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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MARIA CAROLINA FERREIRA CARNEIRO DISSERTAÇÃO OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO ELÉTRICO BRASILEIRO Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIA CAROLINA FERREIRA CARNEIRO

DISSERTAÇÃO

OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO

ELÉTRICO BRASILEIRO

Rio de Janeiro 2006

OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO ELÉTRICO

BRASILEIRO

Maria Carolina Ferreira Carneiro

Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia.

Orientador: Prof. Helder Queiroz Pinto Jr.

Junho/2006

OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO ELÉTRICO

BRASILEIRO

Maria Carolina Ferreira Carneiro

Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia.

Aprovada por: ________________________________________________________________ Prof. Dr. Helder Queiroz Pinto Junior (UFRJ - orientador) ________________________________________________________________ Prof. Dr. João Lizardo Rodrigues Hermes de Araújo (UFRJ) ________________________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Granville (Stanford) ________________________________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Goulart Bicalho (UFRJ)

Rio de Janeiro, junho de 2006

A Wilson Carneiro Filho, meu pai, em memória.

“Learn from yesterday, live for today, hope for tomorrow. The important thing is not to stop questioning.”

Albert Einstein.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço ao Prof. Helder pela ajuda, dedicação, amizade,

inúmeros conselhos, conhecimento e paciência. Espero que o trabalho esteja à altura de

sua preciosa orientação.

Aos amigos da turma de 2004 do Mestrado do Instituto de Economia, futuros

pensadores do país, pelos momentos de descontração, aprendizado e discussões. Pelos

almoços no Sujinho, os encontros mensais e pela ajuda em tantas horas.

Agradeço especialmente aos professores Ronaldo Bicalho, Mariana Iootty,

Rolando Gárciga, Ronaldo Fiani, Luiz Façanha e Hugo Boff, pelo incentivo, infindáveis

conselhos e contribuições à pesquisa.

Para as queridas Joseane e Daisy. Além dos inúmeros cafés, vocês são pessoas

maravilhosas e me ajudaram muito nesses dois anos. Aos amigos e professores do

Grupo de Energia, Maurice, Marcelo, Paula, Letícia, Mariana, Edmar, Helder, Zé Vitor

e Bicalho, aos quais serei sempre muito grata.

A meus companheiros de longa data, amigos do Santa Mônica, que estão sempre

comigo para compartilhar minhas alegrias ao longo de tantos anos. Sem vocês, não teria

chegado a terminar esse trabalho.

A Gustavo Taouil, meu grande amor. A distância não significa nada comparada

a tudo que você representa. Obrigada pelo apoio, pelo carinho, pelos conselhos, enfim,

por ser a pessoa tão maravilhosa que é.

A minha mãe, Kátia, e irmãos, Juliana e Vinícius, minha família querida, que me

apoiaram, ensinaram e estiveram presentes sempre. Vocês são muito importantes para

mim.

RESUMO

O objetivo desta dissertação é, com base na teoria dos leilões e nas experiências internacionais com leilões de eletricidade, descrever e analisar os leilões de longo prazo utilizados no novo modelo do setor elétrico brasileiro. Observando os cinco leilões brasileiros, constatou-se que falhas na estruturação das regras permitiram comportamentos indesejados por parte dos agentes vendedores. Os objetivos de crescimento da oferta de energia futura e de modicidade tarifária foram alcançados. Entretanto, o objetivo de atendimento da demanda não foi atingido. Apesar disso, o mecanismo parece ser apropriado para a venda de eletricidade, dadas as características que tentam preservar o planejamento e a coordenação do setor. Para que os resultados posteriores sejam melhorados, contudo, deve haver modificação da formatação de algumas das regras dos leilões.

Palavras-chave: Leilões, Mercados de Eletricidade, Reforma Regulatória

ABSTRACT

This study sheds lights on the long-term auctions implemented in the new Brazilian electricity sector model. It is based on auction theory and international experiences with electricity auctions. The study demonstrated that there can be found some flaws in the design of the rules of the five Brazilian auctions. These flaws had allowed undesirable behavior of the sellers. The aims of expanding energy supply in the future and of securing low charges for consumers had been obtained. However, the security of supply was not attained. Overall, the Brazilian mechanism seems to be appropriated for electricity commercialization due to model considerations about planning and coordination issues. In spite of that, changes have to be implemented in the design of the rules.

Key-words: Auctions, Electricity Markets, Regulatory Reforms.

Índice

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO I – A TEORIA DOS LEILÕES .................................................................................................... 16

1.1 DEFINIÇÕES E NOTAÇÕES.................................................................................................................... 18 1.1.1 Definições Básicas......................................................................................................................... 18 1.1.2 Notações Matemáticas Básicas e Conceitos Iniciais..................................................................... 21

1.2 MODELOS E TIPOS DE LEILÃO ............................................................................................................. 23 1.2.1 Os Modelos Básicos de Valor........................................................................................................ 25 1.2.2 Os Tipos de Leilão Padrão............................................................................................................ 27

1.3 RELAXANDO AS HIPÓTESES INICIAIS................................................................................................... 34 1.4 O RESULTADO MÁXIMO DA TEORIA: LEILÕES ÓTIMOS ...................................................................... 46 1.5 COMPARAÇÕES ENTRE LEILÕES .......................................................................................................... 49

CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO INTERNACIONAL DO SETOR ELÉTRICO E OS LEILÕES............................................................................................................................................................................... 55

2.1 A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO....................................................................................................... 55 2.2 OS LEILÕES DE ENERGIA NO MUNDO.................................................................................................. 57

2.2.1 Confiando nas Forças de Mercado ............................................................................................... 60 2.2.2 Contratando no Longo Prazo e Atraindo a Competição ............................................................... 72

2.3 CONCLUSÕES SOBRE O USO DE LEILÕES NO SETOR ELÉTRICO ............................................................ 85 CAPÍTULO III - O NOVO MODELO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO......................................... 87

3.1 A “REFORMA DA REFORMA” E O NOVO MODELO .............................................................................. 87 3.1.1 A Lei 10.848................................................................................................................................... 89 3.1.2 O Decreto 5.163 ............................................................................................................................ 92

3.2 A NOVA ESTRUTURA .......................................................................................................................... 94 3.3 CONCLUSÕES SOBRE O NOVO MODELO............................................................................................... 97

CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS LEILÕES DE LONGO PRAZO DE ENERGIA EXISTENTE ............ 99 4.1 PRIMEIRO LEILÃO DE ENERGIA EXISTENTE....................................................................................... 101

4.1.1 Primeira Fase.............................................................................................................................. 103 4.1.2 Segunda Fase............................................................................................................................... 114

4.2 SEGUNDO LEILÃO DE ENERGIA EXISTENTE....................................................................................... 121 4.2.1 Primeira Fase.............................................................................................................................. 122 4.2.2 Segunda Fase............................................................................................................................... 125

4.3 TERCEIRO E QUARTO LEILÕES DE ENERGIA EXISTENTE.................................................................... 132 4.3.1 Primeira Fase.............................................................................................................................. 135 4.3.2 Segunda Fase............................................................................................................................... 145

4.4 CONCLUSÕES SOBRE OS LEILÕES DE ENERGIA EXISTENTE................................................................ 150 CAPÍTULO V – ANÁLISE DO LEILÃO DE LONGO PRAZO DE ENERGIA NOVA ........................... 154

5.1 PRIMEIRA FASE ................................................................................................................................. 160 5.2 SEGUNDA FASE ................................................................................................................................. 166 5.3 TERCEIRA FASE................................................................................................................................. 173 5.4 CONCLUSÕES SOBRE O LEILÃO DE ENERGIA NOVA........................................................................... 182

CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 186 APÊNDICE A .................................................................................................................................................... 190 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 203

10

Índice de Ilustrações

Figuras

Figura 1 – Ganho Esperado do Jogador ...................................................................................23 Figura 2 – O Leilão do Pool .....................................................................................................62 Figura 3 – Leilão da CALPX....................................................................................................67 Figura 4 – Leilão de New Jersey ..............................................................................................78 Figura 5 – Leilão Texas ............................................................................................................81 Figura 6 – Leilão da EDF .........................................................................................................84 Figura 7 – Periodicidade dos Contratos....................................................................................93 Figura 8 – Nova Estrutura do Mercado Elétrico.......................................................................96 Figura 9 – Processamento dos Lances....................................................................................106 Figura 10 – Exemplo ..............................................................................................................109 Figura 11 – Exemplo ..............................................................................................................110 Figura 12 – Funcionamento da 1ª Fase...................................................................................111 Figura 13 - Exemplo ...............................................................................................................115 Figura 14 - Exemplo ...............................................................................................................116 Figura 15 - Exemplo ...............................................................................................................126 Figura 16 - Exemplo ...............................................................................................................128 Figura 17 - Exemplo ...............................................................................................................138 Figura 18 - Exemplo ...............................................................................................................139 Figura 19 – Processamento da Primeira Fase.........................................................................140 Figura 20 - Exemplo ...............................................................................................................141 Figura 21 - Exemplo ...............................................................................................................141 Figura 22 – Funcionamento da 1ª Fase...................................................................................143 Figura 23 – Estrutura do Leilão..............................................................................................155 Figura 24 – Funcionamento da 1ª Fase...................................................................................164 Figura 25 – Funcionamento da Segunda Fase ........................................................................172 Figura 26 – Funcionamento da Terceira Fase ........................................................................177 Gráficos

Gráfico 1 – Lances no Pool ......................................................................................................63 Gráfico 2 – Evolução de Preços Médios Anuais do Pool.........................................................65 Gráfico 3 – Lances na CALPX.................................................................................................68 Gráfico 4 – Evolução dos Preços no CALPX ..........................................................................69 Gráfico 5 – Curva de Oferta Térmica.......................................................................................70 Gráfico 6 – Contratos do Novo Modelo ...................................................................................95 Gráfico 7 – Evolução dos Preços............................................................................................112 Gráfico 8 – Participação do Capital na Venda de Energia .....................................................120 Gráfico 9 – Evolução dos Preços............................................................................................123 Gráfico 10 – Participação do Capital na Venda de Energia ...................................................131 Gráfico 11 – Evolução dos Preços..........................................................................................144 Gráfico 12 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia ...................................148 Gráfico 13 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia ...................................149 Gráfico 14 – Participação por Tipo de Capital na Potência Instalada ....................................166

11

Gráfico 15 –Fonte (MW) em cada Produto ............................................................................180 Gráfico 16 –Tipo de Hidro (MW) em cada Produto ..............................................................180 Gráfico 17 –Tipo de Termo (MW) em cada Produto .............................................................181 Gráfico 18 – Energia (MW) em cada Ano .............................................................................182

Quadros

Quadro 1 – Modelos de Valor ..................................................................................................50 Quadro 2 – Estratégias Básicas e Casos Especiais ...................................................................52 Quadro 3 – Estratégias Básicas do Caso Multi-Unidade..........................................................52 Quadro 4 – Comparação entre Receitas ...................................................................................53 Quadro 5 – Preço Inicial.........................................................................................................104 Quadro 6 – Preço de Encerramento da 1ª Fase.......................................................................112 Quadro 7 – Resumo do Resultado do Leilão..........................................................................118 Quadro 8 – Atendimento da Demanda ...................................................................................119 Quadro 9 – Preços Iniciais......................................................................................................122 Quadro 10 e 11 – Processamento da Primeira e da Última Rodada .......................................123 Quadro 12 – Resumo do Resultado do Leilão........................................................................129 Quadro 13 – Atendimento da Demanda .................................................................................130 Quadro 14 – Dinâmica de Preços ...........................................................................................136 Quadro 15 e 16 – Preços Iniciais do Terceiro e do Quarto Leilões........................................136 Quadro 17 – Preço de Encerramento da 1ª Fase do 3º Leilão ................................................144 Quadro 18 – Resumo do Resultado do Leilão........................................................................147 Quadro 19 – Resumo do Resultado do Leilão........................................................................148 Quadro 20 – Atendimento da Demanda .................................................................................149 Quadro 21 – Características e Resultados dos Leilões ...........................................................151 Quadro 22 – Resultado da 1ª Fase ..........................................................................................165 Quadro 23 – Preços Iniciais da Terceira Fase ........................................................................174 Quadro 24 – Características e Resultados do Leilão ..............................................................182

12

Lista de Siglas

ACL - Ambiente de Contratação Livre ACR - Ambiente de Contratação Regulada ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica CAISO - California Independent System Operator CALPX - California Power Exchange CCEAR - Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica CEC – Custo Econômico de Curto Prazo CML – Custo Marginal do Leilão CMO - Custo Marginal de Operação CMR - Custo Marginal de Referência CMSE - Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico COP – Custo de Operação da Térmica EDF - Electricité de France EPE - Empresa de Pesquisa Energética GF - Garantias Físicas ICB - Índice de Custo Benefício IEB – Indústria Elétrica Brasileira MAE - Mercado Atacadista Elétrico MME - Ministério de Minas e Energia MW – Megawatt MWh – Megawatt - hora NETA - New Energy Trade Agreements OFFER - Office of Electricity Regulation ONS – Operador Nacional do Sistema PCH - Pequena Central Hidrelétrica PL - Preço do Lance PLD - Preço de Liquidação das Diferenças PND - Programa Nacional de Desestatização PPP - Pool Purchase Price PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas PUC - Public Utility Comission PV - Preço de Venda QL - Quantidade de Lotes RF - Receita Fixa SIN - Sistema Interligado Nacional SMP - System Marginal Price TER - Teorema de Equivalência da Receita UBP - Uso do Bem Público UBPorig - UBP da Licitação Original

UBPref - UBP de Referência

UHE - Usinas Hidrelétricas UTE - Usina Termelétrica VPI – Valor Privado Independente VPP - Virtual Power Plants

13

INTRODUÇÃO

Durante a década de 90, uma série de reformas foram implementadas nas indústrias de

infra-estrutura de vários países. Essas reformas incluíram modificações nas dimensões

legislativas, regulatórias e de comercialização desses setores.

Qual foi o ponto de convergência entre essas reformas realizadas nas mais diversas

localidades? Segundo Cramton (2003), a desregulamentação das diversas indústrias de infra-

estrutura acabou valorizando em todos os casos o uso de métodos de alocação de recursos

baseados na estrutura de governança de mercado.

Dessa maneira, o objetivo primordial das reformas era buscar a introdução de pressões

competitivas nessas indústrias. Assim, as mudanças nas dimensões legislativas e regulatórias

estabeleceram regras gerais para que pressões concorrenciais pudessem ser introduzidas. Da

mesma forma, foram criadas infra-estruturas técnicas e de comercialização para

operacionalizar as transações de forma competitiva (Glachant, 2002).

Entre as estruturas de comercialização capazes de introduzir a competição, pode-se

destacar o mecanismo de leilões. Nesse sentido, o uso de leilões tem crescido tremendamente.

Em especial, diversos países adotaram os leilões como mecanismos de comercialização nos

setores elétricos.

Contudo, verificou-se que a introdução da concorrência com a implementação dos

primeiros mecanismos de leilão criados não trouxe nem a competição perfeita nem os

benefícios esperados. De fato, diversas crises puderam ser observadas. Os problemas

encontrados nas primeiras reformas e nos primeiros tipos de leilões inseridos nos mercados

elétricos geraram discussões profundas sobre a qualidade das reformas e dos tipos de

mecanismos escolhidos.

O Brasil também enfrentou problemas com a primeira reforma no setor elétrico e

optou por reformular o mercado de eletricidade instaurado na década de 90, criando um novo

modelo para o setor. Nesse modelo, foram introduzidos leilões de longo prazo como os

principais mecanismos de comercialização de energia elétrica.

14

Entre os objetivos da adoção do novo modelo brasileiro estão: a contratação de oferta

adequada para o atendimento da demanda, o aumento dos investimentos em geração de

energia elétrica e modicidade tarifária para os consumidores. A análise dos resultados desse

novo modelo de leilões brasileiro tem gerado bastante polêmica e avaliações controversas.

Dessa forma, o objetivo da presente dissertação é responder a seguinte pergunta: o

modelo brasileiro de leilões é capaz de atender aos objetivos a que se propõe? Além disso,

atendendo ou não a esses objetivos, que falhas podem ser encontradas no mecanismo e qual a

opção para mitigá-las?

Para responder a essas perguntas, a dissertação irá descrever e analisar os leilões de

longo prazo inseridos no novo modelo do setor elétrico brasileiro. Nesse sentido, além do

detalhamento das regras e do ambiente de comercialização, pretende-se utilizar os conceitos

da teoria dos leilões para fundamentar uma análise crítica da escolha das regras de cada leilão.

Também serão detalhados e avaliados os resultados obtidos nos leilões realizados até

dezembro de 2005.

Com o intuito de cumprir o objetivo a que se propõe, a dissertação foi organizada em

cinco capítulos, além dessa introdução e da conclusão. O primeiro capítulo destaca as

principais definições e especificações dos tipos de leilão mais simples. Cada especificidade,

contudo, é muito importante nas implicações dessa modalidade de compra e venda de objetos.

Na medida do possível, algumas dessas especificidades serão também explanadas.

A seguir, o segundo capítulo apresenta algumas experiências internacionais de uso de

leilões no setor elétrico. Como existe grande variedade nas formas de leilão encontradas em

cada país, foram escolhidos cinco exemplos de leilões utilizados1. Na medida em que são

evidências do desempenho real de leilões de eletricidade, procurou-se responder a seguinte

pergunta: que lições podem ser apreendidas a partir dessas experiências? Essas lições serão

fundamentais para traçar expectativas em relação ao caso brasileiro e também para sugerir

modificações no mecanismo escolhido para o Brasil.

1 Foram escolhidos os leilões de curto prazo do Pool inglês, já modificado, o leilão de curto prazo da Califórnia, extinto, o leilão de longo prazo de Nova Jersey, o leilão de capacidade do Texas e o leilão de capacidade da EDF, francesa.

15

O terceiro capítulo procura abordar resumidamente a confecção do novo modelo,

contextualizando a implementação dos leilões dentro da nova estrutura institucional do setor

elétrico brasileiro. Deve-se destacar que, nesse novo modelo, o mecanismo de leilões é o

instrumento fundamental para a compra de eletricidade e para a expansão dos investimentos.

Por sua vez, o quarto capítulo trata da análise do conjunto de regras dos leilões,

também chamado de Sistemática do Leilão, da energia classificada como existente, bem como

de seus resultados2. A energia existente, como será visto adiante, é a energia oriunda de

plantas de geração que possuem concessão e que já estão construídas.

Finalmente, o quinto capítulo analisa a sistemática e os resultados do leilão de energia

nova, quinto e último leilão realizado até dezembro de 2005. A energia nova, que também

será propriamente definida posteriormente, é a energia proveniente de geradores sem

concessão ou que não possuíam contratos de energia registrados até o dia 15/03/2004.

2 Serão analisados apenas os leilões efetivamente realizados até dezembro de 2005 dentro do novo modelo estrutural do setor. Com isso, encontram-se fora da análise os leilões de ajuste, os leilões de editais de propostas de sistemáticas que não foram aprovadas e quaisquer outros leilões realizados anteriormente ao novo modelo.

16

Capítulo I – A Teoria dos Leilões

Muito embora a literatura sobre os desenvolvimentos da teoria dos leilões seja

extensiva, o presente trabalho exigirá, para melhor argumentação, uma fundamentação teórica

sobre leilões. Não será intenção detalhar todo o conhecimento deste campo de pesquisa, mas

apenas será proposta uma revisão que permita o entendimento da essência do tema. Nesse

sentido, pretende-se destacar as principais definições e especificações dos tipos de leilão mais

simples. Na medida do possível, alguns casos particulares serão também explanados.

Antes de iniciar a revisão da teoria, pode-se tentar especular sobre as razões que

levaram a tantos desenvolvimentos literários. Na década de 90, os economistas tiveram a

oportunidade de tomar responsabilidade pela formação de regras detalhadas para mercados

complexos. Esses mercados deveriam ser criados principalmente para os casos em que

anteriormente se observasse provisão de bens regulada pelo Estado ou no caso de produção

direta dos bens pelo mesmo.

Desejava-se introduzir pressões concorrenciais nesses mercados, pois a teoria

econômica afirma que a competição é mais efetiva do que a regulação para cortar custos, com

intuito de melhorar a eficiência produtiva, e para alinhar preços com custos, melhorando a

eficiência alocativa.

Newbery, em seu trabalho de 2000, percebe que se os preços dos bens essenciais

devem ser trazidos para baixo pelo regulador, ou definidos pelo governo, então, existe uma

tensão inevitável entre os incentivos para promover a eficiência e a credibilidade do

compromisso de não tomar posse destes ganhos de eficiência. Este é o caso, por exemplo, dos

mercados de energia elétrica.

Entre as várias formas de introduzir a competição e formar preços nos mercados, está

a instituição de leilões que coordenem as compras / vendas. Segundo Klemperer (2003),

existe uma conexão clara entre os leilões e os mercados competitivos: os leilões podem ser

modelados de forma a incentivarem a entrada de grande número de agentes, aproximarem os

preços de venda dos custos marginais de produção e impedir, ou dificultar, a colusão.

17

Nesse sentido, Wilson (1977) e Milgrom (1979) desenvolveram condições sob as

quais o preço de venda de um objeto que tem quase o mesmo valor para todos os compradores

do leilão converge para este valor dos compradores. Isso irá ocorrer se o número de

participantes do leilão for suficientemente grande, mesmo nos casos em que este valor seja

apenas estimado pelos compradores, dependendo das informações dos outros participantes.

A maior dificuldade na introdução da estrutura organizacional de mercado está na

existência de assimetria de informação em inúmeras atividades econômicas. Em uma troca,

um indivíduo quase sempre sabe de alguma coisa de que outros não têm conhecimento.

Quando a assimetria de informação é muito relevante, os termos da troca podem gerar

resultados não eficientes. Dessa forma, o problema econômico da sociedade não é apenas de

como alocar um recurso dado; é um problema de como garantir o melhor uso dos recursos

conhecidos por cada membro da sociedade, para usos de importância relativa entre os

indivíduos; é um problema de utilização do conhecimento que não é dado totalmente a

nenhum indivíduo específico.

No caso de bens considerados públicos e essenciais ao desenvolvimento, o tema

estratégico para a formação de um mercado seria a introdução de um mecanismo que fizesse

os agentes revelarem as suas informações privadas, auxiliando assim a provisão eficiente de

bens públicos.

Nesse sentido, os leilões são formas interessantes de organizar mercados. Os leilões

constituem uma descrição útil de como os mercados que têm poucos participantes, tanto na

oferta quanto na demanda (caracterizados pela assimetria de posições no mercado),

funcionam ou podem funcionar.

A formulação de leilões provê um conjunto de questões com as quais começa um

rigoroso exame das implicações do sistema de preços com assimetrias de informação. A teoria

dos leilões fornece um modelo explícito da formação de preços, mesmo que seja um modelo

restrito, em que se ignoram alguns dos aspectos da barganha presente em um mercado puro

comum. Além disso, estudos têm mostrado que os resultados da teoria podem explicar a

existência de certas instituições de comércio ou sugerir melhoras nas instituições existentes.

18

Por que usar leilões ao invés de fixar o preço? Segundo Cassady (1967), alguns bens

não têm um valor padrão. Isso pode acontecer quando o preço depende das condições de

oferta e de demanda em um momento específico do tempo, onde os preços são recalculados a

cada transação.

Por esses e outros motivos, os leilões se tornaram populares. Os governos se mostram

os mais interessados, usando-os para vender licenças, operar mercados descentralizados,

privatizar estatais, etc. Dessa maneira, os leilões adquiriram também uma grande significância

empírica.

Feitas essas primeiras conjecturas, podemos dar continuidade ao ponto principal do

capítulo: revisar a teoria.

1.1 Definições e Notações

1.1.1 Definições Básicas

É necessário encontrar uma definição adequada para os leilões. Utilizando a definição

de McAfee e McMillan (1987), um leilão é uma instituição com um conjunto explícito de

regras que determinam a alocação de recursos e preços com base nos lances feitos por

participantes do mercado.

Deve-se usar o termo leilão para descrever tanto a oferta de venda ou de compra de

algum item que ocorra nestes termos. Podemos, portanto, concluir que o leilão é um

mecanismo pré-especificado de compra e venda, no qual os participantes vendem e compram

objetos por meio de lances. Nesse contexto, um lance é uma proposta de compra ou de venda

para os recursos transacionados, proposta essa que pode ser de preço ou quantidade, ou de

ambos.

Segundo Klemperer, em seu trabalho de 2003, os leilões são, basicamente, “ambientes

econômicos simples e bem definidos”. O termo “simples” deverá ser usado, contudo, com

alguma cautela, pois, como será visto adiante, a derivação dos resultados exige determinados

conceitos matemáticos que estão longe de serem simples.

19

Além da definição do leilão propriamente dito, devemos ainda propor duas definições

básicas: a de leiloeiro e a de licitante. O leiloeiro é quem coordena e avalia os lances e, a

partir deles, define o resultado segundo as regras. Os licitantes são os agentes que competem

entre si por meio de lances para ganhar o leilão. Os licitantes podem ser também chamados de

jogadores, uma vez que um leilão pode ser caracterizado como um jogo, o que veremos a

seguir. A literatura foca em um número fixo de licitantes para facilitar a análise.

Como era de se esperar, tendo um conjunto de regras explícito, qualquer mudança nas

regras de um leilão resulta em diferentes estratégias de lances (regras de decisão) dos

licitantes. Neste sentido, cada diferente tipo de leilão especificado pode gerar resultados

completamente inesperados, ou até mesmo opostos aos desejados, se as devidas considerações

sobre o mercado e o produto não forem corretamente analisadas. Para que um leilão tenha

sucesso ou fracasso, dessa forma, o contexto é importante. Por exemplo, para o caso do setor

elétrico, as empresas são muito diferentes entre si, atuando em mercados elétricos diferentes,

com configurações patrimoniais distintas e utilizando diferentes insumos para a produção da

eletricidade. Essas e outras peculiaridades deveriam ser incorporadas à análise.

Existe uma clara analogia entre leilões e jogos. Em um leilão, as regras são dadas e, a

partir delas, os licitantes decidem como fazer seus lances (também chamados de ofertas). O

conjunto dos lances dados por todos os licitantes em um leilão, dentro das regras, irá produzir

um resultado em termos de alocação e de preço. Para fazer a analogia, basta perceber que em

um jogo, da mesma maneira que nos leilões, as regras também são definidas e, dentro das

regras, os jogadores podem tomar determinadas ações para interagir com os participantes.

Cada uma dessas ações possíveis para um jogador pode ser vista como um determinado lance

(ou oferta) escolhido pelo jogador dentro de suas possibilidades e vontades, de maneira que a

similaridade com os leilões fica aparente.

A presença de um leiloeiro não é necessária em um jogo, mas esse poderia ser

introduzido sem maiores problemas, uma vez que ele apenas garante que as regras serão

cumpridas e determina o resultado a partir da avaliação das ações dos participantes. É trivial

também perceber que os jogadores, bem como os licitantes, traçam regras de decisão

(estratégias) a partir das ações possíveis para si mesmo e para os outros.

20

Assim, analisar um leilão é analisar um jogo. No entanto, os leilões só podem ser

analisados como jogos de informação incompleta. Essa afirmação é feita porque uma

característica fundamental dos leilões é a existência de assimetria de informação em suas

modelagens: os licitantes, inicialmente, não têm a mínima noção do quanto seus rivais estão

dispostos a pagar por um bem (ou oferecer preço para venda), porque desconhecem as

valorações subjetivas que cada um dos licitantes dá ao bem leiloado. Dessa maneira, um leilão

poderá ser encarado apenas como um jogo de informação incompleta.

Ao longo da teoria de leilões utiliza-se a noção de equilíbrio Nash-Bayesiano definida

por Harsanyi (1967). A abordagem de Harsanyi transforma um jogo de informação

incompleta em um jogo de informação imperfeita. A utilização do conceito de equilíbrio

Nash-Bayesiano em leilões advém de um dos insights de Vickrey (1961, 1962): as decisões

tomadas pelo licitante com uma valoração particular são essencialmente estáticas, isto porque

ele toma a decisão antes mesmo de o leilão começar. Logo, embora o jogo seja dinâmico, ele

pode ser analisado de forma estática3.

Será mais fácil começar a explicação observando o caso de leilões de apenas um item,

e assim será feito inicialmente, embora possam ser leiloados mais de um bem ao mesmo

tempo. Assume-se que o licitante, que agora também poderá ser chamado de jogador, está

incerto em relação às valorações dadas pelos outros jogadores para o item leiloado. Muito

embora não saiba essa valoração, o licitante racional será “agraciado” com o conhecimento

das distribuições de probabilidades das valorações dos outros indivíduos.

A “natureza”, o “acaso”, ou qualquer terceira parte, poderá sortear, dentro da

distribuição, antes que o jogo seja iniciado, a valoração exata que cada indivíduo dá ao bem.

Essa informação real (o valor exato dado ao item leiloado) será dada exclusivamente para o

próprio indivíduo. Os outros, de posse de suas respectivas valorações, acabam apenas tendo

que inferir os possíveis valores de seus concorrentes através da distribuição de probabilidades.

Dentro da literatura existente se estuda mais amplamente o leilão de venda de um

item, ao invés de leilões de compra de algum item. Nos leilões de venda, os jogadores fazem

3 Se admitíssemos que a análise é dinâmica, o conceito correto de equilíbrio não poderia ser Nash-Bayesiano; Uma definição sobre conceito de equilíbrio pode ser obtida em Gibbons (1992) e Binmore (1992).

21

lances de preço ou de quantidade4 para bens que desejam comprar. Nos leilões de compra,

também conhecidos como leilões reversos, os jogadores fazem ofertas de preços ou de

quantidade para bens que desejam vender ao leiloeiro. Existe também o leilão duplo, em que

tanto vendedores como compradores fazem lances.

Dada a importância teórica, a revisão seguirá a abordagem da maioria dos textos,

analisando prioritariamente os leilões de venda. Mesmo assim, esse desenvolvimento poderá

ser relacionado aos leilões de compra; basta apenas inverter o raciocínio nos tipos de leilão

apresentados. Algumas especificações do caso reverso serão destacadas quando for

necessário. Em relação ao leilão duplo, basta agregar o raciocínio de ambos, analisando cada

parte envolvida na troca com o foco mais adequado, de venda ou de compra. Esse caso será

melhor analisado com os exemplos internacionais dados no próximo capítulo dessa

dissertação.

Por fim, deve-se destacar que, em geral, o objetivo principal do leiloeiro é arrecadar a

maior receita possível com a venda de um objeto, ou, para leilões reversos, realizar o menor

gasto possível com a compra de um objeto5. Embora possa não ser o único objetivo, deve-se

ter essa meta como base para a escolha do tipo ideal de leilão para cada situação.

1.1.2 Notações Matemáticas Básicas e Conceitos Iniciais

Serão usadas algumas notações matemáticas ao longo do texto e no Apêndice A que

irão facilitar o entendimento da teoria. Portanto, estas notações serão especificadas nesta

subseção.

O conjunto de jogadores/licitantes será caracterizado como I = {1,2,...,n}. O conjunto

de valorações possíveis para cada jogador i será um intervalo . A distribuição

conjunta de probabilidades das valorações será denotada por

⎥⎦⎤

⎢⎣⎡=

−vvX i ,

( ).F , que será estimada para

. nXXXX ×××= ...21

4 As ofertas podem ser de preço, quantidade, ou ambas. Isso não interfere inicialmente na análise. 5 Esse objetivo irá remeter ao conceito de Leilão Ótimo, apresentado posteriormente.

22

O conjunto de estratégias possíveis de cada jogador i será conhecido como , onde

é a função de decisão do jogador i. Isso quer dizer que, a cada valoração

sorteada, o jogador toma uma função de decisão em relação ao lance que dará no jogo. Essa

função será nada mais nada menos do que a estratégia do jogador no leilão, a sua

racionalização para obter o melhor resultado possível dada a sua valoração sobre o objeto.

iS

iii SXs →:

A função representará os ganhos do jogador i ao conhecer a sua

valoração sorteada no intervalo . A variável representa a valoração dos

outros jogadores que não são o jogador i; raciocinando da mesma maneira, é a estratégia

dos outros jogadores.

),,,( iiiii xxssu −−

ix ⎥⎦⎤

⎢⎣⎡=

−vvX i , ix−

is−

Matematicamente, um jogo Bayesiano G é definido como:

(.)],...,(.)}{,}{,[ 1 FXXuSIG nIiiIii ××≡ ∈∀∈∀ (1)

Essa expressão significa que o jogo é um conjunto composto por todos os jogadores, o

conjunto de estratégia que vai ser usado por cada jogador individualmente, o lucro desses

jogadores, dadas as suas valorações e suas estratégias, o conjunto de valorações possíveis para

os jogadores e a distribuição de probabilidades das valorações possíveis.

Nesse contexto, um equilíbrio Nash-Bayesiano6 será a n-upla de funções de decisão de

equilíbrio ( ) tal que (.)(.),..., **1 nss Ii∈∀ e ii Ss ∈∀ :

)/(),,,( **ii

Xxiiiiii xxFdxxssu

ii

−∈

−−∫−−

≥ )/(),,,( *ii

Xxiiiiii xxFdxxssu

ii

−∈

−−∫−−

(2)

Note que a única diferença entre as duas integrais apresentadas na desigualdade acima

está no termo , componente da função da integral do lado esquerdo. A integral do

lado direito considera uma estratégia do jogador i que não é de equilíbrio, . Essa expressão

*is (.)iu

is 6 Os equilíbrios Nash-Bayesianos serão simétricos quando todos os jogadores escolherem as mesmas funções de decisão; a escolha de equilíbrios simétricos, quando utilizada, será feita apenas para facilitar as conclusões.

23

significa que a escolha da estratégia feita pelo jogador é tal que gera a maior utilidade

possível para ele. Ou seja, a estratégia ótima de equilíbrio do jogador i, , é tal que gera uma

utilidade maior ou igual a utilidade gerada por qualquer outra estratégia que não é de

equilíbrio.

*is

(.)iu is

Cada jogador formará a melhor estratégia possível (função resposta) dadas as

melhores respostas dos outros jogadores. Ou seja, o jogo se baseia na crença de que todos os

jogadores estarão fazendo o melhor possível dentro do jogo e acreditando que todos fazem o

mesmo. Esta é a noção de equilíbrio de Nash. A função é a distribuição de

probabilidades das valorações dado que o jogador i já conhece a sua valoração . Isso

significa que cada jogador irá adaptar as informações sobre a probabilidade das valorações

dos outros jogadores usando a regra estatística de Bayes. O equilíbrio encontrado acima

também significa que os jogadores escolhem suas estratégias condicionadas à suas valorações,

ou seja, usam uma função de decisão Bayesiana.

)/(^

ii xxF −

ix− ix

Na prática, o que o cada jogador estará fazendo é maximizar seus ganhos em termos

de utilidade, o que poderia ser representado pelo seguinte esquema:

Figura 1 – Ganho Esperado do Jogador

Ganho esperado dojogador

Valor de Reserva

Probabilidade de

ganhar

Pagamento esperado

=

-

x

Fonte: Elaboração Própria.

1.2 Modelos e Tipos de Leilão

De posse das definições básicas, das notações a serem usadas e do instrumental inicial

da teoria, passa-se para a tipologia dos leilões. O objetivo desta subseção é identificar os

leilões e captar qual comportamento será induzido dentro de regras de leilão diferentes.

24

Existem dois modelos básicos para caracterizar a valoração de um bem em um leilão:

o modelo de valor privado e o modelo de valor comum. Os modelos de valor do leilão tratam

das hipóteses que se tem sobre as valorações dos indivíduos e sobre como a informação que

possuem, e que vierem a adquirir, afetará suas decisões. Esses modelos podem ser derivados

de um modelo geral desenvolvido por Milgrom e Weber (1982). O modelo geral permite que

se avaliem esses dois casos particulares e também permite que se avaliem casos

intermediários, que misturam características de ambos. De fato, no mundo real, as valorações

seriam casos intermediários.

Independente do modelo de valor verificado para um item leiloado, quatro tipos

padrão de leilão são largamente analisados na literatura: os Leilões Ascendentes (também

chamado de aberto, oral, ou leilão Inglês), os Leilões Descendentes (usados na venda de flores

da Holanda e também chamado de leilão Holandês pelos economistas), os Leilões de Primeiro

Preço Selado e os Leilões de Segundo Preço Selado (também chamado de leilão de Vickrey).

Os tipos padrão de leilão representam regras diferentes de leilão e, portanto, funcionam de

forma distinta.

Os dois primeiros tipos, Inglês e Holandês, são leilões abertos, ou seja, uma vez feito

um lance no leilão, todos o conhecem. No caso dos outros dois, o de Primeiro e de Segundo

Preço Selado, os jogadores não verificam nenhum lance feito ao longo do leilão, sendo, por

isso, chamados de leilões fechados.

Com o intuito de melhor analisar cada um desses tipos padrão, primeiramente serão

apresentados os modelos de valor. Após isso, um conjunto de hipóteses básicas, incluindo a

escolha do modelo de valor privado, será apresentado para que se analisem os tipos padrão de

leilão dentro desse contexto; feita esta análise, as hipóteses serão relaxadas e poderemos

analisar o comportamento dos leilões em cada caso particular e em um modelo de valor

comum.

25

1.2.1 Os Modelos Básicos de Valor

a) Modelo de Valor Privado

No modelo de valores privados e independentes cada jogador conhece a sua valoração

subjetiva e essa informação é privada, ou seja, a informação da valoração de um indivíduo é

disponível apenas para esse indivíduo em questão. Essa valoração subjetiva do objeto, bem

como a decisão sobre o lance a ser feito, não será afetada pelas informações de outros

jogadores7.

Mais precisamente, a valoração individual independe da valoração e das informações

recebidas pelos concorrentes. Os valores de um jogador são estatisticamente independentes

dos valores de outros jogadores.

Este tipo de modelo poder ser adotado no caso dos leilões de aquisição de insumos

pelo governo8, em que cada jogador que deseja um contrato com o governo conhece suas

próprias funções de custo de produção, mas não precisa saber a função de custo de outros

jogadores para poder avaliar seus ganhos e seus lances.

b) Modelo de Valor Comum Puro

O valor do objeto será único, o mesmo para todos os jogadores. Existe um valor de

mercado, ou de revenda, único, mas cada jogador recebe apenas um sinal privado que lhe

ajudará a estimar esse valor. Quando se fala em sinal privado, está se falando de uma

indicação sobre qual é o valor do bem para a sociedade, que pode ser um palpite pessoal, um

conhecimento prévio do assunto, ou qualquer variável individual que tem ligação direta com o

valor real do objeto. Nesse caso, a valoração do objeto é estimada por cada jogador de acordo

com o que ele espera que sejam os sinais dos outros jogadores.

7 Muito embora as valorações dos outros jogadores afetem o resultado final do leilão. 8 Esse é também um exemplo de Leilão Reverso.

26

O modelo de valores comuns é tal que se os jogadores tivessem acesso a diferentes

informações, teriam diferentes palpites sobre o valor do bem. Isso quer dizer que, se

pudessem aprender os sinais alheios, mudariam as suas estimações sobre o valor do item.

Um exemplo fácil de modelo de valor comum é o encontrado na venda de licenças

para exploração de campos de petróleo, que tem um valor definido de acordo com as

características geológicas e com o preço futuro do barril, ou o caso de compra de obras de arte

por comercializadores, que têm intenção de revender os itens e não o consumo próprio.

c) Modelo Geral

Um modelo geral que permite correlação entre os valores dos jogadores, incluindo

esses modelos anteriores como casos particulares, foi desenvolvido por Milgrom e Weber

(1982).

O modelo geral assume que todos os indivíduos recebem sinais privados, mas a

valoração de cada um pode ser representada como uma função dos sinais distribuídos. No

caso de valor privado, a função será dependente apenas do sinal do próprio indivíduo; no caso

do valor comum, será função de todos os sinais ao mesmo tempo.

A noção de que os valores dos jogadores estão de alguma forma correlacionados é

capturada de forma geral pelo conceito matemático de afiliação: um vetor de variáveis

aleatórias (s , x) é afiliado se, resumidamente, o aumento de uma das variáveis ocasionar o

aumento da chance de que as outras variáveis também sejam maiores. Em um leilão, se as

valorações forem afiliadas, elas estariam positivamente correlacionadas.

Pode-se resumir o modelo geral dessa forma: cada jogador i recebe um sinal privado,

totalizando n sinais privados, , distribuídos na população; o valor do objeto para cada

jogador i é muito embora ele só receba o sinal , logo, ele estima os outros

sinais. No caso particular de valor privado:

ntt ,...,1

),...,( 1 ni ttvv = it

)( ii tvv = . No caso particular de valor comum

puro: , para todos os . ),...,( 1 ni ttvv = it

27

1.2.2 Os Tipos de Leilão Padrão

Como mencionado, partiremos para a descrição dos tipos padrão. Para que o conjunto

de regras seja pontuado, assume-se que todos os leilões irão ocorrer adotando sete hipóteses

iniciais. Essas hipóteses servem apenas para facilitar o entendimento dos mecanismos e são as

hipóteses comumente levantadas nos diversos artigos. As hipóteses básicas são as seguintes:

1) Os jogadores são neutros ao risco;

2) O modelo de valor é o de valores privados independentes;

3) Os jogadores são simétricos;

4) Os pagamentos serão funções apenas dos lances dos jogadores;

5) Trata-se da venda de um único item;

6) O leiloeiro não dá valor algum ao bem e não cobra taxas de entrada;

7) Nenhuma estratégia de colusão será feita.

As atitudes dos jogadores em relação ao risco também irão influenciar as decisões de

lances, por isso a hipótese sobre essa atitude é necessária. Para iniciar, escolhe-se o jogador

do tipo neutro (hipótese 1). A escolha inicial do modelo de valor privado independente

(doravante VPI) é também questão de simplicidade do instrumental. Consideram-se os

jogadores simétricos (hipótese 3) quando eles retiram seus valores de uma mesma distribuição

de probabilidades e no caso assimétrico, as funções de distribuição de probabilidades são

diferentes. Os pagamentos pelo bem leiloado poderiam incorporar algum royalty das

atividades futuras relacionadas ao bem, mas isso será por enquanto ignorado (hipótese 4). A

venda de um item apenas facilita as derivações iniciais (hipótese 5). O leiloeiro ainda poderia

cobrar tarifas de entrada ou estabelecer valores mínimos de venda, mas isso será verificado

posteriormente (hipótese 6). A colusão só poderá ser analisada depois (hipótese 7).

O leilão que possuir essas hipóteses básicas será considerado “modelo referencial”.

Assume-se também que cada jogador conhecerá as regras do leilão que o vendedor escolheu

para se comprometer antes que o jogo inicie. Além disso, o jogador i conhece sua valoração

real, retirada da distribuição de probabilidade conhecida por todos. Os jogadores também

conhecem o número de participantes do leilão, suas atitudes quanto ao risco e as funções de

iv

28

distribuição de probabilidades dos valores, sabendo que os outros sabem que eles tem essa

informação, e os outros sabem que eles sabem que os outros tem essa informação e assim por

diante9.

a) Leilão Inglês

Nesse leilão, o preço é sucessivamente aumentado até que apenas um comprador

permaneça e o vencedor ganha o objeto pagando o último preço anunciado. Esse leilão pode

ser representado de várias formas. Pode ocorrer com o vendedor anunciando os preços, ou

com os licitantes dizendo seus próprios preços, ou tendo um sistema eletrônico submetendo os

lances e selecionando o melhor. A forma mais comumente usada pelos teóricos é a forma do

“modelo de botões Japonês”, que será também a escolhida nesse trabalho. Nesse formato, os

preços sobem continuamente enquanto os licitantes vão desistindo do leilão.

O leiloeiro aumenta o preço continuamente, enquanto os compradores que desejam

comprar o bem permanecem apertando um botão aceitando os preços correntes anunciados

pelo leiloeiro. Quando os preços em voga não forem mais atrativos para um jogador, este deve

deixar o leilão liberando o botão que estava apertando. A permanência nos botões significa

que ainda se deseja comprar o bem. Quando um competidor desiste, não há mais como voltar

ao leilão. Os licitantes vêem quando os seus concorrentes desistem do leilão. O caso do leilão

reverso seria qualificado pela diminuição contínua do valor do bem pelo leiloeiro.

A estratégia mais proveitosa será permanecer no leilão até que se atinja o valor que se

dá ao bem (segundo as suas preferências), ou seja, até se estar justamente indiferente entre

ganhar e não ganhar o objeto. Comprova-se essa afirmação apenas observando a lógica do

jogo10.

Suponha que todos os jogadores, menos dois, deixaram o leilão. Seguindo as regras, o

leiloeiro continua aumentando os preços. Suponha que se atinge um preço para o bem

exatamente igual à valoração que um desses dois jogadores dá ao bem. Depois desse valor, se

nenhum jogador sair, o leiloeiro continua a aumentar o preço. A partir de então, para

infelicidade do jogador que teve a sua valoração “coberta” pelo valor do item, ganhar o leilão

9 Essa é uma necessidade para estudar o jogo; esse conceito é conhecido como “common knowledge”. 10 A prova matemática do caso básico, feita com base nos resultados apresentados nos papers clássicos da literatura, é exatamente a mesma proposta no item II do Apêndice A. Fica a critério do leitor analisá-la.

29

tornará sua utilidade negativa, porque ele deve pagar mais do que o bem parece valer. Nesse

caso, se o outro jogador sair do leilão antes do que ele, será obrigado a comprar o bem a um

preço que lhe parece desvantajoso.

Por outro lado, se o jogador desistir antes que se atinja o seu valor estimado, não

ganhando o leilão e ficando insatisfeito, outro jogador que dá menos valor ao objeto poderá

ganhar o leilão. Ora, se tivesse permanecido no leilão, veria seu oponente, que não deseja

tanto o bem, sair antes de si mesmo, podendo, enfim, ser vencedor e pelo menos ficar

indiferente (com utilidade zero) entre ter ou não o objeto.

É por isso que dizer a verdade, ou seja, se comprometer em sair apenas quando se

atingir o verdadeiro valor dado ao bem, é o melhor que se pode fazer, independente da

estratégia dos outros jogadores. Os resultados do leilão satisfazem, portanto, um critério de

equilíbrio rígido: são equilíbrios dominantes, ou seja, cada jogador tem uma melhor estratégia

que é independente da expectativa que ele tem em relação as melhores jogadas dos outros

jogadores; não há nada melhor que ele possa fazer.

