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Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Psicologia Uma Leitura Comportamental sobre o Método Paulo Freire de Alfabetização: convite ao diálogo entre analistas do comportamento e educadores freireanos Denise Bachega São Carlos Março de 2014

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Universidade Federal de São Carlos

Centro de Educação e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Uma Leitura Comportamental sobre o Método Paulo Freire de

Alfabetização: convite ao diálogo entre analistas do comportamento e

educadores freireanos

Denise Bachega

São Carlos

Março de 2014

1

Universidade Federal de São Carlos

Centro de Educação e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Uma Leitura Comportamental sobre o Método Paulo Freire de

Alfabetização: convite ao diálogo entre analistas do comportamento e

educadores freireanos

Denise Bachega

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Psicologia da

Universidade Federal de São Carlos,

como parte dos requisitos para

obtenção do título de mestre em

Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. João dos Santos

Carmo

São Carlos

Março de 2014

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

B119Lc

Bachega, Denise. Uma leitura comportamental sobre o método Paulo Freire de alfabetização : convite ao diálogo entre analistas do comportamento e educadores freireanos / Denise Bachega. -- São Carlos : UFSCar, 2014. 107 f. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2014. 1. Alfabetização. 2. Análise do comportamento. 3. Leitura Comportamental. 4. Paulo Freire - Método educacional. 5. Angicos (RN). I. Título. CDD: 372.414 (20a)

2

Dedico este trabalho a Maria Ida Bachega Bolçone,

meu maior exemplo de retidão ética, doçura e

amor à ciência e à natureza.

3

Agradecimentos

Ao professor João dos Santos Carmo por aceitar tão prontamente o desafio deste

Projeto e pelo compromisso, análises cuidadosas e dedicação com que me auxiliou ao longo

dessa difícil caminhada.

À Solange Calcagno e à Ana Paula Araújo Fonseca pelas valiosas contribuições,

comentários e sugestões.

A toda a minha família, mas em especial aos meus pais, Célia e Fernandes, às minhas

irmãs, Beatriz e Ivone, e à minha madrinha Maria Ida que mesmo distantes sempre me

apoiaram.

A Juliana, Camila, Nahara, Rafael e Bruno pelas intensas conversas e ricos debates, na

cozinha e na sala, e que contribuíram enormemente para esse trabalho.

À Ana Lucia, por ter sido a primeira a me ajudar a consolidar aquela mera ideia em

uma proposta de estudo científico. E a ela, ao sr. Orides, à D. Maria (in memoriam), ao André,

ao Rafael e ao Bruno pelos saborosos e divertidos domingos ao longo dessa jornada.

Aos meus grandes amigos Alexandre, Juliana, Carol, Yuri, Henrique (Kike), Lívia,

Soraya, Nahara, Florença e Henrique (Brother), por tornarem os meus dias mais leves e

felizes.

E ao Bruno, meu melhor amigo e maior companheiro, por todo seu amor, todo seu

carinho, por sua paciência imensa e pelas importantes colaborações com meu trabalho, em

especial ao longo desses dois anos.

4

“O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo

e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível

que a razão ética nem sempre esteja com ele.”

(Freire, 1996, p. 14)

5

Bachega, D. (2014). Uma Leitura Comportamental sobre o Método Paulo Freire de

Alfabetização: convite ao diálogo entre analistas do comportamento e educadores

freireanos. Dissertação de mestrado em Psicologia. Universidade Federal de São

Carlos. São Carlos, SP.

Resumo

Este estudo buscou salientar as interações no meio educacional, mais especificamente na

alfabetização, abordando o Método de Alfabetização desenvolvido por Paulo Freire e alguns

aspectos de sua teoria sob a ótica da Análise do Comportamento. Os objetivos do trabalho

foram realizar uma leitura comportamental sobre a aplicação do Método de Alfabetização

Paulo Freire na Experiência de Angicos – RN (1963) e desenvolver reflexões a respeito

dessas duas concepções de educação (Análise do Comportamento e teoria freireana). Para

isto, foi realizada uma pesquisa teórica exploratória, com consulta a bases primárias e

secundárias que traz uma contextualização das propostas educacionais em questão; uma

leitura comportamental sobre o Método de Alfabetização, e; algumas discussões e

considerações sobre possíveis contribuições entre os educadores dessas duas áreas. A partir da

leitura comportamental realizada, é possível indicar que no método freireano os objetivos não

se restringem à reprodução das ações de ler e de escrever, mas destacam a relevância dessas

ações para o indivíduo e para a sociedade em que está inserido. Além disso, há também a

busca pela construção de uma comunidade verbal não punitiva e os debates que integram essa

proposta podem ser entendidos como condição de ensino que leva a discriminações sobre as

contingências sociais em que os participantes estão inseridos e também a possíveis formas de

contracontrole em relação a essas contingências. Tendo em vista os objetivos do trabalho, é

possível indicar que enquanto uma das propostas primordiais de Paulo Freire é que as práticas

educativas se façam realmente comprometidas com uma transformação radical das relações

sociais, a asserção comportamental, embora reconheça a importância e a influência política da

educação, centra-se mais na questão da efetividade das condições de ensino e menos na

explicitação quanto ao seu posicionamento político, quando comparado às proposições do

teórico brasileiro. Desse modo, o convite assumido por este trabalho, é o de buscar novas

formas de fazer ciência, cada vez mais comprometidas com a transformação das condições

sociais opressoras.

Palavras-chave: Alfabetização. Análise do Comportamento. Leitura comportamental.

Método Paulo Freire. Angicos (1963).

6

Abstract

This study aimed to highlight interactions in the educational environment, more specifically

in literacy approaching Paulo Freire’s literacy method and some aspects of his theory from the

perspective of Behavior Analysis. The objectives were to conduct a behavioral reading on the

application of Paulo Freire’s Literacy Method on the experience of Angicos - RN (1963 ) and

to develop reflections on these two conceptions of education (Behavior Analysis and Freire’s

theory). The study consisted of a theoretical exploratory research consulting primary and

secondary sources to provide a contextualization of the educational proposals concerned; a

behavioral reading on Literacy Method, and; some discussions and considerations about

possible contributions between educators in these two areas. From this behavioral reading one

can indicate that in the Freirean method the objectives are not restricted to the reproduction of

the actions of reading and writing but they stand out the relevance of these actions for the

subject and for the society in which he or she is inserted. In addition, there is also the search

for a construction of a non-punitive verbal community and the discussions that integrate this

proposal can be understood as a teaching condition that lead to discrimination on the social

contingencies in which participants take part and also the possible ways of counter control

related to these contingencies. Given the objectives of the study it is possible to indicate that

while one of the key concepts of Paulo Freire’s proposals is that educational practices must

be committed to the radical transformation of social relations, the behavioral assertion,

although recognizing the importance and influence of political aspects to education, focuses

on the effectiveness of teaching conditions and are less explicit about its political position

compared to the Brazilian theorist’s proposals. Thus, the invitation assumed by this work is to

seek for new ways of making a Science increasingly committed to the transformation of the

oppressive social conditions.

Keywords: Literacy. Behavior Analysis. Behavioral Reading. Paulo Freire Literacy

Method. Angicos Experience (1963)

7

Lista de Tabelas

Tabela 1 – Descrição esquemática das atividades ao longo das 40 horas de Angicos ....... 64

Tabela 2 – Sugestões de debate para cada palavra geradora (Lyra, 1996) ......................... 70

Lista de Figuras

Figura 1 – Componentes do comportamento “ensinar” ..................................................... 40

Figura 2 – Relações do ser humano com o mundo ............................................................. 65

Figura 3 – Os diferentes caçadores humanos e animal ....................................................... 66

Figura 4 – Palavra geradora belota ..................................................................................... 68

Figura 5 – Palavra geradora e de suas famílias fonêmicas ................................................. 69

8

Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 9

Método ............................................................................................................................... 23

Capítulo 1- Contextualização Teórica das Propostas ................................................... 26

Algumas Concepções Importantes do Behaviorismo Radical ........................................ 26

Alguns conceitos importantes da Análise do Comportamento ....................................... 31

Algumas concepções importantes da Pedagogia da Libertação ...................................... 46

Capítulo 2 - O Método de Alfabetização Paulo Freire e sua execução em Angicos –

RN (1963) ............................................................................................................................

57

Breve contextualização histórica ..................................................................................... 57

Descrição da experiência de alfabetização por meio do Método Paulo Freire de

Alfabetização ..................................................................................................................

57

A Elaboração ................................................................................................................... 58

A Execução - Os encontros nos Círculos de Cultura ...................................................... 60

Execução do Método de Alfabetização Paulo Freire – Angicos (1963) ........................ 61

Capítulo 3 - Uma análise comportamental do Método Paulo Freire de Alfabetização. 72

Análise comportamental de elementos amplos do método .............................................. 72

Análise comportamental sobre aspectos da "metodologia do ensino" do Método .......... 81

Análise comportamental das posturas pedagógicas adotadas pelos educadores .............. 88

Diálogo como condição de ensino do pensar crítico. Ou Dos objetivos de ensino de

politização .............................................................................................................

90

Conclusão da leitura comportamental ............................................................................. 92

Capítulo 4 - Discussões e Reflexões Finais ........................................................................ 94

Referências .......................................................................................................................... 101

9

Uma Leitura Comportamental sobre o Método Paulo Freire de Alfabetização: convite

ao diálogo entre educadores freireanos e analistas do comportamento

Da mesma forma que há diversos caminhos pelos quais Física, Química e Biologia

buscam explicações para os eventos estudados, assim também as diferentes abordagens da

Psicologia olham para diferentes aspectos da vida das pessoas (ou de outras espécies) para

inferir ou propor relações causais sobre o fazer humano (ou sobre os comportamentos de

outras espécies). Algumas abordagens focam as características biológicas ou genéticas dos

sujeitos estudados que podem influenciar em seu comportamento ou as combinações de

explicações biológicas e sociais ou culturais que possam construir uma explicação causal.

Outras dão ênfase aos aspectos desenvolvimentais das pessoas, sejam estes biológicos, sociais

ou cognitivos, que possam oferecer uma explicação estrutural. Algumas correntes teóricas da

Psicologia oferecem explicações que se utilizam de modelos internalistas, comparando-os

com o comportamento real e modificando-os segundo evidências de pesquisa. E outras, ainda,

destacam totalmente o ambiente externo ao indivíduo, buscando os fatores sociais que possam

estar relacionados ao comportamento (Chiesa, 1994).

Dentre as diferentes abordagens em Psicologia, tem-se a Análise do Comportamento

(AC), fundamentada em concepções filosóficas que surgiram a partir de um modo de

trabalhar em ciência (conjunto de procedimentos e de noções) que se originou na década de

1930 e que, posteriormente, ficou conhecido como Análise Experimental do Comportamento

(AEC) (Carvalho Neto, 2002). Em 1945, essas concepções filosóficas foram denominadas por

Skinner de behaviorismo radical e, segundo esse autor, correspondem à “filosofia de uma

ciência do comportamento tratado como objeto de estudo em si mesmo, separado das

concepções internas, mental ou fisiológica” (Skinner 1989/19951, p. 164). Enquanto o ramo

ligado à criação e administração de recursos de intervenções sociais nos diversos contextos de

ação do psicólogo seria chamado de Análise Aplicada do Comportamento (Tourinho, 1999).

Skinner (1953/2007) propôs que uma ciência do comportamento humano seria uma

das bases para ajudar a solucionar problemas sociais. Ainda que, devido aos maus usos,

algumas pessoas tenham defendido que a ciência deveria ser abandonada, “pelo menos por

uns tempos” (p. 5), seu posicionamento era de que “não há nenhuma virtude na ignorância

pela ignorância” (p. 5). Segundo o autor:

1 A primeira indicação (1989) corresponde ao ano original de publicação do texto e a segunda (1995) ao ano da

10

Talvez não seja a ciência que está errada, mas sua aplicação. Os métodos da ciência

têm tido um sucesso enorme onde quer que tenham sido experimentados. Apliquemo-

los, então, aos assuntos humanos. Não precisamos nos retirar dos setores onde a

ciência já avançou. É necessário apenas levar nossa compreensão da natureza humana

até o mesmo grau. Na verdade, esta é nossa única esperança. Se pudermos observar

cuidadosamente o comportamento humano, de um ponto de vista objetivo e chegar a

compreendê-lo pelo que é, poderemos ser capazes de adotar um curso mais sensato de

ação. (Skinner, 1953/2007, p. 5)

O termo radical, no behaviorismo skinneriano, refere-se: à atribuição ao

comportamento (entendido como interação entre o que a pessoa2 faz e o ambiente em que isso

ocorre) como raiz para a compreensão das ações humanas; e à rejeição aos eventos mentais

como causas do comportamento (Carrara, 2005). Para Skinner (1974/2002), dizer que as

causas das ações são os sentimentos não explica suas razões, mas apenas as transfere para

uma instância interna ao indivíduo.

O behaviorismo radical adota uma concepção monista de ser humano e, nessa

perspectiva, “o que é sentido ou introspectivamente observado não é nenhum mundo imaterial

da consciência, da mente ou da vida mental, mas o próprio corpo do observador” (Skinner,

1974/2002, p. 19). Apesar disso, o estudo do comportamento humano, segundo essa

concepção filosófica, não se limita aos comportamentos observáveis como propunha o

behaviorismo metodológico de J. B. Watson, mas considera igualmente os comportamentos

que ocorrem no que Skinner chama de o mundo dentro da pele. Afirma o autor:

o mentalismo, ao fornecer uma aparente explicação alternativa, mantinha a atenção

afastada dos acontecimentos externos antecedentes que poderiam explicar o

comportamento. O behaviorismo metodológico fez exatamente o contrário: com

haver-se exclusivamente com os acontecimentos externos antecedentes, desviou a

atenção da auto-observação e do autoconhecimento. O behaviorismo radical

restabelece um certo tipo de equilíbrio. Não insiste na verdade por consenso e pode,

por isso, considerar os acontecimentos ocorridos no mundo privado dentro da pele.

Não considera tais acontecimentos inobserváveis e não os descarta como subjetivos.

Simplesmente questiona a natureza do objeto observado e a fidedignidade das

observações. (Skinner, 1974/2002, p. 19)

Nessa perspectiva, o comportamento tem sua determinação relacionada a um conjunto

complexo de fatores, de modo que “cada conduta é influenciada pela interação entre muitos

determinantes orgânicos e ambientais” (de Rose, 2005, p. 30). Na Análise do Comportamento

2 Uma parte importante do conhecimento produzido em análise experimental do comportamento surge do estudo

de organismos não humanos, mas como o foco deste trabalho é a educação será referido apenas o

comportamento humano.

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não são enfatizados os comportamentos reflexos3, chamados por Skinner de respondentes,

mas os comportamentos que se alteram pelas suas relações com o meio (interno e externo),

chamados de comportamentos operantes. Sendo que o ambiente nessa perspectiva não

corresponde ao universo ao redor do individuo, mas envolve todos os estímulos (aspectos

físicos, sociais e orgânicos) aos quais um indivíduo responde, todos os eventos aos quais está

sensível (de Rose, 2005; Goulart, Delage, Rico & Brino, 2012).

No paradigma do comportamento respondente, cuja relação é estímulo-resposta (S-R),

há uma relação direta entre as condições que antecedem o comportamento e o comportamento

em si. Diz-se que esse comportamento é eliciado por estímulos. Para Skinner, essa explicação

abrange apenas uma parte dos comportamentos das pessoas e dos animais. No paradigma do

comportamento operante desenvolvido por esse autor, são estudados os “comportamentos

sensíveis às suas consequências”. E, segundo Matos (1995), “a tarefa básica da Análise do

Comportamento é descobrir as leis que descrevem esta sensibilidade” (p. 143).

Posteriormente, será explicitado que, desse modo, também a determinação do comportamento

deixa de ser linear e “obrigatória” como no mecanicismo watsoniano e passa a ser

probabilística (Rodrigues, 2006).

Skinner (1953/2007) afirma que, apesar das variáveis externas à pessoa serem de

diversas espécies e suas relações com o comportamento serem quase sempre sutis e

complexas, é possível uma análise funcional, para estudá-las. Diz o autor que:

muitas vezes argumenta-se que um ato não é tão importante quanto o ‘intento’ que

está por trás dele, ou que somente pode ser descrito em termo do que ‘significa’ para o

indivíduo que se comporta ou para outros que possam ser afetados por ele. Se

afirmações deste tipo tiverem de ser úteis para propósitos científicos, deverão estar

baseadas em eventos observáveis, e é exclusivamente em tais eventos que se deve

confinar uma análise funcional. (Skinner, 1953/2007, p. 38)

O autor explica em seguida que até mesmo termos como “significado” e “intenção”

que parecem referir-se, exclusivamente, a propriedades do comportamento, geralmente

ocultam referências a variáveis independentes localizadas no ambiente do indivíduo, o que

valeria também para termos como “agressivo”, “amigável”, “desorganizado”, “inteligente”

(Skinner, 1953/2007). Desse modo, a origem do comportamento estaria sempre relacionada a

alguma(s) variável(eis) do ambiente (interno ou externo ao indivíduo, presente ou passado em

sua história) ainda que isso não possa ser facilmente identificado.

3 Entendidos como as relações fidedignas entre um evento ambiental (chamado de estímulo) e uma mudança

resultante no comportamento (chamado de resposta) (Catania, 1998/1999).

12

Como nenhuma ação da pessoa pode ser exatamente igual a outra, as unidades do

comportamento não são tratadas como eventos únicos, mas como um conjunto de ações que

possuem propriedades semelhantes (ex. força, forma, consequências, função, etc.). Esse

conjunto de ações é denominado classe de respostas (Catania, 1998/1999). Há também uma

diferença importante entre a topografia e a função do comportamento. A primeira é

caracterizada pela forma e movimentos da resposta, enquanto a última se refere às suas

relações com o ambiente, isto é, às variáveis que determinaram a ocorrência das classes de

respostas. O comportamento deve ser definido pelas suas relações funcionais e não pela sua

topografia, de modo que respostas com uma mesma forma, mas que sejam função de variáveis

diferentes, sejam entendidas como comportamentos distintos (de Rose, 2004).

O objetivo de uma análise comportamental é, então, a descrição das variáveis das

quais o comportamento é função. Para isso, devem ser definidos três aspectos principais em

relação a um comportamento: (1) o ambiente que o antecede (estímulos discriminativos), (2) a

resposta propriamente dita e (3) as consequências da resposta (de Rose, 2005). Estes três

aspectos constituem o que se chama de contingência tríplice. Segundo de Rose (2004), na

análise funcional do comportamento operante busca-se que uma classe de respostas seja

relacionada funcionalmente a uma classe de antecedentes e a uma classe de consequências.

Na análise funcional as consequências que tornam mais provável a repetição de

respostas similares são denominadas consequências reforçadoras, ou simplesmente reforços, e

as que tornam a repetição de respostas similares menos provável são chamadas de punitivas4.

Os estímulos discriminativos, por sua vez, antecedem a resposta e estabelecem a ocasião na

qual essa resposta produzirá certos efeitos ou consequências (de Rose, 2005). A relação entre

estímulo discriminativo e resposta é denominada controle de estímulo e é o que permite o

estudo dos processos de discriminação e generalização. Quando a pessoa responde de maneira

diferente para estímulos diferentes, diz-se que ela discrimina aqueles estímulos. Quando há a

difusão dos efeitos do reforço e o indivíduo responde de maneira igual, ou similar, diante de

estímulos diferentes, esse fenômeno é chamado de generalização (Catania, 1998/1999).

As análises funcionais podem ser aplicadas a quaisquer interações sociais e este estudo

buscará salientar as relações no meio educacional, mais especificamente na alfabetização.

Para isso, serão destacados alguns aspectos fundamentais da linguagem (da comunicação em

4 Além da diminuição da probabilidade da emissão de respostas similares, a punição tem diversos outros efeitos

sobre o comportamento do indivíduo, mas essa questão não será discutida nesse momento.

13

si), do ensino (metodológicos e de relações sociais) e das relações envolvidas nas interações

sociais (aspectos políticos, sociais e culturais).

Em relação à linguagem, afirma Catania (1998/1999) que

a metáfora das palavras como recipientes do significado tem estado em toda parte há

muito tempo, e, no entanto, os padrões magnéticos que correspondem a uma voz

gravada em uma fita, ou os padrões de pigmentos sobre uma página que correspondem

a uma mensagem escrita à mão não têm qualquer significado, a menos que alguém

ouça a gravação ou leia a mensagem; o significado não está esperando para ser

libertado da fita ou do papel. Se a linguagem transmite algo, esse algo é o próprio

comportamento verbal; na audição e na leitura, nosso próprio comportamento recria

alguns aspectos do comportamento do falante e dos escritores, os quais constituem

nossa comunidade. Compartilhamos nosso comportamento verbal, ele é, acima de

tudo, um comportamento social. (p. 252)

Na perspectiva comportamental, portanto, alguns aspectos da linguagem são tratados

como uma forma de comportamento operante denominada de comportamento verbal (Skinner,

1953/2007; 1957/1978). De modo sucinto, Skinner (1957/1978) define o comportamento

verbal como aquele que é reforçado pela mediação de outras pessoas. O autor se baseia em

critérios funcionais e estruturais para criar oito categorias principais de comportamento verbal

(Matos, 1991) e um maior detalhamento dessas categorias será tratado mais adiante. Por

enquanto, é importante destacar que a leitura e a escrita são consideradas como tipos

específicos de comportamento verbal e, portanto, também são analisadas sob os três aspectos

interligados da análise funcional (antecedentes, respostas e consequências) (de Rose, 2005).

Nessa perspectiva, ler e escrever, apesar de terem elementos comuns entre seus vários

componentes, não são tratados como comportamentos unitários, mas como repertórios que

envolvem um conjunto de comportamentos distintos. Isso pode ser bastante significativo, por

exemplo, nas fases iniciais de alfabetização ainda que a necessidade de ensinar explicitamente

cada uma das relações envolvidas pareça contraditória dado o alto grau de transferências entre

as relações comportamentais no repertório dos leitores quando começam a se tornar mais

experientes (de Rose, 2005).

Também é a partir das descrições funcionais que Kubo e Botomé (2001) afirmam que

a Análise do Comportamento poderia contribuir para esclarecimentos sobre o “processo

ensinar-aprender”. Segundo os autores, a expressão “ensinar” caracteriza um conjunto de

ações de uma pessoa (o professor, por exemplo) e “aprender” pode ser entendido como o que

acontece com o aluno em “decorrência desse fazer do professor” (p. 5 – negritos no

original). Como o ensinar não se caracteriza pelas intenções (objetivos do professor), nem por

descrições sobre o que o professor faz, não haveria sentido em afirmar que “se ensinou, mas o

14

aluno não aprendeu”. Para haver ensino, deveria haver aprendizagem. Portanto, seria a relação

entre o que o professor faz e a efetiva aprendizagem do aluno o que poderia ser chamado de

ensinar (Kubo & Botomé, 2001).

Tradicionalmente, na alfabetização ocorre o ensino dos repertórios de leitura e escrita

de palavras que, como será indicado, compreendem basicamente relações de controle de

estímulos envolvendo o idioma escrito (de Rose, 2005). Como em qualquer saber, quando

ocorre a escolarização formal, uma parte desse aprendizado se dá mediado pelo professor em

aula com auxílio de recursos, estratégias de ensino e avaliações. A outra parcela do

aprendizado ocorre informalmente, de modo não planejado, antes, durante e após o período de

escolarização formal (Marinotti, 2004).

Há variada produção de estudos em Análise do Comportamento voltada à melhor

compreensão dos fenômenos relacionados à aprendizagem, em especial à que acontece por

meio do ensino. Como afirmou Skinner (1968/1972),

idealmente, um sistema de educação deve maximizar as oportunidades que a cultura

tem não só de lidar com seus problemas, mas de aumentar firmemente sua capacidade

de fazê-lo. Para planejar um sistema desses teremos de saber: 1) quais os problemas

que a cultura terá de enfrentar; 2) que espécies de comportamentos humanos

contribuirão para a sua solução; 3) que tipos de técnicas gerarão estes

comportamentos. A tecnologia do ensino ocupa-se com o último destes três pontos; o

segundo cai no âmbito de uma analise experimental do comportamento. O primeiro,

entretanto, é de ordem inteiramente diversa. (p. 222)

Ou seja, obviamente, não é apenas a Análise do Comportamento que deve estudar

quaisquer desses aspectos, muito menos deve fazê-lo independente dos saberes e atuações

produzidos em outras áreas do conhecimento. Diversas outras perspectivas teóricas têm

tratado dos complexos aspectos relacionados aos problemas educacionais, e as contribuições

dessa abordagem correspondem apenas a uma modesta parcela de contribuição nesse debate.

Ainda assim, a inserção do conhecimento produzido nessa abordagem no contexto

educacional brasileiro é bastante restrita (Luna, 2001). Alguns estudos sugerem, inclusive, a

prevalência de antipatia, não identificação, preconceitos, desconhecimentos e interpretações

errôneas em relação às contribuições dessa abordagem para a área da Educação (Carmo,

2006; Carmo & Batista, 2003; Gioia, 2001; Rodrigues, 2006; Rodrigues & Moroz, 2008).

Como algumas das possíveis explicações para parte dessas incompreensões, os

trabalhos de Carmo (2006), Luna (2001) e Gioia (2001) destacam principalmente dois fatores:

as falhas na formação dos educadores a respeito dessa abordagem e a linguagem hermética

frequentemente utilizada pelos estudiosos dessa abordagem. Além destes, neste trabalho serão

15

questionados alguns outros fatores como a explicitação dos posicionamentos políticos e

ideológicos defendidos pelos teóricos e estudiosos dessa abordagem e sua atuação social

como condições desfavorecedoras da maior aplicação dos conhecimentos oferecidos por ela a

diversos campos de atuação, em especial à Educação.

Sobre a atuação social da Análise do Comportamento, Holland (1983) traz uma

afirmação feita por Eldridge Cleaver (1935-1998) durante as lutas raciais e políticas da década

de 1960 nos Estados Unidos: “se você não é parte da solução, você é parte do problema”.

Holland (1983), então, faz uma análise sobre a atuação dos analistas do comportamento a

partir do que chama de três “vítimas” das condições em que se encontrava o sistema social

nas décadas de 1960-1970 naquele país: o alcoólatra, o criminoso e o próprio analista do

comportamento. Diz o autor que é comum que esse psicólogo seja contratado quando há uma

definição do problema elaborada pelo sistema e muitas vezes sua atuação se limita a mudar as

contingências para alterar o comportamento do indivíduo sem questionar as reais

contingências geradoras de tal “problema”.

Ainda assim, o autor insiste na defesa de que a Análise do Comportamento fornece os

meios para analisar as estruturas estratificadas, o sistema opressivo e as formas de controle

social exercidas, muitas vezes, por líderes de corporações. E afirma que “a concepção do

militante social sobre a humanidade é sustentada, e não refutada, pela Análise do

Comportamento.” (Holland, 1983, p. 60). O autor ainda propõe que essa abordagem pode

colaborar com as propostas de transformação social afirmando que:

uma análise de contingências aponta falhas inerentes em um sistema de controle

estratificado que, com o tempo, deveriam provocar mudanças em tal sistema e uma

compreensão mais ampla do Comportamentalismo poderia acelerar esse processo. O

comportamentalismo5 pode ser parte da solução. (Holland, 1983, p. 70)

Já na década de 1970 e voltado ao contexto brasileiro, Botomé (20106) afirma que o

psicólogo não é apenas necessário para “curar quem não está bem”, ou para “resolver

problemas humanos que já surgiram”, ou já foram definidos. Diz o autor que

compete aos profissionais da Psicologia, mostrar o que a Psicologia tem e em que

pode ajudar nas áreas onde há mais problemas, nas áreas onde é possível evitá-los ou

nas quais seja possível promover melhores condições para o desenvolvimento da vida

humana, mesmo que não existam problemas identificados. Não é suficiente uma

5 Comportamentalismo é uma tradução direta do espanhol conductismo, entretanto no Brasil tem-se usado mais

frequentemente a expressão behaviorismo como derivação da expressão inglesa behaviorism. 6 Este trabalho foi apresentado no simpósio “A quem a Psicologia atende e a quem deveria atender?”, realizado

na VIII Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto (SP), em 1978. A referência completa do

texto original é: Botomé, S. P. (1979). A quem nós, psicólogos, servimos de fato? Psicologia, 5, 1-15.

