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PAULO

ALVIM

Mestre e Amigo

Km 22 - Rod. Ilhéus-Itabuna

Ilhéus - Bahia - Brasil

2011

FREDERICO MONTEIRO ÁLVARES-AFONSO

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Paulo de Tarso Alvim Carneiro

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A CEPLAC devia uma justa homenagem a um Ceplaqueano cuja

história se confunde com a história da própria Instituição. Seu

nome: PAULO ALVIM.

A figura exuberante do Dr. Paulo de Tarso Alvim Carneiro deixou

marca tão profunda em todos os aspectos fundamentais da

CEPLAC que julgamos registrar sua biografia pessoal e

profissional numa publicação para a posteridade fosse uma

singela prova de gratidão e reconhecimento por tudo que Alvim

fez pela ciência agronômica, pela cacauicultura brasileira e pela

CEPLAC.

Assim nasce este livro, muito bem intitulado pelo seu autor,

batizado com o nome de PAULO ALVIM, Mestre e Amigo.

Mestre é mestre.

É aquela pessoa que, normalmente, pelas suas qualidades morais

e profissionais, seus pares o distinguem com esta expressão de

reverência e reconhecimento. E, de fato, Paulo Alvim foi digno

desta menção pela grandiosidade de sua trajetória, mas,

Este Livro

V

Page 8: Livro Paulo Alvim

sobretudo porque Alvim também colocava como poucos, arte e

graça em sua eficiente prática profissional.

que sempre o caracterizou como a figura dócil que sempre foi. Um

verdadeiro amigo.

Como Mestre, Alvim pontilhou toda sua vida por agudo senso de

responsabilidade seja como membro de uma família humilde,

estudante, professor e verdadeiro pensador e homem de ação ao

se constituir num dos principais responsáveis pela concepção,

organização, instalação e funcionamento dos departamentos

técnicos da CEPLAC, especialmente do Centro de Pesquisa do

Cacau, considerado, aqui no Brasil e no exterior, como um dos

mais bem concebidos centros de estudos agronômicos em regiões

tropicais.

Amigo é amigo.

de

seus muitos admiradores e de todos aqueles que se beneficiaram

com sua orientação profissional segura, confiável e inteligente.

Leal, sério, mas sem nunca perder seu fair play, aquela afabilidade

Como disse o poeta “é coisa pra se guardar do lado esquerdo do

peito” mas, neste caso, tão especial que é o Alvim que com certeza

absoluta todos o guardam nos dois lados do peito. Seu nível de

exigência era grande, mas ao expressar o reconhecimento com a

dedicação e a qualidade do trabalho dos seus subordinados, como

que semeava afeto por onde passava. A figura amiga de Paulo

Alvim, bem humorado, risonho mesmo, não sai da memória

VI

Page 9: Livro Paulo Alvim

* * *

Bem, cada história sugere ou impõe a forma, o jeito de ser

contada. A história de uma grande carreira agronômica fica mais

própria de ser narrada por um também agrônomo, pela

sensibilidade quanto a importância e a contextualização dos

temas abordados, além da necessária intimidade com a história

do biografado.

Convidamos para tanto, nosso hoje saudoso colega Frederico

Monteiro Álvares Afonso, para realizar a tarefa. Fred, então

aposentado, topou com entusiasmo; não mediu esforços para

fazer o trabalho bem feito: viajou, entrevistou, telefonou, utilizou

e-mails, pesquisou, leu, redigiu, compilou, revisou, reescreveu e

deu forma ao texto deste livro. Muitos foram os encontros entre o

Fred e eu para discutirmos alguns aspectos como o título do livro,

os capítulos que deveriam compor e a forma mais adequada pra

expressar as características do biografado. Não fosse a inevitável

fatalidade da vida que o acometera justo na fase final deste projeto

e estaria o nosso Fred também às voltas com a edição da

publicação. Para editá-la contamos com a inestimável

colaboração de um outro colega nosso, o jornalista Raimundo

Nogueira.

VII

Page 10: Livro Paulo Alvim

VIII

Segundo Nogueira, quando se fala em Paulo Alvim a primeira

sensação é de simpatia e por isso mesmo ele diz de forma grata que

para a execução de sua parte contou com a boa vontade de todos os

colegas na cessão de informações, fotografias, opiniões e depoi-

mentos, com menção especial à colaboração prestada pelo Dr.

Antônio Zózimo da Costa. Quero registrar os agradecimentos ao

eficiente trabalho da colega Fernanda Leite, nas etapas finais

deste livro como digitadora e revisora.

* * *

Alvim tinha o dom de identificar talentos e reverenciar a

inteligência. Foi assim que atraiu não só grandes nomes da ciência

agronômica de várias partes do mundo, como também jovens

promissores – convenceu-os a vir para este ''fim-de-mundo'' – e

os colocou de forma apaixonada a serviço da CEPLAC e do

desenvolvimento da cacauicultura brasileira. Podemos citar

Jorge Sória, Basil Bartley, Arnaldo Medeiros e muitos outros que

ainda estão na Ceplac.

Eu mesmo, um jovem recém-formado, tive a felicidade de

conhecer o Mestre Alvim na Faculdade de Ciências Agrárias do

Pará (FCAP), antiga Escola de Agronomia de Agronomia da

Amazônia (EAA), apresentado pelo Prof. Eurico Pinheiro do qual

era, juntamente com o Dr. Vicente H. Moraes, assistente na

disciplina de Agricultura Especial no Curso de Agronomia da

FCAP e, também, colaborador no desenvolvimento dos projetos

Page 11: Livro Paulo Alvim

de pesquisa em seringueira no Programa da SUDHEVEA. No

exato momento em que estava sendo apresentado ao Alvim,

entusiasta que era dos aspectos fisiológicos da seringueira, foi

logo me convidando para realizar um estágio no laboratório de

Fisiologia do CEPEC para desenvolver trabalhos com aplicação de

fitohormônios em seringueira. Esta oportunidade proporcionada

pelo Mestre, além de estimular a dar continuidade aos trabalhos

técnicos em fisiologia, também, me estimulou a adquirir os

conhecimentos básicos e a experiência necessária para a

realização do Curso de Mestrado na Universidade Federal de

Viçosa (UFV). Após a conclusão do mestrado, novamente a

convite do Paulo Alvim, me afastava do corpo docente da FCAP e

passava a integrar o quadro de pesquisadores da CEPLAC. A

partir daí, sob a batuta do Mestre, tive a oportunidade de ampliar

os conhecimentos em fisiologia vegetal e ter contato com

especialistas de muitos outros países. Foi assim que, por

intermédio de Paulo Alvim e estimulado por ele, conheci o Prof.

Böle Bihel meu orientador no curso de doutorado na

Universidade Técnica de Braunschweig, Alemanha.

Foi também por intermédio de Alvim que tive o prazer de

conhecer e conviver com pesquisadores da mais alta estirpe como

o saudoso e inesquecível Ronald Alvim e muitos outros que além

de excelentes colegas de labuta, também grandes amigos fora do

ambiente do trabalho. O fato de ter participado da equipe de

IX

Page 12: Livro Paulo Alvim

pesquisadores de Paulo Alvim e compartilhado com ele na autoria

de inúmeros trabalhos científicos realmente me causa grande

satisfação, contudo o meu maior orgulho é poder desfrutar de sua

amizade pessoal e convivência familiar.

* * *

Do proverbial bom humor de Paulo Alvim, da história familiar, do

estudante, da entrada no mundo da ciência, da sua afirmação no

exterior, de sua vinda para o Brasil, do compromisso com a

CEPLAC e a cacauicultura brasileira, seus feitos técnicos e

científicos e do reconhecimento ao seu trabalho contam melhor

as páginas deste livro. Esperamos lhe seja proporcionada uma

leitura agradável.

A ciência, os cientistas da área agronômica, o cacau e a CEPLAC

muito devem a Paulo Alvim. Receba junto com este livro

biográfico, os nossos mais sinceros e profundos agradecimentos,

Mestre e Amigo Alvim, em nome de toda família ceplaqueana.

Que o seu exemplo continue a inspirar seus colegas a darem o

melhor de si pela grandeza desta Instituição, pela grandeza de seu

País.

Com muito apreço

Manfred Willy Müller

Coordenador Técnico-Científico da CEPLAC

X

Page 13: Livro Paulo Alvim

XI

Este livro ............................................................... V

Paulo Alvim, Mestre e Amigo ............................... 1

Órfão aos dois anos .............................................. 3

Primeiras letras .................................................... 9

Primeiros colegas ................................................. 13

Primeiro emprego ................................................ 23

Ubá, berço natal de Alvim .................................... 26

Octávio Drumond, primeiro orientador .............. 30

Professor Alvim .................................................... 36

Do you speak portuguese? ................................... 43

Primeira esposa e filhos ....................................... 46

Mirian e Alexandre ............................................... 47

Alvim chega à região para instalar o CEPEC ....... 61

Simone Alvim ....................................................... 65

Fátima, o grande presente ................................... 67

Opção pela CEPLAC ............................................. 71

Papai, uma figura especial ................................... 74

Ele sempre amou as plantas ................................. 81

Coordenador técnico-científico ........................... 94

Indice

Page 14: Livro Paulo Alvim

Nasce o CEPEC ................................................... 99

Pesquisa, Ensino, Extensão ................................ 105

Alvim e os números do cacau ............................. 108

Um perfil sócio-econômico para o Sul da Bahia 113

CEPLAC chega à Amazônia ................................ 118

50 anos de PhD ................................................... 135

Pessoa simples; grandes amigos ......................... 139

Fundação Pau Brasil ........................................... 144

Um homem de visão ........................................... 147

Parceirão Haroldo ............................................... 150

E o cachimbo de Alvim? ..................................... 151

Depoimentos sobre Paulo Alvim ......................... 153

O brilho próprio de Alvim .................................... 155

Dr. Alvim e o extensionismo rural na CEPLAC.... 157

Alvim, um marco na comunidade científica ........ 161

Alvim, uma biografia executiva ............................ 164

Publicações e Inventos de Paulo Alvim ................ 171

Honra ao Mérito .................................................. 176

Paulo Alvim e José Haroldo................................. 178

Sobre o Autor ...................................................... 180

Mensagem a García .............................................. 183

Citações ............................................................... 190

XII

Page 15: Livro Paulo Alvim

Dentre todas as relevantes contribuições que o Dr. Paulo

Alvim deu à ciência e à agricultura brasileiras, sem dúvida algu-

ma, aquela que melhor personifica a sua extensa obra é a institui-

ção CEPLAC. Inicialmente criada, com caráter temporário, para

gerenciar a recomposição de dívidas da cacauicultura baiana, nos

idos de 1957, a CEPLAC se perenizou sob a inspiração e orientação

do Dr. Alvim, transformando-se em modelo de organização de

desenvolvimento agrícola, por reunir sob o mesmo comando a

execução de diversos instrumentos de política agrícola (pesquisa,

extensão rural, ensino, fomento, infraestrutura e crédito rural).

Ancorado por ilustres e honrados dirigentes como Carlos

Brandão, José Haroldo Castro Vieira e respaldado na competên-

cia técnica e sabedoria dos companheiros como Fernando Vello,

Luiz Ferreira, Manoel Tourinho, Ubaldino Dantas, Frederico

Afonso, Jorge Raymundo Castro Vieira, João Manoel de Abreu e

Emo Rui de Miranda, entre outros, Alvim imprimiu em cada um

dos departamentos e setores da CEPLAC traços e características

da sua personalidade e competência, ainda hoje cultuados todos,

dentro e fora da nossa organização. Tais traços tão fortemente nos

ligam, que certamente, e felizmente, durante muito tempo Alvim

e CEPLAC permanecerão associados como faces de uma mesma

moeda – o que muito nos honra como instituição. Por tudo isso, e

tomados pelo orgulho de tão honrosa associação é que, em nome

da CEPLAC, prestamos esta homenagem ao nosso querido mestre

e amigo Paulo Alvim, registrando neste livro aspectos relevantes e

prosaicos da vida e obra deste grande brasileiro que tanto nos

distinguiu como instituição .

Jay Wallace da Silva e Mota

Diretor da CEPLAC

Page 16: Livro Paulo Alvim
Page 17: Livro Paulo Alvim

O conhecimento de Paulo Alvim se dá, por ser regra, a

partir da participação, como aluno, em um curso universitário

de fisiologia vegetal, a participação ocasional em uma equipe

sua de trabalho, ou estar formalmente contratado na institui-

ção na qual trabalha o mestre.

Depois de ser aluno, colaborador ou subordinado formal

de uma equipe sua, poderá, ou não, vir a ser distinguido, depois

de anos de convivência, com a sua amizade. O nascimento de

uma amizade não é coisa muito difícil, dado o espírito aberto,

franco, sempre disposto a ampliar o seu círculo de amigos. Não

que o mestre Paulo Alvim não seja seletivo; é, sim. Somente

depois de passar por um rigoroso crivo, uma cuidadosa avalia-

ção, é que o aluno, o colaborador, poderá vir a ser amigo de

Paulo Alvim.

Como a minha tarefa, contratado que fui pela Diretoria

Científica da CEPLAC — Comissão Executiva do Plano da

Lavoura Cacaueira, através do Dr. Manfred Willy Müller, para

biografar o mestre Paulo Alvim, terei que garimpar informa-

ções, pesquisar fontes, consultar documentos e entrevistar

amigos e contemporâneos para organizar e escrever um texto

no qual descreva Paulo Alvim. Desde o seu nascimento em Ubá,

Minas Gerais — terra de Ary Barroso —, a sua infância, a adoles-

cência, os cursos primário, secundário, universitário e pós-

graduação em Cornell, Ithaca. Terei que ter fôlego, espírito

analítico e uma visão humanística clara.

Mestre e AmigoPaulo Alvim

1

Page 18: Livro Paulo Alvim

Uma parte delicada, difícil, será descrever Paulo Alvim,

nos seus primeiros amores, casando, sendo pai, criando,

cuidando e curtindo a sua prole, a sua filharada.

Isto porque, com o passar do tempo, “... os olhos vão se

turvando de espreitar a solidão à luz do dia e o abandono no

breu da noite” como escreveu o agrônomo, Ex-ministro da

Agricultura, Roberto Rodrigues. Paulo Alvim já não terá a

risadaria frouxa, as gargalhadas sonoras, os gritos lancinantes.

Tudo será mais comedido, mais interior, porque o coração vai

se enchendo de vazios, determinados pela saudade do que não

fizemos. Porque saudade é um sentimento ruim, representa

um tempo perdido, em que deixamos de decidir, e agora, não

tem mais volta.

Com todos estes considerandos, resultou o título que

escolhi para batizar a biografia: Paulo Alvim, Mestre e Amigo.

Vá anotando estes contrastes, estas atitudes paradoxais,

leitor velho de guerra, e veja o cipoal em que nos metemos ao

pretender estudar exemplar tão complicado da espécie huma-

na. Mas hei de dar conta da empreitada, afinal eu sou da

Amazônia, vim das matas densas de Rondônia, e também

porque no dizer de Dugpa Rimpoche: “A amizade é como o

perfume das flores. Ela repleta de bálsamo aquele que se conserva em

sua presença. Não procure cortá-la, desenraizá-la, para levá-la

ciumentamente contigo. Tu a farás morrer”.

Frederico Monteiro Álvares-Afonso

2

Page 19: Livro Paulo Alvim

“Quando olho para trás vejo que

carrego em meu ser várias marcas de

pessoas extremamente importantes”.

Paulo de Tarso Alvim Carneiro, ou simplesmente Paulo

Alvim, nasceu em Ubá, Minas Gerais, no dia 23 de fevereiro de

1919, filho de Francisco Alvim Carneiro e Alayde Brandão

Alvim, mais conhecida em Ubá, como Dona Neném Alvim.

Órfão de pai aos dois anos de idade, sua educação, assim como

a de seus três irmãos maiores — Maria José, José Geraldo e

Lygia Vicentina — ficou sob a responsabilidade de sua mãe que

para tanto exerceu por muitos anos a profissão de costureira.

Quando Lygia Vicentina faleceu prematuramente — aos

29 anos — deixou quatro filhos órfãos: José Maria, Songia,

Nelson e Marco Paulo. Órfãos, foram acolhidos pelo enorme

coração de Vovó Neném Alvim. Ali receberam carinho, cuida-

dos com a saúde, alimentação, sustento enfim.

Nos meados do século XVIII, fixara-se em Furquim o

Capitão Francisco Xavier de Barros Souza e Alvim, português

de Braga, sobrinho do Padre Alvim e proprietário das jazidas

no Arraial de Pinheiros, município de Mariana. Casando-se

com Maria Felizarda, desse casal nasceu Ana Maria Angélica

Souto Maior Alvim, que casada com o Alferes Joaquim José de

Órfão aos dois anos...

3

Page 20: Livro Paulo Alvim

Faria Lana, teve três filhos; um deles, o Coronel José Cesário de

Faria Alvim, herdeiro e ocupante das minas do Arraial de

Pinheiros, é o pai de Cesário Alvim.

Paulo de Tarso Alvim Carneiro, nosso Paulo Alvim,

descende do fundador do município de Ubá¹, na seguinte

linhagem: Tereza Cezário Alvim Carneiro, neta do Capitão-

Mor, Antonio Januário Carneiro, casada com José Justiniano

Carneiro, teve dois filhos: Astolfo e Francisco Alvim Carneiro.

Francisco Alvim Carneiro foi casado com Alayde de

Castro Brandão Carneiro e desse consórcio nasceram quatro

filhos: Maria José, José Geraldo, Lygia Vicentina e Paulo de

Tarso Alvim Carneiro. Paulo Alvim é neto de Cesário Alvim e

bisneto do Capitão-Mor Antonio Januário Carneiro e desta

forma Paulo Alvim é trineto do fundador do município e bisne-

to de Cesário Alvim.

Uma estória muito tocante e que ajuda a entender o

ambiente familiar de Paulo Alvim, foi contada por Songia

Alvim, filha da Lygia Vicentina, irmã de Paulo Alvim. Quando

Lygia Vicentina faleceu aos 29 anos, deixou quatro filhos

pequenos, sendo o mais velho com cinco anos, e o menor com

três meses. Nesta ocasião, Vovó Neném e a tia Maria José, a

mais velha das irmãs, ainda solteira, acolheram as quatro

crianças. Paulo Alvim já estava estudando nos EUA, em

Cornell, e já casado com Leontina e começando a criar a sua

família.

4

Page 21: Livro Paulo Alvim

Eu - conta Songia Alvim , sendo uma criança, só sabia

que ele estava sempre no exterior. Em um dos natais que eles

passaram lá em casa, lembro-me que tia Leontina quis fazer um

grande evento. Preparou uma enorme árvore. Uma ceia mara-

vilhosa e nos mandou para assistir ao espetáculo de um circo

que estava na cidade.

Tudo para esperar a meia-noite quando chegaria o

Papai-Noel e nós poderíamos abrir os presentes. A tia Leontina

foi também ao circo. Acho que foi a minha avó Neném que

estragou tudo, pois quando chegamos a casa, todos os lindos

pacotes já haviam sido desembrulhados pelos pequenos

(Leonardo e Heloisa), que haviam ficado em casa. Abriram os

presentes, é lógico, com a permissão da vovó que nunca sabia

dizer não aos netos. Tia Leontina se aborreceu e chorou como

criança.

Eram quatro crianças lindas. Marília e Leonardo,

lourinhos de olhos azuis, como anjinhos. Aliás, o Leo estava

nesta época, mudinho, indeciso se falava português ou

espanhol. Aos dois anos decidiu ficar calado... Mais tarde

resolveu falar português mesmo. O Paulo Cesário é o mais

parecido com tia Leontina; mais moreno como ela. Heloísa,

Marília e Leo se parecem com o tio Paulo Alvim. Lembro-me

ainda que tio Paulo Alvim, estava sempre escrevendo para a

vovó Neném, que tinha um enorme orgulho deste filho,

inteligente. Carinhoso, engraçado e ainda por cima, famoso,

como ela dizia sempre. Quando ele chegava a Ubá era uma

5

2

Page 22: Livro Paulo Alvim

festa. Todo mundo queria visitá-lo, ficar perto dele e rir de suas

piadas engraçadas. Ninguém fica triste perto de tio Paulo

Alvim.

Casa de Paulo Alvim em Ubá, MG.

Como a vida desta família nunca foi fácil, aprendemos a

nos apegar uns aos outros e sempre com muito amor e

solidariedade.

Paulo Alvim morou em Ubá³ na Avenida Raul Soares,

perto da casa dos Crispi e Levindo Coelho. Segundo

depoimento do biografado “... Esta foi provavelmente a casa

mais vagabunda em que moramos em Ubá. Eu deveria ter uns

oito a dez anos nessa época, e uma das minhas diversões era

ficar sentado topo da coluna do portão - onde estou me

apoiando na foto - para chatear o povo que passava”.

Durante sua infância em Ubá o acontecimento que mais

o impressionou foi o bombardeio da cidade por um avião do

Governo, em três de outubro de 1930, em revide pela presença

de tropas que apoiavam a revolução getulista contra a posse do

6

Page 23: Livro Paulo Alvim

Presidente Júlio Prestes — sendo que uma das bombas atingiu

uma casa vizinha à de sua família, na esquina da Rua Peixoto

Filho e o Beco do Padilha.

O caso do bombardeio causa hilariedade após mais de

meio século passado, mas na época foram dramáticos, pois o

bombardeio fez com que as famílias fugissem para as fazendas

vizinhas. Conta Paulo Alvim que “... suas primas retiraram os

santos de gesso dos oratórios e os colocavam sobre a cabeça

invocando a proteção divina contra as bombas que os

aeroplanos jogavam sobre a cidade”.

Esse acontecimento serviu de motivo a Paulo Alvim para

começar escrever sob o pseudônimo de “K. C. T.”, uma pequena

coluna semanal intitulada “Implico”, na qual fazia críticas ou

comentários pouco elogiosos a fatos e pessoas conhecidas na

cidade, e que publicava em um minúsculo jornal intitulado

“Alfinete”, distribuído pela Tipografia e Papelaria Siqueira.

Certa vez citou um poeta anônimo que disse:

“Pedi a Dios un consejo para me dar alegría

Dios me mostró la tierra y dijo: trabaja, siembra y cria”.

E completou Paulo Alvim

“Trabajé mucho la tierra, fiz todo que Dios mandó.

No hice dinero em la vida, “Pero la alegria quedó”.

7

Page 24: Livro Paulo Alvim

Em Ubá no ano de 1938, aos 19 anos, compôs o seu

primeiro soneto intitulado Sonhadô, que fala assim:

Já fais treis ano tarveis

Qui eu casei com dona Ineiz

Apesá de num sê bela

E de sê minha muié

Eu num sei pruque qui é

Qui eu vivo a sonhá com ela.

Ind'hoje um sonho isquisito

Vei mi dexá muito afrito...

Sonhei, no sonho sonhado,

Qui ela féis pouco de mim:

Linhô com Plínio Sargado,

Bejô um tar de Istalim,

Seu zóio ficaro verde,

Sua boca cor de carmim.

Uma tristeza mi veio

E eu garrei a maginá

“si sua boca é integralista,

Si seu zóio é comunista,

Seu nariz, qui ta no meio,

Deve ser imparciá”

Si eu zoiasse pro seu zóio

Sua boca num mi beijava.

Si na sua boca eu bejasse,

Seu zóio num mi zoiava.

Sabe intonce o qui qui eu fiz?

- Só pensei no seu nariz!

Tava mêmo apaxonado

Pro nariz de minha Ineiz,

Quando uns tapa inesperado

Acordo-me d'uma veis.

Vendo qui mi batia

Eu quis sabe p'ruqui é

Intonce eu vi qui lambia

O nariz da mi'a muié.

Ubá, 1938.

8

Page 25: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim foi alfabetizado no “Colégio Brasileiro”, tia

Sinhá, terminou o curso primário no Grupo Escolar Camilo

Soares, em dezembro de 1931.

Fez o seu curso secundário no Ginásio Mineiro de Raul

Soares, entre 1932 e 1936, tendo como professores algumas

ilustres personalidades da sociedade ubaense, entre as quais os

Doutores Ary Gonçalves (História), Ângelo Moreira Barleta

(Português), Senador Levindo Coelho (Inglês), Newton

Carneiro (Francês), Eduardo Carlos Pereira (Botânica),

Adjame Martins Carneiro (Física), José Augusto Rezende

(Química), e a poetisa Leocádia Godinho e Siqueira (Desenho);

Paulo Alvim foi o Orador da Turma.

Grupo Escolar Camilo Soares, Ubá, MG.

Primeiras Letras

9

Page 26: Livro Paulo Alvim

O seu discurso de formatura, pronunciado no dia 11 de

agosto de 1936 — Paulo Alvim tinha 17 anos — é uma peça

oratória que merece ser transcrita em sua biografia, porque

trata de uma coisa muito importante que até hoje é motivo de

angústia e sofrimento do povo brasileiro: a EDUCAÇÃO.

“Aos 11 de agosto de 1827 foram criados os primeiros cursos jurídi-

cos em nossa pátria. Ora, a data deste grande passo em prol da

educação brasileira deveria ser lembrada como um justo feriado

nacional. E por isso o nosso governo estabeleceu ser o dia 11 de

agosto comemorado como o dia dos estudantes brasileiros.

Como vedes, senhores, a importância histórica deste dia é bem

minúscula em vista de sua alta significação moral. Onze de Agosto é o

dia dos verdadeiros formadores do Brasil futuro. É bem certo que o

erudito Ruy Barbosa não queria se referir à infeliz mocidade analfa-

bética, quando disse que os moços de hoje serão o Brasil de amanhã.

Pois só o estudo pode criar homens capazes de formar um Brasil mais

glorioso.

É só no estudo, perseverantemente, que os homens de destaque

duradouro na política, nas ciências, nas artes e nas guerras, porque

são portadores de conhecimentos seguros da causa que patrocinam

perante a sociedade. Tentar suster-se em posição de relevo sem o

necessário alicerce cultural é cair fragorosamente no ridículo.

“Seria acreditar na existência de árvores frondosas, mas sem raízes.

10

Vejamos o que dizia Paulo Alvim aos 17 anos:

Page 27: Livro Paulo Alvim

“Homens tais suicidam-se pela presunção”. Comparáveis são a um

edifício elegante, bonito, mas construído sobre a areia. Basta-lhe um

pequenino estremecimento do solo para que se desfaçam em um

pesado montão de ruínas.

O estudo é necessário para tudo e para todos. Ele está para o espírito

assim como o ar está para o corpo.

Hoje em dia mede-se o valor de um povo pela sua cultura. E esta é a

principal causa que torna o Brasil um tanto humilde perante algumas

nações. O desleixo dos governos passados deixou um pouco de lado

aquilo que a pátria mais necessitava. Mas, hoje, felizmente, clareiam os horizontes da educação nacional.

A nova carta política atribui a cada escola o lugar de relevo que ela

merece. Em todas as nossas metrópoles fundam-se vários estabeleci-

mentos de ensino. Não bastariam porém, os progressos da metrópole para o êxito da

campanha empreendida. E por isso procura-se interiorizar a propa-

ganda, para que se atinja o íntimo, familiarizando o povo das cidades

e vilas com o conceito do papel proeminente da educação na prospe-

ridade das nações, e com o desvelo que lhe tributam, conscientes

dessa verdade, os países “leaders” do Universo. Esta benemérita

campanha está, a um só tempo, a serviço de dois grandes fins:

melhorar o futuro da pátria e melhorar o futuro da juventude. Mas

nós estamos no seu princípio e por isso ainda é evidente o atraso da

educação brasileira.

E é justamente devido a este atraso que o Brasil se vê obrigado a

deixar de aproveitar mais de 3/4 de seu riquíssimo território. É por

causa deste analfabetismo que nossa indústria não teve grande

11

Page 28: Livro Paulo Alvim

progresso, necessitando nossa pátria importar tudo de estranhas

plagas, fazendo-nos suportar repugnante influência estrangeira.

Desde o mecanismo até o pessoal utilizado em nossas fábricas, tudo

nos vem do estrangeiro. Falta-nos o preparo técnico. Falta-nos a

necessária instrução.

Mas agora a situação muda de face. Porque enfim o Brasil compreen-

deu que ao invés de importar charlatães interesseiros de outros

países, educassem e disponibilizassem saúde aos pioneiros de sua

lavoura, seus ‘‘inermes jecas-tatus” (corno os chama o estrangeiro) e

veria repontar nestes, com todo o vigor, a tempera de aço que caracte-

riza o brasileiro do sertão.

Enfim o Brasil compreendeu que é na política educacional que está a

sua salvação. É educando que se consegue o verdadeiro progresso de

uma pátria. Do extraordinário desenvolvimento desta recente

campanha é obra nacional de que todo o brasileiro tem o direito de

ufanar-se.

Eu não vejo os seus beneméritos resultados, mas sinto-os. Sinto-os

porque vejo o esplendoroso desenvolvimento da educação brasileira.

E sentindo-os eu prevejo a futura República do Brasil, rica, prestigia-

da e forte, brilhante realização do sonho patriótico dos estudantes”.

12

Page 29: Livro Paulo Alvim

O discurso feito por Paulo Alvim, aos 17 anos, tem

pontos importantes a destacar: a) - apenas começava a II

Guerra Mundial e Paulo Alvim já percebia a importância da

industrialização; b) o terceiro parágrafo alicerça toda a sua

caminhada científica na via da valorização do conteúdo e do

saber: “... seria acreditar na existência de árvores frondosas,

mas sem raízes. Homens tais suicidam-se pela presunção”.

Foi seu colega e amigo inseparável no Colégio Brasileiro

(secundário) e na UFV, Renato Ribeiro , que se formou em

agronomia e hoje reside em Campo Grande Mato Grosso do

Sul, mas que continua mantendo relações fraternas com Paulo

Alvim. Renato Ribeiro chegou em fevereiro de 1936 a Viçosa

para prestar vestibular para a Escola de Agronomia. Segundo

informações do próprio Renato Ribeiro a sua chegada a Viçosa

foi nos primeiros dias de fevereiro, acompanhado por seu pai, e

logo foram à escola para fazer a inscrição para o vestibular. Um

prospecto da época dizia: “Se o número de candidatos for maior

que o número de vagas, poderá ser exigido um exame

vestibular’’. Eu não estava preparado para o vestibular, disse

Renato Ribeiro. Procurei um cursinho, com mais de cem

alunos e vi que o preparo da turma era muito superior ao meu.

Falei ao meu pai que eu não poderia prestar aquele exame e ele

disse: “...Como nós já fizemos a sua matrícula seria bom você

Primeiros colegas

13

4

Page 30: Livro Paulo Alvim

prestar o exame, para ficar a par do que é um vestibular, em

Viçosa”. Foi um bom conselho. As duas primeiras provas foram

história natural e química, nessas passei; a segunda prova seria

física, nessa eu já reprovei; a terceira prova, seria matemática.

Fiquei em Viçosa todo o ano de 1936 fazendo um cursinho,

éramos uns vinte a trinta alunos. O vestibular teve mais de

trezentos candidatos, e no segundo semestre o número do

cursinho já pulou para uns cinqüenta a sessenta candidatos.

Fomos conhecendo alguns alunos que já cursavam a

escola e entre esses, alguns rapazes de Ubá, a cidade de Paulo

Alvim. Diziam que viria um rapaz de Ubá, Paulo Alvim, que

terminara o ginásio esse ano, e que viria passar no vestibular.

Eu até ria dele e dizia: só com o ginásio não vai passar. Eles nos

falavam que o Paulo iria passar brincando no vestibular.

Foi nas vésperas do exame que vim a conhecer o Paulo:

magrinho, branquinho, boa estatura, mas além de magro,

corcunda. Não dei nenhuma importância a ele, achei-o

insignificante.

Fomos aprovados, menos de vinte alunos, lá no quadro

estava o nome do Paulo Alvim e também o meu. No primeiro

semestre não quis ficar no interno, com medo do trote. Só fui

para o internato no segundo semestre. No segundo semestre

eu e outro colega de turma, o Paulo Newlands, filho de um

catedrático da Escola de Odontologia do Rio, ficamos num

mesmo quarto, quando apareceu o Paulo Alvim, e perguntou se

ele poderia ocupar a terceira vaga. Claro, é de quem quiser.

14

Page 31: Livro Paulo Alvim

Assim moramos os três companheiros no mesmo quarto por

todo o curso. O Paulo Newlands e o Alvim logo brigaram e não

se falavam, e assim passamos durante todo o curso.

Eu, e o Paulo Alvim e também o Newlands, nunca

brigamos ou ficamos de mal, como se dizia, fomos sempre bons

amigos. Eu e Paulo Alvim às vezes lutávamos, luta livre, mas

nunca dávamos tapas ou qualquer outra injúria.

Certa vez, estávamos lutando, quando uma senhora

idosa, que era responsável pelo refeitório, lá de baixo, nos viu,

então deu uns gritos e mandou dois garçons para apartar a

briga, pensando que era briga de verdade. O Paulo Newlands

me queria muito bem também, mas reconheço que não era um

bom caráter; ele era o único colega que às vezes colava nas

provas. Certa vez, outro colega o viu colando e disse: “... Tenha

vergonha rapaz, não faça uma coisa dessas”. Com o Paulo

Newlands, depois de formado, sempre eu estava com ele, a

princípio em São Paulo, e depois no Rio. Ele descendente de

Inglês, muito branco, logo adquiriu um câncer e morreu cedo.

Talvez o primeiro a morrer.

Paulo Alvim logo sobressaiu na turma, pela sua

inteligência. No primeiro ano, tivemos um professor de

matemática, Dr. João Neves, magro, alto, calado, de São João

Del Rei, que eu penso que era parente do Dr. Tancredo Neves.

Ótimo professor, bastante careca, um tanto nervoso, quase não

conversava com os alunos.

