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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL CLAUDIA GABRIELE DA SILVA MULHER COMO SUJEITO DA CRIMINALIDADE: UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE DE PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES NATAL/ RN NATAL/RN 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

CLAUDIA GABRIELE DA SILVA

MULHER COMO SUJEITO DA CRIMINALIDADE:

UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE DE PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO

PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/ RN

NATAL/RN

2008

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CLAUDIA GABRIELE DA SILVA

MULHER COMO SUJEITO DA CRIMINALIDADE:

UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE DE PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO

PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/ RN

Dissertação de Mestrado apresentada à Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Orientadora:Profª Drª Rita de Lourdes de Lima

Natal/RN

2008

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Aos meus pais,ao meu irmão, e a todas as mulheres que se encontram encarceradas no Brasil.

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AGRADECIMENTOS

A Deus que sempre me deu forças para enfrentar todos as adversidades

da vida. Estando presente também em todos os momentos de vitórias e conquistas.

Aos meus pais que sempre me fortaleceram e me fez persistir em busca

de meus ideais tanto pessoais como profissionais.

Ao meu irmão, um sábio e guerreiro. Que é amigo e companheiro em

todos os momentos. Servindo de fonte de inspiração quando o objetivo é romper as

barreiras do conhecimento.

Ao meu noivo, que mesmo distante de alguns momentos de minha vida

acadêmica, me apóia em meus projetos profissionais.

A Nessinha, que se tornou uma irmã.

Ao meu amigo e querido companheiro, Glaydson, que mesmo literalmente,

distante, lá em Portugal me ajudou a vencer mais uma etapa do conhecimento.

As minhas amizades que conquistei no mestrado, em especial, minhas

companheiras de todos os momentos, Aluízia, Katiane e Jane, que são mentes

brilhantes e fonte de saber.

A minha querida orientadora, Rita de Lourdes, em que tenho maior apreço

pelo seu grande potencial intelectual e que me apoio durante todo este processo,

passando credibilidade e companheirismo.

A Ana Catharina, uma profissional e uma amiga altamente competente e

companheira.

As presas do Complexo Penal Dr. João Chaves Natal/RN que tiveram

confiança em nosso trabalho e se dispuseram a participar deste processo, expondo

suas histórias de vida.

A todos as minhas ex-companheiras de trabalho da UFRN, em especial

Miriam Inácio que desde a graduação me acompanha neste processo de

conhecimento e que se mostrou amiga em todos os momentos, seja de trabalho,

seja de lazer.

Ao pessoal do CRESS/RN 14ª Região, que se tornaram verdadeiros

amigos.

Enfim, a todos que direta ou indiretamente estiveram presentes nesta

caminhada em busca de conhecimento e amadurecimento profissional.

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“A prisão é como um cemitério, onde estão enterrados o corpo e o espírito do preso. Perde-se liberdade. A moral fica abatida. A penitenciária prepara a volta do interno à sociedade para que ele não retorne a reincidir, mas está muito atrasada neste sentido...”

(Relato de um apenado)

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RESUMO

Este trabalho apresenta-se como resultado da pesquisa: Mulher como sujeito da

criminalidade: um estudo sobre a realidade das presidiárias do complexo

penal Dr.. João chaves – Natal/RN, efetuada com as mulheres encarceradas no

Pavilhão Feminino do Complexo Penal Dr. João Chaves. Teve como objetivo

investigar os principais determinantes que levaram as mulheres da instituição a

inserirem-se como sujeitos da criminalidade. Para compreendermos mais

adequadamente o nosso objeto de estudo, partimos da compreensão e análise da

realidade social, econômica e cultural destas mulheres, assim como, da apreensão

de suas relações familiares e afetivas, dentro de uma perspectiva de gênero, bem

como consideramos a análise dos principais crimes praticados e suas

determinações. Em nosso estudo, constata-se a partir de aproximações sucessivas

e procedimentos teóricos-metodológicos quali-quantitativos, nos quais foram

privilegiadas à pesquisa documental, a observação e a entrevista semi-estruturada,

além da fundamentação teórica a respeito do tema - que a questão do aumento, nos

últimos anos, de mulheres no meio criminal se dá em virtude da realidade

socioeconômica vivenciada por essas. Ao mesmo tempo, o estudo permitiu entender

também que pobreza e criminalidade não são fenômenos de causa e efeito, porém,

é inegável que o grande número de presidiários (as) são pobres e vivenciam

situação de negação de direitos. O foco principal da pesquisa aponta as relações

sócio-afetivas, tanto conjugais como familiares como principais determinantes para

inserção das mulheres na criminalidade, rompendo com o mito de que a mulher é

“sexo frágil”. E, mais, aponta que a mulher em seu processo de emancipação e

conquista dos espaços públicos ao cometerem um crime procuram equiparar-se ao

sexo masculino. Por outro lado, a pesquisa também nos denuncia um sistema

penitenciário falido, e totalmente abandonado pelo poder público. Que nega todos os

direitos previstos aos presos (as), tanto dentro como fora dos “muros”. É um sistema

que criminaliza e nem se quer consegue cumprir o seu papel, funcional que é a

ressocialização e a reeducação das (os) presidiárias (os). Espera-se, que, este

trabalho, possa contribuir para o desvelamento da realidade da mulher no meio

criminal - sem pretensão de esgotá-lo - bem como possa contribuir também para

posteriores estudos sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Prisão. Mulher. Criminalidade. Violência.

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ABSTRACT

This work presents itself as a result of the research: Women as the subject of crime:

a study on the complex reality of the criminal inmates Dr. John Keys - Natal / RN,

done with women incarcerated in the Women's Pavilion Complex Criminal Dr. John

Keys. Aimed to investigate the key determinants that lead women to enter the

institution to be subject of crime. To better understand the object of our study, we

start to understand and analyze the social reality, economic and cultural these

women, as well as seizure of their family relationships and emotional, within a gender

perspective and consider the analysis of major crimes committed and their

determinations. In our study, it appears from successive approximations and

procedures theoretical and methodological quality and quantity, we were privileged to

documentary research, observation and semi-structured, beyond the theoretical

foundation on the subject - that the question of increase in recent years, women in

the criminal occurs as a result of socioeconomic reality experienced by those. At the

same time, the study has also believe that poverty and crime are not phenomena of

cause and effect, however, it is undeniable that the large number of prisoners (as)

are poor and live situation of denial of rights. The main focus of the research points to

the socio-emotional relationships, both marital and family as the main determinant for

inclusion of women in crime, breaking with the myth that the woman is "fragile sex."

And, more, points out that the woman in the process of emancipation and

achievement of public spaces to commit a crime seek equal to the male. Moreover,

the research also denounced in a prison system collapsed, and totally abandoned by

the public. That denies all rights provided to prisoners (as), both inside and outside

the "walls". It is a system that criminalizes and no one wants to fulfill its role, which is

the functional rehabilitation and resocialization of (the) inmates (those). It is hoped

that this work could contribute to the unveiling of the reality of women in the criminal -

no pretension of exhausting it - and can also contribute to further studies on the

subject.

KEY WORDS: prison. Woman. Crime. Violence.

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LISTA DE SIGLAS CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CF – Constituição Federal do Brasil COAP - Coordenadoria de Apoio Penitenciário COSERN – Companhia Energética do Rio Grande do Norte, CP – Código Penal Brasileiro CPI – Comissão Permanente de Inquérito CPJC – Complexo Penal Dr. João Chaves CTC – Comissão Técnica de Classificação DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional DESSO – Departamento de Serviço Social DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos Socioeconômicos FAL – Faculdade de Natal FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LEP – Lei de Execução Penal MS – Mato Grosso do Sul NAS - Núcleo de Assistência Social NAM – Núcleo de Assistência Médica PAMN - Penitenciária Agrícola Dr. Mário Negocio PCC - Primeiro comando da capital PEA – Penitenciária Estadual de Alcaçuz PR – Paraná PRONASCI - Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania PRPF - Presídio Regional de Pau dos Ferros

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RN – Rio Grande do Norte RO – Roraima SEJUC – Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania SISNAD - Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01 – REGIMES DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

112

GRÁFICO 02 - COMPARAÇÃO DO NÚMERO DE HOMENS E MULHERES PRESAS NO CPJC – NATAL/RN

113

GRÁFICO 03 – INGRESSANTES/ ANO NO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

116

GRÁFICO 04 – ARTIGOS/ CRIMES COMETIDOS PELAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

119

GRÁFICO 05 - RAÇA/ETNIA DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

137

GRÁFICO 06 – FAIXA ETÁRIA DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

140

GRÁFICO 07 – NATURALIDADE DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

143

GRÁFICO 8 – NÚMERO DE FILHOS DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

145

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LISTA DE TABELAS TABELA 01 - POPULAÇÃO CARCERÁRIA NACIONAL

110

TABELA 02 - POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE

111

TABELA 03 – PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS PRESIDIÁRIAS ENTREVISTADAS NO CPJC – NATAL/RN

136

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO 14

2 – CRIMINALIDADE, PRISÕES E O UNIVERSO FEMININO 27

2.1– A HISTORICIDADE DOS CRIMES, DAS PENAS E DAS PRISÕES 27

2.2 - A REALIDADE PRISIONAL NO BRASIL 51

3 – VIOLÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO

65

3.1 - VIOLÊNCIA, MEDO E SEGURANÇA PÚBLICA 65

3.2 - AS DETERMINAÇÕES DA VIOLÊNCIA COMO EXPRESSÃO DA

QUESTÃO SOCIAL: OS ATRIBUTOS DA VIOLÊNCIA ESTRUTURAL

76

4 - MULHERES E A CRIMINALIDADE: VÍTIMAS OU SUJEITOS? 86

4.1 - A CRIMINALIDADE E A CONDIÇÃO FEMININA 86

4.2 – O PERCURSO METODOLÓGICO 98

4.2.1 - Conhecendo o lócus da Pesquisa e os instrumentos utilizados na

coleta de dados

98

4.2.3 - A Execução da Pesquisa: Quanto à coleta, análise e as

dificuldades encontradas

103

5 - A REALIDADE DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO

CHAVES – NATAL / RN

109

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 158

REFERÊNCIAS 162

APÊNDICES 171

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1 INTRODUÇÃO

Corriqueiramente, nos noticiários policiais, lemos ou ouvimos as seguintes

manchetes: “Duas Marias e um sonho: a Liberdade” (JH, 1ª edição. 25/07/07); “Três

mulheres são presas tentando entrar em Alcaçuz com explosivos, drogas e celulares

no ânus” (Diário de Natal, 01/12/2008); “Polícia Federal prende mulher ligada ao

tráfico internacional de pessoas” (Jornal de Fato, 30/10/2008), dentre outras

manchetes.

Diante de tais acontecimentos e da experiência do estágio obrigatório que

tivemos no ano de 2004, no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN), no Complexo Penal Doutor João Chaves (CPJC) –

Natal/Rio Grande do Norte (RN), mais precisamente no pavilhão feminino da

instituição, observamos que o aumento da criminalidade no país e no RN está

marcado pelo aumento significativo da criminalidade feminina.

Claro que o número parece insignificante, se levarmos em consideração o

número de homens1 encarcerados nas penitenciarias, nos presídios e nas

delegacias do país e do estado. Porém, não podemos deixar de considerar que a

condição da mulher no meio social é um território de avanços e críticas, diante das

contradições postas pela sociedade. E outra questão que fica no cerne de nosso

estudo é o fato de que, independente da questão de gênero, a criminalidade e a

violência vêm crescendo cotidianamente no cenário nacional, fugindo das

prerrogativas conservadoras de que apenas os pobres, os negros e os homens são

criminosos. A mulher, no meio criminal, é o principal indício do início do rompimento

de esteriótipos machistas e discriminadores sob a ética de gênero.

Diante do exposto alertamos que,

Apesar da inegável importância do assunto, a criminalidade feminina nunca mereceu senão notas de rodapé nas obras criminológicas e jurídicas. [...] Na história do pensamento, as idéias de crime e criminoso tem sido antropocêntricas, isto é, a construção dos conceitos e postulados teóricos deita alicerces numa ideologia masculinizada, que leva em conta a visão masculina de mundo (OLIVEIRA, s/d, p.204).

1 De acordo com Departamento Penitenciário Nacional, só em regime fechado o número de homens presos no Brasil ultrapassa os 154.000 (cento e cinqüenta e quatro mil). As mulheres neste mesmo regime somam apenas 8.000 (oito mil).

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A tendência dos estudos jurídicos tradicionais é de considerar a mulher no

meio criminal sob segundo conceitos tradicionalistas, os quais tentam explicar as

diversas modalidades de crimes cometidos por mulheres apenas a partir da sua

condição física, da sua ocupação no espaço privado; e, principalmente, a partir da

sua condição de subalternidade social. Ou seja, a visão tradicionalista sobre a

mulher e a criminalidade por ela cometida ou a coloca em um patamar de

vitimização - quando é ela que sofre com atos de violência - ou a coloca no patamar

de agente ativo do crime, mas considerando os fatores biológicos. Assim, apresenta

os crimes cometidos por homens por serem mais fortes fisicamente; e os cometidos

por mulheres em virtude de sua condição de fragilidade físico-biológica. Neste

sentido, os crimes apontados como tradicionais entre as mulheres são: o aborto (por

ser cometido freqüentemente no âmbito doméstico); a prostituição; o adultério (que

era considerado como crime até a Constituição Federal de 1988) e o infanticídio (em

virtude do papel de educadora dos filhos).

Neste trabalho, partindo de uma perspectiva crítica, apontamos os

rompimentos e contradições desta visão tradicionalista, e mostramos que assim

como a mulher rompeu com paradigmas e ingressou fortemente com qualidade e

capacitação no mercado de trabalho, a prática criminal2 cometida por elas já não se

enquadra mais nesta caracterização feita anteriormente, mesmo que muitas ainda

estejam encarceradas em virtude de suas relações afetivas, ou melhor, em virtude

de suas relações sociais de gênero com um companheiro e/ou cônjuge outrora

infrator. Como mostram,

Os dados estatísticos de diversas pesquisas e também do Ministério da Justiça, no tocante ao sistema prisional brasileiro, apontam que a presença da mulher na última etapa do sistema de justiça criminal continua em menos repercussão. Porém, o perfil da mulher encarcerada, no que se refere aos delitos responsáveis por sua colocação intramuros, se alterou bastante, ante a marcante influência dos delitos relacionados a entorpecentes (tráfico e associação ao tráfico, etc.) e também de crimes interpessoais violentos, como o homicídio, seqüestros e roubos (OLIVEIRA, s/d, p. 217).

2 A exemplo disso, tem um censo realizado no Pavilhão Feminino do Complexo, pelo Serviço Social da instituição, no período de janeiro de 2005 a julho de 2006, o qual cerca de 63% das mulheres detidas (em um total de 82 mulheres) respondiam pelo crime de Tráfico de Drogas, que remete ao Art. 12 do Código Penal Brasileiro (CPB); seguido este percentual por crimes de homicídio, Art. 121/CPB, representando 17% entre elas; e roubo, que remete ao Art. 155/CPB, correspondendo a 20% das mulheres detidas.

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Desse modo, questionamos: que motivos e/ou determinantes estão

contribuindo para o ingresso destas mulheres no mundo da criminalidade? Será que

o processo de emancipação da mulher nos diversos espaços da vida social também

está-se estendendo-se para o meio criminal? Ou será que estamos diante de uma

questão de submissão das mulheres ao gênero masculino, tendo em vista que

muitas delas são presas juntas com seus companheiros e/ou cônjuges, ou até

mesmo cometeram delitos por assumirem a “função” do companheiro após sua

prisão? Quem são estas mulheres? A inserção de mulheres no mundo da

criminalidade se dá em virtude dos determinantes econômico-sociais em um

contexto no qual a criminalidade não é uma questão simples de gênero, e sim, uma

das expressões mais cruéis da questão social, que entrelaça todos estes

determinantes?

Enfim, como forma de responder a estes e a outros questionamentos que

permeiam a criminalidade de modo geral, e mais especificamente, para a

criminalidade feminina, é que desenvolvemos este trabalho.

De modo geral, neste trabalho tivemos por objetivo investigar para

apreender os principais determinantes que levaram as mulheres apenadas a se

inserirem como sujeitos da criminalidade. E procedemos a partir da consideração,

compreensão e análise da realidade social, econômica e cultural destas mulheres

envolvidas no meio prisional, bem como da apreensão de suas relações familiares e

afetivas, dentro de uma perspectiva de gênero, preocupando-nos também com a

exposição do perfil socioeconômico destas mulheres e com apreensão e análise dos

principais crimes praticados por elas e suas respectivas determinações.

Neste sentido, não partimos de um ponto de vista imediatista/fatalista ou

que culpabiliza o sujeito por sua condição de vida, como se fosse uma simples

escolha entre duas posições: trabalhadores e bandidos (ZALUAR, 1985). Partimos,

sim, da realidade vivenciada na contemporaneidade, no que diz respeito à questão

das disparidades sociais, da violência, da pobreza e da negação de direitos sociais,

humanos e políticos, assim como do acirramento de relações sociais marcadas pelo

consumismo, pelo individualismo e pela competitividade. Assim temos a inquietação

para desvelar um objeto de estudo que assume uma particularidade especial quando

nos remetemos a analisar a inserção das mulheres neste terreno de contradições e

desigualdades.

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Misse(1995, p. 83), afirma:“Todos os fantasmas que tem as marcas da

pobreza e as mãos criminosas parecem possuir um traço em comum. [...] Não

exatamente a pobreza que leva ao crime, mas pode ser: „a revolta‟”. Este autor

chama a atenção para a questão apontada também por Zaluar (1985), em seu

estudo de que para a maioria das pessoas, o crime aparece como uma forma de

revolta ou vingança ao sistema ou a algum crime que o mesmo tenha sofrido autora.

Sabemos que não podemos descartar esta afirmação. Porém, não devemos afirmar

que a análise sobre os determinantes que envolvem o meio criminal centra-se

apenas em um ponto, haja vista a questão da criminalidade e seus determinantes

fazerem parte de uma rede complexa de nossa sociabilidade.

Dentro deste contexto, não podemos deixar de considerar o fenômeno da

violência, que está diretamente ligada à questão do aumento da criminalidade. Neste

sentido, entendemos também as diversas expressões da violência no meio social

como fruto, entre outros elementos, das relações sociais e econômicas vigentes na

atual sociedade, baseada na competitividade e acumulação do capital, a partir da

exploração da mão-de-obra assalariada, ou até mesmo do desemprego.

Não podemos deixar de considerar também que esta violência não se

refere apenas a uma questão de agressividade física cometida contra outro, mas

perpassa todas as esferas da vida social, dentro de um contexto marcado pela

diversas expressões da desigualdade social. A violência que aqui mencionamos

assume a sua faceta mais cruel, a violência estrutural. Esta é entendida como um

fenômeno social ligado à desigualdade na distribuição de recursos, ou seja, na

desigualdade sociai, na exploração e na dominação, inerentes à sociedade

capitalista, tendo como o seu principal representante o Estado Neoliberal. Segundo

Silva (1995, p. 136), [...] “esta violência aparece como uma fatalidade, para o

sistema capitalista, contra a qual não é possível resistir, pesando sobre os indivíduos

a responsabilidade pelos insucessos pessoais e sociais.”

Observamos que desse modo a ausência de um Estado Social faz crescer

as ações de cunho policialescos, que resume as diversas formas de violência e a

criminalidade a um simples caso de polícia e aprisionamento, deixando de lado o

que é mais crucial: ver estes fenômenos sociais como as expressões mais cruéis da

questão social.

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Isto porque,

A questão social tem sido objeto de interpretações divergentes. Uma interpretação considera a questão como algo disfuncional, anacrônico, retrasado, face à modernização alcançada em outras esferas da sociedade, como na economia e organização do poder estatal. [...] Outros encaram suas manifestações como ameaça a ordem social vigente, a harmonia entre capital e trabalho, a paz social. Falam em multidão, caos, violência, subversão [...] mostram como a questão social está na base dos movimentos da sociedade (IANNI, 1989, p. 145).

Não podemos deixar de considerar que esta mesma sociedade que

criminaliza é reflexo de posturas que ditam regras e normas sociais, e que submete

o indivíduo a uma lógica, na qual o “ter”, é substituído pelo “ser”. Nesse contexto, o

que está ocorrendo é que os considerados sobrantes estão tentando engajar-se a

qualquer custo na lógica deste mercado para evitar principalmente o desemprego e

manter a sua sobrevivência. E uma vez não se inserindo, resta-lhes, por sua vez, a

prostituição ou a criminalidade como formas de estarem reincluídos no sistema.

Diante de tais considerações e considerando a relevância da compreensão

do tema enquanto demanda do profissional do Serviço Social, tendo em vista que

este se apresenta enquanto expressão da questão social, objeto de estudo desta

profissão, neste trabalho partimos para compreender o fenômeno da criminalidade

feminina, não como um fato isolado ou até mesmo como uma questão simples de

comparação de dados quantitativos em relação à criminalidade masculina. Partimos,

sim, de uma análise qualitativa, dentro de uma perspectiva de gênero, considerando

as contradições da realidade social. Ou melhor, trabalhamos a questão de gênero

sem desconsiderar a análise da dinâmica social e como a mulher está inserida neste

meio.

Nesse contexto, é importante construimos alternativas que ofereçam

respostas críticas e propositivas em relação às demandas impostas pelo mercado de

trabalho que diretamente ou indiretamente, com maior ou menor intensidade e de

forma inevitável, expõem situações perpassadas pelo circuito reprodutivo da

violência (SILVA, 2004).

Outro ponto fundamental é que, nosso estudo se justifica também por haver

poucos trabalhos enfocando essa temática, que é fundamental na compreensão da

realidade social, dando margem também para o aprofundamento de outros estudos

que complementem tal objeto.

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Assim,

Torna-se cada vez mais necessário olhar as manifestações da violência de forma a compreendê-la para além do patamar explicativo que a relaciona diretamente à pobreza, está presente o tempo todo no trabalho do assistente social que é capaz de perceber que nas entrelinhas da fala ou da falta de brilho no olhar daquele que o procura, esconde-se uma vida marcada pelo medo e pela violência, em busca de recriação (Pavez; Oliveira, 2002, p.86-87).

Com este trabalho pretendemos desmistificar as opiniões sobre os crimes e

atos infracionais cometidos pelos indivíduos, tentando assim desvelar os verdadeiros

determinantes do aumento significativo do gênero feminino3 no “meio criminal”.

Nesse sentido, como forma de responder aos nossos questionamentos,

decidimos partir a análise das seguintes categorias analíticas: criminalidade,

violência e gênero, as quais analisaremos no decorrer do trabalho.

E desde já, apresentamos os motivos que nos levaram a escolher tais

categorias analíticas. Nos últimos anos, é comum nos noticiários policiais

presenciarmos a inserção cada vez maior de mulheres no meio criminal, seja

envolvida individualmente, fazendo parte de “gangues”, ou seja, em conjunto com

companheiros (as) e/ou cônjuges. E mais: os crimes até então considerados

masculinos, como o roubo e trafico de drogas e de entorpecentes, também

passaram a fazer parte do universo feminino.

Por esse motivo, quando decidimos estudar a mulher enquanto sujeito da

criminalidade, optamos primeiramente por trabalhar sob uma perspectiva de gênero:

E como o crime é um espaço até então marcado pela presença masculina, seria

necessário justificar o que atraiu o gênero feminino para o desempenho destes

crimes, haja vista ter-se a visão de que o crime é uma forma de infrigir a ordem

social. Assim, o homem domina o espaço público, seria mais “propício” que fosse o

homem, por que por muito tempo o domínio da mulher esteve no âmbito privado.

Desse modo, a categoria gênero, também nos faz justificar as mudanças nos

padrões sociais impostos ao “Ser Homem” e ao “Ser Mulher”, e também justifica a

emancipação desta última em todos os âmbitos, desde as atividades lícitas - como a

entrada no mercado de trabalho, mulheres enquanto chefes e provedoras da família,

3 Dessa forma, é necessário para se entender a trama das relações sociais, perceber também as relações de gênero como parte constitutiva, já que segundo Veloso (2001), gênero e questão social estão intimamente relacionados e que as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade não se explicam tendo por base suas características biológicas, e sim, os processos e determinantes históricos que apontam os padrões de gênero.

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o número reduzido de filhos (as), o maior número de “mães solteiras” 4 e divorciadas

e o aumento de mulheres com um nível superior e uma profissão, dentre outros; e

ilícitas - como a saída da mulher de crimes considerados tradicionais, como o aborto,

o infanticídio, os crimes passionais e a prostituição, para crimes que fazem parte do

domínio dos homens, como o trafico de drogas, o roubo, o seqüestro, os homicídios,

dentre outros.

A categoria gênero nos traz a possibilidade de entender/ explicar a

inserção de mulheres no meio criminal, em virtude de suas relações conjugais e

afetivas, seja com o companheiro e/ou cônjuge que era ou ainda está envolvido com

a criminalidade, seja com o laço de parentesco, quando se fala na “relação mãe e

filho”, na qual também estão envolvida. Desse modo, a categoria vem nos explicar a

não ruptura com os “valores tradicionais” lançados à representação feminina, como o

cuidar, o educar e acima de tudo, a parceria e a dominação exercida muitas vezes

pelo sexo oposto que lhes coloca em situações como o crime. Muitas exercem este

laço de fidelidade por causa da dominação e da ameaça e acabam sentindo-se

obrigadas a se inserir naquela “atividade ilícita”.

Sabemos que as relações de gênero5 são construídas sobre as diferenças

– o corpo biológico; sobre elementos como as relações econômicas – organização

do trabalho; sobre as relações de poder – os sistemas de poderes e instituições

normativas; os símbolos culturais e a identidade subjetiva, como os aspectos que se

inter-relacionam e interagem entre si.

Podemos afirmar que a questão de gênero também nos faz entender a

construção sócio-histórica que estas mulheres tiveram, sejam as condições objetivas

e materiais, tendo como ponto de partida a problemática da questão social, na qual a

questão de gênero não deixa de ser uma de suas vertentes na sociedade capitalista

4 Szymanshi (et al, 2002) apresenta alguma das diversas formas de arranjos familiares na atualidade: família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos; famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; famílias adotivas temporárias; famílias adotivas, que podem ser bi-racial ou multiculturais; casais; famílias monoparentais, chefiadas por pais ou mães; casais homossexuais com ou sem criança; famílias reconstituídas depois de divórcios e varias pessoas vivendo junto, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo. 5 Sobre gênero ver também: Lima (s/d); Goldenberg; Toscano (1992); Saffioti (1999); Camurça e Gouveia (1997); Arrazola (1999); Lima (2002) e Scott (1991). Sob uma perspectiva que reporta a mulher como cúmplice da violência e da dominação sofrida pelo homem, utilizamos o pensamento de Chauí (1992) e Gregori (1989).

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madura; sejam as condições subjetivas6, ao se falar de que forma as relações

sociais de gênero interferem na vida, no pensar e no agir do gênero feminino e do

masculino.

Dessa forma, é necessário, para entendermos a trama das relações sociais,

perceber também as relações de gênero como parte constitutiva destas, já que,

segundo Veloso (2001), gênero e questão social estão intimamente relacionados e

que as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade não se explica tendo

por base suas características biológicas, e sim, os processos e determinantes

históricos que apontam os padrões de gênero.

Ressaltamos também que não existe uma essência masculina ou feminina

imutável e universal, a qual homens e mulheres estão presos. Neste sentido, não

podemos enquadrar a mulher apenas num patamar de vitimização, pois apesar da

divisão do poder entre homens e mulheres ocorrer de maneira desigual, não significa

dizer que esta última não exerça nenhuma forma de poder.

Por isso, afirmamos que estudar a questão de gênero significa não apenas

romper com estereótipos em relação ao ser mulher dentro de uma rede de relações

sociais, compostas por classe, raça, etnia e geração, mas acima de tudo, analisar a

conjuntura no atual contexto capitalista, que nos exige um desvelamento crítico do

real.

Também colocamos como categorias para estudo em nosso trabalho, as

condições objetivas da criminalidade e da violência na contemporaneidade,

expressando esta sociedade que há alguns anos vem vivenciando estes elementos

enquanto, as expressões mais cruéis da questão social.

A questão social historicamente sempre foi tratada historicamente pelo

Estado como “caso de polícia”. É inegável o caráter funcionalista com o trato social

dado pelo poder estatal. E as prisões, neste sentido, são a representação concreta

desta forma de ver o social. Nestas instituições, consideradas como totalitárias, o

6 Segundo Sccott (1980), a condição subjetiva é o campo dos sentimentos, dos valores que aparecem de forma naturalizada, pois vinculados a aspectos biológicos, pautados na diferença sexual. Surgem assim dicotomias tais como: força/fraqueza, agressividade/afetividade etc, definindo então o que se convencionou chamar de essência feminina – vocação para a família e a maternidade, e o campo da emotividade, por excelência;e da essência masculina – vocação para o trabalho, a política e o campo da racionalidade.

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indivíduo7 é relegado a um plano de tratamento, isolamento e “despojamento do eu”,

no sentido de “reeducá-lo” para o retorno ao convívio social. Nesse contexto,

segundo Camargo (1990), a prisão dentro desta sociedade disciplinar é a expressão

simbólica e nítida do exercício do poder e da dominação. O próprio nome,

“Penitenciária” surge em virtude do termo “pena”, castigo. É isso que a sociedade

baseada na exploração e dominação promove: a penalidade para aqueles que vão

contra os seus mecanismos de opressão.

Por isso,

Atualmente, a questão social passa a ser objeto de um violento processo de criminalização que atinge as classes subalternas. Relaciona-se a noção de classes perigosas – não mais laboriosas – sujeitas à repressão e extinção. A tendência de naturalizar a questão social é acompanhada de transformações de suas manifestações em objetos de programas assistenciais focalizados de „combate à pobreza‟ ou em expressões da violência dos pobres, cuja resposta é a segurança e as repressões oficiais (IAMAMOTO, 2001, p. 17).

No contexto social, encontra-se uma sociedade marcada pelo “Ter”. E isso

nos faz trazer as reflexões de Martins (1997) ao assinalar que, por vezes, as classes

populares vivem uma inclusão marginal. Sabemos que a pobreza não é sinônimo de

criminalidade, mas seria impossível desconsiderar que a atual conjuntura social,

econômica e política em que se encontra a imensa massa populacional traz a

probabilidade de os indivíduos encontrarem nos meios ilícitos a forma de garantir a

sobrevivência. Segundo Zaluar (1985, p. 164), é comum escutarmos:

Todos os pobres são subalternos. Pessoas que vivem nas mesmas condições materiais de privação e que sofrem as mesmas experiências de submissão e de humilhação de quem têm que se submeter a supervisores ou patrões para garantir a sua sobrevivência. O bandido é do pedaço. O bandido é pobre. O bandido é gente como todos.

Nesse contexto, há a presença do chamado individualismo, cujo problema

social enfrentado pelo cidadão não é “problema do Estado”, e sim, do indivíduo que

não se inseriu na lógica social. Os termos “disfuncionais8” e “desajustados” ainda

fazem parte do cenário contemporâneo. Como já assinalamos, é típico qualificar na

sociedade os indivíduos considerados “maus” (aqueles chamados de delinqüentes,

bandidos, transgressores, anormais) e os “bons” (os chamados trabalhadores,

7 “A manifestação vital do individuo é expressão e confirmação da vida social, porque a vida individual e a vida genérica do homem não são diferentes, embora a vida individual seja um modo especial ou mais geral de vida genérica” (MARX, 1974b). 8 Típico da “Era desenvolvimentista” e do funcionalismo. Sobre esse termo ver: Aguiar (1985), Costa (1997), entre outros.

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funcionais ao capital) para estigmatizar os indivíduos e justificar a criação de

instituições consideradas totalitárias, como as prisões e os hospitais psiquiátricos,

que tem o intuito “reeducar” e “reabilitar” os indivíduos segundo os moldes e as

normas sociais dominantes.

Quando o Estado não trabalha a questão social, como caso de polícia, ela

é relegada a ações assistencialistas9, imediatistas e paliativas, que muitas vezes não

garantem os mínimos sociais, face a política neoliberal adotada pelo Estado

burguês. Assim,

[...] as propostas neoliberais, em relação ao papel do Estado quanto à questão social, são propostas reducionistas que esvaziam e descaracterizam os mecanismos institucionais de proteção social. São propostas fundadas numa visão de política social apenas para complementar o que não se conseguiu via mercado, família ou comunidade. [...] É um Estado no qual as questões relativas à pobreza e à exclusão social são alvo de ação estatal irregular e tímida, apenas suficiente (e nem isso?) para minimizar as conseqüências negativas dos programas de ajuste estrutural. [...] Assim sendo, o incipiente sistema de proteção social brasileiro, e particularmente a Seguridade Social que afiança direitos a partir da Constituição de 1988, vai sendo duramente afetado pelo corte nos gastos sociais. (YAZBEK, 2002, p. 37-38).

Desse modo, vemos crescer as mais fatais formas de violência, como a

violência estrutural que acaba sendo base para as demais formas de violência. A

segurança pública prestada pelo Estado se pauta apenas em medidas policiais, e

nega aos cidadãos os direitos sociais, econômicos, humanos e políticos.

Para compreendermos as categorias criminalidade e violência, partimos do

conceito e da análise de Zaluar (1985), que traz a questão da criminalidade no meio

social, a partir de estudos em uma comunidade no Rio de Janeiro, e como a

população se comporta frente a este acirramento. Já Fraga (2002) faz uma análise

mais contemporânea da criminalidade, enquanto Baierl;Amendra (2002), fazem um

recorte histórico sobre como intervir frente à problemática da criminalidade no Brasil.

Dominguez (2002), apresenta o conceito de paz, os diversos tipos de violência e as

diversas vertentes desta última categoria.

Quanto à questão das prisões, que são em nosso estudo, o lócus de

pesquisa, utilizamos o pensamento de Foucault (2005), que tanto traz a análise do

poder, quanto das relações de poder nos micros-espaços. Goffman (2007) nos

9Historicamente, as políticas públicas sociais são postas a sociedade como caridade, filantropia ou assistencialismo. (Sposati, 2003).

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reporta ao entendimento de como se define a prisão enquanto instituição totalitária.

Partimos também de Beccaria (1998) que é um clássico na área penal; bem como

das próprias legislações brasileiras, como a Constituição Federal de 1988; a Lei de

Execuções Penais e o Código Penal Brasileiro. E por fim, utilizamos Lima;Pires

(2006) que trazem a trajetória histórica das prisões.

Explicitadas as nossas escolhas analíticas, é o momento de explicar nossas

escolhas metodológicas.

Enquanto primeiro momento de construção da pesquisa, partimos para a

escolha do seu lócus: O Complexo Penal Doutor João Chaves, localizado em

Natal/RN. E escolhemos o local intencionalmente, em virtude da relação que já

possuíamos com a Assistente Social do referido Complexo Penal e por ser nosso

foco de estudo deste o ano de 2004, quando realizamos estágio obrigatório, também

no setor de Serviço Social da instituição.

Na escolha dos procedimentos metodológicos, enquanto técnicas para

avançarmos na apreensão da realidade, utilizamos: a análise de dados secundários,

mais precisamente, a análise das fichas de avaliação social e da visita íntima

fornecidas pelo Serviço Social da instituição, além da análise de dados estatísticos

do Censo Penitenciário Nacional e da instituição, referentes ao ano de 2008. Em

seguida, optamos pela aplicação de um roteiro de entrevista semi-estruturada10,

mantendo um contato direto com seis aprisionadas que estão cumprindo pena de

reclusão, em regime fechado ou provisório na instituição. Selecionamos estas

aprisionadas intencionalmente, atendendo a critérios da entrevista ligada

principalmente à questão de gênero, inserção socioeconômica, assim como também

levamos em consideração o tipo de crime cometido, na tentativa de fugir das

prerrogativas dos crimes tradicionais outrora associados às mulheres, como já

assinalamos.

Para interpretação e análise destes dados coletados utilizamos a análise

temática das entrevistas e a exposição quantitativa e qualitativa dos números sobre

a realidade socioeconômica das presas, como por exemplo, o número de filhos, o

estado civil, as principais ocupações antes da prisão, a faixa etária, a escolaridade e

naturalidade, procurando partir de uma realidade macro-social, ou melhor, dos dados

10 A entrevista enquanto instrumento de pesquisa, [...] “permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.25),

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gerais em âmbito nacional e local, para a realidade micro-social, ou seja, a realidade

socioeconômica das seis mulheres entrevistadas.

O terceiro momento se deu na consolidação, confronto e desvendamento

das informações apreendidas, que foram analisadas sob dimensão de totalidade,

tentando atender aos questionamentos os quais nos propomos nesse estudo.

Enquanto que exposição e organização deste trabalho dividimos da

seguinte forma: após esta apresentação inicial, no segundo capítulo abordamos a

questão da criminalidade e das prisões, partindo de uma análise histórica do

surgimento das prisões no mundo, no Brasil e de dados sobre o sistema carcerário

no Rio Grande do Norte (RN).

No terceiro capítulo seguinte apresentamos a discussão sobre a questão

da violência e a questão social no capitalismo contemporâneo, subdividindo-o em

uma análise sobre os conceitos de violência, medo e segurança pública e uma

exposição sobre as determinações da violência enquanto expressão da questão

social, fazendo uma reflexão sobre a sua face mais cruel, que é a violência

estrutural.

No quarto capítulo, fazemos uma leitura da criminalidade e da condição

feminina, partindo em seguida para a exposição do nosso percurso teórico-

metodológico.

Para encerrarmos o debate sobre a temática, fechamos a dissertação com

a exposição dos dados coletados e sua análise, estabelecendo uma relação dialética

entre a empiria e a teoria, em um esforço de reafirmar/afirmar o nosso objeto de

estudo.

Por fim, o nosso estudo nos possibilitou perceber que não se deve atribuir

somente ao indivíduo a culpa por seus atos infracionais, pois apesar do

individualismo exacerbado difundido pela ideologia dominante da sociedade

capitalista, que prima pela singularidade em virtude da competitividade, não

podemos negar que somos seres sociais. Como afirma Marx, [...] “a essência

humana não é algo abstrato, interior a cada indivíduo isolado. É, em sua realidade, o

conjunto das relações sociais” (1978, p. 68). Com esta afirmação, não estamos

negando a liberdade relativa dos indivíduos, nem tampouco seu papel na construção

das relações sociais, mas somente demandando a atenção para a tendência geral

da sua culpabilização, em detrimento da análise e consideração das condições

sociais de vida, as quais influenciam nas realidades individuais. E as mulheres,

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neste âmbito de contradições, não podem ser entendidas como um “não-

sujeito”11,mas como indivíduo que está dentro das relações sociais e que também

são sujeitos de ações.

As mulheres são sujeitos capazes de amar, odiar e cometer violências e

crimes. Neste sentido, as presidiárias entrevistadas apresentaram motivos diversos

para a sua inserção no meio criminal: amor, ódio, pobreza, revolta etc. Não estamos

afirmando que a presença da mulher no crime deve ser celebrado como algo

positivo, tendo em vista que o aumento da criminalidade independe da condição de

gênero e denuncia uma sociedade marcada por problemáticas sociais gravíssimas.

Contudo, não podemos negar que o ingresso da mulher no meio criminal se

apresenta como um rompimento com esteriótipos que a ainda estão presentes em

algumas visões de mundo, sendo a mulher vista como ser “frágil” e o homem como

ser “forte e corajoso”. Deste modo, a inserção das mulheres no meio criminal se, por

um lado, mostra a desumanidade e crueldade da sociedade capitalista e por outro,

mostra mulheres que se recusam a permanecer na condição de vítimas, mesmo que

para isto necessitem ou precisem de ingressar na criminalidade.

11 Ontologicamente falando, não existe o “não-sujeito”.

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2 CRIMINALIDADE, PRISÕES E O UNIVERSO FEMININO

2.1 A HISTORICIDADE DOS CRIMES, DAS PENAS E DAS PRISÕES

É típico de toda forma de organização social a determinação e a aplicação

de um conjunto de normas e leis, bem como estas serem expressas,

ideologicamente por meio de códigos, leis e constituições para manter as relações

sociais dentro de um padrão de conduta moral.

Sabemos que historicamente os indivíduos que violam estas leis e regras

são considerados transgressores pela sociedade como, delinqüentes ou marginais

haja vista que segundo Beccaria (1998), todos os indivíduos ao depositarem parcela

de sua liberdade em prol do bem comum, precisam defender as usurpações

privadas de cada homem em particular. E em muitos casos, não tentam apenas

tomar a sua liberdade - que lhe é reservada pela nação - mas também violar a do

próximo. Neste sentido, o termo crime surge justamente para dar conta da questão

da infração e ilegalidade cometida por esse “indivíduo”. É a própria sociedade quem

define o que deve ser considerado como crime ou não. Portanto, podemos afirmar

que este fato não é algo natural, mas construído e legitimado socialmente.

Para dar conta desta realidade “é o direito penal que se preocupa em definir

e explicar os atos proibidos (os crimes) aos quais as leis atribuem pena criminal”

(BAJER, 2002, p.8). Portanto, o próprio Código Penal Brasileiro (CPB), de 1940,

define em seu Artigo 1º que [...] “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há

sem prévia cominação legal”.

Desta forma, historicamente, como forma de sanar o ato cometido ou até

mesmo de punir o individuo pela “desordem”12, surgiram as penas seguindo suas

mais variadas formas, partindo de um princípio fundamental, que é a vingança do

soberano ou das formas de poder constituído. Sabemos que “atualmente, só o

Estado está autorizado a punir [...]. A vingança não é admitida em nosso sistema

jurídico” (BAJER, 2002, p. 10). E mais:

A pena surge desde os primórdios como forma do homem primitivo conservar sua moral e integridade. Com o passar do tempo a pena é atribuída aos indivíduos como meio de intimação e retribuição a crimes cometidos sob as formas mais cruéis de castigo e até os dias atuais como forma recuperadora (OLIVEIRA, 1984, p. 02).

12 Tal expressão é típica do pensamento funcionalista, que difunde os termos: função e disfunção, coesão social, ordem e desordem (COSTA, 1997).

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Etimologicamente, segundo Oliveira (1984, p. 2), a palavra pena [...]

“procede do latim poena, significando dor, castigo, punição, expiação, penitência,

sofrimento, trabalho e fadiga”. Discutindo questiona sobre a punição frente ao crime

cometido contra a “ordem social”, Foucault (2005, p. 78) assinala:

Ora, se deixarmos de lado o dano propriamente material [...], o prejuízo que um crime traz ao corpo social é a desordem que introduz nele: o escândalo que suscinta, o exemplo que dá, a incitação a recomeçar se não é punido, a possibilidade de generalização que traz consigo. Para ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime, entendidas como a serie de desordens que este é capaz de abrir.

Paz e harmonia social são termos utilizados para a manutenção da ordem

hegemônica. E isso é o exercício claro do poder. Para Foucault (1999), o poder é

definido como um sistema no qual, mesmo aqueles que estão em condição de

submissão – como por exemplo as mulheres nas sociedades patriarcais - podem

exercer algum tipo de poder sobre o outro, seja como forma de reação, seja como

forma de reprodução para outrem. Assim,

[...] O poder não se encontra somente concentrado nas mãos daqueles que possuem os meios de produção das riquezas, nem somente no Estado, embora aí ele se manifeste visivelmente enquanto força. Tudo não se resolve, por exemplo, com uma mudança de governo, ou mesmo de um sistema político. O poder se espalha como uma teia dissemina-se capilarmente, minuciosamente, em todas as relações sociais. Ou seja, as relações de dominação impregnam todas as instituições: família, escola, igreja, sindicato, partido político, e transmitem-se de geração em geração pelos mais diversos meios (CAMARGO, 1990, p. 140).

Do ponto de vista da história da humanidade, sobre a aplicação de penas

aos crimes cometidos, podemos dividi-los seguindo os seguintes períodos: a)

vingança privada; b) vingança divina; c) vingança pública; d) criminológico ou

científico. Salientamos que esta divisão não é linear, mas os períodos se fundem e

por vezes, se misturam, e neles se mesclam inúmeros determinantes históricos.

No período no qual se tinha a pena aplicada sob a forma de Vingança

Privada, não havia limites para aplicação destas. A vingança ia desde a escravidão

até a pena de morte, como forma de honrar um indivíduo, uma família ou mesmo um

grupo social, que tinha sofrido com algum crime. Assim como, esta vingança atingia,

por vezes, além do agente do crime, seus parentes e o grupo ao qual pertencia,

ocasionando verdadeiras guerras entre os diferentes grupos tanto da vítima quanto

do agressor (MIRABETE, 2002). Aqui ressaltamos o ato dos suplícios e o comum

emprego da força inerentes a todos os atos de punição nas sociedades antigas.

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O suplício deve ser ostentoso deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. O próprio excesso das vigências cometidas é uma das peças de sua glória: o fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo acessório e vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força. Por isso, sem dúvida, é que os suplícios se prolongam ainda depois da morte: cadáveres, queimados, cinzas jogadas ao vento, corpos arrastados na grade, expostos a beira das estradas. A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possível (FOUCAULT, 2005, p.32).

