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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL ÂNGELA MARIA MACÊDO DE OLIVEIRA IMAGENS DISSONANTES? A FAMÍLIA TERESINENSE: entre prescrições católicas e práticas culturais na década de 1950 TERESINA, PI 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL

ÂNGELA MARIA MACÊDO DE OLIVEIRA

IMAGENS DISSONANTES? A FAMÍLIA TERESINENSE: entre prescrições

católicas e práticas culturais na década de 1950

TERESINA, PI

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA

Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí

Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco

O48i Oliveira, Ângela Maria Macêdo de.

Imagens Dissonantes? A família teresinense: entre

prescrições católicas e práticas culturais na década de 1950

[manuscrito] / Ângela Maria Macêdo de Oliveira. – 2009.

173 f.

Cópia de computador (printout).

Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em

História do Brasil da Universidade Federal do Piauí, 2009.

“Orientador: Professor Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco.”

1. História – Teresina – Família. 2. Família. 3. Prescrições

Católicas. I. Título.

CDD: 981.22

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DEDICATÓRIA

A Vando Fortes Vieira (In Memorian)

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AGRADECIMENTOS

Instituições e pessoas foram muito importantes para a elaboração desta

pesquisa, pois é impossível realizar um trabalho desta natureza sem ajuda ou apoio.

Agradeço primeiramente a Deus e a minha família, meus pais (Maria de

Jesus e Domingos), meus irmãos (Claudejane, Claudean, Claudirene e Fredson), meu

sobrinho-afilhado Christian, que me proporcionam momentos felizes, de amor, ternura e

respeito.

Ao meu marido Roterdan Macêdo de Oliveira, por seu amor e

companheirismo, pelo apoio nesta jornada, sempre me ouvia falar de meu objeto de

estudo, prestando sempre atenção no que eu falava, lia atentamente os capítulos desta

dissertação e mesmo sem entender do métier da História, fazia críticas importantes.

À CAPES, pelo incentivo e financiamento desta pesquisa, o que me

permitiu participar de eventos acadêmicos, além de ampliar meu acervo bibliográfico.

Ao Prof. Dr. Pedro Vilarinho, que aceitou me orientar nesta pesquisa, me

conduzindo eficazmente para dar a esta pesquisa o formato no qual se apresenta.

Aos professores do Mestrado em História do Brasil da UFPI, especialmente

ao Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco que me ajudou a perceber melhor meu

objeto de pesquisa, tanto do ponto de vista teórica e metodológica. À Prof.ª Dr.ª

Teresinha Queiroz que, na Banca de Qualificação me deu contribuições significativas

para a construção do texto final. Ao Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento, pela

leitura do texto e pelas valiosas críticas e sugestões.

A Profª Drª Maria do Socorro Rios Magalhães, por ter aceito corrigir os

defeitos estéticos desse texto.

A Messias Santana, pela amizade iniciada no decorrer das atividades

acadêmicas do Mestrado, seja de Letras ou de História, pelas conversas, reflexões e

conselhos que me proporcionou melhorias, não somente no campo da pesquisa, mas

para a vida.

A Profª Doutoranda Cláudia Cristina da Silva Fontineles que me ensinou a

dar os primeiros passos na difícil e prazerosa arte da pesquisa, delineando os seus

caminhos árduos e doces, sem perder de vista a humildade e a perseverança, me

incentivando a produzir pesquisa desde o 4º período da Graduação em História pela

Universidade Estadual do Piauí, Campus Clóvis Moura (Dirceu Arcoverde).

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Aos colegas da 4ª turma do Mestrado em História do Brasil pelo convívio,

aprendizado e amizades firmadas. Colegas vindos de diferentes estados e cidades, de

Parnaíba, de São Luis, de Macapá e também da Paraíba, entre os quais nasceu uma

amizade para toda a vida, Verônica, pelas trocas de idéias, conversas sérias, conselhos

para a vida acadêmica e pessoal, aprendi muito com você, obrigada. A Elton pelas

conversas, risadas e desabafos que a vida acadêmica nos proporcionou. A Cristina, pelo

fortalecimento da amizade iniciada ainda na graduação e que esteve sempre presente nas

etapas importantes da minha vida, por ter ouvido minhas angústias e desabafos no

decorrer da pesquisa, obrigada.

Ao Arquivo Público do Estado do Piauí, pela disponibilidade dos

funcionários em atender os pesquisadores que por lá aparecem. À Biblioteca Estadual

Cromwell de Carvalho e à Biblioteca Francisco Montojos, do Centro Federal de

Educação Tecnológica, que me proporcionaram local tranqüilo, para pesquisas on-lines

e para a escrita do texto.

Ao padre Raimundo José pela disponibilidade que me proporcionou de

pesquisar em sua Biblioteca Particular. Da mesma forma ao Monsenhor José Luiz

Soares, que nos concedeu acesso a sua casa, local onde funciona a Secretaria e a

Biblioteca da Paróquia Nossa Senhora das Dores, me disponibilizando documentos e

livros católicos essenciais para esta pesquisa.

À Secretaria do Mestrado pela presteza nas informações e no atendimento,

inicialmente Dona Eliete, depois Leda e, hoje, Marcinha.

Aos entrevistados, Iracema Santos Rocha da Silva, V.G.F.N, Teresa

Albuquerque Vilarinho Castelo Branco, Manoel Paulo Nunes, Maria Genovefa Aguiar

Moraes Correa, Celso Barros Coelho, José Nazareno Soares de Araújo e Marize

Marques Martins de Araújo, meu muito obrigada pela disponibilidade e atenção ao

contarem, entre risos e lágrimas, um pouco de suas memórias. Em meio a silêncios,

esquecimentos, encantamentos, sempre recheados de lições de vida e de história, as

entrevistas foram fundamentais para a construção deste trabalho.

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RESUMO

Este trabalho analisa a família teresinense na década de 1950, tendo como pretexto o

discurso católico. A cidade, nesse período, era marcada por conflitos. De um lado, a

forte presença e influência da Igreja Católica nos aspectos sociais, educacionais e

culturais, e por outro, a intensificação na urbe de novidades modernas, que interferiram

diretamente no consumo cultural da família e nas identidades de gênero. Dessa forma, o

principal objetivo desta pesquisa é localizar e analisar a tensão entre as prescrições

católicas face aos consumos culturais, que eram plurais e não homogêneos, como

desejava a norma eclesiástica. Do ponto de vista teórico, esta pesquisa trabalha com

quatro conceitos: produto e consumo cultural; gênero e memória. Estas categorias foram

fundamentais para análises das fontes constituídas por jornais, crônicas, romances,

entrevistas, propagandas e documentos oficiais.

Palavras-Chave: Família. Prescrições Católicas. Práticas Culturais.

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ABSTRACT

This work examines the family teresinense in the 1950s, using the Catholic speech as a

pretext. The city at that time was marked by conflict. On the one hand, the strong

presence and influence of the Catholic Church in social, educational and cultural

aspects, and on the other hand, the intensification in the city of modern news, which

interfere directly in the cultural consumption of family and identities of gender. Thus,

the main objective of this research is to locate and analyze the tension between the

Catholic requirements in the face of cultural consumption, which were varied and not

homogeneous, it wanted the standard church. From the theoretical point of view, this

research works with four concepts: product and cultural consumption, gender and

memory. These categories are fundamental for analysis of sources formed by

newspapers, chronicles, novels, interviews, advertising, and official documents.

Keywords: Family. Catholic requirements. Cultural practices.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1: Arco decorativo alusivo ao Centenário da cidade em 1952 .................................... 21

Foto 2: Elvira Pagã............................................................................................................... 23

Foto 3: Mexericos da Candinha .......................................................................................... 33

Foto 4: Foto da cantora Maysa ........................................................................................... 33

Foto 5: Propaganda de Máquina de Costura Rener ........................................................... 34

Foto 6: Propaganda de Refrigerador Brastemp .................................................................. 34

Foto 7: Propaganda de Achocolatado Toddy ....................................................................... 35

Foto 8: Propaganda de Leite em pó „Kim‟........................................................................... 35

Foto 9: Propaganda de Medicamento: „O filho é sempre a alegria do lar‟ ......................... 42

Foto 10: Propaganda do Talco Johnson .............................................................................. 43

Foto 11: Propaganda do Óleo Johnson ............................................................................... 43

Foto 12: Propaganda sobre Vacinação: „Seus filhos estão imunizados‟ ............................ 45

Foto 13: Propaganda de Absorvente (Modess) .................................................................... 58

Foto 14: Colégio Sagrado Coração de Jesus ....................................................................... 63

Foto 15: Praça Pedro II – Parte baixa ................................................................................. 70

Foto 16: Praça Pedro II – Parte alta .................................................................................... 72

Foto 17: Foto Dona Teresa Castelo Branco com a farda do Colégio das Irmãs .................. 75

Foto 18: Propaganda do Manual „Como aprender a dançar‟ ............................................... 80

Foto 19: Propaganda do Creme de Alface ........................................................................... 84

Foto 20: Propaganda da Loção Pós-Barba Aqua Velva ..................................................... 85

Foto 21: Propaganda do Aparelho de Barbear Gillette Azul ............................................. 85

Foto 22: Foto da atriz Dorothy Lamour no filme The Jungle Pricess ................................ 91

Foto 23: Propaganda de roupas femininas: calças compridas ........................................... 92

Foto 24: Propaganda de roupas femininas: short ............................................................... 92

Foto 25: Foto que registrou o noivado de Iracema e José ................................................. 103

Foto 26: Propaganda do Sutiã Oasis ................................................................................. 106

Foto 27: Foto da Miss Brasil de 1958 Adalgisa Colombo ................................................ 107

Foto 28: Propaganda de Modernas Cozinhas com armários embutidos ........................... 119

Foto 29: Propaganda de Máquina de Lavar ....................................................................... 119

Foto 30: Propaganda de Aspirador de Pó .......................................................................... 120

Foto 31: Propaganda de Fogão a gás ................................................................................. 120

Foto 32: Propaganda de Lingerie Valisère......................................................................... 122

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10

2 TERESINA NOS ANOS DOURADOS ........................................................................... 19

2.1 O cenário desta história: Teresina na década de 1950 .................................................... 19

2.2 A influência católica na cidade ..................................................................................... 23

2.3 Anos dourados: a euforia de 1958 .................................................................................. 31

2.4 Eis que a cidade cresce ................................................................................................... 33

2.5 A Saúde Pública ............................................................................................................. 36

3 INTERFACES ENTRE AS INFÂNCIAS E TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS NA

ADOLESCÊNCIA .............................................................................................................. 40

3.1 O amor materno é cultura e não natureza ...................................................................... 40

3.2 Os seus filhos estão imunizados? .................................................................................. 42

3.3 Instruindo e educando a partir da diferença .................................................................. 47

3.4 É tempo de brincar .......................................................................................................... 48

3.5 O que fazer com os menores abandonados? .................................................................. 52

3.6 Transformações no corpo: o despertar da adolescência ................................................ 55

3.7 Escolas que instruem e educam: trajetórias escolares na adolescência ........................ 59

4 A MOCIDADE ................................................................................................................. 69

4.1 Borboleteando ou a arte de flertar na P.II (Praça Pedro II) ............................................ 69

4.2 Muito além de “Evas” e “Marias”: representações femininas em Teresina ................... 72

4.3 Tertúlias no Clube dos Diários ....................................................................................... 80

4.4 As influências dos meios de comunicação: o star sytem e as revistas incidindo no

comportamento dos jovens .................................................................................................. 84

4.5 Os namoros: de olhos e de bolinação ............................................................................. 93

4.6 Noivados: relâmpagos .................................................................................................... 95

4.7 Futebol: prática machacaz? .......................................................................................... 108

5 RELAÇÕES FAMILIARES .......................................................................................... 111

5.1 Gerar filhos: função primária do matrimônio? ............................................................. 112

5.2 Os papéis tradicionais de gênero nas relações familiares: a rainha do lar e o

provedor ............................................................................................................................. 117

5.3 Quase todos contra o divórcio: a dignidade da mulher „acima‟ de tudo! .................. 127

5.4 Descortinando os preconceitos: as mulheres no ensino superior e no mercado de

trabalho .............................................................................................................................. 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 146

REFERÊNCIAS E FONTES .............................................................................................. 153

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1 INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é compreender a família teresinense na década de

cinqüenta do século XX, tendo como pretexto o discurso católico e, neste sentido, o

nosso principal objetivo é inventariar as prescrições católicas em torno da família e

compará-las com o consumo cultural, verificando se, nas práticas cotidianas, existiam

dissonâncias entre a norma imposta e o consumo das prescrições, que é plural.

O interesse pela temática surgiu ainda na graduação, quando, ao elaborar o

Trabalho de Conclusão de Curso, abordamos as relações familiares em Teresina1. O

desenvolvimento da família enquanto objeto de pesquisa está diretamente ligada aos

estudos dos demógrafos historiadores2. Os estudos de história da família têm sido

abordados, sob diferentes enfoques e definições, desde análises econômicas3 até

culturalistas4.

No Brasil, os primeiros trabalhos sobre as relações familiares foram

desenvolvidos por sociólogos5, posteriormente por psicanalistas

6 e cientistas sociais

7.

Somente a partir da década de 1980, com a fundação do Centro de Estudos de

Demografia Histórica da América Latina – CEDHAL, por Maria Luiza Marcílio da

Universidade de São Paulo – USP e do GT Nacional de História e Família, foi que as

1OLIVEIRA, Ângela Maria Soares de. Relações familiares em Teresina: múltiplas representações

(1940-1950). Teresina, 2006. 109 p. Monografia (conclusão de curso). Departamento de História e

Geografia, Universidade Estadual do Piauí. 2 Sobre essa afirmação ver FARIA, Sheila de Castro. História da Família e demográfica histórica. In:

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e

metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 241-258. 3 SHORTER, Edward. A formação da família moderna. Lisboa, Portugal: Terramar, 1975. O autor

afirmou que a mola propulsora para a transformação de família tradicional para família moderna foi o

capitalismo, tendo com base de sustentação o surto do sentimento, este estava constituído em três áreas,

primeira, na escolha do parceiro (balizado não mais em relações de parentesco, ou fatores econômicos,

mas, em função do amor romântico), segundo, nas relações mãe-bebê (o surgimento do amor materno),

terceira, o sentimento em relação ao lar, este ligado a privacidade e intimidade entre casal e filhos, um

abrigo cheio de amor entre seus membros, neste item o autor definiu como domesticidade. Dessa forma,

é a partir destes três sentimentos é que nasceu a família moderna ou nuclear. 4 FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 45 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. Referência

obrigatória para os trabalhos que discutem a família. 5 IBIDEM.

6 COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979. Constitui o

primeiro livro publicado no Brasil ambientado na teoria de normalização de Michel Foucault sobre a

família, tendo por base os discursos médicos como sendo responsáveis pelo controle e ordenamento

familiar, no final do século XIX e início do XX, quando a família se modernizava, sendo prescrito como

único modelo válido e civilizador – a família burguesa – nuclear 7 ALMEIDA, Maria Suely Kofes et all. Colcha em retalhos: estudos sobre família no Brasil. São Paulo,

1982. Pesquisa que foi resultado da análise interdisciplinar nas ciências sociais; D´INCAO, Maria

Ângela (Org.). Amor e família no Brasil. São Paulo: Contexto, 1989. O livro tem como mote a noção de

amor romântico e as transformações nas relações familiares no Brasil.

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contribuições em torno do objeto família multiplicaram-se, com a realização de

congressos e simpósios temáticos.

A questão central da pesquisa é analisar a tensão entre as prescrições

católicas e as práticas cotidianas. Este consumo será inventariado através da análise das

entrevistas, dos jornais, das memórias, das crônicas, dos romances e das propagandas

que foram veiculadas na imprensa escrita do período.

O recorte da pesquisa é a década de 1950, período marcado por discursos e

pesquisas em torno do planejamento familiar em todo o mundo. Essas pesquisas foram

iniciadas no período entre guerras mundiais, quando, então, foi descoberto o método de

contracepção Ogino-Knauss, popularmente conhecido por Tabelinha. Essa descoberta

sobre o controle familiar viria a alterar profundamente os padrões tradicionais até então

relacionados à família, à sexualidade e à mulher.

O novo método anticoncepcional proporcionou transformação nos

comportamentos e no cenário familiar, o que causaria uma revolução nos costumes

nunca antes presenciado na esfera privada. Em 1951, foi descoberta a pílula

anticoncepcional, que começou a se popularizar no Brasil, na década posterior, 1960.

Esta possibilidade de mudança com a descoberta de novos contraceptivos

causaria imediata resposta da Igreja Católica, que, prontamente se articulou na defesa da

família. A Igreja concebia o casamento, tendo como fim primário a procriação, mas, no

período em estudo, constatamos algumas dissonâncias, como esta: “a mulher moderna

só quer ser esposa e aborrece a missão honrosa de mãe, para poder gozar a vida8”.

Elegemos os seguintes objetivos para serem atingidos ao término da

pesquisa, a saber: investigar as estratégias prescricionais utilizadas, no período em

estudo, pela Igreja católica para representar os papéis masculinos e femininos, no que

tange às configurações das relações familiares; compreender de que forma os casais, no

período em estudo, construíram seu cotidiano em torno de suas relações familiares e

situar as dissonâncias ocasionadas em torno da tensão entre as prescrições católicas

sobre família e o consumo cultural.

Dessa forma, para situar o problema, que se constituiu a partir da

possibilidade de localizar a tensão entre produtos eclesiásticos face aos consumos

culturais, foram formuladas as seguintes questões de pesquisa:

Como a Igreja católica, durante o período em estudo, na década de 1950,

prescreveu a instituição família? Existia algum modelo ideal, quais seriam suas 8 ESPOSA e mãe. O Dominical, Teresina, p.3, 25 de dez. de 1949.

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características? Quais os meios que a Igreja utilizava para veicular essa prescrição? As

representações católicas durante o período em estudo eram as mesmas para os papéis

masculinos e femininos? De que forma, a Igreja Católica reagiu diante das pesquisas

realizadas sobre planejamento familiar, no período pós-guerras? Como os jovens casais

que contraíram matrimônio, no período em estudo, assimilaram o discurso católico

acerca da família? Podemos perceber conflitos entre as prescrições evangelizadoras de

um lado, e de outro, o consumo cultural que era feito daquelas prescrições?

Do ponto de vista teórico, esta pesquisa trabalhará com quatro conceitos, os

dois primeiros são de Certeau, produto e consumo cultural. O terceiro é gênero e o

quarto diz respeito, à memória.

O primeiro conceito diz respeito a produto cultural9, neste trabalho,

percebido como fala institucional, que, por meio de ordem, impõe uma concepção de

pensamento, portanto, produto cultural, será utilizado como sinônimo de estratégia,

prescrição ou norma.

A segunda variável diz respeito ao consumo cultural10

, o consumo dos bens

culturais nunca é passivo, pelo contrário, é astucioso, disperso, “a norma é ao mesmo

tempo exercida e burlada”, tornando possível uma re-significação do produto cultural

que foi “imposto”. Portanto, neste estudo, consumo cultural terá como sinônimo táticas,

usos culturais, de forma que, ao usarmos, no decorrer do texto estas palavras, todas

remeterão ao mesmo significado. O consumo cultural não ocorre de forma homogênea

como a norma tentava impor, mas, através da dispersão, da pluralidade.

O terceiro conceito utilizado é gênero, enquanto categoria útil de análise

histórica11

, pois percebe o feminino e masculino como construções históricas e

culturais, portanto, plurais, e não como pares binários, por exemplo, de um lado,

dominação, do outro, submissão, justificando a diferença entre sexos a partir do

determinismo biológico, “o conceito pretende se referir ao modo como as características

9 Segundo CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 5. ed. Tradução de

Ephram Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2000, esses produtos culturais ou estratégias prescritivas visam

“criar lugares segundo modelos abstratos [...] capazes de produzir, mapear e impor” p.92. 10

O consumo dos bens culturais é ativo e plural, os homens comuns praticam a norma utilizando as

artes de fazer. Ver CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1996 e CERTEAU,

2000. 11

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise história. Educação & Realidade. Porto Alegre.

vol.20, n.2, jul/dez. 1995, p. 71-99.

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13

sexuais são compreendidas e representadas, ou, então, como são trazidas para a prática

social e tornadas parte do processo histórico12

”.

Scott enfatiza que o conceito de gênero, desconstrói essa lógica binária da

representação do masculino e feminino, no entanto, “não é negada a biologia, mas

enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica, produzidas sobre as

características biológicas13

”.

A partir da perspectiva relacional, que destaca os perfis de comportamentos

femininos e masculinos, se definindo um em função do outro, pois não podem ser

entendidas separadamente, pois são categorias historicamente construídas, ou seja, o

feminino e o masculino são ao mesmo tempo categorias vazias, porque não podem ser

fixas e transbordantes, porque podem ter espaço para a alteridade, ou seja, para as

múltiplas possibilidades.

A desconstrução binária que Scott enfatiza é um conceito pós-estruturalista

fundamentada em Michel Foucault14

, o que nos convida a “duvidar” de tudo o que nos

parece natural, fixo, dado como essência, “sempre foi assim, desde que o mundo é

mundo”, como aquele que identificava a maternidade como essência natural a todas as

mulheres, ser mãe estaria inscrita em sua condição feminina, cuidar da casa, das

crianças e do esposo seria sua missão. A partir deste discurso, a mulher era identificada

ao espaço privado, enquanto que ao homem cabia prover a família, sendo que seu

espaço naturalizado era o ambiente público. A Igreja Católica se apropriou deste

discurso construído historicamente, para justificar suas prescrições em torno dos papéis

femininos e masculinos. O conceito de gênero supera a dicotomia ou determinismo

biológico nas relações de diferenciação entre os sexos.

O quarto conceito utilizado diz respeito à memória enquanto fenômeno

individual e social. É ao mesmo tempo fonte e fenômeno histórico. Utilizaremos, neste

trabalho, o conceito de memória na perspectiva Michel Pollak15

, que analisa a memória

a partir de sua relação com a identidade social enfatizando seu caráter fluido e plural

relacionando-a com identidade, pois ambas têm caráter flexíveis.

12

LOURO, Guacira Lopes. A emergência do gênero. In: ________ Gênero, sexualidade e educação:

uma perspectiva pós-estruturalista. 7.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 22 Gênero é um conceito que

lança uma perspectiva de análise histórica não só das mulheres, mas, também dos homens. 13

IBIDEM, p. 22 14

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 5 ed., Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 1997. 15

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, vol. 5, n.10, 1992. p.200-212.

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14

Trabalhar com memórias significa ter consciência de que nós humanos não

nos lembramos de tudo o que ocorreu conosco, nos diferentes ambientes, seja no

familiar, escolar, social, público ou privado, é impossível “rememorarmos” tudo. Dessa

forma, quem trabalha com esse artefato precisa estar atento a sua característica de

seletividade, o que envolve também o esquecimento. Estes fatores nem sempre estão

relacionados com nossos desejos e intenções declarados, fazem parte da condição do ser

humano.

Quanto à metodologia, as fontes levantadas foram fontes hemerográficas,

tais como: O Dominical, O Dia, Folha da Manhã, Jornal do Comércio, Diário Oficial.

As fontes documentais são exemplificadas pelas Encíclicas Papais, o Manual das Filhas

de Maria; as crônicas; romances e as memórias. Como fontes não verbais utilizamos, as

imagens fotográficas e as propagandas veiculadas nos jornais pesquisados, nos sites e

principalmente nas revistas Seleções Readers Digest, Revista do Rádio e Vida

Doméstica. Além de fontes orais, recolhidas através das trajetórias de vida dos oito

entrevistados, sendo cinco mulheres e três homens.

Analisamos as fotografias e as propagandas aliadas a uma perspectiva

proposta por Ana Maria Mauad16

, que afirma que elas podem representar, tanto uma

imagem-documento, quanto uma imagem-monumento. Procuramos perceber, nesta

pesquisa, apenas a característica de imagem-documento, pois essas fotografas e

propagandas informam sobre pessoas, lugares e diversos aspectos, materializados na

moda, nas condições de vida, na saúde, na higiene, contribuindo para a “veiculação de

novos comportamentos17

”, já que possuem um imenso poder de comunicar e de induzir

a novos consumos.

Localizamos as fontes em instituições, como Arquivo Público do Estado do

Piauí, Centro Cultural Paulo VI e Arquidiocese de Teresina; em bibliotecas particulares,

como a do Monsenhor Luis Soares e a do Pe. Raimundo José; bibliotecas públicas,

como a Cromwell de Carvalho e a Francisco Montojos, do Centro Federal de Educação

Tecnológica. Pesquisamos, também, através da Internet, a rede mundial de

computadores.

Oito sujeitos narraram suas memórias, em forma de trajetórias de vida, os

quais, a partir das senhoras, passamos a apresentar.

16

MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo. Rio de Janeiro, vol.

1, n.º 2, 1996. p. 73-98 17

IBIDEM, p.83.

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15

A primeira entrevistada de nossa pesquisa foi a jornalista Maria Genovefa

de Aguiar Moraes Correia (Genu Moraes). Nascida na cidade de Teresina (PI) em 1927,

estudou no Grupo Escolar Barão de Gurguéia, depois no Leão XIII e no Ateneu. Depois

fez estudos em Belo Horizonte, casando em 1947, aos 20 anos, com Antônio Moraes

Correia, com quem teve três filhos.

Iracema Santos Rocha da Silva nasceu em 1927, na cidade de Floriano (PI).

Em 1932, com cinco anos de idade mudou-se para Teresina. Em 1946, concluiu o Curso

Normal no Colégio Sagrado Coração de Jesus. Casou-se, aos vinte anos, em 1947, com

José Maranhão da Silva e tem quatro filhos. Em 1959, concluiu Filosofia na Faculdade

Católica de Filosofia do Piauí (FAFI). Em 1969, iniciava o curso de Direito na

Faculdade de Direito (FADI), concluindo em 1972 na Universidade Federal do Piauí

(UFPI). Professora aposentada da UFPI e do Instituto de Educação Antonino Freire, foi

procuradora do Estado, foi presidente da Associação Piauiense dos Procuradores do

Estado do Piauí – APPE. É jornalista e advogada.

Teresa de Albuquerque Vilarinho Castelo Branco nasceu na cidade de

Amarante (PI), em 1932. Chegou a Teresina em 1946, para cursar o ginásio no Colégio

Sagrado Coração de Jesus, concluindo em 1949. Casou-se aos 18 anos, em 1950, com

José Ferreira Castelo Branco é mãe de seis filhos.

Marize Marques Martins de Araújo nasceu na cidade de Floriano (PI), em

1933, cursou o Normal no Internato das Irmãs Dorotéias em Fortaleza (CE). Casou-se

com José Nazareno Soares de Araujo, aos 24 anos de idade, em 1 de fevereiro de 1957.

O casal tem três filhas.

Dona V.G.F.N. nasceu na cidade de Parnaíba (PI), em 27 de julho de 1926.

Fez o Curso Normal no Colégio Nossa Senhora das Graças, trabalhou no Departamento

Nacional de Malária, hoje, é aposentada pela Justiça Federal. Casou-se em 1949, com o

senhor M., aos 23 anos de idade. É mãe de três filhos. Esta senhora concedeu

autorização da entrevista via “áudio”, desde que não a identificasse, então neste

trabalho, quando nos referirmos a sua trajetória de vida, utilizaremos somente suas

inicias: V.G.F.N. Todos os outros entrevistados concederam autorização para

publicação. Estas autorizações se encontram no final deste trabalho (ver Anexos).

José Nazareno Soares de Araújo nasceu na cidade de Floriano (PI) no dia 04

de abril de 1930. Em 1953, tornou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de

Belo Horizonte de Minas Gerais. Foi deputado estadual.

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16

Manoel Paulo Nunes nasceu em 1926, na cidade de Regeneração (PI),

chegou a Teresina em 1938, com 12 anos para fazer o ginásio no Colégio Diocesano.

Tendo posteriormente, cursado o Colegial no Liceu. Em 1950, concluiu o curso de

Direito pela Faculdade de Direito (FADI). Professor e escritor, pertence à Academia

Piauiense de Letras. É presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí. Casou-se

em 1955 com Clara Leonor Neiva Nunes, tiveram quatros filhos.

Celso Barros Coelho nasceu na cidade de Pastos Bons (MA), em 11 de maio

de 1922. Órfão de pai aos 12 anos de idade, começou a trabalhar no comércio com uma

tia, surgiu, porém, uma oportunidade de migrar para o Piauí em 1938, para estudar no

Seminário Menor de Teresina. Por volta de 1946, desistiu da ordenação sacerdotal,

tornando-se professor do Colégio Demóstenes Avelino, do Colégio Diocesano, do Liceu

Piauiense, e do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Em 1952, concluiu o bacharelado

em Direito na Faculdade de Direito do Piauí. Procurador autárquico federal, ex-

deputado federal, advogado, ocupante da cadeira nº 39 da Academia Piauiense de

Letras. E membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e presidente da Academia de

Letras, História e Ecologia de Pastos Bons (MA). Casou em 1948, com Maria de

Lourdes Freitas, tiveram três filhos.

É importante frisar que, no momento das entrevistas, as memórias

masculinas narradas, bem como a cronologia de suas vidas se restringiram à esfera

pública, assuntos de “família” foram somente sobrevoados ou não foram mencionados.

Alguns autores nos ajudaram na compreensão do objeto e do período em

estudo, década de 1950, como Carla Bassanezi18

, Riolando Azzi19

e Elizângela Barbosa

Cardoso20

, na medida em que produziram trabalhos que versam sobre questões

relacionadas à família e gênero.

Bassanezi, ao analisar revistas para o público feminino, como, por exemplo,

O Cruzeiro, Jornal das Moças, Vida Doméstica, afirma que estas funcionavam como

conselheiras amorosas. A autora analisou como foi representada a diferença entre

feminino e masculino, seus papéis sociais tradicionalmente referendados, mulher como

18

BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das

Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p. 607-639.

_______________. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1960). Cadernos Pagu, n.º

1. Campinas: UNICAMP, 1993. p. 111-147. 19

AZZI, Riolando. Família, mulher e sexualidade na Igreja do Brasil (1930-1964). In: MARCILIO, Maria

Luiza (org). Família, mulher, sexualidade e Igreja na História do Brasil. São Paulo: Edições Loyola,

1993. p.101-134. 20

CARDOSO, Elizângela Barbosa. Múltiplas e singulares: história e memória de estudantes

universitárias em Teresina (1930-1970). Teresina: FCMC, 2003.

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17

mãe e esposa, enquanto aos homens cabiam o sustento da casa e o espaço púbico. As

prescrições, em forma de conselhos, veiculadas nessas publicações influenciaram as

mulheres de classe média, o que corroborava o pensamento católico acerca do feminino

e do masculino como categorias fixas e idéia “dominante” na sociedade.

Azzi analisa algumas das transformações pelas quais passaram a família e a

mulher na vida urbana e como a Igreja reagiu de forma conservadora, a partir do

desenvolvimento dos meios de comunicação social e de sua influência no lar,

oportunidades de lazer, descobertas de novos métodos anticoncepcionais, a preocupação

com o planejamento familiar, o que propiciava uma “maior liberdade feminina”, no

tocante à sexualidade, podendo controlar e planejar o número de filhos, e usufruir de

oportunidades de trabalho e de estudos.

Cardoso nos revela pontos de reflexões importantes sobre a cidade e os

investimentos familiares na escolarização das mulheres da classe média em Teresina,

que resultaram na profissionalização almejada, durante os chamados “anos dourados”.

Embora as trajetórias e caminhos percorridos tenham sido singulares, considerando o

período em que ocorreram, ficam demonstradas as possibilidades históricas de sua

existência.

O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro, Teresina nos

anos dourados, apresentamos a cidade de Teresina na década de 1950, uma cidade

centenária com ares provincianos, mas que apresentava aspectos modernos, que

apontavam para padrões de consumo, que sinalizavam para a quebra de práticas

tradicionais e para a vivência de padrões morais questionadas pelos católicos.

Analisamos, também, a forma como a Igreja atuava na cidade, no sentido de tutelar a

população, avaliando sua influência no campo educacional, social e cultural. Da mesma

forma mostramos as mudanças que estavam ocorrendo no período, complexificando o

cenário urbano.

No segundo capítulo intitulado Interfaces entre as infâncias e trajetórias

educacionais na adolescência, a partir das trajetórias educacionais dos entrevistados,

problematizamos como a educação e as brincadeiras, para masculino e feminino,

marcaram a diferenciação e demarcação dos papéis tradicionais de gênero, refletindo

diretamente nas relações familiares. Também foram alvo de análises: a maternidade

como construção histórica e não natural; o discurso médico sobre a importância da

campanha de vacinação enquanto medida preventiva contra doenças infantis; o

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18

„problema‟ dos menores abandonados, que de infância desvalida passaram a ser caso de

polícia. No último tópico, analisamos as transformações que ocorreram no corpo das

crianças, ao se transformavam em adolescentes, bem como suas trajetórias educacionais

nesta nova fase da vida.

No terceiro capítulo intitulado A Mocidade, apresentamos os lugares de

sociabilidades que os jovens freqüentavam, como, por exemplo, praças, cinemas,

quermesses. Clube dos Diários, nos quais nasceram compromissos que se configuraram

em casamentos. Problematizamos as regras do namoro, a duração do noivado, as

influências das revistas (Vida Doméstica, Revista do Rádio e Seleções do Reader’s

Digest) e do cinema no comportamento dos jovens, percebidos também através das

modas, dos produtos de beleza e higiene pessoal consumidos. Analisamos, também, os

modelos femininos e masculinos socialmente prescritos e culturalmente consumidos,

seus respectivos valores dominantes e os usos plurais em relação ao corpo e

sexualidade.

No quarto capítulo intitulado Relações familiares, estudamos as relações

familiares, delineando as diferenças e desigualdades nos papéis de gênero no interior do

casamento. Discutimos o paradigma da “rainha do lar” propagado no período, assim

como também questões relacionadas ao controle de natalidade, os embates em torno da

indissolubilidade do matrimônio. Finalizando, apontamos mudanças nas relações

familiares, a partir da inserção da mulher da classe média no mercado de trabalho e do

seu ingresso no ensino superior.

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19

2 TERESINA NOS ANOS DOURADOS

Os dias passam serenamente vazios [...]

os cafés se enchem de homens, [estes]

discutem política, negócio, amor e a vida

dos outros. Há praças para os

namorados, a quem a polícia não permite

muitas expansões, cinemas, a missa dos

domingos, os bailes [...]1.

Iniciamos a nossa argumentação apresentando o palco desta história:

Teresina na década de 1950, uma cidade centenária, mas pequena e com ares

provincianos. A forte presença da Igreja Católica procurando tutelar a população a partir

de sua atuação na vida educacional, social e cultural dava um certo tom conservador às

práticas cotidianas. Contudo, na década de 1950, o cenário urbano tornava-se complexo

a partir do crescimento da população, do surgimento de modernos espaços de diversão,

como o Jóquei Clube, com restaurante, boate e piscina. A partir do crescimento da

especulação imobiliária, surgiram novos bairros, levando à expansão dos serviços

médicos e educacionais. A integração do Estado a outras regiões do país, através das

rodovias e da construção da pista do aeroporto, acelerou o consumo de bens duráveis,

como eletrodomésticos e carros, graças ao comércio de prestações. Em síntese, a vida na

urbe sofria significativas modificações, que iriam, nos anos seguintes, influenciar no

modo de vida da população, no sentido de quebrar o isolamento da região do restante do

país e, conseqüentemente, atenuar o seu provincianismo.

2.1 O cenário desta história: Teresina na década de 1950

Teresina crescia e, de acordo com o recenseamento realizado em julho de

1950, a urbe possuía 53.100 habitantes. Na década anterior, 1940, a cidade possuía

apenas 34.695, portanto, em dez anos, a cidade teve um crescimento demográfico

acelerado de 53%2.

1 DOBAL, Hindemburgo. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. In:______: obra completa II. 2

ed. Teresina: PLUG, 2007. p. 12. 2 A CIDADE de Teresina. O Dominical, Teresina, p.6, 14 de jan. de 1951.

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20

A cidade desde o início do século XX, passou a atrair um maior número de

pessoas, tendo em vista a prestação de serviços nas áreas de educação, saúde, bem como

a existência de melhores condições de trabalho. O aumento da população acarretava a

ocupação de novos espaços, de modo que, no período compreendido entre 1950 e 1970,

a cidade se expande para as zonas norte e leste, com a criação de novos bairros, como a

Vila Operária e o Jóquei Clube3.

A economia continuava a girar em torno dos produtos agrícolas e do

comércio. A área urbana da cidade contava com apenas 208 logradouros, destes, 21

eram praças, 16 avenidas e 171 ruas, destas, apenas 59 possuíam iluminação pública,

sendo 28 totalmente iluminadas e 31 apenas parcialmente. Quanto ao abastecimento

d‟água, beneficiava apenas 50 logradouros. O sistema telefônico mantinha 500

aparelhos em funcionamento4.

Nos depoimentos concedidos, a maioria dos entrevistados, quando

rememorava a cidade se reportavam apenas aos espaços centrais que hoje compõem o

centro histórico. Eles descreviam a cidade a partir dos limites do Cemitério São José, da

Igreja Nossa Senhora das Dores, e no sentido leste até o Cruzeiro, situado na Avenida

Frei Serafim, onde estava sendo construído o Seminário Diocesano, à margem esquerda

do Rio Poti, inaugurado em 1954.

As ruas não eram asfaltadas, as poucas vias beneficiadas eram empedradas.

Na memória dos entrevistados, as Igrejas eram locais sempre lembrados. Os espaços

religiosos e seus contornos sociais, a missa solene que era realizada aos domingos às 9h,

na Igreja N. S. do Amparo, acontecimento rememorado por todos, local privilegiado de

encontro da elite local. Depois do ato religioso, alguns se dirigiam à Praça Rio Branco,

aos Cafés ou Sorveterias na Praça Pedro II.

Teresina possuía poucas igrejas, os fiéis tinham preferência de horário, a

missa das 9h na Igreja do Amparo, a de 10h, na de São Benedito. Sem as missas, o

domingo não estaria completo na vida da urbe. As novenas acompanhadas de

quermesses e leilões, comemorando os festejos de Nossa Senhora do Amparo

constituíam, além de ato religioso, um divertimento, local de encontro da mocidade. No

entanto, não existiam somente igrejas católicas. Também floresciam em Teresina as

igrejas protestantes e um Centro Espírita. Tratando-se de uma cidade pequena, não é

3 NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Cajuína e cristalina: as transformações espaciais vistas pelos

cronistas que atuaram nos jornais de Teresina entre 1950 e 1970. Revista Brasileira de História. São

Paulo, v. 27, p. 195-214, nº 53, 2007. 4 MARTINS, Gilberto. Guia de Teresina. Teresina: Gráfica do IBGE, 1959, p.15-6

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difícil imaginar que a convivência entre católicos, protestantes e espíritas estava longe

de ser harmônica e pacífica.5

No ano de 1952, a capital do Piauí completou cem anos de fundação, alguns

poucos cronistas de olhares atentos sobre a cidade, mostravam-se ressentidos com os

trabalhos da Comissão do Centenário, que tentara „maquiar‟ a cidade para a festa do

centenário. Expressavam seu desabafo lembrando que a cidade precisava de obras de

infraestrutura e saneamento, eliminação da imagem de cidade esburacada, cheia de lixo

e lama tanto no inverno como na seca6.

Para as festividades de comemoração do Centenário de Teresina, foram

organizadas subcomissões encarregadas das festas religiosas, organizadas pelos padres

Hermínio Davis e Joaquim Chaves; a parte cultural ficou a cargo dos senhores Des.

Cromwell Barbosa de Carvalho, Prof. Antillhon Ribeiro Soares e Sr. Joel de Oliveira.

Essas subcomissões organizaram missas, festas e recepções de caráter cívico e religioso,

que ocorreram, na cidade, em agosto de 1952. A seguir a foto do arco decorativo alusivo

ao centenário de história da capital piauiense (1852-1952), montado na Praça Pedro II,

ao fundo do arco decorativo estava o Quartel Geral de Polícia.

Fonte 1: Arco decorativo alusivo ao Centenário (1952). In: FERNANDES, João Claudino. Teresina: 1852-2002.

Teresina: Halley, 2002. p. 13.

Dentre as pessoas convidadas para a festa do centenário, podemos citar

Marilita Pozzoli, poetisa, declamadora, contratada para declamar poemas de vates

piauienses no Teatro 4 de Setembro, em substituição à atriz Elvira Olivieri Cozzolino,

5 DOBAL, 2007, p.25.

6 POBRE Teresina. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 20 de jan. de 1952.

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popularmente conhecida por Elvira Pagã. A imprensa noticiou sua vinda, “Elvira Pagã:

a mais cara atriz de revistas do Brasil estreará no próximo dia 26 na 1ª Feira de

Amostras do Piauí7”, depois, o silêncio permaneceu na imprensa, na maioria dos

jornais, com a exceção do jornal A Luta. Essa cantora de rádio costumava apresentar seu

show com trajes reduzidos, o que provocou o clero piauiense, o qual chegou a proibir a

entrada de Elvira Pagã em terras piauienses8.

A Igreja Católica, usando de sua força e prestigio na cidade, conseguiu fazer

com que o contrato assinado para a apresentação da artista Elvira Pagã, na Feira de

Amostras do Centenário fosse cancelado. A Igreja não admitia o nu artístico, de acordo

com o discurso católico esta arte iria contra a moral das famílias. Como aquela

instituição, além de fazer parte das comemorações do Centenário, possuía uma enorme

influência na cidade, vetou a vinda da artista Elvira Pagã, embora o poder de proibir

qualquer apresentação pública fosse atribuição da Delegacia de Trânsito e Costumes da

capital,

[...] com a separação constitucional entre a Religião e o Estado, às

autoridades eclesiásticas falecem poder para impor proibições [...] os

responsáveis pela educação do povo policiam programas e exercem

censura rigorosa sobre os divertimentos artísticos e sobre os

espetáculos públicos. Essa função, entretanto, é do poder constituído,

da polícia de costumes, dos órgãos subordinados ao Ministério da

Justiça. A Igreja, no máximo, adverte os seus fiéis [...] para evitar a

dissolução dos costumes [...] daí, porem, a desempenhar o papel do

poder público, impondo proibições. Tolhendo a liberdade dos que

estão em pleno gozo de direitos constitucionais, cerceando o comércio

legal de quem quer que seja, vai grande distância9.

A vedete, atriz e cantora Elvira Olivieri Cozzolino pertencia ao Teatro de

Revista e fazia uso do nu artístico, em algumas de suas apresentações. Era considerada

uma mulher à frente de seu tempo, pois usava seu corpo como queria e não como era

prescrito pelo discurso católico, que representava a mulher como identidade recatada e

contida, e não caracterizada pela sensualidade, como era Elvira Pagã.

Nos anos de 1940 e 1950, Elvira Pagã tornou-se mito sexual do Rio de

Janeiro, foi uma das primeiras brasileiras a explorar o impacto do nudismo. Ela

7 ELVIRA Pagã. O Dia, Teresina,p.2, 20 de jul. de 1952.

8 A IGREJA condena vinda de Elvira Pagã. A Luta. Teresina, p.1, 20 de jul. de 1952.

9 O CASO Elvira. A Luta. Teresina, p.3, 26 de jul. de 1952.

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participou de inúmeros filmes, com destaque para Carnaval de Fogo (1949), no qual

afrontava a moral cristã, no teatro de rebolado e nas chanchadas.

