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1 Universidade Federal do Pará Centro de Letras e Artes Curso de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística Área de Concentração: Sociolingüística A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em Altamira/PA Raquel Lopes Belém, março de 2002.

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Universidade Federal do Pará

Centro de Letras e Artes

Curso de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística

Área de Concentração: Sociolingüística

A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em

Altamira/PA

Raquel Lopes

Belém, março de 2002.

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Universidade Federal do Pará

Centro de Letras e Artes

Curso de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística

Área de Concentração: Sociolingüística

A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em

Altamira/PA

Raquel Lopes

Dissertação apresentada ao Curso de Curso de Pós-

Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística da

Universidade Federal do Pará como requisito parcial

para obtenção do grau de Mestre em Lingüística.

Orientador: Prof. Dr. Abdelhak Razky

Belém, março de 2002.

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Raquel Lopes

A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em

Altamira/PA

Membros da Banca Examinadora

_________________________________________________

Prof. Dr. Abdelhak Razky (Presidente)

_________________________________________________

Prof. Dr. Mário Roberto B. Zagari (Membro)

_________________________________________________

Porfª Drª Célia Maria Coelho Brito (Membro)

_________________________________________________

Porfª Drª Regina Célia Cruz (Membro)

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Lista de Símbolos

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Lista de Tabelas

Tabela 1

Tabela 2

Tabela 3

Tabela 4

Tabela 5

Tabela 6

Tabela 7

Tabela 8

Tabela 9

Lista de Gráficos

Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 3

Gráfico 4

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Dedicatória

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Agradecimentos 1

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Agradecimentos 2

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Agradecimentos 3

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho1 é um exercício de descrição e análise da realização variável dos

ditongos /ow/ e /ej/ no português falado na cidade de Altamira-PA, a partir de amostras de

fala recolhidas a 40 informantes aí nascidos ou que aí tenham chegado até cinco ou seis

anos de idade, estratificados de acordo com as variáveis idade, sexo, nível de escolarização

e renda. Os dados foram coletados em forma de narrativas pessoais, ou entrevistas

sociolingüísticas, registradas em fita K7, das quais foram retiradas 2861 ocorrências, sendo

1456 do ditongo /ow/ e 1405 do ditongo /ej/; o tratamento e a análise dispensados a esses

dados seguem os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista (cf.

Labov, 1972, 1994; Sankoff, D., 1978, entre outros). O enfoque é basicamente sincrônico e

fonético, o que não exclui a possibilidade de se fazer, eventualmente, um recorte diacrônico

ou uma abordagem de natureza fonológica, quando assim se fizer necessário.

Partindo de uma constatação intuitiva sobre a fala informal e espontânea, de acordo

com a qual os ditongos /ow/ e /ej/ se realizam de maneira muito variável em palavras como

louça ~ loça, roupa ~ ropa, resolvo ~ resovo, peixe ~ pexe, feijão ~ fejão, cadeira ~ cadera,

decidimos verificar em que medida essa constatação se sustentava no uso da língua

portuguesa falada em Altamira. Comprovada a nossa hipótese de base a partir de uma

análise exploratória dos dados coletados, se nos impôs o desafio de investigar que motivos

estariam influenciando a variação entre o ditongo conservado e forma reduzida resultante

da monotongação. Durante esse processo de investigação, inúmeras perguntas surgiram: de

onde vêm esses ditongos? Por que seu uso é variável? Desde quando isso acontece dessa

forma? Será que no português falado em Portugal esses ditongos também sofrem redução?

Qual a proporção, na língua falada, entre o ditongo e o monotongo? Quem monotonga

mais, homens ou mulheres, jovens ou velhos, falantes escolarizados ou não escolarizados?

E, como se implicada nestas e a imprimir-lhes a condição necessária da pressuposição, uma

1 Esta pesquisa faz parte de um projeto maior intitulado Variação e Mudança Lingüística no Estado do Pará, que tem por objetivo a construção do Atlas Geo-Sociolingüístico do referido estado e para isso está empreendendo pesquisas sociolingüísticas em diversos pontos do território paraense. Assim, a escolha da população alvo atende a um duplo propósito: cobre um importante ponto do inquérito urbano dialetológico para o Atlas, na região da Transamazônica e Xingu, e inaugura a investigação das variedades lingüísticas dessa interessante região ‘de fronteira’.

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pergunta mais inquietante: para que tentar responder a tudo isso, que utilidade podem ter as

prováveis (ou improváveis) respostas a essas questões?

Responder a essa última (ou primeira) pergunta implicaria fazer considerações

epistemológicas e reflexões existenciais, circulares umas e inúteis as outras; não respondê-

la, por outro lado, poderia parecer voluntarismo científico ou subserviência institucional.

Por prudência, ou por falta de coragem, tentemos uma ‘terceira via’.

Desde a entrada no curso de graduação em Letras/92 da UFPA, as relações entre

língua e sociedade e seu principal corolário, a variação lingüística, se constituíam um grave,

mas solitário, ponto de interrogação que foi aos poucos cedendo espaço a outras

preocupações mais imediatas. Agora, na pós-graduação e quase dez anos depois, vejo-me

na feliz contingência de a elas poder voltar sem o arroubo e sem a sede de certezas com que

cheguei à Universidade naquela ocasião. Apresento à comunidade acadêmica, de um modo

geral, e aos interessados em Sociolingüística e Dialetologia, em especial, o trabalho final do

curso de Mestrado em Lingüística, no qual tento responder às questões levantadas um

pouco mais acima. Espero conseguir.

O texto está dividido em cinco seções. Na primeira, apresentamos algumas breves

considerações sobre os ditongos /ow/ e /ej/ em português; na segunda parte, Revisão

Bibliográfica, fazemos uma recensão de alguns dos mais importantes trabalhos sobre a

redução dos ditongos /ow/ e /ej/ em português, infelizmente, não foi possível alcançar todos

os trabalhos relativos ao assunto; na terceira seção, apresentamos os principais elementos

metodológicos que nos servem de suporte, assim como algumas informações sobre a cidade

de Altamira (aspectos históricos, localização geográfica, índices demográficos, economia);

a quarta parte, reservada à interpretação dos resultados estatísticos, é dividida em três

subseções: a primeira discute os resultados das variáveis lingüísticas selecionadas pelo

programa de análise estatística como relevantes para a monotongação dos ditongos /ow/ e

/ej/, a segunda discute as variáveis sociais e a terceira seção apresenta as variáveis que

foram descartadas pelo programa porque não demonstraram relevância para a aplicação da

regra de monotongação, de acordo com a análise probabilística realizada. Por fim, na quinta

seção, apresentamos as principais conclusões a que chegamos.

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1. COSIDERAÇÕES INICIAIS

Não é muito pacífica a interpretação do ditongo em português, e a imprecisão

característica das definições dos manuais escolares e das gramáticas normativas não está

completamente ausente das controversas conceituações de fonólogos e foneticistas. A

divergência mais importante diz respeito à interpretação do segundo elemento do ditongo,

as chamadas ‘vogais assilábicas’ /w/ e /y/, pois conforme esses segmentos sejam

concebidos, como vocálicos ou consonânticos, ter-se-á uma ou outra definição para o grupo

por eles composto. Jorge Morais Barbosa (1994), em seu Introdução ao Estudo da

Fonologia e Morfologia do Português, defende o caráter consonantal de tais segmentos2

“Vimos na altura própria que, por razões distribucionais, estes fonemas são

consonânticos: opõem-se só a consoantes, o que quer dizer que nunca ocupam a

posição própria das vogais, que é a posição nuclear da sílaba, ou, noutros termos,

nunca têm estatuto vocálico, que é o de núcleo silábico. Têm, pois, o estatuto

próprio das consoantes, que é o de não poderem ser centro de sílaba, isto é, o de

serem sempre silabicamente marginais” (p. 155).

Nas páginas seguintes, e depois de uma exposição detalhada de sua posição, o autor

conclui dizendo que “Fonologicamente, não há, em português, ditongos nem semivogais,

designação atribuída em fonética aos sons [i8] e [u8] que realizam os

fonemas \j\ e \w\”(p.157).

Câmara Jr. (1992, 21ª ed), tratando do sistema vocálico português, diz que

“Considerar as vogais assilábicas como fonemas consonânticos é aumentar o

número de consoantes portuguesas, mas em compensação diminuir os tipos

portugueses de sílaba que cabe descrever. O contrário acontece se as interpretamos

como alofones posicionais vocálicos. Há, entretanto, uma consideração que me

parece preponderante em favor desta última solução. Refiro-me à possibilidade de

se encontrar um /r/ brando depois do ditongo. Com efeito esta consoante só existe

em português depois de vogal, onde cria uma oposição com o /r/ forte (....). Em

face dessa propriedade fonêmica do /r/ fraco, a sua presença entre ditongo e vogal

nos força a interpretar a vogal assilábica, mesmo em termos fonêmicos, como vogal

(alofone assilábico de uma vogal, e, nunca, como uma consoante)”(op. cit. p. 46).

2 Couto (1994) também considera o fonema /y/ em /'seya/ como consoante.

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Outra discrepância forte está relacionada à existência dos chamados ditongos

crescentes em português. Câmara Jr. (1992), que os considera “um aspecto precário da

língua portuguesa” (p. 55), diz, a esse respeito, que a possibilidade de a seqüência assim

considerada poder ser interpretada como hiato põe em cheque a existência mesma de tais

ditongos, mas aceita as duas possibilidades de descrição, porém Bisol (1989) apresenta uma

posição mais categórica no sentido da negação de tais grupos: “Português não tem ditongos

crescentes. O principal argumento é que o glide na seqüência GV normalmente está em

variação livre com a vogal homorgânica” (Bisol, 1991, p. 56).

Já Couto (1994) defende, com uma certa insistência, uma posição oposta quanto a

este assunto, afirmando, entre outras coisas, que existem casos em que é inquestionável a

existência de ditongos crescentes que não se encontram em variação com hiatos. Aplicando

o conceito de ambissilabicidade ao português, de acordo com o modelo de Clements/

Keyser (1993, apud Couto op. cit.), o referido autor consegue comprovar que existem em

português seqüências que podem ser interpretadas como ditongo crescentes (algumas

inclusive no nível fonológico), e como exemplo cita os seguintes casos, entre outros:

Judéia, idéia, ceia, meia, apóia, bóia, saloia, boiada, tapuia.

Embora partilhemos com Couto a idéia de que os ditongos são uma ‘chave’

importante para entendermos muitas questões da fonologia da língua portuguesa, não é

neste nível (o fonológico) que se encontra a análise proposta por nós no presente trabalho.

Aqui nossa abordagem se volta para uma análise mais propriamente fonética de dois

ditongos decrescentes, a saber /ow/ e \ej\, e se limita a descrever a realização variável

destes ditongos num corpus previamente estabelecido (ver cap. 3 Metodologia). Por

acreditarmos que o recorte operado no binômio fonética-fonologia deve ser considerado

apenas como um instrumento metodológico e não uma separação estanque entre estes dois

níveis da análise lingüística, consideramos importante referir as discussões já levantadas

pelos autores citados e esperamos poder, em momento futuro, discutir as possíveis

implicações fonológicas da monotongação dos ditongos de que ora nos ocupamos.

Passemos, então, a uma breve referência a respeito das prováveis origens dos

ditongos /ow/e \ej\ em português.

De acordo com Coutinho (1976), os ditongos podem ser latinos ou românicos,

conforme tenham surgido ainda no latim ou só apareçam na época da formação dos

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romanços. O português apresenta um número bem maior de ditongos do que o latim que só

tinha quatro: ae, oe, au e eu. A tendência à redução, ainda segundo este autor, remonta ao

próprio latim vulgar.

O ditongo ai apareceu na última fase do latim falado, é dele que provém ei em

português, que, por sua vez, pode advir:

a) da queda de um fonema interno: amai por amavi > amei;

b) b) da transposição do -i- (metátese) para a sílaba anterior: *aira (< aria por area)

> eira, *baijo (<basiu) > beijo;

c) da vocalização do c antes de t e s: *laite (< lacte) > leite, *laixar (<laxare) >

leixar (arc.).

O ditongo ou provém do ditongo latino au (thesauru > tesouro, paucu > pouco,

lauru > louro, entre outros) e pode advir ainda de:

a) da queda de um fonema medial: amaut por amavit > amou;

b) por metátese do -u- para a sílaba precedente: *hauve (< habui) > houve, *saube

(< sapui) > soube;

c) da vocalização do l antes de c, p, t: *fauce (< falce) > fouce, *paupar (< palpare)

> poupar, *autro (< alt(e)ru) > outro.

Como dissemos alhures, não é nosso objetivo fazer uma análise diacrônica dos

ditongos /ow/ e /ej/ em português (sobre isso, ver Silva, 1997), quisemos, tão somente,

referir aspectos históricos que ajudam na compreensão de certas regularidades encontradas

no estágio atual da língua.

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Mesmo que seja inviável nos limites do presente trabalho dar conta do conjunto das

análises já realizadas sobre a monotongação dos ditongos /ow/ e /ej/ em Português,

acreditamos ser necessário considerar os principais resultados a que chegaram outros

pesquisadores, a cujos trabalhos pudemos ter acesso, para que pudéssemos observar

contrastivamente o comportamento dos referidos ditongos em outras áreas do Brasil e

também – ainda que superficialmente – em Portugal. É o que se pretende fazer nesta seção.

Relativamente ao Português Europeu (PE), não nos foi possível consultar material

muito recente. As informações obtidas advieram, basicamente, de um trabalho de Cintra

apresentado em 1958 no primeiro Simpósio de Filologia Românica, no Rio de Janeiro3;

neste artigo o autor informa sobre a distribuição sócio-geográfica dos ditongos /ow/ e /ej\ e

de suas respectivas variantes na área portuguesa à época da realização dos inquéritos para o

Atlas Lingüístico da Península Ibérica (ALPI), mais precisamente nos anos de 1953 e 1954.

Segundo o autor, estes inquéritos permitiram traçar a fronteira da monotongação dos dois

ditongos em questão.

Quanto ao ditongo /ej/, as pesquisas apontaram a monotongação como a forma

predominante em todo o Algarve, Alentejo, no Sul e numa faixa ocidental da Estremadura,

mas em Lisboa predomina a forma conservadora, isto é, o ditongo não reduzido. No que

respeita ao ditongo /ow/, constatou-se que a monotongação se estende, para além da área

apontada para a simplificação de /ej/, pelo restante da Beira Baixa e do Ribatejo, por uma

extensa área da Beira Alta, onde, todavia, aparecem zonas importantes de conservação do

ditongo a oeste, e pela Beira Litoral – com exceção do norte do distrito de Aveiro, onde não

há redução.

Ao lado dessa distribuição quase exclusivamente diatópica, o autor apresenta alguns

comentários de natureza, por assim dizer, diastrática. Tendo encontrado a nítida

conservação de /ej/ em Vieira de Leiria, local que o mapa baseado no ILB (Inquérito

Lingüístico Boléo) indicava como um dos extremos da fronteira de monotongação deste

3 Este trabalho foi publicado em 1970 sob o título de “Os ditongos decrescentes ou e ei: esquema de um estudo sincrônico e diacrônico” nos Anais do referido Simpósio. Em 1995, a Livraria Sá da Costa Editora, de Lisboa, lançou a segunda edição de Estudos de Dialectologia Portuguesa, uma reunião de diversos trabalhos de Cintra, incluindo este a que hora nos referimos.

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ditongo, resolveu repetir a pesquisa. Escolheu dois informantes naturais da localidade, de

condições bem semelhantes, e notou que na fala de um deles se produzia a monotongação,

mas na de outro o ditongo se conservava regularmente. Estendeu a pesquisa a outras

pessoas do mesmo lugar e percebeu a coexistência de duas variantes ali. O fato curioso é

que não havia oscilação de palavra para palavra: cada pessoa realizava sempre o ditongo ou

então monotongava sempre. Não tendo conseguido descobrir as razões dessa distribuição

variável do ditongo, voltou depois ao local com mais tempo para completar suas

observações e verificou que a monotongação penetrava na aldeia através da população de

pescadores da praia de Vieira, localizada a uns 5km, onde era a realização dominante. Indo-

se de Vieira para o interior, desaparecia totalmente o /e/ e reaparecia novamente o /ej/,

sendo essa a forma ouvida imediatamente ao sul, na vila de Marinha Grande e em São

Pedro de Muel, mas já não entre os pescadores de Nazaré, um pouco mais ao sul, que

monotongam. O autor concluiu, assim, que a Praia de Vieira e Vieira de Leiria – com a

parte de sua população que reduz o ditongo – constituíam um enclave de monotongação em

área de conservação do ditongo e não um extremo de monotongação como sugere o mapa

baseado no ILB.

Além das zonas em que se dão a manutenção ou a monotongação de /ej/ e de /ow/, o

autor determina também a área geográfica de expansão de algumas variantes dos ditongos

ou da vogal simples resultante da assimilação entre os seus elementos. Quanto ao ditongo

/ej/, afirma que em toda a zona centro-setentrional de Portugal, onde ele se mantém, é mais

freqüente encontrá-lo realizado na forma [aj] que apresenta em Lisboa, ou pelo menos nas

formas [Ej] (com /e/ aberto) e [e@j] (com /e/ médio) do que [ej] (com /e/ fechado), sendo esta

última forma mais facilmente encontrada na fala das classes cultas do sul do país em que é

o resultado artificial da restauração do ditongo com base na escrita e não uma realização

natural ou espontânea do vernáculo.

No que diz respeito ao ditongo /ow/, o autor acredita ser possível delimitar, nas

áreas de conservação, a zona em que ele apresenta a forma [ow] e aquelas em que se ouve

[aw]. Esta última foi anotada por Leite de Vasconcelos no norte de Trás-os-Montes, numa

parte do Entre Douro e Minho e numa parte da Beira. Durante os inquéritos para o ALPI,

esta variante foi registrada como típica do norte e centro transmontanos. Muito mais difícil,

porém, é “descrever os resultados de qualquer tentativa de localização geográfica no

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território português da variante [oj]” (Cintra, 1958:43). A respeito desta última variante, o

autor tece algumas críticas às descrições feitas por Leite de Vasconcelos (1901a: 106,

1901b: 75) e por Paiva Boléo (1946:91), dizendo delas que são imprecisas e que podem

levar a noções equívocas, tais como aquela que faz supor que de uma maneira geral a

forma[oj] reflete a pronúncia popular e [ow] a literária, ou ainda aquela outra, que se pode

deduzir da formulação de Leite de Vasconcelos, de que em qualquer falar regional as

formas [ow] ou [o] alternam com [oj] em determinadas palavras. O que o trabalho de

campo para o ALPI revelou é que essa variação – em alguns casos presente na linguagem

das cidades − inexiste nos falares das aldeias: aqui se diz sempre cousa ou coisa, touro ou

toiro, outro ou oitro, etc. 4.

Tentando precisar melhor a situação da variante [oj], Cintra acrescenta que não

acredita haver nenhum falar português em que esta não exista ao lado de [ow] ou de [o]

(monotongo), o que de fato se vê é que há dialetos em que [oj] além de se manter nos casos

em que era etimológico, aparece com maior ou menor freqüência em palavras em que

poderiam aparecer [ow] ou [o], e há outros em que se dá a situação contrária. Sendo,

portanto, necessário separar os falares em que predomina [oj] daqueles em que predomina

[ow] ou [o], e mesmo que essa distinção não possa ser absoluta ou inquestionável, o autor

apresenta algumas pistas segundo as quais podemos tentar estabelecê-la. Entre os primeiros

(aqueles em que é particularmente abundante a forma [oj]), podemos inserir os falares da

região central de Portugal, entre Douro e Tejo; no segundo grupo podem figurar os falares

da Galiza e da maior parte do norte português, que conservam o ditongo [ow], exceto nos

casos em [oj] é etimológico; ao sul do Tejo a forma predominante é a monotongação em [o]

resultante da assimilação dos elementos velares do ditongo.

Esperamos ter conseguido com esta recensão, ainda que sumária, apresentar uma

visão panorâmica da realização dos ditongos [ou] e [ej] no Português lusitano, assim como

de sua distribuição dialetal. Passemos agora ao Português brasileiro.

Dentre os vários trabalhos realizados sobre o uso variável de ditongos no Português

do Brasil, priorizamos aqueles de orientação variacionista; tenta-se aqui apresentar os

4 Ver, a esse respeito, o que diz Amadeu Amaral para um dialeto brasileiro “os vocábulos... são pronunciados sempre de um só modo” (Amaral, 1955: 50).

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principais resultados desses trabalhos, em ordem cronológica: Veado (1983), Mota (1986),

Bisol (1994), Paiva (1996), Cabreira (1996), Silva (1997), Mollica (1998) e Araújo (1999).

O estudo de Veado (Veado, 1983) tem de ser visto – segundo a própria autora −

como uma espécie de estudo-piloto. É preciso dizer, no entanto, que, apesar de seu caráter

ensaístico, este trabalho é muito relevante para a pesquisa sociolingüística (especialmente

para o campo da variação fonética) porque antecipa muito do que se vai dizer

posteriormente a respeito da redução dos ditongos /ow/ e /ej/ no português brasileiro.

A pesquisa em questão examina a realização variável de /ej/ e /ow/ em amostras de

diferentes situações de fala da região metropolitana de Belo Horizonte.5 A amostra utilizada

para a análise está dividida em três blocos, cada um desses blocos apresenta uma situação

de fala diferente: fala coloquial, fala cuidada e leitura de palavras e de textos. A hipótese

inicial defendida pela autora é a de que “Uma situação de fala marcada por traços

[+coloquial], [+casual] tem peso decisivo na produção das variáveis [o] e [e]” (p.209).