Assim, nas sociedades antigas, a morte e o sofrimento tomam dimensões

teatrais, como atrativos para a população, que atua como público punitivo e julgador,

nas rodas, nas guilhotinas, na fogueira ou na amputação. Foucault (2005, p.31)

ainda ressalta que, [...] “o suplício é uma pena corporal, dolorosa, mais ou menos

atroz. É um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a

barbárie e a crueldade”. Neste período, as penas não tinham um caráter

proporcional ao crime cometido. E esta condição perdura, até o ano de 1680 a.C.,

com a implantação do Código de Hamurabi e com a Lei do Talião, na Mesopotâmia

Antiga. As leis, até então eram orais. A partir deste momento, surge o primeiro

conjunto de leis escritas, que ficou conhecido pela célebre expressão: “Olho por

olho, dente por dente”. Dessa forma, a punição sai do âmbito privado e envereda

pelo âmbito público. É a fase da Vingança Pública, pela qual o indivíduo passa a ser

punido com o próprio crime praticado.

Um exemplo dos crimes e penas impostas pela sociedade antiga se deu no

Reino Persa, principalmente durante o governo de Ciro, o Grande – 560 a 530 a.C..

Neste Império, o soberano era considerado representação direta dos deuses. Sendo

assim, quem transgredisse a lei emanada do soberano estaria ofendendo a própria

divindade. Sobre este período denominado de Vingança Privada, Mirabete (2002)

afirma que as sanções eram instituídas em nome da autoridade pública do Estado

enquanto representante dos interesses da sociedade e como representação divina.

Quanto aos crimes considerados de menor grau, estes eram punidos com

chibatadas, podendo serem substituídas, em alguns casos, por multas pecuniárias13.

Já os crimes de maior gravidade eram severamente punidos por castigos bárbaros,

como a marca de fogo, a mutilação, a cegueira ou até a própria morte.

13 Entendemos por multas pecuniárias aquelas pagas em dinheiro, para sanar a pena aplicada.

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A pena de morte era aplicada em casos de homicídios, estupro, aborto14,

grave desrespeito a pessoa do rei e traição. Havia diversas formas de executar essa

pena máxima: o envenenamento, a empalação, a crucificação, o enforcamento, o

apedrejamento, dentre outros. Apesar destas formas cruéis de tortura, aos

criminosos considerados réus primários não se permitia a pena de morte.

No caso de Roma, segundo Bajer (2002), os romanos faziam distinção entre

os crimes públicos (crimina), que por sua vez podiam ser classificados em dois

grupos: os casos de traição e atentado contra a segurança do Estado (perduellio); e

as mortes de chefes do grupo (parricidium). Todos esses crimes instigavam a

perseguição pública e a pronta reação da autoridade. E os crimes considerados

privados (delictia), como os casos de ofensas físicas ou morais, furtos dentre outros.

Esses eram punidos pelo próprio atingido, que assumia a vingança.

Com advento da Idade Média e a figura da Igreja como a grande difusora

dos preceitos da ordem moral e social, instaura-se o período da Vingança Divina,

expresso principalmente nos tribunais da Santa Inquisição. Os crimes capitais não

eram numerosos. Era dada mais importância aos crimes religiosos, como a heresia e

a descrença. Desse modo, a questão da religiosidade foi colocada em primeiro plano

e quem transgredisse esta ordem era severamente castigado em “nome de Deus”.

Podemos caracterizar este período como um momento no qual se aplicavam

punições em prol da procura da regeneração e da purificação da alma do

delinqüente para a manutenção da ordem na terra. É importante ressaltarmos que,

na Idade Média, a Igreja já utilizava as prisões como forma de penitência para punir

o clero, pois, segundo Goffman (2007 p. 18), para esta instituição, era [...] “através

da segregação que se estimulava o arrependimento”. Desta forma, a Igreja reafirma,

a partir de sua doutrina moral, os preceitos de ordem, tendo Deus como fundador da

harmonia e da ordem social, associado à figura masculina e a exaltação, do

patriarcado como forma de organização social.

14 Sobre o aborto salientamos a visão que as sociedades antigas tinham em relação à mulher, principalmente a casada. Segundo Lima (2002, p. 97), “[...] o papel social destinado socialmente à esposa na sociedade antiga era dar descendência legítima. Para assegurar essa legitimidade, era necessário mantê-la submissa, obediente e principalmente fiel ao homem”. Vemos desta forma, a intolerância para com aquelas mulheres que cometessem aborto, pois este ato configurava ferir a “árvore” familiar, a descendência, a legitimidade dos filhos.

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A atuação da igreja antes de se iniciar a perseguição de heresias e heréticos, era coerente com os preceitos do cristianismo, Inaugurava-se a preocupação com o indivíduo, o cuidado com a dignidade, tendo-se proibido as ordálias e os juízos de Deus, que eram modos de resolução de conflitos por resistência física em provas e duelos (BAJER, 2002, p.15).

Assim, foi instituída a Inquisição pelo papa Gregório IX (1227-1241), em

1231. O Tribunal da Inquisição do Santo Ofício se instaurou em Portugal em 1536.

Segundo Bajer (2002, p. 17), a Inquisição portuguesa procurou reprimir as heresias

e os delitos sexuais, entre os quais eram freqüentes a bigamia e a sodomia15.

Segundo Pitanguy (1985, p. 27), a dinâmica da Inquisição como agente de

cristianização pode ser descrita, grosso modo, por três linhas gerais:

A perseguição à heresia, principalmente as seitas dos cátaros e valdenses, nos séculos XII e XIII; a perseguição aos judeus e cristão-novos, desenvolvida essencialmente na Península Ibérica e a perseguição a bruxaria, particularmente relevante nos séculos XVI e XVII, e nas regiões hoje correspondentes a França, Itália, Alemanha, Áustria e Suíça.

Umas das maiores vítimas destes tribunais foram as mulheres, acusadas,

principalmente, por bruxarias e satanismo, uma vez que eram figuras associadas,

desde o mito do pecado original, ao demônio. A mulher é colocada em segundo

plano, segundo Lima (2002), primeiro, por ter sido criada a partir da costela de Adão;

e depois por tê-lo induzido ao pecado. Por isso, foi acusada e se tornou responsável

pelo pecado e pelo sofrimento da humanidade. Deste modo, os pensadores cristãos,

vão justificar, com um discurso religioso ao longo dos séculos, a ignorância e a

maldade das mulheres. O que “Para Santo Agostinho, os homens refletem o Espírito

de Deus no corpo e na alma. A mulher, diferentemente, possui reflexos de Deus

apenas na alma, pois o seu corpo constitui obstáculo ao exercício da razão” (LIMA,

2002, p. 102).

Ora, é fato que desde o século X, com as leis canônicas, que qualquer ato

que remetesse à bruxaria era considerado como ato infiel ou pagão. Contudo,

apenas no século XIV, com a expansão mercantilista e com o início do processo de

declínio feudal, que a Igreja16 - na tentativa de não abalar o seu poder e sua

15 Sodomia é a denominação dada pela Igreja Católica a práticas homossexuais. O termo faz referência à cidade de Sodoma, destruída por Deus, segundo o Antigo Testamento da Bíblia cristã, em função dos seus pecados. E entre estes pecados consta a prática de relações homossexuais, segundo a interpretação oficial da Igreja. 16 A Igreja em relação ao Ser Mulher encarrega-se por difundir a mulher tanto segundo símbolo de pureza, na figura de Maria “A MÃE”, no sentido da procriação, quanto segundo a simbologia do pecado da traição, na figura das bruxas e da descendência de Eva.

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hegemonia - começou a remeter a crença à magia como heresia popular, e a heresia

como algo maléfico, que merecia punição e pena de morte. Dessa forma,

O estabelecimento da bruxaria como realidade permitiu que, nestes séculos, as idéias de desordem e desvio com ela se confundissem. A bruxaria se apresenta como estereótipo do medo e do perigo. [...] Entretanto, a bruxaria não tem apenas um caráter genérico de sinalização do todo o mal: ela é o mal específico da mulher (PITANGUY, 1985, p. 30).

Enfatizamos o caso da bruxaria foi enfatizado haja vista a questão histórica

da perseguição vivenciada pela figura feminina na sociedade. A punição e a

perseguição neste sentido, tomam conta não apenas do corpo, propriamente dito,

mas também da mente dos acusados por meio do poder ideológico e cultural da

Igreja.

Os crimes e suas punições vão tomando forma a partir de seu contexto

sócio-histórico, porém é inegável a afirmação constante do exercício do poder e da

dominação dos homens sobre as mulheres, lembrando que, quase sempre os

inquisidores eram homens e as torturadas eram mulheres.

A partir do século XVIII, segundo Oliveira (1984), os crimes adquirem uma

nova roupagem. Filósofos, alguns políticos e juristas, por suas obras17 lutam para

difundir um direito penal mais humanitário18. Instaura-se assim, o período

Humanitário das penas. Até os tipos de crimes cometidos vão adquirindo uma nova

forma. Na Idade Média, por exemplo, os crimes capitais não eram muito numerosos,

17 Entre elas podemos citar: “O Estado das Prisões na Inglaterra e País de Gales” (1777) escrito por Johm Howard e “O Tratado das Penas e das Recompensas” (1791) de Jeremias Bentham. Isso tudo ocorreu porque os povos, pensadores, filósofos perceberam que de nada valia tantos castigos nas aplicações das penas, tornando desta forma a própria sociedade oprimida. Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria publicou o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente, o tratado Dos delitos e das Penas, elaborando princípios que se firmaram como a base do direito penal moderno, alguns adotados pela Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, na Revolução Francesa, repudiando as penas de morte e punições cruéis. Beccaria argumenta a necessidade das leis estipularem as penas, evitando o arbítrio judicial; que as penas não fossem utilizadas somente para intimidação, mas para recuperar o delinqüente; reclama a proporcionalidade das penas aos delitos e a separação do Poder Judiciário do Poder Legislativo. Já no século XIX surge o movimento científico, de quem a maior expressão foi Cesare Lombroso com sua obra O Homem Delinqüente, que buscou compreender cientificamente os fenômenos criminais e o próprio infrator. Não deu certo, em razão de tentar atribuir ao direito penal uma função meramente clínica, contrapondo-se, ao entendimento de que se trate da ciência normativa (LIMA;PIRES, 2006). 18 A sociedade ocidental estava saindo do período feudal e entrando na era moderna com sua proposta iluminista, que propõe a razão (racionalismo) e o homem (humanismo) como elementos centrais. Ao mesmo tempo também estruturava-se a sociedade capitalista que, contraditoriamente, baseia-se no lucro e na exploração de homens e mulheres (TARNAS, 2000).

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somente sendo condenados à morte os acusados de traição (frente à Igreja) e os

homicidas. Com o advento da Idade Moderna, principalmente a partir da Revolução

Industrial, as penas passam para uma ótica de moderação e os crimes contra o

patrimônio aumentam (roubo, frutos e fraudes).

A respeito deste período, Foucault (2005, p. 72), assinala que, “[...] na

verdade a passagem da criminalidade de sangue para a criminalidade de fraude faz

parte de todo mecanismo complexo onde figuram o desenvolvimento da produção e

o aumento da riqueza.”

Já Lima; Pires (2006, p.12) assinalam que,

No período humanitário se concebe o crime como um ato que atenta contra a moral da sociedade; contra o conjunto de regras de conduta consideradas como válidas e que, nesse entender, foram aceitas por todos. Por conseguinte, o criminoso é tido como um indivíduo amoral que rompeu com as normas de forma consciente e livre, tornando-se, em decorrência, alvo de uma punição por parte do Estado na condição de representante da vontade geral.

Portanto, desse modo, as penas e crimes vão moldando-se de acordo com a

ordem vigente, levando em consideração o conjunto de interesses postos pelas

diversas classes sociais em luta, pela correlação de forças dos diferentes momentos

históricos e pela ideologia dominante.

No século XVIII, assistimos a um período de grandes mudanças nas

aplicações das penas e punições. Segundo Foucault (2005), passam a existir três

formas de organizar o poder de punir. A primeira, que funcionava e se apoiava no

velho modelo monárquico, ligado a aplicação dos suplícios, segundo os quais a

punição servia de atração e terror para os espectadores, de cerimonial de soberania

e poder, utilizando-se rituais de vingança aplicados sobre o corpo do condenado.

A segunda forma para organizar o regime punitivo do período, refere-se ao

projeto dos juristas reformadores, que defendiam a punição como um processo para

requalificar os indivíduos como sujeitos de direitos, utilizando, não marcas, mas

sinais, conjuntos codificados de representações, cuja circulação era realizada mais

rapidamente pela cena do castigo19.

19 Foucault (2005) retrata a este respeito que na França, seu lócus de estudo, neste século, as estradas eram intransitáveis, fato que prejudicava o comércio da região. Dessa forma, os ladrões que assaltavam nessas estradas, apresentavam-se como obstáculos para a circulação de mercadorias. Portanto, sua pena seria a reconstrução e manutenção das estradas, “seria mais eloqüente do que a morte” (Código Penal da França, 1781).

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Foucault (2005, p. 92), apresenta que,

A punição pública é a cerimônia da recodificação imediata. [...] Cada elemento desse ritual deve falar, dizer o crime, lembrar a lei, mostrar a necessidade da punição, justificar sua medida. Cartazes, placas, sinais, símbolos, devem ser multiplicados, para que cada um possa apreender seus significados. A publicidade da punição, não deve espalhar um efeito físico de terror, deve abrir um livro de leitura (FOUCAULT, 2005, p. 92).

A terceira forma estava centralizada nas instituições carcerárias, nas quais

a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos. Ela utilizava processos de

treinamento dos corpos, com traços que deixavam sob formas de hábitos e

comportamentos, a implantação de um modelo de poder específico de gestão de

pena. Nesta terceira forma de organização, o exemplo mais nítido são as prisões.

Este último modelo foi utilizado nas sociedades industriais do início do

século XIX. A prisão passou a ser considerada, segundo Camargo (1990), no final

do século XVIII e início do século XIX, nos países industrializados, como a pena das

sociedades civilizadas. Anteriormente ocupara somente uma posição secundária no

sistema de penas, tendo como finalidade apenas garantir a presença dos suspeitos

à disposição de seus juízes ou do condenado à espera da execução de sua

sentença.

Segundo Camargo (1990), o sistema político das sociedades modernas

industriais foi organizado a partir da Revolução Francesa (1789 – 1799), quando a

classe burguesa assumiu poderes em nome da liberdade e da igualdade. Igualdade

e liberdade nunca postas em prática, dentro de um sistema socioeconômico que lhe

dita regras e normas em detrimento da justiça social, e que tem como objetivo a

acumulação e a produção/reprodução do capital sob domínio de uma minoria. Na

verdade, por trás deste pensamento dominante, existe uma rede que mantém a

desigualdade e assegura a dominação.

Numa sociedade de soberania e disciplina, de investimentos e extração de produtividade dos corpos, mercantilização da vida e a redução da contestação política, os espaços precisam ser localizados, fronteiras demarcadas. Anomias, pessoas perigosas, classes, nômades, mulheres, crianças, instintos, eles – os outros – precisam ser identificados, controlados, apaziguados, banidos, calados, desqualificados e às vezes mortos (PASSETI, 2002, p. 8).

Cria-se um padrão de conduta moral e social que deve corresponder aos

interesses da ideologia dominante, qual, “classifica” o indivíduo apenas pelas suas

condições materiais.

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De forma geral, Foucault (2005) expõe alguns princípios em relação ao

surgimento, a aplicabilidade e a evolução das penas. Utilizando-se do Código Penal

da França, de 1791, o autor infere que a punição deve afastar o indivíduo da idéia de

crime vantajoso e atraente. Ou seja, toda punição deve ter um caráter

desencorajador do indivíduo, e ele deve ver na pena uma desvantagem ao cometer

algum crime, despertando a vergonha no indivíduo. Tal formulação está exposta em:

“Que o castigo o irrite e o estimule mais do que o erro que o encoraja” (FOUCAUT,

2005, p.88). Propriedades do indivíduo, como: honra, liberdade e vida devem ser

atingidas quando este comete algum crime. Isso é uma forma de fazê-lo recusar o

crime e respeitar o outro.

As formas de aplicabilidade das penas no século XVIII estavam pautadas

principalmente na privação da liberdade, tendo em vista o então regime liberal

instaurado. Porém, “[...] o corpo ainda é visto como instrumento para arrependimento

em relação ao ato praticado, mas a finalidade maior da pena deve ser privar o

indivíduo de sua liberdade que era considerada, ao mesmo tempo, o maior direito e

maior bem” (LIMA;PIRES, 2006, p. 13).

Outro fato é que a pena deve servir de lição para todos. E, com isso, deve

tomar o lugar do falso proveito do crime. Deve despertar na população que aquele

crime cometido afetou todos os movimentos da sociedade, tanto os comuns quanto

como os particulares. Por exemplo, na sociedade industrial, o fato de um indivíduo

ser preso, é considerado uma desvantagem para todos, pois significa tirá-lo da

produção. O capital, nesse sentido, perde mais um para produzir mercadorias e

gerar lucros para o sistema. Isto porque “O condenado irradia lucros e significações.

Ele serve visivelmente a cada um, mas ao mesmo tempo introduz no espírito de

todos os sinais de crime-castigo” (FOUCAULT, 2005, p. 91).

Um último ponto, apresentado por Foucault (2005) é que a publicidade é a

alma das penas, independente do período histórico. No suplício, por exemplo, o

terror era o suporte, o medo físico fazia gravar imagens nos espectadores. Nos

novos projetos de penas, como as prisões, por exemplo, é a lição, a moralidade

pública do indivíduo que entra em questão. A lei, nesse sentido, desperta, na

sociedade, um sentimento de punição para o indivíduo que a violou; mas, ao mesmo

tempo, a perda de um cidadão e o seu isolamento. Dessa forma, a sociedade

também perderá. Alguns juristas defendiam, no século XVIII, por exemplo, que as

prisões deveriam ser abertas para a visitação de crianças, servindo de “[...] aulas

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sobre moral e cívica” (FOUCAULT,2005, p.92). Era a “lição viva no museu da ordem”

(p.92). Entendemos que

Encontrar para um crime o castigo que o convém é encontrar a desvantagem cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um delito. É uma arte das energias que se combatem, arte das imagens que se associam, fabricação de ligações estáveis que desafiem o tempo. Importa construir pares de representação de valores opostos, instaurar diferenças quantitativas entre as forças em questão, estabelecer um jogo de sinais – obstáculos que possam submeter o movimento das forças a uma relação de poder (FOUCAULT, 2005, p. 87).

Como exemplo claro destas demonstrações de poderes e dar aplicação da

moral e da noção de “perda social” tem a repressão do capital ao Movimento

Operário, em especial no período da Revolução Industrial e da ascensão do

capitalismo - fins do século XVIII para o século XIX - quando se presenciou a

consolidação da contradição de classes e o aumento da pobreza e da miséria social.

A revolta dos trabalhadores era contra a submissão da vida humana aos interesses do capital, contra as humilhações cotidianas que os capitalistas lhes impunham, transformando-os em mera condição de expansão de seu capital e violentando a sua dignidade de ser humano, cuja força de trabalho era comprada a preços cada vez mais degradantes. [...] transformando a sua existência em uma luta contínua e desigual de sobrevivência (PITANGUY, 1985, p.44).

Quanto às revoltas, os trabalhadores eram punidos com pena de morte. Já

os líderes sindicais com penas privativas de liberdade e repressão policial – a

exemplo do Movimento Luddista ou luddismo, e das respostas dos trabalhadores à

Revolução de 1848. Quanto a pobreza e a mendicância, estas eras vistas como “[...]

um problema de caráter e a mendicância como uma forma de vadiagem”

(MARTINELLI, 2006, p. 78), que afetavam diretamente o equilíbrio social, precisando

sempre serem controladas em nome da estabilidade do poder. Já a partir do século

XVII, com a instauração da chamada Legislação dos Pobres, na Inglaterra, era nítida

a repressão: “Na legislação dos pobres, o enforcamento dos mendigos e a marcação

dos pobres com ferro em brasa, por recusa ao trabalho ou fuga da aldeia ou das

casas de correção, eram práticas sancionadas tanto pela Casa real como pelo

Parlamento” (MARTINELLI, 2006, p. 78).

A classe burguesa via na pobreza um meio necessário para a produção do

capital, mas que precisava ser “dominada” pelas autoridades estatais, para que não

trouxesse riscos à expansão do capital. Na Inglaterra do século XIX, apesar do

avanço do assistencialismo via Igreja e Estado20, assim como, com a tomada de

20 Sobre o surgimento do Serviço Social, ver: Martinelli (2006).

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consciência por parte da classe trabalhadora, que já lutava por medidas mais amplas

de política social, ainda se afirmava que “[...] ser declarado pobre equivalia a perder

um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à liberdade. A pobreza era

punida como não-cidadania, isto é, com a destituição da cidadania econômica e com

o cerceamento da liberdade de ir e vir” (MARTINELLI, 2006, p. 85).

Segundo Martinelli (2006), a mesma nação que declarava o discurso da

cidadania é a mesma que punia mais severamente os pobres e os trabalhadores,

privando-os de liberdade e de mobilidade social. Podemos afirmar que é um modelo

de assistência aos pobres que se apoiava em três estratégias: a intimidação, a

repressão e a punição.

É inegável o exercício freqüente das relações de poder frente aos

pauperizados e explorados pelo capital. O castigo deve levar em si uma técnica

corretiva. Apresenta-se como uma forma freqüente de moldar o ser aos ditames

dominantes e a ordem hegemônica:

O soberano e sua força, o corpo social, o aparelho administrativo. A marca, o sinal, o traço. A cerimônia, a representação, o exercício. O inimigo, vencido, o sujeito de direito em vias que requalificação, o indivíduo submetido a uma coerção imediata. O corpo que é suplicado, a alma cuja representação são manipulações, o corpo que é treinado. [...] Não podemos reduzi-los nem a teorias de direito (se bem que lhes sejam paralelos) nem identificá-los a aparelhos e instituições (se bem que nelas se apóiem) nem fazê-los derivar de escolhas morais (se bem que nelas os encontrem suas justificações). São modalidades de acordo com as quais se exerce o poder de punir (FOUCAULT, 2005, p. 108 grifos nossos).

Nesse sentido, as técnicas e as ciências desempenham um papel definido

por Camargo (1990) como normalizador da sociedade, reproduzindo padrões,

normas e comportamentos imbuídos de preceitos, ligados à ideologia dominante. Em

conseqüência disso, os que agem fora destes padrões são tidos como anormais. E

assim “como todos temem a exclusão social, mantém-se a ordem estabelecida, sem

questionamentos” (CAMARGO, 1990, p. 134). Desse modo, vamos assistir em

meados do século XIX, ao surgimento do período considerado criminológico ou

cientifico. Segundo Lima; Pires (2006), enquanto no humanitário há uma

preocupação para com o crime e a pena, no criminológico podemos afirmar que este

se dirigiu principalmente para a pessoa que praticou o ato delituoso e para as

circunstâncias que a levaram a praticá-lo.

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É um período em que a patologia criminal entra em cena, e o indivíduo

deixa de ser acusado de amoral, passando a ser visto como “anormal”. Segundo

Lima;Pires (2006), alguns estudiosos, como Cesare Lombroso, que viveu na Itália,

entre 1835 e 1909, este se baseava na Teoria da Evolução de Darwin, para explicar

patologicamente o criminoso. Para ele, o criminoso nato é “[...] aquele que

permaneceu atrasado em relação aos demais durante a evolução das espécies e

que, por isso, ainda não perdeu a agressividade”. (LIMA; PIRES, 2006, p.19) Desse

modo, as raízes para a explicação do ato criminoso estava na biologia.

Para tal período também se aplica a individualização da pena, que é

sancionada de acordo com a identificação e o diagnóstico do infrator. Ressaltamos

que em virtude deste caráter patológico, as penas tem um efeito terapêutico e de

recuperação do indivíduo, evitando assim a reincidência criminal. Neste sentido,

Lima;Pires (2006), afirmam que: “[...] a prisão seria uma instituição na qual os

indivíduos transgressores da lei seriam reabilitados para que, quando do retorno ao

convívio social, não mais descumprisse a lei, vivendo em „normalidade‟ – leia-se em

conformidade com os padrões dominantes” (p. 21). Era o crime sendo visto como

doença; e a prisão como um hospital e esta é ainda a concepção dominante nos

dias atuais.

Ainda hoje, é típico qualificar os indivíduos considerados “maus” na

sociedade, aqueles chamados de delinqüentes21, bandidos, transgressores e

anormais; e os “bons”, os chamados trabalhadores e funcionais ao capital. A

resposta para todo este “mal” é o próprio aparato policial. O que podemos afirmar

sobre este primeiro momento é que, historicamente, os crimes e suas punições

(penas) e as diversas formas de violência foram – e são - atribuídas a caso de

polícia e não expressões da questão social22, nas quais as palavras de manutenção

da ordem e paz social fazem parte da agenda social dominante.

Quanto aos determinantes que influenciam o indivíduo a inserir-se na

criminalidade não podemos determiná-los objetivamente. Porém, para um primeiro

21 Para Foucault (2005, p. 213), “O correlativo da justiça penal é o próprio infrator, mas o do aparelho penitenciário é outra pessoa: o delinqüente que segundo tal, é uma unidade biográfica, núcleo de periculosidade, representante de um tipo de anomalia.” 22 Por questão social entendemos “[...] o conjunto de expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem como raiz comum: a produção social cada vez mais coletiva, à medida que o trabalho torna-se cada vez mais social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 2005, p.27).

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momento, ao fazermos este resgate histórico a respeito dos crimes e das penas,

podemos inferir que é notório o exercício constante da categoria poder.

Visualizamos esta condição no sentido de que mesmo nos casos em que o

poder do soberano é extremante superior é inegável que ao cometer algum ato

infracional o indivíduo está exercendo alguma forma de poder, seja no sentido

particular, quando falamos de “olho por olho, dente por dente”, seja nos tribunais da

Inquisição do Santo Ofício, quando falamos dos indivíduos que são perseguidos, por

discordar da moral dominante, as chamadas bruxas e feiticeira, seja no fim do século

XVIII ao início do século XIX, quando a questão da inserção nos ditames capitalistas

eram palavras de ordem. Aqui chamamos a atenção para os operários que se

rebelavam e se organizavam contra o sistema em prol de melhores condições de

trabalho, e acabavam sendo perseguidos ou presos. Não estamos com esta

afirmação, querendo dizer que a criminalidade é um exercício legal ou ilegal no meio

social. Na realidade, queremos demonstrar que a manutenção da ordem social e da

soberania do poder dominante quando são postas em xeque, criam-se mecanismos

de controle social, político ou econômico que venham a manipular a sociedade como

um todo, na tentativa de combater qualquer “mal” ou qualquer ideologia que se

posicione contra a ordem imposta.

Desse modo, utilizando-se do pensamento de Zaluar (1985), perguntamos:

será que o crime não é um estado de revolta do indivíduo contra o sistema imposto?

Ou, olhando sob outro ângulo: será que o crime não é uma tentativa por parte de

quem o pratica, de inclusão social, numa ordem na qual o poder e o ter estão no

centro da ideologia dominante?

A este respeito, Martins (1997), assinala que na sociedade capitalista, por

exemplo, não existe, no sentido preciso do termo, a exclusão, e sim, uma inclusão

marginal e precária. Ou seja, a lógica do capitalismo centra-se na lógica de mercado.

Portanto, para o capital, não é interessante a exclusão total. Segundo o autor, só

estamos excluídos socialmente quando morremos. E nem assim somos totalmente

excluídos. Na medida em que a representação simbólica daquele indivíduo

permanece “viva” na memória da sociedade, este ainda pode ser considerado um

ser social. O autor segue afirmando: “[...] a sociedade capitalista desenraiza, exclui,

para incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria

lógica” (1997, p. 32).

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O capitalismo, na sua fase atual, denominada por alguns autores de

globalização23, faz com que o indivíduo passe mais tempo excluído/desenraizado,

porque a sociedade está criando uma grande massa de população sobrante, que

tem pouca chance de ser reincluída nos padrões atuais do desenvolvimento

econômico. Ou, “em outras palavras, o período da passagem do momento da

exclusão para a inclusão está se transformando num modo de vida, está se tornando

mais do que um período transitório” (MARTINS, 1997, p.33).

Desta forma, o que está ocorrendo é uma inclusão que degrada o indivíduo

em toda a sua humanidade. Ou seja, os considerados sobrantes tentam engajar-se

a qualquer custo na lógica deste mercado, para evitar o desemprego e manter a sua

sobrevivência. Daí, resta-lhes, a prostituição ou a criminalidade como formas de

estarem reincluídos no sistema. Isto cria segundo Martins (1997), uma “[...]

sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do

ponto de vista social, moral e até político” (MARTINS, 1997, p.34). Neste sentido, a

Sociedade atual se tornou “[...] não uma sociedade de produção, mas a sociedade

do consumo e da circulação de mercadorias e serviços” (MARTINS, 1997, p.36). É

assim, uma sociedade que engana que manipula e que falsifica.

Neste sentido,

As próprias prisões brasileiras funcionam como mecanismo de oficialização da exclusão que já paira pelos detentos, como um atestado de exclusão com firma reconhecida. Não só considerando o estado de precariedade atual das prisões, mas também o estado de precariedade em que se encontram os indivíduos antes do encarceramento – em sua maioria, provenientes de grupos marcados pela exclusão (MENANDRO ;TAVARES, 2007).

Mais uma vez, o que predomina é a falência do “estado social”, e a

aplicabilidade do “estado penal” como medida de conter o avanço da criminalidade e

da violência.

Segundo Foucault (2005), as prisões se apresentam como uma forma de

pena, como um castigo específico para certos delitos ou como condição para

execução de outras penas, por exemplo, o trabalho forçado. Desse modo, a prisão

23 Segundo Iamamoto (2005, p.18), “[...] é no contexto da globalização mundial sobre hegemonia do grande capital financeiro [...], que se testemunha a revolução técnica cientifica de base microeletrônica, instaurando novos padrões de produzir e gerir o trabalho. Ao mesmo tempo, reduz-se a demanda de trabalho, amplia-se à população sobrante para as necessidades médias do capital, fazendo crescer a exclusão social, econômica, política, cultural de homens, jovens crianças, mulheres de classes subalternas, hoje alvo da violência institucionalizada.”

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se apresenta como um aparelho regulador para sociedade, pelo qual os exercícios

do poder e da dominação são nítidos:

A prisão sempre esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos. Habitualmente, acredita-se que a prisão é um depósito de criminosos, depósito, cujos inconvenientes se teriam constatado por seu funcionamento, de tal forma que se teria dito ser necessário reformar as prisões, fazer delas instrumentos de transformação dos indivíduos. Isso não é verdade [...]. Desde o início a prisão deve ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto a escola, a caserna ou hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. [...] Desde 1820, se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-os ainda mais na criminalidade (FOUCAULT, 1999, p. 131).

Como fazem parte da evolução das penas, as prisões, em seus primórdios,

eram vista como mecanismos temporários para o apenado que esperava a execução

de suas penas ou de forma perpétua, já que à época, os suplícios eram as grandes

formas de punição. Nesse período, podemos considerá-las como instituições que

não eram vistas como formas de pena, mas sim, como garantias sobre a pessoa - o

condenado - e seu o corpo. São consideradas como um campo de penalidades que

não cobre todo as formas de delitos e crimes cometidos.

Estamos nos referindo ao século XV, por ocasião das Ordenações: Afonsina

(Século XV); Manuelinas (Século XVI) e Filipinas (Séculos XVII até XIX). Todas

estas ordenações compreendidas como uma espécie de códigos, que regiam as leis

tanto do direito público quanto do privado, principalmente em Portugal. Estas

ordenações abrangiam o direito civil e o penal, assim como, regiam os direitos

previstos à Igreja e à nobreza portuguesa. A última vigorou até o século XIX, e

influenciou o direito civil Brasileiro até meados de 1916, quando foi criado o primeiro

código civil nacional. Uma de suas prerrogativas - das Ordenações das Filipinas -

primava pelo aumento da responsabilidade dos carcereiros e as penas decorrentes

para aqueles que facilitam a fuga dos presos. Fundamentava-se largamente nos

preceitos religiosos. O crime era confundido com o pecado e com a ofensa moral,

punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores. As penas

severas e cruéis - açoites, degredo, mutilação, queimaduras etc. – visavam a infundir

o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela

força, com torturas, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e

os galés. Aplicava-se, até mesmo, a chamada "morte para sempre", em que o corpo

do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até

que a ossamenta fosse recolhida pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma

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vez por ano. Além de tudo isso, as penas eram desproporcionadas à falta fixadas

antecipadamente. Eram desiguais e aplicadas com extrema perversidade.

Segundo Foucault (2005), os reformuladores desse período criticam as

prisões por serem vistas como incapazes de responder às especificidades dos

crimes; por serem desprovidas de efeito sobre o público - as punições deveriam

servir de exemplo para os demais indivíduos, e como forma de aprendizado das leis;

por serem consideradas inúteis para a sociedade, até nocivas consideradas caras,

pois produzem a ociosidade e multiplicam os vícios; e porque o trabalho de privar um

homem de sua “liberdade” e vigiá-lo na prisão é um exercício de tirania.

Por isso é que as prisões passam a ser consideradas como mecanismos de

punição para as sociedades civilizadas, fazendo parte do projeto triunfante do

liberalismo difundido pela Revolução Burguesa, pela qual a burguesia assume

poderes em nome da liberdade24, igualdade e fraternidade. Assim, a privação destes

“direitos” passa a ter um grande peso no sistema de punições, tornando-se um

castigo igualitário para todas as formas de crimes. Camargo (1990, p.133) aponta

que “realmente, a prisão é absolutamente adequada às sociedades industriais. Ela é

uma forma-salário de reparação: retirando o tempo do condenado, a prisão mostra

que sua infração lesou, além da vítima, a sociedade inteira.”

Como todos os sistemas de punições fazem parte de um aparelho de

dominação e regulação de indivíduos a uma ordem hegemônica, é nítido o sentido

funcional destas instituições amparadas em leis, princípios filosóficos, morais e até

mesmo religiosos. Não são permitidos a “desordem”, o questionamento, a

criticidade. Os indivíduos devem aceitar o que está posto de forma neutra e pacífica.

Ao contrário, tendem às punições.

Nesse contexto, também é relevante ressaltarmos a tendência de as

problemáticas sociais serem resolvidas via coerção e segurança pública. A questão

social torna-se caso de polícia com o advento do capitalismo. Já no século XVI,

segundo Oliveira (1984), as prisões eram destinadas ao recolhimento de mendigos,

prostitutas e jovens considerados delinqüentes, que viviam nas ruas em decorrência

da crise feudal e da ascensão do capitalismo. Remetendo um olhar para a nossa

contemporaneidade, observamos que esta criminalização da pobreza é histórica.

24 As prisões, neste sentido aparecem como penas privativas de liberdade, previstas pelo Código Penal Brasileiro, em seus Artigos 32 e 33.

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Tomando por base o pensamento de Foucault (2005), podemos afirmar esta

análise nos próprios modelos prisionais25 que surgiram na Europa desde o século

XVI. Segundo Foucault (2005), temos os seguintes modelos de prisão: o modelo de

Rasphuis, em Amsterdã (1596) e a Cadeia de Gand (1749). Na Inglaterra o autor faz

menção ao modelo da Cadeia de Hanway (1775). Já nos Estados Unidos, é tomado

por base o modelo da Prisão de Walnut Steet, na Filadélfia (1830).

Em Amsterdã, as prisões abertas a partir de 1596 se destinavam em

princípio a mendigos ou a jovens malfeitores. Seu funcionamento obedecia a três

grandes princípios: as durações das penas podiam, pelo menos dentro de certos

limites, ser determinada pela própria administração, de acordo com o

comportamento do prisioneiro; o trabalho era obrigatório, feito em comum, e

recebiam os detentos um salário por esse trabalho; as celas, estas abrigavam entre

4 e 12 presos, e só havia celas individuais para os que cometiam alguma infração na

prisão (cela – castigo). Por assim dizer, “enfim, um horário restrito, um sistema de

proibições e obrigações, uma vigilância contínua, exortações, leituras espirituais,

todo um jogo de meios para „atrair para o bem‟ e „desviar do mal‟, enquadrava os

detentos dia-a-dia” (FOUCAULT, 2005, p. 100).

Quanto a Cadeia de Gand (1749), esta ficou definida como uma instituição

que desenvolveu uma direção particular, ou melhor, que “[...] organizou o trabalho

penal em torno principalmente dos imperativos econômicos” (FOUCAULT, 2005,

p.100), levando em consideração o momento histórico– a Revolução Industrial - e

com ele a necessidade de mão-de-obra. A organização da classe trabalhadora em

prol de direitos sociais, econômicos e políticos era vista como subversão. Assim,

afirmava-se que a causa geral para a criminalidade na sociedade era a ociosidade.

Os considerados apenados desta instituição eram os “vagabundos”, que se

dedicavam à mendicância. Afirmava-se que: “Quem quer viver tem que trabalhar”

(FOUCAULT, 2005, p.100). E mais,

A prisão se apresenta como meio privilegiado de transformar pessoas ociosas em população trabalhadora. Os corpos dos condenados, mais que punidos, deveriam ser transformados em corpos dóceis, através de técnicas de coerção, processos de treinamentos, até se traduzirem em novos comportamentos, produtivos, socialmente úteis (FOUCAULT, 2005, p.101).

25 Segundo Oliveira (1984), as primeiras formas de prisões surgem desde a Roma Antiga como forma do indivíduo pagar uma dívida ou como forma de aguardar um julgamento (privativa). Foi na sociedade cristã que a prisão passou a ser uma forma de sanção. De início, era temporária e depois passou a ser perpétua.

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Dessa forma, podemos inferir que era necessário disciplinar os

“vagabundos” para inseri-los nos padrões e normas de conduta e comportamento

sociais funcionais ao modelo emergente, sem espaço para descontentamento. A

alienação da sociedade se tornou a principal ferramenta de manipulação da classe

burguesa para dominação e exploração da classe operária.

Na Inglaterra, em 1775, o Modelo de Hanway, cujo princípio central era o

trabalho, acrescentou que o essencial para a correção é o isolamento:

O isolamento constitui „um choque terrível‟, a partir do qual o condenado, escapando as más influências, pode fazer meia-volta e redescobrir no fundo de sua consciência a voz do bem; o trabalho solitário se tornará então tanto um exercício de concessão quanto de aprendizado; não reformará simplesmente o jogo de interesses próprios ao homo oeconomicus, mas também os imperativos do individuo moral (FOUCAULT, 2005, p. 101 grifos do autor).

A questão da moral social, segundo Foucault (1999) foi exercida

principalmente, pela “aliança” entre burguesia e Igreja - instituição histórica,

responsável pela difusão dos preceitos de moralização da sociedade - haja vista, a

necessidade de proteção dos meios de produção e da riqueza produzida, geridos

pela burguesia. Eis porque,

Foi absolutamente necessário constituir o povo como um sujeito moral, portanto separando-os da delinqüência, separando nitidamente o grupo de delinqüentes, mostrando-os como perigosos não apenas para os ricos, mas também para os pobres, mostrando-os como carregados de todos os vícios e responsáveis pelos maiores perigos (FOUCAULT, 1999, p. 133).

Dentro destes modelos do século XVIII, podemos, via Foucault (2005),

classificar os prisioneiros segundo quatro classes. A primeira é formada pelos que

foram condenados ao confinamento solitário ou que cometeram falta grave na

prisão. A segunda se constitui daqueles considerados reincidentes, cuja moral era

considerada depravada, tendo temperamento perigoso, disposições irregulares ou

conduta desordenada. A terceira classe é formada por aqueles cujo caráter e as

circunstâncias, antes e depois da condenação, fazem inferir que não são

delinqüentes comuns. E a quarta classe, é caracterizada como uma seção especial,

cujo temperamento ainda não é conhecido.

A prisão vai se apresentar para este último grupo como um aparelho de

saber, pelo qual serão analisados os indivíduos isoladamente, vendo a sua

periculosidade e o seu comportamento no cotidiano prisional. Neste caso, a prisão

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enquanto aparelho de “tratamento” e de investigações, não se detém apenas ao

crime cometido, mas ao conjunto, ou seja, ao crime e ao indivíduo infrator.

O lado perigoso desta última classificação é o de cair na falácia de que a

questão da criminalidade é um problema patológico ou psíquico. Porém, o próprio

autor em sua obra “Microfísica do Poder”, ao fazer uma comparação entre a

afirmação no século XIX, como justificativa para a criminalidade: “Ele rouba porque é

mau” e a que hoje é empregada: “Ele rouba porque é pobre”, dá margem para a

construção de um consenso social que afirma: “[...] para que ele [o pobre] roube é

preciso que nele haja algo que não ande muito bem. Este algo é seu caráter, seu

psiquismo, sua educação, seu inconsciente, seu desejo. Assim, o delinqüente é

submetido tanto a uma tecnologia penal [...], quanto uma tecnologia médica”

(FOUCAULT, 1999, p. 135). Reafirma-se assim o caráter patológico do crime.

Desse modo, é importante assinalarmos que criminalidade é algo complexo

no meio social. Não podemos partir apenas das condições objetivas de

sobrevivência dos indivíduos, mas também de seus enlaces subjetivos, e

salientando que este subjetivo é criado e recriado na própria sociabilidade - no caso,

a partir da lógica capitalista de produção, que produz e reproduz as relações sociais

pautadas no mercado e na competitividade - e vivenciado nas particularidades dos

indivíduos26.

Por fim, voltemos ao último modelo de prisão apresentado por Foucault: o

modelo de Walnut Street, na Filadélfia. Este marca um progresso, por fazer parte da

reforma penitenciária de 1830, oriunda das inovações políticas do sistema

americano. Apesar de manter a questão da moralidade e do trabalho como forma de

punição e disciplina dentro das prisões, ele contou com o diferencial de afirmar que

não era mais necessário o sensacionalismo de publicizar o indivíduo infrator, pois o

“intramuro” já era suficiente para penalizar, castigar e servir de exemplo para o resto

da população. Assim, a partir deste momento

O castigo e a correção que este deve operar são processos que se desenrolam entre o prisioneiro e aqueles que o vigiam. (...) A prisão torna-se uma espécie de observatório permanente que permite distribuir as variedades dos vícios e da fraqueza (FOUCAULT, 2005, p. 103 e 104).

26 Segundo Palangana (1998), as mudanças realizadas no cotidiano dos indivíduos são a partir das modificações das bases materiais de produção. Dentro do próprio capitalismo são operadas mudanças, tendo em vista a manutenção da ordem vigente, mudanças estas que determinam as relações sociais. Desta forma, os indivíduos são subjugados diretamente a formas e regras de dominação.

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As prisões se transfiguram materialmente como o poder de punir do século

XIX na Europa, a partir da instituição do Código Penal da França em 1810,

passando a ocupar o campo das punições entre as penas de morte ou multa. Apesar

do código afirmar que são necessárias relações exatas entre a natureza do delito e

as formas de punições, todas as formas de punição, a partir da instituição das

prisões, passam a ser o encarceramento:

Ora, as penas aflitivas efetivamente propostas são três formas de punição: a masmorra onde a pena de encarceramento é agravada por diversas medidas (referentes à solidão, privação de luz, as restrições de comida); a „limitação‟, em que essas medidas anexas são atenuadas, enfim a prisão propriamente dita, que se reduz ao encarceramento puro e simples. A diversidade, tão solenemente prometida, reduz-se finalmente a essa penalidade uniforme e melancólica (FOUCAULT, 2005, p. 96).

O que pretendemos com a utilização da prisão como aparelho regulador de

um sistema econômico-social já instaurado no século XIX, o capitalismo, é

responder a uma visão funcionalista da sociedade, no qual o sistema prisional tem a

“função” de recuperar e reintegrar os indivíduos que são considerados desajustados

ou disfuncionais ao sistema vigente. E tal objetivo se faz a partir de um processo

excludente, que tem como bandeira a ressocialização, como parte de um modelo

sócio-educativo que molda o indivíduo às bases econômicas e produtivas. Nesse

sentido, a legislação e as medidas de punição, dentre elas a prisão - forma de

punição das sociedades modernas – passa a cumprir uma função ideológica muito

clara: manter os sujeitos como cumpridores de normas e regras, orientando padrões

de conduta e comportamento, pelo medo de uma punição. Nessa direção, “[...] o

grande objetivo do conjunto de dispositivos disciplinares, não é manter as estruturas

sociais pela força, mas sim, pelo cumprimento de normas de condutas bem

determinadas” (CAMARGO, 1990, p. 134). Em síntese, o poder e a dominação não

são só aplicados como forma de repressão, mas também como instrumentos para

novas formas de comportamentos através da vigilância e da disciplina.

Essa privação de liberdade imposta por esse modelo de punição cria uma

espécie de sociedade paralela, não só no sentido de atender à legislação judiciária -

que impõe regras de condutas dentro do presídio - mas também cria, entre os

próprios apenados regras de sociabilidade. Assim,

O sistema prisional não representa hoje uma simples questão de grades e de muros, de celas e trancas, mas é visto como uma sociedade dentro de uma sociedade, onde foram radicalmente alterados numerosos comportamentos e atitudes da vida livre [...]. [Os apenados vivem] um verdadeiro regime totalitário em que são submetidos panopticamente a um controle extremo, através da constante vigilância e minucioso regulamento,

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a uma estrutura severa e limitada, de privacidade impossível, em que a conduta e a intimidade de cada um é observada pelos demais (OLIVEIRA, 1984, p. 63-64).

