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(Hamlet canta. Um Burro toca violão, acompanhando a canção)

 Não há traidores entre as mulheresA própria mãe não conta ao filhoQue elas não nos querem bem

Ela não será domada com conversasA ausência é a única armaContra o supremo arsenal de seu corpo

Ela guarda um respeito especialPara os escravos da belezaEla permite que eles a vejam morrer

Perdoem-me companheirosEu canto isso apenas para aquelesQue não se importam com quem ganha a guerra

+

(Néon pisca H.A.M.L.E.T.)

+

(Gertrudes, Claudius, Hamlet. Gertrudes enfaixa um dos pulsos cortados de Hamlet. O

outro pulso já está enfaixado)

GERTRUDES:Por que?

Esta noite escura por que?Andar sempre de olhar baixoProcurando na poeiraSeu pai?Tudo o que viveMorrePassa da naturezaPara a eternidadePor que parece tão difícil pra você?

CLAUDIUS:

É provaProva de sua naturezaSensívelO lutoMas seu pai perdeu o pai e este pai perdido perdeuO deleInsistir na dor? Não é digno de um homemCoração sem força

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Mente ansiosaEntendimento simplórioFaltaQuestionar o que tem que acontecer?Que é natural até vulgar?Ofensa a DeusOfensa à naturezaOfensa aos mortos

GERTRUDES:A eles também

CLAUDIUS:À inteligência que sabe que a morte do pai“Tem que ser assim” Peço a vocêPedimosJogue fora a tristeza

Depressão inconvenienteE pense em mimAgoraPense em mimComo um novo pai

HAMLET:Esta carnePedaço de carneTão tão sólidoSe pudesse derreter degelar

Dissolver em gotas evaporarSair do mundoQue horror cheio de horrorJardim de mato crescendo sem pararIncubadora de pragas moscasVermesVOCÊSQue tenham chegado a istoMorto há menos de dois meses nem doisUm pequeno mês Nem gastou a sola do sapato

Que comprou especialmente para acompanhar o corpoMALDITA PRESSA DE FUDERIsso não é bom Não pode ser bom Não vai Não vaiAcabar bem?PAIPAI

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PAI

(Saem Gertrudes e Claudius, enquanto Hamlet grita. Enfermeiros entram e lhe aplicam

uma injeção. Ele adormece balbuciando “Pai”) 

+

(O Fantasma aparece)

FANTASMA:Filho?Já é quase horaHora de voltarO infernoEstou condenado? Não fosse proibido revelarO segredo do fogoA menor palavra te faria cegar

Mas nãoHorror assim Não é para ouvidos de carne e sangueO horror que lhe cabeÉ outroO que disseram a você?

HAMLET:Pai?...

FANTASMA:

 Não existe verdade Nenhuma No que disseram a vocêO que contaram aos outros todosDormindo no jardim à tardinhaSó sem proteção

HAMLET:Tio?...

FANTASMA:

Em um frasco o veneno em meu ouvidoCorrendo pelas portas corredores do corpoÁcido no leiteTalhando coagulando o sangue finoLepra de escamasCobrindo a minha pele crosta horrenda

HAMLET:MEU TIO

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FANTASMA:Pelas mãos do irmão?Mandado a prestar contas antes do tempoPor suas mãos sujasQue agora passeiam dedilham livresA carne proibida delaExpulso da vida exilado da mãeDo filhoCondenadoPara sempre?

Para sempre

EscuteSe algum dia amou seu pai escuteEscuteVocê pode ouvir?

Adeus agora a última manhã vem vindoAdeusAdeusMeu filhoLembre de mim

(O Fantasma desaparece)

HAMLET:Legiões de anjos

Enxame de demôniosTudo inútilA mãe o pai o filhoDevo dizer adeus a tudo isso?Posso dizer adeus a tudo isso?DevoTenhoMas quem pode?Mesmo agora?VergonhaVergonha

Minha memóriaEm minha memória gravarComo queimadura o meu lemaAdeusAdeusLembre de mimMeu juramento vazio

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+

(Entra Ofélia. Cuida de Hamlet, lhe troca a fralda. Sai. Ele a observa sair)

+

(Guildenstern e Rosencrantz, com um buquê de flores)

H:Vocês tambémO que fizeramPara serem mandados vocês também para a prisão?

