um professor, nascido em Kinderminster em 03 de dezembro de 1795 e

que faleceu em Hampstead a 27 de agosto de 1879, aos 84 anos de idade.

Podemos tentar entender a iniciativa da Reforma a partir de duas perspectivas.

Uma primeira, de caráter pitoresco, estaria muito mais ligada às tradições vigentes nos

meios filatélicos31. Segundo essa vertente, ao passear no campo, no noroeste da Escócia

em 1836, Hill presenciou uma situação que inspirou a mudança. Viu que após breve

discussão com o “carteiro” uma jovem camponesa não aceitou a correspondência,

despachando o entregador. Ao interpelar a jovem, constatou que a causa da recusa

devia-se ao fato da mesma já saber do conteúdo da carta, pois esta havia sido mandada

por seu noivo com o qual desenvolveu um sistema de códigos baseado em pequenos

símbolos inscritos no envelope. Isso dispensava a sua abertura e conseqüentemente o

pagamento da postagem32.

Constatando que esse expediente era muito comum em toda a Inglaterra, Hill

encaminha ao Parlamento um projeto de Reforma Postal, o “Post Office Reform: Its

Importance and Practibility”33, do qual constavam três itens principais: a cobrança das

tarifas em relação ao peso e não à distância percorrida, diminuindo o seu custo; o

pagamento da postagem pelo remetente e não pelo destinatário e a utilização de um

pequeno pedaço de papel adesivo que portearia a correspondência, o selo. Vale a pena

recorrermos às palavras do próprio autor da reforma, no tocante à visão que ele tinha do

que seria esse selo:

31 Filatelia é uma palavra que foi criada pelo francês Georges Herpin, que buscou no grego o radical necessário para tanto. Em uma tradução livre significaria “amigo do selo”. Define o estudo dos selos postais, bem como o gosto ou hábito de colecioná-los. Portanto ao nos referirmos aos meios filatélicos, estamos aludindo ao universo dos estudiosos e colecionadores de selos postais. In: WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. A Filatelia: história e iniciação. Lisboa: Ulisseia, 1956. e MACHADO, Paulo Sá; QUEIROZ, Raymundo Galvão. Dicionário de Filatelia. Porto: Edições ASA, 1994. 32 A versão relativa à viagem de Hill a Escócia, e ao seu testemunho da cena envolvendo a jovem camponesa, embora esteja fortemente arraigada ao conhecimento filatélico e seja citada em inúmeras obras especializadas em todo o mundo, não pode ser comprovada em termos documentais. Porém todos os fatos posteriormente relatados são passíveis de comprovação documental.33 In: ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Selos Postais do Brasil. São Paulo: Metalivros, 2003. p. 18.

20

(...) pedaço de papel de tamanho suficiente para

receber uma estampa, coberto na parte traseira com goma,

que o portador poderia, aplicando um pouco de umidade,

prender na parte posterior da carta.34

Após uma primeira rejeição o projeto foi finalmente aprovado, em 17 de agosto

de 1839, sendo que em setembro do mesmo ano Hill foi nomeado Membro do Tesouro

a fim de supervisionar a Reforma. Em 01 de agosto de 1840 teve início a utilização do

selo postal na Inglaterra.

O primeiro exemplar foi resultado do trabalho de Benjamin Cheverton, vencedor

de um concurso realizado pelo Tesouro britânico em 1839, que escolheria o motivo e o

modelo do primeiro selo postal do mundo. Foi gravado em talho-doce, pela empresa

Perkins, Bacon & Sons de Londres, e trazia a efígie em perfil da rainha Vitória sobre

fundo negro, no valor de um penny, o que o tornou popularmente conhecido como

Penny Black35. A fim de produzir o seu selo, Cheverton utilizou uma gravura feita por

William Wyon em 1837, que retratava a rainha aos quinze anos de idade36. É interessante

observarmos as justificativas do próprio Benjamin Cheverton para a utilização da efígie

real como uma forma de evitar as falsificações do selo que então projetava, uma vez

que, como veremos adiante, contrasta totalmente com a postura adotada pelas

autoridades brasileiras no momento de definir o motivo de nosso primeiro selo postal:

Uma vez que a vista está educada para se aperceber

de diferenças nos traços do rosto, a descoberta de qualquer

discrepância da falsificação torna-se mais fácil – a diferença

de efeito saltará aos olhos do observador mais rapidamente

do que no caso de letras ou de simples desenho ornamental,

embora talvez não seja capaz de assimilar onde se encontra

a diferença ou no que consiste.37

A partir de uma perspectiva histórica, podemos entender as reformas

promovidas nos sistemas de correios e o surgimento dos selos postais como um reflexo

do conjunto de mudanças ocorridas nas sociedades capitalistas do século XIX, quando 34 ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 19.35 WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. A Filatelia: história e iniciação. Lisboa: Ulisseia, 1956. p. 21 – 23.36 WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. Op. Cit. p. 33.37 Id. Ibid. p. 32.

21

do advento dos Estados Nacionais. Tais mudanças se processaram tanto no campo

político quanto no econômico, e em ambos os casos é fácil percebermos como as

reformas postais e o advento dos selos são fruto de um conjunto de fatores históricos

então atuantes.

Segundo Eric Hobsbawm, o Estado moderno surge após a Revolução de 1789,

prenhe de novidades em diversos aspectos. Pode ser pensado como um território,

prioritariamente de caráter contínuo, com fronteiras bem definidas e dominando a todos

os seus habitantes. Tal domínio se processa no plano da política e da administração,

implicando na imposição de um mesmo conjunto de leis e de arranjos administrativos

em todo o território. Esse Estado deve estabelecer uma relação orgânica com os

habitantes de seu território, transformado-os em uma coletividade, formada de cidadãos

mobilizados por deveres e direitos políticos. A partir daí a sua construção enseja um

novo processo que lhe é necessário e complementar: a formação de uma nação.38

Para tanto o poder do estado deve se constituir como “(...) agência nacional

suprema de domínio sobre seu território”, 39devendo seus agentes e representantes

chegar às partes mais remotas do mesmo. Forças armadas e policiais, escolas e

professores assim como os correios e os carteiros passam a desempenhar essa função

multiplicadora e de onipresença do poder estatal. Ainda em sua construção, o Estado

Nacional deve subordinar todos os habitantes, “passíveis de serem sujeitos da

administração”, ao governo estatal. Com esse propósito cria uma complexa máquina

administrativa, forma uma classe de funcionários e estabelece aquilo que Hobsbawm

chama de uma “língua de comunicação”, privilegiando a língua escrita. Essas

operações estariam diretamente ligadas a uma expansão do Estado dentro de seu

território, assim como à ampliação de seu poder e autoridade.40

É dentro desse contexto que acreditamos que ganham relevância tanto as

reformas postais, que ocorreram na Europa a partir de década de 1840, quanto o advento

do selo postal. A preocupação e os esforços voltados para a melhoria da eficiência e dos

resultados da remessa e entrega de correspondências, estaria associada a um movimento

mais amplo de incremento dos meios de comunicação. Sistemas de correios mais

eficazes, não só reduzem custos e despesas, como também levam o poder do Estado, e o

próprio Estado, a regiões cada vez mais distantes do território. Dessa forma tais regiões,

38 HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismos desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 101-106.39 HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 102.40 Id. Ibid. p. 103.

22

bem como seus habitantes, estariam mais fortemente vinculadas a um governo que,

mesmo espacialmente afastado, é capaz de se comunicar e fazer presente em tempo

relativamente curto e de forma eficaz.

Nesse aspecto os selos ganham uma relevância maior. Deixam de ser meros

papeizinhos coloridos que desempenham uma função administrativa, a de comprovar o

pagamento antecipado do serviço a ser prestado, e se tornam símbolos desse Estado que

pretende se fazer presente em todo o seu território. Passam a estar revestidos de um

poder simbólico41 que atua na construção e na consolidação do Aparelho Estatal42. Não é

por acaso que nesse momento as primeiras emissões de selos postais estampam, na

maioria das vezes, a efígie dos soberanos ou governante então no poder.

Relacionamos, a seguir, alguns exemplos que confirmam nossa proposição: a

rainha Vitória nos selos ingleses em 1840; D. Maria II em Portugal em 1853; Napoleão

III na França em 1853; Frederico Guilherme IV na Prússia em 1850; Frederico Augusto

II no Saxe em 1851; Francisco José I na Áustria em 1858; Leopoldo I na Bélgica em

1849; Isabel II na Espanha em 1850; Guilherme III na Holanda em 1852; Miguel III no

Principado da Sérvia em 1866 além de importantes figuras do movimento

emancipacionista e constitucionalista nos selos das repúblicas americanas nesse mesmo

período43.

A construção dos Estados Nacionais implicaria, ainda, no estabelecimento de

laços de lealdade e de identificação dos cidadãos ao Estado44, envolvendo a produção e

a reformulação de “identidades nacionais coletivas”45, tais como pátria, país e nação.

Antigos padrões sociais são eliminados, e uma nova identidade social coletiva começa a

ser produzida, ganhando relevância nesse processo a nação46. A produção desses laços e

identidades se faz necessária tanto aos novos Estados, que então emergiam na América,

41 Nessa análise utilizamos o conceito de símbolo e de poder simbólico, conforme foram propostos por Pierre Bourdieu. Nos capítulos seguintes discutiremos mais detidamente a aplicação desses referenciais conceituais aos selos, moedas e imagens neles contidas.In: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.42 Nessa análise utilizamos os conceitos de Aparelho Estatal e de Aparelhos Ideológicos do estado de Althusser.In: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 66 – 72.43 Essas referências foram obtidas em: YVERT & TELLIER. Catalogue de Timbre-Poste. Paris: Éditions Yvert & Tellier, 1976. Tome I e II.44 HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 103.45 Utilizamos esse conceito a partir da proposta de Jancsó e Pimenta In: JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um Mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta: a experiência brasileira.São Paulo: Ed. SENAC, 2000.46 HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 104.

23

quanto aos mais antigos, uma vez que desde 1789 as fórmulas tradicionais de

legitimação vinham sofrendo constante oposição.

Eric Hobsbawm expõe de forma interessante um dos processos pelo quais o

Estado se legitima a partir da construção dessas novas identidades políticas coletivas.

Nos mostra que através da identificação da pátria, construção política, à nação, fruto de

um amálgama de elementos emocionais e culturais, torna-se possível fazer do

nacionalismo o “componente emocional central” do Estado, desde que integrado ao que

chama de “patriotismo estatal”. Essa integração se daria através da projeção de fatores

ligados a uma identidade regional ao que se constituía em uma identidade nacional,

sendo necessário, para tanto, o concurso de elementos capazes de promover essa

identificação: lugares, práticas, personagens, sinais e símbolos. Ainda para o autor o

Estado usaria a comunicação como um veículo de difusão da imagem e da herança

dessa nação junto aos seus habitantes, atuando também como instrumento que ligaria o

povo aos símbolos nacionais47.

É dentro desse contexto que acreditamos que os selos postais, novamente,

ganham importância. A ele são incorporados esses elementos de identificação, fazendo

com que passem a desempenhar uma função simbólica que permite que atuem, a partir

daí, como peças desse duplo processo de consolidação do Estado e de construção da

nação. Ao mesmo tempo as reformas e melhorias nos serviços postais levariam a

diversos pontos do território, e até mesmo a outros Estados, essa imagem e herança que

se pretendia difundir. Devemos considerar, também, que esse serviço, agora mais eficaz,

seria uma evidência da presença do próprio poder estatal.

Intrinsecamente ligados a esse complexo mecanismo que incrementa as

transformações no campo político e na cultura política, importantes movimentos

econômicos e demográficos se fazem sentir entre os anos 30 e 50 do século XIX. Tais

movimentos deram ao serviço de correios, e às suas inovações, um destacado papel não

só no contexto das tessituras político-culturais, como também na produção da vida

material.

Usaremos como fio condutor de nossas reflexões as transformações econômicas

e o crescimento das cidades. Embora sejam perceptíveis desde o fim das guerras

napoleônicas, essas questões se fizeram mais relevantes nesse período. Tais

movimentos estavam relacionados a alguns fatores centrais, dentre os quais o

historiador René Rémond destaca: o afluxo de população camponesa, promovido pelo

47 HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 108-111.

24

êxodo rural; o desenvolvimento técnico promovido pela criação da máquina e a

utilização de novas fontes de energia, o que gerou uma demanda por mão-de-obra

dentro das próprias cidades; um fascínio exercido pelas cidades sobre diversos setores

da população européia, que passa a encarar o espaço urbano como um sinônimo de

progresso econômico, riqueza e possibilidade de uma vida mais fácil; e ainda o avanço

das atividades ligadas ao setor terciário da economia, perceptível no crescimento do

comércio e da distribuição de mercadorias, na sofisticação do sistema bancário e de

crédito e na proliferação de profissionais liberais e de funcionários ligados ao poder

público, fruto de novas demandas geradas pela vida urbana48.

Dentre as inúmeras conseqüências, apontadas por Rémond, para o crescimento

das cidades, destacamos a ampliação do espaço físico ocupado até então pelas mesmas.

Tal crescimento fez com que a comunicação interna nas cidades, assim como a

comunicação entre as cidades surgissem como fatores de considerável importância. O

deslocamento para bairros cada vez mais distantes, o fluxo de mercadorias, produtos e

matérias primas envolvidas em uma atividade produtiva a cada dia maior e mais

dinâmica, assim como o intercâmbio de informações necessárias às práticas econômicas

e à vida social, tornaram-se questões fundamentais à vida nesse meio urbano.

Atendendo a esses estímulos alguns setores apresentaram consideráveis índices de

crescimento.

O primeiro deles seria o setor dos transportes. Inicialmente movidos por tração

animal, em pouco tempo conheceram grande desenvolvimento, a partir da incorporação

dos avanços técnicos do período aos meios de locomoção. Nesse momento o vapor e, no

último quartel dos oitocentos, a eletricidade tornaram-se elementos propulsores dos

trens e bondes utilizados para essa função49. O caso da Inglaterra é bastante elucidativo

nesse contexto. O ano de 1814 marcou a introdução do vapor nos meios de transportes

ingleses, desencadeando a grande expansão das ferrovias50.

Simultaneamente aos transportes, um outro setor que também apresentou

considerável desenvolvimento, respondendo às novas demandas geradas pelo

crescimento da vida urbana, foi o das comunicações. A partir da década de 1830

observamos um grande desenvolvimento em todos os seus campos culminando, na

segunda metade do século XIX, na telegrafia, na otimização dos serviços de correios e

48 RÉMOND, René. O Século XIX – 1815 / 1914. São Paulo: Cultrix, 1990. p. 139 – 141.49 RÉMOND, René. Op. cit. p. 144.50 MAURO, Frédéric. História Econômica Mundial. 1790 – 1970. Rio de Janeiro. Zahar, 1973. p. 38.

25

na associação das ferrovias ao intercâmbio de informações. É nesse mesmo período que

os jornais e demais publicações ganham maior projeção e periodicidade.

Nesse sentido torna-se compreensível e justificável a reforma postal proposta

por Rowland Hill na Inglaterra e, mais ainda, seu sucesso. Pode-se medir a dimensão e o

impacto causado pela introdução das “novidades” inglesas nos serviços de correios,

pelo fato de que em pouco mais de duas décadas esse sistema foi adotado em

praticamente todos os estados da Europa e da América, sendo acompanhado, um pouco

mais tarde, pelas nações independentes da África e da Ásia51.

A evidência maior de que tais reformas atenderiam às necessidades geradas pela

própria dinâmica de uma sociedade capitalista em expansão, viria com a criação da

União Postal Universal em 1874, que padronizava os serviços de correios, as tarifas e as

relações postais entre os países signatários52.

Incorporadas à produção historiográfica de forma bem mais freqüente do que os

selos postais, as moedas como fontes históricas não representam nenhuma inovação.

Tanto no Brasil, como na Europa e Estados Unidos, podemos encontrar diversos

trabalhos que aludem às moedas como fontes ou que as utilizem como principal suporte

das análises implementadas53.

O que em verdade constatamos é que a utilização das moedas no contexto do

trabalho do historiador é prática comum desde o século XIX, com o reconhecimento dos

documentos materiais como válidos para tal empresa. Resulta desse período a grande

importância da Numismática como “Ciência Auxiliar” da História. As palavras de

Ângela de Castro Gomes e Mônica Kornis não deixam dúvidas nesse sentido.

A cunhagem e impressão de moedas e medalhas com

imagens, símbolos, divisas e etc, tornaram-nas, há muito,

documentos de grande valor e importância histórica. Até

51 A guisa de exemplo podemos citar o caso da Egito que introduziu o modelo inglês e os selos em 1866, do Japão em 1871 e da China em 1878. In: YVERT & TELLIER. Catalogue de Timbre-Poste. Op. Cit. p.250, 438 e 732. Tome II. 52 A União Postal Universal foi fundada em 1874, com sede em Berna na Suíça. Surgiu como resultado de uma primeira Convenção Postal, com o nome de União Geral dos Correios. Mais tarde, durante o II Congresso realizado em Paris, adotou o nome que possui atualmente, sendo mais conhecida por sua sigla – UPU. Em 1948 foi efetivada a sua filiação a Organização das Nações Unidas. In: MACHADO, Paulo Sá; QUEIROZ, Raymundo Galvão. Dicionário de Filatelia. Porto: Edições ASA, 1994. p. 193.53 Constam da bibliografia de nosso trabalho algumas dessas obras. Gostaríamos de salientar, no entanto, que nos limitamos a relacionar aquelas que estão mais diretamente ligadas à pesquisa que realizamos. É possível ampliar, consideravelmente, essa relação se a elas acrescentássemos os trabalhos relativos à moeda brasileira do período colonial e, principalmente, as produções européias tratando das moedas cunhadas na Antiguidade e na Idade Média, como fontes históricas.

26

mesmo devido a esse longevo reconhecimento, quando se

fala de numismática e de moedas para um público amplo, o

que vem à mente são coleções ou mesmo exemplares

singulares de moedas antigas, cunhadas em metais precisos

(ouro ou prata) e com alto grau de sofisticação artística,

inclusive porque vinculadas a uma produção de bases

artesanais.54

No entanto não pensamos as moedas, como fontes históricas, sob a ótica do seu

exotismo, preciosidade ou raridade. Ainda dentro da análise das autoras citadas

anteriormente, acreditamos que “todo objeto material é um objeto cultural, quer dizer,

é portador de sentidos imateriais”55, logo toda moeda carrega uma variada gama de

funções sociais e simbólicas que se manifestam no campo da política, ideologia, arte,

economia e etc.

Nessa perspectiva a importância das moedas no contexto da formação dos

Estados Nacionais, é tão grande quanto a que acreditamos ter demonstrado em relação

aos selos, exercendo papel análogo. Para Ângela Gomes e Mônica Kornis, a construção

de uma identidade nacional passaria pela seleção e pela produção de uma forma

específica de tradição, manifestada em edificações e objetos. Dentre eles as moedas

ocupariam uma posição privilegiada, posto que funcionam como um dos principais

indicadores do poder do Estado, tornando-se monopólio e sinal desse mesmo poder.

Portanto moedas e construção de uma identidade nacional funcionariam como partes de

um mesmo processo56.

54 GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Com a história no bolso: moeda e a República no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL “O Outro Lado da Moeda”. (2001: Rio de Janeiro, RJ). Livro do Seminário Internacional. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2002. p. 113.55 GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Op. Cit. p. 114.56 Id. Ibid. p. 114.

27

Nos capítulos a seguir, pretendemos estudar a forma como as imagens contidas

nos selos e moedas do Império do Brasil, entre 1840 e 1889, foram produzidas para que,

através desse estudo, possamos oferecer mais uma possibilidade de leitura da

construção do próprio Estado Imperial. No primeiro capítulo, trataremos dos operatores

dessas imagens e do studium que orientou a sua produção. No capítulo dois,

abordaremos a produção de imagens no Império do Brasil, durante a década de 1840.

Finalmente, no terceiro capítulo trataremos das imagens veiculadas nos selos postais e

nas moedas brasileiras na segunda metade do século XIX.

Capítulo 1 – Operatores e Studium: a produção de imagens no Segundo Reinado.

1.1) Os Operatores: produtores de imagens no Império do Brasil.

Nosso objetivo é pensar a construção do Estado Nacional no Brasil, durante o

Segundo Reinado, a partir das imagens oficiais por ele produzidas. Com esse fim nos

voltamos para aquelas que eram veiculadas nos selos postais e moedas que circulavam

nesse período. Tais imagens, no entanto, não surgiram de forma aleatória, foram

28

produzidas por um conjunto de indivíduos que, de forma mais ou menos evidente,

estavam engajados em um projeto que pretendia dar determinado formato ao Estado

imperial brasileiro. Em nossa análise consideramos que tais indivíduos correspondem

aos operatores do processo de produção das imagens que surgiram no decorrer da

construção de nosso Estado.

Logo o ponto de partida das discussões desse capítulo, segundo pensamos,

consiste na própria definição de operatores, fornecida por Roland Barthes, e na forma

como esse autor concebe a produção das imagens fotográficas. Isso se justifica pelo fato

de, como já falamos em momentos anteriores, encontrarmos uma relação muito próxima

entre as essas imagens e aquelas veiculadas nos selos postais e moedas do Império do

Brasil, durante o Segundo Reinado.

Segundo as análises barthesianas, no processo de produção e consumo das

imagens presentes nas fotografias estariam presentes três elementos, que estabelecem

entre si vínculos que devem ser considerados indissolúveis, caso tencionemos promover

uma leitura acurada das mesmas. Para o autor esses elementos e suas relações podem

ser compreendidos da seguinte forma:

O Operator é o fotógrafo. O Spectator somos todos

nós que consultamos nos jornais, nos livros, álbuns e

arquivos, coleções de fotografias. E aquele ou aquilo que é

fotografado é o alvo, o referente, uma espécie de pequeno

simulacro, de “eidôlon” emitido pelo objeto, a que poderia

ser muito bem chamar-se de Spectrum da fotografia, porque

esta palavra conserva, através da raiz, uma relação com o

“espetáculo” e acrescenta-lhe essa coisa um pouco terrível

que existe em toda fotografia: o regresso do morto57.

Esse trecho nos permite concluir que os operatores correspondem aos agentes

que produzem a imagem, a partir de um dado spectrum, destinada a um ou mais

spectatores. Nesse sentido podemos considerar como os operatores do processo de

produção imagética, que se efetivará em nossos selos postais e moedas durante o

reinado de Pedro II, aqueles indivíduos que decidiam que elemento seria recortado do

real e transformado em uma imagem que, através desses veículos, circularia por todo o

57 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 17.

29

Império, atingindo ainda, em menor escala, outros Estados com os quais o Brasil

mantinha relações.

Tais indivíduos correspondem a um grupo restrito inserido no Aparelho de

Estado, no qual desempenha funções ligadas ao Executivo e à administração pública.

Em nosso caso específico, uma vez que centramos nossa análise nos selos postais e nas

moedas, tem seu principal campo de atuação na Secretaria de Estado dos Negócios do

Império, no Ministério da Fazenda, no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras

Públicas58, na Casa da Moeda e na Diretoria Geral dos Correios da Corte. Chegamos a

essa conclusão a partir da análise da própria estrutura da administração imperial, que

pudemos vislumbrar através da compilação das fontes documentais utilizadas em nosso

trabalho.

A partir dos relatórios produzidos pelos ministros de Estado e entregues à

Assembléia Geral, em especial aqueles produzidos pelo secretário do Império59 e pelo

ministro da fazenda, torna-se clara a subordinação da Casa da Moeda à pasta de

fazenda, e dos Correios à referida secretaria. De 1860 em diante, a responsabilidade

pelos Correios foi transferida para o recém criado Ministério da Agricultura, Comércio

e Obras Públicas. Dessa forma é possível concluir que as decisões relativas ao padrão

das imagens que estão presentes nos selos e moedas do Segundo Reinado partiam do

círculo formado pelos responsáveis por essas instâncias de nossa administração: os

competentes ministros, o provedor/diretor60 da Casa da Moeda e o diretor geral dos

Correios da Corte.

Porém como poderíamos classificar esse grupo? A quem corresponderiam os

operatores desse processo que nos propusemos a estudar? Cabe aqui uma pequena

discussão historiográfica.61

Segundo as análises de José Murilo de Carvalho, esse grupo representaria uma

parte das elites políticas brasileiras do século XIX. Para esse autor as elites não

58 Inserimos o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas na esfera de nossas discussões pelo fato de que, a partir de sua criação em 1860, a gestão e a supervisão dos serviços de Correios no Império do Brasil foi transferida para seus encargos.59 Embora a designação do responsável pela Secretaria de Estado dos Negócios do Império seja a de secretário, o mesmo tinha status de ministro de Estado.60 Segundo constatamos nas referências relativas à Casa da Moeda, presentes no Almanak Laemert entre 1840 e 1873, a maior autoridade dessa instituição era o chamado provedor, a partir dessa data passa a ser designado pelo título de diretor.61 No decorrer do texto usaremos os conceitos de elite, ao nos referirmos à análise de José Murilo de Carvalho, e o de classes dominantes e dirigentes políticos, quando tratarmos do trabalho de Ilmar Rohloff de Mattos. Não significa que concordemos com ambos ou que os consideremos sinônimos. Ao final do capítulo, esboçaremos nossa conclusão no sentido de que classificação damos ao conjunto de nossos operatores.

30

correspondem aos grandes homens que, segundo algumas teorias, determinam os

acontecimentos por suas ações. Constituíam grupos especiais com características que os

distinguem da massa da população e de outros setores da própria elite62. Ainda para

Carvalho, esses grupos seriam condicionados por elementos sociais e políticos sobre os

quais não possuem grande controle, ou mesmo controle algum, e teriam suas ações

limitadas por fatores de ordem diversa, entre os quais destaca os econômicos.

Importantes questões que marcaram a história oitocentista do Brasil seriam, para o

autor, resultado dessas elites, tais como a independência, a adoção da monarquia, a

manutenção da unidade política e a construção de um governo civil estável63.

A eficácia da ação das elites políticas brasileiras estaria atrelada a sua

homogeneidade ideológica e de treinamento. Tal homogeneidade seria resultado de uma

mesma formação cultural e educacional e da experiência que os membros desse grupo

obtiveram na administração pública, primeiro lusitana e posteriormente imperial. Tal

fato permite que sejam destacadas algumas características específicas dessas elites

políticas: sua constituição à semelhança e imagem da elite portuguesa, uma maior

concentração de sua formação no campo jurídico, seu engajamento ao funcionalismo

público, e sua grande ligação à magistratura e ao exército. Dessa maneira podem

compartilhar de um projeto comum e agir em consenso e de modo coeso, o que

representaria considerável vantagem sobre as elites rivais64.

Ainda em sua análise, Carvalho constatou que essa coesão e homogeneidade de

nossas elites políticas trouxeram maiores vantagens e permitiu que as mesmas

ocupassem uma posição privilegiada no processo de construção do Estado. Desses

fatores resultaria um aparato estatal mais coeso e forte, além de uma considerável

redução de conflitos intestinos entre os grupos que controlavam o poder, determinando

a ausência de atritos que promovessem mudanças violentas. Em contrapartida aquilo

que o autor chama de “canais de mobilidade” presentes em nossa sociedade foram

consideravelmente reduzidos, restando àqueles que não faziam parte do grupo agrário-

escravista um mais importante e eficaz que era a burocracia estatal, o que tornava o

emprego público, segundo as palavras de Joaquim Nabuco citadas pelo autor, a

“vocação de todos” 65.

62 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro de Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Relume Dumará, 1996. p. 1763 Id. Ibid. p. 17.64 Id. Ibid. p. 34.65 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 36.

31

O Estado construído por essas elites políticas dependia da agro-exportação, o

que fazia de seus interesses um limite claro ao poder e às ações desse Estado. Ainda

nesse contexto, a articulação entre o centro do poder estatal, ocupado pelas elites

políticas, e aqueles grupos situados à periferia do mesmo se dava de forma mais

consistente e com divergências descentralizantes relativamente pequenas, o que se

explica por algumas questões fundamentais: a manutenção da unidade nacional, o

controle civil do poder e a garantia de uma “democracia” limitada dos homens livres.66

Dessa maneira constituiu-se um Estado sustentado sobre uma ideologia

conservadora que, apesar de não prescindir de uma base agro-exportadora, não era

controlado diretamente por representantes da mesma, tendo ainda capacidade para

acomodar e solucionar os problemas surgidos em sua esfera. Para o autor o

funcionamento desse Estado era possível a partir de um sistema imperial estável, que

atuava dentro de certas características:

A capacidade de processar conflitos entre grupos

dominantes dentro de normas constitucionais aceitas por

todos constituía o fulcro da estabilidade do sistema imperial.

Ela significava, de um lado, um conservadorismo básico na

medida em que o preço da legitimidade era a garantia de

interesses fundamentais da grande propriedade e a redução

do âmbito da participação política legítima. Mas, de outro

lado, permitia uma dinâmica de coalizões políticas capaz de

realizar reformas que seriam inviáveis em situação de pleno

domínio de proprietários rurais67.

Dentro desse Estado e daquilo que podemos chamar de sistema imperial, as

decisões políticas eram tomadas por indivíduos que ocupavam postos no Executivo e no

Legislativo. No entanto observamos que algumas instituições e instâncias influenciavam

a política nacional. Nesse sentido destacamos as associações de classe, como a

Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e a Associação Comercial, a imprensa e

aquilo que seria um segundo escalão da burocracia formado pelos presidentes de

província, diretores, chefes de seção e demais cargos burocráticos de maior relevo.

66 Id. Ibid. p. 38.67 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 38.

32

Carvalho, dentro desse último grupo, destaca a importância dos presidentes de

província, membros de uma elite nacional que na grande maioria dos casos passa por

essa condição, já que o exercício dessa função seria um importante passo para uma

carreira política promissora. No entanto, em relação aos outros funcionários considera

como tarefa complexa a avaliação de seu poder de influência, reconhecendo a

possibilidade de ele se manifestar através dos ministros e negando a existência de um

“espirit de corps” na burocracia imperial68.

Muito embora reconheçamos a validade e importância de diversos elementos de

seu trabalho, nesse particular temos uma visão diferente, conforme demonstraremos

mais à frente ao analisarmos o conjunto de funcionários envolvidos na produção das

imagens veiculadas pelos selos postais e moedas do Segundo Reinado.

Outra importante obra que pensa a ação dos protagonistas da política imperial

brasileira durante o Segundo Reinado é a de Ilmar Rohloff de Mattos. Ao contrário de

José Murilo de Carvalho, Ilmar de Mattos não trabalha com o conceito de elite política.

Considera como os principais agentes da política brasileira, entre 1840 e 1889, o que

chama de “Dirigentes Saquaremas”. Esses elementos corresponderiam a uma “força

social” formada por um conjunto que envolvia a alta burocracia imperial (senadores,

magistrados, ministros, conselheiros de estado, bispos), os proprietários rurais

espalhados pelo Império e aqueles que chama de “agentes não públicos”, isto é,

professores, médicos, jornalistas e literatos entre outros elementos. A unidade desse

conjunto seria garantida pela adesão de seus membros a um projeto de Estado,

sustentado nos princípios de ordem e civilização.69

Tais dirigentes saquaremas atuavam como articuladores da classe senhorial ao

Estado Imperial. O Estado Imperial além dos aparelhos de coerção e garantidores de

dominação, corresponderia também ao “locus” desses elementos, isto é, ao espaço

privilegiado de ação daqueles que, dentro de uma concepção gramsciana, exerciam uma

direção e dominação intelectual e moral através da ação estatal. Esse autor considera

que os interesses atuantes dentro desse Estado, bem como a própria visão que os

dirigentes saquaremas e, mais tarde, a classe senhorial fará do mesmo, estavam

vinculados a seu engajamento em uma “região de agricultura mercantil-escravista”.70

68 Id. Ibid. p. 44 a 48.69 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro: ACESS, 1994. p. 3 e 4.70 Id. Ibid. p. 4.

33

Nesse ponto vale ressaltar que os dirigentes saquaremas não são elementos

estranhos ou alheios à classe senhorial, ao contrário, compartilham de uma trajetória

histórica que forjou a consciência e os interesses específicos desses indivíduos. O trecho

a seguir é bastante elucidativo no tocante a concepção do autor em relação ao caráter

histórico da produção desses importantes componentes da sociedade imperial brasileira:

De outro lado, quando operamos com o conceito de

classe senhorial estamos operando com uma categoria

histórica, e não com uma mera classificação que leva em

consideração o lugar ocupado por um conjunto de

indivíduos no mundo da produção e a relação que mantêm

com uma outra classe fundamental. Estamos considerando,

antes de mais nada, uma trajetória assinalada por inúmeras

lutas, trajetória essa à qual não é estranha à direção

saquarema. Assim, a natureza da classe e seus elementos de

coesão – sua identidade, em suma – aparecem como

resultado de experiências comuns vividas por determinados

homens, experiências essas que lhes possibilitam sentir e

identificar seus interesses como algo que lhes é comum, e

desta forma contrapor-se a outros grupos de homens cujos

interesses são diferentes e mesmo antagônicos aos seus (...)71

.

O projeto desses dirigentes saquaremas referia-se à construção de um modelo

de Estado que começou a se delinear na chamada Reação ou Regresso Conservador

(1836 – 1852). O ponto central desse projeto consistia no avanço do princípio da

autoridade e na recuperação do prestígio da Coroa, efetivado, em boa parte, através do

aumento das prerrogativas do Executivo. A Coroa corresponderia ao conjunto das

forças políticas e sociais predominantes no Estado imperial, no qual destacava-se a

figura do imperador, que simbolicamente concretizava a idéia de Império72.

Consolidada, a Coroa teria a função de, na visão dos saquaremas, restaurar a hierarquia

existente nas diversas regiões, privilegiar os interesses da expansão cafeeira e ordenar as

71 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 4.72 Id. Ibid. p. 77 a 82.

34

grandes famílias no tocante a políticas públicas ligadas à terra, mão-de-obra, tributação,

moeda e crédito73.

Garantida essa primeira e essencial questão, o projeto saquarema pretendia

também “requalificar”74 o princípio da liberdade e redefinir a política do Estado,

visando à supressão das rebeliões escravas e a contenção daquilo que o autor chama de

“mundo da desordem”.

Essencialmente esse projeto está comprometido com a manutenção de um

modelo de sociedade que estaria dividido em três “mundos”: o “mundo do governo”

composto por aqueles indivíduos que detinham e lutavam por preservar a propriedade

de alguns monopólios, em especial o da terra e da liberdade de outros homens; o

“mundo da desordem” composto pelos homens livres pobres e, finalmente, o “mundo

do trabalho” do qual fazia parte o imenso contingente de escravos existente no Império

do Brasil, durante o governo de D. Pedro II75.

Na visão saquarema a estabilidade dessa estrutura era o compromisso maior do

Estado e, por extensão, do Império e de seu soberano. Tal importância levou inclusive a

reformulação do conceito da Soberania atribuída ao Império, que nas palavras do autor

passa a ser vista da seguinte forma:

Nestes termos, e assinalando um deslocamento, a

Soberania do Império não mais se constituía apenas pela

referência aos demais Estados, as “Nações Civilizadas”. Ela

era construída tendo como referência principal a própria

sociedade – uma multidão de homens, unidos numa pessoa

única por um poder comum, para sua paz, sua defesa e seu

proveito comuns -, e fazia do Soberano ou do Poder o

responsável pela manutenção da paz e da ordem,

outorgando-lhe um monopólio: o monopólio de uma

responsabilidade.76

73 Id. Ibid. p. 131.74 Quando fala em “requalificar” o princípio da liberdade, Ilmar de Mattos refere-se ao processo de afirmação de um ideal conservador de liberdade, baseado nas idéias de Thomas Hobbes e Jeremy Bentham. Nesse ideal a liberdade estaria intimamente vinculada à manutenção da ordem, da monarquia constitucional e da integridade territorial. Mais à frente, quando tratarmos da ideologia saquarema, retomaremos essa discussão.75 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 114 a 116.76 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 139.

35

Na visão desse autor tais mundos embora coexistissem e, por vezes, se

interpenetrassem nunca poderiam se confundir, o que determinava grande empenho e

esforços, por parte da “boa sociedade” (entenda-se o Mundo da Ordem ou do Governo)

para manter clara as suas fronteiras. Nesse sentido era válido e lícito o recurso a uma

série de mecanismos e práticas, que iam da violência explícita ao método mais sutil e

sofisticado dos jogos políticos e ideológicos.

Finalmente podemos dizer que, na análise proposta por Mattos, a Monarquia era

vista pelos dirigentes saquaremas como a forma ideal de organização do Estado. Isso se

devia ao fato de eles pensarem que essa forma de governo seria uma garantia das noções

de organização e ordem, essenciais em sua concepção de mundo77 .

O sucesso do projeto dos dirigentes saquaremas garantiu que estes passassem a

controlar o governo do Estado, o que obviamente significava a eliminação dos Liberais

bem como a inclusão dos demais Conservadores nesse governo. Tal proposição ganha

dimensões consideravelmente amplas uma vez que rompe com a tradicional visão

historiográfica que defende a alternância de Liberais e Conservadores no governo do

Estado Imperial, bem como por rever o próprio sentido do que seria esse “governo do

Estado”.

Dentro dessa nova perspectiva Ilmar de Mattos entende que o governo do Estado

transcendia ao mero controle dos Aparelhos de Repressão do mesmo, tais como a

polícia, tribunais, forças armadas e mesmo o Aparelho Burocrático. Para o autor, esse

efetivo governo passava pela capacidade de esses indivíduos exercerem uma “direção”

que se manifestava tanto no plano político quanto no intelectual e moral, mais uma vez

recorrendo às análises de Antonio Gramsci78.

Para o sucesso de seu projeto, bem como para o efetivo controle do governo do

Estado, foi fundamental aos dirigentes saquaremas, garantir a afirmação do poder

público sobre a esfera privada ou impor o “governo do Estado” ao “governo da Casa”.

Com esse fim tais dirigentes desenvolveram algumas importantes estratégias e uma

eficaz política de alianças. Essas últimas obviamente que com aqueles grupos mais

diretamente ligados aos interesses da classe senhorial79, da qual não estavam

desvinculados, como os traficantes de escravos e os controladores do crédito e do

77 Id. Ibid. p. 132.78 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 148.79 Vale lembrar aqui que essa aliança com setores ligados à classe senhorial era fundamental para o sucesso do projeto dos saquaremas, uma vez que nessa classe estavam presentes tanto correligionários do Partido Conservador quanto elementos do Partido Liberal. Logo a eficácia dessas alianças teve papel considerável na garantia desse projeto.

36

grande capital80. Tendo a seu lado os fornecedores dos braços e dos capitais necessários

à grande lavoura, os dirigentes saquaremas conquistaram um importante trunfo para a

afirmação governo do Estado sobre o governo da casa.

No tocante às estratégias utilizadas pelos saquaremas, podemos citar em

primeiro lugar a implementação de um projeto de expansão que se deu em dois sentidos.

O primeiro desses sentidos foi o horizontal, e consistiu na incorporação de outros

elementos que detinham o monopólio de terras e homens no interior da região de

agricultura mercantil-escravista, ao projeto saquarema. Essa incorporação se dava

individualmente ou em grupos, através da constituição de redes de alianças familiares, e

envolvia plantadores, comerciantes e capitalistas. O outro sentido foi o vertical,

baseado na cooptação de elementos de outras classes sociais ao projeto dos saquaremas.

Seu principal alvo foram médicos, tabeliães, advogados, professores, jornalistas,

guarda-livros, caixeiros e, principalmente, o funcionalismo público, tanto leigo quanto

eclesiástico.

Além dessa expansão outra importante estratégia utilizada pelos saquaremas,

correspondeu à produção de ideologias que, ao mesmo tempo, sustentavam seu projeto

e criavam as condições necessárias à sua efetivação, garantindo a afirmação do público

sobre o privado.