Por conta dessa estratégia, a penúltima pessoa sai no momento em que foi alcançada a

sua valoração marginal. Logo, a última pessoa que permanece ganhará o bem pagando esse

exato valor em que houve a saída do concorrente, ou seja, a valoração marginal do

concorrente que saiu. Dessa maneira, pode-se perceber que, se houver diferença entre as

valorações dos jogadores, o vencedor consegue auferir alguma renda econômica apesar do

poder monopolista do vendedor. Mais uma vez, utiliza-se a lógica do jogo para entender a

situação.

Supondo que a valoração do vencedor é e que a valoração do penúltimo jogador

seja , o vencedor ganha uma renda igual a - , ou seja, sua valoração ( ) menos o

quanto paga, o que corresponde ao preço em que o penúltimo jogador saiu do leilão ( ). A

esperança dessa renda a ser auferida pelo vencedor é chamada também de renda

informacional. A renda informacional é aquela que advém do desconhecimento do real valor

do jogador ganhador na hora que o leiloeiro estipula a regra do leilão. O jogador vencedor tem

uma vantagem sobre o leiloeiro, que desconhece a valoração real deste jogador. Como

desconhece a valoração, o leiloeiro perde uma parte da renda.

1v

2v 1v 2v 1v

2v

30

Numericamente, o valor da renda informacional seria igual a )(

))(1(

1

1

vfvF− 11. Dessa

maneira, o pagamento esperado feito pelo vencedor (a ser chamado de ) é o valor

esperado de =

)( 1vJ

)( 1vJ)(

))(1(

1

11 vf

vFv −− , que, teoricamente, representa o valor esperado para a

segunda maior valoração entre os participantes do leilão ( ). 2v

Dessa maneira, através de algumas manipulações, pode-se afirmar que a receita

esperada do leiloeiro será 12∫−

−−−=v

v

n dYYfYFYFnnYR )()()).(1)(1(. 2 . Esse resultado

resulta do pagamento esperado do jogador que possui a segunda maior valoração no leilão,

ponderado pelas probabilidades dos possíveis valores para esse segundo maior valor.

Conclui-se que o jogador deveria escolher o lance igual a sua valoração, porque na

realidade não estará pagando o valor que escolher. A quantidade efetivamente paga pelo

ganhador está longe do seu controle, pois depende da segunda maior valoração do leilão.

b) Leilão Holandês

No Leilão Holandês, o leiloeiro começa com um preço inicial alto e vai diminuindo-o

continuamente, até que algum jogador se manifeste aceitando comprar o bem pelo preço

anunciado em um determinado momento. O primeiro jogador que aceitar o preço em voga, ou

seja, que se manifestou diante do preço, levará o objeto a este mesmo preço. A dinâmica

reversa seria a de começo com um preço bem baixo, que seria elevado até que alguém se

manifestasse.

Cada jogador deve escolher em qual momento irá se manifestar, condicionado ao fato

de que nenhum jogador tenha se manifestado ainda (pois isso teria encerrado o leilão). Dessa

maneira, o jogador que escolher o maior preço para se manifestar irá acabar vencendo.

11 Não caberá derivar esse resultado aqui, pois tornará muito extensa a revisão. Ele poderá ser obtido através do conhecimento da teoria de estatísticas de ordem e pela aplicação da maximização da utilidade do vencedor. 12 Esse resultado pode ser obtido de acordo com o desenvolvimento no Apêndice A, Item IV, Parte II.

31

No início do leilão, os jogadores desconhecem os lances dos oponentes. Mesmo assim,

ao longo do jogo, eles não poderão conhecer os lances dos rivais; apenas será conhecido o

lance do jogador vencedor, que será aquele que se manifestou primeiro no leilão. Após esse

lance, o leilão se encerra. Os jogadores sabem que terão de pagar o preço ao qual se

comprometerem se vierem a ganhar o leilão.

Se houver uma diferença entre o lance que o vencedor der ao bem, que será no

máximo a sua valoração pelo bem, e o segundo maior lance, que não chegará a se manifestar

no leilão, existe um desincentivo para revelar a verdade, ou seja, para apostar na valoração

subjetiva real que se dá ao bem. Isto ocorre porque, se a diferença existe, o vencedor ainda

poderia ganhar o leilão ofertando menos que sua valoração, desde que não menos que o

segundo maior lance.

Existe um trade-off entre a probabilidade de ganhar, que é crescente com o valor do

lance, e o lucro para o jogador condicionado ao fato de ganhar o leilão, que irá decrescer

conforme o valor do lance, uma vez que o jogador pagará o que ofertar se ganhar o leilão.

Dizer a verdade pode não ser a melhor estratégia dadas as funções de distribuição e o número

de jogadores, porque o jogador deve pagar o lance que ofertar.

Para resolver qual a melhor estratégia no jogo, o método direto é examinar a condição

de primeira ordem de um jogador hipotético, função que explicita o trade-off já comentado

acima.

Otimizando a utilidade de cada jogador, a regra de decisão será13:

)(

)(

)( 1

1

in

v

v

n

ii vF

dyyF

vvB

i

−∫−−= , i = 1, ..., n (3)

Ou seja, é o lance ótimo do jogador i. Ao escolher seu lance, cada jogador faz

uma otimização assumindo que seu lance será o maior

)( ivB14, porque este tipo de comportamento é

13 A otimização e a prova matemática para esse tipo de leilão é oferecida no Apêndice A, item I, e toma como base os resultados dos papers da literatura clássica de leilões.

32

sem custo se estiver incorreto, no caso dos perdedores não pagarem nada15. Com isso em

mente, pode ser mostrado também que é igual ao valor esperado pelo jogador i para o

segundo maior valor entre os jogadores. Dessa maneira, dentro do “modelo referencial”,

pode-se afirmar que = .

)( ivB

)( ivB )( ivJ

A receita para esse caso é equivalente à ∫∫−

− −−

=v

v

nn

Y

v

n

dYYfYFnYF

duuFu

R ).().(..)(

))'(.(1

1

1

16. Esse

resultado também é gerado a partir da estimação do segundo maior valor do leilão de acordo

com os possíveis valores numéricos que este poderá assumir.

Não existe equilíbrio dominante, uma vez que a função de decisão depende das

expectativas sobre as valorações dos outros jogadores. Ao invés disso, esse leilão atende ao

critério de equilíbrio de Nash: cada jogador formará a melhor estratégia possível, dadas as

melhores respostas dos outros jogadores.

Concluindo, o jogador irá apostar em um lance menor do que sua valoração, pois sabe

que irá pagar esse lance que ofertar. Ele tenta estimar o lance que será suficiente para cobrir a

segunda maior oferta, pois essa segunda maior oferta não chegará a ser anunciada no leilão.

c) Leilão de Primeiro Preço Selado

Em relação ao Leilão de Primeiro Preço Selado, também existem várias formas de

representação. Adotaremos o formato de “envelopes”, mas os lances secretos poderão ser

computados em um sistema eletrônico ou por outros meios. Cada jogador terá direito a fazer

uma única oferta, sem conhecer as ofertas dos outros, que ficará lacrada em um envelope.

Quando todos tiverem feitos os lances, abrem-se os envelopes e não se pode mais fazer

ofertas. A maior oferta irá ser declarada vencedora. O vencedor irá pagar exatamente o lance

14 Assumindo que não é o maior, ele simplesmente não participaria do leilão, já que, neste caso, não iria conseguir ganhar o leilão de maneira nenhuma. 15 Exclue-se, portanto, um leilão que exige taxas de inscrição, ou, se preferir, assume-se que estas são irrisórias diante do valor do bem. Também se exclui o leilão chamado leilão “all-pay”em que os jogadores pagam os lances que ofertarem. 16 Esse resultado pode ser derivado de acordo com a Parte I do Item IV do Apêndice A.

33

que ofertou para receber o objeto. Obviamente, no caso reverso, a oferta vencedora seria a de

menor preço de venda.

Estrategicamente, nas condições e hipóteses já mencionadas, este jogo é equivalente

ao Leilão Holandês. Isto quer dizer que o conjunto de estratégias disponíveis para os

jogadores é o mesmo. Escolher qualquer lance irá gerar os mesmos lucros dos jogadores como

funções dos lances dos outros jogadores.

Em ambos os casos, no início do leilão, os jogadores desconhecem os lances dos

oponentes. Ao longo do jogo, eles não poderão conhecer os lances dos rivais; apenas será

conhecido o lance do jogador vencedor. Em ambos os casos, os jogadores sabem que terão de

pagar o preço ao qual se comprometerem se vierem a ganhar o leilão. A otimização é a

mesma e o pagamento esperado do vencedor será , gerando a mesma receita esperada

para o leiloeiro.

)( ivB

As conclusões que podem ser retiradas são, portanto, idênticas. Da mesma forma,

existe um desincentivo para revelar a verdade. Existe um trade-off entre a probabilidade de

ganhar e o lucro para o jogador condicionado ao fato de ganhar o leilão. Por isso, também não

existe equilíbrio dominante; o critério de equilíbrio é o de Nash.

d) Leilão de Segundo Preço Selado

O Leilão de Segundo Preço Selado é bem semelhante ao de Leilão de Primeiro Preço

Selado. Cada jogador terá direito a fazer uma única oferta, sem conhecer as ofertas dos outros,

que ficará lacrada em um envelope. Quando todos tiverem feitos os lances, abrem-se os

envelopes e não se pode mais fazer ofertas. A maior oferta irá ser declarada vencedora.

Contudo, o vencedor irá pagar a segunda maior oferta e não a sua própria oferta.

Dentro das hipóteses iniciais escolhidas, esse tipo de leilão é estrategicamente

equivalente ao Leilão Inglês17. Entretanto, no caso do Leilão de Segundo Preço Selado, os

lances são desconhecidos ao longo do leilão.

17 A prova matemática das afirmações de estratégia de lance de ambos está proposta no item II do Apêndice A.

34

Considere que o jogador disposto a pagar mais pelo bem no leilão avalia o bem em v.

Imagine que ele pretende mentir no lance, ofertando v – x. Supondo que, logo abaixo de v, o

segundo maior valor que pertence a outro jogador seja w e que esse outro jogador pretenda

falar a verdade, ofertando w, existe risco de o jogador que daria maior ao bem (v) perder o

leilão. Para tanto, basta que w > v – x. Se w > v – x, muito embora w < v, o jogador com

maior valor perde o leilão, pois apostou menos do que devia. Se tivesse dito a verdade,

ganharia.

Da mesma forma, podemos pensar em um jogador que avalie o bem por v, mas resolve

apostar mais do que este valor, por exemplo, v + x. Se o segundo maior lance fosse menor do

que v, o jogador mentiroso iria ganhar de qualquer forma, mesmo se falasse a verdade.

Contudo, basta que o segundo maior lance do leilão seja maior que v, por exemplo, w > v,

para que o mentiroso entre em apuros. Isso porque, ao ganhar o leilão, irá pagar mais do que

desejaria, terminando insatisfeito com sua compra (utilidade negativa).

O lance ótimo é a própria valoração de cada licitante, independente do que os outros

jogadores estiverem fazendo, ou seja, “falar a verdade” é uma estratégia dominante de

equilíbrio.

Como a lógica é a mesma da apresentada no Leilão Inglês, a equivalência está

provada. Neste caso, a mesma renda informacional é auferida e o pagamento esperado para o

vendedor é o mesmo valor esperado de . A receita esperada também será a mesma. )( 1vJ

Posto isto, basta afirmar que, como todos deveriam dizer a verdade, o vencedor será o

jogador que dá mais valor ao objeto. O fato de pagar o segundo maior lance faz com que os

jogadores possam “arriscar” dizer a verdade, podendo sair com resultado positivo em termos

de utilidade.

1.3 Relaxando as Hipóteses Iniciais

Feitas as respectivas caracterizações no “modelo referencial”, parte-se para o estudo

dos resultados com diferentes hipóteses. Entre esses resultados, serão resumidamente

35

apresentados os casos de leilão multi-unidade, leilão com preço de reserva e taxa de entrada e

a possibilidade de colusão.

a) Jogadores Avessos ao Risco

Agora, mantendo as outras hipóteses intactas, excluí-se a hipótese 1 de neutralidade do

risco. Quando os jogadores forem avessos ao risco, a extensão dessa aversão irá afetar a forma

de fazer os lances.

Usando o Leilão Inglês e o de Segundo Preço, continua-se a observar o jogador

permanecer no leilão até que atinja a sua valoração. Dessa maneira, a receita esperada do

vendedor será a mesma nos dois casos. O vendedor, contudo, pode estar estritamente melhor

quando utiliza a modalidade de Primeiro Preço Selado no caso de jogadores avessos ao risco,

pois esta modalidade produz uma receita esperada maior do que no caso do Leilão Inglês ou

do de Segundo Preço Selado (Riley e Samuelson, 1981).

No Leilão de Primeiro Preço Selado e também no Holandês, os jogadores avessos ao

risco serão mais agressivos nos lances para evitarem o risco de perder o leilão. Esse tipo de

leilão irá fazer com que eles aumentem os lances, pois o aumento na probabilidade do ganho

do leilão decorrido de um aumento no lance mais do que compensa a pequena perda de

utilidade ocasionada pelo lance maior, dadas as características das funções de utilidade com

aversão ao risco. Dessa forma, o jogador aumenta a sua utilidade esperada, pois prefere

ganhar o leilão de forma mais categórica do que no caso de neutralidade ao risco. Assim, o

jogador acaba favorecendo o vendedor.

Contudo, o Leilão de Primeiro Preço Selado não será o leilão que realmente extrai o

máximo de receita para o leiloeiro. O vendedor não está explorando ao máximo a sua

vantagem comparativa do risco. Se ele tornar os lances mais altos menos arriscados em

relação à perda do bem, ele irá encorajar esse comportamento. Pode fazer um leilão aonde

lances baixos sempre pagam o lance e lances altos não.

O leilão que proporciona a maior receita possível é muito complicado nesse caso.

Porém, algumas de suas características mais marcantes podem ser descritas. Ele envolverá o

subsídio de lances altos e a penalização de lances baixos (Maskin e Riley, 1984).

36

Dentro desse ambiente de aversão, não é adequado assumir que os jogadores sabem o

número de participantes que estão na competição. Isto porque o comportamento diante do

conhecimento do número de jogadores é diferente daquele na ausência desse conhecimento.

Na presença de aversão ao risco constante ou decrescente, em um Leilão de Primeiro Preço

Selado, a receita esperada é estritamente maior no caso de os jogadores não saberem o

número de rivais que tem (McAfee e McMillan, 1987). Se o leiloeiro puder esconder essa

informação, ele deverá fazer isso. A justificativa está na maior probabilidade de perder o

leilão no caso de haverem mais jogadores, fato que irá ser levado em consideração pelo

jogador em sua regra de decisão.

No caso do leiloeiro ser avesso ao risco e dos jogadores serem neutros ao risco, obtem-

se um novo resultado. Observe que o vencedor paga um preço desconhecido igual à segunda

maior valoração no Leilão de Segundo Preço Selado, enquanto que acaba pagando o valor

esperado dessa segunda maior valoração no Leilão de Primeiro Preço Selado e no

Descendente. Condicionalmente em relação às informações dos jogadores, o preço é fixado

no Leilão de Primeiro Preço e no Descendente e é uma variável aleatória no caso do Leilão de

Segundo Preço Selado. Logo, sem saber as informações dos jogadores, ao leiloeiro parecerá

mais arriscado coordenar um Leilão de Segundo Preço Selado e ainda mais arriscado conduzir

um Leilão Inglês, em que os jogadores têm chances de fazerem mais de uma oferta ao longo

do leilão.

b) Valores Correlacionados

A partir de agora, relaxa-se a hipótese 2 do modelo referencial, de valores

independentes privados, permitindo uma maior interação entre a valoração dos diferentes

jogadores.

Nesse caso, a incerteza é ainda maior. Dizer que os valores são correlacionados é

afirmar que os jogadores, tendo acesso a novas informações e aos lances dados pelos rivais,

irão ter uma estimativa diferente sobre o valor real do bem. Esse conceito significa que existe

algum componente na valoração que remete ao caso do valor comum. O caso extremo é o do

modelo de valor comum puro.

37

Dentro desse contexto poderá surgir o “winner’s curse”. O jogador que ganha um

leilão é aquele que deu o maior lance para o bem, ou seja, aquele que compôs a maior

estimativa para o valor comum. Com isso, ganhar pode não ser tão bom se o vencedor

descobre que todas as estimativas eram muito menores que as suas, significando que o valor

comum do bem era menor do que o previsto por ele. Daí a denominação de “winner’s curse”.

As proposições sobre o “winner’s curse” poderiam levar a uma falsa idéia de que os

jogadores serão sempre surpreendidos pelos resultados dos leilões dentro desse contexto, o

que violaria os princípios de racionalidade. Uma interpretação desse fenômeno que desvia

dessa idéia afirma que os jogadores, ao decidirem sobre seus lances, levam em conta a

possibilidade desse tipo de problema ocorrer. Dessa maneira, os lances seriam feitos de forma

muito cautelosa por jogadores racionais. O jogador racional evita se tornar vítima do evento

presumindo que sua estimativa será a maior estimativa para o bem, ou seja, presumindo que

será o vencedor do leilão ao fazer seu lance (Smith, 1981).

Ainda em relação ao valor comum, aqui se pode introduzir a conclusão que faz a

analogia entre leilões e mercados competitivos. Se a informação estiver suficientemente

dispersa entre os diversos licitantes, em um modelo de valor comum, então o preço de venda

irá convergir para o valor verdadeiro do item à medida que o número de jogadores se torna

arbritariamente grande (Milgrom, 1979 e Wilson, 1977). Passa-se agora para a formulação

mais geral, como a proposta por Milgrom e Weber (1982). Relembre o conceito de afiliação já

citado.

O Leilão Inglês irá proporcionar maior fluxo de informação para os licitantes. Isso

ocorre porque os jogadores que permanecem no leilão observam os lances dos que saem e tem

possibilidade de apreender, portanto, novas informações. Esse leilão tem a propriedade de

tornar pública parte das informações, diminuindo a probabilidade de ocorrência do “winner’s

curse”. Logo, quando as informações forem afiliadas, o Leilão Inglês gera uma receita

esperada mais alta do que os outros modelos básicos (Milgrom e Weber, 1982).

Ainda com informação afiliada, o Leilão de Segundo Preço Selado gera receita

esperada maior do que o de Primeiro Preço, que por sua vez levará ao mesmo resultado, na

média, que o Leilão Holandês.

38

Cabe ainda destacar que o vendedor poderá elevar a sua receita esperada ao tornar

pública qualquer informação que possuir sobre o valor comum do item. Isso porque ao supor

jogadores racionais, no caso de suas estimativas estarem excessivamente baixas, elas

poderiam ser adequadamente corrigidas a partir das informações do leiloeiro. Agora, olhando

pelo lado do licitante, qualquer informação privada deve permanecer privada, ou, do

contrário, a renda informacional passará a ser zero (Milgrom e Weber, 1982). Esconder sua

informação pode ser mais importante do que ser preciso na estimativa do valor do bem.

c) Jogadores Assimétricos

Esse é ocaso em que se relaxa a hipótese 3 de simetria dos jogadores. Ao invés de uma

única distribuição de probabilidades para a valoração de todos os jogadores, podem existir

outras, ou seja, podem existir jogadores de classes distintas, capacidades de produção

diferentes, etc.18

No caso do Leilão Inglês e do Leilão de Segundo Preço Selado, o leilão iria operar

basicamente como antes; os lances ainda seriam feitos até que se atingisse a segunda maior

valoração, restando apenas o jogador vencedor no leilão. O vencedor, portanto, continuará

sendo o jogador com a maior valoração, sendo assim eficiente.

O Leilão de Primeiro Preço Selado e o Descendente irão gerar resultados diferentes

dos outros, pois a função resposta dos jogadores (regra de decisão) depende das distribuições

de probabilidades dos outros jogadores. Nem sempre a maior valoração sairá vencedora,

justamente por causa da regra de decisão dependente das funções de distribuição. Logo, esses

leilões poderão gerar um resultado ineficiente.

Logo, conclui-se que o resultado poderá ser melhor ou pior para o vendedor,

dependendo da função de distribuição. Supondo que existam k tipos de distribuição

diferentes, para o vendedor de um objeto, pode-se afirmar que o leilão que maximizará o

preço de venda será aquele que der o item para o jogador que possuir o maior valor para

(Myerson, 1981), onde: )( kik vJ

18 Os resultados irão se restringir para o caso em que existem m “classes” de jogadores, cada classe com uma distribuição diferente, onde m ≤ n, sendo n o número de jogadores participantes.

39

)()](1[

)( kik

kikk

ikik vf

vFvvJ

−−= ; k = 1,2,..., n (4)

Esse teorema mostra que, quando os jogadores são assimétricos, o leilão que gera o

melhor resultado deve ser discriminatório entre as diferentes classes de jogadores. Existe a

possibilidade de que um jogador ganhe mesmo que não possua a maior valoração pelo bem. O

maior não é necessariamente o correspondente ao maior de todos os v. )( kik vJ

O leiloeiro deve se prevenir para que o jogador vencedor do leilão não tenha chance de

revender o bem para o jogador que dá mais valor pra ele. Se a arbitragem fosse possível, ela

iria sabotar a política discriminatória do vendedor.

d) Royalties

Estaremos agora relaxando a hipótese 4 de pagamento como função exclusiva do lance

dado. Em muitas circunstâncias, pode haver chance do vendedor obter algumas informações

adicionais sobre os jogadores e suas valorações. É do interesse do vendedor condicionar o

pagamento pelo item a qualquer informação adicional. Nesses casos, o vendedor acaba

fazendo uma função de pagamento linear, onde se inclui alguma variável que tem correlação

com a valoração do item para o jogador, fazendo com que o pagamento seja também

relacionado com esta variável.

Esse tipo de relação da variável de informação adicional com o pagamento é chamada

muitas vezes de royalty. Os royalties servem para transferir parte da renda informacional

auferida pelo jogador vencedor. Por exemplo, no caso de leilão de um campo de exploração

de petróleo pode-se fazer com que, além de função do valor do lance dado no leilão, os

pagamentos também sejam função da produção futura de petróleo.

Os royalties, contudo, não devem ser fixados em 100%, porque a distribuição dessa

nova variável não é exógena. O vencedor, através de suas ações, acaba por afetar, após o

leilão, esta variável sobre a qual serão fixados royalties. Logo, existe um problema de moral

40

hazard19 nessa variável. Esse peso do problema do moral hazard deve ser pesado contra os

efeitos da competição efetiva no leilão na hora de escolher o nível ótimo de royalties.

Fazer os pagamentos estarem condicionais às observações ex post serve não apenas

para estimular a competição nos lances, pois para se vencer a melhor proposta de pagamento

ex ante (o lance propriamente dito) tem menor importância com a presença da parcela

variável ex post, mas também a transferir riscos do jogador para o vendedor, que dependerá de

um resulto posterior para obter os ganhos. No caso dos jogadores serem avessos ao risco e o

vendedor neutro, essa transferência de risco será benéfica para ambos. Quanto mais avessos

ao risco forem os jogadores relativamente ao vendedor, mais ótimo será aplicar o royalty

(McAfee e McMillan, 1986).

e) Leilões Multi-Unidade

Continuando nosso propósito, elimina-se a hipótese 5 de venda de um único item.

Existem inúmeras dificuldades para desenvolver uma teoria geral no caso de venda de mais de

um objeto. A dificuldade é originada não da natureza das valorações (se os valores são

independentes privados ou se são afiliados de alguma maneira), mas sim das novas relações

estratégicas que surgem da escolha de combinações dos objetos vendidos. Novas

considerações devem ser feitas pelos jogadores, pois um lance em um objeto poderá afetar

não apenas a alocação específica desse objeto, mas também a alocação dos outros. No caso da

venda de um único objeto, o jogador poderia se preocupar apenas com o lance do oponente

que teria o segundo maior valor; no caso multi-unidade, o jogador deve se preocupar com

vários lances.

Quando vários objetos são vendidos, a permissão de compra de mais de um item por

um mesmo licitante trás ainda outra complexidade: o consumo da cesta de objetos gera uma

utilidade diferente da utilidade no caso do consumo de apenas um deles. As valorações dos

objetos podem estar correlacionadas de forma positiva ou negativa. Uma correlação positiva

significaria que obter os dois objetos é melhor do que obter apenas um deles. Já a correlação

negativa implicaria que o consumo conjunto de objetos não é desejado.

19 O moral hazard é um problema de assimetria informacional pós contratual. Ao se firmar acordo com um agente para que ele execute um serviço, pode ser que este acabe se comportando de forma indesejada no futuro. Ele poderá, através de suas ações, prejudicar a outra parte do contrato, diminuindo seus lucros.

41

No contexto de leilões multi-unidade, o formato altera os resultados de maneira

considerável em termos de comportamento estratégico na regra de decisão e também na

receita esperada. Os objetos podem ser vendidos seqüencialmente ou simultaneamente.

Leilões seqüenciais são mais difíceis de avaliar porque apresentam uma complicação

mais severa do que a dos simultâneos: o primeiro leilão de uma seqüência de leilões irá gerar

informações sobre as valorações dos jogadores, que poderão ser utilizadas nos leilões

posteriores. Pelo menos o lance vencedor deverá ser anunciado, por questão de clareza do

leilão, e, a partir dessa informação, se poderá estimar a valoração do vencedor. Pode não ser

do interesse dele que isso ocorra; a informação privada é um trunfo de cada jogador.

Essa complicação da revelação de informação tornará a análise muito mais

interessante, pois os jogadores devem fazer os lances sabendo dessa abertura final, mas, ao

mesmo tempo, isso torna mais penoso derivar os resultados básicos.

Em leilões simultâneos dois ou mais bens são vendidos ao mesmo tempo; os licitantes

podem dar lances para todos os bens. Para nossa análise posterior do mercado elétrico, vale

destacar um tipo especial de leilão simultâneo: os Leilões Ingleses Simultâneos. Esse leilão

foi proposto por Paul Milgrom, Robert Wilson e Preston McAfee para o leilão de espectros de

rádio e televisão pela Comissão Federal de Comunicação dos Estados Unidos em 1994, sendo

estendido mais recentemente para o caso da comercialização nos mercados de eletricidade e

gás natural.

O mecanismo é o mesmo do Leilão Inglês para um bem, mas vários bens são vendidos

ao mesmo tempo. Na maioria das vezes, o processo de lances deve continuar até que nenhum

participante manifeste desejo de aumentar lance em nenhum dos bens vendidos, ou, no caso

de leilão reverso, diminuir o lance. Apesar de garantir importante revelação de informação

que possibilita aproximação ao preço de concorrência ideal, algumas ressalvas podem ser

feitas, segundo Cramtom (2004). Um problema básico desse leilão é que ele pode ser

vulnerável à manipulação de preços e à colusão se não houver participantes em número

suficiente, ou se alguns participantes têm grande poder de mercado.

42

Uma importante extensão do Leilão Inglês Simultâneo é o clock auction. Nesse leilão

existe um “relógio de preços”, ou seja, um mecanismo que modifica e indica os preços para

cada um dos bens. Os jogadores observam o preço dado e indicam as quantidades que

desejam comprar, ou vender no caso reverso, aos preços dados. Ou seja, os lances são de

quantidade e não de preços.

No leilão de venda, se houver excesso de demanda dos licitantes em relação à oferta

de bens do leiloeiro, os preços são aumentados. Simetricamente, para o leilão reverso, quando

existe excesso de oferta dos licitantes em relação à demanda de bens do leiloeiro, os preços

são diminuídos. A variação do preço no “relógio de preços”, para cima no leilão de venda e

para baixo no leilão reverso, vai sendo feita até que se atinja o equilíbrio entre demanda e

oferta.

Os leilões simultâneos podem ainda ser separados em dois grupos: leilões de preço

uniforme ou leilões de preço discriminatório. No tipo uniforme, todos os jogadores irão pagar

a mesma quantia, que geralmente será ou o último lance que conseguiu ganhar o leilão (o

menor dos lances que ganhou) ou o primeiro lance que perdeu (o maior dos lances

perdedores). Já no tipo discriminatório, os vencedores pagam os seus próprios lances.

Os leilões discriminatórios são estrategicamente similares aos Leilões de Primeiro

Preço, no sentido de que cada jogador pagará exatamente o que ofertar. Os leilões uniformes

podem ser comparados aos Leilões de Segundo Preço Selado, pois se pagam as ofertas

perdedoras ou então a menor oferta ganhadora. Essa analogia, contudo, não é perfeita. No

caso uniforme, os jogadores não irão revelar a verdade por razões estratégicas. Esse formato

de leilão tem propriedades diferentes do Leilão de Segundo Preço Selado no caso de

correlação negativa entre os objetos (Menezes e Monteiro, 2004).

Considerando o caso de correlação positiva entre dois objetos idênticos sendo

vendidos e escolhendo um equilíbrio simétrico no modelo VPI, o indivíduo com maior

valoração irá ganhar ambos os objetos. Nesse caso, a analogia poderá ser feita. No caso de

correlação negativa, contudo, os jogadores que maximizam suas utilidades não devem revelar

a informação, pois corre o risco de ganhar dois objetos que em conjunto não lhe darão

máxima satisfação. Para o jogador, ganhar apenas um dos objetos é bom. Isso é perigoso se a

estratégia for repetida por todos os jogadores, pois diminui a receita esperada do vendedor.

43

Segundo a teoria, geralmente, leilões discriminatórios não são superiores aos leilões

uniformes no caso de modelo de valores independentes privados. Contudo, para alguns bens

específicos, como a eletricidade, essa comparação tem se tornado complexa. Para entender o

problema, torna-se necessária a introdução de mais alguns conceitos: leilões de partes e

leilões discretos.

Os leilões de partes são leilões em que se podem fazer lances para partes de um item,

ao invés de condicionar o lance a um item inteiro. Essa classificação é derivada da noção de

ofertas contínuas, mais especificamente do conceito de “função de oferta” dado por Wilson

(1979). Os leilões discretos retratam a venda de objetos apenas em unidades discretas dos

itens, ou seja, retrata a venda de objetos que serão considerados não divisíveis.

Como notado por Klemperer (2001), se um item for retratado como infinitamente

divisível, podendo-se associar ofertas de proporções diversas de um mesmo item vendido, ao

invés de se vender o item por inteiro, o leilão uniforme poderá apresentar equilíbrios

colusivos, porque os custos de oportunidade de capturar uma parte do bem adquirida pelo

concorrente serão altos. Como o preço é uniforme, no caso do leilão de venda, ganhar a parte

do oponente significa ofertar um preço maior. Contudo, o preço colusivo será mais baixo do

que o preço necessário para desbancar um oponente. Logo, a estratégia colusiva pode ser

dominante em relação à competitiva. Em se tratando de um leilão reverso, o preço colusivo de

venda é maior do que o preço necessário para deslocar a oferta do oponente, portanto, a

estratégia competitiva não seria interessante para os jogadores.

Quando falando de bens no caso discreto, abordagem adotada por von der Fehr e

Harbord (1993) e Kahn et al. (2001), os leilões discriminatórios não se mostram superiores

aos leilões uniformes. Muito pelo contrário; segundo Kahn et al., especialmente nos mercados

atacadistas de eletricidade, leilões uniformes geram fortes incentivos para que se revelem os

verdadeiros custos marginais. Segundo esse autor, os leilões discriminatórios geram erros de

estimação por parte dos licitantes, que acabam provocando resultados ineficientes.

Assim, para avaliar leilões multi-unidade, torna-se necessário primeiro classificar os

bens corretamente, já que os resultados podem diferir significantemente dentro das diferentes

44

classificações20. Mesmo assim, a teoria diverge em relação aos tipos superiores de leilão

multi-unidade, dada a complexidade da análise desses leilões.

f) Preços de Reserva e Taxas de Entrada

Preços de reserva e taxas de entrada são instrumentos utilizados pelo leiloeiro para

selecionar a classe de agentes que realmente deseja que participe do leilão. Antes excluídos

pela hipótese 6, que eliminava a presença de preço de reserva e de taxa de entrada, pode-se, a

partir de agora, avaliar algumas características marcantes. O estudo dos preços de reserva, em

especial, será de importância para avaliar os leilões brasileiros, que possuem o mecanismo de

preço de reserva em seu conjunto de regras.

O preço de reserva é o valor mínimo de lance que será aceito como válido para a

aquisição de um item. Esse valor significa que o vendedor atribui algum valor mínimo para o

item que está vendendo. No caso do leilão reverso, o preço de reserva representa o preço

máximo que o leiloeiro irá aceitar para comprar o bem. Esse tipo de mecanismo do leilão

reverso permite que o comprador que realiza o leilão possa controlar o máximo de custos que

deseja ter com a compra. Por sua vez, a taxa de entrada será o valor cobrado de cada agente

que deseja participar do leilão.

Esses dois instrumentos têm dois efeitos básicos: eles reduzem o incentivo de

participação de agentes considerados “fracos”, ou seja, cuja valoração é baixa (no caso do

leilão reverso, cujo custo é alto demais); mas, de certa forma, podem aumentar a receita do

leiloeiro. Esse efeito de aumento de receita é possível porque os agentes que participam do

leilão tem de antemão maior possibilidade de serem agressivos nos lances. Por terem

valorações mais altas, têm condição de fazer lances mais altos. Pensando em um leilão

reverso, o fato de terem custos mais baixos permite que os lances de preço sejam também

menores. No caso da taxa de entrada, ainda existe a própria receita extra derivada de sua

cobrança.

20 Deve-se destacar que as análises teóricas feitas por todos os autores citados se basearam em análises de Leilões de Primeiro Preço Selado com preços uniformes e discriminatórios. Os resultados dos diversos autores divergem substancialmente, principalmente na classificação da eletricidade. Alguns resultados são diferentes até mesmo quando se faz a mesma classificação.

45

O preço de reserva ainda pode ser utilizado como um importante instrumento nos

casos em que se observa competição limitada (Ausubel e Cramton, 2004). Primeiro, porque é

capaz de reduzir os incentivos a qualquer tipo de colusão, já que limita os ganhos dos

jogadores que adotam essa estratégia. Em um leilão de venda, os jogadores devem pagar no

mínimo o preço de reserva para poderem ganhar o leilão, mesmo que tenham feito acordo de

manipulação de preços com outros jogadores. No leilão reverso, o preço de reserva impõe um

limite máximo de preço, ou seja, mesmo que não queiram, o poder de um acordo de redução

de oferta, que aumentaria os preços, tem alcance limitado. Além disso, um preço de reserva

bem definido garante que grande parte do valor do objeto seja deslocada para o organizador

do leilão (Ausubel e Cramton, 2004).

O leiloeiro poderá iniciar o leilão sem anunciar o preço reserva, ou oferecer

primeiramente esse preço como preço inicial. Pode simplesmente escolher um valor próximo

a ele e mantê-lo em segredo. Nesse caso, o item não poderá ser declarado como vendido até

que se atinja o preço desejado ou um valor superior no leilão venda, ou um valor inferior para

o leilão reverso.

Assim como é o caso dos impostos em uma economia, existe uma taxa de entrada e

um preço de reserva ótimos para cada tipo de leilão21. Esses valores serão ótimos no sentido

de que irão permitir que se extraia renda máxima dos jogadores. Eles também irão depender

do número de jogadores participantes e do valor que o vendedor/comprador dá ao bem.

A desvantagem de estabelecer um preço de reserva é que, mesmo que existam valores

positivos atribuídos para o bem, pode-se não vender o objeto. Em geral, o valor monetário que

equivale ao valor subjetivo do vendedor dentro da regra do leilão deve ser o preço de reserva.

Em outra seção, de Leiloes Ótimos, algumas outras características desse valor ótimo serão

explicadas.

g) Colusão

Em todo o estudo assumiu-se a hipótese 7 de que os jogadores atuam de forma não

cooperativa, ou seja, inexiste colusão. Mas pode haver casos em que isso não representa a

realidade, especialmente quando os jogadores se reencontram em leilões sucessivos e 21 A derivação de um exemplo básico de determinação desses valores ótimos é dada no item III do Apêndice A.

46

repetitivos. Num jogo repetido, o resultado de equilíbrio cooperativo poderia ser sustentado se

um dos oligopolistas adotar a estratégia de punir qualquer desvio dos arranjos colusivos,

evitando ações não cooperativas futuras.

Para que essas estratégias de retaliação sejam manejadas, deve-se poder observar ou

inferir as ações passadas dos outros jogadores envolvidos. Nesse sentido, as informações

postas a público em um leilão bem organizado, que dariam credibilidade ao processo,

poderiam ser utilizadas para a confecção da estratégia e a determinação da punição dos atores

que quebram um acordo colusivo. Mais nocivo ainda perceber que os jogadores que quebram

a colusão e reportam fatos verdadeiros sobre seus lances serão os mais prejudicados dentro da

punição, o que poderia desencorajar a honestidade no fornecimento de informações.

O Leilão Inglês, na prática, é o mais vulnerável à colusão e pode gerar forte

impedimento à entrada. Um leilão deste tipo que seja multi-unidade simultâneo (vários

objetos vendidos ao mesmo tempo) facilita a colusão porque permite que haja um mecanismo

de punição de rivais pelos lances em um objeto através de lances aplicados em outros objetos.

Na realidade, em muitos leilões os lances não são aumentados de forma contínua pelo

leiloeiro e os lances podem ser dados pelos próprios jogadores. Assim, pode-se manter uma

ameaça de fazer uma grande oferta, que elimine qualquer competidor, mesmo em bens não

desejados, que estão sendo vendidos simultaneamente, se não houver cooperação.

Uma vez que esse leilão é aberto, ou seja, pode-se verificar os lances, várias formas de

sinalização, além das ameaças, poderiam ser combinadas por meio dos lances.

1.4 O Resultado Máximo da Teoria: Leilões Ótimos

Diante da possibilidade de realizar diversos tipos de leilão, o vendedor monopolista ou

o comprador monopsionista estaria com o problema de escolher qual tipo de leilão seria

melhor. Dentro deste questionamento, vários teóricos derivaram conclusões sobre como

estipular o melhor leilão em cada caso. Define-se o leilão ótimo como sendo aquele que

maximiza a receita esperada do vendedor do objeto.

47

Na escolha entre os quatro tipos de leilões padrão, o resultado chave da teoria é o

Teorema de Equivalência da Receita (TER), estabelecido primeiramente por Vickrey. O TER,

sob as hipóteses do “modelo referencial”, nos diz que o vendedor pode esperar lucros iguais,

na média, de todos os tipos padrões de leilões (e também de muitos não-padrão) e que os

compradores também serão indiferentes entre esses tipos22.

Na média, o preço alcançado em um Leilão de Primeiro Preço Selado e no Holandês é

o mesmo de um Leilão Inglês ou de Segundo Preço Selado, dentro do “modelo referencial”,

justamente por conta dos pagamentos esperados representarem as segundas maiores

valorações em todos os casos. Isso não implica que os resultados dos quatro tipos sejam

sempre exatamente os mesmos. No Leilão de Segundo Preço Selado e no Inglês, o preço pago

é exatamente o segundo maior valor (lance) dado, que é uma variável aleatória conhecida

apenas ao fim do leilão. No Leilão de Primeiro Preço Selado e no Holandês, o preço será o

valor esperado do vencedor para a segunda maior valoração condicionada ao seu próprio valor

( ) ). Esse valor esperado será, antes do início do leilão, fixo. ( ivB

Myerson (1981) e Riley e Samuelson (1981) generalizaram os resultados do TER de

Vickrey. Myerson é quem oferece o tratamento mais geral para o teorema e usa a prova

matemática para mostrar que o TER pode ser extendido a ponto de se derivar o leilão ótimo

em qualquer caso.

A ferramenta usada por ambos os trabalhos de 1981 para achar o melhor dos

mecanismos para vender um objeto do ponto de vista do vendedor é o Princípio da Revelação.

A palavra mecanismo é usada para descrever qualquer processo que tome como insumos os

lances e produza como resultado as decisões de qual jogador deve receber o item e de quanto

deverá ser pago pelos jogadores.

Por sua vez, um mecanismo direto é aquele onde os jogadores são convidados a

revelar suas verdadeiras valorações. Dentro desse tipo de mecanismo, existem os mecanismos

compatíveis de incentivo. Um mecanismo compatível de incentivo é aquele que é estruturado

de tal forma que cada jogador irá achar que é de seu interesse reportar o seu verdadeiro valor

22 Uma prova para este teorema é dada no item IV do Apêndice A.

48

e não outro. Em troca da informação verdadeira, o leiloeiro assume o compromisso de fazer

com que o leilão gere o melhor resultado para o jogador que revela a verdade.

O Princípio da Revelação afirma o seguinte: para qualquer mecanismo, existe um

mecanismo direto, compatível de incentivo, que gera os mesmo resultados. Esse princípio

alcança a revelação honesta dos valores por meio de um mecanismo direto já que é formulado

de forma a tornar os pagamentos mais atrativos quando a verdade é revelada. A significância

deste princípio está no fato de que o modelador do leilão poderá limitar sua procura por

mecanismos ótimos dentro do campo dos mecanismos diretos e compatíveis com incentivo, o

que é bem mais fácil. Contudo, poucos mecanismos utilizados no mundo são diretos.

Os mecanismos diretos ótimos são achados como solução de uma programação

matemática que envolve dois tipos de restrição: a primeira é a restrição compatível de

incentivos ou de auto-seleção, que determina que os jogadores não ganham quando mentem

sobre seus valores; a segunda é a de racionalidade individual ou de livre saída (participação),

que determina que os jogadores não estariam melhores se simplesmente não participassem do

leilão. O leiloeiro maximiza a receita do leilão em relação à escolha de uma regra de alocação

de venda, que depende dos valores informados, dados a probabilidade de cada jogador vencer

o leilão e o pagamento que cada jogador fará se vencer, ou seja, os lances.

Assumindo n licitantes neutros ao risco, que tem sinais privados independentemente

retirados de uma distribuição comum, estritamente crescente, contínua ou discreta apenas em

pontos desprezíveis, qualquer mecanismo no qual (i) o objeto leiloado sempre vai para o

jogador com o maior sinal e (ii) qualquer jogador que tem o menor sinal possível tem

excedente esperado de zero, gera a mesma receita esperada. Nesse caso, cada jogador terá em

cada um desses mecanismos a mesma receita esperada, função de seu próprio sinal. Isso vale

para os modelos de valor privado e para os modelos de valor comum mais gerais, que tem os

sinais dos jogadores independentes.

A aplicação do Princípio de Revelação resulta na seguinte constatação: para o “modelo

referencial”, mas deixando que o vendedor possa avaliar o bem em (preço de reserva), o

leilão que maximiza o preço esperado para o bem terá as seguintes características:

0v

49

(a) Se < para todos os jogadores, então o vendedor se negará a vender o

objeto;

)( ivJ 0v

(b) No caso contrário, ele oferece o objeto para o jogador que tem o maior valor a

um preço igual a .

iv

)( ivB

Por conta do fato de que os quatro tipos básicos são essencialmente equivalentes no

“modelo referencial” em questão (adicionado do preço reserva), pode-se concluir que todos

esses tipos de leilão básicos serão mecanismos ótimos, embora nem sempre diretos sob estas

hipóteses, desde que se possa atribuir um preço de reserva também ótimo para cada um deles.

O preço de reserva ótimo será . (Myerson, 1981 e Riley e Samuelson, 1981). )( 01 vJr −=

Dentro desses padrões ótimos, o leiloeiro poderia fazer inúmeras variações nos

modelos básicos; mas nenhuma das estratégias mais complicadas, dentro das hipóteses

padrão, poderia melhorar os preços e as receitas. As formas simples de leilão são as melhores

e mais interessantes dentro do conjunto de mecanismos possíveis para o modelador.

1.5 Comparações entre Leilões

Neste capítulo foram apresentados diversos conceitos e tipos de leilões, dentro de

hipóteses variadas. Para finalizar, portanto, apenas serão recapitulados os resultados

interessantes e destacadas algumas conclusões sobre os leilões.

O modelo de valor privado é mais facilmente aplicado nos casos em que se leiloam

bens de consumo não duráveis, onde a possibilidade de revenda é muito remota e o consumo

será para uso próprio. A derivação da satisfação do consumo desse tipo de bem é

razoavelmente classificada como um problema individual e permite que cada jogador tenha

um valor diferente para esse tipo de bem.

Considerando o caso de bens que tem possibilidade de revenda, ou com valor de

mercado dependendo de alguma característica desconhecida, como qualidade e custo de pay-

back, o modelo anterior se torna inadequado. Deve-se, então, usar o modelo de valor comum.

Esse é o caso de bens que tem um valor único, ou praticamente idêntico, para todos os

licitantes no mercado. O que irá realmente fazer diferença entre os jogadores é que esse valor

50

será estimado com base em apenas parte da informação sobre o valor de mercado, o que

permite que as estimações sejam diferentes entre os diferentes jogadores.

Quadro 1 – Modelos de Valor

Modelo de Valor Aplicação Tipo de Valor

Modelo Privado Independente bens de consumo não duráveis valor individual

Modelo Comum Puro

bens para revenda; depende de alguma característica

desconhecida

valor único para todos os licitantes

Fonte: Elaboração Própria.

Em Leilões Ingleses e de Segundo Preço Selado, a melhor estratégia será sempre

ofertar a própria valoração. O pagamento do ganhador será determinado, portanto, pelos

lances dados pelos perdedores. Ainda em relação a esses leilões, o resultado de equilíbrio

dominante é ótimo de Pareto. Ou seja, o ganhador vai ser sempre aquele que dá maior valor

para o objeto. Isso não depende da simetria das distribuições de probabilidade. A regra de

decisão desses leilões impede que outro resultado venha a ocorrer.

Contudo, a equivalência entre o Leilão Inglês e o Leilão de Segundo Preço Selado só

vale para o modelo de valores privados ou se houverem apenas 2 jogadores. Em um modelo

de valor comum, as informações apreendidas em um Leilão Inglês afetam a regra de decisão

dos agentes. Eles modificam seu valor pelo bem e sua oferta uma vez que conheçam as ofertas

dos jogadores que saem desistindo do leilão dado o preço corrente. Esse tipo de informação

que se apreende não é possível no leilão selado, pois neste não há como conhecer os lances

dos outros jogadores antes do término do leilão.

Considerando os Leilões de Primeiro Preço Selado e o Holandês, o jogador irá apostar

em um lance menor do que sua valoração, pois sabe que irá pagar esse lance que ofertar. Ele

tenta estimar o lance que será suficiente para cobrir a segunda maior oferta. O caso do leilão

Holandês e o de Primeiro Preço Selado será ótimo de Pareto apenas com simetria de

distribuições; do contrário, podemos ter resultados ineficientes.