G:Prisão?

H:Aqui

IstoA prisão

R:Então o mundo é

H:InteiroQue estão fazendo aqui?

R:

Uma visita só isso

G:IssoSó

H:Agradeço a vocêsE meus agradecimentos não valem nem um tostão

R:

Babaca

(Silêncio. Riem. Silêncio)

H:Foram chamados?Vieram porque quiseram?Uma visita da vontadeEspontânea livre?

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Vamos láVamos vamos láFALEM

G:O que podemos dizer?

H:Foram chamados tem um ar de confissão

R:Mas para que?

H:Vão me contar isso agora

G: Não fomos chamados

R: Não não fomos

H:Por que deixei de ser simpático?Por que engordei 20 quilos nos últimos meses?Por que minha cabeça anda tão tão pesada que até a terra inteira me cheira como merda?O céuVejam vocês o mesmo céuQue soa aos seus olhos como cúpula majestade

Pontilhada majestade admirável de luzesVapores de peido para mimLembrança de vacas

G:Imbecil

(Silêncio. Riem. Silêncio)

H:O homem que obra-prima

A razãoA potênciaA forma e o movimentoA ação

(Hamlet saca uma arma de baixo do lençol)

PóCinzas

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Às cinzas

(Ele atira em Rosencrantz, que cai morto)

 Não me diverte

(Ele ri. Guildenstern, assustado, começa a rir também. Eles gargalham. Silêncio. Hamlet

atira em Guildenstern)

+

(Polônio, na cabeceira da cama de Hamlet)

P:Dormiu bem?

H:Sonhei

HarmoniaBelezaClareza

P:Sabe quem eu sou Não sabe?

H:Um pescador?

P: NãoPescador?

H:Queria que fossePoderia até acreditar em vocêSe fosse um pescador

P:Esta é uma história bem antiga

Uma piada velhaQuer ouvir uma nova?

H:Quero ouvir a história do cachorro mortoO encontro da carcaça com o SolConhece essa?

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P:Essa não conheço

H:O Sol faz nascerem vermes na carcaçaEle é um DeusE beija o cadáver podre

(Polônio saca uma foto e a observa. Estende a foto para Hamlet)

H:Sua mulher?

P:Quase issoMinha filha

H:

Sua mãe então Não deixe ela sair ao SolO útero delas é uma via de mão dupla não esqueça dissoCuidado

(Polônio começa a preparar uma dose de morfina. Seringa e apetrechos)

P: Não é preciso cuidadoQuanto a isso nãoPorque todas as estradas já estão pavimentadas

Filhas mães todos eles os úteros todos sabe?Ou não quer saber?

O que está lendo?

H:Palavras

P:Sobre o que?

H: Não é sobreMas como

P:Quem escreveu?

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H:VocêEu Nós quem mais?

P:Um homem foi ao médico se queixando de doresDoutor quando eu encosto na minha cabeça dóiAqui tambémE aqui e aquiO médico então diz a ele Não há nada de errado com seu corpo meu amigoSeu dedo é que está quebrado

(Polônio ri. Silêncio. Polônio se aplica com morfina)

 Não quer sair um pouco do vento?

H:E entrar no meu túmulo?

P:BesteiraVenta lá dentro também

+

(Ofélia dá comida na boca de Hamlet. Depois de comer duas colheradas, ele fecha a boca

 para a terceira)

H: Não

O:Mais uma

H:É impossível

O:

H:Parece tão bonitaE parece tão boaAs duas coisas não são vizinhas não moram na mesma rua não vivem nem na mesmacidade Nunca andaram juntas é impossível

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O:Falta tão pouco

H:Como você pode saber?

(Silêncio)

O:Há muito tempo que não vêOutras mulheres muito tempoÉ por comparação com estas paredes que me acha bonitaDisse que sou boa tambémEstá erradoÉ só o meu trabalho aqui

H:Eles te pagam bem?

(Ofélia tenta dar a Hamlet mais comida. Ele bate no prato, jogando-o longe. Silêncio)

O:Precisa se curarSair daqui

H:Pra onde?

