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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMANDOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL: OPOSIÇÃO ARMADA À DITADURA EM MINAS GERAIS (1967-1969) ISABEL CRISTINA LEITE BELO HORIZONTE 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

COMANDOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL:

OPOSIÇÃO ARMADA À DITADURA EM MINAS GERAIS (1967-1969)

ISABEL CRISTINA LEITE

BELO HORIZONTE

2009

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ISABEL CRISTINA LEITE

COMANDOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL:OPOSIÇÃO ARMADA À DITADURA EM MINAS

GERAIS (1967-1969)

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM HISTÓRIA E CULTURAS POLITICAS DA UFMG

ORIENTADORA: DRA. PRISCILA BRANDÃO

BANCA AVALIADORA :

PROFA. DRA. PRISCILA CARLOS BRANDÃO (ORIENTADORA)

PROF. DRA. SAMANTHA VIZ QUADRAT (UFF)

PROF. DR. JAMES N. GREEN (UNIV , BROWN)

PROFA. DRA. HELOÍSA MURGEL STARLING (UFMG)

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Para Wal, amigo querido.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CNPQ pelo fundamental financiamento desta pesquisa por 2 anos.

Obrigada Priscila Brandão, minha orientadora e meu exemplo de pesquisadora.

Agradeço à Heloisa Starling pelas sugestões quando da qualificação, à Samantha

Quadrat, por aceitar estar na banca. Ao James, pela atenção dispensada e grande

generosidade acadêmica. À Kátia Baggio, pela simpatia e ajuda nas dúvidas.

Aos meus familiares, muito obrigada.

Aos amigos da UFMG, e as de sempre da UFOP. Amo vocês.

À Norma, secretária da PPGH, por toda gentileza e atenção.

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RESUMO

A presente dissertação sobre História Política do Brasil analisa a luta armada como uma proposta política no combate à ditadura militar (1964-1985). Num estudo de caso, apresento o grupo COLINA – Comandos de Libertação Nacional e suas propostas revolucionárias. Para o grupo, oriundo da POLOP (Política Operária), limitar-se às discussões teóricas não era suficiente, o que era necessário naquele momento seria mais ousadia para chamar a atenção da sociedade para o engodo que representava o regime militar. Apesar de sua breve atuação, o COLINA foi uma das organizações pioneiras em assumir seus assaltos como atitudes políticas e soube dosar militarismo com discussões teóricas não conseguindo, assim, total desvencilhamento da tradição da POLOP. A história oral é usada como metodologia de apoio para que, através dos depoimentos, possamos conhecer de perto os “protagonistas anônimos” desta história.

RÉSUMÉ

La présente dissertation en Histoire Politique du Brésil analyse la lutte armée comme une proposition politique dans le combat à la dictature militaire (1964-1985). Le groupe COLINA– Comandos de Libertação Nacional et ses propositions révolutionnaires sont ici présentés dans une étude de cas. Se borner à des discussions théoriques de la POLOP (Política Operária), organisation d’où est issu le groupe, ne semblait pas satisfaisant à ces dissidents. Ce qui leur semblait nécessaire à ce moment-là, c’était plutôt la hardiesse d’attirer l’attention de la société sur le leurre représenté par le régime militaire. Malgré sa brève durée, le COLINA fut une des organisations d’avant-garde pionnières à assumer des assauts en tant qu’attitude politique. Il a su doser le militarisme et les discussions théoriques, arrivant, ainsi, à une totale rupture de la tradition de la POLOP.L’histoire orale est utilisée comme méthode d’appui dans le but de connaître de près, à travers les témoignages, les “protagonistes anonymes” de cette histoire.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................08

CAPITULO I...........................................................................................................................14

CAPITULO II..........................................................................................................................63

CAPITULO III........................................................................................................................98

CAPITULO IV......................................................................................................................152

CONCLUSÃO........................................................................................................................186

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................188

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1. Introdução

1959.Há 50 anos, uma revolução socialista aconteceu na América Latina e ainda

hoje, percebemos seus ecos. Ainda que enfraquecidos em alguns países que passaram, ou

tentaram reproduzir experiências semelhantes àquelas vividas por Fidel Castro. A exemplo

da metáfora já utilizada, do anjo e do demônio falando ao ouvido, temos duas facetas de

uma mesma revolução. O anjo fala do valente e romântico exército que derrubou a ditadura

de Fulgêncio Batista e mostrou aos demais povos americanos que a revolução seria

possível, que bastaria boa vontade e armas para que mudanças sociais sejam realizadas em

benefício de todos. Já o demônio, fala em um sirênico canto, que houve foi apenas uma

“troca de ditaduras” e que, apesar de melhoras, o povo cubano ainda sofre a falta de

liberdade.

1969.Dez anos da Revolução Cubana se passaram e a organização revolucionária

Comandos de Libertação Nacional (COLINA) foi desmantelada em Belo Horizonte. O

núcleo dirigente do grupo foi detido e levado para Juiz de Fora. Ficando conhecido por ser

o primeiro grupo guerrilheiro a “cair” e a assumir a autoria de um assalto com fins

políticos. Posteriormente, também tiveram publicidade em função de redigir a primeira

carta de denúncia sobre os “porões da ditadura”, que apenas foi tornada pública no exterior

poucos anos depois. Tratou-se da “Carta de Linhares”. Levou este nome, pois foi escrita

enquanto tais militantes estavam encarcerados na penitenciária Edson Cavalieri, no bairro

de Linhares, em Juiz de Fora/MG. Conhecida por Penitenciária de Linhares, havia sido

adaptada especialmente para receber presos políticos.

1979. Uma década após a “queda” do COLINA e duas após a Revolução Cubana,

foi promulgada a Anistia parcial, não por acaso, propagada como “ampla, geral e irrestrita”,

ensejando o retorno do exílio e o fim da clandestinidade de vários militantes. Em tese, a

luta agora ocorreria de modo legal e pelas liberdades democráticas.

Considerando o conceito utilizado por Jean François Sirinelli, de que as gerações

seriam “criadas ou modeladas por um acontecimento inaugurador” 1, refletimos, ou melhor,

questionamos: em que medida seria possível entendermos cada um destes recortes

temporais como gestores dos que os precederam? Se cada novo evento é conseqüência das

1SIRINELLI, Jean-François. A geração. IN: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. Os usos e abusos da História oral Rio de Janeiro, FGV, 2000.

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experiências anteriores, seria possível entender a Revolução Cubana como inauguadora do

movimento guerrilheiro no Brasil? Seria a queda dos guerrilheiros do COLINA um

processo inaugurador do movimento pela Anistia no Brasil?

Para além destes questionamentos buscamos, com este trabalho, contribuir

para a compreensão do que foi o processo de radicalização dos movimentos de

oposição à ditadura no Brasil no fim da década de 1960. Nosso principal objetivo é

contar e analisar a breve trajetória do grupo COLINA, uma das dissidências e, em

grande medida, herdeira do grupo Política Operária (POLOP), caracterizado

essencialmente por discussões teóricas.

Formado em 1967, o COLINA imprimiu uma forma de oposição e resistência

à ditadura militar, sob inspiração foquista cubana. Embora tenha existido por um

período muito curto, haja vista ter sido desarticulada ainda em 1969, o estudo de tal

grupo se justifica, principalmente, devido à falta de estudos aprofundados sobre a

esquerda revolucionária em Minas Gerais2. Nos interessa saber, quais as

peculiaridades do COLINA face às tantas outras organizações existentes, qual o

perfil de seus militantes, e por fim, que tipo de projeto revolucionário defendiam.

O COLINA se insere na chamada “nova esquerda”, que abrange as

organizações e partidos clandestinos críticos ao Partido Comunista Brasileiro (PCB),

surgidos no início da década de 1960. O termo “nova” quer dizer “diferente” e não

se opõe a “velha”, no sentido de ultrapassada 3. A origem da expressão (new left),

remonta aos historiadores ingleses oriundos do PC Britânico – dentre os quais

figuravam Eric Hobsbawn, Edward P. Thompson, Christopher Hill e Perry

Anderson, que pretendiam “escrever a história por baixo”. Os debates derivados

desta perspectiva foram de grande valia para a compreensão das nuances existentes

no interior do marxismo, uma vez que colocaram em evidência a participação de

grupos políticos, movimentos sociais, organizações e partidos, realçando a riqueza

2 Recentemente foi defendida na PUC/MG a monografia Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma resistência armada ao regime militar brasileiro no Estudo de Minas Gerais (1967-1969), de Thiago Veloso Vitral. 3 REIS FILHO Daniel & SÁ, Jair. Imagens da revolução Rio de Janeiro, Marco Zero, 1985. pp.7.

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das discussões e contradições teóricas, ao promover um deslocamento da análise

superestrutural4.

Algumas peculiaridades caracterizariam a “novidade” de tal esquerda. De modo

sucinto5: a) diferentes interpretações e práticas políticas, que divergiam acerca do caráter

da revolução (libertação nacional ou diretamente socialista?); da orientação doutrinária,

(revolucionária - se pegariam em armas, ou reformista- fariam trabalho com as massas?); b)

a busca de um modelo internacional para legitimação de suas ações (o modelo chinês ou

cubano?); c) marcada pela problemática do choque de gerações (se antes do golpe os

militantes eram mais velhos, com longa trajetória política geralmente ligada ao PCB, na

“nova esquerda”, a média de idade seria de 20-22 anos); d) fragmentação da esquerda,

gerada pela atuação na clandestinidade, que influiu muito na dinâmica desses grupos, na

medida em que foram formados vários microcentros de poder6.

Para responder algumas das questões que nos permitirão uma maior compreensão

dos princípios organizacionais do COLINA, utilizaremos, principalmente, os conceitos de

cultura política, terrorismo, violência e memória emblemática. Em termos metodológicos

procedimentais, optamos por cruzar tipos diversos de fontes: jornais, depoimentos,

documentos produzidos pelas duas organizações e que foram apreendidos pelo DOPS, bem

como cartas escritas por militantes no exílio.

No que tange às fontes, primeiramente trataremos das entrevistas.

Trabalhamos com analises de três tipos: a) as inéditas por mim coletadas: Ângela

Pezzuti, Apolo Heringer, Berenice Machado, Carmela Pezzuti, Cláudio Galeno

Linhares, Elza Porto, Irani Campos, Jorge Nahas, José Maurício Gradel, Maria do

Carmo Brito, Maria José Nahas, Leovegildo Leal (esta coletada em parceria com

pesquisador Samuel Oliveira), e depoimento de Guido Rocha, escrito e cedido pelo

mesmo; b) entrevista inédita realizada pela professora Priscila Brandão, com antigo

chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), responsável pelo

desenvolvimento do Projeto ORVIL, cujos resultados caso fossem publicados,

4 Cf. ARAÙJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada. Novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970.Rio de Janeiro: FGV, 2000. pp. 12. 5 Tais peculiaridades serão melhor discutidas ao longo do trabalho. 6 Idem. pp.16.

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resultaria na obra “As quatro tentativas de tomada do poder”, e por fim, c)

entrevistas coletadas por outros pesquisadores, disponibilizadas no programa de

História Oral da UFMG e no Acervo Luta Armada no Brasil, do Arquivo Edgard

Leuenroth /UNICAMP. A metodologia que envolve as fontes orais privilegiará tanto

uma análise das trajetórias particulares quanto o trabalho de reconstrução

memorialística destas pessoas, no que tange à luta armada e questões conexas.

A segunda tipologia documental refere-se aos jornais. Analisaremos dois

grandes veículos de comunicação da imprensa escrita, com destacada circulação nos

estados em que esta organização atuou. Focaremos as ações do COLINA e as

evidências do destino de seus militantes, sobretudo no jornais Estado de Minas e

Jornal do Brasil, bem como em jornais da imprensa alternativa, a exemplo dos

jornais De Fato e Movimento, sendo estes de maior popularidade dentro dos

militantes de esquerda.

A terceira tipologia documental são documentos produzidos, que podem ser

divididos em duas categorias: a) documentos produzidos pelo COLINA e

apreendidos pelo DOPS, nos quais buscaremos analisar os debates existentes dentro

da organização e identificar as motivações que conduziram à dissidência da POLOP

e formação do COLINA e; b) documentos disponibilizados pela Secretaria Especial

de Direitos Humanos. Este acervo foi incorporado a partir de pesquisa baseada no

livro-documento Direito à Memória e à Verdade, publicado pela mesma, o qual

discorre sobre os processos relacionados aos desaparecidos políticos brasileiros.

Analisaremos, ainda, as correspondências enviadas do exílio por militantes

que passaram pela organização. A partir das cartas, pretendemos inferir análises

sobre determinados sentidos que a luta revolucionária adquiriu para tais atores.

Dentre vários aspectos relevantes, interessa-nos avaliar as autocríticas previamente

identificadas, no que tange envolvimento guerrilheiro, bem como compreender a

forma em que teoria e prática revolucionária foram revisitadas.

Por fim, identificaremos perspectivas militares relacionadas ao COLINA em dois

acervos: primeiro, nos arquivos da Assessoria Especial de Segurança e Informação na

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Universidade (AESI), órgao responsável pelo monitoramento e repressão dos militantes do

COLINA dentro dos institutos da UFMG: Escola de Medicina, ICB, FACE e FAFICH; o

segundo refere-se ao ORVIL.

Uma vez explicitados métodos e fontes, apresentaremos o plano de redação com os

objetivos de cada capítulo.

O primeiro capítulo consiste no estabelecimento de um duplo debate em torno dos

conceitos de Culturas Políticas e Terrorismo. O primeiro será importante para o

entendimento da complexidade dos signos e ritos políticos no âmbito da luta armada. O

segundo será útil na problematização da relação entre Estado e oposição no Brasil, uma vez

que seu emprego é normalmente associado às tentativas de desqualificar politicamente os

adversários. Terrorismo é, ao mesmo tempo, um fenômeno político e um termo

depreciativo.

No segundo capítulo analisaremos a conjuntura internacional entre as décadas de

1960 e 1970, com o objetivo de compreender, de uma perspectiva crítica, aspectos da

Doutrina de Segurança Nacional, que balizaram o discurso e as práticas desencadeadas na

América Latina. A ênfase deste capitulo recairá sobre a Revolução Cubana buscando

perceber, dentro dos limites possíveis, os alcances mais plausíveis de seu impacto sobre as

esquerdas radicais da América Latina, com destaque para as organizações brasileiras. Com

a abrangência do debate e o exercício da história comparada, teremos argumentos

enriquecedores para a compreensão do nosso objeto de estudo.

O capítulo três analisa os conflitos finais da POLOP, que levaram à sua ruptura

durante o IV Congresso, realizado em Santos, no ano de 1967. A importância da análise

deste Congresso está no “racha” que levou ao aparecimento de outras organizações, dentre

elas o COLINA. Analisaremos a história da mesma, sob vários aspectos: suas ações, teoria,

práticas revolucionárias e influências doutrinárias.

Finalmente, o capítulo quatro abrange a questão da disputa pela “memória oficial”

do período. Luta que consideramos tanto a partir da tentativa de imposição de uma

memória pelos militares, seja por meio de propagandas, do sistema educacional etc., quanto

a partir de uma reivindicação da legitimidade da leitura deste passado, por parte de

militantes da esquerda atingidos em sua integridade física ou civil durante ditadura militar

brasileira. Para tanto, utilizaremos o conceito de “memórias emblemáticas”, elaborado por

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Steve Stern, entendido como uma espécie de marco, uma forma de organizar as memórias

concretas e seus sentidos.

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CAPITULO I –CULTURA POLÍTICA E VIOLÊNCIA

A expressão culturas políticas não é recente, data da década de 1960 e foi cunhada

por Sidney Almond e Gabriel Verba. Buscava representar uma interface entre distintas

perspectivas, como da sociologia, antropologia e psicologia, aplicadas ao estudo dos

fenômenos políticos7. A definição de cultura foi amparada, sobretudo, pela antropologia,

que a entende como uma articulação de comportamentos apreendidos socialmente, por

meio de processos de transmissões de pensamentos e idéias, sem qualquer intervenção

biológica.

Uma série de estudiosos nos fornece apontamentos sobre como pensar e aplicar o

conceito cultura política. Para Daniel Cefai, as culturas políticas são aquelas:

que se coloca(m) em diferentes espaços teóricos e se inscreve(m) em diferentes

espaços empíricos, desafia(m) uma produção consensual (...) que seja apropriada a

todas as constelações de temas e a todas as grandezas de escala em uso nas ciências

sociais, históricas e políticas 8

Serge Berstein propôs pensar a cultura política a partir de uma perspectiva histórica,

distinta da sociologia e antropologia, embora dialogue com ambas. Para o autor, culturas

políticas seria a junção de componentes antagônicos9. Assim como a história cultural teve

sua renovação quando mostrou convergência com as ciências sociais a partir da Escola dos

Annales, para Berstein, o mesmo ocorreu com o fenômeno do político, sob inspiração de

René Rémond. Este autor analisa o chamado “retorno do político”, de forma que o político

“pode ser um objeto de conhecimento científico, assim como um fator de explicação de

outros fatos além de si mesmo” 10. Sua análise trás à cena a História Política, que bem como

a narrativa e a biografia retornaram após a crise da Nova História. Até este momento de

7 KUSHNIR, Karina & CARNEIRO, Leandro. As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia política. IN: Estudos Históricos. N.24 8CEFAI, Daniel, citado por DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Arqueologia do conceito de cultura política. In: Vária História, n.28, dez. 2002 , Belo Horizonte. pp.13-29. 9BERSTEIN, Serge. A cultura política. IN: ROIUX & SIRINELLI. Para uma historia cultural. Lisboa: Estampa, 1998. Pp.349. 10Cf.RÉMOND, René. O retorno do político.IN:CHAUVEAU & TÉTART. Questões para a história do presente. Bauru: Edusc,1992. pp.51-60.

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crise, a política, assim como a narrativa e biografia estavam sob controle dos Annales em

proveito da História Econômica e Social.

O político não é um fato isolado, tampouco imutável. Pode-se inscrevê-lo na longa

duração e na mudança. É ligado ao estudo da história do tempo presente. A cultura política

deve ser pensada como uma interseção entre a história política com a cultural, porém, como

um elemento que diz respeito tão somente aos fenômenos políticos. Na sua tentativa de

definição do conceito, ele crê em uma espécie de código e de conjunto de referências

definido dentro de uma determinada “família” política, ou partido. Deriva daí, a

importância das representações, dos signos, das normas e valores como elementos de

coesão e para a definição de diversas culturas políticas11.

Haveria a necessidade de uma estabilidade de procedimentos de no mínimo duas

gerações para que uma nova cultura política penetre na sociedade sob forma de

representações. Seus principais expoentes seriam, por exemplo, a família, o Exército, o

partido e a escola, o que caracterizaria mobilidade e mutabilidade destas culturas

políticas12. Em certos casos há a formação de uma sub-cultura política. Esta consiste em

uma forma mais específica de comportamento político dos militantes13. Tendo em vista esta

afirmação, nos interessa aplicá-la ao caso das culturas políticas de esquerda e analisarmos

duas de suas tradições que mais se influenciaram em graus diferentes a vertente escolhida

por alguns grupos revolucionários, em especial, o COLINA. Tratamos das tradições

comunista e nacional-estatista.

Segundo Daniel Aarão Reis, ao fazer uma revisão da trajetória das esquerdas, seja

no Brasil ou no mundo, há de se reconhecer sua pluralidade. Costumamos empregar o

termo no singular. Esta tendência ao singular nos reporta a uma tradição do inicio do século

XX, que entendia a representação da esquerda legitimada em um só partido. Antes da I

11 Para debate mais amplo sobre o “Retorno do político”: CHAUVEAU & TÉTART. Questões para a história do presente. Bauru: Edusc,1992; REMOND, R.(org.) Por uma história política.Rio de Janeiro: FGV, 2006; FALCON, Franscisco. História e poder. IN: CARDOSO & VAINFAS. Domínios da História – Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 12 BERSTEIN. Op. cit. pp. 356. 13LAZAR, Marc. Fort et fragile, immutable et changeante… la culture politique communiste. IN:BERSTEIN, Serge. Les cultures politiques en France. Paris: Seuil, 1999.

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guerra, quem não estivesse vinculado ao partido social-democrata não seria de esquerda.

Depois da Internacional Comunista, essa tradição passou aos Partidos Comunistas14.

O Partido Comunista Brasileiro tem duas singularidades face aos PC’s europeus.

Inicialmente, não teve origem na social-democracia, pelo simples fato de não ter havido

social-democracia neste país. Saímos de uma sociedade escravista e em pouco tempo

emergiram os primeiros centros industriais, formando um núcleo operário. Este núcleo era

composto por vários imigrantes italianos e espanhóis, de influência anarquista e foram eles

quem fundaram o PCB15. Com o objetivo de:

"conquistar o poder político pelo proletariado e transformar a sociedade capitalista

em comunista. O partido da classe operária brasileira deveria também, lutar e agir

pela compreensão mútua internacional dos trabalhadores"16.

A segunda característica do PCB e rara na história do comunismo mundial é a

influência militar. Com exceção do PC Chinês, nenhum outro teve esta característica

de modo tão marcante. Esta adesão de militares deve-se a Luis Carlos Prestes. A

década de 1930 é marcada pelo que Dulce Pandolfi chamou de "Prestismo". Com a

filiação de Luis Carlos Prestes, o partido saíra do gueto. Ela observou que neste

período o “Prestismo” foi maior que o “pecebismo”17. O partido passou, então, a ser

o representante dos camponeses, marinheiros e soldados revolucionários, não mais

exclusivamente do proletariado. Depois de 1933, com a subida de Hitler ao poder, a

Internacional Comunista não mais incentivava as insurreições, mas sim frentes

populares compostas de outros partidos que não só o comunista. A exceção da regra

foi o PCB cuja prática insurrecional fora recomendada, pois confiavam no potencial

militar do Partido. Esta é uma prova concreta do reconhecimento a tal influência18.

14 REIS FILHO, Daniel. As esquerdas no Brasil. Culturas Políticas e Tradições. IN: FORTES, A. História e perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.175. 15GORENDER, Jacob. O ciclo do PCB: 1922-1980. IN: FORTES, A. História e perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.164. 16 PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros: História e memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1995. pp.71. 17 Idem. 18 GORENDER. op.cit. pp.167.

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Quando miramos a esquerda no Brasil, fica em evidencia suas múltiplas culturas

políticas. A mais consolidada delas, que por muito tempo obteve o monopólio do “ser de

esquerda” no Brasil foi sem dúvida, a comunista. Esta tradição comunista, segundo Reis

Filho, seria uma árvore de vários ramos, que se tornou mais complexa após a década de

1960.

Marc Lazar, ao fazer uma análise do Partido Comunista Francês nos fornece

argumentos para a discussão acerca da cultura política comunista. O autor fez um diálogo

direto com Berstein ao definir cultura política como um conjunto de idéias, símbolos,

crenças, tradições e uma diversificação de regras e práticas que combinados, dão um

significado ao real estabelecendo as regras do jogo, formando os comportamentos políticos

e conduzindo à incorporação de normas sociais. A cultura política comunista teve seu ápice

dos anos 1930 aos anos 1950, tendo o Partido como instituição-chave. Como demonstra

Lazar, no caso comunista, é o partido que ocupa lugar central e determinante como um

meio de socialização e na definição do pensamento político19.

Dulce Pandolfi, qualifica a cultura comunista como a uma determinada visão de

mundo compartilhada por todos, vinculados a uma tradição iniciada com a vitória da

Revolução Russa e se identificou com o modelo de sociedade implantado pela URSS e se

inspirou nos escritos de Marx, Engels e Lenin20.

Para a análise de outra face da cultura comunista citamos Marco Aurélio Garcia,

que trabalha com hipótese da revolução cubana ser o marco que separaria a passagem de

um primeiro momento, marcado pelos ecos da revolução russa, que se estendeu até final

dos anos 1950, para uma segunda fase, que seria o surgimento de novas organizações de

esquerda influenciadas, em grande parte, pelos valores e pela teoria foquista21.

A partir deste novo referencial, a cultura política comunista toma uma nova direção,

todavia, se difere radicalmente da antecedente russa no que tange à estratégia de tomada do

poder. Há que se relativizar, entretanto, a mudança de valores entre pró-soviéticos e pró-

cubanos. Como constatamos em documentos e depoimentos de militantes do COLINA, por

19LAZAR.op.cit.pp. 217. 20PANDOLFI.op.cit. pp.35. 21 GARCIA, Marco Aurélio. As esquerdas no Brasil e o conceito de Revolução: trajetórias. In: ARAÚJO, Angela. (org.). Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997. pp.38.

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mais que tentassem se desvincular desta esquerda tradicional, leia-se PCB, as normas e

valores não se diferem tanto.

Foi fazendo uso de uma série de rituais e símbolos que se formou a identidade do

militante comunista. Abrigados sob uma mesma sigla, pessoas que militavam mesmo com

posições divergentes conseguiam uma prática unitária, ou seja, mesmo com diferenças,

todos eram comunistas. E ser comunista, é, sobretudo, estar ligado ao Partido22. Os valores

comunistas mais difundidos são: a obediência incondicional, a disciplina de ferro, a

dedicação completa a exaltação da unidade, seja da URSS, do partido ou de seus chefes.

Estes valores ou imagens são interiorizados e acompanhados obrigatoriamente de uma

submissão e de conformidade ao modelo oficial. O comunismo possui próprio calendário,

comemorações e ritos, como por exemplo, a morte de Stalin.23

Valores parecidos pertencem a esta vertente “nova” do comunismo, todavia, ambas

se condenavam. O PCB era considerado reformista pelos revolucionários e estes de

aventureiros pelo mesmo Partido. Temos dentro destas organizações armadas as suas

representações que a seu modo lhes mantinham coesos. Assim como o PCB, eles estariam

coesos sob a premissa da formação de um partido de vanguarda, responsável por guiar as

massas à revolução, entretanto, sem a aliança com a burguesia como pregavam os

comunistas. Como exemplo destas representações, podemos citar a do grande líder

revolucionário, incontestável, que para o COLINA (e claro, tantas outras organizações

armadas) seria o guerrilheiro Che Guevara, assim como lideranças internas, seja o mais

velho, o teórico, o melhor atirador. A influência deste ícone da esquerda militarista é citada

de modo recorrente em algumas falas de militantes do grupo em questão.

Para Fernando Pimentel, político, ex-militante do COLINA, VAR-Palmares e

VPR24, foi exatamente a morte de Guevara que influenciou sua decisão pela via armada.

Ele militava no movimento estudantil secundarista que à época, 1967, era fortemente

influenciada pela esquerda católica, via organização Ação Popular (AP). Tinha dois amigos

que o convidavam para integrar suas respectivas organizações, um era do COLINA e outro

da AP:

22 PANDOLFI. op.cit. pp.29. 23VIDAL, Adriane. Pablo Neruda: uma poética engajada. Dissertação de mestrado. UFMG, 2003. pp.224. 24VAR-Palmares: Vanguarda Armada Revolucionária Palamares, foi uma organização armada surgida após a dizimação do COLINA. VPR: Vanguarda Popular Revolucionária, surgiu, assim como o COLINA da cisão da POLOP.

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Uma das coisas que pesou – engraçado eu lembrar disso - na minha opção foi a

morte de Guevara em outubro de 1967.O Guevara era,de certa forma, um mito, uma

referencia muito forte pra nós, pra minha geração. E (...) as circunstancias da morte

dele na Bolívia, aquela aura de heroísmo que aquilo carregou (...) Me marcou muito

e me impulsionou fortemente pra concepção de organização que era expressa pelo

COLINA25.

Tal adoração ao guerrilheiro morto e ao seu método de combate, que seria, nas

próprias palavras de Pimentel, “quase uma vara de condão” que estaria “fadado a dar certo

onde for”, levou à época a uma análise acrítica da idéia e das circunstancias necessárias a

instauração do foco guerrilheiro:

A gente atribuiu isso (a morte de Guevara) a uma derrota momentânea. Quer dizer,

o método era correto, só que ele foi infeliz naquela circunstancia26.

A fala de Irani Campos, sindicalista, ex-militante do COLINA, também vai de

encontro à do anterior no sentido da adoração ao comandante argentino e ao seu método:

Nós demos naquele momento, de sair daquela luta política tradicional, para outras

formas der luta que já tinha de certa forma dado resultado, uma grande influencia

que nós tivemos da revolução cubana, e é por isso que também falo que quando eu

lembro da historia do Che Guevara, eu lembro de todo o exemplo dele de um cara

que podia ter morrido sentado em cima do ouro, né? Foi morrer brilhantemente,

heroicamente, Don Quixoticamente e mais a quantidade de adjetivo que você por,

pelo mundo. Hay que endurecer sin perder la ternura27.

Um relato que destoa aos citados quanto a crítica à estratégia Guevarista é o de

Apolo Heringer Lisboa, médico, ex-militante do COLINA e VAR-Palmares:

25Entrevista de Fernando Pimentel a Marcelo Ridenti em 16/07/1985. Disponível no AEL/UNICAMP. 26Idem. 27Entrevista de Irani Campos a autora em 17/01/2006 em Belo Horizonte.

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Apresentei um trabalho (em 1969) que era “revolução e o foquismo” (...) e criticava

o Debray como tendo feito uma interpretação errada da revolução cubana e tinha

aconselhado os outros paises a importar, claro, nos cometemos o erro de importar

uma coisa eu já era um erro (...) simplismo do Debraismo. A gente combateu isso,

não poupamos nem o Che Guevara, com todo o respeito que ele merece da gente28.

Mais um elo entre PCB e COLINA no âmbito da cultura comunista refere-se

às imposições de disciplina e respeito à hierarquia e normas de conduta. O COLINA

investiu mais na perspectiva da guerrilha do que na formação do partido – o

dispositivo militar superava a questão política, por isto é uma organização

militarista. Como tal fez suas regras semelhantes às militares para serem seguidas.

Deixam claro que são apenas semelhantes, pois os militares não compactuavam com

o ideal de Exército Leninista, muito pelo contrário. Na visão daqueles

revolucionários, esta disciplina seria mais que necessária para a formação do

Exército que se transformaria no “Grande Exercito de Libertação Nacional”. A

aceitação destas normas disciplinares deveria ser de modo consciente por parte dos

militantes, já tendo conhecimento da necessidade da aplicação destas, contudo tal

aceitação consciente “provém da própria prática concreta da disciplina

revolucionária”.

Tais normas designavam desde o perfil ideal do militante ao como agir na

prisão, pois, afinal, acreditavam estar numa guerra.

Para exemplificar, citamos Maria do Carmo Brito, ex-militante da COLINA.

Seu relato demonstra que a ordem da Organização era o suicídio em caso de prisão.

Todos os militantes andavam com uma cápsula de veneno em um alfinete na roupa.

O problema é que o veneno era mal feito e só dava cólicas29. Outras regras referiam-

se à questão de agüentar por mais tempo à tortura (física ou psicológica) para que dê

tempo de os companheiros saberem da prisão e não irem aos pontos de encontro,

evitando um efeito “dominó”; não falar sobre demais militantes; simular desmaio

28 Entrevista de Apolo Lisboa a Marcelo Ridenti em 13/07/1985. Acervo AEL/UNICAMP.

29 Cf.CARVALHO, Luis M. Mulheres que foram à luta armada. Rio de Janeiro: Globo, 1998. pp.142.

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quando da aplicação do Pentotal Sódico (soro da verdade); aproveitar as situações

para o suicídio e bater a cabeça na parede até desmaiar. Em pouco tempo, a militante

descobriu que algumas das orientações na prisão apenas a deixavam situações

tragicômicas, como no dia em que tentou bater a cabeça para desmaiar e o torturador

Gomes Carneiro30 postou-se atrás dela fazendo com que sua cabeça batesse no peito

deste31.

Caso fossem infligidas as regras, o militante sentiria “todo o peso da

disciplina”, pois seriam com estas medidas que o indisciplinado refletiria sobre seus

erros e utilizaria da auto-critica na prática32.

A própria estrutura interna do COLINA por células já demonstra sua preocupação

com a ordem e disciplina33. O contraponto desta estratégia seria a da Aliança Libertadora

Nacional (ALN), por exemplo, onde as ações não eram coordenadas; ocorriam, às vezes,

diversas ações no mesmo dia, no mesmo local, em horários diferentes, e um agrupamento

não tinha conhecimento do outro34. Havia, evidentemente, uma hierarquia entre as células e

por questão de segurança somente um representante de cada comando se reunia com a

direção. As decisões eram verticalizadas e centradas mais em torno do comando armado,

onde se encontravam os maiores expoentes. Um exemplo das normas disciplinares diz 30Major Gomes Carneiro, torturador, comandante do CODI/DOI – Rio a partir de 1970. Antes desta data, torturava no CODI/MG quando ainda era capitão. Seu nome aparece no “listão” que possui o nome de 443 torturadores. O Major esteve envolvido diretamente na morte do político Rubens Paiva, em 1971. Para o psiquiatra a serviço da repressão Amílcar Lobo, Carneiro era um dos mais violentos torturadores que conheceu. Em 1976 o Comitê Pró-Amnistia dos presos políticos no Brasil – CAB, em Portugal, publicou pela primeira vez a coletânea dos Documentos dos presos políticos brasileiros. É uma esmiuçada descrição do “aparelho repressivo”, incluindo, instrumentos e métodos de tortura; mandantes de tortura, presos políticos mortos e desaparecidos; torturadores e informantes. Os autores montaram esta lista até então inédita e ainda demonstraram a ligação da ditadura com o empresariado nacional e estrangeiro. No Brasil, esta relação de nomes se tornou mais conhecida em dois momentos: em junho de 1978 e março de 1979, através do semanário Em Tempo, ambos exemplares apreendidos e destruídos. Para entrevista de Amílcar Lobo sobre a repressão e Gomes Carneiro: Cf. JORNAL DO BRASIL. 8/09/1986.Arquivo digital Ana Lagoa/UFSCAR: http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R06878.pdf Para a lista completa dos torturadores:Cf. VENTURA , Maria Isabel Pinto (ed.). Dos presos políticos brasileiros Acerca da repressão fascista no Brasil. Lisboa: Edições Maria da Fonte / Comitê Pro Anistia Geral no Brasil, 1976; BRASIL: NUNCA MAIS. Projeto A, Tomo II. Para saber mais sobre o CAB e a história da repressão sobre o Em tempo: GRECO, Heloísa.Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003.pp.155-158. 31VIANNA, Martha.Uma tempestade como a sua memória. A história de Lia, Maria do Carmo.Rio de Janeiro: Record, 2003, pp. 75 -79. 32Por uma disciplina revolucionária. Rolo 2: Pasta 16: Sub-Pasta 17: Imagem:0186. Acervo DOPS/MG. 33 A questão da estrutura interna do grupo assim como questões ligadas ao ideal de democracia tipo por estas serão tratados com mais detalhes no capitulo 2. 34 Cf. ROLEMBERG, Denise. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999.

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respeito ao “contato mínimo” entre militantes para preservar a clandestinidade do grupo35.

Comentar algo da organização para alguém de fora, mesmo que de confiança, é considerada

falta gravíssima36. Sobre a disciplina, conta Jorge Nahas, médico, ex-militante da POLOP e

COLINA:

Nós éramos muito duros, inclusive, fomos muito duros com as companheiras que

caíram, inclusive, estavam presas conosco. Companheiros que falaram o que a

gente achava que não deveria falar, companheiros que foram muito estigmatizados.

(...)Essa sensação de responsabilidade com o momento político exagerada, nós

tínhamos em alto grau. Era mais importante que essas coisas de patrulhamento

interno, que existiram. Muitos companheiros padeceram com isso, mas eu acho um

erro.37.

Para o COLINA, militante deveria “ter compromisso com o seu destino”,

compromisso este que só se faria completo no processo de proletarização da prática

guerrilheira38. Isto significa que somente com a luta pela sobrevivência diária, o

contato concreto com a necessidade revolucionária que daria a força para a luta de

libertação.

Outra característica marcante da cultura política comunista estaria relacionada à

moral comunista. Em referência ao PC, como observam Rodrigo Pato Mota e Gerard

Vicent, muitas vezes, a severidade dos comunistas em relação à conduta moral pode

parecer contraditória, uma vez que, levamos em conta a dimensão libertária da tradição

revolucionária. Para Mota: “é paradoxal que um projeto visando a emancipação humana

tenha dado origem a normas de comportamento tão rígidas”39. Os dois autores descrevem

em seus textos como o partido regula severamente a vida privada do militante, tendo este

que ser um exemplo para a sociedade. Assim como Mota, Vicent trabalha com depoimentos

de militantes comunistas e conclui pelas falas destes, que o comunista “deve ser excelente

35 “Por uma disciplina revolucionária”. Rolo 2. Pasta 16. Subpasta 17. Imagem 186. Acervo DOPS/MG. 36“O militante”. Rolo 2. Pasta 16. Subpasa 13.Imagem 119. Acervo DOPS/MG. 37Entrevista de Jorge Nahas a autora em 06/01/2006 em Belo Horizonte. 38“Concepção da luta revolucionária”.IN: REIS FILHO & SÁ. Imagens da Revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. pp. 159. 39Cf. MOTTA, Rodrigo. O PCB e a moral comunista. IN: LOCUS. Revista de Historia.vol. 3. 1997. pp. 73.

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profissional, bom marido, pai “normal”, conformista, em consonância com o tipo ideal

derivado da tradição judaico-cristã”40.

De acordo com Eric Hobsbawn para que os guerrilheiros obtenham êxitos entre

outras áreas além das que saíram é necessária uma transformação completa. Terão não

apenas coesão, mas também uma moral e disciplina sem precedentes. Desta forma,

deverão:

Pagar por tudo o que é fornecido pela população local; Não violentar as mulheres

da região; dar terra, justiça e escola onde quer que vá; nunca viver melhor ou

diferente que os habitantes locais41.

Na “nova esquerda” há um apelo à moral, mas não em um sentido de conduta

exemplar, como no caso do PCB. Diz respeito mais à segurança da organização que ao

comportamento em si. O indivíduo era orientado a adaptar-se ao local em que faz seu

trabalho, atento à cultura, linguagem, vestimenta, de modo que não destoe da comunidade e

levante suspeitas. Um comportamento desregrado também é condenado, como o excesso de

bebida e mentiras. O curioso do documento é a represália à “falta de critério nas relações

sexuais”42. Em outro momento, relata Jorge Nahas:

Esse tipo de militância (armada) não permite muita vacilação, é tudo tratado num

plano moral, isso sem duvida alguma. Você tem a visão muito ideologizada e moral

das coisas. O sujeito começava a duvidar (politicamente ou pessoalmente sobre a

organização), você podia achar que ele estava afrouxando43.

O guerrilheiro seria, desta forma, um herói e como tal, cheio de virtudes e poderes.

A crença nestes valores também é recorrente nos relatos, porém apontam decepções com a

realidade do período, como pode ser vislumbrado em depoimento de Jorge Nahas:

40 Cf.VICENT, Gérard. Ser comunista? Uma maneira de ser. IN: PROST, Antoine. Historia da vida privada. Vol. 5.Sao Paulo: Companhia das letras, 1995. pp.445. 41 HOBSBAWN, Eric. Soldados e guerrilhas. In: Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985. pp.169. 42 “O militante”. Rolo 2. Pasta 16. Subpasa 13.Imagem 119. Acervo DOPS/MG. 43Entrevista de Jorge Nahas a Marcelo Ridenti em 15/07/1985. Disponível no AEL/UNICAMP.

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[Eu] Achava que todos nós tínhamos têmporas de heróis. E a ditadura impunha isso

também, ou você era um herói, ou você era um traidor. O cruel, o perverso de uma

ditadura é que ela te obriga o tempo inteiro a você ser herói, resistir, ou a ser um

covarde44.

A estreita e curiosa analogia entre Comunismo e Igreja nos primórdios do

surgimento dos PCs também é marcante: “Os ídolos são diferentes, mas a liturgia é

parecida”45. No caso o PCB, Dulce Pandolfi relata um discurso de Astrojildo Pereira onde

ele lembra que o Partido fora fundado por 12 militantes, “o mesmo numero de apóstolos de

Cristo”, e que na platéia alguém aparteou dizendo que “não faltara também o Judas”, numa

alusão a Antonio Canellas, o único militante de voto contrário a Trotsky na IV

Internacional Comunista46. Mesmo com radicalismo exacerbado esta ligação continua

existindo dentro da guerrilha, como podemos ver com as resignificações dos depoimentos.

Apolo Heringer é quem mais evidenciou a assimilação entre a fé católica e a militância

armada:

Tem gente que tem jeito pra música, não tem? Eu desde cedo tive inclinação pra

questão social. Eu sempre tomava partido dos pobres, aquilo ali é intuitivo.(...)

Minha leitura da bíblia foi mais dirigida para esta questão de Moisés e os profetas,

eu vibrava com Geroboão que se revoltou contra Salomão, eu vibrava com a luta de

44Entrevista de Jorge Nahas a autora. Já citada. 45 VINCENT. op. cit. 446. 46Antonio Canellas, militante de origem anarquista, com 24 anos, equivocadamente achou que sua indicação para participar dos trabalhos do congresso incluía direito a "voto deliberativo" com a admissão do PCB na Internacional Comunista. Não percebeu tampouco o esquema de funcionamento do congresso, segundo o qual as questões se decidiam nas comissões ampliadas ou restritas para serem apenas homologadas nas reuniões plenárias. Além disso, diante da condenação de Leon Trotsky à participação de maçons nos partidos comunistas (dirigida principalmente ao PC francês) defendeu a idéia de que "nosso gênero de socialismo é neutro em moral", podendo o partido brasileiro ter como membros elementos maçons, protestantes, católicos etc. Ao afirmar que o PCB contava com "alguns bons camaradas maçons, cuja ação revolucionária no seio da maçonaria é notável e notória", ele se referia principalmente a Cristiano Cordeiro e Everardo Dias, membros da maçonaria e do partido. Finalmente, ao prestar informações sobre o PCB, Canellas cometeu algumas falhas, afirmando que o partido contava com 500 militantes, quando na verdade não passavam de 250, e declarando que ele próprio havia colaborado numa revista de orientação anarquista. Diante da atuação do delegado brasileiro, o comitê executivo da Internacional Comunista considerou que o PCB ainda não era um verdadeiro partido comunista, pois conservava "restos de ideologia burguesa alimentados pela presença de elementos da maçonaria e influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a estrutura descentralizada do partido e a confusão reinante sobre a teoria e a tática comunista". A Internacional decidiu aceitar apenas provisoriamente o PCB dentro de seu organismo como um "partido simpatizante".Cf. Verbete Partido Comunista Brasileiro (PCB).In:CPDOC/FGV. Dicionário Histórico-biográfico brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6069; PANDOLFI. op.cit. pp.75.

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libertação do povo. Eu tinha raiva do faraó isso logo depois fui transferindo essa

posição para a vida real.(...) Minha formação da Bíblia me legitimou inclusive pra

luta armada. Na Bíblia, são inúmeros casos de guerrilha, inclusive, da libertação do

povo hebreu47.

Em se tratando das questões referentes à gênero, é válido ressaltar que, por mais que

os comunistas criticassem modo como a sociedade burguesa tratava a mulher (como objeto

em sua visão), não se pode dizer que tais comunistas propunham igualdade absoluta entre

os sexos. Acreditavam nas diferenças inatas entre homens e mulheres, nos quais os papéis

sociais eram distintos de forma natural, todavia, em algum grau, contestavam os papéis

tradicionais femininos. O exemplo de Auxiliadora Bambirra, esposa de Sinval Bambirra,

deputado operário pelo PTB cassado durante a ditadura militar, serve para ilustrar tal

afirmação. Em uma passagem de seu depoimento ela afirma que o marido cobrava dela

uma militância política. Em outra passagem, ela fala das situações em que Bambirra

questionava sua atuação pública reclamando maior atenção aos filhos48.

Se voltarmos às referências diretas do PC, Engels e Marx, temos uma visão mais

avançada que a defendida por seus seguidores:

“a emancipação da mulher e sua equiparação ao homem são e continuarão sendo

impossíveis, enquanto ela permanecer excluída do trabalho produti vo social e

confinada ao trabalho doméstico, que é um trabalho privado. A emancipação da

mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande escala, em escala

social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo

insignificante”49

O consenso entre Marx, Engels e Lênin está na análise de que o capitalismo iniciou

revolução democrática, mas foi incapaz de concluí-la, pois a forma monogâmico-patriarcal,

inicio da dominação de um sexo sobre outro, nasceu justamente da “concentração das

47Entrevista de Apolo H. Lisboa a Marcelo Ridenti em julho de 1985. Disponível no AEL/UNICAMP. 48Cf. MOTTA. Op. cit. 79. 49Engels, F. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1974. pp.182.

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grandes riquezas nas mesmas mãos (as dos homens) e do desejo de transmitir essas riquezas

por heranças aos filhos desses mesmos homens”. Assim, “a preponderância do homem no

casamento é uma simples conseqüência da sua preponderância econômica e desaparecerá

com esta”50. Obviamente a mudança neste padrão só iria ocorrer após uma revolução social

que transformasse os meios de produção, e a riqueza dos homens, em propriedade coletiva.

Seria com a revolução socialista, que a libertação da mulher estaria a caminho, porém, não

é ainda suficiente. A emancipação exigiria uma prolongada luta de idéias no interior do

Partido e da sociedade, logo, não será o resultado “natural” do processo de expropriação

dos principais meios de produção das mãos da burguesia.

Lênin em 1916 defendeu a emancipação feminina através do trabalho, pois somente

nas fábricas haveria possibilidade de igualdade entre os sexos. Acreditava que as mulheres

teriam as mesmas responsabilidades tanto no emprego quanto em casa. Ele cita casos de

operárias que ajudam no sustento do lar da mesma forma que seus maridos. Foi também

defensor do divórcio, atitude esta que serviu de argumento para os conservadores de todo

mundo: o comunismo pregava o fim da família (além, claro, e acabar com a propriedade e o

clássico “come criancinhas”)51.

O exemplo do divórcio mostra de maneira evidente que é impossível ser democrata

e socialista sem exigir, nos dias de hoje, a inteira liberdade de divórcio, pois a falta

dessa liberdade constitui a forma extrema de humilhação da mulher, do sexo

oprimido. (...) A República dos Sovietes tem a tarefa de abolir, antes de tudo,

qualquer limitação dos direitos femininos. Para obter o divórcio, já não se exige um

processo judiciário: essa vergonha burguesa, fonte de aviltamento e de humilhação,

foi completamente abolida pelo poder soviético52.

Outro revolucionário que se referiu ao papel da mulher foi Che Guevara, contudo, com

um discurso conservador em relação aos demais. O guerrilheiro afirmou que “a mulher é

50MARX, K., ENGELS, F. e LENIN, V. Sobre a Mulher. São Paulo: Global Editora, 1980. pp. 24-25. 51 Para imaginário comunista no Brasil e movimentos conservadores pré-golpe: DREIFFUS, René. 1964: A conquista do estado. Petrópolis: Vozes, 1981; SIMOES, Solange. Deus, pátria e família. As mulheres no golpe de 64. Petrópolis: Vozes, 1985. STARLING, Heloisa. Os senhores das Gerais. Os novos inconfidentes e o golpe de 1964. Petrópolis: Vozes, 1986; MOTTA, Rodrigo Pato. Em guarda contra o perigo vermelho. São Paulo: Perspectiva, 2002. 52 LENIN, V. O socialismo e a emancipação da mulher. Editoria Vitória, 1956.

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capaz de realizar os trabalhos mais difíceis e combater ao lado dos homens”, porém, em

seguida diz: “embora mais débil que o homem, não é menos resistente que ele”. Em

outro parágrafo afirma que “a mulher como cozinheira (na guerrilha), pode melhorar

muito a alimentação e, além, disso, é mais fácil mantê-la em sua tarefa domestica”53 .

A proposta de Che Guevara seria a criação de homens e mulheres novos após a

revolução, não de liberação da condição feminina. Maria Paula Nascimento diz que estes

movimentos traziam uma critica radical no interior do marxismo ortodoxo, que

enfatizava a dimensão econômica da noção de classe. Ao privilegiar a opressão de

classe, o marxismo teria secundarizado ou ocultado outras formas de opressão – sexual,

religiosa e racial54.

Dentro do COLINA estas diferenças, ao que parece, não existiam. Ou pelo

menos as mulheres que lá militavam cumpriam as mesmas tarefas e tinham as mesmas

responsabilidades. Duas destas militantes só tomaram consciência da existência desta

divisão sexual quando já se encontravam no exílio55. Tomemos como exemplo as falas

de Maria do Carmo Brito e Maria José Nahas ambas ex-militantes do COLINA. Em

tempo, a primeira chegou a ser a única mulher a comandar a VPR e a outra foi uma das

pioneiras a pegar em armas e praticar assaltos:

“É claro que existia machismo na organização, mas, para mim, francamente, dentro

do Brasil nunca fez diferença o fato de ser mulher. isso não existia” 56

“Esse negócio de masculino, feminino, feminista, isso para mim não existia. Eu

tomei conhecimento disso quando eu cheguei do exílio. Não existia”57.

53 GUEVARA, Che. A guerra de guerrilhas. Edicoes Futuro, 1961.pp112. 54 NASCIMENTO, Maria Paula. A utopia fragmentada. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970.Rio de Janeiro: FGV, 2000.pp.10. 55RIDENTI, M. S. As Mulheres na Politica Brasileira: Os Anos de Chumbo. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. pp.118. 56Maria do Carmo Brito. IN: RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: Os anos de chumbo. Tempo social; Revista de sociologia da USP. V.2, 2 sem.1990. pp. 118. 57 Maria José Nahas em entrevista à autora em 02/04/2005.

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A participação de Maria José Nahas no comando armado do COLINA e nos

assaltos tornou-a conhecida como a “Loura da Metralhadora”. A presença feminina na

guerrilha causou a formação de uma imagem sexualizante da militante, muito em função

do imaginário anticomunista difundido. Ela é a antítese das mulheres que marcharam

“com Deus e pela Liberdade” a favor do golpe em 1964. Há clara alusão ao estereótipo

de prostituta:

Claro, a presença de uma mulher era... E aí saiu na imprensa a questão da loura. Era

a Loura, a loura dos assaltos, a loura de Sabará. E quando eu fui presa, nossa! Eu

fui interrogada dias para afirmar que eu era loura, se eu usava botas, se [tinha] um

vestido verde esvoaçante. E eu fui enrolando aquilo, no final eu falei assim: ‘Gente,

se é tão importante para vocês eu ser loura, tá ok! Eu sou loura, tudo bem’. Tava de

botas e tava com um vestido, só que nada disso é verdade”58.

Para Irani Campos, um dos maiores exemplos que existiu no COLINA foi

Carmela Pezzuti. Ela entrou na militância por conta de seus dois filhos que eram da

direção da POLOP e depois do COLINA. São eles Ângelo Pezzuti e Murilo Pezzuti59.

A disposição, a coragem e a determinação que a Carmela Pezzuti tinha de ser

guerrilheira (...) Aquilo era uma fortaleza pra gente. Além dela [sic] ser mais velha

que a gente e mulher. Tem um entrave, nessa diferencinha, mulher. E às vezes até

tinha gente que tinha dó dela, porque mulher não tinha que agüentar tipo de coisa

que ás vezes era difícil pra homem,né? Tinha menos prática, menos vivência, por

exemplo, de andar no mato, esses negócio todo. (...) Subir montanha com mochila,

esse negócio, era difícil. A gente achava que aquilo era um sacrifício muito maior

pra mulher que pra gente. Isso eu não acho desnível nem nada não, acho natural. A

gente ia nessa Serra do Curral subindo aí, com coisa que era tranqüilo e ficava

adimirado com o esforço da Carmela. E outras que participaram de outras coisas.

Era coisa admirável60.

58Depoimento de Maria José Nahas a autora em 2002. 59Tais biografias serão tratadas nos próximos capítulos. 60Entrevista de Irani Campos já citada.

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Como ultima característica desta cultura politica, é a existência de um vocabulário

próprio ou de resignificações das palavras, como:

- Autocrítica: é uma palavra de apropriação das organizações marxistas-leninistas,

cuja prática constante afastaria do militante revolucionário das idéias reformistas. Segundo

Lênin, “é reconhecer abertamente um erro, descobrir suas causas, estudar atentamente o

que a gerou e estudar atentamente os meios de corrigir” 61. Desta forma será um meio

didático de aprendizado prático dos erros para que não atrapalhe a formação do partido

revolucionário. Em alguns casos esta autocrítica era feita presente ao grupo, o que valia

constrangimentos.

