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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE NIVEL MESTRADO MARY LOURDES SANTANA MARTINS RIOS, ESTUARIOS E MANGUES: A MULHER NA PESCA ARTESANAL SÃO CRISTÓVÃO / SE FEVEREIRO/ 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

NIVEL MESTRADO

MARY LOURDES SANTANA MARTINS

RIOS, ESTUARIOS E MANGUES: A MULHER NA PESCA ARTESANAL

SÃO CRISTÓVÃO / SE FEVEREIRO/ 2013

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MARY LOURDES SANTANA MARTINS

RIOS, ESTUARIOS E MANGUES: A MULHER NA PESCA ARTESANAL

Dissertação apresentada por Mary Lourdes Santana Martins em 25 de fevereiro de 2013 à banca examinadora constituída pelos doutores: Prof. Dr. Ronaldo Gomes Alvim Universidade Federal de Sergipe - Orientador Prof. Dr. Cristiano Wellington Noberto Ramalho Universidade Federal de Sergipe – Coorientador Profa Dra. Lígia Albuquerque de Melo Fundação Joaquin Nabuco (FUNDAJ) – Examinadora externa Profa. Dra. Maria José Nascimento Soares Universidade Federal de Sergipe – Examinadora interna

SÃO CRISTÓVÃO/SE FEVEREIRO/ 2013

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Martins, Mary Lourdes Santana

M386r Rios, estuários e mangues: a mulher na pesca artenasal / Mary Lourdes Santana Martins; orientador Ronaldo Gomes Alvim. –

São Cristóvão, 2013. 140 f. : il. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente)–Universidade Federal de Sergipe, 2013.

O 1. Pesca artesanal. 2. Mulheres – Condições sociais. 3.

Itaporanga D’Ajuda (SE). I. Alvim, Ronaldo Gomes, orient. II. Título.

CDU: 639.21-055.2(813.7)

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A minha querida irmã Ana Karina Santana Martins, e ao meu amado pai William de Oliveira Martins

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me conceder a graça de conviver com pessoas/anjos cuja simples

presença em minha vida contribuiu direta ou indiretamente para a concretização deste

trabalho.

A painho pelo constante incentivo para percorrer e ultrapassar os meandros da vida

pessoal e acadêmica. A minha mãe pelo apoio durante esta empreitada.

A minha irmã Karina pela companhia, paciência, palavras de conforto durante os

inúmeros momentos de angústia, apreensão e insegurança, e por ter lido meu trabalho “500

vezes”!! rsrs.

A todos os meus sobrinhos, em especial Mellyssa por ter feito o levantamento dos pontos

de pesca para a elaboração do mapa, e Laryssa por compreender minhas ausências e meus

momentos de impaciência e stress.

Ao Prof. Orientador Ronaldo Gomes Alvim, por me acolher, pela confiança depositada e

pelas constantes palavras de incentivos.

Ao Prof. Coorientador Cristiano Ramalho pela partilha generosa de conhecimentos que

contribuíram para a compreensão da complexidade que envolve o universo da pesca.

A Profa. Maria José Nascimento Soares toda a minha gratidão por ter me proporcionado

a oportunidade de fazer ciência, quando lá em 2007, me aceitou como bolsista no Programa

de Iniciação Científica. Essa conquista é com certeza produto desses anos de trabalho, nos

quais partilhou de forma generosa o saber necessário à arte da ciência.

Aos colegas da Turma Prodema 2011, cujas conversas e risadas contribuíram para que o

mestrado se constituísse uma experiência mais leve e menos traumática.

Agradeço de modo especial às meninas do “quarteto fantástico” (Ana Bárbara, Mel,

Camila e Mariana) pelo companheirismo, atenção e carinho. E, ao nobre colega Roberto

Wagner a quem recorri tantas vezes para me socorrer durante os sufocos da informática,

sobretudo, agora na etapa final.

A Andrea e a Camilinha pela amizade, consideração e carinho de sempre, e pelo esforço

e preocupação em tentar recuperar o meu arquivo. Camilinha, a você sou muitíssimo grata

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também por ter me emprestado a 4ª, 5ª e a 7ª temporadas da série Grey´s Anatomy, cujos

episódios constituíram-se em santo remédio para me livrar dos pesadelos com a dissertação

rsrsrs.

A Profa. Roseane Gomes por dedicar seu tempo para tirar minhas dúvidas, indicar

material e ouvir minhas angústias.

A minha amiga/irmã/psicóloga Roseli, a quem serei eternamente grata por se fazer

presente e paciente, ouvindo meus desabafos e anseios, pelas palavras de encorajamento e por

me ajudar a manter a sanidade rsrs.

As amigas Joelma, Juciara e Nayara pelo apoio de sempre. A Sérgio por ter recuperado

meu arquivo corrompido.

Aos motoristas Sr. José dos Anjos, Sr. Gilmar, Sr. Paulo Pita por me conduzirem com

segurança e tranquilidade nas viagens à Itaporanga. Agradeço de modo especial ao Sr.

Amaral, pois, além de me conduzir com segurança, também me proporcionou ótimos

momentos de descontração, diminuindo assim a tensão das primeiras visitas a campo.

A todo pessoal da secretaria Aline, D. Julieta e os bolsistas (Val, Wanderson, Luzia,

Amanda, Jenifer e Janiele) pela atenção e presteza.

As pescadoras da Comunidade Ilha do Beto, que com coragem e determinação lançam-se

rio adentro, e ao margearem os rios, estuários e mangues transformam o dificultoso e

desafiador cotidiano da pesca, numa experiência bela, alegre e sábia. Agradeço de modo

especial a D. Vera, por ter me acolhido com afeto, apresentando-me à comunidade

possibilitando o desenvolvimento deste trabalho. A D. Fátima, aos meninos Kiko e Marcos, e

aos pescadores Zé Neri e Flodoaldo por facilitar meu acesso a Ilha.

A CAPES, pela concessão da bolsa de estudo.

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Minha profissão é muito importante, foi o serviço que aprendi.

Eu sinto prazer de ser pecadora! Eu acredito que trabalho nenhum envergonha a gente

Eu me sinto orgulhosa da minha profissão, sou digna daquilo que faço! (Pescadoras da Ilha do Beto. Itaporanga D´Ajuda/SE)

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RESUMO

A pesca constitui uma das atividades produtivas mais antigas do mundo que ao longo do tempo foi realizada predominantemente por homens. A participação feminina neste setor ocorreu inicialmente de forma indireta, quando à mulher cabia a responsabilidade do beneficiamento e comercialização do pescado, a confecção e reparo dos instrumentos utilizados pelo homem para a realização da atividade. As dificuldades socioeconômicas que permeiam o cotidiano das comunidades que sobrevivem da exploração dos recursos pesqueiros constituem fatores determinantes para a inserção da mulher de forma direta na pesca. Assim, elas ocupam as margens de rios, estuários e mangues trabalhando diretamente na captura de peixes, moluscos e crustáceos para atender as necessidades de sobrevivência de suas famílias. Desta forma, a participação feminina na aludida atividade constitui uma alternativa de subsistência, fonte de trabalho e renda para inúmeras famílias em todo o país. Todavia, a atuação da mulher neste universo ocorre, com algumas exceções, num contexto de invisibilidade e desvalorização do seu trabalho, entendido como extensão das tarefas domésticas e não como pesca propriamente. Essa realidade suscitou o interesse em desenvolver um estudo, cujo objetivo principal foi analisar a importância e as atribuições da mulher na pesca artesanal, numa comunidade denominada Ilha do Beto situada município de Itaporanga D´Ajuda/SE. Além disso, a presente pesquisa buscou também investigar os significados que as pescadoras atribuem ao lugar de vida e trabalho, haja vista a íntima relação que o cotidiano da pesca proporciona. Para alcançar os objetivos propostos, a metodologia utilizada fundamentou-se na abordagem qualitativa, que se propõe não apenas descrever, mas, sobretudo analisar e compreender a realidade dos sujeitos pesquisados. Foram também adicionados à estrutura metodológica, pressupostos da história oral e aspectos da abordagem etnográfica. O desenvolvimento da pesquisa no campo empírico ocorreu mediante trabalho de campo com a realização de entrevistas semiestruturadas, conversas informais, observação direta, turnê guiada, registro fotográfico e georreferenciamento. A realização deste trabalho permitiu identificar quão importante e singular é a atuação da mulher nesta atividade, cujo envolvimento e participação não estão limitados simplesmente a uma “ajuda”. As pescadoras que compuseram a amostragem desta pesquisa reconhecem que o trabalho desempenhado na pesca, é tão essencial quanto àquele realizado por seu companheiro, contribuindo significativamente para a formação da renda familiar. Ademais, no que se refere à relação das pescadoras com o lugar, pôde-se constatar que a Ilha do Beto corresponde não somente ao local onde é possível atender as necessidades de trabalho e renda, mas também o lugar onde são estabelecidas importantes relações sociais e afetivas entre os indivíduos, e entre estes e o entorno. Palavras-Chave: Pesca artesanal, mulher, lugar.

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ABSTRACT

Fishing is one of the oldest productive activities of the world over time was done mainly by men. Female participation in this sector was initially indirectly, when the woman fell to the responsibility of processing and marketing of fish, the manufacture and repair of instruments used by man for that activity. The socioeconomic difficulties that pervade the daily lives of communities that survive the exploitation of fishing resources are decisive factors for the inclusion of women directly in fishing. Thus, they occupy the margins of rivers, estuaries and mangroves working directly in the capture of fish and shellfish to meet the survival needs of their families. Thus, female participation in the activity provides an alternative livelihood source of employment and income for many families across the country. But the role of women in this universe occurs with some exceptions in the context of invisibility and devaluation of their work, understood as an extension of domestic chores and not as fishing itself. This reality has stimulated the development of this study, whose main objective was to analyze the importance and responsibilities of women in fishing, a community named Ilha do Beto municipality located Itaporanga D'Ajuda / SE. Furthermore, this study also sought to investigate the meanings that attach to the fisherwomen place of life and work, given the close relationship that provides daily fishing. The methodology used in the study is based on a qualitative approach, which aims not only to describe, but to analyze and understand the reality of the people surveyed. The methodological structure still relied on assumptions of oral history and ethnographic research. The development of empirical research in the field occurred with the realization of semi-structured interviews, informal conversations, direct observation, guided tours, photographic recording and georeferencing. This work identified the importance and uniqueness of female engagement in this activity, whose involvement and participation are not limited simply to a "help". The fishers who participated in this study recognize that the work performed in fishing, is as essential as the one held by her husband, contributing significantly to the formation of family income. Moreover, it was found that the Island Beto corresponds not only to the place where you can meet the needs of work and income, but also the place where important personal relationships are established between individuals, and between them and the environment.

Keywords: Small-scale fishing, woman, place.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 Vila de Pescadores 28

Imagem 2 Reunião para apresentação da pesquisa para a comunidade de pescadores

31

Imagem 3 Conversa informal com as pescadoras na comunidade 31

Imagem 4 Colônia de Pescadores 78

Imagem 5 Redinha utilizada para a captura de peixe e camarão. 90

Imagem 6 Espécie de peixe pequena capturada com petrecho de garrafa pet 91

Imagem 7 Instrumento fabricado com garrafa pet e arame 91

Imagem 8 Tarrafa 91

Imagem 9 Rede de cacear 91

Imagem 10 Grozeira 91

Imagem 11 Ratoeira 92

Imagem 12 Pescadora demonstrando utilização do facão. 92

Imagem 13 Planta Pneumatofita 92

Imagem 14 Captura do sururu. 93

Imagem 15 Captura do sururu. 93

Imagem 16 Estratégia para evitar que a água invada o barraco durante a maré grande

98

Imagem 17 Momento de pausa para descanso e refeição 100

Imagem 18 Maçunim após a coleta 101

Imagem 19 Maçunim após retirada do casco 101

Imagem 20 Posições para a coleta do Maçunim 101

Imagem 21 Posições para a coleta do Maçunim 101

Imagem 22 Posições para a coleta do Maçunim 101

Imagem 23 Pescadoras migrando para áreas secas 102

Imagem 24 Pescadoras capturando molusco com a maré enchendo 102

Imagem 25 Cozimento do maçunim 103

Imagem 26 Mulheres desmiolando pescado no quintal dos barracos 103

Imagem 27 Mulheres desmiolando pescado na frente dos barracos 103

Imagem 28 Armazenamento em isopor com gelo para conservação do pescado 104

Imagem 29 Demonstração da diversidade de pescado capturado 106

Imagem 30 Rio Vaza Barris 110

Imagem 31 Pescado a ser separado pelas pescadoras 110

Imagem 32 Separação do pescado 110

Imagem 33 Camarão após processo de separação 110

Imagem 34 Busca da lenha 112

Imagem 35 Mulheres separando e cortando a lenha 112

Imagem 36 Mulheres colocando a lenha no barco para retornar à Ilha 112

Imagem 37 Outros produtos encontrados durante a extração da lenha 113

Imagem 38 Ponto de captação de água. 113

Imagem 39 Demonstração do transporte da água. 113

Imagem 40 Imagens da Ilha do Beto 115

Imagem 41 Paisagens que circundam a Ilha do Beto 117

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Demonstrativo dos povoados que tem relação com a pesca no município de Itaporanga D´Ajuda/SE.

77

Quadro 2 Demonstrativo das espécies de pescado, ambiente e instrumentos utilizados para a captura.

90

Quadro 3 Demonstrativo das Localidades do pescado na região 94

Quadro 4 Demonstrativo dos valores de pescado 105

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapa do Município de Itaporanga D´Ajuda 24

Figura 2 Mapa dos principais pontos de pesca 95

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Distribuição das pescadoras por faixa etária 82

Gráfico 2 Pescados priorizados pelas mulheres 89

Gráfico 3 Destino do Pescado 104

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SUMÁRIO

Introdução 21

Mulheres na pesca artesanal: primeiras notas 21

1 Um olhar sobre o surgimento da pesquisa 24 1.1 Construto Metodológico 29

1.2 Análise dos dados 33

2 Pescando conhecimentos: tecendo as bases teóricas 37

2.1 Origem e peculiaridades da atividade pesqueira 37

2.2 Aspectos Gerais da atividade pesqueira em Sergipe 41

2.3 Territórios da pesca: espaços de sobrevivência, conhecimentos e sociabilidade

44

2.4 As condições objetivas e subjetivas da pesca artesanal 46

2.5 Comunidades Pesqueiras e o universo da pesca: relações e desafios 50

2.6 Da terra ao mar: a dimensão espacial do trabalho feminino na pesca 53

2.7 O ingresso da mulher na pesca: diferentes razões 55

2.8 A mulher no universo da pesca: da invisibilidade ao protagonismo 59

2.9 A relação da mulher com o entorno socioambiental 63

2.10 A categoria de análise “lugar” e seu contributo para compreensão das interações com o ambiente

65

2.11 A concepção de lugar segundo a Geografia Humanista 69

3 A pesca artesanal na Ilha do Beto: capturando a essência do trabalho feminino

75

3.1 Aspectos históricos da pesca em Itaporanga D‟ Ajuda 76

3.2 A participação da mulher na pesca em Itaporanga 80

3.3 As pescadoras da Ilha do Beto: Quem são elas? 81

3.4 A pesca e seus significados: o que dizem as pescadoras da Ilha do Beto 86

3.5 Características da pesca na Ilha do Beto 89

3.6 Localização dos Pontos de Pesca 94

3.7 A Dinâmica de pesca na Ilha do Beto 96

3.8 Colheres, facão, baldes e cestos: rumo à coleta do maçunim 100

3.9 Redes na maré: os desafios da pesca noturna 106

3.10 Além da pesca, outras ocupações das mulheres: Água e Lenha 112

3.11 Entre rios, estuários e mangues: Um Lugar chamado Ilha do Beto 115

3.12 A história do lugar: com a palavra as pescadoras 117

3.13 Vivenciando a Ilha do Beto: conhecendo a realidade 120

4 Costurando e arrematando fios: as considerações da pesquisa 125

5 Referências 128

6 Apêndices 135

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Os Barcos Nos barcos estavam aqueles (as)

que tinham a missão de manter a casa

de trazer o sustento e a comida

(Autor desconhecido)

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INTRODUÇÃO

MULHERES NA PESCA ARTESANAL: PRIMEIRAS NOTAS

No Brasil, o reconhecimento das mulheres como trabalhadoras da pesca é considerado

um fenômeno relativamente novo. Uma das explicações reporta-se ao período histórico de

criação das colônias, no início do século passado, sob a organização da Marinha a qual “[...]

não admitia mulheres em seu quadro, não sendo concedido às pescadoras o direito de se

cadastrarem” (LEITÃO, at all, 2009, p. 2). A efetivação das mulheres como profissionais

neste setor, ocorreu somente duas décadas após a Constituição de 19881. Foi por meio da Lei

nº 11.959, que os direitos das pescadoras artesanais equipararam-se aos dos homens

(ALBUQUERQUE, 2012).

A inserção da mulher neste universo resulta de contextos socioeconômicos distintos,

como apontam os estudos de Ramalho (2006) e Woortmann (1992). Entretanto, observa-se

que as diferentes literaturas que discutem a atuação da mulher nesta atividade, abordam uma

diversidade de aspectos importantes para a análise e compreensão acerca das condições

profissionais de vida deste grupo social.

Maneschy e Álvares (2011), por exemplo, ao analisarem as comunidades pesqueiras

litorâneas das regiões Norte e Nordeste, identificaram que a participação feminina neste setor,

ocorre mediante precariedade, baixa renda e exclusão dos direitos previdenciários e sociais,

condições igualmente observadas por Lima (2003). A este respeito, Motta–Maués (1999)

acrescenta que comumente suas atividade não são reconhecidas como pesca, por passarem

mais tempo em terra, assim como o produtos que capturam não são considerados pescados.

Outro fator referente à realidade da identidade profissional das pescadoras é apresentado por

Martins (2005), ao verificar que as atividades femininas são vinculadas ao homem, nesta

perspectiva suas tarefas são vistas como auxiliares dos companheiros, associadas às tarefas

domésticas.

1 Com a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, artigo 195, a profissão de pescador artesanal é legitimada, incluindo essa categoria no sistema de seguridade social (ALBUQUERQUE, 2012).

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Se por um lado as realidades aqui explicitadas apontam para uma fragilidade da

identidade profissional das pescadoras em razão do não reconhecimento e da invisibilidade de

suas funções, por outro, observa-se uma notável emergência da presença feminina neste setor.

Seja trabalhando diretamente na extração e captura do pescado, ou no beneficiamento e

comercialização destes produtos.

A inserção da mulher na pesca possibilita não somente a produção de alimento e

geração de renda para sua família. Mas, também a manutenção da própria atividade pesqueira

mediante manipulação dos recursos, introdução dos filhos e transmissão de conhecimentos,

apesar das condições adversas enfrentadas na profissão.

É neste contexto de participação e atuação da mulher na atividade pesqueira que se

insere a implementação da presente pesquisa, cujo objetivo consiste em analisar o papel das

pescadoras da cidade de Itaporanga D´Ajuda/SE, bem como os significados atribuídos ao

lugar de vivência e trabalho.

Neste sentido, a proposição deste estudo consiste não somente em investigar as

necessidades e os desafios advindos da atividade pesqueira para a mulher. Sua realização

busca também verificar os significados, as características e a importância que as pescadoras

atribuem ao lugar de vivência e trabalho. A abordagem do Lugar neste estudo é orientada pela

Corrente Geográfica Humanista, cujo Lugar constitui o conceito mais relevante, e por seus

fundamentos considerarem os aspectos da subjetividade e da afetividade humana para

apreensão desta categoria.

O universo deste estudo é a Ilha do Beto, uma comunidade de pescadores localizada

no Povoado Nova Descoberta, em Itaporanga D`Ajuda/SE. A Ilha constitui o espaço para

onde as pescadoras se deslocam para a realização da pesca artesanal, principal fonte de renda

e trabalho para as famílias que ali se encontram. O lugar aqui evidenciado, além de

possibilitar a realização da atividade pesqueira, constitui um local em que se processam

relações sociais e um modo de vida particular, caracterizado por ralações de parentesco,

amizade e vizinhança, fatores determinantes para o acesso e permanência de alguns

moradores neste local.

A realização do presente estudo se justifica em razão da carência de estudos científicos

acerca das mulheres no exercício da atividade pesqueira no Estado de Sergipe, bem como pela

necessidade de analisar seu papel na pesca artesanal. Sua implementação considera-se

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pertinente, pois contribuirá para as discussões acerca da relação da mulher com o seu entorno

socioambiental.

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24

CAPÍTULO - 1

1. UM OLHAR SOBRE O SURGIMENTO DA PESQUISA

A pesca constituiu-se uma atividade que ao longo do tempo foi desempenhada

exclusivamente por homens, todavia, esta característica há muito vem sendo modificado

graças à participação do gênero feminino neste setor. É cada vez maior o número de

mulheres que ocupam as margens de rios, estuários e mangues trabalhando diretamente na

captura de crustáceos e moluscos, além de atuarem no beneficiamento dos produtos e na

confecção e reparo dos apetrechos de pesca.

Todavia, apesar de sua importante atuação neste setor, a literatura consultada para a

fundamentação deste estudo, com algumas exceções aponta para a existência de atribuições

ocupacionais distintas entre homens e mulheres. Devido a esta divisão sexual do trabalho, em

algumas comunidades as tarefas incumbidas à mulher são entendidas como secundárias.

O expressivo número de mulheres que atuam na pesca artesanal é uma realidade

também encontrada em Sergipe. Nesta perspectiva, surge o interesse em realizar um estudo

com a finalidade de revelar o papel desempenhado pelas pescadoras do município de

Itaporanga D´Ajuda, situada no litoral sul do Estado, distante 30 km da capital (Figura 1).

Figura 1: Mapa do Município de Itaporanga D´Ajuda Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado de Sergipe (SEPLAG).

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O município encontra-se inserido entre três Bacias Hidrográficas, a saber: a do Rio

Vaza-Barris que corresponde a drenagem principal, e uma das mais importantes bacias do

território sergipano; a do Rio Sergipe e a do Rio Piauí (BONFIM et al, 2002). A região

caracteriza-se pela presença de ecossistemas2 como Mata Atlântica, restingas, manguezais,

campos alagados e a praia da Caueira.

Por abrigar este importante conjunto de ecossistemas, Itaporanga juntamente com mais

três municípios (Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba) faz parte da Área de Proteção

Ambiental do Litoral Sul, criada através do Decreto nº 13.468. A região que abrange os

quatro municípios faz parte de um complexo estuarino, cuja delimitação compreende um dos

estuários mais ricos em termos de produção pesqueira no Estado.

A proposta de criação da APA do Litoral Sul de Sergipe constituiu-se a única

alternativa possível para conservação dos ecossistemas e demais atributos ambientais e

culturais da região, colaborando neste sentido, para a sobrevivência, desenvolvimento e

reconhecimento das populações tradicionais extrativistas de pescadores e catadores de

mangaba da região.

A motivação em realizar um trabalho desta natureza surgiu durante o

acompanhamento das atividades de campo realizadas pelo Prof. Dr, Ronaldo Gomes Alvim,

para atender aos propósitos da pesquisa intitulada “Plano de Intervenção socioambiental na

região da Área de Proteção Ambiental do Litoral Sul de Sergipe”, cujo objetivo consistiu em

desenvolver atividades sócio-educativas como alternativas de geração de emprego e renda

para a comunidade.

Nesta perspectiva, o trabalho de campo constituiu-se de visitas a quatro municípios

sergipanos (Itaporanga D´Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhi e Indiaroba), com a

finalidade de verificar a relevância da pesca artesanal para as populações destas localidades.

As visitas periódicas às colônias de pescadores, das referidas localidades, permitiu identificar

que a exploração dos recursos pesqueiros, mostra-se significativamente importante para a

2 Ecossistema é qualquer unidade que inclui todos os organismos (a comunidade biótica) em cada área

interagindo com o ambiente físico ocorrendo um fluxo de energia entre as estruturas bióticas claramente definidas e a ciclagem de materiais entre compostos vivos e não vivos. Portanto, um ecossistema é mais que uma unidade geográfica, é uma unidade do sistema funcional com entradas e saídas que podem ser tanto naturais como arbitrárias (ODUM, 2007, p. 18).

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obtenção de sustento e renda de diversas famílias nos quatro municípios. Entretanto, apenas

em Itaporanga D´Ajuda foi verificado uma significativa participação da mulher na pesca. Em

um levantamento prévio junto à colônia de pescadores Z-93, constatou-se que as mulheres

correspondem à maioria no percentual de cadastros. Muitas possuem seu próprio barco e saem

para pescar em companhia de outras mulheres ou de seus familiares. Desta maneira, elas

sustentam a casa com a comercialização do pescado, além de cuidarem dos afazeres

domésticos.

O estabelecimento deste contato inicial com os sujeitos da pesquisa foi extremamente

relevante, pois o conhecimento das situações, características e particularidades que envolviam

o contexto das pescadoras, suscitaram as primeiras inquietações e reflexões acerca daquela

realidade, orientando desta forma, os primeiros passos para a pesquisa que seria desenvolvida

posteriormente4.

Outro fator importante que instigou o interesse para realização deste estudo e que

merece ser aqui ressaltado, foi a minha participação no Seminário sobre Pesca Artesanal,

ocorrido no ano de 2010, em Recife/PE5. Este evento possibilitou uma aproximação com os

pescadores e pescadoras (principalmente), bem como o conhecimento de suas questões,

desafios e conquistas no setor pesqueiro. O evento contou com a participação de estudiosos

cujas produções são referências para a discussão e análise de distintas realidades que

envolvem esta temática, como Antonio Carlos Diegues, Lourdes Furtado, Cristiano Ramalho,

entre outros. Os referidos pesquisadores, por meio de suas falas, contribuíram para a

compreensão das características e especificidade que envolve a atividade, assim como o

aprofundamento das questões relacionadas a este universo. Mais que um evento científico, o

seminário constituiu-se um espaço em que o pescador artesanal foi objeto e sujeito das

discussões, mediante exposição e relatos de suas lutas, conflitos, desafios e conquistas.

Ao retomar as atividades de campo referentes à pesquisa desenvolvida pelo professor

Ronaldo Alvim, intensifiquei o contato com a colônia de pescadores para obter as primeiras

informações acerca das pescadoras: o que pescavam, como, onde e com quem realizavam a

3 Nomenclatura utilizada para designar as colônias ou associações dos pescadores e pescadoras. 4Os primeiros contatos com as pescadoras foram realizados durante o processo de elaboração do projeto de mestrado. 5 III Seminário Pesca Artesanal e Sustentabilidade Socioambiental: áreas protegidas e mudanças climáticas & IV Simpósio Pernambucanos sobre mulher e relação de gênero: a participação da mulher na pesca artesanal. Setembro de 2010, Recife – PE. Organização: Fundação Joaquim Nabuco.

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atividade, o conhecimento sobre a ocorrência das espécies de pescado na região, e da

utilização dos artefatos e técnicas utilizadas para a captura.

Algumas pescadoras, segundo o observado, assumem a função de chefes da casa em

razão da ausência dos maridos, que migram para a capital ou para cidades circunvizinhas em

busca de trabalho melhor remunerado. Na maioria das vezes, estes retornam para casa mal

sucedidos, ficando para elas a responsabilidade pelo sustento da família. Diante deste

contexto, as mulheres encontram na pesca a alternativa para o provimento de sua família.

Ademais, quando desenvolvem a pesca com os seus companheiros não consideram seu

trabalho como auxiliar ou complementar, pelo contrário, reconhecem-no como sendo tão

importante quanto o trabalho realizado por seus maridos.

A constatação de uma realidade oposta àquela observada na literatura suscitou o

interesse em realizar esta pesquisa, a qual traz como peculiaridade o reconhecimento por parte

das pescadoras da importância do seu papel na atividade pesqueira cuja participação não se

restringe simplesmente a uma “ajuda”. Pelo contrário, o protagonismo e a autonomia com que

administram ou superam as dificuldades da profissão, constituem uma importante

característica deste grupo de pescadoras. Além disto, a intensa relação que estabelecem com

os ecossistemas naturais instigou um novo enfoque para a pesquisa, que seria o significado

atribuído por elas ao lugar de vida e trabalho.

Quando optei trabalhar com as pescadoras da Sede do Município, imaginava a

princípio que elas realizassem um deslocamento diário para o local apropriado ao

desenvolvimento da atividade (mangue, rio, maré, entre outros) e só retornassem ao final da

tarde com pescado capturado daquele dia de trabalho. Entretanto, ao iniciar o trabalho de

campo, consultou-se a presidente da colônia para fazer o levantamento dos principais bairros

a fim de encontrar um número significativo de pescadoras. Deste modo, descobriu-se que a

grande maioria das pescadoras, realiza a atividade em outra localidade, onde costumam passar

toda a semana, e só retorna no final da semana para comercializar o pescado, contrariando

deste modo, a expectativa inicial.

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Imagem 01 – Vila de pescadores na Ilha do Beto Fonte: MARTINS/2012.

O lugar para onde as mulheres se

deslocam, situa-se no Povoado Nova Descoberta,

e é conhecido por seus moradores como “Ilha do

Beto” ou “Cubanacã” (Imagem 1). A localidade

é freqüentada por pescadores (homens e

mulheres) provenientes da Sede do Município

(maioria) e de povoados vizinhos (Povoado Duro

e Nova Descoberta).