O:

LáFora

H:Você não entende Nenhuma mulher pode entenderPorque eu não estou preso preso neste lugarMas aquiEsta porra de carne lacrada Não existe fuga nunca vai haver

O:Já saiu uma vez não saiu? Nenhuma prisão é perfeita Não está cansado?Cansado de morrer tantas vezes no mesmo corpo?

OlheUse o meuMeu corpo

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Use o meu corpo pra se matar pra morrerFugirPelo menos um poucoEles me pagam bem

(Ofélia levanta a saia. Hamlet a observa)

H:Você é só uma empregada

(Ofélia deixa a saia voltar ao lugar. Silêncio. Ela caminha até o soro  –  ligado às veias de

 Hamlet –  e injeta morfina no recipiente. Hamlet adormece lentamente. Ofélia senta, tira dobolso um sanduíche embrulhado em papel alumínio. Ela come o sanduíche)

+

(Hamlet desperta. Quatro homens em volta dele)

H:VocêsSão atores?

1: Não nos reconhece Príncipe?

H:SimSimA cortina de seu rosto

Está mais franzida que da última vez em que nos vimos mas

Minha jovem dama?

2:Pronta e dispostaA puxar suas barbas Mestre

H:A voz rachou um poucoIsto só acentua a graça grotesca e a tosca delicadeza de suas maneiras

Continua um espelho fiel não das aparências simuladasMas da essência da feminilidade

Por que estão aqui?

3:O senhor nos chamou

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H:Chamei?

1:Conversamos Príncipe

4:Corremos viemos dissemos que simSim

1:Foi comigo

H:Talvez em sonho

1:Sonhei também?

H:Que diferença?Vieram

3:A companhiaEstamos aqui

H:Bem vindos

Se uma parte de mim os chamou Não é a parte que fala agora que vai mandá-los embora

 Não antes de descobrir porque

Bem vindos todos vocês

Uma falaMe dêem uma fala

4:

Qual fala senhor?

H:Uma que estimule minha imaginação

1:Em qual direção?

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H:Para cimaPara baixoEsquerda direita pela frente por trásQuem está perdido só pode aceitar sugestões

(Silêncio. 1 indica a 3 que comece)

3:Ser ou não ser

H: Não ouvi

3:Ser ou não ser

H:

Mais alto

3:Ser ou não ser

H: Não sinto nada

3:Ser ou não ser

H:Comprido chato

3:Ser ou

H:De novo

3:Ser

H:De novo

3: Não ser

H:Mais uma vez

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3:Ser

H:GRITAGRITAGRITA PORRA

(Silêncio)

OuçamMeus carosConhecem algo desprovido de enredo?Completamente?

(Silêncio. Os atores se olham)

H:Acham que podem representar uma coisa assim?

4: Não

H:Perfeito

+

(Gertrudes, Claudius)

C:A tristeza não conhece a solidãoA tristeza nunca caminha sóPrimeiro a morte de meu irmãoTão repentina estúpida morteSem despedidasRoubado de mim roubando meu último gesto minha última palavraSeu último olhar

De amor?Agora a doença de nosso filho Nosso filhoAmado tantoEncarcerando a si mesmo em um quarto ele dormeDormindo ele gasta seus melhores dias seus melhoresComo se alguém tão jovem pudesse desistirAssimDe tudo

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Da vidaAntes até de conhecê-la

Folha seca de outono morrendo antes em pleno verão

Tudo isto

É como uma arma que dispara muitos tiros desnecessários para uma única morteA minha

(Polônio entra)

P:Seu filhoEstá louco

G:Louco?

(Ela ri)

Isto é um diagnóstico?

P:Existem tecnicalidadesOutros modos de descreverEufemismos Não me furto de dizer uma palavra apenas porque ela não pode maisSer

Dita Não roubo de vocês tambémO direitoE o pânicoDe ouvirem

A loucuraExisteÉ como um lugar

G:

Por qual caminho ele chegouLá?

P: Não há causa para este efeitoOu antes Não há uma únicaE entre os muitos insondáveis fatores Nenhum é inteiramente responsável

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Ou inteiramente inocente

C:O que vamos fazer então?O que podemos NósEntão?

P:Química

G:Quanto mais?