16

profissão dedicar-se na maioria de sua atuação a “curar” ou “remediar” problemas. É

necessário atuar também para “prevenir” ou “impedir” os problemas de acontecerem

ou existirem e – até! – ir mais longe, criando condições para “promover melhores

comportamentos na sociedade” em qualquer instância de atuação dos mais diferentes

agentes sociais, inclusive os da classe dominante em relação à maioria da população

em condições mais precárias de vida. (Botomé, 2010, p. 181)

A partir das indicações de Mello (1975) de que a grande maioria dos psicólogos se

dedicava à prática em clínicas particulares, Botomé (2010) traz algumas reflexões sobre “a

quem nós, psicólogos, servimos de fato?”. Pesquisas posteriores (Bastos & Gomide, 1989;

Bastos, Gondim & Borges-Andrade, 2010) mostraram que ainda se mantém a prevalência da

atuação desses profissionais na área clínica, embora com algumas mudanças de modo que

parecem se manter atuais os questionamentos do autor. Diz ele que

um profissional apropriado para este país, parece-nos, teria que ser uma pessoa capaz

de prestar um serviço voltado às necessidades da maioria da população e não ao que

interessa mais diretamente a um pequeno segmento dela como ainda parecemos estar

tendendo a realizar. É nesse sentido que nossa formação obtida com “experiências de

vida” acadêmica e até pessoal talvez nos afastem daquilo que constitui a realidade de

vida da maior parcela da população do país. Nossas leituras, hábitos, lazer,

referenciais, valores, repertórios sociais, técnicos, políticos, éticos etc. longinquamente

dirão respeito ou se aproximarão do que vive, sofre ou necessita a maior parte dos

brasileiros. (Botomé, 2010, p. 185)

Nesse sentido, independente da área de atuação em Psicologia (se clínica, educacional,

organizacional, etc.), é possível manter o questionamento de Botomé (2010), sobre a que e a

quem têm servido os conhecimentos produzidos em Psicologia, mais especificamente em

Análise do Comportamento. E dentre os vários problemas sociais que permanecem desde a

década de 1960, em especial os mais diretamente ligados à educação, o presente estudo

buscará trazer elementos para dar continuidade ao debate sobre a problemática da Análise do

Comportamento ser parte do problema ou da solução?

Um exemplo de intelectual fortemente engajado com a transformação das condições

de desigualdade e injustiças produzidas pelas sociedades é o pernambucano Paulo Freire

(Freire, A. 2006). Sua proposta de uma Pedagogia Libertadora tem se constituído em uma das

teorias de grande repercussão e aceitação na comunidade educacional brasileira e mundial, em

especial, por sua ênfase acerca do compromisso político que a educação deve assumir. Paulo

Freire fez críticas importantes à educação brasileira, propondo mudanças radicais ao processo

educativo do país e é considerado um dos maiores e mais conhecidos educadores do século

XX (Gadotti, 1996; 1989). Suas propostas educacionais e seu “Método de Alfabetização” são

17

apontados como revolucionários para a prática da educação no Brasil e no mundo (Gadotti,

1989).

Segundo Linda Bimbi no prefácio da edição italiana de Pedagogia do Oprimido,

citada por Gadotti (1989), a originalidade desse método não se deve apenas à sua eficácia,

mas, sobretudo, à novidade de seus conteúdos para a criação do que chamou de conscientizar.

Também para Kubo e Botomé (2001), suas contribuições à Educação não se restringem à sua

técnica de alfabetização, mas são destacadas pela importância de suas proposições quanto ao

papel do conhecimento no processo de ensinar e sobre a “realidade de inserção” da pessoa

como uma parte fundamental na determinação do que ensinar e de como fazê-lo. A proposta

deste estudo é, portanto, que um método tão eficiente em ensinar comportamentos tão

complexos e orientado à transformação social seja mais bem estudado pela comunidade de

analistas do comportamento.

É importante ressaltar que as diferenças entre as propostas educacionais da Análise do

Comportamento e de Paulo Freire são bastante relevantes sob vários aspectos e, em muitos

sentidos, é possível dizer, antagônicas. Elas são originárias de campos que, embora

relacionados, são distintos (Psicologia e Educação). Cada uma delas tem origem e ganhou

força em culturas e contextos histórico-político-sociais muito distintos. A Análise do

Comportamento nos Estados Unidos, e o trabalho de Paulo Freire inicialmente no Brasil e na

América Latina e depois nos mais diversos países ao redor do mundo, em sua maioria, os

ditos subdesenvolvidos.

Apesar da preocupação comum em solucionar problemas sociais, a Análise do

Comportamento defende que tal solução ocorrerá por meio da ciência, em especial uma

ciência do comportamento, e da tecnologia dela derivada, enquanto a teoria freireana enfatiza

a ação política, por meio da educação, como único meio possível para a transformação social.

Essas teorias também mantêm epistemologias e ontologias muito diferentes. Visto que,

por exemplo, segundo Carrara (2005), as três concepções principais que influenciaram o

behaviorismo ou movimento behaviorista são:

1) a questão da evolução tal como explicada por Charles Darwin e a Psicologia

animal, da maneira ressaltada por Morgan e Loeb e enfaticamente abraçada por

Watson em relação ao comportamento, respeitadas as diferenças de pressupostos; 2) a

questão da ampliação das explicações mecanicistas, na verdade uma adaptação que

mais especificamente corresponde a um determinismo científico (que atribui a todo

fenômeno comportamental uma lei natural de ocorrência, ou seja, uma causa natural),

desembocando, com maior correção, numa postura muito diferente do mecanicismo de

que inicialmente se revestiu a abordagem estímulo-resposta watsoniana e 3) a questão

filosófica do positivismo, cuja influência foi mais significativa na busca do

objetivismo psicológico, por meio do ‘ver para prever’, lema que sofreu muitas

18

adaptações com o próprio desenvolvimento da metodologia de pesquisa na Psicologia

em geral. (pp. 72-73 – itálicos originais);

ao passo que a teoria do educador brasileiro tem referências em variadas correntes filosóficas,

das quais são destacadas a fenomenologia, o existencialismo, o personalismo cristão, o

marxismo humanista7 e o hegelianismo (Gadotti, 1996). Embora, como afirma Gerhardt

(1996), Freire não se interessava em aderir ao marxismo ou ao existencialismo simplesmente

por encontrar pontos interessantes nos escritos dessas escolas, mas afirmava-se como um

eclético que selecionava partes das premissas de filósofos europeus como Antônio Gramsci

(1891-1937), Karl Mannheim (1893-1947), György Lukács (1885-1971), Jean-Paul Sartre

(1905-1980), Albert Memmi (1920-), Erich Fromm (1900-1980), Frantz Fanon (1925-1961),

Merleau-Ponty (1908-1961), Karel Kosik (1926-2003), Herbert Marcuse (1898-1979), Agnes

Heller (1929-), Simone Weill (1909-1943), Jürgen Habermas (1929-), Karl Jaspers (1883-

1969), Karl Marx (1818-1883) e Georg Hegel (1770-1831); do filósofo africano Amílcar

Cabral (1924-1973) e autores da esquerda católica como Jacques Maritain (1882-1973) e

Emmanuel Mounier (1905-1950) e seus intérpretes brasileiros: Alceu de Amoroso Lima

(1893-1983), Henrique Lima Vaz (1921-2002), Herbert José (Betinho) de Souza (1935-1997),

Ernani Maria Fiori (1914-1985), dentre outros (Gerhardt, 1996), criando, contudo, uma

epistemologia própria (Freire, A., 2006).

Todavia, pelo menos dois estudos (de Man, 2004; Fazzi & Cirino, 2003) iniciaram

aproximações pontuais em relação a essas duas concepções em particular (da Análise do

Comportamento e de Paulo Freire). O trabalho de Fazzi e Cirino (2003), por exemplo, mostra

que há similaridades entre as duas propostas de educação sob determinados aspectos. Ao fazer

uma comparação entre o livro Pedagogia da Autonomia (Freire, P., 1996) e algumas

concepções sobre educação presentes em diversos textos de B. F. Skinner, os autores afirmam

que autonomia implicaria em consciência, autodeterminação, independência e liberdade, e a

relação entre educação e autonomia estaria presente tanto nas proposições de Freire como nas

de Skinner.

Fazzi e Cirino (2003) afirmam que, segundo a perspectiva da Análise do

Comportamento, autonomia poderia ser entendida como o comportamento controlado por

autorregras. O que, segundo os autores, tornaria possível apontar passagens em que Freire

concordaria com Skinner, bem como fazer uma interpretação “comportamental” de passagens

7 O marxismo humanista, a rigor, deveria ser considerado como uma vertente da corrente filosófica marxista.

19

dos textos de Paulo Freire conservando seu sentido essencial, ainda que esse autor não tenha

usado o vocabulário técnico da Análise do Comportamento.

Ainda segundo Fazzi e Cirino (2003), tanto para Paulo Freire como para Skinner, a

autonomia seria entendida como um comportamento aprendido gradualmente a partir das

diversas contingências, como destacado por Paulo Freire na seguinte passagem: “no fundo, o

essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais,

mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia” (Freire,

P., 1996, p. 94). Além disso, a aproximação proposta por esses pesquisadores concluiu que é

possível identificar pelo menos três semelhanças entre as concepções de educação de Paulo

Freire e de B. F. Skinner:

1) a autonomia é entendida enquanto comportamento (ação) do sujeito que é

aprendido a partir de interações sociais; 2) apesar de serem influenciados por fatores

genéticos e ambientais, os seres humanos são capazes de arbitrar sobre esses fatores

sendo esta uma característica fundamental da autonomia; 3) ensinar consiste num

dispor de circunstâncias para o desenvolvimento de comportamentos, incluindo a

autonomia. (Fazzi & Cirino, 2003, p. 15)

Já o trabalho de de Man (2004) surgiu da experiência de estágio em Psicologia em

uma faculdade de Salvador/BA, conduzida pela professora Mercedes de Carvalho que

participou da campanha de alfabetização coordenada por Freire nos anos de 1960. O objetivo

do estudo foi realizar uma análise funcional das condições de funcionamento de uma

experiência de alfabetização de idosas8, baseado nos princípios de educação de Paulo Freire.

Apesar da relevância dos estudos de Fazzi e Cirino (2003) e de de Man (2004), o enfoque do

presente trabalho foi distinto, buscando destacar as contribuições das proposições

educacionais em questão para a prática do educador.

Kubo e Botomé (2001) apontam que em diversos textos de Paulo Freire as

formulações sobre como fazer a mediação de uma pedagogia libertadora e os processos

básicos dessa mediação e desse ensino nem sempre apareceriam com uma formulação clara

ou completa. O que, segundo os autores,

torna a todos os que estudam e pesquisam os processos de ensinar e de aprender mais

responsáveis ainda pelo conhecimento relacionado ao que Paulo Freire trouxe como

contribuição. Principalmente no que diz respeito à demonstração do que acontece no

método proposto por Paulo Freire e o que, nesse método, faz com que aconteça uma

diferença nos processos de aprender e de ensinar. (Kubo & Botomé, 2001, p. 2)

8 Ao longo dos três anos de estágio o grupo chegou a contar com a presença de alguns homens e de algumas

mulheres na faixa etária dos 30-40 anos. Entretanto, como estas participações não foram efetivas, os dados

desses participantes não foram incluídos nas análises dos autores (de Man, 2004).

20

Diante da difusão e aplicação das teorias de Paulo Freire em tantas comunidades

educacionais, respeitando o fato de que as origens dessas propostas educacionais se deram em

campos epistemológicos distintos e considerando as aproximações realizadas por Fazzi e

Cirino (2003) e de Man (2004), são discutidas as seguintes questões: que aspectos das

concepções de educação de Paulo Freire podem ser aproveitados na compreensão da Análise

do Comportamento de educação? Quais seriam as principais contribuições entre esses modos

de abordar a prática educativa? É possível realizar uma leitura comportamental, ou seja, uma

análise embasada na proposta da Análise do Comportamento, sobre as contingências previstas

por Freire em seu “Método de Alfabetização” e sobre suas concepções referentes à Educação?

Além disso, a partir das indicações de Kubo e Botomé (2001) sobre as contribuições

das propostas de Freire a serem integradas também pela comunidade de analistas do

comportamento, uma leitura comportamental do Método Paulo Freire é relevante devido à

eficácia e relativa simplicidade dos procedimentos adotados nesse método, assim como o

potencial de transformação social que a proposta freireana de educação apresenta.

Desse modo, o objetivo geral deste trabalho foi realizar uma leitura comportamental

sobre a aplicação do Método de Alfabetização Paulo Freire em uma de suas primeiras e mais

significativas execuções. Ou seja, identificar os componentes dos repertórios dos educadores e

alunos e realizar uma descrição das interações características desse Método, a partir de alguns

relatos sobre interações ocorridas durante a sua execução na Experiência de Angicos – RN

(1963).

É possível dizer que nas situações naturais de ensino muitas dessas interações

acontecem “automática” ou até “intuitivamente”. De fato, há muitos eventos ocorrendo em

uma situação educativa aos quais o professor deverá voltar sua atenção, e o professor

responde a muitos deles na prática cotidiana sem que precise nomeá-los ou descrevê-los.

Entretanto, aprender determinados conceitos (se apropriar da teoria, no caso, da

comportamental) pode ajudá-lo a se utilizar dessas técnicas com maior propriedade. Por

exemplo, em determinadas situações de dúvidas ou erros dos aprendizes que podem decorrer

da não “concretização” de algumas dessas etapas de discriminações, pareamentos ou

habilidade motora. Desse modo, essas “quebras” podem servir para explicitar a complexidade

e as nuances características de determinada situação, podendo se constituir em uma

ferramenta importante de planejamento, replanejamento e investigação de condições

particulares.

21

Considerando o contexto de mal-entendidos e preconceitos vigentes entre os teóricos

da Educação e a Análise do Comportamento (Gioia, 2001; Rodrigues, 2006; Rodrigues &

Moroz, 2008) e a dificuldade de comunicação dos conhecimentos produzidos pelos estudiosos

dessa abordagem (Carmo & Batista, 2003; Luna, 2001), a comparação proposta pode se

mostrar pertinente como iniciativa para oferecer maiores esclarecimentos aos profissionais da

Educação sobre as proposições comportamentais. O estudo surge, portanto, como mais um

esforço de criar condições favorecedoras ao diálogo entre educadores e às críticas bem

embasadas entre essas abordagens, bem como à melhor definição e explicitação sobre o

posicionamento político dos analistas do comportamento e de seu compromisso com questões

sociais.

Além disso, diante dos apontamentos de Holland (1983) de que os analistas do

comportamento têm sido mais parte do problema que da solução, este trabalho visa a mostrar

como aspectos fundamentais do trabalho de Freire podem ajudar nesse processo de

radicalização da Análise do Comportamento em relação à educação e seus posicionamentos

políticos, de transformação ou conformação, intrínsecos a qualquer forma de atuação.

Assim, os três objetivos específicos do presente estudo foram: (a) no capítulo 1,

contextualizar as duas propostas (o Método de Alfabetização Paulo Freire e a Análise do

Comportamento), por meio de trabalhos de alguns teóricos principais acerca das propostas e

concepções referentes à Educação presentes nas obras principais de Paulo Freire (a saber,

Freire, A., 2006 e 1996; Gadotti, 1996; Gerhardt, 1996) e da Análise do Comportamento (a

saber, Kubo & Botomé, 2001; de Rose, 2004 e 2005; Skinner, 1953/2007 e 1968/1972); (b)

apresentar o Método Paulo Freire de Alfabetização (capítulo 2) e realizar uma análise

comportamental sobre as contingências de ensino previstas neste Método por meio de relatos

sobre a experiência de Angicos - RN (capítulo 3) e, por fim, (c) destacar e discutir as

contribuições das duas propostas que possam favorecer as práticas de estudiosos e educadores

das duas abordagens buscando elucidar alguns dos principais processos envolvidos no âmbito

da alfabetização e de processos a ela relacionados, realizado no capítulo 4.

Finalmente, o trabalho convida a pensar de maneira mais crítica sobre aspectos desses

dois campos e pretende atuar como condição favorecedora do diálogo entre estudiosos das

duas áreas. É uma tentativa de cumprir com o papel complementar de uma área em relação à

outra, de buscar uma variedade (ou variabilidade) de ação e de refletir sobre aspectos que não

são tradicionalmente enfatizados em cada uma delas. Não busca uma disputa, mas o destaque

22

de novas perspectivas sobre o conhecimento já produzido na busca de uma maior

compreensão sobre o pensar e fazer dos processos de ensinar e de aprender.

23

Método

O estudo se constituiu em uma pesquisa teórica exploratória com consulta a bases

primárias e secundárias.

Fontes

Os materiais consultados foram buscados nas seguintes fontes: Biblioteca Comunitária

da UFSCar (física); banco de dados eletrônicos: Periódicos Capes e Scielo, Acervo Paulo

Freire e Biblioteca Digital da Unicamp. Além dos sites do Instituto Paulo Freire, Youtube e

50 anos de Angicos e do Programa Nacional de Alfabetização.

Palavras-chave utilizadas

Para a seleção desses materiais foram usadas as seguintes palavras como busca:

Método Paulo Freire, Angicos (1963), concepção da Análise do Comportamento sobre

Educação, Análise do Comportamento.

Materiais consultados

Estas buscas resultaram nos seguintes materiais consultados: sobre a concepção de

Paulo Freire sobre educação, o artigo Conscientização e Alfabetização: Uma nova visão do

Processo (Freire, P., 1963) e os livros Educação como prática da liberdade (Freire, P.,

2011a); Pedagogia do oprimido (Freire, P., 1983); Pedagogia da esperança: um reencontro

com a pedagogia do oprimido (Freire, P., 2011b) e Pedagogia da autonomia: saberes

necessários à prática educativa (Freire, P., 1996). E sobre a experiência em Angicos (1963),

os livros As Quarenta Horas de Angicos: Uma Experiência Pioneira de Educação (Lyra,

1996) e Angicos Hora a Hora (Terra, 1994), além da entrevista em vídeo de Marcus Guerra a

Paolo Vittoria (2005).

Sobre as concepções comportamentais de educação foram consultados os livros:

Ciência e comportamento humano (1953/2007) e Tecnologia de ensino (Skinner, 1968/1972);

o artigo Ensino-aprendizagem: uma interação entre dois processos comportamentais (Kubo

& Botomé, 2001); os capítulos Processos comportamentais envolvidos na aprendizagem da

leitura e da escrita (Marinotti, 2004) e Além da resposta correta: controle de estímulo e o

raciocínio do aluno (de Rose, 2004), ambos presentes em Hübner, M. M. C. & Marinotti, M.

(2004). Análise do Comportamento para a Educação: contribuições recentes, além do artigo

Análise comportamental da aprendizagem de leitura e escrita (de Rose, 2005).

24

Foram consultadas também algumas obras e documentários com o objetivo de obter

maiores esclarecimentos sobre aspectos específicos dos temas abordados neste estudo. Esses

materiais foram examinados, mas não serviram de suporte ou objeto de análise. São eles:

Ensino: as abordagens do processo (Mizukami, 1986); As quarenta horas de Angicos

(Germano, 1997); Paulo Freire Contemporâneo (TV ESCOLA, 2011) e As 40 horas de

Angicos (Lobo, 1963).

Critérios de seleção do material

Na seleção dos materiais relacionados à Análise do Comportamento, o critério foi

explicitar diretamente as concepções ou princípios dessa abordagem em relação ao ensino de

modo geral ou, mais especificamente, sobre a alfabetização. Para as obras relacionadas à

concepção freireana de educação os critérios foram: dentre as obras de maior relevância do

autor, a de maior repercussão (Pedagogia do Oprimido) e sua releitura realizada pelo próprio

autor (Pedagogia da esperança); uma do período inicial de suas publicações, década de 1960

(Educação como prática da liberdade), de aplicação do Método de Alfabetização; a última

obra publicada em vida pelo autor (Pedagogia da autonomia) e um artigo em que Paulo Freire

(1963) trata sobre as experiências de alfabetização nos fins da década de 1950 e início da

década de 1960. Além das duas obras encontradas (Lyra, 1996 e Terra, 1994) em que são

descritas as situações de ensino ocorridas na experiência de Angicos.

Leitura e organização dos materiais

A partir da seleção dos materiais foram realizadas duas formas de leitura, tanto para os

textos de fonte primária (textos de B. F. Skinner e Paulo Freire) quanto para os textos de

fontes secundárias (autores que subsidiaram sua análise). A primeira, de reconhecimento,

permitiu um contato inicial com as obras e a decisão sobre sua utilização no trabalho e em que

etapas dele. A segunda leitura foi pontual e mais detalhada e permitiu a realização de

fichamentos e destaques de aspectos principais das propostas educacionais de Paulo Freire e

da Análise do Comportamento.

Quanto aos documentos, a depender da natureza (gráficos ou audiovisuais), foram

lidos ou assistidos, destacando-se os trechos mais importantes e que fariam parte ou seriam

citados/inseridos no corpo do texto. Estas anotações e os fichamentos compuseram o

embasamento teórico dos Capítulos 1 e 2, bem como das discussões do Capítulo 4.

25

Categorização dos materiais

Os temas e conteúdos foram categorizados seguindo os critérios principais, traduzidos

nos objetivos específicos da dissertação, ou seja, (1) as concepções referentes à Educação

presentes nas obras principais de Paulo Freire e da Análise do Comportamento; (2) os

elementos de contingências de ensino previstos no Método de Alfabetização Paulo Freire por

meio de relatos sobre a experiência de Angicos, e (3) as contribuições das duas propostas que

possam favorecer as práticas de estudiosos e educadores das duas abordagens.

Além disso, em relação à categoria 1, foram selecionados os tópicos específicos:

educação, conhecimento escolar e papel do professor. Para a categoria 2, foram trabalhados

aspectos específicos relativos às contingencias históricas e políticas em que se deu a

experiência com o Método, aos objetivos de ensino e à interação professor-aluno. E por fim,

para a categoria 3, foram trabalhados os aspectos referentes ao posicionamento político e

rigorosidade metódica das propostas.

26

Capítulo 1

Contextualização Teórica das Propostas

Caracterizar concepções teóricas é sempre uma tarefa complexa. É recorrente o risco

de simplificar demais ou de não ser dado o devido destaque a aspectos essenciais. Neste

capítulo foi feito um recorte sobre as bases epistemológicas da Análise do Comportamento e

do trabalho de Paulo Freire e são apresentados os conceitos principais discutidos nos capítulos

posteriores. É importante ressaltar que não se trata da sumarização completa dessas

concepções de educação. Portanto, o objetivo deste capítulo é apresentar os fundamentos

conceituais e algumas concepções que caracterizam a Análise do Comportamento e a teoria de

Paulo Freire a fim de embasar as discussões posteriores.

Algumas Concepções Importantes do Behaviorismo Radical

Segundo Chiesa (1994), a visão ocidental de cultura influencia bastante a maneira

como tradicionalmente se procura pelas causas dos comportamentos das pessoas, a direção em

que se procura por essas causas e o modo causal pelo qual se interpretam as evidências e são

providas as explicações científicas. Uma vez que, para o behaviorismo radical, o mundo

subjetivo é da mesma natureza do mundo externo, os comportamentos dentro da pele não

podem ser entendidos como explicações para os comportamentos observáveis.

A concepção de causa dessa filosofia se opõe às interpretações mecanicistas de que

um evento antecedente é causa de um subsequente (causalidade linear). Contrário a isso, ele

encontra as causas para o comportamento no decorrer do tempo (história de vida,

experiências) como no modelo de Darwin de variação e seleção. Neste há a seleção de

características biológicas ao longo do tempo (seleção de variação filogenética). No modelo de

Skinner, a seleção de características do comportamento ocorre dentre a enorme gama de

possibilidades que existem para o indivíduo ao longo do tempo (seleção de variação

ontológica) (Chiesa, 1994).

Para oferecer explicações causais, o behaviorismo radical destaca as interações entre

as ações da pessoa e as características do meio (físico, social e cultural; interno e externo) em

que tais ações ocorrem (Chiesa, 1994). Comportamento é tudo o que a pessoa faz, incluindo

pensar, sentir, lembrar, falar, agir inteligentemente, agir agressivamente, etc. E, segundo essa

filosofia, ele é entendido como a interação entre as ações da pessoa e o ambiente,

especialmente no que tange às consequências dessas ações (Chiesa, 1994). Além disso, o

27

ambiente nessa concepção inclui além das condições físicas, químicas e biológicas, também

as condições sociais, o que compõe os ambientes internos e externos às pessoas.

Para o behaviorismo radical, sentir tristeza e chorar, ou sentir fome e comer, podem

frequentemente estabelecer sequências de eventos, mas não estabelecem relações causais.

Alguém não chora porque se sente triste. A pessoa se sente triste e também chora. Ambos são

entendidos como comportamentos cujas causas estariam na história do indivíduo. Para

Skinner (1953/2007; 1989/1995), cada comportamento é o produto simultâneo de três níveis

de seleção: 1) filogenético ou seleção natural, estudado pela Biologia; 2) ontogenético ou

condicionamento operante, estudado pela Psicologia ou análise comportamental e 3)

contingências sociais ou culturais, estudado pelas Ciências Sociais e que explica os amplos

repertórios característicos dos grupos humanos (Chiesa, 1994). Matos (1995) explica que:

na evolução, a modificação ocorre na reserva genética da espécie (e, através de seus

efeitos sobre o indivíduo, essa modificação é transmitida à prole do mesmo indivíduo).

Em termos comportamentais, os indivíduos são ou não são sensíveis a diferentes tipos

de estimulação, apresentam movimentos e posturas típicas etc. Na evolução

ontogenética essas modificações ocorrem no organismo individual e as mudanças

comportamentais são transmitidas através da aprendizagem. Na evolução cultural as

modificações ocorrem naqueles dois primeiros níveis, porém, via planejamento do

grupo e da sociedade (pp. 144-145).

O comportamento presente da pessoa é, portanto, resultado de uma dotação genética

única, de uma história de reforçamentos única ao longo da vida e de relações com o ambiente

(social, cultural e físico) presente. De uma enorme gama de possibilidades (que não podem

ser determinadas em sua totalidade), alguns padrões são selecionados, mantidos e fortalecidos

pelos eventos subsequentes, eles formam a pessoa. Desse modo, o comportamento da pessoa é

tomado como variável dependente de um conjunto imenso de variáveis independentes

proporcionadas pelo meio, com especial ênfase para as consequências do comportamento do

indivíduo (Chiesa, 1994).

Ernst Mach (1919), físico e filósofo, afirma que “there is no cause nor effect in

nature; nature has but an individual existence; nature simply is9” (p. 483). O autor substitui

causa (como agente ou força) por uma relação funcional, noção também adotada por Skinner

(Chiesa, 1994, p.111-123). No sistema skinneriano a causa passa a ser uma mudança na

variável independente e o efeito uma mudança na variável dependente. Isso substitui a relação

causa-efeito por uma relação funcional, embora, para o propósito do discurso cotidiano, os

9 Não há causa ou efeito na natureza; a natureza não tem nada além de uma existência individual; a natureza

simplesmente é. (Tradução livre da autora).

28

termos causa e efeito não gerariam dificuldades desde que entendidos seus significados mais

precisos (Skinner, 1953/2007).

Ao invés de testar uma hipótese teórica, o behaviorismo radical propõe compreender o

contexto em que ocorre e como este se relaciona com o comportamento. A tarefa de análise é

descrever os efeitos particulares (ou funções) de aspectos discretos do contexto experimental

e a tarefa indutiva é formular princípios gerais aplicáveis a diversos outros contextos. Ao

invés de perguntar “isso é verdade (ou aproximadamente verdade)?”, é privilegiada a extração

de princípios teóricos a partir dos dados e geralmente são formuladas questões como “o que

aconteceria se...?” (Sidman, 1960/1976, p. 17). Dessa forma, o behaviorismo radical encoraja

o cientista a olhar para o que acontece, ao invés de considerar o que os dados revelam sobre a

capacidade ou forma de uma estrutura hipotética (Chiesa, 1994).

Para Skinner (1953/2007), a ordenação e a determinação do comportamento são

condições necessárias à aplicação de métodos científicos para seu estudo. As relações de

dependência são bidirecionais entre a pessoa e os eventos do ambiente, já que “os homens

agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de

sua ação” (Skinner, 1957/1978, p. 3). Desse modo, suas prováveis ações futuras são resultado

de (causadas por) um conjunto bastante variado de condições e consequências de suas ações

presentes (Chiesa, 1994). Para Skinner (1968/1972),

o determinismo é uma concepção útil, porque encoraja a busca de causas (...). O

professor que acredita que o estudante cria uma obra de arte através do exercício de

alguma faculdade interior e caprichosa não investigará as condições sob as quais o

estudante de fato faz um trabalho criativo. Será também menos capaz de explicar este

trabalho quando ocorrer e não tenderá a induzir os estudantes a se comportarem

criativamente. (pp. 160-161)

Entretanto, em função da multideterminação do comportamento, o que se tem é uma

concepção probabilística de determinismo. Segundo Tourinho (2003), isso significa assumir

que não é possível lidar com todas as variáveis de que um comportamento é função. Ou seja,

ao lidar com certas variáveis é possível aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrência

de um comportamento, mas jamais determiná-lo de modo absoluto. Embora seja questionada

a denominação de determinismo para essa concepção (Laurenti, 2008), o behaviorismo radical

assume como possível a previsão de certas formas de comportamento ao se alterar aspectos do

ambiente e especialmente quando há identificação de variáveis relevantes na instalação e/ou

manutenção de um padrão comportamental (Tourinho, 2003). Para Skinner (1968/1972), “não

há nada, entretanto, em uma posição determinista que ponha em dúvida a absoluta unidade de

29

um homem. Cada ser humano é produto de uma dotação genética e de uma história ambiental

peculiares e que são dele” (p. 160).