Ao visitar a Ilha pela primeira vez,

acompanhada da presidente da colônia para

apresentar a proposta de pesquisa às pescadoras, encontrei um lugar e um grupo de pessoas

cujas condições de vida e trabalho assentavam-se sob um contexto de limitações

socioeconômicas. Em contrapartida, a Ilha constituiu-se efetivamente o local adequado para

realização do meu trabalho, pois se por um lado, aquele era o local da pobreza e precariedade

das condições de vida e trabalho daqueles sujeitos, por outro, era o local da subsistência, da

beleza cênica dos ecossistemas, do descanso e tranqüilidade para os seus moradores, da

amistosidade e solidariedade entre os mesmos.

O julgamento inicial que fiz da Ilha é resultante da primeira impressão acerca daquele

local, sobre o qual lancei o olhar de visitante carregado de estranheza, apreensão, apatia e

repulsa por não vivenciá-lo cotidianamente. A este respeito, Tuan (1980) faz a seguinte

consideração

São variadas as maneiras como as pessoas percebem e avaliam a superfície da terra. Duas pessoas não vêm a mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem exatamente a mesma avaliação do meio ambiente (TUAN, 1980, p. 6).

Nesta perspectiva, é que emergem pontos de vista e significados diferenciados sobre

determinados lugares e/ou realidades, “[...] é a antítese do gosto desenvolvido por certas

paisagens ou sentimento afetivos por lugares que se conhece bem” (TUAN, 1980, p.108). Por

esta razão, pesquisadora e nativo vêm a Ilha do Beto sob diferentes aspectos. Para a primeira,

em razão do olhar habituado a realidade circundante, a Ilha é o local das restrições impostas

pelo isolamento, pela precariedade de algumas habitações, pelas limitações estruturais, como

saneamento básico, água encanada e energia elétrica. Enquanto para o segundo, a Ilha

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constitui o local de trabalho, descanso e tranquilidade, caracterizado pelo desenvolvimento de

ricas relações sociais entre os indivíduos.

A referida pesquisa objetivou analisar a importância do papel da mulher pescadora na

Comunidade Ilha do Beto/Itaporanga D´Ajuda, Sergipe. Seguindo dos objetivos específicos

que consistem em: demonstrar as atividades desenvolvidas pelas pescadoras; verificar os

significados atribuídos ao lugar; e relatar a história do lugar a partir das narrativas das

pescadoras. Os quais serão apresentados ao longo desta dissertação.

1.1 Construto Metodológico da Pesquisa

Esta é uma pesquisa do tipo qualitativa que se propõe não apenas descrever, mas,

sobretudo, analisar e compreender a realidade dos sujeitos pesquisados. A escolha por este

tipo de pesquisa se deu em razão da necessidade que o estudo requer de apreender o papel

desempenhado pela mulher na atividade pesqueira, bem como identificar as características e

significados atribuídos ao lugar, suscitando desta maneira, como afirmam Amorozo e Viertler

“[...] uma abordagem integrada que inclua não apenas os aspectos mais diretamente

observáveis, mas também, a compreensão do contexto onde ocorrem as interações dos grupos

humanos com o ambiente” (2010, p. 65).

Para identificar os elementos, características e significados que as pescadoras atribuem ao

lugar, foram agregados a esta pesquisa pressupostos da História Oral, propiciando assim

maior fidedignidade aos fatos ocorrente e a organização do cotidiano das pescadoras. Com

essa metodologia torna-se possível entender o olhar do grupo social em estudo,

decodificando-o por meio das suas narrativas o real sentido do lugar, de modo a estabelecer

um contato dialógico, ultrapassando desta maneira os simples olhares de pesquisador/objeto

(SILVA; MARTINS, 2011).

A utilização desta metodologia possibilitou ainda a apreensão e o registro das histórias

e experiências das pescadoras em relação ao seu lugar de vivência e trabalho. Optou-se por

essa estratégia metodológica como forma de privilegiar os sujeitos, ou seja, as pescadoras,

bem como o diálogo e a criação textual desse diálogo, adquirindo por meio das falas e relatos

um material de riqueza informativa e interpretativa. Por isso, as falas das pescadoras foram

evidenciadas ao longo desta dissertação.

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Pode-se incluir também à estrutura metodológica da pesquisa, aspectos da abordagem

etnográfica, haja vista a necessidade de imersão no universo investigado, a fim de estabelecer

uma aproximação do vivido para descobrir os fatos e discuti-los com os sujeitos pesquisados.

Para tanto, foram utilizados alguns instrumentos e procedimentos para a execução da

referida pesquisa, que em seu caráter empírico se deu por meio da realização de um exaustivo

trabalho de campo, o qual permitiu a obtenção de informações e conhecimentos acerca da

realidade estudada.

Faz-se necessário mencionar que este momento foi fundamental para aproximação e

envolvimento com o grupo pesquisado. A conversa informal quase sempre acompanhada de

um suco ou uma fruta oferecida pelas pescadoras, ou a satisfação em me presentear com uma

corda de caranguejo ou um quilo de camarão sinalizava-me que havia conquistado a confiança

do grupo, o que certamente viabilizou a aplicação dos instrumentos de investigação. Assim, as

atividades de campo não se restringiram à realização das entrevistas, minhas visitas à Ilha

objetivaram também o estabelecimento e o estreitamento de relações com os sujeitos. Nesta

perspectiva, corroboro com Ramalho ao afirmar que “[...] ter objetividade não é o mesmo que

deixar de lado qualquer relação subjetiva com o tema, isto é, objetividade e subjetividade se

mesclam na construção do assunto” (2006, p. 32).

As atividades de campo tiveram início em 03/02/12 com uma visita à Colônia de

Pescadores, para verificar junto à Presidente o local apropriado para o desenvolvimento da

pesquisa. Foi durante esta visita que tomamos conhecimento da existência da Ilha do Beto, a

presidente da colônia também antecipou algumas particularidades inerentes à rotina de

trabalho das pescadoras, como o período que passam na Ilha e quando retornam à sede do

município para comercializar o pescado.

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No dia 10/02/12 foi realizada a primeira

visita à Ilha para apresentar a proposta de pesquisa

às pescadoras (Imagem 02). Além disto, buscamos

neste encontro, verificar algumas informações

sobre a dinâmica da atividade pesqueira das

mulheres, como o horário que saem para pescar, as

principais espécies capturadas, quantos dias pescam

durante a semana, entre outras informações. Em

função das mulheres pescarem à noite, foi acordado

com o orientador a possibilidade de dormir na

localidade para acompanhar toda a rotina de trabalho das pescadoras.

De posse das informações, o trabalho de

campo fora organizado da seguinte forma: no

primeiro momento foram realizadas visitas para

conversas informais (Imagens 03) e realização de

entrevistas, a fim captar informações da rotina de

trabalho das pescadoras; no segundo momento

foram realizadas incursões para acompanhar o

trabalho da pescadora no ambiente de pesca (rio,

mangue, estuário, dentre outros), inclusive durante

a noite, sendo necessário para tanto, pernoitar na

Ilha para acompanhar a atividade das pescadoras

neste turno.

As visitas para observação e realização das entrevistas concentraram-se nos meses de

março a maio, sendo que neste mês ocorreu minha primeira visita para dormir na Ilha. No mês

de setembro, foi realizada mais uma visita à localidade, com o objetivo de marcar os

principais pontos de pesca para onde as mulheres se deslocam para desenvolverem a captura

do pescado.

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O trabalho de campo ocorreu mediante utilização dos seguintes instrumentos e

técnicas: Observação Direta: Consiste da observação e registro livre dos fenômenos

observados em campo (ALBUQUERQUE et al, 2010). Esta técnica foi utilizada com a

finalidade de estabelecer os primeiros contatos com a comunidade a fim de captar as

peculiaridades do cotidiano mediante conversas informais. Foram registrados os seguintes

aspectos a partir desta técnica: descrição do local, destacando-se os fatores e característica

mais importantes do ambiente da pesquisa; as interações entre os sujeitos, ou entre estes e o

pesquisador; descrição das situações que chamaram atenção; descrição das atividades

realizada pelas pescadoras.

Entrevista semiestruturada: é considerada um dos principais meios para a coleta de

dados, permitindo a liberdade e a espontaneidade do informante, enriquecendo desta forma a

investigação. No presente estudo este instrumento foi utilizado para verificar as atribuições da

mulher na atividade pesqueira, bem como identificar as características, significados e

importância que as pescadoras atribuem ao seu lugar de vivência e trabalho. As perguntas

foram parcialmente formuladas antes de ir a campo, sem, contudo restringir a possibilidade de

novas indagações, que possibilitaram o aprofundamento dos questionamentos norteadores da

pesquisa.

A amostragem dos sujeitos que participaram da pesquisa foi intencional. As

informantes foram selecionadas por possuírem características que são do interesse da

pesquisa, levando-se em consideração fatores como idade, tempo que exerce a profissão,

procedência, tempo que reside no local entre outros aspectos. O contato com as pescadoras

entrevistadas ocorreu mediante utilização da técnica “Bola de Neve” na qual o próprio

informante indica uma pessoa para participar da pesquisa e assim sucessivamente. Na Ilha

residem 15 (quinze) pescadoras, foram realizadas 13 (treze) entrevistas, pois à medida que

avançava o número de entrevistadas, as repostas se repetiam.

Turnê Guiada: trata-se de uma técnica utilizada para trabalhar em campo que

normalmente, necessita de informante chave, ou seja, aquele indivíduo que tem um

conhecimento aprofundado da localidade estudada, (ALBUQUERQUE et all, 2010). Optou-se

trabalhar com esta metodologia, para verificar in locus as informações já fornecidas durante a

realização das entrevistas, bem como fornecer novas informações, permitindo o

acompanhamento da rotina de trabalho das pescadoras. Neste momento, elas demonstraram e

descreveram as características dos principais ambientes que utilizam para exercerem suas

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atividades, as espécies que costumam pescar ou capturar, as técnicas utilizadas, entre outros

fatores relevantes. Esta técnica mostra-se significativamente importante, pois, possibilitou

observar e entrevistar as pessoas nas situações em que o conhecimento delas é posto em

prática, possibilitando, desta forma, a aquisição de resultados mais ricos do que a entrevista

fora do contexto de aplicação do conhecimento (CARDONA apud AMOROZO; VIERTLER,

2010).

Registro fotográfico: A fotografia é mais uma técnica para obtenção de dados

(SOUTO, 2010). Neste sentido, sua utilização se deu para registrar as peculiaridades do

cotidiano das pescadoras, orientando-se pelas informações obtidas durante as entrevistas.

Diário de campo: instrumento onde foram anotadas as informações resultantes das

observações e das conversas informais, bem como dos objetos, lugares, acontecimentos e

atividades, na possibilidade de registrar as impressões do pesquisador em relação aos fatos

observados na comunidade onde foi desenvolvido o estudo.

Georreferenciamento: técnica utilizada para demarcação por meio do uso de GPS, com

a finalidade de elaborar um mapa com os principais pontos de pesca utilizados para a captura

do pescado.

1.2 Análise dos dados coletados na Pesquisa

Os dados coletados mediante entrevistas foram transcritos, categorizados analisados e

interpretados.

Estas etapas envolveram processos distintos: na transcrição: foram apresentadas as

opiniões das informantes de maneira fiel como se os dados falassem por si só; na

categorização: foram reunidas as informações de acordo com a semelhança e divergência dos

relatos das pescadoras; para a análise, foi necessário ir além do que foi transcrito, fazendo

uma decomposição dos dados e suas relações, orientando-se mediante a fundamentação

teórica da dissertação; por fim, na interpretação buscou-se os sentidos das falas e das ações,

para se chegar a uma compreensão ou explicação dos dados (GOMES apud MINAYO, 2002).

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Os elementos de reflexão teórica que ancoraram este estudo oportunizaram analisar a

importância do papel da mulher pescadora na Ilha do Beto em Itaporanga D´Ajuda/SE. Do

qual convido a todos para esse emaranhado de informações capturados pelo nosso olhar.

Este estudo está estruturado em quatro capítulos. O primeiro intitulado “Mulheres na

pesca artesanal: primeiras notas” visa apresentar uma contextualização do tema e sua

justificativa, destacando neste item a importância do estudo para o Estado de Sergipe. Tem-se

ainda neste momento a trajetória do surgimento do estudo, bem como a metodologia com os

procedimentos realizados e as técnicas empregadas para alcançar os objetivos propostos na

realização da pesquisa in locus.

O segundo capítulo “Pescando conhecimentos: tecendo as bases teóricas” traz o

referencial teórico o qual será abordado no primeiro momento um breve histórico da pesca

artesanal, sua definição bem como as especificidades e a relevância desta prática, a

caracterização dos sujeitos envolvidos nesta atividade os chamados pescadores artesanais,

uma explanação sobre comunidades tradicionais e os conhecimentos inerentes a estes grupos,

e por fim a caracterização das comunidades pesqueiras; o segundo momento reporta-se

inicialmente a uma sucinta discussão sobre gênero, retratando o período histórico em que esta

discussão ganha ressonância no Brasil. Em seguida, demonstra-se o processo de inserção da

mulher na atividade pesqueira, apresentando as causas, as dificuldades e os desafios

enfrentados; por último são feitas algumas considerações acerca da relação que a mulher

estabelece com o entorno socioambiental a partir da pesca, e neste ínterim são apresentadas as

ideias da corrente Geográfica Humanista, a qual apresenta importantes subsídios para o

desenvolvimento e análise da discussão acerca da relação que o indivíduo pode estabelecer

com o lugar. Faz-se necessário mencionar que neste capítulo teórico vão estar presentes

incursões do universo empírico a partir dos depoimentos e observações realizadas, mostrando

a conexão do debate teórico com o universo empírico.

O terceiro capítulo “A pesca artesanal na Ilha do Beto: capturando a essência do

trabalho feminino” será desenvolvido as atividades da pesquisa de campo fazendo uso dos

instrumentos metodológicos com base nos depoimentos das pescadoras bem como no registro

fotográfico a partir das observações e vivencias com as pescadoras de modo a apresentar aos

leitores o quão singular é essa atividade para a vida em comunidade, especialmente, as

pescadoras da Ilha do Beto.

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O quarto capítulo “Costurando e arrematando fios: as considerações da pesquisa”

apresentamos as considerações finais relativas as nossas inquietações acerca do papel da

mulher pescadora trazendo elementos essenciais da sua atuação nesta atividade, destacando

ainda a forma como a pescadora se relaciona com o lugar de vivência e trabalho e quais são os

significados e sentidos que fundamentam esta relação.

Por fim, elencamos os referencias que nortearam o estudo para a produção do

conhecimento que resultou na elaboração de uma valiosa dissertação que sobremaneira

contribuirá para as reflexões sobre o papel da mulher no exército da profissão de pescadora.

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CAPÍTULO 2

2. PESCANDO CONHECIMENTOS: TECENDO AS BASES TEÓRICAS

O significativo número de mulheres envolvidas na atividade pesqueira no município

de Itaporanga D‟Ajuda é fundamentalmente o fato que impulsiona e justifica a realização

desta pesquisa. Por esta razão, nesta seção é dedicada especial atenção a pesca artesanal,

atividade que constitui fonte de alimento e renda para as mulheres e para as famílias que elas

sustentam ou ajudam a sustentar. Como a pesca artesanal está intrinsecamente relacionada aos

aspectos sociais e ecológicos do meio onde estão inseridas, a categoria de análise “lugar” foi

eleita no sentido de melhor compreender a forma como as mulheres se relacionam entre si e

se apropriam do espaço.

2.1 Origem e peculiaridades da atividade pesqueira

A pesca é uma das atividades produtivas mais antigas da humanidade. Em períodos

anteriores ao aparecimento da agricultura, ela representou uma importante fonte de alimento

para as sociedades primitivas.

No Brasil, o desenvolvimento desse ofício antecede a chegada dos navegadores

portugueses. Os indígenas já capturavam peixes, moluscos e crustáceos, que constituíam parte

importante de sua dieta alimentar. Este trabalho continuou a se desenvolver no Brasil Colônia

e deu origem a inúmeras culturas litorâneas ligadas à pesca, entre as quais se destacam a dos

jangadeiros, em todo litoral nordestino, a dos caiçaras, no litoral entre Rio de Janeiro e São

Paulo, e a dos açorianos no litoral de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (DIEGUES, 1999).

Tais grupos societários tiveram origem com a miscigenação entre índios, europeus e

negros, originando, assim, uma cultura6 particular que os diferenciam de outras comunidades

6 A cultura corresponde ao conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característico de um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem e

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do interior e centros urbanos do país. Da cultura indígena, as populações litorâneas herdaram

o preparo do peixe para a alimentação, o feitio das canoas e jangadas, as flechas e os arpões;

da cultura portuguesa, herdaram os anzóis, pesos de metal, redes de arremessar e de arrastar; e

da cultura negra, herdaram a variedade de cestos e outros utensílios utilizados para a captura

dos peixes (DIEGUES, 1983).

Em Sergipe, as comunidades pré-históricas, denominadas de Cultura Canindé ou

Xingó, Tradição Aratu e Tradição Tupi-Guarani salvo as peculiaridades inerentes ao seu

modo de vida, compartilharam traços comuns, como, por exemplo, a forma de apropriação do

espaço e a realização da pesca como principal atividade. O primeiro grupo pertencente à

Cultura Canindé ou Xingó, ocupou áreas hoje identificadas como terraços e ilhas, atraídos

pela presença abundante de água. Desenvolveram caça, coleta e a pesca/catação de mariscos.

Já o segundo grupo (Tradição Aratu) encontrava-se por toda a faixa litorânea, suas aldeias

localizavam-se próximo a riachos afluentes e em área de floresta (mata atlântica), tendo como

principal trabalho a caça e a coleta. O terceiro agrupamento (Tradição Tupi-Guarani) também

localizado em áreas litorâneas próximo às bacias dos rios São Francisco, Japaratuba, Sergipe,

Vaza-Barris, Piauí e Real. Realizavam a pesca, a caça e a agricultura como principais

atividades. Acerca disso, cabe destacar que diferentemente dos anteriores, eram hábeis em

construir canoas para facilitar a locomoção (SANTOS, 2012).

Seja enquanto fruto da herança sociocultural desses povos indígenas, seja decorrentes

de suas identidades, outros grupos tiveram sua fonte de subsistência assentada na pesca, como

outras tribos indígenas, quilombolas e aqueles que eram exclusivamente pescadores, cujo

fazer cultural foi construído a partir de uma intrínseca relação com os recursos hidrográficos

sergipano. Por esta razão, fazem-se necessárias discorrer algumas considerações acerca destas

populações (SANTOS, 2012).

Os Xocós constituem a única etnia indígena remanescente do Estado7, localizada na

Ilha de São Pedro, município de Porto da Folha às margens do Rio São Francisco. A pesca era

praticada no Rio São Francisco e lagoas existentes na região, constituindo, além de fonte de

alimento, uma importante fonte de renda, pois o excedente do pescado era comercializado.

Atualmente, em razão da construção de hidrelétricas e de obras destinadas a contenção de

transmitida ao conjunto de seus membros (Kroeber apud Laplantine, 2007, p. 120). Esta constitui uma das cinqüenta definições do termo cultura elaboradas por Kroeber um dos mestres da antropologia americana. 7 Existiram em Sergipe mais de dez tribos indígenas, destas, muitas foram expulsas do território sergipano,

outras dizimadas pelos portugueses nas constantes disputas por terras (FUNAI, 2012).

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enchentes, houve o desaparecimento de importantes espécies de peixe, fato que contribuiu

para uma diminuição significativa das pescarias. A pesca só não desapareceu por completo

graças à existência de uma complexa rede de lagoas e tanques que oferece a esta comunidade

indígena a possibilidade de exploração da piscicultura em cativeiro (FUNAI, 2012).

Já as comunidades quilombolas ocuparam (e ainda ocupam) áreas rurais do Estado

banhadas por rios e marés, obtendo da pesca artesanal e da agricultora suas principais formas

de sobrevivência, associadas em alguns casos, ao artesanato (SEMARH, 2010).

Mas são os pescadores que constituem o principal grupo que depende e que produziu

formas ricas de apropriação dos recursos pesqueiros. Essas populações se formaram ainda no

período colonial, desenvolvendo relações sociais e de subsistência, com modos de vida

particular, que garantiam o manejo sustentável dos recursos naturais, resultado do

conhecimento de várias gerações. A identidade com o lugar expressa e é a expressão dos laços

culturais. Os pescadores constituem um grupo que, também, na sua luta pela subsistência,

conjuga essa atividade com outras, como a agricultura e a produção de artesanato, em

algumas localidades. No estado de Sergipe, estas comunidades tradicionais de pesca são

representadas pelas 24 colônias de pescadores existentes tanto no litoral como no interior do

Estado (SEMARH, 2010).

Diante do exposto, depreende-se que a exploração dos recursos pesqueiros, assumiu

importância não somente econômica, mas também cultural e simbólica. Sociedades inteiras

em determinados períodos históricos dependeram quase que exclusivamente desta atividade

para a reprodução social de seus membros (Diegues, 2004). Esta dependência se deu não

apenas no passado, atualmente inúmeras populações das mais diversas regiões do mundo

encontram na pesca sua fonte de subsistência e renda.

No Brasil a atividade pesqueira assume formas diferenciadas, haja vista a combinações

dos fatores produtivos, das relações sociais que se estabelecem e as particularidades naturais

de cada ambiente pesqueiro. A esse respeito Diegues (1983), discute três categorias

essenciais, a saber: a pesca de autossubsistência ou primitiva, pesca de pequena produção

mercantil e a pesca capitalista.

A pesca de autossubsistência é desenvolvida por pequenos agrupamentos humanos,

onde a atividade é somente uma dentre outras de subsistência. Ela é realizada em sociedades

nas quais a produção de valores de uso é central, com reduzida mediação da moeda nas trocas

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existentes. Já a pesca de pequena produção mercantil, o produto final, ou seja, o pescado é

uma mercadoria. Dentro desta forma de organização, encontram-se duas sub-formas: a

produção dos pescadores-lavradores8 e a produção dos pescadores artesanais9. Por fim, a

produção capitalista, caracteriza-se pela realização da pesca por empresas organizadas em

diversos setores (captura, industrialização e comercialização) visando somente à produção de

mercadorias em que há separação entre trabalho e capita (DIEGUES, 1983)

A pesca constitui uma atividade complexa. Além dos fatores socioculturais e

econômicos anteriormente mencionados, sua realização pode diversificar-se ainda em razão

das variedades de habitats, ecossistemas e espécies de pescado, inibindo uma forma

homogenia de expressar-se em todos os lugares e regiões. Tais aspectos contribuem para

utilização de uma multiplicidade de apetrechos de pesca, no sentido de melhor adaptar a

atividade aos tipos de habitats, de correntes e marés, tipos de fundo, comportamento dos

peixes, crustáceos e moluscos, além das peculiaridades inerentes ao modo de vida dos

pescadores (VASCONCELLOS, et al, 2007).

A exploração dos recursos pesqueiros é realizada nos mais diversos ecossistemas

aquáticos. A pesca marítima ou oceânica se caracteriza pela separação da terra com o mar.

Neste ambiente, a pesca é caracterizada pela mobilidade das espécies, sobretudo, o peixe,

razão que obriga os pescadores estarem sempre migrando de um ambiente para outro

(DIEGUES, 1995).

A pesca realizada em rios, estuários, mangues, praias, baías e lagos é denominada

estuarina, continental ou de águas interiores. Os recursos pesqueiros provenientes deste tipo

de pesca destacam-se em qualidade e em volume, devido à diversidade dos tipos de corpos

d´água existentes (RAMOS, 1999). Sobre esta modalidade, Ramalho (2006) acrescenta ainda

a forte dependência do meio natural, sua realização é orientada pelas fases lunares, pelo ritmo

das marés e a existência de cardumes. Isto significa dizer que o horário e a duração do

8 A produção dos pescadores-lavradores é uma atividade ocasional, a propriedade típica de produção é a

doméstica (familiar e/ou grupo de vizinhança), o pescado é tanto para o consumo quanto para a venda constituindo-se umas das principais fontes de dinheiro disponível para a compra de algumas mercadorias essenciais. Assim, a pesca corresponde a uma atividade complementar destinada a produzir valor de troca (DIEGUES, 1983, p. 161). 9 Aqui a pesca deixa de ser uma atividade complementar para tornar-se a principal fonte de produção de bens

destinados à venda. A atividade pesqueira passa a ser a principal fonte de renda, propiciando, em determinadas situações, uma maior produção de excedentes. Esse novo tipo de pesca caracteriza por explorar ambiente marinhos e costeiros, exige conhecimentos mais específicos que os utilizados pelo pescador-lavrador. É somente neste estágio que surge o pescador artesanal como tal, que passa a viver exclusivamente ou quase exclusivamente da sua profissão (DIEGUES, 1983, p. 155).

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trabalho dos pescadores é determinado pelo ciclo das águas e das condições naturais de cada

habitat. Por esta razão, as pessoas que se ocupam do trabalho pesqueiro possuem um modo de

vida diferenciado dos demais grupos, como os agricultores, pois, de acordo com Ramalho

(2006) existem aspectos que fazem da pesca uma atividade singular, dentre eles, o

desenvolvimento de estratégias que permitem aos pescadores lidarem com a inconstância do

mar. A este respeito Skinner e Turekian teorizam que “[...] quando lançada ao mar, nunca se

sabe o que, nem o quanto ou a qualidade do produto que uma embarcação trará à terra, nem

tampouco em que espaço de tempo” (apud RODRIGUES; GIUDICE, 2011, p. 120).

2.2 Aspectos Gerais da atividade pesqueira em Sergipe

O Brasil produz mais de um milhão de toneladas de pescado por ano, segundo o

Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), o setor gera cerca de 3,5 milhões de empregos

diretos e indiretos e ocupa, hoje, 800 mil profissionais entre pescadores e aquicultores (FAO,

2012). Trata-se de um setor intensivo em força de trabalho, ocupando a grande maioria dos

trabalhadores do mar. A pesca realizada em pequena escala artesanal e de subsistência

responde por mais de 50% do total mundial de capturas e emprega cerca de 98% dos 51

milhões de pessoas diretamente envolvidas com a coleta e processamento dos recursos

marinhos (BERKES et al apud REBOUÇAS, et all 2006). No Brasil são produzidos por ano 1

milhão e 240 mil toneladas de pescado, deste total, a pesca artesanal responde por cerca de

45% (MPA, 2011).

Em Sergipe as modalidades de pesca marítima e continental/estuarina caracterizam-se

da seguinte forma: na primeira, realizada em alto mar, o principal produto capturado é o

camarão (CEPENE, 2007). A pesca do peixe ocorre, em menor quantidade, em razão das

limitações estruturais das embarcações. A segunda modalidade é realizada em diferentes

ambientes como rios, estuários, lagos, açudes e mangues. Esta variedade de ambientes

contribui para uma diversificação do pescado em relação à primeira. As pescarias geralmente

são diárias e dependem das marés. Utilizam como principal equipamento de captura a rede de

emalhar (em diversas formas e comprimentos), arrastão de praia, tarrafa, linhas (linha de mão

e pequenos espinhes, denominados grozeira) e redinha (pequeno arrasto manual) (CEPENE,

2007). Segundo estudo de Ramos (1999) a pesca continental/estuarina de pesca apresenta uma

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função social altamente relevante, pois constitui a fonte de existência de inúmeras famílias no

Estado envolvidas direta ou indiretamente nesta modalidade.

De acordo com o Ministério da Pesca (2012), além das referidas modalidades a

produção de pescado no Estado também é proveniente da Aquicultura10, muito presente e

desenvolvida na região Sul e Metropolitana, com o cultivo de camarão (principalmente) e

peixe.

Sergipe possui um total de 26. 104 pescadores ativos (homens e mulheres), dos quais

25.000 são regularmente filiados às colônias. Existem 23 colônias em funcionamento das

quais 06 são presididas por mulheres, a saber: Amparo do São Francisco, Barra dos

Coqueiros, Itaporanda D´Ajuda, Santa Luzia, Propriá e Aracaju (MPA, 2012).

O Estado sergipano possui a menor dimensão territorial do país, entretanto esta

característica não compromete a riqueza da biodiversidade local, a qual se apresenta de forma

heterogênea e com características distintas de acordo com cada região: litoral, agreste e semi-

árido.

A linha litorânea possui aproximadamente 163 km, apresentando em sua extensão os

estuários11 dos rios São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vaza-Barris e Piauí/Real (ESTUDOS

BIOLÓGICO E SOCIOECONÔMICO RESEX DO LITORAL SUL DE SERGIPE, 2007), além de outros

ecossistemas como manguezais12, praias e restingas13. Tais ambientes apresentam uma rica

biodiversidade com a presença de crustáceos (caranguejo (Carcinus maenas), siri (Callinectes

sapidus), aratu (Goniopsis cruentata), guaiamum (Cardisoma guanhumi) e camarão),

moluscos (sururu (Mytella falcata), ostra (Crassostrea rhizophorae), maçunim14 (Anomalocardia

brasiliana) e variedades de peixes). Espécies essas que apresentam importante valor para o

10 Cultivo de organismos cujo ciclo de vida em condições naturais se dá total oi parcialmente em meio aquático. Assim como o homem aprendeu a criar aves, suínos, bovinos, bem como a planta milho e trigo, também aprendeu a cultivar pescado. Desta forma, assegurou produtos para o consumo com mais controle e regularidade. Definição extraído do site do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), www..mpa.gov.br 11

Os estuários são ambientes de transição entre o oceano e o continente, ocorrendo nas desembocaduras dos rios, resultando na diluição da água salgada. Em condições naturais, são biologicamente mais produtivos por apresentarem altas concentrações de nutrientes, favorecendo a produção primária, podendo ter ou não manguezais em seus domínios (MIRANDA et al., 2002). 12

Ecossistema influenciado pelo regime da maré e descarga fluvial que apresenta formação arbustiva-arbórea de espécies adaptadas a alta salinidade e com fauna típica associada. (ESTUDOS BIOLÓGICO E SOCIOECONÔMICO RESEX DO LITORAL SUL DE SERGIPE, 2007) 13

Tipo de vegetação localizada nas áreas de terra firme que sofrem maior influência dos depósitos arenosos marinhos. Possui vegetação predominantemente rasteira, arbustiva e arbórea de pequeno porte (ESTUDOS BIOLÓGICO E SOCIOECONÔMICO RESEX DO LITORAL SUL DE SERGIPE, 2007) 14 É popularmente conhecido também como “berbigão”, “vôngole” e “chumbinho”.

