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Projeto PastasProjetado e elaborado pela Gráfica UFRGS

Capa: Lucianna Pisani e Natalia Vittola

Núcleo de Publicações da Faculdade de Ciências EconômicasTel.: (51) 3308 3513

E-mail: [email protected]. Núcleo de Publicações: Ricardo Dathein

Acompanhamento editorial: Isabel Cristina Pereira dos SantosEditoração: Priscila Evangelista

Revisão: Carolina dos Santos Carboni

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Segundo a lei nº 9610/98 e o Código Penal no Artigo 184, é vedada a reprodução, porqualquer meio, desta apostila didática, sendo somente permitida com autorização do professor-autorou da Gráfica UFRGS.

A cópia não autorizada é punível com sanções administrativas e penais.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Vice-Reitor:

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Carlos Alexandre Netto

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Júlia Gonçalves Silva, Cássio Cypriano Vasconcellos,Carolina Rodrigues Lobato, Karine Ferreira, Fernanda Smaniotto Netto, Laura Martins.

Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS

Castro, Janice Dornelles deC355s Saúde e desenvolvimento econômico nos municípios do Rio Grande do

Sul / Janice Dornelles de Castro, Maria Lecticia Pelegrini. -- PortoAlegre : UFRGS/FCE/DERI, 2013.

18 p.: il. -- (Texto para Discussão / Universidade Federal do RioGrande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas ; n. 05/2013)

1. Economia da saúde. 2. Saúde pública : Rio Grande do Sul. 3.Sistema único de saúde. I. Pelegrini, Maria Lecticia. II. Título. III. Série.

CDU 614(816.5)

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Saúde e desenvolvimento econômico nos municípios do Rio Grande do Sul

Health and economic development in the cities of Rio Grande do Sul

Janice Dornelles de Castro*Maria Lecticia Pelegrini**

Resumo: Como alcançar o desenvolvimento econômico soberano e sustentável com crescimento e justiça social? Essa é a pergunta buscamos responder. Alguns autores ressaltam a importância do setor de saúde em criar condições para o desenvolvimento humano por ser determinante na obtenção de elevados graus de equidade e justiça social pelas sociedades. Outros destacam o setor de saúde em termos de seu potencial econômico e tecnológico, de elevado grau de inovação, lucratividade e empregabilidade, podendo ser usado para garantir o crescimento e desenvolvimento econômico soberano e sustentável com justiça social e equidade. O objetivo deste estudo é analisar o setor enquanto polo dinâmico de desenvolvimento e geração de renda, contribuindo para a reavaliação da visão da saúde enquanto atividade que apenas impõe elevados custos à sociedade.

Palavras-chave: Economia da saúde. Desenvolvimento econômico. Equidade.

Abstract: How to achieve sovereign and sustainable economic development along with growth and social justice? This is the question we seek to answer. Some authors stress the importance of the health sector in creating conditions for human development for it is determinant in the attainment of high levels of equity and social justice by societies. Others highlight the health sector for its economic and technological potential, high degree of innovation, profitability and employment, considering it can be used to ensure sovereign and sustainable economic growth and development as well as social justice and equity. The aim of this study is to analyze the sector as a dynamic pole of development and income generation. So, it contributes to the reconsideration of the view of health as an activity which solely implies high costs to society.

Keywords: Health economy. Economic development. Equity.

JEL Classification: I18; I10; O1.

* Professora do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]** Técnica da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e doutoranda do PPGE/UFRGS. E-mail: [email protected]

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Janice Dornelles de Castro, Maria Lecticia Pelegrini

Introdução

Por muito tempo, o nível de renda per capita foi o principal indicador de desenvolvimento econômico de um país, sendo empregada tanto a medida de riqueza quanto a medida de bem-estar social. Contudo, acreditamos que o conceito de desenvolvimento deva levar em consideração tanto a problemática referente à justiça social, à distribuição da renda, ao acesso à educação, à saúde, à água, ao saneamento, ao emprego, à terra, ao consumo, bem como o poder de influenciar os rumos da sociedade.

Conforme Gadelha (2006) sugere, através dos três grandes grupos de atividades (as indústrias químicas e biotecnologia; as atividades de base física, mecânica, eletrônica e de materiais; e a prestação de serviços com a geração de empregos), o complexo produtivo da saúde (CPS) possui a capacidade de gerar não só desenvolvimento sanitário, mas também, desenvolvimento econômico, contribuindo, assim, para a redução da dependência externa do país. De outra forma, à luz do pensamento de saúde como liberdade de Sen (2000), é possível pensar que o desenvolvimento deve considerar a garantia das necessidades sociais básicas vinculadas à garantia de bem-estar social, articulando o crescimento econômico sustentável com equidade e justiça social.

O entendimento de que o setor saúde é gerador de desenvolvimento sanitário e econômico motiva a realização deste estudo. Pretendemos aqui oferecer argumentos de sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento humano, quer por sua capacidade de produzir emprego, inovação tecnológica, consumo e lucro, quer por interferir diretamente na qualidade da saúde da população.