Mesmo em um modelo referencial, com hipóteses restritas, existe uma diferença

prática entre o Leilão Inglês ou o de Segundo Preço Selado e o Holandês ou de Primeiro

Preço Selado. Nos primeiros, cada jogador pode decidir facilmente o quanto irá ofertar; no

51

caso específico do Inglês, ele permanece no leilão até alcançar o seu valor, e no de Segundo

Preço Selado ele oferta o seu próprio valor. No caso do Holandês e no de Primeiro Preço

Selado, os jogadores oferecem menos do que o valor que possuem; a quantidade exata de

quanto menos irão ofertar em relação ao seu valor irá depender da distribuição de

probabilidades dos outros jogadores e do número de competidores. Dessa forma, achar um

equilíbrio para estes tipos de leilão é muito mais complexo.

O Leilão Inglês, na prática, é vulnerável à colusão e pode gerar forte impedimento à

entrada. Um leilão deste tipo que seja multi-unidade e simultâneo facilita a colusão porque

permite que haja um mecanismo de punição de rivais pelos lances em um objeto através de

lances aplicados em outros objetos. No mundo real os lances não são aumentados

continuamente pelo Leiloeiro. Pode-se manter uma ameaça de fazer uma grande oferta, que

elimine qualquer competidor, para evitar a não cooperação. Uma vez que o leilão é aberto, ou

seja, pode-se observar os lances, várias formas de sinalização, além desta de ameaça,

poderiam ser combinadas por meio dos lances.

Em um Leilão Inglês, a tendência é que o jogador com maior valor pelo bem ganhe o

leilão, já que poderia cobrir qualquer oferta proposta dos outros jogadores. Como resultado,

um jogador mais fraco que conheça um potencial jogador forte, que deve ou pode pagar muito

mais pelo bem, não teria incentivos para entrar no leilão. Além disso, as estratégias possíveis

de punição reforçam esta barreira à entrada. O Leilão de Segundo Preço Selado, embora bem

parecido com o Inglês em termos de resultado, é um leilão fechado, o que permite que as

estratégias de punição sejam desencorajadas.

No caso de jogadores simétricos e informações afiliadas, os leilões fechados tenderiam

a resultar em menor lucro. Este é o caso apresentado por Milgrom e Weber no modelo de

1982.

Porém, no caso de aversão ao risco e orçamento limitado, o leilão fechado pode

resultar em maior receita de fato (Klemperer, 2000). Nesse caso, o Leilão Holandês e o de

Primeiro Preço Selado serão estritamente preferíveis aos outros.

52

Quadro 2 – Estratégias Básicas e Casos Especiais

Colusão Entrada Maldição Afiliação Aversão ao Risco Alocação

InglêsPermanecer até alcançar

sua valoraçãoMuito vulnerável Forte barreira

Fraca ou inexistente

Alto desempenho Baixo desempenho Ótima de Pareto sempre

HolandêsFazer lance menor que

valoraçãoPouco vulnerável Média Barreira Forte

Baixo desempenho

Alto desempenho Depende do modelo de valor

Primeiro Preço Selado

Fazer lance menor que valoração

Pouco vulnerável Média Barreira ForteBaixo

desempenhoAlto desempenho Depende do

modelo de valorSegundo Preço

SeladoPermanecer até alcançar

sua valoraçãoPouco vulnerável Média Barreira Forte

Médio desempenho

Baixo desempenho Ótima de Pareto sempre

Estratégia Básica Casos EspeciaisTipo

Fonte: Elaboração Própria.

Deve-se lembrar que para os casos multi-unidade existe muita controvérsia para o

ranking de resultados. Muito embora, em geral, os tipos de preço uniforme não sejam

inferiores aos de preço discriminatório, na presença de jogadores com grande poder de

mercado, os leilões de preço uniforme podem ter alguma tendência à manipulação de preços.

Vale lembrar também que os leilões multi-unidade podem ser fechados ou abertos, de

preços que ascendem ou descendem, podendo ser comprados aos tipos equivalentes de leilão

para apenas um bem, desde que feitas algumas ressalvas.

Pode-se dar destaque também ao tipo de leilão clock auction, onde os jogadores fazem

lances de quantidade enquanto os preços são dados. Esse leilão, que é uma adaptação do

Leilão Inglês multi-unidade, é muito utilizado para a alocação de contratos que possuem

complementaridades. A vantagem desse tipo de leilão é a condução da escolha dos preços dos

objetos leiloados feita diretamente pelo leiloeiro. Esse leilão, portanto, induz comportamentos

de leilões Ingleses, que são equivalentes ao leilões de Segundo Preço Selado, guardadas as

devidas ressalvas de contexto multi-unidade.

Quadro 3 – Estratégias Básicas do Caso Multi-Unidade

Preço Uniforme Todos pagam mesmo preço

Comportamento próximo ao de Segundo Preço Selado

Preço Discriminatório

Cada um paga seu preço

Comportamento próximo ao de Primeiro Preço Selado

Leilões Multi-Unidade

Simultâneos

Seqüênciais

Fonte: Elaboração Própria.

53

Outro importante destaque advém dos papers que derivam os modelos ótimos de

leilão. Como conclusão dos estudos, percebeu-se que as quatro formas serão todas escolhas

ótimas.

Fora do “modelo referencial”, contudo, quando se admitem diferentes atitudes em

relação ao risco e correlação entre as valorações, os resultados dos leilões irão divergir. No

caso de valores correlacionados e neutralidade ao risco, o Leilão Inglês é o melhor tipo e o de

Segundo preço Selado tem segundo melhor desempenho. Os Leilões de Primeiro Preço

Selado e Holandês apresentam desempenho superior aos outros quando os jogadores são

aversos ao risco e valoração independente.

Quadro 4 – Comparação entre Receitas

Neutro ao Risco Averso ao Risco

Independentes Inglês = 1°Preço = 2°Preço = Holandês 1°Preço = Holandês > Inglês = 2°Preço

Correlacionadas Inglês > 2°Preço > 1°Preço = Holandês Ambíguo; depende das distribuições

Atitude de Risco do LicitanteValoração

Ranking do Leiloeiro

Fonte: Adaptação de Menezes e Monteiro, 2004.

Por último, devem-se fazer alguns comentários em relação a temas competitivos não

abordados anteriormente. Esses resultados podem ser concluídos analisando as derivações

matemáticas de todos os modelos apresentados anteriormente, sendo bastante plausíveis.

Quanto mais jogadores houver em um leilão, maior, na média, o segundo maior valor

do leilão. Desta forma, um número maior de jogadores gera uma receita maior para o leilão. O

caso reverso obedece a lógica inversa: quanto mais jogadores, menor o custo do leiloeiro-

comprador. Desde que o número de jogadores seja finito, o jogador vencedor paga um preço

menor do que o seu próprio valor pelo bem que ganhou, ganhando uma renda econômica

positiva. Mas se houver competição perfeita entre os jogadores, todos os ganhos do jogo irão

parar nas mãos do leiloeiro. Ao aumentar o número de jogadores, o segundo maior valor se

aproxima ao máximo do primeiro maior valor, extraindo o excedente informacional do

vencedor do leilão.

Ainda devemos lembrar que uma das decisões iniciais para a escolha do design do

mercado é a escolha entre os tipos que melhor se encaixam na realidade de cada setor.

54

Questões práticas, como restrições de orçamento, concentração setorial, características de

elasticidade da oferta e da demanda, devem ser levadas em consideração nessa escolha.

Alguns produtos vendidos em conjunto possuem correlação, como no caso de venda de

contratos de eletricidade com duração para períodos diferentes. O poder de mercado é uma

consideração, em especial, muito importante no caso do setor elétrico. Embora os leilões

consigam, em alguns casos, trazer regras de decisão próximas das de concorrência perfeita, a

utilização de tipos errados para as peculiaridades de cada setor pode ser desastrosa.

O design de leilões para o mercado elétrico é bastante complicado e não muito bem

entendido. Não se deve confiar nos designs construídos através de consenso apenas entre

algumas das partes envolvidas. Para ter credibilidade, o mercado deve ser concebido por

especialistas que entendam do setor, e que foquem no objetivo traçado para o mesmo. Para os

setores essenciais, isto quer dizer tentar refletir objetivos competitivos ao invés de buscar

comprometimento com conflitos de interesse. Esses objetivos só poderão ser alcançados por

meio de um organismo com poder de impor regras que possam ser aceitas como de interesse

de todos os grupos sociais. Essa legitimidade para escolher as regras adequadas para a

sociedade é possuída apenas pelo Estado23.

No caso da eletricidade, o objetivo das reformas parecia ser o de obtenção de maior

eficiência, competição e confiança na produção de forma a satisfazer a demanda. Isto inclui

tanto elementos de curto prazo, como o menor custo diário de produção, como elementos de

longo prazo, como as decisões de investimento eficientes.

Estruturas de coordenação e comercialização de baixo desempenho surgiram de

tentativas de simplificar demais o problema de montagem de uma estrutura de mercado para a

eletricidade. Algumas lições sobre que tipos de leilão que melhor se adaptam ao mercado

elétrico poderão ser tiradas da observação dos erros e acertos das diversas estruturas de

mercado que surgiram adotando os leilões como mecanismos de comercialização. Com esse

propósito, parte-se para a análise das experiências internacionais no próximo capítulo.

23 Obviamente, a questão da legitimidade em cada país é de escopo muito maior do que o pretendido pela dissertação. Trata-se de buscar o agente mais capacitado para refletir os interesses de todos os grupos sociais.

55

Capítulo II – A Reestruturação Internacional do Setor Elétrico e os Leilões

O propósito desse capítulo é apresentar algumas experiências internacionais de uso de

leilões no setor elétrico. Antes de tratar dessas experiências, irá se apresentar um aspecto geral

e simplificado das reformas dos setores de infra-estrutura e as características essenciais do

setor elétrico para contextualizar a implementação e análise dos leilões.

Como existe grande variedade nas formas de leilão encontradas, serão escolhidos

apenas alguns exemplos de leilões importantes utilizados. Por serem evidências do

desempenho real de leilões no caso da eletricidade, essas experiências serão úteis para traçar

expectativas em relação ao caso brasileiro e desenvolver aprendizado em relação ao uso dos

leilões nesse setor.

2.1 A Reforma do Setor Elétrico

Historicamente, os setores de infra-estrutura foram organizados com forte presença do

Estado, que participou da construção desses setores com empresas estatais ou através de

regulação forte das empresas privadas. Em geral, as empresas desses setores eram

verticalizadas e monopolistas regionais.

A partir das transformações ideológicas, econômicas e sociais que ocorreram com o

início da década de 80, o papel do Estado como instituição fundamental para o crescimento

foi modificado, especialmente no que tange ao fornecimento dos serviços públicos (Evans,

1997).

Além disso, na maioria dos países em desenvolvimento, os setores de infra-estrutura

sofreram severa crise financeira, especialmente porque esses países passaram por inúmeras

dificuldades após os choques do petróleo. Nesse contexto, as empresas públicas foram

acusadas de fornecerem serviços de péssima qualidade e de aplicarem tarifas inadequadas.

Nesses países, as empresas de serviço público não possuíam mais recursos internos e externos

para promover a expansão dos investimentos necessária para o atendimento da demanda.

56

Nesse momento, a onda ideológica liberal sustentou politicamente a proposta de

reorganização dessas indústrias com a introdução de estruturas de governança de mercado e a

retirada do Estado das atividades produtivas (Pinto Jr., 1998). Dessa forma, projetos de

liberalização da entrada para investimentos privados e de reforma geral dos fundamentos

dessas indústrias surgiram por todos os lugares, propondo a modificação da estrutura desses

setores.

O processo de reforma significou essencialmente a substituição da regulação rigorosa

das estruturas verticalmente integradas pela regulação leve de firmas separadas e

especializadas atuando em ambientes de mercado (Wilson, 2002).

Segundo a corrente econômica e ideológica do liberalismo, a reestruturação deveria

ser aplicada em busca do alcance de melhor eficiência produtiva, de um sistema de

precificação próximo ao de mercado e dos incentivos de investimento eficiente presentes nas

estruturas de mercados competitivos. Entre outras razões, apregoava-se que o Estado deveria

ser retirado das atividades produtivas, pois não conseguiria atender esses princípios de

eficiência. Dessa maneira, os países que adotaram as reformas consideravam a liberalização e

a privatização como necessárias para superar a inércia organizacional, viabilizando novos

investimentos de infra-estrutura.

Para alcançar as características das estruturas de mercado, haveria a desverticalização

das indústrias e o fim do monopólio. Além de estabelecer a privatização das empresas

estatais, portanto, as reformas também deveriam incluir a definição de novas formas de

comercialização para esses bens, porque anteriormente as empresas eram verticalizadas e

monopolistas, logo, o comércio era intra-firmas ou entre consumidores e firmas apenas. Com

o advento da entrada de novos agentes nos setores, seria necessário definir as formas de

interação entre as firmas que iriam surgir.

As formas de comércio escolhidas deveriam reproduzir o sistema de governança de

mercado ao alocar esses recursos essenciais. Por conta disso, em inúmeros casos, os leilões

foram escolhidos como os métodos de comercialização dos bens e de alocação de direitos de

propriedade. Como já afirmado no capítulo anterior, os leilões podem induzir alocações

eficientes e replicar a competição da estrutura de mercado, desde que atendendo determinadas

condições específicas. Portanto, as reformas incorporaram os leilões para introduzir

57

principalmente a competição, substituindo os processos regulatórios comuns que eram

aplicados anteriormente.

2.2 Os Leilões de Energia no Mundo

No que diz respeito ao setor elétrico, a presença de importantes características

constituem limitantes a organização da produção segundo uma estrutura de mercado livre: (i)

a oferta de eletricidade é considerada fundamental para a economia; (ii) a presença de

externalidades, ou seja, as transações afetam terceiros; (iii) existência de três etapas

produtivas, a geração, a transmissão e a distribuição; (iv) apresenta monopólios naturais nas

etapas de transmissão e distribuição; (v) vultosos investimentos, com longos prazos de

maturação; (vi) ativos específicos, com custos irrecuperáveis; (vii) a eletricidade não é

estocável24.

Essas características implicam a necessidade de operação com um determinado nível

de sobrecapacidade planejada e antecipação da demanda de longo prazo. Esta situação

raramente permite que as empresas em expansão possam contar apenas com o

autofinanciamento com fonte de recursos para os investimentos. Essas características devem

ser lembradas nas análises que serão feitas posteriormente.

No setor elétrico, a presença de leilões é verificada desde o início das reformas. Em

especial, os leilões foram aplicados diferentemente ao longo do tempo. Pode-se identificar

que o uso desse mecanismo foi modificado juntamente com a observação do funcionamento

inicial das estruturas pioneiras e com a modificação dos objetivos dos governos e agências

reguladoras.

Como já se verificou, a escolha da formatação do leilão deverá ser adequada aos

objetivos a se alcançar e aos problemas encontrados (Arriaga, 2005). Ao longo do tempo, os

objetivos para o uso dos leilões foram bastante diversificados, ocasionando, portanto, a

modificação dos tipos utilizados.

24 Existem técnicas para estocagem que ainda são economicamente inviáveis, dado o altíssimo custo.

58

Basicamente, pode-se separar o uso dos leilões na eletricidade em duas etapas: o uso

na primeira onda de reformas do setor, que perdurou até os problemas na Inglaterra,

Califórnia, entre outras localidades; e o uso na segunda onda de reformas e “reformas das

reformas”, que aconteceram após esses problemas verificados em diversos países.

Na primeira onda de reformas dos setores elétricos, iniciada pela Inglaterra, a

eletricidade foi classificada e encarada como uma commodity (Arriaga, 2005). Segundo a

teoria econômica, a estrutura de mercado seria suficiente para dar os sinais adequados aos

investidores no caso de comercialização de commodities.

Logo, se tudo fosse perfeito, a resposta racional dos geradores ao observarem os

preços dos mercados puros e livres a serem criados seria uma resposta de investimento

correta, instalando capacidade de forma eficiente. Contudo, algumas dificuldades práticas,

derivadas das características do setor elétrico, acabaram impedindo que essas respostas

eficientes pudessem se concretizar tão facilmente como nos mercados de commodities

financeiras.

Partindo do princípio que a eletricidade era uma commodity e do desejo de retirar o

Estado das atividades produtivas, o uso de leilões no setor de eletricidade se concentrou

inicialmente na privatização de ativos, na alocação de direitos de transmissão e na criação da

comercialização de curto prazo em mercados atacadistas25.

O detalhamento dos leilões de privatização e de alocação da transmissão não será

utilizado nesse trabalho, embora sejam de importância teórica e empírica para outras

pesquisas. Pode-se obter informação sobre esses leilões analisando os trabalhos de Masili

(2004 e 2003) e Newbery e McDaniel (2002), entre outros.

Nessa primeira fase, os mercados atacadistas são mais interessantes para o objetivo

desse trabalho. Em especial, os mercados atacadistas de curto prazo nada mais seriam que

estruturas especiais de leilões para comercializar energia (em geral, leilões multi-unidade de

25 Muito embora se estabelecesse também ambientes de comercialização de longo prazo em diversos países, esses eram inicialmente de negociação livre e bilateral entre os agentes. Os métodos para a negociação bilateral nesses ambientes eram definidos pelos próprios agentes participantes, podendo ou não envolver leilões. Os leilões só passam a caracterizar os ambientes de negócio de longo prazo na próxima etapa.

59

preço uniforme), conjugadas ou não com alguns outros métodos e ambientes de

comercialização26.

A segunda onda de reformas se beneficiou das experiências anteriores com os leilões

de curto prazo. Entre os problemas verificados, estavam a manipulação de preços e a

concentração de mercado que causava poder para manipular preços. Várias formas de

contornar esses problemas foram implementadas, inclusive com a modificação da formatação

dos leilões de curto prazo (leilões de preço discriminatório ao invés de leilões uniformes) e a

introdução de outros tipos de leilão que pudessem ser utilizados para aumentar artificialmente

a competição (leilões de venda de capacidade das incumbentes)27.

Pode-se também perceber que o uso de leilões, após os primeiros fracassos, buscou

atingir novos objetivos. Foi verificado que a energia contratada bilateralmente ou em curto

prazo não estava sendo adequada para garantir o suprimento de longo prazo e prevenir as

crises energéticas. Segundo alguns autores, como Wilson (2003) e Borestein (2002), para os

investidores do mercado elétrico, que são avessos ao risco, as rendas voláteis do curto prazo

também não pareceriam justificar investimentos nos níveis eficientes. Dessa forma, a

segurança do abastecimento estaria ameaçada. Dentro do conjunto de propostas para atender

essa adequação do atendimento, outros tipos de leilão foram utilizados para a comercialização

de energia no longo prazo (leilões de compra de energia para as distribuidoras).

Uma vez contextualizada a utilização desses leilões na reforma do setor elétrico, parte-

se para a análise de alguns exemplos. Primeiramente, apresentam-se alguns dos leilões

inseridos na primeira fase de reformas, com algumas características marcantes de suas

estruturas. Depois, analisam-se alguns tipos de novos usos de leilões dentro do setor, na

tentativa de superar os problemas verificados anteriormente.

26 Geralmente, os mercados atacadistas são compostos de vários mercados conjugados, entre os quais se encontram alguns organizados como leilões. Uma boa referência nesse tema é o trabalho de Masili, 2004. 27 A adequação da estrutura de concentração industrial também foi realizada por pressões de venda de ativos de geração das empresas, como ocorreu na Inglaterra. Em relação a esse tema, uma referência é Losekan, 2005.

60

2.2.1 Confiando nas Forças de Mercado

O esquema de leilões de curto prazo pra a comercialização de energia foi instaurado

pioneiramente na Inglaterra pela Offer28, na reforma do setor elétrico de 1990. As mudanças

introduzidas nesse país serviram de inspiração para a reestruturação em diversos outros

lugares. Basicamente, esses leilões buscavam imitar a estrutura de venda de commodities

financeiras e agrícolas. Dessa maneira, pode-se afirmar que essas primeiras formulações

significaram a total confiança nas estruturas de mercado para conduzir as negociações no

setor elétrico.

A maioria dos mercados atacadistas de eletricidade são leilões multi-unidade para o

comércio de energia elétrica no curto prazo, em sua maioria selados, pois os participantes não

trocam informações entre si, e de preço uniforme29. Nesse leilão, os lances estabelecem

preços e quantidades. Dessa maneira, há sempre o objetivo de formar curvas de oferta, através

dos lances dados pelos geradores de energia, para serem confrontadas com as curvas de

demanda, que podem ser dadas ou que podem também ser formadas por lances de demanda,

se estes forem permitidos. Esses leilões são conhecidos também como “mercados spot de

energia”, porque comercializam em tempo real ou próximo do tempo real, tentando

representar preços em cada ponto do tempo.

Embora esses leilões de curto prazo adotados em diversos países sejam profundamente

parecidos na essência, cada mercado adotou alguma variação no formato originalmente

adotado na Inglaterra. Em alguns casos, os leilões são duplos, ou seja, permite-se a colocação

de lances tanto de oferta como de demanda de energia. Dessa maneira, são formadas curvas

de oferta e curvas de demanda. Contudo, em muitos países prevaleceram apenas leilões

reversos. A curva de demanda, nesse caso, é conhecida pelo sistema sem influências externas.

Esses leilões são geralmente efetuados em mercados conhecidos como “mercados do

dia seguinte” (day-ahead markets): os lances seriam válidos para a comercialização a ser

efetuada em um determinado período de tempo no dia posterior ao do leilão. O período de

28 Offer é a sigla para “Office of Electricity Regulation”, órgão regulador específico do setor elétrico até 2001. O Offer foi substituído pela Ofgem com a publicação do Utilities Act de 2000. O Ofgem resultou da fusão entre o regulador de Gás Natural, Ofgas e do Offer (Roxo, 2005). 29 O novo mercado de curto prazo do Brasil (organizado pela CCEE) opera em um sistema diferente, de formação de preços através de um sistema de otimização de todas as usinas, e o preço é determinado sem ser por esquemas de lances dados por jogadores.

61

tempo de validade do lance varia muito, podendo ser para o dia inteiro, para cada hora do dia

seguinte, para cada meia hora, ou outros períodos mais curtos de tempo.

Para melhor entender esse tipo de leilão, e o porquê das modificações feitas, serão

apresentados dois casos importantes de aplicação de leilões de curto prazo que geraram muita

polêmica: o caso do Pool da Inglaterra e o caso da CALPX da Califórnia. As variações de

leilões encontradas em outros lugares poderão ser compreendidas através desses dois

exemplos.

a) Reino Unido e o Pool Como já especificado anteriormente, o esquema de leilões de curto prazo para a

comercialização de energia foi instaurado pioneiramente na Inglaterra. Entre todas as

modificações adotadas, foi instaurado o mercado atacadista de energia elétrica. Esse mercado

atacadista ficou conhecido como Pool. O Pool era um mercado que incluía todos os agentes

geradores e comercializadores licenciados na Inglaterra para a venda de energia elétrica.

Nem toda a energia era comercializada via leilões, porque existia um ambiente de

comercialização bilateral, além do ambiente de leilão. Mais de 90% da eletricidade era

contratada por meio da negociação bilateral. Contudo, o despacho era realizado

exclusivamente pelo Pool. Logo, o Pool era o organismo responsável pela organização do

leilão de curto prazo e pelo despacho centralizado de toda a energia, mesmo a que não era

comercializada no leilão.

O leilão de curto prazo operado pelo Pool era um leilão diário fechado, de preço

uniforme e que permitia que o operador do sistema casasse a demanda com a oferta ao preço

de equilíbrio que conciliava as duas quantidades (market clearing price). Além disso, o leilão

era apenas reverso. A curva de demanda era fixada pelo sistema.

62

Figura 2 – O Leilão do Pool Leilão Reverso

Geradora 1

Geradora 2

Geradora 3

POOL

Fonte: Elaboração própria

Assim, apenas os ofertantes efetuavam lances, que especificavam intervalos de

disponibilidade de geração de energia e o preço para cada intervalo. Os lances eram feitos para

cada meia hora do dia seguinte. Deve-se ressaltar que os lances não constituíam

compromissos firmes de venda da carga exata declarada pelos geradores, pois esses poderiam

ter problemas. A disponibilidade poderia ser afetada por diversos fatores, modificando a carga

efetivamente entregue no dia seguinte. Isso constituiu um problema sério, que será retratado

posteriormente.

Mais especificamente, os lances eram compostos por cinco elementos: um preço de

partida (start-up price), que é a remuneração requerida para simplesmente iniciar a produção;

preço sem carga (no-load price), a remuneração por hora para manter a planta pronta para

gerar; e três preços incrementais estipulados para três intervalos de produção, em libras por

MWh, pela energia a ser gerada. Em períodos de demanda baixa, somente os preços

incrementais eram considerados no lance.

Os lances seriam ordenados e contrapostos à previsão de demanda, adicionada de uma

margem de reserva, pelo operador do sistema. Igualando oferta e demanda, era obtido o Preço

Marginal do Sistema (System Marginal Price, ou SMP). O SMP era o custo unitário calculado

do gerador necessário marginal, ou seja, o mais caro necessário para operar atendendo

completamente a demanda prevista.

O operador do sistema escolhia o conjunto de geradores com o custo (lance) financeiro

mais barato, até atingir o valor do SMP, e dava ordens de operação para essas plantas. Todos

os geradores chamados para operar deveriam receber o mesmo valor (SMP) mais um

63

pagamento pela capacidade disponível30. O SMP mais esse pagamento pela capacidade

constituíam o Preço de Compra do Pool (Pool Purchase Price, ou PPP).

Gráfico 1 – Lances no Pool

O1

O2

D

P

Q

Q ofertada por 1

Q ofertada por 2

SMP

Fonte: Elaboração própria

A figura acima representa um exemplo simplificado do cálculo feito pelo Pool, com 2

geradores e sem incluir o encargo de capacidade, o preço de partida e os preços sem carga.

Cada trecho representa o lance do gerador, composto de um preço incremental e de um

intervalo de quantidade. Os trechos claros, que estão mais abaixo, são os lances do ofertante 1

(O1). Os trechos em negrito, que estão em patamar superior, são os lances do ofertante 2 (O2).

No total, cada gerador oferece três preços incrementais, ou seja, três semi-retas que

representam sua curva de oferta. O preço do sistema é o preço de encontro entre a curva de

oferta necessária para o alcance da demanda e a curva de demanda (D). O primeiro gerador,

com preços mais baixos, é selecionado inteiramente e o segundo é selecionado para atender a

demanda residual.

Primeiramente, dadas as características estruturais desse leilão, pode-se já tirar

algumas conclusões, mesmo antes de entender o que realmente veio a acontecer. Esse leilão é

simultâneo, multi-unidade, de preço uniforme, porém fechado, originalmente com três lances

30 A remuneração pela capacidade objetivava estimular investimentos, aumentando a remuneração dos geradores em momentos de escassez de capacidade e não era determinada pelo leilão. O encargo de capacidade era calculado pela seguinte fórmula: Encargo de Capacidade = LOLP × [VOLL − max(SMP, lance de preço)]. LOLP (Loss of Load Probability) é a probabilidade de que a oferta não seja suficiente para atender a demanda. VOLL (Value of Lost Load) é uma estimativa do custo social gerado pela falta de eletricidade (demanda superior à oferta).

64

por jogador. Contudo, o jogador poderá mudar a disponibilidade do lance até o momento da

entrega, o que o deixa com possibilidades infinitas de lance.

Dessa maneira, como já afirmado no Capítulo 1, a abordagem que parece mais correta

para analisar a questão do preço uniforme parece a de Klemperer (2001), de bens

infinitamente divisíveis, que forma curvas de oferta completas. Segundo esse ponto de vista,

os leilões de preço uniforme podem sustentar equilíbrios colusivos. Os benefícios dessa

estratégia poderiam ser atenuados pelo fato do leilão ser fechado no momento em que é feito,

mas como existe a possibilidade de redeclaração das quantidades disponíveis após a

realização do preço, na realidade a informação é aberta, possibilitando o equilíbrio colusivo.

Se os lances fossem abertos no leilão e o número de licitantes fosse grande, o fluxo de

informações poderia até ser benéfico para que se alcançasse o valor justo da energia, que deve

ter características do modelo de valor privado e do modelo de valor comum. De qualquer

forma, não havia concorrentes suficientes para garantir que se extraíssem os benefícios de

uma abertura de informações no leilão. Muito pelo contrário, a concorrência se mostrou

insatisfatória. Nesses casos, para Cramton (2004), o controle de informações dos licitantes

pode ser uma boa estratégia.

Assim fica mais fácil entender porque o regulador britânico atuou constantemente para

limitar o poder de mercado das empresas estabelecidas (National Power e PowerGen),

envolvendo a contínua correção de rumo, que culminou com o desenvolvimento do New

Energy Trade Agreements (NETA).

A estrutura industrial para a geração de eletricidade que se seguiu à reforma não

induzia a pressões competitivas suficientes para estimular a eficiência. Ao realizar a reforma,

as autoridades assumiam que as decisões relevantes seriam tomadas de forma descentralizada

através do mercado, restando ao regulador um papel complementar. No entanto, não foi isso

que se observou. As intervenções do regulador foram contínuas, principalmente para enfrentar

o problema de poder de mercado.

Por oferecerem uma capacidade em standy by, as geradoras acabavam ganhando o

preço do Pool, mesmo sem ofertar realmente nenhum lance com quantidade positiva,

contribuindo para o aumento do preço (McDaniel e Newbery, 2002). Se todas as geradoras

65

resolvessem zerar as quantidades, o preço tenderia a infinito. De fato, sabiam que possuíam

grande poder de influenciar os preços dessa forma. Os geradores tinham liberdade para

redeclararem a disponibilidade de suas unidades até o momento do despacho, pois não

assumiam um compromisso firme de carga a ser gerada no momento do leilão.

Essa redeclaração podia ser resultado não só de falhas operacionais, mas também de

interesses comerciais. Alguns geradores podiam deliberadamente se declararem indisponíveis

em algumas unidades de produção em momentos de demanda elevada para aumentar sua

remuneração através de encargos de capacidade ou forçar o despacho de unidades com lances

de preço mais elevados.

O primeiro ano de atividade do Pool foi caracterizado por preços baixos. Os contratos

iniciais, adotados para o momento de transição do modelo velho para o novo, subsidiavam o

carvão e desvinculavam o preço do Pool das receitas das geradoras. Esses contratos iniciais

eram considerados os principais motivadores da manutenção de preços baixos.

Nos quatro anos que se seguiram, os preços aumentaram continuamente (Gráfico 2) ,

muito embora não somente por conta do SMP, mas também pelos encargos de capacidade e

serviços complementares31. A diminuição do preço no mercado atacadista, peça chave para

atender as premissas que justificaram a reforma, não se confirmava até então. Ficava claro

que as empresas estavam exercendo seu poder de mercado (Losekann, 2005).

Gráfico 2 – Evolução de Preços Médios Anuais do Pool

Fonte: Losekann, 2005

31 O uplift, presente no gráfico, era uma renda derivada dos ancillary services, alterações de programação das geradoras, que aumetavam o preço, e da capacidade disponível, mas não programada para o despacho.

66

A competição potencial não restringia a conduta das firmas dominantes. O ponto final

da série de intervenções do regulador foi a introdução do NETA, que substitui o Pool como

ambiente para a comercialização de energia.

b) Califórnia e a CALPX

No final de 1996 foi aprovada uma legislação na Califórnia que propunha a

reorganização do setor elétrico e a introdução de competição no varejo. O arranjo criado em

1996-1998 trazia dois ambientes de comercialização, um bilateral e outro de curto prazo, e

duas importantes instituições para facilitar as negociações principalmente no novo mercado de

curto prazo da Califórnia: o mercado atacadista de curto prazo, California Power Exchange

(CALPX); e um operador do sistema, California Independent System Operator (CAISO).

Embora existisse o ambiente de negociação bilateral, nos quatro primeiros anos do

mercado todas as três empresas de serviço público de energia da Califórnia, que agora tinham

as atividades concentradas na distribuição32, deveriam comprar sua energia por meio do

mercado de curto prazo. Por conta disso, o mercado bilateral não chegou a atingir volume de

negócios significante (Borenstein, 2002).

A CALPX era responsável pela comercialização em leilões de curto prazo do dia

seguinte e da hora seguinte (lances eram realizados 2 horas antes de a usina estar

disponível)33. A CAISO era responsável pelo balanço em tempo real, pelo mercado de

transmissão e pelos mercados de serviços complementares (ancillary services)34.

Vamos concentrar a análise nos leilões do dia seguinte, porque este era o mercado

mais relevante da CALPX em termos de volume de negócio e também porque os leilões da

hora seguinte eram apenas repetições desse mecanismo35. No mercado do dia seguinte,

32 A reforma fez com que a capacidade de geração que possuíam fosse vendida quase integralmente. 33 Posteriormente modificados para leilões de blocos de energia. 34 Operava quatro mercados de capacidade de reserva e um de direitos de transmissão no congestionamento. Para saber sobre esses mercados, ver Cameron e Cramton (1999).35 No mercado da hora seguinte (hour-ahead), o propósito era dar a seus participantes a oportunidade de ajustar seu planejamento para o dia seguinte, minimizando seus desequilíbrios em tempo real. Esse leilão tinha pouco volume. Por conta disso, foi trocado, em janeiro de 1999, por um leilão para blocos de energia para períodos de horas seguinte, chamado de day-of market. Esses eram três leilões separados, realizados em horas diferentes, para blocos de energia de períodos diferentes.

67

agentes enviavam lances de oferta ou demanda para cada hora do dia seguinte. Como aceitava

também lances de demanda, este leilão era duplo, diferentemente da Inglaterra, mas também

fechado, multi-unidade e de preço uniforme.

Figura 3 – Leilão da CALPX Leilão Duplo

CALPX

Comprador 1

Comprador 2

Comprador 3

Vendedor 1

Vendedor 2

Vendedor 3

Fonte: Elaboração Própria

O estabelecimento de lances nesse mercado era de preços e quantidades para cada hora

do dia seguinte, não incluindo outros parâmetros (Cramton, 2003). Os licitantes submetiam

lances com até 15 pares de preços e quantidades, pontuais e não em intervalos. Esses pontos

iriam formar as curvas de demanda e de oferta totais do mercado.

Portanto, segundo Salant (2003), os lances representavam pontos de funções de

oferta/demanda, diferentemente da Inglaterra. A CALPX validava e ordenava os lances para

formar as curvas agregadas de oferta e demanda e, assim, determinar o preço de fechamento

do mercado para cada hora. As curvas produzidas eram confrontadas e os preços de equilíbrio

para cada hora eram estabelecidos.

68

Gráfico 3 – Lances na CALPX

DP

Q

O2

O1

P*

Q fornecida por 1

Q fornecida por 2

Fonte: Elaboração própria.

O leilão da CALPX era um leilão multi-unidade, simultâneo, fechado, duplo e de

preço uniforme. Havia 15 lances possíveis, o que melhora teoricamente a estimativa dos

agentes do componente de valor comum e reduz o risco no lance dos agentes. Nesse caso,

existe uma possibilidade melhor de se aproximar do verdadeiro valor marginal do que quando

existem apenas 3 lances.

A falha fundamental do caso da Califórnia, segundo Cramton (2003), foi impedir que

as empresas já instaladas no mercado pudessem comercializar a energia em contratos mais

longos do que os estabelecidos no mercado do dia seguinte. Este impedimento de estabelecer

contratos de mais longo prazo para a maior parte da energia comercializada fez com que as

geradoras estivessem muito expostas ao risco e tornassem o mercado de curto prazo sujeito à

sérias manipulações de preço.

Recapitulando o resumo teórico de leilões, em ambientes com agentes avessos ao

risco, um leilão que não estipulasse o lance do próprio agente como pagamento não poderá

extrair a renda informacional adequadamente. O leilão de preço uniforme induz um

comportamento próximo ao comportamento do Leilão de Segundo Preço Selado, feitas as

ressalvas do capítulo anterior. Bastava apenas que houvesse uma restrição de oferta, o que

realmente ocorreu, para que se iniciassem os problemas.

69

Um ano mais seco do que o normal, que reduziu a produção hidrelétrica36, combinado

com um verão de temperaturas mais altas do que o normal e com um forte crescimento

econômico da região oeste dos EUA, produziu uma mudança no balanço entre oferta e

demanda, causando um problema de oferta restrita. Além disso, os custos das plantas térmicas

aumentaram neste período. Um número grande de estudos concluiu que os geradores

exerceram forte poder de mercado sobre o preço do mercado atacadista37.

O mercado californiano era altamente concentrado. Teoricamente, o leilão de preço

uniforme não é inferior ao de preço discriminatório, mas é fato que a restrição de oferta

causou preços exorbitantes, por conta desse tipo de precificação, uma vez que as unidades

marginais mais caras especificavam o preço do sistema. O volume de transações realizado no

curto prazo não poderia ser sustentado a patamares de preço tão elevados quanto os

verificados.

Gráfico 4 – Evolução dos Preços no CALPX

0

100

200

300

400

500

600

700

800

1/1/99 4/1/99 7/1/99 10/1/99 1/1/00 4/1/00 7/1/00 10/1/00 1/1/01 4/1/01 7/1/01 10/1/01

$/MWh

P_Cap: $750/MWh

P_Cap: $500/MWh

P_Cap: $250/MWh

S_Cap: $150/MWh

P_Cap: $92.87/MWh

P_Cap: $250/MWh

Fonte: Energy Market Report 2001, CAISO.

O fato do leilão ser duplo pouco contribuiu para a extração de renda das geradoras,

porque a demanda praticamente não poderia responder aos preços na contratação para o dia

seguinte.

36 Cabe lembrar que o sistema californiano é composto tanto de plantas térmicas como hídricas. 37 Por exemplo, Joskow e Kahn (2001), que citam outros estudos também.

70

A crise ocorreu, principalmente, porque não se focou, no momento da reformulação da

estrutura de mercado, no principal problema da indústria da eletricidade: em praticamente

todos os setores elétricos do mundo é difícil estimar a demanda e essa é praticamente

insensível às flutuações de preço; enquanto isso, a oferta está sujeita às restrições de

capacidade nos momentos de pico de demanda e a estocagem de energia tem custo

praticamente proibitivo.

A situação de oferta inelástica foi piorada porque o mercado tinha poucos agentes

competindo na Califórnia. Essa situação aumenta a probabilidade de uso de poder de

mercado, porque existe pouca elasticidade da parte da demanda associada à impossibilidade

da ameaça de aumento de oferta por outras firmas concorrentes (Borenstein, 2002).

Gráfico 5 – Curva de Oferta Térmica

Fonte: Borestein, 2002

O que se pode apreender desse episódio californiano é que os mercados de mais longo

prazo têm um papel importante na redução dos riscos enfrentados pelos participantes do

mercado elétrico e também são importantes para reduzir o incentivo ao uso do poder de

mercado dos grandes oligopólios (Cramton, 2003).

Os mercados que atendem mais próximos ao tempo real são tanto mais voláteis quanto

manipuláveis pelos participantes. Dessa maneira, tanto ofertantes quanto demandantes têm

incentivos para estabelecer preços muito antes da hora da entrega. Logo, a formação de

71

mercados elétricos deve privilegiar a contratação no longo prazo, pelo menos para a maior

parte do volume transacionado.

Uma segunda característica que complica a formação do mercado por leilões de curto

prazo está na estrutura quase vertical da demanda. No caso dos mercados de dia seguinte e de

tempo real, há pouco espaço para que a demanda possa responder de forma adequada aos

preços nos mercados apresentados. Isso se torna um problema especialmente complicado

diante da oferta altamente concentrada na maioria dos casos. O setor está vulnerável ao

exercício do poder de mercado do lado da oferta no curto prazo e a demanda está

praticamente inapta para responder aos preços altos. Quanto mais no curto prazo, mais

vertical se torna a curva de oferta, piorando a possibilidade de resposta da demanda.

A manipulação de preços, segundo autores que consideram o leilão elétrico de preços

uniforme vulnerável, ocorre porque, com a capacidade de oferta limitada no curto prazo,

grandes vendedores podem simplesmente reduzir a quantidade ofertada, mesmo que associada

a um preço não tão alto quanto o desejado, de forma a conseguir preços de equilíbrio de

mercado mais altos.

O preço de equilíbrio será muito alto, pois outros geradores com lances maiores de

preço associados a suas ofertas de energia deverão ser aceitos, dado que a oferta foi reduzida,

até que se atenda a toda a demanda. Como os geradores recebem os preços de equilíbrio e não

os preços que oferecem com o lance, essa estratégia colusiva de corte de oferta por alguns

agentes é factível. Se todos os grandes produtores tomarem a mesma iniciativa, no curto

prazo, o preço será bastante elevado, uma vez que a oferta total deverá ser suficiente para

cobrir a demanda.

Segundo Cramton (2003), mesmo mercados de curto prazo com preços

discriminatórios podem sustentar alguma espécie de tratado colusivo, tácito ou explícito. Com

isso, os contratos de longo prazo representam importante instrumento para diminuir os

incentivos ao uso do poder de mercado.

Quando os geradores têm grande parte de sua capacidade comprometida em contratos

de longo prazo, existirá pouco incentivo para manipular os preços de longo prazo, pois os

preços de longo prazo costumam ter regras fixas de indexação. Para os demandantes, a baixa

72

volatilidade dos preços poderá ser boa, pois traz previsibilidade de gastos e diminui os riscos

de que se tenha uma falta de energia (black-out). Ambas as partes podem fazer ajustes em

relação às posições contratadas nos mercados de longo prazo. Idealmente, os preços spot de

energia, imprevisíveis por diversos fatores, deveriam servir apenas para os desvios de posição

em tempo real ou para indexar parte dos preços de longo prazo, e não a totalidade dos preços

verificados. Dessa maneira, os incentivos para manipular preços iriam diminuir.

Cabe destacar que foi o lado da demanda que não recebeu atenção na maioria dessas

primeiras reformas, mesmo nos casos onde se adotaram leilões com lances de demanda, ou

seja, leilões duplos. Mesmo antes da reestruturação, a maioria dos esforços estava concentrada

na obtenção do despacho da energia de menor custo necessária para abastecer uma demanda

fixa. Nos formatos criados, a oferta foi capaz de exercer ainda grande poder de mercado, ou

seja, de se apropriar de suas rendas informacionais. Os reguladores não conseguiram alcançar

o verdadeiro custo marginal das firmas. Também não puderam estabelecer a competição

necessária sem intervir nas estruturas de capital das firmas ou tentar impor limites de preço.

Diversas alternativas para evitar a exposição à volatilidade foram então adotadas,

ocasionando um período diferente de reformas e adequação das reformas anteriores. Muitas

das soluções apresentadas envolvem novos tipos de leilões. Partiremos, portanto, para alguns

exemplos desses novos tipos de leilões de eletricidade.

2.2.2 Contratando no Longo Prazo e Atraindo a Competição

A primeira grande modificação no uso de leilões foi introduzida pela Inglaterra em

2001. O regulador britânico passou a adotar o leilão de preço discriminatório, pois acreditava

que esse leilão poderia ser superior ao de preço uniforme em seu mercado. A mudança foi

motivada pela verificação da Ofgem, o novo regulador após 2000, de que os preços do

mercado spot estavam sendo manipulados. No meio acadêmico existe muita controvérsia em

relação à veracidade dessa constatação38.

O NETA surgiu em 27 de Março de 2001. O objetivo do programa NETA é prover

mecanismos para liquidação e determinação, em tempo real, dos desequilíbrios entre posições

38 A discussão está resumida no Capítulo 1.

73

física e contratual de compradores, vendedores, produtores e consumidores de energia

elétrica. O Pool que operava o mercado atacadista foi trocado pelo Mecanismo de

Balanceamento (Balancing Mechanism).

Não entraremos em muitos detalhes desse novo sistema da Inglaterra justamente

porque se trata apenas de um mecanismo de liquidação de diferenças para estabelecer o

balanço real do sistema e não mais um mercado de comercialização propriamente dito.

Resumidamente, os participantes devem submeter lances de preço, para compra e para venda,

especificando os preços para cobrir as diferenças de posições em relação a posição declarada.

O processo que determina quais das propostas podem ser aceitas para que o sistema

esteja em equilíbrio é complexo. Esse esquema de leilão gera dois preços diferentes39. Os

preços são determinados por um leilão discriminatório no qual as ofertas que aumentam a

disponibilidade do sistema e os lances para diminuir essa disponibilidade são aceitos pelos

valores e quantidades propostos, ou seja, se paga e se recebe o valor do lance, desde que se

vença. Isso acaba gerando sempre diferença entre os fluxos pagos e recebidos. O custo das

diferenças é distribuído por todos os participantes.

Além dessa mudança no mercado da Inglaterra, a crise energética da Califórnia

precipitou a reformulação do uso dos leilões no mercado elétrico. A confiança nos

mecanismos simples de mercado de commodities ficou abalada. Embora os leilões de curto

prazo apresentassem os sinais econômicos corretos em relação às necessidades de

investimento, as características do setor impediam que apenas esses mecanismos fossem

suficientes para que a coordenação e o funcionamento da indústria fossem perfeitos. Dessa

maneira, novos leilões foram introduzidos para atender às novas necessidades.

39 Dois preços uniformes serão calculados: O preço de compra do sistema, que é determinado pela ponderação média das propostas de oferta para contribuição no sistema (fluxos positivos) e o preço de venda do sistema, determinado pelas necessidades que irão atrapalhar o sistema, excesso de demanda e insuficiência de oferta (que precisam do fluxo positivo para se equilibrarem). Quem tem posição negativa, ou seja, o gerador que ofertou menos do que devia ou o consumidor que consumiu mais do que deveria, deve pagar o preço de compra do sistema. Quem teve energia sobrando no sistema, ou seja, contribuiu com um fluxo positivo, recebe o preço de venda do sistema. Infelizmente os preços de compra e venda são diferentes na maioria da venda, com mais freqüência do preço de compra ser maior que o de venda. Essa diferença de renda é distribuída, ou cobrada, proporcionalmente aos fluxos dos agentes no sistema. Para entender melhor, ver Newbery e McDaniel, 2002.

74

Atualmente, a maioria dos países tende a estabelecer obrigação de negociação mais

ampla em contratos de longo prazo. Contudo, a negociação bilateral ainda prevalece nesses

ambientes de contratos de longo prazo, preocupando muitos reguladores. A razão da

preocupação está no fato de que a negociação bilateral em si não garante o nível de

investimentos necessários, a competição que diminui preços, muito menos níveis de preços

suportáveis pelos consumidores.