Para a fala coloquial (primeiro bloco), excetuando-se os casos em que não ocorre a

redução de [ej], a saber, quando este ditongo está diante de consoantes apicais em posição

posterior (/t/, /d/, /s/, /l/, /n/) ou em posição final na palavra (rei, lei, sei, falei, etc.),

encontrou-se um alto índice de redução, 99% tanto para [e] quanto para [o],

independentemente da influência de quaisquer fatores estruturais ou sociais. De um total de

737 dados, em apenas 07 itens não houve monotongação, donde se deduz que a fala casual

é altamente favorecedora da redução de [ej] e de [ow] e que a simplificação desses

ditongos, nesse nível de fala, não está relacionada nem a fatores lingüísticos (posição do

ditongo na palavra, tonicidade, segmento seguinte, classe morfológica, número, etc.), nem

tampouco a fatores sociais (classe social, idade e sexo).

Para a fala cuidada 6(segundo bloco), a autora encontrou diferenças significativas na

realização dos ditongos sob análise, em comparação com aquela registrada na fala

coloquial. Surgiram fatores estruturais mais favorecedores que outros e exercendo

influência diferente conforme se tratasse de um ou de outro ditongo. Para a alternância

entre [ej] e [e], atuaram os seguintes fatores: acentuação, posição do ditongo na palavra e

segmento consonantal seguinte. Quanto ao primeiro fator, percebeu-se que o traço +acento

5 Não há informações no texto sobre o número de informantes, nem sobre o levantamento dos dados usados na análise. 6 Amostras retiradas de noticiários e entrevistas.

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atuou como mais favorecedor da monotongação (51.48%) do que o traço −acento (21%).

Quanto à posição ocupada pelo ditongo no item léxico, confirma-se a hipótese de que o

ambiente final bloqueia a redução de [ej], em posição interna essa redução fica em torno de

45.7%; não é possível afirmar nada relativamente à posição inicial porque o número de

dados é insuficiente. A respeito do segmento consonantal seguinte, o maior número de

ocorrências, assim como o maior índice percentual de redução (83.6%), se dá com o tepe

alveolar [|].

Com relação à alternância [ow] ~ [o], a autora levou em consideração os seguintes

fatores: acentuação, posição no item léxico e segmento consonantal seguinte. Os resultados

quanto ao acento são muito próximos daqueles para o ditongo /ej/: o ambiente +acentuado

favorece a redução de /ow/ em 67.8% dos casos, ao passo que o ambiente −acentuado atua

no sentido de desfavorecê-la (20%). No que diz respeito à posição que o ditongo ocupa na

palavra, o ambiente que mais favorece a redução é a posição final (78.7%), mas não se

pode afirmar que as outras posições a desfavoreçam, a diferença é apenas gradativa. Não é

seguro afirmar nada conclusivamente com relação ao segmento consonantal seguinte, pois

excetuando-se o final de palavra só restaram 56 dados, destes, 44 foram ocupados pelos

seguintes itens léxicos: outro (55.5%), pouco (66.6%) e ouvi (28.5%); os outros 12 casos

apareceram uma ou duas vezes, o que impossibilita uma análise comparativa entre eles.

Logo, não se pode dizer se o segmento seguinte exerce ou não influência no menor ou

maior índice de redução do ditongo /ow/.

Para a situação de leitura (terceiro bloco), particularmente de textos curtos

(sentenças), a autora diz que os informantes apresentaram um comportamento muito

próximo àquele registrado na fala de noticiários e entrevistas, tanto no caso de [ej] ~ [e],

quanto no de [ow] ~ [o]; na leitura de palavras isoladas, o índice de redução baixou

consideravelmente.

O ambiente final da palavra mostrou-se favorecedor da redução do ditongo /ow/,

seja na leitura de sentenças (81.6%), seja na de palavras soltas (47.6%, contra apenas 12%

nos demais ambientes), assim como na fala cuidada (78.7%) e na fala coloquial (100%).

Em termos de estruturação interna, a autora conclui seu estudo afirmando que:

a) o traço [+acento] favorece consideravelmente a redução de /ej/ e /ow/;

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b) o ambiente fonético provável para a redução de /ej/ é bem mais restrito do que

para /ow/, que não encontra ambientes bloqueadores;

c) o ditongo /ow/ em final de palavra tem o maior percentual de redução em todos

os estilos de fala, em oposição a /ej/ que, neste ambiente, não sofre este

processo;

d) traços morfológicos como nome e verbo, singular e plural, masculino e feminino

não têm influência no maior ou menor índice de variação de /ej/ e /ow/.

Do ponto de vista da estratificação social, as formas [o] e [e] resultantes da

monotongação dos ditongos em questão não são marcadores de classe, nem de sexo ou

idade, pois os falantes – independentemente destes fatores − reduzem quase que

categoricamente em situação de fala casual. Mesmo em situações de fala mais cuidada, os

ditongos /ow/ e /ej/ apresentaram um alto índice de monotongação, o que desautoriza a

tentativa de vê-la como marca de informalidade por oposição à conservação do ditongo que

seria marca de formalidade. O que se pode dizer, segundo Veado (op.cit: 226), “... é que os

contextos de fala casual favorecem em 99% (semicategoricamente) a redução e os

contextos mais formais favorecem menos”.

O fato considerável de a redução ter atingido níveis de fala mais elaborada,

inclusive a leitura, e com índices percentuais expressivos, evidencia – conforme palavras da

própria autora − “a estabilidade e a consistência da redução em língua portuguesa, em

oposição à hipótese de mudança em progresso que não teve qualquer respaldo nos dados

coletados” (p.226).

Mota (1986) estudou a variação entre [ej] e [e] em Ribeirópolis aquando da

elaboração do Atlas Lingüístico de Sergipe (ALS), o material que serviu de corpus ao

trabalho consta de aproximadamente doze horas de gravação magnetofônica

correspondentes a cinco inquéritos, sendo dois destes com aplicação sistemática do

questionário elaborado para recolha de dados do ALS; todos os informantes são de origem

rural e apenas um semi-alfabetizado, os outros quatro, não-escolarizados.

Depois do levantamento de todas as ocorrências de [ej] e de [e] ou [E] em formas

que se realizam com [ej] nesta ou em outra variedade, foram analisados os contextos

fônicos em que ocorrem essas variantes, tendo-se em vista o segmento imediatamente

seguinte. Foram identificados três tipos de contextos: os mediais pré-vocálicos, os mediais

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pré-consonânticos (que foram subdivididos segundo a qualidade da vogal ou da consoante

seguintes) e os finais de palavra.

Nos contextos pré-vocálicos confirmou-se a relação previsível entre a realização de

[ey] ou [e] e a qualidade da vogal seguinte: diante de vogal baixa central [a] ocorrem as

duas variantes mas quando a vogal seguinte é a posterior alta [u] tem-se a seqüência de

vogal anterior média fechada + semivogal anterior, em todos os casos. Há, entre outros, os

seguintes exemplos citados pela autora: 1) diante de vogal baixa: corr[ey]a e corr[e]a;

m[ey]a e m[e]a; or[ey]a e or[e]a, etc.; 2) diante de vogal posterior alta: cheio, meio,

veiuzinho.

Nos contextos pré-consonânticos, a realização [ey] ou [e] depende da qualidade da

consoante contextual:

1) Diante de /t/ acontece [ej] quando o fonema se realiza como oclusivo dental e [ej]

ou [e] quando a realização é africada palatal; para [t] tem-se: direito, enfeitado, estreito,

jeito, jeitinho, prefeitura, rejeito. Para [tS] tem-se: a) com as duas formas [ej] e [e]:

estreito, feito, feitor, jeito, peito; b) com apenas [ej]: deito, deita, deitar, defeito, direito,

feito, enfeitada, feitinha, peitão, peitoral; c) apenas com [e]: deitada, prefeito, rejeito,

respeito.

2) Quando a consoante seguinte é a constritiva palatal, surda [S] ou sonora [Z],

encontram-se as duas possibilidades: [ej] e [e]: deixo ~ dexo, deixa ~ dexa, eixo ~ exo,

feixe ~ fexe, peixe ~ pexe, queixo ~ quexo, e feijão ~ fejão.

3) Com a constritiva alveolar [s] foram registrados dois exemplos, um deles com as

duas variantes: tr[ej]çol e tr[e]çol e o outro com [ej]: [sO"rejsU], denominação de um tipo de

beiju com coco.

4) Seguidos de consoante nasal bilabial [m] foram registradas duas formas do verbo

queimar, uma com a realização [eày] e outra com a realização [eà].

5) Com a vibrante alveolar ocorre sistematicamente [e] em todos os exemplos do

corpus.

Em final de palavra, de acordo com a autora, a norma do dialeto sergipano é, como

em outros dialetos brasileiros, a realização /ey/, embora tenham sido registradas duas

ocorrências de [e] em formas de primeira pessoa do perfeito do indicativo do verbo chegar:

[Se"ge].

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Quanto à realização de [E] em formas também documentadas também com [e] ou

[ej], a autora lembra o fato de o dialeto em questão estar situado entre aqueles em que

predomina a vogal média aberta (anterior ou posterior) em posição pré-acentuada, quando o

contexto fônico condiciona ou favorece tal variante. Veja-se a título de exemplo os

seguintes casos:

[dE"Sa], [dE"SadU], [kE"Saw], [alE"ZadU], [fE"Zåàw], [bE"|adå], [kawdE"|åàw], [SE"|a], [peànE"|a].

Mota afirma que a partir da análise da variação entre [ej] e [e] ou [E] na área

sergipana estudada, podem-se destacar algumas características dialetais, que expõe como

segue:

01) “As variantes [ey] e [e] distribuem-se diferentemente, a depender do contexto fônico

em que se inserem: a primeira ocorre sistematicamente diante de vogal posterior alta ou

consoante dental e em final de palavra, enquanto a segunda é a norma quando o segmento

fônico imediato é a consoante vibrante alveolar; nos demais contextos documentam-se

ambas as variantes”.

02) “Registra-se a variante [E] em formas também documentadas com [ej], em

distribuição inacentuada anterior ao acento, nos mesmos contextos em que ocorre essa

vogal em outras formas não relacionadas à seqüência ej, confirmando-se a característica

dialetal de restrição à ocorrência de vogal média fechada em sílaba pré-acentuada”.

03) “A identificação de /ey/ como variante característica de “classe culta”, como se lê

em Nascentes, de “linguagem cuidadosa”, como classifica Câmara Jr. ou apenas

documentada em “gente letrada” quando “fala com preocupação de policiar a linguagem”

ou quando tem “educação prosódica muito cuidada...”segundo Marroquim, não coincide

com os dados do dialeto. Essa variação entre ej e e deve ser, ao contrário, classificada como

diatópica e provavelmente se documenta também em outras áreas brasileiras”.

O trabalho de Mota resenhado acima apresenta, do ponto de vista quantitativo,

alguns pontos problemáticos, a amostra de apenas cinco informantes, a forma como os

dados foram coletados, entre outros fatores. Mas é preciso levar em conta que se trata de

uma pesquisa eminentemente dialetológica e a metodologia adotada atende,

necessariamente, aos objetivos estabelecidos nesse tipo de trabalho, logo, não é o caso de se

ver e apontar aí supostas deficiências, mas de reconhecer a especificidade e o valor da

referida pesquisa dentro do campo em que ela está inserida.

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Bisol (1994) analisa a realização do ditongo /ej\ na fala de sete informantes de Porto

Alegre controlando apenas a variável contexto seguinte: palatal (.89), tepe (.89), labial

(.29), velar (.38), alveolar (.28), vogal (.13). Com base nesses resultados, a autora afirma

que diante de consoante palatal e vibrante simples, a variante sem glide é a de uso geral,

“Tão geral que de somenos importância se faz examinar o papel que outros fatores possam

ter na motivação para uso da forma preferida” (Bisol, 1994, p. 124). Não há, nesse trabalho,

referências sobre a metodologia de coleta de dados nem sobre a composição da amostra,

mas ao que tudo indica não era objetivo da autora proceder a uma análise propriamente

quantitativa dos dados, na verdade estes são apenas o ponto de partida para uma discussão a

respeito da origem do glide diante da consoante palatal [S].

Paiva (1996), estudando o Português falado na cidade do Rio de Janeiro, enfocou a

supressão dos segmentos [y] e [w] segundo os pressupostos da Teoria da Variação, visando

detectar os condicionamentos determinantes de formas como pexe, bandera, poco, oro.

Utilizando dados de 44 entrevistas do “Projeto Censo da Variação Lingüística no

Município do Rio de Janeiro”, a autora levantou um total de 3133 dados, sendo 2111 de

ditongo [ey] e 1022 de ditongo [ow] em interior de vocábulo, a ocorrência destes mesmos

ditongos em final de palavra foi descartada da pesquisa porque esta posição se mostrou

categórica no sentido de manutenção de [y] e de [w]. O enfoque neste trabalho foi

estritamente sincrônico.

Aqui a idéia inicial é a de que a supressão das semivogais nos ditongos decrescentes

[ey] e [ow] é um fenômeno sistêmico que praticamente não sofre influência de fatores

externos e que não se constitui índice de diferenciação diastrática. Este trabalho tenta

levantar também evidências de que a supressão de [y] e a supressão de [w] são processos

distintos, com distintos condicionamentos fonéticos, sendo a segunda muito mais geral e

irrestrita do que a primeira, mesmo que haja nos dois casos características de mudança em

progresso.

O primeiro grupo de fatores considerado como condicionador do fenômeno está

ligado ao contexto fonético seguinte à semivogal, assim, os segmentos que ocorrem depois

desta foram agrupados de acordo com o ponto e o modo de articulação, donde foram

estabelecidos os seguintes grupos:

1- Ponto de articulação:

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- labiais [p, b, m, f, v] – seiva, soube

- dentais [t, d] – direito, outro

- alveolares [ s, z, |, l, n] – beiço, ouro

- palato-alveolares [ S, Z] - peixe, trouxa

- velares [k, g] – manteiga, louco

- vogais – meio, veio

2- Modo de articulação:

- oclusivas [p, b, t, d, k, g] – peito, loucura

- fricativas [ f, v, s, z, S, Z] - peixe, ouça

- nasais [m, n] – queimo, reino

- laterais [l] – leilão, Leila

- flap – [|] - mineiro, louro

Foram considerados ainda dois outros fatores de nível fonético, tais como a

extensão da palavra e a tonicidade da sílaba em que se dá o ditongo. No primeiro grupo,

considerou-se a estruturação silábica das palavras de acordo com a classificação tradicional

em monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos. No segundo, os dados foram

subdivididos de acordo com a ocorrência da semivogal numa sílaba tônica, pré-tônica ou

pós-tônica. Prevendo a possibilidade de uma interferência de fatores de nível morfológico,

a autora observou também a situação da semivogal relativamente à estruturação interna da

palavra, estabelecendo os fatores radical e sufixo.

Constatou-se que os fatores ponto e modo de articulação do segmento seguinte são

os de maior efeito sobre a supressão de [y], que são seguidos pelos grupos extensão da

palavra e estrutura interna da palavra, sendo a tonicidade irrelevante na ocorrência do

processo, que se realiza independentemente de a semivogal se encontrar numa sílaba tônica

ou átona.

Relativamente ao ponto de articulação, os segmentos velares [k, g] e os palato-

alveolares [S, Z] são os que fortemente influenciam a monotongação de [ey] com

probabilidade de, respectivamente, .89 e .93. É preciso dizer, porém, que os números

relacionados aos segmentos velares restringem-se à supressão de [y] na palavra manteiga, a

variação de [ey] nessa palavra pode estar relacionada a uma peculiaridade etimológica, já

que é fácil constatar que em outras palavras com contexto velar há um bloqueio da

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supressão de [y], como em /seku/, Seiko, e /megu/, meigo. Os segmentos dentais (. 15),

alveolares (.27) e as vogais (.10) demonstraram ser inibidores do fenômeno.

No que diz respeito ao modo de articulação, o flap é o segmento que mais favorece

o apagamento de [y] (.99), as consoantes fricativas são igualmente favorecedoras (.56), ao

passo que as oclusivas (.13), as nasais (.13) e as laterais (.04) são inibidoras.

A autora chama atenção para o fato de que as vogais, mesmo possuindo – como as

fricativas e o flap – o traço [+contínuo], bloqueiam o cancelamento da semivogal. Esse

comportamento aparentemente estranho das vogais deve ser analisado de acordo com uma

outra tendência mais geral da língua de evitar a formação de hiatos e pode estar ligado a

problemas de estruturação silábica.

A extensão da palavra mostrou-se relativamente sensível à aplicação da regra de

monotongação de [ey]: as palavras monossilábicas quase não foram afetadas (.07), já as

dissilábicas (.67), as trissilábicas (.71) e as polissilábicas (.71) sofreram um aumento

gradativo de apagamento da semivogal [y]. Segundo Paiva, uma possível explicação para

esses resultados é que os monossílabos estariam sujeitos a menores possibilidades de

supressão porque a perda de segmentos fônicos nestas palavras pode acarretar mais

facilmente o aparecimento de homonímias.

O grupo estrutura interna da palavra indicou uma tendência mais forte à supressão

de [y] quando o ditongo se encontrava no sufixo (.61) do que quando este se achava no

radical (.38), o que precisa ser olhado com cuidado porque há aí uma superposição entre os

grupos estrutura interna da palavra e qualidade fonética do segmento seguinte à

semivogal; o ditongo [ey] do sufixo –eiro está diante de flap que é, como se sabe, um

contexto altamente favorecedor do cancelamento de [y]. Logo, a supressão de [y] em – eiro

pode se dever à influência do segmento seguinte ao ditongo [|] e não necessariamente à

categoria morfológica deste sufixo.

A autora conclui dizendo que “sob determinadas condições fonéticas, a supressão de

[y] pode ser vista como um processo quase categórico, resultando num limite mínimo de

variação se seguida de consoantes coronais altas (.93) e do flap (.99)”. Chama atenção,

porém, ao fato de que há evidências de que a monotongação de [ey] nestes casos é

resultado de diferentes motivações fonéticas. Para um caso tem-se que a supressão de [y] se

deve à contigüidade de dois segmentos que partilham ponto de articulação e retração bucal,

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ao passo que para outro, o cancelamento se motiva pela contigüidade de segmentos que se

aproximam pelo modo de articulação. Mas é importante dizer que, apesar disso, em ambos

os casos a aplicação da regra tem como conseqüência a dissolução de cadeias constituídas

de segmentos foneticamente semelhantes.

A propósito da supressão de [w] no ditongo [ow], a autora diz que os resultados da

análise corroboram a hipótese de que condicionamentos de caráter fonético são aí

inoperantes, havendo, ao contrário, indicações de que a mudança de ow para o esteja

completamente concluída e implementada no sistema, podendo haver, entretanto, restrições

de ordem lexical. Diz ainda que é difícil falar em variação do ditongo [ow], “podendo-se,

mesmo, concluir que a não-articulação de [w] constitui a norma do português falado no Rio

de Janeiro” (p.233).

Comparando o comportamento das semivogais anterior e posterior, a autora diz que

é possível concluir que a monotongação do ditongo [ow] (.98) está amplamente mais

disseminada do que a do ditongo [ey](.61) e que, embora sujeitas a restrições de natureza

diversa, a supressão de [y] e de [w] apresentam o mesmo resultado quanto à estruturação

silábica, ambas reduzem sílabas complexas a sílabas simples. Assim, a monotongação de

[ey] e de [ow] “é mais um dentre os diferentes processos de que a língua se utiliza para

evitar cadeias sintáticas complexas” (p. 234).

As variáveis sociais consideradas nesta pesquisa apresentaram resultados pouco

expressivos, confirmando a hipótese inicial de que a redução de ditongos é um fenômeno

basicamente sistêmico e pouco influenciado por fatores externos, daí, a conclusão a que

chegou a autora: “O fenômeno de supressão da semivogal é pouco estratificado

socialmente. De fato, atuaram leve e apenas parcialmente as variáveis escolarização e idade

nos falantes adultos: a primeira, no sentido de os homens mais escolarizados suprimirem

menos a semivogal do que os menos escolarizados; a segunda, no sentido de os homens

terem a taxa de conservação da semivogal mais alta na faixa de 15/25 anos, e as mulheres

apresentarem igual comportamento na faixa de 25/49 anos. Observou-se que as crianças

não apresentaram nenhuma estratificação social” (p. 333).

Cabreira (1996) estudou os ditongos orais [ay], [ey] e [ow] nas três capitais do Sul

do Brasil, a pesquisa em questão, que está inserida em um projeto maior, o Projeto

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VARSUL,7 cujo objetivo é estudar os principais fenômenos de variação lingüística que

ocorrem nos dialetos urbanos nos três estados da região Sul, tinha por objetivos específicos

verificar três aspectos: a) se a variação na pronúncia dos ditongos orais decrescentes

distingue os dialetos da região Sul entre si; b) que fatores lingüísticos influenciam a

aplicação da regra de monotongação; c) que fatores sociais influenciam a aplicação desta

regra. As hipóteses iniciais que nortearam este trabalho foram: a) a aplicação da regra de

redução dos ditongos a vogais simples está relacionada a diferenças dialetais de natureza

geográfica; b) a presença de determinados fatores lingüísticos no contexto interfere no uso

quantitativo da regra; c) determinadas características sociais dos falantes também

interferem nesse uso.

Como no estudo precedente, o enfoque aqui também é puramente sincrônico.

O método utilizado no trabalho seguiu as linhas da Teoria da Variação de inspiração

laboviana. A população-alvo da pesquisa foram os falantes monolíngues do português,

nascidos em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, com mais de 25 anos e com

escolaridade igual ou inferior ao Nível Médio. O material que serviu de corpus corresponde

a 36 entrevistas, cuja duração varia entre 45 e 60 minutos, sendo 12 entrevistas por cidade.

Os fatores lingüísticos levados em consideração inicialmente foram o contexto fonético

precedente, o contexto fonético seguinte, a natureza morfológica e a tonicidade. Quanto aos

aspectos sociais, foram levados em conta os seguintes fatores: idade, sexo, escolaridade e

origem geográfica.

Os resultados obtidos preliminarmente levaram a uma redefinição das variáveis

lingüísticas envolvidas e apenas o fator contexto fonético seguinte foi relevante para essa

redefinição, razão pela qual, apenas essa variável foi apresentada.