Impacto das reformas no sistema de saúde na America Latina e no Caribe: o caso do Brasil

Tendo em vista questões como a desigualdade no acesso aos serviços, a segmentação dos sistemas de saúde, a ineficiência na alocação dos recursos disponíveis, e, também, a insuficiência, descontinuidade e irregularidade dos fluxos de financiamento, as reformas nos sistemas de saúde visam melhorar o nível e qualidade da saúde das pessoas, considerando também as grandes mudanças demográficas e epidemiológicas e o impacto da evolução da tecnologia. Com o objetivo de amenizar os problemas, propõe-se a realização de modificações nos sistemas de saúde e transformações em sua organização, especialmente quanto aos modelos de atenção, a provisão dos serviços e seu financiamento (SANTOS, 2008; MACIEIRA, 2007; MENICCUCI, 2006).

Essas propostas surgiram numa época de redemocratização na America Latina, período de rediscussão do papel do Estado e reorganização macroeconômica dos países. As teses neoliberais hegemônicas pressionavam a reorientação do gasto público e a modernização da gestão. Os princípios éticos que nortearam as reformas do sistema de saúde envolviam a busca por maior equidade no acesso, efetividade e qualidade da

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atenção com eficiência dos serviços, participação social e sustentabilidade (FLEURY, 2009; MACIEIRA, 2007; MENICCUCI, 2007; SANTOS, 2008).

O objetivo dessas mudanças consistia, primordialmente, em criar condições de empoderamento das autoridades de saúde em termos de liderança e capacidade de regulação. Portanto, as transformações ocorreram principalmente em relação à extensão da cobertura dos serviços e da definição de grupos populacionais alvos da ação do Estado. Foi necessário identificar, definir atribuições e desvincular as funções dos sistemas de saúde relativas ao financiamento, seguro e provisão de serviços, buscando a racionalização dos gastos através de novas modalidades de financiamento e pela redefinição dos pacotes de benefícios dos esquemas públicos e privados de seguro de saúde.

Houve três principais modelos de reforma dos sistemas de saúde implantados na America Latina nas ultimas décadas (SANTOS, 2008; MACIEIRA, 2007): o modelo sanitarista clássico, o modelo focalizado de financiamento e os modelos intermediários.

O modelo sanitarista clássico enfatizou a saúde como direito para a totalidade da população, com igual acesso às tecnologias modernas para todos e a participação social como elemento fundamental. Baseado na Conferência de Alma Ata de 1978, propôs um sistema universal, integral, gratuito, com participação da população e que atendesse as questões curativas, preventivas e a promoção da saúde. Os diferentes níveis de atenção deveriam estar articulados, garantindo a referência e a contrarreferência. O Estado ocupou o lugar de responsável pela produção e distribuição equitativa dos serviços, que deveriam ser gratuitos. O seu maior dilema, porém, foi identificar o modelo de atenção adequado, já que, ao considerar importante a atenção primária, a prevenção e o acesso aos diferentes níveis de atenção, precisou avaliar a efetividade da incorporação das tecnologias e o aumento dos custos decorrentes.

O modelo focalizado de financiamento propôs maximizar a eficiência dos gastos públicos com a realização prioritária de intervenções custo-efetivo, considerando a capacidade limitada do Estado de financiar o conjunto das ações de saúde. Apesar de reconhecer o papel do sistema de saúde em melhorar a qualidade de vida da população, propôs a separação entre o financiamento e a provisão dos serviços, com o setor privado desempenhando um papel importante na provisão deles, enquanto o setor público concentrou-se nos grupos de menor renda. Consequentemente, a política pública orientou-se de modo a aumentar o bem-estar da população, garantindo melhores condições de saúde, maior equidade e menor custo, através do financiamento de pacotes mínimos e de mecanismos privados, como seguros, para financiar o restante dos serviços.

Já os modelos intermediários procuraram integrar as duas propostas anteriores em função da constatação da fragmentação dos sistemas de saúde na América Latina e no Caribe. Surgiram sistemas mistos de financiamento e provisão de serviços, com limites à provisão de serviços públicos. Desse modo, estimulou-se a cooperação do setor privado e a busca de mecanismos de pagamento e financiamento que maximizassem

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o uso dos recursos disponíveis. A regulação constituiu-se o instrumento utilizado para conseguir o equilíbrio entre o público e o privado e ainda garantir os objetivos de saúde. As reformas utilizaram como principais instrumentos a descentralização do financiamento e da gestão para o nível local, a introdução de novos mecanismos de pagamento aos provedores, o incentivo à autonomia de gestão e operação dos serviços e mudanças dos incentivos da oferta para a demanda.

O impacto das reformas pode ser avaliado pela intensidade em que foram atingidos os princípios éticos. Em relação à equidade, foram reduzidas as diferenças na cobertura da atenção básica. No que tange à efetividade e qualidade da atenção, ocorreram pequenos progressos. Em relação à eficiência, houve ganhos em produtividade, especialmente em função da reorientação da alocação dos recursos e da compra de serviços. Não foram bem sucedidas as tentativas de ajustar gastos e receitas em função da incapacidade de planejar a sustentabilidade de provisão dos serviços a curto, médio ou longo prazo (LOPEZ-ACUÑA, 2010).