Foto 2: ELVIRA Pagã. Disponível em:

< http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080525090716AAUJdYw>.

Acesso em: 04 de jun. de 2008.

Para alguns Elvira Olivieri Cozzolino era considerada ousada para a época,

atribuem a ela o fato de ter inaugurado o uso do biquíni entre as mulheres no Brasil. Fez

shows por todo o Brasil, na década de 1950, e no exterior era conhecida como The

Original Bikini Girl e The Brazilian Buzz Bomb10

.

As décadas de 1940 e 1950 representaram o auge da era do rádio no Brasil,

com programas de auditórios, radionovelas, momento que foram editadas algumas

revistas sobre o rádio, como por exemplo, a Revista do Rádio.

2.2 A influência católica na cidade

O município de Teresina, na década de 1950, possuía 90.723 habitantes,

destes 88.764 se declaravam católicos, representando 98%, conforme registrou o

Recenseamento Geral de 1950. Aqueles que se declararam protestantes eram 1.089,

sendo 500 homens e 589 mulheres, e os espíritas 260, destes, 135 eram homens e 125

eram mulheres11

.

Durante toda a década de 1950, crescia o interesse por outras religiões, tais

como o espiritismo e o protestantismo, que, na visão católica, representavam os

10

Sobre a vida da atriz ELVIRA Pagã. Disponível em:

http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080525090716AAUJdYw>. Acesso em: 04 de jun. de

2008. 11

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico: população,

habitação; censos econômicos: agrícola, industrial, comercial e de serviços. Rio de Janeiro, 1950.

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“inimigos da verdadeira religião”. Estes deveriam ser combatidos por associações

religiosas ou leigas, ligadas à Igreja Católica, como a União dos Moços Católicos -

UMC, ramo da Ação Católica Brasileira, que consistia na atuação de jovens leigos, com

o objetivo de defender os princípios católicos, pois no período em estudo a instituição

era incisiva na ideia de não aceitar outras práticas religiosas. A religião católica era

considerada como a única e verdadeira religião, conforme nos informa Celso Barros

Coelho, em depoimento:

Comecei a fazer parte da União dos Moços Católicos entre 1949 ou

1950. Era uma associação que congregava pessoas ligadas à Igreja,

muitas vezes com pouca abertura ideológica. Tanto que, houve um

episódio entre a UMC e o protestantismo, que retrata isso, lembro-me

que quando chegou aqui, um pastor protestante ele foi profetizar na

Praça Rio Branco, nós tentamos interromper o sermão dele,

praticamente o expulsando de lá. Havia uma visão muito estreita da

realidade, era uma influência da Igreja Católica que dominava a

cidade, de achar que o catolicismo era uma única maneira do homem

viver a religião12

.

O discurso católico de combate ao Protestantismo fundamentava-se na idéia

de que o protestantismo era uma religião de revoltados e desunidos “[...] onde há

unidade de fé, nestas mil seitas? onde há unidade de culto nesta multidão de igrejas, sem

altar? [...] onde [há] o heroísmo das virtudes cristãs nestes pastores casados?13

”. No

entanto, mesmo com o embate promovido pelos católicos, o surgimento de novas igrejas

protestantes, em diferentes bairros da cidade, parecia apontar para o crescimento do

movimento14

.

O espiritismo, por seu lado, era percebido como prática mais perigosa do

que o protestantismo. No jornal O Dominical, a imprensa católica, o apontava como o

inimigo número 1, devido ao perigo que as estratégias de conversão de fiéis utilizadas

pelos espíritas apresentavam, parecendo muito eficazes em sua propaganda doutrinária.

Entre as estratégias usadas, para conquistar novos adeptos, podemos destacar duas: a

afirmação de que os espíritas poderiam ser católicos e os católicos espíritas; e a

segunda, as filantropias praticadas por meio do trabalho caritativo com pessoas carentes

e sessões de curas.

12

COELHO, Celso Barros. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 21 de

junho de 2008. 13

PROTESTANTISMO. O Dominical, Teresina, p.2, 18 de jul. de 1948, p.2. 14

EMPOSSADO um novo Pastor da Igreja Presbiteriana de Teresina. Jornal do Comércio, Teresina,

p.1, 16 de mar. de 1952.

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25

Na perspectiva católica e mesmo de alguns médicos preocupados com o

atendimento curador dos médiuns, isso poderia ter influências negativas sobre a

profissão médica, perda de espaço na sociedade. Dessa forma, médicos e católicos se

uniram para prescrever que o espiritismo endoidecia muito de seus participantes, dessa

forma, os centros espíritas eram definidos como fábrica de loucos15

.

Uma das formas que o discursos católico se utilizou para „frear‟ a

propagação do espiritismo na cidade foi prescrevendo aos fiéis sobre as “falsas”

doutrinas, advertindo que o católico não poderia ser espírita. Assim como também era

preciso saber escolher bem as escolas dos filhos, descobrindo, se possível, a orientação

religiosa dos professores.

O ideal constituía em matricular os filhos em escolas confessionais

existentes na cidade, como o Colégio Sagrado Coração de Jesus e o Patronato Dom

Barreto, exclusivo para meninas, e o Colégio São Francisco de Sales, popularmente

conhecido como Diocesano, que atendia exclusivamente o público masculino. Para

aqueles que não podiam pagar mensalidades, havia a escola primária Pio XI16

para

crianças carentes. O fundamental era que os pais se conscientizassem de que não

deveriam matricular os filhos em colégios não católicos.

Dessa forma, eram duas as estratégias de ação da Igreja Católica,

utilizadas para conter o avanço de outras religiões como o espiritismo e o

protestantismo, em primeiro lugar deslegitimá-las socialmente, em segundo lugar,

difundir, em larga escala, o catecismo católico17

. Mesmo com avanços, protestantes e

espíritas estavam longe de ameaçar seriamente a força hegemônica dos católicos, na

cidade.

O discurso católico vislumbrava outras ameaças, para além da concorrência

de outras religiões, o grande perigo estava no processo de descristianização da

sociedade. Além dos inimigos já elencados, existiam ainda os comunistas18

e certo

espírito moderno apontando para padrões de consumo, que sinalizavam para a quebra de

práticas tradicionais e para a vivência de padrões morais questionáveis pelos católicos.

A defesa da sociedade deveria começar pela família, considerada pelo

15

O ESPIRITISMO: inimigo novo. O Dominical, Teresina, p. 4, 17 de maio de 1952. 16

Funcionava no bairro Piçarra, nasceu da iniciativa da União dos Moços Católicos em parceria com o

Estado. 17

COMO se deve combater o espiritismo. O Dominical, Teresina, p.1, 17 de dez. de 1950. 18

OLIVEIRA, Marylu Alves de. A Cruzada antivermelha - democracia, Deus e Terra contra a força

comunista: representações, apropriações e práticas anticomunistas no Piauí na década de 1960. Teresina:

Universidade Federal do Piauí, 2008. p. 264 (Dissertação de Mestrado)

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discurso católico como ponto central da vida em sociedade. Diante disso a estratégia da

Igreja Católica foi reforçar e divulgar o discurso no qual a família era representada

como a célula mater da sociedade, da religião e do Estado. O perfeito funcionamento da

religião e do Estado dependeria da boa saúde da família.

A família é a célula de toda a comunidade: do Estado, da Igreja,

da saúde do corpo depende o bem estar de todo o organismo. Da

saúde moral da família depende o bem do Estado e também da

Igreja. Devemos, pois, ter o máximo de empenho em que

existam famílias verdadeiramente cristãs.19

A família aparecia nos discursos católicos como a instância social capaz de

educar as futuras gerações, dentro de rígidos princípios morais e cristãos e assim, frear o

mal que assolava a sociedade: a secularização dos costumes. O padre Ângelo

Brucculeri, no livro A família cristã20

, obra que circulou nos meios católicos, no período

em estudo, reafirmava o discurso Católico Ultramontano de que as leis que regiam as

relações conjugais eram sacralizadas e naturais, e que era fundamental defender esses

princípios, assim como legitimar com veemência as distinções entre os papéis sociais

masculinos e femininos. Às famílias cristãs eram prescritas ainda leis invioláveis que

definiam a procriação como uma das suas finalidades centrais e o caráter sagrado e

indissolúvel dos vínculos conjugais.21

O discurso Católico pregando a rigidez dos comportamentos morais na

sociedade era veiculado no semanário de circulação regular aos domingos, intitulado O

Dominical e tinha repercussão em outras instituições sociais. A portaria do juiz de

Direito da 2ª Vara e de Menores, Heli Ferreira Sobral, tornada pública no ano de 1959,

em todos os jornais da capital e nos programas da Rádio Difusora, proibia a

comercialização de revistas consideradas ofensivas à moral dos jovens. Essa iniciativa

mostra fortes aproximações com o discurso católico e possivelmente ilustra a forma

como esse discurso penetrava em outras instâncias da sociedade:

Considerando que é missão deste Juizado [...] declarar caráter obsceno

de revistas ou outros impressos, no sentido de impedir a sua exposição

à venda; [...] considerando que cresce a reação das autoridades do país

19

A FAMÍLIA. O Dominical, Teresina, p.1, 08 de jan. de 1956. 20

Livro que constitui a síntese do pensamento católico acerca da família. BRUCCULERI, Pe. Ângelo S.

J. A família cristã. Tradução feita por Luis Leal Ferreira, Rio de Janeiro: Agir, 1948. (Coleção Servir,

vol. 1) 21

FAMÍLIA, a base de transformação social. O Dominical, Teresina, p.4, 17 de out. de 1954.

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contra as más revistas [...] fica expressamente proibida na Comarca da

Capital, a exposição, venda ou fornecimento das seguintes

publicações: Mundo Ilustrado (número 9 de 26/02/1958); Manchete

(número 305 de 22/02/1958 e número 306 de 1/03/1958); Revista do

Rádio (número 442 de 01/11/1958); Seleções de Idílio (Romance);

Seleções de Rir Ilustrada (pornografia); TAB; Tentação e VUE

(pornografia); Guia Sexual [...] os exemplos encontrados desse gênero

no comércio serão apreendidos [...]22

As revistas ofensivas à moral familiar deveriam ser combatidas,

especialmente aquelas que sugeriam pornografia, que mostravam o corpo enquanto

objeto a ser consumido e comercializado. A estas revistas, as vozes „autorizadas‟

socialmente como o Juizado de Menores e a instituição católica classificavam como

representações de ultraje público ou de despudor. Para os religiosos, essas leituras

seduziam as crianças e os jovens e colocavam em perigo a formação moral dos mesmos.

As revistas não só existiam, mas, também, o seu consumo se intensificava

entre as crianças e jovens. Para conter as mudanças nos costumes, a Igreja cria

estratégias no sentido de frear tais transformações e, através da imprensa católica,

prescrevia aos pais uma maior atenção quanto às leituras que as crianças e jovens

faziam. A preocupação girava em torno das revistas em quadrinho ou gibis, que foram

classificadas como verdadeiras máquinas de corrupção infantil que penetravam nos

lares, atingiam milhões de crianças e jovens, lhes deformando os sentimentos, atiçando

as paixões, e pior, tirando o gosto pelos estudos e o apego pela família e pela religião.23

Os cronistas do jornal O Dominical enfatizavam o papel dos pais na

disseminação das “máquinas de corrupção infantil”, pois, ao darem dinheiro aos filhos

para comprarem essas revistas, acabavam colaborando com a sua disseminação. Os pais

eram acusados ainda de serem negligentes, por não controlarem ou vigiarem o que os

filhos liam, por não atentarem ao conteúdo de violência dessas histórias, marcadas por

paixões exacerbadas.

Outra estratégia da Igreja Católica foi criar um departamento específico

dentro do movimento da Ação Católica, a Legião da Decência, que era responsável pelo

controle e vigilância de leituras para crianças e jovens, bem como a orientação de quais

os meios de entretenimento que poderiam ser freqüentados, aqueles que não

divergissem da moral cristã. Classificavam, ainda, as revistas, os gibis, os romances, os

22

JUIZ de menores de Teresina. O Dominical, Teresina, p.3, 08 de mar. de 1959. (grifo nosso) 23

NEGROMONTE, Padre Álvaro. Máquinas de corrupção infantil. O Dominical, Teresina, p.1-4, 06 de

jul. de 1952.

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filmes, os espetáculo teatrais, que poderiam ser vistos e lidos pelas crianças e jovens,

como também sua divulgação nos meios de comunicação.

A imprensa teresinense noticiava com muita ênfase, a instalação da Legião

da Decência em Teresina, que contava com a colaboração de boa parte da sociedade,

como também de administradores do poder público estadual, o que demonstrava que

quanto mais pessoas importantes da sociedade comparecessem à solenidade, mais

prestigio ela teria:

A solenidade será realizada no Cine São Luiz, presidirá a sessão o

Exmo Revdmo Dom Severino Vieira de Melo. Estarão presentes à

solenidade o Exmo Sr. Governador de Estado e seu Secretariado, o

Clero, representantes da imprensa e o povo católico [...] a 6 de janeiro

[...] será instalada a Legião da Decência, movimento patrocinado pelo

episcopado brasileiro, [tem por finalidade] neutralizar os agentes da

imoralidade [e] restaurar os princípios e a prática dos bons costumes

[...] atuando sobre as publicações diárias ou periódicas, espetáculos,

especialmente o cinema e o teatro [...] concursos de beleza e similares

que menosprezam a moral e incentivam o paganismo pudista [...]

combatendo textos pornográficos [...] romances, folhetins [...]

histórias imorais [...] de duplo sentido e contra a moral [...] anúncios

com motivos de atração de sensualidade [...] exibição de nudismo 24

Percebemos, assim, que a Igreja Católica se armou com diferentes

estratégias de ação para lutar em defesa dos valores morais e tradicionais, a fim de dar

continuidade à sua influência social. Para manter seu prestígio, a instituição impôs

modelos ideais a serem seguidos mediante prescrições, dessa forma, a instituição

modificou as estratégias, porque as frentes de batalhas também mudaram, à medida que

a modernização ampliava-se no mundo capitalista e os inimigos se multiplicavam.

A criação da Arquidiocese de Teresina em 9 de agosto de 1952 e a chegada

de Dom Avelar Brandão Vilela, em 1956, trouxeram às práticas católicas na cidade

algumas mudanças de ação. A partir do lema “Evangelizar para Humanizar”, Dom

Avelar modificou as ações da Igreja, intensificando suas atividades sociais. Uma das

suas primeiras ações foi criar a Ação Social Arquidiocesana, ASA. No final da década

de 1950, a atuação da Igreja Católica na sociedade passou a oscilar entre dois eixos, o

social e o cultural.

No setor social, a ASA era responsável pelo funcionamento das seguintes

associações: Associação Benemérita N. S. do Amparo, o Posto de Saúde N. S de

24

SERÁ instalada oficialmente nesta capital a Legião da Decência. Jornal do Comércio, Teresina, p.1,

05 de jan. de 1950.

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29

Lourdes, o Pão dos Pobres de Santo Antônio e o Centro Social N. S. de Fátima, todos

em Teresina, da mesma forma funcionavam, também, em quase todas as Paróquias as

Escolas de Corte e Costura, os Clubes de Mães, as Organizações Operárias e as

Conferências Vicentinas25

.

A ASA organizava curso de formação de casais para a classe média, que

morava no centro da cidade, como também para as famílias que moravam nas áreas

periféricas. O curso era destinado aos noivos, e tinham por finalidade dar instruções

religiosas sobre como deveria ser a educação religiosa, moral e profissional feminina.

Nesses cursos, o trabalho feminino era valorizado, desde que fossem atividades

realizadas no próprio lar, como por exemplo, as de costureiras ou bordadeiras, através

das quais a mulher auxiliava seu esposo no sustento da casa. Mas preferencialmente,

deveriam ser verdadeiras rainhas do lar, dedicando-se aos filhos, ao marido e à casa.

Os conteúdos dos cursos versavam sobre “ornamento do lar, higiene e

enfermagem, bordado a mão, corte e costura, culinária26

”, requisitos essenciais a todas

as mulheres que iriam casar. Elas deveriam também ter noções de economia doméstica,

saber organizar seu lar, deixá-lo harmonioso, ter noções de puericultura, para cuidar

melhor da higiene e saúde dos filhos, item bastante importante, pois, no período em

estudo, a mortalidade infantil era muito alta.

No tocante à assistência materno-infantil existia, na cidade, além dos dois

postos de puericultura localizados nos bairros Vermelha e Vila Operária, o Posto Nossa

Senhora de Lourdes, com Clube das Mães, e o Posto Santo Antônio na Paróquia de

Nossa Senhora das Dores, a participação da instituição católica era bem aceita, visto que

nas áreas suburbanas, onde as taxas de mortalidade infantil eram altíssimas, essa

assistência caritativa e instrucional, para as mães no cuidado com os bebês, foi

significativa.

Quanto ao setor cultural e educacional, os trabalhos da Arquidiocese

também se destacavam, seja através da fundação da Sociedade Piauiense de Cultura,

uma das responsáveis pelo funcionamento da Faculdade de Filosofia do Piauí. Havia

ainda, sob a responsabilidade direta ou indireta da Arquidiocese, vários

estabelecimentos de ensino, dentre eles, podemos citar: o Seminário, o Colégio São

Francisco de Sales, o Colégio Sagrado Coração de Jesus, o Patronato Dom Barreto e o

Educandário N. S. do Amparo. A manutenção do jornal O Dominical, com uma tiragem

25

MARTINS, 1959, p. 50. 26

A ASA encerra mais um curso de formação familiar. O Dominical, Teresina, p.1, 02 de nov. de 1958.

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30

de 1.800 exemplares também era uma importante atividade cultural desenvolvida pela

Arquidiocese27

.

O Patronato Dom Barreto foi fundado em 1944, dirigido pelas Irmãs

Missionárias, localizava-se à Rua Benjamin Constant, 1575, proporcionando educação

religiosa, moral, profissional e social para moças teresinenses, através de cursos, como

Primário, Profissional de Bordado, Flores, Corte e Costura, Arte Culinária e

Horticultura, além de cursos particulares de Desenho e Pinturas, e de Datilografia.

Assim como o Colégio das Irmãs, o Patronato Dom Barreto era destinado à formação

das moças de elite. O Patronato tinha por objetivos dois pilares fundamentais,

“a educação religiosa e moral das jovens e a formação doméstica e profissional [através

de uma] aprendizagem de economia doméstica, puericultura, higiene alimentar,

corte/costura e bordado28

” considerados pelo discurso católico como alicerces de uma

formação integral para a função de dona de casa.

Os cursos oferecidos pelo Patronato Dom Barreto, na década de 1950, à

população feminina eram os seguintes: Jardim da Infância, que funcionava anexo ao

Patronato, o Curso Primário e o Curso de Admissão ao Ginásio, Profissional e Curso de

Alfabetização, único que não era pago. Para atender as classes pobres, foi fundado

também um curso gratuito à tarde, porém com a mesma eficiência de ensino, havendo

apenas a exigência no uniforme,29

todos os cursos enfatizavam a educação feminina

para o lar.

A educação feminina nos colégios católicos, seja internato, externato ou

semi-internato, utilizavam-se de um importante instrumento com o objetivo de manter

as jovens dentro dos padrões religiosos e morais desejados pelo discurso católico: a

Associação das Filhas de Maria, existente nas paróquias e nos educandários

confessionais, através da qual as jovens se comprometiam em manter a virgindade até o

casamento, assim como usufruir de uma educação voltada para formação de rainha do

lar, concentrada em atividades manuais, de economia e de prendas domésticas.

Em Teresina a Pia União das Filhas de Maria, criada em 190930

, era outra

estratégia de ação católica, que desempenhava importante papel na formação cristã das

mulheres. As Filhas de Maria deveriam ter comportamento assisado31

, terem modéstia,

27

MARTINS, 1959, p. 50. 28

ESTATUTO do Patronato Dom Barreto. Diário Oficial, Teresina, p.2-3, 16 de mar. de 1953. 29

PATRONATO Dom Barreto, O Dominical, Teresina, p.4, 25 de jan. de 1959. 30

JUBILEU de ouro da Pia União Filhas de Maria. O Dominical, p.4, Teresina, 09 de jun. de 1959. 31

Ajuizado

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31

decoro, enfim, seguir o modelo da Virgem Maria. A principal virtude para uma moça de

família, ensejada pela moral cristã, era a restrição aos impulsos da sexualidade, sendo a

pureza o seu principal ornato,

A pureza é o mais belo adorno de uma jovem cristã [...] no período

que atravessamos muitas de nossas moças perderem a pureza [...]

jamais suceda a desgraça de manchar com a nódoa repugnante do

escândalo [...] coragem para enfrentar e vencer [...] fujamos das

ocasiões perigosas [...]32

.

A crônica enfatiza que nem todas as moças consumiam as prescrições

católicas da forma que a Igreja desejava, a instituição solicitava às moças que

chegassem até a noite de núpcias sem “a nódoa repugnante do escândalo”, no entanto a

fonte nos demonstra que as normas ou valores cristãos não representavam o real, mas

possibilidades desse real, pois, na sociedade muitas moças perdiam sua virgindade com

namorados ou noivos33

.

Em síntese, o que enfatizamos na argumentação desenvolvida até aqui,

foram às formas e as estratégias de ação da Igreja Católica objetivando tutelar a

sociedade, manter uma influência sobre as práticas cotidianas. O discurso católico com

forte teor prescritivo de rígidos princípios morais procurava manter a sociedade afastada

das novidades tentadoras do mundo moderno. Contudo, a integração da cidade à rede e

às estruturas econômicas nacionais acentuariam a presença de modelos e valores

modernos na urbe e intensificariam os conflitos entre a Igreja Católica e seus

adversários retratados anteriormente.

2.3 Anos dourados: a euforia de 1958

Os anos cinqüenta do século XX foram rotulados no Ocidente como “Anos

Dourados”, em face das manifestações artísticas e culturais do período e da fase de

prosperidade da economia norte-americana e européia, impulsionando de forma

consistente toda a economia mundial34

. A euforia estava no ar, segundo Joaquim

32

A PUREZA. O Dominical, p.5, Teresina, 28 de jul. de 1950. 33

Item que trataremos no 3º capítulo que trata da mocidade. 34

HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos - O breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia das Letras.

2001. p. 253-282.

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32

Ferreira dos Santos35

, os anos 1950 “não deveriam terminar”, a identidade nacional,

associada ao futebol, era inventada a partir do refrão “com o brasileiro não há quem

possa”, marchinha que consagrou a primeira vitória da seleção brasileira de futebol,

como campeão mundial, na Suécia.

O Brasil estava sendo atravessado pela onda desenvolvimentista promovida

pelo Governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), que deu início à

implantação da indústria automobilística, com a bandeira de modernização do país.

Quando JK assumiu a presidência da República, em 1956, prometeu modernizar o

Brasil, ao estabelecer o Plano de Metas “50 em 5”, implementado na política de

desenvolvimento industrial. Abriram-se, então, as portas para o capital estrangeiro,

ampliando a participação do Estado e dos investimentos privados na economia do país.

Segundo Paul Singer36

, a partir de 1956, no Brasil houve uma expansão do

capitalismo monopolista (multinacional e estatal), quando o então presidente da

República acelerou o processo de industrialização do país, especialmente, a partir da

implantação da indústria automobilística, “a aceleração industrial entre 1957 e 1962 foi

de 11,9 em média por ano37

”.

Em 1958, a fábrica alemã Volkswagen liberou a primeira propaganda do

Fusca, na Revista Manchete, carro fabricado no grande ABC Paulista. A camioneta ou

perua modelo DKW Vemag saiu pelas ruas com metade das peças feitas no Brasil.

Também foram lançados, no país, naquele ano, o rádio a pilha e o primeiro barbeador

elétrico38

. O desenvolvimentismo no governo JK, além de transformar o cenário

econômico nacional, trouxe novas estradas, construiu novas hidroelétricas, desenvolveu

e acelerou a indústria automobilística.

Os anos dourados do Brasil foram também o período das Revistas de Teatro,

que, em 1958, passavam a ser Teatro Rebolado das vedetes, especialmente as de Carlos

Machado e de Walter Pinto. Uma das trinta peças apresentadas, naquele ano, era Que

pedaço de mau caminho. Havia também as chanchadas, que eram filmes populares de

comédia e muitas danças sensuais com mulheres bonitas, carnaval e piadas.

35

SANTOS, Joaquim Ferreira dos Santos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. 2 ed. Rio de Janeiro:

Record, 1998, p.9 36

SINGER, Paul. Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento. In: PIERUCCI,

Antônio Flavio de Oliveira et al. O Brasil republicano: economia e cultura (1930-1964). 3. ed. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 209-245. (História Geral da Civilização Brasileira) 37

IBIDEM, p.225. 38

SANTOS, op.cit, p. 20

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33

“Os rádios haviam descoberto uma dupla vocação: primeiro criar mitos,

depois penetrar e divulgar com estardalhaço os detalhes palpitantes de suas vidas

privadas39

”, na década de 1950, através de Mexericos da Candinha, o povo sabia das

principais informações ou detalhes da vida pessoal e amorosa de seus ídolos. Esta era

uma coluna de notas-fofocas lançada na Revista do Rádio, no ano de 1958.

Foto 3: Revista do Rádio, n.º 495, p.51, 14 de mar. de 1959. Foto 4: Revista do Rádio, n.º 495, p.13, 14 de

mar. de 1959.

2.4 Eis que a cidade cresce

O desenvolvimentismo dos anos dourados provocou mudanças no padrão de

consumo brasileiro, de modo que, também, na cidade de Teresina isso era perceptível,

sobretudo, pelo surgimento do comércio de prestações, no final da década de 1950. A

cidade crescia e se modernizava, aspecto percebido no aumento do número de lojas com

produtos de consumo em voga, bens duráveis, vendidos de forma acessível, pois,

através da venda a prestações, a cidade se inseria num ritmo de consumo moderno.

O crescimento também era percebido com a expansão do perímetro urbano

para novos bairros: surgiam imobiliárias na cidade, e a partir da especulação provocada

pela pista de corrida de cavalos – o hipódromo dos noivos: Jockey Clube, este local se

transformava em espaço de lazer sofisticado para a cidade, despontando como o mais

novo ponto de reunião social. O Jockey se transformou numa espécie de cartão de visita

da capital. Local aprazível, de boa sociabilidade onde se poderia levar os visitantes40

.

39

SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. _________ (org). História

da vida privada no Brasil: 3. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.591. 40

OSCAR FILHO. Jockey Clube. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 07 de ago. de 1959.

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O Jóquei Clube inicialmente era apenas um local para corrida de cavalos,

fundado em 1952, pelos deputados Major Otávio Miranda e João Clímaco de

Almeida41

. Transformou-se, no final daquela década, em restaurante-bar com piscina e

boate decorada, dotando Teresina de um bom espaço de lazer, que, segundo os cronistas

da cidade, nada ficava a dever aos melhores clubes sociais de Fortaleza e Recife.42

Com a construção do Hipódromo, e posteriormente, com as outras

melhorias do Jockey Club, a especulação imobiliária se intensificou na zona leste

especificamente para além do Rio Poty. Novos bairros começavam a nascer nos

arredores do novo clube social, o que era visível a partir do surgimento de imobiliárias e

de anúncios, como estes: “ótimos lotes, em situação privilegiada entre a Estrada

Asfaltada de Fortaleza e o Jockey Club [...] entrada módica e prestações mensais

suaves43

”. Nasciam, assim, os bairros Jóquei Clube e Fátima.

Ao passo que crescia a cidade, a modernização chegava. Isso podia ser

percebido através do consumo de produtos industrializados, particularmente, a partir de

1958, que foi considerado o ano da fumaça nas indústrias brasileiras. Houve aumento no

número de lojas e na variedade de bens duráveis oferecidos em Teresina, o que era

expresso pelas propagandas. A grande novidade, para conseguir o desejado objeto de

consumo, por exemplo, um carro, uma máquina de lavar, uma geladeira, uma máquina

de costura, dentre outros produtos, era o crescimento das linhas de crédito ao

consumidor, possibilitando a aquisição de bens de consumo duráveis de alto valor

comercial em suaves prestações mensais.

Foto 5: O Dia, Teresina, p.5, 06 de dez. de 1953 Foto 6: O Dia, Teresina, p.4, 22 de Ago. de 1957.

41

JÓQUEI Clube do Piauí. O Dominical, Teresina, p.4, 14 de set. de 1952. 42

PACHECO, Álvaro. Eis que a cidade cresce. O Dominical, Teresina, p.2, 20 de fev. de 1958. 43

TERRENO nos “Noivos”. O Dia, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1958.

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35

O DKW-Vemig foi o primeiro automóvel com motor dois tempos fabricado

no Brasil. Em 1956, chegava a Teresina essa camioneta, para ser revendido pela Casa

Inglesa, filial do estabelecimento James Frederick Clark S.A, com matriz estabelecida

na cidade de Parnaíba, “na qual o comandante Gayoso e Almendra no volante da

moderna DKW faz experiência do possante motor de uma das camionetes que a

indústria nacional acaba de lançar em todo o Brasil44

”. O consumo desses bens era

possibilitado à classe média por meio de financiamento.

A alimentação, também, sofria alterações. Na década de 1950 começavam a

surgir, no mercado consumidor local, os alimentos industrializados45

, os enlatados, que

facilitavam a vida de todos, mas, principalmente a dona de casa, como é o caso do

extrato de tomate, do leite condensado e dos complementos alimentares para crianças

acima dos seis meses, o leite em pó, os achocolatados como o Toddy. 46

.

Foto 7: Seleções do Reader’s Digest, nº 148, p.195, Maio, 1954. Foto 8: Seleções, nº 148, p.176, 1954.

Estava também iniciado a era dos supermercados, a partir das mercearias-

lojas, que passavam a vender quase todos os produtos que uma dona de casa precisava

em seu lar.

44

MODERNAS camionetes DKW em Teresina. O Dia, Teresina, p.6, 29 de nov. de 1956. 45

Sobre esse assunto ver MELO, João Manuel C. de. ; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e

sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando (coordenador Geral da coleção); SCHWARCZ, Lilia M.

(organizadora do volume). História da Vida Privada no Brasil 4: contrastes da intimidade

contemporânea, São Paulo: Cia das Letras, 1998. p. 561-618. 46

TITO FILHO, José de Arimathéa. Crônicas. Teresina: Gráfica Júnior, 1990, p.9.

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36

Na administração municipal de Agenor Barbosa de Almeida, no período de

1955 a 1959, ocorreram mudanças que intensificaram a integração da cidade com o

sudeste e o sul do país, através da construção das rodovias estaduais, assim como o

início do funcionamento do Aeroporto de Teresina, com uma pista de pouso e

decolagem e da efetivação do primeiro grande asfaltamento da cidade, ligando o

Cemitério de São José ao Campo da Aviação. No mesmo período ocorreu também uma

doação do terreno onde seria construída, em convênio com o Ministério da Aeronáutica,

a pista do Aeroporto de Teresina47

. Os serviços prosseguiam com a pista asfaltada para

todos os tipos de aviões, tornando possível que o Aeroporto estivesse concluído dentro

do prazo previsto48

.

Os produtos vendidos na cidade até então chegavam pelo rio Parnaíba, cuja

navegação começava a entrar em declínio, em conseqüência do desenvolvimento de

novas formas de transporte de cargas através das rodovias e dos aviões,

[...] pelo rio Parnaíba através da exportação de produtos extrativistas e

importação de bens manufaturados, bens estes consumidos por parte

da elite teresinense e piauiense e vendidos nas poucas casas comercias

existentes em Teresina: Lojas Rosemary, Pernambucanas, Rianil,

Bazar das Novidades, lojas comerciais dos árabes49

A conexão de Teresina com o sul e sudeste do Brasil passou a ser facilitada

pelos voos semanais, que ocorriam no campo de avião. Para Irlane Abreu, o Aeroporto

representava o moderno, a novidade, era espaço para experimentar novos sabores como

a coca-cola, ou ainda onde homens e mulheres exibiam toaletes requintadas, primavam

no vestir, usavam saltos altos, bolsas, frasqueiras. Os senhores viajavam de terno e

gravata, pois viajar de avião exigia requinte e sofisticação, um luxo reservado a

poucos50

.

2.5 A Saúde Pública

No que diz respeito à saúde pública, a cidade de Teresina contava com um

hospital geral, o Hospital Getúlio Vargas. A partir de 1954, com o surgimento da

47

TITO FILHO, José de Arimathéa. Memorial da cidade verde. Teresina: COMEPI, 1978, p.32. 48

AEROPORTO de Teresina. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 05 de jul. de 1959. 49

ABREU, Irlane Gonçalves de. Teresina revisitada: lembranças de Teresina. SCIENTIA ET SPES:

Revista do ICF, vol. 1, nº 2. Teresina: ICF, 2002, p.208 50

ABREU, 1996, p.58

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37

Maternidade São Vicente e do hospital para doentes mentais, Meduna, o quadro se

tornou mais complexo. No entanto, a classe menos favorecida sofria, pois o acesso à

saúde pública não era fácil, pois, na cidade, não existia Pronto-Socorro, em caso de

necessidade, os médicos eram chamados às residências, tendo os doentes que pagar as

visitas, juntamente com a corrida do carro de praça, que conduzia o médico ao domicílio

do paciente51

. Existiam os atendimentos em consultórios médicos, além da assistência

médica em domicílio, para os mais aquinhoados,

Somente aquele que já experimentou o „frio da miséria‟, num caso de

súbito mal, tarde da noite, no recesso do lar, pode saber convicto que a

capital piauiense é uma terra erma de assistência e socorro médico. É

uma cidade com mais de seis dezenas de médicos que ostentam nas

placas dos consultórios as chamadas especialidades [...] tem um

grande hospital que já não é mais para pobres ou desvalidos [...] não

possui um socorro urgente [...] para onde se possa recorrer nas casas

de emergência, digamos à noite. Poucos médicos se encontram

nenhuma botica aberta, nenhum enfermeiro equipado e o atendimento

do hospital só vem se o interessado dispuser de dinheiro e morar na

zona urbana52

Os consultórios médicos referidos na crônica eram as clínicas de crianças,

de análises e pesquisas clínicas, de operações, partos e doenças de senhoras, de doenças

nervosas e mentais, de doenças dos olhos e clínica geral53

. Estas eram algumas das

especialidades oferecidas a população teresinense.

A assistência às mães grávidas e às crianças ocorria através do Serviço de

Assistência à Maternidade e a Infância (SAMI) da Administração Pública Estadual, que

distribuía litros de leite às mães carentes, através de verbas vindas do Departamento

Nacional da Criança, ligado ao Ministério da Educação e Saúde. As verbas também

chegavam da Legião Brasileira de Assistência – LBA, criada em 1942, baseada no

voluntariado e com programas de assistência à maternidade e à infância, teve sua

origem ligada ao “esforço de guerra, como órgão de apoio aos soldados e suas famílias,

considerada como criadora e criatura do serviço social no Brasil, desenvolveu uma série

de programas destinados à maternidade e à infância54

”.

51

CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Outros tempos. Brasília: Thesarus, 2002, p.54. 52

TERESINA, cidade erma. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 31 de jan. de 1952. 53

INDICADOR profissional. Jornal do Comércio, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1952. 54

ROSEMBERG, Fúlvia, A LBA, o Projeto Casulo e a Doutrina de Segurança Nacional. In: FREITAS,

Marcos Cezar de Freitas (org.). História Social da Infância no Brasil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

p.151

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O Departamento Nacional da Criança, de acordo com instruções do plano

do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), fundou, na grande maioria das

cidades brasileiras, os Clubes de Mães, que tinham por finalidade ensinar as mães sobre

trabalhos domésticos, desde a confecção de enxovais para recém-nascidos, costuras,

bordados até ensinamentos sobre puericultura55

.

Os Clubes das Mães funcionavam dentro dos Postos de Puericultura, estes

foram fundados como meios para ação preventiva, que além de assistência às crianças,

como vacinação e consultas médicas, buscavam educar as mães sobre aspectos práticos

de cuidados com o bebê, ou seja, puericultura, higiene, alimentação, saúde, bem-estar da

criança, além de distribuição de leite em pó e de vitaminas A e D.

Em janeiro de 1952 inaugurou-se o Posto de Puericultura Noronha

Almeida, do bairro Vermelha, no qual se matricularam durante o ano

370 crianças de 0 a 24 meses [...]. Aplicaram-se 1.641 injeções [...]

tem sido de maior utilidade o Posto pois, entre as 370 crianças

matriculadas verificaram-se apenas 8 óbitos [...] o Serviço de

Assistência à Maternidade e à Infância – SAMI, manter dois clubes de

mães. Um no Posto de Puericultura Noronha Almeida, e outro no

edifício do Hospital Infantil 56

.

Para realização de exames e/ou aplicações de vacinas nas crianças, as mães

contavam com um Posto de Saúde e de Exames Laboratoriais, o Instituto Alvarenga,

localizado na Praça Saraiva, além dos Postos de Puericultura, Noronha Almeida,

instalado no bairro Vermelha, e outro no bairro Vila Operária.

A assistência à maternidade e à infância na cidade dependia, não só das

verbas e orientação técnica do Fundo Internacional de Socorro à Infância (FISI), mas

também do Departamento Nacional da Criança, ligado ao Ministério da Educação e

Saúde, do Serviço de Assistência à Maternidade e a Infância (SAMI) em nível Estadual.

Esse modelo assistencial dependia também da boa vontade de médicos, figuras sociais

como prefeitos, juízes, e do clero, que também colaborava nesta iniciativa, todos eles,

especialmente os médicos, deveriam instruír as mães quanto aos cuidados com os bebês,

procurando evitar que concepções erradas circulassem na sociedade57

.

55

FREITAS, Pedro de Almendra. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado

referente ao ano de 1952. Teresina: Gráfica O Dia, 1953. p. 91 56

IBIDEM, p. 70 57

PEREIRA, André Ricardo. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração. Revista

Brasileira de História. vol. 19, n.º 38, 1999. p. 171

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Alem dos Postos de Puericultura, da Vermelha e da Vila Operária, havia

também o Posto Volante de Puericultura58

que prestava serviços em outros bairros na

cidade, como por exemplo, Poti Velho e Matadouro e as associações dirigidas pela

Arquidiocese, que funcionavam como Posto de Saúde e Clube de Mães, a Associação

Benemérita N. S. do Amparo, o Posto de Saúde N. S de Lourdes

Sobre a mortalidade exorbitante das crianças, um dos médicos chefes de

secção do Departamento de Saúde Pública Estadual, em uma palestra, fez importantes

revelações sobre as mortes infantis. O médico afirmou que somente durante um mês

teriam sido registrados nos cartórios da capital 1.546 nascimentos, e que no mesmo

período, faleceram pouco mais de 600 crianças no primeiro ano de vida, o que dava uma

média de cem falecimentos por mil, o que, mesmo para os padrões médicos da época,

eram considerados muito altos59

, bem acima dos limites cientificamente permitidos,

sendo que a maior causa das mortes eram infecções, tais como: diarréia enterite, tifo e

coqueluche.

Segundo alguns cronistas enquanto algumas instituições desviavam os

recursos públicos que deveriam ser investidos em campanhas para diminuir a

mortalidade infantil, Teresina se transformava em „cemitério de crianças‟, que morriam

desprovidas de assistência, tanto das associações protetoras, quanto do Departamento de

Saúde, que também era responsável pelo alto índice de mortalidade infantil na cidade.

Em síntese Teresina, na década de 1950, era uma cidade marcada pela

tensão entre continuar a ser uma cidade provinciana, com baixos níveis de escolarização

e com precárias condições de salubridade ou dar passos consistentes na integração com

o mercado consumidor nacional e também com valores e práticas modernas. A escolha

pela segunda opção traria outros conflitos, particularmente entre os padrões de consumo

capitalista e a influência da Igreja Católica, na cidade. É dentro desse panorama

conflituoso que as famílias terão que fazer escolhas e assumir práticas cotidianas que

terão forte impacto nas relações familiares e nas identidades de gênero.

58

FREITAS, 1953. p. 72. 59

TERESINA, cemitério de crianças. O Dominical, Teresina, p.1, 29 de out. de 1959.

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3 INTERFACES ENTRE AS INFÂNCIAS E AS TRAJETÓRIAS

EDUCACIONAIS NA ADOLESCÊNCIA

Neste capítulo destacamos as trajetórias educacionais dos entrevistados,

problematizamos como a educação e as brincadeiras para masculino e feminino

marcaram a diferenciação e demarcação dos papéis tradicionais de gênero, o que

refletiria diretamente nas relações familiares. Também foram itens de análises: a

maternidade como construção histórica e não natural; o papel do discurso médico na

conscientização sobre a importância da campanha de vacinação enquanto medida

preventiva contra doenças infantis; o „problema‟ dos menores abandonados que de

infância desvalida passaram a ser caso de polícia. No último tópico, analisamos as

transformações que ocorreram no corpo das crianças, ao se transformarem em

adolescentes, bem como suas trajetórias educacionais nesta nova fase da vida.

3.1 O amor materno é cultural e não natural

Elizabeth Badinter, no livro, “Um amor conquistado: o mito do amor

materno” defende a tese de que, sendo o amor materno um sentimento como os demais

sentimentos humanos, ele é incerto, frágil e imperfeito. Nem todas as mulheres o

cultivam, portanto, não é intrínseco à natureza feminina, não é inato, é antes de tudo

cultural, variável conforme épocas e costumes sociais, tanto que uma mulher pode ser

normal sem ser mãe, e nem toda mãe deseja abdicar do mundo ao seu redor, para cuidar

de seu filho1.

No entanto, os meios de comunicação, na década de 1950, em consonância

com o discurso católico, defendiam que o amor materno era uma condição natural de

toda mulher, (conforme crônica citada a seguir), embora, esse sentimento não seja

inerente à natureza feminina, é uma questão de escolhas, ou seja, é cultural e não

natural: “[...] a mulher que sentiu as dores do parto [entre] a vocação eclesiástica e a

missão maternal, está o verdadeiro destino da costela que Deus arrancou de Adão2”.

As mulheres da década de 1950, ao que parece estão investindo em outras

searas, talvez em uma carreira profissional ou em sua escolarização, almejando o seu

ingresso nas universidades ou faculdades, e não na “missão sagrada”, que foi

1 BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução Waltensir Dutra,

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 2 LIMA, Santa Cruz. Mães solteiras. O Dia, Teresina, p.5, 08 de mar. de 1959.

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inventariada a elas: a maternidade, “a mulher moderna só quer ser esposa e aborrece a

missão honrosa de ser mãe, para poder gozar a vida3”.

Se o discurso de instinto materno, ou essência natural feminina, parece não

convencer ou sensibilizar algumas mulheres dos anos dourados, o discurso prescritivo

católico baseava-se em argumentos de salvação e glória eterna, “[...] pobre dela, na hora

da morte [pois] a mulher só se salvará gerando filhos4‟‟.

O amor materno pode se manifestar de diferentes maneiras, desta forma,

para alguns a mãe, não amar um filho é um crime sem explicação, era preciso ressaltar

que os comportamentos maternos poderiam assumir aspectos diferentes e até

contraditórios5. Por outro lado, outros pensavam que a maternidade e o amor materno,

“estariam inscritos desde toda eternidade na natureza feminina. “Desse ponto de vista,

uma mulher é feita para uma boa mãe. Toda exceção à norma será analisada [como]

exceções patológicas. A mãe indiferente é um desafio lançado a natureza6”.