Finalmente Ilmar de Mattos nos mostra como a valorização das práticas e da

estrutura administrativa, foi fundamental tanto no momento da construção do projeto

político dos dirigentes saquaremas, quanto no contexto de sua efetivação. Na garantia

de seus interesses, reduziam a política à administração, promovendo, na esfera do

Estado, a distinção entre Governo e Administração81. A importância dessa última

evidencia-se nas palavras do Visconde do Uruguai82, citadas pelo autor:

Convenci-me ainda mais de que se a liberdade

política é essencial para a felicidade de uma Nação, boas

instituições administrativas apropriadas às suas

circunstâncias e convenientemente desenvolvidas não o são

80 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 155 a 157.81 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 142.82 É importante observarmos que Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, assumiu a Secretaria de Estado dos Negócios do Império nos anos de 1869 e 1870. Esse fato torna mais relevantes suas idéias acerca da importância da administração no tocante ao nosso objeto.

37

menos. Aquela sem estas não pode produzir bons

resultados.83

Analisadas as visões de José Murilo de Carvalho e de Ilmar de Mattos, e

aplicando-as àqueles que consideramos como os operatores do processo de produção

das imagens presentes nos selos postais e moedas do Segundo Reinado, chegamos a

algumas conclusões básicas, que desenvolvemos a seguir.

Tais conclusões são resultado de um estudo prosopográfico que desenvolvemos,

a partir dos titulares da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, do Ministério da

Fazenda, da direção da Casa da Moeda e da Diretoria Geral dos Correios da Corte, entre

1840 e 1889 e do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, entre 1860 e

1889, pelas razões que já justificamos anteriormente.

A fim de chegar a um perfil de nossos operatores, estudamos um total de 76

indivíduos diferentes, que se distribuíam conforme a tabela a seguir. Na medida em que

desdobrarmos esse estudo, iremos indicando os pontos de aproximação e divergência

em relação às análises de Mattos e Carvalho.

a) Tabela Geral dos Indivíduos Estudados:

INSTITUIÇÃO TITULARES PERÍODOSecretaria de Estado dos

Negócios do Império28 titulares 1840 a 1889

Ministério da Fazenda 19 titulares 1840 a 1889 Ministério da Agricultura,

Comércio e Obras Públicas19 titulares 1860 a 1889

Provedoria / Diretoria da Casa da Moeda

03 titulares 1840 a 1889

Diretoria Geral dos Correios da Corte

07 titulares 1840 a 1889

Total 76 titulares 1840 a 1889Fonte: Almanak Laemert( 1844 a 1889 ) / Relatórios dos Secretários e Ministros à Assembléia Geral

Legislativa( 1840 a 1889 ).

A tabela anterior demonstra, simplesmente, a distribuição desses titulares pelas

instâncias político-administrativas analisadas, durante o Segundo Reinado. No entanto,

podemos perceber com clareza um dado evidente: existe uma muito maior rotatividade

de pessoas nas pastas ministeriais do que nas funções técnico-administrativas.

83 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. Cit. p. 142.

38

Dos 76 casos estudados, 66 deles correspondem a ministros de Estado, isto é,

86,8%. Os outros dez casos, ou 13,1% atuam no que poderíamos considerar como um

segundo escalão da burocracia imperial. Obviamente as muito maiores implicações dos

Ministérios, assim como a poderosa moeda política que representavam durante o

Império, explicam a grande rotatividade de titulares, a uma média de, aproximadamente,

um ano e cinco meses de permanência. Essa média se torna bem menor para o caso do

Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas que entre 1860 e 1889 apresentou

os mesmos 19 titulares que o Ministério da Fazenda no período compreendido entre

1840 e 1889.

Porém o que consideramos mais relevante nesses dados é justamente a situação

oposta que se apresenta no segundo escalão. Na provedoria, e posteriormente na

diretoria da Casa da Moeda, nos 50 anos estudados encontramos somente três titulares:

Camillo João Valdetaro, de 1840 a 1850; Cândido de Azeredo Coutinho de 1850 a

1877, com uma lacuna em 1870 e Bento José Ribeiro Sobragy de 1879 a 1889. Tal

proporção representa uma média aproximada de 16 anos e seis meses de permanência

nessa função, considerando-se que nessa média o titular que menos tempo atuou, o fez

por 11 anos.

Para a Diretoria Geral dos Correios da Corte, o quadro não é muito diferente.

Durante os 50 anos de duração do Segundo Reinado, conheceu sete titulares. Não

constatamos uma permanência individual tão prolongada quanto na Casa da Moeda,

porém a média é consideravelmente elevada: oito anos e dois meses, aproximadamente.

Nessa instituição observamos períodos mais fragmentados e menos contínuos de

administração, no entanto notamos algo que não pode ser observado na Casa da Moeda:

o exercício da função pela mesma pessoa em momentos diferentes. É o caso de José

Maria Lopes da Costa (1846, 1848, 1850 e 1860), Gabriel Getúlio Monteiro de

Mendonça (1847 e 1849) e Thomaz José Pinto de Serqueira (1851 a 1859 e 1862 a

1865). Observamos ainda que somente João José Coutinho (1861) e João Wilkens de

Mattos (1881 e 1882), tiveram uma passagem curta na direção dessa instituição. Esse

quadro, portanto, nos permite concluir que muito mais do que uma rotatividade de

diretores, os Correios da Corte conheceram um revezamento entre um número restrito

de indivíduos em sua administração.

Essa primeira análise dos dados, quando cotejada com algumas questões

levantadas por José Murilo de Carvalho, nos permite chegar a algumas conclusões.

39

Levando-se em conta, conforme nos diz esse autor84, que ao mesmo tempo em que a

unidade e homogeneidade das elites políticas brasileiras promovia uma maior

estabilidade reduzia os canais disponíveis à mobilidade social, fazendo da burocracia e

do emprego público uma “vocação de todos”, 85 carreiras tão longas e estáveis seriam

algo de se estranhar. Principalmente quando constatamos uma grande rotatividade de

ministros nas pastas às quais essas instâncias secundárias da administração estavam

vinculadas, posto que a nomeação desses titulares dependia dos seus respectivos

ministros. Logo percebemos que, ao menos nessas duas funções administrativas de

caráter mais técnico86, havia uma considerável estabilidade.

Isso faz com que achemos questionável, quando pensamos a realidade sobre a

qual trabalhamos, a afirmação de Carvalho87 de que inexistiria um “espirit de corps” no

segundo escalão da burocracia imperial, pressupondo uma possível pulverização da

unidade e identidade ideológica do que chama de elites políticas. Acreditamos que tão

longas permanências à frente dessas administrações, se não criavam tal “espirit de

corps”, ao menos constituíam uma identidade própria. Consideramos também que tal

identidade não entrava em choque com as diretrizes e princípios dos diversos ministros

pelos quais tais burocratas passavam, uma vez que se mantinham em suas funções

apesar das mudanças. Mesmo se levando em conta os seus conhecimentos técnicos,

pensamos que dificilmente esses diretores seriam preservados se divergissem

radicalmente de seus superiores hierárquicos. Além disso, alguns outros elementos que

desenvolveremos a seguir, servem de evidências nesse sentido.

Por outro lado pensamos que esses dados demonstram que os burocratas de

segundo escalão poderiam exercer influências nas decisões políticas, muitas vezes

através de seus ministros. As longas gestões davam a esses indivíduos autonomia em

certas decisões que, mesmo que não tivessem um peso político evidente, guardavam

relações estreitas com o processo de construção do Estado Imperial e com a sua própria

evolução. É o que pretendemos demonstrar quando discutirmos, especificamente, a

produção das imagens que foram incorporadas e veiculadas nos selos e moedas.

84 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 36.85 Id. Ibid. p. 36.86 Vale lembrar as discussões desenvolvidas no primeiro capítulo quando nos referimos ao processo de confecção dos selos e moedas e das instâncias nas quais eram produzidas. Nesse sentido percebemos que tanto nos Correios quanto, e principalmente, na Casa da Moeda os seus respectivos administradores deveriam ter um considerável conhecimento técnico. Isso pelo fato de que tinham dar conta da complexa e quase sempre deficitária engrenagem de nossos Correios no Império e das diversas oficinas existentes na Casa da Moeda. 87 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 48.

40

Após essa verificação inicial, consideramos fundamental avaliar o grau de

envolvimento desses indivíduos com a construção do Estado Imperial, a fim de

constatar se efetivamente atuaram como os operatores das imagens oficiais desse

mesmo Estado. Para tanto, desdobramos nosso estudo prosopográfico a partir de alguns

crivos que expomos a seguir.

O primeiro crivo utilizado, com o propósito de verificar a vinculação desses

indivíduos ao processo de construção do Estado Nacional, baseou-se no na análise do

binômio composto por sua posição social e sua ligação com o governo imperial. Para

tanto pesquisamos a sua vinculação com a propriedade da terra e as atividades

profissionais exercidas pelos titulares em questão.

Em relação à propriedade da terra, privilegiamos o que consideramos como

vínculos diretos, isto é, a utilização da mesma dentro de um modelo compatível com a

grande empresa agro-escravista, fazendo com que tal atividade fosse o seu principal

suporte econômico e lhe ocupasse por um período prolongado. Nesse contexto, dos 76

indivíduos analisados, somente encontramos sete casos, correspondentes a 9,2% do

total. Tal fato corrobora as conclusões José Murilo de Carvalho88, ao afirmar que o que

considera como elites políticas, não fazia parte, em sua maioria, do grupo dos grandes

proprietários de terras ligados à agro-exportação. É importante ressaltar que esse autor

não reconhece uma oposição entre suas elites políticas e a agro-exportação, ao

contrário, afirma mesmo que os interesses da última funcionavam como um limite às

ações dos protagonistas da política imperial89.

Nesse particular é conveniente nos determos no trabalho de Ilmar de Mattos, que

em sua definição de dirigentes saquaremas, insere os “proprietários rurais localizados

nas mais diversas regiões e nos mais distantes pontos do Império (...)”.90, porém

reconhece como uma categoria vinculada aos interesses dos mesmos, ainda que

diferente do que chama de “alta burocracia imperial”.91 Portanto, para esse autor,

mesmo inseridos em uma mesma classe social - a classe senhorial - os dirigentes

políticos do Império não estariam direta e necessariamente atuando como grandes

proprietários escravistas.

88 Ao estudar a vinculação dos ministros do Império com a terra, José Murilo estabeleceu critérios muito mais flexíveis que os nossos, uma vez que consideramos somente referências diretas dos casos estudados com a agro-exportação ou à produção para o mercado interno. Carvalho, conforme demonstra estatisticamente, entre 1840 e 1889 nunca encontrou um índice de vinculação à terra que alcançasse os 50%, sendo sua maior marca os 48,48%. In: CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 99. 89 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 37.90 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 3.91 Id. Ibid. p. 3.

41

Assim aqueles que consideramos como nossos operatores, fariam parte dos

escalões mais elevados da burocracia imperial, sem evidenciar um envolvimento direto

com a agro-exportação, apesar de concordarmos com Mattos no sentido de participarem

do que o autor chama de Mundo da Ordem92.

Em relação às atividades profissionais dos casos estudados, chegamos a alguns

dados que organizamos na tabela a seguir.

b) Tabela das Atividades Profissionais dos Indivíduos Estudados.

ATIVIDADE TOTAL PERCENTUALMagistrados 25 32,8%

Funcionários Públicos 34 44,7%Presidentes de Província 39 51,3%

Professores 14 18,4%Advogados 13 17,1%Jornalistas 07 9,2%Diplomatas 07 9,2%

Capitalistas / Industriais 06 7,8%Militares 04 5,2%

Outras atividades 04 5,2%Fonte: Almanak Laemert (1844 a 1889)

A fim de podermos melhor dimensionar e compreender os dados acima é mister

fazermos alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar devemos citar que avaliamos o

conjunto das atividades profissionais desenvolvidas pelos indivíduos pesquisados, isto

é, levamos em consideração todas as funções que desempenharam antes de ocuparem as

funções estudadas, e aquelas que desenvolviam no decorrer deste exercício. Reputamos

tal procedimento como o mais eficiente, uma vez que nos dá uma visão mais completa

da trajetória profissional e social de cada caso.

Outro ponto relevante refere-se ao fato de no universo dos indivíduos estudados,

em especial entre os ministros de Estado, ser comum o exercício de mais de uma

atividade profissional, muitas vezes simultaneamente. Dessa forma é freqüente

encontrarmos funcionários públicos que são também advogados ou professores, e assim

por diante93.

Consideramos ainda importante, esclarecer que como funcionários públicos

enquadramos os indivíduos que desempenhavam funções técnicas ou administrativas

dentro do Aparelho de Estado, dessa forma chefes de polícia, promotores, fiscais e

auditores foram incluídos nessa categoria.

92 Id. Ibid. p. 115.93 Tal situação vai de encontro às conclusões de José Murilo de Carvalho, em relação às elites políticas do Império. Afirma o autor que era fenômeno freqüente a “ocupação múltipla, isto é, a mesma pessoa exercendo mais de uma ocupação”.In: CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 83.

42

Finalmente vale mencionar que preferimos considerar os presidentes de

província em uma categoria à parte, dissociando-os dos funcionários públicos.Optamos

por esse caminho, em primeiro lugar, pela grande incidência com que aparecem entre as

atividades profissionais exercidas pelos indivíduos considerados. Conforme podemos

observar na tabela, a maioria de nossos titulares exerceram essa função. Tal fato ganha

ainda maior relevância quando constatamos que essa situação ocorre tanto ao nível dos

ministros de Estado, quanto dos funcionários de segundo escalão da burocracia

imperial. São os casos de Gabriel Getúlio Monteiro de Mendonça e João Wilkens de

Mattos, ambos Diretores Gerais dos Correios da Corte e com passagens pela presidência

de mais de uma província.

Além disso, usando como referência os estudos de João Camillo de Oliveira

Torres94 e José Murilo de Carvalho95, fica evidente a grande importância dessa função

na estrutura política do Império e nos mecanismos que ligavam o centro à periferia do

poder. Valeria ainda lembrar que o cargo de presidente de província tem um papel

relevante no processo de formação e ascensão dos políticos brasileiros, durante o

Império.

A análise das funções dos presidentes de província nos permite distinguir dois

níveis de atribuições, um político e outro administrativo. Em termos políticos seria

competência principal desse cargo regular e mediar a formação e as ações dos

Legislativos provinciais, destacando-se, portanto, o papel desempenhado pelo mesmo

no processo eleitoral. No campo administrativo constatamos que as funções dos

presidentes de província, estabelecidas pelo artigo cinco da lei de três de outubro de

1834, faziam deles “Delegados do poder imperial nas províncias”96 , cabendo aos

mesmos executar e fazer executar as leis, dispor da força pública e, principalmente,

atuar junto à questão dos empregos públicos, tanto àqueles que a lei lhe facultava

quanto, de forma provisória, os que cabiam ao Imperador. Assim caberia ao presidente

de província o controle sobre nomeações de grande importância no cotidiano da vida

política de suas jurisdições. A eles era atribuído o poder de nomear promotores,

delegados e subdelegados de polícia, bem como os oficiais inferiores da Guarda

Nacional97.

94 TORRES, João Camillo de Oliveira. A Democracia Coroada. Teoria Política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. p. 378 a 385.95 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 107 a 110.96 TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. 380.97 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 109.

43

Consideramos a ingerência dos presidentes de província sobre os empregos

públicos, e os empregos em geral, um ponto extremamente relevante no papel

desempenhado pelo mesmo nos mecanismos da política imperial. Anteriormente já

falamos do peso das funções públicas no tocante aos caminhos existentes na sociedade

imperial para a mobilidade social. Devemos ainda levar em consideração o fato desses

empregos funcionarem como importante moeda, ao mesmo tempo em que um

mecanismo de coerção, no momento das eleições. Raymundo Faoro nos mostra como o

seu uso, tanto na esfera pública quanto privada, funcionava como uma forma de garantir

a “conduta acarneirada”98 dos eleitores. Controlados pelos presidentes de província os

cargos públicos eram negociados por aqueles que o autor chama de “cabos eleitorais”99

, que tirando-os dos infiéis e concedendo-os aos correligionários acabavam contribuindo

para o resultado dos pleitos.

Nomeados pelo Poder Executivo do Império os presidentes de província não

tinham um mandato definido e, tanto pelo que constatamos em nossas pesquisas quanto

no que tivemos acesso na bibliografia disponível100, estavam sujeitos a uma grande

rotatividade. Nesse ponto percebemos através dos estudos prosopográficos que

realizamos, que essa rotatividade era um fato não só entre os presidentes de província

quanto em alguns cargos do Executivo. Essa constatação vai de encontro às conclusões

de José Murilo, ao afirmar que a circulação das “elites políticas” brasileiras, tanto em

termos geográficos quanto de cargos, funcionaria como uma forma de garantir a

unidade política e administrativa em meio ao verdadeiro mosaico das províncias. Nas

palavras do autor:

Num país geograficamente tão diversificado e tão

pouco integrado, onde as pressões regionalistas se faziam

sentir com freqüência, a ampla circulação geográfica das

lideranças tinha um efeito unificador poderoso.101

98 FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo. Cia. Editora Nacional, 1974. p. 142. 99 Para Faoro, os cabos eleitorais funcionavam como intermediários entre o centro do poder, e seus representantes, e as periferias provinciais, nas eleições. Esses indivíduos normalmente eram pequenos intelectuais, comerciantes locais, compadres de muitos afilhados que intercediam junto às autoridades e articulavam os créditos e podiam, ou não, ser representantes da grande propriedade. Durante as disputas deveriam agir “controlando as clientelas”. In: FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 143. 100 Nesse aspecto são bastante elucidativos os trabalhos de Carvalho e Torres. Cf: CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 109. e TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 380 e 381.101 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 107-110.

44

Essa visão foi compartilhada por testemunhas contemporâneas à atuação dos

presidentes de província do Império do Brasil. As transcrições abaixo, do Visconde do

Uruguai e de Tavares Bastos, respectivamente, deixam claro como eram restritos os

períodos de permanência desses representantes do Executivo, assim como o de outros

membros da burocracia imperial, e as preocupações e críticas que tal fato suscitava em

alguns setores:

O administrador que começava a tomar pé nos

negócios da Província é mudado, leva consigo o que a custo

aprendeu, e aí vem outro, o qual apenas concluído as

primeiras apalpadelas, é também mudado.(...) a

administração torna-se, como tem sido entre nós, uma

verdadeira teia de Penélope. 102

Cada ano vê-se aqui, de viagem para as províncias,

um enxame de presidentes, chefes de polícia e outros

empregados, que, sem demora, empreendem novas viagens

em demanda de novos climas. 103

A distribuição das atividades profissionais dos indivíduos estudados permite-nos

tecer algumas outras considerações no que tange a sua vinculação com o Estado

Imperial. Além da questão dos presidentes de província, que cremos ter deixado

bastante clara, observa-se que nos momentos que antecederam o exercício de suas

atividades como ministros ou diretores, ou mesmo durante esse exercício, um percentual

consideravelmente elevado de indivíduos exercia funções na magistratura (32,8%) e em

outras instâncias do funcionalismo público (44,7%).

A combinação dos ingredientes magistratura e funcionalismo público resultaria

em uma eficiente forma de se consolidar os laços que uniam esse grupo ao Estado

imperial, solidificando uma chamada orientação “estatista”. Os vínculos gerados pelo

emprego público são de ordem material e absolutamente evidente. Como já falamos

anteriormente o exercício de funções dentro do Aparelho de Estado, especialmente o

102 Cf: TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 381. 103 Id. Ibid. p. 385..

45

Burocrático, seria o principal caminho aberto àqueles que são marginalizados pelo

sistema agro-exportador, tanto para aqueles que não conseguem se inserir na grande

atividade agrícola quanto aos que dela são excluídos104. Logo essa dependência

econômica, ao lado da vontade política que muitas vezes influenciava as escolhas e a

manutenção no cargo, faria com os laços entre os indivíduos em questão e o Estado

Imperial se solidificassem. Dentro da magistratura, partindo das análises de José Murilo

de Carvalho, podemos pensar que esses laços seriam resultado da educação, do

exercício cotidiano da aplicação das leis e do treinamento necessário para tanto105.

Na obra de Ilmar de Mattos, a percepção da importância do emprego público e

da magistratura no estabelecimento de vínculos com o Estado, parte da compreensão da

ação da Coroa, que já definimos em momentos anteriores de nosso trabalho. Para o

autor a afirmação do projeto saquarema dependeria da atuação da Coroa enquanto um

partido, tendo à frente a figura do imperador, “promovendo associações e difundindo

uma civilização”.106 No entanto é também fundamental que a ela estejam agrupados

alguns elementos que, para Mattos, estariam organizados, no contexto do Império, no

que chama de “círculos concêntricos”.107

O primeiro desses círculos, e mais distante do centro do poder, seria aquele

formado pelos indivíduos que não tem uma ação política direta e efetiva, mas que

ganham força quando organizados e direcionados, seriam os:

(...) plantadores escravistas, em especial aquele

conjunto das áreas novas de produção cafeeira, (...) e

também os das mais antigas ligadas ao cultivo da cana-de-

açúcar, do algodão e do tabaco; são também os

charqueadores sulinos e os fazendeiros de gado dos ‘sertões

do Norte’; são ainda os inúmeros proprietários de escravos

na Província de Minas Gerais, não vinculados às atividades

exportadoras (...); são, por outro lado, os inúmeros sitiantes

espalhados por diversos pontos do Império; e, por fim, são

aqueles contingentes que, vivendo em cidades de diverso

104 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 36.105 Id. Ibid. p. 87.106 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 170.107 Id. Ibid. p. 170.

46

porte, exercem atividades no comércio a retalho, no

tabelionato e no funcionalismo, entre outras.108

O segundo círculo seria formado pelos elementos mais destacados dentre os

Dirigentes Saquaremas, correspondendo àquele que ativa e põem em funcionamento as

forças políticas do Império. Corresponderia aos deputados gerais, presidentes de

província, ministros de Estado, senadores e conselheiros de Estado109.

O terceiro círculo seria um círculo intermediário, que colocaria os dois primeiros

em contato, tanto física quanto moral e intelectualmente. Formado por uma classe

dominante regional, lançava mão de instituições forjadas pelo próprio Império a fim de

promover essa ligação. Nesse grupo destacavam-se indivíduos como o Visconde de

Ipiabas e o Barão do Pati do Alferes, que controlavam a Guarda Nacional em suas

localidades, e o Marquês de Valença, que se valia da seção local da Sociedade

Defensora bem como da Misericórdia, a fim de desempenharem essa função110.

Nesses três círculos, o segundo seria aquele em que se concentrariam os nossos

operatores111. Para Mattos, assim como para Carvalho, a educação superior

fundamentada na formação jurídica seria um fator de coalizão e unidade entre os seus

membros, fazendo com que esse “elemento unificador” encontrasse “um

desdobramento quase natural na carreira da magistratura, que quase todos

percorreram”, 112 o que em nossa análise evidenciaria a forma pela qual a magistratura

sedimentava os vínculos com o projeto de Estado defendido por tais indivíduos. Ainda

se referindo aos laços desses elementos com as carreiras jurídicas, em especial com as

magistraturas, e a forma pela qual promoviam sua ligação com a vida política e o

Estado, Ilmar de Mattos nos diz que:

E assim de fato ocorria com quase todos os elementos

constitutivos desse segmento: saltavam da magistratura para

a política, saltando também de relações que, efetivamente e

108 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 170.109 Id. Ibid. p. 170 e 171.110 Id. Ibid. p. 171.111 Dentro da divisão proposta por Ilmar de Mattos, os Diretores da Casa da Moeda e dos Correios Gerais da Corte estariam excluídos do segundo círculo, isto é, não corresponderiam à elite saquarema. No entanto, a análise prosopográfica nos mostra que tais indivíduos, em sua trajetória, já teriam passado por uma ou mais das funções que Mattos insere no segundo círculo. Portanto, nesse aspecto, discordamos das proposições do autor. 112 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 172.

47

antes que qualquer outro fator, lhes proporciona

homogeneidade. Neste processo, tornam-se dirigentes,

embora jamais se digam políticos.113

Quanto à questão dos empregos públicos atuarem como uma forma de

estabelecimento de vínculos com o Estado, percebemos que em Mattos essa relação não

é tão clara quanto em José Murilo de Carvalho. Porém, podemos detectar tanto no

primeiro quanto no segundo círculo a presença de elementos ligados à estrutura

funcional e burocrática do Império do Brasil, como, por exemplo, os presidentes de

província, já discutidos em separado, e os elementos do “funcionalismo”114 citados pelo

autor dentro do primeiro circulo.

É interessante ainda notar que para Mattos as funções dos indivíduos que

formavam o segundo dos três círculos, extrapolavam muitas vezes o aspecto puramente

político e atingiam o campo cultural, especialmente o jornalístico e literário. Segundo

suas palavras se autodenomivam “escritores públicos”, 115 dando aos jornais uma

considerável importância como veículos de difusão de suas idéias. Se cotejarmos esse

dado com os resultados de nossa tabela, perceberemos que um percentual de 18,4% dos

indivíduos que estudamos consideravam-se professores, ao passo que 9,2% diziam-se

jornalistas.

A primeira categoria, nesse trecho de sua obra, não é citada de forma específica,

porém sua vinculação com a produção de cultura e idéias é inquestionável. Muito

embora os percentuais não sejam, se vistos de forma absoluta, muito expressivos, temos

de levar em conta que essas atividades profissionais aparecem em quarta e sexta

posição, em meio a dez categorias sendo que a última delas reúne um conjunto de

atividades profissionais. Portanto concluímos que não são tão inexpressivas assim,

podendo estabelecer um elo entre os resultados que obtivemos e o pensamento de Ilmar

de Mattos.

Dessa maneira acreditamos que, quanto à posição social e ligações com o

governo imperial, conseguimos tornar evidentes os vínculos existentes entre os

indivíduos que estudamos e o processo de construção do Estado Imperial brasileiro,

habilitando-os dessa a atuarem como operatores da produção imagética inerente a esse

processo.113 Id. Ibid. p. 172.114 Id. Ibid. p. 170.115 Id. Ibid. p. 173.

48

Outro crivo que também privilegiamos foi o da vinculação intelectual e

ideológica com os princípios que norteavam a construção do Estado Nacional brasileiro,

durante o Segundo Reinado. Para desenvolver esse segundo crivo, priorizamos em

nossas pesquisas alguns aspectos que dividimos em dois grupos. No primeiro buscamos

a titulação dos indivíduos, isto é, o fato de possuírem ou não títulos de nobreza e as

condecorações que porventura tivessem. No segundo grupo pesquisamos a formação

educacional de nossos titulares e as instituições nas quais a obtiveram.

Os resultados encontrados no primeiro desses grupos foram sintetizados nas

tabela a seguir.

c) Tabela dos Títulos e Condecorações dos Indivíduos Estudados

TÍTULO / CONDECORAÇÃO

QUANTIDADE PERCENTUAL116 PERCENTUAL DOS CONDECORADOS117

Títulos de Nobreza 28 36,8% -Imperial Ordem da Rosa 32 42,1% 62,7%

Ordem Imperial do Cruzeiro

15 19,7% 29,4%

Ordem de Cristo 35 46% 68,6%Fonte: Almanak Laemert (1844 a 1889).

Optamos por pesquisar a titulação dos elementos estudados em função do

próprio caráter do que poderíamos chamar de uma nobreza brasileira, existente no

Segundo Reinado. Entender essa nobreza requer um exercício que nos remete à

América Portuguesa, uma vez que é nela que o sentido dessa classe deita as suas raízes.

Katia Mattoso nos mostra que, nesse momento de nossa história, o contexto escravista

das relações sociais, fazia com que qualquer homem branco livre, seja qual fosse sua

origem social, pretendesse ocupar uma posição destacada na sociedade e assumisse

“ares de nobreza”.118 Paralelamente observa que a nobreza lusitana demonstrava grande

desprezo pelo Brasil, privilegiando a Índia que ocupava posição destacada no Império

Ultramarino português119. Tais fatores não teriam permitido que no Brasil se

desenvolvesse uma nobreza assentada nos referenciais de nascimento, tradição e

fidalguia, conforme encontrados na Europa, fazendo mesmo com que a suposta origem

nobre de muitas famílias brasileiras fosse bastante questionável.116 Nessa coluna os percentuais foram calculados sobre o total dos casos estudados.117 Nessa coluna levamos em consideração, no conjunto dos indivíduos estudados, aqueles que possuíam condecorações. Dos 76 casos, 51deles foram condecorados, ou seja, 67,1% do total. Dessa forma os índices percentuais em cada condecoração tornaram-se maiores.118 MATTOSO, Katia M. de Queiroz. A Opulência na Província da Bahia. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p. 143 a 179.119 Id. Ibid. p. 150.

49

Assim Katia Mattoso estabelece que novos referencias tem de ser forjados, a fim

de dar legitimidade aos nobres brasileiros, destacando nesse sentido a “estima”.120 Essa

estima deveria partir de três pontos, quais sejam, o príncipe, o consenso dos que já são

nobres e o reconhecimento de toda a sociedade. Nesse sentido todo indivíduo que

transcendesse o vulgar e o corriqueiro todo aquele que se tornasse notável, poderia

aspirar ao título de nobreza. Para tanto deveria angariar o reconhecimento social e

possuir “bens e educação voltados para o serviço da pátria”.121 A origem e o

nascimento perdem o sentido formando-se uma “nobreza da terra” sustentada pelo que

a autora chama de “meroticracia”, somente importando a questão de uma “origem

impura” quando julgassem ameaçada a classe dominante122.

Nessa realidade o Estado, a princípio o português e posteriormente o brasileiro,

tem uma importância crucial, posto que ele cria e legitima essa nobreza. É o Estado o

principal árbitro em relação ao mérito individual, é ele o agente que garante a ascensão

a um patamar que, em uma sociedade escravista e mestiça, é sinônimo de distinção e

poder. O título não só distingue como estabelece uma relação de proximidade ao poder,

fazendo com que o nome perca a sua importância perante essa chancela do sucesso

social e econômico. A eficácia desse mecanismo pode ser verificada, até mesmo, nos

dias atuais. A toponímia de nossas ruas, o imaginário popular e o senso comum estão

povoados muito mais pelos Caxias, Sapucaís e Olindas do que pelos Luis Alves,

Cândido Josés ou Araújo Limas.

No Segundo Reinado a nobreza ganha um matiz ainda mais forte do que em

momentos anteriores. Compreender esse período de nossa história sem considerar essa

classe, seria incorrer no risco de deixar de lado relações políticas, sociais, culturais e

econômicas de grande significação na formação do que chamamos Brasil. Os títulos,

patentes, comendas e condecorações são um importante suporte para a análise das

relações que os homens constroem entre si, tanto vertical quanto horizontalmente, assim

como com o poder. Nesse sentido são contundentes as palavras de Raymundo Faoro:

O Segundo Reinado não se compreenderia sem os

barões, coronéis, comendadores e conselheiros. A imensa

rede de títulos, comendas e patentes doura a sociedade,

revelando, debaixo dos embelecos, rigoroso mecanismo de 120 Id. Ibid. p. 154.121 Id. Ibid. p. 154.122 Id. Ibid. p. 155 e 155.

50

coesão de forças. A Guarda Nacional no campo, sobretudo

no campo, sem ser estranha às cidades e vilas, incorpora e

domestica os proprietários rurais, atribuindo-lhes funções

políticas e de mantenedores da ordem. A baronia aproxima-

os, a eles e às notabilidades urbanas, do trono.123

Nesse período o critério principal para a concessão de um título de nobreza

continua a ser o mérito. No entanto podemos observar que paralelamente a ele, outros

elementos condicionam à ascensão ao universo dos nobres. Segundo Faoro124, a

capacidade de manutenção de um padrão de vida elevado, seria condição fundamental

ao pretendente a um título. A suposta “tradição” da nobreza não poderia ser maculada

por aqueles que não dispusessem dos recursos necessários para freqüentar e bem receber

nos salões do Império, com suas damas e cavalheiros. A necessidade do suporte

econômico não estava ligada somente ao padrão de vida, as Mercês do Império geravam

um custo que não era, efetivamente, algo que estivesse ao alcance das camadas menos

favorecidas da população. A tabela abaixo nos dá uma idéia dessa questão.

d) Tabela dos Custos das Mercês no Segundo Reinado

TÍTULO CUSTOBarão 300$000 réis

Visconde sem Grandeza125 400$000 réisVisconde com Grandeza 600$000 réis

Conde 600$000 réisMarquês 800$000 réisDuque 1:000$000 réis

Fonte: TORRES, João Camillo de Oliveira. A Democracia Coroada. Teoria Política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. p. 446.

No governo de Pedro II, sem dúvida, a concessão de um título de nobreza

continuou a funcionar como uma forma de atrelar os indivíduos, principalmente os

representantes das classes dominantes, ao Estado, ao menos até os anos 1880. O

nobilitação não só distinguia socialmente aos mais abastados como ainda os aproximava

do poder, inserindo-os em uma esfera à qual os homens comuns, o “Mundo da

Desordem” e o “Mundo do Trabalho” de Ilmar de Mattos, não teriam acesso

referendando, assim, as fronteiras sociais. É o Estado Imperial e o imperador, figura que 123FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 29. 124Id. Ibid. p. 32.125 A Grandeza, quando acrescentada ao título tinha um efeito de enaltecer e distinguir ainda mais ao indivíduo, posto que somente era concedida aos homens de Estado mais destacados e àqueles que, não ocupando essa posição, evidenciassem grande merecimento.

51

como veremos mais tarde ocupa papel central nessa “construção”, que agenciam e

garantem essa ascensão forjando uma realidade onde as classes sociais passam a estar

inseridas em relações políticas resultantes da produção desse Estado, e que são

controladas por seus agentes. Dessa forma, premiando àqueles que lhes são dedicados e

operosos com a distinção, o título e o cultivo de suas vaidades, desenvolve-se uma

dialética onde Estado e classes dominantes passam a integrar um novo contexto que

teria no que Ilmar de Mattos chama de “Coroa”, 126 a sua principal personificação. O

trecho a seguir, retirado da obra de Raymundo Faoro, serve como mais uma evidência

nesse sentido.

Cobria o Império, com os títulos nobiliárquicos, as

camadas sociais existentes, domesticando-as, atrelando-as

ao seu carro. Não cunhava uma realidade existente, com os

dourados de uma nobreza de ficção. Não bastava ser rico,

fazendeiro ou comerciante, para obter a baronia, nem esta

era consequência daquele estado. Incorporava,

transformando; abraçava, assimilando. Do fazendeiro, fazia

um fazendeiro do Império; do comerciante, fazia um

comerciante do Império. Aceitava as classes como

fundamento, mas só as legalizava, legitimando-as

socialmente, para integrá-las na ordem política.127

Outro elemento que consideramos nessa etapa de nossa pesquisa foram as

Condecorações, ou Ordens Honoríficas, concedidas aos indivíduos que estudamos. João

Camillo Torres128 considera a existência de quatro tipos de aristocratas no Império do

Brasil, em especial durante o Segundo Reinado: as altas patentes da Guarda Nacional,

os Titulados, os Conselheiros de Estado e Senadores e os detentores de Ordens

Honoríficas. Mesmo que não concordemos plenamente com a concepção desse autor,

ela ganha importância no sentido em que valoriza as Ordens Honoríficas como um

elemento de distinção social e, por razões que analisaremos a seguir, de aproximação

entre os seus possuidores e o Estado Imperial. Uma outra questão que ressaltaria ainda

mais a importância dessas Condecorações pode ser encontrada na obra de Raymundo

Faoro, quando considera que as mesmas corresponderiam a um “vestíbulo para a 126 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 77 a 82.127 FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 33.128 TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 439.

52

nobreza” 129 , indicando que a obtenção de uma dessas Ordens seria um primeiro passo

para se chegar a um título.

Ainda segundo Faoro130, as condecorações seriam concedidas aos altos cargos

administrativos. Estavam subdivididas internamente em graus hierárquicos

correspondendo as mesmas às antigas ordens de cavalaria portuguesas, tornadas

brasileiras e modificadas, e a três outras criadas pelo Império. As Ordens de cavalaria

portuguesas que foram adequadas à realidade brasileira perderam, segundo o Decreto

321 de 09/09/1843, seu caráter religioso guardando somente o aspecto honorífico,

correspondendo a três: a Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Ordem de São Bento

de Avis e a de São Tiago da Espada131. As que poderíamos chamar de brasileiras

também foram criação de D. Pedro I com o auxílio de artistas remanescentes da Missão

Francesa, como Debret e Pallière. A Ordem Imperial do Cruzeiro foi criada em

01/12/1822 com o objetivo de solenizar a fundação do Império do Brasil. A Ordem de

Pedro I surgiu em 16/04/1826 e recordava o reconhecimento lusitano de nossa

independência. Finalmente, a Imperial Ordem da Rosa veio à luz em 17/10/1826 a fim

de marcar o casamento de D. Pedro I com Amélia de Leuchtemberg132.

Assim como os títulos de nobreza, as Condecorações funcionavam como uma

forma de retribuir serviços prestados ao Estado sem acarretar nenhum custo ao mesmo,

chegando inclusive a proporcionar alguma receita uma vez que, tal qual os títulos, seus

recipiendários deveriam pagar uma taxa acrescida de um selo relativo às cartas de

condecoração. Na tabela abaixo reproduzimos esses valores.

e) Tabela dos Custos das Condecorações no Segundo Reinado

CONDECORAÇÃO CUSTO DA CONDECORAÇÁO SELOGrã-Cruz de qualquer

Ordem1:195$000 630$000

Grandes Dignitários da Ordem da Rosa

950$000 500$000

Dignitários da Ordem do Cruzeiro e da Rosa

735$000 390$000

Comendador da Ordem da Rosa

405$000 280$000

Oficial da Ordem do Cruzeiro e da Rosa

405$000 220$000

Comendador de outras Ordens

330$000 180$000

Cavaleiro de qualquer Ordem

195$000 110$000

129 FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 33.130 Id. Ibid. p. 35.131 TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit p. 449.132TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 449 e 450.

53

Fonte: TORRES, João Camillo de Oliveira. A Democracia Coroada. Teoria Política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. p. 450 e 451.

Feitas essas considerações podemos agora nos voltar para a análise dos dados

obtidos. Em relação aos títulos de nobreza, constatamos que do universo dos indivíduos

estudados 36,8% deles eram titulados. Esse acanhado percentual poderia, se analisado

isoladamente, nos dar a idéia de um distanciamento de nossos personagens em relação

às honrarias e pompas do Império. Porém temos de considerar que, conforme

mostramos anteriormente, existia uma relação de continuidade entre as condecorações e

os títulos. Isso nos remete a uma outra realidade, uma vez que dos 76 casos estudados

51 deles eram detentores de condecorações, isto é, 67% dos indivíduos. Levando-se em

conta que, tanto nos títulos quanto nas Ordens Honoríficas, havia uma relação de

reciprocidade133 entre os agraciados e o Estado Imperial, podemos concluir que se

estabelecia um vínculo que evidenciava uma aproximação no que tange a posturas

políticas e, em certo sentido, ideológicas.

Dizemos isso porque ao receber um título ou condecoração, os agraciados

passavam a incorporar a suas pessoas as honrarias que o mesmo proporciona.

Trabalhando com o Almanak Laemmert, percebemos um grande esforço em

acompanhar os nomes citados em toda a obra de suas graças e honrarias, havendo

mesmo a seção dos “Titulares do Império”. Um outro exemplo da grande importância

dada às “vantagens” advindas dos títulos e condecorações nos é dado pela literatura de

época, sendo nesse sentido muito esclarecedora a obra de um dos mais argutos analistas

e críticos de sua época, Machado de Assis.