A maioria das reformas teve como foco principal as questões econômicas. Portanto, aspectos, como a garantia da equidade, a ampliação dos serviços de saúde pública, o aumento da qualidade da atenção e as redefinições dos modelos de atenção, foram relegados a um segundo plano (GRANADOS TORAÑO, 2002).

Muitos aspectos impactam de forma negativa os processos de reforma. Há de se considerar a amplitude de objetivos frente à limitação de recursos e capacidade de gestão. Os tomadores de decisão precisam atuar sobre uma gama muito heterogênea de necessidades incluindo as diferenças étnicas, culturais e a distribuição geográfica das populações – contudo, muitas vezes, não conseguem. Ainda, para alguns, a incapacidade de alcançar os objetivos representa uma decorrência da falta de compromisso político dos atores e grupos sociais envolvidos. Esse traço faz ressaltar o papel dos governos em criar consensos entre os diferentes interesses e, dessa forma, avançar. Do contrário, as resistências dos diversos grupos geram dificuldades na implantação das reformas (MENICCUCI, 2006).

Nos últimos 20 anos, a política de saúde brasileira passou por profundas transformações, o projeto de reforma sanitária fez parte do processo de construção do estado democrático que culminou na aprovação da Constituição Federal de 1988. Durante o processo de redemocratização, foram centrais as discussões sobre o resgate do débito social, por isso, as políticas propostas tiveram o papel de aumentar o processo de inclusão social e equidade. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo de política social cujo objetivo foi de garantir a ampliação dos direitos do cidadão. A ideia principal dessa reforma, no Brasil: “Saúde como direito do cidadão e dever do Estado” (FLEURY, 2009; SANTOS, 2008).

O Movimento pela Reforma Sanitária foi o principal foco de disseminação das ideias da reforma sanitária no Brasil. A sua organização ocorreu principalmente nas universidades, no movimento popular e no movimento sindical. A VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 foi um divisor de águas, estabelecendo os marcos conceituais

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que transformariam o setor no Brasil: a garantia de saúde para todos os cidadãos (direito fundamental) como dever do Estado, e mais, considerando o conceito ampliado de saúde.

Os princípios que deveriam guiar a reformulação do Sistema Nacional da Saúde incluíam: a) universalização do atendimento, equidade no acesso e extensão da cobertura; b) gestão democrática; c) garantia da resolutividade; d) unificação com hierarquização e descentralização para estados e municípios; e) integralidade; f) democratização da informação; g) participação da população na gestão; h) reformulação do sistema formador de trabalhadores; i) racionalização dos recursos com financiamento do Estado através do Fundo Nacional de Saúde (SANTOS, 2008).

Assim, pode-se afirmar que a proposta de reforma brasileira inspirou-se no modelo sanitarista clássico, compreendendo a saúde como direito de toda a população, com garantia de acesso aos diferentes níveis de complexidade, sendo o Estado responsável pela produção e distribuição equitativa dos serviços, com garantia da participação social (MENICUCCI, 2006; FLEURY, 2009).

O modelo de seguridade social defendia a universalização da cidadania, acabando com a ideia de cobertura para grupos específicos, por exemplo, os assalariados do mercado formal. Além disso, desvinculava o acesso aos serviços da necessidade de contribuição, defendendo ainda, que, quanto aos benefícios, o acesso deveria ser baseado na necessidade, portanto, em justiça social (FLEURY, 2009; SANTOS, 2008; MENICUCCI, 2006). Duramente confrontado pelo discurso liberal hegemônico predominante, a maior dificuldade residiu na criação de políticas públicas que transformassem os direitos constitucionais em direitos reais, implicando, nesse processo, a alteração da distribuição de poder na sociedade.

No Brasil, o SUS foi criado num período de crise e reformas econômicas. Discutia-se o papel do Estado com a defesa de políticas de redução do seu tamanho, justificando os discursos e as políticas de privatização. Para a implantação de uma nova política é fundamental a existência de viabilidade, de decisão política e de instrumentos adequados, como a disponibilidade de recursos. A existência prévia de uma estrutura de serviços de atenção à saúde baseada na oferta e na focalização do acesso aos grupos empregados formalmente afetou o estabelecimento do SUS e resultou em um processo contraditório que não correspondeu a sua concepção original. Havia um abismo entre a legislação inovadora e o formato dos serviços estabelecidos anteriormente (MENICUCCI, 2006).

O princípio da universalização estava sendo questionado enquanto cresciam as propostas de focalização dos gastos e de incremento da atuação do setor privado. O estado mínimo, os ajustes de estabilização e as reformas estruturais faziam parte do conjunto de propostas defendido pelo ideário neoliberal predominante na época. A crise fiscal que o país atravessava afetou os serviços públicos e o SUS, em especial, pois não havia recursos para garantir as políticas de universalização dos direitos.

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As resistências burocráticas foram muitas, em especial, o atraso da aprovação da legislação para a regulamentação do SUS, aprovada apenas dois anos após a promulgação da Constituição. O momento favorável da democratização, no entanto, viabilizou que grupos distintos fossem capazes de se reunir em torno de um objetivo maior, a fim de garantir a aprovação da legislação com uma concepção de saúde mais abrangente.

