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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL NO BRASIL fundação, re(d)ação e teologia no contexto brasileiro de 1934 a 1986 Wallace de Góis Silva São Bernardo do Campo 2015

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL NO BRASIL fundação, re(d)ação e teologia no contexto

brasileiro de 1934 a 1986

Wallace de Góis Silva

São Bernardo do Campo 2015

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IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL NO BRASIL fundação, re(d)ação e teologia no contexto

brasileiro de 1934 a 1986

Wallace de Góis Silva

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reli-gião da Universidade Metodista de São Paulo, como requisito parcial para a ob-tenção de grau de Mestre. Área de concentração: Linguagens da Religião Linha de Pesquisa: Teologia das religi-ões e cultura Orientador: Prof. Dr. Helmut Renders

São Bernardo do Campo 2015

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A dissertação de mestrado intitulada: “IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL NO BRA-

SIL: FUNDAÇÃO, RE(D)AÇÃO E TEOLOGIA NO CONTEXTO BRASILEIRO DE

1934 A 1986” foi apresentada e aprovada em 28 de abril de 2015, perante banca examinadora

composta por Prof. Dr. Helmut Renders (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth

(Titular/UMESP) e Prof. Dr. Edin Sued Abumanssur (Titular/Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião).

__________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de Pesquisa: Teologia das Religiões e Cultura

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Dedico este trabalho à memória dos saudosos pioneiros da ICPB;

Ao povo pentecostal, gente guiada pelo “Espírito que renova a face da terra”;

Aos que lutam pela unidade, pela justiça e pela paz no Brasil e no mundo.

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Agradecimentos

Agradeço ao Deus da vida, que é amor e luz, e em quem encontrei motivação, forças, orienta-

ção e descanso.

À minha família, amigos/as e irmãs/ãos de fé; de perto e de longe, pelo incentivo, companhia,

conversas, compreensão, confiança, paciência e apoio incondicionais.

À Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil, sua diretoria geral e pastores que me deram apoio na

coleta de materiais e informações para este trabalho.

À International Pentecostal Church of Christ (Ohio, EUA) e ao Bp. Clyde M. Hughes que

permitiram, em 2012, acesso irrestrito ao arquivo pessoal do pioneiro Chester Miller, de onde

coletei preciosíssimo material de pesquisa.

Ao professor Helmut Renders pelo ensino orientador, fundamental para esta pesquisa e para a

vida acadêmica.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Teologia no Plural – Umesp, e seu coordenador, Prof.

Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro, pelo espaço de discussão e crescimento.

À Rede Latinoamericana de Estudos Pentecostais (Relep Brasil), por proporcionar o contato e

a o intercâmbio com ricas experiências e pesquisas sobre o pentecostalismo no continente.

À Universidade Metodista de São Paulo e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Re-

ligião, na pessoa de seus professores/as, demais funcionários/as e colegas por se dedicarem a

fazer dessa instituição uma casa do saber.

À Rede Ecumênica da Juventude (Reju), espaço de convivência, aprendizado e reflexão sobre

os temas da religião e das políticas públicas para um mundo mais justo, plural e de todos/as.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Ins-

tituto Ecumênico de Pós-Graduação pelo apoio fundamental para os estudos e a realização

deste trabalho.

Minha eterna gratidão.

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Meu pai, Horace Ward, partiu novamente para o Brasil depois do meu 12º aniversá-

rio. Exceto para visitas breves, ele permaneceu a maior parte do tempo plantando igrejas

no Brasil. Não assistiu a nenhum dos meus eventos especiais. Graduações e casamamento

aconteceram sem sua presença. Sou feliz, porém, pelos amigos que tenho no Brasil, inclusi-

ve através das redes sociais, e me sinto fortalecido com o trabalho de resgatar a história,

como o que tem sido feito por Wallace Góis. O último pedido de Horace foi: “Garotos, cui-

dem da mãe de vocês”, e seu maior desejo era o de que Carolyn, minha mãe, fosse igual-

mente reconhecida por seu ministério. Wallace tem feito isso.

James Paul Ward,

Greensboro, North Carolina, USA

14 de fevereiro de 2015, via Facebook

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SILVA, Wallace de Góis. Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil: fundação, teologia e

re(d)ação no contexto brasileiro de 1934 a 1986. 2015, 190 f. (Dissertação de Mestrado) –

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

Resumo

O objetivo desse trabalho é investigar a compreensão do papel da Igreja e do fiel no mundo

segundo as publicações da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil (ICPB) e interpreta os resul-

tados em diálogo com o contexto social, cultural, econômico, político e religioso do Brasil da

época. Como recorte temporal propõem-se os anos 1934-1986, o que contempla a época da

chegada dos/as fundadores/as, Horace e Carolyn Ward, Chester e Rachel Miller e Annie e

Russel Frew, vindos dos Estados Unidos; a época de Ernst Grimm, um pregador estoniano; e

a época de José Pinto de Oliveira, primeiro brasileiro eleito superintendente geral. A ênfase

nestas personalidades se torna também plausível por serem durante este tempo os principais

escritores da igreja, autores e autoras dos textos a serem interpretados neste trabalho. A hipó-

tese desse trabalho é que, paralelo à ascensão da liderança brasileira, ocorre uma crescente

sensibilização para questões sociais, apesar de que esta dinâmica seja interrompida com o

surgimento da ditadura militar a partir de 1964, mas, retomada já na década setenta do século

passado. Como método propõe-se a analisar o ensino teológico-doutrinário encontrado em

publicações oficiais da ICPB, tais como os seus jornais oficiais, brasileiro e estadunidense, as

suas edições da revista da Escola Dominical, as suas atas de convenções gerais, bem como li-

vros e anotações e rascunhos de autoria dos/as pioneiros/as acima mencionados/as. Conclua-

se que as teologias e análises do contexto encontradas nas publicações, justificam uma com-

preensão mais diversificada: por um lado, evidencia-se, em termos religiosos e políticos, uma

maior proximidade entre as posições defendidas pelos autores e as correntes mais conservado-

ras (ou até reacionárias) do país. Por outro lado, transparecem ao lado desse discurso domi-

nante abordagens dissonantes e com o potencial de servirem de ponto de partida para uma

atuação da ICPB e da sua membresia mais relevante na sociedade, inclusive a denuncia da in-

justiça socioeconômica, e que estes respectivos discursos são encontrados mais entre lideran-

ças nacionais.

Palavras-chave: Brasil; pentecostalismo brasileiro; Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil

(ICPB); pentecostalismo e sociedade; pentecostalismo e Ditadura Militar.

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SILVA, Wallace de Góis. Pentecostal Church of Christ in Brazil: foundation, theology and

re(d)action in the Brazilian context from 1934 to 1986. 2015, 190 s. (Master’s Dissertation) –

Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo.

Abstract

The proposal of this study is to investigate the understanding of the role of the Church and its

faithful in the world, according to the publications of the Pentecostal Church of Christ in Bra-

zil (ICPB) and to interpret the results in dialogue with the social, cultural, economical, reli-

gious and political context of Brazil at the time. As period we propose the years 1935-1986,

which includes the time of ministry of the founders, Horace and Carolyn Ward, Chester and

Rachel Miller and Annie and Russel Frew, from the United States; the time of Ernst Grimm,

an Estonian preacher; and the time of José Pinto de Oliveira, the first Brazilian elected general

superintendent. The emphasis in these personalities also becomes plausible as they have been

during the timespan under investigation the main church writers or authors of the texts to be

interpreted in this work. The hypothesis of this work is that a growing awareness for social is-

sues can be related to the rise of a Brazilian leadership. Although this dynamic is interrupted

with the emergence of the military dictatorship in 1964, it is resumed in the late seventies of

the last century. As method we propose to analyze the theological and doctrinal teaching

found in official publications of the ICPB, such as their official journals, Brazilian and Amer-

ican, its book editions, Sunday School material, minutes of its general conventions and books

and notes or drafts written by the pioneers above mentioned. We conclude that the theologies

and context analyzes found in the publications, justify a more diverse understanding: first, it

can be shown, in religious and political terms, that existed a greater proximity between the

views expressed by the authors and more conservative (or even reactionary) currents of the

country. On the other hand, we identified aside of this dominant discourse a dissonant ap-

proach with the potential to serve as a starting point for a more significant engagement in the

society by the ICPB and its membership, including the denunciation of socioeconomic injus-

tice, and that the respective discourses are pronounced more among national leaders.

Keywords: Pentecostal Church of Christ in Brazil (ICPB); Government; Church and Society;

Brazilian Pentecostalism; Pentecostalism and Society.

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Introdução ______________________________________________________________ 10

Capítulo 1 O surgimento de uma igreja nacional: origens, fundação e características da

Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil _________________________________________ 15

1 Os pentecostalismos e a Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil __________________ 15

1.1 Aspectos gerais da denominação no Brasil _______________________________ 16

1.2 Pentecostalismos e questões raciais, socioeconômicas, políticas e religiosas _____ 20

1.3 Produção bibliográfica sobre a Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil ___________ 28

2 John Stroup e Pentecostal Church of Christ: raízes históricas e teológicas da ICPB _ 34

2.1 Trajetória religiosa e teológica de John Stroup ____________________________ 35

2.2 John Stroup e a organização da Pentecostal Church of Christ _________________ 42

3 A Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil: personagens e testemunhos na construção da

sua história ___________________________________________________________ 48

3.1 Personagens de destaque na história da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil ____ 48

3.2 Historiografia inicial e tipologia a partir do testemunho dos pioneiros __________ 60

Capítulo 2 A igreja e o contexto brasileiro na perspectiva dos/as pioneiros/as _________ 71

1 Desenvolvimento e relação da igreja no contexto socioeconômico, cultural e religoso 71

1.1 Crescimento e reação diante do contexto socioeconômico ___________________ 71

1.2 Presença e reação dos/as missionários/as diante dos desafios socioeconômicos e

culturais da igreja e do Brasil _____________________________________________ 84

1.3 Relação com outras igrejas, grupos ou movimentos religiosos ________________ 92

1.4 Papel das mulheres e da juventude _____________________________________ 101

1.5 Projetos socioeducativos e educação teológica na ICPB ____________________ 104

1.6 Tensões eclesiais e administrativas internas ______________________________ 107

2 Opinião dos missionários sobre política, sociedade e teologia e a prática da igreja _ 109

2.1 Discurso sobre a política e a sociedade da época __________________________ 109

2.2 Excertos de teologia nos textos dos/as missionários/as _____________________ 117

2.3 A relação da igreja no Brasil com os políticos e a política___________________ 120

Capítulo 3 Cosmovisão e teologia nas revistas de escola dominical: Igreja, sociedade e

governo (1959-1986) _____________________________________________________ 122

1 Época da redação estrangeira (1959-1970): Ernst Grimm _____________________ 123

1.1 Época do Golpe Militar de 1964: denúncia silenciosa? _____________________ 123

1.2 Período de 1967 a 1970: santificação e trabalho __________________________ 125

2 Época da redação brasileira (1971-1986): José Pinto de Oliveira _______________ 144

2.1 Período de 1971 a 1986: religiosidade ética ______________________________ 144

2.2 Edição de 1975: voz profética contra a injustiça socioeconômica _____________ 178

Considerações Finais _____________________________________________________ 182

Referências Bibliográficas ________________________________________________ 185

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Introdução

Nossa aproximação à igreja, que se tornaria o objeto de estudo dessa pesquisa, se deu na

infância, quando começamos a fazer parte de uma pequena comunidade de fé ligada à Igreja

de Cristo Pentecostal no Brasil (daqui pra frente, ICPB). Em 2006 fomos convidados pela se-

cretaria de publicações da igreja em âmbito nacional e passamos escrever lições esporadica-

mente para a escola dominical. O interesse por conhecer a história da igreja, com seus erros,

acertos e ambiguidades, aconteceu naturalmente e, consequentemente, o desejo de entender a

história do movimento pentecostal e sua interação com os demais setores do protestantismo e

a sociedade. Essa busca se intensificou mediante o contato e convivência com outras confis-

sões de fé, e se tornou uma trajetória também de autoconhecimento.

Em 2008, durante o último ano da gestão do Rev. João Batista Guimarães como supe-

rintendente geral da igreja, e do Prof. Ademir Teixeira de Freitas como secretário de publica-

ções, aceitamos a proposta de ajudar a revisar o manuscrito do livro da história da ICPB, que

vinha sendo compilado já há alguns anos. Nosso trabalho acabou sendo mais do que simples-

mente ler e ajustar o texto: demandou a consulta às fontes históricas como jornais antigos e

atas.1 Muitas dúvidas surgiram, deparamo-nos com questões complexas que envolvem a práti-

ca, as narrativas e a doutrina da igreja publicadas em seus órgãos oficiais e, com isso a paixão

por estudar o tema cresceu. Em 2009 o Rev. Daniel Aparecido Silva foi eleito o novo superin-

tendente, e após vários ajustes e adaptações, sua nova equipe lançou, em 2012, por ocasião

dos 75 anos da denominação no Brasil, o livro ICPB um sonho americano, uma realidade

brasileira. Nossa história.2 Este é resultado da revisão final e adaptação ao público da igreja e

representa, consequentemente, redução de conteúdos e a inserção de informações que faziam

menção às personalidades de destaque que ainda estavam em atuação naquele novo momento

da igreja. O ano de 2012 coincide com a nossa graduação em Teologia, pela Universidade

Metodista de São Paulo, e a monografia tratou da argumentação bíblico-teológica da ICPB na

época do golpe militar e ensaiou uma proposta de reflexão teológica em torno dos temas da

1 SILVA, Agenivaldo Almeida; MATTOS, Joel Francisco; SILVA, Wallace de Góis. A história da Igreja de

Cristo Pentecostal no Brasil: 1937-2010: A trajetória de homens e mulheres que se doaram à causa do Senhor

Jesus e fizeram diferença através da ICPB. 140 f. Trabalho não publicado. 2 SILVA, Agenivaldo Almeida; SILVA, Wallace de Góis; SOUSA, Marcio Amorim. ICPB um sonho america-

no, uma realidade nossa. Nossa História: Histórico da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil. Monte Sião: SE-

REP, 2012. 150 p.

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missão e da justiça para os dias atuais.3

Inicialmente procuramos, no presente trabalho, focar numa investigação a respeito da

postura da ICPB com relação ao Golpe e ao Regime Militar e aos acontecimentos sociopolíti-

cos da época. Para isso, pensamos, inicialmente, em estudar as publicações da Igreja entre

1962-1988, isto é, de dois anos antes até dois anos depois do início e do fim da ditura militar,

para identificar eventuais mudanças de ênfases, argumentações teológicas, análises de conjun-

tura e posturas. O tema da ditadura militar se faz relevante por fatores como o aniversário de

50 anos do dia em que o Golpe foi desferido (1964-2014); a atuação da Comissão Nacional da

Verdade; as lutas dos movimentos sociais e grupos religiosos ou não que se lançam em defesa

dos direitos humanos e da justiça, bem como, em contrapartida, dos setores reacionários que

defendem o retorno à ditadura e/ou levantam propostas conservadoras na política e na reli-

gião.

Entendemos que este estudo se justifica também pelo número ainda pequeno de pesqui-

sas dessa natureza com relação às igrejas pentecostais em geral, e da Igreja de Cristo Pente-

costal no Brasil em especial. A ausência de investigações científicas sistemáticas e abrangen-

tes esconde, provavelmente, que também há complexidade e dissonâncias sobre o temas nas

as igrejas pentecostais tanto quanto há para as igrejas protestantes e para a Igreja Católica: não

houve total omissão ou total resistência aos fenômenos socioeconômicos, políticos e culturais.

Resta saber como se deu essa multifacetada relação. Nesse sentido, ideias unilaterais de que

“as igrejas pentecostais não se posicionaram diante da didatura militar” representam simplici-

ficações inadequadas. Em relação à ICPB, é fator de interesse que em suas publicações ofici-

ais tenhamos encontrado um discurso que destoa de muitas outras vozes pentecostais que

apoiaram o golpe e a ditadura militar.

Outro aspecto relevante dessa pesquisa é que ela apresenta um estudo de uma igreja

pentecostal em vagaroso, mas constante crescimento, de quase oitenta anos, e apesar de uma

presença relativamente pequena no âmbito nacional brasileiro, tem representação em todos os

estados da nação. O material usado como fonte de pesquisa como as revistas de escola domi-

nical, livros , anotações pessoais dos/as pioneiros/as, cartas e artigos em jornais e as atas da

igreja formam uma base ampla de textos que justifica a esperança de construir uma compre-

ensão mais ampla da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil.

3 SILVA, Wallace de Góis. Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil na época do golpe militar de 1964: uma análi-

se teológica de sua revista de Escola Dominical. 2012. 35 f. Monografia (Bacharel em Teologia) –

Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,

2012.

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A leitura sistemática dos textos nos levou a perceber, porém, ao longo da pesquisa, que

ao lado do contexto político e das suas mudanças, no caso, de uma democracia para uma dita-

dura, houve outros aspectos relevantes e determinantes quanto aos posicionamentos da igreja

em relação à sociedade: a relação das lideranças com esse contexto e a sua leitura dele. De fa-

to, eram justamente essas lideranças, como veremos, também os principais autores das publi-

cações e assim construtores das posições da igreja. Dessa forma surgiu ao lado da pergunta

inicial principal – “Qual era a postura da ICPB com relação ao Golpe Militar e aos aconteci-

mentos sociopolíticos da época?” – uma nova pergunta: “Quem eram os articuladores da pos-

tura da ICPB com relação ao Golpe Militar e aos acontecimentos sociopolíticos da época e

quais eram seus argumentos e as suas posturas?”.

Se, inicialmente, a pergunta foi sobre o impacto do contexto social sobre as igrejas, in-

clusive sobre a ICPB, a resposta parece ser a de que, a partir dos seus textos, ela jamais tenha

se mostrado imune ao impacto performativo do seu contexto socioeconômico, político e cultu-

ral. Concomitantemente, ficou cada vez mais evidente a importância das lideranças da igreja

na condução do seu posicionamento público. Isso nos levou, depois de certo tempo de leitu-

ras, à reformulação da nossa hipótese de trabalho: a postura da ICPB com relação ao Golpe

Militar e aos acontecimentos sociopolíticos da época explicam-se de melhor forma pelo im-

pacto performativo do seu contexto socioeconômico, político e cultural às suas lideranças, e

também pela força da origem nacional delas expressas nos comentários a respeito desse con-

texto. Como isso ocorre de forma detalhada passou, então, a ser nossa pergunta principal.

Tudo isso nos levou também a reconsiderar o recorte cronológico. Como o objetivo des-

sa pesquisa era ajudar a entender melhor a complexa relação das igrejas pentecostais em ter-

mos gerais e, da ICPB em termos específicos, com a sociedade e o governo, inclusive na dita-

dura militar no Brasil que ocorreu durante os anos de 1964-1985, partimos primeiro do ano

1964, que além de ser o ano de uma grande guinada política na história do país, foi o mesmo

em que a convenção da ICPB decidiu se tornar autônoma em relação à sua igreja-mãe, sedia-

da nos Estados Unidos da América. Pelo menos ao que consta nas publicações, isso ocorreu

com a aprovação tanto dos obreiros convencionais brasileiros, como da liderança norte-

americana. Na ocasião foi eleito o primeiro brasileiro para o cargo de superintendente geral, o

Rev. José Pinto de Oliveira, de origem na Igreja Assembleia de Deus, porém, de formação te-

ológica batista. Ele foi o autor das lições de escola dominical a partir de 1971. Esses momen-

tos históricos foram escolhidos por se tratar de uma fase histórica que marcou a política e a

sociedade no Brasil, e durante a qual a ICPB já estava em atuação e relativa expansão.

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Na busca por verificar como se deram as relações da ICPB com o regime, fomos às

fontes oficiais. O processoi de fundação da denominação se deu entre 1935 e 1937. Na pes-

quisa anterior, focamos na análise da revista de Escola Dominical. Ela foi editada a partir de

1959 por um casal norte-americano, Russel e Annie Frew, ambos enviados pela igreja esta-

dunidense. Ao lado do casal, atuou também um pastor estoniano, Ernst Grimm, que se filiou

à ICPB por volta dos anos 1950. Percebemos inicialmente alguma abertura para questões

sociais, articulada pela ênfase no amor ao próximo. À medida que se aproximava o ápice da

intervenção militar em 1964 o discurso ganhava outro rumo, no sentido de legitimar o direi-

to do governo em intervir “pelo bem da sociedade” e o dever de orar pelos governantes.

Para este trabalho, porém, ampliaremos o período estudado, que passará a compreen-

der do ano da partida do missionário Horace Ward, fundador da igreja no Brasil, até a morte

de José Pinto de Oliveira, ou seja, de 1934 a 1986. A igreja foi fundada em 1937, e os regis-

tros mais antigos de seu desenvolvimento datam a partir 1943, e consistem em cartas e rela-

tórios que os/as missionários/as envivam à sede norte-americana e ela publicava no seu pe-

riódico, The Pentecostal Messenger. Oliveira faleceu em pleno exercício de seu mandato,

que se extendia desde a sua eleição em 1964. Assim chegamos à conclusão que nosso recorte

deveria ainda prestar especial atenção ao ano de 1964 e nos acontecimentos ao redor dele, po-

rém, também considerar o tempo entre 1934 e 1986 para compreender a ICPB de forma mais

ampla em sua relação com a sociedade, em termos teológicos, práticos e ideológicos.

Este trabalho se organiza em três capítulos. Em “O surgimento de uma igreja nacional:

origens, fundação e características da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil” apresentaremos

aspectos gerais da denominação e suas raízes históricas e teológicas, desde o fundador do

movimento que daria origem à Pentecostal Church of Christ nos Estados Unidos, o ex-

metodista John Stroup, até às pessoas que seriam pioneiras da obra no Brasil e receberam

destaque na literatura oficial: os norte-americanos Horace (fundador) e Carolyn Ward,

Chester e Rachel Miller, Annie e Russel Frew; o estoniano Ernst Grimm e o brasilerio José

Pinto de Oliveira. Nessa parte não tencionamos fazer uma análise crítica das narrativas, mas

um levantamento delas. É importante compreender que, nas falas dos/as pioneiros/as, aspec-

tos subjetivos como as experiências religiosas (conversão, santificação, batismo com Espíri-

to Santo, visões, profecias) são colocados na mesma prateleira dos aspectos mais objetivos,

isto é, os que são possíveis se comprovar pelos registros do ponto de vista histórico, políti-

co, social, institucional, econômico. A visão de mundo e a leitura teológica dessas persona-

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gens é baseada nesses “fatos”, que parecem legitimar uns aos outros, e são eles que, a nosso

ver, norteiam as ações da igreja.

No segundo capítulo, “A igreja e o contexto brasileiro na perspectiva dos/as pionei-

ros/as” investigaremos as cartas e artigos publicados pelas personagens apresentadas acima

(predominantemente norte-americanas), e como elas se relacionaram com o contexto socio-

econômico, cultural, religioso e político do Brasil. Nesse momento a nossa análise se torna

academicamente crítica e os discursos são organizados de modo a compará-los com os

acontecimentos simultâneos de dentro e de fora do contexto da igreja. Deve-se ressaltar que

os autores dos textos são as lideranças da igreja e que suas opiniões estão sujeitas a toda ex-

pectativa e intenções que envolvem um discurso destinado aos veículos de comunicação da

denominação.

Por fim, em “Cosmovisão e teologia nas revistas de escola dominical: Igreja, socieda-

de e governo (1959-1986)” articulamos o conteúdo desse material doutrinário/teológico com

relação ao papel da igreja (inclua-se aqui os fiéis) no tocante à sociedade e ao governo. Isso

se dá em dois momentos: na época da redação estrangeira, protagonizada por Ernst Grimm

e, na época da redação brasileira, quase exclusiva de José Pinto Oliveira. Esperamos com is-

so trazer ao debate as considerações que julgamos mais importantes e nortear reflexões fei-

tas no passado e que tocam temas da teologia e da religião ainda vigentes na atualidade.

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Capítulo 1

O surgimento de uma igreja nacional: origens,

fundação e características da Igreja de Cristo

Pentecostal no Brasil

1 Os pentecostalismos e a Igreja de Cristo Pentecostal

no Brasil

Este capítulo tenciona apresentar uma visão panorâmica e introdutória da Igreja de Cris-

to Pentecostal no Brasil (ICPB) com base em documentos históricos arquivados no escritório

central da International Pentecostal Church of Christ ou IPCC (London, Ohio, Estados Uni-

dos da América) e na sede administrativa da ICPB no Brasil (Mogi Guaçu, São Paulo), ambos

localizados nos respectivos centros de convenções A maior parte desses documentos são fon-

tes nunca antes consultadas ou utilizadas em pesquisas acadêmicas, e aqui serão tomadas para

serem apresentadas ao mundo acadêmico e demais leitores/as, não intenção, neste momento,

de analisa-las criticamente ou de apresentar uma reflexão teológica. Procurou-se aqui remon-

tar os fatos (objetivos ou subjetivos) que formam a narrativa fundante da igreja e que situam o

trabalho no contexto do pentecostalismo em geral e no Brasil para que os capítulos posteriores

se desenvolvam Algumas das fontes primárias estavam ainda na condição de rascunhos e ma-

nuscritos pessoais do Rev. Chester Miller, que foi bispo/superintendente da Igreja no Brasil e

nos EUA. Miller desejava escrever um livro sobre o fundador do movimento que deu origem

à ICPB, o Rev. John Stroup e sobre a história da igreja. Porém, partiu desta vida sem concre-

tizar seu sonho.

O capítulo também levanta pistas para uma compreensão do pensamento teológico da

ICPB, tomando como ponto de partida os textos de suas lideranças, pois são as únicas dispo-

níveis. Visualizar a maneira com que a teologia e as experiências religiosas são abordadas po-

derá ser fundamental para explicar sua reação (em forma de redação) diante do contexto em

que ela se insere.

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1.1 Aspectos gerais da denominação no Brasil

A Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil caminha para os seus 80 anos (1937-2017), e

sua igreja mãe nos EUA já se aproxima do centenário (1917-2017). A ICPB é uma denomina-

ção evangélica originada nos Estados Unidos e trazida ao Brasil na década de 1930 por missi-

onários estadunidenses, dos quais o primeiro foi Horace Singleton Ward (1906-1993). Desen-

volveu-se a partir do nordeste brasileiro e hoje está presente em todos os estados brasileiros.

A ICPB e a IPCC atualmente mantém missões nacionais e internacionais no Sudão do Sul,

Quênia, Senegal, Venezuela, Argentina, Filipinas, Itália, México, Uruguai, Guiana Francesa,

Colômbia e Chile. Os dados oficiais da Secretaria Nacional da igreja4 apontam que se somam

no Brasil cerca de 600 igrejas e filiais e 30 mil membros, dos quais, aproximadamente dois

mil são obreiros (pastores, presbíteros, missionárias/os, evangelistas, diaconisas e diáconos),

supervisionados por 15 Diretorias Regionais.5 Essas são as únicas estatísticas disponibilizadas

pela igreja e não foram encontradas outras fontes que pudessem confirmar ou contestar os da-

dos.

No Brasil, o diaconato é o primeiro cargo ordenado oficialmente da escala de ascensão

ministerial. Para este cargo não é mais exigida a condição de ter recebido o batismo com o

Espírito Santo com a evidência de falar em línguas, como em outros tempos o foi. No entanto,

para ter acesso a algum posto superior na hierarquia da igreja, deve ter tido aprovação de sua

conduta e ter atendido aos requisitos do estatuto, o que inclui o batismo pentecostal e se pos-

sível ter exercido o diaconato por pelo menos um ano. A ordem imediatamente acima do dia-

conato é composta pelos seguintes cargos: presbítero, missionário ou evangelista, os três tem

os mesmos direitos e poder de voto nas convenções. As diaconisas podem ser apenas missio-

nárias. Para ambas as ordens há uma cerimônia de consagração, com imposição de mãos e ju-

ramento de fidelidade diante à Bíblia e ao Estatuto e doutrina da igreja.

A título de comparação é importante tomar conhecimento que a IPCC (sigla da igreja

norte-americana) trabalha com categorias diferentes: há três degraus na escala ministerial, e só

o último estágio é a ordenação: Evangelista, Pregador Licenciado e Ministro Ordenado.6 Não

há presbíteros nem diáconos. Pastor é aquele que pastoreia uma igreja local, e não precisa ter

sido ordenado. Missionários são aqueles que atuam em trabalhos distantes, enviados pela igre-

4 Disponível em <

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=590057964402958&set=a.110351695706923.16639.100001962786

826&type=1> Acesso em 24/01/2014 5 Conforme o Art. 27 da Constituição e Estatuto Geral da ICPB, uma “Região compreende uma área geográfica

composta de cinco ou mais Campos organizados”. 6 Disponível em < http://ipcc.cc/Credentials.htm> Acesso 20 novembro 2014

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ja. É digno de nota que não há restrição constitucional para a ordenação de mulheres, e as re-

gras são as mesmas aplicadas aos homens. Atualmente a IPCC têm pastoras. Existe ainda a

categoria de Ministro Cristão Leigo, que trabalha na igreja local, em hospitais, presídios, es-

colas, e que, logicamente, opta por não participar da ascenção ministerial.

A estrutura administrativa da ICPB é uma mescla dos modelos congregacional e presbi-

teriano, sistema que prevaleceu apesar da origem metodista (episcopal). Porém, sua principal

estrutura administrativa se dá em duas instâncias: local (Campo) e nacional (Geral).

O campo ou Igreja sede é uma “comunidade”7 regida pelo Estatuto de Campo que é ba-

seado num modelo previsto no próprio Estatuto Geral. Os campos, que têm personalidade ju-

rídica, são compostos por uma ou mais filiais que são denominadas igrejas locais ou congre-

gações. A denominação de cada campo será sempre a de IGREJA DE CRISTO PENTECOS-

TAL NO BRASIL EM... (nome da cidade, bairro, distrito, etc. em que a sede está localizada).

A Igreja sede é presidida pelo Pastor Presidente, sua diretoria (vice-presidente, secretários/as

e tesoureiros/as), e pelo Ministério de Campo (obreiros/as ordenados/as do campo). A presi-

dência do campo deve ser assumida em tempo integral por um presbítero, missionário ou

evangelista, e recebe a nomeação (com ou sem consulta à membresia) pela diretoria regional,

para um período indeterminado na função de Pastor de campo. O pastor deve ser casado, for-

mado em teologia e ter comprovada aptidão prática para o cargo. Não há ordenação ou consa-

gração de pastores, embora, após deixarem a direção de campos, sejam recebidos nas igrejas

como pastores-auxiliares, mas com as atribuições de presbíteros. Mulheres não assumem a

presidência de campos nem recebem a titulação de pastora, embora a possibilidade faça parte

das discussões.8 Os ocupantes dos demais cargos da diretoria são eleitos na Convenção de

Campo, ocasião em que, ordinariamente se nomeiam os pastores e aprovam-se a ordenação de

outros/as ministros/as. Entre as decisões que cabem à convenção está a prebenda do pastor,

calculada de acordo com as condições financeiras da igreja.

A instância soberana na denominação é sua Convenção Geral, realizada de quatro em

quatro anos, composta pelo ministério nacional. Participam dela os pastores de campo, os

membros da diretoria geral, os secretários das secretarias nacionais como educação religosa e

7 ICPB. Constituição (2012). Constituição da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil. Mogi Guaçu: SEREP,

2012. Arts. 39-42 8 A última Convenção Geral, em julho de 2013 delegou ao Conselho de Doutrina e à Comissão Estatutária a tare-

fa de emitir parecer sobre uma proposta que visa o reconhecimento do ministério pastoral das mulheres, desde

que com reconhecida vocação e que seja esposa de pastor. A proposta, depois de apreciada, será encaminhada à

próxima Convenção Intermediária, agendada para setembro de 2015, para ser votada. Este trabalho foi concluído

antes da convenção.

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publicações, missões e ação social, e os/as obreiros/as de todo o Brasil com exceção de diáco-

nos e diaconisas. Na ocasião se decidem alterações na constituição, aprovação de medidas

administrativas, discutem-se aspectos doutrinários e teológicos e é eleito o Superintendente

Geral e seus dois vices, que não podem ser da mesma região do Brasil. O superintendente de-

ve ser um pastor de campo há no mínimo quatro anos, membro da convenção há oito, e se não

for bacharel em teologia (caso tenha se tornado pastor antes dessa exigência), deve estar ma-

triculado num curso ou se comprometer a fazê-lo dentro do seu mandato, que é de quatro

anos, podendo ser reeleito para tantos mandatos quanto ele se candidatar. A função não lhe dá

plenos poderes, mas tem o dever de representar a ICPB dentro e fora dela e executar decisões

previstas em convenção ou na constituição. A fórmula de tratamento dispensada (e, na prática,

exclusivamente) ao superintendente é a de “Reverendo”, mas, não há nada previsto sobre isso

na Constituição ou documento oficial.

Para se autodefinir teológica e doutrinariamente, e acalmar debates que surgiram nos

seminários teológicos da instituição, a ICPB criou em 2005 uma comissão que elaboraria um

pequeno manual de doutrina.9 Este foi publicado como adendo no Estatuto da igreja. Nele se

afirmam doutrinas fundamentais e secundárias marcadamente protestantes, de tendência ar-

miniana e pentecostal. Considerados verdades bíblicas fundamentais por influenciarem na

salvação, listam-se os seguintes temas: a Bíblia como palavra e revelação de Deus; Deus é

trindade; nascimento virginal e “sobrenatural” de Jesus Cristo, o salvador; regeneração, justi-

ficação, santificação e eleição condicional dos crentes [em Cristo], ressaltando-se a soberania

de Deus, mas em consonância com o livre-arbítrio; ressurreição e julgamento de todos; a se-

gunda vinda de Cristo.

Entre as verdades secundárias estão recomendações advindas da própria Bíblia ou da

tradição, mas que não afetam a salvação: a definição eclesiológica como comunidades de sal-

vos; as ordenanças do batismo por imersão e a participação na ceia apenas para pessoas bati-

zadas; o dízimo; a atualidade dos dons espirituais listados por Paulo; a segunda vinda de Cris-

to como arrebatamento, e localizada historicamente como pré-tribulacionista e pré-milenista.

Um manual mais amplo, baseado no formato da Confissão de Westminster está sendo prepa-

rado para ser lançado na próxima convenção.

A igreja mantém hoje o Seminário Teológico Pentecostal do Brasil (SETEPEB), sedia-

do em Mogi Guaçu, e com uma extensão no ABC Paulista, que oferece, dentre outros, o Cur-

so Livre de Bacharel em Teologia e a Pós-Graduação em Pastoral, em modalidade presencial

9 ICPB. Constituição (2012). p. 87-95

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e à distância. A ETO, Escola de Treinamento de Obreiros, forma jovens em regime de inter-

nato para o serviço missionário ou pastoral por um período de um ano, com aulas de teologia

básica, atividades laborais e evangelismo. Através da Secretaria de Educação Religiosa e Pu-

blicações (SEREP) edita as revistas de Escola Dominical para adultos, jovens e adolescentes,

além de produzir outros materiais impressos como o Hinário Cristão Pentecostal. Recente-

mente inaugurou a Editora Pentecostal, com gráfica própria para atender a demanda da deno-

minação. A Secretaria Nacional de Evangelização e Missões (SENEMI) investe em plantação

de igrejas no Brasil e sustento de missionários/as no exterior. Por meio da Secretaria de Ação

Social (SAS) mobiliza eventos assistenciais Assuntos específicos são tratados pelo Conselho

de Doutrina, Culto e Liturgia, pelo Conselho de Ética e Disciplina e pelo Conselho Delibera-

tivo Nacional. As mulheres se organizam na Sociedade Auxiliadora Feminina Pentecostal

(SAFP) e a juventude na Ala Jovem Pentecostal (AJOVEP).

O nome da igreja no Brasil mudou duas vezes. Primeiro era simplesmente Igreja de

Cristo Pentecostal [de Serra Talhada], 1937-1949. Depois passaria a ser Igreja de Cristo Pen-

tecostal do Brasil, 1949-1978.10 A autonomia oficial veio em 1964, mesmo ano em que a di-

tadura militar se iniciou no Brasil. Por fim, o nome que permanece até hoje é Igreja de Cristo

Pentecostal no Brasil. O entendimento geral foi o de que este último parece expressar melhor

que a igreja está presente em diversos países, inclusive no Brasil. O nome da igreja, porém,

não agrada a todos. Alguns criticam a tradução e defendem que a forma mais correta de tradu-

zir Pentecostal Church of Christ seria Igreja Pentecostal de Cristo, e assim evitaria também o

mal entendido com o adjetivo “Pentecostal”: ele se refere ao Cristo ou à Igreja de Cristo?11

Porém, essa questão parece não ter chamado muita atenção da igreja em geral, e em parte ex-

pressa algum desconhecimento da ideia do fundador, John Stroup que, baseado numa revela-

ção, acrescentou o conceito de “Pentecostal” ao título bíblico “Igreja de Cristo” – preferível,

segundo ele, a “Igreja de Deus” (outra denominação contemporânea). Outros ainda, como o

atual secretário nacional de missões, têm sugerido que o nome (e o logotipo, cujo centro car-

rega um mapa do Brasil) deveria acompanhar o processo de expansão da igreja por outros paí-

10 O ano de 1949 data a mudança interna e consensual do nome. Legalmente, a alteração viria tardiamente, em 5

de fevereiro de 1954, junto com a oficialização da união com a Igreja Pentecostal de Cortês. Até então, a nomen-

clatura era Igreja de Cristo Pentecostal de Serra Talhada. Seria adotado o estatuto da ICPB registrado em cartó-

rio em 23 de setembro de 1941. O registro foi publicado no Diário Oficial do Estado de Pernambuco, ano

XXXI, n. 32, de 10/02/1954, p. 617. 11 Em publicações mais antigas a grafia do nome da igreja aparecia assim: “Igreja de Cristo, Pentecostal do Bra-

sil”. Intuímos que o uso da vírgula talvez indicasse uma preocupação por estabelecer um entendimento menos

ambíguo. Por motivos igualmente desconhecidos, o uso do sinal de pontuação caiu.

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ses e, quem sabe, adotar um só logotipo e uma só neomeclatura: Igreja de Cristo Pentecostal

Internacional.

O argumento para a mudança se constrói em torno da ênfase no crescimento da igreja e

também marcaria uma reaproximação (ao menos identitária) com a igreja-mãe norte-

americana, denominada International Pentecostal Church of Christ (IPCC) desde os anos

1970. A sugestão apareceu no boletim missionário da ICPB para o primeiro trimestre de

201512 com ar de proposta para a próxima convenção. Não há como avaliar ainda como a pos-

sível proposta será recebida pela comunidade e pelo ministério.

Fato é que as instituições, sociedades e culturas estão em constante movimento. Um no-

vo nome representa uma nova identidade e expressa a realidade do momento a que ele repre-

senta. A ICPB não escapa a essa lógica.

1.2 Pentecostalismos e questões raciais, socioeconômicas,

políticas e religiosas

Para uma compreensão geral do pentecostalismo, e especialmente do objeto de pesquisa

deste trabalho, segue-se uma breve apresentação de textos de abrangências, locais de origem e

enfoques diferentes, preferencialmente de autores ligados aos movimentos pentecostais.

1.2.1 Pentecostalismo moderno e segregação sociorracial

A começar por uma narrativa de origem norte-americana, destaca-se o livro O século do

Espírito Santo [1901-2001]13, do historiador pentecostal Vinson Synan, que provê um pano-

rama do pentecostalismo nos Estados Unidos (de onde veio a ICPB), trabalhando a partir da

perspectiva histórica e teológica das origens do pentecostalismo moderno, ligando suas raízes

desde os movimentos de santidade wesleyana e holiness, até ao movimento da Rua Azusa.

Synan trata principalmente da influência de William J. Seymour (1870-1922), o pastor negro,

filho de ex-escravos, cego de um olho e semianalfabeto, que em tempos de intensa segregação

racial e social se destacaria como o principal líder do movimento que alavancaria o pentecos-

talismo moderno, situado no início do século 20. Seymour, por ser negro, assistiu do corredor

às aulas da escola de Charles Fox Parham (1873-1929), em Houston, Texas. Parham é consi-

derado o primeiro sistematizador da doutrina do batismo com Espírito Santo com a ênfase da

12 ICPB. Missões em foco. 1º trimestre de 2015. Mogi Guaçu: SENEMI. p. 1. 13 SYNAN, Vinson. O século do Espírito Santo: cem anos do avivamento pentecostal e carismático. São Paulo:

Vida, 2009. 608 p.

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evidência inicial de falar em línguas (glossolalia). Na primeira escola de Parham, instalada

numa velha mansão de pedra em Topeka, estado do Kansas, a primeira pessoa a falar em lín-

guas foi uma mulher, Agnes Ozman, estadunidense, que falou chinês por três dias. O fenôme-

no ocorreu na emblemática virada do ano 1900 para 1901.

Dessa forma, Synan destaca a presença de afrodescendentes, mulheres e hispânicos, es-

quecidos pelos historiadores do movimento. Diz-se que o primeiro convertido da Rua Azusa

foi um católico latino-americano, que antes da conversão doou o piso que foi usado na refor-

ma do velho galpão onde as reuniões aconteciam. Sua conversão marcou o início da expansão

de Azusa entre os povos de fala espanhola. Da mesma forma a participação feminina foi fator

de grande impulso no crescimento do movimento, e o próprio Seymour só teria ministrado e

recebido o batismo com Espírito Santo quando teve a ajuda de Jennie Moore. O fato de a Mis-

são da Fé Apostólica ser uma igreja “supraracial”, no entanto, não impediu que o pentecosta-

lismo se polarizasse entre igrejas de negros e brancos, representadas respectivamente pela

Igreja de Deus em Cristo e as Assembleias de Deus.14

A perspectiva de Synan, uma exceção, é favorável às aproximações ecumênicas e de-

fende um senso de cooperação entre as denominações cristãs, inclusive com o movimento ca-

rismático católico.

Uma análise mais centrada na perspectiva racial do movimento é feita na obra A reli-

gião mais negra do Brasil: Por que mais de oito milhões de negros são pentecostais?, de

Marco Davi de Oliveira. Ele trata exatamente da opção que os negros fazem pelo pentecos-

talismo, e da abertura do movimento para receber afrodescentes. O texto, embora com al-

guma limitação histórica, busca conscientizar sobre a injustiça em torno de questões raciais

e, ao mesmo tempo, mostrar que a segregação se faz presente mesmo nas religiões cristãs.

Exemplo disso é a rejeição histórica das igrejas tradicionais com relação às classes menos

favorecidas, evidentemente demonstradas em suas áreas de missão, na liturgia e na ordena-

ção de ministros. Em contrapartida, o acolhimento quase total delas pelo pentecostalismo,

que por sua linguagem simples e acessível (até mesmo influenciada pela religiosidade ne-

gra) alcançou grande crescimento.

Oliveira aponta ainda que o pentecostalismo clássico teve seu período de maior cresci-

mento numérico a partir dos anos 1950, e importantes expressões do movimento foram cres-

cendo em plena ditadura militar. Porém, apesar da postura evidentemente profética com rela-

14 ALENCAR, Gedeon Freire de. Matriz pentecostal brasileira: Assembleias de Deus (1911-2011). Novos Diá-

logos: Rio de Janeiro, 2013. p. 58.

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ção ao racismo e à exclusão de pessoas por causa de sua condição social, o pentecostalismo de

um modo geral não entrou para a categoria dos “subversivos”, pois pesou-lhe mais o aspecto

místico de sua religiosidade. Aos olhos do governo era um movimento prática e ideologica-

mente inofensivo.

1.2.2 Pentecostalismos na América Latina

Foram trazidos também para este diálogo textos que tratam do pentecostalismo indican-

do suas características teológicas em relação à sociedade e à política. O livro do teólogo pen-

tecostal latino-americano Bernardo Campos, De la reforma protestante a la pentecostalidad

de la iglesia, apresenta uma descrição histórica e teológica do movimento, e propõe passos

para, não somente descobrir mas aperfeiçoar o senso de “pentecostalidade”, isto é, o princípio

ordenador e estruturante das práticas pentecostais (pentecostalismos), que nasce da dinâmica

da pneumatologia em dialética com o contexto sócio-econômico em que está inserida. A partir

dessa consciência, é possível compreender a importância das igrejas pentecostais no contexto

da América Latina e, como objetivo ideal, traçar um caminho ecumênico e de atuação rele-

vante na sociedade. O movimento é predominantemente de pobres e suas comunidades são

movidas pela dinâmica da presença viva do Espírito. Se por um lado se pode sugerir certa ali-

enação em termos políticos, é percepctível também, por exemplo, aspectos sociais como a in-

clusão e empoderamento dos/as marginalizados/as.

Outra obra de sua autoria, Experiencia del Espíritu: Claves para una interpretación del

pentecostalismo,15 procura fazer uma amostra de sistematizatização da teologia pentecostal a

partir do contexto latino-americano e principalmente peruano que, sem embargo, tem muitos

pontos em comum com o pentecostalismo brasileiro. Aproveitou-se para esta dissertação a

descrição de cada fase do desenvolvimento da mentalidade do pentecostalismo peruano de

Campos, e serve de complemento na reflexão e compreensão do movimento no Brasil e, em

especial, no caso da ICPB: implantação (1909-1930); consolidação (1930-1959); expansão

(1960...).

Sua definição do movimento – que apesar da objetividade, nãod eixa de ser “de dentro”

– pode se resumir da seguinte forma:

el pentecostalismo no es um simples fenómeno socio-religioso, o un mero

producto del expansionismo político-religioso del capitalismo financeiro

americano. Para los pentecostales el pentecostalismo es la consecuencia reli-

15 CAMPOS, Bernardo. Experiência del Espíritu: Claves para uma interpretación del pentecostalismo. CLAI:

Quito, 2002. p. 4.

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giosa y de fe de la Acción de Dios por su Espíritu Santo que irrumpió em

Pentecostés en el siglo I de la historia Cristiana (Hechos 2.4; Lucas 2.47-49;

Joel 2.27-32) y se estendió de Oriente al Occidente.16

Campos assinala que a primeira fase do pentecostalismo (1909-1930s) foi basicamente

apologética, e o desenvolvimento de seu pensamento seguiu esta ordem: primeiro antiroma-

nista (oposição a todas as formas de catolicismo romano ou “paganismo”, apesar da conver-

gência de pensamentos com o catolicismo popular, igualmente rechaçado), depois anticomu-

nista e, por fim, antiecumênico.17

Num segundo momento (1930-1959), a segunda geração de pentecostais experimentou

“aspiraciones de clase media” e tendia a imitar as igrejas dos missionários norte-americanos.

Isso em meio a um crescente interesse pela educação secular e o estabelecimento de Institutos

Bíblicos, onde missionários estrangeiros com formação teológica mediana lecionavam. Esta

segunda fase marcou outra mudança de mentalidade: o movimiento via a si mesmo como o

poder dos pobres, a quem os católicos e demais protestantes não conseguiam alcançar. Politi-

camente, a despeito da fama de ser despolitizado, o pentecostalismo latinoamericano “asumía

conscientemente una posición política de corte populista y más afín con la ideología del Impe-

rio.”18 Além disso, procurou estudar e compreender o catolicismo como um movimento reli-

gioso do qual se deveria converter os fiéis e, ao mesmo tempo, se distanciou de suas seme-

lhanças com o catolicismo popular.

Por último, mas não finalmente, a terceira fase (1960 em diante), vem representando

uma grande concorrência com outras linhas cristãs. Há jovens universitários e um contingente

de pastores e missionários, em pleno contexto de militarização da América Latina, engajados

em ideologias políticas anticomunistas compartilhadas a partir dos púlpitos e do rádio. As

mentalidades se dividiam em dois pólos: conservadores e libertários, tanto em termos políti-

cos como teológicos. Entre diálogos ecumênicos e o alinhamento ao discurso de tele-

evangelistas dos EUA, os pentecostalismos latinoamericanos tomaram diferentes rumos, des-

de a preocupação com as desigualdades sociais à aliança estratégica com o catolicismo ultra-

conservador.19

1.2.3 Pentecostalismo e engajamento ou transformação social

16 Id. Ibidem, p. xi. 17 Id. Ibid. p. 4-7. 18 CAMPOS. Experiência del Espíritu, 2002. p. 8. 19 Id. Ibid. p. 8-11.

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O texto Global Pentecostalism: The New Face of Christian Social Engagement,20 de

Donald E.Miller e Tetsunao Yamamori, é o resultado de uma pesquisa de quatro anos feita na

África, Ásia, América Latina e Europa, e que buscou registrar o trabalho diário de envolvi-

mento de igrejas em franco crescimento, principalmente pentecostais/carismáticas, e que esti-

vessem envolvidas em ações diretamente ligadas à promoção humana, enfrentamento à po-

breza, cuidado com menores em situação de risco, recuperação de usuários de drogas, etc,

sem necessariamente estarem associadas a uma ideologia ou movimento político social ou a

alguma teologia progressista, embora o trabalho se proponha a ser uma pesquisa sobre o pen-

tecostalismo progressista. Elas são, para os autores, progressistas na prática, embora não pro-

ponham transformações estrturais. O texto procura mostrar que, em parte, o engajamento polí-

tico ou social de pentecostais não é exatamente tão tímido ou alienado como se diz.

Conforme defendem os autores, os programas de formação religiosa e a inclusão em

atividades cúlticas/artísticas e na experiência fervorosa do pentecostalismo dão nova perspec-

tiva de vida e afastam as pessoas de seus vícios, de alguns riscos sociais como a gravidez na

adolescência, o aliciamento ou abuso de crianças, a criminalidade. Do Brasil, destacou-se o a

Igreja Apostólica Renascer em Cristo com seu programa de reabilitação de adictos, ao lado de

suas manifestações públicas como as marchas para Jesus e os cultos vibrantes de louvor.

Outro texto ainda contribui com este trabalho: o artigo intitulado The Social Conscience

of Stanley Horton21, publicado pela revista anual Heritage, editada pelo Flower Pentecostal

Heritage Center, um instituto localizado na sede das Assembleias de Deus nos EUA, Springfi-

eld, Missouri, que faz o trabalho de resgatar e preservar fatos e materiais históricos do movi-

mento em geral e principalmente das AGs, fornece importantes informações para esta pesqui-

sa. Horton é um dos mais influentes teólogos do pentecostalismo nos EUA e no mundo, e sua

atitude diante de duas questões como a guerra e o racismo são dignas de notas. No primeiro

caso, optou pelo pacifismo, em geral defendido pela denominação, mas avançou na reflexão e

fez alguns opositores. Um de seus conselhos era o de que se procurasse postos em que não se

pegasse em armas como dirigir ambulâncias ou caminhões. Além disso, incentivava o traba-

lho evangelístico entre os soldados. Sobre o racismo, sua atitude de receber um aluno negro e

dar-lhe apoio foi significativa em meio a um contexto de segregação (num seminário em que

todos os outros eram brancos), e também acabou indiretamente fortalecendo os movimentos

20 MILLER, Donald E.; YAMAMORI, Tetsunao. Global Pentecostalism: The new face of Christian social enga-

gement. Los Angeles: UC Press, 2007. E-book. 21 MITTELSTADT, Martin William; PAUGH, Matthew. The Social Conscience of Stanley Horton. Assemblies

of God Heritage. Springfield: Gospel Publishing House, 2009. p. 15-19.

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negros da época. O texto aponta questões discutidas internamente no pentecostalismo e pro-

põe uma reflexão para os diálogos atuais.

No Brasil, a obra Pentecostais e Transformação Social,22 de cunho acadêmico, é fruto

do primeiro encontro da Rede Latinoamericana de Estudios Pentecostales (Relep) no país,

procurou, em suma, compreender o movimento (a partir da fala de seus próprios integrantes) e

propor uma leitura da Bíblia, da teologia e da sociedade que representasse um avanço ainda

maior rumo a uma atuação mais presente e relevante.

1.2.4 Pentecostalismo e Ecumenismo

Apesar de todos os esforços iniciais de Azusa e do movimento que trouxe o “milagre de

Memphis”,23 as igrejas pentecostais enfrentaram muito desentendimento interno e persegui-

ções externas, bem como foram agentes de perseguição e de divisão. No âmbito cristão, as

fortes bandeiras doutrinárias e evangelizadoras acirraram o afastamento do catolicismo roma-

no e também do protestantismo histórico. O diálogo com outras religiões é impensável para a

grande maioria dos pentecostais. As raras aproximações com os movimentos ecumênicos são

bastante tímidas e frequentemente marcadas pela crítica dos setores mais conservadores das

denominações.

Magali do Nascimento Cunha e Cláudio de Oliveira Ribeiro tratam do tema em um ca-

pítulo do livro O rosto ecumênico de Deus.24 O artigo mostra momentos históricos em que o

movimento ecumênico (e o Ecumenismo) encontrou semelhanças e diferenças com o movi-

mento pentecostal (e o Pentecostalismo). Ambos os movimentos tanto são gerados quanto dão

origem à teologia, conceito e ação dos seus respectivos “ismos”, mas não se restringem a eles

e nem podem ser definidos levando-se em conta a forma com que se apresentam hoje. O mo-

vimento pentecostal está para além do Pentecostalismo, e o movimento ecumênico para além

do Ecumenismo. Os movimentos têm em comum a dinâmica do vento do Espírito que sopra

para a unidade, a superação de barreiras, a construção de um espaço para todos. Ambos nasce-

ram no protestantismo. Mas, o andar da história trouxe separação por razões sociais, teológi-

cas e ideológicas. Vez por outra se encontram. Seja por tentativas de reaproximação, seja pela

essência de ambos que continuam agindo a despeito das tendências para o que os desvituam.

22 OLIVEIRA, David Mesquiati de (Org.). Pentecostalismos e transformação social. São Paulo: Fonte Editorial,

2013. 226 p. 23 Cerimônia simbólica de reconciliação racial entre as Assembleias de Deus e a Igreja de Deus em Cristo em

Memphis, Tennessee, EUA, no ano de 1994. 24 RIBEIRO, Cláudio de Oliveira; CUNHA, Magali do Nascimento. O rosto ecumênico de Deus: reflexões sobre

ecumenismo e paz. São Paulo: Fonte Editorial, 2013. p. 208-233.

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26

Entre pentecostais que se aproximaram de alguma forma do movimento ecumênico

(não sem pagar o preço) aparecem: Amos Young (Ásia), Donald Gee (Grã-Bretanha), J. Ros-

well Flower (EUA), David du Plessis (África do Sul), todos das Assembleias de Deus; e o

brasileiro Manoel de Mello, fundador da Igreja O Brasil Para Cristo. O próprio Conselho

Mundial de Igrejas (CMI) tem um Grupo Consultivo para diálogo com pentecostais. Na Amé-

rica Latina, algumas igrejas pentecostais são membros do CMI: Iglesia Pentecostal de Chile,

Misión Iglesia Pentecostal, Iglesia Cristiana Bíblica, Iglesia de Misiones Pentecostales de

Chile, todas chilenas; e a Iglesia de Dios da Argentina. A O Brasil Para Cristo foi membro até

os anos 1990, quando o fundador faleceu. A Comissão Pentecostal Latino-Americana (Cepla),

que representa diversas igrejas pentecostais, inclusive no Brasil, é membro do CMI e do

CLAI. “Fruto da Cepla é a Relep, Rede Latinoamericana de Estudios Pentecostales, fundada

em 1999 por teólogos pentecostais para ser um espaço de produção teológica pentecostal em

diálogo interdisciplinar com todas as ciências”.25 Uma das explicações possíveis para a difi-

culdade do diálogo ecumênico com pentecostais é a ligação com o “pentecostalismo branco”,

que tem maior aproximação com as linhas protestantes conservadoras e evangelicais.

1.2.5 Expressões dos pentecostalismos no Brasil

O maior grupo pentecostal brasileiro e talvez do mundo são as Assembleias de Deus. É

preciso entender, no entanto, que elas não foram o primeiro grupo pentecostal a se manifestar

no Brasil embora as narrativas da própria denominação atribuam a si mesma o status de pio-

neira, inclusive entre as Assembleias no mundo. Tradicionalmente se reconhece a fundação

das ADs em 18 de junho de 1911, quando se organizou a Missão da Fé Apostólica, a partir de

um grupo de ex-batistas em Belém, PA. Mas, somente em 1918 o grupo adotou oficialmente o

nome de “Assembleia de Deus”, nomenclatura já utilizada nos Estados Unidos (1914), na

Guatemala (1916) e no México (1917). Nos EUA as ADs foram organizadas em uma confe-

rência por um grupo de pentecostais brancos para fazer frente à Igreja de Deus em Cristo,

composta de pentecostais negros. Gedeon Freire de Alencar defende que as raízes dos pente-

costalismos (no plural mesmo, para expressar o aspecto multifacetado do movimento) no Bra-

sil são ainda anteriores à vinda dos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, fundadores das

ADs no Brasil.

A começar pelas religiosidades indígenas e africanas, Alencar defende que elas já mani-

festavam características que seriam encontradas no pentecostalismo como o uso do corpo no

25 Id. Ibid. p. 230.

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27

culto e as frequentes manifestações extáticas, de transe e de possessão. Entre os cristãos, men-

ciona igrejas como metodistas livres, batistas letos, grupos holiness e o contexto do movimen-

to místico e político de Antônio Conselheiro. Considere-se ainda a Igreja Evangélica Brasilei-

ra, fundada sob a égide de restaurar o ato de ouvir a voz de Deus.26 Alencar procura descons-

truir o mito fundante das ADs que as coloca como pioneiras ou mesmo exclusivas represen-

tantes do pentecostalismo, mas ainda assim reconhece a sua contribuição ao cenário evangéli-

co e pentecostal em termos de números, relevância social e faz profundo estudo sobre a for-

mação do que chamou de Matriz Pentecostal das ADs em cem anos do grupo (1911-2011).

Outro texto que ajuda a compreender o desenvolvimento do movimento no Brasil foi o

livro produzido como resultado da 8ª Conferência Mundial Pentecostal, realizada de 18 a 23

de julho de 1967, no então Estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro, também figura como

importante fonte de consulta sobre o movimento no Brasil.27 O tema do evento foi O Espírito

Santo glorificando a Cristo. Ao que consta, milhares de pessoas estiveram presentes nos está-

dios Maracanã e Maracanãzinho, e o encerramento foi prestigiado por 150 mil pessoas. O tex-

to foi reimpresso pela CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus), reproduzindo fi-

elmente sua formatação, e no encarte externo, consta a informação de que em 2016 a confe-

rência será em São Paulo. Nitidamente se percebe o protagonismo das ADs no evento. Alguns

fatos relativos ao tema de religião e política apresentados nessa obra são importantes para essa

pesquisa:

1. A presença do Governador do então Estado de Guanabara (1965-1970) e embaixador

Francisco Negrão de Lima, que aparece ao lado do Pr. Paulo Leivas Macalão, importante líder

na história das ADs, na primeira foto grande do livro, fez a abertura solene da Conferência.

Lima era membro do PTB, e fez oposição ao regime militar. Seu nome é citado com destaque

e a expectativa por sua chegada também é registrada no livro. O governador do Rio de Janeiro

(1967-1971), descrito como pastor evangélico, Dr. Geremias de Mattos Fontes também.

2. Parte da Conferência foi dedicada a comemorar os 410 anos do primeiro culto pro-

testante em terras brasileiras, e a comemoração justamente no local de onde os primeiros

mártires evangélicos foram atirados: o forte da baia de Guanabara. À época da comemora-

ção, o forte já pertencia à Marinha do Brasil, que segundo os textos, desconhecia o histórico

religioso do local. Os nomes de oficiais da marinha são mencionados em forma de agrade-

cimento.

26 ALENCAR. Matriz pentecostal brasileira, p. 50-59. 27 CONDE, Emílio (Coord.). O Espírito Santo glorificando a Cristo: Anais da Oitava Conferência Mundial Pen-

tecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1967. 198 p.

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28

Além da constante ênfase no poder e na obra do Espírito Santo, o tema da Cristologia,

como o próprio nome já diz, foi bastante explorado. Entre os preletores estavam o então su-

perintendente das Assembleias de Deus nos EUA, Thomas F. Zimmerman, que tratou do

tema “O Espírito Santo unificando a Igreja”, e uma das críticas mais contundentes que faz

sobre os esforços ecumênicos é o que ele chama de “construir uma organização mundial de

igrejas na base da inteligência humana”28 e não com base no ensino das Escrituras, princi-

palmente no que se refere à cristologia. Sua definição de unidade não inclui os ideais do

movimento ecumênico, mas centraliza tudo na crença em Jesus Cristo como Senhor e Sal-

vador.29

Outro conferencista, o Dr. Nathaniel M. Van Cleave, pastor da Igreja Quadrangular

em Oregon, USA, trata do tema “O Espírito Santo glorificando a Cristo através da Palavra

de Deus” evidenciando reservas em relação às teologias modernas, influenciadas pelo l ibe-

ralismo teológico.30 Ambos os temas, ecumenismo e modernismo, foram contemplados na

literatura da ICPB e com abordagem semelhante.

Em suma, a cristologia pentecostal, tema do evento, enfatiza a obra de Cristo, resumi-

da em preferencialmente quatro pontos (no Brasil), mas podendo ser até cinco: Jesus salva,

[santifica], batiza com o Espírito Santo, cura e em breve voltará.

1.3 Produção bibliográfica sobre a Igreja de Cristo Pentecostal

no Brasil

Reuniram-se aqui as principais literaturas não publicadas pela ICPB e que mencionam a

denominação no Brasil ou nos EUA. Elas serviram também de fonte de consulta para a com-

preensão do objeto de pesquisa.

O Dicionário do Movimento Pentecostal31, de ampla divulgação, publicado pela CPAD,

faz um breve resumo histórico da ICPB com base em informações fornecidas pela própria de-

nominação através de sua secretaria de educação religiosa e publicações, e cita brevemente a

bibliografia de seu pioneiro, o missionário Horace Singleton Ward, enfatizando sua atuação

entre as Assembleias de Deus. A versão em inglês, na qual o dicionário da CPAD foi inspira-

do, o The New International Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements, apresen-

28 Id. Ibid. p. 69 29 Conforme David Bundy, Zimmerman foi um opositor ao ecumenismo. (RIBEIRO; CUNHA: 2013. p. 224). 30 CONDE. O Espírito Santo glorificando a Cristo, 1967. p. 119. 31 ARAÚJO, Israel de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. 946 p.