Para o ditongo [ey], consideraram-se seis possibilidades de contexto seguinte:

a) [S] ex.: peixe

b) [Z] ex.: beijo

c) [|] ex.: pereira

d) [k,g] ex.: manteiga

e) vogal ex.: passeio

f) outros ex.: queima

7 Variação Lingüística Urbana na Região Sul do Brasil.

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Para o ditongo [ay] levou-se em conta as mesmas possibilidades de contexto

seguinte:

a) [S] ex.: caixa

b) [Z] ex.: vai já

c) [|] ex.: Jairo

d) [k,g] ex.: arraigado

e) vogal ex.: saia

f) outros ex.: baile

Quanto ao ditongo [ow], observou-se um alto índice de monotongação

independentemente de qualquer contexto, mesmo assim, foram selecionadas as seguintes

possibilidades:

a) consoante labial ex.: roupa

b) consoante dental ou alveolar ex.: vassoura

c) consoante palatal ex.: frouxo

d) consoante velar ex.: pouco

e) vogal ex.: ou então

f) pausa ex.: sou

De um total de 1512 ocorrências do ditongo [ey], 483 (32%) sofreram redução a [e],

desses 483 ditongos que foram reduzidos, 478 (99%) estavam diante de [|], [S], [Z], de

onde se conclui que a monotongação de [ey] é um fenômeno relacionado à presença de tepe

ou de fricativa palato-alveolar no contexto fonético seguinte ao ditongo.

Em 1037 ocorrências do ditongo [ay], apenas 46 (4%) sofreram redução a [a],

nesses 46 casos o segmento seguinte é [S]; tem-se aqui, também, que a monotongação de

[ay] é determinada pelo contexto seguinte, com a diferença de que a regra só é aplicada

quando este ditongo é seguido pela consoante fricativa palato-alveolar surda.

Relativamente ao ditongo [ow], tem-se que de um total de 1215 ocorrências, em

1168 (96%) aconteceu redução à vogal simples [o], em todos os contextos a freqüência de

monotongação ultrapassou os 90%. Nota-se aqui que o condicionamento fonético

verificado na análise de [ey] e de [ay] é, praticamente, inoperante para [ow].

A partir dessa redefinição de variáveis, o autor realizou três análises distintas: a) dos

ditongos [ey] e [ay] seguidos por [S] ou [Z]; b) do ditongo [ey] seguido por [|]; e c) do

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ditongo [ow], para em seguida apresentar os resultados dos grupos de fatores selecionados

pelo VARBRUL.

Para os ditongos [ey] e [ay] seguidos de [S] ou [Z], o programa selecionou seis

variáveis como relevantes para a aplicação da regra de monotongação: 1) a posição do

elemento seguinte quanto à sílaba; 2) o grau de escolaridade do falante; 3) a sonoridade do

elemento seguinte; 4) o sexo do falante; 5) a variedade geográfica e 6) a natureza

morfológica.

Relativamente ao fator posição do elemento seguinte quanto à sílaba, o autor diz

que o elemento seguinte ao ditongo pode estar na mesma sílaba (tautossilábico), como nas

palavras ‘leis’ e ‘mais’, ou na sílaba seguinte (heterossilábico), como nas palavras ‘peixe’ e

‘caixa’. Os resultados indicam que a regra de monotongação se aplica muito mais com o

elemento seguinte heterossilábico (0,92) do que com o elemento tautossilábico (0,02), o

que está conforme ao que diz Bisol (1989: 189-190).

Quanto ao fator grau de escolaridade do falante, tem-se que os falantes com

primário são os que mais aplicam a regra de apagamento (0,69), seguidos por aqueles com

segundo grau (0,41), e por aqueles que têm o ginásio (0,39). A explicação para esses

resultados baseada na influência que o contato com a escola, e logo, com a modalidade

escrita, exerce sobre a aplicação da regra fica um pouco fragilizada, pois de acordo com a

mesma deveria haver uma gradação proporcional entre a aplicação da regra e o nível de

escolaridade do informante, mas o que se tem é que informantes com 2° grau apagam mais

(0,41) do que aqueles que só têm o ginásio (0,39).

A variável sonoridade do elemento seguinte é, segundo o autor, a mais importante

depois do grau de escolaridade, havendo aqui duas possibilidades: a fricativa palato-

alveolar surda [S] ou a fricativa palato-alveolar sonora [Z]. Os resultados mostram um

índice de monotongação mais alto para o primeiro caso (0,58) do que para o segundo

(0,22). É preciso dizer que todos os dados de ditongo seguidos por [Z] são ocorrências de

[ey], não houve um só exemplo de [ay] seguido pelo segmento [Z].

A quarta variável selecionada pelo programa foi o sexo dos falantes: as mulheres

aplicam mais a regra (0,63) do que os homens (0,35), resultado previsto por alguns

estudiosos quando há uma mudança lingüística em andamento (cf. Chambers e Trudgill,

1980 p. 97).

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O fator origem geográfica do falante se mostrou relevante para a aplicação da regra

de monotongação: os falantes de Florianópolis aplicam mais a regra (0,62) do que os

falantes de Porto Alegre (0,46) e de Curitiba (0,22), de onde o autor conclui que, quanto à

monotongação de [ey] e [ay] seguidos de [S] e [Z], os três dialetos em estudo são diferentes.

A respeito do fator natureza morfológica previram-se três possibilidades: a) o

ditongo está no radical da palavra, como em ‘peixe’; b) o ditongo está no sufixo de plural,

como em ‘móveis’; c) o ditongo está em outros sufixos, como em ‘vais’. De acordo com

seus dados, o autor diz que esta variável apresentou um efeito categórico, pois a

monotongação se dá apenas no radical da palavra, “nos sufixos, a regra nunca se aplica”

(p.108).

Para o ditongo [ey] seguido por tepe, o VARBRUL selecionou como relevantes para

o funcionamento da regra de monotongação as seguintes variáveis: a) a natureza

morfológica do ditongo; b) o grau de escolaridade; c) o sexo dos falantes e d) a origem

geográfica.

A variável natureza morfológica do ditongo foi a que mais exerceu influência sobre

a monotongação de [ey] seguido por tepe, este fator foi definido com base no tipo de

morfema em que se encontra o ditongo, assim sendo, tem-se duas possibilidades: a) o

ditongo está no radical, como em ‘madeira’; b) ou está no sufixo, como em ‘fazendeiro’. De

acordo com os dados analisados, o autor concluiu que a monotongação de [ey] seguido de

tepe acontece muito mais quando o referido ditongo se encontra no radical (0,74) do que

quando se encontra no sufixo (0,33). Esse resultado apresenta uma discrepância em relação

aos que chegou Paiva (1996).

A variável grau de escolaridade também foi considerada importante para a redução

de [ey] a [e]: falantes com menor grau de escolaridade (até a 5ª série) são os que mais

aplicam a regra (0,76); aqueles com ginásio (até a 8ª série) são os que menos aplicam a

regra (0,30) e aqueles com segundo grau apresentam um grau médio de monotongação

(0,43). Valem aqui as observações feitas para a atuação desta variável na monotongação

dos ditongos [ey] e [ay] mais acima.

Nesta análise, a terceira variável selecionada pelo programa estatístico foi o sexo

dos falantes: as mulheres monotongam mais o ditongo [ey] seguido de tepe (0,64) do que

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os homens (0,38). Aqui também o resultado está de acordo com aqueles da análise dos

ditongos [ey[ e [ay] seguidos por consoantes fricativas palato-alveolares.

A última variável selecionada pelo VARBRUL nesta rodada foi a origem

geográfica do falante, este fator separa os informantes das três cidades objetivando

verificar se há diferenças entre os dialetos quanto à monotongação de [ey] seguido por tepe.

Os resultados mostram que, diferentemente da análise precedente, os falantes de Curitiba

são os que mais aplicam a regra de apagamento (0,79), seguidos pelos de Porto Alegre

(0,35) que apresentam um índice próximo daquele apresentado pelos falantes de

Florianópolis (0,32).

Para o ditongo [ow], foram consideradas relevantes para o funcionamento da regra

de monotongação as seguintes variáveis: a tonicidade e o valor fonemático do ditongo e o

grau de escolaridade do falante. Por exercer uma influência categórica, a estrutura profunda

do ditongo não pôde ser analisada em termos e peso relativo.

A variável tonicidade do ditongo foi selecionada como a que mais influencia a

aplicação da regra de monotongação de [ow]; as ocorrências foram separadas em três

grupos: a) ditongo em sílaba tônica, como em ‘açougue’; b) ditongo em sílaba derivada de

tônica, como em ‘açougueiro’; e c) ditongo em sílaba átona, como em ‘outono’. Os

resultados sugerem que em sílaba tônica, o ditongo [ow] está mais sujeito à monotongação

(0,56) do que em sílabas derivadas de tônica (0,26) ou em átonas (0,16). Segundo o autor,

esses resultados apontam uma certa polarização: “de um lado, as sílabas tônicas favorecem

a aplicação da regra, de outro, as não tônicas não desfavorecem” (p.82).

O fator valor fonemático do ditongo pressupõe a existência de dois tipos de ditongo:

um fonemático e outro não fonemático. O primeiro é aquele tipo de ditongo cuja redução à

vogal simples cria uma homonímia, como em ‘couro~coro’, observe-se que a forma

resultante da redução coincide com outra palavra já existente na língua, o substantivo

masculino ‘coro’. O segundo tipo de ditongo, dito não fonemático, pode ser reduzido sem

que disso resulte uma homonímia, como em ‘pouco~poco’. Os resultados indicam que os

ditongos fonemáticos são mais refratários à monotongação (0,40) do que os não

fonemáticos (0,52). A atuação aqui de uma força de natureza funcional, segundo a qual os

falantes evitam reduzir os ditongos fonemáticos para evitar ambigüidades, é questionada

pelo autor.

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32

A variável grau de escolaridade do falante foi a última selecionada pelo programa

estatístico, de acordo com esse fator os informantes foram separados em três grupos: a)

aqueles que cursaram no máximo até a 5ª série do 1º grau; b) aqueles que cursaram até a 8ª

série do 1º grau; e c) aqueles que cursaram no mínimo até o 1º ano e no máximo até o 3º

ano do 2º grau. Os números indicam que os falantes com 2º grau reduzem menos o ditongo

[ow] (0,39) do que aqueles que estudaram só até a 5ª série (0,51); aqueles que têm até a 8ª

série apresentam um índice um pouco mais expressivo de redução do ditongo (0,58).

Tendo sido o grau de escolaridade do falante a única variável social selecionada na

análise do processo de redução do ditongo [ow], seria necessário, para compreender melhor

o que isso significa, discutir os resultados em função da origem da mudança sonora nos

termos que propõem Labov (1980) e Kroch (1976), mas a amostra que serviu de base à

pesquisa apresenta limitações quanto a isso porque – como reconhece o próprio autor – “A

principal dificuldade em utilizar os resultados para discutir essas duas propostas reside no

fato de que não há, no corpus do Projeto VARSUL, uma estratificação dos informantes em

termos de classe social. Portanto, não há como relacionar diretamente o fenômeno da

monotongação com a classe social dos falantes”.

A variável estrutura profunda do ditongo não pôde ser analisada em termos de peso

relativo porque apresentou um efeito categórico sobre a regra. De acordo com a atuação

deste fator, o autor mostra que de 3670 ocorrências de ditongo verdadeiro, 3622 (99%)

sofreram redução a [o]; e em 116 ocorrências de ditongo derivado, nenhuma (0%)

apresentou o fenômeno, o que significa, ainda segundo o autor, que os ditongos derivados

não sofrem redução quando a semivogal é resultado da vocalização da lateral pós-vocálica

[l]. Veremos posteriormente que tal afirmação é bastante discutível.

Silva (1997) estudou a monotongação dos ditongos orais [aj], [ej] e [ow] no

português falado na cidade de João Pessoa (PB), o método adotado segue os pressupostos

da Teoria da Variação, de acordo com Labov (1972), Cedergren & Sankoff (1974). A

população-alvo da pesquisa compreende falantes da cidade de João Pessoa que tenham

nascido nesta cidade ou nela residam desde os cinco anos de idade e que não tenham estado

fora dela por mais de dois anos.

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33

A amostra utilizada faz parte do corpus do Projeto VALPB8, é composta por 60

(sessenta) entrevistas e é socialmente estratificada.

Embora o enfoque do trabalho seja, por assim dizer, sincrônico, a autora faz uma

análise diacrônica do fenômeno da monotongação desde o indo-europeu, passando pelo

latim, até o atual estágio do português falado no Brasil, especificamente em João Pessoa.

Foram levadas em consideração dez variáveis independentes, sendo sete lingüísticas

e três sociais: 1) contexto fonológico seguinte; b) valor fonemático do ditongo; c) posição

do elemento seguinte quanto à sílaba; d) vogal do ditongo; e) natureza morfológica,

tonicidade; f) contexto fonológico precedente; g) faixa etária; h) anos de escolarização e; j)

sexo.

A autora levantou um total de 12.590 dados, sendo 2738 ocorrências de [aj], 4902

de [ej] e 4967 de [ow]; desse total geral, 7242 (58%) sofreram o processo de

monotongação, e, dependendo da vogal do ditongo, diferentes foram as análises e as

variáveis selecionadas como relevantes para a aplicação da regra de monotongação. A

vogal [o] apresenta um efeito decisivo no sentido de favorecer o processo (.96), ao passo

que [a] (.03) e [e] (.22) atuam no sentido de inibi-lo.

Para o ditongo [ay] tem-se que de um total de 2738 ocorrências, apenas 209

apareceram monotongadas e 2529 não sofreram alteração.

O fator contexto fonológico seguinte atuou como determinante da aplicação ou não

aplicação da regra; de 209 casos em que houve monotongação, em 182 (91%) o elemento

seguinte corresponde à consoante fricativa palato-alveolar surda [S] em palavras como

‘caixa’, baixa’, em termos de peso relativo tem-se um índice de (.89).

A segunda variável social selecionada foi anos de escolarização, segundo a qual os

informantes foram divididos em cinco grupos: a) não-escolarizados (nenhum ano); b)

primário (1 a 4 anos); c) ginásio (5 a 8 anos); d) segundo grau (9 a 11 anos); e) universitário

(mais de 11 anos). Segundo a autora, quanto menor o nível de escolaridade, maior a

influência no sentido de favorecer a aplicação da regra, ou seja, os informantes não

escolarizados apresentaram o maior índice de monotongação (.85), ao passo que os de nível

universitário apresentaram índice bem menor (.35).

8 Variação Lingüística no Estado da Paraíba.

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Os resultados mostram que a variável contexto fonológico precedente exerce

influência no sentido de favorecer a aplicação da regra quando se trata de: [k] (.90), de [f]

(.86) e [b] (.78); enquanto que a oclusiva surda [p] atua no sentido de contrário (.29). Nos

outros contextos, em palavras do tipo /mais/, /vai/, /raiva/, /gaita/, /sai/, /taipa/, etc., não

aconteceu nenhuma aplicação da regra.

De acordo com a variável tonicidade da sílaba as ocorrências foram separadas em

dois grupos: 1) o ditongo se encontra em sílaba tônica,como na palavra ‘baixo’ ou 2) em

sílaba pré-tônica, como na palavra ‘paixão’. Os resultados apontam uma forte tendência de

as sílabas pré-tônicas se comportarem como favorecedoras do processo de monotongação

(.93), ao passo que as tônicas parecem inibi-lo (.46).

Relativamente à variável sexo, os resultados a que chegou Silva (1997) na análise de

[aj] mostram que as mulheres aplicam mais a regra (.61) do que os homens (.37). Cabe aqui

um breve comentário: muitos autores, como Trudgill (1974), Laberge (1977), Guy (1981) e

Oliveira (1982) apud Silva (1997), afirmam que as mulheres usam bem mais a norma

padrão do que os homens. No caso da monotongação de [aj], embora se trate de uma norma

não padrão, as mulheres estão liderando a mudança, o que pode ser melhor entendido

quando se atenta para o fato de que – mesmo não padrão – a redução deste ditongo não é

uma forma estigmatizada e está presente nos mais diversos estratos sócio- econômicos da

comunidade em estudo.

O programa de análise estatística descartou as variáveis natureza morfológica, valor

fonemático do ditongo e faixa etária por não terem se mostrado relevantes para o fenômeno

de monotongação do ditongo [ay].

Para o ditongo [ej], foram selecionadas como relevantes as seguintes variáveis:

contexto fonológico seguinte, natureza morfológica do ditongo, escolaridade do falante,

tonicidade da sílaba e valor fonemático do ditongo.

De acordo com o fator contexto fonológico seguinte, foram consideradas as

seguintes possibilidades: tepe [|], fricativa palato-alveolar surda [S], fricativa palato-

alveolar sonora [Z], oclusiva velar [g], vogal baixa [a], consoante oclusiva [t] e vogal média

[o]. Os segmentos seguintes que mais influenciam a monotongação de [ej] são o tepe (.99),

como em ‘cadeira’; as fricativas palato-alveolares [S] (.93) e [Z] (.69), como em ‘deixo’ e

‘beijo’. As outras consoantes consideradas, assim como as vogais [a] e [o], comportaram-se

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35

como inibidoras do processo. De onde se conclui que a redução de [ej] a [e] está

diretamente relacionada à presença do tepe (98%) e das fricativas palato-alveolares surda

(95%) e sonora (72%). A explicação da autora para este fato está de acordo com Paiva

(1996), para quem a monotongação de [ej] se deve à presença do traço [+alto] das palatais

que é compartilhado pela semivogal, o que implica um processo de assimilação cujo

resultado é a queda de [j]. No que diz respeito ao tepe, acontece algo semelhante ao que se

deu com as palatais, os traços [+soante] e [+contínuo] dessa vibrante se espraiam e são

assimilados pela semivogal, que cai.

Outra variável selecionada foi a natureza morfológica do ditongo, aqui foram

consideradas duas possibilidades: ou o ditongo está no radical ou no sufixo da palavra. Os

resultados apontam maior índice de aplicação da regra para o ditongo que faz parte do

radical (.70) do que para aquele que está no sufixo (.28). A autora pondera que esses

resultados, na verdade, se referem mais à influência do segmento seguinte do que ao fato de

o ditongo estar no radical, pois em palavras como ‘dinheiro’, ‘peixe’, ‘cadeira’, ‘beijo’é o

elemento seguinte que determina a monotongação de [ej].

A variável anos de escolarização foi a única variável social selecionada pelo

programa de análise estatística como favorecedora da monotongação de [ej]. Os falantes

com maior nível de escolaridade (universitários) são menos favoráveis ao fenômeno (.24)

do que aqueles com poucos ou nenhum ano de experiência escolar (.55). Cabem aqui as

mesmas observações feitas para a influência deste fator na análise do ditongo [aj].

Os resultados obtidos na análise da variável tonicidade da sílaba mostram que,

relativamente à monotongação de [ej], as sílabas tônicas são neutras (.48), ao passo que as

pré-tônicas são favoráveis (.67). A autora explica esse resultado à luz do princípio da

saliência fônica proposto por Naro e Lemle (1976). Nos estudos de Paiva (1996) e de

Cabreira (1996) esta variável se mostrou inoperante no processo em questão.

O valor fonemático do ditongo foi a última variável selecionada, e de acordo com os

resultados apresentados pode-se dizer que a monotongação de [ej] sofre influência desta

variável. De acordo com a autora, a chance de aplicação da regra é maior quando o ditongo

é fonemático (.80) do que quando ele é não fonemático (.49), mas esse resultado se deve à

superposição do contexto fonológico seguinte sobre esta variável.

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As variáveis contexto fonológico precedente, faixa etária e sexo do informante

foram consideradas como irrelevantes para a simplificação do ditongo [ej].

Para o ditongo [ow] o VARBRUL selecionou as seguintes variáveis: tonicidade da

sílaba, contexto fonológico seguinte, contexto fonológico precedente e grau de

escolaridade do falante.

Quanto à variável tonicidade da sílaba, os resultados mostram que as sílabas tônicas

favorecem a monotongação de [ow] (.52), enquanto as pré-tônicas inibem esse processo

(.45). Neste caso, o princípio de saliência fônica não se sustenta. Guy (1986) apud Silva

(1997) afirma que os traços mais salientes são mais rapidamente apreendidos e por isso as

novas formas são introduzidas primeiro nestes contextos para só depois atingirem aqueles

que têm um nível de saliência fônica menor.

O contexto fonológico seguinte foi a segunda variável estrutural selecionada pelo

programa como relevante para a monotongação de [ow], os resultados, apontam os

seguintes dados: vogal baixa [a] (.64), consoante nasal [m] (.63), fricativa [s] (.49), oclusiva

[p] (.47), contexto zero [#] (.30) e fricativa [v] (.18). A autora informa que após a retirada

dos fatores categóricos e amálgama daqueles com freqüência muito próxima, obteve os

seguintes resultados: consoante nasal (.63) e vogal (.64) favorecem a aplicação da regra, ao

passo que fricativas (.49), laterais (.48) e oclusivas (.47) não interferem e contexto zero

(.30) parece inibir.

A variável contexto fonológico precedente, igualmente ao que ocorreu com a

variável contexto fonológico seguinte, só pôde ser analisada em termos de peso relativo

porque as freqüências obtidas eram muito elevadas, o que indica o comportamento quase

categórico do ditongo [ow], que se reduz, independentemente de qualquer contexto. Assim,

obtiveram-se os seguintes resultados em termos de elemento precedente: vibrante (.71),

vogal baixa (.67) e nasal (.57) parecem favorecer o processo, ao passo que fricativas (.47),

oclusivas (.48), lateral (.35) e vogal posterior (.05) parecem desfavorecê-lo.

A variável anos de escolarização foi a única selecionada, dentre as variáveis

sociais, como relevante para a monotongação de [ow]. Aqui também, assim como na

análise dos ditongos [aj] e [ej], os resultados indicam que quanto maior o nível de

escolaridade, menor o índice de aplicação da regra, ou seja, os informantes com nenhum

ano de escolarização monotongam bem mais (.66) do que aqueles com escolaridade entre o

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primário e o segundo grau (.48) ou com nível universitário (.26). A autora diz que esses

resultados podem dever-se ao ‘prestígio’ atribuído pela escola ao uso da forma padrão,

logo, falantes que têm ou tiveram maior contato com a forma de prestígio a privilegiam em

detrimento da forma não padrão. Resultados parecidos foram obtidos por Bisol (1994),

Paiva (1996) e Cabreira (1996).