P:Impossível dizerEsperar uma reaçãoAplicar

EsperarAplicarDe novo

(Polônio vai saindo)

G:ESPERAA receita

P:

Ele ainda tem o bastante

G: Não é eleSou eu

É para mim a receita

(Ela mostra um recipiente quase vazio de pílulas)

Estão no fim

P:Claro

Assino e deixo com a enfermeira

(Polônio sai)

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C:Um hospital

G:Que?

C:Uma clínicaTalvez?Confortável luxuosaUm spa?Rodeado pela crise dos outros talvez esqueça da própriaCelebridadesArtistasOutros vagabundosRicos tambémDistração entende?Silêncio

Talvez seja o momento de começarmos a pensarTalvez sejaDe pensarmosUma internação?

(Gertrudes se levanta e caminha até Claudius. Ela pára diante dele. Eles se olham em

 silêncio. Ela o esbofeteia violentamente. Ela sai. Claudius permanece sozinho. Claudiusouve um barulho. Vai até a cama, ergue o lençol. Hamlet está lá)

C:

Um rato?

+

(Hamlet, Horácio. Hamlet filma Horácio com uma câmera de telefone celular)

H:Você é o únicoO único homem que eu reconheço

(Horácio ri, lascivamente)

 Não não é um elogio baratoPor que elogiar uma puta?Que vantagem eu posso esperar de você?Te escolhi só isso

HO:Você nãoSeu pau

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H:Meu coraçãoVocêGuardado no coração do coração

HO:Meu preço não vai diminuir nem um centavo

H:Dinheiro há espelho meuDinheiro há

(Hamlet joga suavemente notas de dinheiro sobre o corpo de Horácio)

HO:Agora você está conseguindo

H:O que?

HO:Me excitarAgora sim

(Horácio tenta acariciar o pênis de Hamlet)

H:(Segurando a mão de Horácio)

Ainda não(Sussurrando para Horácio)

Há mais coisas entre o céu e o inferno do que pode adivinhar a sua lamentável imaginação

(Silhuetas se aproximam na escuridão. São três dos atores: 1, 3 e 4)

HO:(Assustado)

Quem está aí?

1:

Bernardo?

HO:Quem?

4:Um pedaço de mim

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H:(Para Horácio)

Bem vindo querido(Para os atores)Marcelo?(Para Horácio)

Bem vindo ao mistério

3:A coisaApareceu de novo?

HO:(Para Hamlet, num sussurro)

Eu não vejo nada

H:Então olhe de novo

(A luz revela tenuemente os 3 atores)

HO:(Ainda sussurrando, forçando um sorriso amarelo)

Teatro?

H:(Sorrindo, para os atores)

Ele acha acha ainda que não passa dissoTem certeza de que não vai se render à fantasia barata

Da visão horrenda que só muitas muitas vezes apareceu pra mim(Para Horácio)

Foi por isso entende?Que te chamei insisti que viesseEsta noite

1: Noite passadaQuando a mesma estrela esta aquela estrela iluminava a mesma parte do céu onde queimaagora

3:O sino batendo a madrugada

HO:(Para Hamlet, incisivamente)

O que está acontecendo?

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H:ShhhhFique quieto(Hamlet aponta a câmera para um ponto escuro do quarto)OLHEALI

(Surge o ator 2, com o aspecto –  distorcido –  do Fantasma)

H:(Filmando, satisfeito)Igualzinho

4:(Para o ator 1)Fale com ele

H:(Para Horácio) Não é igualzinho ao seu pai?Olhe olhe bem

HO:(Muito perturbado)

Igual

4:(Para o ator 1)

FALE COM ELE

1:(Para o Fantasma/ator 2)O que é que usurpa assim Nesta hora de escuridãoA figura impossível que um diaCom um jato de porra nos trouxe pra cá?

4:Se é capaz de som

3:Qualquer qualquer som

4:Um peido atéUm arroto qualquer

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1:Ou se alguma ação pode ser feitaQue seja alívio seu e alguma paz para nósFale comigoFALE

(Tempo imóvel. E então o Fantasma/ator 2 faz um sinal com a mão: mostra 4 dedos)

3:44?

1:4Homens?

(O Fantasma/ator 2 faz que não com a cabeça)

3:4 anos?

4:4Letras?