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29

ta a International Pentecostal Church of Christ (IPCC), com sede em London, Ohio, EUA,

como uma “Organização pentecostal wesleyana”,32 resultado da união de duas igrejas: Inter-

national Pentecostal Assemblies e da Pentecostal Church of Christ em 1976. A primeira está

ligada ao proeminente pregador pentecostal G. B. Cashwell, e a segunda ao Rev. John Stroup.

O historiador e missionário pentecostal Carlos Boaventura publicou o livro O Brazil

Pentecostal33, onde resgata, sem grandes aprofundamentos, a história esquecida de denomi-

nações menores que as igrejas mais famosas, mas que também se destacam entre as primei-

ras a se instalarem por aqui. A começar pela Igreja do Calvário Pentecostal, o terceiro mo-

vimento pentecostal a chegar em terras tupiniquins e que mais tarde se uniria à Igreja de

Deus e seria considerada a sua primeira filial no Brasil. Sua fundadora, Mathilda Paulsen,

chegou ao país em agosto de 1934, aportando no Rio de Janeiro, onde trabalhou ao lado da

AD Madureira. Em 1936, partiu para Catalão, Goiás. O contexto machista a impediria de ser

ordenada a qualquer ministério.

Em segundo lugar, Boaventura, aponta a ICPB como sendo o quarto movimento pen-

tecostal a se instalar no Brasil, com a chegada de Horace Ward em janeiro de 1935, enviado

pela Igreja de Cristo Pentecostal que fora oficialmente fundada nos Estados Unidos em

1917. A igreja brasileira seria inaugurada em janeiro de 1937, na cidade de Serra Talhada,

cidade natal de Virgulino, o Lampião, em Pernambuco.

Uma análise sob o ponto de vista das ciências sociais está em Os deuses do povo34, de

Carlos Brandão, onde faz estudo de caso dos principais grupos religiosos, inclusive de uma

congregação da ICPB em Itapira, SP. A pesquisa, realizada por volta dos anos 1970, procu-

rou analisar a forma com que os líderes religiosos das três principais religiões mais popula-

res: católica, evangélica e mediúnica, lidavam com o povo e vice versa, na tarefa de produ-

ção de sentido e influência no comportamento social.

A ICPB não é classificada como as “pentecostais tradicionais” (ADs e a CCB), mas

entra para a categoria de “seitas novas” ou “movimentos de cura” ou ainda “formas novas

de pentecostalismo”. Estas são religiões típicas da periferia.

Os fundadores dos três pequenos grupos pentecostais de cura divina são

também pessoas do município. Converteram-se na própria cidade, onde re-

32 WARNER, W. E. International Pentecostal Church of Christ. BURGESS, Stanley M.; MAAS, Eduard M. van

der (Edit.). The new International Dictionary of Pentecostal and Charismatic movements: revised and expanded

edition. Grand Rapids: Zondervan, 2002. p. 797-798. 33 BOAVENTURA, Carlos. O Brazil Pentecostal: Uma análise da história. 2ª ed. Juiz de Fora: New Hope Publi-

sher, 2013. p. 124-126. 34 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os deuses do povo: Um estudo sobre religião popular. 2ª ed. São Paulo: Brasi-

liense, 1986. 307 p.

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ceberam a sua formação religiosa passando por mais de uma igreja pente-

costal. [...] Os dirigentes da Congregação, das duas outras assembleias e da

[Igreja de] Cristo Pentecostal no Brasil entraram em Itapira como emissá-

rios de matrizes sediadas em suas cidades de origem ou naquelas onde re-

ceberam a nova iniciação religiosa, depois que se converteram do catoli-

cismo.35

O “obreiro” (título que designava os aspirantes às ordenações oficiais, seguindo a hie-

rarquia que começava pelo diácono e até o pastor de campo) responsável pela igreja em Ita-

pira respondia diretamente à sede que o enviou, a saber, de Mogi Guaçu, SP. Ele era apo-

sentado, e sua esposa, cozinheira. Em menos de seis meses, 30 fiéis se converteram ao pen-

tecostalismo por meio desta igreja.36

A rusticidade dos prédios das igrejas pentecostais como a ICPB, e a simplicidade das

roupas dos membros eram uma marca registrada. A pesquisa destacou, igualmente, o perfil

de membros daquela igreja, localizada

numa rua de terra da Vila Isaura, pedreiros e aposentados da Igreja [de]

Cristo Pentecostal no Brasil constroem um templo no quintal na casa de

um obreiro vindo de Mogi-Guaçu, para o trabalho de um pastor de campo

de Monte Sião, que serve a Igreja de um missionário norte-americano, fun-

dada um dia em Serra Talhada e que daí se espalharia por todo o país. Em

Itapira, o obreiro, o pastor de Monte Sião e os primeiros seguidores con-

vertidos lutam por conquistar outros entre a gente “do mundo” e das pe-

quenas seitas. Eles resistem às frequentes acusações do pastor de campo da

Assembleia de Belém.37

Além disso, mostrou um pouco das tensões envolvendo as diferentes igrejas e a histó-

rica desavença com as Assembleias de Deus em cidades do interior.

Outro texto utilizado, de recorte mais teológico destinado ao público em geral das

igrejas pentecostais, principalmente da ICPB, foi a apostila intitulada Pentecostes, Dons e

Frutos: a ação do Espírito Santo ontem e hoje,38 escrita pelo autor desta pesquisa. O docu-

mento visa explicar as origens do pentecostalismo, inclusive de Azusa, e sua ligação com o

movimento no Brasil. Um tópico do texto foi dedicado à ICPB: “Igreja de Cristo Pentecos-

tal no Brasil: missão norte-americana entre brasileiros”. Expõe conta um pouco do testemu-

nho do fundador do movimento nos EUA que deu origem à Pentecostal Church of Christ e à

ICPB, John Stroup (1853-1929). Stroup “deixou escrito que o nome da igreja foi revelado

por Deus a ele, com o propósito de restaurar a presença do Pentecostes na igreja de Cristo.”

35 Id. Ibid. p. 55. 36 Id. Ibid. p. 72. 37 BRANDÃO. Os deuses do povo, 1986. p. 111. 38 SILVA, Wallace de Góis. Pentecostes, dons e frutos: a ação do Espírito Santo ontem e hoje. São Bernardo do

Campo: Palavra que Transforma, 2013 (Apostila). 20 p.

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Faz também menção aos/às missionários/as enviados pela igreja ao Brasil da Convenção de

1934 em diante: Horace e Carolyn Ward, Chester e Rachel Miller, Anne e Russel Frew.

Nos EUA, a PCC passaria a ser IPCC ou Igreja de Cristo Pentecostal Internacional em

1976, quando se uniu às Assembleias Pentecostais Internacionais, ou IPA em inglês. A his-

tória da IPA está ligada ao importante pregador metodista Gaston Barnabas Cashwell (1862-

1916) que se tornou pentecostal no galpão de Azusa e foi considerado o “apóstolo pentecos-

tal do sul”. Cashwell fundou muitas congregações e o jornal Bridegroom's Messenger, ou

“Mensageiro do Noivo”, em Atlanta, cuja continuidade caberia às IPA e depois à PCC. Ali-

ás, o presente trabalho foi possível graças a essa tradição da igreja de manter publicações

periódicas.

Em 1919, o casal pentecostal Hattie e Paul Barth fundou o Instituto Bíblico Beulah de

Ensino Superior, existente até hoje [porém desligado da IPCC], e assumiu o Mensageiro por

vários anos. No ano de 1936, as IPA, que são resultado da união de igrejas e conferências

pentecostais ligadas ao casal Barth, prosseguiram com a administração do Beulah e a publi-

cação do jornal. Na década de 1970, a PCC e a IPA se uniriam durante o mandato de Ches-

ter Miller como superintendente geral.

Trinta anos antes, porém, Miller foi enviado pela PCC ao Brasil onde pastoreou igre-

jas e foi eleito superintendente, e em breve retornaria ao seu país para ser o bispo-geral, e

mais tarde consolidar a formação da IPCC. Sua esposa, Rachel Miller, era líder da socieda-

de de senhoras na PCC, cujo nome foi dado a um dos prédios do Centro de Convenções da

IPCC. Em meados da década de 1950, chegou também ao nosso país o casal missionário:

Annie e Russel Frew e seus filhos. Estes foram responsáveis pela implantação da revista de

escola dominical, ao lado de Ernst Grimm, um pastor e médico estoniano, pregador de rá-

dio, que se uniu à ICPB a convite de Horace Ward e trabalhou na fundação da igreja em

Santo André, SP, em 1958. Desta igreja vieram outras mais na região sudeste e outras partes

do Brasil. Russel Frew faleceu 1959, mas Annie continuou atuando na missão e mais tarde

se casou com Chester Miller, que também ficou viúvo cedo. Annie Frew Miller amou o Bra-

sil até o fim de sua vida, em 2010.

O primeiro superintendente brasileiro foi José Pinto de Oliveira, eleito em 1964 quan-

do a missão brasileira teve sua autonomia administrativa. Ele e seu pai, Eloy Pinto, pastore-

avam a Igreja Pentecostal de Cortês, PE, que se uniu à ICPB nos anos quarenta. Tal como as

pioneiras, as mulheres estão marcando cada vez mais presença nesses espaços e na maioria

deles são as protagonistas.

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Merece especial atenção ainda a biografia do professor Gilberto Gomes de Oliveira,

membro da ICPB, que citou sua participação na Igreja como importante espaço em sua for-

mação e atuação: Professor Gilberto: realizador de sonhos, de Joranaide Alvez Ramos. Na-

tural de Floresta, PE, Gilberto (1927-2013) foi importante figura na ICPB como agente de

transformação social. Cresceu em uma família de trabalhadores rurais. Estudou na fazenda,

na Escola Rural dos Caraíbas. Mais tarde se formaria em Contabilidade, Administração, Ci-

ência Social e Letras. Foi funcionário da Chesf de Paulo Afonso, BA, desde sua fundação.

Desde criança frequentava aos cultos evangélicos e à Escola Dominical, embora o contexto

fosse majoritariamente católico.39 Sempre que Horace Ward visitava a igreja em Floresta, se

hospedava na Fazenda Várzea dos Caraíbas, casa dos pais de Gilberto.40 Seria secretário da

ICPB em âmbito local e mesmo nacional. Fez parte da Comissão Estatutária da Convenção

Nacional, entre 1978 e 2001.

autora mostra um pouco de sua eclesiologia e teologia, que certamente contriubui para

a sua tomada de posição:

A Igreja para Gilberto nunca foi apenas um belo edifício ou organiza-

ção religiosa, mas um corpo constituído de componentes vivos, edifi-

cado sobre Jesus Cristo, um lugar que convida o homem a sair do pe-

cado, um espaço de cultuar a Deus e obter forças para a realização dos

sonhos, de ser útil e servir ao próximo. [...] As experiências pelas

quais Gilberto tem passado, na sua longa trajetória, são provas eviden-

tes da sua crença em Um Deus Vivo.41

Preocupado com a situação social da vila da Glória, posteriormente Paulo Afonso, em

que a exclusão e pobreza eram problemas evidentes, e a grande demanda não atendida por va-

gas na escola da Chesf, motivaram Gilberto e seu amigo João Cartonilho a idealizarem proje-

tos que melhorassem o quadro daquela região: “Sem estudo, sobraria àquelas pessoas apenas

o trabalho braçal. Mas, promovendo a inclusão social, elevando o nível de formação escolar

da população marginalizada, ampliar-se-iam as chances de ingresso no mercado de traba-

lho.”42

Sem apoio financeiro da Chesf, mas com a ajuda de comerciantes locais, fundaram em

abril de 1955 a Escola Evangélica Antônio Balbino, em homenagem ao então governador da

Bahia. Inicialmente para 120 alunos. Com a cooperação de igrejas evangélicas, a escola pode

crescer e atender cada vez mais crianças.

39 RAMOS, Joranaide Alves. Professor Gilberto: realizador de sonhos. Aracaju: J. Andrade, 2012. p. 31. 40 RAMOS. Professor Gilberto, 2012. p. 87. 41 Id. Ibid. p. 89. 42 Id. Ibid. p. 93.

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33

Para facilitar as interações sociais e jurídicas e levar adiante o projeto, Gilberto fundou,

em 13 de abril 1958, o Centro Evangélico de Recuperação Social de Paulo Afonso, ou

CERSPA. Três meses depois, Paulo Afonso de emanciparia. O CERSPA foi fundado por re-

presentantes da Igreja de Cristo Pentecostal, Igreja Batista, vereadores, juiz e jornalistas. Con-

forme diz a ata de fundação, a criação da sociedade se justifica pelo fato de que, “no espírito

cristão e caritativo, atenderá aos menos favorecidos, vivendo em completo abandono, abriga-

dos debaixo das pontes, sem lar, sem pão, dependendo de quantos lhes estendam a mão e fa-

zer-lhes uma caridade.”43 A entidade filantrópica assumiu, então, a direção da Escola e de-

sempenhou outras ações assistenciais, a começar pela arrecadação de roupas e alimentos junto

às Igrejas Evangélicas e a distribuição às pessoas carentes. “Assim, mais e mais pessoas eram

beneficiadas e, se a vida não era de todo melhorada, ao menos, algumas dificuldades podiam

ser amenizadas”.44

Em 2 de julho de 1964, para avançar nos projetos educacionais, que até então se limita-

vam à alfabetização e o primário, Gilberto e a CERSPA lançaram as bases do Colégio Sete de

Setembro. Havia um sistema de bolsas de estudo, por meio de vestibular, aos alunos carentes,

e o oferecimento de vagas a alunos pagantes.

Em 1966, por meio do deputado federal Manoel Novaes, o CERSPA recebeu subvenção

da Comissão do Vale do Rio São Francisco para construção do prédio onde funcionaria o Gi-

násio.

O Centro também firmou acordo com a “Diaconia”, agência ligada à “Aliança para o

Progresso”, de iniciativa do governo dos EUA e que promovia ações para diminuição da po-

breza, especialmente no nordeste. O programa durou nove anos, de 1965 a 1974. Em 1968

criou-se a Escola Artesanal Doutora Alzira Brito, voltada para o ensino de trabalhos manuais

para mulheres em situação e pobreza. O projeto duraria oito anos. No mesmo ano, a primeira

turma do Ginásio se formou.

No ano de 1970 o CERSPA iniciou o curso de Técnico em Administração. Naquele ano

o Ginásio foi elevado à categoria de Colégio, nascendo assim o Colégio Sete de Setembro.

Passou a integrar o sistema estadual desde que assumiu o novo formato de 1º e 2º Graus. Cri-

ou-se também os cursos Técnico em Contabilidade e Secretariado.

Nos anos 1980 incorporou cursos de formação de professores e habilitação ao magisté-

rio. Em 1998, a instituição criou o Curso Técnico de Informática, alcunhando o conceito de

43 Id. Ibid. p. 106. 44 RAMOS. Professor Gilberto. 2012. p. 107.

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34

“Centro de Formação Profissional”. Atualmente o CERSPA mantém o chamado Espaço Soci-

al Sete de Setembro, em atendimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente, nova Lei Or-

gânica de Assistência Social. Dessa forma, “sistematizou melhor seus programas sociais, e

passou a consolidar seu compromisso com a sociedade, principalmente ações de caráter soci-

oeducativas diretamente voltadas para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade

socioeconômica e sujeitas a risco pessoal e social.” 45

Nos anos 2000, consolidou-se finalmente a ideia antiga de Gilberto de se criar a Fa-

culdade Sete de Setembro, ou FASETE, mantida pela Organização Sete de Setembro de

Cultura e Ensino Ltda.

Dois textos ainda precisam ser citados: Night of Tears, Years of Joy,46 de Samuel Mil-

ler, filho de Chester Miller (1917-2003). Entre os relatos de testemunho diante de um grave

acidente que quase o matou, conta sua origem e fala de espisódios difíceis que seu pai viveu

no Brasil como missionário. Samuel viveu grandes desafios ao lado de seus pais no Brasil, e

chegou a aprender o português. A família Miller também elaborou uma biografia de Chester

Miller, à venda pelo Amazon. O título é Carry the Gospel: The Life and Legacy of Chester

I. Miller Missionary to Brazil,47 de Samuel B. Miller e Daisy Miller Blevins, que consulta-

ram essencialmente os diários do pioneiro, isto é, no que ele escreveu sobre si mesmo, fo-

cando principalmente em seus anos iniciais e no tempo que passou no Brasil. Outra fonte de

consulta para o livro foi o testemunho de pessoas que trabalharam ao seu lado. Relatos e tri-

butos de Clyde M. Hughes, ex-superintendente da IPCC (1990-2014), do historiador Dr.

Vinson Synan e de Horace Ward Jr. aparecem no livro.

2 John Stroup e Pentecostal Church of Christ: raízes

históricas e teológicas da ICPB

O movimento que daria origem à ICPB nos remete à pessoa do Rev. John Stroup (1853-

1929), um presbítero e evangelista metodista, simpatizante do movimento holiness, que rece-

beu o batismo com Espírito Santo no ano de 1908, aos 54 anos de idade, no templo onde seria

45 Id. Ibid. p. 141. 46 MILLER, Samuel. Night of Tears, Years of Joy. Maitland: Xulon Press, 2008. 175 p. 47 MILLER, Samuel B.; BLEVINS, Daisy Miller. Carry the Gospel: The life and legacy of Chester Miller mis-

sionary to Brazil. Maitland: Xulon Press, 2014. 192 p.

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a primeira Assembleia de Deus dos EUA, em 1912. As informações biográficas e teológicas

sobre John Stroup, no entanto, estão em sua maior parte acessíveis apenas por meio de anota-

ções e rascunhos pessoais de Chester Miller, que vez por outra publicava alguns poucos textos

nos periódicos. Muitas de suas anotações – folhas soltas – são difíceis de interpretar por serem

fruto de uma forma pessoal de tomar notar. São rascunhos sem uma sequência muito clara a

outros leitores, e fica ainda mais difícil pelo uso da letra de mão e de informações pontuais e

contextuais fora de nosso alcance como, por exemplo, a consulta a um arquivo público foren-

se, o uso de regionalismos e a possível perda de alguns documentos.

Chester Miller tencionava escrever um livro. Por isso fez numerosos rascunhos. Coube

ao pesquisador interpretá-los, traduzi-los do inglês e organiza-los. Havia vários papéis com

informações repetidas, ora complementares, ora contraditórias. Não poucos deles, resumos da

biografia de John Stroup, foram escritos em tópicos gerais. Outros procuraram ressaltar ape-

nas determinados aspectos da vida ou ministério do pioneiro da PCC. Por outro lado, o pouco

que se sabe hoje sobre John Stroup se deve aos registros de Chester Miller, que rendeu em

nossos apontamentos cerca de 30 páginas de informações digitadas, e resumidas aqui. Essas

informações são, em sua maioria, desconhecidas ao público em geral, para a academida e

mesmo para os membros e ministros da igreja.

Apesar do trabalho, as informações coletadas foram, na medida do possível, comple-

mentadas por frequentes consultas ao então bispo da IPCC Clyde Hughes, aos textos publica-

dos em jornais, livros e boletins da igreja, além da análise do contexto que envolveu o surgi-

mento da igreja. Tudo o que foi possível coletar no arquivo da IPCC, em London, Ohio, foi

digitalizado pelo autor dessa pesquisa, o que faz deste, um trabalho com o privilégio da origi-

nalidade e pioneirismo, e as limitações de uma investigação que está apenas começando.

2.1 Trajetória religiosa e teológica de John Stroup

A figura de John Stroup remonta ao fim do século 19. Ele nasceu no pequeno distrito

de Stokes, no Madison County, Ohio, Estados Unidos da América, na vila rural de South So-

lon, em 27 de outubro de 185348.

Era o mais jovem dos quatro filhos do próspero descendente de imigrantes alemães, Jo-

seph Stroup, nascido na Pennsylvania, e de Sarah Ann Hanson (Stroup), de inclinação religio-

sa, que tinha uma Bíblia e fazia orações em casa.

48 MILLER, Chester Irvin. Obtuary. Anotações pessoais não publicadas.

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Aos 19 anos se casou com Sarah Ellen Thomas (Stroup) em 31 de outubro de 1872 e

foram morar numa terra de cerca de 8000 m² que Joseph Stroup lhes dera. John Stroup tinha o

objetivo de trabalhar para se tornar um fazendeiro bem sucedido, e já começava a ver bons re-

sultados. Tiveram uma filha e três filhos: Bertha May, Joseph Walter, John Milton e Charles

Forrest, além de quatro netas e quatro netos. Stroup não teve um alto grau de instrução, mas

desejava que seus filhos o tivessem. Sabe-se que Bertha e Charles49, que se tornaria ministro e

pregador da Methodist Protestant Church, foram para uma Bible School em Cincinatti. Os ou-

tros dois garotos se tornaram fazendeiros. Bertha jamais se casou.

A experiência de conversão50 de John Stroup é contada por ele mesmo em três etapas

que, aliás, corresponde ao modelo adotado pelos pentecostais que guardaram a experiência da

santificação como segunda obra da graça: conversão, santificação e batismo com Espírito

Santo. A conversão de Stroup é marcada por um episódio de intenso arrependimento por ter

maltradado um cavalo e ter pedido perdão a Deus por isso; e depois sua empolgação por ad-

quirir um exemplar da Bíblia, ao qual leria 13 vezes.51

Sua decisão ocorreu efetivamente no inverno de 1877, num encontro de avivamento

promovido na vila de South Solon. Ele foi dirigido por três pessoas de confissão metodista,

das quais sabemos apenas os nomes: Jonathan Verity, John Adkinson e a irmã Sparks.52 Ten-

do ido conferir de perto, Stroup levantou sua mão para receber oração e foi até o altar – lugar

de significado especial para os movimentos de santidade. Mas a convicção por sua salvação

não veio de imediato. Enfrentou “duras batalhas com o diabo” (entendidas por Miller como

crises pessoais e pensamentos de dúvida). Estava, porém, sempre motivado por um sentimen-

to de “quase desespero por encontrar Deus”. Ao voltar à igreja, teve oportunidade para falar e

contou sua experiência, mas, mesmo no altar ainda não se sentia em paz. Entre crises, dúvidas

e visões espirituais, Stroup se tornava cada dia mais convicto de sua fé.

Poucas semanas depois, a convite do irmão Adkinson foi o pregador de uma reunião em

uma schoolhouse, em South Solon, e falou sobre “nascer de novo” e contou sua experiência

49 Um exemplo é de que seu nome, como “Rev. C. F. Stroup”, consta duas vezes num cartaz de divulgação, entre

os pregadores da The St. Clair County Ministerial Association of the M. P. Church, reunida na M.P. Church de

Riley Center, que ocorreria em 11 de julho de 1922 durante todo o dia, em três sessões: manhã, tarde e noite.

Aparece também como “Charles F. Stroup e esposa” num cartaz, onde sua foto é destaque: Evangelistic Cam-

paign at Beasley Opera House, em Britton, Michigan. A campanha semanal teria início num domingo de maio,

às 19h45. O ano deste não foi divulgado. Ambos documentos estão arquivados na sede da IPCC. 50 THE PENTECOSTAL WITNESS, 1971, p. 10. 51 THE PENTECOSTAL WITNESS, junho de 1971. (sem paginação) 52 MILLER. Obtuary.

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pessoal.53 Sentiu-se insuficiente em sua pregação, mas depois de uma oração em família, sen-

tiu-se melhor. Essa forma de pregar e o sentimento de não ter se saído bem o perseguiria ou-

tras vezes no início de sua carreira como pregador.54 Sentia-se, ademais, restringido por sua

educação limitada, mas afirmava que Deus sabe de todas as coisas e poderia capacitá-lo.

Apesar de todo o temor inicial por pregar, atuaria como evangelista e mais tarde como

pastor metodista por cerca de doze anos. Voltaria, sem embargo, ao trabalho pelo qual tinha

paixão: o de evangelista.

A santificação veio em 14 de agosto de 1878, pela manhã, enquanto participava de uma

reunião de oração conduzida pelo Rev. Matthew num acampamento em Urbana, Ohio. Quan-

do Stroup subiu ao altar, recebeu a experiência, sentindo como se o poder de Deus estivesse

sobre ele. O testemunho desse epidósio foi bem recebido pelas pessoas em casa e na igreja lo-

cal. Passou a promover reuniões de oração em busca da experiência de “Holiness” todas as

quartas-feiras à noite, e houve um despertamento espiritual abrangendo quilômetros da área

em redor. A santificação, segundo ele, se confundia, naquela época, com a experiência do ba-

tismo com o Espírito Santo descrita em Atos.

Interessante notar que Sarah Stroup (25 de novembro de 1852 – 17 de setembro de

1928), a esposa de John, se converteu ao protestantismo em 1881 através da People’s Church

de South Solon. Ela ficou conhecida por ser dona de uma bela voz ao cantar. Em sua bíblia,

Miller encontrou um tratado (folheto) evangelístico de quatro páginas, de autoria de William

H. Durham55, da North Ave. Chicago Mission, intitulado “Salvation in Christ for all”.

O reverendo Miller mencionou um artigo de jornal de 1888, em que John Stroup é cita-

do como participante da reunião de um grupo do movimento Prohibitionist (Proibicionista).56

Na ocasião, conforme consta nas minutas, Stroup fez também uma oração.57

53 PENTECOSTAL WITNESS, 1927. p. 5-7. John Stroup talked about “getting religion”. 54 O depoimento original de John Stroup, publicado no Pentecostal Witness de maio de 1927, p. 6, à respeito

atribuiu ao diabo a acusação que Chester Miller diz ser da própria consciência do pioneiro. 55 Durham é um dos grandes nomes do pentecostalismo moderno, e da escola de Keswick. 56 Conjunto de discursos que expressava as demandas de grupos moralistas que, no início do século 20, pediam a

proibição de inúmeras drogas psicoativas e que passaram a ser incorporadas por governos nas Américas e na Eu-

ropa. De lá pra cá se consolidou como o modelo legal mundial para tratar de uma sempre crescente lista de dro-

gas. O proibicionismo conjuga argumentos de quatro tipos: o moralista, o de saúde pública, o de segurança pú-

blica e o de segurança internacional. Um dos frutos mais famosos do proibicionismo é a Lei Seca, em vigor nos

EUA entre 1920 e 1933. (Disponível em <http://www.nu-sol.org/verbetes/index.php?id=70> Acesso: 17 janeiro

2015). 57 Tirado do The London Advocate – provavelmente um jornal – de 4 de setembro de 1888. Os rascunhos são

uma possível transcrição, ao menos parcialmente literal (devido ao uso de aspas no começo do texto), feita por

Chester Miller.

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Em 1893 tornou-se membro da Methodist Protestant Church. No mesmo ano seu pai,

Joseph Stroup, lhe repassou 20 acres58 de terra nos arredores de South Solon. Ainda em 1893,

o velho senhor ficou gravemente doente e perdeu a memória, vindo a falecer em 1894.

Atuante na igreja metodista protestante em South Solon, OH, John foi ordenado ao ofí-

cio de presbítero (Elder, no original) na Conferência da denominação reunida em Ohio, aos 9

de setembro de 1894.59 Em 1901, ele e sua família se filiaram à igreja metodista de Mt. Cory,

Ohio.

John Stroup ouviu falar pela primeira vez sobre o batismo com Espírito Santo acompa-

nhado pela glossolalia sob a assertiva clássica de “Latter Rain” em agosto de 1907, no Camp

Ground em Dunkirk, OH. Naquela época vivia em Mt. Cory, e era o evangelista da conferên-

cia da Wesleyan Methodist Church (da Miami Conference of Ohio)60.

Conta que em oração, teve uma visão na qual Deus lhe dizia que ele seria deixado no

mundo com nada mais que uma Bíblia e o Espírito Santo.61 Stroup entendeu que teria que se

desfazer da propriedade presenteada por seu pai, das terras adquiridas pelo seu trabalho e do

dinheiro que dispunha em espécie (25 mil dólares) para aplicar-se à tarefa que propôs confi-

ando somente em Deus. Sua principal motivação foi a interpretação que fez do texto na Bíblia

que diz que, ao contrário das raposas e das aves, o Filho do Homem não tinha onde reclinar a

cabeça. Ele e sua família se mudaram para South Solon, e lá entregou todos os seus bens aos

seus familiares, sobrando-lhe apenas $ 8,55.

Recebeu uma carta de seu superior lhe requisitando para conduzir uma protracted mee-

ting (lit. reunião demorada) na Leaquinio Street, em Findlay, OH. Já desejoso e em busca do

batismo com Espírito Santo, caminhava para alcança-lo. Sua esposa e seus dois filhos mais

velhos questionavam a busca de John Stroup pelo falar em línguas e tentavam dissuadi-lo a

desistir da ideia.

Em 27 de agosto de 1908, sua credencial metodista perdeu a validade, e no dia 30 John

Stroup pensou em outro grupo religioso que pudesse recebê-lo. Stroup sabia de alguns poucos

ministros entre os Radical United Brethren – organização que mais tarde se uniria à igreja

metodista para formar a United Methodist Church – que não se opunham à prática da glosso-

lalia por parte daqueles que já eram membros, mas a conferência o examinou e lhe negou in-

gresso ao saber de sua pregação sobre o Espírito Santo e o “falar em línguas”.

58 Aproxim. 80 mil metros quadrados. 59 Conforme certificado de ordenação de John Stroup, preservado na sede da IPCC em London, Ohio. 60 Não encontramos mais informações sobre o motivo de sua mudança de filiação religiosa. 61 MILLER. Anotações pessoais não publicadas.

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O pregador se viu rejeitado tanto pelos Metodistas quanto pelos Irmãos Unidos. Então,

na noite daquele mesmo dia, dirigiu-se a uma igreja de inclinação pentecostal em Findlay,

comumente chamada de The Mission, de Thomas King Leonard (1861-1946)62, cujo prédio

era denominado The Apostolic Temple. Quase um mês depois – e pouco mais de dois anos

após o início do avivamento da Rua Azusa –, aos 22 de setembro de 1908, por volta das 10

horas da manhã, logo depois do primeiro serviço religioso do dia, John Stroup decidiu perma-

necer após o culto e afirmou: “Eu sei que não há [nenhuma barreira] entre Deus e eu!”63, ao

que um irmão lhe sugeriu que levantasse suas mãos para achegar-se a Deus, e isto ele fez,

como se estivesse dando tudo de si para receber o Espírito Santo. Sua experiência é descrita

de forma marcante: caiu ao chão pelo poder de Deus, e então teve uma visão espiritual.64 Im-

portante notar que esse tipo de conversão do movimento metodista ou wesleyano holiness pa-

ra o pentecostalismo foi muito comum no período do surgimento do movimento pentecostal.65

Já a experiência de sua esposa, a princípio resistente à nova forma de espiritualidade,

viria mais tarde. Sarah Stroup começou a buscar o batismo com o Espírito Santo em 6 de abril

de 1910. Finalmente, num acampamento em Indianápolis, Indiana, no dia 29 de julho de 1910

ela teve a experiência pentecostal e falou em línguas. O irmão Stroup estava na ocasião e des-

creveu o rosto de sua mulher como se a glória de Deus brilhasse nele. Maravilhada, mandou

seu filho mais novo contar aos irmãos que a experiência e a bênção do Espírito eram tão reais

quanto o céu.66

Miller recolheu anotações sobre (ou talvez literalmente das margens) de um Novo Tes-

tamento feitas por John Stroup e datadas de 1911 sobre temas teológicos diversos e, ao mes-

mo tempo, relevantes para seu tempo e para a doutrina em que estava envolvido: 1) Sobre o

62 Conforme o The New International Dictionary of the Pentecostal and Carismatic Movement (GOHR, G. W.

BURGESS; VAN DER MAAS: 2002 p. 838), Leonard foi ordenado pela Christian Church e chegou a pastorear

três de suas congregações em Findlay, OH. Em 1906 recebeu o batismo no Espírito Santo através do ministério

de C. A. McKinney – pastor e evangelista de origem metodista, influenciado pelo avivamento de Azusa e que se-

ria o fundador da Pentecostal Church of Akron (1914) e mais tarde (1918) ministro das Assemblies of God (p.

855). Tal experiência conduziu Leonard a vender sua fazenda e comprar um salão onde faria uma igreja em Fin-

dlay, OH, a partir de março de 1907. Em 1912 ele chamou sua própria igreja de “Assembly of God” – sendo

considerada a primeira a ter esse nome –, e instalou uma gráfica e uma escola bíblica no andar de cima. Mais

tarde, faria parte do primeiro presbitério executivo das AGs, quando da sua fundação oficial em 1914 e posteri-

ormente considerou se filiar ao ministério de Aimee Semple McPherson, do Evangelho Quadrangular. O site ofi-

cial da igreja divulga, no entanto, que a data da escolha do nome de AG foi feita já em 1909

(http://www.findlayfirstag.com/?TargetPage=2979E119-561E-4908-AAA7-D257456E3E1F – acesso em 03 se-

tembro 2014). 63 IPCC LIFE - Monday – November 9, 2009 - Volume 20, Number 44. Newsletter por e-mail. 64 Texto de autoria de Chester Miller, publicado no IPCC LIFE, 2009, n. 44. A tradução livre do inglês e adapta-

ção estilística é de nossa autoria. 65 BUNDY, D. D. United Mthodist Charismatics. BURGESS; VAN DER MAAS: 2002 p. 1158-9. 66 MILLER. Sister Sarah Ellen Thomas (Stroup). Anotações pessoais não publicadas.

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batismo com o Espírito Santo, referiu-se ao “falar em línguas” como “evidência do nosso ba-

tismo” e também citou “o derramamento do Espírito” ou “Latter Rain” em Los Angeles, Cali-

fórnia, em 6 de abril de 1906; 2) Apontou a insurgência de uma falsa profetisa: “O diabo en-

ganou o mundo por meio de uma mulher e tem tentado fazer isso de novo por meio da Sra.

Eddy – a Christian Science Woman”,67 justificando sua crítica aos falsos profetas e pregado-

res com Is 56 e Jr 23; 3) Indica textos bíblicos que “testificam” de “nossa conversão” (Rm

8.16), “nossa santificação” (Hb 10.14-15) e de “nosso batismo[com o Espírito Santo]” (At

10.46); 4) Define termos escatológicos: “Rapture”, em que as pessoas se encontram com Jesus

nos ares, e “Revelation”, quando Ele aparecerá junto com aqueles pelos quais Ele terá volta-

do; 5) Define termos existenciais: “Tribulation” vem do diabo, e “Persecution” vem das pes-

soas; 6) Responde negativamente à pergunta se a alma dorme com o corpo na sepultura, e jus-

tifica com os textos de Fp 1.23, 2Co 5.8 e Mt 22.23.

Em sua velha Bíblia, Miller encontrou anotações em que: 1) Afirma que “Novo nasci-

mento ou nascer de novo é uma ação; regeneração é um estado. Santificação é um ato; holi-

ness é um estado”; 2) Elenca os estágios da salvação: Arrependimento, Regeneração, Santifi-

cação, Batismo com o Espírito Santo, Cura Divina, Segunda vinda de Jesus e Ressurreição

dos mortos.

Outras anotações, provavelmente colhidas aleatoriamente das margens de sua Bíblia são

indicadas: 1) Paulo recebia ajuda da igreja (Fp 4.16); 2) À respeito do trabalho feminino na

igreja (Fp 4.3; 1Tm 2.12; 1Co 14.34, 35); 3) Sobre a alma humana: ela pensa, tem intenções,

vontades e desejos, regozijos e lamentos; 4) Sobre a cura: Ex 15.16: “Eu sou o Senhor que te

cura”; 5) Sobre a proibição e remover “marcos antigos” (Pv 22.28; 23.10; Dt 19.14; 27.17; Jó

28.2; Os 5.10); 6) A palavra “altar” é usada 34 vezes no AT e 12 no NT. “Altares” é utilizada

11 vezes na Bíblia; 7) Cinco diferentes crenças a ocorrência da santificação: a) Quando

perdoado; b) Crescimento; c) Quando a morte chega; d) Quando mortificação em conjuntos;

e) Segunda experiência, depois da salvação; 8) Inferno: Dt 32.22; Srta. Eddy, da Ciência

Cristã, nega o sangue de Jesus; 9) As palavras santificar, santificado e santificação aparecem

122 vezes na Bíblia; 10) Da mesma forma purificador e pureza, igual ou superior a 600 vezes;

11) Perfeito, aperfeiçoado e perfeição ocorrem 150 vezes; 12) Santo ou santidade, 600; 12) O

Espírito Santo sempre testemunha do Novo Nascimento (Rm 8:16), também da nossa

santificação (Hb 10.14, 15) e do nosso batismo (At 10.46; At 19.6); 13) “É impossível para

67 Mary Baker Eddy (1821-1910), norte-americana, foi a fundadora da Ciência Cristã, doutrina que deu nome ao

grupo religioso que ensina e pratica a cura por meio da metafísica. A ideologia e método dessa organização reli-

giosa está descrita no livro Science and Health with Key to the Scriptures, cuja autoria pertence a Eddy.

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uma alma ser absolutamente perfeita nesta vida, pois somente Deus é absolutamente perfeito;

nem tampouco iremos alcançar a perfeição angelical ou [da condição de] ressuscitado, aqui

nesta vida.”; 14) Há uma enorme diferença entre a carne e a concupiscência da carne; 15)

Falar em línguas é loucura para o mundo, mas é uma evidência do Batismo. (At 10.46). A

evidência é que o que demonstra que um fato é fato.

Publicou, em 1912, um livreto intitulado Is Justification, Santification and the Baptism

of the Holy Ghost one and the self-same thing?, com 15 páginas. No texto faz a diferenciação

entre os termos entendidos como etapas distintas da trindade: justificação e santificação acon-

tecem somente pelo sangue de Jesus; o Batismo com Espírito Santo é somente pelo Espírito,

que na analogia fica assim: Jesus batiza os crentes com o Consolador; Deus, o Pai, olha para

todo o processo e nele se apraz.

Escreveu também um livro (talvez autobiografia) de 136 páginas, o What God can do68,

publicado em dezembro de 1913 e prefaciado pelo proeminente líder pentecostal J. Roswell

Flower – de quem teria sido pastor por algum tempo – em Indianapolis, Indiana.69

Stroup investia seu tempo promovendo encontros de avivamento em tendas e casas. Em

Advance, KY (atual Flatwoods), o tempo ficou frio demais para manter a tenda armada, que

estava há poucos quilômetros de onde é hoje a igreja de Portsmouth. No final de outubro

construíram um tabernáculo provisório ao lado da tenda. Porém, na noite de Halloween de

1915, alguns “brincalhões” rasgaram a tenda, que não mais foi utilizada a partir de então, e

passaram a ocupar o tabernáculo.

Em meados de março de 1916, portanto ainda no inverno, John Stroup recebeu o convi-

te de Stanley para participar de uma reunião de avivamento, que se estendeu por seis semanas

em sua casa, na cidade Catlettsburg, Kentucky. Lá, aproximadamente vinte pessoas testemu-

nharam ter recebido o batismo com Espírito Santo. Quando o clima melhorou, Stroup levou

sua tenda para Catlettsburg e a instalou no terreno onde seria erguida e até hoje está presente

uma filial da IPCC. Quando terminavam o serviço na tenda, continuavam na casa da irmã

Stanley. Havia escola dominical toda semana e em todos os cultos se coletavam ofertas para a

construção da igreja.

68 MILLER. John believes in givin. 69 Não encontramos nenhum exemplar deste livro, nem mesmo nos arquivos deixados por Chester Miller no es-

critório geral da IPCC. Conforme mencionado por Miller, o autor faz as seguintes citações: 1) um artigo do jor-

nal “Christian Witness and Advocate of Bible Holiness”, publicado em fevereiro de 1910; 2) cartas do irmão

Jesse Leach de 4 de abril de 1911; 3) cartas da senhora H. J. Kelso, de Sedalia, Missouri, em 5 de abril de 1911;

4) citou um livro que, enquanto estava num avivamento em Salia, Canadá, recebeu pelo correio de um amigo:

“Current Heresies”, sem data.

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É dito que John Stroup também foi o pioneiro da mensagem pentecostal do “evangelho

pleno” em Johnson e no Magofinn County, no Kentucky. Porém, apesar de recente adepto de

um movimento inovador, mostrava-se um tanto quanto ponderado em suas assertivas. Era de

uma postura conservadora em termos morais e de comportamento social. Não tinha uma vida

abastada e, mesmo como bispo, às vezes sequer recebia proventos da igreja.70 John Stroup

também é descrito como alguém que nunca reclamava, mesmo diante das piores situações

como seu estado agravado de saúde.

John pregaria seu último sermão em Portsmouth, Ohio, em abril de 1929 e faleceria em

23 de julho de 1929, de câncer no intestino. Em 8 de março daquele ano e, portanto, próximo

aos dias em que passaria adiante desta vida, correspondeu-se com um amigo, Dolph Ressin-

ger, contando-lhe sobre seu estado de saúde, que parecia estar melhorando, e das pregações

voltadas para santificação e pecado.71 A igreja se referiria a ele com a seguinte legenda, en-

contrada abaixo de sua foto numa publicação: “Gone but not forgoten”, isto é, “partiu, mas

não será esquecido”, em tradução livre. Foi sepultado ao lado de sua esposa, Sarah, no cemité-

rio de South Solon.

2.2 John Stroup e a organização da Pentecostal Church of

Christ

A caminhada de John Stroup como pregador pentecostal o levaria a organizar a Confe-

rência da Pentecostal Church of Christ, na cidade de Advance (atual Flatwoods), Kentucky. A

ocasião era um sábado, dia 10 de maio de 1917. As comunidades das igrejas fundadas por ele,

como as de Portsmouth, Huntington, Cattlestsburg, Flatwoods e outros lugares estavam pre-

sentes. Na ocasião Stroup foi eleito, por unanimidade, o Bispo presidente. A Conferência faria

um trabalho de arrolamento das igrejas iniciadas por ou ligadas a John Stroup e dos ministros

a elas associados. Um dos ministros mais antigos a ser ordenado em 1918 na Conferência da

PCC foi John Collins, cujas credenciais haviam sido invalidadas pela Methodist Episcopal

Church.

A iniciativa era justificada pela intenção também de fundar uma igreja que preservaria a

experiência do “pleno evangelho de Jesus Cristo”, em seu poder e pureza. Nas palavras de

Miller, a demanda criada pelo batismo pentecostal, com o Espírito Santo, gerou a necessidade

70 MILLER. John believes in givin. 71 Carta transcrita e editada do original por Chester Miller.

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de uma igreja com este perfil para acolher os fiéis naquela região.72 Além disso, é recordado

como um valorizador da expansão missionária, apesar de não ter visto isso acontecer em vi-

da.73

Miller atribui a Stroup o fato de ter sido um dos primeiros pregadores de Pentecostes na

região do vale de Ohio, e fala igualmente sobre a forma com que isso contribuiu ao surgimen-

to das igrejas, em meio às perseguições e exclusões por parte das denominações.74

Chester Miller se refere ainda ao senso de unidade pregado por John Stroup, que apesar

de ter fundado uma nova denominação, não a considerava a única verdadeira, e nem nutria

sentimentos de que seus seguidores teriam um lugar especial no céu por causa disso.75

O nome da organização, The Pentecostal Church of Christ, se explica numa publicação

de mesmo título, de autoria John Stroup.76 O autor caminha por dizer que Jesus fundou uma

igreja de Cristo pentecostal no Novo Testamento, e que todas as outras, como metodista,

presbiteriana, etc, seriam desdobramento dela. Argumenta tanto sobre os aspectos que envol-

vem a “Igreja de Cristo”, como o porquê dela ser, essencialmente “Pentecostal”, justamente

por remeter ao dia de Pentecostes e à doutrina neotestamentária. O nome parece vir no sentido

de afirmar que a PCC era, na verdade, uma forma de recuperar a igreja primitiva.

Sobre a escolha do nome da igreja, é importante ressaltar também o texto Why the Ori-

ginal Name of this Church Must Be Retained, em que se afirma que ele veio de Deus:

Artigo I. A Pentecostal Church of Christ não deve mudar o seu nome

original, ou se associar a qualquer outra igreja ortodoxa; (mas outras igrejas

ortodoxas podem vir até nós), por três razões: em primeiro lugar, porque foi

uma ordem do Senhor; segundo, porque de três testemunhos definitivos

foram dados a três pessoas diferentes, em três momentos diferentes.

A primeira mensagem foi dada à irmã Stanley, de Catlettsburg, Ky., Depois

de uma semana de jejum e oração, para saber se esta era a verdadeira igreja.

Esta mensagem, como os outros, era excepcional e definitiva.

A segunda mensagem foi dada à irmã Sullivan na Assembleia em

Huntington, W. Va., A mensagem foi dada em línguas e interpretada por ela,

como sendo esta a verdadeira igreja de Cristo.

A terceira mensagem foi dada ao bispo e fundador da igreja, depois de muita

ansiedade para saber se esta era a verdadeira igreja. O poder de Deus veio

sobre ele e a voz do Senhor falou com ele, dizendo: “Esta é [a Igreja].”

Terceira razão, por causa da prosperidade que atendeu seus esforços e pela

maneira que Deus colocou o Seu selo sobre cada conferência.77

72 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1950, p. 8. 73 Ibidem, novembro de 1950, p. 8. 74 Ibidem, maio de 1957, p. 1. 75 Ibidem, novembro de 1950, p. 8. 76 STROUP, John. The Pentecostal Church of Christ. Kenowa: The Pentecostal Witness, s.d. 32 p. 77 PENTECOSTAL CHURCH OF CHRIST. The Manual and Annex of the Pentecostal Church of Christ. 1917.

p. 26-27

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Apesar da idealização comum dada aos fundadores e sua obra por seus seguidores, os

registros não deixaram de mencionar os revezes já nos primeiros anos. No mês de agosto de

1917, por exemplo, John Stroup ordenou quatro diáconos, mas somente um permaneceria na

primeira Conferência, em setembro de 1917, a qual presidiu em Huntignton, West Virginia.

Em 1920 escreveu um artigo contra o ensinamento unicista, intitulado “Warning to all

God’s Children”. John Stroup visitou em agosto de 1920 a igreja em Vernon Furnace onde re-

cebeu 18 membros para a Conferência da PCC. É possível que Daisy Miller, mãe de Chester

Miller, importante líder da PCC anos mais tarde, fosse uma delas. Ela foi salva, santificada e

batizada com o Espírito Santo em Vernon Furnace, no final de 1919.

Chester Miller anota com destaque a ocasião de 20 a 23 de agosto de 1924, em que o

bispo John Stroup presidiu a 8ª Conferência Anual em Advance, KY. Em seu relatório para a

Conferência mostra alguns aspectos da PCC que são interessantes para entender a Igreja, co-

mo a rotina de seu presidente que incluía reuniões de avivamento e pregações em tendas. Faz-

se também menção a mulheres ativas no ministério como a irmã Wagoner e a irmã Addis.78

De Redline, KY, datando 10 de dezembro de 1925, John Stroup escreveu de próprio pu-

nho uma carta bem curta a um casal de amigos, os Risner. O endereço é desconhecido. O bis-

po relatou que esteve pregando para uma boa audiência, e que na ocasião 44 se inscreveram

para fazer parte da igreja, e 34 nomes estavam em suas mãos, motivo pelo qual estava anima-

do. Esperava estabelecer uma assembleia no local, onde havia 4 ou 5 “santos batizados” com

os quais disse que já poderia começar. Afirmou que tudo estava indo melhor do que o espera-

do e encerra dando conselhos para que fizessem tudo o que pudessem pela causa de Jesus e

que estava feliz em poder saber deles.

Uma pequena nota de Chester Miller indica outro episódio de protagonismo feminino

no ministério de Stroup: uma Bible School ocorreu em Portsmouth, em um inverno, prova-

velmente em 1926. A escola ocorreu no andar de cima da casa de Albert Palmer, dirigida por

Mary Jackson com a ajuda da irmã Hill, ex-missionária para a Índia.

O credo doutrinário e o funcionamento da igreja estão descritos num documento intula-

do The Manual and Annex of the Pentecostal Church of Christ, escrito a partir em 1917, por

John Stroup.

O manual – a primeira parte do livreto – expõe primeiro as doze declarações de fé da

igreja ou “The faith of this Church”, da qual se destacam os artigos 4 e 6, respectivamente,

que revelam as tendências teológicas de que é herdeira: “Cremos na santificação como a se-

78 Annual Conference Minutes. Advance: PCC, 1924. p. 2-4

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gunda obra da Graça”79 e “Cremos que há três ordenanças para a Igreja: Batismo em Água,

Ceia do Senhor e Lava-Pés”.80. A lógica de Ordenanças rompe com o sentido de sacramen-

to.81

Os temas listados como artigos de fé e mais outras duas seções destinadas a explanar a

Ceia do Senhor e o Lava Pés, são recomendados para leitura nas assembleias trimestrais (des-

tinadas a estes ritos), feitas pelo Elder (no Brasil se traduziu por ancião ou presbítero) respon-

sável, conforme indica o artigo 11, “para que conheçam o ensinamento da Pentecostal Church

of Christ”. A adesão à igreja também poderia ser condicionada à aceitação do manual e suas

orientações quanto à doutrina trinitária, o batismo e os dízimos.82

Sobre o batismo, apesar da herança metodista, reconhece apenas a forma de batismo por

imersão, e somente para pessoas “justificadas”. Quanto à celebração da Ceia do Senhor, acon-

tecia a cada três meses, em casas particulares, seguida pelo lava-pés.83

Os oficiais que “governam a verdadeira Igreja de Cristo são Bispos, Anciãos e Diáco-

nos”.84 Ao bispo cabe supervisionar e cuidar de toda a igreja e acompanhar e ordenar os de-

mais ministros, com o auxílio destes. Os anciãos devem cuidar da igreja local para a qual fo-

ram designados, celebrar ceia, casamento e funerais e pregar a Bíblia. A tarefa destinada aos

diáconos merece atenção, pois a eles cabia o cuidado dos pobres e das viúvas, principalmente

de dentro da própria igreja. Dentre eles se separava um secretário e um tesoureiro. Todos de-

veriam apresentar um relatório de atividades na Conferência Anual, ocasião na qual apenas os

oficiais tinham voz. Ministros de outras igrejas eram aceitos na Conferência desde que res-

pondessem satisfatoriamente a algumas questões doutrinárias.

Outra categoria de ministros, ou melhor, ministras, é a de Profetisas. Elas não se enqua-

dravam na categoria de oficiais, mas poderiam ser remuneradas pela igreja tal como os ofici-

ais. São mulheres reconhecidas como portadoras do dom de profecia, e autorizadas a profeti-

79 PENTECOSTAL CHURCH OF CHRIST. 1917. p. 3 80 Ibidem, p. 4 81 Vale a pena aqui abrir-se um parêntese para explicar a dinâmica das ordenanças entre pentecostais dos EUA.

Em geral, preferiram o termo ordenanças em lugar de sacramentos, por quererem evitar dizer que há uma eficá-

cia contida nos próprios meios. A maioria optou pelo uso de suco de uva não-fermentado por conta do ensino da

abstinência total do álcool e os problemas contextuais com alcoolismo, e pressupõe a reconciliação em lugar de

ser meio de obtenção do perdão, como na lógica sacramental. Sobre o lava pés, alguns optaram por manterem es-

ta prática em obediência ao que Jesus ensinou na última ceia como um ato de humildade, comunhão e serviço,

“transcendendo barreiras societais de raça, nacionalidade, gênero, e classe social.” (HUNTER, H. D. BUR-

GESS; MAAS: 2002, p. 947-946). 82 PENTECOSTAL CHURCH OF CHRIST. 1917, p. 13 83 Ibidem, p. 5 84 Ibidem, p.7

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zar (predizer eventos futuros, ensinar ou pregar85) mediante uma carta de recomendação. Res-

salta-se que nenhuma profetisa teria recomendação caso não fosse casada ou fosse esposa de

um homem que tem “duas esposas vivas” (divorciado ou equivalente). Fala-se ainda de minis-

tros leigos.

O manual descreve a igreja como uma congregação de pessoas “nascidas de novo” que

adoram a Deus em espírito e em verdade. Não se trata do edifício. As pessoas que a compõem

são a igreja.86

A guarda do Sabbath era também algo que não poderia ser quebrado, porém, ele era

correlato não ao sábado judaico, mas ao “primeiro dia da semana”, ou domingo87. Na mesma

página defende a prática de dar dízimos como um ensinamento bíblico.

Pregadores de outras denominações ortodoxas (evangélicas e protestantes) poderiam ser

recebidos, desde que não falassem contra as doutrinas defendidas pela PCC. Seriam rejeita-

dos, porém, pregadores oriundos das seguintes tradições: Ciência Cristã, Espiritualismo, Cato-

licismo e de qualquer grupo que não reconhecesse Deus como trindade.

A outra parte, o Anexo, que foi acrescentado numa edição posterior para ser uma espé-

cie de continuidade do manual, indica ainda algumas questões doutrinárias e administrativas.

Chamamos atenção para o sistema de governo: o Official Board de cada igreja local é com-

posto pelo pastor, diáconos, curadores e superintendente da escola dominical, sendo o pastor o

presidente deles, e o responsável por manter a lista de membros.

O sucessor de Stroup foi Martyn Alexander Hay (1874-1952), ou M. A. Hay, casado

com Mary Jane Hay. Converteu-se aos 22 anos de idade, e depois de um ano e meio começou

a pregar. Por vários anos foi membro da Enterprise Association of Regular Baptists, e serviu

uma vez como seu moderador. Depois de 14 anos de sua conversão, teve a experiência de

santificação enquanto estava em oração, em seu lar. Em 5 de outubro de 1925 recebeu o ba-

tismo com Espírito Santo, e no ano seguinte (1926) se uniu à PCC. Serviu como secretário,

pastor e foi peça chave para organização e construção da igreja em Lyra. Quando da morte de

Stroup, foi eleito Bispo da organização e permaneceu no cargo por nove anos, resignando em

1938 por razões de saúde. Segundo o próprio Hay, sua vida podia ser resumida em ciclos de

14 anos. Foi santificado após 14 anos de conversão. Batizado com Espírito Santo após 14

anos de santificado. Perguntava-se o que aconteceria depois dos próximos 14 anos.88 De fato,

85 Ibidem, p. 20. 86 Ibidem, p. 12 87 Ibidem, p. 14 88 THE WITNESS AND MESSENGER. Maio de 1957, p. 3, 7-8

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retirou-se do ministério após seu 3º ciclo de 14 anos, e partiu desta vida no fim do 4º ciclo de

14 anos, isto é, 56 anos após sua conversão!

Eldon Lindsey Cyrus ou simplesmente E. L. Cyrus, o terceiro bispo da PCC (1938-

1954), obteve sua primeira licença de ministro pelos Batistas Regulares, em 1916. No mesmo

ano recebeu o batismo com Espírito Santo. Em 1919 foi ordenado ministro pela PCC, tendo

pastoreado por 16 anos e servido como secretário geral. Eleito bispo em 1938, foi também

membro do corpo diretor da PFNA (Pentecostal Fellowship of North America). Segundo Mil-

ler, seu estilo pentecostal de pregação era bem quisto pelas igrejas na região.89

Cyrus pertencia à PCC desde 1918 e comentou, que entre as principais coisas que lhe

chamavam atenção na instituição, se poderia listar as seguintes:

Em primeiro lugar, o seu ensinamento do Novo Nascimento, pelo qual

somos libertos de nossos pecados e feitos herdeiros do Reino de justiça de

nosso Deus. Em segundo lugar, a santificação, uma experiência definitiva

para todos os remidos. O Batismo do Espírito Santo com a evidência de falar

em línguas, conforme o Espírito conceder. A ressurreição dos mortos na

vinda do Senhor. E a cura de doenças conforme nós orarmos e crermos.90

Durante os anos de 1966 a 1968 houve um período experimental de fusão entre as con-

ferências da PCC e a da Pentecostal Holiness Church. Mesmo que a fusão se concretizasse,

não haveria alteração no nome de nenhuma das duas. Lindsey T. Hayes, na página do jornal

The Pentecostal Witness de dezembro de 1967, elenca no texto de duas páginas, “Why I favor

merger with the Pentecostal Holiness Church”,91 as diversas vantages que a união poderia tra-

zer em termos de recursos humanos, financeiros e políticos, além de apontar as similitudes te-

ológicas, históricas e doutrinárias entre ambas as denominações. A união não se concretizaria,

no entanto.

Em agosto de 1964 um tabernáculo foi erigido pela PCC em London, Ohio, e o prédio

denominado John Stroup. Na ocasião o jornal deu informações sobre a então situação da con-

ferência e a interação da mesma com as outras organizações:

No início, era apenas uma organização de ministros, mas mais tarde a

necessidade de organizar as igrejas foi reconhecida. Dos primeiros dias da

Pentecostal Church of Christ para cá, se espalhou em seis estados e

[avançou] para o campo missionário estrangeiro. Também entrou em

comunhão com outros grupos de fé semelhante, como a Emmanuel Holiness

Church, a Pentecostal Holiness Church, e da Church of God Mountain

Assembly, bem como tomar parte na Pentecostal Fellowship of North

America e da National Association of Evangelical.92

89 Ibidem, p. 6 90 THE WITNESS AND MESSENGER. Maio de 1957, p. 6. Tradução do autor. 91 Idem, dezembro de 1967, p. 3 92 Idem, julho de 1964, p. 3

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3 A Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil: personagens

e testemunhos na construção da sua história

3.1 Personagens de destaque na história da Igreja de Cristo

Pentecostal no Brasil

A seguir faremos uma breve apresentação das personagens destacadas nesta pesquisa e

apontaremos aqui o que foi possível captar de suas biografias e que possam trazer informa-

ções úteis à compreensão das ideias e ações por eles praticadas.

3.1.1 Horace Ward e Carolyn Ward

Horace Singleton Ward nasceu em Flat Rock, Henderson County, North Carolina, em

12 de maio de 1906. Filho de Mary Capps Ward e James Levi Ward, nasceu e cresceu num lar

de pais piedosos, onde a experiência do batismo e do poder pentecostal eram enfatizadas. Eles

frequentavam uma igreja pentecostal próxima ao local onde moravam. Converteu-se aos 13

anos (1919) numa igreja batista (Missionary Baptist), onde também se batizou por imersão.

A família se mudou para longe da igreja pentecostal. Por algum tempo Ward esteve

“afastado da luz” e “viveu a miserável vida de um apóstata”. Porém, conforme relata sua ir-

mã, A. L. Beatty, mais tarde, na primavera de 1924, Deus o trouxe de volta por intermédio de

um professor que o conscientizou.93

Dois anos depois, conforme os relatos, numa reunião de tenda em Hendersonville,

North Caroline, se sentiu faminto por ter uma experiência de santificação. Com fervor ele

clamou a Deus do fundo do coração: “Deus, eu irei aonde queres que eu vá, diga o que queres

que eu fale e o que queres que eu seja”94. Foi santificado em 1926.

Recebeu sua licença para pregar em 1929. À época era membro da Pentecostal Holiness

Church. Em 1933 se filiaria à PCC. Em agosto daquele ano foi ordenado ao ministério. Os

testemunhos dão conta de que no ano seguinte, 1934, Deus responderia à oração que fez anos

antes: “Quero que vá ao Brasil por mim”, e apesar de ter estudado geografia, não sabia onde

93 PENTECOSTAL CHURCH OF CHRIST. Minutes of twenty-third Annual Conference of the Pentecostal

Church of Christ. Catlettsburg, 1939. p. 4 94 Ibidem, p. 5.

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era o Brasil. Tentou esquecer aquela experiência, até que anos depois ouviria a mesma voz lhe

repetindo o pedido. Dessa vez, não rejeitaria. A convenção da PCC o aprovou como missioná-

rio em 16 de agosto de 1934, e o enviaria ao Brasil. Partiu da América do Norte em 22 de de-

zembro de 1934 e chegou ao Rio de Janeiro, Brasil, em 8 de janeiro de 1935, à bordo do navio

SS Delsud.

Na alfândega, teve dificuldades de se comunicar porque não sabia falar português e nin-

guém podia compreendê-lo. Até que alguém o ajudou a se comunicar. Saiu do local e viu o

navio pelo qual chegou ao país, mas disse não ter tido nenhuma vontade de voltar, pois estava,

na verdade, realizando um sonho pelo qual orava há oito anos.

Outros registros dão conta de que assim que chegou, Ward folheou um jornal em busca

de alguma oportunidade de trabalho e viu uma notícia sobre a Assembleia de Deus (AD).

Como Ward conhecia os fundadores dessa denominação, Gunnar Vingren, morto em 1933, e

Daniel Berg, que na época ainda estava vivo, pensou que talvez pudesse encontra-lo naquela

igreja. Berg não estava lá, mas o missionário sueco que encontrou foi Nils Kastberg, líder de

destaque na AD, que o convidou a pregar, traduzido por Gustav Bergstrom, outro colega pen-

tecostal que conheceu no Brasil.

Horace Ward permaneceu no Rio de Janeiro seis dias e partiu para o Nordeste, na espe-

rança de encontrar seu amigo George R. Johnson no Alagoas, com quem havia se correspon-

dido. Ao chegar lá, por um desencontro, teve que aguardar a chegada de Johnson, e ficou na

casa de um brasileiro enquanto isso. Quando se viram, viajaram pouco depois pelo Estado.

Passou primeiro pela cidade de Palmeira dos Índios, AL, e depois seguiram para Mata Gran-

de, AL, onde atuaria como evangelista por um tempo e aprenderia o português com seu ami-

go. Ward dizia saber que onde estava entrando era uma terra de intenso banditismo e perse-

guição de “crentes”.95 A esposa de Johnson disse que recebeu o batismo com Espírito Santo, e

isso fez com que a igreja que os mantinha cortasse a verba, o que os forçou a trabalhar numa

fazenda para obter o próprio sustento e o tempo para a missão ficou prejudicado.96 Pela mes-

ma razão tiveram que apresentar a ele um professor de português, mas por diversas vezes se

sentiu tentado a desistir dessa difícil tarefa, entretanto, afirmava que mesmo que não apren-

desse o português, não mudava o fato de que estava no Brasil, “a terra do meu chamado, e es-

95 THE WITNESS AND MESSENGER. Janeiro de 1960, p. 5 96 Ibidem, p. 5

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tou aqui para dizer [isso]”.97 Fez significativos avanços ao viajar sozinho com um irmão brasi-

leiro e pregar por algumas igrejas.