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consumo e comercialização contribuindo significativamente para o desenvolvimento da pesca

na região.

O litoral sul do Estado é compreendido por cinco municípios: São Cristóvão,

Itaporanga D´Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba. Essa região é conhecida

historicamente como a principal fornecedora de peixe e do caranguejo uça para o estado

(ADEMA, 1984). Atualmente, a região vem sofrendo forte pressão sobre os recursos

pesqueiros, devido à sua sobrexploração, resultante principalmente da falta de oportunidade

de emprego para a comunidade local, que obtém da pesca ou coleta de mariscos a única fonte

de renda possível (ESTUDOS BIOLÓGICO E SOCIOECONÔMICO RESEX DO LITORAL SUL DE

SERGIPE, 2007).

Em razão da disposição do quadro natural e das limitações socioeconômicas, as

populações do litoral sergipano encontram no extrativismo uma das principais estratégias de

sobrevivência. Esses grupos populacionais compreendem os pescadores artesanais,

marisqueiras, apanhadores de caranguejo, catadoras de mangaba e outras frutas nativas,

artesãos, entre outros que encontram no extrativismo a forma de assegurar o sustento de sua

família ainda que tais atividades proporcionem um baixo rendimento (MOTA; PEREIRA,

2009).

Ao analisar as estratégias de sobrevivência realizadas pelas populações rurais do

Estuário do Rio Vaza-Barris, Takahashi; Pereira (1992) apud Mota; Pereira (2009), afirmam

ser a pesca a atividade que ocupa o maior número de pessoas, envolvendo homens, mulheres e

crianças.

Segundo informações do MPA, é importante ressaltar que Sergipe é único estado que

apresenta o número de pescadoras cadastradas (54,99%) maior que o número de pescadores

(45,01%) (CENSO 2009/2010). Estima-se que nos últimos dois anos tenham adentrado mais

mulheres que homens para este ramo de atividade (MINISTÉRIO DA PESCA, 2012).

O desemprego, a ausência dos maridos e a necessidade de aumento da renda familiar,

constituem os principais fatores que impulsionam as mulheres a adentrarem no universo da

pesca15. Assim, muitas assumem o papel de chefes da casa, encontrando na pesca a única

alternativa para o provimento da família. Outro aspecto importante que concorre para esta

realidade, diz respeito ao quadro físico natural do Estado, que conta com extensas áreas de

15 Realidade observada no Município de Itaporanga D´Ajuda/SE, a partir de levantamento junto às pescadoras da colônia Z-9, em junho de 2010.

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manguezais, além de numerosos rios e estuários favoráveis à atividade pesqueira realizada por

mulheres, pois são nestes ambientes que se encontram as espécies de pescado comumente

capturadas por elas, como caranguejo, aratu, siri, peixe, camarão, sururu e maçunim.

2.3 Territórios da pesca: espaços de sobrevivência, conhecimentos e sociabilidade

De maneira geral, as regiões estuarinas caracterizam-se por serem áreas altamente

produtivas, utilizadas pelas comunidades pesqueiras que habitam seu entorno, sobrevivendo

da pesca de variadas espécies.

Mais que fonte de obtenção de sustento e renda para tantas famílias, os ambientes

aquáticos configuram-se em lugares que “[...] abriga e incentiva a existência de comunidades

pesqueiras coesas, distintas e independentes” (CORDELL, 2001, p. 139). A apropriação

destes espaços possibilita também o desenvolvimento de uma forma de organização assim

como a criação de um modo de vida específico inerente a estas populações.

A combinação de fatores naturais como a oscilação das marés e a ocorrência de

determinadas espécies acabam por influenciar no desenvolvimento de estratégias que

permitem aos pescadores identificarem os locais mais favoráveis à obtenção do pescado, o

conjunto destes fatores são determinantes para a apropriação destes ambientes. É o que os

autores Cordell (2001) e Silva (2006) denominam em seus estudos de territorialidade da pesca

pelo homem.

O território aqui evidenciado corresponde aos lugares habitados por espécies passíveis

de pesca, que por sua vez impõem uma organização quanto àquelas a serem pescadas, bem

como os apetrechos utilizados e áreas de coleta. Neste sentido, a apropriação dos territórios

pelo homem dar-se-á quando “[...] se conhece o ambiente natural para usar ferramentas por

ele elaboradas, mas determinadas por este ambiente” (SILVA, 2006, p. 32). Além disto, a

escolha pelos lugares mais favoráveis à obtenção do pescado deve levar em consideração

outros fatores, como facilidade de acesso, histórico de capturas anteriores e abundância da

espécie naquele local. Levando-se em consideração essas circunstância é que alguns grupos

de pescadores apropriam-se dos espaços marítimo e estuarinos, exercendo um controle sobre

os recursos, apesar desses espaços serem de livre acesso no Brasil.

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Depreende-se a partir do exposto que a territorialidade, ou seja, a apropriação dos

lugares e/ou espaços para o desenvolvimento da atividade pesqueira é determinada pelos usos

dos recursos naturais (rios, estuários, mangues, entre outros) em consonância com os

instrumentos utilizados. Este processo emerge a partir das necessidades de sobrevivências de

grupos sociais que convivem num contexto de pobreza e marginalização social, como foi

observado por Cordell (2001).

Os territórios de pesca são também delineados pelas pescadoras que concentram suas

atividades nas regiões estuarinas, onde através da captura de crustáceos, moluscos e peixes

atendem suas necessidades de sobrevivência.

As mulheres utilizam ambientes diferenciados para realização da pesca, como rios,

mangues e estuários. O desenvolvimento da atividade ocorre preferencialmente nestes lugares

por geralmente estarem próximos às suas residências, uma vez que elas não podem se

ausentar por muitas horas ou dias devido às ocupações com a casa e com os filhos, e também

pelo fato destes locais não oferecerem os mesmos riscos enfrentados pelos pescadores em mar

aberto16.

O cotidiano da pesca proporciona o contato direto com as características e

especificidades de cada ambiente. É a partir do aludido contato, que as mulheres desenvolvem

um profundo conhecimento da biodiversidade17 local, bem como da utilização de artefatos e

técnicas apropriados para cada tipo de pescado e ambiente.

A intrínseca relação estabelecida entre a pescadora e o meio possibilita também o

surgimento de relações assentadas nos laços de parentesco e reciprocidade com o lugar onde

as relações construídas ultrapassam as necessidades de alimento, trabalho e renda,

desdobrando-se em relações subjetivas nas quais os sentimentos, os significados e as

experiências dos indivíduos para com o ambiente constituem-se elementos subjacentes.

Mota e Pereira reforçam tal ideia ao afirmarem que:

a interação dessas populações com o meio ambiente originou tipos diversos de relações entre as pessoas, com o lugar e com os recursos, em processos de trabalho

16

Já existem estudos que mencionam a participação da mulher também neste ambiente, dentre os quais destaca-se: BORGONHA, Mirtes Cristiane; BORGONHA, Maíra. Mulher-pescadora e mulher de pescador: A presença da mulher na pesca artesanal na Ilha de São Francisco do Sul, Santa Catarina. Florianópolis, 2008. Este trabalho descreve as atividades e os papéis desempenhados por pescadoras em espaços distintos, como as áreas estuarinas e as áreas em mar aberto. 17

Conjunto de todas as espécies de seres vivos existentes em determinada região ou época (HOUAISS; VILAR, 2008).

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ricos em práticas e saberes sobre espécies nativas e introduzidas, que resultaram numa valorização proveitosa das diversidades ambientais naquilo que elas têm de potencialidades e adversidades (MOTA; PEREIRA, 2009, p. 72).

Diante do exposto, observa-se que as características naturais associadas às condições

socioeconômicas destas comunidades concorrem para o estabelecimento de uma relação de

intimidade com os recursos naturais. Por conseguinte, essas interações propiciam outras

formas diversas de relação.

2.4 As condições objetivas e subjetivas da pesca artesanal

Considerando-se que a pesca artesanal constitui o meio de trabalho do grupo social a

que esta pesquisa se direciona, faz-se necessária uma discussão acerca das características,

especificidades, bem como das condições sociais e culturais dos trabalhadores e trabalhadoras

envolvidos nesta modalidade.

A pesca artesanal é realizada em todo o litoral brasileiro, tal atividade pode representar

maior ou menor importância de acordo com as características do núcleo populacional onde é

realizada, como por exemplo, o nível de organização social e de trabalho do grupo, a demanda

pelo produto gerado, a tecnologia empregada entre outros aspectos (ANDREOLI, 2007).

Nesse sentido, pode-se inferir que a referida modalidade de pesca exerce significativa

importância em termos de produção pesqueira, geração de emprego e fornecimento de

alimentos, pois, ao longo de toda a costa ou em águas interiores encontram-se indivíduos ou

famílias, que a partir da realização da pesca artesanal articulam as condições objetivas de sua

reprodução, como o acesso à alimentação e renda, como também condições subjetivas, como

o conhecimento tradicional sobre o meio natural e o trabalho fortemente condicionado por

dinâmicas ambientais (PASQUOTTO; MIGUEL, 2004).

Deste modo, a pesca configura-se não somente como uma atividade econômica, mas

também como modo de vida. O cotidiano dos indivíduos envolvidos nesta prática mostra-se

repleto de ensinamentos e aprendizagens. Por participarem ativamente deste ofício, os

pescadores demonstram conhecimento sobre a biodiversidade local, assim como da utilização

de artefatos e técnicas para a captura do pescado. Este conhecimento chamado tradicional

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garante a obtenção da renda e da subsistência das famílias ao mesmo tempo em que possibilita

a conservação dos ecossistemas. A realização destas estratégias de sobrevivência contribui

para a manutenção de suas comunidades (ALBUQUERQUE; FISCHER, 2011).

Para Diegues, a pesca encontra-se descrita no ramo da produção mercantil de caráter

familiar ou de vizinhança, ele define a pesca artesanal como sendo

aquela que os pescadores autônomos sozinhos ou em parcerias participam diretamente da captura, usando instrumentos relativamente simples. A remuneração é feita pelo sistema tradicional de divisão da produção em “partes” sendo o produto destinado preponderantemente ao mercado. Da pesca retiram a maior parte da sua renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares (DIEGUES, 1983, p. 57).

Para sua realização utilizam-se embarcações de pequeno e médio porte, motorizada

ou não, algumas construídas pelos próprios pescadores por meio da utilização de matérias

primas-naturais. São simples os apetrechos e insumos utilizados, geralmente comprados nos

comércios locais (MALDONADO apud ANDREOLI, 2007). De um modo geral, utilizam

equipamentos básicos de navegação, sendo embarcações geralmente de madeira ou fibra de

vidro. A simplicidade dos instrumentos (apetrechos) utilizados contribui para minimizar os

efeitos dos impactos ambientais, possibilitando condições mais favoráveis de sustentabilidade

dos recursos pesqueiros.

Outro ponto característico diz respeito às relações de parentesco e de amizade que se

estabelecem. Os vínculos entre parentes e amigos possibilitam muitas vezes a introdução de

homens e mulheres na atividade garantindo desta forma e manutenção da pesca artesanal nas

comunidades. De fato, esse comportamento também pôde ser constatado na comunidade

investigada pela presente pesquisa. Em relato, as pescadoras revelaram a preferência pelo

trabalho com os familiares “Eu gosto de pescar com minha cunhada e meu marido, minha

parentela”.

Sobre este aspecto Ramalho observa que

Os laços de parentela e amizade constituem uma das mais representativas características da pesca artesanal. Neste sentido, ingressar no mundo da pescaria desenvolvida artesanalmente por um grupo de trabalho embarcado é entrar num terreno frequentado por pessoas próximas, por gente conhecida, que já compunha o cotidiano desses indivíduos, facilitando os acordos a serem construídos no processo de trabalho, principalmente quando se estar no ambiente aquático (RAMALHO, 2006, p.139).

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Por todos os aspectos mencionados, a pesca artesanal representa uma valiosa fonte de

renda, alimentação, trabalho e conhecimento sobre as águas e os pescados, e por essa razão,

pescadores e pescadoras fazem dos rios, estuários e mar, lugares de trabalho para sua

sobrevivência.

Essa forma de exploração dos recursos pesqueiros não é apenas importante para os que

dela retiram seu sustento, representando também um relevante papel na produção de

alimentos, na conservação de ecossistemas, como os estuários e manguezais, e na proteção da

biodiversidade marinha e ribeirinha.

A modalidade de pesca supracitada é praticada pelos chamados pescadores artesanais,

definidos como aqueles que na captura e desembarque do pescado trabalham de forma

autônoma ou utilizam força de trabalho familiar, com meios de produção próprios ou

mediante contrato de parceria, utilizando diversas artes de pesca para a captura do pescado e

embarcações de pequeno porte. Consideram-se ainda como fases desta atividade os trabalhos

de confecção e reparos dos apetrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de

pequeno porte e o processamento do pescado.18

Para Diegues o pescador artesanal é aquele que vive exclusivamente ou quase

exclusivamente da sua profissão, ele passa a viver e a reproduzir suas condições de existência

na pesca, voltada fundamentalmente para o comércio. Segundo o autor “[...] o mercado é o

objetivo de sua atividade, ainda que o balaio ou cesto de peixe seja religiosamente separado

antes da partilha, constitua uma das bases de sua sobrevivência e de sua família” (1983, p.

155).

Ainda conforme o mencionado autor, o pescador artesanal não é somente aquele que

vive da pesca, mas que sabe dominar plenamente os meios de produção da pescaria, ou seja,

“[...] possuem controle de como pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte de pesca”

(DIEGUES, 1983, p. 28). Saberes que são adquiridos através do aprendizado perceptivo e

contribuem para superação dos desafios encontrados pelos pescadores no cotidiano da

profissão.

O conhecimento aprofundado sobre os ciclos naturais e a oralidade na transmissão

desse conhecimento são características importantes na definição dessa cultura. Sobre estes

conhecimentos Andreoli e Silva (2008) definem como um conjunto de saberes simbólicos e 18 Definição extraída da Lei de Pesca, nº 11.959/2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br

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práticos sobre o comportamento, a reprodução e os hábitos das espécies, bem como dos ciclos

naturais. Tais conhecimentos muitas vezes podem constituir uma rica fonte de informações,

de como manejar, conservar e utilizar os recursos naturais de uma maneira sustentável. Desse

modo, à medida que as populações se ambientaram em determinadas regiões, foram

consolidando os conhecimentos sobre o meio, seus limites e potencialidades, que implicaram

na elaboração de técnicas adaptadas, estruturação de dietas e sistemas produtivos

diversificados, relacionados à dinâmica dos ecossistemas.

Além de produzir conhecimento que garante o sustento da família, a relação do (a)

pescador (a) com ambiente constitui também uma expressão do modo de vida das

comunidades de pescadores (as). É o que revela o trabalho de pesquisa realizado por Nunes

(2010), que buscou analisar o modo como uma comunidade do Povoado Mosqueiro,

Aracaju/SE, que vive da pesca, tem se relacionado com a natureza (o mangue, o rio, o

estuário), dando sentido e significado ao Mosqueiro enquanto um povoado de pescadores, ao

mesmo tempo em que a cidade em processo de expansão impõe um modo de vida urbano e

novas necessidades. Diante do referido contexto, o estudo indica que a pesca viabiliza o

desenvolvimento de uma identidade que permite que os pescadores permaneçam na profissão

apesar das dificuldades que lhes são inerentes. Do mesmo modo, ao desenvolver a atividade

pesqueira aqueles sujeitos estão também determinando a identidade do local onde vivem.

Assim, o desenvolvimento da pesca possibilita a afirmação de um conjunto de saberes e

práticas que define a identidade não só dos pescadores, mas também dos locais onde vivem e

trabalham.

O agir da comunidade é característico de sua visão de mundo e se fundamenta na

leitura da natureza construída com o tempo em torno da intuição, percepção e vivência.

Conforma assim, uma maneira de apropriação dos espaços e recursos naturais que, segundo

Diegues (2002), resulta na proteção, conservação e potencialização da diversidade biológica.

Portanto, a pesca artesanal constitui uma prática circunscrita às comunidades

tradicionais. Segundo Diegues (2005), as comunidades tradicionais correspondem a grupos de

populações que sobrevivem da dependência direta com meio natural, de seus ciclos e de seus

produtos, o que se configura enquanto principal fator para a produção e reprodução de seu

modo de vida.

A relação das comunidades tradicionais com a natureza apresenta uma série de normas

e critérios de uso comum da terra, da água, das florestas, da extração e plantio desenvolvidos

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no contexto sociocultural que tem como base a solidariedade e a partilha. Tais grupos sociais

apresentam uma organização econômica e social com reduzida acumulação de capital,

mediante desenvolvimento de uma produção de pequena escala mercantil em uma relação

direta com ambiente natural. Os meios de produção como a pesca, a agricultura, o artesanato,

o extrativismo, entre outros, são, em vários contextos, desenvolvidos concomitantemente,

traçando um perfil de diversificação das atividades econômicas vinculadas aos ciclos

ecológicos (CANDIDO, 1964; DIEGUES, 2000).

O extrativismo vegetal, a pesca, a agricultura itinerante, a pecuária extensiva estão

entre as atividades econômicas mais importantes de grande parte desses grupos que

mantiveram com a sociedade global e o mercado relações de maior ou menor intensidade,

quase sempre garantindo parte de sua alimentação com produtos de suas terras, rios e mares.

2.5 Comunidades Pesqueiras e o universo da pesca: relações e desafios

As comunidades de pescadores artesanais correspondem a grupos de indivíduos que se

ocupam do trabalho realizado nos mais diversos ecossistemas aquáticos, e detêm um modo de

vida distinto dos demais grupos, especificamente em razão de sua própria atividade, que é

completamente influenciada pelo meio natural. O uso direto destes ambientes se dá não só na

qualidade de lugar de trabalho e produtor de alimentos, mas também como gerador de práticas

socioculturais (RAMALHO, 2006). Essas práticas permitem aos pescadores se reproduzirem

como tais, principalmente através da ação prática, em que experimentam, contrastam,

atualizam e aprendem sempre novos saberes acerca do meio em que atuam. A internalização

destes conhecimentos geralmente inicia-se muito cedo quando as crianças começam a

acompanhar as atividades desenvolvidas pelos avós, pais e irmãos mais velhos (ANDREOLI;

SILVA, 2008).

A unidade familiar e/ou de vizinhança é também uma característica importante no

modo de vida dessas populações que produzem para sua subsistência e para o mercado.

Manesch (2000) atribui ainda às comunidades pesqueiras a responsabilidade pelo

abastecimento interno de produtos pesqueiros do norte ao sul do país, em contrapartida, as

lutas que empreendem esses grupos por sobrevivência e dignidade relacionam-se à

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permanência de uma diversidade de modos de vida e de usos diferenciados dos espaços

costeiros e marinhos.

Por essa razão, a estrutura social e econômica destas comunidades apresenta-se dotada

de complexidade, haja vista os desafios impostos à sua sobrevivência. Muitos pescadores (as)

não possui documentação profissional, fato que impossibilita o acesso a direitos sociais como

previdência social que assegura direitos como aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio

acidente, doença entre outros, além do seguro defeso e políticas públicas específicas. Diante

de tal situação, pode-se inferir que parte significativa dos trabalhadores da pesca ainda

desconhece os direitos fundamentais para efetivação da cidadania ou enfrentam dificuldades

para acessá-los (RODRIGUES, 2009).

A categoria ainda possui baixa escolaridade, enfrenta condições precárias de trabalho

e conta com pouca ou nenhuma infraestrutura para beneficiamento e venda do pescado

(CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES, 2009).

Para além dos desafios de ordem social, os trabalhadores deste setor convivem com

problemas decorrentes da expansão da pesca industrial, atividade que compromete a

reprodução das espécies de peixes e crustáceos, dificultando a sobrevivência de comunidades

pesqueiras artesanais. A substituição de uma modalidade de pesca por outra apresenta

repercussões socioeconômicas, as quais foram abordadas por Silva (1995), quando estudou os

efeitos do desenvolvimento da pesca industrial no município de Pirambu/SE. Com o

estabelecimento desta modalidade no município a pesca passou a ter importância não somente

como um meio de conseguir alimento, mas também como um sistema organizado capaz de

abastecer centros urbanos de maior expressão populacional. Assim, “[...] a pesca deixou de

estar basicamente voltada para a subsistência e, paulatinamente, foi sendo direcionada ao

mercado consumidor” (SILVA, 1995, p. 4). Por outro lado, esta mudança também trouxe

consequencias negativas para a comunidade, como geração de conflitos, perda de autonomia

do pescador sobre o encaminhamento da atividade, insatisfação dos pescadores por não terem

participação nos benefícios, imposição de um estilo de vida urbano na localidade, dentre

outros.

Outro problema que afeta a pesca artesanal diz respeito à expansão do processo de

especulação imobiliária, responsável pela expulsão das comunidades de seus territórios

tradicionais. Pois, além destes, há problemas de ordem cultural, engendrados quando as

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culturas tradicionais não são consideradas, ou seja, suas relações com o meio ambiente e suas

formas de preservar a natureza (COLLOU, 2009).

Os fatores que limitam o desenvolvimento da pesca artesanal são múltiplos,

igualmente diversos são os efeitos deles decorrentes. Por esta razão a análise do processo de

transformação das comunidades pesqueiras tradicionais deve ocorrer sob a perspectiva

ecológica, econômica, social, política e cultural. Neste sentido, o trabalho realizado por

Aragão (2011), oferece importante contribuição, quando buscou investigar a dinâmica

socioambiental da comunidade pesqueira Mem de Sá, Itaporanga D´Ajuda/SE e os desafios

enfrentados por esta comunidade frente ao processo de transformação do litoral sul sergipano.

Considerando-se o cotidiano dos pescadores artesanais da referida localidade, o

desenvolvimento da comunidade não é analisado simplesmente como categoria econômica.

Mas, como um processo integrado aos elementos socioculturais.

Este contexto de limitações socioeconômicas é característico da pesca artesanal

brasileira, tal situação resulta da pouca importância, reconhecimento e visibilidade

dispensados pelos órgãos governamentais e pela sociedade ao setor, que por vezes, não

reconhece a eficiência e a produtividade do trabalho realizado por estes sujeitos. Certamente

por esta razão, pescadores e pescadoras encontram-se estigmatizados.

Em meio a este cenário de tantas adversidades que permeiam o cotidiano dos

indivíduos que realizam a pesca artesanal, destaca-se a importância do papel da mulher para a

sobrevivência das famílias que vivem dos recursos pesqueiros. A inserção feminina no

universo da pesca não se exime dos desafios apresentados e acaba acrescentando outros, pois

o estabelecimento de atribuições ocupacionais distintas entre homens e mulheres introduz um

alto grau de complexidade no que se refere às questões de gênero na atividade.

Segundo Colling (2004) por gênero entende-se o termo utilizado para teorizar a

questão da diferença sexual, questionando os papéis sociais das mulheres e dos homens. Essa

categoria permite entender a construção e a organização social da diferença sexual. Joan Scott

(1998) citada por Colling define gênero como sendo “[...] o discurso da diferença dos sexos.

Ele não se relaciona simplesmente às ideias, mas também às instituições, às estruturas, às

práticas cotidianas, como aos rituais, e tudo o que constitui as relações sociais” (COLLING,

2004, p. 29).

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Em consonância, Strey et al (2004) salientam que a distinção entre sexo e gênero faz-

se necessário para realização de qualquer tipo de investigação científica. Para as autoras o

sexo corresponde à categoria biológica enquanto gênero é a categoria histórica e

culturalmente determinada da diferença sexual. Deste modo, o gênero, enquanto categoria

social analisa a organização desigual discriminatória da sociedade segundo o sexo, que por

sua vez está intrinsecamente relacionado às diferenças biológicas, sem estabelecer qualquer

relação com o social.

A discussão sobre gênero no universo da pesca é bastante pertinente, ainda mais no

contexto atual, no qual o papel da mulher passa a ser reconhecido, tendo inclusive se tornado

objeto de estudo, especialmente em regiões nas quais a pesca é importante economicamente.

A inserção da mulher numa atividade historicamente masculina está associada a

fatores como o aumento da pobreza e da exclusão social. De forma indireta ou direta o

trabalho desempenhado pela mulher nesta atividade revela-se imprescindível para obtenção de

sustento e renda de suas famílias. No entanto, cabe mencionar que o esforço empreendido,

assim como a valiosa contribuição da mulher na atividade pesqueira foi por muito tempo

despercebido, relegando para segundo plano o devido reconhecimento de sua importante

atuação.

2.6 Da terra ao mar: a dimensão espacial do trabalho feminino na pesca

De maneira geral, os estudos sobre as comunidades pesqueiras brasileiras eram

relativamente reduzidos até a década de 1950 do século passado. Entre 1950 e 1960 houve

uma significativa contribuição dos geógrafos humanos que descreveram vários aspectos da

distribuição e forma de vida dos pescadores entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina.

No entanto, estes estudos constituíam em sua maioria trabalhos descritivos e

empíricos. Ainda na década de 1960 os trabalhos ganham densidade teórica e metodológica.

Porém, é na década seguinte que pesquisas e estudos desta natureza crescem

significativamente graças ao desenvolvimento de trabalhos e teses realizados por universidade

e institutos de pesquisa. Surge também neste período, um tímido interesse pelo papel das

mulheres nestas sociedades (DIEGUES, 1995).

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As décadas de 1970 e 1980 do século XX retratam o surgimento, desenvolvimento e

as mudanças de rumo dos estudos sobre mulher e gênero no Brasil. Esta mudança se deu em

razão de um movimento amplamente difundido internacionalmente no final da década de

1960, denominado feminismo. Este movimento conforme observa Álvarez Gonzáles

propunha

a consciência da existência de uma experiência feminina comum, de uma identidade das mulheres ansiosas por conseguir autonomia, individualidade e, portanto, sua emancipação. Fazia-se necessário reescrever suas histórias para incluir nela essa nova categoria formada por metade da humanidade e da qual se começava a tomar consciência (GONZÁLES, 2010, p. 22).

É neste contexto de amplas discussões sobre gênero que Mota-Maués desenvolve uma

pesquisa (1998) cujo foco é voltado para análise e investigação de estudos realizados entre as

referidas décadas, em comunidades de pesca no Brasil, mais especificamente na Amazônia,

espaço historicamente marcado por essa atividade.

Sabe-se que, historicamente, a pesca constituiu-se uma atividade desempenhada

predominantemente por homens. Todavia, este aspecto há muito tempo vem sendo

modificado graças à participação feminina neste universo, por essa razão é cada vez maior o

número de mulheres que ocupam as margens de rios, estuários e mangues trabalhando

diretamente na captura de crustáceos e moluscos, além de atuarem no beneficiamento dos

produtos e na confecção e reparos dos apetrechos de pesca.

Não obstante, mesmo com a expressiva participação feminina neste setor, a pesquisa

realizada por Mota-Maués permitiu constatar a ideia de “invisibilização” da mulher nas

sociedades pesqueiras, depreendendo assim, que a questão da mulher e das relações de

gênero, com raras exceções, não eram contempladas como tema de estudo na produção de

dissertações e teses acerca destas comunidades. Dos estudos identificados e/ou consultados

pela autora apenas um apresentava como tema a situação social das mulheres em

comunidades pesqueiras.

Curiosamente a referida autora chama atenção para explicar tamanha discrepância, o

fato dos próprios pesquisadores não notarem o papel feminino nestas comunidades “[...] o que

dizer quando somos nós a invisibilizar, sem sequer nos darmos conta de que o estejamos

fazendo?” (MOTA-MAUÉS, 1999, p. 385). Reforça ainda o questionamento com o seguinte

argumento “[...] o que pode ser observado, no caso da crítica ao estrabismo dos que estudaram

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comunidades pesqueiras e não viram as mulheres” (1999, p. 389). Ainda sob esse ponto de

vista Woortmann afirma que

de maneira geral, os estudos de comunidades “pesqueiras” tendem a privilegiar os atores sociais masculinos, e o ponto de vista do homem. O discurso do pesquisador como que replica o discurso público dessas comunidades, cuja identidade se constrói sobre a atividade da pesca, concebida como masculina. Relega-se assim, ao silêncio as atividades femininas mesmo quando estas contribuem substancialmente para a subsistência da comunidade. Isto significa que se ignora, por um lado, uma parte importante das atividades econômicas daquelas comunidades. E significa também que se deixa de lado uma parte do ambiente sobre o qual esses grupos atuam. Privilegiando-se o mar desconhece-se a terra (WOORTMANN, 1992, p. 31).