No trecho abaixo, escrito pelo Bruxo do Cosme Velho, podemos perceber

claramente o fascínio que tais elementos exerciam sobre uma considerável parcela da

sociedade imperial, a partir dos devaneios do personagem Rubião em torno de uma

noiva:

Os nomes eram os mais sonoros e fáceis da nossa

nobiliarquia. Eis aqui a explicação: poucas semanas antes,

Rubião apanhou um almanaque de Laemmert, e, entrando a

folheá-lo, deu com o capítulo dos titulares. Se ele sabia de

133 Acreditamos que essa relação de reciprocidade se evidencia pelo fato de que a concessão do título e ou da condecoração é prerrogativa do Estado, logo ele o faz a quem julgar merecedor. Por outro lado o recipiendário não tem uma postura passiva nesse processo, conforme percebemos em toda a literatura consultada e fartamente citada, ele não só se empenha para recebê-los, como tem de desembolsar uma quantia mais do que razoável. Portanto existe nessa relação uma vontade de ambas as partes, caracterizando assim a reciprocidade que aventamos.

54

alguns, estava longe de conhecer a todos. Comprou um

almanaque, e lia-o muitas vezes, deixando escorregar os

olhos por ali abaixo, desde os marqueses até os barões,

voltava atrás, repetia os nomes bonitos, trazia a muitos de

cor. Às vezes, pegava da pena e de uma folha de papel,

escolhia um título moderno ou antigo, e escrevia-o

repetidamente, como se fosse o próprio dono e assinasse

alguma coisa: Marquês de Barbacena, Marquês de

Barbacena, Marquês de Barbacena, Marquês de Barbacena,

Marquês de Barbacena, Marquês de Barbacena.

Ia assim até o fim da lauda, variando a letra, ora

grossa, ora miúda, caída para trás, em pé, de todos os

feitios. Quando acabava a folha, pegava nela, e comparava

as assinaturas; deixava o papel e perdia-se no ar.134

Dessa maneira, direta ou indiretamente, esses indivíduos corroboravam com

uma Ordem, que prezavam em manter, e com um status quo necessário à construção do

Estado no qual, na totalidade dos casos estudados, estavam diretamente inseridos. Esses

laços eram consolidados mais ainda pela origem social dos titulares ou dos agraciados

pelas Ordens Honoríficas. A regra geral consistia na concessão dos títulos e das

condecorações a indivíduos que já estivessem inseridos no Mundo do Governo.

Trabalhando com o conceito de estamento, com o qual não compactuamos, Faoro deixa

claro que uma presença anterior no “estamento” que controlava o poder era

fundamental para receber cargos e distinções honoríficas, porém mais do que isso

afirma que “(...) a posição de classe, habilitara ao cargo e ao título”.135

O segundo grupo de elementos que estudamos a fim de levantar o grau de

vinculação intelectual e ideológica de nossos operatores com o Estado Imperial foi,

como já dissemos, a sua formação educacional e as instituições nas quais a obtiveram.

Os resultados a que chegamos nesse campo foram sistematizados nas próximas tabelas.

f) Tabela da Formação Educacional dos Indivíduos Estudados

134 ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: FTD, 1992. p. 112 e 113.135 FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 35.

55

ÁREA DE FORMAÇÃO QUANTIDADE PERCENTUALDireito 46 60,5%

Matemática 05 6,5%Engenharia 05 6,5%

Ciências Naturais 02 2,6%Ciências Sociais 02 2,6%

Medicina 02 2,6%Academia Militar 02 2,6%

Outras áreas 05 6,5%Sem formação identificada 17 22,3%

Fonte: Almanak Laemmert (1844 a 1889)

g) Tabela das Instituições de Ensino Freqüentadas pelos Indivíduos Estudados

INSTITUIÇÃO QUANTIDADE PERCENTUALFaculdade de São Paulo 18 22,3%

Universidade de Coimbra 16 21%Universidade de Olinda 06 7,8%

Faculdade do Recife 05 6,5% Faculdade do Rio de Janeiro 02 2,6%

Universidade de Paris 01 1,3%Universidade de Karlsruhe 01 1,3%

Sem Instituição identificada 27 35,5%Fonte: Almanak Laemmert (1844 a 1889)

O estudo desses dados nos leva às mesmas conclusões a que chegaram José

Murilo de Carvalho e Ilmar Rohllof de Mattos, ao analisarem, respectivamente, o que

chamavam de elites políticas e dirigentes saquaremas. Percebemos uma considerável

maioria de indivíduos com formação no campo jurídico, apresentando os estudos de

Direito o percentual de 60,5% dos casos. Esse percentual torna-se ainda mais

significativo quando observamos que em 17 casos, ou 22,3% do total, não foi possível

rastrearmos a formação dos elementos estudados. A partir das conclusões dos autores

citados e com base no padrão que identificamos, é muito provável que dentro dessa

faixa dos 22,3%, diversas sejam as situações em que o Direito foi a carreira estudada,

aumento dessa forma o índice inicial.

A segunda constatação diz respeito ao local onde esses indivíduos

desenvolveram seus estudos. Observamos que os dois principais centros de formação

corresponderam a Faculdade de Direito de São Paulo e a Universidade de Coimbra,

respondendo juntos por 43.3% do total, seguidos pelas instituições pernambucanas com

14,3%. Se levarmos em conta que em 35,5% dos elementos pesquisados não foi

56

possível averiguar em que instituições estudaram, portanto abrindo uma forte

possibilidade para que, como no caso anterior, esse padrão se repita, poderíamos chegar

a percentuais consideravelmente maiores.

É interessante avaliarmos o que Carvalho e Ilmar de Mattos tem a dizer em

relação a esse quadro. José Murilo constatou que um “(...) importante elemento

unificador da política imperial foi a educação superior”.136 Faz essa afirmação, pois

em sua análise, as elites políticas apresentavam um padrão que se resumia em três

princípios: quase todos tiveram formação superior, constituindo o que chama de uma

“ilha de letrados num mar de analfabetos”; essa formação se concentrou no campo

jurídico, promovendo dessa maneira uma base comum de saberes e competências e

finalmente o fato da maior parte dessas elites ter passado pela Universidade de Coimbra

e pelos centros de estudos de quatro capitais de províncias137. A partir daí destaca que

esse padrão, originário de sua formação, promoveu entre as elites um considerável nível

homogeneidade que, conforme já dissemos anteriormente, unificou a política imperial

em torno de posturas de caráter conservador.

Nesse sentido destaca a importância das instituições de ensino, em especial

Coimbra, que no turbilhão do final do século XVIII e início do XIX, conseguiu ficar

isenta de influências mais profundas e duradouras das idéias provenientes do

Iluminismo francês138. A criação das instituições de ensino superior no Brasil, nas quais

a maior parte de nossos operatores estudaram, e, em especial, as de ensino jurídico, não

teria promovido uma ruptura nesse padrão, segundo nos relata o autor. Apesar de terem

ocorrido adaptações de conteúdos e programas em relação à realidade brasileira, o

caráter conservador e o cunho estatista do ensino forma mantidos. Segundo Carvalho as

“(...) idéias radicais continuaram ausentes dos compêndios adotados”, voltando-se

esses centros para uma “(...) orientação mais pragmática e eclética sob a influência de

Bentham e Victor Cousin (...)”.139 O trecho a seguir é bastante esclarecedor nesse

sentido:

Os cursos de Direito foram criados à imagem do

predecessor coimbrão. Os primeiros professores eram ex-

alunos de Coimbra e alguns dos primeiros alunos vieram de

136 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 55.137 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 55.138 Id. Ibid. p. 74.139 Id. Ibid. p. 76.

57

lá transferidos. Mas houve importante adaptação no que se

refere ao conteúdo das disciplinas. O direito romano foi

abandonado em benefício de matérias mais diretamente

relacionadas com as necessidades do novo país, tais como os

direitos mercantil e marítimo e a economia política.140

Constatamos que no governo de D. Pedro II essa realidade se manteve, somente

começando a sofrer maiores mudanças a partir da década de 1870, quando novos

componentes foram incorporados ao cenário educacional e intelectual do Brasil.

Muito embora Ilmar de Mattos não aborde de forma direta a questão da

hegemonia da formação jurídica entre os dirigentes saquaremas, podemos percebê-lo

pelas entrelinhas de sua obra. Tal percepção ocorre, em especial, nos exemplos com que

a ilustra, uma vez que evidenciam a importante atuação dos dirigentes saquaremas na

implementação de seu projeto de Estado, sendo que muitos deles são magistrados ou

juristas. O caso mais relevante é o de Paulino José Soares de Souza, o visconde do

Uruguai, citado em diversos momentos como um dos sustentáculos ideológicos da ação

saquarema.

Além disso, podemos perceber também que, assim como Carvalho, esse autor

aponta para uma orientação de cunho conservador e estatista nos centros de formação

jurídica no Brasil. Tal fato marcaria profundamente a formação e a ação dos dirigentes

políticos do Império. Nesse sentido podemos recorrer à citação que faz de Joaquim

Nabuco, ao comentar os cursos de Direito de Olinda e São Paulo, onde Nabuco fala de

uma “formação exclusivamente prática” que em grande parte se apoiava nas “teorias

constitucionais de Benjamin Constant, tudo sob a inspiração geral de Bentham”.141 Em

outro trecho em que, novamente, desenvolve seu raciocínio a partir de Joaquim Nabuco,

Mattos deixa-nos enxergar o compromisso das Escolas de Direito com as necessidades

do Estado.

Joaquim Nabuco comentara que ‘as Faculdades de

Direito eram as ante-salas da Câmara’. Podemos

acrescentar que, além de centros formadores de dirigentes

políticos, eram também geradoras de agentes da

140 Id. Ibid. p. 66.141 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 137 e 138.

58

administração imperial, ou seja, dos elementos que, de

acordo com o Visconde do Uruguai, punham o Poder

Executivo ‘em contato com os particulares que lhes

transmite as suas ordens, que estuda as suas necessidades e

recebe as suas reclamações.142

Acreditamos com isso ter demonstrado como a convergência dos dados que

obtivemos com as conclusões dos autores trabalhados, é capaz de evidenciar a ligação

intelectual e ideológica do grupo que pesquisamos com a construção do Estado Imperial

e com o próprio Estado. Assim estariam, a nosso ver, habilitados a atuarem como os

operatores do processo de produção das imagens oficiais dessa organização estatal.

Um último elemento foi levado em consideração nesse estudo prosopográfico

que realizamos em torno dos indivíduos que, no contexto de nossa pesquisa,

consideramos como os produtores das imagens veiculadas nos selos e moedas do

Segundo Reinado. Corresponde à vinculação dos mesmos ao que chamamos de

instituições do Império. Consideramos como tais aqueles espaços onde,

simultaneamente, idéias e opiniões eram forjadas e absorvidas ao mesmo tempo em que

atuavam na produção e implementação de diretrizes políticas e administrativas para o

Império. Em outras palavras, seriam centros de produção e difusão ideológica e política.

Os resultados a que chegamos, estão sistematizados na tabela a seguir.

h) Tabela de Vinculação às Instituições do Império

INSTITUIÇÃO QUANTIDADE PERCENTUALCâmara Geral 39 51,3%

Senado 39 51,3%Conselho de Estado 37 48,6%

Conselho do Imperador 29 38,1%IHGB 18 23,6%

Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional

04 5,2%

Maçonaria 03 3,9%Outras Instituições 22 28,9%

Fonte: Almanak Laemmert (1844 a 1889)

Ao analisarmos nossos resultados, constatamos que essas instituições podem ser

divididas em dois grandes grupos. O primeiro deles é o das instituições de caráter

acentuadamente político, isto é, aquelas que atuam mais diretamente sobre as relações

políticas e as questões administrativas do Império. Nesse grupo inserimos as duas casas

142 Id. Ibid. p. 165.

59

que formavam o Legislativo, a Câmara Geral e o Senado, e o Conselho, tanto o

Conselho de Estado quanto o Conselho do Imperador, esse último de cunho muito mais

honorífico do que prático.

Quanto ao Senado e ao Conselho de Estado, podemos afirmar que

correspondiam a espaços ocupados por elementos de grande projeção na política

nacional correspondendo, na análise de João Camillo Torres, a uma “Aristocracia

Política” e “Administrativa”, respectivamente143. José Murilo de Carvalho privilegia

em sua análise o Conselho de Estado e, lançando mão das palavras de Joaquim Nabuco,

classifica-o como o “cérebro da monarquia”.144 Formado por elementos escolhidos, de

forma criteriosa pelo imperador, tinha grande influência sobre os ministérios, em

especial aqueles de perfil mais administrativo, como a Secretaria de Estado dos

Negócios do Império e, a partir de 1860, o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras

Públicas. Em função dessas características, Carvalho demonstra que o Conselho estaria

no círculo formado pelo “topo da pirâmide da administração imperial”, 145 um nível em

que, segundo esse autor, seria muito difícil estabelecer a separação entre política e

administração, sendo os conselheiros e sua instituição o melhor exemplo nesse sentido.

Entre o Conselho de Estado e o governo, constatamos uma identidade de pensamento,

uma vez que nele estavam representadas as idéias dos principais líderes dos partidos

políticos e daqueles servidores públicos desvinculados dos mesmos146. É bastante

interessante a imagem construída por esse autor ao pensar que o que chama de elites

políticas constituíam um “clube” que controlava o poder durante o Império. Para

Carvalho a Câmara Geral corresponderia ao vestíbulo de acesso a esse clube, enquanto

que os membros do Senado e do Conselho de Estado já estariam dentro do mesmo147.

Ilmar Rohllof de Mattos desenvolve uma análise que difere em termos

conceituais de Carvalho, mas que não exclui deputados, senadores e conselheiros das

esferas mais altas da política brasileira do Segundo Reinado. Ao pensar os círculos que

se constituíram em torno do poder, durante esse período, o autor estabelece uma

hierarquia no círculo que se situa mais próximo ao mesmo. Essa estrutura hierárquica

partia dos deputados gerais passando por presidentes de província, ministros de estado,

senadores, conselheiros até chegar ao seu ápice no imperador.

143 TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 451 e 452.144 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 327.145 Id. Ibid. p. 136.146 Id. Ibid. p. 327.147 Id. Ibid. p.113.

60

Nessa ascensão linear na medida em que se avançava, o caráter político da

função ia se diluindo e a mesma ia ganhando uma conotação mais administrativa. A fim

de ilustrar sua análise, Mattos recolheu depoimentos de época onde percebemos que,

claramente, o caráter político e partidário da instituição vão deixando de ter relevância e

ser alvo de críticas, como aquelas que o Visconde do Uruguai fazia à Assembléia

Geral148, até chegar ao estágio de “centro de gravidade política desse país” que

Zacarias de Góis atribuía ao Senado149 ou de “(...) o crisol dos nossos estadistas e a

arca das tradições do governo”, forma pela qual Joaquim Nabuco classificava o

Conselho de Estado.

De uma forma ou de outra, Carvalho e Mattos reconhecem que os membros da

Câmara, do Senado e do Conselho de Estado, correspondiam a um grupo seleto, que

tinha fortes laços com o Estado Imperial. A partir daí, podemos concluir que a

expressiva participação dos indivíduos que estudamos nessas instituições habilitava-os a

desempenhar importante papel dentro do Aparelho de Estado, atuando em sua

construção, manutenção e na produção de ideologias e imagens que ao mesmo tempo

em que moldavam, consolidavam sua obra.

O segundo grupo corresponderia àquelas instituições cuja atuação estava mais

relacionada à produção ideológica. Nesse contexto, uma instituição na qual constatamos

uma participação que se destaca em relação ao conjunto das ocorrências verificadas, é o

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O índice a que chegamos, embora não tão

expressivo quanto nas três primeiras, torna relevante uma apreciação mais detida.

Criado em 1838 o Instituto surgiu, segundo Manoel Salgado, como um espaço onde se

começou a pensar uma “História Brasileira”, atendendo às exigências de um duplo

movimento que envolvia a construção da nação e a centralização do Estado150.

Os trabalhos dessa instituição tinham, em um primeiro momento, o objetivo de

produzir uma visão homogênea do Brasil dentro do que o autor chama de elites, a partir

dos esforços de seus 27 fundadores, que apresentavam o perfil de intelectuais com

funções no Aparelho de Estado. O recrutamento de novos membros, seguindo ao

modelo do período, baseou-se nas relações sociais e não na propriamente na produção

intelectual. Foi possível manter uma certa homogeneidade entre os membros do

148 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 178.149 Id. Ibid. p. 179.150GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro. N. 1, 1988. p. 5-27.

61

Instituto em função de uma formação baseada nos estudos jurídicos, obtidos

principalmente em Coimbra151.

Portanto os 18 casos encontrados, ou 23,6% do total dos indivíduos pesquisados

pode ser um indício de uma vinculação mais forte dos membros desse grupo tanto com

a produção quanto com a assimilação dos princípios ideológicos ligados ao Estado

Imperial brasileiro, no governo de Pedro II.

Ainda nesse grupo, duas outras instituições que aparecem com um percentual de

participação bem menor que a anterior, mas que ainda assim gostaríamos de registrar,

são a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, com um índice de 5,2%, e a

Maçonaria, com 3,9%. A primeira pode ser vista, conforme já mencionamos, como uma

instituição de onde partiam influências e sugestões sobre as questões políticas do

Império152. Vale inclusive lembrar que o próprio IHGB foi criado sob os auspícios da

mesma.

Quanto à Maçonaria, acreditamos que o recurso a outros tipos de fontes

possibilitaria que chegássemos a um índice de adesão muito maior. Porém acreditamos

que mesmo que essa participação fosse bem mais expressiva, não haveria uma mudança

no perfil político e intelectual dos indivíduos considerados. Isso porque ainda que se

levando em conta as influências das idéias libertárias e menos conservadoras existentes

a Ordem Maçônica, é muito pouco provável pensarmos em maçons, ao menos até o

último quartel do século XIX, empenhados em projetos revolucionários de

transformação social. Nesse sentido ficamos com as palavras do historiador Alexandre

Barata, ainda que relativas aos anos 1820.

Mas ter em vista essa dimensão ‘transgressora’ não

significou ignorar suas próprias contradições. Ou seja, o

quanto, ao lado das suas feições modernas, a maçonaria era

tributária dos valores de uma sociedade do Antigo Regime.

Exclusão e hierarquia eram também feições dessa nova

sociabilidade.153

151 Id. Ibid.p. 10 e 11.152 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p. 43.153 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência (1790 – 1822). Juiz de Fora: Ed. UFJF; São Paulo: Annablume, 2006. p. 251.

62

Após as análises que fizemos sobre o conjunto dos ministros e altos funcionários

administrativos que estudamos, acreditamos ter conseguido chegar a algumas

conclusões que, de forma clara, permitem-nos classificá-los como os operatores do

processo de produção imagética que se manifestará nos selos postais e moedas do

Brasil, entre 1840 e 1889. Em primeiro lugar constatamos que esses indivíduos formam

um grupo com características e interesses próprios diante do Império e da sociedade.

Tais características poderiam enquadrá-los no que José Murilo de Carvalho chama de

elites políticas, posto que muito do padrão estabelecido pelo autor se reproduz em nosso

caso. No entanto preferimos integrá-los ao que Ilmar de Mattos considera como os

dirigentes políticos do Império. Mais do que uma simples mudança de palavras notamos

aí uma importante questão conceitual. Sendo assim optamos pela análise de Mattos que

entende esses elementos como parte de uma classe social, a classe senhorial. Essa

opção, obviamente, se fundamenta no fato de as características levantadas não entrarem

em choque com as conclusões desse autor.

Uma segunda e última questão que consideramos muito importante corresponde

ao fato de, em diversos momentos, termos encontrado pontos de contato e aproximação

entre nossos operatores e o Estado Imperial. Tais pontos se manifestam ao nível de sua

vinculação e participação no Aparelho de Estado, assim como na ideologia que

produzem e absorvem, intimamente relacionada a esse último. Esses vínculos se

exteriorizavam e manifestavam através de atos políticos e administrativos, de

pronunciamentos e escritos, dos bordados e galões que enfeitavam os “trajes de

cerimônia”154 de ministros, titulares e conselheiros, das condecorações e comendas que

traziam em seu peito nos momentos de gala, assim como em toda uma produção de

imagens e símbolos que analisaremos a diante.

1.2) O Studium: pensamento e ideologia no Brasil do Segundo Reinado.

Nas páginas anteriores identificamos os elementos responsáveis pela produção

das imagens veiculadas em nossos selos postais e moedas, durante o Segundo Reinado,

ou seja, definimos os operatores desse processo. Porém, caberia perguntar, em que

fundamentavam a sua produção? Com base em que valores e princípios produziam

essas imagens?

154 Sobre os trajes de cerimônia, Cf: TORRES, João Camillo de Oliveira. Op. cit. p. 457 a 461.

63

Mais uma vez, recorremos a Roland Barthes a fim de responder a essas

questões. Como o autor, acreditamos que os operatores partiam daquilo que chama de

studium. Barthes assim o define:

O studium é uma espécie de educação (saber e

delicadeza) que nos permite encontrar o Operator, viver os

pontos de vista que criam e animam as suas práticas, mas, de

certo modo, vivê-los inversamente, segundo meu querer de

spectator.155

Partindo desse conceito, concluímos que o studium corresponderia ao elemento

que o operator possui e que o possibilita a produzir significados, a pensar e se

posicionar no universo em que tramita, norteando-o na produção de suas imagens.

Dessa forma, chegando a esse studium estaríamos em condições de “(...) descobrir as

intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas

sempre compreendê-las, discuti-las interiormente (...)”.156

Ainda nas análises de Barthes, constatamos que ao abordar o studium que atua

sobre os operatores, no decurso da produção imagética, podemos chegar a níveis mais

profundos tanto desses últimos, quanto da própria atividade na qual estão empenhados.

Segundo esse autor, através do studium podemos chegar aos “mitos do fotógrafo”, que

atuariam no sentido de reatar os laços entre as fotografias e a sociedade. Refeita essa

ligação a foto passaria a estar revestida de algumas funções: informar, representar,

surpreender, dar significação, provocar desejo157.

A partir dessa análise, defendemos que o studium que atuava sobre os

operatores das imagens contidas em nossos selos e moedas, no período em questão,

seria a ideologia que, simultaneamente, produziam e das quais eram alvo. Assim como

na perspectiva barthesiana, pensamos que a ideologia é capaz de orientar a ação desse

grupo, servindo, ao mesmo tempo, como um fio condutor de suas intenções e dos

móveis mais profundos da mesma. Através dessa ideologia podemos atingir o complexo

de significados que servia de base à produção simbólica que gerava o que chamamos de

imagens oficiais do Estado Imperial.

155 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 36. 156 Id. Ibid. p. 36.157 Id. Ibid. p. 36 e 37.

64

Partindo dessas questões, estamos habilitados a pensar em que contexto histórico

se produziu esse studium e quais os principais elementos definidores do mesmo. Nesse

primeiro ponto, adotamos a premissa de Lúcia Pereira das Neves e Humberto Machado

que entendem o Império do Brasil como fruto de uma dialética estabelecida entre um

“país real” e um “país ideal”158. A nosso ver o “país ideal” organizava-se a partir de

um projeto de Estado e nação defendido por uma parcela da classe dominante do Brasil

oitocentista, que aqui chamamos de dirigentes políticos. Este foi construído sobre os

ideais de uma monarquia constitucional nos moldes europeus, marco da civilização do

velho mundo nos trópicos.

A monarquia que almejavam, foi erguida usando a argamassa resultante de um

tipo de Liberalismo que, simultaneamente, garantia a ordem e a tranqüilidade defendida

por essa facção de classe, e promovia novos vínculos entre a economia brasileira e o

mercado capitalista159. Ao lado desse país situava-se um “país real”, correspondente

àquele em que vivam os representantes do Mundo da Desordem e do Mundo do

Trabalho, de Ilmar de Mattos, assim como o grosso dos plantadores e grandes

proprietários, dispersos pelos diversos rincões do Império.

Essa dualidade cria entre os habitantes de nosso país ideal um tipo de identidade

que os faz se conceberem como membros de um mundo civilizado e movido pelo ideal

de progresso. Tal percepção acaba por promover uma divisão do Império em duas

porções que abrigam, concomitantemente, um componente geográfico e ideológico. De

um lado teríamos o sertão, sinônimo de isolamento160 e barbárie, de outro o litoral

locus da civilização e espaço do progresso161. É interessante ressaltar que esse ideal de

civilização fundamentava-se, a princípio, no desenvolvimento das atividades agrícolas.

Influência do que poderíamos chamar de um pensamento fisiocrata português,

proveniente da Academia Real de Ciências, a vinculação dos ideais de progresso e

civilização às práticas agrícolas manteve-se sólida durante boa parte do Segundo

158 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 183.159 A visão que a classe dominante brasileira fazia de ordem, civilização e sua própria concepção de Liberalismo, estava explícita no discurso ideológico que produzia. Teremos oportunidade de discutir mais adiante esses elementos.160 É importante salientar que a partir dos anos 1860, esse isolamento do “sertão” começa a ser superado. Isso seria reflexo das melhorias materiais pelas quais o Império vinha passando desde a década anterior, destacando-se o transporte ferroviário e as comunicações, assim como da consolidação da centralização monárquica implementada desde o Regresso. A partir daí passou a estar em questão a expansão da civilização pelo Império. Em outros momentos de nosso trabalho, termos oportunidade de discutir mais pormenorizadamente essa questão.161 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 32-34.

65

Reinado. Nesse sentido são bastante elucidativas as palavras de Rodrigues Torres,

ministro da Fazenda, já em 1850:

Não se entenda porém ser minha opinião que

devamos ou possamos promover desde já todos os ramos de

manufaturas à custa e com sacrifícios da indústria

agrícola(...). Nenhum ramo de indústria manufatureira ou

fabril deve no seu conceito ser protegido, ao menos por ora,

cujas matérias-primas não se possam vir a ser facilmente

produzidas no Brasil.162

Em relação à população do Império, o país ideal do qual tratamos foi criado por

uma parcela muito restrita da mesma. No entanto, na medida em que esses elementos

iam galgando posições de destaque na estrutura administrativa do Estado, ao mesmo

tempo em que nele ingressavam representantes da classe economicamente dominante,

ele conheceu, segundo Lúcia Neves e Humberto Machado, um processo de

oficialização163. Essa oficialização foi acompanhada pela produção do que esses

historiadores consideram como sendo sua “moldura institucional”, 164 baseada na

Constituição de 1824 e em um saber e uma cultura desenvolvidos no seio de espaços de

sociabilidade como as Lojas Maçônicas, o IHGB, a Academia Imperial de Belas Artes e

o Imperial Colégio de Pedro II.

Acreditamos que a existência desses dois contextos sociais, que representam

duas formas distintas de percepção da realidade, não tem suas origens no Império.

Partindo das idéias de Paulo Mercadante165, pensamos que as raízes dessa situação estão

vinculadas a nossa própria formação histórica condicionada, em boa parte, à

colonização portuguesa. Desse legado resultaria, no século XIX, o que autor chama de

“duplicidade ética”, ou seja, o resultado da necessidade de conciliar em uma mesma

formação social os valores pertinentes ao Liberalismo, sinônimo de modernidade e

civilização, com a defesa das relações escravistas de produção, fundamento das

atividades produtivas166. Essa duplicidade se manifesta em diversos sentidos,

162 Cf: MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 34.163 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 186.164 Id. Ibid. p. 187.165 MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Contribuição ao Estudo da Formação Brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.166 Id. Ibid. p. 25-26.

66

construindo na sociedade oitocentista do Segundo Reinado o que aqui chamamos de

alguns pares antagônicos167: forma de organização da economia – forma de organização

do mundo; escravização da força de trabalho – liberdade privada de comércio e

acumulação dos lucros; liberdade – opressão.

A garantia institucional dessa “duplicidade ética” seria efetiva ao nível do

Estado, que para tanto adotava, no Império do Brasil, aquilo que Mercadante chama de

um “estilo conciliador”. O principal resultado dessa conciliação em relação à sociedade

e ao campo político seria o desenvolvimento de uma “consciência conservadora”, que

marcava não só as práticas políticas das classes dominantes, mas como toda a sua

postura em relação ao cotidiano168. Nesse aspecto consideramos de extrema relevância

definir o que entendemos como conservadorismo e como concebemos essa

“consciência conservadora” de Paulo Mercadante.

Pensamos que o conservadorismo correspondia a uma matriz ideológica que

permitia aos dirigentes políticos brasileiros do Segundo Reinado, construírem o

conjunto de significados que norteavam sua ação e compreensão do social, bem como

servia de fundamento para a sua produção dialógica e simbólica. Dessa forma tal

consciência conservadora não se desenvolveu como uma postura de oposição ao

progresso, ao contrário, corresponderia a um projeto que, nas palavras de Mercadante,

pretendia definir uma nova forma de “orientar o progresso”, 169 a partir de um modelo

específico de liberalismo e de uma “aceitação gradualista da história e do lento evoluir

de sua base de valores”.170

Iremos encontrar exemplos desse conservadorismo, e de seu caráter conciliador,

em diversos trabalhos de Paulino José Soares de Souza, o visconde do Uruguai. Em seu

“Tratado de Direito Administrativo”, ao falar das relações entre as províncias e o

governo central, deixa claro que as primeiras ao mesmo tempo em que devem ter

liberdade para gerir suas questões específicas, podendo “providenciarem com eficácia

sobre o que fosse peculiar às suas localidades e urgências”, deveriam se manter

atreladas ao governo imperial, “sem cortar ou enlear os grandes laços que as devem 167 Pensamos ser possível uma aproximação do sentido que damos aos “pares antagônicos”, com o pensamento de Claude Lévi-Strauss. Esse autor, ao trabalhar com as estruturas, estabelece que as mesmas são produzidas e reproduzidas a partir do estabelecimento de antônimos que permitem a explicação e a compreensão do mundo. Embora não utilizemos o conceito de estrutura, ao menos na forma como o utiliza Lévi-Strauss, entendemos que os nossos pares antagônicos possibilitam uma leitura, compreensão e uma forma específica de interação daqueles que os produzem com a sua realidade social. Cf: LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido – Mitológicas 1. São Paulo: Cosac Naify, 2004. 168 MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 26.169 Id. Ibid. p. 38.170 Id. Ibid. p. 40.

67

unir”.171 A fim de melhor ilustrar seu pensamento conciliador, Uruguai lança mão dos

versos de Sá de Miranda, que transcrevemos a seguir:

A Fortaleza Louvada

Anda em braços com a prudência

Irmã sua muito amada

.....................................................

O bem todo está no meio

O mal todo nos extremos.172

Um outro exemplo dessa ideologia conservadora que marca o pensamento

brasileiro do Segundo Reinado seria a corrente eclética da filosofia ou o que Wilson

Martins chama de um “Espiritualismo Eclético”.173 Segundo o autor, esse pensamento

correspondia a “um esforço para conciliar o pensamento filosófico do tempo,

claramente ‘materialista’ e ‘cientificista’, com as crenças tradicionais do Catolicismo”,

representando um esforço de moderar as idéias que chegavam da Europa, de essência

“assustadoramente agnóstica” com as “barreiras das crenças tradicionais”.174 Uma

das expressões maiores desse movimento foi Gonçalves de Magalhães, que chega a

declarar ser o ecletismo a “filosofia oficial da nação brasileira”, em seu “Discurso

sobre o Objeto e a Importância da Filosofia” proferido na abertura do curso de

Filosofia do Imperial Colégio de Pedro II, em fevereiro de 1842175.

Entretanto a maior teorização do conservadorismo conciliador foi feita por

Justiniano José da Rocha em seu importante texto “Ação, Reação e Transação”, onde

divide a evolução política do Brasil em três fases: a da ação, situada entre 1822 e 1836

onde observava o desenvolvimento das idéias liberais radicais; a reação, compreendida

entre 1836 e 1855 na qual o movimento do Regresso inverte o sentido das práticas

políticas, consolidando o princípio monárquico e a fase da transação que teria início em

1855, quando desenvolve seu pensamento, correspondendo ao amadurecimento político

do Império. Nesse último momento, conhecido pelos historiadores como Conciliação,

Justiniano da Rocha conclamava os governantes a desenvolverem os mecanismos

171 Cf: Id. Ibid. p. 166-167. 172 MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 168.173 MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira (1794 – 1855). São Paulo. Cultrix; Ed. da Universidade de São Paulo, 1977. vol. II. p. 260-261.174 Id. Ibid. p. 260.175 Id. Ibid. p. 261.

68

necessários para se levar “a um justo equilíbrio os princípios e elementos que haviam

lutado”. 176

A ideologia conservadora, além do princípio da conciliação, fundamentava-se

também nos ideais de ordem, unidade e civilização. A questão de ordem, em certo

sentido, deriva-se da dualidade ética. Tal postura fazia com que a classe dominante, em

especial os dirigentes políticos que faziam muitas vezes o papel de teóricos dessa classe,

dividisse a sociedade em duas realidades: a flor da sociedade ou a boa sociedade e a

escória da população. Nessa divisão o Mundo do Governo estaria contido na boa

sociedade, enquanto o Mundo da Desordem e o do Trabalho, formariam a escória

social. As origens dessa divisão, como já argumentamos, remotam à colonização e, no

Segundo Reinado, ela foi compartilhada por luzias e saquaremas. No decorrer da

construção do Estado Imperial, era mister se levar em conta tal questão, uma vez que tal

Estado estava comprometido com a manutenção das fronteiras entre esses mundos,

perenizando a distinção entre a flor e a escória, o que representaria a garantia da ordem

dentro dessa concepção de sociedade.

Nesse contexto, os membros da boa sociedade desenvolveram um projeto de

vida, baseado no aumento de sua felicidade. Ilmar de Mattos acena para o fato de que a

concepção de felicidade que vigorava na classe dominante brasileira, durante o

oitocentos, partia especialmente das idéias de Jeremy Bentham (1748 / 1832)177. Para

esse pensador a felicidade dentro da sociedade seria resultado das leis que vigoravam na

mesma, uma vez que o conteúdo de todas as leis nunca poderia prescindir de sua

utilidade, de sua racionalidade e da “maior felicidade do maior número”.178

Partindo dessa concepção o Mundo do Governo desenvolveu todo um aparato

jurídico e político que garantisse sua felicidade. Isso porque essa felicidade seria

resultado da quantidade de prazer individual que pudessem garantir. Esse prazer seria

determinado, principalmente, pela posse de bens materiais, pela expansão de suas

riquezas e pela garantia de seus monopólios, sobre a propriedade e sobre a liberdade179.

Nesse contexto liberdade e propriedade configuram-se como os principais

elementos de distinção social. Liberdade e propriedade estabelecem a distinção entre

homens livres e escravos, portanto entre cidadãos e não cidadãos; determinam a

diferenciação entre cidadão passivo, aquele que possui somente a sua pessoa, e cidadão 176 Cf: MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 197. 177 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 109-111.178 MERQUIOR, José Guilherme. O Liberalismo. Antigo e Moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 78-81.179 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit.p. 109.

69

ativo, aquele que é proprietário de outras pessoas. Daí decorre a divisão entre sociedade

civil e sociedade política. A sociedade civil abrigaria a todos os cidadãos, ao passo que

a sociedade política seria formada somente pelos cidadãos ativos, isto é, pela boa

sociedade180.

Logo podemos concluir que somente a partir do momento em que as fronteiras

sociais estivessem bem nítidas e definidas é que seria possível promover tais distinções,

reservando à flor da sociedade a garantia de sua posição como cidadãos ativos,

condutores da sociedade política. Era imprescindível, portanto, que se efetivasse a

ordem.

Outro princípio que também fundamentava o pensamento conservador brasileiro

durante o Segundo Reinado, era o da unidade. Essa unidade compreendia tanto o

território, base física do Império, quanto o seu corpo político. Essa unidade referendava

o ideal de um “Império um e único”, defendido por José Antônio Pimenta Bueno - o

marquês de São Vicente, posto que era fundamental que se desenvolvesse naquilo que

hoje consideramos como o plano ideológico, elementos que compensassem a ausência

de uma coesão social.

Na medida em que se avançava no processo de construção do Estado Imperial,

cada vez mais o ideal de unidade territorial se confundia com a unidade do corpo

político. Passam a ser as duas faces de uma mesma moeda, que se cunharia a partir da

centralização do poder monárquico. A unidade política e territorial fortaleceria a coroa,

que a partir daí seria gestora de uma nova realidade onde, outra vez, a dualidade ética se

manifestaria. Isso porque ao lado da garantia das relações escravistas de produção ela

deveria, segundo Ilmar de Mattos, intermediar as relações do Império do Brasil com

uma nova conjuntura capitalista, marcada pelo aumento da produção, da acumulação, da

concorrência e do crédito181.

O início desse processo pode ser situado no Regresso, ainda durante as

Regências. A administração de Feijó dava mostras de que tanto a ordem quanto a

unidade estavam francamente ameaçadas. Em seu “Manifesto à Nação” o regente

falava na introdução de colonos que tornassem os escravos desnecessários,

paralelamente admitia sua descrença na possibilidade de manter unido o território do

Império, diante das revoltas no sul e no norte182.

180 Id. Ibid. p. 110-111.181 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 94.182 MERCADANTE, Paulo. Op. cit. p. 158-159.

70

Dessa forma o movimento regressista articulado por Araújo Lima e outros

representantes do grupo que constituiu o Partido Conservador, correspondia a uma

tentativa de restabelecimento da ordem e de preservação da unidade. Para tanto visavam

a centralização do poder a partir da recuperação da autoridade da coroa, sendo

fundamental nesse sentido a recuperação da imagem do imperador que, doravante,

deveria estar revestida de uma aura de poder e autoridade. Nesse último aspecto é

sintomática a atitude de Araújo Lima que, em sua gestão, tornou obrigatória a presença

da fotografia do Imperador em todas as repartições públicas, ao mesmo tempo em que

“recuperava” a cerimônia do beija mão, ao beijar as mãos do imperador menino durante

a abertura dos trabalhos da Assembléia Geral, logo no início de sua regência183.

Um terceiro princípio implícito no conservadorismo brasileiro do Segundo

Reinado era o da civilização. A monarquia brasileira foi construída a partir de um

modelo europeu e deveria ser um polo de irradiação da civilização desse continente em

meio à barbárie americana. O modelo monárquico correspondia, no pensamento de

nossas classes dominantes, ao veículo que conduziria o Brasil ao conjunto dos países

civilizados do mundo. Logo a consolidação do poder monárquico corresponderia a um

movimento de legitimação dos interesses internos dessa classe, bem como à inserção do

Império no cenário mundial em uma posição superior àquela ocupada pelos demais

países americanos.

Consolidada a monarquia, estavam legitimadas a ordem e a unidade do Império

do Brasil. Porém era mister que se superassem, internamente, as tradições do Antigo

Regime e que se efetivassem as transformações necessárias à construção de uma nova

ordem; o Brasil deveria se modernizar a partir da difusão da civilização184. Mais do que

uma questão cultural, esse modernização estaria engajada em um projeto de dominação

ideológica que, a partir da expansão dos ideais civilizadores dos dirigentes políticos,

garantiria simultaneamente a superação da barbárie dos sertões, da desordem das ruas, a

imposição do poder público sobre o privado e a superação dos ideais localistas185,

completando, por assim dizer, o projeto dos saquaremas.

Um dos veículos de difusão da civilização no Império do Brasil foi, de acordo

com as idéias da época, a educação. Entendida como instrução, especialmente instrução

pública, a educação seria o instrumento usado pelo Estado Imperial a fim de difundir

183 LYRA, Maria de Lourdes Viana. O Império em Construção: Primeiro Reinado e Regências. São Paulo. Atual Editora, 2000. p. 116. 184 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 227.185 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 245.