As variáveis valor fonemático do ditongo, sexo, faixa etária e natureza morfológica

foram consideradas irrelevantes pelo programa de análise estatística para a monotongação

do ditongo [ow].

Mollica (1998) analisou o processo de monotongação dos ditongos [ey] e [ow] em

alunos de três escolas do Rio de Janeiro, duas públicas e uma particular. Esta pesquisa

pretendia verificar: a) “se a realização de uma orientação clara e direcionada no

ensino/aprendizagem da escrita reduz a ocorrência da monotongação nessa modalidade; b)

em que etapa do ciclo escolar tal estratégia é mais eficaz; c) a necessidade de se elaborar

material didático específico para sanear problemas afetos à língua escrita na escola para

este e outros fenômenos” (p.54).

Para avaliar o processo de monotongação na escrita de acordo com a variável

escolaridade, os alunos foram separados inicialmente em cinco níveis: CA (alfabetização),

1ª série, 2ª série, 3ª série e 4ª série; depois cada um desses níveis foi subdividido em dois

grupos: um que recebeu orientações explícitas a respeito das regras de monotongação na

fala9 e outro que não as receberam.

O teste consistiu em apresentar às crianças gravuras correspondentes a alguns

vocábulos que continham os ditongos [ey] e [ow] em contextos favoráveis à monotongação,

tais como, peixe, queijo, feijão,cadeira, merendeira, manteiga, tesoura, ouvido, touca, etc.

e ao lado das quais se deveria escrever o nome respectivo.

A autora concluiu, entre outras coisas, que os grupos que receberam instrução sobre

a possível interferência da fala na escrita apresentaram um índice menor de monotongação,

de onde se pode supor “... que a consciência explícita por parte do falante acerca da relação

fala/escrita concorre para melhorar o desempenho no processo de alfabetização” (p.79);

9 “Estabeleceu-se que para uma das turmas, o pesquisador explicitaria que, na língua oral, muitas vezes deixamos de pronunciar determinados sons que não chegam a causar danos na comunicação. Todavia, é indispensável saber que devemos representar esses sons em forma de grafemas na língua escrita de acordo com as normas ortográficas vigentes” (p.56).

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turmas de alfabetização e de 1ª série não são sensíveis a um comando explícito sobre a

influência da fala na escrita, é só a partir da 2ª série que os alunos começam a entender as

diferenças entre uma e outra forma de expressão; a tendência à monotongação se dá em

menor grau nas crianças de sexo feminino, embora na 1ª e na 3ª séries os meninos tenham

apresentado menos casos de tal processo. Essa diferença, ressalta a autora, se manifestou

mais em turmas cujo nível sócio-econômico era mais baixo.

Analisando [ey] e [ow] separadamente, observou-se que a monotongação de [ow] é

mais difícil de ser corrigida na escrita, a autora chama atenção para o fato de que “Quanto

mais afetada na fala a mudança, maior resistência à instrução, aplicada como estratégia

pedagógica em sala de aula no processo de letramento” (p.80). Daí, a necessidade premente

de os professores de Português, sobretudo aqueles que atuam nas séries iniciais, tomarem

conhecimento das pesquisas sociolingüísticas – especialmente as que tratam da relação

entre o fenômeno da variação e a aquisição da escrita − e aliarem a essas informações

conhecimento adequado sobre os processos cognitivos do aluno para poderem fazer uma

intervenção didática mais eficaz porque orientada e dirigida.

Araújo (1999) estudou a alternância entre [ej]e [e] no português falado na cidade de

Caxias, no Maranhão. Aqui também a perspectiva é sincrônica e a metodologia se baseia

nos pressupostos da Teoria da Variação (Labov, 1972, 1994; Sankoff, G. 1982; Sankoff, D.

1988; e outros) apud Araújo (op. cit).

A população-alvo desta pesquisa compreendeu falantes de português nascidos em

Caxias, com idade entre 15 e 25 anos ou mais de cinqüenta anos, escolarizados ou não, que

aí tenham chegado até os cinco anos de idade, tenham vivido a maior parte de sua vida

nesta cidade e não tenham realizado muitas viagens para fora. Os dados que serviram de

corpus ao trabalho provêm de gravações de amostras de fala desses informantes

previamente selecionados e estratificados, trata-se de 24 entrevistas sociolingüísticas de

aproximadamente 30 minutos cada uma. A estratificação foi feita com base no sexo, no

grau de instrução e na idade dos falantes.

A autora trabalhou com um total de 1.305 dados que foram submetidos à análise

estatística de programas do pacote VARBRUL.

O presente trabalho tinha por objetivo principal responder a três indagações: a) que

fatores lingüísticos e extralingüísticos se correlacionam com a aplicação da regra de

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monotongação no dialeto em estudo; b) de que forma este fenômeno vem se

implementando na língua, se via difusão lexical ou de modo regular, como queriam os

neogramáticos; c) que modelo fonológico melhor explica o fenômeno em questão.

As variáveis lingüísticas controladas foram as seguintes: contexto fônico

precedente, segmento seguinte, sonoridade do elemento seguinte, posição do ditongo,

tonicidade da sílaba, dimensão do item lexical e velocidade da fala.

As variáveis extralingüísticas levadas em conta são as mesmas da estratificação

(idade, escolaridade e sexo) mais a classe social do falante. Com respeito à idade, os

informantes foram divididos em dois grupos: a) de 15 a 25 anos e b) com mais de 50 anos;

quanto ao fator escolaridade, os informantes foram classificados também em dois grupos:

a) aqueles que tinham de 9 a 11 anos de escola e b) aqueles que nunca freqüentaram escola

(não-escolarizados). Em termos de classe social, os informantes foram divididos em três

grupos: a) classe social baixa (renda de até cinco salários mínimos); b) classe social média-

baixa (renda entre seis e dez salários mínimos); c) classe média-alta | (renda de mais entre

doze e dezesseis salários mínimos).

A análise estatística dos dados considerou relevantes para o processo de

monotongação os seguintes fatores, em ordem de importância: segmento seguinte, a

velocidade da fala, a escolaridade, a tonicidade da sílaba e a idade do informante.

A respeito da variável segmento seguinte, foram consideradas seis possibilidades:

tepe [|], vogal baixa [a], oclusiva velar sonora [g], fricativa palato-alveolar surda [S],

fricativa palato-alveolar sonora [Z] e consoante nasal [n]. Os dados apontam maior

incidência de monotongação diante de tepe [|] (.85) e de vogal central baixa [a] (.61), em

palavras como ‘feira’ e ‘cadeira’, ‘meia’ e ‘feia’, respectivamente; enquanto que um baixo

índice desse fenômeno se manifesta diante de [n] (.12) e de [Z] (.18), em palavras como

‘treino’ e ‘feijão’. Diante dos segmentos [S] (.46) e [g] (.47) o índice de monotongação é

intermediário. A autora chama atenção para o fato de que o segmento tepe [|] é o que

concentra o maior número de ocorrências, quase a metade de todo o corpus, o que, segundo

Veado (1983, p.214), faz “...suspeitar que o fenômeno de simplificação do ditongo /ej/

tenha se originado diante deste segmento e não diante de [S] ou de [Z], conforme

mencionado por Lemle (1978 p. 69).

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3. METODOLOGIA Neste trabalho, a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ está sendo estudada de

acordo com os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista (v.

Labov, 1976; Cedergren & Sankoff, 1974). Aceitar como válidos tais pressupostos implica,

num plano mais teórico, reconhecer que existem processos de variação e de mudança

lingüística que se devem a pressões de natureza social; em termos práticos, implica

pesquisar e descrever o tipo de correlação entre variantes lingüísticas e categorias sociais.

Supondo de um lado um conjunto de variáveis lingüísticas que a análise dos dados

permite postular, e de outro lado, um conjunto de variáveis sociais que uma teoria

sociológica permite depreender, o pesquisador precisa descobrir quais são as relações

existentes entre estes dois conjuntos de variáveis. É preciso tomar cuidado com a tendência

a associar mecanicamente fatores do primeiro conjunto a elementos do segundo porque em

grupos socialmente complexos as relações entre esses dois conjuntos não são biunívocas,

ou seja, a utilização de uma determinada variante fonética por um falante, por exemplo, não

se encontra necessariamente em ‘distribuição complementar’ com certas características

sociais suas.

Assim, para a pesquisa sociolingüística, a pressuposição do caráter social da

linguagem não é sinônimo nem mera repetição da constatação saussuriana do uso

plurindividual da língua; aqui, além de reconhecer a língua como um ‘fato social’, assume-

se, a conseqüência prática dessa atitude: o modelo sociolingüístico toma como seu objeto

de estudo a própria variação lingüística. Para um aprendiz de lingüista é uma atitude difícil

de assumir porque implica, para além do convite sedutor à tolerância, o exercício contínuo

de superação dos próprios preconceitos, assim como o desnudamento completo das velhas e

arraigadas opiniões, dos pré-julgamentos sobre o outro e das generalizações apressadas e

pouco criteriosas, pois como o próprio Labov lembra, “Uma postura teórica pode vir a ser

um estilo de vida. Refinar a estrutura complicada de suas próprias idéias, se perguntar como

se falaria num mundo imaginário onde seu próprio dialeto fosse a única realidade ...(Labov,

Language in the Inner City, p. 292)”. Some-se a isso o esforço, sempre necessário, para não

fazer de uma opção metodológica uma perigosa profissão de fé.

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3.1. Delimitação da problemática

A presente análise se refere aos casos em que é variável a realização dos ditongos

/ow/ e /ej/ na fala de informantes da cidade de Altamira –Pa. Trata-se do que mais

comumente tem se chamado na literatura específica de monotongação, ou redução de

ditongos, em situações do tipo: cadera ~ cadeira, pexe ~ peixe, dexa ~ deixa, dinhero ~

dinheiro; otra ~ outra, loca ~ louca, loça ~ louça, poca ~ pouca, oro ~ ouro.

Tentar-se-á determinar precisamente em que ambientes os referidos ditongos são

passíveis de redução e que fatores, sociais e lingüísticos, estão relacionados com o maior ou

menor índice de alternância entre o ditongo mantido e a vogal simples resultante da

monotongação. Por serem de natureza e comportamento muito diferentes cada ditongo será

tratado especificamente.

Por questões práticas e metodológicas optou-se por um enfoque eminentemente

sincrônico, o que não exclui a possível intervenção de referências de ordem histórica no

corpo do trabalho quando estas forem necessárias ou inevitáveis. Pode-se dizer o mesmo

para as eventuais incursões qualitativas exigidas por alguns dados numericamente

insuficientes para a análise quantitativa.

Sem perder de vista as possíveis limitações a que está sujeito este estudo, tanto

aquelas impostas pela sua própria natureza, quanto outras que poderiam ter sido corrigidas

e por algum motivo não o foram, esperamos apresentar um quadro bastante aproximado do

comportamento oscilante dos ditongos /ow/ e /ej/ no estágio atual da língua portuguesa

falada na cidade de Altamira.

3.1.1. Objetivos

Geral

Esta pesquisa sobre a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ na fala da cidade

de Altamira-Pa pretende ser a primeira de uma série de investigações que tem por objetivo

mais amplo constituir um observatório da variação lingüística na região da Transamazônica

e Xingu, em consonância com o projeto maior em que está inserida - o Atlas Geo-

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Sociolingüístico do Estado do Pará10. Espera-se que as descrições sobre o português da

Amazônia realizadas por este projeto possam ser úteis para um melhor e mais sistemático

conhecimento das diferentes e múltiplas realidades lingüísticas vivenciadas pelos falantes

do português brasileiro.

Específicos

a) descrever e analisar a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ na fala de

Altamira;

b) verificar que fatores lingüísticos influenciam e/ou determinam a redução dos

referidos ditongos;

c) investigar se há relação entre certas características sociais dos informantes e a

aplicação da regra de monotongação;

d) observar se a tendência dos dados analisados aponta a monotongação como um

caso de variação estável ou se indica uma mudança em curso;

e) mapear os resultados obtidos em Altamira juntamente como os resultados de

outras áreas dialetais no Brasil.

3.1.2. Hipóteses

A idéia que motivou a escolha da presente problemática está relacionada à nossa

percepção de que na fala casual, corrente e espontânea, a monotongação – nos casos em

que ela é passível de ocorrer − acontece muito mais do que a ditongação. A análise

exploratória dos dados confirmou esta suposição inicial, e mais, apontou a vogal simples

resultante da redução como sendo a regra e o ditongo conservado a exceção. Tentando

entender e explicar essa tendência, aventamos as seguintes hipóteses:

a) a monotongação está relacionada a uma necessidade de simplificação da sílaba,

visto que em português o padrão silábico é CV;

b) a variação entre [ow] ~ [o] e entre [ej] ~ [e] é influenciada por fatores

eminentemente estruturais;

10 RAZKY, Abdelhak. O Atlas Geo-sociolingüístico do Pará: abordagem metodológica. IN: AGUILERA, Vanderci de Andrade. A Geolingüística no Brasil: Caminhos e Perspectivas. Londrina, 1998. pp. 155-164.

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c) o fator lingüístico mais decisivo para a monotongação do ditongo /ej/ é o

segmento fonético imediatamente seguinte;

d) os ambientes fonéticos favorecedores da redução de /ej/ são mais limitados do

que os de /ow/, que praticamente não encontra restrições quanto a este aspecto;

e) a única variável não estrutural relacionada à ocorrência da monotongação parece

ser o nível de escolaridade do informante.

3.2. População alvo da pesquisa

A população alvo desta pesquisa compreende falantes de português com idade entre

15 e 70 anos, nascidos em Altamira ou que aí tenham chegado até 5 ou 6 anos de idade e

que não tenham saído da cidade por mais de dois anos, sobretudo quando adolescentes. A

opção pela localidade deve-se, sobretudo, ao fato de a mesma estar incluída entre as dez

zonas urbanas11 escolhidas como pontos de inquérito para o Atlas Geo-Sociolingüístico do

Pará (ALIPA).

3.2.1. Localização geográfica

O município de Altamira está situado no oeste do Pará, a 512 km de Belém em linha

reta, ou 820 km por via rodoviária; limita-se ao norte com o município de Vitória do Xingu,

ao sul com o estado do Mato Grosso, a leste com os municípios de Senador José Porfírio e

São Félix do Xingu e a oeste com os municípios à margem da rodovia Transamazônica,

sentido Altamira/Itaituba (Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, etc.). Conforme o mapa 1*

abaixo:

11 As outras nove cidades são: Itaituba, Marabá, Conceição do Araguaia, Santarém, Cametá, Breves, Bragança, Abaetetuba e Belém.

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44

Mapa 1

* Este mapa foi gentilmente cedido pelo Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET).

Com uma superfície de 160.755 km², Altamira é considerada um dos maiores

municípios do mundo em extensão territorial. Sua população está estimada em 77.401

habitantes; deste total, 41.272 são homens e 36.129 são mulheres; 62.265 estão na área

urbana e 15.136 estão na área rural.12

3.2.2. Breve histórico da cidade

Foi a lei estadual nº 1.234, de 06 de novembro de 1911, que elevou Altamira à

condição de município, antes era uma vila e fazia parte do município de Souzel. Sua

história foi marcada pela extração da borracha e, depois do declínio dessa atividade, pela

exploração do garimpo. Porém, o grande ‘divisor de águas’ na vida da região foi a abertura

da ‘Rodovia da Integração Nacional’, a famosa Transamazônica, no início da década de 70;

a partir desse momento, muitas mudanças – umas mais lentas, outras mais radicais −

aconteceriam, alterando substancialmente diversos aspectos da vida da cidade, inclusive sua

identidade lingüística.

12 De acordo com dados do IBGE, Censo 2000.

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45

Os ‘colonos’, como eram chamadas as pessoas trazidas aquando da abertura da

Transamazônica, foram assentados ao longo da rodovia em terrenos loteados pelo INCRA.

A falta de assistência técnica adequada e regular para os agricultores recém chegados, a

ausência de uma política de incentivo à agricultura, a precariedade na assistência à saúde e

à educação, somadas às dificuldades de locomoção por causa do estado de semi-

intrafegabilidade da rodovia, cujo projeto de pavimentação foi abandonado, não demoraram

a denunciar a falência do projeto de colonização oficial, e as conseqüências negativas desse

empreendimento logo se fizeram sentir no núcleo urbano que não estava preparado para

absorver tamanho contingente populacional.

Crescimento desordenado, desemprego, aumento do índice de violência, falta de

perspectiva pessoal e profissional para a juventude, entre outros, são talvez os problemas

mais graves que atingem o município de Altamira, embora não sejam uma particularidade

sua, visto que são em grande medida reflexo de um problema estrutural do modelo

socioeconômico da sociedade brasileira, chamam atenção por causa da negligência e da

omissão com que são tratados pelo poder público, face ao inegável potencial econômico da

região e a possibilidades reais, embora não imediatas, demonstradas por outras cidades de

história similar, de responder a esses problemas de maneira socialmente responsável, sem

abrir mão do desenvolvimento econômico.

3.2.3. Economia e infraestrutura

A economia é movimentada basicamente pela agropecuária e pelo comércio. A

atividade industrial – com exceção da indústria madeireira − não é muito expressiva e o

turismo, embora promissor, ainda não mereceu atenção e investimento adequados. Em

termos de infra-estrutura, a cidade conta com três hospitais, seis agências bancárias, um

aeroporto, uma estação rodoviária; o transporte coletivo é bastante precário, existem apenas

duas linhas de ônibus para um contingente populacional de aproximadamente 62.000

pessoas.

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46

3.3. Amostra

O corpus utilizado no presente trabalho faz parte do banco de dados do projeto

ALIPA13, que estuda a variação lingüística no Pará e tem por objetivo elaborar o atlas

lingüístico deste estado (v. Razky, 1998). Em cada um dos dez pontos urbanos de inquérito

foram entrevistados 42 informantes socialmente estratificados, cada informante forneceu

uma narrativa com duração média de trinta minutos. O processo de amostragem segue o

método da amostra estratificada aleatória e na estratificação foram observadas as seguintes

características sociais dos informantes: sexo, escolaridade, faixa etária e renda, distribuídas

como segue:

Sexo:

F – feminino

M – masculino

Escolaridade:

1 – não escolarizado

2 – ensino fundamental

3 – ensino médio

Faixa etária:

A – entre 15 e 25 anos

B – entre 26 e 45 anos

C – entre 46 e 70 anos

Renda:

b − baixa

m − média

Houve problemas também na composição da amostra quanto ao informante A1m

(de 15 a 25 anos, sem escolarização e de renda média, tanto masculino quanto feminino),

este tipo social não foi encontrado em Altamira, ficando a amostra com apenas 40

informantes ao invés de 42. Acreditamos que a não localização deste tipo de informante

pode estar relacionada ao fato de que na cidade em questão, especialmente na área urbana –

onde a pesquisa foi realizada, os jovens oriundos de famílias de renda média/alta ou estão

13 Atlas Geo-Sociolingüístico do Estado do Pará.

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47

na escola ou passaram por ela durante o período de escolarização básica, não podendo,

pois, serem considerados como não escolarizados.

Pelo esquema abaixo é possível visualizar a estratificação da amostra usada neste

trabalho:

Plano da amostra.

b m1 0

b m1 2

b m1 1

A

1 2 3

b m1 1

b m1 1

b m1 2

B

1 2 3

b m1 2

b m1 1

b m1 1

C

1 2 3

F

b m1 0

b m1 2

b m1 0

A

1 2 3

b m1 1

b m1 1

b m1 2

B

1 2 3

b m1 2

b m1 0

b m1 1

C

1 2 3

M

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Deve-se ler:

FM Sexo: F, Feminino; M, Masculino

A B C Faixa Etária: A, de 15 a 25 anos; B, de 26 a 45 anos; C, de 45 a 70 anos

1 2 3 Escolaridade: 1, Não escolarizado; 2, Ensino Fundamental,3, Ensino médio.

b m b m b m Renda: b, baixa; m, média

x x x x x x Número de informantes

3.4. Coleta de dados

O trabalho de campo foi realizado de acordo com os pressupostos da metodologia

sociolingüística de pesquisa (v. Labov, 1976). Antes da gravação, os informantes

responderam uma ficha social de identificação (v. anexo) e os pesquisadores tentavam

minimizar o constrangimento da presença do gravador para que o entrevistado pudesse falar

o mais naturalmente possível, razão pela qual as questões não foram previamente

formuladas. Com os informantes mais velhos, indagava-se sobre o passado histórico da

cidade, sobre as mudanças provocadas pela abertura da Transamazônica, sobre o passado

pessoal, criação dos filhos, casamento, doenças, festas, etc.; com os mais jovens, a conversa

girava em torno de experiências pessoais, vida escolar, namoro, diversão, violência,

política, etc. Evitou-se a todo custo comentar o objetivo lingüístico da pesquisa.

As entrevistas têm uma duração média de 25 a 30 minutos, foram gravadas em fita

K7 tamanho normal e, depois de digitalizadas, reproduzidas em CD. Devido à dificuldade

de conseguir um lugar acusticamente adequado e às limitações técnicas do equipamento

utilizado para fazer as gravações, algumas delas apresentam ruídos, mas isso não chegou a

comprometer a qualidade dos dados, pois estes passaram por um tratamento de

compactação e limpeza antes de serem digitalizados.14

14 Estes dados estarão disponíveis na internet no seguinte endereço: www.ufpa.br/alipa.

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49

A coleta de dados se deu em dois momentos, o primeiro, nos meses de julho e

agosto, e o segundo, em dezembro de 2000. A pesquisa de campo foi realizada pela autora

deste trabalho e por mais duas moradoras da cidade.15

3.5. Levantamento, triagem e análise de dados

Para fazer o levantamento dos dados procedeu-se à escuta das narrativas e depois à

transcrição fonética de todas as ocorrências dos ditongos [ow] e [ej]. Num primeiro

momento, transcreveu-se a frase em que estava a palavra com o ditongo para observar se a

alternância entre este e a vogal simples resultante da monotongação sofria alguma

influência do contexto frasal, mas as primeiras análises invalidaram esta hipótese para a

ampla maioria dos casos, passou-se então a transcrever somente a unidade léxica do

ditongo, quando este ocorria no início da palavra transcrevia-se também a palavra anterior,

se ocorria em contexto final, transcrevia-se a palavra imediatamente seguinte. Deste

processo de levantamento resultaram 2861 dados, sendo 1405 de /ow/ e 1456 de /ej/.