É praticamente impossível enumerar todas as propostas de solução para esses dilemas.

A resposta dos reguladores aos desafios encontrados é bem variada. Atualmente, inúmeras

propostas foram formuladas para modificação dos leilões atuais e criação de novos formatos,

se concentrando na questão da adequação de investimentos e promoção da competição.

Escolheu-se a análise detalhada de dois problemas que serão bastante interessantes: a

questão da contratação para distribuidoras no longo prazo e a questão da criação da

competição no mercado de eletricidade. Para avaliar uma opção de uso de leilão para a

contratação de longo prazo das distribuidoras, analisamos o leilão de Nova Jersey. Em relação

ao uso de leilões para tentar criar competição e diminuir o poder de mercado das firmas,

estuda-se o Leilão do Texas e o Leilão da EDF.

a) Nova Jersey e o Serviço Básico de Geração Nova Jersey participa do Pool PJM40, que opera mercados do dia seguinte e de tempo

real, além de estabelecer ambientes de contratação bilateral e de mercados de futuros. O

funcionamento desse mercado é bem parecido com os dos outros mercados atacadistas de

curto prazo já mencionados.

Desde agosto de 1999, os consumidores de Nova Jersey têm a opção de escolher entre

os fornecedores de energia elétrica diretamente, sem o intermédio de uma terceira parte. Os

consumidores que preferirem não escolher seus próprios fornecedores são servidos pelas

distribuidoras locais através do Serviço de Geração Básica. Geralmente, apenas

consumidores industriais e comerciais de grande porte preferem a negociação livre.

40 Mercado interconectado da Pennsylvania, New Jersey e Maryland, criado em 1998.

75

Em Nova Jersey existem apenas quatro empresas de serviço público de distribuição.

Para que os consumidores pequenos que preferem permanecer com as distribuidoras não

sofressem com os riscos dos mercados spot, a Public Utility Comission (PUC)41, em 2001,

resolveu definir um mecanismo de compra de energia competitivo para essas distribuidoras. O

mecanismo foi um leilão de compra, organizado pela própria PUC e as distribuidoras.

O primeiro desses leilões foi realizado em Fevereiro de 2002, com contratos de um

ano de duração42. Os grandes consumidores que recorrem ao serviço das distribuidoras

também participam do mecanismo, mas separadamente. Para tanto, existe uma divisão nesse

grupo de leilões entre grandes e pequenos consumidores. Os contratos desses dois grupos

diferenciados concorrem no mesmo leilão.

Toda a demanda de todas as distribuidoras deverá ser atendida simultaneamente nesses

leilões. Para tanto, essas anunciam a carga estimada, tanto para as horas de ponta e para as

fora de ponta. O formato escolhido para o leilão é o de clock autcion reverso, ou seja,

lembrando o capítulo anterior, é simultâneo, com múltiplas rodadas, onde o leiloeiro anuncia

os preços para cada produto e os jogadores respondem com quantidades. Contudo, ao invés

das informações serem abertas, o que é comum nos clock auctions, elas são fechadas. Como é

reverso, o leiloeiro abaixará os preços a cada nova rodada.

Vamos detalhar melhor o leilão em questão. Como será visto, esse leilão será muito

útil para a análise do caso brasileiro, pois parece ter servido de inspiração para o leilão de

longo prazo adotado no Brasil, dada a grande similaridade dos mecanismos.

O leilão irá oferecer produtos que são tranches de 100MW identificados com o nome

das distribuidoras a que se referem. Cada distribuidora deve comprar energia separamente,

portanto, cada tranche de 100 MW estará devidamente relacionada a apenas uma das

distribuidoras. Dessa maneira, a oferta de energia em bloco para uma determinada

distribuidora é um produto, enquanto a de outra distribuidora é um produto diferente43.

41 PUC é a sigla para Public Utility Comission, órgão regulador dos serviços públicos, existente em cada Estado nos EUA. 42 Já ocorreram também contratações para dois, três e cinco anos. 43 Esse esquema é diferente do brasileiro, que não identifica qual distribuidora está comprando a energia ofertada pelas geradoras nos produtos. No Brasil, como será visto mais adiante, a oferta é dividida proporcionalmente entre todas as distribuidoras.

76

Quando os geradores forem fazer seus lances estarão escolhendo para qual distribuidora

querem vender.

O coordenador do leilão anuncia um preço máximo e mínimo pretendido para o início

do leilão já no edital do leilão. Nesse anúncio também são explicitadas as regras do leilão.

Dadas essas informações, duas semanas antes do leilão ocorrer, os geradores fazem garantias

financeiras e anunciam ofertas indicativas ao preço máximo e mínimo anunciados no edital,

ou seja, se aquele preço valesse como preço inicial do leilão, quanto pretenderiam apostar.

Além disso, dentro dessa quantidade pretendida que as geradoras divulgam antes do leilão,

será especificada a quantidade de tranches que se pretende alocar em cada distribuidora.

Após obter a resposta de intenções dos licitantes, o leiloeiro compara a quantidade que

seria ofertada com a que precisa comprar. Se verificar que existe pouca oferta ou pouca

concorrência, o volume a entrar efetivamente no leilão será ajustado para impedir poder de

mercado. Três dias antes do dia do leilão são anunciados os verdadeiros preços iniciais para

cada tranche de cada distribuidora.

No dia do leilão, antes do início do mesmo, as regras são novamente anunciadas para

os vendedores de energia. O leiloeiro inicia com os preços escolhidos para cada tranche de

cada distribuidora. Os lances dos jogadores são quantidades de tranches de determinado tipo

que pretendem oferecer ao preço anunciado. Ao observar esta quantidade oferecida por cada

jogador, o leiloeiro avalia se precisa diminuir ou não o número de tranches a comprar (corte

na demanda) de acordo com o total de ofertas das geradoras para cada distribuidora. Além

disso, anuncia o preço para a próxima rodada, que será menor que o preço da rodada anterior.

Os lances serão feitos à cada rodada e os preços serão diminuídos a cada rodada,

enquanto a oferta de energia para cada distribuidora for maior do que a demanda total de

tranches de cada distribuidora. Durante o leilão os jogadores só sabem seus lances e o preço

anunciado. Os licitantes não podem se comunicar ao longo do leilão. Por isso, o leilão não é

aberto, porque não existe troca de informações entre os jogadores. Embora percebam que o

bem ainda não atingiu o valor certo, não possuem indícios de que estão fazendo estimativas

certas dos outros jogadores.

77

A decisão de redução de um licitante é permanente, ou seja, uma vez que reduza a

quantidade de tranches em um produto, não poderá mais voltar atrás. O jogador, contudo,

pode reduzir a quantidade desejada em um produto para aumentar a quantidade desejada em

outro produto. Essa troca de produtos, que não afeta a sua energia total oferecida no leilão,

não é sempre permitida. A troca só é aceita pelo leiloeiro se a oferta global para o produto que

ele está diminuindo (reduzindo o lance) ainda permanecer maior do que a demanda de energia

daquele produto. Dessa forma, a troca não pode deixar uma distribuidora sem energia

garantida para atender suas necessidades em prol de excesso de energia para outra

distribuidora.

Os geradores também podem definir um preço de saída (exit price) para cada produto.

Ele especifica em qual preço o jogador deixará de fazer lances em um determinado produto no

leilão, mantendo as quantidades desejadas fixas. Esse preço deve estar abaixo do preço da

rodada anterior a que o jogador se manifesta e acima do preço da rodada corrente.

O leilão de um produto estará terminado quando se verifica que na rodada corrente a

demanda necessária para o atendimento daquela distribuidora for igual à oferta na rodada. Os

outros produtos continuarão a ter seus preços diminuídos em novas rodadas até que esse fato

também se verifique. Nesse momento em que termina o leilão, ou seja, não haverá mais

diminuição de preços, todos os jogadores que estiverem com lances correntes positivos nos

produtos serão declarados vencedores aos preços correntes. O preço corrente para o produto é

pago por todos que o conquistaram, significando que a precificação de cada produto é

uniforme.

78

Figura 4 – Leilão de New Jersey

Preço Inicial Máx e Mín Indicativo

Ofertas Indicativas

Preço Inicial

Lances da 1ª Rodada

Acerto no Volume de Demanda (se

necessário) Anúncio dos

Preços 2ª Rodada Lances da 2ª Rodada

Anúncio de preços de saída dos geradores a

qq hora

Demanda atingida e sem trocas = FIM

Anúncio dos Vencedores e dos Preços Finais

Fonte: Elaboração própria.

A quantidade de tranches oferecida por cada geradora deve ser entregue em qualquer

hipótese, mesmo que tenha de ser adquirida em mercados spot. Contudo, os pagamentos

efetivamente realizados para as geradoras estarão ligados à carga realmente entregue, medida

pelo coordenador do sistema PJM.

Em leilões do tipo clock autcion normais, se espera que as informações trocadas sejam

as maiores vantagens. Isso porque esses leilões geralmente são usados para venda de bens

com complementaridades. Contudo, como foi verificado, os leilões de Nova Jersey não

permitem o fluxo de informações. Em um ambiente de competição limitada, essa estratégia é

correta, segundo Cramton (2004), porque impede a manipulação de lances e a sinalização.

Alguns críticos discordam dessa conclusão e afirmam que o fluxo de informações é necessário

para que as decisões de alocação sejam mais corretas.

Interessantemente, a estratégia de divulgação das intenções de preço inicial é uma

forma de colher informações do mercado, ou seja, é um compromisso com os agentes, que

podem ou não revelar a verdade. A possibilidade de mentir poderá ser punida com um corte

de demanda que ajuste os preços.

A grande dificuldade do regulador foi garantir que as trocas de produtos não

ocasionassem preços muito diferentes para produtos parecidos ou esvaziassem algum produto,

no sentido de a oferta ser deslocada tornando-se menor do que a demanda. Por conta disso, as

regras de troca vêm sendo aprimoradas.

79

Até agora não se verificaram problemas no sistema. Os leilões realizados têm obtido

sucesso entre os teoristas de leilões e entre as autoridades reguladoras. Como a carga

comprometida deve ser entregue em qualquer hipótese, mesmo que tenha de ser adquirida em

mercados spot, os consumidores estariam protegidos de qualquer falha das geradoras por meio

de obrigações contratuais delas. As garantias financeiras dadas pelos licitantes ficam

comprometidas até a entrega da energia e são usadas para compra no mercado spot nos casos

em que não ocorre a entrega da energia de alguma geradora.

b) Texas e os Leilões de Capacidade

Em 2001, a PUC do Texas instituiu a realização de leilões de venda de capacidade das

grandes companhias de geração do Texas, começando em 23 de agosto de 2001. O plano da

PUC especificava que toda produtora de energia que possuísse capacidade de geração

superior a 400 MW da região deveria vender 15% de sua capacidade total.

Dessa maneira, as grandes geradoras AEP, Reliant e TXU deveriam participar desse

mecanismo. A medida visaria, sobretudo, a constituição de maior concorrência no mercado,

através da introdução de novos agentes que pudessem oferecer energia. Como a construção de

novas usinas é demorada e tem alto custo de capital, o que constitui barreira à entrada, a idéia

era possibilitar primeiro a venda de energia já existente por outros agentes, para que, depois

de estabelecidos no mercado, esses pudessem construir também novas plantas.

São realizados quatro leilões por ano, um em cada trimestre. O mecanismo de leilão

foi bem especificado pela PUC: seria um clock auction de venda, ou seja, com preços

ascendentes. Os leilões de venda de capacidade de cada geradora são simultâneos.

Os produtos são direitos de utilização de 25 MW de capacidade para gerar energia,

definindo a zona (Norte, Sul, Oeste e Houston), o tipo de energia (de ponta, de base), o

vendedor (AEP, TXU ou Reliant) e a duração do contrato (2 anos, 1 ano, 1 mês).

80

Os compradores potenciais da capacidade devem ser pré-qualificados em relação à

capacidade de crédito, fornecendo garantias financeiras. Cada geradora vai dar um limite de

crédito para cada licitante, fornecendo uma lista com os jogadores aprovados e seus limites de

crédito para o leiloeiro. O coordenador do leilão, que representa o regulador e as geradoras,

determina os preços iniciais e as regras para os incrementos de lances elegíveis antes do leilão

começar.

Todas as rodadas do leilão são compostas de duas fases: uma fase para que se façam

os lances e outra onde se reportam a avaliação dos lances. Na fase de avaliação, o leiloeiro

reporta os resultados e também anuncia os preços para a próxima fase, um preço para cada

produto.

Os lances devem indicar um número de tranches para cada produto que o jogador

deseja adquirir ao preço corrente. No fim da fase de lances de uma rodada, o último lance

aceito no sistema se torna um compromisso de compra. Os lances poderão ser modificados ou

revisados desde que a fase de lances esteja ainda aberta Apenas o último dado enviado antes

da fase fechar será aceito. Os lances não poderão ser modificados ou cancelados na fase de

avaliação.

Os lances feitos devem obedecer a três regras: elegibilidade, limite de crédito e não

causar o esvaziamento de um produto. O critério de elegibilidade é simples: uma decisão de

redução da quantidade demandada global, no caso de ser aceita, será permanente.

O limite de crédito dá o limite máximo que poderá ser comprometido no leilão por

cada jogador, logo, os lances não podem ultrapassar esse limite. Por último, nenhum jogador

poderá diminuir o lance para um produto se não houver excesso de demanda por esse produto.

Além disso, se não existe esse excesso, o preço do produto não será alterado na próxima

rodada. Essa regra impede que um produto, anteriormente com demanda suficiente, fique

vazio.

Uma redução de quantidade deve apresentar quais reduções representam trocas de

demanda por produtos diferentes e quais realmente apenas representam a redução definitiva

na demanda. No início da implementação do leilão não havia regras específicas para as trocas

dos produtos. Como foi percebido que isso poderia prejudicar a venda da capacidade, foram

81

estabelecidas avaliações rígidas das trocas a serem feitas. No caso de haverem muitas trocas

de demanda por outros produtos, deve-se dar uma lista de ordem de prioridade dessas trocas,

para que o leiloeiro possa avaliá-las.

Na fase de avaliação, o leiloeiro informa privadamente a cada jogador: se seus lances

foram legítimos e aceitos; a sua quantidade de tranches em cada produto; o preço dos

produtos; o número de reduções negadas e de trocas também negadas, informando o produto

em que foram mantidas e a que preço. Contudo, não informa para um jogador informações

sobre outros jogadores.

Ainda nessa fase, se existe excesso de demanda para um produto, o preço dele será

aumentando de acordo com o incremento definido pelo leiloeiro. No caso da demanda por um

produto estiver igual ou menor que a oferta de tranches desse produto, o preço é mantido na

próxima rodada. Os outros produtos que ainda possuírem excesso de demanda permanecem

sendo vendidos.

O leilão termina quando não há mais excesso de demanda em nenhum produto e

quando não há nenhuma troca a ser feita. Todos os licitantes que ganham um mesmo produto

pagam o preço do vetor de preços anunciado na última rodada do leilão, comprando a

quantidade a qual se comprometeram. O esquema abaixo identifica simplificadamente como

ocorre o processo do leilão, segundo a descrição anterior.

Figura 5 – Leilão Texas

Preço Inicial

Lances da 1ª Rodada

Validação dos Resultados

Anúncio dos Preços 2ª Rodada

Lances da 2ª Rodada

Oferta atingida e sem trocas =

FIMAnúncio dos Vencedores e dos

Preços Finais

Pré-qualificação de crédito

Os preços são aumentados até

se atingir a Oferta

Fonte: Elaboração Própria.

82

As mesmas características básicas verificadas no clock auction de Nova Jersey podem

ser revisitadas, desde que se lembre que neste caso o leilão é de venda. Não se permite o fluxo

de informações. No caso específico de venda de diversos contratos com complementaridades,

contudo, para ampla concorrência de comercializadores e futuros investidores em geração, o

fato do leilão ser fechado pode ser prejudicial. Isto porque se os jogadores sabem que podem

não atingir um mix de contratos perfeito, com as complementaridades certas, tendem a não

revelar a verdade.

Neste leilão não há a fase de anúncio de informações para coleta como no caso

anterior. Provavelmente isto não seria necessário, pois não se farão cortes de oferta para se

ajustar a demanda. Toda a capacidade deve ser vendida para garantir que haja competição no

mercado. Partindo desse pressuposto, a tomada de informações das intenções iniciais seria

desnecessária.

Aparentemente, segundo a PUC do Texas, o único problema apresentado nos

primeiros leilões seria a questão da grande diferença de preços alcançados para produtos

basicamente idênticos, mas de distribuidoras distintas. Em alguns casos, a diferença chegou a

50%. Esse problema foi enfrentado pela PUC a partir de 2004 com a adoção das regras de

troca.

c) França e os Leilões da EDF

Em 2001, a Electricité de France (EDF) se comprometeu com a Comissão Européia a

realizar uma venda de ativos com capacidade de geração equivalente a 6000 MW por conta da

aquisição da Energie Baden-Württemberg AG da Alemanha. Essa quantidade representaria

10% da oferta total de energia da EDF. Essa medida foi tomada para facilitar a entrada no

mercado da França, dominado pela EDF.

Não seria necessário vender as plantas de geração reais, mas vender as “plantas

virtuais” (Virtual Power Plants - VPP). Na verdade, A EDF deveria vender opções de compra

sobre parte da capacidade de produção de energia de suas plantas. Para promover essa venda,

a Comissão estabeleceu a utilização de leilões. O leilão utilizado é o clock-auction aberto.

83

A EDF deve promover leilões a cada três meses, por cinco anos a partir da decisão de

2001. Podem participar do leilão qualquer empresa de energia e comercializadoras que

tenham interconexão com o mercado francês.

Dois tipos de contrato são vendidos: VPP de carga de base (base-load), podendo

exercer a opção de compra a qualquer momento do ano; e VPP de carga de pico (peak-load),

para ser exercida apenas em momentos de pico. Esses contratos são oferecidos em várias

durações. Além disso, um terceiro produto é também oferecido, um Power Purchase

Agreement (PPA) de energia de plantas de co-geração.

Foi autorizada a definição de um preço mínimo de venda, não necessariamente o preço

inicial, não divulgado no leilão. A justificativa desse Preço de Reserva estaria tanto na

inexperiência da EDF com o mecanismo, como na tentativa de recuperar parte dos custos de

investimento. No início do leilão, o leiloeiro anuncia um vetor de preços para cada um desses

produtos enquanto os licitantes fazem lances de quantidade para cada um dos produtos, em

MW, limitando cada participante a adquirir no máximo 45% do total de oferta global.

O leiloeiro calculava a demanda agregada para cada produto, comparando com a

demanda total para os tipos de produto disponíveis e a oferta total desses produtos. Se a

demanda, ou seja, o total dos lances de quantidade, excede a oferta de energia, os preços são

aumentados, isso sendo feito até que se alcançasse equilíbrio em todos os tipos de contrato.

Os jogadores ainda podem fazer lances conjugados, ou seja, um mix entre contratos de

ponta e fora de ponta das distribuidoras, podendo tirar seus lances do leilão no final se não

conseguirem contratar o conjunto preferido. Essa prática permite que a existência de

correlação entre os contratos seja levada em conta, o que teoricamente melhora a revelação

das informações e a obtenção de receita para o leiloeiro.

O esquema abaixo representa simplificadamente o mecanismo de venda das VPPs.

84

Figura 6 – Leilão da EDF

Preço InicialLances da 1ª

Rodada

Validação dos Resultados

Anúncio dos Preços 2ª Rodada

Lances da 2ª RodadaOferta atingida

e sem trocas

Anúncio dos Vencedores e dos Preços Finais

Define Valor de Referência

Pode existir Preço Reserva.É aberto

Avalia mix (se houver)

Fonte: Elaboração Própria.

O leilão da EDF continua sendo realizado, com avaliações positivas da parte do

regulador e das empresas participantes. Como vários produtos que têm complementaridades

óbvias estão sendo vendidos, o leilão aberto parece ser adequado. A colusão não é

considerada tão perigosa pelas autoridades, principalmente porque observa-se ampla

concorrência no leilão.

Esse leilão gera resultados que devem ser eficientes na alocação. Por não exigir a

construção de capacidade nova, a aversão ao risco é menor, indicando que o leilão fechado de

primeiro preço não é necessário. Além disso, o fato de ser uma opção a ser exercida também

permite menor aversão ao risco, uma vez que pode ser realocada em mercados secundários.

A regra que limita o percentual de oferta total a ser adquirido por cada licitante no

leilão é também uma forma limitar o poder de mercado a ser exercido. Outra vantagem é a

possibilidade de fazer lances conjugados, permitindo que os jogadores possam realizar

estratégias de revelação de informações verdadeiras sem se prejudicarem.

A principal desvantagem desse leilão é que, assim como no caso do Texas, os VPP

não implicam investimento real dos novos participantes do mercado. Com isso, persiste o

problema da adequação dos investimentos. Além disso, uma vez que esses leilões não sejam

mais realizados, o mercado continuará concentrado, porque a maior parte dos ativos de

geração é da EDF.

85

2.3 Conclusões sobre o Uso de Leilões no Setor Elétrico

Nesse capítulo foi verificado o uso dos leilões dentro do setor elétrico em diversos

casos. No entanto, os tipos de leilões utilizados foram bastante variados. As diferenças

encontradas podem ser atribuídas a uma série de fatores, como a estrutura organizacional do

mercado, o grau de atuação dos reguladores, os tipos de geração em cada localidade e os

objetivos a serem atingidos com a implementação dos novos mercados.

Como foi observado, nem todas as experiências foram bem sucedidas e, mesmo nos

casos considerados exemplares, existe controvérsia entre as avaliações dos mecanismos

escolhidos. Como exemplo, pode-se citar as diversas discussões teóricas sobre a adequação de

mecanismos de preço uniforme e de preço discriminatório. Em relação aos novos tipos de

leilões usados para a contratação de longo prazo, também não existe consenso entre as opções

propostas. De toda forma, quais lições podem ser apreendidas dos exemplos apresentados?

A principal conclusão do estudo das experiências internacionais é a de que devemos

entender a natureza dos problemas setoriais e aprender com os problemas nas formatações de

leilões anteriores para especificar mecanismos melhores. Esses mecanismos devem ser

capazes de atender aos objetivos de adequação de investimentos, modicidade tarifária e

segurança do atendimento. Os mercados atacadistas de curto prazo, necessários na presença

de novos agentes investidores no setor, não são suficientes para manter o perfeito

provisionamento da eletricidade.

Além disso, é importante lembrar que as especificidades do mercado elétrico exigem

que o investimento seja planejado e a contratação da energia para as distribuidoras seja feita

no longo prazo. De qualquer maneira, em todos os casos apresentados pode-se perceber que o

papel dos reguladores é preponderante para contribuir com o bom funcionamento do setor

elétrico.

Como exemplo de aprendizado nas novas configurações do setor, podemos citar os

leilões que tentam diminuir a concentração do mercado, com realocação de capacidade de

produção. Da mesma maneira, o pequeno mercado de Nova Jersey apresenta um clock auction

adaptado para compra de energia no longo prazo para suas quatro distribuidoras. Esse

exemplo de compra de energia no longo prazo pretende diminuir a exposição dos agentes à

volatilidade do curto prazo, ao mesmo tempo em que busca a segurança do atendimento.

86

As experiências aqui demonstradas serão importantes para a avaliação da realidade

brasileira. Essas experiências serão úteis, pois fornecem exemplos de tipos de leilões que

foram utilizados no setor e as conseqüências dessa utilização.

87

Capítulo III - O Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro

Com a intenção de melhor analisar os leilões de energia no setor de energia elétrica

brasileiro, será primeiramente apresentado um resumo da reforma do ano de 2003. Essa

reforma definiu o novo modelo institucional do setor elétrico, no qual os leilões de energia

para contratação no longo prazo estão inseridos.

3.1 A “Reforma da Reforma” e o Novo Modelo

O cenário do setor elétrico mudou radicalmente com o início do governo de Luís

Inácio Lula da Silva. Os efeitos econômicos e políticos negativos gerados pela crise de 200144

fizeram com que o novo governo revisasse completamente a organização institucional e o

aparato regulatório da Indústria Elétrica Brasileira (Almeida e Pinto Jr., 2004).

Assim como os governos de outros países que enfrentaram crises nos mercados de

eletricidade recém-criados, o governo brasileiro tomou a iniciativa de realizar uma “reforma

da reforma”. Essa nova reforma buscava a criação de um desenho setorial capaz de manter os

princípios de competição e eficiência produtiva priorizados nas estruturas de mercado puro ao

mesmo tempo em que pudesse garantir o atendimento adequado da demanda e a coordenação

observada na estrutura verticalizada anterior.

Dessa forma, pode-se afirmar que o novo desenho institucional deveria recuperar parte

da cooperação e do planejamento descartados com a reforma da década de 90. Entre os

objetivos da reforma estaria: i) a criação de um modelo setorial capaz de garantir o nível de

investimentos adequados, ii) permitir a precificação adequada da eletricidade e iii) realizar o

atendimento adequado da demanda, evitando novas crises como a de 2001.

44 Um resumo do desenvolvimento do setor elétrico e da crise de 2001 está no Box abaixo.

88

Box 1 - As Motivações da “Reforma da Reforma” do ano de 2003.

O pilar central das reformas da década de 90 foi a política de privatizações. Além da elaboração

desse processo de privatização de ativos, houve a formulação paralela de um contexto institucional que

viabilizasse a sustentação de um modelo capaz de sustentar o investimento privado. A competição

passou a ser encarada como benéfica, capaz de trazer eficiência produtiva ao setor. Os mecanismos a

serem introduzidos deveriam estruturar a indústria elétrica brasileira com uma organização via mercado.

A coordenação dos investimentos seria feita pelos próprios agentes, extinguindo o papel do

planejamento estatal (Bicalho, 2005).

A comercialização e a precificação deveriam ser feitas através de negociação bilateral entre os

agentes compradores e vendedores. Os preços da energia gerada seriam fixados através na negociação

entre distribuidoras e geradores. Foi criado um ambiente de negociação bilateral livre e um Mercado

Atacadista Elétrico (MAE).

Segundo Almeida e Pinto Jr. (2004), com a crença anterior de que conseguiria privatizar os seus

ativos de geração na década de 90, o Estado havia suspendido o seu programa de investimentos. Da

mesma forma, os capitais privados estavam esperando para tomar decisões de investimento somente

após o processo de privatizações estar completo. Entretanto, o processo foi incompleto e concentrado no

segmento de distribuição. Como conseqüência, os níveis de investimento da Indústria Elétrica Brasileira

(IEB) caíram substancialmente em relação aos níveis históricos.

Dessa forma, assim como em outros países, o ano de 2001 deflagrou a crise de abastecimento

de energia no Brasil. A gravidade da crise de 2001 impôs um retorno a uma forte coordenação das

empresas e das instituições do setor, ausente desde o começo das privatizações. As medidas adotadas

contornaram o momento de crise, mas não foram suficientes. A profundidade da crise de 2001

desencadeou uma necessidade de revisão completa do marco legal instituído no governo FHC. Essa

revisão culminou em 2003, na elaboração de um novo desenho institucional para o setor (Roxo, 2005).

A proposta de nova reforma que foi divulgada em julho de 2003 buscava estabelecer a

construção de um aparato institucional mais centralizado, aumentando a participação do

governo no setor. Essa participação deveria ocorrer através da atuação mais forte da Agência

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Ministério de Minas e Energia (MME). Nesse

sentido, o programa de privatizações da década de 90 foi oficialmente paralisado e as

geradoras não privatizadas deveriam permanecer definitivamente com o governo, voltando a

89

investir no setor. Entretanto, a comercialização de eletricidade ainda deveria conter

componentes competitivos de mercado.

A configuração do novo modelo foi praticamente toda definida em dois instrumentos

legais: a lei 10.848 de 15 de março de 2004 e o decreto 5.163 de 30 de julho de 2004. Todos

os documentos criados para a atual estrutura do setor tomam como base a legislação presente

nesses dois instrumentos. Portanto, para entender o novo modelo e o papel dos leilões nessa

nova configuração, analisaremos essa legislação com mais detalhe.

3.1.1 A Lei 10.848

A lei 10.848 estabeleceu regras gerais de comercialização e criou novas instituições no

setor para garantir o bom funcionamento da estrutura.

Segundo essa lei, foram criados dois ambientes para a negociação de energia elétrica:

o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o Ambiente de Contratação Regulada (ACR). Os

agentes vendedores de energia elétrica (Geradores, Importadores, Produtores Independentes e

Comercializadores) podem participar de ambos os ambientes. A diferença está na forma de

comercialização e no tipo de consumidor de energia que participa de cada ambiente.

As relações comerciais entre os agentes no ACL são livremente pactuadas e regidas

por contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, nos quais estão estabelecidos

prazos e volumes. A escolha dos fornecedores é exclusiva dos agentes consumidores de

energia. Nesse sentido, o ACL constitui um mercado de contratos bilaterais, regido pelas leis

da livre concorrência, praticamente idêntico ao ambiente de livre negociação bilateral

anterior. As barreiras institucionais existentes ressumem-se ao preenchimento dos requisitos -

em termos de potência, tensão e prazos de migração mínimos - necessários para que um

agente possa participar.

Os consumidores que podem participar do ACL são aqueles com carga acima de 3

MW. Esses consumidores são chamados de potencialmente livres. Isso significa que, com

certo aviso prévio, podem realizar suas próprias compras de energia ao término dos contratos

com distribuidoras. Os consumidores que optam por exercerem o seu direito de serem livres

90

passam a comprar energia no ACL, respeitando determinados prazos de migração e seus

contratos ainda existentes.

Já em relação ao ACR, a negociação de energia elétrica ocorre através dos leilões de

energia de longo prazo. Os agentes que compram a energia são as distribuidoras, para o

consumo dos seus clientes, também chamados de consumidores cativos. Através dos leilões,

as distribuidoras passaram a ter obrigação de contratar 100% da demanda para períodos de

tempo determinados pelo MME. Dessa maneira, estão proibidas de realizar qualquer comércio

no ACL.

Nesse ambiente, as distribuidoras compram energia em conjunto para um mesmo

período de tempo, como se houvesse apenas um único grande comprador com demanda igual

ao somatório das necessidades de todas essas distribuidoras. Dessa forma, seria construído um

esquema de Pool, onde todos compram energia ao mesmo tempo. Entretanto, esse Pool é

diferente do extinto Pool da Inglaterra ou da Califórnia, pois aqui a contratação é feita no

longo prazo.

A competição do ACR se dá em torno da disputa entre os vendedores de energia pela

exclusividade do suprimento de todas essas distribuidoras durante um dado período de tempo.

Os vendedores capazes de oferecer melhor condição de preço saem vencedores. Nesse

sentido, a competição só opera na fase da licitação da energia, para permitir a escolha dos

vendedores com custo mais barato. Para formalizar a compra são celebrados contratos

bilaterais específicos com cada vencedor do leilão, denominados de Contratos de

Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR).

Para a realização desses leilões, as distribuidoras passaram a ter a obrigação de

informar as quantidades de energia necessárias para o atendimento de seus mercados ao

MME.

De acordo com a lei, a energia elétrica passou a ser classificada em Energia Existente

ou Energia Nova. A Energia Existente seria aquela proveniente dos empreendimentos de

geração já com concessão ou autorização para operar, ficando conhecida entre os agentes do

setor como “energia velha”. A Energia Nova seria aquela proveniente dos novos

empreendimentos de geração, ou seja, ainda sem concessão, ou de projetos de ampliação de

91

empreendimentos já existentes45. Essa separação em tipos de energia seria útil para

estabelecer tanto o melhor planejamento energético do país como para introduzir mecanismos

capazes de promover incentivo aos investimentos novos.

Não há detalhamentos sobre as regras dos leilões no texto da lei. Algumas regras de

periodicidade da realização dos leilões já estavam previstas, mas foram mais bem

especificadas no decreto 5.163.

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e a Câmara de

Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) foram criados também no âmbito dessa lei.

O CMSE tem como finalidade o acompanhamento e avaliação permanentemente da

continuidade e da segurança do suprimento energético em todo o território nacional. Para

atingir esse objetivo, é responsável pelo acompanhamento do desenvolvimento das atividades

de geração, transmissão, distribuição, comercialização, importação e exportação de energia

elétrica, gás natural e petróleo e seus derivados.

A CCEE substituiu o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE)46 e sua

finalidade principal seria viabilizar a comercialização de energia elétrica no Sistema

Interligado Nacional (SIN). Entre as responsabilidades da CCEE estaria a de implantação e

divulgação das regras e dos procedimentos de comercialização do ACR, bem como a

realização desses procedimentos. Como substituiu o MAE, tomou para si a tarefa de apuração

das infrações e cálculo de penalidades por variações de contratação de energia e de apuração

do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD).

Por último, essa lei revogou a inclusão de empresas elétricas no Programa Nacional de

Desestatização (PND), excluindo desse programa a Eletrobrás e as suas subsidiárias. Essas

empresas permaneceriam sob controle estatal, o que significava a manutenção de atuação

direta do Estado nas atividades produtivas de eletricidade. Assim, ao invés de procurar

estabelecer uma estrutura de capital totalmente privada para a IEB, ficava implícito que a

estrutura de capital continuaria mista e que o Estado voltaria a realizar investimentos.

45 Mais adiante veremos que essa classificação foi levemente modificada para permitir que alguns empreendimentos considerados existentes pudessem operar também como energia nova. 46 Ver Box 1.

92

3.1.2 O Decreto 5.163

O decreto 5.163 regulamenta a comercialização da eletricidade no ACR, no ACL e no

mercado de curto prazo. Dessa forma, é de muita relevância para o estudo e análise dos

leilões. Esse decreto estipula características básicas dos leilões de energia e dos potencias

participantes em cada leilão.

Segundo esse decreto, os agentes distribuidores deveriam, a partir de 1º de janeiro de

2005, apresentar lastro de 100% para o atendimento de seu mercado. O atendimento seria

feito através das cotas de compra de energia de Itaipu, de geração distribuída, de usinas do

Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (PROINFA)47 e com a energia adquirida

exclusivamente nos leilões de compra de longo prazo.

As aquisições de energia por meio de leilões serão realizadas através de três leilões no

ACR: de energia existente, de energia nova e de ajuste. Para permitir que esse mecanismo

realmente funcione, as distribuidoras estão obrigadas a apresentar declaração anual de

previsão de consumo de seus mercados para os próximos cinco anos subseqüentes até o dia 1°

de agosto de cada ano.

Especificamente em 2004, se promoveriam leilões de compra de energia elétrica

proveniente de empreendimentos existentes. Esses leilões ficaram conhecidos como “leilões

de transição”. O prazo para realização dos leilões de transição foi depois extendido para 2005,

pois diversos problemas ocorreram no segundo leilão de transição.

Estipulou-se que haveria “leilões de transição” para cobrir a demanda de energia

descontratada a partir dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009. Os contratos adquiridos

deveriam ter o prazo mínimo de vigência de oito anos para o início do suprimento a partir de

2005, 2006 e 2007. O prazo mínimo de vigência seria de cinco anos para o início do

47 As cotas de compra energia de Itaipu foram acordadas para pagas os custos de investimento e operação da usina, estabelecidas desde o início de funcionamento da mesma. A geração distribuída é aquela oferecida por pequenos geradores através do sistema. O Programa, coordenado pelo MME, estabelece a contratação de 3.300 MW de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), produzidos por fontes eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), sendo 1.100 MW de cada fonte.

93

suprimento a partir de 2008 e 2009. Como iremos identificar na análise posterior, esses prazos

tiveram de ser modificados para que a demanda descontratada fosse atendida.

Excetuando-se os casos dos leilões de transição e considerando como "A" o ano base

de previsão para o início do suprimento da energia elétrica adquirida no ACR, os leilões de

compra de energia elétrica passariam a ocorrer sempre nos anos (A-1), (A-3) e (A-5). Os

leilões para energia existente serão realizados no ano anterior ao ano base (A – 1). Os leilões

de energia nova serão realizados no terceiro ano anterior ao ano base (A – 3) e no quinto ano

anterior ao ano base (A- 5). Para esses leilões, os contratos para a energia nova teriam prazo

de 15 a 30 anos e os de energia existentes de 5 a 15 anos.

Ainda estão previstos leilões de ajuste, para compra de energia limitada a 5% da carga

total de cada distribuidora. A função desses leilões é permitir cobrir ao máximo a demanda

das distribuidoras, reduzindo ao mínimo a sua necessidade de compra de energia em tempo

real. Para tanto, os contratos decorrentes desses devem prever o início de entrega da energia

elétrica no prazo máximo de quatro meses a contar da realização do leilão. A duração máxima

desses contratos será de 2 anos.

Figura 7 – Periodicidade dos Contratos

ACR

A-5 A-4 A-3 A-2 A-1 A

Contratação de Geração Existente Prazo: 3/15 anos

Ano de Iníciode Suprimento

Contratação deGeração Nova

Prazo: 15/35 anos

Ajuste: Prazoaté 2 anos

Fonte: Elaboração Própria.

Esse decreto instituiu também que, até 31 de dezembro de 2007, a energia proveniente

de usinas que iniciaram operação a partir de 01/01/2000 e que não tinham contratação até

15/03/2004 poderia participar dos leilões de energia nova. Essas usinas podem, com essa

permissão, participar tanto de leilões de energia nova como de leilões de energia velha. Dessa

maneira, esse tipo de energia foi apelidado pelos agentes do mercado de energia “Botox”.

94

Ainda sobre os contratos demandados nos leilões, o decreto estipulou a existência de

duas modalidades de contratação: por quantidade ou por disponibilidade de energia. No caso

dos contratos de quantidade de energia, os riscos hidrológicos são assumidos pelos

vendedores; no caso dos contratos de disponibilidade de energia, os riscos hidrológicos são

assumidos pelos compradores.

O decreto ainda delegou diversos papéis importantes à recém criada Empresa de

Pesquisa Energética (EPE)48: de aprovação de empreendimentos vendedores candidatos à

participar de cada leilão a ser feito, da avaliação da capacidade assegurada dos novos

empreendimentos, de proposição de percentuais mínimos de energia de origem hidrelétrica

que deveriam ser contratados no ACR, entre outros.

Por último, deve-se destacar que dentro desse decreto é reafirmado o papel da ANEEL

de estabelecer mecanismos de regulação e de fiscalização para fazer cumprir a obrigação de

separação das atividades de distribuição das de geração e transmissão, obrigação instituída

desde o período de privatização. Nesse sentido, a contratação automática de geração própria

por parte de cada distribuidora para atendimento dos consumidores cativos será reduzida

gradualmente, sendo substituída naturalmente pela compra de energia via leilões ao fim dos

contratos de transição.

3.2 A Nova Estrutura

Para facilitar o entendimento da reforma, basta apenas explicitar como ocorre o

funcionamento do Novo Mercado Elétrico.

Simplificadamente, pode-se resumir a situação que será alcançada com o novo

esquema de comercialização e contratação desenhado por esses dois aparatos legais

mencionados anteriormente através do esquema abaixo.

48 A EPE foi criada lei 10.847. A EPE teria por finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras.

95

Gráfico 6 – Contratos do Novo Modelo

Fonte: Adaptação de Barreto, 2004.

Os contratos anteriores à nova estrutura serão gradualmente substituídos pelos

contratos com energia nova e com energia velha, por meio de leilões realizados com certa

antecedência da data de entrega de energia. O ajuste da curva de energia contratada à curva de

demanda efetiva será feito tanto por leilões de ajuste quanto por contratos de ajuste no

mercado de curto prazo, em tempo real.

Dentro do Novo Mercado, três importantes instituições foram criadas, a EPE, a CCEE

e a CMSE. A criação da EPE e do CMSE foi claramente uma resposta aos fatos que

ocasionaram o racionamento de eletricidade em 2001. Através do planejamento e da

monitoração, procura-se controlar de uma forma mais efetiva a evolução do setor. A CCEE

surge no Novo Modelo com o papel de câmara de compensação e liquidação em curto prazo e

de promotora dos leilões de longo prazo.

A ANEEL continuou como agência reguladora e poder concedente, sendo responsável

direta pela CCEE e a coordenação dessa sobre os leilões de energia. O MME tem papel

preponderante no planejamento e coordenação da IEB, avaliando e aprovando as medidas,

regulamentações e documentos produzidos pela EPE e CCEE.

Basicamente, a energia elétrica é vendida através de dois mercados, o ACR e o ACL.

No ACL, a energia é livremente negociada entre os participantes, que são consumidores

livres, e todos os vendedores de energia elétrica. Já no ACR, a energia é negociada

96

especificamente por leilões de longo prazo para atender às distribuidoras, que representam os

consumidores cativos.

Para contabilizar as diferenças e realizar as compras de ajuste em tempo real do

mercado, a energia é negociada na CCEE. Os preços de curto prazo são semanais, calculados

para as semanas que se iniciam aos sábados e terminam na sexta-feira, podendo conter dias de

dois meses adjacentes. Esses preços servem para a liquidação de toda a energia não contratada

entre os agentes.

Figura 8 – Nova Estrutura do Mercado Elétrico

Ambiente de Contratação

Regulada(ACR)

Ambiente de Contratação

Livre(ACL)

Distribuidoras (Consumidores

Cativos)

Geradores, Produtores

Indepententes, Comercializadores

Consumidores Livres

Mercado de Curto Prazo

Preços dos Contratos resultantes de leilões

Preços dos Contratoslivremente negociados

Preços resultantes das Diferenças entre Oferta e

Demanda

CURTO PRAZO

CONTRATOS ACL e ACR

ENERGIA VERIFICADA

Fonte: Elaboração Própria.

Dentro do ACR, que é o ambiente de maior interesse para o objetivo desse trabalho,

podemos destacar a existência de três tipos de leilão: leilões de energia existente, leilões de

energia nova e leilões de ajuste.

97

No futuro, com o modelo consolidado, a intenção é estabelecer um cronograma de

contratação de energia para um ano hipotético (A) com leilões realizados com cinco anos de

antecedência (A-5), três anos de antecedência (A-3) e um ano de antecedência (A-1) da data

de entrega. A carga contratada em cada um desses leilões é escolhida de acordo com as

necessidades das distribuidoras e o planejamento do MME. De qualquer maneira, ao longo de

2004 e 2005 ocorreram leilões para o período de transição de estabelecimento desse novo

cronograma de compra de energia.

Em nenhum dos aparatos legais ficou estipulada regra fixa para esses leilões. Apenas

características gerais foram definidas. Dessa maneira, a CCEE, que estipularia as regras de

comercialização no ACR, teria responsabilidade pelo bom funcionamento do novo modelo.

Nesse sentido, as atuações do MME, que participará mais ativamente da condução do

planejamento, da EPE, que realizará estudos importantes para a coordenação do setor e dos

leilões, e da ANEEL, que continua como poder concedente e reguladora dos agentes do setor,

são também fundamentais, pois afetarão diretamente os resultados dos leilões de longo prazo

do ACR.

3.3 Conclusões sobre o Novo Modelo

A estrutura atual do setor elétrico foi implantada objetivando garantir modicidade

tarifária associada ao investimento eficiente e ao atendimento adequado da demanda. Para

alcançar essas metas, o papel das instituições governamentais e reguladoras é central, tanto

que as funções de coordenação e planejamento abolidas na reforma da década de noventa

foram resgatadas na nova configuração.

Na nova estrutura, o instrumento que viabiliza o suprimento adequado aliado à

modicidade é o leilão. O mercado das distribuidoras, de grande volume e importância, só

poderá ser atendido através dos leilões do ACR. Esse é o mercado dos consumidores cativos,

que não lidam adequadamente com sinais de preço, tendo as tarifas ainda reguladas e o

repasse limitado de custos. Como esses consumidores não possuem poder de barganha nem

participação direta na compra de sua própria energia, a escolha da forma de comercialização é

fundamental para impedir o poder de mercado das geradoras e possibilitar o atendimento de

toda a demanda.

98

Além disso, o Novo Modelo do setor elétrico brasileiro apresenta uma alternativa para

solucionar o grande desafio dos governos de todo o mundo: estabelecer o aumento dos

investimentos do setor no futuro, garantindo a oferta adequada.

Como foi visto, não existem regras fixas estipuladas para os leilões definidas já nas

leis. Essas regras foram estabelecidas a posteriori, através de documentos publicados pela

ANEEL e pela CCEE. De fato, não havia obrigatoriedade nem de que as regras de todos os

leilões a serem realizados fossem as mesmas. Assim, regras diferentes foram estabelecidas

para os leilões que se realizaram. Parte-se, portanto, para o detalhamento das regras dos

leilões brasileiros e a análise das conseqüências e resultados desses leilões.

99

Capítulo IV – Análise dos Leilões de Longo Prazo de Energia Existente

O objetivo do presente capítulo será desenvolver a análise dos leilões de energia

existente aplicados no novo modelo49 e avaliar os seus resultados. Ao todo, serão analisados

quatro leilões. O leilão de energia nova, quinto e último leilão a ser analisado, será

apresentado apenas no próximo capítulo.

Resumidamente, os dois primeiros leilões foram leilões de energia existente para o

período de transição e tinham o objetivo essencial de garantir o suprimento da demanda

descontratada, aos menores preços possíveis, com contratos de oito anos. O primeiro leilão

deveria comprar energia com início de suprimento em 2005, 2006 e 2007, e o segundo, com

início de suprimento em 2008 e 2009. Como será visto, as regras do segundo leilão foram

ligeiramente diferentes das regras do primeiro.

O terceiro e o quarto leilão ocorreram no mesmo dia. O terceiro leilão pode ser

considerado um leilão dentro do esquema de leilão com um ano de antecedência (A-1) para

energia existente, mas o contrato teria duração de apenas 3 anos50. O quarto leilão, por sua

vez, foi um leilão realizado por conta do fracasso do segundo leilão de energia, pois

objetivava a compra de energia para 2009, com contratos de 8 anos. O terceiro e o quarto

leilão adotaram as mesmas regras, diferentes das dos dois primeiros leilões realizados.

Para realizar a análise das regras dos leilões em questão, as principais referências

foram os documentos oficiais denominados de “Detalhamentos das Sistemáticas de Leilão”.

Esses documentos foram formulados pelo MAE e pelo CCEE, seu sucessor, e são,

explicitamente, os conjuntos de regras estabelecidas para cada leilão de energia específico.

Dessa forma, o conjunto de regras de cada leilão será chamado, doravante, de sistemática.