O movimento sanitário conseguiu equilibrar diversos interesses em prol de uma causa maior (SANTOS, 2008; FLEURY, 2009; MENICUCCI, 2006). No entanto, essa disposição não permaneceu por muito tempo. As divergências de interesse aparecem e se aprofundam, evidenciando a existência de corporativismo, diferenças partidárias e fragilidade do movimento popular (MENICUCCI, 2006).

Portanto, a situação econômica, política, social e cultural afetou a implantação da reforma no Brasil; o contexto econômico de ajustes não permitia a ampliação dos recursos de forma proporcional à expansão da clientela, decorrência das políticas de saúde, baseadas nos subsídios para a expansão da rede privada prestadora de serviços, implantadas desde os anos 60, o que levou à criação de uma forte dependência do setor privado dos investimentos e compras de serviços pelo setor público. Ainda em relação às políticas já existentes, a universalização do acesso encontrou resistências na publicização da rede do Inamps que era baseada na focalização do acesso aos trabalhadores formais. Por sua vez, a regulação do setor privado evidenciou a segmentação do sistema, acabando com as pretensões universalistas. A falta de apoio político – a unidade do movimento sanitário não se sustenta – na verdade, havia interesses diversos e o segmento mais interessado na implantação do SUS, os excluídos da assistência privada, não conseguiram a mobilização necessária para sustentar a reforma. Também se colocaram em prática estratégias indiretas para dificultar a implementação do SUS, como a indefinição de fontes estáveis, regulares e suficientes de financiamento. Por isso, podemos dizer que a implantação do SUS sofreu com inúmeras dificuldades e resultou num sistema híbrido, no qual convivem os serviços públicos e os serviços privados (MENICUCCI, 2006).

A reforma brasileira foi implementada utilizando, primordialmente, os mecanismos de descentralização da gestão para o nível local. Houve avanços na descentralização do financiamento, na ampliação da cobertura, especialmente, da atenção básica, incentivo a formas de participação popular e democratização da gestão e a criação de legislação para a regulação do funcionamento do setor privado, em especial, de seguros e planos privados de saúde. Assim, houve avanços na hierarquização e regionalização da atenção. O SUS conta com uma estrutura decisória envolvendo as três esferas de governo, cada uma no seu nível de competência e atuação. Possui também estruturas colegiadas de decisão, como, por exemplo, as comissões gestoras tripartite e bipartite, que têm a representação dos gestores de cada nível de governo e também dos conselhos, nacionais, estaduais e municipais que, além dos gestores, incluem a participação de representantes da sociedade civil (SANTOS, 2008; FLEURY, 2009).

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No SUS, a atenção à saúde realiza-se através do setor público que garante o acesso gratuito e universal para todos os cidadãos, pelo sistema de saúde suplementar, composto dos seguros e planos de saúde e pelos serviços privados com desembolso direto – os dois últimos, regulados pelo Estado. No setor público, o Estado provê os serviços de saúde através da prestação direta da atenção e da compra serviços do setor privado. O financiamento do sistema público é tripartite, ou seja, a União, os Estados e os municípios participam com recursos.

Os recursos devem ser utilizados através dos fundos de saúde. A União utiliza mecanismos de transferências e convênios para repassar recursos para os estados e municípios, da mesma forma, os estados repassam recursos para os municípios. Os três entes federados, de acordo com suas atribuições, pagam as unidades prestadoras de saúde.

Atualmente o sistema público é responsável pela atenção à saúde de 70% da população do país. Nessa medida, o setor público de saúde no Brasil deve ser compreendido também através de sua capacidade de geração de renda e criação de desenvolvimento econômico, pois representa um grande investimento e não apenas custos para a sociedade. Gera 8% do PIB, garante 10% dos postos de trabalho formais e emprega nove milhões de pessoas. Além disso, o setor atua nas áreas mais estratégicas da economia nas quais o processo de inovação é capaz de gerar maior valor agregado (SANTOS, 2008).

Dadas as grandes diferenças econômicas, políticas, sociais, culturais, demográficas e sanitárias entre as populações do Brasil, o grande desafio é continuar a implantação do sistema, garantindo a maior equidade de acesso a todos os níveis de complexidade de serviços e com qualidade no atendimento. Para isso, será necessário ampliar o acesso à atenção básica e torná-la o núcleo do modelo, qualificar a força de trabalho, articular as políticas com outros setores da área social, reduzir as desigualdades regionais e entre grupos sociais e fortalecer a participação popular bem como garantir fontes de recursos suficientes e estáveis (SANTOS, 2008).

Desenvolvimento econômico no Brasil

A discussão sobre a implicação do campo da saúde para o desenvolvimento econômico já foi apresentada na literatura nacional em 1975 por Duarte de Araújo.1 O autor apresenta uma revisão da produção teórica sobre o tema na literatura nacional e internacional nas décadas de 50, 60 e metade da década de 70. Mesmo então, a discussão sobre o entendimento da contribuição da saúde como determinante ou determinado pelo desenvolvimento econômico é apresentado de forma inconclusiva – discussão essa que persiste correntemente.