Mas que características têm esta forma moderna de punição? A prisão é

definida como instituição totalitária. Segundo Goffman (2007), uma instituição total

pode ser apontada como um local de resistência e trabalho, onde grande número de

indivíduos com situações semelhantes, separados da sociedade mais ampla por

considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente

administrada. São instituições cujo “fechamento” ou seu caráter total é simbolizado

pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que,

muitas vezes, estão incluídas no espaço físico, como portas fechadas, paredes altas,

grades, arame farpado, fosso, florestas etc. Goffman (2007) levanta os exemplos

das prisões, dos manicômios e dos conventos, ressaltando que a diferença do

primeiro para os demais está na condição de ser um local destinado a indivíduos que

não se comportaram de “forma legal perante o meio social”. Para o autor, a prisão

“[...] é uma instituição total organizada para proteger a comunidade contra perigos

intencionais, e o bem-estar das pessoas, assim isoladas não constitui um problema

imediato”. (p.17)

Sabemos que “a sociedade capitalista tem em suas mãos um mecanismo

muito eficiente de controle das massas, no que se refere a sua segurança pessoal e

de seu patrimônio” (SIQUEIRA, 2001, p. 63). Assim definida, a prisão se apresenta

na sociedade capitalista, como mecanismo de poder, que traz consigo um conjunto

de coerções exercido tanto de forma física quanto como psicológica, já que, mesmo

que os egressos saiam do meio prisional, o seu estereótipo de ex-preso é

“carregado” por toda a sua vida na sociedade, resultando num processo constante

de discriminação e preconceito.

As instituições prisionais, dentro da caracterização enquanto instituição total,

prima pelo objetivo de ressocialização. E tomando isso por base, colocam para o

indivíduo uma gama de mudanças, que vão desde a questão da sobrevivência até o

modo de sociabilidade. Dessa forma, “[...] o preso, ao entrar nesse universo

transformador, começa a passar por inúmeras ações que têm como objetivo

humilhá-lo de forma sistemática, em que a sua personalidade de cidadão será

morta” (SIQUEIRA, 2001, p. 65).

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Ao ser admitido, ele tem que dizer seus dados de identificação, tirar fotos,

registrar digital, receber um número; em alguns estabelecimentos existe fardas, é

necessário raspar o cabelo, não levar para a cela elementos pessoais, assim como,

é necessário manter sempre uma postura de submissão e obediência ao se

apresentar para os profissionais do presídio.

Suas necessidades básicas, como: dormir, comer, brincar, trabalhar em

diferentes lugares etc são direcionadas para um só lugar e num só momento, e sob

a guarda de uma autoridade. Há regras de conduta, horários e as atividades são

determinadas autoritariamente. Todos são tratados da mesma forma, independente

de cor, raça, religião e etnia. Tudo isso é feito para atender aos objetivos

institucionais. Contudo, ainda existe o tratamento diferenciado de acordo com a

classe social. Ou seja, o que presenciamos em relação aos tratamentos no sistema

prisional brasileiro é principalmente a atenção diferenciada dada ao apenado de

classe subalterna e os considerados de classe burguesa, aos quais são dados mais

privilégios, como celas individuais e acesso a advogados. Isto mostra que a ordem

hierárquica do capital atinge também a dinâmica na prisão.

Dessa forma, afirma-se o controle das necessidades humanas, sob a égide

da vigilância e da inspeção, para que todos façam o que claramente foi indicado e

exigido:

O presidiário deve perder sua auto-imagem, assim como perder alguns direitos fundamentais, como votar

27, responsabilizar-se pelos filhos, manter

habitualmente as relações heterossexuais. Perde a sua privacidade e, na maioria dos presídios, de modo absoluto: está permanentemente exposto a olhares dos outros, no pátio, no dormitório coletivo, no banheiro sem porta. Deve conviver intimamente com companheiros que não escolheu, muitas vezes indesejável; as suas visitas são públicas e sua correspondência toda lida e censurada (CAMARGO, 1990, p. 135).

Existe também uma visão estereotipada e antagônica entre os dirigentes

(funcionários, diretor, carcereiros) e os presos. Não há diálogo e o tom de voz dos

dirigentes é agressivo, cheio de autoridade e imposição. “A equipe dirigente muitas

27 Em reportagem concedida ao telejornal “Patrulha da Cidade” de uma rede de televisão local, no dia 17/09/2008, um representante judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, afirma que no pleito eleitoral do ano de 2008, os apenados que se encontram em regime provisório, ou seja, aqueles que ainda não foram julgados e nem sentenciados, terão o direito a participar das eleições, haja vista, só ser negado este direito aqueles já condenados. Os presos expressaram seus votos em urnas que foram distribuídas nos presídios provisórios do estado, porém, para exercer este direito o apenado (a) deverá se mostrar disposto para tal ato. De acordo com a reportagem, no Presídio Provisório da capital – “Raimundo Nonato” – até aquele momento, dos mais de 400 presos que estão nesta situação no local, só 1 (um) se dispôs a votar.

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vezes vê os internados como amargos, reservados, não merecedores de confiança;

os internados por sua vez vêem os dirigentes como condescendentes, arbitrários e

mesquinhos” (GOFFMAN, 2007, p. 19).

Quanto ao trabalho, o interno perde a sua total responsabilidade de prover

suas necessidades básicas de sobrevivência, ficando a mercê do aparato Estatal. O

trabalho no meio penal apresenta-se como mais uma pena imposta. Segundo

Siqueira (2001), é mais uma maneira de punir e educar o preso para as mais

variadas formas de exploração da força de trabalho. Vale salientar que o trabalho

deveria apresentar-se como uma atividade que traz satisfação ao seres humanos,

que o transforma em ser social e lhe dá margem para produzir e reproduzir suas

relações sociais, no sentido de garantia de sobrevivência e de adquirir novos

conhecimentos. Porém, o capitalismo transformou essa atividade em mercadoria,

que causa estranhamento e alienação, tanto em relação ao trabalho quanto ao

produto produzido.

E em se falando do âmbito penal, segundo o arcabouço legal28, o trabalho

no meio penal significa uma “solução” não só para combater a ociosidade vivenciada

pelos apenados, como também serve de ferramenta para uma verdadeira

ressocialização, atrelada a outras concessões de assistência. Porém, a realidade é

outra: este “benefício” não é para todos os apenados, são poucos os que tem

acesso a ele, passando pelo jogo de influência que há na prisão e como uma forma

de recompensa dada pela direção ao apenado de bom comportamento. Assim o

trabalho, não é um direito na prisão e aparece como uma benefisse ou troca de

interesses. Por outro lado, como é um campo excludente para os apenados (as),

gera intrigas entre os (as) presos (as) que “conseguem” o trabalho e os que ficam

ociosos (as). Têm-se, assim, dois tratos penais: os que tiveram a oportunidade de se

inserir e agora são considerados como trabalhadores pelos demais e os que não

conseguiram o trabalho e são tidos como “os que não querem viver melhores”, os

“marginais”, os “vagabundos”.

28 Sobre a legislação penal que rege o trabalho do apenado (a), ver: Lei de Execução Penal, n.º 7.210, de 11 de julho de 1984, capítulo II, seções I, II e III, artigos 28, 31 e 36, respectivamente.

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Nesse sentido, o preso não consegue assegurar seu ingresso nesse mercado, em que pode estar presente não só a possibilidade de reduzir a pena, mas também de aliviar tensões geradas pelo aprisionamento, deixando esvair a idéia da prisão tal qual ela é no cotidiano, passa a sofrer pelo não-ingresso, alem de ter de enfrentar a discriminação por parte dos outros presos (SIQUEIRA, 2001, p. 68).

Em seu “próprio mundo”, o interno não perde totalmente sua cultura

aparente, seu mundo da família. Segundo Goffman (2007), dessa forma, são

afastados de alguns comportamentos e não se acompanham as mudanças e

reformas sociais recentes do mundo externo. Por isso, “[...] se a estada do internado

é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo exterior (no caso das

prisões, para os extramuros), um desaculturamento, [...] que o torna

temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos da vida diária” (p. 23).

Para Foucault (2005, p.209), como a prisão desempenha um papel de

transformar a conduta de seus internos, é necessário que ela primeiro “baixe a sua

moral”, ou seja, realize um processo radical de “despojamento do eu” dos que nela

ingressam, seguido de outro processo que é o de “reorganização da personalidade

na base de novos padrões” de conduta e moral.

Por outro lado, não podemos dizer que esse processo de reorganização é

algo sem conflito. Os próprios presos criam mecanismos de resistência a esse

exercício de poder. Cria-se, segundo Camargo (1990), uma sociedade dos cativos,

marcada por normas, códigos de ética e condutas entre os próprios presos. Assim,

organizando-se coletivamente29, a pressão contra o sistema será maior. Camargo

aponta que,

A sociedade dos cativos é fechada aos que não lhe pertencem. O compromisso de não revelar seus segredos é o que há de mais sério na prisão, uma vez que o presos sabem, mesmo intuitivamente, que qualquer informação que escape será usada pela administração contra eles mesmos. Sabe também qual o tipo de comportamento que deles esperam os juízes, policiais, os técnicos, visitantes, e esforçam-se por cumprir essas expectativas, assegurando um certo equilíbrio do sistema (CAMARGO, 1990, p. 137).

Deste modo, de forma geral, a prisão é uma instituição útil à ótica capitalista,

tanto no sentido econômico como político, por isso, que é considerada uma forma de

pena da sociedade moderna. É uma instituição que tem uma função social tanto de

controle social como de repressão. Segundo Camargo (1990), antes da Revolução

29 Um exemplo, é o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criada em alguns presídios brasileiros, como uma espécie de sociedade paralela ao sistema prisional.

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Industrial, não existia uma classe autônoma de delinqüentes, eles estavam em todas

as classes sociais, muitos eram tolerados. Porém, com o advento da Industrialização

e mais especificamente, com a consolidação do capitalismo enquanto sistema de

produção e reprodução social surge à necessidade rigorosa de manter o poder e o

controle sobre o patrimônio e sobre a riqueza socialmente produzida nas “mãos” de

uma minoria. Assim, criou-se na sociedade um mecanismo de exclusão social, que

dita entre pobres e ricos, os que são o delinqüente, o que é anormal, o que é o

“bom” e o “mau”. Enfim, aquele que pode trazer de alguma forma, perigo a este

sistema. Desse modo, a prisão vai ser a institucionalização desse exercício de

repressão e reprodução da moral e conduta sociais. Dessa forma, “a prisão, ou

melhor, a própria lei30, a forma de aplicá-la e o sistema de penas servem para

controlar os comportamentos segundo interesses determinados, dentro de um

conjunto de mecanismos de dominação” (CAMARGO, 1990, p. 139).

2.2 A REALIDADE PRISIONAL NO BRASIL.

A conjuntura histórica em que se deu o surgimento das prisões na Europa e

demais regiões do mundo, não é diferente da conjuntura do surgimento das prisões

brasileiras. Elas são criadas para o exercício direto da regulação, da dominação e do

poder sobre a dinâmica social.

Historicamente, até o século XVI, as prisões brasileiras existiam como

medida cautelar31. A partir do século XVII com o surgimento das Ordenações das

Filipinas as prisões foram substituídas pela pena de morte, com julgamentos

desiguais e castigos corporais e nem mesmo com a chegada da família portuguesa

estes procedimentos tiveram fim. Somente em 1830, as prisões “tomam os seus

postos” de punição seguidos da obrigação do exercício de trabalho no recinto dos

presídios.

Segundo Lima; Pires (2006), os séculos XVII e XVIII foram palcos de um

processo que altera as estruturais sociais, econômicas, políticas e culturais até então

existentes. A humanidade assiste ao processo de ascensão da burguesia a condição

de classe dominante, instalando definitivamente o modelo capitalista de produção e

as idéias do Movimento Iluminista, afetando diretamente a ordem do Direito Penal.

30 A função preponderante dos sistemas de leis criadas é a manutenção da ordem social, sob a égide do capital e da ideologia dominante (CAMARGO, 1990). 31 Entendemos como uma apreensão provisória do sujeito ou retenção de bens materiais que possam interferir o andamento do processo.

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Desse modo, o agente do crime passa a ser considerado como um indivíduo racional

e livre que adere ao pacto social32 e, portanto, as leis instituídas. O seu crime dessa

forma, não afeta apenas aos indivíduos particulares, mas também a própria

sociedade, sendo punido a partir da legislação estatal, considerada como

representação do povo. O corpo ainda é visto como instrumento de arrependimento.

Mas a finalidade maior das penas é a privação da liberdade, vista neste período, no

qual o Liberalismo estava em ascensão, como o bem maior do indivíduo. Assim, a

privação de liberdade é considerada como uma pena de recuperação para o infrator.

Este período, assim retratado, é considerado o período das penas humanitárias o

qual se instaurou dentro do sistema capitalista e liberal.

No Brasil, especificamente, estes ideários liberais passaram a ser adotados

a partir do século XIX, sendo configurados legalmente, a partir da Constituição

outorgada em 1824, pelo Imperador Dom Pedro I. Nesta Constituição, o período

humanitário era caracterizado como um momento em que se aplicam penas que

primam pela Legalidade; proporcionalidade; personalidade e Igualdade, sendo este

último, constantemente desrespeitado, haja vista, que as penas continuavam sendo

aplicadas de acordo com os interesses das classes sociais dominantes.

Atrelado a estes princípios, esta Constituição em seu Inciso XXI do artigo

179, primava na fiscalização da execução da pena, pelas condições salubres das

prisões brasileiras e pela individualização33 das penas conforme as circunstâncias e

a natureza dos crimes (atenuantes e agravantes). Com base nestas prerrogativas,

em 1830, D. Pedro I sanciona o Código Penal do Império Brasileiro, baseado no

Código Francês, que além de executar a questão da individuação, da existência de

atenuantes e agravantes, estabelecia julgamento especial para os menores de 14

anos (tipo de maioridade penal). Quanto à pena de morte, a ser executada pela

força, trouxe polêmicas entre os liberais e conservadores no congresso, mas foi

aceita, visando coibir a prática de crimes pelos escravos. Apesar dos avanços, o

código ainda estava pautado em um forte apelo religioso e os crimes praticados na

época eram considerados uma ofensa à religião estatal. O documento ainda não

atentara para a caracterização dos crimes dolosos e culposos, com intenção ou não

de praticar, respectivamente, assim como, promovia grande desigualdade no

tratamento das pessoas, no caso, os escravos.

32 Acerca do Contrato Social ver Rousseau (1978). 33 Sobre Individualização das penas, ver: LIMA; PIRES (2006).

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Em consonância com este período humanitário das penas, temos o período

chamado de criminológico34 ou científico, instaurado no Brasil nas últimas décadas

do século XIX, caracterizado por considerar o indivíduo criminoso como “anormal”

dentro de uma perspectiva da medicina positivista. Segundo Lima & Pires (2006), o

criminoso deixa de ser visto como amoral para figurar como um “anormal”. A pena

continua privilegiando a recuperação, mas no sentido de “cura”.

Podemos afirmar que, neste período, havia uma diferenciação entre o “louco

criminoso” (pessoas portadoras de transtornos mentais) e o “criminoso”. Porém

todos os dois tipos eram vistos sob a ótica médica. Orientado por este apelo

positivista e como ressonância do período da Proclamação da República no Brasil, o

Código Penal de 1830 foi substituído pelo Código de 1890, que baniu a pena de

morte, e instaurou o regime prisional como uma medida curativa para o infrator. O

documento ainda previa, as penas de interdição (suspensão de direitos políticos), a

suspensão de emprego público, as penas de multa e de banimento (prisão

perpétua).

Em 1932, sob a forma de Decreto Lei, nº 22.213, foi promulgada a

consolidação das Leis Penais de 1890, pelo desembargador, Vicente Piragibe, que

vigorará até 1940.

A partir do governo de Getúlio Vargas, em 1940, foi instituído o Código

Penal35, ficando em vigor até os dias atuais36, considerado, hoje, um atraso no

direito penal, não condizendo com a realidade vigente. Esse código estabeleceu o

34 Sobre os períodos históricos e característicos das penas, ver no Capítulo II, o item 2.1. 35 É uma legislação eclética, que não assumiu compromisso com qualquer das escolas ou correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais. Fazia uma conciliação entre os postulados das Escolas Clássicas e Positiva, aproveitando o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e Suíço. É importante assinalar que a legislação exprimia as contradições e compromissos de Getúlio Vargas, ícone maior da política populista no Brasil, que se caracterizou pela prática da tentativa de conciliação entre as classes sociais e com cunho de forte apelo popular. 36 Podemos afirmar que houve algumas mudanças na lei, como as ocorridas em 1969 (lei nº 6.016/73, prevê a questão do local do crime, os crimes dolosos e culposos, a questão da embriaguez etc) e as de 1984, com a promulgação da Lei de Execuções Penais, nº 7.210 e em 1989, com a Lei nº 9.714, no que concerne às penas restritivas de direitos. Incluídos foram mais dois tipos de penas: a prestação pecuniária e a perda de bens e valores. Ademais, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, poderá ela se dá quando, atendidos os requisitos específicos – não reincidência, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime favoráveis e a pena aplicada não for superior a quatro anos. Vale salientar que, em sendo o crime culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada. Porém, a base conservadora é a mesma.

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rol de penalidade por prática delituosa, a partir da reclusão do indivíduo considerado

criminoso pela ordem social.

Desde a sua origem no Brasil até a contemporaneidade a prisão se

transformou na forma explícita de controle social, com a utilização de termos como

“ressocialização, reinserção ou recuperação social”. Apesar de hoje, o criminoso não

ser considerado biologicamente anormal como no início do período da criminologia,

estes termos são ainda muito freqüentes. Na sua essência, o objetivo do sistema

prisional como um todo, não é de recuperar e sim, vingar-se contra um indivíduo que

cometeu algum delito que atingiu a ordem social.

De acordo com o Código Penal Brasileiro (1940), em seu Título V, Capítulo I

– Das Espécies das Penas - temos as seguintes penas: as privativas de liberdade

(detenção e reclusão), previstas dos artigos 33 ao 42, variações de acordo com o

regime; as penas restritivas de direitos37, os quais, de acordo com o artigo 43, são

definidas como penas de ordem pecuniária, prestação de serviços à comunidade ou

entidades públicas, perda de bens e valores, interdição temporária de direitos e

limitação de fim de semana e as penas de multa38, regida pelo artigo 49 do Código,

que prevê o pagamento de uma quantia fixada na sentença, sendo geralmente

aplicada concomitantemente com a pena restritiva de direitos.

No sentido de organização da aplicabilidade da pena no Brasil, atualmente

temos três fases no direito penal: a legislatória, a judiciária e a executória.

Na fase legislatória temos a utilização do Código Penal Brasileiro (1940),

com objetivo de definir e aplicar as penas e enquadrar os indivíduos “criminosos” de

acordo com os delitos cometidos. A esta fase corresponde a abertura do processo

pela promotoria pública e a apresentação da acusação.

É a partir da execução do objetivo do código que entra-se na fase judiciária,

na qual a figura do juiz delibera a pena mais adequada ao indivíduo a partir do delito

37

É aplicado este tipo de pena de acordo com o artigo 44 do Código Penal, nos casos em que: I - a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. 38 Sobre a pena de multa ver artigos: 49, 50, 51 e 52 do Código Penal Brasileiro.

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cometido, considerando os agravantes e atenuantes do caso39. Aqui é o momento

do julgamento e ainda se utiliza o Código Penal Brasileiro como lei norteadora.

Já a fase executória é regida pela sua expressão máxima, a Constituição

Federal de 1988, em particular o seu artigo 5º que dispõe sobre direitos e deveres

de presos e pela Lei de Execuções Penais – LEP, nº 7.210 de 11/07/1984 que tem

por objetivo fiscalizar e garantir as condições necessárias para a execução das

penas nos estabelecimentos prisionais. Por isso é considerada a fase executória da

pena. Não envolve apenas a fiscalização da execução penal, mas também o

“tratamento” penal, estudos psicossoais que tem por base a personalidade do

apenado, seus antecedentes, bem como os motivos que o conduziu ao crime.

O fato é que este sistema que “prega” uma ressocialização ou reintegração

social é o mesmo sistema que “extramuros”, não promove a igualdade social. Assim,

“é um sistema falido, caótico, precário, terá muita dificuldade de recuperar um

sequer”, diz o Deputado Federal Neucimar Fraga, presidente da Comissão

Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário, em entrevista ao Jornal da Globo,

na série de reportagem sobre “o apagão carcerário” (26/05/2008).

“Mesmo as melhores condições de cárcere, que não são o caso brasileiro, são incapazes de garantir a reintegração social de uma população que nunca foi verdadeiramente integrada e que não tem possibilidades de o ser em uma sociedade excludente como a capitalista” (LIMA & PIRES, 2006, p. 29).

Em outro momento, o coordenador do Movimento Nacional de Direitos

Humanos, afirma: “As pessoas cometem crimes e vão parar no sistema prisional,

exatamente para que possam ser reeducados ou ressocializados, mas elas acabam

saindo muito piores e muito mais violentas. Então, o sistema prisional acaba sendo

grande reprodutor, uma incubadora de violência que vai se refletir na sociedade”

(Jornal da Globo – 27/05/2008).

Politicamente falando, o sistema penitenciário brasileiro é regido a partir da

Política Nacional de Segurança Pública, que se expressa no Plano Nacional de

Segurança Pública (PNSP) que tem como objetivos propor ações e metas voltadas

para as melhorias nas estruturas físicas das penitenciárias, como também, melhorar

as condições de trabalho do corpo técnico profissional dos que trabalham na área de

39 Sobre esta medida do juiz é correto afirmar que afeta diretamente na conduta do indivíduo, no tempo em que ficará sujeito à pena e nas suas condições de comportamento, ou seja, podemos dizer que uma vez envolvido no crime, teremos mudanças no indivíduo, não só no que tange a seu “eu”, mas o seu social, o seu cultural, enfim, as suas relações sociais ficam diretamente envolvidas.

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Segurança do país. Almeja ainda resgatar a confiança da sociedade e reduzir a

criminalidade no nível Federal, Estadual e Municipal. Como o próprio plano ressalta,

as problemáticas que perduram nas prisões brasileiras são encaradas como

medidas de segurança, ou melhor, como caso de polícia e não como problemática

social, que faz parte de um contexto social, político e econômico marcado pela

desigualdade social, pobreza, exclusão /inclusão social e ausência de políticas

públicas eficazes que combatam as diversas expressões da Questão Social.

De acordo com o Ministério da Justiça (2008) o Plano nacional ampliou o

seu projeto para a instituição de um Programa Nacional de Segurança Pública com

Cidadania (PRONASCI), instituído pela Medida Provisória nº 384 de 20 de agosto de

2007, que em outubro do decorrente ano, foi sancionado como Lei (nº 11.530). De

acordo com o ministério, o programa é considerado como uma iniciativa pioneira que

reúne ações de prevenção, controle e repressão da violência com atuação focada

nas raízes sócio-culturais do crime. Articula programas de segurança pública com

políticas sociais já desenvolvidas pelo governo federal, sem abrir mão das

estratégias de controle e repressão qualificada à criminalidade. As ações

desenvolvidas pelo PRONASCI seguirão ainda as diretrizes estabelecidas pelo

Sistema Único de Segurança Pública, cujo eixo central é a articulação entre União,

estados e municípios para o combate ao crime.

Os estados nos quais o programa já vem sendo implantado são: Alagoas,

Acre, Bahia, Ceara, Distrito Federal e entorno, Espírito Santo, Maranhão, Minas

Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio

Grande do Sul, São Paulo e Sergipe.

Além da “atenção” aos profissionais do Sistema de Segurança Pública, o

PRONASCI, tem como público-alvo os jovens entre 15 e 24 anos que estão sendo

considerados como vulneráveis a criminalidade ou que já estão em conflito com a lei.

O objetivo é a inclusão e acompanhamento do jovem em um percurso social e

formativo que lhe permita o resgate da cidadania. Composto por 94 ações, o

PRONASCI trabalha com os seguintes objetivos:

Modernização do Sistema de Segurança Pública e valorização de seus

profissionais e reestruturação do sistema prisional;

Ressocialização de jovens com penas restritivas de liberdade e egressos do

sistema prisional;

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Inclusão do jovem em situação infracional ou criminal nas políticas sociais do

governo;

Enfrentamento à corrupção policial e ao crime organizado;

Promoção dos direitos humanos, considerando as questões de gênero,

étnicas, raciais, de orientação sexual e diversidade cultural;

Recuperação de espaços públicos degradados por meio de medidas de

urbanização;

Apesar de suas ações prever a promoção de direitos humanos considerando

as diversidades, assim como, a atenção à população jovem que é a que mais

superlotam os presídios do país, o próprio projeto afirma que haverão medidas que

assegurem ações de cunho repressivos frente a criminalidade no país. Na verdade

estas ações não passam de medidas que assegurem o poder do Estado brasileiro

como instância legal, a qual é permitido o uso legítimo da violência e da força.

No sentido institucional as penitenciárias do país são regidas pelo

Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), subordinado a Secretaria Nacional

de Justiça. De acordo com o Art. 71 da Lei de Execução Penal (LEP), o DEPEN tem

por objetivo inspecionar e fiscalizar todos os estabelecimentos penais do país sendo

ainda responsável pela promoção, requalificação e aperfeiçoamento dos servidores

deste sistema. Objetiva ainda viabilizar meios de “reinserção” do apenado a

sociedade. Temos também a Coordenação de Administração Penitenciária (COAP),

sendo financiado pelo Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN). Possui 1.094

estabelecimentos penais40 distribuídos em Penitenciárias Estaduais e Federais;

Cadeias Públicas; Casas de Albergado; Colônia Agrícola, Industrial ou Similar;

Centro de Observação e Hospital de Custódia e Tratamento41.

40 São todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisório, quer condenado, ou ainda aqueles que estejam submetidos à medida de segurança. (disponível em: /www.mj.gov.br/, em 28/04/2008). 41 a) Cadeias Públicas: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas em caráter provisório, sempre de segurança máxima; b) Penitenciárias: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado; c) Penitenciárias de Segurança Máxima Especial: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados exclusivamente de celas individuais; d) Penitenciárias de Segurança Média ou Máxima: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados de celas individuais e coletivas; e) Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semi-aberto; f) Casas do Albergado: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem

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A Lei de Execução Penal, ainda prevê a criação de Penitenciárias Federais

de segurança máxima especial para os presidiários considerados de alta

periculosidade. O presidente atual previu até o termino do seu mandato a construção

de quatro unidades federais no Brasil, em Campo Grande (MS), Catanduva (PR),

Mossoró (RN) e Porto Velho (RO). Cada unidade terá capacidade para abrigar 208

presos em celas individuais. No momento, foram inauguradas a de Catanduva no

Paraná e a de Campo Grande no Mato Grosso do Sul. Como expõe o próprio

governo federal, por meio do Ministério de Justiça:

As penitenciárias federais vão abrigar criminosos de alta periculosidade, que comprometam a segurança do presídio ou possam ser vítimas de atentados dentro dos presídios. O objetivo do governo é, ao mesmo tempo, garantir um isolamento maior dos chefes do crime organizado e aliviar a tensão no sistema carcerário estadual. Livres dos indivíduos mais perigosos, o poder local poderá dar maior atenção à recuperação do restante da população carcerária, bem como da reinserção social do preso depois do cumprimento da pena. (BRASIL, Ministério da Justiça, 2008).

Quanto à historicidade das prisões no Rio Grande do Norte, tivemos a

origem do aprisionamento de pessoas desde a colonização. O Forte dos Reis Magos

foi à primeira edificação reconhecida no estado para este fim, tendo em seu interior

lugares destinados ao cárcere, à prisão civil-destinada a presos civis, que eram

pegos na costa litorânea traficando escravos. Também servia de prisão militar para

aprisionar soldados que se revoltavam contra seus superiores, além dos

calabouços42 que eram considerados os locais mais desumanos.

Em seguida veio a edificação conhecida como cadeia pública, que

permaneceu até 1911 quando foi considerada como um prédio insalubre e com

celas pequenas. Foi substituída quando seus prisioneiros foram transferidos para a

pena privativa de liberdade em regime aberto, ou pena de limitação de fins de semana; g) Centros de Observação Criminológico: estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde devem ser realizados os exames gerais e criminológico, cujos resultados serão encaminhados às Comissões Técnicas de Classificação, as quais indicarão o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa; h) Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas à medida de segurança e que estejam em algum processo de transtorno mental. (disponível em: http://www.mj.gov.br// em 28/04/2008). 42 Os calabouços eram utilizados para aprisionar pessoas que se rebelasse contra a coroa portuguesa, eram celas escuras, insalubres, onde os apenados eram constantemente espancados, se sobrevivessem passavam para outro recinto, onde ficavam cinco dias sem ver a luz solar e sem alimentação adequada, a maioria destes prisioneiros morria (GOSSON, 1998).

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antiga casa de veraneio do famoso industrial Juvino Barreto, localizada no Bairro de

Petrópolis. Diferente da cadeia pública esta tinha acomodações favoráveis para os

apenados. Esta por sua vez, foi desativada totalmente em 1968 e os presos

transferidos para a Penitenciária Agrícola Dr. João Chaves (como era chamada na

época). Atualmente no prédio em que funcionava a “casa de veraneio de Juvino

Barreto”, existe um mercado de artesanato conhecido como “Centro de Turismo”.

A Penitenciária Agrícola teve sua construção iniciada no governo do Dr.

Silvio Pedrosa e só foi finalizado no ano de 1968, no governo do monsenhor

Walfredo Gurgel, período marcado pelo início da institucionalização da prática

prisional no estado. O seu projeto inicial era abrigar os presos do estado em uma

instituição de base penal agrícola, onde os apenados produzem a sua própria

subsistência e com presos em regime semi-aberto. Com o avanço do índice

populacional e de urbanização, a criminalidade aumentou. Assim, uma instituição

que foi pensada para atender a uma pequena demanda, foi substituída por um

presídio que passou a funcionar com o cumprimento de penas privativas de

liberdade, intitulando-se de Penitenciária Central Dr. João Chaves. Posteriormente

ao abrigar os presos que cumpre outros regimes, tem o seu nome substituído por

Complexo Penal Dr. João Chaves (CPJC), nome que se mantém na atualidade.

O CPJC está localizado na Avenida João Medeiros Filho n° 963 no Bairro

Potengi, na Zona Norte da cidade de Natal/ RN. Como os demais estabelecimentos

prisionais do estado, o Complexo é uma instituição pública Estadual, sendo gerida

pela Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJUC). Atualmente, o Rio

Grande do Norte, dispõe de 13 unidades prisionais divididas em regiões distintas,

são elas:

Cadeia Pública de Caraúbas, Cadeia Pública de Mossoró; Cadeia Publica de

Natal; Centro de Detenção Provisória da Zona Norte, todas destinadas a

todos os regimes e com Mínima Segurança;

Centro de Detenção Provisória da Ribeira, sendo esta, com média segurança

e comportando presos do sexo masculino;

Penitenciária Dr. Francisco Nogueira Fernandes, também denominada de

Penitenciária Estadual de Alcaçuz (PEA), considerada de segurança máxima

abrigando apenados de alta periculosidade e todos do sexo masculino;

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Penitenciária ou colônia Agrícola Dr. Mário Negócio – PAMN. Fica a 12 km

da área urbana da cidade de Mossoró, sua finalidade inicial destinava-se a

ser uma unidade voltada para o regime semi-aberto, com o desenvolvimento

dirigido para projetos agrícolas, mas tal objetivo nunca se implementou

concretamente, passando a abrigar apenados de regime fechado, diferente

do que expõe a Lei de Execução, no Art. 91, que diz: ”A colônia agrícola

industrial ou similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semi-

aberto”. Sua segurança atual é considerada mínima.

Complexo ou Presídio Regional de Pau dos Ferros (PRPF), localiza-se na

cidade de Pau dos Ferros, no momento, custodia apenados do regime

fechado, semi-aberto e alguns que não foram julgados. Sua segurança é

considerada mínima;

Presídio Regional do Seridó (conhecido como Pereirão) fica na cidade de

Caicó, na região Seridó do Estado e é destinado aos presos que estão em

todos os regimes, sendo considerada de média segurança;

Presídio Provisório Raimundo Nonato localiza-se ao lado do Complexo Penal

Dr.João Chaves Natal/RN. Sua finalidade é custodiar presidiários que ainda

não foram sentenciados. Sua segurança também é mínima;

Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento faz parte do Complexo Penal

Dr. João Chaves, porém com um corpo profissional e uma direção

independente. Sua finalidade é internar pessoas que estão na medida de

segurança e que sofre de algum tipo de transtorno mental;

Penitenciária Estadual de Parnamirim, destinada para todos os regimes. É de

segurança mínima;

O Complexo Penal Dr. João Chaves abriga o pavilhão Feminino no regime

fechado, aberto e semi-aberto e apenadas em regime provisório, ou seja, que

ainda não foram sentenciadas; o pavilhão de Liberdade e a Casa Albergue43,

estes abrigam sentenciados respectivamente nos regimes semi-aberto e

aberto e o Hospital de Custódia que já foi mencionado.

43O Pavilhão da Liberdade e a Casa Albergue destinam-se aos apenados de regime semi-aberto, que passam o dia fora da prisão e retornam a noite para dormir. Contudo, atualmente, a Casa Albergue está sendo usada pela Companhia da Policia Militar e os apenados não estão mais dormindo no pavilhão, vão somente assinar a freqüência diária.

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O gerenciamento destes estabelecimentos prisionais é posto em xeque

todos os dias pela mídia que mostra a realidade prisional marcada de rebeliões e

violações constantes dos Direitos Humanos dos presos (as). Em uma série de

reportagens feitas pelo Jornal da Globo (26/05/2008), chamado de “Apagão

Carcerário”, foi exposto que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos

Deputados Federal, em 2007, recebeu 60 (sessenta) denúncias de violência contra

presos. Segundo a CPI do Sistema Carcerário o número de presos mortos nas

cadeias brasileiras atinge uma média de 1250 (um mil duzentos e cinqüenta), no ano

de 2007. Por outro lado, o Ministério da Justiça mostra, como dados oficiais, que

morreram cerca de 1048 (um mil e quarenta e oito) presos no mesmo ano, o que de

toda forma é inaceitável.

A população carcerária é um dos agrupamentos sociais mais vulneráveis à violência e dos mais excluídos da implementação de políticas públicas e programas sociais. A condição de isolamento e sua submissão a um regime de instituição total aumentam a probabilidade da violação de seus direitos e da integridade física dos indivíduos que a compõem (FRAGA, 2002, p.26).

As penas privativas de liberdade tornaram-se regras e não uma das formas

de punir, apesar de todos os esforços em aplicar as penas alternativas44. Ou seja, o

encarceramento e a repressão policial passaram a ser as únicas formas de gerir as

transgressões das classes mais pauperizadas da sociedade brasileira.

O uso intensivo e desnecessário das prisões como punição, [é] empregada, praticamente, como único recurso de penalização e controle social. O uso indiscriminado da pena privativa de liberdade significa, na prática, apenas mais uma política de controle social de setores da população empobrecida (FRAGA, 2002, p. 27).

Analisando a realidade prisional brasileira sobre a questão carcerária e a

aplicabilidade da pena privativa de liberdade, o Primeiro Defensor público de São

Paulo, afirma: “Enquanto os operadores do direito, aí incluindo promotores, juízes e

muitas vezes, as autoridades policiais não se conscientizarem que a prisão deve ser

reservada para casos extremos, nós não vamos solucionar esse problema, ele vai se

acentuar” (Jornal da Globo – 30/05/2008).

Temos também a questão da relação entre o aumento significativo das taxas

de encarceramento (superlotação nas cadeias) e o incremento da criminalidade.

Segundo Fraga (2002), a punição e a prisão de indivíduos acusados por

44 Consiste na substituição da privação de liberdade por medidas alternativas, como prestação de serviços comunitários. Para Souza (2004), apresenta-se como uma das formas de minimizar a dura realidade da prisão, porém no interior da comunidade e da própria prisão ainda é uma idéia nova e que causa relutância.

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determinados crimes correspondem a uma visão de polícia e do sistema judiciário

em questão. Quer dizer, o fato dos crimes contra o patrimônio (furto e roubo) serem

os mais punidos, não significam que são os mais praticados pela população, e isso é

nítido quanto vemos o grande número de crimes “do colarinho branco” e o tráfico de

drogas no país.

Outro fator importante a ser considerado, é o aumento dos grupos

organizados nas prisões como é o caso do Primeiro Comando da Capital (PCC). Em

grupos, formam um poder paralelo no regime carcerário, obrigando os presos além

de seguir as regras institucionais, a seguir também as regras deste grupo. O PCC

torna-se também, uma forma de organização dentro das prisões na tentativa de

reivindicar, através da força e da pressão, melhores condições de sobrevivência.

Atrelado a este jogo de poder, presenciamos na mídia, por exemplo, o grande

número de casos de extorsões. Isso se torna um fato grave, tendo em vista que

reafirma o ditado popular de que: “quem tem dinheiro não vai para cadeia”, ou

melhor, “o cara que tem dinheiro, ele fica na enfermaria ou ele fica na triagem, ele

não fica no meio dos presos comuns45”.

Esse quadro se apresenta como uma condição de favorecimento e quebra o

princípio de que a justiça é igual para todos, reafirmando o fato, já outrora

mencionado, de que a aplicabilidade das penas são postas de acordo com as

classes sociais.

É importante também mensurarmos o grande número de reincidentes,

mostrando a ineficiência não só da aplicabilidade das penas e do sistema prisional,

mas acima de tudo, a questão da falta de uma política pública que não trate a

questão criminal não apenas caso de polícia, mas como uma problemática/

expressão da questão social, tanto fora quanto dentro das prisões. Isto porque,

O produto que sai do presídio é um individuo que está maximizado na carreira do crime, ele já aprendeu a praticar o crime e ele sabe que não ficará muito tempo preso. Isso foi à falência do sistema penal em longo prazo e é o problema que nós enfrentamos hoje

46.

Segundo Lima; Pires (2006), a criminologia é dividida em duas vertentes: a

radical e a tradicional. A primeira tem como objeto o conjunto das relações sociais,

comprometendo-se com a transformação da estrutura social e a construção de uma

45 Relato de agente penitenciário em reportagem ao Jornal da Globo (29/05/2008). 46 Fala de Marcio Christino, promotor de Justiça de Criminal/SP, em entrevista ao Jornal da Globo – 26/05/2008.

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nova ordem societária a partir do despertar crítico das classes trabalhadoras, na

medida em que acredita na impossibilidade de resolver a problemática do crime no

capitalismo. Quanto à segunda, o seu objeto limita-se ao comportamento criminoso e

ao sistema de justiça criminal, comprometendo-se com o aprimoramento do aparelho

penal para a redução de crimes e sua eficiência com menos custos, tudo sob a égide

do capital e da classe dominante que controla a ordem social.

O objetivo de ressaltarmos estas duas vertentes no transcorrer deste modelo

brasileiro é de mostrar que a sociedade brasileira se enquadra na perspectiva

tradicional, pois temos um dos sistemas prisionais mais retrógrados, superpopuloso

e injusto. Isso mostra que a solução não está na criação de mais cadeias e medidas

punitivas, e sim na forma como são “tratados” estes presos e se a legislação em

vigor dá conta da realidade prisional do nosso país, assim como, se estamos

tratando de uma problemática apenas como caso de policia ou como questão social.

A este respeito, Fraga (2002, p. 28), assinala que, no Brasil, temos “o uso do

Estado Penal para suprir a ausência de um Estado Social”. Marcado por penas e

prisões que só atingem os mais desfavorecidos, por um modelo de produção que

constantemente produz e reproduz relações sociais impregnadas de clientelismo,

exclusão e desigualdades e acima de tudo, uma sociedade que nega direitos

sociais, econômicos, políticos e culturais.

Neste sentido, não existe um capitalismo humanitário - apesar de sabermos

que a trajetória histórica das prisões e das penas antecedem o surgimento da

sociedade capitalista - que amenize as mazelas sociais, ou que garanta direitos

sociais e garanta emprego a todos. É necessário, para romper verdadeiramente com

esta política carcerária tradicional uma nova sociabilidade que acabe com os

determinantes que levam os indivíduos a cometerem crimes. Não basta

simplesmente, que sejam construídas cadeias e haja investimento em aparato

policial. Ao contrário do que pensa o Secretário de Segurança Pública do Rio

Grande do Sul, em reportagem concedida ao Jornal da Globo, em 27/05/2008:

“Quando o governo queria construir presídios, a sociedade dizia: - Nós estamos com

problemas de escola, saúde, temos que construir hospitais. E ficava os presídios em

segundo plano”.

Sabemos que o investimento em segurança pública também supõe

investimentos na eficácia policial e no aumento do número de cadeias como uma

medida imediatista. Porém a problemática criminal em nosso país não é apenas

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caso de segurança, mas um problema social instaurado em nossa trajetória histórica

social, política e econômica. E pensando deste modo, o senhor secretário está

apenas reafirmando o que já mencionamos, aqui: a presença de um Estado penal

para justificar e ineficiência de um estado social. E são necessários, sim, escola e

saúde, pois a qualidade de vida da população é um fator preponderante na inserção

de um indivíduo no crime ou não.

Se esta realidade a ser enfrentada pela nossa população subalterna e

aprisionada, antes e depois do ato criminoso cometido, é um caso complexo a se

enfrentar e resolver, quando remetemos a questão, especificamente, para o gênero

feminino47, discriminado em todos as instâncias, ou seja, desde a questão das

relações sociais de gênero até a questão de classe social, política e econômica, a

questão se torna ainda mais complexa. Esta será a nossa preocupação central nos

capítulos seguintes.

Por fim, acerca das prisões, é correto afirmar, de forma geral, que:

[...] A instituição carcerária não se contenta em recolher e armazenar os (sub) proletários tidos como inúteis, indesejáveis ou perigosos, e, assim, ocultar a miséria e neutralizar seus efeitos mais disruptivos: esquece-se freqüentemente que ela própria contribui ativamente para estender e perenizar a insegurança e o desamparo sociais que alimentam e servem de caução. Instituição total concebida para os pobres, meio criminógeo e desculturalizante moldado pelo imperativo (e o fantasma) da segurança, a prisão não pode senão empobrecer aqueles que lhe são confinados e seus próximos, despojando-os um pouco mais dos magros recursos de que dispõem quando nela ingressam, abliterando sob a etiqueta infame de penitenciário todos os atributos suscetíveis de lhes conferir uma identidade social reconhecida (como filho, marido, pai, assalariado ou desempregado, doente, marselhês ou madrilenho etc), e lançando-os no aspiral irresistível da pauperização penal, face oculta da política social do Estado para com os mais pobres, que vem em seguida naturalizar o discurso inesgotável sobre a reincidência e sobre a necessidade de endurecer os regimes de detenção [...] (WACQUANT, 2001, p. 142, grifos do autor).

47 O tempo todo neste ponto caracterizamos o sistema prisional brasileiro, independente da condição de gênero, raça ou etnia, apesar de sabermos que a população carcerária é composta em sua maioria por negros. O que evidenciamos neste ponto foi apenas à questão de classe social. Trabalharemos sob uma ótica de gênero nos capítulos seguintes.

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3 VIOLÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO.

3.1 VIOLÊNCIA, MEDO E SEGURANÇA PÚBLICA.

Para chegarmos a um conceito sobre violência, devemos estudá-la a partir

de suas mais variadas formas, levando em consideração o contexto sócio-histórico e

os interesses individuais, grupais, de classes e de segmentos de classes, que

permeiam as relações sociais, haja vista, que a violência é um fenômeno construído

socialmente, que no decorrer da história assume formas e manifestações diferentes.

Portanto, não podemos reduzi-la a um simples fenômeno patológico, nem tão pouco

a uma simples manifestação da agressividade. Mas

[...] a violência deve ser explicada como um fenômeno social que se objetiva em um dado contexto histórico [...]. Isso não significa afirmar, em absoluto, que qualquer ato de violência praticada nessa ordem social seja direta e mecanicamente coordenada e causada por ela (ainda que, em seu caráter intrinsecamente contraditório, o capitalismo construa e reconstrua, ao mesmo tempo, maravilhas e mazelas, ordem e caos), mas que hoje a violência é elaborada e operacionalizada nesse modelo societário, sob suas condições e, portanto, é influenciada por essa forma de organização social. [...] Não se trata absolutamente de excluir essas características, em nada desprezáveis para a explicação da violência, mas de explicá-la a partir de um complexo circuito que produz e se reproduz, em uma dada sociedade, a partir de condições sócio-históricas especificas, objetivando-se, com maior ou menos intensidade, nas diversas instâncias da sociedade (SILVA, 2004, p. 135-136).

