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Universidade Federal do Pará
Centro de Letras e Artes
Curso de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística
Área de Concentração: Sociolingüística
A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em
Altamira/PA
Raquel Lopes
Belém, março de 2002.
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Universidade Federal do Pará
Centro de Letras e Artes
Curso de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística
Área de Concentração: Sociolingüística
A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em
Altamira/PA
Raquel Lopes
Dissertação apresentada ao Curso de Curso de Pós-
Graduação em Letras/Mestrado em Lingüística da
Universidade Federal do Pará como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. Abdelhak Razky
Belém, março de 2002.
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Raquel Lopes
A realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em
Altamira/PA
Membros da Banca Examinadora
_________________________________________________
Prof. Dr. Abdelhak Razky (Presidente)
_________________________________________________
Prof. Dr. Mário Roberto B. Zagari (Membro)
_________________________________________________
Porfª Drª Célia Maria Coelho Brito (Membro)
_________________________________________________
Porfª Drª Regina Célia Cruz (Membro)
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Lista de Símbolos
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Lista de Tabelas
Tabela 1
Tabela 2
Tabela 3
Tabela 4
Tabela 5
Tabela 6
Tabela 7
Tabela 8
Tabela 9
Lista de Gráficos
Gráfico 1
Gráfico 2
Gráfico 3
Gráfico 4
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Dedicatória
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Agradecimentos 1
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Agradecimentos 2
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Agradecimentos 3
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APRESENTAÇÃO
O presente trabalho1 é um exercício de descrição e análise da realização variável dos
ditongos /ow/ e /ej/ no português falado na cidade de Altamira-PA, a partir de amostras de
fala recolhidas a 40 informantes aí nascidos ou que aí tenham chegado até cinco ou seis
anos de idade, estratificados de acordo com as variáveis idade, sexo, nível de escolarização
e renda. Os dados foram coletados em forma de narrativas pessoais, ou entrevistas
sociolingüísticas, registradas em fita K7, das quais foram retiradas 2861 ocorrências, sendo
1456 do ditongo /ow/ e 1405 do ditongo /ej/; o tratamento e a análise dispensados a esses
dados seguem os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista (cf.
Labov, 1972, 1994; Sankoff, D., 1978, entre outros). O enfoque é basicamente sincrônico e
fonético, o que não exclui a possibilidade de se fazer, eventualmente, um recorte diacrônico
ou uma abordagem de natureza fonológica, quando assim se fizer necessário.
Partindo de uma constatação intuitiva sobre a fala informal e espontânea, de acordo
com a qual os ditongos /ow/ e /ej/ se realizam de maneira muito variável em palavras como
louça ~ loça, roupa ~ ropa, resolvo ~ resovo, peixe ~ pexe, feijão ~ fejão, cadeira ~ cadera,
decidimos verificar em que medida essa constatação se sustentava no uso da língua
portuguesa falada em Altamira. Comprovada a nossa hipótese de base a partir de uma
análise exploratória dos dados coletados, se nos impôs o desafio de investigar que motivos
estariam influenciando a variação entre o ditongo conservado e forma reduzida resultante
da monotongação. Durante esse processo de investigação, inúmeras perguntas surgiram: de
onde vêm esses ditongos? Por que seu uso é variável? Desde quando isso acontece dessa
forma? Será que no português falado em Portugal esses ditongos também sofrem redução?
Qual a proporção, na língua falada, entre o ditongo e o monotongo? Quem monotonga
mais, homens ou mulheres, jovens ou velhos, falantes escolarizados ou não escolarizados?
E, como se implicada nestas e a imprimir-lhes a condição necessária da pressuposição, uma
1 Esta pesquisa faz parte de um projeto maior intitulado Variação e Mudança Lingüística no Estado do Pará, que tem por objetivo a construção do Atlas Geo-Sociolingüístico do referido estado e para isso está empreendendo pesquisas sociolingüísticas em diversos pontos do território paraense. Assim, a escolha da população alvo atende a um duplo propósito: cobre um importante ponto do inquérito urbano dialetológico para o Atlas, na região da Transamazônica e Xingu, e inaugura a investigação das variedades lingüísticas dessa interessante região ‘de fronteira’.
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pergunta mais inquietante: para que tentar responder a tudo isso, que utilidade podem ter as
prováveis (ou improváveis) respostas a essas questões?
Responder a essa última (ou primeira) pergunta implicaria fazer considerações
epistemológicas e reflexões existenciais, circulares umas e inúteis as outras; não respondê-
la, por outro lado, poderia parecer voluntarismo científico ou subserviência institucional.
Por prudência, ou por falta de coragem, tentemos uma ‘terceira via’.
Desde a entrada no curso de graduação em Letras/92 da UFPA, as relações entre
língua e sociedade e seu principal corolário, a variação lingüística, se constituíam um grave,
mas solitário, ponto de interrogação que foi aos poucos cedendo espaço a outras
preocupações mais imediatas. Agora, na pós-graduação e quase dez anos depois, vejo-me
na feliz contingência de a elas poder voltar sem o arroubo e sem a sede de certezas com que
cheguei à Universidade naquela ocasião. Apresento à comunidade acadêmica, de um modo
geral, e aos interessados em Sociolingüística e Dialetologia, em especial, o trabalho final do
curso de Mestrado em Lingüística, no qual tento responder às questões levantadas um
pouco mais acima. Espero conseguir.
O texto está dividido em cinco seções. Na primeira, apresentamos algumas breves
considerações sobre os ditongos /ow/ e /ej/ em português; na segunda parte, Revisão
Bibliográfica, fazemos uma recensão de alguns dos mais importantes trabalhos sobre a
redução dos ditongos /ow/ e /ej/ em português, infelizmente, não foi possível alcançar todos
os trabalhos relativos ao assunto; na terceira seção, apresentamos os principais elementos
metodológicos que nos servem de suporte, assim como algumas informações sobre a cidade
de Altamira (aspectos históricos, localização geográfica, índices demográficos, economia);
a quarta parte, reservada à interpretação dos resultados estatísticos, é dividida em três
subseções: a primeira discute os resultados das variáveis lingüísticas selecionadas pelo
programa de análise estatística como relevantes para a monotongação dos ditongos /ow/ e
/ej/, a segunda discute as variáveis sociais e a terceira seção apresenta as variáveis que
foram descartadas pelo programa porque não demonstraram relevância para a aplicação da
regra de monotongação, de acordo com a análise probabilística realizada. Por fim, na quinta
seção, apresentamos as principais conclusões a que chegamos.
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1. COSIDERAÇÕES INICIAIS
Não é muito pacífica a interpretação do ditongo em português, e a imprecisão
característica das definições dos manuais escolares e das gramáticas normativas não está
completamente ausente das controversas conceituações de fonólogos e foneticistas. A
divergência mais importante diz respeito à interpretação do segundo elemento do ditongo,
as chamadas ‘vogais assilábicas’ /w/ e /y/, pois conforme esses segmentos sejam
concebidos, como vocálicos ou consonânticos, ter-se-á uma ou outra definição para o grupo
por eles composto. Jorge Morais Barbosa (1994), em seu Introdução ao Estudo da
Fonologia e Morfologia do Português, defende o caráter consonantal de tais segmentos2
“Vimos na altura própria que, por razões distribucionais, estes fonemas são
consonânticos: opõem-se só a consoantes, o que quer dizer que nunca ocupam a
posição própria das vogais, que é a posição nuclear da sílaba, ou, noutros termos,
nunca têm estatuto vocálico, que é o de núcleo silábico. Têm, pois, o estatuto
próprio das consoantes, que é o de não poderem ser centro de sílaba, isto é, o de
serem sempre silabicamente marginais” (p. 155).
Nas páginas seguintes, e depois de uma exposição detalhada de sua posição, o autor
conclui dizendo que “Fonologicamente, não há, em português, ditongos nem semivogais,
designação atribuída em fonética aos sons [i8] e [u8] que realizam os
fonemas \j\ e \w\”(p.157).
Câmara Jr. (1992, 21ª ed), tratando do sistema vocálico português, diz que
“Considerar as vogais assilábicas como fonemas consonânticos é aumentar o
número de consoantes portuguesas, mas em compensação diminuir os tipos
portugueses de sílaba que cabe descrever. O contrário acontece se as interpretamos
como alofones posicionais vocálicos. Há, entretanto, uma consideração que me
parece preponderante em favor desta última solução. Refiro-me à possibilidade de
se encontrar um /r/ brando depois do ditongo. Com efeito esta consoante só existe
em português depois de vogal, onde cria uma oposição com o /r/ forte (....). Em
face dessa propriedade fonêmica do /r/ fraco, a sua presença entre ditongo e vogal
nos força a interpretar a vogal assilábica, mesmo em termos fonêmicos, como vogal
(alofone assilábico de uma vogal, e, nunca, como uma consoante)”(op. cit. p. 46).
2 Couto (1994) também considera o fonema /y/ em /'seya/ como consoante.
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Outra discrepância forte está relacionada à existência dos chamados ditongos
crescentes em português. Câmara Jr. (1992), que os considera “um aspecto precário da
língua portuguesa” (p. 55), diz, a esse respeito, que a possibilidade de a seqüência assim
considerada poder ser interpretada como hiato põe em cheque a existência mesma de tais
ditongos, mas aceita as duas possibilidades de descrição, porém Bisol (1989) apresenta uma
posição mais categórica no sentido da negação de tais grupos: “Português não tem ditongos
crescentes. O principal argumento é que o glide na seqüência GV normalmente está em
variação livre com a vogal homorgânica” (Bisol, 1991, p. 56).
Já Couto (1994) defende, com uma certa insistência, uma posição oposta quanto a
este assunto, afirmando, entre outras coisas, que existem casos em que é inquestionável a
existência de ditongos crescentes que não se encontram em variação com hiatos. Aplicando
o conceito de ambissilabicidade ao português, de acordo com o modelo de Clements/
Keyser (1993, apud Couto op. cit.), o referido autor consegue comprovar que existem em
português seqüências que podem ser interpretadas como ditongo crescentes (algumas
inclusive no nível fonológico), e como exemplo cita os seguintes casos, entre outros:
Judéia, idéia, ceia, meia, apóia, bóia, saloia, boiada, tapuia.
Embora partilhemos com Couto a idéia de que os ditongos são uma ‘chave’
importante para entendermos muitas questões da fonologia da língua portuguesa, não é
neste nível (o fonológico) que se encontra a análise proposta por nós no presente trabalho.
Aqui nossa abordagem se volta para uma análise mais propriamente fonética de dois
ditongos decrescentes, a saber /ow/ e \ej\, e se limita a descrever a realização variável
destes ditongos num corpus previamente estabelecido (ver cap. 3 Metodologia). Por
acreditarmos que o recorte operado no binômio fonética-fonologia deve ser considerado
apenas como um instrumento metodológico e não uma separação estanque entre estes dois
níveis da análise lingüística, consideramos importante referir as discussões já levantadas
pelos autores citados e esperamos poder, em momento futuro, discutir as possíveis
implicações fonológicas da monotongação dos ditongos de que ora nos ocupamos.
Passemos, então, a uma breve referência a respeito das prováveis origens dos
ditongos /ow/e \ej\ em português.
De acordo com Coutinho (1976), os ditongos podem ser latinos ou românicos,
conforme tenham surgido ainda no latim ou só apareçam na época da formação dos
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romanços. O português apresenta um número bem maior de ditongos do que o latim que só
tinha quatro: ae, oe, au e eu. A tendência à redução, ainda segundo este autor, remonta ao
próprio latim vulgar.
O ditongo ai apareceu na última fase do latim falado, é dele que provém ei em
português, que, por sua vez, pode advir:
a) da queda de um fonema interno: amai por amavi > amei;
b) b) da transposição do -i- (metátese) para a sílaba anterior: *aira (< aria por area)
> eira, *baijo (<basiu) > beijo;
c) da vocalização do c antes de t e s: *laite (< lacte) > leite, *laixar (<laxare) >
leixar (arc.).
O ditongo ou provém do ditongo latino au (thesauru > tesouro, paucu > pouco,
lauru > louro, entre outros) e pode advir ainda de:
a) da queda de um fonema medial: amaut por amavit > amou;
b) por metátese do -u- para a sílaba precedente: *hauve (< habui) > houve, *saube
(< sapui) > soube;
c) da vocalização do l antes de c, p, t: *fauce (< falce) > fouce, *paupar (< palpare)
> poupar, *autro (< alt(e)ru) > outro.
Como dissemos alhures, não é nosso objetivo fazer uma análise diacrônica dos
ditongos /ow/ e /ej/ em português (sobre isso, ver Silva, 1997), quisemos, tão somente,
referir aspectos históricos que ajudam na compreensão de certas regularidades encontradas
no estágio atual da língua.
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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Mesmo que seja inviável nos limites do presente trabalho dar conta do conjunto das
análises já realizadas sobre a monotongação dos ditongos /ow/ e /ej/ em Português,
acreditamos ser necessário considerar os principais resultados a que chegaram outros
pesquisadores, a cujos trabalhos pudemos ter acesso, para que pudéssemos observar
contrastivamente o comportamento dos referidos ditongos em outras áreas do Brasil e
também – ainda que superficialmente – em Portugal. É o que se pretende fazer nesta seção.
Relativamente ao Português Europeu (PE), não nos foi possível consultar material
muito recente. As informações obtidas advieram, basicamente, de um trabalho de Cintra
apresentado em 1958 no primeiro Simpósio de Filologia Românica, no Rio de Janeiro3;
neste artigo o autor informa sobre a distribuição sócio-geográfica dos ditongos /ow/ e /ej\ e
de suas respectivas variantes na área portuguesa à época da realização dos inquéritos para o
Atlas Lingüístico da Península Ibérica (ALPI), mais precisamente nos anos de 1953 e 1954.
Segundo o autor, estes inquéritos permitiram traçar a fronteira da monotongação dos dois
ditongos em questão.
Quanto ao ditongo /ej/, as pesquisas apontaram a monotongação como a forma
predominante em todo o Algarve, Alentejo, no Sul e numa faixa ocidental da Estremadura,
mas em Lisboa predomina a forma conservadora, isto é, o ditongo não reduzido. No que
respeita ao ditongo /ow/, constatou-se que a monotongação se estende, para além da área
apontada para a simplificação de /ej/, pelo restante da Beira Baixa e do Ribatejo, por uma
extensa área da Beira Alta, onde, todavia, aparecem zonas importantes de conservação do
ditongo a oeste, e pela Beira Litoral – com exceção do norte do distrito de Aveiro, onde não
há redução.
Ao lado dessa distribuição quase exclusivamente diatópica, o autor apresenta alguns
comentários de natureza, por assim dizer, diastrática. Tendo encontrado a nítida
conservação de /ej/ em Vieira de Leiria, local que o mapa baseado no ILB (Inquérito
Lingüístico Boléo) indicava como um dos extremos da fronteira de monotongação deste
3 Este trabalho foi publicado em 1970 sob o título de “Os ditongos decrescentes ou e ei: esquema de um estudo sincrônico e diacrônico” nos Anais do referido Simpósio. Em 1995, a Livraria Sá da Costa Editora, de Lisboa, lançou a segunda edição de Estudos de Dialectologia Portuguesa, uma reunião de diversos trabalhos de Cintra, incluindo este a que hora nos referimos.
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ditongo, resolveu repetir a pesquisa. Escolheu dois informantes naturais da localidade, de
condições bem semelhantes, e notou que na fala de um deles se produzia a monotongação,
mas na de outro o ditongo se conservava regularmente. Estendeu a pesquisa a outras
pessoas do mesmo lugar e percebeu a coexistência de duas variantes ali. O fato curioso é
que não havia oscilação de palavra para palavra: cada pessoa realizava sempre o ditongo ou
então monotongava sempre. Não tendo conseguido descobrir as razões dessa distribuição
variável do ditongo, voltou depois ao local com mais tempo para completar suas
observações e verificou que a monotongação penetrava na aldeia através da população de
pescadores da praia de Vieira, localizada a uns 5km, onde era a realização dominante. Indo-
se de Vieira para o interior, desaparecia totalmente o /e/ e reaparecia novamente o /ej/,
sendo essa a forma ouvida imediatamente ao sul, na vila de Marinha Grande e em São
Pedro de Muel, mas já não entre os pescadores de Nazaré, um pouco mais ao sul, que
monotongam. O autor concluiu, assim, que a Praia de Vieira e Vieira de Leiria – com a
parte de sua população que reduz o ditongo – constituíam um enclave de monotongação em
área de conservação do ditongo e não um extremo de monotongação como sugere o mapa
baseado no ILB.
Além das zonas em que se dão a manutenção ou a monotongação de /ej/ e de /ow/, o
autor determina também a área geográfica de expansão de algumas variantes dos ditongos
ou da vogal simples resultante da assimilação entre os seus elementos. Quanto ao ditongo
/ej/, afirma que em toda a zona centro-setentrional de Portugal, onde ele se mantém, é mais
freqüente encontrá-lo realizado na forma [aj] que apresenta em Lisboa, ou pelo menos nas
formas [Ej] (com /e/ aberto) e [e@j] (com /e/ médio) do que [ej] (com /e/ fechado), sendo esta
última forma mais facilmente encontrada na fala das classes cultas do sul do país em que é
o resultado artificial da restauração do ditongo com base na escrita e não uma realização
natural ou espontânea do vernáculo.
No que diz respeito ao ditongo /ow/, o autor acredita ser possível delimitar, nas
áreas de conservação, a zona em que ele apresenta a forma [ow] e aquelas em que se ouve
[aw]. Esta última foi anotada por Leite de Vasconcelos no norte de Trás-os-Montes, numa
parte do Entre Douro e Minho e numa parte da Beira. Durante os inquéritos para o ALPI,
esta variante foi registrada como típica do norte e centro transmontanos. Muito mais difícil,
porém, é “descrever os resultados de qualquer tentativa de localização geográfica no
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território português da variante [oj]” (Cintra, 1958:43). A respeito desta última variante, o
autor tece algumas críticas às descrições feitas por Leite de Vasconcelos (1901a: 106,
1901b: 75) e por Paiva Boléo (1946:91), dizendo delas que são imprecisas e que podem
levar a noções equívocas, tais como aquela que faz supor que de uma maneira geral a
forma[oj] reflete a pronúncia popular e [ow] a literária, ou ainda aquela outra, que se pode
deduzir da formulação de Leite de Vasconcelos, de que em qualquer falar regional as
formas [ow] ou [o] alternam com [oj] em determinadas palavras. O que o trabalho de
campo para o ALPI revelou é que essa variação – em alguns casos presente na linguagem
das cidades − inexiste nos falares das aldeias: aqui se diz sempre cousa ou coisa, touro ou
toiro, outro ou oitro, etc. 4.
Tentando precisar melhor a situação da variante [oj], Cintra acrescenta que não
acredita haver nenhum falar português em que esta não exista ao lado de [ow] ou de [o]
(monotongo), o que de fato se vê é que há dialetos em que [oj] além de se manter nos casos
em que era etimológico, aparece com maior ou menor freqüência em palavras em que
poderiam aparecer [ow] ou [o], e há outros em que se dá a situação contrária. Sendo,
portanto, necessário separar os falares em que predomina [oj] daqueles em que predomina
[ow] ou [o], e mesmo que essa distinção não possa ser absoluta ou inquestionável, o autor
apresenta algumas pistas segundo as quais podemos tentar estabelecê-la. Entre os primeiros
(aqueles em que é particularmente abundante a forma [oj]), podemos inserir os falares da
região central de Portugal, entre Douro e Tejo; no segundo grupo podem figurar os falares
da Galiza e da maior parte do norte português, que conservam o ditongo [ow], exceto nos
casos em [oj] é etimológico; ao sul do Tejo a forma predominante é a monotongação em [o]
resultante da assimilação dos elementos velares do ditongo.
Esperamos ter conseguido com esta recensão, ainda que sumária, apresentar uma
visão panorâmica da realização dos ditongos [ou] e [ej] no Português lusitano, assim como
de sua distribuição dialetal. Passemos agora ao Português brasileiro.
Dentre os vários trabalhos realizados sobre o uso variável de ditongos no Português
do Brasil, priorizamos aqueles de orientação variacionista; tenta-se aqui apresentar os
4 Ver, a esse respeito, o que diz Amadeu Amaral para um dialeto brasileiro “os vocábulos... são pronunciados sempre de um só modo” (Amaral, 1955: 50).
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principais resultados desses trabalhos, em ordem cronológica: Veado (1983), Mota (1986),
Bisol (1994), Paiva (1996), Cabreira (1996), Silva (1997), Mollica (1998) e Araújo (1999).
O estudo de Veado (Veado, 1983) tem de ser visto – segundo a própria autora −
como uma espécie de estudo-piloto. É preciso dizer, no entanto, que, apesar de seu caráter
ensaístico, este trabalho é muito relevante para a pesquisa sociolingüística (especialmente
para o campo da variação fonética) porque antecipa muito do que se vai dizer
posteriormente a respeito da redução dos ditongos /ow/ e /ej/ no português brasileiro.
A pesquisa em questão examina a realização variável de /ej/ e /ow/ em amostras de
diferentes situações de fala da região metropolitana de Belo Horizonte.5 A amostra utilizada
para a análise está dividida em três blocos, cada um desses blocos apresenta uma situação
de fala diferente: fala coloquial, fala cuidada e leitura de palavras e de textos. A hipótese
inicial defendida pela autora é a de que “Uma situação de fala marcada por traços
[+coloquial], [+casual] tem peso decisivo na produção das variáveis [o] e [e]” (p.209).
Para a fala coloquial (primeiro bloco), excetuando-se os casos em que não ocorre a
redução de [ej], a saber, quando este ditongo está diante de consoantes apicais em posição
posterior (/t/, /d/, /s/, /l/, /n/) ou em posição final na palavra (rei, lei, sei, falei, etc.),
encontrou-se um alto índice de redução, 99% tanto para [e] quanto para [o],
independentemente da influência de quaisquer fatores estruturais ou sociais. De um total de
737 dados, em apenas 07 itens não houve monotongação, donde se deduz que a fala casual
é altamente favorecedora da redução de [ej] e de [ow] e que a simplificação desses
ditongos, nesse nível de fala, não está relacionada nem a fatores lingüísticos (posição do
ditongo na palavra, tonicidade, segmento seguinte, classe morfológica, número, etc.), nem
tampouco a fatores sociais (classe social, idade e sexo).