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1 DUARTE DE ARAÚJO, J. D. Saúde e desenvolvimento econômico: atualização de um tema. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 9, p.515-28, 1975.

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Janice Dornelles de Castro, Maria Lecticia Pelegrini

O autor apresenta contribuições feitas por Myrdall (1962 apud DUARTE DE ARAUJO, 1975), que discute o círculo vicioso da pobreza: “causalidade circular cumulativa” (dinâmica inter-relacional) de saúde e crescimento econômico. O autor afirma que os investimentos em saúde fazem parte do desenvolvimento econômico e não podem ser analisados isoladamente. A contribuição é dada ainda no sentido da necessidade de serem feitas análises globais assumindo a defesa de que a saúde é pré-condição ao desenvolvimento econômico.

O artigo é rico também em apresentar as discussões feitas por ocasião da primeira conferência sobre serviços em saúde em 1962, quando foram apresentadas as primeiras formulações sobre capital humano. Autores, como Flein, apresentam para discussão a questão do valor econômico da vida humana, criticando enfaticamente a abordagem malthusiana e reforçando a análise do desenvolvimento econômico para além do crescimento de renda per capita, e como melhoria da qualidade de vida.

O argumento em relação à melhoria da qualidade de vida relaciona-se com queda da mortalidade, mas também com a diminuição da morbidade, visto que essa redução pode ter como resultado o aumento do produto nacional, através do crescimento da produtividade da economia, seja pela diminuição do absenteísmo, aumentando o numero de homens/horas trabalhadas, seja pelo aumento da eficiência da força de trabalho. Outro aspecto dessa reflexão apresenta-se sobre a capacidade da saúde influenciar a melhoria das condições de aprendizagem e, com isso, afetar o desenvolvimento econômico. O artigo apresenta, ainda, contribuições de Mushkin, Bravo et al., Horwitz, no sentido de tratar a saúde como investimento, sugerindo incluir essa área nos planos de desenvolvimento dos países, alertando para a necessidade de melhorar os registros e sistemas de informação para a avaliação de programas de saúde.

Em 1966, Drewnowski, em sua análise de desenvolvimento econômico, propõe a criação de indicadores de fluxo e de estoque. Considera a saúde como parte do capital social da sociedade - especialmente quando analisada sob a perspectiva dos serviços à disposição da população -, como bem de consumo dos indivíduos e como medida do nível de renda e do nível de bem-estar. O autor propõe também indicadores para avaliação do “nível de vida” diretamente relacionados com a intervenção de saúde, como acesso aos serviços de saúde, óbitos por doenças infecciosas e taxa de mortalidade da população acima de 50 anos.

Em 1967, em Punta del Este, Uruguai, elaborou-se a Declaração dos Presidentes de Países Americanos, que conclamou a necessidade de melhoria das condições de vida para o desenvolvimento econômico. Em 1968, o Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento Social das Nações Unidas chama atenção para a correlação entre esperança de vida ao nascer e indicadores econômicos. Nesse período, a discussão sobre a insuficiência dos indicadores de assistência médica e as desigualdades de acesso, como fator isolado para medir a qualidade de vida, já estavam colocadas. Essas condições trazem sempre a discussão da capacidade da assistência médica como fator isolado da ação de saúde resultar na melhoria da qualidade de vida da população.

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Evoluindo nessa discussão, em 1970, Granahan e colaboradores propuseram um “índice sintético de desenvolvimento”. Nessa proposta, foram elencados 72 indicadores sociais e econômicos que apresentaram uma forte correlação em 18 do total, tais como esperança de vida ao nascer e consumo diário de proteína animal.

Em 1971, Griffith e colaboradores apresentam trabalho revisitando a discussão sobre a contribuição da saúde para desenvolvimento econômico, identificando os efeitos negativos da doença sobre o crescimento econômico e como a melhoria do nível de saúde pode interferir nos níveis de desenvolvimento econômico.

A ausência de consenso nessa discussão pode ser percebida na posição de Scott, que, em 1971, critica estudos sobre impacto dos níveis de saúde sobre o crescimento econômico e afirma que esses estudos não levam em conta a influência dos níveis de saúde no crescimento econômico e vice-versa. Sendo assim, os indicadores sociais poderiam variar independente do crescimento econômico. Em contraponto a essa posição, no mesmo ano, Navarro publica, no International Journal of Health Services, um trabalho demonstrando a incapacidade de os modelos clássicos medirem o desenvolvimento econômico, pois não incluem indicadores sociais como fatores explícitos nas funções de produção, evidenciando mais uma vez os aspectos políticos implicados nessa percepção.

No Brasil, a discussão sobre a contribuição da saúde para o desenvolvimento pode ser analisada no Relatório da Comissão Nacional de Bem-Estar Social de 1954. Nesse estudo, a saúde é colocada como uma variável dependente do desenvolvimento econômico e é feita uma crítica à tendência de construir uma “superestrutura médica que o país não suporta”. A ação das políticas públicas, através do Ministério da Saúde, reforça o risco da dispersão de recursos, de múltiplas ações e falta de organização na formação de profissionais, reforçando as ações de saúde como consumo.