- Desbundado foi um termo usado pelos segmentos politizados da esquerda como

forma pejorativa de qualificar os não-engajados, os que são considerados alienados.

Todavia, quando um militante abandonava a organização também levava esta pecha, ficava

estigmatizado entre os demais. O desbunde significava a “morte” política do

revolucionário.

- Intelectuais. Usado pejorativamente para tentar desqualificar os que não iam para

o front da luta armada. Um documento escrito por um militante insatisfeito com a POLOP,

é uma crítica à vaidade e à falta de conhecimento da situação concreta em que se

encontrava a luta por parte dos “intelectuais da revolução”. Segundo o autor do documento

o que estava ocorrendo dentro do grupo era um cerceamento e desqualificação dos

“companheiros” que questionavam as orientações da direção central, taxando-os de

pequenos burgueses (o que representava um demérito aos olhos dos revolucionários)62.

Tais designações (desbundado e intelectual) neste contexto dentro da esquerda nos

remetem à uma tipologia de negação do reconhecimento de um grupo por outro. De acordo

com Axel Honneth, quem mais sistematicamente tratou da teoria do reconhecimento63, o

uso de conceitos negativos deste tipo, deve ser considerado uma injustiça pois:

61LÊNIN citado por BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brsilia: Ed.UNB, 2002. pp 69. 62 Cf:Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207 63A Teoria do reconhecimento foi formulada a partir da filosofia da consciência de Hegel. Em Hegel a o encontro conflituoso da consciência de si com os outros objetos do mundo foi chamado de reconhecimento. Ser reconhecido significaria ser respeitado. Cf. FERES JR., João. A historia do conceito de “latin america”nos Estados Unidos. São Paulo: EDUSC, 2005. pp. 30.

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“não apenas ele priva a pessoa de sua liberdade de ação, ou lhes é insultante, mas

também porque interfere negativamente na compreensão que as pessoas em de si

próprias – uma compreensão adquirida por meios inter-subjetivos (...) A

“dignidade” de uma pessoa corresponde ao grau de aceitação social dentro do

horizonte cultural daquela sociedade. Caso a hierarquia de valores seja estruturada

de modo a imprimir um rótulo de inferioridade sob seu estilo de vida, essa pessoa é

impedida e atribui valor social às suas habilidades”64

Podemos afirmar, desta maneira, que os dois conceitos seriam seria uma oposição

assimétrica. Está é uma das formas semânticas que o desrespeito assume, pois o eu vê o

outro como reflexo invertido de sua própria imagem65. Os usos pela esquerda da prática da

autocrítica, do desbunde e do suposto afastamento dos intelectuais são uma das facetas

cruéis da guerrilha, contudo deve ser entendida dentro do contexto de ditadura militar em

que estavam envolvidos.

Buscamos com estes exemplos compreender o quão abrangente é a cultura política

comunista. As grandes mudanças que significaram a transição entre os dois momentos são:

as referências revolucionárias, o rompimento do monopólio do PCB e do reformismo na

esquerda. Apesar das significativas mutações citadas, os códigos e valores não mudam de

modo tão significativo ao ponto que se possa pensar em alguma outra sub-cultura política

para o caso da “nova esquerda”.

Outra tradição, ou sub-cultura política marcante em nosso objeto é a nacional-

estatista, ou trabalhista. Segundo Daniel Aarão Reis, é indispensável para entender a

cultura política das esquerdas no Brasil em suas especificidades, considerar a tradição

trabalhista. Esta tradição foi herdada dos russos e baseava-se na busca de projetos de

modernidades alternativas no inicio do século XX, quando o país estava em processo de

desenvolvimento e industrialização. Estes militantes queriam que o Estado protegesse e

amparasse os trabalhadores através de leis. Procuravam um acordo com o Estado para

controlar a exploração dos patrões.

Foi no primeiro governo de Getúlio Vargas que a perspectiva nacional-estatista

começou a se enraizar dentre os trabalhadores urbanos. Ela seguia os padrões dos 64 HONNETH citado por FERES JR. op.cit. pp.34. 65Contraconceito assimétrico é uma noção de Reinhart Koselleck e explorado por João Feres Jr. na obra já citada.

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amarelos66, que se basearia em uma aliança com o Estado, que garantiria um maior

desenvolvimento econômico autônomo, com proteção social. Este diálogo com o governo

se tornou uma possibilidade graças à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT-1943) e

alguns ganhos simbólicos bem articulados com Vargas67.

O que veio a se tornar expoente maior desta tradição, foi o Partilho Trabalhista

Brasileiro (PTB). Em seus primórdios, além dos sindicalistas de variadas tendências, havia

um político e pensador chamado Alberto Pasquali, que tentou aproximar os trabalhismos

brasileiro e britânico. Este último repleto de tradições reformistas, estatistas e conciliadoras.

O resultado foi a introdução e fixação de uma corrente reformista, relativamente sólida no

interior do PTB68. Este reformismo foi importante, pois a partir das atitudes de seus

adeptos, foi aberto espaço para o surgimento de uma determinada tendência dentro do

partido, de cunho radical liderada por Leonel Brizola. Seus adeptos se nomeavam

“nacional-revolucionários”. 69 O período anterior a 1964, no governo João Goulart, é

marcado pelo crescimento da identificação dos trabalhadores com o trabalhismo e com o

PTB. Esta foi a fase mais aguda da tradição nacional-estatista, cuja materialização deu-se

pelas propostas de Reformas de Base.

Os nacional-revolucionários de Brizola, criaram a Frente de Mobilização Popular

(MFP), qualificada por Ruy Mauro Marini, ex-militante da Política Operária (POLOP)

como um "parlamento das esquerdas" 70. A FMP reuniu as principais organizações de

esquerda que lutavam pelas reformas de base, principalmente pela reforma agrária, mesmo

66 Amarelos seriam o que alguns anos depois seriam chamados de pelegos. A origem do termo remete aos Sindicatos constituídos no século XIX na França e na Alemanha. Normalmente formados ou financiados pelos patrões com o objetivo de, pela divisão os trabalhadores, defender seus próprios interesses e não os da classe trabalhadora. São contrários à greve e adotam posição conciliadora. A denominação de "amarelos" (ou Krumiros) decorre da fama de fura-greves que tinham os orientais no século XIX na França. Cf.: Dicionário Político Marxista. Retirado de: www.marxists.org . Para saber mais sobre os amarelos brasileiros, conferir: BATALHA, Cláudio. Le Syndicalisme ‘Amarelo’ à Rio de Janeiro (1906-1930). Thèse de Doctorat de l’Université de Paris I, 1986. 67REIS FILHO, D. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil: 1934-1964. IN: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil: partidos e organizações dos anos 20 aos 60. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002. v.5. pp.72. Quem melhor e primeiramente desenvolveu a tese de considerar as relações entre Vargas e as classes urbanas como recíprocas e multilaterais, permeadas por ganhos materiais e simbólicos para ambos foi Ângela de Castro Gomes, em A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1994. 68 REIS FILHO. op. cit. 2007. pp.93. 69 FERREIRA, Jorge. O trabalhismo radical e o colapso da democracia no Brasil. IN: Seminário dos 40 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. pp.42. 70 Citado por NEVES, Lucília de Almeida. PTB. Do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo, Marco Zero, 1989, p. 236.

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que a conseqüência fosse um confronto com a direita e os conservadores. Ao mesmo tempo

a FMP procurava se impor como força viável às reformas diante das posições consideradas

por eles moderadas do PCB. Dentre seus projetos estava a desmoralização do Legislativo

Federal, uma vez que os parlamentares não aprovavam a reforma agrária sem indenizações

aos latifundiários. Para a FMP o Legislativo seria uma instituição ultrapassada, formada por

políticos distantes do povo. O inicio das medidas mais radicais se deram em 1964, quando

a Frente passou a defender a realização de um plebiscito popular para a consulta acerca de

uma possível convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Uma vez que não haveria

membros da elite econômica, o próprio o povo elegeria operários, camponeses, sargentos e

oficiais militares nacionalistas. Tal “Assembléia popular” teria duas funções importantes:

escrever uma nova Constituição e aprovar as reformas de base71.

Brizola continuou como feição mais radical do nacional-estatismo, mesmo no exílio

uruguaio. Logo após o golpe, alguns ex-militares nacionalistas, militantes egressos do PTB,

além de seus seguidores da época dos “Grupos de 1172” se juntaram novamente ao político

para formar o Movimento Nacional Revolucionário (MNR)73. Outro expoente deste

radicalismo foi Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas e do que seria seu braço

político Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).

O que ocorreu com a tradição nacional-estatista após o golpe militar em 1964 e a

dissolução do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1965 foi ser denominada populista,

por estudiosos da época, principalmente a partir de Otávio Ianni. Na visão deste autor,

característica do populismo seria constituir uma política de massas da burguesia.

Promoveram a industrialização e criaram uma ilusão do Estado atuante como mediador dos

conflitos entre classe74. Seu discurso tem nuanças libertárias, sedutoras aos baixos setores

sociais, contudo, demagógicas. Tal estigma do populismo acabou fazendo com que esta

71 FERREIRA, Jorge. Leonel Brizola, as esquerdas e a radicalização política no governo Goulart (1961-1964). s.n.t. pp.8. 72 Em 1963, Brizola lançou oficialmente um documento propondo a formação em todo o Brasil de “Comandos Nacionalistas” ou “Grupos de 11 companheiros”. Assim como no futebol cada militante deveria ter sua função. Queriam reformas imediatas, libertação nacional e defesa das conquistas democráticas. Após o golpe tais grupos foram dizimados. 73 A única ação efetiva destes foi a “Guerrilha do Caparaó”, que consistia na formação de um foco guerrilheiro na serra do Caparaó, nas imediações do Pico da Bandeira. Foi rapidamente liquidada. Cf: COSTA., José Caldas. Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditaura. São Paulo: BOITEMPO, 2007. 74 IANNI, Octávio. O Colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. A primeira edição é de 1968.

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tradição nacional-estatista fosse banida do campo das esquerdas. De acordo com Reis

Filho:

A geração da qual faço parte, que iniciou a vida e participação políticas nos anos

imediatamente anteriores ou posteriores a 1964, que formou a então

autodenominada esquerda revolucionária ou”nova esquerda” considerava o

trabalhismo um lixo. Tinha ido para a lata de lixo da história. A partir daí, conosco,

a história iria recomeçar do zero75.

Após o golpe militar, muitos dos que integraram a Frente proposta por Brizola,

continuaram a luta, contudo dentro da perspectiva armada. Daniel Aarão Reis, baseando-se

nos programas de algumas organizações revolucionárias armadas, incluindo o COLINA,

afirma que estas seriam herdeiras desta tradição, por mais que a negassem.

Se recorrermos a alguns discursos trabalhistas “clássicos” – como os de Getúlio

Vargas e João Goulart, ao discurso “trabalhista radical” de Brizola e compararmos ao

primeiro documento produzido pelos militantes do COLINA, fica clara a conclusão do

pesquisador. Ressaltamos que não estamos afirmando que discurso da esquerda armada é

de proposta trabalhista, tampouco que os trabalhistas “clássicos” propunham guerrilha.

Somente apresentamos alguns resquícios desta tradição no linguajar da “nova esquerda”, e

que a historia não “começou do zero” com estes. Mostraremos alguns trechos de retórica

semelhantes entre nacionais-estatistas e COLINA:

Getulio Vargas em um de seus discursos no 1 de maio propunha o fim das castas e

a unidade dos brasileiros “em prol da independência econômica da nacionalidade”. De

acordo com o estadista os trabalhadores estariam “relegados a existência vegetativa,

privados de direitos e afastados dos benefícios da civilização, da cultura e do conforto, os

trabalhadores brasileiros nunca obtiveram”. Seriam vítimas de “políticos profissionais”

tinham de mantê-los desorganizados e sujeitos à vassalagem dos cabos eleitorais76. A

similaridade entre as falas aparece nítida na “carta testamento”. Conforme apresentado

75 REIS FILHO, Daniel. As esquerdas no Brasil. Culturas Políticas e Tradições. IN: FORTES, A. História e perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.177. 76Discurso de Getulio Vargas em 1 de maio de 1940. Vários discursos de Vargas em: www.cpdoc.fgv.br ou http://www.cgtb.org.br/Atualizacoes/Agosto_2007/Getulio/DiscursoGetulio.htm. Retirados em 19/03/2009.

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anteriormente, o “espírito heróico” de “libertação nacional” com o qual os guerrilheiros são

dotados aparece na fala do estadista :

“Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. (...) Não

querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante,

incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim

mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos

posso dar a não ser meu sangue. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome

será a vossa bandeira de luta. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a

espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto”77.

No programa inicial do COLINA intitulado “Concepção da luta revolucionária”, a

descrição do revolucionário seria aquele que conhece a realidade concreta da luta de

classes, é aquele que “corresponde às aspirações do seu próprio povo em sua luta para

libertar-se da exploração e da opressão em cada minuto das 24 horas por dia”78. Era uma

relação assimétrica ao passo que “sacrificavam” suas vidas pela libertação do povo, este

mesmo estava distante da sua luta. Ao que nos parece Vargas também sentiu esta

“injustiça”. Para Fernando Pimentel:

“Acho que tinha um misto de heroísmo, aquela coisa juvenil de estar fazendo uma

tarefa, de estar salvando o mundo, salvando o povo (...) Não passava pela minha

cabeça a possibilidade de prisão, porque a gente estava tão imbuído do espírito

guerrilheiro que andávamos armados 24 horas por dia. (...) (Há) uma angustia de

você saber que está certo, saber que tem a verdade que é profeta de um mundo novo

no entanto, não tem nenhum respaldo. As pessoas estão querendo viver suas

vidas”79.

No próprio documento, como não é de se espantar, há críticas à política industrial

iniciada por Vargas que teria sido a base da aliança entre burguesia e latifúndio. Afirmavam

77Verbete Getulio Vargas. In:CPDOC/FGV. Dicionário Histórico-biográfico brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes 78“Concepção da luta revolucionária”.In; REIS FILHO & SÄ. op.cit. pp.136. 79Entrevista com Fernando Pimentel, já citada.

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que o populismo paternalista deste governante deixou o proletariado incapaz de romper

com a burguesia, transformando-se em massa de manobra desta classe. A “libertação

nacional” se daria através do proletariado80. Este é um ponto fundamental na divergência

dos discursos. Vargas se achava o representante direto do povo, não valorizava o papel de

vanguarda do proletariado, como previa parte significativa da “nova esquerda”. Para o

COLINA, a ditadura representava o fim de uma era política, pois “ao mesmo tempo que

passa ao proletariado a liderança na luta de libertação nacional, lhe retira a oportunidade de

organizar-se para responder a esta tarefa”81.

O herdeiro político de Vargas, João Goulart, anunciava sua pretensão de

transformação nas estruturas por uma nova concepção de democracia iniciada,

fundamentalmente pelas reformas de base desde 1961. Em 13 de março de 1964, no

comício da Central do Brasil, ele reafirmou este seu compromisso:

“Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu dever,

não só para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos

caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social.

Estaríamos ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da

Nação, que levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela

reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas

de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de

miséria.(...) Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-

econômica já superada, injusta e desumana; (...) A reforma agrária não é capricho

de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de

todos os povos do mundo.”82

Caso trocássemos o termo “reforma” por “revolução”, a proposta poderia ser

quaisquer grupos guerrilheiros brasileiros. Tendo em vista que o COLINA se insere em um

80 “Concepção”... pp.142. 81 Idem. 82 Discurso pró-reformas de base na central do Brasil em 13 de março de 1964. Cf: FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp.293-291. Diversos discursos de Jango também podem ser lidos na íntegra no site: http://www.institutojoaogoulart.org.br

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método radical de luta, guardadas tais proporções, notamos uma de aproximação com o

discurso proferido pelo ex-presidente:

Em época de democracia burguesa (governo Jango), se realizou um amplo trabalho

camponês (...) A falta de perspectiva política levou ao fracasso esta tentativa. Se um

posseiro luta por sua terra, contra ele é mobilizada não a policia comum, mas a

política.(...) No Brasil, o elo fraco é o campo. (...) O governo revolucionário no

Brasil deverá ser construído a partir do campo (...) A luta armada insere-se na

política burguesa, no ponto mais fraco do exercício de poder das classes dominantes

e encontra sua expressão social completa na luta dos camponeses pela reforma

agrária83.

A analogia entre discursos é maior quando se trata de Brizola. Mesmo pouco antes

da década de 1960, este estava no tênue limiar do trabalhismo radical e “nova esquerda”.

Seu caloroso pronunciamento no referido comício de 1964 e sua análise posterior ao evento

mostra sua sintonia com os guerrilheiros.

“O povo está aqui para clamar, para reivindicar, para exigir e para declarar a sua

inconformidade com a situação que estamos vivendo. Povo e governo devem ser

uma unidade. Unidade esta que já existiu em agosto de 1961, quando o povo

praticamente de fuzil na mão, repeliu o golpismo que nos ameaçava e garantiu os

nossos direitos (...) Quando uma multidão se reúne como nesta noite, isto significa

o povo nos caminhos de sua libertação se conseguirmos, hoje, a restauração daquela

unidade. Presidente poderá proclamar através da manifestação do povo, as origens

de seu governo e, para isso, será suficiente que ponha fim à política de conciliação

e organize um governo realmente democrático, popular e nacionalista.(...) Nosso

caminho é pacífico, mas saberemos responder à violência com violência. Quem tem

o povo ao seu lado, nada tem a temer”84.

83 “Concepção...”. pp. 147-152. 84Grifo nosso. Cf: O panfleto. 16.03.1964. Retirado do Grupo de Estudos sobre Ditadura, coordenado por Carlos Fico na UFRJ: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br em 12/03/2009.

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Em suas conclusões acerca do referido comício, notamos uma compreensão realista

em relação à conjuntura, ao contrário de Prestes, que não acreditava em um golpe de

direita, neste mesmo período85.

“É preciso que o povo brasileiro nesse momento esteja atento e vigilante, é preciso

que os democratas apressem a organização popular, pois só com a sua consciência

de organizado poderão conter os impulsos golpistas prestes a se desencadear. Com

esta vigilância e a defesa da verdadeira democracia impediremos que através de um

regime de força seja usado como solução ato tão conhecido, principalmente nos

países sul-americanos: transferir pela violência, pelo amordaçamento das massas, o

ônus das distorções da nossa estrutura social para as grandes e já espoliadas

camadas baixas de nossa população”86.

Tal radicalização proposta anos antes pelo político, foi introjetada pelo COLINA.

Logo no início do seu documento-base já anunciavam sua proposta:

“A defesa da violência é um dos aspectos da luta ideológica que os marxistas-

leninistas travam contra os reformistas (...) A luta armada é a única forma de alijar

do poder os representantes de uma classe social (...) É preciso conhecer o caráter

das forças revolucionárias: o nível de consciência política do proletariado e das

demais classes exploradas, o seu grau de organização”87.

Os excertos apresentados foram para melhor vislumbrar a “permanência, a

impregnação de valores, referências, proposta e linguagem da tradição nacional-estatista”88

na esquerda armada. A seguir aprofundaremos o debate acerca do que tal esquerda

interpretou como terrorismo.

1.3. TERRORISMO

85 VILLA, Marco A. Jango, um perfil. Rio de Janeiro: Globo, 2004. 86 Cf: O panfleto. 23.03.1964. Retirado do Grupo de Estudos sobre Ditadura, coordenado por Carlos Fico na UFRJ: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br em 12/03/2009. 87 “Concepção...” pp.135-136. 88 Idem. pp.179.

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De acordo com Koselleck, a língua é pensada como parte fundamentalmente

importante na compreensão e entendimento do uso de certos conceitos e não de outros (isto

é a Seleção) para a inteligibilidade de realidades históricas. Com esta seleção construímos

uma cadeia, através do conjunto da língua, que articula um conceito a outro. Para

exemplificar, o autor lembra da estreita articulação dos conceitos de Estado e Sociedade,

articulação hoje esquecida, pois a partir de Hegel esses dois conceitos foram pensados

separadamente89.

Podemos desta forma, aplicar esta teoria para nuançar e separar conceitos tornando

possíveis de serem ditos e expressos, como é o caso dos conceitos de terrorismo e

violência, que tendem sempre a serem pensados juntos. Norberto Bobbio90 afirma que o

ponto inicial para se entender este fenômeno do terrorismo é saber a diferença entre ambos.

Definir terrorismo não é tarefa fácil. De acordo com Renata Schittino, não há um

consenso entre especialistas nas suas caracterizações sobre fenômeno. A prova disto é que

em muitas vezes os autores chegam a se contradizer em suas conclusões, sendo considerado

por alguns como uma manifestação da política e outros o consideram uma pseudo-

política91. A autora faz um amplo trabalho para caracterizar de forma mais completa o que

seria este fenômeno. Ela chama a atenção para o fato de que:

Associar o terrorismo à revolução ou à guerrilha não esclarece o significado do

termo e não torna possível pensar o aparecimento do terrorismo em situações

políticas que não necessariamente estas. Ainda que seja comum a todos os trabalhos

a idéia de que terrorismo envolve uso intensivo e indiscriminado de violência,

direcionada principalmente contra civis a partir dessa definição ampla não é

possível diferenciar formas políticas que fazem uso de violência.92

89 KOSELLECK. op.cit. 1992. pp.4. 90Cf.BOBBIO,Norberto. Terrorismo Político. IN: Dicionário de política. Vol.2. Brasília: UNB, 2004. pp.1242. 91Deixamos claro que o terrorismo não acontece somente dentro do campo da política. Podem ocorrer atentados de motivações religiosas, por exemplo. Assim como nem sempre os atos terroristas são realizados em grupos. Podem ser praticados individualmente. Não abordaremos estes casos, pois nosso objeto não se enquadra nestas categorias. Sobre o debate ver: SCHITTINO, Renata. Terrorismo: a violência política como espetáculo. Dissertação de Mestrado. PUC/RIO, 2004. 92 SCHITTINO. op.cit.pp.20.

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Concordamos plenamente que a associação do terrorismo aos grupos guerrilheiros e

à revolução é realmente inevitável. Nos limitarmos a eles também não dá um sentido

completo ao fenômeno, contudo, cabe ressaltar que a proposta da pesquisadora é de

abranger uma história do conceito de terrorismo e para tanto, ela recorta outros marcos

cronológicos e situações, como por exemplo, o atentado de 11 de setembro de 200193. A

linha de pensamento que nos interessa - terrorismo como parte da política pode ser

explicado em parte como:

O terrorismo político propriamente dito é uma política continuada que envolve a

deflagração o terror organizado seja por seja de parte do Estado, de um movimento

ou facção, ou por um pequeno grupo de indivíduos. O terrorismo sistemático

invariavelmente obriga a uma estrutura organizacional, por rudimentar que seja, e a

alguma teoria ou ideologia do terror94.

O que fica evidente é que o termo terrorismo é sempre usado de forma pejorativa.

Seria sempre o método do inimigo. Ao centramos em nosso período estudado, a Ditadura

Militar, vemos que tanto militares quanto guerrilheiros se acusavam de terroristas. O

sentido depreciativo o termo estaria ligado à idéia de violência.

Numa outra vertente, Schittino escreveu que o terrorismo aparece quando há o uso

da violência espetacular95 com a intenção de promover transformações políticas na

estrutura social. Para a autora esta violência é característica da sociedade contemporânea,

onde os eventos políticos se apresentam na esfera pública como espetáculo. Desta forma

apareceu a violência-show. A vítima deste tipo de violência seria a sociedade civil que

assiste aos atentados. A imagem das vítimas é mais importante que o numero de vítimas.

Hector Saint-Pierre dialoga de certa forma com a autora quando trata do terrorismo, como

uma luta que se dá no nível psicológico, intimo. O terror seria um pavor incontrolável,

desta maneira, o alvo nunca é a vítima direta, que morre no atentado (ou é seqüestrado,

assaltado, etc.), mas os ausentes na ação, os expectadores que se identificam de alguma

93 Para a autora, por mais que o terrorismo em si não represente uma novidade, o 11 de setembro inovou sendo um novo tipo de espetáculo de violência terrorista, uma vez que foi transmitido ao vivo. 94 WILKINSON, Paul. O terrorismo político. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. pp.21. 95 Idem. pp.17.

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forma com o que sofreu. Assim sendo, quanto mais genéricas e comuns forem às

características da vítima, mais pessoas se identificarão e mais inseguras se sentirão. O

triunfo do terror acontece na medida em que aumenta o seu impacto na opinião pública. O

terrorismo pode também, ao contrário do primeiro caso, servir para a demarcação entre o

nós e os outros, através da localização de um alvo preterido pela sociedade fazendo com

que esta se identifique com os que praticam atos terroristas. Neste caso ficaria explicita a

divisão política existente na sociedade e a violência passa a ser a forma de relação política

entre os lados. A notoriedade ocorre de acordo com o simbolismo da ação, não importando

a tática96. Um exemplo disto foi o caso do assassinato de Pedro Eugênio Aramburu pelos

Montoneros97. A tática não teve importância, o que valeu foi o simbolismo político do ato

cuja conseqüência foi consolidar este grupo dentro da esquerda peronista. Se pensarmos

dentro do nosso objeto, podemos levantar a hipótese de que este mesmo objetivo, o de

notoriedade e consolidação dentro da esquerda, tenha sido almejado pelo COLINA, ao

tentar eliminar Gary Prado, executor de Che Guevara98.

Eugenio Diniz nos ajuda a problematizar o uso do termo “terrorismo” para

qualificarmos a esquerda armada brasileira. O autor nos fornece apontamentos para a busca

de uma definição do termo:

A consideração dos meios nos ajudará a distinguir a ação terrorista de

outras ações cujas finalidades sejam de mesma natureza; e a consideração

dos fins nos ajudará a distinguir a ação terrorista de outras ações que

empreguem os mesmos meios. Com isso, podemos ter uma definição

suficiente. Por outro lado, uma vez que o termo já tem uma história, não é

possível enfrentar o problema conceitual do zero: é preciso levar em conta

96 SAINT-PIERRE, Hector. A política armada. São Paulo: UNESP, 2000. pp.213. 97 Montoneros foi a organização revolucionária armada peronista de maior destaque na Argentina. Em meados dos anos 1970 cresceu o numero de jovens de vários setores da sociedade que ingressam neste grupo para fazer oposição à ditadura militar. Braço armado de Perón tinha em Evita um ícone. “Perón ou morte” e “Se Eva fosse viva seria Montonera”, eram seus lemas, todavia, a relação entre Perón e Montoneros nem sempre foi pacifica. Tal adoração à figura de Evita, levou o grupo a seqüestrar e assassinar, em 1970, Pedro Eugênio Aramburu, general que presidiu o país de 1955 a 1958, após um golpe que depôs Perón. Foi a primeira grande ação do grupo. A exigência era a localização do cadáver embalsamado de Evita e pretendiam vingar o fuzilamento de civis e militares peronistas neste mesmo período ditatorial. Cf: BRASCHETTI, Roberto.Documentos vol. I e II. Buenos Aires. De la campana, 2004;GUILLESPIE, Richard. Soldados de Perón. Los Montoneros. Buenos Aires. Grijalbo,1987; SARLO, Beatriz. A paixão e a exceção: Borges, Eva e os Montoneros. Belo Horizonte: UFMG/Cia. Das Letras, 2005. 98 O caso será melhor trabalhado no próximo capítulo.

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essa história, sob pena de que a reflexão se torne estéril e sem sentido —

quando o tema em si mesmo é tão relevante para a vida de tantas pessoas.99.

Quase a totalidade das compreensões acerca do terrorismo faz alusão ao emprego

ou a ameaça de emprego da força física, contudo, na visão do autor , há uma característica

específica no uso (ou ameaça) da força: sua indiscriminação. Deste modo, qualquer

indivíduo que tenha alguma relação, em maior ou menor grau, com o alvo de um grupo

terrorista, está sujeito a ser alvo imediato de uma ação, sem algum indício de que seria

melhor evitar aquele determinado lugar. Como exemplo, cita o caso de algum local publico

que não esteja perto de embaixada ou outro alvo em potencial. Se alguém avisar à polícia

ou o estabelecimento que há uma bomba em determinado lugar, programada para explodir

em determinadas condições, o local será esvaziado de forma que o objeto seja (ou não)

encontrado. Uma vez que o caso se espalhou pelos cidadãos, generaliza-se o pânico.

“O efeito é muito maior que o da destruição efetivamente causada. E quanto

mais pessoas ficam sabendo, maior é o efeito. Na verdade, o efeito advém

exatamente de as pessoas ficarem sabendo. É seu efeito psicológico que

importa. Daí o nome de ‘terror’”100.

O ponto alto da discussão levantada é a distinção entre o terror e o terrorismo. A

especificidade do terror - e não necessariamente do terrorismo – “é a virtual irrelevância,

para a relação numérica ou material de forças, da destruição material (pessoas,

equipamentos, suprimentos) causada”. Concluiu-se, portanto, que o terrorismo não seria tão

somente o uso da força, mas seu emprego através do terror. O terror seria o meio. Para que

o conceito não fique restrito, haja vista que, o uso de elementos do terror podem ser usados

em outras situações que não se configuram em terrorismo (como um assalto à banco

comum), há de se considerar os fins, mas não tão somente o fim político. A saída

encontrada por Eugenio Diniz foi dividir a utilização política do terror em duas: emprego

político não-terrorista do terror e o emprego político terrorista do terror. O primeiro caso,

uso político não-terrorista do terror, tem como objetivo forçar o alvo a comportar-se da 99 DINIZ, Eugenio. Para compreender o fenômeno do terrorismo. pp.9. 100 Idem. pp.11.

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maneira desejada por quem está empregando o terror, ou seja, há ligação direta entre o uso

do terror e o objetivo último buscado por quem o emprega. O segundo caso, de uso político

terrorista do terror, as conseqüências do atentado têm grande importância. Além da

divulgação do grupo que quer “chamar a atenção” para si e suas inquietações diante de uma

determinada situação política, pretendem desmascarar a opressão. O modo é provocá-lo até

que reaja de forma violentamente, de modo a não deixar dúvidas quanto ao seu caráter.

No terrorismo, não há vinculação direta entre a utilização do terror e o objetivo

último buscado pelo grupo, porque o grupo não dispõe de força suficiente para fazê-lo.

Pretendem somente aumentar sua força e influencia na sociedade para por fim ao inimigo:

para Diniz, seria um estratagema, num sentido um pouco mais rigoroso que o de uma

simples emboscada, mas envolvendo necessariamente a idéia de despiste e ocultação de

seus objetivos imediatos — mas não dos seus objetivos últimos101. O pesquisador salienta o

risco deste estratagema: o emprego do terror tende geralmente a alienar a população,

dessolidarizando-a com a causa defendida pelo grupo; é por isso que, em algumas situações

— como quando se trata simplesmente de publicizar uma causa —, a destruição efetiva

deve ser minimizada e os próprios atentados não devem se multiplicar muito. A sensação

de urgência ou de premência é que é o diferencial. O que é relevante é que o grupo

considera que não há tempo para processos demorados, e decide acelerar as coisas através

do estratagema arriscado do terrorismo.

Desta forma, o autor conclui que terrorismo seria:

o emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir (e não

compelir nem dissuadir) num outro público (que pode, mas não precisa, coincidir

com o primeiro) um determinado comportamento cujo resultado esperado é alterar

a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo-lhe no

futuro alcançar seu objetivo político — qualquer que este seja (...) O terrorismo é

intrinsecamente, e não apenas empiricamente, um estratagema do fraco102.

101 Idem. pp.33. 102DINIZ. pp. 26

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Uma vez delineado o que seria terrorismo, chegamos ao ponto de interesse à nossa

pesquisa: qual a diferença entre o terrorismo e outras formas de luta que empregam a força,

como a guerrilha? E como classificaríamos os grupos guerrilheiros brasileiros?

Segundo Diniz, os guerrilheiros combatem outras forças, com a finalidade de

enfraquecer o inimigo e desestabilizá-lo psicologicamente. Assim, possivelmente acresce

sua própria força às custas de seus inimigos, contudo, o autor ressalva que este emprego da

força nada tem de indiscriminado nem de irrelevante em termos materiais. O que acontece é

que os guerrilheiros apostam na ação em um tempo diferenciado, mais lento, em que

manifestam sua disposição de lutar, para desta maneira fazer variar a seu favor a relação de

forças, psicológica e material, inclusive atraindo, a partir de seus sucessos pontuais, mais

gente para a sua causa103.

No Brasil, quem mais claramente propagou o terrorismo e a violência à esquerda foi

Carlos Mariguella, ex-dirigente da organização Aliança Libertadora Nacional (ALN). No

que tange a esta questão, teoricamente ele se mostra mais radical que Che Guevara. Em seu

“Manual do guerrilheiro urbano”, o terrorismo é definido como qualquer ação que envolva

explosão, sendo, deste modo, uma arma “que o revolucionário não pode abandonar”. A

chamada “guerra de nervos” serviria para desestruturar psicologicamente e desmoralizar o

governo. Viria como aliado dos atos terroristas na medida em que deveria ser usado para

anunciar falsos atentados.

Para Mariguella:

“A acusação de "violência" ou "terrorismo" sem demora tem um significado

negativo. Ele tem adquirido uma nova roupagem, uma nova cor. Ele não divide, ele

não desacredita, pelo contrário, ele representa o centro da atração. Hoje, ser

"violento" ou um "terrorista" é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa

honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada

contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades” 104.

Baseando-nos nas discussões feitas até o momento podemos afirmar que a esquerda

brasileira utilizava-se do emprego político terrorista do terror, uma vez que utilizavam-se 103 Idem. pp. 12. 104 MARIGUELLA, Carlos. Mini-manual do guerrilheiro urbano. 1969. Retirado de http://www.marxists.org em 25/11/2008. Grifo nossos.

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da violência revolucionária como forma de combate à ditadura e tomada de poder. É a idéia

expressa inclusive pelo grupo por nós estudado em que “um exército só se destrói com

outro exército”105. Os assaltos e os atentados à bombas tanto serviram como táticas de

enfraquecimento do regime, para almejada tomada de poder, como para as chamar a

atenção da sociedade para as arbitrariedades do regime. No caso dos seqüestros de figuras

políticas internacionais foi uma prática que visava algo além das denúncias: foi um modo

encontrado para salvar vidas dos companheiros encarcerados 106. Este epíteto de terroristas

foi cunhado pela própria repressão, como forma de conter o número de opositores ao

regime.

Marcelo Ridenti afirma que a esquerda armada no Brasil não foi mais do que a

manifestação mais radical do romantismo revolucionário107. Segundo o autor, este

romantismo enfatizava “a prática, a ação, a coragem, a vontade de transformação”.

Buscavam no passado elementos para a transformação: “o homem novo” que surgiria após

a revolução, tinha suas raízes no homem do povo, do campo. Este romantismo não era tão

somente essa volta às origens, era no passado que buscavam elementos para a construção

do futuro – uma sociedade não consumista e não desumanizada. Reis Filho faz coro a

Ridenti, e chama a atenção para certos aspectos que fazem parte da esquerda e que devem

ser revisados como o autoritarismo revolucionário e o messianismo de classes e partidos.

Esta exposição é para a relativização da imagem mais difundida sobre os guerrilheiros que

é a figura de jovens pouco responsáveis com ações ousadas. De boas intenções, mas

equivocadas108.

Há uma discussão entre a relação terrorismo e marxismo. Dois autores que

trabalham diretamente com esta são Philipe Raynald e François Furet.

Philipe Raynald, ao tentar propor uma teoria acerca do terrorismo, afirma que é o

estimulo das teorias marxistas que servem de motor para as atividades terroristas. Seria a 105 “Concepção...” pp.151. 106 Em novembro de 78 havia 130 banidos do território brasileiro: 15 trocados pelo embaixador americano em set./69; 5 trocados pelo cônsul japonês em mar/70; 40 trocados pelo embaixador alemão em jun/70 e 70 trocados pelo embaixador suíço em jan/71. Cf.: GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia.Tese de doutorado.Departamento de historia. FAFICH. UFMG. 2003. pp.51. 107 RIDENTI, Marcelo. O romantismo revolucionário dos anos 60. IN: FREIRE, Alípio et. all. Tiradentes, um presídio da ditadura.São Paulo: Scipione, 1997. pp. 414. 108 REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In: REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997.

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partir destas influências que os terroristas escreviam seus próprios manuais, onde se faz

evidente a apropriação das tendências marxistas. Por acreditarem em uma realidade

idealizada crêem que através da violência seria possível realizar o desenvolvimento

revolucionário histórico. O autor acredita que o terrorismo não é pensado como ideologia

em si mesma, baseada no terror, mas age como um movimento que toma emprestado

ideologia marxista109. François Furet argumenta de modo diferente tal aproximação. Em

sua visão, a sociedade seria uma ordem hierarquizada onde a ordem estatal seria definida

por uma determinada classe. Este seria o legado do marxismo ao terrorismo. Desta forma,

ambos justificam a violência como forma de se estabelecer a verdadeira democracia110.

Renata Schittino faz três ressalvas às aproximações feitas pelos autores, sendo:

1- não é plausível caracterizar toda manifestação terrorista como marxista, pois

existem grupos denominados terroristas com intenções político-religiosas; 2- a

prática terrorista é condenada pelo pensamento marxista, desde Lênin até Luckács;

3- existe uma pluralidade de idéias diversas nisso que se está denominando

marxismo111.

Fazemos um acréscimo à autora quanto à condenação do terrorismo por toda a

corrente marxista. De acordo com Leon Trotsky, a revolução não significaria "logicamente"

o terrorismo, nem implica a insurreição armada, contudo, ela exige que a classe

revolucionária deve usar todos os meios possíveis para alcançar os seus objetivos, tanto a

insurreição armada, se necessário, quanto o terrorismo, se necessário. Ele escreve sobre a

situação revolucionaria ocorrida durante guerra civil em que lutavam contra pessoas

armadas. Isto não implica em terrorismo. São armas contra armas. A classe trabalhadora,

que ganhou força com armas, em contrapartida, deve com a violência anular todas as

tentativas de retirada de poder das suas mãos. Em suas palavras:

O princípio de que a renúncia ao terrorismo, ou seja, das medidas de intimidação e

de repressão no que diz respeito à contra-revolução armada também deve renunciar

109 RAYNAULD, P., Les Origenes Intellectuelles. IN: FURET, F.; RAYNALD, P.; LINIERS, A. Terrorisme et Democratie. Paris: Fayard, 1985. pp. 42. 110 FURET, F. Terrorisme et Democratie. IN: FURET, F.;RAYNALD, P.; LINIERS, A. op.cit. pp.12. 111 Cf.:SCHITTINO. op. cit.pp. 28-31.

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a dominação política da classe trabalhadora, a sua ditadura revolucionária. Aqueles

que renunciam a ditadura do proletariado, a renunciam à revolução social e colocam

uma cruz sobre socialismo112.

Para fazer um breve contraponto a Furet e Raynauld apresentaremos outros dois

teóricos marxistas que defendem a ilegitimidade dos atos terroristas.

Para Lênin, o terrorismo é a estratégia a que recorrem grupos de intelectuais não

ligados organicamente à massa. Sua ação terrorista caracterizaria por uma luta

individualista e com desconfiança em relação à possibilidade de insurreição quando as

condições não são favoráveis ao seu desencadeamento. Segundo ele:

“os ‘economistas’ e os terroristas prestam culto a dois pólos opostos da corrente

espontânea: os ‘economistas’ à espontaneidade do ‘movimento nitidamente

operário’ e os terroristas à espontaneidade da mais ardente indignação dos

intelectuais, que não sabem ou não têm a possibilidade de ligar num todo o trabalho

revolucionário e o movimento operário”113.

Deste modo, a crença de Lênin é no processo de conscientização do proletariado

para uma segunda etapa de formação de líderes revolucionários. Aderir completamente à

violência seria continuar a pensar como a classe burguesa.

Outro revolucionário que tocou na questão do terrorismo foi Che Guevara. O

guerrilheiro não chega conceituar claramente o que seria o terrorismo, contudo o condena

quando é praticado de forma indiscriminada, pondo em risco a vida do militante.

Acreditava ser mais produtivo “o trabalho nas grandes concentrações humanas, nas quais se

pode inculcar as idéias revolucionarias e fazê-las amadurecer (...) para que as massas

possam mobilizar-se e fazer pender a balança para o lado da revolução”114.

Introduziremos a discussão da faceta do terrorismo de Estado. Notamos de acordo

com a literatura referente que ele não caracteriza somente pelas práticas repressivas físicas

112TROTSKY, L. La dictadura del proletariado. IN: Terrorismo y comunismo. Coleção Clássicos do Marxismo. 2005. Disponível para download. pp.40. 113 LÊNIN, V. O que fazer? IN: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. v.2. pp. 132. 114 GUEVARA, Che. A guerra de guerrilhas. Edições Futuro. s/d. pp. 110.

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ou psicológicas, pode ser vislumbrada em outros âmbitos sociais, como na educação, na

mídia ou na economia.

Gianfranco Sanguinetti, militante da chamada Internacional Situacionista115, na

Itália, traça uma definição de terrorismo tendo como referencia seu país na década de 1970.

Na Itália também houve a designação Anni di Piombo (anos de chumbo), que servia

igualmente para caracterizar os acontecimentos ocorridos naquele país na mesma década.

Grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita, fortemente críticos da democracia

parlamentar e convencidos da utilidade da violência como arma política, dedicaram-se a um

conjunto variado de ações terroristas que visavam desestabilizar o ordenamento político

resultante do pós-guerra. De acordo com Sanguinetti, os atos de terrorismo e atentados que

tiveram impacto sobre os homens seriam classificadas de dois modos: ações ofensivas ou

ações defensivas. O que as diferencia seriam os comandantes, ou seja, de que lado

posicionam-se. As primeiras seriam executadas por desiludidos com o Estado e a outra

seria a resposta deste frente aos ataques sofridos. Desarte, a ação terrorista do Estado ainda

se dividiria de duas maneiras: direta ou indireta. A ação direta atinge toda a população

como no caso do massacre da Piazza Fontana em 1969116, e a indireta ocorre quando o

Estado age contra si como ocorreu no caso Aldo Moro117. Neste clima de tensão estratégica

de ambos lados a população em relação ao terrorismo:

115 A IS foi fundada em 1958 e dissolvida em 1972 (o último número da revista do movimento, num total de doze edições, é de 1969). Fundada e dissolvida por Guy Debord, a IS no período de sua existência, não reuniu mais que setenta membros. Desses, dezenove desligaram-se e quarenta e cinco foram expulsos (expulsos, obviamente, por Debord). Tal característica, a de pequeno grupo, atendia bem aos propósitos do movimento A IS foi um movimento internacional de cunho político e artístico. Do ponto de vista situacionista, a arte ou é revolucionária ou não é nada. Desta forma, os situacionistas se viam como os responsáveis por completar o trabalho dos dadaístas e surrealistas, enquando aboliam os dois movimentos. A despeito disso, os situacionistas respondiam a pergunta "O que é revolucionário?" de maneiras diferentes em momentos diferentes. s.n.t. 116No dia 12 de dezembro de 1969, a bomba que rebentou no interior do Banco Nacional de Agricultura, em Milão, marca o início deste processo de tensão crescente. A explosão causou 16 mortos e 88 feridos. Nos quarenta minutos seguintes, outros explosivos rebentaram em Roma e Milão, provocando mais 17 feridos. O episódio ficou conhecido como “Massacre de Piazza Fontana”. À comoção imediata juntou-se a certeza policial de que por detrás do atentado estariam grupos anarquistas. Descobriu-se que os responsáveis pertenciam a uma pequena organização extremista de direita influenciada por um vigoroso espírito anti-comunista e por elementos no interior do aparelho de Estado italiano. Para mais informações: CALVI, Fabrizio & LAURENT, Frederic. Piazza Fontana. La verità su una strage. Milano: Mondadori, 1997. E depoimentos e textos no site: http://www.archivio900.it/it/libri/lib.aspx?id=432 pesquisado em 15/12/2008. 117 O grupo Brigadas Vermelhas (Le Brigate Rosse) nasceu oficialmente em outubro de 1970. A organização de esquerda Sinistra Proletária anunciou sua criação num folheto, apresentando o movimento como uma rede político-militar cujo objetivo era responder com violência à opressão exercida pelo Governo sobre as massas proletárias. As Brigadas Vermelhas faziam parte do movimento da Esquerda Proletária, criado na França, em

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deve assim convir que, pelo menos neste campo, ela carece do Estado, em quem

deverá portanto delegar os poderes mais amplos para que ele possa enfrentar com

vigor a árdua tarefa da defesa comum contra um inimigo obscuro, misterioso,

pérfido, impiedoso, em suma, quimérico. Perante um terrorismo sempre

apresentado como o mal absoluto, o mal em si e para si, todos os outros males, bem

mais reais, passam para um segundo plano, e devem mesmo ser esquecidos; uma

voz que a luta contra o terrorismo coincide com o interesse comum, essa luta torna-

se o bem geral e o Estado que generosamente a conduz passa a ser o bem em si e

para si118.

No Brasil há um desconforto entre estudiosos na aplicação do termo terrorismo para

falar no caso do nosso Estado. Uma das primeiras a assim classificar a ditadura brasileira

foi Irene Cardoso. A autora afirma ter havido uma produção do terror e sua produção do

esquecimento, via lei de Anistia119. A própria experiência do terror, com seu efeito residual,

maio de 68.Os primeiros ataques dos brigadistas foram contra importantes grupos de industriais. A tática consistia em se fazer contratar como operários das fábricas desses grupos para combater desde o seu interior. No dia 16 de março de 1978, as Brigadas Vermelhas realizaram sua ação mais radical e mais espetacular seqüestrando Aldo Moro, presidente da Democracia Cristã. Moro era articulador da coalizão entre seu partido e o Partido Comunista. Ele representava, aos olhos dos brigadistas, o símbolo de uma coalizão insuportável entre as forças reacionárias e os representantes do proletariado, acusados de revisionismo. Aldo Moro foi assassinado, no dia 9 de maio de 1978. Foi uma tragédia que marcou a história da Itália e do terrorismo na Europa. Sua política de abertura aos comunistas gerava incômodo aos seus partidários e aos EUA, fator que reforça teorias de que o governo não fez questão de negociar sua liberdade. Moro era um inconveniente para ambos. Cf; SANGUINETTI, Gianfranco. Do terrorismo e do Estado. Antígona: Lisboa, 1981. 118SANGUINETTI.op.cit.pp.66. 119 Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o

trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia

traz as duas polaridades citadas, sendo, “anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial

da memória) aí se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e

excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o

esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação

nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, op.cit. pp.319.

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cria dificuldades e mesmo impossibilidades de nomear esta experiência, dificultando a

construção de simbolização ou representação120.

Esta má representação leva à inversões político-ideológicas, manifestadas na

grande importância dada à noção de legalidade e legitimidade pelo regime, tendo

como conseqüência a inversão de valores. Em análise de Marilena Chauí:

“É porque se governa que se é representante. Este aspecto é fundamental para que

compreendamos porque a tortura foi institucionalizada. Em outras palavras:

governar transforma alguns em representantes que é preciso saber o que

representam. Representam o governo o qual, representando-se a si mesmo,

identifica-se com a vontade geral, isto é, com a nação sob o signo da Segurança

Nacional. Uma vez que representam a Segurança Nacional, os membros do governo

consideram-se providos do direito e do dever de defendê-la e, nessa defesa,

institucionalizam a tortura. Em outros termos, recuperam do terror e da monarquia

absoluta o direito de vida e morte sobre toda a sociedade. É essa inversão fantástica

que designei como impossibilidade da política”.121

Chamamos a atenção para mais um fator na dificuldade de caracterização em

terrorismo de Estado. O regime ditatorial nunca se assumiu como tal. Para tanto, todo um

aparato publicitário foi montado para atingir a sociedade e convencer que éramos o país do

“futuro”, o país do “milagre econômico”, de forma que tudo ia dentro da normalidade.

Havia, também, a preocupação da divulgação dessa imagem no exterior, principalmente

depois das denúncias feitas pelos exilados. É a “cultura do simulacro122”. Além das

propagandas, o regime contou com outros meios para se legitimar acabar com possíveis

oposições ao regime. Uma série de profissionais “psi”, mais ligados à psicanálise, como

afirma Cecília Coimbra123 colaboraram “patologizando” a militância contra a ditadura.

Para Heloísa Greco, esta “cultura do simulacro” criado pela propaganda, aliado a

fatores como os êxitos econômicos do regime, “produz efeitos duradouros na nossa cultura

120 CARDOSO, Irene. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo social. São Paulo.2 sem.1990. pp. 101-112. 121 CHAUÍ, Marilena. “A tortura como impossibilidade da política” IN: BRANCA, Eloisa (org.). I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais . Petrópolis: Vozes, 1987, p.32. 122 Cf. CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. IN: FREIE et. all. op.cit. pp.474. 123 Cf. COIMBRA, Cecília. Algumas práticas “psi” no país do milagre. IN: FREIRE, el all, op. cit. pp. 423-436.

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política: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a mídia e a chamada intelligenzia

vão dar conta de fazê-lo” 124.

Nas ditaduras militares latino-americanas, a utilização da Doutrina de Segurança

Nacional (DSN) para a defesa da democracia assumiu o perfil de violência estatal e de

terror de Estado. Assim sendo:

O Estado, que deveria ser uma estrutura de mediação e de proteção da sociedade,

agindo como fiador da segurança das pessoas, foi utilizado, de forma geral, em toda

a região, como um mecanismo que deveria enfrentar e derrotar o “inimigo interno”.

Sob as diretrizes gerias resultantes da interpretação particular que a DSN recebeu

em cada país e através da guerra contra-insurgente, o aparato estatal extrapolou os

limites coercitivos constitucionais desencadeando práticas e ações que acabaram

configurando num sistema de terror de Estado125.

O terror de Estado (TDE) na América Latina é, na opinião de Enrique Padrós, um

terrorismo em grande escala que sai do centro do poder estatal para dentro ou fora das suas

fonteiras. Tinham por características: ser abrangente, porque não houve setor da sociedade

que estivesse fora do alcance de sua repressão ou livre de suas ameaças; ser prolongado,

porque as modalidades foram aplicadas ate o final das ditaduras e suas seqüelas se

projetaram no período posterior; ser indiscriminado, pois a ação repressora contra a

população não teve limites. O conceito de “inimigo interno” permitiu a incorporação de

novos subversivos, num processo sem fim; ser retroativo: pois, após o combate aos

guerrilheiros e comunistas e demais alvo da “segurança nacional” desenvolveu-se uma

pratica de vasculhar o passado das pessoas e suas simpatias políticas, existência de

militância, ou qualquer outra questão que colocasse em questão sua fidelidade ao novo

regime, podendo, assim, significar um processo de estigmatização; ser preventivo: gerando

a “cultura do medo”, que evita correntes de solidariedade, isola as vitimas diretas, fomenta

a passividade, alienação e amedrontamento, e, por fim, ser extraterritorial, perseguindo fora

das fronteiras nacionais. Enfim, tratou-se de uma violência organizada e clandestina cuja

124 GRECO, op.cit.pp.33. 125 PADRÓS, Enrique. Repressão e violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latino-americanas. IN: FICO et.all. (org.). Ditadura e democracia na America Latina. Rio de Janeiro: FGV, 2008.pp. 151.

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estrutura de funcionamento deu-se através de uso arbitrário de mecanismos coercitivos

legais126.

A discussão acerca do conceito de terrorismo é ampla e não nos propormos a

esgotá-la. Os apontamentos principais sobre esta questão servirão para aprofundamento do

debate no próximo capítulo. A partir de uma análise comparativa teremos uma

compreensão de como ocorreu o terrorismo de Estado no período ditatorial brasileiro e

porque a esquerda não se enquadrou em atos ou propostas como organizações terroristas.

Cremos necessárias algumas considerações sobre a violência. Como percebemos é

um elemento que permeia o debate acerca do terrorismo. Queremos desenvolver alguns

apontamentos da violência para compreender o modus operandi das organizações

guerrilheiras e do aparato repressivo. Com este mote apresentaremos os principais teóricos

da violência, que em sua maioria, influenciaram diretamente nossos guerrilheiros.

1.4 DOS AUTORES E DA VIOLÊNCIA

No clássico Da Guerra, Clausewitz afirma que “a guerra não constitui

simplesmente um ato político, sim um verdadeiro instrumento político, uma continuação da

atividade política, uma realização desta por outros meios”127. A política manifestada por

meios violentos tem na guerra uma de suas manifestações. A guerra diz respeito a todos os

elementos relacionados à violência, elemento não necessariamente presente em todas as

ações políticas.