Onze meses depois trabalhou no Ceará e Pernambuco com Virgil Frank Smith, emissá-

rio da Church of Christ (Igreja de Cristo). Por também afirmar que recebeu o batismo com

Espírito Santo (início dos anos 1930), Smith foi expulso imediatamente de sua denominação e

fundou uma igreja chamada “Igreja de Cristo Pentecostal”, uma versão “pentecostalizada” da

Igreja de Cristo, mas que não se firmou como denominação e, apesar do nome, era distinta da

ICPB. Mais tarde se uniria às Assembleias de Deus.

Em meados de outubro de 1936, já atuando no interior do Pernambuco, tão logo quanto

tenha aprendido o português, começou a fazer cultos em Serra Talhada,98 e deu os primeiros

passos da missão, e em 24 de janeiro de 1937, Horace Ward iniciou a construção do prédio da

primeira filial brasileira da Pentecostal Church of Christ, denominada “Igreja de Cristo Pente-

costal em Serra Talhada”. É provável que a convivência e o coleguismo entre Ward e Smith

tenham influenciado na escolha da tradução do nome da PCC, pois, outra possibilidade seria

Igreja Pentecostal de Cristo. Quando fundou a igreja, ao lado de alguns crentes e recém-

convertidos, Horace Ward passou a ser seu pastor.

Nos EUA, antes de ingressar nas missões, Ward graduou-se após quatro anos de estudos

no Holmes Bible School and Missionary Institute. Pouco depois conheceu uma moça deicada

ao serviço cristão, ex-aluna do Instituto e que também se sentia chamada às missões na Amé-

rica do Sul: Eva Carolyn Hall (14 de abril de 1914 a 2003), da cidade de North Wilkersboro,

NC. Os dois se apaixonaram e se correspondiam por carta. Carolyn se convertera em 1926, e

foi batizada em águas e no Espírito Santo em 1934. Em 1938 foi licenciada para pregar com a

certificação de Profetisa, e em 1948 foi ordenada Missionária.

Ward voltou para os Estados Unidose se casou com Carolyn em 5 de junho de 1938,

numa cerimônia dirigida pelo presidente do Holmes. No dia 14 de dezembro de 1938 os dois

partiram juntos para o Brasil, para tentarem saldar um pouco daquilo que Beatty, irmã de

Ward, chamou de “sentimento de dívida” que eles tinham com o Senhor. Horace Jr., seu filho

mais velho, se tornaria importante ministro da Church of God e cofundador da Society for

Pentecostal Studies, ao lado Vinson Synan e William Menzies.99

97 Ibidem, p. 5 98 Idem. Maio de 1957, p. 5. 99 Disponível em <http://storage.cloversites.com/societyforpentecostalstudies/documents/history.pdf>

10/11/2014.

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A segunda igreja iniciada por Horace Ward foi no município de Rio Branco (atual Ar-

coverde), PE, no ano de 1940. Chester Miller registraria que em 1941 existiam seis igrejas e

missões estabelecidas, e uma membresia de 127 pessoas.100 Naquele ano passou a missão no

Brasil passou a contar com o apoio de Chester Miller, que ajudou com a organização e indica-

ção de anciãos, diáconos e evangelistas quando havia necessidade.

Horace Ward atuaria como missionário em tempo integral no Brasil. Suas viagens acon-

teceriam em períodos alternados de em média dois anos de duração: 1934-1938; 1938/9-1945;

1948-1951; 1956-1958; 1959-1961; 1961-1963; 1964-1966; 1967-1968; 1968-1969; 1971;

1978; 1984; 1985; 1988. Sua esposa o acompanhou em duas dessas temporadas: 1938-1945,

1948-1951, 1947-1951, 1984, 1985, 1988.

Miller destaca o ano de 1945 quando, depois de seis anos e meio de trabalho em sua se-

gunda viagem, retornou aos Estados Unidos com sua família, aumentada agora pelos três fi-

lhos: Horace S. Ward Jr, James Paul Ward e William Duteil Ward. Quando regressou em

1948, escreveu que encontrou a igreja com 500 membros.

Demonstrando entusiasmo, Chester Miller comenta que em 1966101, aquele trabalho

fundado com apenas três membros em 1938, em Villa Bela, adquirira um “caráter nacional”,

contando com 160 igrejas e mais de 4 mil membros, espalhados por 12 estados brasileiros.

3.1.2 Chester e Rachel Miller

Chester Miller era o sexto dos onze filhos de Daisy Miller (1891-1942) e Samuel Wil-

son Miller (1879-1969), um trabalhador rural e tradicional ministro da PCC, ordenado pastor

pelo próprio John Stroup. Daisy crê e testemunha ter sido curada durante uma reunião de avi-

vamento promovida por Stroup. Chester nasceu em 17 de março de 1917, em Lawrence

County, OH.

Em seu lar não era permitido o uso de literaturas não evangélicas, nem mesmo noticiá-

rios. A única exceção eram os livros escolares. Na escola pública, Miller procurou se destacar

como o primeiro da turma para fazer frente às acusações de que pentecostais não eram inteli-

gentes. Seu pai relutaria em permitir que ele fosse para o ensino médio porque se ensinava o

Evolucionismo na escola.

Foi salvo aos dez anos, na igreja de Zoar, OH, onde seu pai era pastor e uma moça de

dezoito anos, Mary Scaggs, era evangelista. Pouco mais tarde seu pai o levou a Ironton, para

100 MILLER. Honor of Rev. H. S. Ward: missionary to Brazil for 32 years. 1966. 101 MILLER. Honor of Rev. H. S. Ward.

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ouvir John Stroup pregar. Stroup já estava idoso e pregava sentado numa cadeira. Mas, nessa

ocasião foi à frente e pediu a Deus para ser santificado, e conta que o Espírito Santo veio até

ele e o fez tremer e sacudir o corpo. Não muito depois diria ter recebido o batismo do Espírito

Santo.

Aos 12 anos leu a Bíblia inteira, e aos 14 já lecionava numa classe dominical, fazendo

jus, ao “talento natural para ensinar que Deus me deu”, como ele mesmo dizia. Com dezes-

seis anos se tornou superintendente da escola dominical e começou também a se aproximar de

Horace Ward, que se tornaria seu “herói espiritual”. Atraia muitas pessoas para os cultos ao ar

livre, ao som de bandolins e de um velho órgão tocados por jovens da igreja. Aos 17 era con-

vidado a pregar em outras igrejas e cobria as ausências de seu pai. Em 1936 já havia lido a

Bíblia inteira por cinco vezes, recebeu um “batismo de amor” e sentiu um forte desejo de ir

para o Brasil e ajudar Ward, mesmo sendo arrimo de família. Mesmo assim, nessa época se

tornou obreiro de tempo integral. Em 1937 foi ordenado “Elder”. Em 1940 partiu para o Bra-

sil, onde serviria por onze anos. Ele já estava no país quando em dezembro de 1942, soube da

morte de sua mãe. Àquela altura vivia na casa dos Ward, em Arcoverde (Antigo Rio Branco).

Chester Miller foi eleito superintendente geral da Pentecostal Church of Christ em 1954

e por isso regressou à sua terra. Foi reeleito para os mandatos seguintes e exerceu o cargo até

1990.

Ainda mais informações sobre sua vida e atuação aparecem no depoimento de Thomas

L. Dooley, secretário geral da igreja em 1957:

O Rev. Miller, filho de um pregador pioneiro Pentecostal, desde cedo seguiu

os passos de seu pai no trabalho ativo da igreja. [...] Ele recebeu seu

treinamento ministerial pelo Holmes Bible College, e mais tarde tornou-se

professor no Faith Bible Institute [da PCC] em Ashland, Kentucky.

Sua profunda espiritualidade, coragem e habilidade como líder trouxe

sucesso à obra do Senhor. Como parte da segunda geração Pentecostal, ele

tem sido uma inspiração para muitos e é muito estimado por aqueles com

quem ele tem trabalhado nos Estados Unidos e no exterior.102

A edição de março de 1943 do The Pentecostal Witness registra, numa pequena nota,

que Rachel Hill Yarborough, futura esposa de Chester Miller, sentia-se também chamada para

o Brasil, e nos EUA já atuava como pregadora em eventos de avivamento, como colunista do

jornal da PCC e também como professora suplente do Faith Bible Institute, Akron, OH, no

lugar da irmã Olga Ferguson (de família tradicional na PCC).103 A irmã Rachel nasceu em 25

de novembro de 1917, em Mineral Springs, NC. Converteu-se ao protestantismo numa Me-

102 THE PENTECOSTAL WITNESS. Setembro de 1957, p. 5, tradução livre. 103 Idem, março de 1943, p. 7.

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thodist Church, em 1931. No início (primavera) de 1938 foi santificada, e no verão de 1938

deixou a tradição metodista porque teve a experiência do batismo pentecostal. Ligou-se então

à Pentecostal Holiness Church, onde foi licenciada como Profetisa em 1941. Em fevereiro de

1943 se uniu à PCC.

Para custear sua vinda ao Brasil, Yarbourough se colocou à disposição para visitar as

igrejas de sua conferência, e Miller pediu aos pastores que a convidassem para um culto com

ênfase missionária. Nas palavras do pioneiro, “Ela é uma moça cristã consagrada, e temos cer-

teza de que será uma missionária digna.”104 Além do mais, corresponderia ao pedido que os

missionários no Brasil faziam pelo envio de mais agentes para a obra missionária. Em 1945,

finalmente, o dia chegou.105 Seu trabalho no Brasil foi por um curto período, mas se destacou

em várias áreas da Igreja norte-americana.

3.1.3 José Pinto de Oliveira

Nasceu numa família católica e quando completou nove anos seus pais se converteram

ao protestantismo. No entanto, não se sentia verdadeiramente salvo, pois dizia que o evange-

lho deles era “sem poder”, e as pessoas envolvidas não abandonavam hábitos “mundanos”

como o tabagismo.106

Converteu-se ao pentecostalismo aos 13 anos, quando em 1932 um soldado que pregava

a fé pentecostal chegou à cidade e começou a pregar. Três anos depois foi batizado em águas.

Em 1943 recebeu o batismo com Espírito Santo.

Depois de experimentando, foi ordenado evangelista em 8 de dezembro de 1946. Pouco

depois começou a trabalhar e ajudar a fundar a missão em Recife ao lado do Rev. Chester

Miller. Em fevereiro de 1948 foi enviado para atuar em Caruaru juntamente com Miller, e em

março foi ordenado pastor na Convenção Geral dos campos.

Na ocasião foi designado para pastorear em Arcoverde e no mês de agosto daquele ano

voltaria a trabalhar no Recife a pedido do bispo Ward. Foi no Recife que obteve formação em

teologia, concluída em 1954, conforme lembrou: “Como pastor do Campo de Recife me foi

dada a oportunidade de estudar no Seminário Batista do Norte. Lá fui capaz de estudar e me

preparar melhor para o serviço do Senhor. Irmão Chester Miller estava presente na minha

formatura do seminário.” 107 Em 1953 o jornal da PCC publicou congratulações ao Pr. José

104 Idem, maio de 1943, p. 4. 105 Idem, outubro de 1945, p. 5. 106 THE WITNESS AND MESSENGER. Janeiro de 1960, p. 4 107 Ibidem, p. 4

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Pinto de Oliveira, por sua graduação em teologia: “Isto foi certamente uma importante reali-

zação de sua parte, e estamos orgulhosos dele.”108

Isaac Pinto de Oliveira, um de seus filhos, em explicações compartilhadas com o autor

desta pesquisa por e-mail (a única fonte, por escrito, dessas informações), e que foi considera-

da válida mesmo diante do fato natural de filhos tenderem a falar bem de seus pais, mas con-

ta, com certa objetividade, sobre a participação do pai em entidades de classe e de uma pers-

pectiva de missão integral, de anunciar a libertação aos oprimidos:

O Rev. José Pinto nunca foi filiado a nenhum partido ou movimento social

ou ruralista, no entanto, ele nunca deixou de participar ativamente das reuni-

ões dessas entidades de classe. Quando era convidado como líder evangélico

sempre esteve presente e fazia questão de emitir suas opiniões, ora a favor,

ora contra, pois sempre pautava sua ideologia política dentro dos princípios

bíblicos da Missão Integral da Igreja, como ele sempre defendia baseada em

Lucas 4:18,19, que por sinal ele gostava muito de pregar neste texto.109

O Rev. José Pinto formou-se em teologia pelo seminário batista do Nordeste. Tinha

amizade com alguns políticos de trajetória socialista e democrática, entre eles, Miguel Arraes,

deposto pelos militares em 1964. O pastor também apoiou o Dr. Inaldo Ivo Lima, Deputado

Estadual de Pernambuco por cinco mandatos consecutivos. Lima também foi cassado pelo

golpe militar de 1964. Como presbítero da Igreja Presbiteriana do Brasil, o Dr. Inaldo fundou,

no bairro de Encruzilhada, o Movimento de Ação Social de Pernambuco e instalou um Ambu-

latório Médico que atendia consultas, cirurgias, farmácia, etc, e também fazia um trabalho de

assistência social às comunidades carentes. Lima ganharia um anúncio eleitoral no jornal da

ICPB, como poderá ser visto mais adiante. Oliveira acompanhou de perto ainda a trajetória do

Dr. Aurino do Nascimento Valois, deputado federal entre as décadas de 1950 e 1970, e que

contribuiu para a fundação do Instituto Bíblico Betel Brasileiro, em 1969, em Pernambuco.

Porém, em relação à sua participação na política, Isaac disse que Oliveira não “mistura-

va política com religião”. Acrescenta ainda sobre seu pai, considerado um homem de conduta

rígida e de postura autoritária, os seguintes aspectos, no sentido de apresentar um contraponto

às críticas que seu pai recebe, e ao mesmo tempo, justificar as decisões do ex-superintendente:

[N]a época em que Papai viveu, o contexto de vida era totalmente outro. A

suposta rigidez dele deveu-se ao zelo que ele tinha pela ICPB [...]. Papai foi

rígido pela falta de lealdade e pela forma como alguns líderes eclesiásticos

se comportavam diante do seu rebanho. [...] Papai foi rígido com alguns líde-

res que queriam fazer da Igreja propriedade particular achando-se dono dela

pelo abuso do poder. Sua rigidez por conta dos bons “Usos” e bons “Costu-

108 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1954, p. 5 109 Os e-mails foram enviados em 17/09/2013 e em 30/11/2014. A publicação do conteúdo foi autorizada medi-

ante declaração de cessão gratuita de direitos, com firma reconhecida.

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mes”, foi para que a ICPB não assumisse uma postura parecida com o mun-

do, afinal, hoje torna-se difícil diferenciar entre o “Santo” e o “Profano”. Sua

suposta rigidez era que ele queria que a ICPB tivesse sua identidade preser-

vada no meu evangélico brasileiro.

Seu filho fala ainda sobre a vocação de seu pai e seu perfil de líder vanguardista:

Papai além de Pastor Vocacionado, foi um líder nato, isto é, autêntico, que

conduziu a ICPB por 23 anos como Superintendente Geral mantendo-a sem-

pre unida e com um propósito simplesmente de anunciar o Evangelho de Je-

sus Cristo para Salvação de almas, esse era seu lema. Papai nunca usou sua

liderança na ICPB para fins políticos e muito menos para tirar vantagens, in-

clusive foi acometido da doença que o levou a óbito no exercício de seu

mandato [...]. Papai foi um líder altamente visionário para a sua época, é tan-

to que hoje muitos dos assuntos polêmicos (aborto, divórcio, homossexua-

lismo, ministério feminino, etc.) que hoje a ICPB está tentando discutir em

Convenções Gerais, ele já os antevia com muita clareza e precisão.

Acaso ou não, a linguagem que José Pinto de Oliveira usava no jornal O Herói da Fé

lembra o vocabulário identificado com movimentos sociais. Por exemplo, “comunas”110 apli-

cada no sentido de comunidades a que cada convencional pertencia na convenção 1962 e

“avante companheiros”111 como palavra de incentivo. Tendo em mente essas características e,

de forma mais evidente, a retórica dos textos que José Pinto compôs, nos capítulos seguintes

o/a leitor/a poderá compreender ainda mais sua pessoa e forma de pensamento.

3.1.4 Annie e Russel Frew

A família Frew (Russel, Annie e seus filhos) embarcou, com destino ao Brasil, no

navio “Del Mundo” no mês de dezembro de 1952, chegando à capital pernambucana, Re-

cife, em 2 de janeiro de 1953. Annie Mildred Trent (1920-2010) nasceu em primeiro de

outubro, em Rockhingan Count, North Carolina, EUA. Converteu-se aos 17 anos na Mis-

sionary Baptist Church, e foi santificada aos 19. No mesmo ano, deixou a igreja batista e

foi para a Pentecostal Holiness Church, onde foi batizada com Espírito Santo. Lá também

foi reconhecida como “profetisa”. Obteve mestrado em educação pela Wright State Uni-

versity, Ohio, e por 22 anos foi professora na escola pública.

Russel Frew (1918-1959) nasceu no dia primeiro de agosto, em Farrel, Pennsylva-

nia, EUA. Seus pais eram Alexander Graham Frew e Mary Esaias. Estudou na Farrel

High Scool onde foi graduado no ano de 1938. Converteu-se no ano de 1940 e foi batizado

nas águas em julho de 1942 e no mesmo ano experienciou a segunda bênção. Obteve li-

110 OLIVEIRA, José Pinto de. “Como decorreram as convenções” O Herói da Fé. Janeiro-Fevereiro de 1962,

ano IX, nº 68, p. 1 111 Idem. “Alguns totais dos relatórios estatísticos”. Id. Ibidem.

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cença para pregar em 1942, pela PHC e foi ordenado ao ministério em julho de 1944, gra-

duando-se no mesmo ano pelo Holmes Bible College como missionário.

Durante o seu primeiro ano no Colégio Bíblico, recebeu sua chamada para o Brasil e

conheceu Annie [Frew], com quem se casou em 15 de dezembro de 1944. Nesse período,

Annie e Russel receberam uma carta da irmã Rachel Miller, que estava no Brasil atuando

como missionária. Na correspondência, Rachel falava sobre a necessidade e urgência de

outros/as missionários/as.

A PHC não tinha previsão para estabelecer programas de missões transculturais para

o Brasil. O casal Frew então reconsiderou a carta do casal Miller, do Brasil. Em 1952, o

casal Frew filiou-se à PCC, que no mesmo ano os enviou às terras tupiniquins, para traba-

lharem com o casal Miller. Eles foram os reponsáveis por iniciar e fortalecer a comunica-

ção na igreja: em 1955 começaram o jornal O Herói da Fé, e em 1959 deram início às re-

vistas de Escola Dominical. Ainda em 1959, Russel faleceria de problemas de coração.

3.1.5 Ernst Grimm

As informações básicas sobre Grimm (1925-2014) foram tiradas de uma entrevista a

Horace Ward Jr, publicada no jornal da PCC, de novembro de 1958. A matéria tinha um título

bastante interessante: Exclusive Interview! Rev. Ernst Grimm tells about his family: life under

Hitler: opinion of U.S.112 Nela se pode conferir as seguintes informações sobre Grimm:

Nasceu na Estônia, um dos países bálticos que faz fronteiras com a Finlândia, Suécia e

Letônia e era um dos países satélites da Rússia. Deixou sua nação e foi para a Alemanha em

1939, aos 14 anos, quando a Estônia foi “invadida pelos Comunistas”. Casou-se com uma

alemã, Henriette, em 26 de janeiro de 1946, a quem descreveu como uma “very good” esposa.

Teve quatro filhos, Arno, Peter, Ellen e Rudolph. Dois nasceram na Alemanha e dois no Bra-

sil. Entre os anos 1960 e 1970, Ernst Grimm, se formou em medicina.

Enquanto na Alemanha, viveu sob o período de dominação de Hitler, e Grimm descreve

a vida das pessoas nesse tempo como “máquinas que tinham que obedecer”. Na época serviu

às Forças Aéreas, mas não chegou a lutar em nenhuma batalha famosa, embora tenha sido pri-

sioneiro num campo de concentração por dois anos. “Deus nos manteve seguros nas guerras

das quais tomamos parte.” Gozou de benefícios por ser preso de guerra e por ter conhecimen-

tos e habilidades úteis ao governo: era técnico de rádio e professor, formado na Germânia.

112 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1958, p. 8-9.

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Viveu nove anos na Alemanha antes de partir como imigrante para o Brasil. Estava, no

entanto, determinado a se mudar para algum dos seguintes países: Canadá, Austrália, Estados

Unidos ou Brasil. Levando em conta que seus filhos tiveram dificuldades com o clima frio da

Alemanha, a ponto de quase morrerem, preferiram o ambiente mais quente da América do

Sul.

Apesar de considerar os padrões da Estônia muito mais elevados, o fato de ter passado

pela guerra tornou fácil sua adaptação às dificuldades do Brasil da época, e sua formação fez

com que encontrasse emprego com facilidade. Foi, inclusive, diretor de pesquisas na fábrica

da Phillips TV, em São Paulo.

Disse-se atraído pela fé pentecostal – apesar da tradição luterana herdada de seu país –

por causa da maneira com que eles oravam, pela santidade, pelo poder, e por causa das muitas

enfermidades que ele disse ter visto sendo curadas pelo poder de Deus. Conta que recebeu o

Espírito Santo durante uma reunião noturna, e que foi relativamente fácil: “Eu apenas pedi, e

Deus me concedeu.”

A parte mais difícil foi quando se sentiu chamado para a obra. No período das férias de-

dicou bastante tempo à missão, mas depois, acabou pedindo demissão para viver o ministério

em tempo integral sem promessa de receber um centavo sequer.

Na primeira viagem evangelística, deixou sua família com apenas um dólar e oitenta pa-

ra passar uma semana. No sexto dia tiveram que dividir uma fatia de pão duro. Porém, disse

que Deus cuidou deles: como resposta a uma oração, alguém lhes trouxe à porta o equivalente

a vinte dólares.

Grimm começou seu ministério como um pregador independente e às vezes ganhava al-

gum dinheiro fazendo desenhos para capas de livros. À época da entrevista, fazia ilustrações

para o jornal da igreja no Brasil.

Ao ser questionado se era verdade que seu programa de rádio (uma de suas principais

atividades evangelísticas) era o mais ouvido da emissora, Grimm respondeu que preferia não

se exaltar e permanecer pequeno. Fato é que o programa chegou a ir ao ar cinco vezes por se-

mana, e em nove idiomas diferentes: japonês, ucraniano, ídiche, hebraico, estoniano, finlan-

dês, português e inglês, o que, segundo ele, servia de grande utilidade aos imigrantes.

Sua personalidade crítica se expressou em sua opinião sobre a igreja nos EUA (e a im-

pressão que teve enquanto passando por lá). Talvez o seu juízo não fosse muito agradável aos

leitores, mas uma vez perguntado afirmou que apesar da comunhão, da receptividade, da sim-

patia, dos belos corais e coisas do tipo, achava que a igreja perdera um pouco de sua essência,

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do jeito de ser pentecostal; abandonara a noção de que as igrejas devem sair para “ganhar al-

mas”. Apontou que talvez faltasse também a iniciativa de levar para dentro de casa o que se

aprendia e, dessa forma, “ganharem” a seus próprios parentes.

Quanto ao Brasil, planejava regressar e fazer materiais impressos da Escola Bíblica para

disponibilizar uma modalidade de curso por correspondência. Pretendia também traduzir ma-

teriais para a Escola Dominical e, inclusive, já tinha a autorização da Union Gospel Press para

isso. A “Child Evangelism” do Brasil se comprometeu a ajudar na distribuição.

3.1.6 Autodescrição da ICPB a partir do primeiro estatuto (1949)

Procurar-se-á, nesta seção, traçar um perfil organizacional da igreja no Brasil, a partir

das descrições que ela própria faz de si mesma em sua Constituição ou Estatuto (regimento in-

terno).

Nos dias 13 a 20 de fevereiro de 1949 a Convenção da Igreja de Cristo Pentecostal, reu-

nida em Caruaru, ratificou a primeira edição da sua própria constituição, que era, na verdade,

uma tradução praticamente literal da constituição da Pentecostal Church of Christ.

Permanecem as descrições feitas pelo manual de John Stroup (sic.) no sentido de que só

podem fazer parte da igreja aqueles que, nascidos de novo, justificados ou regenerados, são

batizados por imersão. Também se incentivava a busca pela experiência pentecostal: “Não

sendo batisado com o Espírito Santo, buscar esse batismo com desejo ardente e fervor. Por ba-

tismo com o Espírito compreende-se uma experiência semelhante àquelas descritas nas Sa-

gradas Escrituras. Atos 2:1-4; 8:14-18; 10:44-46; 19:6.”113 De igual modo se deveria buscar

os dons espirituais.

Sobre a responsabilidade pessoal, que reflete nas ações sociais, assevera que é dever de

cada crente “Esforçar-se por toda maneira possível para instruir-se na Palavra de Deus, e habi-

litar-se para o serviço de Deus e desta igreja.”114 Deveriam se abster de bebidas e do fumo, e

também de todo “divertimento mundano” como danças, jogos, teatro, cinema, etc, e “trajar-se

como convém ao cristão”. Enfim, deveriam aceitar as orientações da igreja para hábitos, cos-

tumes, modos de procedimento “e todas as questões de justiça cristã”.

Sobre política a constituição instrui nos seguintes termos: “Estar sujeito às potestades e

governo reconhecendo que são ordenados por Deus pagando a todos o que lhes é devido: a

113 CONSTITUIÇÃO DA IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL, A. Prima: Arcoverde, 1949. p. 2. 114 Ibidem.

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quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra.

Rom. 13:1,7”115

Membros que insistissem nas práticas consideradas erradas, que fossem flagrados em

crimes, ou que se casassem com não crentes, por exemplo, poderiam ser “eliminados” da igre-

ja.

O governo da igreja era descrito como “congregacional”, e as decisões seriam tomadas

em dois tipos de assembleia: “Deliberativa” e “Executiva”. Na primeira, composta por oficiais

(pastor, presbíteros, diáconos, dirigente, secretário, tesoureiro e secretário de finanças), se tra-

çavam diretrizes e propostas a serem expostas à comunidade na segunda assembleia. Aos ofi-

ciais cabia a análise dos relatórios financeiros, o exame da conduta de membros, etc. À con-

gregação cabia decidir, por meio dos votos da maioria, o que seria votado dentre as delibera-

ções e sugestões de membros.

Pastores deveriam ser “escolhidos por Deus” e consagrados por um concílio de minis-

tros e presbíteros. Presbíteros, por sua vez, eram indicados pela igreja local, aprovados pelo

campo e consagrados pela convenção geral dos campos. Os diáconos, por sua vez, escolhidos

pela congregação e consagrados no próprio campo a que pertenciam. Dirigentes e demais car-

gos poderiam ser ocupados por qualquer um dos oficiais.

Administrativamente, o governo da igreja seria hierarquizado assim: Campos e Igreja

Geral. Os campos são “zonas” geográficas chefiadas por um líder intitulado pastor, e anual-

mente ocorreriam convenções nos campos. Participariam das convenções os oficiais e os de-

legados116 de cada igreja, e todas as decisões deveriam estar de acordo com a Constituição e

as atas da Convenção Geral.

A assembleia geral tinha duas instâncias de decisão: o Corpo Deliberativo (missioná-

rios117, pastores, presbíteros, secretário geral e tesoureiro geral) e o Corpo Executivo (missio-

nários, pastores, presbíteros, secretário geral, tesoureiro geral, diáconos, “obreiros conhecidos

pelos campos”118 e os delegados dos campos).

O documento deixou, porém, registrada a autonomia para mudanças na constituição,

desde que aprovadas pela maioria dos membros e ministros nas convenções gerais dos cam-

pos.

115 Id. Ibidem. p. 3 116 Possivelmente seriam ministros leigos relacionados no manual de Stroup. 117 No contexto brasileiro, entenda-se emissários norte-americanos da PCC. Porém, a versão dos EUA mencio-

nava os missionários antes dos pastores no artigo correspondente. 118 Esta categoria não aparece em outras partes da constituição. Pode-se supor que fossem aspirantes ao ministé-

rio oficial.

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3.2 Historiografia inicial e tipologia a partir do testemunho dos

pioneiros

Este subtópico, ao mesmo tempo em que encerra o primeiro capítulo, servindo-lhe de

resumo, representa também uma transição para o próximo capítulo, uma vez que começa a

utilizar a fonte de pesquisa que será explorada nele: o jornal oficial da PCC, The Pentecostal

Witness (A Testemunha Pentecostal). Por um período foi renomeado The Witness and Mes-

senger (A Testmunha e Mensageiro). Para a construção de um resumo histórico inicial da de-

nominação no país pelo olhar de seus fundadores, tomaremos em conta o relato dos pró-

prios/as missionários/as pioneiros – os Frew, os Miller, Ernst Grimm e os Ward – nas cartas

enviadas à igreja dos EUA e publicadas no periódico dela. As edições que publicaram as car-

tas dos missionários sobre a igreja brasileira à igreja da América do Norte datam de 1943 a

1974. É necessário fazer uma ressalva de que as correspondências eram publicadas em média

com um lapso de mês devido às datas de fechamento das edições e à demora em que as cartas

chegavam.

3.2.1 Autocompreensão e historiografia a partir das impressões dos pio-

neiros

Uma observação sobre a denominação como um todo foi feita por Russel Frew, em

1953: “Estamos convencidos de que pertencemos a uma das melhores organizações

pentecostais”119 e também da necessidade de preservar seus valores e ensinos. Horace Ward,

em depoimento ao jornal, disse que se sentia grato por pertencer a uma denominação, que

mesmo pequena, encontrou lugar na vinha do Senhor, e por sua esposa que aceitou fazer algo

que não era nada simples: cuidar da casa e dos filhos sem o pai. Mas, resiliente, ela disse: “Eu

farei isso por Jesus”.120

Grimm, por sua vez, já nos anos 1960 – cenário de crescimento dos pentecostais e sur-

gimento de grandes denominações – descreveria a ICPB como uma denominação pequena,

mas em crescimento, graças às orações e auxílio dos norte-americanos:

A obra no Brasil está crescendo a cada dia. Nossa igreja cresce rápido, ape-

sar de sermos ainda uma das menores denominações. [...] Desde que a obra

começou há mais de 30 anos, milhares tem vindo a Jesus e o aceitado como

119 THE PENTECOSTAL WITNESS. Abril de 1953, p. 7 120 Idem. Maio de 1956, p. 3

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Salvador. [...] Mas muitos ainda estão sem salvação e nós gostaríamos de

ganha-los para Cristo.121

O ano de 1955 apresentou-se emblemático para a ICPB. Os Frew completavam três

anos de atuação no Brasil, mas estranhamente, nada se falou sobre o 18º aniversário de funda-

ção da ICPB (24 de janeiro de 1937), o que pode fazer supor que a iniciativa de construir um

relato historiagráfico, atitude própria do processo de institucionalização, ainda não acontece-

ra.122 Naquele ano, o nome da igreja apareceu como Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil pe-

la primeira vez no jornal norte-americano123 apesar dele ter sido oficializado internamente

desde a convenção de 1949.124 Isso talvez indique como funcionavam as relações entre a sede

e a filial (império-colônia?) no sentido que a preposição “do” poderia denotar para a liderança

do Norte. O jornal O Herói da Fé nasceu em 1955, e Miller fez uso de dados fornecidos por

ele.125

Somente em 1955 é que a igreja de Serra Talhada, a primeira entre as ICPBs, até então

poucas vezes citada, foi referida como a mais antiga das igrejas no Brasil.126 De fato, a atua-

ção de Miller na superintendência priorizou investimentos na área de expansão da denomina-

ção. Foi dele também a iniciativa de resgatar a história da instituição, a começar por pedir a

doação de exemplares de atas e jornais antigos.127

No ano seguinte, mais referências à história da primeira igreja: “[...] Serra Talhada [...]

foi a primeira igreja estabelecida no Brasil pela Pentecostal Church of Christ, há quase 20

anos. A antiga igreja [em forma de armazém] foi vendida e uma nova construída na época em

que saí do Brasil para os Estados da última vez. [...] eles estão fazendo planos para ampliar o

edifício em cumprimento.”128 Em janeiro de 1960, Chester Miller, como superintendente geral

da PCC, viajou ao Brasil para as comemorações das bodas de prata da missão brasileira, ainda

contadas a partir da chegada de Horace Ward ao Brasil, em 1935.129 No entanto, em 1962, pe-

lo próprio Ward, a igreja de Serra Talhada seria claramente indicada como ponto de partida da

obra no Brasil.130 Até hoje a data de fundação da ICPB em Serra Talhada é comemorada co-

121 THE WITNESS AND MESSENGER. Setembro de 1966, p. 4. 122 THE PENTECOSTAL WITNESS. Fevereiro de 1955, p. 6 123 Idem. Julho de 1955, p. 3 124 ICPB. Constituição (2012). Constituição da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil. Mogi Guaçu: SEREP,

2012. p. 13. 125 THE PENTECOSTAL WITNESS. Setembro de 1955, p. 5 126 Ibidem, p. 4 127 THE PENTECOSTAL WITNESS. (Data imprecisa) 1955, p. 5 128 Idem. Setembro de 1956, p. 5 129 THE WITNESS AND MESSENGER. Janeiro de 1960, p. 1 130 Idem. Abril de 1962, p. 4

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mo aniversário de toda a denominação. Tal condição serviria de argumento para pedidos de

ajuda para a construção, como o mobilizado por José Pinto de Oliveira e outros: Oldest

Church Needs Help.131

A edição de maio de 1967 foi comemorativa: celebrava os 50 anos de fundação da con-

ferência da Pentecostal Church of Christ nos EUA (1917). Nela Miller fez um breve apanhado

histórico e tratou assim da relevância do nascimento da denominação para o momento em que

surgiu, e publicou um artigo do pioneiro John Stroup, sobre a doutrina do batismo com Espíri-

to Santo.132

Nos anos 1974, ao tratar da escola de teologia do Instituto Beira-Mar, resultado dessa

conscientização, ressaltou a importância da instituição na formação de novos/as missioná-

rios/as, a exemplo de Horace Ward, cuja chegada (1935) completaria 40 anos em breve.133

Não chegava a ser uma tensão, mas a data parecia indefinida no período de abrangência das

cartas dos/as missionários/as ao jornal. Mesmo assim, parecia não haver consenso entre os pi-

oneiros quanto a melhor data para se comemorar o início da igreja. Não no The Pentecostal

Witness.

A igreja no Brasil também manifestava interesse por reconstituir sua história bem como

a metodologia a ser utilizada para esse fim, como se verifica na primeira edição de 1978:

Gostaríamos de publicar o histórico de cada campo, do início até sua evolu-

ção atual, para tanto, pastores, enviem o histórico de seu campo contando:

a) Início, quando? onde? como? etc

b) Evolução - almas que o Senhor tenha acrecentado etc.

c) Posição atual, nº de membros, ministério, patrimônio, etc. Vamos testifi-

car de como Deus envia obreiros e os abençoa.134

Entrementes, exceto por textos aleatórios nos jornais, não foram encontrados resultados

mais consistentes dessa construção historiográfica como um livro histórico antes da década de

1990. A publicação de algo oficial, no entanto, só ocorreria em 2012.

Em Cortês, PE, se celebravam os 40 anos de existência da igreja, considerada pelo autor

a “mãe das igrejas”, apesar de ser pouco posterior à Igreja de Serra Talhada:

No dia 5 de dezembro de 1937, a Igreja de Cristo, Pentecostal no Brasil na

cidade de CORTES/PERNAMBUCO, acabava de construir o seu templo

com poucos membros. Foi crescendo, até que chegou a ser mãe de todas as

Igrejas de Cristo, Pentecostal no Brasil. Seus filhos estenderam-se no Brasil.

Graças a Deus e, domingo 5 de Dezembro de 1977 ela completava 40 anos

131 Idem. Abril de 1963, p. 5 132 Idem. Maio de 1967, p. 1, 3 e 8 133 THE PENTECOSTAL WITNESS. Agosto de 1974, p. 2 134 FERREIRA, Davi da Costa. “Verdades bíblicas a respeito da profecia” O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro e

Março de 1978, ano XIV, nº 1, p. 1.

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de existência, muitos dos seus filhos vieram lhe render homenagem por seus

40 anos.135

Esta igreja era, na verdade, a primeira do ministério de Eloy Pinto de Oliveira e seu fi-

lho. Sua fundação não pôde ser confirmada por nenhuma outra fonte disponível para esta pes-

quisa.

Também no Herói da Fé, dados da história da ICPB nacional e em Caruarú são relem-

brados por Joaquim Damião da Silva, enfatizando-se a nomenclatura da denominação:

Em Convenção realizada na cidade de “Caruarú”, Estado do Pernambuco,

nos dias 13 a 20 de fevereiro de 1949, foi adotado o nome de “IGREJA DE

CRISTO PENTECOSTAL DO BRASIL”, a qual está hoje em quase todo o

Território Nacional. E na Convenção Nacional realizada na cidade de Santo

André - S. Paulo, em Janeiro de 1978, passou o seu nome a ser “IGREJA DE

CRISTO PENTECOSTAL NO BRASIL”. Isto porque, sendo uma Igreja

Nacional, faz parte de uma Missão Internacional. Pois esta Igreja, que nas-

ceu na América do Norte, em 1907, com o nome de Igreja de Cristo Pente-

costal da América do Norte. [...]

E de 1946-68 foi fundado o trabalho desta Igreja na cidade de Caruarú – PE,

onde foi ordenado pelo Ministério desta Igreja, o Rev. José Pinto de Olivei-

ra, isto em 1948. E em 1949 já tinha naquela cidade uma boa Igreja, onde se

realizou a Convenção que mudou o nome da Igreja de Cristo Pentecostal de

Serra Talhada para Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil.136

O testemunho dá ainda especial atenção à diferença da ICPB com relação a outras de-

nominações:

Vou falar agora da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil e seu Ministério,

pois tenho prazer em falar neste assunto, pois esta Igreja que, no dia 24 de

Janeiro de 1981 completou 44 anos que trabalha no Brasil, não tem ainda

nem uma divisão, pois a Igreja de C. P. do Brasil é uma só, e o seu Ministé-

rio é um em todo o Brasil. E mais uma coisa afirmo aos meus companheiros

de Ministério, que tenho observado os movimentos evangélicos de nosso pa-

ís e tenho visto que é o Ministério mais identificado com o Novo Testamen-

to, isto digo, em organização, união, disciplina e doutrina; posso dizer assim,

pois sou membro desta Igreja há 38 anos e 36 anos de obreiro neste Ministé-

rio, e peço aos meus colegas de Ministério para trabalharmos cada dia, até a

vinda de Jesus com mais perfeição, isto é, com verdadeira união, sem ambi-

ção, inveja, ganância de posição ou dinheiro.137

3.2.2 ICPB entre as ondas do movimento pentecostal

A ICPB possui características que a situam doutrinária e praticamente entre as assim

chamadas primeira e segunda ondas do movimento, conforme a classificação que Paul Freston

135 FRANÇA, Aluisio Epifânio de. “Igreja de Cortes/Pernambuco e seus 40 anos” O Herói da Fé. Abril, Maio e

Junho de 1978, ano XIV, nº 1, p. 3. 136 SILVA, Joaquim Damião da. “Testemunho Histórico” O Herói da Fé. Novembro de 1980 a Junho de 1981,

ano XVII, nº 7, p. 1. 137 SILVA, Joaquim Damião da. “Testemunho Histórico” O Herói da Fé. Novembro de 1980 a Junho de 1981,

ano XVII, nº 7, p. 6.

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e Ricardo Mariano fazem. Freston138 organiza o movimento pentecostal brasileiro numa lógi-

ca histórico-institucional, geográfica, social e cultural, considerando a dinâmica de três ondas,

o que sugere movimento e sucessão: primeira onda: pentecostalismo clássico (1910-1950);

segunda onda: movimentos de curas, tendas e rádio (1950-1960); terceira onda: neopentecos-

talismo (1970 em diante). Apesar de contestável, a maior parte dos estudiosos considera queo

pentecostalismo clássico é protagonizado pela Congregação Cristã no Brasil (1910) e pelas

Assembleias de Deus (1911). Ricardo Mariano139 chama a segunda onda (1950-1960) de deu-

teropentecostalismo, ou, literalmente, “segundo pentecostalismo”, porque o termo grego

“deutero” expressa melhor a dinâmica de sequência, mudança e ao mesmo tempo repetição

em determinados aspectos. Com relação à terceira onda, mantém a nomenclatura neopente-

costalismo ou pentecostalismo autônomo, mesmo reconhecendo as limitações da classifica-

ção.

Essas tipologias são limitadas, obviamente, e fica evidente, por exemplo, quando des-

consideram vários movimentos e igrejas pentecostais que não estão ligados às Assembleias de

Deus ou Congregação Cristã entre os anos 1910 e 1950. Porém, ainda assim ajudam a com-

preender o movimento uma vez que mostra suas principais características e uma sequência

cronológica.

Até o momento já foram (ou serão) elencadas muitas características da ICPB que a inse-

rem no chamado pentecostalismo clássico (primeira onda), quais sejam: ênfase no batismo

com Espírito Santo como revestimento de poder e capacitação do alto para realizar a obra de

Deus; missionários/as que deixavam seu país em busca de cumprir seu chamado às nações

com pouco ou nenhum recurso de sua igreja ou movimento de origem; estilo de vida e teolo-

gia herdadas de setores conservadores da América do Norte.

Os dados históricos e doutrinários expostos doravante retomam características do mo-

vimento pentecostal classificado como de segunda onda, definido, sobretudo pelo uso de ten-

das e rádio como instrumento de propagação, das curas e exorcismo como realidade da pre-

sença de Deus nos cultos e o envio de missionários/as com mais recursos. Tais menções acon-

teceram exatamente a partir da década de 1950.

A começar por um testemunho de cura registrado por Miller durante um batismo:

Em 23 de dezembro de 1951, eu batizei uma senhora aleijada em Pombos

[PE], que durante anos andava com muletas, mas ao sair da água sentiu a

138 FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem anjos nem

demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994. 139 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola,

1999. p. 23-49

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força fluir em seus membros, e jogando as muletas de lado prosseguiu an-

dando, louvado seja Deus! Um testemunho vivo do poder de cura do nosso

Bentido Senhor Jesus.140

Alguma resistência com o uso de determinadas mídias apareceu no jornal da PCC. Um

longo artigo ocupou a capa e mais meia página do The Pentecostal Witness, edição agosto e

setembro de 1952, com o seguinte título: Why television is wrong,141 e tece argumentos bíbli-

cos e estatísticos contra o uso do aparelho, que era considerado má influência. O autor é C. P.

Weiford, da PCC de Baltimore, MD. O mesmo comportamento permeava a ética de outras

igrejas pentecostais.

Em 1955 Frew era o editor do jornal O Herói da Fé, que começou a circular naquele

ano.142 Materiais evangelísticos como bíblias e outras publicações eram adquiridos da Socie-

dade Bíblica do Brasil com preço menor, e dessa forma estavam sendo distribuídos. A moti-

vação era um fenômeno muito comum: conversão de muitos católicos ao pentecostalismo:143

“quando um Católico começa a ler a Palavra de Deus com um coração honesto, ele geralmen-

te aceita a Verdade.”144 Harland Graham, missionário britânico, amigo dos fundadores da

ICPB, mantinha um programa de rádio que atingia sete estados brasileiros.

Horace Ward, que se mostrava um estrategista do ponto de vista do uso dos métodos de

evangelismo e da leitura da realidade em que estava inserido, logo percebeu algo que estava

dando certo em São Paulo: a evangelização por meio de tendas. Por isso, se coloca diante de

uma longa argumentação para mostrar as vantagens do método.

Eu descobri que tenda é uma resposta para o nosso problema de espalhar o

Evangelho no Brasil. Pessoas que vão a uma tenda são as que nunca iriam a

uma igreja, e muitas delas vão e se sentam. [...] Uma tenda aqui permanece

por um ano, ou um pouco mais. O Irmão Smith está trabalhando em Santos

há mais de um ano agora, e nós temos aproximadamente quatrocentos mem-

bros [...]. Você conhece algum outro trabalho que esteja prosperando tanto

quanto este? Nós temos uma tenda de aproximadamente 13 por 22 metros,

que custa cerca de 1500 dólares. [...] Mas o que são 1500 dólares em compa-

ração com almas? Nós temos gastado milhares de dólares nos últimos 22

anos e temos apenas 1500 almas, mais um número de igrejas construídas pa-

ra mostrar. Enquanto num período de um ano de tenda nós temos cerca de

400 membros, além de outros que foram para outras igrejas e estão salvos da

mesma forma. Eu não quero desmemerecer nosso trabalho ao longo de 22

anos. O Senhor sabe que temos trabalhado, e não perdemos tempo. Mas, se

140 THE PENTECOSTAL WITNESS. Março de 1952, p. 7. 141 Idem. Agosto e setembro de 1952, p. 1 e 8 142 Idem. Maio de 1955, p. 4 143 Aqui cabe a constatação de Regina Reyes Novaes de que os agricultores “crentes” não se distinguiam dos ca-

tólicos na prática econômica, mas sim na identidade social, religiosa, e isso significa um distanciamento das coi-

sas do mundo e a obrigação de pregar a Palavra de Deus (NOVAES. 1985: 140-141). 144 THE PENTECOSTAL WITNESS. Maio de 1955, p. 6

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há uma maneira de levar o Evangelho para o povo mais rápido do que temos

feito, estou pronto para isso.145

A igreja em Vila Bela (São Paulo), aberta pelo próprio Ward, fechou pouco antes dele

retornar ao Brasil em 1956, por falta de alguém que a liderasse, mas as intensas atividades

evangelísticas do missionário estavam reerguendo-na. Cerca de 500 pessoas já tinham se con-

vertido nos serviços de tendas, em parceria com o irmão Smith. Em Santos, Ward cobria as

férias de Smith e persistia em afirmar que a tenda ou tabernáculo era a melhor maneira de

evangelizar.146 Apesar disso, continuava a alugar salões para pessoas que não podiam ir às

tendas, embora a intenção de Ward e de Smith fosse clara: “Estamos tentando cobrir a cidade

com tendas. Elas têm acampado alguns entre [o aqui e] a Eternidade”. 147 Os encontros na ten-

da de Ward aconteciam duas vezes ao dia: às 15h e às 20h. No horário noturno os cultos eram

cheios, conforme os relatos.

Ward, de São Paulo, testificou a cura de um homem que tinha uma hérnia e que um

crente recebera o batismo pentecostal na tenda, após anos de cristianismo. Ward batizou al-

gumas pessoas, entre as quais um casal de cerca de 70 anos. A forte tendência das igrejas do

velho mundo enviarem missionários para os países em desenvolvimento se fazia sempre pre-

sente: um missionário britânico (inominado) esteve pregando nos cultos promovidos por

Ward e seu amigo. Este missionário teve sua casa invadida por católicos no Ceará e seus mó-

veis quebrados poucos anos antes.148

A primeira menção ao nome de Ernst Grimm, missionário associado da PCC, no The

Pentecostal Witness ocorreu na edição de setembro de 1957, e o assunto remete justamente ao

tema deste tópico: características das ondas do pentecostalismo na ICPB. Aspectos da segun-

da onda são marcantes nesse momento. Ward e Grimm atuaram juntos em São Paulo, inclusi-

ve na reorganização da igreja em Itaim [Paulista]. Depunham que lá “o fogo estava caindo” e

havia salvação, santificação, batismos com Espírito Santo e curas de enfermidades.149 Curas

eram eventos não muito comuns de serem relatados nos cultos da ICPB até aquele momento.

A utilização do rádio foi também ressaltante na ICPB. As igrejas em Santo André, cuja

primeira congregação nasceu de membros de uma igreja presbiteriana que receberam o batis-

mo pentecostal e outros que ouviram a mensagem, podem ser atribuídas ao ministério de

Ernst Grimm, com sua pregação especialmente radiofônica, como observa Horace Ward:

145 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1956, p. 5 146 Idem. Dezembro de 1956, p. 5 147 Idem. Maio de 1957, missionary page. 148 Idem. Julho de 1957, p. 5 149 THE PENTECOSTAL WITNESS. Setembro de 1957, p. 5

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A maior razão para termos um novo grupo entrando para a nossa igreja [San-

to André] é por causa do Programa de Rádio dirigido pelo Irmão Grimm. Ele

é ouvido e conhecido em uma grande área por causa da transmissão. Ele foi

informado que recentemente as autoridades do estúdio fizeram um teste e

descobriram que ele é o “Programa Mais Ouvido” da estação [...]. 150

O testemunho de Grimm evidencia duas coisas típicas do movimento pentecostal dos

anos 1950. Primeiro relata uma possessão, durante um culto de batismo em Itaim, em novem-

bro de 1957: “O adversário enviou duas pessoas possessas de demônio à nossa reunião, mas

os demônios foram embora logo após nós os expulsarmos em nome de Jesus. Deus seja lou-

vado, os sinais estão seguindo os que crêem.” 151

Outro aspecto do movimento pentecostal, em especial nas décadas de 1950 e 60, é a

“pentecostalização” de evangélicos de igrejas tradicionais históricas, e mesmo o “rebatismo”,

por imersão, que acompanha o movimento desde o início. Este foi o caso da ICPB em Santo

André:

Enquanto isso, um grupo que pertencia a uma denominação “fria” aqui em

Santo André, me pediu para levá-los em nossa igreja, eu estava muito feliz

porque eu tinha orado para que o Senhor me enviasse este grupo. Eles não

puderam permanecer em sua igreja, porque quase todos eles foram batizados

com o Espírito Santo. Agora, temos aqui um grupo cheio de fogo que está

disposto a trabalhar para o Senhor. Durante uma semana de cultos, 20 aceita-

ram o Senhor. Em 15 de dezembro, com a ajuda do Senhor, nós teremos um

serviço batismal desse grupo porque eles foram batizados [com água] de

uma forma não encontrada no Novo Testamento.152

Ward também presenciou Grimm doutrinando aquele grupo de crentes recém-chegados.

Procurando guarida, visitaram o maior grupo pentecostal da região, mas não se sentiram bem

lá. Foram a outro grupo pentecostal bastante popular, mas também não criaram empatia.

Então eles ouviram o programa de rádio “A Hora da Libertação”. Quando

eles ouviram o programa, começaram a procurar pelo Pastor, ou diretor do

programa. O Irmão Grimm não pediu que eles se juntassem a nós, mas esta-

va orando para que o grupo pudesse vir até nós. Vários deles foram à sua ca-

sa um dia, e pediram a ele para fazer parte. 153

O novo grupo precisou aprender a necessidade de serem batizados por imersão, e depois

de alguma relutância, aceitaram.

Grimm prosseguiu contando os trabalhos em que a ICPB se envolvia (e a presença dos

elementos mais enfatizados pelo deuteropentecostalismo):

150 Idem. Dezembro de 1957, p. 5 151 Ibidem, p. 5 152 Ibidem, p. 5 e 8 153 Idem. Janeiro de 1959, p. 5

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Aqui em Santo André nós tivemos um [evento de] avivamento em parceria

com uma outra igreja Pentecostal e durante as várias noites de reunião tive-

mos um público de 20 mil pessoas. Milhares fizeram sua decisão por aceitar

Jesus como Salvador e centenas foram curados das mais terríveis doenças e

males. Coxo andou, surdo começou a ouvir e o mudo começou a falar suas

primeiras palavras. Centenas rasgaram seus pacotes de cigarro e os lançaram

ao chão, sendo libertos de seus vícios. Nossos obreiros têm em mãos bastan-

te trabalho a fazer para acompanhar o povo. Acredito que em julho teremos

um maravilhoso serviço batismal. 154

Em 1959 Grimm pensava numa estrutura física mais estável e fixa do que as tendas.

Grimm planejava construir um templo para a região sudeste que pudesse abrigar de 400 a 600

pessoas.155

Ward descrevia com entusiasmo o avanço da ICPB no interior do Brasil, no estado do

Mato Grosso, onde relata ter encontrando um índio do povo xavante, e sentiu-se tocado para

em breve evangeliza-los também. O obreiro Rui Barbosa Valim e ele pregavam com frequên-

cia na praça, e tinham um programa de rádio. Rui era um jovem de 29 anos que provinha da

Igreja Presbiteriana Independente, e se uniu à ICPB e ao ministério de Frew juntamente com o

grupo que recebera o batismo com Espírito Santo.156 No final de 1959 a ICPB contabilizava

mais de 1700 membros.

Em Florianópolis, SC, o primeiro “nativo” aceitou Jesus durante uma escola dominical

na casa de Grimm. Em 1962 Ernst Grimm voltou a falar sobre o rádio como meio de evange-

lização, e dá pistas da grande procura por este instrumento de divulgação por religiosos:

Ondas de rádio são uma das formas mais eficientes de entrar em muitos lares

com a Mensagem do Evangelho. Muitas pessoas não podem ser persuadidas

a ir para a igreja, mas ouvirão uma transmissão evangélica.

Lembrando que a igreja em Santo André foi fruto da transmissão de rádio,

eu aluguei um local ao redor para ter um tempo de rádio. Uma estação de

rádio me rejeitou porque eles já têm oito transmissões religiosas, e as outras

não têm tempo disponível. A terceira me aceitou e nós estávamos no ar com

um programa diário, enquanto os outros transmitem apenas uma vez por se-

mana.

[...] No último sábado o Diretor Comercial da estação de rádio me chamou e

me disse, “Pastor Grimm, eu não sei o que está acontecendo. Nossos funcio-

nários não gostam de programas de religiosos, mas quando você está no ar

eles todos se reúnem para ouvir!” Tomara que o Senhor salve muitos de-

les.157

Em 1964, na igreja de Itaim, São Paulo, uma mulher foi conduzida ao culto num carri-

nho de mão porque não conseguia andar. Conforme a descrição, ao orar por ela, Ward clamou

154 THE PENTECOSTAL WITNESS. Outubro de 1958, p. 5 155 Idem. Março de 1959 – Special Edition, p. 5 156 THE WITNESS AND MESSENGER. Agosto de 1959, p. 5 157 THE WITNESS AND MESSENGER. Abril de 1962, p. 4

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o nome de Jesus e a ajudou a sair do carrinho, mas ela acabou se sentando nele de volta. No

dia seguinte, porém, a mulher regressou sem o auxílio do carrinho, com um sorriso no rosto.

Em Florianópolis, testemunhou-se que um homem que era totalmente cego de um olho voltou

a enxergar. Foi batizado com o Espírito Santo e se destacou como obreiro ao lado de Ernst

Grimm.158 O último relato do uso de tendas na ICPB foi em 1964, na cidade de Londrina, PR.

Ward, acompanhado de Hoover, tencionava abrir uma congregação, mas não foi possível alu-

gar o salão. Andando pela cidade, encontraram uma tenda onde decidiram atender ao serviço

nela, e foram até convidados a conduzir uma campanha de avivamento. Foram convidados in-

clusive para pregar no rádio, sob o anúncio de que “missionários da Igreja de Cristo Pentecos-

tal” pregariam.159

Este primeiro capítulo conclui-se apresentando aspectos mais introdutórios e gerais dos

pentecostalismos desde as origens até os aspectos que mais tocam a ICPB, principalmente os

de primeira e segunda ondas com suas peculiaridades práticas e teológicas; sua fundação e

trajetória histórica protagonizada inicialmente por norte-americanos de origem em denomina-

ções protestantes tradicionais e do movimento de santidade holiness; a forma de trabalho de-

senvolvido e os rumos que estavam sendo traçados pela denominação. Fica perceptível como

as narrativas fundantes e as experiências religiosas tomam a mesma credibilidade de fatos

comprováveis por documentação ou plausíveis numérica e logicamente. Certamente a auto-

compreensão que a igreja vai tendo está baseada nessa lógica de interpretação narrativa (alta-

mente subjetiva) da vida, dos textos bíblicos e do testemunho de fé: pouco reflexiva e contes-

tada, mas bastante vivenciada e valorizada.

No próximo capítulo o trabalho procurará estabelecer um diálogo entre a compreensão

do/as missionários/as pioneiros/as e o contexto em que estavam inseridos durante o trabalho

missionário no Brasil, a partir dos textos que escreveram para o jornal de circulação em sua

igreja mantenedora e assim termos condições de avaliar a percepção das circunstâncias. Por

essa razão, o capítulo dois representa uma continuidade não só do trabalho, mas da construção

de um panorama sobre a história e a teologia da ICPB, inclusive acrescentando informações

sobre seu desenvolvimento, mas também revelando a perspectiva das personagens que são va-

lorizadas em sua história como heróis e heroínas e que, por serem lideranças e figuras de refe-

rência, terminam sendo a voz mais presente e sobressalente.

158 Idem. Maio de 1964, p. 4 159 Idem. Novembro de 1964, p. 5

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Capítulo 2

A igreja e o contexto brasileiro na perspectiva

dos/as pioneiros/as

1 Desenvolvimento e relação da igreja no contexto so-

cioeconômico, cultural e religoso

As cartas que os pioneiros da ICPB enviavam mensalmente à sede da Pentecostal

Church of Christ, que as publicava em seu jornal mensal, The Pentecostal Messenger (A Tes-

temunha Pentecostal), servem de importante base para compreendermos o pensamento dos

fundadores da igreja no Brasil. Esses documentos representam a visão dessas lideranças, e di-

ficilmente poderiam captar discursos dos leigos ou de líderes menos expressivos ou com me-

nor acesso aos veículos de comunicação da ICPB e da PCC. O jornal circulava apenas nos Es-

tados Unidos, e em inglês, e mudou duas vezes de nome: chegou a se chamar The Witness and

Messenger, voltou a ser The Pentecostal Messenger, depois tornou-se The Bridegroom’s Mes-

senger and the Pentecostal Witness e por fim, The Bridegroom’s Messenger quando se extin-

guiu. Neste capítulo, se mostrará a reação e a relação que os primeiros líderes da ICPB tive-

ram com os aspectos social, econômico, religioso e cultural no Brasil. Diferente do primeiro

capítulo, essa parte da dissertação trabalhará com aspectos mais objetivos, inclusive porque

parte dos textos utilizados se refere a períodos posteriores, e passaram a tratar de aspectos

mais concretos que a missão reservava sem, no entanto, abandonar a dimensão mística e teo-

lógica que continua bastante viva.

1.1 Crescimento e reação diante do contexto socioeconômico

A ICPB sempre manteve crescimento contínuo, embora lento. Umas das grandes per-

guntas internas na denominação é o porquê disso, pois, em comparação com outras denomi-

nações pentecostais é, atualmente, quase inexpressiva. Esse trabalho não visa responder a esta

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pergunta, mas nesta parte, será possível acompanhar o crescimento inicial e o contexto onde

os primeiros/as missionários/as trabalharam para assim, talvez, fornecer dados históricos para

pesquisas posteriores que se atenham a esse aspecto.

O interesse por marcar a identidade e formar lideranças se expressou logo no começo

dos anos 1940, pois alguns já sugeriam a criação de uma “Bible School” e outros um “church

paper” para a Igreja no Brasil.160 As estatísticas de Miller perto do fim da década (1948) indi-

cavam, de fato, crescimento, porém, constantemente os/as missionários/as mencionavam a

necessidade de obreiros e pessoas maduras que pudessem liderar os trabalhos: “Nós temos

agora mais de 50 igrejas, congregações e pontos de pregação, e não há obreiros o bastante pa-

ra conduzir esta obra.”161 Em parte, essa falta de obreiros se devia às limitações econômicas

das comunidades. Veja-se, por exemplo, o caso da igreja em Floresta: “[Ordenamos novos

obreiros, porém, as] igrejas são pobres e mal podem apoiar os que já tinhamos.”162.

Outro fator muito presente era o da oposição e repressão religiosa ao grupo, manifesto

em atos de perseguição e intolerância. De fato, como Frew descreveu, uma conversão no Bra-

sil “é ordinariamente objeto de perseguição, e a menos que tenham tido uma experiência de

conversão genuína, eles não ficam de pé diante dos testes do inimigo.”163

As correspondências ao jornal relatam também a criminalidade na região: “Você

provavelmente vai ficar triste ao saber que os bandidos começaram [a agir] novamente nesta

seção onde eu trabalho. O início foi perto de Pau Ferro, onde um inspetor foi esfaqueado

brutalmente 67 vezes. Pouco depois, fiquei sabendo que havia um grupo de cinco.”164 Na edi-

ção de julho de 1943, diz-se que a esposa do evangelista Penedo contou aos missionários que

o irmão que lhe doou dinheiro para comprar uma bicicleta foi assassinado a tiros por dois ho-

mens, na porta de casa, em Santa Clara, e antes de irem embora, roubaram cerca de 250 dóla-

res da esposa do homem.

A despeito disso, Miller apontou que o trabalho naquele lugar era interessante pelos se-

guintes fatores: todos os crentes moravam a milhas de distância, mas o templo que pretendiam

construir deveria ser localizado o mais próximo possível do centro. As “almas” que ali con-

gregavam eram fruto da evangelização do então aspirante ao diaconato, irmão Hilario Viera,

“um homem pouco instruído que se converteu há cerca de quatro anos, mas foi lá e começou a

160 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1943, p. 6 161 Idem. Janeiro de 1948, p. 7 162 Idem. Dezembro de 1942, p. 2. 163 Idem. Março de 1955, p. 7 164 Idem. Julho de 1943, p. 7.

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testificar, e o Senhor tem feito dele um pregador.”165 Também trabalhava naquela igreja o

primeiro obreiro brasileiro e até então “único ancião ordenado”, irmão Victurino Joaquim, ou

simplesmente Victor.

Miller constantemente viajava a pé, caminhando por milhas. As pregações continuavam,

com relativo sucesso, em vários lugares diferentes, e com alguma variação de quórum: “Mui-

tas vezes em casas e em pequenos salões onde às vezes os interessados em ouvir não ocupa-

vam nem a metade do local, e às vezes havia mais gente do lado de fora do que dentro”.166

Em março de 1948 a família Ward regressou ao Brasil com escala em Belém do Pará.