71

uma “pedagogia da civilização”186 cujo propósito era o de levar o Brasil aos estágios da

Europa. No decorrer desse movimento, que ganhou força a partir dos anos 1850, foi

possível promover o que Lúcia Neves e Humberto Machado chamam de uma

“fabricação dos cidadãos”.187

Instruir e educar passam a ser funções do poder público que, utilizando o

modelo francês do Império Napoleônico e da Monarquia de Junho de 1830, visava a boa

sociedade e o povo miúdo, excluindo desse processo, obviamente, os escravos188. O

exemplo maior desse ímpeto educacional do Império era, sem sombra de dúvidas, o

Imperial Colégio de Pedro II.

A todos os fatores já discutidos, soma-se, finalmente, um modelo específico de

Liberalismo que, segundo acreditamos, contribuiu também na constituição do studium

que moldou a ação de nossos operatores. Não acreditamos que o Liberalismo e os

postulados liberais do século XIX possam ser encarados como uma construção única, a

ser compreendida a partir de uma teoria geral. Ao contrário pensamos que o mesmo foi

historicamente produzido, atendendo e respondendo a necessidades e realidades

distintas, assumindo assim matizes específicos, determinados pelas mesmas. Nesse

sentido, transcrevemos a seguir a visão da historiadora Lucia Guimarães:

A linguagem do ideário liberal, no entanto, é

bastante abstrata. Seus enunciados não esclarecem quem é a

nação, ou quem são os cidadãos. Tampouco, explicam a

quem compete elaborar as leis. Ou, ainda, quem pode e

quem não pode participar do sistema representativo nessa

proposta de reordenação da sociedade. Por conseguinte, foi

na prática política que se estabeleceram os limites e as

possibilidades de apropriação do credo liberal. Seus

postulados acabaram tomando múltiplas feições, de acordo

com as circunstâncias históricas e os grupos sociais a eles

identificados.189

186 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 227.187 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 227.188 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 247.189 GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Liberalismo Moderado: postulados ideológicos e práticas políticas no Período Regencial. In: GUIMARÃES, Lucia M. Paschoal; PRADO, Maria Emilia (orgs.). O Liberalismo no Brasil. Origens, Conceito e Prática. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 103-104.

72

Dessa forma acreditamos que no Brasil do Segundo Reinado, integrando a

ideologia produzida pela classe dominante, estava presente um tipo específico de

liberalismo que atendia aos interesses e necessidades da mesma, no contexto da

articulação do Império à economia capitalista da segunda metade do século XIX.

Esse liberalismo deveria promover a ligação do Império do Brasil à Europa

através do estabelecimento de novos vínculos, em substituição àqueles característicos da

etapa colonial, que atendessem tanto às necessidades de um novo contexto da produção

capitalista marcado pelo início da Segunda Revolução Industrial, quanto às

especificidades e necessidades brasileiras. Nesse último ponto merece destaque a

questão da manutenção das relações escravistas de produção. Obviamente que a

produção desses vínculos não se daria de forma harmoniosa, ao contrário, ela foi

cenário de choques e embates de interesses. Os acordos e desavenças entre Brasil e

Inglaterra, no tocante à questão do tráfico, são elucidativos nesse sentido.

Sendo assim, o que aqui chamamos de um liberalismo brasileiro assumiu

características que o distinguia dos modelos liberais encontrados em muitos países da

Europa. Dentre essas características, uma da mais importantes dizia respeito à

necessidade das práticas liberais no Império não perderem nunca de vista a manutenção

dos monopólios que a classe dominante detinha sobre a mão-de-obra, a terra, os

negócios, a política e as pessoas190. A partir daí, fundamentou-se sobre um conceito

específico de liberdade que tomou forma mais definida entre 1836 e 1850, durante o que

convencionamos chamar de Regresso.

Esse ideal de liberdade baseava-se nas idéias de Thomas Hobbes, Jeremy

Bentham e James Mill191. Porém o fator que melhor o define são as influências de

Hobbes sobre o pensamento liberal do Império. Esse pensador defendia a tese de que,

uma vez instituídos os governos, a liberdade passa a estar atrelada à matéria legal, logo

ela é igualada a tudo aquilo que é permitido pelas leis, ou seja, aquilo que as leis não

proíbem. Tal proposição associada à idéia de que, segundo Hobbes, ao serem instituídos

os contratos sociais, os indivíduos alienam aos soberanos seus direitos naturais por

inteiro, dava ao Estado uma enorme carga de poderes e uma grande capacidade de

ingerência sobre a liberdade192.

A partir dessa arquitetura intelectual, foi possível aos dirigentes políticos do

Império atuarem sob a bandeira de um modelo de liberalismo que os possibilitava a, nas 190 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 108.191 Id. Ibid. p. 108.192 MERQUIOR, José Guilherme. Op. cit. p. 27-45.

73

palavras de José Clemente Pereira, fortalecer o governo, organizar o Exército e a

Armada e dotar o país de uma circulação monetária uniforme na firme convicção de que

estavam agindo de forma a implementar as “medidas necessárias à plena vigência da

liberdade”193.

Toda esse aparato ideológico funcionou como o studium dos operatores que de

forma direta e decisiva, durante o governo de D. Pedro II, atuaram na produção de

discursos, imagens e símbolos, pertinentes a um modelo de Estado e de nação que então

se construía. O que faremos nos capítulos seguintes é demonstrar as articulações

existentes entre cada uma dessas peças, evidenciando os pontos de encaixe e os

estímulos que determinaram essas conexões, chegando assim às imagens contidas nos

selos postais e nas moedas.

193 Cf: MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 137.

74

Capítulo 2: A Criação de uma Imagem: a produção imagética e o Estado no Brasil

da década de 1840.

Nesse capítulo tratamos das imagens contidas nos selos e moedas do Segundo

Reinado, durante a sua primeira década. Nesse contexto procuramos entender a

produção dessas imagens, estabelecendo os vínculos e conexões desse processo com

outro de maior amplitude no qual, acreditamos, que estava contido: a construção do

Estado Nacional.

2.1) Selos postais e moedas na primeira década do Segundo Reinado.

Da introdução dos serviços de remessa de correspondências no Brasil, à

utilização dos selos postais, em 1842, há uma longa trajetória a ser percorrida. No

entanto nos limitaremos a analisar, sucintamente, o funcionamento dos correios

brasileiros no século XIX, a fim de melhor entendermos a introdução do padrão inglês

de postagem e do conseqüente advento dos selos postais no Império. Podemos adiantar

que o Brasil foi o segundo país do mundo a implementar o modelo criado pela reforma

de Rowland Hill, embora já houvessem sido realizadas algumas experiências locais de

utilização dos selos para o pagamento prévio dos serviços postais194.

A transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, e o natural

crescimento da demanda por serviços postais, tanto por questões pessoais como por

questões de Estado, gerou a necessidade de ampliação da capacidade de operações do

sistema de correios até então vigente. A fim de atender essa demanda foi criado o

“Regulamento Provisional para a Administração Geral do Correio da Corte e

Província do Rio de Janeiro”, 195 com o objetivo de centralizar a administração dos

serviços de correspondências, tornando-os mais rápidos e eficientes. Para tanto

estabeleceu normas de trabalho, os horários de funcionamento do que seriam as

“agências postais” e ainda padronizou os mecanismos de recebimento e expedição da

correspondência196.

194 Essas experiências correspondem ao projeto da “US City Despach Post”, uma companhia privada de correios de Nova York e àquela desenvolvida pelo cantão suíço de Zurich. In: ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. p. 23. 195 ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 55.196 NETO, João Pinheiro de Barros. A Difícil Missão de Vencer Distâncias. Nossa História. n. 34, p. 32 – 36, jun. 2006.

75

A independência em 1822, e a conseqüente organização da máquina

administrativa do Estado suscitaram a necessidade da criação de uma legislação postal

para o Império do Brasil. Essa iniciativa foi tomada por José Clemente Pereira, ministro

e secretário dos Negócios do Império, através do decreto de 30 de setembro de 1828,

que previa a reorganização do Correio-Geral e a criação dos Correios de Mar e Terra

entre as províncias197. Um novo decreto de 05 de março de 1829 criava a Administração

Geral dos Correios, estabelecendo a organização do sistema de transportes de

correspondências no Império, a criação de agências nas cidades e vilas nas quais elas

não existiam e a instituição do cargo de diretor geral dos correios, a fim de administrar e

dirigir a instituição198. Apesar desses esforços os serviços postais no Brasil, durante o

Primeiro Reinado, mostravam-se consideravelmente precários. A título de exemplo,

constatamos que, nesse momento, a correspondência enviada para províncias como a de

São Paulo era levada por mensageiros pagos pelos interessados ou por viajantes que se

dispusessem a fazê-lo. Na própria Corte, empresas e particulares somente conseguiam

receber suas correspondências a domicílio, se solicitassem previamente o serviço à

administração dos Correios e, mesmo assim, mediante um pagamento trimestral ou

semestral199. Somente no Segundo Reinado é que podemos perceber uma melhoria nos

serviços postais.

A reforma do sistema postal brasileiro, durante o governo de D. Pedro II, teve

como ponto de partida a lei número 243 de 30 de novembro de 1841, cuja competência

era fixar a despesa, o orçamento e a receita para o exercício do ano financeiro do

Império de 1842 e 1843. Em seu artigo 17, estabelecia um prazo de um ano para que

fossem promovidas melhorias em diversos setores da administração pública, dentre os

quais os serviços de correios, destinando para tanto cento e oitenta contos de réis. Em

relação a este último, diz o referido artigo:

(...) e dos Correios; e a despender com este último

ramo do Serviço Público até a soma de cento e oitenta

contos de réis, podendo alterar as taxas estabelecidas no

Regulamento de 5 de março de 1829, e as mais disposições

do mesmo Regulamento, e de quaisquer Leis relativas a este

objeto, tendo porém em vista, que se houverem de criar

197 NETO, João Pinheiro de Barros. Op. Cit. p. 34. 198 ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Id. Ibid. p. 55.199 NETO, João Pinheiro de Barros. Op. Cit. p. 33.

76

novos lugares, serão de preferência preenchidos com

indivíduos da classe das Repartições extintas.200

A justificativa para essa reforma, pode ser encontrada nos relatórios enviados à

Assembléia Geral Legislativa, pela Secretaria de Estado para os Negócios do Império,

relativos aos anos de 1840 e 1841, quando era ministro e secretário201 Candido José de

Araújo Vianna, o marquês de Sapucaí. No primeiro relatório, Candido José após se

referir a algumas das dificuldades envolvidas nos serviços inerentes ao trato das

correspondências, faz alusão ao fato de que o “Encarregado de negócios de Sua

Majestade Britânica propôs a adoção de certas medidas, que o Governo de sua Nação

deseja se façam extensivas, por meio de arranjos recíprocos, aos países estrangeiros

(...)”.202 Nesse ponto podemos observar os interesses ingleses em levar a outros países as

reformas promovidas, naquele momento, em seu sistema de correios, o que sem dúvida

facilitaria consideravelmente sua troca de correspondências.

Além desse elemento, que poderíamos considerar como uma influência externa

para a reforma, no relatório de 1841 o secretário aponta o déficit existente nos serviços

postais brasileiros como um fator determinante para que tais mudanças fossem

efetivadas. Referindo-se a lei 243, de 1841, que autorizou a reforma, faz menção à

exposição que fez ao Conselho de Estado, onde apontava as dimensões desse déficit.

Segundo as palavras do próprio Candido:

Existe um déficit neste ramo do Serviço Publico,

superior em mais do quíntuplo da Receita, pois montando

está em 68.000$ réis, e a despesa orçada em 380.000$ réis; e

se em todos os tempos um déficit e objeto que não pode

deixar de atrair a atenção do Governo, muito mais o deve

ser nos apuros financeiros, com que luta o Tesouro

Publico.203

200 BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1841. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1842. p. 81.201 Essa designação aparece no corpo dos próprios relatórios, uma vez que os Secretários de Estado dos Negócios do Império tinham o status de ministros de Estado. 202 BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão Ordinária de 1841, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1841. p. 42. 203 BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 5ª Legislatura, pelo Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1843. p. 46.

77

Como causas para tão grande disparidade entre receita e despesas cita o baixo

preço pago pelo porte da correspondência enviada por “Correios de mar”, 204 isto é,

aquela que era transportada por via marítima e que acarretava um custo

consideravelmente mais elevado, e as enormes dificuldades de fiscalização das contas

dos correios do Império. Nesse último ponto o secretário afirma que a forma pela qual

funcionavam os serviços postais brasileiros dificultava enormemente a manutenção de

um controle eficiente sobre esse serviço. Basta lembrar que até a reforma em questão, os

custos da remessa de correspondências eram calculados sobre as distâncias percorridas e

o pagamento era feito pelo destinatário, ou pelo menos quando o mesmo se dispunha a

fazê-lo. O trecho a seguir evidencia essa questão:

Em verdade e impossível verificar o numero de

cartas, que o Correio recebe, segundo o sistema atual, por

mais forte, e sustentada que seja a atenção, zelo, e diligência

posta neste trabalho. É penoso, e enfadonho verificar

pequenas adições entradas em diferentes épocas, combiná-

las com outras arrecadadas em diversos lugares, e épocas

correspondentes; e dando-se assim a confusão, cometer-se-

ão multiplicados erros, alem de se não poder verificar a

exatidão das cargas feitas aos responsáveis.205

Feitas essas considerações, Candido Jose aponta diversas mudanças que

poderiam ser realizadas a fim de melhorar os serviços postais, nitidamente inspiradas no

modelo inglês. Essas modificações serão regulamentadas pelos decretos 254 e 255,

ambos de 29 de novembro de 1842. Tais decretos efetivavam as mudanças autorizadas

pela lei 243 de 30 de novembro de 1841, colocando em prática no Brasil um sistema de

entrega de correspondências que, em boa parte, reproduzia aquelas introduzidas pouco

antes na Inglaterra.

204 Id. Ibid. p. 46.205 BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 5ª Legislatura, pelo Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1843. p. 47.

78

Em seu artigo 1º, o decreto 254 estabelecia que o cálculo dos custos relativos ao

porte de correspondências seria feito pelo peso das mesmas, independentemente da

distância percorrida. Os valores podem ser vistos na tabela a seguir206.

a) Tabela dos Custos do Porte de Correspondências

Peso da correspondência Correio de terra Correio de marAté 4 oitavas207 60 réis 120 réisDe 4 a 6 oitavas 90 réis 180 réisDe 6 a 8 oitavas 120 réis 240 réis

Fonte: Coleção das Leis do Império, Decreto 254 de 1842.

Acima das oito oitavas, seriam acrescentadas a cada duas oitavas, trinta réis para

o porte terrestre e sessenta réis para o porte marítimo.

O artigo 16 do mesmo decreto determinou que os portes seriam pagos

adiantados e através de papel selado. Coube ao decreto 255 a função de regulamentar os

valores e mecanismos para o uso dos selos. Do artigo quinto ao décimo primeiro,

definia os seguintes elementos: os valores e modelos dos selos208, o valor de 30 réis

como o menor porte, o uso de um carimbo como forma de obliterar os selos a fim de

evitar a sua reutilização, as sanções imputadas àqueles que falsificassem os selos postais

e os elementos competentes para a venda dos selos. Vale ressaltar que em seu artigo 12,

esse decreto determinava que a correspondência passaria a ser entregue nas casas dos

destinatários por um carteiro. Dessa forma surgiam, legalmente, os selos postais

brasileiros.

Nossos primeiros selos postais corresponderam aos chamados Olhos de Boi.

Foram emitidos pela Casa da Moeda nos valores de 30, 60 e 90 réis. Os autores do

desenho dos selos foram Carlos Custódio de Azevedo e Quintino José de Faria, sendo o

trabalho de impressão executado em talho doce209. Entraram em circulação em 01 de

agosto de 1843, sendo sua produção suspensa em dezembro do mesmo ano, e foram

206 A tabela foi construída com base nos valores expressos no artigo 254 de 29 de novembro de 1842. In:BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1842.Tomo V. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1843. p. 491.207 A oitava corresponde à oitava parte de uma onça. Considerando que a onça é equivalente a 31,091g., cada oitava pesa 3,887g.208 É interessante observar que, aparentemente, houve um engano no momento de redigir a legislação em questão ou no ato da encomenda dos selos postais. Isso porque há uma disparidade entre o texto da lei e os selos produzidos. O artigo determina que os portes serão pagos em papel selado no valor de trinta, setenta e noventa réis, enquanto que os selos emitidos correspondem aos valores de trinta, sessenta e noventa réis. 209 QUEIROZ, Raymundo Galvão de. Introdução ao Estudo da Filatelia. Brasília: Edição do autor, 1980. p. 35.

79

substituídos em 01 de julho de 1844210. O período relativamente curto de circulação dos

olhos de boi pode ser entendido por questão bastante peculiar. O papel no qual eram

impressos caracterizava-se por ser espesso e de boa qualidade, além disso, a tinta

utilizada pelos carimbos que obliteravam os selos, geralmente, era inferior e facilmente

lavável. A combinação desses dois fatores proporcionava a reutilização dos selos, após a

sua retirada do sobrescrito das correspondências e uma rápida lavagem211.

Figura 1: Olhos de Boi Fonte: acervo do autor.

Mesmo após a substituição dos Olhos de Boi, até 01 de julho de 1866,

estabeleceu-se um padrão de imagens para os selos brasileiros que, como já falamos

anteriormente, diferia da maior parte dos países do mundo que adotavam esse sistema

em seus serviços postais. Esse padrão consistia na utilização somente de numerais,

indicando o valor do selo, sobre fundo composto por arabescos e outras formas na parte

impressa. Dele estavam excluídos elementos como o nome do país emissor, a data e a

efígie do soberano ou governante, o que era comum a praticamente todas as demais

emissões do período.

Os selos que se seguiram às nossas primeiras emissões são conhecidos pelos

filatelistas como Inclinados. Assim como os anteriores traziam suas cifras na cor branca

com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado preto. Foram emitidos nos

valores de 10, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis. Guardavam uma diferença fundamental

em relação à primeira série emitida, seu papel era muito mais fino e menos resistente. 210 MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003. p. 11.211 QUEIROZ, Raymundo Galvão de. Introdução ao Estudo da Filatelia. Brasília: Edição do autor, 1980. p. 38.

80

Tal opção foi feita de forma deliberada, esperando assim dificultar o reaproveitamento

dos selos após sua primeira utilização212.

Figura 2: Inclinados Fonte: acervo do autor

Após essa análise relativa ao surgimento dos selos postais no Brasil, pensamos

ser possível passar a tratar do segundo tipo de fonte iconográfica desse período sobre o

qual trabalhamos: as moedas.

212 ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 65.

81

A chegada dos portugueses introduziu no Brasil o seu primeiro padrão

monetário: o real. A moeda usada na Colônia era cunhada na Metrópole, em Lisboa e no

Porto, e na Índia, em Conchim e Goa213.

Durante todo o período colonial, o caráter escravocrata da economia gerou um

problema crônico que era a falta de moeda em circulação214. Tal circunstância ocasionou

algumas situações bastante inusitadas. A principal delas foi a utilização de produtos da

terra como moeda. Esse fato, aliás, não era específico do Brasil, como nos mostra

Ruggiero Romano ao afirmar que na América Espanhola essa mesma carência de

moedas em circulação levou a utilização de folhas de coca em seu lugar215. Entre nós o

açúcar foi utilizado como moeda oficial por ordem do governador Constantino

Menelau, que em 1614 chega inclusive a regulamentar o valor da arroba: 1$000 para o

açúcar branco, 640 réis para o mascavo e 320 réis para as demais variedades216. Com a

União Ibérica foram introduzidas em nosso numerário as moedas de prata espanholas,

que circularam por aproximadamente 200 anos. O efeito dessa introdução foi quase que

imediato o que fica evidente com a lei de 25 de novembro de 1582, que estabelecia a

relação entre o dinheiro espanhol e o português. Outro produto que também serviu de

moeda, embora em uma escala bem menor, foi o algodão que exerceu esse papel por

longos anos no Maranhão. Uma alternativa ao problema da escassez de numerário foi a

prática de carimbar as moedas aumentando seu valor, buscando assim atender à

demanda da própria economia217.

A partir do século XVII a Colônia começou a cunhar moedas através da criação

das primeiras Casas da Moeda, que daí por diante tiveram vida itinerante: 1694 Bahia,

1698 Rio de Janeiro, 1700 Pernambuco, 1702 Rio de Janeiro, 1714 Bahia e de 1724 a

1734 Vila Rica que passou a funcionar simultaneamente a da Bahia. No século XVIII as

moedas de ouro eram cunhadas no Brasil e remetidas, em sua maior parte, para a

Metrópole; as de cobre utilizadas cotidianamente pela população colonial vinham de

Lisboa. Esse aparente desequilíbrio, associado às primeiras fissuras que então se

manifestavam no sistema colonial português, levaram a Coroa a incluir nas moedas de

cobre a inscrição Aes Usibus Aptius Auro (O cobre é mais próprio para o uso que o

213 TRIGUEIROS, F. dos Santos. Dinheiro no Brasil. Rio de Janeiro: Reper, 1966. p. 50.214 CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista. Ensaios sobre o Brasil. São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 58.215 ROMANO, Ruggiero.Os Mecanismos da Conquista Colonial. São Paulo: Perspectiva, 1995. p. 35. 216 TRIGUEIROS, F. dos Santos. Op Cit. p.50.217 Id. Ibid. p.51.

82

ouro)218. Poderíamos perceber aí uma tentativa de através da moeda, dissimular os

mecanismos tradicionais de exploração, uma vez que a remessa das moedas mais

valiosas para Portugal e a circulação daquelas de menor valor no Brasil, aumentavam a

insatisfação em relação à Metrópole.

O Período Joanino conheceu as primeiras tentativas de caracterizar uma moeda

brasileira. Isso se evidencia na aplicação de um carimbo de 960 réis nas moedas de prata

espanholas de oito reales e, a partir de 1810, na cunhagem da nova moeda de três

patacas.

A Independência não modificou o padrão monetário, trazendo, porém a criação

de uma moeda mais caracteristicamente brasileira, cunhada nas Casas da Moeda do

país219.

Em 1832 surgiram medidas com o fim de promover um maior controle sobre

nosso meio circulante. Nesse ano foram extintas as diversas Casas da Moeda, que foram

unificadas no Rio de Janeiro. Além disso, adotou-se um novo sistema de moedas de

ouro de 22 quilates. De 1834 a 1848 foram cunhadas as moedas de prata da série

cruzados. Quanto ao ouro as leis 59 de 08 de outubro de 1833 e 401 de 11 de setembro

de 1846 alteraram o preço da onça, acarretando novas emissões.

Durante a primeira década do Segundo Reinado, foram cunhadas moedas em

ouro, prata e bronze. Porém as de maior circulação foram aquelas produzidas a partir da

prata e bronze. Nas moedas de ouro podemos encontrar dois tipos de emissão.220

O primeiro deles corresponde ao que é chamado na numismática brasileira de

“Almirante”, cunhada entre 1841 e 1848. Em seu anverso essa moeda contem a efígie

do imperador com feições jovens e fardamento militar, e a inscrição “PETRUS II D. G.

CONST. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.”; em seu reverso221 ela trás seu valor, 10 mil réis,

e a inscrição “IN.HOC.SIGNO.VINCE”. O segundo tipo seria o “Papo de Tucano”,

cuja cunhagem ocorreu entre 1849 e 1851, nos valores de 10 mil e 20 mil réis. Seu

anverso trás a efígie imperial com feições mais maduras e fardamento militar, e no

218 COSTA. Ney Chrysostomo da. Dicionário de Numismática. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1969. p. 264.219 TRIGUEIROS, F. dos Santos. Op Cit. p.56 –57 .220 Durante as Regências foi cunhada uma moeda de ouro com a efígie do monarca. Ficou conhecida como Pedro Menino. Nesse mesmo capítulo trataremos dela com maiores detalhes.221 Aqui utilizamos a conceituação mais usual na Numismática, na qual anverso corresponde à face principal da moeda, onde se encontram efígies, letreiros mais relevantes e o nome do Estado. O reverso seria o lado oposto, onde geralmente encontramos o valor e a data da cunhagem. In: COSTA. Ney Chrysostomo da. Dicionário de Numismática. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1969. p. 488 e 499.

83

reverso seus valores. As inscrições são as mesmas do tipo anterior e foram cunhadas nas

mesmas faces.

As moedas de prata e bronze seguiram padrão diferenciado. Traziam em seu

anverso o brasão do império e a inscrição “PETRUS II D. G. CONST. IMP. ET PERP.

BRAS. DEF”. No reverso traziam seu valor e a inscrição “IN. HOC. SIGNO. VINCE”.

Figura 3: Moedas de ouro do Segundo ReinadoFonte: www.pralmeida.org.br

2.2) Uma Imagem em Construção: o padrão imagético dos selos postais e moedas

do Império do Brasil na década de 1840.

Trabalhando sobre nossas fontes, constatamos que do início do Segundo

Reinado à década de 50 do século XIX, inexistia nas mesmas uma imagem que

representasse esse Estado Imperial e que remetesse a um padrão de identidade nacional

a ele pertinente. As imagens contidas tanto nos selos quanto nas moedas, como vimos,

não apresentavam nenhuma marca que as vinculasse ao modelo de Estado e ao projeto

84

de nação, que então se desenvolvia. Selos e moedas incorporavam, respectivamente,

numerais indicativos de seus valores e, em se tratando das moedas, também o brasão

imperial, criação do I Reinado. Em ambos os casos ainda não se percebia claramente o

que chamamos aqui de uma ruptura imagética com o modelo de Estado, e

conseqüentemente com a concepção de nação, que vigorou até, pelo menos, o Período

do Regresso, ainda nas Regências.

A inserção do brasão imperial nas moedas é bastante significativa nesse sentido.

A própria composição heráldica desse brasão deixa tal proposição em evidência, uma

vez que seus vínculos com o projeto político do Brasil pós-independência são explícitos.

Figura 4: Brasão imperial brasileiro Fonte: www.klepsidra.net

O brasão foi instituído por decreto de 18 de setembro de 1822, sendo concebido

como um escudo encimado pela coroa imperial. Tal escudo teria fundo verde, cor

adotada por D. Pedro I como sendo uma marca dos Bragança da dinastia do Brasil.

Continha também outros componentes heráldicos que evidenciam um projeto de Estado

e nação que, nesse momento, não estaria desvinculado totalmente da antiga metrópole,

bem como de alguns elementos característicos da cultura política luso-brasileira do

início dos oitocentos. Nesse sentido chamamos a atenção para a esfera armilar, símbolo

das conquistas e da influência portuguesa no mundo, e da cruz da Ordem de Cristo,

85

alusiva aos navegadores portugueses tendo sido instituída por D. Diniz em 1318 e

adotada por D. Manuel I.

Como componentes americanos, alusivos a um modelo de nacionalidade que se

pretendia construir, destacam-se as 20 estrelas brancas que circundam a esfera e a cruz,

correspondendo às províncias brasileiras então existentes, e os ramos de tabaco e café.

A análise dos elementos simbólicos contidos no brasão demonstra os próprios

limites da ruptura de 1822, e o projeto dos grupos que a conduziram e que, nesse

momento, estavam ao lado Imperador. A quebra dos elos que uniam os dois lados do

Atlântico ainda não era algo totalmente incorporado às idéias de uma parte dos setores

que protagonizaram os episódios de 1822. O ideal de um Império Atlântico, de sólidas

raízes no velho e no novo mundo, ainda não estava superado no contexto desse Estado

que começava a se formar. Nesse sentido podemos recorrer às palavras da historiadora

Lúcia Pereira das Neves:

Na raiz da cultura política da Independência,

encontrava-se a idéia do Império luso-brasileiro. Anunciada

desde muito cedo e elaborada desde finais do século XVIII,

como antídoto aos temores gerados pela independência das

colônias inglesas da América e pela Revolução Francesa,

essa concepção era partilhada convictamente pelas elites de

ambos os lados do Atlântico. As leituras conflitantes que os

dois grupos dela faziam, porém, vieram à tona de 1820 a

1822(...). Desse conflito político, agravado pelos ruídos

inevitáveis, gerados pela precariedade das comunicações na

época, resultou o Império do Brasil e, para a elite

portuguesa, o projeto de um novo Império com as possessões

da Ásia e, sobretudo, da África. 222

As atribulações políticas do I Reinado fizeram perecer, junto com ele, o ideal de

um Poderoso Império Atlântico. No entanto o brasão de Pedro I e algo de seu conteúdo

se mantiveram.

222 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais. A Cultura Política da Independência (1820 – 1822). Rio de Janeiro: Revan; FAPERJ, 2003. p. 414 – 415.

86

Não pretendemos, aqui, afirmar que da abdicação de D. Pedro I ao Regresso

Conservador do Período Regencial ainda predominasse entre os dirigentes políticos

brasileiros o ideal de um Império que unisse o Brasil a Portugal, idéia essa que não se

sustenta em nenhum aspecto. O que pensamos é que a inserção do brasão imperial no

meio circulante funciona, tanto no plano ideológico quanto simbólico, como uma

tentativa de solução de continuidade com princípios que orientaram os primeiros

esforços ligados à construção de um Estado Nacional, sob a égide de uma monarquia

vinculada à tradição da dinastia européia dos Bragança que, simultaneamente, seria um

fator de garantia da ordem interna e de inserção do Brasil no cenário das nações livres e

civilizadas. A comparação das imagens contidas nas moedas do Primeiro Reinado com

aquelas que, até a década de 1850, encontramos no Brasil deixa clara essa proposição. A

figura a seguir, a nosso ver, referenda tal raciocínio.

Figura 5: Moeda do I Reinado (1824) e II Reinado (1846)Fonte: acervo do autor

No caso dos selos postais, assim como nas moedas, observamos a inexistência

de algum tipo de imagem que, entre a sua primeira emissão em 1843 e os anos 1860,

aluda a um novo modelo de Estado e de nação. A análise da figura 11 evidencia esse

ponto de vista.

87

Figura 6: Olho de Boi ( 1843 ) e Vertical ( 1850 )

Fonte: acervo do autor

Entendemos essa situação como o reflexo do movimento de construção de um

modelo de organização estatal e de um tipo específico de identidade nacional que, entre

o início do governo de Pedro II e meados do século XIX, ainda estava em andamento.

Nesse caso as ausências falam mais do que as presenças. A inexistência de um padrão

definido nas imagens contidas nos selos e moedas demonstraria que, no que se refere ao

que chamamos de Imagens Oficiais do Estado, ainda se davam os primeiros passos.

Detectamos nessa etapa dois níveis de produção que se interpenetram, um político-

institucional e outro de ordem ideológica e simbólica articulados à construção do

Estado, da nação e de todo o acervo de imagens pertinentes a ambos. A análise dos

mesmos torna mais claras nossas proposições.

Na compreensão da produção do Estado, da nação e de todo o conjunto de

imagens resultante desse processo, no Brasil do século XIX, devemos considerar, antes

de tudo, a postura historiográfica que iremos adotar para tal empresa. Richard Graham

nos alerta que, nesse particular, existem duas principais correntes: uma primeira que

admite que a identidade nacional preexistiu ao surgimento dos Estados, e uma segunda

posição que defende que os Estados antecederam à formação de um ideal nacional na

América Latina. Assim como esse autor ficamos com a segunda posição, ressalvando

porém que entendemos que a formação de ambas as instituições se deu em um sentido

que, em lugar da linearidade, primou pela circularidade223. Fazemos essa afirmação, pois

acreditamos que Estado e nação, a partir do surgimento do primeiro, foram se

constituindo de forma recíproca, em espiral.

223 GRAHAM, Richard. Op. cit. p. 17-18.

88

No caso brasileiro tanto a formação do Estado quanto da nação, correspondeu

àquilo que Ilmar de Mattos chama de uma “expansão para dentro”, 224 que partindo do

Rio de Janeiro baseou-se em dois elementos que herdou de Portugal: o território e a

noção de império que engendrou o Império do Brasil. Nesse momento, no entanto, não

havia um único projeto de Estado Nacional. A partir de uma disputa de posições saiu

vitorioso aquele que fez com que a independência tivesse um significado especifico, que

pode ser percebido nas palavras do próprio autor:

A independência política criara a liberdade frente à

dominação metropolitana, mas não foi capaz de gerar uma

unidade do ponto de vista de uma nação moderna,

constituída por indivíduos livres e iguais perante a lei e

partícipes de uma mesma comunidade imaginada (...) A

liberdade política não apenas não se desdobra em unidade;

ela repelia a igualdade, deixando-se guiar por um

sentimento aristocrático que se apresentava como uma

espécie de gramática para todos aqueles que reproduziam, a

cada instante, as hierarquias que definiam a sociedade. 225

Dessa forma a constituição de um Estado no Brasil, corresponderia à sua

afirmação perante as demais nações do mundo ao mesmo tempo em que referendava as

hierarquias internas. Vislumbrava-se, assim, o ideal de uma nação brasileira que

persistiria enquanto mantivesse sob seu domínio as demais nações, com as quais

convivia internamente.226

Tratava-se, desse momento em diante, de dar um corpo a esse conceito nebuloso

que era a nação. Até então inexistia uma brasilidade no contexto da América

Portuguesa e o conceito que se atribuía a determinadas identidades políticas coletivas

não atendia às necessidades do pós 1822. Segundo João Paulo Pimenta e István Jancsó

entendia-se como pátria o lugar de origem dos indivíduos, país poderia ser o Brasil,

porém a nação correspondia à nação portuguesa.227 Tornava-se necessário o

224 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e Herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política. Rio de Janeiro. Almanack Braziliense. N. 1. p. 8 – 26, 2005. p. 8.225 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 21-22.226 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 25-26.227 JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um Mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta:

89

aprofundamento do movimento que, desde a elevação de 1815, já tornava possível se

pensar em uma identidade específica do Reino do Brasil. Porém para tanto seria

fundamental que se organizasse o corpo institucional que sustentaria essa construção

nacional, logo em um movimento circular Estado e nação foram se constituindo.

Alguns desafios deveriam ser enfrentados a fim de garantir a consolidação desse

projeto. Fazia-se mister, em primeiro lugar, a superação dos regionalismos que, no dizer

de Richard Graham, marcavam profundamente a cultura política de portugueses e

espanhóis. Estes viam nos “conselhos locais” verdadeiros depositários da soberania.228

Maior que a soberania dos mesmos somente a dos reis229 pois, além de sobrepujar aos

poderes regionais, ainda teria condições de garantir as hierarquias internas preservando

o “sentimento aristocrático” que, segundo Mattos, norteava as relações sociais e

fundamentava o projeto nacional.

Surgia assim o Império do Brasil no qual Pedro I é aclamado, sagrado e coroado

a partir de uma ritualística que exacerbando as tradições características dos soberanos

lusitanos, forneceria um arsenal de “figuras emblemáticas” e de “representações

simbólicas” que legitimavam, ao mesmo tempo, o novo soberano, preservando a

tradição dinástica dos Bragança, e a “nação em face das outras nações do mundo”.230 É

importante destacar que, nesse momento mais uma vez se caracteriza a necessidade do

Estado a fim de referendar a própria nação. Isto porque é o primeiro que possibilita a

sua existência a partir da concentração do ideal nacional na figura do monarca e de sua

representação simbólica através de todo um complexo e pesado cerimonial.231

A segunda grande questão que se fazia eminente dizia respeito à produção

daquilo que Ricardo Salles chama de um “substrato cultural brasileiro” a partir do qual

se efetivaria a construção da nação232. Este corresponderia a um conjunto de valores

que, com sólidas raízes no pensamento da classe dominante, particularizariam e

distinguiriam o Brasil em meio às demais nações independentes. Nesse contexto

destacava-se uma “variante nacional de língua portuguesa” e uma forma de nativismo

a experiência brasileira. São Paulo: SENAC, 2000. p. 130.228 GRAHAM, Richard. Constructing a Nation in Nineteenth-Century Brazil: Old and New Views on Class, Culture and the State. Journal of the Historical Society. V. 1. no. 2-3. p. 17-56, 2001.p. 21.229 Id. Ibid. p. 21.230 RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Os Símbolos do Poder. Cerimônias e Imagens do Estado Monárquico no Brasil. Brasília: Ed. UNB, 1995. p. 72. 231 RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Op. cit. p. 72. 232 SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial. A Formação da Identidade Nacional no Brasil do Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 79 – 81.

90

na qual o “ser brasileiro em oposição ao ser português” era o fator determinante233.

Pouco mais tarde, com o Romantismo, à questão da língua se soma a da natureza, e uma

forma de identidade nacional mais complexa sobrepujou o antilusitanismo.

Durante o governo de Pedro I, entretanto, uma série de tensões e atritos

envolveram o Imperador e todo um setor da classe dominante brasileira, em especial

uma parcela dos dirigentes políticos do Primeiro Reinado. Na análise de Maria de

Lourdes Viana Lyra, essa conjuntura foi desencadeada por questões que opunham o

soberano a esses elementos, em especial a reivindicação, por parte dos últimos, de um

maior espaço de atuação na vida política do Império, uma maior autonomia do

Legislativo e a total rejeição de qualquer tentativa de união com Portugal234.

Essa oposição foi promovida, principalmente, por representantes de uma “nova

geração de políticos” que emergiu no cenário brasileiro a partir da legislatura de 1826

da Assembléia Geral, na qual se destacavam Bernardo Pereira de Vasconcelos, Antonio

Francisco de Paula, Antonio Diogo Feijó, José Martiniano de Alencar, Evaristo da

Veiga e Nicolau de Campos Vergueiro, entre outros235.

Embora não se opusessem à estrutura centralizadora do Estado, não admitiam

determinadas posturas que refletiam um excesso de autoritarismo do monarca,

materializadas, sobretudo, em uma pesada política tributária e no arbítrio, considerado

indevido, na área judicial236. Tais medidas revelavam, em boa parte, as contradições da

personalidade de D. Pedro I e os limites de seu liberalismo. Nesse sentido podemos

entendê-lo, nas palavras de Lúcia Pereira das Neves, como “um homem de dois

mundos”, dividido entre um tipo de realidade liberal pertinente ao país que ajudava a

construir, e sua formação impregnada de elementos característicos de um modelo

Absolutista de Estado, governado pelos Bragança entre o fim de século XVIII e início

do XIX237. Tal situação tornou complexas as relações políticas do Império,

principalmente por afastar o soberano dos setores mais ativos da classe dominante

brasileira. Conforme Lucia Pereira das Neves, observamos que:

233 SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial. A Formação da Identidade Nacional no Brasil do Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 80.234 LYRA, Maria de Lourdes Viana. O Império em construção: Primeiro Reinado e Regências. São Paulo: Atual, 2000. p. 53.235 Id. Ibid. p. 53.236 Id. Ibid. p. 53.237 NEVES, Lúcia Maria Bastos P. das.Um homem de dois mundos. Nossa História. n. 23, p. 44 – 48, set. 2005.