Certa vez ele explicava no quadro uma passagem de

15

Page 32: Livro Paulo Alvim

matemática, quando um aluno perguntou a ele: Dr. Neves,

porque essa expressão matemática virou aquela? Ele ficou

nervoso, jogou o giz no chão, e começou a falar: “... Por isso é

que eu quero deixar de dar aulas, porque vocês não prestam

atenção e depois vêm me perguntar isso!” Era de se temer o

terror que o professor nos impunha.

Então nós não perguntávamos mais ao professor.

Quando terminávamos a aula, íamos para uns bancos do

jardim, que tinha um enorme gramado e perguntávamos ao

Paulo Alvim: por que tal expressão virou aquela? O Paulo muito

solícito, primeiro nos passava uma carraspana: “... Vocês são

uns burros, por que vocês não ficam de quatro pés e saem

pastando esse gramado todo?

Depois ele nos dava a sua explicação, e entendíamos

melhor do que as explicações do Dr. Neves.

O Paulo Alvim foi sempre um bom colega, amigo de

todos. Gostava de festas, gostava de violão, cantava uma

modinha: tem grilinho e intercalava versos seus. Gostava de

dançar e sempre arrumava as melhores garotas da festa. Muito

alegre, piadista, estava sempre bem posicionado. Na nossa

formatura, foi o orador da turma, cujo discurso, que versava

sobre o papel da educação, certamente deverá constar de sua

biografia.

16

Page 33: Livro Paulo Alvim

Da mesma forma o Victório Emanuel Constantino Codo,

ligado há 83 anos por indissolúveis laços da amizade e

coleguismo fez exame de admissão na mesma turma de Paulo

Alvim, para cursar o primeiro ano ginasial no Ginásio Mineiro

Raul Soares, quando sediado na Rua 13 de maio, próximo à

Praça São Januário, o “Jardim”.

Paulo Alvim foi um aluno que sobressaía, pelo seu

raciocínio privilegiado e então em matemática, sem nenhum

esforço, resolvia os problemas com admirável facilidade.

Somos ligados por uma amizade tão profunda que nos

tornamos parentes, na aproximação do meu matrimônio. Foi

um grande estudante, prodigioso pelo caráter, pela

inteligência, pela humildade, mas, perfeito em sua

personalidade e suas inacreditáveis qualidades afetivas.

Enfrentou dificuldades financeiras com bravura

indômita, enchendo de admiração e respeito os seus colegas.

Presenciamos reintegrar-se na sua atividade, graças ao seu

gênero alegre. Sobressaía pelo talento e a aplicação. No Ginásio

Mineiro Raul Soares foi membro do Grêmio Literário Rui

Barbosa, escrevia para o jornal “O Gremista” tendo sido um dos

redatores, sempre com austeridade e sabedoria. Apesar de seu

espírito alegre estar sempre disposto ao gracejo, todavia, em se

tratando de estudo ou trabalho, era circunspecto e austero.

Preocupava-se com leituras literárias. Seus artigos eram

cheios de imaginação, de bom gosto, de finura e elegância de

linguagem. Alguns faziam referências à história, à poesia.

17

5

Page 34: Livro Paulo Alvim

Sobressaía, antes de tudo o literato, homem de letras com seus

predicados mais autênticos e inconfundíveis. Devo declarar,

antes de tudo, que me sinto à vontade para exprimir-me sobre a

personalidade de Paulo Alvim, sendo tão ricas e numerosas as

suas facetas e os seus ângulos, que bastará a sua grandeza, pois

tudo está tão vivo, tão concreto, que será suficiente apanhar os

dados para que apareça o seu valor, independente dos louvores

que lhes possa ajuntar.

Lá, entrei em contato com Paulo Alvim e fomos juntos,

alfabetizados. Paulo Alvim, aí teve contato com as primeiras

letras, com prazer, espontaneamente, sem imposições

desagradáveis, capazes de sacrificar o gênio ou a inteligência da

criança. Educou-se sem esforço, tão natural que o valeu para

despertar seus instintos e tendências que o dominavam e

deram direção à vida. Os seus sentimentos de ordem e

disciplina eram de um homem adulto, com certeza devido aos

revezes da vida, daí procurando o equilíbrio e harmonia.

As crianças vêem à vida por um prisma muito diferente

da gente grande, o prisma da imaginação. Vivem num mundo

ideal. Vivem dando vida ao imaginário. Paulo Alvim viveu sua

infância e adolescência nesta Ubá, a “cidade carinho”, cujas

circunstâncias do ambiente deram direção às tendências,

muito compreensíveis.

Criado dentro desse ambiente saudável de bons

exemplos, convivendo com companheiros filhos de famílias

conhecidas e de bons costumes, gente de sua predileção. Onde a

18

Page 35: Livro Paulo Alvim

infância de Paulo Alvim atingiu máxima significação foi seu

pendor que teve pela leitura. Na sua meninice, a imaginação

infantil, entregue a si próprio, criava personagens sempre com

o mais requintado humorismo, com feição irônica. Fazia parte

de um grupo de meninos que frequentavam os banhos no rio,

mestre em soltar papagaios. Neste período havia o hábito de

conversar-se trocando as sílabas das palavras de trás para

diante. Falava-se com tal rapidez que quem não conhecesse o

mecanismo, ficava desnorteado.

Em casa recebeu uma excelente educação, ótimas

noções de pedagogia e psicologia aplicada, com a sua mãe e sua

irmã, Maria José. Souberam trabalhar. Aplicavam os seus

recursos de maneira que tiveram efeitos prodigiosos,

contribuindo para que Paulo Alvim fosse excelente aluno. Era

respeitado, sempre alegre, e fazendo relatos que divertiam,

com seu senso de humor inato. Pilhérias eram a sua tônica.

A caminho do curso superior. Ao terminar o quinto ano

ginasial em 1936, começou a sentir suas tendências para o

estudo da engenharia - agronômica. Passou a estudar

ativamente e seguiu para Viçosa, para a ESAV, onde se

inscreveu para o vestibular, sendo aprovado nos primeiros

lugares. Submeteu-se aos trotes como calouro, sempre

demonstrando bom sentimento, tolerância, admitia aqueles

modos de agir e de sentir, recebendo as brincadeiras como tal

bom humor que terminava tudo em pilhéria.

No fundo, porém, surgia invariavelmente o calouro de

19

Page 36: Livro Paulo Alvim

bons sentimentos, sempre no alto dos acontecimentos,

conforme suas tendências, as fantasias, os seus desejos.

Ninguém foi mais divertido do que ele, que levava, com

conversas entre seus colegas, ávido de anedotas, pleno de

humor em sua convivência íntima agradável.

Nas festas sociais, era sempre elogiado e sempre

inventava brincadeiras endiabradas. Após um período de

convívio com os aperreios dos veteranos, havia a “Marcha Nico

Lopes”, um desfile de calouros fantasiados, passando pelas

ruas da cidade, onde terminava com um discurso, escrito em

um rolo de papel higiênico, lido por um calouro, composto de

piadas, anedotas, etc. No decorrer, o rolo de papel vai-se

desfazendo pouco a pouco e quando está quase desfeito, vem à

palavra final “FIM”. Alvim, apesar de receber os trotes,

contribuiu na sua formação, criou novidades e mesmo

auxiliava escrever o longo discurso. Paulo Alvim terminou o

curso de engenheiro-agrônomo em 1940. Ano seguinte foi

para o Rio de Janeiro, com o objetivo de exercer sua profissão.

Foi residir em uma pensão de estudantes no Flamengo, onde

moravam vários ubaenses, estudantes, onde também me

encontrava. Logo se entrosou com os residentes, em pouco

tempo era ídolo dos vestibulandos, principalmente dos

candidatos à Escola Militar, naquele tempo muito disputada. E

era o terror dos aspirantes ao curso dos famosos “carroções de

fogo”, operação matemática apelidada de quilométrica.

Despendia-se muito tempo para resolvê-las. Os alunos

20

Page 37: Livro Paulo Alvim

que se preparavam para os exames, traziam para Paulo Alvim

estes “quebra-cabeças”, e ele com toda a sua tranqüilidade, sua

característica, se sentava ao lado dos alunos, lendo e relendo o

problema, rodando o lápis entre os dedos de vez em quando

escrevia um número. E assim repetia esta cena. Em determina-

do momento anunciava: “O resultado é este; agora vamos

desenvolver a operação”. Com surpresa dos ouvintes, Alvim,

em pouco tempo, após preencher uma folha ou mais de papel,

com o desenvolvimento do problema, anunciava o resultado já

previsto e jamais se enganava.

Paulo Alvim, quando professor em Viçosa, certa feita,

estudava abertura dos estômatos na epiderme foliar e caulinar,

em presença da luz. Havia um “ronda” na ESAV, Juvenal, que

se assustou, ao deparar, em meio das plantas, uma figura, um

lençol esvoaçando, correndo. Seu susto foi tal que mesmo após

anos, lembrando ao Juvenal que era o professor Paulo Alvim,

ele jamais se convenceu. Era mesmo, para ele “alma-do-outro-

mundo”.

Certa feita, Paulo Alvim estava no Rio de Janeiro, numa

época em que ainda circulavam os bondes que faziam ponto na

Galeria Cruzeiro, na Avenida Rio Branco. Era um ponto de

encontro tradicional, onde havia o bar da Brahma. Lá degustá-

vamos um chopinho, quando apareceu uma de suas primas,

Maria Cléo, que propôs organizarmos uma sessão que dizia ser

de espiritism0. Colocou o abecedário em círculos sobre a mesa

e um copo no centro, emborcado. Todos os presentes puseram

21

Page 38: Livro Paulo Alvim

o indicador sobre o copo e Maria Cléo perguntava: “Há algum

espírito presente?” E o copo se movimentava, de letra em letra,

e desta vez escreveu: Olinto Brandão. Paulo Alvim pegou o

copo, levando-o aos lábios e falou: “Bebi meu avô!”

22

Page 39: Livro Paulo Alvim

Depois da formatura fui para o Rio de Janeiro, onde

passei dois meses e meio. Foi uma ótima temporada, ficamos

no Hotel Guanabara, na Praia do Flamengo, um ótimo hotel,

quando nos aparece lá no Rio, o Paulo Alvim. Lá ele me disse:

“... Renato vim para o Rio para procurar um emprego de

Agrônomo. Não é possível, vim para procurar o DASP —

Departamento de Administração do Serviço Público”; era onde

se fazia um concurso para qualquer cargo público. Dizia Paulo

Alvim: “... Vou fazer até concurso de datilógrafo, qualquer

emprego de mais de 600,00 (seiscentos cruzeiros) me serve.

Quero, apenas, sobreviver”... Uns dois dias depois,

encontrando-me com ele, me falou: estive com o Dr. Erly Dias

Brandão e este lhe dissera que em Viçosa estavam procurando

uma pessoa para ser auxiliar do professor de botânica, que ele

já tinha telefonado para a escola e pediram que ele fosse até lá.

Assim nasceu o fisiologista Paulo Alvim, como todo sujeito

inteligente, era da área de matemática, odiava ciências

naturais, que exigia muita decoreba, que ele não gostava.

Era Diretor da Universidade de Viçosa o Dr. J. B.

Grifing, o professor americano, que o Dr. Benedito Valadares

contratou. O Dr. Grifing era uma ótima pessoa; veio para

levantar a agricultura mineira.

Primeiro emprego

23

Page 40: Livro Paulo Alvim

Especialista em algodão, já tinha dirigido uma escola na

China. Ele fez dois contratos com a Universidade de Cornell e

de Ohio, e podia mandar para cada uma, dois professores por

ano, para cada especialização, tudo custeado pelas

Universidades americanas.

No segundo ano, o Paulo Alvim foi um dos sorteados. Lá

se foi o nosso Paulo para a Universidade de Cornell, Ithaca,

USA. Chegando a Cornell, houve uma primeira prova

semestral. O Paulo Alvim caiu doente, com uma pneumonia, e

chegou a ser internado no Hospital da Universidade.

Um dos seus professores foi visitá-lo no hospital. Lá em

conversa com o Paulo Alvim, disse: “... Gostamos muito da sua

prova semestral”, e repetiu por duas ou três vezes, e no final

disse: “... O senhor não vai fazer o MSc, o senhor vai fazer o

PhD”.

O Paulo Alvim deu uma gargalhada e disse a ele que não

poderia fazer, pois a sua bolsa era de um ano, e o PhD era de três

anos. O Professor disse que esse curso seria custeado pela

Universidade e assim o Paulo Alvim fez o PhD, em Cornell, uma

das melhores Universidades americanas.

Alguns anos depois encontrei na Avenida Copacabana, a

Leontina (primeira esposa de Paulo Alvim); fizemos muita

festa, foi até nosso apartamento e disse-me que o Paulo

chegaria naqueles dias. Chegando, me procurou e disse: “...

Renato, não tenho mais condições de trabalhar no Brasil;

ganho na OEA, U$ 6000 mensais, e aqui no Brasil querem

pagar a um agrônomo 1.500 a 2.000 reais por mês”.

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Page 41: Livro Paulo Alvim

Visitei o Paulo Alvim umas quatro vezes em Itabuna e

Porto Seguro, na Bahia. Ele veio aqui em Mato Grosso uma vez

visitar uma plantação de seringueiras em Rondonópolis, e

fomos juntos. Em casa, lembrando os velhos tempos, tocou

violão e cantou os seus grilinhos. Paulo Alvim sempre me dizia

que nós estamos vivendo muito, porque não praticamos

esportes radicais que forçam o organismo.

Para me permitir mais lembranças deixo o:

“Convite para a Festa de São Pedro”

Junho de 1937.

São Pedro, manda te inconvidá vosmecê, sua famia.

Pruma festa que se vai dá na escola de Agronomia.

O bom velho já enfeitô com bandeirinha de Cô o local do

fogaréu.

Também para não dá gagueira já fechou todas as

torneiras.

Que manda agora do céu.

Traga toda afamia.

Sua muié, suas fias.

São Pedro quer muita gente.

Mais muié naturalmente.

Porque home São Pedro dá.

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Page 42: Livro Paulo Alvim

Ubá, berço natal de Alvim

Ubá é um município brasileiro do estado de Minas Gerais,

conhecido como “Cidade Carinho”. Foi criada em três de julho de

1857; o gentílico é “ubaense”. Fica situada na mesoregião Zona da

Mata, com uma área municipal de 407 quilômetros quadrados, e uma

população de 94.228 habitantes, de acordo com estimativa do

IBGE/2007; tem uma densidade demográfica de 231 habitantes/km

quadrados. A maior parte do município encontra-se inserida na bacia

do rio Paraíba do Sul e uma pequena porção na bacia do rio Doce. A

sede municipal dista, por rodovia, 290 quilômetros da capital Belo

Horizonte, O IDH médio é de 0, 773 de acordo com o PNUD 2000.

Ubá é o segundo centro industrial da Zona da Mata, atrás de Juiz de

Fora. A cidade possui aproximadamente 1.000 estabelecimentos

industriais de grande, médio e pequeno porte. Boa parte do PIB é

representada pelo setor serviços, mas a indústria desempenha o papel

mais importante na economia do município, principalmente na

fabricação de móveis. A cidade é o maior pólo moveleiro do estado de

Minas Gerais e o terceiro do país.

A importância do pólo moveleiro, juntamente com outras oito

cidades vizinhas (Guicirema, Guidoval, Piraúna, Rio Pomba,

Rodeiro, São Geraldo, Tocantins e Visconde do Rio Branco), é

considerado o principal de Minas Gerais. Cerca de 20 mil empregos

diretos e indiretos são gerados em aproximadamente 400 empresas

26

Page 43: Livro Paulo Alvim

que fazem parte do pólo, porém o número de empresas do setor

somente na cidade de Ubá é superior a 500 empresas.

A saga dos imigrantes é recheada de histórias de coragem que

percorrem todo o país, e Ubá não ficou de fora desse importante

capítulo da história nacional . Desde os primeiros colonizadores

portugueses, a construção do país foi feita com os olhos voltados para

fora. Seja na esperança de conquistar riquezas, como no caso da

colonização lusa, ou na saudade da terra natal dos escravos africanos,

o Brasil foi seio que alimentou os sonhos de diversas nações.

Há mais de 150 anos, quando a cidade iniciava a sua

caminhada, ou recentemente, os imigrantes chegaram e continuam

chegando, trazendo na mala saudades e muitas lembranças. Nos

primórdios de Ubá, quando ainda tinha uma população em torno de

3.000 habitantes, a cidade recebeu uma leva de migrantes italianos —

outros 3.000 — que foram assentados em terras do município e

passaram a cultivar a terra, com o plantio de fumo, em propriedade

familiar.

A grande maioria dos que chegaram naquele tempo era

italiana. Até hoje se mantêm fortes as famílias de origem ítala na

cidade. Duas fazendas receberam a maior parte deles, a fazenda

“Floresta”, que recebeu as primeiras famílias que chegaram, e a

“Cachoeira”. Foram nesses dias que se instalaram na região nomes

que escutamos até hoje: De Felippe, Cavalieri, Vailone, Peluso,

Giaccola, Caiaffa, Brando, Guilhermino, Lauria, Barletta, Fusaro,

Parma, Girardi, Crispi, Amato, Trevizano, Balbi, entre muitos outros.

27

6

Page 44: Livro Paulo Alvim

Com a expansão do município, os italianos começaram sua

caminhada rumo à prosperidade. Comércios e pequenas indústrias,

como a de bebidas fundada pelo Major Fusaro, foram fruto do

pioneirismo desses homens que enxergavam longe. A história de

muitos deles ficou esquecida com o tempo, mas ainda pode ser

resgatada. Na lembrança dos familiares e de verdadeiros arquivos

vivos, como Dona Taura Farnetano, italiana que acompanhou esse

processo, se podem reunir os relatos da história da cidade.

A indústria moveleira de Ubá se deve a uma ação de

empresários que, tentando incentivar o desenvolvimento regional,

solicitaram apoio à Prefeitura Municipal de Viçosa, para ali assentar

indústrias em um pólo moveleiro. O Prefeito de Viçosa não se

interessou pela proposta e então a atividade foi levada para Ubá.

Além dos imigrantes italianos, há que se referir à imigração

dos libaneses, que é uma das mais significativas em Ubá. Vindos do

Império Turco-Otomano, passavam por grandes problemas, tanto

políticos quanto sociais, os árabes vieram para o Brasil em busca de

novas oportunidades e liberdade.

A cidade acabou se firmando também como um centro

universitário, que se encontra em pleno crescimento. Dentre as

instituições superiores que se encontram na cidade, se destacam o

segundo campus da UNIPAC — Universidade Presidente Antonio

Carlos que possui três faculdades na cidade: Faculdade de Ciências

Jurídicas e Sociais de Ubá; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

de Ubá, responsável por quatro cursos; e a Faculdade Regional de

Ubá, responsável por 10 cursos. A instituição conta atualmente com

15 cursos de graduação.

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Page 45: Livro Paulo Alvim

Ubá ainda conta com a UEMG — Universidade do Estado de

Minas Gerais, que conta com três cursos de graduação, destacando-se

o curso de “design de produto,” o único no interior do estado

resultante da atividade moveleira. Por fim possui a FAGOC —

Faculdade Ubaense Ozanam Coelho, que conta com cinco cursos de

graduação, além de onze cursos de pós-graduação “lato sensu”.

Dentre os ubaenses ilustres destacam-se: Ary Barroso, Mauro

Mendonça, Nelson Ned, Levindo Ozanam Coelho e Raul Soares, que

foi Ministro da Marinha, apesar de ser um cidadão civil. É de

estranhar a não inclusão na lista dos ubaenses ilustres, o nome do

mundialmente conhecido, e na cacauicultura brasileira reverenciado,

Paulo de Tarso Alvim Carneiro.

Há que se fazer um destaque especial para a Manga Ubá, que

cresce com abundância dentro da cidade e nos arredores, presente nos

quintais das casas e na margem das rodovias. A Manga Ubá é dos mais

antigos e espontâneos ícones da cidade. O fruto identifica Ubá como

também a cidade identifica a manga. E não há ubaense que não se

orgulhe disso.

29

Cidade de Ubá,

vista aérea.

Page 46: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim já disse da sorte que teve em abraçar a

carreira agronômica em uma época em que poucas pessoas

acreditavam na profissão em nosso país. Disse também, em

outras oportunidades, que não estudou agricultura propria-

mente por vocação, mas sim por determinismo geográfico e

financeiro.

Geográfico, porque nasceu e se criou em uma pequena

cidade do interior de Minas Gerais — a cidade de Ubá — situada

a 52 quilômetros de Viçosa, onde está localizado um dos

melhores centros de estudos agronômicos do país; e financeiro,

porque carecendo de recursos para poder sair daqueles lugares,

conseguiu uma generosa bolsa de estudos em Viçosa, com

hospedagem e alimentação gratuitas durante todo o curso

universitário.

Sua outra sorte foi descobrir, durante o seu curso de

agronomia, que possuía inclinação para estudos correlacio-

nados com as Ciências Naturais, especialmente com a Botânica

e Ecologia. Jamais poderia ter descoberto essas predileções

latentes, se não houvesse tido a sorte de encontrar em Viçosa

alguns excelentes professores da área biológica.

30

Octávio Drumond,primeiro orientador

Page 47: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim sempre homenageia e agradece a seu

primeiro professor de Botânica e orientador de seus passos

iniciais na carreira científica, o destacado fitopatólogo Octavio

de Almeida Drumond . Octávio de Almeida Drumond formou-

se em agronomia na turma de 1934, pela ESAV - Escola

Superior de Agronomia e Veterinária.

No ano seguinte ingressa em seu corpo docente, como

assistente do professor Albert Stanley Ilier, o primeiro

fitopatologista da Escola, trazido por Rolfs, em 1929.

Participou do primeiro Congresso de Fitopatologia, realizado

no país, em 1935, na sede do Jardim Botânico do Rio de

Janeiro. Exerceu as atividades de pesquisador junto à ESAV, no

período 1935 até 1949. Deixou a ESAV para ser admitido no

recém-fundado Instituto Agronômico de Minas Gerais, onde

permanece até 1949. Trabalhou também em outros órgãos,

como o Ministério da Agricultura, DNPEA e EMBRAPA. Em

1981, retorna a Belo Horizonte, como pesquisador da

EMBRAPA, lotado na EPAMIG, utilizando para suas pesquisas

laboratórios do antigo CIAP, hoje IMA.

Fundador de revistas científicas importantes, como

Ceres e PAB, com treinamento cosmopolita em vários locais do

mundo, definidor e mantenedor de importantes linhas de

pesquisa em várias instituições por onde passou,

homenageado várias vezes por inúmeras associações

científicas, foi um exemplo para os pesquisadores iniciantes.

31

7

Page 48: Livro Paulo Alvim

Com o professor Octávio de Almeida Drumond, a

fitopatologia como ciência, a UFV — Universidade Federal de

Viçosa como instituição e cada agrônomo, cada cientista deste

país tem uma dívida e um compromisso de respeito. É bom

lembrar o compromisso e o respeito de Paulo Alvim, com o

cientista, seu orientador primeiro, Octávio Almeida Drumond.

Foi uma grande sorte, diz Paulo Alvim, haver sido aluno

de Octavio de Almeida Drumond e, por algum tempo

Assistente de Ensino, recebendo através de seu exemplo como

cientista e homem de bem, o estímulo que tanto o ajudou na

formação profissional.

Uma vez concluído seus estudos universitários, não foi

fácil encontrar meios para viver, ou ainda mais sobreviver, à

custa da profissão que abraçara.

O período em que se formou foi em plena ditadura de

Getúlio Vargas — o chamado Estado Novo — no qual a

agricultura era das mais desprestigiadas carreiras profissionais

no país. Com a remuneração que recebiam era possível, talvez,

comprar uma bicicleta, objeto considerado de alto luxo para

um recém-graduado em agronomia. Um automóvel era um

artigo para milionários, e o agrônomo, funcionário público em

geral, somente alcançava a utilizar precários veículos de

propriedade do Governo, quase sempre paralisados por falta de

manutenção ou pelo racionamento de gasolina, imposto pela

guerra.

32

Page 49: Livro Paulo Alvim

Apesar da falta de atrativos dos empregos oferecidos

pelo Governo, eram os mais cobiçados pelos recém-formados.

Não existiam serviços de extensão ou de assistência técnica

como os que hoje conhecemos. Os cargos mais procurados

pelos recém-graduados eram os das estações experimentais do

Governo ou as chamadas Circunscrições Agrícolas, que mais

tarde passariam a denominar-se Oficinas de Fomento. Paulo

Alvim diz que nunca conseguiu descobrir em que consistia o

trabalho de uma Circunscrição Agrícola. No interior de Minas

Gerais essas repartições quase sempre tinham um aspecto de

botequim, com alguns produtos agrícolas colocados em filas

em estantes rústicas, um pequeno escritório ao centro, aonde

se sentava o doutor, e um infalível arado à porta para mostrar

que o negócio era sem dúvidas, agrícola.

Logo depois de sua graduação foi oferecido a Paulo

Alvim um cargo de Chefe de Circunscrição. Apesar da extrema

necessidade e muito necessitado do emprego, recusou a oferta;

primeiro, porque não se considerava psicologicamente

preparado para o oficio de vendedor de mercadorias; segundo,

porque ainda mantinha a esperança de seguir uma carreira

científica e não queria se envolver pelos descaminhos

profissionais em uma pequena cidade do interior, preso a uma

burocracia com um misterioso nome de Circunscrição.

33

Page 50: Livro Paulo Alvim

O castigo desta recusa foi o de não conseguir emprego

durante quase um ano, para decepção e pena de colegas e

familiares. Por algum tempo foi conhecido como um exemplo

de agrônomo frustrado e fracassado. Decidiu Paulo Alvim ir à

busca de emprego no Rio de Janeiro, com a ilusão de poder se

empregar, ainda que fosse como aprendiz, em uma das várias

instituições de investigação biológica existente.

Em janeiro de 1941 deslocou-se para o Rio de Janeiro

com o objetivo de prestar concursos para o então criado

Instituto de Ecologia, do Ministério da Agricultura, concurso

esse que não se realizou no prazo anunciado, o que o levou a

trabalhar por alguns meses como escriturário do IPASE —

Instituto de Previdência e à noite, como repórter da sucursal

carioca do jornal “O Estado de Minas”.

Converteu-se em especialista em consultas sobre

aposentadorias, pensões, pecúlios, fundos de garantia, e estava

para ser promovido a Chefe de Seção, quando a sorte lhe sorriu

de novo: um amigo o informou sobre a abertura de uma vaga

para Professor Assistente na Escola aonde havia estudado em

Viçosa.

Apresentou sua candidatura ao cargo e a boa sorte o

conduziu de volta a Viçosa, onde foi trabalhar sob as ordens do

seu ex-professor Octavio de Almeida Drumond, dando,

34

Page 51: Livro Paulo Alvim

inicialmente, aulas de Botânica e posteriormente Fisiologia

Vegetal. Assim Paulo Alvim iniciou a sua verdadeira

especialização profissional, com distintas etapas de

adestramento, desde o autodidatismo até a pós-graduação.

35

Page 52: Livro Paulo Alvim

Em 1941 Alvim foi professor de Taxonomia de Plantas e

logo a seguir começou a ensinar Fisiologia de Plantas ao invés

de Taxonomia. Em 1943 Fisiologia de Plantas foi formalmente

introduzida como uma matéria no Curso de Agronomia em

Viçosa. Esta foi a primeira vez que Fisiologia foi ensinada como

uma matéria independente em um curso de Agronomia no

Brasil e talvez na América Latina.

Universidade Federal de Viçosa.

Professor Alvim

36

Page 53: Livro Paulo Alvim

Entre 1945 e 1947, cursou a pós-graduação ao grau de

Doutor em Filosofia (Ph.D.), na Universidade de Cornell,

Ithaca, N.Y., Estados Unidos, uma universidade líder entre as

Universidades americanas. Durante a graduação Paulo Alvim

ainda era vinculado a UFV — Universidade Federal de Viçosa.

Em Viçosa começou sua primeira investigação em

ecofisiologia com cafezais, mantendo contacto permanente

com outras lideranças científicas como Coaracy M. Franco, do

Instituto Agronômico de Campinas.

Algumas das contribuições de Paulo Alvim, de grande

utilidade para os botânicos, fisiólogos e agrônomos, foram os

equipamentos conhecidos como “porômetro, infiltômetro e

fitotensiômetro de Alvim”, conhecido internacionamente e

citado em textos de fisiologia. É utilizado para avaliar o grau de

deficiência de água em plantas através da abertura dos

estômatos; de grande utilidade em estudos de irrigação.

Tocado pelo reconhecimento da dedicação, compe-

tência e dos laços de amizade, começou a preparar Moacyr

Maestri para sucedê-lo na cadeira de Fisiologia. Incentivou o

Professor Maestri a cursar a pós-graduação, fazendo o

Doutorado (PhD) na Universidade de Cornell, em Ithaca, EUA.

Maestri criou o curso de MS, em 1970, e o de Doutorado (PhD),

em 1988, na UFV — Universidade Federal de Viçosa, tornando

a instituição um centro de referência em Fisiologia de Plantas.

37

8

Page 54: Livro Paulo Alvim

Tendo regressado ao Brasil, no período 1948 a 1950,

tornou-se Professor Titular de Botânica e Fisiologia Vegetal na

Escola Superior de Agricultura da Universidade Federal de

Viçosa, Minas Gerais. O poder de observação de Paulo Alvim

era enorme; durante uma excursão, com seus alunos, pelo rio

São Francisco na Zona da Caatinga, Alvim chamou a atenção

para o fato de que o ecossistema da Caatinga se desenvolvia

naturalmente e não era um estágio de degradação causado pelo

homem. Anos mais tarde, 1952, ele também concluiu que o

cerrado brasileiro — um tipo de vegetação — era conseqüência

de deficiência mineral dos solos e não resultado das periódicas

queimadas feitas no ecossistema. Paulo Alvim contribuiu com

o estudo da influência da aplicação de zinco para a produção de

cacau. A técnica, singela, consistia em pregar pregos recobertos

por camadas de zinco no tronco de árvores de cacau. O

experimento foi conduzido e repetido em cacauais, na Estação

Experimental de “La Lola” do IICA, situada na Vertente

Atlântica de Costa Rica, perto de Puerto Limón. A nova

contribuição à cacauicultura foi revelada em um evento

promovido por uma universidade dos EUA, pelo professor

Bowman. Falando para um grande público, disse ele

concluindo: “... Aqui entre nós está o carpinteiro Paulo Alvim”.

Alvim, com razão, ficou agastado por ter participado como um

simples carpinteiro. O relato é do Professor Raimundo Santos

Barros , PhD em Fisiologia e titular da UFV, quando da visita

que fizemos ao seu gabinete em companhia do Dr. Cristiano

Machado Neto, engenheiro agrônomo formado na UFV.

38

9

Page 55: Livro Paulo Alvim

Outra situação pitoresca foi a ocorrida por ocasião do

Simpósio Internacional de Bioconversão de Energia e

Congresso Latino Americano de Fisiologia Vegetal. A primeira

palestra sobre produção de alimentos no mundo foi dada por

Paulo Alvim. Apresentou os recursos alimentícios mundiais e

ficou bastante admirado quando, na ocasião, a figura do slide

mostrava que havia maior número de unidades bovinas no

mundo do que de aves. Olhou para o quadro, pensou, pensou,

teve dúvida, e se saiu com essa: “Meu Deus, eu pensei que tinha

mais galinha nesse mundo!” O auditório caiu na risadaria...

Mais tarde, em 1972, indo contra a teoria bem estabele-

cida por uma corrente de cientistas, e tendo em conta que as

florestas da Amazônia estavam em estado de clímax, concluiu

que a Região Amazônica não era um depósito de madeiras, e

que se deveria pensar em proteger o frágil ecossistema. Chegou

à conclusão que a Amazônia não poderia ser preservada intocá-

vel; advogou que o ecossistema amazônico fosse explorado

para o beneficio da humanidade, defendendo que a conserva-

ção e as práticas racionais fossem empregadas em favor de uma

condição sustentável.

Certa feita, regressava de San José, Costa Rica, situada

nos altiplanos costaricenses em companhia do Professor

Chaves , para Turrialba, situada num vale profundo, onde

ficava o Centro de Enseñansa Investigación, do IICA —

Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, em meio a uma

forte tempestade. A descida desde San José para Turrialba era

39

10

Page 56: Livro Paulo Alvim

feita por uma íngreme, estreita e sinuosa estrada, ao lado da

qual se situavam extensas plantações de café. Café sombreado

por plantações de bananeiras e árvores de Erytrina sp. Uma

leguminosa de alto porte e com troncos vigorosos.

Paulo Alvim não conseguiu controlar a viatura que se

arremeteu contra a cerca, derrubou bananeiras e foi bater num

grosso tronco de uma Erytrina. Alvim durante a desabalada

descida gritava: “Valei-me Nossa Senhora! Valei-me Nossa

Senhora!”. Quando conseguiram sair da viatura perceberam

que pararam à beira de um profundo precipício; a estória foi

relatada pelo Professor Chaves, seu companheiro na viagem.

A moral da história é o comentário dos seus colegas que

brincavam com ele, perguntando como um agnóstico ou ateu,

na hora da dificuldade pedira socorro para Nossa Senhora, e a

salvação que chegou com o sombreamento do cafezal. Paulo

Alvim sempre defendeu que as plantações de café deveriam ser

a pleno sol e não sombreadas.

Um lance de sorte, particularmente importante na

carreira profissional de Paulo Alvim, foi o convite recebido,

graças à recomendação de ex-professores da Universidade de

Cornell, para trabalhar com cacau no IICA - Instituto

Interamericano de Ciências Agrícolas, em Turrialba, Costa

Rica, como fisiologista principal. Em curto intervalo de tempo

passou a ser reconhecido como ecofisiologista no cultivo do

cacaueiro e do cafeeiro, além de oferecer cursos de pós-

graduação e orientar teses de mestrado na área de fisiologia de

40

Page 57: Livro Paulo Alvim

cultivos tropicais. Suas pesquisas contribuíram para o

aumento da produtividade dos cafezais de Costa Rica, por via

de raleamento de sombra associada à aplicação de fertilizantes.

