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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM DANÇA
IANE LICURGO GURGEL FERNANDES
O ENSINO DA DANÇA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
Relatos de professores da rede municipal de Natal
Natal/RN
2015
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IANE LICURGO GURGEL FERNANDES
O ENSINO DA DANÇA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
Relatos de professores da rede municipal de Natal
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Dança.
Orientadora: Profª. Drª. Karenine de Oliveira Porpino.
NATAL/RN 2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
FOLHA DE APROVAÇÃO
A apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O ensino da
dança na educação básica: Relatos de professores da rede municipal de Natal”,
apresentado por Iane Licurgo Gurgel Fernandes, contou com a participação da seguinte
banca:
________________________________________________
Profª. Drª. Karenine de Oliveira Porpino - UFRN
ORIENTADORA
________________________________________________
Profª. Drª Larissa Kelly de Oliveira Marques Tiburcio - UFRN
EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dr. Marcilio de Souza Vieira - UFRN
EXAMINADOR
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AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a Deus, em primeiro lugar, pela oportunidade de cursar um
sonho. O curso de Dança para mim sempre foi algo quase utópico e que se tornou
realidade. Chegar a essa última etapa foi possível graças a muito esforço da minha parte
e muita graça derramada por Deus. Sem Ele, eu não estaria aqui. Foi por Ele e para Ele.
Agradeço a meus pais, Eli e Túlia, pelo apoio incondicional em todos os momentos. Da
alegria da aprovação no vestibular, às aflições das avaliações. Foram assistir aos
espetáculos, as apresentações, mesmo sem entenderem quase nada, mas sorriam e
aplaudiam como se fosse a coisa mais linda do mundo. E eles são a coisa mais linda do
mundo para mim.
À minha gêmea Iêda Licurgo por ser metade de mim. Por me completar e fazer de mim
quem eu sou. Por estar comigo desde o ventre materno e ser minha companhia fiel
sempre. Agradeço também por dividir o amor que sinto pela dança e fazer com que ele
se multiplique.
À minha orientadora, Karenine Porpino, pelos ensinamentos desde o primeiro semestre
do curso, por sua calma que me acalma, pelo incentivo e todas as correções que me
fizeram crescer.
Aos professores que se disponibilizaram a participar da entrevista e compartilharem
suas experiências para realização dessa pesquisa. Obrigada pelo tempo dedicado ao
ensino de arte às crianças.
Aos professores Larissa Marques e Marcílio Vieira por aceitarem fazer parte da minha
banca examinadora e pelas contribuições ao meu trabalho.
Ao Grupo de Dança da UFRN por ser parte fundamental na minha formação em Dança
e pela compreensão nessa fase final de muito trabalho e faltas aos ensaios. Obrigada
professora Teodora Alves por me deixar fazer parte desse projeto que é uma verdadeira
escola de professores de dança.
Aos amigos da minha turma 2012.1 sou grata pela amizade, pela dança de cada um que
me inspira, me toca e me faz sorrir. Aos que vão se formar e decidiram enfrentar com
garra e vencer o TCC, obrigada por compartilharem comigo as aflições, textos e
orientações.
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Agradeço a Ana Karla Pires e Jennifer Dias por ser porto, por saber que posso ligar a
qualquer momento e vocês estão sempre presentes, obrigada por orarem por mim, pelos
conselhos, sugestões e risadas e claro, obrigada por dançarem comigo.
À Savio Randy pelo apoio nesses últimos semestres, pela ajuda, pelo carinho e pela
força. Obrigada por me ouvir, por me apoiar, foi fundamental.
Agradeço ao meu PG que durante esses quatro anos ouviram minhas alegrias e se
alegraram comigo, ouviram minhas tristezas e oraram por mim. Grata pela amizade.
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O ENSINO DA DANÇA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
Relatos de professores da rede municipal de Natal
FERNANDES, Iane Licurgo Gurgel
RESUMO
Levando em consideração que a escola tem a função de ensinar a dança como
linguagem artística de forma ética, estética e crítica (tendo como principais
interlocutores MARQUES, 2012; PORPINO, 2012; STRAZZACAPPA, 2012; e
MORANDI, 2012) o presente trabalho discorre sobre o ensino de Dança no currículo da
disciplina de Arte na Educação Básica a partir da fala de professores de escolas
municipais de Natal/RN. A pesquisa foi realizada a partir de entrevistas gravadas e
transcritas, feias com professores participantes da Formação Continuada para
professores de Arte organizada pela Secretaria Municipal de Educação de Natal, e busca
conhecer e entender como a dança tem sido vivida e ensinada nas escolas da rede
municipal de acordo com a análise do discurso desses profissionais. Muitos são os
fatores que influenciam na atuação desse professor, de estrutural à formação. E é
notável que a Dança na escola ainda tem muito caminho pela frente para sua total
consolidação na Educação Básica.
Palavras chave: Dança/Educação; Ensino de dança; Educação Básica.
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Sumário
Introdução ....................................................................................................................... 7
O ensino da dança na escola no contexto brasileiro........................................................10
Alguns aspectos do ensino da dança em natal a partir de relatos de professores da rede
municipal ....................................................................................................................... 15
01: conteúdos ......................................................................................................16
02: Material Didático ......................................................................................... 18
03: Limites e dificuldades para prática docente ................................................. 20
04: Descrição das aulas ...................................................................................... 23
Considerações finais ...................................................................................................... 23
Referências Bibliográficas ............................................................................................. 25
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1 INTRODUÇÃO
Durante nossa vida estudantil muitos tiveram a oportunidade de ter contato com
algum tipo de dança dentro do universo escolar. Seja essa dança feita em alguma aula de
Educação Física, em oficinas de Dança dadas periodicamente num horário no contra
turno do aluno, vendo alguma apresentação de grupos convidados, ensaiando para
alguma apresentação num evento (como as festas juninas, dia das mães), em algum
trabalho de algum componente curricular em que o professor solicitou algo diferente, ou
como conteúdo nas aulas de Arte.