O objetivo dos leilões de energia existente no novo modelo é comprar oferta de

energia elétrica para atender às necessidades de mercado das distribuidoras. Logo, à luz dos

aportes teóricos, os leilões seriam necessariamente reversos. 49 Serão analisados apenas os leilões efetivamente realizados até dezembro de 2005 dentro do novo modelo estrutural do setor. Com isso, encontram-se fora da análise os leilões de ajuste, que não foram realizados, e os leilões de editais de propostas de sistemáticas que não foram aprovadas. 50 Modificação excepcional introduzida pelo Decreto 5499 para atendimento do planejamento energético do MME.

100

Nesses leilões reversos, os compradores são as distribuidoras, representadas pelo

leiloeiro: a CCEE e o sistema eletrônico. Os vendedores de energia, que são os jogadores que

realizam os lances no leilão, são os geradores, importadores e comercializadores autorizados a

produzir e/ou vender energia elétrica.

Segundo a teoria dos leilões, sabe-se que um leilão pode ser usado para compra ou

venda de um ou mais objetos. No caso dos leilões brasileiros de eletricidade, vários objetos

são comprados. Mais especificamente, a cada leilão são comprados vários lotes de 1 MW de

energia associados a um período de suprimento específico. Logo, podemos concluir que, além

de reverso, o leilão é necessariamente multi-unidade.

Leiloando megawatts de energia para suprimento em diferentes períodos de tempo em

um mesmo leilão, o leilão continuaria sendo multi-unidade, mas o bem eletricidade deixaria

de ser homogêneo, pois estaria associado a datas diferentes de suprimento. Para facilitar a

venda dessa energia em lotes com prazos diferentes em um mesmo leilão, o conjunto de MW

de energia associada a um mesmo prazo de suprimento seria chamado de Produto, tendo um

nome associado a esse prazo. Os Produtos seriam identificados no jogo por códigos

numéricos únicos. O formato padrão do código dos leilões ocorridos foi AAAA-BB, onde os

quatro primeiros dígitos (A) representaram o ano de início da entrega de energia e os dois

últimos dígitos (B) representam a duração de anos do contrato, ou seja, o prazo do CCEAR.

Não houve identificação de qual distribuidora específica estava comprando a energia,

como é feito nos leilões de Nova Jersey. No leilão brasileiro a energia é comprada em

conjunto para todas as distribuidoras e depois repartida proporcionalmente entre essas

distribuidoras, de acordo com as declarações de necessidade de energia feitas por elas.

Deve-se lembrar que, para os jogadores, a decisão de lances será baseada no seu

próprio custo de produção e também no custo de oportunidade representado pelos preços de

curto prazo e de negociação bilateral no ACL. Dessa maneira, existe um componente de valor

privado e um forte componente de valor comum na valoração desses vendedores de energia,

representado pelos custos de oportunidade de vender energia de maneiras alternativas.

101

Cabe ainda destacar que foram elaboradas sistemáticas diferentes para os leilões de

energia existente realizados. As mudanças observadas nas sistemáticas devem ser atribuídas

principalmente à tentativa de adaptação das regras de acordo com o aprendizado com os

resultados dos leilões. Deve-se lembrar, contudo, que, do ponto de vista teórico, a

modificação de regras para um jogo que deve ser repetido inúmeras vezes é adequada, uma

vez que jogos repetidos podem gerar acordo colusivo entre os jogadores.

De posse dessas informações, iremos partir para a análise separada de cada uma dessas

sistemáticas mencionadas. Após o detalhamento das sistemáticas, serão apresentados os

resultados de cada leilão.

4.1 Primeiro Leilão de Energia Existente51

O primeiro leilão de energia deveria adquirir três Produtos para as distribuidoras:

energia com início de suprimento em 2005, energia com início de suprimento em 2006 e

energia com início de suprimento em 2007. O objetivo era comprar a energia necessária com

os vendedores de energia capazes de oferecer os preços mais baixos. Para tanto, o leilão teria

duas fases: a primeira de cunho classificatório e a segunda para definir os reais vencedores do

leilão.

Ao ofertar cada lote de energia, os vendedores escolhiam que tipo de energia estavam

ofertando, ou seja, escolhiam uma data de início de suprimento. As ofertas dos vendedores de

energia deveriam ser números positivos e inteiros de lotes de 1MW médio. Por ora, cabe

apenas destacar que a quantidade de energia que deveria ser comprada por Produto, ou seja, a

quantidade de lotes desejada pelo leiloeiro por Produto, não foi divulgada aos jogadores.

Como já mencionado, os Produtos foram identificados no jogo por códigos numéricos,

cujo formato padrão do código era AAAA-BB. Logo, os Produtos foram: 2005-08, 2006-08 e

2007-08.

O edital do leilão, a sistemática e as minutas dos CCEAR foram publicadas no dia

5/11/2004. Os agentes vendedores que se mostrassem interessados em participar do leilão

51 A análise desse leilão está baseada no “Detalhamento da Sistemática de Leilão 0001/2004”.

102

precisariam se submeter a um processo de pré-qualificação detalhado nesse edital.

Basicamente, a pré-qualificação seria feita com a entrega de documentação sobre situação

jurídica, fiscal, econômico-financeira e de regularidade dos encargos do setor, além da

comprovação do lastro físico para venda de energia.

Além desses documentos, os vendedores de energia deveriam apresentar também um

documento chamado de intenção de venda. Nessa intenção, cada jogador declarou as

quantidades de energia que pretendia ofertar no leilão para cada um dos Produtos, com o

respectivo lastro para o período de vigência dos contratos. De posse desse documento de

intenção de venda e das pré-qualificações, a CCEE definiria quais agentes poderiam participar

do leilão, estipulando também a quantidade máxima de lotes que cada vendedor estaria apto a

ofertar.

O próximo passo para os vendedores aprovados na pré-qualificação foi o depósito de

garantias financeiras. De fato, todos os compradores e vendedores deveriam apresentar

garantias financeiras para que o leilão fosse confiável. Cada agente deveria depositar R$

2.000,00 para cada lote de energia que pretendesse adquirir ou ofertar no leilão. Dessa

maneira, o número máximo de lotes a ser negociado efetivamente no leilão estaria limitado ao

valor depositado como garantia.

Para facilitar o entendimento do mecanismo, e permitir a melhor preparação dos

agentes, foi feita uma simulação no dia 03/12/2004 com os agentes aprovados na pré-

qualificação. Essa simulação permitiu que os participantes treinassem as regras usando o

próprio sistema do leilão.

No dia do leilão, 07/12/2004, as informações cruciais foram cadastradas no sistema

eletrônico. O custodiante das garantias financeiras registrou os valores de garantias de cada

agente participante. A partir dessa informação, o sistema converteu as garantias em número

equivalente de lotes de energia máximo por agente52. Cada agente vendedor poderia acessar o

sistema e ver seu próprio número de lotes permitido pelas garantias depositadas, mas não

saberia a quantidade de lotes dos outros vendedores.

52 A obtenção do número de lotes seria feita dividindo o valor das garantias por 2.000. Um melhor entendimento será obtido ao retornar ao parágrafo que discorre sobre o depósito de garantias.

103

Em seguida, o MME inseriu o fator de referência, o parâmetro de decremento para os

preços do relógio de preços, as quantidades declaradas de cada distribuidor, o preço inicial de

cada produto e o preço de reserva de cada produto. Dessas informações inseridas pelo MME,

apenas o preço inicial por produto foi divulgado aos vendedores53.

O fator de referência foi um percentual estabelecido pelo MME para garantir uma

margem acima da demanda total declarada pelas distribuidoras. Esse fator aplicado sobre a

demanda total geraria um resultado chamado de oferta de referência, a oferta que deveria ser

adquirida para atender à demanda com certa margem de segurança54. Por sua vez, o parâmetro

de decremento para os preços do relógio de preços seria um fator que reduziria os preços a

partir do preço inicial colocado no sistema. O preço inicial foi o preço escolhido para o início

do leilão, específico para cada produto. O preço de reserva, como já explicado no capítulo

teórico, era o preço máximo ao qual se pretendia comprar energia.

A última a inserir informações prévias ao leilão no sistema foi a CCEE. A entidade

inseriu a disponibilidade de lastro comprovada por cada vendedor, em lotes de energia, para

cada produto.

O leilão iniciou precisamente às 11:00 h. Participaram do leilão 53 empresas, sendo 35

compradoras e 18 vendedoras. Como já foi adiantado, o leilão foi composto de duas fases.

Pode-se considerar que cada uma dessas fases representa um leilão simultâneo de tipo

diferente. Dessa maneira, poder-se-ia afirmar que ocorreram dois leilões simultâneos, de

forma seqüencial, que, combinados, produziram o resultado final de alocação.

Apresentaremos a descrição detalhada dessas fases.

4.1.1 Primeira Fase

O leilão seria simultâneo para os três produtos. Recapitulando a teoria dos leilões, essa

primeira fase pode ser descrita como um leilão multi-unidade e multi-rodada, mais

53 Trinta minutos antes de o leilão iniciar, a informação sobre os preços iniciais por produto foi liberada para observação no sistema. 54 Vale lembrar que o fator de referência seria um número maior que 1, para permitir que a oferta fosse superior à demanda.

104

especificamente um clock auction reverso de informação limitada. Para entender a

classificação dada, nada melhor do que descrever com mais cautela as suas especificidades.

O leilão deveria ter diversas rodadas, em número necessário para atingir determinadas

quantidades de lotes e determinados preços para a energia. Simplificadamente, a demanda

deveria ser atingida com preços considerados razoáveis.

Cada uma das rodadas a serem realizadas poderia ser dividida em 3 etapas distintas:

uma para que se fizessem os lances, outra para que se processassem os lances e os resultados

do processamento e a última para divulgar os resultados para cada agente.

O tempo total de inserção do lance seria de quinze minutos. Ao longo de cada rodada,

cada um dos vendedores poderia ver o código e o preço de cada um dos produtos. Também

poderia ver um contador regressivo do tempo de inserção do lance e as suas próprias

disponibilidades de lastro em cada produto. Não seriam vistas as disponibilidades de lastro de

outros agentes.

Um preço para cada produto é liberado pelo sistema a cada rodada. Esses preços

seriam chamados de preços correntes. O lance na primeira fase seria a quantidades de lotes

que se desejassem alocar em cada um dos produtos oferecidos aos preços correntes

anunciados pelo sistema. Os lances deveriam ser feitos em números inteiros positivos.

Na primeira rodada, os lances seriam feitos aos preços iniciais. Isso significa que os

preços correntes da primeira rodada seriam iguais aos preços iniciais anunciados. O quadro

abaixo mostra os preços iniciais do leilão.

Quadro 5 – Preço Inicial

ProdutoPreço

Corrente (R$/MWh)

2005-08 80

2006-08 86

2007-08 93

Rodada 1

Fonte: CCEE

105

Na primeira etapa, cada vendedor poderia alocar a totalidade de seus lotes disponíveis

no lastro por produto, respeitando o limite total de lotes dado por suas garantias financeiras.

Uma vez que se submetesse um lance, o sistema iria processar o lance comparando a

quantidade ofertada com o lastro disponível por produto e a garantia física de cada vendedor.

Estando dentro dos limites, os agentes confirmariam o lance como válido e não poderiam

mais cancelar ou alterar a quantidade escolhida durante aquela rodada55.

Na segunda etapa, o sistema compararia a quantidade total ofertada no leilão

(somatório das ofertas para todos os produtos) com a quantidade total demandada no leilão

(somatório das demandas declaradas para todos os produtos). Mais especificamente, o sistema

dividiria a oferta total pela demanda total do leilão e compararia com o fator de referência.

Poderiam ocorrer três resultados: (caso 1) a divisão resultaria em um número maior que o

fator de referência; (caso 2) a divisão resultaria em um número menor ou igual ao fator de

referência, mas maior ou igual a 1; (caso 3) a divisão geraria um número menor do que 1.

O esquema abaixo permite vislumbrar essas três possibilidades e o processamento das

etapas de acordo com esses resultados. Desde já, é possível perceber a complexidade desse

processamento. A explicação de cada um dos casos será feita a seguir.

55 Se os lances ultrapassassem algum limite, o sistema informaria a inadequação do lance. Havendo ainda tempo para inserção de lance, o agente poderia fazer nova tentativa. Caso contrário, o agente estaria simplesmente excluído do leilão. Uma vez aceitos os lances da primeira rodada ou terminado o tempo de inserção de quinze minutos, o que ocorresse primeiro, seria iniciada a segunda etapa da rodada.

106

Figura 9 – Processamento dos Lances Detalhamento do processamento de lances

Lances = quantidade

de lotes

Etapa 1

Processamento dos lances

FRDTOT

> FRDTOT

≤≤1 1<DTOT

Existe Preço Corrente > Preço

Reserva

Preço Corrente Preço Reserva

≤ Existe Preço Corrente > Preço Reserva

Corte de Demanda

Conclui Primeira Fase

Preço Corrente Preço Reserva

Conclui Primeira Fase

Independente do Preço

Segunda FaseNova Rodada

PRODUTO ABERTO

⇒≥ ii DPOPPRODUTO FECHADO

⇒< ii DPOP

Preço Diminui Preço Constante

Lote Livre Lote Comprometido

PRODUTO ABERTO

⇒≥ ii DPOPPRODUTO FECHADO

⇒< ii DPOP

Lote Livre Lote Comprometido

Etapa 2

Etapa 3: Divulgação de Resultados

Caso 1: Caso 2: Caso 3:

PC = Preço Corrente PR = Preço Reserva OT = Oferta Total DT = Demanda Total FR = Fator de Referência OPi = Oferta do Produto i DPi = Demanda do Produto i

Fonte: Elaboração própria.

Se a divisão da oferta total pela demanda total se encontrasse acima do fator de

referência (caso 1), o sistema partiria para a comparação entre oferta e demanda produto a

produto, qualificando os produtos em Abertos ou Fechados. Um produto seria chamado de

Aberto quando a quantidade total de lotes ofertada para esse produto fosse maior ou igual à

quantidade de lotes demandada para esse mesmo produto. Caso contrário, quando a

quantidade ofertada fosse menor que a demandada, o produto seria chamado de Fechado.

Feita essa classificação dos produtos em Abertos ou Fechados, os lotes de cada

vendedor seriam classificados pelo sistema como Livres, Excluídos ou Comprometidos. Um

107

lote que foi alocado a um Produto Aberto seria chamado Livre. Isso significaria que esse lote

poderia ser realocado para outro produto na próxima rodada, ou mantido no mesmo produto.

Um lote do lastro que não tivesse sido alocado em nenhum produto na primeira rodada seria

considerado Excluído do leilão, ou seja, não poderia mais ser oferecido em nenhum produto.

Os lotes alocados em Produtos Fechados, isto é, produtos que não tiveram oferta suficiente,

não poderiam ser deslocados desse produto na próxima rodada, sendo chamados de Lotes

Comprometidos. Os lotes chamados de Comprometidos, portanto, estariam “presos” ao

Produto Fechado na próxima rodada.

Para um Produto Aberto, se aplicaria o decremento ao preço inicial e se calcularia o

preço da segunda rodada56. Para os Produtos Fechados, o decremento não seria aplicado: o

preço dessa rodada seria mantido na próxima rodada.

Quando o resultado da divisão fosse menor ou igual ao fator de referência, mas ainda

maior ou igual a 1 (caso 2), significaria que a demanda total foi atingida com certo nível de

segurança. O objetivo do leilão estaria em parte alcançado e bastaria atingir o preço de

reserva. Portanto, o sistema compararia o preço de cada produto com o preço de reserva

respectivo.

Caso houvesse algum produto com preço corrente superior ao respectivo preço

reserva, o sistema iria classificar os produtos em Abertos e Fechados, da mesma forma já

apresentada, bem como realizaria a classificação dos lotes, e iria realizar nova rodada,

abaixando os preços dos produtos ainda Abertos.

No caso de todos os preços correntes estarem iguais ou menores que os preços de

reserva, não seria necessário realizar mais rodadas, pois os dois objetivos estariam alcançados

(quantidade e preço iguais ou abaixo dos limites). Os produtos seriam então classificados em

Abertos e Fechados, os lotes em Livres, Excluídos e Comprometidos, e estaria encerrada a

primeira fase do leilão.

Finalmente, se o resultado da divisão entre oferta total e demanda total resultasse em

um valor menor do que um (caso 3), significaria que a demanda global não estaria sendo

56 Cabe destacar que os decrementos dos variados produtos poderiam ser diferentes uns dos outros.

108

plenamente atendida. O sistema iria verificar então a relação dos preços correntes com os

preços reservas.

No caso em que todos os preços correntes fossem menores do que os preços de

reserva, os produtos seriam devidamente classificados em Abertos e Fechados, com os lotes

também sendo classificados, e a primeira fase estaria encerrada.

Contudo, se ainda houvesse preços maiores que os de reserva, o sistema

automaticamente iria reduzir a quantidade demandada dos produtos em que o preço estivesse

acima do de reserva, tentando ajustar a demanda à oferta. Após esse corte pro rata na

demanda, os produtos seriam reclassificados, considerados os cortes, e os preços seriam

recalculados de acordo com a classificação (diminuídos em Produtos Abertos e mantidos em

Produtos Fechados). A existência desse corte de demanda significava que, acima de tudo, a

modicidade tarifária deveria ser preservada. Esse mecanismo poderia, portanto, gerar um

problema futuro de como conseguir cobrir a demanda que ocasionalmente não fosse atendida

por conta de um corte, se os preços não fossem considerados atraentes pelos agentes

vendedores.

Ao fim dessa avaliação da segunda etapa, que é bastante complicada, dado o número

de casos possíveis, iniciaria a terceira e última etapa. A etapa final de uma rodada consistia

apenas na divulgação individual dos resultados de cada participante sobre seus lotes Livres,

Excluídos e Comprometidos, e a atualização de todas as informações referentes aos produtos

(classificação em Aberto ou Fechado) e preços correntes para a próxima rodada, excluídos os

casos em que a primeira fase é encerrada.

Nas próximas rodadas a dinâmica seria praticamente a mesma. Na primeira etapa, os

lances seriam feitos utilizando os lotes considerados Livres, ou seja, os lotes que foram

alocados em produtos classificados como Abertos na rodada anterior. Esses lotes poderiam ser

alocados no próprio produto, em outros Produtos Abertos, ou nos produtos Fechados.

Assim, a partir da segunda rodada, o sistema consideraria, além dos limites das

garantias e das disponibilidades de lastro, um novo limite: para cada vendedor, o número de

lotes totais alocados em todos os produtos deveria ser menor ou igual ao somatório de lotes

dos lances válidos ofertados por ele em todos os produtos na rodada anterior. Dessa maneira,

109

uma redução na quantidade total ofertada do leilão por um determinado agente é irreversível.

Isso é fácil de perceber se lembrarmos que os lotes que não foram alocados em nenhum

produto na rodada anterior foram simplesmente Excluídos do leilão.

Na prática, isso significaria que os vendedores poderiam oferecer em cada rodada uma

quantidade total menor ou igual à quantidade ofertada na rodada anterior. Os lances que não

atendessem simultaneamente aos critérios de limite das garantias, disponibilidades de lastro

por produto e de quantidade menor ou igual à quantidade da rodada anterior, não seriam

válidos. Por conta das possibilidades de troca de lotes de um Produto Aberto para quaisquer

outros produtos, haveria possibilidade de se aumentar a quantidade ofertada em um

determinado Produto apenas se fosse feita uma transferência de lotes entre Produtos.

Trataremos agora de esboçar um exemplo prático do funcionamento da primeira fase.

Em um leilão hipotético, com a mesma sistemática apresentada nessa subseção, existem cinco

vendedores disputando apenas um produto. O lance de cada vendedor é a quantidade de lotes

escolhida, representada pela largura dos retângulos abaixo. A altura de cada retângulo

representa o preço dado pelo sistema, de forma que a área do retângulo nada mais é do que o

valor financeiro do lance de quantidade dado pelo vendedor.

Na primeira rodada chama-se o preço inicial de PI, que é exatamente igual ao primeiro

preço corrente, PC1. No processamento dessa rodada, que constitui a segunda etapa da

rodada, verifica-se que há excesso de oferta (caso 1) de energia e há necessidade de realizar

nova rodada.

Figura 10 – Exemplo Rodada 1

PI = PC1

V1 V2 V3 V4 V5PR

QD OR

FRDTOT

>Com os preços iniciais, os vendedores escolhem a quantidade de lotes que desejam ofertar. O sistema avalia os lances, compara oferta e demanda e os preços. A oferta ainda é maior que a de referência.

P

Q

Fonte: Elaboração Própria

110

Na segunda rodada, o processamento demonstra que a oferta está igual à oferta de

referência (se enquadrando no caso 2), mas o preço (PC2) está acima do de reserva (PR),

sendo necessária nova rodada. Finalmente, na terceira rodada, o preço corrente (PC3) é

inferior ao de reserva (PR) e a oferta é menor do que a de referência, mas ainda maior do que

a demanda. Portanto, relembrando os casos possíveis e os procedimentos de cada caso, pode-

se concluir que a primeira fase do leilão hipotético deve ser encerrada.

Figura 11 – Exemplo Rodada 2 Rodada 3

V1 V2 V3 V4 V5

PR

QD OR

PC2

FRDTOT

≤≤1

PC2 > PR

Um novo preço é anunciado e os vendedores escolhem novas quantidades. O sistema compara oferta e demanda e verifica que a oferta é igual à de referência, mas maior que a demanda e os preços ainda são maiores que os de reserva.P

Q

V1 V2 V3 V4

PR

QD OR

PC3

FRDTOT

≤≤1

PC3 ≤ PR

FIM DA 1ª FASE

Na terceira rodada o preço já é menor que o de reserva e a oferta é menor do que a de referência. Note que o vendedor 5 desistiu do leilão. Encerra a 1ª Fase.

P

Q

Fonte: Elaboração Própria

Ao observar o exemplo e verificar atentamente as possibilidades de processamento dos

lances já apresentadas, conclui-se que a primeira fase só terminou quando a oferta total dos

vendedores do leilão foi menor ou igual à oferta de referência e os preços por produto

estavam iguais ou menores que os preços de reserva escolhidos. Enquanto essas duas

condições não fossem alcançadas ao mesmo tempo, a primeira fase continuaria com novas

rodadas. Os preços da rodada em que fosse declarado o fim da primeira fase seriam chamados

de preços de encerramento de cada produto e seriam transportados para a segunda fase como

preços iniciais.

Por último, deve-se perceber que o processo de redução de preços de Produtos Abertos

em inúmeras rodadas poderia fazer com que os preços alcançassem patamares muito baixos

com permanência de excesso de oferta. Para dar conta dessa possibilidade, o MME definiu

como limite mínimo de preço o valor chamado PMAE_min57, de R$ 18,59/MWh, que

correspondia ao preço mínimo do mercado atacadista na época. Quando o preço de algum

57 A saber, Preço Mínimo do MAE. Em dezembro de 2004, o MAE ainda estava em processo de substituição pela CCEE.

111

produto atingisse um valor inferior a esse patamar, o produto seria simplesmente Excluído do

leilão, sendo que os lotes alocados nele seriam considerados todos Livres.

Com o intuito de consolidar o entendimento do funcionamento da primeira fase, o

esquema abaixo interpreta resumidamente os procedimentos descritos anteriormente.

Figura 12 – Funcionamento da 1ª Fase

Preços Iniciais anunciados

Primeira Rodada iniciada

Lances = quantidade

de lotes

Processamento dos lances

Divulgação do Resultado

Segunda Rodada

Conclui Primeira Fase

PC PR

+

FRDTOT

PC = Preço Corrente PR = Preço Reserva OT = Oferta Total DT = Demanda Total FR = Fator de Referência

Fonte: Elaboração própria.

É importante perceber que, como existe um “relógio de preços”, ou seja, os agentes

tomam os preços como dados e ofertam apenas quantidades, e os preços são modificados ao

longo de várias rodadas, até o cumprimento do objetivo do leilão, essa primeira fase é uma

espécie de clock auction.

Porém, existe grande limitação de informações: as únicas informações disponíveis

para os jogadores são os preços correntes, a situação dos produtos (Aberto e Fechado) e a dos

seus lotes (Livres, Excluídos ou Comprometidos). Dessa maneira, não se pode considerar a

fase como um clock auction perfeito, pois se o fosse, as informações dos agentes seriam

abertas, vistas pelos outros agentes. Por isso, denominamos o leilão de clock auction limitado.

Dado que o leilão é um leilão de compra, o leilão é reverso. Assim, justifica-se a classificação

dessa fase como um clock auction reverso e limitado.

A primeira fase foi completada com 21 rodadas. Apenas o produto 2007-08 terminou a

primeira fase classificado como Aberto. Pode-se perceber pelo Gráfico 7 que a queda de

preços foi suave.

112

Quadro 6 – Preço de Encerramento da 1ª Fase

ProdutoPreço

Corrente (R$/MWh)

Situação

2005-08 62,1 Fechado

2006-08 71 Fechado

2007-08 77,7 Aberto

Rodada 21

Fonte: CCEE

Gráfico 7 – Evolução dos Preços

62,1

80

71

86

93

77,7

30

35

40

45

50

55

60

65

70

75

80

85

90

95

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Produto 2005-08

Produto 2006-08

Produto 2007-08

PF

PF PF

PFPF

PF PFPF

PF PF PF

PF =Produto Fechado

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE. Nota: Os trechos dos gráficos que não estão

assinalados correspondem aos momentos em que os respectivos produtos estavam classificados como Abertos.

A quantidade de agentes vendedores, 18 habilitados, pode indicar tanto o excesso de

oferta (descontratada) no sistema, bem como a atratividade da apresentação de mais de um

produto em um mesmo leilão.

O fato da informação ter sido limitada indica uma redução do poder de mercado de

grandes agentes vendedores, o que, em tese, aumenta a competição e incentiva a entrada de

jogadores no leilão. Pode-se, dessa maneira, também justificar o número de 18 agentes

vendedores.

Em termos teóricos, a venda de mais de um contrato ao mesmo tempo (blocos de

energia multi-unidade, com períodos de fornecimento diferentes) é perfeitamente coberta

pelas características do tipo de leilão clock auction. Além disso, a avaliação de componentes

113

de valoração comum do bem eletricidade pode ser bem coberta através desse tipo de leilão, já

que ele possui fortes características do Leilão Inglês em contexto multi-unidade.

Contudo, a falta de informação prejudica a avaliação correta de complementaridades

dos Produtos. Isso reduz a probabilidade da alocação ser ótima. Essa dificuldade na avaliação

de complementaridades pode ser verificada ao se observar que todos os Produtos foram

classificados como Abertos e Fechados por mais de uma vez no leilão, mostrando que

provavelmente houve grande redistribuição da oferta nos Produtos ao longo do leilão. Quanto

maior a dificuldade de avaliar as complementaridades e o valor comum correto dos contratos,

maior o número de rodadas necessário para terminar o leilão.

É interessante, portanto, destacar que existe um trade-off entre a redução do poder de

mercado, que permite preços menores, e a alocação ótima do produto, no sentido de que o

vendedor com melhores condições de oferta realmente ganha o contrato e a oferta é adequada.

Esse trade-off é originado das características do clock auction somadas à informação limitada.

A força de cada um desses aspectos no resultado final não é facilmente determinada e

dependeria de inúmeras variáveis desconhecidas, como custos reais dos vendedores e

intenções de venda no início do leilão de cada um dos agentes participantes.

Além disso, o complicado mecanismo de processamento, que implicava consideração

de quantidade e de preço em relação aos preços de reserva, tenderia a tornar o número de

rodadas extenso. O número de rodadas também seria extendido se fossem necessários

diversos cortes de demanda, no caso da oferta ser insuficiente. Nesse leilão, contudo, deve-se

destacar que o número de rodadas não foi muito extenso, principalmente se for considerada a

venda simultânea de três Produtos. Logo, nesse caso, o esquema de processamento complexo

não chegou a prejudicar a condução do leilão.

Cabe também ressaltar que a classificação dos Produtos em Abertos e Fechados é a

definição da regra de troca de produtos nesse leilão. No caso brasileiro, os lotes associados a

Produtos Abertos podem ser transferidos, em parte ou em sua totalidade, para quaisquer

outros produtos, serem novamente alocados no Produto Aberto em que estavam, ou ainda

Excluídos do Leilão.

114

Essa regra de troca, entretanto, poderia fazer com que, de uma rodada para outra, a

oferta de um Produto Aberto fosse completamente transferida, tornando a oferta insuficiente.

Não havia limitações quanto a transferência de lotes entre produtos. Apenas em um Produto

momentaneamente Fechado, o lote estaria Comprometido. No caso do leilão de Nova Jersey,

por exemplo, a troca de lotes entre produtos era limitada até o ponto em que a oferta ficasse

igual à demanda. Dessa maneira, controla-se melhor a adequação da oferta em Nova Jersey.

Independente dessa possibilidade de falha na regra de troca, considera-se o resultado

dessa primeira fase do primeiro leilão bastante satisfatório, dado que os objetivos de preço e

quantidade foram alcançados em tempo razoável, por meio de 21 rodadas, sem necessidade de

exclusão de produtos e sem problemas com a regra de troca. A análise adequada dos

resultados do leilão só poderá ser feita a partir do entendimento da segunda fase, que será

feito na próxima subseção.

4.1.2 Segunda Fase

A segunda fase pode ser caracterizada como um leilão multi-unidade simultâneo de

uma única rodada, fechado e de preço discriminatório. Assim, na realidade, relembrando as

exposições do Capítulo 1, o comportamento deveria ser bem próximo dos leilões de Primeiro

Preço Selado, feitas as considerações devidas aos contextos multi-unidade. Essa fase iniciou

após um intervalo de 30 minutos decorridos do encerramento da primeira fase, exatamente às

17:51 h.

Ao início da fase, os vendedores sabiam a situação de seus lotes alocados em cada

produto e seus respectivos preços. Sabiam também quais produtos estavam Abertos e quais

estavam Fechados, ou seja, onde existia excesso de oferta e onde existia excesso de demanda.

Da mesma forma, teriam ainda visíveis suas disponibilidades e limites dados pelas garantias.

Os lances foram lances de preço. O tempo para inserção desse lance de preço foi de 15

minutos. Cada vendedor deveria escolher um preço para cada produto no qual depositou lotes.

Para cada produto onde possuísse lotes, o preço escolhido deveria ser menor ou igual ao

respectivo preço de encerramento desse produto na primeira fase. Continuando o exemplo

115

desenvolvido anteriormente na Figura 10, os quatro vendedores selecionados para a segunda

fase realizam lances de preço menores ou iguais os preços de encerramento da primeira fase.

Figura 13 - Exemplo 2ª FASE

V1 V2 V3 V4

QD OR

PC3

V1 V2V3 V4

QD OR

PC3

Nessa fase os vendedores devem fazer lances de preço menores ou iguais ao preço de encerramento da 1ª Fase para seus lotes.P

Q

P

Q

Fonte: Elaboração Própria

O preço escolhido para cada produto representava, portanto, uma proposta de preço

único para todos os lotes do agente alocados naquele produto. Na ausência de formalização de

lance, o sistema consideraria o preço de encerramento da primeira fase. O agente que não

tivesse lotes alocados em um determinado produto não poderia formalizar lance de preço para

esse produto.

Além disso, cada vendedor poderia apresentar uma proposta adicional de preço para

alocar lotes de Produtos Abertos em Produtos Fechados, também com preços inferiores ou

iguais aos preços correntes desses Produtos Fechados em questão. Em nosso exemplo,

nenhum agente fez proposta adicional.

Feitas as propostas, ou encerrado o tempo de lance, o que ocorreu primeiro, o sistema

ordenou primeiramente as propostas para cada um dos Produtos Abertos. As propostas foram

classificadas em ordem crescente de preços. Em caso de empate na classificação, foi feita uma

seleção aleatória para o desempate e ordenamento dos lances.

Em cada um dos Produtos Abertos, foram consideradas vencedoras, total ou

parcialmente, as propostas de menor preço associadas às quantidades de lotes necessários para

o atendimento da quantidade total demandada em cada produto.

116

As quantidades que não foram selecionadas nesse processo, mas que eram objeto de

propostas adicionais, passaram a concorrer nos Produtos Fechados com essas propostas

adicionais.

O sistema passou a ordenar, então, as propostas de preços para Produtos Fechados,

incluindo agora as propostas adicionais. Da mesma maneira que no caso de Produtos Abertos,

foram selecionadas as ofertas de menor preço necessárias para que se atendesse a demanda

para cada Produto Fechado. No caso de empate na classificação de propostas, a prioridade foi

das propostas originais e não das adicionais. Persistindo o empate, o critério de desempate

também foi o de seleção aleatória pelo sistema.

Em nosso exemplo, havia apenas um produto, que foi classificado como Fechado. O

sistema ordenou, então, as quatro propostas. Para atender a demanda, todos os vendedores

foram selecionados, sendo que o vendedor 1 teve sua proposta parcialmente atendida, já que

havia excesso de oferta em relação à demanda.

Figura 14 - Exemplo

V1V2V3V4

QD OR

PC3

Q

P

O sistem classifica os lotes por ordem crescente de preços. Os lotes necessários para completar a demanda são selecionados. Os outros são excluídos

Lotes Excluídos: Perdedor

Fonte: Elaboração Própria

Os preços de encerramento da segunda fase foram discriminatórios, ou seja,

corresponderam aos valores ofertados. No caso de aceitação de proposta inicial e adicional de

um mesmo vendedor em um mesmo produto fechado, o sistema definiu como preço de

fechamento desse produto para esse vendedor como sendo a média ponderada das propostas

atendidas.

Recapitulando a teoria dos leilões, segundo Klemperer (2001), os preços

discriminatórios são recomendados quando existe possibilidade de colusão, porque são

capazes de inibi-la. Entretanto, observamos que a validade de suas conclusões estavam

117

associadas a um ambiente de lances ilimitados, que tornavam a oferta de energia infinitamente

divisível. Essa realidade não se aplica a essa segunda fase, embora a primeira fase não tenha

número de lances definido.

Mesmo assim, com a presença de fontes de oferta de energia diversa, com custos

distintos e o mercado ainda concentrado, pode-se afirmar que os preços discriminatórios são

adequados à luz da teoria dos leilões. Lembre-se que o sistema ordena as ofertas segundo os

preços, de forma crescente, selecionando prioritariamente as ofertas com preço mais baixo.

Fazer um lance com preço muito distante do custo de produção aumenta a renda

informacional auferida pelo jogador ao mesmo tempo em que aumenta o risco de se perder o

leilão, pois não se conhecem os custos dos demais jogadores. Os custos de fontes diversas são

diferentes, aumentando a incerteza da estratégia que não revela a verdadeira informação.

Além disso, os mercados concentrados, na presença de preços uniformes, são mais

facilmente manipuláveis, uma vez que não existe risco na estratégia que não revela a verdade,

pois o preço de equilíbrio é único. Sendo assim, a discriminação dos preços parece evitar que

os lances sejam diferentes dos custos reais.

A definição dos vencedores concluiu a segunda fase do leilão. Essa conclusão foi dada

às 18:06 h. Encerrada a definição dos vencedores, o rateio dos lotes de energia entre as

distribuidoras foi iniciado. O rateio significaria a distribuição dos lotes conseguidos por

produto segundo a proporção de participação de cada distribuidora na demanda declarada em

cada produto58. Com isso, todos os vencedores do leilão em um produto contratariam com

todas as distribuidoras que demandaram aquele produto.

Após o encerramento desse rateio, cada vendedor teve acesso a um relatório de suas

negociações59. Os vencedores tiveram, então, que indicar o percentual das quantidades de

energia vendidas relativas a cada submercado de energia. Dessa maneira, o leilão foi

efetivamente encerrado com a definição de submercados às 18:36h.

58 Para que essa distribuição fosse feita, primeiramente se faria a conversão dos valores de MW médio para MWh, com 3 casas decimais. 59 Contento o código dos produtos conseguidos, a identificação das distribuidoras compradoras em cada produto, a energia total que seria contratada em cada produto, o preço de fechamento de cada um desses produtos e as garantias que foram dadas, associadas aos lotes negociados.

118

O quadro abaixo apresenta o resultado final de preços da segunda fase, com os

respectivos lotes obtidos de cada vendedor vencedor no leilão. Dos 18 vendedores, 11 saíram

vencedores do leilão, totalizando 17.008 MW de energia vendidos. Dessa energia, 9054 MW

estavam associados ao Produto 2005-08, quantia que revela grande quantidade de energia

descontratada para esse período de transição. O restante da energia contratada está quase

integralmente alocado no Produto 2006-08 (6782 MW).

Quadro 7 – Resumo do Resultado do Leilão

Total

Lotes Vendidos

Preço de Fechamento

Lotes Vendidos

Preço de Fechamento

Lotes Vendidos

Prego de Fechamento

Lotes Vendidos

BREITENER P - - - - - - - - - -

CDSA P - - - - - - - - - -

CEC P - - - - - - - - - -

CEEE E 260 57,47 7,5% 152 67,87 4,4% - - - 412

CEMIG E - - - 927 69,58 2,0% - - - 927

CERAN P - - - - - - - - - -

CESP E 800 62,1 0,0% 1178 68,37 3,7% 20 77,7 0,0% 1998

CGTEE E - - - - - - - - - -

CHESF E 2500 52,79 15,0% 1054 60,35 15,0% 138 66,05 15,0% 3692

COPEL GERAÇÃO E 980 57,5 7,4% 368 67,62 4,8% 81 75,44 2,9% 1429

DUKE P 214 59,98 3,4% 58 69,98 1,4% 218 75,98 2,2% 490

ELETRONORTE E 672 56 9,8% 328 63,9 10,0% 550 77 0,9% 1550

EMAE E 85 60,84 2,0% 33 69,21 2,5% 5 75,75 2,5% 123

ESCELSA P 87 57 8,2% 27 64 9,9% - - - 114

FURNAS E 3076 60,94 1,9% 2527 69,58 2,0% 150 77,7 0,0% 5753

LIGHT P 380 51,73 16,7% 130 61,12 13,9% - - - 510

TEC P - - - - - - - - - -

TRACTEBEL P - - - - - - 10 70,89 8,8% 10

TOTAL 9054 - 6782 - 1172 - 17008

Decremento PI = R$ 71

Decremento PI = R$ 77,7

Vendedor

2005-08 2006-08 2007-08Decremento PI = R$ 62,1

Estrutura de Capital

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura

de capital “P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.

Recapitulando a análise teórica do primeiro capítulo, a segunda fase foi claramente

confeccionada para extrair a renda informacional dos agentes avessos ao risco. Quanto maior

a aversão ao risco, maior a perda ocasionada pela incerteza do leilão de Primeiro Preço

Fechado, fazendo com que os agentes sejam mais agressivos em seus lances. Nessas

condições, preços menores serão alcançados, a custa de uma alocação que pode não ser ótima.

Observando os lances ganhadores e comparando-os com os preços de encerramento da

primeira fase, ou seja, os decrementos em relação aos preços iniciais, pode-se perceber que o

objetivo de extração da renda informacional foi bem alcançado. Com exceção de quatro casos,

todos os lances do leilão apresentaram decrementos consistentes.

Deve-se lembrar que as estruturas de custo e de financiamento dos agentes do setor

elétrico são diversas, influenciando sobremaneira a aversão ao risco. Esse fato é comprovado

119

quando se observa a diversidade dos preços finais de venda na segunda fase. Comparando o

preço do final da primeira fase de cada produto com o preço de fechamento da segunda fase,

observa-se que os decrementos de cada vencedor foram bastante variados e que a maioria das

reduções, inclusive de empresas de capital privado, foi significativa.

Muito embora a principal variável de avaliação dos jogadores seja seu próprio custo,

sabe-se que existe um componente de valor comum. Observando a grande diferença entre os

preços dos lances, pode-se afirmar que os jogadores devem ter vivenciado a “maldição do

vencedor” ao descobrir os preços dos seus oponentes. Para os agentes vendedores, essa

descoberta geraria expectativas negativas, mesmo se os preços do ACL e de venda de curto

prazo fossem essencialmente menores que o preço conquistado no leilão.

A análise do objetivo de adequação da oferta é limitada dada a falta de estatísticas

claras e oficiais sobre a quantidade demandada no leilão. Com base nas estatísticas divulgadas

pelo MME e pelas distribuidoras, por meios de comunicação, os percentuais de atendimento

para 2005, 2006 e 2007 foram de 98,92%, 91,5% e 100%, respectivamente. Obviamente, o

atendimento de menos de 100% da demanda não é satisfatório, mas os altos índices, acima de

90%, devem ser ponderados aos preços considerados baixos, que garantiram o objetivo de

modicidade tarifária. O quadro abaixo resume as estatísticas de atendimento.

Quadro 8 – Atendimento da Demanda

AnoDemanda Estimada

(MW)

Oferta Contradada

(MW)

Déficit (MW)

2005 9152,85 9054,00 98,85

2006 7412,02 6782,00 630,02

2007 1172 1172 0 Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados do MME e ONS.

Por último, podem-se classificar os vencedores em privados e estatais60. O gráfico

abaixo representa o percentual em relação ao total de energia adquirida no leilão. A

predominância foi de vencedores estatais.

60 Adotando como critério de classificação os percentuais acionários do estado e de capitais privados; o maior acionista define a classificação.

120

Gráfico 8 – Participação do Capital na Venda de Energia

Participação nas Vendas

Estatal93,4%

Privada6,6%

Fonte: Elaboração Própria

Pode-se especular sobre as causas dessa participação majoritária de empresas estatais,

mas a falta de dados sobre as ofertas de quantidade de lotes nos lances de cada competidor ao

longo do leilão, os seus reais custos e as alternativas de preço no ACL (custo de oportunidade)

impedem uma conclusão realmente sólida.

Entre as causas propagadas por vários agentes vendedores privados que não colocaram

ofertas no leilão, estaria o nível de preços, considerado exageradamente baixo. Essa afirmação

poderia ser contestada em parte pelo menos para o ano de 2005, ao se observar os níveis de

preços da energia praticados no mercado de curto prazo, que ao longo do ano obtiveram

média simples de R$ 26,9561, com pequena variância. Deve-se, contudo, entender que a falta

de dados sobre os preços praticados nos contratos no ACL (atuais e futuros) e sobre os custos

verdadeiros dos agentes não permite descartar a hipótese de preços baixos62.

Independente na participação das vendas, deve-se enfatizar que a oferta foi adequada à

demanda no ano de 2007 e quase totalmente atendida no ano de 2005, com menos de 2% da

demanda não atendida. Pra 2006, o déficit é bem próximo de 10%, valor que é realmente

significativo. Entretanto, os preços ficaram consideravelmente abaixo dos preços de

encerramento da primeira fase. Em média, para o ano de 2005, 2006 e 2007, os decrementos

foram de 7,2%, 6,3% e 4%, respectivamente, muito embora a variância dos decrementos seja

significativa.

61 Média de preços mensais de energia nos quatro submercados. 62 Além disso, os preços de curto prazo futuros refletirão situações de oferta e demanda pontuais, que podem ser bem diferentes das condições atuais.

121

Como já foi observado, mesmo que houvesse regras que poderiam complicar o

sucesso do leilão, o número de rodadas da primeira fase não foi extenso e houve um excesso

inicial de oferta no leilão na primeira fase (mais de um Produto Aberto). Entretanto, a

demanda não foi completamente atendida e o atendimento era um objetivo crucial proposto

pelo modelo.

Efetivamente, a vantagem do primeiro tipo de leilão adotado foi a retirada de parte da

renda informacional dos agentes através da segunda fase, proporcionando o atendimento do

objetivo de modicidade tarifária. Logo, pode-se afirmar que foi estabelecido um processo

capaz de introduzir forças competitivas na venda de energia elétrica, que reduziram o preço da

eletricidade. A magnitude da competição artificialmente alcançada e as implicações do nível

de preços para as expectativas e investimentos futuros, contudo, não podem ser efetivamente

discutidas dada a limitação de dados disponíveis sobre os custos reais das empresas e seus

lances ao longo do leilão.

4.2 Segundo Leilão de Energia Existente63

O segundo leilão de energia deveria adquirir dois tipos de Produtos para as

distribuidoras: energia com início de suprimento em 2008 e energia com início de suprimento

em 2009. Os Produtos seriam identificados no jogo com o mesmo formato padrão AAAA-

BB, ou seja, eram oferecidos os produtos 2008-08 e 2009-08. Algumas novidades forem

implementadas na sistemática, embora ela fosse essencialmente igual a do primeiro leilão.

Analisaremos essa diferença no momento oportuno.

Os agentes vendedores que se mostrassem interessados em participar do leilão

precisariam se submeter ao mesmo processo de pré-qualificação do primeiro leilão e de

depósito de garantias financeiras. No dia do leilão, 02/04/2005, as mesmas informações

cruciais foram inseridas no sistema do leilão. Apenas o preço inicial por produto foi divulgado

aos vendedores.

O leilão iniciou precisamente às 10:30 h. Participaram do Leilão 50 empresas, sendo

34 compradoras e 16 vendedoras. Esse leilão também foi composto de duas fases: a primeira

63 A análise está baseada no Detalhamento da Sistemática de Leilão 001/2005.

122

para classificação dos vendedores mais aptos para atender a oferta de referência e a segunda

para definir quais vendedores seriam menos custosos para atender à demanda de cada

produto.

4.2.1 Primeira Fase

A primeira fase do segundo leilão foi exatamente igual à primeira fase do primeiro

leilão. Logo, pode ser descrita também como um leilão multi-unidade e multi-rodada, mais

especificamente um clock auction reverso de informação limitada. Cada uma das rodadas a

serem realizadas poderia ser dividida nas mesmas 3 etapas distintas. Na primeira rodada, os

lances seriam feitos aos preços iniciais. Esses preços iniciais estão apresentados no quadro

abaixo.

Quadro 9 – Preços Iniciais

Produto

Preço Corrente

(R$/MWh)

2008-08 99

2009-08 104

Rodada 1

Fonte: CCEE

Da mesma forma, o lance na primeira fase seriam as quantidades de lotes que se

desejassem alocar em cada um dos produtos oferecidos aos preços correntes anunciados pelo

sistema e o processamento dos lances é exatamente a mesma da do primeiro leilão; por isso,

os detalhamentos desse processamento serão omitidos aqui. Basta apenas retornar à primeira

sistemática e observar a Figura 9 para observar o esquema de processamento dos lances da

segunda etapa.

A diferença dessa primeira fase para a primeira fase do primeiro leilão estava no preço

mínimo, definido anteriormente como PMAE, que passou a ser o PLD_min64 de R$

18,33/MWh. Abaixo desse nível de preços, os produtos seriam excluídos.