Essa dualidade sobre a contribuição da saúde ao desenvolvimento econômico persiste nas abordagens das políticas do setor. Em 1963, trabalhos o como de Mello, em defesa da visão de saúde como consumo, afirma: “assistência médica é função da renda” e investir recursos em saúde pode atrapalhar o desenvolvimento em saúde.

Contraposições feitas por autores como Coutinho e colaboradores mostram a correlação entre indicadores de saúde e de desenvolvimento, mas apontam o limite dos trabalhos pela ausência de estatísticas confiáveis. Por outro lado, autores como Ferreira (1963) defendem a saúde enquanto alicerce do desenvolvimento, assim como Novaes (1961, 1963), que discute a saúde como variável dependente do desenvolvimento.

Observa-se desde então o predomínio do uso de análises objetivas, com a tendência preponderante para o uso de estudos estatísticos, métodos econométricos e modelos matemáticos para verificar questões complexas como nível de vida. No entanto, reconhece-se o limite do olhar unidirecional sobre o tema. Nem a economia explica sozinha a contribuição da saúde sobre o desenvolvimento, nem as ciências

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biológicas serão suficientes para a análise, ampliando assim a necessidade de análises multifatorial e trabalhos interdisciplinares sobre o tema.

Sendo assim, permanece relevante a discussão sobre a contribuição do setor saúde para alcançar desenvolvimento econômico soberano e sustentável com crescimento e justiça social? Como o setor pode ser capaz de criar as condições para o desenvolvimento humano? Não há duvida sobre o potencial econômico e tecnológico, sobre o alto grau de lucratividade e empregabilidade do setor saúde. Sem falar da importância de ter uma população saudável e produtiva, com maior qualidade de vida. Como a implantação do SUS brasileiro interfere na criação de condições para o desenvolvimento econômico?

No Brasil, a proposta do SUS é de que o planejamento seja usado para organizar e distribuir os serviços de saúde conforme a necessidade da população. Esses serviços são gratuitos, o atendimento é universal e organizado regionalmente. Os serviços são hierarquizados conforme a sua complexidade tecnológica. A rede básica é a porta de entrada do sistema e deve garantir o atendimento ambulatorial básico e o desenvolvimento das ações de saúde pública. Nesse modelo, a saúde é considerada um direito do cidadão. O processo de descentralização da saúde previsto quando da criação do SUS tomou maior impulso a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988 e da consequente aprovação das leis 8.080 e 8.142 de 1990, as quais preveem, entre outras coisas, a descentralização e o repasse de recursos financeiros para estados e municípios. Compondo esse conjunto de leis, está também a Norma Operacional Básica do SUS de 1993 (NOB/SUS 01/93), que estabeleceu “normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde”. A implantação dessa norma permitiu a efetivação do processo de descentralização da saúde para o nível local no país.

Nas últimas décadas as transformações no SUS, especialmente a descentralização de atribuições para os municípios, ocorreu sem a correspondente transferência de recursos financeiros (CASTRO, 1999; MÉDICI et al., 1995; PIOLA; VIANNA, 2002). Além disso, foi realizado através da contínua absorção de novas e caras tecnologias que trouxeram a discussão sobre custos da atenção para a ordem do dia (SILVA, 2003; SCHRAIBER, 1995).

O impacto desse processo se refletiu pelos grandes investimentos em infraestrutura assistencial (obras e equipamentos) que tinham como característica ser marcadamente desigual entre as regiões, favorecer a criação de serviços privados através de financiamento público e organizar um sistema de saúde mais focado na oferta de serviços que na demanda. O Estado brasileiro tem sido um grande financiador das políticas de saúde desde a formação do país. A reforma do sistema proposta pela criação do SUS foi bem sucedida em diversos aspectos, no entanto, permanecem algumas questões fundamentais a serem respondidas, como por exemplo, como será possível garantir a equidade no acesso aos serviços de saúde com recursos financeiros limitados? Esses recursos limitados estão sendo usados para diminuir as desigualdades?

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Saúde e desenvolvimento econômico nos municípios...

Neste artigo queremos verificar se os gastos realizados pelo SUS estão contribuindo para a redução das desigualdades entre regiões, nesse caso, representados pelos municípios do Rio Grande do Sul. Para isso, analisamos a relação entre o gasto per capita com saúde e o indicador de necessidade Idese.

Materiais e métodos

O objetivo geral deste trabalho é verificar a capacidade da política de financiamento do SUS para diminuir as desigualdades em saúde. Como objetivos específicos, pretendemos verificar a relação entre a variação do gasto per capita com saúde e a variação do Idese nos municípios do Rio Grande do Sul, no período entre 2001 e 2005, e analisar a evolução da distribuição do gasto per capita em saúde, no período de 2001 a 2005, nos municípios do Rio Grande do Sul.

Os dados para a realização do estudo foram obtidos em diversas fontes: a) IBGE para os dados de população e indexador, nesse caso foi utilizado o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA); b) Ministério da Saúde/Datasus, informações do Sistema Informações de Orçamento Público de Saúde (Siops) para obter os dados de gasto per capita em Saúde; c) Fundação de Economia e Estatística (FEE), dados do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese).