O primeiro procedimento na triagem foi separar os dados tomando como base o tipo

de ditongo. Estudos anteriores apontam diferenças profundas entre os ditongos [ow] e [ej],

sobretudo no que diz respeito à natureza dos condicionamentos fonéticos a que estão

sujeitos, e sugerem análises diferenciadas para cada um desses ditongos; a seguir, foram

isolados os casos em que a conservação do ditongo é categórica. No conjunto dos dados em

que houve variação, os casos numericamente insuficientes para a análise quantitativa foram

separados e mereceram um tratamento qualitativo.

Para a análise probabilística usou-se o pacote VARBRUL (Pintizuk, 1988), que

calcula e determina matematicamente a freqüência e o peso relativo das variáveis

lingüísticas e sociais que atuam, favorecendo ou inibindo, na aplicação de uma determinada

regra lingüística.

15 Ilce Cabreira e Helaine Martins.

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3.6. Definição das variáveis

3.6.1. Variável dependente

A variável dependente examinada neste trabalho é o apagamento das semivogais

[w] e [j] nos ditongos orais [ow] e [ej] respectivamente, processo que os reduz a vogais

simples, ou monotongos; é, portanto, a monotongação destes ditongos que estamos

considerando como aplicação da regra. Vejam-se alguns exemplos: tesouro ~ tesoro, pouco

~ poco, outro ~ outro, andou ~ ando, lavoura ~ lavora; peixe ~ pexe, cadeira ~ cadera,

feijão ~ fejão, dinheiro ~ dinhero, deixo ~ dexo.

2.6.2. Variáveis independentes

Foram controladas doze variáveis independentes, sendo oito estruturais e quatro

sociais. O conjunto das variáveis lingüísticas compõe-se dos seguintes grupos de fatores:

classe morfológica do vocábulo em que ocorre o ditongo, posição do ditongo no vocábulo,

natureza morfológica, tonicidade, contexto fonético seguinte, contexto fonético precedente,

tipo de vocábulo e status fonológico do ditongo. Quanto às variáveis sociais, foram

mantidos os mesmos critérios considerados na amostra: sexo, faixa etária, escolaridade e

renda.

3.6.2. Variáveis lingüísticas

a) Classe morfológica

Esta variável foi considerada para observar se a ocorrência da monotongação estaria

condicionada à classe morfológica da palavra em que se encontra o ditongo. Assim, foram

examinadas as seguintes possibilidades:

Classes Ditongo [ow] Ditongo [ej]

Substantivo: louça, roupa peixe, cadeira

Verbo: trouxe, cantou deixo, peguei

Adjetivo: louco, rouco feia, cheia

Numeral: ----------------- primeiro, terceiro

Advérbio: pouco meio

Pronome: outro, pouco -----------------

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b) Posição do ditongo no vocábulo

Este item se refere à localização do ditongo dentro do vocábulo. Foram

consideradas três possibilidades:

Posição Ditongo [ow] Ditongo [ej]

Inicial: ouve, outro ----------------

Medial: lavoura, tesouro dinheiro, cadeira

Final: falou, chegou sei, falei

c) Tonicidade

O controle desta variável buscou verificar se a aplicação da regra de monotongação

sofre alguma influência do acento da sílaba em que ocorre o ditongo. Aqui, as palavras

foram separadas em dois grupos de acordo com o tipo de sílaba do ditongo:

Tipo de sílaba Ditongo [ow] Ditongo [ej]

Tônica trouxa dinheiro

Átona roubado deixava

d) Localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra

Esta variável diz respeito ao tipo de morfema em que ocorre o ditongo.

Consideramos duas possibilidades, ou o ditongo está na base da palavra ou no afixo, mais

precisamente no sufixo – no caso dos nomes, e na desinência – no caso dos verbos:

Tipo de morfema Ditongo [ow] Ditongo [ej]

Base roupa madeira

Afixo falou marceneiro

e) Contexto fonético seguinte

Refere-se à natureza do elemento imediatamente seguinte ao ditongo. Aqui

buscávamos observar que segmentos estão relacionados à aplicação da regra de

monotongação; o critério considerado para agrupar os segmentos foi o ponto de articulação:

Segmentos Ditongo [ow] Ditongo [ej]

Bilabiais roupa queima

Labiodentais louva ------------

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Dentais outro jeito

Alveolares pouso, ouro dinheiro

Palatais trouxa peixe, beijo

Velares pouco ------------

Vogais vou aí aldeia

Pausa levou eu cheguei

f) Contexto fonético precedente

Este fator se refere ao tipo de segmento que vem imediatamente antes do ditongo.

Neste caso, tentamos verificar se o contexto anterior ao ditongo tem alguma influência

sobre a sua redução; aqui o critério considerado também foi o ponto de articulação dos

segmentos:

Segmentos Ditongo [ow] Ditongo [ej]

Bilabiais poupança peixe

Labiodentais vou veio

Dentais doutor deixo

Alveolares melhorou seis

Palatais achou achei

Velares pagou peguei

Vogais da outra ---------

Pausa ouvimos ---------

g) Natureza de origem/uso do vocábulo

Ao controlar esta variável buscávamos saber se a natureza da origem de uma

palavra, i.e., o fato de ela ter se originado em um domínio considerado ‘erudito’ ou

específico, ou de ter seu uso restrito ou estritamente relacionado a este domínio, estava

relacionada a um maior índice de conservação do ditongo. Supúnhamos que palavras desse

tipo estivessem menos sujeitas à monotongação do que aquelas de origem e uso mais

gerais, ou por assim dizer, ‘populares’; para testar essa hipótese separamos as palavras em

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comuns e específicas. Assim, palavras como dinheiro e roupa foram consideradas comuns,

ao passo que Queiroz e olvidar foram consideradas específicas/eruditas.

h) Status fonológico do ditongo

Pretendíamos, observando esta variável, verificar se a aplicação da regra de

monotongação estava associada a algum condicionamento de natureza funcional, se o

falante deixava de aplicar a regra – mesmo em contextos onde a redução era muito provável

− para evitar ambigüidades. Assim, as palavras foram separadas em dois grupos, conforme

a monotongação fosse fonológica ou apenas fonética.

3.6.3. Variáveis sociais

Estas variáveis dizem respeito às características sociais dos informantes e são as

mesmas observadas na amostra: sexo, idade, escolaridade e renda.

a) Sexo

Considerando-se que uma boa parcela de estudos em Sociolingüística aponta as

mulheres como mais conservadoras em relação ao uso da forma considerada padrão, mas

considerando também que em alguns casos particulares são elas que lideram processos de

mudança, observaremos que tendência sugere o comportamento feminino e – por extensão

− o masculino, relativamente ao fenômeno da monotongação na comunidade alvo desta

pesquisa. Assim, os informantes foram separados em dois grupos:

F: feminino

M: masculino

b) Idade

Esta variável foi controlada para verificar se o processo de monotongação se

apresenta como um caso de variação estável ou de mudança em progresso. Foram

estabelecidos três grupos etários:

A: de 15 a 25 anos

B: de 26 a 45 anos

C: de 46 a 70 anos

c) Escolaridade

A maioria das pesquisas na área da variação lingüística tem apontado a influência

deste fator favorecendo o uso da forma padrão. Para observarmos se isto se confirma para a

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variedade de fala sob investigação, os informantes foram separados de acordo com os

seguintes níveis de escolarização:

1: não escolarizado

2: ensino fundamental

3: ensino médio

d) Renda

Não deixamos de reconhecer o simplismo implicado na tentativa de estabelecer

categorias sociais a partir de critérios meramente econômicos, assim como estamos

conscientes dos riscos que podem advir da divisão mecânica de uma população social e

economicamente complexa em apenas dois grupos de renda, como se houvesse uma linha

divisória nítida e indiscutível a separar a classe dominante da classe trabalhadora, para

usar o jargão marxista. Sabemos que mais do que uma relação de antagonismo entre os

grupos econômicos existe uma relação marcada por uma certa continuidade no espaço

social em que esses grupos interagem, mas dada a extrema complexidade dessas relações,

em que entram também muitos fatores subjetivos difíceis de definir, decidimos operar um

recorte metodológico baseado em um fator que– apesar de redutor − pode ser considerado

um indicador objetivo para situar o indivíduo na organização socioeconômica da

comunidade. Assim, os informantes foram separados em dois estratos, de acordo com a

renda:

b: renda baixa

m: renda média

O projeto ALIPA, a que esta pesquisa está ligada, estabelecera previamente um

certo valor econômico como limite para determinar o tipo de renda do informante, mas os

pesquisadores foram alertados para a necessidade de se levar em conta outros critérios

quando este não fosse suficientemente funcional. Dessa forma, para o caso de Altamira

foram considerados, além do valor econômico estipulado (menos de 5 salários mínimos

para renda baixa e mais de 5 salários mínimos para renda média), outros aspectos: tipo de

moradia, posse ou não de automóvel, de aparelhos eletro-eletrônicos, de terras, etc. No caso

de informantes não economicamente ativos levou-se em conta a renda familiar, além dos

aspectos comentados mais acima.

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4. INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ESTATÍSTICOS

Neste capítulo, apresentamos uma proposta de interpretação dos resultados obtidos

na análise probabilística do processo de redução dos ditongos /ow/ e /ej/. Inicialmente,

discutimos os resultados referentes às variáveis lingüísticas, a seguir nos ocupamos

daqueles referentes às variáveis sociais e, por último, apresentamos as variáveis que, por

não terem apresentado relevância para a aplicação da regra de monotongação, foram

descartadas pelo programa estatístico.

As tabelas indicam a freqüência e a probabilidade de monotongação relativamente a

cada um dos fatores analisados.

Ditongação x Monotongação

Antes de apresentarmos os resultados propriamente ditos, faz-se necessário observar

a tendência apontada pelos dados no que concerne à realização mesma do fenômeno sob

análise, o gráfico 1 mostra isso:

Gráfico 1

Realização variável dos ditongos /ow/ e /ey/

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Diotngo /ow/ Forma redeuzida/o/

Ditongo /ey/ Forma reduzida/e/

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Vê-se que, quanto ao ditongo /ow/, a realização dominante no corpus estudado é a

forma reduzida [o] com 95% de freqüência, sendo muito baixo o índice de uso do ditongo

conservado, [ow], que aparece em apenas 5% dos casos. Excetuando-se os casos em que a

manutenção do ditongo é categórica, a freqüência de monotongação sobe para 99% −

resultado bastante afim aos de Paiva (1996), para quem a redução de [ow] a [o] é uma

mudança concluída e implementada no sistema, não obstante algumas restrições de

natureza lexical.

Quanto ao ditongo /ej/, os dados mostram uma tendência relativamente diferenciada

daquela apontada para /ow/16; vê-se aqui um relativo equilíbrio entre a manutenção do

ditongo e a sua redução. De um total de 1456 dados, houve apagamento da semivogal em

782 casos (54%) e em 674 (46%) a semivogal foi mantida.

Diferentemente do que se observou para o ditongo /ow/, vê-se que – de uma forma

geral − os dados de /ej/ estão mais bem distribuídos entre as duas possibilidades de

realização: com ou sem a semivogal. Este índice expressivo de não aplicação da regra de

monotongação (46%) na amostra analisada confirma uma de nossas hipóteses iniciais,

segundo a qual os contextos fonéticos prováveis para a redução de /ej/ são bem mais

específicos do que para a redução de /ow/, e está de acordo com os resultados apresentados

em outros trabalhos sobre este fenômeno (v. Revisão Bibliográfica). Se, porém, levarmos

em consideração apenas os casos em que este ditongo é passível de redução, isolando

aqueles em que ele sempre se realiza com a semivogal, os resultados sofrem uma alteração

profunda, ficando muito próximos daqueles observados para o ditongo /ow/.

Passemos, então, aos resultados referentes à atuação das variáveis lingüísticas.

16 O fato de a redução do ditongo /ow/ ser bem mais estendida do que a do ditongo /ej/ também foi verificado

no português europeu, como se pode perceber pela avaliação de Cintra a respeito de um mapa das áreas de

extensão das formas reduzidas destes dois ditongos: “Quanto ao ditongo ou, indica-nos [o mapa] que a

monotongação do ditongo de elementos velares − a única das duas que penetrou na linguagem padrão − se

estende, para além da zona indicada para a redução de ei a e, pelo resto da Beira Baixa e do Ribatejo, por

grande parte da Beira Alta (...) e pela Beira Litoral” (Cintra, 1995, p.40).

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4.1. .Variáveis Lingüísticas

DITONGO /OW/

Vimos há pouco que na amostra de fala considerada a monotongação de /ow/

praticamente não encontra ambientes bloqueadores, apresentando-se como um fenômeno

bastante difundido. Se aceitarmos essa amostra como uma projeção da variedade lingüística

da comunidade em estudo, podemos considerar − estatisticamente − a forma reduzida [o]

(99%) como a variante optimal e o ditongo mantido [ow] (1%) como variante minoritária.

Vejamos agora os fatores lingüísticos relacionados a este alto índice de redução.

Do conjunto de oito variáveis lingüísticas previamente estabelecidas para a análise

do ditongo /ow/, o programa de análise estatística selecionou apenas três como relevantes

para a aplicação da regra de monotongação, a saber: a posição do ditongo na palavra, o

contexto fonético seguinte e o contexto fonético precedente.

4.1.1. Posição do ditongo na palavra

Observou-se em uma análise preliminar dos dados que o contexto final de palavra

favorece sobremaneira a produção da forma reduzida [o], ao invés de [ow], sendo a

primeira a realização dominante na amostra com uma margem muito pequena de variação.

Diante desse fato, decidimos observar em que medida a posição ocupada pelo ditongo na

palavra está relacionada à ocorrência da monotongação, assim, as palavras foram separadas

em três grupos de acordo com a localização do ditongo:

a) Início

aí nós ovimus [o"vi&mUS] aquela música longe... (FB3m)

não... essi otru ["ot|U] meu filhu num saiu não... (FC1m)

b) Meio

A genti tem medu di alguém vim roubá [How"ba] a nossa porta (FA2m)

Aí foi quandu eli resolveu [Hezo"vew] saí mermu di casa (FB2b)

c) Fim

intãu... passô [pa"so] uns tempu por lá... (MC1m)

eh, tem que fazê essi gol ["gow] (MB3b)

O gráfico 2, abaixo, mostra a distribuição dos dados de acordo com esta variável:

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Gráfico 2

Posição do ditongo na palavra

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Final Medial Inicial

Nossa expectativa foi, de certo modo, confirmada pela análise estatística, cujos

resultados podem ser vistos na tabela 1, a seguir:

Vê-se que, de fato, em contexto final de palavra o ditongo /ow/ é muito suscetível à

aplicação da regra de monotongação. O alto peso relativo (.77) associado a esta posição,

assim como o expressivo índice percentual (99%), revela a força do condicionamento por

ela exercido no processo de redução do referido ditongo. Em termos de exemplos, trata-se

quase que exclusivamente de verbos da conjugação 1 (andar, falar, chegar, etc.),

flexionados na pessoa 3 (ele/ela), no passado perfeito do modo indicativo (andou, falou,

chegou). Considerando-se que as amostras de fala analisadas constituem-se, basicamente,

de narrativas orais situadas no passado, é muito provável que a alta freqüência dessas

formas verbais no corpus se deva ao gênero textual em que foram vazadas estas

Tabela 1: Posição do ditongo no vocábulo

Fatores Freqüência Peso relativoPosição final 850/ 857=99% .77

Posição inicial 189/198=95% .27Posição medial 296/351=84% .08

Total 1335/1406=95% −

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composições. Sabe-se que o pretérito perfeito é, por excelência, o tempo verbal da

narrativa, daí porque a presença expressiva destes exemplos nos dados é bastante

previsível: 629 (73%) num conjunto de 857; as outras 228 ocorrências de /ow/ em contexto

final de palavra (27%) estão distribuídas entre formas flexionadas na pessoa 1 (eu), no

presente do indicativo dos verbos ser, estar, dar, ir: sou, estou, dou,vou (227 dados). No

corpus inteiro o ditongo nessa posição apareceu uma única vez em outra classe morfológica

que não o verbo, no substantivo gol.

O contexto inicial, apesar do baixo peso relativo a ele atribuído (.27), não deve ser

visto como bloqueador da monotongação de /ow/. O que acontece é que, em termos de

probabilidade, sua influência na aplicação da regra de redução do ditongo se dá em menor

grau do que aquela exercida pela posição final, onde o apagamento da semivogal é quase

categórico. Acrescente-se a isso dois fatores de complicação que não nos permitem fazer

qualquer afirmação mais categórica a respeito da atuação do ambiente início de palavra

sobre a monotongação: a) o número de dados correspondentes a essa posição do ditongo

(198 - apenas 14% do conjunto de dados) é insuficiente; b) nesse subconjunto de 198

ocorrências, 168 (85%) se referem ao pronome outro (e variações). Os outros 15% estão

divididos entre exemplos dos verbos haver e ouvir (9%) e dos substantivos ouro, ouvido e

outubro (6%).

O resultado estatístico apontado para a atuação da posição medial (.08) indica que,

probabilisticamente, é este o ambiente menos favorecedor da monotongação de /ow/ e

parece refletir com um certo nível de exatidão o comportamento dos dados quanto às

situações de não aplicação desta regra, se considerarmos que é, precisamente, neste

contexto que se encontram os casos em que há certas restrições à redução desse ditongo −

quando a semivogal [w] é resultante da vocalização da consoante lateral pós-vocálica /l/,

como em solto (subst.), voltei, solteiro, desenvolvimento, envolvido, etc. Dissemos ‘certas

restrições’ porque nos dados da presente pesquisa a manutenção da semivogal nesse tipo de

ditongo não foi categórica, contrariamente ao que observou Cabreira para os dialetos de

Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre: “... o ditongo ow nunca é monotongado quando a

semivogal é resultado de uma vocalização da lateral pós-vocálica” (Cabreira, 1996, p. 92).

Bisol (1989, p.215) afirma também que nos dialetos em que este ditongo provém da

lateral a semivogal é sempre conservada. Para os dados de Altamira essa afirmação é

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apenas parcialmente verdadeira visto que houve monotongação mesmo nos casos em que o

ditongo /ow/ provinha da vocalização da lateral, sendo que a conservação da semivogal só

foi categórica quando o referido ditongo se encontra diante da oclusiva dental /t/, como em

solteiro, voltei, voltou, etc. Diante de outras consoantes, como a labiodental /v/ e a alveolar

/s/, a realização foi bastante variável, com predominância da variante [o], em palavras como

desenvolvimento, envolvido, resolveu, bolsa, que se realizam como

[dZizi)vovi"me)tU], [i)vo"vidU], [Hezo"vew], ["boså].

É preciso considerar que o ditongo /ow/ tem diferentes origens em português, sendo

uma delas a vocalização de algumas consoantes em determinados grupos. As gramáticas

históricas, de um modo geral, apresentam muitos exemplos desse processo (v. Coutinho,

1976 Nunes, 1956, entre outros). Salvaguardando aqueles casos que já em Latim

apresentavam sinais claros de vocalização e de redução, muitos vocábulos com esse tipo de

ditongo mantêm a semivogal, constituindo enclaves de conservação quando a tendência

geral da língua parece ser, desde há muito, a monotongação.

De fato, e como já se viu um pouco mais atrás, os únicos casos em que a

manutenção da semivogal [w] é categórica são precisamente aqueles em que ela é

resultante da vocalização da lateral. É preciso entender que isso não significa, pelo menos

para os dados da presente pesquisa, que todos os ditongos /ow/ resultantes de /l/ são

conservados; significa tão somente que certos casos de conservação categórica da

semivogal provêm de /l/. Aqui é preciso perguntar por que, então, em alguns contextos

fonéticos esse ditongo sofre redução e em outros não.

Segundo Bisol, “Em muitas línguas, assim como em português, a lateral /l/, uma

consoante plena, adquire o traço vocálico dorsal, tornando-se uma consoante complexa

quando pós-vocálica” (Bisol, 1994, p. 137).

O esquema proposto na representação 1abaixo ajuda a visualizar esse processo:

(1) Aquisição do traço vocálico [dorsal] pela consoante lateral /l/ pós-vocálica

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De acordo com a representação (1a) acima, observa-se que os traços primários de

ponto de articulação da lateral alveolar /l/ estão diretamente ligados ao nó mais alto de PC

(ponto de articulação de consoante), pois trata-se de uma consoante simples, ou plena; já

em (1b), vê-se que, além dos traços primários ligados a PC, a consoante lateral velarizada

\:\ apresenta também traços secundários ligados ao nó mais baixo, PV (ponto de articulação

de vogal), o que a caracteriza como uma consoante complexa, pois segundo Clements

(1991), é, exatamente, o acréscimo de um nó vocálico a uma consoante simples que a torna

complexa. É esse processo de adição do traço vocálico [dorsal] à lateral alveolar em

posição pós-vocálica que explica a sua velarização .

Essa realização velarizada da lateral pós-vocálica ainda é encontrada em algumas

variedades do português brasileiro, mas é especialmente atestada e documentada no Rio

Grande do Sul em comunidades de colonização alemã e italiana, (ver Quednau, 1993;

Tasca, 2000, entre outros). Razões diversas, tais como aquelas relacionadas à origem étnica

dos povos colonizadores, ao maior ou menor fluxo de mobilidade das populações,

caracterizam esse fenômeno como regra variável, mais disseminado em algumas variedades

raiz

PC PC

a) \l\ b) \:\

raiz

[coronal]

[+anterior]

[coronal][vocálico]

PV

[dorsal]

raiz

PC PC

a) \l\ b) \:\

raiz

[coronal]

[+anterior]

[coronal][vocálico]

PV

[dorsal]

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62

do que em outras17. No corpus da presente pesquisa, não aconteceu nenhum caso de

realização alveolar da lateral pós-vocálica [l]; houve um número estatisticamente

inexpressivo de velarização [:] e na maioria absoluta das ocorrências esse segmento foi

completamente vocalizado [w], o que originou um grupo particular de ditongo /ow/.