Mesmo assim, no nosso caso, entendemos a violência como uma forma de

instrumento de pressão para fins políticos. No caso das guerrilhas contra ditaduras

militares, é uma forma peculiar de se fazer política quando todos as vias legais estão

cerceadas. A guerrilha é um tipo de luta que emprega o uso da força, contudo, na guerrilha

rural não notamos tanto a violência espetacular como podemos ver na guerrilha urbana.

Para Maria Ribeiro Valle, a opção das organizações estudantis pela violência

revolucionária está vinculada à retomada das grandes teorias anticapitalistas do século XIX,

principalmente a marxista. A destruição do “sistema capitalista, violento e injusto”, só pode

ocorrer com a “utilização da violência”, “arma fundamental para que tenha fim toda a sorte

126 Idem. pp.173. 127CLAUSEWITZ, Carl. De la guerra. Editado por Librodot, 2002. pp.19.

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de violências”. A revolta da juventude irrompe carregando a bandeira da “ruptura”. As

formas de luta adotadas pelo ME, no entanto, articulam-se com as experiências e

proposições revolucionárias internacionais, em especial o “guevarismo” e o “maoísmo”128.

A violência como forma de libertação já foi proferida por autores ainda no século

XIX, como Engels e Marx129. Para estes, somente pelas armas se construiria uma nova

sociedade. Neste período de Guerra Fria, descolonizações e ditaduras militares foram

relidos pela juventude. Revolução para tais autores seria um fundamento epistemológico,

seria um elemento do materialismo histórico.

As análises de Marx e Engels sobre a necessidade da revolução violenta refere-se ao

fim do Estado burguês que fatalmente cederia lugar ao Estado Proletário. Este câmbio de

poderes se daria por meio da revolução violenta. A apologia que ambos fizeram sobre a

inevitabilidade deste tipo de revolução foi proferida no clássico Manifesto Comunista:

Os comunistas não se rebaixam em dissimular suas idéias e seus objetivos.

Declaram abertamente que seus fins só poderão ser alcançados pela derrubada

violenta das condições sociais existentes. Que as classes dominantes tremam diante

da revolução comunista! Os proletários nada têm a perder senão os seus grilhões.

Têm um mundo a ganhar130.

Engels seguia na definição desta violência citando Marx em outras obras, como

Anti-During:

Que a violência desempenha ainda outro papel na história, um papel

revolucionário; que é, segundo Marx, a parteira de toda velha sociedade, grávida de

128VALLE, Maria Ribeiro. O debate teórico sobre a violência revolucionária nos anos 60: “Raizes e polarizações”.Tese de doutorado. UNICAMP, 2002. 129 Cabe a observação de que não podemos desconsiderar a importância de Georges Sorel, teórico do chamado sindicalismo revolucionário. Contudo nao foi muito lido no Brasil. Teve uma trajetória controversa, foi ligado ao sindicalismo revolucionário de extrema esquerda, flertou por algum tempo com a extrema direita monarquista.Entre as peculiaridades do marxista francês está a preocupacão com os aspectos jurídicos do socialismo e a violência, que exalta em seu livro Reflexões sobre a violência. Um ponto destacavel da obra refere-se aos mitos políticos: "conjuntos de imagens capazes de evocar em bloco e somente pela intuição, antes de qualquer análise refletida, a massa dos sentimentos". Suas idéias foram assimiladas tanto pelo fascismo italiano quanto pelos comunistas Italianos. 130 MARX, K. & ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Texto sem referência. pp. 58.

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uma sociedade nova; que é a arma com a qual o movimento social abre caminho e

quebra formas políticas petrificadas e mortas131.

Dentre os livros que diretamente foram referência para a guerrilha está Guerra de

guerrilhas, escrito por Ernesto Guevara e publicado no Brasil em 1960 - traduzido por

Mauricio Grabois132 - foi o primeiro contato brasileiro com as obras da revolução. Segundo

Guevara, a contribuição da revolução de Cuba para os movimentos revolucionários da

América Latina seriam basicamente três, a saber: 1) as forças populares podem ganhar uma

guerra contra o exército; 2)nem sempre é preciso esperar que se dêem todas as condições

para a revolução, o foco insurrecional pode criá-las; 3) na América subdesenvolvida, o

terreno da luta armada deve ser o campo133. O livro, escrito de forma didática, nada mais é

do que a sistematização, e, em parte, a teorização das ações desenvolvidas pelos

guerrilheiros cubanos. Guevara escreve qual deve ser a essência da luta guerrilheira: a

libertação do povo. Fornece os ensinamentos das estratégias e táticas da guerrilha, que

incluem mobilidade e sobrevivência na selva, em terrenos favoráveis ou não, para que se

chegue, no final, às cidades. Define o duplo papel do guerrilheiro, sendo o de reformador

social, “o homem que encarna os anseios o povo”, cuja bandeira maior é a reforma agrária,

e o outro papel de combatente, cheio de características e virtudes (habitante da zona rural,

combatente noturno, arrisca a sua vida, trata do companheiro ferido, é audaz, e, sobretudo,

discreto)134 .

Como vemos, havia uma concepção inabalável de que só pelas armas poderia se

libertar os povos: “Na América, o caminho para a libertação dos povos, que será o caminho

do socialismo, se fará pelas armas em quase todos os países”135. Seria, na visão de Michel

131 ENGELS. F. citado por LENIN, V. O Estado e a Revolução. Obras Escolhidas. Moscou: Progresso, 1979. pp. 114. 132 Mauricio Grabois foi integrante do PC do B e desapareceu no Araguaia em 1973, aos 61 anos. Nos anos 1930, foi um dos primeiros a organizar o Partido Comunista dentro das Forças Armadas. Em 1962, foi um dos fundadores PC do B. Seu filho, André Grabois, também foi morto na Guerrilha do Araguaia em 1972. Cf. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos. Direito à verdade à memória. Brasília: SEDH, 2007. pp.229. 133 GUEVARA, Ernersto. A guerra de guerrilhas. Rio de Janeiro: Futuro, 1960. pp.17. 134 Idem. pp.59. 135GUEVARA, Che. Citado por LOWY. Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp. 117.

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Lowy, uma teoria guerrilheia “causewitziana”, pois compreende a guerrilha como a

continuação pelas armas da política revolucionária136.

Sobre a questão da organização da guerrilha, o próprio Guevara afirma que não deve

ser feita como um esquema rígido, ou seja, deve haver uma adaptação desta fórmula aos

meios, para que então, se lance ao combate. Percebemos em Guerra de guerrilhas que a

ação da guerrilha desmascara o poder, forçando-o a mostrar sua violenta face.

Outra obra revolucionária cubana foi a Revolução na revolução137 escrita por Regis

Debray em 1967 é embasada na experiência do autor, que militou na guerrilha ao lado de

Che Guevara. Narra a teoria e a prática da ação guerrilheira, que conduziu à vitória da

revolução cubana. Para Debray, a guerra de guerrilhas latino-americana constituiu “uma

guerra ‘irregular’ para sitiar as cidades a partir do campo”138. O autor fala da importância

das regras militares a serem seguidas, da disciplina revolucionária, e critica o papel dos

intelectuais que, ao se prenderem aos livros, distanciaram-se da realidade guerrilheira, sem

o desenvolvimento de um preparo físico e com dificuldade de improviso em situações de

risco. Também explica a necessidade da análise da realidade do lugar em que a luta armada

será desencadeada, na medida em que cada local possui condições específicas. Pouquíssimo

se difere de Guevara. A guerra de guerrilhas acontece por etapas, sendo elas: 1) a do

estabelecimento primário em um local de difícil acesso para a repressão; 2) trabalho com a

população local para conseguir adesão à luta – neste ponto Debray ressalta o papel de

mulheres e crianças, que não participam diretamente na luta armada, porém devem ser

integrados à produção, à sabotagem, à informação e ao transporte139. Uma vez conquistados

os camponeses, eles seriam o braço armado da revolução, formando o exército popular. O

radicalismo da causa é expresso sem meias palavras quando o autor afirma que “vencer é

aceitar desde o princípio que a vida não é o bem supremo do revolucionário”140 . O foco

guerrilheiro seria o “pequeno motor” que acionaria “grande motor” - ou seja, as massas - e

que desencadearia a sonhada revolução. Outro tema não menos relevante é tratado como a

importância do partido de vanguarda, que deveria ser fortalecido para a condução firme da

conquista do poder para os trabalhadores.

136 LOWY. Op. cit. pp.118. 137 DEBRAY, Regis.A revolução na revolução. São Paulo: Centro Editorial Latino-Americano, s.d. 138 DEBRAY. op. cit. pp.8. 139 Idem.pp.33. 140 Idem.pp.42.

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Havemos que considerar dois autores que também contribuíram, em graus

diferentes, para a justificativa pela violência armada. São Franz Fanon e Herbert Marcuse.

Franz Fanon, nascido na Martinica, serviu o exército francês contra o nazismo,

formou-se em psiquiatria e estudou filosofia. Formado, foi para a Argélia como médico-

chefe. Aí começou sua militância, a partir do seu contato com a realidade da colônia,

tornando-se cidadão argelino.

O Brasil começou a se familiarizar com suas idéias durante a estadia de Jean-Paul

Sartre e Simone de Beauvoir no país, entre agosto e setembro de 1960. O casal chegou ao

Rio de Janeiro, vindos de Havana, para solicitar a solidariedade internacional necessária

para sustentar a revolução cubana e a guerra de libertação da Argélia. Certamente a

intelectualidade brasileira, tão próxima do que se passava em Paris, acompanhava, através

de Les Temps Modernes, as posições anticolonialistas do filósofo. A sua peregrinação à

China, a Cuba e ao Brasil tinha claramente um caráter militante.

A esquerda brasileira tomou conhecimento de Fanon através do extrato de Damnés

de la terre (1961), publicado em Les Temps Modernes; e do prefácio de Sartre. Michel

Löwy, por exemplo, se lembra de ter discutido o prefácio com seus companheiros em São

Paulo, provavelmente ainda em dezembro de 1961. Há que se notar dois fatos na

informação: primeiro, foi o prefácio de Sartre e não o artigo ou o livro de Fanon que foi

discutido; segundo, a esquerda brasileira discutia seriamente a violência revolucionária,o

que significava que os autores que escreviam sobre a América Latina, sobre táticas de

guerra urbana ou guerrilha, ou faziam a teoria geral da revolução em sintonia com a

filosofia européia, eram privilegiados na leitura141.

Antônio Sérgio Guimarães, levanta a hipótese de que alguns fatos fizeram com que

dificultasse a maior divulgação de Fanon entre a esquerda no Brasil. O primeiro deles é que

pouco depois desse primeiro contato sobreveio o golpe militar de 1964, que levou ao exílio

um grande número de militantes. O segundo é que aqueles que acreditavam na violência

revolucionária passaram à clandestinidade, tornando tênues os seus elos com o mundo

cultural, assim, o que se lia sobre Fanon nos anos 1960, é muito pouco. No Brasil, a

141 Informação de Michel Löwy a Antonio Sergio Guimarães, em dezembro de 2007. Löwy sai do Brasil em agosto de 1961 e volta em dezembro do mesmo ano por dois ou três meses, provavelmente trazendo uma cópia do Damnés de la Terre, recém-lançado em Paris. Cf. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A recepção de Fanon no Brasil e a identidade negra. IN: NOVOS ESTUDOS CEBRAP. julho 2008. pp.103.

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esquerda reverenciava o autor, mas, se o lia em francês, não o citava; impondo-se um

silêncio obsequioso O certo é que, finalmente,em 1968,aparece a edição brasileira de

Condenados da terra, rapidamente retirada de circulação pelos órgãos de repressão

política,mas não antes de cair nas mãos de dezenas de militantes142.

A questão da violência, tanto a do colonizador como a do colonizado é a análise

central de Fanon no livro citado. O famoso prefácio de Sartre evidencia a originalidade

deste trabalho:

“Fanon é o primeiro desde Engels a repor em cena a parteira da história (...) a

violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens

subjulgados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para acabar com suas

tradições, para substituir sua língua pela nossa, para destruir sua cultura sem lhes

dar a nossa”143.

Em outra passagem, Sartre relata o que chamou de “momento do bumerangue”,

quando:

ela (a violência) se volta contra nós, atinge-nos e, como das outras vezes não

compreendemos que é nossa. (....) Essa violência irreprimível ele (colonizado) o

demonstra cabalmente, não é uma tempestade absurda nem a ressurreição de

instintos selvagens e nem mesmo o efeito de um ressentimento; é o próprio homem

que se recompõe. Sabíamos, creio eu, e nos esquecemos esta verdade: nenhuma

suavidade apagará as marcas da violência; só a violência é que pode destruí-las. O

colonizado cura da neurose colonial, passando o colono pelas armas”144

Fanon justifica a utilização de meios violentos para derrubar o colonialismo e vê na

violência anticolonial uma práxis absoluta que liberta o colonizado de suas alienações: “O

homem colonizado liberta-se na e pela violência”145. Ele supõe que a revolta violenta

142 GUIMARÃES. op.cit. pp.104. 143SARTRE, J.P. Prefácio. IN:FANON, Franz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. pp. 09. 144 Idem, pp.14. 145 Ibdem. pp.66.

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desmistifica a suposta inferioridade do colonizado, tendo o adentrado profundamente nesta

verdadeira sociologia da violência. O contexto em que foi escrito o livro demandava um

estudo da violência e de justificativas de sua utilização como meio para acabar com o

colonialismo, haja vista que diversos povos colonizados cada vez mais se revoltavam

contra os colonos europeus.

“O argumento escolhido pelo colonizado foi-lhe indicado pelo colono e, por uma

irônica reviravolta das coisas, o colonizado é quem agora afirma que o colonialista só

entende a força”146. O colonizado sempre conviveu com a violência. A situação colonial,

por sua fatalidade interior, convoca à revolta esta condição. A violência aproximou os

militantes, serviu-lhes como coesão, por isso os militantes argelinos da FLN e também os

Mau-Mau quenianos tinham que executar um atentado pessoal contra os colonialistas para

fazer parte de suas respectivas organizações. No momento em que a violência tornou-se

explícita na sociedade colonial, ela revelou ao colonizado a verdadeira face da ação

colonialista e isto desalienou os indivíduos, ela desmistificou as ilusões fundadas nas

superestruturas colonialistas. Sob vários aspectos, a violência é um evento heurístico de

excepcional significação. Revelaria o visível e o invisível, o objetivo e o subjetivo, no que

se refere ao social, econômico, político e cultural, compreendendo o individual e o coletivo.

A temática das seqüelas psicológicas da guerra e da tortura147 praticada pelo

franceses também é um ponto destacável na obra. Encontramos a defesa por parte do autor

que processos de contínua violência, tortura, repressão e opressão resultam em estados

psicológicos ligados à infelicidade, à depressão e ao desequilíbrio. “Há, portanto, nesse

período calmo de colonização vitoriosa uma regular e importante patologia mental

produzida diretamente pela opressão” 148 e acrescentava que “ainda assim, nosso propósito

é mostrar que a tortura sofrida desarticula profundamente, como seria de presumir, a

personalidade do torturado”149.

146 Ibdem. pp.65. 147 Desde inicio do século XX alguns estudiosos se debruçaram sobre o tema da resiliência. Resiliência é a capacidade humana de se recuperar ou ser imune psicologicamente quando se é submetido à violência de outros seres humanos ou das catástrofes da natureza. A maioria dos indivíduos se torna então vítima, adquirindo transtornos do desenvolvimento ou psicológicos na infância, transtornos de conduta na adolescência e juventude e transtornos psiquiátricos na vida adulta. Alguns indivíduos são resilientes. Ser resiliente sempre é conseqüência dos fatores de risco, de sua intensidade de duração, e dos fatores de proteção que o indivíduo possui. Cf. GRUNSPUN, Haim. Violência e resiliência. Texto sem referência. 148 FANON. pp.212. 149 Ibdem. pp.231.

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Tais afirmações refletiriam a realidade brasileira no período da ditadura militar, em

que um medo generalizado pairava a sociedade. As formas detalhadas das seqüelas mentais

decorridas da violência sofrida pelos argelinos, não diferem muito das seqüelas relatadas

pêlos sobreviventes de tortura em todos as partes do mundo, fato esse evidenciado pela

Anistia Internacional em seu relatório de 1973, quando pela primeira vez esse órgão se

mobilizou para esclarecer esse tipo de violência, considerando uma avaliação das seqüelas

a nível médico e psicológico.

Para Michel Lowy, há uma semelhança notável entre as idéias de Fanon e as de

Guervara, sendo: o papel revolucionário do campesinato, a violência dos oprimidos, a

unidade anti-imperialista do Terceiro mundo e a procura de um modelo de socialismo.

Guevara tinha grande interesse na literatura de Fanon. Lowy acredita que esta leitura tenha

sido um dos fatores que o inspirou em lutar na África entre 1965-1966150.

O outro autor a quem nos referimos e que de certa forma também forneceu

argumentos para a esquerda armada foi Herbert Marcuse. Este militante nos movimentos de

oposição dos Estados Unidos e da Alemanha, portanto enfatizava o papel do movimento

estudantil e dos intelectuais como uma força potencialmente revolucionária. Em O fim da

utopia, temos algumas das principais idéias que influenciaram nossos militantes radicais.

A oposição, que tem como meta “o desenvolvimento histórico da liberdade”, desde

o seu surgimento, está no terreno da violência, pois “(...) a pregação do princípio da não-

violência não faz mais do que reproduzir a violência institucionalizada da ordem

existente”151. Esta publicação deu-se em função de palestras pronunciadas em Berlin pelo

autor no ano de 1967.

Para ele o problema da violência na ação não seria apenas um problema tático, mas

também, de estratégica, pelo menos, se não for uma questão de princípios humanitários. E a

questão estratégica não pode ser definida uma vez para uma sociedade global. O autor

pondera a declaração de que a defesa em relação à violência é diferente da agressão.

Exemplo: a violência da polícia para dominar um assassino é muito diferente da

violência que derrubou grandes polícias batendo um protestante, a diferença não é

150 LOWY, Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp. 110. 151 MARCUSE, Herbert. El final de la Utopia. Barcelona: Planeta de Agostini, 1986. pp.51.

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só externa, mas reside na estrutura instintiva, na substância. Eles são atos violentos,

mas funções totalmente diferentes152.

Ele cita este exemplo para mostrar que a violência em escala individual também se

reflete à dimensão social e histórica. Outro exemplo citado seria da violência do terror

revolucionário que seria muito diferente do terror branco, pois o terror revolucionário

implicaria, como terror uma auto-trascendência em uma sociedade livre, que não acontece

com o terror branco. Terror usado para defender os vietnamitas do Norte é essencialmente

diferente da utilizada no atentado terrorista na Alemanha. Marcuse aponta como outro

problema o terror revolucionário se degenerar em crueldade e brutalidade, pra isto não

ocorrer deve acontecer um mínimo de prevenção. Em qualquer caso, uma revolução sempre

oferece as formas e os meios para impedir a degeneração de terror. No início da revolução

bolchevique não houve terror para além da eliminação da resistência daqueles que ainda

estavam no poder. Quando, no decurso de uma revolução está a transformar o terror em

atos de crueldade e tortura brutal é que a revolução foi pervertida153. Tal autor demonstra o

surgimento dos “novos sujeitos da transformação”, marcados pela Revolução Cubana,

Revolução da Argélia, Guerra do Vietnã e Revolução Cultural Chinesa. Ao analisar o

potencial revolucionário destes novos opositores atrela-os ao “terreno da violência”, ao da

“resistência”:

(...) o choque com a violência, com a violência institucionalizada, parece ser inevitável, a

não ser que a oposição se transforme num inócuo ritual destinado tão somente a pacificar as

consciências, a comprovar a sobrevivência dos direitos e das liberdades no quadro da ordem

constituída. (...) a ordem constituída tem de seu lado o monopólio legal da violência, bem

como o direito positivo, ou melhor, o dever, de exercer essa violência em sua defesa. Mas a

isso se opõem o reconhecimento de um direito mais alto e o reconhecimento do dever de

resistir como força propulsiva do desenvolvimento histórico da liberdade, o direito e o dever

da desobediência civil como violência potencialmente legítima154.

Desta maneira, como destaca Maria Valle, a análise da conjuntura elaborada por

Marcuse é na defesa da atualização do marxismo em um momento histórico onde emergem 152 Idem. pp.82. 153 Idem. pp.81. 154 MARCUSE citado por VALLE. op.cit.pp.07.

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os supostos “novos sujeitos” da transformação social, recolocando a necessidade da

violência revolucionária. A autora separa a argumentação em duas: sua argumentação

teórica em torno da “desobediência civil”; e da diferença entre a “violência da agressão” –

a violência legítima da ordem constituída – e a “violência da libertação” – violência ilegal -,

enfim, da violência tematizada a partir da perspectiva da revolução.

Assim, partindo dos escritos marcuseanos nascidos da experiência contestatória dos

anos 60, onde se configura uma nova concepção de revolução social em contraste

com o “pessimismo” anterior, reconstruímos os seus argumentos em favor da

legitimidade ética e política da violência transformadora155.

A dicotomia violência institucionalizada x força revolucionária deve ser separada e

entendida, sendo a primeira a “arma das instituições”, ou seja, o Estado o detentor de seu

monopólio legítimo, e a segunda exercida pelos grupos de oposição capazes de fazer ruir

toda esta estrutura de dominação inerente à sociedade capitalista, através da desobendiencia

civil.

Esse conflito entre os dois direitos entre a violência institucionalizada e o direito de

resistência, leva em si o permanente perigo de um choque da violência consigo

mesma, e isso ainda que o direito à liberdade seja sacrificado ao direito da ordem

constituída e ainda que - como sempre ocorre na história - as vítimas sacrificadas à

ordem superem numericamente às vítimas caídas pela libertação. Mas isso significa

que a pregação do princípio da não violência não faz mais do que reproduzir a

violência institucionalizada da ordem existente. Na sociedade industrial

monopolista, a violência institucionalizada concentra-se, como jamais ocorreu no

passado, no poder que permeia todo o corpo social156.

A utilização da “violência revolucionária”, pela “esquerda radical organizada”,

transforma-se em uma arma que, é capaz de se opor à violência inerente à manutenção do

sistema para defender sua liberdade.

155 VALLE. op.cit.pp.15. 156 MARCUSE. Citado por VALLE, Maria Ribeiro. Herbert Marcuse e a defesa da violência revolucionária nos anos 60. IN: Estudos de Sociologia. Araraquara. n.15. 2003. pp. 57.

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Maria Ribeiro do Vale conclui que na visão de Marcuse não há, apesar da eclosão

dos movimentos estudantis, de libertação colonial, dos direitos civis, dos hippies, uma

organização solidária que promova a confluência de tendências tão diversas. As

contestações nos âmbitos da política, economia ou cultura momento algum deixa de

reconhecer as suas limitações, forças que permitem vislumbrar a “realização da utopia”,

desde que estejam dirigidas à ruptura do sistema. Marcuse, em sua alusão ao fim da utopia,

diz encontrar somente no marxismo o guia da oposição, que deve se comprometer na

atualização dos seus conceitos com o escopo de demonstrar as possibilidades de superação

da ordem existente, contudo, somente a partir da identificação dos “portadores sociais da

transformação”, uma vez que os operários americanos repelem as propostas da”nova

esquerda” de contestação157.

De uma maneira geral, foram estas as principais obras que influenciaram as

esquerdas armadas revolucionarias brasileiras. Refletiam como a violência poderia ser

viável para a libertação dos povos, e virou a raison d'être deste setor conforme pudemos

identificar na documentação e bibliografia analisadas. E é a partir destes teóricos que a

violência, ao nosso entender, tornou-se uma forma de se fazer política aplicada contra o

regime militar e, por outro lado, contra a esquerda radical em que está inserido nosso objeto

de estudo.

157 VALLE.op.cit. 2002. pp.05.

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CAPITULO 2 – DO TERROR DE ESTADO E DOS REVOLUCIONÁRIOS .

Propomos neste capítulo uma contextualização do período que se segue à revolução

bem como discutir os efeitos desta no que tange às esquerdas e o combate a estas. Através

da história comparada entre Brasil e Argentina pretendemos analisar a influência da

revolução cubana nas esquerdas destes países que levou na configuração do terror de

Estado, como método de contenção das idéias “subversivas”. Tomamos o exemplo da

Argentina em função da conhecida violência de sua política no combate ao inimigo interno

propagado pela Doutrina de Segurança Nacional.

Iniciaremos com a discussão acerca da Revolução e a preocupação em exportá-la a

outros países latinos.

2.1 – CUBA E A “E XPORTAÇÃO A REVOLUÇÃO ”.

A Revolução Cubana foi “inquestionavelmente o maior acontecimento da América

Latina no século XX”, de acordo com Luiz Alberto Moniz Bandeira158. Tal fato ocorreu em

um contexto particularmente tenso no século XX onde a luta pela hegemonia estava

polarizada entre EUA e URSS após a II Guerra Mundial. Era a chamada Guerra Fria.

Segundo Eric Hobsbawn, a peculiaridade desta disputa era que objetivamente não

existia um risco de guerra mundial, contudo, havia uma retórica de ambos que aceitaram a

divisão desigual das zonas de influência e que era desigual em sua essência. Do lado

oriental, a URSS controlava ou exercia grande poder onde o Exército Vermelho e/ou as

Forças Armadas comunistas estavam ao término da Guerra e não tentava ampliá-la com uso

de força militar. Já os EUA, exerciam controle sobre o restante do mundo capitalista,

assumindo o que restava da antiga hegemonia imperialista colonial. Em pleno acordo, não

intervinha nas áreas de dominação soviética159. Até a década de 1970 diariamente

creditava-se que uma guerra nuclear eclodiria e devastaria metade da humanidade. Depois

deste período, optaram por uma “coexistência pacífica”.

158BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 159HOBSBAWN, Eric. A Guerra Fria. IN: A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pp.224.

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Este mesmo autor chama-nos a atenção sobre a preocupação dos países

hegemônicos sobre o futuro do “terceiro mundo”. Sistemas políticos derivados do julgo de

antigos regimes imperiais, uma minoria saída de revoluções sociais ou guerras de libertação

fatalmente inclinariam-se ao modelo da URSS. As regiões de caráter socialista conseguiram

manter-se em um “subuniverso separado e em grande parte auto-suficiente econômica e

politicamente”160, mantendo, deste modo relações pontuais com o mundo capitalista.

A vitoriosa Revolução ocorrida em janeiro de 1959 em Cuba representou um marco

na história da esquerda. O rompimento com os laços de dependência econômica dos

Estados Unidos deu inicio a uma série de transformações radicais em todos os âmbitos da

sociedade. Antes de Fidel, Cuba vivia sob o domínio de Fulgência Batista que cedeu ao

governo norte-americano o controle de vários setores da economia, como comunicação,

transporte e turismo, além de importar grande parte da cana-de-açúcar produzida pelo país.

A grandiosidade desta revolução, segundo Moniz Bandeira, não está no seu caráter

heróico e romântico, mas na evidência das relações mal resolvidas entre EUA e America

Latina. Não foram os comunistas que promoveram a revolução cubana, este governo só se

declarou comunista anos mais tarde:

Alguns de seus líderes, como Che Guevara e o próprio Fidel Castro, em

pequena medida, acolhessem idéias marxistas, eles não pertenciam a

nenhum partido comunista e não era inevitável que a revolução cubana se

desenvolvesse a tal ponto de identificar-se com a doutrina comunista e

instituísse a sua forma de governo161.

Moniz Baneira defende com veemência o caráter autóctone, nacional e democrático

da revolução de Fidel e que o seguimento de um regime nos moldes comunistas foi

conseqüência de uma “contingência histórica”, não tramada pela URSS, mas empreendida

pelos Estados Unidos que:

160HOBSBAWN, Eric. O socialismo real. IN: A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pp.365. 161 BANDEIRA, Luis Alberto Muniz. Fidel Castro, a revolução cubana e a América Latina. Revista Espaço Acadêmico. N.82. Março de 2008.

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sem respeitar os princípios da soberania nacional e autodeterminação dos

povos, não aceitaram os atos da revolução, como a reforma agrária, e

transformaram contradições de interesses nacionais em um problema do

conflito Leste-Oeste162.

O novo programa de governo incluiu aumento de salários e redução de tarifas. A

reforma agrária beneficiou trabalhadores rurais e sem terra, prejudicando propriedades de

empresas dos EUA. Frente a esta situação este ultimo país reduziu a cota de importação de

açúcar cubano. E Cuba, por sua vez nacionalizou as empresas, bancos e propriedades

estadunidenses sediadas na ilha. A reação americana foi de cortar o fornecimento de

Petróleo a ilha, assim, os cubanos estabeleceram acordos com o governo soviético onde

estes importavam açúcar em troca de petróleo. O governo dos EUA acabou de vez com a

importação do açúcar e rompeu relações diplomáticas com Cuba em 1961.

As conquistas revolucionárias se evidenciaram nas áreas de saúde e educação. Uma

vez consolidada, a tarefa seguinte seria “exportar a revolução”. Conforme vimos no

capítulo anterior, Che Guevara escreveu Guerra de Guerrilhas em 1960, cuja apologia se

dava à guerrilha rural como a “via cubana” para insurreição, levando à revolução. Já Fidel

Castro almejava fazer da Cordilheira dos Andes a Sierra Maestra do continente sul-

americano163.

Para impulsionar a exportação da “via cubana” pela América Latina havia um

incentivo ao surgimento de organizações armadas ao longo dos anos 1960-1970. Desta

maneira, consolidaria a sua própria revolução e para tanto foi centro de treinamento

guerrilheiro e não tão somente um modelo distante a ser seguido. Houve o apoio

efetivo deste país à luta armada, com o envio de dinheiro para algumas dessas

162 Idem. 163Não é nosso escopo reproduzir a trajetória guerrilheira até a revolução. Vários trabalhos de ambas tendências já discutiram o assunto: BAMBIRRA, Vânia. A revolução cubana: uma reinterpretação. Coimbra: Centelha, 1975; BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998; DRAPER, Theodore. Castrismo. Teoria e prática. Rio de Janeiro: GRD, 1996; FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo. A revolução cubana. São Paulo:Expressão Popular, 2007.

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organizações e financiamento para que os quadros fossem àquele país trabalhar

“com quem entendia do assunto”164.

A Revolução Cubana teve um grande impacto na esquerda da América Latina, já

que a guerrilha como instrumento para se fazer a Revolução rompia com a doutrina do

marxismo-leninismo que defendia a necessidade da existência de um partido operário

revolucionário. Estas proposições questionavam a política de coexistência pacífica proposta

pelo Partido Comunista da União Soviética e aceita pelos Partidos Comunistas da América

Latina. Após a experiência cubana, setores da esquerda começaram a questionar a linha

política adotada pelos Partidos Comunistas, que apostavam na aliança com a burguesia em

busca de reformas. A influência de Cuba como modelo político tornou-se mais direta

quando uma parte da esquerda latino-americana passou a propor a revolução armada,

através da guerra de guerrilhas e da tática do foco revolucionário. Surgiu uma série de

novas organizações, fruto de dissidências dos Partidos Comunistas e de outros partidos, que

propunham seguir o exemplo cubano165.

O governo cubano realizou diversas tentativas de organizar uma internacional

que pudesse agrupar os movimentos guerrilheiros e de libertação do Terceiro Mundo.

Em 13 de janeiro de 1966, o governo cubano realizou em Havana a Tricontinental. O

encontro reuniu representantes da esquerda legal, clandestina e dos movimentos

nacionalistas radicais dos três continentes. A luta de libertação foi concebida como

antiimperialista, anti-colonialista e como parte da revolução social anti-capitalista.

Em 1967, houve a tentativa de unificar as atividades guerrilheiras na América

Latina através da OLAS, Organização Latino-Americana de Solidariedade, que foi criada

na conferência ocorrida entre 31 de julho a 10 de agosto de 1967. A OLAS era uma

tentativa de organizar uma Internacional no continente americano e fazia parte de uma

estratégia do governo cubano para defender e apoiar movimentos de luta armada e grupos

guerrilheiros no Terceiro Mundo. Propôs-se a revolução socialista como principal objetivo

da América Latina, através da reafirmação da luta armada e da guerrilha e colocando como

inimigo comum os Estados Unidos e a luta antiimperialista.

164ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil – o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001. 165 MISKULIN, Silvia. A revolução cubana. Comunicação apresentada na ANPHLAC. http://www.anphlac.org/gts/ehmf/bloco3/tema34/apresentacao.doc retirado em 24/02/2008.

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Neste Congresso foi lida a mensagem à Tricontinental, escrito por Che Guevara, em

1967, durante sua luta guerrilheira nas montanhas da Bolívia e dirigida ao secretariado da

OLAS. Na carta, defendia o conceito de revolução mundial, o internacionalismo operário e

a inevitabilidade da luta armada. Guevara sustentava a necessidade de expandir a luta

guerrilheira para o restante da América Latina, criando “dois, três, muitos Vietnãs”. Che

também criticou as burguesias nacionais, como sendo incapazes de resistir ao imperialismo.

Para ele, a América Latina necessitava de uma revolução socialista, que deveria ser

alcançada pela luta armada, por meio da guerrilha rural, que seria apoiada pelo restante da

população. Esta carta de Che Guevara teve uma grande repercussão, não só nos

movimentos de libertação latino-americanos, mas também em outras partes do mundo.

As iniciativas cubanas de financiar e treinar movimentos guerrilheiros, bem como a tentativa de organizar a OLAS,

desagradavam o governo soviético liderado por Brejenev, contrário às tentativas de expandir revoluções na América Latina e

favorável a coexistência pacífica. O ano de 1968 foi decisivo para a Revolução, já que marcou o alinhamento político do governo

cubano com a União Soviética, sobretudo em relação a sua política externa. A invasão das tropas soviéticas em Praga, na

Checoslováquia, para reprimir um movimento que propunha um socialismo com democracia e mais humano, foi apoiada pelo

governo de Fidel Castro. Com o assassinato de Che Guevara na Bolívia, o governo cubano aproximou-se mais da União Soviética,

tornando-se dependente em relação à grande potência socialista e aplicando a política de socialismo num só país166.

Esta política de “exportar a revolução” começara ainda em 1959, quando Fidel já

vitorioso, viaja pela América Latina em busca de apoio. A primeira viagem como líder

cubano foi a Buenos Aires, a fim de participar conferência do “Comitê dos 21”,

encarregado de estruturar a “Operação Pan-Americana” 167

Da Argentina Fidel Castro passou pelo Rio de Janeiro e fez um discurso na Praça

Barão Rio Branco, organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e no qual repetiu

basicamente o que dissera em Buenos Aires: “Ni pan sin liberdad ni libertad sin pan”168.

166 Idem. 167 Principal iniciativa diplomática do governo Kubitschek. Propunha aos EUA a assumir um compromisso político para ajudar a colocar fim no subdesenvolvimento latino-americano. Este acordo foi interessante aos estadunidenses uma vez que o subdesenvolvimento contribuía para a instabilidade política do continente, abrindo inclusive a possibilidade de que ideologias contrárias ganhassem influência devido aos baixos padrões de vida destas populações. Cf: O Brasil de JK. Política Internacional. www.cpdoc.fgv.br 168 Um episódio pitoresco ocorreu em Belo Horizonte, quando da vinda de Fidel ao Brasil. O grupo de militantes que posteriormente integrariam a POLOP divulgou que o cubano iria a esta cidade falar na sacada do DCE, no centro. Convidaram “toda a população” para assisti-lo, contudo, Fidel não veio. Cerca de mil pessoas estavam ansiosas e agitadas. A saída encontrada pela “organização” foi arrumar uma túnica verde-oliva e uma barba falsa com os alunos do curso de teatro. Vestiram Theotonio dos Santos como se fora Fidel e ele representou o comandante com discurso inflamado em “portunhol”. Ele fora tão convincente que um grupo de ex-integralistas resolveram invadir o DCE para atacar o “assalariado de Moscou”. Houve muita pancadaria até que a polícia chegou. O “Fidel das Alterosas” escapou ileso por uma saída secreta.Cf: LEAL

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No seu retorno a Cuba reafirmou:

“Nosotros nos vamos poner a la derecha, no nos vamos poner a la

izquierda, ni nos vamos poner en el centro, que nuestra Revolución

no es centrista. Nosotros no vamos poner un poço más adelante que

la derecha y que la izquierda. Ni a la derecha ni a la izquierda, un

paso más.allá de la derecha y de la izquierda”169.

Em 1965 foi a vez de Guevara ir ao Congo para defender a união das nações

socialistas para constituir uma grande força mundial favorecendo “os movimentos de

libertação do Terceiro Mundo”. Ainda lá, criticou a URSS, que na sua visão não se

empenhava em ajudar os paises em fase de revolução, pois apenas havia interesses

específicos. O que este país queria, segundo Guevara, era busca de apoio para a

consolidação de suas próprias forças frente às outras potencias mundiais. O revolucionário

defendia o “internacionalismo proletário” através da solidariedade entre paises para dever

as novas nações subdesenvolvidas a se separarem do mundo capitalista: “Só pode existir

socialismo se houver uma mudança na percepção do homem capaz de gerar uma nova

atitude fraternal para com a humanidade” 170. Não foi o que percebia nos países socialistas

mais desenvolvidos, como o caso da União Soviética. Com um grupo de cubanos, lutou na

Guerra Civil Congolesa ao lado dos rebeldes, contra os mercenários brancos contratados

pelo ditador Tshombe. Lá fica até o início de 1966. Com a derrota dos rebeldes, os

sobreviventes voltam para Cuba, contudo Guevara decide-se em novembro ir para a

Bolívia, ao encontro dos militares cubanos que lá já se encontram, para dar apoio à luta

contra a ditadura comandada por Barrientos.

Na Bolívia, somente desventuras. Havia a dificuldade de mobilidade nas montanhas.

Um de seus guerrilheiros chegou a comparar as serras cubanas com as bolivianas, dizendo

que as primeiras “Eram Paris”. As longas distâncias entre vilarejos, terreno muito estranho

aos militantes e traços culturais peculiares são algumas das explicações do fracasso da luta

Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio político. Teórico e ideológico do reformismo na esquerda brasileira. Deissertacao de Mestrado. UFF, 1992. pp.128. 169CASTRO, Fidel. Citado por Bandeira. Op.cit. 170 ANDERSON, Jon Lee. Che Guevara: uma biografia. São Paulo: Objetiva, 1997. pp.708.

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no local171. Além destes problemas geográficos, havia problemas políticos. Mário Monje,

chefe do PC da Bolivia achava que os comunistas bolivianos estavam sendo usados

somente para que Guevara chegasse à Argentina. Apesar de fracassos anteriores naquele

país, Che acreditava que sua presença catalisaria as energias revolucionárias, o que, por si

só, poderia fazer eclodir a revolução. Monje comprou uma propriedade ao sul, em

Ñacahuazú, na Bolívia, mais próxima da fronteira da Argentina e naquele local Guevara se

instalou juntamente a seu grupo. O comandante comunicou a Monje que o objetivo

primeiro era dar início a uma guerra na Bolívia e, depois, dependendo da evolução dos

acontecimentos, expandi-la para outros países vizinhos. Monje então exigiu que a chefia do

movimento fosse entregue a um boliviano. Guevara rejeitou. Para um "internacionalista"

como ele, um revolucionário itinerante, essas questões nacionais tinham menor significado.

Não conseguiu apoio da população local, que os viam como intrusos. Não tardou ser

assassinado, só e sem apoio, em 1967172.

Mesmo sem Guevara, Fidel continua em busca de apoio nos países do sul, contudo,

uma viagem ao Chile foi um “divisor de águas” na política deste país. Alberto Aggio a

descreve como “uma viagem incomum, distinta de qualquer padrão diplomático, e abrigou

silenciosamente uma profunda disputa política no interior da esquerda latino-

americana”173. Fidel ficou 24 dias. Houve um aparato de segurança muito forte, fora dos

padrões chilenos e foi ansiosamente aguardado pela população, todavia com o passar dos

dias a situação foi ficando incômoda para Salvador Allende, pois:

[Fidel chegou se] apresentou como um “amigo” e, por fim, um

“protagonista” do processo chileno, afirmando que “compartilhava aliados e

inimigos no plano interno”. Em certo sentido isso acabou por estabelecer

uma situação bastante delicada nas relações diplomáticas entre Chile e

Cuba. A cada intervenção vocalizada pelo Comandante, o governo se via

forçado a assumir também um posicionamento que respondesse às

interpelações feitas, problematizando seu status representativo de toda a

171 PERICAS, Bernardo. Che Guevara e a Luta revolucionária na Bolívia. São Paulo: XAMÃ, 1997. pp.153 e GUEVARA, Che. Diário de Che na Bolívia. s.n.t 172 Para maiores detalhes: ANDERSON; PÉRICAS; GUEVARA. Ambos citados. 173 AGGIO, Alberto. Uma insólita visita: Fidel Castro no Chile de Allende. História: São Paulo, n.22, 2003. pp.151.

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nação. Com Fidel no Chile, introduzia-se um elemento de questionamento

do sistema político chileno que não existia antes, bem como o processo que

estava sendo conduzido pela Unidade Popular e por Allende174.

O discurso de Fidel no Chile foi intencionalmente pedagógico. Ele fazia

questão de demonstrar que estava lá para ensiná-los e aconselhá-los sobre os

problemas que se apresentam em todas as revoluções, principalmente as

antiimperialistas, que deveriam ser o eixo central das revoluções na América Latina.

Na avaliação de Aggio, com a presença do cubano os problemas políticos já

existentes se aprofundaram, complicando a convivência política entre as forças

representantes da sociedade Chilena:

Não havendo possibilidade de desautorizar as iniciativas e intervenções de

Fidel, o governo ficava cada vez mais refém do seu visitante, enquanto se

aprofundava o fosso entre as forças de esquerda e as de oposição. A visita

de Fidel, portanto, atuou no sentido de favorecer o desaparecimento de

qualquer “vontade negociadora” entre as forças políticas, com o

conseqüente e gradual estabelecimento de uma “vontade de extermínio” que

mais tarde acabaria por se impor175.

Ao fim da visita, Fidel havia desmoralizado Allende e sua “via chilena”, julgando-a

pouco revolucionária e frágil. Palavras como fascistas e reacionários tornaram-se comuns

no vocabulário politico, até então “polido”. Como se fosse uma profecia no dia 11 de

setembro de 1973 acabara o sonho revolucionário, com o golpe de Pinochet.

A revolução cubana trouxe várias conseqüências para a América Latina,

principalmente no que tange à questão dos golpes militares. Local cujas Forças Armadas

tendem a no processo político, a partir de 1960. Como ressalta Moniz Bandeira, não

decorreu apenas de fatores endógenos e constituiu muito mais um fenômeno de política

internacional continental do que de política nacional. Depois que os EUA decidiram

divulgar a estratégia de segurança do hemisfério, redefinindo as ameaças, com prioridade

para o inimigo interno, e difundindo principalmente pela Junta Interamericana de Defesa, as

174 Idem.pp.153 175 Ibdem. pp. 159.

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doutrinas de contra-insurreição e da ação cívica. Assim, há o “surto militarista”, com a

propagação dos golpes de Estado, que tinham como principal fonte de inspiração a Junta

Interamericana de Defesa, visando a impedir que outro Fidel Castro surgisse na América

Latina176.

Analisaremos agora a recepção das idéias de Cuba nas esquerdas de Brasil e

Argentina.

2.2 – CUBA E AS ESQUERDAS RADICAIS

Para melhor compreensão do que foi o fenômeno da luta armada emergente na

América Latina nas décadas seguintes à revolução cubana, não há como deixar de

mencionar sua influência nestas investidas revolucionárias. Tais investidas ocorreram com

mais intensidade ao longo dos anos 1960 e 1970, no Cone Sul177. É válido ressaltar que a

revolução de Fidel e Che Guevara transcende à Ilha, inserindo as Américas no próprio

circuito de formação, difusão e expansão de um novo tipo de civilização, conforme afirma

Florestan Fernandes178. A análise do autor, sobre a importância da revolução na América

Latina, vai além:

Representa, para todas as Américas, a conquista de um patamar histórico-

cultural que parecia nebuloso ou improvável, e, para a América Latina, em

particular, a evidência de que existem alternativas socialistas para a

construção de uma sociedade nova no Novo Mundo179.

Jorge Castañeda, complementa a afimação ao dizer: “Cuba foi denegrida por

Washington, ofendida por Moscou, mas admirada e reverenciada em todo o Terceiro

Mundo”180.

Como a esquerda guerrilheira poderia saber se o caminho escolhido era certo se,

apesar das influências, os modelos de revolução que se apresentavam estavam tão distantes 176 MONIZ BANDEIRA, Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 177 O Cone Sul, baseado em Castro & D’Araújo, é o conjunto de seis países a saber: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. O que o caracteriza é a recente experiência e governos ditatoriais mais ou menos no mesmo período histórico. Cf. Democracia e forças armadas no Brasil da Nova República. In: ABREU, Alzira (org.). A democratização no Brasil: atores e contextos. Rio de Janeiro: FGV, 2006. pp.18. 178 FERNANDES. op. cit. pp.91. 179 Idem. 180CASTAÑEDA. op.cit. pp.58.

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de sua realidade? Daniel Aarão Reis nos fornece apontamentos para a reflexão sobre essa

questão. Segundo ele:

A procura de um modelo internacional – o cubano ou o chinês, não importa

– é uma operação posterior, para legitimar a opção já tomada (pela luta

armada).Isto não quer dizer que os modelos internacionais devam ser

subestimados. Ao contrário, são cruciais, o papel legitimador que

desempenham é crucial na manutenção dos laços de coesão internos às

organizações comunistas.181

Entendemos que a revolução de 1959, ocorrida em Cuba representou para as

esquerdas de todo o mundo uma nova etapa em que se mostrou possível a substituição de

um modelo econômico já consolidado por outro considerado justo e humanitário. Além

disso, evidencia a vitória conquistada através de uma estratégia de luta armada organizada

em focos guerrilheiros. Esta idéia do foco serviria de base para as organizações militaristas

atuantes, em sua maioria, a partir de 1968.

Dentre as mais relevantes organizações armadas latino-americanas que tiveram

efetivo apoio cubano (tanto oferecendo armas e dinheiro, quanto treinamento em Cuba com

todas as despesas pagas), podemos citar: Montoneros (Argentina), MIR (Chile), ALN

(Brasil). Além destes países, Cuba esteve diretamente ligada às revoluções Nicarguense, de

El Salvador e da Guatemala. Estas foram organizações “político-militares”e que além de

pegar em armas sob inspiração cubana, fizeram dos Estados Unidos seu inimigo maior.

De acordo com Afonso Lessa, a organização uruguaia Tupamaros, teria surgido

mais em função do “furacão revolucionário” cubano, do que pelas condições locais182.

Atuaram apenas em Montevidéu, mantendo com Cuba discussões acerca da guerrilha

urbana. Logo após a revolução cubana, os Tupamaros foram os primeiros guerrilheiros com

êxito aparente entre os adeptos da luta armada. O MIR, chileno também foi essencialmente

181REIS FILHO, Daniel Aarão. Exposição em Seminário. IN: GARCIA, Marco Aurelio (org). As esquerdas e a democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. pp.48. 182 LESSA, citado por SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as organizações comunistas brasileiras. Tese. UNICAMP, 2005. pp.19.

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urbano, apesar de afirmar a existência de uma frente camponesa183. Os casos do Brasil e

Argentina veremos a seguir:

A) BRASIL

A influência de Cuba na esquerda brasileira teve uma série de significados, sendo: a

atualização da revolução, pois, até então, o exemplo estava no longínquo 1917, com a

Revolução Russa; a legitimação do exercito rebelde e não do partido na condução dos fatos;

uma nova estratégia – a guerra de guerrilhas; a questão do anti–imperialismo e do anti–

capitalismo, sendo os Estados Unidos a “personalização” do inimigo; a solidariedade

internacional como ideologia desde seu inicio; a ética e compromisso do revolucionário; a

ênfase no papel da vanguarda e a criação do “homem novo”, solidário e participativo184.

Cuba não foi somente um modelo distante a ser seguido. Foi o centro de

treinamento guerrilheiro. Houve o apoio efetivo deste país à nossa luta armada, através do

envio de dinheiro para algumas dessas organizações e financiamento para que os quadros

fossem àquele país trabalhar “com quem entendia do assunto”185. Segundo Denise

Rollemberg, o apoio de Cuba à luta armada no Brasil ocorreu em três momentos: primeiro,

com as ligas camponesas em 1962; segundo, em 1965, logo após o golpe com o MNR de

Brizola e a frustrada guerrilha do Caparaó, e terceiro: em 1967 com ALN de Mariguella186.

A intenção de Cuba era “exportar a revolução” para toda a América Latina e, dessa

maneira, consolidar a sua própria revolução. O maior fluxo de brasileiros indo para

treinamento foi a partir de 1968, mas, têm-se notícia de que essa prática ainda persistiu

depois do fim da guerrilha no Brasil, em 1975, quando, mesmo no exílio, muitos tinham a

esperança de voltar e continuar a luta, como no caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas,

ex-integrantes do COLINA187.

Através de relatos colhidos por Denise Rollemberg, duas questões antagônicas

ficaram evidentes: de um lado o status que se alcançava sendo um guerrilheiro habilitado

183 CASTANEDA.op.cit. 76. 184 SADER, Emir. Cuba no Brasil: Influências da revolução cubana na esquerda brasileira. IN: REIS FILHO, Daniel et. all. História do Marxismo no Brasil.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.pp.159-183. 185 ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil. O treinamento Guerrilheiro.Rio de Janeiro: Mauad, 2001. 186 Idem. pp.19. 187 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.

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em Cuba. Por outro lado, a habilitação tinha uma parte negativa: o treinamento afastava o

militante do dia-a-dia de luta numa realidade que mudava muito rápido. Ao voltar à

realidade, era desconhecida a dinâmica do combate188.

Jean Rodrigues Sales aponta para um outro debate em que reflete os “ecos da

revolução (cubana)”, que é o debate acerca da teoria da dependência. Ainda que não haja

vínculo causal entre ambas - revolução cubana e teoria da dependência - elas se

fortaleceram concomitantemente. Gunder Frank, via em Cuba uma solução para o circulo

vicioso da dependência. Nesta teoria, a revolução aprecia como uma forma possível de

resolver o problema da dependência econômica dos paises latino-americanos189. Citando

Ruy Marini:

A ação internacionalista de Guevara, a política revolucionária de Cuba,

antecipam a resposta que darão os povos do continente a seus opressores.

Mais ainda, fazem com que apareça no horizonte o que parece ser a

contribuição mais original da América Latina, a luta do proletariado. Aqui

onde o internacionalismo proletário alcançará uma nova etapa de

desenvolvimento e assentara as bases de uma sociedade mundial de nações

livres da exploração do homem pelo homem190.

Como podemos ver, a influência cubana na esquerda vai além das questões táticas

revolucionárias, da guerra de guerrilhas. Se nos quedarmos em duas organizações que nos

interessam diretamente POLOP e COLINA .

A marca principal da POLOP é o seu caráter teórico. Antes mesmo do surgimento

da organização, em 1961 seus ideólogos já refletiam sobre os caminhos da revolução

cubana. Ruy Marini, um dos fundadores da POLOP, escreveu, ainda em 1960, três artigos

no jornal O metropolitano impressões sobre a revolução, ressaltando que “anti-

imperialismo e revolução social nada mais são que aspectos de uma só realidade”191

188 ROLLEMBERG. op. cit. pp. 55. 189 Para um maior debate sobre a teoria da dependência e Cuba ver: SALES. op.cit. pp. 29-31 190 MARINI citado por SALES. op.cit.31 191 Idem. pp.183.

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No primeiro número do jornal Política Operária192, que dá nome à organização,

analisa a revolução de Cuba, afirmando que este pais provou “que subdesenvolvimento

econômico ainda não implica em subdesenvolvimento político”. Em abril de 1962

publicaram um artigo analisando o livro Guerra de guerrilhas, de Che Guevara. Em tal

artigo, seus autores reforçam os três ensinamentos da revolução, que estão apontadas no

livro e foram citadas anteriormente. Mesmo assim, a POLOP neste momento acreditava que

as condições não se repetiriam facilmente na América Latina. Para estes militantes isto se

explica pelo fato que o MR-26 agiu de forma que não levantou suspeitas por parte dos

EUA, o que não aconteceria depois em nenhum país, pois a revolução deixaria de ser

novidade e haveria intervenção norte-americana. Outro fator da impossibilidade da

repetição é que na visão da POLOP, em muitos países do continente as burguesias estavam

dispostas a resolver o problema agrário para pó fim à tensão revolucionária, desta forma,

eliminaria nestes países o papel preponderante que a guerrilha teve em Cuba193.