Diante do exposto pode-se inferir que a mulher pescadora esteve por longo período

distante de ser contemplada pelos estudos acadêmicos, porém esta realidade começa a se

modificar, ainda que timidamente, pois já existem estudos que abordam a questão do gênero

na pesca artesanal. A saber, o trabalho de pesquisa realizado por Santos (2012), o qual se

propôs a investigar a (re) produção social e a dinâmica ambiental no espaço da pesca sob a

ótica do trabalho feminino, tendo como foco a territorialidade reconstruída no cotidiano das

atividades das marisqueiras da Taiçoca de Fora/SE. A pesquisa aborda as formas de

organização, bem como as singularidades que permeiam o cotidiano das mulheres envolvidas

na referida atividade, com a perspectiva de contribuir para a formulação de políticas que

conduzam a uma maior equidade entre os gêneros e para a manutenção da atividade com a

elaboração de plano de manejo, haja vista as dificuldades observadas no setor.

Além deste estudo, outros trabalhos consultados indicam a existência de diferentes

razões ou causas que impulsionaram as mulheres a recorrerem à pesca como alternativa para o

provimento de suas famílias.

2.7 O ingresso da mulher na pesca: diferentes razões

As pescadoras aparecem como novos atores a partir das discussões sobre a

Constituinte da Pesca, movimento realizado em 1988, que contou com a participação de

representantes de colônias, principalmente das regiões norte e nordeste, cujo objetivo

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consistiu em reivindicar seus direitos sociais a fim de que fossem assegurados pela nova

Constituição Federal (RAMALHO, 2012; RODRIGUES, 2012).

Quando se faz referência ao trabalho feminino na exploração dos recursos pesqueiros,

trata-se geralmente da confecção e reparo dos apetrechos de pesca, beneficiamento do

pescado, coleta de crustáceos e mariscos nas proximidades de casa tudo isso associado a

outras tarefas em terra (ÁLVARES; MANESCHY, 2011).

O ingresso da mulher na pesca pode assumir diferentes razões a depender do contexto

econômico e social no qual está inserida. Neste sentido, observa-se que não há uma

homogeneização de sua atuação neste setor uma vez que ela pode se mostrar mais expressiva

em um determinado segmento da atividade que em outro.

No norte e nordeste do país, por exemplo, algumas mulheres ingressam no setor

pesqueiro após a morte de seus maridos. A mariscagem19 é a atividade que mais emprega

mulheres, contribuindo para o aumento da renda familiar. Em muitos casos, além de

trabalharem no processamento primário do pescado, são responsáveis também pela venda da

produção na praia (VASCONCELLOS et al, 2007).

Ramalho (2006) explicita em seu estudo20 que o processo de inserção da mulher se deu

inicialmente de forma indireta, ou seja, a ela cabia a responsabilidade da comercialização dos

produtos capturados por seu companheiro, o reparo dos artefatos utilizados para a captura do

pescado e a introdução dos seus filhos na atividade pesqueira. Faz-se necessário observar, que

mesmo quando a mulher estava diretamente envolvida com a pesca, realizando a catação ou a

mariscagem, isto se dava, sobretudo, para complementar a alimentação da família.

Posteriormente, o aumento do desemprego e a queda do poder aquisitivo familiar atuaram

como fatores preponderantes para que o trabalho feminino assumisse outra conotação. As

mulheres tiveram que buscar novas alternativas de geração de renda, levando-as a adentrarem

no ramo da pesca, passando a assumir importante participação na formação da renda familiar.

19

Prática de captura e/ou coleta de mariscos e moluscos realizada em estuários, rios, mangues, entre outros ambientes a depender da região. 20 O trabalho de Ramalho não trata diretamente da questão de gênero na pesca artesanal, mas, das estratégias de reprodução social adotadas por pessoas que têm na pesca artesanal sua principal fonte de sobrevivência em duas comunidades no Estado de Pernambuco. Todavia, devido ao fato do autor tecer comentários sobre a razão pela qual a mulher adentrou na pesca artesanal na localidade estudada (Itapissuma/PE), fez-se, então, necessário fazer referência a sua obra.

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Outra razão para a participação da mulher na pesca é apontada por Woortmann (1992),

que ao analisar a relação da mulher com a pesca artesanal no Rio Grande do Norte, discute

sua inserção neste setor a partir da perda de seu espaço/ambiente. Este processo ocasionou

transformações no espaço, alterando, por conseguinte, as formas de atuação da mulher nos

mesmos.

Para a autora o espaço admite formas diferenciadas de apropriação e utilização. Nessa

perspectiva, o mar corresponde ao domínio dos homens, enquanto a terra é domínio de

trabalho das mulheres. Assim, cabia a elas a responsabilidade com a casa, e com o sítio onde

cultivam frutas e criavam animais. Ainda sob sua incumbência inscreve-se a preparação de

insumos utilizados na atividade masculina da pesca, além disto, compete a ela o tratamento do

pescado, por meio da secagem e salga, para o consumo doméstico e/ou comercialização.

Somente nos períodos em que o mar não rendia o suficiente, é que sua participação na pesca

acontecia de forma direta, assim, recorria-se ao mangue e por meio da coleta de crustáceos e

moluscos conseguia-se o alimento destinado para o consumo familiar e em pequena escala à

venda. Era neste período que o trabalho da mulher era posto em evidência quanto à função de

suprir as necessidades da família (WOORTMANN, 1992).

Esse contexto, porém, foi significativamente modificado a partir dos anos 1950 do

século XX, quando foi instaurado o princípio de mercado, responsável pela alteração do

ambiente natural/social e da condição da mulher. A transformação social é acarretada

principalmente em razão da perda de espaço no qual as mulheres realizavam suas atividades.

As terras gradativamente vão se tornando privadas, restando-lhes apenas áreas de difícil

acesso ou pouco adequadas ao cultivo, diminuindo inicialmente e se extinguindo

posteriormente as possibilidades da mulher produzir alimentos e insumos.

Dessa forma, concretiza-se a transformação do espaço tradicional da mulher,

imprimindo assim uma brusca inversão de tarefas, pois se antes a terra era o espaço de

trabalho da mulher, agora se tornou espaço de trabalho do homem, ou seja, “[...] de espaço

autônomo voltado para a subsistência, a terra se tornou espaço de trabalho assalariado,

subordinado e voltado para o mercado” (WOORTMANN, 1992, p. 37).

O estudo implementado pela supracitada autora revela que o processo de alteração de

espaço promoveu também alterações nas relações de gênero no que confere ao grupo social

aqui referenciado. Se antes a mulher alimentava a família com os produtos da roça, assim

como ajudava na manutenção da atividade de pesca do seu companheiro, a partir dos

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instrumentos que produziam para a coleta/captura do pescado, agora elas assumem um papel

de dependência do marido, seja do peixe que ele traz para casa, como alimento, seja do

dinheiro auferido pela venda do pescado.

Outra alteração que concerne ao processo de mudanças iniciados nos anos 1950 e

completado nas décadas posteriores, diz respeito à forma de utilização do ecossistema

manguezal, se antes os produtos coletados eram destinados à alimentação da família em

períodos de escassez, agora a captura de tais produtos tem como finalidade primordial a

comercialização, obrigando as mulheres a buscarem os mangues como alternativa de sustento

e renda.

Pode-se inferir que o processo inicial de atuação do gênero feminino na pesca é

marcado pela modificação de suas funções, pois, se antes conforme elucidam Maneschy e

Álvares (2010), sua participação estava restrita às fases pré e pós-captura, ligadas a confecção

dos instrumentos e a conservação do pescado, hoje sua atuação abrange os diversos

segmentos que envolvem esta atividade, seja trabalhando diretamente nas margens de rios,

estuários e manguezais na captura de crustáceos e moluscos (marisqueiras), na confecção e

reparo das redes (tecedeiras) e/ou outros apetrechos utilizados na captura do pescado, no

beneficiamento para a conservação dos produtos, assumindo papéis na diretoria, presidência

ou como membro de colônias ou associações, além de exercerem suas responsabilidades no

seio familiar com o cuidado com a casa, o marido e os filhos (SANTANA, 2009). Desta

forma, observa-se que de diferentes modos as mulheres desempenham papéis imprescindíveis

para a manutenção de suas comunidades e perpetuação da pesca artesanal.

Depreende-se a partir do exposto, que o processo de inserção da mulher no universo

da pesca não constituiu um processo fácil, haja vista as diferentes razões que as levaram a

adentrarem neste ramo, em decorrência da ausência dos seus companheiros como destaca

Vasconcellos et al (2007), do desemprego e do baixo rendimento familiar como bem coloca

Ramalho (2006), ou da perda de seu espaço de trabalho conforme esclarece Woortmann

(1992). O que se pode observar a partir dos estudos levantados, é que, de diferentes formas as

mulheres assumiram (e ainda assumem) importantes funções no universo da pesca, seja

trabalhando diretamente na captura do pescado, na confecção e reparo dos apetrechos, no

beneficiamento do pescado ou na comercialização deste. É desta forma que elas garantem não

somente a produção de alimento e geração de renda para sua família, mas também a

manutenção da própria atividade pesqueira mediante manipulação dos recursos, introdução

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dos filhos e transmissão de conhecimentos, apesar das condições adversas enfrentadas na

profissão.

2.8 A mulher no universo da pesca: da invisibilidade ao protagonismo

Se adentrar na pesca artesanal como alternativa de sustento e renda para suas famílias

configurou-se um processo difícil, atualmente, permanecer neste universo significa uma

realidade ainda mais complicada.

O trabalho feminino na pesca artesanal é ainda bastante desvalorizado no Brasil, seja

por questões relacionadas ao gênero ou por questões de ordem estrutural, como a dificuldade

na conquista de benefícios ou o fato das próprias pescadoras não se reconhecerem como

trabalhadoras, mesmo que desenvolvam atividades nos diversos segmentos da atividade.

Sobre isto é importante destacar o relato de uma pescadora entrevistada durante o trabalho de

campo:

“A gente devia ter mais valor nas mão dos grande, devia dar mais valor a gente, não tô falando por parte da minha família, porque todo mundo é pescador. Aqui em Sergipe mesmo, os pescador tudo, homem e mulher é tudo escondido, não é como lá fora que eu vejo passar na televisão”

Em muitas comunidades que têm sua fonte se subsistência e renda na pesca é comum à

existência de práticas de submissão das mulheres aos homens21 uma vez que a referida

atividade apresenta uma divisão sexual do trabalho bem definida e intensamente centrada no

masculino. Geralmente, a divisão das tarefas se define entre o espaço do mar e o espaço da

terra. Cabe aos homens a pesca, enquanto as mulheres são responsáveis pela coleta de

mariscos, moluscos, algas, camarão, entre outros produtos coletados na beira de praias, lagos,

rios e mangues. É de sua inteira responsabilidade também o beneficiamento do pescado

capturado por seu companheiro ou por ela mesma, assim como também o reparo dos

instrumentos de pesca. A ocupação da mulher nas diversas atividades inerentes ao setor

pesqueiro não a isenta das suas obrigações domésticas, como o cuidado com os filhos, o

esposo e a casa, conferindo-lhe dupla jornada de trabalho.

21

Esta realidade fora observada nos estudos de: COLLOU et all Pescadoras artesanais e movimentos sociais: articulação das pescadoras de Pernambuco em Itapissuma-Pernambuco, 2008.

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Por estas razões as atividades femininas tendem a ser multidirecionadas, pois

geralmente sua jornada de trabalho é mais longa, combinando tarefas domésticas e produtivas

(BEGUM, 2011), ao contrário das masculinas, geralmente centradas em uma ou duas

atividades principais, como por exemplo, pesca e lavoura. Esse fato reforça a invisibilidade de

seu trabalho e dificulta sua identificação como trabalhadoras. Nessa condição, ficam excluídas

dos correspondentes direitos sociais e previdenciários22 (MANESCH, 2000).

Por passarem mais tempo realizando tarefas em terra, os membros das comunidades

das quais fazem parte não consideram o trabalho que as mulheres realizam como pesca,

tampouco os organismos que coletam, do grupo dos moluscos e crustáceos, como pescados.

Logo, suas atividades não são tomadas como pesca (MOTTA-MAUÉS, 1999).

Ademais, muito do que fazem não se destina ao mercado e não é visto, portanto, como

trabalho, mesmo quando se trata de tarefas que permitem aos homens pescar. Entretanto,

Manesch salienta que

a produção das mulheres é tão importante quanto a dos homens, ainda que não seja reconhecida como tal. De fato, em um contexto de produção de mercadorias, as atividades voltadas ao mercado alcançam necessariamente maior visibilidade, obscurecendo-se as outras dimensões da divisão social do trabalho e, em particular, as conexões que se estabelecem entre a casa e o mundo do trabalho (MANESCH, 2000, p. 83).

Esta discussão sobre as atividades que a mulher realiza ser ou não considerada pesca

pode ser refutada se tomarmos como pressuposto a definição de pesca de acordo com o art. 36

da Lei 9.065 de 1998, a pesca corresponde a todo ato tendente a retirar, extrair, coletar,

apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e

vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies

ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.

Neste sentido, pode-se inferir que a pesca abrange uma complexa cadeia produtiva não

se restringindo apenas ao ato de extrair das águas-costeiras, ribeirinhas ou lacustres, mas

também de transformar/beneficiar, e de distribuir/trocar/comercializar o pescado (SANTOS,

2012). Assim, a pesca contempla desde os processos iniciais como a preparação dos

22 Os principais direitos legalmente instituídos são: Previdência Social que regulamentam os direitos e os deveres dos pescadores frente ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), assegurando aos trabalhadores (as) da Pesca, a aposentadoria por idade e invalidez, auxílio acidente, doença, reclusão; salário maternidade, pensão por morte etc; Seguro Defeso e políticas públicas específicas para as comunidades pesqueiras tradicionais (RODRIGUES, 2012).

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instrumentos necessários para sua realização, até o beneficiamento e venda do pescado. Em

tal processo indiscutivelmente a mulher está inserida.

Lima (2003) adverte que a participação feminina neste setor é caracterizada também

pela precariedade, baixa renda e exclusão de direitos profissionais e sociais. Além disso, a

notoriedade das mulheres na pesca é por vezes ignorada pela sociedade e até mesmo por

membros da comunidade da qual fazem parte, que muitas vezes desvalorizam a importância

do seu trabalho.

Por outro lado, Mota-Maués (1999) considera que o aspecto da invisibilidade social e

profissional afeta a todos os pescadores (homens e mulheres), uma vez que ambos os gêneros

compartilham das mesmas dificuldades sociais, econômicas e políticas, por estas razões, não

raras vezes, a esta categoria social são atribuídos rótulos de “invisibilizada”, “esquecida”,

“ameaçada”, “subordinada”. Reforçando ainda essa questão da invisibilidade social que atinge

o grupo como um todo, Vasconcellos et al observa que “[...] quase sempre no passado e,

muitas vezes até hoje, os pescadores artesanais são considerados ineficientes e improdutivos,

e, consequentemente, deveriam ser considerados como objetos de „Programas de Assistência

Social‟ ou, mais diretamente, uma questão social” (2007, p. 17).

Todavia, mesmo que compartilhando de iguais dificuldades, a fragilidade da

identidade profissional das pescadoras é ainda acrescida pelo fato de suas atividades serem

amplamente vinculadas ao homem no interior da família e da comunidade. Suas tarefas são

vistas como auxiliares dos companheiros ou irmãos e atreladas às tarefas domésticas. O

trabalho do beneficiamento do pescado é visto como uma extensão das tarefas domésticas,

não computado à produção e à economia local. As mulheres que trabalham nessas atividades

são vistas como trabalhadoras mal remuneradas e pouco qualificadas (MARTINS, 2005).

A invisibilidade ou o não reconhecimento das funções que exercem as mulheres na

pesca artesanal não constitui por sua vez uma situação generalizada, haja vista, que em vários

lugares muitas pescadoras já conquistaram seus direitos enquanto cidadãs trabalhadoras.

Frente aos desafios do reconhecimento social e profissional, faz-se necessário mencionar que

as colônias ou associações têm um importante papel a desempenharem, devendo, pois assumir

essa demanda, possibilitando que as pescadoras também tenham lugar. Neste sentido,

Menesch considera que “assegurar às mulheres o estatuto de trabalhadoras da pesca, como

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parceiras de terra ou das águas, é um passo na conquista de uma cidadania de qualidade, com

relações mais justas e igualitárias entre homens e mulheres” (2000, p. 88).

Para além dos problemas de ordem de gênero e sociais aqui explicitados, cabe ressaltar

que as dificuldades da profissão são também vivenciadas durante o cotidiano de trabalho das

pescadoras, que envolve riscos à saúde como dores de coluna devido às posições para extrair

o pescado, problemas de pele e dores de cabeças em razão da exposição ao sol, infecções

ginecológicas, vulnerabilidade a acidentes, ferimentos como pode ser observado nesta

passagem extraída do diário de campo

Na areia onde as mulheres coletam o maçunim há cascos de outros moluscos amolados como lâminas. Passados alguns minutos após o início do trabalho, uma das pescadoras leva um corte grande e profundo, ela estanca o sangue e continua a realizar o trabalho mesmo com dor (Diário de campo).

De fato, as dificuldades na execução da atividade também se fazem sentir na

comunidade investigada onde as mulheres, durante a coleta do pescado, buscam entre uma

posição e outra, encontrar aquela que lhes pareça menos desconfortável. Ao final do dia são

notórias as expressões de dores musculares. Durante período de acompanhamento do

cotidiano de pesca fora observado as posições que as mulheres ficam durante a coleta, é

comum a expressão de dor quando trocam de posição.

Outro fator que contribui para dificultar as condições de trabalho das pescadoras diz

respeito à violência. Quando saem para pescar, qualquer que seja o ambiente de trabalho

(mangue, rio, maré, entre outros) as mulheres estão sozinhas ou em companhia de outras

mulheres, ficando desta maneira, em alguns casos, suscetíveis a assédio sexual. Este receio foi

inclusive revelado por algumas pescadoras da Ilha do Beto, local onde foi realizada a presente

pesquisa.

Quando eu fico sozinha lá dentro do mangue, boto uma foice do meu lado, um facão, minha água, minha merenda. Eu fico lá tirando minhas ostras, tirando meu sururu quietinha, porque às vezes entra uns homens dentro do mangue descamisado, parecendo marginal, porque se você tá lá dentro e ver aquele negão todo melado de lama, você tem medo. Aí o que é que você tem que fazer? Não pode tossir ou conversar. Cê tá sozinha, você tem que se abaixar e ficar quietinha e fazer de conta que não tem ninguém ali, aquele homem passa e não lhe ver. Porque o homem ver a mulher ali sozinha dentro do mangue, vai puxar ideia ou vai na manha pra um estupro, vai confiar em homem? Você no mangue sozinha!

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Alcançar um reconhecimento efetivo do trabalho empreendido pelas pescadoras se faz

necessário, pois, de diferentes modos elas desempenham papéis imprescindíveis para

manutenção de suas comunidades, quer seja por meio da manipulação dos recursos de

diferentes ecossistemas, quer seja gerando rendas complementares à da pesca, agregando

valor a produtos locais e participando de organizações coletivas (MENESCH, 2000).

Depreende-se que a importância do seu papel não se restringe apenas a uma ajuda

financeira para a complementação da renda de sua família, mas sim, de participação ativa não

exercendo um papel secundário ou complementar ao do marido, reconhecendo-se assim, a

essencialidade de sua atuação.

2.9 A relação da mulher com o entorno socioambiental

A presença feminina na pesca artesanal está longe de ser compreendida apenas como

uma ajuda ou mesmo desconsiderada, visto que esta atividade proporciona mais que

simplesmente sustento e renda. O cotidiano da pesca artesanal mostra-se repleto de

ensinamentos e aprendizagens. Por participarem ativamente deste ofício as mulheres

demonstram conhecimento sobre a biodiversidade local, assim como da utilização de artefatos

e técnicas para a captura do pescado, estabelecendo uma estreita relação, e, por conseguinte

uma experiência direta, intensa e íntima com o seu entorno socioambiental. Desta forma, a

relação da mulher com o ambiente implica na construção de conhecimento, o qual orienta a

escolha de técnicas e/ou práticas mais sustentáveis.

Sobre esta discussão Begum (2011) observa que as análises sobre mulher e o meio

ambiente devem levar em consideração aspectos socioeconômicos e culturais. Dentre estes

aspectos cabe mencionar o trabalho, que constitui uma forma de interação direta entre os seres

humanos e o mundo material, mediante exploração dos recursos naturais de forma mais

simples, como fazem as sociedades tradicionais ou de forma mais complexa, a exemplo das

sociedades contemporâneas. Sobre esse aspecto é mister salientar que o trabalho da mulher

revela-se importante no estabelecimento dessa conexão com o entorno, uma vez que este

possibilita o conhecimento sobre o seu ambiente, mediante o processo cotidiano de utilização

dos recursos que se dá de forma diferenciada para homens e mulheres.

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Neste sentido, a atividade supracitada (pesca artesanal) constitui um fator

socioeconômico que proporciona uma interação dinâmica com os recursos naturais.

Historicamente, essa interação tem estado intimamente ligada aos entornos naturais dos quais

dependem inúmeras populações, a este respeito Vanninayakae considera que

Estas relações remontam o passado da humanidade quando teve início a divisão das responsabilidades entre os gêneros. Os cientistas têm descoberto que no princípio da Idade da Pedra (15.000 a 9.000 A.C.) as funções e tarefas da mulher nas comunidades estavam intrinsecamente relacionadas a diversidade biológica e suas condições de bem estar estavam determinadas pelas condições do meio ambiente natural (VANNINAYAKAE, 1999, p. 41).

Sobre este aspecto histórico Angelin (2006) acrescenta outro fator que contribuiu para

o estabelecimento de uma relação diferenciada da mulher em relação à natureza diz respeito à

sedentarização dos povos. Com este processo, as mulheres permaneceram mais ligadas ao lar

e aos filhos, enquanto os homens se ocupavam prioritariamente da caça. Assim, as mulheres

descobriram a agricultura e passaram a ter uma relação mais próxima com a natureza.

A incorporação da mulher no contexto dos debates sobre desenvolvimento e meio

ambiente tem início nos anos 1970 quando surgem as primeiras preocupações com as

condições das necessidades básicas, e o papel das mulheres nos temas de população e

segurança alimentar (HERNANDÉZ, 2010). As discussões acerca desta temática ganham

intensidade na década seguinte tendo em vista a preocupação de como a mulher estar ou não

inserida no processo de desenvolvimento do seu papel e suas funções (CASTRO;

ABRAMOVAY, 2005).

Gadotti (2005) considera que a abordagem de gênero na questão ambiental mostrou-se

significativamente importante, na medida em que, pode evidenciar elementos fundamentais

para a construção de um desenvolvimento sustentável com equidade, permitindo como

salienta Hernandéz (2010) a compreensão das relações que mulheres e homens estabelecem

com a natureza, vinculadas na realidade material, social e cultural, levando em conta que estes

vínculos são socialmente construídos e que variam segundo a raça, a etnia, a geração e o sexo

em diferentes cenários.

A abordagem sobre meio ambiente implica não somente fazer referências a fatores

puramente biológicos como à degradação dos ecossistemas em geral, devendo-se considerar

também a relação que homens e mulheres e suas distintas formas de organização estabelecem

com o seu entorno.

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Neste sentido, entendeu-se como necessário, para esta pesquisa, apreender além das

situações e práticas cotidianas das pescadoras, também compreender as relações que

estabelecem com o ambiente, pois conforme esclarecem Mies e Shiva citado por Hernandéz

“[...] as mulheres, através de suas atividades cotidianas, estão mais perto da natureza que os

homens. Deste modo, elas têm um vínculo maior com o ambiente” (2010, p.33).

A ideia de que as mulheres podem estabelecer um vínculo especial com o ambiente,

compreendido também como lugar de moradia e trabalho permite-nos perceber que tanto elas

quanto os homens de diferentes grupos sociais podem olhar-lo e experimentar-lo de diversas

formas (HERNANDÉZ, 2010).

Deste modo, depreende-se que, implementar estudos que vislumbrem a apreensão do

lugar significa compreender as interações que ali ocorrem além das condições humanas e

naturais, uma vez que o lugar mostra-se repleto de relações históricas, permeadas por relações

de trabalho e de produção dos indivíduos e dos vínculos que estes estabelecem. Assim,

compreender o meio em que vive permite ao sujeito conhecer a sua história, bem como

entender os fatos que ali aconteceram (HASSLER, 2009).

2.10 A categoria de análise “lugar” e seu contributo para compreensão das interações

com o ambiente

O lugar, como conceito espacial de análise, ganha relevância no período contemporâneo, não como mero instrumento de localização ou uma base física, mas como uma construção socioespacial, edificada nas relações entre os indivíduos e a base territorial em que se vive e sobrevive (MOREIRA;HESPANHOL, 2007).

As interações que se estabelecem entre a natureza e a sociedade, entre o homem e o

ambiente constituem um amplo campo de investigação analisado por diversas áreas do

conhecimento científico. As discussões acerca das relações homem/meio configuram-se um

processo engendrado ao longo da história humana. Atualmente, o acentuado interesse

científico por esta temática surge em razão da emergência de problemas ambientais

decorrentes do avanço científico e tecnológico das últimas décadas, do excesso de consumo e

dos desastres ambientais.

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Tais problemas sem dúvida demandam preocupações e, por conseguinte, novos

desafios teóricos e metodológicos a serem empreendidos a fim de elaborar soluções mais

abrangentes e integradas. A abordagem da relação sociedade/natureza não foi completamente

assimilada pela ciência contemporânea, já que a mesma, salvo experiências isoladas, ainda

encontra-se presa ao paradigma cartesiano que tudo fragmenta para melhor entender. Neste

contexto, as relações de causas e efeitos resultantes da interação entre o homem e a natureza

ainda não foram satisfatoriamente compreendidas (AGUIAR, 2010).

No âmbito desta discussão cabe mencionar o papel da ciência geográfica. De acordo

com Suertegaray (2001), desde sua autonomia, a Geografia expressa uma preocupação com a

compreensão da relação homem/meio, este entendido como entorno natural. Para tanto,

busca-se analisar as diferentes relações que se estabelecem a partir das diferentes formas que

os grupos se inserem, exploram e transformam o ambiente.

Para abranger este amplo campo de investigação, a geografia conta com cinco

categorias analíticas principais (paisagem, lugar, território, região e espaço), as quais

constituem instrumentos fundamentais para compreensão da realidade humana, bem como das

transformações resultantes da atuação de cada sociedade (MIYAZAKI, 2008).

Estas categorias, também entendidas como conceitos, emergem da necessidade de

compreensão das complexas interações que se processam entre o homem e o conjunto de

aspectos (naturais, sociais, econômicos, políticos e culturais) que o circunda.

Dentre as supracitadas categorias, elegeu-se o Lugar para discutir neste estudo, dada a

observação do modo como as pescadoras da “Ilha do Beto”, se relacionam entre si e com

ambiente de pesca e vivência. Conforme Gonzaga (2009) observa a categoria geográfica

“lugar” adéqua-se a estudos que buscam compreender o modo de vida, o cotidiano e a

essência das relações dos diferentes grupos sociais. É no lugar de vivência que podemos

encontrar esta resposta, pois tudo só adquire significado nele, o qual é produto das ações e

relações humanas.

De acordo com Moreira (2007), a apreensão do lugar requer uma contextualização

assentada nas acepções teóricas, haja vista a contribuição de tais fundamentos para o

desenvolvimento e o entendimento deste conceito conforme a realidade encontrada. Por essa

razão, neste estudo optou-se discutir a referida categoria dentro da perspectiva da Corrente

Geográfica Humanista, na qual o Lugar é o conceito mais relevante. Esta tendência se propõe

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a investigar as diferentes maneiras que os indivíduos pensam e sentem suas interações com o

meio.

A discussão desta categoria assentada nas ideias da corrente humanista justifica-se

ainda em função da profunda relação que o grupo social pesquisado (pescadoras artesanais)

estabelece com o seu lugar de vivência e trabalho, cujas interações ultrapassam suas

necessidades imediatas de sustento e renda a partir da atividade pesqueira, desdobrando-se em

relações mais complexas e subjetivas das quais emergem as experiências, os sentimentos, a

afetividade dos sujeitos para com o lugar e o estabelecimento das relações de vizinhança e dos

laços e reciprocidade entre os indivíduos.

Tais características são comuns a outros grupos societários como os camponeses cuja

organização ocorre mediante intensas relações interpessoais, caracterizada pela solidariedade

entre os indivíduos, surgindo assim uma forma específica de interação àqueles e o meio

(QUEIROS, 1973).

Diante deste contexto, o lugar não poderia ser discutido de outra forma nesta pesquisa,

senão a partir desta vertente. No entanto, faz-se necessário esclarecer que o lugar possui

múltiplas concepções dentre as quais se destaca a da corrente geográfica crítica, que não

discute o lugar como categoria central e desenvolve uma abordagem baseada na perspectiva

da relação entre o local e o global, como bem discute Ana Fani Carlos e Milton Santos.