91

O exercício do governo, apesar do poder moderador

que a Constituição lhe possibilitava, mostrou-se cada vez

mais difícil a partir de 1826, quando teve início a primeira

legislatura brasileira, dominada pelos liberais. Privado dos

conselhos moderadores de d. Leopoldina, que falecera, com

a atenção dividida, após a morte de seu pai nesse mesmo

ano, entre a situação no Brasil e os problemas sucessórios

em Portugal, além de desgastado pela independência da

Cisplatina(1828), d. Pedro não soube conviver com o

funcionamento regular de um sistema parlamentar público,

preferindo atuar cada vez mais no espaço privado do poder

formado pela Corte e ocupado por conselheiros e favoritos

predominantemente de origem portuguesa.238

A evolução dessa situação culminou nos episódios de 1831, que levaram à

Abdicação, dando início ao Período Regencial. A experiência regencial representou um

momento em que a ordem da sociedade, elemento central no projeto de Estado e nação

da classe dominante brasileira, se viu fortemente ameaçada. A ausência de um soberano

à frente do governo, e conseqüentemente de toda a carga simbólica e ideológica

inerentes à sua imagem, permitiu que os grupos dominantes locais empreendessem

esforços no sentido de implementar uma maior liberdade em relação ao Rio de Janeiro,

buscando o que Richard Graham chama de uma “ monarquia federal” ou em alguns

casos uma república239. Para esse autor os movimentos desencadeados pela classe

dominante, à exceção da Farroupilha, fugiram do controle de seus articuladores,

permitindo a emergência no campo das relações políticas e dos movimentos sociais de

outras classes que, até esse momento, eram mantidas alheias aos mesmos e sob o seu

domínio. O Mundo do Trabalho mostrava uma face há muito temida, ao mesmo tempo

em que o Mundo da Desordem fazia jus a seu nome. Ainda nas palavras de Richard

Graham, observamos que:

Em esforços subseqüentes para sustentar o

autogoverno regional ou a independência completa do

238 Id. Ibid. p. 47-48.239 GRAHAM, Richard. Op. cit. p. 28.

92

governo centralizado, ficou gradualmente claro que abalar a

unidade do império significava enfraquecer a autoridade dos

senhores de propriedades, não somente sobre os escravos,

mas sobre as classes inferiores em geral. Daí o espectro da

desordem social.240

Esse quadro começou a se inverter a partir da ascensão dos Conservadores ao

poder, com a renúncia de Feijó e a posse de Araújo Lima, o que se ratificou com sua

posterior vitória nas eleições regenciais. Foi o início do Regresso Conservador.

Sob o ponto de vista ideológico, já discutimos no primeiro capítulo de nosso

trabalho o que teria representado a fase do Regresso. Agora pretendemos analisar a

concretização da construção do Estado e da nação, nesse período e na primeira década

do Segundo Reinado, demonstrando suas relações com a produção simbólica e

imagética que paralelamente se empreendia, inserindo nesse contexto as nossas

principais fontes.

A segunda metade de década de 1830 marcou a retomada de um movimento que

pretendia dar ao Estado Nacional brasileiro um caráter centralizado, que se efetivaria no

reforço da autoridade do Executivo, na ênfase às práticas administrativas, na imposição

do poder público ao privado e, como uma garantia desse processo, no fortalecimento da

figura do Imperador. Tal empresa corresponderia ao projeto saquarema, analisado por

Ilmar de Mattos. Nesse contexto a coroa ocupa papel de destaque, uma vez que além de

articular todo o processo, ainda preenche importante função simbólica na construção do

Estado e da ordem social. A partir desse momento a coroa passa a estar diretamente

vinculada à figura do Imperador, representando o Golpe da Maioridade a consolidação

da primeira241.

A figura do soberano tinha importância capital nesse processo. Sua força no

pensamento e na cultura política do Brasil imperial era considerável. Entendemos que

essa força é resultado de uma estrutura de longa duração cujas origens podem ser

encontradas na tradição medieval que atribuía duas naturezas ao corpo e à própria figura

do rei242.

240 Id. Ibid. p. 30.241 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro: ACESS, 1994. p. 77.242 KANTOROWICZ, Ernest H. Os Dois Corpos do Rei. Um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

93

Essa concepção, cujas origens estão no que Ernest Kantorowicz chama de uma

“teologia jurídica medieval”, atribui ao corpo do rei e ao próprio monarca uma

natureza transitória, que nasce e morre, sujeita ao ciclo natural da vida e um elemento

perene, que se manteria através dos tempos, funcionando dessa forma como um dos

fundamentos físicos do reino243. Ao discutir a teoria de Kantorowicz, Michel Foucault

atribui a esse caráter dual do corpo do rei a propriedade de gerar todo um conjunto de

elementos que consideramos como ideológicos e simbólicos: uma iconografia própria,

uma teoria política da monarquia, mecanismos jurídicos que ligam e distinguem a

pessoa do rei à coroa e alguns rituais específicos, tais como a coroação, os funerais e as

cerimônias de submissão244.

A força dessa concepção no pensamento político ocidental pode ser medida por

alguns exemplos citados pelo próprio Kantorowicz. Um primeiro diz respeito ao rei

George III que pediu ao Parlamento autorização para possuir terras como um homem e

não como um rei. Um segundo corresponde a postura assumida pelos vassalos de um

dos traidores da rebelião inglesa de 1715, cuja baronia foi confiscada pelo rei; estes

manifestaram sua satisfação, pois, a partir desse momento, estariam dispensados do

pagamento do “resgate costumeiro (...) pela morte de seu senhorio” uma vez que sendo

o mesmo o rei, e não sendo ele totalmente humano, seus vassalos diretos não estariam

sujeitos às mesmas leis criadas para os homens comuns245.

Além dos efeitos ideológicos e simbólicos, resultantes dessa herança medieval,

ao poder e à importância do soberano, no Brasil do início do Segundo Reinado,

acrescenta-se um fator de ordem prática. A monarquia e o rei se apresentavam como

uma solução para o problema da fragmentação do território, do corpo político e da

ameaça à ordem social, existente por volta do final da década de 1830. O Imperador

seria uma garantia de continuidade ao mesmo tempo em que funcionaria como um

agente de legitimação, simultaneamente, dos poderes do Estado que se pretendia

construir e dos “chefes locais”246. Richard Graham nos mostra que estes últimos tinham

sua autoridade sustentada por seus “recursos econômicos, suas alianças políticas ou

pela força”, porém, além disso, careciam de um “status individual de líderes” que

243 Id. Ibid. p. 193-195.244 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 30-34.245 KANTOROWICZ, Ernest H. Op. cit. p. 17-18.246 GRAHAM, Richard. Op. cit. p. 34.

94

fizesse com fossem aceitos como autoridades por suas clientelas247 e demais

seguidores248.

O rei, como uma instância maior de poder e de legitimidade, não só solucionaria

essa questão como também seria um agente mediador dos conflitos surgidos dentro da

própria classe dominante, uma vez que poderia julgar os litígios e tomar decisões sem

abalar o “status individual de líderes” das partes envolvidas. José da Silva Lisboa, o

visconde de Cairú, sintetizou muito bem essa visão nas palavras transcritas a seguir:

A providência mantem a todas as classes na dourada

cadeia da subordinação, para sempre ter em vista a

pirâmide monárquica, contendo os indivíduos em seus

competentes ofícios e na devida distância de suma alteza do

soberano.249

Podemos concluir, portanto, que a partir do Regresso Conservador percebemos

uma gradativa adesão ao projeto saquarema de Estado. Isso se deu em função de dois

fatores principais. O primeiro deles correspondia aos interesses das lideranças locais em

aderir a um governo centralizado, visto como uma garantia da legitimidade de seu poder

e autoridade sobre suas clientelas. O segundo fator representaria a própria expansão

desse projeto saquarema, que seguindo um sentido tanto vertical quanto horizontal,

conforme já falamos anteriormente, foi sendo introjetado por boa parte da classe

senhorial brasileira.

Paralelamente a essa construção política e institucional, desenvolvia-se um

movimento mais complexo e delicado que correspondia à produção de um conceito de

nação e nacionalidade, cujas origens estariam nas idéias que, na visão de Ilmar de

Mattos, já circulavam nos momentos imediatamente posteriores a 1822250.

Essa nação seria construída a partir de um sentido determinado pelas distinções

entre povo - plebe e sociedade civil – sociedade política, fundamental para a garantia da

ordem e das fronteiras sociais. A nação abrigaria tanto ao povo quanto a plebe, porém

247 Aqui usamos o conceito do próprio Richard Graham para clientela, o autor entende como tal o conjunto dos elementos que dependiam dos grandes proprietários e, em troca, ofereciam sua lealdade. Esse conjunto envolvia, normalmente, a própria família desses proprietários, membros da casa, meeiros e negociantes. Cf: Id Ibid. p. 36-39. 248 Id. Ibid. p. 34-35.249 Cf: Id. Ibid. p. 34.250 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e Herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política. Rio de Janeiro. Almanack Braziliense. N. 1. p. 8 – 26, 2005. p. 21-22.

95

somente o povo, isto é, os cidadãos ativos, é que formaria a sociedade política a quem

competia o governo do Estado. Vale ainda ressaltar que os escravos estavam excluídos

dessa nação, posto que o critério da liberdade privava-os da cidadania.A construção

dessa nação se efetivou a partir de uma orientação européia e americana251.

O sentido europeu era perceptível na idéia de que a nação deveria se efetivar

através de um império soberano, semelhante aos Estados Nacionais europeus, no qual as

conquistas liberais, as garantias constitucionais e o repúdio ao despotismo e ao

clericalismo seriam marcas características. No plano americano essa nação teria de

resistir às investidas britânicas contra a escravidão e o tráfico, garantir as distinções

sociais e as fronteiras entre os mundos, ou nações, que abrigava internamente e

neutralizar as rebeliões, sedições e insurreições que a ameaçassem. O ponto de

equilíbrio entre esses dois estímulos seria a figura do imperador252.

É interessante notar que nesses dois vetores que orientavam a construção da

nação, mais uma vez encontramos o componente ideológico que Paulo Mercadante

chama de “duplicidade ética”. Ao tentar combinar o conteúdo europeu à realidade

americana, percebemos que os construtores dessa nação, novamente, exercitam o estilo

conservador, marco de muitas das práticas ideológicas e políticas do Império do Brasil.

Nesse momento a construção da nação se desenvolveu a partir da produção de

um tipo de cultura que poderíamos chamar de cultura nacional, uma vez que, no dizer

de Ricardo Salles, deveria promover a “individualização da nova nação que se

constituía”.253 Essa cultura, que o autor intitula “Cultura Imperial”, atendia à produção

ideológica do período e comportava um considerável grau de intencionalidade, tendo no

Romantismo um dos fatores de maior relevância. O europeísmo, o bacharelismo, a

pompa e a prolixidade da cultura letrada eram seus traços distintivos, funcionando como

um agente garantidor da “coerência interna” da produção cultural da classe dominante,

em meio a um quadro tido como “hostil e selvagem”, o que lhe proporcionava algo

como uma “missão civilizadora”.254

O desenvolvimento desse padrão de cultura tinha um duplo objetivo, vinculado à

criação de uma imagem externa e interna da nação. No primeiro sentido, estava

comprometido com a promoção do reconhecimento externo dessa nação que então se

constituía. Internamente procurava criar um padrão de civilização para o país, fazendo 251 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formação do Estado Imperial. Rio de Janeiro: ACESS, 1994. p. 119-120.252 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 119-120.253 SALLES, Ricardo. Op. cit. p. 75-77.254 SALLES, Ricardo. Op. cit. p. 93.

96

do Brasil um exemplo de monarquia européia transplantada para a América.

Obviamente que o Mundo do Trabalho, assim como o Mundo da Desordem, apesar da

proximidade física, estavam excluídos dessa cultura e dessa civilização.

A criação da nação e, conseqüentemente, do conceito de nacionalidade a ela

pertinente, sustentava-se na dialética estabelecida, no plano da cultura, entre dois

conceitos: civilização e natureza. Considerando o Estado como o elemento definidor da

nação, a “Cultura Imperial” fazia dele o “portador e impulsionador do processo

civilizatório”, sendo a natureza vista como a “base territorial e material desse Estado”,

ao mesmo tempo em que, conforme já mencionamos, funcionava como o principal traço

definidor das suas particularidades americanas255. Mais uma vez percebemos um

desdobramento da duplicidade ética de Mercadante.

A partir desse momento teve início construção de uma imagem do imperador

que o transformaria na personificação maior da missão civilizadora do Brasil e da nação

brasileira, tornando-o o “Imperador sábio, sempre em sintonia com as últimas

novidades da Europa”.256 Essa imagem também deveria funcionar como um elemento

garantidor do estilo conservador, que reputamos como importante característica do

panorama ideológico do período. Como um juiz supremo, o soberano deveria pairar

acima das questões políticas e partidárias, garantindo a ordem, preservando a

continuidade do corpo político e do território, atenuando os choques e tensões internas à

classe dominante e conciliando em um mesmo Estado e nação a civilização européia e a

exuberância e exotismo americanos. Atribuindo esse papel ao imperador, promovia-se,

simultaneamente, a perpetuação de uma estrutura social baseada nas relações escravistas

de produção.

Essa posição ocupada por D. Pedro II no modelo de Estado e nação que se

construía a partir do Golpe da Maioridade, seria garantida a partir de todo um trabalho

de construção de sua imagem. A partir desse processo proporcionava-se ao soberano

certos atributos, assim como o controle sobre determinadas relações de poder, que se

manifestariam no plano simbólico, ideológico e político-administrativo. Um dos marcos

desse movimento pode ser encontrado na Lei da Presidência do Conselho de Ministros

de 23 de novembro de 1841. Representou um primeiro passo que permitiu a efetivação

desse projeto imperial de poder, cujo sucesso pode ser medido pela máxima que seria

255 Id. Ibid. p. 98-99.256 Id. Ibid. p. 101.

97

criada pelo Visconde de Itaboraí, por volta de 1868, segundo a qual no Brasil “ o

Imperador reina, governa e administra”257.

A efetivação do projeto de Estado e nação passava, necessariamente, pela

difusão desse modelo de cultura e de toda a carga ideológica a ele incorporada, assim

como da produção de elementos que ao nível de um discurso textual e imagético

materializassem os ideais e princípios a ele pertinentes. Nesse particular observamos

que o Estado assume a função de incentivador e financiador tanto dos veículos de

produção quanto de difusão dessa produção cultural.

No plano institucional, destacamos o advento do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, de cuja criação em 1838 já falamos em momentos anteriores de nosso

trabalho. Esse Instituto surgiu como um espaço comprometido com a produção de um

tipo de história e memória, cujo compromisso maior era o de, segundo a análise de

Manoel Luís Salgado, “(...) pensar o Brasil segundo os postulados próprios de uma

história comprometida com o desenvolvimento do processo de gênese da nação (...)”.

Segundo esse mesmo autor, a historiografia que se produzia em seu bojo inseria dentro

de um mesmo contexto, no tocante ao “problema nacional”, nação, Coroa e Estado 258.

Ainda no plano das instituições voltadas para a produção e reprodução da Cultura

Imperial, foram de grande relevância no final dos anos 30 e no decorrer das décadas

seguintes do século XIX, o Imperial Colégio de Pedro II(1837) e o Arquivo Público

(1838).

No que tange a criação e reprodução da cultura que então se desenvolvia, merece

destaque a produção artística que veio à tona no campo da literatura, da ópera e da

pintura. Na literatura, indiscutivelmente, o Romantismo foi uma das peças centrais

nesse processo. Conforme observamos no trabalho de Lucia Pereira das Neves e

Humberto Machado, atuou no sentido de produzir um “conceito positivo de

brasilidade” transcendendo um padrão de identidade nacional baseado na negação, isto

é, a idéia de ser brasileiro por não ser português259. Foi nesse momento que surgiram

importantes obras românticas que, ao mesmo tempo, superavam a visão universalista

originada pela ilustração portuguesa e buscavam “tradições e valores do território

americano” que dariam um corpo ao projeto de nação que então se implementava.260 Ao

lado da natureza o indígena também foi incorporado à literatura romântica como um

257 Cf: MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 185.258 GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Op. cit. p. 6.259 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 196.260 Id. Ibid. p. 197.

98

símbolo da nacionalidade. Idealizado e, muitas vezes, europeizado tinha alguns de seus

traços realçados a fim de atender às necessidades da construção desse modelo de

identidade nacional, surgia nas obras de então como um “(...) exemplo de pureza, um

modelo de honra a ser seguido”261. Dento dessa vertente indianista da literatura

romântica constatamos que os tupis eram retratados como os modelos da nacionalidade,

uma vez que a eles eram incorporadas as virtudes do meio americano e os avanços

morais da civilização européia, ao passo que aimorés e timbiras eram os símbolos da

barbárie e da degenerescência que, no plano ideológico e simbólico, o Império deveria

superar; nesse sentido as práticas canibalescas dos últimos eram a maior evidência.

A relação de algumas obras, seus respectivos autores e o período em que vieram

à luz, é bastante elucidativa nesse aspecto: a Canção do Exílio de Gonçalves Dias em

1843; a fundação da revista Niterói, no mesmo ano, por Januário da Cunha Barbosa,

Antonio Francisco Dutra e Melo, Santiago Nunes Ribeiro e Antonio Gonçalves Teixeira

e Souza e a Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo de 1844.262

No campo musical a obra de Carlos Gomes pode ser enquadrada nesse processo,

em especial a sua versão de O Guarani. Porém foi na pintura, ao lado da literatura

romântica, que constatamos com maior clareza a associação da produção artística à do

Estado e da nação. Nesse campo teve importante papel a Academia Imperial de Belas

Artes que, criada em 1826 porém implementada no governo de Pedro II, atuou tanto

como centro de produção de um tipo específico de arte quanto como um instrumento

para o mecenato estatal. Distribuindo prêmios, medalhas e bolsas de estudo, bem como

organizando as anuais Exposições Gerais de Belas Artes, o Estado colocava-se na

posição de principal consumidor das obras produzidas, ao mesmo tempo em que

determinava o sentido dessa produção263.

Enquanto a literatura romântica levava para as páginas dos livros uma visão

idealizada da natureza e do homem americano, símbolos do ideal nacional, a pintura

histórica e romântica, produzida a partir da Academia Imperial de Belas Artes e

consumida principalmente pelo Estado, deu o tom central dos modelos imagéticos do

Imperio do Brasil na primeira metade do século XIX. O modelo de representação

veiculado por esses artistas, no dizer de Lilia Schwarcz, fazia com que:

261 SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. A Natureza como paisagem: imagem e representação no Segundo Reinado. In: Revista da USP. São Paulo. N. 58, jun.-ago. 2003. p. 6-29.262 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p.197-200.263 SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. Op. cit. p. 19.

99

(...) ao lado dos episódios oficiais, ganhasse lugar,

também, os motivos locais – os naturais e a natureza – tal

qual registros da nacionalidade. Com efeito, na Academia a

exaltação do exótico, de uma natureza modelar e do

indígena romântico tornou-se uma marca na produção

pictórica, que traduzia a história em termos mais idealizados

do que propriamente realistas.264

Dentro desse padrão de imagens em que a natureza tornava-se um “emblema da

nação”265 nota-se, pelas próprias observações da autora, que na produção resultante era

muito mais significativo e relevante aquilo que se imaginava do que o que

necessariamente se via. Em certo sentido podemos afirmar que essa postura

representacional derivou-se, em grande parte, da influência de artistas e cientistas

estrangeiros, que passaram pelo Brasil entre o final das Regências e o início do Segundo

Reinado. Esse olhar do estrangeiro deu à produção nacional aquilo que Ana Maria

Mauad chama de “uma sensação de não estar no todo”. Através dele, inseria-se na

produção pictórica de então somente aquilo que fosse interessante e, ao mesmo tempo,

fosse de encontro aos interesses dos operatores da mesma, que, por sua vez, estavam

direta ou indiretamente vinculados266 ao projeto de Estado Nacional que se construía267.

Segundo essa autora:

(...) foi o olhar do estrangeiro que nos enquadrou, ao

mesmo tempo em que educava o nosso olhar, para que nós

mesmos pudéssemos nos mirar nos espelhos da cultura

importada de seus países de origem.268

Essas imagens, produzidas a partir de uma cultura ligada à ideologia da classe

dominante e veiculadas em uma produção artística de cunho acadêmico, acabam por

264 Id. Ibid. p. 19.265 Id. Ibid. p. 9.266 Essa vinculação torna-se clara quando constatamos que a grande maioria dos artistas que produziam nesse momento o fazia a partir de bolsas ou subvenções do governo imperial, ou tinham no Estado o seu principal consumidor. Em outros casos esses mesmos artistas estavam engajados ao funcionalismo público, muitas vezes como professores na própria Academia Imperial de Belas Artes.267 MAUAD, Ana Maria. A Imagem e Auto-Imagem do Segundo Reinado. In:ALENCASTRO, Luiz Felipe de(org. ). História da Vida Privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p. 181-231.268 Id. Ibid. p. 184.

100

assumir o papel de imagens oficiais do Estado, devido aos vínculos que explicitamos

anteriormente. Tais imagens exerceram, também, importante papel no processo de

construção de um projeto saquarema de Estado e no tipo de identidade nacional a ele

pertinente. Tal proposição baseia-se na importância da “experiência visual” no Brasil

do século XIX, uma vez que ela viabiliza um tipo de conhecimento mais generalizado

favorecendo a consolidação de uma “auto-representação”,269 para aqueles que

deveriam formar a nação e em especial aos membros da sociedade política.

O trabalho dos escritores românticos e dos pintores acadêmicos, entre o final dos

anos 30 e o início dos anos 50 do século XIX, funcionou, em relação ao complexo

imagético e simbólico do Império do Brasil, como o que poderíamos chamar de um

suporte, necessário à produção do Estado e do tipo de identidade nacional que esse

Império materializava.

Porém toda essa arquitetura que envolvia o Estado, a nação, a Cultura Imperial

e, conseqüentemente, o acervo de símbolos e imagens a eles pertinentes, foi orientada

por um discurso ideológico no qual a questão da duplicidade ética e do sentido

conciliador eram elementos de grande peso. Devemos ter sempre em mente que toda

essa produção esteve comprometida com a conciliação de uma realidade americana a

outra européia, com o convívio de relações escravistas de produção com um modelo de

liberalismo que articulasse o Brasil ao centro da produção capitalista.

Além disso, não podemos perder de vista o fato de que, pelo menos até os anos

1850, a centralização política e a estabilidade interna almejadas pelo Regresso

Conservador ainda não haviam se efetivado. Dessa maneira acreditamos que nos dez

primeiros anos do governo de Pedro II a questão da ordem se impunha a da civilização,

uma vez que a primeira seria pré-condição para se chegar a outra.

Logo, no contexto das imagens oficiais do Estado, ao lado desse viés americano

deveriam estar presentes elementos que reportassem à civilização e à tradição

provenientes da Europa, mas principalmente que fossem reconhecidos como agentes

garantidores da ordem que se pretendia estabelecer. Tais imagens deveriam comportar

elementos que simbolizassem o lado europeu e civilizado desse Império dos Trópicos,

mas também que legitimassem o poder e a autoridade do Estado que então se construía,

principalmente após as conturbações das Regências, que ainda não estavam totalmente

superadas imediatamente após a Maioridade. Dessa maneira dava-se ao conjunto maior

consistência e, portanto, uma maior capacidade de garantia da ordem e de delimitação

269 Id. Ibid. p. 189.

101

das fronteiras sociais. Buscava-se a redução de uma maior visibilidade e espaço de

participação que foi conquistado pelos mundos do Trabalho e da Desordem.

A peça chave nessa questão seria o imperador. Tratava-se nesse momento de dar

início à construção de uma imagem que fizesse do soberano, então um adolescente, o

ponto de equilíbrio do Império. Deveria ser a síntese da idéia de Estado e de nação,

personificando e garantindo a ordem social, política e econômica que se pretendia

construir. Os primeiros passos foram dados, como já falamos anteriormente, pelo

próprio Araújo Lima. Porém a restauração do beija-mão e a valorização dos retratos do

monarca não era suficiente, algo mais profundo e complexo foi desenvolvido.

As iniciativas nesse sentido foram tomadas desde a emancipação do imperador,

com o Golpe da Maioridade. Segundo Maria Eurydice Ribeiro, as cerimônias de

coroação e sagração utilizadas para Pedro I foram repetidas270. A importância desse fato

torna-se maior quando constatamos que, segundo essa mesma autora, no “caso do

Brasil, a independência monárquica, singular no contexto americano, conduziu à

exacerbação do modelo português” que envolvia a ascensão de um novo soberano ao

trono. Buscava-se, dessa forma, aumentar a solenidade do cerimonial e a legitimidade

do monarca271.

Desde sua aclamação que o soberano era visto como um veículo de salvação do

Império. É bastante reveladora a atitude de José Bonifácio ao erguê-lo para que todos o

vissem não da forma comum, mas suspenso do chão por seu tutor, fazendo com que o

príncipe se parecesse com um “anjo” reforçando mais ainda o seu caráter “mágico-

simbólico”.272

O jovem Pedro II foi sagrado em 15 de junho de 1841. Nessa última cerimônia

manifestou-se a preocupação com a legitimidade do soberano, como um fator de

garantia da ordem, ao mesmo tempo em que se introduziam elementos pertinentes a

uma realidade liberal, dentro da lógica da duplicidade ética. Na cerimônia estavam

presentes as insígnias do Império: o manto, a espada e a constituição. Os dois primeiros,

uma clara alusão à tradição monárquica, o último um sinal do avanço das idéias liberais.

O conteúdo simbólico da cerimônia nos permite concluir que embora as insígnias

tenham sido sagradas, segundo a tradição, foram conferidas ao imperador pela

270 RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Op. cit. p. 100.271 Id. Ibid. p. 72.272 Id. Ibid. p. 101.

102

Constituição.273 Legitima-se assim, no plano simbólico, o Estado que se pretendia

construir.

Dos anos 1840 aos anos 1850, transformava-se a imagem do jovem Pedro II

naquela que Lilia Schwarckz considera como a do “Grande Imperador”.274 A partir de

então o soberano passou a cumprir uma agenda oficial em que era apresentado à nação

em momentos solenes, através de uma pomposa ritualística e de uma rigorosa etiqueta.

A pompa e a solenidade desses momentos em que o imperador se manifestava eram tão

grandes, raiando o exagero, que chegava mesmo a despertar a atenção de observadores

estrangeiros que a eles se sujeitavam. É o caso da baronesa Victorine Émilie de

Langsdorff, esposa do barão de Langsdorff, este último ministro plenipotenciário do rei

Luís Filipe de Orleans, enviado ao Brasil a fim de negociar o casamento do príncipe de

Joinville com a princesa Francisca, irmã do Imperador. No diário que produziu em sua

viagem por terras brasileiras, entre 1842 e 1843, a baronesa relata o seguinte episódio,

referindo-se à etiqueta da corte tropical:

O Imperador e a irmã entraram. No salão ao lado,

um grupo de mulatos tocou a marcha imperial durante todo

o tempo em que os dois irmãos atravessaram a sala.(...) Com

exceção dos minutos iniciais, glaciais e cerimoniosos,

sentimo-nos a vontade no paço. Mas assim que o Imperador

entra, o gelo derretido forma-se de novo; então todos nos

levantamos e ficamos em silêncio. O Imperador atravessa a

sala(...) a seguir senta-se num canapé, baixa os olhos e toda

a gente se cala.(...) Ouvi várias pessoas a zombarem da

formalidade da corte, que consideram ridícula e

ultrapassada, mas já vi as mesmas pessoas erguerem-se

precipitadamente à simples aproximação do Imperador, não

por hábito mas por obediência a um impulso irresistível.275

273 RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Op. cit. p. 90.274 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 85-86.275 Cf: CABRAL, Luciano Mendes. Os Diários como fontes históricas: gênero, cultura e poder em fragmentos cotidianos. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. N. 15, 2006. p. 133-146.

103

Tratava-se de fazer do monarca uma “representação de si”.276 Foi nesse sentido

que se direcionou a produção de imagens, concretizada na iconografia de então.

Deliberadamente envelhecia-se o imperador nos seus inúmeros retratos, expostos em

jornais, casas da corte, repartições públicas e em outros locais do Brasil e do exterior.

Buscava-se um certo padrão de visibilidade para um soberano até então invisível, e

preservado nos limites de seu círculo mais íntimo. Esforçavam-se os operatores desse

momento, por dar ao líder supremo dos brasileiros as feições de um “rei seguro, jovem

e forte”.277 Nas imagens a seguir são perceptíveis os esforços dos artistas em reproduzir

um modelo no qual as feições do jovem Pedro são idealizadas e, associadas a

determinados símbolos do poder278. Almejam formar um conjunto que retratasse a

tradição, a autoridade e a segurança que o imperador deveria transmitir a seus súditos.

Valia, inclusive, antecipar o surgimento de uma bem constituída barba, ela em si um

símbolo de virilidade e experiência279. Tal fato chega a ser mencionado pelo mordomo

imperial, Paulo Barbosa, ao dizer que “(...) sua majestade traz a aparência diferente,

até suas barbas estão mais e mais formadas”.280

276 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p. 85.277Id. Ibid. p. 87.278 É importante observar que nos retratos e representações do imperador, nesse período, ele sempre se encontra cercado por elementos como o cetro, a coroa, a espada ou a constituição. Além disso, sua indumentária sempre tem um caráter marcial e majestático. Em ambas as situações objetivava-se criar uma aura de poder e solenidade em torno do monarca. Cf: Id. Ibid. p. 87-88.279 Tradicionalmente a barba é considerada um símbolo de virilidade, coragem e sabedoria. Diversas divindades e heróis das mitologias do mundo são representados barbados, além do fato de que, na Antiguidade eram dadas barbas postiças aos homens imberbes e às mulheres que dessem prova de sabedoria e coragem. Cf: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2003. p. 120-121. 280 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p. 87.

104

Figura 7: Retratos de D. Pedro II. No primeiro o detalhe a ser notado é a Constituição sobre a qual D. Pedro se apoia, no segundo merece destaque a Espada Imperial.

Fonte: www.monarquia.org.br

Ao nos voltarmos para os selos postais e as moedas, alvo de nossas reflexões,

observamos que o quadro que encontramos não corresponde ao que foi acima descrito.

Como já falamos anteriormente281, ainda não é possível perceber, ao menos até os anos

1850, a veiculação de um padrão de imagem nesses elementos, que evidencie um

compromisso com o projeto de Estado e de nação que então se procurava efetivar.

Acreditamos que esse esforço de construção de uma imagem do imperador estava

ausente dos selos e moedas, nesses momentos iniciais, basicamente por duas questões

intimamente ligadas. A primeira corresponderia ao próprio processo de construção

dessa imagem, que entre os anos 40 e 50 do século XIX ainda estava em andamento. O

segundo fator diz respeito ao caráter desses possíveis veículos de difusão da imagem

imperial, os selos e moedas, no período em questão.

No que se refere à primeira dessas duas questões, observamos que no momento

em que os dirigentes saquaremas começaram a desenvolver seus esforços a fim de

efetivar um projeto de Estado e nação, entre o Regresso e a Maioridade, D. Pedro era

281 Cf: páginas 91-94.

105

uma criança que se aproximava da adolescência. Seu contato com o país, assim como

sua própria visibilidade, era muito limitada. Tornava-se necessário que se produzisse

uma imagem que refletisse um poder, uma força e uma majestade que, até então, os

spectatores da mesma desconheciam ou não associavam à nebulosa figura do monarca.

Essa produção era de grande relevância, principalmente, quando constatamos que tais

spectatores correspondiam, nesse momento, à classe senhorial e em especial àqueles

que até então se opunham ao projeto saquarema.

Nunca é demais lembrar que, até os anos 1850 a hegemonia dos Conservadores

bem como a posição das lideranças saquaremas enquanto dirigentes políticos, ainda

estava em construção. Nesse primeiro momento estavam sendo articuladas as peças que

garantiriam a almejada centralização do poder, efetivando a ordem imperial. Os efeitos

da reforma tributária das Regências, que classificaram as receitas e despesas e

promoveram o “esvaziamento financeiro dos municípios e províncias” se faziam sentir,

atrelando os poderes locais à Corte, uma vez que tal situação “transformou regiões

ricas em deficitárias”.282 Os interesses da cafeicultura emergente aproximavam ainda

mais os setores envolvidos na atividade do governo central, elemento capaz de suprir as

necessidades dessa empresa que, principalmente a partir dos anos 1840, despontava

como vanguarda da economia imperial. Finalmente era o momento em que o

fortalecimento da ordem monárquica representava a normalização das relações sociais e

preservação das fronteiras que a classe dominante almejava perenizar dentro do

contexto da sociedade de então.

Porém a argamassa que uniria as pedras sobre as quais as lideranças saquaremas

pretendiam erguer seu modelo de Estado Nacional era o imperador. Para tanto o jovem

Pedro II deveria possuir um capital simbólico que, em 1840 não tinha. Uma

possibilidade de compreensão dessa situação se apresenta quando lançamos mão das

análises de Pierre Bourdieu, em especial quando trata do que chama de “capital

político”. Para esse autor:

O capital político é uma forma de capital simbólico,

crédito firmado na crença e no reconhecimento ou, mais

precisamente, nas inúmeras operações de crédito pelas quais

282 LYRA, Maria de Lourdes Viana. Op. cit. p. 118.

106

os agentes conferem a uma pessoa – ou a um objeto – os

próprios poderes que eles lhe reconhecem.283

Ainda para Bourdieu esse capital político pode se apresentar como um capital

pessoal quando o indivíduo tem reconhecido em sua pessoa certo número de qualidades

específicas, que assegurem a sua notoriedade ou popularidade. Tal manifestação pode se

dar sob a forma de um capital pessoal heróico ou profético e como um capital pessoal

notável. Na primeira situação ele é produto de uma “ação inaugural, realizada no vazio

deixado pelas instituições e aparelhos”; no segundo caso é resultado de “uma

acumulação lenta e contínua”, que em geral pode demandar “toda uma vida”.284

Aplicando essa análise ao Império do Brasil, poderíamos afirmar que D. Pedro I

seria detentor de um capital pessoal heróico ou profético, uma vez que dentro do

contexto do imaginário285 criado a partir da Independência foi o principal agente da ação

inaugural que originou o Império no vazio deixado pela ruptura com Portugal. No

entanto esse não era o caso de seu filho. Pedro II deveria construir um capital pessoal

notável, adquirido como fruto de uma acumulação lenta e contínua que, gradativamente,

deveria se refletir em sua imagem.

Partindo dessa análise, pensamos que até a década de 50 do século XIX a

imagem do soberano, além de sua própria pessoa, deveria estar associada a elementos

que contribuíssem para a constituição de seu capital pessoal notável. Obviamente que

esse capital deveria estar em sintonia com os referenciais ideológicos que sustentavam o

projeto de Estado e nação defendido pelos operatores envolvidos na produção de sua

imagem. Isso explicaria a presença de certos elementos simbólicos junto à figura do

Imperador, tais como a Espada Imperial, o manto, a Constituição, trajes majestáticos ou

marciais e sua própria barba.

Além disso, os veículos de difusão do padrão de imagem que o soberano

incorporava, deveriam conter certos atributos que compensassem o capital político ou

simbólico que ainda não havia adquirido plenamente. Esses veículos teriam a função de

283 BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 187-188.284 BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 190-191.285 Aqui utilizamos o conceito de imaginário a partir do paradigma da “auto-intuição” do social, conforme as propostas de Claude Leford e Castoriadis. Nesse contexto o imaginário transforma-se em um agente de formação do social, uma vez que atua no sentido de organizar o “mundo histórico social”, a partir de um ato continuado de produção de significados. Cf: CAPELATO, Maria Helena Rolim; DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Representação Política. O reconhecimento de um conceito na historiografia brasileira. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir (Orgs.). Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. São Paulo: Papirus, 2000. p. 228.

107

reforçar, em consonância com a etiqueta e os rituais que envolviam as aparições

imperiais, todos os atributos que se pretendia incutir na imagem de D. Pedro II. Em

alguns casos através de um forte impacto pictórico, como nas pinturas e retratos, e em

outros através de um reconhecido valor simbólico, como o de alguns metais usados na

cunhagem de moedas e medalhas, em especial o ouro.

Figura 8: Busto de Zephérin Feréz (1846) e óleo de Luis de Miranda Pereira.Fonte: www.mnba.gov.br

Na figura 8, observamos tanto a importância dos elementos que compõem a

figura do Imperador, quanto de seus veículos. No busto, notamos a presença da murça

do manto imperial brasileiro além do próprio peso da representação escultórica, uma

vez que a chamada “estatuamania” foi uma das marcas distintivas das artes plásticas do

século XIX286. Na tela de Luis Miranda a linguagem do artista faz com que a imagem do

soberano ganhe em força e autoridade, o que se efetiva na majestade dos trajes militares

e na pose napoleônica.

O segundo fator que explicaria a ausência da imagem do Imperador na maioria

das moedas e nos selos postais que circularam entre as décadas de 40 e 60 do século

XIX, pode ser encontrado na própria situação desses elementos no contexto do Império

do Brasil.

286 MAUAD, Ana Maria. Op. cit. p. 226-227.

108

Em relação às moedas, constatamos que a imagem de D. Pedro II somente

esteve presente naquelas cunhadas em ouro. Entre 1840 e 1850 conhecemos dois tipos

de moedas que traziam a efígie do soberano. O primeiro tipo corresponde, na

numismática brasileira, ao padrão Pedro Menino. Essas moedas foram cunhadas em três

valores, e traziam a efígie do monarca com feições infantis. Seus dados técnicos podem

ser vistos na tabela abaixo:

b) Tabela das Moedas Pedro Menino

VALOR TEOR DIÂMETRO PESO10.000 réis 22 K 28 mm 14,34 g6.400 réis 22 K 31,5 mm 14,34 g4.000 réis 22 K 27 mm 8,06 g

Fonte: Catálogo Vieira das Moedas Brasileiras. p. 67-68.

Chama a atenção o fato das moedas de 6.400 réis terem o mesmo peso que as de

10 mil réis. Essa situação se explica quando constatamos que o primeiro valor deixou de

ser cunhado em 1833, sendo substituído pelas de 10 mil réis, que passaram a não trazer

mais o seu valor facial. Essa mudança foi resultado da desvalorização da moeda e do

conseqüente aumento do ouro, o que acarretou a adoção desse novo padrão. Como

podemos constatar na figura 10, essas moedas não incorporam nada dos elementos que

compõem a imagem do monarca a partir da maioridade, porém sua emissão ocorreu

ainda durante as Regências, em um momento em que não se efetivavam os projetos de

Estado e nação que marcaram o Império do Brasil a partir dos anos 40 dos oitocentos.

Figura 9: Moeda Pedro Menino, padrão 10.000 réisFonte: www.itaucultural.org.br

Os dois padrões seguintes foram, respectivamente, aqueles que chamamos de

Almirante e Papo de Tucano. O primeiro foi cunhado entre 1841 e 1848 e correspondia

a 10 mil réis, o segundo foi produzido entre 1849 e 1851 valendo 10 e 20 mil réis.

Ambas não traziam valores faciais.

109

Figura 10: Moedas Almirante e Papo de TucanoFonte: www.itaucultural.org.br

Como podemos observar, nessas moedas a imagem do Imperador já aparece

acrescida de elementos que visavam fornecer à mesma os atributos necessários para que

passe a funcionar como um símbolo do modelo de Estado e de identidade nacional que

se pretendia construir. Na primeira o capital simbólico do monarca é ampliado pela

farda utilizada pela autoridade maior da prestigiada e tradicional arma que era a

Marinha, daí sua designação de Almirante. Não consideramos casual a escolha dessa

indumentária para o soberano. Como podemos perceber pelas palavras de José Murilo

de Carvalho, o prestígio da Marinha teria um peso considerável na construção da

imagem do Imperador:

Durante o período imperial, a Marinha manteve um

padrão de recrutamento mais alto do que o do Exército.

Podemos encontrar almirantes filhos de importantes

políticos, como o barão de Jaceguai, de famílias nobres,

como Saldanha da Gama, e filhos de oficiais, principalmente

da própria Marinha. No depoimento de um oficial dessa

força, ‘ a oficialidade da marinha sempre foi, ao menos uma

parte, das mais escolhidas da alta sociedade do Brasil’. 287

287 CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 19.

110

Na segunda moeda, a ausência da farda é compensada pela prestigiosa murça do

manto da coroação, o que dá origem a sua alcunha no meio numismático – Papo de

Tucano. Nessa imagem símbolos da autoridade imperial são incorporados à efígie do

monarca, dando a mesma um maior poder simbólico.