IICA – Centro de Enseñanza e Investigación

Seus estudos nas florestas tropicais de Costa Rica

culminaram com a sua participação na Expedição Científica

Alpha Helix, na Bacia Amazônica. Viajou em companhia de

Bob Loomis e W. Williams, da Universidade da Califórnia

(Davis), quando descreveram ambientes das florestas

marginais do rio Negro, estado do Amazonas.

O Brasil, desde o inicio do século XX ocupava uma

posição de liderança absoluta entre os produtores de cacau do

41

Page 58: Livro Paulo Alvim

Continente Americano, e era natural que o IICA se interessasse

em contratar um técnico brasileiro para trabalhar em seu

programa com aquele cultivo. Ao chegar à Costa Rica, em 1951,

nunca Paulo Alvim havia visto sequer um cacaueiro em toda a

sua vida. Somente sabia que as sementes da famosa planta

eram utilizadas na fabricação de chocolate e que no Brasil, a

produção provinha principalmente da Bahia.

Esta permanência de Paulo Alvim junto ao quadro de

pesquisadores do IICA teve decisiva influência em sua carreira.

A Direção do IICA recebeu, em 1953, uma correspondência dos

Estados Unidos solicitando os serviços de um especialista em

cacau para assessorar a missão de assistência técnica mantida

por aquele país no Estado da Bahia.

O especialista deveria colaborar com os técnicos do

antigo Instituto Agronômico do Leste, do Ministério da

Agricultura, situado em Cruz das Almas, Bahia, na

programação de uma recém-criada estação experimental de

cacau, no município de Juçari. Como não havia em Turrialba,

naquela época, nenhum outro especialista em condições de

viajar para o Brasil, o IICA decidiu indicar Paulo Alvim para a

honrosa e interessante viagem.

42

Universidade de Cornell, Ithaca, NY.

Page 59: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim guarda lembranças de um incidente

ocorrido na sua recepção em Salvador. Por se tratar de uma

viagem patrocinada pelo Governo Americano, Paulo Alvim foi

recebido no Aeroporto pelo Cônsul Americano, assim como por

um funcionário do Ministério da Agricultura, que

aparentemente pensava que a nacionalidade do pesquisador

era norte-americana. A amável conversação inicial foi em

idioma inglês, até que o colega do Ministério da Agricultura

surpreendeu Paulo Alvim com a pergunta: “Do you speak

Portuguese?”, Paulo Alvim explicou que era natural de Minas

Gerais, município de Ubá, e que obviamente falava português

desde pequeno.

Do you speak portuguese?

Pela expressão do funcionário do Ministério da

Agricultura, entendeu Paulo Alvim que causara profunda

decepção. Olhou com surpresa para o Cônsul americano, como

perguntando: “... Que piada é esta de mandar um mineiro

ensinar aos baianos como plantar cacau?”. Felizmente depois

desta desconcertante recepção, fez Paulo Alvim, com a sua

simpatia, um grande número de amigos entre os colegas

baianos, o que muito o ajudou no desempenho da missão.

Entre 1955 e 1963, Alvim foi Pesquisador e Professor de

Agricultura Tropical e Fisiologia Vegetal, na Zona Andina do

43

Page 60: Livro Paulo Alvim

IICA, sediado em Lima, Peru. Na Zona seca da Costa do Pacífico

conduziu pesquisas sobre a fisiologia de cultivos irrigados e

ofereceu cursos internacionais intensivos sobre temas

relacionados à produção agrícola em regiões tropicais, além de

colaborar com a Universidade de La Molina no ensino de

Fisiologia Vegetal e na implantação de sua Escola de Pós-

graduação.

Descobriu que as gemas florais (botões florais)

permaneciam dormentes quando irrigadas; de outra parte,

quando a irrigação era suspensa e as plantas irrigadas um

pouco depois, os botões fechados abriam, de forma semelhante

nas condições naturais, quando as chuvas depois de um

período seco provocavam o fenômeno.

Em outras palavras, o déficit de água ou período seco

quebrava a dormência, e a irrigação (ou chuvas) que seguia era

requerida apenas para o crescimento dos botões, não para

quebrar a dormência. Paulo Alvim cunhou o termo

hidroperiodismo para explicar o fenômeno e os seus resultados

relevantes foram publicados na Revista Science. Este

fenômeno foi muitas vezes repetido. Confirmado e conhecido,

hoje se sabe que o período seco é requerido para disparar

alguns efeitos morfogênicos em algumas plantas tropicais, ou

para sincronizar eventos de desenvolvimento em

determinadas populações.

Paulo Alvim foi o primeiro cientista a demonstrar que

diversas plantas tropicais necessitam de um “choque” de

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Page 61: Livro Paulo Alvim

desidratação-hidratação (seqüência de período seco a período

úmido) para poder abrir suas flores e renovar a sua folhagem

(fluxos de crescimento), resultado publicado na Revista

Science, de 1960.

Tomando uso deste fato científico, a EMBRAPA/CAFÉ

recomenda calendários de irrigação para sincronizar a floração

e abertura floral, e dessa forma, a produção de café.

O resultado mais importante da curta permanência de

Paulo Alvim na Zona Cacaueira da Bahia (1953) foi enamorar-

se perdidamente pela Bahia e sua gente. Convencido do

extraordinário potencial agrícola da região cacaueira e

sentindo de imediato a precariedade dos serviços de assistência

técnica que existiam naquela época, Paulo Alvim voltou para

Costa Rica imbuído do desejo de voltar à Bahia, permanente-

mente, para colaborar com os planos governamentais de

assistência técnica ao cultivo do cacaueiro.

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Page 62: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim casou-se, em primeiro casamento com a

mineira de Cataguazes, Leontina Lobo Rezende, com quem

teve quatro filhos: Marília Rezende Alvim (10/02/1947), Paulo

Cesário Alvim (01/09/1948), Heloisa de Rezende Alvim

Carneiro (22/01/1950) e Leonardo de Rezende Alvim Carneiro

(04/04/1952).

Primeira esposa e filhos

Paulo Alvim e Leontina,

primeira esposa.

Marília casou com Maurice

Capovilia. Heloísa com Albertus

Eskes e tem duas filhas: Chantra e

Nanda Eskes. A Chantra casou com o

Luigi e tem uma filha chamada Yara

Júlia. Leonardo casou com a Maria

Regina, mas separou; tem um filho o

Daniel. Paulo Cesário não é casado e

não tem filhos.

Marília e Nanda (neta) moram

no Rio de Janeiro. Leonardo, Daniel e

Paulo Cesário residem em Belo

Horizonte. Heloísa mora em

Montpellier, França, é ceramista. Chantra mora na Suíça.

Leontina era uma mulher de rara beleza. Estava sempre

elegante e maquiada; tinha uma pele de seda, lembrando o

pêssego. Ficou casada com Paulo Alvim no período de 1945 —

46

Page 63: Livro Paulo Alvim

1962. Viajou com Paulo Alvim para os Estados Unidos, quando

cursou a pós-graduação na Universidade de Cornell, em Ithaca,

N.Y. Separou-se de Paulo Alvim, em 1962. Acompanhou Paulo

Alvim nas suas andanças profissionais, já vinculado ao IICA —

Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas pelo Peru e

Costa Rica, até vir para o Brasil em 1963. Leontina Lobo

Rezende faleceu em 2002.

Geralmente as pessoas referem-se, jocosamente, a

Paulo Alvim e seu jeitão descontraído e até mesmo pouco

cuidadoso com compromissos e horários. Tendo ido, na

companhia da esposa Leontina, a San José, capital de Costa

Rica, a serviço, a levou para tratar de assuntos seus. De volta a

Turrialba, quando estacionou o carro na garagem de sua casa a

doméstica lhe pergunta: “Dr. Pablo, donde está la señora?”

Desgraçadamente Paulo Alvim havia esquecido completa-

mente, a sua esposa, Leontina, em San José...

A segunda esposa era a baiana, Mirian de Sá Oliveira ,

com quem Paulo Alvim foi casado por um período curto — de

1966 a 1971 — cinco anos. O conhecimento entre Paulo Alvim e

Mirian se deu em uma festa do Itabuna Clube, em abril de 1966.

De abril a agosto namoraram e casaram em 11 de agosto de

1966, com a cerimônia realizada na residência de um sobrinho

de Paulo Alvim, e a presença de amigos e parentes.

47

11

Mirian e Alexandre

Page 64: Livro Paulo Alvim

O casamento teve como padrinho o Secretário-Geral da

CEPLAC, Carlos Brandão e a esposa, Ester. Contou com a

presença de José Haroldo Castro Vieira, Pedro Pinto

Vasconcelos de Abreu e outros funcionários da CEPLAC do

Escritório do Rio de Janeiro. Estavam presentes também a

irmã de Paulo Alvim, Maria José e o esposo. Da parte da família

de Mirian participaram seu pai João Alves de Oliveira Filho, a

sua mãe, e a irmã mais velha Marli. Esteve presente também,

um grande amigo da família Noêmio Peixinho. Após o

casamento viajaram durante três meses pelos Estados Unidos e

Europa, conciliando a “lua-de-mel”, com compromissos

profissionais agendados por Paulo Alvim, antes do

conhecimento do casal.

O retorno da Europa foi de navio e foram residir em

Ilhéus, em um apartamento situado no Edifício Santo Clara,

localizado na Avenida Soares Lopes. Aí residiram de 1966 até

1971, quando se separaram.

Quando Mirian estava grávida partiram para uma

viagem de sete meses pela Europa, África e Estados Unidos.

Saíram do Brasil em outubro de 1969 e Mirian retornou no final

do mês de maio. Paulo Alvim permaneceu em Costa Rica. Em

seis de maio de 1970, em Itabuna, no Hospital Manoel Novaes,

nasceu o único filho do casal, Alexandre.

Um fato da vida real de Paulo Alvim, foi relatado pelo

colega Manuel Tourinho, quando de uma viagem a Quito,

48

Page 65: Livro Paulo Alvim

Equador, ficaram retidos, sem poder sair do país, em razão de

um golpe de estado. Sindicatos e militares estavam em

confronto.

Paulo Alvim e Tourinho estavam almoçando, em um

restaurante, quando o mesmo foi invadido por trabalhadores

com uma tropa de choque em seu alcance; jogaram bombas de

gás lacrimogênio, e Paulo Alvim e Manuel Tourinho tiveram

que sair às pressas do local com lenços molhados ao rosto para

evitar danos maiores à vista.

Era o ano de 1970; havia muitas dificuldades em falar

telefonicamente com o Brasil, e então Mirian, segunda esposa

de Paulo Alvim, estava prestes a ganhar um filho, o Alexandre.

Paulo Alvim, Alexandre e Mirian - Batizado.

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Page 66: Livro Paulo Alvim

Mirian estava sempre ocupada em receber famílias de

alguns técnicos que chegaram para trabalhar no CEPEC,

principalmente os estrangeiros, e os que resolviam residir em

Ilhéus. Ajudar a procurar casa, escolas para os filhos,

empregadas domésticas; isso incluía em recepcioná-los com

festinhas e jantares. Era uma atividade bastante gratificante. A

convivência com pessoas de diferentes países deixou para o

casal, grandes amizades.

O único filho do casal Paulo Alvim/Mirian é o

Alexandre, nascido em seis de maio de 1970, em Itabuna, no

Hospital Manoel Novais; o médico obstetra foi o Dr. Mário

Sem notícias da esposa e preocupado com o nascimento

do filho, Paulo Alvim ficou estressado, viveu dias de grande

tensão. A situação não o impediu, contudo, de sair às ruas para

comprar bugigangas e fazer fotografias curiosas, como índias

catando piolhos nas filhas, e matando os ectoparasitos com

mordiscadas.

No depoimento de Mirian, viver com Paulo Alvim pode

ser definido de várias maneiras. Muita coisa pode ser dita a

depender da pessoa que a diz, porém não se pode dizer que seja

chato, rotineiro ou normal. A união de Mirian e Paulo Alvim se

desenrolou em meio a viagens, congressos, festas e muito

trabalho de ambas as partes. Paulo Alvim sempre ocupado com

a implantação do CEPEC, em preparar palestras, relatórios de

viagens.

50

Page 67: Livro Paulo Alvim

Alves Peixoto e o pediatra Dr. Jacinto Cabral de Souza. O

Alexandre fez a educação básica (fundamental e primeiro ano

do ensino médio) na Ação Fraternal de Itabuna, o segundo ano

do ensino médio no Colégio Marista e o terceiro ano e pré-

vestibular no Colégio Objetivo, em Brasília. Fez um único

vestibular para a UNICAMP/ Campinas, São Paulo, passou e

formou-se, e depois fez FGV — Fundação Getúlio Vargas.

Casou-se em 1999 e foi para Chicago para fazer MBA. O

Alexandre tem hoje 39 anos e é um profissional bem sucedido,

casado com a Isabela e pai de dois filhos: Luca e Pedro.

Em que pese o depoimento de sua mãe, Mirian, nunca é

demais enriquecer os traços biográficos do Alexandre, com as

suas próprias informações, assim: “Nasci em Itabuna no dia 6

de maio de 1970. Durante a infância estudei em uma escola

pequena perto da casa dos meus avós que, se não me falha a

memória, chamava-se Escolinha Cinderela. A partir da terceira

série do fundamental até a sétima série estudei na Ação

Fraternal de Itabuna (AFI), uma escola de freiras franciscanas.

Depois de um ano nos EUA (1983) voltei para concluir o

primeiro ano do ensino médio na AFI, em 1984.

Em 1985 mudei para Brasília para cursar os dois últimos

anos do ensino médio. Primeiro no Colégio Marista de Brasília

e depois no Objetivo. Em 1987 fui aceito no curso de

engenharia elétrica na UNICAMP, em Campinas, São Paulo.

Na época, com 16 anos, era o mais moço de uma turma de 70

51

Page 68: Livro Paulo Alvim

alunos. Em 1993, após a formatura, mudei para São Paulo,

onde iniciei minha carreira em consultoria na Accenture (na

época ainda chamava-se Andersen Consulting).

Fiz uma especialização em administração na Fundação

Getúlio Vargas, em São Paulo (1995/1996) e depois mestrado

em administração (MBA) na Kellogg School of Management,

Universidade de Northwestern em Illinois, EUA.

Depois de uma carreira executiva no setor de

telecomunicações, em 2007 montei, com outros sócios, uma

empresa de investimentos com foco em negócios

comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Os nossos

principais setores de atuação são energia renovável, serviços

ambientais, agronegócio e reflorestamento sustentável.

Em maio de 1999 casei com a Isabella, pouco antes de

mudarmos para os Estados Unidos para o meu MBA. Temos

dois filhos, o Luca que nasceu em 16 de abril de 2003 e o Pedro

que nasceu em 1º de janeiro de 2008. Atualmente moramos em

São Paulo.”

É interessante transcrever o depoimento de Alexandre

quando discorre sobre “A influência de meu pai na minha

formação”; diz Alexandre: “Como mencionei durante nosso

telefonema, infelizmente não tive oportunidade de conviver

com o meu pai tanto quanto gostaria. Até os meus 12 anos a

nossa convivência era limitada aos finais de semana, pois eu

morava com os meus avós maternos em Itabuna onde

freqüentávamos a escola. Em 1983 e 1984, moramos por dois

52

Page 69: Livro Paulo Alvim

anos juntos. Primeiro em Gainesville, nos EUA, quando ele

aceitou um convite para ser professor visitante da

Universidade da Flórida e levou junto a Simone, a Fátima e eu.

E depois no ano seguinte, já de volta ao Brasil, em Itabuna.

Apesar disso, não tenho dúvidas que ele teve uma

grande influência na minha formação como pessoa e como

profissional.

Meu pai sempre foi um entusiasta das inovações

tecnológicas e aproveitava suas constantes viagens ao exterior

para adquirir as últimas novidades em foto/vídeo ou

computadores. Lembro do nosso primeiro vídeo cassete JVC

no início da década de 80, quando poucos sabiam o que era

isso. Nos divertíamos fazendo vídeos caseiros ou mesmo

gravando filmes da TV. Chegamos a montar uma enorme

coleção gravando filmes da HBO. Outra lembrança desse

primeiro período foi o nosso primeiro walkman da Sony. Na

época uma grande inovação pelo tamanho reduzido. Por fim,

teve ainda o nosso primeiro computador Apple Macintosh em

1984, também revolucionário para a sua geração pela

facilidade de uso e acessórios inovadores como o “mouse”, hoje

uma peça indispensável em qualquer PC. Toda essa exposição à

tecnologia desde pequeno influenciaria mais tarde a minha

opção pelo curso de engenharia elétrica na universidade.

A sua incansável dedicação à ciência e sua bem sucedida

trajetória profissional, para mim, sempre foram grandes

exemplos da importância da realização através do trabalho. Em

53

Page 70: Livro Paulo Alvim

Outra característica marcante é a sua atitude positiva e

valorização das pessoas que “fazem acontecer”. Nesse sentido

ele sempre mencionava a famosa “Mensagem a Garcia” como

uma referência do tipo de atitude com a qual as pessoas

deveriam enfrentar suas responsabilidades. O texto, apesar de

muito antigo, ainda é relevante nos dias de hoje e sempre faço

referência ao mesmo quando tenho que explicar a alguém no

trabalho o que espero dele ou dela no dia-a-dia.

É interessante ainda notar que atualmente a minha vida

profissional voltou a ter uma relação com a dele e, às vezes,

tenho a oportunidade de testemunhar pessoalmente a

relevância das suas realizações. Atualmente me dedico a

identificar e investir em empresas comprometidas com o

desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente.

Várias dessas empresas estão nos setores de agricultura e

reflorestamento. Recentemente tive uma reunião com o ex-

ministro Roberto Rodrigues, sobre um projeto de etanol de

cana. Ao trocarmos cartões de visitas ele imediatamente

perguntou se eu tinha algum parentesco com Paulo Alvim.

Quando lhe falei que era filho do próprio ele não poupou

elogios e comentários sobre o quanto o admirava e respeitava

por tudo que ele já havia feito pela agronomia brasileira. No

54

uma região onde muitos se beneficiaram, por muito tempo, das

benesses da monocultura cacaueira, ele sempre deixou claro

que o valor real de uma pessoa está naquilo que ela “É” , e não

no que “POSSUI”.

Page 71: Livro Paulo Alvim

final da reunião, me presenteou com um de seus livros e fez

carinhoso autógrafo com referência ao meu pai.

Do lado pessoal, uma de suas características mais

marcantes são o bom humor e o otimismo. Esse sempre foi o

seu estado de espírito predominante e continua sendo até hoje.

Sempre fazendo festa com os amigos e mantendo um alto

astral. Ele sempre teve uma grande capacidade de lidar com os

problemas de uma forma tranqüila. Para alguns, até demais.

Acho que a sua cabeça privilegiada atribuía a devida

importância às questões menores. Acho que herdei um pouco

dessa tranqüilidade, o que muito me ajuda a enfrentar os

problemas do dia-a-dia.

Outra característica que sempre admirei foi a sua

capacidade de se relacionar de igual pra igual com todos, de

intelectuais até pessoas mais humildes. Acho que ele nunca se

esqueceu de sua origem simples de Ubá e creio que é mais um

exemplo do que ele realmente valoriza nas pessoas. Isso

também está refletido no diverso círculo de amigos que ele fez

ao longo da vida, seja no lado pessoal ou profissional. Vários

desses amigos ele ajudou de forma despretensiosa. Lembro da

Simone contando a história de como ele ajudou o Sebastião

(Divino de Souza, fotógrafo da então DICOM) no início da sua

carreira de fotógrafo trazendo equipamentos do exterior, na

época caros e inacessíveis no Brasil. Como esse, existem vários

outros vários exemplos da sua grande generosidade. Ele

sempre teve um “grande coração”, apesar de nem sempre isso

ser algo totalmente transparente. Acho que aqueles que o

55

Page 72: Livro Paulo Alvim

reconhecem de verdade irão concordar com essa afirmação.

Por fim, me resta concluir dizendo que o meu pai foi, e

continua sendo, uma grande referência de valores que sempre

admirei e procurei adotar como meus. Valores que, não tenho

dúvida, moldaram a minha personalidade e caráter. Tenho que

agradecer muito a Deus por ter nascido seu filho e espero um

dia, assim como ele fez, conseguir transmitir esses valores aos

próprios filhos.”

As principais características de Paulo Alvim são o bom

humor e o alto astral. Não se deixa apequenar pelo cotidiano da

vida, está sempre disposto a ver o lado bom das coisas. Poucas

vezes se vê Paulo Alvim reclamar de alguma coisa ou ficar mau-

humorado; ele sempre enxerga um pouco mais longe.

Em dezembro de 1969 a CEPLAC mandou uma equipe

de cinco pesquisadores para participarem no Congresso

Internacional de Cacau em Accra, Ghana. Antes de Accra,

foram à Nigéria, Camarões e Costa do Marfim, países africanos

também produtores de cacau, e depois voltaram à Nigéria para

sair da África. A viagem foi cheia de fatos dignos de registro. A

Nigéria estava em guerra — a guerra da Biafra. Por isso ou por

outro motivo saíram do Brasil com vistos de apenas 30 dias

para a Nigéria.

Como foram visitar outros países, o visto expirou.

Assim, coube a Mirian, esposa de Paulo Alvim, obter os vistos

para toda a equipe em Accra, Ghana. O relato é da própria

Mirian: “Fui à Embaixada da Nigéria no carro da Embaixada do

56

Page 73: Livro Paulo Alvim

Brasil em Ghana. Quando lá chegamos havia uma multidão de

mais ou menos uma centena de pessoas gritando na porta da

Embaixada da Nigéria, cada um falando seu próprio dialeto. Eu

não tinha idéia de como poderia entrar na Embaixada com toda

aquela gente na porta. Eram pessoas de diferentes tribos ou

etnias, as diferenças podiam ser vistas pelos cortes nos rostos e

pelo diferentes dialetos falados.

Uma pessoa normal teria voltado e tentado obter os

vistos por outro meio, principalmente porque eu estava grávida

de três meses, após um longo e caro tratamento para

engravidar. No entanto ali permaneci procurando uma forma

de chegar ao primeiro andar do prédio, onde ficava a

Embaixada. De repente, eu me vi nos braços do chofer da

Embaixada e de mais alguém e passando por cima de toda a

multidão colocaram-me na porta da Embaixada da Nigéria.

Subi as escadas e cheguei a uma grande sala com uma

mesa, uma cadeira e uma montanha de passaportes no chão da

sala. Pensei, entrego ou não entrego os passaportes para este

senhor? Porém eu não tinha alternativa, e os entreguei.

Expliquei o motivo da minha ida à embaixada, entreguei os

passaportes e esperei. O funcionário da Embaixada não me

forneceu nenhum formulário para preencher, não me fez

nenhuma pergunta e não disse uma única palavra. Arrancou os

passaportes da minha mão e foi para a outra sala, após algum

tempo voltou e entregou-me os passaportes com os vistos sem

dizer nada. Desci as escadas, entrei no carro, uma Mercedes

Benz, acho que prata, e fui embora.

57

Page 74: Livro Paulo Alvim

Na mesma viagem outros fatos interessantes

aconteceram. O retorno de Ibadan para Lagos, para pegarmos

um vôo e sairmos da Nigéria. Paulo Alvim não havia feito

reserva em nenhum hotel na cidade de Lagos, capital da

Nigéria. Assim, quando chegamos cidade havia um congresso

de médicos e todos os bons hotéis estavam lotados. Por isso

ficamos em um hotel na periferia da cidade. A cidade estava em

estado de blackout”, e sem água.

Corria o mês de dezembro, verão, um calor terrível e

úmido, quase como na Bahia. Chegando ao apartamento do

hotel chamei um camareiro e pedi vinte garrafas de água

mineral, sem gelar. Nunca tomei um banho tão caro. Depois

saímos para jantar. À noite e sem luz na cidade, usamos

pequenas lanternas para iluminar o caminho, lanternas

também para ler. No mercado fizemos compras à luz de velas.

Outra passagem interessante ocorreu na nossa saída de

Paris. No dia da viagem fomos jantar em um restaurante bem

distante do hotel onde estávamos hospedados. Jantamos e

saímos do restaurante, já na estação do metrô, quando Paulo

Alvim lembrou que havia esquecido o chapéu e o casaco. Esses

esquecimentos eram uma constante no comportamento de

Paulo Alvim. Esquecia, invariavelmente, chapéus, casacos e

outros objetos que se costuma transportar nas viagens. Assim,

voltei sozinha para o hotel e ele voltou ao restaurante para

pegar os objetos esquecidos. Já na estação do metrô, eu não

sabia em que direção ir para chegar ao hotel. Dirigi-me ao mapa

‘‘

58

Page 75: Livro Paulo Alvim

da rede do metrô e comecei a procurar, ou melhor, a tentar

adivinhar qual o trem a pegar. Ao meu lado apareceu um

policial, brasileiro, que estava lá fazendo um curso e disse-me:

“... estamos indo na mesma direção, venha comigo”. No hotel

desci a bagagem, paguei a conta e fiquei à espera de Paulo

Alvim. No táxi que ele veio fomos para o aeroporto, quase que

“voando baixo”. Só conseguimos chegar a tempo porque era

quase meia noite e as ruas de Paris estavam desertas.

59

Os quatro filhos de Paulo Alvim com Leontina —

Marília, Paulo Cesário, Heloisa e Leonardo — passaram uma

temporada sob nossos cuidados em Ilhéus. A Heloisa é a mais

tranqüila, e a mais quieta. No final de 1968, ou início de 1969,

mudou-se para Ilhéus e ficou um tempo conosco. Nesse

período ela conheceu um rapaz holandês e casou-se com ele. O

casamento foi realizado em nosso apartamento. Logo depois

eles foram para a Holanda. A partir daí quase não tive contato

com a Heloisa. Após o nascimento de Alexandre, nosso único

filho, resolvi voltar a trabalhar e nesse mesmo período, Paulo

Cesário e o Leonardo vieram para Ilhéus morar conosco. Hoje,

olhando para trás considero esse período dos mais difíceis e

também o mais educativo da minha vida. Os dois filhos de

Paulo Alvim, Paulo Cesário e Leonardo, são pessoas bem fora

do contexto, para qualquer ser humano que se considere

“normal”. Os dois, como os demais irmãos, são bem

inteligentes. O Paulo Cesário, especialmente, tem um QI muito

acima do normal.

Page 76: Livro Paulo Alvim

O pior era chegar do trabalho à noite e encontrar a casa

toda revirada com uma orquestra no living do apartamento

com a finalidade do Paulo Cesário compor músicas de uma nota

só e treinar. A melhor passagem foi a do dia em que o Paulo

Cesário havia utilizado todo o papel higiênico e os guardanapos

existentes, para construir uma caixa de som, a fim de fazer uma

experiência acústica. Apesar de todos os acontecimentos dessa

época sempre olho para trás sem rancor ou tristeza, pois é

nesses momentos que aprendemos e melhoramos ou não;

ficando a pergunta: “Somos capazes de aprender as lições da

vida?”

60

Page 77: Livro Paulo Alvim

Em 1963, Simone Cerqueira informa pela imprensa

escrita e falada a notícia da chegada do Dr. Paulo Alvim, técnico

de nível internacional do Instituto Interamericano de Ciências

Agrícolas da OEA – Organização dos Estados Americanos, para

implantar na região o CEPEC – Centro de Pesquisas do Cacau,

da CEPLAC, por ele idealizado.

Naquela época, quando tudo dependia do cacau,

tornou-se um acontecimento de maior interesse para a região,

mais especialmente para a lavoura cacaueira.

‘‘Conheci pessoalmente Paulo Alvim, através de minha

amiga Eliane Sabóia, bibliotecária do Instituto Nacional do

Livro, que veio a seu convite para instalar e chefiar a futura

biblioteca por ele criada. Passando casualmente em frente à sua

casa Eliane pediu-me para entrar, porque o Dr. Paulo Alvim

estava lá e queria falar comigo” - relata Simone.

Entrei e encontrei Paulo Alvim, que me pareceu um

estrangeiro usando uma gravatinha borboleta, suspensórios,

traje nada usual na região. Dirigiu-se a mim falando em inglês e

convidou-me para trabalhar com ele, dizendo que precisava de

alguém fluente em inglês, porque até aquele momento não

conseguira ninguém. Agradeci o seu convite e informei-lhe que

Alvim chega à região

para instalar o CEPEC

61

12

Page 78: Livro Paulo Alvim

realmente tinha feito curso de letras anglo-germânicas na

Universidade Federal da Bahia e também o curso de

especialização durante um ano, na Universidade de Coral

Gables, na Flórida, nos Estados Unidos e minha formação era

direcionada para o magistério. Gostava muito de ensinar e não

tinha os atributos necessários, como datilografia, arquivo, etc.,

para uma secretária bilíngüe. Disse-me que mesmo assim

estava interessado nos meus préstimos.

Assim, dias depois, veio um carro buscar-me e levou-me

para o Escritório da CEPLAC, em Itabuna, que funcionava no

Edifício Tupinambá, na Av. Cinquentenário, passando em

novembro daquele ano para a sede definitiva – antigas casas de

fazenda, desapropriadas, no km 22 da rodovia Ilhéus/Itabuna.

Atualizei o seu trabalho e combinei de ficar até que se

achasse a minha substituta. Não foi fácil tomar aquela decisão.

Final de junho, férias escolares do meio do ano. Eu era a única

professora de inglês do Ginásio Municipal de Ilhéus. Ensinava

aos alunos do ginásio e do científico. Os famosos atrasos de

vencimentos já eram bem conhecidos naquela época. O

prefeito estava tentando regularizar os salários que vinham

atrasados desde o ano anterior, depois de uma greve em

novembro de 1962.

O ambiente de trabalho era muito constrangedor. O

prefeito tinha um programa na Rádio local, todos os dias às

12h30min, intitulado “O prefeito fala com o povo” – onde

chamava muitas vezes os professores que reclamavam

62

Page 79: Livro Paulo Alvim

nominalmente e justificava aquela falta de pagamento, dizendo

que o professor era como um sacerdote e devia exercer sua

profissão por amor. Mesmo assim achava muito gratificante

ensinar, numa época em que os alunos tinham o maior respeito

pelos professores. Tomei uma licença de seis meses e indiquei

para substituir-me uma excelente aluna do meu curso

particular, professora que ocupou o meu lugar.

Assim passei a trabalhar como secretária de Paulo

Alvim. Na realidade era um trabalho muito interessante,

porque não era rotina de secretaria. Paulo Alvim tinha uma

maneira muito peculiar de se vestir. Usava umas camisas muito

estampadas, com desenhos de pássaros, botas americanas, e

gostava muito de um chapéu. Dedicava-se inteiramente ao seu

trabalho, naquela fixação que sempre teve de tornar o CEPEC o

maior Centro de Pesquisas de Cacau do mundo, não só

ajudando a lavoura cacaueira, mas também o desenvolvimento

da região.

Naquela ocasião já havia muito movimento no

escritório. Recebia técnicos recém-contratados, a grande

maioria da Universidade Federal de Viçosa a que credita o seu

sucesso profissional; fazendeiros, membros do CCPC –

Conselho Consultivo dos Produtores do Cacau e visitantes, e

isso tomava grande parte do seu tempo.

Quase todo o dia ia ao campo, o que não permitia

terminar todo o seu trabalho, ficando muitas vezes até tarde da

noite no escritório, não somente despachando assuntos

63

Page 80: Livro Paulo Alvim

burocráticos ou pessoais, mas também gravando relatórios e

correspondências que dependiam exclusivamente dele para a

secretária. O senhor Carlos de Carvalho, seu motorista, levava-

o de volta ao Lord Hotel, onde morava.

Interessante é que o senhor Carlos tinha pequena

fazenda de cacau, e algumas vezes até pagava as contas de fim

de mês de Alvim, para ser reembolsado no seu retorno.

Logicamente que agia assim por vontade própria.

Paulo Alvim é uma pessoa muito humana e simples e

tentava ajudar a todos que o procuravam. Muito carismático, se

identificava com seus auxiliares, que lhe tinham não só respeito

e afeição pela maneira cordial e igual com que tratava a todos.

Era exigente no trabalho, mas sabia como cobrar. Não era

vaidoso e tratava aos colegas de profissão com o respeito que

mereciam. Muito sofrido e sentimental, embora pouco

demonstrasse, ficava muito alegre quando recebia cartas de sua

mãe, Dona Neném, a quem tem até hoje, um profundo

reconhecimento pelo grande sacrifício que fez para educá-lo e

aos seus irmãos.

Naturalmente uma secretária torna-se uma peça

fundamental para o trabalho do seu chefe. Assim passei a

conhecê-lo muito bem, conhecia muito bem os seus problemas,

até mesmo pessoais, e tentava ajudá-lo. Na realidade não só

me autorizava como exigia que eu abrisse todas as suas

correspondências e respondesse o que fosse possível. Na

verdade tinha uma grande admiração pela sua inteligência e

capacidade de trabalho.

64

Page 81: Livro Paulo Alvim

Tornou-se um grande amigo de minha família e

freqüentava nossa casa, em reuniões, festa de família e muitas

vezes aos domingos aparecia com técnicos estrangeiros a

trabalho na CEPLAC. Como sabíamos da dificuldade em

arranjar restaurantes naquela época, o convidávamos e os seus

colaboradores, para almoçar conosco.

Em 1967, meu pai sofreu um grave acidente, perdendo

uma perna, e por absoluta necessidade de recursos médicos,

nos mudamos para o Rio de Janeiro. Alguns meses depois

voltei a trabalhar na Secretaria-Geral da CEPLAC, a princípio

com o Carlos Brandão e depois José Haroldo. Assim continuei

de certa forma trabalhando ocasionalmente para Paulo Alvim,

pois sempre passava pelo Rio, para reuniões, conferências, ou

em trânsito no Rio, por ele convidados para trabalhar no

CEPEC.