É em função da natureza material do ser humano e também de a causalidade estar

relacionada à história do indivíduo que Skinner afirma que o ser humano não pode ser jamais

considerado totalmente livre. Uma dessas razões é ele ser obrigado a gastar grande parte do

seu tempo em evitar a fome, a peste, o perigo e os fortes controles pessoais ou institucionais

(Skinner, 1968/1972). Além disso, a noção de liberdade é geralmente associada à ausência de

restrição ou coerção e, mais amplamente, significa ausência de qualquer determinação

anterior (Skinner, 1974/2002, p. 49). Desse modo, para o behaviorismo radical, a ação das

pessoas sobre o meio seria erroneamente associada à liberdade, como se não existissem

relações funcionais (causas). Para Skinner, ainda que sejam mais difíceis (ou mesmo

impossíveis) de serem localizadas precisamente, as explicações para as ações da pessoa

estarão sempre na sua história de interações pessoal, filogenética e cultural. A esse respeito

Baum (2006) escreve que:

... independente do quanto se saiba, ainda assim não se pode prever exatamente o que

uma pessoa fará em determinada situação. Essa imprevisibilidade é às vezes

considerada prova de livre-arbítrio. Entretanto, o clima é também imprevisível, mas

nunca olhamos para ele como produto do livre-arbítrio. (...) O livre-arbítrio realmente

implica imprevisibilidade, mas de forma alguma isso exige o inverso, ou seja, que a

imprevisibilidade implique livre-arbítrio. (p. 29)

Segundo Carrara (2005), para Skinner controle é entendido como toda sorte de

influência que a pessoa exerça ou receba em sua interação com o ambiente; é parte da

natureza de quaisquer interações humanas (ou não humanas) com o mundo. De modo

multideterminado, mas inevitavelmente, existe alguma forma de controle.

Além dos controles que ocorrem por meio das interações entre as pessoas e entre elas

e o mundo, Skinner destaca a existência nas sociedades de cinco agências de controle

principais capazes de manipular conjuntos particulares de variáveis e, portanto, controlar o

comportamento das pessoas. Essas agências seriam: os governos, as religiões, as

psicoterapias, as instituições educacionais e os sistemas econômicos. Para o autor, cada uma

delas envolve processos e práticas culturais específicos que, juntamente com todos os outros

aspectos do ambiente social, têm enorme influência sobre o indivíduo (Skinner, 1953/2007).

Além disso, Skinner (1974/2002) afirma que

os que são assim controlados passam a agir. Escapam ao controlador — pondo-se fora

de seu alcance, se for uma pessoa; desertando de um governo; apostasiando de uma

religião; demitindo-se ou mandriando — ou então atacam a fim de enfraquecer ou

destruir o poder controlador, como numa revolução, numa reforma, numa greve ou

30

num protesto estudantil. Em outras palavras, eles se opõem ao controle com

contracontrole.

Outra consideração a respeito dos usos do controle é feita por Catania (1998/1999) em

seu livro sobre aprendizagem. Diz ele,

nosso interesse reside naquilo que determina o comportamento. Se estivermos

preocupados com os possíveis maus usos do conhecimento sobre o comportamento,

devemos reconhecer que não podemos eliminar um determinante do comportamento

humano escolhendo, simplesmente, não estudá-lo; de fato podemos nos defender

melhor contra os maus usos de técnicas de controle do comportamento humano se

entendermos como elas funcionam. (p. 26)

Segundo Skinner (1969 citado por de Rose, Bezerra & Lazarin, 2012), a pessoa está

consciente do que está fazendo quando é capaz de descrever a topografia de seu

comportamento. Mas só está consciente das razões de seu comportamento quando descreve

funcionalmente seu comportamento, isto é, quando explicita as variáveis relevantes e os

aspectos importantes da ocasião e do comportamento. É a consciência do controle que permite

o exercício do contracontrole e do autocontrole. As contribuições de uma ciência do

comportamento, portanto, ocorreriam justamente no sentido de aumentar o conhecimento

sobre as condições que controlam o comportamento. A liberdade estaria em o indivíduo

conhecer as condições que afetam seu comportamento (influências dos meios físicos, sociais e

culturais) e poder agir para modificá-las alterando o ambiente ou seu próprio comportamento.

Nesse sentido, apesar da complexidade do comportamento humano e da

inevitabilidade do controle, Skinner (1971/2000) afirma ser possível alterar e minimizar os

controles aversivos tanto naturais como culturais e destaca que a formulação científica do

comportamento humano pode ajudar nesse processo. Da mesma forma que a ciência pode

prever e controlar um evento ao conseguir descrevê-lo, assim também alterar as condições da

sua própria ação (autocontrole) ou do ambiente (contracontrole) será mais fácil para uma

pessoa que conhece as condições que controlam seu próprio comportamento

(autoconhecimento).

Para o behaviorismo radical, a pessoa opera no meio e não sobre o meio. Ao invés de

procurar por mecanismos ou entidades que subjazem o comportamento, ele pergunta “como

essa pessoa, essa unidade, está relacionada com o seu meio?”. Dessa forma, as explicações

causais são dadas em termos de interações entre a pessoa e o meio, e ambos (comportamento

e meio) estão amplamente definidos (Chiesa, 1994, cap. 5).

31

Em suma, o behaviorismo radical adota uma concepção probabilística de

determinismo e opõe-se às interpretações mecanicistas sobre as causas dos eventos, de modo

que a explicação para o comportamento se encontra na história de vida dos indivíduos e no

modelo de seleção pelas consequências. O maior conhecimento, ou seja, a maior descrição

dos fenômenos físicos e sociais é o que permitirá uma maior influência (controle) do ser

humano sobre o mundo em que vive. A seguir são apresentados alguns conceitos

fundamentais da ciência que surgem dessa concepção filosófica.

Alguns conceitos importantes da Análise do Comportamento

Princípios do comportamento.

Como afirmado anteriormente, as consequências que tornam mais provável a emissão

do comportamento são chamadas reforçadoras e as que diminuem a probabilidade de que o

comportamento volte a ocorrer são chamadas consequências punitivas. Além disso, a

suspensão do reforço para uma resposta (ou a redução no responder que tal procedimento

provoca) é denominada extinção. Quando algumas respostas são reforçadas e outras não são,

dependendo de suas propriedades (intensidade, topografia, temporalidade, etc.), é dito que

ocorre um reforço diferencial (Catania, 1998/1999). É por meio desse processo de

consequenciação que os comportamentos são selecionados, fortalecidos ou enfraquecidos, ou

até mesmo criados (Matos, 1995). Na perspectiva comportamental, portanto, “ensinar pode

ser definido como o dispor de contingências de reforçamento sob as quais o comportamento

muda” (Skinner, 1968/1972, p. 108).

É a comunidade que delimita quais aspectos são relevantes e quais são irrelevantes em

relação a um objeto de estudo ou conteúdo programático. A fim de identificar os aspectos que

exercem controle sobre o responder do aprendiz, o professor pode propor hipóteses sobre os

elementos que podem exercer controle e testar estas hipóteses alterando estes elementos. “Se

um determinado aspecto dos estímulos não exerce controle sobre o responder, então sua

alteração ou remoção não deverá produzir mudanças no desempenho” (de Rose, 2004, p.

110). Eventualmente, qualquer aspecto irrelevante que seja congruente com um(s) aspecto(s)

relevante(s) do meio pode guiar o responder do aprendiz, muitas vezes em detrimento do

aspecto relevante (de Rose, 2004). Isso seria o responder de maneira “incorreta”. De modo

que, “para verificar se o responder é guiado de fato pelas pistas relevantes, o professor ou

pesquisador precisa conduzir testes em que o aspecto relevante é dissociado dos aspectos

irrelevantes que eram congruentes com ele” (de Rose, 2004, p. 111-112).

32

Nessa perspectiva, portanto o erro não é considerado erro “em si”. Tanto o erro como

o acerto são desempenhos sob controle de aspectos do meio e produzidos a partir das

contingências de reforço estabelecidas, ou seja, “os processos pelos quais se aprende a errar

são os mesmos pelos quais se aprende a acertar” (Carmo, 2002, p. 224). E ambos dizem ao

professor “por onde” seguir em sua programação a partir dos aspectos do meio que estão

exercendo controle sobre o comportamento do aluno.

Outra consideração importante da Análise do Comportamento é que as consequências

de um comportamento podem ser naturais ou artificiais. Quando uma criança lê um livro

apenas para escapar de uma repreensão ou de uma nota ruim, está sendo afetada por uma

consequência artificial. Quando ela lê o livro “por prazer”, é dito que está sendo afetada por

consequências naturais. A artificialidade ou naturalidade das consequências não tem a ver,

necessariamente, com ser biológico ou cultural, mas com as consequências estarem embutidas

ou terem sido justapostas à atividade (Matos, 1995).

Especialmente nas fases iniciais da aprendizagem, quando se pretende ensinar um

comportamento que a pessoa nunca emitiu antes, ou que o fez raras vezes, pode ser

importante se utilizar de consequências artificiais. Se as consequências naturais da emissão

desse comportamento também estiverem acontecendo e sendo reforçadoras para a pessoa,

quando as consequências artificiais pararem (de preferência gradativamente), a pessoa terá

grandes chances de continuar emitindo esse comportamento. O exemplo mais comum a esse

respeito talvez seja justamente o do aprendiz que não consegue “achar interessante” ler um

livro, mas ao passo que é levado a fazer isso por consequências além do livro (condições

estabelecidas pelo educador ou pelos pais, por exemplo), começará a fazê-lo “por interesse

próprio”. O aprendiz pode ter passado a ler com mais facilidade ou fluidez, ou descobrir livros

sobre assuntos que o interessem, por exemplo, tendo mais chances de ler apenas “por prazer”

e não mais em função de outras consequências que não estão “naturalmente embutidas” na

leitura.

A esse respeito de Rose (2005) adverte:

se, durante sua aprendizagem na escola, a leitura constitui apenas uma ocasião para

tropeços, frustrações e humilhações, é pouco provável que o valor reforçador da

leitura (ou seja, o gosto pela leitura) se desenvolva. Isto é o que ocorre com uma

grande proporção de pessoas alfabetizadas, que embora sejam capazes de nomear os

estímulos textuais, com graus variados de habilidade, não chegam a desenvolver uma

boa compreensão do que lêem, ou não desenvolvem o gosto pela leitura. (p. 48)

Outro conceito importante para a compreensão da proposta comportamental sobre

aprendizagem são as operações estabelecedoras ou motivacionais. De modo sucinto, elas

33

consistem em eventos que estabelecem ou modulam o valor de um determinado reforçador

(Verneque, Moreira & Hanna, 2012). Isto é possível porque os estímulos não são per se

reforçadores ou punitivos, mas adquirem características reforçadoras ou punitivas a depender

da situação. Num exemplo simples, se uma pessoa acabou de beber água a probabilidade de

agir para obter água (pedir água a alguém ou ir buscar um copo d’agua) é bem pequena. Ao

contrário, se ela acabou de comer um alimento bastante salgado, a probabilidade de agir para

obter água é maior.

Segundo Gioia e Fonai (2007) à medida que processos de aprendizagem e de ensino,

como esses, forem estudados e melhor compreendidos, os princípios de uma análise científica

do comportamento podem aumentar a eficiência da Educação de formas variadas como no

planejamento de escolas, equipamentos, textos e práticas de sala de aula. Estas seriam as

principais contribuições de uma ciência do comportamento humano à Educação, pois,

segundo Skinner, já passou o tempo em que se podia esperar a melhoria do ensino pela

simples aplicação da teoria do bom senso quanto ao comportamento humano (Skinner,

1968/1972).

Além disso, no capítulo V de Tecnologia do Ensino (Skinner, 1968/1972) o autor tece

críticas ao uso de métodos coercitivos que geram condições inapropriadas ao trabalho

educativo e também ao desamparo do professor em relação à sua preparação formal para o

ensino. Nesse sentido, ao destacar que a academia tem gerado uma quantidade importante e

significativa de conhecimentos acerca da aprendizagem e de suas condições facilitadoras,

Skinner denuncia a existência de uma lacuna entre o que a ciência produz e o acesso a esses

conhecimentos pelos professores.

Educação para a Análise do Comportamento.

A partir das obras consultadas é possível destacar diferentes análises realizadas por

Skinner acerca da educação. Em uma dessas análises é enfatizado o papel das diversas

instâncias educacionais (escola, família, ensino profissionalizante, catecismo e treinamento

militar, por exemplo) como agências controladoras. A educação se distinguiria das demais

agências (governos, religiões, psicoterapias e sistemas econômicos) não pela natureza das

variáveis que usa para o controle, mas pelos seus objetivos e propósitos já que sua ênfase está

na aquisição do comportamento em lugar de sua manutenção (Skinner, 1953/2007).

Embora uma parcela da aprendizagem ocorra no ambiente natural, de modo

espontâneo a partir de interações não planejadas, para Skinner (1968/1972), o professor tem

34

uma importância fundamental na medida em que, a partir de objetivos pré-definidos, irá

planejar as situações e condições em que o aluno aprenderá. Nesse sentido, Skinner também

destaca o papel do professor como o facilitador do processo de aprendizagem do aluno sobre

os saberes definidos como relevantes para a sociedade, já que, segundo o autor, “quem é

ensinado aprende mais rapidamente do que quem não é” (p. 4). Desse modo, para o autor,

o ensino é um arranjo de contingências sob as quais os alunos aprendem. Aprendem

sem serem ensinados no seu ambiente natural, mas os professores arranjam

contingências especiais que aceleram a aprendizagem, facilitando o aparecimento do

comportamento que, de outro modo, seria adquirido vagarosamente, ou assegurando o

aparecimento do comportamento que poderia, de outro modo, não ocorrer nunca.

(Skinner, 1968/1972, p.62)

Além disso, de Rose (2005) destaca que

embora as contingências que promovem a aprendizagem sejam frequentemente

estabelecidas socialmente, o processo de aprendizagem é individual. Isto quer dizer

que as mesmas contingências terão efeitos diferentes para cada indivíduo, que

dependerão da interação única entre história passada, dotação genética e condições

orgânicas de cada pessoa. Deste modo, as mesmas situações que promovem a

aprendizagem de muitas crianças poderão ser ineficazes para algumas (pp. 48-49).

Mas individual não quer dizer isolado. Muito se aprende isoladamente quando isso de

alguma forma se relaciona (antes ou depois) com as outras pessoas e com outros contextos

não educacionais. Para Skinner (1953/2007), as ações que ocorrem nas instâncias

educacionais não teriam importância em si mesmas, mas nas consequências geradas a partir

das interações aprendidas no meio educativo. Isto é, a relevância do que é aprendido e

ensinado estaria na sua possibilidade de ocorrer em outros contextos.

Skinner (1953/2007) afirma que “o termo saber se refere a alguns dos mais complexos

tipos de comportamento humano” (p. 443) e, algumas vezes, pode indicar a probabilidade de

agir de maneira habilidosa, por exemplo, ao dizer que a pessoa “sabe escrever” ou “sabe

cantar uma melodia”. Em outras vezes, entretanto, saber pode indicar o comportamento

controlado por certos estímulos discriminativos (Skinner, 1953/2007).

Segundo de Rose (1993), sob a ótica comportamental, o pensamento e a linguagem

dependem da capacidade de agrupar os estímulos em classes. Estas classes são formadas a

partir de alguma relação entre os estímulos, constituem a base do que é chamado

genericamente de conceitos.

Três tipos de relações podem levar à formação de classes de estímulos: (1)

similaridade física, ou atributos comuns (por exemplo, a palavra automóvel é usada para

referir-se a diferentes formas de veículos, mas todas com características em comum) e (2)

35

relações arbitrárias mediadas por uma resposta comum (por exemplo, uma camiseta, uma

bermuda e um par de meias não são próximos fisicamente, mas ocasionam ações a que se

denomina vestir). Estes dois tipos tem origem em propriedades ou funções comuns dos

estímulos. A terceira origem das classes de estímulos são (3) relações arbitrárias entre

estímulos mediadas por contingências de reforço presentes na comunidade em que o

indivíduo está inserido (por exemplo, uma placa de pare e o gesto do guarda de trânsito têm o

mesmo significado “parar” devido às contingências sociais a que a pessoa foi exposta) (de

Rose, 1993).

Esta última envolve aspectos fundamentais do desenvolvimento léxico e é a que

caracteriza o que se denomina comportamento simbólico, já que a relação entre o símbolo,

sons de uma palavra ou conjunto de linhas dispostas numa determinada configuração

chamada de “palavra escrita”, por exemplo, e o significado dessas palavras são relações

convencionadas pela comunidade verbal em que o indivíduo está inserido (de Souza et al.,

2004).

Desse modo, é fundamental para a Psicologia compreender a natureza das classes de

estímulos e seus processos de formação (de Rose, 1993), como essas classes se expandem e

dependem do contexto (de Rose et al., 1988a, de Rose et al., 1988b) e a transferência de

funções entre um estímulo e os demais membros de uma classe (Bortoloti & de Rose, 2007).

O que fornece suporte também para a ideia de que os símbolos adquirem, em certa medida e

sob determinadas condições, as funções de seus significados (de Souza et al, 2004).

De Rose (2005) afirma que, grosso modo, as relações de controle de estímulos

corresponderiam às pistas em que o indivíduo se baseia para se comportar de determinada

maneira (incluindo as respostas verbais). De modo que “todos os repertórios acadêmicos estão

baseados em relações refinadas entre estímulos discriminativos e respostas, sejam estas

verbais ou não-verbais” (de Rose, 2005, p. 30).

Assim,

o comportamento inteligente pressupõe um controle por estímulos, uma vez que, por

definição, o comportamento não seria inteligente se não fosse flexível de modo a

variar de acordo com mudanças no ambiente. É a natureza destas variações, desta

sensibilidade do comportamento às mudanças do ambiente, que nos leva a classificá-lo

como inteligente ou não, como indicativo ou não de compreensão. (de Rose, 2004, p.

106).

Segundo a perspectiva comportamental, ainda, não seria preciso interpretar as ações

eficientes de uma pessoa em relação a uma situação como indicativos do saber ou de que ela

possui o saber; esses repertórios de ação são o próprio saber. Conhecer, nessa perspectiva, é

36

comportar-se. A essa noção subjaz outra definição de Skinner (1953/2007), a de habilidade

como o resultado dos esforços educacionais tornarem-se contingentes às propriedades

topográficas ou intensivas do comportamento. Ou seja, alguém será tomado como habilidoso

na pintura ou escrita quando a produção de um quadro ou texto não estiver mais sob controle

das consequências educacionais sobre a boa técnica de pintura ou de redação, mas estiverem

sob controle da produção de quadros ou textos que sejam por si mesmos reforçadores. Em

outras palavras, o aluno terá adquirido a habilidade de leitura quando a leitura não for mais

resultado, por exemplo, de dicas (visuais, verbais, gráficas) de um professor, mas for

resultado do valor reforçador da leitura por si mesmo. Quando o aluno ler em função da

leitura, pintar em função da pintura e escrever em função da própria escrita. Quando o aluno

se engajar nessas ações sob o controle de situações naturais e não das situações

proporcionadas pelo professor.

Para Skinner (1968/1972) o “estudante precisa aprender a respeito do mundo em que

vive e deve ser posto em contato com ele” (p. 6), e é igualmente claro que “só da experiência

o aluno provavelmente não aprende nada. Nem mesmo perceberá o ambiente simplesmente

por estar em contato com ele” (Skinner, 1968/1972, p. 6). A proposta comportamental de

educação, portanto, não é espontaneísta no sentido de que basta estar em contato com o

mundo para adquirir conhecimento, mas sim que o aprendizado dá-se em contato com o

mundo (isto é, em exposição direta a contingências), porém a partir de situações e condições

planejadas para o ensino.

Skinner (1968/1972) afirma que o aluno não absorve passivamente o conhecimento

formal sobre o mundo que o cerca, é preciso que desempenhe um papel ativo, e esta ação não

é simplesmente falar, mas pode envolver diversas ações (pensar, argumentar, questionar,

etc.). Em contrapartida, ele reconhece também que “o aluno não aprende simplesmente ao

fazer” (Skinner, 1968/1972, p. 5). Desse modo, o autor adverte que as condições de ensino e

aprendizagem devem ser previstas e programadas a fim de que o estudante não se veja

submetido a um modelo de “ensaio e erro”. Skinner considerava que ser exposto a situações

nas quais se veja sem recursos para solucionar problemas e seguir adiante sozinho é uma

situação bastante aversiva e que pode ser prevenida com a preparação detalhada do ensino.

Ao ver-se diante de um problema, ou seja, diante de uma situação na qual não saiba

agir, não possua uma resposta que conduza à solução do problema, frequentemente a pessoa

melhora suas chances de reforço ao emitir respostas preliminares que mudem o ambiente e

facilitem a emissão da resposta que falta, por exemplo, atentar para aspectos que ainda não

37

foram notados no ambiente ou destacar nuances para que sejam mais facilmente

discriminados. Estas respostas preliminares são chamadas comportamentos precorrentes

(Bandini & Delage, 2012).

Ademais, a proposição da Análise do Comportamento remete a um papel ativo do

professor, embora não necessariamente a um conjunto de ações que o sobrecarreguem ou

coloque em suas mãos toda a responsabilidade dos resultados do ensino. É por esta razão que

Skinner utiliza o termo “simplesmente” ao propor que “ensinar é simplesmente arranjar

contingências de reforço” (1968/1972, p. 4). Em outras palavras, ao professor cabe programar

condições de ensino que garantam a presença de reforçadores naturais tanto quanto

reforçadores sociais durante os estudos do aluno, para que este se torne capaz de alcançar

reforçadores de maneira eficiente fora do ambiente escolar. Diz o autor:

nas exposições, discussões e argumentação (escrita ou falada), nos intercâmbios

produtivos na exploração de novas áreas, no comportamento ético, na fruição comum

dos prazeres da literatura, música e arte – em tudo isso, o professor é importante, e é

importante como ser humano. (Skinner, 1968/1972, p. 243)

Em uma breve indicação do que Skinner chamou de “um sonho utópico” para

Educação, o autor diz que, se as condições gerais (sociais, físicas, de formação profissional,

de objetivos, etc.) que discute e propõe forem garantidas, na escola do futuro,

os professores terão mais tempo para falar com seus alunos. (...). Os professores do

futuro funcionarão como conselheiros, provavelmente permanecendo em contato com

determinados estudantes por mais de um ano e tendo oportunidades de conhecê-los

melhor. Os professores deverão ser mais capazes de ajudar os estudantes a escolher

campos do interesse deles. Ao invés de ensinar indivíduos, inefetivamente, sob as

condições atuais, eles terão a satisfação de tomar parte em um sistema que ensina bem

a todos os estudantes. Como retorno para o aumento da produtividade o ensino não só

será uma profissão satisfatória como também bem remunerada. (Skinner, 1989/1995,

p. 130)

Assim, as tecnologias desenvolvidas por uma ciência do comportamento poderiam

ajudar a tornar mais eficiente o trabalho do professor, pois, ainda que seja possível o

aprendizado sem um ensino formal, é possível em muitos casos planejar o ensino de modo

que novas aprendizagens emerjam sem necessidade de um ensino direto (de Rose, 2005).

Em outra definição, Skinner destaca a Educação como um empreendimento cultural

que visa a garantir a sobrevivência da cultura, definindo-a como “o estabelecimento de

comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para outros em algum tempo futuro”

(Skinner, 1953/2007, p.437). Sendo que a preparação exclusiva tanto para um futuro de longo

38

prazo quanto de curto prazo poderia ser desvantajosa. Nesse sentido, Skinner também faz

críticas às condições de ensino comumente vistas na escola, afirmando que

não é bastante encorajar os alunos a terem ideias reforçando-os pelas produções

verbais. Devemos ensiná-los a descobrir o que têm a dizer – provocar a emissão de

respostas e não só uma resposta de cada vez, mas arranjos complexos de respostas;

não só uma resposta singular analógica ou metafórica, mas uma sentença, um

parágrafo, um capítulo, um livro; não só o melhor lance imediato no xadrez, mas toda

uma estratégia; não só um argumento, mas toda uma demonstração. (Skinner,

1968/1972, p. 132)

Dessa forma, “a educação pode libertar o estudante modificando as práticas que adota.

Pode minimizar as técnicas aversivas no controle das classes (...) e pode programar

contingências positivas que não tenham subprodutos indesejáveis” (Skinner, 1968/1972, p.

162). Para Skinner (1968/1972), as concepções tradicionais do comportamento humano

falham na promoção da liberdade, individualidade e criatividade no ensino, além de qualificá-

las, frequentemente, como inexplicáveis.

Para Skinner (1968/1972), o ser humano não é livre porque passa grande parte de seu

tempo escapando de estímulos aversivos naturais (fome, peste, desastres ambientais, etc.) e

dos fortes controles pessoais ou institucionais, mas a educação pode promover uma maior

liberdade de várias formas. Por exemplo, ao ajudar a desenvolver tecnologias que reduzam as

características aversivas do ambiente, tanto pelo maior domínio sobre a natureza, como ao

permitir o desenvolvimento de técnicas menos aversivas na economia, no governo, na religião

e em outros campos (Skinner, 1968/1972, p. 162); ao permitir que os alunos sigam seus

estudos sob um mínimo de controle das consequências práticas (Skinner, 1968/1972, p.163);

ao modificar as práticas adotadas minimizando o uso de técnicas aversivas; ensinando

técnicas de autocontrole do comportamento, que permitiriam aos homens lidar eficientemente

com qualquer aspecto aversivo do ambiente que possa ter sobrevivido ou lidar com

contingências reforçadoras cujas consequências últimas sejam aversivas (Skinner, 1968/1972,

p. 162). O autor acrescenta ainda que todas essas formas de promoção da liberdade poderiam

se beneficiar do conhecimento a que chamou de “tecnologia do ensino”.

Além disso, Skinner destaca a influência política da Educação afirmando que no

ensino de técnicas que permitiriam evitar aspectos aversivos do ambiente, por exemplo,

algumas culturas o fazem por meio do ensino da submissão e da aceitação, enquanto outras o

fazem ensinando a modificação ou a revolta ativas (Skinner, 1968/1972). Ele também afirma

que as condições de trabalho do professor precisariam ser diferentes, se quisermos fazer um

ensino realmente eficiente. Desde aspectos relacionados a melhores salários até condições

39

concretas em sala de aula, como, por exemplo, o número de alunos. Ao passo que reconhece

também que a Educação é mantida tanto pelos que ensinam, como pelos que organizam o

sistema educacional por meio da construção das escolas, do fornecimento de equipamentos e

induzindo outros a fazerem isso ou a pagarem para que façam.

Análise funcional de contingências presentes em situações de ensino.

No estudo do comportamento operante as relações funcionais são analisadas a partir de

três instâncias ou termos: condições antecedentes, ação do sujeito e condições subsequentes

(Matos, 1995). Em uma análise do ensino a partir dessas relações funcionais, Kubo e Botomé

(2001) definem um aspecto central no comportamento de ensinar: “a relação entre dois

componentes de um comportamento, uma classe de respostas (que precisará ter certas

características para ser) capaz de gerar um efeito ou resultado que recebe o nome de

aprendizagem” (p. 5 – negritos suprimidos).

Kubo e Botomé (2001) destacam ainda alguns aspectos a que o professor, geralmente,

atenta em relação às suas classes de respostas (suas ações) e pelo menos um dos tipos de

resultados que precisam ser produzidos por essas classes de respostas (eles constituem a

situação subsequente) para a relação receber, apropriadamente, o nome “ensinar”, apresentada

na Figura 1, a seguir. Nesta representação esquemática, a seta (acrescentada à figura original)

seria o que melhor representaria o comportamento de ensinar.