(O Fantasma/ator 2 faz que não com a cabeça)

3:Palavras

1:4 palavras?

(O Fantasma/ator 2 faz que sim com a cabeça)

1:4 palavras

(Os atores 1, 3 e 4 sorriem uns para os outros, satisfeitos. O Fantasma/ator 2 mostra 1

dedo)

Primeira

(O Fantasma/ator 2 começa um jogo de mímica. As atores tentam descobrir o que ele quer

dizer. Este jogo, com os acertos graduais e erros constantes, se dá por algum tempo, de

modo muito ágil, até que a frase se forma)

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1:(Juntando as 4 palavras descobertas no jogo de mímica.)

QualÉAQuestão

(O Fantasma/ator 2 faz que sim com a cabeça, indicando que eles finalmente entenderam.O ator 1 sorri, satisfeito)

QUAL É A QUESTÃO

(Todos riem, satisfeitos. E então silenciam. O ator 1 repete a frase, agora como uma

indagação para si mesmo)

Qual éa questão?

(Silêncio longo. O Fantasma/ator 2 espera. Os atores se olham, sem saber o que dizer. O Fantasma/ator 2 desiste e sai de cena)

H:(Para Horácio, sussurrando)

Ainda acha que é teatro?

HO:(Estático)

SimE não

(Silêncio. Os atores desaparecem. Hamlet passa a filmar Horácio. Tempo vazio)

HO:(Perplexo, lentamente)

Eu estou louco?

(Lentamente, Hamlet entrega a câmera para Horácio que, agora sozinho, começa a falar

 pra ela, gravando seu testemunho)

HO:

Sem mais metáforas agoraEu sou só uma putaMas o caso é que tive uma visãoE queriaE precisoContar o que vi

Então

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A quem interessar possa

A vida que vivemosPor mais pessoal que acreditamos que sejaÉSempreO resultado do sonhoO sonho mesmoDe um outro

Vivemos um sonho alheioTodosTodos nósExistimos apenas na encenação de um papelQue não NosPertence

AssimTodos nos encontramosPresosPrisioneiros de históriasQue não são nossas

Esta visãoÉ o que chamamos de demônioDe malDe horror

E euJá não sou tão pobre agoraPorque viEu viO horror

O horrorO horror

+

(O Burro entra. Ele fala à platéia)

B:Agora seria exibidoDeveriaSer exibido mostradoUm filmeUm testamentoUm testemunhoUma afronta?

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Durante a exibição do referido filmeO pai de HamletDurante diante das imagensDiante do horror destas imagensO pai de Hamlet se matariaEnlouquecido pela verdadeCego de verdadeSe matariaMorreriaAcabava

Mas nenhuma das imagensQue pudemos selecionarDeu conta integralmenteOu aproximativamente em todo o casoDo horror Necessário

O horrorQue imaginamos ou que pudemosImaginar

Portanto pedimos a vocêsA vocêsAgoraPedimosPeçoQue pensemOu que imaginem

Um filmeUma porção amontoadoDe imagensImagensComo um testamento um testemunhoDado por um filhoQue tivesse o poder o poder a força deUma vez vistoSer capaz ter o poder deLevar o paiO pai de Hamlet

Ou o meuO seu pai?De levar o pai diante destas imagensDe levá-lo à morte

Pensem então imaginemPor um minutoAs imagens o filmeA afronta

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E a morte do pai

ImaginemPor um minuto

(Escuridão. Tempo de um minuto, na escuridão. Luz volta sobre o Burro)

Foi assimFoi exatamente assim que as coisasAconteceram

+

(Gertrudes ao fundo. Hamlet, de pé sobre a cama, segurando uma luminária que pende do

teto e apontando-a pra ela)

G:Esqueceu quem eu sou?

H: Não é meu pai?

G: NãoA outra coisa

H:Ainda?Pena

Uma pena pra vocêE para mim tambémTudo aqui tudo o que houveEra como uma borracha entende?Para apagar

G:Apagar

O que?

H:Estas palavrasEsta históriaTudo istoDe uma vez por todasPara sempreDizer adeus

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G:Conseguiu

H:Foi?

G:Seu pai

H:ImbecilMiserável papagaio boneco de ventríloquoRecebeu seu destinoExistir em forma de cruz é perigoso demais ele sabe agora

G:Agora

H:Agora?