Para Ana Fani o Lugar é a porção do espaço apropriável pelo o corpo para a vida, é

onde se desenvolve a base da reprodução da vida, podendo ser analisado pela tríade habitante

– identidade – lugar. As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se

exprimem todos os dias nos modos de uso, nas condições mais banais, no secundário, no

acidental. Portanto, o lugar só pode ser apreendido a partir de um conjunto de sentidos

impressos pelo uso. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido por meio

do corpo. Mas também, é o espaço da produção e reprodução da vida, que se dá por meio das

relações de trabalho, que não são específicas de um lugar, mas encontram-se relacionadas

com o modo de produção, que acaba repercutindo nas atividades produtivas e nas relações de

trabalho desenvolvidas em cada lugar (CARLOS, 2007).

Cada lugar é fruto de uma história particular, que mesmo influenciado pelo mundial,

continua a manter suas particularidades, seja nas formas e significações, nas relações

cotidianas, enfim no modo de apropriar cada lugar. Mas o global ou mundial, interfere no

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local redefinindo seu conteúdo sem a anular suas particularidades. Segundo Carlos (2007), o

global materializa-se concretamente no lugar, aqui se lê/percebe/entende o mundo moderno

em suas múltiplas dimensões, numa perspectiva mais ampla, o que significa dizer que no

lugar se vive, se realiza o cotidiano e é aí que ganha expressão o mundial.

Portanto, para a autora o lugar se apresenta como “[...] ponto de articulação entre a

mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento”

(CARLOS, 2007, p. 14). Cada vez mais os lugares sofrem a influência externa devido,

sobretudo, ao desenvolvimento da técnica e das comunicações. Aparece como um fragmento

do espaço que têm sua identidade formada das relações sociais dentro de uma história

particular, local, fortemente influenciado pela história mundial por meio do modo de

produção, do consumo, da divisão do trabalho.

Para Milton Santos o conceito de lugar remete-nos a reflexão de nossa relação com o

mundo. Para o autor “os lugares são condições de suporte e relações globais [...] O planeta é

admitido como uma entidade material e humana, é uma totalidade [...] Hoje, certamente mais

importante que a consciência do lugar, é a consciência do mundo, obtida através do lugar”

(2008, p. 156/157).

Esta breve apresentação dos diferentes conceitos orientados por outra corrente

geográfica não teve a pretensão de aprofundar as discussões dos pontos de vistas dos autores

aqui referenciados, apenas demonstrar que não existe uma única forma para compreender e

definir o lugar. Desta forma, depreende-se a partir do exposto, que estas definições trazem

importantes elementos para a discussão e compreensão do lugar dentro da lógica global.

Todavia, nestas novas acepções, os aspectos da subjetividade também apreendidos como

necessários para a construção do conhecimento e, por conseguinte, para análise das ações

humanas com o entorno, estão num plano secundário. A abordagem humanista, por outro

lado, oferece subsídios para compreender as relações subjetivas do homem com o ambiente

considerando-se para tanto, os espaços vivenciados pelas pessoas em suas atividades

cotidianas ligadas à sobrevivência e às diversas relações estabelecidas pelos homens,

oferecendo assim, uma ampla gama de possibilidades para o estudo dos lugares.

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2.11 A concepção de lugar segundo a Geografia Humanista

Os lugares configuram-se em centros aos quais atribuímos valores, significados e

importância. Para tanto, procura-se valorizar a experiência do indivíduo ou do seu grupo,

buscando compreender as maneiras de ser, de agir e de sentir das pessoas em relação aos

lugares. Desta maneira, depreende-se que o lugar tem mais substância do que sugere a palavra

localização. Este, por sua vez, corresponde a uma categoria de análise da Geografia,

trabalhada principalmente na Corrente Humanista.

Os estudos sobre lugar ganham notoriedade e importância a partir da implementação e

consolidação das ideias da Geografia Humanista nas décadas de 1960 e 1970 do século

passado. Antes deste período, o termo lugar não constituía um conceito científico, utilizado

somente como sinônimo de localização. Por esta razão, foi por muito tempo relegado para

segundo plano em relação a outros conceitos espaciais como paisagem, espaço e território

(HOLZER, 2003). A geografia enquanto disciplina acadêmica foi orientada pelas ideais

positivistas que influenciaram, sobretudo a Geografia Clássica ou Tradicional, cuja finalidade

restringia-se à explicação a realidade mediante apenas descrição e quantificação dos

fenômenos estudados (CORRÊA, 2000).

Desta maneira, a busca crescente da objetividade cujas análises priorizavam apenas

aspectos precisos e concretos, praticamente inviabilizou qualquer consideração que

ultrapassasse a definição do lugar de um sentido estritamente locacional, razão pela qual

durante um longo período excluíram-se dos estudos geográficos aspectos como laços de

vizinhança, experiências cotidianas bem como os vínculos que unem as pessoas ao ambiente

(MELLO, 2005).

Segundo Holzer (1999), Sauer23 foi um dos primeiro estudiosos a desvincular a

definição de lugar de um sentido estritamente locacional, introduzindo a esta categoria

aspectos da subjetividade para sua apreensão, suas ideias influenciaram a Corrente Humanista

na década de 1970, período em que os pressupostos teóricos desta abordagem foram

amplamente discutidos e consolidados. 23 Carl Sauer é considerado pai da Geografia Cultural. Na verdade a popularização desta área de conhecimento deve-se a este cientista. A geografia cultural de Carl Sauer era uma geografia que analisava a cultura sob seu aspecto mais material, eram os chamados – artefatos culturais. Estudavam-se os campos, as moradias, os animais utilizados, os instrumentos de trabalho. Focalizava principalmente as sociedades “tradicionais”, dando pouca ênfase as sociedades urbano-industriais (SILVA; MARTINS, 2011).

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Esta nova tendência nasce a partir da renovação e revisão de conceitos e bases

filosóficas da geografia, e caracteriza-se por estar calcada nas filosofias do significado,

especialmente a fenomenologia24 e a percepção25, criticando desta forma a geografia de cunho

lógico e positivista26, que se propunha explicar a realidade mediante apenas descrição e

quantificação dos fenômenos estudados. Nesta perspectiva, configurar-se-ia esta abordagem

uma opção à ciência objetiva dotada de uma tarefa revolucionária: a investigação do vivido e

o cotidiano de toda gente (MELLO, 2005).

Defini-se então essa linha de pensamento por bases teóricas nas quais são ressaltadas e

valorizadas as experiências, os sentimentos, a intuição, a subjetividade e a compreensão das

pessoas sobre o meio ambiente que habitam, buscando compreender e valorizar esses aspectos

(ROCHA, 2007). Tal corrente destaca-se ainda por privilegiar o singular e não o particular ou

o universal, e ao invés da explicação, tem na compreensão a base de inteligibilidade do

mundo real (CORRÊA, 2000).

Para tanto, busca valorizar a experiência27 do indivíduo ou do grupo, visando

compreender o comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação aos seus

lugares. Conforme elucidam os estudos de Christofoletti (1982), a geografia Humanista

procura valorizar a experiência do indivíduo ou do grupo, visando compreender o

comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação aos seus lugares. Para cada

indivíduo, para cada grupo existe uma visão de mundo, que se expressa através de suas

atitudes e valores para com o quadro ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e

organiza o seu espaço e o seu mundo e nele se relaciona.

Assim, as noções de espaço e lugar surgem como muito importante para esta tendência

que se constitui em elementos do meio ambiente intimamente relacionados. Sob a perspectiva

humanista estes elementos assumem características semelhantes, um não pode ser definido

24 Movimento filosófico que analisa os aspectos essenciais da consciência, através da supressão de todos os preceitos que o indivíduo possa ter sobre a natureza dos objetos, como os provenientes das perspectivas científicas, naturalista e do senso comum. Preocupando-se em verificar a apreensão das essências pela percepção e intuição das pessoas, a fenomenologia utiliza como fundamental a experiência vivida e adquirida pelo indivíduo. Desta maneira, contrapõe-se às observações de base empírica, pois não se interessa pelo objeto nem pelo sujeito (CHRISTOFOLETTI, 1982). 25 A percepção é apreendida como uma resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são registrados, enquanto outros são bloqueados (TUAN, 1980, p.4). 26

O Positivismo constituiu um movimento filosófico que influenciou diversas áreas do conhecimento, dentre as quais a Corrente Geográfica Tradicional que se propunha explicar a realidade mediante apenas descrição e quantificação dos fenômenos estudados (CORRÊA, 2000). 27

Entende-se por experiência as diferentes maneiras através das quais uma pessoa conhece e constrói a realidade. A experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência (TUAN,1983, p. 9-10).

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sem o outro. Os lugares são centros aos quais atribuímos valor, no qual o indivíduo se

encontra ambientado, familiarizado no qual está integrado. Ele faz parte do seu mundo, dos

seus sentimentos e afeições, é o centro de significância ou um foco de ação emocional do

homem, o lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem significância afetiva

para uma pessoa ou um grupo de pessoas (CHRISTOFOLETTI, 1982). Enquanto que o

espaço adquire o significado de “espaço vivido”, considerando para sua definição os

sentimentos e ideias de um grupo a partir de suas experiências (CORRÊA, 2000).

Neste ínterim, deve, portanto o lugar ser explicado e compreendido sob a perspectiva

das pessoas que lhes dão significados (TUAN, 1979 apud HOLZER, 1999). Valorizando

desta forma, os elementos subjetivos dos indivíduos. Segundo Martins e Silva (2011) esses

elementos devem ter relevância para análise e compreensão dos grupos sociais, pois no

espaço vivido, os sujeitos e as relações que estabelecem cotidianamente não devem ser

explicados levando-se em consideração simplesmente o racional, “[...] não podemos estudar

as espacialidade, de maneira verdadeiramente aprofundada, se considerarmos apenas o viés

objetivo” (2011, p. 9). Nesta perspectiva, a abordagem humanista mostra-se

significativamente importante, na medida em que abre espaço para o estudo dos elementos

mais subjetivos do ser humano.

Um dos maiores expoentes desta abordagem foi o geógrafo Yi-Fu Tuan cujo interesse

se direciona para o elo que as pessoas manifestam com a sua região de origem e à experiência

dos meios populares, priorizando os sentidos dos lugares e a importância do vivido para

aqueles que os habitam ou os frequentam (CLAVAL, 2001). De acordo com o autor a

Geografia estuda o lugar sob duas óticas: a do lugar como localização; e a do lugar como

artefato único. Para ele, o lugar tem mais substância do que nos sugere a palavra localização

Ele é uma entidade única, um conjunto especial que tem, história e significado. O lugar encarna as experiências e as aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a ser explicado na estrutura ampla do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhes dão significado (TUAN, 1979 apud HOLZER, 1999, p. 70).

Em seus estudos Tuan (1980) explora termos como percepção, atitudes e valores,

acreditando que estes elementos possibilitam a compreensão do homem e, consequentemente,

a compreensão dos problemas ambientais, pois estes constituem fundamentalmente problemas

humanos. Portanto, para a análise e entendimento daqueles deve-se levar em consideração a

diversidade e a subjetividade humanas.

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Ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a percepção, atitudes e

valores ambientais, o referido autor propôs o termo Topofilia, definindo-o como o elo afetivo

entre a pessoa e o lugar ou o quadro físico. Os sentimentos que os indivíduos têm em relação

ao lugar podem variar profundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão, contudo,

enfatiza o autor que “[...] mais permanentes e mais difíceis de expressar, são os sentimentos

que temos para com o lugar, por ser o lar, o locus de reminiscência e o meio de se ganhar a

vida” (TUAN, 1980, p. 107).

O sentimento topofílico pode surgir por razões diversas, seja a partir da intimidade

física ou dependência material com o lugar; por familiaridade e afeição, ou seja, ser o local

onde o indivíduo nasceu cresceu e construiu família; pode paradoxalmente estar associado à

experiência do sujeito com a intransigência da natureza. Os que podem não suportar a

privações deixam a região, os que ficam, parecem desenvolver um estranho orgulho em sua

habilidade de levar a vida (TUAN, 1980).

No entanto, essa relação de afetividade que os indivíduos desenvolvem com o lugar

geralmente ocorre por interesses pré-determinados, ou seja, dotados de uma intencionalidade.

Sobre este aspecto, Leite (1998) afirma que os lugares só adquirem identidade e significado

através da intenção humana e da relação existente entre aquelas intenções e os atributos

objetivos do lugar, ou seja, o cenário físico e as atividades ali desenvolvidas.

Em consonância, Tuan reforça esta idéia citando como exemplo o caso do agricultor, o

qual estabelece uma relação de afetividade com a terra, porque é dela que depende sua

sobrevivência. Mas, o agricultor não é única exceção, todo homem para viver deve ver algum

valor em seu mundo. Deste modo, a vida está atrelada aos grandes ciclos da natureza; está

enraizada no nascimento, crescimento e morte das coisas vivas. Portanto, o êxito no

desenvolvimento das atividades humanas depende do conhecimento resultante do convívio e

interação com a natureza.

Para Hassler (2009), os vínculos afetivos com o lugar são historicamente construídos.

Nenhum lugar surge do nada, ele é o resultado da história das pessoas que ali viveram, ou

vivem, de como se estabeleceram, ou estabelecem suas relações de trabalho de produção,

enfim, de como se manter em sociedade.

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Portanto, o estudo do lugar em geografia situa-se para além da compreensão das

condições humanas e naturais, busca compreender os aspectos históricos que permearam sua

criação e consolidação.

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CAPÍTULO 3

3. A PESCA ARTESANAL NA ILHA DO BETO: CAPTURANDO A

ESSÊNCIA DO TRABALHO FEMININO

Este capítulo está estritamente relacionado à análise dos resultados obtidos por meio

das observações in locus e das entrevistas realizadas com 13 (treze) pescadoras residentes na

localidade Ilha do Beto, situada no Povoado Nova Descoberta em Itaporanga D´Ajuda/SE.

Durante as visitas à Ilha, buscou-se identificar as atribuições e competências da mulher na

pesca, de modo a compreender a importância do seu papel na atividade bem como as

características e significados atribuídos pelas mesmas ao seu lugar de vivência e trabalho.

A primeira sessão deste capítulo versa sobre uma breve retrospectiva histórica do

desenvolvimento da pesca artesanal no aludido município, como forma de verificar sua

relevância para os primeiros habitantes da cidade, como também para a população atual,

destacando-se, por um lado, os fatores responsáveis para a busca da atividade enquanto uma

fonte de subsistência e trabalho e, por outro, as características do quadro físico natural que são

favoráveis ao desenvolvimento da pesca.

A segunda sessão refere-se à discussão sobre a expressiva e importante participação da

mulher neste ramo de produção no município, enfatizando as principais razões para sua

inserção neste setor, bem como as particularidades e curiosidades de sua atuação no trabalho

pesqueiro.

No que diz respeito à terceira sessão, ela se reporta a descrição do papel exercido pela

pescadora. Esta discussão foi cuidadosamente elaborada com base nas informações, relatos

oriundos das próprias mulheres e das observações in locus do cotidiano de pesca. Neste

sentido, neste tópico serão apresentadas a dinâmica de pesca feminina, destacando-se os

ambientes, as espécies, os instrumentos utilizados no trabalho e o papel desempenhado por

elas em cada segmento que envolve a atividade pesqueira (captura, beneficiamento e

comercialização do pescado).

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Por fim, a quarta e última sessão almeja destacar e refletir sobre as particularidades e

significados atribuídos pelas pescadoras ao seu lugar de vivência e trabalho, haja vista a

intrínseca relação que estabelecem com o mesmo.

3.1 Aspectos Históricos da Pesca em Itaporanga D’ Ajuda

Itaporanga D´Ajuda é um dos cinco municípios do litoral sul sergipano, cuja pesca

artesanal constitui uma importante trabalho para a obtenção de sustento e renda de inúmeras

famílias28.

A atividade faz parte da história da cidade. Grupos sociais como os indígenas e os

escravos encontravam na pesca sua principal fonte de sobrevivência. Realizavam seu trabalho

em lagos, rios e lagoas da região, utilizando-se de uma diversidade de instrumentos

elaborados de forma artesanal como vara, espeto, vara com linha, mensuar, jiquir, gereré,

tipóia, anzol, redinha e outros. O produto resultante dessa prática produtiva, ou seja, o

pescado era também apreciado por portugueses e holandeses que colonizaram a região.

Segundo a atual presidente da Colônia de Pescadores do município, a pesca por muito

tempo constituiu-se a única alternativa de trabalho para a população menos favorecida social e

economicamente, situação constatada por estudiosos em várias localidades pelo Brasil

(Maldonado, 1994; Diegues, 1983).

Aqueles que não quisessem trabalhar neste ramo tinham que se deslocar para Aracaju

ou outras cidades. Tal situação perdurou até a chegada das primeiras fábricas na cidade: a

Curtimbra (couro), a Azaléia (calçados) e a fábrica de papel, cuja instalação gerou novas

possibilidades de emprego. Esta era a realidade do município há aproximadamente 40 anos,

como nos disse a presidente da colônia de pescadores

Aqui em Itaporanga o único meio que tinha pra sobreviver era só a pesca, quem não quisesse viver da pesca ia trabalhar em Aracaju ou fora daqui. Aí o que aconteceu, veio uma fábrica pra cá, aí foi que empregou muita gente em Itaporanga, aí muita gente saiu da área da pesca e foi pra essa fábrica.

28

Durante o levantamento bibliográfico não foi encontrada nenhuma informação acerca da importância desta atividade para o Município. As informações referentes à economia da cidade referem-se apenas a agropecuária, indústria e comércio. Faz-se necessário mencionar também que as dificuldades de acesso aos dados sobre a referida atividade foram encontradas no próprio município.

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Depois essa fábrica fechou e no lugar ficou a Azaléia. Depois chegou a fábrica de papel que foi gerando mais emprego. Hoje é que Itaporanga tem onde a pessoa trabalhar. Mas aqui em Itaporanga a pessoa vivia só da pesca, o povo aqui vivia disso, pesca e agricultura. E até hoje vive da pesca.

Atualmente a pesca é realizada por centenas de pescadores (homens e mulheres) em

todo o município. As transformações no quadro econômico da cidade impulsionadas pelo

desenvolvimento dos setores agropecuário, industrial e de bens e serviços, não atende toda a

demanda populacional. Por esta razão, muitos ainda recorrem à pesca como meio de trabalho

para o provimento familiar. Assim, a atividade constitui o caminho possível para o

atendimento das necessidades de sobrevivência.

A disposição do quadro físico natural, com a presença de rios, lagos, mangues,

estuários e praia - como já frisamos - é um fator favorável para o desenvolvimento da pesca

na região. Dos povoados existentes, vinte tem relação direta com a pesca. Deste total, onze

povoados são cadastrados na colônia, os quais sobrevivem exclusivamente da exploração dos

recursos pesqueiros, os demais povoados praticam essencialmente agricultura, mas encontram

na pesca uma fonte complementar de renda. O quadro abaixo apresenta os povoados do

município de Itaporanga D‟Ajuda que possuem relação direta com a pesca, distinguindo a

Quadro1- Demonstrativo dos povoados que tem relação com a pesca no município de Itaporanga D´Ajuda/SE. Fonte: MARTINS, 2012

POVOADOS Povoados cadastrados na colônia, cuja pesca constitui a principal fonte de alimento e renda para as famílias.

Duro Nova Descoberta Costa Várzea Grande Ilha de Mé de Sá Água Boa Paruí Caueira Lagoa Redonda Pari-Poré Povoado Rio Fundo do Abaís Salvadorzinho Água Bonita Povoado Tapera Saco Povoado Campos Povoado Ipanema Mata do Ipanema Povoado Chã Povoado Sapé

Povoados não cadastrados na colônia, cuja pesca é realizada associada a outras atividades.

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O significativo número de povoados que dependem direta ou indiretamente da pesca,

reforça o contexto de dificuldades socioeconômicas do município em outros ramos

produtivos, impossibilitando, neste sentido, o acesso da população a outros setores. Assim, a

carência de emprego, constitui a principal razão para a inserção na atividade.

As condições de vida e trabalho dos

profissionais da pesca em Itaporanga não diferem da

realidade que acomete a maioria dos pescadores em

todo o país, cujas condições socioeconômicas

conjugam-se num contexto de dificuldades e

limitações29. Por muito tempo, o pescador

sobreviveu da atividade sem ao menos ter

conhecimento ou acesso aos direitos inerentes à

profissão, pois não eram reconhecidos como

profissionais. Esta situação é modificada em

Itaporanga D‟ Ajuda somente no ano 2000, com a

criação da Colônia de Pescadores Z-9 (Imagem 04).

A partir do seu funcionamento os pescadores tiveram acesso a benefícios e direitos

como seguro defeso30, auxílio doença, salário maternidade, aposentadoria, entre outros.

Ademais, a colônia atua no sentido de esclarecer e orientar o pescador sobre seus direitos e

deveres enquanto profissionais do setor. Como explica a presidente da colônia

Antes da colônia o pescador não conhecia os seus direitos e também os seus deveres para com a natureza, pescavam de qualquer jeito e hoje eles estão esclarecidos e cientes do seu papel e obrigações. Hoje nós sabemos que temos que explorar o meio ambiente. Ao mesmo tempo, temos que preservar para que a nossa natureza não morra e que o nosso pão de cada dia não falte. Então, eu digo que a colônia veio para trazer para essas pessoas vida nova, e uma realidade que eles não conheciam, porque eles não tinham nem noção o que era uma colônia de pescadores e para que servia. Agora temos uma

29 As condições socioeconômicas dos trabalhadores da pesca no Brasil foram discutidas no item 2.5 intitulado Comunidades Pesqueiras e o universo da pesca: relações e desafios. 30 O seguro Defeso é uma política de estratégia que protege as espécies e garante renda aos pescadores. Todo pescador profissional que exerce suas atividades de forma individual ou em regime de economia familiar fica impedido de pescar durante a reprodução das espécies. Nesse período em que o tempo de proibição é definido por lei, os pescadores profissionais recebem o Seguro mensalmente, na quantia de um salário mínimo (MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA, Disponível em: www.mpa.gov.br).

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colônia para nos defender e procurar nossos direitos através dela (Presidente da Colônia de Pescadores Z9, Itaporanga D´Ajuda/SE).

Além de possibilitar a conquista dos benefícios aqui explicitados, a efetivação do

cadastro na colônia promoveu melhorias das condições de vida e trabalho do pescador.

Alcançar tais avanços dependendo exclusivamente da atividade era impossível, pois o

dinheiro obtido com a venda do pescado era destinado para complementação alimentar da

família. Desta maneira, conquistar melhorias de ordem pessoal e profissional não se constituía

uma possibilidade, realidade modificada somente a partir do acesso aos benefícios mediante

credenciamento à colônia, segundo a presidente da Colônia:

Depois que foi criada esta entidade os pescadores têm vida melhor, porque antes eles moravam em casa de taipa coberta com palha, outros em casa que são conhecidas como tempera, não tinham um local adequado para fazer as refeições, dormiam em cama de vara, sentavam em topos de coqueiro, traziam seus pescados para vender e às vezes perdiam porque não tinham como conservar, hoje eles tem isopor, frízer, geladeira para fazer o gelo e conservar o pescado. Hoje você chega na nossa comunidade e no local de pesca ver os pescadores alegres porque tem barcos, canoas, barco a motor, rede de malhar, tarrafa, tarrafa para camarão, cerco, balde para lavar o pescado para vender, carro de mão, carroça, enfim tem seu material completo para a sua pescaria.

Outro avanço alcançado após a fundação da Colônia foi o reconhecimento do pescador

artesanal do município junto aos órgãos e secretarias responsáveis pela exploração dos

recursos pesqueiros a nível local e nacional, como a Federação de Pescadores do Estado de

Sergipe, a Confederação Nacional dos Pescadores e a Secretaria Especial de Aquicultura e

Pesca.

As ações empreendidas a partir da institucionalização da Colônia Z-9 contribuíram

para modificar a situação de marginalização em que viviam os profissionais da pesca em

Itaporanga, concretizando-se, desta forma, o que Maneschi (2008) observa a respeito da

importância do papel desempenhado por estas entidades, cuja implantação e atuação

possibilitam a conquista de direitos, contribuindo deste modo para o reconhecimento dos

pescadores e pescadoras enquanto cidadãos e profissionais no país especialmente nas últimas

décadas.

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3.2 A participação da mulher na pesca em Itaporanga

Do total de indivíduos envolvidos com a pesca no município, chama a atenção o

expressivo número de mulheres. Verificou-se junto à Colônia que as mulheres são maioria no

percentual de cadastros. Sobre este aspecto, a presidente da Colônia Z9 faz a seguinte

consideração “[...] a mulher trabalha aqui, é tanto que na colônia tem mais mulher cadastrada

que homem”.

Em 2011 foram realizados 112 (cento e doze) novos cadastros. Deste total, 69

(sessenta e nove) cadastros foram realizados pelas mulheres, enquanto 43 (quarenta e três)

pelos homens (ALVIM, 2011)31. A partir deste dado é possível ter noção de quão significativo

é o número das mulheres cadastradas, particularmente se considerarmos que há regiões do

país em que as mulheres não são sequer reconhecidas como pescadoras, como observam

Menesch (2000) e Mota-Maués (1999) em seus estudos.

A partir dos depoimentos e das observações diretas feitas, tal situação é resultante do

envolvimento do homem em outras atividades, ou da migração deles para outras cidades à

procura de outras possibilidades de emprego, ficando para as mulheres a responsabilidade da

manutenção da família.

Diante disso, as mulheres adentraram no universo da pesca como forma de participar e

contribuir para a formação da renda familiar ou para assegurar concretamente o provimento

de suas famílias em razão da ausência32 dos seus companheiros.

A presente realidade configura uma nova forma de inserção e participação da mulher,

cuja atuação não está mais subjugada ao homem no interior da família. O papel da pescadora

evidenciado neste estudo não está mais restrito a uma ajuda financeira para a complementação

alimentar de sua família, tão pouco é visto como secundário ou como uma extensão das

atividades doméstica, como assinalou Martins (2005), mas, sim de participação ativa, onde

elas não exercem mais um papel secundário ou complementar ao do marido. Não há distinção

entre as tarefas realizadas pelas mulheres e aquelas realizadas por seus companheiros.

31 Os dados acerca da participação feminina na pesca no Estado de Sergipe foram sinalizados no item 2.2 Aspectos Gerais da atividade pesqueira no Estado de Sergipe, conforme levantamento no Ministério da Pesca e Aquicultura do Estado. 32 Este termo assume aqui um sentido oposto ao apontado por Vasconcellos et al, 2007, em seu estudo, no qual menciona a inserção da mulher na pesca após a morte do marido.

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A atividade pesqueira para o grupo de pescadoras investigado constitui não somente

um meio para a sobrevivência, mas, sobretudo, a possibilidade de independência financeira,

como pode ser observado no fragmento extraído da transcrição do relato abaixo de uma

pescadora:

Pra mim foi bom entrar nessa profissão porque hoje eu tenho algum dinheiro pra mim entendeu! Hoje, todos os dias, eu vejo dinheiro no meu bolso, e antes eu não tinha. Eu tinha que tá pedindo a meu marido, hoje não preciso tá pedindo, hoje eu tenho meu dinheiro e ele tem o dele entendeu! Eu ajudo ele a pagar as contas dele, e ele ajuda a pagar as minhas! (P. V33. 45 anos).

Dessa forma, depreende-se que o contexto de atuação das pescadoras em Itaporanga

opõe-se às práticas de submissão das mulheres em relação ao homem, pois, além de atuar em

diversos seguimentos que envolvem a atividade (captura/coleta, beneficiamento,

comercialização, reparo dos instrumentos, entre outros), as mulheres em questão se

reconhecem como pescadoras, além de atribuírem ao trabalho realizado na atividade a devida

importância, contrariando, assim, a invisibilidade e a secundariedade do trabalho feminino na

pesca, perspectivas discutidas e questionadas por Collou et al, 2008; Manesch, 2000.

A mencionada situação ocorre com algumas exceções em comunidades que obtém da

exploração dos recursos pesqueiros o meio para subsistência, renda e trabalho. Eis o caso da

comunidade pesquisada, cabe agora aprofundar a discussão, conhecendo quem são estas

pescadoras, desvendando os aspectos que lhes são peculiares.

3.3 As pescadoras da Ilha do Beto: Quem são elas?

As pescadoras envolvidas na pesquisa são residentes da sede de Itaporanga ou de

povoados próximos. Durante a semana elas se deslocam para um local denominado Ilha do

Beto, onde pescam de forma artesanal, retornando somente no final da semana para entregar

(aos atravessadores) ou comercializar (em feiras livres ou domicílios) o pescado. É por meio

da aludida dinâmica que elas asseguram a obtenção de renda para a manutenção da família e

delas mesmo.

33 Com a finalidade de salvaguardar a identidade das pescadoras, serão utilizadas siglas, em que a letra P refere-se à profissão (pescadora) e a segunda letra corresponde a inicial dos nomes das entrevistadas, seguida de suas respectivas idades.

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Na Ilha residem quinze pescadoras, desse total, treze foram entrevistadas. A faixa

etária das entrevistadas é de 40 a 69 anos de idade, conforme ilustração no gráfico 01.

Gráfico nº 01 – Distribuição das pescadoras por faixa etária Fonte: MARTINS, 2012

Todas as informantes reconhecem-se como pescadoras, tendo iniciado na profissão

ainda na infância (maioria), acompanhando os pais. Apenas duas entrevistadas declararam ter

tido o contato com a profissão com outras pessoas, mas, ainda assim, o aprendizado da

profissão ocorreu na infância e/ou no máximo, na adolescência, de acordo com as

entrevistadas

Eu ia pro rio mais meu pai, eu acompanhava meu pai em pescaria, ele não era pescador assim pra vender, ele pescava pra comer (P. V. 45 anos).