40

Comportamento de ensinar

CARACTERÍSTICAS

DA SITUAÇÃO

ANTECEDENTE

CARACTERÍSTICAS DAS

CLASSES DE RESPOSTAS

CARACTERÍSTICAS DOS

PRODUTOS OU DOS

RESULTADOS DAS

CLASSES DE RESPOSTAS

– situação-problema para a

pessoa ou para a sociedade

com a qual a pessoa se

relaciona

– características gerais da

pessoa: físicas, repertório,

interesses...

– recursos disponíveis para a

pessoa lidar com a

situação-problema

– prejuízos ou sofrimento

resultantes da situação

problema e do desempenho

da pessoa diante da situação-

problema

– ( . . . )

– recursos de ensino

existentes: materiais, tempo,

técnicas, ambientes...

– ( . . . )

– descrever as situações-

problema existentes nos

ambientes nos quais o

aprendiz vai atuar

– ( . . . )

– propor os comportamentos

significativos que deverão

constituir os objetivos de

ensino

– explicitar as aprendizagens

necessárias para a

consecução dos

comportamentos-objetivo

– ( . . . )

– dispor as condições e os

meios de ensino para

desenvolver a aprendizagem

dos comportamentos-

objetivo

– ( . . . )

– “aprendiz” apto a apresentar condutas

para a solução das situações-problema

da comunidade

– situações-problema da comunidade

resolvidas ou atenuadas

– diminuição do montante de

problemas sociais

– alta probabilidade de o “aprendiz”

voltar a apresentar comportamentos

iguais ou semelhantes perante situações

equivalentes ou similares

– satisfação e autoconfiança

(do “aprendiz”)

– melhoria na qualidade das interações

sociais na comunidade

– ( . . . )

– novos comportamentos (objetivos)

com alta probabilidade de generalização

– ( . . . )

Figura 1. Componentes do comportamento “ensinar”, explicitando características desses componentes e

partes da sequência de ações que um professor precisa apresentar para “desenvolver ensino-aprendizagem”.

Fonte: Adaptado de Kubo e Botomé (2001, p. 12).

Kubo e Botomé (2001) ressaltam também que:

é claro que deve haver algumas classes de respostas que são melhores que outras para

obter com mais eficácia o desempenho final do aprendiz sem, inclusive, lhe ser

aversivo, difícil ou desagradável. (...) É evidente que ainda é possível descobrir formas

mais efetivas de ensino do que esses procedimentos. O que demonstrará sua

efetividade é a relação funcional entre propriedades definidas de classes de respostas

do professor com aspectos, também definidos, do que acontece com o aprendiz. (p. 6).

Comportamento verbal.

Segundo Skinner (1957/1978), a língua estudada pelos linguistas corresponde às

práticas reforçadoras das comunidades verbais. Ao dizer que uma palavra tem um significado,

isso não se refere ao comportamento de uma pessoa ou ao desempenho médio de um grupo de

pessoas, mas às condições sob as quais a resposta de dizer tal palavra é caracteristicamente

reforçada pelo grupo (comunidade verbal).

Sob a ótica comportamental, entretanto, são enfatizados os aspectos da linguagem que

dizem respeito aos comportamentos cujos efeitos relacionais se dão sobre o comportamento

de outra pessoa. Ou seja, um tipo particular de operante cujas consequências são mediadas

pela ação do ouvinte, podendo este ser a própria pessoa. Segundo Matos (1991), são oito as

41

categorias principais do comportamento verbal: tato, mando, autoclítico, comportamento

intraverbal, comportamento ecoico, cópia, ditado e comportamento textual. Estas definições

são apresentadas a seguir.

O comportamento ecoico é ocasionado pela fala de outra pessoa e os fonemas tem

correspondência um a um com a fala do interlocutor. Pode ser entendida como a “imitação de

algumas propriedades dos estímulos vocais” (Catania, 1998/1999, p. 253).

Para Skinner (1957/1978), a cópia (transcrição), assim como o comportamento ecoico, se

aproxima da imitação, mas agora os estímulos e as respostas são escritos. Como não envolve

comportamentos que demonstrem o que comumente se chama de compreensão, essas

respostas aproximam-se do desenho. Segundo o autor, “copiar um manuscrito num alfabeto

desconhecido é idêntico ao processo de copiar um conjunto de figuras” (pp. 68-69).

O comportamento de tomar um ditado corresponde à classe verbal formal em que uma

resposta escrita é controlada por um estímulo vocal. Skinner (1957/1978) destaca que nessa

classe “a unidade de correspondência pode ser bastante ampla, como nos sinais de palavras,

ou tão pequena quanto, digamos, uma característica que representa a presença ou ausência de

voz” (p. 69).

O comportamento textual pode ser definido como: a “classe verbal formal em que um

estímulo escrito ocasiona uma resposta verbal vocal correspondente. A correspondência é

definida pela relação um a um das unidades verbais (p. ex. letras e palavras)” (Catania,

1998/1999, p. 392). Superficialmente o comportamento textual pode parecer semelhante à

leitura, entretanto ele corresponde apenas a uma parte dela (Catania, 1998/1999). Ele não

envolve a compreensão ou leitura com significado que são comportamentos privados

demonstrados por outros aspectos do comportamento do indivíduo. O comportamento textual

diz respeito, por exemplo, à pronúncia das palavras de uma página. Apontar para o objeto

correspondente à palavra lida é o que poderia ser considerado indicativo de que ocorre

também a compreensão da leitura, por exemplo.

A reprodução do comportamento verbal, portanto, inclui quatro combinações possíveis

de estímulos falados e ou escritos e de respostas faladas ou escritas: de vocal para vocal

(comportamento ecoico), de escrito para escrito (transcrição10

), de escrito para vocal

(comportamento textual) e de vocal para escrito (ditado) (Catania, 1998/1999).

Segundo Skinner (1957/1978),

10 Embora para Skinner (1957/1978) a cópia seja uma forma de transcrição, assim como o ditado, para Catania

(1998/1999, p. 424) “a transcrição não equivale à cópia visual porque as unidades não são definidas pela forma”.

42

um tacto pode ser definido como um operante verbal, no qual uma resposta de certa

forma é evocada (ou pelo menos reforçada) por um objeto particular ou um

acontecimento ou propriedade de objeto ou acontecimento.

Pode ser tentador dizer que num tacto a resposta “se refere a”, “menciona”, “anuncia”,

“fala sobre”, “nomeia”, “denota” ou “descreve” seu estímulo. (...) [Mas] a única

relação funcional útil se expressa na afirmação de que a presença de um dado estímulo

aumenta a probabilidade de ocorrência de uma determinada forma de resposta. Esta é,

também, a essência do tacto. (pp. 79-80 – itálicos originais)

Assim, o tato é entendido como “uma resposta verbal ocasionada por um estímulo

discriminativo” (Catania, 1998/1999, p. 260). Ele não envolve qualquer processo novo, mas

apenas um nome para o controle do estímulo que entra no comportamento verbal. Assim

como o comportamento textual e leitura, do mesmo modo o tato e a nomeação podem parecer

semelhantes, mas guardam algumas distinções. A nomeação, por exemplo, pode ocorrer sem a

presença do evento ou objeto nomeado, o que não acontece com o tato.

O mando é a “resposta verbal que especifica o reforçador” (Catania, 1998/1999, p.

410), portanto, é descrito em função da ação do ouvinte. Por exemplo, ao dizer leite,

geralmente a criança tem como consequência receber leite. O que pode ou não ocorrer na

presença do reforçador, leite, no caso. São os comportamentos correspondentes aos pedidos

ou ordens em cujos antecedentes são “eventos encobertos ligados a estados motivacionais ou

afetivos” (Matos, 1991, p. 5).

O comportamento autoclítico é definido por Catania (1998/1999) como a unidade de

um comportamento que depende de outro, sendo ambos verbais, e em que modifica os efeitos

do primeiro comportamento verbal sobre o ouvinte. Estes são os comportamentos comumente

chamados de rearticulação ou organização da fala.

Por fim, o comportamento intraverbal é a

resposta verbal ocasionada por um estímulo verbal, em que a relação entre o estímulo

e a resposta é arbitrária, estabelecida pela comunidade verbal. O comportamento

intraverbal; um exemplo é recitar o alfabeto. Tanto o falante como alguma outra

pessoa pode fornecer o estímulo verbal (os intraverbais não são autoclíticos, porque

não requerem a discriminação do próprio comportamento do falante). (Catania,

1998/1999, p. 408)

Tanto nos autoclíticos como nos intraverbais, o controle entre os estímulos e as

respostas é contextual. Diferentemente das categorias anteriores que se baseavam em relações

exclusivamente entre classes de estímulos e classes de respostas, as relações relevantes agora

são estímulo-estímulo, ou seja, o controle é condicional (Matos, 1991). Além disso, as

respostas são vocais (fala) ou motoras (escrita) e “o próprio comportamento verbal se

transforma em estímulo controlando emissões verbais posteriores” (Matos, 1991, p. 6).

43

Assim, como afirmado anteriormente, a linguagem depende da capacidade de agrupar

estímulos em classes, visto que uma classe de estímulos não envolve apenas figuras, mas

objetos, descrições verbais de objetos, etc. e é ela que controla, por exemplo, a resposta de

nomear. Sendo o estímulo uma palavra ditada, a nomeação é denominada comportamento

ecoico; se for uma palavra impressa, sua nomeação será denominada comportamento textual;

e se for uma figura ou objeto presente no ambiente será denominado tato. A formação de uma

classe de estímulos produz a integração destas diferentes respostas, possibilitando que da

existência de uma delas emerjam as demais relações de nomeação. Portanto, como já

mencionado, na análise comportamental, respostas de formas similares podem ser

consideradas funcionalmente diferentes dependendo do estímulo discriminativo (de Rose,

2005).

Alfabetização para a Análise do Comportamento.

Sobre a alfabetização, Marinotti (2004) afirma que

as dimensões relevantes dos estímulos gráficos variam de acordo com o tipo de código

de escrita (ideográfico, alfabético etc.), do idioma em que se dá o aprendizado e da

variedade de símbolos disponíveis neste código (...). Portanto, qualquer profissional

que pretenda trabalhar com alfabetização precisa ter clareza de quais são as

propriedades relevantes para a aprendizagem da escrita/leitura do idioma em questão a

fim de poder planejar atividades que salientem tais dimensões e reforcem respostas

adequadas frente a elas. (pp. 207-208)

Para Skinner (1968/1972), apenas com uma definição comportamental do que se

almeja ensinar é que se torna possível buscar as condições das quais tal comportamento seja

função e, com isso, planejar uma instrução eficiente. Na perspectiva comportamental,

portanto, esta clareza sobre as dimensões relevantes do comportamento a ser ensinado, não se

restringe à alfabetização, mas valerá para todos os repertórios de ensino. O professor precisa

ter claro quais propriedades do comportamento do aprendiz são relevantes (e quais não são)

ao ensinar matemática, história, geografia, pensar crítico, autonomia, reflexão etc.

Na alfabetização a pessoa aprende os controles discriminativos presentes na língua

escrita. As classes de respostas envolvidas são bastante variadas abrangendo a nomeação de

múltiplos estímulos gráficos (letras impressas, cursivas, maiúsculas, minúsculas, etc.) e

diversas formas de soletração (manuscrita, datilografada, indicação ou verbalização de letras

ou de fonemas correspondentes etc.). Como estas diversas ações envolvem o mesmo código

simbólico, as ações (respostas) de escrever e ler são controladas pelas mesmas classes de

estímulos permitindo que ocorram integrações funcionais entre esses dois repertórios. Além

44

disso, como o desenvolvimento destes repertórios ocorre frequentemente de modo

concomitante, os avanços em algumas respostas, especialmente em leitores e escritores mais

experientes, muitas vezes se estendem aos outros. Talvez por estas razões, é que a noção de

que a aprendizagem da leitura implica a aprendizagem da escrita seja bastante difundida (de

Rose, 2005; Marinotti, 2004).

Entretanto, evidências originadas em situações aplicadas ou de pesquisa indicam que

ler e escrever não são atividades absolutamente indissociáveis (Lee & Pegler, 1982; Marinotti,

2004). Apesar das influências entre os repertórios, os avanços em um desses repertórios não

se traduzem em progressos necessários e espontâneos sobre o outro. Além disso, mesmo as

atividades de ler e escrever, isoladamente, não possuem correspondências exatas. É possível

que uma criança escreva corretamente, do ponto de vista ortográfico, uma palavra numa

atividade de ditado, mas cometa erros ao redigir as mesmas palavras em uma redação ou

respondendo a questões dissertativas, por exemplo (Marinotti, 2004).

Estas situações são coerentes com as explicações derivadas da análise feita por

Skinner (1957/1978) sobre a independência funcional dos repertórios verbais (Marinotti,

2004). De modo que, nas situações de ensino, o estudo dos operantes verbais poderia ajudar o

professor a reconhecer os controles sob os quais o comportamento do aluno é função. Por

exemplo, ajudá-lo a identificar se o aluno está reproduzindo o que um intelectual diz em um

livro ou se está pensando criticamente por si. Além de permitir o cuidadoso planejamento que

o desenvolvimento desses complexos repertórios requer (Marinotti, 2004).

Os diferentes métodos de alfabetização divergem, dentre vários outros aspectos,

quanto à unidade escolhida como ponto de partida para o ensino: fonemas, letras ou sílabas,

palavras ou textos. Skinner (1957/1978) afirma que:

o tamanho da menor unidade funcional do comportamento textual tem sido um

problema muito discutido em educação. É melhor ensinar uma criança a ler por letras

isoladas ou sons, ou por sílabas, palavras ou unidades mais amplas?

Independentemente de como ele é ensinado, o leitor habilidoso possui eventualmente

operantes textuais de muitos tamanhos diferentes. Ele pode ler uma frase de muitas

palavras como uma única unidade, ou pode ler uma palavra som por som. (p. 66)

Na Análise do Comportamento, alguns trabalhos (Alessi, 1987; Hubner-D’Oliveira &

Matos, 1993; Matos, Peres, Hubner & Malheiros, 1997; Lee & Sanderson, 1987) têm buscado

identificar quais as unidades verbais mínimas que, além da aquisição do ler e escrever,

permitam também a transferência de aprendizagem para novas situações, sem necessidade de

ensino específico, ou seja, que possuam um caráter gerativo (Marinotti, 2004).

45

Assim, sob a perspectiva comportamental, ao ler ou escrever a pessoa se utiliza de

diferentes unidades de controle, dependendo de vários fatores, como a familiaridade com o

vocabulário empregado. De modo que “a mesma pessoa que prossegue fluentemente na

leitura de um texto, fazendo-o por blocos de palavras pode, ante uma palavra desconhecida,

hesitar e recorrer à leitura sílaba a sílaba” (Marinotti, 2004, p. 218). E o mesmo pode ocorrer

na escrita ou digitação de um texto, por exemplo.

Para Marinotti (2004),

(...) a criança que ao ler ou escrever as palavras GATO e LONA estiver sob controle

das letras ou sílabas envolvidas terá maior facilidade para ler novas palavras que

incluem estes mesmos elementos – por exemplo, GALO, do que aquela que estiver

sob controle do estímulo global, isto é, da palavra como um todo.

Por outro lado, estas mesmas unidades que facilitaram a generalização da

aprendizagem não são, por si só, suficientes para garantir ortografia correta. (p. 219 –

negritos originais)

Na língua portuguesa, a correspondência entre os sons e suas grafias não é exata, isto

é, um mesmo som pode ser representado de formas diferentes e uma mesma grafia pode

corresponder a diferentes sons. Assim, inúmeras irregularidades dessa língua não possuem

uma regra clara, única ou facilmente transmissível aos alunos e mesmo quando o fazem – por

exemplo, m antes de p e b; toda proparoxítona é acentuada – as dificuldades demonstradas

pelos aprendizes indicam que o conhecimento da regra, por si só, não é suficiente para

controlar seu comportamento. Ou seja, o aprendiz pode “saber a regra” e mesmo assim

“errar”.

“Embora estas irregularidades também gerem problemas na leitura, estes são menos

frequentes e tendem a ser superados com mais facilidade. Em parte, isto se deve aos SDs

[estímulos discriminativos] suplementares providos pelo contexto em que a palavra aparece”

(Marinotti, 2004, p. 219). Já que na leitura os estímulos visuais necessários para a emissão do

comportamento textual estão presentes, a tarefa será decodificar seu sentido. Ao passo que, na

escrita, a menos que seja uma cópia, a pessoa tem que produzir os estímulos a partir de um

sentido em nível encoberto.

Em síntese, pontuou-se que, para a Análise do Comportamento, os processos

educacionais serão mais bem compreendidos a partir de uma análise científica do

comportamento. A ênfase da educação está na aquisição do comportamento, ou seja, a partir

de situações planejadas para o ensino são estabelecidos os comportamentos que serão

eficientes para se alcançar reforçadores em contextos não educativos onde a ênfase é a

46

manutenção desses comportamentos. A seguir são apresentadas as concepções de Paulo Freire

sobre a educação.

Algumas concepções importantes da Pedagogia da Libertação

A proposta educacional desenvolvida por Paulo Freire não se restringe a um método

entendido como um conjunto de proposições sobre educação e práticas educacionais, mas

deve ser entendida como uma epistemologia. Uma vez que sua proposta se ocupa mais dos

problemas relacionados ao conhecimento humano, refletindo sobre a sua natureza e validade,

do que simplesmente de uma maneira de proceder, um processo racional para chegar a

determinado fim (Freire, A, 2006). Segundo Gerhardt (1996), o trabalho de Paulo Freire

consiste tanto em um sistema educacional quanto em uma filosofia de educação. Apesar disso,

Brandão (1981) afirma que é possível se falar em um Método Paulo Freire, não como um

conjunto rígido e fixo de ações, mas como um processo “vivo”, com as sequências e etapas

que se repetem a cada vez, porém não de modo mecânico.

A respeito dessa epistemologia, Cruz (1987) destaca a primeira passagem de

Educação como prática da liberdade em que Freire afirma que:

... para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele, possível de

ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e

não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo

resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é. (Freire, P.,

2011a, p. 55)

Na primeira parte dessa afirmação, segundo Cruz (1987), Freire destaca a existência

de uma realidade objetiva, independente da consciência e nela uma valorização hierárquica do

empírico. Enquanto enfatiza, paralelamente, na segunda parte, a importância da situação

existencial do sujeito. À medida que inclui a si próprio no pensar, ao conceber que a realidade

individual não é suscetível de ser determinada objetivamente, mas constitui-se a si próprio

(Mora, 2005), o existencialismo aparece na teoria de Freire. Sua concepção acerca do

conhecimento também se aproxima daquela do filósofo existencialista Sartre, para quem o

agente, historicamente situado, não é um espectador do mundo, mas sim, como tudo que faz

parte do mundo, constituído por atos intencionais e pela consciência (Blackburn, 1997).

Paralelamente, recusa a compreensão dos homens como seres vazios a quem o mundo

“encha de conteúdos”, tomando-os como “corpos conscientes” e suas consciências como

“intencionadas ao mundo” (Freire, P., 1983). Assim, o autor aceita influências da

fenomenologia hegeliana em que a autoconsciência se desenvolve a partir da experiência

47

sensorial elementar; a intencionalidade é a marca característica de sua consciência e cujo

conceito seria capaz de ultrapassar o dualismo tradicional mente-corpo (Blackburn, 1997).

Além disso, a noção freireana de que os homens não estão simplesmente no mundo,

mas estão sendo no mundo, com o mundo e também com os outros se aproxima de

concepções existencialistas sendo dado a essa concepção, entretanto, um engajamento social e

político, superando uma visão puramente especulativa ou contemplativa de mundo. Para

Freire, os seres humanos não são apenas espectadores, mas também recriadores do mundo a

partir da ação reflexiva da práxis (Freire, P., 1983; Freire, P., 2011a).

Segundo Cruz (1987), Freire busca uma perspectiva alternativa para a questão

tradicionalmente posta pela literatura marxista acerca do “primado da existência sobre a

consciência ou, inversamente, primado da consciência sobre a existência” (p. 20). Para Paulo

Freire (1983) “não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa” (p. 81). A

consciência e o mundo se dão ao mesmo tempo. Não é possível pensar objetividade e

subjetividade dicotomizadas, mas em constante dialeticidade, em constante integração.

Segundo o autor:

a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos

homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores desta

realidade e se esta, na “invasão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona,

transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens. (Freire, P.,

1983, p. 39)

E continua,

é que não haveria uma ação humana se não houvesse uma realidade objetiva, um

mundo como “não eu” do homem, capaz de desafiá-lo; como também não haveria

ação humana se o homem não fosse um “projeto”, um mais além de si, capaz de captar

a sua realidade, de conhecê-la para transformá-la.

Num pensar dialético, ação e mundo, mundo e ação, estão intimamente solidários.

Mas, a ação só é humana quando, mais que um puro fazer, é um que fazer, isto é,

quando também não se dicotomiza da reflexão. (Freire, P., 1983, p. 42)

Para Paulo Freire, o ser humano é o único animal capaz de se separar de sua atividade,

inclusive podendo colocar-se como objeto de sua consciência. Os demais animais vivem num

presente esmagador e ahistórico, essa condição não lhes permite assumirem a vida e, por não

a assumirem, não podem transformá-la. Os homens, pelo contrário, não apenas vivem, mas

existem, e de maneira histórica,

... ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em

função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua

busca em si e em suas relações com o mundo, e com os outros, ao impregnarem o

mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na

48

medida em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar (Freire,

P., 1983, p. 105)

Nesse sentido, Paulo Freire afirma ainda que “as relações que o homem trava no

mundo com o mundo (pessoais, impessoais, corpóreas e incorpóreas) apresentam uma ordem

tal de características que as distinguem totalmente dos puros contatos, típicos da outra esfera

animal” (Freire, 2011a, p. 55). Ao ser humano não é suficiente adaptar-se ao mundo como os

outros animais, mas lhe cabe agir no mundo transformando a realidade. Esta concepção define

outro aspecto determinante da proposta freireana que é a compreensão pelo educando de si

próprio como um fazedor de cultura. A constatação de que a realidade injusta e opressora com

a qual ele lida cotidianamente é decorrente do contexto econômico-político-ideológico da

sociedade em que vive, mas pelo seu engajamento também como um fazedor da cultura é

possível a transformação objetiva dessa realidade.

O pensar correto, que na teoria freireana, sucintamente e dentre outras características,

está ligado à ética, à estética e ao posicionamento político, somado à ação sobre a realidade

objetiva do mundo para transformá-lo definem uma importante relação de permanente

integração entre objetividade e subjetividade. Assim, sua proposta assume a exigência radical

de transformação objetiva da situação opressora, sem negar o papel da subjetividade na luta

pela modificação das estruturas sociais opressoras (Freire, P. 1983; 1996; 2011a; 2011b).

A libertação de que fala essa proposta é a que chegarão os oprimidos por meio da

práxis libertadora desvelada por eles mesmos. A partir da problematização da realidade que os

oprime, gerarão uma consciência crítica sobre a realidade capaz de engajarem-se em ações

ético-políticas para denunciá-la, questioná-la e transformá-la.

A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca.

Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem

liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem.

Não é também a liberdade um ponto ideal, fora dos homens, ao qual inclusive eles se

alienam. Não é ideia que se faça mito. É condição indispensável ao movimento de

busca em que estão inscritos os homens como seres inconclusos. (Freire, P., 1983, p.

35)

Para Paulo Freire as pessoas são seres históricos e inacabados, cuja liberdade não pode

ser uma doação de uma a outra. A liberdade é uma conquista que exige uma busca constante.

Daí a educação libertadora ser um fazer permanente nessa inconclusão e no suceder da

realidade.

Nessa prática problematizadora, os educandos vão desenvolvendo o seu poder de

captação e de compreensão do mundo em suas relações com ele, não mais como uma

49

realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo. E a partir daí é

que se estabelecem o pensar e atuar autênticos. Nas palavras de Paulo Freire (2011a),

“saliente-se a necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o homem

realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou

acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época” (p. 61). Desse modo, a

conscientização proposta por ele não é conscientizar-se apenas, mas conscientizar-se de algo,

da realidade sócio-histórico-cultural em que vivem.

Nesse sentido, também não seria possível pretender uma libertação por meio de

instrumentos autoritários ou de “domesticação”, mas apenas por meios dialógicos. Para Paulo

Freire, o diálogo é uma exigência existencial humana, pois “dizendo a palavra com que,

‘pronunciando’ o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo

qual os homens ganham significação enquanto homens” (Freire, P., 1983, p. 93). E, nesse

mesmo sentido, também afirma que “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é

modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos

pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (Freire, P., 1983, p. 92 – itálicos originais),

em que a palavra é mais que meio para que se faça, e o diálogo é um fenômeno humano

constituído por ação e reflexão tão solidárias que, se afetando uma, se afeta necessariamente a

outra (Freire, P., 1983).

De maneira oposta, a palavra sem ação e reflexão incorre em verbalismo alienado e

alienante ou sloganização que apenas substitui “conteúdos”. A ação pela ação é ativismo que

também impossibilita o diálogo. O assistencialismo, por sua vez, pela violência com que

impõe ao homem e à mulher o mutismo e a passividade, não oferece condições para o

desenvolvimento ou a “abertura” de consciência gerando o antidiálogo. Logo, no trabalho

verdadeiramente libertador não seria possível se utilizar da ação a que Paulo Freire chamou

“bancária” ou “depositária”, reduzir-se a um sujeito que deposita ideias em outro, nem

tampouco à mera troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. Ao contrário, para a

Pedagogia da Libertação os slogans dos opressores seriam apresentados aos educandos como

problema a servir de tema à reflexão e ao diálogo e dessa maneira, expulsar o opressor de

dentro dos oprimidos (Freire, P., 1983).

Paulo Freire ressalta que, como ação política em busca por uma democracia autêntica,

o diálogo deve ser feito com os oprimidos, cujas consciências se tornam cada vez mais

críticas. Para o autor, “pretender a libertação deles sem a sua reflexão no ato desta libertação é

50

transformá-los em objeto que se devesse salvar de um incêndio. É fazê-los cair no engodo

populista e transformá-los em massa de manobra” (Freire, P., 1983, pp. 56-57).

Outro destaque do autor refere-se à fé nos homens e em sua capacidade de ser mais

como condição fundamental para haver diálogo. Apesar do poder dos homens de fazer, de

transformar, de criar, estar prejudicado em nosso momento histórico, o ser humano dialógico

toma essa alienação como um desafio a ser enfrentado. Para o educador brasileiro,

sem esta fé nos homens o diálogo é uma farsa. Transforma-se, na melhor das

hipóteses, em manipulação adocicadamente paternalista.

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação

horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma

contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima

de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na antidialogicidade

da concepção ‘bancária’ da educação. (Freire, P., 1983, p. 96 – itálico original)

Além disso, Freire (1983) afirma que a desumanização dos opressores é o que

desumaniza os oprimidos, entretanto ela não se torna também uma vocação. É um fato

concreto da história, resultado de uma “ordem” injusta em que se vive, mas não um destino

dado. É esse contexto social o responsável por gerar a violência dos opressores e esta, o ser

menos dos homens. Segundo o autor, o momento sócio histórico seria também o criador de

uma falsa generosidade dos opressores para com os oprimidos, pois seria uma “generosidade”

que se nutre da morte, do desalento e da miséria.

Educação para Paulo Freire.

A partir de uma concepção progressista de educação como ato político, considerada

bastante avançada para a época, Paulo Freire trabalhou em favor da superação das condições

vigentes, bastante motivado a romper com as tradições preponderantemente patriarcais,

autoritárias, discriminatórias, elitistas e interditadoras que vigoravam no Brasil há séculos. A

educação para ele não é simplesmente um meio para dominar os padrões acadêmicos de

escolarização ou para profissionalizar-se, mas uma ação política antes mesmo de sua

especificidade pedagógica, técnica e didática (Freire, A., 1996). De modo que o ensinar não é

concebido como a mera transmissão de conteúdo através da pura descrição do objeto que deva

ser mecanicamente memorizado pelos alunos (Freire, P., 2011b). A Educação exige reflexão

crítica sobre a prática vivenciada pelos educandos. O autor, ao relatar sobre como suas

reflexões tratam de suas próprias curiosidades, de sua forma de ver o mundo, destaca que

é neste sentido, por exemplo, que me aproximo de novo da questão da inconclusão do

ser humano, de sua inserção num permanente movimento de procura, que rediscuto a

curiosidade ingênua e a crítica, virando epistemológica. É nesse sentido que reinsisto

51

em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de

destrezas... (Freire, P., 1996, p. 14 – itálicos originais)

Para o autor, a Educação enquanto prática especificamente humana poderá servir à

manutenção ou à transformação das condições de desigualdades e injustiças em que se

encontram as sociedades. Consiste em uma ação que não está desvinculada da política, nem

da retidão ética (Freire, P., 1996) e, nesse sentido, afirma também que qualquer que seja sua

qualidade, autoritária ou democrática, a educação é sempre diretiva (Freire, P., 2011b). Como

educador progressista, Paulo Freire concebe como falho - científica, política e

pedagogicamente - qualquer ensino a que falte o exercício crítico da leitura e da releitura do

mundo (Freire, P., 2011b). E quanto ao risco de influenciar os alunos, afirma que “não é

possível viver, muito menos existir, sem riscos. [Mas] o fundamental é nos prepararmos para

saber corrê-los bem” (Freire, P., 2011b, p. 109).