G:EuAinda estou aqui

H:Está

G:

O que quer de mim?

H:Pode me dar?

(Silêncio. Gertrudes começa a despir-se)

G:PossoEu possoSe vai consertar as coisas

Se vai trazer o trem de volta aos trilhosSe vai permitir

H:O que?

G:Um novo começo?Então sim

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SimSim eu posso

VemVemVEM

(Gertrudes está com seu vestido aberto. Tempo imóvel. Ela então acende um cigarro,traga. Ela muda: se torna uma prostituta vulgar)

G:Como é que é? Vamos trepar? Ou vai ficar com essa luz na minha cara?

(Silêncio. Hamlet permanece imóvel, segurando a luminária)

G:Que saco...

(Gertrudes dá mais uma tragada no cigarro)

G:Por mim tudo bem, o taxímetro da minha buceta tá ligado. É que eu acho esquisito, homemgeralmente gosta de fuder, homem gosta de meter . (Tempo. Ela ri) Só se você... (Ri. Fuma

de novo. Fica séria, incomodada com a luz) Dá pra tirar essa luz do meu olho? Tá meincomodando, essa luz, dá pra tirar... (Tempo) Não escutou, idiota? Ou será que táquerendo me sacanear? É essa a tua onda?! (Traga o cigarro. Tempo. Com raiva) Tôfalando contigo, babaca, tá querendo me sacanear?

(Um tiro a atinge na testa. Gertrudes põe sangue pela boca, enquanto seu corpo escorrega

 pela parede. Ela cai sentada no chão, morta. Tempo. Hamlet larga a luminária, quebalança iluminando o quarto. Ele tem um revólver em sua mão. Quando a lâmpada pára

de se mover, Hamlet desce da cama, caminha até a mesinha, deposita ali o revólver. Ele

retira a tampa de uma caixa de primeiros socorros de cima da mesa: vê-se uma série decabeças de mulher, incluindo a cabeça decepada de Ofélia)

H:(Falando na direção do corpo de Gertrudes morta) Amor?

(A cabeça decepada de Ofélia responde)

O:Sim?

H:Repete. Eu quero ouvir mais uma vez. Repete...

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O:Sabe muito bem, querido: você é o homem da minha vida. E aconteça o que acontecer, eusempre, sempre vou te amar...

H:Você também...

(Hamlet caminha até o corpo morto de Gertrudes. Pára ao seu lado)

H:Você também é tudo o que eu quero...

(Ele ergue o corpo pelos braços e leva-o para cama, onde o coloca deitado. Arfa um

 pouco, por causa do esforço, e em seguida observa o cadáver)

H:O que que há com você, amor? Tá com cara de quem esqueceu alguma coisa...

(Batidas fortes na porta)

VOZ DE HOMEM VINDA DE FORA DO QUARTO:Algum problema aí?

H:(Falando na direção da porta) Tudo bem.

VOZ DE HOMEM VINDA DE FORA DO QUARTO:

O barulho...

H:Tá tudo bem...

VOZ DE HOMEM VINDA DE FORA DO QUARTO:Se ouvir mais barulho vou ter que chamar a polícia.

(Tempo. Ouve-se passos se afastando. Silêncio. Então Hamlet, que olhava na direção da

 porta, se vira para o cadáver de Gertrudes)

H:Seu cigarro, você deixou seu cigarro caído lá atrás... (Tempo. Ele sorri) Não importa oquanto eu me preocupe, o quanto eu cuide de você, não importa quanto tempo eu espere:sempre acaba esquecendo alguma coisa, não é? Sempre acaba esquecendo...

(Hamlet passa os dedos pelo cabelo da morta, sorrindo. Em seguida, se afasta da cama ecomeça a se despir)

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O:Mesmo depois de tanto tempo, ver você se despindo ainda me... toca.

H:Me acha atraente?

O:Morreria por você.

H:Verdade?

O:Cada segundo, cada momento sem tua pele, sem teu cheiro... Vazia, é assim que eu mesinto, vazia sem você, perdida. Uma menina perdida, é assim que eu me sinto, uma criançaque se afoga, me afogando e esperando a tua mão, os teus braços, esperando você. É porvocê, não entende? Só por você... Vem, meu amor. Vem me salvar. Agora. Me salva.