Até então nosso relacionamento era exclusivamente

funcional. A partir de setembro/outubro de 1971, Paulo Alvim

passou a telefonar para a minha casa com desusada freqüência,

muitas vezes até de aeroportos em trânsito, para tratar do

óbvio.

Naturalmente senti que não se tratava mais de assuntos

de trabalho, o seu interesse parecia-me outro. Saímos algumas

vezes até que em janeiro de 1972 convidou-me para jantar

porque tinha algo muito importante para falar comigo. A essa

Simone Alvim

65

Page 82: Livro Paulo Alvim

altura já não era mais admiração pela sua inteligência, mas

estávamos realmente envolvidos por um sentimento muito

forte.

Convenci-me que éramos muito parecidos na essência;

tínhamos os mesmos valores e interesses, e tinha a certeza que

casando seríamos muito felizes. Tomada a decisão, achou que

devido à consideração que tinha a minha família, queria logo

falar com meus pais.

Educada em uma família religiosa de costumes

tradicionais sabia muito bem o quanto seria difícil levar o

assunto aos seus conhecimentos. Paulo Alvim sempre foi muito

bem-vindo a nossa casa. Meu pai, um dentista vitorioso na sua

profissão, se alegrava muito com seus relatos de viagens, mas

morando no Rio gostava mesmo de falar de cacau. Lembro-me

bem que com o sucesso das novas técnicas da lavoura, a

produção estava melhorando e por sua sugestão construiu um

secador na fazenda.

Naquela noite foi tudo diferente. Meu pai ficou mesmo

muito surpreso, assustado e até mesmo incrédulo do que estava

ouvindo. Somente depois de muitas explicações e

entendimentos foi encontrada uma solução: casar em Santa

Cruz de la Sierra, Bolívia. Com a certidão do casamento, e por se

tratar de um funcionário internacional, pude assegurar para

mim todos os direitos de família.

66

Page 83: Livro Paulo Alvim

Em julho viajamos para a Europa. Recebi o grande

prêmio da minha vida: em novembro nasceu em país de Gales –

Inglaterra, a nossa filha Fátima. Paulo Alvim tinha voltado para

o Brasil e só a conheceu perto do Natal.

Em fins de janeiro de 1973 voltamos ao Brasil, passamos

pelo Rio para visitar meus pais e batizar nossa filha, e ficamos

na hospedaria da CEPLAC por algum tempo, até quando nos

mudamos definitivamente para a “casa do diretor”, recém

construída com material que sobrou da construção do CEPEC.

Foi realmente uma das grandes alegrias de sua vida: morar na

área de seu trabalho.

Montamos a casa e lá nos instalamos. Como era natural

fiquei responsável por sua administração e até fizemos uma

conta conjunta para que o Paulo Alvim só se preocupasse

mesmo com seu projeto e nada atrapalhasse o seu trabalho. Foi

sempre uma pessoa extremamente econômica, mas nunca por

ambição e sim pelos inúmeros encargos financeiros dos quais

nunca pôde se libertar, que sempre o acompanharam por toda

sua vida.

Em nossa casa havia um quarto especialmente para

hóspedes. Na realidade, a não ser José Haroldo, que em suas

vindas a Ilhéus aproveitava a noite para resolver com Paulo

Alvim assuntos da CEPLAC e se hospedava conosco, muito

raramente ficava alguém.

Fátima, o grande presente

67

Page 84: Livro Paulo Alvim

Apesar do convite, preferiam

hospedaria que realmente era também muito confortável. À

noite sempre vinham jantar conosco e ficavam até tarde

conversando sobre assuntos do seu interesse. Algumas vezes,

quando não estávamos esperando era um corre-corre danado

para aprontar o jantar.

Os jantares oficiais eram sempre oferecidos em nossa

casa. Ali recebíamos ministros, membros do CNPC – Conselho

Nacional dos Produtores do Cacau, políticos, técnicos, etc.

Havia jantares para até oitenta pessoas. O buffet escolhido era

sempre “comida baiana”, que geralmente agradava a todos.

Tudo isso era feito com muito prazer. Paulo Alvim sempre

gostou de receber, além de viajar muito para participar de

reuniões, conferências internacionais, congressos e mesmo a

serviço da própria CEPLAC; mas sempre que possível voltava

nos fins-de-semana. Adorava estar em casa e parecia uma

criança com Fátima e Alexandre que não sendo meu filho

biológico, foi sempre do coração. Passava conosco fins-de-

semana, feriados e algumas férias na praia de Olivença, onde

temos uma casinha de veraneio, tornando-se assim um grande

companheiro de sua irmã Fátima, hoje muito unidos e amigos.

A educação da minha filha, como era natural, ficou sob a minha

responsabilidade. Tentei passar para ela a mesma formação

que recebi, preparando-a para a vida “educação e trabalho”.

Escolhia sempre bons colégios e como trabalhava o dia

inteiro coloquei-a aos três anos em um colégio Montessoriano

mesmo ficar na

68

Page 85: Livro Paulo Alvim

em Itabuna, das oito às cinco da tarde, porque preferia que nas

minhas ausências ficasse em um lugar com orientação

pedagógica. Fez o curso ginasial no colégio “Gato de Botas” da

professora Rita Fontes e o primeiro e segundo científico no

colégio “Nossa Senhora da Piedade” em Ilhéus. Esses dois

últimos anos, por conveniência nossa, ficou com meus pais em

Ilhéus, quando foi estudar em Viçosa.

Fátima sempre foi uma boa aluna, muito responsável, e

nunca tive qualquer tipo de problema com seus estudos. Quero,

no entanto enfatizar que Paulo Alvim nunca foi um pai ausente;

cooperava sempre para o sucesso da sua filha. Além do exemplo

de trabalho e de honestidade, conversava muito com ela sobre a

importância e a necessidade de estudar e trabalhar. Aliás,

realizou um de seus grandes sonhos. Estudou agronomia em

Viçosa, cumprindo assim o seu desejo, que era seguir a

profissão do seu pai. Hoje Fátima é pesquisadora da UESC –

Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus. Tem um MSc

em fisiologia vegetal e doutorado em biologia molecular.

Casou-se com o pesquisador Júlio Cascardo, e tem um filho

chamado Tomás.

Em 1983, atendendo a um convite da Universidade de

Flórida, passamos um ano nos Estados Unidos. Paulo usou sua

licença sabática e, além dos compromissos com a Universidade,

realizou alguns trabalhos de pesquisas de interesse do CEPEC.

Naturalmente estava sempre em contato com a direção da

CEPLAC e até veio algumas vezes ao Brasil para participar de

69

Page 86: Livro Paulo Alvim

reuniões que exigiam sua presença. Acredito, no entanto, que

também seu grande interesse era levar seus filhos, Fátima e

Alexandre, para aprender o idioma inglês. Foram matriculados

em colégios públicos que consideram os melhores em países

onde se privilegia a educação. Com os atestados de freqüência e

resultado dos exames devidamente reconhecidos no Brasil não

tiveram nenhum prejuízo no Currículo Escolar. Hoje falam e

escrevem o idioma inglês corretamente. Importante também

que nos familiarizamos com os mais modernos computadores

de última geração daquela época e que já estavam em uso na

Universidade. Paulo ficou impressionado com o avanço da

tecnologia e interessou-se em introduzi-la na CEPLAC, pela

sua utilidade como instrumento de trabalho.

Paulo Alvim não gostava de viajar sozinho ao exterior.

Assim, quando possível, o acompanhava. As minhas passagens

eram sempre pagas pelos organismos internacionais que o

convidavam. Ali então tinha esposa/secretária. Quando em

reuniões ou conferências ficava muitas vezes em bibliotecas,

tomando nota de revistas e livros mais atuais para trazer para o

CEPEC.

Fazíamos essas viagens com muita economia, de modo

que não visitávamos lojas de moda, mas sempre nos

acompanhava em lojas de novidades científicas bem atuais

para trazer algo para o seu querido CEPEC.

70

Page 87: Livro Paulo Alvim

Nunca dispensava a minha presença naquelas solenidades”, diz

Simone. “Não nego que ficava muito orgulhosa pelo

reconhecimento dado ao seu trabalho, mas também vaidosa

sempre que falava em mim. Gostava de dança e à noite dava-me

aquele costumeiro presente. Vamos dançar?”

Durante toda sua vida recebeu medalhas e comendas.

Opção pela CEPLAC

Em 1977 teve que fazer uma opção entre o IICA e a

CEPLAC. Naturalmente gostava muito do IICA, mas sua opção

já era esperada. Ficou na CEPLAC. A Direção do IICA fez-lhe

Casa em Ilhéus: Paulo Alvim, Simone e Jacques.

71

Page 88: Livro Paulo Alvim

uma homenagem, dando-lhe o título de Pesquisador Emérito,

com o ordenado simbólico de U$1,00 (um dólar) por ano.

Também lhe deu o direito de continuar filiado ao Serviço de

Saúde da OEA, o que muito usou durante toda a sua vida.

Assim continuou fazendo o seu trabalho para

transformar o CEPEC no maior “Centro de Pesquisas de Cacau”

do mundo. Nunca foi político, por isso atravessou todas as

administrações da CEPLAC.

Em 1991, foi aposentado compulsoriamente por idade –

70 anos – mas apenas formalmente, continuando a servir a

CEPLAC usando todo seu prestígio internacional como se seu

funcionário fosse.

“Peço a Deus que ainda por muitos anos.’’

Paulo Alvim, Fátima, Simone e o netinho Tomás.

72

Page 89: Livro Paulo Alvim

Teve Paulo Alvim com Simone uma única filha, Fátima ,

que é pesquisadora na UESC. Em depoimento colhido junto a

Fátima Alvim, ela confessa que, no decorrer de dias tão

ocupados, como são todos os dias de praticamente todos os

cidadãos, recordou de situações que ora a faziam abrir um largo

sorriso e horas que a levavam a discretas lágrimas. Achei

também interessante a maneira como me fez o convite, em um

dos primeiros e-mails; justificava assim: “... O pai é tudo na

vida de uma pessoa’’; e nisso preciso concordar em gênero,

número e caso.

Em uma segunda etapa da mesma mensagem solicitava

a mim escrever sobre “Como o papai influenciou a minha vida

pessoal e profissional”. Aqui preciso dizer que interes-

santemente a resposta é simples e reside na sua primeira

afirmação: o pai, independentemente de quem sejam os

envolvidos, é tudo na vida de uma pessoa. Pais e mães doam em

proporções idênticas as características genéticas de um

indivíduo, já pregava Mendel em 1865. Em uma opinião muito

particular,vejo como a principal influência ambiental no

desenvolvimento do caráter e dos valores éticos do indivíduo as

bases familiares compartilhadas em um lar.

73

13

Page 90: Livro Paulo Alvim

E aqui só posso agradecer aos meus pais o exemplo e a

dedicação desprendida a nossa família. Sendo assim, é que

reside a formação da minha pessoa. Papai, particularmente,

sempre foi extremamente ligado à família. Lamentavelmente

pouco conheceu o pai, o senhor Francisco Alvim Carneiro, visto

que ele faleceu, de tuberculose, em 1921, quando papai tinha

apenas dois anos de idade. A mãe Dona Alaíde Brandão — Dona

Neném, — ficou viúva, sem dinheiro, com bem menos de 30

anos e com quatro filhos para criar, sendo papai (Paulo Alvim)

o caçula.

Foi nesta época que ela retornou à sua terra natal, Ubá,

Minas Gerais, onde começou a costurar para ganhar a vida. Até

onde sei, foram tempos difíceis. Papai ajudava vovó como

podia, inclusive na profissão. Jura, e aqui existem

testemunhas, que sabia fazer como ninguém, o mais

complicado plissê das saias das madames da alta sociedade

Ubaense. Apesar dos tempos difíceis, papai sempre foi uma

figura especial. Era coroinha da igreja e aos nove anos já tinha a

sua primeira coluna no jornal de Ubá. Chamava-se “Eu

Critico”. Nesta coluna semanal ele criticava tudo e todos da

cidade. Algo como: “... Eu critico dona fulaninha que deixou o

marido em casa e foi para a missa das 10:00 horas”, etc.

Papai, uma figura especial...

74

Page 91: Livro Paulo Alvim

Parece-me que as pessoas da cidade já ficavam nervosas

com a expectativa de ver quem seria o “criticado” da semana.

Como a coluna não era assinada, ninguém sabia que ele era o

autor, nem mesmo a mãe. Dizem que depois de um tempo

começaram a desconfiar dele e várias pessoas foram tirar

satisfações com Dona Neném. Esta, por sua vez, chamava o

filho que, obviamente, negava. Até que um dia descobriram e

esta, provavelmente, deve ter sido a maior bronca que o papai

já recebeu da vovó. Mais tarde, aos 12 anos, ele teve outra

coluna no jornal. Mas esta era assinada e certamente bem

menos polêmica.

Ubá realmente deveria ser uma cidade especial. O nosso

grande compositor Ary Barroso é Ubaense. Dentre as músicas

de sua composição escreveu uma intitulada “Quem quebrou o

meu violão?”. A música fala sobre o seu violão de estimação

que havia sido quebrado. Muitos acham que se tratava de uma

situação inventada. O que poucos sabem é que quem quebrou o

violão de estimação foi uma tia do papai que tinha um namorico

com o Ary Barroso. Em momento de fúria o quebrou todinho.

Depois que se formou em agronomia em Viçosa foi

morar no Rio de Janeiro para ajudar ao irmão Geraldo que era

jornalista, fundador da “Folha de Minas”. A sua volta a Viçosa

foi fruto de uma grande coincidência. Nesta época papai

morava em um Hotel bem simples, no Rio, na Glória, para ser

mais exata. Em certa noite, chegando ao Hotel, encontrou um

conhecido de Viçosa sentado na calçada. Muito triste, posso

dizer até mesmo desesperado. Papai sentou-se ao seu lado e

75

Page 92: Livro Paulo Alvim

começaram a conversar. Este conhecido, na época professor de

botânica, contou-lhe que a esposa acabara de falecer. Papai

ficou estarrecido com a situação do colega. Ficaram os dois

praticamente a noite inteira conversando.

No final da conversa este professor falou que estava

decidido a ir embora de Viçosa e perguntou se papai não

gostaria de ficar na posição dele na ESAV. Caso positivo, ele

poderia indicá-lo para o cargo. Obviamente papai aceitou. No

dia seguinte teve o seu nome indicado e logo em seguida foi

chamado pela ESAV. Ele prontamente respondeu, ainda via

telegrama: “Sigo Segunda”. A situação financeira de casa era

tão complicada que os amigos brincam até hoje que na verdade

ele quis dizer: “Sigo de segunda”. Brincadeiras à parte foi uma

época muito proveitosa.

Desta época de professor ele conta duas histórias que,

não sei por quê, me marcaram profundamente. A primeira foi

sobre uma turma que ele foi paraninfo. Nesta época ele estava

ministrando aula de fisiologia vegetal (disciplina que ele foi o

criador na ESAV). Neste dia ele ficou até de madrugada

preparando a aula prática. Sempre foi muito perfeccionista. Lá

em Viçosa temos a seguinte regra: dez minutos de tolerância

para o professor. Se ele se atrasar mais, a aula está dispensada.

Neste dia, como ele estava muito cansado, terminou perdendo

o horário.

Sendo assim, saiu esbaforido de casa, com a sua bicicleta

vermelha, pedalando em direção ao prédio de aulas. Os alunos

76

Page 93: Livro Paulo Alvim

o avistaram chegando, mas rapidamente pegaram as suas

coisas e saíram correndo. Havia se passado exatos dez minutos.

Papai viu e ficou extremamente chateado. Passou todos na

disciplina e disse que nunca mais daria aula para esta turma. E

realmente não deu.

Por isso foi uma grande surpresa quando foi convidado,

por esta turma, a ser o seu paraninfo. Vi o carinho que eles têm

para com o papai no ano passado quando alguns estiveram na

nossa casa no dia da comemoração do aniversário de 89 anos

do papai. Na ocasião confirmei a veracidade da história. Para

minha surpresa foi exatamente assim que aconteceu. A

segunda história aconteceu durante uma Semana do

Fazendeiro. A Universidade Federal de Viçosa até hoje

promove uma semana anual dedicada aos fazendeiros da

região. Alunos e professores ministram mini-cursos voltados à

comunidade rural. Não me recordo bem o título do mini-curso

do papai. Sei que a audiência era composta basicamente por

mulheres dos fazendeiros e um menininho. Ele disse que ficou

horas falando sobre semeadura e germinação de sementes e o

menino super compenetrado prestando a maior atenção.

77

No final da palestra, quando questionou a platéia sobre

as dúvidas, apenas o menininho levantou a mão. Ele cedeu à

palavra e o menino mostrou um ramo bifurcado de uma planta

com uma mudinha nascendo bem na bifurcação. A dúvida era

qual a explicação do papai para o fato. A resposta do papai foi

que, seguramente, um passarinho deveria ter depositado uma

semente na bifurcação e que com a chuva a semente deveria ter

Page 94: Livro Paulo Alvim

hidratado e germinado. Mas esta explicação, que simplifiquei,

ele falou bem detalhadamente para o menininho entender. E o

menino ficou lá prestando a maior atenção. Quando ele

terminou o menininho levantou de novo a mão e disse: “Não

senhor, fui eu que coloquei” e retirou a plantinha da bifurcação.

Ele disse que ficou com um sorriso amarelo no rosto e

rapidamente finalizou o mini-curso.

Ainda como professor da ESAV ele fez o doutoramento

na Universidade de Cornell, nos EUA. Anos depois, quando

estávamos morando na Flórida (1983) fomos todos fazer uma

visita a Comell, e conhecer de perto o alojamento em que ele

morara.

Acho que a paixão pela Bahia bem como pela CEPLAC

foi imediata. Eu, que nasci em 1972, testemunhei a minha vida

inteira a dedicação e o profundo amor que ele sempre nutriu

por esta instituição. Minhas recordações, todas de infância,

estão de alguma maneira entrelaçadas à CEPLAC. Mesmo

porque morávamos em frente à mesma e, portanto, a nossa

casa era de certa maneira um prolongamento da CEPLAC.

Nesta época acredito que a CEPLAC estava no auge.

Parecia uma mini-cidade. Tinha banco, médico, posto

de gasolina e fabricava chocolate. Sei que tinha um universo de

coisas a mais, mas a minha visão infantil era isso que

importava. Na minha maior estima estava também o

alojamento da CEPLAC. Algumas vezes, quando os meus pais

saiam à noite, eu ficava com a Dona Maria, uma simpática

senhora que era responsável pelo alojamento. Dona Maria não

78

Page 95: Livro Paulo Alvim

só me fazia companhia como permitia que eu assistisse à novela

das 8 h e ainda me presenteava com a melhor banana-real que

já experimentei. Foi na CEPLAC que aprendi a andar de

bicicleta e tive as minhas primeiras aulas de direção com o

papai, geralmente aos domingos. Como pode ver, a CEPLAC ia

além de um local de trabalho puro e simples. Definitivamente

ela era parte da nossa vida familiar.

Papai era o “Diretor Executivo do Centro de Pesquisas

da Lavoura Cacaueira”, decorei isso e dizia para todos que me

perguntavam, mesmo sem saber ao certo o que significava.

Lembro que ele trabalhava muito, pois sempre que ia me deitar

ainda o via no escritório da casa, debruçado em cima de uma

montanha de papéis e livros. Lá ficava até depois da meia noite

e às 7h já estava de pé, pronto para ir trabalhar. Ele era

extremamente respeitado por todos. Homem sério e

responsável ao extremo. Imagino que quem trabalhava com ele

deveria ser pressionado em tempo integral, pois como ele não

parava nunca, seria de se esperar tudo solicitado “para ontem”.

Eu mesma cresci ouvindo o texto “Uma mensagem a

Garcia”. Ele pedia para eu pegar alguma coisa e se eu

perguntasse onde estava ele respondia: “Garcia, procure na

mesinha de cabeceira”. Diz ele que distribuiu a mensagem a

todos que trabalhavam com ele. Eu tenho ainda hoje a

mensagem e recomendo a todos os meus alunos/orientandos a

lê-lo. É a primeira atividade do laboratório.

Para não perder a oportunidade de divulgar, mais ainda,

o texto de Helbert Hubbard , autor de “Uma mensagem a

79

14

Page 96: Livro Paulo Alvim

Garcia’' informa-se que o texto circulou amplamente nos EUA,

entre os funcionários da Estrada de Ferro Central de Nova

York, passando para a distribuição nas Estradas de Ferro

Russas, daí seguia sua trajetória por outros países: Alemanha,

França, Turquia, Hindustão, e China. Durante a guerra entre a

Rússia e o Japão, foi entregue cópia de “Uma Mensagem a

Garcia” a cada soldado russo que se destinava ao front. Os

japoneses, ao encontrar os livrinhos em poder dos prisioneiros

russos, chegaram à conclusão que havia de ser uma coisa boa e

não tardaram em vertê-lo para o japonês, por ordem do

Mikado.

Mais de quarenta milhões de exemplares de “Uma

Mensagem a Garcia” têm sido impressos, o que é, sem dúvida, a

maior circulação jamais atingida por qualquer trabalho

literário durante a vida do autor. Por esta razão e pela

admiração do mestre e amigo Paulo Alvim ao texto,

transcrevemos na íntegra Helbert Hubbard, em anexo.

80

Page 97: Livro Paulo Alvim

Voltando ao depoimento de Fátima, filha de Paulo

Alvim, “Hoje, quando paro para lembrar esta época, constato

que todos na casa eram meio cientistas. Tínhamos um espaço

ao lado do canil reservado e destinado exclusivamente a alguns

experimentos científicos do papai. O Constantino, vigilante de

longa data, muitas vezes passava a noite inteira a anotar em um

caderninho os resultados que papai precisava. As coletas eram

feitas a cada hora. Pela manhã papai analisava os dados, ainda

no café da manhã. A casa parecia um mini-jardim botânico. A

sua porção botânica sempre o fazia se referir às espécies pelo

nome científico, algumas vezes apenas falávamos o nome

vulgar ou comum.

Ele sempre amou as plantas e vivia trazendo espécies

exóticas para o nosso jardim. Foi assim com a Mussaenda sp, que

ele trouxe do Jardim Botânico de Cingapura, e da Eritrina

javanica, que não sei ao certo de onde veio. Hoje em dia ele diz

que talvez estas tenham sido as ações mais importantes dele

visto que ambas as espécies estão sendo amplamente utilizadas

nos projetos paisagísticos nacionais.

Ele sempre amou as plantas

81

Page 98: Livro Paulo Alvim

Em 1997 tive o prazer de ir visitar o Jardim Botânico de

Cingapura e lá pude comprovar que a Mussaenda sp. original, a

doadora da estaca, ainda estava no mesmo local que ele falou.

Obviamente tirei várias fotos no local para depois enviar ao

papai.

Apesar de toda a exigência e da importância do seu

cargo, papai sempre foi uma pessoa extremamente simples e

humilde. Ele tem um carisma que encanta a todos,

independente do nível social, idade ou sexo. Pedia as coisas

mais mirabolantes, mas todos faziam, pois ele realmente

sempre foi irresistível. Quanto à sua humildade e lucidez acho

que podem ser facilmente ilustradas com o seguinte fato,

simples e sincero.

Presenciei muitas vezes pessoas perguntando para o

papai quem era o seu melhor amigo. Ele respondeu, “Senhor

Carlos”, que era o motorista e realmente um grande

companheiro do papai. Uma pessoa muito querida por todos

nós. Sei que era recíproco, pois vejo o senhor Carlos até hoje.

Assim como o Mané Preto, o garçom. Um dia desses Mané

Preto ligou aqui na minha sala, preocupadíssimo, pois soube

que papai havia colocado um marca-passo. Constantino,

lamentavelmente já faleceu. Esta resposta dada pelo papai, de

coração, prova para mim que ele sabia distinguir, nesta vida

cheia de “glamour”, quais eram os seus relacionamentos

pautados em cima de respeito, sinceridade e desprovido de

outras intenções.

82

Page 99: Livro Paulo Alvim

Em casa papai sempre foi um crianção. Tomávamos

banho de chuva, mesmo estando gripados. Foi o primeiro, e

talvez o único, a preconizar que chuva não tem nada a ver com

gripe, para desespero da mamãe. Sorvete também estava

liberado. Permitiu que tivéssemos doze cães simulta-

neamente... E eles tinham acesso livre à casa, desde que a

mamãe ou as secretárias não estivessem por perto.

Tivemos araras, mico, papagaio, sabiá, galinha e até

mesmo uma cobra. Esta foi uma aquisição que ele trouxe para

casa durante uma enchente. Lembro do papai chegando à casa

a pé, em um dia horroroso, com uma sombrinha preta aberta e

invertida. Fiquei super curiosa e quando olhei na sombrinha lá

estava à cobra. ECA! Este preciso concordar, não era nada

simpática.

Uma das grandes paixões do papai eram os seus carrões.

Tínhamos dois Landaus, um verde e um prateado. Esses só

podiam ser utilizados aos finais de semana, com tempo bom,

nada de sair na chuva, e em ruas não asfaltadas. Ele entrava e

exclamava “... isso sim é que é carro”. O verde nós vendemos,

mas o prateado está até hoje na garagem. Ele recebeu uma

mega reforma em 2000, quando fui casar. Se esse carro falasse

teria por certo muitas histórias nossas para contar.

Outras paixões eram acampar e tomar banho de mar,

como todo bom mineiro. O seu espírito jovem perdura até os

dias atuais. Quando vim de volta para a Bahia em 2.000 ele

estava com 81 anos e me fez a seguinte afirmação um dia na

83

Page 100: Livro Paulo Alvim

praia de Olivença: “Acho que vou comprar uma prancha de

surf”. Achei engraçadíssimo. Dois anos depois ele comprou

uma bicicleta de marcha (coincidentemente vermelha) para

andarmos na orla de Olivença, onde temos uma casinha de

veraneio.

Uns três anos antes quase pulamos de asa-delta no Rio

de Janeiro. Mas lamentavelmente o instrutor Alex, que

trabalha na Pedra da Gávea, não estava trabalhando neste dia.

Papai sempre foi assim, um brincalhão. Nas festas

tocava violão e gaita. Contava casos engraçadíssimos das suas

viagens. De quando comeu Fu-Fu na África, e depois descobriu

que era rato, ou de quando perdeu a estação que deveria descer

do trem bala na China. Conta ele que foi ser educado e esperou

uma senhora idosa descer do trem para então se virar para

pegar os seus pertences. Nisso, quando se voltou munido da

mala em direção à porta, a mesma fechou e o trem partiu. Ele

não se fez de rogado, retirou o chapéu da cabeça e sentou-se de

novo no banco. Neste caso, como não sabia falar nada de

chinês, teve que esperar a pessoa que estava aguardando ele na

estação de trem avisar ao maquinista da presença deste

“estrangeiro” para mandá-lo de volta à estação correta. Como

papai sempre se vestiu de maneira muito peculiar, acredito ter

sido fácil ao maquinista identificá-lo no trem. Engraçado foi ele

dar por escrito as instruções ao papai. Ele tinha exatos dez

minutos para trocar de trem. Papai saiu desta vez correndo do

trem e ia mostrando o papel as pessoas da estação e se guiando

84

Page 101: Livro Paulo Alvim

apenas por gestos. Mesmo assim, conseguiu pegar o outro trem

e retornar à estação correta. Ele contava que os chineses eram

muito simpáticos. Sempre o convidavam para almoçar ou

jantar nas suas casas. Mas, para ele, do alto de seus quase

1,90m, era muito difícil ficar tirando o sapato para sentar de

pernas cruzadas nas mesas baixas típicas da região. Além disso,

comer era um ritual demorado. Por isso, depois de umas duas

semanas, ele terminava dando uma desculpa e ia comer mesmo

em um McDonalds. Eram tantas as histórias que ele poderia

ficar horas ou mesmo dias contando-as sem repetir uma vez

sequer. Lembro das mesas de almoço ou jantar, casa cheia, e

todos ouvindo atentamente os seus “causos”. Coisa de

mineirinho.

Ele viajava o mundo e com muita freqüência, mas os

finais de semana sempre foram passados no aconchego do lar.

De toda a viagem sempre retomava com algo interes-

santíssimo, ao menos para mim. Chocolates da Suíça ou

bonecas da África. Eram itens simples, sem nenhum valor

financeiro, mas carregados de valores emocionais. Papai

sempre foi extremamente econômico, talvez pela sua história

de vida. Mamãe também recebia algum agrado. Um caso

interessante foi sobre um relógio Rolex que ele jura ter

comprado em comemoração dos seus 20 anos de casado.

Ficamos estupefatos, pois realmente era algo completamente

atípico para o papai comprar algo tão caro. Mamãe ficou

impressionada. Lembro da carinha dela abrindo a caixinha, em

85

Page 102: Livro Paulo Alvim

cima da cama, a mala ainda aberta e... nada! A caixa estava

embrulhada para presente, mas vazia. Aparentemente o

relógio havia sido roubado no Hotel. Bem, valeu a intenção.

Preciso concordar com papai que na realidade os

principais e mais importantes presentes, como tudo na vida,

não possuem valor financeiro, mas sim emocional. Quando

completei 15 anos, por exemplo, recebi do papai o maior

presente que já ganhei até hoje. Na época ainda era bastante

comum bailes de debutantes. Alguns pais ainda presenteiam as

aniversariantes com uma viagem ao exterior. No meu caso eu

realmente tive uma festa e, na hora da valsa, uma amiga da

família, minha professora Heloisa Pinheiro, “leu” o meu

presente. Isso mesmo, papai me deu um texto de sua autoria.

Escrito por ele, no meio da sua vida tão atribulada,

especialmente para mim. Tenho a fita do evento e nesta pude

ver que durante a leitura papai estava bastante emocionado.

Com os olhos cheios de lágrimas. O texto é lindo. De uma

simplicidade, mas ao mesmo tempo de uma sabedoria que

apenas um pai pode ter para com o filho. No final do texto ele

me dava o que considerava ser o maior e mais importante

presente de um pai pode dar: desejava-me felicidades na vida

que iria trilhar.

O texto está comigo e pretendo emoldurá-lo para deixá-

lo sempre à vista. Aquilo ainda hoje é para mim um grande

gesto de amor, concretizado e imortalizado na forma de

palavras. Escrito de um pai, com os seus 68 anos, para uma

filha de apenas 15 anos. Que honra!

86

Page 103: Livro Paulo Alvim

87

Page 104: Livro Paulo Alvim

Esses momentos de extrema emoção, papai sempre foi

bem sentimental, conviviam em plena harmonia com a sua

porção “palhaço”. A cabeça do papai sempre foi de um

meninão. Imagine que tínhamos um cofre enorme em casa que

ficava no armário do quarto dele. Só ele sabe a senha, até hoje.

No interior os seus itens de valor inestimável: Chocolates

importados e canetas “Jumblanc”, a genérica da famosa e

caríssima “Montblanc”. Ele sempre foi formigão e sabia que se

os chocolates ficassem a disposição, nada iria sobrar para ele.

Eram uma festa as noites em que ele resolvia abrir o cofre. Cada

um ganhava uma barra de chocolate e íamos todos dormir

felizes da vida. As canetas... Bem essas com certeza sumiriam

em poucos segundos assim que ficasse à mostra na nossa sala

de telefone. Sempre me perguntei o que aconteceria se um

ladrão roubasse o cofre. Seria algo interessante.

Meus amigos sempre foram loucos por papai. Acho que

ele se misturava bem. Se quando eu era criança tomávamos

banho de chuva juntos na adolescência, íamos entre outros

lugares, aos bailes. Ele sempre foi o último a sair da pista de

dança. Tem um jeito muito peculiar de dançar e era fácil saber

quem havia terminado de dançar com ele. Era só olhar o cabelo,

geralmente completamente desgrenhado pelos rodopios, que

papai executava com maestria. Vivi indo aos bailes de ex-

alunos da UFV (praticamente anuais) e, portanto esta foi uma

cena que se repetiu várias e várias vezes anos a fio. Por

coincidência, as nossas festas de ex- alunos são comemoradas

juntas, hoje em dia, pois o ano que formei foi o mesmo que ele

completou 50 anos de formado.

88

Page 105: Livro Paulo Alvim

Quando pedi para sair de casa no terceiro ano científico

para ir estudar em uma escola mais “forte” ele prontamente

sugeriu Viçosa. Apesar da distância de 1.200 quilômetros de

Ilhéus ele sempre acreditou ser ali o melhor local para estudos.

E eu fui. Desde o início recebia papai e mamãe com muita

freqüência para visitas furtivas. Ele adorava voltar à UFV para

reencontrar seus amigos. Sempre que estava por perto

terminava dando um jeitinho de ir até Viçosa.

Nestas ocasiões ele aproveitava para fazer turismo em

Ubá. Vestia-se como um americano típico: bermuda na altura

do joelho, meia alta e branca com listras vermelhas ou azuis na

parte superior, tênis, blusa extremamente florida (geralmente

de Bali) e óculos de grau incrementado com aquele filme preto

que pode ficar para cima ou para baixo, a depender da ocasião.

Além disso, uma baita máquina fotográfica pendurada no

pescoço. Pegavam o ônibus, ele e mamãe, e iam passar o dia a

tirar fotos das ruas onde papai brincava, em frente à casa onde

morava toda a família, da estátua de um primo que tem no

centro da cidade, etc. Voltavam no final do dia felizes da vida.