Na prática educativa libertadora, o homem e a mulher devem se tornar sujeitos de suas

histórias, isto é, tornarem-se capazes de fazer “da opressão e de suas causas objeto de reflexão

(...) de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação” (Freire, P.,

1983, p. 32). Enquanto a prática autoritária julga saber o que as classes populares sabem e do

que precisam, sem sequer falar com elas (Freire, P., 2011b), a educação proposta por Paulo

Freire não pode ser realizada por meio de uma ação impositiva, nem assistencialista. Ela é

contrária a toda forma do que chamou de prescrição, ou seja, toda forma de imposição da

opção de uma consciência a outra (Freire, P., 1983).

Na alfabetização proposta por Paulo Freire em seu Método, por exemplo, não basta

saber ler que “Eva viu a uva”, “é preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu

contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho” (Freire,

P., 1991, p. 72). A alfabetização proposta por Freire e, por extensão, também a educação

libertadora, não devem buscar no ser humano que seja “paciente do processo, cuja virtude

única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o

conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem” (Freire, P., 2011a, p.136). A educação

deve, ao contrário, provocar profunda modificação no tipo de relacionamento do

alfabetizando com a realidade. Ao invés de impor-se como algo estranho ao mundo

psicossociológico do educando, deve ajustar-se como decorrência natural da tomada de

consciência lúcida dos problemas (Lima, 1979).

52

“Dizer-se comprometido com a libertação e não ser capaz de comungar com o povo, a

quem continua considerando absolutamente ignorante, é um doloroso equívoco” (Freire, P.,

1983, p. 52 – itálicos originais). Essa pedagogia libertadora, portanto,

tem de ser forjada com ele [educando] e não para ele, enquanto homens ou povos, na

luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e

de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento

necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. (Freire,

P., 1983, p. 32 – itálicos originais)

A educação libertadora também deve fornecer às pessoas a convicção de que

participam das mudanças da sociedade, pois, para o autor, essa é uma condição indispensável

ao desenvolvimento da democracia (Freire, P., 2011a). Não se trata, entretanto, de promover a

mudança apenas de determinadas convicções, mas de promover um refletir e agir constante e

crítico sobre o mundo, pois “a leitura menos ingênua do mundo não significa ainda o

compromisso com a luta pela transformação do mundo, muito menos a transformação mesma

como parece ao pensamento idealista.” (Freire, P., 1986, como citado por Freire, A. 1996, p.

52).

Afirma Paulo Freire que

somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na

luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim,

sua “conivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em

nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental, é que esta

não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para

que seja práxis. (1983, p. 56)

Para ser capaz de produzir mudanças sociais, além do respeito ao contexto cultural e à

individualidade do educando e da educanda em seus próprios processos de educação, é

fundamental a ocorrência da práxis, entendida por Paulo Freire como ação aliada à reflexão

que conduz a uma ação renovada. Afirma o autor:

a reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicotomizar o

conteúdo da forma histórica de ser do homem.

Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas

condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente

intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se realmente

reflexão, conduz à prática. (Freire, P. 1983, p. 57)

Ação e reflexão são tomadas como unidade que não deve ser dicotomizada. Nem o

diletante jogo de palavras ou quebra-cabeça intelectual que, por não ser reflexão verdadeira,

não conduz à ação, mas sim ao verbalismo. Nem a ação que não esteja intimamente ligada à

reflexão, pois que se torna puro ativismo. A práxis proposta por Paulo Freire exige dos

53

educandos uma inserção crítica na realidade domesticadora de forma que, ao tomá-la como

objeto, simultaneamente, atue sobre ela. “Por isto, inserção crítica e ação já são a mesma

coisa” (Freire, P., 1983, p. 40).

Para Paulo Freire (1983), “instaurada uma situação de violência, de opressão, ela gera

toda uma forma de ser e comportar-se nos que estão envolvidos nela. Nos opressores e nos

oprimidos. Uns e outros, porque concretamente banhados nesta situação, refletem a opressão

que os marca” (p. 48). E nesse contexto, os oprimidos, tratados como inferiores, veem a si

mesmos como inferiores. Enquanto os opressores

... vão se apropriando, cada vez mais, da ciência também, como instrumento para suas

finalidades. Da tecnologia, que usam como força indiscutível de manutenção da

“ordem” opressora, com a qual manipulam e esmagam.

Os oprimidos, como objetos, como quase “coisas”, não tem finalidades. As suas, são

as finalidades que lhes prescrevem os opressores. (Freire, P., 1983, p. 50)

Ao educador progressista não há outro caminho senão partir da compreensão de

mundo que possui o educando e passar com ele da consciência ingênua para a consciência

crítica. De modo que, para Paulo Freire (2011b), assumir o “momento” do educando, “não

significa dever o educador se acomodar a seu nível de leitura do mundo” (p.64).

A libertação dos oprimidos não se constitui numa simples inversão de polos da

dicotomia opressor-oprimido, mas em uma luta incessante dos(as) oprimidos(as) na

recuperação de sua humanidade. É preciso que os oprimidos e oprimidas se descubram

“hospedeiros” e “hospedeiras” do opressor, isto é, que percebam em suas próprias ações e em

seu próprio pensamento a reprodução da consciência opressora e a naturalização das injustiças

que lhes foram prescritas. A luta dos oprimidos por recuperar sua humanidade, seria, portanto,

uma forma de criar a verdadeira humanidade, e não teria sentido se eles se libertassem e

passassem a oprimir quem os oprimia. Mas apenas se, ao buscar humanizar a si mesmos,

libertarem também a seus opressores (Freire, P., 1983).

O ser humano sujeito de seu momento histórico é capaz de refletir sobre si mesmo,

sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no momento histórico-cultural

em que está inserido. Para além do ensino da leitura e escrita e dos conteúdos, o objetivo

dessa educação seria tornar as pessoas capazes de identificarem as condições da sua realidade

e de atuarem sobre elas. Ao invés de meramente aceitarem e reproduzirem as condições de

desigualdades e injustiças que lhe são impostas sem refletir, questionar e trabalhar pela

transformação.

54

Conhecimento para Paulo Freire.

A educação problematizadora se opõe ao que Freire chamou concepção bancária do

conhecimento em que os professores agem como depositários enquanto os alunos não

passariam de receptáculos de saberes. Ou como se os conteúdos fossem retalhos da realidade

que fossem “enchendo” os educandos sem significação (Freire, P., 1983). Nela, o

conhecimento é visto como processos de busca e só há saber quando ocorre uma invenção e

reinvenção da realidade, uma busca inquieta, impaciente e permanente que os homens fazem

do mundo, com o mundo e com os outros (Freire, P., 1983).

Ao tratar do tema “conhecimento”, para Paulo Freire, talvez faça mais sentido usar a

expressão ato cognoscente referida pelo autor para enfatizar sua concepção de que o objeto

cognoscível (o mundo e o conjunto de saberes produzido pelo homem ao longo de sua

história) não seria o término do ato de conhecer, mas o mediatizador dos sujeitos que

conhecem (Freire, P., 1983). Para isso, entretanto, é indispensável que haja uma relação

dialógica em torno do objeto cognoscível e dos sujeitos cognoscentes. Segundo o autor,

... ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens

se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos

cognoscíveis que, na prática “bancária” são possuídos pelo educador que os descreve

ou os deposita nos educandos passivos. (Freire, P., 1983, p. 79)

Nesse sentido, afirma que “não penso autenticamente se os outros também não

pensam. Simplesmente, não posso pensar pelos outros nem para os outros nem sem os outros”

(Freire, P., 2011b, p. 162). Para ele, portanto, o conhecimento verdadeiro, ao revelar uma

“representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica”, isto é, “nas suas

correlações causais e circunstanciais” (Pinto, 1961 citado por Freire, P., 2011a, p. 138), irá

levar à ação crítica sobre a realidade e com os outros.

Papel do professor para Paulo Freire.

Para Paulo Freire, os professores na concepção “bancária” de educação estão mais em

paz quanto mais adequados estejam os homens e as mulheres ao mundo e mais preocupados

quanto mais questionadores sobre o mundo eles e elas estiverem (Freire, P. 1983, p. 72). Para

ele “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou

a sua construção” (Freire, P., 1996, p. 22 – itálicos originais). Desse modo, o papel do

professor na concepção libertadora de educação não é igual ao dos educandos, nem é o de

esperar que estes, cedo ou tarde, percebam as contradições da sociedade opressora e da

educação bancária. Ao contrário, o professor deve é agir identificando-se com os educandos e

55

orientando-se no sentido da humanização de ambos. Buscando o pensar autêntico, não como

doação ou entrega do saber, mas como uma construção, acreditando nos homens e em seu

poder criador do conhecimento e transformador da realidade.

Na educação problematizadora, como afirma o autor,

o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em

diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se

tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de

autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se

necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas. (Freire, P. 1983, pp. 78-

79 – itálicos originais)

Diz Paulo Freire (1996) que, além de demonstrar maneiras diferentes de solucionar um

problema, é fundamental também que os alunos percebam o respeito e a lealdade com que o

professor analisa e critica as posturas dos outros. “O papel do educador ou da educadora

progressista, que não pode nem deve se omitir, ao propor sua ‘leitura do mundo’, é salientar

que há outras ‘leituras de mundo’, diferentes da sua e às vezes antagônicas a ela” (Freire, P.,

2011b, p. 155).

Para o autor pernambucano, a formação científica do educador e da educadora deve

coincidir com uma retidão ética. De modo que o posicionamento de respeito aos outros, a

coerência entre o que se diz e o que se faz e a capacidade de viver e de aprender com o

diferente devem ser uma dedicação humilde, perseverante e constante desse educador e dessa

educadora (Freire, P., 1996).

Em síntese a teoria de Paulo Freire recebe influências da fenomenologia hegeliana e

de concepções existencialistas e marxistas. Compreende o ser humano como capaz de ter

consciência de sua ação no mundo e com os outros seres humanos, capaz de se engajar em

ações sociais e políticas. Não aceita a dicotomização da objetividade e subjetividade e supera

a noção de mero espectador do mundo por meio da práxis.

Sua concepção sobre educação é a de uma ação diretiva, mas a direção a ser dada pelo

professor é a que favoreça o diálogo e não a imposição (do que sabe sobre o que não sabe).

Nela o professor apresenta seu posicionamento, mas apresenta outros com igual respeito e da

mesma maneira considera os posicionamentos do aluno. Pois, segundo a proposta de

educação libertadora, não é possível ensinar um repertório crítico e dialógico por meio de uma

postura autoritária e antidialógica. Assim como também não é possível receber a liberdade de

alguém como se fosse uma doação, mas apenas alcançá-la por meio de uma busca constante,

consciente também da permanente incompletude humana.

56

Estes foram alguns dos temas principais abordados por Paulo Freire e que

caracterizam aspectos de sua visão de educação. No capítulo seguinte serão abordados alguns

outros temas relevantes de sua proposta e que ficarão mais bem contextualizados ao tratar de

sua proposta de alfabetização.

57

Capítulo 2

O Método de Alfabetização Paulo Freire e sua execução em Angicos – RN (1963)

Em função do objetivo de realizar uma leitura comportamental sobre o Método de

Alfabetização desenvolvido por Paulo Freire, neste capítulo são apresentados o contexto de

surgimento e os aspectos principais gerais deste Método. Em seguida é feita uma descrição

sobre uma de suas execuções mais relevantes histórica e politicamente, a campanha de

alfabetização de Angicos - RN. Esta descrição servirá de base para a leitura comportamental

apresentada no capítulo seguinte.

Breve contextualização histórica

Paulo Freire engajou-se “com paixão” (Freire, A., 2006, p. 128) nos movimentos de

educação popular do início da década de 1960. Ele era um dos líderes e fundadores do

Movimento de Cultura Popular (MCP) e foi um dos responsáveis pela instauração do Serviço

de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife. Foram estes os contextos em que

ocorreram as primeiras experiências que lhe permitiram desenvolver o Método que o tornou

conhecido em vários lugares do mundo (Freire, A. 2006).

O MCP realizava vários projetos que visavam promover a integração do homem e da

mulher nordestinos no seu processo de libertação social, cultural, econômica e política por

meio da valorização da cultura popular. Dentre esses projetos havia o de Educação de Adultos

que se desdobrava em outros como os Círculos e Centros de Cultura (CC).

Em função da diferenciação dessas propostas do ensino tradicional com salas de aulas

enfileiradas, do professor como o conhecedor absoluto e dos alunos como meros receptáculos

desse saber, na realização do Método as denominações também eram diferentes. Nessa

proposta havia Círculos de Cultura com participantes ativos dos processos que ali aconteciam

coordenados pelos monitores (coordenadores).

Descrição da experiência de alfabetização por meio do Método de Paulo Freire

Alfabetização

Segundo Paulo Freire (2011a) a principal dificuldade do Método não está no

aprendizado técnico de seu procedimento, mas se refere à preparação dos coordenadores. Isso

se deve ao fato de que a postura dialógica (atitude dialogal), frequentemente ausente na

formação tradicional dos coordenadores, é condição essencial para aplicação desse método.

Sem o diálogo, o que se tem é a domesticação, não a educação.

58

A alfabetização implementada por meio do Método Paulo Freire tem por objetivo não

apenas o que o autor chama de alfabetização mecânica, mas, ao contrário, busca ser também

uma introdução ao processo de democratização da cultura (Freire, P., 2011a). Em sua crítica

aos métodos mecânicos de alfabetização, exemplificados pelas cartilhas, ele afirma que

as cartilhas, por mais que procurem evitar, terminam por doar ao analfabeto palavras e

sentenças que, realmente, devem resultar do seu esforço criador. O fundamental na

alfabetização em uma língua silábica como a nossa é levar o homem a apreender

criticamente o seu mecanismo de formação vocabular, para que faça, ele mesmo, o

jogo criador de combinações. (Freire, P., 2011a, p. 146)

O primeiro encontro tinha por objetivo levar aos participantes o conceito

antropológico de cultura, isto é, a distinção entre o mundo da natureza e o mundo da cultura.

Por meio dos diálogos diante das imagens projetadas (ver figura 2), a cultura era discutida

como sendo o resultado do trabalho humano, de seu esforço criador e recriador. Trabalhada

como a ação do ser humano no mundo e com o mundo, como sujeito e não como objeto

(Lyra, 1996). A esse respeito explicita Paulo Freire:

o conceito de cultura que eu tentei introduzir naquela época era uma tentativa de

mostrar aos grupos de alfabetizandos que o ser humano é capaz de transformar uma

realidade natural que ele não fez, então ele tem condições, posso não saber quais as

condições no momento, mas ele tem condições de transformar a realidade que é feita

pelo ser humano, que é a realidade cultural, a realidade histórica, política, etc. Isso

funcionou em muitos casos. (Freire, 1983 entrevista a Carlos Lyra - Lyra, 1996, p.

181)

Discutir o conceito antropológico de cultura, portanto, tem o intuito de romper com a

cultura de subserviência de que vem a maior parte da população analfabeta, descendente de

escravo ou outras etnias exploradas. É promover a mudança da consciência ingênua em que

se compreende que “as coisas são assim porque são”, para a consciência crítica em que se

entendem as coisas de uma maneira diferente em que a pessoa se organiza, sozinha e com os

outros, para modificar as condições opressoras em que vivem (Vittoria, 2005).

A elaboração

A elaboração do Método em cada contexto pode ser descrita em cinco etapas

principais que não devem ser entendidas como receitas prontas a serem repetidas, mas como

exemplos que se fazem e refazem a cada nova execução. Estas etapas, anteriores aos

encontros nos CC, são descritas a seguir (Freire, P., 1963, pp. 15-17; 2011a, pp. 147-151):

59

I– Levantamento do universo vocabular do grupo.

A primeira delas ocorre por meio de encontros informais entre os educadores (ou

alguns dos membros da equipe de educadores) e os moradores da área em que será realizada a

experiência de alfabetização. São realizadas entrevistas semiestruturadas com os participantes

em que se fixam não só os vocábulos mais carregados de emoção, ligados à experiência

existencial do grupo, mas também as falas típicas da comunidade participante. Nela, os

entrevistados revelam inclusive anseios, frustrações, descrenças e esperanças, bem como

certos momentos estéticos de sua linguagem. O questionário da experiência de Angicos é

apresentado na seção seguinte deste capítulo.

II–Seleção das palavras geradoras.

A partir do universo vocabular pesquisado, os educadores escolhem as palavras

geradoras, que para a língua portuguesa geralmente são em torno de 15, e que servirão de

fundamento para diálogos ao longo dos encontros. Essa seleção segue os seguintes critérios:

a. riqueza fonêmica: de modo que as palavras geradoras em conjunto contenham

todas as especificidades fonêmicas da língua;

b. dificuldades fonéticas: as palavras devem responder às dificuldades fonéticas da

língua, colocadas numa sequência que vá gradativamente das menores às maiores

dificuldades. Por exemplo, b, l e t antes de qu, gu e ch;

c. teor pragmático da palavra, que implica uma maior pluralidade de engajamento da

palavra na realidade social, cultural, política, etc. Por exemplo, a palavra tijolo na experiência

de Brasília em que havia vários trabalhadores da construção civil entre os participantes

(Freire, A., 1996), ou a escolha de favela para a experiência no Rio de Janeiro (Freire, P..

2011a)

III – Criação de situações existenciais típicas do grupo.

A partir das palavras geradoras, então, os educadores criam situações que funcionarão

como elementos desafiadores do grupo. São situações-problema, codificadas, guardando em si

elementos que serão decodificados pelos grupos com a colaboração do coordenador. Uma

palavra geradora pode englobar tanto a situação toda como pode referir-se a um dos

elementos da situação e, a partir dos questionamentos do coordenador de grupo, serem

explorados aspectos da situação retratada em relação direta com as vivências dos

participantes. Por exemplo, para as palavras geradoras voto e povo a projeção era de uma

seção eleitoral com um homem, com características físicas comuns dos nordestinos (bem

60

magro, pele morena, cabelos escuros), votando. E algumas sugestões de temas para o debate

eram: Diferença entre povo e massa; Importância do voto para emancipação política.

Estas situações locais abrem perspectivas para as análises de problemas regionais e

nacionais. Nelas vão se colocando então os vocábulos geradores escolhidos, na gradação de

suas dificuldades fonêmicas e os debates em torno deles são o que levará o grupo a se

conscientizar para concomitantemente se alfabetizar.

IV – Construção das fichas-roteiro que auxiliam os coordenadores de debate no

seu trabalho.

Neste momento são elaboradas11

as sugestões de debates e produzidos os slides ou

cartazes com as figuras das situações existenciais. Paulo Freire (2011a) comenta que “estas

fichas-roteiro devem ser meros subsídios para os coordenadores, jamais uma prescrição rígida

a que devam obedecer e seguir” (p. 150).

V – Construção das fichas com a decomposição e recomposição das famílias

fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores.

Por fim, os educadores constroem os slides ou cartazes com as palavras geradoras

decompostas e suas respectivas famílias fonêmicas.

A execução - Os encontros nos Círculos de Cultura

A execução do Método se dá a partir das exibições sobre o conceito antropológico de

cultura, como será mais bem explicitado na descrição referente a Angicos. Em seguida tem-se

a exposição da representação gráfica do primeiro tema gerador, em que se inicia um debate

em torno de suas implicações.

O processo de decodificação do tema gerador não deve ser tão explícito (como em

uma propaganda), nem tão enigmático. No primeiro caso os participantes não têm outras

decodificações a fazer senão a que já tiver sido imposta por quem elaborou a figura. No

segundo, a decodificação se transforma em jogo de adivinhação ou quebra-cabeça. A

situação-problema deve, portanto, ser moderadamente explícita, simples em sua

complexidade e capazes de oferecer variadas possibilidades de análises em sua decodificação

(Freire, P., 1983).

11 Nas experiências iniciais com o Método essas situações eram elaboradas pelos educadores. Em experiências

posteriores, entretanto, essa construção passou a ser realizada pelos próprios participantes. (de Man & Carvalho,

2004).

61

As situações retratadas permitem o desenvolvimento do raciocínio, o questionamento

e a reflexão dos educandos sobre a realidade em tema. Apenas quando o grupo esgotar, com a

colaboração do coordenador, as análises acerca do tema em questão, é que o coordenador se

volta para a palavra geradora, para que seja visualizada.

É projetada então apenas a palavra e, logo em seguida, a mesma separada em sílabas.

Depois são apresentadas as famílias de cada sílaba e, após os educandos terem reconhecidos

os “pedaços” da palavra, passa-se para a “ficha da descoberta” com visualização das famílias

fonêmicas que compõem a palavra em estudo. É diante desta ficha que o participante descobre

o mecanismo de formação vocabular numa língua silábica, que se faz por meio de

combinações fonêmicas.

Ao apropriarem-se deste mecanismo, partem para a montagem de palavras (ou

pseudopalavras – conjunto de sílabas sem significado) com as combinações à sua disposição.

Então parte-se para a última análise, a que leva às vogais. Por fim, como tarefa de casa os

educandos devem então formar tantos vocábulos quantos possam criar com combinações dos

fonemas já conhecidos.

Execução do Método de Alfabetização Paulo Freire – Angicos (1963)

O município de Angicos está localizado no interior do Rio Grande do Norte, a 156

quilômetros de Natal e, segundo dados Recenseamento Geral de 1960, tinha em torno de

9.500 habitantes.

A campanha de alfabetização que ficou conhecida como “As 40 horas de Angicos”

ocorreu entre 1962 e 1963 e era parte do programa do governo do Rio Grande do Norte “De

Pé no Chão Também se Aprende a Ler” coordenada na cidade de Angicos por Paulo Freire

(Freire, A., 2006). Ela ocorreu por meio do Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande

do Norte (SECERN), financiada pela Aliança para o Progresso12

e pelo convênio

USAID13

/SUDENE (Scocuglia, 1997), embora, segundo Gadotti (2013), o acordo tivesse

ocorrido sob duas condições: autonomia na contratação dos alfabetizadores e não interferência

político-pedagógica e ideológica. O acordo para a realização da campanha foi firmado entre o

SEC da Universidade do Recife e a Secretaria de Educação do RN (Lyra, 1996).

12 Programa estadunidense de ajuda externa direcionado à América Latina, idealizado na administração Kennedy

e implantado em 1961 com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e social segundo uma tradição

que remontava ao New Deal e aos programas do pós-guerra como o Point Four e o Plano Marshall (Ribeiro,

2006). 13

U.S. Agency for International Development

62

Os educadores dessa campanha, coordenadores dos Círculos de Cultura, eram 21

jovens voluntários, a maioria universitários, que receberam acomodação, alimentação e

transporte, mas nenhuma outra forma de pagamento (Lyra, 1996). Eles participaram de um

curso de formação em Natal/RN oferecido pelos professores do SEC da Universidade do

Recife. Durante dez dias foram ministradas conferências sobre as seguintes temáticas:

“Atualidade brasileira” (prof. Paulo Freire); “Economia brasileira” (prof. Roberto Cavalcanti

de Albuquerque); “Cultura brasileira” (prof. Luiz Costa Lima); “Planificação do

desenvolvimento” (prof. Roberto Cavalcanti de Albuquerque); “Processo de desalienação”

(prof. Luiz Costa Lima); “Deficiência e inorganicidade da educação no Brasil” (prof. Paulo

Freire); “Considerações gerais sobre o método – análise e síntese” (profa. Aurenice Cardoso

Costa); “Elaboração do material audiovisual: pesquisa vocabular, seleção das palavras

geradoras e preparo de fichas” (prof. Paulo Freire) e “Prática e metodologia do ensino” (prof.

Paulo Freire e Aurenice Cardoso Costa) (Terra, 1994, pp. 151-152).

Em dezembro de 1962 alguns desses jovens foram a Angicos divulgar a campanha,

registrar os interessados e realizar as entrevistas com a população a partir do seguinte roteiro:

“Nome; Sexo; Idade; Procedência; Estado Civil; Numero de Filhos; Profissão; Instrumental;

Material usado; Diversão que prefere; Religião; Aspirações; Acredita em mal-assombrados;

Já viu, onde?; Acredita no Plano [Nacional de Alfabetização]?” (Lyra, 1996, pp. 162-163).

Inscreveram-se para o curso 380 pessoas de 14 a 70 anos. Eram domésticas, operários

e agricultores, artesãos, serventes de pedreiro. A maioria, 66 participantes, informou que iria

aprender a ler e escrever para "para melhorar de vida"; outros 26 disseram que era "para ser

motorista"; 23 "para ler o jornal"; 20 "para ser professora"; 20 "para ser boa costureira"; 18

"para ficar sabendo"; 17 "para fazer cartas"; 15 "para ajudar os outros"; 11 "para ser

comerciante"; 10 "para votar"; 7 "para dirigir-se"; 4 "para ser músico" e 4 "para ler a bíblia"

(Lyra, 1996). Além disso, "a pesquisa revelou uma população acomodada, conformada,

indiferente, fatalista, descrente da experiência, subnutrida e precocemente envelhecida" (Lyra,

1996, p. 155).

A solenidade de abertura do curso, realizada no dia 18 de janeiro de 1963, contou com

a presença do governador Aluízio Alves, o secretário da Educação Calazans Fernandes, um

grupo de professores paulistas, componentes da caravana governamental, jornalistas e

fotógrafos, além dos coordenadores dos CC’s. (Lyra, 1996)

Com o atraso na chegada do material de trabalho (projetores de slides, quadro-de-giz

etc.) o início das atividades só foi possível no dia 24 de janeiro. O primeiro encontro tratou o

63

conceito antropológico de cultura e os seguintes basearam-se nas situações existenciais em

torno de 17 palavras geradoras: belota14

, sapato, voto, povo, salina, milho, feira, goleiro,

cozinha, tigela15

, jarra, fogão, chibanca16

, xique-xique17

, expresso, almofada e bilro18

. Uma

síntese de cada uma das 40 horas é apresentada na Tabela 1.

14 Corruptela de borlota, nome dado ao enfeite da chibata na região nordeste do Brasil.

15 No slide sobre a palavra geradora cozinha, era apresentada a palavra tigela escrita erradamente com “j”, tijela

(Lyra, 1996). Ao que parece, a finalidade era que fosse trabalhado apenas o fonema /j/ no encontro, embora

Carlos Lyra não se detenha muito na explicitação dessa questão. 16

Sinônimo de picareta (ferramenta). 17

Xique-xique (Pilosocereus polygonus) é uma cactácea endêmica na vegetação de caatinga, que possui

numerosos espinhos pontiagudos em suas aréolas. Durante a seca mais intensa, é praticamente a última

alternativa na alimentação dos animais nas propriedades rurais (quando as reservas de mandacaru, macambira e

coroa-de-frade não existem mais). 18

Utensílio semelhante a um pequeno fuso com o qual se fazem rendas ou obras de cabelo.

64

Tabela 1

Descrição esquemática das atividades ao longo das 40 horas de Angicos Encontro Atividade Encontro Atividade

1ª (18/01) Aula inaugural – Solenidade de

abertura. 24ª (27/02)

Recapitulação geral e verificação das

dificuldades dos participantes.

2ª (24/01) Aula sobre Cultura 25ª e 26ª (28/02 e

01/03) Palavra geradora: xique-xique.

3ª (25/01) Teste de Inteligência Não-

Verbal 27ª (02/03) Palavra geradora: expresso.

4ª (28/01) 1ª hora de alfabetização.

A palavra geradora é belota.

28ª (04/03)

Palavra geradora: expresso.

5ª (29/01) Recapitulação. 29ª (05/03)

São estudadas sílabas com três letras:

pra, tra, vra, cha, nha, lha, etc.

6ª, 7ª, 8ª

(30/01 a

01/02)

Alfabetização e Politização.

Palavra geradora: sapato 30ª (06/03) Palavras geradoras: almofada e bilro.

9ª (04/02) Palavras geradoras: voto e

povo. 31ª (07/03)

Palavras geradoras: almofada e bilro.

Exercícios gue, gui, guo. Diferença entre

ão, am, em, im, om e um. Dificuldade

com o s e o r no meio das palavras:

mostra, farto.