Quando uma mulher tem filhos e não os ama, inconscientemente a

julgamos. Apontamos como escândalo, pois percebemos a maternidade como inerente à

natureza feminina. Logo, seguindo essa linha de raciocínio, a adjetivamos de “boas e

santas mães”, no entanto, como o amor materno é um sentimento frágil, incerto e

principalmente imperfeito, ele é cheio de formas, assume aspectos variados e até mesmo

contraditórios. Com base nestes argumentos, vamos analisar dois casos de infanticídio e

abandono ocorridos na cidade de Teresina, na década de 1950.

A senhora Antônia Sousa, doméstica, 38 anos, mãe de 10 filhos, “casada,

mas, separada do marido”, residente no bairro Porenquanto, procurou a Polícia e narrou

o infanticídio que cometera, explicando os motivos de tê-lo executado “ao chegar à

margem do Rio Poti atirei a criança à água, pois sentia vergonha em ter um filho natural

[...] já tive dez filhos, dos quais apenas dois me restam7”. A mãe, ao atirar o filho no rio,

causou indignação na sociedade, que a denominou de mãe desnaturada, por não querer

cumprir sua missão sagrada, fracassando nesta tarefa. A sociedade não perdoava a mãe

que negava a sua maternidade e agindo em nome de uma „falsa‟ moral, pois, na sua

alegação sobre o assassinato de seu próprio filho, relatou apenas que sentia vergonha em

ter tido mais um filho com um homem que não era seu marido.

3 ESPOSA e mãe. O Dominical, Teresina, p. 3, 25 de dez. de 1949.

4 IDEM.

5 BADINTER, 1985, p.13-4

6 IBIDEM, p.15

7 ATIROU o filho no Rio Poti: a mãe desnaturada confessa o horroroso infanticídio. Folha da Manhã,

Teresina, p.6, 16 de fev. de 1958.

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A maternidade tem diferentes faces, como a indiferença, a rejeição ou a

negligência. A imprensa teresinense continuava a publicar outros casos de abandonos8 e

de outras mães “desnaturadas” ou negligentes, como o caso da cearense de 20 anos,

Maria Rodrigues Silva, que, ao sentir que a criança iria nascer, correu para a mata que

se estendia em frente à casa onde estava hospedada, após o parto, que ocorreu no

matagal, por lá abandonou a criança, logo depois foi encontrada apenas parte do corpo

do bebê trucidado por cachorros9.

Deste modo, conforme já apontamos, o amor materno por ser um sentimento

humano se mostrava incerto, imperfeito e frágil, não compartilhado, portanto, por todas

as mulheres.

3.2 Os seus filhos estão imunizados?

Cronistas, especialmente os do Jornal do Comércio, veicularam

informativos, através de crônicas ou propagandas, no sentido de divulgar o discurso

médico conscientizando os pais acerca da prevenção e imunização contra doenças da

primeira infância de seus filhos.

As propagandas veiculavam um discurso de que as crianças eram o centro

de atenção, felicidade do lar e aconchego da família, dessa forma, os pais teriam um

papel a cumprir, o de cuidar da saúde de sua majestade: o bebê. Os cronistas também

enfatizavam que eram necessários que os pais se tornassem „esclarecidos‟ quanto aos

fato de que os métodos e formas de cuidado que utilizavam com os filhos estavam

obsoletos, pois os métodos utilizados eram iguais aos usados por seus avós.

Foto 9: Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 01 de mar. de 1950.

8 RECÉM nascido encontrado na Praça João Luiz Ferreira. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 21 de jul. de

1959. 9 CRIANÇA devorada pelos cães – Infanticídio. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 08 de jan. de 1959.

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“O filho é sempre a alegria do lar”, os filhos passavam a ser o centro da vida

familiar, e as propagandas focavam essa imagem que a felicidade dos pais e do

aconchego do lar dependeria da boa saúde dos filhos.

As propagandas ajudavam a divulgar o discurso médico sobre a difusão de

uma imagem nova da infância, que, na década de 1950, era sinônimo de saúde e bem-

estar para o bebê que deveria ser tratado com novas e modernas técnicas. Os bebês

deveriam ser cuidados com o máximo de atenção e afeto sob o auxílio de profissionais

especializados, como pediatras e educadores que aconselhavam sobre o uso de novos

sistemas alimentares, de preferência, de fácil digestão.

Para o banho, o uso de produtos específicos para essa fase da vida,

sabonetes, talcos, óleos especiais foram criados, para proteger a pele sensível contra

desconfortos, irritações e brotoejas, perigosas à saúde10

. Esses novos produtos eram, em

sua grande maioria, fabricados pela Johnson, que colaborava com o discurso médico, no

sentido de desenhar novos hábitos no trato com as crianças.

Foto 10: Seleções do Reader’s Digest, p.178, nº 148, maio de 1954 Foto 11: Seleções, p.179, maio de 1954

10

VACINA o bebê! Agora, antes que seja tarde. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 17 de out. de 1952.

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As campanhas de conscientização sobre a importância da vacinação como

medida preventiva para a saúde das crianças era divulgada inicialmente pelo

Departamento Nacional da Criança, apoiada pela imprensa, e intensificada durante a

Semana da Criança, realizada anualmente no período de dias 10 a 17 de outubro, nos

Postos de Puericultura, das principais cidades brasileiras. No período da Semana da

Criança, os Postos de Puericultura, em todo o país, ficavam em prontidão, no sentido de

oferecer ajuda, conselhos e a imunização às crianças. Os pais eram alertados para que

não esperassem que os filhos fossem atacados por doença, era preciso proteger através

da vacinação11

.

Anualmente, durante a semana da criança, eram realizadas na cidade

atividades culturais e educacionais, como, por exemplo, palestras ou conferências de

caráter educativo, realizadas por educadores e/ou médicos, na Rádio Difusora de

Teresina, em colaboração com o Departamento de Educação e patrocinado pela

Prefeitura. Chegavam aos lares pelas ondas do rádio, “as mais eficientes lições e os mais

acertados conselhos sobre o tratamento físico e educativo moral das crianças12

”. Nestas

ocasiões, médicos e educadores aproveitavam para divulgar e esclarecer sobre a

importância da vacinação.

Esses tipos de campanhas e propagandas intensificadas com o auxílio de

toda a imprensa eram importantes, porque a mortalidade infantil em Teresina no período

em estudo era alarmante, sendo necessário ensinar, aconselhar e conscientizar os pais

sobre as medidas preventivas.

Da mesma forma, era preciso retirá-los da „ignorância‟ quanto à importância

da vacinação preventiva de seus filhos, pois a vacinação era apresentada pelo discurso

médico como um processo fácil e seguro para proteger o futuro do infante, era prescrito

aos pais que consultassem os médicos, no devido tempo “você tem o dever de dar essa

proteção ao seu filho. Não espere13

!”.

Desse modo, existia uma forte presença do discurso médico prescrevendo a

maneira correta de cuidar dos filhos, como também a vacinação, que deveria ocorrer

ainda nos primeiros meses de vida, “a imunização deve ter início mesmo antes de seu

filhinho andar”.

11

VACINA o bebê! Agora, antes que seja tarde. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 17 de out. de 1952. 12

SEMANA da criança. Jornal do Comércio, Teresina, p.4, 17 de out. de 1952. 13

PROTEJA o futuro do seu bebê em seu primeiro ano de vida. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 05

de jan. de 1952.

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Foto 12: SEUS filhos estão imunizados? Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 07 de set. de 1950.

As propagandas se intensificavam no sentido de esclarecer aos pais não

apenas quanto à prevenção da vacinação contra doenças graves na primeira infância,

como: coqueluche, varíola, difteria, tifo; mas, também quanto a sua eficácia quando

aplicada a tempo, a imunização era apontada como uma medida de segurança, fácil e

indolor, e que poderia salvar a vida da criança14

. As campanhas além de aconselharem

aos pais quanto à importância das vacinas preventivas, instruíam a “não confiarem na

memória”, era preciso seguir a um programa de imunização, criava-se o hábito de

anotar tudo, num cartão de vacinação, ou tabela.

As crônicas também solicitavam o apoio dos pais, para que pudessem

confiar no trabalho das “moças de branco”, que eram as médicas, enfermeiras,

educadoras, que além de imunizarem seus filhos, eram também conselheiras, no que

dizia respeito às “mágoas e mexericos” das mães, assim como também diminuía a

desconfiança quanto ao saber médico,

Há um grupo de moças que você precisa conhecer [...] são moças do

Departamento Nacional da Criança [...] o trabalho é intenso, penoso e

muitas vezes desanimador. Mas, lentamente as moças de branco vão

colhendo suas vitórias contra a ignorância, as superstições [...]

inúmeras crianças pálidas e barrigudinhas (são vermes, disenteria) [...]

já conhecem as moças pelo nome, as mães correm pressurosas para

lhes contar as mágoas e mexericos, o desconfiamento quase não existe

14

SEUS filhos estão imunizados? Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 07 de set. de 1950.

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mais [...] as moças de quem lhes falamos precisam de seu apoio.

Vacine seus filhos15

.

No período em estudo, o discurso médico prescrevia novas e modernas

sugestões de como cuidar do bebê. Os conselhos se dirigiam especialmente as mães.

Essas crônicas davam ênfase aos novos arranjos e hábitos quanto à alimentação. Era

preciso que os filhos gostassem dos alimentos, sendo reprovadas as atitudes das mães

que alimentavam os filhos à força. Elas aprendem a usar de táticas brandas de

convencimento e assim induzi-los a gostar dos alimentos16

. Quanto ao asseio pessoal e

aos bons hábitos, tudo dependeria também da mãe, a ela caberia a tarefa de ensinar aos

filhos, desde os primeiros meses de vida, o quanto era importante para a saúde os bons

hábitos higiênicos, como o banho diário e a limpeza dos dentes17

.

A educação das crianças e o cuidado diário também eram assuntos

referenciados por educadores especializados em educação infantil, conforme nos mostra

a crônica a seguir,

As mãezinhas dos pequenos „espoletas‟ com três anos de idade em

geral sentem dificuldade para fazê-lo dormir a sesta [...] nos modernos

jardins de infância as professoras preparam psicologicamente as

crianças para a sesta com um bom lanche, seguido de 15 minutos de

recreio [o] banho diário é uma preparação equivalente, e deve ser

seguido de suaves palmadinhas com toalha felpuda e aplicação de um

talco especial. [...] há por vezes música suave em surdina (suave e não

música de breque [...] o quarto de dormir deverá ser ventilado, mas,

sem correntes de ar [...] cerre as persianas – a penumbra sempre ajuda

a vinda do sono. [...] outro ponto que não deve ser esquecido são as

promessas. Nunca prometa ao Joãozinho uma volta de automóvel se

ele for bonzinho e dormir a sesta do dia. Este é um péssimo hábito e se

algo a impossibilitar de cumprir a promessa, saiba que as crianças

jamais esquecem alguma coisa. Não castigue seu filho. Bondade e

compreensão são bem mais eficientes18

.

O costume de castigar ligado à educação tradicional era reprimido, como

prática não recomendada na educação e no trato das crianças. Em síntese, a família

estava sendo alvo de prescrições, não apenas pelo discurso religioso, mas também pelo

discurso médico, que tentava estabelecer normas de como os filhos deveriam ser

15

AS MOÇAS de branco: você as conhece? Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 17 de out. de 1952.

(grifo nosso) 16

DOS HÁBITOS adquiridos na infância dependerá o caráter do seu filho. Jornal do Comércio,

Teresina, p.4, 06 de out. de 1951. 17

IDEM. 18

COMO cuidar do bebê. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 23 de nov. de 1952.

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percebidos, criados e cuidados, desde os mais diversos aspectos, como, por exemplo, a

alimentação, a saúde, o bem-estar, o tomar banho, o dormir. O discurso médico

prescrevia novas e modernas formas de se perceber o corpo do infante como frágil,

necessitando, pois, de cuidados especiais.

3.3 Instruindo e educando a partir da diferença

A escola é um local onde se educa e se instrui. A primeira afirmação diz

respeito à formação de bons hábitos e a segunda ao acesso ao saber. As escolas

confessionais masculinas e, sobretudo, as femininas, protagonizavam essas duas

principais funções: educar e instruir, ou seja, produzir boas esposas, mães e donas de

casa.

A escola, no período em estudo, era um lugar onde as diferenças de gênero

eram acentuadas, especialmente, as confessionais, nas quais havia separação de meninos

e meninas, questão problematizada no discurso católico, a partir da publicação da

encíclica Divini Illius Magistri19

, que tratava da educação das crianças e jovens.

Baseada na diferença e na separação, a escola católica se fez a partir da marcação das

diferenças entre feminino e masculino, uma educação “[...] com a necessária distinção e

correspondente separação20

” entre os sexos, o que contribuiu para a re-afirmação das

identidades tradicionais de gênero, mãe e esposa no lar, enquanto o homem promovia o

sustento da família com o trabalho.

Esses papéis sexuais eram marcadamente fixos e polarizados, com a esposa

restrita ao espaço privado, de um lado, e de outro, o marido, no espaço público. Para a

legitimação desses papéis tradicionais de gênero, era mister desde cedo, separar

meninos e meninas, começando na infância e depois na mocidade, que constituía “o

período mais delicado e decisivo da formação, qual é o da adolescência”21

, era

necessário separar os corpos, dar-lhes uma educação condizente com o seu papel social

prescrito pela Igreja Católica.

19

PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível

em<http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-

illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008. 20

IDEM. 21

Retornaremos a esse assunto no último tópico neste capítulo quando mencionaremos as trajetórias

educacionais dos adolescentes.

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3.4 É tempo de brincar

A imagem tradicional acerca do feminino, identificava-o a formas fixas,

caracterizadas pela delicadeza e “fragilidade”. Segundo essa linha de raciocínio, era

preciso que seu corpo fosse guardado, protegido, vigiado o seu sexo, dessa forma, a

linguagem instituía, organizava, classificava e produzia diferenças22

. Ao analisar a

bipolaridade fragilidade versus agilidade nas brincadeiras permitidas e proibidas as

crianças, constatamos o seguinte: os meninos brincavam de montaria, corriam,

nadavam, jogavam futebol, andavam de bicicleta.

No entanto, as meninas brincavam de comidinha, de pular corda, desenhar

no chão, cirandinha de roda, era prescrito que elas não podiam montar bicicleta,

conforme nos informou dona Iracema Silva, “[...] meu pai não me deixava brincar de

bicicleta [eu] aprendi a andar de bicicleta escondida, pois mulher não podia montar em

bicicleta23

”.

As brincadeiras infantis femininas também reproduziam as características da

função social tradicional que a mulher desempenharia na sociedade: rainha do lar,

quando brincavam de ser mães, ao fazer “comidinha” para as bonecas, “[as brincadeiras

eram de] roda, de comidinha, de fita, de bombaquim, de pular corda, de lagarta

pintada24

”. Havia na sociedade um estímulo ao desempenho dos papéis sexuais

esperados pela família e desenvolvidos na escola.

As meninas passavam mais tempo em casa do que na rua ou no quintal

brincando. Ao contrário dos meninos, elas possuíam a maternidade em potencial:

“futura mãe, a menina substituía a mãe ausente25

”. Elas aprendiam, desde cedo, a

bordar, limpar, arrumar a casa, ajudar com os irmãos menores, atividades e obrigações

domésticas que as mães ensinavam as filhas desde cedo, passavam a ser uma extensão

no universo das brincadeiras das meninas e isso se transfigurava como um aprendizado,

para as responsabilidades futuras.

Havia, assim, um compromisso formal com a moral e com as normas de

comportamento social, adestrando as meninas, desde a infância, para sua missão natural:

22

LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In: ___________. Gênero, sexualidade

e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 7. ed. Petrópolis, 2004. p. 57-87. 23

SILVA, Iracema Santos Rocha da. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.

Teresina, 18 de junho de 2008. 24

CASTELO BRANCO, Teresa de Albuquerque Vilarinho. Entrevista concedida a Ângela Maria

Soares de Oliveira. Teresina em 12 de junho de 2008. (Grifo nosso) 25

PERROT, Michelle. O Corpo. In: __________. Minha história das mulheres. Tradução Ângela M. S.

Correa. São Paulo: Contexto, 2007, p.43

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49

ser esposa, mãe, dona de casa. Corroborando tal afirmação, dona Teresa Castelo Branco

nos informou que, aos seis anos, aprendeu a bordar.

[...] ajudava em casa [desde] a fazer comida ou costurar, pois,

eram muitas crianças, então as mais velhas ajudavam com os

menores [...] aprendi a bordar e a costura, com minha mãe e

também no Colégio das Irmãs, então isso me ajudou muito. Eu

aprendi a fazer crochê com 6 anos. Minha mãe fazia roupas de

todos meus irmãos, e as minhas todas, eu observava como era

feito, minha mãe cortava e pedia para a gente costurar e quando

casei fiz roupas para meus filhos, meu marido, menos ternos,

calça comprida, mas, camisa, cueca, pijamas, tudo eu fazia, e

inclusive para a minha sogra eu costurei muito26

.

O ser feminino e o masculino foram construídos e traçados por discursos

conservadores, os quais foram cristalizados por determinados tipos de comportamentos,

que se transformavam em rígidos papéis sociais. Dessa forma, as formas prescritas à

infância feminina ou masculina foram vivenciadas, na prática cotidiana, seja na casa,

seja na escola, através de trabalhos manuais com agulhas, favorecendo a demarcação

das diferenças nas trajetórias dos papéis de gênero, no interior do casamento. Meninos e

meninas foram direcionados, desde a infância, a assimetria entre os papéis sexuais.

Nas brincadeiras dos meninos eram constantes as imagens de aventura, de

força, se comparados às brincadeiras das meninas. Para elas, era proibido tomar banho

de rio, caçar passarinhos, roubar frutas. Eles também tinham privilégios não somente

em relação aos locais das brincadeiras, mas, também, quanto aos horários permitidos

para sair e chegar. A seguir dois relatos de memória são ilustrativos dessas situações:

Até que vestisse a farda do Colégio, levei uma semana em

passeios, ora a caçar rolinhas de baladeiras nas matas da estação,

ora a roubar cajus nas quintas à beira do rio27

.

Na Rua Eliseu Martins, moravam muitos meninos. Meus dois

irmãos faziam parte da confraria masculina que tinha privilégios

inexplicáveis para nós, meninas, como por exemplo, sumir de

casa depois do jantar e só voltar depois das 21 h, após as

chamadas insistentes de mães e empregadas. Vinham imundos

26

CASTELO BRANCO, 2008. 27

CARVALHO, O. G. Rego de. Ficção reunida. 4. ed. Teresina: Corisco, 2003. p. 50

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50

de baladeiras na mão, e, muitas vezes, acompanhados de

reclamações por traquinagens praticadas28

.

Nas memórias de José Arimathéa Tito Filho, sua infância também foi

marcada por muitos banhos no rio Parnaíba e por brincadeiras influenciadas pelos

filmes de caubói e de aventura a que assistiu, no cine Royal29

.

José Nazareno Araújo, também, nos relata sobre sua infância, ora jogando

futebol na Praça da Igreja Sebastião Martins, em Floriano, ora empinando papagaio,

denominado por ele de surur e/ou tomando banho no riacho, chamado Japim, onde

passava as tardes brincando, depois de ter frequentado a escola, no turno da manhã30

.

As praças também eram locais de lazer da meninada, especialmente quando

foi instalado um parque infantil, na Praça João Luiz. Faltavam, porém, parques e outras

áreas de diversões para as crianças, nos bairros mais populosos da cidade, como:

Vermelha, Piçarra, Matadouro, Vila Operária, Porenquanto31

.

Nas praças as crianças, além de jogar futebol, também brincavam de imitar

cenas vistas nos filmes de caubói, conforme nos informa Afonso Ligório Pires de

Carvalho,

[...] o ambiente preferido da meninada para brincadeiras era Praça

João Luiz Ferreira. Ali a garotada se soltava [...] os entretenimentos

em geral se limitavam a jogos de futebol. Grande número, porém,

preferia brincar de cinema, imitando os artistas dos seriados e filmes

de cowboys [...] A Deusa da Joba, Flash Gordon, Perigos de Paulina,

Tarzan, ou um seriado de Buck Jones, ninguém podia perder. Lembro-

me dos seus precários e desconfortáveis assentos de tábuas corridas

sobre toros de carnaubeira, enfileirados à maneira de bancos de Igreja.

Os espectadores, ao chegar, cuspiam no banco da frente e assim por

diante, na intenção egoísta de evitar que alguém se sentasse e

impedisse a livre visão. Os que entrassem mais tarde levavam, por

cautela, um papelão com o qual forravam o banco para proteger a

roupa. Mulher não freqüentava a sessão que começava às 17 h 30,

terminava às 19 h 30, e só exibia seriados32

.

“Mulher não freqüentava a sessão”. Não era somente o cinema que estava

proibida às meninas. O rio era outro local marcado pela diferença de gênero, pelo

menos, para meninas da classe média. Não era recomendado às meninas os banhos de 28

ABREU, 2002. p. 210. 29

TITO FILHO, José de Arimathéa. Teresina meu amor. 4. ed. Teresina: COMEPI, 2002. 30

ARAUJO, José Nazareno Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 22 de

fevereiro de 2008. 31

PARQUES Infantis. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 13 de mar. de 1959. 32

CARVALHO, 2002. p.85-6

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rio, pois o local era considerado espaço de promiscuidade, embora fosse um local

freqüentado por mulheres como as lavadeiras, que ali exerciam um trabalho. Era, no rio

também que as classes menos favorecidas tomavam banho, pois o serviço de água

encanada constituía privilégio de poucos. Mas, de modo geral, tomar banho de rio era

uma prática interdita ao sexo feminino33

.

Essas diferenças de gênero expressas nas brincadeiras começavam a se

diluir no final da década de 1950. O brinquedo que favorecia ou sugeria a igualdade

entre o feminino e o masculino era a bicicleta, que, em meados da década de 1930,

período em que se passou a infância da senhora Iracema Silva, andar de bicicleta era

proibido. Em 1958, quando começava a se ampliar, nas lojas da cidade, a venda da

bicicleta, percebemos o quanto esta promoveu a aproximação entre os sexos:

O grande barato da época e que começava a aproximar meninos e

meninas – era passear de bicicleta, em frente ao Colégio das Irmãs [...]

quem tinha bicicleta mais bonita, quem conseguisse fazer a curva na

calçada sem desmontar da bicicleta, contava pontos na hora de

conquistar namorados. A bicicleta também me ajudou a conhecer a

cidade. Aproveitava as férias e com um grupo de amigos percorria

lugares, onde nunca tinha andado. Descobri o [bairro] Ilhotas, o

Cabral, o Cruzeiro da Av. Frei Serafim, chegando até a beira do Poti,

que por essa época não tinha ponte de concreto [...]34

.

As leituras também são um capítulo importante no universo infantil, através

da leitura, a criança colocava a imaginação para trabalhar, o que também ampliava o seu

modo de brincar, a partir das estórias narradas nos almanaques e/ou nos gibis.

[...] fui privilegiada, pois, lá em casa circulava de tudo, tanto os livros

infanto-juvenis, como o Almanaque do Tico-Tico [...] encadernado em

capa dura [...] as outras revistas que chegavam durante o ano, trazendo

as aventuras dos heróis do Almanaque, como Reco-Reco, Bolão e

Azeitona. O Gato Felix, que da cauda conseguia fazer sempre um

instrumento para se safar das mais incríveis situações; [tinham

também] as revistas de Bang-Bang35

.

As leituras, na infância, aguçavam a imaginação, constituíam um ponto

importante no acesso a novas culturas e no despertar da criatividade, diversificando os

tipos de brincadeiras e entretenimentos das crianças. Em síntese, no período em estudo,

as brincadeiras, que, em sua maioria, eram marcadas por divisões e diferenças entre

33

CASTELO BRANCO, 2008. 34

ABREU, 1996, p. 58 35

IDEM

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52

masculino e feminino, a partir do final da década de 1950, através da bicicleta começava

a quebrar as desigualdades de gênero.

3.5 O que fazer com os menores abandonados?

No ano de 1953, na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu o Seminário Latino-

Americano sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente. Em março do

mesmo ano, na cidade de Teresina, sob a supervisão do Juizado de Menores, foram

criados os Estatutos da Sociedade de Amparo aos Menores Abandonados do Piauí –

S.A.M.A.P como “solução dos problemas com os menores desajustados e

desamparados, a sociedade tem por finalidade a proteção e assistência aos menores de

ambos os sexos, física ou moralmente abandonados36

”.

O objetivo da Sociedade de Amparo aos Menores Abandonados do Piauí era

a fundação e manutenção de um estabelecimento para “recolhimento dos menores”, ou

seja, interná-los com o objetivo de correção disciplinar, para sanar o problema dos

delinqüentes futuros, assim como também limpar a cidade desta imagem de infância

„desajustada‟.

De infância saudável para menor delinqüente, o saber jurídico assumiu uma

importância crucial na produção e na transformação da criança em menor, sendo fixado,

em 1927, o Código de Menores. O menor foi representado juridicamente como aquele

que não era filho “de família”, ou seja, sujeito à autoridade paterna, mas sim uma

criança abandonada tanto materialmente, quanto moralmente, e que vivia nas ruas em

situação de desamparo. A partir dessa nova imagem de infância, como crianças que

estavam nas ruas, estas passavam a ser percebidas como incômodas e prejudiciais à

sociedade, se transformando em caso de polícia.

Os cronistas lançaram luz sobre a imagem da criança destituída de um “lar

sadio”, carente de uma família nuclear, especialmente aquela cujo paradigma era a

sagrada família ou “o lar de Nazaré, o ideal dos lares cristãos37

”, no qual o pai era o

provedor, e a mulher, a responsável pelos cuidados com o esposo, o lar e principalmente

os filhos,

Edificou-se em torno da mulher toda uma mística. Descobriu-se de

repente que ela podia ser considerada responsável por tudo, ou quase

36

ESTATUTOS da Sociedade de Amparo aos Menores Abandonados. Diário Oficial. Teresina, p.4-5, 25

de mar. de 1953. 37

COLOMBO, J.C.M. O lar moderno. O Dominical, Teresina, p.4, 9 de janeiro de 1955.

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tudo. Em todos os dossiês de crianças problemas, em todos os casos

de adultos neuróticos, psicopatas, alcoólatras [...] encontrava-se

sempre a mãe. Havia sempre na origem uma mulher infeliz,

insatisfeita [...] uma esposa exigente que perseguia marido, uma mãe

dominadora, sufocadora ou indiferente38

Inspiração do bom ou do mau destino, o que aconteceria com os seus filhos,

teria a mãe, sempre, como a única „culpada‟ a grande responsável.

O Código de Menores39

definia como menor o individuo com menos de 18

anos, abandonado pelos pais, que não tinha habitação certa e nem meios de subsistência.

A sociedade, por meio da imprensa e de discursos do judiciário, como o de Tancredo

Neves, Ministro da Justiça, que em 1954, não deixava que o assunto/problema dos

menores abandonados caísse no esquecimento. A sua intenção era de que os planos de

emergência fossem executados o quanto antes, no intuito de resolver o „problema‟, em

virtude da aprovação pelo Senado de uma verba solicitada pelo ministro,

especificamente, para esse caso40

.

Em Teresina, a campanha para a „solução‟ do incômodo causado pelos

menores abandonados estava a todo vapor, tanto que no ano de 1956, se esperava a

inauguração do Asilo para os Menores Abandonados, idealizado pelo Desembargador

Manoel Felício Pinto41

. No entanto, ao que tudo indica, não havia sido inaugurado, pois

alguns cronistas, em 1958, solicitavam providências aos poderes públicos, para que

olhassem para a infância pobre, desvalida e pedinte da capital piauiense, “Teresina está

infestada de menores abandonados de ambos os sexos, onde estão as entidades que

cuidam da assistência aos menores abandonados? Que fazem os poderes públicos42

”?

Em decorrência do crescente número de menores em Teresina, no período

em estudo, em resposta à sociedade e aos cronistas como Francisco Cunha e Silva, a

imagem de criança pedinte, „vadia‟ passava mais uma vez a ser alvo do poder judiciário.

A percepção do menor pedinte, considerado sem ocupação, ou seja, um vadio,

transformava-se como propenso ao crime. Dessa forma, a imagem da infância

abandonada passou a ser percebida como caso de polícia.

38

FRIEDAN apud BADINTER, 1985, p. 326 39

CÓDIGO de Menores. Decreto n.º 17.943 A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de

assistência e proteção a menores. Rio de Janeiro. Disponível em

<http://www.ciespi.org.br/base_legis/baselegis_view.php?id=76 > Acesso em: 15 de fev. de 2009. 40

VITORINO, José. O problema dos menores abandonados. O Dia, Teresina, p.4, 06 de maio de 1956. 41

TÓPICOS e Notícias. O Dia, Teresina, p.4, 06 de maio de 1956. 42

SILVA, Francisco Cunha e. Menores abandonados. O Dia, Teresina, p.6, 13 de jul. de 1958.

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54

Considerando a urgente necessidade de ser reprimido a vadiagem

juvenil [...] o crime começa [a partir da] vagabundagem da criança. A

prática da mendicância por parte dos menores [...] constitui uma

escola para a vadiagem, para vícios, para a prostituição e também para

o crime. Considerando que a repressão da mendicância infantil é uma

medida de moralidade e de prevenção43

.

E sob esta percepção, o Juiz Heli Ferreira Sobral fixou a Portaria sobre

menores vadios e a mendicância, definindo as formas de repreensão e, principalmente,

de detenção disciplinar.

Como os menores resistiam quanto a “receber instruções ou a se entregar a

trabalho proveitoso e útil, vagam pelas ruas, praticando a mendicância44

”, observamos

diferentes imagens quanto à representação da infância. A imagem daquela que se estava

tentando disciplinar com trabalho era totalmente diferente da imagem da infância da

classe média, por exemplo, em que as crianças passavam o tempo estudando e

brincando despreocupadamente. No entanto, para as crianças que viviam pelas ruas, era

prescrito que elas trabalhassem, assim como também eram interditadas as brincadeiras

que faziam nas ruas, pois eram consideradas ilícitas pelas autoridades, como por

exemplo, “tomando trazeiros de veículos ou praticando o „Foot-Ball‟ na via pública ou

jogando dados nas calçadas45

”, as crianças que fossem encontradas nas ruas „praticando‟

essas brincadeiras seriam levados à detenção e apresentada ao Juiz de Menores, que

tomaria as “providências cabíveis”.

As fontes policiais, veiculadas na imprensa reafirmavam a imagem dos

menores abandonados, tal como eram representados pelo judiciário. Observem-se os

relatos a seguir:

Menor transviado

O soldado da Polícia Militar nº 297, José Rodrigues da Cruz, servindo

no destacamento do povoado Morrinhos, apresentou a delegacia o

menor EPSN, o qual furtou naquele povoado a quantia de setecentos

cruzeiros, pertencentes ao Sr. Sebastião de tal, ali residente46

.

Sádicos

43

OS MENORES vadios e a mendicância. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 29 de jan. 1959. 44

IDEM. 45

Isto é o que fixava o 1º parágrafo da Portaria sobre os menores vadios e a mendicância, deliberada em

Teresina pelo Juiz de Menores de Teresina – Heli Ferreira Sobral. OS MENORES vadios e a

mendicância. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 29 de jan. de 1959. 46

MENOR transviado. Coluna Na Ronda das Ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 20 de ago. de 1959.

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55

Teresina, indiscutivelmente está crescendo, progredindo sob os mais

variados aspectos físicos, demográfico, comercial [...] mas, alguns

fatos ultimamente registrados em Teresina [chama a atenção] seria a

chamada Juventude Transviada, ensaiando passos criminosos [...]

diariamente registram-se crimes praticados contra veículos

estacionados em lugares acessíveis ao público [...] ora riscando com

instrumentos pontiagudos a pintura, ora cortando a navalha ou a

Gilette, as duas capotas, ou seus banco estofados as respectivas capas

[...] furtando até pneus de socorro [...] criminosos desses tipos tornam-

se mais perigosos que o ladrão que rouba por necessidade [...] aqueles

praticam o crime para a satisfação do instinto criminoso. São sádicos

que gozam com o sofrimento alheio47

Em síntese, esses discursos, além de homogeneizar as crianças

abandonadas, conferiam a elas um significado marginal. A imagem que, de início,

oscilava entre desamparada, desvalida, desajustada e ociosa foi se transformando em

perigosa, transviada, delinqüente, sádica e, por fim, caso de polícia, pois passava a ser

considerada criminosa.

3.6 Transformações no corpo: o despertar da adolescência

Aos 11 ou 12 anos, começavam a surgir cobranças quanto à mudança de

atitudes no que diz respeito ao corpo e aos hábitos dos infantes. O menino não era mais

uma criança, passava a ser um homenzinho, momento de mudanças significativas no

corpo, nas atitudes, nas maneiras de se vestir. É o que mostra O. G. Rego de Carvalho,

em Ulisses entre a vida e a morte, quando o personagem da narrativa teve que cortar os

cabelos ondulados, em formato de grandes “cachinhos como um anjinho” e passar a ter

cabelos curtos. Esse ritual por que passa Ulisses é descrito da seguinte forma:

- Não acha nosso filho muito grande para esses cachos? [...] minha

mãe nada respondeu [...] iremos aqui perto, falou meu pai [quando

retornaram], papai tentou fazê-la sorrir, dizendo que eu ficara até

bonito assim de cabelo curto [...] só depois de alguns dias pôde

conformar-se e vestir-me e a pentear-me como um homenzinho48

Mudanças eram percebidas, não apenas no visual, mas, o corpo também

demonstrava que estava em transformação “certa manhã em que banhávamos no Poti

[...] senti uma dor no bico do peito, descobrindo-o depois, levemente intumesciado: -

47

OSCAR FILHO. Sádicos. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 07 de mar. de 1959. 48

CARVALHO, O. G. Rego de. Ficção reunida. 4. ed. Teresina: Corisco, 2003. p. 45-6

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56

Está pedrando – disse Norberto [...] maravilhado com a revelação49

”. Ulisses,

personagem criado por O. G. Rego de Carvalho, deixava a infância e passava a

adolescência, cheio de expectativas, receios e medos, nesta etapa de vida.

As transformações no corpo são um capítulo à parte no que se refere à

adolescência, exemplificaremos com as experiências de Ulisses, que, em companhia de

dois amigos, se dirigiria aos bancos de areia, como eram também chamadas as coroas,

formados em um dos rios que cortam a capital do Piauí:

Ao chegar ao rio, encontramos Ronaldo com uma cesta de frutas

e apetrechos de pesca [...] na coroa, lançamo-nos à terra e nos

detivemos em contemplar a correnteza [...] vamos cair n‟água

[...] depois de tomarmos banho, debruçamo-nos na praia arenosa

[...] chamou-me Norberto, enquanto apontava uma mulher nua

que tinha desenhado no chão [...] Arnaldo me desconcertou com

uma pergunta súbita: - Ulisses, você já [...] e fez um gesto

despudorado [...] – Não – confessei; a vista baixando. Houve um

instante de silêncio, e para fugir a novas descobertas, afastei-me

um pouco. A indagação de Arnaldo, contudo não me saía do

pensamento [...] senti que nessa tarde se descortinou para mim

um mundo admirável50

.

O mundo admirável que havia se descortinado para Ulisses era o da

sexualidade, especialmente a partir do conhecimento de seu corpo, através da prática da

masturbação. Quando o adolescente passava a ter comportamentos diferenciados em

relação às crianças, sentia-se diferente, quase adulto, como por exemplo, fazer parte de

um grupo ou turma de amigos, que trocavam confidências. Eram cúmplices, ao

experimentarem diferentes e inusitadas situações no sentido de serem iguais, sentiam-se

fortes e audaciosos para aventuras, como gazetear aulas e aproveitar a oportunidade

para novas descobertas, como se aventurar por locais mais distantes na cidade ou ainda

dar os primeiros passos em hábitos adultos, como o de fumar.51

.

Pertencer a um grupo exigia realizar determinadas ações para testar a

coragem dos novos integrantes. Dessa forma, o grupo solicitava novas atitudes para

concretizar sua entrada, como ser capaz de fumar escondido, e em hipótese nenhuma

49

CARVALHO, 2003, p. 51. 50

IBIDEM, p. 70-1 51

IBIDEM, p. 51

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57

revelar sua fraqueza. Por isso, Ulisses, para não ser excluído do grupo, fingia gostar do

cigarro, embora a fumaça lhe causasse tonturas e mal-estar.

A aproximação com o sexo oposto ocorria nas festas realizadas nas escolas,

como, por exemplo, nas comemorações ou festas nos educandários. Em outubro, havia

o aniversário do Liceu Piauiense, bem como a eleição para a rainha dos estudantes,

daquele colégio. A aproximação entre meninos e meninas também ocorria nos desfiles

comemorativo do feriado de 7 de setembro, inicialmente, nos treinos, que começavam

ainda no mês de agosto, no qual, os alunos do Liceu Piauiense52

, do Colégio das Irmãs,

do Diocesano e da Escola Industrial, desfilavam pelas ruas e avenidas da cidade53

.

Outra forma de aproximação entre os alunos, desta vez dos colégios de

orientação católica, como o Colégio das Irmãs e o Colégio Diocesano, era através das

procissões, o que constituía raras oportunidades, que deveriam ser aproveitadas ao

máximo:

Eu era aluna do Colégio das Irmãs, também seguia o ritual (a

procissão) , não por espírito cristão, mas por imposição da direção do

educandário. E já que não podia escapar da obrigação, era mais

inteligente ir para aproveitar a ocasião para observar os alunos dos

colégios masculinos, como o do Diocesano54

As transformações que ocorrem no corpo feminino adolescente foram

percebidas Ulisses, personagem do romance de O. G. Rego de Carvalho. Ao descrever

Conceição, prima de seu amigo Arnaldo, observava que o rosto dela estava coberto de

espinhas e os seios já apontavam55

. Nessa fase de mudanças, as meninas precisariam

conhecer detidamente as transformações hormonais que faziam o seu corpo se

modificar, dentre elas, podemos citar a menstruação.

Nesse sentido, as propagandas vão desempenhar um papel importante, no

tocante à informação sobre as mudanças no corpo feminino. Desde o início do século

XX, a publicidade invadiu o espaço privado, facilitando a solução de algumas das

dúvidas adolescentes, quanto às transformações em seu corpo. Uma boa amostra do

impacto das propagandas na descoberta do corpo feminino pelas adolescentes era a

propaganda do “modess”, que surge na década de 1950.

52

Colégio Estadual, como era chamado no período em estudo. 53

ABREU, 2002. 54

IBIDEM, p. 217 55

CARVALHO, 2003, p. 63.

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58

Foto 13: Seleções do Reader’s Digest n. º 148, p. 103, maio de 1954.

As propagandas também eram dirigidas às mães para que não deixassem

suas filhas crescerem na ignorância de certos fatos relacionados com a vida feminina,

afinal, a menstruação lhes conferia a entrada no mundo feminino adulto, caberia à mãe,

ensinar a filha sobre a proteção conveniente dos recursos modernos, como o absorvente,

que se tornava uma necessidade indispensável para o conforto, ao contrário dos métodos

antiquados. O “modess” era apresentado como mais higiênico, conveniente em relação

às toalinhas, custando por mês pouco mais que uma entrada de cinema, mostrando dessa

forma, que era uma falsa economia recorrer aos métodos antigos56

.

Sobre o item da iniciação sexual, nas crônicas e romances a que tivemos

acesso não encontramos registros na maioria deles. Em outros há muita reserva em

mencionar o assunto, mas nem todos, tiveram pudor em revelar suas memórias acerca

de sua primeira intimidade. Recorreremos às memórias de A. Tito Filho, que rememora

56

CERTAS coisas que sua filha deve saber. Seleções do Reader’s Digest n. º 148, p. 103, maio de 1954.

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59

temporada na fazenda de sua tia, na cidade de Porto, onde teve sua primeira aventura

amorosa. Dentro do mato, amou uma negra velha57

.

Sobre educação sexual, a Igreja se pronunciou a partir de um discurso do

Papa Pio XII, dirigido aos pais de família, no qual alertava os pais sobre os perigos da

iniciação sexual, que os jovens estavam tendo acesso através de leituras, em revistas ou

romances.

[...] referindo-se aos deveres dos pais e mães de família, o Papa

denunciou os perigos da literatura sobre a iniciação sexual, fica-se

aterrorizado em face da intolerável imprudência de tal literatura:

diante do segredo da intimidade conjugal [...] vemos agora violar-se

esse mistério e dar-se dele uma visão sexual como espetáculo ao

grande público e à própria mocidade58

.

Para a Igreja se alguém tivesse que instruir os filhos sobre educação sexual,

teria que ser os próprios pais e não a escola ou revistas em geral. Em síntese, a fase

específica da vida na qual as crianças passam da infância à adolescência é marcada por

mudanças de hábitos e comportamento, bem como pela inserção em grupos ou ainda

nas maneiras de se vestir, além de transformações significativas no corpo – o despertar

da sexualidade.

3.7 Escolas que instruem e educam: trajetórias escolares na adolescência

A partir dos movimentos leigos da Ação Católica, a instituição católica

passou a intensificar e direcionar a formação dos jovens, a partir da diferença,

convocando-os a serem soldados de Cristo para defender a escola católica, como

também se proteger do mundo moderno e dos perigos que poderia trazer. Dessa forma,

era solicitada uma constante vigilância, quanto ao acesso dos jovens às leituras e aos

espetáculos a que assistiam, em forma de teatro ou cinema59

.

De acordo com o discurso católico, era preciso uma vigilância constante e

também fortalecer a mocidade contra as seduções e erros do mundo moderno. A

57

TITO FILHO, José de Arimathéa. Crônicas. Teresina: Gráfica Júnior, 1990. p. 43 58

RELAÇÕES entre a família e o Estado – iniciação sexual. O Dominical, Teresina, p.4, 04 de nov. de

1951. 59

PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível

em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-

illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008. (Grifo nosso)

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solução seria a adoção das mesmas estratégias do inimigo, e para isso, o ideal seria

conhecer as suas armas e saber manuseá-las ao seu favor. A difusão de boas leituras e a

promoção de espetáculos verdadeiramente educativos, criando teatros e cinematógrafos

onde as virtudes cristãs fossem valorizadas e propagadas60

. É com esse intuito que a

União dos Moços Católicos de Teresina mantinha um programa radiofônico intitulado

Avante Mocidade, tendo, posteriormente, iniciado uma campanha de quase dois anos

para a construção do Cine São Tarcísio, onde seriam exibidos filmes condizentes com

os princípios católicos. Após a publicação da encíclica Divini Illius Magistri, a Igreja

Católica centrou seu discurso na formação educacional de crianças e, principalmente

dos jovens.

A seguir, passamos a apresentar algumas trajetórias escolares na

adolescência.

Marize Marques Martins de Araujo nasceu em 1932, na cidade de Floriano.

Aos 11 anos de idade migrou para o Ceará para estudar o 5º ano ginasial no Internato

das Irmãs Dorotéia, escola de caráter confessional, onde passou 8 anos como aluna

interna de 1943 a 1951, concluindo o Curso Normal aos 19 anos, mas nunca chegou a

exercer o magistério. Parte de sua infância e toda sua adolescência foram vividas, ou

melhor, moldadas, dentro dos padrões morais cristãos. Retornou à sua cidade natal

apenas em 1952.