Esse último exemplo de possível contato com a dança no ambiente escolar,
como conteúdo, que anteriormente era a forma menos encontrada, hoje está mais
presente graças à lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – 9.394/96), que
tornou obrigatório o ensino de Arte no Brasil como componente curricular, juntamente
com os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1997, que contribuíram para
introdução da dança como conteúdo escolar, e não apenas com uma atividade
extracurricular.
O reconhecimento da dança como área de conhecimento vem tomando forma e
ganhando cada vez mais espaço na sociedade brasileira. A criação de novos cursos de
Dança nas universidades pelo Ministério da Educação é um ponto fundamental para o
fortalecimento dessa área de conhecimento e para formação do professor que irá atuar
em múltiplas vertentes, especialmente nas escolas de Educação Básica (PORPINO,
2012).
FERRAZ e FUSARI (2009) afirmam que a escola “é um dos locais onde os
alunos têm a oportunidade de estabelecer vínculos entre os conhecimentos construídos e
os sociais e culturais” (p.19). A implementação da dança nesse universo como conteúdo
dentro do currículo deve levar em consideração diversos fatores sociais, históricos e
culturais. Precisa-se entender que a dança é realizada em diferentes contextos e culturas,
em cerimônias, manifestações e ambientes diversificados, que ela é um conhecimento
produzido por indivíduos de forma significativa, que traduz e representa sua cultura,
uma forma de expressão do ser humano (PORPINO, 2012).
Segundo MARQUES (2012, p. 5) “a escola deve dialogar com a sociedade em
transformação, ela é um lugar privilegiado para que o ensino de dança se processe com
qualidade, compromisso e responsabilidade”. Então, no presente artigo, busco uma
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aproximação com ensino da Dança no ambiente escolar da Educação Básica em minha
cidade. Ver de uma maneira investigativa como alguns professores de Arte das escolas
públicas da cidade de Natal estão ministrando a dança como conteúdo. Este trabalho
pretendeu descobrir quais são os conteúdos abordados, que materiais didáticos são
utilizados, como os professores organizam as aulas e quais as principais dificuldades e
facilidades dos professores para o ensino da dança na escola.
O objetivo é conhecer o trabalho dos professores de Arte que ensinam Dança na
Educação Básica, e entender como essa manifestação artística tem sido vivida em
escolas da rede pública municipal de Natal.
A pesquisa é de cunho exploratório e foi desenvolvida com professores que
lecionam o conteúdo de Dança dentro do componente curricular Ensino da Arte em
escolas da rede pública municipal de ensino da cidade de Natal/Rio Grande do Norte.
Tomei como critério para escolha desses professores, os que estavam participando da
Formação Continuada para professores de Artes promovida pela Secretaria Municipal
de Educação de Natal.
Apresentei o projeto de TCC aos professores, e fiz a entrevista com aqueles que
já haviam iniciado as aulas de Dança com suas turmas e se disponibilizaram gentilmente
a responder as perguntas. A pesquisa possui um caráter qualitativo, as entrevistas foram
feitas de forma semi-estruturada e os profissionais participantes assinaram um termo de
consentimento permitindo a utilização de suas falas no texto, sem mencionar seus
nomes ou o nome das escolas em que trabalham.
Segundo o Ministério da Educação, no Brasil existem 48 instituições de nível
superior, tanto privadas quanto públicas, que ofertam cursos de graduação em Dança,
sendo eles licenciaturas, bacharelados ou tecnológicos, a maioria no Rio Grande do Sul
e em São Paulo. No Rio Grande do Norte o Curso de licenciatura em Dança foi
implementado no ano de 2009 pela Universidade Federal de Rio Grande do Norte e
poucas turmas foram formadas até hoje, então existe um número muito pequeno
profissionais atuando nas escolas públicas como professores em Natal. No presente ano
de 2015 foram realizados concurso públicos para professores de Artes formados em
Dança e em Teatro para as escolas da prefeitura de Natal, mas até o momento de
realização da pesquisa os aprovados ainda não haviam sido convocados para assumirem
seus cargos.
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Para esse artigo, trouxe incialmente, uma discussão sobre o ensino da Dança na
escola, sobre a Dança como Educação e Dança e Currículo. Em seguida apresentamos
as análises das entrevistas feitas com os professores. Ao ser, futuramente,
disponibilizado para Secretaria Municipal de Educação e para a coordenação da
Formação Continuada, este trabalho trará um breve panorama do ensino de Dança nas
escolas e poderá ser utilizado para consultadas sobre a realidade que os professores se
encontram, permitindo uma provável mudança, de forma mais positiva, nesse quadro
atual.
O ENSINO DA DANÇA NA ESCOLA NO CONTEXTO BRASILERO
Ao compararmos o ensino da Arte nas escolas com o de outras áreas de
conhecimento, percebemos que ele é bastante recente, visto que só passou a fazer parte
das disciplinas obrigatórias na Educação Básica a partir do ano de 1996, com o decreto
da Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional (LDB) Nº 9.394, no dia 20 de
dezembro e com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais no ano seguinte.
Outro ponto a considerar é que por muitos anos a arte que era ensinada no ensino
formal predominava, basicamente, as artes visuais (STRAZZACAPPA e MORANDI,
2006), enquanto o teatro, a música e a dança eram deixados de lado. A Dança era vista
como uma atividade extracurricular, quando estava presente no ensino formal era
considerada apenas como um simples conteúdo da disciplina de Arte, assim como da
Educação Física1, e foram os PCN’s (BRASIL, 1998) que “passaram a considerar esses
espaços de aprendizado como componentes curriculares ligados a organização
curricular das escolas e não apenas como atividades” (PORPINO, 2012, p.1).
Ultimamente, esse quadro vem sendo modificado e as demais linguagens
artísticas se tornaram mais presentes na escola, ganharam mais espaço e de forma
obrigatória, principalmente após a aprovação do Parecer nº22/2005 que retifica o termo
“Educação Artística” para “Arte, com base na formação específica plena em uma das
linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro”, se justificando no seguinte trecho:
Entendemos assim que a retificação da denominação “Educação
Artística” por “Arte” está na linha de compreensão do Parecer e da Resolução, define melhor a noção de área de conhecimento, fica em
1 Para Educação Física, a dança é realmente um conteúdo das Atividades Rítmicas e Expressivas, mas
para a Arte ela é uma área de conhecimento autônoma.