Para a fala cuidada 6(segundo bloco), a autora encontrou diferenças significativas na
realização dos ditongos sob análise, em comparação com aquela registrada na fala
coloquial. Surgiram fatores estruturais mais favorecedores que outros e exercendo
influência diferente conforme se tratasse de um ou de outro ditongo. Para a alternância
entre [ej] e [e], atuaram os seguintes fatores: acentuação, posição do ditongo na palavra e
segmento consonantal seguinte. Quanto ao primeiro fator, percebeu-se que o traço +acento
5 Não há informações no texto sobre o número de informantes, nem sobre o levantamento dos dados usados na análise. 6 Amostras retiradas de noticiários e entrevistas.
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atuou como mais favorecedor da monotongação (51.48%) do que o traço −acento (21%).
Quanto à posição ocupada pelo ditongo no item léxico, confirma-se a hipótese de que o
ambiente final bloqueia a redução de [ej], em posição interna essa redução fica em torno de
45.7%; não é possível afirmar nada relativamente à posição inicial porque o número de
dados é insuficiente. A respeito do segmento consonantal seguinte, o maior número de
ocorrências, assim como o maior índice percentual de redução (83.6%), se dá com o tepe
alveolar [|].
Com relação à alternância [ow] ~ [o], a autora levou em consideração os seguintes
fatores: acentuação, posição no item léxico e segmento consonantal seguinte. Os resultados
quanto ao acento são muito próximos daqueles para o ditongo /ej/: o ambiente +acentuado
favorece a redução de /ow/ em 67.8% dos casos, ao passo que o ambiente −acentuado atua
no sentido de desfavorecê-la (20%). No que diz respeito à posição que o ditongo ocupa na
palavra, o ambiente que mais favorece a redução é a posição final (78.7%), mas não se
pode afirmar que as outras posições a desfavoreçam, a diferença é apenas gradativa. Não é
seguro afirmar nada conclusivamente com relação ao segmento consonantal seguinte, pois
excetuando-se o final de palavra só restaram 56 dados, destes, 44 foram ocupados pelos
seguintes itens léxicos: outro (55.5%), pouco (66.6%) e ouvi (28.5%); os outros 12 casos
apareceram uma ou duas vezes, o que impossibilita uma análise comparativa entre eles.
Logo, não se pode dizer se o segmento seguinte exerce ou não influência no menor ou
maior índice de redução do ditongo /ow/.
Para a situação de leitura (terceiro bloco), particularmente de textos curtos
(sentenças), a autora diz que os informantes apresentaram um comportamento muito
próximo àquele registrado na fala de noticiários e entrevistas, tanto no caso de [ej] ~ [e],
quanto no de [ow] ~ [o]; na leitura de palavras isoladas, o índice de redução baixou
consideravelmente.
O ambiente final da palavra mostrou-se favorecedor da redução do ditongo /ow/,
seja na leitura de sentenças (81.6%), seja na de palavras soltas (47.6%, contra apenas 12%
nos demais ambientes), assim como na fala cuidada (78.7%) e na fala coloquial (100%).
Em termos de estruturação interna, a autora conclui seu estudo afirmando que:
a) o traço [+acento] favorece consideravelmente a redução de /ej/ e /ow/;
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b) o ambiente fonético provável para a redução de /ej/ é bem mais restrito do que
para /ow/, que não encontra ambientes bloqueadores;
c) o ditongo /ow/ em final de palavra tem o maior percentual de redução em todos
os estilos de fala, em oposição a /ej/ que, neste ambiente, não sofre este
processo;
d) traços morfológicos como nome e verbo, singular e plural, masculino e feminino
não têm influência no maior ou menor índice de variação de /ej/ e /ow/.
Do ponto de vista da estratificação social, as formas [o] e [e] resultantes da
monotongação dos ditongos em questão não são marcadores de classe, nem de sexo ou
idade, pois os falantes – independentemente destes fatores − reduzem quase que
categoricamente em situação de fala casual. Mesmo em situações de fala mais cuidada, os
ditongos /ow/ e /ej/ apresentaram um alto índice de monotongação, o que desautoriza a
tentativa de vê-la como marca de informalidade por oposição à conservação do ditongo que
seria marca de formalidade. O que se pode dizer, segundo Veado (op.cit: 226), “... é que os
contextos de fala casual favorecem em 99% (semicategoricamente) a redução e os
contextos mais formais favorecem menos”.
O fato considerável de a redução ter atingido níveis de fala mais elaborada,
inclusive a leitura, e com índices percentuais expressivos, evidencia – conforme palavras da
própria autora − “a estabilidade e a consistência da redução em língua portuguesa, em
oposição à hipótese de mudança em progresso que não teve qualquer respaldo nos dados
coletados” (p.226).
Mota (1986) estudou a variação entre [ej] e [e] em Ribeirópolis aquando da
elaboração do Atlas Lingüístico de Sergipe (ALS), o material que serviu de corpus ao
trabalho consta de aproximadamente doze horas de gravação magnetofônica
correspondentes a cinco inquéritos, sendo dois destes com aplicação sistemática do
questionário elaborado para recolha de dados do ALS; todos os informantes são de origem
rural e apenas um semi-alfabetizado, os outros quatro, não-escolarizados.
Depois do levantamento de todas as ocorrências de [ej] e de [e] ou [E] em formas
que se realizam com [ej] nesta ou em outra variedade, foram analisados os contextos
fônicos em que ocorrem essas variantes, tendo-se em vista o segmento imediatamente
seguinte. Foram identificados três tipos de contextos: os mediais pré-vocálicos, os mediais
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pré-consonânticos (que foram subdivididos segundo a qualidade da vogal ou da consoante
seguintes) e os finais de palavra.
Nos contextos pré-vocálicos confirmou-se a relação previsível entre a realização de
[ey] ou [e] e a qualidade da vogal seguinte: diante de vogal baixa central [a] ocorrem as
duas variantes mas quando a vogal seguinte é a posterior alta [u] tem-se a seqüência de
vogal anterior média fechada + semivogal anterior, em todos os casos. Há, entre outros, os
seguintes exemplos citados pela autora: 1) diante de vogal baixa: corr[ey]a e corr[e]a;
m[ey]a e m[e]a; or[ey]a e or[e]a, etc.; 2) diante de vogal posterior alta: cheio, meio,
veiuzinho.
Nos contextos pré-consonânticos, a realização [ey] ou [e] depende da qualidade da
consoante contextual:
1) Diante de /t/ acontece [ej] quando o fonema se realiza como oclusivo dental e [ej]
ou [e] quando a realização é africada palatal; para [t] tem-se: direito, enfeitado, estreito,
jeito, jeitinho, prefeitura, rejeito. Para [tS] tem-se: a) com as duas formas [ej] e [e]:
estreito, feito, feitor, jeito, peito; b) com apenas [ej]: deito, deita, deitar, defeito, direito,
feito, enfeitada, feitinha, peitão, peitoral; c) apenas com [e]: deitada, prefeito, rejeito,
respeito.
2) Quando a consoante seguinte é a constritiva palatal, surda [S] ou sonora [Z],
encontram-se as duas possibilidades: [ej] e [e]: deixo ~ dexo, deixa ~ dexa, eixo ~ exo,
feixe ~ fexe, peixe ~ pexe, queixo ~ quexo, e feijão ~ fejão.
3) Com a constritiva alveolar [s] foram registrados dois exemplos, um deles com as
duas variantes: tr[ej]çol e tr[e]çol e o outro com [ej]: [sO"rejsU], denominação de um tipo de
beiju com coco.
4) Seguidos de consoante nasal bilabial [m] foram registradas duas formas do verbo
queimar, uma com a realização [eày] e outra com a realização [eà].
5) Com a vibrante alveolar ocorre sistematicamente [e] em todos os exemplos do
corpus.
Em final de palavra, de acordo com a autora, a norma do dialeto sergipano é, como
em outros dialetos brasileiros, a realização /ey/, embora tenham sido registradas duas
ocorrências de [e] em formas de primeira pessoa do perfeito do indicativo do verbo chegar:
[Se"ge].
22
Quanto à realização de [E] em formas também documentadas também com [e] ou
[ej], a autora lembra o fato de o dialeto em questão estar situado entre aqueles em que
predomina a vogal média aberta (anterior ou posterior) em posição pré-acentuada, quando o
contexto fônico condiciona ou favorece tal variante. Veja-se a título de exemplo os
seguintes casos:
[dE"Sa], [dE"SadU], [kE"Saw], [alE"ZadU], [fE"Zåàw], [bE"|adå], [kawdE"|åàw], [SE"|a], [peànE"|a].
Mota afirma que a partir da análise da variação entre [ej] e [e] ou [E] na área
sergipana estudada, podem-se destacar algumas características dialetais, que expõe como
segue:
01) “As variantes [ey] e [e] distribuem-se diferentemente, a depender do contexto fônico
em que se inserem: a primeira ocorre sistematicamente diante de vogal posterior alta ou
consoante dental e em final de palavra, enquanto a segunda é a norma quando o segmento
fônico imediato é a consoante vibrante alveolar; nos demais contextos documentam-se
ambas as variantes”.
02) “Registra-se a variante [E] em formas também documentadas com [ej], em
distribuição inacentuada anterior ao acento, nos mesmos contextos em que ocorre essa
vogal em outras formas não relacionadas à seqüência ej, confirmando-se a característica
dialetal de restrição à ocorrência de vogal média fechada em sílaba pré-acentuada”.
03) “A identificação de /ey/ como variante característica de “classe culta”, como se lê
em Nascentes, de “linguagem cuidadosa”, como classifica Câmara Jr. ou apenas
documentada em “gente letrada” quando “fala com preocupação de policiar a linguagem”
ou quando tem “educação prosódica muito cuidada...”segundo Marroquim, não coincide
com os dados do dialeto. Essa variação entre ej e e deve ser, ao contrário, classificada como
diatópica e provavelmente se documenta também em outras áreas brasileiras”.
O trabalho de Mota resenhado acima apresenta, do ponto de vista quantitativo,
alguns pontos problemáticos, a amostra de apenas cinco informantes, a forma como os
dados foram coletados, entre outros fatores. Mas é preciso levar em conta que se trata de
uma pesquisa eminentemente dialetológica e a metodologia adotada atende,
necessariamente, aos objetivos estabelecidos nesse tipo de trabalho, logo, não é o caso de se
ver e apontar aí supostas deficiências, mas de reconhecer a especificidade e o valor da
referida pesquisa dentro do campo em que ela está inserida.
23
Bisol (1994) analisa a realização do ditongo /ej\ na fala de sete informantes de Porto
Alegre controlando apenas a variável contexto seguinte: palatal (.89), tepe (.89), labial
(.29), velar (.38), alveolar (.28), vogal (.13). Com base nesses resultados, a autora afirma
que diante de consoante palatal e vibrante simples, a variante sem glide é a de uso geral,
“Tão geral que de somenos importância se faz examinar o papel que outros fatores possam
ter na motivação para uso da forma preferida” (Bisol, 1994, p. 124). Não há, nesse trabalho,
referências sobre a metodologia de coleta de dados nem sobre a composição da amostra,
mas ao que tudo indica não era objetivo da autora proceder a uma análise propriamente
quantitativa dos dados, na verdade estes são apenas o ponto de partida para uma discussão a
respeito da origem do glide diante da consoante palatal [S].
Paiva (1996), estudando o Português falado na cidade do Rio de Janeiro, enfocou a
supressão dos segmentos [y] e [w] segundo os pressupostos da Teoria da Variação, visando
detectar os condicionamentos determinantes de formas como pexe, bandera, poco, oro.
Utilizando dados de 44 entrevistas do “Projeto Censo da Variação Lingüística no
Município do Rio de Janeiro”, a autora levantou um total de 3133 dados, sendo 2111 de
ditongo [ey] e 1022 de ditongo [ow] em interior de vocábulo, a ocorrência destes mesmos
ditongos em final de palavra foi descartada da pesquisa porque esta posição se mostrou
categórica no sentido de manutenção de [y] e de [w]. O enfoque neste trabalho foi
estritamente sincrônico.
Aqui a idéia inicial é a de que a supressão das semivogais nos ditongos decrescentes
[ey] e [ow] é um fenômeno sistêmico que praticamente não sofre influência de fatores
externos e que não se constitui índice de diferenciação diastrática. Este trabalho tenta
levantar também evidências de que a supressão de [y] e a supressão de [w] são processos
distintos, com distintos condicionamentos fonéticos, sendo a segunda muito mais geral e
irrestrita do que a primeira, mesmo que haja nos dois casos características de mudança em
progresso.
O primeiro grupo de fatores considerado como condicionador do fenômeno está
ligado ao contexto fonético seguinte à semivogal, assim, os segmentos que ocorrem depois
desta foram agrupados de acordo com o ponto e o modo de articulação, donde foram
estabelecidos os seguintes grupos:
1- Ponto de articulação:
24
- labiais [p, b, m, f, v] – seiva, soube
- dentais [t, d] – direito, outro
- alveolares [ s, z, |, l, n] – beiço, ouro
- palato-alveolares [ S, Z] - peixe, trouxa
- velares [k, g] – manteiga, louco
- vogais – meio, veio
2- Modo de articulação:
- oclusivas [p, b, t, d, k, g] – peito, loucura
- fricativas [ f, v, s, z, S, Z] - peixe, ouça
- nasais [m, n] – queimo, reino
- laterais [l] – leilão, Leila
- flap – [|] - mineiro, louro
Foram considerados ainda dois outros fatores de nível fonético, tais como a
extensão da palavra e a tonicidade da sílaba em que se dá o ditongo. No primeiro grupo,
considerou-se a estruturação silábica das palavras de acordo com a classificação tradicional
em monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos. No segundo, os dados foram
subdivididos de acordo com a ocorrência da semivogal numa sílaba tônica, pré-tônica ou
pós-tônica. Prevendo a possibilidade de uma interferência de fatores de nível morfológico,
a autora observou também a situação da semivogal relativamente à estruturação interna da
palavra, estabelecendo os fatores radical e sufixo.
Constatou-se que os fatores ponto e modo de articulação do segmento seguinte são
os de maior efeito sobre a supressão de [y], que são seguidos pelos grupos extensão da
palavra e estrutura interna da palavra, sendo a tonicidade irrelevante na ocorrência do
processo, que se realiza independentemente de a semivogal se encontrar numa sílaba tônica
ou átona.
Relativamente ao ponto de articulação, os segmentos velares [k, g] e os palato-
alveolares [S, Z] são os que fortemente influenciam a monotongação de [ey] com
probabilidade de, respectivamente, .89 e .93. É preciso dizer, porém, que os números
relacionados aos segmentos velares restringem-se à supressão de [y] na palavra manteiga, a
variação de [ey] nessa palavra pode estar relacionada a uma peculiaridade etimológica, já
que é fácil constatar que em outras palavras com contexto velar há um bloqueio da
25
supressão de [y], como em /seku/, Seiko, e /megu/, meigo. Os segmentos dentais (. 15),
alveolares (.27) e as vogais (.10) demonstraram ser inibidores do fenômeno.
No que diz respeito ao modo de articulação, o flap é o segmento que mais favorece
o apagamento de [y] (.99), as consoantes fricativas são igualmente favorecedoras (.56), ao
passo que as oclusivas (.13), as nasais (.13) e as laterais (.04) são inibidoras.
A autora chama atenção para o fato de que as vogais, mesmo possuindo – como as
fricativas e o flap – o traço [+contínuo], bloqueiam o cancelamento da semivogal. Esse
comportamento aparentemente estranho das vogais deve ser analisado de acordo com uma
outra tendência mais geral da língua de evitar a formação de hiatos e pode estar ligado a
problemas de estruturação silábica.
A extensão da palavra mostrou-se relativamente sensível à aplicação da regra de
monotongação de [ey]: as palavras monossilábicas quase não foram afetadas (.07), já as
dissilábicas (.67), as trissilábicas (.71) e as polissilábicas (.71) sofreram um aumento
gradativo de apagamento da semivogal [y]. Segundo Paiva, uma possível explicação para
esses resultados é que os monossílabos estariam sujeitos a menores possibilidades de
supressão porque a perda de segmentos fônicos nestas palavras pode acarretar mais
facilmente o aparecimento de homonímias.
O grupo estrutura interna da palavra indicou uma tendência mais forte à supressão
de [y] quando o ditongo se encontrava no sufixo (.61) do que quando este se achava no
radical (.38), o que precisa ser olhado com cuidado porque há aí uma superposição entre os
grupos estrutura interna da palavra e qualidade fonética do segmento seguinte à
semivogal; o ditongo [ey] do sufixo –eiro está diante de flap que é, como se sabe, um
contexto altamente favorecedor do cancelamento de [y]. Logo, a supressão de [y] em – eiro
pode se dever à influência do segmento seguinte ao ditongo [|] e não necessariamente à
categoria morfológica deste sufixo.
A autora conclui dizendo que “sob determinadas condições fonéticas, a supressão de
[y] pode ser vista como um processo quase categórico, resultando num limite mínimo de
variação se seguida de consoantes coronais altas (.93) e do flap (.99)”. Chama atenção,
porém, ao fato de que há evidências de que a monotongação de [ey] nestes casos é
resultado de diferentes motivações fonéticas. Para um caso tem-se que a supressão de [y] se
deve à contigüidade de dois segmentos que partilham ponto de articulação e retração bucal,
26
ao passo que para outro, o cancelamento se motiva pela contigüidade de segmentos que se
aproximam pelo modo de articulação. Mas é importante dizer que, apesar disso, em ambos
os casos a aplicação da regra tem como conseqüência a dissolução de cadeias constituídas
de segmentos foneticamente semelhantes.
A propósito da supressão de [w] no ditongo [ow], a autora diz que os resultados da
análise corroboram a hipótese de que condicionamentos de caráter fonético são aí
inoperantes, havendo, ao contrário, indicações de que a mudança de ow para o esteja
completamente concluída e implementada no sistema, podendo haver, entretanto, restrições
de ordem lexical. Diz ainda que é difícil falar em variação do ditongo [ow], “podendo-se,
mesmo, concluir que a não-articulação de [w] constitui a norma do português falado no Rio
de Janeiro” (p.233).
Comparando o comportamento das semivogais anterior e posterior, a autora diz que
é possível concluir que a monotongação do ditongo [ow] (.98) está amplamente mais
disseminada do que a do ditongo [ey](.61) e que, embora sujeitas a restrições de natureza
diversa, a supressão de [y] e de [w] apresentam o mesmo resultado quanto à estruturação
silábica, ambas reduzem sílabas complexas a sílabas simples. Assim, a monotongação de
[ey] e de [ow] “é mais um dentre os diferentes processos de que a língua se utiliza para
evitar cadeias sintáticas complexas” (p. 234).
As variáveis sociais consideradas nesta pesquisa apresentaram resultados pouco
expressivos, confirmando a hipótese inicial de que a redução de ditongos é um fenômeno
basicamente sistêmico e pouco influenciado por fatores externos, daí, a conclusão a que
chegou a autora: “O fenômeno de supressão da semivogal é pouco estratificado
socialmente. De fato, atuaram leve e apenas parcialmente as variáveis escolarização e idade
nos falantes adultos: a primeira, no sentido de os homens mais escolarizados suprimirem
menos a semivogal do que os menos escolarizados; a segunda, no sentido de os homens
terem a taxa de conservação da semivogal mais alta na faixa de 15/25 anos, e as mulheres
apresentarem igual comportamento na faixa de 25/49 anos. Observou-se que as crianças
não apresentaram nenhuma estratificação social” (p. 333).
Cabreira (1996) estudou os ditongos orais [ay], [ey] e [ow] nas três capitais do Sul
do Brasil, a pesquisa em questão, que está inserida em um projeto maior, o Projeto
27
VARSUL,7 cujo objetivo é estudar os principais fenômenos de variação lingüística que
ocorrem nos dialetos urbanos nos três estados da região Sul, tinha por objetivos específicos
verificar três aspectos: a) se a variação na pronúncia dos ditongos orais decrescentes
distingue os dialetos da região Sul entre si; b) que fatores lingüísticos influenciam a
aplicação da regra de monotongação; c) que fatores sociais influenciam a aplicação desta
regra. As hipóteses iniciais que nortearam este trabalho foram: a) a aplicação da regra de
redução dos ditongos a vogais simples está relacionada a diferenças dialetais de natureza
geográfica; b) a presença de determinados fatores lingüísticos no contexto interfere no uso
quantitativo da regra; c) determinadas características sociais dos falantes também
interferem nesse uso.
Como no estudo precedente, o enfoque aqui também é puramente sincrônico.
O método utilizado no trabalho seguiu as linhas da Teoria da Variação de inspiração
laboviana. A população-alvo da pesquisa foram os falantes monolíngues do português,
nascidos em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, com mais de 25 anos e com
escolaridade igual ou inferior ao Nível Médio. O material que serviu de corpus corresponde
a 36 entrevistas, cuja duração varia entre 45 e 60 minutos, sendo 12 entrevistas por cidade.
Os fatores lingüísticos levados em consideração inicialmente foram o contexto fonético
precedente, o contexto fonético seguinte, a natureza morfológica e a tonicidade. Quanto aos
aspectos sociais, foram levados em conta os seguintes fatores: idade, sexo, escolaridade e
origem geográfica.
Os resultados obtidos preliminarmente levaram a uma redefinição das variáveis
lingüísticas envolvidas e apenas o fator contexto fonético seguinte foi relevante para essa
redefinição, razão pela qual, apenas essa variável foi apresentada.