No Internato das Irmãs Dorotéias, o ensino era permeado pelas doutrinas

católicas expressas nas práticas diárias das internas, nos controles dos horários e das

atividades, que eram rigorosas.

Às 6:15 a gente acordava e ia para a missa todo santo dia, quando a

gente descia para missa, tirava tudo da cama ficava só com os

colchões, dobrava todas os lençóis, e ia a missa, quando terminava

subia e arrumava a cama, só depois podia descer para tomar café

[tinha horário para tudo] era horrível o controle, terrível, nós

deitávamos às 20:3061

.

Teresa de Albuquerque Vilarinho Castelo Branco nasceu em 1932, na

cidade de Amarante, é a segunda filha do segundo casamento de seu pai, que, em fins da

60

PIO XI. Divini Illius Magistri. Educação Cristã da Juventude. Roma, 31 de dez. de 1929. Disponível

em <http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-

illius-magistri_po.html>. Acesso em: 30 de jun. de 2008. 61

ARAÚJO, Marize Marques Martins de. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.

Teresina, 22 de fevereiro de 2008.

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década de 30 e início da década de 40, “chegou a conclusão de que a melhor coisa que

poderia fazer era botar os filhos para estudar62

”, o que demarcava uma mudança na

perspectiva sociocultural sobre a infância e a importância dada à escolarização63

, como

procedimento para constituição da individualização da criança, visto que os filhos do

primeiro casamento não estudaram, somente os do segundo casamento.

Em 1946, depois que a irmã mais velha de Teresa Castelo Branco concluiu

o ginásio na cidade de Floriano. Para prosseguir nos estudos, partiu para Teresina, para

fazer o Curso Normal, levando a irmã Dona Teresa, em sua companhia.

Ao chegar a Teresina, começaram a estudar no Colégio Sagrado Coração de

Jesus – Colégio das Irmãs, que funcionava em regime de internato, semi-internato e

externato. Inicialmente era para ser interna na escola64

, mas seu pai, além de manter as

duas filhas em outra cidade para estudar, tinha que custear também as suas despesas, em

uma pensão, pois não possuíam parentes para acomodá-las na cidade enquanto

estudavam, “nós morávamos em uma pensão de pessoas conhecidas nossas [...] era uma

pensão só de moças, era muito animado, ficávamos na frente da pensão conversando65

”.

Em dezembro de 1949 retornou a Amarante66

, dando oportunidade para suas

irmãs mais novas fazerem o mesmo percurso educacional. Voltando a sua cidade natal,

não conseguiu trabalhar no magistério. Contudo o rumo de sua história mudaria em

julho de 195067

.

Iracema Santos Rocha da Silva nasceu em 1927, na cidade de Floriano. Em

1932, por falta de escolas na cidade, toda a família migrou de Floriano para a cidade de

Teresina, em razão de seu irmão mais velho, Antônio Santos Rocha precisar prosseguir

seus estudos. Em 1935, Iracema, então com 7 anos, iniciava o primário no Colégio das

Irmãs, na modalidade de externato, onde permaneceu até concluir o Curso Normal, aos

19 anos, em dezembro de 1946.

V.G.F.N nasceu na cidade de Parnaíba, em 27 de julho de 1926. Quarta filha

de uma família de dez irmãos, foi a primeira das filhas a ter a oportunidade de estudar,

62

CASTELO BRANCO, 2008. 63

Segundo ARIÈS, ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro:

LTC, 1981. Infância e escola são duas invenções modernas. 64

Era regime de internato e de externato. A princípio era para eu ficar no regime de internato, mas, então

ficava muito caro para o meu pai manter. CASTELO BRANCO, 2008. 65

IDEM. 66

Em 1949 eu fui embora, por questões financeiras, voltei para Amarante para ver se conseguia um

concurso, um emprego de professora. Quando eu fui para lá, vieram outras duas irmãs estudar aqui em

Teresina. CASTELO BRANCO, 2008. 67

Quando então retornava a Teresina para casar-se com o uemeceista e vicentino José Ferreira Castelo

Branco.

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pois, “naquele tempo, não era obrigado a moça estudar, minhas irmãs, mais velhas não

estudaram68

”. Para seu pai, não havia necessidade de investir nos estudos da mulher,

pois, seu “destino natural” era o lar. E para isso, não precisaria de diplomas, somente

possuir prendas domésticas, ou seja, saber fazer trabalhos manuais para melhor

desempenho de sua função social tradicional: esposa, mãe e dona de casa.

Eu não fazia nada de arte, eu não era para bordar ou costurar, não

gostava de trabalhos manuais, eu era só para estudar, fui a primeira da

família a estudar, fui a primeira que fez ginásio e pedagógico. Naquele

tempo, não era obrigado a moça estudar, minhas irmãs mais velhas

não estudaram [...] eu tinha uma prima professora [ela] disse para meu

pai „se você não pagar, eu pago o colégio para V. G. F N‟, e assim

ficou combinado com meus pais. No entanto, fiz as provas para

estudar no Colégio Nossa Senhora das Graças, ai eu tirei o primeiro

lugar, e, então, era dada a chance de estudar um ano de graça, e no

segundo ano, o meu pai já foi entendendo, que eu queria mesmo

estudar 69

.

O que percebemos é que foi de fundamental importância para a sociedade o

ensino nas escolas confessionais, como o Colégio Nossa Senhora, no tocante à

„fabricação‟ de mães verdadeiramente cristãs, rainha do lar, visto que

“ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres. Na

ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte

da essência feminina70

”. Contudo, algumas mulheres utilizaram táticas para vivenciarem

esta „essência feminina‟ na década de 1950 e também dar prosseguimentos a outros

projetos pessoais, como escolarização em nível superior e trabalho fora de casa.

As escolas confessionais possuíam um maquinário discursivo e

disciplinador que começava a partir da diferenciação na formação escolar, idealizado

pelas prescrições católicas, no qual reafirmavam os papéis tradicionalmente

referendados, como os de mãe e esposa. Da mesma forma, a própria arquitetura da

escola ordenava e disciplinava, os corpos para não terem acesso ao mundo exterior.

68

V.G.F.N. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 04 de outubro de

2007. 69

IDEM. 70

BASSANEZI, 2000. p. 609.

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63

Foto 14: Colégio Sagrado Coração de Jesus na década de 1950 (Fonte: MARTINS, 1959, p.114)

Esse controle propiciado pela arquitetura da escola não impedia que

algumas alunas burlassem o código disciplinar, tornando mesmo possível a paquera, ou

simplesmente chamar a atenção de rapazes que passavam pela calçada da escola. É o

que nos informa dona Teresa Castelo Branco,

[...] dava sim para paquerar, uma vez, estávamos na aula do

Monsenhor José Luis, era aula de latim, ele estava na lousa copiando

alguns versos, e enquanto isso, algumas moças levantavam para olhar

pela janela os rapazes que estavam passando na calçada do colégio. O

professor chamou a atenção, e como as alunas, não saíram da janela, o

professor soltou o giz e foi chamar uma das Irmãs e disse que era

impossível dar a aula, porque as alunas não estavam se comportando

direito, pois, estavam na janela, então as Irmãs deixaram toda a turma

de castigo até as 18 horas71

.

Esse ato de „indisciplina‟ de algumas alunas custou o castigo a todas as

discentes daquela turma, pois tinha o objetivo de dar „exemplo‟ sobre o ocorrido, que

não deveria ser seguido por nenhuma outra classe.

A disciplina dos corpos também ocorria na forma de rigorosos horários, na

forma de apresentação na capela e, posteriormente, no refeitório, todas enfileiradas e

“sempre rezando”, como „cordeiros‟, e também no uso de uniformes pesados e

compridos,

as internas tinham toda roupa marcada por um número. O meu era

121, minha irmã 98 [...] as Irmãs levantam-se ao tocar da campa (5

71

CASTELO BRANCO, 2008.

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horas) e as alunas ao tocar da segunda campa (5:30) todas tinham que

trocar de roupa calçar meias e sapatos e arrumar a cama com rapidez,

sempre rezando [...] as meninas deviam estar penteadas, arrumadas e

enfileiradas para entrar na capela e assistir à missa das 6 horas. Depois

da missa subíamos para o refeitório [...] descíamos do refeitório em

fila e cantando. Às oito horas começavam as aulas [...] as alunas

internas usavam durante o dia o uniforme completo: saia azul

marinho, blusa creme de mangas compridas, meias longas e grossas

[...] à noite uma camisola longa e de mangas72

.

A instrução religiosa que as alunas recebiam era uma espécie de guia a ser

seguido na vida da mulher, a quem, depois de constituir uma família, cabia formar os

filhos de acordo com os princípios cristãos. A função-missão da mulher era transmitir e

preservar os valores e crenças cristãmente recebidos, bem como viver aplicando os

ensinamentos religiosos, para a consolidação do projeto vencedor do cristianismo na

sociedade. Por isso, a ajuda da mulher na preservação „da saúde‟ da Igreja Católica era

fundamental, da mesma forma que na recristianização da sociedade. “O destino de

nossa época está nas mãos da mulher73

”.

No entanto, essa rigidez na vigilância e no controle da educação oferecida

pelas Irmãs causava, por vezes, não a resignação, mas, burlas bastante interessantes,

como por exemplo, a construção de paródias e da atribuição de apelidos a professores e

às próprias Irmãs.

As garotas gostavam de apelidar os professores e até as Irmãs. Só que

nem eles, nem elas sabiam. Assim o professor que substituiu o de

matemática, muito magro era o „Tripa Escorrida‟ [...] entre as Irmãs

havia uma italiana que era explosiva e tocava forte na campa, seu

apelido era „Vesúvio‟(vulcão que está sempre em atividade). Outra

que falava alto e reclamava de tudo era a „Espalha Brasa‟[...] outras

meninas gostavam de fazer parodias, aproveitando músicas fáceis.

Eram bem engraçadas [...] está é a música carnavalesca „Os Carecas‟

Nós as internas

Com as externas

Somos maiorais

Pois na hora da saída

É das internas

Que eles gostam mais

Não precisa ter vergonha

Pode mostrar

O seu joelho

72

CARVALHO, Miriam O. Jales de. Pequena história das alunas internas do Colégio Sagrado

Coração de Jesus: 1937-1944. Teresina, 2002. p.4-5 73

O DESTINO de nossa época está nas mãos da mulher. O Dominical, Teresina, p. 3, 30 de jan. de 1955.

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65

Pra que cabelos

Pra que pernas raspadas

Se são internas

É porque são danadas74

Analisamos as memórias neste trabalho numa perspectiva de gênero, nesse

sentido, a história será escrita a partir dos entrecruzamentos das histórias de vidas, de

mulheres e de homens, uma interagindo com a outra como categoria relacional e não

fixa. Dessa forma, passemos às trajetórias escolares masculinas.

José Nazareno Soares de Araújo era filho único. Concluiu o primário, em

Floriano, no Instituo Santa Teresinha, que era de propriedade do professor Manoel

Sobral Neto. Como a cidade não possuía ginásio, migrou para Fortaleza, aos 13 anos de

idade, em 1943. Nesse mesmo ano, Dona Marize, também, migrava para Fortaleza, a

fim de estudar no Internato das Irmãs Dorotéias. José Nazareno recorda a viagem como

um momento de festa, apesar de não esquecer as longas horas gastas num barco a

Vapor.

Os meninos e meninas viajavam juntos, como naquele tempo não

tinha transporte como ônibus, a gente viajava juntos quando íamos

para Fortaleza, em uma embarcação chamada Vapor, esta descia o rio

Parnaíba, de Floriano para cá [Teresina], era um dia de viagem,

quando a gente voltava eram dois dias de viagem de Fortaleza para

Floriano. Era uma festa, namorados, rapazes e moças que saiam de

Floriano e iam estudar em outras cidades, iriam todos juntos, meninas,

meninos e suas respectivas mães75

.

Ao chegar a Fortaleza, José Nazareno, foi estudar no Internato Marista,

colégio de orientação católica, permanecendo neste colégio até o 1º ano clássico76

,

quando mais uma vez migrou, desta vez, para a cidade Belo Horizonte, onde concluiu o

curso clássico e ingressou, aos 18 anos, na Faculdade de Direito de Belo Horizonte,

concluindo o curso em 1953. No mesmo ano, retornou a cidade natal, Floriano.

74

CARVALHO, Miriam, 2002. p. 6-7. 75

ARAUJO, Jose Nazareno. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira. Teresina, 22 de

fevereiro de 2008. 76

Em 1942 o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, fez uma reforma que alterou as

seriações do Ensino Secundário (Ginásio), antes da reforma o ensino ginasial era de 5 anos, destes 2 anos

eram os estudos complementares, eram determinados pelas carreiras que desejassem seguir, havia o pré-

médico, pré-jurídico. Depois da Reforma, o Ensino Secundário passou a ser de 4 anos. O colegial podia

ser clássico, este se destinava aos estudos humanísticos, como direito e filosofia, dentre outros; e o

científico, para aqueles que iriam para as carreiras médicas e técnicas, como medicina e engenharia. Para

mais informações ver BRITO, Itamar de Sousa. História da Educação no Piauí. Teresina: EDUFPI,

1996.

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Manoel Paulo Nunes era o filho mais velho de uma família de 11 irmãos.

Em 1938, com apenas 12 anos de idade, migrava para Teresina, onde iniciou o curso

ginasial no Colégio Diocesano, concluindo em 1943. No ano seguinte, iniciava o

Colegial Clássico, no Liceu, e no ano de 1950, tornava-se bacharel em Direito pela

Faculdade de Direito do Piauí - FADI.

Celso Barros Coelho era o filho mais velho de uma família de 7 irmãos. Aos

12 anos, depois que ficou órfão de pai, começou a trabalhar no comércio de sua tia

Arica Leal, permanecendo até os 16 anos, quando então conseguiu uma bolsa de estudos

para o Seminário na cidade de Teresina.

Celso Barros permaneceu no Seminário até 1945, quando então resolveu

não prosseguir mais como seminarista. Contava então, 23 anos. Dessa forma, começava

a conhecer a cidade, pois “enquanto estava no Seminário desconhecia a vida social e a

vida noturna de Teresina. Só depois de 1945 é que pude entrar em contato com a vida

cotidiana da cidade77

”, percebia uma urbe que pulsava nas praças, em especial, a Pedro

II, considerada a praça dos namorados, “ninguém que quiser conhecer o mundanismo da

cidade, olhar as moças ou conseguir uma namorada, não poderá deixar de vir a esta

praça78

”.

Como ainda não era oficializado o ensino do Seminário, e por ser de caráter

doutrinário e não ginasial, em 1946, Celso Barros refaz todo o curso através de um

exame de todas as matérias do currículo ginasial. As provas foram realizadas no Liceu

Piauiense. Aprovado, iniciava o curso Clássico no Colégio Diocesano. No mesmo

período que fora aluno do Colégio Diocesano também começava sua experiência no

magistério do Colégio Demóstenes Avelino.

A escola, ao separar meninos e meninas, produziu diferenças, distinções,

desigualdades, mecanismos de classificações, hierarquias79

. Ela também realçava as

diferenças sociais, pois, durante o período em estudo, ter acesso a escola era privilégio

de poucos, conforme nos confirmou Manoel Paulo Nunes,

O ensino no Liceu Piauiense constituía um excelente colégio, um dos

melhores da época, mas, para uma casta, algumas classes da

sociedade, o povo estava fora deste processo. Para a classe

desfavorecida, aqui, e em todo o país, havia a Escola Industrial,

77

COELHO, 2008. 78

DOBAL, 2007, p.16-8 79

Sobre esse aspecto da educação ver LOURO, Guacira Lopes. A construção escolar das diferenças. In:

___________. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 7. ed. Petrópolis,

2004. p. 57-87

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sucedâneo do antigo Liceu de Artes e Ofícios, criado no início do

século XX. Esta era de fato a escola destinada às classes pobres. Era

assim uma educação dicotômica, ou seja, uma educação para “os

nossos filhos”, elitista, e outra, popular, para os “filhos dos outros”80

.

A educação diferenciada destinada aos jovens constituía-se uma estratégia

católica, para garantir a binariedade entre os papéis sexuais rígidos na constituição da

família: o homem provedor da família ou o „cabeça‟ da mulher, e a mulher rainha do lar.

A preocupação do pai com o aprendizado das meninas não era o mesmo, se

comparado aos meninos, não havia o mesmo empenho em conceder auxílios financeiros

por parte do pai. Quando entrevistamos dona Iracema e indagamos sobre as diferenças

nos investimentos em educação que os pais concederam a ela, em relação aos seus

irmãos, esta afirmou:

Havia sim, diferença na educação; a dos meninos era muito liberal,

substancial, a das meninas, não! aprendiam no máximo a ler e

escrever, só estudavam o primário. Para se tornar professora, era o

máximo, estava realizada. Eu estudei durante toda minha infância

somente no Colégio das Irmãs, foi lá que eu aprendi as primeiras

letras. Há setenta anos, mais de meio século, mulher não estudava em

Teresina, eu não queria ser só professora não, eu queria ser advogada.

Meu pai embora um homem culto, adiantado e progressista, não quis

que eu estudasse no ginásio porque tinha homens. Ele dizia que não

proibia, mas proibia. Para você ver como era a atitude, então ele me

colocou no Colégio das Irmãs, para estudar o curso normal, e, me

tornar professora81

.

Ao analisarmos as trajetórias educacionais infantis, constatamos que as

mulheres se concentravam no ensino normal, este de caráter profissional, considerado o

modelo de educação feminina, assim como também era o paradigma „ideal‟ dos

investimentos familiares, percebidos nas trajetórias das entrevistadas. Ser professora

significava dar continuidade à idéia de natureza feminina, as meninas se tornavam

maternais e delicadas, o curso as preparava para a missão de se tornarem professora e

mãe.

Em síntese, a partir das trajetórias educacionais dos entrevistados, podemos

constatar diferenças e desigualdades de gênero, pois uma educação diferenciada

constituía estratégia católica, para afirmar a hierárquica nos papéis sexuais. Desse

modo, escola para as meninas deveriam funcionar como uma extensão de sua missão no

80

NUNES, 2008. 81

SILVA, 2008.

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lar através do cuidado com crianças, e também da casa, para isso nas escolas

confessionais contavam com as disciplinas de higiene ou puericultura para lhes ensinar

o que deveria saber uma rainha do lar. Eram ensinados, ainda, trabalhos manuais, com

agulhas, para aumentar mais o rol das prendas femininas. Enquanto isso, os homens

estavam presentes nos cursos científicos, de caráter propedêutico, com a preparação

para o vestibular, o que facilitava o acesso aos cursos superiores.

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4 A MOCIDADE1

Neste capítulo apresentaremos os lugares de sociabilidades que os jovens

freqüentavam, como, por exemplo, praças, cinemas, quermesses, o Clube dos Diários,

nos quais nasceram compromissos, que se configuraram em casamentos.

Problematizaremos as regras do namoro, a duração do noivado, as influências das

revistas Vida Doméstica, Revista do Rádio e Seleções do Reader’s Digest e do cinema

no comportamento dos jovens, percebidos também através das modas, dos produtos de

beleza e higiene pessoal consumidos. Focalizaremos também, os modelos socialmente

prescritos e culturalmente consumidos, seus valores dominantes prescritos, bem como

os usos plurais em relação ao corpo e sexualidade, especialmente o feminino.

4.1 Borboleteando ou a arte de flertar na PII (Praça Pedro II)

Grande parte da vida da cidade se passa nas praças, que desempenham

aqui um papel importante do que talvez em outro lugar [...] tornando-

se um centro de reunião obrigatória para quem participa da vida da

cidade, lugar onde se faz a crônica viva dos acontecimentos

cotidianos, ponto de encontros e discussões, comentários, mexericos.

A cidade tem muitas praças [...] das muitas, a cidade usa,

principalmente duas. Uma para uso diurno, outra para uso noturno. A

de uso diurno é a Praça Rio Branco, situada atrás da Igreja N. S. do

Amparo, [...] praça do comércio e dos cafés [...] praça noturna é a

Pedro II. Assim, tout court, sem o dom. É a praça dos namoricos, das

moças, das sorveterias2.

O flerte ou aproximação momentânea, na década de 1950, ocorria a partir

do olhar. Eram galanteios, gestos, que poderiam possibilitar um compromisso mais

sério aos namoros que freqüentemente iniciados nas praças, em especial, na Pedro II.

[...] foi na Praça Pedro II, onde se costumava rodar à espera do cinema

[que] saímos e nos pusemos a observar as garotas que iam passando à

nossa esquerda, em sentido contrário. Numa dessas vezes senti que

alguém me olhava; procurei descobrir quem era, mas a jovem fugiu e

não pude ver-lhe o rosto [...] a seguir fomos os três para um canto da

praça [...] Conceição procurou meus olhos com os seus, assustada de

um castanho vivo. Amanhã irá as barraquinhas? – Indagou. Disse-lhe

que sim [...] ao voltar para casa, indaguei de mim [...] por que não

1 Neste trabalho não usamos o termo juventude para designar, rapazes e moças, por se tratar de um nome

historicamente utilizado para demarcar os movimentos estudantis de 1960, portanto, uma invenção da

década de 60. Neste trabalho usaremos a palavra mocidade para designar a fase compreendida entre a

infância e a idade adulta. 2 DOBAL, p.16-8.

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resistia à sedução dessa garota. Que havia nela de extraordinário, além

da beleza3.

Mulheres com atitude assustavam os homens, possuíam o “it” que seduzia.

Para Álvaro Pacheco, eram as mulheres que “não se encabulam e tomavam as

iniciativas” intimidavam e conseqüentemente assustavam os homens na prática do flerte

na P. II, onde havia um passeio, formado por um círculo, no qual mulheres rodavam de

um lado e homens de outro.

Foto 15: Parte baixo da PII onde moças giravam de um lado e rapazes de outro

(Fonte: Arquivo Público)

[...] de um lado vão as mulheres [...] algumas ariscas, tímidas,

olhando o medo por entre os cílios, de cima para baixo, desconfiadas,

pudicas – preparando com tal santidade um bote quiçá

inevitavelmente - a perdição, certa de um nobre mancebo qualquer,

desprevenido e inocente. Outras, meio-termo, ora medrosas ora

afoitas, encarando temerariamente o inimigo numa volta, para na

outra [...] negacear a vista, disfarçar com a amiga do lado, fingir uma

conversa [...] e as últimas, as corajosas, as afoitas as que atacam os

homens diretamente, as que não se encabulam e tomam as iniciativas

abertamente, sorrindo com galhardia e a graça, investindo, forçando

os marmanjos a se intimidarem [...] é raro o homem que perto de

mulher atirada não fique logo tímido e encolhido.4.

O cronista Álvaro Pacheco denominava nossa Praça Pedro II de monumento

ao tédio, ponto de encontro de casais, início dos flertes, dos cinemas, das sorveterias,

enfim a diversão para a mocidade teresinense, sendo os dias mais freqüentados a quinta-

3 CARVALHO, 2003. p. 81-3.

4 PACHECO, Álvaro. A praça. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 26 de jan. de 1958. (grifo nosso)

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feira, o sábado e o domingo, nos quais as bandas de música da Polícia Militar ou do 25º

Batalhão de Caçadores tocavam das sete às nove da noite.

No círculo maior, o movimento começava mais cedo, mas a agitação

melhorava apenas às 19 h, momento no qual o passeio de dentro começa a se encher

com as mais society. Não havia moça sem namorado que ficasse em casa e nem moça

sem namorado que deixasse de ariscar conseguir quem sabe, um pretendente naquela

noite5. Os olhares, as conversas, enfim, os flertes estavam no máximo de animação. No

entanto, quando a corneta soava no quartel da Polícia, localizado em frente à Praça

Pedro II, anunciando que eram 21 h, parecia que um vento muito forte tinha passado na

praça, pois, de repente, os vestidos coloridos desapareciam6.

Os flertes ou as paqueras também ocorriam durante os desfiles do 7 de

Setembro, momento no qual se reuniam as principais escolas da cidade, e todos os

jovens se encontravam. No entanto, como a parada ocorria somente uma vez ao ano, as

memórias inventariadas foram unânimes em apontar a Praça Pedro II, como o palco

principal para paquerar que “naquela época era chamado flertar, um ficava olhando para

o outro, os olhos diziam tanto coisa, mesmo de longe, flertar era tão maravilhoso, logo

todos tinham boa visão, como era bom esse tempo7”. Dessa forma, era comum o

namoro iniciar, na Pedro II, através dos flertes. Os romances que nasceram na praça, em

muitos casos, resultaram em casamentos.

“O movimento começa às sete, às oito cresce com a gente que sai dos

cinemas e às nove, termina8”, pois às 21 horas a Usina Elétrica apitava informando que

a cidade ficaria às escuras. Reforçando o recado, o Quartel de Polícia, localizado em

frente à Praça Pedro II, tocava a corneta, era a hora da “onça beber água”. Em nome da

moral e dos bons costumes, era prudente que as moças retornassem as suas casas, visto

que a iluminação na cidade era precária, posto que, dos 208 logradouros, apenas 28

eram iluminados totalmente, e a partir das 21 horas, a Usina era desligada. A moral

sexual feminina era bem demarcada com horário rígido para chegar à casa dos pais.

Quanto aos rapazes, depois que deixavam suas namoradas em casa, desciam

à zona do meretrício da cidade, situada na Rua Paissandu9. As moças que resolvessem

5 PACHECO, Álvaro. A praça. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 26 de jan. de 1958.

6 IDEM

7 SILVA, 2008.

8 DOBAL, 2007, p.16-8

9Para saber mais ver a dissertação de SÁ FILHO, Bernardo Pereira de. Cartografia do prazer: boemia e

prostituição em Teresina (1930-1970). Dissertação, 2006, 161 f. (Programa do Mestrado em História da

Universidade Federal do Piauí).

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ficar na praça, depois de soado o apito do quartel, passavam a ser mal faladas, no

entanto, as mais atrevidas, ficavam até as dez, na sorveteria, afrontando as orientações

paternas10

.

Para conhecer a cidade dos jovens, era preciso respirar os ares da Praça

Pedro II e perceber detidamente detalhes de como sua arquitetura era apropriada pela

juventude. Na prática, eram duas praças, a de cima e a de baixo, que separavam ou

diferenciavam as jovens, na parte de cima ficavam as curicas, as empregadas

domésticas, as ditas mal faladas, na parte de baixo, as moças de família11

.

Foto 16: Parte de cima da PII (Fonte: Arquivo Público)

Na prática, as divisões não eram rigorosas, os grupos se interpenetram, mas,

em linhas gerais, são válidas, visto que contemplava os valores tradicionais da

sociedade teresinense, que polarizava nos discursos as representações sobre o feminino,

construindo identidades fixas que oscilavam entre ser moça de família ou ser mal

falada12

. O nosso objetivo é inventariar os conflitos, ir além do discurso dual que

almejava naturalizar as identidades femininas e desconstruir essa visão bipolarizada,

muito presente no imaginário da cidade, e mostrar como as vivências cotidianas do

feminino se mostravam muito mais complexas.

4.2 Para além de “Evas” e “Marias”: as práticas femininas em Teresina

I.

As Irmãs faziam restrições a determinados comportamentos, elas não

permitiam que andassem com os namorados, se tivesse com a farda

10

DOBAL, 2007, p.16-8 11

SILVA, 2008. 12

DOBAL, op.cit. p.16-8

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do Colégio Sagrado Coração de Jesus [...] eu ia mesmo só, e voltava

só, nunca fui acompanhada, principalmente porque eu tava de farda13

.

II.

Eu entrei no Colégio das Irmãs em 1935, era da turma do externato,

pois só assistia às aulas e voltava para casa, por volta das 13 horas. E

quando voltava para casa, às vezes encontrava o paquera, e ele me

acompanhava até próximo a minha casa, pois meus pais não podiam

saber. O primeiro carro que surgiu em Teresina foi desse meu

primeiro namorado, eu tinha 14 anos e ele 18 anos14

.

Os relatos anteriores são de ex-alunas do Colégio Sagrado Coração de Jesus,

popularmente conhecido por Colégio das Irmãs, escola tradicional na cidade de

Teresina, fundado em 1906, de caráter confessional católico. Nos anos cinqüenta do

século XX, funcionava em regime de externato, no qual, as alunas permaneciam na

escola somente no horário das aulas, ou seja, turno da manhã; semi-internato, as alunas

ficavam no colégio durante todo o dia, à noite voltavam para suas casas. No internato,

as alunas, além de assistirem às aulas, eram internas, moravam na escola.

A memória, enquanto fenômeno individual e social, é, ao mesmo tempo,

fonte e fenômeno histórico, constitui “reservatório rico em arquivos, documentos,

monumentos, que o historiador, emprega para produzir conhecimento histórico15

”.

Michel Pollak16

, ao analisar a memória a partir de sua relação com a identidade social

enfatiza o seu caráter fluido e plural e não de forma fixa ou essencialista, formato que

nos ajuda no trabalho com a memória dos atores sociais que foram chamados a intervir

nesta narrativa.

A identidade como fenômeno histórico é constituída, a partir da diferença17

,

nós nos reconhecemos naquilo que não somos, a partir do Outro. Dessa forma, o

discurso católico, ao prescrever a representação de Maria, enquanto modelo a ser

seguido, tinha, necessariamente, que dispor de um anti-modelo, que pudesse ser

reconhecido como oposto, daí porque adotou Eva como modelo negativo. Dessa forma,

a identidade feminina passou a ser representada pelo discurso católico como fixa,

portanto, polarizada entre Eva e Maria, que representavam dois modelos excludentes. 13

CASTELO BRANCO, 2008. 14

SILVA, 2008. 15

NASCIMENTO, Francisco Alcides do. O papel do historiador nos poemas “O Historiador” de

Drummond e “A um historiador” de Whitman. Teresina: APECH, UFPI, 1995. p. 12. 16

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, vol. 5, n.10, 1992. “memória é

um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva” p.205 17

Sobre essa afirmação ver HALL, Stuart. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.

Trad. e org. Tomaz Tadeu da Silva. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

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Stuart Hall nos alerta para o fato de que não existem identidades fixas,

essencialista, consideradas naturais, pelo contrário, por ser um fenômeno cultural e

histórico, uma mesma pessoa possui identidades em transformação, fluidas e plurais,

muitas vezes contraditórias18

. No entanto, determinadas instituições tentam constituí-

las, instituí-las, ou amarrá-las à fixidez, como na representação de Eva ou Maria.

O Colégio das Irmãs, de formação católica, ensino elitista e, exclusivamente

para moças de famílias abastadas da capital piauiense e cidades do interior do Piauí e

Maranhão, foi idealizado para formar religiosas e /ou esposas “verdadeiramente

cristãs19

”. Nesta escola havia uma associação religiosa exclusiva para as moças a Pia

União Filhas de Maria.

Dentre os apostolados da Igreja que destacam o culto à Virgem Maria, havia

a Pia União Filhas de Maria, que teve origem no século XII e ganhou força no Brasil em

fins do século XIX20

, quando chegou ao país o Manual de Orientações da Associação

Filhas de Maria, para que os bispos lessem, adotassem e divulgassem em suas dioceses,

como ocorreu em Pernambuco em 1886, pelo bispo diocesano Dom José Pereira da

Silva Barros.21

No Piauí, a Pia União Filhas de Maria iniciou suas atividades em 190922

, e

consistia numa associação religiosa, dirigida somente às jovens, para devoção à Maria

Santíssima. As associadas deveriam procurar ter comportamento que se enquadrasse

dentro de rígidos princípios morais e espirituais, conforme preceituado nas normas da

associação. Entre as prescrições, estavam: a prática cotidiana da fé católica, a

preservação da virgindade, a modéstia no comportamento, o que diferenciava, segundo

o discurso católico, uma moça “Filha de Maria” das outras, na sociedade.

Nas reuniões das Filhas de Maria era obrigatório o uso da farda completa,

composto por vestido branco com mangas longas, fita azul, uso do véu, medalha, e uso

de meias compridas, símbolos que identificavam uma “mortificação do corpo”. A

18

HALL, 2004. 19

MANUAL da Pia União Filhas de Maria. Organizado pela Federação das Filhas de Maria do Rio de

Janeiro. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1959. De acordo com o Manual os preceitos cristãos que a

legitimam com essa denominação são os seguintes: virtude, mesmo depois de casada, modéstia, piedade,

obediência aos pais ou qualquer outro superior, assim como “diligência no cumprimento dos deveres

domésticos” p.15 20

IBIDEM, p.12 Esse manual servia de modelo para normalizar todas as Pias Uniões existentes nas

paróquias. 21

SILVA, Maria de Fátima Santana da. A Pia União das Filhas de Maria da cidade de Goiana (1900-

1920). Recife: FASA, 2007 (Dissertação, 117 p., Universidade Católica de Pernambuco). p. 84-5.

22

Durante todo o ano de 1959 a imprensa católica destacou o Jubileu de Ouro da 1ª Turma (1909) da Pia

União Filhas de Maria do CSCJ (BODAS de ouro da Turma de 1909 da Pia União Filhas de Maria do

Colégio Sagrado Coração de Jesus. O Dominical, Teresina, p.2, 26 de jun. de 1959.)

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simbologia do vestido branco representava a “virtude” e, quanto à medalha, podemos

inferir que seria uma proteção de Santa Inês frente aos “perigos”, que pudessem chegar

para desvirtuar a Filha de Maria.

Foto 17: Acervo particular de dona Teresa Albuquerque Vilarinho Castelo Branco na Praça

Pedro II, aos 17 anos, vestida com a pesada e calorenta farda do Colégio das Irmãs

Na prática, o consumo dos bens culturais católicos, entre eles os ensinados

na Associação das Filhas de Maria se dava de forma heterogênea, mediante adaptações

da norma católica, que era, ao mesmo tempo, exercida e burlada. A forma como se dava

o consumo dos discursos católicos pode ser constatada, no trecho do depoimento de

Iracema Santos Rocha da Silva, que burlava os códigos disciplinares do colégio das

freiras, ao fazer uso da maquiagem:

Lembro-me da exigência das Freiras que não admitiam o uso de

batom e de esmaltes, pois, caso, chegasse à escola com isso, elas

ficavam na porta, tirando o esmalte das mãos com a tesoura, não podia

andar com os cabelos armados, penteados, de forma a chamar atenção,

pois, os cabelos, deviam estar presos ou feitos trança23

.

No ensino tradicional cristão do Colégio das Irmãs era prescrito que a moça

deveria ser contida, reservada, não assumir hábitos de vaidade que deixasse

transparecer a pretensão de ser bonita e desejada, através do uso de maquiagem, de

23

SILVA, 2008.

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unhas pintadas ou pela utilização dos cabelos soltos. O cabelo deveria estar preso ou sob

a forma de trança. Michelle Perrot, ao analisar o corpo feminino, conclui que os cabelos

são um símbolo de feminilidade e, que, no imaginário cristão, estão relacionados à

sedução. Por isso, as prescrições cristãs sempre procuram mantê-lo guardado por véus

ou presos, sendo soltos apenas em momentos íntimos em que a sedução poderia se fazer

presente 24

.

A vaidade, tão comum às adolescentes, era censurada para as Filhas de

Maria, como também a todas as alunas do Colégio Sagrado Coração de Jesus. O uso de

“pinturas no rosto” era proibido, no entanto, na prática, as alunas faziam uso de astúcias,

como nos informou dona Teresa Castelo Branco: “[...] quando as alunas saiam do

Colégio, tiravam uma bolsinha para se pintar, com batom ou pó25

”.

Dona Teresa, em consonância com as prescrições católicas, teve seu corpo

“fabricado, moldado”, com reflexos, até hoje, conforme seu relato, no que diz respeito à

sua forma de vestir:

[quanto] as roupas, a gente usava meias, saias longas, blusas

com mangas, e que eu me habituei até hoje, esse modo de

trajar, aprendi essa minha maneira de trajar, até hoje só uso

blusa com manguinha26

.

O pensamento cristão em relação à mulher tinha uma visão negativa, pois

esta era percebida como portadora de uma predisposição ou de inclinação natural para o

pecado, sobretudo o da vaidade, fazendo da mulher uma pessoa materialista27

. Portanto,

a mulher tem sido representada pelos católicos, como fraca, fútil e carente de

orientação masculina. Essa imagem negativa da mulher seria uma reprodução da

imagem de Eva.

Nesse sentido, a educação da mulher nos colégios católicos tinha padrões

excessivamente moralistas e conservadores. Administrados por freiras, esses

educandários enfatizavam a mortificação do corpo, no sentido de repressão sexual,

[...] Tomava banho com camisão e com a porta aberta. Se fosse um

banho coletivo tudo bem, mas, era um banho individual, tinha um

banheiro para cada aluna, e a porta ainda ficava aberta, a freira ficava

24

PERROT, Michelle. O corpo. In: _________. Minha história das mulheres. Tradução de Ângela M.S.

Carneiro. São Paulo: Contexto, 2007. p.57 25

CASTELO BRANCO, 2008. 26

IBIDEM. 27

AZZI, 1993, p. 113

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na porta vigiando, e ainda tinha uma bacia bem grande e quando

acabava de tomar banho, tirava o camisão e colocava na bacia e torcia,

isso era horrível28

.

A excessiva vigilância ao corpo é visível na fala acima. A preocupação com

a sexualidade feminina era intensificada, nos momentos do banho, a grande

preocupação era a descoberta do corpo, via masturbação, dessa forma, era para conter

tais impulsos possíveis, para que as internas não ocorressem com a prática ilícita. Era

prescrito que o banho fosse com um “camisão” e, não sendo, suficiente, era vigiado “a

porta [do banheiro] ficava aberta’’, com as Freiras fiscalizando todo o banho. Portanto,

era evidente o cuidado e vigilância com o asseio individual das internas.

Era notória a repressão sexual ao corpo feminino, havia uma valorização

da alma, através de uma educação religiosa e uma mortificação do corpo. A educação

sexual era tabu, conforme nos informou dona Marize Araújo,

Um dia aconteceu uma coisa horrível, a freira deu um murro na mesa,

porque uma menina um dia perguntou para a freira italiana: - Madre

Gavenere, o que significa capacidade de consentir? Ai a freira bateu a

mão na mesa, e disse: - “Por isso mesmo eu detesto ensinar higiene,

para perguntar uma dessas coisas” [...] a menina não sabia [que]

capacidade de consentir era a capacidade de ter relação sexual, então a

menina respondeu, “mas, madre eu perguntei por que não entendi”. A

madre, disse, eu detesto dar aula de higiene, eu não tolero uma

pergunta dessa, isso é um absurdo [...] a maior parte do colégio e lá da

sala mesmo as meninas não entendiam o que significava a capacidade

de consentir [...]29

.

Todas essas características de elevação da alma e mortificação do corpo,

que eram expressas na educação serviam de modelo para as moças de família da

sociedade brasileira. Durante o período do carnaval, já constituiria tradição na cidade, a

realização do Retiro Espiritual das Filhas de Maria, no Ginásio Coração de Jesus,

O Retiro do Colégio das Irmãs não foi, este ano, apenas em Retiro das

Filhas de Maria [...] a vasta capela daquele educandário naqueles três

dias repletos de Filhas de Maria, membros de outras associações

femininas e de grande número de outras jovens católicos [...] foi um

belo espetáculo [...] justamente quando centenas de outras jovens se

entregavam – degradando-se aos licenciosos prazeres do carnaval 30

.

28

ARAÚJO, Marize Marques Martins de. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de Oliveira.

Teresina, 22 de fevereiro de 2008. 29

IBIDEM, 2008. 30

O RETIRO das Filhas de Maria. O Dominical, Teresina, p. 4, 26 de fev. de 1950.

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Não só as Filhas de Maria deveriam ter um comportamento ajuizado ou

prudente, mas, sobretudo, todas as moças de famílias teresinenses, pois logo se

tornariam esposas e mães, tendo como paradigma a Virgem Maria. Era prescrito para as

moças de família seguirem o roteiro da eternidade, pois, quem “segue a Maria jamais se

desvia [no entanto, era preciso] fazer penitência e mortificação31

”.

O discurso católico também se voltava contra a leitura de obras

consideradas perigosas para a boa formação feminina. Alguns livros eram proibidos e

outros eram desaconselhados, sobretudo os romances, a exceção era feita àqueles de

caráter confessional, ou aos romances “água com açúcar”, como eram conhecidos os

romances de Madame Delly, ou da Biblioteca das Moças.

Os romances de M. Delly propiciaram o desenvolvimento da

sensibilidade e do imaginário românticos, experiências que se

caracterizaram como uma forma de educação. Assim, essa literatura

para aquela geração de leitoras, funcionou como uma forma de

socialização secundária, como um dos processos formais para

interiorização e/ ou reforço de normas, condutas, valores [...] em geral

apresentavam figuras de mulher rodeadas por flores, animais

domésticos, passarinhos, crianças [...] imagens que iam alimentando o

imaginário da leitora, educando sua sensibilidade com tais

representações ditas tradicionais32

.

Essa literatura educava e também seduzia, de modo que podemos inferir a

existência de dois tipos de leituras desses romances da Biblioteca das Moças, havia

aquela na qual as moças se percebiam nas descrições e normalizações, portanto,

seguiam os modelos das heroínas do romance, que casavam e se tornavam rainhas de

seus lares, viviam para o lar, para os filhos e maridos, a identidade feminina era restrita

ao recôndito do lar. Já outras moças poderiam fazer uma leitura ao contrário, e negar,

rejeitar o modelo proposto pelos romances da coleção M. Delly.

Boa parte da iniciação sexual feminina era feita pela literatura mais

romântica, a partir de romances amorosos não tão bobinhos, que tinham um poder muito

grande de sugestão, isso do ponto de vista do imaginário feminino. Podemos citar, por

exemplo, a sugestão que teriam os romances, a partir de seus títulos: Receio de amor, A

chave do segredo, Tentação irresistível, Sonho desfeito, O tesouro sagrado.

31

QUEM segue a Maria jamais se desvia. O Dominical, Teresina, p. 4, 29 de maio de 1949. 32

CUNHA, Maria Teresa Santos. Armadinhas da sedução: os romances M. Delly. Belo Horizonte:

Autêntica 1999. p.126

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Alguns romances eram classificados pelo discurso católico como levianos,

perigosos e impróprios para as jovens, pois possibilitavam o acesso a novas imagens

femininas ou realidades de cultura em geral, que possibilitavam as alunas reflexões “não

permitidas”, Dona Iracema Silva nos confirma tal colocação, enfatizando que essa

preocupação não era somente das freiras do Colégio das Irmãs, mas da sociedade, em

especial, pais e irmãos.

[...] uma vez eu estava lendo um livro chamado A carne de Júlio

Ribeiro, escondido, porque mulher só lia revista e livro água com

açúcar, eu peguei o livro na estante de meu irmão, coloquei-o atrás de

uma revista e lia o livro de Júlio Ribeiro. Meu irmão mais velho,

Antônio Santos Rocha me pegou lendo e gritou, disse que eu não

podia ler aquele livro, porque era o realismo puro. Mas, eu lia

escondida. Lia as coisas porque eu gostava de estudar33

.