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consonância com a LDB e permite às redes públicas, no âmbito de sua
autonomia, receber, indistintamente, em concursos públicos
licenciados em Educação Artística, em Arte ou em quaisquer linguagens específicas, Artes Visuais e Plásticas, Artes Cênicas ou
Teatro, Música e Dança, que utilizarão os seus conhecimentos
específicos, com a finalidade de atingirem os objetivos preconizados pela legislação em vigor para o Ensino 2 Fundamental e, de modo
mais direto, o objetivo do ensino da arte, que é “promover o
desenvolvimento cultural dos alunos”. (p.2 e 3)
No contexto da Educação Básica, o ensino da Dança é bastante novo e recente.
Há muito que se estudar e refletir sobre as ações e práticas realizadas na escola. Trago,
inicialmente, algumas considerações feitas sobre a dança no contexto escolar feitas por
pesquisadores, artistas e, principalmente, professores de dança.
No texto “Dança na escola: arte e ensino” de Isabel Marques (2012), após citar
diversos questionamentos sobre como essa dança deve ser ensinada e aplicada no
universo escolar, ela afirma que a Arte não deve ser trabalhada apenas como o fazer,
mas também o pensar, ler e contextualizar, relacionado a dança; não se deve apenas
reproduzir alguns ritmos, mas conhecer a história, os processos coreográficos, estéticos
e sociais: “Na verdade, é este o grande papel da escola: integrar o conhecimento do
fazer dança, ao pensá-la na vida em sociedade” (p.5).
Segundo MARQUES (2012), a dança deve ser vista como linguagem, e não
passos organizados numa sequencia que devem ser apreendidos e repetidos, ela integra
o conhecimento corporal ao intelectual.
A dança tem uma função importantíssima na educação do ser humano
comprometido com a realidade, pois possibilita diferentes leituras de mundo. Das manifestações populares à dança contemporânea, a dança
na escola deve ser capaz de possibilitar ao aluno conhecer-se,
conhecer os outros e inserir-se no mundo de modo comprometido e crítico (p.5)
No texto de PORPINO (2012) intitulado “Dança e currículo” não se considera o
currículo como algo fixo, arbitrário e impassível de mudanças, que impõe o que deve
ser ministrado na escola, mas que pode ser dialogado “pode se constituir um espaço de
organização e articulação dos conhecimentos produzidos dentro e fora da escola, assim
como dos modos de compartilhá-los” (p.1).
Mas quais os conteúdos que devem ser ministrados no componente curricular de
Artes quando o assunto abordado for a Dança? Primeiramente deve-se entender que o
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ensino da Dança não ocorre apenas no contexto escolar, mas em outros espaços sociais
e cada um deles tem sua especificidade.
A dança no currículo deve fazer parte de um projeto educacional previsto pelas instituições escolares e, para tanto, deve ser considerada
como uma expressão do ser humano, uma produção cultural que pode
ensinar muito sobre como os indivíduos vivem e se organizam em
sociedade, como se movimentam e comemoram suas realizações. (PORPINO, 2012, p.10).
Aprender a dança fora do ambiente escolar pode ter como objetivo a formação
de um bailarino, a manutenção de uma tradição, uma forma de lazer ou de relação
social, o que muito diferencia do objetivo que a dança deve atingir na escola da
Educação Básica, que deve
ampliar a compreensão do aluno sobre o ato de dançar, uma vez que,
além do aprendizado do gesto dançante, ele aprenderá, também, a apreciar os vários repertórios da dança, a conhecer seus diversos
significados sociais e a discutir a dança como forma de expressão
artística em diversas culturas, inclusive no contexto social em que ele vive. (PORPINO, 2012, p.11).
Então, não se deve ensinar uma técnica específica, ou a criação de performances
artísticas, cujos movimentos foram apenas cópias dos movimentos que o professor
produziu. A Dança na escola deve permitir que o aluno reconheça as diferentes formas
de produzir a dança, seus diversos estilos, formas e contextos, assim como deve fazer
como que ele se reconheça como um indivíduo dançante capaz de produzir dança, que
tenha a oportunidade de vivenciar a pesquisa gestual numa prática corporal e de ter sua
visão da realidade social que está inserido ampliada sabendo que pode intervir nela de
forma criativa.
De acordo com PORPINO (2012) o currículo de dança na organização escolar
deve considerar três referencias: os documentos oficiais nacionais (PCN, RCNEI,
PCNEM2), os documentos institucionais (Projeto Político Pedagógico) e o contexto
social. “A conexão dessas referências é imprescindível para a organização de um ensino
que esteja adequado às condições em que se realiza e que possa realmente contribuir
com a formação dos indivíduos” (p.12).
No livro “Entre a arte e a docência – A formação do artista da dança”, escrito
por Marcia Strazzacappa e Carla Morandi, existe diversas discussões sobre essa dança
2 PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais RCNEI: Referencial Curricular para Educação Infantil PCNEM: Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
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no ensino. A primeira parte dessa obra é um compendio de alguns artigos escritos por
Strazacappa, recebe o título “A dança e a formação do artista”. A segunda parte recebe
os textos de Morandi, que se encaixam na temática “A dança e a educação do cidadão
sensível”.
STRAZACAPPA e MORANDI (2012) trazem a discussão que a dança tem
conteúdo próprio, que “possui pesquisa própria, estabelece interfaces com outras
linguagens artísticas e dialoga de forma salutar com as ciências” (p.13).
No entanto, STRAZZACAPPA e MORANDI (2012) acrescentam que:
a arte do movimento faz parte da educação quando se compreende que
a dança é a arte básica do ser humano. Quando criamos e nos
expressamos por meio da dança, interpretamos seus ritmos e formas, aprendemos a relacionar o mundo interior com o exterior (p.72).