Os missionários descreveram alterações significativas no cenário socioeconômico do Brasil:

Deve ter havido muitas mudanças no Brasil desde que nós o deixamos há

quase três anos atrás, e uma das mais notáveis é o custo de vida. O hotel on-

de nós estivemos em Belém cobrou de nós trinta dólares por cinco noites, in-

cluindo as refeições. Mas, assim que voltamos, o custo está em vinte e cindo

dólares por uma noite, incluindo duas refeições. Isso não inclui corrida de

carro para ou a partir do hotel, que custa cinco dólares mais.167

José Pinto de Oliveira, filho de Eloy Pinto, aparece ativo nos trabalhos evangelísticos e

nas visitações aos locais de culto desde a década de 40. A convenção geral o designaria como

pastor responsável pelo campo de Arcoverde. Em abril de 1948, os Miller deram novas in-

formações sobre o desenvolvimento da igreja: “nós dividimos o trabalho em campos, e no

presente momento há cinco campos e nós esperamos que num futuro breve seja formado o

sexto.”168

A Convenção Geral de 1948 elegeu Horace Ward como bispo geral da igreja no Brasil.

Também ordenou dois diáconos, um ancião, em um Pastor, “(este último, no sentido brasilei-

ro, está acima de um grupo de igrejas)”.169 Àquela altura, a membresia geral girava em torno

de 750 mais alguns 600 que não estavam registrados como membros. Decidiu-se que Chester

Miller seria responsável pelo campo de Caruaru, e tomou a iniciativa de passar pelas igrejas

envolvidas a fim de verificar se elas aprovariam a ideia de ele ser o supervisor daquela área.170

Miller, em 1949 comparou a área onde faziam a evangelização como sendo mais ampla

do que todo o estado de Ohio. Também lista os cinco campos existentes e seus respectivos

responsáveis, membresia, propriedades e outras informações: Recife, Pr. José Pinto de Olivei-

ra, dois anos, dois imóveis alugados e cerca de noventa membros; Cortês, Pr. Eloy Pinto de

165 Idem. Dezembro de 1943, p. 4 166 THE PENTECOSTAL WITNESS. Outubro de 1945, p. 8 167 Idem. Abril de 1948, p. 7 168 Idem. Maio de 1948, p. 8 169 Ibidem. 170 Ibidem.

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Oliveira, cerca de 300 membros, quatro igrejas próprias, duas casas alugadas, outros oito lo-

cais de pregação. Eloy trabalhava em dois empregos de meio período e o campo podia se au-

tosustentar; Caruaru, Rev. Chester Miller, seis meses, 140 membros, cinco espaços alugados,

três pontos de pregação e duas igrejas sendo construídas. Recebia o auxílio de um “Elder”

(presbítero) remunerado e de um evangelista de tempo parcial; Arcoverde, Rev. Horace Ward,

onze templos próprios, quatro alugados e oito pontos de pregação, 280 membros, dois evange-

listas, um mantido pelo campo e outro pelos Pentecostal Ambassadors. Havia ainda alguns

outros obreiros parcialmente auxiliados financeiramente.171

O total era de 850 membros, dezoito templos próprios, quinze imóveis alugados, 22 ou-

tros locais de pregação, dez obreiros de tempo integral e sete de tempo parcial. Miller presu-

mia que havia na ocasião do senso cerca de 400 crentes ainda não batizados (que podem ser

novos convertidos, simpatizantes ou pessoas que aceitaram o convite do altar), totalizando

1300 crentes.172 No mês seguinte Miller contabilizava cerca de 900 membros e previa que até

o fim de 1949 chegariam a mil. Conta também que receberam um “novo trabalho”, provavel-

mente uma igreja independente, dissidente de outro grupo, com nove pessoas em Campina

Grande, Paraíba. Relatou também terem comprado uma casa velha e que fizeram dela uma

igreja com cinco salas para a Escola Dominical.173

Em março de 1950 se celebrava o aniversário de abertura da igreja de Pesqueira. Desta-

ca-se nesse fato que o município, à época com 12 mil habitantes, não era muito aberto às con-

fissões evangélicas, e que ao menos onze tentativas de diferentes denominações para implan-

tarem seus trabalhos foram frustradas. Miller disse que entre os nomes que recordava estavam

tradições como batista, presbiteriana e mesmo Assembleia de Deus. As tentativas da ICPB

não haviam sido vitoriosas antes por fatores diversos, e o mais grave foi o que aconteceu com

um jovem evangelista enviado à cidade para alugar uma casa e foi envenenado no hotel, apa-

rentemente uma atitude criminosa. O rapaz voltou às pressas e quase morreu na casa de Hora-

ce Ward.

Outra situação mencionada que dificultava a missão e que revela um pouco do contexto

de tensões na região foi a de que ao solicitarem apoio à polícia para garantir a segurança de

um evento evangelístico contra eventuais agressões, o oficial teria respondido: “Alguém vai

171 THE PENTECOSTAL WITNESS. (Aprox. Novembro de) 1948, p. 11 172 Idem. (Aprox. Abril) de 1949, p. 12 173 Idem. (Aprox. Maio) de 1949, p. 8

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acabar morrendo lá e haverá derramento de sangue para proteger vocês; vocês querem manter

cultos nessas condições?”174

As missões em Caruaru, Paraíba, Águas Belas e Sanharó também foram descritas com

satisfação. Arcoverde apresentava ainda um desafio, que segundo Carolyn, se dava pelo fato

de ser uma região de fazendeiros e por ser uma área de semiárido. Não obstante, 112 novos

membros foram arrolados.175

Rachel Miller alertou, como os outros, que o tempo de trabalhar no Brasil era favorável,

embora com um tom otimista demais, dadas as proporções: “Acreditamos que a Igreja de

Cristo Pentecostal tem maior oportunidade do qualquer outra no Brasil para entregar a mensa-

gem da salvação para esse povo faminto. Ore a Deus para que nos envie forças para o traba-

lho. Isso é necessário.”176 Como resposta à demanda, a importação de um carro para uso na

missão foi feita com o auxílio da PCC e Miller foi para o Recife cuidar dos detalhes. Dessa

forma é possível perceber a disparidade das condições econômicas da irmandade brasileira

com relação à norte-americana, bem como o empenho desta na evangelização do Brasil.

A carta de setembro de 1951 trouxe boas notícias à PCC. A ocasião foi descrita como

“fita azul” pelos seguintes dados estatísticos da missão em geral nos últimos trinta dias: “To-

tal: 108 converted, 25 received the Holy Ghost, and 53 baptized in water and consequently re-

ceived as members into the church.”177 Note-se que a experiência do modelo wesleyano das

três bênçãos, incluindo a santificação, não apareceram aqui, talvez pela quase ausência do fe-

nômeno em termos de experiência marcante para os crentes do Brasil ou parece sugerir enfra-

quecimento na ênfase dessa experiência. Na prática a regeneração e o batismo com Espírito

Santo pareciam mais chamativos.

Logo a seguir, nos dados da conferência da igreja do Recife, onde José Pinto de Oliveira

era o pastor, essa bênção voltou a aparecer, embora em número proporcionalmente reduzido:

“197 has been converted, 11 sanctified, and 9 received the Holy Ghost, 22 baptized in water

and [...] 27 received into the church by letter. The field now has a membership of 203.”178 A

igreja de Recife se iniciara em 1946. A igreja em Caruaru, à época com 416 membros, por sua

vez, mostrava a quantidade de 176 convertidos, 36 santificados, 36 batizados com o Espírito

Santo, 63 batizados em água. Nada impede de supor que o fato de os números de santificados

e de batizados com o Espírito Santo serem muitos próximos nas duas igrejas indique uma re-

174 Idem. Maio de1950, p. 5 175 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1951, p. 5. 176 Idem. Outubro de 1951, p. 5. 177 Idem. Novembro de 1951, p. 5. 178 Ibidem.

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lação hermenêutica direta entre as duas experiências, tanto de similaridade quanto de depen-

dência: as experiências se confundiam devido a manifestação física por vezes semelhante, e

somente santificados poderiam ser batizados com Espírito Santo.

Um novo templo foi dedicado em Serra Talhada, construído com a venda do armazém

onde os primeiros cultos aconteciam. Os primeiros sinais de uma igreja na região sudeste

também já começavam a aparecer, fruto da migração de ex-membros da Igreja para o “sul” do

Brasil, onde ficava a capital:

Ao chegar em casa [...] eu [Chester Miller] encontrei um apelo urgente para

ir rápido para o Rio de Janeiro, a capital federal do Brasil, afirmando que

agora temos doze membros querendo se organizar em uma igreja e só estão

aguardando minha chegada para dar-lhes o estatuto jurídico necessário para

isso. Como, pelo menos, seis deles são ex-membros de nossa igreja,

convertidos e batizados pelo irmão Ward ou um de nossos ministros,

sentimos que temos um bom começo lá. Espero ir para lá no final desta

semana. São mais de 1.000 quilômetros de distância, 7 dias de caminhão e

trem, por isso estou planejando ir de avião.179

Na edição posterior o fato já estava consumado: “Eu fui lá duas semanas atrás e organi-

zei um Igreja de Cristo Pentecostal com dez membros arrolados. Ordenei um diácono e deixei

a igreja em progresso.”180

Miller atribui a abertura de pontos missionários no sudeste ao fator migração em razão

da seca que afetava a região, e descreve aspectos socioeconômicos do nordeste brasileiro na

década de 1950, e que obviamente, afetavam as igrejas. Nota-se o retrato da desigualdade de

gênero, a fome e a diferença social, bem como a forma que a igreja encontrou de assistir as

comunidades mais carentes:

Uma terrível seca tem afetado esta parte do Brasil. Pessoas têm morrido de

fome. Em algumas de nossas igrejas e congregações a situação é lamentável.

Muitas pessoas estão se mudando, inclusive membros de nossas igrejas. Fa-

mílias inteiras têm fugido. Uma família de 36 integrantes, quase todos de

nossa igreja, foi-se. Agora nós temos igrejas sem ninguém responsável por

elas. Num dos lugares necessitados, Nova Jerusalem, nós enviamos a ajuda

que pudemos em milho e farinha para ajudar alguns dos casos mais carentes.

O diácono que foi levar a oferta para os pobres santos disse que a igreja es-

tava tão cheia que se mexer lá dentro era quase impossível. [...] Vários vie-

ram para o Senhor. O governo brasileiro enviou a ajuda que pôde, mas ela

tem sido mal conduzida e os mais necessitados recebem muito pouco. Eu vi

mulheres trabalhando 8 horas para ganhar o que em nosso dinheiro atual-

mente vale 12 ou 13 centavos ou o suficiente para comprar exatamente dois

litros de milho em grão ou cerca de meio litro de feijão. Os homens traba-

lhando ganham mais ou menos o dobro do que as mulheres, e isto foi na fa-

179 THE PENTECOSTAL WITNESS. Março de 1952, p. 7 180 Idem. Abril de 1952, p. 2

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zenda (estação experimental) deste estado [Pernambuco] no qual nós esta-

mos trabalhando e vivendo atualmente.181

Os Miller registraram a visita dos missionários Graham ao campo da ICPB e participa-

ram dos cultos, voltando de sua terra natal. Eles trouxeram uma mensagem em áudio feita pe-

los Ward e outros irmãos dos EUA. Elogiou os missionários Frew entre eles e reafirmou que o

Brasil continuava sendo “uma porta aberta para o Evangelho”.182 A oportunidade deveria ser

aproveitada enquanto havia tempo.183

A situação financeira de algumas igrejas era, obviamente, um espelho do que acontecia

em redor. O Brasil estava entre os lugares com maior custo de vida. O problema se tornava

ainda maior se comparado com um país como os EUA. Os pioneiros destacam, no entanto,

que apesar de afetado por problemas de toda ordem, o povo se dispunha a doar de seu dinhei-

ro para a obra:

Financeiramente também, todas as nossas igrejas estão se saindo melhor do

que nunca. Apesar de o Brasil aparecer no topo da lista do boletim da ONU

como o lugar mais caro para se viver, ainda assim nossos crentes são, em sua

maior parte, dizimistas e ofertantes. O custo da comida para minha família

aqui é 25 porcento mais caro do que era nos EUA. Nós temos que pagar 10

cents por cada Kilowatt/hora para a eletricidade, então [o valor] das nossas

contas é geralmente duas vezes o que era nos EUA. Carvão para manter o

fogo da cozinha aceso custa cerca de oito dólares por mês. [...] Perdão por

citar essas coisas, mas é apenas para dar a vocês uma ideia do quanto as coi-

sas custam.184

Chester Miller, como novo superintendente geral da Pentecostal Church of Christ expôs

planos de gestão e expansão nos jornais. Tais projetos, certamente afetariam a ICPB. Os as-

suntos que comentaria numa série de “Seven point program” do seu Program for Progress185,

são: Home Missions, Foreign Missions, Sunday School Program, Youth Program, Educatio-

nal Program, Publications Program, Beneficiary Program. Cada tema seria tratado numa das

edições do jornal. De fato, a atuação de Miller na superintendência priorizou investimentos na

área de expansão da denominação.

Em 25 de janeiro de 1955, Russel Frew conta que acumulava as funções de Bispo geral

e pastor do campo de Caruaru, em lugar de Chester Miller, e planejava também visitar a obra

em São Paulo. Annie Frew era a tesoureira geral.

181 Idem. Junho de 1953, p. 3 182 THE PENTECOSTAL WITNESS. Maio de 1953, p. 3 183 Idem. Maio de 1953, p. 3 184 Idem. Abril de 1952, p. 2 e 7 185 Idem. (Data imprecisa) 1955, p. 5

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Quando da Conferência da ICPB de agosto de 1955, a obra no Brasil era composta por

sete distritos, seis dos quais possuíam seu próprio pastor de tempo integral. Eles administra-

vam as igrejas e congregações e seus respectivos obreiros responsáveis. O cuidado com cada

igreja dependia de muito desprendimento, poucas horas com a família, viagens sofridas sobre

o lombo de animais, a pé ou de pau-de-arara. A igreja contabilizava 1364 membros. No ano

anterior, 825 pessoas optaram pela fé evangélica, mas 209 se batizaram na ICPB.186

Ainda na convenção geral de janeiro de 1959, a superintendência da missão no Brasil

voltou aos cuidados de Horace Ward, que assumira o lugar de Russel Frew. Frew, com pro-

blemas no coração, caminhava para seus últimos dias de vida. Ernst Grimm foi escolhido co-

mo secretário geral e Manuel Vicente seu vice.

O ano de 1959 marcava também o início da literatura de escola dominical, na qual, An-

nie e Russel Frew tiveram importante participação, e Grimm faria a tradução:

Por muitos anos nós já temos percebido a necessidade de uma publicação

trimestral da Escola Dominical para o nosso trabalho brasileiro. Foi um pra-

zer ter tal publicação apresentada e aceita oficialmente na conferência.

Irmã Frew e eu trabalhamos dia e noite, adaptando este material a partir da

literatura da Pentecostal Holiness dos Estados Unidos. Com sua permissão,

nós recolhemos e compilados essas lições, e o irmão Ernst Grimm então tra-

duziu a obra. Ore para que Deus supra as finanças para continuar esse traba-

lho que é tão necessária para o ensino de nosso povo.187

Uma cópia da revista foi recebida pelo superintendente da PCC e apreciada por sua qua-

lidade.188 Pouco depois, Miller reconheceu o avanço da ICPB e o uso das publicações e do rá-

dio:

O programa progressivo das igrejas brasileiras inclui a publicação de seu

próprio jornal (O Herói da Fé), seu próprio hinário, e sua própria publicação

trimestral para a Escola Dominical. Nossos missionários conduzem dois

programas diários de rádio.189

Dizia-se que Horace Ward batizava muitas pessoas. Tendo em vista a frequência e a

quantidade de pessoas que batizava, o pioneiro disse, num trocadilho, que seu nome poderia

ser “Horace Baptizer Ward”.190 Em 1960, a igreja brasileira contava com a soma de 1663

membros, 80 locais de culto, 28 templos próprios, 19 obreiros ordenados, incluindo dois mis-

sionários, além dos líderes de cada igreja. Estava presente em dez estados, distribuídas por se-

te distritos ou campos. Notou-se, porém que nos cinco anos que antecederam, 4222 pessoas

186 THE PENTECOSTAL WITNESS. Agosto de 1955, p. 3 187 Idem. Março de 1959 – Special Edition, p. 5 188 Idem. Fevereiro de 1959, p. 4 189 THE WITNESS AND MESSENGER. Janeiro de 1960, p. 1 190 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1959, p. 5

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haviam se convertido e 1072 batizadas em água. Os números de conversões e adesões à igreja

pareciam não estar diretamente relacionados.191

Outra importante igreja foi aberta por Ward na região do ABC Paulista, dessa vez em

Piraporinha (Diadema), descrita como próxima a Santo André. Ela seria uma congregação até

que pudesse se tornar independente.192 No início de 1962, a ICPB contava com uma membre-

sia de 2512 pessoas, segundo estatísticas divulgadas pela instituição.

Em 16 de junho de 1963 inaugurou-se o prédio da igreja em Florianópolis, “a Pequena

Igreja à beira mar”. “Todas as igrejas de Florianópolis estavam representadas por seus pasto-

res ou ministros. [...] eles nos ajudaram a inaugurar o novo edifício.”193 A igreja em Três La-

goas somava 74 membros, dos quais 17 eram recém batizados e 11 provenientes de outras de-

nominações. No mês seguinte, uma ação evangelística em Ribeirão da Ilha, Florianópolis, foi

inovadora: dois cultos foram promovidos num salão de dança, e recebeu centenas de pesso-

as.194

Apesar do perfil predominantemente pobre da membresia, vez por outra um relato como

o que ocorreu em Andradas surgia na revista: um médico veterinário, proeminente morador da

cidade, afirmou ter sido batizado com o Espírito Santo. Sua esposa era membro da igreja. Na-

quela época a igreja planejava construir o prédio central do distrito da ICPB na região.195

Entre 1962 e 1963 a região “Sul” apresentou um crescimento importante, conforme da-

dos estatísticos da membresia apresentados por Grimm:

Falando do crescimento da igreja, Grimm comentou que se lembra quando em 1956

Ward regressou ao Brasil e procurou reorganizar a igreja na parte Sul e Sudeste. Na ocasião

quase não havia membros na região, e comemorou o fato de em sete anos o trabalho ter cres-

cido de quase zero para mais de mil.

191 THE WITNESS AND MESSENGER. Janeiro de 1960, p. 1 192 THE WITNESS AND MESSENGER. Agosto de 1960, p. 5 193 Idem. Agosto de 1963, p. 5 194 Idem. Setembro de 1963, p. 5 195 Ibidem. 196 Idem. Janeiro de 1964, p. 4

Conference 1962 1963

Sao Paulo 499 700

Parana 103 155

Minas Gerais 129 256

Santa Catarina 10 25 __________ __________

Total 741 1,136 196

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Em questão de evangelismo, o missionário Horace citou com gratidão a distribuição

gratuita de folhetos doados ao Brasil por meio de Orlando Boyer, vindos da T. L. Osborn

Evangelistic Association of Tulsa, Oklahoma. Boyer repartiu milhares de publicações pela re-

gião nordeste, e a ICPB no Recife fez uma campanha de evangelização de casa em casa, en-

tregando esses folhetos e convidando para as conferências.197

As estatísticas de 1966 foram as seguintes: 4678 membros, 69 igrejas, 91 congregações,

91 campos, 60 prédios próprios, 38 alugados. Entre obreiros havia 2 missionários, 22 presi-

dentes de distrito, 53 presbíteros ordenados, 98 diáconos. Em tempo integral trabalhavam

36.198

Chester Miller, em sua visita ao Brasil em 1967,199 elencou informações sobre o anda-

mento da Igreja no Brasil: quantificou a membresia em 5.000, distribuídos entre 22 diferentes

distritos e 14 estados da Federação, mais o Distrito Federal. No âmbito interdenominacional,

o superintendente da igreja brasileira fazia parte do corpo diretor da Sociedade Bíblica do

Brasil.

A igreja possuía três escolas de nível primário, nomeadas em homenagem a Russel

Frew, Horace Ward e José Pinto, além de uma escola de nível superior (provavelmente se re-

ferindo à Escola Bíblica Pentecostal do Sul). Um dos pastores tinha um programa de rádio di-

ário, com alcance de 800 quilômetros, e cujo resultado podia ser visto através das milhares de

cartas que recebia de pessoas relatando que eram abençoadas pelo programa, muitos aceita-

vam a Jesus, pediam oração, músicas, etc. Outro pastor tinha um programa de rádio semanal.

Em Vitória, 40 pessoas de uma igreja batista se ligaram à ICPB. Elas haviam recebido o ba-

tismo com Espírito Santo.

Em agosto de 1968 Chester Miller indicou novos dados estatísticos do crescimento da

ICPB. Durante o ano de 1967 o crescimento foi de 1200 membros. O total, então, era de

5.888, 74 igrejas, 93 congregações e 91 obreiros ordenados.200 Em 1964 a membresia era de

2.865. Enquanto isso, nos EUA, a votação pela fusão com a Pentecostal Holiness Church co-

mo uma única conferência foi negativa.201

No ano seguinte, falecia no nordeste Eloy Pinto de Oliveira, pai de José Pinto de Olivei-

ra, e cofundador da Igreja Pentecostal de Cortês, PE, que se unira à ICPB nos anos 1940.202

197 THE WITNESS AND MESSENGER. Novembro de 1964, p. 5 198 Idem. Maio de 1967, p. 6 199 Idem. Agosto de 1967, p. 2 200 THE PENTECOSTAL WITNESS. Agosto de 1968, p. 2 201 Idem. Setembro de 1968, p. 2 202 Idem. Julho de 1969, p. 3

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Em outubro de 1969, Ward considerou que o Brasil era o país com maior liberdade reli-

giosa e abertura à evangelização.203 Ernst Grimm disse que o número de membros ultrapassa-

va a marca dos 6 mil, e os preparativos para a inauguração do BEM iam de vento em popa,

com expectativas para janeiro de 1971. Frisby estava para completar um ano de chegada ao

Brasil.204

A capa do jornal estabelecia um alvo da igreja: dobrar de número durante a década de

1970. Oficialmente, o número de membros da ICPB em 1969 se contabilizou em 5.693, e ain-

da se contava o número de pessoas santificadas (532) e batizadas com o Espírito Santo (532).

Havia 159 lugares de culto não organizados. 37 obreiros de tempo integral.205

Em 1971, sob o título Sunday School in Brazil e um breve comentário, o jornal publicou

uma foto retratando a primeira reunião de Escola Dominical no Brasil, tirada cerca de 18 anos

antes, mostrava a fachada da igreja com o nome “Igreja Evangélica Pentecostal”, contando-se,

provavelmente, a partir da data da impressão da primeira revista, em janeiro de 1959.206 Sobre

a revista, Ward relembra: “Irmão Frew [...] e Irmã Frew começaram a publicar nossa literatura

de Escola Dominical, e tem continuado até hoje.”207

O reconhecimento da vocação de alguém para o pastorado se confirmava pelo batismo

com Espírito Santo. O caso de José Augusto Tomas exemplifica que os candidatos ao ministé-

rio eram incentivados a buscarem essa experiência. Tomas tinha a indicação do próprio Supe-

rintendente Nacional, como informa Ward, mas precisou aguardar pela experiência.208

Falando sobre a infraestrutura da Escola Bíblica, Grimm descreve que os alunos homens

poderiam dormir no próprio internato, e para as mulheres seria construído um dormitório atrás

da capela. Sobre o corpo docente, acrescenta: “Nós temos bons professores em mãos, pastores

com formação em Seminários e Universidades, a maioria deles batizados com o Espírito San-

to.”209 Além disso, acordos de cooperação estavam sendo fechados com os presbiterianos in-

dependentes. O curso da “Casa de Profetas” começou em 1 e 2 de agosto de 1971.210

Em geral, a maior parte das inscrições provinha de mulheres, e não de rapazes (que po-

deriam assumir o ministério), como o esperado. O Pr. Agenor Camilo, por exemplo, falava da

203 Idem. Novembro de 1969, p. 9 204 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1970, p. 11 205 Idem. Janeiro de 1971, p. 4 206 Idem. Fevereiro de 1971, p. 8 207 Idem. Março de 1971, p. 4 208 Idem. Maio de 1971, p. 4 209 Idem. Junho de 1971, p. 3 210 Idem. Outubro de 1971, p. 4 e 12

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necessidade de novos pastores para a missão brasileira.211 O seminário recebia como professo-

res ministros advindos da Igreja Presbiteriana, mas Grimm fazia questão de ressaltar que eles

eram batizados em água (imersão) e “avivados”.212 O Rev. Esmael Salgado Arcas, presbiteri-

ano, assumiu a presidência do instituto por alguns meses, logo sendo substituído por Henry

Peter Grimm, filho de Ernst, e então universitário.

Segundo Grimm, a região “Sul”, que começou com a igreja de Santo André, contava

com 42 membros em 1957. Em 1972 a região já somava 3.182, isto é, 208 a mais em compa-

ração com o “Norte”.213

As estatísticas da ICPB de 1970 e 1971 registraram, respectivamente, 6.156 e 6.592

membros. O número de igrejas estava em 85, e 123 o de congregações, distribuídas por 6 dis-

tritos.214 As convenções aconteciam agora a cada cinco anos, onde se realizavam as eleições

para superintendente geral.215 Dados estatísticos e relatórios financeiros eram atualizados nas

convenções distritais.

Naquele ano (1974), Grimm informou que Oliveira não estava bem de saúde. O jornal

noticiou com uma foto e uma legenda que José Deodato visitou a denominação nos EUA e

conheceu algumas das igrejas da PCC.216

O jornal recebeu um novo nome em 1975: The Bridgroom’s Messenger and The Pente-

costal Witness. Passava a ser a publicação oficial tanto da PCC quanto da International Pen-

tecostal Assemblies, para um período de testes, ensaiando uma possível fusão definitiva. A fo-

to de capa da edição de junho era a fachada do Beulah Heights Bible College.217 A decisão pe-

la união entre IPA e PCC foi divulgada na edição e setembro de 1975, com respectivamente

97% e 94% dos votos.218

Em visita oficial de três meses, abrangendo a época da Convenção no Brasil, Chester

Miller apontou que levou novas ideias e visão para as áreas de juventude, escola dominical,

crianças e mulheres. Expôs também que um comitê resolveu um problema com os ministros

da Obra Nacional.219

211 Idem. Janeiro de 1972, p. 4 212 THE PENTECOSTAL WITNESS. Outubro de 1971, p. 4 e 12 213 Idem. Fevereiro de 1972, p. 4 214 Idem. Agosto de 1972, p. 4 215 Idem. Dezembro de 1972, p. 2 216 Idem. Setembro de 1974, p. 6 217 THE BRIDEGROOM’S MESSENGER AND THE PENTECOSTAL WITNESS. Junho de 1975, p. 1 218 Idem. Setembro de 1975, p. 2 219 Idem. Junho de 1975, p. 12

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O Herói da Fé de maio e junho de 1964 reproduziu o parecer de José Pinto sobre o cli-

ma agradável da convenção que ocorrera naquele ano, bem como a ata que registrou a mu-

dança de direção da igreja para os brasileiros, passando a

responsabilidade geral e irrestrita do trabalho da Igreja de Cristo, Pen-

tecostal do Brasil, até então superintendida pela Missão, às mãos dos

irmãos brasileiros, revogando-se, contanto, o parágrafo 3.º do Capítulo

VI da Constituição da Igreja brasileira. Os termos mais detalhados da

resolução encontram-se nos arquivos da Igreja de Cristo, Pentecostal

do Brasil.220

A convenção de 1964 também decidiu que a revista de Escola Dominical tivesse os co-

mentários ampliados e que o jornal O Herói da Fé fosse editado e publicado no Sul. O redator

seria o Pr. Agenor Camilo Ramalho, vice-superintendente eleito, e o secretário escolhido foi o

ex-metodista José Ferreira de Assumpção. José Pinto aparecia como diretor do jornal.

No ano de 1976, Agenor Camilo Ramalho, ainda vice-superintendente da ICPB, fale-

ceu. Na época acumulava as funções de presidente do distrito, presidente da Comissão de Li-

teratura e redator do jornal. Sobre sua morte, José Pinto declarou: “Num domingo, dia do Se-

nhor, no templo, quando a graça e o poder de Deus se faziam sentir, após despedir a congre-

gação com a bênção, baixou a sua espada ao comando de Deus.”221 Pouco mais tarde, o nome

de Agenor seria dado a uma praça no município de Santo André.

Os conflitos internos envolvendo a pessoa de José Pinto de Oliveira, superintendente há

cerca de doze anos, aparecem nas páginas do jornal brasileiro, pelo próprio:

Estou, vez por outra, ouvindo que existe pensamentos para mudanças de es-

trutura no âmbito da Igreja, no que diz respeito a convenções e conduta ou

mesmo desempenho da Superintendência Nacional. É preciso deixar qual-

quer posição não espiritual, posições ambicionais próprias e, entrarmos no

espírito de oração para que o Senhor dirija a vida da Sua Igreja; como vem

dirigindo até hoje. Ajudem-nos a fazermos o melhor, dentro da nossa capa-

cidade e possibilidades submissas à vontade de Deus. Essa será a maneira

sábia de orientarmos a Igreja, da qual, o Senhor nos deu a direção.222

Sabe-se que José Pinto enfrentou oposição quanto ao modelo de igreja que mantinha a

partir de um comentário sobre a estrutura da igreja, com a qual alguns podiam estar descon-

tentes, mas que foi defendido por ele:

A ESTRUTURA DA IGREJA DE CRISTO PENTECOSTAL DO BRASIL,

está baseada no Cap. 18:17-26 do Livro de Êxodo, e creio que é uma das me-

lhores estruturadas aqui na nossa Pátria; Muitos denominacionais têm dito

220 Ata da Convenção Geral da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil. O Herói da Fé. Maio-Junho de 1964, ano

IX, nº 81 e 82, p. 2 221 OLIVEIRA. Bem está, servo bom. O Herói da Fé. Março e Abril de 1976, ano XII, nº 5, p. 1. 222 Idem. Viagem e trabalho. Ibidem.

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isto, e, não são muitos dentro o povo, não. São muitos dos líderes, dos ho-

mens de vulto, de conhecimentos intelectuais, teólogos de renome, professo-

res de Seminário, como o Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e

outros. Mesmo nós não temos de louvar a outra pessoa senão somente a

Deus. Por tudo que tem feito por nós, pela sua Igreja.223

A edição do Herói da Fé de janeiro a março de 1978 anunciou que a Convenção decidiu

por José Garzarro e José Deodato da Silveira para assumiram a presidência do Departamento

Nacional de Evangelização. O pastor José Francisco de Freitas assumiu a liderança da Comis-

são de Literatura. Na mesma ocasião se oficializou o “emblema” da ICPB. Um manual de éti-

ca seria elaborado e distribuído entre os ministros.224 O nome da igreja também foi levemente

alterado: “Visando dar melhor coerência ao Nome da Igreja, em relação a outros Países onde

existe Igrejas desta Denominação, foi resolvido alterar o de Igreja de Cristo Pentecostal do

Brasil, para Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil.”225 As publicações como jornais ficaram

assim: O Herói da Fé, teria oito páginas. As revistas de Escola Dominical seriam publicadas

em 52 lições, para o ano todo.

1.2 Presença e reação dos/as missionários/as diante dos de-

safios socioeconômicos e culturais da igreja e do Brasil

Considerou-se igualmente importante para este trabalho mencionar a presença adminis-

trativa da sede da PCC e o processo gradual em que a ICPB caminhou para sua autonomia. A

relevância de mostrar a influência da liderança norte-americana se dá tanto para mensurar a

influência cultural e teológica nos posicionamentos da ICPB, quanto para mostrar que a auto-

nomia, cuja resolução foi comentada acima, não ocorreu de forma imediata, mas paulatina.

1.2.1 Acompanhamento administrativo e auxílios financeiros

O primeiro registro que evidencia esse aspecto foi o que se segue. Em meados de outu-

bro de 1943 o então bispo da PCC, Eldon Lindsey Cyrus (1895-1975), manifestou, através de

carta, o desejo de visitar a missão no Brasil. Sobre o interesse Miller comentou: “Nós espera-

mos que isso aconteça em breve, porque ele é o Bispo sobre toda a obra, e é necessário que

223 OLIVEIRA. Verdades bíblicas a respeito da profecia. O Herói da Fé. Abril, Maio e Junho de 1977, ano XIII,

nº 2, p. 3. 224 Não chegou ao nosso conhecimento se isso chegou a acontecer. 225 Ata da 18ª Convenção Nacional da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil. O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro

e Março de 1978, ano XIV, nº 1, p. 2.

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ele visite o campo. Esperamos que toda a igreja o apoie nesse projeto e [faça o possível para]

enviá-lo o quanto antes. Há muitas [questões] que precisamos dele para resolver.”226

A dependência financeira que continuaria, ao menos parcialmente, ficava evidente nos

constantes pedidos de envio de ofertas. Em 1948 Ward apelou aos leitores do The Pentecostal

Witness que se dispusessem a patrocinar obreiros e obreiras com ofertas mensais de 10 a 60

dólares:

Nós poderíamos ter mais obreiros para nos ajudar, se nós pudéssemos sus-

tenta-los, mas nossas mãos estão cansadas. Se alguém sente que pode se res-

ponsabilizar por um obreiro nativo, nós podemos indicar os custos para man-

ter um obreiro, que varia de dez a sessenta dólares por mês. Obviamente, os

que precisam de sessenta dólares por mês têm família e são obreiros experi-

entes, e naturalmente poderiam ser mais úteis, mas moças solteiras podem

ser mantidas por dez dólares ao mês e realizarem um bom trabalho.227

O pedido de Miller para a PCC foi atendido e o Bispo chegou ao Brasil no início de

1950. Ao retornar ao seu próprio país, Cyrus disse que o povo brasileiro é de marcante hospi-

talidade. Assim como os outros missionários, também constatou que o Brasil era uma terra

fértil para o evangelismo: “era mais fácil ganhar um grande número de almas lá do que apenas

uma aqui na América, isso mostra que há uma “Porta Aberta” naquele país”.228

Em março de 1952 Chester Miller escreveu relatando como foi a Convenção Geral da

ICPB que ocorrera em janeiro. A realização de mais uma convenção é sinal de uma igreja ca-

da vez mais consolidada instucionalmente. Pela legenda da foto publicada no jornal, a noção

de hierarquia já se fazia presente: “Fileira da frente, pastores e presbíteros; fileira do meio, di-

áconos e obreiros [não ordenados]; fileira de trás, delegados [leigos]. (Rachel e eu não esta-

mos na foto)”229

Os missionários fizeram menção de uma decisão da igreja brasileira de destinar uma

parte do que chamavam de “American Box” (Caixa Americano) para auxílio do obreiro Ma-

noel Miguel, que atuava num local afastado, de difícil acesso e cujo povo era muito pobre e

pouco podia contribuir financeiramente.230

Outro aspecto do retrato da missão no Brasil aparece nesse relato: Arcilio de Souza,

presbítero de Mauá, foi “chamado por Deus” ao ministério de tempo integral. A expectativa

226 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1943, p. 6 227 Idem. (Aprox. Novembro de) 1948, p. 18 228 Idem. Abril de 1950, p. 5 229 Idem. Março de 1952, p. 1. 230 Idem. Agosto de 1956, p. 3

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era de que ele fosse mantido pela Association for Native Evangelism, mas em todo caso ora-

ções seriam necessárias, pois, no Brasil, não era fácil ter um ministério de tempo integral.231

1.2.2 Idas e vindas de missionárias e missionários da PCC ao Brasil

O final de 1945 seria marcado pela chegada de Rachel Hill Yarborough ao Brasil, epi-

sódio este muito aguardado por Miller por dois motivos: ela se tornaria sua noiva ao chegar ao

Brasil, e atenderia parte da demanda por mais obreiros num período difícil.

Entre as várias idas e vindas dos Ward, em 1948 se anunciou a volta deles ao Brasil, em

atenção a um pedido de ajuda da igreja brasileria. Aos leitores, Miller fala da fertilidade do

trabalho missionário no Brasil:

Esta terra está aberta ao Evangelho no presente tempo de uma maneira que

jamais esteve antes. Há portas abertas em todo lugar, apenas esperando por

alguém que possa pregar a palavra de Vida. Claro que não todos os cultos

têm resultados diretos, mas também plantam a “semente” para a grande co-

lheita que virá.232

Na carta de 28 de maio de 1952, Miller agradecia a Deus pelo casal que estava para

chegar ao Brasil: Russel e Annie Frew. Isto mais uma vez foi visto como resposta de Deus à

necessidade de obreiros e ao constante investimento da PCC no Brasil. Foi destaque do jornal

a família Frew (incluindo o casal de filhos Joanna e Larry), novos missionários da PCC, que

deixou os Estados Unidos em 19 de dezembro de 1952. Fotos da família estavam sendo ven-

didas a um dólar cada com a finalidade de arrecadar fundos para comprar um carro tipo jeep

para o casal.233 Em carta, a família Frew agradeceu as ofertas e doações, inclusive de uma

máquina de escrever, arrecadadas em várias filiais da PCC nos EUA e a possibilidade de po-

der suprir a falta momentânea do casal Ward.234

Em 15 de maio de 1954 a Convenção da PCC elegeu como seu novo bispo o Rev. Ches-

ter Miller, que assumiria a função de “General Overseer”.235 Logo deixaria o país para assu-

mir o novo cargo. Enquanto isso, no Brasil, os missionários prosseguiram em suas tarefas. Os

Miller estavam no sudeste, onde “o clima e tudo mais é extremamente diferente”, e a obra da-

va seus primeiros passos na região.236

231 THE WITNESS AND MESSENGER. Julho de 1963, p. 5 232 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1948, p. 4 233 Idem. Dezembro de 1952, p. 1 234 Ibidem, p. 1 e 8 235 Idem. Maio ou Junho de 1954, p. 2 236 Ibidem

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No início de 1957, Russel Frew participou da 10º Convenção da ICPB, e pouco depois,

ele e a família estavam prestes a retornar aos EUA para um período de licença.237 794 pessoas

se converteram e 225 se batizaram. José Pinto de Oliveira, o vice-superintendente, assumiu a

direção geral da obra por ocasião da ausência de Frew.238

1.2.3 Choque cultural e o desafio da adaptação

A adaptação ao novo lar não foi nada fácil para os/as missionários/as, e muito menos

para seus/suas filhos/as. Nesta parte do trabalho vamos descrever como as famílias estrangei-

ras de fundadores da ICPB lidavam com as diferenças sociais e culturais do país.

Numa correspondência de setembro de 1948, Horace e Carolyn Ward decidiram tomar

uma decisão que entendemos ser uma forma de lidar com o choque cultural. Eles colocaram

seus filhos Duteil e Junior em uma escola para filhos de missionários, em Fortaleza, CE, que

ensinava conforme o conceituado sistema Calvert, um dos melhores do EUA, e que segundo

eles, garantia uma educação saudável e baseada nos princípios cristãos. O custo por pessoa

era de trinta dólares mensais.239

Os longos períodos de estiagem e os problemas decorrentes foram também alvo de pre-

ocupação, conforme relatado na carta que os Miller enviaram em março de 1949: “Há uma

grande necessidade de chuva por aqui. As coisas estão morrendo pela falta de chuva. Os pre-

ços ainda estão aumentando. Muita gente está sem trabalho. Mas a maior necessidade é pela

chuva espiritual do céu. Ore conosco pela necessidade desse povo.”240 Nesta fala percebemos

uma classificação de prioridades, em que a necessidade de chuva é patente, porém, a “chuva

do céu”, em termos soteriológicos, é mais necessária. Há também uma tendência recorrente

nos textos para compreender os desafios do trabalho missionário e os problemas enfrentados

como a ação de Satanás em contrapartida à “obra de Deus”.241

As camas brasileiras, a culinária e acomodações nem sempre correspondiam às expecta-

tivas. Rachel e Miller compraram uma cama americana e assim estavam dormindo melhor.

Também adquiriram um forno onde ela assou duas típicas “apple pies”, um alimento raro de

237 THE PENTECOSTAL WITNESS. Fevereiro de 1957, p. 5 238 Idem. Março de 1957, p. 4 239 Idem. Setembro de 1948, p. 13 240 Idem. (Aprox. Abril) de1949, p. 12 241 Ibidem.

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ser preparado, tendo em vista que cada maçã custava 60 cents.242 Para escrever as cartas, usa-

vam a luz do lampião.243

Russel Frew, recém chegado – e claramente incomodado – reclamou das más condições

para “Americans” que o lugar oferecia, estando alojados numa casa de 5 cômodos com quar-

tos muito pequenos e o incovenciente de mosquitos. A energia elétrica não estava funcionan-

do e a água, de difícil acesso, era trazida por um garoto de 11 anos. A comida era pouco nutri-

tiva, necessitando acrescentar vitaminas para as crianças. A pobreza da região causava estra-

nheza aos/as missionários/as. E para enfrentar o sol, Frew teve que comprar um chapéu. Não

seria tão estranho se não fosse janeiro, época do inverno no hemisfério norte.244

Annie Frew ensinava às crianças dos missionários o que aprendia do português. Joanna

Frew, filha dos missionários, desejava ir à escola como as outras crianças, mas Annie Frew a

ensinava tanto quanto a seu irmão quando tinha tempo. Frew pedia oração por suas crianças

por estarem o tempo todo expostas a diversas doenças e à falta de moralidade.245 Annie estava

tomando aulas de acordeon e ganharam um do missionário Harland Graham, pois como disse-

ram na carta: “Nós precisamos de música na igreja e pedimos suas orações nesse sentido.”246

Poucos meses depois as crianças seriam introduzidas na escola.247

Ela e os filhos também expressavam preocupação com a fome da região e promoviam

pequenos atos de compaixão, associados ao evangelismo:

É raro um dia passar sem que a Irmã Frew ou as crianças deem comida aos

famintos que pedem comida. Recentemente nós começamos a envolver os

pães e frutas e folhetos evangelísticos. Isto é apenas um pouco da história

que podemos contar. Esta nação tanto é faminta por comida espiritual quanto

natural.248

Mais episódios de intolerância aconteceram, interpretados como ações do “inimigo”

contra a Obra de Deus, mas diante das quais, por vezes, os missionários demonstravam ma-

neiras positivas e talvez humoradas de lidar:

Durante o tempo da Páscoa, parecia que alguns vizinhos católicos queriam

fazer um Judas do pastor-missionário. Nós tivemos duas semanas de cultos

de oração, cedo pela manhã, e pareciam estar acusando o “Americano” por

ter trazido “aquela religião barulhenta” para o Brasil. Um dos homens agiu

asperamente e começou a fazer amaeaças, mas os crentes garantiram que o

missionário não se machucasse. [...] Os vizinhos do homem usavam palavras

242 THE PENTECOSTAL WITNESS. Junho de 1952, p. 6 243 Idem. Dezembro de 1952, p. 6 244 Idem. Abril de 1953, p. 7 245 Idem. Maio ou Junho de 1954, p. 2 246 Ibidem. 247 Idem. Outubro de 1954, p. 3 248 Idem. Julho de 1953, p. 5

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pesadas contra mim, mas a coisa mais divertida (agora) é que eu não entendi

nada do que disseram.249

A perseguição religiosa e a influência “do mundo” foram vistos como obstáculos à igre-

ja. Miller expressou tristeza pela perseguição em Usina de Nossa Sra. do Carmo, onde tam-

bém “dois crentes se desviaram durante os dias da festa anual do carnaval Brasileiro”.250

Mais alguns detalhes sobre a situação econômica brasileira ficam evidentes quando os

Frew compraram o carro de Miller que voltara aos EUA na intenção de depois poderem troca-

lo por um carro mais potente para a região, mas achavam que dificilmente encontrariam, por-

que os preços subiam cada dia mais.251

O quadro de saúde de Annie Frew, então gestante, estava um pouco mais grave no final

de 1955. Isso só os forçou a se mudarem para mais perto do litoral, a saber, Natal, RN, onde

tratamentos como transfusão sanguínea eram mais acessíveis.252 Nessa cidade o terceiro filho

dos Frew, Gary, nasceu. Esteve ao lado dela a irmã Hazel Graham, que lhe deu suporte e auxí-

lio nos últimos dias de gravidez e no pós parto.253 O casal Graham evangelizava através de

uma tenda e um programa diário de rádio.

A ocorrência de mortalidade infantil fica evidente na preocupação de Annie Frew com

seu bebê, bem como algo de sua teologia:

O bebê é como um raio de sol em nossa casa [...]. Nós somos gratos a Deus

por mantê-lo bem e forte durante esses meses primeiros meses e meio.

Quando vemos muitos bebês morrendo ao nosso redor, isso nos faz ter certe-

za de que as mãos protetoras de Deus estão sobre nossas crianças durante

nossa estadia no Brasil. Estou achando que aqui é muito mais difícil cuidar

de um bebê dos nos EUA [...]254

Mais uma pincelada no quadro geral da visão que os/as missionários/as tinham do cená-

rio brasileiro é dada em 1956, ano em que Juscelino Kubstchek tomou posse da presidência:

O Brasil, em geral, está passando por uma crise nacional. Politicamente, os

governos federal, estadual e municipal estão indecisos e o povo insatisfeito.

Os preços estão saindo do controle. No primeiro dia deste mês, os serviços

postais tiveram um grande aumento... mais de 400%. O preço de enviar uma

carta para os Estados Unidos triplicou. É muito difícil para as pessoas po-

bres, especialmente para os que vivem em outros estados. Um grande núme-

ro de obreiros vindos de vários estados esteve em nossa casa nessas últimas

semanas e a conversa sempre se conduzia para as atuais condições... quantas

famílias estão sofrendo com a falta de comida e roupas, etc.255

249 THE PENTECOSTAL WITNESS. Maio ou Junho de 1954, p. 2 250 Idem. (Aprox. Abril) de 1949, p. 12 251 Idem. Outubro de 1954, p. 3 252 Idem. Dezembro de 1955, p. 4-5 253 Idem. Fevereiro de 1956, p. 3 254 Idem. Maio de 1956, p. 4 255 Idem. Junho de 1956, p. 4

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Horace Ward, uma vez mais no Brasil, visitou os trabalhos no Paraná e São Paulo. No

Paraná, estranhou o fato deles tomarem café da manhã muito cedo, e por isso ser necessário

fazerem seis refeições ao dia. Quiseram presenteá-lo com ovos, uma vez que ele manifestou

bom apetite ao come-los. Ward disse que as pessoas tinham facilidade em perceber seus gos-

tos, mas, na verdade, gostava mesmo era de tudo que era bom.256

Sem carro, tinha que viajar muito a pé (cerca de 40 quilômetros num período curto), ne-

cessitando parar após alguns longos períodos sem água, e nem sempre conseguia chegar a

tempo de participar dos cultos porque a dor dos pés, juntas ou ossos não lhe permitia cami-

nhar mais. Sugeriu que o uso de um carro como um jeep, que custava cerca de três mil dóla-

res, resolveria muitos problemas. Passou assim por Jardim, Ceará e por Garanhuns.

Grimm comenta, no subtítulo Feeding the Poor sobre a necessidade que sentiu de ali-

mentar os famintos, e isso dá pistas das formas de assistência social da igreja na época, bem

como a concepção teológica que permeava esta prática:

Nós estamos vivendo aqui entre pobres e necessitados. Naturalmente, nós

pregamos o evangelho para eles, sentimos que eles deveriam ter alguma co-

mida para seus corpos naturais. Nós também deveríamos tentar ajudar a ves-

tí-los, o quanto antes seja possível.

O Senhor tocou o coração do meu cunhado mais novo, que vive em Toronto,

Canadá, e é membro da German Pentecostal Church em Toronto e nos envi-

ou 52 dólares para comprar comida e dar aos pobres.

Nós embarcamos em nosso barco e fomos à cidade para comprar comida.

Nós compramos vários sacos de feijão, a principal comida aqui, alguma gor-

dura e outros alimentos. Você não pode imaginar a gratidão das pessoas que

recebem o alimento. Mulheres abandonadas pelos maridos, idosos e doentes,

desempregados e deficientes. Os tempos aqui estão cada vez mais difíceis.

Pobreza e miséria são grandes. Muitas pessoas estão desesperadas e olham

para o rosto faminto de suas crianças e não têm nada com que alimentá-las.

Nós estamos tentando trabalhar num programa regular de assistência para

ajudar aos pobres e necessitados.257

As ocasiões festivas e típicas do calendário nordestino e brasileiro em geral também re-

ceberam atenção dos/as missionários/as estrangeiros. A começar por uma festa regional:

O tempo de junho é o tempo em que os Católicos Brasileiros celebram o dia

de São João. Esta é uma parte da religião deles e eles realmente a demons-

tram. As bombinhas que eu tenho certeza que vocês já escutaram [...]. Todos

os que creem que o santo irá fazer o bem para eles fazem uma fogueira em

frente as suas casas. Todas estão repletas de fogueiras. [...] Eles também ce-

lebram o dia de São Pedro quase da mesma maneira, poucos dias depois.258

256 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1959, p. 5 257 THE WITNESS AND MESSENGER. Setembro de 1963, p. 5 258 THE PENTECOSTAL WITNESS. Agosto de 1953, p. 6

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Elas eram vistas como empecilhos à obra de evangelização. Não obstante, ás vezes era

possível obter sucesso: “Três almas vieram para Cristo apesar de que o Carnaval Brasileiro

estava acontecendo. Eu não posso explicar a quantidade de maldade, diabolicidade e pecado

que esses três dias de “reino da carne” produz, mas os “poderes das trevas” de repente se mos-

tram sem dúvida.”259

A percepção de Ward sobre a cultura e religiosidade popular aparece em sua descrição

do carnaval de 1960, que há pouco terminara:

O Carnaval é uma celebração semi-religiosa e se situa logo antes do tempo

Quaresmal. As pessoas se voltam para soltar a carne para uma aventura final

antes de se aquietarem para a Quaresma. Oh, que tipo de religião essa que

oferece oferece ao homem tão pouco poder espiritual e tão pequeno espírito

cristão que antecipa a a comemoração do sofrimento de Cristo para o Carna-

val no qual a carnalidade e o pecado são rampantes. Essas são pessoas cegas

pelas forças do pecado e da religião morta. Essas são as pessoas que quere-

mos salvar.260

Em contraponto às festas regionais da cultura e religião popular, as igrejas pentecostais

também faziam “festas” várias vezes ao ano. Fazia-se dessas festas ocasião para evangelismo

e culto.261 Uma que vale a pena mencionar é a de fim de ano em que aparece o contraste da

cultura norte-americana e a brasileira. Os choques culturais, bastante presentes, já são vistos

com positividade:

Ambos os Frew e nós [os Miller] tivemos uma maravilhoso tempo de Natal.

As crianças ganharam brinquedos, doces e boa comida; e nós os mais velhos

não sentimos falta de nada, a não ser silêncio e descanso. Nós esperávamos

que passaríamos um dia só nosso, mas havíamos esquecido de contar com os

brasileiros que gostam de visitar, e nós tivemos duas famílias não esperadas

durante o dia, ou melhor até depois da hora do jantar. Talvez isso tenha feito

o Natal mais natural, afinal de contas, nós compartilhamos com outras pes-

soas. Irmã Annie cozinhou um bolo de frutas e nós tomamos parte dele. Nós

também encontramos cereais de milho em Recife [...] e como fui ao Recife

eu peguei uma caixa e dei aos Frew de presente de Natal. Esta foi a primeira

[...] que eu e meus filhos tivemos em 31 meses.262

No ano 1960 Horace Ward planejava expandir a missão para o sul do Paraná, e também

para Brasília, a nova capital do Brasil, a qual descreveu com entusiasmo, mas não via ação

evangélica muito presente na região:

Eu acabei de retornar de Brasília, a nova capital do Brasil, e eu quase me ar-

rependi de ter ido. Não, eu não estou desapontado com a cidade. Ela é uma

das mais perfeitas cidades planejadas que eu conheço, e mostra o que pode

259 THE PENTECOSTAL WITNESS. Março de 1952, p. 1. 260 THE WITNESS AND MESSENGER. Fevereiro de 1960, p. 5 261 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1954, p. 5 262 Idem. Fevereiro de 1954, p. 6

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ser feito quando um homem para para fazer alguma coisa. Talvez essa seja

uma das coisas mais maravilhosas do mundo hoje. Eu fiquei quase boquia-

berto em ver a cidade, e com esta parte eu fiquei feliz.

O que fez meu coração doer foi ver o quão rápido as coisas são construídas e

quase nenhum trabalho evangélico indo adiante por lá. Eu fui informado que

lá haverá seis Cidades Satélites ao redor da capital. Pessoas estão se mudan-

do aos milhares para lá, vindas de todo o Brasil.263

Sua preocupação se baseava nos planos e ações de colegas pentecostais como Virgil

Smith e Edward Munday que já estavam atuando na região.

Uma perspectiva diferente vale igualmente para esta análise. Em visita aos Estados

Unidos, José Pinto de Oliveira logo percebeu as diferenças na forma com que se conduzia a

religiosidade:

Uma das coisas que gostei de ver no povo ali é o espirito de liberalidade para

contribuir, para ver o trabalho progredir e o trato dos seus obreiros.[...]

Não posso dizer ao certo quantas almas consegui ganhar para Jesus, porque o

sistema deles ali é um tanto diferente do nosso, mas, em quase todos os cul-

tos, tinham pessoas que chegavam para oração e alguns irmãos foram bati-

zados com o Espirito Sento. Creio que Deus se serviu de minha visita para

alguma coisa útil, seja para a Igreja na outra América.264

1.3 Relação com outras igrejas, grupos ou movimentos religio-

sos

Nesta seção serão expostos episódios de concorrência, cooperação ou oposição da ICPB

com relação a outros movimentos ou instituições religiosas e a posição deles em relação à

ICPB. Os aspectos dessa relação são visíveis em ações conjuntas, na promoção do próprio

grupo em detrimento de outro, em atos de intolerância, na crítica doutrinária.

Um pouco da eclesiologia da igreja pode ser vista de forma geral nas palavras do brasi-

leiro José Pinto de Oliveira, que tratou do tema em A Igreja de Cristo, publicado n’O Herói da

Fé em 1963, e discorreu principalmente sobre a “igreja invisível”, à qual Cristo fundou e disse

que as portas do inferno não prevaleceriam. Essa igreja é construída na unidade. Ressaltou

ainda que se prender a aspectos denominacionais como se dizer exclusivamente pertencente à

“Assembleia de Deus” ou ser “Batista” ou “Presbiteriano” pode ser perigoso, alertando que

tais nomenclaturas são de proveniência humana. Mais especificamente, tratou de defender sua

igreja das acusações de outras denominações:

263 THE WITNESS AND MESSENGER. Maio de 1960, p. 4 264 OLIVEIRA. Viagem aos Estados Unidos. O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro e Março de 1980, ano XVI, nº 5,

p. 1.

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Olha que o nome da denominação é dada pelos homens, mas, a sociedade vi-

sível do cristianismo cujo fundador, cabeça e chefe invisível é Cristo que

disse: “edificarei a minha igreja...”, esta Igreja está edificada no amor e não

no Título da sua denominação ou organização dos homens, como em nossos

dias temos sido tratados com dispreso, e sensurados por alguns crentes, prin-

cipalmente por irmãos da “Assembléia de Deus”, que se prevalecem do títu-

lo da sua denominação, dando a êste título a primasia única de organização

cristã e com isso sensurando os outros que não são da sua denominação.

Graças a Deus que Jesus não disse; Edificarei a minha assembléia, pois êste

nome de assembléia é dado a qualquer reunião aonde se trata de qualquer

negócio, quer material ou espiritual, político, social ou religioso, qualquer

reunião tem o nome de assembléia; porém Igreja o seu sentido é exclusiva-

mente religioso e não pode se mudar.265 (grafia original mantida)

O tema da Eclesiologia, inclusive segundo José Pinto, será apreciado com mais detalhes

no terceiro capítulo. Abaixo se listam os grupos com que a ICPB se relacionou e a forma com

que essa relação se deu:

1.3.1 Igrejas e organizações protestantes em geral

Chester Miller e os Ward, já no ano 1942, relataram um evento de mal estar entre o gru-

po de pentecostais e os professos batistas com relação à experiência espiritual e o proselitismo

em Floresta, PE, à cerca de 180 quilômetros de Rio Branco (Arcoverde):

Os batistas vinham trabalhando arduamente para conseguir quatro novos

convertidos. Três deles estavam sendo mantidos longe dos nossos cultos no

início do [nosso] Acampamento por meio de estudos bíblicos que o Líder

dos batistas lhes ministrava. Mas, finalmente, eles começaram a freqüentar

os nossos serviços e, antes da Conferência chegar ao fim, todos os quatro

foram batizandos com o Espírito Santo. Eu tive o privilégio de batizar outras

três pessoas em água. A mãe de uma delas, muito Batista, se recusou a

deixar a filha ir para os cultos buscar ao Senhor. Porém, a menina foi para

seu quarto e começou a falar com Ele, que é Onipresente, e em poucos

minutos sua avó estava ligando para a mãe da menina [e dizendo:] “Venha,

venha rápido, sua filha está louca. Ela está falando algo que eu não consigo

entender.” Antes de eu sair, a mãe chamou-me para explicar-lhe a doutrina

do Espírito Santo.266

No entanto, se a ICPB, por um lado, recebia religiosos de outras vertentes, o contrário

também acontecia: “[...] num lugar chamado Chicao [...] nós perdemos seis membros [...].

Eles se foram para o trabalho dos Adventistas porque sentiam que deveriam guardar o Sábado

em lugar do Domingo. Nós não gostamos de perder membros, mas isso acontece”.267

265 OLIVEIRA. A Igreja de Cristo. O Herói da Fé. Janeiro-Fevereiro de 1963, ano X, nº 74, p. 1-2 266 THE PENTECOSTAL WITNESS. Dezembro de 1942, p. 2. 267 Idem. Junho de 1952, p. 6

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Um exemplo de cooperação aconteceu em outubro de 1943, quando o missionário in-

glês Edward Mundy e sua esposa convidaram os pioneiros da ICPB para participarem da de-

dicação de um templo construído em Princesa, Paraíba.268

A relação com batistas, no entanto, nem sempre era conflituosa. Ward, ex-batista, nar-

rou um pouco do que viu numa conferência batista, em que Billy Graham participou:

atendi ao último culto do Baptist World Congress enquanto estive no Rio, e

vi o maior grupo reunido em minha vida. Eu tive o prazer de ouvir meu

compatriota, Billy Graham, pregador. O jornal diário estimou uma multidão

de 14.000. Ontem, porém, li numa revista que havia 150.000, e eu não sei

qual está certo. Em todo caso, foi o maior número de pessoas juntas que já vi

em minha vida. Estou satisfeito porque mais de dois mil aceitaram o convite

para a salvação.269

Além disso, a PCC até hoje (como IPCC) mantém estreita relação e identificação com a

PFNA. O texto de capa do jornal de novembro de 1967, Evangelism Through Intercession, 270

de autoria de Chester Miller trata inspirado pela última convenção da PFNA, sobre o tema do

evangelismo e a intercessão. O hábito de compromisso e devoção à oração foi apontada como

uma forma de engajamento no evangelismo e na missão.

Na edição de dezembro, Ward noticiou a participação do secretário regional da Socie-

dade Bíblica do Brasil em um culto na igreja de Aracaju, e falou sobre a história e a importân-

cia da organização na sociedade. No Recife, em comemoração ao dia da Reforma, um missio-

nário norte-americano, do Colégio Presbiteriano de Recife, trouxe excertos do fato históri-

co.271 Poico depois, num ato em comemoração à Semana da Bíblia, os presentes, de várias de-

nominações foram convidados a erguer suas bíblias e balança-las ao alto.272

Enquanto em Brasília, Horace visitou Anápolis, GO, onde um pastor da Igreja Presbite-

riana Independente havia sido batizado com Espírito Santo e sua igreja havia sido contagiada

por essa experiência. Eles estavam “em chamas para Deus”.273

No anos setenta o jornal registrou que, em visita ao Brasil, acompanharam Miller na vi-

agem dois outros ministros norte-americanos: James Adkins, da PCC, e Clayton Lawson, su-

perintendente geral da Church of God of the Mountain Assembly.274

268 THE PENTECOSTAL WITNESS. Outubro de 1943, p. 7 269 THE WITNESS AND MESSENGER. Agosto de 1960, p. 5 270 Idem. Outubro de 1967, p. 3 271 Idem. Dezembro de 1967, p. 3 272 THE PENTECOSTAL WITNESS. Fevereiro de 1968, p. 4 273 Idem. Abril de 1969, p. 4-5 274 THE WITNESS AND MESSENGER. Fevereiro de 1960, p. 4

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1.3.2 Igreja Católica Romana

No ano 1943, depois da inauguração em Princesa, Ward e Mundy deixaram suas espo-

sas em Rio Branco e seguiram com Miller para São José do Egito. Lá chegando, fizeram cin-

co dias de campmeeting e com isso, Ward batizou seis pessoas. Fez algum dinheiro e comprou

um terreno onde construiria uma igreja. A reação do sacerdote da Igreja Romana foi a de tocar

o sino e alertar a chegada dos “Protestantes” ou “bodes”. Porém, segundo Miller, essa atitude

foi ironicamente positiva para a pregação,275 pois quanto “mais o sino tocava para manter o

povo afastado, mais aquele povo se aproximava para nos ouvir, então você pode imaginar que

benção isso foi para nós, porque nós não tínhamos nosso próprio sino com que pudéssemos

chamar a atenção do povo.”276

Em novembro de 1948, os Ward relatam mais um episódio de cerceamento por parte do

padre de Floresta às atividades religiosas dos “crentes” e a maneira com que eles estavam li-

dando com isso:

O padre declarou que os “crentes” não poderiam construir ou alugar qual-

quer imóvel, e por isso estamos realizando nossos cultos na casa de um dos

“crentes”, que fica próxima ao fim da cidade. Naturalmente, não se pode es-

perar que as pessoas irão até lá para assistir aos cultos, mas quando o Senhor

está abençoando um grupo de pessoas, pecadores vão até o deserto para ver

o que está acontecendo.277

O casal Miller descreveu uma festa católica romana, em celebração ao 100º aniversário

da “divisão católica paroquial de Caruaru”278, que se comemorou com uma festa de duas se-

manas com fogos de artifício e “outros barulhos”. Miller viu nas celebrações um discurso de

resistência e oposição às igrejas evangélicas por parte das lideranças eclesiais da cidade, que

comportava seis igrejas católicas. Tal oposição se dava por intermédio da retórica de boicote

aos protestantes, chamados de “escória” ou ainda “discípulos de Lutero”, que carregavam um

a Bíblia herética.279 Em Sanharó, PE, o padre profetizou: “Dentro de um ano não haverá mais

um crente sequer aqui em Sanharó, porque Deus e Nossa Senhora não os querem aqui.”280

Em Pesqueira, cidade de difícil evangelização para os protestantes, a oposição vinha de

romanistas e de um ex-pastor da igreja que enviava cartas aos membros depreciando o pastor.