Poderíamos tentar explicar o processo de mudança sofrido pela lateral alveolar pós-

vocálica – assumindo os riscos de toda simplificação − dizendo que esta consoante em

algum momento de sua história adquiriu um certo traço vocálico, transformou-se em \:\,

passou a /w/ e depois, seguindo uma tendência geral na língua, se perdeu ou vai se perder: l

> :> w > ¼. É preciso dizer que em certos dialetos essas variantes coocorrem com maior ou

menor vitalidade, em maior ou menor grau de implementação, dependendo de fatores

específicos18. Na amostra que serve de corpus à presente pesquisa já se registra inclusive o

apagamento da semivogal proveniente da vocalização do /l/ pós-vocálico.

Vejamos, nos termos da Geometria de Traços (Clements, 1991), uma representação

desse processo:

17 Ver a este respeito o excelente, e já referido, artigo de Maria TASCA, em Letras de Hoje, v. 35, nº 1, p. 331-354, março de 2000. 18 O fato de - mesmo no Rio Grande do Sul, onde as três primeiras formas coocorrem − as realizações

alveolar e velarizada serem típicas dos falantes mais velhos e quase ausentes na fala dos mais jovens, que

quase sempre vocalizam, parece ser um exemplo clássico de uma mudança lingüística devida a fatores

geracionais.

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(2) Etapas do processo de mudança sofrido pela lateral pós-vocálica

De acordo com a representação (2a), o traço [coronal] da lateral velarizada foi

cortado, assim, esse segmento, ficando apenas com o traço vocálico [dorsal], perdeu o

caráter consonantal e passou a [w] (2b), processo bastante produtivo e quase completado

em muitos dialetos do português do Brasil. Dentre os muitos casos de vocalização da lateral

em posição de coda silábica, o que nos interessa particularmente é a combinação que

resultou no ditongo [ow], cuja semivogal não deveria ser apagada porque tem lugar

garantido na subjacência, uma vez que substitui a lateral.

Nesse ponto, a variedade lingüística usada em Altamira se parece bastante com

muitas outras do português brasileiro que também vocalizam o /l/ pós-vocálico. O que nos

parece bastante curioso e interessante é o fato de que, a constar pelas amostras de fala que

analisamos, as pessoas nesta cidade estão apagando também a semivogal resultante dessa

a ) \ : \

r a i z

P C

b ) / w /

r a i z

P C

[ c o r o n a l ]v o c á l i c o

P V

[ d o r s a l ]

v o c á l i c o

P V

[ d o r s a l ]

a ) \ : \

r a i z

P C

b ) / w /

r a i z

P C

[ c o r o n a l ]v o c á l i c o

P V

[ d o r s a l ]

v o c á l i c o

P V

[ d o r s a l ]

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vocalização, o que chama atenção porque, de acordo com Bisol, esse tipo de ditongo /ow/

não se desfaz:

“Vale notar, todavia que, em certos dialetos, outro ditongo ow vem se formando. É o que,

ao lado de outras combinações, provém da lateral. Neste caso, a semivogal que á tem seu

lugar garantido no “tier” da rima, pois substitui a lateral, nunca é perdida”(Bisol, 1989. p.

215).

Na variedade que estamos estudando, em 71 ocorrências de ditongo /ow/

proveniente da vocalização da lateral, 41 apresentam a forma reduzida [o]. Trata-se de

formas pessoais e impessoais dos verbos envolver (se envolver), resolver, desenvolver,

devolver; e dos substantivos bolso, bolsa, desenvolvimento, Lindolfo. Há que se fazer aqui

duas pequenas observações: 1) o número de casos desse tipo particular de ditongo não é

muito expressivo estatisticamente, mas o fato de haver variação é interessante e pode ser

um indício de que a semivogal proveniente da lateral tende ao mesmo processo de

assimilação à vogal média que a antecede, como em todos os outros casos de ditongo /ow/

de origem diversa; 2) em todos os exemplos em que esse ditongo está em variação com a

forma reduzida [o] o contexto fonético seguinte é [s, v, f], todos fricativos. Haveria aí

alguma influência do traço [+contínuo], característico desses segmentos? Trata-se, sem

dúvida, de um fato que merece pesquisas mais sistemáticas.

Se o destino do ditongo ow em português brasileiro é a redução à vogal simples [o],

independentemente de sua origem, como acabamos de sugerir acima, devemos perguntar-

nos por que isso não acontece em palavras como soltei [sow"tej], solteiro [sow"tej|u], voltei

[vow"tej].

Sincronicamente, é difícil explicar o comportamento invariável do ditongo /ow/

neste contexto. Mas se recorrermos a um pequeno recorte de natureza diacrônica, ser-nos-á

possível desconfiar de que na história dessas palavras pode ter havido uma vogal formando

sílaba com a lateral e esta só passou à posição pós-vocálica depois da queda daquela:

solitariu>sol(i)tairu>solteiro>sowteiro; soluto>solto>sowto. Daí, então, poder-se-ia supor

que a conservação da semivogal [w] resultante da vocalização da lateral, neste contexto

específico, deve-se ao fato de essa consoante ter, inicialmente, ocupado posição de onset na

sílaba e só posteriormente à queda da vogal, e agora em posição de coda, é que adquiriu

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traços vocálicos; a passagem a [w] deu-se em momento posterior e não foi uniforme em

todas as variedades, como já se viu um pouco mais acima.

4.1.2. Contexto fonético seguinte

Este foi o segundo grupo de fatores selecionado pelo programa estatístico como

relevante para a monotongação do ditongo /ow/; mesmo se, de acordo com Paiva, “(...)

condicionamentos fonéticos são inoperantes na supressão da semivogal [w]” (Paiva, 1996,

p.232), os resultados mostram que alguns segmentos influenciam mais do que outros esse

processo. Assim, foram consideradas as seguintes possibilidades:

a) Consoante velar [k, g]

eu vô pocu ["pokU] nu cais (FA2m)

num vendia pexi nus açogui [a"sogI] (FC2m)

b) Consoante bilabial [p, b]

eu lavu ropa ["Hopå] pra fora (FA1b)

tem muito roubu ["HowbU] agora (FA2m)

c) Consoante labiodental [f, v]

ficava na Lindolfo [´i&"dowfU] Aranha... (FC2b)

hove ["ovI] muitus problemas (MB3m)

d) Tepe [|]

mora nu jardim du oru ["o|U] ele... (MC1b)

eli vendia coru ["ko|U] di gatu naqueli tempu (FC2b)

e) Consoante dental [t]

os otrus [uz"ot|US] todus si formaru (FC2m)

us �dotô [do"to] sãu tudu carniceru (MA2m)

f) Consoante alveolar [s, z]

eu ajudu um pocu... eu lavu loça ["loså] (FA2m)

esse aviõis faziam pousu ["powzU] na água MC3m)

g) Pausa ¼

aí foi quandu eli chegô [Se"go¼] (MB1m)

tudo que eli podi pegá eli pegô [pe"go¼]

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Passemos à tabela 2, onde são apresentados os resultados referentes à influência

desta variável sobre a aplicação da regra em estudo:

Como se pode ver, o grau de variação é muito pequeno e só pode ser considerado

em termos de probabilidade. Assim, de acordo com a tabela acima, podemos observar que

segmentos velares [k, g] (.87), bilabiais [p, b] (.86) e labiodentais [f, v] (.58) favorecem a

supressão de [w], ao passo que o tepe [|] (.40), as consoantes dentais [t, d] (.25), as

alveolares [s, z] (.19) e a pausa (.19) parecem atuar em sentido contrário. Mas aqui é

preciso chamar atenção para o fato de que tais segmentos não retêm o ditongo, apenas

favorecem menos a monotongação do que aqueles elencados no primeiro grupo, pois, como

já vimos, esse processo independe de restrições contextuais.

Estes resultados discrepam, ao menos parcialmente, daqueles a que chegou Paiva

(1996), pois para esta autora apenas as consoantes dentais19 atuaram positivamente na

monotongação de /ow/, sendo que as labiais, as alveolares e as velares mostraram-se

inibidoras do processo; assim também acontece quanto aos resultados apresentados por

Silva (1997), para quem a nasal [m] e a vogal baixa [a] é que foram mais atuantes, sendo

que as fricativas [s, v], a lateral [l], e a oclusiva [p] apresentaram um comportamento neutro

e a pausa pareceu inibir a supressão de /w/. No trabalho de Cabreira (1996) este fator não

foi analisado. 19 O baixo peso relativo (.25) associado às consoantes dentais parece um pouco estranho à primeira vista, acontece que muitos casos em que o ditongo foi conservado, especialmente aqueles em que a semivogal [w] resulta da vocalização da consoante lateral /l/, estão diante destes segmentos.

Tabela 2: Contexto fonético seguinte

Fatores Freqüência Peso relativoVelar [k] 165/177=93% .87

Bilabial [p, b] 213/218=98% .86Labiodental [f, v] 99/113=88% .58

Tepe [|] 12/14=86% .40Dental [t, d] 297/320=93% .25

Alveolar [s, z, n, l] 140/153=92% .19Pausa ¼ 141/143=99% .19Total 1067/1138=94 −

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4.1.3. Contexto fonético precedente

Esta foi a terceira e última variável lingüística selecionada pelo programa estatístico

como relevante para a aplicação da regra de redução do ditongo /ow/. Aqui também, o nível

de variação entre o ditongo conservado e a vogal simples resultante da monotongação só

pode ser considerado em termos de probabilidade, pois os índices de freqüência são

bastante altos, o que, de certo modo, corrobora a idéia de que a forma reduzida /o/ já entrou

na língua comum, substituiu, em larga escala, o ditongo e pode ser considerada como a

norma nas variedades estudadas. Neste grupo, os fatores foram assim estabelecidos:

a) Tepe [|]

isso aqui já melhorô [me´o"|o] foi muitu (FC2b)

agora já sarô [sa"|o] mais um poquinhu, mas era feiu (MC1m)

b) Pausa ¼

ouvimus [¼ow"vimUS] tudu aquilu caladus (FC3m)

hove [¼"ovI] tanta coisa qui ninguém ixplica (FB2m)

c) Consoante velar [k, g]

Aí lascô [las"ko] tudo porque a genti num sabia nada (MA2m)

cegô [se"go] essi ladu isquerdu (MC1m)

d) Vogal baixa [a]

da otra [da "owt|å] vez já foi mais fácil (FC3m)

e) Consoante dental [t, d]

Aí eli si sentô [se)&"to] assim nu chãu mesmu (MA2b)

a genti andô [a&"dow] pra caramba... até chegá numa ladera (MA2b)

f) Consoante alveolar [s, z]

passô [pa"so] uns cincu anus até eu vê eli di novu (FB3m)

minha mãi casou-se [ka"zowsI] pela sigunda vez (FC3b)

g) Consoante labiodental [f, v]

chegô u disinvolvimentu [dZizi)vowvi"me)tU] i as coisas não melhorarum (FB2m)

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h) Consoante bilabial [p, b]

ganhava aqueli poquinhu � [po"ki&­U] di nada mas já era alguma coisa (FC2m)

u cara roubô [How"bo] meu filhu pela sigunda vez (FC3m)

i) Consoante glotal [h]

nessa épuca eli incerrô [i&se"Ho] u comércio aqui da rua (FC2b)

Os resultados estão na tabela 3 abaixo:

De acordo com a tabela acima, a monotongação do ditongo /ow/ é favorecida pelo

tepe [|] (.83), pela pausa ¼ (.70), pelas consoantes velares [k, g] (.66), pela vogal baixa [a]

(.66), pelas consoantes dentais [t, d] (.65), assim como pelas alveolares [s, z] (.59). Por

outro lado, as consoantes labiodentais [f, v] (.19), as bilabiais [p, b, m] (.13) e a glotal [h]

(.12) parecem desfavorecer a aplicação da regra em estudo. Estes resultados,

particularmente os que concernem ao tepe [|] e à vogal baixa [a], estão bastante próximos

àqueles a que chegou Silva (1997), mas diferem quando se trata das consoantes alveolares e

das dentais que, para essa autora, ou não interferiram ou tiveram influência negativa, ao

passo que para nós, apresentaram um índice de probabilidade considerável no sentido do

favorecimento da redução do ditongo /ow/. Paiva (1996) e Cabreira (1996) não trataram

desse grupo de fatores em seus respectivos trabalhos.

Tabela 3: Contexto fonético precedente

Fatores Freqüência Peso relativoTepe 73/75=97% .83Pausa 25/26=96% .70Velar 145/146=99% .66Vogal 176/184=96% .66Dental 218/221=99% .65

Alveolar 337/348=97% .59Labiodental 123/143=86% .19

Bilabial 145/165=88% .13Glotal 50/55=91% .12Total 1292/1363=95% −

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DITONGO /EJ/

Vimos no início do presente capítulo que a supressão da semivogal posterior [w] no

ditongo /ow/ é bem mais geral do que a supressão da semivogal anterior [j], no ditongo /ej/.

No primeiro caso, a redução à vogal simples, /ow/ > /o/, praticamente independe de

condicionamentos estruturais, já no segundo, tais condicionamentos são mais numerosos e

determinantes, tornando o apagamento da semivogal anterior um processo mais específico e

restrito: num conjunto de 1456 dados de /ej/, em pouco mais da metade (54%) acontece a

redução de /ej/ a /e/, o que reforça a hipótese da especificidade daa supressão de [j].

Vamos, então, aos fatores que regulam, favorecendo ou inibindo, a aplicação da

regra de supressão de [j]. Do conjunto de oito variáveis lingüísticas previamente

estabelecidas, apenas três foram selecionadas como relevantes para a aplicação da regra de

monotongação de /ej/: a localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra, o

contexto fonético seguinte e a natureza da origem do vocábulo.

4.1.4 Localização do ditongo na estrutura morfologia da palavra

Esta foi a primeira variável lingüística selecionada pelo programa estatístico como

relevante para a aplicação da regra de monotongação do ditongo /ej/. A idéia era verificar a

influência de fatores de natureza morfológica, assim, as palavras foram separadas em dois

grupos, conforme a localização do ditongo na estrutura interna da palavra:

a) Base

éh... tem muito pexi ["peSI] pra lá ainda (MC1b)

trabalhemu um bom tempu cum madera [ma"de|å] (MA1b)

b) Sufixo

aí vem u fazebderu [faze&"de|U] pega toda a terra pra botá pastu (MC1m)

essis madereru [made"|e|U] nenhum para imposto direitu (MA1b)

O gráfico abaixo mostra a distribuição dos dados de acordo com a localização do

ditongo na palavra:

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Gráfico 3

Localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

Base Sufixo

Num conjunto de 1456 dados do ditongo /ej/, há 991 (68%) ocorrências deste

ditongo na base, ou morfema lexical, da palavra e 465 (32%) ocorrências no sufixo, ou

morfema gramatical. A tabela abaixo apresenta os resultados da atuação dessa variável na

aplicação da regra em estudo:

De acordo com a tabela acima, a localização do ditongo na palavra exerce uma forte

influência na sua redução, que é favorecida se ele estiver na base, ou morfema lexical, (.70)

e inibida se estiver no sufixo, ou morfema gramatical, (.14). Nossos resultados são afins aos

de Cabreira (1996), em cujo trabalho o ditongo é mais passível de monotongação se estiver

no radical (.74) do que se estiver no sufixo (.33); são muito próximos também aos de Silva

(1997), que encontrou maior índice de monotongação de /ej/ no radical (.70) do que no

sufixo (.28).

Tabela 4: Localização do ditongo na estrutura interna da palavra

Fatores Freqüência Peso relativoBase 550/991=55% .70

Sufixo 232/465=50% .14Total 782/1456=54% −

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Paiva (1996) chegou a resultados opostos, seus dados apontam maior incidência de

aplicação da regra de apagamento de [j] no sufixo (.61), do que o radical (.38). Mas a

própria autora considera a possibilidade de ter havido aí uma sobreposição dos fatores

contexto seguinte e natureza morfológica: “É preciso, ressaltar, porém, que os dados

referentes a este fator se restringiram à ocorrência da semivogal [y] no sufixo derivacional

eiro” (Paiva, 1996, p. 223). Diz ainda que esperava um efeito bloqueador relacionado ao

radical, já que o segmento [y] no sufixo eiro pode ser considerado redundante e sem

relevância do ponto de vista semântico.

Considerando que em nosso corpus havia também a possibilidade de os dois grupos

de fatores acima mencionados se sobreporem, fizemos uma rodada específica incluindo só

os dados de /ej/ seguido por tepe /|/ para observar com mais cuidado, e sem risco dessa

sobreposição, a atuação da variável localização do ditongo na estrutura interna da palavra.

Os resultados estão na tabela 5 abaixo:

A tabela acima mostra que quando se analisa a atuação de fatores de nível

morfológico na aplicação da regra de supressão da semivogal /j/ especificamente diante de

tepe /|/, sem, portanto, a possibilidade de sobreposição de grupos de fatores, a maior

incidência de monotongação continua na base da palavra (.61), donde se pode concluir que,

na amostra estudada, o condicionamento positivo exercido por este fator é mais forte do

aquele exercido pelo fator sufixo (.17).

A variável natureza morfológica não foi selecionada no trabalho de Araújo (1999).

4.1.5. Contexto fonético seguinte

Esta foi a segunda variável estrutural selecionada como importante para a

monotongação do ditongo /ej/, pretendíamos, ao estabelecê-la, identificar os segmentos de

maior atuação sobre o processo, seja favorecendo ou inibindo sua realização. Inicialmente,

Tabela 5:Rodada específica com dados de /ej/ antes de tepe

Fatores Freqüência Peso relativoBase 311/320=97% .61

Sufixo 231/234=99% .17Total 542/554=98% −

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os segmentos seguintes ao ditongo foram separados de acordo com o ponto e o modo de

articulação, mas os resultados obtidos segundo este último critério, além de serem

redundantes, não se mostraram muito produtivos, com exceção daqueles relacionados ao

tepe /|/; assim, este segmento foi considerado de forma particular, constituindo sozinho um

fator e os outros segmentos foram incluídos em categorias mais abrangentes, de acordo com

a sua zona de articulação: consoantes bilabiais /p, b, m/ , consoantes labiodentais

/f, v/, consoantes dentais /t, d/, consoantes alveolares /s, z, n, l/, consoantes palatais /S, Z/,

consoantes velares /k, g/, vogais baixa /a/ e alta posterior /u/ e pausa ¼. As consoantes

dentais, as velares, as alveolares, a vogal posterior e a pausa tiveram de ser retiradas da

rodada porque retêm categoricamente o ditongo; as bilabiais e as labiodentais foram

amalgamadas no grupo mais abrangente das labiais. Assim, na rodada definitiva foram

considerados os seguintes fatores:

a) Tepe [|]

eli subiu numa cadera [ka"de|å] pra parecê mais altu (FC3b)

naqueli tempu a genti num cunhecia dinheru [dZi&"­e|U] (MC1b)

b) Consoante palatais [Z, S]

lá tem arroz i feijãu [fej"Zå&w] plantadu (MA2m)

eu disse pra ela dexá [de"Så] issu pra lá (FC3m)

c) Vogal baixa [a]

A gente fazia bola di meia ["mejå] ... dessas di sinhora (MC3m)

issu era a coisa mais fea ["feå] du mundu (MC1m)

d) Consoantes labiais [m]

aí toco fogu i queimô [ke&j"mow] tudu (FC3m)

eu sô um pocu teimosa [te&j"mOzå] (FA3m)

Os resultados referentes à atuação dessa variável estão na tabela 6 abaixo:

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73

De acordo com os resultados expostos na tabela acima, o tepe /|/ é o segmento

fonético seguinte mais determinante na supressão de /j/ (.99), em seguida estão as

consoantes palatais /S, Z/ (.64); desfavorecendo, e até mesmo bloqueando esse processo

estão os segmentos vogal baixa /a/ (.05) e bilabial /m/ (.00). Antes de passarmos à

discussão propriamente dita, vejamos esses resultados em comparação aos encontrados por

outros pesquisadores para outras regiões.

Paiva (1996), analisando a fala do Rio de Janeiro, diz que, quanto ao ponto de

articulação, são os segmentos velares /k, g/ (.89) e os palato-alveolares /S, Z/ (.93) que mais

fortemente influenciam a monotongação de /ej/; os segmentos dentais (.15), os alveolares

(27) e as vogais (.10) inibem o processo. Quanto ao modo de articulação, a influência mais

determinante está associada ao tepe/flepe /|/ (.99), depois vêm os segmentos fricativos

(.56); sendo que segmentos oclusivos (.13), nasais (.13) e laterais (.04) atuam

negativamente.

No que diz respeito aos resultados obtidos para as consoantes velares, opostos aos

nossos, é preciso dizer que se referem exclusivamente à supressão de [y] na palavra

manteiga; a própria autora acredita que a variação de [ey] nessa palavra é de natureza

dialetal e pode estar relacionada a uma peculiaridade etimológica, pois em outras palavras

com contexto velar o ditongo é conservado categoricamente: /seku/, Seiko, e /megu/, meigo.

Araújo (1999) rediscute a especificidade desse contexto também na palavra manteiga; para

Silva (1997) essas consoantes se mostraram desfavorecedoras do processo (.33); Cabreira

(1996) não considerou o fator velar como contexto seguinte.