As discussões do grupo acerca da viabilidade da luta armada apareceriam somente

nas “Teses de Tiradentes”, em 1966. A tese numero 8 dava destaque para o caminho

armado na luta contra a ditadura: “A guerrilha tem uma função eminentemente política: a

de conquistar, mediante a ação revolucionária, a liderança das massas exploradas do país”.

A tese de número 9 radicaliza mais dizendo que nenhuma “redemocratização” justificaria o

abandono da guerrilha em ação194. De acordo com Éder Sader, as análises da organização

colocavam a guerrilha em um prazo maior. Mesmo assim, a concepção de um foco

guerrilheiro catalizador da luta insurrecional permaneceria195. Em outras edições do

Política Operaria, existem mais referências ao foco196.

A aceitação da teórica do foquismo ocorreu a partir de 1967. Todo este processo de

radicalização gradual da POLOP na aceitação da guerra de guerrilhas pode, segundo Sales,

ser vislumbrado pela imprensa da POLOP. E será em parte desenvolvido em nossa

pesquisa.

192 Política Operaria foi o primeiro periódico produzido pela POLOP, onde seus militantes difundiam suas teses. 193 O artigo da POLOP se intitula: A propósito da guerra de guerrilhas. Política Operaria. n. 2. abril de 1962. citado por SALES. op.cit.184. 194 Teses de Tiradentes. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência 00384. Data: Abril de 1966. 195 SADER, citado por SALES. p.190. 196 Sales menciona cada exemplar em que tal debate é realizado.

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Não podemos deixar de mencionar, o documento Programa Socialista para o

Brasil, de 1967. Neste documento consta a análise do capitalismo estagnado no Brasil, a

necessidade de se formar o partido do proletariado para a instalação da ditadura do

proletariado, a proposta de criação de uma frente de trabalhadores da cidade e do campo, a

formação dos “comitês de fábrica”, e a proposta da adesão de setores militares das baixas

camadas. Para os militantes da organização, o governo dos trabalhadores seria de transição.

O que se pode notar no documento é que há apontamentos mais radicais nas propostas da

POLOP, uma vez que há o reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de

uma “Frente de esquerda revolucionária”. Este programa apresenta uma certa abertura, em

tese, às novas idéias radicais dentro da organização.

Em seu último parágrafo há a clareza da influência cubana na organização:

A primeira tarefa política do foco guerrilheiro há de ser, desta maneira, a de

colocar claramente no cenário político do país uma nova liderança, uma

nova alternativa ao poder revolucionário ao poder das classes dominantes.

O fato consumado do foco de guerrilha elevará o nível da luta, apressará a

unificação das forças da esquerda revolucionária e a continuação do partido

revolucionário da classe operária. Da instalação do foco até a insurreição do

proletariado na cidade haverá um caminho prolongado, mas será um

caminho só com um objetivo traçado: a Revolução dos trabalhadores

brasileiros no caminho do socialismo. Será essa nossa contribuição decisiva

para a construção de uma nova sociedade no mundo (...)197.

Com a votação vitoriosa deste programa, no IV Congresso, começaram as cisões.

Parte do núcleo dirigente da POLOP que defendeu o Programa Socialista, formou

organizações que defendiam a luta armada como estratégia imediata. Em Minas houve a

criação do COLINA, por Ângelo Pezzuti, Jorge Nahas, Apolo Lisboa, todos ex-integrantes

da POLOP. Os motivos da cisão e os debates acerca desta serão melhor explicados no

capítulo seguinte, sobre a POLOP.

197 Programa Socialista para o Brasil. Setembro de 1967. IN: REIS FILHO & SÄ (orgs.)Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações de esquerda no Brasil dos anos de 1961-1971. Rio e Janeiro: Marco Zero,1985. pp.116.

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De acordo com a análise de Jean Sales, o COLINA, tratou-se do mais representativo

caso de uma organização que assumiu, com pouco acréscimos, o foquismo como teoria que

embasasse sua política198. Maria do Carmo Brito, ex-militante, afirma que as idéias de

Debray e a OLAS foram mesmo fundamentais para o rompimento com a POLOP199.

A idéia central do foco permaneceu no COLINA, mesmo que com alguns reparos. O

trabalho do grupo girava em torno do foco no campo, segundo afirma Mauricio Paiva:

“A idéia era montar essa estrutura na cidade. Tinha-se a idéia de que a ciade

era o cemitério da revolução, dos guerrilheiros, da guerrilha, que tinha que

montar o foco guerrilheiro no campo. E se trabalhou neste sentido. Se fez

levantamento de áreas propicias para o foco guerrilheiro. Porque a idéia era

que o guerrilheiro vinha de fora mesmo”200.

A fala de Jorge Nahas complementa a de Mauricio Paiva:

(...) Nós não poderíamos dizer que seja uma organização estritamente

foquista, mas no fundo era. Digo que não éramos estritamente foquista

porque não abandonamos o trabalho de massa.Nos achávamos que uma

organização necessariamente teria que ser uma guerrilha, mas teria que ter

as suas ligações com o movimento de massa (...)201

Alguns militantes do COLINA foram para Cuba no exílio, fazer treinamento

guerrilheiro, como é o caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas. De acordo com Maria José

Nahas, em Cuba existiam muitos tipos de treinamentos, mas a sua opção foi pela medicina

de guerra. Esta área seria muito valorizada, segundo a entrevistada, que relatou a proposta

recebida de militantes argentinos para irem militar no seu país, pois na organização deles só

havia cardiologistas202. Na sua opinião um guerrilheiro médico é de fundamental

198 SALES. op.cit.pp.239. 199 Entrevista de Maria do Carmo Brito a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. op. cit. pp. 241. 200 Entrevista de Mauricio Paiva a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. pp.242. 201 Entrevista de Jorge Nahas à Marcelo Ridenti, citado por: SALES. op.cit.242. 202 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005.

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importância para a organização e é mais raro de se encontrar203 .O convite, que não foi

aceito, ocorreu no início da ditadura na Argentina. Ela supõe que esses companheiros

tenham sido mortos pelo regime. Ela fez pouco treinamento de guerrilha rural e só resolveu

fazer o treinamento de tiro quando ela e seu então companheiro Jorge Nahas,decidiram

voltar para o Brasil e continuar a luta204.Só desistiram de voltar após a queda do pessoal

delatado pelo cabo Anselmo205. Tal debate também nos remete à discussão relacionada à

elaboração do AI-5 e o crescimento da luta armada. Hoje em dia já não há dúvida sobre a

relação do aparecimento da luta armada e o Ato Institucional n°5. Sabe-se que não é

verdade que o primeiro apareceu como conseqüência do segundo, haja vista a existência

das Ligas Camponesas ainda no início da década de 60. Possuíam o projeto de pegar em

armas e tiveram, inclusive, apoio do governo cubano206. Como lembra Reis Filho, antes

mesmo da instauração do regime em 1964 já estava no ar um projeto ofensivo por parte da

esquerda 207.

Como podemos perceber, a influência foquista foi a essência do grupo em questão.

Segundo Sales, o COLINA se singularizou “por ter se deixado levar mais que as outras

(organizações) pelas idéias de Debray e Guevara”208, todavia, como todos os outros

grupos, não conseguiu fazer a sonhada revolução.

B) ARGENTINA

203 Esta fala está no documentário sobre Maria José Nahas, intitulado: “A loura da metralhadora”. Patrícia Moran, 1996. 204 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 205 José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, foi preso pela equipe do Delegado Sérgio Fleury, temido torturador do Deops/São Paulo, no dia 30 de maio de 1971. A origem de sua prisão nunca foi esclarecida, mas sabe-se que alguém foi preso no Rio de Janeiro e abriu, sob torturas, um contato com ele em São Paulo. Anselmo, um marinheiro de primeira classe erradamente tratado como cabo pela imprensa, passou a ajudar a repressão. Passou a ser assim o agente Kimble, nome dado por Fleury numa referência ao prisioneiro fugitivo de um seriado de televisão de mesmo nome. Entrega seus companheiros e dá detalhes para que a polícia encontre outros. Essa fase inicial de sua vida entre os torturadores dará lugar a um acordo em que ele passará a ser um infiltrado nas organizações de esquerda, recebendo por "trabalho" a módica quantia de US$ 300,00 mensais. O episodio a que se refere M.J.N. é o massacre da chácara São Bento, onde morreram 7 militantes da VPR, inclusive, Soledad Viedma, mulher de Anselmo, supostamente grávida. 206Cf. GORENDER. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1990.; ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, REIS FILHO. A revolução faltou ao encontro.São Paulo, Brasiliense, 1989. 207REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In: REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997. 208SALES.op.cit.pp.242.

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Montoneros foi a organização revolucionária armada peronista de maior destaque na

Argentina. Primeiramente seguiam a orientação de guerrilha rural, sob inspiração

claramente cubana, contudo, com o passar dos anos, optaram apenas por ações urbanas em

função de fatores como: a)retrocesso do conjunto da guerrilha rural na América Latina; b) a

experiência dos Tupamaros que colocaram a guerrilha urbana em ascensão; c) alta das lutas

de massa urbanas. Muitos dos militantes receberam treinamento em Cuba209, contudo,

tinham senso crítico em relação à revolução: apesar de tecerem elogios e se dizerem

admiradores e apoiadores do modelo cubano, têm consciência de que não há como copiar o

modelo na Argentina, dadas as diferenças históricas e sociais deste povo210. Assumem,

contudo que seu método revolucionário é a guerra revolucionária.

Nossa estratégia define: objetivo estratégico - tomada de poder pelo povo

para a libertação nacional e a construção nacional do socialismo no marco

da liberação latinoamericana; métodos: a guerra revolucionária total,

nacional e prolongada. Esta guerra (...) implica a construção do exercito

popular com a participação do povo. (...) o método principal da guerra

revolucionária é a luta armada; (...) haverá expansão da guerra de

guerrilhas com a incorporação paulatina da base popular à guerra e inicio

das operações de aniquilamento do inimigo211.

Desde 1964 há um intensivo movimento de guerrilheiros indo treinar em Cuba,

depois do aparecimento dos Montoneros em 1969, cada vez mais seus militantes iam para a

ilha. Originalmente seus quadros eram provenientes, em sua maioria, da esquerda católica

Em fins dos anos 1970 cresce o numero de jovens de vários setores da sociedade que

ingressam neste grupo para fazer oposição à ditadura militar vigente. Braço armado de

Perón, tinham em Evita um ícone. “Perón ou morte” e “Se Eva fosse viva seria

209 BASCHETTI, Roberto (comp.) Documentos 1970-1973. De la guerrilla peronista al gobierno popular. Buenos Aires: De la campana, s.d. pp.39. 210 “El llanto del inimigo”. Reportaje a Montoneros. Abril 1971. In: BASCHETTI. op. cit.pp. 66. 211 Montoneros. Línea Político-Militar. 1971. In: BASCHETTI. op. cit.pp.265.

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Montonera”, eram seus lemas, todavia, a relação entre Perón e Montoneros nem sempre foi

pacifica212.

Tal adoração a figura de Evita, levou o grupo a seqüestrar e assassinar, em 1970,

Pedro Eugênio Aramburu, general que presidiu o país de 1955 a 1958 após deposição de

Perón. As exigências do grupo eram a localização do cadáver embalsamado de Evita e

vingarem o fuzilamento de civis e militares peronistas no mesmo período ditatorial213.

Uma das particularidades da organização, e de certa forma, da luta armada na

Argentina é que, ao contrario do Brasil, os Montoneros não traziam somente para si a

responsabilidade da vanguarda da revolução. A vanguarda seria fruto da união de toda a

esquerda peronista, que era plural. Ainda dentro da discussão sobre vanguarda, a concepção

da esquerda peronista era diferente da concepção da esquerda marxista. Para os peronistas

radicais, era o movimento das massas trabalhadoras que criava a vanguarda e não ao

contrário, conforme afirma a teoria do foco. Entre os anos de 1970-1973 o grupo obteve

maior popularidade, por cultivar simpatizantes “mediante um mínimo de uso de violência

ofensiva e uma extremada seleção de objetivos, ao invés de praticar terrorismo ao azar.

Prestavam atenção às operações simbólicas, suscetíveis de provocar a adesão de todos os

peronistas ”214. Segundo Gillespie, as ações montoneras, mais que operações militares,

eram propagandas armadas.

A acumulação de recursos econômicos, militares e logísticos, assim como o

estimulo ao apoio da adesão popular, foram os principais objetivos

montoneros. Não houve assaltos a guarnições militares, tampouco exemplos

e comandos montoneros que provocavam deliberadamente o enfretamento

armado com o Exército ou a policia215.

Até 1973 acreditavam que os destacamentos armados seriam a vanguarda, no

momento em que se tonassem uma única organização. No inicio deste mesmo ano,

decidem, juntamente com a FAR – Forças Armadas Revolucionárias – se fundir e

212 GILLESPIE, Richard. Soldados de Perón. Los Montoneros. Buenos Aires: GRIJALBO, 1987.pp.47. 213 SARLO, Beatriz. A paixão e a exceção: Borges, Eva Perón e os Montoneros. Belo Horizonte: UFMG, 2007.pp132-137. 214 RODRIGUEZ, Laura. Militancia y memoria. Los montoneros en Missiones. In: Voces recobradas.Año 3. n.4.pp.35. 215 GILLESPIE. Op.cit. pp.142-143.

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centralizam na figura de Perón o papel de vanguarda da revolução216. Com o passar dos

meses, ficou explícito aos Montoneros a diferença de seu projeto e o do general. Perón, que

estava fazendo acordos com burocratas sindicais e setores liberais. Desta maneira, a

esquerda radical não teria mais lugar nas alianças. Resolveram, então, tomar para si o papel

da vanguarda rompendo com o general.

Um caso peculiar exemplifica o quanto Cuba se mostrava confiável e apoiadora à

todas as esquerdas revolucionárias latino-americanas. Estamos nos referindo aos seqüestros

realizados pelos “soldados de Perón” de dois grandes empresários argentinos (Jorge e Juan

Born), e outro seqüestro de um empresário alemão da Mercedes Benz, no ano de 1974. Ao

todo, conseguiram mais de 70 milhões de dólares. Parte do dinheiro ficara nos Estados

Unidos, parte na Europa e outra parte em Cuba, para evitar discórdia entre os militantes.

Deixar parte do dinheiro em Cuba significava para tais militantes que estaria “em boas

mãos”. Durante os anos seguintes aos seqüestros, Cuba doou pequenas somas a outros

grupos latino-americanos após muitas negociações com os montoneros, que não queriam

ajudar os demais países alegando precisar do dinheiro para a tomada de poder217.

Em 1975, optaram por uma ofensiva tática. Em suas análises a morte de Perón

levaria à transição do movimento de massas para uma opção revolucionária. Ao menos no

plano discursivo almejavam a proposta foquista cubana. Propuseram a criação do Partido

Peronista Autentico, mas com o objetivo de provar que a luta eleitoral não excluiria a luta

armada218. Data deste ano o Código de Justicia Penal Revolucionario, que prevê até o

fuzilamento dos militantes que ao cumprissem suas regras. Isto mostra quão radical o grupo

se mostra face à crescente violência de grupos paramilitares219. Em 1977 houve a formação

do Movimento Peronista Montonero que substituiria o Movimento Peronista, como forma

de resposta do “peronismo autêntico” frente à ditadura, contudo, não vingou dado o

aumento da repressão em cima deste movimento.

O declínio do movimento guerrilheiro argentino se dá em 1975, graças ao combate

intensivo das Forças Armadas e grupos paramilitares. Analisaremos como foi a recepção da

216 SALAS, Ernesto. El errático rumbo de la vanguardia montonera. In:Lucha armada em Argentina. Año 3. n. 8. 2007. pp. 34-35. 217CASTAÑEDA, Jorge. Acrobacias Argentinas. In:Utopia desarmada. Intrigas, dilemas e promessas da esquerda latino-americana. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. pp.25. 218 DONATELLO, Luis. Los Montoneros y el golpe de Estado de 1976. In: Voces recobradas. Año 3. n 10. pp.20. 219 Código de justicia penal revolucionario. Montoneros. Consejo Nacional. 4/10/1975.

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Doutrina de Segurança Nacional, arcabouço ideológico das ditaduras em alguns países do

Cone-Sul, foi fundamental para a implementação do terror de Estado na América Latina.

Desta maneira compreenderemos como ocorreu o combate contra os grupos guerrilheiros, o

inimigo interno.

2.3 – DSN: CASOS NACIONAIS

Buscamos compreender as características dos terrorismos de Estado implantados

pelas ditaduras balizadas pela DSN. A DSN foi idealizada aproximadamente em 1947, com

a doutrina Truman, que deu origem à guerra fria, justificada como doutrina de “defesa da

civilização ocidental e cristã”, a partir do pressuposto da existência de uma guerra oculta,

permanente e ideológica contra o comunismo internacional220. A ideologia de que é

imbuída a DSN constitui-se de acordo a uma perspectiva militar sobre a existência da

bipolarização mundial, assim sendo, baseia-se na convicção de duas concepções de mundo

em choque, ou melhor, é proposta um combate entre capitalismo (democracia) x socialismo

(totalitarismo). Para que se vença o inimigo socialista foi construída toda uma lógica para a

sua identificação, sendo eu sua maior característica é sua ubiqüidade. O subversivo inimigo

pode ser um membro da comunidade, e mais ainda, um de nós. Sua periculosidade é

baseada em sua capacidade de provocar reações inesperadas que possam perturbar a lógica

interna do capitalismo221. Assim sendo:

A materialização da doutrina de segurança nacional consistia no

fortalecimento político e operativo das Forças Armadas de cada país,

preparando-as para combater o inimigo interno, estranho aos interesses

nacionais e de orientação marxista-leninista; essa política significava o uso

das armas contra seus próprios habitantes. A supressão das garantias

constitucionais, a ditadura militar e a imposição do terror constituíam

diferentes graus de aplicação da Doutrina222.

220 PASCUAL Alejandra. Terrorismo de Estado. A Argentina de 1973 a 1983. Tese de doutorado em Direito. UFSC, 1997. pp.26. 221IZAGUIRRE, Inés. Memorias de Guerra. Operativo Independencia. Revista Puentes. Julio/2004. 222 PASCUAL, op.cit.pp.35.

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De acordo com Enrique Padrós, a DSN e a luta anti-subversiva foram justificadas

como: “terror benigno e banhos de sangue (bloodbath) saneadores, imprescindíveis e salutares,

pois eliminavam os elementos“comunistas” e “antidemocráticos”, fosse no Vietnã, no Camboja

ou na América Latina”223. Assim sendo, o terror de Estado teria um caráter salvacionista

que procurava amenizar os meios empregados para garantir a “proteção da civilização

democrática, ocidental e cristã”224.

Veremos agora como ocorreu a assimilação destas idéias e o combate ao inimigo

subversivo nos dois países em questão:

A) BRASIL

A sistematização e difusão da Doutrina de Segurança Nacional foi responsabilidade

da Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1949 cuja origem remonta ao curso de

Alto Comando, criado em 1942 pela Lei do Ensino Militar, destinada somente a generais e

a coronéis do Exército. O curso permaneceu no limbo até 1948, com a criada a ESG, ainda

sob as bases da referida lei225. A ESG ficaria com a obrigação de ministrar tal curso,

todavia, teve as bases institucionais ampliadas em pouco tempo. A inspiração imediata da

criação do instituto vinha do último conflito mundial e da conseqüente Guerra Fria, tendo

como pressuposto principal o “alinhamento inevitável ao País do bloco ocidental” 226. Para

Douglas Puglia, uma das peculiaridades da ESG em relação às outras Instituições de ensino

223 PADRÓS, Enrique: Como el Uruguay no hay... Terror de Estado e segurança nacional no Uruguai. Tese de Doutorado. UFRS. 2005. pp.813. 224 Idem. 225A referência é o Decreto-Lei nº 4130, de 26/02/1942, que regulou o Ensino Militar no Exército. O Curso de Alto Comando foi disciplinado pelos artigos 30 e 31 desse Decreto-Lei, e teria por finalidade o estudo das questões referentes ao emprego das Grandes Unidades estratégicas e à direção da Guerra. Mesma lei referente ao Decreto Lei 4130, da nota anterior, com a modificação instituída pelo Decreto n. 25705, de 22/10/1948, que estabelecia normas para a organização da ESG. O decreto estatuía no Art. 1º a extensão do curso aos oficiais da Marinha e da Aeronáutica, e que deveria ser ministrado sob a direção do Estado-Maior Geral, e no Art. 2º atribuía à organização da ESG ao Estado-Maior Geral (depois EMFA), e no Art. 3º à submissão da aprovação do presidente da República, dentro de 120 dias, o regulamento da Escola. A denominação de Escola Superior de Guerra teria sua origem na ênfase militar dessas duas primeiras leis, dados esses objetivos iniciais. Os objetivos logo se alteraram; entretanto, o nome original do Instituto permaneceria, muito embora houvesse tentativas de mudá-lo.Cf. MUNDIM, Luis Felipe César. Juarez Távola e Golbery do Couto e Silva: ESG e a organização do Estado Brasileiro (1930-1960). Dissertação de Mestrado. UFG, 2007. pp. 40. 226Síntese com base em: MUNDIM,op.cit.; GRECO, Heloisa. Questões fundacionais da luta pela Anistia. Tese de doutorado. Departamento de História,2003.;Doutrina de Segurança Nacional ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto ’Brasil: Nunca Mais’. O regime militar, Tomo I p. 53-57;

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do Exército é a participação de civis em seus quadros, não caracterizando portanto uma

instituição militar tradicional227.

De acordo com Luis Mundim, vários autores já discutiram a ESG a partir da matriz

de suas idéias, e de sua atuação conspiratória e política por meio de seus membros, antes e

durante o regime militar de 1964, contudo, encontra-se a matriz, também, em alguns

poucos estudos na história intelectual, em que as análises se voltam ao cerne ideológico no

qual os intelectuais da ESG se inseriram e a incursões interpretativas pelos seus textos –

principalmente os de Golbery do Couto e Silva228, quem sistematizou mais claramente o

que seria a DSN, como veremos adiante.

A grande produção intelectual brasileira na década de 1950 possuía duas vertentes:

a primeira era nacional-desenvolvimentista, sobretudo do Instituto Superior de Estudos do

Brasil (ISEB) e a outra a nacional-conservadora e autoritária representada na ESG:

A polaridade ideológica existente entre essas duas instituições (mais

evidente na terceira fase do Iseb, sob a liderança de Nelson Werneck Sodré)

reproduzia-se não apenas no campo teórico – como nas diferenças dos

conceitos que ambos tinham de segurança e desenvolvimento –, mas,

também, materializava-se em artigos jornalísticos com acusações entre

ambos os institutos, além da elaboração de documentos sigilosos, como a

Exposição de Motivos n. 003-B, de 10 de dezembro de 1959, documento

secreto encaminhado ao presidente Juscelino Kubitschek pelo general

Edgar do Amaral (que cursara a ESG, e era então Chefe do Estado Maior

das Forças Armadas), no qual as práticas do Iseb eram enquadradas como

“infiltração”229.

Da mesma forma, os Isebianos tinham ressalvas aos militares da ESG,

conforme afirma Hélio Jaguaribe, expoente da primeira instituição:

227 PUGLIA, Douglas.ADESG: Elites locais civis e projeto político. Dissertação de mestrado. UNESP, 2006.pp.20. 228MUNDIM,op.cit.pp. 28. 229 MUNDIM. op.cit.pp.35.

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ISEB ficou muito vinculado ao partido comunista, ficou muito “agit prop”

e começou, infelizmente, a haver uma hostilidade crescente dos militares.

Uma das primeiras coisas que o golpe militar fez foi fechar o ISEB. Mas no

meu período de atividades no ISEB as relações não eram de hostilidade (...)

Também não diria que seriam ao contrário. Eram relações não muito

estreitas. Eu fui convidado, naquela época, umas duas vezes, para fazer

conferências na Escola Superior de Guerra. Naquela ocasião, quando fui,

não tive muito boa impressão da forma pela qual os militares estavam

tratando as coisas, porque eles tinham uma perspectiva muito ingênua,

dicionarizada: A, para a-água, a-ar etc... Compilavam dados sob a forma de

tópicos de uma enciclopédia, sem uma estrutura conceitual organizadora, a

não ser a concepção pouco civilista do poder nacional. No nível puramente

intelectual, a Escola Superior de Guerra era então uma coleção de verbetes.

Agora, ao nível da visão do poder nacional, ela tinha uma certa filosofia,que

considero inclusive ingênua230.

Alfred Stepan chama-nos a atenção que as idéias que estruturaram a ESG tiveram

como base muitas das experiências trazidas pela Força Expedicionária Brasileira durante a

guerra na Itália eu foram subordinadas ao exército estadunidense. Desta maneira tiveram

contato intenso com os valores da segurança nacional daquele país. Tais valores se aliaram

à crença militar de que deveriam tomar frente às questões referentes ao desenvolvimento

nacional – requisito para a segurança em caso de guerra231, contudo, o ela maior entre

militares brasileiros e EUA foi via National War College, local em que os brasileiros

entraram diretamente em contato com novos pensamentos e novas modalidades de guerra.

Era uma escola de aperfeiçoamento das Forças Armadas norte-americanas, onde se

discutiam possíveis melhoras para o aparato militar e também a conjuntura internacional.

Com o retorno dos brasileiros discutiu-se a necessidade da criação de um centro de estudos

similar ao norte-americano, mas tendo em vista a realidade brasileira e seu posicionamento

no cenário mundial232. É subproduto da ESG o Serviço Nacional de Informações (SNI),

230Entrevista de Hélio Jaguaribe disponível em: http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/ehelio.pdf . Acesso ao site em: 21/03/2009. 231STEPAN, A. Os Militares na Política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Cristovão, RJ: Editora Artenova, 1975.pp.128-129. 232 Cf.STEPAN. op.cit.pp.129; PUGLIA. Op.cit.pp.13; MUNDIM, op.cit.pp.40.

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criado em 1964 , além de um curso de informações que durou de 1965 a 1972 e boa parte

da legislação da ditadura militar.

Em 1951 foi criada a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra

(ADESG), como órgão de vinculação permanente dos ex-estagiários da ESG, que

funcionam como difusores da DSN. Uma de suas características fundamentais é a

organicidade entre empresários e militares.

Nesse sentido, um outro ponto destaca-se ao se pensar na ESG como uma

instituição doutrinadora, preocupada com a formação de quadros, também

se deveria relacionar estas características com a ADESG. A ESG ao

considerar as elites políticas civis despreparadas, procurava implementar,

através de seus cursos, uma nova metodologia e forma de se gerir e encarar

a política233.

O mentor da DSN foi Golbery. Em uma sistematização breve, a DSN teria o

ocidente como ideal, a ciência como instrumento de ação e o cristianismo como

paradigma ético. Podemos observar neste esforço pela legitimação de uma

determinada visão de mundo, mediante a ESG, demonstra a articulação ideológica

das Forças Armadas, que na busca de autonomia produzem seu próprio sistema

simbólico que tende a constituir-se em poder e influência política na forma

autoritária. De forma alguma a DSN se limita, no caso brasileiro, à Lei de Segurança

Nacional, sendo este mero instrumento jurídico, bem como os atos institucionais, os

decretos-leis, os decretos secretos. Para Heloísa Greco, a DSN se baseia no

desmonte da esfera política:

A DSN seria um projeto geral para a sociedade que abrangeria vários

aspectos da coletividade e das decisões políticas brasileiras. A partir do

combate ao comunismo internacional em nome da democracia, adota-se o

conceito de “guerra de subversão interna”, compreendendo “guerra

insurrecional” e “guerra revolucionária” e a noção de “fronteiras

233 PUGLIA.op.cit. pp.17.

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ideológicas” em oposição a “fronteiras territoriais” – é, assim, estatuída a

categoria de “inimigos internos” cuja contenção e eliminação se tornam a

razão de ser do Estado de Segurança Nacional234.

O regime ditatorial nunca se assumiu como tal. Para tanto, todo um aparato

publicitário foi montado para atingir a sociedade e convencer que éramos o país do

“futuro”, o país do “milagre econômico”, de forma que tudo ia dentro da normalidade.

Havia, também, a preocupação da divulgação dessa imagem no exterior, principalmente

depois das denúncias feitas pelos exilados. É a “cultura do simulacro”. Carlos Fico

analisou o eficiente sistema publicitário do regime, mostrando que a imprensa, desde o

início dos governos militares, se preocupava em mostrar imagens de militares sempre

sisudos, em seus uniformes impecáveis, para que os setores sociais os apoiassem pois “tal

imagem representava segurança, a impressão de que ‘agora haverá ordem’”235. As agências

de propagandas da ditadura foram a Aerp (Agencia Especial de Relações Públicas) e a ARP

(Agencia de Relações Públicas). Para se diferenciar do antigo DIP (Departamento de

Imprensa e Propaganda), que serviu à ditadura Vargas. Negavam o personalismo dos

generais, (com exceção aberta durante a vitória do Brasil na copa de 1970) e a ligação com

a imagem de Médici236. Por motivos claros – foi o governo mais enrijecido, mas, “em

compensação”, foi o governo do tricampeonato e do “milagre”. Esta foi uma jogada de

marketing, onde mostra que o “homem que faz”, não fica aparecendo e cortejando a opinião

pública, ao contrário dos outros homens públicos, que foram estereoptipados com

“demagogos, burocratas e incapazes”. A semelhança existente com o DIP estava na

abordagem de temas como: o congraçamento racial, o caráter positivo do povo, do trabalho,

da solidariedade, dentre outros. O objetivo era a “criação de um clima” de aprovação e

contentamento com as atitudes dos militares. Os temas variavam, desde boas maneiras,

comportamentos adequados (como o Sujismundo), a alusão às famílias felizes, hinos,

músicas (“Ninguém segura a juventude do Brasil”, ou a “corrente pra frente”, que, “parece

que todo o Brasil deu a mão”) etc. 234GRECO,op.cit. pp. 17. Neste mesmo sentido: MUNDIM. Luis. Raízes de um pensamento autoritário: possibilidades metodológicas em um estudo de Golbery do Couto e Silva. Anais do XXIII Simpósio da ANPUH. 235 FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil.Rio de janeiro: FGV, 1997. pp.59. 236 FICO, op. cit. pp.70.

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Além das propagandas, o regime contou com outros meios para se legitimar acabar

com possíveis oposições ao regime. Uma série de profissionais “psi”, mais ligados à

psicanálise, como afirma Cecília Coimbra237, ajudaram a explicar a contrariedade de jovens

com o regime. Assim como houve uma subjetividade construída pelas propagandas nas

idéias de “subir na vida”, de “progresso”, de “Brasil grande”, foi necessária a construção de

outra subjetividade especificamente ligada aos mais novos que não “engoliram” este tipo de

propaganda, para que o regime se defendesse. Foram criadas duas categorias ligadas a

estes, que em geral eram os que se encontravam na clandestinidade, na luta armada ou os

hippies. Sendo mais clara: o subversivo e o drogado. O subversivo é de altíssima

periculosidade. É violento. Não é só contra o regime, mas também contra a família, a

moral, a religião. Já o drogado é vitima de um plano externo para poder ser presa fácil às

ideologias subversivas. O diagnóstico dado a essas duas categorias –já que fazem parte, em

sua maioria, das classes médias, é que está havendo uma “desestruturação na família”, logo,

a culpa do aparecimento desses filhos “rebeldes” não é a indignação contra a situação do

país naquele momento, mas sim, das famílias, que passam problemas para eles. Cecília

Coimbra ainda relata o resultado da primeira pesquisa feita nas penitenciárias com os

presos políticos no ano de 1969, encomendadas por Antonio Carlos Muricy- Chefe-Maior

das Forças Armadas, como forma de conhecer o perfil e as causas que levaram estes jovens

à radicalização. As conclusões foram:

“1) Desajustes; 2) descaso dos pais pelos problemas da mocidade; 3)

politização no meio escolar realizada por profissionais que despertam e

exploram o ódio nos jovens, com o fito de impor-lhes um idealismo

político, mesmo temporário; 4) o trabalho de alguns maus professores,

hábeis em utilizar a cátedra para fazer proselitismo político...”238

O “simulacro” criado pela propaganda, aliado a fatores como os êxitos econômicos

do regime e à patologização da militância opositora , “produz efeitos duradouros na nossa

237 Cf. COIMBRA, Cecília. Algumas práticas “psi” no país do milagre. IN: FREIRE, el all, op. cit. pp. 423-436. 238Reportagem intitulada: “Murici aponta aliciamento de jovens para o terror”. IN: COIMBRA, op. cit. pp.431.

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cultura política: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a mídia e a chamada

intelligenzia vão dar conta de fazê-lo” 239.

Desta maneira podemos inserir dois debates acerca da dificuldade de se nomear o

período militar como terror de Estado: o primeiro sistematizado por Heloísa Greco e o

outro por Carolina Bauer:

A primeira autora aponta um “caos terminológico” que se deve à teoria do

autoritarismo, expressa por Fernando Henrique Cardoso, que se tornou referência

dentro da academia. Para FHC, existiria uma burguesia de Estado que seria

responsável pelo que há de mau no regime, deste modo o caráter de classe da

ditadura militar é suprimido, uma vez que o capital nacional e internacional é

eximido de sua participação no processo de implementação do golpe. Desta maneira,

Greco conclui que “esta linha de análise ignora os verdadeiros atores do golpe de

64”, ou seja, “intelectuais orgânicos de interesses econômicos multinacionais e

associados formaram um complexo político-militar, o IPES/IBAD, cujo objetivo era

agir contra o governo de João Goulart e contra o alinhamento de forças sociais que

apoiavam a sua administração”240. O uso dos termos autoritário/autoritarismo de

forma indiscriminada, pode levar a este “caos terminológico”/ Citando Florestan

Fernandes:

“Tanto autoritarismo pode designar uma ‘variação normal’ (no sentido de

ditadura técnica, em defesa da democracia), como pode se confundir com

uma compulsão ou disposição ‘universal’ de exacerbação da autoridade (de

uma pessoa ou de um grupo; dentro da democracia ou fora dela). O que

permite aplicar o termo autoritarismo em conexão com qualquer regime, em

substituição ao conceito mais preciso de ditadura...” 241

Tal citação remete a dois outros autores que argumentam sobre o caráter técnico e

instrumental utilizados pelas ditaduras Franquista e Salazarista em nome da defesa da

239 GRECO, op.cit.pp.33. 240 Idem. pp.25. 241 FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a ‘Teoria do autoritarismo’. São Paulo, Hucitec, 1979, p.5-6. citado por Greco.pp.25

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democracia (Carl Friedrich e Zbgniew Brzezinsky), e à Juan Linz, que se utilizou do termo

autoritário para se referir ao franquismo, sendo este entendido como equivalente a

“democracia forte” ou “ditadura branda”. São estas abordagens como sugere Fernandes,

que teria permitido a dissimulação, atenuação ou ocultação de “muitas manipulações

repressivas da ‘autoridade’ (...) através de operações semânticas” 242.

Já Carolina Bauer afirma ter sido Irene Cardoso uma das primeiras autoras a

utilizar-se do termo terrorismo de Estado para caracterizar o caso brasileiro. Esta

designação é amplamente utilizada por pesquisadores dos países do Cone Sul cujos países

passaram por experiências ditatoriais. Causa-lhes estranheza o fato de que no Brasil tal

termo não seja recorrente na academia. A autora levanta um questionamento e três

hipóteses para a dificuldade de se empregar esta designação: O questionamento da autora é

sobre o “silêncio” dos intelectuais acerca do emprego deste termo, que não é de forma

alguma reflexo de um desinteresse pelo tema da ditadura militar, haja vista os diversos

livros lançados e vários seminários ocorridos nas Universidades acerca dos 40 anos do

golpe. Aliada a esta discussão está em voga outra, que é a da abertura dos arquivos da

repressão. Há um aumento a cada ano de estudos sobre o tema.

As três hipóteses formuladas por Bauer são respectivamente: a) ausência de empiria

para comprovar a prática terrorista do Estado. Ela chama a atenção para a falta de estudos

comparativos sobre este terror no Cone Sul que cite o caso brasileiro; b) esta hipótese diz

respeito à determinadas análises dominantes na historiografia brasileira que acabam por

restringir as possibilidades de novas interpretações. O exemplo mais notório é a

dicotomização ideológica das Forcas Armadas em “duros” e “moderados”243 que se

alternavam o poder. Esta divisão simplista dificultaria a aplicação do terrorismo de Estado

242 Idem.pp.26 243 Esta dicotomização pura e simples foi questionada pelo trabalho de depoimento de militares desenvolvido pelo CPDOC/FGV. Por mais que os depoimentos apontassem na existência destas das forças, os autores perceberam que as relações internas das Forças Armadas eram mais complexas. Não era tão somente revezamento de poder. Cf: D’ARAÚJO, Maria Celina et all.(org). Visões do golpe. A memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. pp. 20. Outro questionador desta divisão é João Roberto Martins Filho, que discorre ser quase impossível encontrar um grupo militar "liberal" no governo brasileiro e a prática política concreta dos Castelistas demonstra isso - promulgaram a Carta de 1967, impuseram o Ato Institucional n° 4, a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa como medidas "revolucionárias" . E a idéia mesma de um quadro militar dual no pós-64 é falsa. "Depois do expurgo das forças castrenses nacionalistas e populares, a paisagem das correntes políticas atuantes nas Forças Armadas brasileiras caracteriza-se por uma pluralidade de posições e por uma complexidade de fatores de desunião e cizânia que impede uma análise em termos duais". MARTINS FILHO. João. O palácio e a caserna. Dinâmica militar das crises políticas na ditadura (1964-19690). São Paulo: UFSCAR, 1995. pp. 113-115.

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ao caso brasileiro, pois vincularia às “ondas de terror” aos períodos em que os “duros”

estivessem à frente do governo; e c) até que ponto as estratégias de legitimação do governo

(eleições, propagandas ufanistas) atrapalham esta visão de terror uma vez que parte da

população não estava envolvida no que acontecia nos “porões”244.

Outra dificuldade encontrada na aplicação do termo é explicitada por Irene Cardoso

que afirma ter havido uma produção do terror e sua produção do esquecimento, via lei de

Anistia245. A própria experiência do terror, com seu efeito residual, cria dificuldades e

mesmo impossibilidades de nomear esta experiência, dificultando a construção de

simbolização ou representação246.

Uma ala mais conservadora no meio militar afirma que havia sim uma

representatividade política durante o regime, o que impediria, inclusive de chamar de golpe

o que houve em 1964:

“Vá aos jornais de 64, O Globo, Folha de São Paulo e leia o que eles

falaram sobre o que você acabou de chamar de golpe. Depois que houve

doutrinação. Posteriori, com a tomada dos comunistas da cultura, da

universidade. Você foi doutrinada por isso. (...) Que democracia? Qual

conceito e democracia? Representatividade política. O que você chama de

ditadura tinha dois partidos, o Congresso não foi fechado, não houve um

244 BAUER, Caroline. Avenida João Pessoa, 2050 – 3 andar: Terrorismo de Estado e Ação Política do DOPS/RS. Dissertação de Mestrado. UFRGS, 2006. pp.24-25. 245 Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o

trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia

traz as duas polaridades citadas, sendo, “anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial

da memória) aí se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e

excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o

esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação

nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, Heloísa.

Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003.

pp.319.

246 CARDOSO, Irene. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo social. São Paulo.2 sem.1990. pp. 101-112.

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ditador. A única cosa que não houve foi eleição direta. E quantos paises no

mundo tem eleição direta? São todos? Nós tínhamos dois partidos e não

partido único, como tinha em Cuba.(...) Muitas pessoas foram cassadas

após 64 por subversão, mas, mais era por corrupção.”247

A prática do terror no Brasil ocorreu de forma mais dissimulada que nos demais

países do Cone-Sul pelos motivos acima discutidos. Em dados mais precisos, os mortos

e/ou desaparecidos políticos no caso brasileiro são estimados em 378. Este número

demonstra que, ao contrário que aconteceu em outros países de experiências similares no

Cone-Sul, as estruturas de inteligência e de repressão eram mais organizadas, no sentido

que sabiam pontualmente quem pretendiam atingir como alvo último248.

Conforme pudemos vislumbrar, por ter tido o caso brasileiro uma ditadura sui

generis249 na América Latina ao longo do anos de 1960-1970, há a dificuldade de

caracterizá-la como terrorista, contudo, podemos tratá-la como tal uma vez que se utilizou

de métodos parecidos aos demais países para o extermínio de seus oponentes: tortura

sistematizada, desaparecimentos forçados, valas comuns, torturas psicológicas, etc250.

Analisaremos agora o caso tido como mais evidente no que tange à caracterização de

Estado terrorista: a Argentina.

B)ARGENTINA

Do mesmo modo que os militares brasileiros, os argentinos tambem foram treinados

pelos norte-americanos, onde aprenderam a lidar com novas tecnologias e estudaram a

teoria, qu se configuraria na DSN.

No final do ano de 1975 o general Jorge Videla enviou um aviso às autoridades

constitucionais dizendo que não era suficiente ter ampliado as operações de guerra “anti-

subversiva”, tampouco ter nomeado generais da ativa para o comando da Policia Federal e

247 Entrevista de ex-agente do CIE realizada por Priscila Brandão. 248 Para análise da atuação dos serviços de Inteligência e repressão. Cf. BRANDÃO, Priscila. SNI & ABIN. Rio de Janeiro.FGV, 2002; FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001; D`ARAUJO, Maria Celina et.al. Memória Militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. 249A argumentação conservadora aponta que o contrário dos outros países houve sucessão presidencial, existiam partidos, leis, eleições, o que impediria caracterizar o período como uma ditadura, quiçá um Estado de Terror. 250 Projeto A Brasil: Nunca mais. Tomo IV. A tortura. 1985. Acervo Instituto Helena Greco.

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da Secretaria de Informações do Estado se o governo não se livrasse “da imoralidade e da

corrupção”, pois caso contrário, seria destituído251. O ano de 1976 iniciou-se na Argentina

sob o signo da violência política, da crise institucional e do desastre econômico.

O ineditismo do golpe militar do referido ano é que não se configurou em mais uma

intervenção militar naquele país, vítima destes desde a década de 1930. A crise política sem

precedentes deu lugar a um regime de alto grau de messianismo, cujas promessas eram de

mudanças radicais e irreversíveis em vários âmbitos: político, econômico e social. Os

militares conseguiram por fim a uma época, ainda que viessem a demonstrar incapazes de

fundar uma nova. Desta forma se iniciava o Processo de Reorganização Nacional (PRN),

composta por representantes das três armas para criarem uma “autentica democracia”.

Publicizaram seus objetivos no jornal La nación, que se consistiam, assim como no caso do

Brasil na:

(...) vigência dos valores da moral cristã, da tradição nacional e da dignidade do

argentino; (...) a vigência da segurança nacional erradicando a subversão e as causas

que favorecem sua existência; (...) conformação de um sistema educacional que

sirva ao interesses da nação; inserção internacional no mundo ocidental e cristão.252

Priscila Brandão caracteriza o regime militar argentino como uma “situação

ditatorial” e não como um “regime ditatorial”. A razão é que a ditadura não adquiriu nível

algum de institucionalidade, em função de seu sistema decisório débil, dependente de “uma

multiplicidade de lógicas e de divergentes interesses, afetando a geração de politicas

públicas e gerando um estado permanente de crise e instabilidade econômica e social”253.

Desta forma, o uso da violência foi marca deste regime como forma de extirpar os

opositores. Segundo Marcelo Saín, graças à tendência castrense auto-sustentada de

interferir no sistema político e mudanças estruturais no governo, houve uma fissura na ação

251 NOVARO, Marcos & PALERMO, Vicente. A ditadura militar Argentina. São Paulo: Edusp, 2007. pp. 25. 252 La nación em 25/03/1976. citado por NOVARO. op.cit.pp.27. 253 ANTUNES, Priscila. Ditaduras militares e institucionalização dos serviços de informações na Argentina, no Brasil e no Chile. In: FICO, Carlos et al. (org). Ditadura e democracia na América Latina. Rio de Janeiro: FGV, 2008. pp.202.

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do poder militar254. Mesmo com ampla autonomia, a junta militar apenas governou à base

de decretos especiais e atos institucionais. Tomou como medidas imediatas: eliminação da

divisão de poderes, modificação de regras de funcionamento dos órgãos do governo,

dissolução do Congresso Nacional, outorgou funções legislativas ao Executivo, dentre

outros255. Ou seja, não apenas destruíram a estrutura político-social que sustentava o

governo populista, mas criaram uma outra estrutura que perpetuou a dominação de classe,

mas tudo isto “combinado a uma repressão política”256.

O órgão responsável pela caça ao inimigo interno foi, primeiramente, a Secretaria de

Informaciones del Estado (SIDE), que surgiu em 1956. Somente em 1961 este ficou

responsável pela luta contra o terror. Graças ao protagonismo da SIDE várias prisões ilegais

e desaparecimentos ocorreram mesmo durante o governo democrático de Frondinzi257,

contudo, o marco da incorporação da DSN naquele país foi em 1976 com a criação da

primeira ley de seguridad nacional. Tal lei serviu para a ampliação do poder militar nas

questões de insurgência interna. Deste modo quase todo país esteve sob extrema vigilância

militar258.

“Em abril de 1976,( ...) realiza-se na sede do Comando Geral do Exército

uma reunião com participação de ex-comandantes em chefe da arma e

generais da reserva, onde se expõem as características da doutrina de guerra

de forma detalhada. ... a doutrina ... basicamente compreendia a eliminação

física da chamada 'subversão apátrida' e uma orientação ideológica dentro

dos princípios da 'defesa da tradição, da família e da propriedade'. A

Doutrina também tinha como propósito implantar o terror generalizado na

população para evitar que a guerrilha se ‘movesse como um peixe na água'.

São estes conceitos que fundamentaram a política de 'desaparecimentos' que

254 SAÍN, Marcelo. Decmocracia e Forças Armadas: Entre a subordinação militar e os defeitos civis. In: CASTRO, Celso & D’ARAUJO. Maria Celina. Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro: FGV, 2000. pp.23. 255 ANTUNES. op.cit.pp.203. 256 SAÍN,op.cit.pp.25. 257ANTUNES.op.cit.pp.205. 258 Idem.

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desde antes, mas especialmente a partir do golpe militar de 1976, começa a

executar-se de forma sistemática". 259

Conforme afirma Alejandra Pacual, não havia uma definição objetiva do que seria o

“subversivo”. O significado deveria ser buscado nos discursos dos próprios militares, que

davam apontamentos de quais seriam as características dadas a quem era considerado

inimigo. Entre os termos mais utilizados estavam: ser “inimigo ideológico”, ser “de

esquerda”, ser “não-argentino”, ser “judeu” ou ser um “irrecuperável”260. A perseguição aos

judeus foi uma característica marcante no regime argentino. Em analogia à Alemanha

nazista existem indícios de que, durante os regimes de SN na Argentina (e no Uruguai),

foram enterrados corpos de desaparecidos sob a sigla NN (no caso, com o sinônimo de

Ningún Nombre)261.

O que mais caracterizaria o terror de Estado argentino seria, a magnitude dos

milhares de desaparecidos das Juntas Militares.262 O desaparecido possuiria um status

diferenciado: não está nem vivo, nem morto; não está nem preso nem em liberdade. O

Estado desconhece, pelo menos afirma, o seu paradeiro. Isto causaria uma “dor

congelada”263.

Como vimos, este tipo de terror ocorreu mesmo antes do golpe de 1976 com a

SIDE, contudo há outra característica do TDE argentino que é a designação dos “excessos”

a grupos paramilitares de extrema direita, como a Triple A. Este grupo era protegido e

manipulado por integrantes do governo. Havia, deste modo, uma perfeita clandestinização

259 Declaração de Rodolfo Fernandés, colaborador do Ministro do Interior da Argentina em 1976. citado por PASCUAL, op. cit.pp.39. 260 Idem. pp.49. 261A sigla NN era utilizada, na Alemanha, anteriormente ao advento do regime nazista. Um dicionário de 1881, o Dutch Wörterbuch de Jacob et Wilhem Grimm definiam N.N. como sendo sinônimo de nome ignorado (latim: Nomen Nescio) ou que não podia ser mencionado. Da mesma forma, o Grande Dicionário Alemão-Francês (Le Grand Dictionnaire Allemand-Français) de Birman et G. Kister, publicado em 1920, também associava a sigla N.N. a nomen nescio. Tudo indica que, no período da ascensão do nazismo, o significado NN original teve uma interpretação popular figurada que simbolicamente representava a mesma situação. Assim teria surgido a associação do NN com Nacht und Nebel (Noite e Nevoeiro). O nome dado ao decreto hitleriano foi alusivo a essas situações. O mesmo significado dessas duas letras continua sendo utilizado, atualmente, na Alemanha e em outros países. PADRÖS. op.cit.pp.661. 262 PADROS. op.cit.441. 263 PADROS. Enrique. Repressão e violência. In: Fico. op.cit.163.

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da repressão, gerando uma dupla operacionalidade estatal: modalidades repressivas legais e

ilegais se complementavam e coexistiam.

Levando em conta que um dos principais objetivos foi a geração de um

medo global que deveria atingir todo o espectro social, foi de fundamental

interesse que suas requintadas práticas repressivas fossem reconhecidas

para generalizar o medo. Entretanto, ao mesmo tempo, o estado precisou

dissociar-se dessas ações, negando sua autoria para não se envolver em

situações embaraçosas que transgrediam normas jurídicas, sobretudo

internacionais, para evitar denuncias de desrespeito aos direitos humanos264.

Conta que periodicamente a Triple A publicava listas de pessoas que deveriam air

do país, caso contrário seriam assassinadas. Houve em certos momentos uma verdadeira

autonomização desta unidade repressiva para interesses privados. Às vezes, tais fatos

fugiam ao controle estatal, contudo, externamente, o regime tentava divulgar a imagem de

legalidade pari passu à repressão violenta interna. O exemplo mais claro deste caso ocorreu

em 1979, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi visitar o país e

foram espalhados milhares de cartazes que maquiavam a realidade, com os dizeres: “Los

argentinos somos derechos y humanos”265 . A Junta e a Triple A desenvolveram um

exército secreto para levar a cabo uma plano de operações que aperfeiçoava o que os

paramilitares faziam, desta forma combateriam de vez o “inimigo mortal” subversivo266.

A este Estado clandestino em vigor ao Estado legal é dado o nome de paralelismo

global. Na Argentina, o paralelismo global foi uma opção: existiu na totalidade das

estruturas operativas de decisão organizadas por células de caráter secreto, nos métodos de

ação, nas prisões e execuções. Existem quatro motivos freqüentemente mencionados por

oficiais para a existência do paralelismo, sendo: a) a noção de que este seria o método o

mais eficaz e o mais rápido de eliminar a subversão; b) a idéia que era precisa evitar o

obstáculo que poderia se derivar das influências e das pressões internas e externas, causado

por uma ação cujos os efeitos estendessem publicamente; c) a proteção que em virtude dos 264Idem.pp.157. 265 Idem. pp. 158. 266 NOVARO & PALERMO. op.cit. pp.109.

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objetivos escolhidos os diretores e os executores das ações operativas exigiram; e d) a

incerteza e o terror que estas formas de atuação criam nos oponentes e na sociedade ao

todo267.

A Junta também usou de outras duas formas de privação de liberdade, com total

desrespeito à Lei Fundamental e a princípios fundamentais de direito: a prisão clandestina,

decorrente de seqüestros praticados em operativos militares, e a detenção determinada a

partir das Atas Institucionais sancionadas por ela mesma. A Corte Suprema de Justiça foi

chamada para se pronunciar em inúmeras oportunidades por casos de abuso de poder e

violação aos direitos humanos praticados pelas autoridades militares268. A noção de guerra

no lugar de terror de Estado são estratégias dos grupos de direita para justificativa de suas

ações269, bem como a obediência devida aos superiores.