Outra questão que não pode deixar de ser mencionada é o metal no qual essas

moedas foram cunhadas e o seu papel na economia do Império. Todas foram feitas em

ouro, o que carrega grande peso simbólico. A definição a seguir, de Jean Chevalier e

Alain Gheerbrant, permite que tenhamos uma idéia da importância desse metal no

pensamento e no imaginário do homem:

Considerado na tradição como o mais precioso dos

metais, o ouro é o metal perfeito.(...) Tem o brilho da luz; o

ouro, diz-se na Índia, é a luz mineral. Tem o caráter ígneo,

solar e real, até mesmo divino. Em certos países a carne dos

deuses é feita de ouro, o que também se verifica com os

Faraós egípcios. Os ícones de Buda são dourados, signo da

iluminação e da perfeição absoluta. O fundo dos ícones

bizantinos – as vezes o das imagens budistas – é dourado,

reflexo da luz celeste.288

Pelo trecho anterior, fica patente o grande poder simbólico do metal, o que por

um processo de transferência ampliaria o do próprio imperador. Além disso, as moedas

de ouro não tinham como seu principal destino a circulação. Seu alto valor fazia delas

uma forma de pecúlio ou entesouramento, bem como um instrumento de pagamento de

dívidas públicas ou negócios de grande monta. De qualquer forma guardavam em sua

essência um valor simbólico considerável, que as distinguia das demais. Dessa maneira,

a incorporação da imagem de D. Pedro II a essas moedas, estaria atuando no sentido de

consolidá-la e de constituir o capital político necessário ao seu papel no contexto da

formação do Estado Nacional.

288 CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Op. cit. p. 669.

111

Quanto às demais moedas, cunhadas em cobre e prata, observamos a ausência da

efígie do soberano. Traziam na face o brasão do Império e no reverso seus valores. É

interessante destacar que, circundando os valores encontramos a inscrição latina

PETRUS II, D. G. CONST. IMP. ET. PERP. BRAS. DEFF.289, na qual a alusão ao

modelo de Estado e ao papel do imperador no mesmo é bem clara; porém a associação

de sua imagem a essa função ainda não foi efetivada. Conforme já falamos

anteriormente, e podemos constatar na figura a seguir, não houve uma ruptura imagética

com o padrão do I Reinado e das Regências. Entre 1840 e a década de 1860 essas

moedas foram cunhadas em valores que variaram de 20 a 2000 réis, portanto de largo

uso e circulação em todo o território.

Figura 11: Moedas de prata, 400 e 100 réis. Ambas de 1847.Fonte: acervo do autor

Entendemos que a imagem do Imperador estava ausente, de forma explícita,

dessas moedas em função dos metais com que eram cunhadas e da grande utilização das

mesmas, no cotidiano das atividades econômicas do Brasil.

289 Pedro II, por graça de Deus, Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil.

112

Mesmo a prata carecia, nesse momento, de um valor simbólico que viabilizasse

a inserção da efígie do monarca nas moedas feitas a partir desse metal. Como já falamos

a imagem que nossos operatores produziam para o soberano, ainda necessitava de

outros elementos, que não sua figura, para atingir seu objetivo em relação ao Estado

Nacional. A prata e, muito menos o cobre, não ofereciam esses atributos simbólicos.

Além disso, o uso diário e constante levava a um nível de desgaste físico muito

grande dessas moedas que, em nossa análise, não seria compatível com uma imagem

imperial ainda em construção e que, portanto, necessitava de um padrão diferenciado e

mais sofisticado de difusão. A imagem abaixo mostra uma moeda de cobre cunhada em

1832 e que, teoricamente, teria circulado no período que tratamos. Seu bom estado de

conservação constitui uma exceção, uma vez que a grande maioria das moedas

cunhadas nesse metal apresentam-se muito desgastadas.

Figura 12: Moeda de cobre de 80 réis, 1832.Fonte: acervo do autor.

Quando comparamos as moedas cunhadas no Brasil, no período em questão,

com aquelas que foram produzidas por outros Estados monárquicos de maior tradição,

como o caso de Portugal e Espanha, percebemos que nos últimos a presença da efígie

do soberano no meio circulante é uma marca característica. Mesmo na França, com as

grandes conturbações e oscilações advindas do movimento revolucionário do século

XVIII, nos governos monárquicos a efígie do soberano se encontra presente. Esse

elemento comparativo, principalmente por se referir a um mesmo período, reforça a

peculiaridade da construção de nossa monarquia no contexto da formação do Estado

Nação.

113

Pensamos que a inclusão das efígies reais no numerário desses países do Velho

Mundo, no momento em que se buscava legitimar uma nova relação dos cidadãos com o

Estado, a partir de construção de identidades sociais coletivas próprias do século XIX290,

aponta para realidades diferentes do Império do Brasil. Nelas estariam ausentes os

desafios inerentes à coexistência de componentes historicamente distintos e que

marcaram a nossa duplicidade ética. A ausência das relações escravistas de produção e

da coexistência e submissão de diversas nações a uma nação hegemônica fazia com que

a construção de uma imagem dos soberanos, adequada a uma nova identidade nacional,

demandasse um trabalho de produção menos sofisticado do que aquele que se exigia dos

operatores brasileiros. Daí a incorporação das efígies desses reis a veículos de difusão

que, embora não guardassem um conteúdo simbólico da magnitude do ouro ou das

imponentes obras de arte, podiam atingir a um grande número de pessoas. Estariam

inseridas nesse caso as moedas de todos os valores e, como pretendemos demonstrar

adiante, os selos postais. A título de ilustração de nosso raciocínio, apresentamos a

seguir alguns exemplos de moedas que se encaixam na proposta que levantamos para as

monarquias européias de meados do século XIX.

Figura 13: França, Louis Philippe I – 1844Fonte: acervo do autor

290 HOBSBAWM, Eric J. Op. Cit. p. 104.

114

Figura 14: França, Napoleão III – 1856Fonte: acervo do autor

No caso dos selos, a ausência da imagem do Imperador é ainda mais evidente

que nas moedas. Isso porque, até 1866, ela não aparece sob nenhuma forma nessas

fontes. Conforme já dissemos, tal fato não correspondia ao que poderíamos considerar

como uma regra nos países que adotaram o sistema inglês de Correios, no século XIX.

Em certo sentido podemos afirmar que os selos estavam relacionados, ainda que

indiretamente, aos esforços empreendidos pelos dirigentes políticos saquaremas em

implementar um modelo de Estado sustentado pelo binômio ordem – civilização.

Segundo Ilmar de Mattos, as particularidades brasileiras fizeram com que a

implementação desse projeto se desse a partir de um movimento de centralização do

poder, pautado, em boa parte, no desenvolvimento de práticas e reformas

administrativas. Assim viabilizava-se a imposição do poder público sobre o privado,

levando “os olhos do Imperador”, maior símbolo do primeiro, a todo o Império291.

Podemos inserir a Reforma Postal de 1843, na qual foram introduzidos os selos no

Brasil, nesse processo. A otimização dos serviços de Correios ampliaria a presença do

Estado Imperial no território nacional, levando os “olhos” de soberano a regiões cada

vez mais distantes da Corte. Logo, nada mais natural que a sua figura estivesse

estampada nos selos que garantiam a remessa das cartas e impressos que circulavam

pelo Brasil e fora dele.

Inicialmente esse foi o impulso que orientou a confecção de nossos primeiros

selos. Percebemos tal fato no relatório de 1842 do secretário geral dos negócios do

Império, Cândido José de Araújo Viana, à Assembléia Geral Legislativa quando ainda

se discutia a reforma que, no ano seguinte, seria feita no sistema postal brasileiro. Ao se

291 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 192-195.

115

referir ao parecer do Conselho de Estado sobre essa questão, o secretário afirma

textualmente que os conselheiros preferiam:

(...) ao sistema atual o pagamento adiantado dos

portes em papel selado, do tamanho de uma moeda de prata

com a Efígie do Monarcha, circulada de um letreiro, que

designe o seu preço; papel selado, que se colara no

sobrescrito.292

Porém a proposta dos conselheiros de estado não se efetivou, conforme

demonstram os selos impressos até 1866. Podemos detectar as origens desse fato na

correspondência remetida pelo provedor da Casa da Moeda, Camillo João Valdetaro, ao

presidente do Tribunal do Tesouro, Joaquim Francisco Vianna, em 23 de fevereiro de

1843. Nessa carta o provedor respondia à solicitação do último, que lhe enviou

exemplares do primeiro selo inglês, a fim de saber se o mesmo modelo poderia ser

utilizado como modelo, e se a Casa da Moeda poderia produzir selos para o Brasil.

Dizia na carta293:

(...) Como nessa repartição é onde naturalmente se

hão de fazer os selos ou chapas, (...) julguei do meu dever

levar ao conhecimento de V. Exª esta dúvida (...). Na

Inglaterra se usa em tais selos, e estampas, gravar a efígie

da rainha com o valor da respectiva taxa, isto ali pode ser

muito próprio, e sou levado a crer que é fundado em

utilidade pública, mas entre nós, além de impróprio, pode

dar lugar a continuadas falsificações, e as razões em que me

baseio são essas: usa-se aqui por princípio de dever e

respeito pôr a efígie do monarca só em objetos perduráveis

292 BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 5ª Legislatura, pelo Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1842. p. 49.293 As informações relativas a essa correspondência foram obtidas a partir do artigo de Rubem Porto Jr. e do livro de Cícero de Almeida e Pedro Karp Vasquez. O conteúdo da carta é reproduzido, com o mesmo teor, em diversas publicações filatélicas, ou sobre filatelia, em períodos dos mais distintos. Cf: PORTO, Rubem Jr. A Primeira Emissão Brasileira: os Olhos de Boi. Disponível em http://www.clubefilatelicodobrasil.com.br . Acesso em 07/02/2008 e ALMEIDA, Cícero Antonio F. De; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 63.

116

ou dignos de veneração, e nunca naqueles que, por sua

natureza, pouco tempo depois de feitos têm de ser

necessariamente inutilizados; e de mais a mais acresce a

facilidade que há de se copiar um retrato por todos

conhecido.294

A análise da carta de Camillo Valdetaro nos permite chegar a algumas

conclusões. Em primeiro lugar a influência de funcionários do segundo escalão da

administração pública sobre determinadas decisões de cunho político-

administrativo.Observamos que o parecer de Valdetaro predominou sobre a proposta do

Conselho de Estado. Tal fato demonstra que os operatores das imagens veiculadas nos

selos e moedas do Império do Brasil faziam parte de um círculo que transcendia os

limites do Gabinete e das instâncias maiores do Poder Executivo.

A segunda, e mais relevante, questão, prende-se ao fato de que a postura do

provedor, em nossa concepção, corrobora a análise que empreendemos em relação às

moedas. Ao afirmar que o “retrato” do Imperador era “por todos conhecido”, nosso

interlocutor demonstra o grande esforço do governo em difundir, nesse momento, a

figura do Imperador. Porém ao afirmar ser prática inserir a efígie imperial somente

naqueles veículos “dignos de veneração” e de caráter “perdurável”, Valdetaro reforça

nossa tese de que o fato da imagem de D. Pedro II ainda não estar totalmente construída

e, portanto, consolidada exigia um capital simbólico adicional. Tal capital seria obtido a

partir de signos que comporiam a imagem do soberano, e dos próprios veículos de

difusão da mesma.

No início do Segundo Reinado os selos postais não atenderiam, assim como as

moedas de pequeno valor real e simbólico, os requisitos necessários para que se

constituíssem em veículos da imagem imperial. Em primeiro lugar por serem algo muito

recente e não incorporado a uma tradição. Basta lembrar que, como já afirmamos, o

Brasil foi o segundo país no mundo a utilizar sistematicamente os selos. Além disso, o

caráter perecível e pouco nobre do papel não seria um suporte suficiente, a essa época,

para solenizar a efígie de D. Pedro. Finalmente devemos ressaltar as possibilidades de

falsificação e adulteração às quais Camillo Valdetaro se refere, o que seria uma ameaça

à imagem que então se produzia.

294 ALMEIDA, Cícero Antonio F. de; VASQUEZ, Pedro Karp. Op. Cit. p. 63.

117

Outro fator decisivo era a precariedade do serviço de Correios no Brasil, no

decorrer da década de 40 e boa parte dos anos 50 do século XIX. Compulsando os

relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, constatamos que, nesse

período, os secretários são unânimes em corroborar essa situação. No relatório de 1841,

Cândido de Araújo Viana afirma que o serviço dos Correios, no que tange à

“Administração Geral da Corte é excessivamente pesado, e seu pessoal pouco

numeroso para bem desempenhá-lo”, o que justificaria a necessária Reforma que então

já se articulava295. No relatório de 1851, portanto oito anos após a Reforma Postal, o

então secretário, o visconde de Monte Alegre, afirmava que o “(...) serviço do Correio

tem melhorado” no entanto “(...) está ainda longe do grau de perfeição a que pode ser

levado”.296 Essa situação pouco confortável era agravada por uma considerável carência

de pessoal, queixa também recorrente, e um número pequeno de agências postais no

Império.

Ao menos até meados dos anos 1850, não bastava que se sugerisse ou se

indicasse de forma indireta a figura do Imperador. Nessa fase de consolidação de um

modelo específico de Estado e de um tipo de identidade nacional, era mister que se

construísse e divulgasse sua imagem de forma a atender às necessidades dessa empresa,

ligadas à consolidação do soberano e da coroa como forma de efetivação da

centralização do poder administrativo e, conseqüentemente, político. Logo a

precariedade do serviço de Correios, associada a uma reduzida população alfabetizada,

portanto usuária dos mesmos e dos selos postais, fazia com que os últimos não se

mostrassem, até os anos 1860, como veículos ideais para a difusão da imagem do

Imperador.

Em muitos Estados onde a tradição monárquica tinha uma antiguidade maior do

que no Brasil, ou mesmo naqueles em que a ruptura com a antiga Metrópole levou a

uma opção republicana, mesmo tendo utilizado o padrão inglês de correspondências

após o Império brasileiro, a inserção da efígie dos governantes nos selos postais foi

imediata. Atribuímos essa questão a duas situações básicas. A primeira diz respeito à

própria antiguidade dessa tradição, o que, como discutimos em relação às moedas,

exigia uma construção menos intrincada da imagem dos soberanos. A segunda situação

295 BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Sessão Ordinaria de 1841, pelo Respectivo Ministro e Secretário D’ Estado Candido Jose d’Araujo Vianna. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1841. p. 41.296 BRASIL. Relatorio Apresentado à Assembléia Geral Legislativa na 3ª Sessão da 8ª Legislatura, pelo Respectivo Ministro e Secretário Visconde de Mont’alegre. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851. p. 39.

118

estaria relacionada ao fato de que, na maioria das repúblicas onde os governantes

tiveram sua efígie retratada nos primeiros selos postais, os mesmos desempenharam

importante papel no processo de independência desses países. Tal fato atribuía a eles um

considerável capital político pessoal do tipo heróico ou profético, o que também

viabilizaria, em nossa análise, esse tipo de inserção. As imagens a seguir ilustram e

exemplificam nossa proposição.

Figura 15: Selos postais de monarquias européias com a efígie de seus soberanos.Fonte: acervo do autor

Na figura 15, observamos alguns selos postais emitidos em meados do século

XIX, por monarquias da Europa, que estampavam a efígie de seus soberanos. Da

esquerda para a direita a ilustração retrata o Penny Black, primeiro selo da Inglaterra,

emitido em 1840 com a efígie da rainha Vitória; o segundo e terceiro exemplo

correspondem a selos emitidos em Portugal em 1853 retratando Dna. Maria II; a seguir

observamos o rei Leopoldo I da Bélgica, em selo emitido em 1849; e finalmente o selo

do Reino das Duas Sicílias com a efígie de Fernando II. Vale ressaltar o fato de que

todos os exemplos correspondem aos primeiros selos emitidos nesses países.

Os anos 50 do século XIX foram marcados no Brasil por profundas mudanças

no campo econômico e político, com reflexos de grande monta na organização social do

país. O conjunto dessas mudanças se refletiu na imagem do Imperador e na forma como

ela era veiculada. A segunda metade dessa década e, especialmente, os anos 1860

conheceram uma considerável mudança na forma como D. Pedro II passou a ser visto e

sua imagem consumida por spectatores de todo o Império. Essas transformações e seus

reflexos sobre a imagem imperial serão alvo de nossas reflexões no terceiro capítulo de

nosso trabalho.

119

Capítulo 3 – “O Spectrum: selos postais, moedas e a produção de imagens no

Brasil da segunda metade do século XIX”.

Roland Barthes considera como spectrum o alvo do processo fotográfico, isto é,

uma espécie de “pequeno simulacro” ou de “eidôlon” emitido pelo objeto que está na

mira do fotógrafo. Para esse autor o conceito de spectrum guarda em relação à

fotografia tanto o sentido do espetáculo quanto do “retorno do morto”, o que para ele

120

seria o “lado terrível” da foto297. Logo, no spectrum estaria representado tanto o

elemento objetivo da imagem quanto o conjunto de significados a ela pertinente,

impregnado de toda a construção histórica e ideológica que o engendrou.

Continuando a aplicar o método barthesiano de análise das imagens fotográficas

a nossas fontes, podemos dizer que as imagens veiculadas nas mesmas, na segunda

metade dos oitocentos, corresponderiam ao spectrum desse processo de produção

imagética. No entanto esse paralelo entre a imagem fotográfica e aquela que

encontramos nos selos e moedas, exige cuidados uma vez que, descontadas as

semelhanças, persistem particularidades e especificidades que requerem uma maior

atenção. Além da evidente ligação mais próxima e direta da fotografia com o que

chamaríamos de realidade, as imagens contidas nos selos e moedas guardam, em seu

spectrum, uma carga ideológica e simbólica que, muitas vezes, é maior do que a sua

vinculação com elementos diretamente perceptíveis no real. Acreditamos ainda que na

produção das imagens contidas nessas fontes, exista uma participação mais intensa e

objetiva daqueles que chamamos operatores.

Essas diferenças estariam relacionadas ainda ao fato de no caso dos selos e

moedas, haver um tipo de vinculação entre continente e conteúdo que resulta em um

poder simbólico consideravelmente maior do que nas fotos. Vale ressaltar que, nesse

caso, utilizamos o conceito de poder simbólico formulado por Pierre Bourdieu, que o

concebe como o:

“Poder de construir o dado pela enunciação, de fazer

ver e fazer crer, de confirmar ou transformar a visão do

mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o

mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente

daquilo que é obtido pela força (física ou econômica),

graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se

for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário”.298

297 BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Nota sobre fotografia. Lisboa: Edições 70, 2006. p. 17.298 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 14.

121

No tocante à potencialização do poder simbólico do conjunto, pensamos que o

melhor resultado seja efeito da associação do capital simbólico299 das imagens com o de

seus veículos. Isso se torna evidente a partir dos anos 1860 quando, como veremos mais

adiante, a imagem do imperador foi incorporada tanto aos selos postais quanto às

moedas que circulavam no Império.

Os selos estariam diretamente ligados ao campo da linguagem escrita, da

transmissão de informações e idéias, da comunicação epistolar e conseqüentemente do

saber. No caso das moedas a carga simbólica é considerável, isso devido a sua estreita

vinculação a um símbolo da energia física e da capacidade de transformação e obtenção

no campo material – o dinheiro.

Além disso, as relações das moedas com a formação dos Estados Nacionais no

século XIX, bem como com os processos de construção de identidades, característicos

desse movimento, são muito grandes. Angela de Castro Gomes e Mônica Kornis

afirmam que “(...) A moeda talvez seja um dos mais indicativos documentos do poder

do Estado moderno e de seu projeto de domínio da população, com a criação de um

sentimento de nação”.300 Nesse contexto as moedas teriam uma importância funcional,

como um instrumento econômico desse Estado, e simbólica, contribuindo para efetivar

seu “domínio sobre a população” e na “criação de um sentimento de nação”.301

Tanto no caso dos selos, atrelados ao saber, quanto nas moedas, relacionadas ao

possuir e ao seu caráter de instrumento funcional e simbólico do Estado, chegamos ao

poder. A partir do momento em que tais veículos começaram a ser portadores da efígie

de D. Pedro II, além do capital simbólico a eles inerente, foi incorporado o da imagem

do soberano, resultando daí um poder simbólico consideravelmente maior, como já

afirmamos.

Porém, esse spectrum, com toda a carga ideológica e simbólica a ele atrelada,

não se constituiu de forma isolada. Ele estava relacionado às oscilações ocorridas no

decorrer da formação do Estado e da nação, durante o Segundo Reinado, chegando

mesmo a atuar de forma efetiva dentro desse processo. O cenário político e ideológico

299 Por Capital Simbólico, Bourdieu entende a propriedade que determinados objetos ou pessoas possuem de inspirar crédito, confiança e transmitir significados, baseados na crença que os agentes sociais neles depositam, bem como em seu reconhecimento por esses últimos. A formação desse capital é resultado de um processo de transferência de poderes dos mesmos agentes sociais a tais pessoas e objetos por eles distinguidos e reconhecidos. Cf: BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p. 187-188. 300 GOMES, Ângela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. Op. Cit. p. 114.301 Id. Ibid. p. 114.

122

do governo de D. Pedro II, na segunda metade do século XIX, foi marcado por algumas

questões que se materializaram nas imagens oficiais que o Estado produzia dele mesmo.

3.1) Selos postais e moedas no Brasil da segunda metade dos oitocentos.

Após a emissão dos inclinados, na década de 1840, uma nova série foi emitida

em 01 de janeiro de 1850. Atualmente esses selos são conhecidos por Verticais ou

Olhos de Cabra. Sua criação ocorreu em 1849 e está relacionada ao mau estado de

conservação das chapas de impressão dos Inclinados, bem como a uma prática então

adotada pela Casa da Moeda que consistia na mudança freqüente do padrão dos selos

postais, a fim de evitar as falsificações. Essa série foi composta de cifras na cor branca

com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado preto. Esses valores

correspondiam a 10, 20, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis302.

Entre 1854 e 1861 novos selos foram criados, dando origem aos que

conhecemos por Coloridos. Correspondem a quatro valores, sendo que dois foram

reaproveitados das matrizes dos Verticais, porém impressos em cores diferentes. Os

selos de 280 e 430 réis, os valores novos, foram concebidos a partir da assinatura da

Convenção Postal Brasil França, que originou a necessidade dessas franquias.

Correspondiam a cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura, em

rendilhado com cores variadas. Os valores e cores foram, respectivamente, os de: 10

réis (azul claro), 30 réis (azul claro), 280 réis (vermelho) e 430 réis (amarelo).

302 Id. Ibid. p. 66.

123

Figura 1: Verticais e Coloridos Fonte: acervo do autor

A partir de 01 de julho de 1866 surgiu um novo padrão de imagem, incorporado

aos selos postais brasileiros. Além da indicação do país emissor – Brazil – e do valor, a

efígie do imperador se transformou no elemento que dominava praticamente todo a área

impressa.

A primeira dessas novas emissões surgiu em 01 de julho de 1866. Corresponde à

série conhecida pelos filatelistas como D. Pedro barba preta denteados, designação que

se entende através das características dos selos. Traziam a efígie de D. Pedro II, gravada

124

a partir de um de seus retratos, aos 41 anos de idade303, sendo que dois selos da série

retratavam o perfil imperial voltado para a esquerda304. Uma outra inovação foi

incorporada nessa emissão, consistiu no método de separação dos selos.

Figura 2: Séries D. Pedro II Fonte: acervo do autor

Até então os selos eram impressos em uma única folha sem separação, cabendo

aos funcionários das agências postais, com o uso de tesouras ou outros objetos de corte,

separá-los a fim de atender aos pedidos. Os selos impressos dessa forma são chamados

percê. Essa nova emissão trás os selos impressos em uma folha, porém com uma

separação já delineada a partir de uma série de pequenos furos feitos por máquina nos

limites dos mesmos, o que facilitaria o trabalho nas agências, pois dessa forma bastaria

303 A autoria dos retratos que serviram de base aos gravadores da companhia norte-americana é atribuída a Sthal e Wahnschaffe, que teriam produzido as imagens do imperador no Rio de Janeiro em 1865. In: MEYER, Peter. Catálogo Enciclopédico de Selos & História Postal do Brasil. Das origens a 1890. São Paulo: Editora RHM, 1999. p. 149. 304 HENNAN, Clarence W. As Emissões D. Pedro, 1866-1879. Brasil Filatélico. Rio de Janeiro. Ano XLIV, n. 174, p. 3-27, out/dez 1975.

125

destacá-los. Tal método foi usado em larga escala no século XIX e chega aos dias

atuais, é conhecido por denteamento ou picotagem305.

Esses selos foram impressos na American Bank Note Co., de Nova York, em

papel branco de espessura variável ficando em uso por mais de dez anos306. A primeira

encomenda feita a companhia norte-americana deu entrada na mesma em fevereiro de

1866, a primeira remessa feita ao Brasil ocorreu em 27 de abril e o pedido foi concluído

em 20 de julho do mesmo ano307. Os valores e cores dos selos correspondem a

determinado padrão: 10 réis, vermelho; 20 réis, castanho lilás; 50 réis, azul; 80 réis,

violeta; 100 réis, verde; 200 réis, preto e 500 réis, laranja308. Os montantes impressos

podem ser avaliados pela tabela que se segue, vale ressaltar que as cifras evidenciam um

índice de circulação e um movimento de correspondências considerável para a realidade

sul-americana do século XIX309.

a) Tabela das Emissões D. Pedro II

Valor Primeiras ordens Total de emissões10 réis 1 milhão 25 milhões20 réis 500 mil 15 milhões50 réis 1 milhão 10,4 milhões80 réis 300 mil 5,7 milhões

100 réis 300 mil 44,6 milhões310

200 réis 300 mil 8,8 milhões500 réis 200 mil 2,9 milhões

Fonte: HENNAN, Clarence W. As Emissões D. Pedro, 1866-1879. Brasil Filatélico. Rio de Janeiro. Ano XLIV, n. 174, p. 3-27, out/dez 1975.

Entre 1876 e 1877 foram produzidos novos selos. Nessa emissão, os valores e

cores foram mantidos, porém não incorporava a picotagem às folhas impressas,

retornando ao modelo percê. Para Hennan311 essa mudança correspondeu a uma nova

política da American Bank Note, uma vez que outros clientes da empresa, como a

Argentina, Chile e Nicarágua, também conheceram essa alteração.

Em 1877 foi encomendada uma nova série de selos à companhia norte-

americana, tendo começado a circular no Brasil entre janeiro de 1878 e setembro de

1879. Foi batizada no meio filatélico de D. Pedro II barba branca. Era composta de dez 305 A utilização do método da picotagem nos selos postais foi obra do irlandês Henry Archer, que utilizou uma máquina que já fazia o mesmo em outros tipos de papéis. In: WILLIAMS, Leon Norman; WILLIAMS, Maurice. Op. Cit. p. 23.306 HENNAN, Clarence W. Op. Cit. p. 3 – 5 .307 Id. Ibid. p. 12.308 MEYER, Rolf Harald. Op. Cit. p. 11.309 Os dados da tabela forma retirados de: HENNAN, Clarence W. Op. cit. p. 12. 310 O que pode explicar as quantidades muito maiores desse valor em relação aos demais, é o fato de que 100 réis era o preço da franquia usual para uma correspondência que circulasse dentro do Império.311 HENNAN, Clarence W. Op. cit. p. 11.

126

valores, sendo que nove deles correspondiam à efígie do imperador gravada a partir de

um retrato feito por ocasião da Exposição do Centenário dos Estados Unidos, realizada

na cidade da Filadélfia em 1876. O selo de 20 réis era o mesmo das séries anteriores. Na

maior parte dessas emissões D. Pedro II já aparecia com feições envelhecidas e com as

barbas e cabelos brancos, o que originou o apelido das mesmas. Quatro novos valores

foram incorporados a essa série: 260, 300, 700 e 1000 réis.

Tal fato pode ser explicado pela adesão do Brasil à Convenção Postal de 1874,

realizada em Berna. O 260 réis franqueava a carta padrão de meia onça, instituída pelo

acordo, para portear as cartas destinadas ao estrangeiro. Enquanto que os de 300, 700 e

1000 réis deveriam ser utilizados para correspondências mais caras circuladas dentro do

Império e para aquelas enviadas para países não signatários da Convenção312. Os valores

e cores dessa série foram: 10 réis, vermelho; 20 réis, violeta; 50 réis, azul; 80 réis,

carmim; 100 réis, verde; 200 réis, preto; 260 réis, castanho; 300 réis, ocre; 700 réis,

castanho e 1000 réis, cinza313.

Figura 3: D. Pedro II "Barba Branca" Fonte: acervo do autor

A 21 de agosto de 1878 foi produzido pela Continental Bank Note Co. de Nova

Iorque o primeiro selo brasileiro de duas cores. O chamado Auriverde tinha o valor de

300 réis, e trazia a efígie de D. Pedro II impressa em tons de verde, retratando o

imperador com feições jovens, semelhantes à das séries de 1866 e 1876. A moldura da

imagem de D. Pedro foi impressa em tons de amarelo com matizes que variavam do

amarelo-laranja ao laranja carregado. Segundo Clarence Hennan, as cores do selo foram

312 HENNAN, Clarence W. Op. Cit. p. 17 – 20.313 MEYER, Rolf Harald. Op. Cit. p. 11.

127

determinadas pelo cliente, portanto pelo Império do Brasil314. A analogia das cores do

selo com as da bandeira do Império é obvia e imediata.

Os selos emitidos pelas empresas norte-americanas eram de excelente qualidade,

tanto no que se referia ao papel quanto às tintas. Tal situação permitiu que o

reaproveitamento fosse prática no Brasil. A fim de acabar com esse problema, a partir

de 1880, a Casa da Moeda voltou a se responsabilizar pela emissão de nossos selos.

Para tanto foram utilizados papéis mais finos e tintas inferiores, o que dificultava a sua

reutilização, uma vez que eles esgarçavam e desbotavam315. De 15 de julho de 1881 a

1888 foram emitidas cinco séries de selos, das quais quatro tinham na efígie do

imperador o essencial de imagem que reproduziam. Somente a última delas, emitida

entre 1884 e 1888, incorporou novos elementos ao padrão de imagem.

As quatro primeiras séries ficaram conhecidas, nos meios filatélicos, como,

respectivamente, Dom Pedro II Cabeça Pequena, Dom Pedro II Cabeça Grande, Dom

Pedro II Fundo Linhado e Cruzado e Dom Pedro II Cabecinha. Em todas elas

observamos a imagem do imperador gravada a partir do selo de 20 réis da série de 1866.

Pequenas diferenças e detalhes podem ser notados, porém a base da imagem é a mesma.

Os valores e cores dos selos, estão expressos nas tabelas a seguir316.

b) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Cabeça Pequena”

Valor Cor50 réis Azul100 réis verde oliva200 réis castanho alaranjado

Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.

c) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Cabeça Grande”

Valor Cor10 réis Preto10 réis Laranja50 réis Azul100 réis verde claro100 réis verde claro com linhas verticais200 réis castanho claro200 réis lilás rosa

Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.

314 HENNAN, Clarence W. Op. Cit. p. 26.315 SANTOS, A. G. Selos do Brasil com a Efígie de D. Pedro II. Brasil Filatélico. Rio de Janeiro. Ano XLIV, n. 174, p. 68-75, out/dez 1975.316 Os dados para a construção das tabelas foram retirados de: MEYER, Rolf Harald. Op. Cit. p. 11 e 12.

128

d) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Fundo Cruzado e Linhado”

Valor Cor100 réis lilás fundo cruzado100 réis lilás fundo linhado

Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.

e) Tabela das Emissões Dom Pedro II “Cabecinha”

Valor Cor100 réis Cinza

Fonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.

A última série de selos emitida no Império do Brasil foi utilizada entre 1884 e

1888, e como falamos anteriormente incorporou novos elementos à iconografia presente

nos selos postais. Além do retorno das cifras, expressando o valor do porte, surgem o

cruzeiro do sul, a coroa imperial e o Pão de Açúcar. Da mesma forma que nas questões

anteriores, deixaremos para nossas reflexões posteriores a analise dos fatores envolvidos

nessa mudança. Por agora iremos fornecer os valores, a imagem presente e a cor de cada

uma dessas fontes. Para tanto lançamos mão da tabela a seguir.

f) Tabela das Emissões “Cifras”

Valor Cor Padrão de Imagem20 réis verde claro Cifra20 réis oliva esverdeado Cifra50 réis azul ultramar Cifra100 réis lilás e branco Cifra100 réis lilás Cifra300 réis Azul ultramar cruzeiro do sul500 réis oliva coroa imperial700 réis violeta Cifra

1000 réis azul Pão de AçúcarFonte: MEYER, Rolf Harald. Catálogo de Selos do Brasil – 1843 a 2002. São Paulo. Ed. RHM Ltda, 2003.

Figura 4: Série Cifras Fonte: acervo do autor

No tocante às moedas, observamos que em 1851 surgiram novas moedas de ouro

com a efígie do Imperador. Foram cunhadas a partir de dois tipos, respectivamente entre

129

1851 e 1852 e 1853 e 1889. Tinham o valor de 20 mil réis e não traziam cunhado o seu

facial. Nelas, conforme podemos verificar na figura abaixo, a efígie do soberano já se

apresenta enquanto elemento único da imagem, desprovida de símbolos de majestade e

poder, porém ainda associada ao ouro e ao significado desse tipo de moeda no contexto

sócio-econômico do Império. A nosso ver, essa mudança é um reflexo do conjunto de

transformações vividas pelo Brasil no decorrer de década de 1850, e do qual trataremos

adiante.

Quanto ao numerário cunhado em outros metais, constatamos que a partir dos

anos de 1867 e 1868, ele incorporou a efígie do imperador, seguindo o padrão do

“Monarca Cidadão”. No anverso das moedas essa imagem estava associada à mesma

inscrição do período anterior. Já em seu reverso, continuam a trazer seus valores.

Figura 5: Moeda de ouro padrão Pedro IIFonte: www.itaucultural.org.br

Figura 6: Moeda de Bronze do Segundo Reinado, na segunda metade do século XIX.Fonte: acervo do autor

130

Levando-se em consideração que as moedas de ouro tinham pouca circulação,

como já vimos, e que as demais eram aquelas usadas cotidianamente pela população, a

combinação das imagens com os períodos em que aparecem, tanto nesse caso das

moedas quanto dos selos postais, permite que cheguemos a diversas conclusões e

estabeleçamos leituras do processo de construção do Estado e da nação. Isso se torna

patente a partir dos anos sessenta do oitocentos, quando ocorre essa mudança no padrão

das imagens de nossas fontes.

3.2) Em cena o Imperador: mudanças no padrão imagético dos selos postais e

moedas do Brasil no Segundo Reinado.

A compreensão das mudanças ocorridas no padrão das imagens veiculadas nos

selos e moedas no governo de Pedro II exige que pensemos esse processo como reflexo

de um movimento maior que, na segunda metade do século XIX, se desenvolvia tanto

no Império do Brasil como em todo contexto capitalista.

Nos centros dinâmicos dessa sociedade capitalista, situados na Europa Ocidental

e em menor proporção na América do Norte, evidenciava-se um considerável

desenvolvimento das forças produtivas. Novas fontes de energia, como a eletricidade e

o petróleo, e novas matérias primas, como o aço, se difundiam e ganhavam espaço no

universo da produção e do cotidiano, em especial da classe burguesa. Tal movimento

ensejava a criação de novas relações a fim de regulamentar a produção e reprodução da

vida material. A chamada Segunda Revolução Industrial representaria a manifestação

mais objetiva desse movimento.

No plano cultural e ideológico sensíveis mudanças se manifestavam,

influenciadas pelo impacto das idéias evolucionistas, pela consolidação dos princípios

liberais e pelos movimentos que refletiam as profundas contradições inerentes ao

modelo capitalista. Foi a fase que testemunhou o avanço do movimento operário que, de

braços com o Socialismo e o Anarquismo, refletia os conflitos que se materializavam

nas relações de classe dessa sociedade. Em novembro de 1847, a liga dos Comunistas

delegava poderes para que, em seu Congresso de Londres, se elaborasse e publicasse, de

forma pormenorizada, o programa teórico e prático do que seria o seu partido317. Surgia

assim o Manifesto do Partido Comunista, cujas idéias influenciaram consideravelmente

317 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Global, 1986. p. 9.

131

muitos projetos e propostas defendidas nas décadas subseqüentes. Propunha uma nova

leitura do social que entendia, nas palavras do próprio Marx, que:

A história da Sociedade se confunde até hoje com a

história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício

e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e

companheiro, em outros termos, opressores e oprimidos em

permanente conflito entre si, não cessam de se guerrearem

em luta aberta ou camuflada(...).318

No contexto das transformações no plano cultural, observamos que dez anos

após a publicação do Manifesto de Marx e Engels, surgiu na Europa, através do trabalho

de Allan Kardec o Livro dos Espíritos. Com sua primeira edição em 18 de abril de

1857, propunha uma nova visão da existência humana, sistematizando questões

relativas à vida após a morte, à reencarnação e à evolução espiritual319. Em oposição ao

materialismo marxista, porém, assim como ele, fortemente influenciado pelos princípios

evolucionistas, o Espiritismo corresponderia a mais um dos elementos que refletiam as

transformações sensíveis tanto nas estruturas dessa sociedade, quanto nas tradições

judaico-cristãs até então cultivadas.

Em um contexto macro-econômico e segunda metade do século XIX

testemunhou o crescimento da exportação de capitais por parte das potências européias,

tendo por principal alvo os países da América, em especial aqueles da porção sul do

continente. Esse aporte de riquezas permitiu que, nos últimos cinqüenta anos desse

século, testemunhássemos movimentos, ainda que pontuais, de incremento da atividade

industrial e da vida urbana320.

Ainda que em um ritmo menos acelerado, o Império do Brasil também viveu

uma conjuntura de mudanças nas últimas cinco décadas do século XIX. A partir de

1850 as cidades do litoral passaram a estar “(...) crescentemente inseridas no mundo

dinâmico do capitalismo internacional”321, incorporando certas características que

evidenciavam essa nova situação. A Corte, por exemplo, conheceu um grande

crescimento após a proibição do tráfico de escravos.

318 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Op. cit. p. 19.319 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Brasília: Editora da FEB, 1984. p. 13 a 48.320 FILHO, Afonso de Alencastro Graça; LIBBY, Douglas Cole. A Economia do Império do Brasileiro. São Paulo: Atual, 2004. p. 66.321 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 234.

132

Nesse momento percebemos que em algumas cidades do Império ampliaram-se

as camadas médias da sociedade. Formadas por funcionários públicos, empregados das

firmas de importação, pequenos empresários e comerciantes, não guardavam uma

vinculação direta com a ordem escravista322. Buscavam a sua incorporação à boa

sociedade partilhando de sua formação intelectual, convivendo com a mesma no espaço

da corte e estabelecendo laços de apadrinhamento que proporcionariam não só

vantagens econômicas como também distinção e status social323. Traço característico

desse setor da sociedade é a grande valorização dos cursos e diplomas universitários,

especialmente os de Direito, permitindo a difusão do bacharelismo, elemento marcante

na cultura brasileira.

Questão de grande relevância no conjunto das inovações que vieram à tona na

sociedade imperial brasileira, na segunda metade dos oitocentos, foi a formação de uma

opinião pública. Composta por representantes dessas camadas intermediárias, assim

como de elementos da classe dominante, passou a exercer um peso considerável nas

discussões e decisões políticas do período. Algumas reivindicações e críticas, reflexo

das transformações que gradativamente vão se processando nas estruturas sócio-

econômicas, foram colocadas em primeiro plano nos debates de então através dessa

opinião pública. A modernização, que deveria cada vez mais afirmar os valores

europeus no Brasil; as reformas assim como as críticas em relação à escravidão; a

precariedade dos serviços públicos; as deficiências da educação; o caráter antiquado da

religião e da vida social e o próprio Estado Imperial marcam os principais pontos de

vista que então defendia324.