64 Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) mínimo. O PLD substituiu o PMAE com o surgimento da CCEE e a extinção do MAE.

123

A primeira fase foi completada com o número impressionante de 59 rodadas. Por

conta disso, a fase que iniciou às 10:30 h da manhã do dia 02/04/2006, terminou às 03:06 h da

madrugada do dia 03/04/2006.

Logo no processamento da primeira rodada, o Produto 2008-08 foi classificado como

Fechado, permanecendo com essa classificação até a quadragésima quinta rodada. O Produto

2009-08, contudo, permaneceu até essa mesma rodada classificado como Aberto, sendo

excluído no processamento da quadragésima sexta.

Quadro 10 e 11 – Processamento da Primeira e da Última Rodada

Produto

Preço Corrente

(R$/MWh) Situação

2008-08 99 Fechado

2009-08 102,1 Aberto

Resultado do processamento da 1ª Rodada

Produto

Preço Corrente

(R$/MWh) Situação

2008-08 83,5 Fechado

2009-08 -- Excluído

Rodada 59

Fonte: CCEE

Gráfico 9 – Evolução dos Preços

83,5

99

63,3

104

0

20

40

60

80

100

120

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59

Produto 2008-08

Produto 2009-08

Excluído

Produto Fechado

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE. Nota: Os trechos dos gráficos que não estão assinalados

correspondem aos momentos em que os respectivos produtos estavam classificados como Abertos.

124

Deve-se atentar para o fato de que a classificação inicial dos Produtos não foi alterada

mesmo após várias reduções de preço do Produto 2009. Seria racional esperar que, se

houvesse oferta suficiente, a diminuição de preços provocaria a migração de lotes, que

poderia alterar essa classificação. Entretanto, não existem dados de oferta disponíveis na

CCEE para que se possa verificar se realmente houve oferta suficiente para o ano de 2009,

enquanto faltava oferta para 2008, ou se cortes de demanda foram usados, alterando a

classificação dos Produtos.

Da mesma maneira, não existe evidência clara sobre a motivação da exclusão do

Produto 2009-08. No dia do leilão, a CCEE alegou que a exclusão foi feita já que a demanda

estava maior do que a oferta, impedindo que o processo continuasse. Entretanto, se este fosse

o único empecilho, deveria haver, segundo a sistemática, um corte de demanda. O corte de

demanda só não poderia ser feito se a demanda já estivesse quase nula ou se não houvesse

mais oferta.

Sabe-se que a exclusão de um Produto só era prevista na sistemática se o PLD_min

fosse atingido. Esse fato não ocorreu. Dessa forma, várias especulações podem ser feitas para

estipular a causa da exclusão do produto.

A exclusão poderia ter sido resultante da retirada total da oferta pelos agentes, que

após as inúmeras reduções de preço poderiam ter optado por migrar para o Produto 2008-08.

Para analisar essa possibilidade é pertinente recordar a regra de troca do leilão brasileiro, que

era a mesma do primeiro leilão. De uma rodada para outra, a oferta de um Produto Aberto

poderia ser completamente transferida, tornando a oferta insuficiente. Não havia limitações

quanto à transferência de lotes entre produtos, desde que não se transferissem Lotes

Comprometidos.

Os cortes de demanda, podendo criar artificialmente Produtos Abertos, poderiam

também aumentar a probabilidade de que a transferência tornasse a oferta de algum Produto

nula, já que a quantidade de lotes negociada, a cada corte, seria cada vez menor. Logo, pode-

se especular que essa falta de limite para transferência entre Produtos, associada aos cortes de

demanda, pode ter sido a razão da exclusão do Produto 2009-08.

125

Como não há dados sobre os lances, ou sobre os cortes de demanda, devemos lembrar

que a exclusão pode ter sido uma iniciativa do próprio leiloeiro. Pode-se formular a hipótese

de que, por exemplo, a falta de oferta suficiente no leilão poderia ter ocasionado diversos

cortes de demanda ao longo das rodadas. A magnitude do corte na demanda pode ter sido

considerada elevada demais pelo leiloeiro, que pode ter optado por excluir um Produto na

tentativa de garantir a demanda do outro de maneira mais adequada.

Sabe-se que as ações do leiloeiro são bastante livres, desde que não desrespeitem a

regra divulgada na sistemática. Essa exclusão espontânea acarretaria a transferência

automática de lotes alocados no Produto excluído para o Produto ainda em negociação. De

qualquer forma, nenhuma hipótese pode ser comprovada, dada a falta de informações (e as

informações imprecisas divulgadas na imprensa) sobre os lances dos agentes e sobre as

escolhas do leiloeiro ao longo do leilão.

A pequena oferta inicial no Produto 2008-08, e talvez também no Produto 2009-08,

pode tanto significar uma reação negativa dos agentes em relação aos preços iniciais e à

presença do preço reserva, não divulgado, quanto uma esperança de que os preços de curto

prazo futuros para 2008 fossem efetivamente mais elevados.

Deve-se destacar que um fator adicional que pode ter contribuído para essa falta de

oferta global suficiente no leilão foi a possibilidade das usinas “Botox” descontratadas

poderem ser inseridas nos leilões de energia nova. Assim, os vendedores de energia estariam

dispensando as oportunidades de negócio desse leilão de energia existente na esperança de

que os preços dos leilões de energia nova fossem maiores. Essa brecha para a arbitragem de

preço entre tipos de energia deve ter sido uma influência muito grande sobre o

comportamento dos agentes.

4.2.2 Segunda Fase

A segunda fase pode ser caracterizada como um leilão simultâneo de uma única

rodada, fechado e de preço discriminatório, mas com dois lances possíveis. Assim, na

realidade, relembrando as exposições do Capítulo 1, o comportamento deveria ser próximo

dos Leilões de Primeiro Preço Selado, modificado pela possibilidade de se fazerem duas

126

propostas de lance. Essa fase iniciou após um intervalo de 30 minutos decorridos do

encerramento da primeira fase, exatamente às 03:36 h.

Ao início da fase, os vendedores sabiam a situação de seus lotes alocados em cada

produto e seus respectivos preços. Saberiam também quais produtos estavam Abertos e quais

estavam Fechados, ou seja, onde existia excesso de oferta e onde existia excesso de demanda.

Da mesma forma, teriam ainda visíveis suas disponibilidades e limites dados pelas garantias.

Os lances foram lances de preço, mas cada vendedor pôde segregar os Lotes Livres e

os Lotes Comprometidos alocados em seus respectivos produtos no fim da primeira fase em

até duas quantidades associadas a dois preços distintos, ainda mantidas nos mesmos produtos

que estavam. Ou seja, o jogador poderia separar os lotes de um produto em dois conjuntos,

cada um com uma oferta de preço para aquele produto. Os lances distintos foram avaliados de

forma independente na classificação do sistema. Essa foi a novidade que diferenciou

efetivamente o segundo leilão do primeiro. Obviamente, os preços ainda deveriam ser

menores ou iguais aos preços correntes do término da primeira fase para cada produto. O

tempo de inserção de lance seria de quinze minutos.

Relembrando o exemplo apresentado para o primeiro leilão a partir da Figura 10,

podemos estipular o andamento da segunda fase seguindo o novo critério, que permite a

separação dos lotes em duas quantidades. Em nossa continuação do exemplo, dois vendedores

resolveram explorar a utilização da regra de segregação, o vendedor 1 e o vendedor 3.

Figura 15 - Exemplo

V1 V2 V3 V4

QD OR

PC3

QD OR

PC3

V2V4

V3V 1

Nessa fase os vendedores devem fazer lances de preço menores ou iguais ao preço de encerramento da 1ª Fase para seus lotes.

Os vendedores podem separar seus lotes em dois conjuntos com preços diferentes.

Fonte: Elaboração Própria

127

Nesse leilão também poderia ser feita uma proposta adicional para alocar em Produtos

Fechados os lotes livres não atendidos em Produtos Abertos. Da mesma forma inovadora,

poder-se-ia segregar os lotes livres em duas quantidades com dois preços distintos. Isso

significaria que se poderiam fazer dois lances distintos também na proposta adicional. Essa

possibilidade não será incluída no exemplo.

Na ausência de formalização de lance, não inserindo preços para um ou mais produtos

onde possui lotes alocados, o sistema considerou o preço corrente de encerramento da

primeira fase.

Teoricamente, a possibilidade de fazer mais de uma proposta torna o jogo menos

arriscado para os jogadores. Isso porque um jogador mais avesso ao risco torna-se propenso a

fazer uma proposta menos ousada, que não reflete seus custos reais, conjugada a uma segunda

proposta mais agressiva, para recuperar parte da renda que perderia com a “maldição do

vencedor”.

Anteriormente, com apenas um lance, uma proposta pouca agressiva poderia não ser

selecionada, mesmo que o jogador tivesse custo baixo o suficiente para ser selecionado. O

jogador com aversão ao risco descarta o lance menos agressivo e revela, portanto, sua

verdadeira informação, perdendo renda, pois prefere ganhar o leilão e ter contrato do que ficar

descontratado e não ter renda nenhuma. A possibilidade de fazer mais um lance permite que o

jogador faça uma estratégia mista: um lance que revela sua informação e pode ganhar o leilão

se seu custo for realmente baixo e outro lance de preço mais alto, que pode ser selecionado e

auferir uma renda extra para o vendedor, compensando em parte o lance de preço mais baixo.

Com isso, a revelação total de informação seria prejudicada.

Obviamente, a possibilidade de se observarem propostas menos agressivas, com pouca

redução de preço em relação ao preço inicial da segunda fase, poderia ser atenuada se a oferta

de energia elétrica fosse reconhecidamente maior do que a demanda.

Pode-se concluir que o excesso de oferta ajudaria na revelação da verdade porque um

maior número de jogadores em um determinado leilão tende a aumentar o risco da estratégia

de não revelação da verdade. Quanto maior a concorrência, menor a probabilidade de ganhar,

mesmo que se tenha custos baixos, quando se fazem lances de preço muito distantes ou sem

128

muita correlação com os verdadeiros custos de produção. Para os jogadores com mais aversão

ao risco, a menor probabilidade de vencer o leilão acaba levando aos lances mais agressivos.

Deixando de lado as observações sobre os comportamentos possíveis, quando todas as

propostas foram feitas, ou o tempo de lance foi encerrado, o processamento foi semelhante ao

da segunda fase do primeiro leilão: o sistema ordenou, por ordem crescente de preços, as

propostas dos Produtos Abertos, selecionando as necessárias para completar a demanda, e

depois fez o mesmo com os Produtos Fechados, incluindo as propostas adicionais para os

lotes não atendidos em Produtos Abertos. A diferença foi a possibilidade de existirem duas

propostas de um mesmo vendedor, propostas essas que foram consideradas

independentemente na ordenação dos lances e na escolha das propostas vencedoras.

Retornando ao exemplo com os vendedores que colocaram propostas na Figura 15, o

sistema ordenaria por ordem crescente de preços as propostas dos quatro vendedores,

avaliando separadamente as propostas de um mesmo vendedor que segregou as quantidades.

Nesse processo, partes dos lotes dos vendedores 1 e 3 foram excluídas.

Figura 16 - Exemplo

QD OR

PC3

V2V4V 3V1

O sistem classifica os lotes de forma independente, por ordem crescente de preços. Os lotes necessários para completar a demanda são selecionados. Os outros são excluídos. Lotes Excluídos:

Perdedores

Fonte: Elaboração Própria

Os preços de encerramento da segunda fase foram discriminatórios, ou seja,

corresponderam aos valores ofertados com os lotes. Nesse sentido, valem os mesmos

comentários sobre preços discriminatórios feitos no primeiro leilão. A definição dos

vencedores concluiu a segunda fase do leilão. Essa conclusão foi dada às 03:51 h. O leilão foi

efetivamente encerrado após o rateio dos lotes e a definição de submercados, o que ocorreu às

04:21 h.

129

O quadro abaixo apresenta o resultado final de preços da segunda fase, com os

respectivos lotes obtidos de cada vendedor vencedor no leilão. Dos 16 vendedores, 10 saíram

vencedores do leilão, totalizando 1.325 MW de energia vendidos. Com a exclusão do Produto

2009-08 na primeira fase, essa oferta se refere apenas ao Produto 2008-08.

Quadro 12 – Resumo do Resultado do Leilão

2008-08 2009-08

(MWh) ( MWh)

lotes vendidos

preçolotes

vendidospreço

CDSA P 133 83,48 0,02% - - 133

CEC P - - - - - -

CELPA P 23 83,50 0,00% - - 23

CEMIG GERACAO

E 105 83,50 0,00% - - 105

CERAN P - - - - - -

CESP E 170 83,50 0,00% - - 170

CGTEE E 104 83,50 0,00% - - 104

CHESF E 450 83,50 0,00% - - 450

COPEL GERACAO

E 80 82,32 1,41% - - 80

DUKE ENERGY P - - - - - -

ELETRONORTE E 90 83,47 0,04% - - 90

ENERSUL P 20 78,50 5,99% - - 20

FURNAS E - - - - - -

TEC P 150 81,55 2,34% - - 150

TERMOPE P - - - - - -

TRACTEBEL P - - - - - -

TOTAL 1.325 - 1.325

VendedorDecremento PI = R$83,5

Total lotes vendidos

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura de capital

“P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.

Muito embora esta segunda fase tenha tido o mesmo propósito da segunda fase do

primeiro leilão, ou seja, de extrair a renda informacional dos agentes e explorar a aversão ao

risco dos mesmos, essa estratégia não foi tão efetiva nesse segundo leilão.

Os preços de encerramento da segunda fase ficaram muito próximos do preço final da

primeira fase e apenas três agentes apresentaram propostas com reduções de mais de 1% em

relação a esse preço. Mesmo nos casos em que houve redução maior que 1%, os valores das

reduções são bem inferiores aos observados no primeiro leilão, não ultrapassando 6% de

decréscimo. Desta vez, o decremento médio do preço final em relação ao preço inicial da

segunda fase foi de 0,98%.

130

Esse resultado não é absurdo ou inesperado, devido às considerações já feitas em

relação a possibilidade de dois lances serem feitos por cada agente. A existência de dois

lances torna o jogo menos arriscado. Além disso, o fato do Produto 2009-08 ter sido excluído

do leilão e do Produto 2008-08 ter sido classificado na última rodada da primeira fase como

Fechado gerou informação para os agentes: a competição era insuficiente. Essa informação

deve ter tido influência sobre a escolha de pequenos decrementos em relação ao preço inicial.

Outro fator que deve ter contribuído para as pequenas reduções observadas seria o resultado

do primeiro leilão de energia, onde a “maldição do vencedor” esteve presente. Um jogador

preparado estimaria seu lance com mais precisão a partir das informações geradas pelo

primeiro leilão.

Mais uma vez, deve-se destacar a falta de dados oficiais sobre a demanda para cada

Produto, principalmente porque, após o leilão, o MME declarou que cobriria a demanda

através dos próximos leilões. Em declaração para imprensa, o MME afirmou que cerca de

50% da demanda de 2008 foi atingida. Usando dados de demanda estimados pela ONS e pela

Eletrobrás, conclui-se que esse percentual de atendimento deve ter sido de 42%, não tão perto

dos 50% declarados. De qualquer maneira, o atendimento da demanda declarada não foi

satisfatório. Utilizando o valor de 42%, podem-se obter os dados colocados no quadro abaixo.

Quadro 13 – Atendimento da Demanda

AnoDemanda Estimada

(MW)

Oferta Contradada

(MW)

Déficit (MW)

2008 3154,00 1325,00 1829,00 Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da ONS.

É também possível classificar os vendedores em privados e estatais65, da mesma

maneira apresentada no primeiro leilão de energia. O gráfico abaixo representa o percentual

de cada tipo de empresa em relação ao total de energia adquirida no leilão.

65 Adotando como critério de classificação os percentuais acionários do estado e de capitais privados; o maior acionista define a classificação.

131

Gráfico 10 – Participação do Capital na Venda de Energia

Participação nas Vendas

Privada 24,6%

Estatal 75,4%

Fonte: Elaboração Própria.

Mais uma vez, observa-se a predominância dos empreendimentos estatais na venda da

energia; entretanto, o percentual de participação de agentes privados no segundo leilão foi

maior do que no caso do primeiro leilão. Esse resultado deve ser relativizado, já que no

primeiro leilão três Produtos foram vendidos, enquanto nesse, apenas um Produto foi

negociado.

Cabe destacar que a falta de informação sobre os lances da primeira fase de cada

agente, seus custos de produções e sobre os preços futuros da energia para os anos de 2008 e

2009 não permitem a formalização de uma conclusão robusta sobre o resultado alcançado.

Entretanto, a exclusão do Produto 2009, já analisada anteriormente, por motivação do

leiloeiro ou dos próprios agentes, por si só já revela que essa regra não foi capaz de atrair

competição suficiente para o leilão aos preços escolhidos. Nesse sentido, o objetivo do leilão

não foi amplamente atingido, uma vez que o atendimento da demanda para o ano de 2009 não

pôde ser alcançado.

A existência de uma brecha para arbitragem de preços entre leilões de energia

existente e energia nova, com a permissão da energia Botox participar dos leilões de energia

nova, deve ter contribuído para que a oferta tenha sido pequena. Além dessa possibilidade, o

“esvaziamento” de produtos através das regras de troca, identificado na primeira fase do

leilão, conjugado ao mecanismo de corte de demanda que pode ter induzido a exclusão do

produto, representam falhas na regra do leilão.

Independente da magnitude com que prejudicaram o atendimento da demanda, a

existência da falha desqualifica a regra para nova utilização em outros leilões de energia

132

existente, porque implica na não credibilidade no poder do leiloeiro estabelecer um

mecanismo compatível de incentivo.

Relembrando a análise teórica dos leilões, os mecanismos compatíveis de incentivo

são aqueles em que a revelação da verdade é a melhor estratégia para cada jogador. Ou seja, a

partir dos resultados, à luz da teoria dos leilões, pode-se afirmar que a regra do segundo leilão

não induziu a revelação dos verdadeiros custos de produção dos agentes e não deveria ser

utilizada pelo leiloeiro. Se os agentes não acreditam que a regra leva ao melhor resultado com

a revelação dos verdadeiros custos, nunca irão revelar a verdade, destruindo o objetivo de

modicidade tarifária.

Cabe também destacar que, muito embora a regra coopere no estabelecimento de

algum nível de competição, a oferta realmente colocada no leilão, ou seja, a competição real

do processo, é decisão exclusiva dos agentes vendedores. Por conta disso, é importante

estabelecer que os incentivos dados no leilão, juntamente com as restrições dadas pela energia

já contratada no ACL, representam limitantes à competição verificada em cada leilão, mas

não determinam qual será a verdadeira oferta observada no leilão.

Como atenuante para essa possível desqualificação inicial de algumas das regras do

segundo leilão, pode-se citar, como será visto no quarto leilão e no leilão de energia nova, que

o Produto 2008 foi novamente leiloado, com regras diferentes. De fato, principalmente para o

período de transição, as questões relativas aos tipos de produtos presentes em cada leilão são

bastante flexíveis. O regulador pode aproveitar da elaboração de sistemáticas sem regras

fixadas previamente para poder tentar cumprir os objetivos de atendimento ao longo de vários

leilões, testando e adaptando os mecanismos livremente, desde que atendendo a determinados

quesitos básicos, presentes na lei 10.848 e no decreto 5.163.

4.3 Terceiro e Quarto Leilões de Energia Existente66

O terceiro e o quarto leilão tinham propósitos diferentes. O terceiro leilão teria uma

função de ajuste à carga ainda descontratada; a energia seria contratada com início de

suprimento em 2006, em um contrato de suprimento de apenas três anos. O quarto leilão

66 A análise feita está baseada no “Detalhamento da Sistemática de Leilão 003/2005”.

133

deveria alocar o Produto 2009, que foi excluído do segundo leilão. Embora com Produtos tão

diferentes, a sistemática dos dois leilões foi a mesma e os dois leilões ocorreram no mesmo

dia. Por conta disso, os leilões são apresentados juntos nessa subseção. Essa sistemática

apresentou modificações profundas em relação à anteriores, sendo, então, fundamental

analisá-la detalhadamente.

Como só um produto estava sendo vendido por leilão, os vendedores não tinham

problemas para escolher entre Produtos, nem havia necessidade de regras de troca. Embora os

leilões fossem no mesmo dia, não seriam simultâneos. Os dois leilões eram processos

separados. Mesmo assim, os Produtos permaneciam com o esquema de códigos anterior aos

outros leilões.

O edital do leilão a sistemática e as minutas dos CCEAR foram publicadas no dia

22/08. Os agentes vendedores que se mostraram interessados em participar do leilão

precisaram se submeter ao mesmo processo de pré-qualificação e de entrega de intenção de

venda. O esquema de depósitos de garantias foi o mesmo dos anteriores. Para facilitar o

entendimento do mecanismo e permitir a melhor preparação dos agentes, foram feitas

simulações dos dois leilões no dia 07/10.

No dia dos leilões, 11/10/2005, as informações cruciais foram cadastradas no sistema

eletrônico. Primeiramente ocorreria o terceiro leilão e apenas após o seu encerramento,

decorrido um intervalo, iniciaria o quarto leilão.

Antes de cada leilão, um custodiante registrou os valores de garantias de cada agente

participante. O MME inseriu no sistema, em segredo, para cada leilão, a quantidade

declarada, o fator de referência, o parâmetro de decremento e o preço inicial. A partir dessas

informações, o sistema calculou a quantidade total demandada, que nada mais era do que a

soma das quantidades declaradas. É importante perceber que não havia mais a figura do preço

reserva.

Acusado de ter sido o responsável pelo fracasso do segundo leilão, o preço reserva foi

abolido da nova sistemática. Entretanto, o preço inicial passaria a figurar como o novo teto

para compra de energia. Esse preço inicial foi efetivamente definido como o preço máximo de

aquisição de energia, cumprindo, portanto, o papel do preço reserva.

134

Dessa forma, trocou-se o preço inicial diferente e maior do que o preço de reserva pelo

preço inicial definido como sendo o próprio preço de reserva. Como conseqüência dessa

troca, os preços iniciais nesses dois novos leilões foram essencialmente menores que os

preços iniciais dos produtos com mesma data de início de suprimento licitados

anteriormente67. Assim, na verdade, apenas se trocava o preço de reserva implícito,

desconhecido ao longo do leilão, por um preço de reserva explícito, conhecido a partir do

início do leilão.

A última a inserir informações prévias ao leilão no sistema foi a ANEEL, declarada a

nova coordenadora do leilão. Em relação a essa mudança institucional, deve-se perceber que a

responsabilidade pela condução do processo era já de posse da ANEEL, mas nos leilões

anteriores essa responsabilidade foi repassada à CCEE. Nesses novos leilões, a ANEEL

assumiu um papel mais ativo no processo, ainda apoiada pela CCEE, mas efetivamente

tomando decisões dentro do leilão.

Nesse sentido, durante a primeira fase dos leilões, a coordenadora poderia alterar o

tempo de inserção de lance, a seu critério, interrompendo o leilão após uma rodada para

realizar a mudança, que valeira para a próxima rodada. Dessa maneira, a coordenadora

poderia adaptar o leilão de acordo com as informações reveladas aos agentes, diminuindo o

tempo total do leilão quando a inserção de lances fosse rápida ou aumentando o tempo de

inserção de lance se sentisse alguma dificuldade ou quisesse permitir melhor cálculo dos

vendedores.

A ANEEL também ficou responsável pela inserção da disponibilidade de lastro

comprovada por cada vendedor, em lotes de energia, para cada leilão. Essa quantidade foi

também limitante para os lances. Além disso, inseriu o tempo entre cada fase do leilão e o

tempo da única rodada da segunda fase do leilão.

Começando com o terceiro leilão, os vendedores puderam acessar o sistema a partir

das 8:00 h para validar suas garantias e lastros. O preço inicial do Produto 2006 foi divulgado

às 8:30 h. O quarto leilão começou após um intervalo dado ao fim do terceiro leilão, com

67 Para tanto, basta ver os preços iniciais do Produto 2006-08 do primeiro leilão e do Produto 2009-08 do segundo leilão.

135

verificação de garantias e lastros às 14:00 h. O preço inicial do Produto 2009 foi divulgado às

14:30 h.

O terceiro leilão iniciou precisamente às 09:15 h. Participaram do leilão 13 vendedores

e 5 distribuidoras. O quarto leilão foi iniciado às 15:00 h. No quarto leilão participaram 15

vendedores e 17 distribuidoras. Os leilões também foram compostos de duas fases: a primeira

para classificação dos vendedores mais aptos e a segunda para definir quais vendedores

seriam menos custosos para atender à demanda de cada produto.

4.3.1 Primeira Fase

Recapitulando a teoria dos leilões, essa fase pode ser descrita como um leilão multi-

unidade e multi-rodada, mais especificamente um clock auction reverso de informação

limitada. Essa é a mesma classificação dada para as primeiras fases dos outros leilões.

Contudo, existe uma diferença crucial na dinâmica dessas fases: foram disponibilizados dois

preços como referência para que se fizessem os lances de quantidade. Para entender essa

diferenciação, parte-se para a descrição das especificidades dessa nova sistemática.

O leilão continuaria diversas rodadas, mas em número necessário apenas para atingir a

quantidades de lotes desejada pela coordenadora. O objetivo de preço estava já garantido, uma

vez que o preço reserva era igual ao preço inicial. Cada uma das rodadas a serem realizadas

poderia ser dividida nas mesmas 3 etapas distintas: uma para que se fizessem os lances, outra

para que se processassem os lances e os resultados e a última para divulgar os resultados para

cada agente. O tempo de inserção do lance inicial seria de apenas cinco minutos, lembrando

que esse tempo poderia ser alterado a qualquer momento no leilão.

Contudo, existiriam dois tipos de preço ao longo dessa fase: o preço corrente e o preço

de lance. O preço de lance era o preço ao qual as quantidades de energia deveriam ser

escolhidas. Esse era o preço sobre o qual se aplicava o decremento a cada rodada em que se

verificasse excesso de oferta. Dessa forma, as ofertas seriam feitas condicionadas ao preço de

lance anunciado no sistema. O preço corrente foi definido como igual ao preço de lance da

136

rodada imediatamente anterior. Excepcionalmente na primeira rodada, o preço de lance foi

igual ao preço corrente. O quadro abaixo resume a definição desses preços68.

Quadro 14 – Dinâmica de Preços

Rodada12 PL2 = PL1*d PC2=PL1

3 PL3 = PL2*d PC3=PL2

PL = preço de lancePC = preço corrente

PL1 = PC1

Relação de Preço

d = Decremento * = sinal de multiplicação

Fonte: Elaboração Própria

Ao longo de cada rodada, cada um dos vendedores poderia ver o código, o preço de

lance e preço corrente do produto. Também veria um contador regressivo do tempo de

inserção do lance e as disponibilidades de lotes. Abaixo, pode-se observar os preços iniciais

tanto do terceiro como do quarto leilão.

Quadro 15 e 16 – Preços Iniciais do Terceiro e do Quarto Leilões

3º Leilão

Produto

Preço Corrente

(R$/MWh)

Preço de Lance

(R$/MWh)

2006-03 73 73

Rodada 1

4º Leilão

ProdutoPreço

Corrente (R$/MWh)

Preço de Lance

(R$/MWh)

2009-08 96 96

Rodada 1

Fonte: CCEE

O lance na primeira fase foi composto das quantidades de lotes que se desejavam

alocar no Produto ao preço de lance anunciado. O limite para o lance continuou sendo a

garantia e o lastro disponível na primeira rodada. A partir da segunda rodada também se

68 É fácil perceber pelo quadro ** que uma maneira alternativa de calcular o preço de lance de uma rodada é aplicar o decremento sobre o preço corrente dessa mesma rodada em questão, já que esse preço corrente é exatamente o preço de lance da rodada anterior.

137

considerou como limitante o número de lotes oferecidos nas rodadas imediatamente

anteriores.

Os lances foram feitos em números inteiros positivos. Uma vez que se submetesse um

lance, o sistema iria processar o lance comparando a quantidade ofertada com o lastro

disponível por produto e a garantia física de cada vendedor. Estando dentro dos limites, os

agentes confirmariam o lance como válido e não poderiam mais cancelar ou alterar a

quantidade escolhida durante aquela rodada.

De acordo com a alocação dos lotes, os lotes seriam classificados pelo sistema como

Lotes Atendidos ou Lotes Excluídos. Um lote seria chamado de Atendido quando estivesse

alocado no lance e, portanto, estaria disponível para oferta na rodada posterior. Um lote seria

considerado Excluído quando não fosse incluído no lance.

A diferença de classificação dos lotes em relação aos outros leilões se dá porque agora

só se vendia um produto por leilão, que ainda foi multi-unidade69. Como só haveria um

Produto em cada leilão, acabava a complicação da avaliação de complementaridade dos

contratos de um mesmo leilão, fato que possivelmente facilitaria o cálculo dos lances ótimos

dos agentes.

Para poder melhor entender o mecanismo, fornecemos um exemplo simplificado do

sistema. Supõe-se que quatro vendedores estão disputando o leilão. Ao início do leilão, são

divulgados o preço corrente e o preço de lance, que são iguais. Os lotes colocados no lance

por cada vendedor de energia foram considerados Lotes Atendidos. Na figura abaixo, todos os

retângulos representam o valor dos lances de quantidade dos jogadores, que são a largura

desse retângulo.

69 São comprados vários lotes de energia, mas os lotes não são mais diferenciados no tempo.

138

Figura 17 - Exemplo

V1 V2 V3 V4

Pre

çoQuantidade

PI = PC1 = PL1

QD OR

Legenda: PI = Preço Inicial PC = Preço Corrente PL = Preço de Lance QD = Quantidade Demandada OR = Oferta de Referência

Rodada 1 – 1ª Etapa

Fonte: Elaboração Própria

Na segunda etapa da rodada, aceitos os lances, o sistema compararia a quantidade total

ofertada no leilão (somatório das ofertas nos lances) com a quantidade total demandada no

leilão (somatório das demandas declaradas). Mais especificamente, o sistema iria dividir essa

oferta total pela demanda total e comparar com o fator de referência. Desta vez, poderiam

ocorrer apenas dois resultados: (caso 1) a divisão dá um número maior que o fator de

referência; (caso 2) a divisão dá um número menor que o fator de referência.

Essa dinâmica era, portanto, mais simples que a dos primeiros leilões. Esse fato seria

reforçado pela presença de apenas um Produto por leilão. Provavelmente, o número de

rodadas tenderia a ser menor, uma vez que a comparação seria apenas entre oferta e demanda

e não incluiria questões de preço. De fato, pode-se concluir que a questão da modicidade

ganhou um pouco menos de importância, embora estivesse presente no preço inicial menor,

para abrir mais espaço à questão do atendimento.

No caso em que o resultado da divisão fosse maior que o fator de referência (caso 1),

concluir-se-ia que existia excesso de oferta. Dessa maneira, o sistema iria classificar os lotes

em Atendidos e Excluídos e aplicaria o decremento sobre o preço de lance, definindo, então, o

preço de lance para a próxima rodada. Seria calculado também o novo preço corrente para a

próxima rodada, que seria exatamente igual ao preço de lance dessa rodada atual. Cabe

lembrar que na primeira rodada dessa fase o preço de lance inicial foi igual ao preço corrente

inicial; logo, a partir da segunda rodada é que surgiriam as diferenças entre esses dois preços.

139

Continuando o exemplo apresentado na Figura 17 acima, supomos que o caso 1

realmente ocorreu. Dessa forma, um novo preço de lance (PL2) foi calculado para a próxima

rodada através da aplicação do decremento e o um preço corrente novo (PC2) será exposto,

sendo igual ao preço de lance anterior (PL1).

Figura 18 - Exemplo

V1 V2 V3 V4

Pre

ço

Quantidade

PI = PC2

QD OR

PL2

Rodada 1 – 2 ª Etapa

Legenda: PI = Preço Inicial PC = Preço Corrente PL = Preço de Lance QD = Quantidade Demandada OR = Oferta de Referência

Fonte: Elaboração Própria

Já no caso em que a divisão resultasse em número menor ou igual ao fator de

referência (caso 2), o sistema iria considerar a primeira fase concluída. Não haveria mais

rodadas e o preço de encerramento da fase seria o preço corrente dessa rodada.

O esquema abaixo apresenta o detalhamento dos resultados possíveis de

processamento (caso 1 e caso 2) e o conseqüente resultado (realização de nova rodada ou

encerramento da fase). Em resumo, a primeira fase termina quando a oferta do leilão é menor

ou igual à oferta de referência.

140

Figura 19 – Processamento da Primeira Fase Detalhamento do Processamento

Lances = quantidade

de lotes

Etapa 1

Processamento dos lances

FRDTOT

>

Conclui Primeira Fase

Segunda FaseNova Rodada

Etapa 2

Etapa 3: Lotes Atendidos e Lotes Excluídos

FRDTOT

Novos Preços CorrentesNovos Preços de Lance

Fonte: Elaboração Própria

Aqui cabe uma maior atenção à sutileza do mecanismo que determina o fim da

primeira fase (caso 2). Quando o somatório dos lotes totalizasse uma quantidade menor ou

igual à de oferta de referência, o sistema retornaria à situação de alocação da rodada anterior:

todos os Lotes Atendidos da rodada anterior, ou seja, associados ao preço de lance igual ao

preço corrente dessa rodada, seriam considerados classificados para a próxima fase.

Utilizando novamente o exemplo, podemos demonstrar a peculiaridade do mecanismo.

Na segunda rodada são expostos os novos preços já calculados (PC2 e PL2). Os vendedores

têm nova oportunidade de fazer lances e a quantidade de lotes supera novamente a oferta de

referência. Dessa maneira, serão calculados novos preços na segunda etapa e a terceira rodada

será iniciada com um novo preço corrente e um novo preço de lance (PC3 e PL3).

141

Figura 20 - Exemplo

V1 V2 V3 V4

Pre

ço

QuantidadeQD OR

PI = PC2

PL2

V1 V2 V3 V4

Pre

ço

QuantidadeQD OR

PC3

PL3

Etapa 2

Rodada 2

Etapa 1

Fonte: Elaboração Própria

A terceira rodada, então, é iniciada. Os vendedores fazem lances e, finalmente, na

segunda etapa se verifica que o total de lotes é inferior à oferta de referência. Com isso, não

haverá cálculo de novos preços na segunda etapa dessa rodada. O sistema resgatará a situação

de Lotes Atendidos da rodada anterior a esta, ou seja, a segunda rodada, e a primeira fase será

dada como encerrada. Todos os vendedores forem selecionados às quantidades dos lances da

segunda rodada.

Figura 21 - Exemplo

V1 V2

Pre

ço

QuantidadeQD OR

PC3

PL3

V3 V1 V2

Preç

o

QuantidadeQD OR

PC3

PL3

V3

V1 V2 V3 V4

Pre

ço

QuantidadeQD OR

PC3

Rodada 3 Etapa 1 Etapa 2

Fim da Primeira Fase

Fonte: Elaboração Própria

142

Obviamente, na primeira rodada não existiam lotes da rodada anterior. Com isso, se

logo na primeira rodada fosse verificado que a oferta de lotes era menor que a oferta de

referência, todos os lotes alocados nos lances dessa primeira rodada seriam considerados

classificados para a segunda fase.

Na terceira etapa seriam divulgados os resultados de processamento dos dados: a

classificação dos lotes e o anúncio dos preços para a próxima rodada, se houvesse próxima

rodada.

Nas próximas rodadas a dinâmica foi praticamente a mesma. Na primeira etapa, se

fariam os lances utilizando os lotes considerados Atendidos. Logo, a partir da segunda rodada

o número de lotes totais alocados em todos os produtos deveria ser menor ou igual ao

somatório de lances válidos ofertados por ele na rodada anterior.

Poderia acontecer que depois de sucessivas reduções de preço o preço de lance

acabasse atingindo um valor muito baixo. Para definir um limite mínimo de preços, foi

escolhido o PLD_min70 de R$ 18,33/MWh. No caso de se obter um preço de lance inferior a

esse limite, o sistema iria desconsiderar o preço e a primeira fase seria encerrada, não havendo

mais rodadas. Todos os lotes associados ao preço de lance anterior a esse valor mínimo

seriam considerados na segunda fase. Ou seja, não haveria mais exclusão de produtos.

Para facilitar o entendimento e identificar as diferenças em relação aos outros leilões,

fornecemos abaixo o esquema simplificado da dinâmica geral da Primeira Fase.

70 Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) mínimo. O PLD substituiu o PMAE com o surgimento da CCEE e a extinção do MAE.

143

Figura 22 – Funcionamento da 1ª Fase

Preço Inicial= Preço Máximo

Primeira Rodada

Lances = quantidade

de lotes

Processamento dos lances

Divulgação do Resultado

Segunda Rodada

Conclui Primeira Fase

FRDTOT

Fonte: Elaboração Própria

Também é importante perceber que, como existe um “relógio de preços”, essa

primeira fase é também uma espécie de clock auction, com grande limitação de informações.

Por isso, nesse caso, pode-se também denominar o leilão de clock auction limitado. Assim,

essa fase constitui um clock auction reverso de informação limitada.

Embora oficialmente inexista a figura do preço de reserva, o MME e a CCEE

continuavam atribuindo valor ao bem eletricidade. Quando o agente que deseja fazer o leilão

atribui valor ao bem, existe um preço de reserva (basta verificar o Capítulo 1 para perceber

essa noção), implícito ou explícito.

Para transmitir esse valor de reserva nesse leilão, foi definido o preço inicial como o

novo preço máximo de venda, ou seja, o preço inicial passou a ser igual ao preço de reserva.

Entretanto, o estabelecimento desse preço inicial mais baixo do que o esperado pelos

vendedores, já que esse passaria a ser o teto efetivo de preço, deve ter implicado pouca oferta

nos produtos desde os primeiros lances.

O terceiro leilão teve 19 rodadas. O preço de fechamento foi o preço corrente de

R$64,3/MWh. Esse número de rodadas, bem próximo ao número de rodadas do primeiro

leilão, reflete certo excesso de oferta inicial e que os agentes preferiram garantir o suprimento

através desse mecanismo, mostrando que a escolha de preços não estava sendo tão baixa.

Pode-se afirmar isso porque se os preços fossem muito distantes da realidade, os agentes iriam

144

preferir esperar os preços de liquidação de curto prazo, pois o início de entrega dessa energia

já estava bem próximo (2006, sendo que o leilão foi feito em 2005).

Quadro 17 – Preço de Encerramento da 1ª Fase do 3º Leilão

Produto

Preço Corrente

(R$/MWh)

Preço de Lance

(R$/MWh)

2006-03 64,3 63,8

Rodada 19

Gráfico 11 – Evolução dos Preços

64,363,8

73

60

65

70

75

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Preço Corrente

Preço de Lance

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE. Nota: Os trechos dos gráficos que não estão assinalados

correspondem aos momentos em que os respectivos produtos estavam classificados como Abertos.

Cabe destacar que, mais uma vez, o Produto 2009 do quarto leilão apresentou oferta

insuficiente e a negociação foi encerrada logo na primeira rodada. Dessa vez, como não havia

necessidade de se fazerem inúmeras rodadas para alcançar o preço reserva, o leilão encerrou

assim que se verificou que a oferta era pequena. Fica aqui, portanto, a dúvida: a insuficiência

seria devida ao preço de reserva igual ao preço inicial, às possibilidades de arbitragens futuras

da energia “Botox” nos leilões de energia nova ou deveria ser atribuída a ambos os fatores?

O fato dos agentes fazerem lances em relação ao preço de lance e serem classificados

ao preço corrente provavelmente deve ter induzido ofertas menores. Em termos teóricos,

como seriam alocados todos os lotes associados ao preço de lance anterior, que era o novo

preço corrente, não haveria lógica em diminuir as ofertas de equilíbrio. Contudo, a incerteza

sobre para qual preço estavam sendo associadas as ofertas pode ter induzido maior cautela no

lance.

145

Portanto, por um lado, a mudança da regra permitiu que o número de rodadas

necessários para a obtenção do resultado de adequação fosse menor. Esse menor número de

rodadas foi também conquistado já que cada leilão ofereceu apenas um Produto por leilão,

eliminando as complicações das avaliações de complementaridades dos contratos. Entretanto,

o fato do preço reserva ter sido igual ao preço inicial, o que significou na prática preços

iniciais menores do que os esperados pelos vendedores, levou a diminuição dos lances dos

agentes vendedores, principalmente para o Produto 2009, que preferiram esperar o leilão de

energia nova.

4.3.2 Segunda Fase

A segunda fase é um leilão simultâneo de múltiplos blocos de energia, de mesma data

de entrega e duração de suprimento, com uma única rodada, fechado e de preço

discriminatório, com dois lances possíveis. Assim, na realidade, o comportamento estaria

próximo dos leilões de Primeiro Preço Selado, feitas as devidas ressalvas dos contextos multi-

unidade, modificado pela possibilidade de se fazerem duas propostas de lance. Essa fase

iniciou após um intervalo de 30 minutos decorridos do encerramento da primeira fase,

exatamente às 11:15 h para o terceiro leilão e às 15:35 h para o quarto leilão.

Os vendedores teriam conhecimento do código do produto, do tempo de inserção de

lance dessa fase, do preço corrente de encerramento da primeira fase, dos seus lotes Excluídos

e dos lotes disponíveis para a nova fase. Os vendedores que não tiveram nenhum Lote

Atendido na última rodada da primeira fase estariam impossibilitados de submeter lances

nessa segunda fase.

Com base nessas informações, os vendedores deveriam submeter lances de preços com

um tempo de inserção que passaria a ser de quinze minutos. Os preços escolhidos deveriam

ser menores ou iguais aos preços correntes do término da primeira fase e agora se exigia

formalmente que fossem superiores ao preço de PLD_min. Na ausência de proposta, seria

considerado o preço corrente do fim da primeira fase. Também só poderia ser emitido um

lance válido, irrevogável, dentro do tempo de inserção de lance.

146

Da mesma maneira que ocorreu no segundo leilão de energia, cada vendedor poderia

segregar os lotes Atendidos no fim da primeira fase em até duas quantidades associadas a dois

preços distintos. Com isso, o jogador poderia separar os lotes em dois conjuntos, cada um

com uma oferta de preço diferente. Os lances distintos seriam avaliados de forma

independente na classificação do sistema.

Após o tempo de quinze minutos, o sistema classificou os lotes em ordem crescente de

preço, escolhendo os de menor preço necessários para atender a demanda. Em caso de empate

de propostas, foi feita uma seleção aleatória pelo sistema. Todas as propostas selecionadas

total ou parcialmente para atender à demanda foram consideradas as vencedoras do leilão.

Note que aqui não existiria a possibilidade de se fazerem propostas adicionais.

Mais uma vez os preços de fechamento foram discriminatórios, correspondendo aos

valores ofertados na segunda fase por cada vendedor. Para os vendedores que tiveram duas

propostas de preço aceitas, o sistema definiu o preço de fechamento como média ponderada

das propostas. A definição dos vencedores concluiu a segunda fase do leilão. A conclusão do

terceiro leilão foi dada às 11:30 h. Por sua vez, a conclusão do quarto leilão se deu às 15:50 h.

Dessa forma, o exemplo para essa fase deverá ser o mesmo da segunda fase do

segundo leilão, iniciado a partir da Figura 15. Bastaria replicar a situação final da primeira

fase para iniciar a segunda fase.

Encerrada a definição dos vencedores, o rateio dos lotes de energia entre as

distribuidoras foi iniciado. Após o encerramento desse rateio, cada vendedor teve acesso a um

relatório de suas negociações. Os vencedores tiveram, então, que indicar o percentual das

quantidades de energia vendidas relativas a cada submercado de energia. Dessa maneira, o

terceiro leilão foi efetivamente encerrado com a definição de submercados às 12:00 h e o

quarto leilão às 16:20 h.

O quadro abaixo apresenta o resultado final de preços da segunda fase do terceiro

leilão, com os respectivos lotes obtidos de cada vendedor vencedor. Dos 13 vendedores,

apenas 5 saíram vencedores do leilão, totalizando 102 MW de energia vendidos.

147

Quadro 18 – Resumo do Resultado do Leilão

2006-03Preço de

Fechamento

Lotes Vendidos (R$/MWh)

CDSA P - -

CEB E 12 62,98 2,05%

CEEE E 9 63 2,02%

CEMIG GERAÇÃO E - - -

CESP E - - -

CHESF E - - -

COPEL GERAÇÃO E - - -

DUKE PARANAPANEMA

P 66 62,76 2,40%

ELETRONORTE E - - -

EMAE E 3 63,24 1,65%

ENGEBRA P - - -

FURNAS E - - -

LIGHT P 12 63,89 0,64%

TOTAL 102

Decremento PI = R$ 64,30

Estrutura de Capital

Vendedor

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura

de capital “P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.

Na segunda fase do terceiro leilão pode-se verificar que houve aversão ao risco, dadas

as reduções de preço em relação ao preço inicial. Entretanto, mais uma vez se verifica que a

média das reduções foi de 1,75%, menor que a do primeiro leilão. A maior redução foi de

2,40%. Segundo declarações do MME, o terceiro leilão atendeu 100% da demanda do

Produto 2006-03. Dessa maneira, o objetivo de atendimento da demanda foi alcançado.

É interessante também perceber que o número de lotes vendidos por agentes privados

é maior do que os lotes dos vencedores estatais. Um vencedor privado sozinho arrematou 66

lotes. Dessa maneira, o quadro abaixo apresenta a participação de cada tipo de capital na

venda de lotes do Produto 2006-03.

148

Gráfico 12 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia

Participação nas Vendas

Estatal 23,5%

Privada 76,5%

Fonte: Elaboração Própria.

Agora, apresentamos o quadro resumo dos resultados do quarto leilão. Dos 15 agentes

participantes do leilão, 10 saíram vencedores, sendo que foram negociados 1.166 MW de

energia.

Quadro 19 – Resumo do Resultado do Leilão

2009-08Preço de

Fechamento

Lotes Vendidos

(R$/MWh)

CDSA P - -

CEB E 12 94,49 1,57%

CEEE E 9 94,28 1,79%

CEMIG GERAÇÃO E - - -

CESP E 120 93,43 2,68%

CGTEE E 35 91,8 4,38%

CHESF E 80 96 0,00%

COPEL GERAÇÃO E 245 95,95 0,05%DUKE

PARANAPANEMAP - - -

ELETRONORTE E - - -

EMAE E 3 96 0,00%

FURNAS E 281 96 0,00%

LIGHT P - - -

TEC P 190 94,96 1,08%

TRACTEBEL P 191 93,03 3,09%

TOTAL 1166

Decremento PI = R$ 96,00

Estrutura de Capital

Vendedor

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura de capital

“P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.