A dança permite que os indivíduos aprendam a criar pensando, de forma crítica,
adquirindo um conhecimento e compreensão de mundo de forma diferenciada. A escola
deve criar meios para que isso ocorra e seja algo recorrente no cotidiano dos alunos,
quebrando com o histórico do ensino de arte no Brasil que não incluía a dança e que ela
era vista, apenas, nas festividades escolares e em atividades recreativas.
No ensino da dança na escola deve-se proporcionar a consciência dos princípios
que geram o movimento nas crianças, “desenvolver a expressão criativa e preservar a
espontaneidade do movimento, mantendo-a para vida adulta” (idem, p.80), assim como
reforçar as faculdades naturais da expressão.
As aulas de dança na escola não são realizadas para que as crianças aprendam,
somente, a movimentarem-se. Segundo MARQUES (2010) as crianças precisam
aprender a “fazer-pensar-sentir-criticar-perceber a dança, ou seja, ler a dança” (p.44).
Faz-se necessário que o professor procure meios para que o aluno desenvolva essa
capacidade de leitura da dança, que não apenas se preocupe em reproduzir passos, mas
que contextualize e compreenda os papeis daqueles que trabalham com a dança
(intérprete, criador, apreciador, pesquisador, produtor e diretor).
A função pedagógica do professor de dança na escola deve ser de “ensinar, abrir,
construir, desconstruir, relacionar as leituras decorrentes dos diferentes papéis da dança
às leituras que se desdobram e se multiplicam nos corpos dos seus alunos”
(MARQUES, 2010, p.47), quanto mais esses papéis forem entendidos pelos alunos,
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mais aumentarão as chances deles ampliarem as leituras de dança/mundo de forma
descentralizada, dinâmica e crítica.
ALGUNS ASPECTOS DO ENSINO DA DANÇA EM NATAL A PARTIR DE
RELATOS DE PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL
O grupo de professores que se disponibilizou a responder as perguntas da
entrevista era bastante heterogêneo, mas todos participavam regularmente da formação
continuada para os professores de Arte da rede pública municipal de ensino. Foram
realizadas entrevistas com cinco professores, todos formados pela UFRN, três deles no
curso de Educação artística com habilitação em Artes Cênicas (dentre estes, um também
possuía habilitação em Artes Plásticas), outra com habilitação em Artes Plásticas, e uma
professora formada em Dança, que havia passado no concurso para professor substituto.
A escolha do sujeito professor para realização da pesquisa se deu já que é ele
quem sistematiza os conteúdos e deflagra os processos de ensino. PELLEGIN (2011)
nos fala que
O professor de dança é o sujeito que trata pedagogicamente do
conteúdo dança, que desenvolve com os alunos o conjunto de conhecimentos necessários para que possam efetivamente
apropriar-se desse universo – praticando, assistindo,
pesquisando, discutindo dança – e para que tenham condições de saber o que a dança significa para eles próprios,
individualmente, e para o mundo (suas conexões éticas,
estéticas e políticas). (p.31).
As perguntas da entrevista feita para os professores foram sobre os conteúdos
que trabalhavam em sala, como funciona o planejamento, se existe algum material
didático de suporte, se existe algum limite ou dificuldade no trabalho, se o
conhecimento prévio dos alunos é levado em consideração, se são feitas vivências
práticas, como é a participação dos alunos nessas aulas, qual o espaço físico dessas
aulas, quais os aparelhos multimídia disponíveis na escola, e como é a intervenção
pedagógica da coordenação nas aulas, se é que ela existe. Tais perguntas foram
transformadas em quatro tópicos que serão expostos e comentados na sequencia desse
artigo.
O primeiro tópico é sobre os conteúdos, o planejamento dos professores, e a
intervenção da coordenação pedagógica nas aulas de Arte. O segundo intitula-se
“material didático” e engloba a questão dos recursos que são utilizados na sala de aula
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com os alunos. O tópico número 3 abordou os limites e as dificuldades encontradas
pelos professores durante a realização da sua prática de ensino. E por fim, o quarto
tópico, está relacionado a uma descrição das aulas e sobre o conhecimento prévio dos
alunos e suas participações nas aulas.
Foram feitas duas tabelas para uma melhor organização didática das respostas.
Uma tabela sobre a característica dos professores, com as perguntas pessoais sobre
formação, local de trabalho, ano que começou a lecionar e outra tabela com as perguntas
da entrevista e as respostas de cada professor. Foi feita a análise por tópico, e não por
professor, trazendo a fala de cada um, mas respeitando sua privacidade, sem divulgar os
nomes dos que responderam a entrevista. Por essa razão, a tabela 1 não conta com os
nomes reais dos professores, nem das escolas em que trabalham.
Prof. Formação Ano Pós
graduação
A quanto tempo
ensina
A quanto tempo
ensina dança
01 Licenciatura em Dança - UFRN 2013 -- Há 2 anos Há 2 anos
02 Educ Artistica - hab em teatro -
UFRN
2002 -- Desde 2014
03 Educ Artistica - hab em teatro e
artes visuais - UFRN
2002 -- Desde 2011 A muitos anos
04 Educ Artística - Hab artes cênicas
- UFRN
2009 Esp em Arte
terapia - 2012
Desde 2004 Na escola desde
2014
05 Educ Artística - Hab artes
plásticas - UFRN
2001 Esp em Ensino
da Musica -
2014
Há 13 anos Desde 2011
Tabela 1- Características dos entrevistados
01: conteúdos
Minha principal interrogação foi motivada por uma curiosidade ao longo da
graduação em saber quais conteúdos que estavam sendo ministrados na escola básica, a
partir de que critérios os professores os escolhiam e como os aplicavam em suas aulas.
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Então, essa foi a primeira pergunta feita, quais os conteúdos trabalhados. Não delimitei
a separação por ano, deixei que eles falassem no geral.