A partir dos anos 1850 e 1860, segundo Silvana Mota Barbosa325, percebemos

três espaços principais nos quais se processavam os debates políticos, ao mesmo tempo

em que divulgavam as questões de opinião. O primeiro deles seriam os livros que,

embora “limitados e estreitos” na visão de Machado de Assis326, cumpriam com esse

papel. Outro de muito maior relevância era a imprensa, que por essa época tinha seus

principais órgãos nas três maiores folhas da Corte: o Correio Mercantil, o Diário do

Rio de Janeiro e o Jornal do Comércio. Finalmente teríamos os panfletos. Publicados

322Id. Ibid. p. 234.323Id. Ibid. p. 235. 324NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 234-235.325 BARBOSA, Silvana Mota. Panfletos vendidos como canela: anotações em torno do debate político nos anos 1860. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 155-156.326 BARBOSA, Silvana Mota. Op. cit. p. 155.

133

na imprensa e transformados em opúsculos ou produzidos e vendidos em tipografias,

permitiam a difusão em larga escala, para os padrões da época, das questões que mais

inflamavam a opinião pública, sendo muitas vezes “vendidos como canela”.327

O começo dos anos 1850 caracterizou-se, também, por alguns avanços

perceptíveis no campo econômico. Um dos principais referenciais utilizados pelos

historiadores para marcar o início desses avanços, é a lei nº 581 de 04 de setembro de

1850, ou Lei Eusébio de Queirós. Complementada pelo decreto nº 708 de 14 de outubro

do mesmo ano, determinava a extinção do tráfico de escravos no Brasil. Embora os

efeitos provocados pela supressão desse ramo da atividade comercial sejam alvo de

importantes discussões no meio historiográfico, inquestionavelmente contribuíram de

forma efetiva para as mudanças perceptíveis nesse setor da vida social.

Nesse sentido é interessante observarmos os valores envolvidos no tráfico, a fim

de dimensionarmos o volume de capitais que a atividade movimentava e que a partir da

promulgação dessa lei foram realocados. Segundo Virgílio Noya Pinto, entre 1842 e

1852 entraram no Brasil cerca de 322.328 escravos. Atribuindo um preço médio de 60

libras por escravo, esse autor chegou ao montante de 19.578.900 libras328.

Além do fim do tráfico intercontinental de escravos, outro importante marco no

contexto das transformações econômicas do Império, foi a lei nº 601 de 18 de setembro

de 1850, ou a Lei de Terras. Dispondo sobre a questão fundiária no Brasil, tratava das

terras devolutas do Império e sobre aquelas que se possuía sob a forma de sesmarias. Os

objetivos implícitos no espírito dessa lei estavam ligados, segundo Ilmar de Mattos, a

“(...) um esforço de construção, ao propor uma organização que se desdobrava ainda

na definição de uma política de colonização”.329 Essa tomada de posição do Estado

Imperial frente à questão fundiária, contribuiu para a definição de importantes questões

relativas aos rumos da produção da vida econômica no Brasil da segunda metade do

século XIX.

A partir de sua promulgação, a lei encaminhava a solução do problema das

disputas entre “senhores de terras e grandes e pequenos posseiros”, assim como

transformava em “mercadoria” as terras pertencentes ao Estado330. Pretendia-se

referendar a ordem interna, através de supressão de conflitos antigos ligados à disputa

pela terra. Ao mesmo tempo, promovia-se a criação de obstáculos reais diante de um 327 Id. Ibid. 155-156.328 PINTO, Virgílio Noya. Balanço das Transformações Econômicas no Século XIX. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em Perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1973. p. 126-145. 329 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 162.330 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 148-149.

134

problema que já se anunciava nos horizontes da classe dominante imperial: o acesso dos

libertos e imigrantes à propriedade fundiária. Com a lei, no dizer de João Luís Fragoso e

Francisco Carlos Teixeira, promovia-se a “(...) subordinação do trabalhador livre

enquanto produtor de sobretrabalho para outro”.331

Os reflexos da modernização social e econômica manifestavam-se também no

contexto da vida material. Uma série de medidas legais e administrativas promoveram o

incremento dos negócios e o aumento do fluxo de recursos para o Estado. Essas

medidas, estabelecidas pelas leis 542 e 556 e pelos decretos 575 e 625, publicados entre

10 de janeiro de 1849 e 25 de junho de 1850, regulamentavam as sociedades anônimas,

promulgavam o Código Comercial do Império do Brasil, tratavam da questão do meio

circulante e modificavam as regras para a emissão de papéis e títulos pelo Estado332.

Os meios de transporte e de comunicação cresceram em ritmo acelerado,

permitindo o incremento da economia no interior do Império e a ampliação do mercado

interno333. Os contatos dentro do Brasil tornaram-se mais efetivos, através do

desenvolvimento de ferrovias, linhas de navegação marítimas e fluviais e de estradas

pavimentadas, como a União Indústria. Construída entre 1856 e 1861, com seus 144

Km. ligava o Rio de Janeiro a Juiz de Fora334. Mauá começava a explorar a navegação a

vapor entre a Corte e porto da Estrela, assim como no rio Amazonas. Começava ainda a

construir ferrovias ligando o Rio de Janeiro a Raiz da Serra e Petrópolis ao rio Paraíba,

passando pelos portos de Três Barras e pelo Novo do Cunha335. Os serviços

telegráficos, criados em 1852, alcançariam os 6286 Km de linhas em 1875, unindo

diversos pontos do Império em tempo, praticamente, real336.

Favorecida pelas melhorias infraestruturais do período, pelos grandes capitais

provenientes, principalmente, do comércio e pelos efeitos positivos de uma incerta

política tarifária, que teve no chamado Período Alves Branco seu exemplo mais

promissor337, as atividades industriais no Império conheceram considerável progresso.

Foi nesse contexto que ganhou projeção a figura de Irineu Evangelista de Sousa, o barão

331 FRAGOSO, João Luís. A Política no Império e no Início da República Velha: dos barões aos coronéis. In: LINHARES, Maria Yedda( org. ). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 184.332 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 164-165.333 PINTO, Virgílio Noya. Op. cit. 140.334 FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP; FDE, 1995. p. 198.335 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 165.336 PINTO, Virgílio Noya. Op. cit. 141.337 Vale ressaltar que os efeitos positivos das reformas tributárias promovidas por Alves Branco, forma neutralizados pelas revisões dessa política em 1857 e 1860.

135

e visconde de Mauá, que através de suas iniciativas e ligações com o capital estrangeiro

foi figura destacada nas atividades industriais do Segundo Reinado.

No bojo dos efeitos positivos dessas transformações e melhorias, perceptíveis na

vida econômica, e da efetivação do projeto político dos dirigentes saquaremas, os anos

1850 conheceram também a consolidação do poder imperial e a centralização política e

administrativa. Importante conseqüência desse fato foi a grande projeção da Coroa e,

em especial, da figura do imperador338.

O soberano passou a deter o que Ilmar de Mattos chama de “monopólio da

responsabilidade” sobre o poder público, situando-se acima das paixões partidárias e

atuando como uma garantia de neutralidade nas disputas e debates políticos.

Paradoxalmente esse fortalecimento da coroa, acabou por “eclipsar”, posteriormente,

aos Conservadores e projetar o poder da classe, ou melhor, de um setor dentro dessa

classe – os dirigentes políticos339.

Esse fortalecimento da Coroa e da figura imperial desenvolveu-se,

principalmente, no qüinqüênio compreendido entre 1848 e 1853, compreendido entre a

ascensão dos Conservadores e o início da Conciliação. No plano externo a vitória

brasileira em 1852 contra Rosas, em Monte Caseros, contribuiu significativamente

nesse processo340. A neutralização dos projetos políticos desse último em relação ao

Prata, consolidou a posição do Império do Brasil e acabou contribuindo para a

afirmação do próprio poder imperial.

Outra questão também de grande relevância no contexto da garantia do poder do

Estado Imperial e de D. Pedro II, foi a contenção da Revolução Praieira de 1848. Tal

fato pode ser visto a partir de variadas dimensões. Em um primeiro sentido, representou

o fim de todo um ciclo de revoltas que, desde 1817, faziam do Nordeste um constante

foco de oposição a um modelo político-administrativo que tinha no Centro-Sul o seu

foco. Marcou também a supressão dos movimentos que, desde as Regências, opunham o

centro à periferia do poder, ameaçando a unidade e a ordem dentro do Estado Nacional.

Finalmente podemos afirmar que, conforme Lúcia Bastos e Humberto Machado, essa

vitória correspondeu ao “(...) triunfo de um certo Estado-nação brasileiro”.341 A

repressão do movimento de 1848 proporcionou a garantia da hegemonia de uma “nação

brasileira” extensiva a todo o corpo do Império, em detrimento das antigas identidades

338 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 168.339 MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit. p. 166.340 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 242.341 Id. Ibid. p. 239.

136

políticas coletivas, construídas sobre o princípio das “pátrias locais”. Garantia-se assim

a autoridade do Rio de Janeiro, sustentada pelo café e pelo poder da Coroa.342

O corolário dessa política pode ser situado, a nosso ver, na Conciliação. Foi

instituída pelo décimo segundo Gabinete do Império, de 06 de setembro de 1853, e

articulada por Honório Hermeto Carneiro Leão, o marquês de Paraná. Buscava através

da alternância das principais forças políticas no governo, reafirmar o princípio da

autoridade imperial e a efetivação do poder público sobre o privado, plasmando no

campo político os postulados ideológicos que nortearam a construção desse Estado

Imperial: ordem, continuidade e integridade343.

Objetivando garantir os ideais de conservação e progresso, a política do Império

durante o Período da Conciliação, girou em torno de algumas questões mais relevantes:

a vida financeira, ameaçada pela manutenção de uma política emissionista; a Reforma

Judiciária, proposta por Nabuco de Araújo em 1854 e a Reforma Eleitoral, concretizada

na Lei dos Círculos de 1855.

Dessas questões consideramos que a última representa, em certo sentido, a

maturidade política do governo de D. Pedro II, uma vez que evidencia a preocupação

em ampliar a representação da sociedade política nas instâncias do poder. Nesse sentido

podemos lançar mão do trecho a seguir:

A proposta conhecida como lei dos Círculos,

consistia na criação de distritos eleitorais, nas províncias,

para a eleição de cada deputado, com o objetivo de apurar a

escolha, sob a justificativa de que, ao delimitar uma unidade

menor, o círculo permitiria ao eleitor conhecer os

candidatos de maneira mais efetiva. Segundo o marquês de

Paraná, caminhava-se, assim, para a representação do país

real, uma vez que, fosse quem fosse o deputado, a eleição

expressaria o desejo das maiorias locais, em vez de resultar

da escolha de ministros e presidentes de província.344

342 Id. Ibid. p. 241.343 Nesse aspecto, podemos entender também a Conciliação como resultado da dualidade ética que caracterizou o pensamento brasileiro no século XIX. Corresponderia a uma expressão da consciência conservadora no plano das práticas políticas.344 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 245.

137

Apesar da aparente idéia de estagnação ou sonolência345, a Conciliação não

anulou os debates e muito menos os choques pessoais346. Os efeitos dessa etapa

conciliadora sobre o campo da política imperial, teriam determinado por um lado a

ascensão de uma nova geração de políticos ao poder, marcando o ocaso da hegemonia

da “Trindade Saquarema”347. Ao mesmo tempo o arrefecimento das disputas, abriu

espaço para o crescimento de práticas como o clientelismo, o fisiologismo e o patronato,

que apesar de não serem estranhas à política imperial, encontraram nesse período um

campo fértil. Tal fato, em médio prazo, pesou no sentido de desmoralizar as instituições

monárquicas348. Portanto no interior da estabilidade, já estavam em gestação os germens

da crise.

No plano da produção das imagens, em especial das imagens oficiais do Estado,

entendemos que os anos 1850 correspondem a um momento em que é perceptível um

gradativo processo de mudança. Esse processo reflete a consolidação e o

amadurecimento do poder do Estado e do imperador. Agora, mais que em fases

anteriores, a figura do monarca é o principal símbolo desse Estado e dos discursos

ideológicos que o produzira e sustentara.

Nesse período, Lília Schwarcz destaca que se manteve a preocupação em

promover a difusão da imagem do imperador, que “(...) deveria ser veiculada à

exaustão”.349 Principalmente a partir da Conciliação, a imagem de D. Pedro II passou a

representar, no plano simbólico, um Estado cujo poder se consolidou e que daí em

diante deveria reinar soberano acima das paixões e gerindo o progresso e a civilização,

que se evidenciavam nas transformações pelas quais o Brasil passava.

Gradativamente os resquícios do Antigo Regime vão sendo deixados de lado e

os símbolos da modernidade começam a se incorporar à figura no imperador. Uma

evidência nesse sentido estaria na própria forma como o monarca é representado na

moeda de ouro de 1851350. Percebemos nesse particular o início de um processo que, no

plano imagético, representaria a transição do que Schwarcz considera como a imagem

do “Grande Monarca” para a de um “Monarca Cidadão”. Mesmo sem prescindir do

345 HOLANDA, Sérgio Buarque de( org. ). O Brasil Monárquico: do Império à República. São Paulo: DIFEL, 1985. p. 61-62. 346 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 243.347 Id. Ibid. p. 247.348 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 89.349 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador. D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 90-91.350 Cf: figura 5.

138

poder simbólico inerente ao metal no qual a moeda foi cunhada, o ouro, os tradicionais

símbolos do poder já não estão mais presentes.

Ao mesmo tempo em que se despia dos símbolos tradicionais de legitimação de

seu poder, D. Pedro II cada vez mais abraçava as atividades intelectuais e culturais,

absorvendo a aura de erudição, progresso e modernidade que as mesmas continham.

Nesse aspecto são emblemáticas as relações do soberano com o IHGB. Desde a

inauguração de suas novas instalações em 15 de dezembro de 1849, que o soberano

passou a ser uma “presença assídua e participante” em suas sessões351. Segundo

Manoel Salgado:

Sua intervenção se faz sentir na sugestão de temas

para discussão e reflexão dos membros, no estabelecimento

de prêmios para trabalhos de natureza científica e no apoio

financeiro que assegura o processo de expansão da

instituição. (...) Paralelamente, o instituto passa a dar

prioridade à produção de trabalhos inéditos nos campos da

história, da geografia e da etnologia, relegando a segundo

plano a tarefa até então prioritária de coleta e

armazenamento de documentos.352

Podemos perceber com clareza como se tornavam mais sólidos os vínculos entre

o soberano e um saber que, além de exaltá-lo ainda referendava uma determinada

nacionalidade, alcançado sua culminância na década subseqüente.

Ainda nesse sentido podemos colher outros exemplos na obra de Lilia Schwarcz,

quando se refere ao mecenato imperial. A encomenda de uma obra lírica para o Rio de

Janeiro a Wagner em 1857, quando o artista passava por momentos de dificuldades, e a

fundação da Academia de Música e da Ópera Nacional no mesmo ano são fatos bastante

esclarecedores. Ainda, segundo a autora, as ligações de D. Pedro com a ciência e o

conhecimento tornavam-se cada vez mais sólidos:

O monarca se interessava por medicina, financiava o

estudo de médicos brasileiros e apoiava o hospício da corte

351 GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Op. cit. p. 11.352 GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. Op. cit. p. 11.

139

que, em 1850, recebia o seu nome. A primeira Comissão

Científica do Império (1859) – apelidada por seus opositores

de Comissão das Borboletas – fez diversas coletas em

províncias do Norte e também foi patrocinada por D.

Pedro.353

Dessa forma não é surpreendente que em 1861, ao escrever o seu diário, o

imperador assim distribuísse seu tempo e compromissos:

Pretendo distribuir assim o tempo. Acordar às seis a

até às sete grego ou hebraico. Dez horas almoço. Das doze

às catorze exame de negócios e estudo. Jantar às cinco e

meia e lições de inglês e alemão dadas às minhas filhas(...)

Às terças-feiras Lusíadas das sete e meia às oito da noite.

Quarta latim com minhas filhas. Quinta Lusíadas(...)

Domingos e dias santos leituras de Lucena(...) das raízes

gregas à noite. O tempo que não tem emprego será ocupado

com leituras, conversas ou recebimento de visitas (...). 354

Modernização da vida econômica e social, consolidação do poder imperial e do

Estado e a crescente vinculação do monarca com o saber e o conhecimento foram

fatores que se amalgamaram a fim de produzir uma imagem oficial do Estado brasileiro,

nos anos 1850.

Esse processo pode ser entendido através do que Pierre Bourdieu chama de

Eufemização355. Para o autor a Eufemização corresponderia ao processo que permite a

transformação de diversos tipos de capital em capital simbólico. Corresponderia a uma

simultânea “dissimulação” e “transfiguração”, que transubstancia as relações de força

e faz com que se “ignore –reconheça” a violência que encerram, fazendo delas um

poder simbólico que produz efeitos reais sem gasto de energia356.

Partindo dessa análise, podemos entender que o capital político acumulado pelo

Estado e pela coroa, além dos capitais provenientes das transformações materiais e do

353 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p . 152-153.354 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p. 153.355 BOURDIEU, Pierre. Op. cit. p . 13-15.356 Id. Ibid. p. 14 -15.

140

saber ao qual D. Pedro cada vez mais se vinculava, produziram uma resultante de

relações de força que, no decorrer dos anos 1850, foi sendo gradativamente

transubstanciada em poder e capital simbólico, vinculados à figura do imperador. Dessa

forma, no início dos anos 1860 já encontramos uma nova imagem constituída,

impregnada de um capital pessoal de notoriedade357, capaz de representar no plano

simbólico o próprio estado.

A mudança que, nos anos 50 do século XIX, se efetivava em torno da imagem

do soberano, pode ser percebida por sua inserção em elementos como a moeda de 20

mil réis, da qual já falamos. Além dela, gradativamente outros veículos começaram a

divulgar, no decorrer dessa década, uma imagem imperial menos impregnada de

símbolos que remetiam a mecanismos anacrônicos de legitimação de seu poder, e cada

vez mais essa imagem se aproximava de um padrão que expressaria uma autoridade

inserida no contexto dos discursos ideológicos da época.

Construía-se, no plano simbólico, a imagem de um Estado constitucional que

funcionava dentro de padrões de representatividade ditados pelo pensamento liberal de

então. Mesmo que tal concepção não correspondesse, necessariamente, à prática, era

essa a carga simbólica que se constituía em torno da figura de D. Pedro II que agora,

cada vez mais, corresponderia à imagem do próprio Estado imperial brasileiro.

A figura 7 corresponde à tela de François Moreaux na qual o artista retrata o

soberano já casado e com filhos. Por ela percebemos nitidamente uma mudança na

imagem imperial e no conteúdo simbólico a ela incorporado. Os signos tradicionais do

poder real já se encontram ausentes, passando para um primeiro plano, nessa

construção, a figura do próprio soberano. Com sua “maturidade”, proveniente não só da

idade, mas também do matrimônio e dos filhos358, e o capital simbólico que já havia

adquirido D. Pedro, ao final dos anos 1850, se distanciava dos elementos simbólicos

ligados a antigas formas de identidade e legitimação política e se mostrava como um

“Monarca Cidadão”, da segunda metade do século XIX.

357 Id. Ibid. p. 190-191.358 D. Pedro II nasceu a 02 de dezembro de 1825 e se casou com Teresa Cristina Maria de Bourbon em 30 de maio de 1843, por procuração. Logo no momento retratado na tela, o Imperador tinha 32 anos de idade e 14 de casado.

141

Figura 7. Tela da Família Imperial - François René Moreaux / 1857.Fonte: www.vejaabril.com.br

Os anos 1860 chegaram trazendo importantes mudanças e suscitando intensos

debates no campo da vida política e social. Foi dentro desse panorama que se produziu a

imagem do imperador que ficou para a posteridade e a qual estamos, de forma mais ou

menos próxima, até hoje vinculados.

Entendemos que foi a partir dessa década que, mais intensamente, a figura de D.

Pedro II passou a desempenhar o papel de uma imagem documento e monumento359,

revelando a seus contemporâneos e às futuras gerações, no plano simbólico, a idéia de

Estado e de nação que se pretendia incorporar ao Império do Brasil. Nesse momento

consideramos que se define, conforme Barthes, o spectrum da imagem do Imperador,

que a partir de então não só funcionava como um símbolo do Estado Imperial, como

procurava contribuir para a sua própria sustentação.

A morte do marquês de Paraná, em 1856, abalou as bases da política da

Conciliação. Daí por diante o equilíbrio e a estabilidade construídos começaram a se

esfacelar. Nesse sentido tiveram considerável influência os resultados das eleições para

a Assembléia Geral no período 1857-1860. Nelas percebemos o retorno de alguns

liberais e o desaparecimento de algumas figuras de peso e tradição na política imperial.

Embora tenha se mantido uma maioria conservadora, os efeitos da Lei dos Círculos se

fizeram sentir, possibilitando a emergência de um poder local360.

Em conversa com Caxias, por volta do final da década de 1850, o próprio

soberano declarava que já não acreditava mais na possibilidade e, principalmente, na

359 Aqui utilizamos a idéia de imagem documento-monumento conforme a proposição de Jacques Le Goff.360 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 248.

142

validade da manutenção do projeto da Conciliação, uma vez que a ausência de partidos

ativos e organizados permitia que a culpa pelos descaminhos da política e da

administração incidisse sobre o monarca361.

Da morte de Paraná, presidente do sétimo gabinete, ao início dos anos 1860,

sucederam-se quatro gabinetes conservadores. O oitavo foi presidido por Caxias

(03/09/1856 a 04/05/ 1857), sendo sucedido por Araújo Lima (marquês de Olinda),

Limpo de Abreu (visconde de Abaeté) e Ângelo Muniz da Silva Ferraz (barão de

Uruguaiana).

Já em 1858 constatava-se uma grande distância separando conservadores de

liberais. Problemas econômicos ligados ao alto preço dos alimentos e ao

desabastecimento, a especulação, a política emissionista do governo e as discussões em

torno de um reforma na Lei dos Círculos362, acirravam os debates e despertavam os

clamores por reformas. Dentro desse quadro realizaram-se as eleições de 1860, nas

quais observamos a vitória dos liberais nos maiores centros, em especial o Rio de

Janeiro, Ouro Preto e São Paulo. As tensões e a distância entre luzias e saquaremas

aumenta ainda mais, evidenciando uma clara divisão de forças na Câmara363. Nesse

cenário Caxias assume a presidência do conselho, inaugurando o décimo segundo

gabinete do Império (02/03/1861 a 24/05/1862).

As críticas ao governo, a oposição à política imperial e as pressões por reformas

eram muito fortes nos primeiros anos da década de 1860. Foi nesse cenário que teve

início o movimento de reação liderado pelo senador Nabuco de Araújo. Para o senador e

seu grupo, fazia-se mister que se promovessem reformas que modernizassem o país e

incrementassem o progresso. A situação política, marcada por abusos e nepotismo, era

insustentável e o Legislativo fragmentado não podia exercer suas funções. Em suas

palavras:

O Parlamento está dividido em três partidos: o

Partido Conservador puro, que domina todas as posições

oficiais, e não pode por consequência deixar de ter

proselitismo e adesões, e os dois partidos, Moderado e

361 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 61-62.362 Essa reforma se efetivou em 1860, quando se estabeleceu que cada distrito elegeria três deputados, exceto nas províncias menores que continuariam e eleger somente um. 363 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 248-250.

143

Liberal, que repelem esse uti possidetis do Partido

Conservador.364

Para Nabuco, era fundamental que se efetivasse a “(...) definição de um perfil

próprio, baseado nos princípios comuns, sob a forma de um novo partido”365. Surgia a

chamada Liga ou Partido Progressista, ao mesmo tempo em que caía o gabinete de

Caxias e ascendia à presidência Zacarias de Góis Vasconcelos. Dessa forma, de 1862 a

1868, o Império do Brasil viveu a chamada Fase do Progresso, marcada pela sucessão

de seis gabinetes.

Os seis anos pelos quais se estendeu a política progressista podem ser encarados

como uma fase em que se buscava a recuperação do equilíbrio e da estabilidade

perdidos com o fim da Conciliação. Porém nesse momento percebemos uma diferença

fundamental, o grande maestro das articulações políticas e da construção do equilíbrio

de forças foi o próprio imperador. Para tanto o soberano usou, de fato, do poder do qual

estava revestido, o que acabou por suscitar uma das principais discussões políticas de

então: as críticas ao imperialismo. Convêm, antes de discutirmos essa questão,

estabelecer, em linhas gerais, o sentido da fase progressista.

De 24 de maio de 1862 a 16 de julho de 1868, a liderança dos seis gabinetes

formados coube a Zacarias de Góis e ao veterano e astuto Pedro de Araújo Lima, o

marquês de Olinda. Somente constatamos uma breve interrupção nesse revezamento

entre 31 de agosto de 1864 e 12 de maio de 1865, quando o gabinete foi presidido pelo

liberal Francisco José Furtado. Prevaleceu a defesa da chamada “bandeira do

progresso” que, isolando os conservadores ortodoxos, defendia a implementação de

reformas necessárias à modernização do Império. No entanto os desafios enfrentados

pelos progressistas eram de grande monta. Além da natural oposição política, ainda

tiveram de dar conta de problemas internos e, principalmente, externos.

Internamente tiveram de administrar as questões relacionadas às dificuldades

financeiras, que acabaram por determinar uma das maiores crises econômicas do

Segundo Reinado, desencadeada pela falência da firma J. Alves & Cia. em abril de

1864366. Constatamos ainda que entre 1860 e 1889 a corrupção crescia a passos largos,

sob os “olhos atentos” do monarca. Nesse particular D. Pedro II preferia não intervir a

fim de aliviar as críticas em relação ao seu “despotismo”, reservando a sua ação direta 364 Id. Ibid. p. 250.365 Id. Ibid. p. 250.366 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 251.

144

somente para as questões que pudessem se tornar em escândalos nacionais367.

Finalmente, foi ainda nessa fase, em 1866, que o soberano levou ao Conselho de

Ministros a questão da emancipação dos escravos, sob o impacto dos efeitos da Guerra

de Secessão dos Estados Unidos. Embora tenha promovido grande comoção no

ambiente político do país, a política externa adiou essa discussão.

No plano externo a fase progressista teve de administrar o maior conflito da

história brasileira: a Guerra do Paraguai. Embora a guerra, até a batalha de Curupaiti,

tenha amenizado as tensões políticas, seus efeitos sobre a economia do Império foram

desastrosos. Alguns dados podem nos dar uma idéia dessa situação.

O apoio aos aliados fez a dívida do Uruguai com Brasil subir à casa dos 6000

contos, enquanto a da Argentina atingiu os 2000. Entre 1866 e 1867 as despesas

militares representaram 58% do orçamento do Império, tendo chegado aos 60% no

período seguinte.Entre 1865 e 1869 os gastos externos do país aumentaram em 196%

em relação ao período de 1861 a 1864, sendo que nessa mesma fase o valor da saca de

café de cinco arrobas caiu de 43 para 37 mil réis. Finalmente o imenso volume de

moeda emitida e a conseqüente queda do câmbio, completavam esse quadro368.

Além dos reveses econômicos a Guerra do Paraguai trouxe outras conseqüências

para o Império do Brasil. O início do conflito despertou reações contraditórias no país,

conforme podemos perceber na análise de Francisco Doratioto:

O ataque paraguaio a Mato Grosso causou

indignação no Brasil, visto como ato traiçoeiro e

injustificável, pois eram normais as relações entre os dois

países, bem como pelo fato de o Marquês de Olinda ter sido

aprisionado sem declaração de guerra. Por todo o país

houve, de início, entusiasmo popular e voluntários se

apresentaram para o campo de batalha. O mesmo ardor não

foi demonstrado pela Guarda Nacional, milícia controlada

pelas elites regionais.369

367 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 90.368 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 91-93.369 DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 111.

145

Como podemos observar, a reação da Guarda Nacional evidencia que, ao nível

das províncias, não existia uma completa adesão aos projetos bélicos do Império. Esse

afastamento em relação à guerra foi se agravando devido à longa duração da mesma.

Por volta de 1866 e 1867 já podemos constatar a existência de manifestações claras de

oposição a alguns projetos militares do governo. Nesse sentido vale ressaltar as críticas

publicadas no Correio Mercantil, em 1866, às exigências feitas à Guarda Nacional para

que ela suprisse a necessidade de tropas na frente de batalha. Através de uma série de

artigos declarava-se que os membros dessa milícia que conseguissem escapar do “(...)

açougue do Paraguai”, deveriam, mutilados, “mendigar da caridade pública o pão

cotidiano” bem como a “generosa” pensão de 400 réis370. No ano seguinte as mulheres

de Atibaia, São Paulo, compuseram a Marcha dos Voluntários da Pátria, que trazia os

seguintes versos:

Aos vinte e cinco de agosto

às cinco prás seis da tarde

Embarcam os voluntários

Ai meu Deus, que crueldade.

As mães choram prôs seus filhos,

As mulheres prôs seus maridos,

As irmãs prôs seus irmãos,

As jovens prôs seus queridos.371

O sentimento popular em relação ao conflito, pode ainda ser medido pela canção

de ninar que transcrevemos a seguir:

Na, na, na, na, na,

Que é feito do papai?

Na, na, na, na, na,

Morreu no Paraguai,

Na, na, na, na, na,

Na tropa se alistou,

370 Id. Ibid. p.269-270.371 DORATIOTO, Francisco. Op. cit. p. 269.

146

Na, na, na, na, na,

E nunca mais voltou...372

As reações contrárias à participação no conflito, não partiram somente de dentro

do Império. Apesar das atitudes agressivas do rival Solano López, o Brasil teve de

empreender considerável esforço para angariar aliados para sua causa, assim como para

amealhar os capitais necessários ao esforço de guerra. É o que podemos constatar

através do trecho a seguir:

A opinião pública internacional ficou contrária ao

Brasil, desconsiderando a agressão de Solano López a essa

nação, o que obrigou a diplomacia brasileira a um grande

esforço no sentido de esclarecer governos e sociedades,

principalmente no continente americano. Também não foi

menor o esforço necessário para obter recursos materiais e

financeiros no exterior, em países cujos governos desejavam

o fim imediato da guerra.373

Diante das resistências internas e externas à sua posição no conflito, o Império

inicia uma campanha que procurava legitimar suas ações na região do Prata. Essa

empresa foi orientada no sentido de associar o Paraguai à idéia de barbárie e atraso, bem

como de fazer de seu governante um tirano que passou a ser criticado e ridicularizado

nos veículos de comunicação. Para tanto eram utilizados tanto textos escritos quanto

imagens, sendo que nessas últimas as caricaturas tiveram importante papel374. A poesia,

transcrita a seguir, foi publicada na Revista Ilustrada em oito de janeiro de 1865, e pode

nos dar uma idéia da imagem que pretendia se construir de Solano López no Brasil:

372 Id. Ibid. p. 269.373 BARROS, Orlando de. Sinopse da História das Relações Externas Brasileiras. In: LESSA, Mônica Leite; GONÇALVES, Williams da Silva (orgs.). História das Relações Internacionais. Teoria e Processos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. p. 57.374 CARVALHO, Mariana Nunes de. O Bem versus o Mal: Brasil e Paraguai através da visão dos caricaturistas. História, Imagem e narrativas. n. 3, p. 177-187, set. 2006.

147

Caminha, caminha, louco,

Por esse plano inclinado,

É satanás quem te guia.

Caminha, caminha, ousado.

Satanás, rei dos soberbos,

Quis no mundo reinar só.

Quando caiu miserável!

Ninguém dele teve dó.

As almas que seduziu,

Nas chamas precipitou;

Com elas o predomínio

Das trevas foi que lucrou.

Vais cair dentro do abismo

Que hás cavado, fanfarrão,

Arrastando em tua queda,

A tua escrava nação.375

Ao mesmo tempo em que se denegria o Paraguai e López, procurava-se em

solidificar a imagem de D. Pedro II e do Brasil, que passava a ser símbolo de civilização

e modernidade no contexto do continente americano. Pretendia-se que a guerra fosse

veículo de difusão dos atributos positivos desse império americano pelo restante do

continente, em especial no “infernal e bárbaro território governado por Solano

López”.376 Nos textos escritos ao Brasil estavam associados conceitos como Luz,

Nobreza do Pensamento, Missão Civilizadora, Pátria Valente e Teto Amado, enquanto

que nos textos imagéticos era representado por um índio, em consonância com a fase

indianista do movimento romântico.377

Simultaneamente ao conflito militar, trava-se no Brasil uma batalha de palavras

e imagens, que pretendia veicular à recém-criada opinião pública uma idéia de um

poderoso e exuberante Império que, com o sacrifício de seus filhos, deveria vencer a

barbárie e difundir as luzes da civilização entre as repúblicas americanas.

375 CARVALHO, Mariana Nunes de. Op. cit. p. 177.376 Id. Ibid. p. 180.377 Id. Ibid. p. 181.

148

Figura 8: Caricatura em que Solano López é representado como ave de rapina que tem em suas garras as impotentes nações da América.

Fonte: www.veja.abril.com.br

Ainda no contexto das questões políticas e sociais dos anos 1860, tiveram

grande importância as discussões que começaram a se desenvolver em torno do

imperialismo de D. Pedro II. Nesse momento podemos entender imperialismo como a

expressão que designava a hipertrofia do poder imperial bem como a ação das pessoas

ou partidos que respaldavam esse poder. Nesse último grupo inseriam-se os homens ou

facções sobre os quais o soberano deixava incidir a responsabilidade por seus atos, bem

como aqueles conservadores que, atuando no Senado ou no Conselho de Estado,

partiam em sua defesa. A partir daí o Imperador bem como muitas de suas medidas, sob

a pecha do imperialismo, começam a ser alvo de duras críticas.378

Nesse contexto vinham à tona importantes questões políticas da época, que

giravam em torno da dimensão do poder imperial, da responsabilidade do Imperador

perante a vida política e administrativa do país e da própria representatividade do

sistema. Tais questões encabeçavam a pauta das reformas e medidas modernizadoras

que então se reivindicava.

A profusão de panfletos publicados no decorrer dos anos 1860 tratava da ruptura

da idéia de neutralidade política do monarca, a partir do seu engajamento em questões

378 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 63-66.

149

partidárias, ao mesmo tempo em que denunciavam a crise da “Irresponsabilidade do

Poder Imperial” que começava a ser posta em dúvida e criticada. Nesse contexto,

cerravam-se as baterias sobre o Poder Moderador, tido como a origem dessas

mazelas.379 Segundo Sérgio Buarque de Holanda, tais críticas esmaeciam a “aura

sagrada” do poder do soberano, evidenciando o amadurecimento do sistema político do

Império, que nesse momento, em função das modernizações dos anos 1850, almejava

por padrões que viabilizariam uma maior representatividade.380

Foi a partir da inauguração da estátua de D. Pedro I, em 1862, que as críticas ao

Imperador tornaram-se mais duras. Embora muitas vezes o soberano tentasse dissimular

os seus atos, desde sua consolidação no poder jamais abriu mão de suas prerrogativas.

Mesmo dispensando os adornos e “alegorias” inerentes a sua autoridade, manipulava

as relações entre o Gabinete e a Câmara, coordenava a rotatividade dos grupos no poder

e a sua vontade fazia a função de um “corpo eleitoral”.381

Tais práticas tinham o efeito de atrelar ao soberano os destinos do país, ao

mesmo tempo em que personificavam o exercício do poder. Assim, embora detivesse

em suas mãos as rédeas da vida política e administrativa do Império, tornava-se

vulnerável às críticas. As palavras a seguir, de Louis Couty professor estrangeiro da

Escola Politécnica da Corte, sintetizam bem essa situação:

Uma personalidade resume essa nação de dez

milhões de habitantes: todos aqui, os que desejam avançar e

os que preferem estacionar, dela reclamam, de seu impulso,

as reformas fecundas ou os paliativos ilusórios de que o país

tem urgente necessidade e, a não ser numa província, a de

São Paulo, a iniciativa privada nem ao menos tenta abordar

seriamente os problemas de cuja solução se impõe. Tudo

depende de uma vontade só e todos ficam à espera dela.382

Diante desse descompasso entre o modelo através do qual o poder imperial era

exercido, e o nível de maturidade a que o sistema político brasileiro havia chegado,

alguns setores políticos reivindicavam por reformas modernizadoras.

379 BARBOSA, Silvana Mota. Op. cit. p. 175-178.380 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 68.381 Id. Ibid. p. 72-75.382 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 75.

150

Portanto, foi dentro de um quadro marcado pela ascensão dos progressistas ao

poder, e a sua demanda por reformas modernizadoras, pela necessidade de superar as

pressões internas e externas geradas pela participação do Brasil na Guerra do Paraguai e

pelas críticas ao imperialismo tido por muitos como a marca característica do exercício

do poder no Império, que chegamos à segunda metade da década de 1860. Foi nesse

momento que constatamos que a imagem de D. Pedro II passou a estar inserida nos

selos postais e nas moedas de maior circulação, sendo a partir de então maciçamente

veiculada.

Consideramos que tal fato se deu de forma deliberada, posto que nesse

momento, conforme já discutimos, o imperador já havia conquistado um considerável

capital político fazendo com que sua imagem fosse portadora de um poder simbólico

capaz não só de representar o Estado Imperial, como também de neutralizar as pressões

que eram feitas contra ele. A massificação dessa imagem, inserindo-a em veículos de

grande circulação, levaria os ideais de cultura, civilização e modernidade inerentes a

esse Monarca Cidadão, que conforme vimos era sua marca nos anos 1860, aos diversos

lugares do Império e até mesmo fora dele.

Suas vinculações com o saber, o conhecimento e as instituições que os

produziam e difundiam no Brasil oitocentista, fariam de sua imagem um símbolo da

modernidade, do progresso e das reformas necessárias para a sua efetivação. Ao mesmo

tempo, a circulação da efígie imperial teria a função de reforçar a missão civilizadora

implícita na participação do Brasil no conflito com o Paraguai. Nesse sentido vale

ressaltar que, mesmo durante a guerra, em nenhum momento os selos e as moedas

brasileiras retrataram D. Pedro II com um líder militar, mantendo-se fiéis ao padrão do

Monarca Cidadão.

Além disso, de acordo com a análise de Mariana Nunes de Carvalho, nas

charges e caricaturas que faziam alusão direta à guerra, o Brasil era representado,

conforme já dissemos, pela imagem de um indígena permitindo desvincular o país do

governo. Assim o soberano, símbolo maior desse governo, pairava acima do país e de

suas paixões, servindo como baluarte dos valores inerentes à civilização, ameaçados

pelas ambições e projetos de López.

A inserção mais direta e maciça da imagem de D. Pedro II no cotidiano do país

serviria para tornar o monarca mais próximo dos seus súditos, resultando disso,

obviamente, uma popularização ainda maior da mesma. Essa popularidade, associada à

aura de saber e progresso que já havia se incorporado ao seu capital simbólico, serviria

151

para neutralizar as críticas feitas ao estilo imperialista de seu governo. No plano das

práticas políticas e das relações de poder essa operação simbólica seria completada

pelos gabinetes progressistas que se sucederam entre 1862 e 1868.

Dentro desse contexto, a imagem do Monarca Cidadão, presente como já

dissemos nos selos e moedas, encaixava-se perfeitamente dentro das necessidades da

época. Despida dos tradicionais signos do poder e inserida em um padrão mais próximo

dos modernos regimes representativos das nações civilizadas do velho mundo, a

imagem de D. Pedro marcaria a inserção do Império do Brasil em uma fase de

progresso e modernidade. Tal inserção encontraria respaldo nas transformações

materiais vividas internamente a partir dos anos 1850; na política externa brasileira em

relação ao Prata, impregnada do ideal civilizador e nos esforços do soberano em

promover a cultura e as artes no país.