De fato, embora a oferta fosse insuficiente em relação à oferta de referência no quarto

leilão, dado que a primeira fase só teve uma rodada, foram feitas reduções de preço em

relação ao preço inicial. Esse fato demonstra que o mecanismo fechado acaba sempre

induzindo alguma extração de renda dos agentes elétricos. De todo modo, as reduções não

149

ultrapassaram 5%. A média das reduções verificadas ficou em 1,46%, muito inferior às

reduções do primeiro leilão.

Em relação a questão do atendimento da demanda, a estimativa feita tomando como

base as informações do MME, 59% da demanda de energia foi atendida. O quadro abaixo

revela as informações sobre atendimento.

Quadro 20 – Atendimento da Demanda

AnoDemanda Estimada

(MW)

Oferta Contradada

(MW)

Déficit (MW)

2009 1969 1166 803 Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados do MME e da ONS.

Entretanto, poucos agentes privados (apenas dois) fizeram ofertas e saíram

vencedores. Essas ofertas, contudo, foram significativas em relação ao total de energia

vendida.

Gráfico 13 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia

Participação nas Vendas

Privada 32,7%

Estatal 67,3%

Fonte: Elaboração Própria.

Dessa forma, o objetivo de modicidade tarifária se sobrepôs sobre o de atendimento da

demanda no caso do quarto leilão de energia existente. De fato, a oferta verificada no leilão

deve ter sido reduzida tanto por conta do preço escolhido como pelo fato de que as empresas

com alguma energia classificada como energia nova, ou “Botox”, estariam esperando por

melhores oportunidades no leilão de energia nova.

Em si, o mecanismo contou com dois instrumentos que afetaram o resultado, além

dessa abertura para arbitragem futura das geradoras: a continuação da possibilidade de

150

segregação dos lotes em duas quantidades, que diminuiu o risco para os vendedores,

resultando em pequenas reduções de preço; a colocação do preço reserva como preço inicial,

ou seja, de um preço de reserva explícito, que acabou por diminuir a concorrência desde o

início do leilão.

De todo modo, a questão da complicação das complementaridades e do difícil

processamento de lances, observado no primeiro e segundo leilões, foi eliminada. Deve-se

destacar que, por conta da venda de mais de um Produto, a oferta inicial de um leilão deve ser

bem maior e pode-se, com isso, obter maior competição. Logo, com menos Produtos

vendidos, o terceiro e quarto leilão possuíam uma regra de processamento mais simples, mas

devem ter atraído menos agentes vendedores por Produto.

4.4 Conclusões sobre os Leilões de Energia Existente

Para finalizar esse capítulo, podemos apresentar um resumo das principais

características das sistemáticas apresentadas nos quatro leilões analisados. Três sistemáticas

foram utilizadas nos quatro leilões de energia existente, sendo a terceira utilizada tanto no

terceiro quanto no quarto leilão.

Como pode ser verificado através da análise do quadro abaixo, a classificação teórica

do leilão, e os comportamentos esperados a partir dessa classificação, poderiam ter evitado

alguns dos problemas identificados nos resultados do leilão. De fato, muito embora a teoria

não deva ser o único pilar para o estabelecimento de um modelo sólido que tenha

funcionamento adequado no mundo real, a utilização dos conceitos teóricos poderia ter

melhorado a qualidade dos leilões.

151

Quadro 21 – Características e Resultados dos Leilões Primeira Fase Segunda Fase

Classificação

"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de

Reserva ≠ Preço Inicial e com Regra de Troca Fraca

Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única

Rodada e Único Lance

Comportamento esperado

Oferta inicial forte, número de rodadas razoável, mas possíveis problemas

com regra de troca

Grande redução de preços, dada a aversão ao risco de gerados

elétricos

Comportamento verificado

Oferta final adequada para quase todos os Produtos, sem problemas

com regra de troca.

Grande redução de preços, dada a aversão ao risco de gerados

elétricos

Classificação

"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de

Reserva ≠ Preço Inicial e com Regra de Troca Fraca

Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única Rodada e Dois Lances Possíveis

Comportamento esperado

Oferta inicial forte, número de rodadas razoável, mas possíveis problemas

com regra de troca

Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances

Comportamento verificado

Oferta final pequena, inadequada, problemas com regra de troca que

levaram a número de rodadas extenso

Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances

Classificação

"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de Reserva = Preço Inicial; para Um

produto

Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única Rodada e Dois Lances Possíveis

Comportamento esperado

Oferta inicial fraca, número de rodadas razoável

Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances

Comportamento verificado

Oferta final adequada, número de rodadas razoável.

Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances

Classificação

"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de Reserva = Preço Inicial; para Um

produto

Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única Rodada e Dois Lances Possíveis

Comportamento induzido

Oferta inicial fraca, número de rodadas razoável

Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances

Comportamento verificado

Oferta final fraca, inadequada, apenas uma rodada

Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances

Leilão

Leilão 2

Leilão 3

Leilão 4

Leilão 1

Fonte: Elaboração Própria

Primeiramente, deve-se notar a venda da energia sempre em duas fases. Cada uma

dessas fases caracteriza um tipo de leilão diferente. A junção de um leilão clock auction, com

características do Leilão Inglês para o caso reverso, com um leilão com características do

Leilão de Primeiro Preço Selado, também reverso, poderia ser tanto benéfica, como

Klemeperer afirma em seu texto de 1998, quanto deletéria, como afirma Binmore, Fehr e

Harbord em seu texto de 2004.

Segundo Klemperer (1998), essa junção seria benéfica, pois permitiria obter as

melhores características do Leilão Inglês, que seriam a de revelação da verdade e a alocação

ótima de Pareto. Ao mesmo tempo, segundo esse autor, o Leilão de Primeiro Preço Selado

152

impediria que a colusão, possível em ambientes concentrados com leilões do tipo Inglês,

ocorresse.

Em relação a Binmore, Fehr e Harbord (2004), sua análise afirma que a junção desses

dois tipos de leilão, em especial para o caso da primeira fase ser um clock auction, é deletéria,

pois induziria à baixa performance de ambos os leilões. Esses autores analisaram

especificamente o primeiro leilão brasileiro, identificando também uma falha na regra de

troca.

Independente da abordagem adotada, muito embora se reconheça que dois leilões

seqüenciais geram resultados diferentes desses leilões tomados em isolado, afirma-se que a

venda da energia em duas fases é mais provavelmente benéfica do que deletéria, pois além de

concentrado, o mercado elétrico brasileiro possui agentes muito avessos ao risco.

A primeira fase serviu para adequar a oferta de acordo com os produtos. A segunda

fase serviu para explorar a aversão ao risco e tornar arriscada a estratégia colusiva. Entretanto,

da mesma forma que Binmore, Fehr e Harbord (2004), identifica-se que a regra de troca foi

falha, permitindo resultados indesejados. Essa falha na regra de troca existiu tanto no primeiro

quanto no segundo leilão, sendo abolida no terceiro e quarto leilões porque esses leilões

possuíam apenas um Produto sendo leiloado.

A análise das regras permite perceber que os objetivos de modicidade tarifária foram

mais favorecidos que os objetivos de adequação da oferta em todas as sistemáticas. Essa

escolha está corroborada na determinação de preços de reserva considerados rígidos e que

determinariam efetivamente a duração da primeira fase de cada leilão. Entretanto, essa

escolha foi ligeiramente modificada na terceira sistemática, mas não abandonada. A

determinação de que o preço de reserva seria igual ao preço inicial acabou por diminuir a

oferta inicial do leilão logo na primeira rodada da terceira sistemática.

Deve-se também ponderar a questão da escolha dos preços de reserva, que podem ter

sido um grande impedimento para a participação nos leilões. Como não existem informações

sobre os custos reais das firmas, é difícil avaliar a adequação da escolha desses preços de

reserva.

153

Pode-se afirmar que a determinação do nível de preços de reserva sempre afetará o

objetivo de adequação da oferta. Isso ocorre porque, na realidade, são os agentes vendedores

de energia que determinam a oferta colocada efetivamente no leilão, baseando suas escolhas a

partir dos preços apresentados. O objetivo das firmas racionais é sempre atingir lucro

máximo. Dessa forma, a única maneira de atrair a oferta é oferecer preços em patamares

considerados atrativos.

Entretanto, o abandono desse preço de reserva só seria justificável à medida que o

mercado elétrico seja constituído de muitos agentes com pouco poder de mercado, que não

pretendem estabelecer equilíbrios colusivos. De outra forma, com um mercado concentrado, a

ausência do preço de reserva simplesmente implicaria o abandono do objetivo de modicidade

tarifária.

De fato, o maior problema das sistemáticas, que provavelmente intensificou as falhas

das regras dos leilões ocorridos, foi a possibilidade de arbitragem entre leilões, com os tipos

de energia sendo redefinidos para permitir que parte da energia existente fosse deslocada para

os leilões de energia nova. A decisão das firmas de energia está pautada principalmente na

variável de preço, comparada com seus próprios custos. Com expectativas de preços maiores

no leilão de energia nova, a decisão racional seria esperar para vender pelo menos uma parte

de sua energia nesse leilão.

Para terminar a análise do novo modelo de leilões de longo prazo, portanto, devemos

partir para a qualificação do último leilão: o leilão de energia nova. A análise dessa última

sistemática e de seus resultados será feita no próximo capítulo.

154

Capítulo V – Análise do Leilão de Longo Prazo de Energia Nova

Nesse capítulo será feita a análise da sistemática e dos resultados do leilão de energia

nova. A análise realizada nessa seção está baseada no “Detalhamento da Sistemática de Leilão

de Energia Nova”. O primeiro leilão de energia nova é o quinto e último leilão a ser analisado.

O leilão de energia nova teve um objetivo bem mais complexo do que o dos outros

leilões: outorgar concessão a novos empreendimentos e vender a energia desses

empreendimentos no leilão. Dessa maneira, a estruturação do leilão de energia nova deveria

promover o aumento dos investimentos no setor elétrico no novo mercado de eletricidade.

Retornando à análise do Capítulo 2, podemos afirmar que esse é o maior desafio dos

novos modelos dos setores elétricos do mundo inteiro: que tipo de mecanismo é capaz de

induzir o aumento dos investimentos, garantindo a adequação da oferta futura? Nesse sentido,

a proposta brasileira, ao longo dos próximos anos, irá gerar resultados importantes, que

poderão servir de base para os modelos a serem criados em outros países.

O leilão possuiu três fases para atender a seus objetivos. A primeira seria para alocar a

outorga de concessão dos novos empreendimentos hidráulicos estudados pelo governo e

adquirir o direito de participação nas outras fases. A primeira fase poderia ainda ser dividida

em duas etapas: a etapa inicial e a etapa contínua.

A segunda e terceira fases serviriam para a venda de energia elétrica, que continuaria a

ser negociada em lotes de 1 MW médio. Mais especificamente, a segunda fase serviria para a

classificação das ofertas mais competitivas que permitissem o atendimento da demanda com

alguma margem de segurança. A terceira fase caracterizaria a venda efetiva de energia e

definiria os vencedores do leilão. A terceira fase também poderia ser dividida em duas etapas:

etapa inicial e etapa de prorrogação. O detalhamento de cada fase será feito nas próximas

subseções.

155

Figura 23 – Estrutura do Leilão

Etapa Inicial

Etapa de Prorrogação

1.ª Rodada

2.ª Rodada

3.ª Rodada

Etapa Inicial

Etapa Contínua

1ª Fase Direito de

Participação

2ª FaseClassificatória

3ª FaseFechamento

O vencedor, para cada Novo Empreendimento hidro, terá o Direito de Participação na 2.ª fase.

Classificará as ofertas de todos os Proponentes Vendedores nos seis Produtos para a competição na 3ª fase.

Disputa entre os Proponentes Vendedores do direito de assinatura dos CCEAR’s

Fonte: Apresentação Apine.

Como um novo complicador do leilão, os empreendimentos que foram chamados de

energia “Botox”, poderiam participar da venda de energia elétrica nesse leilão, competindo

com os novos empreendimentos pelos contratos de energia. Logo a disputa serviria para

comprar energia nova, alocando concessões nesse caso, e “semi-nova”, que já possuía

concessão.

Inicialmente, 13 projetos de usinas para outorga de concessão estavam dispostos no

edital para serem alocadas na primeira fase. Apenas sete destas usinas puderam entrar no

leilão: Baguari, Foz do rio Claro, Passo São João, Paulistas, Retiro Baixo, São José e

Simplício. Para todos esses novos empreendimentos, a contratação final de energia da terceira

fase daria outorga de concessão de uso de bem público para exploração de usinas hidrelétricas

(UHE).

Para esses empreendimentos havia um preço máximo para a venda de energia,

chamado de Custo Marginal de Referência (CMR), definido em R$ 116,00/MWh pela EPE e

o MME. Assim como no terceiro e quarto leilões, o preço máximo era o preço de reserva e

também o preço inicial.

Genericamente, o critério de seleção dos vencedores de cada concessão seria igual ao

critério de venda de energia: seriam selecionados os agentes capazes de oferecer as menores

tarifas. Os vencedores desses novos empreendimentos hidráulicos não seriam obrigados a

156

comercializar toda a energia dos empreendimentos nesse leilão, ou seja, na segunda e terceira

fase. Esse fato poderia atrair mais investidores ao leilão.

Contudo, os vencedores da primeira fase deveriam comercializar no mínimo 30% de

sua capacidade de geração garantida71 para a comercialização na segunda e terceira fase do

leilão. Esse percentual foi chamado de percentual mínimo de ACR. Essa medida foi tomada

visando garantir parte do objetivo de modicidade tarifária ao assegurar que alguma energia

hidráulica fosse ofertada no ACR. O uso do percentual mínimo será mais bem especificado

posteriormente.

O primeiro leilão de energia nova deveria adquirir três tipos de Produtos de fonte

hidráulica e três Produtos de fonte térmica a partir da segunda fase, totalizando seis Produtos

a serem adquiridos. Para empreendimentos de fonte hidráulica, todos os contratos teriam

duração de 30 anos, sendo três possíveis contratos: 2008, 2009 e 2010. Para as usinas de fonte

térmica, os contratos seriam de 15 anos, com início de suprimento também em 2008, 2009 e

2010.72.

Para separar as fontes de energia, o código dos produtos seria diferente. Além de

conter o ano de início de suprimento e o número de anos do contrato, o código teve uma

especificação da fonte de energia específica, se hidráulica ou térmica. O código passou a ser

AAAA-BCC, onde os quatro primeiros dígitos (A) se referem ao ano de início de suprimento,

o quinto dígito (B) representa a fonte de energia (H para hidráulica ou T para térmica) e os

dois últimos dígitos (C) ainda se referem ao prazo de duração em anos do contrato.

Dessa forma, uma hidrelétrica não competiria diretamente com uma térmica. Assim,

eram ofertados para hidrelétricas: 2008-H30, 2009-H30 e 2010-H30. Já para as termelétricas

foram ofertados: 2008-T15, 2009-T15, 2010-T15. Fica claro que a definição de quantidade de

energia a ser contratada de cada fonte representaria uma escolha de política energética do

MME.

71 A Garantia Física, a ser vista adiante, definida pela EPE. 72 Dessa maneira, percebe-se que além de ocorrer com três (A-3) e cinco (A-5) anos de antecedência da data de início de suprimento, esse leilão também incluiu compra de energia nova com quatro anos de antecedência. Essa foi uma modificação excepcional para o leilão de energia nova de dezembro de 2005 para atendimento da demanda descontratada para o ano de 2009.

157

Os agentes vendedores interessados em participar do leilão foram classificado em três

casos: (caso 1) as empresas que desejam participar da concorrência pelas novas UHE’s; (caso

2) as empresas que desejavam participar para obter autorização de Usina Termelétrica (UTE),

Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) ou Projeto de Ampliação ou Importação; (casos 3) os

empreendimentos que se encaixam nos termos da Lei n° 10.848 e do decreto 5.163, a saber, as

usinas “Botox”. Para todas as empresas, uma série de documentos foi exigida para a etapa de

pré-qualificação dos interessados.

A EPE iria calcular as garantias físicas de cada novo empreendimento, térmico ou

hídrico, a participar do leilão, auxiliado pelos documentos entregues para o caso 2 e pelas

características dos empreendimentos do caso 1. Esse valor de garantia física representava a

disponibilidade máxima de energia que poderia ser comprovada e comercializada em cada

empreendimento. Para os empreendimentos Botox (caso 3), as empresas solicitariam inclusão

de montantes de energia segundo seus desejos e a EPE julgariam se esses montantes seriam

completamente ou parcialmente aprovados, ou se simplesmente não deveriam ser aprovados.

Todos os participantes que desejassem obter concessão para novos empreendimentos,

térmicos ou hidráulicos, deveriam depositar garantias chamadas de Garantias da Proposta73.

Para os empreendedores que desejaram participar especificamente da concorrência por

empreendimentos hídricos da primeira fase, as Garantias de Proposta para cada

empreendimento em que se desejasse concorrer foi de 1% do valor de investimento do

empreendimento desejado. O valor do investimento de cada projeto foi estipulado pela EPE e

divulgado anteriormente.

Para os agentes que desejavam habilitar novos empreendimentos térmicos ou PCH

ainda sem autorização ou Projeto de Ampliação ou Importação, as Garantias de Proposta foi

de 1% do valor do investimento para o (s) qual (is) tivessem sido credenciados. O valor do

investimento foi aprovado pela EPE.

No caso dos agentes que se credenciaram com empreendimentos do caso 3, mas que

ainda não se encontravam em operação comercial ou que não possuíam garantia de contrato

73 Essas tais garantias estão estipuladas no inciso III do art. 31 da Lei n° 8666, de 1993.

158

depositada junto à ANEEL, foi exigido depósito de Garantia de Proposta correspondente a 1%

do valor do montante da energia habilitado pela EPE.

Os vendedores credenciados e aprovados que já estavam em operação e possuíam

garantia contratual depositada na ANEEL só precisaram depositar a Garantia Financeira usual

de R$ 2.000,00 por lote que pretendessem comercializar, respeitando o limite permitido à

comercialização anunciado pela EPE.

Foram estabelecidas datas específicas também para o treinamento da sistemática,

realizadas do dia 1/12/2005 ao dia 10/12/2005. Neste leilão permaneceria proibida a

comunicação entre os competidores, tanto os que participam da disputa pelos

empreendimentos hidráulicos quanto os que participam apenas da segunda e terceira fase.

No dia do leilão, 16/12/2005, as informações cruciais foram cadastradas no sistema

eletrônico. Antes do início do leilão, um representante do MME inseriu no sistema o CMR de

R$ 116/MWh, o Percentual Mínimo de Comercialização no ACR, estabelecido no edital

como de 30%, as quantidades declaradas pelas distribuidoras por ano de início de suprimento

dos produtos, o submercado das distribuidoras, a ordem das licitações das usinas e os valores

de custo COP e CEC de cada um dos geradores térmicos, embora essas empresas só

participassem na segunda fase do leilão.

O COP é o valor esperado do custo de operação da térmica. Esse valor correspondeu

ao custo variável unitário de cada usina multiplicado pela diferença entre a geração da usina

térmica em cada mês, em cada possível cenário, e a medida de inflexibilidade mensal74.

A CEC é o valor esperado do custo econômico de curto prazo da térmica. Esse valor

corresponde ao custo econômico de curto prazo. Ele resulta das diferenças mensais apuradas

entre o despacho efetivo da usina e sua garantia física total. Teoricamente, corresponde ao

valor acumulado das liquidações do mercado de curto prazo baseado no Custo Marginal de

74 A medida de inflexibilidade deriva dos limites mínimos de geração para iniciar a operação da térmica. Para o cálculo da EPE foi feita uma simulação estática de 60 meses utilizando uma amostra com 2000 cenários de afluências futuras do SIN.

159

Operação (CMO), que é o custo da usina mais cara a operar no SIN75. É também baseado no

nível de inflexibilidade do despacho e no custo variável unitário.

Após essa inserção de informações, um representante da ANEEL inseriu no sistema: o

fator alfa, o valor de investimento de cada empreendimento, a garantia física dos novos

empreendimentos (térmicos e hídricos), o montante de energia estipulado para os

empreendimentos do caso 3, o valor do Uso de Bem Público (UBP) de usinas com contatos de

concessão que incluíam esse valor como variável e o ano estimado para o início da

geração/suprimento de energia dos novos empreendimentos.

O fator alfa foi o fator para correção do preço final de venda para os novos

empreendimentos hidráulicos vencedores do leilão que não destinassem toda a energia

potencial para o ACR.

O valor de UBP seria inserido para os empreendimentos do caso 3 que tivessem sido

licitados segundo o critério de máximo pagamento de UBP. Dessa forma, o preço final de

venda incluiria uma correção para evitar que as usinas que estivessem incluídas nesse caso

tivessem desvantagens na competição por troca de critério de escolha76. Esse ajuste será visto

mais adiante, dado que é feito apenas ao fim do leilão.

O ano estimado para o início da geração/suprimento de energia dos novos

empreendimentos seria baseado no tempo necessário para o término das construções das

usinas e o início das atividades.

Um representante da CCEE, por sua vez, introduziria no sistema a relação dos

competidores da primeira fase, a relação das distribuidoras compradoras de energia e a

relação de todos os empreendimentos confirmados para participar do leilão a partir da

segunda fase. Também deveria inserir, em nome do agente custodiante, os valores relativos às

garantias da proposta de cada competidor da primeira fase e da segunda fase, bem como os

valores das garantias financeiras aportadas pelos outros empreendimentos que entrarariam no

leilão a partir da segunda fase.

75 Para o cálculo da EPE foi feita uma simulação estática de 60 meses utilizando uma amostra com 2000 cenários de afluências futuras do SIN. 76 Passou-se a adotar o menor preço como critério, e não o UBP máximo, nesse novo modelo.

160

Os vendedores puderam acessar o sistema a partir das 9:34 h para verificar se as

informações sobre as suas garantias estavam corretas. O leilão iniciou precisamente às 10:00

h. Como já explicitado, o leilão foi composto de três fases. Partiremos para a descrição

detalhada dessas fases.

5.1 Primeira Fase

Como já afirmamos, a primeira fase poderia ser dividida em duas etapas: a etapa

inicial e a etapa contínua. A etapa inicial seria um Leilão de Primeiro Preço Selado. A etapa

contínua seria um Leilão Inglês. Ao descrever as características dessas etapas poderemos

entender essas classificações. O objetivo dessa fase era de alocar cada empreendimento para o

jogador que oferecesse o menor preço e que possuísse garantias suficientes para cobrir sua

proposta.

As informações individualmente disponibilizadas para os competidores nessa fase

foram: o saldo das garantias de proposta, os detalhes dos empreendimentos a serem licitados,

como código, ordem na licitação, valor de investimento, garantia da proposta exigida por

empreendimento, suas garantias físicas e o ano de início de suprimento de cada usina, bem

como o CMR do leilão, já anunciado no edital.

Além dessas informações básicas, os empreendedores tiveram acesso à relação dos

empreendedores que foram pré-qualificados. Somente essa informação sobre os outros

competidores seria liberada ao longo do leilão. Esse tipo de informação, segundo a teoria dos

leilões, em ambientes de aversão ao risco, não deveria ter sido revelada. O desconhecimento

do número de agentes na disputa poderia ter melhorado os lances.

As licitações foram leiloadas individualmente, de forma seqüencial. Para tanto, foi

disponibilizada uma ordem de licitação e o leilão de cada empreendimento seria feito apenas

após o fim do leilão do empreendimento anterior. Os empreendimentos em ordem de licitação

foram: UHE Baguari, UHE Retiro Baixo, UHE Passo São João, UHE Simplício, UHE São

José, UHE Foz do Rio Claro e UHE Paulistas.

161

Em cada licitação foi verificada, para cada competidor participante da disputa, a

existência de garantias suficientes para obter o empreendimento da ordem. Se um competidor

não possuísse garantias suficientes para um determinado empreendimento, o sistema

informaria ao mesmo que não estaria apto a disputar esse empreendimento em questão.

Não foi permitido que um mesmo empreendimento fosse disputado por dois ou mais

consórcios que possuíssem em sua composição uma mesma empresa disputando. Também

não foi permitida a disputa de um empreendedor isolado com um consórcio do qual fizesse

parte.

Como já especificado, o CMR foi definido como o preço máximo de aquisição da

energia de fonte hidráulica. O CMR foi o preço inicial para todos os empreendimentos. Dessa

forma, o CMR foi efetivamente o preço de reserva e o preço inicial para os novos

empreendimentos de fonte hidráulica. O CMR foi estipulado pela EPE e aprovado pelo MME,

sendo uma estimativa do custo de geração mais caro dos empreendimentos a serem licitados.

O leilão iniciou às 10:00 h. Dentro de um tempo de 5 minutos, os competidores com

garantia suficiente puderam inserir um único lance válido para o primeiro empreendimento da

lista de ordem de licitações. Como o lance foi único e não se viam os lances dos outros, pode-

se afirmar que o leilão é de Primeiro Preço Selado. O lance deveria ser uma oferta de preço

em R$/MWh menor ou igual ao CMR, sem especificação de quantidade.

Essa etapa inicial, classificada como um Leilão de Primeiro Preço Selado, serviu para

explorar a aversão ao risco dos empreendedores. Contudo a agressividade do lance deve ter

sido afetada por conta da existência da segunda etapa.

Ao fim do tempo de inserção, ou quando todos os competidores validaram os lances, o

que ocorreu primeiro, a etapa inicial foi dada como encerrada. O sistema classificou, então, os

lances válidos em ordem crescente de preço. Para processar os resultados, foram comparados

os dois menores preços oferecidos.

Se a diferença entre os dois menores preços fosse igual ou maior do que 5%, o

proponente que tivesse ofertado o menor dentre os preços seria o vencedor da licitação do

empreendimento em questão. Dessa forma, a escolha do vencedor do primeiro

162

empreendimento estaria feita e seriam feitos os preparativos para o leilão do próximo

empreendimento da ordem da lista de empreendimentos.

No caso em que a diferença entre esses dois menores preços fosse menor que 5%,

todos os proponentes que fizeram lances a esses dois preços menores disputariam uma outra

etapa de lances, chamada de etapa contínua. Dois ou mais de dois competidores poderiam ser

selecionados dentro dessa regra, pois poderiam ocorrer propostas empatadas, ou seja, mais de

um jogador com mesma oferta em cada um desses dois menores preços de lance.

A etapa contínua, que ocorreria apenas nesse caso de empate ou “quase empate” de

lances, procederia como um leilão eletrônico que ocorre em algum sites da internet. Esse tipo

de leilão é um leilão Inglês, que não identifica participantes, mas em que os melhores lances

são de conhecimento público; portanto a informação é parcialmente limitada.

Nesses processos, a cada momento o leiloeiro eletrônico seleciona o melhor lance e dá

um tempo para os outros participantes cobrirem o melhor lance. A cada nova melhor oferta,

um novo tempo para manifestação de novas ofertas é dado. O leiloeiro anuncia qual a melhor

oferta a cada momento, para que os participantes possam cobri-la se quiserem. Até que, na

ausência de manifestações dentro do tempo, o leilão encerra. Nesse sistema eletrônico, o

tempo de inserção de lance vai sendo reiniciado pelo sistema a cada momento que um lance é

aceito, ou seja, a cada momento que uma oferta é melhor para o leiloeiro. Iremos explicar

melhor esse esquema na sistemática brasileira.

Ao iniciar a etapa contínua, um preço corrente, correspondente ao menor preço de

lance da etapa inicial recém terminada, seria anunciado. Foi estipulado um percentual de

decremento mínimo para validar os lances. O decremento em R$/MWh deveria ser aplicado

sobre cada preço corrente para determinar os lances válidos. Um lance só seria aceito como

válido se fosse menor ou igual ao preço corrente diminuído desse valor do decremento.

Os competidores teriam 2 minutos para inserir um lance a partir do início da contagem

do tempo. Com a inserção de pelo menos um lance válido, o preço corrente seria atualizado

no sistema, passando a ser igual ao lance válido inserido (obviamente menor que o preço

corrente) a partir do início da contagem do tempo de inserção. O competidor que inseriu esse

menor preço, que passa a ser o novo preço corrente, seria considerado momentaneamente

163

classificado e seria avisado pelo sistema. Os outros competidores veriam que um novo preço

foi selecionado, sendo transformado em um novo preço corrente, e que sua oferta não foi

classificada.

A partir dessa determinação de um novo preço corrente, e da classificação preliminar

de um competidor, o sistema reinicia a contagem do tempo de 2 minutos e os jogadores

poderiam continuar a fazer lances, desde que lances menores que o novo preço corrente

diminuído do decremento. Dessa maneira, a cada inserção válida dentro do tempo, o preço

corrente seria atualizado e começaria um novo período para inserção de lances.

A etapa terminaria quando nenhum novo lance fosse feito dentro do tempo limite de 2

minutos após o último lance válido ter sido declarado como preço corrente. Isso significaria

que se existisse inatividade (não se fizessem lances) em um período de tempo, a etapa

encerraria.

Esse esquema reproduz quase que fielmente o Leilão Inglês, sendo diferente apenas

pelo fato de que os jogadores não identificam de qual participante veio a melhor oferta, que,

nesse caso, é o menor preço de lance válido a cada momento. Dessa forma, a alocação tende a

ser ótima e diminui o problema da “maldição do vencedor”, uma vez que se observam sinais

de preço de outros jogadores. Como não há identificação dos participantes, a possibilidade de

colusão é reduzida.

Obviamente, com a etapa contínua encerrada, o vencedor seria o proponente que

determinou o preço corrente final, isto é, que fez a menor oferta de preço para a licitação do

empreendimento. As outras licitações seriam então feitas, seguindo essas mesmas regras.

O esquema abaixo representa a dinâmica resumida dessa primeira fase.

164

Figura 24 – Funcionamento da 1ª Fase 1ª Fase

Preço Inicial= CMR

Etapa Inicial Lances = P ≤ CMR

Classificação: Comparação entre 2

menores P

Etapa Contínua

Tempo de Inserção Esgostado sem Novos

Lances

Lances = P ≤ PC - D

Processamento dos lances e Classificação

Lances = P ≤ PC - D

Pmin 2 ≥ 105% x Pmin1

Pmin 2 < 105% x Pmin1

Próxima Licitação

P = Preço PC = Preço Corrente D = Decremento Pmin 1 = Menor Preço Pmin2 = Segundo Menor Preço CMR = Custo Marginal de Referência

Fonte: Elaboração Própria.

Se não houvesse mais empreendimentos a leiloar, partir-se-ia para a definição da

quantidade de energia a ser vendida. Os vencedores das licitações, ou seja, que detiveram

direitos de participar das próximas fases, deveriam então definir que percentual da energia

total da garantia física dos empreendimentos destinariam ao ACR.

De fato, a definição dos vencedores foi encerrada às 11:14 h, iniciando

automaticamente o período de definição do percentual de ACR. Para definir o percentual do

ACR, os vencedores tiveram 10 minutos. Todos os empreendimentos deveriam escolher

percentuais iguais ou superiores a 30%. Esse percentual seria aplicado sobre a quantidade das

garantias físicas de cada empreendimento, ou seja, as capacidades de geração estipuladas para

cada projeto, definidas pela EPE e MME. Os proponentes que não definissem um percentual

dentro desses 10 minutos ficariam automaticamente obrigados a destinar o percentual mínimo

de 30%.

Terminado o tempo de 10 minutos e definidos os percentuais, o sistema multiplicou o

percentual escolhido pela garantia física de cada empreendimento. O resultado dessa

multiplicação definiu a quantidade de lastro para venda de energia nas próximas fases. Desta

maneira, a primeira fase foi encerrada às 11:24 h. Nenhum competidor desta fase poderia

165

deixar as suas respectivas salas antes do início da segunda fase ou aviso prévio da ANEEL,

para evitar trocas de informação entre os concorrentes.

O quadro abaixo apresenta os vencedores do leilão em cada uma das licitações com os

respectivos preços de lance vencedores e o decremento dos lances em relação ao preço inicial,

ou seja, o CMR.

Quadro 22 – Resultado da 1ª Fase

Nome do Empreendimento

LocalizaçãoPotência Mínima

InstaladaEmpreendedor

Preço de Venda

Decremento %

UHE Baguari Minas Gerais 140 BAGUARI R$ 115,10 0,78%

UHE Foz do Rio Claro Goiás 68,4 ALUSA R$ 108,20 6,72%

UHE Passo São JoãoRio Grande do Sul 77 ELETROSUL R$ 112,55 2,97%

UHE PaulistasGoiás e Minas Gerais 52,5 FURNAS R$ 114,37 1,41%

UHE Retiro Baixo Minas Gerais 82 ORTENG R$ 114,86 0,98%

UHE São JoséRio Grande do Sul 51 ALUSA R$ 115,80 0,17%

UHE SimplícioMinas Gerais e Rio

de Janeiro333,7 FURNAS R$ 115,38 0,53%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br.

Não existe informação sobre o número de ofertas colocadas na etapa inicial para cada

empreendimento, nem existem informações sobre para quais empreendimentos foi realizada a

etapa contínua, nem o número de rodadas dessa etapa. Dessa forma, não se pode determinar

com certeza se houve, ou não, disputa acirrada pelos empreendimentos.

Contudo, ao se comparar o preço de encerramento da primeira fase em relação ao

CMR, o preço inicial, pode-se inferir que provavelmente a UHE Foz do Rio Claro foi o

empreendimento com maior concorrência. Isto porque o decremento calculado foi de 6,72%,

muito superior aos outros casos.

Em relação à estrutura de capital dos novos empreendimentos, pode-se dizer que a

participação ao fim da primeira fase foi bastante igualitária. Das sete licitações, três foram

alocadas para capitais privados, três foram alocadas para empresas estatais e uma foi

adquirida por um consórcio de capital misto, composto de empresas estatais e privadas77.

77 A saber, o Consórcio Baguari, formado pela Cemig, Furnas e Neoenergia.

166

Entretanto, em termos de MW instalados, a maior parte foi adquirida por empresas estatais,

como pode ser visto no gráfico abaixo.

Gráfico 14 – Participação por Tipo de Capital na Potência Instalada

Participação na Potência Instalada da Primeira Fase

Estatal 57,6%

Privada 25,0%

Consórcio Misto 17,4%

Fonte: Elaboração própria.

Independente do tipo de capital que adquiriu cada empreendimento, todas as licitações

foram alocadas na primeira fase, o que é um resultado positivo. Existia a possibilidade de que

houvesse ausência de ofertas dado o preço inicial da energia. Essa possibilidade não foi

concretizada e as licitações foram todas alocadas, possibilitando que a energia hidráulica

realmente nova participasse das segunda e terceira fases.

Por último, deve-se também atentar para o fato de que o CMR foi definido como preço

máximo de compra para todos os empreendimentos, independente da localização, da escala e

das características específicas de cada projeto. O preço único não influiria no resultado se a

concorrência em cada projeto fosse considerável. Contudo, pelos decrementos observados em

cada projeto, a concorrência não foi forte o bastante para que se atingisse o verdadeiro valor

de custo dos projetos. Como essa era a primeira de uma série de três fases de venda de

energia, cabe esperar a análise dos resultados finais do leilão para avaliar a adequação da

escolha do CMR único para os sete projetos.

5.2 Segunda Fase

Esta fase poderia ter no máximo 3 rodadas. Poder-se-ia classificar a fase inteira como

um leilão multi-rodada (embora com rodadas limitadas), multi-unidade e de preço

167

discriminatório. Contudo, essa classificação não é muito adequada, dadas as inúmeras

modificações e limitação de informações.

Na realidade, com esse número reduzido de rodadas somado às informações fechadas,

cada vendedor deveria se comportar proximamente como que diante de três Leilões de

Primeiro Preço Selado seqüenciais. Cada jogador tentaria adivinhar como cobrir a melhor

oferta de seus oponentes, feitas as ressalvas coerentes aos contextos multi-unidade.

Nessa fase passaram a concorrer os empreendimentos credenciados e habilitados de

fonte térmica, as PCH’s e as usinas chamadas de “Botox”, além dos concorrentes de fonte

hidráulica selecionados na primeira fase.

Os lastros para venda desses empreendimentos já tinham sido inseridos antes do início

do leilão. No caso dos concorrentes com novos empreendimentos que não participaram da

primeira fase, o lastro foi determinado pelo MME, sendo a própria garantia física de cada um

dos empreendimentos, calculada de acordo com as informações dadas no credenciamento.

Para as usinas “Botox “, o lastro foi definido pelas garantias financeiras aportadas e a

comprovação de lastro físico.

Os empreendimentos validaram as informações de disponibilidades de lastro e

garantias a partir das 11:24 h. A segunda fase só teve início às 14:37 h. O sistema tornou

disponível os três produtos de cada fonte.

Os lances nessa fase constituíram a quantidade de lotes que se desejou alocar em cada

produto, respeitada a fonte dos empreendimentos, e um preço de venda para cada um desses

produtos onde se alocaram os lotes. Dependendo da fonte de energia, os lances foram feitos

de formas distintas.

Especificamente para os empreendimentos de origem hidráulica que participaram da

primeira fase, os preços de lance foram valores escolhidos pelos empreendedores menores ou

iguais ao preço que classificaram esses empreendimentos no fim da primeira fase. A

quantidade de lotes por produto para o lance foi igual ao lastro de venda, definido pelo

percentual de ACR escolhido, como exposto anteriormente. Dessa maneira, todos os lotes de

um empreendimento se direcionaram a um único produto.

168

Os jogadores poderiam escolher em qual Produto desejavam ofertar. Se desejassem

ofertar energia para anos anteriores ao de início de operação previsto para as suas usinas, os

jogadores deveriam arcar com o suprimento dessa energia se saíssem vencedores do leilão. Na

ausência de lance de algum competidor, o sistema aplicou a totalidade de lotes do lastro no

produto correspondente ao início de suprimento estimado dos empreendimentos, ao preço

com que venceram a primeira fase.

No caso das vendedoras térmicas, os lances de preço ao longo dessa fase e também da

próxima, foram lances de Receita Fixa (RF, em R$/ano) que elas escolheram. Esses valores de

receita seriam convertidos automaticamente pelo sistema no Índice de Custo Benefício (ICB).

Esse índice era um valor em R$/MWh calculado pela seguinte fórmula:

ICB = horasanonGF

CECCOPhorasanonQL

RF°×+

+°×

)( (5)

, onde QL é a quantidade de lotes que são ofertados no lance e a GF são as Garantias

Físicas, em MW médio, que cada empreendimento possuía.

Obviamente, a quantidade de lotes por produto das térmicas deveria respeitar a

quantidade de lastro. Os lotes do lastro, contudo, poderiam ser divididos e associados a

produtos diferentes; nesse caso, dever-se-ia também arcar com o fornecimento de energia

antecipado, ou seja, em produto de data anterior ao de início de suprimento previsto das

plantas.

Para o caso da energia “Botox” e das PCH’s, as quantidades de lotes estavam

limitadas por seus lastros de venda. Os preços seriam feitos de acordo com a fonte apropriada:

em R$/MWh para as hidráulicas e em RF/ano para térmicas. Não havia um limite formal de

preço.

Na primeira rodada, o sistema apresentou a lista dos empreendimentos habilitados para

a segunda fase. Em todas as rodadas, cada competidor teve 25 minutos para formular e validar

169

seu lance. Ao fim deste tempo, ou quando todos os jogadores realizaram lances, o que ocorreu

primeiro, a rodada foi encerrada.

O sistema então classificou os lances por produto, em ordem crescente de preço. Com

base nessa classificação, o representante do MME pôde avaliar a oferta total por produto e

compará-la com as quantidades declaradas por produto. Esse representante classificou, então,

os produtos em Produtos Destino ou Produtos Origem.

Um produto seria denominado de Produto Destino quando a quantidade ofertada de

energia fosse menor ou igual à oferta de referência, a saber, a demanda multiplicada pelo fator

de referência. Por outro lado, um produto seria chamado de Produto Origem quando a oferta

fosse maior do que a oferta de referência.

O representante do MME, de posse das informações sigilosas de demanda e de oferta

por produto, deveria escolher no mínimo um dos produtos78 de cada fonte para denominar de

Produto Origem, inserindo a quantidade demandada e o fator de referência desses produtos

escolhidos no sistema. Obviamente, essas quantidades não seriam reveladas aos jogadores.

Aqui surge o primeiro enigma da sistemática: nada garantiria que haveria excesso de

oferta para algum produto, ou seja, que existiriam Produtos Origem. Logo, conclui-se que

cortes de demanda poderiam ser feitos arbitrariamente pelo representante para atender esse

propósito de definir excesso de oferta para pelo menos um dos produtos. Os Produtos Destino,

por sua vez, não teriam suas quantidades demandadas e fator de referência inseridos no

sistema no decorrer das rodadas, mas apenas ao fim da segunda fase. Cabe destacar que, dessa

maneira, o papel do MME foi muito importante nesse leilão, diferentemente dos outros

leilões.

Além disso, quando um produto fosse classificado como Produto Origem não poderia

mais ser alterado nas próximas rodadas para Produto Destino, ou seja, dessa vez não se

permitiria um esvaziamento total do produto. Por outro lado, o Produto Destino poderia

passar a Produto Origem. Um produto com excesso de oferta deveria permanecer com algum

excesso de oferta nessa fase, permitindo realocações mais direcionadas entre produtos.

78 Essa especificação de definição de no mínimo um Produto Origem está no detalhamento da sistemática, item 6.4.9, pág 30.

170

Definidos os produtos como Destino ou Origem, o sistema passaria a classificar todos

os lotes associados a Produtos Destino como Lotes Classificados no leilão. Para os Produtos

Origem, os lotes estariam Classificados se estivessem dentro da quantidade de oferta

referência estipulada no sistema, associada aos menores preços possíveis. Ou seja, do

ordenamento por preços crescentes, seriam selecionados todos os lotes necessários para

igualar a oferta de referência com os menores preços possíveis para os produtos origem. Os

lotes não selecionados seriam identificados como Lotes Não Classificados pelo sistema. Os

lotes não associados aos lances seriam Excluídos.

Dessa maneira, a primeira rodada seria encerrada e cada competidor saberia qual

produto foi considerado Origem, qual produto foi considerado Destino, quantos de seus lotes

em cada produto foram classificados, e quais não foram, e a que preços estavam associados.

Se não houvesse nenhum Lote Não Classificado ou se não houvesse Produtos Destino

(todos os produtos fossem Origem), não haveria mais rodadas e a segunda fase seria encerrada

(caso 1).

No caso específico de só haverem Produtos Origem (ou seja, não exissem Produtos

Destino), a segunda fase terminaria e apenas os lotes chamados de Classificados iriam para a

próxima fase; os lotes Não Classificados seriam excluídos do leilão. Se houvesse lances de

preço iguais de duas (ou mais) ofertas de concorrentes distintos, sendo que apenas uma dessas

ofertas era necessária para igualar a oferta de referência, a escolha seria aleatória e os lotes

necessários da oferta selecionada seriam dados como Classificados.

Caso existissem, ao fim da primeira rodada, Lotes Não Classificados em Produto(s)

Origem ao mesmo tempo em que existisse algum Produto Destino, produto este que precisa

de ofertas para completar a de referência, nova rodada seria iniciada (caso 2). Pode-se dizer

que essa era uma tentativa de se alocar o excesso de oferta relativo de um produto para o

produto que possuísse oferta abaixo do esperado.

Em qualquer caso, o sistema anunciaria os resultados do processamento da rodada,

informando a situação dos produtos e dos lotes.

171

Na segunda rodada, supondo que ocorresse o caso 2, os proponentes deveriam

submeter lances de preço e quantidade para os seus Lotes Não Classificados para os Produtos

Destino de mesma fonte energética. Caso o competidor tivesse Lotes Classificados em algum

Produto Destino, poderia agregar todos ou parte dos Lotes Não Classificados ao preço dos

lotes já classificados nesse Produto Destino. O tempo de inserção seria novamente de 25

minutos. O leilão realmente teve uma segunda rodada, que iniciou às 17:30 h.

Todo o processo de classificação dos produtos e dos lotes, iniciado por nova avaliação

do representante do MME, seria feito novamente. Os produtos seriam reclassificados, não

esquecendo o fato de que o Produto Origem continuaria sempre classificado como Produto

Origem, mas o Produto Destino poderia se tornar Produto Origem, se o deslocamento de

ofertas fosse suficiente. As trocas possíveis poderiam até mesmo gerar um excesso de oferta

além do necessário no Produto Destino, deslocando algum lote anteriormente Classificado.

Depois dessa classificação, se existissem apenas Produtos Origem ou se todos os lotes

estivessem Classificados, o leilão encerraria nessa segunda rodada, pois se teria garantido a

oferta para cada produto (caso 1). Da mesma maneira, com o encerramento, apenas Lotes

Classificados seguem para a terceira fase e o critério de desempate é o mesmo. Porém, se

ainda existissem Lotes Não Classificados e houvesse Produto(s) Destino, uma terceira rodada

seria iniciada, seguindo a mesma dinâmica da segunda.

A terceira rodada seria a última, não importando as situações de classificação de lotes

e produtos. Os lances seriam novamente feitos para os Lotes Não Classificados, dirigidos aos

Produtos Destino. O tempo de inserção também seria de 25 minutos e, após o término desse

período, seria feita a classificação dos lotes e dos produtos. Nesse leilão também houve

necessidade de realizar a terceira rodada, que iniciou às 18:20 h.

Excepcionalmente na terceira rodada, se houvesse lances de preço iguais de duas (ou

mais) ofertas de concorrentes distintos, sendo que apenas uma dessas ofertas seria necessária

para completar a oferta de referência, a seleção não seria mais aleatória: todos os lotes

empatados seriam considerados classificados para a terceira fase.

Apresenta-se a seguir um esquema dos procedimentos dessa fase.

172

Figura 25 – Funcionamento da Segunda Fase

2ª Fase

Rodada 1 Lances: P e Q

Valida e Classifica

Produto Origem

Produto Destino

Lotes Classificados

Lotes Classificados

Lotes Não Classificados

Rodada 2 Lances: P e Q

Valida e Classifica

Produto Destino

Produto Origem

Lotes Classificados

Lotes Classificados

Lotes Não Classificados

Rodada 3 Lances: P e Q

Valida e Classifica Produto

Origem

Produto Destino

Lotes Classificados

Lotes Classificados

Lotes Não Classificados

P = Preço Q =Quantidade

Fonte: Elaboração Própria.