Esse jeito de vestir do papai, bem característico, sempre

chamava atenção e confundia as pessoas. Não raras foram as

vezes que ao visitarmos feiras ao ar livre no Brasil os

vendedores forneciam os preços em dólares. Uma vez fomos

passar o domingo de páscoa em Ouro Preto e o papai foi com as

suas indumentárias usuais. Na Semana Santa as pessoas de

Ouro Preto fazem um tapete com serragem colorida nas ruas da

cidade. Esses tapetes, longos, têm desenhos de figuras bíblicas

em um trabalho artesanal extraordinário. A procissão passa

89

Page 106: Livro Paulo Alvim

exatamente por cima do tapete. É uma festa linda que atrai

turistas de todos os lados. Neste dia, estávamos todos lá e de

repente chegou uma repórter do MG-TV. Quando ela veio em

nossa direção eu na hora entendi que ela seguramente estava

confundindo papai com um americano ou europeu. Tive a

certeza quando ela perguntou se papai falava português e se

poderia conceder uma entrevista. Ambas as respostas foram

afirmativas. Ela começou falando sobre o tapete de serragem, o

trabalho manual que durava dias para ficar pronto e finalizou

chamando a atenção para a existência de muitos turistas

prestigiando a ocasião. Assim passou a entrevistar papai. Muito

simpática, perguntou: “O Sr. É de onde?” e ele respondeu “Eu

sou de Ubá”. Coitada. Logo Ubá, Zona da Mata Mineira. As

feições da repórter foram de uma incredulidade imensa, ela

nem teve condições de continuar a entrevista.

Quando fui prestar vestibular fiquei indecisa. Sabia

com clareza que queria trabalhar ou com animais, seguindo a

carreira de veterinária, ou com plantas, como bióloga. Papai e

mamãe conversaram longamente comigo. Papai falou sobre

agronomia, da sua história de vida, e que eu teria a

oportunidade de trabalhar com animais e/ou plantas. Além

disso, poderia herdar toda a sua rica biblioteca. Convenci-me e

prestei vestibular. Se no começo estava meio insegura, no meio

do curso já estava apaixonada pela área. Ligava para casa para

tirar dúvidas com papai, principalmente da fisiologia vegetal e

botânica. Tive aula com vários alunos do papai e por muito

tempo fui conhecida como “filha do Alvim”. Que

responsabilidade. Achei muito interessante estudar algumas

90

Page 107: Livro Paulo Alvim

das invenções do papai como o “porômetro de Alvim”. Este na

realidade eu estudei tanto na graduação como na pós-

graduação. Muito interessante.

Durante o curso, meu primeiro estágio científico foi

orientado pelo papai. Estava no segundo ano de curso quando

ele me deu a incumbência de comprovar o hidroperiodismo de

jabuticabeiras. Trabalho que ele havia feito antes com café.

Minha missão era ir diariamente e de bicicleta, diga-se de

passagem, à casa do professor Otto Andersen, que ficava a um

quilômetro da minha casa, para medir o diâmetro da

jabuticabeira utilizando uma engenhoca desenvolvida pelo

papai.

Era o fitotensiômetro de Alvim. Algo que ele

desenvolveu depois de ver o preço exorbitante do

fitotensiômetro original. O dele custava menos de um dólar, ele

não cansava de dizer. Na realidade era um tubo de plástico

branco, preenchido com um líquido azul termoestável e que

não evaporava. A boca do tubo era conectada a uma pipeta de

vidro graduada. O aparato era fixado ao caule da árvore com a

ajuda de uma faixa de metal. Assim, quando o estômato estava

fechado, o diâmetro do caule era maior, a pressão exercida pela

faixa de metal no tubo plástico aumentava e consequentemente

a altura do líquido azul era mais alta. Com a abertura

estomática o diâmetro do caule diminuía ligeiramente, o que

era acompanhado pela diminuição na altura do líquido azul. Eu

precisava apenas — segundo palavras do papai — ir a este pé de

jabuticaba, todos os dias às 6 horas da manhã, meio dia, e 6

horas da tarde. Inclusive sábado, domingo e feriados. Depois

91

Page 108: Livro Paulo Alvim

de muita negociação ficamos acertados que seria 7 horas e sem

incluir todos os finais-de-semana. Depois de quatro meses de

seca — inverno, portanto em Viçosa — eu deveria ligar a

mangueira da casa do professor Otto e deixar a água encharcar

o solo por quatro horas para depois continuar com as medições

até a planta florescer. Parece simples, mas confesso que foi o

projeto mais sofrido que já executei. Ao menos funcionou.

Foi nesta época que fui à primeira palestra do papai.

Fiquei impressionada. Apesar de ajudá-lo com certa

freqüência, e desde criança, a montar slides nunca havia ido

assistir a uma palestra de sua autoria. Na época os slides com

texto eram na realidade todos tirados de letras de forma

brancas em fundo preto. Depois de revelado o slide,

pintávamos as letras com canetas hidrocolor das cores que

queríamos. Papai partia do princípio de que se deve sempre

utilizar pouquíssimo texto e muitas fotos. Ah, e nada de ler o

que estava escrito no slide. Esta primeira palestra que assisti foi

uma revelação para mim. Não lembro o título, mas sei o

assunto que era “cacau”. O local foi o anfiteatro da UFV que

estava lotado de pessoas. A palestra foi muito rica em

informação e ao mesmo tempo engraçadíssima. As pessoas

riam de gargalhar. Apesar de ser longa não foi nada cansativa. E

quando terminou foram todos falar com papai. Ele era o “pop-

star” da área. Ali soube que o trabalho dele não era reconhecido

apenas localmente, era realmente algo de impacto nacional e

internacional. Fiquei um orgulho só. Desde então comecei a me

programar para poder participar das suas conferências, e

foram inúmeras em congressos e simpósios.

92

Page 109: Livro Paulo Alvim

Quando retornei a Ilhéus em 2000 fui contratada pela

UESC — Universidade Estadual de Santa Cruz, para ministrar

aulas de botânica. Fiquei bastante impressionada com o fato de

a minha vida profissional ter se iniciado de maneira similar à

do papai. Acredito que ele também. Como sempre foi uma

pessoa de vanguarda, estava na época completamente

envolvido com os projetos de seqüestro de carbono. Imagine,

há mais de 10 anos atrás ele já preconizava que o Brasil seria um

país muito importante e que teria muito a lucrar com o

Protocolo de Kyoto.

Hoje papai já está com seus 90 aninhos, mas ainda

enxergo nele esta mesma sede de viver. Quer ir passear, viajar

e, não raras são às vezes que pede para ir à CEPLAC. Ele tem

uma história de vida muito rica. Vejo muito dele em mim e

consigo também ver muito de mim nele. Ele me ajudou a

desenvolver esse amor incondicional à natureza, a abraçar a

minha profissão, a respeitar o próximo, a estar sempre atenta

aos valores éticos das nossas atitudes, a importância de sempre

manter a humildade, ao valor incomensurável da nossa família

e a simplesmente amar a vida e viver, sempre viver.”

93

Paulo Alvim ao lado de sua c o m p a n h e i r a S i m o n e : a felicidade de quem se sente realizado e vive em paz com a vida, a natureza e as pessoas.

Page 110: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim teve a felicidade de ver concretizadas

muitas de suas aspirações, graças a convênios de colaboração

técnica firmados com instituições internacionais como o IICA

e o Governo brasileiro, após a organização da CEPLAC, por

inspiração de seu grande amigo Carlos Brandão, primeiro

Secretário Geral da instituição do cacau, criada em fevereiro de

1957 pelo Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira.

Desde meados de 1962 a CEPLAC havia estruturado o

Escritório Central de Coordenação com a tarefa de dirigir,

supervisionar e cobrar ações práticas na condução de

convênios já firmados com diversas instituições técnicas, como

o celebrado com a Comissão de Solos do Ministério da

Agricultura para realizar o mapeamento dos solos da Região

Cacaueira do Sul da Bahia, em nível de detalhamento,

contando com o apoio de fotografias aéreas pancromáticas

adquiridas. A área a ser prospectada era de 90 mil quilômetros

quadrados; a equipe do Ministério da Agricultura era chefiada

pelo pedólogo Marcelo Camargo.

Outro convênio que estava emperrado, que não

avançava, era o celebrado com o IPEAL — Instituto de

Pesquisas e Experimentação Agronômica do Leste, do

Coordenador técnico-científico

94

Page 111: Livro Paulo Alvim

Ministério da Agricultura. O Projeto de Melhoramento do

Cacaueiro previa a realização de expedições botânicas na

Amazônia para coleta de material silvestre, para a ampliação da

base genética da cacauicultura baiana que era estreita e, ao

mesmo tempo, selecionar material mais produtivo e tolerante à

enfermidade ‘‘podridão parda” nas plantações cacaueiras da

Bahia, como, aliás, já vinha fazendo a Estação Experimental de

Juçari, do IPEAL, com a participação de Walter Magalhães.

Para isso era necessário contratar pesquisadores experimen-

tados, na área de genética e melhoramento de plantas, e

promover a capacitação de jovens profissionais talentosos e

promissores.

Nada dessa quebra de imobilismo acontecia, porque a

direção a nível regional dos serviços da CEPLAC no sul da Bahia

era de formação administrativa especializada em questões

financeiras, questões bancárias, e que vinha fazendo a

importante tarefa de saneamento das finanças dos produtores

de cacau, profundamente endividados. Mas o comando

regional — Urbano Brandão e depois José Maria Vasconcelos -

não via como relevante os avanços científicos desejáveis, e

ficava sempre postergando os avanços científicos por achar

mais importante “primeiro concluir as operações de

composição de dívidas”. Com a chegada de Paulo Alvim, ele de

imediato foi designado para ocupar o lugar de Coordenador

Técnico Científico. Compondo o quadro de direção regional

com o seu parceiro José Haroldo Castro Vieira, Coordenador

Administrativo. O golpe de sorte, o maior da vida de Paulo

95

Page 112: Livro Paulo Alvim

Alvim, como diz frequentemente, foi ter vindo à Bahia em 1963,

encarregado pelo IICA de colaborar com a CEPLAC no

planejamento e implantação do Centro de Pesquisas do Cacau e

do Departamento de Extensão.

É importante salientar a luta e teimosia de Carlos

Brandão para obter a cessão de Paulo Alvim, pelo IICA, para

colaborar com a CEPLAC. Isso porque o IICA tinha uma rígida

norma interna que impedia que um técnico de seu quadro fosse

destacado para servir no seu país de origem.

A determinação de Carlos Brandão em contar com a

competência técnica de Paulo Alvim levou-o a formular uma

engenhosa triangulação ACRI — American Cocoa Research

Institute, recebendo recursos financeiros, via convênio

assinado com a CEPLAC, para fazer o pagamento dos salários e

outras complementações de Paulo Alvim ao IICA. Estava

resolvido o impasse e Paulo Alvim pôde trabalhar com

liberdade desde 1963 até 1977, como Diretor Técnico-

Científico da CEPLAC/CEPEC.

Mas a luta foi vencida e o pesquisador renomado e

experimentado chegou às terras baianas, para com o apoio do

quadro técnico recrutado em todos os rincões da terra

brasileira, acorrer para promover o mutirão de trabalho,

competência e saber, e efetivar a maior revolução na

agricultura brasileira: a recuperação da cacauicultura.

Chegando à Bahia, localizou-se em Ilhéus, de onde

passou a comandar as ações da CEPLAC. A planificação técnico-

96

Page 113: Livro Paulo Alvim

científica da instituição, tendo sido o principal responsável

pela organização e implantação dos departamentos técnicos da

CEPLAC, e de maneira especial do CEPEC — Centro de

Pesquisas do Cacau.

É certo que já se desenvolviam ações práticas de

pesquisa e experimentação via Estação de Água Preta, do

Instituto de Cacau da Bahia, localizada em Uruçuca, com uma

meia dúzia de pesquisadores, dentre os quais: Pedrito Silva

(entomologista), Gustavo Magalhães Carletto (geneticista),

Waldemar Tobias Leilis (fitopatologista), Walter Magalhães

(melhorista), da Estação Experimental de Juçari, do IPEAL —

Instituto de Pesquisas e Experimentação do Leste, do

Ministério da Agricultura.

A base física de “Água Preta” era acanhada — em torno

de 200 hectares — mas dispunha de áreas cacaueiras, com

plantações comerciais e stands de plantações de uma mutação

de “cacau banco”, o denominado Catongo. Contava com áreas

laboratoriais, armazéns, viveiros, casas residenciais para o

pessoal técnico e para alguns profissionais administrativos,

contando ainda com equipes de trabalhadores braçais

especializados. Estava pois, de logo visto, que uma das

primeiras tarefas era a de adquirir uma área de cacau comercial

em produção, bem localizada e dotada de solos de padrão típico

da região cacaueira do sul da Bahia, para montar o Centro de

Pesquisas do Cacau, da CEPLAC. O CEPEC — Centro de

Pesquisas do Cacau foi criado de acordo com o Decreto número

97

Page 114: Livro Paulo Alvim

1960, de 27 de dezembro de 1962, que autorizou a CEPLAC —

Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico

Rural da Lavoura Cacaueira a utilizar recursos para a criação

do CEPEC, na zona cacaueira do Estado da Bahia, no Município

de Itabuna ou imediações, com os seguintes objetivos:

a) — realizar pesquisas e trabalhos experimentais sobre

a agronomia e a tecnologia do cacau;

b) — coordenar planos e programas referentes aos

objetivos previstos neste artigo sejam de âmbito

regional ou nacional;

c) — especializar ou promover a especialização de

engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas, estudantes

de agronomia, fazendeiros e capatazes, em assuntos

concernentes à cacauicultura;

d) — promover a difusão dos resultados das pesquisas,

observações e trabalhos experimentais realizados e

divulgar matérias de interesse da cacauicultura;

e) — providenciar meios para suprir os produtores de

cacau de material botânico aprovado e necessário ao

melhoramento das plantações.

O Decreto-Lei número 52.175, de 28 de junho de 1963

declarou de utilidade pública área situada na zona cacaueira

do Estado da Bahia, para a instalação do CEPEC - Centro de

Pesquisas do Cacau.

98

Page 115: Livro Paulo Alvim

Dada a estreita ligação do cientista Paulo Alvim com a

idealização do CEPEC, acreditamos ser de grande utilidade e

oportunidade, aproveitar a biografia de Paulo Alvim para dar

maior divulgação de como foi conceituada a CEPLAC, pela

Presidência da República. Transcrevemos o Decreto-Lei

número 52.175, de 28 de junho de 1963:

“O PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, no

exercício - do cargo de Presidente da República, usando das

atribuições que lhe conferem o art. 87, número 1, da

Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no parágrafo

16 do art. 141, da mesma Constituição e no Decreto-Lei número

3.365, de 21 de junho de 1941, com as alterações introduzidas

pela Lei número 2.786, de 21 de maio de 1956, e

- CONSIDERANDO que as crises constantes que vêm

atingindo a lavoura cacaueira do País, resultam principalmente

da ausência de sistema racional da exploração da cultura;

- CONSIDERANDO que essas crises teriam assumido,

devido às suas implicações, caráter de convulsão sócio-

econômica, não foram as medidas de amparo adotadas pelo

Governo Federal, nas respectivas oportunidades, com a

Nasce o CEPEC

99

Page 116: Livro Paulo Alvim

criação, em 1957, do Plano de Recuperação Econômico-Rural

da Lavoura Cacaueira e com a assistência financeira, mediante

empréstimos, em longo prazo, de composição de dívida dos

cacauicultores que se encontravam com débitos acumulados

acima de sua capacidade de pagamento em curto prazo, devido

justamente àquelas crises, conforme Decretos números 4.1243,

de três de abril de 1957 e 539, de 23 de janeiro de 1962;

CONSIDERANDO que esses amparos traduziam apenas

medidas de emergência para suavizar as crises, que não tem

afetado somente aos produtores, mas à própria economia

nacional uma vez que nos anos 1961 e 1962, a queda de receita,

em moeda estrangeira, proveniente da exportação de cacau e

derivados, ultrapassou a casa dos cem milhões de dólares e que

no ano 1963, deverá essa queda ser acrescida em mais de

cinqüenta milhões de dólares;

CONSIDERANDO que esse decréscimo de receita tem

trazido perturbações sociais e econômicas, com reflexos na

segurança nacional, já que nas respectivas regiões deixaram de

circular cerca de quarenta bilhões de cruzeiros, nos dois

últimos anos, com prejuízo para as arrecadações do produtor,

Municípios, Estados e União;

CONSIDERANDO que a criação e perfeito funciona-

mento do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau — é uma

medida de utilidade pública e do interesse social, pois só

através da pesquisa e experimentação podem ser traçadas

normas seguras para o seguimento e racionalização da lavoura

cacaueira;

100

Page 117: Livro Paulo Alvim

CONSIDERANDO que dentre as recomendações do

Grupo de Trabalho do Cacau criado pelo Governo Federal, em

01 de novembro de 1962, (página 9715 Diário Oficial),

destacou-se a indicação de um Centro de Pesquisas do Cacau

como meio básico para iniciar a correção das falhas apontadas;

CONSIDERANDO que o Governo Federal reconhe-

cendo a importância daquela recomendação baixou o Decreto

número 1960, de 27 de dezembro de 1962, criando o referido

Centro, e

CONSIDERANDO que a Comissão Técnica designada

na forma do artigo quatro do último dos citados decretos,

conforme Portarias da Comissão Executiva do Plano de

Recuperação Econômico-Rural da Lavoura Cacaueira —

CEPLAC, de números 27 e 28, de 25 de janeiro de 1963,

respectivamente, depois de exaustivos estudos, conforme

parecer por ela elaborado fixou a área a seguir indicada como a

única tecnicamente adequada para a instalação na forma do

art. 1. “in-fine”, do Decreto

Art.1º É declarada de utilidade pública a área

especificada no parágrafo deste artigo e destinada à instalação

do centro de Pesquisas do Cacau — CEPEC, de que tratam o

Decreto número 1960, de 27 de dezembro de 1962;

Parágrafo 1º A área ora declarada de utilidade pública

fica localizada na bacia hidrográfica do Ribeirão das Alegrias,

afluente da margem esquerda do Rio Cachoeira, situada no

Distrito Banco da Vitória, Município de Ilhéus, Estado da

101

Page 118: Livro Paulo Alvim

Bahia, e cortada pela estrada de rodagem asfaltada Ilhéus-

Itabuna na altura dos quilômetros vinte e quatro e vinte e sete e

meio (27,5) e distante seis (6) a nove e meio (9,5) quilômetros

do centro da cidade de Itabuna, num total de setecentos (700) a

mil (1.000) hectares de terras, tendo de dois mil (2000) a três

mil (3000) metros de frente para o Braço do Rio Cachoeira,

também denominado Rio Central, estando enquadrado a partir

de mil (1000) metros para montante da barra do Ribeirão das

Alegrias e desse ponto três mil (3000) metros em direção norte

e dois mil (2000) metros para a jusante da barra do Ribeirão

das Alegrias e desse ponto quatro mil e quinhentos (4500)

metros em direção ao nordeste. Na área descrita e declarada de

utilidade pública estão localizadas propriedades agrícolas, ou

parte delas, em que constam como proprietários espólio de

Enock Carteado, Roberto Nunes Viana, Júlia Wense Santos, e

outros, Teófilo Gondim, Cícero Pinto e outros, Espólio de

Henrique Wense, Miguel Femandes Moreira, Pompílio Barreto

e outros.

Parágrafo 2º Para os fins previstos neste artigo, fica a

Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico-

Rural da Lavoura Cacaueira-CEPLAC, Órgão do Governo

Federal, autorizada a proceder à desapropriação da área citada

neste artigo, na forma dos artigos três, sete, e 10, do Decreto-

Lei 3365, de 21 de junho de 1941.

Parágrafo 3º É considerada de urgência a

desapropriação citada no parágrafo anterior, devendo a

Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico-

102

Page 119: Livro Paulo Alvim

Rural da Lavoura Cacaueira proceder na forma prevista no art.

15 do Decreto-Lei número 3.365, de 21 de junho de 1941, e

alterações introduzidas pela Lei número 2.785, de 21 de maio

de 1956, não sendo possível o acordo amigável imediato.

Art. 2º Fica a CEPLAC autorizada a utilizar os recursos

que lhe foram destinados na forma do Art. 2º do Decreto

número 539, de 23 de janeiro de 1962, para efetuar o

pagamento da área desapropriada e ora considerada de

utilidade pública.

Parágrafo Único Para o presente ato, sem prejuízo do

disposto no parágrafo 1º do artigo dois Do Regulamento Geral

baixado pelo Decreto número 41.243, de três de abril de 1957, e

de acordo com o parágrafo 4º do artigo seis do mesmo

Regulamento Geral, na redação do Decreto número 51.242, de

23 de agosto de 1961, fica o Secretário-Geral da CEPLAC,

autorizado a firmar, em nome do órgão expropriante,

escrituras de compra e venda da área ora declarada de

utilidade pública, bem como praticar todos os atos necessários

à sua desapropriação em Juízo, ou fora dele.

Art. 3º O presente decreto entrará em vigor na data de

sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 28 de junho de 1963; 142 da Independência e 75 da

República.

RANIERI MAZZILLI

Carlos Alberto de Carvalho Pinto - Oswaldo Lima Filho

*Diário Oficial da União — Seção 1 — 09/07/1963, Página 5911 (publicação).

*Coleção de Leis do Brasil — 1963.

103

Page 120: Livro Paulo Alvim

O arquiteto Sérgio Bernardes foi contratado para

elaboração de um projeto arquitetônico, e iniciada a sua

construção em ritmo acelerado. A construção durou de

1963/64 a 1972 quando a sede regional da CEPLAC foi

inaugurada pelo Ministro Delfim Neto, Ministro da Fazenda,

ao qual estava então vinculada a CEPLAC.

Com o Departamento de Extensão foi ainda mais

diferente, porque os serviços de extensão e assistência técnica

já existiam desde a criação da CEPLAC, em 1957, com serviços

assistenciais, chamado de SETAG — Serviços Técnico-

Agrícolas, centralizados inicialmente em Itabuna, com

agrônomos cedidos pela CREAI - Carteira Agrícola do Banco do

Brasil, complementada por agrônomos contratados pelo ICB —

Instituto de Cacau da Bahia, e que constituíam o SEAC —

Serviço de Extensão Agrícola Cacaueiro, em 1960. O quadro

total de agrônomos somava uns 20 profissionais

Quando da reformulação dos SETAG — Serviços

Técnicos Agrícolas da CEPLAC, em 1963, o quadro técnico

totalizava uns 40 profissionais, distribuídos por quatro

Superintendências Regionais. A Superintendência Central (a

primeira), em Itabuna e depois em 1961 criadas a

Superintendência Regional de Ipiaú e em 1962, a de

Canavieiras, tendo sido instalada mais uma, em 1964, a de

Ubaitaba. Os agrônomos ficavam localizados em Escritórios

Locais, com um quadro composto por agrônomos, técnicos em

agropecuária, escriturários, motoristas. Os Escritórios Locais

contavam com a supervisão de Escritórios Regionais.

104

Page 121: Livro Paulo Alvim

Para a reestruturação do SETAG, o Coordenador

Administrativo do Escritório Central de Coordenação, José

Haroldo Castro Vieira, contratou em Minas Gerais, oriundo da

ACAR-Minas Gerais, o Dr. Jorge Raymundo Castro Vieira, seu

irmão. Jorge Vieira possuía larga vivência como profissional

dos serviços de extensão, na ACAR-MG.

O mandato do quadro técnico da CEPLAC tinha como

objetivo inicial, fazer a avaliação da produção de cacau de cada

propriedade, que dava suporte financeiro às operações de

“composição de dívidas” dos lavradores de cacau, uma

atividade altamente endividada. A CEPLAC fora criada para

sanear as dívidas dos produtores. Contratadas as operações de

composição de dívidas, na seqüência os produtores eram

obrigados a executar um “plano de melhoramento” que incluía

combate às pragas do cacaueiro, controle da podridão parda,

adubação, escoramento de cacauais, podação, remoção de

limo, e outros tratos culturais. Incluía também a construção de

instalações de beneficiamento de cacau: fermentadores, casas

de fermentação, barcaças, secadores, armazéns, casas para

trabalhadores rurais, casas para administradores e

proprietários.

Pesquisa, Ensino, Extensão

105

Page 122: Livro Paulo Alvim

Uma terceira atividade que constituiria o modelo

original da CEPLAC, também já tinha um tímido início: a

Escola de Capatazes do ICB — Instituto de Cacau da Bahia.

Paulo Alvim, como Coordenador Técnico-Científico da

CEPLAC e José Haroldo Castro Vieira, como Coordenador

Administrativo, fizeram uma viagem a Turrrialba, Costa Rica,

onde tiveram a oportunidade de conhecer a Escola Agrícola de

Zamorano .

Na volta à Bahia, entusiasmados com o que viram,

sugeriram ao Secretário Geral da CEPLAC, Carlos Brandão, o

aproveitamento da antiga Escola de Capatazes do Instituto de

Cacau da Bahia, que estava desativada, localizada na Estação

Experimental de Água Preta (Uruçuca), para a criação da

EMARC — Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira.

Este estabelecimento teria como objetivo formar mão-

de-obra intermediária, entre agrônomos e pesquisadores e o

produtor rural, tendo-se como resultado a formação de

Técnicos em Agropecuária e Práticos Agrícolas.

Com o correr dos tempos, a demanda de pessoal

qualificado na cacauicultura regional evoluiu para a criação do

Departamento de Educação da CEPLAC, passando a EMARC a

funcionar como um Centro Profissionalizante e de

Treinamento de Mão-de-Obra Rural, juntamente com outras

EMARCs: a de Valença, a de Itapetinga e a de Teixeira de

Freitas, todas com cursos médios de técnicos em agropecuária,

agrimensura, tecnologia de alimentos e economia doméstica,

além da capacitação de milhares de trabalhadores rurais.

106

15

Page 123: Livro Paulo Alvim

Deveria o Departamento de Educação da CEPLAC,

trabalhar em estreita colaboração com o Departamento de

Extensão. Mais à frente desenvolveu o Departamento de

Educação, sob inspiração de Paulo Alvim e Jorge Raymundo do

Castro Vieira, Coordenador do Departamento de Extensão, a

Semana do Fazendeiro, inspirada na experiência vitoriosa da

Universidade Federal de Viçosa. Como conseqüência dessa

evolução criou-se, em 1987, na Região Amazônica a EMARC-

Ariquemes, com as mesmas características educacionais das

demais escolas.

Estava assim formatado o modelo institucional técnico-

científico da CEPLAC — um tripé — para alavancar os avanços

da pesquisa, extensão rural e na formação de mão-de-obra.

A CEPLAC não foi uma obra desenhada em uma

prancheta, criada em um laboratório, concebida de uma vez. O

atual modelo institucional da CEPLAC é, por conseguinte, fruto

de um processo evolutivo resultante das demandas de sua

ambiência. Primeiro o CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau,

em 1962; depois o Departamento de Extensão em 1963, e por

último o Departamento de Educação, em 1965.

107

Alvim recebe do primeiro secretário-geral da Ceplac, Carlos Brandão, as chaves do que seriam as primeiras unidades de pesquisa de um Centro de Pesquisas que veio a ser reconhecido como um dos melhores em pesquisa tropical de cacau no mundo.

Page 124: Livro Paulo Alvim

Quando da chegada de Paulo Alvim à Bahia, a produção de

cacau passava por forte queda. Veja a produção do ano-safra

brasileiro, em toneladas :

Então Paulo Alvim empregando os princípios básicos de

seus conhecimentos em fisiologia das plantas, passou um

receituário, que poderia ser definido como um “pacote

tecnológico”, composto de raleamento do sombreamento dos

cacauais baianos, adubação dos cacauais e controle das pragas.

O raleamento era necessário posto que no período 1963

para trás, o número de árvores de grande porte era de 75 a 90

árvores por hectare de cacaual, o que indicava um

sombreamento excessivo das plantações. Receitou que fossem

diminuídas para umas 45 plantas por hectare.

Alvim e os números do cacau

108

16

87.765

104.965

117.931

150.125

161.163

159.732

106.068

196.673

157.616

1962/63

1963/64

1964/65

1965/66

1966/67

1967/68

1968/69

1969/70

1970/71

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

...........................

Page 125: Livro Paulo Alvim

A evolução da prática do controle do sombreamento

alcançou, no ano de 1970, 11.980 hectares com a participação

de 1.387 propriedades; no ano de 1971 foi de 9.568 hectares com

o envolvimento de 1.047 empresas cacaueiras. De 1972 até o

ano de 1977 a prática passou a ser feita, anualmente, em áreas

de 14 mil a 17 mil hectares, com a participação de 1.300 até

1.900 empresas.

A adubação dos cacaueiros era necessária porque com a

maior incidência de luz solar nas folhagens dos cacaueiros as

plantas iriam “trabalhar mais” — fazer mais fotossíntese -

retirando mais nutrientes do solo. Além disso, a prática da

adubação era praticamente desconhecida na região do cacau.

No ano de 1965 a área trabalhada com adubação foi de

apenas 196 hectares, com 30 fazendas envolvidas. Em 1968,

2.887 hectares foram trabalhados com 555 fazendas

participando. A partir de 1970 o número de hectares cresceu

vertiginosamente, alcançando 72 mil hectares, com 2.931

fazendas envolvidas. Em 1977, o número de fazendas

participando nos trabalhos de adubação havia alcançado a

marca 149.700 hectares de cacauais, com 7.350 fazendas

incluídas.

A evolução da prática do combate às pragas do cacaueiro

foi significativamente aumentada: em 1965 controlavam-se

pragas em 22 mil hectares, passando a 80 mil hectares em

1968; 125 mil hectares em 1970 e daí por diante se situar num

patamar de mais de 150 mil hectares de cacauais tratados.

109

Page 126: Livro Paulo Alvim

No ano-safra brasileiro de 1980/81 a produção da Bahia

ficou em 302 mil toneladas de cacau para no ano-safra de

1986/87 o recorde com 397.361 toneladas de cacau.

A experimentação com fertilizantes conduzida no

CEPEC demonstra que a produtividade dos cacaueiros pode

ser substancialmente incrementada, especialmente se a

fertilização é acompanhada por correção de sombra nos

cacauais. Experimentos instalados em 1964, e repetidos ano a

ano, confirmam que a fertilização sem correção de sombra

resulta em pequenos aumentos na produção, em torno de 12%.

Áreas onde o sombreamento foi raleado — com a retirada de

sombra excessiva — alcançaram acréscimos de até 145%.

Dessa forma a contribuição científica, com o receituário

de Paulo Alvim, e massificado pelas equipes de extensionistas,

ficou claramente comprovada, e o modelo institucional do tripé

da CEPLAC — pesquisa e experimentação, extensão e

assistência técnica e capacitação de mão-de-obra — reconhe-

cido em todo o universo agrícola do cacau e fora dele.

Durante a prática da remoção de árvores de sombra,

orientada por Paulo Alvim, com a injeção de Tordon 101, com

um aplicador manual especial que funcionava como um injetor,

eram ministradas doses em torno do tronco da árvore de

sombra. A depender do diâmetro da árvore era requerida maior

ou menor quantidade do arboricida. A prática era simples e não

tinha os problemas de antigos “roletamentos” como era

tradição arcaica. Mas toda inovação traz a sua dose de risco, no

110

Page 127: Livro Paulo Alvim

caso dos trabalhos feitos nas plantações da Fazenda do CEPEC

(700 hectares), os trabalhadores fizeram o serviço com tal

rapidez, e a supervisão foi em certa medida negligenciada, de

tal forma que em algumas roças foram retiradas mais árvores

do que o necessário.

O Paulo Alvim era técnico consciente de sua

competência e de sua liderança, mas não assimilava com

facilidade a presença e efetiva participação de pesquisadores

das áreas sociais, notadamente economistas e sociólogos. Não

chegava a acontecer um enfrentamento, mas ocorria com

freqüência embates entre o “paradigma verde”(pedólogos,

geneticistas, fisiologistas e entomologistas) e a menor equipe, o

“paradigma vermelho”(economistas e sociólogos).

Na realidade, olhando para trás, com correta visão e sem

paixão, é difícil se encontrar uma posição radical de Paulo

Alvim e dessa forma os pesquisadores das áreas sociais

puderam ocupar espaços razoáveis no contexto institucional e

regional da cacauicultura.

No ano de 1968 a equipe de sócio-economia concebeu e

preparou um documento “Análise Preliminar da Atuação da

CEPLAC no Meio Rural das Regiões Cacaueiras da Bahia e

Espírito Santo”, para a Coordenação Técnico-Científica e para

a Secretaria Geral da CEPLAC propondo a realização de um

Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira da Bahia,

que pudesse servir de instrumento de trabalho para o

desenvolvimento regional .

111

17

Page 128: Livro Paulo Alvim

O documento Análise Preliminar da Atuação da

CEPLAC no Meio Rural das Regiões Cacaueiras da Bahia e

Espírito Santo foi preparado em publicação limitada, com três

volumes, que acabou por ser uma fotografia ampliada das

Regiões Cacaueiras: aspectos físicos, demográficos, produção,

comercialização, sistema viário, transportes, comunicação,

aspectos institucionais. A publicação foi enviada, com

antecipação, aos convidados para a participação no encontro

que traria a Itabuna equipes de instituições como: SUDENE,

com a sua experiência no planejamento regional do Nordeste;

IEPE — com os estudos socioeconômicos do Rio Grande do Sul;

ACAR-MG e Instituto de Economia da Universidade Federal de

Viçosa, com apresentação de trabalhos na Zona da Mata de

Minas Gerais.

Os pesquisadores convidados, durante cinco dias

tiveram a oportunidade de conviver com a realidade da Região

Cacaueira, percorrendo em viaturas, diferentes recantos.

Depois aconteceu o relato de cada instituição de seu “caso”,

intercambiando informações técnicas, experiências e

procedimentos, para as equipes locais de pesquisadores da

socioeconomia, como também de extensionistas, que tiveram

um papel relevante no encontro.

Ao final do encontro se fez um verdadeiro “brain storm”

para deixar um documento que indicasse à direção da CEPLAC

— Coordenadoria Técnica-Científica, Coordenadoria

Administrativa e Secretaria Geral — os caminhos para a

efetivação do Diagnóstico Sócio-econômico da Região

Cacaueira da Bahia.