O tratamento dos dados foi realizado da seguinte forma: na primeira etapa, para a população foram utilizados os dados referentes ao censo de 2000 corrigidos para os anos subsequentes, usando a estimativa de crescimento do próprio IBGE. Os gastos per capita em saúde foram calculados a partir dos dados coletados no Siops e deflacionados pelo IPCA, ano base 2000. Foi calculada a taxa de variação dos gastos no período para cada município. Em relação ao Idese, as informações foram coletadas junto à FEE e calculou-se a taxa crescimento no período de 2001 a 2005.

O Idese é um índice sintético que mede o grau de desenvolvimento dos municípios do estado do Rio Grande do Sul. Varia entre: 0 (nenhum desenvolvimento) e 1 (desenvolvimento total). Abrange quatro blocos de indicadores sociais e econômicos, com a mesma ponderação: domicílio e saneamento, educação, saúde e renda. Em relação ao domicílio e saneamento, considera a proporção de domicílios abastecidos com água tratada, a proporção de domicílios atendidos pela rede geral de esgoto ou pluvial e a média de moradores por domicílio. No caso da educação, utiliza-se a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos de idade e superior, a taxa de evasão no ensino fundamental, a taxa de reprovação no ensino fundamental e a taxa de atendimento no ensino médio. Para a saúde, é utilizado o percentual de crianças nascidas com baixo peso, a taxa de mortalidade de menores de cinco anos e a expectativa de vida ao nascer. Por fim, em relação à renda, o calculo é feito com base no PIB per capita, no valor adicionado bruto per capita no comércio, alojamento e alimentação.

Na segunda etapa do tratamento dos dados, os municípios foram agregados em quartis de acordo com os gastos per capita em saúde: quartil 1 – 25% dos municípios que tiveram menores gastos per capita em saúde; quartil 2 – subsequentes 25% dos

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municípios que tiveram menores gastos per capita; quartil 3 – 25% dos municípios que tiveram gastos acima da mediana; quartil 4 – 25% dos municípios com maiores gastos per capita em saúde.

Na terceira etapa, calculou-se o valor médio do Idese observado em cada quartil de gasto per capita em saúde, nos anos de 2001 e 2005.

Resultados

Os resultados mostraram, preliminarmente, que os municípios com maiores gastos no período já eram os municípios com maior Idese em 2001, ano inicial da análise.

Tabela 1 - Idese médio observado segundo quartil de gasto per capita em saúde (2001 e 2005)

Grupos (por gasto per capita) Idese 2001 Idese 2005

Quartil 1 0,654 0,659

Quartil 2 0,656 0,660

Quartil 3 0,677 0,683

Quartil 4 0,701 0,708

Média dos municípios 0,672 0,678

Rio Grande do Sul (ponderado) 0,751 0,761

Fonte: Elaboração própria a partir da pesquisa “O gasto per capita com saúde nos municípios do Rio Grande do Sul e sua relação com o IDH” (CASTRO, 2010).

Identificamos que o valor médio do Idese em cada quartil analisado melhorou pouco no período, independentemente do nível de gasto. Alguns municípios tiveram incremento negativo do Idese (28,6%), piorando sua condição ao longo do período e, justamente nesses casos, o gasto per capita médio foi maior. Essa diferença é significativa ao nível de significância de 5%, ou seja, os municípios que tiveram desempenho negativo no Idese no período gastaram em média mais em saúde do que os municípios que apresentaram desempenho positivo.

Tabela 2 - Gasto médio per capita por município x em saúde conforme a evolução do Idese (2001 a 2004)

Tendência observada no Idese Quantidade Gasto médio per capita (R$)Baixou o Idese em 2005 142 134,68

Aumentou o Idese em 2005 354 118,07Total 496 122,82

Fonte: Elaboração própria a partir da pesquisa “O gasto per capita com saúde nos municípios do Rio Grande do Sul e sua relação com o IDH” (CASTRO, 2010).

Houve pequenas mudanças em cada quartil (municípios), conforme o Idese de 2001 para 2005, ou seja, poucos municípios trocaram de posição no período analisado. Em 2005, o primeiro quartil era formado por 114 municípios que já tinham maior Idese em 2001, então a estes se somaram mais 10 municípios que pertenciam ao segundo quartil em 2001. Apenas um município (Barra do Guarita) teve uma mudança bastante significativa, passando do segundo quartil, em 2001, para o quarto quartil, em 2005, piorando bastante sua condição.

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Tabela 3 - Evolução do movimento dos municípios conforme o Idese por quartil

Idese 2001Idese 2005

TotalQuartil 1 Quartil 2 Quartil 3 Quartil 4

Quartil 1 114 10 124

Quartil 2 10 100 13 1 124

Quartil 3 14 102 8 124

Quartil 4 9 115 124

Total 124 124 124 124Fonte: Elaboração própria a partir da pesquisa “O gasto per capita com saúde nos municípios do Rio Grande do Sul e sua relação com o IDH” (CASTRO, 2010).