Para o ditongo [ey], consideraram-se seis possibilidades de contexto seguinte:
a) [S] ex.: peixe
b) [Z] ex.: beijo
c) [|] ex.: pereira
d) [k,g] ex.: manteiga
e) vogal ex.: passeio
f) outros ex.: queima
7 Variação Lingüística Urbana na Região Sul do Brasil.
28
Para o ditongo [ay] levou-se em conta as mesmas possibilidades de contexto
seguinte:
a) [S] ex.: caixa
b) [Z] ex.: vai já
c) [|] ex.: Jairo
d) [k,g] ex.: arraigado
e) vogal ex.: saia
f) outros ex.: baile
Quanto ao ditongo [ow], observou-se um alto índice de monotongação
independentemente de qualquer contexto, mesmo assim, foram selecionadas as seguintes
possibilidades:
a) consoante labial ex.: roupa
b) consoante dental ou alveolar ex.: vassoura
c) consoante palatal ex.: frouxo
d) consoante velar ex.: pouco
e) vogal ex.: ou então
f) pausa ex.: sou
De um total de 1512 ocorrências do ditongo [ey], 483 (32%) sofreram redução a [e],
desses 483 ditongos que foram reduzidos, 478 (99%) estavam diante de [|], [S], [Z], de
onde se conclui que a monotongação de [ey] é um fenômeno relacionado à presença de tepe
ou de fricativa palato-alveolar no contexto fonético seguinte ao ditongo.
Em 1037 ocorrências do ditongo [ay], apenas 46 (4%) sofreram redução a [a],
nesses 46 casos o segmento seguinte é [S]; tem-se aqui, também, que a monotongação de
[ay] é determinada pelo contexto seguinte, com a diferença de que a regra só é aplicada
quando este ditongo é seguido pela consoante fricativa palato-alveolar surda.
Relativamente ao ditongo [ow], tem-se que de um total de 1215 ocorrências, em
1168 (96%) aconteceu redução à vogal simples [o], em todos os contextos a freqüência de
monotongação ultrapassou os 90%. Nota-se aqui que o condicionamento fonético
verificado na análise de [ey] e de [ay] é, praticamente, inoperante para [ow].
A partir dessa redefinição de variáveis, o autor realizou três análises distintas: a) dos
ditongos [ey] e [ay] seguidos por [S] ou [Z]; b) do ditongo [ey] seguido por [|]; e c) do
29
ditongo [ow], para em seguida apresentar os resultados dos grupos de fatores selecionados
pelo VARBRUL.
Para os ditongos [ey] e [ay] seguidos de [S] ou [Z], o programa selecionou seis
variáveis como relevantes para a aplicação da regra de monotongação: 1) a posição do
elemento seguinte quanto à sílaba; 2) o grau de escolaridade do falante; 3) a sonoridade do
elemento seguinte; 4) o sexo do falante; 5) a variedade geográfica e 6) a natureza
morfológica.
Relativamente ao fator posição do elemento seguinte quanto à sílaba, o autor diz
que o elemento seguinte ao ditongo pode estar na mesma sílaba (tautossilábico), como nas
palavras ‘leis’ e ‘mais’, ou na sílaba seguinte (heterossilábico), como nas palavras ‘peixe’ e
‘caixa’. Os resultados indicam que a regra de monotongação se aplica muito mais com o
elemento seguinte heterossilábico (0,92) do que com o elemento tautossilábico (0,02), o
que está conforme ao que diz Bisol (1989: 189-190).
Quanto ao fator grau de escolaridade do falante, tem-se que os falantes com
primário são os que mais aplicam a regra de apagamento (0,69), seguidos por aqueles com
segundo grau (0,41), e por aqueles que têm o ginásio (0,39). A explicação para esses
resultados baseada na influência que o contato com a escola, e logo, com a modalidade
escrita, exerce sobre a aplicação da regra fica um pouco fragilizada, pois de acordo com a
mesma deveria haver uma gradação proporcional entre a aplicação da regra e o nível de
escolaridade do informante, mas o que se tem é que informantes com 2° grau apagam mais
(0,41) do que aqueles que só têm o ginásio (0,39).
A variável sonoridade do elemento seguinte é, segundo o autor, a mais importante
depois do grau de escolaridade, havendo aqui duas possibilidades: a fricativa palato-
alveolar surda [S] ou a fricativa palato-alveolar sonora [Z]. Os resultados mostram um
índice de monotongação mais alto para o primeiro caso (0,58) do que para o segundo
(0,22). É preciso dizer que todos os dados de ditongo seguidos por [Z] são ocorrências de
[ey], não houve um só exemplo de [ay] seguido pelo segmento [Z].
A quarta variável selecionada pelo programa foi o sexo dos falantes: as mulheres
aplicam mais a regra (0,63) do que os homens (0,35), resultado previsto por alguns
estudiosos quando há uma mudança lingüística em andamento (cf. Chambers e Trudgill,
1980 p. 97).
30
O fator origem geográfica do falante se mostrou relevante para a aplicação da regra
de monotongação: os falantes de Florianópolis aplicam mais a regra (0,62) do que os
falantes de Porto Alegre (0,46) e de Curitiba (0,22), de onde o autor conclui que, quanto à
monotongação de [ey] e [ay] seguidos de [S] e [Z], os três dialetos em estudo são diferentes.
A respeito do fator natureza morfológica previram-se três possibilidades: a) o
ditongo está no radical da palavra, como em ‘peixe’; b) o ditongo está no sufixo de plural,
como em ‘móveis’; c) o ditongo está em outros sufixos, como em ‘vais’. De acordo com
seus dados, o autor diz que esta variável apresentou um efeito categórico, pois a
monotongação se dá apenas no radical da palavra, “nos sufixos, a regra nunca se aplica”
(p.108).
Para o ditongo [ey] seguido por tepe, o VARBRUL selecionou como relevantes para
o funcionamento da regra de monotongação as seguintes variáveis: a) a natureza
morfológica do ditongo; b) o grau de escolaridade; c) o sexo dos falantes e d) a origem
geográfica.
A variável natureza morfológica do ditongo foi a que mais exerceu influência sobre
a monotongação de [ey] seguido por tepe, este fator foi definido com base no tipo de
morfema em que se encontra o ditongo, assim sendo, tem-se duas possibilidades: a) o
ditongo está no radical, como em ‘madeira’; b) ou está no sufixo, como em ‘fazendeiro’. De
acordo com os dados analisados, o autor concluiu que a monotongação de [ey] seguido de
tepe acontece muito mais quando o referido ditongo se encontra no radical (0,74) do que
quando se encontra no sufixo (0,33). Esse resultado apresenta uma discrepância em relação
aos que chegou Paiva (1996).
A variável grau de escolaridade também foi considerada importante para a redução
de [ey] a [e]: falantes com menor grau de escolaridade (até a 5ª série) são os que mais
aplicam a regra (0,76); aqueles com ginásio (até a 8ª série) são os que menos aplicam a
regra (0,30) e aqueles com segundo grau apresentam um grau médio de monotongação
(0,43). Valem aqui as observações feitas para a atuação desta variável na monotongação
dos ditongos [ey] e [ay] mais acima.
Nesta análise, a terceira variável selecionada pelo programa estatístico foi o sexo
dos falantes: as mulheres monotongam mais o ditongo [ey] seguido de tepe (0,64) do que
31
os homens (0,38). Aqui também o resultado está de acordo com aqueles da análise dos
ditongos [ey[ e [ay] seguidos por consoantes fricativas palato-alveolares.
A última variável selecionada pelo VARBRUL nesta rodada foi a origem
geográfica do falante, este fator separa os informantes das três cidades objetivando
verificar se há diferenças entre os dialetos quanto à monotongação de [ey] seguido por tepe.
Os resultados mostram que, diferentemente da análise precedente, os falantes de Curitiba
são os que mais aplicam a regra de apagamento (0,79), seguidos pelos de Porto Alegre
(0,35) que apresentam um índice próximo daquele apresentado pelos falantes de
Florianópolis (0,32).
Para o ditongo [ow], foram consideradas relevantes para o funcionamento da regra
de monotongação as seguintes variáveis: a tonicidade e o valor fonemático do ditongo e o
grau de escolaridade do falante. Por exercer uma influência categórica, a estrutura profunda
do ditongo não pôde ser analisada em termos e peso relativo.
A variável tonicidade do ditongo foi selecionada como a que mais influencia a
aplicação da regra de monotongação de [ow]; as ocorrências foram separadas em três
grupos: a) ditongo em sílaba tônica, como em ‘açougue’; b) ditongo em sílaba derivada de
tônica, como em ‘açougueiro’; e c) ditongo em sílaba átona, como em ‘outono’. Os
resultados sugerem que em sílaba tônica, o ditongo [ow] está mais sujeito à monotongação
(0,56) do que em sílabas derivadas de tônica (0,26) ou em átonas (0,16). Segundo o autor,
esses resultados apontam uma certa polarização: “de um lado, as sílabas tônicas favorecem
a aplicação da regra, de outro, as não tônicas não desfavorecem” (p.82).
O fator valor fonemático do ditongo pressupõe a existência de dois tipos de ditongo:
um fonemático e outro não fonemático. O primeiro é aquele tipo de ditongo cuja redução à
vogal simples cria uma homonímia, como em ‘couro~coro’, observe-se que a forma
resultante da redução coincide com outra palavra já existente na língua, o substantivo
masculino ‘coro’. O segundo tipo de ditongo, dito não fonemático, pode ser reduzido sem
que disso resulte uma homonímia, como em ‘pouco~poco’. Os resultados indicam que os
ditongos fonemáticos são mais refratários à monotongação (0,40) do que os não
fonemáticos (0,52). A atuação aqui de uma força de natureza funcional, segundo a qual os
falantes evitam reduzir os ditongos fonemáticos para evitar ambigüidades, é questionada
pelo autor.
32
A variável grau de escolaridade do falante foi a última selecionada pelo programa
estatístico, de acordo com esse fator os informantes foram separados em três grupos: a)
aqueles que cursaram no máximo até a 5ª série do 1º grau; b) aqueles que cursaram até a 8ª
série do 1º grau; e c) aqueles que cursaram no mínimo até o 1º ano e no máximo até o 3º
ano do 2º grau. Os números indicam que os falantes com 2º grau reduzem menos o ditongo
[ow] (0,39) do que aqueles que estudaram só até a 5ª série (0,51); aqueles que têm até a 8ª
série apresentam um índice um pouco mais expressivo de redução do ditongo (0,58).
Tendo sido o grau de escolaridade do falante a única variável social selecionada na
análise do processo de redução do ditongo [ow], seria necessário, para compreender melhor
o que isso significa, discutir os resultados em função da origem da mudança sonora nos
termos que propõem Labov (1980) e Kroch (1976), mas a amostra que serviu de base à
pesquisa apresenta limitações quanto a isso porque – como reconhece o próprio autor – “A
principal dificuldade em utilizar os resultados para discutir essas duas propostas reside no
fato de que não há, no corpus do Projeto VARSUL, uma estratificação dos informantes em
termos de classe social. Portanto, não há como relacionar diretamente o fenômeno da
monotongação com a classe social dos falantes”.
A variável estrutura profunda do ditongo não pôde ser analisada em termos de peso
relativo porque apresentou um efeito categórico sobre a regra. De acordo com a atuação
deste fator, o autor mostra que de 3670 ocorrências de ditongo verdadeiro, 3622 (99%)
sofreram redução a [o]; e em 116 ocorrências de ditongo derivado, nenhuma (0%)
apresentou o fenômeno, o que significa, ainda segundo o autor, que os ditongos derivados
não sofrem redução quando a semivogal é resultado da vocalização da lateral pós-vocálica
[l]. Veremos posteriormente que tal afirmação é bastante discutível.
Silva (1997) estudou a monotongação dos ditongos orais [aj], [ej] e [ow] no
português falado na cidade de João Pessoa (PB), o método adotado segue os pressupostos
da Teoria da Variação, de acordo com Labov (1972), Cedergren & Sankoff (1974). A
população-alvo da pesquisa compreende falantes da cidade de João Pessoa que tenham
nascido nesta cidade ou nela residam desde os cinco anos de idade e que não tenham estado
fora dela por mais de dois anos.
33
A amostra utilizada faz parte do corpus do Projeto VALPB8, é composta por 60
(sessenta) entrevistas e é socialmente estratificada.
Embora o enfoque do trabalho seja, por assim dizer, sincrônico, a autora faz uma
análise diacrônica do fenômeno da monotongação desde o indo-europeu, passando pelo
latim, até o atual estágio do português falado no Brasil, especificamente em João Pessoa.
Foram levadas em consideração dez variáveis independentes, sendo sete lingüísticas
e três sociais: 1) contexto fonológico seguinte; b) valor fonemático do ditongo; c) posição
do elemento seguinte quanto à sílaba; d) vogal do ditongo; e) natureza morfológica,
tonicidade; f) contexto fonológico precedente; g) faixa etária; h) anos de escolarização e; j)
sexo.
A autora levantou um total de 12.590 dados, sendo 2738 ocorrências de [aj], 4902
de [ej] e 4967 de [ow]; desse total geral, 7242 (58%) sofreram o processo de
monotongação, e, dependendo da vogal do ditongo, diferentes foram as análises e as
variáveis selecionadas como relevantes para a aplicação da regra de monotongação. A
vogal [o] apresenta um efeito decisivo no sentido de favorecer o processo (.96), ao passo
que [a] (.03) e [e] (.22) atuam no sentido de inibi-lo.
Para o ditongo [ay] tem-se que de um total de 2738 ocorrências, apenas 209
apareceram monotongadas e 2529 não sofreram alteração.
O fator contexto fonológico seguinte atuou como determinante da aplicação ou não
aplicação da regra; de 209 casos em que houve monotongação, em 182 (91%) o elemento
seguinte corresponde à consoante fricativa palato-alveolar surda [S] em palavras como
‘caixa’, baixa’, em termos de peso relativo tem-se um índice de (.89).
A segunda variável social selecionada foi anos de escolarização, segundo a qual os
informantes foram divididos em cinco grupos: a) não-escolarizados (nenhum ano); b)
primário (1 a 4 anos); c) ginásio (5 a 8 anos); d) segundo grau (9 a 11 anos); e) universitário
(mais de 11 anos). Segundo a autora, quanto menor o nível de escolaridade, maior a
influência no sentido de favorecer a aplicação da regra, ou seja, os informantes não
escolarizados apresentaram o maior índice de monotongação (.85), ao passo que os de nível
universitário apresentaram índice bem menor (.35).
8 Variação Lingüística no Estado da Paraíba.
34
Os resultados mostram que a variável contexto fonológico precedente exerce
influência no sentido de favorecer a aplicação da regra quando se trata de: [k] (.90), de [f]
(.86) e [b] (.78); enquanto que a oclusiva surda [p] atua no sentido de contrário (.29). Nos
outros contextos, em palavras do tipo /mais/, /vai/, /raiva/, /gaita/, /sai/, /taipa/, etc., não
aconteceu nenhuma aplicação da regra.
De acordo com a variável tonicidade da sílaba as ocorrências foram separadas em
dois grupos: 1) o ditongo se encontra em sílaba tônica,como na palavra ‘baixo’ ou 2) em
sílaba pré-tônica, como na palavra ‘paixão’. Os resultados apontam uma forte tendência de
as sílabas pré-tônicas se comportarem como favorecedoras do processo de monotongação
(.93), ao passo que as tônicas parecem inibi-lo (.46).
Relativamente à variável sexo, os resultados a que chegou Silva (1997) na análise de
[aj] mostram que as mulheres aplicam mais a regra (.61) do que os homens (.37). Cabe aqui
um breve comentário: muitos autores, como Trudgill (1974), Laberge (1977), Guy (1981) e
Oliveira (1982) apud Silva (1997), afirmam que as mulheres usam bem mais a norma
padrão do que os homens. No caso da monotongação de [aj], embora se trate de uma norma
não padrão, as mulheres estão liderando a mudança, o que pode ser melhor entendido
quando se atenta para o fato de que – mesmo não padrão – a redução deste ditongo não é
uma forma estigmatizada e está presente nos mais diversos estratos sócio- econômicos da
comunidade em estudo.
O programa de análise estatística descartou as variáveis natureza morfológica, valor
fonemático do ditongo e faixa etária por não terem se mostrado relevantes para o fenômeno
de monotongação do ditongo [ay].
Para o ditongo [ej], foram selecionadas como relevantes as seguintes variáveis:
contexto fonológico seguinte, natureza morfológica do ditongo, escolaridade do falante,
tonicidade da sílaba e valor fonemático do ditongo.
De acordo com o fator contexto fonológico seguinte, foram consideradas as
seguintes possibilidades: tepe [|], fricativa palato-alveolar surda [S], fricativa palato-
alveolar sonora [Z], oclusiva velar [g], vogal baixa [a], consoante oclusiva [t] e vogal média
[o]. Os segmentos seguintes que mais influenciam a monotongação de [ej] são o tepe (.99),
como em ‘cadeira’; as fricativas palato-alveolares [S] (.93) e [Z] (.69), como em ‘deixo’ e
‘beijo’. As outras consoantes consideradas, assim como as vogais [a] e [o], comportaram-se
35
como inibidoras do processo. De onde se conclui que a redução de [ej] a [e] está
diretamente relacionada à presença do tepe (98%) e das fricativas palato-alveolares surda
(95%) e sonora (72%). A explicação da autora para este fato está de acordo com Paiva
(1996), para quem a monotongação de [ej] se deve à presença do traço [+alto] das palatais
que é compartilhado pela semivogal, o que implica um processo de assimilação cujo
resultado é a queda de [j]. No que diz respeito ao tepe, acontece algo semelhante ao que se
deu com as palatais, os traços [+soante] e [+contínuo] dessa vibrante se espraiam e são
assimilados pela semivogal, que cai.
Outra variável selecionada foi a natureza morfológica do ditongo, aqui foram
consideradas duas possibilidades: ou o ditongo está no radical ou no sufixo da palavra. Os
resultados apontam maior índice de aplicação da regra para o ditongo que faz parte do
radical (.70) do que para aquele que está no sufixo (.28). A autora pondera que esses
resultados, na verdade, se referem mais à influência do segmento seguinte do que ao fato de
o ditongo estar no radical, pois em palavras como ‘dinheiro’, ‘peixe’, ‘cadeira’, ‘beijo’é o
elemento seguinte que determina a monotongação de [ej].
A variável anos de escolarização foi a única variável social selecionada pelo
programa de análise estatística como favorecedora da monotongação de [ej]. Os falantes
com maior nível de escolaridade (universitários) são menos favoráveis ao fenômeno (.24)
do que aqueles com poucos ou nenhum ano de experiência escolar (.55). Cabem aqui as
mesmas observações feitas para a influência deste fator na análise do ditongo [aj].
Os resultados obtidos na análise da variável tonicidade da sílaba mostram que,
relativamente à monotongação de [ej], as sílabas tônicas são neutras (.48), ao passo que as
pré-tônicas são favoráveis (.67). A autora explica esse resultado à luz do princípio da
saliência fônica proposto por Naro e Lemle (1976). Nos estudos de Paiva (1996) e de
Cabreira (1996) esta variável se mostrou inoperante no processo em questão.
O valor fonemático do ditongo foi a última variável selecionada, e de acordo com os
resultados apresentados pode-se dizer que a monotongação de [ej] sofre influência desta
variável. De acordo com a autora, a chance de aplicação da regra é maior quando o ditongo
é fonemático (.80) do que quando ele é não fonemático (.49), mas esse resultado se deve à
superposição do contexto fonológico seguinte sobre esta variável.
36
As variáveis contexto fonológico precedente, faixa etária e sexo do informante
foram consideradas como irrelevantes para a simplificação do ditongo [ej].
Para o ditongo [ow] o VARBRUL selecionou as seguintes variáveis: tonicidade da
sílaba, contexto fonológico seguinte, contexto fonológico precedente e grau de
escolaridade do falante.
Quanto à variável tonicidade da sílaba, os resultados mostram que as sílabas tônicas
favorecem a monotongação de [ow] (.52), enquanto as pré-tônicas inibem esse processo
(.45). Neste caso, o princípio de saliência fônica não se sustenta. Guy (1986) apud Silva
(1997) afirma que os traços mais salientes são mais rapidamente apreendidos e por isso as
novas formas são introduzidas primeiro nestes contextos para só depois atingirem aqueles
que têm um nível de saliência fônica menor.
O contexto fonológico seguinte foi a segunda variável estrutural selecionada pelo
programa como relevante para a monotongação de [ow], os resultados, apontam os
seguintes dados: vogal baixa [a] (.64), consoante nasal [m] (.63), fricativa [s] (.49), oclusiva
[p] (.47), contexto zero [#] (.30) e fricativa [v] (.18). A autora informa que após a retirada
dos fatores categóricos e amálgama daqueles com freqüência muito próxima, obteve os
seguintes resultados: consoante nasal (.63) e vogal (.64) favorecem a aplicação da regra, ao
passo que fricativas (.49), laterais (.48) e oclusivas (.47) não interferem e contexto zero
(.30) parece inibir.
A variável contexto fonológico precedente, igualmente ao que ocorreu com a
variável contexto fonológico seguinte, só pôde ser analisada em termos de peso relativo
porque as freqüências obtidas eram muito elevadas, o que indica o comportamento quase
categórico do ditongo [ow], que se reduz, independentemente de qualquer contexto. Assim,
obtiveram-se os seguintes resultados em termos de elemento precedente: vibrante (.71),
vogal baixa (.67) e nasal (.57) parecem favorecer o processo, ao passo que fricativas (.47),
oclusivas (.48), lateral (.35) e vogal posterior (.05) parecem desfavorecê-lo.
A variável anos de escolarização foi a única selecionada, dentre as variáveis
sociais, como relevante para a monotongação de [ow]. Aqui também, assim como na
análise dos ditongos [aj] e [ej], os resultados indicam que quanto maior o nível de
escolaridade, menor o índice de aplicação da regra, ou seja, os informantes com nenhum
ano de escolarização monotongam bem mais (.66) do que aqueles com escolaridade entre o
37
primário e o segundo grau (.48) ou com nível universitário (.26). A autora diz que esses
resultados podem dever-se ao ‘prestígio’ atribuído pela escola ao uso da forma padrão,
logo, falantes que têm ou tiveram maior contato com a forma de prestígio a privilegiam em
detrimento da forma não padrão. Resultados parecidos foram obtidos por Bisol (1994),
Paiva (1996) e Cabreira (1996).