O saldo de mortes leva a alguns autores a classificar como genocídio o que ocorreu

no país: entre 1976 a 1979 foram dadas como desaparecidas cerca de 9 mil pessoas

identificadas; outras 1.898 foram assassinadas e de 5 mil a 9 mil desaparecidas sem haver

denúncias270, mas há quem conteste a pecha de genocídio: por haver uma “condição

subversiva”, ou seja, a propagação do marxismo e o “esquerdismo”, não serve a aplicação

do termo uma vez que tratou-se de um massacre político. Genocídio teria ocorrido no

holocausto judeu, onde a vitima era objetiva e impessoal, uma vez que os algozes pouco

importam para como agem ou pensem; já na Argentina, os subversivos são altamente

identificáveis estão ou não vinculados à luta armada. Basta que queiram mudanças na

realidade271. Existiram, no entanto, 384 centros clandestinos de detenção:

Estos centros sólo fueron clandestinos para la opinión pública y familiares o

allegados de las víctimas, por cuanto las autoridades negaban

sistemáticamente toda información sobre el destino de los secuestrados a

267CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. El caso argentino: desapariciones forzadas como instrumento básico y generalizado de una política. La doctrina del paralelismo global. Su concepción y aplicación. COLOQUIO: "La política de desapariciones forzadas de personas". París, febrero de 1981. S.N.T. pp.12. 268 PASCUAL.op.cit. pp.140. 269CATELA, Ludmila. Violencia política y dictadura em Argentina: de memórias dominantes, subterrâneas y denegadas. In: FICO, Carlos et al. (org). Ditadura e democracia na América Latina. Rio de Janeiro: FGV, 2008. pp.194. 270NUNCA MÁS. Informe de la Comission Nacional sobre la desaparición de personas. 1984; Assemblea Permanente por los Derechos Humanos, 1988. 271 NOVARO & PALERMO. op.cit.116.

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los requerimientos judiciales y de los organismos nacionales e

internacionales de derechos humanos. Pero va de suyo que su existencia y

funcionamiento furon sólo posibles merced al empleo de recursos

financieros y humanos del Estado y que, desde las más altas autoridades

militares hasta cada uno de los miembros de las Fuerzas de Seguridad que

formó parte de este esquema represivo hicieron de estos centros su base

fundamental de operaciones272.

O centro clandestino mais conhecido naquele país é a Escuela Superior de Mecanica

Armada (ESMA). Por lá passaram cerca de 5 mil pessoas, e destas cerca de 90% não saíram

com vida. O edifício de três andares possuía um sótão. Neste ultimo andar ocorriam

interrogatórios e torturas. A ESMA funcionava também como um eixo operativo de uma

complexa organização que pretendia, inclusive, ocultar o extermínio das suas vítimas.

Outra prática que caracteriza o TDE argentino foi a de seqüestro de bebês nascidos

em cárcere, principalmente. Existem diversas denúncias de crianças que foram “doadas”,

sem qualquer ciência de parentes. Representantes da ditadura Argentina jamais negaram o

fato, contudo, afirmam que foi uma fase inicial do regime, já superada. As Madres de Mayo

crêem que cerca de 500 crianças foram seqüestradas, e somente 92 foram encontradas. Este

ainda é um dos resquícios autoritários da Argentina, jovens que ainda hoje desconhecem

seu passado273.

Uma das teorias criadas para justificar a violência do Estado argentino foi a

chamada teoria dos “dos demônios”, criada em 1984 após a publicação do informe Nunca

Más. Os dois demônios que tomaram conta da Argentina seriam a guerrilha e a repressão,

ou seja, a violência utilizada por um foi proporcionalmente utilizada pelo outro. Não se

poderia analisar a força utilizada pelo governo desconsiderando a existência da guerrilha, o

primeiro só agiu em função do segundo274. Assim como a ley do punto final275 e da

272 NUNCA MÁS. pp.55. 273 DUSSEL, Inés. Haciendo la memória en el pais del Nunca Más. Buenos Aires:EDUEBA, 2006. pp.98; Mais informações no site: http://www.madres.org/ 274BIETTI, Lucas. Memoria, violencia y causalidad en la teoria de los dos demonios. In: Finnish Journal of Latin American Studies. n.3. April 2008. 275Se extinguirá la acción penal respecto de toda persona por su presunta participación en cualquier grado, en los delitos del art. 10 de la ley 23.049, que no estuviere prófugo, o declarado en rebeldía, o que no haya sido

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obediência devida276, esta teoria faz parte da discussão acerca da transição Argentina e

força uma memória que tenta amenizar o grau de violência utilizado no combate ao

inimigo.

2.4 – CONCLUSÃO

Conforme constatamos Cuba influenciou diretamente as esquerdas de tais países

seja diretamente no fornecimento de treinamento ou no financiamento da guerrilha, seja no

âmbito das idéias, que levaram ao “racha”da POLOP. De qualquer maneira, a simpatia das

esquerdas com a revolução serviu como uma formidável desculpa para o aniquilamento

destes simpatizantes, contudo, numa luta desigual de forças.

Uma vez entendido o funcionamento da repressão e parte da assimilação das idéias

revolucionárias, centraremos no nosso estudo de caso, o COLINA para a análise de como a

foi a interpretação do grupo acerca da revolução e da realidade brasileira e, em

contrapartida, como repressão agiu para aniquilá-los.

ordenada su citación a prestar declarsción indagatoria, por tribunal competente, antes de los sesenta días corridos a partir de la fecha de promulgación de la presente ley. O problema é que foi sansionada em 24/12/1986, ou seja, em 60 dias não daria tempo de julgas todos os processos em função das férias. A saída encontrada foi a suspensão destas para a agilização dos julgamentos. Lei 23.492/86. 276 Lei 23.251/87, complementava a lei do “punto final”. Esta previa que os militares de baixa patente envolvidos em crimes de lesa humanidade fossem eximidos de julgamento uma vez que cumpriam ordens superiores. Esta lei privilegiaria um numero considerável dos torturadores.

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CAPITULO 3 – DO COLINA

A finalidade deste capítulo é contar e analisar a trajetória dos Comandos de

Libertação Nacional. Para além da história coletiva, trabalharemos com as trajetórias

individuais de seus militantes de forma a dar uma maior riqueza de detalhes para que

possamos reconstruir com b

A produção bibliográfica acerca da Nova Esquerda tem aumentado

significantemente, conforme já explicitamos. Os primeiros trabalhos acerca do tema datam

ainda da década de 1970.

A esquerda armada no Brasil, de Antonio Caso, foi publicada em 1976, em edição

portuguesa e abrange o período entre 1967-1971. Seu prefácio é de Jose Ibrahim277, que

alerta a deficiência do livro:

O livro, porque não da uma visão crítica da prática da esquerda brasileira

durante aquele período que vai ate 1971, acaba por fazer tão-somente a

apologia a ações armadas278.

Contudo, o próprio Ibrahim foge ao espírito critico quando descreve a leitura do

livro como empolgante, pois “descreve ações heróicas praticadas contra o inimigo”.

Segundo ele, quando os revolucionários pegam em armas “para exercer a justa violência

revolucionária (...), deixam gravados na história seus exemplos de heroísmo e

dignidade”279.

O próprio autor alerta que o livro é uma coletânea de relatos e não é para “políticos

reformistas ou revolucionários sectários ou arrependidos”. Neste trabalho, encontramos

depoimento de Vladimir Palmeira, Fernando Gabeira, do próprio Jose Ibrahim, Vera Silvia

Magalhães, dentre outros, inclusive militares. Há relatos dos envolvidos sobre o seqüestro

de Charles Elbrick (embaixador americano) e do Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi. O que é 277 José Ibrahim foi sindicalista, e um dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador americano em 07 de setembro de 1969. Para saber mais sobre a história de Ibrahim e dos demais, ver documentário Hercules 56, de Silvio Da-Rin.2006. 278IBRAHIM, Jose.Prefacio. IN: CASO, Antonio. A esquerda armada no Brasil-1967-1971. Lisboa:Moraes Editores, 1976. pp.7. 279 Idem.

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válido este trabalho, sem dúvida, é o pioneirismo para tratar do tema da guerrilha e pelo

fato de ser um trabalho de cunho memorialístico, uma vez que os guerrilheiros expõem suas

opiniões e narram fatos.

No ano de 1979, Marco Aurélio Garcia, publicou uma série de reportagens no Jornal

Em Tempo280. Ao que nos parece, há um esforço do autor em teoricizar o aparecimento da

esquerda revolucionária brasileira à luz da revolução cubana. Só após um intervalo de

quase 10 anos, que apareceram os “clássicos” do tema, que tentaram, à sua maneira,

entender a derrota sofrida pela esquerda. O primeiro destes é o trabalho de Jacob Gorender,

em 1987, com Combate nas Trevas. Trata-se de uma mescla de trabalho de pesquisa

histórica com relato de ex-militante do PCB e fundador do PCBR. Segundo Gorender, as

duas vezes que esquerda pegou em armas (1935 e no período de 1968-1974), foi derrotada.

Dentro da esfera que privilegiamos neste trabalho - 1968-1974- o autor destaca que o fim

da luta armada foi em 1968. Foi uma “violência retardada”, pois:

“não foi travada (a luta armada) em abril de 1964 contra o golpe direitista,

começou a ser tentada a partir de 1965 e desfechada em 1968, quando o

adversário dominava o poder do Estado, tinha pleno apoio das Forças

Armadas e destroçava os movimentos de massa organizados”281 .

Dado seu afastamento das massas, a esquerda não podia deixar de adotar a violência

incondicional para a justificativa da luta armada imediata. A violência incondicional se

reduziu ao foquismo e ao terrorismo, desta maneira, a derrota seria inevitável282. Em alguns

momentos, o autor indica o aumento da repressão como a causa do fim das esquerdas. O

livro constitui-se de pequenos capítulos, trata das principais organizações do período e

utiliza-se de termos muito datados da década de 1970, como opressor e oprimido.

O segundo trabalho com o qual dialogamos é A revolução faltou ao encontro, de

Daniel Aarão Reis Filho. Esta é a publicação de seu doutorado, e data de 1990. Daniel Reis

Filho, como Gorender, fora militante, mas do MR-8. Houve, por parte deste autor, um

aprofundamento no estudo das influências internacionais da esquerda, iniciado por seu

280 Reportagem: Como surge a esquerda armada brasileira. Em Tempo. São Paulo. N.81. 13 19/09/1979. Esta referência está em SALES, contudo, não tivemos acesso a este documento ainda. 281 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987.pp.249 282 Idem. pp.250.

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antecessor. Não há a narrativa das ações, como também há em Gorender, mas sim, um

esmiuçamento das organizações que se seguiram ao primeiro grande “racha” do PCB.

Apresenta os projetos políticos da Nova Esquerda, influências externas, pressupostos e

mitos coesionadores, o papel do intelectual (dentro e fora do partido, sendo este ultimo uma

ameaça às “verdades”partidárias). Há uma certa fração de autocrítica. A derrota está, para

Daniel Reis Filho, em grande medida na idéia de vanguarda, que colocou em evidência o

distanciamento entre prática e teoria revolucionária, e, por conseguinte, o distanciamento

com a sociedade.

O fantasma da revolução brasileira , é o ultimo dos três livros de referência direta.

Publicado em 1993, o que o torna pioneiro é o fato de Ridenti não ter sido militante

político. Ele, ao contrario dos anteriores, queria buscar uma resposta da derrota para toda

uma geração que não participou das lutas políticas anteriores. O isolamento da esquerda,

para este, ocorreu devido à incapacidade dessa em representar as massas. Trata-se de um

trabalho completo, na medida em que lança mão de vasta documentação e dezenas de

entrevistas com militantes das mais variadas organizações.

Sobre a Política Operária (POLOP), especificamente, não existem muitos trabalhos.

O mais recente é o texto de Daniel Aarão Reis, de 2007, e é o que abarca maior período da

organização, até 1986. Trabalhos anteriores temos de Marcelo Badaró Matos, realiza

análise até 1967283. Há uma dissertação de mestrado de 1992, de Leovegildo Leal284, ex-

polopista., e também trabalhos acadêmicos que perpassam este tema estão o de Denise

Rollemberg e Jean Rodrigues Sales285.

Acerca do COLINA, somente encontramos trabalhos genéricos, que citam uma ou

outra característica do grupo. Não há, ainda, uma história da organização. Apenas

283 REIS, Daniel Aarão. Classe operária, partido de quadros e revolução socialista. O itinerário da Política Operária –Polop (1961-1986). IN: FERREIRA, Jorge & REIS FILHO, Daniel Aarão. Revolução e democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP, 2002. 284 LEAL, Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio poliico, teórico e ideológico do reformismo na esquerda brasileira. Dissertação. UFF, 1992. 285 ROLLEMBERG, Denise. A idéia de revolução: da luta armada ao fim do exílio (1961-1979). Dissertação de mestrado. Niterói: UFF, 1992 e SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as organizações comunistas brasileiras. Tese. UNICAMP, 2005.

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fragmentos em relatos biográficos de ex-militantes, como os de Maria do Carmo Brito,

Carmela Pezzuti, Mauricio Paiva e Herbert Daniel286.

Começaremos pelos momentos que antecederam o IV Congresso da POLOP que

culminaram no aparecimento do nosso objeto de estudo.

3.1 - DO FIM .

O I Congresso da POLOP aconteceu em 1961, no Estado de São Paulo, e contou

com membros de variadas organizações, a exemplo da Juventude Socialista (Guanabara),

Liga Socialista, Juventude Trabalhista (Minas Gerais), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e

militantes independentes287. Segundo seus organizadores, deparavam-se, naquele momento,

com duas situações reais e distintas: por um lado, o estabelecimento do regime burguês,

com Jânio Quadros no poder, e de outro, a linha reformista dominante do PCB288.

Desde o inicio a organização fez questão de marcar a diferença entre suas propostas

revolucionarias e as teses do PCB, que compreendiam, para aquela, uma proposta

puramente reformista.289. Teriam os comunistas do PCB expressado, por meio da

Declaração de 1958, que o capitalismo brasileiro desenvolveu-se a partir de relações

atrasadas no campo – pré capitalistas e baseadas no latifúndio, cuja economia seria

dependente do estrangeiro. Em sua análise, tais “resquícios feudais” interfeririam no

progresso da agricultura, que tende a ser lento, e em cujo processo o nível de vida das

massas é baixo e a exploração elevada. Neste caso, as possibilidades de expansão do

mercado interno são pouquíssimas, acentuando-se a desigualdade entre as diferentes

regiões do país, produzindo discrepâncias no desenvolvimento industrial e social.

Acreditava-se que, mesmo apesar de ser o Estado brasileiro um defensor dos interesses dos

latifundiários e dos grandes empresários ligados ao imperialismo, haveria uma “brecha” na

burguesia que seria progressista e estaria interessada na independência econômica do país,

e na superação dos atrasos causados pelo imperialismo norte-americano e pelas relações 286 VIANNA, Martha. Uma tempestade como a sua memória. A historia de Lia- Maria do Carmo Brito.Sao Paulo: Record,2003; PAIVA, Mauricio.Companheira Carmela. Rio de Janeiro: MAUAD, 1996; PAIVA, Mauricio. O sonho exilado. Rio de Janeiro: MAUAD, 2004 (2 ed) e DANIEL, Herbert. Passagem para próximo sonho. Rio de Janeiro: CODECRI, 1982. 287 SALES.op.cit. pp.180. 288 Documento: As tarefas da POLOP.Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia: 00141. Data: s.d. 289 MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP, 2002. pp.197.

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semi-feudais na agricultura. Era a esses burgueses progressistas que os comunistas

propunham alianças, de modo a construir uma Frente Ampla e promover o fim aos

entraves. Ainda segundo a Declaração de 58, a questão da hegemonia nesta Frente Ampla

seria deixada para o futuro, uma vez que não desapareceriam as contradições entre

proletariado e burguesia. O que nos chama a atenção neste documento é o item relacionado

ao caminho tomado para a revolução etapista, antiimperialista e antifeudal brasileira. Um

caminho explicitamente pacífico, reformista e legalista290.

A POLOP articulou uma crítica à analise do PCB e da realidade brasileira centrada

nos limites estruturais do imperialismo e latifúndio e propunha uma revolução de caráter

socialista. O sujeito político da revolução eleito por eles foi o operariado. Junto a este, se

uniriam os demais setores, incluindo o campesinato e a pequena burguesia para formar uma

Frente Única dos Trabalhadores da Cidade e do Campo e uma Frente das Esquerdas para a

aplicação do “programa socialista para o Brasil”, que seria elaborado em um curto prazo e

serviria como uma resposta operária à crise que ocorria no Brasil291. Outra bandeira

levantada é a da organização dos “comitês de empresa” dentro de cada local de trabalho,

que seriam uma forma de organização autônoma dos trabalhadores, distante da influência

dos partidos considerados reformistas.

No II Congresso, realizado em 1962, foram tomadas decisões importantes no

sentido da organização interna da POLOP. Em “As tarefas da POLOP” haveria uma

reorganização do Comando Nacional com as lideranças locais; a criação de uma literatura

própria; o recrutamento de operários; a formação de base em outros estados (Pernambuco,

Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro); e um programa de formação de quadros para a sua

profissionalização292.

A POLOP teve várias publicações, como por exemplo o jornal Política Operária,

Onde vamos?, meio pelo qual divulgavam suas teses e o caráter socialista da revolução,

além de Comitê de empresa e Piquete, que eram os principais meios de sua inserção no

meio operário.

290 Resolução de 1958 do PCB. IN: CHACON, Vamireh. História dos Partidos Políticos Brasileiros . Brasília: UNB, 1985. pp. 348-363. 291 Documento produzido pela POLOP-SP: Política Operária. O que é? Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia:00138. Data provável:1963. 292 Documento: As tarefas da POLOP. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência:00141. s.d.

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Sua composição era majoritariamente de setores intelectualizados. Podemos

destacar em seus quadros Emir Sader e Eder Sader, Michel Lowy e Eric Sachs - um

austríaco, membro da esquerda erudita européia, quem liderara em 1959 a revista O

movimento socialista. Tal revista viabilizou a expressão dos trotskystas e anarquistas, que

buscavam outra alternativa que não a do PCB, ou do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e

do PSB (Partido Socialista Brasileiro)293. A POLOP propunha fornecer cursos de formação

de lideres para os operários294. Segundo Maria José Nahas, em Minas Gerais eram

ministrados periodicamente cursos sobre o marxismo-leninismo, implementados como uma

forma de recrutar quadros mais dedicados, possibilitando maiores graus de

institucionalização. Contudo, sua atuação ficou restrita aos meios intelectuais, com pouca

inserção nas camadas populares. Três dos ministrantes que se destacavam eram Ângelo

Pezzuti, Apolo Heringer e Jorge Nahas, todos pertencentes à Escola de Medicina da

UFMG. Poucos anos depois, este tornar-se-ia o núcleo dirigente do COLINA. De acordo

com o Boletim Política Operária 2, o curso era basicamente dividido em 3 módulos: 1)

conhecimento dos princípios do marxismo, com a leitura de Bukarin, Marx, Engels, Lênin,

Rosa de Luxemburgo e Plekanov; 2) realidade internacional e história da luta de classes,

através das leituras de Lênin, Paul Sweezy, Paul Baran e Josué de Castro; 3) realidade

brasileira, subsidiados por obras de Caio Prado Júnior, Aristóteles Moura e Ignácio

Rangel295.

No Estado de Minas Gerais, a POLOP atuou não só mo meio operário, mas também

no Movimento de Favelas em Belo Horizonte. O trabalho de Samuel Oliveira é bastante

elucidativo no que tange a inserção da organização neste setor296. Segundo o autor, a ação

da POLOP foi de destaque no movimento, mesmo sem constituir alguma célula dentro de

alguma vila. Os polopistas publicavam textos em jornais circulantes entre os favelados,

como o jornal O Barraco, ou faziam “canções de protesto” para a educação dos favelados

nos valores socialistas e nacionalistas297. Em 1962, a POLOP oferecia cursos de

293 REIS FILHO. 2007. 294 Documento produzido pela POLOP-SP: Política Operária. O que é? Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia:00138. Data provável:1963. 295 Boletim Política Operária n.2.Arquivo CEDEM-UNESP. Referência:00148. Data provável 1963. 296 OLIVEIRA, Samuel. “A favela vem à cidade e não é para sambar”: O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Belo Horizonte, 2008. Dissertação de Mestrado. FAFICH.UFMG. 297 Estas canções foram feitas pelo militante da POLOP Ponce de León.Uma letra diz: (...) Se é pro bem que vem/ Se é pro mal, amém [bis]/ O compadre já contou/ pra comadre Sebastiana/ Que cubano já tem casa/

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alfabetização e de aspectos do “socialismo moderno”, para maior politização dos moradores

de favelas.Os facilitadores desse movimento político de alfabetização eram os estudantes

Ponce de Leon, Guido Rocha, Teotônio Santos Júnior, Jaime Samuel Katz, Armando

Muther, já os cursos sobre o socialismo era elaborados por Guido Rocha e Sacha Calmon.

Como forma de legitimar sa atuação junto ao movimento, a POLOP participou da

organização do I Congresso dos trabalhadores favelados298.No Congresso, Ponce de Leon

desenhou junto com estudantes o painel que enfeitou o auditório em que se realizaria o

evento, além de fazer o distintivo de lapela (com um homem segurando seu filho com a

mão direita, e um martelo na mão esquerda) que foi distribuído para os participantes do

Congresso. Além disso, Guido Rocha, Vânia Bambirra, Teotônio dos Santos e Juarez de

Brito recepcionaram Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas) quando ele veio a Belo

Horizonte para falar no evento organizado pelos trabalhadores favelados.

A crítica da esquerda mais contundente à POLOP diz respeito à sua presumida

inércia e seu teoricismo. E realmente, a única tentativa de ação concreta prevista por esta

organização logo após a instauração da ditadura, em julho de 1964, teria sido uma

conspiração que contaria com a participação de militares de baixa graduação, no

desenvolvimento de uma frente de guerrilha. 299 Não teria sido efetivamente levada a cabo,

em função da infiltração de agentes do CENIMAR, ainda na fase de elaboração, o que

conduziu à prisão de todos os envolvidos. A (in) ação foi apelidada de foco de

Copacabana300 pela própria esquerda, em função de os debates iniciais terem ocorrido em

“aparelhos”301 na zona sul do Rio de Janeiro.

Fidel fez reforma urbana (...). Outra letra: Oi dizem que o homem é Mão/ Eu digo que ele é bom [bis]/ Já me disseram que ele vem lá do outro lado/ Que ele tem olho rasgado/ Que é Mao, é mal se vê/ Mas eu só sei que esse homem trambuqueiro/ Luta o dia, o ano inteiro pra não vê ninguém sofrer (...) . Cf. OLIVEIRA. op. cit. pp. 167. 298 Idem. 299Referencias ao foco: REIS FILHO, Daniel. Classe operária, partido de quadros e revolução socialista. O itinerário da Política Operária –Polop (1961-1986) IN: REIS FILHO & FERREIRA. Revolução e Democracia.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Atica, 1987; MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP, 2002. 300 Anexo I – Listagem dos integrantes do “Foco de Copacabana”. Muitos dos integrantes depois da POLOP, formaram o Movimento Armado Revolucionário (MAR) ou estiveram na guerrilha do Caparaó. 301 Aparelho foi uma designação utilizada pela esquerda (incorporada pelos militares) para designar o local (como uma casa, por exemplo) clandestino onde ocorriam reuniões ou passavam a morar quando estavam na clandestinidade.

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Vale destacar que, inicialmente, a maioria dos membros da POLOP não enxergava

na luta armada um caminho viável para países como o Brasil, perspectiva que seria alterada

a partir do golpe militar.302 Segundo Leovegildo Leal, em 1966 a POLOP já colocava a

questão da luta armada, ainda que com ressalvas, em sua concepção de revolução.

“(...) A guerrilha tem uma função eminentemente política: a de conquistar,

mediante a ação revolucionaria, a autoridade de liderança das massas

exploradas do país.” 303

Foi neste ano que os debates se intensificaram e os problemas dentro da organização

adquiriram uma nova e mais grave dimensão. O Comando Nacional (CN) incumbiu a Seção

Regional de Minas Gerais (SR-MG) de reimprimir o boletim Aonde Vamos? edição I, II e

III e a SR-MG negou-se a cumprir a ordem, por não concordar com as teses ali

desenvolvidas e por acreditar que haveriam outras publicações mais relevantes. Os mineiros

ainda foram acusados de não agir conforme o centralismo democrático da organização 304.

Não tardou uma resposta por parte dos mineiros, por meio da carta “A bem da verdade”305 ,

demonstrando que se tratava, a última afirmação, de uma inverdade. Relataram que a não

publicação teria ocorrido em função da falta de recursos e que em termos de obediência, já

haviam catado ordens de não publicar o jornal O Piquete durante meses, para que todo o

dinheiro ficasse centralizado nas mãos do CN. Tais discussões conduziram a um

afastamento dos operários e à elaboração de um plano de auto-financiamento do boletim.

Segundo os militantes da SR-MG, teriam ficado quase um ano solicitando recursos

mínimos para a reimpressão do material pedido. Também lembram ao CN que a maioria

dos integrantes da organização eram estudantes e operários, o que tornava a contribuição

mensal pequena, mas que, mesmo assim, financiaram viagens de membros à Brasília – o

que seria responsabilidade do CN; contribuíram para a realização do III Congresso; e

fizeram depósito bancário para o caixa nacional da POLOP. O documento traz informações

de que o setor operário da POLOP em Minas seria a maior do país, tendo sido constituído

302 A propósito da ‘Guerra de Guerrilhas’. Política Operaria, n. 2, abril de 1962. 303 LEAL, Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio político, teórico e ideológico do reformismo na esquerda brasileira. Dissertação. Niterói: UFF, 1992. Citado por SALES.op.cit. 304 “Um caso de indisciplina”. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência: 00310. Data21/12/1966. 305 “A bem da verdade”. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência:00320. Data: 29/12/1966.

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após 1964. Não obstante, esta informação é contraditória às afirmações realizadas por

Maria José Nahas, cujo depoimento destacava a contradição de haver, em um movimento

denominado Política Operária, apenas um operário [nota]. O término da carta deixa

explicita a insatisfação da SR-MG com o CN:

É interessante notar que esta não é a primeira vez que o CN, ao sentir a

pressão dos nossos argumentos, colocados no nível ideológico , tenta

desviar o debate para o nível administrativo. E mesmo nesse nível é

obrigado a se utilizar da calúnia como arma de combate306.

A marca principal da POLOP é o seu caráter teórico. Antes mesmo do surgimento

da organização, em 1961 seus ideólogos já refletiam sobre os caminhos da revolução

cubana. Ruy Marini, um dos fundadores da POLOP, escreveu, ainda em 1960, três artigos

no jornal O metropolitano impressões sobre a revolução, ressaltando que “anti-

imperialismo e revolução social nada mais são que aspectos de uma só realidade”307

No primeiro número do jornal Política Operária308, que dá nome à organização,

analisa a revolução de Cuba, afirmando que este pais provou “que subdesenvolvimento

econômico ainda não implica em subdesenvolvimento político”. Em abril de 1962

publicaram um artigo analisando o livro Guerra de guerrilhas, de Che Guevara. Em tal

artigo, seus autores reforçam os três ensinamentos da revolução, que estão apontadas no

livro e foram citadas anteriormente. Mesmo assim, a POLOP neste momento acreditava que

as condições não se repetiriam facilmente na América Latina. Para estes militantes isto se

explica pelo fato que o MR-26 agiu de forma que não levantou suspeitas por parte dos

EUA, o que não aconteceria depois em nenhum país, pois a revolução deixaria de ser

novidade e haveria intervenção norte-americana. Outro fator da impossibilidade da

repetição é que na visão da POLOP, em muitos países do continente as burguesias estavam

306 “A bem da verdade”. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência:00320. Data: 29/12/1966. 307 Idem. pp.183. 308 Política Operaria foi o primeiro periódico produzido pela POLOP, onde seus militantes difundiam suas teses.

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dispostas a resolver o problema agrário para pó fim à tensão revolucionária, desta forma,

eliminaria nestes países o papel preponderante que a guerrilha teve em Cuba309.

As discussões do grupo acerca da viabilidade da luta armada apareceriam somente

nas “Teses de Tiradentes”, em 1966. A tese numero 8 dava destaque para o caminho

armado na luta contra a ditadura: “A guerrilha tem uma função eminentemente política: a

de conquistar, mediante a ação revolucionária, a liderança das massas exploradas do país”.

A tese de número 9 radicaliza mais dizendo que nenhuma “redemocratização” justificaria o

abandono da guerrilha em ação310. De acordo com Éder Sader, as análises da organização

colocavam a guerrilha em um prazo maior. Mesmo assim, a concepção de um foco

guerrilheiro catalizador da luta insurrecional permaneceria311. Em outras edições do

Política Operaria, existem mais referências ao foco312.

A aceitação da teórica do foquismo ocorreu a partir de 1967. Todo este processo de

radicalização gradual da POLOP na aceitação da guerra de guerrilhas pode, segundo Sales,

ser vislumbrado pela imprensa da POLOP. E será em parte desenvolvido em nossa

pesquisa.

Não podemos deixar de mencionar, o documento Programa Socialista para o

Brasil, de 1967. Neste documento consta a análise do capitalismo estagnado no Brasil, a

necessidade de se formar o partido do proletariado para a instalação da ditadura do

proletariado, a proposta de criação de uma frente de trabalhadores da cidade e do campo, a

formação dos “comitês de fábrica”, e a proposta da adesão de setores militares das baixas

camadas. Para os militantes da organização, o governo dos trabalhadores seria de transição.

O que se pode notar no documento é que há apontamentos mais radicais nas propostas da

POLOP, uma vez que há o reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de

uma “Frente de esquerda revolucionária”. Este programa apresenta uma certa abertura, em

tese, às novas idéias radicais dentro da organização.

Em seu último parágrafo há a clareza da influência cubana na organização:

309 O artigo da POLOP se intitula: A propósito da guerra de guerrilhas. Política Operaria. n. 2. abril de 1962. citado por SALES. op.cit.184. 310 Teses de Tiradentes. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência 00384. Data: Abril de 1966. 311 SADER, citado por SALES. p.190. 312 Sales menciona cada exemplar em que tal debate é realizado.

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A primeira tarefa política do foco guerrilheiro há de ser, desta maneira, a de

colocar claramente no cenário político do país uma nova liderança, uma

nova alternativa ao poder revolucionário ao poder das classes dominantes.

O fato consumado do foco de guerrilha elevará o nível da luta, apressará a

unificação das forças da esquerda revolucionária e a continuação do partido

revolucionário da classe operária. Da instalação do foco até a insurreição do

proletariado na cidade haverá um caminho prolongado, mas será um

caminho só com um objetivo traçado: a Revolução dos trabalhadores

brasileiros no caminho do socialismo. Será essa nossa contribuição decisiva

para a construção de uma nova sociedade no mundo (...)313.

Com a votação vitoriosa deste programa, no IV Congresso, começaram as cisões.

Parte do núcleo dirigente da POLOP que defendeu o Programa Socialista, formou

organizações que defendiam a luta armada como estratégia imediata. Em Minas houve a

criação do COLINA, por Ângelo Pezzuti, Jorge Nahas, Apolo Lisboa, todos ex-integrantes

da POLOP.

3.2 – DO INICIO

A POLOP realizou em meados do ano de 1967 seu quarto congresso em Santos.

Tanto nos documentos da organização quanto nos depoimentos, fica claro que o

principal motivo do rompimento com a POLOP foi a defesa de alguns à adesão à luta

armada imediata. Para estes dissidentes não bastavam mais reflexões teóricas, havia

necessidade de agir.

Queriam a formação de uma vanguarda militar inspirada nos focos guerrilheiros,

para o enfrentamento armado à ditadura. Muito desta influência veio da revolução

cubana e da chegada da obra A Revolução na Revolução de Regis Debray nas mãos

destes militantes em meados de 1967. Em oposição a essa vanguarda militar estava

outra, que era a vanguarda teórica que “ensinaria a classe operária a se organizar”314.

313 Programa Socialista para o Brasil. Setembro de 1967. IN: REIS FILHO & SÄ (orgs.)Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações de esquerda no Brasil dos anos de 1961-1971. Rio e Janeiro: Marco Zero,1985. pp.116. 314 Entrevista de Guido Rocha. Fita 3 lado A. pp.1. Concedida a Maria Eliza Borges e Marcelina das Graças de Almeida em 11/11/1991. Acervo do programa de História Oral da UFMG.

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Segundo Guido Rocha, o primeiro caso – a vanguarda militar - se refere ao grupo

COLINA e o segundo ao grupo que formaria a POC (Partido Operário Comunista), cuja

proposta era a de formação do partido de vanguarda que conduziria a classe operária à

revolução.

Meses antes do lançamento oficial do programa que seria a diretriz da POLOP

(este datado de setembro de 1967) já pairava um clima de descontentamento entre

quadros no interior da organização. Como um dos documentos que combate este

programa é datado de agosto de 1967, creio na hipótese do conhecimento do programa

por parte de Ferdinando Machado, membro da POLOP, antes de sua divulgação à

“grande maioria” de militantes da organização. A primeira parte do documento escrito

por Machado, é dedicada a recriminar a atuação de Ernesto Martins315, considerado um

dos grandes teóricos da organização. Segundo Ferdinando Machado, o que estava

ocorrendo dentro do grupo era um cerceamento e desqualificação dos “companheiros”

que questionavam as orientações de Martins, taxando-os de pequenos burgueses (o que

representava um demérito aos olhos dos revolucionários). A POLOP estaria se tornando

uma seita, presa ao passado de “vanguarda ideológica”, educadora da massa, que não

cabia mais naquele momento. Além disso, a POLOP não assumia seus erros, por

exemplo, no caso dos “comitês de empresa”, apesar de se terem mostrado ineficientes

foram utilizadas como palavras de ordem. Enfim, o documento é uma crítica importante

à vaidade e à falta de conhecimento da realidade dos “intelectuais da revolução”, na

pessoa de Ernesto Martins.

O ponto central deste documento é a análise e diferenciação do que seria a

“vanguarda ideológica” e a “vanguarda política”. A primeira trata do que seria a POLOP

naquele momento, como afirma Machado, onde os “socialistas de cátedra” ficariam na

doutrinação da classe operária esperando que, através de seus ensinamentos, ela se

conscientizasse de seu papel revolucionário e se insurgisse. Essa idéia já estava por

demais ultrapassada naquele momento. A necessidade era da formação da “vanguarda

política”, essa sim, no entender de Machado, seria a que realmente levaria a cabo a

revolução. Era momento de tomada de atitude e “era preciso apresentar às massas uma

315 Um dos fundadores da POLOP, que faleceu recentemente. Seu nome real era Eric Sarchs. Cf: Entrevista Jorge Nahas em 06/01/2006.

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perspectiva imediata de ação”316. Antes do golpe era possível ser vanguarda ideológica

sem ser política; depois disso, com a maior radicalização das esquerdas, precisou-se da

prática para que o movimento operário saísse da “inércia”. O significado da defesa da

luta armada, para Machado, é a educação da classe operária pela prática.

“Programa socialista para o Brasil”317 é a resolução do IV Congresso . Os pontos

principais dessa organizaçao estão contidos nesse documento. a análise do capitalismo

estagnado no Brasil, a necessidade de se formar o partido do proletariado para a

instalação da ditadura do proletariado, a proposta de criação de uma frente de

trabalhadores da cidade e do campo, a formação dos “comitês de fábrica”, e a proposta

da adesão de setores militares das baixas camadas. Para os militantes da organização, o

governo dos trabalhadores seria de transição. O que se pode notar no documento é que

há apontamentos mais radicais nas propostas da POLOP, uma vez que há o

reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de uma “Frente de

esquerda revolucionária”. “O fato consumado da guerrilha elevará o nível da luta,

apressará a unificação das forças da esquerda revolucionária e a constituição do partido

revolucionário da classe operária”318.Este programa apresenta uma certa abertura, em

tese, às novas idéias radicais dentro da organização, mesmo que não haja total apoio a

elas.

A resposta dos dissidentes a esse programa foi imediata.Datado da mesma época

que o “Programa”, “Carta aberta aos revolucionários” mostra a que veio esta nova

organização. Para os revolucionários rompidos, a POLOP estava numa reprodução de

discurso europeu que não cabia na realidade da luta brasileira e se denominava a

“vanguarda ideológica” com suas consideradas falsas concepções e frases feitas. Outra

crítica que os dissidentes fazem é que a POLOP acreditava que devia-se educar a classe

operária com a utilização de “artifícios de propaganda” para incutir-lhes a consciência

socialista, contudo, como vemos adiante, essa estratégia será defendida, mais tarde, pelo

COLINA.

316 Cf:Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207. 317 Programa socialista para o Brasil. setembro de 1967. In: REIS FILHO & SÁ. Imagens da Revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. pp. 89- 116. 318 Idem. pp.116.

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O ponto alto do documento e que marca bem a posição defendida até o fim da

organização é a parte em que se aborda a questão da luta armada como “forma

fundamental de luta de classes na atual conjuntura – que terá que ser centralizada no

campo, sob forma de guerra de guerrilhas”319, sendo esta uma forma de organizar a

classe operária para acabar com o regime.

Guido Rocha, um dos mais antigos militantes que participou desde o inicio da

POLOP e da formação do COLINA acredita que, naquele momento, o problema da

POLOP estava em discutir problemas táticos de luta, quando a questão era política.

Segundo o entrevistado, seu questionamento era “luta armada pra quê, pra conquistar o

quê?”320. Ele chegou a apoiar a luta armada, mas em defesa de uma Assembléia

Constituinte (pois o problema, em seu entendimento, estava no âmbito da legitimação do

poder). Para tal objetivo era preciso uma preparação para o ingresso nesta forma de luta,

não a sua deflagração sem projetos.

A nova organização, em principio, assina como “os revolucionários que rompem

com a POLOP”321, mais tarde seria conhecida como O “pontinho”,ou, Organização. O

nome COLINA – Comandos de Libertação Nacional surge somente em 1968 com o

inicio das ações. “Comandos”, refere-se à composição interna por células (ou

comandos). Existiam as células de expropriação, sabotagem, inteligência, de

levantamento de área e a célula urbana, que englobava o trabalho junto ao movimento

operário e estudantil.Marcelo Ridenti chama a atenção para que o nome COLINA pode

parecer ambíguo, uma vez que, indicava uma postura pela revolução democrática

(libertação nacional) sendo que, pelos documentos, a opção é pelo socialismo322. Este

grupo surgiu em Minas, porém, teve adeptos na antiga Guanabara. De acordo com Maria

do Carmo Britto, a única semelhança entre os dois COLINA era a luta armada, não se

319 Carta aberta aos revolucionários. Setembro de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 13. 320 Entrevista citada. Fita 2 , lado B. pp 18. 321 Cf: Carta aberta aos revolucionários. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2 Imagem 14. 322 RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: UNESP, 1993. pp. 36.

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discutia o caráter da revolução323. Em Minas há indícios de maiores discussões, mesmo

por que é uma das praticas herdadas da POLOP trazida por seus ex-integrantes.

Alguns nomes recorrentes na transição POLOP-COLINA são: Ângelo Pezzuti,

João Lucas Alves, Carlos Alberto Soares, Guido Rocha, Oroslinda Goulart, Juarez Brito,

Apolo Lisboa, Jorge Nahas, Dilma Vana Roussef, Gilberto Martins Vasconcelos,

Herbert Eustáquio de Carvalho, Marcos Antonio Rocha, Reinaldo José de Melo, Jorge

Batista Filho e Cláudio Galeno Linhares324.

IV.2.Sistematização das ações: o Comando Nacional

Logo após o rompimento com a POLOP, em Minas, aventou-se a idéia da formação

de um Comando Nacional, juntamente com São Paulo e Rio de Janeiro (Guanabara), de

forma a sistematizar as ações destes grupos e seria “fruto da unidade de diversos grupos

organizados em torno de princípios ideológicos de uma linha política e de uma prática

revolucionária visando dar ao povo brasileiro uma alternativa real de libertação”325.

O que se propunha era um balanço crítico das organizações presentes em cada

estado, de forma que pudessem encontrar convergências. Em São Paulo analisaram duas

organizações: a POLOP e o MNR. O que se de negativo foi encontrado nestas organizações

foi a falta e uma política para aplicá-las às massas urbanas e uma grande centralização de

função nas mãos de alguns, o que prejudicaria o trabalho em grupo, levando, assim, a um

maior individualismo.

As análises feitas para as organizações da Guanabara apontaram para afinidades

com a organização de Minas. Houve a união de forças da então “O pontinho” com outros

revolucionários da Dissidência pecebista Guanabara (DI-GB) para fortalecer e

homogeneizar a oposição armada ao regime. Isso fica claro no relatório policial326 sobre o

grupo COLINA, que fala da ocorrência de ações de membros do COLINA aliados à

Dissidência no antigo estado da Guanabara. Apesar desta aliança, o agrupamento de Minas

323 Idem. 324 Cf. Entrevista Guido Rocha citada; Cópia da sentença do grupo COLINA. Rolo 1, pasta 15, imagem 2414; Relatório final do IPM. Rolo 2 , pasta 24, imagem 1832. Os dois documentos presentes no Acervo do DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. 325 Documento “Informe Nacional”. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 3. 326 Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381.

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tinha críticas a fazer a tal grupo como à sua origem sendo do ME, o que os tornou muito

imediatistas e sem estratégias políticas. Já Minas em sua própria análise, deixa clara a sua

opção pelas armas e a necessidade de se organizar em células para a formação de uma

organização político-militar preparada para agir e tendo em vista o seu caráter militarista e

o afastamento das massas 327.

IV.3. Composição social e trabalho com as massas

A composição básica do COLINA era de estudantes universitários, ainda para endossar

divisão proposta por Daniel Reis Filho entre as gerações de militantes, já apresentada no

capitulo anterior.Pode-se afirmar que o COLINA era um grupo jovem em sua formação.

O documento referente às sentenças dá uma idéia disto. Ainda dentro destes indiciados,

16 têm menos de 25 anos (cerca de 60%), apenas 4 têm mais de 30 anos (cerca de

15%)328. Além disto, nos depoimentos encontramos referências às questões das

diferenças de idade, seja na referência feita por Maria José ao Beto (Carlos Alberto

Soares), que todos admiravam e “que era o mais velho da turma, tinha 24 anos” 329 ou na

análise de Irani Campos que ao entrar para o COLINA, tinha pelo menos cinco anos a

mais que a maioria. Para ele esta diferença de idade fazia muita diferença no modo de

militar:

Não viveram 1964 como eu vivi. Então, a experiência acaba valendo. Você não

pode negar que ela é importantíssima na militância da gente. Depois disso, veio o

golpe militar, (...) eu já tinha participado da luta pela legalidade em 61, para

garantir a posse do Jango.330

Para o trabalho no meio estudantil foi de suma importância o CEM como local de

recrutamento de quadros. É válido destacar que considerável parcela dos militantes desta

organização e que chegaram aos postos de comando, ou destacados agitadores, foram

estudantes de medicina da UFMG: Ângelo Pezzuti, Apolo Lisboa e Jorge Nahas, nomes

mais recorrentes. Maria José Nahas também foi da escola de medicina e a única mulher

a participar de ações armadas. Irani campos trabalhou como técnico na escola de 327 Documento “Informe Nacional”. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 3. 328 Sentença do Grupo COLINA. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 1: Pasta 15: Imagem 2415. 329 Entrevista de Maria José Nahas concedida a autora em 02/04/2005. 330 Entrevista de Irani Campos concedida a autora em 17/01/2006.

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medicina e era membro do sindicato dos servidores públicos. Esta composição oriunda

da medicina foi um fator decisivo para se implementar o “esquema médico”. Tal

esquema consistia na participação de médicos que viviam legalmente, não estavam

militando na organização, porém, estavam dispostos a ajudar.Desta forma, podiam ser

contatados em caso de emergência para atender dentro dos aparelhos ou ficasse de

plantão quando algum quadro precisasse ir ao pronto-socorro331.

Por serem estes militantes “brancos, jovens, estudantes, naturalmente oriundos das

classes médias332” passavam situações incômodas quando a teoria e a prática militante se

mostravam antagônicas. Por mais que se discutisse a respeito da união de teoria e prática

este “mal estar” persistia e se mostrava mais evidente quando dizia respeito a ter que

trabalhar junto aos operários. A documentação referente à prática desta militância333

mostra uma visão bastante lúcida quanto às dificuldades a serem enfrentadas pelos

estudantes no meio operário. Tinham ciência do total desconhecimento da causa,

realidade e passado de lutas operárias. Para sanar este problema propunha-se uma

formulação de teoria mais ligada às lutas concretas do proletariado, a divulgação de uma

literatura de denúncia (que foi em parte suprida pelo Piquete), um modo e agir

apropriado de forma que não seja muito diferente destes trabalhadores, e, até que

militantes do ME que vão para o MO tranquem por até um ano seu curso para

trabalharem em fábricas ou morarem em bairros operários. Pode-se ilustrar a dificuldade

destes estudantes e classe média a se adaptarem a este outro meio pelo relato de Maria

José Nahas: “Eu me lembro que eu me sentia muito sem jeito, muito sem jeito, que eu

era aquela filha de médico do interior e indo pelos bairros operários, não é? Não tinha

nada a ver uma coisa com a outra. Eu me sentia muito sem jeito com isso”334

Por melhores que fossem as intenções dos universitários, em apoiar os operários, a

junção dos dois movimentos seria improvável. Na reflexão exposta apresentou-se a

composição social dos universitários como sendo um grupo social com interesses

próprios. Eles sabiam da capacidade de mobilização e radicalização estudantil, porém

331 Cf. PAIVA, Mauricio. O sonho exilado. Rio de janeiro: Mauad, 2004. pp.63; Entrevista Apolo Lisboa concedida em 01/04/2005. 332 PAIVA, Mauricio. Op.cit.pp.75. 333 Cf: Aspectos práticos do trabalho operário. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub: 5 Imagem 34 . 334 Entrevista de Maria José Nahas concedida a autora em 11/01/2003.

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não poderiam se unir ao movimento operário mesmo sendo o objetivo comum aos dois:

combater o regime e fazer a revolução. Assim como o ME tinha perspectivas próprias, o

MO também as possuía e isto poderia causar atritos. Seria um erro uni-las.

Imperava o discurso em defesa dos operários, mas, dentro da própria organização, havia

uma certa distinção entre os “intelectuais” e os que tinham origem sindical. O

depoimento de Irani Campos é bem claro neste aspecto:

Era muito difícil, porque obviamente, uma grande quantidade do pessoal do

movimento estudantil eles eram, na maioria inexperiente. (...) Não tinha experiência

no movimento sindical, operário.(...) E a gente tinha divergências, (...) a gente

sentia a diferença, mas não trazia prejuízo individual nenhum pra mim, nem pro

movimento nem nada, mas eu sei de muitos companheiros que tiveram muita

dificuldade. Muito mais dificuldade que eu. Porque eu lembro de um fato que

mostra essa diferença, um companheiro nosso foi chamado de marginal porque era

cantador de samba.(...) Dentro do COLINA. Eu era militante do COLINA. Todos

dois. E pior que se deu isso na cadeia. Alguém tava cantando lá e um militante que

era muito intelectualizado achava que beber cachaça e cantar samba é coisa de

marginal. Aí você vê. Tem esses problemas, às vezes a gente tinha. Então você

relacionar com umas pessoas que tem uma visão dessa, quer dizer, jamais um

trabalhador militante, como eu e tantos outros ia ter uma visão dessa335.

A restrição feita pelos intelectuais aos “outros” não é, de forma alguma, via de mão

única, ou seja, os próprios guerrilheiros enxergavam os “intelectuais” como pessoas

incapazes para a prática da luta revolucionária. Para os integrantes dos “comandos” a

crítica faz coro à que foi feita por Machado anteriormente. Segundo eles, o intelectual se

compromete com a teoria e, não raras vezes, contradizem com a prática do cotidiano da

luta. É um “instrumento de auto-afirmação”336 , que abre espaço para oportunistas.

Conforme afirma Jorge Nahas, o COLINA não conseguiu trazer os “grandes

intelectuais” da POLOP, mas trouxe, pelo menos, os quadros mais politizados. Quando

335 Entrevista de Irani campos concedida a autora em 17/01/2006. 336 “Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit.. pp. 159.

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do surgimento da organização, após a cisão, eles criticavam muitos os intelectuais da

POLOP, só que, com a luta armada, não tinham tempo a perder com este tipo de

coisa337.

O que se questionava em relação ao trabalho junto ao operariado no momento da cisão

era a questão dos “comitês de empresa” defendidos pela POLOP em seu programa de

1967. Estes “comitês” consistiam na organização independente dos trabalhadores dentro

das empresas de forma independente dos sindicatos “pelegos”. Acreditavam que, através

destes, conseguiriam superar o papel dos sindicatos que supunham estar sob controle da

burguesia, com a sua se política de base338.O grupo COLINA não concordava com esta

visão. Primeiramente porque bem ou mal, os sindicatos estavam legais e ofereciam

maiores condições de mobilização da grande massa mesmo não sindicalizada. O erro na

teoria do “comitê” estaria na má preparação dos quadros militantes destinados ao MO e

ainda na diferença, mais uma vez, entre teoria e prática. O “comitê” não deveria ser um

substituto do sindicato em seu papel de representante da classe, mas sim um instrumento

de propaganda que auxiliaria o desempenho deste e que o teriam como ponto de

referência339.Em suma, para o COLINA, as características dos “comitês” ou e qualquer

outro órgão que organizasse os trabalhadores em seu local de emprego, seriam órgãos de

delegação direta de representação operária; órgãos de defesa efetiva de trabalhadores

quando mediassem conflitos de caráter imediato com patrões; órgão educativo e

politizante, para a formação de quadros para o futuro partido dos trabalhadores

(vanguarda).

Jorge Nahas relata que o COLINA tinha “um pezinho” nos movimentos legais de massa

(ME e o MO), mas com as primeiras prisões do grupo e com a ida para a

clandestinidade, este trabalho teve que ser deixado de lado340. O que se deve ter em

mente é que a proposta desses grupos militaristas não era a atuação com as massas,

contudo seu apoio foi fundamental.

IV.4. O foco guerrilheiro

337 Entrevista Jorge Nahas em 06/01/2006. 338 Programa socialista para o Brasil. setembro de 1967. In: REIS FILHO & SÁ. Imagens da Revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985. pp. 109. 339Cf: Diretrizes para o trabalho operário.Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub 4 Imagem 25. 340 Entrevista de Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006.

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O COLINA “importou” o modelo de resistência cubana, para fazer sua da revolução de

caráter anti-imperialista e anti-latifundiária341, sendo o foco guerrilheiro sua estratégia de

ação para a tão sonhada tomada de poder e implantação do socialismo. Eram convictos

de “que um exército só se destrói com outro exército”342. Seria através do foco

guerrilheiro que se formaria o exército popular revolucionário, cujo embrião são os

guerrilheiros, que acabariam com o inimigo e construiriam um poder novo,

revolucionário. Do mesmo modo surgiria o homem novo após a revolução, segundo

dizia o próprio Guevara. Para ele “a mais importante ambição revolucionária é libertar o

homem da sua alienação”343.

Tal teoria do foco sugeria a formação de uma força móvel estratégica para a formação da

guerrilha. Consistia no envio de quadros para uma região de difícil acesso para as forças

policiais e políticas, responsáveis por reprimir as ações da esquerda revolucionária. Esta

região era o campo, o “elo fraco da cadeia”, onde o nível de politização é menor. A

escolha do local não era aleatória, os militantes passavam meses pesquisando e

conhecendo bem a região. De acordo com Régis Debray344, autor da teoria, em primeiro

lugar eles deveriam procurar conhecer todas as possibilidades, os caminhos e os

esconderijos para a fuga, caso necessário. O próximo passo seria o trabalho com as

massas, o começo da conscientização dos camponeses através dos quais tentariam

conquistar a confiança e o apoio para o grupo, transformando essa população no braço

armado da revolução.

Este modelo não era comum à toda nova esquerda. A proposta de revolução da

Ação Popular (AP), baseava-se na concentração e politização dos trabalhadores e negava

a guerrilha como estratégia. O argumento forte do COLINA, em oposição à AP, está no

fato de que os primeiros fariam o trabalho de massa antes do desencadeamento da luta

armada o que, no final do trabalho, teriam o apoio dos trabalhadores ao Partido de

Vanguarda; já a AP geraria o próprio Partido. A crítica ao modelo da AP ainda vai além,

341 Caráter a revolução brasileira. Contribuição de Minas. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub 17 Imagem 198. 342 “Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit.. pp. 51. 343 Cf. LOWY, Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp.52. 344 DEBRAY, Régis. A revolução na revolução.São Paulo: Centro de Estudos Latino Americano: s.d.