Aprendi a pescar com minha mãe ela foi ensinando e eu fui aprendendo e até hoje tô aqui! (P. C. 43 anos).

Aprendi a pescar vendo as mulher indo pra maré, aí ía também, na época eu tinha 11 anos. Assim comecei, não aprendi com minha mãe não, eu ia com o povo (P. S. 44 anos).

Vim começar a pescar depois de casada, com 16 anos foi quando eu virei pescadora! (P. JO, 54 anos, pescadora).

O significativo número de mulheres que teve o primeiro contato com a atividade

durante a infância indica semelhança entre a comunidade investigada e a comunidades

tradicionais, nas quais os conhecimentos referentes aos ciclos naturais, hábitos das espécies e

os instrumentos apropriados à captura são ministrados e absorvidos muito cedo, como

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afirmam Andreoli e Silva (2008). Tal processo se mostra significativamente importante, na

medida em que proporciona transmissão de conhecimentos entre as gerações.

O diálogo entre as gerações sobre os fatores naturais que influenciam no

desenvolvimento da pesca constitui uma importante estratégia para a preservação/conservação

dos conhecimentos tradicionais, assim como para a manutenção da própria atividade.

Todavia, é importante observar que este processo admite um sentido diferenciado entre as

pescadoras da Ilha do Beto. Para algumas, o ensino da atividade ao filho significa um modo

de oferecer-lhes uma profissão e, nesse sentido, o papel da transmissão dos ensinamentos é

assumido, inclusive como uma responsabilidade ou como uma forma de garantir que os filhos

tenham uma profissão, como pode ser observado nos fragmentos abaixo transcritos

Ensinei meus filhos a pescar, porque é dever da mãe passar esse modo de trabalho pra ir acostumando a família naquela profissão. Se é de deixar o filho em casa, é melhor trazer pra profissão (P. JU. 57 anos).

Eu ensinei meus filhos a pescar porque acho bom, é divertido, é uma profissão boa, caso não arranjasse emprego (P.A. 48 anos).

Para outras, a aprendizagem da atividade é importante para auxiliar na sobrevivência

da família, como destaca o relato “[...] eles me acompanhavam e eu dizia: vamos dá uma

pescadinha pra comer? e eles vinham” (P. AL. 69 anos). Ademais, as falas mostram um

trabalho geracional, ancestral, que é esculpido no seio da família.

Entretanto, o empenho das mulheres no processo de ensino da profissão muitas vezes

não é suficiente para a permanência dos filhos na atividade, uma vez que os empregos

externos a comunidade parecem mais atrativos aos jovens. Então, ao conquistarem um espaço

no mercado de trabalho, os jovens abdicam da profissão dos pais, fato esse que emergiu nos

relatos

Meus filhos não me ajudam na pesca, porque agora já tão emancipados. Estão trabalhando nas firmas. Eles só vem pra cá no feriado (P. N. 54 anos).

Eles andavam muito mais eu, mas se empregaram, de vez em quando é que eles vem, mas de dizer que tão aqui sempre.... não! Não querem mais não depois que cresceram, e agora cada um já tem seu emprego (P.A. 48 anos).

Meus filhos até gostam de pescar, mas não querem deixar de tá empregado (P. V, 53 anos).

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A evasão dos jovens é, muitas vezes, motivada pelas próprias mães, que transmitem os

conhecimentos referentes à pesca, mas não desejam que os filhos continuem neste trabalho,

em razão das dificuldades enfrentadas diariamente. Por isso, foram recorrentes os seguintes

fragmentos extraídos das entrevistas

Hoje com a graça de Deus meus filhos já tão tudo trabalhando, ninguém vai precisar ficar mais na lama! (P. A. 48 anos)

Eu não queria que meus filhos fossem pescadores é critério deles, não tem futuro, hoje trabalha ganha um dinheirinho, amanhã já é outra coisa, a maré é assim, semana dá semana não, se for sobreviver da pesca mesmo fica com fome (P. S. 44 anos). Não quero que eles tenham essa vida porque é uma vida dura, quero que eles estudem (P. G. 44 anos)

Eu não queria que eles fossem pescador, o meu destino foi esse mesmo, mas eles eu quis foi que estudasse para conseguir outra coisa! (P. JO. 54 anos).

Contrastando com os depoimentos anteriores, apenas uma pescadora manifestou o

interesse na permanência do filho na atividade. Argumento que é sustentado em função da

instabilidade dos empregos temporários.

Filho quando fica de maior a gente passa a não decidir mais nada, eu achava melhor que eles fossem pescador, porque a maré é pra vida toda e na firma passa 4 meses e depois fica desempregado! (P.N. 54 anos).

Por outro lado, observa-se que ainda que não constitua a opção de trabalho preferida

pelos jovens da comunidade, quando não são absorvidos em outros setores produtivos, a

pesca constitui algo permanente para a obtenção de alguma renda.

Às vezes tem um filho que vem pra cá pegar caranguejo quando tá desempregado (P. G. 44 anos).

Meus filhos ajudavam na pesca. Quando eu comecei logo todos eles vinham, depois que cresceram não querem vir mais, só vêm quando tão desempregado (P. V. 53 anos).

Assim, diante das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, ou da instabilidade

deste, a pesca ainda representa uma alternativa segura de trabalho para uma parte da

população, quando a situação assim exige. Pois, apesar das dificuldades que permeiam o

cotidiano da profissão, razão pela qual, muitos jovens rejeitam a inserção ou a permanência na

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atividade, chama a atenção o fato de que todas as pescadoras revelaram preferir estar inseridas

neste ramo a realizar qualquer outra atividade. Das pescadoras entrevistadas apenas 03 (três)

já realizaram outras funções, como empregadas domésticas em casa de família.

O exercício de outras atividades poderia parecer mais atrativo para as mulheres,

principalmente se for considerado o esforço e a jornada de trabalho exigido na pesca.

Entretanto, de acordo com o que fora observado, pode-se inferir que a maioria das mulheres

prefere a pesca a qualquer outra atividade, e mesmo aquelas que já exerceram serviços

domésticos, não gostariam de reviver a experiência, como bem atestam os seguintes

fragmentos

Depois que comecei a pescar preferi a maré, porque a maré é a firma que não precisa de licença pra entrar, só não consegue se não tiver coragem! (P. A. 48 anos/Diário de campo).

Já trabalhei em casa de família, dois anos e cinco meses, tomando conta de uma velha, mas não tive paciência, voltei pra pesca! (P.C. 43 anos).

Fui empregada doméstica, mas vou dizer uma coisa: entre cozinha dos outros e redinha, eu sou mais a minha redinha, porque aqui ninguém manda na gente! (P. JO. 54 anos).

Os relatos acima deixam transparecer que a pesca constitui não somente o meio de

trabalho para estas mulheres, cuja realização assegura a geração da renda ou o alimento

propriamente, atendendo neste sentido, às necessidades da família, mas, sobretudo, o caminho

para uma maior autonomia e independência financeira, se comparadas a outras profissões,

onde as condições de trabalho oferecidas não garantiam ou acenavam melhores perspectivas

de vida. Assim, a pesca representa mais uma possibilidade do que uma limitação. Fato

importante a ser ressaltado, é expresso nesse ultimo relato, ao destacar o fator da liberdade

conquistada, pois o exercício da atividade pesqueira não admite a existência do patrão e do

empregado, como bem coloca D. Joana “[...] aqui ninguém manda na gente”!

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3.4 A pesca e seus significados: o que dizem as pescadoras da Ilha do Beto

O exercício da pesca para as mulheres da Ilha do Beto constitui não somente uma

alternativa de ganhar a vida, pois o envolvimento na profissão admite múltiplas conotações

simbólicas, inclusive, como o de liberdade. Por esta razão, ser pescadora para estas mulheres

apresenta definições e significados diversificados, os quais perpassam desde ao atendimento

das necessidades imediatas de sobrevivência, constituindo-se em alguns casos, o único

rendimento para assegurar o provimento da família, como afirmam as falas a seguir

Pra mim ser pescadora é tudo na vida, não conseguir arranjar um emprego melhor, o pescado é tudo na vida da gente. Eu sustentei meus filhos com a pesca nunca tive outra atividade! (P. AL. 69 anos)

Vejo meu trabalho como importante pro sustento da minha família, porque não tenho pessoas que me ajude, a ajuda é só minha mesmo e de Deus pro sustento da casa! (P. JU. 57 anos).

Ser pescadora pra mim é uma profissão pra sobrevivência, meio de vida porque não tenho estudo! (P. JO. 54 anos).

Ademais, outro significado atribuído à profissão foi expresso mediante associação da

mesma ao sentimento de orgulho e satisfação. Tais sentimentos emergem pelo fato deste ter

sido o único ofício ao qual teve acesso durante a vida, e pelo mesmo despertar sentimento de

prazer

Minha profissão é muito importante, foi o serviço que aprendi, nunca trabalhei em firma, eu sinto prazer em ser pescadora! (P. N. 54 anos).

Ou ainda, se tomarmos como pressuposto o fato de que mesmo convivendo com os

empecilhos da atividade, há também uma moral no ato de trabalhar na pesca, o que leva a

profissão a ser reconhecida com orgulho, como bem esclarece o importante relato que segue

Eu acredito que trabalho nenhum envergonha a gente, pelo contrário, eu me sinto orgulhosa da minha profissão, sou digna daquilo que faço! (P. V. 53 anos)

Não obstante, a definição de ser pescadora admite também um significado de

independência financeira, conquistada graças ao dinheiro auferido com a comercialização do

pescado. Sua atuação na atividade contribui para a formação da renda familiar ou, em alguns

casos, constitui a única fonte de sustento. Esta realidade proporciona-lhe de certo modo uma

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condição confortável no ambiente familiar, haja vista o reconhecimento de sua autonomia,

contrapondo a ideia de submissão e dependência em relação ao homem no interior da família.

No relato de duas pescadoras, esta questão foi explicitada da seguinte forma

Pra mim ser pescadora é uma benção! E digo com sinceridade, porque apesar de tá na lama ou dentro d´água, no sol, nos mosquitos, de ter dia de pescaria boa ou rui, bem ou mau eu tenho meu dinheiro. Não tenho que tá pedindo a marido não! E outra coisa, hoje em dia eu pago INSS e tenho carteira assinada, pra quando chegar o tempo se Deus quiser, eu vou poder me aposentar e continuar ganhando meu dinheirinho que é de direito, porque eu trabalhei! (P. M., 48 anos).

Vejo meu trabalho como importante, porque meus filhos me ajudam, mas não gosto de depender de ninguém! (P. N. 54 anos).

Entretanto, é importante observar que mesmo entre os depoimentos positivos acerca da

atividade algumas pescadoras não esquecem de mencionar as dificuldades enfrentadas na

rotina diária da profissão. Pois, nunca é demais frisar o caráter de classe desfavorecida das

comunidades pesqueiras historicamente. Isto é, ser pescadora é fazer parte dos setores

subalternos em termos socioeconômico e político. Sobre isso foram elencadas as seguintes

questões: insatisfação com o retorno financeiro, assinalada na expressão “Trabalha muito e

ganha pouco” (P. G. 44 anos), intensidade da jornada diária de trabalho “Muitas horas de

trabalho” (P. C. 43 anos), austeridade do ambiente de trabalho “Mosquito, sol quente e muita

lama” (D. JU. 57 anos). Somado a isto, foram declaradas outras dificuldades decorrentes da

profissão

Pra mim ser pescadora é uma coisa muito sofrida porque é muito cansativo. Eu só tô pescando ainda porque não tenho outro recurso pra sobreviver, mas já tô sem agüentar! (P. JU. 57 anos)

Uma dificuldade da profissão pra mim é a falta de tempo pra gente. Porque a gente não tem tempo pra se cuidar, de ir pro médico, por exemplo, porque quando vou pro médico perco um dia de trabalho, aí deixo pra ir só quando preciso mesmo, quando tô doente, porque pra tá caminhado direitinho pra médico pra saber como a gente tá (P. C. 43 anos)

Não dá! Pro descanso também eu só tenho o domingo, porque na semana eu tô aqui na Ilha e no sábado tô vendendo meu pescado! (P. S. 44 anos).

O trabalho feminino no universo da pesca alcança todos os seguimentos que envolvem

o setor, seja trabalhando diretamente na captura do pescado, na confecção e reparo dos

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apetrechos, seja no beneficiamento do pescado ou na sua comercialização. Assim, elas

garantem não somente a produção de alimento e geração de renda para a família, mas também

a manutenção da própria atividade pesqueira mediante manipulação dos recursos, introdução

dos filhos e transmissão de conhecimentos.

Todavia, apesar da importante atuação, o trabalho da mulher no setor, em algumas

comunidades, é tido como secundário ou auxiliar ao do marido. Suas tarefas são vistas como

extensão das atividades domésticas não sendo reconhecidas como pesca propriamente, pois,

neste ofício as mulheres geralmente são encarregadas de coletar as espécies em ambientes

como rios, estuários, mangues, entre outros, cujo manejo não requer a força física exigida em

mar aberto, ou oferecem os mesmos riscos enfrentados pelos pescadores, o que fez com que

os méritos de seu trabalho fossem diminuídos, quando comparado ao dos homens que pescam

em alto-mar ou em rios e estuários

Além da realização da captura do pescado em ambientes predominantemente

estuarinos, outros fatores concorrem para o não reconhecimento do trabalho feminino, como

exemplo, a dificuldade que algumas pescadoras têm de se assumir como trabalhadora, a

participação nas fases pré e pós captura, bem como na confecção e reparo dos instrumentos

utilizados para a captura do pescado. A configuração dos elementos assinalados em

determinadas realidades, concorre para que a atuação da mulher neste universo, com algumas

exceções, ocorra num contexto de invisibilidade.

O papel secundário atribuído ao trabalho feminino não constitui uma realidade

circunscrita a todas as comunidades que obtém dos recursos pesqueiros sua forma de

sobrevivência. O grupo de pescadoras da Comunidade Ilha do Beto constitui um notável

exemplo de oposição a esta realidade. As pescadoras que compuseram a amostragem da

presente pesquisa reconhecem que o trabalho desempenhado na pesca é tão importante quanto

àquele realizado por seu companheiro. Desta maneira, o que se observa é que sua participação

na atividade ultrapassa o sentido das expressões “ajuda” ou “complementação”, já que seu

trabalho contribui significativamente para a formação da renda familiar ou, em alguns casos,

constitui-se no único rendimento domiciliar.

Além da contribuição no orçamento doméstico, o envolvimento da mulher na pesca na

Ilha do Beto assume outras finalidades. Em algumas situações, sua participação é

imprescindível para desenvolvimento e êxito do trabalho do cônjuge. Presente na embarcação

do companheiro, ela assume funções como o controle do barco, e o auxilia a puxar a rede.

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Estas e outras surpreendentes realidades verificadas a partir do trabalho de campo junto à

comunidade acerca da atuação feminina no universo da pesca serão a seguir descritas e

analisadas, de modo mais detalhado.

3.5 Características da pesca na Ilha do Beto

As mulheres realizam a atividade em ambientes distintos como mangue, rio, mar, maré

e crôa34. Nestes espaços elas coletam uma diversidade de pescado como camarão, peixe,

caranguejo, siri, ostra, sururu, maçunim, arraia. Todavia, faz-se necessário observar que

algumas mulheres concentram a atividade em espécies específicas como camarão, sururu,

peixe e caranguejo, como bem apresenta o gráfico a seguir:

Gráfico 2 - Pescados priorizados pelas mulheres Fonte: MARTINS, 2012 – Pesquisa Direta.

De acordo com as pescadoras, isso ocorre por considerarem que tais espécies têm mais

“saída” que as demais, o que pode ser constatado nas seguintes falas “[...] Meu forte mesmo é

o camarão, porque já tenho meus cliente certo” (P. V. 53 anos); “[...] Todos os dias tem que

sair pra pescar o peixe porque é o mais vendável, eu preciso mais do peixe porque a gente tem

ponto em Itaporanga, já tenho minha freguesia de peixe” (D. VH. 45 anos); “[...] Eu pego de

tudo, mas meu principal pescado é o caranguejo” (D. JU. 57 anos).

34 Banco de areia que fica emerso quando a maré está baixa.

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A diversidade de ambientes, bem como das espécies capturadas, implica na

multiplicidade de instrumentos utilizados para facilitar a realização da atividade de acordo

com cada ambiente, como bem salienta Vasconcelos et all (2007). Nesta perspectiva são

variados os apetrechos utilizados pelas pescadoras, tais como: ratoeira, redinha, rede de

cacear, rede de malhar, colher, facão, gereré de botada e grozeira. O emprego de cada

instrumento e seu respectivo pescado pode ser visualizado no quadro a seguir:

PESCADO AMBIENTE INSTRUMENTO PEIXE Rio e Mar

Redinha

Armadilha de garrafa pet Rede de Cacear

Tarrafa Grozeira

CARANGUEJO Mangue Ratoeira SIRI Rio Gereré

Redinha OSTRA Mangue Facão MAÇUNIM Crôa Colher

Cutelo Facão

ARRAIA Mar Grozeira CAMARÃO Rio Redinha

Tarrafa Quadro 2 - Demonstrativo das espécies de pescado, ambiente e instrumentos utilizados para a captura. Fonte: MARTINS, 2012.

O quadro acima apresenta uma diversidade

de instrumentos, cuja utilização é influenciada

pelas características do ambiente de pesca. A

redinha (Imagem 05), por exemplo, é uma

ferramenta utilizada em águas rasas (margens do

rio), cada pescadora se posiciona em cada

extremidade da rede, se deslocando repetidas

vezes com a água na altura do peito, e uma bacia

amarrada à cintura para colocar o pescado

capturado.

Outro utensílio interessante utilizado nas margens do rio para a captura de uma espécie

de peixe muito pequena (Imagem 06). O peixe é atraído através de um pedaço de pão

colocado dentro da garrafa (imagem 07). Feito isto, a armadilha é lançada na água e retirada

somente quando está cheia de peixe.

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A captura do peixe em águas de maior profundidade, em rio ou em mar, exige o uso de

equipamentos mais resistentes como a tarrafa (Imagens 08) e a rede de cacear (Imagem 09),

apropriados para captura de espécies maiores.

A grozeira (Figura 10), corda com 250 a

300 anzóis, utilizada na “boca do oceano”

(termo utilizado pelas pescadoras para se referir

ao ambiente marítimo) para pescar peixe e

arraia.

Imagem 10 - Objeto de pesca Grozeira. Fonte: MARTINS/2012

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O mangue é um ambiente que pede um

instrumento especifico que foi desenvolvido pelas

pescadoras ao longo de suas experiências cotidianas.

Hoje as mulheres utilizam a ratoeira (Imagem 11), que é

um instrumento que facilita o trabalho de captura do

caranguejo. Com este objeto não é mais necessário

passar horas a fio, em posições incômodas à procura do

crustáceo. Com o auxílio deste apetrecho construído de

forma artesanal com garrafas pet, as pescadoras se

deslocam para o mangue para colocar a armadilha; e enquanto aguardam o horário de

mariscar35 desenvolvem outras tarefas como a coleta do sururu ou do maçunim, ou retornam

para os barracos para se dedicarem aos afazeres domésticos.

Além da ratoeira, as pecadoras utilizam ainda neste ambiente o facão (Imagem 12),

para a coleta de ostras, molusco encontrado nas raízes de plantas pneumatófitas, espécie

nativa do ecossistema manguezal, que durante a maré baixa deixam suas raízes expostas,

facilitando assim, a visualização e a coleta do molusco (Imagem 13).

35 Expressão usada pelas pescadoras para designar o processo em que se deslocam para o mangue para verificar se as ratoeiras já estão com caranguejo.

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Outro molusco coletado no ecossistema manguezal é o sururu. Segundo as pescadoras,

a extração deste molusco é uma das pescarias mais difíceis de realizar. Para tanto, faz-se

necessário entrar no mangue, onde há alguns pontos em que as pescadoras chegam a ficar

com lama até a cintura à procura do sururu que é localizado por meio de pequenos buracos no

solo do mangue, nos quais as pescadoras colocam o dedo e o retiram (Imagem 14 e 15). A

captura deste pescado é realizada sem o auxílio de instrumento para facilitar o processo.

O exercício da prática pesqueira no mangue é caracterizado por algumas dificuldades

impostas pelo ambiente. Além da lama, que dificulta a locomoção, a presença de mosquitos é

outro empecilho vivenciado pelas pescadoras, não somente na extração do sururu, mas

também na catação do caranguejo e demais pescados encontrados no mangue, fator que

muitas vezes inviabiliza o sucesso da pescaria, haja vista a impossibilidade de permanecer por

muito tempo no local. Para suportar o ataque de mosquitos, as pescadoras utilizam hidratante

com gás de candeeiro, óleo de coco produzido por elas mesmas para uso de repelente.

Todavia, ainda que tomando estas precauções, há dias em que permanecer no mangue torna-se

mesmo impraticável, como explica esta passagem

Quando é maré de lançamento mesmo a gente veste casaco, usa óleo, repelente pra espantar os mosquitos, coloca um pano no rosto, fica parecendo um ninja. E assim mesmo a gente vai, mas tem vez que gente também não guenta ficar não! Já teve dia da gente sair correndo! (P. N. 54 anos).

Os diferentes fatores e elementos aqui mencionados (diversidade de ambientes,

multiplicidade de instrumentos adaptados às condições naturais de cada ecossistema e

espécies de pescado), além das dificuldades enfrentadas durante a exploração dos recursos

Imagem 14 - Captura do sururu. Fonte: MARTINS/2012.

Imagem 15 - Captura do sururu. Fonte: MARTINS/2012

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pesqueiros, concorrem para que a pesca se constitua uma atividade complexa, exigindo dos

sujeitos que a praticam, o domínio de conhecimento e habilidades imprescindíveis para o

êxito da atividade.

De acordo com Cordell (1989) e Silva (2006), a combinação dos elementos naturais

já aqui abordados e a ocorrência de espécies influenciam decisivamente na escolha dos locais

adequados para desenvolvimento da prática pesqueira. Tal dinâmica de identificação,

apropriação e uso dos espaços favoráveis à obtenção de pescado é denominada pelos referidos

autores como territorialidade da pesca. Processo esse que também observamos na

Comunidade Ilha do Beto, cujo desenvolvimento será detalhado no próximo item.

3.6 Localização dos Pontos de Pesca

Ao longo do dia e a depender das condições naturais, as pescadoras optam por

diferentes pontos de pesca na Ilha do Beto, este fato suscitou a necessidade de fazer um

levantamento dos principais pontos, como forma de compreender o deslocamento realizado

cotidianamente pelas pescadoras. Desse modo, com o auxílio do GPS percorremos os

principais pesqueiros36 registrando-se nove pontos de pesca importantes para a comunidade,

nos quais é possível capturar todos os tipos de pescado: camarão, ostra, sururu, peixe (tainha e

robalo), maçunim, caranguejo, siri, aratu. Porém, segundo relato das pescadoras, cada

ambiente oferece potencialmente um determinado tipo de pescado, conforme esclarece o

quadro abaixo

LOCALIDADE PRINCIPAL PESCADO

Crôa das Cabras Maçunim Mangue do Cantador, Mangue Sabacu, Mangue Donana, Porto Grande

Diversos

Rio do Limo, Mangue Três Bocas Camarão Mangue Sarafina, Ilha do Boi Camarão e peixe

Quadro 03 – Demonstrativo das Localidades do pescado na região Fonte: MARTINS/2012

36 São unidades básicas de apropriação social do espaço marítimo; contudo, cada uma deles comporta o uso de uma variedade de métodos de pesca (linhas de mão, redes de lanço, armadilhas, etc.). São divididos sem laços ou nos menores espaços aquáticos determinados pelas mudanças naturais e diurna da maré, visibilidade durante as várias fases da lua, posição do lanço em relação ao relevo de fundo, interação dos ventos e das correntes de forma a que os pescadores usando diferentes técnicas não se atrapalhem em suas atividades (CORDELL, 2001, p. 147).

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Os locais situam-se nas imediações da Ilha, conforme pode ser observado no Mapa

abaixo. O Mangue do Cantador é o ponto mais próximo, distante precisamente vinte minutos,

enquanto que o ponto mais distante, a Ilha do Boi, fica a aproximadamente 2:00h/2:40 (duas

horas a duas horas e quarenta minutos), dependendo da capacidade do motor e da habilidade

do pescador.

Figura: Mapa dos principais pontos de pesca, elaborado em atividade de campo Fonte: PACHECO; MARTINS/201237.

Faz-se necessário salientar que esses locais não constituem espaços de uso exclusivo

dos moradores da Ilha, sendo também utilizados por pessoas de outros povoados do município

de Itaporanga, ou até de municípios vizinhos como São Cristóvão. Sendo assim, depreende-se

37 Mapa elaborado pelo Prof. Dr. José Antônio Pacheco de Almeida (NUGEO/UFS) e pela discente Mellyssa R.S. Martins do Curso de Geologia/UFS.

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que não há um controle dos espaços de pesca pelos pescadores tão pouco do local onde são

construídos os barracos, pois conforme elucida o relato da moradora mais antiga da Ilha “[...]

a única coisa que uma pessoa precisa se quiser morar aqui, é dinheiro pra construir seu

barraco” (P. AL. 69 anos). Vale destacar que o principal meio de produção da pesca (os

recursos naturais) é de acesso livre, o que permite seu não controle comunitário, em muitos

casos, com exceção de algumas comunidades baseadas em direitos constitucionais.

3.7 A Dinâmica de pesca na Ilha do Beto

Conforme esclarece Ramalho (2006), o horário e a duração do trabalho dos

pescadores são orientados pelas condições do meio natural. Pode-se assim afirmar que a

dinâmica dos elementos naturais constitui o principal fator responsável pelo ritmo de trabalho

dos sujeitos envolvidos na pesca artesanal. Tais elementos foram também observados na Ilha

do Beto. Dentre eles cabe mencionar a importância das marés, cujas oscilações definem o

horário e a permanência das pescadoras no ambiente de trabalho.

Acerca disso, identificou-se que as pescadoras demonstram domínio e precisão da

leitura das marés, o que contribui para definição do horário adequado para realização da

atividade bem como das espécies passíveis de captura, como menciona uma pescadora “[...]

Tem gente que pesca na maré de reponte, porque dá mais camarão. Agora a melhor mesmo é

quando tá seca, porque a gente pesca de tudo”! (P. JO. 54 anos). O conhecimento sobre a

dinâmica socioambiental constitui algo imprescindível para exploração dos recursos

pesqueiros, sob risco de comprometer a produtividade daquele dia de trabalho, como

esclarece os fragmentos abaixo

O pescador sabe quando a maré tá boa, na realidade o que identifica é a precisão, porque a gente não sabe onde o pescado tá, só quem sabe é Deus, tá dentro d´agua mas a gente não sabe. Então, é uma aventura que a gente vamos. Tem local que a gente vai aí tá fraquinho, aí pega o barco e vai pra outro que já dá melhor (P. S. 44 anos)

A gente sabe a maré pela lua e pelo horário, porque se eu for pra maré hoje, vamos supor eu vou hoje aí não vai dá mais certo aí volto pra casa. Aí já tenho noção de como a maré vai correr a semana todinha, até eu voltar lá de novo! (P. F. 46 anos)

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Pra gente sair pra pescar tem que ver o horário da maré, porque cada dia ela dá um horário diferente. Por exemplo, ela hoje secou 05:00h, amanhã já vai ser 06:00h. Cada dia ela vai prolongando uma hora a mais. Então a gente só vai no horário correto pra entrar dentro do mangue. Porque se o mangue tiver cheio? Eu vou sair daqui com a maré alta pra fazer o quê? Então aí tem que ficar sentada no barco esperando a maré secar pra entrar no mangue. Aí é por isso que a gente só sai de acordo com horário da maré, quando ela já tá no ponto da gente pegar o peixe (P. VH. 45 anos).

A dinâmica das marés é uma questão que merece ser discutida, pois chama atenção a

diversidade de denominações e aspectos atribuídos pelas pescadoras aos ciclos das marés.

Durante a realização do trabalho de campo foram identificadas as seguintes designações sobre

o fenômeno de oscilação das águas: Maré Morta, Maré de Lançamento, Maré de Reponte,

Maré Grande, Maré de Vazante e Maré Igual.

As variações conferidas ao ciclo das marés apresentam certo grau de dificuldade de

compreensão, sendo difícil distinguir um ciclo do outro. Por esta razão este foi um assunto

recorrente durante as entrevistas, a fim de elucidar as dúvidas suscitadas sobre este assunto.

Pode-se, acima de tudo, dizer, que o ritmo de vida e de trabalho no lugar faz-se refaz-se

através de um metabolismo constante com o ritmo das águas.

De acordo com as pescadoras foram levantadas as seguintes variações e características

acerca das marés:

Maré Morta é quando não seca ou quando não seca o suficiente para viabilizar a

realização da atividade, conforme esclarece os relatos de Aninha e D. Verinha

respectivamente, “ela não seca e nem enche”; “maré morta é uma maré que ela fica

empanturrada ela não seca, ela seca, mas fica sempre cheia aí não presta pra gente mergulhar,

não presta pra pegar peixe, porque os peixes tão tudo no fundo”. Além disso, esta maré

também inviabiliza a captura ou extração de crustáceos e moluscos a exemplo do maçunim,

ostra, sururu caranguejo. Por esta razão uma pescadora enfatiza “não é boa pra marisco” (P.