Quanto às vogais, esperávamos que favorecessem ao máximo a supressão da

semivogal, visto que possuem – como as fricativas e o tepe – o traço [+contínuo]. Nossos

resultados, porém, revelam o condicionamento marcadamente negativo destes segmentos

na aplicação da regra (.05) e estão de acordo com os de Paiva (1996) (.10) e com os de

Tabela 6: Contexto fonético seguinte

Fatores Freqüência Peso relativoTepe /|/ 542/554=98% .99

Palatais /Z,S/ 198/209=96% .64Vogal baixa /a/ 37/100=37% .05

Bilabial /m/ 1/87=1% .00Total 780/1174=66% −

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Silva (1997) (.15); esse comportamento aparentemente estranho das vogais que, mesmo

possuindo traços comuns à semivogal, bloqueiam seu apagamento, pode ser explicado,

segundo Paiva (1996, p. 229), pelo fato de que, entre duas vogais, o glide se comporta

como um som de transição que evita a formação de hiatos. É uma explicação bem razoável,

mas não podemos deixar de considerar a possibilidade de se tratar de um caso de variação

diatópica, visto que Araújo (1999) encontrou resultados positivos relacionados à vogal

baixa /a/ (.61) no dialeto de Caxias (MA) e Mota (1983, p.144) se refere a registros de

correia ~ correa, meia ~ mea e oreia ~ orea no corpus do Atlas Lingüístico de Sergipe.

Cabreira (1996) não considerou o fator vogal como contexto seguinte.

Relativamente à atuação dos segmentos palatais /S, Z/ na monotongação de /ej/, cuja

probabilidade é de (.64), concordamos com a proposição de Paiva, segundo quem a

repetição do traço [+alto], comum também à semivogal, cria uma seqüência de dois

segmentos idênticos que propicia a assimilação de um deles, nesse caso, a semivogal. Bisol

(1994), nessa mesma linha de raciocínio, observa que “...todo processo de assimilação

consiste em espraiamento de traços” (1991, p. 129), e mostra como se deu esse processo no

caso da variação ej ~ e antes de segmento palatal /S\, descrevendo esse segmento como uma

consoante complexa e sua contraparte não-palatal \s\ como uma consoante plena, para,

finalmente, situar a inserção do glide no nó vocálico presente na consoante do primeiro

tipo:

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75

(3) Representação de \S\ e \s\ por Bisol (1994)

Observando os diagramas acima, vê-se que o traço-coronal vocálico está presente

em (3a) mas está ausente em (3b).Vê-se também que a consoante plena possui apenas

traços primários ligados ao nó PC (pontos de consoante), enquanto que a consoante

complexa possui, além destes, traços secundários ligados ao nó mais baixo, PV (pontos de

vogal). Assim, “... a predição que tais estruturas permitem fazer é que somente a primeira

ofereceria condições para o espraiamento em pauta, pois ela, e não a outra, possui o traço

coronal que, por expansão, pode formar o glide [y]” (Bisol, 1994, p. 129). Estaria, assim,

especificada a inserção, antes de segmentos palatais, da semivogal epentética que,

registrada na escrita, pode ou não se manifestar na fala.

a) Consoante complexa

/S/

r

co

[+ contínuo] PC

[coronal]vocálico

PVabertura

[coronal]

r: raizco: cavidade oralPC: pontos de articulação de consoantesPV: pontos de articulação de vogais

b) Consoante plena

/s/

r

co

[+ anterior]

[coronal]

[+ contínuo] PC

a) Consoante complexa

/S/

r

co

[+ contínuo] PC

[coronal]vocálico

PVabertura

[coronal]

r: raizco: cavidade oralPC: pontos de articulação de consoantesPV: pontos de articulação de vogais

b) Consoante plena

/s/

r

co

[+ anterior]

[coronal]

[+ contínuo] PC

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76

Mesmo se não é a proposta do presente trabalho apresentar uma interpretação

fonológica da aplicação da regra de monotongação, consideramos válido fazer uso das

experiências já acumuladas por outros pesquisadores se elas oferecem instrumentos úteis

para a compreensão do processo examinado.

Nossos resultados sobre atuação de segmentos palatais em contexto seguinte ao

ditongo (.64) corroboram os de Bisol (op.cit.) (.89), os de Paiva (1996) (.93), assim como

os de Silva (1997) (.93), mas se distanciam um pouco daqueles encontrados por Cabreira

(1996) e por Araújo (1999); estes dois autores analisaram o fator sonoridade do elemento

seguinte, obtendo dessa forma resultados individuais para um e outro segmento. O primeiro

autor encontrou probabilidade de (.58) para o segmento surdo /S/ e (.22) para o sonoro /Z/;

Araújo (op. cit.) apresenta (.46) para /S/ e (.18) para /Z/.

Enquanto os resultados relacionados à influência de outros segmentos fonéticos na

aplicação da regra de monotongação do ditongo /ej/ são divergentes nos diversos trabalhos

considerados, os resultados relacionados ao tepe /|/ são praticamente consensuais. Tem-se

(.89) para Porto Alegre, (.99) para o Rio de janeiro, (.99) para João Pessoa, (.85) para

Caxias (MA) e (.99) para Altamira (PA). Sobre essa influência decisiva, é preciso ver que

este é o segmento consonantal “que possui o maior número de propriedades vocálicas”

(Paiva, 1996, p. 228), tais como os traços [+sonorante] e [+contínuo], sendo que este

segundo traço parece ser o responsável pelo cancelamento de [y].

A redução de [ej] a [e] diante de tepe /|/ é um fenômeno historicamente atestado

tanto em Portugal quanto no Brasil (ver Amaral, 1976; Melo, 1981; Cintra, 1995; entre

outros).

Segundo Veado (1983), há evidências de que o processo de redução em pauta tenha

se originado diante de tepe e não diante de segmentos palatais, como pretende Lemle (1978,

apud Veado, op. cit.). A primeira é o fato de ser o tepe o segmento consonantal que

acusticamente mais se aproxima das vogais; outra evidência está relacionada à freqüência

do ditongo /ej/ diante desse segmento em português. De fato, o conjunto dos trabalhos

realizados sobre esse fenômeno atesta que o maior contingente vocabular e o índice mais

alto de redução do referido ditongo acontecem diante de tepe.

No corpus da presente pesquisa, das 1174 ocorrências de /ej/ de uso variável, 554

estão diante de tepe, 224 diante de dentais, 198 diante de palatais, 100 estão diante de

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vogais e 87 estão diante de labiais. Aqui, também, o tepe concentra antes de si não somente

a maior freqüência de /ej/, como também a maior incidência de monotongação, o que nos

leva a optar pelo argumento de Veado sobre o contexto da origem do processo de redução

de /ej/, em detrimento do argumento de Lemle, e a concluir que a variante sem ditongo é a

variante optimal e a forma com ditongo é a variante minoritária na comunidade alvo desta

pesquisa.

4.1.6. Natureza da origem do vocábulo

Esta foi a última variável lingüística selecionada pelo programa estatístico como

relevante para a monotongação do ditongo /ej/. Percebemos que em algumas palavras,

apesar do contexto favorecedor à redução (tepe ou palatal), o ditongo era mantido;

aventamos inicialmente a possibilidade de essa restrição à aplicação da regra estar

relacionada à freqüência lexical dessas palavras no corpus. Porém, em todas as rodadas

experimentais de VARBRUL que fizemos, os resultados relativos a esse fator não se

mostraram relevantes. Os dados foram então recodificados levando-se em conta a natureza

de origem/uso da palavra, i.e., o fato de ela ter se originado em um domínio considerado

‘erudito’ ou específico ou de ter seu uso restrito – por um lado −, ou de ter origem e uso

mais gerais, ou por assim dizer, ‘populares’− por outro. Para testar essa hipótese, as

palavras foram separadas, de acordo com a natureza de sua origem/uso, em comuns e

específicas.

Foram consideradas específicas palavras como feira, dinheiro, cadeira, madeira,

entre outras. Ao passo que palavras como Queiroz, queira (subjuntivo v. querer) foram

consideradas específicas:

a) comuns

já tivi dinheru [dZi)"­e|U] pelu BASA, nu Bradesco... (MC2b)

eli ganhô muitu dinheru [dZi)"­e|U] nu garimpu (MC2b)

b) específicas

trabalhei na Queiroz [kej"|OS]um bucadu di tempu (MC1m)

tinha duas impresas trabalhandu na istrada... a Queiroz [kej"|OS] Galvão nu sentidu

Altamira/Itaituba (MC3b)

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Os resultados estão na tabela 7 a seguir:

De acordo com os resultados apresentados na tabela 8 acima, o ditongo /ej/ tem

mais probabilidade de ser reduzido em palavras consideradas ‘comuns’ (.53) do que em

palavras consideradas ‘específicas’(.00), nas quais o ditongo é conservado

independentemente de fatores internos e externos, como o contexto fonético seguinte (cujo

condicionamento, nesse caso, é determinante da redução) e o nível de escolaridade do

informante.

Os resultados referentes à atuação dessa variável na aplicação da regra em estudo

parecem refletir uma certa coerência com a realidade apontada pelos dados, mas não

podemos deixar de observar que precisam ser confirmados por uma pesquisa mais

detalhada e mais consistente no que concerne à quantidade de dados analisados, pois , no

presente trabalho, o número muito baixo de ocorrências do ditongo /ej/ em palavras

consideradas ‘específicas’ (somente 20, num conjunto de1456) não é suficiente para

fundamentar uma análise mais conclusiva.

Tabela 7: Natureza de origem/uso da palavra

Fatores Freqüência Peso relativoComum 778/1436=54% .53

Específica 4/20=20% .00Total 782/1456=54% −

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4.2. Variáveis Sociais

Das quatro variáveis sociais previamente estabelecidas para a presente análise (sexo,

idade, escolaridade e renda), apenas a escolaridade do informante foi selecionada pelo

programa estatístico como relevante para a aplicação da regra de monotongação dos

ditongos /ow/ e /ej/.

De acordo com o nível de escolaridade, os informantes foram separados em três

grupos. No primeiro foram considerados os não escolarizados, quer aqueles sem

escolaridade nenhuma, quer aqueles que, mesmo tendo passado um ou dois anos pela

escola, não chegaram a dominar as técnicas de leitura e escrita; no segundo grupo foram

inseridos os informantes com ensino fundamental20; e no terceiro, consideramos aqueles

com ensino médio.21 Vejamos os resultados da atuação dessa variável para cada um dos

ditongos particularmente.

DITONGO /OW/

A tabela abaixo apresenta os resultados referentes à atuação da variável

escolaridade no processo de redução do ditongo /ow/:

20 A idéia aqui era conseguir informantes com ensino fundamental completo, ou seja, que tivessem concluído os oito anos de escolarização que correspondiam, até antes da nova LDB, ao Primeiro Grau, infelizmente isso não foi sempre possível, mas tentamos montar nossa amostra de maneira a garantir uma oposição significativa entre os três níveis de escolarização. 21 Por uma decisão que se deve a questões metodológicas, não inserimos informantes de nível universitário na presente amostra.

Tabela 8: Escolaridade

Fatores Freqüência Peso relativo1-Não-escolarizados 432/437=99% .822-Ensino fundamental 514/530=97% .53

3-Ensino médio 391/438=89% .17Total 1335/1406=95% −

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De acordo com a tabela acima, vê-se que o nível de escolarização do informante

interfere na realização do ditongo /ow/, mesmo se isso não é perceptível levando-se em

conta apenas os pontos percentuais. Os resultados da análise probabilística apontam um

índice razoável de estratificação entre os três níveis de escolarização, sugerindo que quanto

menos escolarizado mais o falante apaga a semivogal (.82), e quanto mais escolarizado

menos o faz (.17); os informantes com ensino fundamental apresentam um comportamento

que pode ser considerado neutro (.53), ou seja, este nível intermediário parece não

influenciar a realização variável do referido ditongo.

Cabreira (1996), em cujo trabalho a escolaridade do informante também foi o único

fator extralingüístico selecionado, considerou três níveis de escolaridade, mas não

considerou em sua análise informantes não escolarizados, assim, a oposição foi

estabelecida entre primário, ginásio e segundo grau; seus resultados mostram que os

falantes mais escolarizados (2º grau) monotongam menos (.39) do que aqueles que têm só o

primário (.51) ou o ginásio (.58).

Silva (1997), analisando a variedade lingüística de João Pessoa (PB), também só

teve a variável escolaridade como fator social relevante para a redução do ditongo /ow/.

Essa autora trabalhou com cinco níveis diferentes de escolarização: analfabetos, primário,

ginásio, segundo grau e universitário; em termos gerais, os resultados são semelhantes aos

de Cabreira e aos nossos: quanto maior o nível de escolaridade (universitário) menor é o

índice de aplicação da regra (.26), e quanto menos escolarizado (analfabeto), mais o

informante monotonga (.66).

Como em suas amostras não foi levado em conta o fator classe social, os dois

autores acima citados fizeram uma aproximação entre este fator e o nível de escolaridade

do falante. Assim, fazendo equivaler estes dois fatores, consideraram “(...) que os

informantes menos escolarizados são os da classe mais baixa e os mais escolarizados

pertencem à classe mais alta” (Silva, 1997, p.90); “(...) as três faixas de escolaridade do

corpus podem representar três classes sociais distintas...” (Cabreira, 1996, p. 89). É clara

aqui a tentativa de explicar/entender a variação a partir do ponto de vista da origem da

mudança lingüística, para o que utilizaram as hipóteses de Kroch (1976) e Labov (1980)

relativas a essa questão. O problema é que nem sempre é possível estabelecer essa

pretendida equivalência entre escolaridade e classe social, mas discutiremos isso um pouco

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mais adiante, quando falarmos a respeito das variáveis descartadas, em particular, da

variável renda.

Paiva (1996) não apresenta resultados relativos à influência da escolaridade sobre a

monotongação do ditongo /ow/, apenas do ditongo /ej/; talvez isso se deva ao fato de que

no primeiro caso trata-se de um processo bem mais geral e irrestrito no qual,

provavelmente, a autora não encontrou condicionamentos de natureza social.

DITONGO /EJ/

Da mesma forma que para o ditongo /ow/, a única variável não lingüística

selecionada como relevante para a aplicação da regra de monotongação do ditongo /ej/ foi a

escolaridade do informante, os níveis de escolarização são os mesmos considerados na

análise do ditongo de elementos velares. Os resultados referentes à atuação dessa variável

no processo de supressão da semivogal [j] estão na tabela 9 abaixo:

De acordo com a tabela 9 acima, a redução de /ej/ é sensível ao fator escolaridade.

Os resultados mostram que informantes não-escolarizados aplicam mais a regra (.66) do

que informantes com ensino fundamental que, por sua vez, aplicam mais (.51) do que

aqueles com ensino médio (.31). Verifica-se a influência que o contato com a escola, mais

especialmente, com a modalidade escrita da língua, exerce sobre o fenômeno em

observação: quanto menos escolarizado mais o falante usa a forma reduzida [e] e quanto

mais escolarizado mais ele usa a o ditongo conservado [ej]. Estes resultados diferem

parcialmente daqueles encontrados pelos outros pesquisadores com quem vimos discutindo

ao longo deste trabalho. Paiva (1996) constatou uma oposição entre os falantes com

primário (.59), de um lado, e os do ginásio (.42) e os do segundo grau (.45), de outro;

Tabela 9: Escolaridade

Fatores Freqüência Peso relativo1-Não-escolarizados 289/512=56% .662-Ensino fundamental 278/508=55% .51

3-Ensino médio 215/436=49% .31Total 1335/1406=95% −

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Cabreira (1996) chegou a uma constatação similar: falantes que têm apenas o primário

monotongam muito mais (.76) do que aqueles que têm o ginásio (.30) ou o segundo grau

(.43). O que é bastante curioso nos resultados destes dois pesquisadores é o fato de que os

falantes com maior nível de escolaridade (2º grau) bloqueiam menos a aplicação da regra

do que aqueles com nível intermediário (ginásio). A diferença parcial em relação aos

nossos resultados reside exatamente nesse ponto, pois se o argumento é que o maior contato

com a escola favorece a não aplicação da regra, e se – como de fato se verifica − quanto

menor o nível de escolaridade do informante maior é o índice de aplicação dessa regra,

como se explica o fato de os falantes com maior tempo de escolarização (2º grau) usarem

mais a forma monotongada do que aqueles que têm apenas o ginásio?

Os resultados de Silva (1997) e de Araújo (1999) são bastante afins os nossos, com

a ressalva de que a primeira autora, tendo trabalhado também com falantes de nível

universitário, constatou que estes aplicam menos a regra de monotongação (.24) do que

aqueles com poucos ou nenhum ano de escolarização (.55); a segunda autora chega a

resultados semelhantes: pessoas não escolarizadas monotongam mais (.63) do que pessoas

escolarizadas (.35), de onde conclui que, na variedade analisada, existe diferenciação

diastrática no uso variável do ditongo /ej/.

Como se vê pela comparação entre os resultados obtidos por outros pesquisadores, o

nível de escolaridade do informante é a variável não lingüística de mais forte atuação e,

apesar de algumas divergências pontuais, os resultados apontam a influência dessa variável

bloqueando a aplicação da regra de monotongação dos ditongos /ow/ e /ej/. O que pode

significar isso, além do fato − já apontado por todos os pesquisadores que trataram do

assunto – de que o contato com a escrita proporcionado pela escola favorece o uso da

variante considerada padrão? Como explicar essa atuação conservadora da escola se

dissemos que o processo de supressão das semivogais [w] e [j] é determinado, basicamente,

por condicionamentos estruturais/internos e praticamente insensível à influência de fatores

sociais/externos? Seria a escolarização uma variável de pouca importância numa sociedade

onde as condições de acesso (e permanência) à escola são tão desigualmente distribuídas?

Que implicações têm esses resultados para o ensino/aprendizagem da língua portuguesa,

especialmente para a alfabetização?

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Responder a todas essas questões não é tão simples quanto formulá-las, e talvez

nem esteja ao alcance deste trabalho, mas ignorá-las de todo seria ignorar o fato a que elas,

inevitavelmente, remetem: a fala de pessoas escolarizadas apresenta diferenças formais da

fala de pessoas não escolarizadas. Os parágrafos seguintes são uma tentativa de

compreender as interferências provocadas pelo letramento na fala dos indivíduos que

passaram, via escola, por essa experiência.

Discutindo essa questão, embora numa abordagem diferente da nossa, Kato (2000)

considera a existência de dois tipos de fala: uma fala pré-letramento e uma outra pós-

letramento; a passagem da primeira para a segunda fala seria conseqüência da entrada (e da

participação) do indivíduo no ‘mundo da escrita’, pois “(...) fala e escrita são parcialmente

isomórficas (...), na fase inicial é a escrita que tenta representar a fala – o que faz de forma

parcial − e, posteriormente, é a fala que procura simular a escrita, conseguindo-o também

parcialmente” (Kato, 2000, p. 11). Partindo desse pressuposto, podemos deduzir, então, que

o sujeito vai substituindo a primeira fala pela segunda na medida em que vai se apropriando

dos mecanismos e das convenções da escrita, sendo que o resultado desse processo, a fala

pós letramento, nada mais é, segundo a autora acima referida, do que “a simulação da

própria escrita”.

A hipótese de que o contato regular e continuado com a escrita produz uma segunda

fala encontra respaldo em nossos dados e pode ser um meio interessante para entender os

resultados probabilísticos associados à atuação do nível de escolarização do informante no

processo de monotongação do ditongo /ej/, pois quanto mais duradouro esse contato do

informante com a escrita (ensino médio) menor é a probabilidade de aplicação da regra

(.31) e quanto menor esse contato (não escolarização), maior é a probabilidade de uso da

forma monotongada (.66); o contato intermediário com a escrita (ensino fundamental)

parece não interferir na aplicação da regra em estudo (.51).

A proposição de Cintra (1995) a respeito da distribuição da forma conservada do

ditongo /ej/ no Português Europeu corrobora a hipótese de que a influência da escrita

produz uma fala ‘artificial’: “Esta (a forma [ej]) encontra-se principalmente representada no

falar das classes cultas do Sul do país (como no das classes cultas brasileiras) em que é (...)

o resultado da restauração do ditongo com base na própria ortografia e não em qualquer

pronúncia viva” (Cintra, 1995, p. 42).

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Vimos, em termos lingüísticos, como pode se dar a interferência da variável

escolaridade na fala, de um modo geral, e na aplicação da regra de monotongação do

ditongo /ej/, em particular, através do seu principal corolário, o letramento. Podemos

indagar agora o que significa, em termos sociais, passar de uma fala espontânea, sem

influência da escrita (a fala pré-letramento) a uma fala artificial, influenciada pela escrita (a

fala pós-letramento ou, como diz Bourdieu (1996), a língua legítima).

Por língua legítima entende-se a língua, ou uma utilização dessa língua,

institucionalmente aceita e reconhecida como tal. No processo que leva à elaboração,

legitimação e imposição dessa língua, interessa-nos, especialmente, a função preponderante

da escola de fabricar e reproduzir a ilusão e a necessidade da ‘língua comum’. A questão

que se coloca é a falta de eqüidade entre o estabelecimento (a fabricação) dessa necessidade

e os meios para satisfazê-la:

“O sistema escolar dispõe da autoridade delegada necessária para exercer

universalmente uma ação de inculcaçao duradoura em matéria de linguagem,

tendendo assim a proporcionar a duração e a intensidade desta ação ao capital cultural

herdado. Por isso mesmo, os mecanismos de transmissão cultural tendem a garantir a

reprodução da defasagem estrutural entre a distribuição (aliás bastante desigual) do

conhecimento da língua legítima e a distribuição (muito mais uniforme) do

reconhecimento desta língua ...” (Bourdieu, 1996, p. 50, grifos do autor).

Essa relação proporcional entre a duração e a intensidade da ação escolar e o

resultado dessa ação (a apropriação por parte do sujeito da competência legítima) é

confirmada em nossos dados quando se verifica que o ensino fundamental não interfere na

aplicação da regra de redução do ditongo /ej/. Como dissemos mais acima, para efetuar a

passagem da fala pré-letramento para a fala pós-letramento, não basta ter tido contato com

a escrita, é preciso que esse contato tenha sido duradouro, intenso e eficaz. O problema é

que, como nos lembra Bourdieu, existe uma defasagem estrutural entre a distribuição do

conhecimento da língua legítima e a distribuição do reconhecimento dessa língua, ou seja,

as pessoas geralmente reconhecem que existe um uso legítimo da língua, mas só algumas

conhecem esse uso.