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pois um trabalho político com as massas, aberto, como faziam, fatalmente atrairia a

repressão para o lugar e inutilizaria a área de atuação345.

As decisões eram verticalizadas e centradas mais em torno do comando armado,

onde se encontravam os maiores expoentes. O que entra em debate nesse ponto é a questão

da democracia existente (ou não) dentro da organização. O discurso democrático dos

revolucionários seria somente um meio de alcançar o poder com o Partido de vanguarda,

que é o que conduziria as massas à revolução. Uma vez no poder, seria instaurada a

ditadura do proletariado – mas acreditavam ser apenas um governo de transição até o fim

do status quo. Para Apolo Heringer Lisboa “a democracia interna era na medida do

possível, subordinada à disciplina militar. Não tinha outro jeito também não”346.

Há de se notar, também, que na contribuição do grupo do estado de São Paulo para a

discussão interna do “Comando Nacional”, a noção de democracia é classista, pois fala

da imposição da vontade da maioria dos trabalhadores sobre a minoria dos

exploradores347. É explicita a visão da luta de classes nos documentos. Daniel Aarão

Reis é bem enfático na questão: “Neste período de militarismo mais exacerbado, a

democracia não existe, mas isso é uma coisa assumida por todos”348.

Na avaliação de Nahas349, existiu dentro do grupo a estratégia da “tensão

máxima”, ou seja, controle muitas vezes psicológico da direção da organização para que

não houvesse desertores. Em um momento de autocrítica, ele afirma que realmente a

direção exigiu muito dos companheiros que estavam presos para não falarem e os que

falaram foram estigmatizados. O que existia eram os sentimentos de extrema

responsabilidade com a luta, compromisso com a militância e a dívida moral com os que

morreram. Acreditavam que não poderiam abandonar a luta em virtude de outros que

deram a vida por ela. Talvez um ponto que ajude a explicar a “tensão” e que endossa os

apontamentos de Reis Filho a respeito desta seja a vaidade militante. (complexo da

dívida, leque das virtudes, massacre das tarefas e celebração da autoridade, ambivalência

345 Cf: “Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit. pp. 146. 346 Entrevista de Apolo Lisboa concedida a autora em 01/04/2005. 347 Conteúdo e forma do governo revolucionário. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 17: Imagem 0197. 348 RIDENTI. op.cit. pp.262. 349 Entrevista Jorge Nahas já citada.

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das orientações e a síndrome da traição).350 De forma alguma pretendo reduzir a análise,

mas há uma significativa recorrência de evidências. Se, anteriormente, pudemos

observar esta crítica aos vaidosos intelectuais “polopeiros” nos documentos, a fala de

Nahas parece bastante próxima da explicação que se segue:

A gente achava que as coisas dependiam muito da gente. Nós achávamos

que... isso pra nossa auto-estima é importante, se você não achar isso

também você não faz nada. Esse é um outro lado da moeda. Se você achar

que você não é muito importante, mas a gente considerava que a nossa

militância era muito importante. Depois a gente foi pro exílio (...) achando

que tinha que voltar, porque se não voltasse, não ressurgiria a luta. Isso era

uma ilusão, uma bobagem. 1974, o PMDB ganhou eleições no país inteiro.

Nós ficamos surpreendidos com aquilo, nós achávamos que aquilo não

aconteceria351.

A origem do militante não era de muita importância no primeiro momento, porém,

os pequeno-burgueses deveriam ter preparação política maior e treinamento físico mais

completo, como se fosse para se redimir da “culpa” de sua origem. Além disso, deveriam

ser conscientes da vida guerrilheira: o trabalho de arar, plantar, colher, transportar os

mantimentos por léguas e léguas, além de possuírem, é claro, conhecimentos militares

como o manejo de armas, preparação de explosivo, compreensão política do segredo

militar, etc352.

Principais ações

Como os demais grupos guerrilheiros o COLINA se propunha a fazer guerrilha

rural, e também como os demais (à exceção do PC do B no Araguaia) fez

exclusivamente guerrilha urbana. Talvez por falta de experiência ou por sua pouca

duração.

350 REIS FILHO, Daniel. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Barasiliense, 1989.pp.118-135. 351 Entrevista Jorge Nahas já citada. 352 “Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit. pp.158.

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A guerrilha urbana serviria apenas para angariar fundos para a implantação da

guerrilha rural e a ajuda aos integrantes que estavam na clandestinidade, uma vez que

somente o dinheiro doado por simpatizantes à causa era insuficiente. Ocorreram furtos

de carros e armas para as ações que foram poucas, mas de repercussão. As ações

armadas tiveram início na segunda metade de 1968.

A primeira ação ocorreu em 23 de agosto de 1968. Foi um assalto ao Jeep da

Secretaria da Fazenda cujo destino era a cidade de Guanhães. Fardados, interceptaram o

carro, mas por um desencontro de informações, o dinheiro não estava lá353. A segunda

ação ocorreu em 28 de agosto em assalto ao Banco do Comércio e da Industria, na

avenida Pedro II, contudo, não possuo mais informações sobre este assalto354.

No mês de outubro, três significativas ações. No dia 4, um assalto ao Banco do

Brasil na Cidade Industrial onde, após a ação, foram jogados panfletos assinados pelo

grupo. A importância dessa ação é que, provavelmente, foi o primeiro assalto

assumidamente de cunho político do país e foi a mise en scène do COLINA para a

sociedade355. Dias após, estavam envolvidos na segunda greve de Contagem ocorrida

naquele ano. A greve foi organizada e levada a cabo basicamente pelos grupos que

atuavam naquela região – entre eles COLINA e AP. De acordo com os relatos, a

participação do COLINA na greve ocorreu via Piquete, ou seja, na distribuição destes e

no apoio logístico. Com o fracasso da greve, que só durou um dia, o sindicato sofreu

intervenção, e o COLINA, através do Piquete, divulgou suas conclusões. Para eles, da

organização, a greve não obteve sucesso por ter sido uma atitude precipitada e ter saído

antes do tempo,. Culpam “os apressados que quiseram fazer a greve no peito” mas

acharam válida a grande adesão de operários. O que pretendiam dali em diante seria

353 Cf. Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381; Entrevista de Maria José Nahas em 11/01/2003; Entrevista de Irani Campos em 17/01/2006; “Toda a verdade sobre os assaltos”. Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969. 354 “Toda a verdade sobre os assaltos”. Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969; Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381 355 Cf. Entrevista Maria José Nahas em 11/01/2003; DANIEL.op.cit.pp.18; “Toda a verdade sobre os assaltos” .Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969.

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organizar tudo clandestinamente, até para evitar que “dedos-duros” boicotassem os

planos356.

No dia 18 do referido mês, atacaram com bombas caseiras a casa do então

delegado do trabalho Onésimo Viana e a casa do interventor do sindicato dos

metalúrgicos, fiação e tecelagem e bancários, Humberto Porto. De acordo com o

panfleto jogado na casa de Humberto Porto, tal ação foi um protesto contra a intervenção

nos sindicatos, a prisão de alguns líderes da greve e a demissão em massa de

trabalhadores com vários anos de trabalho dentro da empresa sem indenização. Segundo

o Piquete, chegaram a mais de 200 o numero de metalúrgicos despedidos com mais de

10 anos de trabalho357. A ação foi bem sucedida, conseguiu dar mais visibilidade ao

grupo e a própria polícia reconheceu o quanto foi bem executada358.Ainda em 1968

houve uma tentativa frustrada de assalto ao banco do estado da Guanabara em conjunto

com militantes daquele estado359.

O último ocorreu no dia 14/01/1969 em Sabará. O comando armado se dirigiu

para a cidade a fim de assaltar os bancos Lavoura e Mercantil. Somente Ângelo Pezzuti

e Pedro Paulo Bretas foram presos ainda no mesmo dia. Carmela Pezzuti nos relata

como a repressão conseguiu chegar a Ângelo:

E aí, lá na Sabará eles conseguiram passar, não foi ninguém preso mas eles,

naquela euforia de ter passado (...), o Ângelo pegou... Não tinha aquela

capacidade de ver que tava em perigo, não tinha limitação, eu acho que não

tinha, porque o Ângelo veio daquela passagem... Ele sabia que a polícia

sabia... Sabe onde ele deixou o carro? Deixou na porta do Palácio! Deixou

na porta do Palácio, e quando ele saiu, ele deixou a marca da digital dele.

356 Sobre a participação do COLINA na greve: RIDENTI. op.cit. pp.178-179; Entrevistas: Apolo Lisboa em 01/01/2005; PIQUETE . Ano 3, nº 94, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0188. PIQUETE . Ano 3, nº 92, 17/10/1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0190; PIQUETE . Ano 3, nº 93, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0192. 357 Cf. Panfleto assinado pelo grupo COLINA jogado em 18/10/1968. Acervo pessoal Elza Correa da Silva Porto; PIQUETE . Ano 3, nº 93, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0192. “Terroristas explodem casa de interventor”. Última Hora. 19/10/1968. 358 “Onésimo Viana tem proteção policial”. Estado de Minas. 22/10/1968. 359 “Toda a verdade sobre os assaltos” Estado de Minas. 30/05/1969; “Organização subversiva que agia em Minas é descoberta”. Jornal do Brasil. 30/05/1969. p. 12.

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Ele já estava na clandestinidade, os outros não estavam na clandestinidade

ainda. E ele deixou a marca da digital dele e deixou na porta do Palácio.

Então foi preso. (...) Ele já estava na clandestinidade então não morava com

os outros. Ele morava numa casa sozinho360.

O plano era tentar resgatar Ângelo Pezzuti, porém, a polícia chegou antes e

conseguiu prender o restante do comando armado. O COLINA possuía três “aparelhos”.

O que ficou mais conhecido foi o do bairro São Geraldo, local onde foram presos na

madrugada de 29 de janeiro de 1969. Lá estavam Jorge Nahas, Maria José Nahas,

Murilo Pinto, Júlio Bittencourt, Nilo Sérgio Menezes, Afonso Celso Lana Leite e

Mauricio Paiva.Foram encontradas dentro do aparelho as metralhadoras Thompson, o

que causou o espanto aos policiais por estarem nas mãos de jovens quando nem a

própria repressão possuisse armas dessa categoria.Houve tiroteio, um policial morreu.

Mauricio Paiva levou um tiro na perna. Todos foram encostados na parede e passaram

por uma simulação de fuzilamento. O fato não se consumou porque Luiz Soares da

Rocha361 temeu pelas conseqüências do ato e o impediu. Ainda ficaram amarrados um

ao outro pelo pescoço por um fio de arame, tudo isto acompanhado de espancamentos e

ameaças. Em seguida foram levados para o DOPS. O COLINA foi o primeiro grupo

armado a ser desmantelado. Começava para os integrantes a fase da prisão, torturas e das

angústias que só terminaria, para muitos, em 1979 com a anistia362.

V.5. A penitenciária e o Documento de Linhares

A Penitenciária Regional José Edson Cavalieri foi inaugurada em 1966 com

presos vindos de Belo Horizonte. Ficou conhecida por Penitenciária de Linhares por

causa da sua localização – o bairro de Linhares na cidade de Juiz de Fora. A recepção

de presos políticos começou em 1967 com militantes presos na guerrilha do Caparaó,

360 Entrevista de Carmela Pezzuti concedida à autora em 28/03/2005. 361 Delegado e um dos torturadores citados na Carta de Linhares e no projeto Brasil: nunca mais, conforme será apresentado no próximo capítulo. 362 Sobre a prisão: Cf. Depoimentos já citados de Maria José nahas, Jorge Nahas, Carmela Pezzuti; Documento de Linhares datado de dezembro de 1969. Cedido por Maria José Nahas; PAIVA. op. cit. pp.35 ; PAIVA, Mauricio. Companheira Carmela. Rio de Janeiro, Amuad, 1996.

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contudo, somente em 1969 é que chegam os primeiros integrantes da guerrilha urbana –

integrantes da COLINA e CORRENTE. A penitenciária tem esse caráter de prisão

política até 1980. De acordo com Flávia Ribeiro, pode-se classificar Linhares como uma

instituição de reclusão. Lá não havia tortura física e era um local onde se aguardava o

julgamento. Levando em conta a expressão utilizada pelos presos na época, “sair do

inferno e cair no purgatório” ou seja, sair do local onde se interrogava (torturava) e

levava para a penitenciaria, Linhares era o purgatório363.

Em entrevista com uma das agentes penitenciárias que lá trabalhou, ela relatou

que foi contratada exclusivamente para trabalhar com presas políticas, porém na

penitenciaria Estevão Pinto em Belo Horizonte. Sua transferência para Linhares ocorreu

em 1969 para cuidar das presas. Para ela, a experiência e o convívio com as militantes

foram muito bons para a sua formação:

Porque eu era nova, né? Era menina pobre, eu nunca tive esse convívio., então eu

achei muito bom pra mim. Eu cresci muito com isso também, viu? Além de pobre,

meu pai era militar, a gente era criado assim [quis dizer algo como rígido] né?

Então foi muito bom. Eu tinha colega que tinha esse medo (das militantes

“terroristas”) e até falava muito comigo.(...)Eu me dava bem com elas porque eu

não participava dos assuntos, mas ouvia tudo e não passava. Porque tinha aquela

coisa, né? De não poder comentar as coisas que você ouvia e tudo364.

Ela ainda contou que aprendeu a fazer tapete arraiolo com as detentas e quando elas

conquistaram o direito de receber as visitas dos namorados (não eram visitas íntimas) ela

fingia que não estava vendo o que acontecia e não ficava prestando atenção nos assuntos.

Rindo diz: “Pra quê? Eu sabia o quê que era”. Em contrapartida, as dificuldades do trabalho

apareciam regularmente com seu contato direto com as presas que eram torturadas. Ela não

só as acompanhava para a sessão de tortura em outros locais, como cuidava delas depois do

suplício:

363 Cf: RIBEIRO, Flávia F. Linhares: Resistência e repressão num presídio na ditadura militar. IN: ANAIS do IV Encontro Regional Sudeste de História Oral: História, Cultura e Poder. Juiz de Fora. 2005. 364 Entrevista com ex-agente concedida a autora em 02/04/2005.

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(...) Ela foi torturada no DOPS, eles arrancaram o mamilo dela a dentada. Eles

torturavam tanto que eles chegavam na penitenciaria (...) era um prédio velho , onde

eu trabalhei tinham duas banheiras. A gente tinha que pôr elas na água com sal.(...)

E eles tiravam da penitenciaria, levavam pra torturar e voltava365.

Conforme já afirmado, Linhares foi o purgatório cuja rotina é descrita por Maria

José Nahas:

Tem horário pra tudo,né? Bate o sininho lá (...) Tinha o refeitório, você

entra lá no refeitório e depois entre o horário do café da manhã e o horário

para sair para o banho de sol, era o horário da higiene. Você tomava banho,

lavava roupa, não sei o quê, limpava a cela. Era nesse horário.(...) A gente

acabou tecendo uma rede de vôlei, a gente ficava jogando vôlei até a hora

do almoço. Na hora do almoço entrava outra vez para o refeitório, depois do

refeitório, cela. Eu não sei se era uma ou duas horas, aí na hora do lanche,

voltava para o refeitório outra vez e aí a gente não saía mais no pátio.(...)

Ficava no refeitório até a hora do jantar. Depois do jantar, recolhia para a

cela. Na cadeia eu lia muito e tinha mais, por exemplo, lá em Linhares eu

pedi à Ione Grossi para fazer um esquema para a gente estudar história do

Brasil. Então, nesse período a gente tinha uma hora por dia e uma outra

coisa política nesse horário que era higiene, a gente estudava todo o dia,

uma hora. A gente estudava, a gente estava fazendo um esquema de estudar,

sabe? E trabalho manual. (...) Aquela colcha que estava na minha cama,

com exceção da Carmela, que não bordou, todas as outras presas políticas

fizeram um crochê366.

Em dezembro de 1969 foi escrito nesta penitenciária, por alguns dos militantes do

COLINA, o primeiro documento de denúncia escrito por presos e divulgado para todo o

365 Idem. 366Entrevista da Maria José Nahas em 02/04/2005 concedida a autora.

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mundo. O documento, também conhecido como “carta de Linhares”, é um manuscrito.

Relata tanto a trajetória do grupo da “casa do São Geraldo” pelos locais de tortura desde

a noite em que foram presos (29 de janeiro de 1969), quanto as torturas sofridas por

outros militantes de diferentes organizações que tiveram contato em algum momento

com esses integrantes. No documento constam os nomes dos torturadores atuantes,

principalmente na cidade de Belo Horizonte, sendo os mais citados: Luis Soares da

Rocha, Lara Rezende, Mário Candido da Rocha, José Pereira, José Reis. Também

apontam os locais onde ocorriam as torturas: Delegacia de Vigilância Social – DVS,

onde funcionava o DOPS; Delegacia de furtos e roubos; 12 RI e na Policia do Exercito

no estado da Guanabara, assim como a descrição de alguns dos métodos utilizados, o

pau-de-arara, hidráulica, choque elétrico, palmatória367. Mais que mera citação de nomes

e técnicas, o documento contém uma reflexão consistente sobre o lugar ocupado pela

tortura na ditadura militar brasileira, seu caráter institucional dentro do regime, em

função da larga escala em que foi praticada, e pela legitimação deste caráter nas aulas de

tortura ministradas para sargentos das três forças.

Eram nesSas aulas que se aprendiam os métodos citados acima. Eram mostrados em

slides e aplicados ao vivo nos presos-cobaias368. Consta no projeto Brasil: Nunca Mais,

que Ângelo Pezzuti, Mauricio Paiva, Afonso Celso, Murilo Pinto, Pedro Paulo Bretas,

integrantes do COLINA, serviram de cobaias para a aplicação da tortura como “método

cientifico”; na Policia do Exército na Guanabara, cerca de 100 militares assistiram a

essas seções369.

Em 1974, o diretor Costa Gravas lança o filme Estado de Sítio; em uma das cenas, ele

reproduz uma dessas aulas. Herbert Daniel faz menção ao comentário de Ângelo Pezzuti

à dramaticidade da cena:

Anos depois, quando o reencontrei, iria me contar que a encenação de Costa

Gravas pecava, enquanto documentário, por ter dado um ar severo e

dramático à cena. De fato, a lição ocorreu num clima descontraído de

367 Para maiores informações sobre os métodos cf: Projeto Brasil: Nunca Mais. 368Cf. Documento de Linhares. Datado de dezembro de 1969. Retirado do Arquivo de Maria José Nahas. 369 Projeto B Brasil: Nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985. pp.31-33.

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verdadeira classe estudantil, de exercício escolar. Absolutamente

desdramatizado. O professor de tortura, um técnico muito bem humorado

expunha os torturados (...) como um catedrático de medicina usaria um

doente para relatar um caso370.

Não se tem notícia da carta original. A que foi trazida a público, além de reescrita,

continha um anexo manuscrito por Ângelo Pezzuti, esclarecendo os fatos. Segundo

Pezzuti, o original foi apreendido pelo diretor da penitenciária de Linhares, para ser

examinado. Sabendo da existência de tal documento, o major Vicente Teixeira da

PMMG (um torturador) foi até Linhares dizer ao diretor que ele tinha a autorização do

coronel Ledo – responsável pelos presos políticos – para tirar uma cópia deste. O

documento foi entregue, nunca mais foi visto e soube-se depois que o coronel Ledo não

havia dado autorização nenhuma371.

Ainda nesta questão de qual teria sido o fim do primeiro documento de Linhares, há uma

contradição entre o anexo manuscrito de Ângelo Pezzuti e a fala de Carmela Pezzuti,

que serve para ilustrar questões referentes à confiabilidade das fontes históricas372.

Segundo a entrevistada, o documento foi entregue por Ângelo ao seu pai e na saída foi

apreendido:

Então, para sair, na hora em que ficou pronto, o Ângelo entregou escondido

para o pai dele. Quando o pai dele foi visitar. Quando estava passando o

documento foi preso. Tanto que não tem o original. O original deve estar,

agora que eles estão queimando as coisas (...) Deve estar lá o original. Aí

eles fizeram outro. O primeiro eles prenderam. Prenderam e falaram que

iam devolver, mas eles não devolveram373.

370 DANIEL, Herbert. Passagem para o próximo sonho.Rio de Janeiro: CODECRI, 1982.pp.99 371 Manuscrito de Ângelo Pezzuti anexado ao documento de Linhares. Datado de 19 de dezembro de 1969. 372 Cf: VOLDMAN, Danièle. A invenção do depoimento oral .IN:FERREIRA, Marieta & AMADO, Janaina.(org.) Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV, 2000. pp.247-266. 373 Entrevista de Carmela Pezzuti em 28/03/2005 concedida a autora.

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Como esta carta saiu de Linhares? O curioso é que nenhum dos entrevistados soube

responder ao certo. O que ouvi foram especulações, seja “algum parente do Ângelo”, ou,

“a mãe do Nahas”. De acordo com Ângela Pezzuti374 as suspeitas caíram sobre ela, o que

era plenamente justificável dada a articulação que tinha junto aos presos e aos parentes

destes. Ela respondeu a processo assim como o pai de Ângelo e Murilo.

Mistérios à parte, a importância desse documento é incontestável pelo seu pioneirismo,

por seu caráter de denúncia e mais que isto, pelas palavras de Jorge Nahas:

Eu sei que aquele documento é um relato (... ) Se não me engano, aquilo foi

palavra do Angelo Pezzuti. Aquela história do torturador e do torturado.

Não é um simples documento de denúncia da tortura. Um documento

muito bom, eu acho que foi um dos pontos altos. E ele conclui a finalidade

dele, porque ele é bem estruturado,as denúncias são bem circunstanciadas,

todo o mundo assinou de próprio punho, foi feito entre nós375.

Após todas as reflexões, o documento foi assinado por cada um dos 12 depoentes: Irani

Campos, Ângelo Pezzuti, Pedro Paulo Bretas, Antonio Pereira Matos, Mauricio Vieira

Paiva, Afonso Celso Lana, Murilo Pinto da Silva, Julio Bittencourt, Marco Antonio

Meyer, Jose Raimundo de Oliveira, Jorge Nahas e Erwin Rezende Duarte.

Com a divulgação do Documento de Linhares, houve mudanças dentro da

penitenciária:

Os presos passaram a se comunicar com as visitas através de um parlatório.

O objetivo era evitar o contato entre as partes, para a ditadura, o motivo da

difamação do país no exterior, com a passagem de informações. Portanto,

para o sistema repressivo a gravidade da situação não figurava nos atos

relatados no documento. Mas, ao contrário, na divulgação pública daquele

material376.

374 Entrevista de Ângela Pezzuti em 11/01/2006 concedida a autora. 375 Entrevista de Jorge Nahas em 06/01/2006 concedida a autora. 376 RIBEIRO. op. cit. pp.8.

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São os presos políticos os primeiros a desmascarar a ditadura perante o mundo com uma

série de documentos que evidenciam o reconhecimento da real situação do país pela

Anistia Internacional. Conforme afirma Heloísa Greco, são estes, juntamente com os

exilados e desaparecidos, os principais alvos da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita377.

Este capítulo é, em grande parte, destinado ao trabalho com memória dos

entrevistados. É a fala destes que será valorizada, uma vez que, será apresentada a visão

deles quanto a questões estritamente individuais sobre sua experiência na militância, no

exílio e a autocrítica. Se não nas entrevistas, nas cartas escritas durante o exílio. A

recorrência mais freqüente de um ou outro nome não é uma questão meramente subjetiva,

mas sim das condições da entrevista. Além disto, é de meu conhecimento que o COLINA

não se restringe aos nomes citados, estes nomes, houve militantes cuja visibilidade foi a

mesma dos citados, contudo, estou valorizando minhas fontes orais.

Somente com Maria José Nahas consegui duas entrevistas, com os demais somente

uma, o que não é um grande problema tendo em vista que a história oral é antes de tudo

uma metodologia qualitativa. É certo que um ou outro ponto poderia ser mais explorado,

mas, conforme já afirmado, este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema.

VI.1. O golpe

Uma das questões levantadas e, creio eu, de grande relevância, é buscar entender o

que o golpe militar representou para estes ex-guerrilheiros, pois foi, sem dúvida , o que os

motivou a pegar em armas e mudar o rumo de suas vidas. As respostas convergiram em

dois blocos: um masculino, em que predomina o sentimento de surpresa e o outro,

feminino, em que as mulheres não enxergaram representatividade alguma no golpe no

instante em que ocorreu.

Para Irani Campos, foi uma “decepção muito grande”, pois ele militava

anteriormente no “grupo dos 11” e na campanha pela legalidade. Segundo Irani, a vontade

era de tentar organizar uma proposta diferente do PCB, que era o único “mais organizado”;

com o golpe ficou mais difícil. Ainda nesta linha de análise, está Cláudio Galeno que relata

377 Cf: GRECO. A luta pela anistia nos cárceres.op. cit. pp.186.

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sua “frustração”. Segundo ele, a POLOP já esperava algum golpe já em 1961, mas mesmo

assim foram pegos de surpresa. Jorge Nahas relata a violência que representou para as

instituições democráticas e que julga o Partido Comunista incompetente no combate ao

golpe. Apolo Heringer lembra que o golpe acabou com os movimentos de massa.

De acordo com Carmela Pezzuti, o golpe não representou muita coisa para ela no

primeiro momento. Quem acompanhava a política eram seus filhos – Angelo e Murilo,

que inclusive, a levaram para a militância. Maria José Nahas conta que o golpe não

representou muita coisa para ela naquele momento, pois ela não gostava muito de

“politicagem”, mas tinha curiosidade para “conhecer o outro lado”, no caso, o

comunismo. Ela contou que, quando chegou em Belo Horizonte, em 1964, participou,

sem saber, de uma das “Marchas da família”. Ângela Pezzuti, também endossa a fileira

das que não viam significado algum no golpe, no momento em que ocorre.

Pra eu te falar a verdade, eu senti o golpe num dia, eu não senti o golpe em

64. Eu tava em 65 aqui trabalhando na Universidade, participando de

algumas passeatas e tal. Eu senti o golpe realmente, numa ocasião em que

eu estava de férias, que foi 68 o Ato-5, não é? Eu tava indo com uma amiga

passar férias no Rio, alugamos um apartamento, e eu sai de manhã e vi nas

manchetes de jornais o Ato – 5. Aí, na hora em que eu li, escureceu tudo pra

mim. Falei: “Acabou tudo, né?”. Foi aí que eu senti o golpe. Eu senti o

golpe realmente com o Ato numero 5. Eu tava indo pra praia, aí comprei o

jornal e aí eu entendi a amplitude do negócio. Aí eu achei que não tinha

solução. Eu sabia que o Ângelo participava das... das coisas estudantis,

fazia, eu ia em tudo. Ia em passeata, ia em tudo, mas o negócio ficou meio,

assim, no ar378.

VI.2. Militância

378Entrevista de Ângela Pezzuti concedida à autora em 11/01/2006.

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Outra questão que se colocou foi a que se referia à militância de cada um. No caso

dos militantes homens, todos já tinham uma história de militância antes ou iniciada na

POLOP e participaram desde o início do COLINA. Em contrapartida, Carmela Pezzuti e

Maria José começaram dentro da organização. O relato de Carmela sobre sua decisão

pela militância é constantemente resignificado:

(...) Dora me dava umas aulinhas e eu comecei a ler Debray, comecei a ler

A mãe, do Gorki, E comecei a entusiasmar também com aquilo, achando...

Porque, você sabe, eu sempre tive uma atitude muito... Eu sempre via... Não

sei se veio do papai. Eu tinha muito aquela coisa de luta.(...) Eu não sabia

porque aquilo. E tinha muita capacidade de ver aquilo e ficava sem saber o

que fazer. Então, como eu já tinha – eu acho que veio do papai- porque o

papai não era comunista, não era nada, ele era até meio fascista.(...) Então,

não foi de repente, foi mais ou menos uma coisa que vinha dentro de mim e

que estourou quando os meninos me chamaram. Não foi só porque eles me

chamaram, foi porque eu também tinha aquela visão social tão ruim,

naquele tempo, como hoje, que também, eu acho que esta piorando cada

vez mais. Eu entrei, mas entrei primeiro eu com a Dora pra arranjar

dinheiro, porque não tinha dinheiro, a gente abriu uma lojinha de bijuteria.

Ela vendia bijuteria para poder ajudar nessa luta, mas não durou nada

porque não foi pra frente, nós não sabíamos fazer negócio, o negócio foi por

água abaixo. Aí, eu comecei a militar mesmo, mas aí, militar, mas ainda lá

no Palácio, funcionária do Israel [Pinheiro].(...) Então, eu continuei a luta e

primeiro de tudo eu comecei com essa lojinha, depois eu fui... Aí eu

comecei a fazer minha parte na COLINA fazendo [documento falso]379.

A busca de uma referência em na figura paterna também ocorre na fala e Maria

José: “Claro que na época não admitia isso, mas hoje eu vejo porque que eu fui estudar

medicina. Muito em função da figura paterna”380. Filha de médico na cidade de Muriaé,

o pai atendia em casa com a ajuda da mãe. Ela relata que cresceu em meio aos

379 Entrevista de Carmela Pezzuti concedida à autora em 28/03/2005. 380 Entrevista de Maria José concedida à autora em 11/01/2003.

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empregados e aos filhos destes e isto a ajudou a desenvolver uma certa sensibilidade

social, primordial para a prática militante.

Já Ângela Pezzuti, teve sua entrada “oficial” na militância bem mais tarde, quando o

COLINA já estava extinto. Seu relato tanto faz referência à figura do pai, que também

era médico na cidade de Araxá e ela frisa a importância dele para ajudar no

desenvolvimento do tratamento médico na região e da posição política dele, que era

“fascismo que seria um socialismo”.

E eu lembro muito de ouvir meu pai falar: “O futuro do mundo é o

socialismo”. Então, eu tive essa formação humanística, do meu pai e da

minha mãe, que a minha mãe não tinha nem o quarto ano primário381.

Se foi pelos pais a “formação humanística”, a militância foi pelos sobrinhos, filhos

de Carmela:

E eu lembro do Ângelo falando comigo: “Ô tia Ângela, vamos entrar pra nossa

organização? Você seria uma pessoa ótima.”. “Qual organização? Esse negocinho

de estudante, eu não quero não. No dia em que tiver alguma coisa séria, aí eu

entro.”Eu não sabia que eles já estavam, inclusive, fazendo assalto em banco382.

A importância de Ângela não está em sua participação específica dentro do

COLINA ou qualquer outra organização comunista. É de se destacar sua participação no

amparo aos presos políticos e seus familiares e dentro da comissão dos exilados dentro

do Movimento Feminino pela Anistia. Ela ficou conhecida carinhosamente como a “tia

Ângela”383.

Um caso que ilustra o compromisso com a causa é o que foi relatado por Maria José

sobre como conseguiu dinheiro para a compra das armas. Após o casamento ser adiado

381381 Entrevista já citada de Ângela Pezzuti. 382 Idem. 383 Cf. Entrevista de Ângela Pezzuti e Irani Campos.

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algumas vezes, o dinheiro do enxoval foi revertido para a compra de armas. Segundo ela as

primeiras armas, inclusive as metralhadoras Thompson, foram adquiridas com o dinheiro

do enxoval de casamento:

(...) O comprometimento era tal que pra mim pegar o dinheiro do enxoval...

(...) “Olha o dinheiro aqui”, aí o Ângelo: “chegou o seu enxoval” com o

olho brilhando, o Ângelo era muito (...) disse “chegou seu enxoval, vamos

lá ver”? Tinham chegado as armas384.

A não ruptura com a militância clandestina se faz presente quando os filhos recebem

os nomes de guerra dos pais ou dos companheiros mortos. João Lucas, em referência a João

Lucas Alves é o nome do filho de Irani Campos, já a história do nome das filhas de Maria

José e Jorge Nahas é mista:

Uma coisa forte é o seguinte, todos estes anos meu nome era Célia. O do

Jorge, Paulo. Então, quando a minha filha nasceu, a primeira chamou Célia,

a segunda chamou Paula e tem mais, o Jorge queria que se chamasse

Amélia. Amélia era o nome de guerra da Paulina Reinchpull. Eu falei:

“Então, chama Paula”, que era o nome (...) O nome verdadeiro dela era

Paulina mas o de guerra, Amélia. “Paulina e Paulo, que era seu nome de

guerra”. (risos) Então, mistura todas estas emoções, faz um saco de gato de

tudo mas é tudo muito misturado, não é ? Nos filhos, eu fui pôr os nomes de

guerra (risos). E o nome da Paula era o nome de guerra do Jorge e o

verdadeiro da Amélia385.

VI.3. Exílio

Dos entrevistados, todos continuaram ligados ou não a partidos, a militância no

exílio. Mostraram-se convictos em suas crenças ideológicas, e que, ao contrário do que se

divulgou no período, não eram “desajustados”, “drogados” e “terroristas”. Através das

384 Entrevista Maria José, já citada. 385 Idem.

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cartas enviadas por Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas pode-se estabelecer uma trajetória linear

de sua estada no Chile. Ângelo, assim como Jorge e Maria José, estava entre os 40

banidos386 para a Argélia, em troca pelo embaixador alemão em 1970.

Uma importante mudança na vida pessoal com o nascimento do filho foi relatada

carta a carta: “Maria e eu recrutamos um revolucionário sem os ‘vícios da velha esquerda’”.

Depois: “Vou começar a trabalhar agora, pois com a vinda do herdeiro é capaz que o

salário só da Maria não dê”. E por fim, quando do nascimento: “ apesar de todas as

dificuldades, de tudo o que há de miserável no mundo, a vida prevalece”. Mostra o que a

construção de “um eu” e de uma vida coerente387. Mesmo em meio a discussões políticas,

o assunto sobre um filho é recorrente. A felicidade com a nova situação é transparente

“somos jovens e a luta não está nos exigindo esse sacrifício agora. (...) Reflitam. Acho que

vocês merecem [um filho]388.

Outro aspecto notável é a dificuldade de conciliação entre militância e formação

profissional. Na carta de junho, ele relatou o não aproveitamento do curso de medicina em

decorrência da organização de uma “assembléia provisória de militantes” - uma tentativa de

reorganização de sua atividade política. E, evidentemente, ficaria mais difícil ainda pela

necessidade de um emprego para o sustento do filho.

O momento histórico vivido em 1972 no Chile é o do governo de Salvador Allende.

Previa- se uma “transição ao socialismo389”, de via pacífica. Seria o primeiro país latino

onde o socialismo chegava ao poder pela “via chilena”. Tornava-se, então, uma nova

esperança para a esquerda. Tal esperança é explícita na carta:

386O ato de banimento foi criado pelo AI-13 de 05/09/1969. Em novembro de 78 havia 130 banidos do território brasileiro: 15 trocados pelo embaixador americano em set./69; 5 trocados pelo cônsul japonês em mar/70; 40 trocados pelo embaixador alemão em jun/70 e 70 trocados pelo embaixador suíço em jan/71. Cf.: GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia.Tese de doutorado.Departamento de historia. FAFICH. UFMG. 2003. pp.51. 387GOMES. op.cit..pp.15. 388 Carta de Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas escrita em 13 de outubro de 1972. Cedida por Maria José Nahas. 389Para maior panorama do Chile neste período: POLOMER, Azun. El día interminable. Memoria y instalación del 11 de setembrie de 1973 en el Chile (1974-1999). Beenos Aires. Siglo XXI, 2000.

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“(...)Reitero o meu ponto de vista de que considero este país aqui o lugar

adequado para a etapa que vivemos. Para a reconstrução, para o trabalho,

para a discussão, para a continuidade da formação”390.

Como se sabe, o socialismo não se efetivou no Chile e outro golpe obrigou a

centenas de exilados a fugirem para outros países. Ângelo Pezzuti morreu na França em

1975.

Maria José e Jorge Nahas optaram por permanecer em Cuba. Lá fizeram

treinamento guerrilheiro, terminaram o curso de medicina e voltaram. Para Jorge Nahas a

experiência de viver em Cuba o levou a uma conclusão:

Você era revolucionário, comunista, num país socialista, você tinha que

viver aquilo dali. Se tinha algum erro... Eu não adotei aquela famosa frase,

um pouco irônica, mordaz, de um companheiro que foi viver na Alemanha

socialista e de lá saiu pra viver na Alemanha capitalista aí ele dizia: “Morrer

pelo socialismo, agora, viver é no capitalismo”391.

Carmela Pezzuti passou por inúmeras “desventuras” pelos vários países em que

viveu. Grosso modo, conseguiu se virar no exílio sem saber se comunicar direito na língua

local. Cuidou de crianças de classe média numa escola na França, onde este problema de

não saber francês lhe causou problemas:

Quando a falava: “Você vai fazer isso, isso e isso”, eu entendia pouco, mas

os meninos ajudavam. Meus 10 meninos. Aí, menina, os pais ficaram

sabendo que tinha uma professora que não sabia falar. Aí danou, né? Eu fui

dispensada. Aí eles fizeram até assinatura pra mim não sair, mas eles falaram

não. “Nossos filhos não podem ser educados por uma mulher que não sabe

falar francês”. Aí eu tive contato com uma outra que olhava criança de árabe.

390 Carta de Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas escrita em 8 de fevereiro de 1972. Cedido por Maria José Nahas 391 Entrevista de Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006.

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Filho de árabe servia. Servia qualquer coisa. Menina, mas não tinha infra-

estrutura nenhuma. Os meninos ficavam numa igreja tudo fechado ali

naquela igreja, não tinha um brinquedo, não tinha nada pras crianças392.

Depois, foi a vez de chegar na Itália e trabalhar como esteticista, até a anistia,

quando volta e dá continuidade ao trabalho que desenvolveu nas creches da França. Funda,

então, a Casa da Vovó, em Belo Horizonte, com dinheiro vindo do exterior e de uma ONG

no Rio de Janeiro. Sai de Belo Horizonte ( não explicita em que data) e vai para Cuiabá

auxiliar seu filho mais novo, Murilo, a trabalhar com os sem-terra. Começava mais um

período difícil onde passava fome, dormia no chão, “andava de qualquer jeito”. Uma noite,

quando já estava em casa, chega alguém para avisar que Murilo havia suicidado. Ela então

volta a Belo Horizonte e retoma a militância no movimento por creches.

VI.4. A volta ao Brasil

Depois de toda a sorte de experiências em várias partes do mundo, chegou a tão

esperada hora de voltar ao país. Dois pontos em que há certa convergência nos

depoimentos é, primeiro, a segurança de que não haveria um outro golpe, após a anistia,

em 1979, a exceção é Apolo Heringer; o segundo ponto seria a dificuldade da

readaptação. De acordo com Ângela Pezzuti:

A adaptação foi assim, muito pesada. Muito pesada. Eu estive várias vezes

no exterior, no Chile, na Europa, e eu conheci a vida deles lá. Dos exilados.

Como também a gente, antes da anistia, a gente recepcionava os que estavam

sendo soltos. Muito desorientados. A barra muito pesada. Não se falava em

anistia ainda. Então, a gente, esse grupo que eu estou te falando, de mães, de

familiares, de amigos, a gente tentava entrosá-los. Era uma realidade

totalmente diferente.E depois com, em 79, com esse negócio da anistia, em

abril de 79, eu fui à Europa. E fui particularmente comigo pra conversar com

eles, porque eu sabia que ia ter problema aqui com a adaptação. (...)

392 Entrevista Carmela Pezzuti já citada.

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“Ângela, vocês estão com esse negócio de anistia pra lá, pra cá, vocês

tinham que preparar uns psicólogos, pra receber esse pessoal que vai chegar

de lá”. Mas a gente nem tinha tempo, nem tinha dinheiro. Mas foi muito

pesado. Tanto com relacionamento familiar, readaptação familiar, como nas

outras áreas, de emprego, de adaptação. Tanto dos que começaram a sair da

prisão no inicio de 70, como nos depois da anistia, os exilados. Muito

pesado. Muito pesado pras famílias, muito pesado pra eles, muito pesado.

Loucura mesmo393.

O que há de se notar também é a participação destes na formação do Partido dos

Trabalhadores, no início da década de 80. Isto pode ser exemplificado nas fala de Apolo

Heringer:

Eu até 81 eu achava que podia ter um golpe, eles pegariam todo o mundo. Eu

tive até medo quando o PT começou a filiar todo o mundo. Eu achei que

aquilo dali podia dar um massacre. Porque você tem a história da Indonésia,

mataram 600 mil pessoas lá num contra-golpe ao Partido Comunista. Então,

eu sempre tive medo de que houvesse um massacre de uma hora para outra.

Porque a direita, a extrema direita, os caras do exército, estavam todos soltos

aí. Eles podiam de uma hora para outra dar um golpe militar. Houve ameaça

disso. Então, a gente que era mais visado tinha que ficar apavorado

mesmo394.

Maria José Nahas e Jorge Nahas não viram dificuldades na volta tampouco medo de

um contragolpe. Há referência à filiação no PT em ambas as falas:

O inicio da minha militância no PT foi sempre com a Célia [filha] aqui, no

canguru. Depois não... Não me senti bem com o tipo de militância. Gozado,

393 Entrevista Ângela Pezzuti, já citada. 394 Entrevista de Apolo Lisboa em 01/04/2005.

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né? Na militância clandestina, para mim, era super tranqüilo, já esta

militância não clandestina, e principalmente, eu acho que eu não dou conta é

quando tem que... A verborragia. Não agüento essa falação e não sei o quê...

Não dou conta, entende? Então, eu afastei. Dava o apoio todo. Eu tinha um

fusca, que o fusca era importante na história do PT. O fusca era que fazia

tudo. Então, por exemplo, quando tinha reunião nessa regional aqui, era o

meu fusca que ia de casa em casa chamando gente para fazer reunião, etc395.

Olha, eu não senti dificuldade nenhuma(...). Não senti. Agora, reconheço que

sou um cara meio privilegiado, mas um pouco pelo fato de eu ter ficado em

Cuba o tempo inteiro, me adaptado muito bem em Cuba, gostava dos

cubanos, do povo cubano, sentia muito bem em Cuba. Terminei meu curso

de medicina, coisa rara entre os exilados, voltei pro Brasil médico, isso me

ajudou demais do ponto de vista profissional, e voltei e me integrei

imediatamente na militância petista, que era uma coisa que eu já pensava.

Honestamente não acho que foi dificil não. Eu não tenho essa visão de que

as coisas foram complicadas no exílio, que eu fiquei lá... Não é verdade. O

exílio é difícil, é duro, é um absurdo, mas eu terminei meu curso de

medicina, conheci o povo cubano, senti muito bem. Não tive essa depressão

de exílio não396.

Já Irani Campos relatou como se sentiu “um peixe dentro d’agua” em sua volta ao

Brasil, não viu a possibilidade de outro golpe naquele momento da anistia, mas é cauteloso:

Na medida em que veio a anistia, eu já tinha a convicção que por um bom

espaço de tempo nós não teríamos esse risco [de outro golpe]. Agora eu

nunca descarto essa possibilidade. (...) A história me mostra que eu não

posso descartar essa possibilidade. Que hoje, às vezes, muitos militantes...

Há uma grande quantidade de militantes que aderem ao sistema, né? Tem 395 Entreista de Maria José, já citada. 396 Entrevista Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006.

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essa visão política de conseguir as coisas na adesão ao sistema. E é capaz de

esquecer que a direita é capaz de tudo a qualquer momento na história397.

Cláudio Galeno é enfático,dizendo que tanto a adaptação ao novo país quanto a

readaptação ao Brasil são complicadas. Sentia uma “segurança reservada” em relação a um

contragolpe. Segundo ele, o que mais chamou a atenção é o aumento do consumismo no

Brasil, pois de onde vinha, da Europa, tudo era mais modesto. Em oposição a essa visão,

Carmela Pezzuti diz que achou o país muito pobre.

VI.5. Autocrítica

As práticas da escrita de si podem evidenciar, assim, com muita clareza,

como uma trajetória individual tem um percurso que se altera ao longo do

tempo, que decorre por sucessão. Também podem mostrar como o mesmo

período da vida de uma pessoa pode ser “decomposto” em tempos diversos:

um tempo da casa, um tempo do trabalho etc398.

A partir dessa afirmação começaremos a análise e apresentação dos conteúdos das

correspondências entre dois expoentes da organização. As cartas foram escritas por Ângelo

e Maria do Carmo Brito (Cabral e Lia) e endereçadas a Jorge Nahas e Maria José (Clóvis e

Célia). Datam de fevereiro, junho e outubro de 1972 e foram remetidas do Chile durante o

exílio. Este período é marcado pela avaliação dos dirigentes das práticas e ações do grupo,

agora com o diferencial do distanciamento físico - fora do Brasil - de forma que tentam

fazer uma análise mais “fria” dos acontecimentos. As cartas mostram a ciência do

interlocutor a despeito do momento de crise das organizações mas sempre apontando para

possibilidades de luta.

Temos aqui o “tempo do trabalho” em que há reflexões de Ângelo sobre o destino

da luta revolucionária e a mudança do que se escreveu em 1972 e o que já se escreveu nos

documentos da organização em fins de 1960. Ele começa a primeira carta falando em

“desabafar” (segundo ele não encontrou outra palavra). Um desabafo acarreta uma série de

397 Entrevista de Irani Campos concedida a autora em 17/01/2006. 398GOMES, Ângela Maria de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. IN: Gomes, Ângela (org.). Escrita de si, escrita da História.Rio de Janeiro: FGV, 2004.pp.13.

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sentimentos e impressões sobre todos os assuntos que cercam a vida pessoal e a de

militante. É o novo país, é o destino da organização a insegurança quanto ao futuro. “Até

hoje não soube de ninguém a quem o exílio tenha feito bem”.

O autor “fez uma autocrítica ontem” e considerou um grave erro não manterem

correspondências políticas “durante todo esse tempo” - não sabemos ao certo qual seria

esse tempo. Desde o começo do exílio? Mas de toda forma é explicado o motivo: o medo

da censura. Ângelo via a organização (caracterizada como O.) em momento de crise

política. Citou a falta de unidade, problemas disciplinares, vacilação ideológica, o

“desbunde” e criticou os então dirigentes da organização em não conduzir lucidamente a

etapa de balanços no período de “refluxo” do movimento. Não havia, segundo ele,

explicações, somente “slogans e frases feitas”. O que se deve ter em mente é que nesse

momento, o grupo COLINA deixou de existir. Existem outras organizações como a VAR-

Palmares, e VPR, onde alguns de seus ex-integrantes se refugiaram.

A crítica aos “intelectuais” se fez presente e o autor se achava vítima deste

“preconceito”. Justificou-se dizendo que quando alguém se esforçava para entender a

situação, era sempre taxado de “teoricista” ou estava fazendo “intelectualismo”. Parece-nos

evidente a crise entre os quadros da organização. Ele é irônico quando se refere aos

“iluminados” , os supostos teóricos dentro da luta armada, que, segundo ele, jamais existiu.

“Cria-se o mito para se opor a ele”. Ele tem dúvidas se o erro da organização foi ter seguido

alguns destes “iluminados”, porém tem a consciência de que a sua geração não conseguiu

fazer uma teoria “de verdade”, mesmo porque não tiveram tempo.

Noutra carta, ainda há um otimismo acerca na luta revolucionária que estava (a

passos lentos) ocorrendo. Lia, fala do surgimento de “coisas novas lá na terra”. Relata para

os companheiros, que estavam em Cuba, a “incrível resistência e capacidade de fuga da

turma do Araguaia”. A saber: o PC do B manda quadros para a região desde 1967. Ela

falava com o mesmo otimismo dos novos grupos que surgiam “de gente legal” por todo o

lado. Sua opinião acerca da importância das novas interpretações que estavam surgindo era

positiva, todavia, critica ao hábito de boa parte da esquerda de resolver teoricamente os

fenômenos. Segundo ela, devia-se compreendê-los minimamente e transformar essa

compreensão em ferramenta para a formação de uma nova orientação política.

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Quando da última carta, de outubro do mesmo ano, há a interpretação lúcida da real

situação das organizações de esquerda.

“(...) Nós não somos uma o. revolucionária hoje. Somos grupos

remanescentes espalhados no mundo, inclusive no Br. Estes grupos não têm

unidade política. (...) A causa básica dessa situação toda é a derrota política

que sofremos”399

Em sua autocrítica, Angelo diz que de 1967 até 1972, quando escreve, as situações

que determinavam o emprego de uma ou outra tática mudaram, mas ele reafirmou sua

crença na violência como fator de impulso à iniciativa de tomada de consciência. Quer a

volta de sua militância no Brasil, porém um processo de discussão mais aberto dentro da

organização. Fica claro o espírito de luta nele, que de modo algum quer a posição cômoda

de “deixar a eles (os que estão no Brasil) a responsabilidade do mais importante da

militância”. Para ele, era necessário voltar para o Brasil para dar continuidade à luta, porém

em grupos organizados e com a comum consciência de que se tinha “um instrumento

revolucionário nas mãos”.

A crítica permanente à política reformista adotada pelo PCB foi abordada quando

ele escrevia sobre a organização de uma prática revolucionária pois, para ele: “nem todas as

práticas são revolucionárias, senão, por que não o PCB”?

Segundo Angela Castro Gomes, “o ato de escrever para si e para os outros atenua as

angústias da solidão”400. E, numa situação como o exílio, isso fica mais evidente na

freqüencia de frases do tipo “apesar de eu achar que vocês já se esqueceram deste velho

companheiro”, ou, “você é mesmo a mais ranzinza, nunca me escreve”. O não abandono da

luta se destaca nessas correspondências e nos depoimentos de exilados.

Os relatos orais confirmam a análise de que eram realmente jovens idealistas e

amadores:

399 Carta de Ângelo Pezzuti a Jorge Nahas escrita em 13 de outubro de 1972. Cedida por Maria José Nahas. 400 GOMES. op.cit.pp.20.

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Eu acho que os jovens daquela época, que participaram, eu acho que eles não

tinham o pé no chão. Era um grupo de idealistas muito jovens, muito jovens,

e que não visualizaram o potencial do exército que tava por trás401.

Irani Campos termina reafirmando sua posição militante que o acompanha desde os

tempos de COLINA:

Vou continuar querendo discutir luta de classes, porque elas existem. E eu

não tenho como fugir disso. E pra muita gente militante, pra eles a luta de

classes acabou, a ideologia acabou. Então adere com facilidade a falsas

ideologias ou praticam falsas ideologias, pregam falsas ideologias e não tem

mais compromissos com a luta social de fato. Isso é lamentável. Mas quando

a gente lembra dos companheiros da COLINA que lutaram, dos

companheiros da COLINA que se foram, eu penso sempre: Seria uma

traição se eu não colocasse na minha militância política toda a forma de

homenageá-los402.

Onde estão estes ex-guerrilheiros hoje?

Jorge Nahas atualmente trabalha na Secretaria de Política Social na Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte, assim como Cláudio Galeno, que está na Secretaria de

Relações Internacionais. A militância destes é dentro do Partido dos trabalhadores.

Carmela Pezzuti e a irmã Ângela Pezzuti, aposentadas, não militam em partidos, mas

continuam referência para a reconstrução da memória da luta contra a ditadura. Apolo

Heringer Lisboa é diretor do projeto Manuelzão da UFMG; Irani Campos é presidente

da ASSUFEMG (Associação dos Servidores da UFMG) e Maria José Nahas clinica em

um posto de saúde e não está filiada a nenhum partido.

401 Entrevista Angela Pezzuti, já citada. 402 Entrevista Irani Campos, já citada.

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De acordo com a análise de Jean Sales, o COLINA, tratou-se do mais

representativo caso de uma organização que assumiu, com pouco acréscimos, o

foquismo como teoria que embasasse sua política403. Maria do Carmo Brito, ex-

militante, afirma que as idéias de Debray e a OLAS foram mesmo fundamentais para o

rompimento com a POLOP404.

Carta aberta aos revolucionários é o documento fundador, que mostra a que

veio esta nova organização. Para os revolucionários rompidos, a POLOP estava numa

reprodução de discurso europeu que não cabia na realidade da luta brasileira e se

denominava a “vanguarda ideológica” com suas consideradas falsas concepções e frases

feitas. Outra crítica que os dissidentes fazem é que a POLOP acreditava que devia-se

educar a classe operária com a utilização de “artifícios de propaganda” para incutir-lhes

a consciência socialista, contudo, como vemos adiante, essa estratégia será defendida,

mais tarde, pelo COLINA.