As variáveis valor fonemático do ditongo, sexo, faixa etária e natureza morfológica
foram consideradas irrelevantes pelo programa de análise estatística para a monotongação
do ditongo [ow].
Mollica (1998) analisou o processo de monotongação dos ditongos [ey] e [ow] em
alunos de três escolas do Rio de Janeiro, duas públicas e uma particular. Esta pesquisa
pretendia verificar: a) “se a realização de uma orientação clara e direcionada no
ensino/aprendizagem da escrita reduz a ocorrência da monotongação nessa modalidade; b)
em que etapa do ciclo escolar tal estratégia é mais eficaz; c) a necessidade de se elaborar
material didático específico para sanear problemas afetos à língua escrita na escola para
este e outros fenômenos” (p.54).
Para avaliar o processo de monotongação na escrita de acordo com a variável
escolaridade, os alunos foram separados inicialmente em cinco níveis: CA (alfabetização),
1ª série, 2ª série, 3ª série e 4ª série; depois cada um desses níveis foi subdividido em dois
grupos: um que recebeu orientações explícitas a respeito das regras de monotongação na
fala9 e outro que não as receberam.
O teste consistiu em apresentar às crianças gravuras correspondentes a alguns
vocábulos que continham os ditongos [ey] e [ow] em contextos favoráveis à monotongação,
tais como, peixe, queijo, feijão,cadeira, merendeira, manteiga, tesoura, ouvido, touca, etc.
e ao lado das quais se deveria escrever o nome respectivo.
A autora concluiu, entre outras coisas, que os grupos que receberam instrução sobre
a possível interferência da fala na escrita apresentaram um índice menor de monotongação,
de onde se pode supor “... que a consciência explícita por parte do falante acerca da relação
fala/escrita concorre para melhorar o desempenho no processo de alfabetização” (p.79);
9 “Estabeleceu-se que para uma das turmas, o pesquisador explicitaria que, na língua oral, muitas vezes deixamos de pronunciar determinados sons que não chegam a causar danos na comunicação. Todavia, é indispensável saber que devemos representar esses sons em forma de grafemas na língua escrita de acordo com as normas ortográficas vigentes” (p.56).
38
turmas de alfabetização e de 1ª série não são sensíveis a um comando explícito sobre a
influência da fala na escrita, é só a partir da 2ª série que os alunos começam a entender as
diferenças entre uma e outra forma de expressão; a tendência à monotongação se dá em
menor grau nas crianças de sexo feminino, embora na 1ª e na 3ª séries os meninos tenham
apresentado menos casos de tal processo. Essa diferença, ressalta a autora, se manifestou
mais em turmas cujo nível sócio-econômico era mais baixo.
Analisando [ey] e [ow] separadamente, observou-se que a monotongação de [ow] é
mais difícil de ser corrigida na escrita, a autora chama atenção para o fato de que “Quanto
mais afetada na fala a mudança, maior resistência à instrução, aplicada como estratégia
pedagógica em sala de aula no processo de letramento” (p.80). Daí, a necessidade premente
de os professores de Português, sobretudo aqueles que atuam nas séries iniciais, tomarem
conhecimento das pesquisas sociolingüísticas – especialmente as que tratam da relação
entre o fenômeno da variação e a aquisição da escrita − e aliarem a essas informações
conhecimento adequado sobre os processos cognitivos do aluno para poderem fazer uma
intervenção didática mais eficaz porque orientada e dirigida.
Araújo (1999) estudou a alternância entre [ej]e [e] no português falado na cidade de
Caxias, no Maranhão. Aqui também a perspectiva é sincrônica e a metodologia se baseia
nos pressupostos da Teoria da Variação (Labov, 1972, 1994; Sankoff, G. 1982; Sankoff, D.
1988; e outros) apud Araújo (op. cit).
A população-alvo desta pesquisa compreendeu falantes de português nascidos em
Caxias, com idade entre 15 e 25 anos ou mais de cinqüenta anos, escolarizados ou não, que
aí tenham chegado até os cinco anos de idade, tenham vivido a maior parte de sua vida
nesta cidade e não tenham realizado muitas viagens para fora. Os dados que serviram de
corpus ao trabalho provêm de gravações de amostras de fala desses informantes
previamente selecionados e estratificados, trata-se de 24 entrevistas sociolingüísticas de
aproximadamente 30 minutos cada uma. A estratificação foi feita com base no sexo, no
grau de instrução e na idade dos falantes.
A autora trabalhou com um total de 1.305 dados que foram submetidos à análise
estatística de programas do pacote VARBRUL.
O presente trabalho tinha por objetivo principal responder a três indagações: a) que
fatores lingüísticos e extralingüísticos se correlacionam com a aplicação da regra de
39
monotongação no dialeto em estudo; b) de que forma este fenômeno vem se
implementando na língua, se via difusão lexical ou de modo regular, como queriam os
neogramáticos; c) que modelo fonológico melhor explica o fenômeno em questão.
As variáveis lingüísticas controladas foram as seguintes: contexto fônico
precedente, segmento seguinte, sonoridade do elemento seguinte, posição do ditongo,
tonicidade da sílaba, dimensão do item lexical e velocidade da fala.
As variáveis extralingüísticas levadas em conta são as mesmas da estratificação
(idade, escolaridade e sexo) mais a classe social do falante. Com respeito à idade, os
informantes foram divididos em dois grupos: a) de 15 a 25 anos e b) com mais de 50 anos;
quanto ao fator escolaridade, os informantes foram classificados também em dois grupos:
a) aqueles que tinham de 9 a 11 anos de escola e b) aqueles que nunca freqüentaram escola
(não-escolarizados). Em termos de classe social, os informantes foram divididos em três
grupos: a) classe social baixa (renda de até cinco salários mínimos); b) classe social média-
baixa (renda entre seis e dez salários mínimos); c) classe média-alta | (renda de mais entre
doze e dezesseis salários mínimos).
A análise estatística dos dados considerou relevantes para o processo de
monotongação os seguintes fatores, em ordem de importância: segmento seguinte, a
velocidade da fala, a escolaridade, a tonicidade da sílaba e a idade do informante.
A respeito da variável segmento seguinte, foram consideradas seis possibilidades:
tepe [|], vogal baixa [a], oclusiva velar sonora [g], fricativa palato-alveolar surda [S],
fricativa palato-alveolar sonora [Z] e consoante nasal [n]. Os dados apontam maior
incidência de monotongação diante de tepe [|] (.85) e de vogal central baixa [a] (.61), em
palavras como ‘feira’ e ‘cadeira’, ‘meia’ e ‘feia’, respectivamente; enquanto que um baixo
índice desse fenômeno se manifesta diante de [n] (.12) e de [Z] (.18), em palavras como
‘treino’ e ‘feijão’. Diante dos segmentos [S] (.46) e [g] (.47) o índice de monotongação é
intermediário. A autora chama atenção para o fato de que o segmento tepe [|] é o que
concentra o maior número de ocorrências, quase a metade de todo o corpus, o que, segundo
Veado (1983, p.214), faz “...suspeitar que o fenômeno de simplificação do ditongo /ej/
tenha se originado diante deste segmento e não diante de [S] ou de [Z], conforme
mencionado por Lemle (1978 p. 69).
40
3. METODOLOGIA Neste trabalho, a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ está sendo estudada de
acordo com os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista (v.
Labov, 1976; Cedergren & Sankoff, 1974). Aceitar como válidos tais pressupostos implica,
num plano mais teórico, reconhecer que existem processos de variação e de mudança
lingüística que se devem a pressões de natureza social; em termos práticos, implica
pesquisar e descrever o tipo de correlação entre variantes lingüísticas e categorias sociais.
Supondo de um lado um conjunto de variáveis lingüísticas que a análise dos dados
permite postular, e de outro lado, um conjunto de variáveis sociais que uma teoria
sociológica permite depreender, o pesquisador precisa descobrir quais são as relações
existentes entre estes dois conjuntos de variáveis. É preciso tomar cuidado com a tendência
a associar mecanicamente fatores do primeiro conjunto a elementos do segundo porque em
grupos socialmente complexos as relações entre esses dois conjuntos não são biunívocas,
ou seja, a utilização de uma determinada variante fonética por um falante, por exemplo, não
se encontra necessariamente em ‘distribuição complementar’ com certas características
sociais suas.
Assim, para a pesquisa sociolingüística, a pressuposição do caráter social da
linguagem não é sinônimo nem mera repetição da constatação saussuriana do uso
plurindividual da língua; aqui, além de reconhecer a língua como um ‘fato social’, assume-
se, a conseqüência prática dessa atitude: o modelo sociolingüístico toma como seu objeto
de estudo a própria variação lingüística. Para um aprendiz de lingüista é uma atitude difícil
de assumir porque implica, para além do convite sedutor à tolerância, o exercício contínuo
de superação dos próprios preconceitos, assim como o desnudamento completo das velhas e
arraigadas opiniões, dos pré-julgamentos sobre o outro e das generalizações apressadas e
pouco criteriosas, pois como o próprio Labov lembra, “Uma postura teórica pode vir a ser
um estilo de vida. Refinar a estrutura complicada de suas próprias idéias, se perguntar como
se falaria num mundo imaginário onde seu próprio dialeto fosse a única realidade ...(Labov,
Language in the Inner City, p. 292)”. Some-se a isso o esforço, sempre necessário, para não
fazer de uma opção metodológica uma perigosa profissão de fé.
41
3.1. Delimitação da problemática
A presente análise se refere aos casos em que é variável a realização dos ditongos
/ow/ e /ej/ na fala de informantes da cidade de Altamira –Pa. Trata-se do que mais
comumente tem se chamado na literatura específica de monotongação, ou redução de
ditongos, em situações do tipo: cadera ~ cadeira, pexe ~ peixe, dexa ~ deixa, dinhero ~
dinheiro; otra ~ outra, loca ~ louca, loça ~ louça, poca ~ pouca, oro ~ ouro.
Tentar-se-á determinar precisamente em que ambientes os referidos ditongos são
passíveis de redução e que fatores, sociais e lingüísticos, estão relacionados com o maior ou
menor índice de alternância entre o ditongo mantido e a vogal simples resultante da
monotongação. Por serem de natureza e comportamento muito diferentes cada ditongo será
tratado especificamente.
Por questões práticas e metodológicas optou-se por um enfoque eminentemente
sincrônico, o que não exclui a possível intervenção de referências de ordem histórica no
corpo do trabalho quando estas forem necessárias ou inevitáveis. Pode-se dizer o mesmo
para as eventuais incursões qualitativas exigidas por alguns dados numericamente
insuficientes para a análise quantitativa.
Sem perder de vista as possíveis limitações a que está sujeito este estudo, tanto
aquelas impostas pela sua própria natureza, quanto outras que poderiam ter sido corrigidas
e por algum motivo não o foram, esperamos apresentar um quadro bastante aproximado do
comportamento oscilante dos ditongos /ow/ e /ej/ no estágio atual da língua portuguesa
falada na cidade de Altamira.
3.1.1. Objetivos
Geral
Esta pesquisa sobre a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ na fala da cidade
de Altamira-Pa pretende ser a primeira de uma série de investigações que tem por objetivo
mais amplo constituir um observatório da variação lingüística na região da Transamazônica
e Xingu, em consonância com o projeto maior em que está inserida - o Atlas Geo-
42
Sociolingüístico do Estado do Pará10. Espera-se que as descrições sobre o português da
Amazônia realizadas por este projeto possam ser úteis para um melhor e mais sistemático
conhecimento das diferentes e múltiplas realidades lingüísticas vivenciadas pelos falantes
do português brasileiro.
Específicos
a) descrever e analisar a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ na fala de
Altamira;
b) verificar que fatores lingüísticos influenciam e/ou determinam a redução dos
referidos ditongos;
c) investigar se há relação entre certas características sociais dos informantes e a
aplicação da regra de monotongação;
d) observar se a tendência dos dados analisados aponta a monotongação como um
caso de variação estável ou se indica uma mudança em curso;
e) mapear os resultados obtidos em Altamira juntamente como os resultados de
outras áreas dialetais no Brasil.
3.1.2. Hipóteses
A idéia que motivou a escolha da presente problemática está relacionada à nossa
percepção de que na fala casual, corrente e espontânea, a monotongação – nos casos em
que ela é passível de ocorrer − acontece muito mais do que a ditongação. A análise
exploratória dos dados confirmou esta suposição inicial, e mais, apontou a vogal simples
resultante da redução como sendo a regra e o ditongo conservado a exceção. Tentando
entender e explicar essa tendência, aventamos as seguintes hipóteses:
a) a monotongação está relacionada a uma necessidade de simplificação da sílaba,
visto que em português o padrão silábico é CV;
b) a variação entre [ow] ~ [o] e entre [ej] ~ [e] é influenciada por fatores
eminentemente estruturais;
10 RAZKY, Abdelhak. O Atlas Geo-sociolingüístico do Pará: abordagem metodológica. IN: AGUILERA, Vanderci de Andrade. A Geolingüística no Brasil: Caminhos e Perspectivas. Londrina, 1998. pp. 155-164.
43
c) o fator lingüístico mais decisivo para a monotongação do ditongo /ej/ é o
segmento fonético imediatamente seguinte;
d) os ambientes fonéticos favorecedores da redução de /ej/ são mais limitados do
que os de /ow/, que praticamente não encontra restrições quanto a este aspecto;
e) a única variável não estrutural relacionada à ocorrência da monotongação parece
ser o nível de escolaridade do informante.
3.2. População alvo da pesquisa
A população alvo desta pesquisa compreende falantes de português com idade entre
15 e 70 anos, nascidos em Altamira ou que aí tenham chegado até 5 ou 6 anos de idade e
que não tenham saído da cidade por mais de dois anos, sobretudo quando adolescentes. A
opção pela localidade deve-se, sobretudo, ao fato de a mesma estar incluída entre as dez
zonas urbanas11 escolhidas como pontos de inquérito para o Atlas Geo-Sociolingüístico do
Pará (ALIPA).
3.2.1. Localização geográfica
O município de Altamira está situado no oeste do Pará, a 512 km de Belém em linha
reta, ou 820 km por via rodoviária; limita-se ao norte com o município de Vitória do Xingu,
ao sul com o estado do Mato Grosso, a leste com os municípios de Senador José Porfírio e
São Félix do Xingu e a oeste com os municípios à margem da rodovia Transamazônica,
sentido Altamira/Itaituba (Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, etc.). Conforme o mapa 1*
abaixo:
11 As outras nove cidades são: Itaituba, Marabá, Conceição do Araguaia, Santarém, Cametá, Breves, Bragança, Abaetetuba e Belém.
44
Mapa 1
* Este mapa foi gentilmente cedido pelo Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET).
Com uma superfície de 160.755 km², Altamira é considerada um dos maiores
municípios do mundo em extensão territorial. Sua população está estimada em 77.401
habitantes; deste total, 41.272 são homens e 36.129 são mulheres; 62.265 estão na área
urbana e 15.136 estão na área rural.12
3.2.2. Breve histórico da cidade
Foi a lei estadual nº 1.234, de 06 de novembro de 1911, que elevou Altamira à
condição de município, antes era uma vila e fazia parte do município de Souzel. Sua
história foi marcada pela extração da borracha e, depois do declínio dessa atividade, pela
exploração do garimpo. Porém, o grande ‘divisor de águas’ na vida da região foi a abertura
da ‘Rodovia da Integração Nacional’, a famosa Transamazônica, no início da década de 70;
a partir desse momento, muitas mudanças – umas mais lentas, outras mais radicais −
aconteceriam, alterando substancialmente diversos aspectos da vida da cidade, inclusive sua
identidade lingüística.
12 De acordo com dados do IBGE, Censo 2000.
45
Os ‘colonos’, como eram chamadas as pessoas trazidas aquando da abertura da
Transamazônica, foram assentados ao longo da rodovia em terrenos loteados pelo INCRA.
A falta de assistência técnica adequada e regular para os agricultores recém chegados, a
ausência de uma política de incentivo à agricultura, a precariedade na assistência à saúde e
à educação, somadas às dificuldades de locomoção por causa do estado de semi-
intrafegabilidade da rodovia, cujo projeto de pavimentação foi abandonado, não demoraram
a denunciar a falência do projeto de colonização oficial, e as conseqüências negativas desse
empreendimento logo se fizeram sentir no núcleo urbano que não estava preparado para
absorver tamanho contingente populacional.
Crescimento desordenado, desemprego, aumento do índice de violência, falta de
perspectiva pessoal e profissional para a juventude, entre outros, são talvez os problemas
mais graves que atingem o município de Altamira, embora não sejam uma particularidade
sua, visto que são em grande medida reflexo de um problema estrutural do modelo
socioeconômico da sociedade brasileira, chamam atenção por causa da negligência e da
omissão com que são tratados pelo poder público, face ao inegável potencial econômico da
região e a possibilidades reais, embora não imediatas, demonstradas por outras cidades de
história similar, de responder a esses problemas de maneira socialmente responsável, sem
abrir mão do desenvolvimento econômico.
3.2.3. Economia e infraestrutura
A economia é movimentada basicamente pela agropecuária e pelo comércio. A
atividade industrial – com exceção da indústria madeireira − não é muito expressiva e o
turismo, embora promissor, ainda não mereceu atenção e investimento adequados. Em
termos de infra-estrutura, a cidade conta com três hospitais, seis agências bancárias, um
aeroporto, uma estação rodoviária; o transporte coletivo é bastante precário, existem apenas
duas linhas de ônibus para um contingente populacional de aproximadamente 62.000
pessoas.
46
3.3. Amostra
O corpus utilizado no presente trabalho faz parte do banco de dados do projeto
ALIPA13, que estuda a variação lingüística no Pará e tem por objetivo elaborar o atlas
lingüístico deste estado (v. Razky, 1998). Em cada um dos dez pontos urbanos de inquérito
foram entrevistados 42 informantes socialmente estratificados, cada informante forneceu
uma narrativa com duração média de trinta minutos. O processo de amostragem segue o
método da amostra estratificada aleatória e na estratificação foram observadas as seguintes
características sociais dos informantes: sexo, escolaridade, faixa etária e renda, distribuídas
como segue:
Sexo:
F – feminino
M – masculino
Escolaridade:
1 – não escolarizado
2 – ensino fundamental
3 – ensino médio
Faixa etária:
A – entre 15 e 25 anos
B – entre 26 e 45 anos
C – entre 46 e 70 anos
Renda:
b − baixa
m − média
Houve problemas também na composição da amostra quanto ao informante A1m
(de 15 a 25 anos, sem escolarização e de renda média, tanto masculino quanto feminino),
este tipo social não foi encontrado em Altamira, ficando a amostra com apenas 40
informantes ao invés de 42. Acreditamos que a não localização deste tipo de informante
pode estar relacionada ao fato de que na cidade em questão, especialmente na área urbana –
onde a pesquisa foi realizada, os jovens oriundos de famílias de renda média/alta ou estão
13 Atlas Geo-Sociolingüístico do Estado do Pará.
47
na escola ou passaram por ela durante o período de escolarização básica, não podendo,
pois, serem considerados como não escolarizados.
Pelo esquema abaixo é possível visualizar a estratificação da amostra usada neste
trabalho:
Plano da amostra.
b m1 0
b m1 2
b m1 1
A
1 2 3
b m1 1
b m1 1
b m1 2
B
1 2 3
b m1 2
b m1 1
b m1 1
C
1 2 3
F
b m1 0
b m1 2
b m1 0
A
1 2 3
b m1 1
b m1 1
b m1 2
B
1 2 3
b m1 2
b m1 0
b m1 1
C
1 2 3
M
48
Deve-se ler:
FM Sexo: F, Feminino; M, Masculino
A B C Faixa Etária: A, de 15 a 25 anos; B, de 26 a 45 anos; C, de 45 a 70 anos
1 2 3 Escolaridade: 1, Não escolarizado; 2, Ensino Fundamental,3, Ensino médio.
b m b m b m Renda: b, baixa; m, média
x x x x x x Número de informantes
3.4. Coleta de dados
O trabalho de campo foi realizado de acordo com os pressupostos da metodologia
sociolingüística de pesquisa (v. Labov, 1976). Antes da gravação, os informantes
responderam uma ficha social de identificação (v. anexo) e os pesquisadores tentavam
minimizar o constrangimento da presença do gravador para que o entrevistado pudesse falar
o mais naturalmente possível, razão pela qual as questões não foram previamente
formuladas. Com os informantes mais velhos, indagava-se sobre o passado histórico da
cidade, sobre as mudanças provocadas pela abertura da Transamazônica, sobre o passado
pessoal, criação dos filhos, casamento, doenças, festas, etc.; com os mais jovens, a conversa
girava em torno de experiências pessoais, vida escolar, namoro, diversão, violência,
política, etc. Evitou-se a todo custo comentar o objetivo lingüístico da pesquisa.
As entrevistas têm uma duração média de 25 a 30 minutos, foram gravadas em fita
K7 tamanho normal e, depois de digitalizadas, reproduzidas em CD. Devido à dificuldade
de conseguir um lugar acusticamente adequado e às limitações técnicas do equipamento
utilizado para fazer as gravações, algumas delas apresentam ruídos, mas isso não chegou a
comprometer a qualidade dos dados, pois estes passaram por um tratamento de
compactação e limpeza antes de serem digitalizados.14
14 Estes dados estarão disponíveis na internet no seguinte endereço: www.ufpa.br/alipa.
49
A coleta de dados se deu em dois momentos, o primeiro, nos meses de julho e
agosto, e o segundo, em dezembro de 2000. A pesquisa de campo foi realizada pela autora
deste trabalho e por mais duas moradoras da cidade.15
3.5. Levantamento, triagem e análise de dados
Para fazer o levantamento dos dados procedeu-se à escuta das narrativas e depois à
transcrição fonética de todas as ocorrências dos ditongos [ow] e [ej]. Num primeiro
momento, transcreveu-se a frase em que estava a palavra com o ditongo para observar se a
alternância entre este e a vogal simples resultante da monotongação sofria alguma
influência do contexto frasal, mas as primeiras análises invalidaram esta hipótese para a
ampla maioria dos casos, passou-se então a transcrever somente a unidade léxica do
ditongo, quando este ocorria no início da palavra transcrevia-se também a palavra anterior,
se ocorria em contexto final, transcrevia-se a palavra imediatamente seguinte. Deste
processo de levantamento resultaram 2861 dados, sendo 1405 de /ow/ e 1456 de /ej/.