Dona Iracema Silva, para conseguir driblar a vigilância em torno de suas

leituras, utilizava astúcias para ler romances proibidos, como o de Júlio Ribeiro. A

carne é um romance realista publicado, ainda no final do século XIX (1888), e que

ainda causava temor quanto ao acesso feminino em meados do século XX em Teresina,

por tratar de temas ligados à sexualidade feminina. No romance, o corpo feminino é

analisado sob o viés cientificista e a materialização do desejo feminino, o desejo da

carne, é tratado sem compromisso com a moral. O enredo apresenta o ser humano,

numa perspectiva realista e científica, diferente da prescrição católica, que preceituava a

mortificação do corpo feminino.

“Conservando sempre a nossa dignidade cristã [...] desta maneira teremos

assegurado a salvação da nossa alma34

”. Uma das estratégias do discurso católico, para

que as jovens conservassem sua pureza ou dignidade cristã até o casamento era a

prescrição de um prêmio, a salvação da alma. Há na crônica um ressentimento evidente

em alguns trechos, como: “hoje, infelizmente observamos na vida de tantas jovens que

em meio ao lodaçal do mundo, esquecem a sublimidade de sua vocação cristã35

”,

portanto, algumas práticas eram consideradas como desviantes, caso do sexo antes do

casamento.

Portanto, as representações femininas em Teresina na década de 1950 eram

múltiplas, assim como suas identidades, mas a Igreja, ao prescrever um comportamento

33

SILVA, 2008. (grifo nosso) 34

NOSSO dever. O Dominical, Teresina, p.3, 10 de set. de 1950. 35

IDEM.

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como modelo e outro como antimodelo, polarizava conteúdo e margem, fixando as

identidades como essencialista. No entanto, isso só era possível no discurso, pois, nas

práticas culturais, as identidades são fluidas e plurais. Dessa forma, as representações

femininas em Teresina na década de 1950, ultrapassavam a relação binária Maria versus

Eva, atravessavam múltiplas identidades, tais como: Marias, Evas, Teresas, Iracemas,

Genovefas, Marizes.

4.3 Os bailes dançantes: tertúlias

De acordo com a educação confessional, a moral das moças deveria se

espelhar no modelo da Virgem Maria, dessa forma, o comportamento da Filha de Maria

deveria expressar docilidade, resignação, ela constituía exemplo a ser seguida pelas

moças de família teresinenses. Deveriam ser assisadas, ou seja, ajuizadas, não irem a

bailes dançantes, que ocorriam com freqüência no Clube dos Diários, local de lazer da

classe abastada, como enfatizava a crônica veiculada na imprensa católica, “[...]

atualmente as danças (sic) são tão indecentes, tão lascivas que é impossível sair dos

bailes, sem que a pureza, a honra, a honestidade não sejam manchadas36

”.

Ao contrário da prescrição acima, era veiculado, na imprensa teresinense,

um guia que ensinava os jovens como dançar todos os ritmos embalados pelo cinema,

em especial, o norte-americano fox-trot.

Foto 18: COMO aprender a dançar. Jornal do Comércio, Teresina, p.3, 28 de dez. de 1952.

A influência do cinema e dos musicais dançantes, que tinham como

característica ritmos musicais e danças frenéticas, no qual a sensualidade e a euforia

provocavam nas pessoas uma vontade de viver intensamente, principalmente depois da

II Guerra Mundial, tal como ocorreu no período após a I Guerra Mundial. Nicolau

36

LEIA isto antes de dansar (sic). O Dominical, Teresina, p. 4, 13 de nov. de 1955.

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Sevcenko afirma que a Primeira Guerra Mundial deu impulso a danças com ritmos

frenéticos37

. No Brasil esse ritmo frenético fez nascer as chanchadas e companhias

teatrais, como a Marquise Branca.

E a Marquise Branca, carne bem brancas, ainda duras, com duas

garotas livres, vestidas de calcinhas, coxas e pedaços da barriga de

fora. As curiosidades bem escondidas, ainda. Esses espetáculos que o

puritanismo condenava, eram freqüentados só de homens, atraídos

pelas pequenas, meninas sexy, escandalosas para a época. Muitos

maridos ficavam privados caladões na rede cheirosa, sonhando de

olhos abertos com os mimosos repastos lascivos que a Marquise

Branca ofertava38

.

Nos relatos dos depoentes também aparecem informações que nos ajudam a

pensar e a entender o universo dos bailes freqüentados pela mocidade, na década de

1950.

Tinha Valsa, tinha Fox, era uma música americana, mas muito lenta

que a gente dançava, era muito boa para dançar, quando a gente se

excedia, dançava de rosto colado. Eram musicas de um ritmo muito

bom, depois surgia a rumba, tinha marchinhas também39

.

A mocidade se divertia nas festas dançantes ou tertúlias do Clube dos

Diários, em Teresina, ou no Floriano Clube, em Floriano, que funcionavam como

lugares de sociabilidades para a prática do flerte. Eram os clubes de elite, geralmente,

freqüentavam as festas solenes somente os sócios. Esses encontros geralmente,

ocorriam durante a semana, pois, nos finais de semana, ocorriam os vesperais e matinês

nos clubes, como também nos cinema, sendo então permitida a entrada de todas as

classes sociais, independente de serem sócias ou não, bastava que pagassem o ingresso.

Como as moças de família deveriam manter o recato, serem cordatas, o que

as diferenciava das moças mal faladas, era prescrito que estas não comparecessem a

todas as festas dançantes, visto que não seria prudente ao comportamento feminino,

conforme nos informou Celso Barros Coelho,

As moças procuravam ser recatadas era do próprio estilo da sociedade,

mas, havia as mal faladas, quando namoravam abertamente. Também

37

SEVCENKO, 2004. p.594. 38

TITO FILHO, 2002, p. 74 39

ARAÚJO, José, 2008.

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quando demoravam demais nas praças, ou seja, ficavam nas praças

depois das 21 h. Ou, quando eram freqüentes a todas as festas do

Clube dos Diários, também quando apareciam com namorados

diferentes, as moças que iam a todas as festas eram consideradas

namoradeiras40

.

As moças raramente andavam sozinhas, andavam sempre acompanhadas,

por amigas de mesma idade, ou pelos irmãos. Dona Iracema Silva nos revela que seu

pai permitia que ela fosse a todas as festas, desde que acompanhada pelo irmão Omar.

Não importava que fosse a todas as festas, o que importava era a vigilância, mais uma

vez dona Iracema Silva nos revela as pistas de táticas que utilizava, frente ao controle e

rigidez prescritos ao público feminino.

Dona Iracema Silva tinha dois irmãos mais velhos (Antônio e Omar), mas

preferia ir acompanhada pelo irmão Omar, pois, este a deixava à vontade com mais

liberdade. Como Omar não dançava, ao contrário da irmã, quando chegavam ao Clube

dos Diários se separavam, ficavam em mesas diferentes, se encontrando somente na

saída da festa, para voltarem juntos para casa, conforme nos informou,

Eu ia acompanhada de meu irmão Omar ou com amigas, meu pai

sempre deixava ir ao cinema, e também a todas as festas, mas, sempre

acompanhada do meu irmão Omar dos Santos Rocha, pois ele é seis

anos mais velho do que eu, mas, ele sempre me deixava à vontade,

quando eu chegava no cinema, ele não sentava do meu lado, ele me

deixava descontraída, porque, se eu não tivesse a liberdade de

conversar com alguém, não poderia namorar. Quando íamos ao

Clube dos Diários, como meu irmão não gostava de dançar, ele ficava

conversando com seus amigos, e, ele de longe só me observava.

Ficávamos em mesas diferentes, mas, quando voltávamos para casa

era sempre juntos, ele sempre foi muito compreensivo e amigo41

.

A moral prescrevia que as moças não deveriam andar desacompanhadas, os

pais deixavam suas filhas saírem mediante a extensão de sua vigilância, como os pais

não iam, nomeavam seus substitutos, os filhos (homens), estes seriam os olhos dos pais,

vigiariam e controlariam suas irmãs, passo a passo. As moças só poderiam sair

acompanhadas com os rapazes, mediante o compromisso formal com o casamento, ou

seja, a partir do noivado.

Nos bailes, os jovens dos anos dourados eram embalados pelos ritmos que

as orquestras ou conjuntos tocavam em geral, valsas, ou outras “músicas de ritmo

40

COELHO, 2008. 41

SILVA, 2008. (grifo nosso)

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lento”, havia todo um protocolo que os rapazes tinham que cumprir para “tirar” a moça

para dançar,

Ah, as festas lá em Floriano eram notáveis, porque tinha o Clube dos

Bancários, tinha os Bailes no Floriano Clube, as famílias cada uma na

sua mesa [...] o conjunto musical começava a tocar, a gente ia

cerimoniosamente tirar a moça para dançar, ai a gente dançava, em

determinado momento a orquestra parava, então batíamos palmas para

pedir bis, quando ela parava novamente a gente pedia tris, então a

música tocava três vezes. E quando a gente terminava de dançar, nós

levávamos cerimoniosamente a moça até a mesa onde ela estava

anteriormente sentada com a família, era tudo com o protocolo que

hoje não existe mais42

.

O Clube dos Diários significava para os teresinenses a vida social e afetiva,

assim como também local de diversão, boemia, amizades, encontros, desencontros.

Também funcionava como „caça marido‟, “estimulava o clube, por sua atividade, a

alcovitice no meio social”,

a mãe, de certo modo, fiel à tradição, educa sua filha para o

matrimônio. Observa, analisa e filtra o candidato à procura, na

linguagem vulgar, do partido melhor. Favorecia o Clube, em parte, o

seu trabalho; a razão pela qual acompanhavam as filhas aos Diários,

fosse ao réveillon, ao carnaval. E ninguém escapava o processo [...] a

luneta materna orientava a sua lente, em primeiro lugar, por que

fundamental, conforme a profissão, aos fiscais do consumo [fiscal de

renda federal]; em seguida, médicos, dentistas e funcionários do

Banco do Brasil [...] havia os magistrados, também os professores,

que não eram mal pagos [...] sob mira das mães, embora em grau

menor que os primeiros 43

Portanto, o Clube dos Diários era um dos locais de sociabilidades dos

teresinenses, especialmente, os jovens, favorecia às aproximações sociais e afetivas.

Segundo Pedro Ribeiro, era o lugar onde as coisas aconteciam e por sinal de tudo,

“tirante, velório e homicídio, tudo acontece nesta casa: colação de grau, batismo,

casamento, espiritismo... 44

”.

42

ARAUJO, José, 2008. 43

RIBEIRO, Pedro S. Club dos Diários. Teresina: Halley, 2003. p.86-7 44

IBIDEM, p.88.

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4.4 As influências dos meios de comunicação no comportamento dos jovens: os cinemas

e as revistas

O cinema na década de 1950, especialmente, o de Hollywood criou e

difundiu padrões de beleza, modas e comportamentos. Ir ao cinema, com certa

freqüência, vestindo a melhor roupa, tornou-se uma prática obrigatória para quem

queria garantir a condição de moderno e manter o reconhecimento social45

.

Os astros do star system despertavam nos telespectadores a vontade de se

assemelharem a eles, dessa forma, o que os atores e atrizes de Hollywood vestiam,

consumiam como roupas, cortes de cabelos, trejeitos, falas e até mesmo produtos:

xampus, bases, ruge, rímel, sombras, batons, tinturas, cílios, logo viravam produtos

consumidos e cobiçados pelo público46

.

Com a explosão publicitária dava-se início a uma sociedade baseada no

consumo, os cuidados com a saúde e a beleza passam a fazer parte central na campanha

publicitária, “em 1951, uma pesquisa da revista Elle provocou um pequeno escândalo,

ao revelar que 25% das mulheres entrevistadas nunca escovavam os dentes. E 39%

faziam uma higiene mensal47

”.

No período em estudo o consumo de produtos de beleza ganha campanhas

publicitárias que procuravam convencer as mulheres de que elas poderiam consumir

produtos de beleza, se tornarem mais sedutoras e em nada diminuir a integridade moral

feminina.

Foto 19: Revista Vida Doméstica, n.º 341, p. 74, ago. de 1946.

45

SEVCENKO, 2004, p.599 46

IBIDEM, p.602. 47

PROUST, Antoine. A família e o individuo. In: __________; VICENT, Gérard. História da Vida

Privada 5: da Primeira Guerra a nossos dias. Tradução Denise Bottman, São Paulo: Companhia das

Letras, 1992. p. 98

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O cuidado com a cútis, com o corpo, não era privilégio apenas feminino, os

homens também cuidavam da sua aparência, para agradar as conquistas, conseguir um

emprego, mais uma vez, o cinema teve papel fundamental. Segundo Nicolau Sevcenko,

o cinema de Hollywood provocou um impacto tão profundo, mudou comportamentos,

padrões de beleza, de consumo provocando mudanças, possivelmente, nunca antes

experimentadas pela humanidade48

. Os produtos indispensáveis da toalete masculina,

passavam a ser: barbeador, sabonete, talco, creme para a barba, loção facial, loção,

brilhantina e loção fixadora. A “aparência atrai”, a publicidade proclamava que os

homens bem barbeados, além de conquistar a pretendente, também ajudava em uma

entrevista de emprego.

Foto 20: Seleções do Reader’s Digest, nº 148, p.205, maio de 1954. Foto 21: Jornal do Comércio, Teresina, p.3,

17 de set. de 1950.

O cinema e as revistas tornavam-se meios que promoviam novos hábitos de

consumo e de estilos de vida, identificados como comportamentos modernos,

especialmente associados ao american way of life.

As publicidades veiculadas nos jornais, nas revistas e no rádio despertavam

sonhos, desejos, novas imagens de homens e mulheres, com seus novos hábitos de

consumo recheados de novos valores. A publicidade tem um poder muito especial, o da

48

SEVCENKO, 2004, p.602

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sugestão. No início do século XX, ela estava voltada ao espaço público, e sem recorrer a

imagens, a publicidade dizia mais e sugeria menos. Até que ela descobre o universo

privado e passava a modelar o seu cotidiano.

A imprensa do começo do século era inteiramente voltada para vida

pública. Podia tratar-se de política [...] mas, nunca de questões

privadas [...] se abstinha de abordar temas pessoais. A publicidade

ocupava pouco espaço: quando existia, reduzia-se a textos ou slogans

[...] o universo da vida privada [...] é invadido de todos os lados por

uma publicidade que junto com os objetos de consumo, veiculavam

um novo modo de vida e talvez uma ética. A publicidade, de fato,

contribuiu muito para o esboroamento de antigas regras da vida

privada. Sendo destinada por definição a propor novidades, ela

precisava eliminar as resistências [...] de maneira branda e discreta a

publicidade modela a vida cotidiana49

.

Como a publicidade tinha o propósito de propor novidades, era preciso

eliminar os focos de resistências, e a arma utilizada era desqualificar os costumes

tradicionais, através da insistente divulgação da qualidade dos novos produtos

oferecidos aos consumidores e da superioridade da eficácia destes, quando comparados

com as técnicas e produtos tradicionais. Termos, como “isso não se faz mais” ou “é

coisa velha”, do tempo da vovó se repetiam nos meios de comunicação.

Nos filmes norte-americanos as moças eram representadas com ares de

garotas modernas. Diante desse impacto causado pelas modernas tecnologias, momento

no qual “esses veículos de comunicação social tornaram-se grande difusores de um

relacionamento sexual mais íntimo, um exemplo significativo foram os abraços e beijos

encenados pelos astros do cinema50

”. Diante dessa questão, prenhe de possibilidades,

em Teresina da década de 1950 a Igreja utilizou-se de inúmeras estratégias de ação no

sentido de “conter” o avanço “deletério” dessas tecnologias, aproximando os jovens de

suas doutrinas, através dos uemeceistas.

A União dos Moços Católicos de Teresina (UMC) era uma associação de

leigos, pertencente ao movimento leigo da Ação Católica Brasileira, as suas reuniões

ocorriam no Centro Cultural Católico, que ficava localizado à Rua Teodoro Pacheco, em

um prédio da Diocese. Celso Barros Coelho que foi presidente desta associação

benemérita masculina, no ano de 1953, nos explicou qual era a função da UMC na

sociedade teresinense,

49

PROUST, 1992, p.146-8 50

AZZI, 1993, p.102

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[...] era uma associação que congregava pessoas ligadas à Igreja,

muito apegada ao estudo religioso, muitas vezes com pouca abertura

ideológica. Nós tínhamos muitas festas, peças teatrais, apresentação

de cantores, de jovens, quando havia na cidade grupos musicais que

fossem de caráter católico, nós convidávamos para irem até o Centro

Cultural, participar desses movimentos51

.

A UMC organizava festivais de teatro ou festas de caráter religioso para

aproximar jovens teresinenses do universo católico. Uma das campanhas encabeçadas

pela União dos Moços Católicos foi a iniciativa em prol do cinema católico, a campanha

solicitava a ajuda de toda sociedade teresinense, em especial aos jovens, “[...] sentindo a

necessidade de falar, pediu Nicanor Barreto a palavra em ligeiros traços e incentivou os

jovens a lutarem mais denodamente na campanha pró-cinema católico de Teresina52

”.

A idéia da construção de um cinema católico era uma estratégia eclesiástica

de aproximar os jovens da religião católica. Para que essa estratégia se concretizasse, a

campanha pró-cinema precisaria do apoio dos próprios jovens e das famílias católicas

para colaborarem na divulgação e apoio para a instalação do cinema católico, para

exibição de filmes moralizantes53

, este não teria apenas a forma de divertimento, mas

seria uma poderosa estratégia de instrução juvenil no âmbito cristão, proporcionando

divertimento sadio e educativo.

A Igreja Católica, percebendo o poder do cinema, resolveu adotá-lo como

instrumento de conversão de fiéis, desde que este meio de comunicação fosse prescrito,

tanto que, no ano de 1936, foi exortado na Encíclica Vigilante Cura, escrita pelo Papa

Pio XI, conforme abaixo:

[...] é indiscutível que, entre estes divertimentos, o cinema adquiriu,

nos tempos modernos, uma importância máxima [...] o cinema se

tornou a forma mais popular de recreação, não só para os ricos, mas

para todas as classes da sociedade [...] é uma das supremas

necessidades do nosso tempo fiscalizar e trabalhar com afinco para

que o cinema não seja uma escola de corrupção, mas se transforma em

um precioso instrumento de educação e elevação moral54

.

Na segunda metade do século XX, a Ação Católica Brasileira, a partir de

51

COELHO, 2008. 52

A UMC em marcha: cinema católico. O Dominical, Teresina, p.4, 05 de abr. de 1950. 53

UM CINEMA católico. O Dominical, Teresina, p, 4, 16 de jul. de 1950. 54

PIO XI. Vigilante Cura. Sobre cinema. Roma, 1936. Disponível em:

<http://www.vatican.net/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_29061936_vigilanti-

cura_po.html> Acesso em: 08 de fev. de 2008.

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seu Departamento Nacional de Cinema e Teatro, iniciou o movimento de

Legião da Decência, com o intuito de favorecer o entendimento da

indústria cinematográfica, de que o público brasileiro pode lhe proporcionar rendas

compensadoras sem que eles necessitem lançar mãos de recursos indignos e

condenáveis à moral55

.

A imprensa teresinense da conta de que, no ano de 1950 foi instalada a

Legião da Decência no Piauí - a partir da UMC, passo que significou o início da

instalação do cinema católico de Teresina. O objetivo da Legião da Decência era fazer

uma censura aos filmes exibidos na cidade. Sua atuação ganhou força a partir da

publicação da encíclica Vigilante Cura, em 1937. Dessa forma, a Legião da Decência, a

partir do Departamento Nacional de Cinema e Teatro da Ação Católica Brasileira,

estabeleceu o sistema de classificação moral dos filmes no Brasil. No período em

estudo, eram publicados na imprensa católica a lista de filmes proibidos, considerados

impróprios à mocidade,

Está em cartaz, no Teatro 4 de Setembro, desta capital, um filme

(Carnaval no Fogo) que, por lisonjear de propósito as “baixas paixões

do público”, foi condenado pela Comissão Julgadora do Departamento

Nacional de Cinema e Teatro da Ação Católica Brasileira, conforme o

seu boletim n.º 171 [...] chamamos a atenção dos Snrs. (sic) pais de

família para a grande responsabilidade, que têm no tocante à

vigilância sobre seus subalternos56

!

O filme Carnaval no Fogo foi uma produção nacional, estreado em 1949 no

Rio de Janeiro, tendo como atriz principal Elvira Cozzolino, pseudônimo Elvira Pagã,

que foi compositora, cantora e vedete dos Teatros de Revista na década de 1950. Elvira

Pagã foi Rainha do Carnaval no Rio de Janeiro por diversas vezes. Costuma-se atrelar a

sua imagem o início do erotismo nos bailes carnavalesco em clubes, tornando-se

símbolo sexual, por ser adepta da prática do nudismo, enquanto arte. Usava seu corpo

como lhe convinha e não como era prescrito socialmente, e isso, era considerado

escândalo para a época, razão pela qual a Igreja Católica empenhou-se em impedir que a

artista fizesse seu show nas comemorações do Centenário de Teresina57

.

Em 1952, foi inaugurado, em Teresina, o cinema católico, denominado Cine

São Tarcísio. Com a sessão das 21 horas, deu-se início à realização da segunda parte da

55

DEPARTAMENTO Nacional de Cinema e Teatro da Ação Católica Brasileira. O Dominical, Teresina,

p.4, 31 de jul. de 1949. 56

UM FILME condenado. O Dominical, Teresina, p.1, 25 de jun. de 1950. 57

Já analisado no primeiro capítulo.

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programação de inauguração do cinema58

da UMC, cine São Tarcísio, com a

apresentação do filme Rosa da América, o qual, narrava a vida de Santa Rosa de Lima.

A sala de projeção cinematográfica funcionava no salão do Centro Cultural Católico.

A proposta da Igreja era propiciar ao público filmes que tivessem uma

mensagem cristã, e assim fazendo com que o cinema, percebido até então como “escola

de perversão” moderna, caracterizada por uma linguagem sensual, que provocaria,

segundo os católicos, mudanças deletérias sobre a moral e os bons costumes. O cinema

se transformava em estratégia de ação dos católicos, no sentido de re-cristianizar a

sociedade.

Sobre a influência do cinema nas sociabilidades e namoros juvenis, há dois

depoimentos significativos, de jovens que experienciaram a adolescências em Teresina,

o primeiro na década de 1930, e a segunda na década de 1940, respectivamente, Sr. José

de Arimathéa Tito Filho e Dona Iracema Santos Rocha da Silva,

O primeiro relato de Arimatéia Tito Filho nos dá conta das iniciações

sexuais, das possíveis bulinações entre corpos no escurinho do cinema: “foi no 4 de

Setembro que um morenão bonito, de cabelos negros, seios empinados, sem sutiã, me

iniciou nas práticas amorosas de bolinações de virgens59

”. O relato de Iracema Santos

Rocha da Silva nos dá conta de práticas femininas e do uso do espaço do cinema como

lugar de encontros com os namorados:

O namoro era o seguinte, as garotas iam com as amigas ou com o

irmão, entravam para o cinema e deixavam um lugar para o

namorado. Eu ia acompanhada de meu irmão Omar ou com amigas,

meu pai sempre deixava ir ao cinema [...] meu irmão sempre me

deixava à vontade, quando eu chegava ao cinema, ele não sentava do

meu lado, ele me deixava descontraída, porque, se eu não tivesse a

liberdade de conversar com alguém, não poderia namorar60

.

Dona Iracema Silva „cumpria‟ as exigências da sociedade, em não sair

desacompanhada, para os locais de lazer estava sempre acompanhada pelo irmão Omar

Santos Rocha ou na companhia das amigas. Usufruía de uma vigilância com ares de

“liberdade”, possibilitada pela compreensão do irmão, o que não ocorria quando estava

na companhia do outro irmão, também mais velho, Antônio Santos Rocha.

O modo de vida norte-americano seduzia cada vez mais os jovens 58

INAUGURAÇÃO do cinema católico. O Dominical, Teresina, p.1, 27 de jan. de 1952. 59

TITO FILHO, José de Arimathéa. Praça Aquidabã sem número. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. p.19 60

SILVA, 2008. (grifo nosso)

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teresinenses, pois as telas de cinemas convidavam a novos e diferentes padrões de

comportamentos, os filmes americanos seduziram brasileiros e alguns destes

aprenderam a beijar vendo Humphrey Bogart e Lauren Bacall61

. Os filmes deixavam

evidentes novos comportamentos, “ainda hoje eu me lembro dos atores de minha

mocidade, como Humphrey Bogart, Elizabeth Taylor, James Fonda, atores e atrizes que

deixavam marcas na minha mocidade62

”.

Segundo a Igreja Católica, os efeitos “miríficos das tentações do progresso”,

como o cinema, eram ainda mais nocivos ao público feminino, no tocante à manutenção

de sua honra, para não se tornar moça falada. Assim como também o cinema enfeitiçava

por ter uma linguagem que seduzia e levava a fantasia ao imaginário feminino, o que

poderia possibilitar às moças questionamentos sobre o seu lugar na sociedade, ao

vislumbrarem novos papéis na sociedade, então vividos ou representados pelas atrizes

nos filmes.

O cinema [...] se converteu, por causa da malícia humana, em

instrumento de perversão moderna dos mais nocivos, especialmente

para a juventude [...] o cinema excita de maneira enfermiça a

imaginação exaltada das mulheres, embotando-lhes a inteligência,

atrofiando-a, anula a vontade, criando um tipo de mulher inútil,

irritável e histérica [...] desperta prematuramente nos corações dos

rapazes e donzelas o fogo das paixões63

[...]

O cinema incitava novos comportamentos, um exemplo, as apropriações na

moda e, posteriormente, nas atitudes. Dona Iracema Silva nos conta que, depois de

assistir à “fita” Princesa da Selva, versão feminina do Tarzan, no qual a atriz Dorothy

Lamour usou uma flor no cabelo, Dona Iracema adotou o mesmo adorno que a atriz,

que “caminhava pela selva e usava uma flor nos longos cabelos, então como eu também

tinha os cabelos compridos usava uma flor natural também no cabelo64

”. O filme foi

lançado nos Estados Unidos em 1936, chegou em Teresina na década de 1940.

Não foi somente a flor no cabelo que a atriz Doroty Lamour usou e fez

moda, mas também o vestido que a atriz usava, um sarongue desenhado pela estilista

Edith Head, vestido solto e bem decotado, no formato do busto, foi copiado no mundo

inteiro, conforme foto a seguir.

61

DEL PRIORE, Mary. Da modinha a revolução sexual. In: ___________. História do amor no Brasil.

2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p.283 62

ARAÚJO, José, 2008. 63

O MAU cinema, escola de perversão da mocidade. O Dominical, Teresina, p.3, 20 de mar. de 1955. 64

SILVA, 2008.

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Foto 22: Dorothy Lamour no papel de princesa da selva no filme The Jungle Princess –

Princesa das selvas 1936), uma história sobre Tarzan65

.

A moda era outro filão que acompanhou o cinema e fez a cabeça e os corpos

de homens e mulheres, podemos confirmar isso, nos anúncios e nas matérias das

revistas, divulgados no período. A moda começava a se democratizar, a calça começava

a deixar de ter um sexo correspondente, passava a ser unissex. “A evolução das roupas

traduz a diluição dos papéis e das posições sociais66

”, tornando o masculino e o

feminino iguais. Essa mudança nos trajes afetava alguns setores tradicionais da

sociedade, que não concordavam com tais mudanças, assim como também essa moda

chegava a assustar os homens “se a mulher passa a fazer o papel dos homens, quem vai

fazer o papel das mulheres?”

Uma das manifestações visíveis da inversão de valores que vai da

dominando todas as camadas sociais é a facilidade com que mulheres

passaram a vestir-se com trajes masculinos [...] a mulher que veste

calças compridas e se apresenta com roupas usadas até agora pelos

homens estão dando uma triste demonstração de debilidade mental.

[...] a personalidade da mulher está justamente na sua feminilidade [...]

de acordo com as finalidades que a natureza lhe atribuiu [...] no dia em

que a mulher que copiar os homens nesse dia a humanidade começa a

decair. Porque se a mulher passa a fazer o papel dos homens, quem

vai fazer o papel das mulheres67

?

65

Sobre cinemas nos anos dourados consultar.

<http://rcmendonca.spaces.live.com/category/CINEMA/feed.rss>. Acesso em: 28 de jul. de 2008. 66

PROUST, 1992, p.138 67

MULHER vestida de homem. O Dominical, Teresina, p. 3, 21 de nov. de 1948.

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Para o discurso católico essa reformulação no vestuário não deixava de ser

considerado como moda “imoral”, pois, para tal discurso, o vestuário servia apenas para

cobrir o corpo, mas, no período em estudo, as vestimentas “estava[m] realçando os

encantos, esses tecidos transparentes, sem uma combinação conveniente, a exclusão das

mangas, blusas excessivamente justas que delineiam a forma do corpo68

”, a moda que

passava a mostrar os braços nus, com blusas justas e até pernas à mostra, com o uso de

short. Segundo aquelas prescrições, essas roupas eram indecentes, o que fazia com que

a moda passasse a se anatematizar: “que os indecorosos trajes continuem como traço

caracterizador das mulheres de reputação duvidosa e sinal que as dê a conhecer69

”.

Foto 23: Folha da Manhã, Teresina, p.4, 16 de fev. de 1958. Foto 24: Folha da Manhã, Teresina, p. 5,

19 de jan. de 1958

Em síntese, era muito perceptível a influência dos modernos meios de

comunicação, incidindo na modificação de hábitos e comportamento, desde o modo de

se vestir, de se portar, da aproximação entre os jovens, no consumo de produtos e

valores considerados modernos.

68

MODAS imorais. O Dominical, Teresina, p.3, 09 de dez. de 1956. 69

A RESPONSABILIDADE moral da mulher cristã. O Dominical, Teresina, p.2, 04 de dez. de 1955.

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4.5 Os namoros: de olhos e de bolinação

Existiam algumas regras ou cuidados a serem seguidos, como a prática da

conquista, moça de família deve “impor respeito”! Em todas as memórias

inventariadas, tanto masculinas quanto femininas essa expressão foi unânime,

O namoro, ah! era com muito respeito, a gente se abraçava e se

beijava, pegava na mão, mas nada de perder a virgindade, por dinheiro

nenhum do mundo [...] então a gente quando namorava o rapaz, a

gente já tinha o ímpeto de abraçar e beijar [no entanto] a gente tinha

paciência, não precisava antecipar o tempo. Então por ali tinha muita

rapariga, então os namorados como não podiam expandir o seu sexo

com as namoradas, iam para os cabarés70

.

Além das meninas “manterem” e “imporem” respeito, os próprios

namorados e noivos contribuíam com essa regra no namoro, de não expandirem sua

sexualidade com a namorada ou noiva. O namoro era um preparatório para o

compromisso formal do noivado, antes do casamento, portanto, o rapaz ideal deveria ter

características como honestidade, bom caráter, ser respeitador, “M., meu marido nunca

me propôs nada. Eu namorei 2 anos e noivei 2 anos, então era um namoro de

respeito71

”.

O homem, para ser considerado um bom partido, deveria além das

características já citadas ser principalmente, trabalhador, pois deveria ganhar o

suficiente para manter a família, sem que houvesse a necessidade da esposa contribuir,

trabalhando fora de casa, isso poderia ser motivo de desonra masculina, visto que

trabalho era percebido como caracterizador da masculinidade.

Um dos tipos de namoro, o flerte começava com um simples e arrebatador

olhar na Pedro II, sendo que as atitudes na conquista cabiam aos homens,

Como as mulheres buscam as delícias do flerte e do namoro, as que

ainda não casaram. Admitem a inteligência masculina, os gestos de

delicadeza, o desprendimento [...] é uma das características de nossas

meninas: começam a revelar o amor [...] com o olhar, com a

linguagem dos olhos [...] como os olhos dizem tudo [...] a teresinense

tem olhos de querer e não-querer72

.

70

V.G.F.N, 2007. 71

IDEM. 72

TITO FILHO, 2002, p. 56-7

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Havia outra categoria de namoro, o que ocorria no escurinho do cinema:

namoro de bolinação, “de 1938 em diante, vi com olhos que a terra há de comer

bolinação em cinema. Pares agarradinhos. Mãos em permanente atividade. Gente

alta73

”. Havia também o namoro por correspondência, através de cartas, os enamorados

se declaravam, marcavam encontros, conforme descrição a seguir,

[Tia Julinha (professora do Grupo Escolar da cidade) diz para seu

sobrinho Ulisses]: - Você quer ir ali pra mim? – Perguntou-me [...]

alguns minutos depois, encontrei-a na varanda, escrevendo um bilhete

[...] leva a este endereço – disse-me passando a cartinha [...] como o

namorado de Tia Julinha costumava ir à feira, não me foi difícil

encontrá-lo aí. Segurei-lhe a aba do paletó e o conduzi a um lugar de

pouco movimento: - Para o senhor – disse, passando-lhe o bilhete, o

doutor João da Mata sorriu-me: - A resposta! Exclamou, sem grande

interesse. Ela mandou algum recado? Eu não anuindo, franziu o

cenho. A fisionomia, no entanto, logo se abrandou numa expressão de

riso. Ele ainda não levava o namoro a sério74

.

Na imprensa católica, eram veiculadas crônicas direcionadas as moças, na

coluna Página Feminina, o cronista tecia comentários a respeito da seguinte indagação,

“é pecado namorar?”,

[...] se por namoro se entende aquela troca de afetos, aquela respeitosa

intimidade entre os candidatos ao casamento, a fim de que melhor se

entendam e se conheçam [...] e se preparem para o matrimônio, isto

não é pecado [...] estas leviandades de toda hora que aí vemos por ruas

e praças, casaizinhos em arrulhos, pelos becos escuros em altas horas

da noite, [...] por aí afora, isto é amor? Nunca! É desprestígio e o

desrespeito da mulher [...]75

As festas religiosas, na cidade de Teresina, eram esperadas, o ano todo, as

quermesses do mês de agosto na Praça Rio Branco, ocasião dos festejos de Nossa

Senhora do Amparo, padroeira da cidade. Eram sempre patrocinadas por grupos

profissionais e classes sociais, como militares, operários, comerciantes, bancários,

farmacêuticos, engenheiros, estes paraninfava nessas ocasiões religiosas os rapazes e

moças, os quais aproveitavam para troca de “bilhetinhos” ou telegramas.

Antes que Conceição chegasse às barraquinhas, eu já me encontrava à

porta da Igreja, ouvindo a benção. Depois deste o povo saiu para o

73

TITO FILHO, 2002, p. 26 74

CARVALHO, 2003. p.18-20 75

BRANDÃO, Mons. Ascânio. É pecado namorar? O Dominical, Teresina, p.3, 19 de nov. de 1950.

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95

adro, buscando mesas às pressas [...] do poste um alto-falante se pôs a

irradiar música – pobres canções de amor76

.

Até mesmo nas festividades religiosas, nasciam também vários

compromissos como o de Dona Iracema Silva e do senhor José Maranhão, este enviava

“telegramas” se declarando durante as quermesses do Amparo. Uma das regras do

namoro era deixar transparecer que a iniciativa da conquista partira do rapaz, e não da

moça, entre um namorado e outro. Contudo não é o caso da Dona Iracema, ela teve a

opção de escolher entre o atual namorado e novo pretendente, que enviava telegramas

durante as quermesses.

Com meu marido, nós não tivemos namoro, pois foi tudo muito

rápido, eu ia sempre para a Igreja de Nossa Senhora do Amparo,

durante a noite no período das quermesses. Nas quermesses, comecei

a receber alguns telegramas, naquela época o rapaz fazia o bilhete e

pedia para alguém entregar para a moça que ele queria namorar. Nesse

período eu tinha sido Rainha dos Estudantes, em 1947, e nos

telegramas, ele, meu marido, dizia que eu seria a eterna rainha dos

estudantes dele, se declarando para mim, e eu não sabia quem era,

pois no período eu namorava outra pessoa. [José Maranhão]

telefonava lá para casa, e dizia: “te vi hoje sorrindo, jogando os

cabelos, conversando com tuas amigas, no relógio da Praça Rio

Branco” foi dessa forma, que ocorreu meu namoro com meu futuro

marido, e um dia ele me ligou e pelo telefone perguntou: “se eu queria

casar com ele?”. Eu disse que queria, mas, antes preciso te conhecer.

Nós marcamos para nos encontrarmos na Igreja da Praça Saraiva, a

matriz, Igreja Nossa Senhora das Dores, isso foi em 13 de abril de

1947. Eu o vi neste dia, e neste mesmo dia, ele disse que à noite iria

me pedir em casamento ao meu pai77

.

O amor romântico ou juras de amor eram expressas nos galanteios de

conquista, sejam escritos, lidos, sob a forma de telegramas ou cartas, frases bem

colocadas, cada palavra expressava um sentimento. Um telefonema, com palavras

detidamente escolhidas e uma frase desejada, poderia mudar a vida dessas duas pessoas

que nunca havia se encontrado pessoalmente.

4.6 Noivado: relâmpago

O noivado não deveria demorar muito, visto que este último requeria

cuidados maiores e especiais, pois era percebido como “uma época perigosíssima”, era

preciso maior vigilância sobre os noivos, incitando-lhes que o melhor a fazer nessa

76

CARVALHO, 2003, p.84 77

SILVA, 2008.

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época, era se afastar, dos momentos perigosos e tentadores, dessa, forma, os noivos

eram alvo de prescrições diretas e objetivas, como a seguir,

Aos noivos: é preciso passar honestamente o tempo do noivado. É

uma época perigosíssima [...] quando moças trazem, no dia do

casamento, debaixo do véu branco, símbolo da pureza, um coração

culpado, um corpo maculado. Quanto mais ofenderem a Deus antes do

casamento, mais serão infelizes. Que os noivos evitem tudo quanto

pode ofender a Deus, a entrevistas em horas e lugares indébitos, as

liberdades. Procuraram na oração e na freqüência dos sacramentos a

força para vencer as inúmeras tentações que o noivado pode ser

ocasionar78

.

Época perigosa, pois muitos rapazes solicitavam de suas namoradas uma

prova de amor, e vez por outra, apareciam moças grávidas, como nos confirmou dona

Iracema Silva, “[...] às vezes apareciam moças grávidas, algumas casavam outras iam

embora79

”, a sociedade que polarizava a moça entre Eva e Maria recomendava

precaução às moças ao lidar com as tentações que o noivado causava.

Tive tentações pecaminosas, e quantas, meu Deus, mas, algo com

força total me levavam ao raciocínio, me afastava do pecado mortal.

Comecei a namorar cedo. Aos doze anos conheci Eustórgio, um rapaz

filho de um judeu. Era bonito, discreto e bem educado [logo depois]

passei a achar os rapazinhos da minha idade afoitos [...] os homens de

idade eram meus preferidos80

.

A dupla moral sexual da década de 1950 era rígida, as mulheres eram

separadas pelos olhares masculinos em “mulher para casar” e “mulher para brincar”, o

homem era o provador, de senso prático e as mulheres „deveriam‟ pensar duas vezes,

mesmo com a „tentadora‟ e „provocante‟ prova de amor que o noivo ou o namorado

solicitavam às moças, “crivadas de tantas dúvidas, essas mulheres às vezes pareciam

querer atirar tudo para o alto”81

.

Maria Pompeu tinha 20 anos. Já era atriz conhecida. Sentiu o drama

de ser mulher antes de Leila Diniz: - Em 58 perdi a virgindade com

um rapaz que já estava noiva há dois anos – lembra. – Eu pretendia

me casar com ele, que era muito carinhoso e todo dia ia me pegar na

Maison de France, onde eu estudava Francês e fazia minhas peças.

Depois que perdi a virgindade o sujeito não quis mais saber de

casamento. Foi uma tragédia em cinco atos. Como eu ia casar se não

78

VERSSEM, Pe. Guilherme. Aos noivos. O Dominical, Teresina, p.3, 30 de dez. de 1951. (grifo nosso 79

SILVA, 2008. 80

CASTELO BRANCO, Lili. Fases do meu passado. Teresina: APL, 1983. p.25 . 81

SANTOS, 1998, p. 58

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era mais virgem? Ser mulher era fazer muitas perguntas e nem sempre

achar respostas razoáveis82

.

As práticas amorosas transformavam-se, os lugares de encontro dos casais

também se modificavam, não eram mais, apenas, as praças, os cinemas, o carro passava

a ser ninho de amor, “[...] as garotas apresentam-se para o amor, geralmente o amor

começa motorizado e há de acabar nos castelos escondidos dentro dos matos que

circundam os bairros83

”, era preciso recusar sem magoá-lo, o casal de namorados

sempre na porta da casa dela, no entanto, ele motorizado, insistia para que ela desse

umas voltas com ele84

.

Cronistas, como a jornalista e professora Cristina Leite, alertavam as

meninas teresinenses, para terem cuidado com algumas promessas dos rapazes, era

preciso ter cautela, pois alguns rapazes queriam apenas seduzir as meninas.

O lado dos desregramentos vem se traduzindo nesse número crescente

e lamentável de vítimas. Já chega de Maria Goretti, de Aída Curi, ou

de você minha amiguinha. Que estes cadilacs e camionetes para fins

libidinosos sejam substituídos por carros que prestem serviços

coletivos85

.

De senso prático, eles, os rapazes, só queriam provar, testar a sexualidade

das moças, elas eram suas presas, depois saiam falando, pois não tinham intenção de

casar-se.

Quais eram os métodos contraceptivos disponíveis às mulheres, para não

engravidarem na década de 1950? Além da continência periódica, método Ogino-

Knauss, a popular Tabelinha, havia também o Diafragma, não acessíveis a todas as

moças da sociedade.

[...] evidentemente não se podia generalizar. As clínicas de aborto de

Botafogo já existem, e Ilka Soares tornou-se uma pioneira em

métodos preventivos que a levassem ao prazer sem precisar passar por

aquele roteiro fúnebre. - Em 58 eu já usava o diafragma, que era a

última novidade – lembra a atriz. – Mas, o método mais usado era

mesmo a tabelinha e a reza, muita reza86

.

82

SANTOS, 1998, p.49 83

TITO FILHO, 2002, p.52 (grifo nosso) 84

SANTOS, op.cit. p. 51 85

LEITE, Cristina. Minha nova Aída. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 31 de maio de 1959. 86

SANTOS, op.cit., p. 58

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O escritor piauiense Fontes Ibiapina nos mostra em um de seus romances,

como o discurso católico de “manter-se virgem até a noite de núpcias” chegava tarde

demais para algumas moça de família, que, diante do “mal passo”, a única saída

vislumbrada era suicídio,

À margem do rio o povo se aglomerava [...] quando morria gente

afogada [...] Ali não era o lugar próprio de moça bonita e branca

tomar banho [...] Naquele cais nojento de canoeiros, estivadores,

carroceiros, lavadeiras e outras pessoas da raia miúda [...] E o povo

dizia – “morreu de propósito. Não estava nem tomando banho.

Suicídio no duro!” [...] A moça era D. Serafina, moça bonita [...]

Dona Margarida se acabando em lamentos. O marido se fora (há um

ano e pouco). Agora, a única filha, [...] Antonino pesca a defunta:

uma moça branca, rica, bonita e fina. [...] Começam os boatos: “pedra

no pescoço coisa nenhuma!, [...] apenas um cordão de ouro [...] a

barriga era que estava amarrada, com um pano e um prato esmaltado

para baixo. Mesmo assim ninguém nunca morreu no Parnaíba com

barriga tão grande87

.