Segundo Fraga (2002), em se tratando da relação entre violência e

agressividade, pode-se afirmar que nem toda agressividade pressupõe violência,

mas que toda violência pressupõe agressividade. Esta última, para Freud, é vista

como inerente ao ser humano. Por isso que nem todo ato agressivo pode ser

considerado violento. A agressividade pressupõe uma condição do ser humano para

dar respostas a suas atividades48. Caso contrário, podemos afirmar que, um ser

humano sem agressividade torna-se um indivíduo inerte, sem iniciativa ou defesa,

que fica a mercê da vontade de outrem. Desse modo, podemos resumir que,

dependendo das condições sociais, psíquicas e históricas, a agressividade pode ser

canalizada para um ato destrutivo da mais pura violência. “Nessa perspectiva, é a

nossa própria violência a que mais aterroriza, aquela que nos recusarmos a

conhecer em nós mesmo, mas que se encontra latente, se potencializada frente a

determinadas circunstâncias” (BAIERL, 2004, p. 67). Por outro lado, essa

48 A agressividade é própria de todos os animais e é fundamental para possibilitar a sua defesa. Neste sentido, a agressividade também se mantém geneticamente no ser humano para possibilitar a sobrevivência da espécie. Contudo, com a racionalização crescente da sociedade, a agressividade e a naturalidade foi sendo moldado e domesticada. Ver Elias (1994).

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agressividade pode se apresentar como um estímulo para aprendizagem do

indivíduo ou ainda, esta agressividade pode ser uma resposta a um ato de violência

sofrido. Este pode ser o caso, por exemplo, da questão da criminalidade no meio das

classes subalternas, que pode ser vista como uma resposta à violência estrutural

vivenciada cotidianamente por esses indivíduos.

[...] Nosso propósito, em vez de partir de uma crítica moralista da violência, derivada de éticas universais a priori, cujos modelos pretendem julgar e ser aplicados à sociedade é tomar a violência dialeticamente, entendendo, a partir de suas condições concretas de existência, que ela tem um lugar no bojo das contradições sociais, e não é, como pensa o eticismo abstrato, uma degeneração do verdadeiro ser humano, mas sim, um modo especifico de afirmação do indivíduo sob vigência de determinadas formas de sociabilidade (FRAGA , 2002, p. 46, grifos do autor).

Para a manifestação da agressividade, enquanto resposta a uma violência

outrora sofrida, Baierl & Amendra (2002), dão o nome de medo operante, ou seja,

com medo de sofrer uma violência maior, o indivíduo “ataca” primeiro, geralmente,

pegando a vítima, que até então era o agente ativo da violência, de surpresa,

evitando assim uma reação por parte deste. Portanto, podemos afirmar que na

sociedade todos são violentos, uns mais, outros menos. Ou dito de outra forma,

todos nós trazemos intrinsecamente a agressividade e a violência, mas esta nem

sempre se manifesta. Somente em determinadas circunstâncias, quando é

necessário ao ser humano no processo de luta pela sua sobrevivência. Ou em

outras circunstâncias, revela-se em um indivíduo que quer manter-se no poder,

quando percebe alguma ameaça.

Tudo se relaciona com a utilização do medo, o uso que se faz dele. E é exatamente o uso que se faz do medo – o medo com instrumento de subjugar ou ser subjugado pelos outros - que permite as diferentes formas de atrocidades e crimes contra as pessoas se perpetue. O medo existe na atmosfera do ar. Atinge a todos, os violentos e os violentados (ALMENDRA & BAIERL, 2002, p. 62).

Deste modo, podemos conceituar violência como sendo, reflexo do meio ao

qual o indivíduo está envolvido, em outras palavras, não podemos considerá-la

apenas como uma forma de ferir fisicamente o outro, mas como parte de uma

sociabilidade que expressa símbolos, instituições e políticas que degrada e apodera

o indivíduo a uma lógica social que afeta tanto suas condições objetivas de

sobrevivência como em sua subjetividade. Assim, como forma de conceituar a

categoria, utilizamos a afirmação de Costa (1986 p.47): “a violência é um artefato da

cultura e não o seu artífice. Ela é a particularidade do viver social”.

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Assim, segundo Baierl (2004), o que torna um ato violento lícito ou ilícito, é a

própria construção de uma determinada sociedade, com base em seus preceitos

morais e éticos. Sendo que, ainda segundo o autor, quando o poder que perpassa

as relações de violência não se constitui como um instrumento legítimo e legal, os

diferentes grupos passam a arbitrar o que é justo e injusto. Por esse motivo, em

alguns casos a violência é tolerável e aceita pela sociedade. Por exemplo, nos casos

em que um traficante é assassinado. Isso desperta nas pessoas que estavam

subjugadas a ele um sentimento de alívio e justiça e a outros que dependia

diretamente de sua atividade ilícita tristeza ou desemprego.

Historicamente, [a violência], vem sendo utilizada com objetivos diversos, envolvendo desejos e aspirações pessoais, interesses de grupos criminosos/terroristas ou, também, ações oficiais coordenadas pelo Estado (sendo elas legítimas ou não). Toda violência possui uma intencionalidade – uma teleologia – e conta com operacionalizadores e justificadores. É, por isso, concreta, material e historicamente situada, manifestando-se imediatamente como casos isolados, ainda que deva ser explicada, necessariamente, como um processo (SILVA, 2004, p. 134).

O processo de classificar na sociedade os “bons e os maus” trata-se,

segundo Baierl & Amendra (2002), do fenômeno da “demonização do outro”, ou

seja, o indivíduo na sociedade contemporânea, tende ao individualismo em virtude

da concorrência produzida e reproduzida pelo modelo de produção capitalista, e o

outro passa a ser visto como um inimigo em potencial. O outro é o infrator, o

transgressor, o violento, como se o “eu” nunca fosse vulnerável a ser também um

infrator, um indivíduo violento, em determinadas circunstâncias. Pode-se afirmar que

surge um certo solipsismo / etnocentrismo por parte dos indivíduos. “A violência que

não me afeta diretamente não tem nada a ver comigo. Entretanto, quando ela bate

diretamente em minha porta, começo a ficar com medo” (BAIERL & AMENDRA,

2002, p. 65).

[...]O artista principal em alguns momentos pode ser o „mocinho‟ e em outros o „ bandido‟. Em outro consegue congregar em si mesmo os dois papéis, porque a força que carrega em si suplanta o papel que lhe foi precrito. Outras vezes estes personagens são meros figurantes de um enredo que não foi escrito por eles, para o qual não foram convidados, mas em cuja história de alguma maneira, fazem uma „pontinha‟ – trata-se dos milhares de anônimos que vivem as pontinhas do medo e da insegurança, com a presença do sucesso (BAIERL, 2004, p. 50).

Assim, sem esta noção de que a violência em suas mais variadas

manifestações é um “problema” coletivo, a sociedade passa a não cobrar do Estado

- que é o órgão representativo da coletividade - ações que não só combatam a

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violência, mas que acima de tudo, a previna. Percebe-se que há um enfrentamento

individual, ou seja, cada qual preocupa-se como uma forma de defender-se, a partir

de um medo obsessivo. Isso gera um medo e uma forte aversão ao Outro.

Assim é que o Outro é sempre visto como um concorrente, como um inimigo em potencial. O Outro é aquele que me ameaça e que pode, como na horda primitiva, comer o alimento que serveria para mim. Em outras palavras, [...] vivemos em um mundo em que o „inferno são os outros‟ (FRAGA, 2002, p. 52).

O autor, ainda ressalta, que esta aversão é tida como o grande motivo pelo

qual a maioria das pessoas defende a pena de morte: “porque eu, que sou bom,

nunca me imagino na possibilidade de cometer um crime. Me imagino somente na

possibilidade de ser a vítima. Então sou a favor, porque é o outro, que é a fonte do

mal, é o outro quem vai para a cadeira elétrica” (Ibidem, p. 52).

A mídia neste contexto tem um papel preponderante, não só em relação ao

estranhamento do outro, mas no despertar de um novo “sentimento”. Ao exacerbar a

violência, segundo Fraga (2002), a mídia desenvolve uma nova forma psicológica de

reconhecimento que não atinge apenas ao chamados “excluídos sociais”, mas todas

as camadas da sociedade, despertando um desejo de reconhecimento do “eu”, bem

comum entre os jovens49. Assim, o outro não será apenas o estereótipo do “mal”,

mas passa também a ser a “celebridade” da mídia. Em outras palavras, do mesmo

modo que a mídia encarrega-se de criminalizar o indivíduo, ela também pode torná-

lo herói. Em qualquer veículo de comunicação, o poder de persuasão para

desrespeitar opiniões sobre um determinado caso ou determinado indivíduo é muito

forte. Como por exemplo, o chamado “caso Isabella”, que foi manchetes em todos

os veículos de comunicação do país, em Março deste ano. A mídia de certa forma

contribuiu para a mobilização popular no sentido de “cobrar” da justiça a solução

para o caso, que de certa forma, já tinha o seu pré-julgamento de acordo com a

opinião da mídia – de que os pais da menina eram culpados pelo seu assassinato.

Aqui fica a crítica: quantas “Isabellas” não morrem todos os dias por causas

parecidas grandes favelas do país, em periferias?E por que não incentivar também a

mobilização popular na solução das diversas expressões da violência frente ao

Estado? A resposta da questão está justamente no fato destes veículos atender a

interesses de determinadas classes e da própria banalização que se tem em relação

à criminalidade em meio à pobreza social.

49 Quanto à violência entre jovens ver: FRAGA (2002).

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Para explicar a existência da violência no meio social, utilizamos alguns

argumentos defendidos por autores, como Saffioti, Dominguez e Baierl. A primeira

trabalha a questão dos atos de potencia e impotência. O segundo trabalha o

fenômeno da visibilidade e invisibilidade da violência e a última, partindo do contexto

social, faz uma relação da violência com o medo social.

Saffioti (1999), afirma que o exercício da violência está intrinsecamente

ligado à questão da potência e impotência do indivíduo, ou seja, a violência tente a

se manifestar quando o indivíduo que foi socializado para dominar e mandar, se vê

em uma situação de impotência. Como por exemplo, o marido desempregado que

agride a esposa. Ele está passando por um momento de impotência, por estar fora

do mercado de trabalho e tenta de outro modo, exercitar o seu potencial,

transfigurado no exercício da dominação e agressão frente à mulher. Por isso, é

correto afirmar que a questão da violência faz parte do contexto contraditório das

relações sociais de poder. Muitos utilizam as mais diversas formas de violência para

manter a sua hegemonia e exercer o seu poder. O medo, gerado por essa relação

de poder, segundo Baierl (2004), é utilizado para aterrorizar ou fazer com que os

indivíduos se entreguem, ou seja, o medo, passa a ser uma estratégia para

subjugação, controle, escravidão e dominação de pessoas sob uma determinada

ordem ou interesse.

... que preço as pessoas estão pagando para não sentir medo? As pessoas alteram sua rotina, sua forma de ser no mundo, alteram as relações sociais, não ficam mais indignadas, aceitam o inaceitável, fingem não ver, estão reconstruindo territórios, buscando formas de defesa, revides, mudando horários etc (BAIERL, 2004, p. 40).

Quanto à visibilidade ou invisibilidade da violência, Dominguez (2002),

defende que uma determinada ordem social, identifica e resolve os diversos tipos de

violência, a partir de sua visibilidade e invisibilidade. Neste sentido, a sociedade

tende a pressionar por soluções e a se preocupar com os tipos de violências visíveis.

Desta forma, o senso comum tende a ver a violência apenas como agressão física,

por se tratar da forma mais visível de violência, esquecendo ou velando muitas

vezes a violência tida como estrutural, que é mascarada pelo sistema capitalista.

Esse velamento do real é típico do Estado neoliberal que substitui o Estado social

pelo Estado policial, defendendo, segundo Baierl & Amendra (2002), as classes mais

abastadas, ou melhor, o próprio agressor, mesmo que isto não apareça de forma

visível. Desse modo, instaura-se o medo coletivo e a insegurança para a maioria da

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população. Neste sentido, a noção de paz50, passa a ser entendida, segundo

Dominguez (2002), como a capacidade de uma sociedade tornar visível e resolver

favoravelmente todos os tipos de violência, realidade que está longe de ser

alcançada em todo o mundo.

Dentre este processo não podemos esquecer a importância da tomada de

consciência de direitos por parte da sociedade, para que a violência se torne visível,

e o que até então não era visto como violência, e sim como algo natural, passa a ter

visibilidade social e conseqüentemente respostas.

Para Baierl (2004), a globalização e a tecnologia afetam o mercado de

trabalho formal, e conseqüentemente, muda a vida das pessoas, ou melhor, o medo

e a violência, produzidos por esta lógica social, econômica e política, fazendo criar

novas formas de sociabilidade, segregando grupos sociais, discriminando

segmentos mais vulneráveis da sociedade e globalizando a miséria e a

criminalidade. Fala-se em novas formas de crime, devido às novas formas de

tecnologias criadas para a “defesa” dos indivíduos. Essa violência amplia o medo

social e desperta nas pessoas sentimentos de individualidade, impedindo o

sentimento de pertencimento a coletividade e inibindo o direito a liberdade.

A violência na forma como vem se construindo na realidade, faz emergir o medo, que leva as pessoas a paralisarem e alterarem suas relações e suas formas de ser no espaço em que vivem, em seus contextos individuais. O outro, o estranho potencialmente ou não, de acordo com as circunstâncias, é objeto de medo e provoca no sujeito reações de paralisação, de entrega ou de agressão. Isso vai depender, contudo, do conjunto de normas e regras tecidas nesses contextos e dos códigos apreendidos e internalizadas pelas pessoas (BAIERL, 2004, p. 40).

O medo por sua vez, é considerado um sinal de alerta biológico, que indica

perigo, porém o elemento que o desencadeia não é natural, é condicionado sócio-

culturalmente e a reação a ele pode tornar-se até uma reação violenta. Assim,

podemos afirmar que, as relações sociais além de serem produzidas e reproduzidas

pela lógica capitalista, sofrem influências das construções efetivas dos sujeitos que

dela participam, a partir de determinada circunstância da história e de seu contexto

50 É importante mensurar, que estudos tradicionais sobre a paz social, afirmavam que esta estava vinculada à ausência de guerras, mas com a evolução histórica e com a conscientização de classes e segmentos sociais, esta visão ampliou-se, tendo em vista, a identificação de novas formas de violência no meio social. Portanto, hoje a paz está intrinsecamente relacionada com a identificação e solução para os diversos tipos de violência.

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especifico. Desse modo, a mesma autora, ressalta, que o privado e o público, se

interpretam e se reestruturam.

Quanto ao aparecimento no decorrer da história das expressões da

violência, partiremos da idéia de Dominguez (2002), sobre as noções de Direitos,

tendo em vista que a definição deste autor, leva ao exercício de compreensão sobre

o que é um ato violento ou não, já que, a violação de direitos significa violência.

O desenvolvimento das diferentes noções de violência se dão no decorrer

de três gerações: a primeira, identificada como direitos individuais é típica do fim do

século XVIII e início do século XIX, incorporando direitos como a liberdade, civis e

políticos, prevenindo a violência direta. A segunda geração é aquela que propõe os

direitos sociais e econômicos dos períodos entre guerras, passando a incorporar o

valor da igualdade entre os indivíduos, na tentativa de prevenir a violência estrutural.

E a terceira geração é aquela marcada pela incorporação de novos valores sociais e

descobertas que ameaçam o planeta, em conseqüência do desenvolvimento

científico e tecnológico, incorporando, portanto, a valorização de grupos sociais até

então discriminados socialmente, como é o caso das minorias étnicas, as mulheres e

aqueles que defendem a natureza e a qualidade de vida.

Todos estes direitos resumem-se em um só direito: Os Direitos Humanos e,

conseqüentemente, a preservação das três noções conquistadas ao longo destas

gerações, servem como prevenção e proteção contra as mais variadas formas de

violência.

Levando em consideração o pensamento de Dominguez (2002), os tipos de

violências podem ser divididos em três grupos: as visíveis; as invisíveis e as semi-

invisíveis.

No primeiro grupo encontram-se as formas de violência direta. O tipo

coletivo se produz quando a sociedade coletivamente, ou por meio de grupos

significativamente importantes, participa ativa e declaradamente da violência direta.

O caso típico extremo é a guerra. Além disso, esta forma visível de violência também

pode ser expressa através do tipo institucional. Este por sua vez é aquele exercido

pelas instituições legitimadas para o uso da força quando, na prática de suas

prerrogativas, impedem a realização de potencialidades individuais.

No segundo grupo, têm-se as violências invisíveis, que são as formas de

violências ocultas. Os tipos mais comuns neste grupo são as violências estrutural e

cultural. A primeira manifesta-se a partir de um poder desigual e, conseqüentemente,

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como possibilidades de vidas diferentes, para diferentes sujeitos. Aqui os recursos e

o poder de decisão são distribuídos desigualmente. Neste sentido, a violência

estrutural é a própria desigualdade. O segundo tipo deste grupo, por sua vez, é a

violência exercida por sujeitos reconhecidos (individual ou coletivo), caracterizado

pela utilização da diferença para inferiorizar e desconhecer o outro. Esta violência é

marcada pela discriminação e preconceito contra indivíduos ou grupos. A exemplo,

temos a violência de gênero e a étnica. Podemos considerar também, neste grupo, a

questão da violência simbólica, pois através dos simbolismos, da religião, da

linguagem, da arte, da ciência, educação etc., legitima-se a violência direta e

estrutural, porém de forma velada. Assim, afirmamos que as violências estruturais e

culturais estão interligadas, a discriminação e a inferiorizarão nada mais são que

exercício do poder para a manutenção da desigualdade.

Segundo Arrazola (1999), a violência estrutural é inerente ao sistema

explorador e dominador do capitalismo. “Esta violência aparece como uma

fatalidade, para o sistema capitalista, contra qual não é possível resistir, pesando

sobre os indivíduos a responsabilidade pelos insucessos pessoais e sociais” (SILVA,

1995, p.136).

Quanto ao terceiro grupo, das semi-invisíveis, temos os tipos violência social

em conjunto com a violência individual. Esta última apesar de ser considerada uma

forma de violência direta e interpessoal, só muito recente passou a ser incluída nos

estudos sobre a paz. Mas porque motivo? O fato é que se trata de uma violência que

envolve o indivíduo, mas faz parte de uma questão social, ou melhor, são formas de

violência que perpassam a segurança civil. É o caso da violência doméstica, contra

crianças, mulheres e idosos, que até então eram consideradas semi-invisíveis por

serem vistas, até pouco tempo, como casos de ordem privada, ganhado os espaços

públicos após organizações de movimentos sociais em defesa destes segmentos.

Fazer ação política é transformar um problema particular e privado em problema público e coletivo. Fazer política é ocupar o espaço público do debate, da manifestação, das ruas e das praças. Isto é, as mulheres ao fazerem política estão transformando as relações de gênero, já que tradicionalmente não se espera isso delas (CAMURÇA & GOUVEIA, 1997, p.20).

Ainda acerca da violência, é importante assinalar que estes diversos tipos de

violência se imbricam e se interpenetram, tornando-se difícil delimitá-las

precisamente. A tentativa de classificá-las e de distingui-las é importante para

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compreendermos melhor os diversos tipos de violência a que somos submetidos,

contudo, temos clara a impossibilidade de delimitá-las precisamente.

É necessário, também, considerar as diversidades culturais, e ao mesmo

tempo a necessidade do diálogo entre as culturas, na procura de dar visibilidade às

diversas formas de violência que estão presentes em cada uma delas e também

para se evitar a individualização das formas de interpretar o que é violência, ou seja,

evitar a afirmação “às vezes o que é violência para mim, não é violência para você”.

Embora se trate de mecanismo de ordem social, cada mulher o interpretará singularmente. Isto posto, a ruptura de integridades como critério de avaliação de um ato como violento situa-se no terreno da individualidade. Isso equivale dizer que a violência entendida dessa forma, não encontra lugar ontológico. Fundamentalmente por essa razão, prefere-se trabalhar com o conceito de direitos humanos, entendendo-se por violência todo agenciamento capaz de violá-los (SAFFIOTI, 1999, p. 84).

Desse modo, segundo Dominguez (2002, p.36), a sua tentativa de

conceituar a visibilidade da violência, tem por objetivo “construir um conceito de paz

sensível às diferenças culturais e atento aos tipos de violências existentes nas

sociedades”.

O que não podemos também deixar de trabalhar é a questão dos

antecedentes temporais das violências encobertas em relação às violências mais

visíveis, ou melhor, as causas que levam ao exercício de violência explícita. Estas

causas muitas vezes são tipos de violências invisíveis e/ou ocultas que gera outro

tipo de violência. É o caso, por exemplo, da pobreza. Esta se encontra no patamar

de uma violência estrutural e muitas vezes tem como reação por parte da vítima a

execução de outro ato de violência que pode ser, por exemplo, a violência social,

através do narcotráfico, como uma forma de sobrevivência (Dominguez, 2002).

Dentro deste universo sobre a categoria violência, como podemos pensar a

questão da Segurança Pública. Afinal, do que se trata?

Historicamente, a segurança pública tem sido interpretada como proteção

policial contra a criminalidade emergente. Portanto, a segurança diz respeito a ações

que visam prevenir todas as formas de infração penal. Na realidade, segundo Silva

(1995), as reflexões sobre segurança pública podem ser analisadas por dois eixos

de interpretação: por um lado, o chamado eixo dos Estados-Nação, que se subdivide

em duas vertentes: uma que a compreende como defesa do território, do patrimônio

e a outra, como a necessidade de garantir a sobrevivência humana, como

alimentação, emprego e proteção contra as práticas de violências e opressão. Por

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outro lado, temos o eixo dos Estados-autoritários, que a partir da doutrina de

Segurança Nacional, que orientou a maioria dos países latino-americanos, dentre

eles, o Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, compreende que segurança é a defesa

do Estado contra antagonismos internos (lutas populares contra a hegemonia

dominante) e externos (ameaças de influências de organismos internacionais que

lutam em movimentos sociais).

Para a Doutrina de Segurança Nacional, “o inimigo não é o agressor externo,

o invasor do território nacional, mas o questionador da ordem vigente” (SILVA, 1995,

p. 110). Ainda segundo a autora, esta doutrina, influenciou o Titulo V – Da defesa do

Estado e das Instituições Democráticas, da Constituição Federal-CF de 1988, que

apesar de ter surgido após o período ditatorial brasileiro, sob a prerrogativa de uma

constituição cidadã ainda afirma que “os aparatos estatais vinculados à área devem

preservar ou restabelecer a incolumidade das pessoas e do patrimônio, a ordem

pública ou a paz ameaçadas por instabilidade institucional ou atingidas por

calamidades naturais” (CF, 1988). Assim, inferimos que a nossa ordem social está

muito longe de ter uma segurança pública como a defendida pelo eixo dos Estados-

Nação, que coloca a garantia à sobrevivência em primeiro lugar.

Mais uma vez é correto afirmar que vivemos em um Estado policial e não em

um Estado Social. Neste sentido, o Estado não se preocupa com os motivos que

levam a violência e a criminalidade, mas em como manter sob controle, através de

força e da coerção qualquer medida ou ação que venha abalar a ordem social. Não

se previne, se confronta a violência e a criminalidade no país.

Para a formulação de um conceito de segurança pública, forjado em princípios democráticos e de respeito aos direito humanos, ressaltam-se os fundamentos que se interrelacionam quando se trata a segurança pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Estes fundamentos são: cidadania; dignidade da pessoa humana; construção de uma sociedade livre, justa e solidária; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais outras formas de discriminação; direito à vida e a igualdade; direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância, à assistência aos desamparados, todos devidamente presentes no texto constitucional brasileiro de 1988 (SILVA 1995, p.111 – 112).

Portanto, a questão da segurança pública no cenário nacional, não diz

respeito, apenas a opressão policial e ao combate armado contra a criminalidade. A

segurança pública é na verdade a garantia de todos os direitos sociais, políticos e

econômicos dos cidadãos brasileiros regidos e previstos pela própria Constituição

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Federal do país. É a visibilidade e a solução mais favorável para o combate e

prevenção das diversas formas de violência abordadas neste ponto. O conceito

correto de segurança pública não é a aplicabilidade penal ou o confronto policial, é a

aplicabilidade de direitos, da democracia e da justiça social, independente de classe,

gênero, raça/ etnia.

Contudo, as ações governamentais, segundo Silva (2007), desembocam em

ações preconceituosas e meramente repressivas. O binômio insegurança/

segurança, se resume em investimentos em aparato policial, como armas e

munições, esquecendo até do investimento na qualidade de vida daqueles que as

manejam: os policiais. A insegurança, assim é amortecida e naturalizada “em casos

de polícia” e esquecem que a negação aos direitos básicos gera e promove a

insegurança.

Ressaltamos que só existe uma solução para resolver a questão da violência

e do medo instaurado: é mudar o Estado e sua relação com os cidadãos

reciprocamente. O combate e a prevenção aos diversos tipos de violência devem

sair do plano do individualismo e partir para a coletividade, sob a representação

Estatal. Precisa-se lutar por um Estado mais social e menos penal. Segundo Baierl &

Amendra (2002), a maioria das pessoas pobres, das favelas, aliam-se aos

traficantes, aos criminosos e aos grupos organizados, por não ter um aparelho

Estatal que lhe dê apoio e garanta sua segurança em todas as esferas e esse

pedido de clemência torna-se uma forma de amenizar o medo e manter a

sobrevivência. Já as famílias, consideradas mais favorecidas economicamente

aliam-se as mais variadas formas de segurança e seguros privados. Isso acaba se

transfigurando em uma outra forma de violência, que é o comprometimento da

liberdade do indivíduo, que é uma violação dos Direitos Humanos.

É bem verdade que isso exige uma releitura dos direitos humanos [...]. Rigorosamente, é ainda muito incipiente a consideração dos direitos humanos enquanto também femininos. Tudo, ou quase tudo, ainda é feito sob medida para o homem. [...] Daí vem à necessidade as releituras dos direitos humanos, de modo a contemplar as diferenças entre homens e mulheres [...]. A consideração das diferenças só faz sentido no campo da igualdade. Assim, o da diferença é a identidade, enquanto o da igualdade é a desigualdade, sendo esta que se precisa eliminar (SAFFIOTI, 1999, p. 84-85).

Portanto, para romper com este círculo vicioso, é necessário que o Estado

tome pra si a responsabilidade para com a segurança pública da população.

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Garantindo qualidade de vida, políticas integradas de saúde, educação, lazer etc,

combatendo a corrupção nos mais variados níveis e aplicabilidade das leis. Esta

última não só penalmente, mas também no que rege as leis que garantem direitos

de todos os cidadãos, como a Constituição Federal51, o Estatuto do Idoso, o plano

Nacional de Política para Mulheres, a Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre

outros que norteiam as políticas sociais e públicas do país.

3.2 AS DETERMINAÇÕES DA VIOLÊNCIA COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO

SOCIAL: OS ATRIBUTOS DA VIOLÊNCIA ESTRUTURAL.

As diversas formas de violência, já mencionadas, são interpretadas por

visões de mundo diferentes e sustentadas por posições e interesses de classes.

Consideram-se assim, as formas de violências que são consideradas benéficas ou

prejudiciais a determinada ordem societária. Desse modo, à violência estrutural é

classificada como um tipo de violência invisível.

Segundo Silva (2007), para tornar a violência estrutural invisível, a ordem

burguesa a reveste em termos naturalizados ou que amenizam a verdadeira

violação, ou seja, são utilizadas “belas” terminologias como, desemprego, “exclusão

social”, dentre outros. Ao mesmo tempo, as ações organizadas pelos movimentos

sociais, são criminalizadas e condenadas pela ordem, ou ainda, as manifestações de

violências urbanas, como os assaltos, seqüestros, rebeliões, dentro outros, são

utilizados como as únicas expressões que podem explicar a violência, negando a

verdadeira complexidade e o próprio sistema social que contribui para a negação e a

violação dos direitos humanos.

Poder-se-ia argumentar que tampouco é homogênea a compreensão dos direitos humanos, pois varia segundo as classes sociais, as raças/etnias e os gêneros. No seio mesmo de cada uma destas categorias encontra-se distinções de entendimento. Grosso modo, entretanto, elas servem como balisas, evitando-se que se revele para o individual (SAFFIOTI, 1999, p. 85).

A ordem hegemônica cria uma ideologia de defesa da vida, da propriedade

da segurança privada dos “cidadãos produtivos”, ou seja, criam-se estereótipos

sociais, entre os “bons” (aqueles que trabalham e que não são violentos) e os

“maus” (os bandidos, os violentos, o marginal), partindo de uma visão

51 Em especial o seu artigo V, que prima pelos direitos sociais e humanos dos cidadãos.

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solopsista/etnocêntrica. Desta forma, o trabalho52 hoje, está relacionado ao sentido

de promover o indivíduo dentro de um sistema em que empregabilidade é sinônimo

de dignidade humana e de “boa conduta moral e social”53, num sistema que cria

normas e que cobram dos indivíduos a inserção no mercado de trabalho, como

forma não só de garantir a sobrevivência, mas também de garantir a entrada no

“mundo do consumo”. A característica do Trabalho, de produzir e reproduzir o ser

social, permanece. O que mudou com a sociedade capitalista é a alienação do

indivíduo produzido pelo sistema e a perda da detenção dos meios de produção,

agora nas “mãos” do capital. Ou seja, o trabalho deixou de ser motivo para a

realização pessoal, passou a ser uma obrigação, um fardo a ser cumprido, tanto

para assegurar o reconhecimento social, como para possibilitar a sobrevivência do

indivíduo.

No momento em que o trabalho é definido como o principal critério para a inclusão numa

sociedade que produz cada vez mais desempregado, o destino dos sobrantes e dos não inseridos só

pode ser a exclusão, a eliminação (...). E os presos, por sua historia de vida caracterizada por

dificuldades de acesso a saúde, educação, habitação, formação profissional e consumo de bens

culturais, podem ser efetivamente considerados sobrantes (OLIVEIRA, 2005, p. 110).

A violência estrutural ainda é vista pelo senso comum, como uma fatalidade,

pesando sobre o indivíduo, as responsabilidades sobre os seus insucessos pessoais

e sociais. Segundo Behring & Boshetti (2008), é uma forma de violência que “vem de

cima para baixo”. Sendo composta por três elementos: o desemprego, o exílio em

bairros decadentes e a estigmatização na vida cotidiana.

52 O trabalho de acordo com Marx, em sua forma mais “primária”, é a transformação da natureza pelo homem para satisfazer uma determinada necessidade, ou seja, é o processo pelo qual o homem modifica o meio, ao mesmo tempo em que modifica a si próprio, a partir do momento em que criam-se novas habilidades e conhecimento - Os meios de trabalho são distintivos das „épocas econômicas‟, pois não o é que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz, é que distingue as épocas econômicas “(MARX, 1985, p. 149).“Toda produção é apropriação da natureza pelo indivíduo no interior e por meio de uma forma determinada de sociedade” (MARX, 1974a, p.112). O trabalho é atividade racional orientada para um fim, produzir valor de uso. Neste sentido, “o trabalho concreto, formador de valores de uso, é condição da vida humana, independente de todas as formas de sociedade. É atividade existencial do homem, sua atividade livre e consciente”. (IAMAMOTO, 2001, p. 40). 53 O próprio Capitalismo, via Estado, tem como função ideológica, criar um número de mecanismos de regulação da sociedade, transfigurados em leis, normas e valores sociais, com o objetivo de controle social. Nessa direção, para Camargo (1990, p. 134), “o grande objetivo do conjunto de dispositivos disciplinares não é manter as estruturas sociais pela força, mas sim pelo cumprimento de normas de conduta bem determinantes”.

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Não podemos esquecer que, o fenômeno da violência é tido como complexo,

por ser um fenômeno histórico, e que, segundo Silva (1995), produz e se reproduz

em determinada ordem social. Por isso, a necessidade de investigar a sua relação

com o acesso aos direitos fundamentais de sobrevivência do indivíduo. Ora, “o

fenômeno criminal esta presente no âmago do corpo social, por ele é gerado, dele

nasce e nele produz os seus efeitos. Estudar e pensar a violência implica estudar e

pensar a sociedade” (OLIVEIRA, 2002, p. 3).

Desse modo, não podemos resumir a violência estrutural à criminalidade,

nem interpretá-la enquanto natural. O crime, segundo Silva (2007), não parte de

decisões meramente individuais, e sim de uma dada historicidade, perpassando pela

questão da negação de necessidades especificas de sobrevivência, criadas e

recriadas por uma sociedade que estabelece padrões de comportamento e

consumo.

É inegável que este tipo de violência é fruto de um sistema desigual. Que

gera não só desigualdade de renda54, mas também de poder, negação de direitos e

de benefícios do desenvolvimento.

[...] A base econômica não pode ser desconsiderada nesse contexto (já que ela é parte necessária para a satisfação mínima das necessidades humanas), o que não significa atribuir-lhe um papel único e determinista ao influir na vida do ser social. A violência estrutural é formada por um conjunto de ações que se produzem e reproduzem na esfera da vida cotidiana, mas que com freqüência não são consideradas violentas. Ao contrário, com freqüência, aparecem travestidas por atitudes “éticas”, corretas e imprescindíveis para a “saúde social” (SILVA, 1997, p.136).

A solução seria a efetivação de um Estado democrático, que promovesse

uma política econômica redistibutiva e garantisse o acesso a direitos sociais,

econômicos e políticos. Mas como fazer isso dentro de um Estado Neoliberal e

Capitalista? Como não há confiança no Estado, porque esse não garante um Estado

de Direito, as ações coletivas55 são relegadas ao plano privado, ampliando as

54 Segundo Behring & Boshetti (2008), o Brasil está em penúltimo lugar entre o conjunto de países do mundo em distribuição de renda: 1,7 milhões de brasileiros ricos, ou seja, 1% da população, se apropria da mesma soma de rendimentos familiares distribuídas entre outros 86, 5 milhões de pessoas (50% da população); 53,9 milhões de brasileiros (31,7% da população) sobrevivem com menos de R$ 160,00 mensais e são considerados pobres; e 21,9 milhões de brasileiros (12,9% da população) são indigentes, ou seja, possuem uma renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. 55 Ações coletivas, entendidas por Baierl (2004), como interesses individuais que, a partir de reivindicações e organizações sociais frente ao Estado, se coletiva.

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formas de discriminação diluindo/ dispersando as possibilidades de transformação

da realidade.

Tendo em vista tal situação, um primeiro passo, para a luta em prol da

garantia de direitos, seria pelo menos a conscientização dos indivíduos que as

problemáticas sociais fazem parte da coletividade e não é um problema individual

para assim, cobrar ações efetivas da representação da coletividade, ou seja, do

Estado e este por sua vez cobrado para cumprir com suas obrigações, deixasse de

ver os problemas sociais dentro de uma perspectiva fatalista e policialesca, e

adotasse realmente a prática de um Estado social e democrático.

Para tanto, é necessário que o Estado de fato assuma seu papel não só no âmbito da violência e da segurança, mas nas condições de vida da população e qualidade de vida. Ou seja, por meio de um conjunto de ações integradas envolvendo saúde, emprego, lazer, educação, segurança, entre outros. Sem essa ação integrada, quase nada poderá ser feito para que o problema da violência e do medo social seja controlado (BAIERL & ALMENDRA, 2002; p. 66).

E em virtude dessa negação a um Estado de direito, a propagação da

violência, faz surgir uma espécie de reedição do poder, colocando em xeque os

poderes legalmente instituídos, desqualificando o Estado na gestão pública.

Portanto, na ausência de um Estado garantidor de direito, é comum o surgimento de

poderes paralelos, e aí enquadramos a questão das facções criminosas e das

milícias instauradas nas comunidades mais carentes.

De alguma maneira, é o tráfico que ocupa o vazio deixado pela ausência de

políticas públicas no âmbito da habitação, assistência social, saúde e educação,

empregabilidade, segurança e lazer. Gera empregos no campo da ilegalidade, à

medida que arrebanha exercito de crianças e adolescentes que assumem as mais

diferentes funções no mundo do tráfico. Assume o papel de garantir a ordem e a

segurança nos espaços por ele ocupados e apresenta características de uma fatia

do mercado de trabalho ilegal e ilícito, mas consentido e tolerado (BAIERL, 2004, p.

136).

Desse modo, a violência estrutural, nada mais é que uma das expressões da

Questão Social, mas que permanece velada por ser vista como algo natural e

inerente à ordem social.

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O conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na

sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem

sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto a apropriação privada da

própria atividade humana – o trabalho -, das condições necessárias a sua

realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do

“trabalhador livre” que depende da venda de sua força de trabalho com meio de

satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa, portanto,

desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas

por disparidades nas relações de gênero, características ético-raciais e formações

regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos

bens da civilização (IAMAMOTO, 2002, p.26, grifos nosso).

Fala-se em insegurança em relação ao aumento da criminalidade, mas

esquece-se que a maior forma de insegurança é vivenciada pela grande massa da

população que cotidianamente sofre com a negação e violação de seus direitos. “A

insegurança da existência se impõe à idéia de seguridade social, num ambiente

marcado por momentos de inquietação pública nas grandes metrópoles, onde se

concentra a pobreza, que hoje é mais urbana que rural” (Behring & Boshetti, 2008,

P. 187). O crime, por sua vez, nada mais é que reflexo desta violência cotidiana. É

por isso, que ,comumente, escuta-se a questão da relação de causa e efeito em

relação à criminalidade e a pobreza.

No limite, podem usar meios ilícitos para obter os recursos de que necessitam para integrar-se: o tráfico, o roubo, a violência, os meios transgressivos de participação. A deterioração dos valores éticos que deveriam permear as relações sociais, e que daí resulta, já produz seus desastrosos efeitos na socialização anômica das novas gerações, na vivência cotidiana atravessada pela violência (MARTINS, 2003; p.39).

Sobre a questão da pobreza, Dominguez (2002), analisa que na década de

1990, principalmente na América Latina, tivemos o surgimento da feminização e a

urbanização da pobreza em virtude do crescimento urbano, dos novos rearranjos

familiares e principalmente, como conseqüência do processo de reestruturação

produtiva. O autor ainda faz menção às formas de pobrezas: infanto-juvenil; a

pobreza rural; a pobreza indígena; a pobreza da terceira idade e a chamada pobreza

recente.

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As conseqüências da combinação perversa entre recrudescimento da

pobreza, suposta falta de recursos do Estado – porque já sabemos que eles existem

para o pagamento de dívidas – e, impactos para a cobertura de políticas sociais são,

portanto, realmente dramáticas. Cabe tirar da sombra desdobramentos de sérias e

duradouras conseqüências sociais no Brasil, mas que são tendências em curso no

mundo. Falamos do retorno do Estado Policial (BEHRING & BOSHETTI, 2008, P.

187).

A primeira é ligada à questão da precarização do ensino, a má nutrição e o

não acesso à água potável. Quanto à segunda, foi medida tendo em vista os altos

registros de bolsões de misérias entre os pequenos produtores e famílias que vivem

da agricultura familiar. A indígena é avaliada como fruto da violência cultural étnica.

Em relação à pobreza na terceira idade, é típica do modelo neoliberal que precariza

o sistema de cobertura da previdência social. E quanto à última, a pobreza recente,

faz parte da ideologia do consumismo que paira na sociedade capitalista, onde os

considerados mais pobres, conseguem usufruir alguns bens de consumo, mas ao

mesmo tempo, são vítimas dos sucateamentos das políticas sociais e do

desemprego.

Portanto, os dramas da miséria, da fome, da precária educação e da

pobreza vivenciados pela maioria da população da sociedade brasileira são frutos de

uma ordem econômico-social baseada na lucratividade, na desigualdade social e

conseqüentemente na exclusão das massas, gerando em meio a esta corrente de

pensamento, a violência, na qual esta não apresenta-se apenas como danos no

plano físico ou material, mas acima de tudo, no plano subjetivo, vivenciados pela

classe pauperizada, quando se fala em políticas públicas garantidoras de direitos

sociais.

Pobreza, portanto, é a destruição, a marginalização e a desproteção. A destituição dos meios de sobrevivência física, a marginalização no desfruto dos benefícios do progresso e no acesso as oportunidades de emprego e consumo, e a desproteção por falta de amparo público adequado e inoperância dos direitos básicos da cidadania, que incluem garantias de vida e bem-estar social. Isso retrata uma faceta da violência institucionalizada praticada contra a população brasileira (DEMO apud SILVA, 1995, p. 114).

Todas estas formas de pobreza centram-se em uma só expressão: a

violência estrutural. São violações que reduzem diretamente o nível da qualidade de

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vida da população. Fazendo parte, portanto, da Questão Social, que segundo,

Yazbek (2004, p.33), na atualidade,

Se reformula e se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por

se tratar de uma questão estrutural, que não se resolve numa formação econômica

social por natureza excludente. Questão que, na contraditória conjuntura atual, com

seus impactos devastadores sobre o trabalho, assume novas configurações e

expressões entre as quais destacamos: 1- as transformações nas relações de

trabalho; 2- a perda dos padrões de proteção social dos trabalhadores e dos setores

mais vulnerabilizados da sociedade que vêem seus apoios, suas conquistas e

direitos ameaçados.

Ficam os questionamentos: Será que o aumento expressivo das diversas

formas de violência, dentre elas, a questão da criminalidade não é uma reação ao

conjunto de desigualdades, preconceitos de raça, gênero, etnia e geração, que é

produzido e reproduzido por essa sociedade? Negam-se direitos sociais, humanos,

políticos, direitos básicos de sobrevivência e a própria oportunidade de se ter um

emprego formal. Será que chegamos à barbárie?

Quando uma sociedade trata a violência como corriqueira, o risco que ocorre é a banalização do cotidiano, chegando à barbárie. A realidade brasileira expressa essa situação. A violência aparece como algo corriqueiro, típico do cotidiano das pessoas, quer seja a violência na cidade, quer seja a violência no campo: homicídios, chacinas, ocupações violentas de terras, dizimação de índios, morte perinatal, estupros, acidentes de transito, assaltos, roubos de banco, extorsão, trafico de drogas, linchamento, trafico de crianças e uma violência que não ganha visibilidade pelas marcas que deixa no corpo, mas que se expressam no conjunto das relações sociais e na vida cotidiana: ausência de equipamentos sociais mínimos, tempo gasto no transporte, desemprego, filas de espera, baixos salários, qualidade e quantidade de serviços públicos de direito do cidadão, desrespeito, perda de dignidade, ausência de cidadania, que vai minando o cotidiano dos sujeitos (BAIERL, 2004, p. 52).

Sabemos que, somos frutos de um processo histórico de construção social e

cultural e que muitos destes pontos alencados são antigos, contudo nos últimos

anos assiste-se a um processo de agravamento crescente, escondendo-se atrás de

ações paliativas e imediatistas por parte do Estado, que prega a constituição e

construção de direitos iguais para todos os cidadãos, ao mesmo tempo em que nega

,com sua prática, a Cidadania.

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A democracia burguesa assume, necessariamente, a forma universal da lei capitalista: todos são iguais perante a lei. Essa necessidade é vital. É preciso que o indivíduo seja visto como átomo social, como unidade, o que permite pensar suas ações como relações iguais, intercambiáveis. Graças a essa igualdade formal, o mercado na lógica capitalista, passa a ser regulador de todos os mecanismos da sociedade. A cidadania burguesa [por sua vez], dispensa a participação ativa dos cidadãos, exigindo das massas apenas uma postura absoluta de indiferença, inércia e conformismo. Basta-lhe obediência. Não requer a livre adesão dos indivíduos. Não necessita, e chega mesmo a dispensar, salvo nos rituais eleitorais, transformados muitas vezes em mero exercício de legitimação política (DIAS, 1996, p. 131/134).

Dessa forma, os direitos sociais, políticos e humanos são relegados ao plano

da utopia. Cria-se uma falsa democracia no intuito de controle e dominação das

massas, que é funcional ao sistema. A única forma de presenciarmos um pouco de

proteção social, mesmo que de forma sucateada, é quando o indivíduo encontra-se

inserido no mercado formal de trabalho. Contudo, mesmo esta mínima proteção

encontra-se em crise, haja vista, a conjuntura atual de precarização das relações

trabalhistas e o crescente desemprego estrutural.

Neste sentido, é necessário que, primeiramente – e isto é fundamental - que

o Estado passe a assumir de fato o seu papel na garantia de direito – fato

complicado haja vista, a política neoliberal adotada pelo nosso governo – não

através de ações focalizadas, seletivistas, assistencialistas, que nem sequer

garantem os mínimos sociais, mas através de políticas sociais, que consigam

realmente assegurar emprego, saúde, educação, lazer e participação popular.

Segundo, não se pode negar a necessidade de se construir dentro da sociedade

uma consciência crítica que permita a construção de uma nova sociabilidade, que

rompa com as amarras imperialistas e com este modelo de dominação, expropriação

e exploração gerada pelo capital. E terceiro, é necessário acabar com a visão

simplista e fatalista de que violência e criminalidade são casos de polícia, e que

pobreza, violência e criminalidade são fenômenos de causa e efeito.

... Analisar as desigualdades sociais e as formas de exclusão que, se de um lado, por si só, não explicam a violência, por outro, criam o clima propicio para sua expansão. Não podemos reduzir a violência como condição de pobreza na sociedade. No entanto, numa sociedade onde o consumo se amplia, onda as diferenças entre ricos e pobres cada vez mais se afirmam, onde os acessos aos direitos mínimos e básicos não são respeitados, onde os direitos sociais (moradia, saúde, educação, alimentação, lazer e segurança), promulgados na Corta Magna de 1988, são negados, onde impera a impunidade e o desrespeito à legalidade constituída, sem dúvida, há que se pensar as várias dimensões que fazem emergir e reforçar as diversas facetas da violência (BAIERL, 2004, p. 25).