O primeiro procedimento na triagem foi separar os dados tomando como base o tipo
de ditongo. Estudos anteriores apontam diferenças profundas entre os ditongos [ow] e [ej],
sobretudo no que diz respeito à natureza dos condicionamentos fonéticos a que estão
sujeitos, e sugerem análises diferenciadas para cada um desses ditongos; a seguir, foram
isolados os casos em que a conservação do ditongo é categórica. No conjunto dos dados em
que houve variação, os casos numericamente insuficientes para a análise quantitativa foram
separados e mereceram um tratamento qualitativo.
Para a análise probabilística usou-se o pacote VARBRUL (Pintizuk, 1988), que
calcula e determina matematicamente a freqüência e o peso relativo das variáveis
lingüísticas e sociais que atuam, favorecendo ou inibindo, na aplicação de uma determinada
regra lingüística.
15 Ilce Cabreira e Helaine Martins.
50
3.6. Definição das variáveis
3.6.1. Variável dependente
A variável dependente examinada neste trabalho é o apagamento das semivogais
[w] e [j] nos ditongos orais [ow] e [ej] respectivamente, processo que os reduz a vogais
simples, ou monotongos; é, portanto, a monotongação destes ditongos que estamos
considerando como aplicação da regra. Vejam-se alguns exemplos: tesouro ~ tesoro, pouco
~ poco, outro ~ outro, andou ~ ando, lavoura ~ lavora; peixe ~ pexe, cadeira ~ cadera,
feijão ~ fejão, dinheiro ~ dinhero, deixo ~ dexo.
2.6.2. Variáveis independentes
Foram controladas doze variáveis independentes, sendo oito estruturais e quatro
sociais. O conjunto das variáveis lingüísticas compõe-se dos seguintes grupos de fatores:
classe morfológica do vocábulo em que ocorre o ditongo, posição do ditongo no vocábulo,
natureza morfológica, tonicidade, contexto fonético seguinte, contexto fonético precedente,
tipo de vocábulo e status fonológico do ditongo. Quanto às variáveis sociais, foram
mantidos os mesmos critérios considerados na amostra: sexo, faixa etária, escolaridade e
renda.
3.6.2. Variáveis lingüísticas
a) Classe morfológica
Esta variável foi considerada para observar se a ocorrência da monotongação estaria
condicionada à classe morfológica da palavra em que se encontra o ditongo. Assim, foram
examinadas as seguintes possibilidades:
Classes Ditongo [ow] Ditongo [ej]
Substantivo: louça, roupa peixe, cadeira
Verbo: trouxe, cantou deixo, peguei
Adjetivo: louco, rouco feia, cheia
Numeral: ----------------- primeiro, terceiro
Advérbio: pouco meio
Pronome: outro, pouco -----------------
51
b) Posição do ditongo no vocábulo
Este item se refere à localização do ditongo dentro do vocábulo. Foram
consideradas três possibilidades:
Posição Ditongo [ow] Ditongo [ej]
Inicial: ouve, outro ----------------
Medial: lavoura, tesouro dinheiro, cadeira
Final: falou, chegou sei, falei
c) Tonicidade
O controle desta variável buscou verificar se a aplicação da regra de monotongação
sofre alguma influência do acento da sílaba em que ocorre o ditongo. Aqui, as palavras
foram separadas em dois grupos de acordo com o tipo de sílaba do ditongo:
Tipo de sílaba Ditongo [ow] Ditongo [ej]
Tônica trouxa dinheiro
Átona roubado deixava
d) Localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra
Esta variável diz respeito ao tipo de morfema em que ocorre o ditongo.
Consideramos duas possibilidades, ou o ditongo está na base da palavra ou no afixo, mais
precisamente no sufixo – no caso dos nomes, e na desinência – no caso dos verbos:
Tipo de morfema Ditongo [ow] Ditongo [ej]
Base roupa madeira
Afixo falou marceneiro
e) Contexto fonético seguinte
Refere-se à natureza do elemento imediatamente seguinte ao ditongo. Aqui
buscávamos observar que segmentos estão relacionados à aplicação da regra de
monotongação; o critério considerado para agrupar os segmentos foi o ponto de articulação:
Segmentos Ditongo [ow] Ditongo [ej]
Bilabiais roupa queima
Labiodentais louva ------------
52
Dentais outro jeito
Alveolares pouso, ouro dinheiro
Palatais trouxa peixe, beijo
Velares pouco ------------
Vogais vou aí aldeia
Pausa levou eu cheguei
f) Contexto fonético precedente
Este fator se refere ao tipo de segmento que vem imediatamente antes do ditongo.
Neste caso, tentamos verificar se o contexto anterior ao ditongo tem alguma influência
sobre a sua redução; aqui o critério considerado também foi o ponto de articulação dos
segmentos:
Segmentos Ditongo [ow] Ditongo [ej]
Bilabiais poupança peixe
Labiodentais vou veio
Dentais doutor deixo
Alveolares melhorou seis
Palatais achou achei
Velares pagou peguei
Vogais da outra ---------
Pausa ouvimos ---------
g) Natureza de origem/uso do vocábulo
Ao controlar esta variável buscávamos saber se a natureza da origem de uma
palavra, i.e., o fato de ela ter se originado em um domínio considerado ‘erudito’ ou
específico, ou de ter seu uso restrito ou estritamente relacionado a este domínio, estava
relacionada a um maior índice de conservação do ditongo. Supúnhamos que palavras desse
tipo estivessem menos sujeitas à monotongação do que aquelas de origem e uso mais
gerais, ou por assim dizer, ‘populares’; para testar essa hipótese separamos as palavras em
53
comuns e específicas. Assim, palavras como dinheiro e roupa foram consideradas comuns,
ao passo que Queiroz e olvidar foram consideradas específicas/eruditas.
h) Status fonológico do ditongo
Pretendíamos, observando esta variável, verificar se a aplicação da regra de
monotongação estava associada a algum condicionamento de natureza funcional, se o
falante deixava de aplicar a regra – mesmo em contextos onde a redução era muito provável
− para evitar ambigüidades. Assim, as palavras foram separadas em dois grupos, conforme
a monotongação fosse fonológica ou apenas fonética.
3.6.3. Variáveis sociais
Estas variáveis dizem respeito às características sociais dos informantes e são as
mesmas observadas na amostra: sexo, idade, escolaridade e renda.
a) Sexo
Considerando-se que uma boa parcela de estudos em Sociolingüística aponta as
mulheres como mais conservadoras em relação ao uso da forma considerada padrão, mas
considerando também que em alguns casos particulares são elas que lideram processos de
mudança, observaremos que tendência sugere o comportamento feminino e – por extensão
− o masculino, relativamente ao fenômeno da monotongação na comunidade alvo desta
pesquisa. Assim, os informantes foram separados em dois grupos:
F: feminino
M: masculino
b) Idade
Esta variável foi controlada para verificar se o processo de monotongação se
apresenta como um caso de variação estável ou de mudança em progresso. Foram
estabelecidos três grupos etários:
A: de 15 a 25 anos
B: de 26 a 45 anos
C: de 46 a 70 anos
c) Escolaridade
A maioria das pesquisas na área da variação lingüística tem apontado a influência
deste fator favorecendo o uso da forma padrão. Para observarmos se isto se confirma para a
54
variedade de fala sob investigação, os informantes foram separados de acordo com os
seguintes níveis de escolarização:
1: não escolarizado
2: ensino fundamental
3: ensino médio
d) Renda
Não deixamos de reconhecer o simplismo implicado na tentativa de estabelecer
categorias sociais a partir de critérios meramente econômicos, assim como estamos
conscientes dos riscos que podem advir da divisão mecânica de uma população social e
economicamente complexa em apenas dois grupos de renda, como se houvesse uma linha
divisória nítida e indiscutível a separar a classe dominante da classe trabalhadora, para
usar o jargão marxista. Sabemos que mais do que uma relação de antagonismo entre os
grupos econômicos existe uma relação marcada por uma certa continuidade no espaço
social em que esses grupos interagem, mas dada a extrema complexidade dessas relações,
em que entram também muitos fatores subjetivos difíceis de definir, decidimos operar um
recorte metodológico baseado em um fator que– apesar de redutor − pode ser considerado
um indicador objetivo para situar o indivíduo na organização socioeconômica da
comunidade. Assim, os informantes foram separados em dois estratos, de acordo com a
renda:
b: renda baixa
m: renda média
O projeto ALIPA, a que esta pesquisa está ligada, estabelecera previamente um
certo valor econômico como limite para determinar o tipo de renda do informante, mas os
pesquisadores foram alertados para a necessidade de se levar em conta outros critérios
quando este não fosse suficientemente funcional. Dessa forma, para o caso de Altamira
foram considerados, além do valor econômico estipulado (menos de 5 salários mínimos
para renda baixa e mais de 5 salários mínimos para renda média), outros aspectos: tipo de
moradia, posse ou não de automóvel, de aparelhos eletro-eletrônicos, de terras, etc. No caso
de informantes não economicamente ativos levou-se em conta a renda familiar, além dos
aspectos comentados mais acima.
55
4. INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ESTATÍSTICOS
Neste capítulo, apresentamos uma proposta de interpretação dos resultados obtidos
na análise probabilística do processo de redução dos ditongos /ow/ e /ej/. Inicialmente,
discutimos os resultados referentes às variáveis lingüísticas, a seguir nos ocupamos
daqueles referentes às variáveis sociais e, por último, apresentamos as variáveis que, por
não terem apresentado relevância para a aplicação da regra de monotongação, foram
descartadas pelo programa estatístico.
As tabelas indicam a freqüência e a probabilidade de monotongação relativamente a
cada um dos fatores analisados.
Ditongação x Monotongação
Antes de apresentarmos os resultados propriamente ditos, faz-se necessário observar
a tendência apontada pelos dados no que concerne à realização mesma do fenômeno sob
análise, o gráfico 1 mostra isso:
Gráfico 1
Realização variável dos ditongos /ow/ e /ey/
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Diotngo /ow/ Forma redeuzida/o/
Ditongo /ey/ Forma reduzida/e/
56
Vê-se que, quanto ao ditongo /ow/, a realização dominante no corpus estudado é a
forma reduzida [o] com 95% de freqüência, sendo muito baixo o índice de uso do ditongo
conservado, [ow], que aparece em apenas 5% dos casos. Excetuando-se os casos em que a
manutenção do ditongo é categórica, a freqüência de monotongação sobe para 99% −
resultado bastante afim aos de Paiva (1996), para quem a redução de [ow] a [o] é uma
mudança concluída e implementada no sistema, não obstante algumas restrições de
natureza lexical.
Quanto ao ditongo /ej/, os dados mostram uma tendência relativamente diferenciada
daquela apontada para /ow/16; vê-se aqui um relativo equilíbrio entre a manutenção do
ditongo e a sua redução. De um total de 1456 dados, houve apagamento da semivogal em
782 casos (54%) e em 674 (46%) a semivogal foi mantida.
Diferentemente do que se observou para o ditongo /ow/, vê-se que – de uma forma
geral − os dados de /ej/ estão mais bem distribuídos entre as duas possibilidades de
realização: com ou sem a semivogal. Este índice expressivo de não aplicação da regra de
monotongação (46%) na amostra analisada confirma uma de nossas hipóteses iniciais,
segundo a qual os contextos fonéticos prováveis para a redução de /ej/ são bem mais
específicos do que para a redução de /ow/, e está de acordo com os resultados apresentados
em outros trabalhos sobre este fenômeno (v. Revisão Bibliográfica). Se, porém, levarmos
em consideração apenas os casos em que este ditongo é passível de redução, isolando
aqueles em que ele sempre se realiza com a semivogal, os resultados sofrem uma alteração
profunda, ficando muito próximos daqueles observados para o ditongo /ow/.
Passemos, então, aos resultados referentes à atuação das variáveis lingüísticas.
16 O fato de a redução do ditongo /ow/ ser bem mais estendida do que a do ditongo /ej/ também foi verificado
no português europeu, como se pode perceber pela avaliação de Cintra a respeito de um mapa das áreas de
extensão das formas reduzidas destes dois ditongos: “Quanto ao ditongo ou, indica-nos [o mapa] que a
monotongação do ditongo de elementos velares − a única das duas que penetrou na linguagem padrão − se
estende, para além da zona indicada para a redução de ei a e, pelo resto da Beira Baixa e do Ribatejo, por
grande parte da Beira Alta (...) e pela Beira Litoral” (Cintra, 1995, p.40).
57
4.1. .Variáveis Lingüísticas
DITONGO /OW/
Vimos há pouco que na amostra de fala considerada a monotongação de /ow/
praticamente não encontra ambientes bloqueadores, apresentando-se como um fenômeno
bastante difundido. Se aceitarmos essa amostra como uma projeção da variedade lingüística
da comunidade em estudo, podemos considerar − estatisticamente − a forma reduzida [o]
(99%) como a variante optimal e o ditongo mantido [ow] (1%) como variante minoritária.
Vejamos agora os fatores lingüísticos relacionados a este alto índice de redução.
Do conjunto de oito variáveis lingüísticas previamente estabelecidas para a análise
do ditongo /ow/, o programa de análise estatística selecionou apenas três como relevantes
para a aplicação da regra de monotongação, a saber: a posição do ditongo na palavra, o
contexto fonético seguinte e o contexto fonético precedente.
4.1.1. Posição do ditongo na palavra
Observou-se em uma análise preliminar dos dados que o contexto final de palavra
favorece sobremaneira a produção da forma reduzida [o], ao invés de [ow], sendo a
primeira a realização dominante na amostra com uma margem muito pequena de variação.
Diante desse fato, decidimos observar em que medida a posição ocupada pelo ditongo na
palavra está relacionada à ocorrência da monotongação, assim, as palavras foram separadas
em três grupos de acordo com a localização do ditongo:
a) Início
aí nós ovimus [o"vi&mUS] aquela música longe... (FB3m)
não... essi otru ["ot|U] meu filhu num saiu não... (FC1m)
b) Meio
A genti tem medu di alguém vim roubá [How"ba] a nossa porta (FA2m)
Aí foi quandu eli resolveu [Hezo"vew] saí mermu di casa (FB2b)
c) Fim
intãu... passô [pa"so] uns tempu por lá... (MC1m)
eh, tem que fazê essi gol ["gow] (MB3b)
O gráfico 2, abaixo, mostra a distribuição dos dados de acordo com esta variável:
58
Gráfico 2
Posição do ditongo na palavra
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Final Medial Inicial
Nossa expectativa foi, de certo modo, confirmada pela análise estatística, cujos
resultados podem ser vistos na tabela 1, a seguir:
Vê-se que, de fato, em contexto final de palavra o ditongo /ow/ é muito suscetível à
aplicação da regra de monotongação. O alto peso relativo (.77) associado a esta posição,
assim como o expressivo índice percentual (99%), revela a força do condicionamento por
ela exercido no processo de redução do referido ditongo. Em termos de exemplos, trata-se
quase que exclusivamente de verbos da conjugação 1 (andar, falar, chegar, etc.),
flexionados na pessoa 3 (ele/ela), no passado perfeito do modo indicativo (andou, falou,
chegou). Considerando-se que as amostras de fala analisadas constituem-se, basicamente,
de narrativas orais situadas no passado, é muito provável que a alta freqüência dessas
formas verbais no corpus se deva ao gênero textual em que foram vazadas estas
Tabela 1: Posição do ditongo no vocábulo
Fatores Freqüência Peso relativoPosição final 850/ 857=99% .77
Posição inicial 189/198=95% .27Posição medial 296/351=84% .08
Total 1335/1406=95% −
59
composições. Sabe-se que o pretérito perfeito é, por excelência, o tempo verbal da
narrativa, daí porque a presença expressiva destes exemplos nos dados é bastante
previsível: 629 (73%) num conjunto de 857; as outras 228 ocorrências de /ow/ em contexto
final de palavra (27%) estão distribuídas entre formas flexionadas na pessoa 1 (eu), no
presente do indicativo dos verbos ser, estar, dar, ir: sou, estou, dou,vou (227 dados). No
corpus inteiro o ditongo nessa posição apareceu uma única vez em outra classe morfológica
que não o verbo, no substantivo gol.
O contexto inicial, apesar do baixo peso relativo a ele atribuído (.27), não deve ser
visto como bloqueador da monotongação de /ow/. O que acontece é que, em termos de
probabilidade, sua influência na aplicação da regra de redução do ditongo se dá em menor
grau do que aquela exercida pela posição final, onde o apagamento da semivogal é quase
categórico. Acrescente-se a isso dois fatores de complicação que não nos permitem fazer
qualquer afirmação mais categórica a respeito da atuação do ambiente início de palavra
sobre a monotongação: a) o número de dados correspondentes a essa posição do ditongo
(198 - apenas 14% do conjunto de dados) é insuficiente; b) nesse subconjunto de 198
ocorrências, 168 (85%) se referem ao pronome outro (e variações). Os outros 15% estão
divididos entre exemplos dos verbos haver e ouvir (9%) e dos substantivos ouro, ouvido e
outubro (6%).
O resultado estatístico apontado para a atuação da posição medial (.08) indica que,
probabilisticamente, é este o ambiente menos favorecedor da monotongação de /ow/ e
parece refletir com um certo nível de exatidão o comportamento dos dados quanto às
situações de não aplicação desta regra, se considerarmos que é, precisamente, neste
contexto que se encontram os casos em que há certas restrições à redução desse ditongo −
quando a semivogal [w] é resultante da vocalização da consoante lateral pós-vocálica /l/,
como em solto (subst.), voltei, solteiro, desenvolvimento, envolvido, etc. Dissemos ‘certas
restrições’ porque nos dados da presente pesquisa a manutenção da semivogal nesse tipo de
ditongo não foi categórica, contrariamente ao que observou Cabreira para os dialetos de
Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre: “... o ditongo ow nunca é monotongado quando a
semivogal é resultado de uma vocalização da lateral pós-vocálica” (Cabreira, 1996, p. 92).
Bisol (1989, p.215) afirma também que nos dialetos em que este ditongo provém da
lateral a semivogal é sempre conservada. Para os dados de Altamira essa afirmação é
60
apenas parcialmente verdadeira visto que houve monotongação mesmo nos casos em que o
ditongo /ow/ provinha da vocalização da lateral, sendo que a conservação da semivogal só
foi categórica quando o referido ditongo se encontra diante da oclusiva dental /t/, como em
solteiro, voltei, voltou, etc. Diante de outras consoantes, como a labiodental /v/ e a alveolar
/s/, a realização foi bastante variável, com predominância da variante [o], em palavras como
desenvolvimento, envolvido, resolveu, bolsa, que se realizam como
[dZizi)vovi"me)tU], [i)vo"vidU], [Hezo"vew], ["boså].
É preciso considerar que o ditongo /ow/ tem diferentes origens em português, sendo
uma delas a vocalização de algumas consoantes em determinados grupos. As gramáticas
históricas, de um modo geral, apresentam muitos exemplos desse processo (v. Coutinho,
1976 Nunes, 1956, entre outros). Salvaguardando aqueles casos que já em Latim
apresentavam sinais claros de vocalização e de redução, muitos vocábulos com esse tipo de
ditongo mantêm a semivogal, constituindo enclaves de conservação quando a tendência
geral da língua parece ser, desde há muito, a monotongação.
De fato, e como já se viu um pouco mais atrás, os únicos casos em que a
manutenção da semivogal [w] é categórica são precisamente aqueles em que ela é
resultante da vocalização da lateral. É preciso entender que isso não significa, pelo menos
para os dados da presente pesquisa, que todos os ditongos /ow/ resultantes de /l/ são
conservados; significa tão somente que certos casos de conservação categórica da
semivogal provêm de /l/. Aqui é preciso perguntar por que, então, em alguns contextos
fonéticos esse ditongo sofre redução e em outros não.
Segundo Bisol, “Em muitas línguas, assim como em português, a lateral /l/, uma
consoante plena, adquire o traço vocálico dorsal, tornando-se uma consoante complexa
quando pós-vocálica” (Bisol, 1994, p. 137).
O esquema proposto na representação 1abaixo ajuda a visualizar esse processo:
(1) Aquisição do traço vocálico [dorsal] pela consoante lateral /l/ pós-vocálica
61
De acordo com a representação (1a) acima, observa-se que os traços primários de
ponto de articulação da lateral alveolar /l/ estão diretamente ligados ao nó mais alto de PC
(ponto de articulação de consoante), pois trata-se de uma consoante simples, ou plena; já
em (1b), vê-se que, além dos traços primários ligados a PC, a consoante lateral velarizada
\:\ apresenta também traços secundários ligados ao nó mais baixo, PV (ponto de articulação
de vogal), o que a caracteriza como uma consoante complexa, pois segundo Clements
(1991), é, exatamente, o acréscimo de um nó vocálico a uma consoante simples que a torna
complexa. É esse processo de adição do traço vocálico [dorsal] à lateral alveolar em
posição pós-vocálica que explica a sua velarização .
Essa realização velarizada da lateral pós-vocálica ainda é encontrada em algumas
variedades do português brasileiro, mas é especialmente atestada e documentada no Rio
Grande do Sul em comunidades de colonização alemã e italiana, (ver Quednau, 1993;
Tasca, 2000, entre outros). Razões diversas, tais como aquelas relacionadas à origem étnica
dos povos colonizadores, ao maior ou menor fluxo de mobilidade das populações,
caracterizam esse fenômeno como regra variável, mais disseminado em algumas variedades
raiz
PC PC
a) \l\ b) \:\
raiz
[coronal]
[+anterior]
[coronal][vocálico]
PV
[dorsal]
raiz
PC PC
a) \l\ b) \:\
raiz
[coronal]
[+anterior]
[coronal][vocálico]
PV
[dorsal]
62
do que em outras17. No corpus da presente pesquisa, não aconteceu nenhum caso de
realização alveolar da lateral pós-vocálica [l]; houve um número estatisticamente
inexpressivo de velarização [:] e na maioria absoluta das ocorrências esse segmento foi
completamente vocalizado [w], o que originou um grupo particular de ditongo /ow/.