O ponto alto do documento e que marca bem a posição defendida até o fim da

organização é a parte em que se aborda a questão da luta armada como “forma

fundamental de luta de classes na atual conjuntura – que terá que ser centralizada no

campo, sob forma de guerra de guerrilhas”405, sendo esta uma forma de organizar a

classe operária para acabar com o regime.

Guido Rocha, um dos mais antigos militantes que participou desde o inicio da

POLOP e também da formação do COLINA acredita que, naquele momento, o problema

da POLOP estava em discutir problemas táticos de luta, quando a questão era política.

Segundo o entrevistado, seu questionamento era “luta armada pra quê, pra conquistar o

quê?”406. Ele chegou a apoiar a luta armada, mas em defesa de uma Assembléia

Constituinte (pois o problema, em seu entendimento, estava no âmbito da legitimação do

poder). Para tal objetivo era preciso uma preparação para o ingresso nesta forma de luta,

não a sua deflagração sem projetos.

403 SALES. op.cit.pp.239. 404 Entrevista de Maria do Carmo Brito a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. op. cit. pp. 241. 405 Carta aberta aos revolucionários. Setembro de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Público Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 13. 406 Entrevista de Guido Rocha a Maria Elisa Borges. Fita 3 lado A. pp.1. Concedida a Maria Eliza Borges e Marcelina das Graças de Almeida em 11/11/1991. Acervo do programa de História Oral da UFMG. Fita 2 , lado B. pp 18.

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O grupo era essencialmente mineiro, porém com alguns militantes no antigo Estado

da Guanabara. Os militantes desta nova organização queriam a formação de uma vanguarda

militar inspirada nos focos guerrilheiros, para o enfrentamento armado à ditadura. Segundo

Guido Rocha, o primeiro caso – a vanguarda militar - se refere ao grupo COLINA, e o

segundo, ao grupo que formaria a POC (Partido Operário Comunista), cuja proposta era a

de formação do partido de vanguarda que conduziria a classe operária à revolução407. Outra

crítica à POLOP é de que estaria se tornando uma seita presa ao passado de “vanguarda

ideológica”, educadora da massa, que não cabia mais naquele momento, segundo opiniões

expressas no documento Vanguarda Política e Vanguarda Ideológica408. O documento tem

como ponto central é a análise e diferenciação do que seria a “vanguarda ideológica” e a

“vanguarda política”. A primeira trata do que seria a POLOP naquele momento, como

afirma o autor no documento, uma organização na qual os “socialistas de cátedra” ficariam

na doutrinação da classe operária esperando que, através de seus ensinamentos, ela se

conscientizasse de seu papel revolucionário e se insurgisse. Na perspectiva do autor, essa

idéia já estava por demais ultrapassada naquele momento. A necessidade era da formação

da “vanguarda política”, essa sim, seria a que realmente levaria a cabo a revolução. Era

momento de tomada de atitude e “era preciso apresentar às massas uma perspectiva

imediata de ação”409. Antes do golpe era possível ser vanguarda ideológica sem ser política;

depois disso, com a maior radicalização das esquerdas, precisou-se da prática para que o

movimento operário saísse da “inércia”. O significado da defesa da luta armada seria a

educação da classe operária pela prática.

A idéia central do foco permaneceu no COLINA, mesmo que com alguns reparos. O

trabalho do grupo girava em torno do foco no campo, segundo afirma Mauricio Paiva:

“A idéia era montar essa estrutura na cidade. Tinha-se a idéia de que a ciade era o

cemitério da revolução, dos guerrilheiros, da guerrilha, que tinha que montar o

foco guerrilheiro no campo. E se trabalhou neste sentido. Se fez levantamento de

407 Entrevista citada com Guido Rocha. 408 Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207. 409Idem.

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áreas propicias para o foco guerrilheiro. Porque a idéia era que o guerrilheiro

vinha de fora mesmo”410.

A fala de Jorge Nahas complementa a de Mauricio Paiva:

(...) Nós não poderíamos dizer que seja uma organização estritamente foquista,

mas no fundo era. Digo que não éramos estritamente foquista porque não

abandonamos o trabalho de massa.Nos achávamos que uma organização

necessariamente teria que er uma guerrilha, mas teria que ter as suas ligações

com o movimento de massa (...)411

Alguns militantes do COLINA foram para Cuba no exílio, fazer treinamento

guerrilheiro, como é o caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas. De acordo com Maria

José Nahas, em Cuba existiam muitos tipos de treinamentos, mas a sua opção foi pela

medicina de guerra. Esta área seria muito valorizada, segundo a entrevistada, que relatou

a proposta recebida de militantes argentinos para irem militar no seu país, pois na

organização deles só havia cardiologistas412. Na sua opinião um guerrilheiro médico é de

fundamental importância para a organização e é mais raro de se encontrar413 .O convite,

que não foi aceito, ocorreu no início da ditadura na Argentina. Ela supõe que esses

companheiros tenham sido mortos pelo regime. Ela fez pouco treinamento de guerrilha

rural e só resolveu fazer o treinamento de tiro quando ela e seu então companheiro Jorge

Nahas,decidiram voltar para o Brasil e continuar a luta414.Só desistiram de voltar após a

queda do pessoal delatado pelo cabo Anselmo415. Tal debate também nos remete à

410 Entrevista de Mauricio Paiva a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. pp.242. 411 Entrevista de Jorge Nahas à Marcelo Ridenti, citado por: SALES. op.cit.242. 412 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 413 Esta fala está no documentário sobre Maria José Nahas, intitulado: “A loura da metralhadora”. Patrícia Moran, 1996. 414 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 415 José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, foi preso pela equipe do Delegado Sérgio Fleury, temido torturador do Deops/São Paulo, no dia 30 de maio de 1971. A origem de sua prisão nunca foi esclarecida, mas sabe-se que alguém foi preso no Rio de Janeiro e abriu, sob torturas, um contato com ele em São Paulo. Anselmo, um marinheiro de primeira classe erradamente tratado como cabo pela imprensa, passou a ajudar a repressão. Passou a ser assim o agente Kimble, nome dado por Fleury numa referência ao prisioneiro fugitivo de um seriado de televisão de mesmo nome.Entrega seus companheiros e dá detalhes para que a polícia encontre outros. Essa fase inicial de sua vida entre os torturadores dará lugar a um acordo em que ele passará

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discussão relacionada à elaboração do AI-5 e o crescimento da luta armada. Hoje em dia

já não há dúvida sobre a relação do aparecimento da luta armada e o Ato Institucional

n°5. Sabe-se que não é verdade que o primeiro apareceu como conseqüência do segundo,

haja vista a existência das Ligas Camponesas ainda no início da década de 60. Possuíam

o projeto de pegar em armas e tiveram, inclusive, apoio do governo cubano416. Como

lembra Reis Filho, antes mesmo da instauração do regime em 1964 já estava no ar um

projeto ofensivo por parte da esquerda 417.

Como podemos perceber, a influência foquista foi a essência do grupo em questão.

Segundo Sales, o COLINA se singularizou “por ter se deixado levar mais que as outras

(organizações) pelas idéias de Debray e Guevara”418, todavia, como todos os outros

grupos, não conseguiu fazer a sonhada revolução.

a ser um infiltrado nas organizações de esquerda, recebendo por "trabalho" a módica quantia de US$ 300,00 mensais. O episodio a que se refere M.J.N. é o massacre da chácara São Bento, onde morreram 7 militantes da VPR, inclusive, Soledad Viedma, mulher de Anselmo, supostamente grávida. 416 Cf. GORENDER. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1990.; ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, REIS FILHO. A revolução faltou ao encontro.São Paulo, Brasiliense, 1989. 417 REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In: REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997. 418 SALES.op.cit.pp.242.

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CAPITULO IV- DISPUTA DA “M EMÓRIA OFICIAL ”

Nesta ultima parte do nosso trabalho, procuramos demonstrar a atualidade do tema

da ditadura militar. Este passado recente abriu uma importante discussão política, na

medida em que aumentaram os esforços por parte das vitimas em obter justiça. Buscamos

agora tratar a questão da disputa pela hegemonia da “memória oficial” do período em

questão, à medida que novos arquivos aparecem. O evento de 31 e março de 1964 e seus

desdobramentos entendemos como um exemplo de “memórias emblemáticas”: elas são

uma espécie de marco, uma forma de organizar as memórias concretas e seus sentidos, e até

organizar os debates entre memória-emblemática e sua contra-memória419. Desta maneira,

poderemos demonstrar como duas visões que se diferem na essência se organizam a partir

desta data.

Após este debate, iremos analisar a documentação produzida pela repressão acerca

do COLINA, de forma a construir uma espécie de “memória militar” sobre esta

organização, principalmente nos documentos que compõem o ORVIL e os da AESI .

4.1. DA MEMÓRIA E DOS “D OCUMENTOS OFICIAIS ”.

No que tange à discussão sobre memória existe, atualmente, um número

considerável de trabalhos acerca da temática da ditadura militar e das esquerdas no

período420.Acreditamos que alguns fatores contribuem para tal afirmação: o

enfraquecimento do tabu existente em relação a violência durante a ditadura, possibilitando

a coleta de depoimento de militantes que a partir de então, se disponibilizam a falar sobre

419 STERN, Steve. Memorias soltas y memorias emblemáticas. s.n.t. 1998. 420 De acordo com o levantamento bibliográfico feito por Carlos Fico em 2004, que obviamente não lista tudo o que há, existem 94 trabalhos, entre teses, artigos e livros sobre a esquerda no período e 23 livros memorialísticos de militantes de esquerda. Marcelo Ridenti fala em mais de duzentos trabalhos acadêmicos sobre este tema. Cf. FICO, Carlos. Além do Golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp.187-192; RIDENTI, Marcelo. Esquerdas revolucionárias armadas nos anos 1960-1970. IN: Revolução e Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp.23.

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suas experiências; o fato de haver ex-militantes revolucionários, principalmente no governo

federal; e finalmente, a (lenta) abertura de arquivos da repressão. Aliás, os dois primeiros

fatores (quebra de tabus e presença ex-militantes no governo) foram fundamentais para

fortalecer o terceiro: a questão da luta pela abertura de arquivos.

Em visita ao Brasil em agosto de 2008, Baltazar Garzón afirmou a necessidade da

abertura dos arquivos da ditadura militar421:

Quando não são tomadas as decisões necessárias, apoiadas na verdade e na

memória, para se estabelecer o que realmente aconteceu no passado, o país tem um

problema a resolver. Entendo que o mais acertado, o mais humano, o mais positivo,

é que os arquivos sejam abertos e os culpados responsabilizados. (...) A abertura

dos arquivos não tem nada a ver com o risco ao sistema político e sim com a

aplicação da justiça, com a recuperação da memória 422.

Pierre Nora, no clássico Os lugares da memória, pondera que a memória é

construída por rastros: “desde que haja rastro, distância, mediação, não estamos mais dentro

da verdadeira memória, mas dentro da história”423. Para Elizabeth Jelín, a própria idéia de

arquivo está ligada à idéia de preservar os rastros do passado. Passar um papel ou um

objeto para um arquivo é transferi-lo do presente para a história. Jelin ressalta duas funções

distintas para um arquivo, ou, em especial, para os que guardam documentos produzidos

pelos militares durante as ditaduras do Cone Sul. A primeira função compreende o arquivo

como um lugar de “ordenamento de registros”, que fornecerá dados para o presente. A

outra é a função “para a história”, esta a que nós, pesquisadores, estamos habituados no

421 Baltazar Garzón é juiz espanhol, pioneiro na punição aos crimes cometidos por militares na América do Sul. Ficou conhecido mundialmente em 1998, por ordenar a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, por crimes contra a humanidade. Ano este em que Pinochet comemorou com seus ex-companheiros de armas o 25º aniversário do golpe contra o presidente socialista Salvador Allende. Com 82 anos, se vangloriava de ter conseguido o que nenhum outro militar golpista havia: manter-se à frente do regime por 17 anos, promulgar uma Constituição à sua medida, condicionando o regime democrático que o sucedeu, votar uma lei de anistia para seus crimes e seus colegas que ficaram impunes e, finalmente, “tutelar” a democracia, nomeando-se senador vitalício. Cf. MONTOYA, Roberto. El caso Pinochet y la impunidad em América Latina. Buenos Aires: Pandemia, 2000. pp.15. 422 Entrevista de Baltazar Garzón à Daniel Pinheiro. Contra o cinismo. Revista Carta Capital. 20 de agosto de 2008. pp.16-17. 423NORA, Pierre.Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP. N° 10, 1993. pp.9.

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processo de construção de nossas narrativas424. Na análise destes arquivos devemos

trabalhar de forma criteriosa na medida que estes governos tinham interesse em produzir

informações que legitimassem suas ações, alem do fato de que uma série de outras ações

provavelmente nunca foram registradas. Por isto o valor das fontes orais para a

reconstrução desta história e reelaboração de novas memórias. Reconhecido que

epistemologicamente exista uma distinção muito clara entre memória e historia não

podemos nos furtar a reconhecer a complementaridade que uma exerce sobre a outra. A

memória pode funcionar como um estímulo para a elaboração da pesquisa histórica e a

história, por sua vez, questiona e age sobre a reelaboração da memória, permitindo que

ambas ajudem na tarefa de “narrar e transmitir memórias criticamente estabelecidas e

comprovadas”425.

As duas funções de arquivo, “ordenamento de registros” e “para a história” puderam

ser claramente vislumbradas quando da abertura dos primeiros arquivos do DOPS

(Departamento de Ordem Política e Social), ainda na década de 1990. O público que

acessava tal acervo, em sua maioria, havia sido vítima naquele momento do regime militar.

Buscava-se, sobretudo, informações necessárias que confirmassem materialidade dos

crimes cometidos pelo Estado para terem direito às indenizações, ou estavam à procura de

pistas acerca de algum desaparecido político426. Após este período de busca dos militantes,

foi a vez dos pesquisadores começarem a adentrar estes arquivos, na tentativa de elaborar

reconstituições e promover melhor entendimento do que teria sido e como teria agido o

governo militar. A partir do final dos anos 90 ocorre um novo boom de livros 424 JELIN, Elizabeth. Gestión política, gestión administrative y gestión histórica: ocultamientos y descubrimientos de los archivos de la repressión. IN:JELIN,Elizabeth & CATELA,Ludmila. Los archivos de la repression:Documetos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI, 2002. 425 JELIN, Elizabth. Los trabajos de la memoria. Madri. Siglo XXI, 2001. pp.75. 426Somente em dezembro de 1995 que o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a “lei dos desaparecidos” (Lei 9.140),que determinou o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte de 136 "desaparecidos" políticos e criou a Comissão Especial de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos Políticos, para examinar outras denúncias apresentadas através de requerimentos de seus familiares. Novas descobertas a respeito das circunstâncias das mortes e "desaparecimentos" surgiram e alguns restos mortais foram encontrados, ainda que, o ônus da prova tenha recaído sobre as famílias. As investigações abriram caminho para o desmascaramento da maioria das versões oficiais. Entretanto, os limites da lei permanecem e têm sido explicitados durante todo o processo de sua elaboração e vigência. A lei não obriga o Estado a investigar os fatos, a apurar a verdade, a proceder ao resgate dos restos mortais, a identificar os responsáveis pelos crimes e a punir os culpados, deixando às famílias a incumbência de apresentar as provas dos crimes e os indícios da localização dos corpos dos militantes assassinados. Além disso, a abrangência da lei é a mesma da anistia, considera apenas os assassinatos por motivação política ocorridos até agosto de 1979, não permitindo o reconhecimento das mortes do período transcorrido entre 1979 a 1985. Para mais detalhes: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/quem_somos_comissao.php?m=2

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memorialísticos e os ex-guerrilheiros começam a relatar suas experiências, mesmo com

alguns silenciamentos427, ou com “memórias soltas” que fornecem contornos à um

determinado acontecimento compartilhado pelo coletivo428. É importante

problematizarmos a história oral seja como método, seja como fonte, uma vez que é sua

característica a subjetividade, onde cada depoente traz sua verdade.

De acordo com Elizabeth Jelín, a disputa da memória contra o silêncio

(esquecimento) esconde o que na realidade é uma oposição entre distintas memórias rivais,

cada uma delas incorporando seu próprio esquecimento ou silêncio. “A realidade social é

contraditória, cheia de tensões e conflitos. A memória não é uma exceção”. O campo da

memória da repressão não é algo homogêneo ou unificado. Existem lutas que surgem da

confrontação entre diferentes atores acerca das maneiras “apropriadas de lembrar (...) se

trata de afirmações e discursos, de feitos e gestos, uma materialidade com um significado

político, coletivo e público”429. Em Felipe Aguero e Eric Hershberg, buscamos uma

interrogação relevante para a construção da memória do período ditatorial: “quais são os

mecanismos que os atores sociais e políticos intervêm nas disputas sobre a memória e como

terminam estas canalizando-se e refletindo-se em instituições, normas e políticas em que se

molda a memória coletiva?430.

No que tange às memórias sobre o período produzidas pelos órgãos de Direitos

Humanos, como por exemplo os grupos Tortura Nunca Mais431, Comissão de familiares de

mortos e desaparecidos políticos, Centro de documentação Eremias Delizoicov432, Anistia

Internacional etc. reivindicam o lugar inquestionável da legitimidade. Ao trazer à tona

memórias traumáticas que apontam pessoas e instituições ligadas à violação de leis ligadas

a esta área, pedindo reparação e retratação dos acusados. Não raras vezes são chamados,

427 O silenciamento (pôr-se em silencio) mostra uma produção de sentidos que fazem entender a dimensão do “não dito”, principalmente quando se trata de memórias traumáticas de situações-limite, como a tortura. Segundo Orlandi “o silêncio não interpretável, mas sim compreensível” e “fala por si mesmo, é explicativo”. Cf. ORLANDI, Eni.As formas do silencio no movimento dos sentidos.Campinas: UNICAMP,1995. pp. 63. 428 Para melhor vislumbrar o conceito de memória solta. STERN, Steve.De la memoria suelta a la memoria emblemática: Hacia el recordar y el olvidar como proceso histórico (Chile, 1973-1998). Retirado de: http://www.cholonautas.edu.pe/modulo/upload/SStern.pdf em 01/08/2008. 429 JELIN, Elizabeth. Los niveles de la memória. 430 AGUERO,Felipe& HERSHBERG,Eric.Las fuerzas armadas y las memorias de La represión en El Cono Sur. IN: AGUERO,Felipe& HERSHBERG,Eric(comps.).Memorias militares sobre La repression em El Cono Sur:visiones em disputa em dictadura y deocracia Madrid: Siglo XXI, 2005.pp.5 431 www.torturanuncamais.org 432 O centro de documentação E.D. e a Comissão dos familiares mantém um site informativo: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/index.php?m=1

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por simpatizantes do regime militar, de revanchistas. Tal adjetivação deriva do fato de que

por muito tempo os militares envolvidos no regime e no processo repressivo ficaram em

silêncio por muito tempo. Foi a partir de 1992 que passou a ser sistematizado um trabalho

de coleta de depoimentos de militares pelo Centro de Pesquisa e Documentação da

Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV). Os principais temas abordados estavam

relacionados ao golpe, repressão, abertura e processo de redemocratização433.

Na disputa pela legitimidade da construção deste passado recente, os militares

construíram uma racionalidade acerca do tema, enfatizando aspectos da vida militar e

subestimando valores da vida civil. Como os próprios atores da coletânea dizem: “uma das

qualidades (do livro) foi fazer com que os militares rompessem o pacto de silencio acerca

do tema”434. Aspecto que consideramos essencial nesta pesquisa de fôlego é o fato de ela

permitir vislumbrar a heterogeneidade existente dentro das Forças Armadas, demonstrando

divergências tanto entre as forças como nas relações internas de cada uma das forças. Por

exemplo, Priscila Antunes destaca a existência de disputas pela memória dentro do

Exército435, assim como Celso Castro, Maria Celina D’Araújo e Gláucio Soares chamam a

atenção para as distintas relevâncias que o tema da tortura assume para os militares no livro

Memória militar sobre repressão. O general Fiúza de Castro, por exemplo, representante da

“linha dura”, foi um dos poucos que afirmou ser a tortura prática recorrente nos DOI`s

(Departamento de Operações Internas)436. Afirmou também que “em certas circunstâncias,

ela é necessária. (...) Não sou um homem mau, mas também não sou contra a tortura.”437 Já

433 Série Os anos de chumbo: a memória militar sobre... De Maria Celina D’ARAÚJO; Gláucio SOARES, & Celso CASTRO. 434 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio & CASTRO, Celso.Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 1994.p.04 435 ANTUNES, Priscila.Bomba en Ríocentro: Militares y otras memorias. IN: HERSHBERG & AGUERO.Memorias militares sobre el Cono Sur. Visiones em disputa em dictadura y democracia.Madrid. Siglo XXI, 2005. 436.Os “linha dura”, se definiam como uma concepção menos orgânica , formada por oficiais de baixa o media patente, com uma linha tênue de coordenação. Pelas palavras de Coelho Netto “era a que exigia o cumprimento das leis vigentes, das leis de segurança”. Em contraposição a esta, está a “linha Castelista”, que era um grupo mais intelectualizado, ligado às Escolas superiores das forcas armadas , composto, em maioria, por generais que estavam em sintonia entre si e entre os empresários.Cf.ANTUNES, Priscila.Bomba en Ríocentro: Militares y otras memorias. IN: HERSHBERG & AGUERO.Memorias militares sobre el Cono Sur. Visiones em disputa em dictadura y democracia.Madrid. Siglo XXI, 2005. pp.72; COELHO NETTO, José.Depoimento. IN: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio & CASTRO, Celso.Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.pp.235. 437CASTRO, Adyr Fiúza.Depoimento.IN: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio & CASTRO, Celso.Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 1994.pp.73.

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o general Coelho Neto, também vinculado à linha mais repressiva, não admite a existência

da prática da tortura.

“Nunca houve tortura. Nunca. Nem precisa. Com um interrogatório

inteligente, bem feito, o sujeito cai nas contradições e fala.(...) Os

comunistas aproveitaram esse mote da tortura para fazer sua campanha e

viram que deu resultado. (...) O sujeito dizia; “Eu apanhei em tal lugar. Me

queimaram em tal lugar”. E nem tinha marca de queimadura. E a imprensa

ajudou neste estado de coisas. Estou cansado de ver transformarem bandido

em herói. (...) Não dávamos nenhuma bola (à Anistia internacional).

Primeiro porque a AI não estava no Brasil tomando conhecimento dos

acontecimentos. (...) Eu considero a AI um bando de vigaristas (...)” 438.

Os militares crêem que os vencidos tornaram-se “donos da história”, conforme nos

mostra os autores acima citados. Existiria um certo ressentimento de tais agentes em

relação ao esquecimento e à pouca valorização de sua história. A lógica do pensamento

militar é: venceram a guerra contra os terroristas e foram derrotados na luta pela memória

histórica do período. Alguns acham que não foi apresentada uma versão militar sobre a

repressão que fosse legitimada pela sociedade439.

Em recente trabalho sobre a memória, Beatriz Sarlo cita o caso argentino em relação

ao PRN (Proceso de Reorganizacíon Nacional)440. Para a autora, foram os “atos de

memória” que possibilitaram a transição democrática naquele país e o julgamento dos

crimes de estado:

“É evidente que o campo da memória é um campo de conflitos entre os que

mantém a lembrança dos crimes de Estado e os que propõem passar a outra etapa,

encerrando o caso mais monstruoso. Mas também é um campo de conflitos para

438 COELHO NETTO. op. cit. pp.237-239. 439Idem .pp.13. 440 PRN (Proceso de Roerganizacion Nacional) foi a auto-denominação dada pela junta militar que iria tomar o poder em 1976. Integrava a junta o general Jorge Videla (nomeado presidente do país), o almirante Emilio Massera e o brigadeiro Orland Agosti. Cf. ROMERO. Luis. El Proceso. IN: Breve Historia Contemporânea da Argentina. México. Fondo de cultura Económica. 1994. pp.308.

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os que afirmam ser o terrorismo de Estado um capitulo que deve permanecer

juridicamente aberto (...) e deve ser ensinado, divulgado, discutido”441.

Não obstante a supervalorização que a autora confere ao papel pragmático da

memória neste processo de transição concordamos que somente através destes “atos de

memória” é possível minimizar a prática social do esquecimento. De acordo com Mário

Silva, é esta prática uma das chaves necessárias para a compreensão da postura assumida

pela sociedade política e civil brasileira no que diz respeito ao regime militar: o

esquecimento “compulsório” foi uma condição para a implementação do processo de

distensão, incluída ai a Anistia442, e implementação da Nova Republica443.

Daniel Aarão Reis afirma que após a Anistia de 1979, houve a primeira

oportunidade da sociedade brasileira exercitar sua memória sobre a história recente do país,

contudo, o que houve foi um deslocamento de sentido que se fixou na memória nacional

como verdades absolutas, correspondentes ao processo histórico objetivo e não a versões

consideradas apropriadas por seus autores. Como exemplos deste deslocamento ou

reconstrução histórica, o autor cita três casos: dos partidários da Anistia, dos simpatizantes

da ditadura e da sociedade em geral.

No primeiro caso, dos partidários da Anistia, apresentaram os guerrilheiros como

parte da resistência democrática ao regime, ou melhor, como braço armado desta

resistência:

441 SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. pp.24. 442 Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia traz as duas polaridades citadas, sendo, “anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial da memória) aí se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003. pp.319. 443 SILVA, Mário. Os escritores da guerrilha urbana.Literatura de testemunho, ambivalêcia e transição política (1977-1984). São Paulo: Anablumme, 2008. pp.31.

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Apagou-se, assim, a perspectiva ofensiva, revolucionária, que havia moldado

aquelas esquerdas. E o fato é que elas não eram de modo nenhum apaixonadas pela

democracia, francamente desprezada em seus textos444.

Já o segundo caso, dos partidários da ditadura, reconstruíram a luta armada como

uma guerra revolucionária, discurso que, inclusive, a própria esquerda chegou a

reproduzir. E foi com base neste argumento, da guerra, ambos os lados deveriam ser

considerados. Desta forma não foi difícil adicionar dispositivos à lei de Anistia para que

esta se tornasse recíproca.

O ultimo caso diz respeito à reconstrução da memória pela sociedade. Esta teria se

reconfigurado como se tivesse sempre se oposto maciçamente à ditadura. As relações entre

sociedade e ditadura foram, desta forma, redesenhadas: “A sociedade brasileira não só

resistira a ditadura, mas a vencera. Difícil imaginar poção melhor para a auto-estima”445.

Destoando da prática do esquecimento citamos o caso da atriz Bete Mendes, ex-

guerrilheira da VAR-Palmares e ex-deputada, que em agosto de 1985 em visita oficial a

Montevideo encontrou-se com Carlos Alberto Ustra, antigo comandante do DOI, acusado

de praticar torturas inclusive contra a atriz. A reação desta foi chegar ao Brasil e pedir

exoneração de Ustra, que era adido militar no Uruguai. Em resposta, Ustra escreveu o livro

Rompendo o silêncio em que deixa clara a sua visão de um revanchismo por parte da

esquerda e com apoio da mídia:

No Congresso, em 30 meses de mandato, jamais defendeu qualquer medida

revanchista. Hoje, no entanto, também em respeito à memória dos que morreram

sob tortura,executados sem direito a julgamento, é obrigada a reclamar e exigir

providências (...) Durante a visita ao Uruguai do exmo. sr. Presidente da República,

cuja comitiva deputada Elizabeth Mendes integrou, ocorreu o reconhecimento

mútuo entre o coronel e a parlamentar, antiga militante de organização terrorista.

Na ocasião, o tratamento entre ambos transcorreu de acordo com as normas sociais,

funcionais e diplomáticas exigidas pelas circunstâncias, e em todas as

444 REIS FILHO, Daniel. Ditadura militar, esquerdas e sociedade.Rio de Janeiro: Zahar, 2005.pp.70. Uma reflexão semelhante do autor pode ser lida no artigo: Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In: UFF,UFRJ, CPDOC & APERJ. 1964-2004: 40 anos do golpe. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. pp. 119-139. 445 Idem.pp.71.

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oportunidades subseqüentes permaneceu o tratamento cordial, o que pode ser

atestado por funcionários da nossa embaixada naquele país. Em nenhum momento o

coronel desculpou-se por sua atuação no combate ao terrorismo no passado. Seu

comportamento modificou-se, queremos crer, em conseqüência da pressão dos

mesmos grupos que vêm radicalizando posições através da Imprensa e de

pronunciamentos de alguns parlamentares446.

Neste mesmo período, de consolidação da democracia, publicizou-se a luta pela

memória no âmbito dos “documentos oficiais”. Sem dúvida, neste campo trava-se uma

constante polêmica. Estes arquivos são lugares da memória absoluta447, que nos ajudam a

reconstituir, sob diferentes prismas, a história recente do país.

Ludmila Catela trabalhou com a relação arquivo público / vida privada, tomando

como caso uma ex-presa política do Rio de Janeiro, citada no Projeto Brasil:Nunca Mais.

Maria (nome fictício da militante) sabia da existência de uma pasta inteira sobre sua

militância no arquivo do DOPS, depositado no Arquivo Publico do Estado do Rio de

Janeiro; contudo, até então, nunca quis tomar nota do que existe sobre ela em tal arquivo.

Em seu depoimento à pesquisadora contou da dificuldade em enfrentar seu passado. Ela

sabia que, entre processos policiais e demais documentos burocráticos, existiam cartas e

outras recordações pessoais. Isso poderia trazer à tona lembranças e ativar memórias que

afetariam sua vida no presente; não sabia ao certo se aliviaria ou aumentaria seu

sofrimento. Ela acreditava que, um dia, iria tomar conta da “papelada” existente, mas sabia

que não seria bom ativar esta memória448.

A entrevistada, de fato, teve acesso aos documentos em 2000, quando da abertura

dos arquivos no Rio. Como historiadora, Maria levantou questões fundamentais para a

pesquisa histórica nestes arquivos, que devem ser dilemas do historiador: Que valor têm

estes papéis como fonte histórica? O que acontece se um pesquisador os toma como

verdadeiros e não os confronta com os testemunhos dos perseguidos pelo regime?449 Estas

questões somente reafirmam o arquivo como lugar da memória, mas de uma determinada

446 USTRA, Carlos Alberto. Rompendo o silencio. Rio de Janeiro: Blibliex, 1987.pp.16-18. 447 NORA, Pierre. Os lugares da memória. referencia 448 Cf. CATELA, Ludmila.Territorios de La memória política. Los archivos de La repression em Brasil. IN: ELIN,Elizabeth & CATELA,Ludmila (comps). Los archivos de la repression:Documetos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI, 2002. pp.16. 449 Idem. pp.77.

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memória, com determinada verdade. Bem sabemos que quem escreve, escreve de um lugar

específico. Se não há o confronto entre as partes, não há uma problemática, tampouco,

pesquisa histórica. Apresentaremos, brevemente, um histórico da descoberta e publicização

de parte dos “arquivos da repressão”.

Após a aprovação da lei de Anistia (n. 6683/79)450, os advogados dos presos

políticos começaram a trabalhar para encaixarem seus clientes dentro da lei. Para tanto,

tinham acesso livre ao arquivo ao Supremo Tribunal Militar. Ao entrarem em contato com

tais documentos notaram ter em mãos uma sistematização de como o governo agia e de

como a tortura tornou-se prática sistemática, por mais que, por muito tempo, o aparato

publicitário montado atingiu uma grande parcela da sociedade e a convenceu de que éramos

o país do “futuro”, o país do “milagre econômico” e que tudo ia dentro da normalidade. É a

“cultura do simulacro451”.

Estes advogados procuraram o pastor protestante James Wright452 e lhe relataram o

que haviam lido, sugerindo, então, a reprodução destes documentos. Wright procurou Dom

Paulo Evaristo Arns e estes foram pedir financiamento no Conselho Mundial e Igrejas que,

ao todo, contribuiu com 350.000 dólares para o custeio das fotocópias destes documentos e

para o pagamento de pesquisadores que trabalhavam todo o tempo, clandestinamente, na

reprodução do material. O que seria somente uma mostra para ilustrar como funcionavam

os mecanismos de violação de direitos humanos, transformou-se na duplicação completa do

arquivo do STM. Como afirma Ludmila Catela: “ironia do destino, o grande segredo dos

militares havia se transformado no grande segredo dos direitos humanos”.453 Resultado

disso foi o chamado Projeto A Brasil:Nunca Mais composto por 12 tomos, sendo:

I.O regime militar : contém análise do regime implantado a partir de 1964.

II. volume 1. A pesquisa BNM: descreve o projeto e as fontes.

II. volume 2. Os atingidos: mostra, em ordem alfabética, os processados,

torturados, denunciados, etc.

450 Tal lei anistiou tanto militares quanto presos políticos. Abarcava todos os crimes cometidos entre 1961 e 1979 contudo excluía os condenados por “terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm 451 Cf. CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. IN: FREIE et. all.Tiradentes:um presídio na ditadura. pp.474. 452 James Wrigth esteve junto com Henri Sobel e Dom Paulo Arns no culto ecumênico em São Paulo quando da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975. 453 CATELA,Ludmila.op.cit.pp.33.

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II. volume 3. Os funcionários : contém lista alfabética de nomes de todos os

envolvidos direta ou indiretamente na violação de direitos humanos.

III. O perfil dos atingidos: mostra dados gerais sobre os processos realizados

contra 7.367 pessoas.Separados por organizações de esquerda, setores sociais e

outras atividades.

IV.As leis repressivas.

V. A tortura: 3 volumes: contém nome dos torturados, tipos de tortura, idade,

descrição dos métodos e locais onde aconteciam.

V. volume 4. Os mortos: contém nome dos mortos, descrição da morte, lugar onde

aonteceu e nome dos medico que deram aos atestados de óbito.

VI. volume 1. Índice dos anexos: sobre o material roubado das vítimas

VI. vol.2 Inventário dos anexos: descrição dos documentos roubados (cartas

pessoais e folhetos).

Tal projeto possui apenas 25 cópias, algumas passadas para o inglês e enviadas para

o exterior. Qualquer pessoa pode ter acesso. Em 1985, foi lançado o Projeto B, em livro,

para que tivesse maior divulgação. Chamado: Um relato para a história – Brasil:Nunca

Mais. O prefacio é de Dom Evaristo Arns454. Quando do término do projeto e lançamento

do livro acreditou-se que havia “toda a verdade” sobre o que aconteceu nos anos que se

seguiram a 1964, ali. Antes do habeas data, de 1988, esta foi a única referência oficial que

os atingidos pelo regime tinham para buscar informações e reparações.

"É o individuo que o detém e o faz de maneira privada. A sociedade não

participa dessa transação nem se apropria das informações obtidas.(...)A

instituição que determina a quantidade e o conteúdo que deve liberar" .455

Em 1992, os arquivos começaram a serem transferidos das instituições militares

para os arquivos públicos, sendo assim, mais uma forma de se conseguir informações tanto

sobre o indivíduo, quanto sobre o conjunto de ações do governo. Os arquivos da repressão

contêm documentos pessoais, declarações individuais, inquéritos, fotos, correspondências,

454 Projeto A Brasil: Nunca Mais, em Minas há uma cópia disponível para consulta no Instituto Helena Greco. Projeto B, foi lançado pela editora Vozes, em 1985. 455GRECO, Heloisa. A dimensão trágica da luta pela anistia. IN:Cadernos da Escola do legislativo.Belo Horizonte, vol. 8. n.13.2005.pp.85-111.

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enfim, tem-se o monitoramento diário por parte dos inimigos internos. Apesar disto, em

relação aos desaparecidos políticos, as lacunas ainda persistem, o que ficou claro, sobretudo

a partir da descoberta da Vala clandestina de Perus em 1990456.

Em abril do ano de 2007, o que somente alguns ex-integrantes do Centro de

Inteligência do Exército (CIE) sabiam e alguns pesquisadores sobre militares “ouviram

falar”, foi tornado público o chamado ORVIL (“livro”, de trás para frente). Apenas 40

páginas circulavam pela internet, todavia, até então, não se sabia a origem das informações

contidas no site457. Inicialmente acreditou-se que a história do Projeto ORVIL estaria ligada

à do Projeto Brasil: Nunca Mais. O ORVIL Seria uma “resposta” ao projeto assumido pela

Arquidiocese de São Paulo, lançado em 1985. Esta versão foi divulgada pelo jornalista

Lucas Figueiredo, em uma série de reportagens especiais no diário Estado de Minas458.

As reportagens contavam que em 1986, o Ministro de Exército do governo de José

Sarney, Leônidas Pires Gonçalves, deu ordem a cerca de 30 oficiais do CIE (Centro de

Informações do Exército) para trabalharem de forma sigilosa no Projeto Orvil. Levou dois

anos para ser concluído e seria lançado em livro, com o título: As tentativas de tomada de

poder. Aconteceu que o ex-ministro decidiu não publicá-lo e o documento ficou circulando

entre os oficiais da reserva. Segundo relato de Leônidas Pires , a decisão de não publicar

foi, na verdade, uma precaução contra um possível revanchismo contra as Forças Armadas

por parte de “quem perdeu a guerra”.

“Naquele tempo (em que o livro foi feito) não havia o que acontece agora,

um revanchismo sem propósito. (...) No meu período como ministro (1985-

456 Esta vala encontra-se no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo, construído em 1971, sob governo de Paulo Maluf. Mais de 1049 ossadas foram encontradas entre indigentes, desaparecidos políticos e vítimas do Esquadrão da Morte. A UNICAMP ficou com a responsabilidade identificar os corpos. Neste ano, o governo resolveu voltar à identificação do restante das ossadas (147 ativistas). Em Minas e São Paulo já ocorreram, atos de coleta para o banco de DNA de familiares de desaparecidos. Segundo dados da Comissão Especial e a Secretaria de Direitos Humanos (ambas ligadas ao Ministério da Justiça), existem 147 ativistas políticos mortos pelo regime ainda não identificados. Cf: TELLES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação o impunidade? São Paulo: Humanitas, 2002. FIGUEIREDO, Lucas .À procura dos corpos. Estado de Minas.Caderno Política.22 de abril de 2007.pp.22. Para mais informações: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/perus.html e documentário premiado : “Vala comum”. Direção:João Godoy.32 min. 1994. 457 Na pagina do grupo de extrema direita: Terrorismo Nunca Mais. www.ternuma.com.br 458 FIGUEIREDO, Lucas. “O livro negro do terrorismo no Brasil”. Estado de Minas. Reportagem Especial. Abril de 2007

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1990), não houve nenhum problema essa natureza, essas ‘mães não-sei-do-

quê’, Tortura Nunca Mais”.459

No auxilio à construção do mosaico desta memória militar, Priscila Brandão

entrevistou um dos militares idealizadores e executores do projeto ORVIL, no final do ano

de 2007460. A versão do ex-agente do CIE revelou que a disputa pela memória ocorreu no

período anterior ao indicado pelo jornalista. Assim sendo, o ORVIL não foi uma reação ao

Brasil Nunca Mais. Sua idealização ocorreu em março de 1984, ou seja, antes mesmo da

divulgação do BNM.

O depoimento de N2 narra a seguinte versão: Ele ingressou na carreira militar em

1962 por sugestão de um tio. Até então, não havia militares em sua família. Sua área de

atuação sempre foi na análise de informações dentro do Exército e conjugou neste tempo o

trabalho com o curso de Filosofia na UREJ, quando já era tenente. Trabalhou no DOI de

1975 a 1980, no período em que não havia mais luta armada e este órgão entrou em

processo de perda da sua função “operacional”, ou seja, não se prendia ou se torturava ali.

Funcionaria apenas a parte de segurança e inteligência. Em 1983 N2 foi convidado para

trabalhar como analista de informações no CIE. Em 1984 ele apresentou a idéia do Orvil

para seu chefe, este apresentou-a para o chefe do CIE, que por sua vez, enviou para o então

Ministro do Exército. Foi, desta maneira, autorizado a levar adiante o projeto. Os 17

analistas que trabalhavam no CIE souberam da proposta:

“Isso aqui deve ter ficado como um gérmen na cabeça de algumas pessoas.

Quando chegou em 1985, quando o Coronel Agnelo Del Nero assumiu a

Seção de Análise do CIE, eu mostrei isso aqui [o projeto] para ele. Não sei

se ele já tinha vindo com essa idéia ou não, ele assumiu isso aqui. Para fazer

um livro. Aí ele levou pro chefe do CIE, que levou pro Ministro e o

Leônidas mandou a ordem”461.

459 FIGUEIREDO, Lucas. O Livro era uma arma, diz general. Estado de Minas. Reportagem Especial.12 de abril de 2007.pp.4. 460A entrevista com o agente N2 (nome mantido em sigilo a pedido do entrevistado) foi gentilmente cedida a esta pesquisa por Priscila Brandão. 461 Entrevista de N2 à Priscila Brandão em: referencia.

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Desta forma, não podemos afirmar que a ordem e a idéia do livro partiram de

Leônidas Pires quando Ministro em 1986, como divulgado. A idéia de escrever o livro já

existia dentro do CIE, como comprovado por documentação pelo entrevistado462.

Quando oficializou-se o pedido do livro, o chefe do CIE reuniu os oficiais e disse

que queria idéias. Foi então que a Seção de Contra-Inteligência propôs contratar escritores

para organizar a pesquisa seria feita pelo setor de Inteligência, contudo, não foi aceita pois

exigia recursos.

Em meados de 1985, o coronel Del Nero adotou a metodologia de dividir as

principais organizações comunistas entre os analistas, com um prazo de mais ou menos dois

meses para cada um fazer a pesquisa e produzir um documento sobre a determinada

organização. Desta forma, por exemplo, o MR-8 ficou sob a responsabilidade de um

analista, a ALN sob a responsabilidade de outro analista, assim por diante. N2, relata que

produziu um documento mais rápido, sobre o MRT e encaminhou para o coronel. Del Nero

haveria gostado, e, ao receber outros documentos decidiu entregá-los ao agente, para que

fizesse uma revisão, verificando se as informações acerca das organizações estariam

corretas. As fontes pesquisadas foram: Informes, informações em relatórios periódicos, em

documentos das operações propriamente ditas e, “principalmente, depoimentos dos

interrogatórios. Esse era o principal, os depoimentos de presos”463.

Os problemas na pesquisa logo começaram a aparecer: nos textos havia militantes

assaltando banco que já estavam mortos na data da ação. Em sua avaliação o erro teria sido

sim na composição heterogênea destes analistas e não na metodologia adotada:

Tinha analistas do movimento sindical, do clero, analistas no campo militar,

analistas que não sabiam nada das organizações comunistas. Eram analistas

que não conheciam o que era organização comunista, que não tinham

condições de fazer um trabalho sobre organizações comunistas. Então, essa

foi a gota d´àgua, ele mandou suspender o trabalho464.

462 Documento. 463 Entrevista de N2 a Priscila Brandão 464 Entrevista de N2 citada.

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Logo, a solução seria pessoas selecionar melhor as pessoas que seriam analistas

dessas organizações. A melhor saída encontrada por Agnelo Del Nero, foi designar o

analista N2 para fazer toda a pesquisa acerca das organizações comunistas. Outra decisão

tomada foi de dividir a pesquisa não mais por organizações, mas por anos. Em janeiro de

1986 começou o trabalho que levou o nome de As quatro tentativas de tomada de poder,

cuja explicação do titulo advém desta nova metodologia:

O trabalho pendeu para ser cronológico. Então a primeira tentativa era a de

35, a segunda tentativa era a de 63/64, a terceira tentativa era essa da luta

armada, que nós...e a quarta tentativa que era essa, trabalho de massa, que

tava começando naquela época 84/85. Então, essa quarta tentativa abriu as

idéias para que nós íamos enfrentar um novo surto de tentativa de tomada

do poder. E deram. Não exatamente comunista, mas à esquerda465.

Havia um sargento que datilografava o que N2 escrevia e decidiram que este último

seria o escriba final. Coronel Del Nero (conhecido como N1) começou a escrever também e

a mandar para N2, de forma que a escrita não ficasse dispare, dadas as diferenças entre as

formas de escrever. Del Nero ficou com a incumbência de pesquisar e produzir textos só

sobre as conjunturas, isto é, a conjuntura política, a conjuntura militar dos anos, e N2

escrevia seu o estudo sobre as organizações466.

O resultado desta pesquisa é a citação de mais de 1,7 mil pessoas, de guerrilheiros a

aristas famosos. Todos os dados foram retirados dos arquivos secretos militares,

principalmente do CIE. A importância deste tipo de documento está na comprovação de

que o Exército sempre soube do destino de pelo menos 23 desaparecidos, ao contrário do

que têm repetido ao longo de mais de 30 anos. São integrantes do PC do B (Araguaia),

MOLIPO , ALN e VPR. Há detalhes das mortes, circunstâncias, local e até a qual batalhão

pertencia o assassino. Por duas vezes o governo pediu dados dos mortos e desaparecidos e o

Exército não revelou coisa alguma. A primeira vez em 1993, e a segunda entre 1995-1998.

O ex-ministro da justiça, Maurício Correa, afirma que os dados fornecidos pelo Exército

465 Entrevista de N2 já citada. 466 Idem.

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em 1993 foram evasivos, foram sonegadas informações e que não havia nada de concreto,

os relatórios eram apenas noticias retiradas de jornais, sem dizer quem fez o quê467.

O aparecimento deste documento reanimou o debate acerca da abertura dos arquivos

da ditadura e da reabertura de alguns processos para a indenização de famílias. Hoje já se

sabe que, muitas das vezes, as informações (verbais ou escritas) foram retiradas sob tortura,

contudo, isto não está descrito no livro. Tais informações se liberadas à revelia, podem

causar transtornos e ativar memórias desnecessárias. Aí aparece o limite entre

público/privado em tais arquivos.

Logo na introdução do ORVIL, é explicado que o primeiro corte temporal seria de

1967 a 1973, auge da luta armada. Os questionamentos que levaram à produção do livro

mostraram aos seus pesquisadores necessidade de abranger um espaço maior de tempo

pesquisado para compreenderem aquilo que estava se configurando como a “quarta

tentativa de tomada de poder”. De acordo com o documento:

Esta tentativa de fato já teve seu inicio há alguns anos. Vencida a forma de

luta que escolheu- a luta armada- , a esquerda revolucionária tem buscado

transformar a derrota militar que lhe foi imposta em todos os quadrantes do

território nacional em vitória política468

Pela lógica militar, a esquerda haveria mudado a estratégia de luta para garantir seu

assalto ao poder. Desta maneira, uniram-se à esquerda ortodoxa, com quem romperam anos

antes e ao clero progressista. Para os militares, isto mostraria como a “nossa memória é

fraca”. Superestimando o poder do inimigo, o ORVIL chama a atenção para fatos que

ilustram o quão ardilosa é a esquerda. Tendo em vista que os leitores do documento seriam

jovens na faixa dos 30 anos469, eles não haviam nascido na primeira tentativa de tomada de

poder (1935) tampouco se recordam da segunda (1964), tendo uma visão deturpada desta.

A terceira tentativa (período de 1966-1973), teria sido a mais violenta e mais nítida,

contudo não mais perigosa. A mais perigosa seria esta quarta tentativa, que abrange um

467 FIGUEIREDO,Lucas. Omissão de militares pode ser investigada. Reportagem Especial.16 de abril de 2007. 468 Projeto ORVIL.pp.11. www.averdadesufocada.org.br 469 Considerando a época da escrita do “livro”, 1986.

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trabalho de massas e tem um projeto de deturpação da história, maculando a imagem do

período militar e se vitimizando470.

Somente em 1995 o Estado assumiu a responsabilidade do assassinato e

desaparecimento de opositores, a partir da Lei 9.149/95. Tal lei instituiu a Comissão

Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja função é a de localizar e buscar

soluções para cerca de 400 corpos de militantes. Devido a sua natureza, o crime do

desaparecimento de pessoas encobre a identidade de seus autores. Começa um jogo

perverso em que não se há culpados, não há cadáveres e os familiares das vítimas perdem

seu direito ao luto. Diversas valas clandestinas e até um cemitério subaquático foram

descobertos. O processo de identificação dos corpos é lento por dificuldades de

financiamento. A Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou em agosto de 2007, o

livro-documento Direito à Memória e à Verdade471, baseado nos processos políticos dos

mortos e desaparecidos. Esta seria a “palavra oficial” do Estado acerca destes militantes.

Um ultimo arquivo tornado público recentemente diz respeito aos da Assessoria

Especial de Segurança e Informação na Universidade (AESI).Neles encontramos o

monitoramento pela repressão de supostos “subversivos” dentro das Universidades de

reitores a estudantes. A AESI era subordinada à Divisão de Segurança e Informações (DSI)

do Ministério de Educação e Cultura, que, por sua vez, era subordinada ao Serviço

Nacional de Informações (SNI). Nos centraremos nos arquivos referentes à UFMG para

localizarmos informações sobre militantes do COLINA e de certa forma, entendermos uma

das vertentes da repressão, atuante nas Universidades.

4.2 –UMA MEMÓRIA MILITAR SOBRE O COLINA

Neste tópico privilegiaremos duas fontes: os documentos da AESI/UFMG e do

ORVIL, em função do ineditismo do uso destas fontes e mais ainda, para maior

esclarecimento da atuação dos órgãos de inteligência tanto na produção de informações

referentes às esquerdas, quanto no monitoramento dos funcionários e discentes da UFMG.

Uma vez que a história do Orvil já foi contada, iniciaremos por analisar as poucas

informações existentes sobre o COLINA neste, contudo vale apresentar a estruturação do

470Projeto ORVIL está totalmente disponível no site www.averdadesufocada.org.br 471Há uma versão on-line, no endereço: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf

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livro e da lógica nele composta para uma justificativa acerca do aparecimento da esquerda

armada.

Conforme explicamos o “livro” está separado por anos. Estes formam blocos

maiores que se configuram como as “tentativas de tomada de poder”. Nosso objeto em

questão está situado no ano de 1968, que integra o capítulo IV, na terceira parte, ou seja, no

bloco referente ao que seria a “terceira tentativa de tomada de poder”.

O início desta parte é a explicação do “ideário da revolução de março”:

A Revolução de 31 de Março de 1964 resultou de uma excepcional reação da

sociedade brasileira à corrupção, à subversão, à estagnação econômica, à espiral

inflacionária e a insegurança política e social, e cristalizou-se na manutenção do

regime democrático472.

É válido retomar a questão do “caos terminológico” existente nos termos revolução

e democracia. Neste período da história republicana brasileira há uma verdadeira subversão

de sentidos (para ambos os lados). E, uma vez estes conceitos introjetados na sociedade

neste sentido descrito pelos militares, faz com que se torne difícil qualificar o período em

questão como terror de Estado, conforme discutimos no capítulo II.

O Ato Institucional 1, criado pelo “Comando Revolucionário” desejava que o

Congresso votasse uma legislação “anti-subversiva” de emergência para facilitar a

restauração da ordem legal, após a necessária "limpeza ". De acordo com os organizadores

do ORVIL, ao contrário do esperado, o Congresso procedeu como se 1964 não tivesse sido

diferente das crises anteriores e haveria tentado viabilizar um “ato de emergência” próprio.

Seria este procedimento que teria provocado a pronta reação do “Comando

Rcvolucionário” que “praticou seu primeiro ato realmente revolucionário, outorgando o

Ato Institucional n. 1”473. Este ato seria uma outorga à “Revolução” de poderes para uma

rápida transformação no país, mantendo o Legislativo, o Judiciário e a Constituição. Estas

compõem, na visão de uma parcela militar, características de uma democracia e não de

ditadura.

472 Projeto ORVIL. pp. 115. 473 Projeto ORVIL. pp. 117.

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Entendemos que a visão dos “comandantes revolucionários” a razão do “movimento

político-militar” de 1964, não se tratavam apenas de depor o presidente João Goulart. O

objetivo central seria acabar com a "subversão e a corrupção" e a "infiltração comunista" na

administração pública, nos sindicatos, nos meios militares e em todos os setores da vida

nacional474.

Depois desta discussão inicial acerca de como o regime começou seu processo de

legitimação, o documento prossegue na busca de gênese na luta armada contra o regime,

relatando as dificuldades encontradas no “restabelecimento da ordem” dentro dos sindicatos

e principalmente dentro das universidades, considerados “alvos diletos da difusão das idéias

comunistas”:

Na área educacional as dificuldades foram maiores. Submetidos, havia anos, à

intensa propaganda marxista, os estudantes radicais, j á apoiados pelo nascente

"clero progressista ",tornaram-se o único pólo de oposição consistente, após a

Revolução. Doutrinados pelo PCB, PC do B, PORT, AP e POLOP, já possuíam

uma visão de esquerda e os mais politizados estavam a favor da luta armada475.