Esse é um dos exemplos de exercício da sexualidade feminina, em que, mais

uma vez, a moça era castigada pelas convenções sociais. A seguir transcrevemos a cena

na qual Pedrina, personagem do romance Somos todos inocentes, sofreu aborto por

causa de uma queda. O boticário (médico prático) da cidade, ao fazer a curetagem sem

anestesia, demonstrava que “as mulheres tinham que sofrer por onde tinham pecado88

”.

Ele confirma tal postura ao afirmar que “[...] sim, eu poderia tê-la anestesia antes. Mas,

preferi que ela sofresse tudo consciente”. A citação é longa, mas necessária.

O boticário colocou a valise sobre o baú e olhou detidamente para

Pedrina. Era o que eu imaginava. Em seguida, escancarou a janela, a

fim de que a luz da manhã facilitasse o diagnóstico [...] Dulce viu

Pedrina meio nua, com as pernas afastadas, fora da rede, o ventre a

expelir um pequenino ser com vaga aparência humana. - Meu Deus, o

aborto! Dulce tremia encostada na parede em que se amparou. Nunca

imaginava que houvesse tanto sofrimento no parto. Até num simples

aborto! [...] (Dulce começou a mexer com a volta, comprimindo a

medalha entre os dedos.) - Ainda não. Seu Ernesto saiu e logo voltou

com uma bacia de água fervente. Daí a instantes, Dulce sentiu cheiro

ativo de clorofórmio de iodo. “Meu Deus, salvai Pedrina [esta]

dormia profundamente, sob o efeito do anestésico. Seu corpo, cobria-o

com um lençol limpo. No rosto descorado permanecera o sofrimento:

era como se sonhasse que padecia as dores de um parto. [...] Dulce

87

IBIAPINA, Fontes. Palha de arroz. 4. ed., Teresina: Corisco, 2004. p.138-9. 88

VICENT, Gérard. Segredos de família. In: __________; PROUST, Antoine. História da Vida Privada

5: da Primeira Guerra a nossos dias. Tradução Denise Bottman, São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

p.253

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abaixou a vista, também emocionada. - Diga-me uma coisa, seu

Ernesto – perguntou em seguida, para satisfazer a curiosidade. Qual a

razão por que o Senhor não deu a anestesia logo no começo? Pedrina

não teria dores. Seu Ernesto, que já havia apanhado a maleta para sair,

parou junto à porta: - Sim, eu poderia tê-la anestesia antes. Mas,

preferi que ela sofresse tudo consciente. - Como? – insistiu Dulce,

abismada. Seu Ernesto não respondeu. No entanto, o brilho de seus

olhos explicava tudo89

.

Em 1947 José de Arimathéa Tito Filho era nomeado Delegado de Costumes

da Polícia Civil da capital piauiense, sobre sua atuação, este comentava e relembrava

“saudosamente” suas ações que eram mais de „examinador in loco‟ dos

desvirginamentos das moças, do que as de Delegado preocupado em zelar pelos

costumes e descobrir quem havia cometido o crime de sedução, que aconteciam tanto

com moças nas classes abastadas, quanto com as de classes mais baixas.

Fui Delegado de Polícia no governo Rocha Furtado. Delegado de

Trânsito e Costumes. Era de tomar conta do trânsito e dos maus

costumes, numa época em que trafegavam poucos automóveis e o

transporte coletivo estava começando [...] mas, no tocante a costumes,

o trabalho se mostrava um pouco desenvolvido. Minha delegacia

instaurava processos pelo chamado defloramento de garotas [...] nesse

tempo as garotas já estavam sapecas, na classe alta, na classe média,

como na classe chamada dos pobres. Nesta última havia constante

desvirginamento ou quebra de cabaço [...] participei como Delegado

de Exame nas três classes, no todo 73 meninas, durante um ano, se

deitaram na cama da Delegacia, abriram as coxas e o médico Hugo

Bastos olhava o negócio e atestava os rompimentos. Eu o escrivão

Matias Melo Filho assistíamos ao exame debaixo de muita

perturbação de sentidos. Era bom, delicioso ver as cousas bem de

perto. De modo geral as defloradas, no correr do inquérito, passavam

pelo nosso crivo, meu e de Matias [...] não sei se o Hugo Bastos

também se metia as aventuras de amor sem perigo de polícia [...]

tempo bom o de delegado90

.

O delegado no uso de sua autoridade e poder usa e abusa desta condição, no

sentido de aumentar o rol de suas “conquistas”, ao testar “in loco” o desvirginamento

das moças, a partir das “aventuras de amor sem perigo de polícia”, com 73 meninas,

sobre as quais os preceitos morais incidiam bem mais rígidos, no tocante à virgindade,

que sobre a moral masculina, sobretudo, daqueles investidos de autoridade concedida

pelo Estado.

89

CARVALHO, 2003, p. 185-7. 90

TITO FILHO, 1990, p.40

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A educação sexual, no período em estudo, constituía tabu, segredo

inviolável, as moças não eram orientadas sobre a noite de núpcias, nem pelas revistas,

nem pelas mães, muito menos pela escola. Ainda não havia esse tipo de instrução, a

palavra virgindade ou sexo não aparecem em nenhum, dos veículos de informações

pesquisados, apareciam palavras, como: „dignidade‟, „pérola‟, „bem precioso‟ em

substituição à virgindade. Arimathéa Tito Filho, em uma de suas crônicas, menciona o

quanto ainda era tabu falar sobre sexo, e que os homens faziam seleção, quando iam

casar: somente casavam com moças de família, “as honestas”, em oposição às

“mulheres para brincar, as fáceis”.

[...] outro ponto interessante é o da himenolatria. Oitenta e três por

cento dos homens consultados a respeito do casamento com mulher

virgem, ou não-virgem, responderam que só admitiam a união com

virgens – a virgindade material, uma vez que quase todas, antes das

núpcias, já transformaram as noivas em semi-noivas, na caracterização

dos franceses, isto é, virgens pela metade – pois, a castidade, o pudor,

a honestidade feminina já estavam desaparecidos nas salas de

projeções de filmes, nos becos escuros, nos jardins e salas de

noivado91

.

Moças para casar versus moças para brincar, assim os homens classificavam

as moças de forma binária. No imaginário social, as artistas, em geral, tinham „fama‟ de

serem brinquedinhos masculinos, como demonstrava a crônica a seguir,

[...] está o honrado prefeito do Distrito Federal, o coronel Dilcídio

Cardoso, a repetir a história daquele antigo filme [...] o reino por uma

famosa e conhecida estrela do rádio. Tomou-se o prefeito de amores

pela cantora lusitana Ester de Abreu e quando se pensava que o Flirt

era “pra que é”, vem o honrado prefeito e esclarece que é mesmo “prá

casar” [...] por que a sua noiva é artista de rádio? [...] as cantoras de

rádio, esta pecha infamante [...] o Rio de Janeiro estava até tranqüilo

quando dona Ester veio com sua beleza e seu “it” perturbar a pacatez

da família getulista92

.

A imagem do feminino na sociedade teresinense era percebido de forma

binária, entre evas, levianas, mal-faladas, guabirabas de um lado e moça de família, para

casar de outro. Guabiraba é uma fruta silvestre típica de nossa região e que era

encontrada nos arredores da cidade. Consideravam-se arredores os “lugares”

91

TITO FILHO, José de Arimathéa. Sermões aos peixes. Rio de Janeiro: Arte Nova S.A, 1975. p.38-9 92

O CASAMENTO do prefeito. O Dia, Teresina, p.4, 17 de jan. de 1954.

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desapropriados a uma moça de família, por serem desertos ou por ter plantações e muito

mato, serem distantes do centro da cidade e dos olhos da sociedade.

Teresina, na década de 1950, nas memórias dos entrevistados, “praticamente

se limitava da Igreja Nossa Senhora do Amparo à Igreja Nossa Senhora das Dores”, era

o centro histórico, que ficava longe dos bairros, considerados periferia, como:

Vermelha, Porenquanto, Piçarra, Mafuá.

Clube das Guabirabas eram algumas moças da alta sociedade que

namoravam e pegavam os carros, que não eram muitos, e saiam com

os seus namorados para os arredores na cidade, onde existiam pés de

guabiraba, era uma fruta amarelinha, [saiam] para os encontros

amorosos, sob o pretexto de comer ou colher guabiraba. Considerem-

se arredores de Teresina o bairro Vermelha, por exemplo, porque era

completamente isolado, ou ali no Cruzeiro, em frente ao Seminário, na

Avenida Frei Serafim, para a gente chegar ali tudo era mato. Esse

clube não existia uma sede, era uma brincadeira quando alguém dizia

que alguma moça pertencia ao clube da guabirabas [...] já sabiam que

iam era namorar no mato93

.

Sobre essa estigmatização corrente na sociedade teresinense, de representar

as moças sob a perspectiva binária “moça de família” versus “mal falada, guabiraba”,

Celso Barros Coelho ao falar do “clube da guabiraba” nos dar pistas para outra análise

possível, outra versão que dizia respeito às brigas políticas,

o clube das guabirabas era mais uma criação da política, muito mais

do que uma realidade. Guabiraba era uma fruta, que havia na

periferia da cidade e diziam que as moças iam namorar escondido,

mas, isso era mais uma exploração de adversários políticos, era na

verdade, uma difamação94

.

As moças mal faladas eram para passar o tempo, para divertimento, não

eram levadas a sério, o destino delas já estava traçado. Para alguns difamadores elas,

nunca casariam, todavia, segundo Celso Barros Coelho “falava-se mal delas, difamavam

essas moças [entretanto] todas elas se casaram e bem”.

O que queremos mostrar diz respeito não à significação do que foi ou

deixou de ser o clube das guabirabas, segundo o que já foi descrito, mas nos

reportarmos ao modo como a cidade via os comportamentos modernos, pois, na

93

SILVA, 2008. 94

COELHO, 2008. (grifo nosso)

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Teresina dos anos 1940 e 1950, uma mulher que dirigia seu próprio carro e saía para

passear com seu namorado, era considerado uma “perdida” que, certamente, já havia

perdido a virgindade

Retornando ao noivado, este tinha como regra básica a rapidez, pois um

noivado longo “maculava” a reputação da moça, portanto, pais e a própria sociedade

pressionavam para que os casamentos ocorressem o mais rápido possível. Para alguns

havia prazo estipulado de “seis meses.” Segundo Celso Barros Coelho, o noivado não

poderia demorar muito tempo, e, por isso os pais da noiva entravam logo em ação:

cobravam e estipulavam datas para a organização do casamento, “meu sogro deu prazo

de seis meses para o casamento”, os pais agiam dessa forma, em sinal de prudência,

“prevenção”,

Meu pai não deixava as filhas ficarem noivas muito tempo, fui

noivando e casando logo. Eu o conheci em abril em 1947, em

novembro de 1947 nos casamos. Meu pai tinha certas prevenções, em

não deixar as filhas ficarem noivas muito tempo95

.

Nos pedidos de noivado, era comum o pai do noivo fazer o pedido para o

pai da noiva. Quem nos confirma esse costume é o senhor José Araújo, que ficou noivo

de Marize Araújo: “lembro que meu pai passou prontíssimo às 16 h, de paletó e gravata,

para a casa do Dr. Sebastião Martins para fazer o pedido96

”.

No noivado de Dona Iracema Silva com José Maranhão, como os pais do

noivo não estavam presentes, ele mesmo fez o pedido ao seu futuro sogro. Este antes de

conceder a permissão, perguntou à filha Iracema, se era realmente o que ela queria,

advertindo de que, mesmo que ela aceitasse, ele, seu pai, faria uma investigação da vida

de José Maranhão. Como este era caixeiro viajante, poucos o conheciam.

José Maranhão foi vestido todo de terno de linho com sapato de duas

cores, elegante, todo nervoso, fumando, ele foi conhecer meus pais e

me pedir em casamento. Meu pai disse que iria fazer um

levantamento, uma investigação da vida dele, e depois disse para mim,

que ele era muito namorador, pois morava perto da zona do

meretrício. Meu pai perguntou para mim, se eu queria mesmo casar.

Eu respondi que sim.

95

SILVA, 2008. 96

ARAÚJO, José, 2008.

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Foto 25: A imagem fotográfica registrava o dia do pedido em

casamento, 13 abril de 1947. (Acervo particular de Iracema Silva)

No discurso católico, o noivado para as mulheres tinha duas características,

o coroamento e a partida97

. Coroamento, porque vivia como anjo na terra, (assexuado),

pois a moça conseguiu resistir às tentações frente a “muitos anos de espera, de esforços,

de vitórias sobre si mesmas”. Tendo em vista que muitas mocinhas imaginaram casar

cedo, porém, nem sempre encontravam pretendentes, a prescrição cristã tentava

amenizar esses corpos inquietos e desejantes, com muitas orações e injeções de ânimo,

destacando que a força e coragem dessas donzelas, expressas no refreamento dos seus

impulsos sexuais, era um sacrifício merecedor de coroa ou salvação da alma, face às

tentações que não faltaram nesse caminho de sacrifício e abnegação de sua sexualidade.

[...] sei bem que aos 17 anos, imaginava-se poder casar dentro dos três

anos seguintes, mas a vida aí está, com suas duras realidades [mas]

não é preciso desanimar-se, por ventura, não se encontrou ainda, aos

25 anos, a alma irmã por que se anseia. Os que só noivaram aos 25

anos e que desejavam há muito encontrar [alma gêmea] nos momentos

de desânimo que sentiam, e devem confessar que esses anos de espera

os amadureceram [...] do êxito dos esforços feitos durante longos anos

[...] neste sentido o noivado é um coroamento [...], pois as dificuldades

e as tentações não faltaram no caminho que leva ao coração e que as

condições de vida moderna tornam cada vez mais longos98

.

97

CHEVERIER, Jacques. Noivado. O Dominical, Teresina, p.3, 14 de jan. de 1951. 98

IDEM.

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O outro lado do noivado é a mudança da vida de “Eva” para a de “Maria”,

pois, mediante o matrimônio, passava agora a ter uma vida verdadeiramente cristã, pois

havia rompido “com todos os hábitos contrários a um verdadeiro amor se tivemos o

costume de borboletear, pavonear ou flertar, o noivado nos obriga a renúncia a tudo99

”,

eis sua missão: ser rainha do lar.

Uma das regras de comportamento prescritas às moças era que só podiam

sair acompanhadas, principalmente dos irmãos mais velhos. Essa regra se tornava mais

maleável, quando a moça e o rapaz já tinham firmado o compromisso do noivado,

conforme nos informa Dona Iracema Santos Rocha Silva, que somente pôde sair

formalmente, passear de mãos dadas, com o senhor José Maranhão Silva, depois de ter

oficializado o noivado,

Luz elétrica tinha e não tinha, a luz era só uma tocha fraca, e isso

facilitava meu namoro, aliás, meu noivado, pois, em casa, meu pai não

permitia nada, mas, quando eu saia com meu noivo, eu aprendi, a

saber, o que era beijo nesses escurinhos, pois a luz era bem

fraquinha100

.

A observação de práticas, como as descritas anteriormente, eram percebidas

e questionadas. Segundo o Monsenhor Ascânio Brandão, o namoro dos anos dourados

havia mudado consideravelmente, havia passado da „luz‟ às „trevas‟:

Não compreendo como os pais deixam suas filhinhas nas trevas dos

cines e nas ruas escuras, entregues a rapazes aventureiros [...] outrora

o amor andava às claras, procurava a luz, [...] os jardins floridos de

rosas e açucenas, enfim era um amor às claras. Hoje o amor não gosta

da luz, procura as trevas. Só anda às escuras pelas ruas solitárias, onde

termina a iluminação elétrica101

.

O pedido oficial de casamento e o início do noivado era percebido pelas

moças sempre com muita emoção e júbilo. O anel de noivado, símbolo de compromisso

na relação e promessa de vínculo conjugal, passava a ser exibido como um troféu:

[...] tia Julinha, enchendo a casa de sua ruidosa juventude [apareceu na

casa de sua irmã, esta era mãe de Ulisses], deixe-me abraçá-la mana.

Minha tia [...] esforçando-se para esconder a satisfação que seu rosto

99

CHEVERIER, Jacques. Noivado. O Dominical, Teresina, p.3, 14 de jan. de 1951. 100

SILVA, 2008. 101

BRANDÃO, Monsenhor Ascânio. Escolas de divórcios. O Dominical, Teresina, p.2, 30 de jan. de

1955.

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105

espelhava. – Não entrei para ficar, explicou, recusando a cadeira [...]

até logo, - e avançou a mão, sem conter-se entre a própria malícia.

Mamãe toma-a comovida, entre as suas: - Noiva, enfim murmurou,

com um suspiro, ao ver a aliança. Como foi isso? O João andava se

mostrando indiferente, passei a esquivar-me; Ele agüentou duas

semanas. E ontem entrou de casa dentro, formulado o pedido102

.

Segundo Carla Bassanezi103

, na ideologia dos anos dourados, o casamento

era percebido como único horizonte possível de realização para as moças, dessa forma,

as prendas domésticas constituíam a base para um bom e feliz casamento, portanto, o

bom desempenho nas funções de rainha do lar seria fundamental. Seria boa esposa

aquela que soubesse cuidar da casa, das crianças, soubesse fazer quitutes para o marido,

agradar, saber receber visitas104

, ou aprender a economizar começando pelo enxoval105

.

Em 1952, o Centro Singer de Teresina106

havia diplomado a primeira turma

de Corte, Costura e Bordados, formando 9 profissionais aptas a exerceram a função de

“rainhas dos lares”. O paraninfo da turma, Professor Arimatéia Tito Filho, consagrou a

turma com o seguinte discurso de “naturalização” dos papéis sociais da mulher. Para

ele, a identidade feminina estaria atrelada a “missão de santificação da família”: missão

de ser rainha do lar, eis seu papel na sociedade,

[...] coroais os vossos esforços com um diploma útil à função social da

mulher [...] baseastes os vossos triunfos na aquisição de prendas e de

riquezas espirituais. Estou certo de que a transformação econômica da

idade moderna libertou a mulher, com a progressiva e ascendente

industrialização do mundo. Com isto, foi realmente ameaçada a

santidade da família![...] Não quiseste porém sacrificar a beleza do

vosso apostolado e ingressastes numa escola de aprendizagem nobre,

onde pudestes adquirir conhecimentos práticos e úteis aos vossos lares

[...] costurar é arte [...]107

.

Para o cronista, o lugar da mulher é o espaço privado, “coroais os vossos

esforços com um diploma útil à função social da mulher”. Estudar para quê? A sua

missão residia em possuir prendas domésticas, ser rainha do lar, assim desempenharia

bem seu papel no seio da família. Possuir prendas domésticas era sinal de que estava

102

CARVALHO, 2003, p.34. 103

BASSANEZI, Carla. Mulheres nos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org). História das

Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p. 607-639. 104

SILVA, 2008 105

ESTÁ noiva? Teresina, O Piauí, Teresina, p.4, 10 de jul. de 1952. 106

O CENTRO Singer diplomou ontem a primeira turma de Corte, Costura e Bordados. O Piauí,

Teresina, p.4, 10 de jul. de 1952. 107

IDEM.

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106

“promovendo conscientemente, a sua felicidade, o bem estar dos que vivem debaixo de

sua orientação e de seus cuidados”, e aquelas que não possuíam tais prendas, ou se

negavam a possuí-las, estariam relegadas ao insucesso no casamento e seriam infelizes?

No processo da conquista de um bom partido para o casamento, as

mulheres, além de serem prendadas, também se utilizavam de outras técnicas para

seduzir os rapazes, o vestuário ajudava nessa empreitada, especialmente os sutiãs com

enchimento, que aumentavam o busto.

Nada de bumbum arrebitado. O padrão de sensualidade aprovado pelo

mercado erótico masculino era peito grande e cintura fina [...] O

Balada, também da De Millus aumenta confidencialmente o busto,

graças ao seu forro de espuma látex, bojo despontado em espiral. O

que não faltava era sutiã, todos anunciando que erguiam com conforto,

prendiam com naturalidade e realçavam confidencialmente [...] os

modelos não davam conforto nenhum lembra a empresária Marly

Passos, aluna do Sion, mas ajudavam a desenhar um shape falso, cheio

de curvas, que atraía o olhar dos homens. Queríamos seduzir como a

mulher de hoje. Mas, não para um rolo de uma noite erótica. A gente

queria casar. Esta era a meta maior da mulher de 58108

.

Foto 26: "Folha da Manhã", 18 de novembro de 1956 - propaganda disponível em

<http://almanaque.folha.uol.com.br/anos50_popup.htm> Acesso em 29 de jan. de 2009.

108

SANTOS, 1998, p.52-3. (grifo nosso)

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107

Um item que não poder faltar ao retratarmos a mocidade dos anos dourados,

é a referência aos concursos de beleza, e a importância que detinham as misses, na

sociedade teresinense. Consideradas mulheres que expressavam um ideal de beleza,

mostravam que a mulher podia ser sensual, graciosa e bonita sem ser vulgar.

Em 1958, a Miss Distrito Federal, Adalgisa Colombo “inventou truques de

beleza para vencer o Miss Brasil109

” em substituição ao pancake, que todas as

candidatas deveriam usar, ela utilizou o óleo Johnson para luzir a sensualidade de suas

pernas, e com isso a ajudou a desenhar a nova mulher brasileira, que explorava sua

sensualidade sem ser vulgar.

Foto 27: Adalgisa Colombo desfilava no Miss Universo (SANTOS, 1998, p.60)

Nas programações do centenário da capital do Piauí, ocorrido em 1952,

destacou-se o concurso para Rainha de Teresina. Surgiram, então várias candidatas, uma

delas foi candidata da Imprensa Piauiense, que venceu o concurso. Estamos falando da

senhorita Vilma de Figueiredo Rêgo, escolhida para Rainha da Cidade, uma escolha que

não foi à toa, ela representava não somente um rosto bonito, simpático, mas o que se

destacava nesta candidata, não eram características domésticas “ser prendada”, mas a

inteligência. Representava um novo padrão de comportamento feminino, que „invade o

espaço público‟, e é legitimado socialmente, pois fazia Direito, na única Faculdade

existente no Piauí, naquele período. Representava, singularmente, uma parcela das

mulheres teresinenses.

109

SANTOS, 1998, p.9.

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108

4.7 Futebol: é uma prática machacaz?

Ao trabalhar com a categoria de gênero, percebemos que, mesmo na década

de 1950, eram múltiplas as representações do feminino e do masculino, portanto, não

existiam feminino e masculino no singular, mas femininos e masculinos no plural, visto

que são categorias vazias e transbordantes110

, vazias, porque não podem ser fixas, e

transbordantes porque podem ter espaço para a alteridade, ou seja, as múltiplas

possibilidades de ver os pólos não como fixos, unos, mas plurais.

Nada de exercícios “pesados” ou violentos para a mulher, pois isso é “coisa

de homem”. A divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Saúde, durante

a década de 1940, estabeleceu a diferença nos exercícios, a partir de pares binários, na

prática da educação física feminina e masculina, através de um discurso anatômico-

biológico, prescrevia, para os homens, exercícios que demandavam “força e ação física”

e, para as mulheres, exercícios condizentes com “as condições de sua natureza”

concepção expressa no Decreto-Lei 3.199 de 1941, que vigorou até 1975, o qual

estabelecia as bases de organização do desporto no Brasil.

O artigo 54 do decreto acima prescrevia uma educação física ao feminino de

acordo com o seu sexo: “as mulheres não se permitirá a prática de desportos

incompatíveis com as condições de sua natureza111

”. Dessa forma, os exercícios que

demandassem agilidade ou agressividade seriam condizentes somente para o sexo

masculino.

A prática do futebol era exclusivamente uma atividade esportiva masculina?

O futebol enquanto esporte, na década de 1950, era demarcado pelas diferenças de

gênero, numa perspectiva binária. Era prescrito como prática “verdadeiramente

machacaz”. O sexo feminino por ser identificado como sexo frágil e sensível era

desestimulado a praticar “[os] jogos e esportes violentos nunca foram próprio à

delicadeza do belo sexo. São mesmo anti-higiênicos e prejudiciais112

”. Estas eram as

prescrições católicas ao feminino, face ao primeiro jogo de futebol feminino, ocorrido

em Teresina, em 1959, no Clube dos Bancários.

110

Sobre esse conceito ver SCOTT, 1995. 111

FRANÇA apud BRUNHS, Heloísa Turini. Corpos femininos na relação com a cultura. In: ROMERO,

Eliane (org). Corpo, mulher e sociedade. Campinas, SP: Papirus, 1995. p.93. 112

FUTEBOL feminino. O Dominical. Teresina, p.3, 27 de set. de 1959.

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109

[...] as moças de hoje estão sendo educadas para atitudes masculinas –

fumam, bebem, jogam [...] o industrialismo gigantesco do mundo de

nossos dias provocou a „igualdade‟ dos sexos – „masculinizou‟ a

mulher, que cada vez mais perde os seus atrativos [...] nas atitudes,

nos gestos, nos trajes, no trabalho a que se entregou por força do

processo de industrialização do mundo, na valorização de que se

presume porque pôde derrotar a autoridade do homem no lar,

principalmente no lar, a agência educadora por excelência de

finalidade perdida113

.

Era ainda prescrita ao feminino somente os exercícios leves, como

“ginásticas, exercícios físicos, em delicadas e clássicas danças ritmadas”, portanto, a

educação física para as mulheres deveria ligar-se a “delicadeza dos exercícios”. Numa

visão marcadamente polarizada, demarcavam lugares femininos como frágeis, portanto,

nessa visão, a prática de futebol era interdita as mulheres, pois, a masculinizavam,

[...] as gregas de hoje querem jogar futebol [...] embruteceram-se,

masculinizaram-se [o ideal era que] se recorra a uma educação física

feminina, dentro das exigências fisiológicas do sexo [...] pular, saltar

[...] são exercícios tipicamente masculinos [...] todos os jogos, pois,

em que o homem se adestra (sic) são impróprios e perigosos para a

mulher, cuja função é outra, muito diferente. É uma função espiritual

[...] por que, ao invés dos movimentos ginásticos violentos, não se

submete a mulher a movimentos ritmados, lentos e harmoniosos? Esse

é que é sempre o exercício físico para o sexo que, apesar dos pesares,

há de ser sempre o sexo frágil. Educação física da mulher, sim, mas

dentro das normas do pudor e da delicadeza do belo sexo114

.

A expressão “apesar dos pesares” demonstra que a mocidade feminina, ou

pelo menos algumas moças teresinenses não consumiam o discurso católico e eugenista,

tal como a “norma” impunha, mas agiam como lhes convinha. As mulheres, ao jogar

futebol, estavam deslocando fronteiras de gênero, demonstrando possibilidades de ser

algo mais, além de “reprodutoras”, mães, esposas, rainha do lar. As mulheres

deslocavam as fronteiras de gênero, jogavam futebol e tênis, práticas modernas, que não

eram bem vistas pelos setores tradicionais da sociedade. Já para outros, a atividade

esportiva, seja qual fosse a modalidade era valorizado: “era bárbaro ser do mesmo país

de Maria Ester Bueno, que foi campeã de duplas em Winbledon em 1958115

”.

Dessa forma, mostramos que as normas, as regras, e as precauções não

impediam que, no cotidiano da mocidade teresinense, houvesse algumas moças que

113

TITO FILHO, 1975b, p.118 114

FUTEBOL feminino. O Dominical. Teresina, p.3, 27 de set. de 1959. 115

SANTOS, 1998, p.15

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110

burlavam tais prescrições e normas. Fugindo aos padrões estabelecidos, mesmo sendo

“moças de famílias”, usavam de diferentes táticas, subvertiam a ordem, para vivenciar

sua mocidade, “fugiam” dos padrões estabelecidos, lendo romances “inapropriados”,

como A carne, livro de estética natural-realista, jogavam futebol, “exploravam” a sua

sensualidade, através do uso de maquiagem, para destacar partes do rosto. Umas

usavam sutiã com enchimento, para seduzir, outras utilizavam métodos

anticoncepcionais, como Tabelinha ou o Diafragma e usavam sua sexualidade sem se

importar com as prescrições sociais, e, algumas, embora pouquíssimas, dirigiam seus

próprios carros, como dona Genu Moraes “meu pai e minha avó Lili me deram 34.700

contos de réis para comprar um carro. Comprei um Coupe Ford americano. Fui à

primeira mulher a dirigir carro em Teresina116

”.

116

CORREIA, Maria Genovefa de Aguiar Moraes. Entrevista concedida a Ângela Maria Soares de

Oliveira. Teresina, 25 de julho de 2005.

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111

5 RELAÇÕES FAMILIARES

Neste capítulo discutimos os papéis de gênero no interior do casamento,

observando as distinções nas configurações dos papéis sexuais, a partir do paradigma de

rainha do lar, das questões relacionadas ao controle de natalidade, dos embates em torno

da indissolubilidade do matrimônio. Finalizamos, apontando possibilidades de

mudanças no interior das relações familiares, a partir da inserção da mulher no mercado

de trabalho e do seu ingresso no ensino superior.

Ser mulher1

Gilka Machado

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada;

para os gozos da vida: a liberdade e o amor;

tentar de glória a etérea e altívola (sic) escalada

na eterna aspiração de um sonho superior ...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada,

para poder, com ela, o infinito transpor;

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher e, oh! Atroz, tantálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

Este soneto reflete bem as condições existenciais femininas, na década de

1950. Segundo Bassanezi, a identidade feminina era pensada a partir da maternidade,

casamento e dedicação ao lar2, o que refletia o paradigma rainha do lar. Mas, muitas

mulheres, como Dona Iracema Silva, sentia-se como “águia inerte, presa”, sem poder se

dedicar a sua sonhada e desejada realização profissional, através da advocacia, mas o

que os preceitos sociais do período em estudo indicavam para ela como categoria

1 MACHADO, Gilka. Ser mulher. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 23 de fev. de 1958. (grifo nosso)

2 BASSANEZI, 2000.

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112

profissional, era o magistério, no entanto, ela fez também o Curso de Filosofia e depois

o de Didática, na FAFI. Deveria trabalhar como professora, sem esquecer suas

atribuições enquanto mãe, esposa e dona de casa.

5.1 Gerar filhos: função primária do matrimônio?

A encíclica Casti Connubi, publicada pelo Papa Pio XI, em 31 de dezembro

de 1930, preconizou e reafirmou que o matrimônio era uma instituição sagrada, sendo a

função primeira do casamento a geração e a educação dos filhos, esse era o primeiro

dever que impunha aos esposos3.

No período entre as guerras mundiais surgiram discursos em torno do

planejamento familiar. O desenvolvimento do processo de urbanização criou melhores

condições para a influência dos meios de comunicação social sobre a vida no lar4. Essas

mudanças incomodaram a Igreja Católica, que chamava para si a responsabilidade de

proteger a instituição família dos perigos que assombravam a sociedade. Ela, a Igreja se

autodefinia como o anjo tutelar da família5.

Dando seqüência as mudanças sociais, na década de 1950, ocorreram outras

descobertas, que também iriam afetar os comportamentos na família, a partir de 19516

quando a pílula de progesterona foi criada7, bem como outros métodos contraceptivos

que possibilitaram uma „liberdade‟ no comportamento sexual, especialmente o

feminino, proporcionando o sexo sem procriação. Esses recursos liberaram as mulheres

da obrigação da concepção, provocando mudanças na família e nos padrões de

sexualidade.

No entanto, face àquelas descobertas, os olhos de lince do anjo tutelar da

família passaram a exercer fortes reações a essas descobertas, que poderiam alterar os

rumos do cenário privado. A Igreja Católica usou diversas estratégias, procurando evitar

a propagação do uso destas novidades, a primeira foi a publicação da Encíclica Casti

Connubii, pelo Papa Pio XI em 1930, considerada um marco da doutrina cristã, e que,

3 EM DEFESA da família: fim primário do matrimônio. O Dominical, Teresina, p.2, 12 de dez. de 1948.

4 AZZI, 1993, p.101. Essas condições propiciaram maior veiculação de revistas e jornais em todo o país.

5 CAES, Andre Luiz. Da espiritualidade familiar ao espírito cívico: a família nas estratégias de

reestruturação da Igreja (1890-1934). Dissertação de Mestrado. Campinas, 1995. 6 Sobre a descoberta da Pílula. Disponível em <http://www.djerassi.com/portugese/interview/index.html>

Acesso em: 05 de jan. de 2008. 7 A pílula passou a ser comercializada somente na década seguinte, 1960.

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113

reafirmava ser a procriação a maior finalidade do matrimônio, sendo, portanto, um

pecado fazer o controle de natalidade.

Desde o século XII, o casamento fora considerado pelos católicos um

sacramento. No século XVI, com o Concílio de Trento (1545-1563), surgiram

regulamentações mais rígidas fazendo do ritual do matrimônio, uma atividade exclusiva

dos sacerdotes, o que trouxe como conseqüência a condenação dos casamentos que não

seguissem rigorosamente o que fora estabelecido como norma. Os nubentes, desde

então, passaram a ter que declarar, através de uma publicação, para a sociedade, o seu

consentimento, através dos proclamas, e o ritual do casamento deveria ser realizado por

um sacerdote e em uma Igreja, pois, anteriormente, era realizado em casa pelo pai da

noiva8.

No Brasil, com a Proclamação da República, em 1889, o catolicismo deixava

de ser a religião oficial do Brasil, instituindo-se a distinção entre o casamento religioso

e o casamento civil. Nesse período, a Igreja católica precisou contar com a força da

tradição e com o apego à religião dos fiéis, para legitimar o matrimônio religioso. A

força da Igreja Católica nos costumes pode ser percebida em relatos que tratam sobre o

valor do casamento religioso,

Eu casei em 1949, no dia 22 de dezembro no civil, e no dia 31 de

dezembro na Igreja de São Sebastião, mas só nos tornamos marido e

mulher, depois do casamento religioso, quer dizer, passamos uma

semana só arrumando a casa, para mim não foi problema e nem para

M. [esposo dela], ele não disse nada. Só era marido e mulher, quando

casava no religioso e no civil. Ninguém cogitava ser marido e mulher

antes do casamento religioso9.

A senhora V.G.F.N explicou que os jovens casavam, desta forma, por

convenções sociais e culturais, o discurso católico tinha outro argumento, para a Igreja o

casamento civil era simplesmente um contrato enquanto que o matrimônio dos

católicos, contraído perante a Igreja, era mais do que contrato era um sacramento

sagrado10

.

Mais do que o casamento civil, o que preocupava a Igreja católica, na década

de 1950, era o crescimento de outras religiões na cidade, como o protestantismo e o 8 VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no Ocidente Cristão. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992.

9 V.G.F.N, 2007.

10 CASAMENTO religioso e contrato civil. O Dominical, p.4, Teresina, 26 de fev. de 1956.

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114

espiritismo, bem como a influência destas crenças na sociedade, havia o receio da

formação de casais, em que os cônjuges poderiam ter religiões diferentes. Assim, a

Igreja passava a anatematizar o casamento misto, por meio de prescrições veiculadas no

semanário O Dominical. Os casamentos mistos eram tidos como prejudiciais à

formação religiosa dos filhos, podendo ainda criar conflitos entre os cônjuges11.

Muitos dos casamentos, no período em estudo, na classe média, estavam

condicionados a fatores endogâmicos, ou seja, a formação de casais ocorria dentro da

mesma classe social, mesmo que a escolha dos cônjuges fosse feita pelo coração, as

mães, principalmente, „aconselhavam‟ os filhos e as filhas sobre o bom partido,

[...] eu me lembro que um dia, um namorado me pediu em casamento,

dentro do Clube, dançando, ele agarrou os meus cabelos e disse que eu

só iria saír do Clube dos Diários, se casasse com ele, então eu disse

que só me casaria com ele se um dia ele se ajoelhasse, e me pedisse

em plena Praça. A mãe dele não queria que ele se cassasse comigo,

porque ele era de família importante e, eu não era, por isso a mãe dele

não queria que nós casássemos12

.

Sobre a escolha dos cônjuges a partir do amor romântico e da coadunação

com interesses sociais, um cronista do jornal O Dia, produziu um discurso que merece

ser mencionado,

[...] o homem moderno está impregnado de romantismo no que se

refere ao matrimônio [...] quem vê o jovem [ou a jovem] moderno

guiando o seu automóvel de cores claras, dirá a primeira vista que os

curiosos personagens do romantismo já não existem. De fato, não se

encontra mais a „heroína‟ ingênua e frágil [...] que suspira por alguém

[...] ou o grande herói de compleição atlética, exuberante de

varoneidade [...] hoje, ele é um desportista alegre, de senso prático,

disposto a vencer na vida. Ela é empreendedora, desembaraçada,

utilitária, algumas vezes picantes; sente-se bem e quer aproveitar a

vida. Que neles encontramos do jovem sonhador ou da dama

lacrimejante que comoviam nossos avôs? Apesar de tudo, e em que

pese o clima de muito maior tolerância para o casamento inspirado em

motivos cinicamente financeiros, continua sendo considerável o papel

reservado ao sentimento que toca a escolha do futuro cônjuge13

.

Mudanças sociais estavam ocorrendo, os rapazes não eram mais sonhadores,

tornaram-se práticos, dispostos a vencer sempre, as moças não eram mais ingênuas e

11

MOURA, Judite. Para minhas filhas lerem. O Dominical, Teresina, p.3, 09 de set. de 1951. 12

SILVA, 2008. 13

DIVÓRCIO e romantismo. O Dia, Teresina, p.5, 04 de mar. de 1956.

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frágeis, tornaram-se desembaraçadas, empreendedoras, segundo o cronista, eles

casavam-se com vistas a uma promoção social e/ou permanecer na mesma classe social,

realizando casamento endogâmicos, no entanto, na escolha dos cônjuges o amor era um

dos itens que pesava.

Quanto a tornar-se mãe, o discurso católico preconizava que a maternidade

era uma missão sagrada, porque era através das dores no parto que a mulher passava de

Eva a Maria. A “humanidade estava maculada pelo pecado original, nas dores do parto,

a mulher expia o pecado de Eva14

”, como se, a partir deste sofrimento, a mulher se

purificava, se tornava Maria, e a dor física seria o preço pago por seu erro15

.

O motivo principal era a linguagem, seja escrita ou falada, especialmente do

Gênesis (Gn, 3, 16) “In dolore paries filios - tu darás à luz na dor”, ou quando se

desejava a mulher no momento do parto uma “boa hora”, já que era percebido como

uma „hora difícil para a mulher‟. Estudos liberaram a mulher a ter um parto sem dor,

era o início da humanização no parto. O próximo passo era tornar essas pesquisas

acessíveis à sociedade, a imprensa se encarregaria disso.

[...] no campo da obstetrícia, pouco se havia conquistado para a

abolição da dor no parto [...] muitos métodos foram ou são aplicados

ainda hoje, para a humanização do parto. O hipnotismo, analgesia por

gás [...] tudo isso resultou em fracasso. Até que obstetras russos

baseados nos estudos fisiológicos de Pavlov, da atividade nervosa

superior, com a descoberta dos reflexos condicionados, abriram

novos horizontes à supressão da dor do parto. Chegaram à conclusão

que a dor no parto não é outra coisa senão uma dor reflexa, isto é

condicionada à córtex-cerebral, através da palavra escrita e falada

desde os primórdios de nossa civilização, transformando o período

das contrações uterinas do parto em penosas sensações de dor16

.

O novo método do parto sem dor tinha como principal objetivo ensinar e

educar a mulher para o trabalho de parto, criando um novo reflexo condicionado para

retirar da „ignorância‟ do medo, através de aula que a gestante começaria a receber a

partir do sexto mês de gravidez. O cronista ainda aconselhava que o ideal seria que

essas aulas fizessem parte do currículo escolar, “de modo a impedir desde a meninice e

14

VICENT, 1992, p. 257. 15

BADINTER, 1985, p. 307. 16

SOARES, Vilmar Ribeiro. A maravilha do parto sem dor. O DIA, Teresina, p.5, 25 de jul. de 1957.

(grifo nosso)

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116

a adolescência o condicionamento do reflexo doloroso17

”. O dogma da dor no parto foi

„superado‟ pela palavra escrita e falada em 1955, quando houve um Congresso

Obstetrício em Roma, no qual o Papa Pio XII em uma Mensagem aos médicos deu seu

veridito, “esse é o método aprovado pela Igreja porque segue os ditames da natureza, as

leis, a teoria e a técnica do parto sem dor, são sem dúvida, válidas18

”, uma absolvição as

mulheres. Elas agora teriam novos reflexos condicionantes, preconizado pela medicina e

agora também pela Igreja, logo, os partos ocorreriam não mais sob dor, mas, sob

alegrias e sorrisos.

O medo do parto provocou em muitas mulheres „ojeriza‟ à gravidez, de

modo que recorreram a métodos anticoncepcionais rudimentares, como a esponja

vaginal, ou a retirada do pênis, conhecido por coito interrompido. Estes eram os

métodos utilizados para controlar a quantidade de filhos, antes da descoberta do método

Ogino-Knauss, como nos informou Dona Lili Castelo Branco em suas memórias. Por

volta de 1922, quando ela morava no Rio de Janeiro, depois que deu a luz seu segundo

filho, Cláudio, revelou a uma tia as suas tormentas sobre a dor no parto, aquela a

aconselhou procurar um médico especialista em doenças de senhoras,

[...] revelei o receio de ter outro filho [...] fui e depois, de explicar ao

médico o medo que tinha dos partos, ele me disse: “há um processo

que é muito usado na França, infalível, mas, trabalhoso, porque exige

muita higiene [...] a esponja se usar conforme as prescrições: não terá

filhos” [a] esponja ele próprio a vendia no consultório, era uma

bolinha redonda de onde pendia um cordão forte e comprido. Eu a

usei obedecendo às prescrições, seis anos seguidos com absoluto êxito

e tive a habilidade de esconder do meu marido, para não me

desprestigiar, esse segredo que até beneficia as senhoras que usam.

Sete anos depois engravidei novamente. Íamos para a fazenda, julguei

que não fosse à esponja que me evitasse filhos, e então deixei-a. Logo

no fim de um mês engravidei do Heitorzinho. Aí compreendi o erro de

ter deixado a esponja, mas, era tarde, mais um filho que Deus me

ofereceu, pelo descuido. Daí por diante nunca mais deixei de usar a

esponja e não concebi mais19

.

Nas duas primeiras décadas do século XX ocorreram o desenvolvimento de

pesquisas em torno dos métodos anticoncepcionais, feitas pelos médicos Kyusaku

Ogino e Hermann Knauss, iniciadas no Japão em 1924, e aperfeiçoadas na Áustria, em

17

SOARES, Vilmar Ribeiro. A maravilha do parto sem dor. O DIA, Teresina, p.5, 25 de jul. de 1957. 18

MENSAGEM de Pio XII aos médicos. Porto Alegre: Edições Paulinas, 1958. p.185. 19

CASTELO BRANCO, (Emilia) Lili. Fases do meu passado. Teresina: APL, 1983. p. 111-2

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1929. Essas pesquisas afetariam diretamente questões relacionadas à sexualidade e à

família.

A partir da década de 1930, com as descobertas do método Ogino-Knauss,

popularmente conhecido como Tabelinha, para sua eficácia era preciso que a mulher

conhecesse seu corpo, o seu ciclo menstrual para detectar o seu período de ovulação.

Era preciso haver uma continência periódica neste período que a mulher estivesse fértil.

Esse método era o mais utilizado, segundo as respostas das nossas entrevistadas,

exemplificaremos com as memórias de Dona V.G.F.N, que rejeitou o papel de

„parideira‟, teve três filhos. Evitava porque não queria ser igual a sua mãe que teve 9

filhos. Controlava a quantidade de filhos “na medida do possível, a partir dos métodos

do período20

”.