Segundo Isabel MARQUES (2011) a escola deve promover o acesso à dança,
garantindo continuidade aos projetos (o que em muitas ONG’s pode haver um corte por
falta de verbas ou patrocínio), além de uma ampliação dos conhecimentos da área,
aprendendo a ler o mundo por meio das múltiplas linguagens artísticas. “Historicamente
é papel da escola organizar currículos em que a dança esteja presente, A escola é o lugar
por excelência para que interrelações críticas e transformadoras ocorram de forma
compromissada entre a dança, o ensino e a sociedade” (p.19).
LABAN (1990) afirma que devemos buscar na escola “o efeito benéfico que a
atividade criativa da dança tem sobre o aluno” (p.18). Os PCN’s apontam como
conteúdos específicos de Dança a conscientização e percepção corporal; fatores de
movimento; qualidades expressivas e gestuais do movimento; relacionamento do aluno
consigo, com os outros e com o mundo; elementos históricos e culturais; trabalho com
improvisação e processos de composição.
A maioria dos professores falou sobre o ensino da história da dança como uma
forma de contextualização para os alunos, partindo de uma perspectiva geral para uma
mais local, vendo o surgimento da dança nos primórdios da humanidade até as danças
folclóricas regionais daqui do Rio Grande do Norte. Dois dos professores mencionaram
que ensinaram o Araruna3 para os alunos.
Trazer esse tipo de conteúdo aos alunos é de extrema importância para a
ampliação do conhecimento dos mesmos, além do enriquecimento cultural que ganham,
é uma forma de manter viva e valorizada uma dança que faz parte da "Sociedade
Araruna de Danças Antigas e Semidesaparecidas” que foi fundada pelo Mestre Cornélio
Campina da Silva, repassando aos alunos sobre essa dança que é genuinamente
potiguar.
Nesse sentido, trazemos a fala de Valéria FIGUEIREDO (2013)
É necessário que a arte e a educação assumam a responsabilidade de estruturar trabalhos e projetos integrados e transdisciplinares na
escola. Uma proposta inicial é possibilitar diálogos com a realidade
3 O Araruna é uma dança com origem europeia que mistura a valsa, a polca, o xote, mazurca e passos do
folclore popular. Se dança em pares que executam números denominados "Caranguejo", "Bode", "Besouro" "Araruna", "Camaleão", "Jararaca", "Maria Rita", "Xote Sete Rodas", "Miudinho", "Mazurca", "Maria Rendeira”.
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social e cultural, valorizando as produções artísticas de cada região e
grupos, e, ainda, poder experienciar as relações sociais e culturais a
partir das experiências com o corpo e o movimento, compreendendo este corpo enquanto fenômeno histórico, cultural e artístico. (p.87)
Os professores entrevistados também falaram sobre conteúdos que envolvem
aulas mais vivenciais, como consciência corporal, expressão corporal, elementos
coreográficos dentre outros. É interessante ver que as aulas da formação continuada
contribuem muito para esses profissionais aprimorarem seus conhecimentos,
principalmente para os que são formados em outras áreas e têm nesses encontros a
possibilidade de adquirirem novos saberes sobre a dança e se utilizarem disso nas aulas.
Vemos um exemplo disso na fala do professor 02: “Eu usei aquelas das formações aqui (se
referindo a ideias dadas na formação), dos deslocamentos, da lateralidade4, e também busco a
diferença de planos”.
Ana de PELLEGRIN (2011) acrescenta que “é necessário também conhecer os
tipos de movimento – padrões e exceções – características do estilo de dança que se
estuda, e conhecer as técnicas e mecanismos que permitam imprimir sentido aos
movimentos” (p.30 e 31).
Os formados em Educação Artística com habilitação em Artes Cênicas
afirmaram que se utilizavam do conteúdo do teatro em suas aulas, fazendo alguns
exercícios ou trazendo textos para os alunos, como disse o entrevistado 02: “E também
eu tento trazer um pouco do teatro para dança. Incluindo, no espetáculo em si, busco um
texto” e o professor 03: “Então, eu fazia um contexto, eu trabalhava o teatro e a dança
com eles. A própria dança e botava um texto antes, ou cantava uma música falando e
tal, não apenas o dançar, né?”. Percebemos que a dança também é utilizada como
conteúdo para outras linguagens, nesse caso o teatro, mas também é trabalhada no
ensino de música, principalmente quando se fala de música popular que possui suas
danças próprias, como coco, frevo, maracatu, por exemplo.
A coordenação da escola está presente, na maioria dos casos, e faz algumas
intervenções na questão do planejamento dos professores, dando dicas, ajudando de
alguma forma. Algumas vezes a escola inteira precisa trabalhar o mesmo assunto, então
a coordenação pede que todos ajustem seus planejamentos ao tema gerador da escola.
Ou haverá alguma festa e os professores de Arte precisam organizar alguma
4 Esses termos são utilizados por um maiores nomes no mundo da dança chamado Rudolf Laban, um teórico, dançarino, coreógrafo, teatrólogo. Seus livros são “Coreotics” (1976), “Domínio do movimento” (1978), “Dança Educativa Moderna” (1990).
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apresentação dos alunos. Apenas um professor entrevistado afirmou que a coordenação
da sua escola não fazia muita intervenção e que nessas festas os pedagogos que
assumiam os trabalhos e organizavam as apresentações. Essas apresentações artísticas
não devem ser o objetivo da dança na escola, elas são importantes, mas não pode se
reduzir apenas a isso. PORPINO (2012) faz essa discussão:
não é papel da dança no currículo priorizar a execução da dança
visando a performances artísticas excepcionais ou mesmo a um
aprendizado sistemático de uma técnica específica, mas a
sensibilização do aluno para que ele próprio se reconheça como indivíduo produtor desse conhecimento na sociedade em que vive, ao
mesmo tempo em que reconhece como se produz a dança em outros
lugares. (p.9)
02: Material Didático
A segunda pergunta realizada foi motivada por uma curiosidade sobre livros
didáticos para área de Arte. Curiosidade em saber se havia algum material didático que
fosse utilizado nas aulas de dança. Minha esperança era que realmente existisse um que
fosse usado pelos próprios alunos, mas os professores entrevistados não me relataram a
utilização de nenhum.