275 De fato, Francisco Cartaxo Rolim considera o clima de tensão com a perseguição da igreja católica aos pen-

tecostais um fator que contribuiu para o crescimento do movimento no nordeste, despertando os crentes para se

autoafirmarem como tais. Ao mesmo tempo, trouxe distanciamento da presença pública porque na maioria das

vezes tinha comparecimento marcante de católicos. (ROLIM, 1987:66-69). 276 THE PENTECOSTAL WITNESS. Dezembro de 1943, p. 4 277 Idem. (Prov. Novembro de) 1948, p. 11 278 Idem. Agosto de 1948, p. 11 279 Ibidem, p. 4 280 Idem. Abril de 1951, p. 5.

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Durante um culto, atendido por 40 pessoas no pequeno templo, havia intolerantes do lado de

fora que os insultavam e jogavam pedras. Expressões como “bodes, cães, diabos, [...] odeia-

santos, e coisas piores” eram comuns.281

O uso da influência da Igreja no Estado serviu também de instrumento de repressão de

fiéis nesse conflito. Pouco mais tarde, quando uma grave perseguição em Lagoa (que incluiu

invasão de templos e a tentativa de atear de fogo em fiéis) se atenuava, iniciava-se outra em

Agrestina, onde o trabalho fora aberto por dois policiais que sofreram pressão da religião e

das autoridades do Estado. Eles e suas famílias aceitaram a fé pentecostal e começaram a tes-

temunhar dela publicamente. O padre da cidade fez denúncia ao bispo que acionou as autori-

dades do Recife, jurisdição a que prestavam contas, sob a acusação de deixarem de lado as

funções policiais para se dedicarem à igreja, e consequentemente os soldados foram proibidos

de pregar pelo chefe de polícia. A solução para os missionários parecia apenas uma: “Agora

parece que nós teremos que nos dirigir às autoridades mais altas para ver se aquela irmandade

poderá exercer seu direito constitucional [de culto] que vem sendo negado pelas autoridades

locais.”282

No sentido de demarcar diferenças teológicas, o jornal trouxe ainda o testemunho do

brasileiro Alexander Rocha, líder da igreja em Pau Ferro, PE. Ele conta sua história de busca

por felicidade e sentido em coisas como “bebidas, jogatinas e danças”. Sua experiência de

conversão ao pentecostalismo, de “aceitar a Jesus” se contrasta com a vivência religiosa ante-

rior como as longas peregrinações para encontrar personalidades como Padre Cícero.283

O missionário Grimm queria enviar aos norte-americanos uma amostra da religiosidade

brasileira, e enquanto em Minas Gerais, filmou uma procissão católica, em que os fiéis “car-

regavam seus deuses”. Depois, durante o culto, uma grande multidão veio requerer o vídeo,

mas ele disse que só poderia resolver isso após o culto. Os que estavam do lado de fora ouvi-

ram a pregação e cinco deles aceitaram o convite do “altar”. Ao final, entregou o filme às au-

toridades. Grimm disse que a ocasião serviu de oportunidade para que muitos elogiassem sua

atitude, e prometeu que iria fazer outra filmagem em Santo André, onde certamente não teria

o mesmo problema.284

A contrapartida que o texto das cartas dão diante das acusações de que os pentecostais

se queixavam veio em forma de ganhar os fiéis de tais igrejas. Em 1967, em Minas Gerais, o

281 THE PENTECOSTAL WITNESS. Julho de 1955, p. 3 282 Idem. Fevereiro de 1954, p. 6 283 Idem. Janeiro de 1951, p. 6. 284 THE WITNESS AND MESSENGER. Fevereiro de 1961, p. 5

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pastor do distrito havia convertido uma igreja presbiteriana em uma ICPB. Ao mesmo tempo,

contou que uma comunidade católica retirou “os ídolos” de dentro do santuário, sugerindo

que tal fato aconteceu em decorrência da atuação dos pentecostais.285

O único episódio narrado em que houve aproximação e trégua foi de 1956. Ward mani-

festou alegria pelo fato de o padre de Sanharó, que outrora expulsara o bispo Cyrus (PCC) de

lá, ter pedido oração aos crentes, e de não ser mais um perseguidor da obra.286 Embora o texto

pudesse soar aos leitores como um passo dado em direção à conversão, indicou também a

possibilidade da convivência pacífica.

1.3.3 Igrejas e organizações pentecostais

Por volta de 1945 os líderes da Igreja de Cristo Pentecostal se aproximaram de Eloy

Pinto de Oliveira e José Pinto de Oliveira, fundadores da “Igreja Pentecostal” de Cortês, PE,

desenvolvendo laços que culminaram numa fusão definitiva em 1947. Antes de ser Igreja

Pentecostal de Cortês, a denominação era uma congregação das Assembleias de Deus, que por

certa animosidade entre as lideranças desta e daquela parte, houve uma cisão. Eloy, em teste-

munho enviado ao The Pentecostal Witness287, diz ter sido perseguido em sua própria igreja

[Assembleia de Deus] e por isso se desligou da denominação. Reconheceu que Ward e Miller

se colocaram ao seu lado na situação, e tentaram ajudar no processo de reconciliação com sua

primeira igreja, mas não obtiveram sucesso. Depois de dois anos ele se uniu, juntamente com

seu grupo, à igreja de Cristo Pentecostal.

Nessa época, mesmo antes da fusão das duas instituições, suas lideranças se reuniam

com as de outras duas denominações pentecostais na “Associação Pentecostal no Brasil”, que

realizava assembleias, tinha sua própria constituição e um jornal denominado A Voz

Pentecostal. Um dos objetivos era unir forças e se defender da oposição que enfrentaram de

alguns líderes da Assembleia de Deus, que já tinham um crescimento expressivo, e que,

segundo documentos antigos da ICPB, adotaram uma postura monopolizadora e exclusivista

da fé pentecostal, considerando as outras igrejas pentecostais como sectárias ou rebeladas.

Porém, pouco tempo depois a associação foi dissolvida.288

285 THE WITNESS AND MESSENGER. Setembro de 1967, p. 3 286 THE PENTECOSTAL WITNESS. Julho de 1956, p. 5 287 Idem. Janeiro de 1949, p. 9. 288 SILVA; MATTOS; SILVA. A história da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil. p. 34. Trabalho não publi-

cado.

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Os pioneiros, principalmente brasileiros, sempre reclamaram da postura da Assembleia

de Deus com relação a outros grupos pentecostais. Além das acusações mútuas, havia concor-

rência. O discurso de disputa aparece numa fala de Ward sobre a ocasião em que Miller con-

duziu a celebração do primeiro aniversário da igreja em São Caetano, PE, em 1948. A notícia

veio no sentido de ter sido aquela a maior conferência evangélica já realizada naquele lugar,

superando inclusive o trabalho das Assembleias de Deus que já estava lá há anos.289

Poucos anos mais tarde, porém, Chester Miller, dos EUA, fez agradecimentos à

irmandade das Assemblies of God em Chesapeake, WV, em especial à pessoa de seu líder,

James Adkins, por haverem destinado ofertas às missões da PCC no Brasil.290

Nos anos 1950, em visita ao Brasil, o bispo da PCC, E.L. Cyrus mencionou missioná-

rios norte americanos de outra denominação pentecostal, com quem passou a última semana

de sua estadia, de cerca de três meses. Eles atuavam em Natal, RN: os Graham, enviados pela

Church By The Side Of The Road, de Seattle, Washington. Aquela missão conduzia, sema-

nalmente, nove cultos, três reuniões na rua, e cinco classes de Escola Bíblica para 350 crian-

ças.291

Ernst Grimm, recém-ligado à PCC como missionário associado por indicação de Ward,

e atuante na missão brasileira, foi aos Estados Unidos. Na companhia de Chester Miller, dos

Ward e de outros irmãos, participou da World Conference of Pentecostal Churches, locada em

Toronto, Canadá, durante o mês de setembro.292 No evento havia cerca de 4 mil delegados re-

presentando 49 países. “Um total de 10 milhões de Pentecostais de todo o mundo foram re-

presentados na conferência.”293 Ward considerou a conferência de 1960 como a maior de to-

das até o momento. O evento contou com a audiência de batistas, presbiterianos e crentes de

outros grupos pentecostais.294 Entres os pregadores estava o irmão Adkins, da PCC.

No mesmo ano, o Rev. Horace participou de uma reunião com lideranças pentecostais,

que tomou lugar em São Paulo. O objetivo do encontro era formar uma associação, fruto de

um primeiro encontro em que reuniram com finalidades assistenciais:

Quando regressei a São Paulo, fui a um encontro de ministros que estavam

planejando organizar uma Pentecostal Fellowship, e cerca de 17 diferentes

denominações pentecostais estavam reunidas para este propósito. Em 21 de

abril [de 1960] nós havíamos promovido uma reunião para arrecadar fundos

289 THE PENTECOSTAL WITNESS. (Prov. Novembro de) 1948, p. 18 290 Idem. Setembro de 1955, p. 4-5 291 Idem. Maio de1950, p. 1 292 Idem. Outubro de 1958, p. 5 293 Idem. Setembro de 1958, p. 7 294 Idem. Fevereiro de 1960, p. 5

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para as vítimas das enchentes do nordeste, e arrecadamos o equivalente a

cerca de mil e quinhentos dólares.295

Esse senso de cooperação norteou a ação missionária de Horace Ward. Ao intentar

avançar mais na evangelização no sul do Paraná, em maio de 1960, sua busca foi por “lugares

não alcançados por Pentecostais”,296 ou seja, que careciam de igrejas que pregavam o “Evan-

gelho Pleno”. Ao contrário da estratégia que usou no Mato Grosso, onde o clima era mais

quente, e podia fazer cultos ao ar livre, atraindo pessoas assim, percebeu que no Paraná teria

que usar outro método. Procurou uma casa, na cidade de Pitanga, onde as pessoas se interes-

savam pela mensagem pentecostal e lá iniciou as reuniões.297

A expectativa para a [8th] Pentecostal World Conference, que ocorreria no Rio de Ja-

neiro, Brasil, de 13 a 15 de setembro de 1967, apareceu em forma de notícia no periódico, fa-

zendo menção às principais missões pentecostais e atualizando os números:

Os ministérios de missões Pentecostais iniciaram no Brasil em 1910 por dois

jovens escandinavos, os Revs. Gunnar Vingren e Daniel Berg. Hoje há apro-

ximadamente dois milhões de Pentecostais no país.

Entre as igrejas que conduzem missões de expansão no quinto maior país do

mundo e que ocupa a metade leste da América do Sul estão as Assembleias

de Deus, Congregação Cristã, Igreja de Deus, Igreja Internacional do Evan-

gelho Quadrangular, Assembleias Pentecostais do Canadá, e a Igreja de Cris-

to Pentecostal.298

Posteriormente Ward deixou suas impressões sobre a Conferência Pentecostal Mundial

que ocorria no Rio. Mencionou a presença do governador do estado da Guanabara que deu

boas vindas aos representantes de mais de 50 países. Ward considerou como clímax da confe-

rência o domingo, cujo tema foi “O Espírito Santo glorificando a Cristo no arrebatamento”.

Cerca de mil pessoas atenderam ao convite da salvação. Sobre esta e outras manifestações re-

ligiosas do público, que visivelmente se comovia diante dos apelos e incentivos do pregador,

e do intérprete – os melhores, segundo ele –, Horace declarou: “Eu pude quase sentir como se

estivesse flutuando”. Considerou ainda ser aquele a maior reunião de Pentecostais que já

viu.299

Em sua história, a PCC trabalhou em conjunto e mesmo agregou algumas igrejas pente-

costais. Uma das tentativas (frustradas) foi com a Pentecostal Holiness Church. O periódico

The Pentecostal Witness mudou de nome para The Witness and Messenger aparentemente por

295 THE WITNESS AND MESSENGER. Junho de 1960, p. 5 296 Ibidem. 297 Ibidem. 298 Idem. Novembro de 1965, p. s/n 299 Idem. Setembro de 1967, p. 3

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essa razão. Chegaram a pensar numa união entre as duas, e foi combinado um período de teste

de dois anos. Ward esperava que a união se efetivasse pois, pretendia, entre outras coisas, que

irmãos norte-americanos da PHC pudessem ir ao Brasil e inspirarem o pessoal da escola do-

minical.300

A igreja brasileira se preocupou em estabelecer limites para a interação com outras de-

nominações: até ao ponto de não perder marcas de sua própria identidade: Agenor Camilo es-

creveu sobre a importância de manter a identidade da denominação, tomando o cuidado com

influências doutrinárias e práticas de outras denominações pentecostais como a Assembleia de

Deus. Chamou a atenção ainda para vestimentas condizentes com a conduta cristã, por parte

de homens e mulheres.301

1.3.4 Espiritismos

A ICPB também teve contato com grupos espíritas. Os três episódios narrados dão o

tom do relacionamento antagônico com esses grupos. Ward contou um pouco da experiência

que José Garzarro, pastor de 70 pessoas em Andradas, MG, teve com uma comunidade de

tradição espírita:

Irmão José uma vez foi convidado para uma sessão Espírita, e acabou indo

porque ele nunca havia participado de uma reunião assim antes. Quando o

espírito mal veio, Irmão José o repreendeu em nome de Jesus, e ele saiu

imediatamente. Eles nunca mais o convidaram.

O Senhor tem usado nosso irmão José muitas vezes para expelir demônios

das pessoas e elas receberam libertação.302

Um testemunho posterior, na igreja do Rio de Janeiro, mostra ainda um pouco mais essa

relação:

Uma senhora que pertencia ao mais baixo espiritualismo foi convertida [ao

pentecostalismo] e causou uma verdadeira revolução espiritual naquela igre-

ja. Ela era uma pessoa de influência antes de se converter e agora ela usa de

sua influência para o Evangelho.303

O texto transmite a ideia de que os talentos das pessoas seriam melhor utilizados na

igreja pentecostal “servindo ao Senhor” do que servindo aos espíritos.

300 THE WITNESS AND MESSENGER. Outubro de 1967, p. 3 301 RAMALHO, Agenor Camilo. Nossos costumes. O Herói da Fé. Dezembro de 1972, ano X, Edição Especial,

p. 4. 302 THE WITNESS AND MESSENGER. Maio de 1960, p. 4 303 Idem. Agosto de 1960, p. 5

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Maria José de Mello, deu seu testemunho de cura, fazendo menção de outras alternati-

vas religiosas, como a umbanda, que não foram eficazes e revelam uma vez mais a forma com

que tradições espíritas cabiam no imaginário pentecostal, como reduto de espíritos imundos:

Sofria de uma enfermidade estando mesmo em desespero. Fiquei seis meses

fechada dentro de casa, sem ver a luz do sol, não cuidando do meu lar. Só

vivia chorando, chegando mesmo até meus parentes levarem-me a um centro

espírita e um terreiro de umbanda, dizendo-me que lá eu sararia.

Porém nada disso foi solução para mim, pelo contrário, além de enferma

passei a ser atormentada de espíritos imundos; era tanto meu desespero que

cheguei a pensar em suicídio.304

1.4 Papel das mulheres e da juventude

As organizações de mulheres e as agremiações de jovens são, em geral, braços fortes

das igrejas e frentes de trabalho de destaque. No caso da ICPB é possível notar essa impor-

tância desde cedo, tanto na sociedade feminina como na ala jovem.

1.4.1 Atuação e ministério das mulheres na igreja

Sobre as mulheres, é possível perceber que há maior espaço de atuação para as missio-

nárias dos EUA, que tinham o título de “Profetisa” (ministério não ordenando, mas com quase

todas as atribuições de presbíteros), do que com as brasileiras.

O primeiro relato que vemos é sobre Carolyn Ward, de 1943, que liderava a atividade

das mulheres da igreja em Rio Branco (que se chamaria Arcoverde, PE). Elas faziam um tra-

balho de costura com “agulha”, produzindo peças de vestuário com o objetivo de arrecadar

dinheiro para a construção da igreja. As “senhoras auxiliadoras”, como eram chamadas na

PCC, atuavam em áreas coadjuvantes como essa.305

Miller menciona a visita de Erma Miller, uma missionária americana que trabalhou por

um pouco mais de dois meses na missão do Brasil. Ela atuava com música e canto. Numa pas-

sagem de férias, esteve no município de Rio Branco e foi solicitada a auxiliar também na con-

ferência que ocorreria em Villa Bela (Serra Talhada) em janeiro de 1943. Conforme o relato,

sua “mensagem foi abençoadora e encorajadora para todos”.306

O trabalho das missionárias é citado assim: “embora os nomes da irmã Carolyn e da Ir-

mã Rachel não tenham aparecido nessa reportagem antes, são elas ainda dignas de mais do

304 MELLO, Maria José de. Maria José de Mello: Monte Sião / Minas Gerais. O Herói da Fé. Abril, Maio e Ju-

nho de 1978, ano XIV, nº 1, p. 5. 305 THE PENTECOSTAL WITNESS. Julho de 1943, p. 8. 306 Idem. Março de 1943, p. 5.

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que uma menção honorável e se você achar isso difícil de acreditar, pergunte a qualquer espo-

sa de pastor o que ela faz para ajudar a igreja a prosseguir.”307 Rachel Miller atuava, inclusive,

na escola dominical e na condução da igreja.

Carolyn apresenta uma análise do contexto em que a igreja brasileira se formava. No

que diz respeito à atuação feminina, ela observa que em razão da seca, a maioria dos homens

saíam à procura de trabalho e ficavam fora por vários dias, e assim as igrejas e demais tarefas

ficavam a cargo das mulheres, havendo, inclusive o reconhecimento do ministério feminino

por parte das comunidades. Em Arcoverde e Petrolândia registrou-se a presença apenas de

mulheres e alguém chegou a perguntar a uma irmã se a igreja tinha ou aceitava homens!308

Annie Frew, esposa de Russel Frew, enviada pela PCC juntamente com seu marido para

servirem no Brasil a partir dos anos 1950. Ela trabalhava como professora da Escola Domini-

cal, preparando materiais para as aulas e também ministrando na “Bible School” todas as sex-

tas-feiras na igreja de Caruaru.309 A irmã Frew teria importante papel na elaboração das pri-

meiras revistas de Escola Dominical da ICPB. Ela também estava engajada na formação de

novos professores para crianças, uma importante área esquecida por muitos:

Cerca de duas semanas atrás, um dos nossos ministros veio e perguntou

como ensinar crianças. Ah, como eu agradeço a Deus por esse interesse

nesta fase da nossa obra! Ela tem sido negligenciada por muitos de nossos

obreiros, simplesmente porque eles não têm o material, nem o “know-how”

para fazê-lo.310

Em 1960, já de volta aos EUA, Annie Frew foi apresentada por Ward Jr, então editor do

jornal da PCC, como “ótima obreira, ex-missionária e pastora assistente em nossa igreja em

London. Eu realmente a recomendo a vocês”.311 Ela continuou a escrever artigos para o jornal

da PCC, em forma de crônicas, relembrando personagens e episódios marcantes no Brasil.

A Sociedade Auxiliadora Feminina Pentecostal (SAFP), como a organização de mulhe-

res no Brasil viria a se chamar, Oliveira usa a expressão, que revela a forma com que enxer-

gava o papel das mulheres na igreja e na sociedade: “Avante pioneiras do bem, que Deus vos

ajude nessa vossa obra e trabalho; de ajudar a igreja no Seu soerguimento espiritual, moral,

social e financeiro.” 312

307 THE PENTECOSTAL WITNESS. (Aprox. Novembro de) 1948, p. 17 308 Idem. Janeiro de 1951, p. 5. 309 Idem. Maio de 1956, p. 4 310 Ibidem. 311 Idem. Dezembro de 1960, p. 8 312 OLIVEIRA. Sociedade Auxiliadora Feminina Pentecostal da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil. O Herói

da Fé. Janeiro-Fevereiro de 1962, ano IX, nº 68, p. 1

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Em 1965, registra-se que falecera a Irmã Antonia, uma das obreiras brasileiras, mulher

de fé, com pouca formação, mas que serviu de canal para que a mensagem evangélica chegas-

se a lugares da cidade em que o líder da congregação não conseguiria chegar. Por meio dela,

por exemplo, um dentista (representando uma classe social superior) se converteu.313

1.4.2 Atuação da juventude na igreja

Logo no tenro ano de 1948, Miller organizou os Pentecostal Ambassadors (Embaixado-

res Pentecostais), grupo de expressiva participação juvenil.314 Um culto direcionado a jovens

foi numericamente marcado pela presença deles. Havia sempre grande mobilização dos Em-

baixadores Pentecostais na promoção e divulgação desses eventos. Este tipo de registro era

constante.315

As organizações de jovens (Pentecostal Ambassadors) e igrejas locais dos EUA estavam

bastante comprometidas com a manutenção do promissor campo missionário. A gratidão da

igreja brasileira demonstra isso: “Irmandade, jovens, seus dólares estão ajudando a ganhar

almas para o Senhor.”316 Os jovens eram responsáveis por 18% das doações. Os resultados

animadores das estatísticas foram atualizados para o relatório da Conferência da PCC: durante

o ano de 1952 foram 827 conversões, 77 santificações, 74 batismos com Espírito Santo. 18%

desses totais foram atribuídos às doações das moças e rapazes do Ambassadors.

No Brasil, os P.A também eram bastante ativos e iam de igreja em igreja promovendo

cultos evangelísticos e evangelismo de casa em casa. Para incremento da atividade, compra-

ram um “sistema de endereço externo” (sistema de autofalantes) e uma máquina de mimeo-

grafia. Muita gente atendia aos convites. Nas palavras de Russel Frew, em agradecimento às

doações dos P.A, e através das quais podemos notar ainda algum aspecto de como os missio-

nários dos EUA enxergavam o Brasil:

Irmão Ward nos disse antes de virmos que tudo que você precisa fazer

para atrair uma multidão é fazer barulho, e elas virão [...]. Nós usamos

isso na Festa em Pesqueira, e francamente, eu nunca tinha visto nada

parecido em meus 15 anos de serviço a Deus. Se você não comparecer

antes da primeira palavra ser dita, você certamente não tomará um as-

sento, e talvez você não conseguirá entrar na igreja.317

313 THE WITNESS AND MESSENGER. Julho de 1965, p. 5 314 THE PENTECOSTAL WITNESS. Fevereiro de 1948, p. 6 315 Idem. Agosto de 1953, p. 6 316 Idem. Setembro de 1953, p. 7 317 Idem. Outubro ou Novembro de 1953, p. 5

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Registrou-se também a alegria com que a juventude celebrou o aniversário da irmã An-

nie Frew, que era uma “verdadeira obreira entre a juventude e na Escola Dominical.”318

1.5 Projetos socioeducativos e educação teológica na ICPB

Educação “secular” nunca foi o forte da ICPB, mas há algumas ações socioeducativas

que merecem espaço nesta pesquisa, pois justamente por serem raras são importantes e não

deixaram de ser significativas, mesmo que com resultados variáveis. Por outro lado, o inves-

timento no estudo teológico parece ter sido mais efetivo, não sem esbarrar em muitas dificul-

dades.

No jornal da ICPB, O Herói da Fé, de 1958, se faz menção ao Centro Evangélico de

Recuperação Social de Paulo Afonso, fundado em abril de 1958, com registro no Conselho

Nacional do Serviço Social, órgão do então Ministério da Educação e Cultura. A instituição

foi fundada pelo Sr. Gilberto Gomes de Oliveira, funcionário da CHESF e membro da ICPB,

e que exerceu a função de diretor administrativo. O centro “vem prestando relevantes serviços

ao público Paulafonsino, principalmente aos menos favorecidos da sorte, mantendo Escolas

primárias gratuitas e exercendo, enfim, a beneficência ensinada por Jesus.”319 O próximo alvo

da entidade era implantar um curso de artesanato masculino. Mencionou-se também o apoio

de homens como o deputado federal Dr. Raymundo Brito, “que mesmo não sendo de Paulo

Afonso, não tem se esquecido de, anualmente, incluir no orçamento da União uma subvenção

em favor do Centro [...], assim como tem conseguido outros auxílios dos Poderes Públicos pa-

ra o nosso Centro de Recuperação.”320 Esperava-se que seu exemplo incentivasse outros, não

só da cidade, mas de todo o Brasil, a ajudar também. Entre os membros da diretoria estavam

dois pastores, dentre eles Manoel Miguel da Silva, proeminente líder da ICPB, e um presbíte-

ro.

Mas, nas palavras de Ward, as crianças daquela escola se comportavam de modo a cau-

sar orgulho em quem as visse:

Uma coisa que me impressionou grandemente em Penedo foi a nova escola

organizada no segundo dia deste mês [agosto de 1965] e que trouxe sua ban-

deira com o seguinte nome “EDUCANDÁRIO HORACE WARD.” Eles

promoveram um evento no sábado a noite, e se você pudesse ver o compor-

318 THE PENTECOSTAL WITNESS. Janeiro de 1954, p. 5 319 Centro Evangélico de Recuperação Social de Paulo Afonso. O Herói da Fé. Julho-Agosto de 1962, ano IX, nº

71, p. 2 320 Ibidem.

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tamento das crianças você iria, talvez, ficar orgulhoso delas como eu fi-

quei.321

Também na década de 1970, a ICPB em Santo André recebeu da Igreja do Nazareno a

direção do orfanato Boa Esperança, que ficava a cerca de 300 quilômetros, em Minas Ge-

rais.322 A edição d’O Herói da Fé de 1972 informa que o Orfanato Boa Esperança – Lar da

Igreja,323 atendia a 32 crianças em situação bastante precária, abandonadas. Incluía-se crian-

ças de várias cores de pele: “bem negras, morenas e outras brancas, todas seminuas.”

Para ajuda-las, a irmã Eunice, esposa de Agenor Camilo, que liderava a sociedade de

mulheres em Santo André, promovia reuniões e atividades beneficentes. Colchões foram doa-

dos por uma empresa. Retalhos e cobertores de “uma pessoa amiga” e médicos doavam remé-

dios e vitaminas. Providenciaram uniformes e calçados para as crianças. As visitas eram en-

voltas em emoção e cânticos evangélicos.

Em 1973 o jornal da PCC reproduziria a foto da bandeira do Brasil sendo hasteada du-

rante ato inaugural de mais uma escola, a Nina Memorial Grade School, em Palmeira dos Ín-

dios, em março de 1973.324 Falta-nos informações sobre a natureza desta escola.

O jornal publicou a ata da Convenção Nacional de 1978, reunida em Santo André, SP,

composta por 53 convencionais, e uma delegação da IPCC, incluindo Chester Miller e Horace

Ward, sob o título de Atos do Superintendente.325 Destacamos, pela ordem de apresentação, as

do âmbito de assistência social. Citou-se a seguinte decisão da Assembleia Deliberativa, sobre

a Associação Beneficente Agenor Camilo Ramalho:

Que a Associação Beneficente “Agenor Camilo Ramalho”, com sede em o

Município de Mogi Guaçu, Estado de São Paulo, passe a pertencer a Igreja

de Cristo Pentecostal do Brasil, em âmbito Nacional; (2) Que esta Associa-

ção seja dirigida por uma Comissão de onze (11) membros, de Ministros e

leigos, designada pela Convenção Nacional da Igreja; (3), Que a Diretoria

Executiva da Associação Beneficente “Pastor Agenor Camilo Ramalho” seja

eleita por votação dos membros da Comissão designada, conforme item aci-

ma; (4) Foram designadas para compor a Comissão que dirigirá a Associa-

ção Beneficente “pastor Agenor Camilo Ramalho” no período de fevereiro

de 1978 a 1983, as seguintes pessoas: Roberto Camilo Ramalho, Paulo Mes-

quita, Orlando Fernandes, José Claudio Scaranelo, Clerisson de Miranda, Jo-

sé Benedito Francisco, José Conceição Neto, José Mulinário, José Ferreira

da Cruz, Luiz Uliani e Antonio Valentin da Silva.326

321 THE WITNESS AND MESSENGER. Setembro de 1965, p. 5 322 THE PENTECOSTAL WITNESS. Abril de 1972, p. 4 323 Orfanato Boa Esperança – Lar da Igreja. O Herói da Fé. Dezembro de 1972, ano X, Edição Especial, p. 1. 324 THE PENTECOSTAL WITNESS. Novembro de 1973, p. 10 325 Ata da 18ª Convenção Nacional da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil. O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro e

Março de 1978, ano XIV, nº 1, p. 2-3. 326 Ibidem, p. 1-2.

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Grimm se mostrou um homem de visão estratégica e interesse na educação teológica.

Tanto é que no início de 1958, Ernst Grimm encabeçou a Escola Bíblica Pentecostal do Sul

(The Pentecostal Bible School of the South),327 criada pela Convenção Geral da ICPB reunida

naquele ano, e que tencionava treinar obreiros nativos para a missão; e também treinar profes-

sores da Escola Dominical para ensinar crianças. Segundo Grimm, esta era a segunda institui-

ção teológica pentecostal brasileira. A primeira teria sido aberta pela Igreja Quadrangular. Na

primeira aula havia 19 alunos na Escola Bíblica e 9 alunas para o curso de ensino infantil. Por

esse motivo, Grimm disse esperar que os Frew voltassem em breve para auxiliar a escola nes-

se trabalho. Como método para alcançar aqueles que não pudessem frequentar a escola pesso-

almente, planejava-se criar uma publicação: “Este mês [abril] estamos caminhando para editar

uma publicação especial – O Obreiro (The Worker) – para dar instrução àqueles que não po-

dem frequentar a nossa Bible School. Este jornal será publicado mensalmente e servirá de

grande ajuda e treinamento aos nossos obreiros nativos.” 328

A capa do The Pentecostal Witness de março de 1970 estampava a foto da igreja de Flo-

rianópolis e o projeto da construção do prédio. Grimm procurava conscientizar a igreja dos

EUA para a necessidade de uma Escola Bíblica no Brasil, principalmente diante das intenções

do governo de então:

O governo brasileiro tem o Projeto que pode virar uma lei em breve: nin-

guém terá permissão de pastorear uma igreja a menos que tenha sido gradu-

ado em um Seminário ou Instituto Bíblico, ou tiver uma base educacional

equivalente. Em outras palavras – ministros não formados não poderão ser

pastores. Por isso nós temos uma ardente necessidade de ter nosso próprio

Instituto Bíblico e então nós seremos capazes de dar aos nossos ministros a

educação que o governo requer. NÓS PRECISAMOS DAS SUAS ORA-

ÇÕES E SUPORTE!329

Em atenção à necessidade e ao pedido da PCC, a ICPB cedeu um terreno para a cons-

trução do prédio da escola bíblica do Bethel Evangelical Mission (Missão Evangélica Bethel),

em Florianópolis.330 O BEM era administrado por Ernst Grimm e diretamente subsidiado pela

PCC. Na edição de agosto de 1974, relata-se que o Instituto decidiu, em sua última assem-

bleia, submeter-se exclusivamente à Conferência da PCC. A propriedade da missão funciona-

va como embaixada da igreja norte-americana, dez anos depois da autonomia da ICPB com

relação a ela. José Pinto, então superintendente, emitiria uma circular divulgando e incenti-

vando a matrícula no curso por correspondência, que incluía treinamento para ministros e para

327 THE PENTECOSTAL WITNESS. Março de 1958, p. 5 328 Idem. Maio de 1958, p. 5 329 Idem. Março de 1970, p. 4 330 Idem. Julho de 1969, p. 2

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professores/as da idade infantil.331 No ano seguinte, a Missão Evangélica Bethel oferecia um

Curso Teológico Intensivo, com transmissão de aulas pelo rádio.332

Paralelo ao trabalho de Grimm em Florianópolis, um trabalho de inclusão promovido

por seus filhos: “Peter leciona para um grupo de analfabetos da irmandade da Igreja Nacional.

O mais velho tem 67 anos e o mais jovem 5. Nosso alvo é: sem analfabetos na Igreja de Flori-

anópolis até o final de 1974. Rudolf ensina guitarra para um grupo de 9 jovens.”333

Tencionava-se, por iniciativa do irmão Ezequiel Ventura dos Santos, levar adiante um

projeto denominado Seminário de Cristo Pentecostal, em Paulo Afonso, Bahia. O autor, um

seminarista, pediu apoio dos pastores e do superintendente, que deveriam incentivar a ida de

candidatos ao ministério e ajudar com a infraestrutura em geral. Aos jovens, se dirigiu assim:

E agora vocês meus amados jovens, futuros Pastores e Educadoras Cristãos,

Deus tem um lugar para você em sua obra. Você que ultimamente vem sen-

tindo o toque do Espirito Santo em sua vida e ouvido a voz de Deus [...].

Na verdade, o Seminário não será um reformatório, mas sim uma escola de

Profetas, onde o caráter de/Cristo será formado em servos abnegados que se

dispuserem a ouvir a voz do Senhor. [...]

Consumado o fato de dentro em breve se Deus quiser, temos o nosso próprio

“SEMINÁRIO”. Amém.334

1.6 Tensões eclesiais e administrativas internas

Nesta parte do trabalho elencaram-se questões que envolvem conflitos e tensões inter-

nas da ICPB, e que foram publicadas em jornais. Um texto de 1958, o jornal A Voz Pentecos-

tal,335 (homônimo e possivelmente o mesmo identificado com a já extinta Associação Pente-

costal no Brasil, da qual a ICPB fez parte através de sua liderança), denominado “Órgão das

Igrejas Pentecostais no Brasil” trouxe um artigo do missionário sueco, [Erik] Aldor Petters-

son,336 em que justificava o motivo da saída do pastor Vitorino Joaquim dos Santos, primeiro

ancião ordenado pela PCC no Brasil, carinhosamente chamado por Miller de “irmão Victor”

em cartas pessoais. Os motivos alegados foi o de que ele sofria perseguição e por isso procu-

rou uma igreja “mais bíblica”. Pettersson disse ainda que chegou a ouvir as lideranças da

331 THE BRIDEGROOM’S MESSENGER AND THE PENTECOSTAL WITNESS. Junho de 1975, p. 3 332 GRIMM, Ernst. Como escaparemos nós? O Herói da Fé. Outubro, Novembro e Dezembro de 1976, ano XII,

nº 8, p. 1. 333 THE PENTECOSTAL WITNESS. Maio de 1974, p. 4 334 SANTOS, Ezequiel Ventura dos. Seminário de Cristo Pentecostal? O Herói da Fé. Janeiro, Março e Abril de

1985, ano XXI, nº 4, p. 5. 335 PETTERSSON, Aldor. Declaração. A Voz Pentecostal. Fevereiro e Março de 1954, ano III, nº 13, p. 4. 336 Pettersson foi mencionado pelo Dicionário do Movimento Pentecostal, da CPAD, (p. 669-70) como um dos

mais dinâmicos missionários das Assembleias de Deus, no entanto, foi apontado como protagonista de conflitos

em sua denominação.

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ICPB e que seus argumentos de acusação não se mantiveram de pé, e por isso o pastor seria

recebido como alegria na então Igreja Pentecostal Assembleia de Deus do Brasil.

Outro evento marcante na história, datando de 1978, precisa ser mencionado neste pon-

to. José Pinto de Oliveira e Ernst Grimm tiveram estranhamentos por razões administrativas.

As tensões se agravariam até a ruptura. Reproduz-se abaixo a nota de exoneração do pastor

estoniano:

Em virtude do Rev. Dr. Ernst Grimm ter sido exonerado do cargo de

Missionário da International Pentecostal Church of Christ, mediante

investigações efetuadas pela Comissão especial vinda dos Estados Uni-

dos, procedeu-se também a sua exoneração da Condição de membro do

Ministério da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil, ficando decidido

ainda que, será desligado desta Igreja qualquer membro que porventu-

ra lhe acompanhe.337 (negrito original)

Noutra parte da mesma edição, uma nota do Superintendente completa sua versão dos

fatos, e de como as coisas abacaram se resolvendo de maneira positiva:

Conforme se pode ver na Ata da Convenção Nacional, realizada nos dias 25

a 28 do mês de Janeiro deste ano de 1978, [...] aparece e exoneração do Dr.

Ernst Grimm de membro do Ministério da Igreja de Cristo Pentecostal do

Brasil. De início, ele levou todos os pertences consigo, móveis e imóveis da

Missão e da Igreja, mas agora no mês de Março recebemos uma carta dele

declarando que estava resolvido a entregar todos os imóveis e partes dos

móveis à Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil. Credenciamos o nosso Vice-

Superintendente Nacional - Rev. José Francisco de Freitas que foi e, já está

tudo devidamente Escriturado e registrado no nome da Igreja. Já estamos

com os documentos em mãos. Agradecemos primeiramente Deus por haver

resolvido tão grave problema e, também, agradecemos ao Dr. Grimm, por

haver obedecido a imposição do Deus eterno.338

Diz-se entre os mais antigos na ICPB que Grimm se queixava de que seu lado da histó-

ria nunca foi ouvido. Ao sair da ICPB, em 1978, tornou-se pastor luterano (sua confissão an-

terior ao pentecostalismo) por cerca de anos e se aposentou. O pesquisador chegou a conhecer

Grimm em seu último ano de vida (2014), já debilitado pela idade e por problemas de saúde.

Planejou-se elaborar uma entrevista, mas seu estado de saúde se agravou e ele veio a falecer

antes. Alguns poucos anos atrás, a família de José Pinto procurou Grimm para um pedido in-

formal de desculpas por eventuais injustiças e desentendimentos, e o inverso também ocorreu.

Ernst Grimm, uma figura de grande importância na denominação por mais de vinte anos, fi-

cou praticamente esquecido pela igreja. Muitos ignoravam até o fato de ele ainda estar vivo.

Aqui e ali se fazia menção ao seu nome, mas nunca com aprofundamento. No entanto, sua

337 Ata da 18ª Convenção Nacional da Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil. O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro e

Março de 1978, ano XIV, nº 1, p. 2. 338 OLIVEIRA. Superintendência Nacional. Ibidem, p. 8.

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morte, que aconteceu aos 89 anos, foi lembrada numa pequena nota pelo jornal oficial de ja-

neiro a março de 2015, adaptando um texto do autor deste trabalho nas redes sociais.339

O superintendente geral respondeu às perguntas dirigidas a ele por uma convenção ex-

traordinária convocada pelo então vice-superintendente, que presidia a igreja por ocasião da

ausência de José Pinto por razão de saúde. Um das principais cobranças era a não apresenta-

ção de relatórios financeiros e de planejamentos. De forma direta, o pastor respondia assim:

Não apresentei, porque num país como esse que nós vivemos, ninguém tem

condições de planejar nada. Você faz um plano de gastar X numa coisa e;

quando vai fazer; gasta dois, três, quatro e até mais xizes. Por essa razão é

que eu não tenho feito planos e nem vou fazer. Tenham um pouco de paciên-

cia comigo até o fim do meu mandato [1988] e; quando vocês elegerem ou-

tro se ele tiver condições de fazer que o faça.340

2 Opinião dos missionários sobre política, sociedade e

teologia e a prática da igreja

2.1 Discurso sobre a política e a sociedade da época

Em abril de 1950, Arthur Erie Graham e sua esposa fizeram uma lista de curiosidades

sobre o Brasil em forma de “você sabia que...”, das quais destacamos algumas que nos forne-

cem a visão que os missionários tinham daquela região do Brasil, e que ao mesmo tempo a

contextualizam nos aspectos social, cultural, econômico, religioso e histórico: Quase todas as

casas possuem uma máquina de costura; sobressai-se a cultura de bananas e cajus; geralmente

homens usavam bigode e mulheres cabelos “naturalmente” encaracolados e pretos; não se in-

gere bebidas alcoólicas ou se extrai leite nas sextas-feiras santas; não há leis e nem reconhe-

cimento do divórcio; a maioria dos protestantes são pentecostais; há proteção policial ao

culto e liberdade religiosa em todo o país; muitos são expulsos de seus lares se aceitam a Je-

sus como salvador; Natal possui 60 mil habitantes e não tem corpo de bombeiros; poucas jo-

vens fumam, mas muitas senhoras fumam cachimbo; no interior a população caminha por qui-

lômetros para ir à igreja e não deixavam o culto se a reunião se prolongasse; quase todos os

lares brasileiros são abertos ao evangelho; [no nordeste] somente se consideram duas esta-

ções: verão e inverno (abril a julho); o burro é meio de transporte mais comum; os casais se

339 [SILVA], Wallace de Góis. Ernst Grimm: partiu para a glória um dos grandes pregadores do pentecostalismo

brasileiro. O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, ano LX, nº 1, p. 15. 340 OLIVEIRA, João Alfredo. O ensino paterno. O Herói da Fé. Maio a Setembro de 1985, ano XXI, nº 5, p. 7.

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casavam em duas cerimonias separadas: civil e religiosa; “Idolatria, superstição e imoralidade

entre esse povo é fruto de uma religião sem o Evangelho”; tem 21 estados e uma forma de

governo representativa; o governo é militar e ditatorial [época de Eurico Gaspar Dutra:

1946-1951].341

Na edição de maio de 1950, Miller descreve alguns aspectos da cidade de Pesqueira, um

novo desafio missionário para eles: possui uma significativa atividade industrial com tomates

e outros produtos, alguns seminários católicos, um ou dois conventos e a casa do bispo da di-

ocese que também ficava na cidade, e conclui: “sim, ela certamente precisa do evangelho”.342

Quando do retorno de Chester Miller e família ao Brasil, após 22 dias de viagem no na-

vio Del Monte, escreveu em maio de 1951 que não via grandes mudanças no país: “Brasil é

ainda o Brasil”343. Encontrar uma casa para alugar era sempre um desafio. O automóvel tão

aguardado demoraria dois meses ou mais para chegar e o transporte coletivo, muito precário,

eram os caminhões conhecidos como pau-de-arara que carregavam em más condições a mui-

tas pessoas pelas estradas poeirentas e instáveis. O sol quente castigava a pele branca dos/as

missionários/as gringos, além do desconforto diante das diferenças climáticas de um país para

o outro, o que gerava problemas de saúde, principalmente nas crianças: Keren, Daisy e Samu-

el. Mas sempre reiteravam que o amor pela missão e a obediência a Deus os motivava a con-

tinuar.

Especialmente à noite (provavelmente nos bailes e botequins), os missionários viam o

povo “cego”, correndo em busca de formas para satisfazer o coração. E isso, segundo eles, se-

ria motivo para muitos quererem pregar para eles. Atente-se também para a notícia sobre polí-

tica relacionada à religião veiculada na mesma edição, datando de agosto de 1952:

O governador do estado de Pernambuco [Agamenon Magalhães] morreu no

último domingo de um ataque de coração. O povo sentiu profundamente a

perda de seu líder. O homem que agora é o governador (até que seja feita

uma nova eleição em dois meses) é um cristão e membro das Assembleias de

Deus. Ele era um pastor. Orem por ele.344

Algo bem curto foi dito sobre política em outubro de 1954, pouco depois da morte do

presidente Getúlio Vargas: “P.S. Nós agradecemos a Deus por nos proteger durante o recente

desassossego político aqui no Brasil, muito embora as eleições estejam se aproximando e nós

precisamos pedir sempre a Deus por proteção.”345

341 THE PENTECOSTAL WITNESS. Julho de 1950, p. 5 342 Idem. Maio de1950, p. 5 343 Idem. Julho de 1951, p. 3. 344 Idem. Agosto e setembro de 1952, p. 4 345 Idem. Outubro de 1954, p. 8

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Em 1956 há uma descrição do quadro econômico do país: “Nós estamos no meio de

uma terrível inflação desde os últimos dois anos e tem continuado. Passagens, comida e rou-

pas mais do que dobraram de preço.”346 Há também comentários sobre a educação precária no

país e a relação que entenderam ter isso com a religiosidade popular:

A baixa educação brasileira tem, como principal responsável, a idolatria ro-

mana. Ignorância é a grande arma juntamente com o medo que a igreja ro-

mana mantém sobre seu povo. O cordão vermelho era o cordão de São Se-

bastião, e o cordão preto era o cordão da Santa Cruz; cada uma servia para

manter as doenças e males afastados. No cemitério estava a maior cruz com

longas fitas para manter os maus espíritos longe. Esse povo ouve atentamen-

te, mas TEMEM aceitar a libertação por meio de Jesus Cristo.347

Enquanto viajava ao Paraná, em janeiro de 1957, onde oficializaria mais uma congrega-

ção, Ward continuava a observar o progresso da região sudeste e sul e o contraste de situações

ainda em desenvolvimento:

Eu viajei de trem elétrico através do Estado de São Paulo, e por milhas, a

única plantação verde que consegui ver era de café. Foi uma bela cena. En-

tão, quando estava na linha entre São Paulo e Paraná, imagine qual não foi

meu desapontamento quando tive que trocar um trem elétrico por uma velha

maria-fumaça. Esta, obviamente, veio mais lentamente e nós não tivemos

que viajar muito até descobrir barro vermelho, e devido à estiagem no Para-

ná, o barro estava se transformando em poeira.348

Em 1959 Russel Frew descrevia com preocupação o fato de o clima seco do nordeste

ainda castigar as pessoas, principalmente no sertão, e ainda havia altos índices de famílias

com fome, sede e crianças morrendo sob a desnutrição. Os homens trabalhavam de 10 a 12

horas debaixo de sol intenso, recebendo numa semana menos do que um estadunidense rece-

bia em um dia, e muitas vezes, voltavam pra casa saindo do escritório com a resposta de que

não havia dinheiro disponível para o pagamento.349

Annie Frew contou também um episódio do então diácono Luis Alfredo de Santana,350 e

à época do texto (novembro de 1960), pastor de Garanhuns. Durante um culto, foi ameaçado

por um soldado, e sabendo de seus direitos constitucionais, foi à delegacia e tudo que pediu

foi que pudesse terminar seu sermão. E isto lhe foi garantido. “Ele sabia que uma vez que os

Católicos eram livres para fazer suas procissões, os Cristãos também o seriam para realizar

seus cultos ao ar livre.”351 Os Frew souberam do caso quando Luis os surpreendeu com a no-

346 THE PENTECOSTAL WITNESS. Março de 1956, p. 3 347 Idem. Abril de 1956, p. 5 348 Idem. Fevereiro de 1957, p. 5 349 Idem. Março de 1959 – Special Edition, p. 5 350 THE WITNESS AND MESSENGER. Novembro de 1960, p. 5 351 Idem. Novembro de 1960, p. 5

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tícia em sua casa, e Annie diz que jamais havia visto alguém feliz por sofrer perseguição. Era,

porém, comum que a mesma instituição que lhes garantia o direito ao culto, por vezes era a

que lhes atrapalhava.

Uma nota interessante sobre a relação igreja-política foi publicada no jornal da PCC. 352

Uma importante igreja Protestante convocou um congresso para uma consulta em grande es-

cala sobre segurança nacional e as igrejas, diante da denúncia de um órgão da Força Aérea

americana de que haveria comunistas infiltrados no National Council of Churches (NCC), um

organismo ecumênico identificado com o evangelho social desde sua origem em 1950.353 O

artigo, usando as palavras do Dr. Clyde W. Taylor (secretário para assuntos públicos da NAE

ou National Association of Evangelicals354) comentou ainda que o tema de preocupação da

Força Aéra deve ser entendido a partir de suas raízes teológicas, e atacar nomes ou organiza-

ções poderia ser arbitrário. Mas explicou que “Evangelicais são em geral inclinados a aceitar

um capitalismo justo como o meio de vida mais funcional na ordem social deste mundo, ao

passo que muitas igrejas liberais são dedicadas aos princípios do socialismo.” Acrescenta ain-

da que se preocupa com alguns dos primeiros, que podem tender a um reacionarismo que bei-

ra o farisaísmo. Já os segundos tendem a se sentirem chamados para uma revolução social, e

que apesar de não adotarem todos os princípios marxistas-leninistas, tendem a defender um

“evangelho Social”. O autor indica que o mais sensato a se fazer é colocar em mesa todas as

questões para serem discutidas sob a ótica teológica, política e social. Só assim se poderia cla-

rear essa situação que estava confundindo as pessoas.

Horace Ward manifestou preocupação com o crescimento do catolicismo nos EUA, e

com o fato de que isso influenciou as eleições presidenciais de 1960, e parece mostrar uma

postura política conservadora por seu saudosismo e pela posição política de desaprovação do

presidente eleito naquele ano: John F. Kennedy, do partido dos Democratas, derrotando o

candidato republicano, Richard Nixon. Na sua visão, a eleição de Kennedy significava retro-

cesso e risco à liberdade:

352 THE WITNESS AND MESSENGER. Março de 1960, p. 6-7 353 Disponível em <http://nationalcouncilofchurches.us/about/history.php> Acesso: 16/01/2015. 354 A NAE é uma organização estadunidense fundada em 1942 e que atualmente reúne 40 denominações “evan-

gelicais”, inclusive pentecostais, dentre as quais estão a IPCC e as AGs, membros desde os anos 1940, as AG por

influência de J. Roswell Flower (http://paulmatzko.com/j-roswell-flower-visits-bob-jones-college/). Segundo o

site oficial da NAE, evangelicais nem sempre se autodenominam assim, mas são identificados por defenderem o

conversionismo, isto é, a necessidade do “novo nascimento”; o ativismo missionário e reforço de reformas soci-

ais; biblicismo, a mais alta consideração e obediência à Bíblia; e o crucicentrismo, ou seja, crença no sacrifício

de Jesus que tornou possível a redenção da humanidade. (http://www.nae.net/church-and-faith-partners/what-is-

an-evangelical).

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Quando eu tomei conhecimento da maneira com que o Catolicismo vem

crescendo nos Estados Unidos, e a maneira desavisada que o nosso povo tem

olhado para ela, me faz quase estremecer. Pode-se esperar e orar para que

Deus prepare missionários brasileiros para pregar ao povo de Estados

Unidos da América nos próximos anos.

Quando eu penso em como nossos pais vieram da Europa procurando por

um lugar onde pudessem adorar a Deus livremente, e agora verem que a

mesma igreja da qual eles fugiram está crescendo mais rapidamente nos Es-

tados Unidos do que qualquer outra religião – até mesmo elegendo um pre-

sidente nos EUA. Hoje eu penso, aonde nós vamos chegar, eu me pergunto

se Patrick Henry gritou em vão, “Dê-me a Liberdade, ou dê-me a Morte!”

Muitos lutaram para conquistar nossa liberdade. [Mas,] nós não votamos em

manter isso. Nós não podemos mais remediar o passado, mas podemos pedir

a Deus que tenha misericórdia de nós e nos manter despertos no futuro.355

Na edição de fevereiro de 1961 Ward faz, novamente, duras críticas à Igreja Romana,

com o subtítulo Rome Shows Its Colors356, na intenção de mostrar o que “Roma faz quando

tem total poder” e faz isso narrando um episódio em que o Frei Damião, na cidade de Patos,

Paraíba, incitou uma multidão de fiéis ao “fanatismo”. Segundo descreveu um missionário eu-

ropeu, o som que faziam parecia de trovões. Chegaram a jogar bombas caseiras contra o te-

lhado e a danificar as paredes de uma igreja presbiteriana. A polícia interveio antes que ata-

cassem uma igreja pentecostal e uma batista, apesar de terem causado certo dano a esta últi-

ma. No fim das contas, Ward afirmou que o frei não sofreu punição alguma e o prejuízo mate-

rial seria pago pelo governo federal brasileiro, uma vez que o frei era italiano e entrou no Bra-

sil livremente. Ward disse que a máscara de Roma começava a cair e se perguntava se o

mesmo não estava para acontecer em dez anos ou mais nos Estados Unidos. Perguntava-se se

em breve um padre não poderia mandar matar protestantes como se cães fossem. Preocupação

semelhante apareceria no jornal O Herói da Fé, num artigo de capa de julho-agosto de 1962,

intitulado União Perigosa, de autoria de Cícero Ribeiro de Brito.357

355 THE WITNESS AND MESSENGER. Dezembro de 1960, p. 5 356 Idem. Fevereiro de 1961, p. 4 357 O texto toma como referência a igreja de Pérgamo, na qual havia o trono de Satanás, segundo a carta em

Apocalipse 3. A igreja de Pérgamo, “sinagoga de Satanás”, representa “uma cristandade com um evangelho obs-

curecido e adulterado [...]. PÉRGAMO. Esta palavra quer dizer, ou significa; casamento. Representa a união da

igreja com o Estado. De modo que assim chamamos uma igreja casada com o mundo.” Brito compara aquela

comunidade cristã com o período histórico da constantinização da Igreja, que associada ao império romano, faz

uma união mais interessada em assuntos políticos do que religiosos. Da mesma forma, argumenta, nós fazemos

quando assumimos certas doutrinas para agradar alguém. Brito acusa aquela igreja nos seguintes termos: “perdeu

seu caráter isolacionista, e casou-se com o mundo.” O império concedia benefícios como grandes catedrais e

utensílios de ouro à Igreja e ao seu clero. A idolatria foi introduzida nesse período. Enfim, a igreja se desviou de

seu propósito quando fez aquele casamento. De certa forma, representa o pensamento protestante-pentecostal a

respeito do catolicismo e sua mistura com o mundanismo da política e, consequentemente, a atitude desse grupo

diante da política ser, não raro, omissa. (BRITO. In O Herói da Fé: 1962, p. 1-2)

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Apenas para se fazer mencionar uma empresa diretamente ligada aos problemas políti-

cos do Brasil, em outubro do mesmo ano, numa carta Horace Ward, ao regressar ao Brasil,

comparou a Panair do Brasil – empresa que mais tarde seria fechada pelos militares – com a

Varig, e destacou que a segunda era melhor em serviços e pontualidade.358

Ward comentou um pouco sobre política e economia no Brasil em comparação com os

EUA, justamente na época de transição do governo Jânio Quadros para João Goulart e as ten-

sões que envolviam o momento histórico:

As coisas estão mais calmas por aqui agora. O vice presidente está no Rio

Grande do Sul, e parece que eles vão permitir que ele tome posse do gover-

no, mas isso levará ainda alguns dias. Acho que as coisas vão se estabilizar.

Eu gostaria que algo acontecesse para frear a inflação. O frango aqui, como

disse o Irmão Grimm, custa dois mil cruzeiros o quilo. (isto significa cin-

quenta centavos de dólar por libra – lembrando que os salários aqui são mais

baixos do que nos Estados Unidos e os preços mais altos – todos os salários

mais baixos)

[...] Os serviços postais mais do que dobraram de custo durante os poucos

meses em que estive fora.

[...] Claro que os preços nos Estados Unidos [também] estão subindo cons-

tantemente e a inflação aí é um problema. Porém, [...] eles tem sofrido ses-

senta por cento mais inflação dos que nós dos EUA, apenas em poucos me-

ses.359

No jornal da PCC de abril de 1962, a Sra. Vera Peacock escreveu um pequeno texto de-

nominado A Call to Pray, 360 em que, pedia aos norte-americanos que orassem pela sua pátria,

pois, diante do que se ouvia no rádio, o país estava sob grave ameaça, e que se Deus não vies-

se a fazer cessar a guerra, que não os deixasse perecer. O contexto era de tensão, que envolvia

as pressões da União Soviética sobre os EUA através da ilha de Cuba [crise dos mísseis,

aprox. 1961-1962].

Annie Frew, na coluna The Young People do jornal da PCC, abril de 1962, fala da ten-

tação que as promessas do Comunismo representam diante das dificuldades enfrentadas no

nordeste do Brasil, como a incapacidade de alguns sustentarem a própria família, a mortalida-

de infantil, o difícil acesso à educação e o alto índice de analfabetismo – e o consequente im-

pacto socioeconômico – faziam do nordeste, segundo Frew, um solo fértil para as “doutrinas

comunistas”. Apesar disso, diz ela, que havia obreiros valorosos no Brasil, citando seus no-

mes, e que permeneceram fiéis mesmo diante do que chamou de atitude do comunismo de

358 THE WITNESS AND MESSENGER. Outubro de 1961, p. 5 359 Ibidem. 360 Idem. Abril de 1962, p. 4 e 8

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“fechar portas” e assim estancar a esperança de muitos que precisam de Cristo. Mas, não fica

claro a que portas exatamente ela se refere.361

Na coluna Religions in The News, o jornal The Witness and Messenger, da PCC, de

1963 expôs também um artigo da NAE (National Association of Evangelicals), na pessoa de

seu presidente, Dr. Robert A. Cook, revelou desconfiança quanto à visita de 16 líderes cris-

tãos da Rússia aos EUA, e sua quase certa anuência aos ideais do regime soviético, pois não

poderiam atravessar a “cortina de ferro” se não estivessem de acordo com sua política. Acres-

centou também:

O Líder Protestante disse que as declarações que têm sido feitas por alguns

dos outros líderes religiosos da delegação dão provas de que eles estão sendo

usados para promover o movimento Comunista pela paz.

Citando reportagens recentes de perseguição religiosa na Rússia, Dr. Cook

disse: “Os Cristãos americanos vão continuar a identificar-se com os seus

irmãos por trás da Cortina de Ferro, mas muitos de nós não podemos ajudar,

mas me pergunto se a verdadeira igreja na Rússia não pode ser representada

de forma mais precisa nos 32 Cristãos Siberianos que apelam em vão para

obter ajuda na embaixada Americana do que por aqueles a quem o governo

Comunista não tem medo de confiar a participar nas visitas de intercâm-

bio.”362

Na segunda parte da mesma sessão, o jornal reproduz outra matéria intitulada Christians

in Russia Suffering the Worst Persecution in 40 Years [of Communist Domination],363 que

procura demonstrar a situação de angústia vivida sob o regime.

Em maio de 1963 outro artigo da coluna Religions in The News expôs atenção ao co-

munismo. O texto Church Leader Urges Stronger Efforts Toward Convertion of Communists,

extraído da revista da United Evangelical Action, mostra as falas do Dr. C. N. Hostetter no

sentido de incentivar e mostrar a atuação de cristãos para “deter o comunismo” e converter

seus partidários ao cristianismo. Acrescenta ainda:

Ele afirmou que “45 anos de história Comunista testemunha que os objetivos

de justiça social e justiça econômica nunca poderão ser realizados na

sociedade, a menos que o homem encontre a liberdade e a libertação do

egoísmo, tirania e rebeldia que, em seu próprio seio.

“Cristo... porvê essa libertação e é o caminho para a justiça entre os homens

e da retidão que pode banir a opressão, a dominação e a tirania.”

Ele sugeriu que os evangélicos “facilmente confundem o encontro com Cris-

to com apologias [a modelos] econômicos e políticos”364

361 THE WITNESS AND MESSENGER. Abril de 1962, p. 6 362 Idem. Abril de 1963, p. 8 363 Ibidem. 364 Idem. Maio de 1963, p. 6

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Ward não deixou de falar (e fazer comentários positivos, embora com alguma peocupa-

ção com uma possível restrição à liberdade religiosa) sobre a mudança de presidente da repú-

blica ocorrida bruscamente em abril de 1964. O texto é traduzido na íntegra, logo abaixo:

Um Presidente Derrubado

Talvez você já tenha ouvido falar que outro presidente abdicou de seu cargo.

Desta vez ele foi forçado a fazer isso.

Seus planos para fazer do Brasil comunista falharam, e acho que agora ele

está no Uruguai.

Deus seja louvado, porque o caso parece ter sido solucionado sem o derra-

mamento de sangue. Pareceu por um momento que poderia haver uma guer-

ra civil, mas as forças armadas pareceram favorecer a democracia, então Jo-

ão Goulart não teve apoio suficiente para levar seus planos adiante.

Por favor, orem para que sejamos capazes de fazer tudo o que é possível a

fim de prover o evangelho a todos os brasileiros enquanto temos liberdade.

Alguns sugeriram que todos os comunistas deveriam ser enviados para Cuba,

mas eu sugiro que eles deveriam ser enviados para Russia ou China. Cuba

não está a uma distância segura de nós.