A segunda fase seria finalmente encerrada e as ofertas Não Classificadas estariam

excluídas no leilão. No ordenamento, mais uma vez seriam selecionadas as ofertas de lotes

necessárias para igualar a oferta referência com menor preço possível.

Cabe destacar que o leilão incorporou uma pequena e importante vantagem para os

empreendimentos realmente novos e para as PCHs. Em qualquer das três rodadas, poderia

acontecer que o último preço aceito tivesse mais lotes do que o necessário para igualar o total

de lotes requeridos pelo MME. Nesse caso, os lotes em excesso seriam normalmente

chamados de Lotes Não Classificados, como foi observado.

Contudo, para os empreendimentos cuja construção não tivesse sido iniciada ou PCHs

que se encontrassem nessa situação em um determinado Produto, todos os seus lotes

associados ao derradeiro lance aceito seriam dados como Classificados79. Teoricamente, seus

Lotes deveriam ser Classificados e Não Classificados de acordo com a oferta. Com essa

brecha, todos os lotes do último lance necessário seriam chamados de Classificados, desde

que o autor do lance fosse um empreendimento cuja construção não tivesse sido iniciada ou

uma PCH.

79 Essa regra está especificada no item 6.4.5 da Sistemática, versão 05/12/2005, pág. 30.

173

Para as usinas hidrelétricas advindas da primeira fase isso seria lógico por conta do

fato de essas usinas terem de alocar toda a quantidade de lotes do percentual garantido ao

ACR em um único lance. De fato, essa possibilidade compensaria em parte o fato de não

poderem arbitrar preços diferentes com as partes de seus lotes80. Para as outras usinas, isso

seria um real incentivo ao investimento.

No caso dos outros vendedores, cujas usinas já estivessem em fase de construção ou já

construídas, não haveria essa possibilidade. Logo, foi dada a opção de que se tivessem Lotes

Classificados e Não Classificados em um mesmo Produto, poderiam fazer um lance único de

preço agregando os dois tipos de lotes. Isso poderia ou não ser vantajoso, dependendo da

situação do Produto e da posição dos outros competidores.

Cabe destacar que nessa segunda fase apenas as novas usinas hidrelétricas da primeira

fase tiveram limitação de preço. Essa estratégia provocaria a alocação quase-certa desses lotes

nos Produtos, pois forçava preços hidráulicos mais baixos, principalmente porque a concessão

só seria aprovada se efetivamente vendesse energia no leilão.

Não existem dados sobre essa segunda fase, nem dados de posição final dos agentes,

nem dados sobre demanda ou oferta, ou a possível classificação dos Produtos. Portanto, a

eficácia do mecanismo não poderá ser testada.

5.3 Terceira Fase

A dinâmica dessa fase foi praticamente idêntica à dinâmica da primeira fase. Surgiria

novamente a figura do preço corrente. Da mesma maneira que na primeira fase, haveria

possibilidade de ocorrerem duas etapas distintas: uma etapa inicial, obrigatória, e uma etapa

de prorrogação, se necessária. A classificação dessas etapas é idêntica a das etapas da

primeira fase: a etapa inicial seria um Leilão de Primeiro Preço Selado; a etapa de

prorrogação seria um Leilão Inglês, levemente limitado.

80 Ver item 6.3.3 e 5.5.4 da Sistemática, versão 05/12/2005, pág. 28 e 25, respectivamente.

174

Antes de iniciar a terceira fase, o representante do MME inseriu no sistema um preço

inicial para cada um dos produtos. Esse processo de definição de preços teve início às18:58 h

e se extendeu até às 19:26 h. O sistema passou a anunciar o preço corrente, que nesse início

foi exatamente igual ao preço inicial divulgado. O quadro abaixo apresenta os preços iniciais.

Deve-se observar que o Produto 2010-T15 estava com preço inferior aos dos anos 2008 e

2009. Esse fato poderia indicar: um excesso de oferta verificado pelo MME para o ano 2010;

e/ou uma escolha de política energética que visava privilegiar a fonte hidráulica para 2010.

Quadro 23 – Preços Iniciais da Terceira Fase

ProdutoPreço Inicial da

3º Fase

2008-H30 116

2009-H30 116

2010-H30 116

2008-T15 139

2009-T15 139

2010-T15 124,67 Fonte: CCEE.

Os lotes que foram Classificados na segunda fase seriam reclassificados em Lotes

Atendidos ou Lotes Não Atendidos. Um lote estaria Atendido quando estivesse dentro do

limite de quantidade total demandada em um produto, a um preço inferior ou igual ao preço

inicial. Todos os lotes em excesso em relação à demanda e com preço associado de lance

acima do preço inicial seriam considerados Lotes Não Atendidos. Note que anteriormente os

lotes eram classificados segundo sua posição em relação à oferta de referência, e agora as

classificações foram dadas segundo a posição em relação à demanda.

O sistema, então, informou a cada proponente a relação de seus próprios lotes de cada

empreendimento em cada produto e a nova situação dos lotes, em Atendido ou Não Atendido.

Para a classificação, foi preservada a ordenação com os preços de encerramento da segunda

fase, só que atendendo ao novo critério de limitação à quantidade total de demanda e não à

oferta de referência.

Os competidores que tivessem Lotes Não Atendidos poderiam, assim, submeter um

lance único por empreendimento, para todos ou parte dos seus lotes não atendidos desse

empreendimento, desde que permanecendo no mesmo produto a que estavam associados no

fim da segunda fase. Dessa forma, não há possibilidade de migração para outros produtos.

175

Iniciou então a etapa inicial dessa fase, exatamente às 19:34 h.Os lances continuaram

sendo de preço e de quantidade, lembrando que as térmicas realizariam ofertas de receita fixa

ao invés de ofertas de preço propriamente dito. Os preços escolhidos para o lance deveriam

ser menores ou iguais ao preço corrente, que na etapa inicial foi exatamente o preço inicial. O

tempo para a inserção de lance foi de 15 minutos.

Os Lotes Não Atendidos que não foram associados a esse lance estavam

automaticamente Excluídos do leilão. Uma vez encerrado o tempo de inserção, ou se todos os

jogadores tivessem feitos seus lances, o que ocorresse primeiro, a etapa estaria encerrada. O

sistema, então, ordenou os lances por ordem crescente de preços.

Para os produtos onde a quantidade total ofertada foi menor ou igual à quantidade total

demandada (caso 1), foi encerrada a negociação. Se este fato ocorresse para todos os

produtos, estaria encerrada a terceira fase.

Já se houvesse produtos onde fosse verificada quantidade total ofertada maior do que a

demandada (caso 2), seria inicia a etapa de prorrogação. O MME poderia acrescentar toda ou

parte da demanda residual dos produtos não completamente atendidos, para os quais a

negociação estaria encerrada, nos outros produtos de outra fonte que fossem disputar etapa de

prorrogação, desde que tivessem mesmo ano de início de suprimento. Dessa maneira, ainda

haveria chance de atender a demanda de energia para este ano específico, só que com uma

quantidade por fonte de energia diferente da planejada.

A etapa inicial teve fim às 19:49 h. Efetivamente, houve necessidade de etapa de

prorrogação, que teve início às 19:57 h.

Na etapa de prorrogação novamente os lotes foram inicialmente classificados em

Atendidos ou Não Atendidos. O preço corrente inicial dessa etapa de prorrogação foi igual ao

menor preço de lance associado aos últimos lotes que completaram as necessidades de

demanda. Foi estipulado também um decremento mínimo para essa fase. Logo, os lances de

preço deveriam ser menores que o preço corrente diminuído desse decremento.

176

Com um tempo de inserção de lance de apenas 10 minutos, os vendedores que

possuíssem Lotes Não Atendidos puderam definir um novo preço para todos ou parte desses

lotes, desde que o preço fosse menor ou igual ao preço corrente anunciado subtraído do

decremento mínimo. A migração entre produtos seria ainda proibida.

Essa etapa foi muito similar à etapa contínua da primeira fase. Esse tipo de leilão é um

tipo de Leilão Inglês, que não identifica participantes. O leiloeiro eletrônico seleciona o

melhor lance e dá um tempo para os outros participantes cobrirem o melhor lance. A cada

nova melhor oferta, um novo tempo para manifestação de novas ofertas é dado. O leiloeiro

anuncia qual a melhor oferta a cada momento, para que os participantes possam cobri-la se

quiserem. Até que, na ausência de manifestações dentro do tempo, o leilão encerra.

Durante essa etapa de prorrogação, o sistema exibiu o contador regressivo indicando o

tempo de encerramento para a inserção de lance. A cada inserção de lance válido para um

determinado produto, o sistema atualizou a situação dos lotes, em Atendidos e Não

Atendidos, além de fornecer o preço desse lance válido como novo preço corrente, e reiniciou

o cronômetro com a contagem de 10 minutos para que novos lances fossem inseridos. A

negociação de cada produto seria encerrada automaticamente depois de transcorridos os 10

minutos sem que tivesse ocorrido novo lance válido. Dessa maneira, o encerramento foi

independente por produto.

Quando todas as negociações dos produtos parassem, o leilão seria dado como

encerrado. O leilão, de fato, foi encerrado às 20:08 h. Da mesma forma que na descrição das

outras fases, apresenta-se o esquema dos procedimentos dessa terceira fase.

177

Figura 26 – Funcionamento da Terceira Fase 3ª Fase

Preço Inicial = Preço CorrenteEtapa Inicial

Lances = P e Q

Compara com Demanda e Classifica

Tempo de Inserção Esgostado sem Novos

Lances

Lances = P ≤ PC - D

Lances = P < (PC - D)

e Q

Lotes Atendidos

Lotes Não Atendidos

Compara com Demanda e Classifica

Produto com QO ≤ QD

Produto com QO > QD

Encerrada Negociação

Lotes Atendidos

Lotes Não Atendidos

Etapa de Prorrogação

Compara com Demanda e Classifica

Lotes Atendidos

Lotes Não Atendidos

Reinicia Tempo de Inserção

Lances = P < (PC - D)

e Q

Compara com Demanda e Classifica

Lotes Não Atendidos

Lotes AtendidosLances =

P < (PC - D)e Q

Reinicia Tempo de Inserção

P = Preço Q = Quantidade PC = Preço Corrente QD = Quantidade Demandada QO = Quantidade Ofertada

Fonte: Elaboração Própria.

Cabe destacar que nessa fase vale a mesma vantagem dada na segunda fase para os

empreendimentos realmente novos e para as PCH’s. Para os empreendimentos cuja

construção não tivesse sido iniciada ou PCHs que se encontrassem nessa situação em um

Produto, todos os seus lotes associados ao derradeiro lance aceito seriam dados como

Atendidos81.

Ao fim do leilão, os Lotes Atendidos de cada empreendimento corresponderiam à

obrigação de assinatura de CCEAR. Caso contrário, ou seja, os lotes fossem Não Atendidos, o

empreendimento não sairia vencedor e não assinaria CCEAR.

81 Essa regra está especificada no item 7.2.5 da Sistemática, versão 05/12/2005, pág. 32.

178

Os preços finais de venda continuaram discriminatórios, iguais aos lances vencedores

já definidos na etapa inicial e de prorrogação da terceira fase. Para as usinas hidrelétricas,

contudo, esses preços sofreram alguns ajustes. Existiram dois tipos de ajustes: o do fator alfa

e o do diferencial de UBP.

Todos os novos empreendimentos hidrelétricos tiveram de fazer ajuste de fator alfa.

Para os empreendimentos que não escolhem o percentual de 100%, ou seja, para os que

destinaram parcela de energia para o ACL ou para o consumo próprio, o preço de lance

deveria ser diminuído. Esse ajuste teria como propósito o atendimento do princípio de

modicidade tarifária, desencorajando percentuais baixos de destinação ao ACR. O Preço de

Venda (PV) seria então:

PV = PL - )()1( horasanonGFx

V°××−

(6)

Onde,

V = FA . (GF x n°horasano) . (PMag – PL) ; É o valor auferido para favorecer a

comodidade tarifária;

PL = Preço do Lance;

GF = Garantia Física em MW médio;

x = fração da energia que vai ser destinada ao ACL ou consumo próprio;

PMag = menor valor entre o CMR e o Custo Marginal do Leilão (CML). Esse CML é

o valor em R$/MWh da proposta de lance mais cara que ganhou o leilão;

FA – Fator Alfa, que é igual a 0,7, segundo o Edital.

No caso específico dos empreendimentos hidráulicos que já possuíam concessão antes

do leilão, o ajuste seria para usinas com licitações onde o critério de escolha tivesse sido o de

máximo UBP. O Preço de Venda (PV) deveria ser ajustado de acordo com a diferença entre o

UBP da licitação e o UBP de referência desse leilão, limitada a diferença ao Custo Marginal

do Leilão (CML). O UBP do leilão seria determinado pela EPE. Dessa maneira, o PV

atenderia a seguinte fórmula:

179

PV = PL (UBPorig – UBPref) (7)

Mas PV CML. ≤

Onde,

PL = Preço do Lance;

UBPorig= UBP da licitação original em questão;

UBPref= UBP de referência do leilão;

CML = Custo Marginal do Leilão, que é o custo da usina mais cara do Leilão.

Definidos esses ajuste nos casos específicos e mantendo-se os preços finais como os

preços de lance nos outros casos, os CCEAR seriam assinados.

Os empreendimentos hidrelétricos celebraram, então, CCEAR na modalidade de

quantidade de energia elétrica. Por outro lado, os empreendimentos termelétricos celebraram

CCEAR na modalidade de disponibilidade de energia elétrica.

As concessões de novos empreendimentos foram também celebradas para os que

conseguissem efetivamente negociar energia elétrica na terceira fase. Para tanto, foram

também assinados os respectivos contratos de concessão, autorização e emissão de atos

competentes. Para os vendedores que não efetivaram nenhuma venda, embora tivessem

vencido a primeira fase do leilão, estaria esgotado o direito de concessão ou autorização

conseguido no leilão.

Partiremos agora para a análise dos resultados da terceira fase. O gráfico abaixo

apresenta um resumo da distribuição dos investimentos térmicos e hidráulicos ao longo dos

anos de 2008, 2009 e 2010. Percebe-se que a energia vendida no leilão foi

predominantemente térmica, por causa dos contratos de 2008 e 2009. Nesses anos, pouca

energia hidrelétrica foi negociada.

180

Gráfico 15 –Fonte (MW) em cada Produto

20082009

2010

HidroTermo

862855

561

889

4671 0

200

400

600

800

1000

MW

Fonte x Tempo

HidroTermo

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.

É importante analisar com mais cuidado a oferta da energia hidrelétrica nesse leilão.

Como era de se esperar, para 2008, houve oferta apenas da energia “Botox” construída, ou

seja, que além de possuir concessão já tinha iniciado a construção das usinas. Obviamente,

nenhum investimento hidráulico novo poderia ofertar energia para esse ano, dado o tempo de

construção das usinas. No total, apenas 71 MW de energia hidráulica foi negociado;

Surpreendentemente, para o ano de 2009 (Gráfico 16 abaixo), a maior parte da energia

negociada foi de energia realmente nova (36 MW), ou seja, sem concessão e sem obras

iniciadas. Por último, em 2010, a maior parte da energia negociada foi ainda de energia

“Botox” construída (423 MW). A energia efetivamente nova negociou 423 MW no leilão.

Gráfico 16 –Tipo de Hidro (MW) em cada Produto

Hidro 2010

Botox Construída

47,6%

Botox Não Construída

5,7%Nova

46,7%

Hidro 2009

Botox Construída

21,7%

Nova 78,3%

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.

181

Em relação à energia térmica negociada no leilão, também a energia “Botox”

Construída foi a maior vencedora dos leilões para todos os Produtos.

Gráfico 17 –Tipo de Termo (MW) em cada Produto

Termo 2010

Botox Não Construída

16,4% Nova 33,9%

Botox Construída

49,8%

Termo 2009

Botox Construída

57,2%

Nova 11,7%

Botox Não Construída

31,1%

Termo 2008

Nova 2,1%

Botox Construída

97,9%

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.

No Gráfico 18 abaixo, verifica-se a quantidade de MW comprada para cada ano nesse

leilão de energia nova. Ao analisar os valores, deve-se lembrar que já existe energia

contratada para os anos de 2008 e 2009. É difícil qualificar se houve excesso de oferta ou de

demanda em qualquer desses produtos uma vez que se desconhece para quais Produtos foram

realizadas etapas de prorrogação na terceira fase.

Segundo declarações obtidas ao final do leilão, a EPE divulgou que, com mais esse

leilão, as distribuidoras ficaram com déficit de demanda de 1,2% para 2008 e de 4,5% para

2009. Em 2010, houve contratação além do nível desejado, com oferta de 0,2% acima da

demanda estimada para o leilão.

Cabe destacar que houve um excesso de oferta notável em 2010, muito embora os

preços verificados para esse ano não justificassem esse comportamento. Pode-se especular,

portanto, que a maioria dos licitantes simplesmente alocou oferta em 2010 já no momento da

segunda fase, provocando um excesso de oferta nesse ano. Com isso, apenas os agentes que

colocaram preços muito elevados nas ofertas foram deslocados para outros Produtos (2008 ou

182

2009). Nesse sentido, os agentes que ficaram alocados no produto 2010 acabaram enfrentando

forte concorrência, que provocou preços mais baixos para esse ano.

Gráfico 18 – Energia (MW) em cada Ano

632901

1751

0

500

1000

1500

2000

MW

2008 2009 2010

Energia ao longo do tempo

Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.

5.4 Conclusões sobre o Leilão de Energia Nova

Assim como no Capítulo 4, podemos resumir as conclusões teóricas e os

comportamentos esperados, de acordo com o Quadro 29.

Quadro 24 – Características e Resultados do Leilão

Primeira Fase Segunda Fase Terceira Fase

ClassificaçãoLeilão de Primeiro Preço Selado com Preço de

Reserva + Leilão Inglês de informação levemente limitada

Leilão Multi-Unidade, rodadas limitadas, de informação limitada, com regra de

troca e preço discriminatório

Leilão de Primeiro Preço Selado com Preço de Reserva + Leilão Inglês de informação levemente

limitada

Comportamento induzido

Explora aversão ao risco, mas não perfeitamente por conta da existência da etapa

contínua. Na etapa contínua, se houver concorrência suficiente, alocação será ótima e

valor verdadeiro é revelado.

Haverá exploração das complementaridades dos contratos,

mas alocação pode ser imperfeita por conta do número de rodadas limitado.

Depende fortemente dos resultados da segunda fase. Deve explorar

aversão ao risco e alocação pode ou não ser perfeita, dependendo da concorrência real e da alocação da

segunda fase.

Comportamento verificado

Houve aversão, pois preços foram menores que teto. Não há como avaliar nível de

competição.

Os resultados não foram divulgados. Pela análise da terceira fase conclui-se

que a alocação foi imperfeita, concentrada no ano 2010.

Resultado de alocação imperfeito. Houve aversão ao risco.

Leilão 5

Leilão

Fonte: Elaboração Própria.

Como são realizados diversos leilões seqüenciais, os resultados de cada leilão, em

separado, são modificados. O efeito dessa modificação, mais uma vez, pode ser considerado

benéfico ou deletério, dependendo do tipo de abordagem utilizada82. De toda forma, o

82 A discussão está colocada no Capítulo 4.

183

resultado final depende sempre da competição efetiva do leilão, ou seja, da existência de

número de agentes suficientes.

A análise das qualidades teóricas das fases permite inferir que o objetivo de

modicidade foi explorado, pela presença de preços de reserva, com os preços de reserva iguais

aos preços iniciais. Nesse sentido, a tentativa de obter o objetivo de modicidade estava na

escolha do nível de preços de reserva da terceira fase, determinado após a verificação da

oferta em cada produto da segunda fase.

De fato, o número de rodadas limitado da segunda fase deve ter induzido uma

alocação ineficiente. Pelos resultados da terceira fase, grande parte dos agentes deve ter

alocado lotes no ano de 2010 logo na primeira rodada da segunda fase. Apenas os que

alocaram esses lotes com preços muito altos, sendo assim Não Classificados, puderam ser

realocados para outros Produtos nas outras duas rodadas.

O excesso de oferta alocado em 2010 produziu um resultado tão ineficiente que, no

caso das térmicas, o nível de preços de 2010 chegou a ser inferior que o nível de preços de

2009 e 2008. Isso poderia ocorrer porque, em um leilão, o nível de preços é determinado pelo

nível de concorrência e a valoração subjetiva dos agentes. Com preços de reserva inferiores

ou superiores ao escolhido, a concorrência e o desejo de obter um contrato, ponderado aos

custos das usinas, determinariam qual o preço final do leilão.

O principal objetivo desse leilão era promover o crescimento da oferta de energia no

futuro, outorgando novas concessões e vendendo a energia dessas novas usinas. Como as

usinas licitadas na primeira fase conseguiram vender energia no fim do leilão e usinas

realmente novas conseguiram contratos na terceira fase, o objetivo de permitir o crescimento

da oferta foi atendido.

Contudo, a demanda para os anos de 2008 e 2009, e a partir dessas datas, a energia por

mais 15 e 30 anos, não foi completamente atendida, prejudicando o objetivo de adequação da

oferta mais uma vez. Dessa maneira, mais uma vez, o objetivo de adequação da oferta parece

ter sido prejudicado.

184

Observando os resultados publicados desse leilão, levando em consideração os

números já apresentados nos leilões de energia existente, deve-se perceber que uma vantagem

real da utilização desse mecanismo de leilões flexibilizado pela legislação é a existência de

espaço para distribuir a energia não contratada em um leilão para leilões futuros.

Há também algum espaço para as escolhas em relação ao tipo de fonte energética que

deve ser utilizada; a política pode ser revista, ao longo do leilão ou em outros leilões, uma vez

que se perceba que os agentes produtores de uma determinada fonte não se interessem pelos

Produtos oferecidos.

De fato, deve-se levar em consideração que as possibilidades de arbitragem de preço

entre leilões para agentes que podem participar de vários tipos de leilão, como a energia

“Botox”, abre um precedente contra a capacidade de extrair renda. Muito embora a oferta de

2009 e 2008 tenha sido em parte conseguida através de vários leilões, a falha na capacidade

do mecanismo é evidente. No futuro, a insistência em jogos que permitem arbitragem de

preços poderá ser cada vez mais deletéria, pois o organizador do leilão perde credibilidade e

isso afeta a concorrência efetiva em cada leilão83.

Dessa forma, conclui-se que o mecanismo é capaz de gerar crescimento da oferta de

energia, alocando concessões através de um processo competitivo, mas o atendimento da

demanda não foi alcançado.

De todo o modo, a escolha dos preços iniciais, que foram os preços de reserva da

terceira fase, só poderia ser avaliada com dados de custos de oportunidade do ACL e do

mercado de curto prazo futuro, bem como dados de custos operacionais e de investimento das

usinas novas e “Botox”.

A busca de estimativas de custos de oportunidade e custos de operação e de

investimento dessas usinas, para avaliar a escolha dos níveis de preço de reserva, não será

feita aqui, pois exigiria novos conceitos teóricos e práticos sobre o funcionamento das

empresas geradoras de energia. De toda forma, essa pesquisa seria de extrema importância

83 Lembre-se que existe sempre a possibilidade de montagem de contratos colusivos, que aumenta mais com um organizador de pouca credibilidade.

185

para avaliar a adequação da escolha dos níveis de preço e permitir o melhoramento do

mecanismo no futuro.

Por último, deve-se destacar que o processo de crescimento da oferta de energia futura

depende em grande parte do governo e dos reguladores, que determinam as concessões que

participam do leilão de energia nova. Dessa maneira, as condições de crescimento da oferta

passam a ser novamente parte de uma estrutura de planejamento, associada com os interesses

dos capitais que desejam investir no setor. Os incentivos dados pelo mecanismo, que

determina a participação dos agentes, irão contribuir para o sucesso do crescimento da oferta,

mas estão associados à capacidade de estimação da demanda futura pelos reguladores, à

estimação correta dos custos da energia e à colocação de novas concessões nos leilões.

186

CONCLUSÃO

Após duas décadas de reformulação dos setores de infra-estrutura, foram observadas

diversas modificações nas diferentes dimensões setoriais. No mundo todo, o principal

objetivo das reformas foi a introdução da competição verificada nas estruturas de governança

de mercado.

A busca pela competição dentro desses setores, que possuem diversas peculiaridades

que impedem a simples adoção da estrutura de mercado, fez com que o uso dos leilões

adquirisse cada vez mais importância. Os leilões são mecanismos de compra e venda por meio

de lances que podem reproduzir estruturas competitivas de comercialização, desde que

atendendo determinados requisitos. Além disso, os leilões também são mecanismos capazes

de tratar de temas relativos ao impedimento da colusão, a atração de agentes privados e à

precificação dos bens transacionados através das interações entre oferta e demanda.

O resumo da literatura sobre a teoria dos leilões permitiu compreender os principais

tipos de incentivos dados por cada conjunto de regras básicas escolhido. Destaca-se, entre

outras conclusões, a possibilidade de alocar contratos que possuem complementaridades

através dos leilões do tipo clock auction.

Nesse tipo de leilão, os agentes escolhem quantidades para preços anunciados pelo

leiloeiro. Os preços são modificados à medida que a oferta e a demanda dos bens não estão

em equilíbrio. Nesse leilão, as relações entre contratos são bem avaliadas e os componentes

de valor comum são bem estimados. Entretanto, por ser um leilão de informações abertas e de

preço uniforme, equilíbrios colusivos podem ser alcançados em mercados concentrados.

Dessa maneira, algumas modificações são sugeridas pela teoria, como o controle das

informações dadas para os agentes e a utilização de preços de reserva.

Da mesma forma, para os casos em que existe aversão ao risco, o Leilão de Primeiro

Preço Selado é mais adequado para extrair a renda informacional dos agentes. Os leilões do

tipo selado tornam a estratégia colusiva demasiadamente arriscada, aumentando os ganhos do

leiloeiro.

187

No caso do setor elétrico, a introdução dos primeiros leilões de curto prazo e a

confiança na capacidade do mercado agir livremente não foram bem sucedidas. No mundo

todo, crises se alastraram por conta da falta de planejamento e coordenação do setor, por

práticas abusivas e estratégias colusivas e pela grande concentração dos mercados elétricos.

Dentre as lições que puderam ser apreendidas por meio da análise das experiências

internacionais, destacam-se a necessidade de comercialização da energia em prazos mais

longos e a escolha de diferentes tipos de leilão, para impedir que as geradoras exerçam poder

de mercado e estabeleçam preços abusivos.

Além disso, destaca-se que o papel dos reguladores e das instituições governamentais

foi crucial para corrigir o rumo das reformas. De fato, em vários países, os reguladores

tiveram de atuar no mercado sobre as estruturas das empresas e através da criação de novos

tipos de leilão, para comercialização em prazos mais longos, auxiliando os ambientes de

comercialização bilateral.

Nesse sentido, diversos tipos de novos leilões estão sendo implementados e estão

presentes em propostas de reorganização dos arranjos contratuais em diferentes órgãos

reguladores e ministérios. Apenas a observação dos resultados desses leilões poderá julgar a

adequação ou não dos novos tipos às necessidades do setor elétrico.

É dentro dessa busca por novas formulações de mecanismos de comercialização de

energia elétrica que se inserem os leilões de longo prazo do novo modelo do setor elétrico

brasileiro. A análise desses leilões nos permitiu verificar que, em termos gerais, falhas na

estruturação das regras permitiram comportamentos indesejados por parte dos agentes

vendedores.

Os objetivos de modicidade tarifária foram privilegiados em relação aos objetivos de

atendimento no caso dos Leilões de Energia Existente. Além disso, pode-se afirmar que falhas

na regra de troca entre Produtos e brecha para arbitragem de preço em Leilões de Energia

Nova prejudicaram o atendimento da demanda.

Pode-se também afirmar que os formatos escolhidos, apesar de algumas falhas,

tentaram preservar importantes vantagens de cada tipo de leilão como: possibilidade de

188

avaliação da complementaridade dos contratos, revelação de informações através de preços

induzidos, exploração da aversão do risco dos agentes e impedimento de comportamentos

colusivos diante da presença de uma segunda fase com informação fechada. A maneira que

cada vantagem foi explorada e perfeitamente colocada na regra variou entre as sistemáticas

apresentadas.

Especialmente no caso do Leilão de Energia Nova, o objetivo de permitir o

crescimento da oferta foi atendido. Esse era o maior desafio a ser enfrentado pelos

organizadores do leilão.

Contudo, o crescimento da oferta, associado à oferta de energia “Botox”, não foi capaz

de atender completamente a demanda do leilão. Nesse sentido, em especial, a demanda de

2008 e 2009, e daí em diante, prevista por até 30 anos, não pode ser atendida com eficácia.

Essa precariedade do atendimento pode ser atribuída tanto ao número de rodadas limitado da

segunda fase, que não permitiu a alocação perfeita da oferta, quanto pela escolha dos níveis de

preço, que não pode ser testada por falta de informações.

Mesmo identificando falhas nas regras escolhidas, o mecanismo de leilão parece ser

apropriado para a venda de eletricidade, dadas as características que tentam preservar o

planejamento e a coordenação do setor. Nesse sentido, existe espaço para o planejamento

setorial, o controle do nível de preços, a flexibilidade que permite adaptação da regra e

alguma rigidez das regras gerais. Também se deve destacar a importância da credibilidade do

organizador do leilão, que deve anunciar regras claras e com pouca possibilidade para

comportamentos oportunistas.

Dessa forma, conclui-se principalmente que é necessário buscar entender a natureza

dos problemas setoriais, a estrutura de custos das firmas e aprender com os problemas nas

formatações de leilões anteriores. Esse aprendizado é importante para a especificação de

mecanismos melhores, que atendam aos objetivos de adequação de investimentos, modicidade

tarifária e segurança do atendimento. O formato de leilão escolhido deve preservar questões

de planejamento, coordenação, contratação no longo prazo e impedimento de colusão, para

que a competição seja realmente alcançada e para que as crises sejam evitadas.

189

Com isso, entende-se que, independente do tipo de leilão escolhido, o papel dos

reguladores e governantes é essencial. Neste sentido, o processo de organização de leilões

deve ser caracterizado pelo permanente processo de aperfeiçoamento das regras e aprendizado

institucional. O caso brasileiro do setor de eletricidade não constitui uma exceção.

190

Apêndice A84

I – Leilão de Primeiro Preço para VPI

O primeiro passo é maximizar a utilidade esperada de um jogador hipotético da seguinte

forma: maximizamos a valoração menos o lance a ser feito pelo jogador, condicionado à

probabilidade desse jogador ganhar. Supomos que b é a função de pagamentos, ou seja, a

regra de decisão do jogador. Para que o raciocínio seja feito, afirma-se que b é contínua e

estritamente crescente.

])(max[).(])([max).( xvbPxvMaxxvbPxvMax ijjixijjix≤−=≤− ≠≠

Supomos que:

],[)()()();(−

−∈⇒≤≤= vvwvbwbvbwbx

A afirmação acima pode ser provada pelo teorema do valor intermediário. Continuando,

)]()(max[)).(()(

wbvbPwbvMax jiwbx≤−⇒

= (a)

Sabemos que, se b é contínua e crescente:

wvwbvb jj ≤⇔≤ max)()(max

Dessa forma, temos:

=≤=≤≠ )(max)]()(max[ wvPwbvbP jijj ∏≠

=≤=≠∀≤=ij

jj wvPjwvP )()1;(

)(1 wF n−= (b)

Substituindo (b) em (a), a maximização da utilidade esperada será:

)()).((max 1 wFwbv ni

vwv

≤≤

−⇒−

Para descobrir que valor lance o jogador deve fazer, calcula-se a condição de primeira ordem:

84 Todas as provas aqui apresentadas foram feitas com cálculos e interpretações próprias, baseadas nos diversos artigos e trabalhos da literatura, além das notas de aula de diversas disciplinas cursadas ao longo do Mestrado.

191

0))'()).((()().(' 11 =−+− −− wFwbvwFwb ni

n (c)

Em equilíbrio simétrico, obteremos )()( ivbwb = . Essa igualdade no equilíbrio será mostrada

mais adiante. Substituindo o valor em (c), temos que a condição passa a ser:

))'()).((()().('0))'()).((()().(' 1111i

niii

nii

niii

ni vFvbvvFvbvFvbvvFvb −−−− −=⇒=−+−

))'().(()().('))'(( 111i

nii

nii

ni vFvbvFvbvFv −−− +==

))'().(())'(( 11i

nii

ni vFvbvFv −− =⇒

A equação acima é uma equação diferencial de primeira ordem. Para solucioná-la devemos

lembrar que, para uma equação diferencial, vale a seguinte análise:

∫=⇒= )()()()(' xgxxgx ϕϕ

Ou seja, basta integrar ambos os lados da equação diferencial anterior.

Resolvendo a equação diferencial que dá a condição de primeira ordem, obtemos:

∫ ∫− −

−− =i iv

v

v

v

nn dvvFvdvvFvb ))'(.())'().(( 11

∫−

− =−iv

v

nni

ni dvvFvvFvbvFvb ))'(()().()().( 111

Em se tratando de uma função distribuição acumulada sobre o intervalo , .

Com isso, chegamos ao resultado final que dá o lance ótimo do jogador i:

],[−

−vv 0)(1 =

− vF n

)(

))'(.(

)( 1

1

in

v

v

n

i vF

dvvFv

vb

i

−∫−=⇒

Integrando por partes a equação acima, temos:

192

)(

)(

)( 1

1

in

v

v

n

ii vF

dvvF

vvb

i

−∫−−=⇒

A prova está feita. Basta apenas mostrar que ivw = será um equilíbrio simétrico. Estamos

maximizando a utilidade do jogador i da seguinte forma:

)()).(( 1 wFwbvMax ni

vwv

≤≤

−−

Podemos chamar a função de utilidade esperada de )(wϕ . Assim:

)()()).(( 1 wwFwbv ni ϕ=− −

A derivada de primeira ordem dessa função será:

))'()).((()().(')(' 11 wFwbvwFwbw ni

n −− −+−=ϕ

De acordo com a condição de primeira ordem da maximização da utilidade obtida em (c)

anteriormente, sabíamos que . Logo, para 0))'()).((()().(' 11 =−+− −− wFwbvwFwb ni

n wvi = ,

temos que:

))'()).((()().(' 11 wFwbwwFwb nn −− −= (d)

Substituindo (d) na equação de )(' wϕ :

)(' wϕ ))'()).((())'()).((( 11 wFwbvwFwbw ni

n −− −+−−=

= ))'()].(()([ 1 wFwbvwbw ni

−−++−

> 0 se ivw <

)(' wϕ = ))'(].([ 1 wFvw ni

−+−

< 0 se ivw >

193

Para que a utilidade esperada seja maximizada )(' wϕ deve ser igual a 0. Dessa maneira, temos

que . ivw =

194

II – Leilão de Segundo Preço para VPI

Proposição : nivvb iii ,...,1;)( == é a melhor estratégia.

Prova:

Primeiramente, iremos supor que todos os jogadores menos i seguem a

estratégia ; Para o jogador i, a estratégia de jogo será . Devemos

supor também que . Definiremos a função Y da seguinte forma:

1;)( ≠= jvvb jjj xvb ii =)(

0≥x

jjvY

1max

≠=

Assim, iremos supor que x=Y com probabilidade igual a zero. Além disso, se x>Y a utilidade

do jogador i será:

Yvu −= 11

Seguindo o raciocínio, a utilidade esperada do jogador i será calculada da seguinte maneira:

)(xϕ = ∫≥

−=Yx

nnii dvdvvfvfYvuE ...)()....().()( 12

Se x> , poderemos reescrever a utilidade esperada da seguinte forma: iv

)(xϕ = +−= ∫>≥ 1

...)()....().()( 12

ivYxnnii dvdvvfvfYvuE ∫

−Yv

nni

i

dvdvvfvfYv ...)()....().( 12

+−= ∫>≥ ivYx

nni dvdvvfvfYvx ...)()....().()( 12ϕ )( ivϕ

Com Y > na primeira integral, < 0 iv ∫>≥

−ivYx

nni dvdvvfvfYv ...)()....().( 12

Logo, )(xϕ < )( ivϕ e o individuo que mente estará pior do que no caso em que diz a

verdade.

Se x < , podemos tentar verificar a diferença entre as utilidades esperadas quando o lance x

e quando o lance :

iv

iv

)( ivϕ - )(xϕ = - ∫≥

−Yv

nni

i

dvdvvfvfYv ...)()....().( 12 ∫≥

−Yx

nni dvdvvfvfYv ...)()....().( 12

195

= > 0 , pois > Y na integral. Logo, a revelação da

verdade no jogo proporciona uma utilidade esperada maior também no caso em que x < .

∫>≥

−xYv

nni

i

dvdvvfvfYv ...)()....().( 12 iv

iv

196

III – Preços de Reserva Ótimos para VPI

Deriva-se apenas o caso do Leilão de Primeiro Preço, por ilustração. O raciocínio para

qualquer tipo de leilão acompanha a mesma lógica. Procura-se um equilíbrio simétrico.

Chame r de preço de reserva e δ da tarifa de entrada. Assume-se que o leiloeiro dá um valor

para o item que irá para leilão. Escolheremos r tal que: 0v

rb =)(ρ (a)

, onde ρ será o equivalente em termos de utilidade do preço de reserva do leiloeiro e a função

b(.) será a função de lances ótimos praticadas pelos jogadores. Dessa maneira, ρ é a menor

utilidade permitida no leilão. Ou seja, 0v=ρ , que era a valoração que o leiloeiro dava ao

objeto ( ). 0v

Para o agente com utilidade ρ , que será indiferente entre participar ou não do leilão, teremos

a seguinte conclusão:

E( ρ )= 0 = δρρ −− − )().( 1nFr

Logo,

δρρ =− − )().( 1nFr , supondo equilíbrio.

Para analisar o problema, escolhemos um jogador hipotético i. Suponha que o jogador i

resolve fazer um lance . Continuaremos utilizando a função Y como sendo: )(wbx =

jjvY

1max

≠=

Continuando o raciocínio, calcularemos

E( )=iu )]);()(()()).[(( ρρ ≥>+≤− YYbwbPYPwbvi =

= )]);()(()()).[(( 1 ρρ ≥>+− − YYbwbPFwbv ni

Supondo b contínua e estritamente crescente, temos:

197

= = ( )]()()).[(( 1 ρρ ≥>+− − YwPFwbv ni )]()()()).[( 111 ρρ −−− −+− nnn

i FwFFwbv

= )()).(( 1 wFwbv ni

−−

Maximizando para w ρ≥ , a condição de primeira ordem será:

0)]'().([)]'([ 11 =− −− wFwbwFv nni

Supondo equilíbrio, w = . O raciocínio será o mesmo do caso de equilíbrio apresentado no

Leilão de Primeiro Preço sem preço de reserva e taxa de entrada. Dessa forma, resolveremos:

iv

))'().(())'(( 11i

nii

ni vFvbvFv −− =⇒ , que é uma equação diferencial.

∫ −1

)]'().([ 1v

n dxxFxbρ

= ∫ −1

)]'(.[ 1v

n dxxFxρ

)().()().( 11 ρρ −− −⇒ ni

ni FbvFvb = ∫ −

1

)]'(.[ 1v

n dxxFxρ

Utilizando (a) na equação acima, obteremos:

)(.)().( 11 ρ−− −⇒ ni

ni FrvFvb = ∫ −

1

)]'(.[ 1v

n dxxFxρ

Logo,

)(

)]'(.[)(.)(

11

111

vF

dxxFxFrvb n

vnn

i −

−− ∫+= ρ

ρ

Integrando esse resultado por partes e lembrando que : δρρ =− − )().( 1nFr

)(

)]'([)( 1

1

in

vn

ii vF

dxxFvvb

i

−∫+−= ρ

δ (b)

, que será o lance ótimo para cada um dos jogadores i, cada qual com uma valoração no

lugar de .

iv

iv

Para achar o preço de reserva ótimo, temos de observar a maximização da receita do leiloeiro.

Isto será feito a partir de agora. Suponha },...,max{ 1 nvvz = Se ⇒< ρz , a receita será zero,

198

pois o leiloeiro não desejará vender o item. Se ⇒≥ ρz a receita será o valor do produto entre

( δ+)(zb ) e o número de participantes do leilão.

O número de participantes k no leilão será menor ou igual a n. Isto depende da probabilidade

de que os participantes tenham valoração maior do que a de reserva e suficiente para cobrir a

taxa de entrada. Logo, k será uma função de combinações possíveis dos n jogadores, onde se

atribuirão probabilidades de que n – k jogadores tenham utilidade menor que ρ , ao mesmo

tempo em que exatamente k jogadores terão utilidade maior ou igual a ρ . Matematicamente,

teremos de somar os possíveis valores combinatórios para k, de 0 até n, multiplicados pela

probabilidade de que exatamente k terão utilidade maior que ρ e n-k terão utilidade menor

que ρ . Então, poderemos escrever o número de participantes k de acordo com a seguinte

fórmula:

Número de participantes = ∑ =

−− −n

k

kknknkn FFC

0

))(1).((. ρρ

Usando algumas manipulações matemáticas, teremos que:

∑=

−− −n

k

kknknkn FFC

0))(1).((. ρρ = ))(1.( ρFn −

A partir dessa informação, poderemos calcular a receita esperada do leiloeiro. Além do valor

do pagamento esperado pelo bem, o leiloeiro recebe uma recenda derivada da taxa de entrada

para pelos jogadores que efetivamente participarão do leilão. Dessa forma, a receita esperada

do leiloeiro será:

∫−

−+= −v

n FndzzfzFnzbRρ

ρδ ))(1.(.).().(.).( 1

Utilizando a equação encontrada para o lance ótimo (b) e fazendo integrações por partes com

a integral acima, pode-se reescrever a receita, encontrando o seguinte resultado:

∫∫ ∫−− −

+−= −−v

nv v

nn dzzFndvvFndzzfzFznRρρ ρ

)(.)(.).().(.. 11

199

Com mais alguns rearranjos, a maximização da receita exigirá a seguinte condição de

primeira ordem:

)(.)(.)().(.. 11 ρρρρρρ

nnn FnFnfFnR−+−=

∂∂ −− = 0)}(1)(..{).(1 =−+−− ρρρρ FfnF n

Portanto,

)().(.)(.)(

**1

**1*

ρρρρρ

fFnFnFn

n

nn

− −+= =

)()(1

*

*

ρρ

fF−

Para resolver em r, basta lembrar que rb =)(ρ .

200

IV – Teorema da Equivalência da Receita

Para compararmos as receitas devemos defini-las segundo cada caso.

Parte I:

No caso do Leilão de Primeiro Preço, equivalente ao do Holandês, a receita será:

∫ ∫∫ ==≤≤

dYYfYbdvdvvfvfvbR nnini)().(...)()....().max(...

max111

1

, onde Y é o máximo dos valores de todos os licitantes. Se o niiv

≤≤ λmax , para um λ número

natural qualquer, então implica que ivi ∀≤ ,λ .

Para calcular essa receita, devemos achar a distribuição de probabilidades do valor máximo;

Afim de encontrar essa função, devemos lembrar a definição de função de distribuição

acumulada e também os conceitos de estatísticas de ordem. A partir dessas definições e

conceitos, poderemos remeter a seguinte igualdade:

)(),(]max[)(1max

λλλλ niini

FivPvPF =∀≤=≤=≤≤

)().(.)( 1

maxλλλ fFnf n−=⇒

Pode-se, então, reescrever a receita do Leilão de Primeiro Preço da seguinte maneira:

∫−

−=v

v

n dYYfYFnYbR ).().(.).( 11

Sabe-se ainda, da derivação da regra de decisão desse leilão, que:

)(

))'(.(

)( 1

1

in

v

v

n

i vF

dvvFv

vb

i

−∫−=

Portanto, para b(Y):

201

∫∫−

− −−

=v

v

nn

Y

v

n

dYYfYFnYF

duuFu

R ).().(..)(

))'(.(1

1

1

1

Parte II:

Feito isso, analisa-se a receita esperada do Leilão de Segundo Preço, equivalente ao Inglês:

∫ ∫= nnn dvdvvfvfvvR ...)()...(.},...,{... 11)2(

12

, onde a função { } significa a função que define o segundo maior valor do conjunto

apresentado. Será interessante calcular a probabilidade desse valor em questão, dado que é

esta a probabilidade que deverá constar na integral.

)2(...

)},...,({ )2(1 λ≤nvvP =

niivP≤≤≤

1)max( λ +

nini vvvP

≤≤≥≥

1

)2(1 )},...,{max( λ

O primeiro termo da soma encontrada no lado direito da equação poderá ser igualado a

, por razões óbvias. O segundo termo dessa soma, , será

igual a . Este resultado é derivado de propriedades probabilísticas das

estatísticas de ordem, devidamente manipuladas na equação. Como essa derivação é muito

extensa, será omitida.

)(λnFni

ni vvvP≤≤

≥≥1

)2(1 )},...,{max( λ

)()).(1.( 1 λλ −− nFFn

Portanto,

)},...,({ )2(1 λ≤nvvP = + )(λnF )()).(1.( 1 λλ −− nFFn

λλλ

∂≤∂

=⇒)},...,({)(

)2(1

max

nvvPf

= )()).(1).(1()().(.)().(. 211 λλλλλλ −−− −−+− nnn FFnnFfnfFn

= )()).(1).(1.( 2 λλ −−− nFFnn

Dessa maneira, reescrevemos a receita da seguinte forma:

202

∫−

−−−=v

v

n dYYfYFYFnnYR )()()).(1)(1(. 22

Recapitule que

∫∫−

− −−

=v

v

nn

Y

v

n

dYYfYFnYF

duuFu

R ).().(..)(

))'(.(1

1

1

1 (a)

Pode-se transformar esta equação (a) cortando o termo do denominador com o do

numerador. Assim,

)(1 YF n−

∫ ∫∫ ∫−

− −

− −

−− −==v

v

Y

v

nv

v

Y

v

n dYduYfnufuFnudYYfnduuFuR )).(..)()()1.(().(..))'(.( 211

Como , pode-se trocar os limites da integração da seguinte maneira: −

−<<< vyuv

∫∫ ∫−

=−−=−= −−v

v

nnv

v

v

u

RduufuFnnuuFdyduYnfufuFnuR 2221 )()()1.(.))(1()()()()1(

Com isso, a prova está terminada.

203

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