10ª 11ª

(05 e 06/02) Palavra geradora: salina 32ª (08/03)

Formar palavras no quadro e pedir que

eles leiam, em vez de pedir que formem

palavras: exercitar a leitura.

12ª (07/02) Palavras geradoras: feira e

milho. 33ª (09/03) Avaliação da politização.

13ª (08/02)

Recapitulação das aulas

anteriores e intensificação do

jogo das palavras.

34ª (11/03)

Palavras com letras l, s, r intercaladas:

falta, susto, curto. O h mudo.

Recapitulação total e avaliação da

alfabetização e politização.

14ª e15ª

(11 e 12/02)

As palavras geradoras ainda são

milho e feira. 35ª (12/03) 1º Teste de alfabetização e politização

16ª (13/02) Palavra geradora: goleiro 36ª (13/03) Atenção às necessidades de cada aluno.

Teste para os que não fizeram.

17ª (14/02) Recapitulação. 37ª (14/03) Formação de frases cartas, etc.

18ª (15/02)

Palavra geradora: cozinha.

Palavras terminadas em “ão” –

são sempre sílabas tônicas.

38ª (15/03) 2º teste de alfabetização e politização

19ª, 20ª 21ª

(18- 20 /02)

A palavra geradora ainda era

cozinha. 39ª (16/03)

Histórico dos principais acontecimentos

ao longo do curso.

22ª (21/02)

Palavra geradora: chibanca.

40ª hora (02/04) Cerimônia de encerramento com a

participação do presidente João Goulart. 23ª (22/02)

A palavra geradora ainda é

chibanca.

24/01 - Aula sobre cultura.

O primeiro slide apresentado (Figura 2) continha o desenho da cabeça de homem

caracteristicamente nordestino com setas que apontavam para: uma casa, uma árvore, um

cacimbão (poço grande), um monte com o formato de um monte da paisagem local, uma

andorinha e um porco.

65

Figura 2. Relações do ser humano com o mundo. Slide apresentado na experiência de

formação em Angicos para representar o ser humano em relação aos objetos de cultura,

casa e cacimbão, e objetos de natureza, monte Cabugi, andorinha e porco. Fonte:

Adaptado do site Acervo Paulo Freire. Disponível em

<http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/607 > Acesso em 29 de nov. de 2013.

“O objetivo deste primeiro slide é o despertar da autoconsciência, da consciência do

homem diante da natureza e da cultura” (Lyra, 1996, p. 24). Assim, “quando sente que dá, o

animador [dos debates] coloca diante de todos o primeiro cartaz das fichas de cultura”

(Brandão, 1981, p. 44). A seguir é apresentada uma reconstituição de como ocorriam esses

diálogos

- O que vemos aí? ou O que está diante de nós? – investigava o professor.

- Um pé de pau – respondiam os alunos.

- Um poico (porco).

- Uma estautua (estátua).

- Um passo (pássaro).

- O que significam estas linhas? – continuava o professor

E algumas respostas eram:

- Lápis.

- Palito.

- O juízo do homem.

- A ciência do homem.

- O homem tem necessidade disso. (Terra, 1994, p. 169)

Carlos Lyra afirma que “evidentemente, não os corrigimos, mas quando falávamos

indiretamente o fazíamos lentamente: pássaro, árvore, estátua, pois eles não estão errados,

mas tão certos quanto nós, sociologicamente” (Lyra, 1996, p. 24)

Após o grupo perceber e revelar o que significam aquelas linhas, aproveitando as

respostas dadas pelos participantes, o coordenador explicava que as setas representavam as

66

relações do ser humano com aqueles objetos. Que, desde a infância até a idade adulta, os

homens e as mulheres vão abarcando novas coisas (a casa, a escola...), inclusive aquelas que

foram feitas por outras pessoas e antes deles nascerem. O educador, então, explicava que as

coisas que não foram feitas pelas pessoas pertenciam ao mundo da natureza e o que era

produzido pelos seres humanos pertencia ao mundo da cultura.

Os slides seguintes (Figura 3) traziam representações de três caçadores diferentes. O

primeiro deles tinha um indígena caçando com um arco (caçador iletrado); o segundo, um

homem caçando com uma espingarda (caçador letrado). O professor perguntava o que eles

viam em cada um e então explorava a diferença entre os instrumentos do índio e do caçador, a

diferença entre os objetos de cultura e de natureza, o arco como prolongamento do braço

através dos instrumentos de caça. Diz Paulo Freire que:

a diferença entre os dois caçadores é uma distinção altamente filosófica, mas pode ser

dada e nós temos dado, nos levando a provar, por exemplo, que o homem é capaz de

reconhecer que tem órbitas existenciais diferentes dos animais. (Freire, P. 1983 citado

por Lyra, 1996, p. 27)

O terceiro caçador era um gato caçando um rato. Novamente os participantes eram

questionados sobre o que viam e então o professor questionava se o gato faz cultura ao caçar e

seguia o debate sobre as diferenças entre o ser humano e o animal.

Figura 3. Os diferentes caçadores humanos e animal. Slides apresentados na experiência de formação

em Angicos para representar caçador indígena, o caçador “letrado” e caçador animal. Fonte: Adaptado do

site Acervo Paulo Freire. Disponível em <http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/607 > Acesso

em 29 de novembro de 2013.

Os slides seguintes traziam as imagens de um gaúcho vestindo as roupas típicas de sua

região; de uma mulher sentada à mesa, com a imagem do monte Cabugi vista pela janela; de

uma paisagem típica da região; da mesma paisagem com um homem e de uma panela. A

partir deles eram discutidos os padrões de comportamento e de cultura, os costumes, hábitos

das pessoas de outras regiões, os objetos de cultura e os de natureza, as maneiras de comer em

67

nossa região, a diversidade da culinária nacional, a capacidade criadora humana de modificar

a natureza e fazer cultura.

Alguns comentários dos participantes a esse respeito eram que “a mulher fez cultura

quando preparou a comida e levou para a mesa nas panelas" (Lyra, 1996, p. 28). Ou, como

disse o sr. Manezinho (Manuel Dias dos Santos), 52 anos, ao mediador Marcos: “O senhor

não ensinou nada de novo, apenas refrescou a memória” (Lyra, 1996, p. 29).

Ao final da aula os educadores falavam que as experiências humanas se acumulavam e

que ler e escrever também eram objeto de cultura. Esses debates tinham o objetivo de fazer

com que os participantes se percebessem como fazedores do mundo da cultura, tanto quanto

as pessoas letradas. Assim, a conclusão dos debates girava em torno da dimensão da cultura

como sendo aquisição sistemática da experiência humana. E que esta aquisição, numa

sociedade letrada, já não se faz via oral, como nas sociedades iletradas, a que falta a

sinalização gráfica.

25/01 – Teste de inteligência não verbal.

No segundo dia em Angicos foi aplicado o Teste de Inteligência Não Verbal (Pierre

Gilles Weil – forma “A”) que tinha o objetivo inicial de dividir as turmas. Lyra (1996) relata

que os participantes não entenderam as explicações, marcaram várias respostas e a maioria

deixou de responder as duas últimas páginas do teste. Com isso os coordenadores decidiram

dividir as turmas sem esperar pelos resultados dos testes. E Marcos Guerra observa que isso

os deixou mais independentes do SEC da Universidade.

28/01 a 15/03 - Os encontros de alfabetização e politização.

A partir do terceiro encontro foram trabalhadas as palavras geradoras. Para a primeira

delas, belota, a projeção (Figura 4) era de um homem de Angicos, vestido tipicamente,

montado em um burro, em uma cena característica de seca do Nordeste, com uma chibata na

mão, na qual se veem em primeiro plano, belotas em cores bem vivas. Na parte superior

esquerda, em destaque, havia a palavra belota. (Lyra, 1996)

68

Figura 4. Palavra geradora belota. Slide apresentado na experiência de formação

em Angicos para representar a situação existencial referente à palavra geradora belota.

Fonte: Adaptado do site Acervo Paulo Freire. Disponível em

<http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/607 > Acesso em 29 de novembro

de 2013.

Levando o grupo a debater (dialogar), analisando, estimulando ao máximo a

expressividade oral e a capacidade crítica dos participantes, eram explorados temas relevantes

dentro da situação sociológica local representada. Por exemplo, os efeitos da seca, o pau de

arara, o êxodo rural, a exploração do homem pelo homem, a importância da permanência do

homem no meio rural (Lyra, 1996).

Esgotada a análise da projeção, os coordenadores mostravam como se escreve a

palavra geradora daquele debate. Pronunciavam a palavra tendo o cuidado de apontar sempre

da esquerda para a direita e os participantes a repetiam. Visualizada a palavra que

ortograficamente representa a figura do slide, era projetada somente a palavra (Figura 5) e

novamente realizada a leitura coletiva e individual (Lyra, 1996). Os coordenadores então

questionavam:

- Quantas vezes abrimos a boca para dizer a palavra belota?

Projetamos agora um slide em que as sílabas aparecem separadas: be lo ta.

- Qual o primeiro pedaço da palavra belota? ... be.

- Qual o segundo pedaço da palavra belota?... lo.

- Qual o terceiro pedaço da palavra belota?... ta.

Insistimos um pouco nesta parte, dizendo que cada pedaço daquele se chama sílaba.

- Vamos conhecer a família do be?

Projetamos um slide com a família do b: ba, be, bi, bo, bu.

- Qual desses pedaços usamos para formar a palavra belota? (Lyra, 1996, p. 35)

69

Feitas estas explicações, era projetado um slide contendo todas as famílias de letras

(Figura 5) e era pedido aos participantes que encontrassem a palavra belota. A leitura

individual e coletiva das diversas famílias de letras era realizada a fim de que eles

começassem a compreender o mecanismo de formação das palavras. Nesse momento, além de

encontrarem a palavra belota, eles formam outras como lata, bala, tatu, etc. Por essa razão

essa ficha foi denominada “ficha da descoberta”. Em seguida era projetado um slide contendo

apenas as vogais que os participantes identificavam com facilidade e chamavam de

“intrometidas”. Os coordenadores informavam então, que aquelas são as vogais e que todas as

demais são consoantes. (Lyra, 1996).

Figura 5. Palavra geradora e de suas famílias fonêmicas. Slides usados na experiência de formação em

Angicos. Traz a primeira palavra geradora, os grupos silábicos, a “ficha de descoberta” e as vogais.

Fonte: Adaptado do site Acervo Paulo Freire. Disponível em

<http://www.acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/607> Acesso em 29 de novembro de 2013.

Os encontros seguiam com esse formato de debate e exercícios de alfabetização e a

Tabela 2 apresenta as sugestões de debates e as famílias silábicas trabalhadas para cada

palavra geradora.

70

Tabela 2

Sugestões de debate para cada palavra geradora (Lyra, 1996) Palavra

geradora Sugestões de temas

Famílias

silábicas

Belota

Efeitos da seca, o pau de arara, o êxodo rural, a exploração do homem pelo homem, a

importância da permanência do homem no meio rural.

b, l, t e

vogais

Sapato

Couro, produção, matéria-prima. Trabalho – força que une os homens e não a sua

diferenciação pela força do trabalho. Sindicalismo.

Angicos é um dos maiores produtores de couro da região, mas poucos em Angicos

usam sapatos.

Importância da arte (do sapateiro). A salteira insignificante que ele coloca no sapato,

mas que dá uma elegância tremenda à mulher. Suas mãos, sua arte e sua cultura.

Comparação com outras artes. Eles, os sapateiros, pobres e humildes, unidos, podem

influir nos destinos da nação e em soluções para sua classe.

Reconhecimento do sapato como objeto de cultura e debate sobre a sua importância.

s, p

Voto

e

povo

Diferença entre povo e massa. Importância do voto para emancipação política. Um

maior número de votos (eleitores) no Nordeste pesará na balança política nacional.

Deus criou o homem – tudo era harmonia, igualdade. No entanto, o homem, na sua

ganância, fez a desarmonia, a desigualdade: pobres e ricos. Em Angicos, todos são

iguais? Bairros? Etc. Assim também são as cidades, os estados, os países (pobres e

ricos). Cabe a nós (o povo) voltar àquela harmonia.

Todos têm direitos mínimos? Como fazer? Aprendendo a ler para votar com

consciência. O voto é a arma do povo. A venda do voto tira o seu valor. Nossos avós

lutaram por esse direito. Será que nós estamos honrando?

v

Salina

Importância do sal na economia do Rio Grande do Norte. Relação da economia

saleira com a economia local. União – sindicato dos saleiros. Noções elementares de

exportação e importação.

n

Milho

e

feira

Custo de vida, preços, inflação, armazenamento. Apresentação de sílabas com três

letras. Noção de masculino e feminino.

f, r, (ei),

m, lh

Goleiro

Sentido de equipe, união, organização de classes. Analogia do futebol com as classes

dominantes. Visão geral: econômico-social-política. O gol é de todo o time e não

individual. Na luta pela vida, o gol é o que eles produzem: é do grupo. O dono da

bola é o dono da terra.

g

Cozinha,

ti[j]ela,

Jarra e

fogão

Gêneros alimentícios – o que comemos. Custo de vida – aumento dos preços.

Impossibilidade de aquisição de gêneros de primeira necessidade. Quem planta o

feijão tem feijão em casa? Temos direito ao que plantamos.

No verão se vê formiga? Por quê? Armazenamento. Deve o governo armazenar –

para vender aos pobres, no período de seca, pelo preço de inverno. Silagem.

c, z, nh, j,

rr, ão

Chibanca

Trabalho, seu valor, capital. Análise das diversas profissões.

Foi lida a Constituição, no trecho relacionado a trabalho. Ninguém sabia o que era a

Constituição brasileira. Desvelamos um segredo.

ch, an

Xique-

xique

Problemas da seca, água, alimentação. Fixação do homem na terra. Silagem e

irrigação. x, qu

Expresso

Importância dos meios de transporte para comunicação humana: cultura, gene e

gêneros. Evolução dos meios de transporte.

Importância do trabalho de quem faz a estrada. Importância de o governo construir

estradas.

pr, ss

Almofada

e bilro

Cultura, renda, valor do trabalho manual. Regionalismo: a arte do povo.

Comparação com outros trabalhos. Evolução vs. máquina. Educação, direito de

todos.

l, d

Assim, a campanha foi considerada de sucesso, as médias globais de aproveitamento

foram de 70% em alfabetização e 87% para politização (Lyra, 1996). Outras situações

71

relatadas por Terra (1994) e Lyra (1996) são apresentadas ao longo da leitura comportamental

para facilitar a explicitação das questões abordadas.

72

Capítulo 3

Uma análise comportamental do Método Paulo Freire de Alfabetização

Neste capítulo será feita uma descrição das contingências comportamentais envolvidas

no processo de ensino-aprendizagem presentes na execução do Método de Alfabetização

Paulo Freire na experiência de Angicos (1963), respondendo a questão sobre a possibilidade

de realizar uma leitura comportamental sobre esse método. Esta é apenas uma das possíveis

leituras que se pode fazer a respeito do tema e não houve a pretensão de esgotar o assunto ou

abordar todos seus aspectos e suas nuances, mas sim de destacar elementos priorizados na

análise comportamental e que possam oferecer subsídios importantes à prática pedagógica.

Para tal, o capítulo se constitui de quatro seções: Análise comportamental de elementos

amplos do método; Análise comportamental sobre aspectos da "metodologia do ensino" do

Método; Análise comportamental das posturas pedagógicas/filosóficas adotadas pelo

educador libertador, e Diálogo como condição de ensino do pensar crítico.

Análise comportamental de elementos amplos do método

A respeito do processo de formação de palavras na língua portuguesa, diz Paulo Freire

que, por meio do Método, o participante vai “apropriando-se criticamente e não

memorizadamente – o que não seria uma apropriação – deste mecanismo [e] começa a

produzir por si mesmo o seu sistema de sinais gráficos” (Freire, P., 2011a, p. 152). Por que

disso? O que faz esse método ser crítico e não memorizante? A seguir são discutidas algumas

questões que podem estar relacionadas à questão, sem a pretensão de findá-la.

O uso de testes psicológicos.

Segundo Lyra (1996), embora os coordenadores dos círculos de cultura tivessem

chegado a aplicar testes psicológicos com o intuito inicial de usá-los para a divisão das

turmas, os participantes demonstraram bastante dificuldade em realizá-los e a divisão das

turmas não se baseou nesse recurso.

Os instrumentos de testagem psicológica são baseados em padrões de um grupo de

indivíduos (amostra normativa ou de padronização) (Urbina, 2007), enquanto a análise

comportamental faz declarações sobre os efeitos das variáveis independentes em relação ao

comportamento de cada pessoa individualmente. Os métodos estatísticos estão fundamentados

em conceitos como média, variação e distribuição normal e não em aspectos da história única

dos indivíduos, como são as análises funcionais (Carrara, 2005).

73

Em pesquisas ou intervenções embasadas nessa abordagem, as avaliações geralmente

são realizadas como medidas de comparação entre os desempenhos inicial e final dos próprios

participantes tomando o sujeito como o próprio controle da medida de avaliação dos

resultados da intervenção realizada. Desse modo, o uso de testes psicológicos na abordagem

psicológica tem sentido quando há significativa correspondência entre os constructos

avaliados pelo instrumento e os objetivos das intervenções, ou pelo menos parte deles. Este

não parece ser o caso dos testes de inteligência não verbal e a alfabetização. Por esta mesma

razão, sob a ótica comportamental, os testes de inteligência não-verbal também não seriam os

meios mais adequados para a divisão das turmas já que não mostram de forma clara as

diferenças de repertórios entre os participantes em relação aos objetivos previstos para a

intervenção.

Análise de algumas contingências para a realização da Experiência.

Ao tratar do sistema educacional, Skinner (1968/1972) analisa que

a educação é mantida não só pelos que ensinam, como também pelos que organizam o

sistema educacional, construindo e equipando escolas e induzindo outros a fazerem

estas coisas ou a pagarem para que façam. A manutenção do sistema quase sempre

determina a política adotada – são as mesmas pessoas que decidem quem será

ensinado, por quanto tempo, o que será ensinado, a qualidade do ensino, e assim por

diante. Presumivelmente são reforçados por fazê-lo, mas quais são as contingências?

(Skinner, 1968/1972 , p. 217)

Assim, alguns aspectos relevantes sobre as contingências da experiência de Angicos

(1963) são destacados a seguir. O primeiro deles é que os estudantes universitários,

coordenadores dos Círculos de Cultura, não receberam dinheiro pelas atividades. Receberam

apenas as despesas com alimentação, transporte e acomodação, uma infraestrutura mínima

para trabalharem voluntariamente (Lyra, 1996). De modo que é possível inferir que os

reforçadores ligados à participação desse projeto não eram financeiros, mas de outra natureza,

talvez o que se possa denominar de reforçadores de ordem ideológica.

Além disso, a Experiência contou com um contato inicial dos educadores com a

população anterior à execução do curso e houve uma preparação específica dos

coordenadores. Ou seja, quando do início dos encontros, as contingências relacionadas ao

curso não eram completamente novas para a maioria dos envolvidos, ainda que por meio de

interações anteriores apenas verbais.

Outro aspecto relevante a respeito das contingências envolvidas nessa Experiência é

que, embora o financiamento da atividade viesse da Aliança para o Progresso, uma das

exigências feitas por Freire ao secretário Calazans era de que o acordo para realização da

74

campanha fosse firmado entre a Universidade e a Secretaria da Educação. Isto é, havia a

garantia de independência para os coordenadores do Programa e dos Círculos de Cultura (CC)

sobre as decisões que seriam tomadas ao longo do curso. Segundo Lyra (1996), “é importante

ressaltar que a Secretaria da Educação do RN, a Sudene, e a Aliança para o Progresso – que

financiou a experiência – nunca interferiram em nossas atividades. As decisões eram tomadas

e assumidas por nós.” (p. 116). A esse respeito, diz Paulo Freire em entrevista a Carlos Lyra:

a minha tese era a seguinte: eu não aceito coisa alguma da Aliança para o Progresso,

mas não tenho nada contra usar o dinheiro que ela pensa que é dela, mas que não é,

porque no fundo o dinheiro da Aliança para o Progresso era o dinheiro que voltava ao

Brasil, ainda mais em termos de favor, mas o dinheiro nosso, o dinheiro nosso, o

dinheiro dessa área subdesenvolvida, que não é subdesenvolvida só porque é

explorada, dominada. Então, por que não aproveitar esse dinheiro no retorno, desde

que a gente pudesse assegurar o que fazer com ele? A minha posição era essa: se eu

tenho autoridade sobre o que se vai fazer no projeto, eu não quero saber se esse

dinheiro vem da Aliança ou vem do japonês. (Lyra, 1996, p.182 – itálicos no original)

Dessa forma, a frase de Calazans Fernandes, secretário da Educação, na assinatura do

convênio reflete a importância dessa conjuntura política para a realização da Experiência e

para as mudanças nas contingências vivenciadas pela população analfabeta e oprimida. Disse

o secretário, “acabou-se a aliança e começou o progresso” (Lyra, 1996, p. 182). Progresso que

foi interrompido pouco mais de um ano depois com a derrubada do presidente João Goulart,

em 1964, quando as contingências sociais e políticas mudaram bastante, mas em um sentido

drasticamente diferente do que propunham esses educadores.

Assim, os aspectos dessa conjuntura social e política foram determinantes para a

eficácia e eficiência do método, ainda que não tenha tido a continuidade esperada, pois

...o fundamental dizia Celso [Beseigel]: “é que depois daquilo, depois daquelas

primeiras experiências [em Angicos], nunca mais foi possível no Brasil, a ninguém,

inclusive ao poder do Estado, voltar às concepções e às práticas da educação de

adultos, da alfabetização de adultos dos anos 40 e dos anos 50”. Quer dizer, eu acho

que essa análise de Celso, realmente, bate com a história. (Freire, P., 1983 citado por

Lyra, 1996, p. 191)

Os objetivos.

Os objetivos do Método de Alfabetização não envolvem apenas o ensino de

repertórios que dizem respeito apenas à compreensão do idioma escrito. Nesta proposta, os

comportamentos de ler e escrever são entendidos como parte integrante de um conjunto de

outras aprendizagens que envolvem a expressividade oral, a capacidade crítica (“pensar

crítico”), a conscientização e ação política do educando (e do educador) como sujeito(s)

75

ativo(s) na sociedade. Nas anotações de Lyra sobre as sugestões de debates no trabalho com a

palavra geradora povo, por exemplo, aparece:

Não dar aula sobre povo, democracia etc., mas sim arrancar deles o que eles pensam

de povo, de democracia, de participação no processo político.

Dialogar sem nenhuma preocupação de fixar a palavra povo.

Diferença entre povo e massa.

Importância do voto para emancipação política. Um maior número de votos (eleitores)

no Nordeste pesará na balança política nacional.

Deus criou o homem – tudo era harmonia, igualdade. No entanto, o homem, na sua

ganância, fez a desarmonia, a desigualdade: pobres e ricos. Em Angicos, todos são

iguais? Bairros? Etc. Assim também são as cidades, os estados, os países (pobres e

ricos). Cabe a nós (o povo) voltar àquela harmonia.

Todos têm direitos mínimos? Como fazer?

Aprendendo a ler para votar com consciência.

O voto é a arma do povo. A venda do voto tira o seu valor. Nossos avós lutaram por

esse direito. Será que nós estamos honrando? (Lyra, 1996, p. 47)

Neste Método os objetivos não se restringem à reprodução das ações de ler e de

escrever, como discriminação, reprodução (comportamento ecoico) e nomeação de símbolos e

fonemas do idioma, mas destacam a relevância dessas ações para o indivíduo e para a

sociedade em que está inserido. Portanto, a alfabetização dessa proposta inclui,

necessariamente, repertórios relacionados ao que Lyra chama de politização: pensamento

crítico; questionamentos sobre os problemas sociais; exercício político; diálogo (que além de

objetivo é meio), etc. Isso pode ser observado pela divisão das avaliações em teste de

alfabetização e de politização realizadas na experiência (Lyra, 1996).

Além disso, os objetivos relacionados à politização tornam a alfabetização o mais

integrada possível à realidade vivida pelo educando, buscando também torná-lo ativo no

processo educativo. Sob a ótica comportamental é possível dizer que o diálogo proposto por

Freire favorece a ocorrência de generalizações e transferências entre os aprendizados

ocorridos dentro e fora do contexto educacional.

Para Skinner (1968/1972), os comportamentos criativos e de autogoverno são uma

parte importante a que a educação deve se dedicar, já que o professor será obviamente incapaz

de prever e ensinar todas as situações possíveis com as quais o aluno irá se deparar ao longo

da vida. O autogoverno pode ser entendido como comportamentos que alteram e melhoram

partes do próprio comportamento, isto é,

deparando com uma situação para a qual não há comportamento eficiente disponível

(na qual não podemos emitir uma resposta que seja provavelmente reforçada),

comportamo-nos de maneiras que tornam possível o comportamento eficiente

(melhoramos nossas chances de reforço). Ao fazê-lo, tecnicamente falando,

76

executamos uma resposta “preliminar” que muda ou o ambiente ou a gente mesmo, de

forma tal que o comportamento “consumatório” ocorra. (Skinner, 1968/1972, p. 114)

Dessa forma, ensinar um aluno a estudar, por exemplo, pode ser entendido como

ensinar-lhe técnicas de autogoverno que aumentem a probabilidade de que o que foi visto ou

ouvido seja lembrado. Além disso, Skinner (1968/1972) diz que a educação nunca ensinou

efetivamente o autogoverno da motivação, mas aumentando nosso conhecimento a esse

respeito é possível desenvolver técnicas para tornar os alunos aptos a descobrirem sua própria

motivação se entusiasmando, sendo diligentes e tendo certeza de que continuarão a usufruir

das coisas que lhes são ensinadas, pelo resto de suas vidas. As técnicas de autocontrole

poderiam ser úteis para promover a criatividade e os autogovernos ético, intelectual e da

motivação, pois respostas inusitadas (originais), emitidas pela primeira vez em situações

novas, têm chances de não serem reforçadas imediatamente, ainda que tenham grande valor

adaptativo. É preciso que a pessoa aprenda a ficar sob controle dos reforços não tão imediatos

para que as respostas novas tenham maiores chances de se manter.

Assim, “o aluno será mais original se souber como descobrir o que tem a dizer”

(Skinner, 1968/1972, p. 173), sendo capaz de criar as contingências que reforçam seu próprio

comportamento. E, nesse sentido, é possível afirmar que o Método ao abarcar como objetivos

a “conscientização” ou “politização” adota também objetivos de autogoverno intelectual,

moral e da motivação.

Estruturação do ensino em pequenos passos, partir do repertório do aluno e

manter-se sob controle do comportamento do aluno.

Definidos os objetivos finais de ensino, segue-se para a programação das condições de

ensino (ou contingências de aprendizagem). Cada unidade de ensino deve ser distante o

suficiente do comportamento atual do aprendiz para que promova mudanças no sentido dos

objetivos de ensino, progredindo gradualmente. Não deve ser distante demais do repertório

anteriormente demonstrado pelo participante de modo a deixá-lo sem saber o que fazer ou

fazendo-o num sistema de ensaio e erro desmotivador e sem critério (por exemplo, Kubo &

Botomé, 2005; Matos, 1995; Skinner, 1968/1972). No Método isso aparece, por exemplo, na

passagem a seguir:

estando capacitados, fazendo bilhetes e cartas, chegou o momento da composição

final. Durante os debates, pedir composições sobre temas fáceis, dados na hora,

desenhos no quadro-de-giz, projeção de uma das fichas à escolha deles. Isso, além de

dar um bom rendimento, como aconteceu em Angicos, dá ao coordenador

77

oportunidade de dedicar um tempo maior aos participantes mais atrasados. (Lyra,

1996, p. 92)

Segundo Marinotti (2004), os dois elementos principais envolvidos na aprendizagem

da leitura e escrita são: o objeto a ser conhecido (idioma escrito) e o sujeito da aprendizagem

(o aluno). Na proposta do Método além do extenso conhecimento a respeito destes dois

elementos apontados pela autora, surge outro objeto a ser conhecido: o contexto político

social. Na preparação para a aplicação do método Paulo Freire, a busca dos coordenadores por

conhecer esses três elementos aparece desde as duas etapas iniciais. Na primeira delas,

Levantamento do universo vocabular do grupo, são realizadas as caracterizações dos

participantes (idade, gênero, estado civil, profissão, crença religiosa), o levantamento de

atividades e interesses culturais e a descrição do perfil socioeconômico da população, e o

levantamento do repertório verbal oral (e textual, quando houver) dos participantes. E na

segunda etapa, Seleção das palavras geradoras, são selecionados dentre os estímulos verbais

já presentes no repertório do aprendiz aqueles cujas representações gráficas, em conjunto,

representam todas as dificuldades fonéticas da língua portuguesa (ch, ss, rr, -n, -l, etc.).