Desde a mudança de governo vários comunistas tem sido eliminados dos

correios, e talvez as correspondências venham com maior regularidade ago-

ra.365

Em janeiro de 1966 a NAE (National Association of Evangelicals) emitiu um parecer,

que foi publicado no jornal, sobre o que chamou de “desobediência civil” de determinados

grupos evangélicos, que por sua tradição de paz, se opuseram à ação militar. No contexto,

acontecia a intervenção dos EUA na guerra do Vietnã e na República Dominicana.366

Em março de 1967 Noé Barros da Silva, pastor da ICPB no Rio de Janeiro, em carta à

PCC, falou de uma tragédia natural que ocorrera em Nova Iguaçu, com direito a deslizamen-

tos de terra e consequentes mortes. Citou igualmente o acidente envolvendo um ônibus, do

qual nenhum passageiro saiu vivo. Trata também de aspectos econômicos e de um episódio

excêntrico de suicídio em decorrência da mudança da moeda de Cruzeiro para Cruzeiro Novo:

A nova moeda começou a vigorar recentemente, e o dólar que valia Cr.$

2700 é agora apenas 2,70. Um homem em Copacabana era um multi-

milionário e tinha cinquenta milhões de Cruzeiros. Quando ele soube que

seus cinquenta milhões era apenas cinquenta mil, ele pulou da janela do dé-

cimo andar, caindo sobre dois homens que estavam na calçada, matando três

homens ao invés de um só.367

Tratando-se da cooperação interdenominacional – e em tempos de “ameaça comunista”

– destacou-se a importância do trabalho de Boyer na distribuição de literaturas evangelísticas

e exemplares da Bíblia. Isso aumentava ainda mais o ânimo e interesse de Ward em fazer com

que a Bíblia chegasse antes das literaturas comunistas:

365 THE WITNESS AND MESSENGER. Maio de 1964, p. 4 366 Idem. Fevereiro de 1966, p. 5 367 Idem. Março de 1967, p. 7

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Eu tenho ouvido testemunhos de pessoas que se converteram apenas pela lei-

tura direta da Bíblia, sem [a mediação] de um ministro do Evangelho, então

isso me fez desejar que a Palavra chegue ao mundo. Pessoas ao milhões, de

todos os lugares estão aprendendo a ler, então eu quero boa literatura evan-

gélica em suas mãos antes que os Comunistas coloquem suas literaturas nas

mãos dessas pessoas.368

Em 1969, ao visitar Brasília, nova capital do Brasil, Ward faz comentários sobre a in-

fraestrutura, comparando suas estradas com as “super vias” dos EUA. Ressalta que em razão

da seca e outros problemas sociais e econômicos no Brasil, Brasília se tornou um novo centro

de migração em busca de oportunidades.369

2.2 Excertos de teologia nos textos dos/as missionários/as

O primeiro número de 1951 trouxe um artigo de Chester Miller sobre “As coroas”370

que Cristo prometeu, como por exemplo a da Vida e a de Glória, indicando a recompensa fu-

tura para os que permanecem fiéis, assim como no passado os reis as utilizavam como símbo-

lo de glória. Isto para nós revela um pouco da escatologia presente na mensagem dos missio-

nários.

Um pouco da teologia ligada ao movimento wesleyano/holiness transparece na referên-

cia à conduta aprovada diante de Deus e ao altar como local de autoconfrontação com os pró-

prios pecados, além dos traços de uma teologia tipicamente pentecostal:

Tendo a Luz do Batismo com Espírito Santo, nós deveríamos buscar por esta

experiência e, e aúnica forma de manter esta bênção é testemunhando. Está a

sua “taça cheia e transbortante hoje?” Se não, então – você tem sido uma tes-

temunha Nele? Francamente, cristão, está Ele satisfeito com a sua vida e a

minha? Deveríamos nós confessar diante do altar que temos falhado no tra-

balho?371

Sabemos mais um pouco também do conteúdo da pregação: “Apenas o Cristo-Filho é

capaz de, por meio de seu sangue e poder, realizar uma coisa maravilhosa como transformar o

coração humano. Esta é a mensagem que nós pregamos para essas pessoas todos os dias.”372

Em 1953 Russel Frew faz observações que nos servem de dados para captar sua com-

preensão teológica (ao menos parcial) do Brasil e de seu cenário religioso:

É um grande privilégio ser um Cristão, e especialmente quando você vive

numa terra onde o Príncipe das trevas tem dominado por tanto tempo. O con-

368 THE WITNESS AND MESSENGER. Outubro de 1967, p. 3 369 THE PENTECOSTAL WITNESS. Abril de 1969, p. 4 370 Idem. Janeiro de 1951, p. 4. 371 Idem. Abril de 1953, p. 7 372 Idem. Janeiro de 1952, p. 4.

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traentes entre o Crente e o não-crente aqui é marcante... é realmente impres-

sionante de ver o zelo que esses cristãos têm pelo seu Senhor.373

É fator de destaque que o trabalho na igreja era feito tanto por membros ordenados (mi-

nistros) ou não (leigos), especialmente quando legitimados pela bênção do batismo pentecos-

tal: “Em cada ‘frente’ relatórios são feitos das contínuas bênçãos nos ministros e leigos. Um

dos líderes recebeu o batismo do Espírito Santo e é mais do que um tição de fogo! João Dio-

dato é o nome do obreiro e está trabalhando numa igreja relativamente nova.”374

Ward demonstrou também a tristeza que sentia pela seca no interior e pelo fato de na ci-

dade de Buique cerca de 3 mil pessoas marcharam até o escritório do prefeito para exigir co-

mida ou trabalho. Muitos já não acendiam mais o fogão porque não tinha nada para cozinhar.

Algo, porém começava a ser feito pelos missionários e obreiros: “Alguns de nossos pastores,

incluindo o Irmão Frew, tem dado de seus próprios salários para sustentar os necessitados.”375

Ward, porém, em seu ponto de vista, via na situação uma oportunidade favorável para o cres-

cimento numérico da missão no Brasil:

As coisas, naturalmente falando, não parecem muito boas, mas temos apren-

dido que quando as pessoas estão no próprio limite, é mais fácil para eles

crer no Senhor. Por favor, ajude-nos em oração pela obra que Deus nos deu,

uma grande colheita de almas. Enquanto as pessoas estão chorando por pão

para sustentar seu corpo natural, que sejam alimentadas pelo alimento

espiritual para sustentar seu corpo espiritual.376

Frew, ao contar como reagiu à noticia da morte acidental de um jovem de 17 anos, fez

uma reflexão sobre a incerteza da vida e a necessidade de garantir um bom destino eterno. Pa-

ra ilustrar, cita a tradução de um “hino de convite” usado no Brasil:

When the labors of this life shall end,/ And death comes to stand by your

side,/ What will be the destiny of your soul?/ Where will your home be

then?/ My friend, today you have a choice./ Life or death, which will you

take?/ Tomorrow may be too late;/ Jesus wants to save you today!377

A edição de janeiro de 1964 trouxe um artigo intitulado The Pentecostal Position,378 de

Thomas F. Zimmerman, então presidente das Assembleias de Deus (referida no jornal como a

maior denominação pentecostal) nos EUA. O texto fez uma breve apologia histórica ao mo-

vimento pentecostal, afirmando, sobretudo, que o pentecostes não terminou em Atos 2, mas se

373 THE PENTECOSTAL WITNESS. Junho de 1953, p. 3. 374 Idem. Julho de 1953, p. 5. 375 Ibidem, p. 6. 376 Ibidem. 377 Idem. Fevereiro de 1961, p. 3. 378 Idem. Janeiro de 1964, p. 1 e 7.

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espalhou pelo mundo no decorrer da história e que os grandes avivamentos da história lidera-

dos por Finney, Moody e Wesley tiveram amostras dessa experiência.

A edição de abril de 1966 começa com um artigo intitulado Righteous Justice and Equi-

table Judgment,379 por Louise K. Young. O texto trata da justiça de Deus no tocante ao saber

julgar com correção a todas as pessoas, à despeito do que os homens possam pensar.

O discurso do Rev. B. L. Rex, então vice-superintendente e diretor de missões da PCC,

na convenção da PFNA de novembro de 1967, Preaching to the mind of our days, foi publi-

cado na capa do The Pentecostal Messenger em janeiro de 1988. O texto versava sobre a pre-

gação da salvação em tempos de confusão, preconceitos com relação ao comportamento pes-

soal religioso, e aconselhava sobre o que falar a quem perguntasse por ela, e não se deveria

dizer que a salvação acontece quando se tem uma autopercepção existencial, quando se com-

pensa a culpa no trabalho contras as injustiças sociais ou quando se participa de todas as mar-

chas de protestos.380 Os problemas sociais e morais são atribuídos à “triste condição espiritu-

al”.

Criticou “a falsa doutrina do modernismo” (ameaçando frequentemente a igreja) e que

dizia “apenas pregue o amor e um evangelho social”, porque dessa forma se elevava playboys

acima de pessoas dedicadas e valorizava um caráter questionável em troca de resultados nu-

méricos.381 Entre os desafios dos tempos, estava o que se referia a uma era de intelectualida-

de, e marcada por novos conhecimentos científicos e revolução industrial. Ela trazia benefí-

cios e malefícios, inclusive o que conduzia muitos intelectuais ao socialismo e gerando inte-

resse pelo evangelho social:

Nesta era a nova filosofia de John Dewey sobre a educação se tornou bastan-

te popular, lançando as bases para a nossa tendência em direção ao

socialismo, que é prima em primeiro grau do comunismo. Eis o porquê mui-

tos intelectuais, de alta formação e pregadores modernos tem se envolvido

no evangelho social e são ativos em programas de direitos humanos e outros

que estão muito ódio e confusão em nossos dias.382

Deaprova, outrossim, tendências humanistas dos tempos de avanços científicos, que en-

tendeu como uma troca de prioridades e extrema valorização da ação humana – e o conse-

quente esquecimento de Deus:

A mente intelectual inclui o materialismo e o humanismo. Eles ensinam que

as coisas materiais trazem felicidade. Humanismo, materialismo e sexo se

379 THE WITNESS AND MESSENGER. Abril de 1966, p. 1-2 380 Idem. Janeiro de 1968, p. 1 381 Ibidem. 382 Ibidem.

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tornaram a idolatria do homem ocidental. Um estudante de uma grande uni-

versidade disse, “Eu tenho meus próprios deuses particulares.”383

Chester Miller falou ainda sobre The Master’s Call384 na perspectiva de um chamado in-

trínseco, peculiar ao ser humano, porém que Deus chama para viver a fé nos aspectos de con-

versão, caminhar pela santidade e atender ao chamado do mestre para fazer sua obra.

2.3 A relação da igreja no Brasil com os políticos e a política

O discurso dos/as missionários/as sobre política, relacionado ou não à religião, sugere

uma análise a partir da realidade contextual mais ampla, e não diz respeito diretamente à

ICPB e nem mesmo à PCC. Se o fazem, é de forma subentendida. Importa, no entanto, indicar

que na prática, o apoio de políticos à ICPB e vice versa acontecia mais de perto. Além das já

sabidas relações políticas de José Pinto de Oliveira com movimento políticos e parlamentares,

o jornal da igreja brasileira, O Herói da Fé, evidenciou a dinâmica na própria igreja. Na edi-

ção de julho-agosto de 1962, por exemplo, há uma propaganda de um candidato a deputado

federal por Pernambuco:

PARA DEPUTADO ESTADUAL

Dr. Inaldo Lima

Recomendamos a todo o campo das diferentes regiões do solo pernambuca-

no. Aos irmãos de toda Igreja de Cristo, Pentecostal do Brasil em PER-

NAMBUCO.385

Em 1964, através de seu pastor, a igreja de Arcoverde obteve duas subvenções da pre-

feitura da cidade, e com elas fizeram melhoramentos no patrimônio.386

Na década de 70 a Sociedade Feminina continuava com seus trabalhos sociais. Durante

a realização de um evento foi destacada a presença de um político ligado aos evangélicos:

Há 12 anos, a Sociedade Auxiliadora vem trabalhando com todas as suas

forças visando sempre o bem de nossa amada igreja, e em favor dos menos

favorecidos, como também das nossas crianças no Orfanato Boa Esperança.

Aproveitando a nossa festa de aniversário, promovemos um lindo Chá Ba-

zar, em benefício do nosso Orfanato. Tivemos maravilhosa cooperação de

pessoas amigas e autoridades de nossa cidade, como mensageiro o Rev. Ivan

Espíndola D’Ávila secretário da Sociedade Bíblica e Deputado Estadual.387

383 THE PENTECOSTAL MESSENGER. Janeiro de 1968, p. 1 384 Idem. Fevereiro de 1968, p. 2 385 O Herói da Fé. Julho-Agosto de 1962, ano IX, nº 71, p. 3 386 Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil – Campo de Arcoverde. O Herói da Fé. Janeiro-Fevereiro de 1964, ano

XI, nº 80, p. 2 387 RAMALHO, Eunice Teixeira. Fé e Obras. O Herói da Fé. Setembro e Outubro de 1975, ano XI, nº 2, p. 4.

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Em 1975, no registro do aniversário da banda da igreja de Osasco, sobressai-se a pre-

sença de parlamentares: “Tivemos também a visita do Deputado Dr. Guaçu Piteli, Vereador

Regionaldo Valadão Deus Pereira Filho, que sempre está conosco e tem-nos ajudado bastante

nas horas necessárias.”388 Mais tarde, elogios à presença “gloriosa” da Polícia Militar no des-

file de comemoração do aniversário da banda musical da igreja em Osasco.389

Não foi diferente no culto de inauguração da igreja em Paulo Afonso, onde fez-se men-

ção de autoridades militares e civis:

Estiveram presentes e fizeram uso da palavra as autoridades Civis Militares e

Eclesiásticas: Sargento Amaral representando o Comandante da 1ª Cia. de

Infantaria e Fusileiros em Paulo Afonso; [...] Vereadores e outras autorida-

des e professores; [...] irmão Salomão Ferreira Brasil, Prefeito da Cidade de

Ribeirão-Pe.[...].390

A Câmara Municipal de Boa Esperança, MG, por projeto de lei elaborado pelo vereador

José de Souza Figueiredo, alterou o nome de uma rua da cidade para “Rua Pastor Agenor

Camilo Ramalho”, sob a seguinte justificativa:

O ilustre homenageado de maneira muito eficiente e dedicada, colaborou,

em prejuízo de sua própria vida particular, pela manutenção da citada enti-

dade. Onde até hoje existem dezenas de crianças amparadas, recebendo as-

sistência material e social, numa verdadeira demonstração de amor e carinho

às crianças, de que ainda existe solidariedade e preocupação pelo bem estar

daqueles que poderão ser os dirigentes maiores desta grande Nação.391

Em 1985, durante um ato oficial, a ICPB em Monte Sião, MG, entregou à Câmara Mu-

nicipal um exemplar da Bíblia. Na ocasião se usou de frases de políticos da história mundial

que fizeram elogios à Bíblia.392

388 Banda de Osasco: 1º Aniversário. O Herói da Fé. Setembro e Outubro de 1975, ano XI, nº 2, p. 4. 389 COSTA, Abel Ferreira. Coração escrupuloso. O Herói da Fé. Abril, Maio e Junho de 1977, ano XIII, nº 2, p.

5. 390 Paulo Afonso-BA em festa: conferências - inauguração – convenção. O Herói da Fé. Janeiro, Fevereiro e

Março de 1977, ano XIII, nº 1, p. 1. 391 FIGUEIREDO, José de Souza. Câmara Municipal de Boa Esperança – MG. O Herói da Fé. Novembro de

1980 a Junho de 1981, ano XVII, nº 7, p. 1. 392 DORTA, José Carlos Faria Dorta; SILVA, Daniel Ap. da. A Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil em Monte

Sião entrega Bíblia à Câmara Municipal. O Herói da Fé. Maio a Setembro de 1985, ano XXI, nº 5, p. 3.

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Capítulo 3

Cosmovisão e teologia nas revistas de escola

dominical: Igreja, sociedade e governo (1959-

1986)

A partir desse momento se construirá um panorama da teologia da ICPB a partir

de suas publicações doutrinárias, especialmente da revista de Escola Dominical, para

compreender qual foi sua abordagem sobre a relação da igreja e sociedade, a partir de

pontos chaves. Pesquisa anterior a esta, que abrange as revistas desde o primeiro núme-

ro, em 1959, até 1966, demonstrou que a teologia da ICPB se baseia nas principais dou-

trinas protestantes e pentecostais, remetendo ao contexto em que nasciam e também no

Brasil, onde encontravam seu novo lugar.

Como já foi dito, as primeiras edições da revista da escola dominical foram tradu-

ção e adaptação de lições da Pentecostal Holiness Church, da qual os Frew faziam par-

te. As lições mais antigas se baseiam bastante em temas evangelicais, e incentivavam

fortemente o amor ao próximo, serviço, filantropia e emitia conselhos de apoio e sub-

missão ao governo até meados de 1966. Nesse primeiro estágio, os/as missionários/as

norte-americanos e o estoniano eram os redatores. Logo cedo, Grimm passou a ser o

único escritor da revista. Ao que tudo indica, eles estavam identificados com teologias e

ideologias políticas conservadoras dos EUA. Numa fase posterior, já no ano de 1971, a

revista passou a ser escrita por um brasileiro, José Pinto de Oliveira, que, principalmen-

te na edição de 1975 (analisada na parte final desse capítulo), mostraria maior identifi-

cação com ideologias e práticas progressistas, o que na teologia significa aproximação

com as teologias contextuais da América Latina das décadas de 60 e 70.

Este capítulo se apresentará em duas principais seções. A primeira se refere à fase

da revista de Escola Dominical, principal veículo doutrinário da Igreja, em que ela este-

ve sob a responsabilidade dos/as missionários/as entrangeiros/as: 1959-1970. O corpo

redatorial era composto primeiro pelo casal estadunidense Annie e Russel Frew, e Ernst

Grimm. Russel faleceria ainda em 1959. Em 1960, Carolyn Ward, esposa de Horace

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Ward, passou a fazer parte da equipe. Do quarto trimestre de 1960 até 1970, somente o

nome de Grimm aparece como autor das lições.

1 Época da redação estrangeira (1959-1970): Ernst

Grimm

Na pesquisa de graduação, o autor dessa dissertação procurou expor a teologia que

permeou a revista de escola dominical no que se refere à sua ação perante a sociedade e

o governo na época do golpe militar (1962-1966), à luz de seu contexto interno e perso-

nagens que compunham o corpo redatorial. Neste trabalho serão retomados brevemente

os resultados da primeira pesquisa e depois se avançará para o período posterior, ou se-

ja, do ano 1967 em diante, tratando-se de um período até então não estudados.

1.1 Época do Golpe Militar de 1964: denúncia silenciosa?

Iniciamos com um texto publicado no quarto trimestre de 1964:

Um servo do Senhor tem que servir e não mandar. Por isso Jesus

não constituiu algum discípulo superior, para que exercesse autori-

dade sobre os outros. Não há donos da Igreja! O rebanho não é do

Pastor – é do Senhor! Tirania, despotismo e autocracia não têm

lugar no reino de Deus. O Filho de Deus veio para servir e não para

ser servido.393

Afirmar, seis meses depois do golpe militar, que “tirania, despotismo e autocracia

não têm lugar no reino de Deus” não deixa margem para a interpretação: esta forma de

governo é reprovada. A mudança do governo brasileiro, porém, também foi acompa-

nhada por uma mudança no governo da ICPB: em maio daquele ano, o pastor José Pinto

de Oliveira tornou-se o superintendente geral e permaneceria na liderança por mais de

vinte anos e, parece-nos que o texto acima se dirigisse em primeiro lugar a este fato.

Mas fica evidente que lideranças autoritárias e centralizadoras não tinham a aprovação

de Grimm e a forma como isso foi colocado, no mínimo, poderia ser estentida ao gover-

no militar. Por outro lado, porém, é difícil fechar a questão com os dados disponíveis,

porque, se por um lado as ditaduras comunista e nazista eram fantasmas que assombra-

vam o passado de Grimm na Europa, não é possível mensurar o quanto sua passagem

393 GRIMM, Ernst. O espírito humilde. Lições para a Escola Dominical. n. 22, ano 6. 4º trim. ICPB,

1964. p. 30.

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pelas forças aéreas alemãs lhe trazia simpatia (ou não) pelo militarismo que se instalava

no Brasil.

Em todo caso, a reação de Grimm parece se inspirar em compreensões já estabe-

lecidas anteriormente no mesmo veículo. Encontrou-se, já na primeira edição da revista

da Escola Dominical, de 1959, o tema do serviço como marca da vida cristã: “O maior

gozo na vida vem pelo servir humildemente aos outros para a glória de Deus”.394 O ser-

viço não é tratado como algo periférico, é simplesmente “o maior gozo na vida”. E ain-

da “A experiência cristã deve se expressar na preocupação pelos outros”.395 Enquanto a

primeira citação pode fazer referência ao convívio dentro da ICPB, a segunda parece

transcender o espaço eclesial e ir em direção ao mundo, às pessoas em geral, isso por-

que a “preocupação pelo outro” não é caracterizada por uma relação mútua de serviço,

como seria mais comum no ambiente da própria igreja. O tema do serviço, como se

aplica em 1964, então, já aparece cinco anos antes, e numa abordagem positiva às ques-

tões sociais e não meramente eclesias.

Ainda em 1959, uma questão de gênero é levantada: “A religião de Jesus Cristo

nunca contou as mulheres como inferiores aos homens, mas tem as honrado, e, por ou-

tro lado, tem sido grandemente divulgado por elas.”396A presença e atuação das missio-

nárias Carolyn Ward e Annie Frew, e outros episódios de protagonismo feminino já

apontados neste trabalho, parecem justificar esse texto, principalmente se tratando de

um contexto em que as mulheres da igreja foram realmente necessárias e de um contex-

to nacional em que a imposição do gênero masculino se sobressaia.

Ao lado de um discurso favorável às questões sociais em forma de serviço e do

questionamento de posturas totalizantes com relação ao poder e às questões de gênero,

as lições de 1962 até o ano 1966 apresentam também concepções mais ambíguas em re-

lação à sociedade e ao governo, dando também espaço para posicionamentos mais con-

servadores. Isso transparece, em termos teológicos através da sua cristologia, antropolo-

gia, pneumatologia e hamartiologia.

Em relação à divindade e humanidade da pessoa de Jesus Cristo encontrou-se um

tipo de revezamento entre as duas ênfases. Por um lado, uma cristologia que enfatiza a

humanidade de Jesus a ponto de servir como exemplo. Seguir “seus métodos de traba-

394 FREW, Russel; FREW, Annie; GRIMM, Ernst. Barnabé, o humilde zelador. Lições para a Escola

Dominical. n. 2, ano 1. 2º trimestre. ICPB, 1959. p. 2. 395 Id. Dorcas, a mulher caridosa. Ibid. p. 20. 396 Id. Lidia, a hospitaleira vendedora de púrpura. Ibid. p. 33.

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lho”, porém, deve também incluir a proclamação das “grandes maravilhas”, e a isso se

soma uma combinação com um apelo moral, com foco numa ética de indivíduos.

Quando trata do ser humano a revista o vê em uma perspectiva mais individual,

quer como agente da evangelização quer como alvo da salvação. Porém, apesar de exis-

tir uma ênfase especial no aspecto imaterial do ser humano e na sua salvação, levam-se

em consideração as necessidades humanas como um todo: “O homem não é somente

um corpo que precisa de cura; ele é essencialmente uma alma que necessita da purifica-

ção e renovação. [...] A libertação é para corpo, alma e espírito!”397 Parte dessa visão

integrada se dá pelo fato de que o homem não tem poder para vencer o diabo e as difi-

culdades da vida a menos que confie em Deus e obtenha seu poder que vem pelo batis-

mo no Espírito Santo.398 A ambiguidade aparece nesse ponto se o/a leitor/a entender que

o o batismo espiritual serve ao propósito de uma espécie de guerra espiritual e a dimen-

são social desaparece.

Nesse sentido, ao diabo ou Satanás, além de constante opositor de Jesus, de Deus,

dos crentes e da Igreja, é atribuída a responsabilidade pela causa do mal econômico, so-

cial e político e de se aproveitar deles: “Os tributos do rei tinham se tornaram insuportá-

veis. Havia calamidade pública em Jerusalém. É isto que o inimigo gosta. Ele leva o

povo à miséria por meio de armadilhas, a fim de distanciá-los de Deus. O diabo é o

maior aproveitador da miséria.” Por isso, a política dos tempos de Davi no Antigo Tes-

tamento é entendida como uma manifestação física da dimensão espiritual, um confli-

to entre Deus e o diabo.399 Embora não se excluísse explicita ou plenamente a partici-

pação humana tanto na criação como na superação desse cenário, enfatiza-se mais que

se alguém poderia fazer algo realmente relevante, esse alguém seria Deus. Entretanto,

atitudes de caridade e gestos de compaixão – coisas que não alteram as estruturas do

sistema social – eram sempre bem vindos.

1.2 Período de 1967 a 1970: santificação e trabalho

Daqui em diante se iniciará, a partir de pontos chaves, a exposição da teologia e

cosmovisão da ICPB como elas se apresentam nas publicações durante os anos de 1967

a 1970. Importante ressaltar que as lições desse período são de autoria, talvez exclusiva,

397 FREW, Russel; FREW, Annie; GRIMM, Ernst. Jesus e a mulher na fonte. Lições para a Escola Do-

minical. n. 12, ano 4. 1º trim. 1962. p. 3. (grifo do autor). 398 Id. O poder para testificar. Ibid. n. 24, ano 6. 4º trim.1964. p. 35. 399 GRIMM. Cristo, a nossa bonança na tempestade.Ibid. n. 16, ano 5. 1º trim. 1963. p 16.

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do pastor e pregador estoniano, Ernst Grimm e não necessariamente representam o pen-

samento da igreja como um todo. Fica claro, porém, que a igreja deu a ele o direto de

escrever as lições em seguida citadas e interpretadas. Os temas a serem por nós obser-

vados são: sociedade e governo, igreja e missão, justiça, política, pneumatologia, reino

de Deus e escatologia, cristologia, ser humano, diabo, mulheres, amor ao próximo e

ação social. Algo ainda precisa ser comentado em relação às fontes consideradas: A edi-

ção de 1969 não foi encontrada nos arquivos e não há qualquer menção a ela nos demais

documentos. Portanto, somente os anos 1967-1968 e 1970 serão contemplados.

1.2.1 Sociedade e governo

A sociedade dos tempos bíblicos é lida pela revista sob a ótica da sociedade con-

temporânea. Parece haver uma tentativa de expandir o alcance e ressaltava que

Jesus precisa de homens de tôdas as camadas sociais. Mateus foi fun-

cionário público, Pedro e outros, pescadores, Lucas era médico (quem

mais escreveu sobre o poder do Espírito Santo), Paulo doutor da lei

(quem colocou a base doutrinária na Igreja). 400

E o tema reaparece em 1970, sob a abordagem do não fazer acepção de pessoas

para a pregação do evangelho por motivo de sua classe social.401 Isso é, no mínimo, um

comentário que rejeita atitudes de superioridade por classe social. Em vez disso, pro-

clama-se a ideia da participação de todos/as. A referência ao significado excludente da

morte na cruz no Império Romano revela também uma clareza sócio-política: “uma pes-

soa que carregava uma cruz era desligada da sociedade pela morte que se seguia.”402

Um pouco mais de sua visão sobre o comportamento do crente em sociedade apa-

rece no que diz respeito ao álcool: “nós, crentes em Cristo, nos abstemos rigorosamente

de qualquer bebida alcóolica. Onde estiver o espírito do vinho não pode estar o Espíri-

to Santo.”403

Sob a mesma ótica está o “pecado da gula”, que junto com o da bebedicesão res-

ponsáveis por problemas físicos e sociais como a falta de vontade de trabalhar. O álcool

é considerado mais danoso: “Quanta pobreza, tristeza, miséria – quantos problemas,

quantas doenças, quanta mendicância, quantos homicídios – tudo por conta da bebida

alcoólica! Malditos os que a produzem e a vendem. E não menos malditos os que, de-

400 GRIMM. O ministério de Pedro. Lições para a Escola Dominical. n. 31. ICPB, 1967. p. 21. 401 Id. Paulo testifica perante governadores. Ibid. n. 34, 1970. p. 41. 402 Id. O compromisso do crente. Ibid. n. 32, 1967. p. 36. 403 Id. A mensagem na parede. Ibid. p. 8.

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baixo da capa da religião, a propagam nas suas festinhas e barraquinhas! Deus há de

ajustar contas horrendas com êles!” 404

Essa afirmação recupera, em primeiro lugar, o pensamento rigoroso do fundador,

John Stroup, que já recomendava que a bebida da Ceia deve ser suco puro de uva, não

fermentado,405 e demarca mais do que uma orientação relativa à liturgia ou à ética para

o convívio social, mas rapidamente é possível perceber a relação que a maior parte dos

pentecostais têm com a bebida alcoolica.406 Como visto, o álcool também prejudica o

trabalho, um importante fator social.Ele,em oposição à ocisosidade, se apresenta nos se-

guintes termos:

Durante a sua permanência em Corinto Paulo trabalhava no seu ofício

(fazedor de tendas) para ganhar o seu sustento.[...]

O trabalho manual não desonra ninguém. O que desonra é a ociosida-

de e parasitismo. Durante a folga Paulo pregava nas sinagogas tanto

aos judeus hebraicos como gregos.407

Não se sabe se Grimm falava de modo a criticar o pensamento da antiguidade em

que o trabalho desonra por ser atividade escrava. Fica claro, porém, nos parâmetros des-

ta pesquisa, que o autor favorece uma vida ativa como modelo de vida cristã. Essa ativi-

dade, no entanto, encara o trabalho como manutenção da própria vida e da família, e não

parece propor nenhum tipo de trabalho social como sinalização do reino ou transforma-

ção de estruturas sociais.

Nesse período não houve referência direta ao governo (enquanto instituição ou

Estado) ou ao regime que estava no poder, nem em forma de aprovação, nem de rejei-

ção ou crítica. Há, porém, uma fala sobre um momento histórico em que a Igreja se ali-

ou com o Estado: “No 4.° século quando a Igreja se uniu com o Estado as aves começa-

ram a aninhar-se nos ramos da maravilhosa árvore. Foi o começo do fracasso que hoje

podemos ver em tôda sua expansão.”408 O relativo silêncio sobre o tema parece, apesar

disso, articular uma convicção: somente à distância do governo a igreja recupera sua

força. Parte dessa ideia se comprova no fato de que Horace Ward, fundador da igreja no

404 GRIMM. Os perigos do vício. Lições para a Escola Dominical. n. 33, 1968. p. 67. 405 PCC. Manual, 1917, p. 5 406 Luis de Castro Campos Jr, citando o trabalho de Cecília L. Mariz, que trabalhou com as estratégias de

grupos religiosos no enfrentamento à pobreza e demais problemas causados pelo capitalismo aos grupos

marginalizados, faz alguns apontamentos sobre o tema. Os pentecostais são um grupo composto majorita-

riamente por marginalizados, e a forma de enxergar o problema do alcoolismo – diferente da de outros

grupos religiosos populares – serviu de atração às famílias pobres que vivenciam de perto esse problema e

iam à igreja para buscar apoio espiritual e se livrar dele (CAMPOS JR: 2009. p. 35.) 407 GRIMM, Ernst. Paulo em Corinto. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 37. 408 Id. Cristo ensina sobre seu reino. Ibid. p. 7.

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Brasil, fazia críticas às alianças do estado com a Igreja Católica Apostólica Romana

como demonstrado no capítulo anterior.

1.2.2 Igreja e missão

Quanto à eclesiologia da ICPB focamos na questão da sua visão da presença pú-

blica da sua membresia. Ressalta-se a pergunta: Como se descreve a missão da igreja

em relação à sociedade? Predomina, novamente, o tema do serviço (fruto da santifica-

ção), e da capacitação para o serviço, porém em uma perspectiva que coloca os interes-

ses da igreja em primeiro lugar: “Os dons de Deus, que Êle confere aos crentes santifi-

cados, têm que ser úteis à Igreja.”409 Mesmo assim, essa ênfase na utilidade para a co-

munidade pode conduzir à compreensão de utilidade não ao indivíduo, mas à sociedade.

Entretanto, relaciona-se uma vez mais a atitude do serviço com a práxis do bom

governo [eclesiástico] e que os obreiros não deveriam se considerar como donos da

igreja, que mandam e desmandam a seu bel prazer:

Diótrefes era um obreiro que gostava de governar. Só êle que man-

dava e desmandava. Até expulsava os crentes da igreja, quando os

mesmos davam acolhida aos evangelistas. Que Deus nos livre dos

Diótrefes! A igreja precisa da santificação mais do que nunca!410

Em contraste a isso, favorece a união fraterna como modelo de convivência:

Só uma pedra exatamente lapidada pode ser enquadrada no edifício de

Deus. Ela não pode ter falhas e não pode estar fora do esquadro. As

pedras tem que se unir a fim de que o edifício possa ter firmeza. A

união e comunhão entre irmãos é de suma importância. Se alguém

ainda não estiver em plena união, peça que Deus o santifique.411

Uma “pedra exatamente lapidada” contribui na sustentação e unidade do todo. Is-

so requer humildade, pois ela evita “contendas e lutas internas.”412

Pontualmente, entretanto, as tendências pessoais são reforçadas por influências

externas: “Negócios, política, ambições, vaidades e coisas semelhantes têm invadido a

Igreja do Senhor. Formalismo, modernismo e etiqueta mandam na Igreja do Senhor no

lugar do Espírito Santo. A parte financeira torna-se mais importante do que a parte espi-

ritual”.413 Tais elementos se constituem grande empecilhos à humildade.

409 GRIMM. O chamado de Mateus. Lições para a Escola Dominical. n. 31, 1967. p. 13. 410 Id. Apolo, o pregador eloquente. Ibid. n. 34, 1970. p. 38 411 Id. Construindo o templo. Ibid. n. 32, 1967. p. 18. 412 Id. A mensagem na parede. Ibid. p. 8. 413 Id. O poder do Rei para curar. Ibid. n. 33, 1968. p. 70.

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A grande maioria dos textos descrevem a missão da igreja como voltada para o

indivíduo: “Um discípulo verdadeiro de Cristo sempre dirige o pecador para o Cordeiro

de Deus.”414 A missão é pregar o arrependimento genuíno, “transformador” .415 A res-

ponsabilidade de “salvar almas” é posta na atitude de anunciar as boas novas: “Muitas

almas ficarão perdidas para sempre se nós falharmos no anúncio do Evangelho a

elas.”416 Aliás, salvar aos outros é justamente o objetivo da “nossa salvação”.417

1.2.3 Justiça

Compreender a abordagem sobre justiça nessa fase da revista da ICPB tornará

ainda mais visível a forma com que ela encarava a sociedade em seu entorno e o gover-

no. Não obstante não haver uma definição do conceito de justiça, ela está diretamente

relacionada à santificação, isto é, ter “fome e sede de fazer justiça a outros, recebendo

assim fartura da justiça divina na sua própria vida.”418 O texto prossegue no sentido de

que não se pode falar de santificação sem praticar justiça, e a paz e a alegria são ele-

mentos presentes na vida e na prática que emanam da santificação completa do indiví-

duo 419

A prática da justiça é exemplificada por dois episódios de injustiça cometidos por

gente de quem se esperava justiça, isto é, pelo povo chamado escolhido, mas são os es-

trangeiros que agem de maneira justa, como é o caso do samaritano da parábola (Lc

10.29-37) e do etíope Ebede-Meleque (Jr 38.1-13a):

Quando o próprio povo [de Deus] dá demonstração da falta de miseri-

córdia, um estrangeiro toma o seu lugar. Jesus nos deu essa demons-

tração na parábola do bom samaritano. Ebede-Meleque, embora vi-

vendo no meio da depravação, mostrou profundo senso de justiça e

não hesitou em dizer ao rei que tinham errado em fazer aquela injusti-

ça a Jeremias.420

A religiosidade hipócrita, simbolizada pelo fariseu que apresentou arrogantemente

seus próprios valores, aparece como antítese à justiça, na parábola do fariseu e do publi-

cano (Lc 18.9-14) em que o “fariseu se julgava o homem mais justo do mundo. Era ví-

tima fatal da sua justiça própria e do seu amor próprio.”421

414 GRIMM. O testemunho de João Batista. Lições para a Escola Dominical. n. 31, 1967. p. 7. 415 Id. Simeão e Ana testificam. Ibid. p. 6. 416 Id. Cristo domina a enfermidade. Ibid. p. 7. 417 Id. André – um ganhador de almas. Ibid. n. 34, 1970. p. 53. 418 Id. Humildade. Ibid. n. 32, 1967. p. 35. 419 Id. Ibid. 420 Id. Jeremias é perseguido. Ibid. n. 31, 1967. p. 44-45. 421 Id. Cristo ensina humildade. Ibid.n. 34, 1970. p. 14

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O acento da justiça, então, vai se formulando não como justiça social, mas, como

retidão pessoal. A ideia da retidão rege também a obra de Cristo: “A Sua justiça veio

para todos os homens. A Sua salvação é de fácil alcance. Não há necessidade de fazer

esfôrços – é só arrepender-se dos seus pecados e aceitá-Lo como único e suficiente

Salvador.”422 Justiça, aqui é, portanto, a possibilidade de ser aceito por Deus novamen-

te sem o auxílio das obras, mas simples e exclusivamente pela obra de Cristo, e a res-

posta humana é o arrependimento. Acrescente-se aqui que arrependimento, na teologia

neotestamentária é metanoia, isto é, de mudança de atitude, e não somente de consciên-

cia.

Em suma, ao mesmo tempo em que o vínculo entre justiça e santificação é tam-

bém considerado um aspecto exterior ou social da justiça, fala-se mais da retidão, ou se-

ja, do seu aspecto interior. Neste sentido, a teologia da ICPB não foge da clássica dis-

tinção entre “a obra de Deus por nós (justificação) e a obra de Deus em nós (santifica-

ção)”423, a última, no sentido de capacitação para a ação, apesar de não receber nenhu-

ma ênfase especial.

1.2.4 Política

A política é tratada em relação ao contexto interno e externo da igreja. Grimm crí-

tica AA prática de pedir privilégios, conchavos políticos e a busca por posição:

... a idéia de pedir privilégios não partiu da mente da mãe dos dois,

mas era uma trama bem preparado. Quando a política entra nos assun-

tos do Reino de Deus as coisas começam a andar água abaixo. Política

e Evangelho nunca combinaram. [...] Quando alguém quer posição êle

faz quaisquer concessões para alcançar o seu intuito. 424

O envolvimento na política, no contexto externo, também é visto com desaprova-

ção, como uma busca por saciar a sede da alma, da mesma maneira que se faz ao buscar

uma falsa religião. O fim para ambos os casos é a condenação eterna: “Todos procuram

o caminho que lhes mais convém, por meio de religiões, associações semi-religiosas, ou

agremiações político-sociais. O fim de todos esses caminhos é uma eternidade sem

Deus.”425

422 GRIMM. A mensagem da salvação. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 60. 423 RENDERS, Helmut. Santificação. In BORTOLLETO FILHO, Fernando. Dicionário Brasileiro de Te-

ologia. São Paulo: ASTE, 2008. p. 907-910 424 GRIMM. O pedido ambicioso de Tiago e João. Lições para a Escola Dominical. n. 31, 1967. p. 23. 425 Id. Isaias profetiza do redentor. Ibid. n. 31, 1967. p. 36.

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A revista dá exemplos do que seriam boas formas de governo, um do Antigo Tes-

tamento e outro do Novo. Do AT comenta os atos e perfil político do rei Salomão:

Salomão tinha grande experiência. Tinha reorganizado o reino e o

aumentado além das fronteiras que Davi estabelecera. Tinha construí-

do o Templo e o Palácio Real. A sua política externa lhe tinham colo-

cado em contato com o Egito, Tiro e Ôfir. Na base daquela ampla ex-

periência e a sabedoria do alto, êle estava capacitado a responder ro-

das as perguntas da rainha.426

Do NT o destaque vai para o apóstolo Paulo, que mostrou “ao governador que não

teve nenhuma outra intenção em Jerusalém a não ser o cumprimento do seu dever reli-

gioso no Templo. Em nenhum lugar êle foi achado discutindo ou amotinando o povo e

ninguém podia provar o contrário.”427 Paulo, na presença de uma autoridade, é mostrado

cumprindo seu “dever religioso”, que se apresenta como mais digno do que o político.

Associar-se a este último seria “discussão” ou “amotinação”.

1.2.5 Pneumatologia

Por certo, a visão que a pessoa ou instituição tem sobre Deus determina sua forma

de compreender o mundo e também de se relacionar com ele. Nos textos da igreja a

pneumatologia toma lugar especial.

A forma com que Deus se revela, pressupondo os termos da fé (e pneumatologia)

pentecostal, pode ser: “por meio de sonhos, visões, voz audível ou revelações.”428Po-

rém, sinal e condição da presença do Espírito é o amor, e Ele “: “habita só em corações

puros” e assim “nos dá a certeza da nossa união com Deus por meio de Jesus Cristo.”429

Esse amor se transporda para o próximo:

Podemos comparar o amor divino com um triângulo fechado – exis-

tem três pontos unidos entre si: Deus – eu – meu próximo. Omitindo

um dêstes pontos ou não havendo união entre os mesmos não pode

haver perfeição, nem a benção divina. Se eu quiser vincular-me só a

Deus, sem amar o meu próximo, a quem Deus ama, nenhum proveito

haverá para a minha alma. [...] O amor é o fruto mais doce da santifi-

cação. 430

A vida com Deus provoca nos seres humanos ardente desejo pela purificação.431

Quando descrita em relação ao mundo a ação do Espírito Santo é marcada por curas e

426 GRIMM. Uma rainha que buscou a Deus. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 74. 427 Id. Paulo testifica perante governadores. Ibid. p. 42. 428 Id. Simeão e Ana testificam. Ibid. n. 31, 1967. p. 5. 429 Id. A confissão de Pedro. Ibid. p. 16. 430 Id. O amor abnegado de Maria. Ibid. p. 25. 431 Id. A chamada de Isaias. Ibid. n. 31, 1967. p. 29.

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milagres, e a sua superioridade em relação aos recursos humanos como a medicina é

evidenciada:

A ciência médica apenas remove aquilo que prejudica uma cura natu-

ral – quem cura é Deus. Existe, porém, a cura que constitui um ato di-

reto e milagroso de Deus, em que Êle, pelo Seu poder criador age em

contrário às leis naturais conhecidas. A cura divina faz parte da re-

denção, é pura, eficaz e duradoura.432

Esta ênfase em milagres não favorece necessariamente um discurso pró-cidadania,

mas, também não rejeita o compromisso de cuidar de pessoas com necessidades.

Outro aspecto da ação de Deus através do seu Espírito é que ela não contraria as

estruturas humanas. A interpretação do milagre das cadeias que ruíram para libertar

Paulo e Silas não deveria ser entendido como complacência de Deus diante da fuga de

prisioneiros:

Deus nunca deixa os seus filhos desamparados! Pela lei romana o

carcereiro respondia com a sua própria vida pelos encarcerados. Ven-

do o que havia acontecido, êle quis suicidar-se, sendo interceptado por

Paulo que lhe assegurou que todos os prisioneiros se encontravam em

suas celas e ninguém tinha fugido. O nosso Deus é da ordem e não

da anarquia!433

Chama a atenção, porém, que essa aparente referência à fala de Paulo em 1 Corín-

tios 14.33 diz algo diferente do texto bíblico: “Deus não é um Deus da desordem, mas,

da paz”. O versículo parece mostrar que, para Paulo, a antítese da desordem [anarquia

para Grimm] é a paz, e não a ordem.

1.2.6 Reino de Deus e Escatologia

A escatologia da ICPB segue ao modelo dispensacionalista. A teologia sistemática

organizada pelo teólogo e pregador assembleiano – e amigo de Horace Ward – Stanley

M. Horton, define o termo “dispensação” da seguinte forma:

Teoria popularizada originalmente por J. N. Darby (1800-82) e

divulgada pela Bíblia de Referências de Scofield. Divide a atividade

de Deus na história em sete dispensações, enfatiza uma interpretação

literal da profecia e sustenta que Deus tem dois planos: um para Israel

e outro para a Igreja.434

A título de situação, o modelo de igreja e doutrina elaborado pela PCC se aproxi-

ma mais das ADs do que da COGIC. Na revista da ICPB se fala do reino em relação

432 GRIMM. Cristo domina a enfermidade. Lições para a Escola Dominical. n. 33, 1968. p. 6. 433 Id. Paulo e Silas na Tribulação. Ibid. n. 34, 1970. p. 32. 434 HORTON, Stanley M. (Org). Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal. Rio de Janeiro:

CPAD. Edição digitalizada. f. 440

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direta aos indivíduos que a ele pertencem. Ao mesmo tempo, é rapidamente associado à

cristologia: “O govêrno de Jesus Cristo é um govêrno eterno. Os seus súditos são todos

aquêles que O aceitaram como seu único e suficiente Salvador e viveram uma vida san-

tificada nesta terra. Vamos fazer de tudo para não perder êste direito – o direito do cida-

dão do céu!”435

Fazer parte do reino de Deus é viver em santidade. O tema é recorrente, mas o

propósito estabelecido dessa vez é o de permanecer no direito ao céu. Apesar do esforço

que isso possa demandar, há um consolo: “nós cidadãos do Reino de Cristo teremos que

viver de acôrdo com a suprema vontade do nosso Rei. O seu jugo, porém, é suave e Seu

fardo leve!” 436 Além disso, a “experiência pessoal com Cristo” é a preparação do/a

crente para o “glorioso Reino de Deus”,437 que pode ser entendido tanto em seu presente

(já), quanto no futuro (ainda não).

Outro aspecto do reino de Deus, que é inaugurado pela vinda de Cristo, é mostra-

do quando apontada sua contraposição – e superioridade – com relação Império Roma-

no. O imperío de Cesar foi derrotado por aquele a quem crucificaram. Inclui-se nessa

perspectiva a abrangência do Reino sobre todas as nações, e isso se faz visível pela pre-

sença de “crentes em Cristo” em quase todas elas.438 Porque, no “Reino de Deus só po-

de entrar aquêle que nasceu de nôvo, aquele que é uma nova criatura.”439

Apesar desse caráter futuro o reino de Deus funciona também com modelo para os

relacionamentos na igreja entre ministros e igreja: “No Reino de Deus o maior tem que

servir o menor. Isto não quer significar que haja anarquia e que não haja mais dirigentes

nem dirigidos. A palavra ministro inspira servir. Quem ministra, serve.”440

Explicando Mateus 20.1-16, a parábola dos trabalhadores na vinha, Grimm articu-

la que o “reino do Mestre” pode significar antecipar o futuro por atitudes éticas:

O fermento modifica a consistência da massa, fazendo-a fôfa e aceitá-

vel. O Evangelho tem transformado comunidades inteiras, as suas ma-

neiras de viver, a sua legislação secular. Quando um viajante, chegan-

do a uma pequena cidade nos Estados Unidos, perguntou pelo bar, a

fim de tomar uma bebida forte, êle recebeu a seguinte informação:

Aqui na cidade não tem bar. O ultimo fechou há mais de 100 anos

atrás quando houve um avivamento aqui. Bem aventurada a nação cu-

435 GRIMM. As profecias messiânicas de Isaias. Lições para a Escola Dominical. n. 31, 1967. p. 31. 436 Id. As profecias messiânicas de Isaias. Ibid. p. 32. 437 Id. Cristo inicia seu ministério de ensinar. Ibid. n. 34, 1970. p. 2. 438 Id. A visão do rei. Ibid. n. 32, 1967. p. 6. 439 Id. O reino do Mestre. Ibid. n. 33, 1968. p. 12. 440 Id. O pedido ambicioso de Tiago e João. Ibid. n. 31, 1967. p. 23.

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jo Deus é o Senhor! Também o nosso Brasil precisa da influência do

Evangelho de Cristo, para ser uma nação feliz, forte e abençoada.441

Assim, o reino é futuro, porém espera-se do seu anúncio manifestações concretas

da sua aproximação. Na Bíblia deve-se distinguir entre textos com uma ideia mais hu-

mana do reino e outros com uma leitura mais espiritual:

As multidões Êle revelava o Reino de Deus sob seus aspectos intima-

mente relacionados ao homem. Aos discípulos, porém, Êle proporcio-

nava uma visão mais profunda da natureza espiritual do Reino.

Medido pelo pequeno grupo de discípulos que cercava Jesus, o Reino

dos céus realmente representava um grãozinho de mostarda, compara-

do com tôda a humanidade que andava fora do Reino. Cresceu, porém,

e se alastrou pelo mundo inteiro.442

O Reino de Deus, que ora se confunde e ora inclui sua “obra” (igreja e ações prin-

cipalmente evangelísticas dela e de seus indivíduos pelo poder e submissão ao Espírito

Santo), tem seu desenrolar eterno na história em saldo positivo e garantido: “O trabalho

do Senhor pode sofrer vários revezes, mas a Sua causa, finalmente, triunfará.”443

Em complemento à visão de mundo da ICPB, é importante apresentar seu ponto

de vista quanto aos acontecimentos futuros ou relativos ao fim dos tempos ou das últi-

mas coisas. A esperança pelo futuro que Deus está preparando é enxergada como moti-

vação para a ação no presente: “A fé vê o futuro como se fosse o presente. Pela fé po-

demos enxergar a eternidade gloriosa que Deus preparou para seus filhos. E isso os es-

timula a correr a boa corrida, combater o bom combate, a chegar ao fim da jornada, fir-

mes e fiéis.”444

A maior esperança na sua escatologia está diretamente relacionada à expectativa

da volta de Cristo: “A vinda de Jesus pode estar próxima, talvez mais próxima do que

pensamos. De ti e de mim depende a salvação de muitos irmãos em Cristo que ainda

não são santificados ou já perderam o primeiro amor.”445 Diante da expectativa marcan-

te, se afirma também a urgência que a pregação do evangelho exige.

Há, não somente uma expectativa, mas também uma especulação cronológica ba-

seada em textos bíblicos, e o uso do termo arrebatamento (rapto), como a que segue:

O apóstolo [Paulo, em 1 Tessalonicenses 4.13-18] nos dá a seqüência

dos acontecimentos na vinda do Senhor: 1. Os mortos em Cristo res-

suscitarão primeiro. 2. Os crentes santificados serão arrebatados

441 GRIMM. O reino do Mestre. Lições para a Escola Dominical. n. 33, 1968. p. 12. 442 Id. Cristo ensina sobre seu reino. p. 7. Ibid. n. 34, 1970. 443 Id. A oposição ao Rei. Ibid. n. 33, 1968. p. 72. 444 Id. Jeremias dá demonstração de fé. p. 43. Ibid. n. 31, 1967. 445 Id. O vale da vida e da morte. Ibid. n. 32, 1967. p. 13.

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para encontrar com o Senhor nos ares. A primeira ressurreição é

para os crentes que dormiram no Senhor. A segunda será dos incrédu-

los.446

Aqui o uso do termo arrebatamento parece ter a mesma acepção que Tim LaHaye

(autor da famosa série de best sellers “Deixados para trás”, amplamente divulgado entre

as igrejas dispensacionalistas) e Richard Mayhue fazem na Enciclopédia Popular de

Profecias Bíblicas, publicada no Brasil pela CPAD.447

Israel (e Jerusalém) é elemento essencial na interpretação bíblica dos pentecostais

com relação à doutrina das últimas coisas. Na edição de 1968, a revista fez uma aborda-

gem de tendência sionista, da imigração dos judeus para Palestina. A história de Israel é

compreendida como se vê abaixo:

Israel foi endurecido para que nós, gentios, recebêssemos a salvação.

Por isso êles merecem a nossa especial consideração. As coisas se in-

verteram. Em vez dêles proclamarem a vinda do Reino de Deus para

nós, nós temos que proclamar isto a êles que rejeitaram a Jesus o

Messias esperado. Há, porém, esperança de um grande avivamento

espiritual no meio de Israel! A figueira está brotando. Por 20 anos Is-

rael está de volta na sua terra. Agora êles são o povo forte, esperando

a vinda do Messias.448

Outras afirmações contundentes são feitas a respeito do significado de Jerusalém

no passado e os planos de Deus para ela no futuro:

Jerusalém sempre foi a menina dos olhos de Deus. Aquela cidade da

paz sempre foi palco das mais cruéis perseguições. Mesmo assim ela

permanece o centro da proclamação do Evangelho. [...] Agora, Jerusa-

lém voltou à posse do povo de Deus. E, em Jerusalém há de ser a volta

de Jesus (Zacarias 14:4; Atos 1:11). Estamos vivendo no final da últi-

ma dispensação. Os nossos olhos irão ver aquilo que os nossos ante-

passados desejavam ver. [...] Vem, Senhor Jesus! 449

446 GRIMM. A volta do Senhor. Lições para a Escola Dominical. n. 32, 1967. p. 38. 447 Arrebatamento é um evento repentino em que a Igreja será tirada instantaneamente da Terra por Jesus

Cristo, que virá secreta e rapidamente como um ladrão antes da grande tribulação. Esta é um período lite-

ral de sete anos que começa no exato momento em que Jesus voltar, e que será marcado por acontecimen-

tos catastróficos provocados pela ira de Deus sobre os infiéis e manifestação das bestas do Apocalipse.

No momento do arrebatamento, que marca o início dos eventos do fim da história propriamente dito, os

corpos dos salvos serão transformados em corpos incorruptíveis, e estarão em segurança no céu, partici-

pando das “bodas do Cordeiro”. Ao final da grande tribulação, Cristo, como cavaleiro vencedor se mani-

festará publicamente ao lado de sua igreja vencedora e vencerá o Anticristo e o Falso Profeta dando início

a um reino milenar de paz e prosperidade como nunca se viu na Terra. A expectativa pelo arrebatamento

motiva os crentes a andarem em santidade: “Nada poderia motivar mais a busca de uma vida santa do que

saber que Jesus pode vir a qualquer momento.” LAHAYE, Tim; MAYHUE, Richard. Arrebatamento. In

LAHAYE, Tim; HINDSON, Ed. Enciclopedia popular de profecia bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

p. 81-89 448 GRIMM. A oposição ao Rei. Lições para a Escola Dominical. n. 33, 1968. p. 73. 449 Id. O coração quebrantado do Rei. Ibid. p. 80.

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A visão pentecostal (inclusive sua localização na história) sobre o tema se torna

uma pouco mais clara ao se ler a declaração que Claudionor de Andrade, editor da Casa

Publicadora das Assembleias de Deus, faz de Israel:

Nos últimos tempos, conforme a profecia, o Senhor voltará a edificar

o tabernáculo de Davi; pois as suas promessas quanto aos israelitas

nao podem ser olvidadas [...] (At 15.16).

Esta profecia começou a cumprir-se com a volta dos judeus a sua ter-

ra, com a proclamação do Estado de Israel em 1948 e com a retomada

de Jerusalem em junho de 1967. Só falta os israelitas renascerem espi-

ritualmente, reconhecendo a Jesus como o seu Messias (Zc 12.10).450

Esse evento histórico está inserido entre os principais sinais de que Jesus está vol-

tando e, inclusive, faz parte do seu plano.451

O espaço de tempo entre o presente momento e a iminente volta de Cristo deve

ser marcado por uma esperança vigilante452 por parte dos crentes e também pelo cuida-

do de estarem cheios do Espírito Santo:

Nos últimos tempos o reino dos céus será como as 10 virgens. Have-

rá crentes prudentes e outros imprudentes ou néscios. Unidos na de-

voção e esperança, no mesmo propósito, o grupo se divide em dois ao

chegar perto da vinda do Senhor. Umas abasteceram as suas lâmpadas

com azeite, as outras acharam que aquilo que possuíam era suficiente.

[...]As virgens prudentes estavam com as suas lâmpadas cheias de

azeite. Tu também?[...]

O poder do Espírito Santo tem que ser adquirido por experiência

própria e pessoal! Elas foram buscar azeite e perderam a hora da

chegada do Noivo. Uma grande lição para todos nós![...]453

A passagem bíblica em que Jesus ensina sobre aqueles que não assistiram aos pe-

queninos em prisão, com fome ou doentes, é interpretada como sendo não uma atitude

de ignorar a dor do próximo, mas de quem rejeitou a mensagem de Cristo, e no juízo fi-

nal serão confrontados: “No juízo os rejeitadores irão perguntar: Onde te vimos? Foi

justamente na hora quando um servo do Senhor lhe fora levar a mensagem da salvação.

Junto com o desprezo àquele servo, a pessoa desprezou o próprio Filho de Deus. Cuida-

do!”454

1.2.7 Cristologia

450 ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Israel. In Dicionário de escatologia bíblica: Os vocábulos e ex-

pressões mais significativos das doutrinas das últimas coisas. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. p. 91 451 Id. Ibid. p. 88 452 GRIMM. Cristo ensina sobre sua segunda vinda. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 11-

12. 453 Id. Ibid. p. 11. 454 Id. Cristo ensina sobre o juízo. Ibid. n. 34, 1970. p. 19.

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De acordo com Julio Zabatiero, “o discernimento e a axiologia da ação cristã são

edificados em torno da ação de Jesus e da reflexão neotestamentária sobre ela.”455 Por

isso compreender o papel do Cristo na argumentação bíblico-teológica da literatura da

ICPB é importante. Jesus Cristo é o agente central na teologia do pentecostalismo em

sua pessoa e obra se centraliza a doutrina pentecostal, conforme visto na clássica decla-

ração de fé dos pentecostais: “Jesus salva, batiza com o Espírito Santo, cura e voltará”.

Na literatura da ICPB, o papel central de Cristo parece ser o que se tomou a partir da fa-

la de João Batista, e é inserido teologicamente na lógica dispensacionalista:

João Batista testificava de Cristo e sua supremacia. [...] testificava da

dispensação da graça que havia de começar com a vinda do Messias

prometido, que já se encontrava no meio dêles. 456

Note-se ainda a importância do Cristo na elaboração da teologia da ICPB, como

aquele que veio para revelar Deus à humanidade:

Na pessoa e nos ensinamentos de Jesus Cristo encontramos o retrato

perfeito do nosso Criador. Cristo revelou Deus à humanidade em tôda

Sua glória e plenitude. Ninguém pode ter conhecimento de Deus a não

ser por seu do Filho Jesus Cristo.457

Ao mesmo tempo, o reconhecimento, pela fé, de Jesus como o próprio Deus é

acentuado: “O reconhecimento da divindade de Jesus Cristo é a base da fé dos que O re-

cebem como único e suficiente Salvador.”458 Isso naturalmente dá espaço a uma cristo-

logia de inclinação à alta-descendência: “Para trazer a redenção aos homens Êle teve

que tomar forma de homem habitar no meio dos homens.” Não era tão fácil, porém, re-

conhecer sua divindade, tendo em vista as circunstâncias que envolviam o relato de seu

nascimento, “por meio natural”459 Em adição: “Na sua encarnação Jesus tornou-se a

presença viva e pessoal de Deus no meio da humanidade pecadora.”460

Grimm declara que a expectativa messiânica (frustrada) em torno de Jesus foi

frustrada porque eles “Esperaram um Messias diferente, um Messias político-social.”461

Por outro lado, sua missão é apresentada em termos espirituais e com respeito ao indiví-

duo: “Cristo tem a capacidade para trazer vida espiritual àqueles que estão mortos em

455 ZABATIERO, Julio. Fundamentos da teologia prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p. 49 456 GRIMM. O testemunho de João Batista. Lições para a Escola Dominical. n. 31, 1967. p. 7. 457 Id. Ibid. p. 7-8. 458 Id. A confissão de Pedro. Ibid. p. 15. 459 Id. As profecias messiânicas de Isaias. Ibid. n. 31, 1967. p. 30. 460 Id. Cristo inicia seu ministério de ensinar. Ibid. n. 34, 1970. p. 2. 461 Id. A luz do mundo. Ibid. n. 32, 1967. p. 39.

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transgressões e pecados.”462 Apesar da rejeição e desprezo porque Jesus passou, é im-

possível negar seu papel na humanidade e sua atual condição:

Jesus veio a êste mundo e os seus não O aceitaram. Era desprezado e

mais indigno entre os homens. Veio trazer felicidade, salvação e vida

eterna aos homens e os mesmos O rejeitaram. De acôrdo com a profe-

cia (Salmos 16:8-11) Jesus agora está assentado à dextra de Deus e os

seus inimigos estão aos seus pés.463

É ainda relevante mencionar uma crítica às representações cristológicas do catoli-

cismo, ressaltando que as imagens de um Cristo supostamente atraente, nos moldes que

a religião majoritária o desenhava, não contemplavam sua verdadeira identidade – frágil

e humilde:

Jesus veio a êste mundo como uma planta frágil, uma débil criancinha.

Nasceu numa terra sêca – numa nação corrompida. Em vez de descre-

ver qualidades físicas de Jesus Cristo – como, por exemplo, o faz a re-

ligião católica romana – o profeta quer dizer que o Messias não havia

de ter beleza exterior para que as criaturas humanas o desejassem. 464

1.2.8 Ser humano

A definição de ser humano perpassa pela teologia: “O homem foi criado à ima-

gem de Deus. Esta não pode ser uma imagem física de Deus porque Ele não possui

imagem física (João 1:18; 4:24). Antes é a imagem racional, moral e espiritual do

Criador.”465

A condição humana de pecado é um dos aspectos mais importantes a ser conside-

rado na visão das igrejas evangélicas, e a revista segue a mesma lógica: “O pecador tem

que ser levado a um encontro pessoal com Jesus. Diz o Salmista: Provai e vede que o

Senhor é bom. Sem uma experiência pessoal jamais podemos chegar ao conhecimento

da graça de Jesus.”466 Faz-se ainda uma contraposição entre o erro humanoe o remédio

divino: “O fracasso do homem trouxe pecado e morte. A promessa de Deus trouxe vida

e esperança.”467Todavia, quem é discípulo de Jesus (os crentes) devem ter um posicio-

namento diferente: “Pelo seu testemunho se conhece um discípulo verdadeiro de Cristo.

[...] Devemos seguir à Justiça, piedade, fé, amor, constância, e mansidão. Tôdas es-

462 GRIMM. Cristo domina a morte. Lições para a Escola Dominical. n. 33, 1968. p. 4. 463 Id. Pedro e Pentecostes. Ibid. n. 34, 1970. p. 34. 464 Id. Isaias profetiza do redentor. Ibid. n. 31, 1967. p. 36. 465 Id. Eva, a mãe de todos os viventes. Ibid. n. 34, 1970. p. 64. 466 Id. Os discípulos de João Batista seguem a Jesus. Ibid. n. 31, 1967. p. 9. 467 Id. Eva, a mãe de todos os viventes. Ibid. n. 34, 1970. p. 64.