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A violência principalmente é um fenômeno polissêmico, que tem muitas

facetas, muitas causas e desperta diversas formas de reação dos indivíduos.

Portanto, não podemos estudá-la por uma só ótica, assim como, não podemos

descartar a influência das desigualdades sociais e da pobreza no acirramento das

suas mais variadas expressões. A sociedade por si só é contraditória e a violência

nasce no âmbito das relações sociais que cria e se recria.

A violência urbana é um fenômeno complexo e multifacetado, que exige ações integradas, se não para solucioná-lo, pelo menos para reduzir seus índices e seus impactos na vida das pessoas, dos grupos e da sociedade. Trata-se de um fenômeno transversal, que recorta o conjunto das instituições e organizações sociais, econômicas e políticas, e, portanto, deve ser compreendido e explicado em sua totalidade, para que os conjuntos dos obstáculos possam ser enfrentados. Não pode ser reduzido somente como um caso de polícia ou de saúde pública, ou como pobreza e miséria, ou como advindo de situações psicológicas e intrafamiliares, ou como um problema cultural, como ausência de solidariedade. A violência não pode ser tratada como objeto desta ou daquela área do conhecimento, deste ou daquele público. Trata-se de um fenômeno que deve ser enfrentado por todo a sociedade (BAIERL, 2004, p. 208).

Compreendendo desse modo, o fenômeno das diversas expressões da

violência no meio social podemos assim, conseguir romper com os esteriótipos

criados socialmente de que violência é problema de pobre ou que é um

determinante patológico ou psíquico. Este será um primeiro passo para se tentar

romper com o olhar fatalista que paira na sociedade quando se fala em

determinantes que levam a um ato violento. Não podemos também enquadrá-lo

como um simples ato agressivo. Como afirma, Costa (1986, p. 47), “a violência é um

artefato da cultura e não seu artífice”.E claro que não só dela. Se trata de um

fenômeno que também está ligado a conjuntura histórica, que tem o seu grau de

intensidade retardado ou ampliado de acordo com as condições sociais, que a faz

produzi-la e reproduzi-la ao longo do dado período. E não podemos esquecer que

ela também pode expressar-se em uma forma revolucionária ou contraviolência.

Segundo Behring & Boshetti (2008), a violência estrutural, por exemplo, pode gerar

nas comunidades pobres, por exemplo, o ambiente de enfado, desânimo e

desespero, que ressoa principalmente entre os jovens, despertando sentimentos de

revolta e raiva, ampliando-se com os apelos da mídia ao consumo como única

condição à dignidade social. E esta sociedade do “TER” que justifica o ingresso no

meio criminal. Que acaba sendo enfrentado pelo Estado como simples caso de

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polícia, negando, aos que ousaram desrespeitar as normas sociais, uma nova

oportunidade e tratando-os como a escória da humanidade.

Esse componente de „violência de cima‟ é estrutural na nossa formação social. [...] Sem dúvida, [...] no Brasil, os encarcerados – ao menos a maioria deles, que não tem o privilégio elitista da prisão espacial e não são chefes do crime organizado – são amontoados em condições subumanas e indignas (Behring & Boshetti, 2008, p. 189).

E o ciclo da violência e do desrespeito aos direitos humanos reinicia, desta

vez dentro das prisões.

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4 MULHERES E A CRIMINALIDADE: VÍTIMAS OU SUJEITOS? 4.1 A CRIMINALIDADE E A CONDIÇÃO FEMININA

Ao se pensar no “Ser Mulher”, comumente, tem-se a imagem construída a

partir da visão de que as mulheres têm uma natureza única e que são possuidoras

de uma bondade ontológica. Esta concepção acerca das mulheres tem como

corolário a visão das mulheres como vítimas do destino. Desta forma, historicamente

a figura da mulher foi colocada em um patamar de submissão, repressão e/ou

vitimização, quando se fala em situações de violência.

Como forma de quebrar o mito da vitimização da mulher, quando se fala em

violência, Marilena Chauí (1985, p.36), levanta a afirmação que, a “violência é a

conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de

desigualdade com fins de dominação, exploração e de opressão”, que quando

aplicada às relações de classe, gênero, raça e etnia exprimem a diferença entre o

superior e o inferior. Desse modo, reportando-se a categoria poder como uma

relação unilateral do superior sobre o inferior, a autora, nos faz inferir que as

mulheres em situação de violência acabam sendo vistas como “cúmplices” do ato

sofrido por terem menor poder, e assim, não “lutam” contra o opressor, tornando-se

meros “vazadouros da violência”, como se fossem “marionetes” do dominador.

Nesta mesma linha de pensamento, Gregori (1993), afirma que as mulheres

incididas pela violência não são simplesmente vítimas passivas destas, mas

parceiras ativas que chegam a “provocá-la” ou a não evitá-la56.

Por um lado, é notório que, não podemos negar, que, dentro da sociedade

capitalista, marcada pelo patriarcalismo, pelo autoritarismo, pelas relações de poder

e pela dominação, as mulheres são consideradas, muitas vezes, cúmplices.

As mulheres são simultaneamente sujeitas ao capitalismo, a dominância e a seus corpos. Colocar a questão de forma alternativa é o mesmo que perguntar se são as idéias ou as condições materiais que estruturam a subordinação das mulheres. (...). Patriarcado e capitalismo não são sistemas autônomos, nem mesmo interconectados, mas o mesmo sistema. Como formas integradas, eles devem ser examinados juntos (SAFFIOTI, 1992, p. 195).

56 Tal afirmação é polemica e leva a compreensão de que mulheres vítimas da violência mereceram a violência. Não é esta nossa concepção. Estamos somente apresentando as várias visões das/os autoras/es e chamando atenção para o fato de que as mulheres nem sempre são agentes passivas ou somente vítimas da violência.

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Porém, fazendo esta análise sobre a relação mulher, violência e poder, ao

se apresentar o último como unilateral, os autores negam o princípio, defendido por

Foucault (1999), de que, mesmo em uma situação de dominação, os indivíduos

considerados submissos exercem alguma forma de poder sobre o “dominador”. Ora

o poder não é unilateral, sendo analisado deste modo, o indivíduo, no caso a mulher,

subjugada a uma relação de poder, nega a sua autonomia e sua possibilidade de ser

sujeito.

(...) o poder é uma rede de relações que se exerce nos micro-espaços cotidianos. Não é uma rede exercida unilateralmente, onde há os que detêm o poder e os que não o possuem. É uma rede que circula todos os níveis e relações. Assim, ele pode ser descoberto no cotidiano da história, nos micro-espaços, nas micro-frações concretas e cotidianas ao longo da história (FOUCAULT, 1999, p. 10 – 13).

Uma das justificativas tomadas por Arrazola (1999), para a sociedade não

ver a mulher enquanto sujeito ativo de um crime ou de um ato violento está na

condição do ser mulher e do ser homem e nos mitos57 que historicamente foram

construídos. Um destes, em relação à mulher, é a própria condição natural da

maternidade, ou seja, esta forma de pensar, enfatiza a conservação e proteção da

vida, e consideram as mulheres como essencialmente não violentas. Se assim

fosse, como poderíamos explicar as mulheres que cometem violência contra os seus

próprios filhos?

Entre as características culturalmente exigidas e reproduzidas do masculino, naturalizadas e essencializadas como tais, estão à força, as agressividades, o destemor (...), do que derivam os seus direitos. Contraditoriamente ao que se define e reproduz como feminino, do que se espera das mulheres: suavidade, abnegação e obediência. A naturalização do jeito agressivo e modos violentos que parecem consagrar uma masculinidade levam muitos homens a perceberem e desconsiderarem atos de violência (...) (ARRAZOLA, 1999, p. 10).

A resposta para Saffioti (1999, p. 84-86) a esta problemática do poder, está

na chamada “síndrome do pequeno poder”. Trata-se de uma hierarquia de poder no

âmbito privado, não do modo que aponta Chauí e Gregori.

57 Dentre estes mitos, temos: o mito da natureza única da mulher, que na verdade, percebe a mulher como ser a-histórico, esquecendo as diferenças culturais e sociais; temos o mito da natureza ontologicamente boa da mulher, que tenta unificar todas as mulheres como essencialmente boas; e o mito da natureza do poder masculino, no qual os homens são sempre os agressores e as mulheres as vítimas. Com esta afirmação não estamos tentando considerar o homem como inocente nas relações de gênero, mas também, não podemos generalizar o homem sempre como o agente violento nestas relações. (Ver Lima, s/d).

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Para que as mulheres pudessem ser cúmplices; dar consentimento às agressões masculinas precisariam desfrutar de igual poder que os homens. Sendo detentoras de parcelas infinitamente menores de poder que os homens, as mulheres só podem ceder, não consentir (Saffioti, Ibidem).

Portanto, apesar de historicamente, pelo senso comum, o âmbito privado ser

considerado como espaço da mulher, não podemos negar que o poder familiar e

doméstico é também pautado no patriarcalismo58, e a mulher por sua vez, acaba

executando, na ausência da figura do homem e, muitas vezes, por delegação

destes, ações violentas contra seus filhos ou outros parentes ou até mesmo contra

trabalhadores/as domésticos/as. Desse modo, como já assinalamos, “o Poder não é

algo que se possa dividir entre aqueles que possuem e o detêm exclusivamente e

aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado

como algo que circula (...). O poder funciona e se exerce em rede” (FOUCAULT,

1999, p. 183).

Por esse motivo, quando falamos em questão de violência e de

criminalidade no meio feminino, não podemos, levar a situação de extremidade, de

serem apenas vítimas e ou de serem também as culpadas. Este ponto é crucial para

entender o nosso objeto de pesquisa, ou seja, isso nos faz levantar a afirmação de

que, não podemos julgar se um indivíduo é criminoso ou não, ou enquadrá-lo em um

patamar de periculosidade ou não, apenas pelo ato cometido. É necessário analisar

os determinantes que o levaram a execução de tal crime. Neste sentido, não

podemos nos deter apenas aos espaços e determinantes econômicos e materiais,

nos quais estão inseridas estas mulheres, mas analisar como categoria central às

relações sociais de gênero59 e as responsabilidades e representações postas ao Ser

Mulher, na sociedade contemporânea.

58 Para Scott (1990), o patriarcado empenha-se em explicar a subordinação das mulheres, a partir da necessidade masculina de dominar. 59 Para Scott (1991), o gênero expressa-se nos símbolos culturais, nos conceitos normativos que interpretam o sentido destes símbolos; refere-se a política, instituições e organizações sociais, como também identidades subjetivas. Segundo Camurça e Gouveia (1997), por gênero entende-se, a relação social entre os indivíduos da sociedade, caracterizada pelo poder e variada de acordo com sexo e mediatizada pela classe social, a raça/ etnia e a idade. Há autores que discordam da inclusão do termo idade, junto com classe, raça / etnia, pois consideram estes elementos centrais e estruturais, enquanto que aquela é provisória, pois muda com o tempo (conjuntural). Apesar de concordarmos com tal posição, o incluímos, pois a idade estabelece graus variados de poder e inclusão dos indivíduos.

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Há que se estar atento a uma análise interna sem descuidar das suas relações com a organização social e ao mesmo tempo sem tornar o gênero um sub-produto das estruturas sociais. Há que se estar atento aos sistemas simbólicos e a construção da subjetividade humana, sem, contudo, descuidar dos contextos sociais e históricos (LIMA, 2002, p.15).

O fato é que não podemos atribuir a culpabilidade apenas ao indivíduo, e

sim perceber que há uma sociabilidade maior que dita regras e cria a lógica social.

Esta sociabilidade é regida e perpassada por relações violentas, às vezes, somente

simbólica, outras vezes, estrutural, física, concreta. Nesta sociabilidade os indivíduos

aprendem a conviver com a violência e a serem também violentados.

De modo geral, historicamente a mulher, frente ao meio social, é

caracterizada como indivíduo submisso nas relações sociais60. Sabemos que muitas

têm aceitado essa ideologia da submissão, da exploração, da dominação e

subestimado sua condição, mas não podemos deixar de lado que, as

transformações sociais, econômicas e políticas têm despertado muitas mulheres

para a redefinição61 de sua inserção social, ou seja, temos muitas mulheres que

apesar da predominância cultural machista e patriarcal, tem lutado e conquistado

espaço, desde o ambiente do mercado de trabalho, até mesmo seu papel nas

relações familiares, enquanto chefes de família e provedoras do lar. Este processo

não é um movimento uniforme, é uma luta constante contra estereótipos, contra a

cultura dominante, contra a história de submissão, que data desde a Idade Antiga.

A realidade é uma constante contradição. Enquanto, por exemplo, aumenta

o número de mulheres no mercado de trabalho, aumenta à disparidade salarial e as

jornadas triplas de trabalho; enquanto lutamos em um Movimento que prima pela

60 Segundo Iamamoto (2005), a questão da mulher como submissa é discussão que permeia a sociedade desde os seus primórdios. A autora ressalta que “a mercantilização da força de trabalho feminina e infantil (na passagem do capitalismo monopolista para o concorrencial) é considerada uma questão complexa” (IAMAMOTO, 2005, p.207). A autora analisa que a inserção da mulher no mercado de trabalho sem ter relação com o sustento familiar era considerada, na época, como um caso de „anormalidade social‟, desorganização e abandono da família. Assim, afirmava-se que a mortalidade infantil e abandono do menor, a desagregação moral da família tinha como causa principal o „abandono do lar‟ pela mulher. 61 Esta redefinição pode ser entendida como uma histórica luta do Movimento Feminista em prol da emancipação feminina (sobre o Movimento Feminista ver: GOLDENBERG & TOSCANO, 1992). O feminismo neste sentido, “significa reivindicar direitos sociais e assumir as responsabilidades dele decorrentes, não em busca da igualdade com o homem, mas respeitando-se as diferenças entre os dois gêneros” (GOLDENBERG & TOSCANO, 1992, p.47).

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equidade social, vivenciamos a cada dia o maior número de mulheres espancadas,

sujeitas as mais variáveis condições de violência e submissão.

(...) a relação entre os sexos tem sido uma relação de poder e dominação. (...) Temos a produção e reprodução de valores preconceituosos que criam e recriam a dominação masculina no micro-espaço do cotidiano e em todas as demais esferas: políticas, econômicas e culturais (LIMA, 2002, p. 118).

O que se observa é que a mulher entra nos espaços públicos, mas o seu

papel histórico no espaço privado, permanece.

Apesar da complexidade das relações sociais e dos múltiplos elementos nelas envolvidos, o pensamento Ocidental Judaico-Cristão construiu-se alicerçado numa divisão bipolar e dicotômica do Mundo (pobre/rico, alto/baixo, homem/mulher; branco/negro, produção/reprodução, público/privado, ente outras) e isto refletiu-se no mundo do trabalho, no qual, coube ao homem o espaço da produção e do domínio público e a mulher o espaço da reprodução e da esfera privada (LIMA, s/d, p. 05).

Deste modo, levantamos alguns questionamentos que acabam afirmando

este espaço de contradições quando falamos neste movimento de “avanço e

continuidade” sobre o protagonismo feminino. De um lado, temos o seguinte

questionamento: Será que na luta em prol da emancipação da mulher em todas as

esferas da sociedade, estas não estão vendo na execução de um crime também um

campo de protagonismo a ser conquistado e/ ou ampliado, como forma de se

equiparar ao gênero masculino, os quais são os que mais cometem crimes? Ou

melhor, é possível afirmar que no intuito de construir, dentro das relações sociais de

gênero, um papel de protagonista e de poder superior ao masculino, as mulheres

têm visto no crime alguma oportunidade?

O que estamos tentando levantar como hipótese de trabalho é a

possibilidade desta inserção no meio criminal se constituir numa forma de romper

com os estereótipos construídos historicamente e socialmente sobre a mulher na

sociedade, como “sexo frágil”, ontologicamente bondosa, a-histórica, sempre vítimas

de ações violentas, como se as mulheres fossem incapazes de violar qualquer

norma ou conduta social.

(...) embora a maioria das mulheres aceitem e incorporem determinados cânones da dominação masculina, da ideologia patriarcal ou de gênero, não significa que elas sejam passivas, não significa vergar-se ou sujeitar-se total ou incondicionalmente a essa dominação, ao poder patriarcal. Sempre existe uma variação e manipulação a respeito, sempre existe a possibilidade de resistência, da revolta, da transgressão, tanto em relação às mulheres como em relação aos homens, portanto, sempre existe a possibilidade de negociações e mudanças (ARRAZOLA, 1999, p.11).

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Por outro lado, tendo em vista que, apesar de todas as conquistas sociais,

as inserções no mercado de trabalho, no âmbito público e na política, as

responsabilidades atribuídas historicamente ao Ser Mulher ainda permanecem,

como o “cuidar”, o “proteger” e “educar”, a família, os filhos e ao marido /

companheiro. Isso reafirma posturas que vem sendo adotadas e desempenhadas

desde a Idade Média, quando era (e ainda é) responsabilidade da mulher “cuidar do

lar”, dos filhos, ser “fiel” ao marido e dar descendência legítima. Segundo Lima

(2002, p. 97), “Este era o papel destinado socialmente à esposa na sociedade

antiga: dar descendência legitima. Para assegurar essa legitimidade, necessário se

fazia mantê-la submissa, obediente e principalmente fiel”, anulando seus desejos e

vontades em prol da defesa do lar.

Este fato foi observado no Complexo Penal Dr. João Chaves, no ano de

2004, quando cerca de 40% (quarenta por cento) das 60 (sessenta) presidiárias do

Complexo, estavam presas em virtude de relações afetivas – conjugais com homens

que cometeram crimes, ou ainda, por terem filhos que também estavam envolvidos

com a criminalidade. Como afirma Saffioti (1999, p.84), “Há, entretanto, uma

ideologia de defesa da família, que chega a impedir a denúncia, por parte das mães,

de abusos sexuais perpetrados por pais contra seus (suas) próprios (as) filhos (as),

para não mencionar a tolerância, durante anos seguidos, de violência física e sexual

cometidas contra si mesmas”.

Portanto, nos questionamos: até que ponto a mulher pratica ou esconde um

crime para defender a “harmonia” familiar e executar a responsabilidade que lhe é

atribuída de ser mãe, de ser esposa? Ou até mesmo, será que para manter uma

relação afetiva ou até mesmo garantir a “segurança” ou a “proteção” de seus filhos

ou de seu casamento, a mulher deve “abrir mão” de sua liberdade?

Apesar destas relações no âmbito privado, não podemos esquecer de

ressaltar o âmbito público, marcado por contradições sociais, por um sistema de

produção que produz e reproduz relações sociais marcadas pela exploração,

desigualdades, dominação e violência. Podemos afirmar que sua inserção no meio

criminal configura-se também como uma estratégia de sobrevivência, pois na

mesma proporção em que cresceu a inserção da mulher no mercado de trabalho

(lícito), também cresceu sua inserção no mercado “ilícito”.Como diz Martins (1997), a

inserção no meio criminal pode ser um mecanismo para uma inclusão marginal,

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como um posto de trabalho ou como uma forma de angariar riquezas em prol do

consumo.

Não podemos também ficarmos inertes, afirmando e reafirmando a todos os

momentos que as mulheres são sempre vítimas, que sempre há uma relação de

passividade e que estas sempre reproduzem ações bondosas ou até mesmo

caridosas, como se toda forma de violência possa ser apenas executada pelo

homem. Vendo desse modo, cairíamos em um fatalismo e negaríamos a existência

de cerca de 80 mulheres que cumprem pena, pelos mais variados crimes, no

Complexo Penal Dr. João Chaves, nosso lócus de pesquisa.

Compartilhando da idéia de Goldenberg & Toscano (1992), acreditamos que

a mulher pode escolher o seu caminho – no sentido de não subjugar-se ao homem,

ao mesmo tempo sabemos que qualquer indivíduo também é subjugado a lógica do

capital -, sempre com relativa autonomia, sendo protagonista de sua própria história

e não coadjuvante.

“A mulher não nasce mulher, mas torna-se mulher pela educação e pelos

condicionantes sociais” (Ibidem, p. 58) - os mesmo condicionantes que acirram a

violência e a criminalidade, que ditam regras e condutas sociais, que estimula a

sociedade do “ter” e acirra a negação de direitos humanos, sociais e políticos. Desta

forma, segundo Iamamoto (2002), a luta pela superação das desigualdades sociais

implica, necessariamente, a luta pela igualdade de gênero, uma vez que a questão

social expressa desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais,

mediatizadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais

e formações regionais.Desse modo, podemos afirmar que a preocupação com a

criminalidade é cotidiana, afinal é um fenômeno que atinge todas as raças, etnias,

classes, faixas etárias e gêneros.

A partir desta afirmação, em relação aos condicionantes socioeconômicos,

podemos considerar um mito associar a uma relação de causa e efeito e como único

determinante à questão da pobreza para explicar a criminalidade. Podemos destacar

e relembrar grandes crimes, que rodeiam a classe burguesa, como o chamado

“mensalão”, que fez instaurar uma CPI para investigar os crimes de corrupção do

governo, os chamados crimes do “colarinho branco”, que muitas vezes, financiam

desde os crimes como o tráfico de drogas, no seio das elites da classe média até as

milícias em comunidades e favelas e a questão da violência doméstica, os

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homicídios, os femicídios e suicídios, que também estão presentes nos seios dos

lares mais abastados.

O que não podemos negar são algumas particularidades em relação à essa

condição socioeconômica, como é o trato recebido pela polícia em relação aqueles

considerados de classe média ou rica e aqueles que são moradores de favelas.

Geralmente os primeiros são “escondidos” da mídia, tem acesso a bons

advogados62 e a própria polícia prima pelo seu bem-estar físico. Outra questão em

relação à pobreza63 é que, apesar de pobreza e violência não ser um fenômeno de

causa e efeito, nós defendemos a posição que um indivíduo sem nenhuma condição

socioeconômica, aos quais são negados os direitos sociais, humanos e políticos,

vivendo, em muitos casos, com os mínimos sociais, marcado pela desigualdade,

pelo desemprego, pela violência em suas mais variadas formas, acaba tendo um

ambiente favorável para a sua inserção no meio criminal, como uma forma de

sobrevivência.

O bandido pobre é também identificado aos pobres em geral, para os quais o aparelho jurídico da nação só funciona quando se trata de reprimi-los e que carecem de recursos para livrar-se dele. O traficante rico, neste contexto, é identificado com os ricos, os poderosos, os verdadeiros responsáveis pela violência, no parecer dos pobres. Neste caso, o inimigo, está fora da localidade (ZALUAR, 1985, p. 157).

Os próprios dados do DEPEN (2006), nos afirmam que cerca de 95% da

população carcerária é composta por pobres (DEPEN 2006). O que não significa que

somente os pobres cometem delitos, mas sim, que são eles os predominantemente

punidos. A noção de pobreza já foi representada por vários estereótipos sociais,

conforme sugere Nascimento (apud Iamamoto, 2005, p. 42),

62 No ano de 2004, em visita a Vara de Execuções Penais da Comarca de Natal, só dispúnhamos de cinco defensores públicos para todos os presídios do Estado do Rio Grande do Norte, portanto, aqueles que não tinham condições financeiras ficavam “esquecidos” e às vezes chegavam até cumprir a sua pena e ainda estavam presos por não ter um advogado particular. 63 A ONU (Organização das Nações Unidas), em 1995, levantou alguns fatores que permitem a compreensão e que servem de base para delimitar as áreas prioritárias de políticas públicas para o combate ao fenômeno da pobreza. Estas são: relações de gênero, população e desenvolvimento, redução do desemprego, expansão do emprego produtivo e a erradicação da pobreza. A partir deste conjunto de indicadores, surgem diversos perfis de pobreza no mundo, sendo eles: a pobreza como “derivada da insuficiência de rendas; pobreza como precariedade de inserção no mercado de trabalho; pobreza como inacessibilidade aos bens e serviços públicos; pobreza como privações de direitos e pobreza como exclusão social” (Programa de Desenvolvimento Humano sustentável, 2005).

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Nos anos de 1950, a pobreza foi construída em torno da imagem de Jeca Tatu – preguiçoso, indolente, sem ambição; nos anos de 1960, a imagem da pobreza passou a ser representada pela figura do malandro, aquele que não trabalha, mas vive espertamente, sendo objeto de desprezo e da indiferença. Hoje a imagem da pobreza é radicalizada: é o preguiçoso, o transgressor, o que rouba e não trabalha, o sujeito à repressão e a extinção. São classes perigosas, e não mais laboriosas, destinadas a repressão. Reforça-se assim a violência institucionalizada, colocando-se em risco o direito a própria vida.

Portanto, seria impossível desconsiderar que a atual conjuntura brasileira de

extrema concentração de renda e desemprego estrutural tem sido responsável pelo

aumento da violência e esta tem sido também utilizada como saída para garantir a

sobrevivência.

As contradições do sistema capitalista explicam o processo criminalizador com base na lógica de funcionamento capital-trabalho. A força do trabalho diretamente integrada a produção vive a desigualdade a relação entre seu esforço e o beneficio recebido, entre a energia gasta e a recompensa pela cessão do seu tempo de trabalho ao capital. A força de trabalho excedente, desempregada, se vê obrigada a garantir a sua existência através de artifícios e de estratégias de sobrevivência que vão do biscate ao crime. É a utilização de meios iletigios para compensar a falta dos meios litígios de sobrevivência (DORNELES apud SIQUEIRA, 2001, p. 61).

É nesse contexto que a criminalidade feminina vem tomando forma e

quebrando o tabu o qual afirma que, cometer um crime é sinônimo de

masculinidade, que só os homens por serem representações culturais da virilidade,

da força, do vigor, do poder, do agressor e até mesmo do provedor, podem ocupar o

espaço de infrator e de “desafiador” da ordem estabelecida. Por outro lado, não

podemos deixar de considerar que estas são consideradas características,

atribuídas historicamente ao ser homem e que, quando colocadas em xeque, podem

ser propícias, para a sua inserção no meio criminal64.

Mas reportando-nos a figura da mulher, como já foi ressaltado aqui, não

podemos também negar os seus avanços, nos diversos campos da vida social,

como a sua inserção no mercado de trabalho, no campo político, dentre outras

conquistas.

64 Como por exemplo, em um momento de “fraqueza” e/ou impotência, como afirma Saffioti (1999), em caso de desemprego, quando o homem se vê impotente em não poder manter o sustento familiar - o crime nesse caso aparece como “saída” para sobrevivência de sua família.

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Segundo Salmasso (2004), durante muito tempo o estudo sobre a mulher

enquanto infratora não foi tão explorado, pois se partia do princípio que os dados

relacionados a criminalidade feminina se associavam aos dados da criminalidade

masculina e, dessa forma, não recebiam um tratamento distinto. Somente com as

novas correntes historiográficas e com a introdução do estudo de gênero nas

ciências humanas, essa associação não é mais aceita, visto que a partir dessa

categoria, ficou evidente a existência de temporalidades e mulheres atuando em

cada lugar, em cada contexto, tornando-se, portanto uma história múltipla.

Essa afirmação nos mostra a quebra do mito da mulher a-histórica e de sua

natureza essencialmente boa, ou seja, a mulher deve ser analisada a partir dos seus

determinantes sócio-históricos, políticos e econômicos, considerando as

diversidades dentro da categoria, assim, como devemos frisar que é errôneo atribuir

elicadeza e bondade como atributos e qualidades, somente das Mulheres,uma vez

que os homens também podem ser bondosos e delicados.

Na história do pensamento, as idéias de crime e criminoso têm sido antropocêntricas, isto é, a construção dos conceitos e postulados teóricos deita alicerces numa ideologia masculinizada, que leva em conta uma visão masculina do mundo (OLIVEIRA, s/d, p.204).

Por esses mitos quebrados, é que devemos afirmar que estudar a mulher e

o meio criminal significa não cair na falácia de analisar apenas o ato infracional, mas

considerar em primeiro lugar, os determinantes econômicos, políticos e sociais,

como o trabalho, o ambiente doméstico e familiar, a sua infância, e suas relações

sociais de gênero.

Um dos grandes problemas levantados por Oliveira (s/d), nos estudos que

abordam a criminalidade feminina foi ter se detido apenas em critérios

bioantropológicos e sociais, sendo o primeiro com maior destaque. Os estudiosos –

principalmente positivistas - se habituaram em avaliar o fenômeno criminógeno

feminino apenas pela inferioridade física da mulher em comparação ao homem e a

eventual incidência de anormalidades psíquicas, muitas vezes associadas às

funções sexuais femininas.

Esse modo de pensar afirma o mito de que as mulheres em relação a atos

violentos são mais propícias a serem vitimas do que criminosas, tendo em vista a

força e o vigor masculino, vitimizando a mulher e colocando o homem sempre como

agressor.

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A imagem da mulher foi construída como sujeito fraco em corpo e inteligência, produto de falhas genéticas – postura na qual se baseia a criminologia positiva quando se ocupa da mulher criminosa. Outra característica em face da menos resistência que lhe atribuíram foi à inclinação ao mal em face da menos resistência à tentação, além do predomínio da carnalidade em detrimento a espiritualidade. Justificava-se, portanto, um patrulhamento mais efetivo pela Igreja

65 e pelo Estado

(ESPINOZA, 2004, p. 56-57).

Outros determinantes levantados, também por Oliveira (s/d), por ter se

colocado por muito tempo a questão da criminalidade feminina em segundo plano,

foi o fato dos crimes cometidos pelas mulheres serem mais relegados ao ambiente

doméstico ou privado, por ser um “espaço ocupado majoritariamente” pelas

mulheres que acabam não tomando notoriedade ou dimensão pública e por serem

considerados crimes tradicionais, como os casos de homicídios passionais ou por

motivos de ciúme ou como legítima defesa, violências contra os filhos (infanticídio) e

contra empregados/as domésticos/as, os casos de abortos66 - que são considerados

como um objeto de progressiva discriminalização com base na crescente tolerância

social dessa prática. Contemporaneamente, contudo, tem crescido também os casos

de prostituição, que acabam acarretando outras formas de violência e criminalidade

como a inserção no tráfico e uso de drogas, o furto, as lesões corporais, a

exploração sexual de crianças e adolescentes.

O que percebemos na contemporaneidade, é que estes tabus estão sendo quebrados e que o número de mulheres envolvidas no meio criminal vem aumentando a cada ano. E esse fato está intimamente ligado aos avanços da mulher no meio social, econômico e político. As mulheres estão menos tempo no lar, tem um menor número de filhos, as suas profissões são colocadas em primeiro plano quando se fala em casamento, aumentaram-se também os números em relação às mulheres que são chefes de família e provedoras do lar. Só a presença feminina no mundo do trabalho nos permite acrescentar que, se a consciência de classe é uma articulação complexa, comportando identidades e heterogeneidades, entre singularidades que vivem uma situação particular no processo produtivo e na vida social, na esfera da materialidade e da subjetividade, tanto a contradição entre o individuo e sua classe, quanto àquela que advém da relação entre classe e gênero, tornaram-se ainda mais agudas na era contemporânea. A classe-que-vive-do-trabalho é tanto masculina quanto feminina. É, portanto, também por isso, mais diversa, heterogênea e complexificada. Desse modo, uma crítica do capital, enquanto relação social, deve necessariamente apreender a dimensão de exploração presente nas relações capital/trabalho e também aquelas opressivas presentes na relação homem/mulher, de modo que a luta pela constituição

65 A Igreja defende o mito do Pecado Original e vê a mulher sob duas figuras opostas: a figura de Maria enquanto, mãe e cuidadora do lar e, por outro lado, sataniza a figura de Eva. 66 O aborto é considerado crime doloso – com intenção de cometer assassinato – contra a vida, e, portanto, segundo Oliveira (s/d), seu julgamento é de competência do Tribunal do Júri Popular.

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do gênero-para-si-mesmo possibilite também a emancipação do gênero mulher (ANTUNES, 2005, p. 45).

Entretanto, a própria legislação social67 tem outra visão, no que se revela o

direito da mulher na sociedade, como, por exemplo, a profissionalização da

prostituição e a questão do adultério. Quanto ao primeiro, segundo Oliveira (s/d), a

mídia eletrônica tem sido uma grande aliada para discriminalizar tal prática e para

diminuir a exposição de “garotas de programa” nas ruas. O perfil também mudou,

tem-se mais a presença de meninas da classe média e os homens também já estão

fazendo parte deste espaço. Também não podemos deixar de mencionar a própria

organização destas mulheres em sindicatos, por exemplo.

Quanto a questão do adultério, a legislação avançou muito. Segundo, o

Código Penal do Império, de 1890, no artigo 279, a punição do adultério cometido

pela mulher, previa a pena de um a três anos de prisão, enquanto que o homem só

era punido se mantivesse uma concubina, sendo considerado um ato que reprimia a

liberdade sexual da mulher e infligia os valores tradicionais da família. Apesar de

uma ação tardia, o atual Código Penal, no artigo 240, revoga o crime, pela lei nº

11.106/2005, suprimindo do código o termo “mulher honesta”.

Neste sentido, observa-se que as mudanças observadas quanto à inserção

da mulher no meio criminal são, sobretudo qualitativa, e não quantitativa. É preciso

superar as visões positivistas e relacionar este fato, aos determinantes

socioeconômicos, políticos e acima de tudo as próprias mudanças nas relações

sociais de gênero.

Assim, a inserção da mulher no espaço público também possibilitou o

crescimento da sua inserção no mundo da criminalidade. Além disso, ocorreram

mudanças também no que se refere aos tipos de crimes cometidos: os crimes

deixaram de ter relação somente com o âmbito doméstico/privado. A sociedade

mudou, as mulheres mudaram.

“O que se poderia esperar deste quadro, considerando que a criminalidade

geral não deixa de ser um retrato do modo de vida em sociedade, é que o perfil da

67 Ressaltamos também a Convenção Internacional pra Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também conhecida como “Convenção do Belém do Pará”, adotada, segundo Oliveira (Ibidem), pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 06/06/1994 e ratificada pelo Brasil em 27/11/1995. Além da Própria Lei de Execução Penal nº 7.210/84, que prevê alguns benefícios específicos para as mulheres encarceradas, como o direito a berçários (art. 83); creches para os filhos das presas (art. 89), dentro outros. Contudo, na prática, tal direito não é efetivado.

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mulher envolvida com crime também sofresse alterações profundas” (OLIVEIRA, s/d,

p. 210). É disto que trataremos a seguir.

4.2 PERCURSO METODOLÓGICO

4.2.1 Conhecendo o lócus da Pesquisa e os instrumentos utilizados na coleta de

dados.

O lócus da pesquisa, o Complexo Penal Dr. João Chaves – Natal/RN68, está

situado na Avenida João Medeiros Filho, nº 963 no bairro Potengi, zona norte de

Natal (estrada da Redinha), foi selecionado como já assinalamos, se tratar de uma

instituição, a qual já mantínhamos contato com a Assistente Social e estudávamos

desde o ano de 2004, quando nos deparamos com a realidade vivenciada pelas

presidiárias69, no estágio curricular do curso de Serviço Social da UFRN.

A instituição, conforme palavras da diretora do local, objetiva custodiar

pessoas sentenciadas para penas privativas de liberdade que lhe foram incumbidas.

Atrelada ao Ministério da Justiça possui como missão ressocializar o preso para que

esse retorne a sociedade com suas normas vigentes. A sua natureza é pública e é

dirigida a nível estadual pela Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUC) e mais

diretamente pela Coordenação de Administração Penitenciária (COAP) e em âmbito

Federal, ligada ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), financiado pelo

Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN).

Em questão de Legislação, o Complexo atua de acordo com o Plano

Nacional e Estadual de Segurança Pública; com a Lei de Execuções Penais n° 7.210

de 11 de julho de 1984 e com o Código Penal n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

A equipe técnica que serve a instituição engloba uma diretora formada em

Serviço Social, um vice-diretor capitão da Polícia militar, vinte policiais militares que

fazem a segurança externa, trabalhando em regime de 24/48h e, trinta e sete

agentes penitenciários, sendo quinze do sexo feminino e vinte e dois do sexo

68 O local é repleto de diversidades, dinamicidade e correlações de forças, onde o Estado tem todo o dever de garantir a chamada ressocialização ou reeducação das apenadas – porém percebemos na realidade institucional que nem os mínimos sociais previstos em lei são assegurados a esta demanda. Neste sentido, as leis que norteiam essa atuação, como a LEP – Lei de Execução Penal n° 7.210 de 11 de julho de 1984, Código Penal n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940, são constantemente desrespeitadas. 69 Segundo Salmasso (2004), todas as mulheres presidiárias são criminosas, pois quando condenadas à pena de reclusão é por que foram indiciadas por algum tipo de delito, porém nem todas as mulheres criminosas são presidiárias, pois não são todos os tipos de crimes que tem como pena a reclusão.

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masculino, que fazem a segurança interna do complexo, trabalhando em regime de

24/72h. Há ainda uma apenada atuando na limpeza como ASG70.

O setor de Serviço Social é denominado NAS-Núcleo de Assistência Social

que possui somente, uma assistente social que, conforme os Artigos 22 e 23 da

LEP, respaldada pelo código de Ética Profissional, atua no acolhimento, atendimento

aos internos e familiares, elaboração de atestados de conduta, informação de

processos, solicitação de auxilio reclusão, marcação de exames, preparação do

preso para a sua liberdade, acompanhamento as permissões de saídas temporárias,

entre outras atividades que compõe o cotidiano profissional.

Há também o NAM - Núcleo de Assistência Médica que é composto por 01

médico (clínico geral), 01 administrador e 04 auxiliares de enfermagem, de ambos os

sexos, que trabalham à serviço da Secretaria Municipal de Saúde.

A instituição não possui a equipe completa para o CTC - Comissão Técnica

de Classificação71, isto é, psicólogo, advogado, psiquiatra, possuindo somente a

assistente social. Essa comissão teria como intuito, conforme o artigo 8º da LEP,

classificar os apenados quanto a sua personalidade e antecedentes, com vistas a

orientar a individualização da execução penal. A equipe deve, portanto fazer uma

triagem para classificação do apenado segundo personalidade, perfil criminológico,

etc. Na realidade do Complexo Penal Dr. João Chaves, na inexistência dessa equipe

multiprofissional e da própria precariedade da infra-estrutura do local, a separação é

feita apenas para apenados que possuem rixas com os demais. Anteriormente,

quando existia o pavilhão fechado masculino, desativado em 23 de março de 2006,

eram separados dos demais, também os condenados acusados de crimes contra a

moral e bons costumes.

Diante de tal realidade institucional, a idéia de trabalhar com as mulheres

enquanto sujeito ativo da criminalidade partiu de uma pesquisa empírica no lócus de

estágio ainda na graduação, quando foi observado que a rotatividade e número geral

de presas aumentava a cada semestre. Quando entramos em estágio em 2004.1,

70 Segundo o Artigo 126/LEP (1984), quem cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. Sendo, a contagem do tempo para o fim deste artigo feita à razão de um dia de pena para três de trabalho. 71 Em virtude desta ausência, a Assistente Social, atua conjuntamente com a equipe do NAM, formando uma equipe interdisciplinar, bem como realiza diversos encaminhamentos, para o melhor alcance das demandas e objetivos institucionais.

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tínhamos em torno de 60 mulheres no presídio divididas entre os mais variados

crimes, penas e regimes. Hoje, ano de 2008, este número já ultrapassa os 80.

Outro fator também observado no momento de estágio no Serviço Social da

Instituição foi o grande número de presas que estavam encarceradas em virtude das

relações conjugais e/ou afetivas com companheiros e/ou cônjuges que já havia

cometido algum crime. Este número passava de 40% (quarenta por cento) das 60

(sessenta) mulheres que estavam detidas.

Também não poderíamos deixar de mencionar que é uma demanda para o

Serviço Social, compreender e analisar a realidade destas mulheres, não partindo de

uma visão fatalista que as criminaliza, mas de um olhar sobre o social, o econômico

e o político, aos quais estas presas estavam inseridas antes de cometerem seus

crimes e antes de serem encarceradas. Não é interessante para nós, profissionais

do Serviço Social, reproduzir a visão do senso comum em relação aos presos (as)

que habitam as prisões, visão esta marcada por estereótipos e preconceitos, quando

se observa e acusa as pessoas apenas pelo crime cometido, mas, não se vê os

determinantes que os (as) levaram a cometer tal crime.

Partindo destas inquietações sobre a realidade prisional do Complexo Penal,

ou melhor, da realidade prisional vivenciada por estas mulheres que habitam o

pavilhão feminino do Complexo Penal, resolvemos investigar tais determinantes,

partindo de um olhar sobre a questão de gênero em virtude dos números outrora

citados e da própria realidade socioeconômica em que vive a imensa parcela da

sociedade atual.

Quanto à amostra, esta foi delimitada em conjunto com a orientadora, a

partir de diálogos nas orientações. Em conjunto foram definidos critérios

(qualitativos) para a escolha das mulheres que seriam entrevistadas. Como primeiro

critério estabeleceu-se que seriam aquelas que estivessem em regime fechado, pois

as que encontram-se em regime semi-aberto, geralmente saem durante o dia e

voltam somente a noite para pernoitar. Tal fato inviabilizaria a coleta de dados, pois

só poderíamos ir a instituição durante o dia. Como segundo critério foram levantados

pré-requisitos, como a questão da raça/etnia, a faixa etária, a orientação sexual, o

tipo de crime a questão da maternidade e se era reincidente. Critérios estes que nos

traria respostas para alcançarmos os objetivos da pesquisa, que seria conhecer a

realidade vivenciada pelas mulheres antes da entrada no presídio, ou seja,

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investigar os determinantes que as influenciaram a cometerem crimes, sob o olhar

das relações sociais de gênero.

Outro fator preponderante para a seleção qualitativa e para a definição do

número de mulheres foi à questão de como seriam analisados os dados coletados e

de que forma os números seriam relevantes para a pesquisa. Portanto, partimos de

um entendimento de que aplicaríamos a metodologia da história de vida destas

mulheres. Tal forma também foi sugerida pela banca, durante o exame de

qualificação.

Contudo, considerando o tempo máximo para a entrega da dissertação e o

que faltava a ser corrigido e escrito para finalizar o trabalho, achamos mais viável

não mais utilizar o procedimento de “história de vida”, como pensamos inicialmente

no planejamento da pesquisa e como foi sugerido na banca da qualificação do

projeto de dissertação. Optamos por entrevistas que possibilitassem reconstruir a

história de vida das mulheres presidiárias escolhidas para serem entrevistadas,

Após a definição destes critérios a lista foi encaminhada para a Assistente

Social do presídio, onde foi debatido a possibilidade de serem entrevistadas 8 (oito)

mulheres, que respondessem a esse critérios levantados. Diante do conhecimento

da realidade institucional e do público alvo da instituição, a profissional sugeriu

reduzir o número para 6 mulheres, tendo em vista que alguns critérios eram comuns

entre algumas delas, por exemplo, tinha uma que se encaixava nos critérios de

reincidente, homossexual e traficante.

Após estas análises ficou definido que o trabalho seria realizado com um

universo de 6 (seis) mulheres, que respondessem aos critérios levantados e, ao

mesmo tempo, possibilitassem diversas situações de vida, tornando a amostra o

mais plural possível. Frente a isto escolheu-se: 1 (uma) negra, 1(uma) reincidente, 1

(uma) que fosse mãe recente, 1(uma) “famosa” (cujo crime tivesse grande

repercussão pública), 1 (uma) com a idade mais elevada, 1(uma) femícida e/ou

homicida (atendendo ao critério do tipo do crime e por ser considerado um crime não

“tradicional” ).

Quanto à coleta de dados partimos de uma pesquisa quantitativa e

qualitativa, ressaltando que números por si só não representam o real, é necessária

uma abordagem qualitativa tendo em vista a complexidade do objeto estudado.

Optamos por realizar o trabalho de coleta de dados no lócus de pesquisa e

utilizamos os seguintes instrumentos metodológicos:

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Observação: Inicialmente, pensou-se em começar o contato com estas

mulheres através da observação do dia-a-dia, para manter um contato prévio com

elas e possibilitar uma melhor aproximação para o momento das entrevistas. Este

seria um momento de também coletar dados através de observações empíricas da

realidade das presas no presídio. Porém, essa abordagem não foi possível, em

virtude da questão do acesso as celas das presas que ficam restritas apenas as

agentes penitenciarias, por ordem da direção e como medida de segurança. A

imagem que tivemos do dia-a-dia destas mulheres acabou resumindo-se no relato

das próprias apenadas sobre o cotidiano na prisão, e pelo conhecimento já adquirido

da dinâmica institucional que já vinha sendo estudada desde 2004 e pelas próprias

informações prestadas pela Assistente Social;

Análise documental: que seria a análise dos documentos que contém

informações socioeconômicas e processuais das presidiárias. Estes são os

seguintes: a ficha da Avaliação Social (ANEXO A) - questionário aplicado pela

Assistente Social, quando a presa entra no presídio, que aborda questões de ordem

familiar, como filiação, nome completo, endereço, número de filhos, cônjuge, artigo

de acordo com o crime cometido, tempo previsto para o cumprimento da pena,

regime, origem (se vem de outro estado ou de outro estabelecimento prisional),

documentos pessoais, dentre outros dados; a ficha de visita íntima (ANEXO B) que

tem o cadastro do companheiro (a) e/ ou cônjuge que a visita nas quartas-feiras de

todas as semanas (dia da “visita íntima”), cadastro também feito pelo Serviço Social,

que nós ofereceu alguns dados sobre a relação afetiva; o senso penitenciário

nacional, fornecido pelo site do DEPEN e o próprio senso institucional, fornecido

pela diretoria do Complexo, que abordam o número de mulheres presas, artigos,

penas, regime e tempo de prisão (dados estes demonstrados nas tabelas e gráficos

do item 5 (cinco));

Entrevista semi-estruturada (APÊNDICE A): instrumento utilizado como

forma de manter um contato direto com a presa, abordando questões abertas sobre

a trajetória de vida de cada presa entrevistada, desde a infância da presa até o

crime cometido e sua vivência no presídio. Entregou-se uma cópia para a Assistente

Social da instituição;

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4.2.2 A Execução da Pesquisa: Quanto à coleta, análise e as dificuldades

encontradas.