Os professores têm um livro chamado Referências Curriculares da Prefeitura
Municipal do Natal, eles se referem na entrevista como “livro azul”, pois o livro azul é o
de artes – ensino fundamental anos iniciais e anos finais. Ele funciona como parâmetros
que devem ser seguidos nas aulas, todos conhecem o conteúdo desse livro e o utilizam
para organizar suas aulas.
Para os alunos são preparados materiais avulsos dependendo do assunto a ser
abordado, as fontes de pesquisa para preparação desse material é a própria internet. Os
professores 01 e 04 mencionaram na entrevista que se utilizam de teóricos da dança para
seu conhecimento como Paul Boucier, o 04 também acrescentou que lia Isabel Marques,
Karenine Porpino, Lenira Rengel, da dança, cita dois autores que falam do ensino de
arte, como Ana Mae Barbosa e Cesar Coll, e outros sobre cultura popular como Deífilo
Gurgel5.
5 Paul Boucier: professor de história da dança na Universidade de Paris, escreveu um livro chamado
“História da Dança no Ocidente” (2001). Isabel Marques: Pedagoga pela USP, Mestre em Dança pelo Laban Centre for Movement and Dance, Londres, doutora pela Faculdade de Educação da USP, diretora do Instituto Caleidos, fundado em 2007.
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Seria desafiadora a realização de uma pesquisa sobre a importância do material
didático para as aulas de Arte na escola, como uma forma de padronização baseada no
que dizem os teóricos e como forma de organização e sistematização do conteúdo para
os alunos, além de uma fonte de pesquisa para eles. Isso acarretaria diversas discussões
relevantes para nossa área de conhecimento.
Em relação aos recursos utilizados nas aulas, o professor 02 disse que comprou o
próprio aparelho de som, pois o da escola não funcionava, ou nunca estava disponível
para as aulas de arte, o entrevistado 01 disse que também comprou o seu, mas a escola
tinha um. Os professores 03, 04 e 05 não tiveram esse problema, e utilizavam os
recursos que a escola disponibilizava e que além de som, tinham data show, televisão,
DVD, uma sala de recursos multifuncionais que facilitava o trabalho do professor dando
a possibilidade de levar os vídeos, filmes e outros materiais para sala de aula.
03: Limites e dificuldades para prática docente
Esse foi o tópico da entrevista que mais me fez refletir sobre o que aguarda o
recém-egresso da universidade que foi aprovado em concurso público e que começará a
trabalhar nas escolas de ensino básico. Pelo simples fato de que o professor quando
chega à escola pública, ele tem muita dificuldade de conseguir turmas suficientes para
ensinar apenas especificamente a linguagem da sua graduação.
Isso se dá, pois as aulas de dança são para serem ministradas para alunos do
quinto e oitavos anos, o professor teria que pegar no mínimo 5 turmas de cada ano para
completar sua carga horária, o que o obrigaria a pegar turmas em diferentes escolas,
Escreveu diversos livros relacionados a Dança na escola como “Dançando na escola” (2010), “Ensino de Dança hoje” (2001), “Interações – Criança, Dança e Escola” (2012). Karenine Porpino: Professora de Dança da UFRN, mestre e doutora em Educação pela mesma universidade, escreveu “Dança é Educação” (2006). Lenira Rengel: Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, Mestre em Artes – Dança pela Unicamp e Bacharel em Direção Teatral pela ECA/USP. Autora do “Dicionário Laban” (2003), “Cadernos de Corpo e Dança” (2006), da “Pequena Viagem pelo Mundo da Dança” (2006). Ana Mae Barbosa: Educadora pioneira em Arte-Educação, professora de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA. Desenvolveu a abordagem triangular para o ensino de artes. Cesar Coll: professor de Psicologia Evolutiva na Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona, foi um dos principais coordenadores da reforma educacional espanhola e consultor do MEC na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, aqui no Brasil. Deífilo Gurgel: foi um advogado, professor universitário, administrador público, antropólogo, folclorista, poeta e historiador brasileiro. Presidiu a Comissão Norte-Rio-Grandense de Folclore, foi professor da disciplina "Folclore Brasileiro", da UFRN. Escreveu “Danças Folclóricas do Rio Grande do Norte” dentre outros livros sobre cultura popular.
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implicando organização dos horários diferenciados de casa escola, gerando uma mão de
obra demasiadamente grande. Esse quadro resulta na permanência do professor numa
escola apenas, obrigando-o a ensinar as quatro linguagens para todas as turmas, mesmo
sem ter tido formação na universidade que abarque todos esses conhecimentos. Há
também a possibilidade do professor, em alguns casos, complementar sua carga horária
com algum projeto relacionado a sua área de atuação.
Assim funciona nas escolas do município de Natal, onde os professores de Arte
dão aula da Educação Infantil (CEMEI) ao Ensino Fundamental I e II. Se um professor
graduado em dança for trabalhar nesse contexto, quantas escolas ele deverá ter para
completar sua carga horária apenas com 8º anos, visto que a maioria delas possuem uma
média de 2 turmas, geralmente, por turno?
Essa conversa com os professores entrevistados me gerou tal questionamento. O
professor 01, graduado em dança, bem exemplificou na sua fala:
“Quando a gente vai para realidade [...] quando fui para o CEMEI,
tinha que dar aula de artes, ne? As 4 linguagens. Então, foi um choque
para mim. Claro que no início eu fui puxar a sardinha para minha área. Só que eu não pude aplicar tudo, né? Tive que também aplicar um
pouco da música, do teatro, dá artes plásticas. Tive que ensinar as 4
linguagens, tive que ser a professora de artes, não era só dança”.
A questão de não se sentir preparado para ensinar as quatro linguagens foi o que
os professores mencionaram nesse tópico sobre os limites e dificuldades enfrentados
para a realização de sua prática docente.