Utilizando os métodos anticoncepcionais como tabelinha ou diafragma, as

mulheres dos anos dourados, poderiam planejar a quantidade de filhos, serem mães

quando quisessem, escolhendo o melhor período, e com isso estava

iniciando uma revolução nos costumes, a sexualidade estava ocorrendo não

somente para fins de procriação, mas, por desejo também, a mulher começava a se

libertar da angústia de uma gravidez indesejada, a separar sua atividade erótica de sua

função reprodutora sem que [estivesse] faltando às regras da decência21

.

Embora essas mudanças sociais e culturais estivessem ocorrendo, a Igreja

continuava a alardear que a função primeira do casamento era a procriação,

anatematizando as mulheres que casavam e não geravam filhos. Para a Igreja, aqueles

que em sua vida matrimonial fizessem uso „indevido‟ da máquina de reprodução

humana, ou de métodos anticoncepcionais, estariam se desviando do correto uso do

corpo e dos órgãos genitais, danificando o delicado mecanismo que permite perpetuar a

espécie.22

5.2 Os papéis tradicionais de gênero nas relações familiares: a rainha do lar e o provedor

O enquadramento dos papéis de gênero no interior do lar, no período em

estudo, era marcado pela desigualdade e hierarquia de gênero. As desigualdades de

20

V. G. F.N, 2007. 21

VICENT, 1992, p. 252 22

LARRALDE, Luís Valdés; HUERTA, René F. de la. Eu evito filhos, mas queria comungar. Belo

Horizonte: Edições Loyola (s/d), p.9-10

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gênero podiam ser exemplificadas em diversas situações. A primeira era reservar ao

homem a esfera pública e à mulher a esfera privada. A diferença e a desigualdade dos

papéis foram traçadas, de acordo com as diferenças biológicas, a maternidade era

percebida como definidora da feminilidade, o que transformou a maternidade em

obrigação e sacrifício, uma missão sagrada. Dessa forma, a representação masculina era

vinculada a uma imagem hierárquica, o „cabeça da mulher‟, aquele que manda na

esposa e nos filhos, esta é uma representação construída, o que „deve ser‟. A identidade

construída para ela foi a de doméstica, enquanto que, para ele, era a identidade pública.

Segundo Maria Lúcia Rocha-Coutinho23

, após a Segunda Guerra Mundial,

surgiu, na Europa e nos Estados Unidos da América, um conjunto de discursos,

propagados por psicólogos e cientistas sociais, embasados, principalmente, nas

concepções de Freud, procuravam naturalizar as divisões de gênero, afirmando que o

lugar ou destino natural das mulheres era o espaço privado, sua realização seria através

do casamento e da maternidade.

No período da guerra, as mulheres tiveram que sustentar a casa, elas saíram

do lar, e invadiram o espaço público, ocupando as profissões dos maridos, enquanto eles

estavam no front de batalha. Quando a guerra acabou, as mulheres foram „convidadas‟ a

voltaram para o seu sagrado e „naturalizado‟ lugar.

A autora demonstrou como esses agentes sociais, de fato, interferiram no

comportamento dos jovens, que passaram a casar e ter filhos cada vez mais cedo, e

neste caso, as mães dedicando todo o seu tempo em razão do lar, do marido e dos filhos,

era, portanto a divulgação da imagem „Rainha do Lar’.

Dentre as revistas americanas e brasileiras que divulgaram a imagem da

identidade feminina pensada, a partir do reinado do lar, tínhamos as revistas Vida

Doméstica e Seleções do Reader’s Diges”, cujas propagandas eram direcionadas ao

reino das panelas, assim como também divulgavam a idéia de consumo atrelado ao

moderno.

Segundo Nicolau Sevcenko, mais uma vez o cinema hollywoodiano foi um

veículo fundamental na divulgação de novos padrões de organização e vivência dos

espaços domésticos. Os cenários dos filmes passavam a ditar estilos, objetos e arranjos

23

ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações

familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

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obrigatórios para o interior das casas. O cinema seria uma vitrine onde seriam exibidos

novos materiais, equipamentos de conforto e decoração doméstica24

.

Em síntese, o cinema trazia para o mundo o american way of life,

popularizando a racionalização, a funcionalidade, o conforto e as eficiências dos

espaços, principalmente na cozinha, exemplificada, com os armários embutidos,

divulgados ainda em revistas, como a Seleções do Reader’s Digets, onde as

propagandas com as novidades elétricas, exemplificadas pela máquina de lavar,

geladeira, fogões a gás, batedeiras, aspirador de pó, liquidificador, dentre outros,

anunciavam um tempo onde os trabalhos domésticos ganhavam outra dimensão.

Foto 28: Revista Vida Doméstica, p.113, maio de 1957 Foto 29: O Dia, Teresina, p.6, 18 de dez. de 1958.

As propagandas apontavam para o consumo de produtos atualizados,

versáteis, modernos, as mulheres começavam a perceber que essas modernidades

domésticas facilitavam seu dia-a-dia nas tarefas domésticas, desde a limpeza da casa

com o aspirador de pó que “basta passar para limpar”, ou com a economia de tempo e

trabalho dispensado com a lavagem das roupas facilitado pela máquina de lavar, como

também pelo cozimento de alimentos no fogão a gás e não mais a lenha, novidades que

se diferenciavam, se comparadas ao período de seus pais ou avós.

24

SEVCENKO, 2004, p.602.

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Foto 30: Seleções Digest, n.º 148, p.30, maio de 1954 Foto 31: O Dia, Teresina, p.5, 06 de dez. de 1953.

No jornal Folha da Manhã existia uma coluna chamada Página Feminina

que continha conselhos úteis a uma rainha do lar, desde tratamento de doenças com

plantas medicinais ou receitas de forno e fogão e ainda instruções sobre como lavar as

roupas, para aquelas donas de casa, que não possuíam uma máquina de lavar.

O trabalho de lavar roupa começa na véspera quando se separa as

peças de cor, da roupa branca, colocando-as de molho em separado

[...] os panos de prato devem ser fervidos, por causa da gordura [...] o

por de molho deve ser feito com cuidado. Os lugares mais sujos das

roupas dos homens, por exemplo, os punhos e os colarinhos das

camisas, devem ser ensaboados e esfregados com uma pequena

escova, que não deve ter os fios muito duros para não rasgar a fazenda

[...] depois de passar o sabão na roupa toda, o branco lógico, deve-se

colocar ao sol para clarear um pouco. Depois se enxágua com água

morna, torce-se e põe-se na corda ou no enxugador para secar25

.

Segundo Betty Friedan citada por Badinter, “as americanas, pouco depois de

1945, foram condicionadas a serem mães devotas e mulheres do lar. Edificou-se, em

torno delas, toda uma mística, como se a maternidade fosse algo inato26

” pertencente à

natureza feminina, com um destino biológico a cumprir. Dessa forma, tentou-se

dogmatizar, através destes discursos, a distinção dos papéis masculinos e femininos, no

interior das relações familiares.

25

A LAVAGEM das roupas. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 19 de jan. de 1958. 26

FRIEDAN apud Badinter, 1985, p. 326

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A imprensa, na década de 1950, balizada em idéias freudianas popularizadas

no período entre guerras, como aquela de que o lugar da mulher é o lar, dando-lhe

características que as diferenciavam do homem, através de clichês como “ela é passiva e

submissa, ele ativo e dominador”.

Algumas crônicas, em consonância com o discurso da rainha do lar e

conseqüentemente o discurso católico, nos dão pistas que apontam mudanças sociais e

culturais, no período, mostrando que nem todas as mulheres se enquadravam com tal

discurso,

No meio de tanta miséria deixada por uma guerra [...] que será da

família? Como nos salvar deste naufrágio? A tantas perguntas

responde a voz de Pio X: Daí-me mães verdadeiras e salvarei o

mundo! Sim, é elas que o mundo atual precisa [...] valem pela

educação dos filhos, rainhas de seus lares [...] infelizmente não é o que

se encontra hoje em dia. Muitas mães hodiernas não passam de umas

bonecas de salões onde mostram suas principais virtudes: o saber

enfeitar-se e o saber agradar27

Segundo Iracema Santos Rocha da Silva, o ideal era que as mulheres não

cometessem excessos, não deviam nem ser rainhas de seus lares em tempo integral e

nem serem modernas em tempo integral, era preciso dosar, conciliando as tarefas fora e

dentro do lar. As mulheres deviam viver não somente em função do marido, dos filhos,

deveriam também pensar em seu bem-estar, seja através de sua realização profissional,

ou estudando, procurando meios de torná-las possíveis, portanto, sendo modernas sim,

mas tendo tempo, para se dedicarem a sua „higiene mental‟, ou seja, lendo, tendo acesso

a diferentes conhecimentos, outrora, não acessíveis ao feminino. Pensarem na sua

realização profissional, “idealizar um futuro bonançoso”

Os extremos são perigos [...] existem mulheres [que] se entregam aos

extremos [...] muitas compreendem a vida como um deslizar macio de

prazer a outro. Festas, passeios, compras. Entregam as empregadas os

filhos [...] beijam os filhos preocupadas com a hora da manicure, com o

novo penteado que vão usar, ou com o modelo balão ou saco [...]

esquecem uma boa leitura com os filhos e o marido [...] outras, na

extremidade oposta, apegem-se (sic) em demasia aos trabalhos caseiros

[que] sugam, desvitalizam e escravizam a mulher. Esquecem das

pequenas pausas, repousos [...] da higiene mental necessária ao impacto

árduo da vida [..] não tem tempo de sonhar, um pouco, idealizar um

27

CESAR, Rita Maria de Mello. Mãe. O Dominical, Teresina, p.1, 18 de jul. de 1948.

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futuro bonançoso, salutar pelo efeito da esperança nas almas cansadas

[...]28

.

Segundo Carla Bassanezi29

, o ideal de felicidade conjugal constituía-se um

dos temas mais freqüentes nas publicações femininas brasileiras, entre 1940 e 1960. O

amor era um dos itens necessários à felicidade dos cônjuges, no entanto, não era o

único, na balança também pesavam as habilidades das prendas domésticas. Ser uma boa

mãe e esposa era medido, através do bem-estar dos filhos e do marido, se eles

estivessem bem ou não era responsabilidade da mulher.

O cuidado com a sua aparência, também era outro atributo essencial no qual

a esposa deveria manter em prol da felicidade conjugal, era manter-se bonita sem deixar

de descuidar dos afazeres domésticos. A quantidade de publicidade, em torno dos

produtos de higiene pessoal, maquiagem, peças íntimas, refletem essa preocupação com

os cuidados da beleza feminina. A esposa até poderia ficar mais bela e sensual para seu

esposo, usando lingeries que valorizavam seu corpo, sem ser confundida com uma

prostituta.

Foto 32: Revista Vida Doméstica, n.º 341, p.87, ago. de 1946.

28

SILVA, Iracema Santos Rocha da. Nada de excessos. O Dominical, Teresina, p. 4, 28 de jun. de 1959. 29

BASSANEZI, Carla. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1964). Cadernos Pagu,

n.º 1. Campinas: UNICAMP, 1993. p. 111-147 Vida Doméstica, Jornal das Moças estas revistas davam

„receitas de felicidade‟ conjugal.

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O cuidado com o corpo e a higiene corporal impunha uma nova imagem à

mulher casada: a de sedutora do marido, com o objetivo de manter o casamento, as

revistas femininas começavam a divulgar essa nova imagem, como a francesa Marie-

Claire, “se quiserem conservar os maridos, devem se manter atraentes [...] esses

conselhos que exigiam demais das mulheres, isso não estava no contrato que fundava o

casamento da geração anterior30”.

Ser uma boa esposa também significava ter diálogo com seu esposo, mesmo

com tantos afazeres que um lar apresentava, os cuidados com crianças que também

requeriam, era preciso saber agradar o marido, conversar, mostrando interesse por

assuntos que interessavam a ele, mesmo que, algumas vezes, o assunto a aborrecesse.

Trocar idéias com seu esposo, dar-lhe atenção, era sinal de uma „companheira perfeita‟,

não se queixando da sobrecarga dos trabalhos domésticos, não sendo amargas, tristes,

choronas, irritando o marido e cansando-o. Isso era desaconselhado, o que moldava

mulheres resignadas e tolerantes, por vezes, se esquecendo das suas vontades, “naquele

tempo a gente tolerava as coisas, quando o M. [esposo] gostava de uma coisa eu

também me esforçava para gostar e não brigávamos31

”, pois, o objetivo maior era

manter o casamento, isso estava acima de tudo, a todo custo deveria evitar o desquite.

Possuir habilidades domésticas, cuidar da casa, ser a responsável pela

educação dos filhos, eram atributos vinculados ao ideal de felicidade conjugal,

esperados de uma dona de casa, mãe e esposa. Quanto às funções atribuídas ao homem,

pai e esposo, era a de prover a família, ou seja, ser honesto e trabalhador. Nos

documentos pesquisados não encontramos nenhuma referência ao desempenho sexual

do casal em nome da felicidade entre os cônjuges, a afinidade sexual “parece ter sido

um fator menos importante no ideal de felicidade conjugal32

”.

Dona Iracema Santos Rocha da Silva escrevia constantemente para a coluna

Crônica Feminina, do semanário O Dominical, mesmo que de maneira contraditória33

,

se levamos em conta crônicas suas já analisadas anteriormente. Nesta, ela aconselhava

as mulheres a „aceitarem‟ sua condição sem revolta face a „desigualdade das sortes‟. Era 30

PROUST, p.97-8 (grifo nosso) 31

V.G.F.N, 2007. 32

DEL PRIORE, 2006, p.295. 33

Percebemos idéias contraditórias nas diferentes crônicas que escreveu na década de 1950, o que nos faz

analisar que entre 1957 e 1959 sua vida tomou rumos e guinadas diferentes que transformaram sua vida,

como a maneira de se pensar enquanto mulher num período regido por convenções sociais e também

rupturas nas transformações sociais que ocorriam. A ruptura em suas crônicas foi percebida a partir de sua

entrada na FAFI, as crônicas escritas antes de sua entrada e participação nas atividades acadêmica do

ensino superior tem uma perspectiva, e após suas “novas leituras, conhecimentos” passaram a ter novas

abordagens e muitas vezes a contradição prevaleceu.

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“preciso de coragem para calafetar as brechas da tua alma [...] se, porém, amiga, tens o

coração angustiado e a alma sufocada [...] contém-te um pouco que sentirás tua alma

sacudida por um canto suave que se chama resignação34

”.

A discriminação, rigidez e desigualdade na divisão dos papéis sexuais

poderiam ser percebidas em relação às tarefas domésticas e aos cuidados com os filhos,

que eram reservados inteiramente às mulheres, não havia redistribuição dessas tarefas

com o homem. Dessa forma, em relação aos papéis de gênero na família, na década de

1950 continuava ainda presente, no inconsciente coletivo, a idéia de que a criação dos

filhos caberia principalmente à mulher, e de que os pais não passavam de colaboradores

nessa tarefa35

.

Dona Iracema Rocha nos confirmou a informação anterior sobre a falta de

colaboração paterna nos cuidados e educação das crianças, seja a alimentação, o banho

ou nas atividades escolares. Sobre seu esposo, comentou “nunca me ajudou a vestir e a

dar comida às crianças [...] não ajudava com as fraldas, nem a dar banho [...] e ninguém

cobrava. Isso era normal, pois se sabia que era tarefa de mulher36

.

O papel masculino no interior de um lar era essencialmente econômico, sua

função era a de prover a família. Por um lado, os homens se recusavam a participar de

forma efetiva das tarefas cotidianas, mesmo de vivenciar de forma efetiva a dimensão

afetiva da paternidade. Por outro lado, deles não era cobrado uma mudança nas atitudes

diante da família e da criação dos filhos37

.

Com o trabalho feminino, houve a liberalização da mulher das teias

domésticas do reinado das panelas, através de uma libertação econômica, tendo acesso

às carreiras antes consideradas masculinas. Elas, aos poucos, poderiam questionar a

função paterna, que era meramente econômica, dessa forma, “estabelecida a igualdade,

os homens pensem, finalmente sob a sugestão insistente das mulheres, em questionar o

papel paterno38

”.

Corroborando com a afirmação anterior, as mudanças sociais que estavam

apontando na sociedade demonstravam que o modelo de família hierárquica, proposto

pelo discurso católico, começava a se alterar, como podemos perceber na insatisfação de

um cronista católico, que afirmava que a família estava em crise e estava „deixando‟ seu

34

SILVA, Iracema Santos Rocha da. Para ti. O Dominical, Teresina, p. 4, 23 de mar. de 1958. 35

BADINTER, 1985, p. 286 36

SILVA, 2008. 37

BADINTER, op. cit. p. 287-294 38

IBIDEM, p. 294

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sentido sagrado, porque o pai estava perdendo o seu lugar de rei e cabeça da sociedade

conjugal39.

Segundo o discurso católico, caberia à mulher resolver essa situação, “o

destino de nossa época está nas mãos de uma mulher40

”, ou seja, elas deveriam escolher

entre o lar e o trabalho. Daí porque o discurso, que considerava negativo o trabalho

feminino, passou a argumentar que o lugar da mulher era o lar, cuidando dos filhos e do

marido.

A desigualdade de gênero poderia ainda ser percebida nas sobrecargas das

responsabilidades femininas, especialmente a esposa, que era quem „moldava,

„construía‟ o homem. A carga ou peso que colocaram em seus ombros exigia esforços

de uma super-mulher, essa cobrança, porém, não ocorria com o homem, o cuidado do

mundo a sua volta, não era atribuído ao masculino, como se fazia em relação a „grei

feminina‟,

nunca será demais repetir que a mulher é a responsável pelo mundo

que se forma, a mulher é inspiradora e conselheira do homem, sua

formadora e seu refúgio, exemplo e incentivo, todo papel que o

homem desempenhar, será resultado da ação da Mulher41

.

Era preciso adequar e instruir a mulher moderna quanto aos papéis de

gênero tradicionais que alguns discursos na sociedade esperavam que fossem

dominantes, no entanto, como fazer para que as mulheres acreditassem nas suas

„obrigações‟ e „sacrifícios‟, como função ou „missão divina‟ a ser exercida no seio da

família

Que resta, porém, a mãe, se seus exemplos: de bondade, pureza,

decoro e honestidade, são obscurecidos pelos exemplos múltiplos, que

a filha vê algures? Assim é que não pode uma dúzia de mulheres

reivindicar lugares tranqüilos para a futura geração que se projeta, se

não contar com o apoio de toda a grei feminina. Mulheres alertas, que

o mal (ele é masculino) quer roubar-nos a coroa da superioridade que

nos deu o céu, essas cúpula das formações. Dizem que somos

caprichosas. Pois eduquemos o vicio para a virtude, e selemos o pacto

de união com a dignidade do posto que ocupamos e sejamos símiles

da única mãe: Maria Santíssima42

.

39

PAULA, Alves de. No dia dos pais. O Dominical, Teresina, p.3, 15 de ago. de 1954. 40

O DESTINO de nossa época está nas mãos da mulher. O Dominical, Teresina, p.3, 30 de jan. de 1955. 41

SILVA, Iracema Santos Rocha da. O lugar da mulher. O Dominical, Teresina, p.3, 15 de jul. de 1958. 42

IDEM.

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Os estudos de gênero têm por objetivo quebrar a lógica da binariedade,

baseada na diferença biológica, ou na polaridade opressão masculina versus

subordinação feminina. Contudo, não podemos fazer análises reducionistas que

transformavam as mulheres em vítimas, elas não eram nem algozes nem vítimas, elas,

em muitas situações, se utilizavam de estratégias ou resistências bem sutis de

manipulação: como o capricho, por exemplo, ou outros micropoderes silenciosamente

disfarçados. Em outros casos, ocorria a submissão feminina perante o esposo, porque

ela consentia, através de uma violência simbólica, “aquele que a sofre contribui para sua

eficácia43

”, sendo necessário compreender que,

a incorporação da linguagem da dominação [o que] ajuda a

compreender como a relação histórica cultural e linguisticamente

construído, é sempre afirmada como uma diferença de natureza,

radical, irredutível, universal. O essencial não é então, opor termo a

termo, uma definição histórica e uma definição biológica da oposição

masculino e feminino, mas, identificar para cada configuração

histórica, os mecanismos que enunciam e representam como natural,

portanto, biológica, a divisão social e portanto histórica dos papeis e

das funções44

.

Dessa forma, faz-se necessário perceber tanto os discursos que tentaram

legitimar a binariedade, quanto perceber que as práticas, não apenas eram múltiplas,

mas estavam além da polaridade masculino e feminino.

Outros cronistas mais antenados com as transformações que levavam para a

igualdade nos papéis de gêneros que começavam a apontar na sociedade. Eles, portanto,

aconselhavam aos pais, especialmente ao homem, a mudar de postura no tocante à

educação dos filhos, devendo ajudar a esposa no cuidado com os filhos.

Procure cooperar com sua esposa na educação dos filhos. Evite

empregar sempre a sua própria lógica, nos acontecimentos da sua

família. Procure compreender os problemas de sua esposa e dos seus

filhos. Não tome sempre atitudes ditatoriais, ralhando com os filhos

ou castigando-os a qualquer preço [...] não ergua (sic) barreiras entre

sua personalidade e a de seus filhos, como fazia a educação clássica.

Pelo contrário, procure „descer‟ ao nível de compreensão e do afeto de

seus filhos45

43

BOURDIEU apud CHARTIER, Roger. Diferenças entre os sexos e a dominação simbólica. (nota

crítica). Cadernos Pagu (4) - Fazendo História das Mulheres. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero –

Pagu/Unicamp, 1995, p.40 44

IBIDEM, p.42. 45

CONSELHOS de higiene mental aos pais. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 16 de mar. de 1958. (grifo

nosso)

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“Procure cooperar com sua esposa na educação dos filhos” e “procure

compreender os problemas de sua esposa”, este discurso anunciava, mesmo de maneira

lenta e gradual, uma maior flexibilização na divisão sexual das funções na família, o pai

também seria o responsável na educação dos filhos.

5.3 Quase todos contra o divórcio: a dignidade e segurança da mulher „acima‟ de tudo!

No período em estudo, a legislação a partir da Constituição Federal e do

Código Civil, de 1916, tinham aspectos conservadores em relação à família, e, portando,

valores que diferenciavam hierarquicamente os papéis sociais no período pesquisado. A

a mulher casada era considerada incapaz, para exercer qualquer profissão precisaria da

permissão do marido, e em casos de novas núpcias perdia a guarda dos filhos.

O divórcio não existia e a única possibilidade de separação, na década de

1950, era o desquite, introduzido no Brasil, a partir de 1942, com a inclusão do artigo

315 no Código Civil, o qual estabelecia a separação de corpos sem dissolução do

vínculo conjugal, ou seja, não admitia novas núpcias para os desquitados.

Na década de 1950, travaram-se debates em torno da dissolubilidade do

vínculo matrimonial entre divorcistas e antidivorcistas, os argumentos utilizados foram

vários, os que eram contra fundamentavam seus argumentos em três categorias: sociais,

doutrinárias e outro relacionado às mulheres. Aqueles que defendiam a dissolubilidade

do vínculo argumentavam a partir da seguinte indagação “então não pode o cônjuge

refazer sua vida”?

O discurso católico, ao rebater os argumentos contra os divorcistas,

utilizavam-se de argumentos, como por exemplo, as conseqüências nefastas sobre a

desarticulação da célula mater na sociedade – a família. Caso esta entrasse em

desarranjo, afetaria o bom funcionamento da Igreja, dessa forma, a partir daquele

discurso, a família só tinha razão face ao matrimônio uno, sagrado e indissolúvel. Nessa

lógica de pensamento, o casamento indissolúvel beneficiaria principalmente à mulher,

por isso um dos argumentos utilizados para conter a aprovação do divórcio no Brasil

foi a defesa e preservação da dignidade e segurança feminina. Caso a “chaga social”

fosse aprovada, rebaixaria a mulher moralmente.

O divórcio, assunto que esteve na Câmara Federal e posteriormente no

Senado, foi uma das maiores preocupações da Igreja Católica, na primeira metade do

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século XX, quando liderou campanhas contra a aprovação do divórcio no Brasil, que foi

aprovado somente em 197746

. Durante a década de 1950, e a partir das prescrições

colocadas no jornal O Dominical, pudemos perceber como o discurso católico

desenvolveu inúmeros estratégias de ação contra o “cancro” social, desde a defesa da

dignidade da mulher à destruição do lar, para que os filhos não ser tornassem órfãos de

pais vivos47

.

O debate sobre a indissolubilidade do casamento no Brasil começou ainda no

final do século XIX, quando houve a implantação da República e idéias liberais

entraram no Brasil. Mas, somente na década de 1950 que foi intensificada, quando o

deputado federal Nelson Carneiro lançou na Câmara o projeto de cunho divorcista nº.

786 de 1951, que buscava regulamentar a dissolução dos laços conjugais, alterando a

Carta Magna, que preconizava a indissolubilidade do vínculo.

Esse projeto não conseguiu passar da Câmara para as discussões no Senado,

mas, em 1953, outra vez, Carneiro lançava outro projeto, o de número 3.099/53.

A Câmara preservou e defendeu [...] uma das grandes tradições da

nossa formação moral e jurídica [durante] toda a longa e agitada

campanha empreendida pelos partidários da instituição do divórcio

[foi rejeitado a] emenda constitucional divorcista, na sessão noturna

de quarta-feira, por 187 votos contra 46. Tratava-se realmente de uma

emenda que visava abrir a implantação do divórcio no Brasil48

.

Dentre os argumentos dos antidivorcistas para repelir o divórcio, o mais

enfático eram o desmoronamento social, a desestabilidade do lar, o esfacelamento

de famílias, cujas conseqüências diretas e nefastas cairiam sobre a mulher,

“[...] o divórcio prejudica muito mais a mulher do que o homem; honesta, recatada teme

escândalo [...] quando [o divórcio] sobrevém, encontra-a desarmada para a vida,

impotente para lutar e manter-se [...]49

”.

A mulher desquitada era discriminada socialmente, apontada como

uma mulher de escândalo, mal falada, os preconceitos existiam e eram tantos que a

mulher desquitada era vulgarmente chamada de galinha50

.

46

BRASIL. Decreto Lei n.º 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da

sociedade conjugal e do casamento. Brasília. Disponível em:

<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action >. Acesso em 29 de jan. de 2009. 47

O DIVÓRCIO e os filhos. O Dominical, Teresina, p.1, 25 de jan. de 1955. 48

O FRACASSO da campanha divorcista. O Dominical, Teresina, p.1, 07 de set. de 1952. 49

O DIVÓRCIO e a Assembléia. O Dominical, Teresina, p.1-4, 9 de set. de 1951. 50

SANTOS, 1998, p. 52

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A justiça, ao analisar os casos de desquite, concluía, em alguns deles, que a

mulher era responsável. Esses processos constituem uma fonte preciosa de análise do

jogo de poder, no entanto, não tivemos acesso às referidas fontes. A imprensa

teresinense, em janeiro de 1950, publicava os arautos de uma ação litigiosa de desquite,

requerido pelo esposo, concluía-se que a esposa era culpada, devendo esta não mais usar

o sobrenome do esposo e, principalmente, perdia a guarda dos filhos. Infelizmente, não

tivemos acesso ao processo para analisarmos o ocorrido.

[...] nos arautos do desquite litigioso, entre as partes João Pereira de

Matos e Júlia Figueira de Matos, foi proferida a sentença datada de

cinco de janeiro de mil novecentos e cinqüenta, que julgou procedente

o pedido de desquite litigioso requerido por João Pereira de Matos

contra sua aludida mulher, Júlia Figueira de Matos, decretada a

dissolução da sociedade conjugal do autor com ré, considerada esta

cônjuge culpada condenada a não mais usar o nome do marido, e a

este assegurada à guarda dos filhos do casal51

.

Continuavam os antidivorcistas a utilizar os seus argumentos, divulgando

para a sociedade, que todos deveriam ficar contra o divórcio, principalmente as

mulheres, estas seriam as que sofreriam as „piores conseqüências‟, desde o seu

rebaixamento moral, até a perda da dignidade de mãe e rainha de seu lar52

.

Este era o pensamento de alguns moralistas, que, na sociedade teresinense,

expressavam seu ponto de vista em colunas dos jornais, como por exemplo, a registrada

pelo desembargador Simplício de Sousa Mendes, que expunha sua opinião em sua

coluna diária no jornal Folha da Manhã. Sobre o assassinato de Leila Dourado Lopes

pelo próprio marido, o banqueiro Antônio Abreu, de 50 anos, o colunista atribui ao

comportamento da mulher a culpa pela tragédia. Leila de 26 anos estava se desquitando

do banqueiro, e por não „seguir‟ padrões de comportamentos normalizados por alguns

setores da sociedade como paradigma de mulher resignada e submissa. Na opinião do

cronista, ela pagou um alto preço por sua transgressão às normas sociais.

[...] pouco durou a felicidade do lar. Nem o nascimento do filho -

Antônio – impediu o desquite, homologado em 1956. Ele mundano,

dado à conquistas, freqüentador de boites (sic) e casas de jogatina. Ela

bela elegante da society carioca e de S. Paulo, brilhante pelo seu porte

atraente e sedutor. O pequeno Antônio entregue à sorte e sem os

devidos cuidados maternos. Resultado, conseqüência fatal, o marido 51

JUIZ de Direito da Segunda Vara: Edital de Intimação e Sentença. Jornal do Comércio, Teresina, p.2,

14 de jan. de 1950. 52

PORQUE devemos ser contra o divórcio. O Dominical, Teresina, p.1, 7 de outubro de 1951.

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encontrou-a pelo braço do milionário paulista. A tragédia – o ciúme

transforma o amor em crime. Leila pelo revolver do marido é abatida

com seis tiros, enquanto este no mesmo instante suicida-se [...]

somente uma insistente e bem orientada educação religiosa pode

refrear as paixões [...] é justamente essa generosa e insubstituível

figura de mãe cristã [...] justamente o que não foi a bela, elegante e

encantadora Leila, trocando o lar pelo mundo, tornando-se causa da

tragédia [...] na infelicidade do lar, faltou-lhe abnegação,

desprendimento, espírito de renúncia, de sacrifício – pela força da

maternidade e conforto da religião53

.

No período em estudo, havia uma predominância da dupla moral sexual, a

mulher tanto solteira quanto casada deveria se preocupar com sua reputação, portanto,

sua sexualidade era controlada. Aos homens, ao contrário, era concedida uma maior e

deliberada liberdade, “ele mundano, dado a conquistas, freqüentador de boites (sic) e

casas de jogatina”, ela a „boa‟ esposa não deveria tentar „cortar essas saídas‟, a mulher

deveria, conforme preconizado pela sociedade, „suportar com paciência‟, ser resignada,

submissa. O procedimento correto da „boa esposa‟ era reconquistar o marido,

esquecendo os ciúmes. Abandonar o lar ou separar-se do marido estava fora dos planos,

era preciso perdoar e manter silêncio, sem cobranças, tudo em nome da „família unida54

.

E, caso algo não desse certo, a culpa ou erro recaía sobre os ombros femininos, os

fracassos no relacionamento conjugal e até mesmo tragédias como a que ocorreu a Leila

Dourado Lopes, já mencionada neste trabalho.

Outras ações de desquite impetradas por esposas, também, refletiam a busca

pela felicidade e liberdade, em face da vida que levavam como casadas, a moral já não

era suficiente para alimentar as suas aspirações. Angustiadas e, principalmente

agredidas, não apenas verbalmente, mas também fisicamente, algumas mulheres

buscavam novas chances de viver, iam à delegacia, prestavam queixas contra seus

esposos e, como isso não resolvia, buscavam o desquite,

[...] grave queixa de uma jovem senhora contra o capitão Augusto

Cesar Daniel, do Ministério da Guerra – espancada, resolveu impetrar

uma ação de desquite – o oficial não respeitou o despacho do titular da

Quinta Vara de família [...] a Sra. Maria do Socorro Moura Daniel

[foi] expulsa de casa juntamente com o filho Marcus Daniel de três

anos de idade. O marido para expulsá-la, trocou as fechaduras das

portas [...] cansada de tanto sofrer, resolveu separar-se, tendo para isso

apresentado à Justiça, ação de desquite. Isso há uns dois meses. O

53

MENDES, Simplício de Sousa Mendes. Amor e crime. Folha da Manhã, Teresina, p.6, 06 de fev. de

1959. 54

BASSANEZI, 1993, p.137

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oficial não gostou da iniciativa da esposa e não mais lhe deu um

centavo sequer para alimentação sua e do filho [...] o Juiz da 5ª Vara

da família [...] decretou separação de corpos e autorizou-a continuar

com o filho no apartamento55

.

Muitas mulheres continuaram sendo barbaramente espancadas e, em

silêncio, permaneciam sendo agredidas, não conseguiram dar um primeiro passo: prestar

queixa ou ter coragem para dar um basta, impetrando ação de desquite. Poucas tiveram

essa iniciativa, algumas foram assassinadas por seus esposos, como demonstravam as

estatísticas policiais na cidade de Teresina, no período em estudo,

Hilda Bonfim Machado, residente na Vila Operária, n.º 22, apresentou

queixa na Delegacia de Segurança Pessoal, contra seu esposo Antônio

Araújo Machado, servente da Secretaria de Finanças, por haver

espancado a queixosa56

.

A senhora Raimunda Alves Martinez, compareceu à Delegacia de

Segurança Pessoal e Ordem Publica, apresentando queixa contra seu

esposo Alcides Martinez, por ter o mesmo espancado-a e ameaçado-a

de morte57

.

Compareceu a Delegacia Pessoal e Ordem Pública, o Sr. Marcelino

Santana, morador na Lagoa da Mota, apresentando queixa contra seu

genro José Benjamin, soldado da Polícia Militar do Estado, por ter o

mesmo espancado seu filho e esposa do acusado, a qual veio falecer

na madrugada de ontem, em virtude do bárbaro espancamento. O

criminoso está sendo procurado a fim de ser julgado pelo crime58

.

Mudando o tom, a sociedade polarizava o masculino como forte e o

feminino como frágil, num discurso que tentava naturalizar essas características às

identidades, de homens e mulheres, tais discursos são construções, logo, poderiam ser

re-significados. Os homens, que eram associados à imagem de forte, se transformavam

em frágeis, ao expressarem seus sentimentos, a partir dos abandonos e amores não

correspondidos. As questões amorosas que afetavam o público masculino eram

representados na forma de samba-canções59

, que era o estilo de musical dos anos 40 e

50, escritos por homens, em sua maioria, estes demonstravam os seus sentimentos

55

EXPULSOU a esposa e o filho de casa. O Dia, Teresina, p.5, 15 de jun. de 1958. 56

ESPANCOU a mulher. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 28 de fev. de 1958. 57

ESPANCOU a mulher. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 15 de abr. de 1958. 58

MATOU a esposa. Na ronda das ruas. Folha da Manhã, Teresina, p.2, 09 de mar. de 1958. 59

Sobre canções enquanto fonte significativa para se acessar as subjetividades dos sentimentos

masculinos e femininos nos anos dourados ver MATOS, Maria Izilda Santos de. Sensibilidades e

subjetividades: cantando dores e amores. In: ___________. Ancora de emoções: corpos, subjetividades e

sensibilidades. Bauru, SP: EDUSC, 2005. p.91-157.

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através das letras das canções, afinal, eles também sofriam e demonstravam o quanto

eram sensíveis e frágeis.

“Antônio Maria foi o porta-voz especial e sensível das inquietações e

frustrações amorosas de seu tempo e lugar. Cantava e compunha sobre os rompimentos,

descrevendo as experiências das noites passadas entre uísques e samba-canções60

”. O

compositor não tinha ressalvas, fazia confissões através das letras que compunha. Com

a temática dor de cotovelo, Antônio Maria deu destaque aos desencontros e desilusões

amorosas que sofreu, cantou o amor e a dor, demonstrando que o homem também sofria

com a saudade de um amor e a dor do abandono. Em 1952, estourou o seu grande

sucesso “Ninguém me ama” na voz de Nora Ney.

Ninguém Me Ama

Antônio Maria

Ninguém me ama, ninguém me quer

Ninguém me chama de meu amor

A vida passa, e eu sem ninguém

E quem me abraça não me quer bem

Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso

E hoje descrente de tudo me resta o cansaço

Cansaço da vida, cansaço de mim

Velhice chegando e eu chegando ao fim61

Onde Anda Você?

Antônio Maria

Nesta noite comprida

Onde anda você?

Neste instante da vida

Onde anda você?

Por que você não vem

Meu bem, por quê?

Nesta hora perdida

Eu queria você

Fui como um resto de bebida

Que você jogou fora

E na hora

Farto de mim

Me esqueceu

Eu fui mais uma taça desprezada

Quis ser tudo e não fui nada

Ninguém é mais triste do que eu

60

MATOS, 2005, p.106 61

Sobre letras e músicas do compositor Antônio Maria. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/antonio-

maria/242515>. Acesso em 29 de jan. de 2009.

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As letras, ao falar de amor e dor, demonstravam a fragilidade masculina em

lidar com os sentimentos de abandono e desilusões amorosas.

5.4 Descortinando os preconceitos: as mulheres no ensino superior e no mercado de

trabalho

Por iniciativa do Arcebispo Metropolitano, Dom Avelar Brandão Vilela, foi

criada a Sociedade de Cultura do Piauí, que, mais tarde, foi responsável pelo

funcionamento da Faculdade de Filosofia do Piauí – FAFI, que passou a funcionar

mediante Decreto n.º 43.402, de 18 de março de 1958. Este decreto autorizou abertura e

funcionamento, iniciando, no mesmo ano as atividades da Faculdade.

A implantação da FAFI significou um avanço para o ensino superior no

estado, especialmente para as mulheres. A nova faculdade significou novos horizontes,

pois, até aquele momento, a única instituição de ensino superior existente no estado, era

a Faculdade de Direito - FADI, criada em 1931. Na FAFI, funcionavam os seguintes

cursos: Letras Neolatinas, História, Geografia e Filosofia, o que possibilitou ao universo

feminino da classe média, outras possibilidades de realização, no final da década de

1950, para além do casamento62

. Dessa forma, percebe-se um ruído ou dissonância no

discurso católico que prescrevia ao feminino o lugar fixo de rainha do lar de um lado, e

de outro, o discurso modernizava-se ao propor outros lugares de realização, a partir do

funcionamento da FAFI.

O projeto ou desejo de ver funcionar uma faculdade com grande número de

cursos, a exemplo da Universidade de São Paulo, não partiu da Igreja Católica, como a

historiografia local colocava, partiu de um grupo de intelectuais, como o advogado e

jornalista Celso Pinheiro Filho, com o auxílio do professor Camilo Filho em 1952, ano

do centenário da capital piauiense. Tinham como principal objetivo abrir o maior

número possível de cursos em uma Faculdade, para, posteriormente, transformar-se em

Universidade, com a intenção de federalizá-la, como ocorreu com a FADI, em 1950.

A imprensa no período registrou o seguinte: “a documentação referente ao

reconhecimento da Faculdade de Filosofia do Piauí pelo Ministério da Educação foi

remetida a capital da República, por intermédio do senador Joaquim Pires, a 22 deste63

62

Sobre a inserção de mulheres no ensino superior no Piauí, a partir do final dos anos cinqüenta, ver

CARDOSO, 2003. 63

SERÁ reconhecida a Faculdade. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 31 de ago. de 1952.

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A primeiro do corrente, foi declarada fundada, em reunião para esse

fim realizada na Faculdade de Direito do Piauí, a Faculdade de

Filosofia do Piauí; sob a forma de associação civil. A solenidade foi

presidida pelo Des. Cromwell Barbosa de Carvalho, tendo usado da

palavra os drs. Pedro de Morais, Robert Wall de Carvalho e Celso

Pinheiro Filho, tendo este último lavrado ata de fundação [...]

Estamos seguramente informados, que a nova escola superior, abrirá

ainda este mês, inscricoes para exames vestibulares64

.

Este acontecimento foi registrado não somente pela imprensa do período,

mas também pelas memórias dos que testemunharam esse episódio, Manoel Paulo

Nunes rememora como ocorreu a implantação da FAFI,

Por volta de 1952, houve um projeto originário para a criação da

Faculdade de Filosofia, aliás, chegou a funcionar, mesmo sem

autorização do Ministério da Educação, em uma casa na Rua Grande,

hoje Álvaro Mendes. Mandaram o projeto para lá e ao mesmo tempo,

fez-se funcionar [...] Evaldo Lord mandou a Polícia Federal fechar

militarmente a Faculdade [...] Eles [Celso Pinheiro Filho e Camilo

Filho] criaram com o intuito de depois federalizada a Faculdade de

Filosofia, ou seja, passar toda a sua responsabilidade para o governo

federal, todos os cursos possíveis e inimagináveis foram criados, e

designados professores. E então por algum tempo não se falou mais

nessa faculdade até Dom Avelar chegar, foi colocado esse problema

para ele, e com sua competência e sua autoridade, sua seriedade, ele

deu prosseguimento e em 1958 a Faculdade de Filosofia passou a

funcionar regularmente [...] 65.

Sem dúvida, a Igreja Católica, através da atuação de Dom Avelar,

possibilitou mudanças nas trajetórias de escolarização e na condição feminina. A sua

atuação cultural no Estado foi notória, no que diz respeito aos esforços, para a instalação

da Faculdade de Filosofia no Piauí, em 1958. Queremos, entretanto, chamar a atenção

para o fato de que o pioneirismo do projeto de criação da FAFI não se deve ao

Arcebispo, houve um projeto anterior ligado a profissionais liberais, como argumentou

Nunes no depoimento citado, que é reforçado por outros registros anteriormente citados,

como, por exemplo o de José de Arimathéa Tito Filho: “em 1952 foi criada a primeira

Faculdade de Filosofia do Piauí, de curta duração66

”.

A escolarização superior e o mercado de trabalho para algumas mulheres da

64

FACULDADE de Filosofia do Piauí. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 16 de mar. de 1952. (grifo

nosso) 65

NUNES, 2008. 66

TITO FILHO, 1978, p.55

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classe média teresinense já era uma realidade, mesmo que de forma singular67

.

Entretanto, para outras o ensino normal continuava como „única‟ possibilidade de

escolarização, sendo que, no período em estudo, essa modalidade de ensino ainda era

considerada como educação feminina padrão, conforme constatamos nas fontes

pesquisadas, seja jornais, seja através das trajetórias de vida das entrevistadas.

Nasci numa época em que mulheres ainda eram educadas [de forma],

coatora (sic) e constrangedora da espontaneidade. A educação escolar

para mulheres castrava seus anseios e desejos pessoais. Mulher só

poderia estudar para professora ou enfermeira. Criada para a casa,

para o lar, para as prendas domésticas. Leituras curtas e abreviadas de

romances água-com-açúcar. Não podia nem pensar nem filosofar [...]

era uma sociedade ainda preconceituosa, com respeito aos direitos da

mulher68

.

No entanto, no período em estudo, a imprensa começava a divulgar e dar

ênfase a algumas mulheres, que, a partir dos investimentos familiares, começavam a

passar nos concursos vestibulares das mais variadas áreas, desde, Direito e

Odontologia69

.