Quanto à análise dos dados coletados utilizamos tabelas e gráficos como

forma de expor os números em relação à quantidade de mulheres presas e seus

respectivos perfis, como faixa etária, localização da moradia, salário, profissão,

número de filhos, companheiros (as) e/ou cônjuge, artigo, regime e tempo de prisão.

Para o perfil geral da população carcerária feminina estes dados foram expostos em

percentagem. Quanto o perfil específico de nossas entrevistadas, foram utilizados

números relativos. Para leitura destes dados quantitativos utilizamos uma

abordagem qualitativa, a partir de uma leitura e reflexão crítica sobre este real.

Foram feitos contatos prévios com a Assistente Social - que nos acolheu

muito bem tendo em vista os “laços de amizades” construídos durante estes quatro

anos - e visitas a instituição para a coleta dos documentos sobre as presas e para

levar um cronograma elaborado com as prováveis datas para execução das

entrevistas.

O mesmo cronograma foi entregue a direção do presídio, por intermédio da

Assistente Social. A profissional, no momento, falou da nossa relação desde a

graduação quando ela foi nossa orientadora de campo e do trabalho desenvolvido

neste período, assim como, do contato que continuou quando nos tornamos

professora substituta do Departamento de Serviço Social e acompanhamos, por dois

anos, enquanto orientadora de ensino do núcleo de segurança pública e sócio-

jurídico, alunas em estágio obrigatório. Na ocasião, a Diretora, que também é

Assistente Social, fez perguntas quanto à execução das entrevistas (como seria a

abordagem e o que tipo de informações que queria coletar) e que objetivos teriam o

trabalho.

Pelo cronograma ficou definido que as entrevistas começariam no dia 07 de

maio de 2008 e finalizaria no dia 25 de junho de 2008, definindo - se o nome da

presa de cada dia e ocorrendo todas as quartas-feiras, dia em que não tínhamos

nenhuma atividade no trabalho e dia em que a Assistente Social considerava “mais

calmo” no presídio. Apesar de ser o “dia da visita íntima”, entre nossas entrevistadas

nenhuma recebia visita de cônjuge e/ou companheiro e também não

desempenhavam nenhuma atividade, pois tem dias, como a segunda que é

reservada para os cultos religiosos, outros para as faxinas das celas etc.

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Apesar de todo o planejamento, sempre ocorre contra-tempos e

adversidades no cotidiano da execução da pesquisa. A primeira dificuldade se deu

quando retornei ao presídio para começar as entrevistas. A diretora estava de

licença - maternidade e quem assumiu o seu lugar foi um capitão da Polícia militar

do estado. Novamente, a Assistente Social, me apresentou ao substituto e entreguei

mais uma vez o cronograma de entrevista.

Apesar do primeiro dia ter correspondido ao do cronograma, a presa que

iríamos entrevistar estava na chamada “cela do castigo” por ter sido pega no

presídio portando um celular, ato considerado como falta grave para o preso e que

prevê castigo. Esta presa seria considerada a “famosa” do presídio, que acabou por

ser a última a ser entrevistada, pois passou duas semanas neste castigo e quando

saiu participou de uma “rebelião” no dia 27/05/2008 e voltou para o castigo. Segundo

a mídia, a rebelião ocorreu como um protesto das apenadas contra a “entrada” de

uma presa que vinha transferida de uma delegacia e se tinha informação – pois esta

já havia cumprido pena no Complexo - que ela roubava e não respeitava o “código

de ética” das presas. Na ocasião, aproveitaram para reivindicar direitos violados,

como a má alimentação e as condições de salubridade. Em conversa informal com a

Assistente Social do presídio, tivemos a informação que já se tratava de “rixas”

antigas de algumas presas com esta “novata” e que esta última mantinha uma

relação homo-afetivo com uma apenada da João Chaves, e na semana anterior esta

companheira tinha entrado em conflito com algumas presas e que por medo de um

conflito maior e de vingança por parte da “novata”, acharam melhor pedir sua

transferência.

Enfim, acabamos por realizar a primeira entrevista, no dia 07/05/2005, com

uma apenada que apesar de estar “trancada” – gíria usada pelas presas para

afirmar que estão em regime fechado – ela ainda é provisória, assim como outras

que foram entrevistadas, ou seja, não tinha ido a julgamento, e isso já faz mais de 1

(um) ano. A mesma estava presa por seqüestro, crime considerado “não-tradicional”

no universo da criminalidade feminina.

Depois desta entrevista, só retornamos ao presídio no dia 28/05/2005, pois

no dia 21/08/2008, não houve entrevista por motivos de trabalho. No dia 28

entrevistamos a apenada prevista no cronograma e que estava presa por femícidio,

sendo também considerada provisória.

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Entre os dias 04 (quatro) e 11 (onze) de junho não houve entrevistas porque

a Assistente Social adoeceu e sem ela no local, não temos permissão de manter

contato com as agentes para retirar as presas das celas, por ordem da direção e por

medida de precaução, tendo em vista que a confiança depositada pelas presas na

hora das entrevistas, era por causa da relação de confiança mantida com a

Assistente Social do presídio, pois esta já tem mais de 10 (dez) anos de experiência

na área. Sempre antes das entrevistas, ela nos apresentava como profissional e

professora da UFRN, assim como, companheiras de trabalho e garantia a presa todo

o sigilo profissional. Essa questão do sigilo era tão intensa, que era comum no início

de todas as entrevistas, quando eu perguntava se poderia gravar a conversa,

sempre ouvia frases, em tom crítico, do tipo: “minha vida é um livro aberto, não

tenho o que esconder” ou até “quem não deve não teme”. Da presa, que era

considerada “famosa” pela repercussão do ato cometido na mídia, ouvi: “gostaria

que estas informações não vazassem, a mídia ia adorar meu depoimento”. O tempo

todo ela frisava esta frase.

As falas de arrependimento também eram muito fortes, tipo: “falar do meu

crime é a parte mais difícil”. Quanto a isso, nós sempre deixávamos claro que elas

só falassem o que pudessem e que sentissem segurança em nos confessar à

informação e que aquele momento não se tratava de um interrogatório policial.

Muitas tiveram receio em virtude das agressões sofridas pela polícia quando

confessaram seus crimes, outras até pelo tipo de ato cometido, como a questão do

tráfico de drogas, que geralmente, está ligado a um grupo organizado com um líder.

Isso faz com que elas tenham medo de represálias. Isto foi observado e “alertado”

pela assistente social, quando entrevistamos a presa por tráfico.

Reportando-se, aos problemas quanto a esta questão das gravações,

acabamos perdendo 3 (três) das seis entrevistas realizadas, pois realizamos as

gravações em equipamento emprestado e os dados sumiram. Esse fato trouxe

déficits negativos na qualidade dos relatos das falas das presas e na própria análise

dos dados, tendo em vista, que apesar de termos copiado alguns trechos das falas

na hora das entrevistas, é notório que sem as respostas na íntegra ficou mais restrito

a exposição dos dados. Outra dificuldade quanto às entrevistas, foi não termos

conseguido um profissional disponível para as transcrições. Os que entramos em

contato estavam com compromisso e a última pessoa contactada, iria passar por

uma cirurgia oftalmológica e não poderia transcrever. Uma amiga, também aluna do

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mestrado, se propôs a transcrevê-las, mas teve problemas com um programa do

computador e não conseguiu “abrir” as falas. Enfim, terminamos assumindo esta

tarefa tendo em vista o tempo para a finalização do trabalho. Por outro lado, tornou-

se uma tarefa a mais na execução desta dissertação, afetando inclusive o prazo de

entrega do terceiro capítulo para a correção.

Quanto ao andamento do cronograma, só voltamos à instituição no dia

18/06/2008, quando tivemos mais uma mudança no planejamento. A presa

selecionada para entrevista do dia, havia recebido liberdade condicional e tinha

saído naquela semana do presídio. No momento, a Assistente Social, convidou outra

apenada, com o perfil que queríamos trabalhar no dia, que seria a questão da

orientação sexual e ela aceitou. Quanto a sua entrevista, foi considerada um pouco

“vaga”, tendo em vista, que esta presa é uma das mais antigas no presídio,

cumprindo pena desde a década de 1990, com suas “entradas e reincidências”, por

tráfico de drogas. Por esse motivo, também é intitulada pelas outras presas como

uma das “chefes” do local.

Só retornamos ao presídio após cerca de 30 dias, pois foi final de semestre

na UFRN, e os trabalhos intensificaram-se. Comuniquei o meu afastamento a

Assistente Social e só retornei no dia 16/07/2008. O cronograma, já havia sido

deixado de lado, e partimos para entrevistar a presa que estava marcada para o dia

21 de maio de 2008. Esta é mãe e negra e está próximo de ver o seu filho sair do

presídio, já que, é previsto pela Lei de Execução Penal, que o filho só fica com a

mãe durante os seus primeiros seis meses de vida, ficando sob a guarda, após este

período, de parentes da mãe ou vai para uma casa abrigo quando esta não tem

nenhum parente na cidade, fato que vai ocorrer com esta presa, que tem sua

naturalidade no Estado de São Paulo.

As duas últimas entrevistas foram realizadas no início do mês de agosto,

quando o semestre encerrou na UFRN, e tive mais tempo livre para dedicar-me ao

projeto. Nas ocasiões, entrevistei a presa considerada “mais velha” e a “famosa”,

respectivamente.

Ressaltando que destas três últimas entrevistas, tínhamos poucos dados

que anotados, os demais foram deletados do MP3. Inclusive destas últimas duas,

não tenho se quer as datas exatas do mês de agosto em que realizamos a

entrevista.

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Outro fato que deve ser ressaltado neste momento foi à dificuldade de

termos que conciliar o trabalho com os estudos da pós-graduação. Fato que nos

trouxe diversos problemas, quanto à questão do cumprimento dos prazos para

qualificação do projeto de pesquisa, para entrega dos capítulos da dissertação, o

tempo para leituras, fichamentos de textos e idas ao campo. Com certeza, esta foi

uma das maiores dificuldades, e, em virtude disto foi preciso o trancamento de dois

meses e a prorrogação de mais um semestre para tentar dedicar-nos a este

trabalho.

Aproveitamos para fazer uma crítica a lógica econômica, cruel e desigual na

qual estamos inseridos/as, tendo em vista as nossas necessidades materiais e

objetivas de sobrevivência. Recebemos duras críticas de alguns dos profissionais do

corpo docente da pós-graduação, quando precisamos assumir o cargo de professora

substituta da UFRN. Estes argumentavam que estávamos assumindo um trabalho

precarizado e temporário, tendo em vista, que a relação de trabalho se dá via

contrato de dois anos, sem renovação e o acúmulo de trabalho é enorme, e isso,

não deixaria tempo para nossos estudos.

A verdade é que somos expressões objetivas da mais-valia, da exploração e

da baixa remuneração resultantes desta lógica competitiva e mercantilista. A própria

pós-graduação não foge a esta lógica do mercado, no que se refere à produção

intelectual acelerada – quando falamos nas notas e conceitos definidos pela CAPES

(Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal do Ensino superior) - em troca de

bolsas de estudos (O programa só dispõem de 7 (sete) bolsas para todas as turmas

que ingressam no mestrado ano a ano desde 2000). Assim, os programas mais bem

conceituados pela CAPES tem mais bolsas e fica cada vez mais difícil para os

pequenos programas sobreviverem.

Após o término da coleta de dados era o memento de analisá-los. Para isto,

optamos pelo uso do método de “Análise Temática”. Neste sentido, foi realizado um

trabalho minucioso nas transcrições, onde foi relatado “fala a fala” das entrevistadas,

na tentativa de encontrar elementos comuns, discordâncias e temas relevantes para

o propósito do nosso estudo.

O segundo passo, foi à elaboração de um quadro, separado por temáticas,

onde destacaríamos cada entrevista e confrontamos o que havia de comum entre as

entrevistas e o que era relevante ser colocado como tema para análise do estudo.

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O resultado disto será apresentado a seguir, quando iremos expor os

resultados encontrados e a análise dos dados.

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5 A REALIDADE DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO

CHAVES – NATAL / RN.

A nível nacional serão exposto dados fornecidos pelo Departamento

Penitenciário Nacional – DEPEN. Em nível local, analisamos dados gerais sobre

os/as presos (as) do Complexo Penal Dr. João Chaves referente ao primeiro

semestre de 2008, fornecidos pela direção do Complexo. Segundo Fausto (1984), a

pesquisa realizada por documentos criminais podem ou não nos trazer certezas

sobre o universo pesquisado, pois só se pode saber sobre os crimes que foram

denunciados, ficando uma lacuna em relação a aqueles que não o são. Mesmo

assim, é importante ter como parâmetro estes números porque estes nos faz

aproximarmos melhor da realidade. Podemos por outro lado, preencher de certa

forma esta lacuna “aberta” com as entrevistas concedidas pelas presas durante a

coleta de dados.

O pavilhão feminino do Complexo Penal foi criado na década de 1990, e

abriga atualmente uma média de 80(oitenta) mulheres em os mais variados regimes

de cumprimento de pena, divididas em 14 (quatorze) celas, sendo uma destinada

para triagem72 das presas. Mas em virtude da alta demanda acabou se

transformando em uma cela que abriga pesas quando estão no castigo – quando

cometem alguma infração, como por exemplo, o uso de telefones moveis.

A média de presas por cela é de 5 (cinco) ou 6 (seis), divididas de acordo

com a demanda, e em caso de algum conflito são mudadas de celas pela Direção da

instituição. Em um espaço que só possui 4 (quatro) camas de alvenaria. Durante o

dia elas ficam “soltas” no pátio e só ficam “presas” à noite. Tal momento é

considerado por elas como “a hora da tranca”.

Os dias de visita íntima são as quartas-feiras e o dia aberto aos demais

familiares, são aos domingos.

Quanto à alimentação, é vinda da cozinha do complexo onde geralmente

quem trabalha são os próprios presos em prol de redução da pena e a questão do

material de higiene pessoal também é fornecido pela Secretaria de Justiça e

Cidadania do Estado. Quanto à questão da assistência médica tem o NAM – núcleo

72 Período de 30 dias em que os presos (as) não recebem visita das famílias, por ser alegado como um tempo para a adaptação ao meio e para as (os) guardas do presídio se familiarizar com o comportamento dos presos (as).

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de atendimento médico, que atualmente só conta com dois auxiliares de

enfermagem que distribuem medicamentos para controle da pressão arterial,

diabetes e contraceptivos. Quanto à assistência social, só contam com uma

profissional que atua de acordo com a Lei de Execução Penal.

As análises foram focadas nas seguintes temáticas: comparação entre o

número de homens e mulheres encarcerados da unidade prisional, tanto em nível

estadual como local; e em seguida dando ênfase a mulher presidiária, trabalhamos

com os seguintes dados: tempo de prisão (tempo para o cumprimento de pena), o

artigo do Código Penal Brasileiro pelo qual se cumpre a pena ( ou o crime cometido)

e o tipo de regime prisional (fechado, aberto, semi-aberto e provisório).

Posteriormente, foram analisados os dados socioeconômicos destas mulheres,

dando destaque a questão da naturalidade, o número de filhos, estado civil, grau de

escolaridade e faixa etária.

Dando destaque ao nosso universo de entrevistadas, ou seja, as 6 mulheres,

faremos uma exposição de dados via tabelas e em seguida analisaremos suas falas

confrontando com as leituras realizadas no decorrer do mestrado. Também

adotamos nomes fictícios como forma de garantir o sigilo das entrevistadas.

Relação Homem e Mulher no meio criminal

A nível nacional vivenciamos o superpovoamento dos estabelecimentos

prisionais. Segundo o DEPEN (2005), o Brasil, encarcera mais pessoas do que

qualquer outro país latino-americano, apresentando-se entre os dez maiores do

mundo e maior da América Latina. Isto mostra a falência do Estado-social e o

aumento do chamado Estado-penal, que enfrenta as diversas expressões da

Questão Social como simples casos de polícia e de segurança nacional.

A população carcerária brasileira está dividida em 1.051 estabelecimentos

prisionais em todo território nacional, dividindo-se da seguinte forma:

TABELA 01 – POPULAÇÃO CARCERÁRIA NACIONAL

FECHADO SEMI-ABERTO ABERTO Total

FEMININO 8.944 2.156 1.607 12.707

MASCULINO 154.861 39.575 16.704 211.847

TOTAL/REGIME 163.805 41.731 18.311 223.847

Fonte: DEPEN/2007

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É importante ressaltar que estes dados não abrangem os números de

delegacias e cadeias públicas, responsáveis, geralmente, pelo recolhimento de

presos provisórios.

Quanto à realidade no estado do Rio Grande do Norte, os números apontam

para uma população em situação prisional, ou seja, independete de ser condenado

ou provisório, no total de 2.877 presos (as), entre os regimes: fechado, semi-aberto,

aberto e provisório.

TABELA 02 – POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE

FECHADO SEMI-

ABERTO

ABERTO PROVISÓRIO Total

FEMININO 77 62 12 25 176

MASCULINO 1.349 497 105 750 2.701

TOTAL/REGIME 1.426 559 117 775 2.877

Em se tratando de regime, como já mencionado no Capítulo I, de acordo

com o código penal brasileiro e com a Lei de Execução Penal, os regimes73

73 REGIME FECHADO: Execução da pena em regime de segurança máxima (art. 33, § 2º “B” CP).

REGRAS: o condenado cumpre a pena em penitenciária e estará obrigado ao trabalho em comum dentro do estabelecimento penitenciário, na conformidade de suas aptidões ou ocupações anteriores desde que compatíveis com a execução da pena. Nesse regime, o condenado fica sujeito a isolamento durante o repouso noturno (carta de intenções). Não tem direito a freqüentar cursos e o trabalho externo só é possível em obras ou serviços públicos, desde que o condenado tenha cumprido mais de um sexto da pena. REGIME SEMI-ABERTO:A execução da pena se faz em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. REGRAS: não há previsão para o isolamento durante o repouso noturno. Terá direito a freqüentar cursos profissionalizantes, de instrução de 2º grau (médio) ou superior. Também ficará sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. O trabalho externo é permitido, inclusive na iniciativa privada. Na própria sentença o juiz pode conceder o trabalho externo, desde o início do cumprimento do pena, ou o juízo da execução. A exigência para cumprimento de um sexto da pena para poder trabalhar externamente é exigido apenas quando tal benefício for concedido pela direção do Estabelecimento Penitenciário que dependerá também da aptidão e disciplina do apenado. Súmula do STJ: 269 - É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. REGIME ABERTO: A execução da pena ocorre em casa do albergado ou estabelecimento adequado. REGRAS: o regime aberto baseia-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade do apenado. O condenado só permanecerá recolhido (em casa do albergado) durante o repouso noturno e nos dias de folga. O condenado deverá trabalhar, freqüentar cursos ou exercer outras atividades

Fonte: DEPEN/2007

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destinados ao cumprimento de pena são: Fechado, Semi-aberto, aberto e temos os

casos de presos (as) provisórios, quando ainda não foram sentenciados. No caso de

nossas entrevistadas, quatro das 6 (seis) mulheres estão ainda em regime

provisório, contra apenas 2 (duas) em regime fechado. Ressaltando ainda que a

média entre elas do tempo em que já estão presas é de mais de 1 (um) ano de

cumprimento de uma pena quanto a sentença não se tem idéia de quanto tempo

ainda irá durar. O fato denuncia a ausência do poder público no sistema carcerário e

a negação do direito a um defensor público para aquelas que não podem pagar um

advogado particular. Na verdade, a lógica do mercado também se aplica ao meio

prisional: “só sai da prisão quem tem dinheiro para comprar a „liberdade‟”.

Não tenho nenhum advogado, já pedi ao capitão para ligar para o fórum, para saber. Eu vou mofar aqui. Eu só tenho Deus. Quem tem advogado já tá na rua. Eu dei uma simples facada e ainda estou aqui, tem gente que faz pior e já ta na rua. Eu não tenho nada, só Deus e meu marido por mim (Relato de Juliana).

O gráfico 01 (um), apresenta a situação das presas quanto ao regime que

estão cumprindo no Complexo Penal Dr. João Chaves – Natal/RN.

GRÁFICO 01 – REGIMES DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

autorizadas fora do estabelecimento e sem vigilância. Com responsabilidade e disciplinadamente o detento deverá demostrar que merece a adoção desse regime e que para ele está preparado, sem frustrar os fins da execução penal, sob pena de ser transferido para outro regime mais rigoroso (art. 36, § 2º do CP). O Maior mérito do regime aberto é manter o condenado em contato com a sua família e com a sociedade, permitindo que o mesmo leve uma vida útil e prestante.

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

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113

Reportando-se precisamente ao número de homens e mulheres no

Complexo Penal, não podemos negar que quantitivamente quando se menciona o

perfil por sexo do sistema carcerário, não só local, como também nacional, sabemos

que o maior número de indivíduos encarcerados são homens, como apresenta-se no

gráfico 02. Porém, não podemos negar que os dados referem-se apenas ao

Complexo Penal Dr. João Chaves, não foi levado em conta outros estabelecimentos

prisionais que abrigam mulheres na capital, como por exemplo, 13ª Delegacia de

Polícia, que localiza-se no bairro da Redinha, Zona norte da capital, e considerado

um ambiente de encarceramento provisório feminino.

GRÁFICO 02 - COMPARAÇÃO DO NÚMERO DE HOMENS E MULHERES PRESAS NO CPJC – NATAL/RN

Segundo Ribeiro (2000), o modelo imposto socialmente ao ser homem, os

atrai para características que preservam ações ligadas ao poder, a dominação, a

agressividade, força física, ao ser o provedor e ser viril. Atributos que se encaixam

no perfil da criminalidade, ao mostrar que se tem poder, que se tem força de romper

com a ordem social estabelecida.

O espaço público ainda é masculino, estando os homens mais sujeitos a atropelamento, passando por acidentes de trânsito e chegando até ao homicídio. As mulheres ainda têm uma vida mais reclusa, estando infinitamente, mas expostas à violência doméstica. (SAFFIOTI, 1999, p. 88).

O crime desperta em alguns indivíduos a idéia de poder, de rompimento

com a ordem, mostra a conquista de espaço, mostra a dominação de um espaço

onde há ausência do poder público. Ao mesmo tempo, pode despertar também, em

algumas pessoal, a idéia de que o criminoso foi fraco frente às adversidades da vida,

ou seja, frente ao desemprego, à fome etc, o criminoso não se manteve firme, pelo

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

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fato da lógica capitalista transferir para o indivíduo a responsabilidade por sua

condição socioeconômica, e acabou ingressando pelo caminho do crime.

Não podemos deixar de considerar que nos últimos anos o perfil das presas

quanto ao sexo vem alternando-se, tendo em vista, o aumento significativo de

mulheres envolvidas com crimes e cumprindo pena nos presídios nacionais e locais.

Esta afirmação concretiza as mudanças nos papéis sociais, o rompimento com

esteriótipos que apresentam o homem como forte, como se não houvesse homens

“frágeis”, que apresentam o homem como o agressor, como se não houvesse

também homens vítimas, que só o homem é agressivo, como se as mulheres

também não pudessem ser.

Quanto à comparação em relação ao sexo masculino no Complexo Penal,

podemos observar o gráfico 02. A este respeito Salamasso (2004, p. 28) afirma que:

Enfim, é necessário acrescentar que, a notável baixa incidência de criminalidade feminina em relação ao homem se colocava como um mero reflexo da vida social em que ambos se inserem, ou seja, o homem, por natureza, fazia [faz] questão de exteriorizar o seu papel de dominador.

Reportando-se por sua vez, a questão dos crimes, Silva (2007), aponta que

este não faz parte de decisões pessoais, parte de uma dada necessidade humana

especifica, de uma dada historicidade, criadas e recriadas por uma sociedade que

estabelece padrões. Portanto, sem querer colocar a mulher em um patamar de

vitimização, é inegável a importância das influências externas e dos padrões

estabelecidos para o ser mulher, que a fazer reafirmar a questão dos esteriótipos da

submissão e da dominação frente às relações sociais de gênero.

De acordo com CASTRO & LAVINAS (1992), esta dominação que permeia

as relações sociais de gênero é classificada em três parâmetros:

A tradicional – baseada no poder tradicional de uma autoridade do passado a

qual se obedece por costume; legitimidade retirada do caráter sagrado da

tradição. Aqui os exemplos são, a obediência e fidelidade aos patriarcas no

seio das sociedades domésticas, e aos senhores feudais/nobres;

A carismática: na qual obediência se baseia no carisma ou dom pessoal do

dominador;

Legal: que se dá em razão da legalidade, que é fundada em regras

racionalmente estabelecidas.

É bem típico das relações descritas entre a mulher e o homem, quanto a

influencia para o ingresso das mulheres no meio criminal, a questão da dominação

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tradicional, principalmente quando se menciona o caráter de obediência e fidelidade.

Fidelidade esta que não se observa nos homens, dada a ausência de visitas feitas

pelos por eles às mulheres no seu período de aprisionamento.

Todas as quartas-feiras, sendo um direito do preso (a), há a abertura do

presídio para a visita íntima – popularmente conhecida como o dia do “parlatório”.

Tal visita é prevista como direito assegurado pela LEP, em seu artigo 4174, §X,

porém pode também ser restrito mediante determinação da direção do

estabelecimento prisional. Na realidade do Complexo, a execução deste direito

perpassa pelo setor do Serviço Social, via entrevista prévia com o cônjuge e/ou

companheiro que se dispõe à visita íntima, com apresentação neste ato de

documentos pessoais e a emissão de uma carteirinha de identificação que é

encaminhada à direção do presídio para autorização do diretor. Observamos que

entre as nossas entrevistadas, atualmente, nenhuma recebe visitas de seus

companheiros e /ou cônjuges ou namorados: Uma tem o marido preso, na verdade

eles foram presos juntos; a outra o marido está solto, mas não a visita; outra teve o

marido assassinado e por sinal, era também um ex-presidiário e o casamento

ocorreu na prisão; outra o marido está preso em São Paulo; uma é solteira e só tinha

namorado antes da prisão, portanto não recebe visita e a última só mantém

relacionamentos homoafetivos dentro do próprio presídio.

Este fato é relevante, pois mostra que as mulheres quando presas são mais

propicias a serem “abandonadas” pelo companheiro, perdendo o sentimento de

companheirismo. Reafirma-se, portanto, que a função do “cuidar” foi / é

historicamente atribuída ao ser mulher, fugindo das prerrogativas e votos feitos pelos

enlaces matrimoniais: “marido e mulher até que a morte os separem”. Estes homens,

74O Art. 41, também prevê os seguintes direitos ao preso (a): I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - previdência social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

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tendenciosamente, acabam constituindo outras famílias, não estão dispostos a

enfrentar o “constrangimento” de ir a uma prisão, passar por revistas ou até mesmo

em ter suas relações sexuais sem privacidade no presídio. Este sentimento de

abandono, também faz crescer os laços de solidariedade entre as próprias presas e

críticas em relação ao sexo masculino, contribuindo principalmente para o

surgimento de vários relacionamentos homoafetivos, que muitas vezes, perduram

somente no período do encarceramento ou até mesmo, quando a decepção com o

sexo oposto é “grande”, passam a fazer parte da vida destas mulheres enquanto

orientação sexual.

O desenvolvimento dos direitos reprodutivos, os métodos contraceptivos, a concepção artificial concorrem para uma compreensão da sexualidade descolada do casamento e da reprodução. A sexualidade passa a ser compreendida como potencialidade do indivíduo, podendo ser experimentada de diversas formas. A busca pelo prazer sexual orienta relacionamentos, que não precisam necessariamente ser monogâmico. Torna-se tênue a distinção entre mulheres respeitáveis e depravadas, onde os relacionamentos são menos carregados de preconceitos (MAGALHÃES, 2001, p. 107).

O gráfico 03 mostra em números, o crescimento do ingresso destas

mulheres no Complexo Penal, ano a ano, de acordo com os dados que analisamos

fornecidos pela direção da instituição.

GRÁFICO 03 – INGRESSANTES/ ANO NO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

Os números demonstram o crescimento do ingresso de mulheres ano a ano,

desde 2004 a 2008 no lócus de nossa pesquisa, dando destaque ao grande

percentual em 2007, pois 45% (quarenta e cinco), das presas do CPJC ingressaram

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neste local, no ano passado. Os determinantes para este aumento significativo ao

longo dos anos pode ser expresso pelas próprias “falas” das presas nas entrevistas,

quando foram questionadas sobre os motivos que as levaram a cometer seus crimes

e qual a sua opinião em relação à mulher e o meio criminal. O fato se entrelaça em

um movimento de “conservação de costumes” e o movimento de emancipação das

mulheres presentes na trajetória histórica de cada mulher, ou melhor, passa pela

questão dos relacionamentos, dos laços afetivos com companheiro e/ ou cônjuges

que estão envolvidos com a criminalidade e neste caso, quando a mulher se insere

por este determinante reafirma a questão da submissão e a função histórica

atribuída à mulher em relação ao homem, que é a questão do companheirismo e do

próprio determinante afetivo. Outro determinante levantado foi a necessidade de

sobrevivência.

Em outras palavras, ocorrem casos em que a mulher é pega junto com o

companheiro (a) ou casos em que ao ver o companheiro ser preso, a atividade ilícita

é “assumida” pela mulher enquanto forma de sobrevivência da própria família – pois

representava a única atividade econômica para o sustento do lar – e até mesmo

para custear os gastos com o encarceramento do companheiro, como advogado,

alimentação e idas ao presídio para visitas. Segundo Salmasso (2004), na maioria

dos casos o fator motivador é sempre a complementação de renda ou até mesmo

sua obtenção, face ao nível de desemprego na classe em que estas se inserem.

“A mulher tem que mostrar que pode tanto quanto o homem. Eu via que eles podiam, eu também podia. Queria me sentir famosa” (Presa „Paula‟).

Eu acho que as mulheres estão ficando mais independentes. Por outro lado, cometem por causa do marido. Mas também, há mulheres que assumem o „negócio‟ do marido que está preso. Não há mais sentimento, ela querem independente financeiramente. Geralmente, ela toma no irmão ou no marido o exemplo para ela seguir e fazer. A mulher quer tá na mesma escala que o homem (Relato da presa „ Joana‟ sobre a mulher e o crime).

O parceiro é o maior influente, mas a mulher deve mostrar que pode tanto quanto ele. É uma questão de „guerra de sexos‟. Ela ainda é dependente, sofre com a paixão, com a submissão e com a dominação do marido (Relato da presa „Maria‟ sobre a mulher e o crime). Na minha opinião muitas que „tão‟ aqui, caí por causa dos maridos ou de más companhias, mau influência. Se eu fosse como elas, eu já tinha feito muitas desgraças. No meu caso, meu marido não tem culpa. Foi minha cunhada que me desafiou. (Relato da presa „Juliana‟ sobre a inserção da mulher no crime)

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Quanto ao tipo de crime

Hoje, apesar dos valores morais e conservadores que ainda permeiam na

sociedade nas relações sociais de gênero, sabemos que há ruptura com

estereótipos criados para o ser homem e para o ser mulher e o próprio movimento

feminista apresenta-se como uma trajetória histórica de luta em prol da equidade

social entre os gêneros. Percebe-se que isso também se propaga no meio criminal.

O próprio tipo de crime cometido por homens e mulheres seguem a questão da

orientação de gênero, ou seja, existem os crimes que são mais freqüentes entre os

homens, como os grandes roubos a bancos, os seqüestros, os assassinatos e os

latrocínios, assim como, os mais freqüentes entre as mulheres, como o furto, o uso

de drogas e entorpecentes. Este último, apesar de representar a maioria entre as

mulheres do Complexo, é considerado um crime em comum entre os gêneros.

Do mesmo modo, que existe a divisão sexual do trabalho, também há uma

divisão nas “funções” desenvolvidas por homens e mulheres no meio criminal,

principalmente quando se fala nos crimes de associação ao tráfico, mais

precisamente como participante de grupos ou associações que cometem o crime de

tráfico. Nele a mulher geralmente desenvolve o papel de “aviãozinho” ou “mula”,

sendo responsáveis pelo transporte da droga.

Provavelmente, o elemento que teve maior impacto sobre o processo de

mudança na inserção da mulher no meio criminal e na expansão de práticas até

então ocupadas e executadas pelo universo masculino, foi a inserção da mulher no

tráfico de drogas e entorpecentes. Os relatos a seguir, de duas de nossas

entrevistadas, que estão presas pelo crime de tráfico e associação ao tráfico,

demonstram o seu envolvimento amoroso e afetivo como fator determinante para tal

inserção, mas esconde por outro lado, um grande fato que é a questão da facilidade

na obtenção de dinheiro por este caminho.

No caso de uma de nossas entrevistadas, que responde pelo crime de

associação ao tráfico – artigo 35 da Lei 11343/06 - ao ser questionada sobre os

motivos que a “levaram” a envolver-se com este crime, ela relatou como grande fator

à questão de seu relacionamento afetivo, ou melhor, o seu relacionamento amoroso

com um companheiro traficante. Ela também foi presa como “mula”:

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Meu marido era usuário de maconha. Era pedreiro, mas como chefe de família sentiu a necessidade de ser „mula‟ pra sobreviver. Muita gente vem para esse mundo pra sobreviver (Relato de Maria).

Para Oliveira (s/d, p. 213), “as mulheres são encontradas em posições

subalternas nos esquemas de tráfico, como os de „avião‟ e „mula‟, o que facilita a sua

prisão pela polícia e, por conseqüência, sua inserção no sistema de justiça criminal”.

No tráfico, apesar da presença da mulher, a palavra do homem ainda é mais forte, é mais levada a sério. As mulheres não têm muito contato (Relato da presa Joana).

Ainda de acordo com Oliveira (ibidem), o tráfico de entorpecentes implica em

uma organização da atividade do tipo empresarial, na qual a mulher se insere como

mão-de-obra que conta com certos atrativos: rendimentos consideráveis, menos

suspeição junto à polícia, maior interação com a comunidade, dentre outros. Enfim,

tem-se aqui um exemplo claro da reunião de elementos considerados como

tipicamente femininos – em consonância parcial com a criminologia tradicional e com

fatores socioeconômicos.

Isso demonstra que a divisão sexual do trabalho como um todo – aqui incluo

a divisão sexual do trabalho no meio criminal - é sempre indissociável das relações

sociais entre homens e mulheres, que são relações desiguais, hierarquizadas,

assimétricas e antagônicas. A divisão sexual do trabalho é, assim, indissociável das

relações sociais entre homens e mulheres, que são relações de exploração e de

opressão entre duas categorias de sexo socialmente construídas.

Apesar de já termos pontuado que a maior incidência de crimes cometidos

por mulheres remete a questão do tráfico de drogas, o gráfico abaixo aponta para

outros delitos também cometido pelas presas do Complexo Penal Dr. João Chaves.

GRÁFICO 04 – ARTIGOS/ CRIMES COMETIDOS PELAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

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Reafirmamos a partir dos números que 44% (quarenta e quatro) das

apenadas do Complexo estão presas pelo chamado artigo 12 da Lei 6368/76,

seguidas por 25% (vinte e cinco) do artigo 33 da Lei 11343/06. Os dois referidos

artigos remetem a: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,

vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,

guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que

gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou

regulamentar. A questão é que o art. 33, prevê mudanças na legislação penal

anterior (art 12), sobre a punição ao referido crime, a partir de 2006 e institui o

Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas (SISNAD). Agora a questão do

combate ao consumo e ao tráfico de drogas e entorpecentes tornou-se uma política

pública que não prevê somente punição penal, mas também uma série de medidas

preventivas, como a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de

drogas e estabelece normas para repressão à produção não autorizada75.

Houve mudanças também, na questão da pena, para o traficante. Antes,

com o artigo 12 se previa pena mínima de 3 (três) anos de reclusão, com a

reformulação da lei em 2006, a pena vai de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão

mais multa. Por ser considerado também um crime hediondo, deve ser cumprido em

regime fechado, sem direito a progressão de regime, dando direito apenas ao

livramento condicional, após 2/3 da pena cumprida.

A lei ainda trouxe mudança do número do artigo 14 para o artigo 35, que

prevê a questão da associação ao tráfico: “Associarem-se duas ou mais pessoas

para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos no

artigo 33” (Lei 1143/06). Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

Quanto a questão do tráfico de drogas na atualidade, temos uma verdadeira

rede organizacional e a criação de um poder paralelo – o poder central, é

interpretado pela figura do Estado Brasileiro - que instaurou-se não só nos grandes

75 Art. 2o Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.

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presídios do nosso país, mas que vem tomando conta dos Estados e capitais

brasileiras. Segundo Baierl (2004), o traficante é considerado como o sujeito que

comanda e tem poder de domínio em uma determinada área, é chamado de o

“chefão”, “o patrão da área”. O seu poder é exercido em todas as instâncias locais.

Intervindo nas situações de sobrevivência imediatas das pessoas (alimentação,

medicamentos, transporte de emergência a hospitais), nas relações familiares, na

resolução de conflitos entre moradores e no próprio ambiente doméstico. Criam-se

empregos no mundo da ilegalidade. “E principalmente, intervém nas áreas da vida

do cidadão em que caberiam ações e políticas do Estado” (Ibidem, p. 135).

O traficante torna-se assim, o verdadeiro provedor destas populações e

famílias que estão sob seu domínio e o Estado aparece em muitos momentos como

conivente com tal ilegalidade. É como se o próprio Estado criasse leis que

combatem o tráfico, que não são executadas, tendo em vista o crescimento de tal

crime. E essa não execução tem uma razão: não pode-se combater um “mal” que

“cobre” a total ausência de um Estado social, que não garante se quer as condições

básicas de sobrevivência. Esse “mal” portanto, supre a ausência de assistência que

deveria ser prestada pelo Estado.

Por outro lado, estas condições de sobrevivência oferecidas pelo tráfico tem

um “preço” para a população: estes vivem em um regime ditatorial, no qual as regras

são escritas de acordo os interesses do traficante. “Assim, contraditoriamente, é

mencionado como alguém que respeita a privacidade dos moradores até um certo

limite. O limite é não interferir nos seus negócios e acatar as regras e lei local por ele

traçada e ditada” (Baierl, 2004, p. 138).

Além do regime, o tráfico ditatorial é uma firma, uma modalidade de

comércio. Segundo Silva (2007), como qualquer outra empresa capitalista, o tráfico

consome a energias vitais de seus membros, levando-os, por outros caminhos, a

níveis cruéis de precarização e desumanização. Qualquer vacilo pode significar algo

mais que desemprego estrutural: a eliminação direta e imediata (a morte).

Quanto ao seu produto de comercialização, ou seja, a droga, é comprada

por outros segmentos de classes, não necessariamente os moradores da favela,

quebrando esteriótipos que todo pobre é criminoso e drogadido. “Percebendo ou

não, mas indiferente a isso, esses segmentos, são alimentadores e sócios deste

grande negócio” (Ibidem).

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Entre as nossas entrevistadas, temos 02 (duas) – uma já mencionada - que

estão presas pelo crime de tráfico e associação a tráfico – gráfico 04, 4 % (quatro

por cento) das apenadas do Complexo Penal cumpre pena pelos dois crimes,

concomitantemente. Geralmente, o crime de tráfico está associado a outros atos

ilícitos, como o próprio uso de drogas, o tráfico de armas e os homicídios. No caso

de uma de nossas entrevistadas, que já é reincidente no tráfico desde a década de

1990 (presa pela primeira vez aos 21 anos de idade) hoje, além do tráfico, está

respondendo a processos por furtos.

“Tô devendo um processo em Mossoró, não sei nem o que é, acho que deve ser 155

76. Hoje aos 40 anos, estou arrependido, preciso trabalhar”

(Relato da presa Josefa quando questionada sobre sua reação em relação aos crimes cometidos).

A questão do tráfico entre as mulheres como já analisamos, está ligado, na

maioria das vezes, as suas relações sócio-afetivas. Geralmente estas mulheres têm

ou tiveram companheiros envolvidos neste ato, ou até mesmo, acabam sendo

“pegas”, quando estão tentando entrar nos presídios com drogas para seus maridos

ou companheiros, este é um fato corriqueiro na mídia policial.

As presidiárias demonstram nas suas trajetórias, mesmo enfrentando preconceitos e interdição, que todas tiveram oportunidade de se realizar sexualmente, mesmo com amores „bandidos‟. Nos seus percursos experimentaram, radicalmente, ódio quando se sentiram desprezadas, humilhadas, e amor, quando enfrentaram o perigo, sem limites transgrediram leis, com ou pelos seus homens e amores (MAGALHÃES, 2001, p. 107).

É comum também no histórico familiar destas mulheres, a influência familiar,

a partir do qual estas acabam associando-se aos delitos cometidos por mães, pais

ou irmãos.

A trama da rede tecida é de tal monta, que as pessoas envolvidas ou não com o tráfico são coniventes e consentem a existência desse poder paralelo por total impotência, tornando-se parte do cotidiano. Esse consentimento surdo e silencioso legitima esse poder que passa a ser naturalizado onde os beneficiários são os mais variados (BAIERL, 2004, p. 141). “Minha mãe era dependente química. Tenho seis irmãos e um deles também é dependente químico”. (Relato de Maria sobre a suas relações familiares). Meu pai vendia drogas. Eu comecei a usar maconha desde os nove anos, minha mãe também vendia a mando do meu pai e para sobreviver. „Escondida‟, comecei a vender com quinze anos, na escola. O meu pai não sabia, ele não queria que a gente se envolvesse com as drogas. Eu via meu pai sendo preso, ele vendia para sobreviver (Relato da presa Josefa).

76 A presidiária refere-se ao artigo 155 do Código Penal Brasileiro, que remete ao crime de furto.

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O crime perpassa desse modo no meio familiar, como uma atividade que

“passa de pai para filho”, como questão de sobrevivência, apresenta-se com um

meio de sustento da família. “As benesses [do crime] não são só materiais, elas se

deslocam para o campo da subjetividade dos sujeitos. Trata-se de em última

instância, de preservar sua vida, a própria existência” (Baierl, 2004, p. 141). Desse

modo, não podemos negar, que o crime apresenta-se como o meio ilícito para

justificar a necessidade de inserção e sobrevivência no meio social “lícito”. A este

respeito, Magalhães (2001, p. 102), afirma:

O drama da miséria e da fome no Nordeste é desenhado no depoimento das detentas, quando lembram suas famílias passando dificuldades por falta de trabalho, dos maus-tratos com doenças e de terem sido excluídas da educação de qualidade

Seguido do tráfico, temos os crimes contra o patrimônio, falamos, no artigo

155 do Código Penal, que remete ao crime de furto, ou melhor, significa: Subtrair,

para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Com pena de reclusão, de 1 (um) a 4

(quatro) anos, e multa. O furto é diferente do roubo, tendo em vista que este último

se trata de um delito onde vítima e “criminoso” mantém um determinado contato.

Na realidade do Complexo, temos que 25% (vinte e cinco) das mulheres

encarceradas por esse delito. Dentre as nossas entrevistadas, uma delas está presa

pelo crime de furto. É também considerada a presa mais “velha”, ou melhor, com a

maior idade do presídio – cumpre pena há 14 (quatorze) anos no presídio, com 7

(sete) processos, além de 2 (dois) que tem em São Paulo. O primeiro data de 1985.

Um detalhe deste tipo de delito e observado na entrevista é a questão na “negação”

da execução do ato, sempre colocam “culpa” em alguém, ou em alguma

circunstância. Neste caso, antes de ser questionada sobre os determinantes que

levam as mulheres a cometerem crimes e se o ato cometido por ela tinha alguma

relação com a questão de gênero e de submissão feminina, a apenada, já afirmou

no início da entrevista:

Caí como inocente tudo começou com um namorado que conheci aos 22 anos de idade, ele roubava, mas eu não sabia. Minha casa servia para guardas as coisas. Só cai na real quando fui questionada por um policial que já tinha uma preventiva contra mim (Relato da presa Ana).

Na prática, segundo Salmasso (2004), geralmente, são objetos furtados de

residências e estabelecimentos comerciais onde estas mulheres trabalham e de

fáceis comercialização, como jóias, relógios, peças de roupas e em casos extremos

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alimentos. Utensílios, também, típicos do consumismo feminino, este é mais

corriqueiro entre as mulheres. A questão de tendências da moda, de ostentação de

jóias. Por isso que, entre os homens, é mais comum, os assaltos a bancos e carros,

também, objetos de “desejo” do consumo, dentro do universo masculino, porém o

que chama mais atenção é a presença dos quesitos: “perigo” e “desafio”, que exala

a questão o exercício do poder, na tentativa de afirmar a sua “superioridade”.