Os formados em Educação Artística sofrem menos com essa situação, pois
puderam estudar alguns semestres na faculdade as outras linguagens, então eles tem
uma noção maior. O professor 05, que possui habilitação em artes plásticas, disse que
estudou a dança na faculdade no componente curricular Técnicas do Teatro e da Dança
I, II e III, mas mesmo assim disse em dois momentos: “é complicado para mim, que não
tenho a formação especifica em dança, trabalhar todos aqueles conteúdos que tem no
referencial curricular” e “e também a questão da minha formação, se eu tivesse uma
formação mais específica na área com certeza seria mais fácil, né?”.
Isabel MARQUES (2012) extenua a importância do estudo e da formação para
um trabalho mais fundamentado e de maior qualidade do professor:
É imprescindível que nos preocupemos, atualmente, com a formação e a educação continuada de nossos professores nesta área específica do
conhecimento, para que as atividades de dança nas escolas não sejam
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meras repetições das danças encontradas na mídia ou dos repertórios
já conhecidos de nossa tradição (p.5).
Esta pesquisa buscou os professores que participam da Formação, por isso todos
possuem algum tipo de formação em Artes. Mas, quantos professores não lecionam
Artes tendo formação em outras áreas, como pedagogia, apenas para complementar a
carga horária? Segundo a pesquisa “Estudo exploratório sobre o professor brasileiro”
(INEP/MEC, 2009) o índice de professores de Arte formados na área é bem baixo. No
Ensino Fundamental apenas 25,7% dos professores possuem formação em Arte (Belas
artes, artes plásticas, Educação artísticas), 24,1% são pedagogos e 50,2% são de outras
áreas de formação. No Ensino Médio esse número permanece alto (44,7%), mais porque
diminuiu a quantidade de pedagogos (14,1%) do que aumentou o numero dos formados
na área mesmo (41,2%) de forma considerável.
Tais dados apenas fortalecem os pensamentos negativos sobre o ensino de Arte
na escola. MATOS (2011) conclui que
Isso aponta uma absurda inadequação entre o perfil profissional do professor (formação) e a disciplina que leciona, o que com certeza
acarreta sérios prejuízos para ou os alunos bem como sustenta velhos
estereótipos da arte como atividade recreativa e/ou como atividade exclusivamente subjetiva/expressiva, já que os professores que não
tem formação específica não possuem o conhecimento e informações
necessárias para promover um ensino contextualizado e de qualidade em Artes. (p.51)
Vale ressaltar que esses dados são baseados no senso de 2007, e que há a necessidade de
se refazer a pesquisa para saber quais as mudanças ocorreram nesses quase dez anos.
Outra dificuldade mencionada na entrevista é sobre o espaço, uma questão
estrutural enfrentada por eles. O não ter um espaço específico para a realização das
aulas práticas de dança, para ensaios, faz com que o professor tenha que trabalhar na
própria sala de aula, obrigando os alunos a ficarem afastando as carteiras, perdendo
tempo de aula, que já é pouco, para organização da sala. “O espaço não é próprio, a gente
não tem uma sala nossa. Pra você dar dança tem que afastar a carteira o tempo todo” segundo o
professor 02.
Alguns professores tem a possibilidade de utilizarem a quadra da escola, quando
esta não estiver sendo usada pelo professor de Educação Física, às vezes pode haver um
permuta, o professor de Educação Física vai para sala de aula e o de Dança para quadra,
outros não podem, a quadra fica exclusiva do outro componente curricular. Algumas
escolas têm pátio ou um espaço com um pequeno palco onde as crianças podem ensaiar
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e fazer aula (mas às vezes pode atrapalhar as salas vizinhas por se encontrar muito perto
das salas de aula normais). Apenas o professor 03 disse que na sua escola tem uma sala
específica, para as aulas de dança e teatro, bem ampla e com som para a realização das
aulas.
A falta de um espaço adequado para as aulas de dança é uma realidade que está
presente na maioria das escolas que por terem sido construídas há muitos anos, não
comportavam a exigência de aulas práticas de dança e teatro no currículo dos alunos,
então as escolas não possuem uma sala prática destinada à realização dessas aulas.
Poucas foram as que conseguiram uma verba do governo e se preocuparam em utilizá-la
para organizar uma sala para essa finalidade.
Outro fator, além desses mencionados, é a questão da falta de interesse de alguns
alunos, mas que não ocorre apenas nas aulas de Arte, mas é uma característica de
diversos alunos do sistema educacional atual, que não se interessam em estudar não
importando qual seja a disciplina. Nas aulas de dança, a falta de interesse acontece,
principalmente, com os alunos mais velhos. Faz-se importante que o exercício prático
aconteça nas aulas de dança, pois “quem dança precisa compreender como o corpo
produz o movimento, quais são as variáveis que condicionam e qual é o efeito que os
movimentos produzem no tempo e no espaço” (PELLEGRIN, 2011, p.30).
04: Descrição das aulas
Nesse ponto, os professores explicaram como funciona as suas aulas, com base
no planejamento anual e nos projetos da escola. Todos disseram que dão tanto aulas
teóricas quanto práticas, além de darem exemplos sobre aulas de determinados assuntos.
Eles se utilizam também de aulas com áudios, vídeos, filmes como “Billy Eliot”6
e “Se ela dança eu danço”7, fazem seminários com os alunos mais velhos, leem textos, e
dançam, o professor constrói coreografias com eles ou passa uma parte e eles criam a
continuação, montam pequenas estruturas coreográficas.
6 Billy Elliot é um filme de Stephen Daldry, do ano de 2000. Conta a história de um garoto de 11 anos que
mora numa pequena cidade da Inglaterra e é obrigado a treinar Boxe, mas demonstra um interesse pelas
aulas de ballet ministradas na mesma academia em que pratica a luta. Billy é descoberto pela professora
de dança e resolve enfrentar a intolerância dos que acreditam que homens não dançam ballet.
7 Se ela eu danço (Step up) é uma franquia de filmes sobre dança, mais precisamente sobre Hip Hop e
batalhas de grupo. São 5 filmes lançados até hoje, o primeiro foi em 2006 e o último em 2015.