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Talvez não seja redundante lembrar que essa defasagem entre as condições de

conhecimento e as de reconhecimento da língua legítima (ou de uma utilização dessa

língua) retraduz uma defasagem inscrita na complexidade das relações sociais. A relação de

força entre duas variantes lingüísticas não é apenas e simplesmente uma disputa entre dois

usos lingüísticos diferentes, é sobretudo uma disputa entre dois atores socialmente distintos

cujo antagonismo se manifesta também no uso diferenciado que fazem da linguagem:

“Os usos sociais da língua devem seu valor propriamente social ao fato de se mostrarem

propensos a se organizar em sistemas de diferenças (entre as variantes prosódicas e de

articulação ou lexicais e sintáticas), reproduzindo o sistema das diferenças sociais na

ordem simbólica dos desvios diferenciais. Falar é apropriar-se de um ou de outro dentre

os estilos expressivos já constituídos no e pelo uso, objetivamente marcados por sua

posição numa hierarquia de estilos que exprime através de sua ordem a hierarquia dos

grupos correspondentes. Estes estilos, sistemas de diferenças classificadas e

classificantes, hierarquizadas e hierarquizantes, marcam aqueles que deles se

apropriam” (Bourdieu, 1996, p. 41).

Mesmo se não é objetivo deste trabalho discutir uma ‘teoria das classes sociais’ e

se, de certa forma, isso foge ao seu escopo, não podemos ignorar os fundamentos sociais do

valor objetivamente associado ao uso legítimo da língua, sob o risco de, inevitavelmente,

ou aceitar esse uso como natural, absolutizando-o e esquecendo seu caráter arbitrário, ou

cair na ingenuidade do relativismo erudito recusando a legitimidade objetiva desse uso,

socialmente reconhecido como legítimo, inclusive por aqueles que dele não puderam se

apropriar e por isso são excluídos dos espaços sociais onde ele é exigido ou, como diz

Bourdieu, são condenados ao silêncio.

É preciso insistir no fato de que a segregação e o silêncio a que são submetidos os

grupos que não detêm a competência legítima nos universos sociais onde ela é exigida não

tem nenhuma relação com a capacidade (ou habilidade) para falar inscrita na constituição

biológica, universal e, “portanto, não distintiva, mas sim com a capacidade para falar a

língua legítima que, por depender do patrimônio social, reflete diferenças sociais na lógica

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propriamente simbólica dos desvios diferenciais ou, numa palavra, da distinção”22

(Bourdieu, 1996, p. 42).

Por mais interessante e tentadora que seja a discussão levantada por Bourdieu a

respeito da economia das trocas lingüísticas, não tivemos a pretensão de aprofundá-la ao

fazer uso de alguns de seus elementos, tentamos tão somente começar um exercício de

compreensão dos efeitos da variável escolarização na fala dos indivíduos que passaram por

esse processo, mais particularmente, no que respeita à realização variável dos ditongos sob

análise. Embora esse fenômeno se deva, em grande parte, a fatores internos e não seja

visivelmente marcado por fatores de natureza social, não podemos esquecer que por mais

‘sistêmicas’ que sejam as motivações de um fenômeno de variação numa determinada

língua, seu futuro depende, indiscutivelmente, das relações, sempre sociais, entre os grupos

humanos que utilizam essa língua.

4.3. Variáveis Não-Selecionadas

4.3.1. DITONGO /OW/

Por não apresentarem relação com a aplicação da regra de monotongação do ditongo

/ow/, o programa de análise probabilística não selecionou as seguintes variáveis: classe

morfológica da palavra, tonicidade, localização do ditongo na estrutura morfológica da

palavra, status fonológico do ditongo, natureza da origem da palavra, sexo, idade e renda

do informante.

De acordo com a variável classe morfológica, as palavras foram separadas em cinco

grupos: verbo, substantivo, adjetivo, numeral e pronome; os resultados mostram que há

relação entre esse fator e a aplicação da regra de monotongação do ditongo /ow/.

Quanto ao fator tonicidade, as palavras foram consideradas em função de o ditongo

se encontrar em sílaba tônica ou átona; em nossa amostra, essa variável não interfere na

redução de /ow/, que é reduzido independentemente da incidência de acento na sílaba em

que ocorre. Esses resultados diferem dos de Cabreira (1996) e dos de Silva (1997), para

quem a tonicidade foi a variável estrutural mais favorável à aplicação da regra de redução

do ditongo /ow/, no sentido de as sílabas tônicas favorecerem o processo.

22 Sobre a necessidade de distinção lingüística ver Kroch (1976).

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A localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra, isto é, o fato de o

ditongo se encontrar na base (radical) ou no sufixo da palavra, não influencia o processo de

monotongação, que se processa igualmente tanto num quanto no outro tipo de morfema.

Silva (1997) chegou a resultados semelhantes quanto à atuação dessa variável na variedade

falada em João Pessoa.

A observação do status, ou valor, fonológico do ditongo tinha por objetivo verificar

se o fato de a monotongação provocar ambigüidade (por coincidir com outra forma

existente na língua) influenciava na aplicação da regra; os resultados mostram que esse

fator não exerce qualquer influência na realização variável do ditongo /ow/, de onde

concluímos que nas amostras de fala por nós analisadas a oposição funcional entre pares de

palavras como coro/couro, posar/pousar não se realiza foneticamente. Silva (1997) chegou

a resultados afins aos nossos, mas Cabreira (1996) concluiu que o caráter funcional da

monotongação é relevante no sentido de que o ditongo quando não fonológico é mais

passível de redução.

A variável natureza de origem/uso da palavra, segundo a qual as palavras foram

divididas em comuns e específicas, não tem relação com a redução do ditongo /ow/, ou

seja, o fato de uma palavra ter origem ou uso específicos ou restritos a um determinado

campo do conhecimento (medicina, informática e outros) não influencia no menor ou maior

índice de emprego da forma monotongada.

De acordo com a variável idade, os informantes foram divididos em três faixas

etárias, A (de 15 a 25 anos), B (de 26 a 45 anos) e C (de 46 anos em diante); os resultados

mostram que não há diferenças significativas entre as variedades faladas por esses três

grupos no que concerne à aplicação da regra em estudo. A inexistência de correspondência

entre a idade dos falantes e a monotongação do ditongo /ow/, assim como a freqüência

sempre muito alta da forma reduzida /o/ podem ser indicadores de que não se trata de um

caso de mudança em curso. Por outro lado, não podemos falar em “substituição do ditongo

pela vogal simples” (Cabreira 1996, p.93) porque não há nada nos dados que nos autorize a

supor que algum dia o ditongo conservado foi a variante optimal (ou a norma), ao

contrário, e pelo que se vê pelos resultados referentes à escolaridade, parece que a variante

/o/ é a norma na língua falada e a forma /ow/, produto da restauração do ditongo com base

na escrita, é a variante minoritária. De qualquer maneira, seria perigoso generalizar os

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nossos resultados estendendo-os para o conjunto das variedades do português brasileiro,

donde insistimos na necessidade de aumentar o volume de pesquisas a respeito desse

fenômeno, incluindo na amostra informantes menores de 15 anos e controlando mais

sistematicamente a interferência do nível de escolarização para poder chegar a conclusões

menos parciais.

A variável sexo não foi considerada relevante para a redução do ditongo /ow/,

donde inferimos que as relações sociais de gênero na comunidade alvo da presente pesquisa

não se manifestam na aplicação dessa regra lingüística: mulheres e homens monotongam o

ditongo de forma praticamente equivalente. Cabreira (1996) e Silva (1997) chegaram a

resultados muito próximos aos nossos.

Conforme o nível de renda, os informantes foram agrupados em duas faixas, sendo

que em uma foram considerados aqueles de renda baixa e na outra, os de renda média. Os

resultados mostram que a renda do informante não interfere na realização da regra

lingüística observada, o que nos leva a reiterar a hipótese de que, na verdade, as diferenças

significativas relacionadas ao uso do ditongo se devem à influência da escolarização. Não

obstante, é preciso considerar que em sociedades como a brasileira existe uma correlação

entre as condições de acesso à escolarização e as condições econômicas dos indivíduos, e

na população alvo desta pesquisa essa correlação pode ser evidenciada pela raridade de

informantes com idade entre 15 e 25 anos sem escolaridade e de renda média, que contrasta

com a relativa facilidade de encontrar o mesmo tipo de informante mas de renda baixa,

decidimos fazer um cruzamento entre essas duas variáveis para verificar em que medida

elas se correlacionam. Os resultados dessa rodada corroboram os resultados das rodadas

individuais e ratificam a hipótese de que o nível de renda do informante não interfere na

monotongação do ditongo /ow/, entretanto, não podemos deixar de observar que o fato de

termos agrupado os informantes em dois níveis de renda bastante amplos, desconsiderando

níveis intermediários, pode ter influenciado os resultados referentes a essa variável.

4.3.2. DITONGO /EJ/

Na análise do ditongo /ej/, foram descartadas as seguintes variáveis lingüísticas:

classe morfológica da palavra, tonicidade, posição do ditongo na palavra, status fonológico

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do ditongo e contexto fonético precedente; dentre as variáveis sociais não selecionadas tem-

se as mesmas vistas acima para ditongo /ow/: idade, sexo e renda.

A variável classe morfológica da palavra não influência a monotongação do

ditongo /ej/. Araújo (1999) chegou a resultados semelhantes quanto à atuação pouco

significativa dessa variável na aplicação de regra em estudo.

Os resultados mostram que a tonicidade da sílaba também não interfere na redução

de ej a e, que acontece independentemente de o ditongo se encontrar em sílaba tônica ou

átona. Esses resultados estão de acordo com os de Paiva (1996), assim como com os de

Cabreira (1996), mas diferem dos resultados de Silva (1997) e daqueles de Araújo (1999),

para quem o traço tonicidade da sílaba se mostrou importante na aplicação da regra.

A variável posição do ditongo na palavra foi subdividida em três possibilidades:

inicial, medial e final, em nenhum dado do corpus o ditongo /ej/ ocorreu em início de

palavra, restando então apenas as posições medial e final. Como em posição final a

manutenção do ditongo é categórica, essa variável teve de ser retirada da análise.

Quanto ao valor fonológico do ditongo, os dados foram separados conforme a

aplicação da regra de redução fosse fonológica ou apenas fonética, isto é, implicasse ou não

diferença de significado, os resultados mostram que essa variável não influencia a aplicação

da regra de monotongação do ditongo /ej/. Silva (1997) chegou a resultados diferentes, mas

a própria autora considera a possibilidade de ter havido superposição entre esta variável e a

variável contexto fonético seguinte.

O contexto fonético precedente também não mostrou relevância no processo de

redução do ditongo /ej/, a resultados afins chegaram também Silva (1997) e Araújo (1999).

As variáveis sexo, idade e renda foram considerados irrelevantes para a

monotongação do ditongo /ej/. Silva (1997) chegou a resultados semelhantes. Para as

variedades do Rio de Janeiro (Paiva, 1996) e de Caxias-MA (Araújo, 1999) a idade do

informante é relevante para a redução desse ditongo; para as variedades analisadas por

Cabreira (1996) a variável sexo demonstrou influência sob o processo em pauta, no sentido

de as mulheres usarem mais a forma mais a forma reduzida.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegarmos ao final deste trabalho, a sensação é um misto de alívio e de ânsia:

alívio porque conseguimos, mesmo se ainda com muitas lacunas, conclui-lo; ânsia porque

sentimos que é apenas o começo... E é assim, como um começo, que gostaríamos que fosse

visto o presente estudo, pois só dessa maneira é que se poderá entender a consecução do

seu objetivo maior, qual seja o de iniciar um processo de investigação da variedade

lingüística na região da Transamazônica e Xingu. Quanto aos nossos objetivos mais

operacionais, as principais conclusões são apresentadas a seguir.

Analisando a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em

Altamira-PA, duas constatações saltam primeiro aos olhos, confirmando para a variedade

em foco o que já se verificou para outras variedades do português brasileiro: a redução do

ditongo /ow/ é um processo bem mais geral do que a do ditongo /ej/; a monotongação

destes ditongos é fortemente influenciada pelo nível de escolarização do falante, no sentido

de os mais escolarizados aplicarem menos a regra do que os menos escolarizados. Vejamos,

mais particularmente, a que fatores estão relacionados estes resultados.

Fatores Lingüísticos

Ditongo /ow/

Apesar de ser muito baixo o índice de variação entre as formas /ow/ e /o/ no corpus

analisado, dado o uso quase categórico da segunda variante independentemente de

condicionamentos fonéticos, o programa de análise probabilística considerou relevantes

para a monotongação do ditongo /ow/ as variáveis posição do ditongo na palavra, contexto

fonético seguinte e contexto fonético precedente. No primeiro caso, é a posição final de

vocábulo o ambiente mais propício para que a redução ocorra (.77), assim, palavras como

passou, vou e sou se realizam com a forma reduzida e não com o ditongo conservado:

a) aí [pa"so] uns tempu... (MA2b)

b) eu ["vo] voltá a istudá (MB2b)

c) não... eu ["so]daqui mesmu (MB2m)

Em posição inicial e medial, a probabilidade de redução cai para (.08) e (.27),

respectivamente. É preciso insistir no fato de que não se pode entender estes resultados de

maneira polarizada, as posições inicial e medial não retêm o ditongo, apenas exercem uma

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influência menos forte na sua redução do que a posição final, ou, em outros termos, trata-se

tão somente de uma diferença de grau. A única ressalva a se fazer diz respeito ao ditongo

/ow/ resultante da vocalização da lateral /l/ (que nos dados analisados ocorre sempre em

posição interna, ou medial), pois nesse caso específico e diante da consoante dental /t/ a

retenção da semivogal /w/ é categórica:

a) agora eu tô [sow"te|å] (FB2b)

b) eli nunca mais [vow"to] pra casa (FA2b)

c) aí u cachorru si [sow"to] i foi a maió confusão (FC3m)

Em outros contextos, não obstante o /w/ ser resultado da vocalização de /l/, o ditongo está

em variação com a forma reduzida /o/:

a) aí eli si [i_vo"vew] cum coisa qui num presta (MB2m)

b) eu [Hezo"vi] logu essi problema (MA3b)

c) vai dependê du [i_vowvi"me)tu] das pessoas (MB3b)

Quanto à influência do contexto fonético seguinte, os resultados apontam os

segmentos velares [k g] e os labiais [b p f v m] como mais favorecedores (.87) e (.86),

respectivamente; o tepe [|] (.40), as consoantes alveolares [z s l n] (.19), a pausa [¼] (.19) e

as dentais [t d] (.25) são apontados como menos favorecedoras da redução do ditongo /ow/.

No que diz respeito ao condicionamento exercido pelo contexto fonético precedente,

percebe-se uma tendência praticamente contrária à que se vê com relação ao contexto

seguinte: aqui, o tepe, a pausa, as dentais e as alveolares é que são os segmentos de maior

influência na aplicação da regra, com probabilidades de (.83), (.70), (.65) e (.59),

respectivamente; as velares mantêm um condicionamento forte aqui também (.66); os

segmentos glotais (.12) e labiais (.19) atuam no sentido de inibir o apagamento da

semivogal posterior.

Insistimos na necessidade de que estes resultados sejam interpretados dentro de um

continuum de força de condicionamento, na qual uns segmentos influenciam mais a

monotongação e outros a influenciam menos, pois a visão equívoca destes segmentos como

termos de uma dicotomia perda x retenção do ditongo pode mascarar uma conclusão, de

outro modo inquestionável: a vogal reduzida [o] resultante da monotongação é a variante

optimal e o ditongo conservado [ow] é a variante minoritária na população alvo desta

pesquisa.

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Ditongo /ejej/

A redução do ditongo /ej/ é lingüisticamente condicionada pelos fatores localização

do ditongo na estrutura morfológica da palavra, contexto fonético seguinte e natureza de

origem/uso da palavra. Quanto ao primeiro fator, concluímos que se o ditongo ocorrer no

radical, ou morfema lexical, da palavra a probabilidade de redução é maior (.70) do que se

ele estiver localizado no sufixo (.14).

No que diz respeito à influência exercida pelo contexto fonético seguinte,

constatamos que a redução à vogal simples é praticamente categórica quando o ditongo está

diante de tepe [|] (.99); segmentos palatais [S Z] também favorecem sobremaneira a

monotongação de /ej/ (.64). Quando seguido por segmentos dentais, alveolares, e por pausa

(isto é, em final de palavra) este ditongo não sofre redução.

Consideramos frágeis os resultados referentes ao terceiro e último fator lingüístico

apontado pelo programa estatístico como relevante para redução de /ej/ e /e/ (natureza de

origem/uso da palavra); este fator foi postulado precisamente porque há alguns dados no

corpus estudado em que o ditongo mesmo diante de um segmento altamente favorecedor de

redução, como o tepe, não é reduzido. Acreditamos que essa resistência da semivogal /j/

num ambiente onde a mesma é muito vulnerável ao apagamento tem relação com a

natureza de uso (específico ou geral) da palavra em que o ditongo ocorre, mas essa relação

precisa ser esclarecida, pois não está claro o que determina a especificidade ou a

generalidade do uso de uma palavra. Outro aspecto duvidoso nessa questão diz respeito à

representatividade estatística no corpus desse tipo de dado: será que apenas 20 ocorrências,

num conjunto de 1406, não tornam essa análise um tanto quanto problemática? Por outro

lado, desconsiderar por completo esses dados não implicaria um pouco de miopia?

Esperamos poder, em momento mais oportuno, voltar à discussão deste ponto com mais

dados e com critérios mais bem definidos de análise.

Fatores Sociais

A escolaridade foi selecionada pelo programa estatístico como relevante para a

aplicação da regra de monotongação de ambos os ditongos em foco, no sentido de que

quanto menos escolarizado o informante mais alto é o índice de aplicação da regra. Aqui

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também é preciso entender que não há uma distribuição antagônica entre uso do ditongo

conservado x falantes escolarizados e uso do monotongo x falantes não escolarizados, todos

os informantes, independentemente de seu nível de escolaridade, usam as formas reduzidas,

mas esse uso diminui à medida que aumenta a escolarização.

Os resultados referentes à influência da variável escolaridade na aplicação da regra

de redução dos ditongos sob análise confirmam a tese defendida por Kato (2000) segundo a

qual o letramento produz uma segunda fala nos indivíduos que passam por esse processo;

estão também, e por conseguinte, de acordo com o que defende Bourdieu (1996): a escola é

um dos principais agentes de inculcação da língua legítima, ou de um uso legítimo dessa

língua. A questão que se coloca, ainda de acordo com este autor, é que em sociedades

socialmente complexas as condições de acesso ao conhecimento da língua considerada

legítima são desigualmente distribuídas, assim sendo, são apenas os grupos já detentores de

um certo capital (econômico, cultural) que têm condições reais de se apropriar do

conhecimento e, conseqüentemente, do uso da língua socialmente aceita, de onde se deduz

que as diferenças lingüísticas retraduzem diferenças inscritas em relações sociais mais

amplas.

Embora concordemos com essa proposição de Bourdieu, não podemos concordar

pacificamente com a inevitável ilação que dela advém, a saber a condenação daqueles que

não têm o domínio da língua legítima à exclusão dos universos sociais onde ela é exigida

ou ao silêncio, porque pensamos, como Mollica (1998), que “Os padrões lingüísticos se

distribuem de forma escalar tanto diatópica quanto diastraticamente” (1998, p. 15) e não de

uma maneira rigidamente polarizada padrão legítimo x padrão não legítimo. Assim, sem

deixar de levar em conta as implicações sociais da variação lingüística, mas entendendo que

essas diferenças no uso da língua estão distribuídas num complexo social continuum,

acreditamos que as relações lingüísticas são construídas, desfeitas e reconstruídas cotidiana

e simultaneamente às relações sociais mais amplas das quais elas são, a um só tempo, causa

e conseqüência.

Contrariando um pouco o ‘beco sem saída’ que nos foi vaticinado por Bourdieu:

“...enquanto ignorarem o limite que é constitutivo de sua ciência, os lingüistas não têm

alternativa senão buscar desesperadamente na língua o que está inscrito nas relações sociais

nas quais ela funciona, ou fazer, sem o saber, sociologia” (1996, p. 24), gostaríamos de

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dizer que já existem muitos trabalhos no Brasil apontando as contribuições potenciais e

reais trazidas pela pesquisa sociolingüística, tanto para a descrição das diversas variedades

do português brasileiro quanto para o ensino mais eficaz e menos preconceituoso da língua

materna. Sobre o tema de que nos ocupamos no presente trabalho e sua relação com o

processo de alfabetização há o trabalho excelente de Mollica (1998, op. cit).

Numa sociedade como a nossa, em que o desempenho escolar, entenda-se aí

também lingüístico, dos sujeitos pode determinar seu futuro, não apenas enquanto

indivíduos mas também como coletividade, o pesquisador em lingüística deve sim

reconhecer “o limite que é constitutivo de sua ciência”, mas não para a ele se acomodar ou

para usá-lo como justificativa para sua neutralidade supostamente científica. Conhecer bem

nosso objeto de estudo (a língua falada), tentar descrever rigorosamente suas propriedades,

investigando os condicionamentos e as pressões sociais envolvidos e discutindo as

possíveis relações com a apropriação da escrita para daí oferecer contribuições válidas, não

vai ‘mudar a realidade’, bem o sabemos, mas pode ser uma forma honesta, embora não

muito fácil nem tampouco imediata, de contribuir para que ela seja melhor, pois

“Estes tipos de teorias crescem vagarosamente: emergem da sujeira e das ruínas do

cotidiano, nunca totalmente livres de erros de mensuração e outras irregularidades comuns.

Tomam forma, crescem fortes e confiáveis na medida em que mantêm relação com o

cotidiano e enquanto são cultivadas por aqueles que o compreendem. Sua beleza repousa,

não em sua simplicidade ou em sua simetria, mas na forte relação com a realidade” (Labov,

1981, apud Tarallo, 1997, p.80).

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ANEXOS