As unidades de ensino do Método poderiam ser definidas pelas palavras geradoras e

suas dificuldades fonéticas. Em convergência com as propostas comportamentais de

programação de ensino, elas buscam seguir uma sequência que vá gradativamente das

menores dificuldades (v, l, t, s, p) para as maiores (nh, il, al, lh). Esse planejamento,

entretanto, não se mantém rígido e as unidades posteriores podem ser adiantadas ou atrasadas

de acordo com os desempenhos dos alunos. Essa flexibilidade sob controle do que é

demonstrado pelos aprendizes também condiz com a proposta comportamental (por exemplo,

Kubo & Botomé, 2005; Skinner, 1968/1972).

Sob esta ótica, ao longo de todo o programa, os aprendizes são os que indicam em que

aspectos a programação está atingindo os resultados esperados e que contingências precisam

de reelaboração ou de nova programação. É fundamental ao professor manter-se atento aos

desempenhos dos participantes, pois se os aprendizes não atenderem às expectativas do

programa inicial, é preciso investigar a respeito adequando a programação às condições

apresentadas por eles.

No curso em Angicos havia reuniões diárias pela manhã, quando os coordenadores,

em conjunto, analisavam o trabalho realizado até o momento e discutiam e refaziam o

planejamento, “quase um reinventar” (Lyra, 1996, p. 41). Nas palavras de Lyra, “como tudo

na educação, nada estava pronto, as coisas foram se fundamentando no fazer” (Lyra, 1996, p.

78

41). Esta flexibilidade sob controle do que é demonstrado pelos aprendizes também é

observada nos relatos referentes a situações em que, ao apresentar as famílias de letras novas,

os coordenadores alteravam as condições de ensino ou reprogramavam condições a partir de

necessidades observadas em relação aos participantes, como nas passagens a seguir: “...

apresentamos as famílias das letras s e p. Procedimento semelhante ao utilizado na palavra

belota, com exceção das vogais, agora é desnecessário.” (Lyra, 1996, p. 39 – ênfase

acrescentada). E também em: “os participantes sentiram a falta da família do d, com

apresentação prevista para o final do curso. Contornada a dificuldade com a introdução da

palavra solado.” (Lyra, 1996, p. 39– ênfase acrescentada).

Uma reflexão surge a partir desses relatos. O que levou os coordenadores a afirmarem

que os participantes não precisavam mais das fichas de vogais ou que “sentiram falta da

família do d”? Conhecer o comportamento do aprendiz pode parecer uma ação bastante

“intuitiva” (até óbvia em certo sentido), mas pode se tornar bastante enganosa também. É

comum que o professor faça o julgamento de que pode prosseguir para uma nova etapa

baseando-se nas condições que preparou ao invés de atentar realmente para os desempenhos

que os alunos mostraram. O professor ter explicado em um momento anterior sobre as vogais

não é o que mostra que os aprendizes não precisariam dessa ficha de explicação. É preciso

que essa decisão em prosseguir parta de evidências da ocorrência de aprendizagem, isto é,

mudanças observáveis no comportamento dos aprendizes (alteração de suas relações com o

meio) que indiquem tal compreensão. Segundo Kubo e Botomé (2001):

mesmo proposições de origem diversa do que a da Análise do Comportamento,

concordam que não é apenas o que o aluno faz, mas suas relações com seu meio que

evidenciam o que, de fato ele está produzindo de transformações nesse meio. Nesse

sentido, o que [o] aluno conseguirá fazer com seu meio é o que evidenciará a

ocorrência de aprendizagem. (p. 6)

O que não quer dizer que tais evidências precisem ser sempre explícitas como

aparecem nas situações em Angicos mostradas nos trechos a seguir: “Atendendo ao apelo dos

participantes, começamos a estudar a noção de maiúscula. (...) Atendendo, ainda, ao apelo dos

participantes, começamos a dar a noção de acento.“ (Lyra, 1996, p. 52). Algumas vezes, é

possível partir de relatos ou observações indiretas sobre as necessidades ou interesses dos

participantes como quando os coordenadores afirmam: “Percebemos a necessidade de uma

adequação do calendário escolar a realidade” (Lyra, 1996, p. 48), em função das ofertas de

empregos que surgiam aos participantes com o início das chuvas. Ou como no relato sobre a

quarta hora de alfabetização em que, diante da frequência de apenas metade da turma, a

79

coordenadora decidiu se dedicar mais à politização que à alfabetização (Lyra, 1996). Nesses

casos não foi preciso um relato explícito a respeito, mas a pouca frequência dos participantes

já foi considerado indício suficiente de que as ações da professora precisavam mudar para

alcançar seus objetivos.

O diálogo a seguir exemplifica como eram feitas algumas dessas avaliações sobre

pareamentos e discriminações que foram ensinados pelo coordenador ou que possam ter

emergido sem o ensino.

- Dona Francisca, que palavra é esta?

- É belota.

- O que é belota?

- Belota é o enfeite da chibata...

- Quantas famílias tem em belota, seu Toureiro?

- Tem três. A família do be, a família do lo e a família do ta.

- Como é a família do ta?

- Ta, te, ti, to, tu...

- O senhor é capaz de escrever uma palavra usando dois tijolinhos da família do ta?

- Tenho pra mim que posso, sim senhor.

Toureiro escreve tatu.

- O que é tatu, seu Toureiro.

- É um bicho muito gostoso. (Diálogo reconstituído pelo jornalista Luiz Lobo citado

por Terra, 1994, p. 175)

Tanto por meio da escrita, como por meio de relatos verbais e de outras atividades

(jogos, interações entre pares, etc.) o professor pode observar o desempenho do aprendiz e

adequar sua programação a fim de atingir seus objetivos de ensino de modo mais eficiente

possível para cada aluno ou grupo de alunos.

Estabelecimento de operações motivadoras e uso de reforçadores naturais e

condicionados.

Skinner (1968/1972) afirma que, tradicionalmente, os reforçadores inventados em sala

de aula não se relacionam de perto com as vantagens imediatas ou em longo prazo,

permitindo que “seja fácil para o professor perder de vista o significado do que está ensinando

e, para os que mantêm a educação, perder contato com o que está realmente sendo ensinado”

(p. 219). O autor afirma também que os principais objetivos das reformas educacionais “têm

sido sempre restaurar o lugar das consequências práticas que determinam a manutenção e a

política educacional” (Skinner, 1968/1972, p. 219), ainda que não explicite a quais reformas

esteja se referindo ou de que maneira isso teria ocorrido.

80

No Método Paulo Freire é possível observar que um aspecto fundamental são as

situações criadas pelos coordenadores para que os comportamentos de ler e escrever dos

participantes tivessem reforçadores naturais. Por exemplo, tratar de assuntos relevantes para a

vida dos participantes fora da situação de ensino; ler e debater sobre as notícias de jornais da

cidade e escrever bilhetes sobre o que queriam que fosse exibido na sessão de cinema criada

pelo grupo. Esta atividade, segundo Lyra (1996, pp. 83-84), “resultou em uma volumosa

quantidade de cartas e bilhetes, e o acentuado aprimoramento do exercício da escrita e da

linguagem”. Outras produções importantes foram a confecção de jornais mimeografados antes

dos encontros contendo as famílias de letras conhecidas e as cartas sobre as demandas

específicas discutidas nos grupos que foram entregues ao presidente da República no último

dia do curso. Por exemplo, a carta de dona Francisca transcrita a seguir:

Senho Presidenti

E neste momento que pego o meu lapis pra lhi comunicar as minhas necessidade.

Agora mesmo não sou maça sou povo e posso esigi meus direito. Senho présidenti a

gente tem percisão de muita coisa como: reforma agrária Escola e que o senho bote as

leis da constituição pra fora. Tenho duas filas pra edocar e não tenho recuso poriço

peço ao senho bouça di estudo pra que elas não crescam como eu cresi.

Francisca de Andrade. (Lyra, 1996, p. 116)

Além de cumprir com os objetivos de formação de repertórios ligados à atuação

política, o uso de palavras com carga emocional e situações existenciais pode ser considerado

como operações estabelecedoras que aumentavam a probabilidade dos participantes se

engajarem no debate. Pela sua “carga de envolvimento vivencial”, como descreve Gerhardt

(1996, p. 156), diante da palavra falada, responder de determinada forma (atentar à palavra ou

escrevê-la, por exemplo) teria mais chances de acontecer e de se tornar um reforçador

condicionado do que escrever palavras estranhas ou distantes do cotidiano vivido pelos

aprendizes, por exemplo.

Outra possibilidade nessa análise é que o aspecto reforçador adquirido pelo escrever

palavra com sentido existencial pode se estender como reforçador para escrever outras

palavras, o que também poderia ser considerada uma operação estabelecedora (ou

motivacional). Ou seja, uma das consequências de escrever palavras com sentido é tornar o

escrever reforçador condicionado “motivando” o aluno a escrever outras coisas também.

A terceira condição motivacional do Método refere-se às discussões sobre a cultura

letrada e iletrada em que os participantes são levados a perceberem-se como fazedores de

cultura. Perceber a relevância emancipatória da aprendizagem da leitura, escrita e do

pensamento crítico proporcionado pelas discussões pode ser considerado um evento que

81

aumenta o valor reforçador do estudo e do engajamento em ações políticas. Além disso, há de

certa forma, por meio dessas discussões, um estreitamento entre os elos comportamentais de

estudar e criar condições motivacionais para mudar sua própria condição de vida,

simbolizados pela diferença entre aprender a escrever uma carta qualquer e a situação real de

escrever uma carta a um líder de governo pedindo melhores condições sociais. Esse

estreitamento de elos comportamentais pode ser entendido como uma condição favorecedora

do surgimento de generalizações e transferências entre as aprendizagens ocorridas dentro e

fora do contexto educacional.

No relato de Carlos Lyra isso aparece, por exemplo, no excerto “... quanto aos adultos,

tentamos motivá-los a frequentar o CC, evidenciando a importância do saber: ler o mundo e o

seu contexto” (Lyra, 1996, p. 45). O uso das atividades de politização como recurso

motivacional ocorria, possivelmente, porque era interessante aos participantes tratar dos

problemas sociais que enfrentavam e porque favorecia a conscientização dos mesmos sobre a

importância de se alfabetizarem para conseguir promover mudanças nessas condições.

Por fim, uma quarta condição motivacional aparece, por exemplo, quando Lyra diz

que os encontros iniciavam sempre “com bate-papo, quando eles contam o que fizeram

durante o dia. A partir daí, escrevem palavras e frases no quadro-de-giz. No final, outra

conversa informal, quando eles falam sobre suas aspirações, do que mais gostaram do debate,

etc.” (Lyra, 1996, p. 48). Além da sensibilidade aos interesses dos alunos, nessas passagens é

possível destacar a busca para que a interação fosse o mais espontânea e igualitária possível,

indicando como o diálogo, respeito e combate às desigualdades sociais estão relacionados aos

objetivos de ensino. De modo que, além dos aspectos motivacionais, as relações igualitárias

são parte importante dos meios e fins do Método.

Análise comportamental sobre aspectos da "metodologia do ensino" do Método

Desde a organização e confecção do conjunto de estímulos visuais e atividades que

serão usados como condição de ensino, é nítida a busca pela vinculação dos conteúdos

estudados ao contexto vivido pelos aprendizes (a relação entre o conteúdo e o mundo fora do

contexto de aprendizagem). Nas etapas de elaboração III – Criação de situações existenciais e

IV – Construção das fichas-roteiro (Freire, P. 2011a, p. 150), as figuras das situações

existenciais e suas respectivas palavras representativas escritas correspondem aos recursos

materiais que darão condição para:

- os educandos reconhecerem e descreverem situações que vivenciam e

82

- os mediadores proporem questões que relacionem as vivências cotidianas a

problemas sociais e políticos em âmbito local e nacional, bem como suas possíveis causas,

seus determinantes históricos e políticos.

Na etapa V de elaboração, Construção das fichas com a decomposição e

recomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores (Freire, P.

2011a, p. 149), ocorre a confecção do material que permitirá:

- identificar os aspectos relevantes (orientação espacial e formato) dos estímulos textuais que

deverão promover /estimular as respostas de fala (leitura) e motoras (escrita);

- identificar as diferentes unidades dos estímulos visuais (palavras, letras, sílabas);

- relacionar os estímulos gráficos (grafemas) e sonoros (fonemas) correspondentes;

- recombinar as unidades menores dos estímulos a fim de formar novas palavras.

Todos esses recursos visuais em conjunto com os debates formam também uma

condição motivadora importante porque são uma situação inicial para discussão de formas de

contracontrole para as condições aversivas vividas pelos educandos, e destacam o

conhecimento como ferramenta favorecedora dessa reação.

A importância desses materiais para a promoção das discriminações relevantes é

observada, por exemplo, na aula sobre cultura, quando os participantes “chamam de índia, o

índio” (Lyra, 1996, p. 25) e na discussão sobre a palavra geradora salina, quando os

participantes chamaram a atenção para a cor da água desenhada nos cercos (tanques) da

salina: “é avermelhada, e não azul como está no slide” (Lyra, 1996, p. 49). Embora nestas

situações tais dificuldades pareçam ter sido contornadas facilmente, elas ilustram situações

em que o material não atende à expectativa do educador. Em outra situação os coordenadores

passam a trabalhar com slides feitos de papel vegetal recortado no tamanho dos diapositivos

(Lyra, 1996, p. 54), o que possibilitou projetar as palavras escritas pelos próprios participantes

e a correção pelo próprio grupo. Ou seja, com esse novo recurso, os participantes passaram a

obter mais feedbacks em relação ao seu comportamento, além dessas consequências se

tornarem mais próximas à emissão das respostas.

Isso não quer dizer que a importância material dos recursos seja maior do que a

relevância do que esteja sendo estudado. Recursos materiais são mediadores da proposta e,

frequentemente, as dificuldades com eles são mais bem contornadas do que dificuldades de

propostas e definição de objetivos, por exemplo. Entretanto é uma dimensão relevante e que

deve ser considerada em sua importância como facilitadora do ensino, como ação preventiva

de confusões e dúvidas à medida que funcione para acentuar os aspectos relevantes do que se

83

visa a trabalhar. Como explica de Rose (2005), as contingências de reforço são o que tornam a

pessoa capaz de discriminar os aspectos do ambiente. Portanto, os materiais devem garantir

que as dimensões relevantes sejam abarcadas em sua totalidade ainda que alguns aprendizes

precisem de condições diferentes para discriminar aspectos distintos.

Controle por estímulos ou discriminações.

Na descrição de Terra (1994) aparece que a palavra geradora no canto do slide tinha a

finalidade de “construir uma relação semântica”. “Na linguagem comportamental, a relação

entre antecedentes e resposta é denominada controle de estímulos. O termo controle, neste

caso, significa apenas que a resposta é afetada sistematicamente pela presença e pela variação

de determinados estímulos.” (de Rose, 2004, p. 106). Nesse sentido, Marinotti (2004) afirma

que:

ensinar a ler e escrever é, em parte, colocar o comportamento do aprendiz sob controle

das variáveis relevantes do código escrito. Este código, como a maioria dos estímulos

com que a criança se depara, possui inúmeras propriedades – algumas relevantes, do

ponto de vista do ler e escrever, outras irrelevantes. (p. 207)

Embora a autora se refira ao ensino de crianças, é possível estender a definição para a

alfabetização de adultos. Tomando o paradigma de equivalência de estímulos como um

modelo de estudo do significado, a apresentação dos estímulos palavra ditada, palavra

escrita e figura pode ser entendida como o ensino de relações equivalentes entre esses

estímulos. Desse modo, as fichas de situação existencial com a palavra geradora escrita, as

fichas de decomposição e explicações dos coordenadores são condições que, além de permitir

o pareamento da figura com a palavra geradora falada e com a palavra escrita, podem

favorecer a formação de classe de estímulos entre esses estímulos (figura, palavra ditada,

palavra escrita). Possibilitam ainda colocar o comportamento do aprendiz sob controle das

variáveis relevantes do código escrito como direção do texto, posição e forma das letras, mas

não cor da impressão e tamanho.

Ao final da explicitação sobre a escrita das palavras geradoras e suas famílias de

sílabas, é provável que o participante seja capaz de apontar a palavra estudada escrita quando

o coordenador, por exemplo, disser ou mostrar a figura, bem como escrevê-la quando este

pronunciá-la ou apontar para sua figura. Se isso ocorrer, dizemos que houve a formação de

uma classe de estímulos equivalentes – palavra escrita, palavra falada e figura – e de

respostas – dizer a palavra, escrevê-la e apontar o desenho.

84

Isto quer dizer, por exemplo, que, se o aluno aprender novas relações para um dos

membros dessas classes, como a palavra escrita com letra cursiva e com letra impressa, isso

será “transferido” para os demais membros da classe: para a figura e para a palavra falada (de

Rose, 2005; Sidman, 1994). Além disso, no relato de Lyra (1996) sobre os participantes

formarem a palavra “lata” a partir do ensino das famílias da palavra “belota”, também é

possível dizer que houve um pareamento (emparelhamento) dos sons /la/ e /ta/ com as escritas

la e ta, bem como da palavra falada “lata”, da escrita com o objeto lata. A condição da

apresentação das famílias permite o ensino da discriminação dos fonemas vocálicos e

consonantais.

De Rose (2005) explica essa transferência da aprendizagem a partir do modelo de rede

de relações, já que um conjunto de relações ensinadas permite o surgimento de novas relações

sem o ensino explícito. Diz o autor que

a formação de classes de estímulos e de respostas possibilita a integração funcional

dos repertórios, com graus crescentes de transferência para novas relações: à medida

que a rede de relações se expande passa a haver uma geração progressivamente maior

de novas relações. (de Rose, 2005, p. 46)

O surgimento de relações sem a necessidade do ensino de todas as relações, somado

ao ensino de palavras geradoras, com conteúdos interessantes aos participantes, ou seja,

reforçadoras para seu comportamento verbal oral, parece ser um dos aspectos que justificam

os ótimos resultados da alfabetização em 40 horas. Já a respeito da sequência de ensino em

relação às palavras geradoras, é possível indicar que permitiam a formação de uma cadeia de

respostas19

para a leitura e escrita da palavra geradora de trás-para-frente. Primeiro foi

ensinado o último elo, a palavra inteira: por exemplo, leitura da palavra belota. Em seguida,

os elos intermediários (sílabas): ficha com a palavra separada em sílabas. E, por último, os

elos iniciais (letras) por meio das fichas de decomposição das famílias.

Em outra análise a respeito da mesma situação de decomposição das palavras

geradoras, é possível destacar as contingências como o ensino de comportamentos

precorrentes ao comportamento de leitura. Entende-se que, diante da pergunta “que palavra é

essa?” ou “o que está escrito aqui?”, atentar para as dimensões do estímulo (as letras e

19 Segundo Catania (1998/1999), uma cadeia de respostas pode ser entendida como uma sequência de

comportamentos, podendo cada um ser tratado como um operante diferente, e em que a consequência

reforçadora produzida por cada componente é a oportunidade de emissão do próximo até que a sequência

termine por um reforçador.

85

grafemas da palavra escrita) corresponde a respostas preliminares que melhoram a eficiência

do comportamento posterior (comportamento textual) ao aumentarem a chance de reforço

deste comportamento.

Embora Carlos Lyra afirme que não havia correção quando os participantes

pronunciavam “passo” para pássaro ou “estautua” para estátua, a rigor, havia certa correção

embora ocorresse de maneira indireta, sob a forma de dicas verbais na medida em que os

coordenadores pronunciavam mais lentamente as palavras. Essa correção permite a

discriminação do comportamento com menor chance de punir a participação e o envolvimento

do aluno. Assim, ouvir as pronúncias da forma culta pelos coordenadores, possivelmente, já

funcionava como reforço diferencial para as falas dos aprendizes sem que houvesse a

necessidade de correções ostensivas e aversivas que poderiam inclusive diminuir a

participação dos aprendizes durantes os encontros. Nas palavras de de Rose (2005):

além de reforço imediato, a aprendizagem de qualquer habilidade requer reforço

diferencial, que forneça feedback a respeito da correção da resposta. Este reforço

diferencial fortalece as respostas que se aproximam do padrão correto, e possibilita a

autocorreção das respostas que se afastam deste padrão. Na aprendizagem de muitas

habilidades o reforço diferencial é praticamente automático. Por exemplo, quando a

criança aprende a imitar respostas vocais, a comparação auditiva da vocalização da

criança com a vocalização do modelo fornece feedback diferencial imediato. Para

crianças sem deficiência auditiva ou mental, este feedback funciona como reforço

diferencial, permitindo a aquisição do comportamento sem necessidade de um treino

especial. (p. 47)

A “fala escandida” do professor objetivava colocar a produção oral do aprendiz sob

controle de dimensões verbais relevantes. Esse procedimento também pode ser entendido

como envolvendo duas operações distintas, mas relacionadas: a modelação e a modelagem.

Ao pronunciar as palavras de acordo com a norma culta, o professor trabalha com a

modelação, no sentido de que oferece um modelo da pronúncia segundo a norma culta. Ao

mesmo tempo, é possível a modelagem da produção verbal em função das aproximações

sucessivas que ocorrem na fala do aprendiz à medida que vai se estreitando à norma culta.

Marinotti (2004) afirma que, à proporção que progride em seu processo de

alfabetização, o aprendiz evidencia mudanças graduais e contínuas no controle exercido pelas

diferentes propriedades dos símbolos gráficos: dimensões irrelevantes perdem a capacidade

de controlar as respostas do aprendiz, ao mesmo tempo em que as dimensões relevantes vão

fortalecendo seu controle. É possível destacar algumas condições de ensino em que o

mediador promove um exagero ou destaque das unidades do estímulo a fim de facilitar a

discriminação dos fonemas pelos aprendizes. Por exemplo, após a visualização da palavra no

86

slide com a figura, projetar um slide apenas com a palavra geradora ou quando se utilizam de

folhas (tamanho mapa) contendo as diversas famílias de letras (Lyra, 1996). Ou ainda, na

passagem a seguir: “... mostrando que cada sílaba faz parte de uma família de letras, fomos

acrescentando lenta e gradativamente outras famílias, formando assim novas palavras

geradoras, com o que fizemos o aprendizado da leitura e da escrita” (Lyra, 1996, pp. 35-36).

Em alguns momentos o mediador pode criar situações artificiais até que os aprendizes

se mantenham sob controle das dimensões relevantes, por exemplo, quando os participantes

“tiveram dificuldade para diferenciar o m do n. Colocando a mão no quadro-de-giz,

desenhamos a silhueta dos dedos, dois ou três, de conformidade com a letra desejada” (Lyra,

1996, p. 52). Em outros momentos essas condições vêm dos próprios participantes, por

exemplo, ao destacar a semelhança física entre objetos conhecidos e as formas das letras para

destacar as dimensões relevantes a que devem se manter atentos: “Forma do ‘A’ - canga de

cabra. Forma do ‘S’ - armador de rede. Forma do ‘O’ - boca de panela. Estas foram as

soluções ‘boladas’ por eles, ‘batizando’, assim, estas letras” (Lyra, 1996, p.45). Além disso,

esses casos são indicativos de que, segundo de Rose (2005), no ensino da leitura não se trata

apenas de estabelecer novas relações de controle de estímulo, mas a modificação de relações

já existentes, ou segundo a linguagem técnica, deslocamento do controle de estímulos.

O relato de que “um participante do CC de Lenira escreve da direita para a esquerda”

(Lyra, 1996, p. 44) exemplifica uma situação em que o comportamento não está ainda sob

controle de todas as dimensões relevantes como, no caso, a direção da escrita na língua

portuguesa. Já na leitura o controle dos símbolos gráficos aparece na exigência que em alguns

momentos se responda diferencialmente diante de letras isoladas, como os artigos definidos

singulares, e em outros momentos diante de pares ou conjuntos de letras. Essa dificuldade é

exemplificada na passagem a seguir “Não deixar que eles soletrem. Que pronunciem

diretamente as sílabas: BA e não BE-A-BA. Exercícios com as famílias das letras reunidas.”

(Lyra, 1996, p. 44). De Rose (2005) explica que “se o comportamento textual foi bem

aprendido, fragmentos de palavras, palavras inteiras ou grupos de palavras, constituem

estímulos discriminativos que exercem controle sobre uma sequência de respostas vocais

(muitas vezes encobertas) que se seguem fluentemente” (p. 38). Na situação acima descrita é

possível indicar que os participantes respondiam apenas separadamente aos estímulos “b” e

“a”, ao invés de produzir a resposta única “ba” a esse conjunto de letras.

87

A esse respeito, de Rose (2005) comenta que:

qualquer que seja o peso relativo dos fatores internos (maturação e desenvolvimento) e

dos fatores externos (contingências sociais), é importante conhecer a noção das

crianças, e das pessoas analfabetas em geral, a respeito da escrita. Os aspectos do

estímulo textual que controlam as respostas de um leitor podem nem mesmo existir

para uma pessoa analfabeta, e o responder desta pode ser controlado por aspectos que

um leitor desconsidera. (p. 35)

Em várias passagens aparece a notação de “leitura coletiva e individual” o que ajuda

na discriminação dos controles de estímulos necessários para o desempenho de leitura. Ouvir-

se é uma condição importante para que o comportamento de leitura se torne autônomo. E, ao

comparar o que ouve de si mesmo e o que ouve dos demais diante dos mesmos estímulos, por

exemplo, pode ajudar o aprendiz na modelação de seu comportamento tornando a leitura

fluente.

Nesse sentido, de Rose (2005) comenta que na aprendizagem da leitura,

ao detectar trechos que não fazem sentido, a criança deve aprender a, como faz o leitor

experiente, interromper a cadeia de comportamento textual e retornar ao ponto

anterior, produzindo nova resposta textual.

A ausência de qualquer componente do repertório pode resultar numa aprendizagem

defeituosa. Por exemplo, crianças que não aprenderam a sequência de movimentos de

olhar podem ler palavras de trás para diante ou em ordem que não corresponde à do

texto. Muitas crianças podem precisar aprender a ouvir o próprio comportamento

textual, para desenvolver a compreensão e autocorrigir trechos que não fazem sentido.

Observações informais que vimos realizando em sala de aula sugerem que estas

características importantes do repertório de ler são frequentemente desconsideradas

pelos professores. (p. 38)

Apesar de se referir à aprendizagem de crianças, é possível estender esta análise ao

aprendizado também de pessoas adultas. Além disso, de Rose (2005) comenta que a

compreensão da leitura como indistinta da escrita também contribui para que características

importantes do repertório de ler sejam desconsideradas parecendo haver uma ênfase no

“adestramento das crianças para uma escrita ortograficamente correta” (p. 38), sendo os

componentes do repertório de ler frequentemente negligenciados.

Os registros sobre as reuniões entre os coordenadores trazem essa questão nas

seguintes notações: “no CC da Valquíria, dona Maria escreve tudo, mas não lê” (Lyra, 1996,

p. 44), ou ainda: “Formar palavras no quadro-de-giz e pedir para que eles leiam, em vez de

pedir para que eles formem palavras: exercitar a leitura” (p. 91). Esses casos mostram como,

embora bastante interligados no cotidiano, ler e escrever são comportamentos distintos, estão

sob controle de variáveis diferentes e podem exigir condições específicas de ensino (de Rose

2005; Lee & Pegler, 1982).

88

Em outro momento aparecem as dificuldades de alguns participantes no manejo do

material: “A maior parte não sabia como usar o lápis e, principalmente, o caderno. Escreviam

fora do trilho (como chamavam as linhas)" (Lyra, 1996, p. 37). O que permite destacar que a

classe de comportamentos ligados ao escrever envolve habilidades (respostas) motoras que às

vezes precisam ser ensinados ou fortalecidos separadamente.