112

Page 129: Livro Paulo Alvim

Para trazer a importância e o apoio dado na seqüência

dos trabalhos é preciso que se diga do importante papel

vivenciado por Paulo Alvim ao aprovar e apoiar, em todos os

momentos, o início do Diagnóstico Socio-econômico, a sua

rápida conclusão e apropriação dos resultados para aplicação

prática em políticas, planos e projetos. Para dar uma idéia da

abrangência do Diagnóstico listam-se a seguir os títulos da

Série Diagnóstico:

Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira:

1. Solos da Região Cacaueira

Aptidão Agrícola dos Solos da Região.

2. Dinâmica do Uso da Terra.

3. Reconhecimento Climatológico.

4. Recursos Hídricos.

5. Geologia Econômica e Recursos Minerais.

6. Recursos Florestais.

7. História Econômica e Social da Região Cacaueira.

8. Aspectos da Atividade Pesqueira.

Um perfil sócio-econômico

para o Sul da Bahia

113

Page 130: Livro Paulo Alvim

9. Aspectos da Atividade Industrial.

10. Mão-de-Obra e Elementos de Relações de

Produção.

11. Distribuição da Renda Regional.

12. Processo Produtivo do Setor Agropecuário.

13. Estrutura Agrária.

14. Estudo do Setor Público.

A trabalheira, o tamanho das equipes, a qualificação do

pessoal técnico e de apoio recrutados — uma equipe de

enumeradores enorme — dá a idéia da magnitude deste

trabalho essencial e que engrandeceu o perfil Institucional da

CEPLAC. Nada disso teria sido possível se não tivesse havido

uma participação franca, leal, de entre-ajuda entre “verdes” e

“vermelhos”, desde a figura do Secretário Geral, Dr. Carlos

Brandão, e dos Coordenadores Técnico-Científico, Paulo

Alvim, e Administrativo, José Haroldo Castro Vieira.

Outra atividade de pesquisa, na área sócio-econômica,

que mereceu forte apoio de Paulo Alvim, foi o projeto “Estudo

Comparativo da Renovação de Cacauais sob Dois Métodos de

Plantio: Derruba Total e Plantio por Debaixo, 1969”. A técnica

da “Fazenda Unitária” mostrou eficiência para investigar

problemas de administração rural em pequenas fazendas. Ela

capacita o investigador a exercer completo controle sobre a

fazenda em experimento, não só em técnicas agrícolas, mas

114

Page 131: Livro Paulo Alvim

principalmente na organização do trabalho, investimento do

capital, requerimento de mão-de-obra, intensidade na

aplicação de recursos e assim por diante.

O experimento foi instalado em 1969, na Quadra “F” da

Fazenda do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau. A área

totalizando 45 hectares foi dividida em duas parte iguais,

correspondendo cada parte a um método de renovação. À parte

referente à renovação com derruba total atribuiu-se o nome de

“Sempre Viva” e à renovação sob cacauais “por debaixo” da

lavoura decadente, o nome de “Moroziana”. Cada uma destas

partes foi, por sua vez, subdividida em 11 blocos de 2 hectares,

exceto os blocos 11, com aproximadamente 2,5 hectares cada

um.

Depois de 11 anos de execução (1969 a 1980) foi feita

uma avaliação pela equipe dos pesquisadores do CEPEC, dos

resultados obtidos, ressaltando a análise agro-econômica e

utilização de mão-de-obra no processo de renovação.

Destacaram ademais a sazonalidade da mão-de-obra; a

quantidade da mão-de-obra para a manutenção; produtividade

/trabalhador/ano; rentabilidade econômica e ponto de

nivelamento.

Graças ao apoio prestado por Paulo Alvim se logrou dar

continuidade ao estudo da renovação de cacauais, posto que

todos entendiam dever haver um processo rotineiro e cíclico de

substituição dos cacauais de baixa produtividade por

variedades novas e mais produtivas. O experimento foi dado

como encerrado pela Chefia do CEPEC em outubro de 1990.

115

Page 132: Livro Paulo Alvim

Infelizmente, mesmo constando do PROCACAU —

Diretrizes para Expansão da Cacauicultura Nacional,

1976/1985 — uma meta de renovação de 150 mil hectares de

cacauais, mal foram adensados ou interplantados 41,6 mil

hectares de cacauais.

O experimento vulgarizou que existe uma metodologia

científica para indicar o que é uma área para renovar. Nada das

terminologias vazias de “decadente”, ou de cacaual

“envelhecido”. O que se aprendeu é que se deve dividir a

propriedade a renovar, em quadras ou roças, como

tradicionalmente se faz, com o controle da produção de cacau

em quilos/hectare; dimensionar a utilização de mão-de-obra, e

apurar os desembolsos em efetivo. Somado o total das despesas

e subtraindo dos ganhos em reais (produção em quilos x preço

em real) ter-se-á a margem líquida, ou seja, os “lucros” ou

“perdas”, para cada área.

As quadras com maiores “perdas” (margens negativas)

deverão ser renovadas em primeiro lugar; depois se identifica

se os fatores que levaram às perdas podem ser corrigidos ou

não. As quadras com maiores “lucros”, devem ficar em

produção, aplicando-se, com segurança o pacote tecnológico

recomendado pela pesquisa. Dessa forma se poderia falar com

convicção de que “... Só cresce quem renova”.

O Professor, PhD, Edward Schuh, da Fundação Ford,

em relatório apresentado ao Dr. Paulo Alvim, relatou sobre a

sua visita de outubro de 1970, sobre a Divisão de Sócio-

economia do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau:

116

Page 133: Livro Paulo Alvim

Prédio sede do Centro de Pesquisas do Cacau

CEPEC, Ilhéus, BA.

117

Idealizado pelo Dr. Paulo Alvim, o CEPEC hoje coordena o Programa Nacional de Pesquisa do Cacau e interage com unidades executoras dos Estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Maranhão, Mato Grosso e Espírito Santo. A integração se estende também a diversas universidades (Universidade Federal de Viçosa, Universidade Estadual de Santa Cruz, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, Universidades Federais da Bahia e de Lavras e Universidade Estadual do Norte Fluminense), e às instituições de pesquisa (Embrapa, CNPq e Finep) e empresas privadas.

“...Quando entrei em contato com a CEPLAC pela primeira vez,

ainda não havia um programa de ciências sociais. O volume de

pesquisa realizado é marcante, para um staff composto de tão

poucas pessoas. O que talvez seja mais importante, é o fato de

que o agrônomo Frederico Monteiro Álvares Afonso, tem o

dom de perceber o que é relevante e importante. Conheço

poucos programas de pesquisa no Brasil que têm sido tão

eficazes a ponto de irem diretamente aos problemas-chave .”18

Page 134: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim, ecofisiologista graduado pela Unive-

rsidade de Cornell, bem sabia que o cacaueiro é uma planta

brasileira nascida na região Amazônica, onde se encontra o

maior patrimônio botânico-ecológico do planeta e a maior

reserva genética da espécie Theobroma cacao. Da Amazônia o

cacaueiro subiu pelo Continente, chegou até os Maias e

Astecas, civilizações que sublimaram o seu cultivo e consumo,

denominando o seu fruto de “alimento dos deuses” e criando o

tchocolat. Após Cristóvão Colombo, o cacaueiro foi levado a

outras terras tropicais da África, Ásia e Oceania.

Nada portanto a estranhar que o pesquisador Paulo

Alvim jogasse todo o seu prestígio na empreitada de fazer a

CEPLAC chegar à Amazônia. Contando com o apoio irrestrito

do Coordenador Administrativo, José Haroldo Castro Vieira, e

com a total aprovação do Secretário Geral da CEPLAC, Carlos

Brandão, fez chegar os serviços experimentais da CEPLAC a

Belém, em 1965.

A parceria com o IPEAN — Instituto de Pesquisa e

Experimentação da Amazônia (hoje CPATU) dedicou os

esforços institucionais à missão de coletar material botânico de

cacau para introduzir na Bahia. Nasceram assim os Serviços

Experimentais em Belém. Em Cametá, trabalhando nas áreas

CEPLAC chega à Amazônia

118

Page 135: Livro Paulo Alvim

de várzeas do rio Tocantins, atendendo também a Mocajuba,

surgiu o ASTECCA — Assistência Técnica em Cametá, que

respondia por uma produção de umas 3.000 toneladas de

cacau seco/ano.

Novo campo de atuação foi feito em Manaus, Amazonas,

com a criação dos Serviços Experimentais em Manaus, em

1970, conveniado com o IPEAAOC — Instituto de Experimen-

tação Agrícola da Amazônia Ocidental (atual CPAA), para

estudar o comportamento do cacaueiro em solos pobres, típico

latossolos da Região Amazônica. Não se tratava de incentivar o

plantio de cacauais, que eram explorados de forma extrativista

nas várzeas dos rios amazônicos.

Por solicitação do Deputado Paulo Nunes Leal, feita à

direção da CEPLAC, em 1970, foi realizado estudo sobre as

possibilidades para o cultivo do cacaueiro em Rondônia. Em

abril de 1971 foram instalados os Serviços Experimentais em

Rondônia, no Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, do

INCRA, situado a 330 quilômetros de Porto Velho, às margens

da Rodovia Cuiabá/Porto Velho, a BR-364. Foram estudados

por cinco anos, em parcelas demonstrativas - de um e dois

hectares - para observar o comportamento dos cacaueiros

híbridos, junto aos colonos já assentados pelo INCRA, e

instalar Campos de Produção de Sementes Híbridas. Somente

depois desses cinco anos é que se começou a financiar, com o

apoio do Banco do Brasil, o plantio de áreas comerciais, com

módulos de dez hectares por família.

119

Page 136: Livro Paulo Alvim

Em Rondônia é muito freqüente a ocorrência de

cacauais nativos nas matas interiores, como os da BR-364, no

vilarejo Cacoal (uma corruptela de Cacaual), e outra à margem

da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no lugarejo

denominado Chocolatal. Eram matas de cacau de “virar o

machado”, uma árvore cortada direita e uma outra cortada à

esquerda, indicavam a densidade das árvores, vieram a

corroborar a indicação correta de que Rondônia é um bom

lugar para o plantio de cacauais. Estava assim, graças à

clarividência e criatividade do cientista Paulo Alvim, a

caminhada do cacau em terras amazônicas.

Paulo Alvim, o Coordenador Científico da CEPLAC, em

um de seus trabalhos escreveu: “É curioso observar que a

Amazônia, apesar de não ter ainda logrado alcançar o seu

desenvolvimento econômico, já contribuiu deforma decisiva

para promover o desenvolvimento de outras regiões. Essa

contribuição veio através de duas espécies nativas, a

seringueira e o cacaueiro”.

“Na Malásia, o cultivo da seringueira, levada desta parte

para as colônias britânicas, possibilitou uma melhoria sensível

nas condições de vida das populações rurais. Os países

africanos — Ghana, Nigéria, Costa do Marfim e Camarões —

hoje lideram a produção mundial de cacau”.

“Por quê”, pergunta Alvim, “a Amazônia não logrou

promover o seu próprio desenvolvimento econômico e social

com essas espécies nativas — a seringueira e o cacaueiro — que

120

Page 137: Livro Paulo Alvim

tanto fizeram em outras localidades também de clima tropical?

“Seria o caboclo da Amazônia inferior ao negro africano, ao

nativo da Malásia? “Ou seria a nossa situação econômica em

alguma forma diferente se a Amazônia fosse gerida pelos

gringos, colonizadores da Malásia e da África? ”

O mesmo Paulo Alvim, concluindo responde: “... será

totalmente impossível planejar com segurança o desenvol-

vimento da Região Amazônica, como de qualquer outra, seja

com o cacau ou seringueira, sem antes contarmos com

instituições de pesquisa e de assistência técnica do mais alto

nível, capazes de fornecer o embasamento para a ação que viria

a arrancar a Região do estágio de atraso, de economia de

recoleção e das condições de pobreza e infra-humanas em que

ainda vivem os caboclos da Amazônia”.

Foi a partir dessas premissas que Paulo Alvim, através

da CEPLAC, fez nascer os Serviços Experimentais em Belém, os

Serviços Experimentais em Manaus, e os Serviços

Experimentais em Rondônia, acoplados a Serviços de Extensão

e Assistência Técnica.

Já no início da década do ano 1730, o cacau tinha se

tornado o principal produto de exportação da Amazônia — o

Pará — e o principal berço das sementes que deram origem aos

grandes cultivos da Bahia, permitindo que viesse a se tomar um

dos grandes produtores nacionais de cacau. Foi o estado do

Pará, objeto das primeiras ações da CEPLAC para incentivar o

cultivo do cacaueiro.

121

19

Page 138: Livro Paulo Alvim

Ao chegar a Belém, o pesquisador designado por Paulo

Alvim ficou alojado na Divisão de Solos, do IPEAN — Instituto

de Pesquisas e Experimentação Agropecuária do Norte, então

chefiada por Ítalo Cláudio Falesi, também especializado em

pedologia. A acolhida foi das mais simpáticas, e as portas do

IPEAN ficaram escancaradas para a CEPLAC.

A tarefa do pesquisador do CEPEC passava longe de sua

formação básica: de “soleiro” passaria a “melhorista”. Na

verdade, o seu mandato tinha a ver com a coleta de material

botânico do cacau silvestre, nas matas do Pará, e a

multiplicação de materiais importados do Imperial Colege of

Tropical Agriculture, de Trinidad.

O CEPEC, da CEPLAC, tinha como projeto básico fazer o

alargamento da base genética do cacaueiro da Bahia, que era

muito estreita. Não tinha a CEPLAC nenhum compromisso de

incentivar o plantio de cacauais no Pará. Era, muitos diziam,

uma atitude colonialista: beneficiar a produção da Bahia, à

custa da presença de um técnico seu em terras paraenses.

Uma grande mudança quanto à política do cacau na

Amazônia, e especialmente no Pará, foi a criação, pela SAGRI

— Secretaria de Agricultura, sob a liderança do professor

Eurico Pinheiro, do “Projeto Cacau Pará, 1971—1973”.

Participaram da elaboração do Projeto Cacau Pará, técnicos da

CEPLAC, do IPEAN, da SAGRI, do IDESP, da ACAR-Pará e do

Banco do Brasil. Os trabalhos foram coordenados pelo próprio

Secretário da Agricultura, professor Eurico Pinheiro.

122

Page 139: Livro Paulo Alvim

Quando do lançamento do Projeto Cacau Pará, em 1971,

o professor Eurico Pinheiro convidou o Paulo Alvim para fazer

o marketing do cultivo do cacaueiro, em Belém. Falar de suas

vantagens ecológicas, econômicas e dos grandes benefícios

regionais que dela resultariam. Além de participar em

Seminários Técnicos e palestras, o professor Eurico Pinheiro

incentivou Paulo Alvim a participar de um programa de

entrevista na TV Liberal, que tinha como entrevistador Pierre

Beltrand. O programa era dono de um IBOPE altíssimo, por

isso, o professor Eurico Pinheiro se apressou em agendar o

convite para Paulo Alvim.

Lá pelas tantas o entrevistador, Pierre Beltrand,

perguntou: — Dr. Alvim conhece a grande contribuição que a

agricultura paraense está dando ao Brasil com o aparecimento

do cupuaçu sem caroço? A mulher do campo, paraense, já não

precisa trabalhar tanto, um trabalho cansativo, cortando com

tesoura a polpa da amêndoa do cupuaçu. Seria igualmente

proveitoso se aparecesse o caso de um cacaueiro que

produzisse frutos sem sementes?

Alvim — Meu caro jornalista, infelizmente não posso

concordar com a sua proposta, no que toca ao cacau sem

sementes... A semente do fruto do cacaueiro, uma vez colhida,

fermentada, seca ao sol, tostada, triturada, se transforma na

matéria-prima do chocolate. O chocolate é um produto nobre; é

energia, anima a vida; é gostoso e alimenta. Fiquemos apenas

com o caso do cupuaçu sem sementes...

123

Page 140: Livro Paulo Alvim

Na oportunidade foi “apresentada” uma das mais

famosas comidas regionais do Pará, o “tacacá”. O tacacá é uma

comida que é feita com ingredientes tipicamente amazônicos:

um caldo amarelado, o tucupi, que é extraído das raízes de

mandioca, ralada em “caetitús”, depois prensada. De um lado

sai o tucupi, e, do outro fica no caixão de madeira, uma massa

que servirá para fazer a farinha, depois de torrada em fornos

rústicos.

Outro ingrediente é a goma, feita a partir da mandioca,

que é acrescentada de água ficando como que um grude. O

“jambu” é uma folhagem, também conhecida como agrião-do-

pará, utilizada pelos indígenas e caboclos, como condimento

em suas comidas (o pato-no-tucupi, por exemplo, leva o

jambu). A suas folhas e flores amarelas, têm o poder de

anestesiar a boca quando mastigadas ou comidas.

E por último o camarão seco e salgado. Toda essa beberagem é

comida, muito quente, misturada, servida em pleno sol a pino

do meio-dia, nas barracas colocadas em lugares estratégicos,

em ruas e praças de Belém e outras cidades da Amazônia. Lá,

todo o mundo se delicia com o tacacá.

Levado a conhecer o tacacá, Paulo Alvim foi indagado

pelo amigo paraense: “Paulo Alvim, tacacá?” Ao que respondeu

jocosamente o cientista: “Não, tá cocô”. Nada amazônico o

nosso Paulo Alvim.

Uma observação valiosa do que pode fazer o agricultor-

inovador, vivendo intensamente os problemas do seu dia-a-

124

Page 141: Livro Paulo Alvim

dia, é o que nos deu o agricultor da Transamazônica, José

Osmar do Couto, ou José Gaúcho, desenvolvendo um sistema

agroflorestal na Fazenda “Sentinela do Progresso” localizada

na BR-230, quilômetro 107, na entrada do travessão que leva à

Estação Experimental da CEPLAC (ESPAM), “Dr. Paulo

Morelli”. O lote é do Projeto Integrado de Colonização

Altamira, e foi entregue a José Gaúcho, por volta de 1971/72.

Em 1975/76, quando José Gaúcho voltava de Altamira,

passou por um viveiro de mudas do IBDF — Instituto Brasileiro

de Desenvolvimento Florestal e pensou em ganhar algumas

mudas de fruteiras; mas o viveiro era de mudas de mogno

(Swietenia macrophylla); José Gaúcho causou boa impressão no

técnico do IBDF, que lhe ofertou 300 mudas de mogno,

dizendo que tinham interesse em pessoas que se dispusessem a

funcionar como viveiristas, para experiências florestais.

Impressionado com o crescimento das mudas, e tendo

aprendido que o mogno é uma madeira de boa qualidade, de

muito valor econômico, aí por volta do ano de 1981, mandou

um empregado seu coletar sementes de mogno, no quilômetro

240, perto de uma serraria. O trabalhador coletou 9.500

sementes; José Gaúcho fez um viveiro e, depois, plantou as

mudas numa roça de cacau com 40 hectares, sendo 70%

implantado em solo tipo Terra Roxa Estruturada Eutrófica, e

30% em Podzólico Vermelho Amarelo Distrófico.

No sombreamento provisório foi utilizada a bananeira e

no sombreamento definitivo mudas de mogno plantadas em

125

Page 142: Livro Paulo Alvim

espaçamentos diferenciados de 9 x 9 metros e 12 x 12 metros,

quando o cacaueiro apresentava em torno de três anos de

idade. Segundo o José Gaúcho, em ambas as densidades não

houve diferença para o crescimento do mogno. A Hypsiphylla

grandella sendo a praga mais importante e limitante para o

cultivo do mogno, não prejudicou o crescimento vegetativo do

mogno quando associado ao cacaueiro já implantado.

Alvim na amazônia vê SAF Mogno x Cacau.(1977)

126

Page 143: Livro Paulo Alvim

No final do período chuvoso de 1997, mês de maio, Paulo

Alvim visitou a plantação de mogno do José Gaúcho, na

Transamazônica, em companhia de um pesquisador da

CEPLAC/Belém, Paulo Júlio Silva Neto .

As árvores de mogno estavam com 22 anos, com uma

circunferência de 2,10 metros, ou 0,70 metros de diâmetro - o

José Gaúcho abraçou uma árvore e precisou mais dois palmos

para fechar a circunferência. Estimava-se que aos 30 ou 40

anos, estariam em condições de ser cortadas, com um

rendimento de dois metros cúbicos de madeira por árvore.

Em cada hectare de cacaual, estavam p1ntadas, no

espaçamento 9 X 9 metros, 123 árvores de mogno, que com dois

metros cúbicos cada, dariam 246 metros cúbicos por hectare. O

preço de comercialização, nos travessões da Transamazônica,

era de US$500 por metro cúbico; assim, cada hectare de

cacaual sombreado com mogno, obter-se-ia um rendimento de

US$123.000 que ao câmbio de outubro de 2004, de R$3,00,

resultaria em uma entrada bruta de R$369.000, suficientes

para renovar os cacauais, formar novas áreas de cafezais, ou

formar pastagens, ou para qualquer outra atividade que José

Gaúcho viesse a escolher. Tudo como resultado da “poupança

mogno”, que nascera pela criatividade e espírito inovador de

um agricultor-pesquisador e o apoio da Ceplac.

A explicação da EMBRAPA e da CEPLAC para o bom

resultado obtido foi a de que, como José Gaúcho fizera o plantio

do mogno por debaixo do dossel dos cacaueiros (em torno de

127

20

Page 144: Livro Paulo Alvim

três anos de idade na época de plantio do mogno) o ataque da

broca do olho terminal, (Hypsiphylla grandella), não impediu o

crescimento das árvores de mogno. Paulo Alvim, que visitou a

plantação — para comprovação se publica uma fotografia do

pesquisador junto às árvores de mogno e do cacaual — já

anteriormente demonstrara interesse neste rendoso sistema

agroflorestal mogno + cacaueiro — tanto assim que importara e

distribuíra sementes de mogno negro trazido da África, mais

tolerante ao ataque da broca. Através de palestras e notícias

publicadas fez o chamamento para que os pesquisadores nunca

deixassem de observar a opinião correta dos agricultores.

Já o cultivo do cacaueiro no estado do Amazonas não

obedeceu ao direcionamento de produção comercial de cacau.

Por orientação do Coordenador Técnico Científico, Paulo

Alvim, o início dos trabalhos da CEPLAC, no Amazonas, teve o

sentido científico de estudar o plantio do cacaueiro em solos de

terra firme, pobres, avançando conhecimentos que pudessem

ser úteis à grande extensão de terras, nessas condições de

pobreza mineralógica, na Amazônia.

Como fatos marcantes da pesquisa na Estação

Experimental do Km 30, da Rodovia Torquato Tapajós, com

uma área de 50 hectares, situada em área do IPEAAOc, é dever

destacar o projeto de pesquisa de Paulo Alvim, em convênio

com o INPA-Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia,

abrigado no PTU- Projeto do Trópico Úmido. Contemplava os

sistemas de plantio de cacau em trilhas nas capoeiras e sob

mata raleada, sistemas considerados ecologicamente corretos,

128

Page 145: Livro Paulo Alvim

porém de baixa produtividade e de resultados econômicos

duvidosos.

A simples reciclagem de nutrientes, oriundos das

espécies da capoeira e da mata primária, não era suficiente para

possibilitar produtividade em torno de 800 quilos por hectare.

Esses 800 quilos/hectare são facilmente obtidos nos

experimentos implantados de acordo com as recomendações

da CEPLAC.

Fugir das terras firmes para as terras de várzeas pareceu

uma saída. No estado do Amazonas, no município de Parintins

— a terra do bumba-meu boi — foi o pioneiro da cacauicultura.

Coube a José Pedro Cordovil, ainda no período colonial, ser o

grande incentivador da cultura. Em relatório de 1917, referia-se

o então Superintendente de Parintins, à existência de um

campo experimental para incentivar os agricultores. As

plantações de Parintins eram todas feitas nos aluviões dos rios

Amazônicos, em terras férteis, porém sujeitas a grandes

enchentes.

“As duas grandes enchentes de 1920 e 1921 causaram

enormes prejuízos aos cacauais. Após o dilúvio fluvial, foi

considerável o número de árvores que pereceram.” Escreveu

José Pedro Cordovil em seu relatório, que avaliou a existência

de 488 mil pés de cacau, e a exportação do município de

Parintins no qüinqüênio 1917-1921, de 1.770 toneladas,

resultando uma produção média de 350 toneladas/ano.

129

Page 146: Livro Paulo Alvim

Deve-se considerar que a cacauicultura das várzeas

constitui um acervo “in situ” da biodiversidade do cacaueiro e

de outras espécies consorciadas, e que, em alguns locais, tem

sofrido erosão genética devido à substituição da atividade

cacaueira extrativista pela pecuária nas várzeas, situação essa

facilmente comprovada em vários lugares às margens dos rios

Amazônicos.

A primeira ação para cultivar o cacaueiro em terras de

Rondônia foi do Dr. Cezar Catanhede, Presidente do IBRA —

Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, quando, em 1968

solicitou ao Paulo Alvim, Diretor do Centro de Pesquisas do

Cacau, da CEPLAC, que se estudasse a viabilidade do cultivo do

cacaueiro em terras Nambiquaras.

A CEPLAC chegou a apoiar a iniciativa, designando um

pesquisador e um extensionista para viajarem a Rondônia a

fim de examinar as possibilidades do meio ambiente. Quando a

resposta de Paulo Alvim chegou ao IBRA, já não estava mais na

Presidência o Dr. Cezar Catanhede, e a tão conhecida

descontinuidade administrativa fez cair no vazio a iniciativa.

No final de 1969, o Deputado Federal Paulo Nunes Leal, eleito

por Rondônia, pleiteou junto ao Secretário-Geral, José

Haroldo Castro Vieira, que se fizessem estudos sobre as

possibilidades da cacauicultura em Rondônia.

O Coronel usou, junto ao Secretário-Geral da CEPLAC,

como argumento, que as matas de Rondônia eram ricas em

populações nativas de cacauais; existiam “... verdadeiras matas

130

Page 147: Livro Paulo Alvim

de cacau”, dizia o Coronel e Deputado Federal Paulo Nunes

Leal.

O Secretário-Geral, José Haroldo Castro Vieira,

designou o agrônomo Frederico Monteiro Álvares Afonso, por

ser filho de Rondônia, para a execução da missão.

Os resultados da missão ficaram explicitados no

documento “Possibilidades da Implantação de Cacauais no

Território Federal de Rondônia’’. Relatório de Viagem

Realizada em Julho-Agosto de 1970. CEPLAC — Centro de

Pesquisas do Cacau, 1970, 71 p. Daí em diante, foram trocas de

correspondências, os ajustes burocráticos entre INCRA e

CEPLAC e a indicação de Frederico para vir ter a Rondônia a

fim de apoiar a Colonização Ouro Preto, do INCRA. “No dia 21

de abril de 1971, a CEPLAC descobriu Rondônia para o cacau”

É interessante informar que muito antes da CEPLAC

chegar a Rondônia para estudar os solos do Território, eles já

haviam sido reconhecidos por Klaas Jan Beek e Jacob

Bennema, da FAO — Food and Agriculture Organization of the

United Nations, publicado em 1966. O relatório, “Soil

Resources Expedition in Western and Central Brazil”, dizia em

inglês, que transcrevemos no original para não corrermos o

risco de perder informação:

“Special attention was given to soils with an apparently

higher nutrient status, these were expected to be the more

promising for eventual agricultural colonization projects.

These soils have been complete described and the samples

131

Page 148: Livro Paulo Alvim

w h i c h w e r e t a k e n h a v e b e e n a n a l y s e d i n l h e

laboratory of the DPFS (Divisão de Pedologia e Fertilidade dos

Solos). The Eutrophic Reddish Brown Lateritic were the best

soil seen during the expedition for traditional management.

They are favored by their location on the new Cuiabá/Porto

Velho road, and these soils could produce an important part of

entire agricultural needs of the western Brazil”. Paulo Alvim

quando visitou o Projeto Ouro Preto, em Rondônia, no dia 5 de

julho de 1971, afirmou:

“É uma grande honra e um prazer deixar nesta página de

abertura as impressões de minha visita de dois dias aos

trabalhos do INCRA na Colonização “Ouro Preto”. Há muito

tempo que venho me batendo pela necessidade de

conquistarmos os trópicos da Amazônia brasileira com os

recursos da Ciência Agronômica.

Os técnicos do INCRA estão dando uma lição ao vivo de

como se deve realizar esta conquista. Os êxitos que estão sendo

alcançados se devem sobretudo, ao acerto, à forma com que

selecionaram os locais para a implantação do Projeto, e ao

entusiasmo e dedicação dos dirigentes do Projeto. Não tenho

dúvida em afirmar que a Colonização “Ouro Preto” vai se tornar

conhecida em futuro próximo como o mais exitoso plano de

desenvolvimento agrícola dos trópicos úmidos de que se têm

notícias em nosso Continente. Minhas felicitações aos

idealizadores do Projeto e aos colegas que se encontram à

frente dos trabalhos”.

132

Page 149: Livro Paulo Alvim

Visitando novamente o Projeto Ouro Preto, em 1976,

Alvim introduziu sementes de Teca (Tectona grandis L.), a partir

de sementes obtidas no Imperial College of Tropical

Agriculture, de Trinidad e Tobago, matrizes consideradas de

valor genético para produção de madeira.

A Teca é uma espécie do sudeste asiático, de fácil cultivo

e de rápido crescimento na região de Rondônia, cuja madeira

tem alto valor de mercado em razão das suas excepcionais

propriedades. É uma espécie de grande porte, atingindo até 50

metros de altura, com porte comercial de corte dos 22 aos 25

anos na Região Amazônica e aos 50 anos na região de origem.

Estima-se que no estado de Rondônia existam cerca de três

milhões de árvores plantadas de Teca. Destas, parte

significativa deve ter sido formada com sementes ou mudas

procedentes da Estação Experimental da Ceplac - ESEOP,

localizada em Ouro Preto do Oeste -RO, pois, se estima em

mais de 1,5 milhões de propágulos (sementes e mudas)

produzidas e distribuídas no decurso das duas últimas décadas.

As primeiras sementes trazidas de Trinidad e Tobago por Paulo

Alvim foram semeadas na ESEOP, onde, em 1976, foi instalada

uma coleção de teca com o nome de Paulo Alvim, em

homenagem ao introdutor da espécie no Brasil. Mais uma

valiosa contribuição do cientista Paulo Alvim.

133

Page 150: Livro Paulo Alvim

Coleção de cultivares de teca (Tectona grandis) instalado

na Estação Experimental da Ceplac, localizada em Ouro

Preto do Oeste, Rondônia.

ESEOP - Rondônia

134

Paulo Alvim recebendo homenagem da SuperintendênciaRegional de Rondônia, na Sede da Emarc - Uruçuca/BA.A homenagem foi gravada em uma placa de prata fixadasobre secção transversal de árvore de teca.

EMARC - Uruçuca

Page 151: Livro Paulo Alvim

Por ocasião da comemoração dos CINQUENTA ANOS

DE PhD EM FISIOLOGIA VEGETAL — Paulo Alvim recebeu

merecidas homenagens no auditório do CEPEC, em Itabuna.

Na ocasião seu amigo de todas as horas no Escritório Central de

Coordenação da CEPLAC, José Haroldo Castro Vieira,

escreveu para o jornal “AGORA”, da semana 31 de outubro a 06

de novembro de 1998, duas estórias, que ilustrassem o seu

“savoir faire” .

A primeira foi intitulada “Eu queria ser uma vaca”.

Aconteceu em Manaus. Era um seminário que reunia

especialistas, os quais deveriam produzir um documento

indicando as melhores alternativas para uma ocupação

econômica da Amazônia. Paulo Alvim estava na mesa diretora,

ao lado de um técnico brasileiro em pecuária, bastante

conhecido por sua pose e capacidade oratória. Ambos eram

conferencistas e amigos, e um iria falar após o outro.

Ao se expressar, o defensor ardoroso da pecuária, com

voz tonitruante e vibrantes gestos de político demagogo,

sugeriu a ocupação da Amazônia através da pata do boi, com a

substituição gradativa da floresta por intermináveis pastos.

Recebeu aplausos pela oratória, pois, de pronto, a assistência

não atinou para a estupidez da proposta. O técnico agradeceu,

50 anos de PhD

135

21

Page 152: Livro Paulo Alvim

sentou-se, e o Alvim, para surpresa geral, polidamente sério, o

cumprimentou.

Em seguida, de pé, fria e irreverentemente, iniciou a sua

sugestão com as seguintes palavras: “... Eu queria ser uma vaca,

pois, a prevalecerem os conselhos do orador que me antecedeu,

no Brasil é melhor ser boi ou vaca do que gente. Aqueles têm

melhor tratamento que as pessoas e as plantas. Podem

observar: preocupamo-nos com a sua alimentação e peso, não

existe vacas famintas, analfabetas e desempregadas e nem

bezerros de rua. Governo e técnicos não podem tratar melhor

as vacas que as pessoas”.

E por aí foi, seriamente desmoralizando a fala de seu

amigo, que havia cometido a heresia de sugerir a ocupação da

Amazônia com a pecuária, condenando a floresta ao

desaparecimento. Depois o Alvim foi desenvolvendo a sua

teoria de ocupação por uma agricultura associada à

floresta, preservando-a e não encaminhando aquela vasta área

à desertificação pura e simples.

Aplaudido de pé. O técnico seu amigo não gostou. As

vacas também. Outra estória de Paulo Alvim contada por seu

companheiro do Escritório Central de Coordenação da

CEPLAC, José Haroldo, e de cunho internacional. Conta “À

noite em Ibadan (A vassoura-de-bruxa e outras histórias)”.

Esta aconteceu na África. Zé Haroldo e Paulo Alvim

viajavam por toda a região cacaueira africana observando

programas de pesquisas e extensão agrícola. Já haviam

136

Page 153: Livro Paulo Alvim

percorrido a Costa do Marfim, os Camarões e Ghana e se

encontravam na Nigéria.

Estava a caminho de Ibadan, a maior cidade negra de

todo o mundo, quando souberam que na Estação Experimental

de Gainbari, objetivo principal da viagem, havia acontecido

uma greve de fortes repercussões, prisões de agrônomos e

trabalhadores, tendo se instalado um inquérito militar.