V. 53 anos), pois a captura destas espécies prescinde que a maré esteja seca. Nesse período, as

mulheres não costumam ir para Ilha, devido às pequenas variações dos níveis de água,

dificultando desta forma a captura do pescado.

Maré de Lançamento é quando está começando a crescer. Também conhecida como

“maré de mosquito”. Tal denominação se dá porque as pescadoras associam esta maré à forte

incidência de mosquitos na Ilha e no mangue. Isto ocorre porque à medida que ela vai

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crescendo, a água adentra o mangue incitando os mosquitos, conforme subentende-se a partir

da explicação abaixo

Se a maré lançou ontem hoje ela não dá (mosquito), amanhã ela dá, porque em tudo que ela vai entrando dentro do mangue, vai expulsando os mosquitos, a maré vai lavando o mangue, porque maré é assim: vai lavando tudo que é ruim, aí mosquito é ruim eles voam! (P. F. 46 anos).

Sua característica marcante é a permanência das águas no nível baixo, por isso é

apropriada para pescar todos os tipos de pescado, principalmente camarão e peixe.

Maré de Reponte expressão usada para designar a maré quando está começando a

encher38. Este tipo é adequado para a pesca de camarão com redinha.

Maré Grande o termo “grande” é utilizado no

sentido de extensão. A diferença entre esta e a maré de

lançamento pode ser esclarecida a partir deste

argumento “maré grande não é maré cheia, é quando

ela toma todo o mangue, é grande porque é comprida”!

(P.A. 48 anos). Neste período, a água chega a atingir os

quintais dos barracos, relata a P. N. “a maré grande

toma isso aqui tudinho, até no quintal ela bota”! Para

evitar que a água invada os barracos as pescadoras

utilizam cascos de maçunim na frente e nos quintais dos

barracos (Figura 16).

A Maré de Vazante ocorre quando as águas estão secando, viabilizando, assim, a

realização da atividade. Quanto a Maré Igual, se dá quando as águas não aumentam nem

diminuem de nível ou extensão.

As denominações atribuídas às marés aqui explicitadas trazem em suas definições

características bastante sutis, o que mostra e anuncia o sofisticado conhecimento das

pescadoras. Além disto, por vezes a compreensão para a pesquisadora tornava-se difícil,

devido ao paradoxo de expressões e termos utilizados pelas pescadoras, para explicação dos

ciclos: “[...] a gente diz que é maré morta, mas não é morta não, ela é violenta, ela é a mais

38 Para as pescadoras existe uma sutil distinção entre os termos “encher” e “crescer”, quando atribuído às marés. O primeiro significa elevação do nível das águas, enquanto o segundo expressa o crescimento (em extensão) das águas.

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viva que tem” (P. S. 44 anos); ou ainda “[...] maré morta não seca, ela seca, mas fica sempre

cheia”.

Conforme constatado, depreende-se que a maré constitui o principal fator que orienta a

prática pesqueira na Ilha do Beto. As pescadoras entrevistadas revelaram realizar a atividade

todos os dias da semana, exceto em períodos de maré morta.

As saídas para realização do seu saber-fazer produtivo podem ser realizadas várias

vezes ao dia, isto vai depender de alguns fatores, como a espécie de pescado. A dinâmica de

captura do caranguejo, por exemplo, prescinde que a mulher desloque-se duas vezes para o

ambiente de pesca, pois, primeiro dispõe-se as armadilhas no mangue e depois coleta-se o

crustáceo capturado. O tempo que separa as duas fases de captura do caranguejo pode ser

relativamente grande, por isso algumas mulheres revelaram realizar outras tarefas enquanto

aguardam, tais como coleta de sururu e ostra, conforme atestam os fragmentos a seguir

Às vezes deixo a ratoeira no mangue depois volto pra pegar. Enquanto a ratoeira tá no mangue, eu saio para catar sururu, ostra, pra passar o tempo e o caranguejo bater a ratoeira (D. JU. 57 anos).

Depende do pescado, quando vou pro caranguejo, vou de manhã botar as ratoeiras e mais tarde vou mariscar. Quando é de noite, se a maré tiver boa, vou pro peixe e pro camarão! (P. A. 48 anos)

A disposição também é um importante elemento considerado. Quando saem para

pescar durante o dia, em períodos de maré seca, chegam a passar um turno inteiro (manhã ou

tarde, depende da maré) no ambiente de pesca, o que corresponde a seis horas ininterruptas de

trabalho. Assim, após um dia exaustivo, sair para pescar à noite torna-se impraticável,

conforme esclarecem os argumentos “[...] pesco de noite quando não estou muito cansada,

porque passar o dia inteiro no mangue não é pra qualquer um” (P. C. 43 anos), “[...] às vezes

vou de noite também dependendo do cansaço” (P. JO. 54 anos).

As particularidades apresentadas, no que se refere à frequência com que realizam o

trabalho diariamente, constituem apenas exceções, pois, de maneira geral o que fora

observado é que a grande maioria das pescadoras costuma sair para a atividade mais de uma

vez, pelo dia e pela noite.

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3.8 Colheres, facão, baldes e cestos: rumo à coleta do maçunim

Como já explicitado, não há um horário

estabelecido para pescar, depende da maré. Todavia,

geralmente quando a atividade é realizada pelo dia, o

trabalho das mulheres tem início nas primeiras horas da

manhã, ainda no barraco, com a preparação da

alimentação e dos instrumentos de pesca necessários.

Devido ao horário, a primeira refeição é realizada no

ambiente de trabalho (Imagem 17), por isto, além dos

apetrechos como balde, cestos, vasilhas, colheres e

facão, as pescadoras levam para o trabalho café, pão,

biscoito, fruta, principalmente manga ou banana, pois a

depender do tempo que precisem ficar também almoçam no local. A refeição constitui-se da

mistura de frutas e farinha. Dessa maneira, elas ficam alimentadas, assegurando assim a

produtividade do dia.

Neste horário (durante o dia) o trabalho compreende a captura das espécies de

crustáceos (caranguejo e aratu), moluscos (sururu, ostra e maçunim) principalmente, e peixe.

Os primeiros são encontrados no ecossistema manguezal, com exceção do maçunim que é

coletado nas crôas. O segundo, encontrado no rio Vaza Barris.

Durante o acompanhamento que fizemos do cotidiano de trabalho das pescadoras, fora

observado a dinâmica de pesca do maçunim (molusco semelhante ao sururu quando retirado

da concha) (Imagens 18 e 19). Ao chegar à crôa as mulheres se preparam (vestem meias e

colocam chapéus) e organizam os instrumentos (colheres, facão, baldes e cestos) para

iniciarem a captura do molusco. De acordo com as pescadoras, este é o pescado mais fácil de

coletar, visto que basta apenas localizá-lo na areia com a colher ou faca, pegar com as mãos e

colocá-los no recipiente.

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As mulheres se separam, mas ficam a uma distância em que possam conversar. Chama

atenção às posições durante a coleta (Imagens 20, 21 e 22). Elas iniciam de cócoras, depois de

joelhos, sentadas e até mesmo deitadas de bruço ou de lado. É comum a expressão de dor ao

mudarem de posição. Porém, o difícil trabalho não é razão para o realizarem caladas, tristes

ou aborrecidas, é comum a conversa, a cantoria e as brincadeiras entre o grupo.

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Como mencionado anteriormente, a maré constitui o

principal fator que influencia o ritmo de trabalho na pesca, o

que foi observado in locus durante o acompanhamento da

coleta do maçunim, à medida que a maré começa a encher as

pescadoras começam a migrar para regiões da crôa onde a

água ainda não alcançou (Imagem 23). O processo de

migração para áreas ainda secas é realizado repetidas vezes,

porque as pescadoras têm pressa e querem aproveitar ao

máximo a maré baixa para coletarem a quantidade suficiente

para encherem seus baldes e cestos, alcançando assim a cota

de pescado daquele dia.

Chama também atenção o fato delas não lamentarem

por não terem tempo suficiente (por causa da maré) para

coletarem uma boa quantidade de pescado. Quando observam

a água tomando seu espaço, falam expressões do tipo: “Já vem

ela”, “a maré tá dizendo já tá bom vão embora”, “oh mulher

deixe a gente ficar mais um pouco”! Quando a água toma toda

a crôa, a coleta do molusco é realizada mesmo dentro d´água

(Imagem 24) até o momento em que as pescadoras

reconhecem que não dá mais. Continuar o trabalho com a

maré cheia é perigoso, haja vista os riscos de acidentes com

siris e águas vivas, como é possível observar neste fragmento “o siri belisca e corta”! (P. JU.

57 anos).

Com o nível da água aumentado cada vez mais depressa, não há outra opção senão

cessar a pesca do maçunim naquele dia. Elas se conformam expressando os seguintes

argumentos “é assim mesmo”, “tá bom”, “é um pouquinho hoje, e um pouquinho amanhã”,

“amanhã a gente vem de novo”! Ou seja, não dar para ir contra os fluxos e refluxos da maré.

Terminada a coleta, as pescadoras colocam os muçunins em cestos para serem

lavados. Todo o processo ocorre ainda no local de pesca a fim de racionar a água do barraco,

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já que a Ilha não dispõe de água encanada. Ao chegarem aos barracos, as mulheres terão

“somente” o trabalho de cozinhar e desmiolar39 o pescado.

Ao retornar à Ilha, cada pescadora leva para o

barraco seus respectivos cestos de pescado. Após o almoço,

inicia-se o processo do beneficiamento do produto, que

ocorre obedecendo-se três etapas distintas: cozimento,

desmiolamento e armazenamento. Na primeira, o maçunim é

colocado em recipientes do tipo caldeirão e latas

(principalmente), para ser cozido em fogo a lenha (Imagem

25). A etapa de cozimento que é igualmente realizado com

ostras, sururu e camarão. Esta fase é individual, ou seja,

cada pescadora cozinha o pescado no seu respectivo barraco.

O segundo momento do beneficiamento corresponde ao desmilomento, processo em

que a carne do maçunim (e outras espécies de pescado como ostra, sururu e aratu) é retirada

do casco. Esta etapa é comumente realizada na frente ou nos quintais dos barracos, e,

diferentemente da primeira, este é um procedimento coletivo. As pescadoras juntam-se para

agilizar o processo, fazendo com que isto, constitua-se num rico momento de sociabilidade,

no qual as mulheres se aproximam não só para ajudar, mas também para conversar sobre os

mais diversos assuntos, relacionadas ou não à pesca (Imagens 26 e 27).

39 Expressão utilizada pelas pescadoras da Ilha para designar o processo de retirada do pescado do tipo maçunim, ostra, sururu e aratu do casco.

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A última fase consiste no armazenamento do

pescado em gelo (Figura 28). Assim, o produto é

conservado durante toda a semana, até a sexta-feira

ou o sábado, dias em que comumente as pescadoras

saem da Ilha para a comercialização do pescado em

feiras, domicílios ou entregar para os atravessadores

na Sede do Município.

De acordo com a maioria das entrevistadas, o destino do pescado é,

predominantemente, a comercialização, como ilustra o gráfico 03, ou conforme esclarece o

relato de uma pescadora

Gráfico 03: Destino do pescado Fonte: MARTINS/2012.

Eu comercializo tudo que pesco, vendo mais que o quê como, gosto mais de carne, a pessoa trabalha com peixe a semana toda pra tá comendo peixe direto também não dá! Eu gosto mais é de ver dinheiro entrando no meu bolso (P. VH. 45 anos).

Contudo, ainda que se priorize a venda do pescado, há de se enfatizar, que é comum a

separação de uma parte da produção para o consumo familiar. Tal situação observada in locu

corrobora com Diegues ao afirmar que o objetivo primordial da pesca artesanal é o mercado

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“[...] ainda que o balaio ou cesto de peixe seja religiosamente separado [...]” (1983, p. 155),

para o consumo familiar.

No que diz respeito à comercialização, os valores dos pescados tendem a variar de

acordo com a existência da figura do atravessador. Dentre as pescadoras entrevistadas apenas

uma repassa aquilo que coleta ao atravessador. Por isso, o seu rendimento é substancialmente

menor em relação àquelas pescadoras que vedem seus pescados nas feiras livres do

município. Outros aspectos como tamanho da espécie e período do ano podem influenciar no

preço dos produtos, conforme ilustra o quadro a seguir:

PESCADO MEDIDA VALOR ESPECIFICIDADES Sururu 1 kg 15,00

18,00 Valor durante semana santa

Maçunim 1 kg 10,00 15,00 a 18,00

Valor durante semana santa

Camarão 1 kg 8,00 a 10,00

20,00 a 22,00

Valor do produto capturado pela pescadora Valor de revenda

Robalo 1 kg 18,00 a 20,00 Dependendo do tamanho

Tainha 1 kg 10,00, 12,00 ou 15,00

Dependendo do tamanho

Carapeba 1 medida

3,00 ______

Siri Prato com 05 und

5,00 ______

Caranguejo Corda com 06 und

2,00

7,00

Valor repassado ao atravessado Valor do produto na feira

Peixinho 1 medida 4,00 ______ Quadro 04: Demonstrativo dos valores de pescado Fonte: MARTINS, 2012.

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3.9 Redes na maré: os desafios da pesca noturna

De acordo com o levantamento realizado durante o trabalho de campo, todas as

mulheres da Ilha pescam à noite. Em tal horário, a pesca também é influenciada pelo ritmo

das marés, todavia, diferentemente do que acontece pelo dia, o trabalho à noite inicia-se mais

tarde, como esclarece a passagem da P. G. “[...] O horário de sair pra pescar depende da maré.

A gente sai 21:00h, 22:00h, 23:00h depende, se sair mais cedo, chega mais cedo também, mas

geralmente é nessas horas mesmo”!

Conforme observado na realização da pesquisa de campo, percebe-se que a maioria

das pescadoras prefere pescar neste horário. Para tanto, foram elencadas as seguintes

justificativas: a dificuldade do trabalho durante o dia devido ao calor, o prazer e a

tranquilidade durante a noite, ou ainda a facilidade de captura das espécies de peixe de hábitos

noturnos, conforme esclarecem os depoimentos abaixo:

Eu prefiro pescar de noite, por causa do sol, pesco a noite toda só chego de madrugada! (P. M. 48 anos).

O melhor é de noite, gostoso é pescaria de noite porque o peixe é fisgado mais à noite sabia? Porque de dia ele tá nos pau, ele é sabido, de dia tá nas toca e de noite ele sai pra comer e nós pega ele, a gente tem que ter mais experiência do que ele porque se vacilar não pega nada! (P. F. 46 anos).

Pescar de noite é tranquilo, é bonito quando você ver a redinha cheia de camarão, é bonito! (P. N. 54 anos).

Neste turno, as espécies capturadas são camarão e

peixe (principalmente), siri e arraia (quando vem na rede

com o peixe ou o camarão), como pode ser observado na

Imagem 29, ao lado. .

A frequência com que realizam a atividade durante

a semana, no aludido horário, é determinada pela maré,

mas também depende de outros fatores como o dia em que

as pescadoras chegam à Ilha, a ocupação em outras

atribuições inerentes à atividade, como o beneficiamento do pescado, ou ainda a disposição

física depois de um dia inteiro de trabalho. Estes aspectos são assinalados nas afirmativas das

pescadoras a seguir:

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Pesco de noite quatro vezes na semana (tirando a segunda). Quando a maré dá fraca saio quatro vezes e quando tá boa três ou duas noites (P. JU. 57 anos).

Se a gente vem na segunda, então a gente sai pra pescar de noite todos os dias. Se eu voltar pra casa na sexta então eu pesco quatro noites, agora se for no sábado então saiu cinco noites (P.A. 48 anos)

Pra sair de noite depende da maré, e também às vezes tem outra coisa pra fazer, como desmiolar o marisco, e às vezes não vou porque tô cansada! (P. S. 44 anos).

As mulheres saem durante a noite na companhia do marido, filhos, parentes e

esporadicamente com outras mulheres. Assim como a maré influencia a rotina de pesca, a

presença de parentes e amigos próximos também constitui um importante fator para a

realização da atividade na Ilha, o que pode ser verificado no argumento de uma pescadora

“[...] nunca pesquei sozinha, sozinha só maçunim e sururu, mas tem que ter companhia pra

gente ficar conversando” (P. V. 53 anos).

As pescadoras assumem atribuições distintas no turno da noite. Elas não atuam

diretamente na atividade como ocorre durante o dia, exceto quando realizam a pescaria de

redinha, prática que será explicitada mais adiante.

Todavia, ainda que de forma indireta, há de se destacar que as pescadoras reconhecem

a importância do seu trabalho “[...] de dia ou de noite, independente de tá catando marisco ou

ajudando meu marido no barco, o que eu faço é importante” (P. A. 48 anos). “[...] quando a

gente tá no barco somos parceiro, companheiro de pesca, um ajuda o outro, um depende do

outro, se não for desse jeito a pescaria não dá certo”! (P. S. 44 anos).

O trabalho feminino consiste em uma parceria com o marido durante a realização da

atividade, que compreende o controle do barco, puxar a rede e retirar o pescado da rede para

armazenar no gelo. Ainda que não esteja lhe dando diretamente com a captura do pescado,

para a pescadora, todas estas funções se configuram em pesca como enfatiza a P. VH. ao ser

questionada sobre o que realiza não constituir-se propriamente pesca

Mas eu tô pescando! Sou eu que remo, eu sou a popeira40. Enquanto ele fica no bico do barco jogando a tarrafa pra pegar o peixe, eu fico controlando o barco, se ele mergulhar eu tenho que segurar a corda da tarrafa e ficar controlando o barco, que é pra ele não bater a cabeça no barco, nem na hélice, nem ele se enganchar quando eu puxar a rede. A mulher tem que tá

40 Termo utilizado pelas pescadoras da Ilha para indicar quem assume o controle do barco.

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ativa, ter cuidado com o marido que tá em baixo. Então a minha função é essa!

Nesse sentido, o trabalho realizado pela mulher junto ao marido ultrapassa o sentido

de auxílio ou ajuda, pois além da imprescindível cooperação na atividade, é de sua inteira

responsabilidade também o meticuloso trabalho de atenção e cuidado com o companheiro, a

fim de evitar possíveis acidentes ao cônjuge. Sem este importante apoio, talvez não fosse

possível alcançar o êxito durante o exercício da pesca na Ilha do Beto, onde as funções

inerentes ao homem e a mulher são igualmente relevantes. Assim, o papel atribuído a mulher

está longe de ser subestimado.

A pesca noturna é realizada em rios e em locais mais afastados da Ilha como a “boca

do oceano”, expressão utilizada para denominar mar aberto. Segundo os pescadores, em tal

ambiente são encontradas espécies de peixes maiores, agregando assim melhor valor

comercial.

Apesar dos riscos que o oceano oferece, as mulheres costumam acompanhar o marido

nas embarcações41. Esta é mais uma característica interessante e peculiar deste grupo de

pescadoras, fato que contraria uma realidade assinalada em alguns estudos (WOORTMANN,

1992; BORGONHA; BORGONHA, 2008), sobre comunidades que têm sua fonte de renda na

pesca, cuja presença da mulher não é admitida nas embarcações por acreditar trazer má sorte,

ou por determinarem que barco e o mar constituem espaços masculino onde mulher não é

bem vinda.

Por conhecerem esta realidade, as mulheres da Ilha descrevem as situações de perigo

que já vivenciaram. Dificuldades como problemas com a embarcação, mas, sobretudo, o

medo, visto que estão vulneráveis aos riscos que o oceano oferece. Relatam precisamente as

condições do barco em meio às ondas: “[...] é como se a onda engolisse a gente” “quando

você tá lá dentro você só ver o barco subir, depois que passa aquele bolo todo de água cadê o

barco? você não ver mais nada”.

Além dos perigos do mar, as mulheres temem também acidentes com o próprio

pescado, como peixe e arraia, por exemplo. Por pescarem peixes maiores, elas têm medo de

caírem dentro d´água quando estão ajudando o companheiro a puxar a rede: “teve uma vez

que meu marido tava puxando a rede, quando penso que não ele foi arrastado e eu quase cair

41 Das treze pescadoras entrevistadas 04 (quatro) informaram pescar também no ambiente marítimo, duas acompanhando os companheiros, as demais costumam pescar juntas sem a companhia da figura masculina.

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dentro d´água com ele” (P. F. 46 anos). Quanto às arraias, elas temem acidentes com o ferrão:

“quando as arraias vem na rede, elas vêm se batendo e também as vezes elas voam pra dentro

do barco por causa da luz da lanterna ou do lampião, aí eu morro de medo daquele ferrão

pegar na gente”(P. S. 44 anos).

Os riscos enfrentados, assim como as experiências de perigo vivenciadas, não

constituem fatores que impossibilitem o acesso e a atuação das mulheres no ambiente

marítimo, pois, ainda que temerosas, como sinalizam os relatos, as pescadoras não se

intimidam a se aventurar e enfrentar os infortúnios do oceano. Tal realidade confronta a ideia

preconcebida de que o mar é espaço proibido para as mulheres, pois o que importa

verdadeiramente para as pescadoras da Ilha do Beto é assegurar suas necessidades de

sobrevivência, independente do ambiente em que atuam.

Em se tratando da realização da atividade em rio, fora observada a prática de pesca com

redinha, instrumento que lembra uma rede de vôlei. Esta técnica é realizada por duas

pescadoras, cada uma segura uma das extremidades da rede. Assim, elas adentram o rio com o

lampião na cabeça (que ajuda muito pouco a iluminar) e uma bacia amarrada à cintura para

colocar o pescado42. Desta maneira, fora presenciada a P. JO e a P. N. manipulando a rede

indo e voltando repetidas vezes.

Este momento foi acompanhado nas

margens do rio Vaza Barris que passa em

frente à vila de pescadores (Imagem 30), de

acordo com as pescadoras a técnica ocorre da

mesma forma em outros pontos de pesca mais

distantes da Ilha, conforme esclarece (P. N.

54 anos) no fragmento abaixo

A gente pesca de redinha desse mesmo jeito em todo lugar, como aqui é pequeno a gente vai até certo meio e volta, mas aí quando a beirada (margem do rio) é maior a gente vai vai, quando chega em certo meio a gente tira da rede bota na bacia e vem embora!

42 Não foi possível fazer o registro fotográfico das pescadoras neste momento, em razão da ausência de energia elétrica no local, fator que comprometeu as fotografias.

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Após uma hora e trinta minutos,

aproximadamente, a técnica de pesca com

redinha é finalizada, e as pescadoras retornam

para os barracos trazendo a bacia contendo

camarão e outras espécies de pescado como siri e

peixe (ainda pequenos), também pedras e folhas

(Imagem 31).

Por esta razão faz-se necessário realizar

um processo de separação (Imagem 32), no qual

é aproveitado somente o camarão enquanto o siri

e o peixe são devolvidos ao rio por estarem com

tamanho inapropriado para a comercialização.

Além de devolverem ao rio as espécies que estão

com tamanho inadequado, como observado

durante acompanhamento da pesca com redinha,

as pescadoras também não costumam coletar ou

extrair a ostra e o maçunim quando não estão em

fase adulta.

Tal fato chama atenção para o senso de

sustentabilidade das pescadoras, ainda que

desconheçam o significado do termo, suas

atitudes deixam transparecer a preocupação com

a conservação das espécies, respeitando o ciclo

de vida, e, por conseguinte, a manutenção da

própria atividade pesqueira.

Após o processo de separação (Imagem 33), o camarão é colocado no gelo para ser

torrado no dia seguinte, ou ainda na madrugada. Durante a noite, quando retornam cedo da

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maré43 (por volta das 23:00h até às 00:00h ou nas primeiras horas da madrugada), é comum

algumas mulheres darem continuidade à jornada de trabalho, realizando o beneficiamento do

pescado, ou seja, separar e torrar o camarão: “[...] Já cansei de passar madrugada adentro

torrando camarão” (P. C. 43 anos). De acordo com as pescadoras, isto ocorre em razão da

insônia desencadeada pelo cansaço “[...] a gente chega tão cansada que não consegue dormir,

então se é de tá bolando na cama é melhor tá cuidando, porque já é uma coisa a menos pra

fazer no outro dia” (P. S. 44 anos).

Seja pernoitando em busca do pescado em rio ou na “boca do mar”, ou madrugando

para tratá-lo quando retornam aos barracos, é assim que se processa a dinâmica de pesca das

mulheres durante a noite. A árdua jornada exigida na profissão, durante o dia ou à noite, não

constitui necessariamente um fator determinante para que o momento da pesca seja definido

pelas pescadoras, considerando-se somente as dificuldades e riscos experienciados durante a

realização da atividade. De acordo com o que fora observado, a labuta diária da profissão

proporciona também satisfação, alegria e prazer, como pode ser verificado nestes

depoimentos

É cansativo, mas também é divertido e alegre porque a gente conversa, rir e brinca (P. JO. 54 anos).

O momento da pesca é cansativo, mas a gente se diverte, não tem trabalho que não seja cansativo, mas é divertido (P. V. 53 anos)

O momento da pesca é bom, pense numa coisa que eu faço porque eu gosto é pescar, pra mim é melhor do que tá aqui nesse bar. Avemaria eu fico feliz quando saio de casa que levo minhas trouxas, minhas comidas pra chegar na quinta ou na sexta-feira em casa (quando retorna da Ilha) pra mim é bom (P. F. 46 anos)

43 Expressão utilizada para referir-se ao momento em que está em atividade, ou seja, pescando, qualquer que seja o ambiente (rio, mar, mangue, crôa, etc).

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3.10 As outras ocupações das mulheres: Água e Lenha

A pesca não constitui a única atividade a que

as mulheres se dedicam na Ilha. Elas também se

ocupam de outras funções, cuja execução é essencial

para a realização das etapas que envolvem o

beneficiamento do pescado, já aqui abordado, como

também para a própria permanência dos indivíduos

que residem na Vila de Pescadores, já que os barracos

não dispõem de água encanada e fogão a gás. Este

trabalho é realizado na companhia do marido ou de

outras mulheres, como pode ser observado nas imagens 34, 35 e 36.

.

A água é utilizada para a limpeza do barraco, cozimento do pescado e higiene pessoal.

A lenha é utilizada para cozimento das refeições e do pescado. Os produtos são estocados nos

barracos, por isso a freqüência com que realizam estas funções depende da duração dos

estoques.

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Tais produtos são localizados numa

fazenda situada a menos de dez minutos da Ilha. O

trajeto até o local é feito de barco, depois o grupo

segue a pé. Durante acompanhamento da extração

da lenha foi possível observar que as mulheres não

retiram a madeira das árvores. Elas recolhem

somente os galhos secos, como pode ser

constatado também na Imagem 37. De acordo com

as pescadoras a busca por galhos secos é preferida

para agilizar o processo de cozimento dos

produtos, e também para evitar o desmatamento, conforme esclarece estes depoimentos “[...] a

gente pega os galhinho assim porque pega mais rápido” (P. A. 48 anos) “[...] se na mata já

tem o tipo de madeira que a gente precisa, pra quê a gente vai tá cortando árvore?” (P. V. 53

anos). Enquanto procuram a lenha adequada, as mulheres costumam também coletar as frutas

encontradas no caminho como adicuri, manga e coco (Imagem 37), para fazer moqueca e para

produção do óleo utilizado como repelente.

A coleta de água (Imagem 38) ocorre numa

fonte situada no mesmo local onde as mulheres

costumam pegar lenha. Este momento foi observado

após o acompanhamento da rotina de pesca do

maçunim, por esta razão, junto com os vasilhames e

baldes para armazenar a água, as mulheres também

levam a roupa suja daquele dia de trabalho para lavar

na fonte.

Após o trajeto de barco, as pescadoras ainda

caminham aproximadamente vinte minutos até chegar à

fonte, no local as mulheres enchem as garrafas (Imagem

39), lavam roupa e tomam banho para tirar o excesso de

lama do corpo já que a água no barraco é cuidadosamente

racionada, dada a indisponibilidade deste recurso nos

barracos, bem como as dificuldades enfrentadas para

obtenção do mesmo.

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O retorno para a Ilha constitui um momento extremamente difícil para as mulheres,

pois o peso dos vasilhames com água e a irregularidade do terreno (trajeto percorrido até o

barco) exigem força física e resistência.

A realização destas tarefas e a comercialização do pescado durante os finais de semana

na Sede do Município completam a jornada de trabalho relativo à pesca na Comunidade Ilha

do Beto.

O contato com as pescadoras da localidade permitiu constatar que o papel das

mulheres na atividade pesqueira assume uma conotação diferenciada, tendo em vista que a

importância do seu papel é reconhecida e assumida por elas. Somado a isto, foram observadas

outras surpreendentes característica peculiares ao grupo, tais como: dependência masculina

em relação à mulher para a realização da atividade pesqueira, deste modo, depreende-se que a

participação feminina não está restrita à coleta de marisco e crustáceos em ambientes

estuarinos, ou à execução das fases pré e pós captura como assinalam Alvarez e Maneschy

(2010); inexistência de atribuições ocupacionais distintas entre os gêneros, constatadas a

partir da presença da mulher nas embarcações, desempenhado funções também no mar,

espaço que em algumas comunidades é considerado exclusivo ao homem conforme explicita

Woortmann (1992); ainda no que se refere a este fator, o oposto também fora observado, ou

seja, o envolvimento do homem em tarefas destinadas constantemente às mulheres, como o

beneficiamento do pescado, por exemplo.