A Faculdade de Filosofia do Piauí começava a transformar os hábitos da

cidade provinciana. As mulheres passavam a freqüentar cursos superiores com maior

intensidade, conforme nos revelou Cardoso70

, na análise do número de matrícula nos

cursos oferecidos pela FAFI.

Outro indicativo de mudança é percebido no horário adotado para o

funcionamento das aulas: no turno da noite. Estudar neste período constituía uma

liberdade muito grande na cidade de Teresina, “o meu balanço daqueles tempos

„fafianos‟ me leva a constatar uma afirmação da liberdade feminina que a vida

acadêmica só reforçou, estudando à noite e participando de atividades acadêmicas71

”,

como por exemplo, da I Semana Universitária do Piauí, realizada em outubro de 1959,

organizada pelos Diretórios Acadêmicos da FADI e FAFI.

A aluna de Filosofia, Iracema Santos Rocha da Silva fez a abertura do

evento com a palestra sobre os “Problemas Universitários72

”, na qual ressaltou as

questões e problemas pelos quais passava o ensino superior no Brasil e, especialmente

67

Ver CARDOSO, 2003. 68

SILVA, 2008. 69

SRTA MARISA Fonseca. O Dia, Teresina, p.6, 21 de mar. de 1954. 70

CARDOSO, 2003. 71

ABREU, 1996. p. 60. (grifo nosso) 72

SILVA, Iracema Santos Rocha da. Congresso Estadual de Estudantes. O Dominical, Teresina, p.6, 11

de out. de 1959.

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no Piauí, como é o caso da falta de bibliotecas. Encontros como o mencionando

constituíam espaço oportuno para os estudantes debaterem e discutirem o ensino, as

políticas estudantis e as políticas sociais.

A partir de meados da década de 1950, as mudanças que estavam ocorrendo

tornaram-se visíveis, também, na publicação do casamento à sociedade, feita através dos

proclamas, o que demonstrava transformações sociais. No anúncio do casamento ou

publicação dos proclamas, havia identificação ou caracterização social do noivo,

geralmente apresentavam os nomes dos pais, a profissão do noivo e o adjetivo

„prendada‟; para qualificar a noiva. Em meados da referida década, esta caracterização

foi acrescida de uma importante informação: a profissão da noiva, ou o local onde ela

trabalhava. O trabalho fora do lar não era mais atributo apenas masculino, o que

revelava também transformações sociais.

Contrataram casamento o Sr. José da Paz Freitas, no dia 10 do mês

passado, funcionário da Agência Local do Banco do Brasil e a

prendada senhorita Maria Alcina Castelo Branco Soares, fino

ornamento da sociedade teresinense e funcionária do Departamento

dos Correios e Telégrafos nesta cidade73

.

O trabalho feminino para as mulheres da classe média estava ficando cada

vez mais comum, visto que, para as mulheres das classes menos favorecidas, o trabalho

já fazia parte do seu cotidiano. Embora continuasse sendo percebido de forma

preconceituosa e encarado como supérfluo, o trabalho feminino era visto apenas como

complementar para a renda familiar, pois prover a família cabia ao marido.

As mudanças sociais e culturais que estavam começando a ocorrer na

década de 1950, por exemplo, a partir do trabalho de algumas mulheres da classe média,

favorecia as transformações, também, na família. As mulheres começavam a abdicar da

imagem de rainha do lar e do trono que haviam lhe conferido no recôndito do lar e,

conseqüentemente, da missão sagrada de ser mãe. As mulheres já estavam reduzindo

sua prole, pois, com poucos filhos, ficaria mais fácil para elas, começarem a ganhar

independência, através do trabalho e da escolarização. Algumas instituições sociais

tradicionais percebiam tais mudanças como crises sociais.

73

NOIVADO. O Dia, Teresina. p.6, 02 de jan. de 1958. (Grifo nosso)

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A mulher moderna. Como é ela? O anjo tutelar da família? Aquela

que vive em casa e para os seus? [...] a mãe que ama a maternidade e

cuja alegria são os seus filhos? mas, isto é a mulher das nossas

gerações passadas até 50 anos atrás, não a mulher moderna. A de hoje,

que lástima! Não quer ter filhos [...] então a mulher emprega-se [...] o

grande mal hodierno é que a mulher esqueceu que é mulher. Preferiu

imitar os homens no que eles têm de pior. Julgou estúpido o plano

divino de fazer os dois sexos diferentes [...] e para começar, esqueceu

que a mulher existe para a maternidade no lar cristão que relegou tal

fato [...]74

!

No período em estudo, muitas crônicas passaram a enfocar mudanças

sociais e estruturais que ocorriam na sociedade, como as que relatavam a mulher no

mercado de trabalho, especialmente, as casadas que passavam pelo grande „dilema‟ de

escolher entre a profissão e a família. Dessa forma, foi através da atuação como

educadora dos filhos, que a mulher sofreu uma das mais fortes pressões internas e

externas, para permanecer no recôndito do lar75

,

[...] muitas mães que se vêem entre a profissão e a família [...] é

evidente que cada mulher deve decidir se podem coadunar as suas

atividades profissionais com os seus deveres de esposa e mãe. Do

ponto de vista social não é fácil levantar objeções. O problema muda,

porém de aspectos no momento em que se pense (sic) nas mulheres

casadas e com filhos [...] em conseqüência da conjuntura econômica

favorável, o número de mulheres empregadas aumenta dia-a-dia76.

Ainda que a conjuntura econômica ajudasse oferecendo condições

para as mulheres trabalharem, alguns setores tradicionais da sociedade, não

concordavam que a mulher se emancipasse, através do trabalho. Por isso clamavam para

que a população feminina percebesse que o seu extrato máximo de mulher, consistia em

ser rainha de seu lar,

o que chamam de emancipação da mulher moderna significa apenas o

abandono da condição feminina [...] a feminilidade dever ser

defendida, não emancipada. A mulher precisa ser como Deus a criou

e não o que ela o mundo pretendem que seja [...]77

.

74

ELAS. Teresina, O Dominical, p.1, 07 de nov. de 1954. (grifo nosso) 75

ROCHA-COUTINHO, 1994, p.37 76

O GRANDE dilema da mulher moderna: entre a profissão e a família. Teresina, Jornal do Comércio,

p.5, 18 de mar. de 1956. 77

OS ERROS da emancipação feminina. O Dominical, Teresina, p.2, 04 de dezembro de 1955. (Grifo

nosso)

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Algumas mulheres da classe média começaram a planejar a quantidade de

filhos, pois, isso tornaria mais fácil seu ingresso no mercado de trabalho, bem como

para dar prosseguimento aos estudos. Algumas iniciavam na profissão do magistério ou,

posteriormente, no serviço público federal como dona V.G.F.N., que teve apenas três

filhos, pois, trabalhava para ajudar seu marido78

.

Ainda que as mulheres trabalhassem fora de casa, isso não lhes dispensava

das obrigações domésticas e dos cuidados com a educação dos filhos. Mesmo que

tivesse em casa a ajuda de empregadas domésticas, a „boa esposa‟ não deveria descuidar

dessas tarefas, acompanhando sempre de perto tudo o que aconteciam em seu lar. Era

preciso conciliar às tarefas domésticas com o trabalho fora de casa, ser uma „super

mulher‟ e, para conseguir essa conciliação, era preciso seguir um rigoroso cronograma

de atividades.

Esta semana quase esqueci tua crônica dominical, amiga [...] um

esquecimento punjante (sic) de preocupações [em] meu retalho

cotidiano de afazeres [...] coisas domésticas, em trabalhos de fogão,

em lides de fraldas de crianças, em costuras ou preocupações de

mercado [...] na afadiga das compras de todos os dias e, ao determinar

à cozinheira o „menu‟ modesto do meio-dia, volto-me à organização

do pandemônio do quarto das crianças [...] e da casa. Ainda tenho

como coisa exclusiva para donas de casa, os remendos das roupas

rasgadas e as confecções que todas elas são feitas por mim. E as aulas

que tenho a dar em dois estabelecimentos escolares e que preciso

organizar mentalmente, para que melhor sejam apreendidas pelos

alunos? Largo tudo e corro aos livros! Mas, os clássicos ponteiros do

relógio correm imperturbáveis, e vejo que é hora de sair para as aulas.

Qual o trabalho seguinte da lista? [...] E o caçula já saberá a lição? E o

ponto da Sociologia que preciso estudar para minha prova parcial na

Faculdade, como apreender sem perder tempo? „As cartas do Pequeno

Príncipe‟ em que estou interessada, como prolongar mais 20 minutos

diários de sua leitura? Se a lavadeira não trouxer a roupa hoje, tenho

de roubar alguns minutos espalhados para passar a ferro algumas

peças [...]79

.

Como demonstra à crônica, esperava-se que as mulheres casadas, antes de

se dedicarem ao trabalho fora do lar ou de seus estudos, fossem boas esposas, mães e

dona de casa perfeitas. Mesmo com a sobrecarga de responsabilidades femininas,

alguns discursos do período em estudo adjetivavam a mulher de sexo „frágil‟, em

78

V.G.F.N, 2007. 79

SILVA, Iracema Santos Rocha da. A vida de todos os dias. O Dominical, Teresina, p.6, 14 de jun. de

1959.

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oposição ao sexo forte, o homem, do qual era cobrado somente prover a família,

responsabilidade meramente econômica, e nada mais.

Um cronista, se utilizando de um relatório apresentado a sociedade norte-

americana, organizado pela empresa General Electric (GE), percebeu que a

normalização que caracterizava o masculino como ágil e forte e o feminino como frágil,

é uma questão social, cultural e não natural. É construída por discursos, que a qualquer

momentos são desconstruídos, desestruturados, demonstrando que essa divisão não tem

nada de natural, como a crônica a seguir exemplificava.

Segundo um inquérito de amplitude nacional realizado, pela General

Electric Company, mais de dez milhões de mulheres trabalham, ao

mesmo tempo, no lar e fora do lar, numa média de 79 horas por

semana. O primeiro inquérito em larga escala a respeito dos hábitos

das norte-americanas que exercem funções remuneradas revelou que,

além das 40 horas semanais que dedicam aquelas funções, as mulheres

funcionárias trabalham em casa, em média 36 horas por semana,

cozinhando, lavando louças e roupas, fazendo compras e tratando dos

filhos [...] o inquérito revelou que a dona de casa típica que trabalha

tem um filho, é casada, há doze anos, está empregada há seis anos,

mora numa casa de seis cômodos e tem um gato e um cachorro. Seus

aparelhos domésticos são os mesmos usados pela dona de casa que

não trabalha fora: o fogão elétrico, refrigerador, máquina de lavar

roupa, liquidificador, aspirador de pó e máquina de costura. Sua

contribuição para o orçamento é de 30% [para conseguir equilibrar as

tarefas dentro e fora de casa, segue um cronograma] as noites de

quarta-feira são dedicadas à limpeza da casa e os cuidados pessoais

de beleza [...] os maridos dão uma pequena ajuda em casa esvaziando

as latas de lixo e cooperando para a lavagem das roupas e para a

limpeza da casa em geral. O inquérito revelou que não existe homem

algum que deseje, ou seja, capaz de desempenhar o duplo papel da

mulher que trabalha. Às 79 horas de trabalho semanal parecem estar

reservadas apenas para o sexo ‘frágil‟80

O fato de o marido ajudar a esposa nas tarefas domésticas não constituía

uma questão de divisão de tarefas, já que os dois trabalhavam fora do lar, pelo contrário,

era considerado apenas uma gentileza algo esporádico e não era considerado uma

obrigação do esposo compartilhar as tarefas no lar.

O trabalho produtivo era requisito necessário para a aquisição a

independência feminina, pois, através daquele começava-se a diminuir as desigualdades

entre os papéis de gênero.

80

DEZ milhões de mulheres desmentem a fragilidade do sexo. O Dia, Teresina, p.2, 19 de fev. de 1956.

(grifo nosso)

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No entanto, no período em estudo, o trabalho feminino não estava em

primeiro plano, era percebido como complemento da renda familiar. Além disso, para

trabalhar as mulheres precisavam de uma prévia autorização do esposo, o que denota

submissão feminina ao homem. Em muitos casos, o desejo pessoal feminino deveria ser

suprimido, face aos sacrifícios do lar, revestidos em submissão feminina, juridicamente

legitimada pelo Código Civil de 1916, que exigia que a mulher casada tivesse

autorização do marido para trabalhar ou estudar.

Quando eu me formei em dezembro de 1946, então eu disse para meu

pai: “agora deixa eu fazer Direito”, um pedido, uma súplica. Acontece

que logo, no ano seguinte, eu já estava namorando, noivando, e em

menos de um ano eu casei. Foi muito rápido. Depois de casada, eu

pedi para meu marido, “deixa eu fazer Direito” , ele disse “Para quê?

você já tem o curso de Filosofia!”, ou seja, com uma insinuação de

dizer não, sem dizer não, ele disse “vai estudar Didática”, [...] os

tempos eram outros, eu pedia “me deixa fazer”, porque eu não faria

sem a concordância dele, pois bem, para você perceber como naquele

tempo, mulher era bem diferente81

.

No caso de Dona Iracema Silva, a escolha de dedicar-se integralmente à

criação dos filhos e ao marido levaram os planos profissionais para o segundo plano

mas, não os cancelaram82

. Em 1969, com os filhos já adolescentes, estudando fora, ela

passou no exame vestibular da Faculdade de Direito – FADI,

Então essa luta minha para estudar Direito foi árdua. Anos depois de

casada, eu disse para meu marido “me deixa fazer Direito, as crianças

já cresceram”, mas, só bem depois de anos de casada, consegui fazer o

vestibular de Direito. Aliás, minhas filhas já iam fazer vestibular em

Fortaleza [pois] elas queriam estudar Agronomia [...] antes de concluir

o curso de Direito, não é que eu não me sentisse feliz, na realidade, eu

não me sentia realizada83

.

Podemos observar que as filhas de dona Iracema Silva tiveram uma

trajetória escolar bem diferente, logo se, tornaram engenheiras e, somente, depois de

formadas, constituíram família. Dona Iracema, ao contrário, fez o que as convenções

sociais lhe impuseram, na década de 1950, como casar-se e ter filhos. Só depois, teve

81

SILVA, 2008. 82

PASSERINI, Luisa. A juventude metáfora da mudança social – dois debates sobre os jovens: a Itália

fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni; SCHIMIT, Jean Claude. História

dos jovens. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.349 83

SILVA, 2008.

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oportunidade de estudar, daí, sentir-se como uma “águia inerte, presa nos pesados

grilhões dos preceitos sociais!84

”,

[...] hoje, eu não acho que fui moderna, aliás, eu fui submissa demais,

eu fiz o que quiseram, o que os homens da minha vida exigiam, o que

a sociedade me cobrou e exigia. Apenas algumas coisas que eu fazia

que gostava como ler, estudar, ser professora. Em parte foi submissão,

porque eu fiz aquilo que a sociedade me exigia e custei a fazer o que

eu queria, mas, minha força de vontade me ajudou a vencer todas as

barreiras: fui professora catedrática, fiz o curso de Filosofia, de

Didática, fiz o curso de Direito, fui aprovada no concurso Juiz para a

cidade de Uruçui, fui aprovada no curso de Procurador do Estado,sou

Jornalista Profissional85

.

Com o processo de crescimento da cidade de Teresina, expresso no

aumento da população, serviço, comércio, melhoria no acesso à saúde, houve também

um aumento da população escolar, expresso no aumento das matrículas86

. Da mesma

forma, a criação da Faculdade de Filosofia – FAFI aumentou as possibilidades no

campo de escolarização superior para o público feminino e, conseqüentemente, no

campo profissional.

No período em estudo o acesso da mulher era tolhido em determinadas

profissões socialmente legitimadas como pertencentes ao „universo‟ masculino. A

própria escolarização que lhe era oferecida contribuía para isso. Em sua maioria, as

mulheres cursavam o Curso Normal, de caráter profissionalizante, enquanto os homens

faziam o curso colegial ou clássico, de caráter propedêutico, o que facilitava o ingresso

no ensino superior. Dessa forma, as profissões disponíveis às mulheres eram aquelas

que eram consideradas uma extensão da sua função ou atribuição feminina. Profissões

como a de professora ou de enfermeiras e todas aquelas que estivessem ligadas ao ideal

de maternidade, eram prescritos às mulheres como inerentes a sua natureza: o cuidar das

crianças.

O trabalho feminino raramente era valorizado, quando muito era percebido

como um complemento da renda familiar, com o objetivo de sustentar a família, quase

„nunca‟ para a realização pessoal. No entanto, a sociedade teresinense ficou

maravilhada, quando em 1957, chegava à cidade a professora e notável jurista Regina

84

MACHADO, Gilka. Ser mulher. Folha da Manhã, Teresina, p.4, 23 de fev. de 1958. (Grifo nosso) 85

SILVA, 2008. (Grifo nosso) 86

FREITAS, Pedro de Almendra. Mensagem apresentada a Assembléia Legislativa do Estado

referente ao ano de 1953. Teresina: Gráfica O Dia, 1954. p.36

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Gondim, para participar de uma Banca Examinadora de Concurso na Faculdade de

Direito87

.

Esteve em nossa capital, tendo regressado ao Rio de Janeiro, onde

reside a Professora Dra. Regina Bottentuit Gondim Dias, catedrática de

Direito Civil na Faculdade de Niterói que aqui veio participar, na

qualidade de um dos examinadores, dos concursos para catedrático de

duas cadeiras de Direito Civil de nossa Faculdade a que concorreram os

Drs. Wilson Brandão e Joaquim Lustosa sobrinho. Não faz muito, sua

Exa ocupou durante semanas as colunas dos jornais do país, quando

teve a oportunidade de derrotar o professor Serpa Lopes, nome já

consagrado nas letras jurídicas nacionais, que com ela concorreu aquela

cátedra de que hoje é titular. A sua presença em Teresina [não passou]

despercebida, sobretudo verificou-se o interesse do público em

conhecer de perto essa notável mulher88

.

A jurista e professora Regina Gondim, concedeu entrevista ao jornalista

José Eduardo, que não poupou elogios à “notável professora” de “respeitável cultura”

com suas “autorizadas palavras de jurista” fez “brilhantes argüições” na banca

examinadora da Faculdade de Direito. Ao ser inquirida sobre as impressões que a cidade

havia lhe causado, respondeu “em Teresina eu encontrei uma cidade pequena, de

natureza e costumes moldados naqueles princípios rígidos de organização familiar que o

impacto do modernismo ainda não veio atingir89

”. Ao ser questionada pelo jornalista, a

jurista Regina Gondim falou acerca da posição da mulher em face do Direito,

enfatizando a desigualdade de gêneros juridicamente e socialmente. Segundo Regina

Gondim, essa igualdade era sentida, a partir das oportunidades de trabalho e estudos em

qualquer área ou atividade. Ela respondeu as indagações do jornalista da seguinte forma,

Não sou feminista exagerada acrescentou, não reivindico a chefia da

sociedade conjugal para a mulher, mas, apenas direitos inerentes à

condição humana, como o de poder desdobrar a sua atividade em

qualquer setor, sem necessidade da autoridade marital de poder

livremente ocupar um cargo ou exercer uma profissão [...] que o

casamento não traga para a mulher conseqüências desastrosas como a

perda do pátrio poder quanto aos filhos do leito anterior, em virtude de

novas núpcias. Que há proibições legais para ambos os cônjuges [...]

não será atribuindo a mulher casada, uma incapacidade relativa90

.

87

Suponhamos que esse fato foi o pontapé inicial para muitas mulheres pensarem em realizar-se

profissionalmente, meses depois dona Iracema Silva começava a escrever suas crônicas em jornais da

Capital, começava a estudar na FAFI, fazia concursos, e aos poucos sua postura enquanto mulher, mãe e

esposa, começava a transformar-se, o que é visível em suas crônicas. 88

EDUARDO, José. A Professora Regina Gondim. O Dia, Teresina, p.5, 28 de nov. de 1957. 89

IDEM. 90

IDEM.

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Gradualmente as mulheres estavam ocupando as mais diversas áreas

profissionais, desde o magistério, à área da saúde, do direito, da administração pública,

conforme nos demonstra a crônica a seguir,

A mulher no serviço público [...] a mulher entrou fundo na nossa

burocracia, a ponto de não haver hoje neste país uma só repartição

que não tenha o perfume das rosas concorrentes. Nos escritórios, no

comércio, por toda parte ocorre a mesma coisa. Sou, entretanto,

daquela época em que erroneamente chamado sexo frágil, vivia em

casa, nos seus trabalhos domésticos, cuidando dos filhos e tratando de

aparelhar-se para o casamento e para cumprir o preceito bíblico. Hoje

a mulher vive na rua, como os homens, trabalhando, lutando,

pendurada nos ônibus e nos trens sem o menor constrangimento.

Assistir essa evolução, diria melhor, essa transformação91

[...]

Em 1957, a professora e jornalista Cristina Leite defendia o direito feminino

de exercer qualquer profissão, inclusive a de jornalista, no entanto, uma senhora,

“respeitável matrona”, não achava condizente com a condição feminina a profissão de

jornalista, “tolero todas as profissões para a mulher, menos a de jornalista”,

[...] essa opinião chocou profundamente [pois] quem escreve fixa

idéias [ou] conceitos que podem modificar por completo uma situação

[...] sendo a mulher parte integrante da sociedade e competindo com o

homem em quase todos os sentidos, não seria compreensível que ela

se afastasse voluntariamente das lides jornalísticas que tanto podem

engrandecê-la e ajudá-la na conquista de seus direitos92

.

Através de suas crônicas, Cristina Leite legitimava a luta feminina em

qualquer espaço do mundo do trabalho e em qualquer área profissional.

Em outras crônicas, a jornalista e professora Cristina Leite denunciava e

cobrava ações dos governantes frente à situação de quase miséria na qual viviam as

professoras, pois seus vencimentos eram mínimos frente ao alto custo de vida. Ela,

ainda, enfatizava que eles eram fundamentais ao orçamento familiar. Contudo, no

período em estudo o trabalho feminino era considerado apenas complemento da renda

familiar, o que „justificaria‟ as baixas remunerações:

91

SOBRE as mulheres. Folha da Manhã, Teresina, p.5, 24 de jan. de 1959. (grifo nosso) 92

LEITE, Cristina. A mulher jornalista. O Dia, Teresina, p.2, 01 de dez. de 1957.

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[...] professor primário geralmente é cargo para mulher. Poder-se-ia

alegar que a mulher não sustenta a casa, não tem responsabilidade de

família. Alegação essa que não subsiste. São raros os casos em que a

professora, se solteira não contribua com os vencimentos para a

manutenção dos pais e irmãos, se casada quase sempre o que o marido

ganha é insuficiente, e se é viúva, aí de todo é que é pior. O tempo dos

papais folgados e maridos por inteiro já passou93

.

A partir do trabalho feminino, a mulher começava a se „libertar‟ do jugo da

dependência masculina, a hierarquia de gêneros começava a se abalar. A crônica a

seguir nos revela algumas pistas: “[...] o mundo atual sofre de uma verdadeira peste

igualitária, chega a negar a existência legítima de qualquer autoridade [...] o

cristianismo defende a necessidade de hierarquias [...] de esposo para esposa94

”.

A luta feminina pelo fim da desigualdade dos gêneros, no período em estudo

é retratado na crônica da professora Iracema Silva, que usava seus escritos para fazer

uma denúncia sobre o resultado da banca, que aprovou o candidato não por

competência, mas por tradição e proteção do poder masculino. O concurso era para

provimento da cátedra em Sociologia Educacional na Escola Normal Antonino Freire.

Dona Iracema Silva, que no período exercia a profissão de professora

normalista e de jornalista, era também aluna de Filosofia e professora em artes

femininas: economia doméstica, culinária, corte e costura, puericultura, como também

de Didática. Ela possuía registro de professora de História Geral concedido pela

Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES) e concorreu

com professor Wilson de Andrade Brandão, que era bacharel em Direito, professor

catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito, professor catedrático do Colégio

Estadual do Piauí, professor de Francês da Faculdade de Filosofia.

[...] colocou-se em primeiro lugar o Dr. Wilson [...], porém não

compreendi porque o examinador [...] dissera antevisando o seu

julgamento, que por melhor que eu me saísse no concurso, não

poderia preterir o Dr. Wilson, para o segundo lugar, pois seus

inúmeros títulos e antiguidade no magistério faziam-no merecedor do

lugar, por tradição [..] o concurso de Sociologia Educacional que fiz

era por concurso de títulos e tradição ou de competência de matéria95

?

93

IDEM. 94

JOSEPH, MR. Incoerência Moderna. O Dominical, Teresina, p.3-4, 03 de fev. 1952. (grifo nosso). 95

SILVA, Iracema Santos Rocha da. Concursos ou tradição? O Dominical, Teresina, p.2, 13 de dez. de

1959.

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[...] na prova escrita, eu e o professor Wilson tiramos a mesma nota,

na prova de títulos ele ganhou de mim “eu só era uma professorinha

primária” e ele, autoridade de renome. Mas, na prova prática, a gente

tinha que dar 40 minutos de aula e como eu já estava acostumada de

dar aulas, eu gostei muito. Mas, quando o professor Wilson foi

ministrar a aula, e acabara sobrando minutos, e a banca disse, “o

senhor ainda tem 20 minutos” [...] isso mostrava que a minha nota

deveria ser melhor que a dele [...] o meu irmão já sabia que eu iria

perder. O professor Camilo Filho, que era o examinador no concurso

disse para meu irmão, que infelizmente tinha que dar nota menor para

mim, em relação ao professor Wilson Brandão96

.

O modelo de identidade feminina relacionada ao de rainha do lar, era o mais

divulgado durante a década de 1950, mas não era o único, havia mulheres na classe

média trabalhando, estudando, conciliando os papéis de mãe e esposa, sendo auxiliadas

no trabalho domésticos por empregadas.

A presença feminina no mercado de trabalho era percebida de forma

negativa pelo discurso católico, segundo este discurso, o trabalho feminino fora do lar

estava causando crises e desestruturação na família, o que mostra a estratégia daquele

discurso: enfatizar os papéis tradicionais femininos, com a afirmação de que a

identidade feminina era o espaço privado. Era valorizado apenas o trabalho masculino,

caracterizador da masculinidade, “mirem-se, pois, os pais em São José e terão mais

coragem para sustentar a sua família97”, as crônicas enfatizavam que as mulheres

passavam a trabalhar fora do lar, porque os homens, estavam sendo moles, em não

cumprir sua missão de sustentar a família .

Logo, foi através do esforço, da determinação em quebrar as desigualdades

de gênero, que muitas mulheres, que não aceitaram as agruras de seu tempo, tentaram

mudar o curso de suas histórias, escrevendo para denunciar as desigualdades de gênero.

Elas, também, trabalharam fora do lar e foi através do seu trabalho que as mulheres

começaram a se libertar do jugo e da dominação masculina, e a partir daí, as diferenças

de gênero começaram a diminuir na sociedade, pois, conquistando espaço e

participando igualmente do mercado de trabalho, as mulheres mesmo na década de

1950, puderam exercer qualquer profissão: jurista, médica, professora, dentista,

advogada, funcionária pública, secretária, enfermeiras e outras que desejassem.

96

SILVA, 2008. 97

A SAGRADA família. O Dominical, Teresina, p.1, 16 de jan. de 1955.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo central deste trabalho foi analisar a família teresinense, nos anos

dourados, tendo como pretexto o discurso católico, desvendamos algumas trilhas e

vestígios, e chegamos a algumas reflexões possíveis. A década de 1950 foi marcada por

contradições e rupturas. A família era pensada pela ótica católica de forma hierárquica,

sendo que, os papéis sexuais eram bem rígidos e apresentados como naturais, mas, nas

práticas cotidianas, as múltiplas evidências demonstraram que essas relações são

construções culturais. O discurso católico continuava forte e presente na sociedade, mas

o consumo cultural já se mostrava bastante diversificado.

A igreja se oporia, no período em estudo, “às mudanças dos costumes que

iam ocorrendo nessa época, e continuava a apregoar de forma intransigente a

necessidade de manter a mulher dentro dos padrões tradicionais de conduta1”: esposa,

dona de casa e mãe. As convenções e normas sociais enfatizavam e valorizavam o bom

enquadramento dos papéis de gênero tradicionalmente estabelecidos.

Nas representações católicas, o masculino e o feminino eram representados

como identidades fixas e rígidas, estabelecendo a assimetria e rigidez nas diferenças

entre os papéis sexuais, cabendo ao homem prover a casa e ser o único representante da

esfera pública, enquanto à mulher era prescrito o ambiente privado, no recôndito do lar,

com a missão de cuidar da casa, da educação dos filhos e do marido.

Constatamos, a partir das análises hemerográficas e do conteúdo das

entrevistas realizadas, que os meninos e as meninas foram direcionados, desde a mais

tenra idade, à assimetria entre os papéis sexuais. Desde a infância, as crianças já eram

direcionadas para as desigualdades de gênero, exemplificadas na educação diferenciada.

Para as meninas, o curso Normal, de caráter profissional, que as preparavam para ser

dedicadas professoras primárias, que era considerada a formação feminina ideal, pois

além das disciplinas como higiene e puericultura, havia também aquelas destinadas às

atividades manuais, às prendas domésticas. Para os meninos, o primário e ginásio, de

caráter propedêutico com o objetivo de preparar para o vestibular.

As desigualdades de gênero, também, eram percebidas nas próprias

brincadeiras. As meninas, desde cedo, começavam a bordar, a „substituir a mãe‟ no

cuidado dos irmãos mais novos, brincavam de „comidinha‟, práticas que possibilitavam

maior intimidade com sua missão futura: ser rainha do lar. Já os meninos, estes estavam 1 AZZI, 1993, p.11

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liberados pata tomar banho de rio, jogar futebol, andar de bicicleta. No entanto, no final

da década de 1950, a prática de andar de bicicleta começava a aproximar masculino e

feminino, de forma a quebrar as desigualdades de gênero, pois, antes a prática de

pedalar era interdita às mulheres.

Não apenas a bicicleta estava quebrando as fronteiras de gênero, mas o

futebol também era indicativo de que os preceitos sociais começavam lentamente a

mudar a condição feminina, como também outros esportes, possibilitando a liberação da

representação do corpo feminino da imagem de delicada e frágil.

No período em estudo, houve uma valorização dos diversos discursos na

sociedade para manutenção da dupla moral sexual, na qual restringia a sexualidade

feminina, as moças deveriam se manter virgens até as núpcias, como „anjo na terra‟,

contidas por expressar valores rígidos em relação ao corpo e à sexualidade. Os

preceitos sociais buscavam manter a sexualidade feminina sob controle e vigilância,

devendo as moças andarem sempre acompanhadas, ou por irmãos mais velhos ou

amigas, nunca deveriam andar desacompanhadas. Já ao homem era concedida total

liberdade, pois a virilidade era medida pela quantidade de experiências sexuais que

tinham, pela freqüência a prostíbulos, pela audácia com que se movimentavam na

sociedade2.

O namoro estava se modificando, se antes ele ocorria às claras, agora

preferia a penumbra. No período em estudo, os casais estavam mais próximos e o

cinema facilitava essa aproximação, pois, nas salas de projeções, com pouquíssima

iluminação, o namoro de bolinação era facilitado.

A educação sexual era considerado um tabu pelo discurso católico, nem a

escola, tampouco os professores deveriam ser responsáveis por esse esclarecimento,

cabia aos pais, visto que os jovens tinham acesso a esse tema através das leituras de

romances, gibis ou do cinema, o dever de instruir e educar as sensibilidades da

mocidade.

Palavras como sexo, relações sexuais, virgindade não eram ditas, apareciam

como metáforas, tais como, „não cair na lama‟, „pudor‟, „nódoa repugnante‟, „não errar‟,

„macular o corpo‟, „conservar a pureza do corpo‟, „proteger a inocência‟, „tesouro

inestimável‟, conservar sua „dignidade‟:

2 DEL PRIORE, 2006, p.289.

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no período que atravessamos muitas de nossas moças, perderem a

pureza [...] jamais suceda a desgraça de manchar tão sublime virtude,

com a nódoa repugnante do escândalo, coragem para enfrentar e

vencer, [...] fujamos das ocasiões perigosas3.

O noivado deveria ser de curta duração para não macular a imagem de boa

moça de família, entretanto, esse compromisso formal com o casamento aproximava

cada vez mais os jovens, possibilitando maior liberdade. Dessa forma, segundo o

discurso católico, era preciso fugir das ocasiões perigosas que o noivado ensejava,

“a aproximação exagerada dos noivos [...] faz com que muitas vezes, durante o namoro

e o noivado, não guardem a castidade e o pudor, elementos indispensáveis para a

felicidade conjugal4”.

A década de 1950, foi marcada por continuidade e rupturas, nos costumes

praticados pelos jovens que começavam a mesclar os padrões de comportamentos

pensados pelos preceitos sociais, com a vivência de algumas práticas que questionavam

os padrões comportamentais tradicionais. Começava o processo de instituição e

vivência de novos modelos, ocasionando uma tensão entre o tradicional e o moderno.

Esses jovens também se utilizaram de táticas para burlar os códigos

sociais, re-significando as prescrições. Algumas moças dirigiram automóveis, prática

considerada como interdita ao seu sexo, liam romances, revistas, assistiam a filmes

considerados deletérios e, principalmente, abriam mão secretamente da virgindade.

Os rapazes, quando pensavam nas moças, as representavam de forma

binária, em tipos singulares e fixos, a moça para casar e a moça para brincar. Como eles

possuíam senso prático, solicitavam as namoradas ou noivas uma prova de amor, e

aquelas que se permitiam tais liberdades eram consideradas fáceis, se tornando mal

faladas, pois os rapazes, enquanto namorados ou noivos, só queriam provar, não tinham

intenção de casar e eram os primeiros a saírem falando delas aos amigos.

A revolução dos costumes começava a apontar, na sociedade, expressada,

por exemplo, nas saias que diminuíram seu comprimento. Estas ainda não eram as mini-

saias da década de 1960, mas já subiam alguns centímetros acima dos joelhos. Assim

também, as blusas encurtavam ou retiravam de vez as mangas, as roupas e tecidos

estavam mais finos, delineavam o corpo com os tecidos quase transparentes e leves. As

pernas estavam à mostra através do short e do uso da calça comprida pelas mulheres

3 A PUREZA. O Dominical, p.5, Teresina, 28 de jul. de 1950. (grifo nosso)

4 FABER, Fernanda. O século XX é assim. Teresina, O Dominical, p.3, 13 de nov. de 1949. (grifo

nosso)

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solteiras. Da mesma forma surgiu a ampliação dos métodos contraceptivos. No período

em estudo, aparece no mercado, o diafragma, permitindo as moças o acesso a outro

método, diferente da tabelinha.

Os concursos de beleza ajudaram a mulher a desabrochar a sensualidade

„guardada‟, elas começavam a se transformar em Vênus modernas, sedutoras,

valorizando-se no modo de vestir e seduzir. Os sutiãs com enchimento ajudavam, na

hora de atrair pretendentes ao altar, assim como o uso de lingerie ajudava a agradar os

maridos.

O uso das propagandas ajudou na quebra da polaridade Eva versus Maria, as

imagens incidiram na veiculação de novos comportamentos e na mudança dos

costumes, pois possuíam poder de comunicar e induzir a novos consumos na

apresentação de modelos femininos plurais, sejam sedutoras, românticas ou atrevidas,

numa nova cultura corporal.

Revistas como O Cruzeiro, Vida Doméstica, através das sessões femininas,

e também as colunas dos jornais, como O Dominical e Folha da Manhã, com suas

colunas Página Feminina, cada uma ao seu modo, funcionavam como conselheiras,

modelando os comportamentos femininos, ora formando opiniões, educando

sensibilidades, ora prescrevendo valores a serem consumidos ou não.

As imagens que pensavam o feminino como frágil, eram re-significadas, por

exemplo, quando as mulheres ousaram desafiar seus esposos, sendo fortes e

determinadas ao denunciá-los por agressão física. Assim como também foram humanas

e imperfeitas, e não santas e perfeitas como queria o discurso católico, eram de carne e

osso, tanto que escolheram, ou não, criar e amar seus filhos.

A maior parte dos discursos do período em estudo, que procuraram

transmitir uma imagem do masculino de forma forte ou dominadora, no entanto, foram

re-significados. Ao escrever letras de músicas ou cartas de amor, os homens

expressavam seus sentimentos, deixando falar o coração, demonstrando o quanto eram

frágeis, sensíveis e que sofriam com a dor de não ser amado. Expressando, outras vezes,

a dor do abandono, as letras de música eram caracterizadas pela dor de cotovelo,

conforme expresso na letra da música “Nervos de Aço” de Lupicínio Rodrigues,

gravada pela primeira vez em 1947, grande sucesso na década de 1950:

você sabe o que é ter um amor, meu senhor, ter loucura por uma

mulher, [...] e por ele quase morrer, e depois encontrar esse amor, nos

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braços de um tipo qualquer [...] quando a vejo me dá um desejo de

morte ou de dor5.

Na década estudada, houve uma revalorização do discurso ideológico da

rainha do lar. Os discursos preconizaram as obrigações da mulher, enquanto mãe,

esposa e dona de casa, responsável pela educação dos filhos, da casa, como também

responsável pelo mundo. Era quem transformava os homens em cidadãos respeitados e

de sucesso, como afirmava o discurso católico „o destino de nossa época está nas mãos

da mulher‟. Cabia à mulher continuar aceitando essa condição de pensar a identidade

feminina a partir dos outros, filhos e marido, concordando com a desigualdade de

gênero estabelecida. Na análise de Roger Chartier6, essa submissão era originaria da

própria mulher, que aceitava e consentia a linguagem da dominação simbólica.

Existiam aquelas que preferiam ser rainhas de seus lares, sendo submissas

as convenções sociais, vivendo para os seus filhos, esposo e lar. Mas, existiam aquelas

que queriam mais, além de também cuidar dos seus, não esquecia de si, de seus desejos,

vontades de realização profissional, “Nada em excessos”, mas, que também se

desdobravam em mil, para cumprir as árduas tarefas e “missões” que os preceitos

sociais lhes jogavam as costas.

As responsabilidades masculinas e femininas eram distintas e desiguais. No

interior das relações familiares, existiam diferenças entre as funções maternas e

paternas. À mãe era atribuído o papel de educar e instruir o filho, cuidando, desde sua

higiene, à alimentação, educação, saúde, confecção de roupas. Do homem, era exigido

somente a função econômica de prover a família. Mas, os sinais de mudanças

começavam a aparecer na imprensa, esta já anunciava, mesmo que de forma tímida, as

mudanças que estavam por vir a acontecer no interior da família, convidando os homens

a atuarem como colaboradores na educação dos filhos, participando ativamente desse

processo, assim como também, ouvindo, entendendo e ajudando a esposa nas tarefas

domésticas.

Em parte o trabalho feminino fora do lar foi o responsável pelo início das

mudanças que apontavam no interior da família. Estavam ocorrendo importantes

mudanças na sociedade. A mulher casava-se, mas planejava a quantidade de filhos. No

5Sobre letras das músicas de Lupicínio Rodrigues. Disponível em:

<http://nervosdeao.lupiciniorodrigues.letrasdemusicas.com.br/>. Acesso em 30 de jan. de 2009. (grifo

nosso) 6 CHARTIER, 1995. p. 37-47.

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período em estudo, o casamento continuava a fazer parte da realização feminina, porém,

já não era o único objetivo, algumas mulheres começavam a diminuir a prole, com

vistas a sua profissionalização.

Os métodos contraceptivos estavam revolucionando os costumes, as

mulheres começavam a controlar e regular a quantidade de filhos, pois com menos

filhos, sua entrada no mercado de trabalho era facilitada.

A imprensa já começava a chamar a atenção do homem, enquanto esposo e

pai, para colaborar com sua esposa na educação dos filhos, ser mais participativo em

casa, deixar de ser apenas coadjuvante, ir além da função econômica de prover a

família, aprendendo a ser pai. A paternidade e suas responsabilidades estavam

começando a fazer parte dos debates sociais travados na imprensa.

Segundo Carla Bassanezi, “na ideologia dos anos dourados, maternidade,

casamento e dedicação ao lar, faziam parte da essência feminina7”. De fato, nas fontes

consultadas houve uma predominância da mulher enquanto rainha do lar, os discursos

tentavam veicular imagens fixas, tentando naturalizar os papéis de gênero no interior do

lar, afirmando que o lugar da mulher era no espaço privado – cuidando da casa, dos

filhos e do esposo. Já do homem era no espaço público, que lhe possibilitava o sustento

da família. As mesmas fontes também demonstraram uma crescente presença feminina

em setores, antes considerados masculinos, elas conquistavam cada vez mais lugar na

imprensa, como jornalistas, eram também juristas, médicas e trabalhavam no serviço

público.

Os cronistas da época já começavam a polemizar sobre o paradigma rainha

do lar versus mulher moderna. Com a ajuda de uma empregada doméstica, a mulher

diminuía suas tarefas no lar, podendo conciliar cuidado da casa, com o trabalho fora de

casa, sem descuidar das crianças e do marido

O trabalho feminino apareceu, na maioria das fontes pesquisadas, de forma

negativa, pois os discursos divulgados, especialmente na imprensa problematizaram

com maior ênfase os papéis femininos tradicionais, mas, a partir da segunda metade da

década de 1950, os cronistas já discutiam a relação entre rainha do lar e a

profissionalização feminina, especialmente depois da fundação da FAFI. Com o

crescimento e desenvolvimento da cidade, o trabalho feminino foi se intensificando, não

somente no magistério, mas, no comércio, nos setores burocráticos da administração

estadual e municipal, nos hospitais, nos postos de puericultura. 7 BASSANEZI, 1997, p. 609.

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Outros discursos veiculados na imprensa expressavam de forma positiva a

presença feminina no mundo do trabalho, desde que a mulher, sobretudo a casada

conseguisse conciliar os papéis de mãe e esposa. Mas, esse trabalho era percebido de

forma complementar para a renda familiar, não aparecendo em primeiro plano.

As mulheres estavam presas entre os preconceitos sociais e as convenções,

se sentiam como „águias inertes‟. Em tom de desabafo, dona Iracema Silva nos

respondeu, quando indagamos se ela tinha sido moderna, nos respondeu da seguinte

forma: “não fui moderna [...] afinal fiz o que me disseram para fazer8”, seguiu em

primeiro lugar as orientações do pai e, logo depois, do esposo.

A Faculdade de Filosofia do Piauí possibilitou às estudantes expandir seus

horizontes adquirindo novos conhecimentos, assim como também pensar suas

identidades femininas, para além do casamento, da maternidade, investindo na

escolarização de nível superior e em uma profissão.

O presente trabalho não pretende esgotar o assunto nos pontos de vistas

apresentados. É apenas uma contribuição, que poderá se desdobrar em outras pesquisas.

8 SILVA, 2008.

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ANEXOS

Autorização das Entrevistas

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Autorização da entrevista por Iracema Santos Rocha da Silva

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169

Autorização da entrevista por Manoel Paulo Nunes

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170

Autorização da entrevista por Maria Genovefa de Aguiar Moraes Correia

(Genu Moraes)

Teresina, 25 de Julho de 2005.

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171

Autorização da publicação da entrevista por Teresa de

Albuquerque Vilarinho Castelo Branco

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172

Autorizações da publicação das entrevistas por José Nazareno Soares de Araújo e

Marize Marques Martins de Araújo

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173

Autorização da publicação da entrevista por Celso Barros Coelho

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