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sas virtudes são frutos da santificação.” 468 Nessas duas afirmações se vê o papel que

cabe ao ser humano. Enquanto pecador, precisa de uma experiência pessoal com a graça

de Jesus, e depois deve seguir na santificação, que inclui as qualidades mencionadas

acima. Em outro momento esta afirmação é dita de outra forma, apontando para a espe-

rança celestial, mas na busca de toma-la como exemplo para a vida aqui: “Deve ser o

ardente desejo de cada crente buscar a santificação, e viver uma vida santificada aqui

nesta terra. Devemos acostumar-nos aqui nesta vida com a santidade que existe no

céu.”469 É tarefa humana também a obediência: “O homem deve cumprir com a vontade

de Deus manifesta nas Escrituras. Como sabemos que Jesus Cristo salva? Pelas Escritu-

ras, naturalmente. [...] Tudo que Deus quer do homem é obediência. A fé só se torna re-

alidade pela obediência.”470

A ação humana é potencializada pelo batismo do Espírito Santo ou a “experiência

pentecostal”:

O poder do Espírito Santo foi derramado a fim de que a humanidade

perdida possa ser beneficiada pela sua atuação. Todo e qualquer crente

santificado, ao receber o batismo com Espírito Santo torna-se uma

fonte de águas vivificadoras (ao menos deve ser assim). Não podemos

imaginar um crente, batizado com o Espírito Santo, ainda cheio de

problemas do “velho homem”. Seria uma contradição.471

Veja-se ainda: “Em verdade, êles também eram só seres humanos, com tôdas as

suas fraquezas, mas, tendo feito a experiência pentecostal aquêles homens transforma-

ram-se em baluartes do Evangelho de Cristo.”472

Em contrapartida, a dependência de Deus parece ser uma verdade predominante

quando se fala das ações humanas no mundo:

Ezequias levou a carta recebida à casa do Senhor, estendeu-a pe-

rante o Senhor e orou ao Senhor! A inclinação humana é de gritar a

injustiça perante todos os homens. Se algum de nós tivesse recebido

uma carta malcriada e insultante, o primeiro reflexo seria o de mostra-

la aos parentes e aos irmãos da Igreja e queixar-se da injustiça recebi-

da. A Palavra de Deu nos aconselha: Irmãos, não vos queixeis uns

aos outros, para não serdes julgados. [...] O crente em Cristo entre-

ga seus problemas ao Senhor, confia n’Êle, e o mais Êle fará! [...] O

nosso Deus pelejará por nós! 473

468 GRIMM. O testemunho de João Batista. Lições para a Escola Dominical. n. 31, 1967. p. 9. 469 Id. O Rei e o casamento. Ibid. n. 33, 1968. p. 74-75. 470 Id. Cristo ensina sobre as Escrituras. Ibid. n. 34, 1970. p. 17. 471 Id. O rio de Deus. Ibid. n. 32, 1967. p. 15. 472 Id. Cristo o mestre glorioso. Ibid. n. 33, 1968. p. 20. 473 Id. Isaias conta as maravilhas de Deus. p. 35. Ibid. n. 31, 1967.

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A lição fala de um contexto interno, da vivência comunitária: não se deve queixar

dos problemas a outras pessoas da igreja. Se em parte isso garante a privacidade dos in-

divíduos perante a congregação, o aspecto da vivência comunitária da confissão parece

esquecido e, na relação com o mundo fora da igreja, pode sugerir passividade e silenci-

amento diante de demandas políticas e sociais, enfatizando-se a ação de Deus que peleja

por nós.

1.2.9 Satanás

Satanás e seus agentes, os demônios são, via de regra, personagens importantes

no pentecostalismo, especialmente notáveis em seus atos de exorcismo. O exorcismo,

porém, não foi um fato muito registrado ao longo dos documentos históricos e mesmo

doutrinários da ICPB. Apesar de presente, o papel do diabo parece ser periférico, secun-

dário.

A ação demoníaca aparece na revista e é dedicada a ela uma explicação racional,

ainda que seja para dizer que a razão não dá conta. Da mesma forma, se explica a lógica

da atuação dos demônios, seres pessoais e inteligentes:

Há coisas que a razão e o juízo humanos não podem explicar. Uma de-

las é a possessão demoníaca. Devemos lembrar que a palavra daimo-

nos em grego significa um ser inteligente. Os demônios são seres de

consistência espiritual semelhante ao ser humano, modificando a sua

personalidade no sentido negativo e oposto a Deus onde residirem

demônios não há lugar para o Espírito Santo, e vice-versa. Só Jesus

Cristo pode libertar o homem da possessão demoníaca.[...] Devemos

lembrar, também, que um demônio expulso pode voltar e trazer sete

piores consigo quando achar a casa vazia.474

Na edição e 1970 a figura do diabo aparece um pouco mais. A princípio ele é o

causador de problemas muito presentes na visão de Grimm, como a indiferença e o

mundanismo. Este último principalmente: “Uma perseguição sempre traz consigo gran-

des vitórias. Por isso o inimigo usa outra arma para derrubar a Igreja - o mundanismo e

indiferença.”475

As intenções de Satanás são as de neutralizar os que pregam o arrependimento:

“[Paulo] foi prêso porque pregava o arrependimento. Satanás não agüenta aquêles que

474 GRIMM. Cristo domina a tempestade. Lições para a Escola Dominical. n. 33, 1968. p. 4. 475 Id. Paulo em Corinto. Ibid. n. 34, 1970. p. 37.

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pregam o arrependimento. Procura sujá-los da maneira mais eficiente e colocá-los fora

de combate.”476

Outras obras e intenções satânicas são apontadas (devorar, enganar, trazer falsas

doutrinas, tristezas, tribulações, divisões, rebeldias, desânimo e falsa confiança), bem

como a maneira com que os crentes devem reagir:“Na presença do mal devemos erguer

alto a bandeira da justiça (Isaías 59:19 - Almeida).”477

1.2.10 A questão de gênero

Apesar de não seja o nosos foco principal, chama a nossa atenção a forma como

os textos se reveram a mulher. Veja por exemplo, o relato da criação da humanidade,

em especial da mulher: “Deus fez cair sôbre Adão um profundo sono e fêz de uma cos-

tela dêle a mulher. O poder criador de Deus estava mais uma vez em ação quando a mu-

lher foi criada. Foi Deus que levou a mulher a Adão e Adão a reconheceu como parte

dêle mesmo.”478 Nesse trecho a criação da mulher requer o meso esforço de Deus atra-

vés do Espírito, como a criação de Adão. Não há referência à submissão da mulher ao

marido, embora possamos contar que o conceito e a prática estão implícitas. Entretanto,

identificam-se ainda trechos que relacinam mulheres com a esfera do demoníaco: “Uma

mulher quando é santificada é uma benção (Provérbios 31:10-31). Quando, porém,

usada nas mãos do diabo, torna-se um demônio (Provérbios 7:1-27).”479 Os textos de

provérbios comparam a “mulher virtuosa” com a “mulher rixosa”. A mesma analogia

não aparece em relação aos homens. Eles nunca são “usados pelo diabo”.

Grimm dirige um conselho em particular às mulheres da igreja, para que fossem

conhecidas por suas obras e não pela sua língua, e parece sugerir que este é um proble-

ma exclusivo das mulheres: “Como é maravilhoso quando as irmãs da Igreja são co-

nhecidas pelas suas boas obras. Muitas vêzes alguma irmã é conhecida pela sua lín-

gua perigosa e isto certamente não agrada a Deus.”480 Ainda outra orientação às mulhe-

res diz respeito à aparência: “Quantas crentes (que assim se chamam) ficariam hoje em-

baraçadas se tivessem que repetir o ato de Maria [que enxugou os pés de Jesus] – falta-

lhes o cabelo comprido, honra da mulher crente.”481

476 GRIMM. Agripa e Berenice. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 58. 477 Id. A importância da oração. Ibid. p. 61. 478 Id. Eva, a mãe de todos os viventes. Ibid. p. 65. 479 Id. O martírio de João Batista. Ibid. n. 31, 1967. p. 11. 480 Id. A confissão de Pedro. Ibid. p. 15. 481 Id. O amor abnegado de Maria. Ibid. p. 24.

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O episódio da ressurreição de Jesus no evangelho mostra as mulheres enfrentando

limitações em busca da sua superação:

As mulheres crentes foram ao sepulcro de Jesus a fim de preparar o

seu corpo para a sepultura definitiva. Estavam preocupadas com o

pêso da imensa pedra que se encontrava a boca do tumulo. Além da-

quela dificuldade o sêlo da autoridade do Império Romano, com que

foi selada a pedra, ofereceu mais um obstáculo. Mas as mulheres fo-

ram apesar de tôdas as dificuldades aparentes! Triste do crente que

deixa de fazer algo por Jesus porque achou que poderia haver dificul-

dades ou obstáculos. Enquanto as mulheres andavam, Deus estava

operando na frente delas, sem que elas o soubessem.482

Esse texto se destaca dos demais. Nele as mulheres são apresentadas como aque-

las que não se deixam paralisar diante das dificuldades impostas pelas circunstâncias na-

turais (o peso da pedra) e nem pela imposição opressora da política do império romano.

Elas caminhavam com a convicção de que Deus ia à frente delas. Aliás, é importante di-

zer que a edição de 1970 dedicou várias lições ao tema das mulheres na Bíblia, porém,

sem aprofundar-se em questões como gênero ou ministério feminino. Elas servem de

exemplo para a vida cristã em geral, para o povo de Deus, para todos os crentes e, não

necessariamente para empoderá-las ou incentivar a conquista de novos espaços.

1.2.11 Amor ao próximo, caridade e ação social

É possível encontrar várias citações a respeito do amor ao próximo e do ministério da

compaixão que podem ter servido de norte para as ações nesse período. Primeiro, en-

contramos uma assertiva ética baseada em princípios doutrinários: “A maneira pela qual

estamos tratando o nosso próximo revela a pessoa que está dominando nossa vida –

Cristo ou o “velho Adão”.483 Este princípio é inigualável e insubstituível: “Não existe

nada neste mundo que possa substituir ou superar o amor a Deus e ao próximo. Nenhum

sacrifício, o maior que seja, pode tornar-se mais agradável a Deus do que o amor.”484

Ao tratar da assistência social e do ministério diaconal na igreja primitiva, Grimm

destaca as qualificações que os envolvidos nesse ministério devem ter:

Não sabemos por que motivo as viúvas daqueles que falavam só gre-

go, foram, negligenciadas na distribuição de alimentos. Havia porém,

necessidade de homens idôneos e cheios do Espírito Santo, que iri-

am distribuir tanto aos gregos como aos judeus os alimentos que a

482 GRIMM. Cristo ensina sobre o amor. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 19. 483 Id. Atitudes do crente. Ibid. n. 32, 1967. p. 26. 484 Id. O maior mandamento do Rei. Ibid. n. 33, 1968. p. 76.

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Igreja dava. Aqueles homens tiveram que ter boa reputação e sabe-

doria. Assim devem ser os nossos diáconos também.485

Numa lição entitualada O ministério da compaixão, a revista assinala que se trata

de uma parte fundamental da pregação do evangelho: “Não se pode conceber a pregação

do Evangelho sem o ministério da compaixão.”486 Como exemplo se utilizou a parábola

do samaritano, que mais uma vez evidencia a falta de amor entre os religiosos e a boa

ação vindo de quem menos se espera: “Homens que se denominavam ministros do Deus

Altíssimo não socorreram um semelhante moribundo!”487 Faz-se lembrar, no entanto,

que a dedicação ao serviço do culto não tem valor sem haver inclinação para o próximo:

“Para amar Deus, devemos amar o Seu Filho Jesus Cristo (João 5:23) e ao nosso pró-

ximo. Estas qualidades só podem ser postas em prática numa vida santificada.”488

Até aqui foi possível perceber a ênfase no indíviduo e sua responsabilidade, basi-

camente concebida como a santificação. Esta se expressa como evangelização, serviço,

prática da justiça e trabalho profissional. O ser humano tem responsabilidades no mun-

do, mas nada que transforme estruturalmente o sistema, pois há ênfase na transitorieda-

de deste mundo, na esperança futura de quando Deus restaurará todas as coisas e, mes-

mo no presente, é a ação divina quem pode trazer verdadeiras mudanças. No entanto, o

senso de serviço ao próximo e exercício da misericórdia são amplamente fortalecidos.

Isso representa uma ênfase na caridade, não na transformação das circunstancias que

causam o sofrimento.

Sobre a vida em sociedade, a orientação geral é para o afastamento de práticas

moralmente reprováveis, como por exemplo, o uso do ácool, que também é visto como

um produto que provoca males sociais e na saúde do indivíduo. Envolver-se com políti-

ca é perda de tempo e significa a ruína para a igreja e para o indivíduo. A questão de

gênero é bastante incipiente e de certa forma favorável às mulheres, mas estabelece cri-

térios comportamentais limitadores (não exigidos aos homens). Por outro lado, valoriza-

se a vivência em comunidade, a unidade, questiona relações arbitrárias de poder.

485 GRIMM. Estêvão, a testemunha fiel. Lições para a Escola Dominical. n. 34, 1970. p. 27. 486 Id. O ministério da compaixão. Ibid. p. 62. 487 Id. Ibid. p. 63. 488 Id. Ibid. p. 63-64.

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2 Época da redação brasileira (1971-1986): José

Pinto de Oliveira

O período em que o brasileiro José Pinto de Oliveira, já no cargo de superinten-

dente desde 1964, assumiu a redação Será observado a partir de sua biografia e também,

no contexto da igreja, sob o prisma de continuidades e rupturas. Os temas serão reorga-

nizados ou reagrupados de acordo com as ênfases do autor. Ficarão, portanto, assim:

Sociedade e cidadania, governo, igreja, missão, justiça, política, teologia, reino de Deus,

cristologia, ser humano, mulheres, religião e ética, escatologia.

2.1 Período de 1971 a 1986: religiosidade ética

Antes da análise dos conteúdos, que vem a seguir, é importante explicar que al-

guns números da revista não serão analisados por se tratarem de reimpressões ou reedi-

ções com alterações mínimas: As edições de 1976 e 1982 são reedições de 1971, com

nenhuma alteração relevante. A edição de 1983 repete a de 1974. Em 1984 há uma ex-

ceção: o primeiro semestre é redigido por João Alfredo de Oliveira, e o segundo reim-

prime as lições do segundo semestre de 1978. A de 1985 também foi escrita por Alfredo

e não traz informação relevante para este trabalho. Em 1986 se reproduziu a de 1978.

Outras duas edições se constituem exceções: a edição de 1971 é uma segunda edi-

ção da de 1968 (de autoria de Grimm), e foi incluída na análise por uma atualização. O

mesmo ocorreu com partes da edição de 1973 que reaproveita a de 1964. A de 1975

(reimpressa em 1981) será apresentada por último por representar uma perspectiva dife-

rente das demais, pois dialoga mais diretamente com temas das teologias contextuais la-

tino-americanas. Em geral, parece que as revistas eram escritas no ano anterior ao que

seriam distribuídas.

2.1.1 Sociedade e cidadania

A partir de 1971 há uma nova forma de pontuar a relação da igreja com a socieda-

de. Uma ideia levantada por Grimm, mas pouco explorada por ele, é agora utilizada por

Oliveira pelo menos três vezes (1971, 1976, 1982): o ensino que admite a possibilidade

de influenciar a sociedade pela presença cristã: “Na parábola do fermento aprendemos:

[...] que é possível um povo, uma comunidade ser influenciada pela penetração do cris-

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tianismo sem, contudo possuir a experiência de uma vida nova, que vem pelo nôvo nas-

cimento.”489 Se antes prevalecia a perspectiva de que o “isolacionismo” era o melhor a

se fazer, o brasileiro enfatiza que é possível transformar o seu entorno por meio de uma

ação mais penetrante do cristianismo. Porém, as críticas externas ou “opinião pública”

não deveriam ser tomadas em conta.490

Apesar de o ano 1978 estar dentro do período de abertura política “lenta e gradu-

al” da ditadura,491 falar em democracia e voto é bastante significativo. Não obstante já

se ver no horizonte a volta do poder ao povo, dificilmente se tomaria uma atitude radical

para antecipa-lo, uma vez que, segundo o escritor, Paulo, com sua atitude de não reter

consigo o escravo fugitivo Onésimo sem o consentimento de seu senhor, Filemon (1.13-

14) mostra que o “cristianismo não se insurge contra as leis vigentes; [mas,] difunde os

princípios de Cristo, que torna as leis mais humanas.” Como se vê, humanização das

leis, porém, é intrínseca à tarefa cristã no mundo.

Nesse sentido, uma revolução estrutural ou atos de insurreição contra o governo

seriam talvez impensáveis porque Romanos 12 e 13 é base para “pensar na responsabi-

lidade que temos, como testemunhas de Cristo [...] no respeito às autoridades constituí-

das.”492 Há que se considerar, porém, que o contexto da lição ensina a harmonia entre

ortopraxia e ortodoxia:

Há indivíduos que se preocupam mais com a crença num corpo cor-

reto de doutrinas do que com o caráter, que se reflete na conduta. No

cristianismo, doutrina e vida estão em perfeita correlação. Se o ho-

mem crê corretamente, a prova está no modo de agir, que também de-

ve ser correto.493

José Pinto dá pistas de sua compreensão de sociedade nos evangelhos, tomando

como exemplo a figura dos cobradores de impostos que eram desprezados pelos judeus

para recolher as taxas para o governo Romano, e denuncia a “leviandade” com a qual

faziam isso, cobrando mais do que o devido, visando lucro pessoal.494 Faz-se um resu-

mo histórico-social e religioso do contexto que o evangelho de Lucas estava inserido,

bem como a importância da profecia naquela conjuntura:

489 OLIVEIRA, José Pinto de. O Mestre usa parábolas para ilustrar o reino. 52 lições para a Escola Do-

minical. n. 35. ICPB, 1971. p. 18. 490 Id. As chaves do Reino. Ibid. n. 41, 1977. p. 18. 491 Disponível em <http://noticias.r7.com/videos/os-sinais-de-enfraquecimento-da-

ditadura/idmedia/562e92551538960230175434e2a911e9.html> Acesso 13/12/2014. 492 OLIVEIRA. A vida social vitoriosa. 52 lições para a Escola Dominical. n. 42, 1978. p. 149 493 Id. Ibid. 494 Id. Jesus ensina a orar. Ibid. n. 35, 1971. p. 56.

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Lucas, como um exímio historiador, procurou fixar com precisão o

tempo em que a terra pareceu estremecer com a pregação do novo pro-

feta de Deus. [...] Lucas menciona o imperador Romano, o governa-

dor, os tetrarcas e os sumos - sacerdotes da Palestina. A Palestina go-

vernada por Pilatos, o delegado de Tibério; a Terra Santa dividida en-

tre os descendentes de Herodes; o sumo sacerdócio ilegalmente admi-

nistrado, eram provas de que as condições civis, morais e religiosas de

Israel estavam a exigir um pregador como João Batista, que concla-

masse todo o povo ao arrependimento com a sua mensagem de po-

der.495

O autor reconheceu também como se dava a formação filosófica e cultural daque-

la época. “A Grécia, embora já decadente, era ainda o foco da cultura contemporânea e

o ponto culminante da intelectualidade.”496 A valorização do contexto bíblico pode fa-

cilmente ser transportada para uma leitura crítica do período contemporâneo.

O tema do racismo aparece uma vez: “Deve haver problema racial entre os cris-

tãos?”497 Com essa pergunta retórica, a revista interpela os leitores ao começar a tratar

do encontro de Jesus com a mulher de Samaria.

À família é dada a função de ser ponto de partida de orientações para a toda a civi-

lização (sociedade) e local de preservação e promoção dos valores cristãos. “Para que o

lar exerça a sua função na vida nacional deve estar baseado no amor a Deus, edificado

realidade à palavra de Deus, e abençoado por fazer a vontade de Deus.”498 Completa di-

zendo ainda que a família é lugar de aprendizado, de formação para a vida e convicc-

ções morais e de conduta.499O papel do/a crente na sociedade é o de ser “um cidadão

ordeiro amante da paz, cumpridor dos seus deveres em todos os sentidos inclusive os

cívicos.”500 Pacifismo e ordem aqui não parecem sugerir passividade ou inércia, porque

há um convite ao cumprimento dos deveres civis. A dicotomia entre a vida civil e a vida

religiosa parece diminuir. Até mesmo votar é um ato motivado pela fé, e inclusive serve

de exemplo para a espiritualidade:

Quando vamos às urnas para votar num candidato a posto eletivo,

exercemos um ato de fé; porque cremos que o candidato tem condi-

ções para o exercício do cargo; a democracia está firmada na fé que

um homem tem na capacidade de outro homem para governar [...]. A

mesma faculdade - a fé - quando aplicada às coisas de Deus, leva-nos

às experiências gloriosas [...].501

495 OLIVEIRA. O ministério de João Batista. 52 lições para a Escola Dominical. n. 43, 1979. p. 9. 496 Id. A cultura é submissa a Cristo. Ibid. p. 66. 497 Id. Jesus e a mulher de Samaria. Ibid. n. 36, 1972. p. 9. 498 Id. Uma nova convocação à fidelidade. Ibid. n. 41, 1977. p. 112. 499 Id. Ideais cristãos para o lar. Ibid. n. 42, 1978. p. 54. 500 Id. O cuidado e o conforto de Deus. Ibid. n. 43, 1979. p. 102. 501 Id. Exemplos de conotação da fé. Ibid. p. 133

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Da mesma forma que o engajamento em questões de cidadania toma por base a re-

ligião, as rupturas necessárias também. A ética agora já não é a de tomar distância, mas

de abraçar valores e modo de conduta diferentes:

A casa de um servo de Deus tem que manter-se limpa dos ídolos! Não

somente dos ídolos de gêsso, pau, papel, mas de quaisquer outros tipos

de ídolos como sejam: Garrafinhas, miniaturas de bebidas alcoólicas,

vestimentas da juventude transviada, festas mundanas, vícios de qual-

quer espécie, etc. A amizade com o mundo é inimizade contra

Deus!502

Nesse mundo, onde o amor é cada vez menor – e o “ressurgimento do paganismo

em suas várias formas” é visível – “É mister, portanto, que em nome do testemunho

cristão em nossas vidas, não nos conformes com este mundo sem amor.”503 Novamente

a relação entre a verdadeira adoração e uma conduta construtiva e moral para a socieda-

de se estabelece.

Por falar em amor e conduta, a revista avança, ainda, no sentido de que o próprio

ser humano – não Deus, que é amor – é responsável pelos problemas sociais como a

fome: “Deus fez a provisão visando o bem do homem. Todos os atos de Deus em rela-

ção ao homem são atos de amor. O mundo de hoje se preocupa com o espantalho da

fome. A culpa cabe ao homem pelo mau uso do que Deus lhe reservou em Sua provi-

dência.”504 Sem embargo, uma interpretação do milagre de Jesus sob o olhar da econo-

mia traz luz à questão do desperdício e da fome: “Economia ou (poupança) como reco-

mendação de Jesus – ‘Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca’ ([Jo-

ão 6] v. 12). O desperdício é condenável. Deve estar faltando a alguém aquilo que está

sobrando em nossas mãos.”505 A prática de Jesus era justamente essa, de cuidado com

os pobres: “Sua atitude para com os desamparados, os menosprezados e sub-sociais só

encontra explicação em seu amor divino.”506

A igreja reunida, enquanto comunidade, desfaz “as distinções sociais para dar lu-

gar à fraternidade. Não há ‘servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos’ (Col. 3:11).”507

Dentro da lógica de que a prática dos princípios da religião contribuem com a socieda-

de, a ausência de templos – como símbolo da presença religiosa – é negativa: “Uma ci-

502 Id. Jesus e a mulher de Samaria. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 9. 503 Id. A sublime lição do amor. 52 lições para a Escola Dominical. n. 43, 1979. p. 15. 504 Id. O homem no propósito divino. Ibid. n. 38, 1974. p. 52. 505 Id. Jesus, o pão da vida. Ibid. n. 42, 1978. p. 16. 506 Id. Jesus declara a sua divindade. Ibid. n. 42, 1978. p. 18. 507 OLIVEIRA. De escravo a irmão em Cristo. 52 lições para a Escola Dominical. n. 42, 1978. p. 76.

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dade sem templo seria uma desolação. Seria um atestado de completo afastamento de

Deus.”508, pois a igreja é lugar de preparar as pessoas para uma vida mais útil à socieda-

de. O templo é espaço também para o crente se elevar acima das coisas dessas vidas e

sentir a “atmosfera espiritual da presença de Deus”.509

É possível concluir, assim, pelo ensino da revista durante essa época, que a di-

mensão horizontal (relações sociais) são fruto de um bom relacionamento com Deus

(dimensão vertical):

É inútil pretender uma ordem social em que predominem a decência, a

harmonia, o bem-estar, o amor, tudo, enfim, que seja oposto ao peca-

do, sem que, antes, o homem esteja em boas relações com Deus. A ho-

rizontalidade da vida – boas relações dos homens uns com os outros –

depende da sua verticalidade – relações harmoniosas com Deus.510

O tema da cultura é entendido no contexto da sociedade como um risco se descon-

siderar Deus. “A cultura não é uma finalidade em si mesma. Tem finalidades éticas, que

só se alcançam quando ela está firmada em Deus.”511

2.1.2 Governo

Os textos em relação ao governo, seus direitos e seus deveres em relação ao cida-

dão e a cidadã, podem ser divididos em três grupos: textos que descrevem a sua nature-

za (humana ou divina), textos que apontam seus deveres (servir o povo) e textos que ar-

ticulam seus direitos (deveres cívicos).

A primeira referência ao governo, em 1971, cria uma analogia entre as exigências

de governadores em relação aos seus soldados e a relação entre Jesus e seus discípulos.

Parece que era pressuposto o bom entendimento que os leitores tinham dessa conduta do

governo – e a considerariam no mínimo natural, se não aprovável ou justificável:

Se o versículo 62 [de Lucas 9: “E Jesus lhe disse: Ninguém, que lança

mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus”] nos pare-

ce muito pesado como prova para nós como discípulos, porque não

protestamos contra os governantes que requerem as mesmas coisas

dos seus soldados? Vida fácil, deleite, luxo, folga etc., não tem lugar

na vida de um soldado de Jesus. (de um discípulo).512

A analogia foca nos discípulos de Jesus e nos soldados dos governantes. Questio-

na-se a busca de uma vida fácil. Isso conduz à compreensão de que dentro do dever cris-

508 Id. Reedificação e dedicação do templo. Ibid. p. 103. 509 Id. As boas novas anunciadas por Jesus. Ibid. n. 43, 1979. p. 20. 510 Id. Quedas do homem e promessas de Deus. Ibid. n. 44, 1980. p. 44. 511 Id. A cultura é submissa a Cristo. Ibid. n. 43, 1979. p. 67. 512 OLIVEIRA. Jesus e seus seguidores. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 49.

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tão de respeitar as autoridades estava, provavelmente, a aceitação das condições impos-

tas pelo regime ditatorial. Nesse sentido, se os cristãos não são, por suposto, desobedi-

entes, uma possível repressão aos que são seria perfeitamente justificável ou mesmo po-

sitiva.

Outras passagens, porém, seguem o modelo da analogia governo terrestre e go-

verno celestial, e articulam critérios de aceitação ou de rejeição de políticas públicas:

A moeda que estava em circulação naqueles dias tinha a efígie do im-

perador Cesar. Jesus simplesmente disse: “Se o govêrno é Cesar, pa-

guem o tributo a Cesar.” Jesus disse que Cesar estava certo em cobrar

o imposto, só que não podia infringir os direitos de Deus. As leis hu-

manas, são limitadas pelas leis divinas.513

Em 1974, ao retomar o tema, Cesar mudou de papel e passou a representar o pró-

prio Estado: “O Estado necessita de dinheiro para manter a lei e a ordem, os serviços de

educação e assistência etc. Quem se furta ao pagamento de imposto é um parasita soci-

al.”514 Além disso, “O Estado tem direito de esperar que nos portemos como bons cida-

dãos. Além das obrigações materiais, move-nos uma questão da consciência e de dever

religioso.”515 Entretanto, Oliveira afirma que mesmo que o Estado tenha grande impor-

tância na vida do crente, a primazia é de Deus.516 Por outro lado, ensina que “Os crentes

têm um motivo bem forte para serem bons cidadãos: reconhecem que o governo é de

orientação divina para cuidar do bem-estar social.”517 Em qualquer situação “É bom de-

sejarmos vida longa aos nossos governantes, porém, melhor é pedirmos a Deus que lhes

ilumine o coração e a mente para que governem com sabedoria.”518 Nesta sentença, à

medida em que o governo receber sabedoria de Deus (de onde vêm as melhores diretri-

zes), governará bem.

Como se pôde perceber, o ensino recorrente é de que o crente deve estar submis-

são à lei, e não se contesta o que for decidido por elas, nem as razões pelas quais foi

constituída:

Submissão a autoridade – “Toda alma esteja sujeita às autorida-

des superiores” Rom. 13:11. – O governo civil e seus represen-

tantes são autoridades constituídas por Deus e, por isso, mere-

cem o respeito e a obediência da parte dos crentes enquanto es-

tão exercendo os seus mandatos. Quando a lei determinar a es-

colha de novos governantes, estamos autorizados pela lei para

513 Id. Jesus e seus inimigos. Ibid. p. 59. 514 Id. Os opositores da verdade. Ibid. n. 38, 1974. p. 23. 515 Id. Ibid. p. 24. 516 Id. Ibid. 517 Id. Conselhos sábios dirigidos aos crentes. Ibid. n. 42, 1978. p. 73. 518 Id. O povo exige um rei. Ibid. n. 41, 1977. p. 125.

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escolhermos aqueles que acharmos melhores. Sempre respei-

tando as que forem constituídas (eleitas).519

O texto indica o entendimento de que nem sempre a lei autorizava a escolha das

autoridades, e que o direito de muda-las se dava somente quando a lei o permitia. De fa-

to, uma (aparente?)520 mudança prevista pela constituição estava para ser colocada em

prática. O novo presidente do Brasil seria eleito (indiretamente) em 1974, e a expectati-

va já permeava a redação da revista, provavelmente no final 1973.521

A revista lembrou também do papel dos profetas diante de seus governantes, a

exemplo de Ageu e Zorobabel. “Em muitas outras ocasiões, Deus falou a governadores

e reis por meio dos seus profetas, mensagem de vitórias e mensagem de derrotas tam-

bém.”522 Daqui talvez se possa tirar alguma lição no sentido de direcionar igreja a uma

atitude mais presente nas questões políticas, isto é, menos servilista e mais profética.

2.1.3 Igreja

O tema da eclesiologia visivelmente se cruza com os demais. Este subtópico é re-

levante, no entanto, porque define a igreja na lógica da religião que estabelece padrão

para a vida social e política. A acepção é a de que sua utilidade é mais voltada para for-

talecimento dos fiéis, tal como o era nos tempos de John Stroup:

Nenhuma organização no mundo se compara à Igreja. Foi instituída

por nosso Senhor Jesus Cristo, é formada de indivíduos salvos por ele,

que se sentem transformados pela graça. [...] congrega [...] pessoas re-

generadas, para que elas promovam a obra do seu Senhor. Proporciona

aos crentes [...] crescer na graça e no conhecimento de Cristo, tendo

como alvo a maturidade cristã e a santidade de vida. As igrejas locais

são agências do reino de Deus no mundo, encarregadas da proclama-

ção do evangelho. Esta é a sua importante missão.523

519 OLIVEIRA, João Alfredo de. A vida social vitoriosa. 27 lições para a Escola Dominical. n. 49, 1984.

p. 47. 520 As eleições aconteciam de forma pouco democrática. Luiz Antonio Dias, professor de história da

PUC-SP, afirma que elas aconteciam num cenário de falsa democracia, extinção dos partidos e instaura-

ção do bipartidarismo obrigatório, e poder absoluto do Executivo. (Disponível em

<http://educacao.uol.com.br/noticias/2014/03/27/golpe-ou-revolucao.htm> Acesso em 10/01/2015.) 521 O historiador Boris Fausto aponta que o luterano Ernesto Geisel, situação, era o mais cotado para

aquela eleição. “Em oposição a Geisel, o MDB decidiu lançar a candidatura simbólica de Ulysses Guima-

rães, para denunciar as eleições indiretas, a supressão das liberdadese a concentração de renda resultante

do modelo econômico.” O Colégio Eleitoral, previsto por uma alteração na Constituição de 1967 e que

seria formado por membros do Congresso e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados, esco-

lheu Geisel em 15/01/1974. (FAUSTO: 2006. p. 270.) 522 OLIVEIRA. O templo em construção. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37, 1973. p. 72. 523 OLIVEIRA. A vida na comunidade cristã. 52 lições para a Escola Dominical. n. 42, 1978. p. 146.

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A missão da igreja, enquanto organismo, escapa um pouco à lógica de ser padrão

para o mundo, e parece se resumir ao conforto dos cristãos e à pregação do evangelho. É

pressuposto, porém, que os crentes são parte da igreja e, portanto, também agência do

reino de Deus. A igreja deve receber todas as pessoas, sem distinção étnica ou social,

para que se convertam e assumam a identidade cristã.524 Cabe a elas também “o dever

de produzir os futuros líderes cristãos. De igual modo, como agências do reino de Deus,

é das igrejas locais a tarefa de promover a expansão dos horizontes do cristianismo.”525

O pastor trata do exclusivismo denominacional com a orientação de que não se

deve pensar que outras pessoas não são salvas por não fazerem parte do mesmo grupo

religioso, apesar de que não é certo chamar todo tipo de “crente” de irmão. Afirma tam-

bém que a “obra de Deus não é confiada a um grupo, ou a uma instituição. Onde quer

que a obra de Deus chegue e se firme, o seu resultado é obra de Deus!”526 Por outro, as

propostas do ecumenismo (colocado ao lado do “modernismo”) são vistas com descon-

fiança e como limitadoras da evangelização: “Vêm muito a propósito, portanto, as lições

que vamos estudar. Elas nos advertem quanto às sutilezas da propaganda modernista e

ecumênica, que procuram desestimular a evangelização.” 527

A lógica do serviço ainda é bastante presente, e recebe o nome de “mordomia”,

que indica uma função de responsabilidade diante daquilo que pertence a outro, no caso,

Deus. O exercício da mordomia é tarefa dos discípulos, e por meio dela Deus os testa.528

2.1.4 Missão

Permanece algo, sim, daquela visão de missão como serviço. Porém, a concepção

de missiologia se desenvolve e se aproxima do que a teologia chama de Missio Dei:

missão de Deus no mundo. A postura de Deus nessa missão não é de desprezo pelo

mundo (humanos), e sim de interesse, tanto é que o confiou aos cuidados dos cristãos, e

a Ele se prestará conta.529

Há uma clara consciência sobre a ação de Deus no mundo, claro que com finali-

dades soteriológicas. Essa missão é compartilhada com os crentes: “Deus tem ainda

muito trabalho para ser feito pela salvação do mundo de hoje, e continua chamando os

524 Id. Igreja – uma comunidade de discípulos. Ibid. n. 44, 1980. p. 117. 525 Id. Evidências de que a Obra é de Deus. Ibid. n. 43, 1979. p. 60. 526 Id. Jesus e seus seguidores. Ibid. n. 35, 1971. p. 49. 527 Id. 2º sem. de 1975 – (Introdução). Ibid. n. 39, 1975. p. 50. 528 Id. Jesus e seus seguidores. Ibid. n. 35, 1971. p. 51. 529 OLIVEIRA. Não há limites para o perdão. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 23.

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Seus servos para tarefas gerais e especiais em sua causa.”530 Além disso: “Representa-

mos no mundo a causa de Deus. Contra ele, de nada valem as forças humanas.”531

Nesse sentido, as palavras de Jesus expressam não só sua missão como também a

preocupação do Pai: “Porque é que me procuráveis? Não sabíeis que me convém tratar

dos negócios de meu Pai?” Estas palavras de Jesus, que foram registradas e que indicam

o sentido da Sua missão aqui neste mundo.”532 Ao tratar do milagre da multiplicação

dos pães, Jesus demonstrou aos seus discípulos que a sua preocupação com as necessi-

dades humanas era integral: “Jesus queria ocupar um pouco os seus discípulos com as

necessidades materiais do povo; [...] Êle sentia compaixão pela multidão faminta; [...] o

alimento era suficiente para todos comerem bem (vs. 38).”533

A publicação usando uma expressão latina famosa, que expressa ao mesmo tempo

a relação teológica na missão. A frase significa algo como a parte que cabe aos seres

humanos deve ser feita: “Já disse alguém com muita razão: “Nec Deus Intersit, nise

dignus venodus inciderit” (Quando o poder milagroso de Deus é necessário, que seja

procurado; quando não é preciso, que se empreguem os meios comuns). Agir de outro

modo, é desconhecer a Deus e a si próprio.”534

Missão, no Antigo Testamento, aparece como tarefa específica para a qual Deus

chama, e no contexto, era a reconstrução de Jerusalém e do templo: “Quando Esdras re-

cebeu a chamada do rei para a missão entre o seu povo, reconheceu naquela chamada a

vontade de Deus.” 535 Na prática, a missão de Esdras era política e social. Esse era o seu

“chamado”

Na revista, missão também é influenciar no mundo em redor: “Tem notado preci-

samente as influências do cristianismo em seu redor?” 536 Essa influência virá pela uni-

dade:

A apresentação dos (vs. 21-23 [de João 17]) fala da unidade na vida

prática, unidade de coração e mente, tal como existe entre o Pai e o Fi-

lho. Unidade que o mundo possa ver de maneira a ser por ela levado à

fé. É claro que o mundo inteiro não crerá, mas em todos os tempos,

homens do mundo inteiro tem sido influenciados pela vida dos crentes

em Jesus.537

530 Id. A compaixão de Deus. Ibid. n. 41, 1977. p. 97. 531 Id. Deus conforta os eu povo. Ibid. n. 43, 1979. p. 87. 532 Id. Jesus com os doutores. Ibid. n. 35, 1971. p. 32. 533 Id. Jesus adverte contra o erro. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 46. 534 Id. Jesus domina a morte. Ibid. p. 32. 535 OLIVEIRA. A missão de Esdras em Jerusalém. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37, 1973. p. 42. 536 Id. O Mestre usa parábolas para ilustrar o reino. Ibid. n. 35, 1971. p. 18. 537 Id. A oração intercessória de Jesus. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 25.

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A lógica de influenciar não prevalece na totalidade, pois, abre espaço para certo

pessimismo escatológico e acaba por admitir que a missão tem seus limites e priorida-

des, e ao lado disso compreender que é necessário mais do que crer:

Qualquer estudo no livro dos Atos tem implicações missionárias. Mas

não podemos transformar o mundo, controlado por forças cada vez

maiores, apenas com uma forma de crer. O que o mundo está preci-

sando, é geração de cristãos revestidos do poder do Espírito Santo,

que testemunhem de nosso Senhor Jesus Cristo, como lemos em Atos

dos apóstolos.538

O esforço por ampliar o conceito de missão deve ser reconhecido, embora ela pa-

reça insistir no sentido de proselitismo. De qualquer forma, essa tarefa missionária e

evangelizadora precisa ser, nas palavras de José Pinto, ensinada à juventude,539 pois:

“Com tanto trabalho para ser feito no reino de Deus, não se compreende que crentes es-

tejam de braços cruzados e pernas paralisadas. O momento é de ação, e de ação contí-

nua, porque o tempo urge.”540

Por fim, missão é ser sal, ser cura para os problemas morais, sociais e espirituais.

“Parece-nos que quando Jesus disse aos discípulos “vós sois o sal da terra” (Mt 5:19),

estava-os apresentando como remédio para uma geração doente, ruim e em decomposi-

ção moral, social e espiritual.”541 Faça-se notar a menção aos problemas sociais como

necessitados da cura que o evangelho pode trazer.

2.1.5 Justiça

Oliveira aproveita muito da justiça em Grimm. Nesse ponto não há ruptura, ape-

nas continuidade e adição de ideias. A palavra justiça faz referênciaà forma com que

Deus olhava para o estado humano de pecado, todos igualmente pecadores, como nas

citações que se seguem: “Quanto deve cada crente à justiça divina?”542 e “A justiça de

Deus considera a sociedade humana num nível só.”543

A justiça de Deus, no sentido de ação tomada por Deus diante do pecado, é impla-

cável e inquestionável: “Arão tomou conhecimento da ação da justiça divina contra dois

dos seus filhos e permaneceu calado. Não adianta objetar contra a justiça divina. [...] O

538 Id. 2º Trimestre de 1979 – Como a igreja cresceu [Introdução]. p. 38. 52 lições para a Escola Domini-

cal. n. 43, 1979. 539 Id. Evidências de que a Obra é de Deus. Ibid. n. 43, 1979. p. 60. 540 Id. Lições da carreira cristã. p. 138. 52 lições para a Escola Dominical. n. 43, 1979. 541 OLIVEIRA, João Alfredo de. O homem de Deus soluciona um sério problema. p. 6. 26 lições para a

Escola Dominical. n. 48, 1984. 542 OLIVEIRA. Não há limites para o perdão. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 24. 543 Id. A oração intercessória de Jesus. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 25.

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rebelde não merece a nossa simpatia.”544 O senso de justiça (forense) de Deus é apurado

e justo, baseado em seus atributos como a onisciência.545

Porém, pela fé é possível ao indivíduo obter justificação dos pecados e ser apro-

vado diantes de Deus, pela fé em Cristo.”546 Justiça divina também toma o significado

de princípio, de ensino de Deus: “Depois do exílio, dirigentes espirituais como Esdras,

Neemias, Ageu, Zacarias e Malaquias, pregaram a justiça divina aos remanescentes que

tinham retornado.”547 E por mais que a “injustiça, o erro, o mal, todas as forças negati-

vas que desorientam os homens” pareçam dominar, são o bem, a justiça e a verdade que

por fim vencerão548

Há, no entanto, uma referência à justiça como denúncia da injustiça social, associ-

ada aos profetas do AT (o assunto é tratado com mais detalhes na edição de 1975):

No cumprimento da sua missão, o profeta denunciava o culto formal,

o secularismo e a injustiça social. O formalismo secularismo separa-

vam a religião da vida; juntando-se à injustiça social, separavam a éti-

ca da religião. São males também dos tempos atuais. Se falassem es-

pecialmente para os nossos dias, não precisariam esses profetas modi-

ficar em nada a sua mensagem.549

Ela aparece associada a dois outros males relacionados à religião: o culto formal

(religiosidade sem vida, meramente tradicional) ou o secularismo (abandono às premis-

sas religiosas), já indicados como problemas por Ernst Grimm, como visto neste traba-

lho.

2.1.6 Política

Pode-se perceber um pouco da perspectiva política apresentada na revista quando

ela pondera sobre os temas políticos na Bíblia e faz breves comentários sobre a situação

do período em estudo ou apectos mais gerais de política com o olhar voltado para ques-

tões contemporâneas

Oliveira explanou sobre a preocupação de Pedro “com a opressão do poder roma-

no sôbre a sua Pátria e desejava uma salvação divina em resposta às orações do povo.

Como também a salvação contra o poder do pecado.” 550 É bem provável que a esperan-

544 Id. Morte por irreverência. Ibid. p. 71. 545 Id. A ordem moral e suas implicações. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 43. 546 Id. A vida social vitoriosa. Ibid. n. 42, 1978. p. 150. 547 Id. 2º Semestre de 1973 [Introdução]. Ibid. n. 39, 1973. p. 55. 548 Id. Deus está no trono do universo. Ibid. n. 38, 1974. p. 41. 549 Id. 3º Trimestre de 1979 – Mensagens de julgamento e esperança [Introdução]. Ibid. n. 43, 1979. p. 78. 550 OLIVEIRA. A grande confissão. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 21.

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ça messiânica de um “capitão como Moisés” para libertar o povo da escravatura estava

no coração de Pedro..

Não obstante, houve, por outro lado, a preocupação em estabelecer o que lhe era

mais importante, o problema espiritual: “Havia para Israel perigo político, dos romanos,

mas o perigo principal era o perigo espiritual.”551

A forma com que Jesus lidou com a questão do tributo foi interpretada pelo viés

da política:

Primeiramente, notaremos que a pergunta à respeito do tributo, não foi

feita pelos guias mas por alguns dos seus seguidores. Se Jesus respon-

desse “não”, Ele seria acusado de estar levantando uma rebelião con-

tra o govêrno. Se Ele respondesse “sim”, seria acusado de infidelidade

à nação judaica. Notemos a resposta de Jesus: “... Dai pois a Cesar o

que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”.552

A preocupação de Jesus em evitar mal-entendidos aos seus seguidores foi eviden-

te. Fosse ele interrogado por mestres da Lei, seria diferente sua resposta? Indispor-se

contra o império romano seria um álibi nas mãos de seus adversários, como disposto

nos próximos parágrafos.

. O processo de julgamento e condenação de Jesus descrito nos evangelho fornece

um bom retrato do contexto, e uma das figuras chave foi o procurador romano Pôncio

Pilatos. Este morava em Cesareia e foi a Jerusalém na época das festas para “manter a

ordem”. Ele era conhecido por sua rigidez, mas acabou sendo condescendente e injusto.

Além disso,“Pilatos pertence à categoria de pessoas que gostam de fazer coisas grandes

para satisfazer propósitos das massas populares, não importando se é certo ou não.”553

A sequência do processo judicial evidencia ainda a relação religião e política na

época:

Logo depois da prisão Jesus foi levado perante Anás, que era sogro

[de] Caifás. Ele foi julgado pelo sinédrio, o Supremo Tribunal Judai-

co. Depois o sinédrio [...] condenou-O por blasfêmia, sabendo que isto

não tinha significado para Pilatos. Então O culparam de sedição contra

o govêrno romano.554

No texto acima as autoridades do templo, impedidas de usarem dos instrumentos

do estado para uma punição de motivação religiosa, trataram de criar meios de coloca-lo

em contradição com Roma. Na verdade, a revista parece reconhecer uma qualidade de

Roma, pois o próprio império tratou, segundo Oliveira, de tirar das mãos das autorida-

551 Id. Jesus enfrenta os inimigos. Ibid. p. 29. 552 Id. Jesus e seus inimigos. Ibid. p. 59. 553 OLIVEIRA. Jesus perante Pilatos. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 62. 554 Id. Ibid. p. 61.

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des religiosas a sentença final: “Matar um inocente [...] era contrariar os princípios ro-

manos, que ensinaram ao mundo a pensar em termos de lei e de justiça. Foi precisamen-

te para evitar crimes sem motivo que o governo romano cassara ao Sinédrio o direito de

decretar a pena de morte.”555 Não fosse pela acusação de crime contra o estado, Roma

não teria executado o nazareno. Nesse sentido, há espaço para supor que a perspectiva

do pastor era a de separação entre o estado e a religião.

Outro texto faz transparecer a relação entre autoridades políticas e a religião: o

ódio antissemita que Hamã, alto funcionário do império persa, nutriu por Mardoqueu

(livro de Ester) serviu de parâmetro para tratar do antissemitismo por parte de governan-

tes contemporâneos: “Ainda hoje há governos e governadores que alimentam ódio con-

tra os judeus, procurando até matá-los quando lhes é possível.” 556 Se por um lado o im-

pério romano se utilizou da lei para proteger os indivíduos das arbitrariedades dos reli-

giosos, no império persa houve perseguição contra os religiosos através do mesmo ins-

trumento. Nem sempre, porém, a interferência do reino persa foi negativa. Na recons-

trução de Jerusalém em Esdras-Neemias, a iniciativa do rei Dario em pagar as despesas

de construção por meio dos “cofres reais” foi vista como favor divino.557 De semelhante

modo, a restauração do templo: “O rei mandou ornamentar o templo às suas expensas.

Mais uma vez o templo recebeu subvenção dos cofres reais, como contribuição do rei.

‘... Se Deus é por nós quem será contra nós?’”558

Ainda sobre Neemias (cap. 5), o redator faz analogia de um episódio de manifes-

tação diante da injustiça contra “o povo trabalhador” e a favor de “reformas” e os pro-

testos que aconteciam de seu tempo. A diferença está no fato de que no passado eles

eram feitos em nome do Senhor e não de uma ideologia política:

Neemias, ao tomar conhecimento do que estava acontecendo aborre-

ceu-se com tanta injustiça e exploração. Chamou os aproveitadores,

nobres e magistrados, e convocou contra eles um grande ajuntamento

de protesto por haverem explorado o povo trabalhador. Certos aconte-

cimentos do passado estão mais ou menos paralelos com os tempos de

hoje. Há entretanto uma diferença do ajuntamento de Neemias com o

dos nossos dias. O de Neemias, foi feito em nome do Senhor dos

exércitos, e não em nome de qualquer ideologia política. Foi tomada

uma decisão de restituição de terras e outras reformas e o povo mesmo

compreendeu e fez a devolução. [...]

555 Id. O rei acusado e julgado. Ibid. n. 41, 1977. p. 32-33. 556 Id. A valorosa rainha Ester. Ibid. n. 35, 1971. p. 103. 557 Id. Conclusão do templo e sua inauguração. Ibid. n. 39, 1973. p. 40. 558 OLIVEIRA. A missão de Esdras em Jerusalém. 52 lições para a Escola Dominical. n. 39, 1973. p. 42.

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Neemias não precisou pregar doutrinas políticas ou incentivar o povo

contra os seus credores como fazem muitos nos dias de hoje. O segre-

do estava em o nome do Senhor. Que coisa gloriosa! 559

A época em que essa lição foi escrita (1972-1973) foi um período fértil para os

movimentos sindicais e lutas por direitos dos trabalhadores tanto rurais quanto industri-

ais.560 José Pinto não deixou de manifestar suas discordâncias com tais movimentos,

apesar de sua aproximação com políticos de tendência socialista. A opressão política e

econômica exercida pelo Egito sobre os hebreus, “trabalhadores escravos” também en-

controu paralelo no contexto de José Pinto:

A POLÍTICA DE EXTERMÍNIO – (Êxodo 1:11-14)

a) Os israelitas foram recrutados para formar um exercito de trabalha-

dores. Um povo oprimido sempre tende a crescer. Foi o que aconteceu

com Israel que “se multiplicava e se espalhava” (v. 12), apesar de os

feitores tornarem o trabalho cada dia mais difícil e penoso. Não con-

tentes com a maior dureza imposta aos trabalhadores – escravos, am-

pliaram a sua área de serviço, estendendo-a a todos os setores. [...]

c) Trabalho forçado, morticínio em massa, ditadores que não temem a

Deus nem respeitam os homens, não são estranhos à vida moderna.

Eles existem e agem neste século que chamamos de super-

civilizado.561

Para o autor, tais “ditadores que não temem a Deus nem aos homens” e seus regi-

mes autoritários (inclusive do Brasil562) são retrógradas, estranhos aos tempos “super-

civilizados”, apesar de ainda presentes.

Mesmo mostrando na Bíblia a separação entre a religião e o estado, o povo hebreu

peregrino, liderado por Moisés, se estabeleceria como nação em torno do tabernáculo:

“A história de Israel como nação começava em torno da religião divina como fonte de

vida para o indivíduo e para a coletividade.”563 A relação do povo com Deus pautaria

sua relação como nação. Por outro lado, o período de formação da nação não foi muito

positivo em seu modo de ver:

559 Id. Inimigos dentro de Jerusalém. Ibid. n. 37, 1973. p. 50. 560 O início da década de 1970 foi marcado pelo crescimento de sindicatos rurais: “[...] de 625 em 1968,

passou a 1.154 em 1972, 1.745 em 1976 e 2.144 em 1980.” Aliás, as décadas de 1970 e 1980 deram espa-

ço a uma grande expressão do sindicalismo no Brasil. Boris Fausto aponta que “A luta pela posse da terra

se manteve e até se ampliou; ao mesmo tempo, greves como a dos cortadores de cana em Pernambuco

[estado de José Pinto], iniciadas em 1979, chamaram a atenção para as novas realidades do mundo rural”.

(FAUSTO: 2006. p. 276.) 561 OLIVEIRA. Deus liberta o seu povo. p. 101. 52 lições para a Escola Dominical. n. 41, 1977. 562 Note-se que a lição foi utilizada em 1977 e, portanto, elaborada e impressa em 1976. Apesar de haver

sinais de abertura na política brasileira, o conhecido caso Herzog, morto pelo DOI-CODI, ocorrera há

pouco tempo (1975) bem como do operário Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976. Embora, diante da re-

percussão dos fatos, o governo Geisel tenha agido para impedir novos episódios parecidos no DOI-CODI,

as violências em São Paulo prosseguiam. (FAUSTO: 2006. p. 272). 563 OLIVEIRA. O povo de Deus aprende a adorar. 52 lições para a Escola Dominical. n. 41, 1977. p. 107.

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O período dos juízes foi sombrio para Israel. Caracterizou-se pela au-

sência de uma estabilidade moral e espiritual, bem como de um go-

verno central e forte, indo por isso à confusão social [...] Os juízes

eram líderes escolhidos por Deus para governar e libertar os israelitas

da opressão ou da escravidão a que os arrastavam os povos cana-

neus.564

Ainda em torno da formação de Israel, merece destaque ainda a preferência (polí-

tica e religiosa?) do termo “Palestinos” para designar os povos pagãos, como os filis-

teus, que faziam oposição às tribos israelistas já há vinte anos:

Durante esse tempo de amargura, Samuel empreendeu uma grande re-

forma em Israel. Por ocasião da Assembléia em Mispá, os palestinos

aproveitaram para atacar de surpresa e foram definitivamente derrota-

dos.565

A história prossegue de modo a descrever a política daqueles tempos e a servir de

exemplo para os políticos atuais:

Samuel serviu como juiz durante vinte anos. Por seu intermédio foi

banida a idolatria, houve a confirmação da teocracia (governo sacer-

dotal cujos chefes eram considerados Ministros de Deus), foi estabele-

cida a ordem, a paz, a justiça e a união entre as tribos. [...] Deu teste-

munho claro disto ao edificar um altar ao Senhor em Ramá, onde resi-

dia embora fosse um estadista dedicado aos assuntos políticos do po-

vo. É um bom exemplo para os crentes que ocupam altos postos de

responsabilidade na administração política. 566

A revista, em pleno ano de 1976-1977, também falou de reforma política e o im-

pacto de uma mudança de regime:

O mesmo lugar em que Samuel deu início à reforma religiosa ia ser

palco de uma reforma política. A transição da teocracia para a monar-

quia foi como uma reviravolta na história do povo de Israel. A mu-

dança do regime é sempre histórica na vida de qualquer povo.567

No contexto de dominações pelos povos mais poderosos, a Palestina agora apare-

ce como lugar de habitação do povo judeu. Por outro lado se denunciava a opressão de

impérios como os romanos, “senhores da terra”:

Muita coisa aconteceu no mundo no período de Malaquias a Cristo,

que modificou profundamente o panorama político. A Pérsia era ainda

uma grande potência quando Malaquias exerceu a sua missão proféti-

ca. Depois, os persas foram derrotados na guerra que fizeram aos gre-

gos. Daí por diante, o árbitro do mundo passou a ser a Europa e não

mais a Ásia. Mais tarde, os romanos venceram os gregos e se tornaram

os senhores da terra. Enquanto isto, na Palestina, os judeus, ora sob o

564 Id. Líderes para tempos difíceis. Ibid. p. 117-8 565 Id. Porta-voz de Deus. Ibid. p. 120. 566 OLIVEIRA. 52 lições para a Escola Dominical. n. 41, 1977. p. 122. 567 Id. O povo exige um rei. Ibid. p. 123.

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domínio de um, ora sob o de outro povo estrangeiro. Apenas gozaram

independência por algum tempo, sob o domínio dos macabeus.568

José Pinto acrescentava uam perspectiva teológica: os conflitos políticos entre na-

ções eram entendidos como uma batalha ou disputa entre os deuses.569

A atitude de José (do Egito) foi louvável porque não pediu favorecimentos aos

seus irmãos, isto é, não agiu por nepotismo, e sim que a atitude do Faraó foi a de convi-

da-los a serem chefes dos “pastores dos rebanhos reais” porque entendeu que José re-

presentava uma “bênção”.570 Ao mesmo tempo, José é um exemplo de político que uniu

sua fé às suas capacidades pessoais: “Com o olho de um profeta, José previu o futuro do

Egito e, com a língua de um estadista, predisse como enfrentar as crises.”571

Por fim, a conclusão não é muito esperançosa quandos e trata de projetos políti-

cos: “O mundo não se salvará pelo crescimento e difusão da cultura, pelo aprimoramen-

to da técnica, pelo desenvolvimento da ciência, nem pela execução de programas sociais

de qualquer natureza. A esperança de salvação está só em Jesus Cristo.”572 Nesse senti-

do, as propostas de transformação do mundo por projetos políticos ou sociais são des-

cartadas, mas permanece a consciência da importância da religião, mais precisamente o

cristianismo, no processo de “salvação” do mundo.

2.1.7 Teologia

Demarca-se o contraste entre Deus e os homens: “Devemos nos lembrar que o

homem é sempre limitado, enquanto Deus exerce poder sobre tudo, em sentido absolu-

to, e sôbre as suas criaturas. Em Deus não há limitações.”573 O poder de Deus, no entan-

to, é utilizado para ajudar Seu povo,574 ainda que pareçam desamparados em meio às si-

tuações de sofrimento da vida. 575

Além disso, Deus é provedor de tudo que os er humano possa precisar “seja no

aspecto espiritual, moral ou material”.576 Na mesma lição, porém, a relação com Deus

perpassa pela forma com que o indivíduo lida com o próximo: “perdoarmos uns aos ou-

tros, faz parte das condições necessárias em nós para que Deus ouça as nossas ora-

568 Id. De Malaquias a Cristo. Ibid. n. 42, 1978. p. 115. 569 Id. O cuidado e o conforto de Deus. Ibid. n. 43, 1979. p. 101. 570 Id. Os israelitas em terra estranha. Ibid. n. 44, 1980. p. 76-77 571 Id. Quedas do homem e promessas de Deus. Ibid. p. 44. 572 OLIVEIRA. Evidências do discipulado. 52 lições para a Escola Dominical. n. 44, 1980. p. 86. 573 Id . Jesus domina a enfermidade. Ibid. n. 36, 1972. p. 28. 574 Id. Josué enfenta pela fé. Ibid. p. 89. 575 Id. Deus na vida do homem. Ibid. n. 38, 1974. p. 26. 576 Id. Jesus ensina a orar. Ibid. n. 35, 1971. p. 57.

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ções.”577 Aliás, “Os dez mandamentos se divide em duas partes: A primeira apresenta os

nossos deveres para com Deus; e a segunda parte apresenta os nossos deveres para com

o nosso próximo.”578 Ao ser humano cabe a também a função de prestar culto a Deus e

amar ao seu próximo: “É agradável a Deus o culto que lhe tributamos movidos pelo

amor, e não pelo medo; em santidade, devido a natureza de Deus; em Justiça, pela cor-

respondência entre o amor a Deus e o amor que devemos ao nosso próximo.”579

Deus prefere atentar para os humildes e saciar aos famintos em lugar dos ricos: “O

nosso Deus é poderoso e por essa razão, não atenta para orgulhosos e sim para os hu-

mildes. [...] Os famintos são saciados e os ricos, são despedidos sem nada.”580 E ainda:

“Deus sempre concede graça aos humildes.”581

Em oposição ao caos, reconhecem Deus como sendo da ordem, que requer as coi-

sas preparadas em seus mínimos detalhes.582 “Deus não é Deus de confusão e nem de

desordem.”583

A confissão trinitária localiza a Trindade como presente e atuante no mundo: “na

natureza e na graça, na salvação e no ensino, na correção e na santidade, no indivíduo e

na coletividade, evangélica e cosmicamente, na consciência dos homens e no registro

dos fatos da revelação.”584

Para conhecer a Deus, é preciso experimentá-lo: “Uma pessoa pode ser muito re-

ligiosa e não conhecer a Deus. O testemunho dos crentes é a maior demonstração de que

se pode conhecer verdadeiramente a Deus por meio de uma experiência pessoal e con-

creta com Ele.”585 A experiência com o divino se confirma na prática.

Merece atenção o fato de que, ao anunciar o tema do primeiro semestre de 1974,

sob o tema da “Doutrina de Deus”, explicar que a lição procurará associar o estudo à vi-

da das pessoas: “Não vamos estudá-la nos moldes da teologia sistemática, mas de modo

mais prático, porque procuraremos sentir a mensagem bíblica de acordo com as neces-

sidades do homem de hoje.”586 Prossegue: “O objetivo do nosso estudo é examinar

577 Id. Jesus ensina a orar. Ibid. p. 57. 578 Id. Instrução dada pela lei. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 64. 579 Id. A promessa cumprida. 52 lições para a Escola Dominical. n. 43, 1979. p. 4. 580 Id. Maria mãe de Jesus. Ibid. n. 35, 1971. p. 111. 581 Id. Jesus recomenda a fé. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36. ICPB, 1972. p. 45. 582 OLIVEIRA. Jesus, a nossa páscoa. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 53. 583 Id. Josué passou o Jordão com o povo. Ibid. p. 82. 584 Id. A personalidade do Espírito Santo. p. 44. 52 lições para a Escola Dominical. n. 41. ICPB, 1977. 585 Id. Deus na vida do homem. Ibid. n. 38, 1974. p. 27. 586 Id. I Semestres de 1974 [Introdução]. Ibid. p. 3.

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aquilo que a Bíblia nos diz à respeito do que Deus revelou de Si mesmo, do Seu amor,

de Sua obra redentora e de tudo que Ele traçou para toda a criação.”587

A revista aponta para uma utilidade prática do ensinamento bíblico, aplicável à

vida do cristão, embora se reconheça a profundidade de seu conteúdo:

A Carta aos Romanos não é um tratado de teologia dogmática, nem

tampouco um ensaio sobre ética cristã. Embora não tenhamos nela a

ênfase dada por Paulo à cristologia das Cartas aos Coríntios e aos Tes-

salonicenses, em nenhuma outra parte da Escritura encontramos dis-

cussões doutrinárias tão profundas, nem exposição tão clara sobre pe-

cado, justificação, graça, lei, justiça e amor.

[...] Se alguém deseja saber como entrar em relações corretas com

Deus, como alcançar a paz interior, como experimentar a vida moral,

que deveres tem o homem para com o seu próximo, que responsabili-

dade tem cada um pela vida do mundo, a melhor resposta se encontra

na Carta aos Romanos.588

A relação Bíblia-vida, no entendimento do autor, é a de que o conhecimento de

seu conteúdo implicará, consequentemente, em prática ainda mais acertada.