Poderíamos tentar explicar o processo de mudança sofrido pela lateral alveolar pós-
vocálica – assumindo os riscos de toda simplificação − dizendo que esta consoante em
algum momento de sua história adquiriu um certo traço vocálico, transformou-se em \:\,
passou a /w/ e depois, seguindo uma tendência geral na língua, se perdeu ou vai se perder: l
> :> w > ¼. É preciso dizer que em certos dialetos essas variantes coocorrem com maior ou
menor vitalidade, em maior ou menor grau de implementação, dependendo de fatores
específicos18. Na amostra que serve de corpus à presente pesquisa já se registra inclusive o
apagamento da semivogal proveniente da vocalização do /l/ pós-vocálico.
Vejamos, nos termos da Geometria de Traços (Clements, 1991), uma representação
desse processo:
17 Ver a este respeito o excelente, e já referido, artigo de Maria TASCA, em Letras de Hoje, v. 35, nº 1, p. 331-354, março de 2000. 18 O fato de - mesmo no Rio Grande do Sul, onde as três primeiras formas coocorrem − as realizações
alveolar e velarizada serem típicas dos falantes mais velhos e quase ausentes na fala dos mais jovens, que
quase sempre vocalizam, parece ser um exemplo clássico de uma mudança lingüística devida a fatores
geracionais.
63
(2) Etapas do processo de mudança sofrido pela lateral pós-vocálica
De acordo com a representação (2a), o traço [coronal] da lateral velarizada foi
cortado, assim, esse segmento, ficando apenas com o traço vocálico [dorsal], perdeu o
caráter consonantal e passou a [w] (2b), processo bastante produtivo e quase completado
em muitos dialetos do português do Brasil. Dentre os muitos casos de vocalização da lateral
em posição de coda silábica, o que nos interessa particularmente é a combinação que
resultou no ditongo [ow], cuja semivogal não deveria ser apagada porque tem lugar
garantido na subjacência, uma vez que substitui a lateral.
Nesse ponto, a variedade lingüística usada em Altamira se parece bastante com
muitas outras do português brasileiro que também vocalizam o /l/ pós-vocálico. O que nos
parece bastante curioso e interessante é o fato de que, a constar pelas amostras de fala que
analisamos, as pessoas nesta cidade estão apagando também a semivogal resultante dessa
a ) \ : \
r a i z
P C
b ) / w /
r a i z
P C
[ c o r o n a l ]v o c á l i c o
P V
[ d o r s a l ]
v o c á l i c o
P V
[ d o r s a l ]
a ) \ : \
r a i z
P C
b ) / w /
r a i z
P C
[ c o r o n a l ]v o c á l i c o
P V
[ d o r s a l ]
v o c á l i c o
P V
[ d o r s a l ]
64
vocalização, o que chama atenção porque, de acordo com Bisol, esse tipo de ditongo /ow/
não se desfaz:
“Vale notar, todavia que, em certos dialetos, outro ditongo ow vem se formando. É o que,
ao lado de outras combinações, provém da lateral. Neste caso, a semivogal que á tem seu
lugar garantido no “tier” da rima, pois substitui a lateral, nunca é perdida”(Bisol, 1989. p.
215).
Na variedade que estamos estudando, em 71 ocorrências de ditongo /ow/
proveniente da vocalização da lateral, 41 apresentam a forma reduzida [o]. Trata-se de
formas pessoais e impessoais dos verbos envolver (se envolver), resolver, desenvolver,
devolver; e dos substantivos bolso, bolsa, desenvolvimento, Lindolfo. Há que se fazer aqui
duas pequenas observações: 1) o número de casos desse tipo particular de ditongo não é
muito expressivo estatisticamente, mas o fato de haver variação é interessante e pode ser
um indício de que a semivogal proveniente da lateral tende ao mesmo processo de
assimilação à vogal média que a antecede, como em todos os outros casos de ditongo /ow/
de origem diversa; 2) em todos os exemplos em que esse ditongo está em variação com a
forma reduzida [o] o contexto fonético seguinte é [s, v, f], todos fricativos. Haveria aí
alguma influência do traço [+contínuo], característico desses segmentos? Trata-se, sem
dúvida, de um fato que merece pesquisas mais sistemáticas.
Se o destino do ditongo ow em português brasileiro é a redução à vogal simples [o],
independentemente de sua origem, como acabamos de sugerir acima, devemos perguntar-
nos por que isso não acontece em palavras como soltei [sow"tej], solteiro [sow"tej|u], voltei
[vow"tej].
Sincronicamente, é difícil explicar o comportamento invariável do ditongo /ow/
neste contexto. Mas se recorrermos a um pequeno recorte de natureza diacrônica, ser-nos-á
possível desconfiar de que na história dessas palavras pode ter havido uma vogal formando
sílaba com a lateral e esta só passou à posição pós-vocálica depois da queda daquela:
solitariu>sol(i)tairu>solteiro>sowteiro; soluto>solto>sowto. Daí, então, poder-se-ia supor
que a conservação da semivogal [w] resultante da vocalização da lateral, neste contexto
específico, deve-se ao fato de essa consoante ter, inicialmente, ocupado posição de onset na
sílaba e só posteriormente à queda da vogal, e agora em posição de coda, é que adquiriu
65
traços vocálicos; a passagem a [w] deu-se em momento posterior e não foi uniforme em
todas as variedades, como já se viu um pouco mais acima.
4.1.2. Contexto fonético seguinte
Este foi o segundo grupo de fatores selecionado pelo programa estatístico como
relevante para a monotongação do ditongo /ow/; mesmo se, de acordo com Paiva, “(...)
condicionamentos fonéticos são inoperantes na supressão da semivogal [w]” (Paiva, 1996,
p.232), os resultados mostram que alguns segmentos influenciam mais do que outros esse
processo. Assim, foram consideradas as seguintes possibilidades:
a) Consoante velar [k, g]
eu vô pocu ["pokU] nu cais (FA2m)
num vendia pexi nus açogui [a"sogI] (FC2m)
b) Consoante bilabial [p, b]
eu lavu ropa ["Hopå] pra fora (FA1b)
tem muito roubu ["HowbU] agora (FA2m)
c) Consoante labiodental [f, v]
ficava na Lindolfo [´i&"dowfU] Aranha... (FC2b)
hove ["ovI] muitus problemas (MB3m)
d) Tepe [|]
mora nu jardim du oru ["o|U] ele... (MC1b)
eli vendia coru ["ko|U] di gatu naqueli tempu (FC2b)
e) Consoante dental [t]
os otrus [uz"ot|US] todus si formaru (FC2m)
us �dotô [do"to] sãu tudu carniceru (MA2m)
f) Consoante alveolar [s, z]
eu ajudu um pocu... eu lavu loça ["loså] (FA2m)
esse aviõis faziam pousu ["powzU] na água MC3m)
g) Pausa ¼
aí foi quandu eli chegô [Se"go¼] (MB1m)
tudo que eli podi pegá eli pegô [pe"go¼]
66
Passemos à tabela 2, onde são apresentados os resultados referentes à influência
desta variável sobre a aplicação da regra em estudo:
Como se pode ver, o grau de variação é muito pequeno e só pode ser considerado
em termos de probabilidade. Assim, de acordo com a tabela acima, podemos observar que
segmentos velares [k, g] (.87), bilabiais [p, b] (.86) e labiodentais [f, v] (.58) favorecem a
supressão de [w], ao passo que o tepe [|] (.40), as consoantes dentais [t, d] (.25), as
alveolares [s, z] (.19) e a pausa (.19) parecem atuar em sentido contrário. Mas aqui é
preciso chamar atenção para o fato de que tais segmentos não retêm o ditongo, apenas
favorecem menos a monotongação do que aqueles elencados no primeiro grupo, pois, como
já vimos, esse processo independe de restrições contextuais.
Estes resultados discrepam, ao menos parcialmente, daqueles a que chegou Paiva
(1996), pois para esta autora apenas as consoantes dentais19 atuaram positivamente na
monotongação de /ow/, sendo que as labiais, as alveolares e as velares mostraram-se
inibidoras do processo; assim também acontece quanto aos resultados apresentados por
Silva (1997), para quem a nasal [m] e a vogal baixa [a] é que foram mais atuantes, sendo
que as fricativas [s, v], a lateral [l], e a oclusiva [p] apresentaram um comportamento neutro
e a pausa pareceu inibir a supressão de /w/. No trabalho de Cabreira (1996) este fator não
foi analisado. 19 O baixo peso relativo (.25) associado às consoantes dentais parece um pouco estranho à primeira vista, acontece que muitos casos em que o ditongo foi conservado, especialmente aqueles em que a semivogal [w] resulta da vocalização da consoante lateral /l/, estão diante destes segmentos.
Tabela 2: Contexto fonético seguinte
Fatores Freqüência Peso relativoVelar [k] 165/177=93% .87
Bilabial [p, b] 213/218=98% .86Labiodental [f, v] 99/113=88% .58
Tepe [|] 12/14=86% .40Dental [t, d] 297/320=93% .25
Alveolar [s, z, n, l] 140/153=92% .19Pausa ¼ 141/143=99% .19Total 1067/1138=94 −
67
4.1.3. Contexto fonético precedente
Esta foi a terceira e última variável lingüística selecionada pelo programa estatístico
como relevante para a aplicação da regra de redução do ditongo /ow/. Aqui também, o nível
de variação entre o ditongo conservado e a vogal simples resultante da monotongação só
pode ser considerado em termos de probabilidade, pois os índices de freqüência são
bastante altos, o que, de certo modo, corrobora a idéia de que a forma reduzida /o/ já entrou
na língua comum, substituiu, em larga escala, o ditongo e pode ser considerada como a
norma nas variedades estudadas. Neste grupo, os fatores foram assim estabelecidos:
a) Tepe [|]
isso aqui já melhorô [me´o"|o] foi muitu (FC2b)
agora já sarô [sa"|o] mais um poquinhu, mas era feiu (MC1m)
b) Pausa ¼
ouvimus [¼ow"vimUS] tudu aquilu caladus (FC3m)
hove [¼"ovI] tanta coisa qui ninguém ixplica (FB2m)
c) Consoante velar [k, g]
Aí lascô [las"ko] tudo porque a genti num sabia nada (MA2m)
cegô [se"go] essi ladu isquerdu (MC1m)
d) Vogal baixa [a]
da otra [da "owt|å] vez já foi mais fácil (FC3m)
e) Consoante dental [t, d]
Aí eli si sentô [se)&"to] assim nu chãu mesmu (MA2b)
a genti andô [a&"dow] pra caramba... até chegá numa ladera (MA2b)
f) Consoante alveolar [s, z]
passô [pa"so] uns cincu anus até eu vê eli di novu (FB3m)
minha mãi casou-se [ka"zowsI] pela sigunda vez (FC3b)
g) Consoante labiodental [f, v]
chegô u disinvolvimentu [dZizi)vowvi"me)tU] i as coisas não melhorarum (FB2m)
68
h) Consoante bilabial [p, b]
ganhava aqueli poquinhu � [po"ki&U] di nada mas já era alguma coisa (FC2m)
u cara roubô [How"bo] meu filhu pela sigunda vez (FC3m)
i) Consoante glotal [h]
nessa épuca eli incerrô [i&se"Ho] u comércio aqui da rua (FC2b)
Os resultados estão na tabela 3 abaixo:
De acordo com a tabela acima, a monotongação do ditongo /ow/ é favorecida pelo
tepe [|] (.83), pela pausa ¼ (.70), pelas consoantes velares [k, g] (.66), pela vogal baixa [a]
(.66), pelas consoantes dentais [t, d] (.65), assim como pelas alveolares [s, z] (.59). Por
outro lado, as consoantes labiodentais [f, v] (.19), as bilabiais [p, b, m] (.13) e a glotal [h]
(.12) parecem desfavorecer a aplicação da regra em estudo. Estes resultados,
particularmente os que concernem ao tepe [|] e à vogal baixa [a], estão bastante próximos
àqueles a que chegou Silva (1997), mas diferem quando se trata das consoantes alveolares e
das dentais que, para essa autora, ou não interferiram ou tiveram influência negativa, ao
passo que para nós, apresentaram um índice de probabilidade considerável no sentido do
favorecimento da redução do ditongo /ow/. Paiva (1996) e Cabreira (1996) não trataram
desse grupo de fatores em seus respectivos trabalhos.
Tabela 3: Contexto fonético precedente
Fatores Freqüência Peso relativoTepe 73/75=97% .83Pausa 25/26=96% .70Velar 145/146=99% .66Vogal 176/184=96% .66Dental 218/221=99% .65
Alveolar 337/348=97% .59Labiodental 123/143=86% .19
Bilabial 145/165=88% .13Glotal 50/55=91% .12Total 1292/1363=95% −
69
DITONGO /EJ/
Vimos no início do presente capítulo que a supressão da semivogal posterior [w] no
ditongo /ow/ é bem mais geral do que a supressão da semivogal anterior [j], no ditongo /ej/.
No primeiro caso, a redução à vogal simples, /ow/ > /o/, praticamente independe de
condicionamentos estruturais, já no segundo, tais condicionamentos são mais numerosos e
determinantes, tornando o apagamento da semivogal anterior um processo mais específico e
restrito: num conjunto de 1456 dados de /ej/, em pouco mais da metade (54%) acontece a
redução de /ej/ a /e/, o que reforça a hipótese da especificidade daa supressão de [j].
Vamos, então, aos fatores que regulam, favorecendo ou inibindo, a aplicação da
regra de supressão de [j]. Do conjunto de oito variáveis lingüísticas previamente
estabelecidas, apenas três foram selecionadas como relevantes para a aplicação da regra de
monotongação de /ej/: a localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra, o
contexto fonético seguinte e a natureza da origem do vocábulo.
4.1.4 Localização do ditongo na estrutura morfologia da palavra
Esta foi a primeira variável lingüística selecionada pelo programa estatístico como
relevante para a aplicação da regra de monotongação do ditongo /ej/. A idéia era verificar a
influência de fatores de natureza morfológica, assim, as palavras foram separadas em dois
grupos, conforme a localização do ditongo na estrutura interna da palavra:
a) Base
éh... tem muito pexi ["peSI] pra lá ainda (MC1b)
trabalhemu um bom tempu cum madera [ma"de|å] (MA1b)
b) Sufixo
aí vem u fazebderu [faze&"de|U] pega toda a terra pra botá pastu (MC1m)
essis madereru [made"|e|U] nenhum para imposto direitu (MA1b)
O gráfico abaixo mostra a distribuição dos dados de acordo com a localização do
ditongo na palavra:
70
Gráfico 3
Localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Base Sufixo
Num conjunto de 1456 dados do ditongo /ej/, há 991 (68%) ocorrências deste
ditongo na base, ou morfema lexical, da palavra e 465 (32%) ocorrências no sufixo, ou
morfema gramatical. A tabela abaixo apresenta os resultados da atuação dessa variável na
aplicação da regra em estudo:
De acordo com a tabela acima, a localização do ditongo na palavra exerce uma forte
influência na sua redução, que é favorecida se ele estiver na base, ou morfema lexical, (.70)
e inibida se estiver no sufixo, ou morfema gramatical, (.14). Nossos resultados são afins aos
de Cabreira (1996), em cujo trabalho o ditongo é mais passível de monotongação se estiver
no radical (.74) do que se estiver no sufixo (.33); são muito próximos também aos de Silva
(1997), que encontrou maior índice de monotongação de /ej/ no radical (.70) do que no
sufixo (.28).
Tabela 4: Localização do ditongo na estrutura interna da palavra
Fatores Freqüência Peso relativoBase 550/991=55% .70
Sufixo 232/465=50% .14Total 782/1456=54% −
71
Paiva (1996) chegou a resultados opostos, seus dados apontam maior incidência de
aplicação da regra de apagamento de [j] no sufixo (.61), do que o radical (.38). Mas a
própria autora considera a possibilidade de ter havido aí uma sobreposição dos fatores
contexto seguinte e natureza morfológica: “É preciso, ressaltar, porém, que os dados
referentes a este fator se restringiram à ocorrência da semivogal [y] no sufixo derivacional
eiro” (Paiva, 1996, p. 223). Diz ainda que esperava um efeito bloqueador relacionado ao
radical, já que o segmento [y] no sufixo eiro pode ser considerado redundante e sem
relevância do ponto de vista semântico.
Considerando que em nosso corpus havia também a possibilidade de os dois grupos
de fatores acima mencionados se sobreporem, fizemos uma rodada específica incluindo só
os dados de /ej/ seguido por tepe /|/ para observar com mais cuidado, e sem risco dessa
sobreposição, a atuação da variável localização do ditongo na estrutura interna da palavra.
Os resultados estão na tabela 5 abaixo:
A tabela acima mostra que quando se analisa a atuação de fatores de nível
morfológico na aplicação da regra de supressão da semivogal /j/ especificamente diante de
tepe /|/, sem, portanto, a possibilidade de sobreposição de grupos de fatores, a maior
incidência de monotongação continua na base da palavra (.61), donde se pode concluir que,
na amostra estudada, o condicionamento positivo exercido por este fator é mais forte do
aquele exercido pelo fator sufixo (.17).
A variável natureza morfológica não foi selecionada no trabalho de Araújo (1999).
4.1.5. Contexto fonético seguinte
Esta foi a segunda variável estrutural selecionada como importante para a
monotongação do ditongo /ej/, pretendíamos, ao estabelecê-la, identificar os segmentos de
maior atuação sobre o processo, seja favorecendo ou inibindo sua realização. Inicialmente,
Tabela 5:Rodada específica com dados de /ej/ antes de tepe
Fatores Freqüência Peso relativoBase 311/320=97% .61
Sufixo 231/234=99% .17Total 542/554=98% −
72
os segmentos seguintes ao ditongo foram separados de acordo com o ponto e o modo de
articulação, mas os resultados obtidos segundo este último critério, além de serem
redundantes, não se mostraram muito produtivos, com exceção daqueles relacionados ao
tepe /|/; assim, este segmento foi considerado de forma particular, constituindo sozinho um
fator e os outros segmentos foram incluídos em categorias mais abrangentes, de acordo com
a sua zona de articulação: consoantes bilabiais /p, b, m/ , consoantes labiodentais
/f, v/, consoantes dentais /t, d/, consoantes alveolares /s, z, n, l/, consoantes palatais /S, Z/,
consoantes velares /k, g/, vogais baixa /a/ e alta posterior /u/ e pausa ¼. As consoantes
dentais, as velares, as alveolares, a vogal posterior e a pausa tiveram de ser retiradas da
rodada porque retêm categoricamente o ditongo; as bilabiais e as labiodentais foram
amalgamadas no grupo mais abrangente das labiais. Assim, na rodada definitiva foram
considerados os seguintes fatores:
a) Tepe [|]
eli subiu numa cadera [ka"de|å] pra parecê mais altu (FC3b)
naqueli tempu a genti num cunhecia dinheru [dZi&"e|U] (MC1b)
b) Consoante palatais [Z, S]
lá tem arroz i feijãu [fej"Zå&w] plantadu (MA2m)
eu disse pra ela dexá [de"Så] issu pra lá (FC3m)
c) Vogal baixa [a]
A gente fazia bola di meia ["mejå] ... dessas di sinhora (MC3m)
issu era a coisa mais fea ["feå] du mundu (MC1m)
d) Consoantes labiais [m]
aí toco fogu i queimô [ke&j"mow] tudu (FC3m)
eu sô um pocu teimosa [te&j"mOzå] (FA3m)
Os resultados referentes à atuação dessa variável estão na tabela 6 abaixo:
73
De acordo com os resultados expostos na tabela acima, o tepe /|/ é o segmento
fonético seguinte mais determinante na supressão de /j/ (.99), em seguida estão as
consoantes palatais /S, Z/ (.64); desfavorecendo, e até mesmo bloqueando esse processo
estão os segmentos vogal baixa /a/ (.05) e bilabial /m/ (.00). Antes de passarmos à
discussão propriamente dita, vejamos esses resultados em comparação aos encontrados por
outros pesquisadores para outras regiões.
Paiva (1996), analisando a fala do Rio de Janeiro, diz que, quanto ao ponto de
articulação, são os segmentos velares /k, g/ (.89) e os palato-alveolares /S, Z/ (.93) que mais
fortemente influenciam a monotongação de /ej/; os segmentos dentais (.15), os alveolares
(27) e as vogais (.10) inibem o processo. Quanto ao modo de articulação, a influência mais
determinante está associada ao tepe/flepe /|/ (.99), depois vêm os segmentos fricativos
(.56); sendo que segmentos oclusivos (.13), nasais (.13) e laterais (.04) atuam
negativamente.
No que diz respeito aos resultados obtidos para as consoantes velares, opostos aos
nossos, é preciso dizer que se referem exclusivamente à supressão de [y] na palavra
manteiga; a própria autora acredita que a variação de [ey] nessa palavra é de natureza
dialetal e pode estar relacionada a uma peculiaridade etimológica, pois em outras palavras
com contexto velar o ditongo é conservado categoricamente: /seku/, Seiko, e /megu/, meigo.
Araújo (1999) rediscute a especificidade desse contexto também na palavra manteiga; para
Silva (1997) essas consoantes se mostraram desfavorecedoras do processo (.33); Cabreira
(1996) não considerou o fator velar como contexto seguinte.