Chegaram à noite, de táxi, e ao percorrer as cercanias da

estação — oito quilômetros fora da cidade — tendo encontrado

tudo às escuras, temeram por um assalto e resolveram ir

procurar o hotel para ficar a primeira noite, embora soubessem

que nas acomodações da Estação estavam a esperá-los.

No único grande hotel da cidade não havia uma só vaga.

Percorreram várias pequenas pensões. Péssimas todas elas.

Afinal, depois de muito procurar, encontraram algo modesto,

porém limpo, uma única cama de casal num quarto amplo com

ventilador no teto.

Uma negra gorda lhes atendeu, serviu água e foi muito

solícita. Ali dormiram lado a lado. No dia seguinte cedo

partiram para a Estação. Realmente havia inquérito, muitos

soldados e policiais protegiam as salas. Tiveram uma acolhida

extremamente cordial do Mr. O'Pick, chefe da Estação. Alvim

era velho conhecido e muito querido, como em todos os lugares

do mundo. Após os abraços, O'Pick pergunta:

- Vocês deveriam chegar ontem, o que houve? Alvim

historiou o todo ocorrido e O'Pick retrucou: - Mas onde vocês

dormiram?

137

Page 154: Livro Paulo Alvim

E Alvim acrescentou: LIZY GUEST HOUSE.

- Sorrindo muito, O'Pick informou: Gente, vocês

dormiram em uma casa de encontros amorosos.

Foi aí que o Zé Haroldo lembrou-se que realmente havia

uma luz vermelha na porta de entrada. Parece que a coisa é um

código universal. Até hoje a negra gorda deve estar a perguntar-

se: Quem seria o brasileiro bicha? Paulo Alvim ou Zé Haroldo?

* * *

Paulo Alvim já foi distinguido com muitas honrarias:

orador de sua turma na conclusão do Curso Secundário,

Colégio Brasileiro, em Ubá; orador da turma de 1940 de

engenheiros agrônomos da UFV — Universidade Federal de

Viçosa; Medalha Agrícola Interamericana 1979, concedida pelo

IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas.

Ao desvincular-se do IICA disse em uma carta

endereçada ao Diretor-Geral, José Emílio Gonçalves de

Araújo: “Deixar o IICA foi para mim uma decisão muito difícil

de tomar. Na verdade, não me lembro de haver relutado tanto,

nem haver demorado tanto tempo para decidir sobre o que

deveria fazer. Não foram as dúvidas nem as incertezas do

futuro que me fizeram titubear. O verdadeiramente difícil foi

enfrentar essa sensação incômoda de separar-me de uma

instituição à qual estive tão intimamente ligado por mais de 26

anos, ou mais precisamente, 26 anos e três meses” .

138

22

Page 155: Livro Paulo Alvim

139

Pessoa simples; grandes amigos

Presente às comemorações do 81º aniversário da

fundação do Ginásio São José, Dr. Paulo Alvim, cientista e

botânico citado em publicações especializadas mundialmente,

o nosso ilustre convidado veio com a comitiva do ex-aluno e

secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Dr.

Ângelo Oswaldo de Araújo Santos.

Paulo Alvim chegou dia 22 de agosto de 1986, à noite, e

dia 23 pela manhã dirigiu-se à Fazenda Boa Esperança e foi

surpreendido pela visão de uma faixa saudando sua presença e

sua primeira exclamação foi de alegria: “Jamais vi meu nome

colocado numa faixa nas ruas de minha cidade natal...”.

Para atestar sua satisfação fez questão de tirar inúmeras

fotografias da faixa posando com seus amigos. Ao terminar as

cerimônias comemorativas pediu para levar a faixa como

lembrança. Que sensibilidade a de Paulo Alvim!

Nunca é demais desenhar o perfil de Paulo Alvim a partir

de depoimentos de pesquisadores, liderados seus, na atividade

de pesquisa no CEPEC. Um deles, Emo Ruy de Miranda ,

especialista em nutrição mineral, afirma que nas reuniões

técnicas semanais de avaliação que dirigia, Alvim não se

cansava de chamar a atenção dos agrônomos, para: “a classe

agronômica tem criticado os governos porque não tem

23

Page 156: Livro Paulo Alvim

140

recebido recursos financeiros e de materiais para conduzir um

programa técnico-científico de interesse para as diferentes

regiões brasileiras. Isto não é mais desculpa, pois para o caso do

cacau, temos inúmeros problemas, porém, paralelamente

temos recursos financeiros e de materiais à disposição da classe

agronômica para apresentar técnicas agronômicas capazes de

contribuir para transformar a cacauicultura brasileira como

um modelo a ser copiado por outros países”.

Adianta ainda Emo Ruy de Miranda, que ocupou por

alguns anos o importante posto de Secretário-Geral da

CEPLAC, que ao longo dos anos o programa de treinamento

ocupou lugar de destaque no orçamento da CEPLAC,

permitindo que a instituição pudesse, na década de 80, contar

com mais de 140 profissionais, com títulos de MSc e PhD, nos

diferentes campos da Agronomia. Tal dado indicava que a

instituição tinha preparado seus profissionais para dar o

suporte técnico-científico necessário ao fortalecimento da

cacauicultura nacional.

Paulo Alvim estimulava os pesquisadores a assumir a

responsabilidade das tarefas executadas por eles.

De certa feita incentivou Emo Miranda a participar de

um Congresso Nacional de Solos, que seria realizado em Sete

Lagoas, Minas Gerais, e que se preparasse para viajar em

companhia dele para participar do evento. Uns três dias antes

da viagem Paulo Alvim chamou-o ao seu gabinete e comunicou

que não poderia viajar para o Congresso de Solos e que: “... você

Page 157: Livro Paulo Alvim

141

vai ficar responsável pela apresentação do trabalho. Não tenho

dúvidas que você se sairá bem, pois você já teve a oportunidade

de apresentar este trabalho para mim. Faça-o igual, em Sete

Lagoas, pois tenho certeza que você se sairá muito bem”.

Emo foi ao Congresso Nacional de Solos — a primeira

participação formal como pesquisador em um evento — com

mais de 500 participantes, entre pesquisadores, agrônomos, e

estudantes estiveram presentes e a apresentação foi

considerada boa e o trabalho muito elogiado, principalmente

pelos especialistas em fertilidade de solos presentes.

Fugindo um pouco da abordagem dada ao documento

“Paulo Alvim: Mestre e Amigo”, de não personalizar citações e

referências, é importante citar o depoimento do pesquisador

Manuel Tourinho, graduado em nível de MSc em Turrialba,

IICA, no Curso de Dessarrollo para el Desenvolvimento, e

depois, em 1978, graduado em Sociologia nos Estados Unidos,

Universidade de Wisconsin.

Diz o Professor Manuel Tourinho: “... ao fazer esses

breves relatos da conduta de Paulo Alvim, quero reconhecer o

papel que ele teve na minha formação acadêmica e carreira

profissional. Se nunca quis abraçar qualquer conduta que não

fosse a científico-acadêmica; se nunca aceitei trabalhar com a

iniciativa privada; se nunca quis ter sequer um só palmo de

terra no Sul da Bahia; e nos cargos públicos que exerci, na

CEPLAC, ou fora dela, como professor da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Diretor Nacional da EMBRAPA, Reitor

Page 158: Livro Paulo Alvim

da UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia e membro

do Board de Diretores do CATIE — Turrialba, Costa Rica, o fiz

com a mais absoluta responsabilidade e procurando o exercício

competente, devo muito ao Paulo Alvim. Ele imprimiu na

minha personalidade um enorme carinho pela ciência, coisa

que faço até hoje com enorme zelo, dedicação e gosto” .

* * *

Paulo Alvim, jamais se empenhou em ocupar cargos e

posições para angariar compensações financeiras, ou agregar

salários. Uma única atividade paralela que tentou, foi a de se

tornar produtor de cacau em terras de Rondônia. Adotou essa

iniciativa para “dar força” à iniciativa governamental (INCRA)

e servir de garoto propaganda para a da Licitação da Gleba

Burareiro.

Paulo Alvim adquiriu através de um contrato de

Concessão de Domínio de Terras Públicas com o INCRA,

número 19, de três de juho de 1981, um lote de terras com uma

área de 507 hectares. Era o lote 94 localizado na Gleba Licitação

Burareiro, situada no município de Ariquemes, Rondônia.

Chegou a fazer em dois anos seguidos derrubadas de matas, e a

plantar uns poucos hectares de cacauais, mas o

empreendimento não deu certo, não frutificou. O absenteísmo

tornou inviável a atividade do cientista Paulo Alvim, como de

tantos outros empresários.

142

24

Page 159: Livro Paulo Alvim

Até o ano de 1982 os licitantes da Gleba Burareiro de

Ariquemes objetivava, através do INCRA (Instituto Nacional

de Colonização e Reforma Agrária), via Edital 0170 de 28 de

novembro de 1979, Processo Administrativo 4170/80,

representavam 9.071 hectares e envolviam 146 empresários,

entre os quais Paulo Alvim, com uma área média, dentro do

estrato, de 55 hectares de cacauais. Essa categoria de grandes

plantadores de cacau em Rondônia detinha uma participação

de 20% do total da área cultivada em Rondônia. É mister

informar que a instrução do INCRA era de que cada licitante

somente poderia plantar 50% do seu lote de 500 hectares, de

acordo com o Código Florestal para as áreas da Amazônia.

Paulo Alvim ingressou no IICA — Instituto Inter-

americano de Ciências Agrícolas em 1951, ali permanecendo

até o ano de 1977; 26 anos. Iniciou seus trabalhos em Costa Rica

— Turrialba — como pesquisador e professor na Escola de Pós-

graduação do IICA, no período 1951 a 1955; de 1955 a 1963

trabalhou como pesquisador e professor de agricultura tropical

e fisiologia vegetal, na Zona Andina do IICA em Lima, Peru.

Entre 1963 e 1977 foi Diretor Técnico da CEPLAC,

cedido pelo IICA, em convênio, com o Governo do Brasil, como

responsável pelo planejamento e instalação do CEPEC e outros

departamentos técnicos da CEPLAC. Ao todo foram 26 anos de

dedicação ao IICA. A partir de 1977 ingressou na CEPLAC

contratado como Diretor Técnico-Científico tendo se aposen-

tado, compulsoriamente, em 1991 com 14 anos de atividades.

143

Page 160: Livro Paulo Alvim

Fundação Pau Brasil

A FUNPAB — Fundação Pau-Brasil , foi criada nos

termos das Atas das reuniões realizadas por seus instituidores,

em 15 e 21 de março de 1990, é uma pessoa jurídica de direito

privado, sem fins lucrativos, que se rege por seu Estatuto e pela

legislação aplicável às organizações fundacionais brasileiras.

A FUNPAB tem, em geral, os objetivos de estudo,

desenvolvimento social, econômico, científico e tecnológico,

em apoio à CEPLAC — Comissão Executiva do Plano da

Lavoura Cacaueira, e, especificamente, planejar, promover e

executar ações pertinentes:

a) - à conservação da Natureza na Região Sul da Bahia,

visando ao melhor uso dos recursos naturais renováveis e ao

pleno desenvolvimento da cultura regional, sem prejuízo para

as atividades de uma agricultura sustentável; e contribuindo

para a permanência dos recursos naturais de valor paisagístico,

cultural, histórico, ético e estético.

estudantes de mestrado nos laboratório de Fisiologia Vegetal

do CEPEC e, uma vez aposentado, passou a se dedicar à

Fundação Pau-Brasil, da qual foi seu presidente, até o ano de

2006, com mais de 15 anos de atividades científicas.

Como Professor Honorário da UFBA, Alvim orientou

144

25

Page 161: Livro Paulo Alvim

b) - à preservação de áreas da Mata Atlântica na mesma

Região, contribuindo para a perenização do patrimônio natural

e cultural, buscando assegurar a biodiversidade nos

ecossistemas e a conseqüente garantia dos processos naturais,

o equilíbrio ambiental e o bem estar social.

c) - à obtenção de recursos através de prestação de

consultoria e/ou explorações econômicas no âmbito da

agropecuária, extrativismo, industrialização e engenharia em

seus diversos ramos, comercialização e outras atividades que se

fizerem necessárias — a fim de complementar o adequado

suporte financeiro ao melhor desenvolvimento dos programas

de pesquisa e extensão da CEPLAC.

Sobre alguns dos projetos da FUNPAB, algumas

informações, sua secretária, Conceição Soledade , organizou

uma listagem das mais importantes ações desenvolvidas.

Projetos concluídos

- Seleção e geração de genótipo de cacauais resistentes à

“vassoura- de - bruxa”. (ACRI).

- Uso da biologia molecular na busca de variedades

resistentes à “vassoura-de-bruxa” (Biomol).

- Avaliação e seleção de material genético de Coffea

canephora Pierre para a Região Atlântica da Bahia (ECOMAN).

145

26

Page 162: Livro Paulo Alvim

- Comportamento do Coffea canephora cv conillon em

um argisolo coeso sob diferentes sistemas de manejo e regime

hídricos.

Projetos em andamento

- Projeto Mata Atlântica do Nordeste.

- Melhoramentos assistidos por marcadores para

resistência à “vassoura-de-bruxa” do cacau usando genes

homólogos de resistência.

- Sistemas agroflorestais.

-Sistemas de apoio para decisões para manejo

sustentável de ecossistemas de áreas rurais em floresta úmida

do Atlântico (ECOMAN).

- Diferenças genotípicas em cacau e seu uso eficiente de

nutrientes e controle de doenças.

- Programa Pau-brasil.

-Melhoramento do cacaueiro para produtividade e

qualidade, um enfoque participativo.

146

Page 163: Livro Paulo Alvim

Uma das relevantes contribuições para a formatação da

CEPLAC, e o seu famoso tripé (pesquisa + extensão rural +

educação) foi a contratação de pesquisadores, extensionistas e

educadores altamente qualificados, experimentados e com

cursos de pós-graduação a nível de Msc e PhD, que pudessem

contribuir para o treinamento em serviço do quadro que

deveria ser, como foi, contratado pela CEPLAC. Para o quadro

do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau, contratou o

geneticista doutorado, PhD, Jorge Soria, equatoriano,

originário do quadro do IICA, Turrialba, Costa Rica; Fernando

Vello, brasileiro, geneticista, do quadro do Projeto ETA — 45,

da Estação Experimental de Goitacazes, Espírito Santo;

Eduardo Jimenez, PhD em fisiologia vegetal, conhecido e

amigo de lá do IICA, do Paulo Alvim.

Trouxe ainda, Basil Bartley, cidadão britânico, com um

doutorado, para a assessoria do CEPEC e do DEPEA —

Departamento Especial da Amazônia, na área de melhora-

mento do cacaueiro. Do Reino Britânico trouxe para o DEPEA,

o PhD Charles Evans, fitopatologista, profundo conhecedor e

experimentado pesquisador da enfermidade “vassoura-de-

bruxa”.

Um homem de visão

147

Page 164: Livro Paulo Alvim

O programa de capacitação do CEPEC — Centro de

Pesquisas do Cacau, da CEPLAC, começou nos anos 1962/63

com os primeiros profissionais sendo encaminhados para o

Centro de Enseñanza e Investigación, do IICA, sediado em

Turrialba, Costa Rica; para o Brasil – UFV, e para as Escolas

com pós-graduação no Brasil e para os EUA.

Para se ter uma idéia da grandeza da tarefa cominada

pela CEPLAC, sob a orientação de Paulo Alvim, se procurou

com a direção regional da Bahia (CEPEC, DEPEX e

Departamento de Recursos Humanos) elaborar um quadro

com o número de profissionais que foram capacitados, ano a

ano, por tema de especialização, e universidade onde foi

treinado).

Desafortunadamente, vários acontecimentos impedi-

ram uma visão como desejaríamos, e como ela é importante

para poder se avaliar a importância dada à capacitação e por

quanto Paulo Alvim por ela se empenhou, além, é claro do

volume recursos dispendidos.

As informações foram organizadas pela área da

Superintendência Regional da Bahia – CEPEC, DEPEX e

EMARC – e pela área da Superintendência do DEPEA -

Departamento Especial da Amazônia.

Na Bahia foram qualificados em diversas áreas 32

pesquisadores em nível de doutorado – PhD, e em nível de

mestrado – MsC – 34 pesquisadores, totalizando 66 profissio-

nais. O tempo de duração para o doutorado oscilou entre

148

Page 165: Livro Paulo Alvim

quatro e cinco anos; enquanto que para o mestrado passou de

poucos meses a mais de dois anos.

No DEPEA – Departamento Especial da Amazônia, que

hoje inclui a base científica de Belém e uns poucos

especializados em Rondônia, o número total de capacitados foi

de 39, estando repartidos entre 16 ao nível de doutorado – PhD

– e 23 em nível de mestrado – MsC.

Nunca é demais exaltar o espírito aberto, de

colaboração, sempre disponível de Paulo Alvim. No processo

de criação da EMBRAPA — Empresa Brasileira de Pesquisas

Agropecuárias, embora a velha guarda da EMBRAPA não goste

muito de referir sobre isso, o papel de Paulo Alvim foi notável.

A própria EMBRAPA e alguns de seus Centros de

Produtos, foram inspirados no modelo CEPLAC/CEPEC.

Paulo Alvim foi ainda o mentor do plano de Cargos e Salários,

com a apologia da meritocracia. Inspirou também a EMBRAPA

no Convênio Seminal EMBRAPA/IICA, dando os primeiros

passos para um aguerrido plano de capacitação de

pesquisadores, com recursos do Banco Mundial e

Administração do IICA.

149

Page 166: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim e o saudoso José Haroldo foram por cerca de três

décadas os principais responsáveis pela condução das decisões

científicas e administrativas da Ceplac. Dois grandalhões,

beirando os dois metros de altura cada. Grandes e grandiosos.

Tocavam por música; decidiam juntos. Verdadeiros amigos.

Confiança absoluta um no outro, freqüentaram gabinetes

nacionais e internacionais – ministros, presidentes, autori-

dades do universo do cacau – mas sempre se orgulharam em

manter o gosto comum pelo contato direto com os produtores

de cacau. Ouvia-os com atenção e respeito a suas demandas e

preocupações. Alvim e Haroldo conduziram com muito acerto

a relação entre Ceplac e produtores e, especialmente, a relação

entre direção da Ceplac e funcionalismo. Ambos ficaram e

ficarão para sempre na memória e no coração de todos.

O parceirão Haroldo

Paulo AlvimJosé Haroldo

150

Page 167: Livro Paulo Alvim

151

E o cachimbo de Alvim?

Puxa, o livro vai quase terminando e

ninguém iria lembrar do cachimbo de Alvim?

Pois bem, quem sofria de rinite alérgica – o

colega Jorge Moreno que o diga – tinha certa

dificuldade em trabalhar na mesma sala de

Alvim. Ele não abria mão de, volta e meia, acender seu

cachimbão; ainda bem que com fumo importado, até cheiroso,

mas o cheiro era forte e o fumaceiro deixava seu rastro.

Como Alvim nunca estava disposto a gastar sua atenção

com as coisas prosaicas do dia-a-dia – esquecia guarda-chuva,

esposa, relógio, passaporte, etc. etc. – não é a assinatura em

cartão de banco que ele iria se lembrar. Pois bem.

Certa feita, o contínuo que servia a Alvim no Cepec saiu

de férias. Contínuo novo, numa segunda-feira vai o dito ao

caixa do Banco do Brasil no Cepec descontar um cheque. A

assinatura não conferiu. O caixa olhou o cheque, olhou o

contínuo e pensou em recusar. Mas...

Aí pediu a ajuda do colega ao lado: será que esta

assinatura é do Dr. Alvim? Não conferia. Mas, experiente, o

colega pegou o cheque, olhou, levou-o ao nariz, aspirou o ar em

redor e disse:

- Pode pagar; estou sentindo no ar e no cheque o cheiro

inconfundível do chachimbo do Dr. Alvim...

Page 168: Livro Paulo Alvim
Page 169: Livro Paulo Alvim

Depoimentos

sobre Paulo Alvim

Page 170: Livro Paulo Alvim

Dr. Paulo Alvim se emociona ao receber homenagem como fundador do

Centro de Pesquisas do Cacau.

Page 171: Livro Paulo Alvim

155

No mundo do cacau, onde inúmeros pesquisadores e

cientistas trabalham incansavelmente para, essencialmente, elevar a

produtividade do cacaueiro, que se ressume a: ter plantas sadias, que

produzam muitos frutos com o máximo número de sementes, alguns

se destacam pelo brilho próprio.

Em minha opinião, quatro desses pesquisadores

influenciaram a cacauicultura mundial nas décadas entre 1960 e

2000. Contribuíram, não somente como pesquisadores, mas

também como gestores de pesquisa, exercendo influência científica

nos continentes de maior produção de cacau no mundo

Entre estes, Y. Adu-Ampomah, que se encontrava em Gana;

Lee Ming Tong, na Malásia e dois na America latina: Gustavo

Henríquez do Equador e Paulo Alvim, no Brasil. Todos considerados

expoentes em seus campos de pesquisa contribuindo decisivamente

para o desenvolvimento da cacauicultura em seus respectivos países.

No entanto, a figura de Paulo Alvim se destaca por não

somente ter ditado as bases de como se produz cacau no Brasil,

principalmente na Bahia, sua terra adotiva, mas também porque

esses conheci-mentos e práticas se estenderam por toda a América

latina, sendo utilizados ainda por países produtores de cacau da

África e Ásia.

Exemplos destes fatos são inúmeros, mas uma das tantas

tecnologias desenvolvidas por Alvim, que mais me impressionam é a

O brilho próprio de Alvim

Raul VallePesquisador, ex-diretor do CEPEC

Page 172: Livro Paulo Alvim

156

do manejo de sombra e fertilização do cacaueiro. Explico: os

resultados das pesquisas conduzidas por Alvim levaram a Ceplac a

recomendar o manejo da sombra (raleamento, poda das árvores de

sombra e fertilização) em plantações de cacau. Imagine o serviço de

extensão da Ceplac implementando estas práticas em cerca de 600

mil hectares plantadas com cacaueiro. Outra impressionante

influência que se estendeu à America latina foi a da plantação de

Erythrina consorciada com cacau, o chamado plantio tecnificado. É

parar e refletir o sem número de conseqüências que estas decisões

trouxeram para a cacauicultura. E o Alvim estava no centro das

decisões.

Figura imprescindível, de presença solicitada e garantida nas

conferências internacionais de cacau. Sem Alvim seriam

simplesmente outra reunião de perspectiva curta e pouca polêmica.

Tanto é assim que as atuais conferências, apesar de inegável valor

científico, não têm e provavelmente não terão mais, personalidades

fulgurantes como Alvim. Ele sempre se destacou levando

informações úteis na sua praticidade ou controversas na sua

concepção e aplicação. Seja como for, as suas conferências ou

apresentações sempre tiveram audiência plena. Todos queriam

ouvir o Alvim. E mais, nos anos subseqüentes, pesquisas em relação

ao tema tratado anteriormente por Alvim, eram apresentadas, nas

conferências, vindas de pesquisadores pertencentes a institutos de

pesquisas dos quatro continentes produtores de cacau. Eis a sua

influência. Poucos cientistas, que eu conheça, tiveram tal alcance.

Poucos terão.

Page 173: Livro Paulo Alvim

157

Dr. Paulo Alvim e o

extensionismo rural na CEPLAC

Roberto Setúbal

Extensionista do CENEX/CEPLAC

Conheci Dr. Paulo de Tarso Alvim há 40 anos, no antigo

Departamento de Extensão da Ceplac-DEPEX, que sob a dinâmica

direção do Dr. Ubaldino Dantas Machado, empregou estudantes

universitários a título de estágio para realizar o cadastramento de

imóveis rurais da Região Cacaueira da Bahia.

Ainda na Escola Agronômica de Cruz das Almas tive acesso a

literatura de alguns dos seus artigos versando sobre a cacauicultura.

Mais tarde, na condição de extensionista dos quadros da

Ceplac, tive o privilégio de acompanhar a brilhante trajetória profis-

sional do consagrado “Mestre Alvim”.

Dr. Paulo Alvim foi, talvez, a personalidade da Pesquisa que

exerceu maior influencia no extensionismo da Ceplac, desde sua

criação em meados da década de 60 (1964). Outros notáveis pesqui-

sadores também deixaram suas contribuições na formação da

cultura extensionista ceplaqueana. Porém, nenhum outro ostentou

jamais a sua pujança. Sua figura portentosa era talhada para a

liderança. Não havia nele nada de modesto, de pequeno, tudo era

vasto, largo, dominador. Expressava com clareza seus pensamentos,

com fluência, criatividade, bom humor, linguagem elegante, agude-

za de raciocínio e serenidade ao analisar as mais diferentes questões

na esfera técnico agronômica.

Page 174: Livro Paulo Alvim

158

Representou o arauto dos conhecimentos gerados pela

Pesquisa para subsidiar o sistema de Extensão rumo aos usuários da

Ceplac - os produtores e os trabalhadores rurais.

Dr. Alvim, juntamente com o sistema extensionista, entre o

final dos anos 60 e meados da década de 70, protagonizou uma

página construtiva e indelével na historia da Ceplac, através de

memoráveis campanhas, a exemplo de, “Você pode e deve”, no

controle da podridão parda, do “Só cresce, quem renova”, da renova-

ção de cacauais decadentes, do programa de expansão da cacauicul-

tura brasileira, o “PROCACAU”, além da magnitude das metas de

controle de sombra, adubação e combate às pragas.

A Pesquisa e a Extensão eram instrumentos vitais para a

recuperação da lavoura cacaueira e o Mestre Alvim, com a sua

indisfarçável sapiência, promoveu a articulação desses eixos institu-

cionais, de forma complementar, num perfeito “feed-back”, onde a

Extensão era municiada pela Pesquisa com o conhecimento técnico,

com a inovação tecnológica, ao tempo em que oferecia ao Cepec as

suas experiências e vivências colhidas no ambiente do agricultor

nativista da lavoura cacaueira baiana.

Nós extensionistas, tivemos no Dr. Paulo Alvim a inspiração

científica, a referência técnica, o conhecimento agronômico, a

certeza dos seus argumentos e o seu eruditismo enciclopédico na

abordagem de temas relevantes, caso da Amazônia e a Mata

Atlântica.

Dr. Paulo Alvim era comprometido e tinha muita sensibilida-

Page 175: Livro Paulo Alvim

159

de em relação ao sistema extensionista da CEPLAC, reiteradas vezes

manifestou o seu sentimento: “A Extensão é quem dá juízo a

Pesquisa”.

Com seu espírito inovador, Dr. Paulo Alvim foi determinante

para expansão do processo de assistência técnica da Ceplac, no inicio

dos anos 70, quando ocorreu a instalação de novos escritórios locais

e, também, o alargamento da fronteira agrícola do cacau na Bahia,

que saiu do seu limite tradicional e alcançou outros espaços com

potencialidades, a exemplo do Vale do Jequiriçá.

Dr. Alvim, pela sua dimensão profissional e profundo saber

técnico, conviveu e foi o principal cicerone de várias celebridades que

visitaram a Ceplac durante um longo período na segunda metade do

Século XX. Dentre estes, cientistas renomados do Brasil e do exteri-

or, técnicos, produtores, políticos e autoridades diversas, bem como

orientador de inúmeros trabalhos científicos no âmbito acadêmico.

Consta, na memória da Extensão Rural da Ceplac, episódios

significativos que contaram com a participação do Dr. Alvim, onde o

mesmo brilhou como um verdadeiro apóstolo do extensionismo.

Num deles, quando da realização da “1ª Semana do Fazendeiro de

Linhares”, em outubro de 1973, o apogeu do evento foi uma palestra

sobre: A importância do cacau do Brasil, por ele proferida nas

dependências da Igreja Matriz daquela progressista cidade capixaba.

O santuário religioso ficou repleto de gente e o restante da platéia que

não coube no recinto, acabou ouvindo a mensagem do famoso

técnico no chão da praça, através de caixas de som espalhadas pelo

Page 176: Livro Paulo Alvim

160

logradouro, inclusive gerando comentários, do tipo: “O Doutor da

Ceplac, trouxe mais pessoas para a Igreja do que o Vigário...”. De

outra feita, no ano de 1976, Alvim lotou o Cine Lux de Valença, um

conhecido destino turístico do nosso Estado e encantou a platéia que

comemorava a 1ª Festa da Pimenta do Reino, com o enfoque da:

“Diversificação de Culturas na Bahia”.

Nesse evento sobre o cultivo da pimenta-do-reino, teve uma

visita de campo em fazendas localizadas no Ramal da Itiuba, no

município de Taperoá, onde ficava a maior concentração de pimenta-

is do Baixo Sul. Todavia, o ponto alto do encontro foi a conversa entre

o Dr. Paulo Alvim e o agricultor Mutsumaro Amano, o patriarca da

comunidade japonesa local.

Nos dias de hoje, o grande Dr. Paulo Alvim encontra-se

aposentado, saboreando a brisa marítima no alto da sua residência

em Ilhéus, ao lado de familiares, como Dona Simone.

Salve Dr. Paulo Alvim, Pesquisador Emérito, cidadão baiano

por reconhecida adoção. Vida longa e muito axé!

Page 177: Livro Paulo Alvim

Falar sobre Dr. Paulo Alvim é difícil e ao mesmo tempo

fascinante, por se tratar de uma pessoa com características

incomuns em relação à maioria de cientistas como ele. Desde jovem,

a ciência era o que mais o empolgava, mas adorava também tocar

violão, cantar, contar piadas e de tomar seus drinques. Sério, mas

também muito divertido.

Quando eu era estudante na faculdade, o conhecia de nome

através da literatura sobre cacau. Quis o destino me privilegiar e, em

1977, eu vim para a CEPLAC trabalhar justamente com o conhecido e

renomado fisiologista.

Como profissional ainda iniciante, tive as mais valiosas

oportunidades de estar frente a frente discutindo com Dr. Alvim

sobre desafiantes problemas em ecofisiologia de cacau. Isto foi, sem

dúvida, uma importante escola, porque Dr. Alvim foi, talvez, a pessoa

de raciocínio mais rápido que encontrei em toda a minha caminhada

na ciência. Muitos colegas até me falavam que era complicado

trabalhar com ele por ser muito versátil, o que o levava a abordar

diversos assuntos ao mesmo tempo.

161

Alvim, um marco na comunidade científica do cacau

Regina Cele Machado

Pesquisadora do CEPEC

Page 178: Livro Paulo Alvim

Eu não diria complicado, e sim desafiante e uma verdadeira

escola para quem quisesse fazer ciência. Na verdade, ele era comple-

tamente envolvido com a ciência, especialmente, com aspectos

fisiológicos de plantas tropicais.

Ser adjunto de Dr. Alvim na orientação de estudante do curso

de pós-graduação, nível de mestrado, da Universidade Federal da

Bahia, foi um inestimável aprendizado que muito me ajudou a

crescer e me tornar uma cientista em fisiologia de cacau. O que

sempre me impressionou em Dr. Alvim era a maneira como se

portava como coordenador diante de seus assistentes e dos estudan-

tes orientados, quando tínhamos que discutir resultados, às vezes,

até diferente dos esperados. Ele sabia respeitar a nossa posição de

discordância desde quando houvesse coerência nos resultados. Isto

foi muito importante porque nos transmitiu segurança e satisfação

como integrantes de sua equipe científica.

Dr. Alvim além de excelente mestre, companheiro de traba-

lho e amigo representa um marco na comunidade científica em

pesquisas de cacau. Fez parte de todas as conferências internacionais

de pesquisa em cacau, sempre referenciado como excelente contri-

buidor para o progresso da ciência em cacau, principalmente nos

estudos sobre a relação solo-água-planta. Sempre defendeu a ciência

da cultura do cacau como se fosse um bem próprio.

Considerando o que ele fez, numa época em que não se

contava com os recursos tecnológicos de hoje, conseguiu não só

162

Page 179: Livro Paulo Alvim

desenvolver teorias, como até mesmo construir aparatos para

estudos em fisiologia vegetal. É incontestavelmente um caráter raro

de cientista.

Uma passagem que vale ser citada é a de que em 1978, duran-

te o Congresso Brasileiro de Botânica, em Brasília, DF, falei com o

famoso cientista Israel Zelich que eu estava ganhando pontos por

estar conversando com ele. Imediatamente ele me respondeu que

ganhar muitos pontos na vida de cientista era estar trabalhando com

Dr. Alvim. Foi tão impressionante, que eu nunca me esqueci disso.

Indiscutivelmente, Dr. Paulo de Tarso Alvim foi e é até hoje a perso-

nalidade mais relevante para o desenvolvimento do cultivo do cacau.

163

Page 180: Livro Paulo Alvim

Alvim, uma biografia executiva

Paulo Alvim, nascido em Ubá, Minas Gerais (Brasil) em 1919,

conseguiu seu bacharelado em Ciências Agrárias em 1940, na ex-

Escola Superior de Agricultura da Universidade Rural do Estado de

Minas Gerais (hoje Universidade Federal de Viçosa, UFV).

No ano seguinte, tornou-se professor de Taxonomia Vegetal,

fato que pode ter contribuído para a sua visão holística de Fitotecnia.

Ele logo começou a ensinar Fisiologia Vegetal em suas aulas, em vez

de Taxonomia Vegetal. Em 1943, Fisiologia Vegetal foi formalmente

apresentada como uma matéria do curso de Ciências Agrárias em

Viçosa.

Esta foi a primeira vez que Fisiologia Vegetal foi ensinada

como uma matéria independente em uma escola de agricultura no

Brasil, e talvez em toda a América Latina. Em 1948 ele obteve o seu

PhD em Fisiologia Vegetal da Cornell University em Ithaca, Nova

Biografia executiva, publicada na revista Brazilian Journal of Plant Physiology, em dezembro de 2007; vol.19, nº 4; edição especial.