A teologia também considera o aspecto da soberania de Deus sobre a história, e

mais do que isso, se utiliza dos poderes constituídos e das nações para cumprir seus pla-

nos, inclusive para corrigir os crentes: “Deus é o Senhor da história e pode valer-Se tan-

to das nações como dos indivíduos no cumprimento dos Seus propósitos. Ele usa forças

anti-cristãs para chamar à juízo os cristãos frios e indiferentes que se esquece de suas

responsabilidades.”589

Mais tarde, o pensamento sobre a soberania se torna mais refinado, e a interação

entre Deus e os humanos na construção da história se torna possível. Da parte deles, lo-

gicamente, se esperavam erros e acertos, enquanto o plano de Deus permanece de pé na

história:

Deus não determina os pormenores da história. É o homem quem age

nesse campo. É aí que ele exerce a sua liberdade. Mas a história tem

um sentido. Isto é importante para a fé bíblica. Deus age na história

para conduzir o mundo ao seu destino final. A Bíblia nos dá exemplo

disto na história do povo de Israel. A paz, a prosperidade, a decadên-

cia ou a queda na vida nacional dependiam do próprio povo ou, dos

seus dirigentes. Tudo ia bem quando procuravam ser fiéis a Deus, e

tudo ia mal quando abandonavam os mandamentos do Senhor. Como

se vê, os altos e baixos da história de Israel resultavam da atitude do

povo e dos seus líderes.590

587 Id. Ibid. p. 4. 588 Id. 4º Trimestre de 1978 - O evangelho segundo Paulo [Introdução]. Ibid. p. 118. 589 OLIVEIRA. Deus está no trono do universo. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 41. 590 Id. Deus dirige a história. Ibid. n. 42, 1978. p. 142.

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A título de localização histórica, inclui-se ainda um último aspecto da teologioa: a

revista de 1977 tratou do “princípio da retribuição divina” em 1Samuel 12.14-15 e a sua

diferença diante de concepções teológicas que serviram de apoio à Teologia da Prospe-

ridade, que começava a ganhar força através do neopentecostalismo nos anos 1970:

O princípio da retribuição divina, exposto por Samuel, é válido e cor-

reto. Mas não se deve pensar na prosperidade como uma recompensa

de Deus à vida de piedade, nem que o sofrimento seja sempre conse-

quência de pecado. Foi essa teologia falsa, superficial e dogmática que

levou os amigos de Jó a condena-lo em vez de conforta-lo. Não se

aplica ao sofrimento de justo e de inocente e nem explica a prosperi-

dade dos maus. O que Samuel deixou claro foi que o rei não estava

isento de obediência às leis de Deus.591

2.1.8 Reino de Deus

O reino de Deus aparece com um apelo fundamentalmente espiritual, marcado por

valores e princípios que norteiam as ações humanas:

A pretensão de Mateus foi a de deixar bem claro que o Messias é o

verdadeiro Rei do seu povo; que veio para fundar um reino diferente

daquele que a idéia humana, terrena e carnal de quase todos havia

concebido. Seu reino seria espiritual, religioso e moral, Reino dos

Céus, expressão encontrada com frequência em seu Evangelho. Por

esta causa, o Evangelho de Mateus é chamado O Evangelho do Rei-

no.592

É necessário porém indicar que “Reino do Céus”, para José Pinto, tem uma cono-

tação diferente de “Reino de Deus”, geralmente apontados como sinônimos.593 Vejamos

as definições:

Temos aqui mais uma figura do Reino. A expressão “reino de Deus”,

geralmente tem um valor mais íntimo e espiritual que reino dos céus

(Romanos 14:17). O reino dos céus significa, muitas vêzes, a esfera

onde a autoridade celestial é reconhecida (Daniel 4:26).

O texto prossegue associando o reino dos céus com a Igreja:

No caso em foco, o serviço aqui e reino dos céus, onde Jesus exerce a

Sua autoridade. Neste caso [Mt 20.1-7] o reino representa a Igreja de

Cristo aqui na terra. O dono da casa é Jesus, que também é o Senhor

dos discípulos que trabalham na sua vinha. Êle é o contratante dos tra-

balhadores. Ele mesmo foi quem disse: “Não fôstes vós quem me es-

colhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros” João

15:16.594

591 Id. Os atos justos do Senhor. Ibid. n. 41, 1977. p. 127-8 592 OLIVEIRA. 1ª trimestre de 1977 - O evangelho do Reino dos Céus [Introdução]. 52 lições para a Es-

cola Dominical. n. 41, 1977. p. 3. 593 INSTITUTO PRESBITERIANO MACKENZIE. MATOS, Alderi Souza de. A igreja como agente do

reino de Deus. Disponível em < http://www.mackenzie.br/7135.html> Acesso 15/01/2015. 594 OLIVEIRA. O Senhor define a grandeza. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36. 1972 p. 111.

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Pelo conteúdo da mensagem do reino, seu público acabou sendo definido pelos

humildes: “Deu graças ao Pai porque as profundas verdades do Seu reino, rejeitadas pe-

los que se julgavam sábios e entendidos, foram aceitas pelos humildes.”595

Temporalmente o reino começou exatamente com a vinda de Jesus a este mundo,

dando fim ao império romano. “Aquele homem que a terra jamais vira igual e a quem os

soldados romanos pregaram na cruz com tanta humilhação, acabou com o império deles,

coisa que nenhuma guerra conseguiu fazer.” 596 Como resultado, “o Reino de Deus ins-

talou-se na terra, [desde então,] congregando gente de todas as raças, povos e nações.

Creio ser difícil haver no globo terrestre uma nação onde não existam crentes em Jesus

Cristo.”597 O reino é formado pelos crentes, sem distinções étnicas. Reino aqui é o pro-

jeto de proclamação da boas novas, convite diante do qual os discípulos abandonaram

suas redes em sinal de aceite.598 Além de se arrepender, devem estar na condição de

“separação do mundo. Hebreus 12:14.” 599

Em contraponto ao reino de Deus está o império do mal, assim como Roma, não

permanecerá para sempre.600 “O reinado de Deus, não depende do consentimento do

homem. Nenhum poder será capaz de destruí-lo para O impedir de reinar. Feliz é o ho-

mem que se submete a Cristo e faz do seu coração o trono em que Ele se assente para

governar sua vida.” 601 Como se vê, o acento no senhorio de Cristo é ponto marcante.

Em um dos diálogos de Jesus, “o jovem rico ouviu o Senhor falando sobre o Rei-

no dos céus e certos princípios sociais que o interessou.” 602 Esses “princípios sociais”

indicam que há uma dimensão além da esperança celestial.

A noção de serviço também é conceituada numa lógica diferente da do mundo:

“No mundo, a maneira de se servir é de baixo para cima. No reino de Deus e diferente,

se serve de cima para baixo. O maior serve ao menor.”603 Em termos de sociedade e po-

lítica, esse princípio serve de norte para a práxis.

A relação com as finanças “(capital)” encontra sua regulamentação no propósito

do reino. Não é proibido ter, mas seu uso em pról do reino é uma forma de entesourar

595 Id. Rejeição e aceitação. 52 lições para a Escola Dominical. n. 41, 1977. p. 13. 596 Id. O sonho do rei. Ibid. n. 37, 1973. p. 57. 597 OLIVEIRA. O sonho do rei. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37, 1973. p. 57. 598 Id. Jesus dá início aos seus ensinos. Ibid. n. 37, 1973. p. 6. 599 Id. Jesus fala acerca da sua morte. Ibid. p. 30. 600 Id. O poder de Cristo. Ibid. n. 38, 1974. p. 8. 601 Id. Uma visão da glória futura. Ibid. p. 48. 602 Id. O desafio do mestre. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 106. 603 Id. Jesus ensina sobre o serviço. Ibid. p. 108-9

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nos céus.604 O reino de Deus e sua justiça devem ter prioridade nos interesses do cristão,

e muitos que não entendem isso estão querendo apenas as bênçãos de Deus. 605

Os textos sugerem que a verdadeira cidadania do reino não é composta pelos mui-

tos seguidores, mas pelo grau de engajamento no seu projeto, por parte daqueles que en-

tendem a sua mensagem, que se fazem cidadãos do reino; “A multidão era de admirado-

res do reino, atraídos pelos milagres e os benefícios materiais; os discípulos eram cida-

dãos do reino.”606

2.1.9 Cristologia

Em uma nota publicada no jornal O Herói da Fé em 1963, setembro a dezembro,

Oliveira fala sobre O nascimento de Jesus. O pastor afirma que “a humilde posição da

classe operária era a do seu nascimento. Mas êle nasceu no infecto de uma estribaria, à

irrisão das circunstâncias”607 fala, em adição, dos privilégios de Jesus em ser o primo-

gênito (e unigênito) do Pai, e em ter nascido de uma virgem.

Já a revista apresenta Jesus como o pregador da mensagem e servo de Deus. Con-

forme Isaías, ele era “servo de Deus” (obediente aos Seus propósitos) e “escolhido de

Deus”.608

O autor faz questão de deixar claro que a obra de Jesus – por servir a um proposi-

to superior – não atendia às expectativas políticas de seus contemporâneos: “Os Israeli-

tas esperavam um Messias político que restaurasse o reino de Davi. [...] Mas, as profe-

cias, apontaram um Messias espiritual, remidor, sofredor, que viria restaurar o reino de

Deus.”609 A esperança frustrada por um “Messias político, social”610 gerou rejeição e

redundou numa concepção errada de muitos sobre ele que deixaram de aceita-lo como

seu salvador.

No entanto, a cristologia de José Pinto parece tender um pouco mais para a baixa-

ascendente, mesmo que não se defina completamente assim. Fala-se bastante da huma-

nidade de Jesus. Dela aprende-se que ele ficou sujeito a “certos limites”, como a de se

604 Id. Jesus e a mordomia. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 51. 605 Id. Jesus ensina à respeito dos problemas da vida. Ibid. n. 37, 1973. p. 19. 606 Id. O padrão de vida do discipulado. Ibid. n. 44, 1980. p. 81. 607 OLIVEIRA. “O nascimento de Jesus” O Herói da Fé. Setembro-Dezembro de 1963, ano X, nº 78-79,

p. 1-2 608 OLIVEIRA. Sentenças contra uns e convites para outros. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35,

1971. p. 16. 609 Id. O grande plano. Ibid. p. 76. 610 Id. Jesus, a luz do mundo. Ibid. n. 37, 1973. p. 101.

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submeter a uma condição inferior à dos anjos, por 33 anos.611 De sua infância e adoles-

cência, sabe-se que passou doze anos na “humilde casa de carpinteiro. Foram anos chei-

os de atividades, enquanto Êle crescia e se desenvolvia.”612 Jesus crescia também “Soci-

almente. Cresceu em graça para com os homens. Os homens se maravilhavam da Sua

sabedoria embora com a idade de 12 anos, e ainda mais quando já crescido, era um filho

obediente, sujeito aos seus pais terrenos. Êle era cheio de bondade [...].”613

O propósito da encarnação de Jesus foi o de manifestar pessoalmente o amor de

Deus aos homens.614 Além disso, “Na sua encarnação Jesus tornou-se Servo a fim de

preparar um nôvo e vivo caminho, proporcionando ao homem a ida ao céu. O Senhor

Jesus, subiu de volta ao trono através da humilhação demonstrada.”615 O movimento de

subir de volta remete à sua ascenção, mas também a uma exaltação a partir do ponto

onde se encontrava, o de humilhação. Além disso, sua encarnação “dignificou a nossa

pobre humanidade”616 e tornou Deus possível de se entender. 617 Em Cristo Deus desceu

aos homens para que eles pudessem subir até Deus.618 A criação e a redenção da huma-

nidade são igualmente demonstrações/revelações da sua divindade.619

O evangelho de Lucas é, segundo os teólogos pentecostais William e Robert

Menzies, uma inconfundível e importantíssima base bíblica para a teologia pentecostal,

especialmente de sua doutrina sobre o Espírito Santo.620 O “Evangelho da Compaixão”

recebeu especial atenção na revista, embora não com ênfase na cristologia:

Lucas era um médico crente, profundamente humano. Viu em Jesus o

Médico dos Médicos, que simpatizava com os necessitados e sofredo-

res. O Filho do Homem perfeitamente identificado com a raça huma-

na. Por isso seu evangelho é chamado de EVANGELHO DO FILHO

DO HOMEM e de EVANGELHO DA COMPAIXÃO. [...] as lições

do EVANGELHO DA COMPAIXÃO, têm o objetivo de mostrar aos

crentes que o coração de Jesus sempre revelou simpatia e misericórdia

diante das necessidades humanas. Mostrou-nos com a sua atitude, que

assim também devemos agir com os desprotegidos do reino social a

que pertencemos, especialmente com os de nossa Igreja.621

611 Id. Jesus o salvador soberano. Ibid. n. 35, 1971. p. 65. 612 Id. Jesus com os doutores. Ibid. n. 35, 1971. p. 33. 613 Id. Ibid. 614 Id. Jesus, a luz do mundo. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 4-5. 615 OLIVEIRA. Jesus lava os pés dos discípulos. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 19. 616 Id. A revelação de Deus em Cristo. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 31. 617 Id. Ibid. p. 31. 618 Id. Jesus, o Verbo eterno. Ibid. n. 42, 1978. p. 6. 619 OLIVEIRA, José Pinto de. A revelação de Deus em Cristo. p. 30. 52 lições para a Escola Dominical.

n. 38. ICPB, 1974. 620 MENZIES, William W.; MENZIES, Robert P. No poder do Espírito: fundamentos da experiência pen-

tecostal – um chamado ao diálogo. São Paulo: Vida, 2000. p. 54-73. 621 OLIVEIRA. 1º Trimestre de 1979 [Introdução]. 52 lições para a Escola Dominical. n. 43, 1979. p. 2.

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Sendo assim, a axiologia da ação de Jesus é padrão para a vida cristã. Inclusive, a

prática de Cristo descrita em Lucas atenta para a misericórdia com os “desprotegidos do

reino social”. A perspectiva não faz exatamente uma crítica social, nem propõe mudan-

ças estruturais no sistema vigente, mas chama os cristãos à necessidade de praticarem

atos de compaixão com o próximo, principalmente os que estão em maior desvantagem.

Fazendo uso do subtítulo O Cristo acessível, uma das lições tratou do fato de Je-

sus estar perto de publicanos e pecadores e de romper com as barreiras que “os homens

levantam”:

Diante de Deus todos são iguais. Para o Senhor Jesus Cristo não exis-

tem as barreiras de separação levantadas pelas homens. Em todos Ele

vê necessitados da mesma graça salvadora e a todos recebe com ternu-

ra, desde que se voltem arrependidos para Ele.622

A perspectiva soteriológica da obra de Jesus tem lugar importante da soteriologia,

e principalmente sua morte é elemento essencial:

Jesus morreu por escolha em benefício da humanidade! A Sua morte

foi o pagamento de um resgate como meio para a nossa Salvação. Ao

homem é impossível pagar o preço da sua salvação. Só Jesus pode pa-

gar. Êle fêz por nós aquilo que nós não podíamos fazer. A parte que

nos cabe é somente aceitá-Lo como nosso único e suficiente Salva-

dor.623

O fim inevitável de Jesus, a sua crucificação, representou, paradoxalmente, o

cumprimento de sua missão e também sua coroação.624 Mas ele não foi vencido pela

morte. Ressuscitou, obteve um corpo incorruptível e a alcunha de “primogênito entre os

mortos”.625

2.1.10 Ser humano

Nesta fase da revista o ser humano é visto, ainda, a partir de uma perspectiva dico-

tômica, embora com sugestões de que todas as áreas da vida são importantes: “O ho-

mem não é apenas um corpo que precisa de saúde; (cura) êle é essencialmente um alma

que necessita da purificação e renovação.”626 No entanto, como já pode ser percebido na

frase acima, a “libertação” da alma é mais importante, embora o corpo não seja despre-

622 OLIVEIRA. O Cristo maravilhoso. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 10. 623 Id. O Senhor define a grandeza. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 112. 624 Id. Jesus ora pelos seus discípulos. 52 lições para a Escola Dominical. n. 42, 1978. p. 37. 625 Id. Lições fornecidas pelos sinais. Ibid. n. 35, 1971. p. 20. 626 Id. Jesus e o paralítico de Bethesda. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 10.

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zado por Deus. “O Senhor está interessado na libertação do corpo e, muito especialmen-

te, da alma!”627

A constituição humana é de corpo e alma:

Os males atacam a alma (espírito) e o corpo. Quando se descobre que

não se tem com que combater êsses males deve se recorrer a quem

tem poder para os combater e vencer. Aprendemos nesta lição que

muitas vêzes os males físicos que nos afligem podem ser uma das ma-

neiras de nos chegarmos à graça salvadora de Cristo.628

A perspectiva dualista geralmente impede uma visão integral do ser humano. Con-

forme Fernando Albano, “A ênfase teológica na unidade da constituição humana, que o

testemunho bíblico indica, contrasta com a experiência histórica da cristandade, na qual

o corpo sempre teve um papel secundário, “status” que, ainda permanece no pentecosta-

lismo atual.” 629

Não obstante, o ser humano pode, através de suas atitudes, tornar-se semelhante a

Deus à medida em que imitam a Jesus, que se tornam seus seguidore.630

Espera-se do ser humano ainda a cooperação com o reino: “Cristo depende de ser-

vos obedientes para a realização de sua obra. Até para os maiores feitos ele solicitou a

colaboração de agentes humanos.”631 A reflexão pode progredir e definir que em se tra-

tando do papel dos/as discípulos/as, a missão de representar, de ser testemunha de Jesus

se funda na lógica de que uma vez que ele não está mais aqui, o papel principal passou a

ser dos seus seguidores.

Apesar da responsabilidade humana, Deus pode aparecer para corrigir os erros:

“Aprendemos que, quando os homens fazem o pior, Deus pode intervir milagrosamen-

te.”632 Muitas vezes um ato de castigo pode ser também providencial: “A decisão de

confundir as línguas foi tomada por Deus. Foi um ato de juízo e, ao mesmo tempo, de

misericórdia pois homens dominados por ambições mesquinhas não apresentam condi-

ções para viverem juntos.”633

Há, por outro lado, o perigo de “sufocar” o poder de Deus na vida humana, isto é,

de impedir que Deus complete na pessoa a obra da salvação e da transformação. Esses

627 Id. Ibid. 628 Id. Jesus agindo como salvador e médico. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 10. 629 ALBANO, Fernando. Dualismo corpo/alma na antropologia pentecostal. São Leopoldo, 2010. 63 f.

Dissertação (Mestrado Profissional em Teologia) - Programa de Pós-Graduação em Teologia - EST, Es-

cola Superior de Teologia, 2010. p. 4. 630 OLIVEIRA. Jesus e seus seguidores. p. 49. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. 631 Id. O primeiro milagre. Ibid. n. 44, 1980. p. 9. 632 Id. Lições fornecidas pelos sinais. Ibid. n. 35, 1971. p. 20. 633 Id. A arrogância do homem e a reação divina. Ibid. n. 38, 1974. p. 58.

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empecilhos podem ser: “o orgulho, os empreendimentos sociais, as brincadeiras e o

mundanismo.”634 Declarações como essa parecem sugerir que um estilo de vida austero

expressa melhor a qualidade de filhos de Deus.

A ação do Espírito Santo também vem em benefício dos humanos, e para que eles

ajudem um aos outros:

O poder do divino Espírito Santo foi derramado com a finalidade de

Que a humanidade perdida pudesse ser beneficiada através da Sua

atuação. Todo crente verdadeiramente santificado, quando recebe o

batismo com o Espírito Santo, torna-se uma fonte de águas, não só pa-

ra si mesmo mas, para ajudar outros (pelo menos deve ser assim). [...]

Por essa razão quando um crente chega a testificar que é batizado com

o Espírito Santo, deve ser uma fonte de bênçãos para as outras vidas,

um manancial de águas vivificadoras.635

Além disso, ninguém consegue apagar essa identidade. “Mesmo caído nele per-

manece a imagem de Deus. O sangue de Cristo, que nos purifica de todo pecado, con-

servou no homem a imagem de Deus, fazendo-a exaltado no novo homem.” 636

A história do pecado é contada incluindo toda a humanidade, homem e mulher,

representada pelo casal Eva e Adão: “Eva foi enganada, Adão caiu de olhos abertos.

Ambos os casos evidenciam a transgressão.”637 E ainda:

A responsabilidade de Adão e Eva foi pessoal e também social. Toda

a humanidade estava representada neles, pois eram os únicos seres

humanos. Ainda que não fossemos responsáveis pelo pecado original,

como nos eximiríamos da responsabilidade pelos nossos próprios pe-

cados?

A queda do homem é um fato que se repete na experiência de toda

humanidade. Denomina-se pecado (queda), em teologia, a rebelião e

desobediência do primeiro homem e da primeira mulher.638

As atitudes humanas provocaram efeitos que eram contrários ao projeto de Deus:

“O homem transformou a terra num inferno, a vida num pesadelo, o trabalho num casti-

go, quando Deus quer exatamente o contrário.”639 Essa reflexão em torno do trabalho

pode servir de ponto de partida para indicar alguma iniciativa de fazer pensar nas rela-

ções injustas de trabalho, que o tornam pesado e ingrato.

O secularismo, inimigo recorrente, encontra agora mais uma definição, no contex-

to das decisões humanas, que se perdem em relações exclusivamente horizontais: “O

634 Id. Jesus ensina à respeito dos problemas da vida. Ibid. n. 37, 1973. p. 19. 635 OLIVEIRA. Manancial divino. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37, 1973. p. 69. 636 Id. O homem no propósito divino. Ibid. n. 38. ICPB, 1974. p. 52. 637 Id. O problema do pecado. Ibid. n. 38, 1974. p. 54. 638 Id. A queda do homem. Ibid. n. 44, 1980. p. 128. 639 Id. A oração na vida do discípulo. Ibid. p. 97.

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homem secularizado vive sem se importar com Deus e subestima os valores espirituais.

Limita-se a uma visão horizontal da vida, interpreta-a sem qualquer relação com o eter-

no.”640 Esse modelo seria ineficaz, por exemplo, para a construção de uma sociedade

melhor. “É inútil pretendermos uma ordem social em que predominem a decência, a

harmonia, o bem estar, a justiça, o amor, tudo enfim que seja oposto ao pecado, sem

que, antes, o homem esteja em boas relações com Deus.”641 Por outro lado, o cuidado

com o ser humano é uma dimensão que não pode ser desprezada por uma sociedade que

se pretende valorosa: “O que determina o valor de uma civilização é o conceito que ela

fizer do homem.”642 Há que se admitir, por outro lado, que a “posição social, cultural ou

econômica não isenta o homem do seu estado de pecado.”643 Isto é, as circunstâncias ex-

ternas em nada altera o estado humano interno. Em contrapartida, as atitudes daqueles

que pertencem a Deus serão espelhos dessa condição: “A confirmação do homem de

Deus depende de sua conduta perante Deus, perante a Igreja, sua família e a socieda-

de.”644

2.1.11 Mulheres

Oliveira encara o papel da mulher com relativa valorização, se o contexto for le-

vado em conta. Para falar da origem da mulher em Gênesis 2.20-25 e 3.20, usa a expres-

são provisão de divina.645 Explica que Adão sentia falta de uma companheira, e entre as

criaturas não havia ninguém “igual ou superior a êle que pudesse servir-lhe de compa-

nheira. Êle precisava de alguém da sua própria natureza, do seu próprio feitio.” Deus

criou Eva a partir de Adão, e “a mulher não é uma criatura inferior ao homem mas, sua

igual.” “Somente um pensamento anti-cristão pode admitir a idéia de a mulher ser es-

crava do homem, de êle dominá-la com mão forte [...]. Adão ficou satisfeito, pois agora

tinha uma companheira semelhante à êle, física, social e espiritualmente.” A narrativa

da criação da mulher é apresentada na perspectiva da igualdade de gênero e contrária a

subserviência da mulher com relação ao homem.

Ester é descrita como uma das “filhas de Israel, convicta da sua formação tanto

racial como religiosa, vindo a ser, mais tarde, a salvação do seu povo, livrando-o da in-

640 Id. Tiago, o discípulo que se tornou líder. Ibid. p. 112. 641 Id. A degradação do homem. Ibid. p. 131. 642 OLIVEIRA. O valor do homem. 52 lições para a Escola Dominical. n. 44, 1980. p. 137. 643 OLIVEIRA, João Alfredo de. A salvação é condicional. 26 lições para a Escola Dominical. n. 48.,

1984. p. 12. 644 Id. A escolha é de Deus. Ibid. p. 20. 645 OLIVEIRA. Eva, a mãe de todo ser humano. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35, 1971. p. 88-89.

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tentona de Hamã.”646 Atente-se o/a leitor para o uso de um termo conhecido na história

da política, “intentona”.

Débora, apesar de “fraca”, é outra mulher de destaque no Antigo Testamento que

como liderança ganhou batalhas em seu tempo, e conquistou espaço na revista:

O apêlo de Baraque à Débora para o acompanhar, foi sem dúvida al-

guma, um sinal de que não havia homens corajosos em Israel. Até

uma batalha que é ação para homens, uma fraca mulher precisou to-

mar iniciativa. Razão porque, Deus colocou o êxito da batalha nas

mãos de uma mulher (Jael). Débora não fugiu ao apêlo de Baraque e

foi junto à batalha. Ela tinha certeza no cumprimento da promessa de

Deus e agiu de acôrdo com a promessa.647

Há que se valorizar também o fato de o pastor rejeitar uma interpretação negativa

de uma parábola que usa a ação de uma mulher como exemplo:

Existe um bom número de estudiosos da Bíblia que interpretam esta

parábola [Mt 13.33-35] do fermento como sendo falsas doutrinas que

tentam corromper o Reino de Deus. Dizem eles que a mulher repre-

senta a autoridade eclesiástica que ajunta o erro com a verdade até tu-

do ficar misturado.

Queremos chamar a atenção para o fato de que a parábola em apreço

não está trazendo o sentido do mal mas o sentido do bem. Assim como

a pequenina semente, tornou-se uma grande, uma enorme árvore; as-

sim o fermento da parábola em estudo levedou toda a massa (fari-

nha).648

No entanto, ao tratar da responsabilidade da mulher no casamento649 com base em

Efésios 5.22-24, José Pinto afirma que ela “deve ser submissa ao marido como ao Se-

nhor. Um lar onde a mulher domina o marido não pode ter a aprovação de Deus.” Em se

tratando de mulheres crentes, acrescenta outras responsabilidades: “criar seus filhos no

caminho do Senhor, de encorajar seu marido para que ele seja útil na causa do Mestre.”

Destacou também que a mulher de obreiro que o impede de “ganhar almas” não é uma

boa esposa.

A atitude das mulheres foi mais uma vez elogiada por estarem ao lado de Jesus

nas piores horas de seu sofrimento e do luto que envolveu sua morte: “foram as últimas

a abandonar o recinto da crucificação e as primeiras a chegarem ao túmulo no dia da

ressurreição.” Isso rendeu a elas o privilégio de serem as primeiras testemunhas da res-

646 Id. A valorosa rainha Ester. Ibid. p. 102. 647 OLIVEIRA. Israel libertado da servidão de Jabim. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p.

92. 648 Id. Jesus dá ensinamentos sobre seu reino. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37. 1973. p. 12. 649 Id. O ensino sobre o matrimônio. Ibid. p. 91.

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surreição, e mais do que isso: “Jesus foi ao encontro delas e as saudou amavelmente.

[...] Ele, agora, confirma a fé que brotava no coração delas.”650

Elas ajudavam também o ministério de Jesus através de doações, e observa que

Lucas reconhece a importância das mulheres no seguimento de Jesus:

João informa que havia uma bolsa comum (João 13: 29), e Lucas

acrescenta que algumas mulheres piedosas cuidavam do seu abasteci-

mento. Esta espécie de assistência aos rabís não era rara. As mulheres

(costumavam contribuir liberalmente para o sustento deles. Jesus re-

preendeu aqueles que abusavam da caridade das viúvas (Mat. 12: 40;

Luc. 20:47). O sentimento cristão de Lucas reconhece a grande bênção

que havia no cristianismo para as mulheres. Ele gostava de registrar

tudo o que se referisse a isto.651

2.1.12 Religião e ética

O conceito de religião ou religiosidade explorado pelo periódico nessa fase mere-

ce destaque porque desde o começo está atrelado às atitudes que se espera dos cristãos

na sociedade, isto é, a ética, e com elas é possível transformar o entorno.

O amor é superior à prática dos rituais. “Deus não se agrada de cerimônias religi-

osas externas”, na verdade ele “quer dos seus filhos é que amem ao seu próximo[...]”.652

Isso se evidencia a partir da leitura da religião nos tempos antigos:

A religião na Judéia havia sido reduzida a uma forma vazia. Pouca

importância era dada ao equilíbrio moral e à prática do amor. No tem-

po apresentado pela nossa lição, havia um enorme criticismo, reinante

nos escribas e fariseus. A observância do sábado levou os fariseus e

outros líderes religiosos a ofenderem-se com Jesus. Entretanto, o Se-

nhor Jesus só pensou em fazer o bem.653

O contexto histórico e sociaocultural é lido como sendo um perfeito ambiente para

o surgimento ou fortalecimento de elementos fundamentais para a religião da Bíblia:

O cativeiro Babilônico não trouxe para os judeus um arrependimento

em escala nacional. Não voltaram, no entanto, nunca mais, à idolatria,

para o que mostravam, antes, forte tenência, e aprenderam a importan-

te doutrina da onipresença de Deus. O exílio serviu também de origem

ao culto nas sinagogas que, mais tarde, com a dispersão dos judeus, se

espalharam por todas as províncias do Império Romano, facilitando os

primeiros contatos dos pregadores do evangelho, principalmente no

trabalho de Paulo.654

650 Id. O Rei Jesus vive. Ibid. n. 41, 1977. p. 39. 651 OLIVEIRA. A promessa cumprida. 52 lições para a Escola Dominical. n. 43, 1979. p. 4. 652 Id. Jesus agindo como salvador e médico. Ibid. n. 35. ICPB, 1971. p. 12. 653 Id. Jesus e os seus opositores. Ibid. p. 36. 654 Id. A volta dos exilados. Ibid. n. 42, 1978. p. 64.

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A crítica se estende às religiosidades do Brasil, como as encenações da paixão de

Cristo, por parte do catolicismo popular, ou mesmo às celebrações eucarísticas: “Essas

repetições do sacrifício de Jesus, que se vê todos anos, pelo menos aqui em nossa Pátria,

é inútil, é apenas uma vã cerimônia religiosa. Se Jesus fôsse um sacrifício como do pas-

sado, não haveria certeza nem esperança de salvação.”655 Prossegue: “Portando aquêles

que ministram missas como sacrifício contínuo de Jesus, ignoram o que está escrito em

Hebreus 10:12. Então fazendo tudo em vão. O perfeito, real e único sacrifício já foi fei-

to.”656

A religiosidade que Deus requeria era a que considerava a prática do amor. “O

povo de Israel, havia tornado-se religioso mas insensível. Tinha perdido o primeiro

amor. [...] Frequentavam as reuniões mas o seu coração estava longe do Senhor.” 657 A

ideia prossegue no sentido de que religião e vida (prática no cotidiano) não podem se

separar, por isso, “A advertência de Deus, tanto positiva quanto negativamente, é que o

crente seja honesto, autêntico nas suas relações com o próximo.”658

Ao mesmo tempo, há o cuidado de ensinar a não confundir “as curas feitas por Je-

sus com o curandeirismo tão em voga nos dias atuais pelos que preferem apelar para o

emocionismo ao invés de pregar a verdade do evangelho.”659 Essa observação parece

dizer respeito as movimento de cura entre os pentecostais e outras religiões que faziam

das curas seu carro chefe.

A revista também se referiu às formas de religiosidade que agregam para si os va-

lores do mundo para serem mais facilmente atendidas, para agradar as pessoas.660 “Há

muitos que, sob o pretexto de atender às ordens divinas, atendem na verdade os costu-

mes da sociedade. É um tipo curioso de religião esse em que o homem faz o que lhe é

agradável e diz que está fazendo o que é do agrado de Deus.”661 Estabelece, porém, que

a “maneira única e correta de entendermos o sentido real da verdadeira religião consiste

em darmos atenção ao que o Senhor Jesus Cristo ensinou.”662

No entanto, a religião não é somente a apreensão de conteúdos de fé, ela é a vida

que resulta do conhecimento adquirido: “Religião é vida integral. É incorporar à vida

655 Id. O grande plano. Ibid. n. 35, 1971. p. 77. 656 Id. Ibid. p. 78. 657 OLIVEIRA. Deus abençoa pela obediência. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37, 1973. p. 80. 658 Id. O padrão de vida que Deus estabelece. Ibid. n. 42, 1978. p. 111. 659 Id. Jesus, o grande médico. Ibid. p. 12. 660 Id. O crente e seu compromisso. Ibid. n. 37, 1973. p. 97. 661 Id. Tendência da religião formal. Ibid. n. 38, 1974. p. 18. 662 Id. Ibid.

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tudo o que foi ensinado por Cristo. O galardão nos céus será medido pela fidelidade que

demonstrarmos na terra a esses ensinos.”663 Sobressai-se o termo integral no que se refe-

re à expressão da religião, que não se trata apenas de devoção ou piedade.

Expôs também que a verdadeira não consiste numa série de regras e obrigações

enfadonhas. Isso faria dela “ópio que entorpece e torna o homem insensível às belezas

de uma vida de comunhão com Deus. Sem amor, a religião torna-se um fardo pesado e

inútil.”664 Impossível não lembrar de Karl Marx quando classifica a religião como “ópio

do povo”, que ao mesmo tempo em que é “suspiro da criatura oprimida”, protesta contra

a “miséria real”.665 Porém, o entorpecente de que a revista fala é o que aliena o ser hu-

mano de enxergar sua comunhão com Deus e deixa a religião sem sentido, sem amor,

sem prática do bem.

Por outro lado, a “religião dos judeus, com seu formalismo inexpressivo, estava

longe de comparar-se aos sublimes preceitos que Cristo veio revelar aos homens.” O

que Jesus queria, na verdade, era “estabelecer um novo padrão de justiça, um código

ética para todos os que aceitassem o reino de Deus. Os súditos desse reino deveriam en-

tender que a religião é mais interior espiritual do que exterior e emocional. Cristianismo

é força e não forma.”666 Em outras palavras, a hipocrisia das aparências não representa

expressão de uma religião verdadeira. Esta vem do coração.

Aporfundando um pouco mais na expressão ética da religião, percebe-se que ela

caminha ainda pelo senso de amor ao próximo e continua na lógica do serviço, porém,

há o uso de uma terminologia mais precisa para sugerir as dimensões de cuidado pesso-

al (e espiritual) ao próximo e também para designar ações assistenciais. Uma pergunta

demarca a preocupação do autor nas primeiras edições: “Quantos de nós estamos nos in-

teressando pelo bem espiritual uns dos outros?”667 Para além disso, “Jesus atendia ao

povo espiritual e materialmente. Pregando e curando.”668 O serviço material a que o tex-

to se refere são as curas, mas não deixava de despertar para uma dimensão que vai além

da mera assistência espiritual.

663 Id. O que é um discípulo de Cristo. Ibid. p. 75. 664 Id. Uma nova convocação à fidelidade. Ibid. n. 41, 1977. p. 113. 665 MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 146-147. 666 OLIVEIRA. O padrão de vida do discipulado. 52 lições para a Escola Dominical. n. 44, 1980. p. 81. 667 Id. Jesus agindo como salvador e médico. Ibid. n. 35, 1971. p. 11. 668 Id. A seara e a sua necessidade. Ibid. p. 13.

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A orientação de Jesus de amar aos inimigos e orar pelos que perseguem é tomada

na revista.669 Acrescenta-se a isso a noção de que a “graça, a misericórdia e o amor que

Deus nos dá ao recebermos Jesus como nosso Salvador, deverão ser usados para com os

outros”.670 Isso é servir a Deus,671 e “é sinal da presença de Deus em nós.” 672

Auxiliar os que pedem é uma atitude esperada dos crentes.673 Uma das expressões

utilizadas e que denotam a compaixão pelo próximo e princípios que norteiam ações as-

sistenciais é “dar assistência aos que estão em necessidade, ter uma atitude caridosa para

com os que lutam com as suas fraquezas, e reconhecer a misericordiosa disposição de

Deus para com as nossas próprias faltas.” 674 Aparece ainda como prática do bem: “A

prática de bem é [testemunho] altruísta e prova de nossa fé.”675

Outra forma de exprimir a mesma atitude é a beneficência, enfatizando mais seu

aspecto prático do que aparente. Além disso, “Não humilha a mão que se estende para

receber. É compreensiva e trata o necessitado como pessoa humana, vai em auxílio por

ter amor de Deus no coração.”676 Ações beneficentes, além de causar alegria em quem

as recebe, alegram também o coração de quem as pratica. Tem a ver com evidenciar

uma fé genuína.677

Em contrapartida, o escritor alerta (em duas edições diferentes, com termos prat-

icamente iguais) também para o que considerou um risco de as igrejas se tornarem “or-

ganizações beneficentes”678:

Esta é uma lição oportuna porque, com o crescimento das igrejas lo-

cais, contentamo-nos com alguma coisa que fazemos no plano da be-

neficência. Ficamos pensando que já fizemos tudo, quando na realida-

de o nosso coração não tomou parte direta na fraternidade, na comu-

nhão de sentimentos há o elemento pessoal, que dá sentido à expres-

são de amor, tal como havia no coração de Cristo.”679

Alerta também para uma postura que parece ser tentadora, a de tornar as doações

um fim em si mesmo, chegando a situação em que já não se tem mais consciência do

que se faz, não há maior envolvimento, “o coração não toma parte”. Prossegue apontan-

669 Id. Jesus fala sobre o amor. 52 lições para a Escola Dominical. n. 37, 1973. p. 29. 670 Id. Não há limites para o perdão. Ibid. n. 35, 1971. p. 23. 671 Id. Jesus enfrenta os inimigos. Ibid. p. 28. 672 Id. A suprema dádiva de Deus. Ibid. n. 37, 1973. p. 108. 673 Id. Josué relembra o passado, e faz apelo. Ibid. n. 36, 1972. p. 90. 674 OLIVEIRA. O que é um bem-aventurado. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 73. 675 Id. A dignidade do trabalho. Ibid. n. 41, 1977. p. 135 676 Id. Como age um discípulo. Ibid. n. 38, 1974. p. 77. 677 Id. Frutos da liberalidade cristã. Ibid. n. 41, 1977. p. 145. 678 Id. Vidas que são bênçãos para o próximo. p. 152-3 679 Id. O modelo de uma Igreja exemplar. Ibid. n. 43, 1979. p. 45.

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do, outrossim, que o amor é a única forma de resolver “todos os problemas sociais”, e

precisa ser uma “realidade permanente nas relações humanas.”680

Outro termo, “filantropia”, encontra lugar na literatura da ICPB, mais do que co-

mo uma atitude humana em relação ao próximo, mas como um mandamento de Deus:

Deus apela através da Bíblia para o exercício da filantropia – “Não

oprimas a viúva, nem o órfão, o estrangeiro, nem o pobre” (7:9). A

disposição de amparar a causa dos elementos indefesos da sociedade

revela que entendemos que a religião verdadeira é esta – “religião pu-

ra e imaculada diante de Deus” (Tiago 1.27).681

Observe-se ainda o aspecto da reconciliação entre as pessoas.682 Do decálogo se

extraem ensinos sobre a relação com o próximo: “O sexto Mandamento condena o ho-

micídio ([Êx 20] v. 13), protegendo a vida humana como um direito sagrado. [...] O oi-

tavo Mandamento reprova a apropriação indébita (v. 15) protegendo a propriedade par-

ticular.”683 Merece menção o entendimento de proteção à “propriedade particular” apli-

cado ao mandamento, uma perspectiva, em geral, pouco apreciada pelas ideologias so-

cialistas.

Falando em lei, a assertiva da revista sobre as relações com o próximo vai mais

adiante abrangendo o contexto da lei romana:

A lei romana impunha a quem não fosse cidadão, que carregasse, por

uma milha, a bagagem do soldado romano. Jesus ensinou que a nossa

fé evidencia-se em fazer mais do que a lei ordena. As palavras de Pau-

lo em nosso texto assemelham-se às palavras de Jesus no sermão da

montanha.684

A maneira com que conduzimos as relações neste mundo é, para o autor, um re-

flexo da vida que acontecerá na eternidade:

Há sentimentos que papel e tinta não podem exprimir. A conver-

sação é aprazível quando existe comunhão entre as pessoas que

se comunicam. Pressupõe confiança mútua, simpatia e recipro-

cidade de interesses. Isto reflete, na terra, o que será a vida soci-

al que teremos no céu.685

Se restar alguma dúvida sobre o impacto das ações de serviço que se fazem moti-

vadas pela fé em Deus, eis a maneira com que a revista descreve o alcance delas: “Uma

680 Id. Vidas que são bênçãos para o próximo. Ibid. n. 41, 1977. p. 153. 681 Id. O padrão de vida que Deus estabelece. Ibid. n. 42, 1978. p. 110. 682 OLIVEIRA. O discípulo na intimidade. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 76. 683 Id. O pacto de Deus com o povo. Ibid. n. 41, 1977. p. 106. 684 Id. A vida social vitoriosa. Ibid. n. 42, 1978. p. 149. 685 Id. A vida de amor. Ibid. n. 43, 1979. p. 155.

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vida dedicada ao serviço de Deus torna-se uma bênção para uma comunidade, para uma

nação e até mesmo para o mundo todo, numa hora de crise.”686

Nesse sentido, ser pacificador/a é empenhar-se por promover o amor mutuamente

entre as pessoas, contrariando o modo bélico com que as pessoas costumam lidar com

em situação de conflitos: “São os que aplicam toda a sua influência na promoção da paz

quando descobrem facções opostas.”687

2.1.13 Escatologia

Este tema ficou por último porque trata literalmente “das últimas coisas”. No en-

tanto, o caminho proposto é o de enxaergar as implicações do ainda não para o já. A

partir da leitura que a revista faz das parábolas de Jesus que tratam das últimas coisas,

apresenta-se uma síntese da concepção escatológica que envolve a ICPB nesse período,

tanto para a redenção final quanto para a condenação: “[...] haverá no fim uma discrimi-

nação (separação) (c) Os bons vão para os “cestos” (céus), lugar apropriado para aquêle

que é nascido de novo e os ruins serão “lançados fora” (no inferno). Triste destino! (d)

Essa separação será feita pelos anjos.”688

A crença no inferno também é defendida pela literatura como um acerto de contas

que Deus fará com os infiéis, à despeito dos pensamentos em contrário: “Já não é tão ra-

ro encontrar-se quem se preocupe com o problema do pecado. O homem moderno diz

não acreditar no Inferno e não ter tempo para se preocupar com os seus pecados. Isto,

porém, não o isenta da responsabilidade diante de Deus.”689 Esse modo de pensar parece

ser denunciado porque provoca uma atitude discplicente diante da vida.

Diante dessa expectativa, o conselho é para que “sejamos como as virgens pru-

dentes que esperaram, preparadas, a vinda do noivo.”690 Isso porém não pressupõe um

afastamento do mundo no sentido literal: “Para esperarmos prontos o Senhor na Sua se-

gunda vinda, não precisamos nos vestir de roupas brancas e subir nos montes altos. De-

vemos ficar vigiando, firmes, no lugar aonde Deus nos colocou.”691

686 Id. Os israelitas em terra estranha. Ibid. n. 44, 1980. p. 76. 687 Id. O padrão de vida do discipulado. Ibid. p. 84. 688 OLIVEIRA. O Mestre usa parábolas para ilustrar o reino. 52 lições para a Escola Dominical. n. 35,

1971. p. 18. 689 Id. O reino de Deus na vida do discípulo. Ibid. n. 44, 1980. p. 103. 690 Id. Ensino de Jesus sobre a sua segunda vinda. Ibid n. 35, 1971. p. 31. 691 Id. Jesus e a mordomia. Ibid. p. 52.

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A esperança é de que em breve o desfecho irá acontecer: “Dentro em breve O ve-

remos exercendo novamente o poder da ressurreição. Devemos nos confortar, e aos ou-

tros, com esta esperança.”692 Trata-se também de um desfecho da cristologia: “A Jesus é

dado o poder de julgar a humanidade no juízo final. Ele também julga os crentes de acô-

rdo com a conduta e as obras de cada um.”693 De igual modo, o desenrolar da cristologia

na história tem relação direta com o futuro, com o cumprimento das profecias messiâni-

cas.694

Nota-se outra aplicação do se nso de escatologia no que diz respeito à finitude da

vida humana. Daqui nada se levará para a eternidade. Nesse sentido, o conselho é que a

vida seja investida no “serviço de Deus”, e dessa relação se pode extrair frutos para toda

a eternidade.695 Trabalha-se assim com a perspectiva de antecipação, aplicada aos atos

devocionais e também à própria missão evangelizadora. Exemplo do primeiro aspecto é

a citação que se segue: “O louvor que tributamos a Deus neste mundo é uma preparação

para o louvor perfeito que havemos de oferecer ao mesmo Deus já na glória eterna dos

salvos.”696 Ao mesmo tempo, a Igreja representa o reino dos céus na terra,697 e há muito

que se fazer por aqui: “O lugar de trabalho dos discípulos, não era no céu, mas na terra.

Não tinham, portanto, de estar olhando para o céu. A missão deles, que é também a nos-

sa, é a preparação do caminho para a volta gloriosa do Senhor Jesus como Rei.”698

Quanto á esclesiologia, apesar das perseguições contra a igreja, ela segue firme em seu

propósito e “sua marcha triunfal se faz através dos séculos, preparando o mundo para a

volta do Senhor Jesus.”699

A escatologia prevê também o lugar para o diabo: “A vitória final (louvado seja

Deus) não pertence ao diabo. Embora ele tenha liberdade para agir dentro de determina-

dos limites, porque é também um ser pessoal, Deus anuncia mesmo no momento da

condenação do pecado, a salvação por Seu Filho unigênito, que se faria Filho do homem

para esmagar a cabeça da serpente.” 700

692 Id. Jesus atende a Jairo. Ibid. p. 46. 693 Id. Revelação principal na pessoa do Filho. Ibid. p. 64. 694 Id. O Cristo que exorta e encoraja. Ibid. n. 43, 1979. p. 107. 695 OLIVEIRA. O desafio do Mestre. 53 lições para a Escola Dominical. n. 36, 1972. p. 108. 696 Id. A sublimidade de Deus. 52 lições para a Escola Dominical. n. 38, 1974. p. 29. 697 Id. O significado de Pentecostes. Ibid. n. 41, 1977. p. 55. 698 Id. O Desenvolvimento da Igreja. Ibid. n. 43, 1979. p. 41. 699 Id. Evidências de que a Obra é de Deus. Ibid. p. 61. 700 Id. O problema do pecado. Ibid. n. 38, 1974. p. 54.

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A etapa última, porém, é a em que “Cristo operará a renovação do mundo: Ele foi

o agente da criação, o Alfa, e será o agente da nova criação, o Ômega.”701 Esse novo

mundo é perfeito em santidade e nada que o contamine poderá entrar. “O domínio per-

feito de Deus se exercerá no novo mundo preparado para o novo homem.”702

O autor dessas lições, José Pinto de Oliveira, animou-se por discutir com um pou-

co mais de profundidade e crítica a questão social e política, bem como explorar a res-

ponsabilidade ética do ser humano regenerado nos termos da fé cristã com relação ao

mundo em que vive. Oliveira ressaltou o valor que os princípios e valores religiosos têm

e para que contribuam com um mundo melhor até que Jesus volte para completar a obra

que iniciou com seu reino no mundo.

2.2 Edição de 1975: voz profética contra a injustiça socio-

econômica

A edição de 1975 (reeditada em 1981), especialmente o segundo semestre, se so-

bressaiu não somente pela época em que foi escrita, provavelmente perto do fim do ano

de 1974, como também pela abordagem dos temas e o uso de uma terminologia bastante

específica sobre missão, justiça, pobres, economia, que dialogam diretamente com pers-

pectivas progressistas expressas nas teologias contextuais da América Latina e na preo-

cupação de evangélicos com os desafios da sociedade e da política, como expresso na

Conferência do Nordeste de 1962. A abordagem dos temas, decerto, não será feita de

forma descolada do contexto, cujo pano de fundo já foi traçado. Não foi possível avaliar

o impacto dos temas dessa revista na igreja, mas nada esconde a realidade de que se tra-

ta de uma voz profética contra a injustiça socioeconômica e um forte chamado à ética

como resultado de uma religiosidade viva e verdadeira.

O tema da justiça é transversal a todos os assuntos da revista. A justiça, nesse

momento, passa a ser a régua pela qual serão medidas as ações dos crentes diante da

igreja, das pessoas, da sociedade e do governo.

Na introdução ao segundo semestre a lição estabelece o foco por onde vai cami-

nhar e explica que são lições estraídas dos livros de “Amós, Oséas, Isaías e Miquéias,

conhecidos como os profetas da justiça e da misericórdia.” Define ainda a missão do

profeta como a de denunciar “a idolatria, a injustiça social; o culto formal e o secularis-

701 Id. Eis que tudo se fez novo. Ibid. n. 43, 1979. p. 115. 702 Id. Ibid. p. 116.

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mo. O formalismo e o secularismo separavam a religião da vida, juntando-se à idolatria

e à injustiça social.”703 Como se tem notado no pensamento de Oliveira, a adoração idó-

latra, isto é, desvirtuada, gera uma sociedade injusta.

Com base na profecia de Amós (2.7), Oliveira afirma que “prepotência dos ricos,

que se valem do seu prestígio e do seu dinheiro para oprimirem os pobres, apenas faz

crescer as barreiras de separação e os desajustes de classes. A Bíblia está sempre a nos

mostrar Deus contra a opressão dos ricos contra os pobres - (Prov. 22.22-23).”704 A lei-

tura de conjuntura do escritor é a de que as diferenças e problemas sociais são origina-

dos pela crueldade e egoísmo dos ricos. Essa opressão se manifesta em forma de explo-

ração:

A mensagem do profeta parece escrita para o nosso tempo. Lê-se,

quase diariamente, notícia de repressão a mercadores inescrupulosos

que, fugindo ao tabelamento, elevam o preço dos gêneros de primeira

necessidade em flagrante exploração dos consumidores.705

A denúncia segue adiante qualificando a sociedade que permite tais descompassos

como pisar o pobre e ainda exigir dele tributo (Am 2.11-12) como iníquia, e Deus não

aceita essa asituação: “Provoca a ira de um Deus justo. Clama aos céus a hediondez dos

pecados cometidos com base na superioridade do poder econômico.”706

A razão para isso é atribuída à negligência dos valores espirituais [cf Os 4.1] e éti-

cos. Estes se perdem se estiverem dissociados da fé e do temor a Deus.707

Mais uma vez, a piedade está diretamente associada à ética: “O culto, que repre-

senta a harmonia do crente com o seu Deus, necessariamente o leva à prática da justiça

nas suas relações com o próximo.”708 Nesse sentido, há um convite para compreender

que “Justiça e retidão são termos éticos e, por isso mesmo, sociais.”709

A injustiça, por outro lado, perverte até mesmo os “órgãos da justiça” e transfor-

mam a própria Justiça na “razão do crime” (Am 2.6), mas a consciência de um juíz que

realmente é digno da magistratura não se deixa vender.710

Sua leitura de Isaías traz ainda a dimensão de que Deus está presente na história, e

a injustiça, a maldade aparentemente dominam o mundo. “A realidade final, porém, será

703 OLIVEIRA. 2º Semestre de 1975 [Introdução]. 52 lições para a Escola Dominical. n. 39, 1975. p. 50. 704 Id. Justiça nas relações humanas. Ibid. p. 53. 705 OLIVEIRA. Justiça nas relações humanas. Ibid. n. 39, 1975. p. 53. 706 Id. Deus exige retidão de conduta. Ibid. p. 55. 707 Id. Deus exige obediência. Ibid. p. 58. 708 Id. Exigências do Deus que cultuamos. Ibid. p. 62. 709 Id. Deus exige retidão de conduta. Ibid. p. 55. 710 Id. Justiça nas relações humanas. Ibid. p. 52.

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a vitória do bem, da verdade e da justiça. Nós vemos apenas o momento que passa,

Deus considera os fatos do ponto de vista da eternidade.”711

A revista afirma que sobre a palavra do profeta Miqueias, que essa depravação

atinge o coração humano e tira dele a sensibilidade. Faz com que nãos e comova com o

sofrimento da viúva, do órfão.712 Deus, no entanto, condena veementemente os que

agem assim: “Oprimir o pobre é maquinação que Deus condena.”713 A solução para tais

problemas socioeconômicos é a prática de um culto em que o ato exterior corresponde

ao interior.714

No entanto, Oliveira expressa preocupação, no entanto, com a igreja:

Numa igreja ou congregação convenientemente organizada, o trabalho

espiritual tem prioridade. A assistência social, embora importante e,

que não deve ser negligenciada, não deve ocupar o tempo de que deve

dedicar-se à oração e ao ministério da palavra ([At 6] v. 4) 715

Nesse sentido, a compreensão de missão da igreja correponde ainda àquela finali-

dade exposta anteriormente, de primeiramente ser lugar de comunhão e de culto. A tare-

fa de influenciar na sociedade cabe ao invíduo. Aliás, importante valorização é dada ao

direito individual, principalmente daqueles que estão na posição de desvantagem: “Deus

exige que seja reconhecido o direito de cada um. O direito surgiu precisamente para im-

pedir a exploração do fraco. A perversão deste princípio contraria frontalmente os dis-

positivos divinos.”716 Nesse sentido, assim como é garantido o direito de “cada um”,

cabe a cada crente refletir a “bondade no trato com os seus semelhantes, e de modo es-

pecial com aqueles que vivem em condições econômicas e sociais desfavo-ráveis. É um

crime contra Deus aumentar o sofrimento do pobre.” 717

Inspirado na pregação do pofeta Miqueias (cap. 3), Oliveira estabelece, além da

responsabilidade individual, a parte que cabe aos governantes: “As autoridades são res-

ponsáveis pela administração da justiça. Não podem omitir-se. Devem agir com retidão,

porque a Deus, o Supremo Juiz, prestarão contas de seus atos.” E ainda: “Atraem sobre

711 Id. A mão de Deus dirige a história. Ibid. p. 65. 712 Id. Deus exige justiça econômica. Ibid. p. 70. 713 Id. Ibid. 714 Id. A retidão pessoal demonstrada. Ibid. p. 72. 715 OLIVEIRA. A igreja e a organização do trabalho. 52 lições para a Escola Dominical. n. 39, 1975. p.

82. 716 Id. Deus exige retidão de conduta. Ibid. p. 55. 717 Id. Ibid.

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si a ira de Deus os que pervertem as suas leis, aumentando o sofrimento do pobre. Deus

os chamará a juízo. Responderão pela sua iniqüidade.”718

Como realização histórica do horizonte utópico do Reino de Deus, o autor busca o

exemplo da comunidade primitiva no sentido de estabelecer um padrão para a igreja de

seu tempo: “A fraternidade na igreja primitiva era uma miniatura do reino de Deus na

terra. Foram eliminadas as distinções entre o espiritual e o material, entre o sagrado e o

secular. O que tinham os crentes em comum na vida espiritual, tornou-se também reali-

dade na vida econômica.”719 Sendo assim, a igreja, não como organismo social – que

pode perder a noção de seu objetivo e se tornar uma ONG –, mas como “miniatura do

reino de Deus” é capaz de reproduzir e ser exemplo para o mundo de como as coisas

devem ser, a começar por extinguir a dictomização do ser humano e estabelecer a justi-

ça apregoada pelos profetas.

718 Id. Deus exige justiça econômica. Ibid. p. 70. 719 Id. Frutos da comunhão fraternal. Ibid. p. 77.

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Considerações Finais

Com este trabalho procuramos investigar a compreensão do papel da Igreja e dos

“crentes” no mundo segundo as publicações da Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil

(ICPB) e interpretar os resultados em diálogo com o contexto social, cultural, econômi-

co, político e religioso do Brasil da época de sua fundação entre 1934-1937, até o fim

do mandato de seu primeiro superintendente, eleito em 1964 e falecido em 1986, encer-

rando assim seu período de liderança. A voz que se sobressaia nesse período foi a das

lideranças estrangeiras e brasileiras, pois elas eram quem dirigiam os veículos de comu-

nicação e doutrina da igreja.

A época em questão abarcou a período do envio e chegada dos/as missionários/as

fundadores/as, Horace (pioneiro) e Carolyn Ward, Chester e Rachel Miller e Annie e

Russel Frew, vindos dos Estados Unidos. Nessa época, de formação da igreja, pudemos

perceber que eles trouxeram não só a doutrina, mas também o modo de vida e de enxer-

gar o mundo de sua terra natal. Herdeiros do ex-metodista John Stroup, fundador da

Pentecostal Church of Christ, e das doutrinas da santidade wesleyana procuraram viver

e ensinar o que criam, e uma importante amostra disso se fez visível nas cartas que eles

envivam mensalmente para sede norte-americana. Os missionários foram as principais

lideranças da igreja nessa época. Esse período inicial de fundação e expansão teve como

cenário predominante o nordeste brasileiro, e um pouco de São Paulo. O período durou

até o final da década de 1950, e foi marcado pela interação desses missionários com o

difícil contexto brasileiro, mas que era fértil tanto para a missão quanto para a afeição.

Perseguição, críticas, concorrência e cooperação marcaram a relação da igreja com ou-

tros grupos religiosos. Nesse período a igreja brasileira sofria com a intolerância de ca-

tólicos, e em contrapartida atacava sua doutrina e forma de culto. Também se fundiu

com a Igreja Pentecostal de Cortês (de onde vieram Eloy Pinto e José Pinto de Oliveira)

e oficializou o nome como Igreja de Cristo Pentecostal do Brasil, mostrando auspícios

de uma identidade cada vez mais nacional, que culminaria com a autonomia nos anos 60

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e se fortaleceria nas décadas seguintes, com uma gradual independência das diretrizes e

proventos da igreja mãe.

No ano de 1957, Ernst Grimm, um pregador estoniano, independente, passou a fa-

zer parte da ICPB e contribuiu com seu crescimento, inclusive através das tendas e do

rádio, que já começavam a ser utilizados nas igrejas pentecostais e na ICPB. Grimm in-

vestiu também na conscientização por uma educação teológica mais sólida para a lide-

rança da igreja e foi um dos primeiros redatores da revista de Escola Dominical, desde

sua origem em 1959 até o ano de 1970. Seu perfil desbravador e versátil contribuiu sig-

nificativamente com a elevação do número de membros na região “Sul”, isto é, sudeste,

sul e centro-oeste. Por outro lado, sua geniosidade lhe custou caro entre as tensões in-

ternas de poder, e resultou na sua exoneração em 1978.

Outra figura de grande destaque na história da igreja foi José Pinto de Oliveira,

primeiro brasileiro eleito superintendente geral. Sua maneira de liderar e sua participa-

ção política nos chamaram a atenção. Descrito como um homem austero e amoroso,

conduziu o processo de autonomia da igreja, sendo eleito na mesma convenção que

aprovou a independência da igreja brasileira, em maio de 1964. Curiosamente, poucos

meses depois do Golpe Militar de 1964. Desde a década de 1950 redigia o jornal oficial

da igreja e acumulou ainda a função de redator da revista de Escola Dominical em 1971.

Quando da sua morte, a denominação já se chamava Igreja de Cristo Pentecostal no

Brasil, pois apesar de autônoma, queria demarcar sua presença e origem no exterior.

Apesar de centralizador, aprofundou o ensino sobre ética, justiça e serviço na perspecti-

va da compaixão.

Nesse sentido, confirmamos a hipótese de que, ao mesmo tempo em que a lide-

rança brasileira começou a se despontar, ocorreu uma crescente sensibilização para

questões sociais, que já vinha desde os primeiros textos oficiais, sofreu certa retração na

época do golpe militar de 1964, mas, foi retomada já na década de setenta. Conclua-se

que as teologias e análises do contexto encontradas nas publicações, justificam uma

compreensão mais diversificada: por um lado, houve em termos religiosos e políticos,

uma maior proximidade entre as posições defendidas pelos autores e as correntes mais

conservadoras (ou até reacionárias) do país. Por outro lado, transpareceram ao lado des-

se discurso dominante abordagens dissonantes e com o potencial de servirem de ponto

de partida para uma atuação mais relevante da ICPB e seus membros na sociedade.

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A pesquisa que gerou este trabalho teve a intenção de ser mais analítica do que

pretenciosa no sentido de encontrar discursos que legitimassem este ou aquele lado, e

partiu dos já conhecidos pressupostos de que as igrejas pentecostais foram simpáticas ao

conservadorismo teológico e político. Qual não foi a nossa surpresa diante das opiniões

expressas, que embora correspondessem de certa forma à nossa primeira expectativa,

demonstraram uma forte percepção do tema do serviço, do amor, da compaixão, da pro-

fecia e da justiça socioeconômica. Mesmo sendo uma igreja de grande ênfase no mile-

narismo e no dispensacionalismo, não deixou de tecer ideias e práticas que contemplas-

sem as necessidades do aqui e agora.

Nesse sentido, trazer à tona esses traços da denominação, não só tenciona contri-

buir com a pesquisa acadêmica que ainda carece de um parecer mais aprofundado e am-

plo sobre este movimento em específico, como também às pessoas ligadas a igrejas ou

movimentos sociais, para que reflitam mais sobre sua própria fé e como podem contri-

buir para um mundo mais pautado pela ética do serviço, da profecia e da justiça social.

As publicações aqui investigadas provaram que mesmo ao lado de um discurso marcado

pelas convicções de fé, embora não elaboradas de forma sofisticada e aprofundada pelos

requintes das teologias mais embasadas metodologicamente, não houve contradição in-

superável com a ideia de praticar o amor aos desvalidos e pobres de forma concreta, pe-

lo contrário. A impressão que ficou é que é sim possível.

Só o futuro dirá que rumos a as igrejas em geral, a ICPB e a academia tomarão

nesse sentido, mas é possível, com uma reflexão atenta do passado, colher esperança pa-

ra outro mundo possível, continuar caminhando para o horizonte, acreditando que o di-

vino e os humanos cooperam juntos para a construção de um novo mundo, de uma nova

humanidade, o que na linguagem pentecostal se concretizará com a segunda vinda de

Cristo e a materialização dos novos céus e nova terra, onde não haverá dor nem pranto,

onde Deus reinará com seu cetro de justiça e paz para toda a etrenidade.

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