Podemos constatar o compromisso do próprio soberano com a afirmação desse

padrão em relação a sua imagem. Tal fato fica evidente quando do projeto de confecção

de uma estátua eqüestre do soberano elaborado em 1866, porém retomado após a

Guerra do Paraguai. Em 19 de março de 1870 o Diário do Rio de Janeiro noticiava:

(...) uma reunião em que se deliberou erigir uma

estátua eqüestre ao Sr. D. Pedro II, como primeiro cidadão,

pela constância e tenacidade que mostrou sempre na

sustentação da luta contra o tirano do Paraguai, devendo o

monumento ser fundido no país com o bronze das peças

tomadas ao inimigo.383

Porém quando o projeto ganhou maior projeção, o próprio Imperador apresentou

uma carta pública, publicada no Diário do Rio de Janeiro e no Jornal do Comércio,

onde declarava que declinava da homenagem em troca da idéia da construção de escolas

públicas, em suas palavras:

Se querem perpetuar a lembrança do quanto confiei

no patriotismo dos brasileiros para desagravo completo da

honra nacional e prestígio do nome brasileiro. (...) O senhor 383 As referências relativas ao episódio da estátua eqüestre de D. Pedro foram retiradas de: KNAUSS, Paulo. Discurso de posse no Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Proferido em 13 de outubro de 2005. p. 1- 19.

152

e seus predecessores sabem como sempre tenho falado no

sentido de cuidarmos da educação pública, e nada me

agradaria tanto a ver a nova era de paz firmada sobre

conceitos de dignidade dos brasileiros começar por um

grande ato de iniciativa deles ao bem da educação

pública.384

Pelo episódio anterior podemos constatar que, nesse momento, o Imperador

torna-se operator de sua própria imagem. No entanto mesmo antes já podemos

considerar que o padrão imagético que discutimos já se encontrava firmado, não

havendo, portanto, divergências que pudessem evidenciar a existência de lutas

simbólicas entre os operatores dessa imagem.

Partindo do estudo dos primeiros selos postais impressos com a efígie do

soberano constatamos que, ao contrário do ocorrido na emissão de 1843, não houve

nenhuma dúvida quanto ao que deveriam conter. O Decreto 3443 de 12 de abril de

1865, que dispunha sobre o novo regulamento para o serviço dos correios do Império,

em seu artigo 29 do capítulo V, dispunha que:

Art. 29. Os atuais selos serão substituídos por outros

dos seguintes valores: 10, 20, 50, 80, 160, 200 e 500 réis,

todos com a efígie de Sua Majestade o Imperador. Cada

série de selos terá uma cor especial.385

Coerente com o padrão das imagens fotográficas do século XIX, que segundo

Ana Mauad era marcado pela “(...) simplicidade, em contraponto aos babados e

brocados do Antigo Regime”, a veiculação desse modelo do Monarca Cidadão se

beneficiou da própria fotografia, que ganhou projeção no Brasil entre os anos 1860 e

1870. Nesse particular, podemos perceber que havia uma preocupação deliberada em

utilizar as fotografias como veículo de difusão da imagem do Imperador e da família

imperial. 384 KNAUSS, Paulo. Op. cit. p. 13.385 BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1865.Tomo IV. Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. p. 123.

153

Ao lado dos selos postais e da própria moeda do Império, as imagens

fotográficas atingiam a um número de spectatores cada vez maior e disperso por um

espaço cada vez mais amplo. Nesse sentido é interessante observar a prática de enviar

fotografias “às exposições universais” onde o “(...) imperador é retratado

acompanhado por livros, pelo globo e por canetas-tinteiros, todos signos condizentes

com um Brasil moderno e culto”.386Consolidava-se com um vigor acentuado a imagem

do Monarca Cidadão, condizente com o Brasil moderno e progressista que emergia nos

anos 1860.

Figura 9: Auto-retrato em São Cristóvão.Fonte: www.almanaquebrasil.com.br

O impacto causado pela inserção da imagem do imperador nos selos postais e

nas moedas, pode ser medido pelo volume de circulação desses dois veículos, a partir

dos anos 1860. Os esforços financeiros e gastos que o Império teve de despender

durante o conflito com o Paraguai, fizeram com que a necessidade de moeda dentro do

país se tornasse consideravelmente maior. Diante desse fato, foi dada continuidade a

uma política emissionista que já vinha sendo desenvolvida desde o gabinete presidido

por Ângelo Moniz da Silva Ferraz, o barão de Uruguaiana (10 de agosto de 1859 a 02

de março de 1861). A quantidade de numerário em circulação dentro do Brasil cresce de

forma acentuada.386 Id. Ibid. p. 197.

154

Justamente nesse período em que as emissões tornaram-se maiores, as moedas

de menor valor passaram a conter a efígie do imperador, retratada no padrão do

Monarca Cidadão. A partir de 1866 as moedas de prata de 500, 1000 e 2000 réis e de

1868 as moedas de bronze no valor de 10, 20 e 40 réis, as duas últimas conhecidas

popularmente como vintém e dois vinténs, passaram a promover a circulação da

imagem de D.Pedro II entre enorme parcela da população brasileira.

No que se refere aos selos postais basta observarmos a tabela a, nesse capítulo,

para constarmos que o montante total dos selos encomendados a American Bank Note

chegou aos 112,4 milhões de unidades, em todas as séries. Outro fator de relevante

importância é o aumento constante do movimento dos correios no período situado entre

meados dos anos 1860 e a década de 1870. Tal fato evidencia que um volume cada vez

maior de correspondência passou a circular dentro do Brasil, proporcionando,

conseqüentemente, uma divulgação da imagem de D. Pedro II, estampada nos selos que

porteavam essa correspondência.

Mesmo se levando em conta o alto índice de analfabetismo existente no Império

do Brasil, os efeitos dessa difusão não seriam reduzidos. Isso pelas próprias

características do texto imagético, que é acessível a todos aqueles que possam enxergá-

lo, independentemente do fato de dominarem ou não a linguagem escrita. Considerando

que esses selos deveriam ser colados à frente dos envelopes que continham as cartas,

um número considerável de pessoas, além dos destinatários, teria um contato direto ou

indireto com as imagens dos mesmos.

Nesse sentido vale mencionar as instruções para o bom funcionamento dos

serviços postais, contidas no Almanak Laemert de 1867. Em seu suplemento, à página

195, ele diz que “Os selos devem ser colados no lado do sobrescrito da

correspondência, no ângulo superior do lado direito, a fim de habilitar o correio a

servir com maior presteza”.387

Na tabela a seguir, demonstramos o volume de arrecadação dos correios do

Império, entre 1865 e 1882, a fim de referendar a questão da ampliação dos seus

serviços.

g) Tabela da renda arrecadada pela administração dos Correios nos exercícios indicados.

EXERCÍCIO VALOR1865-1866 419:985$0021866-1867 546:679$873

387 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. Almanak Laemmert. 1867. p. 195.

155

1867-1868 586:146$1981868-1869 589:117$6511869-1870 700:117$3111870-1871 718:114$1061871-1872 810:771$2071872-1873 882:044$7071873-1874 937:383$3151874-1875 1.016:207$8361875-1876 1.059:035$3901876-1877 1.100:440$8911877-1878 1.145:224$3141878-1879 1.215:349$7511879-1880 1.303:099$1851880-1881 1.441:698$6991881-1882 1.513:871$805

Fonte: BRASIL. Relatórios Apresentados à Assembléia Geral Legislativa, pelos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863 a 1883.

O ano de 1868 marcou o fim do período progressista, com a queda do último

gabinete presidido por Zacarias de Góes e Vasconcelos. A queda dos progressistas foi

desencadeada pelas divergências em torno de escolha de do conservador menos votado

na lista tríplice, Sales Torres Homem, para a vaga no Senado pelo Rio Grande do Norte,

bem como das divergências entre Zacarias e Caxias no sentido da manutenção do último

no comando do exército.388

Para o lugar de Zacarias foi escolhido José Rodrigues Torres, o visconde de

Itaboraí. Aliado de Caxias e especialista em questões financeiras, Itaboraí representava

uma possibilidade de solução dos problemas econômicos relacionados à guerra bem

como de um término mais rápido e honroso para o conflito.389 Sua indicação

proporcionava, por outro lado, o retorno dos conservadores ortodoxos ao poder. Dessa

forma o desacordo entre o Gabinete Itaboraí e a Câmara, de maioria liberal e

progressista, era evidente. Para os deputados esse gabinete não era legítimo.390 A

solução para esse desacordo veio em 19 de julho de 1868, com a dissolução da Câmara.

As palavras de Nabuco de Araújo, transcritas a seguir, evidenciam o clima político de

então:

Ora dizei-me: não é isto uma farsa? Não é isto um

verdadeiro absolutismo, no estado em que se acham as

eleições em nosso país? Vede este sorites fatal, este sorites

que acaba com a existência do sistema representativo: o

388 Em relação à queda do Gabinete Zacarias, Cf: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p.103-104 e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 253.389 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 106-107.390 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 253.

156

Poder Moderador pode chamar a quem quiser para

organizar ministérios; essa pessoa faz a eleição, porque há

de fazê-la, essa eleição faz a maioria. Eis aí está o sistema

representativo de nosso país.391

A dissolução da Câmara abriu espaço para que se definisse uma nova

organização das forças políticas no Império. Os liberais históricos, associados aos

antigos progressistas formaram o novo Partido Liberal. Por outro lado os liberais

extremados organizaram-se, a partir de 1870, no Partido Republicano. Manteve-se o

Partido Conservador, como reduto daqueles que se mantiveram fiéis ao princípio da

ordem, um dos elementos que nortearam a construção de um modelo de Estado que

agora enfrentava sérios abalos. Para o historiador Francisco Iglesias, no que se refere ao

Império do Brasil, o ano de 1868 encerrou “(...) o período de esplendor e abre o das

crises que levarão a sua ruína”.392

Foi dentro desse cenário que a Coroa, após a conclusão do conflito com o

Paraguai, iniciou, de forma mais evidente, os trabalhos e articulações para uma das mais

importantes, e ao mesmo tempo complexa, de suas reformas: a questão da emancipação

do trabalho escravo. Já em 1866, como falamos, D. Pedro II levou a questão da

emancipação ao Conselho de Ministros, refletindo as preocupações que nutria diante da

Guerra de Secessão dos Estados Unidos. Dessa feita sua manifestação “revolucionou o

ambiente político”, no entanto “nada resultou de concreto”.393 Nesse sentido também

vale destacar os efeitos das pressões da Junta Francesa de Emancipação sobre o

soberano. Em um tom reverente o documento encaminhado ao imperador mexia,

segundo Sérgio Buarque de Holanda, com seus “brios”, estimulando uma tomada de

posição. Apesar da força que a questão ganhou com o terceiro gabinete de Zacarias, de

3 de agosto de 1866, ela foi protelada para depois da guerra.394

A vitória brasileira na batalha de Aquidabã acabou, em termos práticos, pondo

um fim no longo conflito contra o país de Solano López. Abria-se assim o espaço para a

retomada das questões relativas ao trabalho escravo. Os debates se deram em um

contexto onde a Coroa se defrontava com constantes pressões por reformas. Já em 1866

o jornal Opinião Liberal, de Limpo de Abreu, Francisco Pestana e Monteiro de Sousa,

391 Id. Ibid. p. 253.392 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. Op. cit. p. 254.393 Id. Ibid. p. 252.394 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 113-114.

157

defendia reformas de longo alcance. Esse grupo erguia a bandeira das eleições diretas,

da abolição do Poder Moderador, de eleições para presidente de província, da supressão

da Guarda Nacional e da polícia eletiva.395

Foi nesse cenário, portanto, que D. Pedro II começou a negociar com Itaboraí e

seu gabinete a inserção da questão da emancipação na Fala do Trono de 1869. A

negativa foi imediata, desencadeando o progressivo afastamento do imperador de seu

ministério, ensejando uma “conspiração da Coroa contra o governo”.396 O Gabinete

Itaboraí acabou caindo em 29 de setembro de 1870, queda que foi seguida pela ascensão

de José Antonio Pimenta Bueno, o visconde de São Vicente.

O gabinete de São Vicente (29 de setembro de 1870 a 7 de março de 1871) e

aquele que o sucedeu, o de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco(7 de

março de 1871 a 25 de junho de 1875), evidenciavam a preocupação e o esforço da

Coroa nas reformas relativas à emancipação. Coube inclusive ao último a promulgação

da Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871, construída com base no projeto de

reforma de Pimenta Bueno, enviado ao Conselho de Estado ainda em 1867.397

Paralelamente ao encaminhamento dessas reformas, o imperador promovia os

preparativos de sua primeira viagem ao exterior. Em certo sentido isso explica sua

urgência em ver concretizadas medidas emancipatórias, uma vez que não pretendia

levar em suas malas o peso da escravidão que grassava no Brasil, aumentado ainda pela

existência da pena de morte em seu Império. Tanto a escravidão quanto a pena capital

eram questões controversas e duramente criticadas no velho mundo. Essa obstinação

acabou por despertar a oposição dos defensores do trabalho escravo, tanto liberais

quanto conservadores.

A extinção do trabalho escravo, associada à presença de um partido

declaradamente republicano e ao próprio encaminhamento que a Coroa deu a uma série

de questões que marcaram os anos 70 e 80 do século XIX, acabaram conduzindo aos

eventos do 15 de novembro de 1889.

Nos últimos dezoito anos do governo de D. Pedro II, notamos a existência de

duas grandes preocupações, no que se refere à imagem do imperador. A primeira

correspondia ao esforço em associá-la, cada vez mais, à idéia de civilização. Ao mesmo

tempo, buscava-se enfatizar o capital simbólico do monarca fazendo com que servisse

395 Id. Ibid. p. 117-118.396 Id. Ibid. p. 122.397 HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). Op. cit. p. 117.

158

como um anteparo para as críticas que de todos os lados começavam a brotar contra as

instituições monárquicas.

Nos dois casos o objetivo central estava ligado ao projeto de modernização e

consolidação do Império. Nesse sentido podemos incluir as viagens que, a partir de

1871, D. Pedro II começou a realizar. Tais viagens ocorreram em 1871, tendo a Europa

como cenário, em 1876, quando o soberano vai aos Estados Unidos onde, na Exposição

da Filadélfia, encontrou o inventor do telefone, Graham Bell, e trouxe a novidade para o

Brasil e finalmente entre 1887 e 1888, novamente para o continente europeu.398

Podemos detectar nessa empresa a preocupação do soberano em levar para fora do

Império a imagem de um Brasil civilizado e progressista, conceitos que nesse momento

se incorporavam de forma definitiva ao seu patrimônio simbólico.

Dessa forma a efígie do Monarca Cidadão, e todo o seu poder simbólico, se

manteve presente nas moedas brasileiras até que a criação de um numerário republicano

as tirou de circulação.

Quanto aos selos postais constatamos processo análogo. Já falamos, nesse

mesmo capítulo, das emissões surgidas entre os anos 1870 e 1880. Em 1877 foram

emitidos selos com a efígie de um imperador envelhecido e dotado de uma imponente

barba branca, imagem reproduzida da fotografia que D. Pedro tirou na exposição da

Filadélfia. Em 1878 foi a vez do auriverde que, usando a imagem das primeiras

emissões, inseriu tons de verde e amarelo em sua impressão. Entre 1881 e 1884 foram

emitidas várias séries de selos, novamente pela Casa da Moeda, tendo todas a imagem

do Monarca Cidadão como tema central.

Esse compromisso com a civilização justifica-se pela própria dimensão da

empresa que se apresentava à Coroa a partir dos anos 1870. Tinha pela frente a função

de reparar a imagem do Império do Brasil, avariada pelas críticas e pelos efeitos

destrutivos provenientes de seu longo envolvimento na guerra contra o Paraguai. Os

horrores do conflito macularam a idéia de um império tropical construído sobre valores

europeus. Cabia agora ao soberano e ao capital simbólico que acumulou desde 1840,

reverter essa situação.

Nesse sentido contava o seu notório saber e erudição, potencializado por seus

contatos e ligações com expoentes do mundo artístico e cultural. Nessa relação o

intelectual francês Georges Readers arrolou em artigo escrito em 1955, para o

398 GALLAS, Alfredo O. G. e Fernanda Disperatti. As Moedas Contam a História do Brasil.São Paulo: Magma, 2007. p. 345-346.

159

suplemento da Revista da Universidade Católica de São Paulo, ilustres figuras com

quem o imperador manteve relações pessoais ou epistolares: Lamartine, Pasteur,

Renan, Georges Sand, Charcot, Mistral, Sully Prudhomme, Maspéro e Maxime du

Camp entre outros.399

Poderíamos citar ainda o convívio e a correspondência do imperador com

Gobineau, porém de todos os seus contatos aquele que consideramos mais relevante foi

com o escritor Vitor Hugo. Reconhecido militante da causa republicana e abolicionista,

além de ferrenho opositor da pena de morte, o velho escritor recebeu em sua casa, no

número 21 da rue de Clichy, às nove horas do dia 22 de maio de 1877 o soberano de um

Império escravista no qual a pena de morte era uma realidade.400 A explicação para esse

encontro, que inaugurou uma posterior afinidade, somente pode ser encontrada no

significado que a imagem de D. Pedro II já havia adquirido, mesmo fora do Brasil, em

fins da década de 1870.

Esse ideal de civilização também serviria de base para um projeto modernizador

que tinha na supressão do trabalho escravo o seu principal tópico. Caberia à Coroa a

promoção desse movimento, mantendo em suas mãos as rédeas do processo, garantindo

que uma nova ordem fosse produzida, porém mantendo sob controle as conseqüentes

transformações advindas dessa construção. De certa forma podemos considerar esse

movimento como uma modernização conservadora.

Nesse momento mais do que nunca se tornava necessário que a imagem do

soberano, e todo o poder e capital simbólico a ela inerente, fosse utilizada. A

autoridade, o sentido de ordem e unidade que ela possuía, bem como a idéia de

civilização que havia incorporado, serviriam para amenizar as críticas e a oposição de

adversários e antigos aliados, buscando levar a bom termo o movimento que havia sido

desencadeado. Além dos confrontos com republicanos, militares e outros grupos que

buscavam espaço na sociedade brasileira do final do século XIX, o Império teve ainda

de enfrentar o assédio de novas ideologias que, a partir da década de 1870 passaram a

circular no país. Entrava em cena a chamada geração de 1870.

Vinculados aos discursos ideológicos produzidos nos principais centros

intelectuais do velho e do novo mundo, bem como a todo um conjunto de práticas

políticas a eles pertinentes, os membros desse movimento representavam mais um

399 MONTEIRO, Cláudio Antonio Santos. France et Brésil: de l’Empire à la Republique (1851-1891). 2006. Tese (Doutorado) – Universidade Robert Shuman. Strasbourg, 2006. p. 416.400 MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. A história e o romance de um condenado à morte. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 3-7.

160

elemento com o qual o Estado Imperial deveria lidar. As palavras de Angela Alonso

sintetizam bem o caráter e a dimensão que essa nova componente adquiriu, na resultante

de forças existente nos momentos de crise da monarquia brasileira:

Em meio à conjuntura de crise política e

modernização conservadora tomou corpo o movimento

intelectual da geração de 1870. Seus intérpretes pouco

atentaram para seus vínculos com o contexto. Privilegiaram

suas componentes intelectuais – positivistas, spencerianas,

darwinistas – em detrimento das políticas. Entretanto,

empiricamente os membros do movimento tanto se

identificaram recorrendo a termos doutrinários quanto a

posições políticas. Não há justificativa para seccionar as

discussões intelectuais do debate político, sobretudo

considerando a indistinção entre as duas esferas no

Império.401

A partir dos anos 1870 e até a queda da monarquia, vivia-se uma fase onde no

contexto dos debates e choques políticos, inseriam-se as disputas ideológicas e

simbólicas, até então mantidas sob controle pela consolidação da ordem e pela

concretização de um projeto de Estado e nação. Chegava-se a um momento em que se

fazia mister a construção de um novo equilíbrio, aliando ao soberano e a imagem que

dele se produziu novos agentes que, no entanto, ainda dependiam de sua força e

autoridade.

Com esse propósito a efígie de D. Pedro II, e todo o poder simbólico nela

contida, continuavam a circular pelo Império do Brasil em seus selos postais e em suas

moedas. Em posição destacada nos envelopes, tal qual o arauto de notícias solenes ou

de pequenas indiscrições, circulando pelo Brasil e fora dele, lá estava o Imperador. Ou

senão nos bolsos daqueles que nesse momento começavam, novamente, a pensar em o

que é ser brasileiro; como a dizer que apesar das críticas a Coroa estava viva e

empenhada em dar uma resposta às questões que se levantava.Assim chegamos aos anos

1880.

401 ALONSO, Angela. Idéias em Movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 97.

161

Com a nova década acirram-se as discussões em torno da escravidão e, nesse

momento, do futuro do regime. A saúde do corpo físico do monarca começava a dar os

primeiros sinais de desgaste, no entanto seu vigor se mantinha no plano simbólico.

Apesar disso o ano de 1884 foi marcado pelo surgimento de uma nova série de selos

conhecida no meio filatélico como Cifras. Nela a imagem de D. Pedro II não está mais

presente, saía de cena o Imperador.

Porém alguns detalhes merecem especial atenção nesses selos. No conjunto de

imagens que comportavam, encontramos, em alguns, os numerais indicativos do valor,

assim como nas primeiras emissões. Outros trazem o Pão-de-Açúcar e o cruzeiro do sul,

alusão à exuberante natureza do Império. Finalmente, estampada no selo de 500 réis,

estava a coroa imperial, agora sem um rosto que a identificasse. A explicação para esse

novo padrão imagético abre espaço para diversas especulações que, nesse momento, nos

furtamos de desenvolver.

Finalmente, valeria refletir sobre os efeitos das imagens veiculadas nos selos

postais e moedas do Segundo Reinado sobre os seus spectatores. Nesse sentido

constatamos que essas imagens causaram forte impressão sobre aqueles para os quais

foram produzidas. Essa situação ganha relevância a partir de meados dos anos 1860.

Podemos ainda afirmar que tais influências se manifestam tanto ao nível das classes

dominantes quanto nas camadas menos favorecidas da população, no momento em que

foram produzidas e, até mesmo, em períodos posteriores.

Nesse sentido, acreditamos que a partir de alguns sinais ou indícios é possível

nos aproximarmos dos efeitos que as imagens veiculadas nos selos e moedas do

Segundo Reinado exerceram sobre aqueles que seriam os seus spectatores. Para tanto

consideramos os testemunhos provenientes de manifestações populares em torno do

imperador e do fim da monarquia, elementos presentes na imprensa européia do final do

século XIX e relatos de escritores das primeiras décadas do século XX, que funcionam

como uma evidência das influências da imagem imperial, mesmo após a morte de D.

Pedro.

No primeiro caso, transcrevemos a seguir versos colhidos por Euclides da Cunha

e perpetuados em sua obra Os Sertões:

Saiu D. Pedro segundo

Para o reino de Lisboa

Acabou-se a monarquia

162

O Brasil ficou à toa!

Garantidos pela lei

Aqueles malvados estão

Nós temos a lei de Deus

Eles têm a lei do Cão!

Bem desgraçados são eles

Pra fazerem eleição

Abatendo a lei de Deus

Suspendendo a lei do Cão!

Casamento vão fazendo

Só para o povo iludir

Vão casar o povo todo

No casamento civil.402

Mesmo se levando em conta as particularidades históricas do movimento

liderado por Antonio Conselheiro, marcado pelo messianismo e pela oposição a

algumas medidas republicanas, fica bem clara a posição, ao nível do imaginário

popular, do Imperador e da própria monarquia. A primeira estrofe evidencia a idéia de

que o fim do regime e o exílio do soberano teriam privado o país dos elementos que até

então impediram que ficasse “à toa”.

Outro interessante exemplo pode ser encontrado em trova criada em São Paulo,

logo após a queda da monarquia:

A mãe do Deodoro disse:

Este filho já foi meu;

Agora tá amaldiçoado

De minha parte e de Deus.403

402 CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 210-211.403 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. p . 498.

163

A reação negativa do povo em relação à República é evidente nessa trova.

Merecedor da maldição materna, Deodoro foi transformado no agente que derrubou o

soberano cujos laços com o imaginário e a simpatia do povo eram evidentes.

No entanto, seria o povo ou a classe dominante o alvo da imagem produzida e

que tinha no imperador o seu cerne? Pensamos que em um primeiro momento o

objetivo era a classe dominante. No entanto acreditamos que a partir dos anos 1860,

esse espectro foi ampliado, chegando às classes populares. Isso faz com que tanto os

selos como, principalmente, as moedas tenham um importante papel na difusão da

imagem do monarca.

Entretanto, em ambos os casos, consideramos que os efeitos dessa imagem sobre

seus spectatores foram consideráveis, principalmente no que toca à consolidação do

poder imperial. Em relação às reações da classe dominante, reputamos como bastante

significativo o trecho a seguir retirado da obra de Gustavo Barroso:

O dono de uma fazenda era monarquista ferrenho e

pendurara um retrato de D. Pedro II, com a longa barba

patriarcal alvejando num caixilho de cedro envernizado, na

sala de casa, junto ao oratório pobre, terminando uma longa

fila de litografias de santos. Na casa, era de uso antigo

fazerem trezenas e novenas.

Terminadas elas, os matutos osculavam o pano franjado do

oratório, as litografias ilustres dos santos e o retrato do

velho imperador. Sabiam lá quem era! Tinha a cara

barbada, era santo. Beijavam-no... Aliás, muitos, embora o

soubessem, beijá-lo-iam, porque ainda nos sertões adustos o

habitante num gesto de secular respeito servil de camponês

ao falar-lhe no nome ergue da cabeça o chapéu de couro –

como faziam os mujiques da Moscóvia, ouvindo o nome

santo de Alexandre I. 404

404 BARROSO, Gustavo. Terra de sol. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962. p. 165.

164

Através desse relato produzido por Barroso, no século XX, podemos perceber

indícios do poder simbólico do imperador e dos efeitos do mesmo. Estes são evidentes

no grande proprietário, que aloca sua imagem em posição de honra junto aos santos na

sala de sua casa. Quanto aos homens livres pobres percebemos que, ao beijar o

desconhecido ou ao tirar reverentemente o chapéu quando pronunciavam o nome de

alguém que conhecem, demonstram o modo como sua imagem atuava profundamente

sobre os mesmos.

Em relação à vinculação da imagem de D. Pedro II aos ideais de civilização e

modernidade, acreditamos que os indícios nesse sentido são mais evidentes nas

manifestações que chegam da Europa em relação ao monarca. Exemplo emblemático foi

descrito no terceiro capítulo desse trabalho, quando falamos da entrevista do imperador

com Vitor Hugo.

Além do encontro com Hugo, consideramos extremamente elucidativas as

diversas manifestações surgidas nos jornais franceses, quando da morte do soberano

deposto. O Le Temps, em 6 de dezembro de 1891 referindo-se a D. Pedro dizia que

“Este americano era tão bom europeu que a Europa seria ingrata se não mostrasse o

seu arrependimento”.405

Exemplo ainda mais importante pode ser encontrado na primeira página do

Journal des Débats de 7 de dezembro de 1891, onde se lia:

A indústria do país, graças aos esforços de dom

Pedro II, havia adquirido um crescimento notável: dom

Pedro II inaugurou uma era de prosperidade comercial, não

conhecida até então, proclamando, após longas negociações

com os governos vizinhos, a liberdade de navegação no Rio

da Prata, abrindo em seguida o Amazonas à navegação aos

navios de todas as nações amigas. O sistema métrico foi

introduzido no Brasil e grandes obras públicas foram

inauguradas. As estradas de ferro foram construídas, um

cabo submarino foi construído, o qual ligava o Império aos

países da Europa, havendo grandes progressos na instrução

pública brasileira”.406

405 Cf: MONTEIRO, Cláudio Antonio Santos. Op. cit. p. 408.406 Id. Ibid. p. 405-406.

165

Nessa mesma matéria, até mesmo a longa duração da escravidão tão duramente

criticada e combatida, acabou sendo uma responsabilidade que foi retirada, em boa

parte, dos ombros do imperador:

Dom Pedro II havia estimado que era seu dever ou

sua missão de soberano de uma grande nação civilizada

trabalhar para a abolição da escravidão, e ele sonhou, desde

os primeiros tempos de seu reino; mas as agitações internas

e as guerras no interior do seu reino lhe impediram,

inicialmente, de realizar seu projeto”.407

Através desses indícios acreditamos que, se não pudemos provar, ao menos nos

aproximamos bastante de um ponto em que fica clara a forte influência que a imagem

de D. Pedro II exerceu sobre seus contemporâneos, brasileiros e estrangeiros, bem como

sobre gerações posteriores.

407 Id. Ibid. p. 407.

166

Considerações Finais

Ao discutir as imagens fotográficas, assim Roland Barthes define o que chama

de punctum de uma foto:

Existe uma palavra em latim para designar essa

ferida, essa picada, essa marca feita por um instrumento

aguçado; essa palavra convinha-me sobremaneira porque

remetia também para a idéia de pontuação e porque as fotos

a que me refiro estão efetivamente pontuadas, por vezes até

salpicadas, por esses pontos sensíveis. Essas marcas, essas

feridas são, precisamente, pontos. A esse segundo elemento

que vem perturbar o studium eu chamaria, portanto,

punctum (...). O punctum de uma fotografia é esse acaso que

nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala).408

Pensando na definição de punctum construída por Barthes, concluímos que o

mesmo corresponde àquele elemento da imagem que foge ao controle do operator.

Seria o efeito que a mesma desperta sobre os spectatores e que, quebrando com o

studium e, portanto, fora dos limites inicialmente estabelecidos pelos discursos

ideológicos que atuaram na produção dessa imagem, desperta algo particular e intenso

408 BARTHES, Roland. Op. cit. p. 35.

167

naquele que a consome. É a picada e ao mesmo tempo aquele ponto, que marca

profundamente. Evidência, ao mesmo tempo, da autonomia e da subjetividade do

processo de produção imagética.

A partir dessas reflexões, será que poderíamos encontrar um punctum nas

imagens dos selos e moedas do Segundo Reinado? Haveria nas imagens contidas em

nossas fontes algo capaz de atuar como a picada, que nos conecta aos elementos

codificados presentes nessas imagens? Seriam essas imagens documentos e

monumentos? Conteriam o paradoxo que Barthes percebe nas fotografias?A essas

questões, respondemos que sim. E isso por diversas razões.

Em um primeiro momento pelo próprio fato de a partir do conteúdo imagético

dessas fontes, termos percebido a possibilidade de promover a análise da construção de

um modelo de Estado e de nação específico do Brasil do século XIX. Nesse sentido,

como spectatores do século XXI, encontramos nas mesmas aquele ponto que nos feriu,

que despertou nossa atenção.

Porém mais do que isso pensamos que podemos refletir sobre duas outras

questões inerentes a visão de punctum proposta por Barthes. Em primeiro lugar aquela

que diz respeito ao poder que as imagens tem de fugir do studium que as produziu,

possibilitando, portanto, efeitos que muitas vezes não foram pensados por seus

operatores. A segunda dessas questões corresponde à possibilidade de entendermos as

influências que essas imagens exerceram, sobre os spectatores contemporâneos à sua

produção.

Em relação à primeira dessas reflexões, acreditamos que os selos e moedas do

Segundo Reinado guardam efetivamente em suas imagens, a partir de meados da década

de 1860, algo que poderíamos considerar como o seu punctum. Isso se explica ao

aceitarmos que a imagem que veiculavam, centrada na efígie do imperador, começou a

ser produzida a fim de referendar o processo de construção de um modelo de Estado e

de nação sustentado pelo discurso ideológico produzido pelos chamados Dirigentes

Saquaremas.

Porém o amadurecimento dessa imagem correspondeu ao amadurecimento do

próprio monarca, à formação de seu capital político pessoal e, desse momento em diante

ele se torna operator de sua própria imagem. Foi nesse contexto que surgiu o padrão do

Monarca Cidadão que, no período em questão foi incorporado aos selos e moedas.

Os elementos simbólicos contidos nesse padrão imagético tinham uma dupla

significação. Em um certo sentido, referendavam a promoção das reformas

168

modernizadoras que, então, o Império necessitava. Porém, além disso, acreditamos que

também correspondiam a um projeto de Estado e de nação que, distanciando-se dos

esforços e expectativas dos operatores originais, começava a ser delineado pelo próprio

soberano. Esse descompasso pode explicar as críticas ao imperialismo, bem como as

dissidências e choques que, a partir do encaminhamento da emancipação dos escravos,

opuseram a Coroa a importantes setores da classe dominante.

Embora estejamos transitando, muito mais, no campo especulativo, acreditamos

que alguns indícios nos permitem fazer tais afirmações. A preocupação de D. Pedro em

consolidar sua imagem na Europa, a associação da sua imagem à da Família Imperial e

o próprio desaparecimento da efígie imperial dos selos postais, nos anos 1880,

apontariam para esse sentido.

Em relação à segunda questão, isto é, à possibilidade de pensarmos os efeitos

exercidos por essas imagens sobre os spectatores do século XIX, acreditamos que

estaremos entrando em um campo no qual as dificuldades e limitações são bem maiores.

Pensamos que o passaporte que nos permitiria entrar nesse campo seria o paradigma

indiciário proposto por Ginsburg. A partir de ferramentas metodológicas recuperadas

dos trabalhos de Giovanni Morelli, de Sigmund Freud e do fabuloso Sherlock Holmes,

criado por Conan Doyle, esse autor abre possibilidades de análise de determinados

objetos que, a partir de métodos mais rígidos e menos ecléticos, dificilmente seriam

operacionalizáveis.409

Símbolo de força, autoridade, progresso e civilização, presente em selos postais,

moedas, quadros e nos mais diversos objetos, sua imagem circulou através do tempo e

do espaço, servindo de ponte que nos leva a um campo onde produção simbólica,

discursos ideológicos e relações de poder permitem a compreensão de um processo que

produziu um Estado e uma nação.

Consideramos ainda relevante levantarmos uma última questão. Está ligada à

inclusão de um novo padrão imagético nos selos postais, a partir dos anos 1880. Qual o

sentido dessas imagens? Representariam, no plano simbólico, a mudança que se

vislumbrava em um futuro não muito distante? O poder simbólico do velho imperador,

ao contrário do que pensamos, havia se esgotado? Refletiam um novo modelo de Estado

monárquico então em produção? Possibilidades de leitura e instigantes questões

historiográficas para as quais, por hora, não temos a resposta.

409 GINSBURG, Carlo. Op. cit. p. 143-179.

169

Porém em meio a essas indagações, um elemento pode ser destacado com

grande convicção. Na história da iconografia do Estado Imperial brasileiro entre 1840 e

1889, em especial nas imagens oficiais desse Estado veiculadas nos selos postais e

moedas, por suas ausências e presenças destaca-se a figura de D. Pedro II. O imperador

que, em meio a livros, idéias e em um luxuriante cenário tropical, representou no plano

simbólico o país que governava e a nação de cuja construção marcadamente participou.

Acreditamos assim que é possível falar em um punctum imperial. Ao olharmos

para o imperador e suas barbas, algo se acende e nos impulsiona a buscar dentro de sua

efígie a intrincada teia de relações de forças simbólicas e ideológicas presentes na

sociedade brasileira do século XIX. A partir do ponto ao qual se referia Barthes, somos

incitados e penetrar nos domínios fascinantes e, ao mesmo tempo, tão árduos da

História. Em suma, somos desafiados e exercer o ofício do historiador.

170

Fontes e Referências Bibliográficas

1) Fontes

1.1 – Fontes Iconográficas

Todas as fontes iconográficas relacionadas a seguir, mesmo aquelas cujos créditos

aludem ao acervo do autor, estão disponíveis nas coleções de filatelia e numismática do

Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.

1.1.1 – Selos Postais

A – Olhos de Boi

- emissão: 01/08/1843

- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado

preto

- valores: 30, 60 e 90 réis

B – Inclinados

- emissão: 01/07/1844

- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado

preto

- valores: 10, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis

C- Verticais

171

- emissão: 01/01/1850

- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado

preto

- valores: 10, 20, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis

D – Coloridos

- emissão: 1861

- desenho: cifras na cor branca com os valores dos portes, sobre moldura em rendilhado

com cores variadas

- valores: 10 réis( azul claro ), 30 réis( azul claro ), 280 réis( vermelho ) e 430

réis(amarelo )

E - D. Pedro II denteados

- emissão: 01/07/1866

- desenho: efígie do imperador em cores variadas

- valores: 10, 20, 50, 80, 100, 200 e 500 réis

F – D. Pedro II percê

- emissão: 01/07/1876

- desenho: efígie do imperador em cores variadas

- valores: 10, 20, 50, 80, 100, 200 e 500 réis

G- D. Pedro II “barbas brancas”

- emissão: 1877/1879

- desenho: efígie do imperador, com barbas brancas, em cores variadas

- valores: 10, 20, 50, 80, 100, 200, 260, 300 e 700 réis

H – D. Pedro II “auriverde”

- emissão: 21/08/1878

172

- desenho: efígie do imperador em moldura verde e amarela

- valores: 300 réis

I – D. Pedro II “cabeça pequena”

- emissão: 15/07/1881

- desenho: efígie do imperador em formato pequeno

- valores: 50,100 e 200 réis

J – D. Pedro II “cabeça grande”

- emissão: 07/09/1882

- desenho: efígie do imperador em formato grande

- valores: 10, 50, 100 e 200 réis

L – Cifras

-emissão: 01/01/1884

- desenho: numerais, representação do cruzeiro do sul e o Pão-de-Açúcar

- valores: 20, 50, 100, 300, 500, 700 e 1000 réis

M – D. Pedro II “cabecinha”

-emissão: 19/06/1884

-desenho: efígie do imperador em pequeno formato

-valores: 100 réis

1.1.2 – Moedas

A – Ouro

- “Pedro Menino”

. verso: valor e inscrição

. reverso: efígie do imperador, com feições infantis, revestida das insígnias do poder

173

. período de cunhagem: 1832 / 1840

. valores: 4000, 6400 e 10000 réis

- “Almirante”

. verso: valor e inscrição

. reverso: efígie do imperador, com feições jovens, com fardamento militar

. período de cunhagem: 1841 / 1848

. valores: 10000 réis

- “Papo de Tucano”

. verso: valores e inscrição

. reverso: efígie imperial, com feições mais maduras, de fardamento e suíças

. período de cunhagem: 1849 / 1851

. valores: 10000 e 20000 réis

- D. Pedro II

. verso: valores e inscrição

. reverso: efígie imperial, monarca-cidadão

. período de cunhagem: 1º tipo – 1851 / 1852 2° tipo – 1853 / 1889

. valores: 5000, 10000 e 20000 réis

B – Prata

- Brasão do Império

. verso: valor e inscrição

. reverso: brasão do Império e inscrição

. período de cunhagem: 1832 / 1867

- Monarca-Cidadão

. verso: valor, brasão do Império e inscrição

. reverso: efígie do imperador, monarca-cidadão

. período de cunhagem: 1867 / 1889

C – Cobre

174

- Brasão do Império

. verso: valor e inscrição

. reverso: brasão do Império e inscrição

. período de cunhagem: 1831 / 1834D – Bronze

- Monarca-Cidadão

. verso: brasão do Império e valor

. reverso: efígie do imperador, monarca cidadão e inscrição

. período de cunhagem: 1868 a 1889

Com relação às inscrições que encontramos nas moedas anteriormente

relacionadas, destacamos as seguintes:

- padrão OURO, PRATA e COBRE

verso: “ PETRUS II D. G. CONST. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.”

reverso: “ IN. HOC. SIGNO. VINCE.”

- padrão BRONZE

reverso: “PETRUS II D. G. C. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.”

1.2 – Fontes Documentais

1.2.1 - Relatórios da Repartição ou Secretaria Geral dos Negócios do Império - 1840 /

1889. Universidade de Chicago. Site:www.crl.uchicago.edu

1.2.2 - Coleção das Leis do Império. Universidade de Chicago.

Site:www.crl.uchicago.edu.

1.2.3 - Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. Almanak

Laemmert.1844-1889. Site:www.crl.uchicago.edu

175

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