Poucas tem coragem de matar ou furar alguém, é tanto que quando caem é geralmente pela questão da droga e do furto. O homem sempre acha que a mulher é mais fácil de se enrolar (Relato da presa Joana sobre a mulher e o crime).

A questão do furto também, por si só, deixa transparecer a problemática da

ausência material, o desejo pelo consumo, por algo que não se pode ter, mas que o

meio social nos faz desejar. Talvez seja a causa para as presas afirmarem sempre

fatores externos como culpado. É comum, o relato: “caí em um momento de

fraqueza”. Quando estávamos em estágio em 2004, ouvimos o relato de uma presa,

que afirmava: “furtei duas latas de leite para dar comer aos meus filhos”. A ausência

material é nítida neste tipo de delito.

A partir destas considerações podemos nos questionar: então, todo pobre irá

roubar ou furtar para assegurar suas necessidades materiais? Respondemos a tal

questionamento com afirmações já mencionadas neste trabalho: estamos em uma

sociedade, sustentada no preceito do “TER”, alicerçada sobre hábitos de consumo,

difundidos mundialmente através dos meios de comunicação, atrelado a um

processo crescente de empobrecimento77. A sociedade atual, para Martins (1997, p.

36), tornou-se “não uma sociedade de produção, mas a sociedade do consumo e da

circulação de mercadorias e serviços”. É uma sociedade que engana, que manipula

e que falsifica. Os considerados sobrantes estão tentando engajar-se a qualquer

custo na lógica deste mercado, para evitar principalmente o desemprego e manter a

sua sobrevivência, daí resta-lhes, por sua vez, a prostituição ou a criminalidade

como forma de estarem reincluídos no sistema.

77 Segundo o IBGE (2003), cerca de 45,5% da população do Rio Grande do Norte estão abaixo da linha da Pobreza. De acordo com o Relatório da Pesquisa: “A condição da Pobreza e exclusão social da população de Natal”, produzido pela UFRN/ DESSO, em 2005, vivenciamos frente a essa população mais vulnerabilizada, o medo e a insegurança, onde: 87,61% da população pesquisada evidencia que os principais problemas enfrentados são: a questão do consumo e comércio de drogas, violência e falta de segurança pública e o item da pauta mais reivindicado para o Estado encontra-se na questão da saúde e das políticas publicas de promoção de emprego e no combate a criminalidade.

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Ainda sobre a questão do furto, Zaluar (1985, p. 162) menciona que para

este tipo de crime, é visto a inserção de “trabalhadores e bandidos, mulheres e

crianças. Estes últimos predominavam sobre os demais pela simples razão de que,

segundo eles, teriam menos problemas com a polícia, e como uma estratégia para

proteger os provedores da família”. Nesta passagem, em termos de análise, por um

lado, percebemos que até mesmo no meio criminal há divisão sexual do trabalho - o

que é atividade de homem e de mulher - assim como, a questão do trabalho infantil

em função do crime.

Em relação a isso pensamos na questão do poder, da dominação do mais

“forte” sobre os mais “fracos”, ou seja, os mais fortes são preservados em troca do

sacrifício do mais fraco, no caso as mulheres, em virtude da dominação de gênero e

a criança dominada por ambos os gêneros. Por outro lado, temos que o chefe da

família/ o provedor, ainda em sua maioria, apesar dos novos rearranjos familiares,

ainda continua sendo o homem, e a mulher apesar de ser, neste sentido, a

protagonista do crime, continua reproduzindo o seu papel historicamente posto de

protetora da família, indo “no lugar do marido ou companheiro”, furtar por qualquer

motivo que seja, para protegê-lo de uma bala perdida ou de ser pego pela polícia.

Outro crime analisado é a questão do chamado homicídio simples, expresso

pelo Art. artigo 121 do Código Penal Brasileiro. É considerado um crime contra a

vida, quando se mata alguém, com pena prevista entre seis meses e vinte anos de

reclusão, dependendo dos atenuantes e agravantes do ato: Se foi doloso, quando se

tem intenção de matar ou culposo, quando se enquadra em legitima defesa ou sem

intenção de cometê-lo. Toda esta interpretação depende do juiz do processo.

No Complexo, cerca de 7% (sete por cento) das mulheres estão

cumprindo pena referente a este delito. Entre as entrevistadas da pesquisa, temos

uma mulher, que foi condenada pelo crime de homicídio, mas na verdade ela

cometeu o chamado Femícidio, ou melhor, assassinou a própria cunhada. O que

mais nos chamou atenção foi que apesar de ter sido um crime cometido contra outra

mulher, o determinante partiu da sua relação conjugal. A cunhada nesta relação foi

apenas à impulsionadora da violência física que ela sofria corriqueiramente de seu

companheiro e até às vezes de seu próprio sogro que morava próximo a sua

residência. Era comum a violência verbal por parte da cunhada contra a nossa

entrevistada, culpando-a de traidora do casamento. Mesmo assim, diante de tais

circunstâncias, aos ser questionada sobre o seu crime, o tempo inteiro, em suas

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falas ela ressalta que o seu companheiro era um homem bom e não teve culpa

nenhuma.

Meu marido era um homem „bom‟, não fazia nada comigo. Era minha cunhada que dizia pra ele que eu não ganhava dinheiro com o meu trabalho e sim com „minhas carnes‟. Sempre eu deixava esses insultos pra lá. Até que um dia ele chegou a me bater muito por causa dela. Ele não tem culpa de bater em mim, nem pelo que aconteceu. A culpada foi ela. No meu caso ele não tem culpa, ela me desafiou. Ele até já me pediu desculpas pela surra que me deu, apesar de que no dia eu achei que ele estava me atraindo para ela me matar (Relato de „Juliana‟).

Como observado, a tendência é transferir para outrem a responsabilidade

pelas agressões sofridas no ambiente doméstico pelo companheiro, sempre existe

um fator preponderante que é colocado em evidência na tentativa de eximi-lo de

qualquer responsabilidade pela violência praticada. No caso de nossa entrevistada,

o fato se dá por um sentimento de gratidão, pois ela não tem nenhum “familiar vivo”,

e quem a acolheu foi o seu ex-companheiro. Isso é tão evidente que, ela fala que se

tratavam no cotidiano pelos termos: “mainha” e “painho”. Na realidade percebemos

uma „mistura‟ entre sentimentos de gratidão e tristeza. Ela as justifica eximindo-o da

culpa e ao mesmo tempo demonstra tristeza pelas conseqüências que estas

trouxeram:

Cheguei na cadeia ainda machucada com a surra que ele me deu no dia do ocorrido, as outras presas foram quem cuidaram de mim. Até hoje eu carrego seqüelas: faltam dentes em minha boca e sinto dores de cabeça terríveis. Ele também não vem me visitar, mas não é culpa dele, foi o pai dele que disse que se ele viesse, acabaria sendo deserdado. Mas também, eu matei a irmã dele. Eu escrevi várias cartas pra ele quando tinha uma mãe de uma presa que morava próximo a nossa casa, assim como ele me enviava mantimentos, mas depois que a presa foi embora, ele sumiu (Relato de „Juliana‟ sobre a violência doméstica e de gênero vivida).

A questão dos assassinatos cometidos por mulheres se dá justamente no

âmbito doméstico, em virtude de ser o espaço ocupado historicamente pela mulher.

Afirmando também os espaços de micro-poderes, no caso do privado, é

culturalmente ocupado pela mulher, mesmo que esta não exerça totalmente o seu

poder. Neste caso, destaca-se também o fato da dependência socioeconômica.

Segundo Oliveira (s/d), é corriqueiro as dificuldades de auto-sustento financeiro em

uma sociedade que ainda discrimina a mão-de-obra feminina e a coloca em um

papel não só de dependente financeiramente do cônjuge e/ou companheiro, mas

também como, dependente emocionalmente deste homem. Apesar deste fato a

nossa entrevistada, ressalta que: “já cheguei a perder meu emprego uma vez, mas

foi por causa dela” (Relato de Juliana).

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Ainda para Oliveira (Ibidem), os crimes desta natureza cometidos por

mulheres ainda são pequenos nas estatísticas policiais, mas quando presentes, as

motivações geralmente, são de cunho passionais ou financeiras. O que mais se

observa são os envolvimentos afetivos, do tipo amoroso ou ciumento, com os

maridos, companheiros, amantes, e excepcionalmente, com as chamadas rivais ou

amantes. Quanto ao apontamento sobre a questão financeira, o autor ainda diz que

a motivação parte também do desejo da obtenção ou da necessidade de dinheiro.

Remetendo a realidade vivida, quanto a essa questão financeira, a „Juliana‟

fala que toda implicação da cunhada para com o relacionamento dela iniciou-se

quando a nossa entrevistada decidiu não mais apoiar o “negócio” dela. Explicando

melhor: a “vítima” do femícidio da nossa narração era “cafetina”, e prostituía meninas

em sua própria casa e em um bar de propriedade do sogro da entrevistada. Juliana,

decidiu então, não aceitar o fato e não dava apoio ao ato dentro da propriedade da

família.

A minha cunhada era sócia com o pai dela em bar de prostituição. Ela trazia menores para trabalhar pra ela. A própria filha dela tava nisso com apenas dez anos. No início eu cheguei a dá minha casa para isso, mas quando descobri do que se tratava parei. Depois disso, todos os dias eu ouvia dela: „você vai sair de sua casa por bem ou por mal‟, „quem manda aqui é a gente‟. E assim, toda vida que a gente brigava, ela me ameaçava. Até que um dia meu marido até falou: „um dia uma de vocês ainda vai sair daqui para o cemitério‟. E foi o que aconteceu. (Relato de Juliana).

Ainda sobre o fato, a entrevistada o narra de tal forma, que na situação

vivenciada, o seu grau de vulnerabilidade, de sofrimento a violências eram tão altos

que o seu crime passa a ser considerado como uma resposta às violências sofridas,

não só pela cunhada que, nosso ver apresenta-se como intermediadora do fato, mas

principalmente pelo companheiro, que é exemplo nítido das estatísticas do chamado

“amor bandido”, que usa a desculpa do fator droga e álcool como responsáveis pela

violência pratricada. “O mecanismo da patologização ignora as hierarquias e as

contradições sociais, funcionando de forma semelhante a culpabilização dos pobres

pelo espantoso nível de violência de diversos tipos” (SAFFIOTI, 2004, p. 87). Ainda,

segundo a autora (1999), a violência doméstica ocorre numa relação afetiva, cuja

ruptura demanda, via de regra, intervenção externa. Raramente uma mulher

consegue desvincular-se de um homem violento sem o auxílio externo. Até que isso

ocorra, descreve uma trajetória oscilante, com movimentos de saída da relação e

retorno a ela.

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Assim, no caso relatado, houve momentos de separação, mas como o laço

de interdependência era grande por parte da mulher, sempre havia reconciliações.

“Na reconciliação o meu marido, já fazia até um tempo que ele não usava drogas e

não bebia” (Relato de Juliana).

Segundo Baierl (2004), o medo operante faz com que elas reajam e se

tornem agressivas. Como por exemplo, a entrevistada mata outra por medo de

morrer. Por isso é que um crime considerado muitas vezes como pré-meditado, para

conseguir praticar o ato de surpresa, para que o outro não tenha chances de reação.

Na realidade no caso relatado, o ato foi considerado como extremo a partir do

acúmulo de violência vividas no âmbito familiar, culminando com o crime cometido

numa discussão entre as partes.

Eu não matei ela por que quis, não. Essa é a parte mais difícil! (choros). Isso me dói! (choros). Era só para lhe dar um susto. Na verdade era eu ou ela. Ela tinha pegado uma vara de pau e eu corri para um mercado próximo para me proteger. Ela gritava, que se eu saísse de lá, ela me mataria. Mas de repente, me deu um „supetão‟ e eu peguei uma faca do açougue, para cortar o braço dela. Era só um susto. Dei a cutilada mais rápido que ela e corri, já tinha até um cara a mando dela me esperando para me matar, mas eu fui mais rápida. Eu só descobri que ela tava morta quando fui presa (Relato de Juliana sobre a hora do crime).

Tomando por base as reflexões de Saffioti (1999), nos defrontamos com

uma situação de desigualdade de poder no âmbito doméstico, com a violência

explícita de gênero, onde a nossa entrevistada encontra-se em um patamar de

submissão frente a sua cunhada, ao seu companheiro e a seu sogro. Desse modo,

podemos afirmar que a violência de gênero pode ser perpetrada por um homem

contra uma mulher, ou vice-versa, por um homem contra outro, por uma mulher

contra outra. Apesar de que segundo a autora, o vetor mais amplamente difundido

da violência de gênero caminha no sentido homem contra mulher, tendo a falocracia

como caldo cultural. Ao mesmo tempo, a “reação” de Juliana a estas séries de

violência e dominação, reafirma o que Foucault ressalta sobre a questão do poder

não ser unilateral, e que mesmo em situações de extrema dominação, os indivíduos,

mesmo com menor poder podem exercê-lo.

Mesmo quando permanecem na relação por décadas, às mulheres reagem à violência, variando muito as estratégias. A compreensão desse fenômeno é importante, porquanto há quem as considerem como não-sujeitos e, por via das conseqüências, passivas (SAFFIOTI, 1999, p. 85).

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Ao contrário do que diz Chauí, as mulheres não são cúmplices da violência e

sim acabam cedendo a violência masculina, por desfrutar de uma parcela desigual

de poder, em relação ao homem.

Dando continuidade a exposição dos tipos de crimes cometidos, entre as

nossas entrevistadas, os quais aparecem entre as estatísticas de outros crimes 5%

(cinco por cento), entrevistamos uma que cometeu o crime de seqüestro. De acordo

com o código penal, o crime remete ao artigo 159, que significa: Extorsão Mediante

Seqüestro, ou seja, seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem,

qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate. Prevê ainda pena de 8

(oito) a 15 (quinze) anos de reclusão.

Em mais um relato presenciamos a questão do relacionamento afetivo.

Neste caso, a presa em conjunto com o marido e um amigo realizou um seqüestro

relâmpago. Porém, o diferencial encontra-se na questão da tentativa da equidade

junto à figura masculina dentro do meio criminal. Em suas palavras a presa afirma:

O crime já estava pensado, mas quem arquitetou fui eu por que tinha trabalhado para vítima. Estávamos passando por um momento difícil, eu e meu marido desempregado e minha sogra feirante, ainda tinha cinco crianças para criar. Mas, não só pensando nisso, quis empenar o meu nariz e mostrar que também posso (Relato de Joana).

O fato é que a entrevistada mescla momentos de tentativa de equiparar-se

ao marido e ao mesmo tempo demonstra o seu afeto por ele e a coragem de encarar

o ato por tê-lo como companheiro.

Sobre o crime de seqüestro, Oliveira (s/d) ressalta, que delitos como este

sempre estão associados ao sexo masculino, porque são bastantes violentos,

praticados em bandos e, não raro, exigem o uso da força física. No entanto, no caso

relatado pela entrevistada, o seu papel na articulação no desenrolar do crime foi

crucial. Assim como no tráfico, a mulher no seqüestro tem a sua determinada tarefa.

Ainda segundo ao autor, nos crimes de seqüestros, os indicativos são crescentes

para a participação das mulheres nas quadrilhas, pelo fato da necessidade de

atribuições acessórias ao ato do crime, ou melhor, a força física e, expressões e

ações autoritárias ressaltados pela figura masculina são importantes para o domínio

do seqüestrado, porém há a necessidade de elementos, como a vigília, a

alimentação no cativeiro, o contato com a família e etc, desse modo, estas

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atribuições, por se tratarem de uma extensão do doméstico78, tornam-se tarefas das

mulheres que participam do seqüestro.

No início senti medo. Houve desentendimento no grupo. Queríamos um seqüestro relâmpago, mas o terceiro elemento acabou dando outra direção e partimos para o interior do estado. Eu sabia como a vítima estava se sentindo. Ela ficava o tempo todo comigo, quem via nem achava que era seqüestro. Incluíram no meu processo lesão corporal, mas eu não fiz isso. Eu só mantinha contato com a família dela pelo seu próprio celular. Ela sofria de problemas de saúde, era diabética, chegou até passar mal, mas a levei para um posto de saúde de um interior. Foi quando a policia descobriu e ficou na „nossa cola‟ (Relato de Joana sobre as suas ações na execução do seqüestro).

Assim como no tráfico, afirma-se mais uma vez, a questão da divisão sexual

do trabalho também no meio criminal. Segundo Carreira (2004), apesar de todos os

avanços dos Movimentos Feministas, das conquistas e mudanças, há muito chão

pela frente nas estradas – nada lineares - que levam a uma sociedade mais justa e

democrática e a igualdade no mundo do trabalho. O que vivenciamos no contexto de

globalização, reestruturação produtiva e flexibilização de direitos é a busca de

vantagens competitivas e a maximização dos lucros a qualquer preço.

O último crime a ser analisado, se refere à questão do porte de arma, roubo

e receptação, que de acordo com o Código Penal, são os artigos 12 da Lei 10.826,

artigo 157 e o artigo 180, respectivamente. Todos este delitos foram atribuídos a

nossa última entrevistada.

Esta apenada é a considerada como a “mais famosa” do presídio, não pela

questão de liderança, mas pelo fato dos seus delitos terem ocupado por muito tempo

os noticiários policiais. As manchetes de jornais que tomaram conta da cidade,

destacavam que o seu crime foi considerado audacioso, ou melhor, ela era taxada

de “corajosa”, por ser mulher e jovem e ter cometido assaltos sozinha e com armas

de grosso calibre79 “nas mãos”.

78 Segundo Carreira (2004), os trabalhos domésticos e comunitários, realizados predominantemente por mulheres ao longo da história, não eram efetivamente considerados como trabalho, permanecendo invisíveis. Esses trabalhos, que envolvem o cuidado das crianças, com idosos e que faz a vida humana crescer e se desenvolver e o mundo produtivo girar, sempre foi imposto como parte natural do papel sexual feminino. No caso da “função” da mulher no seqüestro não se foge a esta regra. É crucial o contato com a família e a manutenção de “bem-estar”, mesmo que mínimo, do seqüestrado para se conseguir o resgate. 79 Segundo Oliveira (s/d), os meios empregados em alguns delitos, como o assassinato e os roubos, por exemplo, sobrevelam aspectos relevantes na figura da criminalidade feminina. Os números destacam que a mulher pouco utiliza armas de fogo, sendo ela mais acessíveis aos homens, e em seu lugar, ela recorre às armas brancas (facas, facões, tesoura etc.) como se sabe, facilmente encontradas em ambientes domésticos. Isso contradiz com o perfil

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Neste caso, entram em destaque duas questões: a primeira que nos chamou

a atenção foi à questão da idade com que praticou o crime (19 anos) e em segundo

mais uma vez a questão de gênero. O crime a ser praticado segundo a nossa

entrevistada, foi escolhido propositalmente a partir de convivência com amigos

(homens) que já o fazia. Ela retrata que achava “bonitas” as habilidades de

manuseio de armas de grosso calibre e a audácia de encarar um roubo, mostrando a

própria face.

Estas afirmações só reiteram a questão da criminalidade e a juventude. O

jogo duplo ao qual o crime propõe aos jovens. A uns causa medo e pavor, a outros

desperta o seu imaginário, a sua violência, o fascínio por algo considerado proibido

pela sociedade. No caso de „Paula‟, a nossa entrevistada, ela toma partido da

necessidade de ser notada, de se tornar famosa.

Eu materialmente tinha tudo, apesar dos meus pais serem separados. Morava em três casas: na do meu pai, da minha mãe e da minha avó. Comecei a freqüentar rodas de amigos que tinham muito dinheiro, toda semana era um carrão, usavam drogas, compravam armas e tudo isso me fascinava, até que também resolvi fazer. A primeira vez, eu pedi as armas emprestadas e depois passei a comprar as minhas próprias armas. Quando soube que a policia estava atrás de mim, achei o máximo. Quando eu fui presa, passei quatro dias adorando ver os repórteres na porta da delegacia. Depois disso, foi que caiu a ficha e vi que tinha entrado em um caminho sem volta (Relato de Paula).

Segundo Fraga (2002), a mídia estetiza e exacerba a violência, desenvolve

no imaginário das pessoas, principalmente os jovens, a questão do reconhecimento,

que não atinge somente os chamados de “excluídos” sociais, mas atinge também ao

imaginário das classes médias e altas. É o desejo de se tornar “conhecido”, ou “ser

alguém”.

Quanto à afirmação de que o fascínio dos jovens pelos crimes muito

violentos passam ser explicados pela ausência da educação familiar, Fraga (Ibidem),

mostra que pensar dessa maneira é profundamente equivocado, tendo em vista o

conjunto de conflitos sociais e contradições que existem na sociedade. É como se

indivíduo não fizesse parte do meio social e a educação familiar por si só bastasse.

Também não podemos deixar de considerar que a juventude é um momento de vida

marcado por muitos questionamentos, escolhas individuais, definição de identidade

individual e coletiva.

de nossa entrevistada, e neste sentido, o fato das armas utilizadas, foi o ponto principal para ela ser considerada audaciosa e agressiva.

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Ainda segundo o autor, todo jovem tem um potencial criativo – “um sonho” –

que quando bloqueado, reproduz a angústia e a saída encontrada por eles acaba

sendo a revolta, não de caráter político, mas algo que traga reconhecimento, como

as drogas, a violência, a religião etc, como formas de resolver os seus conflitos ou

até mesmo “fugir” deles. Eles se questionam se a vida que tem, é a que eles

idealizaram. Na tentativa não terem seus sonhos totalmente frustrados tentam

compensá-los de outro modo.

Tudo isso ilustra basicamente o seguinte: que a vinculação da juventude com a violência não é natural, nem escolha original da juventude. Ela é forma de sobrevivência psicossocial, de reconhecimento alternativo frente aos bloqueios do sistema. [...] Isso expõe as facetas da miséria do próprio sistema capitalista. A sua vinculação à violência [...] é um sintoma do grau de alienação e estranhamento a que chegaram as relações sociais, que indexa aos jovens mais para a figura da violência do que para as melhores formas de cultura (ou da contracultura – cultura da contestação), hoje devastada pelo império das banalidades da mercadoria e da mutilação do pensamento. Em síntese, a juventude sempre foi um problema para a sociedade moderna, especialmente para o capitalismo. Porque no fundo, o que ela expõe são as mazelas, as contradições desse sistema (FRAGA, 2002, p. 54-55).

Atrelado a esta questão da juventude, na realidade de nossa entrevistada

vem a questão de ser mulher, tanto para o meio criminal, mas acima de tudo pelo

crime cometido, que é considerado no meio policial de grande audácia, fato

impossível se ser concretizado, no imaginário social por uma mulher. Algumas de

nossas entrevistadas falam: “é muito difícil uma mulher ter coragem de matar, de

roubar com arma em punho” (Relato de Joana). Mais uma vez tenta-se repassar a

imagem sobre o ser mulher ligada à figura da fragilidade e da falta de coragem. Por

outro lado, nossa entrevistada menciona: “fiz para mostrar que também posso, não é

só homem não” (Relato de Paula).

De modo geral, podemos afirmar que a criminalidade feminina é, sobretudo

qualitativa e não quantitativa, tendo em vista ainda o número inferior em relação à

criminalidade masculina, mas o que podemos inferir a partir da exposição deste

ponto sobre os tipos de crimes cometidos por nossas entrevistadas, é que não

podemos explicar a criminalidade sob uma ótica biológica, de um biótipo, ou melhor,

a partir da questão de força física, como pensam as correntes criminológicas

tradicionais, onde mulher só comete crimes do tipo passional ou até mesmo ligado à

prostituição e a violência contra seus filhos. A realidade mudou, apesar de ainda

persistir a divisão sexual do trabalho mesmo dentro do meio criminal, mas é inegável

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a presença de mulheres em delitos considerados mais violentos, como o roubo, o

tráfico e os assassinatos. Podemos inferir que a mulher não ganhou só o espaço

público lícitos, como o mercado de trabalho, também tomou os espaços ilícitos.

A criminalidade e a mídia

Um fator preponderante nas entrevistas foi à preocupação das presas com a

relação mídia e meio criminal. Mais precisamente, da influência que esta tem sobre a

massa da população, principalmente os noticiários policiais, que tendem a serem

taxativos e discriminadores.

Como outrora mencionado, os veículos de comunicação em massa trazem a

questão do fascínio do jovem para com o crime ou trazem o medo excessivo da

população contra o outro. Não há mais confiança no outro, ele é sempre visto como

o concorrente, como o inimigo em potencial. Os estigmas que marcam este universo

são fortíssimos.

Há poucos dias se instaurou em Natal, uma polêmica na mídia televisiva em

virtude de um decreto baixado pelo Ministério Público do estado, ao qual se propôs

acabar com exibição dos rostos das pessoas presas. Essa medida surgiu com a

finalidade de não expor o indivíduo, que muitas vezes ainda está sob condição de

suspeito e com a questão de que só os crimes cometidos por pessoas das classes

mais baixas tinham os rostos dos acusados estampados nos telejornais. Quando o

caso se tratava de indivíduos das classes médias e altas a imagem do acusado era

preservada. Foi um grande debate, chegou-se até a mencionar que isto era caso de

censura e em nenhum momento levou-se em consideração a integridade pessoal

dos indivíduos que são apenas suspeitos ou acusados.

Uma de nossas entrevistadas ressalta que a mídia sempre passa uma

imagem negativa de quem está preso, não procura saber sobre o que realmente

aconteceu.

É nesse momento que podemos explicar que o sensacionalismo com que a imprensa trata a violência só promove a própria violência. Não só porque as pessoas se influenciem com os exemplos de violência queiram repeti-los. Mas também porque a mídia exacerba a violência em um grau maior do que o real. É um círculo fechado: as pessoas querem ver sangue, querem saber das mazelas dos Outros – e qualquer jornalista sabe que qualquer manchete de crime hediondo faz vender mais (FRAGA, 2002, p. 52).

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Porque não mostrar o descaso com os presos, as más condições de higiene,

de sobrevivência em seu cotidiano? Porque não mostrar a negação de direitos

constantes, os presos que estão a mais de dois anos sem saber nem aonde

encontrar o seu processo por que nem defensor público suficiente existe? A mídia só

procura relata algo quando ocorrem rebeliões, quando os presos chegam ao seu

extremo e revolta-se contra as condições subumanas.

O caso de „Paula‟, por ela ter feito algumas matérias na mídia, foi pedido uma nova chance. Mas as outras? Somos 80 mulheres, há muito que fazer, mas poucos se importam, poucas coisas oferecem. Isso é o ponto X (Relato de Joana).

Durante as entrevistas, houve um dia em que não podemos realizar os

nossos trabalho, pois houve uma rebelião. Saíram em todos os telejornais policiais.

Segundo a mídia, as presas reivindicavam a não entrada de uma outra apenada que

segundo elas, roubava as próprias colegas de celas e não respeitavam o código de

conduta do presídio. Foi uma grande polêmica, passava em todos os noticiários as

imagens das rebeladas. Depois disso, o caso foi esquecido. Em conversa com a

assistente social do Complexo, na realidade as presas não queriam a entrada da

outra apenada por medo de represálias e de conflitos, já que uma semana antes a

sua companheira, com a qual ela tem uma relação homoafetiva havia se envolvido

em uma briga e ela estava vindo somente para “vingar-se”, da autora da agressão.

Ao mesmo tempo a mídia, através de suas manchetes deixam seqüelas que

estigmatizam o indivíduo por muito tempo. “O que a sociedade espera de mim?

Muitos dizem por que te ajudar se amanhã você estará de volta?” (Relato de „Maria‟).

Isso é um fato marcante no dia – a -dia das presas. Foi tanto que a considerada

“mais famosa”, apesar de no início de sua prisão ter relatado que gostava do assédio

da mídia, quando foi conceder a entrevista pediu sigilo.

Não agüento mais se manchete de jornais. Não tenho mais vida. Os fatos vão e voltam. Não quero ninguém sabendo da minha vida pessoal. É só o que mídia quer: uma oportunidade (Relato de Paula).

Outra apenada afirma sobre a mídia:

Por exemplo, o meu caso foi em janeiro, e no fim do ano o caso passou nos resumos do ano. E agora? Se eu sair hoje, quem me garante que eu não serei apontada na rua? Eu tinha um trabalho, era professora de literatura, tenho segundo grau, mas como que „cara‟ vou chegar na rua, no trabalho da minha mãe, do meu pai, para os meus filhos? Como vou viver como vivia? Fica difícil, muito difícil. Que chance vai ter, se a minha foto tá estampada na mídia? (Relato de Joana).

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Infelizmente alguns veículos da mídia têm este papel de lançar esteriótipos.

Criam-se termos que condena os indivíduos mesmo antes de serem julgados pela

justiça, são termos do tipo: marginais, bandidos, criminosos, delinqüentes.

Retratando sempre a história de que o mal é o outro, eu sou o bom, o correto.

Há outras presas aqui, por exemplo, que tiveram também seus casos muito falados. Certo que umas tem aquela pose, um ar de arrogância. Mas quando ela sair? Aposto que pode ser que 10 amigos dela podem acreditar nela, mas quantos não acreditam?(Relato de Joana).

Desse modo, a mídia apresenta-se não só como um veículo de informação,

mas acima de tudo como uma fábrica que vende uma mercadoria que satisfaz os

indivíduos, conhecer o dilaceramento do Outro, em virtude do acirramento das

contradições e das concorrências contemporâneas.

O perfil socioeconômico das Apenadas

Diante do exposto, partindo da realidade do Complexo Penal Dr. João

Chaves, presenciamos que as mulheres que estão cumprindo pena, são justamente

aquelas que sofrem diretamente com as diversas expressões da Questão Social e

convivem com um movimento de continuidade e ruptura no que se refere aos “mitos”

introjetados nas raízes sociais das relações de gênero. São mulheres com baixos

índices de escolaridade, por estarem trabalhando em serviços precarizados ou

cuidando da família quando estavam em idade escolar; desenvolviam atividades

profissionais precarizadas em virtude da não escolarização ou falta de cursos

profissionalizantes; com famílias numerosas, residindo em zonas periféricas da

capital ou no interior, com os mais altos índices de pobreza.

Quanto aos índices de escolaridade, não foi disponibilizado pela direção do

Complexo este dado, então acabamos apenas coletando as informações que

estavam nas fichas de avaliação social do nosso universo de pesquisa, ou seja, só

tivemos acesso às fichas das seis mulheres que entrevistamos, a respeito deste

quesito.

A fim de melhorar visualizar o perfil socioeconômico das presidiárias

entrevistadas construímos a tabela a seguir:

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TABELA 03 – PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS PRESIDIÁRIAS ENTREVISTADAS NO CPJC – NATAL/RN

PRESAS FAIXA ÉTARIA (Idade)

ESCOLARIDADE ESTADO CIVIL

NÚMERO DE

FILHOS

Profissão Situação no Mercado de

Trabalho

PRESA 01 28 Anos Ensino Médio Completo

Casada (União estável)

02 Garçonete e Cozinheira

Desempregada**

PRESA 02 36 Anos Não alfabetizada Casada (União estável)

- Doméstica Empregada sem carteira assinada

PRESA 03

40 Anos

Ensino Fundamental Incompleto

Solteira

01

Sem

profissão

Desempregada

PRESA 04 27 Anos Ensino médio incompleto

Casada (União estável)

02 ASG; Cuidadora e Auxilia de cozinha.

Desempregada**

PRESA 05 57 Anos Ensino Médio Completo

Casada 01 Comerciante

Autônoma

PRESA 06 19 Anos Ensino Médio Completo

Solteira - Desportista* Empregada sem carteira assinada

Fonte: Pesquisa de Campo/2008. * O contexto familiar explica tal opção, ela nunca precisou trabalhar, pelo fato dos pais serem de classe média. ** É importante ressaltar também que as duas entrevistadas estavam desempregadas quando foram presas, os seus maridos também estavam e foram presos em conjunto com elas. O crime praticado neste sentido apresenta-se como alternativa de sobrevivência familiar.

Como podemos perceber, tem 3 (três) presidiárias que possuem o ensino

médio completo, sendo que 2 (duas) delas apresentou curso profissionalizante e 1

(uma) magistério; 1 (uma) com ensino médio incompleto. Temos ainda, 1(uma) com

nível fundamental incompleto, pois abandonou em virtude das drogas ; 1 (uma) não

alfabetizada em virtude de sua situação social, pois desde sua infância precisou

trabalhar para completar o orçamento doméstico e aos seus 12 (doze) anos fugiu do

lar em virtude de maus tratos provocados por sua madrasta, tornando-se “menina”

de rua.

É importante considerar que, de acordo com dados do IBGE (2008), em se

tratando do nordeste a questão dos níveis de educação é preocupante, pois seu

nível é inferior em relação a outras regiões. Por exemplo, comparando os dados do

Nordeste com o Sudeste, levando em consideração a questão do sexo e vendo o

índice de analfabetismo a partir dos quinze anos de idade, no Nordeste temos uma

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proporção de 36.6% de homens para apenas 30.8% de mulheres, enquanto que no

Sudeste esta proporção é menor e quase que equiparada: 15.2% dos homens para

16.6% de mulheres.

Essa é a realidade vivenciada pela maioria da população brasileira, que esta

à mercê da precarização do sistema educacional do nosso país, pois no mercado

atual, não vivenciamos apenas um analfabetismo de símbolos, como também um

analfabetismo digital frente às novas tecnologias. Por sua vez, o processo de

educação influencia diretamente nas atividades profissionais, em meio às

presidiárias, pois não tinham qualificação e estavam inseridas em trabalhos

informais e precarizados antes da prisão.

Esta situação ainda é mais crítica quando se junta a isto o fator raça / etnia.

No Brasil, de acordo com o IBGE (2008), 68.8% (sessenta e oito por cento) de nossa

população é composta por negros e/ou pardos, acima de 15 anos de idade, são

analfabetos. Abaixo, apresentamos os dados das presidiárias do Complexo Penal ,

quanto à questão raça /etnia.

GRÁFICO 05 - RAÇA/ETNIA DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

Como se vê, somente 35% (trinta e cinco por cento) das mulheres do

Complexo Penal são brancas, a maioria quase absoluta é negra ou parda. Tal dado

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revela que a desigualdade e pobreza atingem mais perversamente as mulheres

negras ou pardas e com pouca escolaridade, como são as mulheres do Complexo.

Segundo Carreira (2004), as diferenças de rendimentos no Brasil entre

homens e mulheres, são as mais cruéis dos países do Mercosul. Acirrando-se

quando se acrescenta a inserção no setor informal e a questão da raça/etnia. Ainda

segundo o autor, as negras estão na base da pirâmide, recebendo cerca de metade

dos rendimentos das brancas. Entre as nossas entrevistadas, apenas uma era

negra. Mas não relatou em nenhum momento a questão da sua raça como fator

atenuante no seu crime.

Os rendimentos dos trabalhadores brasileiros são baixos e extremamente más distribuídos. Grandes disparidades regionais contribuem para isso; porém, a associação entre discriminação racial e a inegável desigualdade entre os sexos presentes no mercado de trabalho brasileiro, é fundamental. Afinal, a ponta mais visível e incontestável da sobreposição discriminatória – sexo e cor – que atinge as mulheres negras revelam-se quando são analisados os rendimentos do trabalho. Engajadas em ocupações caracterizadas pela precariedade e enfrentando dificuldades para ascensão em suas carreiras profissionais, as afrodescendentes apresentam remunerações substancialmente mais baixas que os demais seguimentos da população (DIEESE, 2003).

E em se tratando de mercado de trabalho, entre as nossas entrevistadas os

espaços ocupados no mercado de trabalho ainda são aqueles considerados como

espaços tradicionais e extensão do doméstico. Isto não denuncia somente à questão

da divisão sexual do trabalho, mas acima de tudo a questão da precariedade de

ensino e de qualificação relacionado à forma de inserção no mercado de trabalho.

Ao longo da história temos a mulher no mercado de trabalho desempenhado

funções que reafirmam a sua representação caricatural de “bondosa”, “educada” e

“solidária” 80.

Essa questão do desemprego assola mais o público feminino, em especial

as mais jovens, temos também, os dados de que são as mais jovens que inserem-se

no meio criminal, em busca de alternativas de sobrevivência. Se por um lado

vivenciamos historicamente a evolução da mulher e sua conquista dos espaços

públicos, por outro lado, não podemos deixar de considerar as jornadas triplas de

trabalho, considerando que a mulher ganhou o mercado de trabalho, mas não deixo

80 Brushini (1998), afirma que de qualquer forma, qualquer que seja a resposta para justificar a inserção da mulher no mercado de trabalho, elas ainda não deixaram de estar inseridas nos campos mais precários, em ralação ao masculino. A desigualdade de gênero continua demarcando o mercado de trabalho brasileiro. Uma delas pode se encontrar nos locais onde as trabalhadoras desempenham suas atividades. Nesse caso, uma parte considerável ainda trabalha no próprio domicílio ou no domicílio do patrão.

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de lado suas atribuições domésticas e o cuidar dos filhos, assim como ainda são as

mais afetadas pela questão do desemprego81, apesar de apresentarem os maiores

índices de escolaridade em relação aos homens -- cerca de 50,17% das mulheres

tem mais de 11 anos de estudo em relação a 36,64% dos homens ocupados.

Segundo Brushini (1998), as mulheres mais instruídas apresentam as taxas

mais elevadas de atividades, não só porque o mercado de trabalho é mais receptivo

com o trabalhador mais qualificado de modo geral, mas também porque elas podem

ter atividades mais gratificantes e melhores remunerações, que compensam os

gastos com a infra-estrutura doméstica necessária para suprir sua saída do lar,

como por exemplo, a contratação de babás para o cuidado com os filhos. Só

lembrando que, nesses casos, apesar da mulher não trabalhar diretamente nos

serviços de seus lares, a responsabilidade de preparar a estrutura para suprir a

saída para o público é sempre dela, ou seja, mesmo não trabalhando diretamente no

lar, precisa administrá-lo, garantindo todo o conforto necessário para suprir sua

ausência. Os próprios homens cobram isso. É como diz o dito popular: “você quer

trabalhar fora, então pague por isso”, portanto muitas vezes, parte do salário que a

mulher ganha no espaço público se remete ao orçamento de manutenção das

atividades do ambiente doméstico.

Em dados expostos em 2008 pelo IBGE, acerca de uma década de pesquisa

(1990 a 2000), temos que em Natal, por exemplo, no ano de 2000, a cada 100 (cem)

homens empregados, tínhamos 81 mulheres. Por outro lado, os maiores índices de

desempregados82, são entre as mulheres, cerca de 51,68% da PEA, segundo IBGE,

no mesmo ano, sobretudo entre as mais jovens.

81 Segundo o IBGE (2002), desempregada é toda pessoa com 16 anos (dezesseis), ou mais, que durante a semana em que se faz à pesquisa tomam-se medidas para procurar trabalho ou que procurou estabelecer na semana precedentes. Já para o DIEESE (2002), pra estabelecer esta informação utiliza-se um prazo de trinta dias, além de incluir o desemprego oculto, representado pelo trabalho precário. 82 As altas taxas de desemprego feminino resultam, em grande parte, da dificuldade imposta pelas empresas para contratá-las. Os empresários, com freqüência alegam altos custos relacionados à manutenção de mulheres no emprego devido ao risco de engravidarem. Colocam obstáculos também diante de obrigatoriedade de conceder algumas flexibilidades nos horários das mães para que possam amamentar seus filhos nos seis primeiros meses de vida, e, ainda, por ter de arcar com custos de manutenção de creche, onde as crianças fiquem no horário de trabalho das mães. No entanto, parte dos benefícios a que a mãe tem direito é de responsabilidade do sistema de seguridade social, e não significa custos diretos da empresa(DIEESE, 2001).

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O gráfico a seguir, mostra o item que remete a Faixa Etária do total das

apenadas do Complexo e nos levanta duas observações sobre as realidades destas

mulheres. Da faixa etária entre 19 (dezenove) e 30 (trinta) anos de idade temos o

maior percentual de mulheres 51% (cinqüenta e um por cento), ou seja, mais da

metade das mulheres encontram-se na faixa etária considerada de maior índice de

desemprego segundo o IBGE. Por outro lado, temos outra os dados nos denunciam

também o grande índice de mulheres com a faixa etária maior de 39 (trinta e nove)

anos, apontando que a questão do desemprego não assola somente os jovens,

como também, os mais velhos em virtude, principalmente, das novas tecnologias

que “tiram” do mercado aqueles não “atualizados”. Esta população mais velha

quando inserida no mercado, de acordo com Bruschini (1998), encontra-se em

atividades consideradas de produção familiar ou autoconsumo, que aumentou dos

anos noventa para a atualidade, tendo em vista a ausência de empregos nos setores

formais da economia.

GRÁFICO 06 – FAIXA ETÁRIA DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

Quando perguntamos as entrevistadas sobre o mercado de trabalho para a

mulher, compreendemos que as respostas foram dadas para justificar a divisão

sexual do trabalho:

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Eu trabalhava como o juiz, diz: num trabalho explorado, eu não tinha trabalho fixo. Eu trabalho na enxada, lavo e passo roupa, em casa de veranista que no tem hora de chegar em casa (Relato de Juliana).

Tenho o segundo grau incompleto, cursei até o segundo ano. Tenho também curso de telemarkting. Mas sempre trabalhei como babá, cuidadora, ASG, auxiliar de cozinha. Sempre foi muito difícil. Trabalho desde os nove anos, nunca tive carteira assinada. Mas ainda acho que o mercado de trabalho está avançado para as mulheres, apesar de algumas discriminações (Relato de Maria).

Com certeza toda mulher procura sua independência, mas poucas são indicadas. Vou citar um exemplo: tem uma empresa de transportes que ela não está admitindo mulheres, ao contrário, ela colocou umas pra fora e ficou com outras, mas porque? Porque mulher engravida, porque mulher tem resguardo, porque mulher „tem isso, tem aquilo‟. Puxa será que é só mulher que tem problemas? Será que homens também não tem? (Relato de Joana).

A questão da inserção da mulher em atividades precarizadas reflete também

nos patamares salariais. As mulheres ocupam os menores patamares de salários83,

principalmente quando se falam em serviços que exigem pouca escolaridade, como

os serviços domésticos. Em Natal, por exemplo, o rendimento médio, segundo o

IBGE (2000), é de R$ 426,00 (quatrocentos e vinte e seis reais). Entre as nossas

entrevistadas, apesar de não terem mencionado, de acordo com a ficha da avaliação

social, a média salarial é de 1 (um) salário mínimo.

As mulheres devem ganhar o mesmo salário que os homens, mas pra isso tem que mostrar sua capacidade superior em relação ao homem. Eu acho que não deveria ter discriminação, pois as mulheres têm a capacidade de fazer qualquer trabalho. Por exemplo, se um chefe fizesse o mesmo trabalho que eu e fosse me pagar menos, ele ia ter que dar uma boa desculpa, eu ia „bater de frente‟ com ele, pois se eu limpo também quanto ele limpa, se eu varro tão quanto ele varre, porque não me pagar igual? (Relato de Joana).

Segundo Brushini (1998), a discriminação das mulheres, em relação ao

ganhos obtidos no mercado de trabalho, não é devida aos setores em que estão

inseridas, nem as horas de trabalho, nem mesmo ao tipo de posição ou vínculo com

o trabalho e nem mesmo aos seus níveis de escolaridade, pois mesmo aquelas que

83 O salário por sua vez não é um valor pago necessário para garantir a sobrevivência deste trabalhador, este trabalha mais do que recebe, daí se dá à lógica da mais-valia e do excedente que se transformam em lucro para o capital. Segundo Lessa (1999), com isso surge o trabalho alienado, ou seja, “o trabalho cuja razão de ser não mais é a necessidade do trabalhador, mas sim o desenvolvimento da riqueza da classe dominante” (p.28). O produto de seu trabalho torna-se estranho ao produtor, assim como a própria apropriação da riqueza produzida.

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conseguem um cargo de prestigio em empresas ou mesmo na administração

pública, assumindo posição de maior responsabilidade, ainda estão sujeitas a

ganhar menos que os homens. A questão é cultural, a sociedade patriarcal e

machista não admite a emancipação feminina e a sobreposição da mulher frente a

figura masculina.

Colocando o trabalho em evidência no perfil socioeconômico das nossas

entrevistadas, afirmamos que é através do trabalho que produzimos e reproduzimos

as nossas relações sociais. Segundo Iamamoto (2005), “é na vida em sociedade

que ocorre a produção. A produção é uma atividade social. Para produzir e

reproduzir os meios de vida e de produção, os homens estabelecem determinados

vínculos e relações mútuas (...). O indivíduo isolado é uma abstração” (IAMAMOTO,

2005, p. 30). Assim como, é através do trabalho que produzimos as condições

materiais de existência e sobrevivência. A sociedade vê o trabalho como forma de

dignidade para o homem e para a mulher. Ele é imprescindível na vida do indivíduo.

Como consumidores, os bandidos não desenvolvem um estilo próprio de vida em bandos de fora-da-lei, mas almejam os bens que a sociedade de consumo lhes oferece. (...) todos concordam que o que atrai nessa opção é a fama, poder e dinheiro fácil que ela traz (ZALUAR, 1985, p.166).