Prof. Raimundo Santos BarrosUniversidade Federal de Viçosa

164

Page 181: Livro Paulo Alvim

York, uma das melhores universidades dos Estados Unidos.

Seu poder de observação foi sempre muito forte. Durante

uma excursão com seus alunos pelo rio São Franscisco na região da

“Caatinga”, Alvim chamou a atenção ao fato dos ecossistemas da

“Caatinga” terem evoluído naturalmente e não constituíam um

produto da degradação das atividades humanas.

Anos depois (1952), ele concluiu também que o tipo de

vegetação brasileira chamada “Cerrado” era uma consequência de

deficiências minerais do solo e não resultado de queimadas periódi-

cas que aconteciam naquele ecossistema, como as teorias “pirotécni-

cas” alegaram até então.

Em 1972, indo contra todas as atuais teorias bem estabeleci-

das, e levando em conta que a floresta Amazônica estava em estado

de clímax, ele concluiu que a Região Amazônica não era o pulmão do

mundo e outros recursos deveriam ser buscados de forma a proteger

os frágeis ecossistemas da Amazônia.

Percebendo que a Amazônia não poderia ser preservada

intacta, Alvim defendeu que os ecossistemas poderiam ser explora-

dos para o benefício da humanidade contanto que as práticas racio-

nais e conservacionistas fossem empregadas para assegurar uma

condição sustentável. Ele costumava exclamar: “cultivo de lavouras

de grãos na Amazônia, nunca!”.

165

Page 182: Livro Paulo Alvim

Quando estava em Viçosa, começou suas primeiras

investigações ecofisiológicas com árvores de café, mantendo contato

com outro cientista líder nesse campo, Coaracy M. Franco, do

Instituto Agronômico de Campinas, Brasil. Ele também começou a

preparar Moacyr Maestri como professor, o qual anos depois criou os

cursos de Mestrado (1970) e doutorado (1988) na UFV,

transformando a instituição em um centro de referência em

Fisiologia Vegetal.

Em 1951, Alvim foi admitido na equipe científica do Instituto

Interamericano de Ciências Agrícolas (IICA), da Organização dos

Estados Americanos (OEA) em Turrialba, Costa Rica, como

fisiologista Principal. Embora dentro de pouco tempo tenha se

tornado um especialista na ecofisiologia do cacaueiro, foi durante a

sua admissão ao IICA que viu uma árvore de cacau pela primeira vez

em sua vida! Como professor na Escola de Pós-Graduação do IICA

ele supervisionou vários alunos de mestrado e mostrou que a

produção do cafeeiro sob exposição completa pode ser tão grande ou

até maior do que a do cultivo do café na sombra. Seus estudos sobre

as florestas tropicais, iniciado na Costa Rica, culminou com a sua

participação em 1967 na expedição científica de Alpha-Helix, através

da Bacia Amazônica, na ocasião juntamente com Bob Loomis e W.

Williams, da Universidade da Califórnia (Davis), e ele descreveu

166

Page 183: Livro Paulo Alvim

alguns ambientes de Florestas do Rio Negro.

Em 1963 Alvim foi designado para trabalhar na zona andina

do IICA (Peru), onde na seca Costa Pacífica, ele descobriu que os

botões florais dormentes de café mantinham-se fechados se as

árvores fossem mantidas irrigadas. Por outro lado, quando a

irrigação era suspensa e as árvores irrigadas novamente mais tarde,

os botões florais abriam-se, semelhante aos encontrados na

natureza, quando as chuvas após um período de seca promovem um

fenômeno. Em outras palavras, o déficit hídrico da planta (ou um

período de seca) quebrava a dormência e a irrigação (ou chuvas) que

se seguiam era necessária apenas para o broto crescido, e não para

quebra de dormência. Ele cunhou o termo "hidroperiodismo" para

explicar este fenômeno e estes excelentes resultados foram

publicados na revista Science. Esse fenômeno tem sido

repetidamente confirmado e agora sabe-se que um período de seca é

necessário para acionar alguns efeitos morfogênicos em várias

plantas tropicais ou para sincronizar os eventos do desenvolvimento

das populações. Aproveitando este fato a Embrapa/Café atualmente

recomenda certos programas de irrigação para a sincronização da

abertura do botão da flor e, consequentemente, a produção de café.

Depois de algumas visitas técnicas à zona do cacau no Estado

da Bahia/Brasil, visando resolver os problemas graves de decadência

167

Page 184: Livro Paulo Alvim

das plantações de cacau, Alvim mudou-se para o Brasil em 1963,

ainda empregado pelo IICA. Posteriormente ocupou o cargo de

Diretor Científico do Departamento de Pesquisa (CEPEC - Centro de

Pesquisas do Cacau) pelos 25 anos seguintes. Ele, então, aplicou os

princípios científicos emanados da Fisiologia Vegetal para a cultura

do cacau e como conseqüência a produção de cacau passou de

120.000 para 380.000 toneladas/ano. Na Bahia, seus estudos sobre

florestas tropicais continuaram e em 1964 ele foi convidado por

Martin Zimmermann para participar de um simpósio na

Universidade de Havard, onde apresentou a conferência "A

periodicidade de crescimento em climas tropicais", cujo artigo com o

mesmo título se tornou um clássico na literatura sobre a ecofisiologia

tropical. Outro simpósio semelhante foi organizado novamente mais

tarde por Zimmermann em Havard, em 1976, quando Alvim

apresentou a conferência "Relação de clima para a periodicidade de

crescimento em árvores tropicais".

Sempre visando o bem-estar da humanidade, Alvim foi um

dos primeiros cientistas pesquisadores associados ao International

Biological Program (IBP), e organizou o "Simpósio sobre

Metodologia de Pesquisa em Produtividade das Plantas ", em 1968,

na CEPLAC. Vários outros cientistas líderes (como Blackman)

participaram do evento. Naquela época, ele realizou uma pesquisa

168

Page 185: Livro Paulo Alvim

sobre o consórcio entre milho e feijão, obtendo alta eficiência

fotossintética de 10%! Mais tarde, tornou-se associado com o

Programa "O Homem e a Biosfera". No mesmo ano de 1975, ele

organizou um simpósio em Manaus, Amazonas/Brasil, sobre

"Ecofisiologia de Cultivos Tropicais e Sub-tropical", onde mais uma

vez reuniu os melhores cientistas trabalhando em temas tão diversos

como a batata doce e a seringueira. A partir deste acontecimento foi

produzido um livro com o mesmo título do simpósio, editado por ele

e Kozlowsky T. em 1977 e publicado pela Academic Press.

Sua carreira científica foi muito produtiva: quase 250

trabalhos publicados em periódicos de alto impacto, como Science,

Nature, Fisiologia Vegetal, Physiologia Plantarum e muitos outros.

Com uma carreira tão rica em termos científicos, não é

surpreendente que ele tenha recebido inúmeras homenagens,

prêmios e medalhas de ambas as organizações públicas e privadas (e

também dos governos), em casa e no exterior. Duas ou três palavras

adicionais sobre suas invenções caseiras, mas muito úteis: a

“transpirografo” feito quando ele estava em Viçosa; uma série de

infiltração de líquidos para avaliar a abertura estomática; porômetro

de fluxo viscoso (que o tornou ainda mais famoso); e um

fitotensiômetro para avaliar o estado da água nas plantas e o

crescimento do tronco. Alguns anos atrás, ele criou a Fundação Pau-

169

Page 186: Livro Paulo Alvim

Brasil, uma organização não-governamental que lida com a

conservação e preservação da mata atlântica do sul da Bahia. Sua

aposentadoria em 1988, foi um mero acontecimento burocrático.

Hoje, com quase 90 anos, ele mantém seu escritório na CEPLAC,

como Presidente da Fundação Pau-Brasil, e continua a trabalhar

todos os dias!

170

Page 187: Livro Paulo Alvim

Publicações e Inventos de Paulo Alvim

Paulo Alvim definiu como áreas de suas pesquisas:

Fisiologia vegetal aplicada à agricultura; Estudo dos fatores

ecofisiológicos que determinam a produtividade das plantas,

especialmente cultivos tropicais como cacau, café e essências

florestais, e Sistemas de produção agrícola para regiões tropi-

cais úmidas (especialmente Amazônia e Mata Atlântica). Com

os resultados, publicou mais de 350 artigos técnico-científicos

(em revistas, capítulos de livros, anais de conferências) no

Brasil e no exterior, cinco livros (autor e co-autor) e pronunci-

ou centenas de conferências em congressos nacionais e inter-

nacionais.

Para descrever alguns dos principais inventos do

mestre Alvim, contamos com a valiosa ajuda de dois dos seus

colaboradores, Raimundo Santos Barros, professor da

Universidade Federal de Viçosa e Manfred Müller, pesquisador

da Ceplac.

Num tempo em que o mundo da Informática ainda nem

constituía um sonho, como nos anos cinqüenta do século

passado, o Dr Alvim já se preocupava em criar dispositivos

bastante simples, de grande utilidade e acessível a todos.

171

Page 188: Livro Paulo Alvim

Ao final dos anos quarenta e início dos cinqüenta, o Dr

Alvim “inventou” um transpirógrafo, baseado no consumo de

água medido em uma pipeta, que se tornou muito popular

dentre os estudantes da Universidade Rural do Estado de

Minas Gerais (atual Universidade Federal de Viçosa).

Determinar a abertura estomática nos anos cinqüenta e

sessenta daquele século constituía uma tarefa bastante tediosa.

Eram utilizados líquidos de viscosidades diferentes, valendo-

se da penetração de cada um deles isoladamente. Quando os

estômatos se mostravam completamente abertos, os líquidos

mais viscosos (ou seja, mais densos) penetravam. Alvim teve a

idéia de misturar dois líquidos, um mais viscoso e outro mais

leve, utilizado normalmente um óleo mineral (Nujol) e o

querozene em diferentes proporções e, assim, uma série era

construída e a abertura dos estômatos era medida com a

mesma série, tornando a tarefa mais simples. Isso produziu um

trabalho publicado em Plant Physiology, em meados dos anos

cinqüenta.

Nos anos sessenta, Alvim teve a idéia de usar pinças planas

(para acoplamento à superfície foliar) associadas a um esfigno-

manômetro (aquele aparelho de medir pressão sanguínea).

Quanto mais abertos os estômatos de uma folha homobárica

estivessem, o ar fluía com mais rapidez e a queda de pressão no

172

Page 189: Livro Paulo Alvim

esfignomanômetro era maior. Na realidade, o aparelho era um

porômetro de fluxo viscoso. O trabalho foi publicado em

Physiologia Plantarum, ao final dos anos sessenta.

Porômetro de Alvim: pinça plana com anéis de borracha na extremidade para inserir a lâmina foliar, acoplada por uma mangueira de borracha a um esfignomanômetro para medir a queda de pressão do ar, em consequencia da abertura dos estômatos da folha. (pág. 321 do livro “Plant & Soil Water Relationships: A Modern Synthesis” – Paul J. Kramer, 1969.)

Entre inícios e meados dos anos setenta, Alvim desen-

volveu o fitotensiômetro, dispositivo que mede a tensão de

água em árvores, baseado na contração e dilatação dos troncos,

durante o período de um dia. Mede também o aumento da

circunferência (crescimento) dos troncos. Trata-se de uma

cinta de alumínio em volta dos troncos, abarcando também um

dispositivo flexível (contendo um líquido colorido) acoplado a

uma pipeta. As oscilações da circunferência do tronco promo-

173

Esfignomanômetro

Pinça

Mola deregulagem

Lâmina foliar

Page 190: Livro Paulo Alvim

vem uma subida ou descida do líquido na pipeta, possibilitan-

do, assim, a leitura da altura do líquido. Assim, ele mostrou que

a variação na circunferência dos troncos ocorre com um certo

atraso em relação ao potencial hídrico das folhas. Perguntado

num congresso sobre o efeito da temperatura no sistema,

Alvim muito simplesmente respondeu: “Toma-se um controle

num pau (tronco) morto, procedendo-se da mesma maneira

como num pau vivo (a planta)”. Foi aquela gargalhada!

Uma das grandes contribuições de Alvim, talvez a maior

de todas, foi sobre o hidroperiodismo. Certas manifestações de

crescimento e desenvolvimento só se passam após as chuvas

que seguem um período seco, como a abertura dos botões

florais do café. Sem o período do seco antecedente, o fenômeno

não ocorre. Posteriormente, foi descoberto que o período seco

possibilitava a sincronização de muitos eventos de desenvolvi-

mento (ex. reprodução) em populações de plantas.

174

Fitotensiômetro de Alvim: Coluna de vidro graduada acoplada a um frasco de plástico contendo líquido colorido (Solução de glicol etileno em água + detergente + corante) preso ao tronco da planta por intermédio de cinta de alumínio.Foto : Waldemar Barreto

Page 191: Livro Paulo Alvim

Com o senso de observação extremamente aguçado,

Alvim buscava sempre comprovar a ocorrência do processo

fisiológico do ‘‘hidroperiodismo’’ em muitas outras espécies

vegetais, convocando seus colaboradores (ver bilhete anexo), e

até mesmo sua própria filha, conforme relato de Fátima Alvim.

175

Page 192: Livro Paulo Alvim

Condecorações

Comendador da Ordem do Mérito da Bahia - Governo do Estado da Bahia - 1975

Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da República do Brasil - jun/1995

Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da República do Brasil - ago/2002

Distinções

Diploma de Honra ao Mérito - Sociedade Argentina de Fisiologia Vegetal - 1978

Diploma de Honra ao Mérito - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - 1978

Pesquisador Emérito - Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas - 1979

Homenagens

"Gold Award" - Aliança dos Países Produtores de Cacau - out/2002

Paulo Alvim teve uma carreira profissional exemplar, o que lhe

valeu reconhecimento nacional e internacional através da

concessão de honrarias por parte de instituições de grande

prestígio no meio agrícola. Segue abaixo relação de suas

principais conquistas.

Honra ao Mérito

176

Page 193: Livro Paulo Alvim

Medalhas

Medalha Jubileu de Prata - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - 1973

Medalha do Mérito Agronômico do Brasil - Federação de Engenheiros Agrônomos do Brasil - 1973

Medalha Agrícola Interamericana - Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas - 1979

Medalha da Ordem do Mérito do Ex-aluno - Universidade Federal de Viçosa - 1980

Prêmios

Prêmio "Frederico de Menezes Veiga" - Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias - 1973

Prêmio Agricultura de Hoje - Editora Bloch - 1976

Prêmio Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia - Governo Brasileiro - 1994

Prêmio Internacional de Ciências "Bernardo A. Houssay" - Organização dos Estados Americanos - 1995

Títulos Honoríficos

Doutor honoris causa - Universidade Federal da Bahia - 1985.

O diretor geral do Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, Dr. José Emílio Araújo, lê o Diploma que outorga a Paulo Alvim a Medalha Agrícola Interamericana ‘‘pelos seus méritos técnicos e científicos’’.

177

Page 194: Livro Paulo Alvim

Paulo Alvim e José Haroldo

(Trecho do discurso do Dr. José Haroldo Castro Vieira, Secretário Geral da CEPLAC, pronunciado na entrega

da Medalha Agrícola Interamericana 1979,ao Dr. Paulo de Tarso Alvim).

apresentar-lhes, não o Dr. Paulo de Tarso Alvim, cientista de renome

internacional, de todos conhecido, mas o Alvim companheiro há

mais de três lustros, o parceiro de tantas realizações na CEPLAC, o

amante do trabalho, o talento exercido cotidianamente.

Homem de espírito e de obras, o amigo certo, criador e realizador

genial nos mais importantes e significativos momentos da lavoura

cacaueira.

Já vai longe o mês de março de 1963, quando Alvim, integrando uma

comissão encarregada por Carlos Brandão da escolha da área onde

seria construído o futuro Centro de Pesquisas do Cacau, o CEPEC,

começou a emprestar o seu talento à CEPLAC e à Cacauicultura

Nacional.

Foi tão importante o papel desempenhado por Alvim na fixação de

critérios para a escolha da área para o CEPEC, que, ao terminar a sua

tarefa, a sua permanência entre nós constituiu-se numa imposição

para o soerguimento da lavoura cacaueira, naqueles momentos

difíceis em que vivia a cultura e a economia do cacau.

‘É com emoção que assumo a agradável e honrosa missão de

178

Page 195: Livro Paulo Alvim

Em 1963, o esforço de um reduzido grupo de otimistas,

capitaneados por Carlos Brandão, passou a contar com o entusiasmo

deste homem de idéias, artesão da ciência, que tem o dom de

despertar lideranças e trazer para as causas justas e de vanguarda, os

mais renhidos lutadores.

Alvim é um dos raros privilegiados da Ciência Agronômica. Mas

seria líder em qualquer outro campo de atividade que a sua

inteligência tivesse escolhido, pois não lhe faltam fibra para a luta,

descortínio para ver e caminhar, entusiasmo para construir, espírito

de humildade e amor à verdade, e, mais que tudo isto: um otimismo

que vence tudo!

Falar de Paulo de Tarso Alvim é dizer da Ciência Agronômica e suas

conquistas.''

179

Page 196: Livro Paulo Alvim

Sobre o Autor

Frederico Monteiro Álvares-Afonso, seu nome completo.

Natural de Humaitá, município ao sul do Estado do Amazonas, à margem

esquerda do rio Madeira. Um Nhambiquara – assim gostava de se

identificar para os mais chegados.

Sua formação profissional: engenheiro-agrônomo pela Universidade

Rural do Brasil e MS em Sócio-economia Agrícola pelo Instituto Inter-

americano de Ciências Agrícolas da OEA (Organização dos Estados

Americanos).

Pesquisador e extensionista, exerceu vários cargos de direção na Ceplac:

vice-diretor do Centro de Pesquisas do Cacau-Cepec; primeiro diretor do

Departamento Especial da Amazônia, em Belém, PA; assessor para

Assuntos da Amazônia na Secretaria Geral da Ceplac, em Brasília e

secretário-geral adjunto. Já aposentado, foi assessor parlamentar e

consultor ad hoc para assuntos da região amazônica no Congresso Nacional.

Em julho de 1970, o então secretário-geral da Ceplac, José Haroldo

Castro Vieira, o designou para proceder estudos sobre a viabilidade

econômica da implantação da cacauicultura em Rondônia, missão que

aceitou de pronto, pela oportunidade de revisitar a sua terra, após cinco

anos de ausência. Mas impôs duas condições: que lhe fosse dado um tempo

180

Page 197: Livro Paulo Alvim

razoável para cumprir a tarefa, “nada de correrias e atropelos”; e que “a

viagem fosse feita por rodovia, com transporte próprio para assegurar

maior mobilidade e independência de movimentos”. A tiracolo, a esposa

baiana (Magnólia) e a filha mais velha, com quatro anos de idade.

Em setembro, retornava com as informações levantadas. Aprovados

os estudos pela Ceplac, retornava ele a Rondônia com a missão de implantar

o primeiro pólo cacaueiro naquela nova fronteira agrícola. E ali, em abril de

1971, a cacauicultura ensaiou os seus primeiros passos no Projeto Integrado

de Colonização Ouro Preto, do Governo Federal, conduzido pelo então Ibra

– Instituto Brasileiro de Reforma Agrária. “Em outubro de 1971, nossa casa

estava concluída, em Ouro Preto d'Oeste e, de mala e cuia, nos instalamos

com a mulher e dois filhos”. Era a certeza de que retornara para ficar.

Fred, como os íntimos o tratavam, tinha temperamento impre-

visível. Podia, em determinados momentos, explodir numa gargalhada

sonora, outras vezes, ser demasiado intransigente. Mas, entre esses dois

extremos, a lealdade incondicional. Como amigo, chegava ao limite do

sacrifício para servir, o que fazia sem nada pedir em troca. Dele, disse seu

amigo Euro Tourinho, diretor do jornal Alto Madeira, de Porto Velho:

“Cultura aprimorada e enorme inteligência, Frederico Afonso possui uma

qualidade singular aparentemente em choque com seu ânimo autoritário –

admite o mais amplo diálogo com seus subalternos e até os estimula a que o

procurem e o provoquem para tanto”. E acrescenta: “Fez um gigantesco

trabalho que deixou seu nome na história de Rondônia”.

Ao se empenhar pela cacauicultura em Rondônia e, por extensão, no

Pará, Mato Grosso, Amazonas e Maranhão, ele tinha em mente, sobretudo,

a ocupação racional daquela vastidão de terra e ecossistema extremamente

181

Page 198: Livro Paulo Alvim

sensível por um novo homem, partícipe e consciente do todo. E não, um

predador. Filho daquelas paragens, fez vermos o então “Inferno Verde”

como parte indissociável do território brasileiro, em lugar do tratamento de

“país amigo mais próximo do Brasil” – assim se referia ao isolamento da

região pelo governo central.

Saltava aos olhos o orgulho de ser ceplaqueano, ao lado da

admiração devotada a José Haroldo e Paulo Alvim. Empenhou-se, como

poucos, pela consolidação do modelo Ceplac na Amazônia. Escrever era sua

outra paixão. Deixou várias publicações sobre a cacauicultura na região

norte, dentre essas o livro As Terras do Cacau em Rondônia e, sua última

obra, Rondônia: Ocupação, Crescimento e Organização Agrária, hoje o

terceiro estado maior produtor de cacau do país.

A partir da série Cadernos da Amazônia, estabeleceu-se uma

cumplicidade entre o autor destas linhas e o Dr. Frederico Afonso, que só fez

se fortalecer com o tempo. Estávamos sempre nos comunicando,

permutando informações, reacendendo antigas lembranças. Aos 77 anos de

idade, no 1º dia de setembro de 2009, ele deixou a vida para entrar na

história e na gratidão da gente Nhambiquara das barrancas do Madeira.

(Edvaldo Oliveira - Jornalista)

182

Page 199: Livro Paulo Alvim

Mensagem a García

Anexo

183

“Em todo este caso cubano, um homem se destaca no

horizonte de minha memória como o planeta Marte no seu periélio.

Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o

que importava a estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos

insurretos, Garcia. Que se saiba, encontra-se em alguma fortaleza no

interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar

exatamente onde. Era impossível comunicar-se com ele pelo correio

ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente tinha que tratar de

assegurar-se da sua colaboração, e isto o quanto antes.

Que fazer? Alguém lembrou ao Presidente: “Há um homem

chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há

de ser Rowan”.

Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou

uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia. De como este

homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro

impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias, saltou, de

um barco sem coberta, alta noite, nas costa de Cuba; de como se

embrenhou no sertão, para depois de três semanas, surgir do outro

lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a

carta a Garcia — são coisas que não vêm ao caso narrar aqui

pormenorizadamente. O ponto que desejo frisar é este: Mac Kinley

Helbert Hubbard

Page 200: Livro Paulo Alvim

184

deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou da

carta e nem sequer perguntou: “Onde é que ele está”? Hosannah! Eis

aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze e sua estátua

colocada em cada escola do país. Não é de sabedoria livresca que a

juventude precisa, nem instrução sobre isto e aquilo. Precisa, sim, de

um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altivo no

exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do

recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.

O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A

nenhum homem que se tenham empenhado em levar avante uma

empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido

poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de

grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição

de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la.

Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e

trabalho mal feito parece ser a regra geral. Nenhum homem pode ser

verdadeiramente bem sucedido, salvo se lançar mão de todos os

meios ao seu alcance quer da força, quer do suborno, para obrigar

outros homens a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua

grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar

um anjo de luz.

Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estás sentado no teu

escritório, rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chama

um deles e pede-lhe:

Page 201: Livro Paulo Alvim

185

“Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e me fazer

uma descrição sucinta da vida de Corrégio”.

Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: “Sim

senhor”, e executar o que se lhe pediu?

Nada disso! Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma

ou mais das seguintes perguntas:

Quem é ele?

Que enciclopédia?

Onde é que está a enciclopédia? Fui eu acaso contratado para

fazer isto?

Não quer dizer Bismarck?

E se o Carlos o fizesse?

Já morreu? Precisa disso com urgência?

Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor

mesmo procure o que quer?

Para que quer saber isso?

E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a

tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e

a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um

companheiro que o ajude a encontrar Garcia, e, depois voltará para te

dizer que tal homem não existe.

Page 202: Livro Paulo Alvim

186

Evidentemente, pode ser que perca a aposta; mas, segundo a

lei das médias, jogo na certa. Ora, se fores prudente, não te darás ao

trabalho de explicar ao teu “ajudante” que Corrégio se escreve com

“C”e não com “K”, mas limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando

o melhor sorriso: “Não faz mal; não se incomode”, e, dito isto,

levantar-te-ás e procurarás tu mesmo.

E esta incapacidade de atuar independentemente, esta

inépcia moral, esta invalidez da vontade, atrofia a disposição de

solicitamente se pôr em campo e agir — são coisas que recuam para

um futuro tão remoto o advento do socialismo puro. Se os homens

não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão

quando o resultado do seu esforço redundar em beneficio de todos?

Por enquanto parece que os homens ainda precisam ser feitorados. O

que mantém muito empregado no seu posto e o faz trabalhar é o

medo de se não o fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncia precisar

de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão

ortografar nem pontuar — e o que é mais pensam que não é

necessário sabê-lo.

Poderá uma pessoa assim escrever uma carta a Garcia?

“Vê aquele guarda-livros”, dizia-me o chefe de uma grande fábrica.

'Sim, que tem?” Um excelente guarda-livros. Contudo se eu o

mandasse fazer um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a

contento, mas também podia muito bem ser que no caminho

entrasse em duas ou três casas de bebidas, e que, quando chegasse ao

seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada”.

Page 203: Livro Paulo Alvim

187

Será possível confiar-se a tal homem uma carta para entregá-

la a Garcia?

Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais

externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a

sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto,

e tudo isto, quase sempre, entremeado de muita palavra dura para

com os homens que estão no poder.

Nada diz do patrão que envelhece antes do tempo, num

baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a

trabalhar conscienciosamente; nada se diz de sua longa e paciente

procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do

que “matar o tempo”, logo que ele volta às costas. Não há empresa

que não esteja despedindo pessoal que se mostre incapaz de zelar

pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. E este

processo de seleção por eliminação está se operando inces-

santemente, em tempos adversos, com a única diferença que, quando

os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais

escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e

os inaproveitáveis. É a lei da sobrevivência do mais apto. Cada

patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar os

melhores — aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.

Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas

sem fibra precisa para gerir um negócio próprio e que ademais se

torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à

suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja

Page 204: Livro Paulo Alvim

188

oprimindo ou tencione oprimí-lo. Sem poder mandar, não tolera que

alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia,

retrucaria provavelmente:

“Leve-a você mesmo”. Hoje este homem perambula errante pelas

ruas em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto,

ninguém que o conheça se aventura a dar-lhe trabalho porque é a

personificação do descontentamento e do espírito de réplica.

Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz

de nele produzir algum efeito seria um bom ponta-pé dado com a

ponta de uma bota número 44, sola grossa e bico largo.

Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como

este, não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado.

Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também

uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma

grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo

som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos na

incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença

desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz,

justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor,

andariam famintos e sem lar.

Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado

carregadas? Pode ser que sim; mas, quando todo o mundo se apraz

em divagações quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que

imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de

uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de

Page 205: Livro Paulo Alvim

189

outros e que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou; nada,

salvo a sua mera subsistência.

Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como,

também tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode

dizer de ambos os lados.

Não há excelência na pobreza de per si; farrapos não servem de

recomendação. Nem todos os patrões são gananciosos e tiranos, da

mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.

Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha

conscienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que,

ao lhe ser confiada uma carta a Garcia, tranquilamente toma a

missiva, sem fazer perguntas idiotas, e sem a intenção oculta de jogá-

la na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito

que não seja entregá-la ao destinatário, esse homem nunca ficará

“encostado”.

A civilização busca ansiosa, insistentemente, homem nestas

condições. Tudo que tal homem pedir, ser-lhe-á de conceder.

Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em

cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O

grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso: “Precisa-se, e

precisa-se com urgência, de um homem capaz de levar uma

mensagem a Garcia”.

Page 206: Livro Paulo Alvim

VIEIRA. Clotilde, História de UBÁ, para Escolas, 1ª edição 1990. (A maioria das informações históricas desta biografia foi fundamentada nesta publicação).

Depoimento de Songia Alvim; e-mail ([email protected]) de 17 de maio de 2009.

UBÁ – Wikipedia, a Enciclopédia livre (Internet).

Depoimento de Renato Ribeiro, em minuta elaborada pelo próprio, colega de Paulo Alvim desde a UFV, onde cursou Agronomia. Hoje Renato Ribeiro reside em Campo Grande Mato Grosso do Sul.

Depoimento de Victorio Emanuel Constantino Codo, correspondência datada de 21 de junho de 2009, de Anápolis, GO, com oito (8) folhas.

Vox História – A saga dos Imigrantes, por Ana Carolina Amaral.

Texto do Professor Reginaldo da Silva Romero, publicado no UFV Informa, de 29 de seis de 2001, Personagens: Professor Octavio de Almeida Drumond, cátedra de Fitopatologia na ESAV, hoje UFV.

Entrevista feita com o Professor Moacyr Maestri, no dia 16 de abril em Viçosa, em companhia de Dr.Cristiano Machado Neto, engenheiro agrônomo formado na UFV.

Depoimento do Professor Raimundo Santos Barros, da cadeira de Fisiologia da UFV. Fevereiro de 2008, original em inglês.

Entrevista feita com o Professor Geraldo Chaves, aposentado, da UFV, cadeira de Fisiologia, depois graduado na Universidade de Cornell, Ithaca, N.Y. A entrevista foi feita em Viçosa, no dia 16 de abril de 2009, em companhia do Dr. Cristiano Machado Neto.

Depoimento de Mirian Sá Oliveira, segunda esposa de Paulo Alvim, feito via e-mail, com várias datas de expedição. Complementado pelo depoimento de seu filho Alexandre Alvim.

Citações

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Page 207: Livro Paulo Alvim

Depoimento de Simone Cerqueira, terceira esposa de Paulo Alvim, feito por correspondência datada do mês de agosto de 2009.

Depoimento de Fátima Alvim, filha de Paulo Alvim, em uma longa correspondência, datada de agosto de 2009. Depoimento de Fátima Alvim, filha de Paulo Alvim, em uma longa correspondência, datada de agosto de 2009.

Artigo de Helbert Hubbard, publicado na revista “Phislitine” em fevereiro de 1899, intitulado” Uma Mensagem a Garcia”. Depoimento do agrônomo João Luis Calmon e Dalila Gramacho Calmon, sobre a criação da EMARC, via e-mail – [email protected] - do dia 26 de abril de 2009.

Estatísticas oficiais sobre a produção de cacau quando da chegada de PAULO ALVIM à Bahia, com a produção cacaueira em queda. Alinha-se também informações de um “pacote tecnológico”, composto de raleamento de sombreamento dos cacauais, adubação, combate às pragas do cacaueiro, com uma vigorosa recuperação da produção cacaueira no Sul da Bahia.

Depoimento do agrônomo Frederico Monteiro Álvares-Afonso, autor do “PAULO ALVIM: MESTRE E AMIGO” sobre o Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira, e do experimento Estudo Comparativo da Renovação e Cacauais sob dois Métodos de Plantio: Derruba Total e Plantio por Debaixo. Iniciado na Fazenda do CEPEC, em 1969 e dado por concluído em 1990.

Correspondência do Professor G. Edward Schuh, assessor da Ford Foundation, datada de 12 de outubro de 1970, onde analisa o papel do nascente programa de ciências sociais. Analisa, discute e faz propostas de redirecionamento das pesquisas e crescimento do quadro com maior qualificação dos que trabalham e contratar pessoal de maior especialização.

Depoimento de PAULO ALVIM, sobre os avanços obtidos na África, com o cacaueiro, e na Malásia, com a seringueira enquanto que no Brasil é mais pobre a situação dos dois cultivos. Publicado em ÁLVARES-AFONSO, As Terras do Cacau em Rondônia, Gráfica do Senado Federal, Brasília, 1986.

Artigo de pesquisadores do DEPEA-Belém, Paulo Júlio da Silva Neto, Antonio Carlos Gesta Melo e Francisco das Chagas de Medeiros Costa – intitulado “Avaliação do Sistema Agroflorestal Cacaueiro (Theobroma Cacau L) e Mogno (Swietenia macrophyla King) em Medicilândia, Pará, de janeiro de 2003 a dezembro de 2004.

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Os 50 Anos de PAULO ALVIM - PhD, publicado no Jornal Agora, da semana de 31 de outubro a 06 de novembro de 1998, com os artigos jornalísticos “Eu queria Ser uma Vaca” e “Noite em Ibadan – A Vassoura de Bruxa e Outras histórias”.

Folheto publicado pelo IICA por ocasião da outorga da “Medalha Agrícola Interamericana 1979”, com pronunciamentos do Diretor Geral do IICA, José Emilio Gonçalves de Araújo, do Senhor José Haroldo Castro Vieira, Secretário-Geral da CEPLAC e do agraciado Paulo de Tarso Alvim Carneiro - PAULO ALVIM - que fez um longo recordatório de sua carreira profissional. Incluem os cargos honoríficos ocupados, as distinções recebidas e os principais inventos, descobertas e trabalhos científicos publicados.

Depoimento do pesquisador em fertilidade de solos, Emo Ruy de Miranda, de como foi estimulado para assumir responsabilidades na sua área de trabalho; Emo Ruy de Miranda alcançou o cargo de Secretário Geral da CEPLAC.

Depoimento do pesquisador do CEPEC, Manuel Tourinho, aposentado, ex-Diretor da EMBRAPA, e criador da UFRA – Universidade Federal Rural da Amazônia, sobre a influência de PAULO ALVIM nas suas formações acadêmica e profissional.

Estatuto da FUNPAB – Fundação Pau Brasil, Estatuto de março de 1990.

Contribuição de Conceição Soledade, secretária por mais de dez anos da instituição, listando trabalhos concluídos e em andamento na FUNPAB.

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