Devido a esta “mentalidade radical” explicaria-se a dificuldade dos

“Revolucionários de Março” em pacificarem o meio educacional. O núcleo “duro”

acreditou que foram vãs as tentativas de obter-se a ordem, através da influência pessoal dos

reitores e dos professores serviram para acalmar o Movimento Estudantil. Dada a

474 Composto de 11 artigos, o AI-1 partia do precedente que, "a revolução, investia no exercício do Poder Constituinte", ou seja, não procuraria legitimar-se pelo Congresso, muito pelo contrário, seria o Congresso que receberia através do AI-1 sua legitimação. Além de conceder ao comado revolucionário as prerrogativas de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que tivessem "atentado" contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública", o AI-1 determinava em seu artigo 2º. que dentro de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a presidência e vice-presidência da República. A data de expiração do ato seria a data para convocação de eleições presidenciais, 31 de janeiro de 1966. O Congresso Nacional tão logo ratificou a escolha feita pelo Comando Supremo da Revolução, e elegeu como presidente da República o general Humberto de Alencar Castelo Branco, antigo chefe do Estado-Maior do Exército e um dos principais articuladores da derrubada de Goulart. Para a vice-presidência foi eleito o civil José Maria Alkmin, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD), que fora um dos chefes civis do golpe. Para as informações, cf.: FICO, Carlos. Além do golpe. São Paulo: Record, 2004; LEMOS, Renato. Justiça militar e processo político no Brasil. IN: UFRJ, UFF, CPDOC, APERJ. 1964-2004.40 anos do golpe. Rio de Janeiro. 7 letras, 2004. pp.282-289; Os Atos Institucionais. IN: CPDOC/FGV. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb; GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo. Companhia das Letras, 2002. 475 Projeto ORVIL. pp. 126.

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conjuntura internacional em 1968, não foi de se espantar a radicalização dos estudantes

brasileiros. já possuíam diversas opções para convergir suas pretensões em favor das ações

armadas. De acordo com ORVIL:

Das quase duas dezenas de organizações comunistas já existentes ou então

formadas, oito foram as mais importantes para o Movimento Estudantil,

particularmente, na direção das agitações de rua: a Ação popuiar,(AP), o Núcleo

Marxista-Leninista (NML), a Dissidência da Guanabara (DI/GB), a Dissidência da

Dissidência (DDD), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), o Partido

Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), a Vanguarda popular Revolucionária

(VPR) e a Ala Marighela (futura ALN)476

Neste ínterim começa a análise do COLINA por N2, partindo dos momentos finais

da POLOP no IV congresso e a informação de que a Secretaria Regional da POLOP na

Guanabara apresentou no referido congresso um programa caracterizando a revolução

como sendo de “libertação nacional” e defendendo a estratégia da "guerra prolongada no

campo". Liderada por Juarez Guimarães de Brito e sua esposa, Maria do Carmo Brito, essa

dissidência carioca viria a juntar-se à dos mineiros, na formação do COLINA.

A analise desta organização começa por seu documento-base “Concepção da luta

revolucionária”. Não encontramos nesta análise informações relevantes, ou desconhecidas.

O que pode ser observado seria muito pontualmente, no linguajar desqualificador de como

é tratados um apecto da luta do COLINA como, ao fazer alusão ao comando urbano referir-

se ao trabalho junto as massas via o jornaleco Piquete477. No mais, indica uma proposta

megalomaníaca do COLINA, ao afirmar que este escolheu uma área de mais de 100 mil

km2, englobando diversos municípios do Maranhão e Goiás para a instauração do foco

guerrilheiro. Das demais ações, o que se mostra inédito a nós é o asssassinato de um civil

por dois integrantes deste grupo após a “expropriação” de um carro, na Guanabara478. Em

um último parágrafo sucinto, anunciam que o ano de 1969 foi crítico ao COLINA dada a

476 Idem. pp.223. 477 Projeto Orvil. pp.260. 478 Em 25 de outubro de 1968 no Rio de Janeiro, Fausto Machado Freire e Murilo Pinto teriam matado Wenceslau Ramalho Leite com quatro tiros quando lhe tomaram o carro. Ibdem. pp.261.

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série de prisões e da sua fusão de alguns remanescentes com VPR, para o surgimento da

VAR-Palmares.

O que se coloca como inédito no documento são as relações entre COLINA e outras

organizações. Por serem organizações de pouca atuação, ou com poucos militantes, quase

nada se sabia sobre elas. Através de Maria do Carmo Brito (Lia) foram iniciados os

entendimentos, com a fusão do que restou do COLINA em 1969 com o Núcleo Marxista

Leninista (NML)479. Após várias desventuras deste grupo, elegeram integrar o primeiro,

para que ficasse mais forte e atuante. Outro agrupamento que teve contato com nossa

organização de interesse, foi o Movimento Popular de Libertação (MPL), de Miguel

Arraes480, que ao tentar formar uma “frente antiimperialista” que teria uma face foquista,

mandou para fazer treinamento em Cuba militantes do PCBR,FARB e COLINA481. Mais

uma curiosidade diz respeito às trajetórias de COLINA e Corrente482. Até o

desmantelamento desta ultima, também em 1969 era confundida com o COLINA dada a

existência de ambos no mesmo período, proposta revolucionaria similar e também

composta por universitários em sua maioria483.

Não há mais referencias ao nosso grupo de interesse dentro do ORVIL, com isto, nos

debruçaremos agora ao rico material da AESI. A historia da AESI ainda está para ser

479 O NML surgiu como uma dissidência da Ação Popular em 1967, no estado da Guanabara. Após a AP optar pela linha maoísta de “guerra popular”, os adeptos do foquismo constituíram esta organização. Dada a debilidade de quadros buscou contatos com o Partido Operário Comunista (POC) e Dissidência da Guanabara, para a constituição da “Frente Revolucionária”, que foi frustrada. Há pelo menos um militante que pertenceu a esta organização que integra a lista de mortos e desaparecidos, contudo, estava militando na VAR-Palmares quando da morte. É o mineiro Lucimar Brandão. Cf: Projeto ORVIL. pp. 276; TELLES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? São Paulo: Humanitas, 2002. pp.193; SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Direito à Verdade e à memória. 2007.pp.132. 480 O MPL teve sua origem relacionada a políticos afastados após o golpe de 1964. Em 1966, ainda na Argélia, Miguel Arraes decidiu construir uma frente antiimperialista, através de várias organizações de esquerda no Brasil. Quando volta ao país, no mesmo ano, resolveu fazer uma reunião de fundação. Dada a inexistência de um programa, a opção seria agir em duas frentes, sendo: a primeira, em andamento, que visava a unificação das esquerdas e a segunda que seria a guerrilha tanto urbana quanto rural. Dentre os que integraram este grupo estava o deputado Marcio Moreira Alves. Projeto ORVIL. pp.279-280. 481 A FARB (Frente de Ação Revolucionária), segundo consta no ORVIL, foi o nome dado a um grupo de 5 estudantes da União Estadual dos Estudantes/SP (UEE), que se diziam contrários às orientações da AP nesta instituição. Sobre o COLINA, os dois militantes enviados a Cuba foram Edson Lourival Reis de Menezes e Osvaldo Soares. Projeto ORVIL. pp.280-281. 482Corrente Revolucionária de Minas Gerais surgiu em 1967 neste Estado. Tornou-se em 1969 em um segmento da ALN de Mariguella. Cf. VITRAL. Tiago V. Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma resistência armada ao regime militar brasileiro no Estudo de Minas Gerais (1967-1969). Monografia de conclusão do curso de História. PUC/MG, 2008. 483 Projeto ORVIL. pp. 248.

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escrita. A partir de poucos fragmentos, tentaremos reconstruí-la, principalmente no âmbito

desta Universidade.

De acordo com Carlos Fico, a espionagem nos Ministérios civis eram espionados

através dos “Sistemas Setoriais de Informação”, que por sua vez eram constituídos pelos

órgãos de informação de seus respectivos ministérios e demais fundações ou empresas

estatais que eram ligadas a eles. O principal órgão de informações de um ministério civil

era sua “Divisão de Segurança e Informações” (DSI). Em concomitância, em cada órgão de

relevância da administração pública havia uma “Assessoria Especial de Segurança e

Informações” (AESI). A influencia destes órgãos foi aumentando significantemente,

inclusive, chegou a ser decisiva em ministérios “problemáticos” como o da Educação , em

função do Movimento Estudantil. Nas universidades públicas existia a AESI,

fundamentalmente em razão do Decreto-lei 477/69484, que cuidava da “subversão” dentro

da academia, seja por alunos, professores ou funcionários485. A criação das AESIs foram

criadas muito em função do prestigio que os chefes imediatos conseguiriam. Caso a

repartição fosse importante, haveria de ter uma AESI, desta maneira seria conveniente pra

alocar os militares “linha dura” que buscavam maiores rendimentos, através de

comissões.486

De acordo com informações contidas na Biblioteca da UFMG, a AESI, foi um órgão

instituído pelas Portarias Ministeriais nºs 360-BSB e 361-BSB, datadas de 27.06.73 e

posteriormente denominada ASI/UNI por Portaria Ministerial de 12.05.76. O processo de

extinção das AESI/ASI nas universidades brasileiras prolongou-se de 1979 a 1986

conforme ofícios 009/3000/79-SNM/DSI/MEC de 08.05.1979 e 0236/81/20/DSI/MEC de

21/10/81 e o Decreto 93.314487 de 30/09/86. Este órgão existiu em todos os órgãos públicos

federais, incluindo, aí, as universidades. Na UFMG, este arquivo permaneceu lacrado sob a

484Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências. Decreto-lei n 477 de 26 de fevereiro de 1969. 485 FICO, Carlos. Como eles agiam. São Paulo: Record, 2001. pp.84-93; BRANDÃO, Priscila.SNI & ABIN: uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao logo do século XX. Rio de Janeiro: FVG. 2002. pp.57. 486 FICO, Calos. Espionagem, Policia Política e Propaganda: os pilares básicos da repressão. In:FERREIRA, Jorge & DELGADO. Lucilia. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp.176. 487 Art. 1º Ficam extintas as Assessorias de Segurança e Informações integrantes das estruturas organizacionais das instituições de ensino superior, vinculadas ao Ministério da Educação.

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guarda da Imprensa Universitária da UFMG até 1989. Neste ano, uma arquivista do

Ministério da Educação e Cultura foi transferida para a Universidade, fazendo que desta

forma o arquivo fosse inventariado, todavia, seu conteúdo ficou em sigilo até o final do

referido ano, quando o trabalho foi entregue à Biblioteca Universitária. A finalidade seria

integrar o acervo de documentos relativos à memória da UFMG. Os documentos foram

primariamente classificados como "confidencial e secreto" devido à natureza especial do

arquivo.

“O tratamento visou compatibilizar o interesse de preservação da memória

institucional com a eficácia e proteção dos direitos e garantias individuais,

bem como de preservação da memória política e administrativa do país e do

seu sistema universitário” 488.

Ao adentrarmos nestes arquivos encontramos processos sumários referentes ao

militantes do COLINA dentro de vários Institutos da UFMG: Faculdade de Medicina (com

vasto material), Instituto de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências Econômicas e

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Encontramos também depoimentos, relatórios

produzidos pelo DOPS e históricos escolares, contudo o mais importante é a percepção de

como o Sistema de Inteligência e Universidade estiveram afinados no combate à subversão.

Notamos isto em alguns diretores de institutos e professores mais que em outros, todavia

não exclui a conivência de todos com a repressão. Em trabalho sobre Memória de Reitores

da UFMG, organizado por Maria Efigênia Lage de Resende e Lucilia de Almeida Neves,

temos nestes depoimentos alguns apontamentos sobre as relações entre universidade e

governo militar serve como complementares às informações contidas no arquivo da AESI,

guardada toda a problemática da subjetividade da história oral e sabendo que neste caso de

memórias institucionais, os depoentes se preocupam em preservar sua boa imagem,

vangloriando seus atos.

O que mais se evidencia nos depoimentos é a defesa da autonomia universitária

durante o período militar. Aluísio Pimenta, reitor que assumiu em 1964 chama a atenção

para o fato que:

488Informações no site www.bu.ufmg.br

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A maioria dos membros do Conselho Universitário, onde eu mantinha a presença da

representação estudantil, muitos eram conservadores, mas dignos. Muitos deles

apoiaram o movimento de março de 1964, mas se uniram quando a questão foi a

defesa da autonomia da Universidade489.

A gestão deste entre 1964 e 1967, foi marcada pelo debate acerca da reforma

universitária e por turbulências com o General Carlos Luís Guedes, um dos líderes do golpe

em Minas Gerais. Guedes chegou ao ponto de afastar Aluísio e nomear-se interventor da

UFMG, contudo, não obteve apoio nem do Ministro Milton Campos tampouco de

Magalhães Pinto, governador. A saída destes foi promover Guedes e transferi-lo a São

Paulo.

O reitor que sucedeu Pimenta e esteve no mandato no período de existência do

COLINA foi jurista Gerson de Britto Mello Boson (1967-1969). Em 1968 este reitor

passou por duas situações delicadas. Primeiro, dia 3 de maio de 1968, dia em que ocorreria

uma assembléia resultou em cerca de 200 estudantes presos em uma invasão à Faculdade de

Medicina. Começou com uma batalha nas ruas e terminou dentro do prédio da escola.

“Na época, o que a gente queria era conversar com o diretor, o professor Oscar

Versiani Caldeira, para conhecer a posição dele a respeito dos fatos que vinham

acontecendo na sociedade brasileira, aos moldes do que já tinham feito os diretores

das faculdades de Direito, Lourival Vilela e de Engenharia, Cássio Pinto, com seus

alunos”490,

Segundo Ajax Ferreira, posteriormente, os citados diretores interviram a favor dos

alunos da Medicina presos junto aos órgãos representativos da UFMG. Uma vez que o

diretor da Escola de Medicina de não quis dialogar com os alunos, estes decidiram prendê-

lo dentro da Faculdade, através de um cordão humano, que impedia a saída do prédio. Os

alunos realizaram uma assembléia e decidiram manter a ocupação. A policia, então, invadiu

o estabelecimento. Os alunos presos foram levados para o Departamento de Ordem Política

489 RESENDE, Maria Efigênia & NEVES, Lucilia. Memória de Reitores (1961-1990). Belo Horizonte: UFMG, 1998. pp.56. 490 Fala do professor Ájax Ferreira, em palestra proferida acerca dos 40 anos a Invasão da Escola de Medicina: http://www.medicina.ufmg.br/noticias/?p=1311

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e Social – DOPS, houve suspensão das aulas e o Diretório Acadêmico foi interditado. De

acordo com o ex-reitor Boson:

Na verdade teriam como refém qualquer outro que se apresentasse e que

pretendesse negociar com eles. Não é que eu tenha dado autorização à polícia para

invadir a Escola de Medicina. Não dei por duas razões. Primeiro, porque a polícia

não precisava de autorização minha para invadir. Ela já havia, sem esta autorização

já haviam invadido a FAFICH e a própria Faculdade de Direito. Segundo, porque

naquela ocasião eles estavam querendo a minha autorização, para depois jogar nas

cosas do reitor a responsabilidade por algumas tropelias que, por acaso, resultassem

desta invasão. Mas o episódio, afinal de contas, terminou bem”491.

A segunda situação ocorreu no final do ano, em 5 de outubro de 1968. Alguns

alunos da FAFICH estavam reunidos no subsolo da universidade cuja finalidade era a

organização da viagem ao Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna

(SP). Mesmo sendo uma reunião sigilosa, os militares tomaram conhecimento dos planos

estudantis e decidiram boicotá-los. O então diretor da faculdade, professor Pedro Parafita

de Bessa, foi chamado à Secretaria de Estado de Segurança pela manhã, pouco antes da

invasão. Na sua volta Quando retornou, o prédio que funcionava na rua Carangola, estava

cercado pela PM, que queria prender o presidente do Diretório Acadêmico (DA) da Fafich,

à época o estudante de história Waldo Silva, e outros líderes estudantis. Os militares teriam

tirado Bessa da escola para cercá-la.

Tanto Aluísio Pimenta, como o ex-diretor da Fafich Pedro Parafita de Bessa foram

aposentados. Gérson Boson, foi cassado ainda como reitor, em 1969. Este último, foi uma

pessoa controversa. Embora não estivesse concordasse com as posições políticas de

esquerda era visto com desconfiança pelo regime, por suas atitudes democráticas. Um

exemplo foi reunir-se com representantes do movimento estudantil, no auditório da

Reitoria, para discutir questões como o preço das refeições no Restaurante Universitário.

“Você já ouviu falar na história da luta entre o mar e o rochedo, em que sofrem os

mariscos? Na verdade, eu fui, nesse episódio [ele se referia ao relacionamento com

491 RESENDE. op. cit. pp. 93-94.

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os estudantes, de uma maneira geral], um verdadeiro marisco. Porque os estudantes,

já que eu não podia atender à maioria de suas reivindicações, me tinham como

partidário da ditadura. E, de outro lado, quando eu não admitia que a polícia ou a

segurança usassem dos seus processos violentos contra estudantes dentro da

Universidade ou contra a comunidade universitária, viam-me como esquerdista”492

Após a cassação de Boson em 13 de outubro de 1969, o chefe do Serviço Secreto

em Belo Horizonte disse a este que o Exército nada teria a ver com seu afastamento, os

responsáveis eram alguns professores da Escola de Medicina que estavam armando um

complô contra ele493. Num determinado momento, o reitor resolveu ir atrás de Alfredo

Buzaid, Ministro da Justiça para buscar informações sobre sua cassação. Boson só

encontrou uma ficha relativa a ele, em que atrás estava escrito: omisso. “Presumidamente

por não admitir atos de perseguição contra professores e alunos da Universidade”494. Mais

um caso relatado acerca da cassação foi o encontro de Boson com o então embaixador do

Brasil em Portugal Gama e Silva. Quando interrogado por este sobre “como ia a UFMG”?

O reitor respondeu que poderia dizer-lhe que ia tudo bem até o dia em que ele assinou o ato

de sua aposentadoria compulsória, ou seja, sua cassação como reitor. Foi então que Gama e

Silva surpreendeu-se e disse que jamais assinou o referido ato495. Um fato interessante, diz

respeito às relações institucionais. Quando interrogado sobre as relações com o vice-reitor,

Boson foi o único dos reitores a não falar sobre o seu vice, Leônidas Magalhães.

Quem assumiu após o afastamento de Gerson Bóson, foi Leônidas Machado

Magalhães. Como o início do processo sumário sobre o COLINA na UFMG data deste

mesmo mês, é Leônidas quem dialogou com o Exército. As referências a este ex-reitor

encontradas no livro citado é no depoimento de Aluisio Pimenta, relatando a formação

estadunidense de Leônidas, em que preservar autonomia universitária era fundamental e

neste mesmo depoimento em que é citado como um dos mais empenhados em auxiliar na

implantação das reformas na universidade, que, grosso modo teve como resultado o

estabelecimento de diretrizes para a transformação das universidades, então federações de

faculdades e escolas. A providência imediata foi estabelecer o reitorado em tempo integral,

492 RESENDE. op.cit.pp.93. 493 Idem. pp.95. 494 Idem.pp.99. 495 Idem.

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alem de introduzir mudanças no gerenciamento da Universidade e fortalecer a

administração central, que praticamente não existia na Reitoria e era totalmente feita nas

faculdades e escolas. Não era escopo centralizar a execução orçamentária, mas coordenar o

seu planejamento, aprovação e a própria execução496. Leônidas terminou o mandato de

Bozon, sendo sucedido por Marcelo Coelho.

De acordo com a revista Diversa, da UFMG, Marcelo de Vasconcellos Coelho teve

como característica de seu mandato a não aceitação da interferência do governo militar na

Universidade, assim como seu sucessor, Eduardo Osório Cisalpino497. Coelho desafiou o

General Gentil Marcondes Filho, chefe da ID/4 ao responder às acusações de que não teria

designado “pessoas que não são de confiança do Exército”, para integrar sua equipe. O

reitor respondeu:

“Olha general, eu nunca designei um coronel seu, portanto, eu espero qe o

senhor não se meta nos meus designados, porque eu dirijo a Universidade,

escolhido pelo Presidente da República.

Foram eles os responsáveis por impedir o funcionamento, de fato, da AESI.

Segundo afirmações da revista, a AESI “atuou em todas as universidades brasileiras, menos

na UFMG”.

Num gesto de grande habilidade política, Marcelo Coelho incluiu a Aesi no

organograma da Universidade, mas concentrou as funções do órgão em um

único funcionário, Roberto Faria, ligado diretamente a ele. Faria chegou a

ser visto com desconfiança por parte da comunidade acadêmica, mas foi o

braço direito de Coelho e de Cisalpino na tarefa de driblar a repressão e

evitar que chegassem ao governo militar informações sobre a atuação

política de professores, funcionários e estudantes da UFMG498.

496 PIMENTA, Aluísio. Universidade: a destruição de uma experiência democrática. Petrópolis: Vozes, 1985. 497Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007. http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html 498Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007. http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html

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Não é nosso escopo a discussão sobre esta política em relação à AESI e a vigilância

aos discentes e docentes após o mandato de Leônidas. O que questionamos é que ao

contrário da afirmação da revista, a UFMG sofreu interferência na AESI. O fato se não

haver um funcionário militar dentro da Universidade não exclui o funcionamento do órgão,

contudo, pode ser que comparando a ação deste órgão na UFMG frente a outras, a

interferência tenha sido menor. Tais arquivos abrangem o período de atuação dentro da

UFMG de 1964 a 1982. Como veremos o diálogo entre militares e universidade foi

constante no que diz respeito aos processos relacionados aos militantes do COLINA.

Como forma de melhor apresentar a pesquisa trabalharemos a partir da citação de

casos exemplares para a análise do conjunto do material, de forma que não se torne uma

enfadonha descrição de casos jurídicos.

Esta história se inicia dia 29 de setembro de 1969, quando o General Gentil

Marcondes Filho, comandante da Infantaria Divisionária ID/4, sediada em Belo Horizonte,

escreveu ao Reitor da UFMG comunicando que havia instaurado um Inquérito Policial

Militar para apurar as atividades da “organização subversiva” COLINA. Desta maneira,

enviou à Universidade uma lista de nomes dos alunos que estavam sendo indiciados e

solicitava que as “devidas providências” fossem tomadas e que se mantivesse o contato

com o referido Comando499. Em 13 de outubro de 1969 ocorreu a cassação do reitor Gerson

Boson. Neste mesmo dia, o vice-reitor em exercício Leônidas Machado encaminhou aos

diretores das Faculdades em que estavam matriculados os militantes indiciados, um ofício

solicitando informações sobre estes500. Dentre os que receberam a informação, está o

diretor da Faculdade de Medicina (FM) Oscar Versiani Caldeira.

A) FACULDADE DE MEDICINA

A pasta alusiva a esta Faculdade é a que mais contém documentos, haja vista que

boa parte do núcleo dirigente havia pertencido a esta. Há um funcionário, Irany Campos, e

seis estudantes de Medicina, que são: Ângelo Pezzuti, Herbert Carvalho, Maria José Nahas,

Jorge Nahas, Pedro Paulo Bretas e Athos Magno Costa e Silva, presos ou clandestinos no

ano de 1969. Nesta pasta também melhor podemos vislumbrar os tramites legais acerca dos

499 Oficio n.420-E2, de 23/09/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 500 Oficio “confidencial” de Leônidas Machado ao General Gentil Marcondes Filho em 13/11/1969. Pasta 11. Arcevo AESI/UFMG.

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inquéritos instaurados contra os militantes que pertenciam àquela instituição, pois todos

somente cortaram vínculos após a prisão em janeiro de 1969.

No início do mês de outubro de 1969, o Estado de Minas, publicou uma reportagem

com o chamado: “Preventiva para Mariguella e mais 33 da subversão”. O artigo relata o

decreto de prisão preventiva de duas listas de militantes. Uma lista de integrantes da

Corrente/ALN e outra de integrantes do COLINA, este com 19 nomes listados a pedido do

Gal. Otávio Medeiros. À exceção de Herbert Carvalho (conhecido como Herbert Daniel)

nenhum dos restantes estavam vinculados à UFMG, em sua maioria, estavam clandestinos

em outras organizações501.

No oficio remetido pelo então reitor em exercício é reiterado à Versiani a

“conveniência de ser mantido contato com as autoridades encarregadas do referido IPM

para a obtenção de dados e mais precisos informes acerca das ocorrências”, para as devidas

providências502. Uma vez comunicado, uma semana depois, Oscar Versiani, baseando-se no

artigo 3 do Decreto-lei 477503, decidiu nomear o professor adjunto Dr. Sylvio Gonçalves

Coutinho, da disciplina de cirurgia para ser responsável pela apuração das infrações

descritas no artigo 1, itens I a IV504 do referido decreto que possivelmente tenham sido

praticadas pelo funcionário Irany Campos. No mesmo dia o referido professor nomeou Ural

Chaves Prazeres, auxiliar de secretaria da FM, secretário do processo sumário a ser

realizado505 e para assessor jurídico o advogado Antonio Gomes Pereira, da mesma

Instituição. No dia 29 do mesmo mês, Coutinho encaminhou ao general um ofício

501 Consta na lista os nomes de: Carlos Alberto Soares de Freitas, Cláudio Galeno de Magalhes Linhares, Dilma Vana Roussef, Apolo Heringer Lisboa, Tomás Weiss, Reinaldo de Melo, Marco Antonio Meyer, Badih Melhem, Oroslinda Goulart, Irany Campos, João Marques Aguiar, Ageu Heringer Lisboa, Carmela Pezzuti, Marcos Antonio Rocha, Guido Rocha, José Raimundo Alves Pinto, Caros Vilan Pinom, Pitágoras Machado. “Preventia para Mariguella e 33 da subversão”. Estado de Minas. 03/10/1969. Hemeroteca Pública de Minas Gerais. 502Documento “confidencial”, de Leônidas M. Magalhães a Oscar Versiani Caldeira.13/10/1969. Pasta 11. Arcevo AESI/UFMG. 503O processo sumário será realizado por um funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino, designado por seu dirigente, que procederá as diligências convenientes e citará o infrator para, no prazo de 48 horas, apresentar defesa. Se houver mais de um infrator o prazo será comum e de 96 horas. 504Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralização de atividade escolar ou participe nesse movimento; II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza. 505Faculdade de Medicina de MG. Portaria n 1/69 de 20/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.

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comunicando a prisão de Irani no Estado da Guanabara e solicitando que o réu seja avisado

do processo contra ele baseado nos artigos já citados. Desta forma, ele teria 48 horas para

apresentar sua defesa. Outro pedido feito ao Gal. Marcondes foi a transcrição literal das

declarações de Irany acerca de “sua conduta publicamente escandalosa decorrente da

filiação à OPM”506. O pedido foi atendido no dia seguinte, com a enumeração das ações

praticadas e confessadas, de acordo com o Exército, pelo réu507.

Com o passar dos dias, a “Comissão do 477” pesquisou como e onde pôde para

levantar acusações ao funcionário para que o fizesse culpado e julgado dentro da referida

lei. No dia 8 e novembro foi enviado o primeiro relatório do professor encarregado pelo

processo ao diretor da faculdade. Este descrevia a dificuldade da comprovação de algumas

informações relacionadas aos crimes cometidos pelo réu dado o exíguo prazo de 20 dias,

conforme a lei estipula. Uma vez que o objetivo era enquadrá-lo no 477, este não foi

alcançado em virtude dos seguintes fatores:

a) O processo sumário é nulo, pela falta de citação, podendo ser

convalidado por nova portaria de V. Exa;

b) No mérito propriamente dito, o indiciado não pode ser punido por atos,

que não eram considerados infrações disciplinares e que só vieram a sê-

lo em 26/02/1969;

c) Por desqualificação do delito, a atividade do indiciado merece ser

apurada frente ao Estatuto dos Funcionários Públicos via de processo

administrativo, prevista a pena de demissão508.

Uma vez não havendo punição via decreto 477, outra opção foi sugerida, que

pretendia-se o julgamento baseado na lei 1.711, 28 de outubro de 1952, que dispõe sobre o

Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. A partir do artigo 207, item II desta,

que afirma caso de demissão em decorrência de : ‘incontinência pública e escandalosa,

vício de jogos proibidos e embriaguez habitual’, buscaram argumentos para que Irany não

506Oficio “onfidencial”de Sylvio Coutinho ao Gal. Marcondes em 29/10/1969.Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 507 Oficio de Gal.Marcondes a Sylvio Coutinho em 30/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 508 Relatório do Processo Sumário de Irany Campos. p.01 de 08/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.

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saísse tão somente inserido na Lei de Segurança Nacional. Pelo argumento do proprio

presidente da comissão Silvyo Coutinho :

17.Incontinente, se diz daquele que tem falta de moderação, que é

imponderado, irrefletido, descometido (Dicionário de Morais, 10 edição,

vol.5). A natureza e forma dos delitos, de sua vez, denunciam a publicidade

e o escândalo ;

18. A incontinência do indiciado é pública e escandalosa pela natureza das

mesmas ilicitudes praticadas, que foram largamnte difundidas pela

Imprensa e epelias pelas autoridades e pelo bom senso do povo ;

19. Se, pois, aparece-nos inaplicável ao indiciado o decreto lei 477 de 26 de

fevereiro de 1969, julgamos, viável a incontinencia publica e escandalosa

vedada pelo Estatuto dos funcionários, atraves de processo administrativo

ali previsto sob pena de demissão509.

Coube a Oscar Versiani a decisão final, que apenas indossou a proposta de Coutinho

e comunicou ao DSI do Ministério da Educação, à reitoria da UFMG e à Infantaria

Divisionária da 4 regiao militar (ID/4)510. Uma vez todos de acordo, Versiani compôs outra

comissão, valendo-se do artigo 219 da lei 1.711, para apurar os crimes caracterizados por

‘incotinência escandalosa’, tendo por base este mesmo Estatuto. Como responsável pela

investigação, manteve-se Coutinho e mais duas auxiliares : a técnica de laboratório Julia

Saud e a laboratorista Maria da Conceição Dias Coelho511.

No caso dos estudantes, o processo foi similar. O mesmo Coutinho foi responsável

por apurar os delitos através do processo sumário destes para o enquadramento no 477512. A

diferença está na busca dentro das entranhas burocráticas da universidade para um

mapeamento desde o desempenho acadêmico à militância estudantil. A procura se iniciou

pela seção de ensino que emitiu parecer certificando que todos não requereram matricula no

ano de 1969. Anexado ao certificado, estão anexos os históricos escolares dos acusados. É

509 Idem. p.03. 510 Relatório de Oscar Versiani às autoridades. 08/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 511 Portaria n.57 de 11/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 512 Portaria n.50 de 20/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.

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interessante como através destes notamos a clara opção pela militância em detrimento dos

estudos. Em 1967, ano conturbado na vida política destes jovens (transição entre POLOP-

COLINA) à exceção de Maria José Nahas, todos foram repetentes nos diferentes anos de

curso513. Ângelo Pezzuti teve que repetir a 4 série no ano de 1968, assim mesmo não foi

aprovado novamente em duas disciplinas. Herbert Daniel, cursou novamente a 3 série no

referido ano, já que no ano anterior, das 6 disciplinas em que estava matriculado, somente

em Semiologia foi aprovado. Jorge Nahas, também cursou a 3 série em 1967 e por razões

políticas foi repetente, conseguindo sanar parte das disciplinas no ano que se seguiu. Pedro

Paulo Bretas, na 2 série trazia consigo em 1968 duas dependências do ano inicio da

organização514.

Todos tiveram suas informações pessoais, assim como o relatório policial e recortes

de jornais referentes às ações do grupo fornecidos pelo DOPS para melhor análise do grau

de periculosidade e melhores argumentos para punições. Assim como procedido no caso de

Irany, foram pedidas pelo encarregado do processo sumário, Silvyo Coutinho, as citações

dos acusados, uma vez que estavam alguns presos no Rio de Janeiro e outros em Juiz de

Fora515.

Uma vez concedidas as citações, Jorge Nahas e Maria José Nahas tiveram uma

advogada acionada pela família. Elizabeth Ferreira Diniz ficou encarregada de defender o

casal conta o enquadramento no processo sumário referente ao decreto 477516. O professor

Coutinho nomeou-a defensora também de Herbert Daniel, uma vez que este se encontrava

na clandestinidade em algum lugar desconhecido das autoridades517. Nos dias 6 e 7 do mês

de novembro, a advogada apresentou a defesa dos três. Citando os quatro primeiros itens

do artigo 1 do decreto 477, lembrando que são os mesmos que Irany Campos, a advogada

desconstruiu todos os argumentos da diretoria da escola de medicina. Comprovou como é

indevido o uso do 477 para o caso destes militantes:

513 Neste período o curso era contado por ano e não por semestre, como atualmente. 514 Histórico escolar de Ângelo Pezzuti; Histórico escolar de Maria José Nahas; Histórico escolar de Herbert Eustáquio de Carvalho; Histórico escolar de Jorge Raimundo Nahas; Histórico escolar de Pedro Paulo Bretas. Datilografados dia 15/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 515Ofício de Sylvio Coutinho ao Gal. Gentil Marcondes, em 27/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 516Carta da advogada Elizabeth Diniz ao professor Silvyo Coutinho em 03/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 517 Portaria 4/69 de 06/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG.

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8) Há um principio universal sagrado por todos os povos cultos, pelo qual não há

crime sem lei anterior que o defina. Principio este admitido em nossa Lei Magna;

Deste modo, por dois motivos relevantes os indiciados não podem estar inscritos

nas sanções disciplinares descritos pelo art.1 do decreto 477:

a) (...) não está matriculado no corrente ano letivo na Faculdade;

b) O dec.lei 477 que define as penas disciplinares é de 26 de fevereiro do ano em

curso quando o indiciado sequer estava matriculado na Universidade518.

Desta forma não foi complicado para a defesa, uma vez que nenhuma lei pode ser

aplicada retroativamente. Em tempo: as prisões ocorreram em janeiro, cerca de 40 dias

antes da lei ser revogada. A outra colocação pertinente por parte da defesa é a

impossibilidade de um inquérito administrativo pelo regimento da Faculdade de Medicina,

pelo fato de não estarem matriculados, logo, não são mais alunos. A advogada sugere a

interrupção deste processo até que se resolva a situação dos indiciados até que se resolva o

julgamento da Justiça Militar, onde são processados dentro da LSN.

De acordo com o primeiro relatório enviado a Oscar Versiani, a resolução ficou a

seguinte: primeiramente, ficou anulado o processo de Ângelo Pezzuti e Pedro Paulo Bretas,

pela falta do aviso prévio a estes do processo sumário que estão indiciados; segundo, a

absolvição de Jorge Nahas, Maria José Nahas e Herbert Carvalho, pela não aplicabilidade

do decreto- 477; por fim, como os indiciados teriam praticado gravíssimas faltas, a partir do

segundo semestre de 1968, estão eles sujeitos a julgamento de acordo com o Regimento da

Faculdade de Medicina ,em seu artigo 201 em que serão apuradas as violações do art.195

do mesmo regimento, que podem levar à expulsão da universidade519.

Como podemos perceber há um esforço por parte da comissão e da diretoria da

Faculdade de Medicina em indiciar seus alunos para além da LSN. O relatório final enviado

a Oscar Versiani reafirma a absolvição dos tendo como base o Decreto 477, contudo apura

pelo processo sumário atividades contra o regimento da Faculdade, ou seja: desobediência

518 Razões de defesa do indiciado Maria José Nahas e Jorge Raimundo Nahas em 06/11/1969; Razões de defesa do indiciado Herbert Eustáquio de Carvalho em 07/11/1969. Pasta 11. Arcevo AESI/UFMG. 519 Relatório para Oscar Versiani, de Sylvio Coutinho de 08/11/1969. Pasta 11. Arcevo AESI/UFMG.

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ao regimento e práticas perturbadoras da ordem, ofensivo dos bons costumes ou desacato a

autoridades universitárias ou a funcionários520.

O relatório informa que iniciaram-se dia 26 de novembro de 1969, após a

publicação no jornal do judiciário “Minas Gerais” em que pediam o aviso aos réus do novo

processo contra eles, e um deles, Herbert Daniel, foi comunicado por edital haja vista a

falta de noticias sobre seu paradeiro. Ficou determinado que teriam 15 dias para poderem

apresentar sua defesa escrita. Desta forma, quem se dispôs a defendê-los foi novamente

Elizabeth Diniz, que alegou a inexistência de faltas disciplinares, logo, a impossibilidade de

punição, dado que estavam sendo indiciados com base no artigo 201 do regimento, que diz:

Art.201: Por faltas que cometerem, estarão os alunos sujeitos às seguintes penalidades: 1-

Advertência; 2- Repreensão; 3- Suspensão; 4- Exclusão. § 1.- As faltas consideradas graves

serão comunicadas à Congregação que determinará abertura de inquérito a ser realizado

por uma Comissão Especial presidida por um catedrático521.

Além do mais, o presidente da Comissão, professor Orosmar Moreira afirmou

outros motivos que levariam à absolvição destes alunos, que em suma, são: os atos

praticados foram fora da Faculdade, sem qualquer desobediência ou infrigência do

regimento; os atos se tratam de fatos capitulados na Lei de Segurança Nacional e não de

faltas disciplinares escolares; que os indiciados, todos, não estavam, nem estão

matriculados nesta Faculdade no presente ano letivo (1969); por fim, os indiciados estão

respondendo a processo mediante a Justiça Militar, ainda sem julgamento, não podendo os

atos delituosos lhes serem atribuídos decisivamente. Desta maneira, a absolvição seria

sensata uma vez que se antecipassem este julgamento ao da Justiça Militar, a decisão final

atrapalharia a vida escolar deles. Caso não optassem pela absolvição ele solicitou ao menos

a suspensão temporária do caso até que a Justiça Militar julgasse o que lhe compete para

evitar dois julgamentos similares em duas instancias distintas: administrativa e judicial-

militar522.

520 Regimento da Faculdade de Medicina. Artigo 195, letras a e b, de 1966. 521 Regimento da Faculdade de Medicina, artigo 201 de 1966. 522 Defesa dos indiciados Jorge Nahas, Maria José Nahas, Herbert Carvalho, Pedro Paulo Bretas e Ângelo Pezzuti em 15/12/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.

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O presidente da comissão no referido relatório final não concorda com a

argumentação da advogada. Ele deixa claro que não lhes compete o processo dos militantes

dentro da LSN, contudo, crê “perfeitamente cabível a repercussão destes atos [criminosos]

diante dos preceitos do Regimento desta Faculdade”523, uma vez que em 1968 eram alunos

e praticaram a maioria das ações. Além disto, ele afirma que não há comunicação entre a

esfera administrativa e militar, o que exclui a possibilidade da repetição de processos,

podendo, desta forma, serem absolvidos em uma e condenados na outra. Concluindo esta

discussão, o diretor afirma que o processo administrativo não os leva à prisão, mas poderá

afastá-los da universidade.

Outro ponto contestado tange à questão dos delitos, que foram praticados fora da

faculdade. Citando o artigo 195 do Regimento, são apontadas as infrações autônomas: que

perturbem a ordem, atos que ofendam os bons costumes e que importem à desacato às

autoridades universitárias ou a professores. Ele chama a atenção que os dois primeiros são

genéricos em contraposição ao terceiro que não se limita ao interior da Faculdade:

“Seria absurdo admitir - e nem a defesa o pretende, a coexistência de atos altamente

perigosos praticados fora da Faculdade, com um bom comportamento dentro dela,

pois aqueles que incompatibilizam o agente com as demais atividades, notadamente

a universitária, na qual se espera, pelo menos, uma dignidade mínima pessoal de

seus membros”524

Julgam os alunos como “perturbadores da ordem”, e mais grave que isto, à exceção

de Herbert, por não ter sido preso, todos são réus confessos e testemunhas dos crimes dos

outros. Em sua empiria, Orosmar demonstra como cada um deles participou de mais de um

delito considerado grave, perturbador da ordem: Ângelo em nove deles, seguido por Pedro

Paulo em sete, Jorge, em no mínimo cinco, Maria José em quatro e Herbert em dois. Mais

uma questão levantada no relatório é que o fato de Herbert não ter confessado nada não é

razão para sua absolvição, já que a confissão não é pressuposto de condenação, e outro

523 Relatório da Comissão Especial entregue a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG. 524 Relatório da Comissão Especial a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.

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motivo porque “sua atividade terrorista resulta de depoimento de seus próprios

comparsas”525.

A decisão final da Comissão foi a exclusão dos alunos da Faculdade, por estar

convencida que violaram o Regimento cometendo atos que perturbem a ordem, conforme

reza o artigo 195. À exceção de Pedro Paulo, que não conseguimos informações posteriores

ao seu banimento dentre os 70 presos políticos, todos os demais alunos terminaram seus

cursos no exterior.

B) FACULDADE DE ENGENHARIA

O diretor da Faculdade de Engenharia Cássio Mendonça Pinto recebeu no mesmo

dia 13 de novembro o ofício avisando-o do inquérito aberto sobre o aluno Maurício Vieira

Paiva526. A resposta de Cássio Mendonça foi seca e direta:

Informo que esta Escola não adota o regime de matrícula automática e é por

isto que considera o aludido iniciado excluído do seu corpo discente. Não

sendo o sr. Mauricio de Vieira Paiva aluno desta Escola, não poderá, por

ela, sofrer qualquer punição. (...) As matrículas passam a ser centralizadas

na Secretaria da Coordenação de Administração. Pelo exposto, futuramente,

aquele órgão poderá determinar o que se deva fazer na eventualidade do

indiciado vir a pleitear renovação de sua matrícula527.

Com a resposta, coube a Leônidas Magalhães encaminhá-la à referida secretaria,

recomendando atenção caso houvesse tentativa de matrícula. Não há mais informações

nesta pasta a respeito desta unidade e aluno.

C) FACULDADE DE FARMÁCIA

525 Idem. 526 Ofício “confidencial” de Leônidas Machado para Cássio Mendonça Pinto de 13/11/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG. 527 Ofício 130/69 da Escola de Engenharia de 14/10/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG.

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Comunicado como os demais, o diretor da Faculdade de Farmácia Adalberto

Moreira dos Santos Pena, ficou incumbido de apurar as atividades de Carmem Helena

Barbosa do Valle e João Marques Aguiar, alunos da sua escola528.

Em resposta, ao Vice-Reitor em exercício, Adalberto Pena comunicou que Carmem

Lúcia havia colado grau em 1967, contudo iria encaminhar ao Gal. Gentil Marcondes as

informações que possuíam sobre esta. Sobre o outro estudante, João Marques Aguiar, ele

informa o equívoco, uma vez que não consta como aluno da Faculdade de Farmácia529.

Não há mais informações nesta pasta que se refere a esta unidade e aluno.

D) FACULDADE DE VETERINÁRIA

O diretor desta Faculdade, José de Alencar Carneiro Viana, ao tomar ciência do

caso do aluno Afonso Celso Lanna Leite530 tomou a providência de relatar ao Vice –Reitor

em exercício em oficio que o indiciado Afonso Celso, por haver sido bi-repetente em 1968

encontrava-se desvinculado daquele departamento e desde aquela época não retornou mais

lá. A outra providência tomada por José de Alencar foi a de enviar o secretário da referida

Escola ao ID/4 para relatar a esta situação, sendo recebido pelo Tentente Coronel Antonio

Curcio Neto:

Foi na ocasião informado que, não sendo o aluno vinculado à Escola, seria

suficiente apenas responder o ofício de Vossa Magnificência prestando as

informações que vão neste contidas531.

Não encontramos mais referências ao caso.

E) FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Consta somente o oficio datado de 13 de outubro de 1969 do Vice-Reitor em

exercício comunicando a notícia de que o General Gentil Marcondes Filho solicita

informações sobre Reinaldo José de Melo. O vice-diretor em exercício Amaro Xisto de

528 Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a Adalberto Santos Pena de 13/10/1969. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG. 529 Oficio 499/69 da Escola de Farmácia. Pasta 12. Arcevo AESI/UFMG. 530 Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a José de Alencar Carneiro Pena de 13/10/1969. Pasta 12. Acevo AESI/UFMG. 531 Oficio “confidencial” de José de Alencar Carneiro a Leônidas Machado em 20/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.

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Queiroz instaurou um processo contra o aluno baseando-se no decreto 477, em 5 de

novembro de 1969. Nomeou como presidente da comissão o professor Saul Alves Martins,

do departamento de sociologia e antropologia532. Não há mais registros sobre o processo.

F) INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

No dia 30 de outubro, o diretor Eduardo Osório Cisalpino, diretor do ICB, recebeu o

ofício do Vice-Reitor em exercício Leônidas Machado informando que a reitoria recebeu

um pedido do ID/4 para que se coletasse informações de Erwin Duarte, supostamente aluno

da Faculdade de Medicina. Após a pesquisa realizada na referida FM, Versiani relatou a

Leônidas que:

“Relativamente ao estudante Erwin Resende Duarte, considero-me incompetente a

submete-lo a processo sumário de que trata o decreto-lei 477, porque o estudante

não está vinculado à Faculdade de Medicina, mas provavelmente ao Instituto de

Ciências Biológicas. A cujo diretor merece cometido o encargo, nos termos do

referido diploma legal”533.

Deste modo, o diretor do ICB estava incumbido de levantar informações sobre o

estudante. Assim o fez. Comunicou ao reitor em exercício que Erwin era aluno do segundo

ano do currículo médio daquele instituto e que tomaria as “providências cabíveis”534.

Foi nomeado presidente do inquérito para apurar as faltas do aluno o professor

Carlos Américo Veiga Damasceno, que solicitou tomou a medida imediata de proibir a

freqüência deste às aulas até que se desse o julgamento, tendo como base o artigo 1 do

decreto 477535. o histórico escolar de Erwin. Assim como vários estudantes de medicina

indiciados, em 1968 este aluno foi repetente, não conseguindo êxito nas duas disciplinas

que cursou536.

Após ser comunicado do processo, Erwin não apresentou a defesa no prazo. A saída

encontrada pelo presidente do inquérito foi nomear a mesma advogada que cuidou dos

532 Oficio de Amaro Xisto a Leônidas de 5/11/1969. Pasta 12.Acervo AESI/UFMG. 533Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a Eduardo O. Cisalpino em 30/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 534 Oficio 136/69 do Instituto de Ciências Biológicas de 31/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 535 Oficio de Carlos Américo Damasceno a Eduardo Cisalpino de 13/10/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG. 536 Histórico escolar de Erwin Resende datilografado em 13/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG.

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alunos da Medicina, Elizabeth Diniz, para enviar a defesa por escrito em 48 horas537. Assim

ela o fez, com a mesma argumentação utilizada na defesa da “turma da medicina”: pede a

sua absolvição em função do acusado ter se encontrado preso quando a lei foi decretada538.

Não foi acatado o pedido da advogada, e Erwin foi jubilado, pois, de acordo com Carlos

Américo Damasceno:

Mesmo antes do 477 as infrações disciplinarias já eram previstas desde o

Regimento da Faculdade de Medicina no seu capítulo IV, art. 165, surgindo

o decreto supra citado apenas um reforço deste539.

Curiosamente, Erwin não conseguiu escapar da aplicação do 477, ao contrário dos

outros. Eduardo Osório Cisalpino considerou uma série de prerrogativas: as acusações de

que Erwin teria infrigido o artigo 1 do referido decreto; a confissão do acusado de que as

havia infrigido e as provas que constavam nos autos; que mesmo sabendo que teria direito à

defesa, não apresentou-a, fazendo com que a escola nomeasse uma advogada através do

art.3 do 477; que os motivos alegados pela defesa não convenceram e finalmente, que o

aluno já havia sido jubilado pelo Diretor da Faculdade de Medicina e pro ele, do ICB. Desta

maneira, Cisalpino manteve o jubilamento e aplicou o item II do art.1 do 477, em que

proibia o indiciado a “se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por três

anos”540.

Conforme constatamos, todos os meios “legais” foram colocados à disposição do

réu, contudo, prevaleceu a decisão das autoridades, aplicando o 477, mesmo não podendo

aplicá-lo retroativamente. Este último caso demonstra claramente a imagem de “regime

legalista” que a própria ditadura tentou manter. Conforme afirma Annina Alcântra de

Carvalho: Havia “leis”, apesar do direito e a justiça estarem ausentes do comportamento

estatal repressivo. Leis, autoridades judiciárias e advogados aparentemente eram

autorizados a exercer seus mandatos, contudo era uma farsa541. Irene Cardoso também

chama a atenção à ênfase na legalidade e na legitimidade do regime que significaria uma

537 Designação de Elizabeth Diniz de 18/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 538 Defesa de Erwin Resende Duarte de 20/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 539 Oficio de Carlos Américo Damasceno a Eduardo Cisalpino de 23/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG 540 Decisão de Eduardo Cisalpino em 24/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 541 CARVALHO, Annina. A lei, ora, a lei... In: FREIRE, Alipio et.al. Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione, 1997.pp.402.

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aparência de normalidade para a vida social e politica que impediria o reconhecimento do

arbítrio. A violência havia sido disfarçada sob uma “capa jurídica”, um simulacro de lei.

Citando Marcelo Viñar, o arbítrio foi transfigurado em lei, uma vez que é característico da

ditadura, além da violência, sua vocação de se apropriar da lei e nela se encarnar542. O

arbítrio configura um poder ilimitado e absoluto que na forma do simulacro, passa a ter a

força da lei.

542 CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. In: FREIRE, Alipio et.al. Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione, 1997.pp.475.

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Conclusão

O que procurei neste trabalho foi contribuir para a análise da participação de grupos

armados no combate ao regime militar, com um enfoque especial em Minas Gerais – estado

que no início da década de 60, primava por características conservadoras. Estado este em

que se podia encontrar discretos senhores da elite patrocinando qualquer manifestação

anticomunista enquanto distintas senhoras pegavam no terço defender suas famílias do

“grande mal” da “doutrina” comunista.

A violência durante o regime militar foi adotada pelos dois lados antagônicos.

Militares e comunistas, ao seu modo, tinham suas táticas de combate. Por um lado havia a

tortura como política de Estado, e, por outro, armas, bombas caseiras, seqüestros, etc.

Lembrando, que não está em questão se um ou outro é mais poderoso e detém as melhores

armas, é fato consumado que a capacidade bélica e tática dos militares é bem maior que a

dos guerrilheiros.

O que motivou centenas de jovens a pegarem em armas? Uma resposta reducionista

e que aparece com mais freqüência ultimamente mesmo entre os ex-guerrilheiros (à medida

que o tempo passa, pode-se olhar as coisas de um outro ângulo) é aquela que justifica o

radicalismo revolucionário como “coisa da juventude”, ou “porque éramos utópicos”. Em

certa parte sim, jovens utópicos, mas, que em meio à tempestade causada por um governo

que cerceia liberdades, valor inalienável, eram o que puderam ser em momentos onde falta

a visibilidade de melhora da situação. Democráticos ou não, esta foi a forma mais urgente

encontrada. Se havia dado certo em outro lugares, porque aqui não daria? Muitos pensaram.

Faltou estratégia, faltou a visão mais ampla da realidade, faltou tática. Não deve ter faltado

vaidade, sim, quem sabe não se tornariam os “heróis da revolução”?

É neste radicalismo que se inseriu o COLINA. Um grupo que aderiu à violência

revolucionária, contudo, herdou da sua renegada POLOP um aparato de erudição com seus

mais politizados e teóricos quadros. Foi uma organização de curta duração, porém de

representatividade. Pioneira em vários aspectos ousados, como sendo a primeira a assumir a

autoria de um assalto como uma ação política, foi a primeira a denunciar os “castigos cruéis

e desumanos” dentro das prisões e do DOPS, teve uma das primeiras mulheres a pegar em

armas e assaltar bancos, em contrapartida, foi também a primeira a cair. O COLINA teve

militantes de grande destaque, seja por seu intelecto ou por coragem em ações e denúncias

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contra o regime. Digna de destaque é a família Pezzuti que militou toda na organização.

Sejam os filhos Ângelo e Murilo, no enfrentamento armado, seja a mãe Carmela no apoio

logístico da organização e nas denúncias no exterior, ou na tia, Ângela lutando em favor

dos exilados.

A história do COLINA não se esgotou, esta é só uma pequena contribuição, um estudo de

uma pequena parcela dos participantes, ainda há muito a ser pesquisado, descoberto e

escrito

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