Só pontuando o nosso estudo, sabemos que, ao trabalhar criminalidade é

inevitável fazer uma analogia entre a questão da marginalidade e a inclusão no

mercado de trabalho. E ainda mais, quando se trabalha a questão da mulher, tendo

em vista, segundo Bruschini (1998), que a participação no mercado de trabalho por

parte das mulheres dependem não só de fatores como a qualificação e demandas

de trabalhos, como é no caso masculino, mas depende também da necessidade de

articular o papel familiar e profissional, como os estado civil, a presença de filhos,

associados à idade e a escolaridade da trabalhadora, que muitas vezes acabam

limitando a disponibilidade das mulheres no mercado de trabalho. Neste sentido, não

partimos de um ponto de vista imediatista / fatalista ou que culpabiliza o sujeito por

sua condição de vida, como se fosse uma simples escolha entre duas posições:

“trabalhadores e bandidos” (ZALUAR, 1985), mas, partimos da realidade vivenciada

em nossa contemporaneidade no que diz respeito à questão das disparidades

sociais, da violência, da pobreza, da negação de direitos sociais, humanos e

políticos, assim como, do acirramento de relações sociais presas pelo consumismo,

pelo individualismo e pela competitividade, em que temos a consolidação e

inquietação, para desvelar um objeto de estudo que assume uma particularidade

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quando nos remetemos a analisar a inserção da mulher neste terreno de

contradições e desigualdades.

De acordo com o gráfico abaixo, faremos uma leitura a respeito da

naturalidade das presidiárias do Complexo Penal.

GRÁFICO 07 – NATURALIDADE DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

Podemos considerar que a maioria residia antes da prisão na Capital do

nosso estado. Porém residem em locais considerados de maior vulnerabilidade

social e de maior índice de pobreza. Em número absoluto temos que 26 das 80

mulheres que cumprem pena no Complexo, residiam nas Zonas Norte e Oeste da

capital. Zonas estas que, considerando-se o índice de qualidade de vida dos bairros

de Natal, temos, segundo Freire (2005), os maiores índices populacionais, cerca de

318 mil pessoas, ou seja, 45% da população total da capital, vivem em bairros com

menores índices de qualidade de vida. Essa realidade reflete diretamente no

direcionamento de desenvolvimento pessoal dos indivíduos que habitam estes

locais, pois são inseridos em um contexto social marcado pela violência, pela fome e

miséria, por educação precarizada e por políticas assistencialistas, centralizadas e

seletivas de combate à pobreza e a questão social, que não resolvem as

problemáticas conjunturais e reafirmam as políticas neoliberais, pois permitem e

incentivam a expansão do “Terceiro Setor”. Outro fator importante sobre estas áreas

é a questão de serem considerados “currais eleitorais” de campanhas

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sensacionalistas e alienadoras da população. Observamos isso na última campanha

para a prefeitura do Natal, e ainda, observamos que apesar do Complexo está

localizado justamente na Zona Norte da capital, sabemos que é regido pelo governo

estadual, mas nenhuma proposta foi levantada nas campanhas para resolver a

questão carcerária, mesmo em conjunto com o Estado que é o órgão responsável.

Ainda na leitura do gráfico verificamos que tem-se uma grande parcela de

mulheres oriundas de outros estados do país, o que reafirma a função de “mula” –

transporte de drogas – desenvolvidas pelas mulheres no tráfico. Estas geralmente

são presas nos aeroportos e pela policia federal, depois encaminhadas para o

Complexo. Outro fator preponderante sobre estes casos é à distância da família,

algumas conseguem o pedido de transferência, mas estes casos são considerados

raros, tendo em vista que a legislação penal prevê o cumprimento da pena no local

em que a pessoa foi presa. O caso de nossas entrevistadas, duas delas são naturais

de São Paulo, a “mais velha” acabou conseguindo trazer os pais para próximo, mas

a outra, tem sua família toda por lá, o caso desta última ainda é mais complicado

tendo em vista que a mesma foi mãe no presídio e a legislação prevê que o tempo

de permanência para o recém-nascido é de apenas 6 (seis) meses, ou seja, o

período de amamentação. Depois deste prazo, na ausência de outros membros da

família, a criança é encaminhada pelo serviço social do presídio para uma Casa

Abrigo. Quando foi entrevistada, faltavam apenas 2 (dois) meses para ela perder a

guarda provisória do filho. Em sua fala a angústia é nítida:

Aqui recebo todas as formas de violência, além da privação da liberdade, ainda tenho que enfrentar o meu emocional e o psicológico que tá sendo violado ao tirar o meu filho de mim (Relato de Maria).

Reportando a questão da maternidade, estas mulheres vêm de famílias

numerosas. É um dado preocupante tendo em vista que muitas não se preocupam

com o planejamento familiar, claro que por falta de acesso e por desinformação,

dificultando assim o sustento da família numerosa. Sabemos também que em nossa

contemporaneidade o número de mulheres chefes de família é enorme e

relacionando-se tal dado com a condição salarial dessas mulheres e as próprias

atividades desenvolvidas, ou melhor, as profissões, podemos inferir a baixa

qualidade de vida a qual estas famílias estão sujeitas. Por estarem presas,

geralmente, estes novos rearranjos familiares, onde a mulher é a matriarca do lar,

acaba comprometendo também a questão da educação destas crianças que, em

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sua maioria, acabam sozinhas, nas ruas ou até mesmo envolvidas na criminalidade

desde cedo, tendo como “espelho” os pais ou a mãe que está presa.

Segundo Freire (2005), das 318 mil pessoas que estão na linha de pobreza

em Natal, 54% são crianças e adolescentes, sendo, 18,18% indigentes e 41,78% de

pobres, ou seja, estas crianças e adolescentes já nascem sem nenhuma perspectiva

de melhoria na sua qualidade de vida, ficando a mercê de políticas seletistas do

governo, numa conjuntura familiar marcada por conflitos e contradições ou inserindo-

se também no meio criminal e até na prostituição como alternativa de sobrevivência.

“Conheci o pai do meu filho na cadeia, e fazem três anos que não vejo meu filho,

isso pra mim é violência” (Relato de Josefa).

Meu primeiro filho tive aos 17 (dezessete) anos do meu primeiro namorado. Depois casei e engravidei novamente, mas este eu perdi depois de uma surra que levei do meu marido. Este que tenho agora era para ser o meu terceiro, se eu não tivesse perdido o outro (Relato de Maria).

Apesar de estarem presas, as mulheres não esquecem os seus filhos e as

suas “atribuições” enquanto mãe. Relataram a preocupação com o futuro de suas

crianças.

Tenho um casal: o menino tá com seis anos e a menina com oito. Eu não quero que eles venham me visitar. A menina vem aqui na frente, mas não entra. A gente nunca falou que isso era uma cadeia. O menino veio aqui duas vezes e fica perguntando: mainha por que aqui tem polícia? A menina vai de vez em quando no meu trabalho, lá no custódia onde sou cozinheira. Prefiro me apresentar pra ela trabalhando. O nosso modo de criação, não admite nenhum „palavrão‟, outro dia quando o menino veio, uma presa falou um „palavrão‟. Do mesmo modo que eu não quero que meus filhos escultem algumas frases ou tenham convivência com algumas presas, eu acho que muitas aqui também não querem. Cada um tem um modo de preservar a sua família, o meu modo é esse. Prefiro que minha mãe, minha irmã e meus filhos vão lá no meu trabalho, que me vejam trabalhando, mesmo que tenham pouquíssimo tempo, mas que falem numa boa, do que vir aqui (Relato de Joana).

GRÁFICO 8 – NÚMERO DE FILHOS DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN

Fonte: Pesquisa de Campo / 2008.

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Apesar do Gráfico 06 apontar uma média relativa entre as que têm 1 (um), 2

(dois) e 3 (três) filhos, o fato de 10% (dez por cento) das mulheres ter 6 (seis) filhos

ou mais, justifica, o que Oliveira (s/d, p. 211), denuncia: “o retrato de deficiência das

políticas públicas de controle de natalidade”.

De modo geral, tendo em vista o perfil, apresentado destas mulheres do

Complexo Penal Dr. João Chaves – Natal/RN, indicam que a sua inserção no meio

criminal é motivada por determinantes que entrelaçam as dificuldades

socioeconômicas com as questões afetivas. Seja, quando elas cometem um crime

em conjunto com seu companheiro, mostrando um apoio mútuo entre o casal, seja

quando elas cometem para “mostrar” que são iguais aos homens e que também tem

capacidade de transgredir a ordem social e romper com os esteriótipos que mulher é

um ser ontologicamente bom. Ou ainda quando matam para proteger de calúnias o

seu casamento, ou por uma questão socioeconômica de sobrevivência.

Esse novo contexto corresponde a algo que poderia ser denominado de “igualdade na criminalidade”, isto é, homens e mulheres [...] apresentariam participação assemelhada num horizonte mais amplo de fenômenos criminológicos, sejam eles violentos ou não. A palavra chave dessa mudança de eixo na criminalidade feminina residiria, portanto, no status socioeconômico da mulher na sociedade atual, o que pode estar relacionado [...] com as visíveis mudanças na vida social em conseqüência da maior penetração da mulher em diversos segmentos das atividades humanas, mas principalmente, no mercado de trabalho. [...] O que se poderia esperar desse quadro, considerando a criminalidade geral não deixa de ser um retrato do modo de vida em sociedade, é que o perfil da mulher envolvida com o crime também sofresse alterações profundas (OLIVEIRA, s/d, 210-211).

A Infância e suas relações afetivo-conjugais.

Diante de tal realidade, não podemos deixar de fazer menção, de forma

breve, a história de vida destas mulheres, no que tange as suas infâncias e suas

relações afetivas, esta última já pontuda anteriormente como um dos fatores

determinantes para a inserção da mulher no meio criminal.

De acordo com Magalhães (2001, p. 102), “as mulheres encarceradas,

geralmente descrevem sua infância e adolescência marcadas por dificuldades”. São

apontados problemas sociais como violência sexual, violência familiar e de gênero,

drogas, abandono, fome, miséria, falta ou baixa de escolaridade, famílias

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numerosas, pais desempregados ou até mesmo trabalhando “no mundo do crime”,

como forma de garantir a sobrevivência.

Quanto a realidade de nossas 6 (seis) entrevistadas iremos relatar um pouco

de suas infâncias e adolescência.

A nossa primeira entrevistada, „Joana‟, recebeu educação de seus avós

maternos: “Sempre me senti a xodó dos meus avos”. Viveu sua infância e

adolescência em bairros periféricos da Zona Oeste da Capital. Na adolescência,

começou a trabalhar muito jovem, aos 15 (quinze) anos de idade para ajudar sua

mãe, que é funcionaria pública e seu pai que é motorista de ônibus.

Nunca morei como os meus pais por ter uma relação conflituosa com os meus 4 (quatro) irmãos (ãs), porque mesmo longe deles sempre eu os ajudei e eles não (Relato de Joana).

Sobre esta questão da entrada jovem no mercado de trabalho, podemos

mencionar que é um ponto negativo, tendo em vista que muitas abandonam a escola

ou ainda tentam conciliar jornadas duplas, entre trabalho e escola, o que prejudica o

seu desempenho e resulta na má qualidade da formação. Outra conseqüência é a

questão do próprio futuro destas meninas, pois acabam se inserindo no mercado

informal, com baixa remuneração e sem direitos trabalhistas assegurados.

Quanto sua vida afetiva, sempre foi marcada por conflitos nos seus

relacionamentos. Aos 16 (dezesseis) anos saiu de casa pela primeira vez e foi morar

com o namorado, em virtude da imaturidade viu que a vida conjugal não era o que

esperava, então voltou para casa. Aos 19 (dezenove) anos teve o seu segundo

relacionamento afetivo, que durou 4 (quatro) anos e teve fim por causa do

alcoolismo do seu marido. O último companheiro, o qual foi preso juntamente com

ela pelo crime de seqüestro, apesar de afirmar que era um bom relacionamento,

acaba contradizendo-se ao afirmar que o mesmo era muito ciumento e fazia o estilo:

“entre tapas e beijos”, ou melhor, quando a violentava trazia flores ou chocolates.

Mas ela afirma, que o pior problema era a situação financeira.

Minha situação financeira piorou com o meu marido atual, chegamos a ficar dias sem comer, eu, ele e as crianças, mas superamos juntos (Relato de Joana).

O afeto que as mulheres sentem por seus namorados, maridos ou companheiros escondem e dificultam quanto à violência sexual pode ser injusta e desvalorizar a mulher. Há a violência domestica, os medos que cercam as mulheres com relação a menstruação, a gravidez, o parto. Existem ainda as dificuldades na criação e cuidado com as crianças (CAMURÇA & GOURVEIA, 1997, P. 15).

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Para se evitar esse tipo de visão que as marcas das violências sofridas no

cotidiano se transformem em gestos de carinho ou em simples trocas de presentes,

é que Saffioti (2004), afirma as diversas expressões da violência, principalmente,

contra a mulher devem sair do patamar de individualidade e passar a ser encarada

como violação dos direitos humanos, exigindo, claro, uma releitura desses direitos,

até então pensado para atender aos direitos dos homens.

A nossa segunda entrevistada, „Juliana‟, retrata a sua infância e

adolescência nas ruas da capital, sob um regime de muita violência e drogas. Aos 10

(dez) anos saiu da casa para fugir dos maus-tratos sofridos pela madrasta. Foi viver

nas ruas - “lá vi muitas crianças morrerem”. Aos 11 (onze) anos passou a fumar

maconha e por medo de ser estuprada decidiu manter relações sexuais com um

homem mais velho. Conheceu o seu primeiro marido nas ruas.

Vivi com esse rapaz nove anos, eu o deixei porque ele roubava, eu dizia muito a ele: „roubar pai de família é feio, se quer roubar alguém roube um banco‟(Relato de Juliana).

Segundo Baierl (2004), o traficante tem nas crianças e adolescentes que se

encontram em situação de vulnerabilidade social e pessoal, o seu exército, que

através do poder das seduções e, principalmente, pela total ausência das políticas

públicas voltadas para esse segmento, acabam vendo no tráfico ou nas drogas uma

alternativa. As crianças são usadas pelos traficantes como os chamados

“aviãozinho”, por não poderem ser presas.

Depois deste meu companheiro, conheci o meu atual marido. Ele era um homem bom, só mudava quando bebia ou usava drogas(Relato de Juliana).

Para explicar tal fato mencionamos a questão dos atos de potência e

impotência já discutidos no capítulo II deste trabalho. O que podemos acrescentar

aqui é a questão da co-dependência, pois a relação marcada pela violência,

segundo Saffioti (2004), tornou-se um vício, é como se fosse um ato inseparável da

relação.

Quanto à questão do seu acirramento com as drogas, a presa afirma que:

Hoje tenho trinta e seis anos, mas parei, depois que entrei aqui. Aos vinte e oito anos, passei a usar o craque e o mesclado. No início eu tive medo de usar estas drogas pesadas, via como as meninas bonitas ficavam feias(Ibidem).

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A realidade da nossa terceira entrevistada, „Josefa‟, tem um determinante a

mais em sua vida também marcada pelas drogas e pela violência intrafamiliar. A

entrevistada é homossexual, e ao ser entrevistada, o tempo inteiro se intitula

enquanto indivíduo do sexo masculino, só respondia aos questionamentos

flexionando as palavras para o gênero masculino.

Diferente de muitas no presídio que descobrem os seus laços homoafetivos

após o cárcere, a entrevistada aponta que despertou para essas relações aos 12

(doze) anos de idade, quando se sentiu atraída afetivamente por uma colega da

escola. Em poucas palavras, afirmou que sua família descobriu quando ela tinha

dezoito anos e depois disso ela saiu de casa e foi viver com uma companheira

durante três anos e seis meses. Apesar de ser bem resolvida quanto a sua

orientação sexual, a nossa entrevistada, aponta que sofreu diversas formas de

discriminação – afirmando os preceitos funcionalistas da sociedade conservadora - ,

a começar pelo seu próprio ambiente familiar.

As normas e valores também têm um papel muito importante nas relações de gênero, elas dizem não só o que devemos ou não fazer, separando o que é de mulher e o que é de homem, mas também valorizam de maneira diferenciada pessoas e suas ações. Geralmente a sociedade valoriza quem segue as normas bem direitinhas, a mulher ou homem quando fazem ou pensam alguma coisa diferente, são discriminados, considerados „errados‟(CAMURÇA & GOURVEIA, 1997, P. 23).

Quanto a sua infância e adolescência, conviveu com as mais variadas

formas de violência em seu lar, principalmente a violência de gênero contra a sua

mãe e com o uso de drogas aos 9 (nove) anos de idade. “O meu pai batia em minha

mãe e eu tomava a frente” (Relato de Josefa). E aos 15 (quinze) anos, deu-se início

a sua trajetória no tráfico de drogas.

A forma de sedução da criança e adolescente inicia-se pelo consumo da droga, através de processos que envolvem criar vínculos, criar dependência através do prazer que, aos poucos, se transforma em relação de medo e de busca de status. Essa fase do processo leva o adolescente e o jovem para outras esferas de ações ilícitas: de usuário para trabalhador do tráfico e da sustentação do tráfico (BAIERL, 2004, p. 144).

A nossa quarta entrevistada, „Maria‟, afirma também uma infância e

adolescência marcada pelas drogas e pela violência em suas mais variadas

expressões.

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Minha mãe mesmo foi minha avô. Meu pai foi assassinado quando eu tinha 5 (cinco) anos e minha mãe mesmo, era usuária de drogas, eu a considerava como uma irmã mais velha (Relato de Maria).

Ao todo ela afirma ser 6 (seis) irmãos em sua família, um sendo usuário de

drogas. “Aos 15 anos minha mãe verdadeira perdeu a nossa guarda e minha tia

acabou ficando com nossa tutela”. A entrevistada também é uma usuária.

Quanto às relações afetivas, teve três filhos. O primeiro aos 17 (dezessete)

anos com uma namorado, o segundo sofreu um aborto em virtude de agressões do

seu segundo companheiro e o terceiro filho, o qual está com ela no presídio é de seu

terceiro marido que também está preso por transporte de drogas. Um fato importante

é a questão da prostituição na vida desta mulher, apesar dela achar que isso era

uma forma de tirar proveito financeiro de seus relacionamentos afetivos e não uma

forma de estar se prostituindo:

Entre um marido e outro os namorados que eu arranjava, pagava para ficar comigo, o meu segundo marido foi um deles (Relato de Maria).

Quanto à quinta entrevistada, não há o que mencionarmos tendo em vista

que foi uma das quais perdemos a entrevista e o que temos escrito sobre esta não

refere-se a sua infância nem as suas relações afetivas.

A nossa última entrevistada, diferente da realidade de todas as outras

relatadas, passou por uma vida socioeconômica marcada por boas escolas – estava

fazendo cursinho pré-vestibular quando foi presa -, apesar de morar com a avó

paterna, julga não ter problema de afetividade com os pais que eram separados, era

desportista e freqüentava bons locais da classe média da capital, como boates e

bares badalados.

Esse processo envolve não só o medo, mas é permeado de prazer, desejos e fascínios de conseguir acesso aos bens de consumo e de ter poder e status propiciados pelo mundo do tráfico e da marginalidade. É profundamente sedutor para adolescentes e jovens (BAIERL, 2004, p. 144).

Paula foge das prerrogativas e dos mitos que condicionam a questão da

pobreza à criminalidade, assim como também aponta que não podemos resumir os

estudo sobre tal categoria a uma simples análise econômica, é uma questão muito

complexa, que permeia relações afetivas, história de vida familiar, o social, o

econômico e até mesmo a questão política. “Imputar aos pobres uma cultura da

violência significa pré-conceito e não conceito” (SAFFIOTI, 2004, p. 83).

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O dia-a-dia no Pavilhão Feminino do Complexo Penal Dr. João Chaves –

Natal/RN sob o olhar das apenadas

As nossas 6 (seis) entrevistadas foi lançado o seguinte questionamento:

como é o seu dia-a-dia na prisão, já sofreu algum tipo de violência e como você lida

e/ou lidou com isso?

A resposta foi unânime: entre todas as entrevistadas foi afirmado que a

maior forma de violência vivenciada durante o tempo em que estão presas é a

ausência do estado em relação ao sistema carcerário.

A violência aqui pra mim é tudo, principalmente, porque quero trabalhar e o governo não oferece isso a todos os presos (Relato de Josefa).

O governo só é bom quando querem voto e no começo do mandato. Depois... o governo não dá chances aos presos. Não dá trabalho, sem ele como vou comer? Já vi pai de família sendo preso por crimes simples e o governo o marca para sempre, não dá outra chance. O governo promete e não cumpre. Enquanto isso ele vai subindo e a gente vai ficando mais pobre. O governo não é feliz, ele pode até ter dinheiro, mas é às custas de roubos contra os pobres (Relato de Juliana). O governo deixou a violência avançar demais. Não teve limites. Muitos dizem que aqui não é lugar para crianças, eu já até sugeri pintar uma sala para receber nossas crianças. Pois nos dias de visitas, aos domingos, eu não vou negar que nos domingos, vem muita gente se drogar, usar celular, fazer certos tipos de negociações... e aí o que vai passar pela cabeça de nossas crianças que também vem aos domingos nos visitar? (Relato de Joana). A maior violência que vivo aqui é não ter assistência de nada pelo Estado, ale de não ter nenhum tipo de ajuda do governo, ainda sofro com a discriminação. Desse jeito considero violência como a necessidade que vivo, a falta de tudo aqui no presídio e o estado não tá nem aí (Relato de Ana). O governo não faz nada. Só existimos durante os três primeiros anos de mandato. Depois ele nos esquece. Na política, vejo que não temos mais escolhas de voto. Vejo que o ser humano perdeu o direito até de ser humano. Aqui não temos escolhas, não posso nada, há negação de todos os nossos direitos (Relato de Maria).

O relato das apenadas retrata a falência do sistema carcerário brasileiro e

contradiz todo o discurso utilizado pelo governo de que as prisões são organizações

cujo caráter é reeducador do indivíduo, na busca de uma “nova reinserção social”,

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assim como, contradiz os números84, de que um preso custa para o Estado cerca de

R$ 700,00 (setecentos reais) mensais.

Todas as ações voltadas no presídio no que se refere à questão da

profissionalização destas mulheres, considerado um dos principais problemas no

presídio – a falta de profissão e a ociosidade –, é suprido por ações assistencialistas

e paliativas, muitas vezes por instituições privadas de Natal. A FAL (Faculdade de

Natal) e a COSERN (Companhia Energética do Rio Grande do Norte), são os

grandes idealizadores privados de projetos no pavilhão, oferecendo cursos de

retalhos, crochê e pedrarias, de onde surgiu os desfiles das peças produzidas pelas

presas participantes do projeto “Transforme-se”. Enquanto este projeto ganha a

mídia, esconde-se as mazelas sociais e as mais diversas ausências de direitos aos

quais a presas do complexo vivenciam.

De acordo com a Lei de Execução Penal, em seu Art. 10, a assistência ao

preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o

retorno à convivência em sociedade. Já no Art. 11, a lei prevê que a assistência

será: material; à saúde; jurídica; educacional; social e religiosa.

Quanto a assistência material, houve presas que afirmaram nas entrevistas

que trabalham no próprio presídio para outras apenadas de melhor poder aquisitivo,

em troca de produtos de higiene pessoal, como por exemplo, absorvente e papel

higiênico, negando a assistência material, a qual o estado afirma cumprir.

A assistência jurídica para aquelas que não podem pagar advogados, fica a

mercê de apenas 5 (cinco) Defensores Públicos para atender a todo o Estado do Rio

Grande do Norte. Pela afirmação já podemos imaginar o caos, como já foi citado

anteriormente e conclui-se que temos uma grande parcela de presas que nunca

compareceram a audiências, e já faz cerca de 1 (um) ano que estão presas.

Quanto a Assistência Social, a lei de Execução Penal prevê no seu art. 22

que a assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-

los para o retorno à liberdade e, de acordo com o artigo 23, incumbe ao serviço de

assistência social:

I - conhecer os resultados dos diagnósticos e exames;

84 Behring & Boshetti (2008), apontam que segundo Relatório e pareceres prévios sobre as contas do Governo da República – exercício 2001, o Departamento Penitenciário Nacional gastou em 2001 R$ 237,6 milhões com construção, ampliação e reforma das prisões enquanto assistência e a profissionalização dos presos custaram parcos 5,6 milhões. Ou seja, a maior parte dos recursos são investidos na contenção e na segurança.

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II - relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades

enfrentados pelo assistido;

III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias;

IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação;

V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do

liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;

VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da previdência social e

do seguro por acidente no trabalho;

VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da

vítima.

Contudo, a realidade do Serviço social do presídio é ainda mais complexa do

que a simples aplicabilidade destes artigos. A Assistente social a considera atrasada

tendo em vista as novas expressões da questão social dentro do âmbito prisional e

os próprios limites encontrados dentro do serviço público burocratizado. Na tentativa

de assistir as apenadas, procura dialogar com as presas e ver suas principais

demandas.

Quanto à religião, a Lei de Execução prevê, no art. 24, a assistência

religiosa, e que a liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados,

permitindo-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal,

bem como a posse de livros de instrução religiosa.

Na realidade do pavilhão este direito é assegurando e organizado pelo

próprio Serviço Social, que faz o credenciamento das Igrejas, sejam elas católicas

ou protestantes, assim como também permite a liberdade a outros cultos religiosos.

Esta questão da religiosidade é muito presente na vivência destas mulheres.

Em suas falas a figura de “Deus” está muito presente, como uma “fortaleza”

necessária para o enfrentamento de sua situação atual.

Eu quero voltar a se como era antes, da Igreja e do meu marido. Foi o inimigo que me tentou, pra você vê como ele é... (Relato de Juliana). Eu vou sair daqui, se Deus quiser, vou voltar a trabalhar (Relato de Joana).

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Da relação com a Guarda do Presídio.

É comum no meio criminal, se ter a seguinte posição: quem é bandido e

quem é policial. E como sempre, repete-se a questão do olhar esteriotipado sobre o

outro: um sempre é o marginal e o outro o mocinho.

Na realidade do presídio, temos duas guardas: interna, que é formada pelas

agentes penitenciarias (fazem parte do corpo da polícia civil do estado) e a externa

do presídio que é formada por policiais femininas militares.

Sem quer fazer colocações diretas, pois se trata de um assunto considerado

extremamente delicado no âmbito do complexo, afirmamos que são comuns os

conflitos entre as presas e estas guardas. Os relatos das presas são de que algumas

lançam palavras discriminatórias e muitas são bastante agressivas. É importante

também frisar que essa posição também se estende à direção do presídio e aos

demais profissionais, por parte de algumas apenadas. Na visão da guarda, as

mulheres são “vagabundas”, “perigosas” e não merecem confiança, pois ao saírem

do presídio voltarão à marginalidade tendo em vista que são “bandidas”. Claro que

não podemos afirmar que todas as guardas agem desta forma, há exceções.

Para se ter uma idéia do conflito, algumas presas afirmam:

Algumas colegas de cela acham que se falarmos com a direção do presídio ou até mesmo da Assistente Social, estamos „puxando o saco‟ da polícia, mas acho que cada uma tem a sua maneira de pensar.

Outras afirmam:

Na sociedade as pessoas entendem que a violência está ligada à criminalidade. Por isso, aqui, não há respeito para nós. Há excesso de poder por parte da guarda.

Quando entrei apanhei de um policial, me jogou no chão e me deu um tapa. Fiquei cinco dias no „castigo‟ por ter „batido de frente‟ com uma agente. Tem também a diferença nos alimentos feitos para as (os) presos (as) e os (as) agentes. Caberia a polícia, [...] o papel de prevenir, coibir e conter as diferentes formas de violência e criminalidade. [...] Essas organizações através de suas estruturas, cultura e por intermédio de seus agentes policiais, tem sido responsáveis por um conjunto de ações truculentas e arbitrárias que desconsideram os direitos humanos [...] Trata-se de um poder exercido com autoridade que lhes é delegada, mas muitas vezes para fins escusos e particulares. [...]Para um policial, ele é produto do meio em que exerce sua função. Entretanto isso evidencia relações de poder diferenciadas e assimétricas entre policiais e segmentos da população. Frente aos mais empobrecidos e excluídos o policial reafirma o seu poder e sua autoridade. Trata-se de uma visão preconceituosa e discriminatória em relação aos segmentos mais vulneráveis da vida social (BAIERL, 2004, p.156-157).

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Dos conflitos e das “lideranças” do Pavilhão.

Como em todo grupo ou comunidade existem os conflitos interpessoais e as

lideranças, ou melhor “os cabeças” – conforme linguagem das presidiárias - , que

acabam administrando e organizando estes círculos. Assim como também, há

normas e regras de conduta – como, por exemplo, o respeito à privacidade da presa

no dia da visita íntima, ou até mesmo o respeito para com os familiares do (a) outro

(a). Quanto à primeira norma não presenciamos nenhuma reclamação, tendo em

vista que nenhuma de nossas entrevistadas recebe visitas de seus maridos,

companheiros e/ ou cônjuges e namorados. Já quanto ao segundo as reclamações

são sobre a questão das crianças que ao visitar as mães, acabam tendo que

conviver com situações, consideradas por elas como desrespeitosas, como

presenciar outras chamando “palavrão”.

Nas entrevistas com as apenadas eram comuns em seus relatos, quando se

perguntava sobre as relações com as outras presas, ser apontado ao menos um

conflito que já tinha ocorrido. Muitas dizem que a culpa está na concorrência que

existe entre as próprias presas, ou melhor, entre os grupos rivais, outras apontam

por não concordam com algumas normas ou regras impostas e ainda existem

aquelas que apontam que as causas dos conflitos são a faltam de integração no

grupo e do reconhecimento que todas fazem parte de uma mesma classe, a das

presidiárias.

Aqui mesmo que você entre direito, não consegue viver bem Há muito conflito. Já fui duas vezes para „cafua

85‟. No dia mesmo da rebelião, eu não

fui, por isso tem presa que até hoje não fala comigo. Ficam até me chamando de entendida por que não quero namorar outra pessoa. Fazem isso porque sabem que eu amo meu marido, e com isso me tiram do sério (Relato de Juliana).

Por outro lado, falam de companheirismo de algumas, da divisão das tarefas

domésticas nas celas, do carinho e do acolhimento para com as mais jovens.

Dou carinho a „Paula‟ por achar que ela ainda é uma menina, se envolveu muito jovem com coisas erradas, precisa de um apoio. Por outro lado, quando também fico triste lembrando do meu marido, as meninas tentam me reanimar perguntado sobre as lembranças boas que tenho dele (Relato de Juliana).

85 Termo usado entra presas, que se refere à cela destinada para castigo, isolamento das demais.

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Quanto à questão das “lideranças”, entre as nossas entrevistadas, tínhamos

duas. Uma foi apontada pela Assistente Social, em virtude dos seus vários ingressos

no presídio, desde os anos 1990 e é muito respeitada pelas demais presas e até

mesmo pelo seu crime de tráfico, que é considerado entre as presas como a “elite”

dos crimes, que merece respeito. Mas ao ser questionada sobre o assunto, negou.

Disse que só tinha conquistado o respeito das demais porque também as respeitava.

A outra concordou: “me sinto a cabeça da cela” (Relato de Ana), pelo fato de ser a

“mais velha” entre elas e por comandar o comércio de alimentos no presídio86.

Acerca das mulheres em cardo de liderança ou chefia, Magalhães (2001, p. 103),

mostra que, por vezes, as mulheres assumem atitudes “masculinas” para chefiar

com autoridade.

Estudos sobre a relação de gênero têm demonstrado que, em decorrência das condições, as mulheres em cago de chefia, em inúmeras vezes, incorporam princípios masculinos para lidar com situações no espaço público. Para adquirir respeitabilidade, confiança e se impor como autoridade, incorporam formas e atitudes masculinas de administrar, considerando-se incapazes e inseguras para imprimir uma gestão pautada em méritos (MAGALHÃES, 2001, p. 103).

Das visitas familiares e o emocional

O último ponto a ser analisado sobre as entrevistas com as apenadas do

Complexo é a questão das visitas familiares e o emocional destas mulheres na

prisão. O que mudou nas relações familiares após a prisão? As visitas são

periódicas? Quanto ao emocional, o que mudou?

Segundo Magalhães (2001, p. 103), “o estado emocional das presas é um

território de instabilidade, construído com laços afetivos frágeis que podem ser

desfeitos a qualquer momento e em clima de grande violência”.

É importante frisar que ao ter um membro da família preso, a organização

familiar também sofre as conseqüências, e principalmente quando o membro da

família preso é a mãe. Apesar de tudo que já mencionamos neste capítulo, sobre a

ruptura das mulheres com “papéis” tradicionais, o ingresso da mulher no mercado de

trabalho, a sua postura e emancipação na luta em prol da equidade de gênero, não

podemos deixar de considerar que o “papel” de mãe não foi negado pelo sexo

86 Esta prática é muito comum, tendo em vista a baixa qualidade dos alimentos oferecidos pelo governo.

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feminino. Nas entrevistas das mulheres que são mães, a preocupação com o bem-

estar de seus filhos é constante, o que será do futuro destes? O que os mesmos

pensam sobre essa mãe?

Para aquelas que não são mães, a ausência dos demais familiares nas

visitas ao domingos significa solidão e abandono:

O domingo é o pior dia, porque não tenho visita. Nem meu marido me visita, por causa da família dele. Não tenho contato com ele. O meu marido é „especial‟, tem um braço deficiente. Mas mesmo longe o considero ainda, meu marido (choros) (Relato de Juliana).

A participação da família ao longo do cumprimento da pena poderá reduzir o

sofrimento da reclusão, ao mesmo tempo em que mantém preservados os laços

afetivos, podendo favorecer o processo de reinserção, pois aqueles que não

possuem esse apoio poderão estar mais vulneráveis à reincidência e o retorno ao

cárcere. A família, enquanto instituição de suma importância no processo de

reintegração social do individuo encarcerado, não se ver como detentora desse

poder uma vez que, para tanto deveria ter o respaldo social necessário o que

configura um círculo vicioso de reprodução da dualidade: exclusão X marginalidade

por não possuir condições de cumprir suas funções básicas que faz referência à

socialização e manutenção de seus membros.

Últimas considerações: Como as presas descrevem a prisão.

A prisão é considerado espaço complexo, que envolve não só a questão da

criminalidade, mas todos os determinantes que a dão origem. Vivencia-se também,

no âmbito prisional a questão da negação de direitos sociais, econômicos, políticos e

econômicos. É um espaço marcado por contradições e pelo exercício constante do

poder e da sobrevivência dia – a – dia, esta não só material, mas como também

emocional: a ausência da família e de suas relações sócio-afetivas. É uma instituição

totalitária, que molda o ser, dentro de perspectiva funcionalista, onde o indivíduo é

taxado de “marginal”, “bandido” e “subversivo”, que violou as regras sociais.

Tendo em vista tudo o que foi exposto neste capítulo decidimos encerrá-lo

expondo a opinião das nossas entrevistadas quando questionadas como elas

descrevem a prisão. As palavras abaixo transcritas por si só apresentam também

nosso pensamento sobre o sistema carcerário brasileiro:

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“Pra mim, aqui a minha liberdade já está privada. Não há direitos iguais, temos negação constante de direitos. A prisão me causa revolta” (Relato de Maria). “Na prisão a humilhação, as regras e o excesso de poder afeta a minha mente” (Relato de Paula). Outro dia, a assistente social me perguntou: quem gosta daqui? E as meninas me apontaram. Não é que eu goste, mas é melhor do que lá fora, Aqui não estou sendo coagida, no tô naquele corre-corre, com mil coisas para resolver. Aqui você para e pensa. Só acho que nos falta oportunidade. (Relato de Joana).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo tentamos nos aproximar da investigação e apreensão de

forma analítica dos determinantes que levaram as mulheres a inserirem-se enquanto

sujeitos da criminalidade, dito de outra forma, que determinantes são reponsáveis

para o aumento nos últimos anos da criminalidade feminina, e chegamos não a uma

conclusão, mas a uma aproximação do que poderíamos considerar enquanto

determinantes, tendo em vista, que a realidade é muito mais complexa e dinâmica,

assim como, em um estudo como este, realizado em uma média de 30 (tinta) meses

não se consegue conhecer toda a realidade em que estas mulheres que praticaram

algum tipo de crime estavam inseridas antes ou dentro da prisão.

A questão da criminalização feminina denuncia uma problemática ainda mais

grave do que a questão de números em relação a criminalização masculina. Reflete

problemas conjunturais maiores que perpassam pela questão da pobreza, das

mazelas sociais, da fome, da história de vida e de relações afetivas, marcadas por

muitas formas de violência e em alguns casos, pela questão das drogas.

Quanto a esta questão da realidade socioeconômica das presidiárias

evidenciamos através deste estudos que as mulheres encarceradas no Complexo

Penal Dr. João Chaves fazem parte, em sua maioria de estatísticas que revelam a

questão da precarização da educação pública (entre as nossas 6 (seis)

entrevistadas apenas 2 (duas) tinha ensino médio completo); a questão da inserção

da mulher no mercado de trabalho em atividade que afirmam as práticas domésticas

e o os altos índices de desemprego entre elas (3 (três) destas mulheres

desempenham funções de empregada doméstica, babá e cozinheira); os baixo

salários (a média salarial entre as entrevistadas é de no máximo 2 (dois) salários

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mínimos); a questão do aumento de jovens no meio criminal (51% das presas do

pavilhão encontram-se na faixa etária entre os 19 e 30 anos), fato que reafirma que

o maior número de desempregados além de serem mulheres também são jovens.

Outra denuncia refere-se a questão do grande número de mulheres que são

mães (entre as nossas entrevistadas, 4(quatro) tinham ao menos 1(um) filho) e não

podemos também deixar de esquecer a questão da naturalidade destas mulheres,

ou melhor, sua origem, no caso do Complexo Penal Dr. João Chaves, 48%

(quarenta e oito por cento) são da capital de Natal, porém este dado aponta para

outra questão, elas residem também em zonas com menor índice de

desenvolvimento humano da capital, que são as Zonas Oeste e Norte.

Por outro lado, não podemos deixar de expor o rompimento com o mito que

criminaliza a pobreza, em outras palavras, a questão de atribuir uma relação causal

e direta entre pobreza a criminalidade. Apesar dos números acima apontarem para

uma tendência, entrevistamos uma apenada que foge a esta regra: vem de família

de classe média e cometia crimes, segundo ela para provar a sua “força” e criar

prestígio no meio social. Este detalhe nos mostra que o fenômeno da criminalidade

no meio social é muito mais complexo, assim como, já mencionamos neste estudo,

ele não pode ser analisado apenas sob uma ótica, mas sim, dentro de uma

perspectiva crítica que o aborde enquanto problemática social. Tal problemática é

agravada por fazer parte de um contexto discriminizador, midiático, competitivo e

emblemático quando se refere às relações sociais de gênero, que desperta no

indivíduo a questão do esteriótipo negativo em relação ao outro, ou por vezes

mostra aos jovens sem opção de vida melhor, o fascínio pela criminalidade, o desejo

do poder e do rompimento de normas e valores para com a ordem social.

Porém todas estas importantes mudanças não são suficientes para uma generalização, visto que em vários segmentos sociais, em especial na família, estes valores morais conservadores ainda se apresentam de uma forma muito rígida, podendo-se ressaltar que a maior incidência da criminalidade feminina ocorre com maior freqüência nesse meio, porque é também nesse espaço que são mais vitimadas, onde ocorre problemas como álcool, pobreza, drogas e violência (SALMASSO, 2004, p. 29).

Não podemos deixar de considerar neste contexto, as relações sociais de

gênero que é foco central deste trabalho. Observamos que mesmo rompendo os

entraves da criminologia tradicional, as mulheres que estão inserindo-se no crime

ainda levam consigo o fator da relação afetiva conjugal ou familiar, seja de forma

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direta – quando afirmadas por elas -, seja indireta – analisado nas entrelinhas as

suas falas. Em números, das 6 (seis) entrevistadas, 4(quatro) tinha a questão afetiva

conjugal envolvida na questão criminal; 1(uma) assinala a seu próprio histórico de

vida familiar marcado pelo crime – o pai era traficante – e 1 (uma) apesar mencionar

poucas palavras sobre suas relações afetivas no momento do crime, estava mais

preocupada com a possibilidade de se equiparar a criminalidade masculina, desafiar

a polícia e romper com os esteriótipo que só o homem pode fazer determinadas

coisas.

Em seus dia-a-dia no presídio, vimos o reflexo do “mundo exterior”. A

questão da negação de direitos, a competitividade, os conflitos entre as presas e os

próprios abusos de poder entre as apenadas e a guarda do presídio. Assim, reafirma

–se que o meio prisional é reflexo de uma ordem social marcada pela negação,

dominação e discriminação, estigmatiza o outro e o classifica enquanto “marginal”,

“delinqüente” e “transgressor”. O modelo prisional brasileiro, não consegue nem se

quer, cumprir com o seu papel funcionalista, que prevê um sistema carcerário que

almeje a ressocialização e a reeducação do indivíduo. Como já mensurava Zaluar

(1985), é a revolta contra o sistema que muitas vezes influência o indivíduo a entrar

no meio criminal. Em sua obra “A máquina e a revolta”, a autora coloca a arma como

instrumento de revolta contra esse sistema tão excludente e violento, se tornando o

símbolo do ingresso do indivíduo no meio criminal.

Outra questão apontada em nosso trabalho é a falência das leis que

perpassam neste âmbito. A LEP e o Código Penal precisam de uma atenção maior

por parte do poder legislativo do país. Em muitos casos, não dão o suporte

necessário para assegurar o que é direito – muito que é assegurado em lei não é

posto em prática, como por exemplo, a CTC (Comissão técnica de classificação) –

equipe multidisicplinar que acompanha o preso (a) durante o seu período de

cumprimento de pana.

Precisamos urgentemente de uma política carcerária que realmente cumpra

o seu papel e não resuma-se à ações policialescas, que criminaliza o indivíduo, sem

ao menos identificar os determinantes da criminalidade. É preciso romper com ações

e políticas focalizadas que resumem-se a compra de armas e contratação de

policiais, como se segurança pública fosse apenas caso de polícia, esquecendo que

a criminalidade e as diversas formas de violência no meio social são expressões da

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questão social, que é enfrentada pelo Estado com ações assistencialistas e/ou

policialescas que negam direitos sociais, humanos, políticos e econômicos.

Portanto, de modo geral, e sem querer mudar o sentido da reflexão de

Antunes (2005, p. 45), quando afirma que “a classe-que-vive do trabalho é tanto

feminina quanto masculina”, apontamos que a inserção no meio criminal também é

marcado pelos gêneros feminino e masculino. E que mesmo na execução de um

crime, quando há articulação de um grupo, ainda há a divisão sexual do trabalho e

muitas ainda sentem-se presas a estes esteriótipos.

Enfim, sem querer esgotar o assunto, acreditamos que este estudo possa

abrir perspectivas para uma análise mais abrangente que possa nos revelar as duras

condições de vida, de trabalho, das relações socais nas quais homens e mulheres

estão inseridos, seja dentro ou fora das prisões. Neste sentido, esperamos que este

trabalho não sirva apenas para preencher as lacunas em relação à análise da

mulher no meio criminal, mas que sirva de parâmetro para analisar a violência

estrutural instaurada neste regime social excludente e discriminizador, assim como

também, refletir sobre o sistema carcerário nacional e estadual, que já nasceu dentro

de uma perspectiva funcionalista, que criminaliza ainda mais o indivíduo e contribuiu

para afirmação de uma sociedade que nega direitos.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS –GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

Mestranda: Claudia Gabriele da Silva

Orientadora de Ensino: Profª Drª Rita de Lourdes de Lima

Roteiro de Entrevistas com as Apenadas do Complexo Penal Dr. João Chaves Natal/RN

Projeto de Pesquisa: MULHER COMO SUJEITO DA CRIMINALIDADE: UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE DAS APENADAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/ RN

Lócus de Pesquisa: Pavilhão Feminino do Complexo Penal Dr. João Chaves – Natal/RN

Apenada: _________________________________________________________ Data da entrevista: ___/___/____ Artigo: ______________

Proposta de Questões Abertas:

1- Especifique o delito cometido. 2- O que levou você a cometer tal delito? 3- Como se sente em relação ao ato cometido? 4- A que você atribui o aumento da criminalidade nos últimos anos, principalmente

entre as mulheres? 5- E para você, o que é violência? Qual a sua visão em relação ao enfrentamento desta

questão pelo poder público? 6- É reincidente? Porque? 7- Qual a sua visão em relação ao mercado de trabalho para a mulher? E como se

dava a sua inserção, ou seja, você trabalhava no mercado formal ou informal? 8- Como é sua relação familiar? (com filhos e parentes) 9- Como é sua relação com os amigos? 10- E no plano afetivo com o companheiro ou cônjuge? 11- Como foi a sua infância? 12- Você já sofreu alguma violência na prisão?Se sim, que tipo? Como você lida /lidou

com isso?

OBS: Observar nas entrevistas: Que pessoas da família as visitam. E como se encontram as condições materiais, objetivas e subjetivas de sobrevivência destas no presídio?