Quanto às vogais, esperávamos que favorecessem ao máximo a supressão da
semivogal, visto que possuem – como as fricativas e o tepe – o traço [+contínuo]. Nossos
resultados, porém, revelam o condicionamento marcadamente negativo destes segmentos
na aplicação da regra (.05) e estão de acordo com os de Paiva (1996) (.10) e com os de
Tabela 6: Contexto fonético seguinte
Fatores Freqüência Peso relativoTepe /|/ 542/554=98% .99
Palatais /Z,S/ 198/209=96% .64Vogal baixa /a/ 37/100=37% .05
Bilabial /m/ 1/87=1% .00Total 780/1174=66% −
74
Silva (1997) (.15); esse comportamento aparentemente estranho das vogais que, mesmo
possuindo traços comuns à semivogal, bloqueiam seu apagamento, pode ser explicado,
segundo Paiva (1996, p. 229), pelo fato de que, entre duas vogais, o glide se comporta
como um som de transição que evita a formação de hiatos. É uma explicação bem razoável,
mas não podemos deixar de considerar a possibilidade de se tratar de um caso de variação
diatópica, visto que Araújo (1999) encontrou resultados positivos relacionados à vogal
baixa /a/ (.61) no dialeto de Caxias (MA) e Mota (1983, p.144) se refere a registros de
correia ~ correa, meia ~ mea e oreia ~ orea no corpus do Atlas Lingüístico de Sergipe.
Cabreira (1996) não considerou o fator vogal como contexto seguinte.
Relativamente à atuação dos segmentos palatais /S, Z/ na monotongação de /ej/, cuja
probabilidade é de (.64), concordamos com a proposição de Paiva, segundo quem a
repetição do traço [+alto], comum também à semivogal, cria uma seqüência de dois
segmentos idênticos que propicia a assimilação de um deles, nesse caso, a semivogal. Bisol
(1994), nessa mesma linha de raciocínio, observa que “...todo processo de assimilação
consiste em espraiamento de traços” (1991, p. 129), e mostra como se deu esse processo no
caso da variação ej ~ e antes de segmento palatal /S\, descrevendo esse segmento como uma
consoante complexa e sua contraparte não-palatal \s\ como uma consoante plena, para,
finalmente, situar a inserção do glide no nó vocálico presente na consoante do primeiro
tipo:
75
(3) Representação de \S\ e \s\ por Bisol (1994)
Observando os diagramas acima, vê-se que o traço-coronal vocálico está presente
em (3a) mas está ausente em (3b).Vê-se também que a consoante plena possui apenas
traços primários ligados ao nó PC (pontos de consoante), enquanto que a consoante
complexa possui, além destes, traços secundários ligados ao nó mais baixo, PV (pontos de
vogal). Assim, “... a predição que tais estruturas permitem fazer é que somente a primeira
ofereceria condições para o espraiamento em pauta, pois ela, e não a outra, possui o traço
coronal que, por expansão, pode formar o glide [y]” (Bisol, 1994, p. 129). Estaria, assim,
especificada a inserção, antes de segmentos palatais, da semivogal epentética que,
registrada na escrita, pode ou não se manifestar na fala.
a) Consoante complexa
/S/
r
co
[+ contínuo] PC
[coronal]vocálico
PVabertura
[coronal]
r: raizco: cavidade oralPC: pontos de articulação de consoantesPV: pontos de articulação de vogais
b) Consoante plena
/s/
r
co
[+ anterior]
[coronal]
[+ contínuo] PC
a) Consoante complexa
/S/
r
co
[+ contínuo] PC
[coronal]vocálico
PVabertura
[coronal]
r: raizco: cavidade oralPC: pontos de articulação de consoantesPV: pontos de articulação de vogais
b) Consoante plena
/s/
r
co
[+ anterior]
[coronal]
[+ contínuo] PC
76
Mesmo se não é a proposta do presente trabalho apresentar uma interpretação
fonológica da aplicação da regra de monotongação, consideramos válido fazer uso das
experiências já acumuladas por outros pesquisadores se elas oferecem instrumentos úteis
para a compreensão do processo examinado.
Nossos resultados sobre atuação de segmentos palatais em contexto seguinte ao
ditongo (.64) corroboram os de Bisol (op.cit.) (.89), os de Paiva (1996) (.93), assim como
os de Silva (1997) (.93), mas se distanciam um pouco daqueles encontrados por Cabreira
(1996) e por Araújo (1999); estes dois autores analisaram o fator sonoridade do elemento
seguinte, obtendo dessa forma resultados individuais para um e outro segmento. O primeiro
autor encontrou probabilidade de (.58) para o segmento surdo /S/ e (.22) para o sonoro /Z/;
Araújo (op. cit.) apresenta (.46) para /S/ e (.18) para /Z/.
Enquanto os resultados relacionados à influência de outros segmentos fonéticos na
aplicação da regra de monotongação do ditongo /ej/ são divergentes nos diversos trabalhos
considerados, os resultados relacionados ao tepe /|/ são praticamente consensuais. Tem-se
(.89) para Porto Alegre, (.99) para o Rio de janeiro, (.99) para João Pessoa, (.85) para
Caxias (MA) e (.99) para Altamira (PA). Sobre essa influência decisiva, é preciso ver que
este é o segmento consonantal “que possui o maior número de propriedades vocálicas”
(Paiva, 1996, p. 228), tais como os traços [+sonorante] e [+contínuo], sendo que este
segundo traço parece ser o responsável pelo cancelamento de [y].
A redução de [ej] a [e] diante de tepe /|/ é um fenômeno historicamente atestado
tanto em Portugal quanto no Brasil (ver Amaral, 1976; Melo, 1981; Cintra, 1995; entre
outros).
Segundo Veado (1983), há evidências de que o processo de redução em pauta tenha
se originado diante de tepe e não diante de segmentos palatais, como pretende Lemle (1978,
apud Veado, op. cit.). A primeira é o fato de ser o tepe o segmento consonantal que
acusticamente mais se aproxima das vogais; outra evidência está relacionada à freqüência
do ditongo /ej/ diante desse segmento em português. De fato, o conjunto dos trabalhos
realizados sobre esse fenômeno atesta que o maior contingente vocabular e o índice mais
alto de redução do referido ditongo acontecem diante de tepe.
No corpus da presente pesquisa, das 1174 ocorrências de /ej/ de uso variável, 554
estão diante de tepe, 224 diante de dentais, 198 diante de palatais, 100 estão diante de
77
vogais e 87 estão diante de labiais. Aqui, também, o tepe concentra antes de si não somente
a maior freqüência de /ej/, como também a maior incidência de monotongação, o que nos
leva a optar pelo argumento de Veado sobre o contexto da origem do processo de redução
de /ej/, em detrimento do argumento de Lemle, e a concluir que a variante sem ditongo é a
variante optimal e a forma com ditongo é a variante minoritária na comunidade alvo desta
pesquisa.
4.1.6. Natureza da origem do vocábulo
Esta foi a última variável lingüística selecionada pelo programa estatístico como
relevante para a monotongação do ditongo /ej/. Percebemos que em algumas palavras,
apesar do contexto favorecedor à redução (tepe ou palatal), o ditongo era mantido;
aventamos inicialmente a possibilidade de essa restrição à aplicação da regra estar
relacionada à freqüência lexical dessas palavras no corpus. Porém, em todas as rodadas
experimentais de VARBRUL que fizemos, os resultados relativos a esse fator não se
mostraram relevantes. Os dados foram então recodificados levando-se em conta a natureza
de origem/uso da palavra, i.e., o fato de ela ter se originado em um domínio considerado
‘erudito’ ou específico ou de ter seu uso restrito – por um lado −, ou de ter origem e uso
mais gerais, ou por assim dizer, ‘populares’− por outro. Para testar essa hipótese, as
palavras foram separadas, de acordo com a natureza de sua origem/uso, em comuns e
específicas.
Foram consideradas específicas palavras como feira, dinheiro, cadeira, madeira,
entre outras. Ao passo que palavras como Queiroz, queira (subjuntivo v. querer) foram
consideradas específicas:
a) comuns
já tivi dinheru [dZi)"e|U] pelu BASA, nu Bradesco... (MC2b)
eli ganhô muitu dinheru [dZi)"e|U] nu garimpu (MC2b)
b) específicas
trabalhei na Queiroz [kej"|OS]um bucadu di tempu (MC1m)
tinha duas impresas trabalhandu na istrada... a Queiroz [kej"|OS] Galvão nu sentidu
Altamira/Itaituba (MC3b)
78
Os resultados estão na tabela 7 a seguir:
De acordo com os resultados apresentados na tabela 8 acima, o ditongo /ej/ tem
mais probabilidade de ser reduzido em palavras consideradas ‘comuns’ (.53) do que em
palavras consideradas ‘específicas’(.00), nas quais o ditongo é conservado
independentemente de fatores internos e externos, como o contexto fonético seguinte (cujo
condicionamento, nesse caso, é determinante da redução) e o nível de escolaridade do
informante.
Os resultados referentes à atuação dessa variável na aplicação da regra em estudo
parecem refletir uma certa coerência com a realidade apontada pelos dados, mas não
podemos deixar de observar que precisam ser confirmados por uma pesquisa mais
detalhada e mais consistente no que concerne à quantidade de dados analisados, pois , no
presente trabalho, o número muito baixo de ocorrências do ditongo /ej/ em palavras
consideradas ‘específicas’ (somente 20, num conjunto de1456) não é suficiente para
fundamentar uma análise mais conclusiva.
Tabela 7: Natureza de origem/uso da palavra
Fatores Freqüência Peso relativoComum 778/1436=54% .53
Específica 4/20=20% .00Total 782/1456=54% −
79
4.2. Variáveis Sociais
Das quatro variáveis sociais previamente estabelecidas para a presente análise (sexo,
idade, escolaridade e renda), apenas a escolaridade do informante foi selecionada pelo
programa estatístico como relevante para a aplicação da regra de monotongação dos
ditongos /ow/ e /ej/.
De acordo com o nível de escolaridade, os informantes foram separados em três
grupos. No primeiro foram considerados os não escolarizados, quer aqueles sem
escolaridade nenhuma, quer aqueles que, mesmo tendo passado um ou dois anos pela
escola, não chegaram a dominar as técnicas de leitura e escrita; no segundo grupo foram
inseridos os informantes com ensino fundamental20; e no terceiro, consideramos aqueles
com ensino médio.21 Vejamos os resultados da atuação dessa variável para cada um dos
ditongos particularmente.
DITONGO /OW/
A tabela abaixo apresenta os resultados referentes à atuação da variável
escolaridade no processo de redução do ditongo /ow/:
20 A idéia aqui era conseguir informantes com ensino fundamental completo, ou seja, que tivessem concluído os oito anos de escolarização que correspondiam, até antes da nova LDB, ao Primeiro Grau, infelizmente isso não foi sempre possível, mas tentamos montar nossa amostra de maneira a garantir uma oposição significativa entre os três níveis de escolarização. 21 Por uma decisão que se deve a questões metodológicas, não inserimos informantes de nível universitário na presente amostra.
Tabela 8: Escolaridade
Fatores Freqüência Peso relativo1-Não-escolarizados 432/437=99% .822-Ensino fundamental 514/530=97% .53
3-Ensino médio 391/438=89% .17Total 1335/1406=95% −
80
De acordo com a tabela acima, vê-se que o nível de escolarização do informante
interfere na realização do ditongo /ow/, mesmo se isso não é perceptível levando-se em
conta apenas os pontos percentuais. Os resultados da análise probabilística apontam um
índice razoável de estratificação entre os três níveis de escolarização, sugerindo que quanto
menos escolarizado mais o falante apaga a semivogal (.82), e quanto mais escolarizado
menos o faz (.17); os informantes com ensino fundamental apresentam um comportamento
que pode ser considerado neutro (.53), ou seja, este nível intermediário parece não
influenciar a realização variável do referido ditongo.
Cabreira (1996), em cujo trabalho a escolaridade do informante também foi o único
fator extralingüístico selecionado, considerou três níveis de escolaridade, mas não
considerou em sua análise informantes não escolarizados, assim, a oposição foi
estabelecida entre primário, ginásio e segundo grau; seus resultados mostram que os
falantes mais escolarizados (2º grau) monotongam menos (.39) do que aqueles que têm só o
primário (.51) ou o ginásio (.58).
Silva (1997), analisando a variedade lingüística de João Pessoa (PB), também só
teve a variável escolaridade como fator social relevante para a redução do ditongo /ow/.
Essa autora trabalhou com cinco níveis diferentes de escolarização: analfabetos, primário,
ginásio, segundo grau e universitário; em termos gerais, os resultados são semelhantes aos
de Cabreira e aos nossos: quanto maior o nível de escolaridade (universitário) menor é o
índice de aplicação da regra (.26), e quanto menos escolarizado (analfabeto), mais o
informante monotonga (.66).
Como em suas amostras não foi levado em conta o fator classe social, os dois
autores acima citados fizeram uma aproximação entre este fator e o nível de escolaridade
do falante. Assim, fazendo equivaler estes dois fatores, consideraram “(...) que os
informantes menos escolarizados são os da classe mais baixa e os mais escolarizados
pertencem à classe mais alta” (Silva, 1997, p.90); “(...) as três faixas de escolaridade do
corpus podem representar três classes sociais distintas...” (Cabreira, 1996, p. 89). É clara
aqui a tentativa de explicar/entender a variação a partir do ponto de vista da origem da
mudança lingüística, para o que utilizaram as hipóteses de Kroch (1976) e Labov (1980)
relativas a essa questão. O problema é que nem sempre é possível estabelecer essa
pretendida equivalência entre escolaridade e classe social, mas discutiremos isso um pouco
81
mais adiante, quando falarmos a respeito das variáveis descartadas, em particular, da
variável renda.
Paiva (1996) não apresenta resultados relativos à influência da escolaridade sobre a
monotongação do ditongo /ow/, apenas do ditongo /ej/; talvez isso se deva ao fato de que
no primeiro caso trata-se de um processo bem mais geral e irrestrito no qual,
provavelmente, a autora não encontrou condicionamentos de natureza social.
DITONGO /EJ/
Da mesma forma que para o ditongo /ow/, a única variável não lingüística
selecionada como relevante para a aplicação da regra de monotongação do ditongo /ej/ foi a
escolaridade do informante, os níveis de escolarização são os mesmos considerados na
análise do ditongo de elementos velares. Os resultados referentes à atuação dessa variável
no processo de supressão da semivogal [j] estão na tabela 9 abaixo:
De acordo com a tabela 9 acima, a redução de /ej/ é sensível ao fator escolaridade.
Os resultados mostram que informantes não-escolarizados aplicam mais a regra (.66) do
que informantes com ensino fundamental que, por sua vez, aplicam mais (.51) do que
aqueles com ensino médio (.31). Verifica-se a influência que o contato com a escola, mais
especialmente, com a modalidade escrita da língua, exerce sobre o fenômeno em
observação: quanto menos escolarizado mais o falante usa a forma reduzida [e] e quanto
mais escolarizado mais ele usa a o ditongo conservado [ej]. Estes resultados diferem
parcialmente daqueles encontrados pelos outros pesquisadores com quem vimos discutindo
ao longo deste trabalho. Paiva (1996) constatou uma oposição entre os falantes com
primário (.59), de um lado, e os do ginásio (.42) e os do segundo grau (.45), de outro;
Tabela 9: Escolaridade
Fatores Freqüência Peso relativo1-Não-escolarizados 289/512=56% .662-Ensino fundamental 278/508=55% .51
3-Ensino médio 215/436=49% .31Total 1335/1406=95% −
82
Cabreira (1996) chegou a uma constatação similar: falantes que têm apenas o primário
monotongam muito mais (.76) do que aqueles que têm o ginásio (.30) ou o segundo grau
(.43). O que é bastante curioso nos resultados destes dois pesquisadores é o fato de que os
falantes com maior nível de escolaridade (2º grau) bloqueiam menos a aplicação da regra
do que aqueles com nível intermediário (ginásio). A diferença parcial em relação aos
nossos resultados reside exatamente nesse ponto, pois se o argumento é que o maior contato
com a escola favorece a não aplicação da regra, e se – como de fato se verifica − quanto
menor o nível de escolaridade do informante maior é o índice de aplicação dessa regra,
como se explica o fato de os falantes com maior tempo de escolarização (2º grau) usarem
mais a forma monotongada do que aqueles que têm apenas o ginásio?
Os resultados de Silva (1997) e de Araújo (1999) são bastante afins os nossos, com
a ressalva de que a primeira autora, tendo trabalhado também com falantes de nível
universitário, constatou que estes aplicam menos a regra de monotongação (.24) do que
aqueles com poucos ou nenhum ano de escolarização (.55); a segunda autora chega a
resultados semelhantes: pessoas não escolarizadas monotongam mais (.63) do que pessoas
escolarizadas (.35), de onde conclui que, na variedade analisada, existe diferenciação
diastrática no uso variável do ditongo /ej/.
Como se vê pela comparação entre os resultados obtidos por outros pesquisadores, o
nível de escolaridade do informante é a variável não lingüística de mais forte atuação e,
apesar de algumas divergências pontuais, os resultados apontam a influência dessa variável
bloqueando a aplicação da regra de monotongação dos ditongos /ow/ e /ej/. O que pode
significar isso, além do fato − já apontado por todos os pesquisadores que trataram do
assunto – de que o contato com a escrita proporcionado pela escola favorece o uso da
variante considerada padrão? Como explicar essa atuação conservadora da escola se
dissemos que o processo de supressão das semivogais [w] e [j] é determinado, basicamente,
por condicionamentos estruturais/internos e praticamente insensível à influência de fatores
sociais/externos? Seria a escolarização uma variável de pouca importância numa sociedade
onde as condições de acesso (e permanência) à escola são tão desigualmente distribuídas?
Que implicações têm esses resultados para o ensino/aprendizagem da língua portuguesa,
especialmente para a alfabetização?
83
Responder a todas essas questões não é tão simples quanto formulá-las, e talvez
nem esteja ao alcance deste trabalho, mas ignorá-las de todo seria ignorar o fato a que elas,
inevitavelmente, remetem: a fala de pessoas escolarizadas apresenta diferenças formais da
fala de pessoas não escolarizadas. Os parágrafos seguintes são uma tentativa de
compreender as interferências provocadas pelo letramento na fala dos indivíduos que
passaram, via escola, por essa experiência.
Discutindo essa questão, embora numa abordagem diferente da nossa, Kato (2000)
considera a existência de dois tipos de fala: uma fala pré-letramento e uma outra pós-
letramento; a passagem da primeira para a segunda fala seria conseqüência da entrada (e da
participação) do indivíduo no ‘mundo da escrita’, pois “(...) fala e escrita são parcialmente
isomórficas (...), na fase inicial é a escrita que tenta representar a fala – o que faz de forma
parcial − e, posteriormente, é a fala que procura simular a escrita, conseguindo-o também
parcialmente” (Kato, 2000, p. 11). Partindo desse pressuposto, podemos deduzir, então, que
o sujeito vai substituindo a primeira fala pela segunda na medida em que vai se apropriando
dos mecanismos e das convenções da escrita, sendo que o resultado desse processo, a fala
pós letramento, nada mais é, segundo a autora acima referida, do que “a simulação da
própria escrita”.
A hipótese de que o contato regular e continuado com a escrita produz uma segunda
fala encontra respaldo em nossos dados e pode ser um meio interessante para entender os
resultados probabilísticos associados à atuação do nível de escolarização do informante no
processo de monotongação do ditongo /ej/, pois quanto mais duradouro esse contato do
informante com a escrita (ensino médio) menor é a probabilidade de aplicação da regra
(.31) e quanto menor esse contato (não escolarização), maior é a probabilidade de uso da
forma monotongada (.66); o contato intermediário com a escrita (ensino fundamental)
parece não interferir na aplicação da regra em estudo (.51).
A proposição de Cintra (1995) a respeito da distribuição da forma conservada do
ditongo /ej/ no Português Europeu corrobora a hipótese de que a influência da escrita
produz uma fala ‘artificial’: “Esta (a forma [ej]) encontra-se principalmente representada no
falar das classes cultas do Sul do país (como no das classes cultas brasileiras) em que é (...)
o resultado da restauração do ditongo com base na própria ortografia e não em qualquer
pronúncia viva” (Cintra, 1995, p. 42).
84
Vimos, em termos lingüísticos, como pode se dar a interferência da variável
escolaridade na fala, de um modo geral, e na aplicação da regra de monotongação do
ditongo /ej/, em particular, através do seu principal corolário, o letramento. Podemos
indagar agora o que significa, em termos sociais, passar de uma fala espontânea, sem
influência da escrita (a fala pré-letramento) a uma fala artificial, influenciada pela escrita (a
fala pós-letramento ou, como diz Bourdieu (1996), a língua legítima).
Por língua legítima entende-se a língua, ou uma utilização dessa língua,
institucionalmente aceita e reconhecida como tal. No processo que leva à elaboração,
legitimação e imposição dessa língua, interessa-nos, especialmente, a função preponderante
da escola de fabricar e reproduzir a ilusão e a necessidade da ‘língua comum’. A questão
que se coloca é a falta de eqüidade entre o estabelecimento (a fabricação) dessa necessidade
e os meios para satisfazê-la:
“O sistema escolar dispõe da autoridade delegada necessária para exercer
universalmente uma ação de inculcaçao duradoura em matéria de linguagem,
tendendo assim a proporcionar a duração e a intensidade desta ação ao capital cultural
herdado. Por isso mesmo, os mecanismos de transmissão cultural tendem a garantir a
reprodução da defasagem estrutural entre a distribuição (aliás bastante desigual) do
conhecimento da língua legítima e a distribuição (muito mais uniforme) do
reconhecimento desta língua ...” (Bourdieu, 1996, p. 50, grifos do autor).
Essa relação proporcional entre a duração e a intensidade da ação escolar e o
resultado dessa ação (a apropriação por parte do sujeito da competência legítima) é
confirmada em nossos dados quando se verifica que o ensino fundamental não interfere na
aplicação da regra de redução do ditongo /ej/. Como dissemos mais acima, para efetuar a
passagem da fala pré-letramento para a fala pós-letramento, não basta ter tido contato com
a escrita, é preciso que esse contato tenha sido duradouro, intenso e eficaz. O problema é
que, como nos lembra Bourdieu, existe uma defasagem estrutural entre a distribuição do
conhecimento da língua legítima e a distribuição do reconhecimento dessa língua, ou seja,
as pessoas geralmente reconhecem que existe um uso legítimo da língua, mas só algumas
conhecem esse uso.