Em relação ao comportamento do gasto dos municípios, no período entre 2001 e 2005, os municípios que tiveram uma queda significativa de ranking (pelos quartis) em relação ao Idese realizaram um gasto médio anual per capita de R$ 116,68, enquanto os que tiveram as melhores evoluções de ranking (pelos quartis) em relação ao Idese fizeram gastos médios anuais per capita de R$ 140,82.

Em relação às diferentes regiões do estado, a diferença da evolução do gasto per capita acentua-se no período, evidenciando as diferenças existentes entre as regiões também em relação a outros indicadores sociais. A região central do estado foi a que obteve maior crescimento. A região norte manteve sua posição de maior gasto per capita entre as regiões. A região metropolitana muda da segunda para terceira posição, piorando sua condição de gasto em relação ao período inicial da análise. A região sul do estado, que também possui os piores desempenhos sociais, foi a de menor crescimento do início ao final do período analisado.

Discussão

Estudos como Dachs (2002), Neri e Soares (2002) e Travassos, Oliveira e Viacava (2006) utilizam dados da PNAD, cuja metodologia emprega a autopercepção do indivíduo sobre o estado de saúde. Nesses estudos, mostra-se que a desigualdade de acesso aos serviços de saúde (públicos e privados) relaciona-se a fatores como renda e escolaridade. Travassos, Oliveira e Viacava (2006) mostram que o Rio Grande do Sul destaca-se pela magnitute das desigualdades sociais no acesso aos serviços de saúde. Por sua vez, Drachs (2002) aponta a necessidade de criar instrumentos mais rigorosos para realizar estudos que utilizam a autopercepção de saúde como medida de necessidade em saúde.

Guimarães e Jannuzzi (2004) discutem o uso de indicadores na avaliação de políticas públicas e a necessidade de cuidado nas análises e conclusões, pois existe o perigo de superdimensionamento da capacidade de mensuração da realidade, já que os conceitos são abstratos, complexos e possuem complexa inter-relação (desenvolvimento humano, condição de vida, etc.). Além disso, a modificação anual desses indicadores podem não explicar ou implicar alterações significativas da realidade que se propõem medir – seria necessário períodos longos de tempo para avaliar o impacto das políticas medidas por indicadores.

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Pelegrini e Castro (2005) apontam que políticas redistributivas de recursos para saúde utilizadas no Rio Grande do Sul tiveram a capacidade de beneficiar municípios de menor IDH-M no período estudado – 2001. Drachler, Cortes e Castro (2003) apresentaram proposta metodológica de construção de indicadores de desigualdade utilizada pela Pesquisa Avaliativa de Desigualdade em Saúde no estado, a qual se propõe a avaliar as desigualdades em saúde, como diferenças na qualidade de vida e capacidades humanas socialmente determinadas.

Neste estudo, optou-se por avaliar eficácia das políticas de financiamento da saúde através da relação entre o gasto per capita em saúde e o Idese, por considerar que seria um indicador mais objetivo e capaz de mostrar parcela da realidade investigada. Os resultados mostraram que os municípios com maiores gastos per capita no período já eram os com maior pontuação no Idese em 2001. Além disso, a distribuição de recursos mantém as históricas desigualdades, pois a alocação dos recursos é determinada pela demanda, que, por sua vez, é definida pela oferta de serviços. Como para a alocação de recursos não são considerados os indicadores da necessidade de serviços, fica prejudicado o estabelecimento de prioridades com relação às políticas de saúde que seriam mais competentes de atuar no desenvolvimento do país.

Identificamos que os municípios que já estavam em melhores condições permanecem assim e que o Idese pouco se altera no período, em todos os níveis, independente do nível de gasto. É necessário salientar que no estado do Rio Grande do Sul todos os municípios estão classificados nos dois níveis superiores do Idese, portanto as variações possíveis são menores. Alterar a posição dos municípios em relação ao Idese exigiria um amplo leque de políticas públicas, e como afirmam Guimarães e Jannuzzi (2004), um período maior de tempo para apreciar o impacto das políticas públicas.

No entanto, para os municípios que pioraram sua condição no período (28,6%), ou seja, tiveram incremento negativo no Idese, o valor per capita foi em média maior, mostrando que o gasto per capita em saúde, nesses casos, não reverteu em melhoria no Idese. É possível que esses municípios sejam referência estadual para diferentes serviços, já que estão recebendo as populações de seus vizinhos, por isso possuem um gasto maior que não reflete em alterações no Idese.

Considerações finais

Enfim, podemos concluir que os municípios que estavam nas melhores posições assim permanecem e que as desigualdades entre os valores de gasto per capita para as regiões do estado acentuam-se, confirmando as diferenças regionais que existem também em relação ao outros indicadores sociais. Em relação ao fato do aumento do gasto per capita em saúde não refletir imediata melhora no Idese, sabemos, e a literatura disponível aponta, que séries de dados de períodos mais longos seriam mais indicadas para avaliar esse tipo de política pública, no entanto, essas informações ainda não estão disponíveis, pois o cálculo do Idese para os municípios começou a ser realizado a partir da década de 90. Os municípios que pioraram sua condição em relação ao Idese

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foram aqueles que realizaram os maiores gastos, indicando provavelmente que são os municípios de referência estadual. Portanto, estes merecem um estudo especial.

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