Desse modo, pode-se inferir que além da importante atuação da mulher em todas as

etapas que envolvem este setor, seja capturando, beneficiando, comercializando o pescado ou

acompanhando o marido nas embarcações, é interessante observar que na Ilha do Beto,

pescadores e pescadoras compartilham o mesmo espaço, não havendo diferenciação entre as

tarefas que homens e mulheres realizam.

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3.11 Entre rios, estuários e mangues: Um Lugar chamado Ilha do Beto

A Ilha do Beto (Imagem 40) é uma pequena

localidade situada entre manguezais e o estuário do Rio

Vaza-Barris em Itaporanga D´Ajuda/SE. O quadro físico

natural encontrado no local favorece o desenvolvimento da

pesca artesanal, atividade responsável pela obtenção de

sustento e renda de inúmeras famílias no município.

Além da realização da pesca, o lugar aqui

evidenciado, constitui um espaço onde se processam

relações sociais e um modo de vida particular,

caracterizado por ralações de parentesco, amizade e

vizinhança, fatores que impulsionaram o acesso e a

permanência de alguns indivíduos no local; E embora o

grupo social a que este estudo se direciona, ou seja, as

pescadoras convivam com condições socioeconômicas

adversas, como a falta de infraestrutura e as dificuldades

inerentes à profissão pesqueira, não deixa de expressar

pelo lugar sentimentos como o de localidade, identidade,

pertencimento e reciprocidade, como esclarecem os

fragmentos extraídos dos relatos

Não penso em sair daqui de jeito nenhum, penso em fazer raízes aqui (P. F. 46 anos).

Se eu sair daqui é a mesma coisa que tirar o peixe de dentro d´agua e colocar no seco (P. JU. 57 anos).

Eu sou a única aqui que não pesca pra vender, eu pesco pra comer mesmo. Quando os vizinho ver que eu não posso sair pra pescar por causa da minha idade e da minha saúde, aí me dão, essa daí (referindo-se à vizinha) é ouro achado, quando ela ver que eu não posso, do que ela tiver divide comigo! (P. AL. 69 anos).

A sorte de todo mundo na ilha é Sr. Élson, por causa dos barco, ele conserta os motor. Se ele sair daqui muita gente fica ruim (P. N. 54 anos).

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A realidade encontrada na Ilha é condizente com a afirmação de Mota e Pereira

quando colocam que “as interações entre as populações com o meio originam tipos diversos

de relações entre as pessoas e o lugar [...]” (2009, p. 72). Deste modo, fora constatado que a

Ilha para as pescadoras possui um significado maior que a obtenção de alimento, trabalho e

renda. O lugar aqui enfatizado é também o local onde se processam relações subjetivas, das

quais emergem valores, afetividade e significados em relação ao lugar.

De acordo com Tuan, “[...] o que começa como espaço indiferenciado transforma-se

em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor” (1983, p. 6).

Compartilhando desta ideia, pode-se considerar então a Ilha do Beto como lugar, uma vez que

seus moradores possuem amplo conhecimento acerca da sua história, da dinâmica natural que

envolve o ritmo das marés e o comportamento das espécies de pescado. Além disso, destaca-

se também a ocorrência das relações de vizinhança e dos laços de reciprocidade entre as

pessoas que habitam a Ilha, comum a outras populações como os camponeses como discorre

Queiroz (1973), acerca dos grupos de vizinhança e das relações interpessoais existentes nos

bairros rurais. Estes fatores em conjunto concorrem para que o local possua um significado e

uma importância maior para seus moradores, que simplesmente um local onde sempre podem

encontrar o caranguejo, o peixe ou o camarão, e assim assegurarem sustento e renda.

Dentro deste contexto, graças ao cotidiano da pesca artesanal, a Ilha do Beto é

concebida pelas pescadoras não apenas como um local apropriado para a realização daquela

atividade, da qual obtêm sua fonte de sobrevivência, mas, sobretudo, o local onde se

estabelecem ricas interações entre as pessoas e destas com o ambiente em que vivem.

As interações, vivências e experiências empreendidas, assim como a história da Ilha

que se imbrica com a história dos moradores que ali vivem, suscitam um sentimento particular

pelo lugar, carregado de afeição, o qual se apresenta como único e singular, pois possui

características próprias que, em conjunto, conferem-lhe uma identidade própria.

Tal sentimento manifestado e reconhecido pelas pescadoras em relação à Ilha é

denominado por Tuan (1980), como topofilia, que significa o elo afetivo entre a pessoa e o

lugar ou ambiente físico. De acordo com o autor este sentimento pode surgir por diferentes

razões, no caso da Ilha, ele é resultado da intimidade física e da dependência material, haja

vista a potencialidade para exploração dos recursos pesqueiros, que o lugar oferece.

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O significado da Ilha para as pescadoras pôde ser compreendido a partir dos

conhecimentos, experiências e da afetividade, expressos em relação ao lugar. Estes

sentimentos originam-se a partir da atividade ali desenvolvida. Todavia, a intensa interação

estabelecida entre os sujeitos e o lugar, admite para àqueles um significado muito maior que

simplesmente o local de trabalho. Para as pescadoras, a Ilha também corresponde ao lugar de

vida, amizade, alegria, moradia e sossego, elementos vivenciados cotidianamente pelas

pescadoras. Desta forma, a Ilha constitui-se o lugar das experiências vividas.

3.12 A história do lugar: com a

palavra as pescadoras

A localização privilegiada

entre importantes ecossistemas

(Imagem 41) favorece o

desenvolvimento da pesca

artesanal, esta foi sem dúvida, a

principal razão para atrair as

pessoas não somente da cidade de

Itaporanga, mas também dos

povoados Nova Descoberta,

Duro, e cidades próximas para o

local denominado por seus

habitantes como Ilha do Beto.

Inicialmente as pessoas frequentavam o local diariamente para realizar a atividade

pesqueira, retornando no final do dia para a cidade de origem. Depois, os pescadores

começaram a passar dias na Ilha, acampados em barracos de plástico para evitar o cansativo

processo de ir e vir da cidade ou povoado de origem.

A longa distância percorrida cotidianamente a pé do local de residência até a Ilha

constituiu-se a principal razão para a ocupação do lugar, pois muitos ainda não possuíam

barco, e aqueles que tinham não era a motor, como esclarecem os relatos a seguir

Quando a gente vinha pra passar uns dia, ficava no meio do tempo, não tinha nada aqui. Mas era melhor, a gente não aguentava vim e voltar todo dia porque era a pé. Não tinha barco, ninguém podia comprar barco nesse

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tempo, nesse tempo os filhos eram pequenos, ninguém tinha dinheiro, a renda era só daqui mesmo! (P.V. 53 anos)

Ficava muito distante pra ir todo dia e voltar pra Itaporanga, e tá todo dia no remo né? Porque hoje existe o motor, mas no tempo da gente não existia, era muito difícil! (P. AL. 69 anos). A gente vinha de pé, sem barco meu Deus cortando aquela lama todinha dentro do mangue. (P. F. 46 anos).

Este período foi marcado pelas difíceis condições de vida e trabalho enfrentadas pelos

pescadores, impostas, sobretudo, pela hostilidade do ambiente e pela falta de estrutura para a

devida acomodação das famílias

A gente já vinha com os plástico, pra procurar sempre aquele cantinho que a maré não molha, pra poder armar o barraco pra ficar (P. F. 46 anos)

A gente vinha e ficava nas beirada do mangue porque tinha muito mato aqui, espinho branco, formiga, mosquito. Ói naquela época é que era sofrimento viu! (P. AL. 69 anos).

Após um longo período nestas condições surge a necessidade de fixar moradia na Ilha,

que ocorreu a partir da construção de barracos, com a finalidade de melhorar e facilitar as

condições de permanência dos pescadores no local.

Não há consenso sobre o primeiro morador da Ilha. Para algumas pescadoras, a

primeira pessoa a construir um barraco foi um senhor chamado Moithaco, natural da Cidade

de Lagarto, mas que costumava pescar na região. Por causa desse morador, o local ficou

conhecido inicialmente como Ilha do Moithaco.

Quem teve a idéia de fazer os barraco foi um homem que já morreu. Foi ele quem fez o primeiro barraco lá, aí a gente viu e começou a fazer, a idéia de morar lá foi a partir dessa pessoa. Esse senhor foi e aí a gente começou a ir também! Ele morava pras banda de Lagarto, como ficava longe de vim pra pescar aí ele fez um barraco. Por causa dele a gente chamava aqui de Ilha do Moithaco. (P. F. 46 anos).

Por outro lado, para alguns moradores, a primeira pessoa a construir primeiro barraco

foi a P. AL. a qual revela no fragmento a seguir como teria iniciado a construção dos barracos

O primeiro barraco daqui foi o meu, eu mesmo construir com o meu marido e fiquei por aqui. Aí outros foram chegando, foram fazendo e formou isso aqui que você tá vendo hoje!

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Outras pescadoras atribuem a descoberta do lugar, bem como a iniciativa de

construção dos barracos a vizinhos e parentes residentes da cidade de Itaporanga, que

frequentavam o local para realização da pesca, como lazer e entretenimento durante os finais

de semana.

A gente descobriu esse lugar por causa dos vizinhos de lá de Itaporanga. Quem começou a morar aqui foi uns compadres que não eram nem cadastrados, eles começaram a vim por lazer, pra pescar e comer o peixe aqui mesmo final de semana. Depois veio pra fazer os barracos que primeiro era de plástico e depois passou a ser de madeira. Aí quando todo mundo viu isso eles fora passando a fita para o povo e a gente como pescador veio também, a gente fizemos como invasão do sem terra, aí a Ilha toda encheu de barraco (P. JU. 57 anos).

Cabe ainda mencionar que dentre os primeiros frequentadores da Ilha fora mencionado

também um morador da cidade de Itaporanga chamado Beto, daí o nome atual do local.

Mas, de maneira geral, o que fora observado, é que a ideia para o estabelecimento das

moradias se deu em razão da real necessidade e dependência dos recursos pesqueiros

encontrados na localidade, cuja exploração constitui a única fonte de trabalho e renda para a

maioria dos habitantes da Ilha, conforme atestam os fragmentos abaixo

Comecei a freqüentar a Ilha desde quando comecei a pescar, minha vida por vida foi ali, aí arrumei aquele canto pra fazer meu barraco (P. F. 46 anos) Vinha pra cá pra pescar, quando via que a pescaria dava certo resolvi construir um barraco, no começo era de plástico depois fui melhorando (P. V. 53 anos). Eu vinha pra cá pra pescar e voltava pra casa todo dia porque não tinha barraco. Aí foi quando surgiu da gente fazer um barraquinho! (P. C. 43 anos).

Atualmente na Ilha existem 34 barracos. Os primeiros foram construídos pelos

próprios pescadores com a ajuda de vizinhos. Posteriormente, as melhorias das condições de

vida e trabalho possibilitaram a realização de reparos nas habitações. Atualmente alguns

barracos se destacam por apresentarem o conforto (pode-se assim dizer) de uma casa, com

piso, móveis, banheiro, quartos, cozinha tudo muito bem estruturado e organizado. Já outros,

apresentam condições precárias de higiene, instalação.

Grande parte das pescadoras está na Ilha há mais de dez anos. De acordo com o que

foi verificado, a razão primordial para permanecerem no local é o atendimento das

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necessidades de sobrevivência, alcançada graças a realização da pesca artesanal, como pode

ser constatado nestes fragmentos [...] aqui é meu meio de ganhar meu pão (P. VH. 45 anos),

[...] é onde a gente arranja o pão de cada dia, é do que a gente sobrevive (D. JU. 57 anos), [...]

aqui é meio de ganhar a vida (P. A. 48 anos). Depreende-se a partir destes relatos que as

pescadoras referem-se ao lugar como fonte de trabalho.

Somando-se a isto, outro fator considerado para a permanência na Ilha, é a

biodiversidade encontrada no local, favorecendo o desenvolvimento da atividade pesqueira,

“[...] tudo o que quer acha aqui (P. A. 48 anos)”, “[...] aqui a gente só tem vantagem porque

pesca o siri, o camarão, o peixe, o que quiser aqui tem pra escolher” (P. F. 46 anos).

Outro aspecto importante apontado é a proximidade da Ilha em relação à cidade de

Itaporanga, local de origem da maioria das pescadoras e também para onde migram para a

comercialização do pescado no final de semana, bem como a facilidade de acesso aos pontos

de pesca existente no entorno da Ilha, a este respeito observa-se os seguintes argumentos “[...]

aqui é bom porque tanto é perto dos lugar que a gente pesca como é perto de casa” (P. G. 44

anos) “[...] se a gente fosse sair de lá de Itaporanga todo dia, quando chegasse aqui a maré já

ía tá enchendo” (P. JU. 57 anos), “[...] só aqui na Ilha do Beto a gente pode ficar perto de

onde pesca” (P. AL. 69 anos).

3.13 Vivenciando a Ilha do Beto: conhecendo a realidade

Conforme foi observado, a prática pesqueira constitui o principal motivo para a

permanência das pescadoras na Ilha, mas não somente isto. A atividade constitui o fator

responsável para o desenvolvimento do “gosto” dos moradores pelo lugar, é o que se pode

constatar nos fragmentos a seguir

Gosto daqui porque é o local da minha maré, local que vivo, é perto, é muito bom, é o local que vivo e trabalho, se não fosse aqui eu tava era morrendo de fome! (P. F. 46 anos) Aqui é muito bom, todo mundo gosta, acostuma, é dia a dia, quando não podia vir ficava doidinha em casa. Eu me sinto bem aqui não só por causa do

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bem estar, mas porque aqui sempre tô fazendo alguma coisa. Aqui a gente pesca, busca lenha, água tudo a gente faz aqui (P. V. 53 anos) Gosto porque aqui tem uma coisinha, tem outra, e aqui tem sempre como levar alguma coisa pra casa! (P.C. 43 anos). Eu sou feliz e sinto prazer de tá aqui, porque é daqui que tiro o meu pão! (P. N. 54 anos).

Outras características do lugar como a tranqüilidade e as relações de amizade

estabelecidas entre os indivíduos foram apontadas como importantes elementos para o

desenvolvimento do gosto pela Ilha.

Gosto daqui porque é alegre, os amigos aqui é tudo é amigo mesmo, uma família! (P. JO. 54 anos). Gosto daqui, se eu pudesse trazia todo mundo pra cá, porque aqui tem uma paz, um sossego! (P. VH. 45 anos). Viver aqui na Ilha é muito bom, não tem lugar melhor pra gente viver do que aqui, é muita tranqüilidade! (P. AL. 69 anos).

A satisfação expressa nos relatos foi observada in locus durante o período de trabalho

de campo. À noite ou à tarde, por exemplo, mesmo que os pescadores e as pescadoras não

saiam para a atividade, compartilham o hábito de ficar nas portas dos barracos conversando e

ouvindo música. Chama atenção a conversa, as risadas e a animação, este comportamento sem

dúvida, constitui uma característica particular de sociabilidade do grupo.

A Ilha desperta também um forte interesse nos jovens, filhos de pescadores, que

diferentemente dos pais, buscam o lugar para o lazer e diversão durante os finais de semana,

atraídos pelo banho de rio, o caranguejo e as aventuras quando saem à procura de frutas na

mata, é desta forma que os jovens usufruem e aproveitam a Ilha

As meninas vêm pra Ilha principalmente no final de semana pra tomar banho, comer caranguejo. A gente sai também atrás de manga e adicuri. Quando tem muita gente a gente fica até tarde da noite conversando, jogando baralho e ouvindo música. Aqui é bom! (Filha de pescadores).

Por constituir-se o lugar onde encontram alimento, trabalho e renda, as pescadoras

manifestam o curioso desejo de não deixar definitivamente a Ilha, mesmo que não necessitem

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mais sobreviver da pesca após a conquista da aposentadoria, conforme enfatiza esta

passagem.

Não penso em sair daqui, porque não penso em parar de pescar. Quando me aposentar, venho pra cá nem que seja de vez em quando! (P. JO. 54 anos).

O apego em relação ao lugar está fortemente associado à atividade pesqueira, como

pode ser verificado nestes relatos “[...] não penso em sair daqui, porque aqui dá pra viver da

pesca” (P. G. 44 anos), ou ainda “[...] eu já me acostumei aqui, e além do mais, é daqui que a

gente sustenta a família” (P.C. 43 anos), “[...] só me sinto bem aqui, não quero sair desse

lugar, nasci e me criei pescando (P. AL. 69 anos)”, [...] esse lugar é tudo pra mim é o meu

sustento e onde me sinto bem (P. V. 53 anos).

Todavia, é interessante observar que as pescadoras apontam outros elementos como

relações de amizade, a paz, o sossego e a beleza das paisagens como fatores responsáveis pela

manifestação do sentimento de afeição ao lugar. Os laços afetivos são também identificados

no entusiasmo ao falar do lugar ou dos elementos que compõe a paisagem. As formas como as

pescadoras se referem à maré, ou a emoção quando alcançam êxito na pesca, constituem bons

exemplos a este respeito, como elucidam os relatos abaixo

Eu gosto mais daqui do que minha casa em Itaporanga, porque aqui é sossegado, todo mundo é amigo, este lugar é uma paz para o pescador, aqui tem uma natureza que é muito importante e bonita (P. JU. 57 anos).

Ah minha filha quando você (pescadora se referindo à pesquisadora) vier passar uns dia aqui, você vai ver que maravilha que é! Da próxima vez que você vier, me avise que eu pego você lá em Itaporanga, pra gente vim de barco lá por cima pra você ver como é bonito isso aqui! (P. V. 53 anos).

Já vem ela... Oh mulher deixa a gente ficar só mais um pouquinho (expressões utilizadas pelas pescadoras ao perceberem a maré enchendo, durante a coleta do muçunim) (Diário de Campo).

É bonito quando você ver a redinha cheia de camarão... é bonito! (P. N. 54 anos).

Era tanto camarão, coisa mais linda ver eles com os olhinho tudo brilhando! (P. S. 44 anos).

Outras pescadoras também expressaram a preferência pela Ilha em detrimento à cidade

Itaporanga, mesmo em períodos de feriado prolongados e festas, como ressaltam os relatos,

desta forma a Ilha assume o significado também de alegria

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Quer ver animado aqui é nas festas, carnaval, São João, final de ano. Esse carnaval aqui mesmo, foi gente que não cabia (P. C 43 anos).

Tem feriado que muita gente prefere de tá aqui mesmo do quê em Itaporanga, a Ilha nunca fica só! (P. AL. 69 anos)

Depreende-se a partir do exposto que a pesca constitui o principal fator para o

desenvolvimento de sentimentos e afetividade para com o lugar. Assim, a Ilha do Beto

corresponde não somente ao local onde é possível atender as necessidades de trabalho e renda,

mas também o lugar onde são estabelecidas importantes relações afetivas entre os indivíduos,

e entre estes e o entorno.

Pode-se afirmar que os predicados atribuídos à Ilha pelas pescadoras admitem tanto

significados objetivos como o trabalho e a subsistência possibilitados a partir do

desenvolvimento da pesca artesanal, quanto significados subjetivos, os quais se destacam por

sua multiplicidade como a alegria, o prazer, o sossego, a paz, a afetividade, as interações entre

os indivíduos e as experiências e vivências daqueles em relação ao lugar. Tais elementos sem

dúvida devem ser valorizados para compreensão dos grupos sociais, como assinalam Martins

e Silva (2011), assim como das interações destes com o entorno socioambiental.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

4. COSTURANDO E ARREMATANDO FIOS: AS CONSIDERAÇÕES DA PESQUISA

A proposição deste estudo consistiu em investigar e analisar o papel e as atribuições de

um grupo de mulheres na pesca artesanal na comunidade Ilha do Beto, localizada no

Município de Itaporanga D´Ajuda/SE.

As entrevistas realizadas, conversas informais e as observações diretas permitiram

identificar quão importante e singular é a atuação da mulher neste ofício, cuja realização não

consiste somente na captura, tratamento e comercialização do pescado. Tal prática

proporciona o estabelecimento de um modo de vida particular, fundamentado nos saberes

tradicionais, nas relações de parentesco, amizade e vizinhança, possibilitando assim, o

surgimento de ricas relações sociais e afetivas em relação ao lugar de vivência e trabalho,

como fora observado na aludida comunidade.

A investigação junto ao grupo de pescadoras artesanais permitiu identificar uma

surpreendente realidade no que se refere à mulher no exercício da profissão pesqueira, haja

vista a existência das práticas de relação de poder masculina, comuns às comunidades que

obtém da exploração dos recursos pesqueiros sua fonte de sobrevivência.

Contrariando esse contexto, o trabalho feminino na comunidade investigada não se

restringe aos afazeres domésticos ou ao conserto de redes e beneficiamento do pescado. Ao

conduzir embarcações e laçar-se ao mar em busca do sustento da família, a mulher ampliou

seu universo de atuação e conquistou espaços historicamente ocupados pelos homens.

A autonomia das mulheres e o fato de se reconhecerem como pescadoras explicitam-se

e fundamentam-se nas experiências e habilidades relacionadas a escolha e manuseio dos

apetrechos de pesca, bem como no conhecimento dos hábitos das espécies e ciclos naturais. A

vivência com o referido grupo permitiu observar o quão singular é a leitura que as pescadoras

fazem das condições naturais, utilizando-a na seleção dos instrumentos de pesca. Não

obstante, percebe-se que esta leitura não se desenvolveu de uma hora para outra, avós, pais,

maridos e amigos contribuíram para a construção de um conhecimento característico e

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essencial à pesca artesanal.

Assim, pode-se afirmar que a apreensão deste conhecimento pelas mulheres

contribuiu para que elas dominassem a arte/ofício da pesca, tornando-a independente em

relação ao homem. De fato, muitos foram os relatos nesse sentido, a independência,

principalmente a financeira e a possibilidade de criação dos filhos são sem dúvida os aspectos

que corroboram para que a mulher sinta-se orgulhosa e reconheça a importância da sua

profissão.

O papel do grupo de pescadoras aqui evidenciado assume uma conotação que se opõe

a um contexto de submissão e invisibilidade do trabalho feminino, presente, com algumas

exceções, no universo da pesca. A interessante realidade encontrada na Ilha do Beto, explica-

se a partir valorização conferida ao papel desempenhado na atividade pesqueira, cuja

importância é reconhecida e assumida pela própria pescadora. Seja trabalhando diretamente

na captura em rios, estuários, e mangues, beneficiando e comercializando o pescado, ou

acompanhando o marido nas embarcações.

Dessa forma, a participação e o envolvimento da mulher na pesca artesanal na

Comunidade Ilha do Beto, certamente ultrapassa o sentido da complementaridade ou ajuda.

Pois, ao adentrar no universo da pesca, a mulher participa efetivamente da formação da renda

familiar, ou ainda, assegura o provimento de sua família quando seus companheiros estão

ausentes, como fora verificado. Nesse interim, a mulher aqui evidenciada se destaca, enquanto

mãe, dona de casa, profissional da pesca e provedora do lar.

A participação feminina neste ofício possibilita não somente o atendimento das suas

necessidades de sobrevivência, mas também o estabelecimento de um vínculo com o lugar de

vida e trabalho. Tal característica foi verificada a partir dos valores atribuídos à Ilha, a qual

constitui para as pescadoras não apenas o local de trabalho, mas também local da

tranquilidade e alegria, caracterizado pela existência de fortes relações sociais, afetivas e de

amizade entre os indivíduos, o prazer e o gosto pelo lugar manifestado pelas pescadoras,

proporcionados graças ao cotidiano da atividade ali realizada.

Assim, a Ilha constitui-se um cenário onde se processam as mais complexas interações

edificadas por meio dos elementos subjetivos como as experiências, os sentimentos, as

relações de amizade, e a afetividade dos sujeitos para com o lugar. Tais elementos em

conjunto fundamentam a lógica para sobrevivência dos sujeitos ali inseridos.

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APÊNDICE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

ROTEIRO DE ENTEVISTA

RIOS, ESTUÁRIOS E MANGUES: A MULHER NA PESCA ARTESANAL Mestranda: Mary Lourdes Santana Martins Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Gomes Alvim Co-Orientador: Cristiano Wellington Noberto Ramalho

ROTEIRO DE ENTREVISTA Público Alvo: Pescadoras da Sede do Município de Itaporanga D`Ajuda/SE

Data___ /___/___ Hora de início ____:____ Hora término ____:____

1) Nome _________________________________________________

2) Idade ______

3) Estado Civil

Casada ( ) Solteira ( )

4) Filhos?

Sim ( ) Quantos?________________ Não ( )

5) Profissão:

Pescadora ( ) Dona de casa ( ) Beneficiadora do pescado ( ) Outro:

6) Há quanto tempo trabalha como pescadora? ______________________

7) Com que idade começou a trabalhar com a pesca? ____________________

8) Com quem aprendeu a pescar? _______________________________________

9) Seus filhos ajudam na pesca?

Sempre ( ) Às vezes, quando não estão na escola ( ) Não quero que eles participem

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10) Você acredita que o futuro do seu filho pode ser outro que não o de pescador? Por quê?

11) Você realiza outra atividade além da pesca?

Sim ( ) Qual_______________________________ Não ( )

12) Quais os ambientes que costumam pescar (rio, estuários, manguezais, maré)?

13) Quais os produtos coletados?

Peixe ( ) Caranguejo ( ) Sururu ( ) Ostra ( ) Camarão ( ) Outros

14) Fale-me sobre os instrumentos que você utiliza para capturar o pescado ________________________________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

15) Você possui Barco?

Sim ( ) Não, utilizo o barco de outras pescadoras ( )

16) Como faz para dividir os gastos (gasolina, manutenção)?

_________________________________________________________________________________________________________________________________________

17) Você pesca todos os dias da semana? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

18) Como vocês se preparam para pescar? ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

19) Que horas costuma sair para pescar? ___________________________________

20) Sai mais de uma vez por dia? Que horas retornam? ___________________________________________________________________

21) Costuma sair para pesca também à noite?

Sim ( ) Não ( )

22) Que produto pesca neste turno?_______________________________________

23) Com quem costuma ir para pescar neste horário? ___________________________________________________

24) Todas as mulheres da “Ilha” também costumam pescar nesse horário?

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25) Quantas vezes durante a semana sai para pescar este horário?

26) Cada pescadora pesca somente para si ou costumam dividir o que pescam?

______________________________________________________________

______________________________________________________________

27) Fale como é o momento da pesca

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

28) Como planeja a pesca do dia seguinte? (vocês pescam sempre o mesmo produto

durante a semana? como vocês organizam este trabalho?)

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

_________________________________________________________

29) Onde armazena os produtos pescados durante a semana?

________________________________________________________________________

______________________________________________________________

30) Qual é destino dado ao pescado?

Consumo ( ) Comercialização ( ) Os dois ( )

31) Você mesmo comercializa o pescado ou vende para o atravessador/cambista?

__________________________________________________________________

32) Você notou alguma diminuição na quantidade de pescado? Como você explica isto?

Sim ( ) Não ( )

33) Você já observou alguma agressão à natureza? Como era?

___________________________________________________________________

34) Fale-me um pouco sobre o que é ser pescadora

________________________________________________________________________

______________________________________________________________

35) Como ver seu trabalho?

Ajuda ( ) O principal meio de sustento da família ( )

36) Quais os problemas que enfrenta nesta profissão?

37) Já foi acometida por algum problema de saúde ou acidente de trabalho relacionado à

pesca? Qual?

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38) Você ensina seus filhos a pescar? Por quê?

Sim ( ) Não ( ) ______________________________________________________

39) Você é cadastrada na Colônia?

Sim ( ) Não ( )

40) Existem vantagens de ser cadastrada na colônia?Quais?

________________________________________________________________________

______________________________________________________________

41) Existem desvantagens de ser cadastrada na colônia? Quais?

________________________________________________________________________

______________________________________________________________

42) Você tem casa na Sede do Município?__________________________________

43) Quando está aqui quem cuida da sua casa?______________________________

44) Você nasceu aqui em Itaporanga?_____________________________________

45) Há quanto tempo reside no município?_________________________________

46) Sempre esteve aqui?_______________________________________________

47) Onde vivia antes de vir para cá?______________________________________

48) Sente falta de onde morava?_________________________________________

49) Por que escolheu esse local?__________________________________________

50) Caso tenha morado fora de Itaporanga, por que retornou?__________________

51) Se arrepende de ter voltado?

Sim ( ) Não ( )

52) Você gosta do local onde vive? Por quê?

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53) Pensa em sair daqui? Por quê?

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54) Qual a importância que tem para você este lugar? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 55) Há quanto está na “Ilha” do Beto?

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56) Existe outro local onde possam também praticar a pesca?

Sim ( ) Não ( ) Qual e onde fica?

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57) Por que escolheram este local para trabalhar?

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58) Por que razão escolheu morar no local onde trabalham?

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59) Como é viver aqui na Ilha? O que é bom e o que é ruim?

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60) Como é viver em duas casas?

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61) Como surgiu a ideia de morar na Ilha? Foi individual ou grupal?

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62) Como sua família reagiu ao saber que você passaria toda a semana longe de casa?___________________________________________________________

63) Como você faz para dividir seu tempo entre trabalho, filhos e marido?

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64) Seu marido também está aqui?________________________________________

65) Durante o período que fica aqui costumam ir algum dia para a cidade?

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66) Por qual razão vai à cidade?

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O PÔR DO SOL

O pôr do sol é o fim de mais um dia,

o que é pra ser feito, foi…

e o que vale a pena é pensar na próxima manhã

(Autor desconhecido)