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Partindo dessa descrição mais ampla para uma mais específica, alguns
professores deram uma descrição de uma aula com um assunto singular. O professor 03
disse “Eu estava trabalhando com a música aquarela, né? Então, eu pedia para cada um
criar seu movimento. Eu dei o texto, continuei a dizer, falei de cada frase, coisa a tal, e
eles criaram o movimento, cada um fez o seu. Não é uma coreografia feita por mim, foi
um todo.”
Percebemos uma preocupação por parte dos professores de estarem variando
suas aulas, trazendo diferentes atividades e dinâmicas para sala de aula, sem deixar de
aplicar o conteúdo, ou de seguir o projeto motivador da escola.
Sobre a participação dos alunos nessas aulas, os professores disseram que eles
trazem muita coisa e que se aproveitam desse conhecimento prévio dos alunos, que se
utilizam disso para as aulas, o professor 03 diz “tem muita coisa criativa, que se a gente
deixar eles fluírem sai muita coisa maravilhosa”. Nesse ponto FERRAZ e FUSARI(2009)
concluem que quando os alunos produzem seus trabalhos e acompanham a produção
dos colegas, eles adquirem novos entendimentos de arte além de criarem condições para
“identificar, reconhecer e valorizar as diferenças de produções culturais e artíst icas”
(p.22).
Além dos alunos que não quererem por falta de interesse, outros sentem
vergonha de dançar, o professor 05 afirma na entrevista que “ao longo do ano eles vão
se abrindo mais, se soltando mais, a gente faz aquele trabalho de relaxamento, faz jogos,
para socialização para entrosamento, para cooperação e eles vão melhorando mais”.
Algumas crianças não participam por preconceito de alguns pais que não permitem que
seus filhos façam aula de dança, seja por um motivo religioso ou por falta de
conhecimento sobre o que é a dança na escola, mas aos poucos vão conhecendo o
trabalho e permitindo que seus filhos participem da parte prática das aulas.
Marcia Strazzacappa e Carla Morandi (2012) comentaram sobre as crianças e
adolescentes que apresentam indisposição para as aulas de dança:
Deparamo-nos com algumas resistências que vão desde situações que envolvem questões de gênero e/ou convicções religiosas à simples
negação de se movimentar por preguiça e cansaço. [...] Muitos
estudantes são oriundos de práticas corporais pobres ou inexistentes.
(p. 28)
Essas crianças são sedentárias, com desvios posturais por passarem muito tempo
sentadas em aulas ou na tv/computador. Infelizmente, esse quadro só vem crescendo
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graças ao avanço tecnológico que permite a criação de novos jogos e eletrônicos que
prendem a atenção das crianças, fazendo com que atividades físicas e exercícios sejam
deixados de lado, e criando diversos problemas corporais nelas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que o ensino de dança na escola vem passando por um percurso longo
ao longo dos anos para se concretizar como conteúdo na Educação Básica. Já logramos
um avanço considerável, mas ainda há muito que trilhar. O presente trabalho não teve
como objetivo realizar uma pesquisa que fizesse um retrato da atual realidade da dança
na escola como conteúdo na aula de Arte nas escolas municipais de Natal/RN. Pela
quantidade de professores entrevistados e pelas características que envolvem uma
pesquisa sucinta de um trabalho de conclusão de curso, só foi possível reconhecer um
pequeno recorte dessa realidade.
No entanto, tal recorte permite um reconhecimento dessa realidade. Apesar do
número de professores entrevistados ser pequeno, as vivências em sala de aula e o
trabalho que desenvolvem, demonstram o que diversos outros professores também
vivem em suas escolas. Seria interessante uma continuidade da pesquisa, ampliando as
escolas, fazendo mais entrevistas com outros profissionais para que se faça um trabalho
que abarque a realidade da dança nas escolas da rede municipal de ensino de Natal de
forma ampla e concreta.
Dessa forma, a pesquisa contribuiria de maneira mais efetiva e seus resultados
poderiam ser levados diretamente a Secretaria Municipal de Educação, para que os
gestores da educação pudessem conhecer o contexto em que o ensino da dança se
encontra, e até mesmo, se conhecer onde ela ainda não foi implantada, quais as razões
para isso e que se tome uma medida para que esse quadro seja transformado e a dança
se efetive como conteúdo em todas as escolas.
A escola deve oferecer para os alunos a oportunidade de entender o processo de
criação, sua história e seu contexto de produção de forma efetiva e crítica, não só da
dança, mas da arte no geral e demais linguagens artísticas. A dança na escola não pode
ser vista de forma funcional no sentido de aliviar estresse, relaxar, fazer uma atividade
física, melhorar a postura e a coordenação motora, ou apenas divertir os alunos ao
fazerem uma “aula de dança”.
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É imprescindível que, na dança na escola, os alunos aprendam a reconhecer o
fenômeno da dança em suas diversas manifestações artísticas. Que possam conhecer e
experiênciar diferentes tipos de dança, de diferentes realidades, suas movimentações,
formas, espaços, e contextos de produção social e cultural.
Os professores devem criar meios para que as crianças vivenciem o expressar-se
através dos movimentos, criando suas próprias significações, intenções e sentidos aos
movimentos que elas mesmas criarem. Que elas sejam estimuladas a apreciarem a
dança, tornando-se também público dessa arte.
Para que tais propostas sejam alcançadas e que esse ensino de dança aconteça de
forma próxima ao ideal nas escolas, se faz necessário que mais professores formados
especificamente na área sejam contratos, por possuírem os conhecimentos necessários
para essa prática pedagógica. Então, o governo deve criar mais concursos públicos para
o cargo, convocar os professores aprovados e inseri-los nas escolas. E aos professores já
efetivos no cargo, e que não são formados em dança, que possam dar prioridade às
formações continuadas, para que se atualizem e utilizem dos conhecimentos adquiridos
para um trabalho mais fundado.
Dessa forma, a dança, a arte, e a cultura, serão mais reconhecidas e valorizadas.
A sociedade compreenderá a importância das aulas de Dança na escola.
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