(Hamlet já está sem roupas. Aproxima-se da cama. Olha para o cadáver de Gertrudes)

O:Tua voz. Me deixa ouvir tua voz...

H:(Olhando para o corpo, emocionado) Eu acho... Eu sinto que realmente te amo.

(Um trovão lá fora. A luz da lâmpada do quarto oscila, barulho de curto. Começa a

chover. Hamlet olha para a lâmpada por um tempo, depois se dirige ao corpo e ergue a

 saia do cadáver)

O:(Sôfrega) Depressa! Agora! Não posso mais, não posso mais esperar...

H:(Começando a se masturbar)

Quem é você?

O:

Sua garotinha. Sua garotinha má, é isso que eu sou...

H:Minha garotinha?...

O:Sua garotinha malvada.

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H:Malvada.

O:Má, uma garotinha má, sua garotinha.

H:(Subindo na cama e virando o corpo morto de Gertrudes de bruços, enquanto prossegue semasturbando) Você merece um castigo.

O:Sim, sim...

H:(Dando palmadas na bunda do cadáver) Amor...

O:Sim, na bunda. Na minha bunda, querido.

H:(Dando palmadas nas nádegas do cadáver e se masturbando)

Eu te amo.

O: Na minha bunda, amor, assim...

H:

Eu te amo.

O: Na bunda da sua garotinha.

H:Amor...

(A cabeça decepada de Ofélia geme sobre a mesa, cada vez mais alto e voluptuosamente,

enquanto Hamlet tenta se masturbar olhando para o cadáver de Gertrudes. Mas seu pênis

está flácido)

H:(Depois de um tempo, desistindo de se masturbar e afastando-se da cama, penalizado) Eu não consigo. Não consigo, amor... Eu não consigo...

(A cabeça de Ofélia continua a gemer, sem parar. Tempo; Hamlet chora, a cabeça gemevoluptuosamente. Então Hamlet corre até a mesinha e cobre a cabeça com a caixa de

 primeiros socorros. Tempo. Hamlet pega um cigarro do maço na mesinha, acende com um

isqueiro. Trovão lá fora; a luz da luminária oscila, ele olha para a lâmpada, som de curto;

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a chuva continua a cair. Hamlet, com o cigarro na boca, desvira o corpo de Gertrudes, se senta na beira da cama, e retira a caixa que cobre a cabeça de Ofélia)

O:(Calmamente)Quer conversar, querido?

H:Me desculpa, me perdoa...

O:(Carinhosa, compreensiva) Tudo bem, isso não é importante.

H:Eu preciso, me escuta, eu preciso te dizer que...

O:

Calma, querido, é minha culpa, minha, minha culpa, está tudo bem, isso não é importante,isso não é...

H:Cala a boca! Cala a porra dessa boca e me escuta, vê se me escuta pelo menos uma vez! Ascoisas estão tão confusas, as coisas estão... Tão difíceis. Minha cabeça, sabe? Na minhacabeça... As coisas estão...

(Silêncio)

O:

Quando existe amor... E é assim entre nós dois...

H:Minha cabeça...

O:Entre nós dois, escuta: nós dois, querido... Quando existe amor, um casal pode superarqualquer problema, qualquer um. Se ficarmos juntos, nós dois... Quando existe amor.

H:Você é como um pedaço de vidro... Tem gosto de vidro...

O:Quando existe amor...

(Tempo. Hamlet fuma. Então deixa o resto do cigarro cair no chão. Se levanta e fala na

direção do cadáver de Gertrudes)

H:Amor?

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O:Sim?

H:Repete. Eu quero ouvir mais uma vez. Repete...

O:Sabe muito bem, querido: você é o homem da minha vida. E aconteça o que acontecer, eusempre, sempre vou te amar... sempre vou te amar... sempre vou te amar... sempre vou teamar... sempre vou te amar...

(A cabeça decepada de Ofélia continua a repetir a última frase sem parar, como se fosse

uma fita engasgada. Hamlet vira-se para a cabeça. Subitamente, coloca a tampa da caixa

de primeiros socorros, violentamente, sobre ela. No instante seguinte ouve-se um trovão;

 som de curto, a lâmpada oscila, ele olha para a lâmpada, a luz termina por se apagar. Escuridão total. Tempo)

H:(Gritando no escuro) Amor?