85
Talvez não seja redundante lembrar que essa defasagem entre as condições de
conhecimento e as de reconhecimento da língua legítima (ou de uma utilização dessa
língua) retraduz uma defasagem inscrita na complexidade das relações sociais. A relação de
força entre duas variantes lingüísticas não é apenas e simplesmente uma disputa entre dois
usos lingüísticos diferentes, é sobretudo uma disputa entre dois atores socialmente distintos
cujo antagonismo se manifesta também no uso diferenciado que fazem da linguagem:
“Os usos sociais da língua devem seu valor propriamente social ao fato de se mostrarem
propensos a se organizar em sistemas de diferenças (entre as variantes prosódicas e de
articulação ou lexicais e sintáticas), reproduzindo o sistema das diferenças sociais na
ordem simbólica dos desvios diferenciais. Falar é apropriar-se de um ou de outro dentre
os estilos expressivos já constituídos no e pelo uso, objetivamente marcados por sua
posição numa hierarquia de estilos que exprime através de sua ordem a hierarquia dos
grupos correspondentes. Estes estilos, sistemas de diferenças classificadas e
classificantes, hierarquizadas e hierarquizantes, marcam aqueles que deles se
apropriam” (Bourdieu, 1996, p. 41).
Mesmo se não é objetivo deste trabalho discutir uma ‘teoria das classes sociais’ e
se, de certa forma, isso foge ao seu escopo, não podemos ignorar os fundamentos sociais do
valor objetivamente associado ao uso legítimo da língua, sob o risco de, inevitavelmente,
ou aceitar esse uso como natural, absolutizando-o e esquecendo seu caráter arbitrário, ou
cair na ingenuidade do relativismo erudito recusando a legitimidade objetiva desse uso,
socialmente reconhecido como legítimo, inclusive por aqueles que dele não puderam se
apropriar e por isso são excluídos dos espaços sociais onde ele é exigido ou, como diz
Bourdieu, são condenados ao silêncio.
É preciso insistir no fato de que a segregação e o silêncio a que são submetidos os
grupos que não detêm a competência legítima nos universos sociais onde ela é exigida não
tem nenhuma relação com a capacidade (ou habilidade) para falar inscrita na constituição
biológica, universal e, “portanto, não distintiva, mas sim com a capacidade para falar a
língua legítima que, por depender do patrimônio social, reflete diferenças sociais na lógica
86
propriamente simbólica dos desvios diferenciais ou, numa palavra, da distinção”22
(Bourdieu, 1996, p. 42).
Por mais interessante e tentadora que seja a discussão levantada por Bourdieu a
respeito da economia das trocas lingüísticas, não tivemos a pretensão de aprofundá-la ao
fazer uso de alguns de seus elementos, tentamos tão somente começar um exercício de
compreensão dos efeitos da variável escolarização na fala dos indivíduos que passaram por
esse processo, mais particularmente, no que respeita à realização variável dos ditongos sob
análise. Embora esse fenômeno se deva, em grande parte, a fatores internos e não seja
visivelmente marcado por fatores de natureza social, não podemos esquecer que por mais
‘sistêmicas’ que sejam as motivações de um fenômeno de variação numa determinada
língua, seu futuro depende, indiscutivelmente, das relações, sempre sociais, entre os grupos
humanos que utilizam essa língua.
4.3. Variáveis Não-Selecionadas
4.3.1. DITONGO /OW/
Por não apresentarem relação com a aplicação da regra de monotongação do ditongo
/ow/, o programa de análise probabilística não selecionou as seguintes variáveis: classe
morfológica da palavra, tonicidade, localização do ditongo na estrutura morfológica da
palavra, status fonológico do ditongo, natureza da origem da palavra, sexo, idade e renda
do informante.
De acordo com a variável classe morfológica, as palavras foram separadas em cinco
grupos: verbo, substantivo, adjetivo, numeral e pronome; os resultados mostram que há
relação entre esse fator e a aplicação da regra de monotongação do ditongo /ow/.
Quanto ao fator tonicidade, as palavras foram consideradas em função de o ditongo
se encontrar em sílaba tônica ou átona; em nossa amostra, essa variável não interfere na
redução de /ow/, que é reduzido independentemente da incidência de acento na sílaba em
que ocorre. Esses resultados diferem dos de Cabreira (1996) e dos de Silva (1997), para
quem a tonicidade foi a variável estrutural mais favorável à aplicação da regra de redução
do ditongo /ow/, no sentido de as sílabas tônicas favorecerem o processo.
22 Sobre a necessidade de distinção lingüística ver Kroch (1976).
87
A localização do ditongo na estrutura morfológica da palavra, isto é, o fato de o
ditongo se encontrar na base (radical) ou no sufixo da palavra, não influencia o processo de
monotongação, que se processa igualmente tanto num quanto no outro tipo de morfema.
Silva (1997) chegou a resultados semelhantes quanto à atuação dessa variável na variedade
falada em João Pessoa.
A observação do status, ou valor, fonológico do ditongo tinha por objetivo verificar
se o fato de a monotongação provocar ambigüidade (por coincidir com outra forma
existente na língua) influenciava na aplicação da regra; os resultados mostram que esse
fator não exerce qualquer influência na realização variável do ditongo /ow/, de onde
concluímos que nas amostras de fala por nós analisadas a oposição funcional entre pares de
palavras como coro/couro, posar/pousar não se realiza foneticamente. Silva (1997) chegou
a resultados afins aos nossos, mas Cabreira (1996) concluiu que o caráter funcional da
monotongação é relevante no sentido de que o ditongo quando não fonológico é mais
passível de redução.
A variável natureza de origem/uso da palavra, segundo a qual as palavras foram
divididas em comuns e específicas, não tem relação com a redução do ditongo /ow/, ou
seja, o fato de uma palavra ter origem ou uso específicos ou restritos a um determinado
campo do conhecimento (medicina, informática e outros) não influencia no menor ou maior
índice de emprego da forma monotongada.
De acordo com a variável idade, os informantes foram divididos em três faixas
etárias, A (de 15 a 25 anos), B (de 26 a 45 anos) e C (de 46 anos em diante); os resultados
mostram que não há diferenças significativas entre as variedades faladas por esses três
grupos no que concerne à aplicação da regra em estudo. A inexistência de correspondência
entre a idade dos falantes e a monotongação do ditongo /ow/, assim como a freqüência
sempre muito alta da forma reduzida /o/ podem ser indicadores de que não se trata de um
caso de mudança em curso. Por outro lado, não podemos falar em “substituição do ditongo
pela vogal simples” (Cabreira 1996, p.93) porque não há nada nos dados que nos autorize a
supor que algum dia o ditongo conservado foi a variante optimal (ou a norma), ao
contrário, e pelo que se vê pelos resultados referentes à escolaridade, parece que a variante
/o/ é a norma na língua falada e a forma /ow/, produto da restauração do ditongo com base
na escrita, é a variante minoritária. De qualquer maneira, seria perigoso generalizar os
88
nossos resultados estendendo-os para o conjunto das variedades do português brasileiro,
donde insistimos na necessidade de aumentar o volume de pesquisas a respeito desse
fenômeno, incluindo na amostra informantes menores de 15 anos e controlando mais
sistematicamente a interferência do nível de escolarização para poder chegar a conclusões
menos parciais.
A variável sexo não foi considerada relevante para a redução do ditongo /ow/,
donde inferimos que as relações sociais de gênero na comunidade alvo da presente pesquisa
não se manifestam na aplicação dessa regra lingüística: mulheres e homens monotongam o
ditongo de forma praticamente equivalente. Cabreira (1996) e Silva (1997) chegaram a
resultados muito próximos aos nossos.
Conforme o nível de renda, os informantes foram agrupados em duas faixas, sendo
que em uma foram considerados aqueles de renda baixa e na outra, os de renda média. Os
resultados mostram que a renda do informante não interfere na realização da regra
lingüística observada, o que nos leva a reiterar a hipótese de que, na verdade, as diferenças
significativas relacionadas ao uso do ditongo se devem à influência da escolarização. Não
obstante, é preciso considerar que em sociedades como a brasileira existe uma correlação
entre as condições de acesso à escolarização e as condições econômicas dos indivíduos, e
na população alvo desta pesquisa essa correlação pode ser evidenciada pela raridade de
informantes com idade entre 15 e 25 anos sem escolaridade e de renda média, que contrasta
com a relativa facilidade de encontrar o mesmo tipo de informante mas de renda baixa,
decidimos fazer um cruzamento entre essas duas variáveis para verificar em que medida
elas se correlacionam. Os resultados dessa rodada corroboram os resultados das rodadas
individuais e ratificam a hipótese de que o nível de renda do informante não interfere na
monotongação do ditongo /ow/, entretanto, não podemos deixar de observar que o fato de
termos agrupado os informantes em dois níveis de renda bastante amplos, desconsiderando
níveis intermediários, pode ter influenciado os resultados referentes a essa variável.
4.3.2. DITONGO /EJ/
Na análise do ditongo /ej/, foram descartadas as seguintes variáveis lingüísticas:
classe morfológica da palavra, tonicidade, posição do ditongo na palavra, status fonológico
89
do ditongo e contexto fonético precedente; dentre as variáveis sociais não selecionadas tem-
se as mesmas vistas acima para ditongo /ow/: idade, sexo e renda.
A variável classe morfológica da palavra não influência a monotongação do
ditongo /ej/. Araújo (1999) chegou a resultados semelhantes quanto à atuação pouco
significativa dessa variável na aplicação de regra em estudo.
Os resultados mostram que a tonicidade da sílaba também não interfere na redução
de ej a e, que acontece independentemente de o ditongo se encontrar em sílaba tônica ou
átona. Esses resultados estão de acordo com os de Paiva (1996), assim como com os de
Cabreira (1996), mas diferem dos resultados de Silva (1997) e daqueles de Araújo (1999),
para quem o traço tonicidade da sílaba se mostrou importante na aplicação da regra.
A variável posição do ditongo na palavra foi subdividida em três possibilidades:
inicial, medial e final, em nenhum dado do corpus o ditongo /ej/ ocorreu em início de
palavra, restando então apenas as posições medial e final. Como em posição final a
manutenção do ditongo é categórica, essa variável teve de ser retirada da análise.
Quanto ao valor fonológico do ditongo, os dados foram separados conforme a
aplicação da regra de redução fosse fonológica ou apenas fonética, isto é, implicasse ou não
diferença de significado, os resultados mostram que essa variável não influencia a aplicação
da regra de monotongação do ditongo /ej/. Silva (1997) chegou a resultados diferentes, mas
a própria autora considera a possibilidade de ter havido superposição entre esta variável e a
variável contexto fonético seguinte.
O contexto fonético precedente também não mostrou relevância no processo de
redução do ditongo /ej/, a resultados afins chegaram também Silva (1997) e Araújo (1999).
As variáveis sexo, idade e renda foram considerados irrelevantes para a
monotongação do ditongo /ej/. Silva (1997) chegou a resultados semelhantes. Para as
variedades do Rio de Janeiro (Paiva, 1996) e de Caxias-MA (Araújo, 1999) a idade do
informante é relevante para a redução desse ditongo; para as variedades analisadas por
Cabreira (1996) a variável sexo demonstrou influência sob o processo em pauta, no sentido
de as mulheres usarem mais a forma mais a forma reduzida.
90
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao chegarmos ao final deste trabalho, a sensação é um misto de alívio e de ânsia:
alívio porque conseguimos, mesmo se ainda com muitas lacunas, conclui-lo; ânsia porque
sentimos que é apenas o começo... E é assim, como um começo, que gostaríamos que fosse
visto o presente estudo, pois só dessa maneira é que se poderá entender a consecução do
seu objetivo maior, qual seja o de iniciar um processo de investigação da variedade
lingüística na região da Transamazônica e Xingu. Quanto aos nossos objetivos mais
operacionais, as principais conclusões são apresentadas a seguir.
Analisando a realização variável dos ditongos /ow/ e /ej/ no português falado em
Altamira-PA, duas constatações saltam primeiro aos olhos, confirmando para a variedade
em foco o que já se verificou para outras variedades do português brasileiro: a redução do
ditongo /ow/ é um processo bem mais geral do que a do ditongo /ej/; a monotongação
destes ditongos é fortemente influenciada pelo nível de escolarização do falante, no sentido
de os mais escolarizados aplicarem menos a regra do que os menos escolarizados. Vejamos,
mais particularmente, a que fatores estão relacionados estes resultados.
Fatores Lingüísticos
Ditongo /ow/
Apesar de ser muito baixo o índice de variação entre as formas /ow/ e /o/ no corpus
analisado, dado o uso quase categórico da segunda variante independentemente de
condicionamentos fonéticos, o programa de análise probabilística considerou relevantes
para a monotongação do ditongo /ow/ as variáveis posição do ditongo na palavra, contexto
fonético seguinte e contexto fonético precedente. No primeiro caso, é a posição final de
vocábulo o ambiente mais propício para que a redução ocorra (.77), assim, palavras como
passou, vou e sou se realizam com a forma reduzida e não com o ditongo conservado:
a) aí [pa"so] uns tempu... (MA2b)
b) eu ["vo] voltá a istudá (MB2b)
c) não... eu ["so]daqui mesmu (MB2m)
Em posição inicial e medial, a probabilidade de redução cai para (.08) e (.27),
respectivamente. É preciso insistir no fato de que não se pode entender estes resultados de
maneira polarizada, as posições inicial e medial não retêm o ditongo, apenas exercem uma
91
influência menos forte na sua redução do que a posição final, ou, em outros termos, trata-se
tão somente de uma diferença de grau. A única ressalva a se fazer diz respeito ao ditongo
/ow/ resultante da vocalização da lateral /l/ (que nos dados analisados ocorre sempre em
posição interna, ou medial), pois nesse caso específico e diante da consoante dental /t/ a
retenção da semivogal /w/ é categórica:
a) agora eu tô [sow"te|å] (FB2b)
b) eli nunca mais [vow"to] pra casa (FA2b)
c) aí u cachorru si [sow"to] i foi a maió confusão (FC3m)
Em outros contextos, não obstante o /w/ ser resultado da vocalização de /l/, o ditongo está
em variação com a forma reduzida /o/:
a) aí eli si [i_vo"vew] cum coisa qui num presta (MB2m)
b) eu [Hezo"vi] logu essi problema (MA3b)
c) vai dependê du [i_vowvi"me)tu] das pessoas (MB3b)
Quanto à influência do contexto fonético seguinte, os resultados apontam os
segmentos velares [k g] e os labiais [b p f v m] como mais favorecedores (.87) e (.86),
respectivamente; o tepe [|] (.40), as consoantes alveolares [z s l n] (.19), a pausa [¼] (.19) e
as dentais [t d] (.25) são apontados como menos favorecedoras da redução do ditongo /ow/.
No que diz respeito ao condicionamento exercido pelo contexto fonético precedente,
percebe-se uma tendência praticamente contrária à que se vê com relação ao contexto
seguinte: aqui, o tepe, a pausa, as dentais e as alveolares é que são os segmentos de maior
influência na aplicação da regra, com probabilidades de (.83), (.70), (.65) e (.59),
respectivamente; as velares mantêm um condicionamento forte aqui também (.66); os
segmentos glotais (.12) e labiais (.19) atuam no sentido de inibir o apagamento da
semivogal posterior.
Insistimos na necessidade de que estes resultados sejam interpretados dentro de um
continuum de força de condicionamento, na qual uns segmentos influenciam mais a
monotongação e outros a influenciam menos, pois a visão equívoca destes segmentos como
termos de uma dicotomia perda x retenção do ditongo pode mascarar uma conclusão, de
outro modo inquestionável: a vogal reduzida [o] resultante da monotongação é a variante
optimal e o ditongo conservado [ow] é a variante minoritária na população alvo desta
pesquisa.
92
Ditongo /ejej/
A redução do ditongo /ej/ é lingüisticamente condicionada pelos fatores localização
do ditongo na estrutura morfológica da palavra, contexto fonético seguinte e natureza de
origem/uso da palavra. Quanto ao primeiro fator, concluímos que se o ditongo ocorrer no
radical, ou morfema lexical, da palavra a probabilidade de redução é maior (.70) do que se
ele estiver localizado no sufixo (.14).
No que diz respeito à influência exercida pelo contexto fonético seguinte,
constatamos que a redução à vogal simples é praticamente categórica quando o ditongo está
diante de tepe [|] (.99); segmentos palatais [S Z] também favorecem sobremaneira a
monotongação de /ej/ (.64). Quando seguido por segmentos dentais, alveolares, e por pausa
(isto é, em final de palavra) este ditongo não sofre redução.
Consideramos frágeis os resultados referentes ao terceiro e último fator lingüístico
apontado pelo programa estatístico como relevante para redução de /ej/ e /e/ (natureza de
origem/uso da palavra); este fator foi postulado precisamente porque há alguns dados no
corpus estudado em que o ditongo mesmo diante de um segmento altamente favorecedor de
redução, como o tepe, não é reduzido. Acreditamos que essa resistência da semivogal /j/
num ambiente onde a mesma é muito vulnerável ao apagamento tem relação com a
natureza de uso (específico ou geral) da palavra em que o ditongo ocorre, mas essa relação
precisa ser esclarecida, pois não está claro o que determina a especificidade ou a
generalidade do uso de uma palavra. Outro aspecto duvidoso nessa questão diz respeito à
representatividade estatística no corpus desse tipo de dado: será que apenas 20 ocorrências,
num conjunto de 1406, não tornam essa análise um tanto quanto problemática? Por outro
lado, desconsiderar por completo esses dados não implicaria um pouco de miopia?
Esperamos poder, em momento mais oportuno, voltar à discussão deste ponto com mais
dados e com critérios mais bem definidos de análise.
Fatores Sociais
A escolaridade foi selecionada pelo programa estatístico como relevante para a
aplicação da regra de monotongação de ambos os ditongos em foco, no sentido de que
quanto menos escolarizado o informante mais alto é o índice de aplicação da regra. Aqui
93
também é preciso entender que não há uma distribuição antagônica entre uso do ditongo
conservado x falantes escolarizados e uso do monotongo x falantes não escolarizados, todos
os informantes, independentemente de seu nível de escolaridade, usam as formas reduzidas,
mas esse uso diminui à medida que aumenta a escolarização.
Os resultados referentes à influência da variável escolaridade na aplicação da regra
de redução dos ditongos sob análise confirmam a tese defendida por Kato (2000) segundo a
qual o letramento produz uma segunda fala nos indivíduos que passam por esse processo;
estão também, e por conseguinte, de acordo com o que defende Bourdieu (1996): a escola é
um dos principais agentes de inculcação da língua legítima, ou de um uso legítimo dessa
língua. A questão que se coloca, ainda de acordo com este autor, é que em sociedades
socialmente complexas as condições de acesso ao conhecimento da língua considerada
legítima são desigualmente distribuídas, assim sendo, são apenas os grupos já detentores de
um certo capital (econômico, cultural) que têm condições reais de se apropriar do
conhecimento e, conseqüentemente, do uso da língua socialmente aceita, de onde se deduz
que as diferenças lingüísticas retraduzem diferenças inscritas em relações sociais mais
amplas.
Embora concordemos com essa proposição de Bourdieu, não podemos concordar
pacificamente com a inevitável ilação que dela advém, a saber a condenação daqueles que
não têm o domínio da língua legítima à exclusão dos universos sociais onde ela é exigida
ou ao silêncio, porque pensamos, como Mollica (1998), que “Os padrões lingüísticos se
distribuem de forma escalar tanto diatópica quanto diastraticamente” (1998, p. 15) e não de
uma maneira rigidamente polarizada padrão legítimo x padrão não legítimo. Assim, sem
deixar de levar em conta as implicações sociais da variação lingüística, mas entendendo que
essas diferenças no uso da língua estão distribuídas num complexo social continuum,
acreditamos que as relações lingüísticas são construídas, desfeitas e reconstruídas cotidiana
e simultaneamente às relações sociais mais amplas das quais elas são, a um só tempo, causa
e conseqüência.
Contrariando um pouco o ‘beco sem saída’ que nos foi vaticinado por Bourdieu:
“...enquanto ignorarem o limite que é constitutivo de sua ciência, os lingüistas não têm
alternativa senão buscar desesperadamente na língua o que está inscrito nas relações sociais
nas quais ela funciona, ou fazer, sem o saber, sociologia” (1996, p. 24), gostaríamos de
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dizer que já existem muitos trabalhos no Brasil apontando as contribuições potenciais e
reais trazidas pela pesquisa sociolingüística, tanto para a descrição das diversas variedades
do português brasileiro quanto para o ensino mais eficaz e menos preconceituoso da língua
materna. Sobre o tema de que nos ocupamos no presente trabalho e sua relação com o
processo de alfabetização há o trabalho excelente de Mollica (1998, op. cit).
Numa sociedade como a nossa, em que o desempenho escolar, entenda-se aí
também lingüístico, dos sujeitos pode determinar seu futuro, não apenas enquanto
indivíduos mas também como coletividade, o pesquisador em lingüística deve sim
reconhecer “o limite que é constitutivo de sua ciência”, mas não para a ele se acomodar ou
para usá-lo como justificativa para sua neutralidade supostamente científica. Conhecer bem
nosso objeto de estudo (a língua falada), tentar descrever rigorosamente suas propriedades,
investigando os condicionamentos e as pressões sociais envolvidos e discutindo as
possíveis relações com a apropriação da escrita para daí oferecer contribuições válidas, não
vai ‘mudar a realidade’, bem o sabemos, mas pode ser uma forma honesta, embora não
muito fácil nem tampouco imediata, de contribuir para que ela seja melhor, pois
“Estes tipos de teorias crescem vagarosamente: emergem da sujeira e das ruínas do
cotidiano, nunca totalmente livres de erros de mensuração e outras irregularidades comuns.
Tomam forma, crescem fortes e confiáveis na medida em que mantêm relação com o
cotidiano e enquanto são cultivadas por aqueles que o compreendem. Sua beleza repousa,
não em sua simplicidade ou em sua simetria, mas na forte relação com a realidade” (Labov,
1981, apud Tarallo, 1997, p.80).
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ANEXOS