Amor?!

(Hamlet acende o isqueiro. Lentamente, aproxima-o do rosto ensanguentado de Gertrudes.

 De repente, o cadáver de Gertrudes abre os olhos e fala, lentamente)

G:Por que não me deixa em paz?

Por que não me deixa dormir?

(A chuva cai lá fora. Hamlet apaga o isqueiro. Escuridão. Tempo)

H:(No escuro)Boa noite, amor.

(A luz da lâmpada se acende por 2 ou 3 segundos (ou então é um relâmpago que clareia

momentaneamente o quarto): vê-se Hamlet com o cano da arma em sua própria boca, de

 pé, ao lado da cama onde está o cadáver de Gertrudes. Na seqüência, escuridão absoluta. A chuva pára aos poucos)

+

(Horácio, vestido como a imagem clássica do Hamlet de Shakespeare, mas inteiramenteencharcado, com um revólver na mão. O Burro entra e pára. O Burro estende um crânio

 para Horácio. Horácio pega o crânio. O Burro desaparece. Horácio deposita a caveira em

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algum ponto do piso, saca um pequeno gravador de seu bolso, aciona o modo de gravaçãoe fala)

HORÁCIO:Qual o melhor modoA maneira mais eficazDe fazê-lo?Eis a questão

Trazendo o canhão fatalÀ altura da têmpora direitaEm concordância com o calibre da armaE armas para uso pessoal são sempre de baixo calibreO risco existe guiando a balaQue guiada por este risco penetra apenas o respectivo hemisférioDanificando área preciosa de teu cérebroPreciosa nobre ainda que não o bastantePara te matar cessar com você

Para semprePerda de movimentos tetraplegia um aleijado eis a conseqüênciaDe um assim não estudado intempestivo atoDecrepitudeQue só impediria uma nova tentativaPerpetuando o fracasso em vida mais ainda indesejada

Se em tua boca por outro ladoSe é na boca que mergulhas o cano de açoO projétil talvezE é deste deste exato talvez que queremos aqui nos esquivar

Porque é por este mesmo talvezQue o projétil talvez só atinja aquela parte aquelaSuperestimada parte que em nós responde pelo dom e maldição da fala

AíMudo assim continuarias a respirarE não é estaDefinitivamenteA idéia

 Na fronte? talvez se pergunte agora

Pelo desdobramento natural de nosso raciocínio Na fronte você poderia agora afirmar com convicção extenuadaSem perceber suspeitar que é justamente na fronteQue o fracasso se coloca como prognóstico mais evidentePela dureza da testaJusta fronte testa ossatura sem portalPor este caminho e a esta distânciaÉ que tua bala não iriaOu não vai

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Acredite você que me ouve nestas palavrasJamais penetrar em teu crânioPela fronte? NãoJamais

(Levando a arma para o centro no alto de sua cabeça, com o cano apontado para baixo,

 para sua própria moleira)

Portanto é aqui que chegamosQue estamosQue vamos ficarAqui Nesta veredaInsuspeitadaA última parcela a se formar se fechar em toda a tua majestosa caixaÉ aqui que se impõe aconselhável posicionar tua arma

AquiTua coroaDeste lugarEnfim coroado Neste lugarEncontra-se a infalibilidade do disparo fatal

TragaAmigoAté aquiA tua ação

E o instrumento da tua ação

Porque se é aquiQue você se posicionaE se é daquiQue você puxa o gatilhoEntãoEntãoVocêMorre

(Horácio deposita o revólver ao lado da caveira. Traz o gravador para próximo de suaboca)

MorrerDormirE não mais Nunca maisSonhar.

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(Horácio termina sua gravação: aperta o stop no pequeno gravador, rebobina a fita,aperta o play, e deposita o aparelho junto da caveira e da arma. Começa-se a ouvir o texto

que ele acabou de dizer, gravado. Ele se levanta e sai. A luz incide apenas sobre os três

objetos: o crânio; a arma; o gravador. Continuamos a ouvir a gravação, enquanto a luz

cai lentamente. Escuridão)

FIM