Análise comportamental das posturas pedagógicas adotadas pelos educadores

A respeito do uso comum e generalizado do controle aversivo no ensino tradicional,

Skinner afirma que, ao longo de muitos anos, mudou apenas de forma, das palmatórias às

suspensões, broncas e outros castigos. O autor comenta que

enquanto vai preenchendo, na carteira, as lições do caderno, a criança está se

comportando de forma a escapar da ameaça de uma série de pequenos eventos

aversivos: a zanga da professora, o deboche ou a gozação dos colegas, o vexame das

comparações e competições, a nota baixa, ter de ir ‘conversar’ com a diretora ou levar

um ‘bilhetinho’ para casa, onde a vara de marmelo ainda pode funcionar. Diante desta

confusão de consequências aversivas, chegar à resposta certa é, em si mesmo, um

evento insignificante, cujo efeito ficará perdido no meio das ansiedades, do tédio e das

agressões, que são os inevitáveis subprodutos do controle aversivo. (Skinner,

1968/1972, p. 15)

Contrário a estas situações comuns no ensino tradicional e criticadas por Skinner,

Carlos Lyra (1996) relata que quando pronunciavam uma palavra de maneira não formal, os

mediadores não corrigiam os participantes, mas continuavam o debate aproveitando as

respostas dadas por eles. É possível destacar no Método a busca pela construção do que se

chamaria na linguagem comportamental de uma comunidade verbal não punitiva. Isto é, a

ação chamada de “valorizar” as respostas dos participantes seguindo as explicações a partir

delas é fundamental no Método porque tem maiores chances de reforçar o comportamento de

responder diante dos questionamentos propostos aumentando as chances de diálogo e de livre

expressão dos educandos. Desse modo, a participação e o reconhecimento da importância

dessa participação, tanto por parte dos professores como do grupo, são consequências

emitidas pelo professor e pelo grupo e têm chances de serem reforçadoras para o

comportamento dos participantes de expressar reflexões, dúvidas e críticas.

Comentando sobre a fase de levantamento vocabular, Paulo Freire (2011a) diz que é

de resultados muito ricos para a equipe de educadores, não só pelas relações que travam, mas

pela “exuberância não muito rara da linguagem do povo de que às vezes não se suspeita” (p.

147 – itálicos adicionados). Como exemplo dessa exuberância, o autor relata o que disse um

dos entrevistados: “Janeiro em Angicos é duro de se viver, porque janeiro é cabra danado prá

89

judiar de nós”. Ao que o professor Costa Lima, secretário da revista Estudos Universitários e

membro da equipe do SEC, comentou que é “afirmação ao gosto de Guimarães Rosa” (Freire,

P., 2011a e 1963).

A construção da comunidade não punitiva se inicia, portanto, com a primeira etapa de

elaboração do método em que, por meio das entrevistas, estabelecia-se o primeiro contato da

equipe de educadores com participantes. Nesse momento também se inicia um processo de

vínculo entre mediadores e participantes e se torna um meio para a criação de uma interação

positiva e igualitária com os futuros participantes. Havendo uma relação afetiva, de respeito e

sinceridade entre o professor e o aprendiz, os elogios têm mais chances de funcionarem como

reforçadores naturais. Quando de uma interação aversiva entre eles, as ações do professor

podem ter efeitos muito diversos sobre o comportamento do aluno e vice-versa.

É possível entender também que os aspectos que distanciam a fala dos aprendizes das

falas formais da língua não eram considerados respostas erradas ou inadequadas para os

coordenadores dos CC’s. Ao contrário, são entendidos como representações que traduzem a

cultura dos participantes e por isso são percebidos como uma estética diferente, mas de

mesmo valor que a da linguagem formal. Dessa forma, os destaques e comentários ressaltam a

importância da postura dos educadores de respeito e valorização autênticos quanto à

linguagem “do povo” e de seus saberes “de experiência feito” (Freire, P., 1983, cap. 2).

Esses aspectos não são secundários, mas centrais tanto para a execução do Método como para

a pedagogia libertadora de Paulo Freire.

Na comunidade criada pelos CC, portanto, o aprendiz também é professor sobre seus

meios de vida, seu cotidiano, suas ideias e interesses (dentro e fora do conteúdo). O

coordenador propõe os debates ou faz explicações teóricas se mantendo sob controle do

comportamento do aprendiz e responde naturalmente e de forma contingente às suas

manifestações. O aprendiz percebe essas ações, percebe que tem influência (controle) sobre o

meio e isso intensifica a frequência do seu responder.

Outro exemplo disso refere-se às recombinações de sílabas por parte dos aprendizes. A

esse respeito diz Freire (1963): “não importa que [o educando] traga vocábulos que não sejam

termos. O que importa, no dia em que põe o pé neste domínio novo é a descoberta das

combinações fonêmicas” (p. 16). Nesse sentido, de Rose (2005) comenta que a ênfase na

forma do comportamento em detrimento das relações, tem sido uma prática comum na

educação e é certamente uma das razões do fracasso frequente das práticas escolares. O autor

diz ainda que no caso da alfabetização há uma supervalorização dos desempenhos de cópia e

90

ditado, em detrimento da leitura e da escrita expressiva. Esse também é um aspecto destacado

por Skinner (1968/1972) no capítulo sobre originalidade em que diz:

as contingências concebidas para ensinar um estudante a escrever são quase sempre

mais úteis se respeitam em primeiro lugar a quantidade. O importante é evocar

comportamento. (Emendar é uma outra parte do processo criativo). Nas contingências

que respeitam a quantidade, são emitidas respostas que, de outro modo, nunca

apareceriam, muitas das quais podem mesmo ser atribuídas a variáveis que nunca

seriam eficazes de outro modo. O comportamento tende, portanto, a ser original. (p.

172)

É justamente a favor dessa postura que se coloca o professor da educação libertadora.

O que não quer dizer que o ensino da linguagem formal não seja trabalhado em momento

algum. Posterior às fases de descoberta e com o mesmo rigor crítico com que se discute

qualquer conteúdo de ensino, a linguagem formal também deverá ser ensinada aos aprendizes

da pedagogia libertadora. Entretanto, com o cuidado de não se sobrepor à linguagem e à

cultura desses aprendizes. Nessa prática, o educador e a educadora se mantêm mais sob

controle de manter a motivação para o estudo e para a reflexão crítica, do que sob controle da

forma do comportamento ou de sua acepção meramente técnica.

Diálogo como condição de ensino do pensar crítico. Ou Dos objetivos de ensino de

politização

No Método o diálogo é a base para a construção das relações e da práxis pedagógica.

Por meio dele e dos temas de relevância existencial e política são desenvolvidos os repertórios

verbais orais a respeito dos quais os aprendizes aprendem também a ler e a escrever.

Não se trata da simples substituição de conteúdos ou acréscimo de aspectos

relacionados à política, pois, segundo Paulo Freire (1983) isso seria sloganizar, ou seja, uma

imposição de ideias tão alienante quanto à educação tradicional. Na proposta freireana tratar

dos temas existenciais é tratá-los de maneira dialógica. É apenas por meio da relação

horizontal e promotora de confiança que se torna possível a educação problematizadora e

conscientizadora, sem a imposição, sem que os educandos se tornem a mera extensão das

ideias do professor.

Respeitando e valorizando a condição social e de compreensão de mundo em que se

encontra o aprendiz, se problematiza essa condição contextualizando-a, histórica e

socialmente, de maneira crítica. Isto permitirá ao educando agir para transformar sua condição

oprimida. Nas palavras de Luiz Lobo, responsável pela cobertura jornalística do projeto, essa

aprendizagem foi descrita da seguinte forma:

91

no presídio de Angicos, o CC tornou-se espaço de liberdade, onde presos, familiares e

soldados, ‘noite após noite, ficaram conscientes de que a maior desgraça do homem

era o atraso, a ignorância, o analfabetismo, e que lendo e escrevendo o homem vence a

miséria, a fome e até a seca. (Lyra, 1996, p. 22).

No Método os temas são escolhidos a partir da realidade em que estão inseridos os

participantes a fim de que os aprendizes percebam e analisem de maneira crítica as influências

sociais sobre seu comportamento (condições sociais a que estão sujeitos). Isto permitirá que

“descubram” o que tem a dizer, a respeito do que tem a escrever e a ler e com quais

finalidades e, nesse sentido, permitirá que respondam de modo diferente diante das condições

sociais.

Os debates podem ser entendidos como condição de ensino para uma mudança

comportamental da postura fatalista e ingênua para a uma postura de análise e questionamento

de questões socialmente relevantes por meio do ensino de comportamentos novos (ler,

escrever, “pensar crítico”, conhecer histórico e político) atrelados aos repertórios que já

possuem (experiências cotidianas). São exercitadas a verbalização e a reflexão levando a

discriminações sobre as contingências sociais em que os participantes estão inseridos (por

exemplo, para votar é preciso ser alfabetizado) e também possíveis formas de contracontrole

em relação a tais contingências aversivas (estudo; voto consciente, como povo, não como

massa; cobrança sobre os direitos já estabelecidos por lei e conquista de novos direitos;

greve). Isto é, por meio do diálogo os aprendizes passam de um repertório de comportamentos

governado por regras e autorregras que não condizem com a realidade

(fatalismo/ingenuidade), para regras e autorregras condizentes com seus determinantes

autênticos, os fatores históricos e políticos, sendo também capazes de questioná-las.

No relato de Lyra (1996), ao tratar sobre o voto e de sua importância para a

emancipação política, aparece a situação a seguir.

No CC de Valquíria, eles disseram:

- Venha a senhora e oriente a gente para votar certo.

No CC de Ribamar, disseram que votariam em quem ele mandasse.

Diante dessa perspectiva de mudança de polaridade, de dependência, agora, aos

coordenadores, ressaltamos, com muita ênfase, que não estávamos fazendo favor, e

que o curso era resultado da aplicação do imposto pago por eles. Nossos estudos

também, e que cumpríamos apenas com nossa obrigação... Eles é que deveriam

encontrar seus caminhos, senhores de seus destinos, de seu acontecer. (p. 48)

Nesta passagem é possível exemplificar a busca dos educadores pela autonomia dos

aprendizes. Não se trata apenas de instalar um conjunto pronto de repertórios verbais, mas de

torná-los capazes de gerar suas próprias regras (autorregras) de maneira não fantasiosa ou

92

inocente, mas em coerência com as contingências sociais e políticas em vigor. O

comportamento de não seguir o que fosse imposto por políticos ou outros patrões deveria ser

generalizado inclusive pelo não seguir, simplesmente, orientações ou indicações dos

coordenadores ou de qualquer pessoa.

Outra característica fundamental desse Método é que nele os aprendizes tornam-se

responsáveis pelo seu próprio ensino. Na proposta de Paulo Freire, os educandos conhecem a

si mesmos e conhecem os problemas sociais que os afligem ao assumirem-se como sujeitos da

sua própria educação e da transformação dessa realidade. Diz o autor:

o educando se reconhece conhecendo os objetos, descobrindo que é capaz de

conhecer, assistindo à imersão dos significados em cujo processo se vai tornando

também significador crítico. Mais do que ser educando por causa de uma razão

qualquer, o educando precisa tornar-se educando assumindo-se como sujeito

cognoscente e não como incidência do discurso do educador. Nisto é que reside, em

última análise, a grande importância política do ato de ensinar. Entre outros ângulos,

este é um que distingue uma educadora ou educador progressista de seu colega

reacionário. (Freire, P., 2011b, p. 65)

No Método a busca é para que fique claro como contingências são definidas por uma

série de fatores históricos e políticos e a demanda pelas regras e autorregras condizentes com

esses determinantes reais, não mais ingênuos, é definida com a participação do educando.

Assim, mais do que a mera mudança passiva e unidirecional no repertório do educando pela

ação dos professores, no método dialógico os repertórios acadêmicos, políticos, de

autogoverno, de autocontrole, de contracontrole e a busca pela produção de novas

contingências sociais são construídos com os próprios aprendizes ao longo da alfabetização.

Conclusão da leitura comportamental

O comentário do senhor Manezinho de que o professor não ensinou, mas “apenas

refrescou a memória” (Lyra, 1996, p. 29), tem um sentido metafórico interessante, porém

restrito. É possível dizer que o professor “não ensinou coisas novas” no sentido de que a

aprendizagem ali envolvida não diz respeito à outra coisa senão à própria vida do participante.

Se olharmos para as experiências que o indivíduo traz (em qualquer idade ou qualquer nível

de ensino) quando se torna aluno, o professor não é o responsável pela maioria delas. A ação

do professor não é condição nem necessária nem suficiente para que o aluno aprenda em um

sentido amplo do aprender. Afinal, muito também irá depender das ações do aluno e de toda a

comunidade em que estão inseridos, e eram esses os assuntos principais dos debates em que

se dá a afirmação do senhor Manezinho.

93

No entanto, as vivências que o professor proporciona, esse “mero” “refrescar de

memória” sobre a experiência que os alunos já possuem, são ações que permitem uma

mudança muito significativa em suas maneiras de agir. É importante não menosprezar o fato

de que as experiências diferentes que o professor traz e os conteúdos a que o aprendiz tem

acesso por meio dessa interação são fundamentais e raramente ocorrem em uma comunidade

não preparada para o ensino.

O professor não traz nada de novo no sentido de que não irá trabalhar com outra coisa

senão o próprio aluno (com suas experiências e seu repertório), no exemplo metafórico

preferido por Skinner (1968/1972) a “construção” do conhecimento do aluno ocorre com base

em e a partir do próprio repertório do aprendiz. Entretanto, é preciso destacar que as perguntas

e comentários que o professor faz e o diálogo que proporciona entre o grupo são condições

fundamentais para que os alunos passem a perceber suas próprias existências de modos

diferentes. Tanto os diálogos sobre as condições sociais, como o ensino da língua portuguesa

escrita dificilmente ocorreriam fora do contexto do curso. São saberes importantes que o

coordenador já possui e que ajuda a construir com o aprendiz por meio das contingências de

ensino.

Assim, de maneira sintética, esta leitura comportamental buscou destacar como na

proposta de Paulo Freire o diálogo constitui-se ao mesmo tempo em meio e em objetivo de

ensino. Como, respeitando e valorizando as vivências de todos os participantes do grupo,

aspectos das relações interpessoais no contexto educativo são fundamentais para o ensino de

conteúdos (repertórios) acadêmicos e não acadêmicos. E a importância da postura ética do

professor e de sua ação em favor de um ensino que busque explicitamente a mudança no

contexto social injusto em que vive a maior parte da população. A seguir são discutidos os

aspectos principais dessa leitura e propostas algumas reflexões.

94

Capítulo 4

Discussões e Reflexões Finais

O objetivo deste capítulo é discutir os principais aspectos mencionados ao longo do

trabalho sobre as abordagens freireana e analítico-comportamental acerca da educação e da

problemática apresentada no início do trabalho: a Análise do Comportamento tem sido parte

do problema ou da solução? A que e a quem essa abordagem tem servido dentro da educação?

Que aspectos das concepções de educação de Paulo Freire podem ser aproveitados na

compreensão da Análise do Comportamento de educação? Quais seriam as principais

contribuições entre esses modos de abordar a prática educativa? Não se trata da subjugação de

uma ou outra teoria, mas de propor reflexões sobre a prática educativa a fim de fomentar o

diálogo e ampliar as contribuições entre os estudiosos da Análise do Comportamento e das

propostas de Paulo Freire.

Uma comparação geral permite apontar que, apesar dos enfoques e perspectivas

bastante distintos, tanto Paulo Freire como os autores da Análise do Comportamento

reconhecem que os problemas sociais têm determinantes históricos; que a liberdade não é algo

possível de ser dado a alguém, mas uma busca constante do ser humano em sua interação com

mundo, e que a educação é entendida como uma prática diretiva e complexa, influenciada

pela cultura em que se está inserida, constituída por ela, à medida que também pode modificá-

la.

Sob a perspectiva comportamental, Skinner (1953/2007; 1968/1972; 1974/2002)

enfatiza a necessidade do avanço de uma ciência do comportamento para que seja possível

uma maior compreensão sobre as sociedades e sua melhor organização. Especificamente

sobre a atuação dessa abordagem na educação, de Rose (2004) afirma que

além de mostrar que diferentes indivíduos podem responder a diferentes aspectos de

uma situação e que, portanto, mesmo quando estão aparentemente na mesma situação,

o ambiente de cada um poderá ser diferente, a Análise do Comportamento fornece

métodos de experimentação e análise para que se identifique (sic) os estímulos que

controlam o responder de cada indivíduo. Ao fazer isso, a análise comportamental

esclarece as pistas que guiam o comportamento de cada um... (p. 110)

Nesse sentido, algumas contribuições da Análise do Comportamento ao trabalho de

educadores na perspectiva freireana e em outras perspectivas educacionais seriam: o próprio

conhecimento sobre o comportamento humano e o uso de aspectos dessa racional (a noção de

comportamento como relação, por exemplo). Além do uso das tecnologias, entendidas não

95

apenas como aparatos, mas também como técnicas e procedimentos que podem promover

práticas mais eficazes de ensino.

Entendendo que o comportamento é multideterminado, essa abordagem reconhece a

importância de aspectos internos à pessoa na sua conduta (como em seu desempenho escolar),

mas reconhece também que os procedimentos de ensino podem ter um papel fundamental em

fornecer à pessoa novos repertórios. Esta ênfase é buscada na análise comportamental, pois,

como tem sido demonstrado em diversos estudos da área, “os limites estabelecidos por

condições orgânicas podem ser ampliados através de procedimentos instrucionais adequados”

(de Rose, 2005, p. 31).

Além disso, como destacado por Skinner (1968/1972),

embora uma tecnologia do ensino se ocupe principalmente com o comportamento do

aluno, existem outras figuras no mundo da educação às quais se aplica uma análise

experimental. Precisamos ter melhor compreensão não só dos que aprendem como

também: 1) dos que ensinam; 2) dos que se empenham na pesquisa educacional; 3)

dos que administram escolas e faculdades; 4) dos que estabelecem a política

educacional e 5) dos que mantêm a educação. Todas estas pessoas estão sujeitas a

contingências de reforço que podem precisar ser alteradas para melhorar a educação

como instituição. (p. 217)

É indicado, então, que as análises de situações específicas realizadas nessa abordagem

podem ser úteis para que os educadores descubram aspectos sobre seu próprio

comportamento, bem como sobre o comportamento do aluno, no processo de ensino-

aprendizagem que não são enfocados em outras abordagens da educação. Por exemplo, a

noção de que ler e escrever como repertórios funcionalmente distintos. Tais análises podem

facilitar a discriminação por parte dos educadores das propriedades do comportamento do

aprendiz que são relevantes (e quais não são) ao ensinar tanto conteúdos tradicionalmente

acadêmicos, como os comportamentos relativos ao pensar crítico, autonomia, reflexão,

engajamento político, conscientização, diálogo, etc.

Dessa maneira, a Análise do Comportamento tem se mostrado parte da solução de

problemas relativos aos objetivos de alfabetização, por exemplo, ao buscar um detalhamento

comportamental sobre os repertórios de leitura e escrita, como realizado por de Rose (2005),

de Souza et al (2004) e Marinotti (2004). Mas poderia buscar estender contribuições como

essas à conscientização política, por exemplo, ao buscar descrições funcionais sobre o pensar

crítico, o engajamento político e o diálogo a fim de facilitar a compreensão e a preparação dos

professores a respeito desses objetivos de ensino.

96

Nesse sentido, algumas questões que poderiam ser ainda mais exploradas em estudos

posteriores seriam: O que funcionalmente acontece quando alguém se comporta criticamente,

dialogicamente, conscientemente, segundo a concepção freireana dessas ações? Diante de que

situações e quais comportamentos dizem respeito ao pensar crítico? Que consequências eles

devem gerar para que se diferenciem de uma ação acrítica? Quais seriam os pré-requisitos

para que alguém desempenhe essa ação de maneira eficaz e eficiente, isto é, com a maior

chance de obter as consequências que almeja? A que aspectos do meio e de seu próprio

comportamento uma pessoa deve estar sob controle para que se comporte dialogando e

promovendo, de fato, uma relação igualitária, respeitosa e interessante para ambas as partes?

Como o professor sabe que sua prática está sendo libertadora e não alienada e alienante? Que

aspectos de seu comportamento e do comportamento do aluno mostram isso? Que critérios ou

dicas comportamentais o professor pode ter a esse respeito?

Estas são questões que provavelmente exigiriam, além de discussões teóricas, uma

gama variada de estudos empíricos. É importante ressaltar também que estas investigações

não teriam o objetivo de se tornarem receitas rígidas que o professor deva seguir, mas, ao

contrário, buscariam destacar aspectos funcionalmente relevantes para os comportamentos

destacados. Pois, como já afirmado, não é (apenas) a topografia de uma ação que interessa à

análise funcional e o que pode funcionar como reforçador do comportamento de uma pessoa

ou mesmo como estímulo discriminativo para ela pode não ter a mesma função para outra, ou

para ela mesma em outro momento.

Na proposta de leitura comportamental apresentada é possível destacar algumas

contribuições das propostas de Paulo Freire sobre a educação que poderiam ser incorporadas

ao trabalho de analistas do comportamento ou outros educadores. Uma delas, já destacada por

Kubo & Botomé (2001), refere-se à grande importância dada ao papel do conhecimento no

processo de ensinar e sobre a “realidade de inserção” da pessoa como uma parte fundamental

na determinação do que ensinar e de como fazê-lo.

Outras questões fundamentais nas obras de Freire se referem à valorização do saber de

“experiência feito”, aprendido fora de situação educacional, e o fato de que o professor

também aprende enquanto ensina. Além disso, os meios e condições para a mudança

comportamental de que se utiliza a educação libertadora criam condição para que o aluno seja

sujeito de seu aprendizado. Sem abrir mão do valor reforçador da estética na linguagem e

assumindo claramente a ética adotada, o ensino parte da realidade existencial vivida pelo

97

educando, de sua concepção de mundo, e é construído e conduzido junto com ele por meios

dialógicos.

Outra das propostas primordiais de Paulo Freire é que as práticas educativas se façam

realmente comprometidas com uma transformação radical das relações sociais. A asserção

comportamental, por sua vez, embora reconheça a importância e a influência política da

educação (Skinner 1968/1972, cap. XI), centra-se na questão da efetividade das condições de

ensino e menos na explicitação quanto ao seu posicionamento político, quando comparado às

proposições do teórico brasileiro. Nesse sentido, segundo as análises freireanas, as propostas

comportamentais parecem servir mais à manutenção do que à transformação das condições

sociais.

Além disso, nos textos de analistas comportamentais consultados, não foram

encontradas discussões sobre a possibilidade de o professor impor sua concepção de mundo

para o aluno, nem sobre a valorização do saber que não seja embasado no conhecimento

científico formal. Embora, obviamente, essas obras não possam ser consideradas

representativas da produção comportamental voltada à educação, essa constatação traz o

convite à investigação e discussão sobre a questão.

As grandes preocupações de Skinner com a efetividade do ensino continuam válidas,

mas o diálogo com a proposta freireana mostra que não é possível realizar uma prática

educativa que seja politicamente neutra. Esta serve, necessariamente, à manutenção ou a

transformação das condições sociais. Para o educador pernambucano, falar em um ensino

efetivo e eficiente que não seja crítico e transformador da realidade é servir às imposições que

são dadas pelos meios políticos não questionados. E essa poderia ser outra contribuição

importante do autor brasileiro, pois, como aponta Holland (1983),

os comportamentalistas que atuam em áreas de aplicação têm estado, em larga escala,

a serviço dos que estão no poder e, embora o Comportamentalismo enquanto ciência,

esteja pronto para ser parte da solução, o comportamentalista que faz aplicação tem

sido, muito frequentemente, parte do problema. (p. 60)

Assim, o diálogo entre estudiosos das duas propostas em questão permite que os

questionamentos freireanos sobre a quem servem as práticas dos educadores possam ser

levados à tecnologia do ensino proposta pelos analistas do comportamento. Como mostra seu

Método de Alfabetização, a explicitação do posicionamento político é fundamental para a

definição do que deve ser ensinado, que métodos e meios priorizar, e quais excluir, na busca

pela proposta de sociedade que se tiver escolhido.

98

O autor brasileiro é explícito ao se mostrar a favor de que a prática do educador seja

guiada por uma postura humanitária e dialógica, não alienante e não autoritária. Desse modo,

em diálogo com as propostas freireanas seria fundamental uma definição dos aspectos

políticos envolvidos em relação aos três termos apontados por Skinner como essenciais para

planejar um sistema educacional: os problemas que a cultura terá de enfrentar; as espécies de

comportamentos humanos que contribuirão para a sua solução e as técnicas que gerarão estes

comportamentos.

A questão de o ensino escolar não restringir-se estritamente a repertórios acadêmicos

também é uma contribuição importante que pode advir desse diálogo. A questão é

parcialmente abarcada pela comunidade de analistas do comportamento, pois, como o próprio

Skinner (1968/1972) sugeriu, as práticas educativas podem (e devem) se estender aos

comportamentos de autogoverno motivacional, intelectual e ético, e comportamentos

controlados por autorregras. Sendo que estes, segundo Fazzi e Cirino (2003), estão ligados ao

que Freire chama de autonomia.

Não obstante, uma questão importante destacada pela leitura comportamental realizada

refere-se ao fato de que nas asserções freireanas a autonomia como um dos objetivos de

ensino envolve não apenas os comportamentos controlados por autorregras, mas também os

comportamentos de contracontrole frente às opressões presentes nas sociedades e os

comportamentos de transformação dessas contingências. Esta questão não aparece como

proposição ou discussão nos trabalhos de analistas do comportamento consultados para este

estudo.

A partir dessa leitura comportamental, ainda é possível afirmar que a busca pela

rigorosidade metódica, tão fundamental ao método científico, estaria presente nas duas

propostas. Na concepção de Paulo Freire, entretanto, a busca pela rigorosidade científica e

repertórios além dos acadêmicos não é, jamais, desvinculada da realidade social, histórica e

cultural em que vivem os aprendizes, nem do compromisso com a busca pela transformação

das relações sociais.

Do diálogo com as propostas de Paulo Freire, portanto, também seria possível

apreender que as investigações feitas pela Análise do Comportamento não sejam feitas apenas

para o mundo e sobre as pessoas, mas com o mundo, a que se dispõe tornar menos aversivo, e

com as pessoas envolvidas. Isto é, que busquem, explícita e conscientemente, abarcar essas

pessoas por meio de uma relação igualitária na definição, por exemplo, dos objetivos de

intervenção ou ensino. Bem como que os objetivos propostos sejam para a construção de

99

novas práticas menos autoritárias e impositivas e mais igualitárias e dialógicas, promotoras da

autonomia de todos os sujeitos envolvidos. Tais apontamentos, segundo Holland (1983), são

possíveis a partir da concepção behaviorista de mundo, pois os comportamentalistas (e os que

clamam por reformas radicais)

sabem claramente que tanto o mérito quanto a culpa cabem ao sistema. (...) Se os

membros de uma sociedade estão infelizes, se são pobres, se estão privados, então as

contingências envolvidas nas instituições, no sistema econômico e no governo é que

devem mudar. É preciso mudar as contingências para mudar o comportamento. Se a

igualdade social é um objetivo a atingir, todas as formas institucionais que mantêm a

estratificação devem ser substituídas por formas que garantam a igualdade de poder e

de condição social. Se a exploração deve ser eliminada, é preciso desenvolver formas

institucionais que garantam a cooperação. Assim, a análise experimental fornece os

fundamentos para aqueles que planejam alterar os sistemas. (Holland, 1983, p. 70)

Desta forma, algumas questões permanecem pouco claras: se no reconhecimento do

papel de uma ciência do comportamento humano que busca atuar nas soluções de problemas

sociais, não é a base epistemológica que está faltando (se essa concepção de ser humano e

sociedade permite a atuação sobre as condições sociais infelizes e injustas de nossa

sociedade), o que falta para essa abordagem ser mais atuante politicamente? Se a proposta da

Análise do Comportamento é por uma sociedade mais eficiente no controle dos estímulos

aversivos, por que meios isto seria possível senão os políticos? Essa abordagem reconhece a

existência de contracontroles e tem a possibilidade de propor contracontroles mais efetivos

contra a opressão, o autoritarismo, a desigualdade social. Mas tem-se atuado nesse sentido?

Por que meios? Em favor de que e de quem?

Apesar da concepção de ciência da Análise do Comportamento permitir que se atue

como parte da solução, aparentemente os analistas do comportamento têm sido mais parte do

problema (Holland, 1983; Botomé, 2010). Em busca de uma postura cada vez mais

questionadora e transformadora em relação aos contextos e desigualdades sociais, esse

trabalho traz a sugestão de que o diálogo freireano talvez seja uma proposta de caminho nesse

sentido. Se Skinner (1953/2007) afirmou que a educação deve estabelecer os comportamentos

vantajosos para o indivíduo e para sua comunidade, Freire vem trazer o diálogo (a educação

dialógica, científica, política, ética e estética) como uma possibilidade de comportamento

vantajoso para a construção de comunidades verdadeiramente antiautoritárias, mais justas e

mais igualitárias.

Ainda que Holland (1983) afirme que “se nos mantivermos fiéis à nossa ciência, é

possível que no futuro nos tornemos parte da solução. Isso porque a Análise do

100

Comportamento, enquanto ciência, se baseia em uma visão de homem que é compatível com

a transformação social” (p. 60), isto será suficiente para os comportamentalistas se manterem

fiéis a sua ciência para promover a transformação social? A resposta a partir das proposições

freireanas é negativa. Faz-se necessário também a atuação política e direta sobre as condições

opressoras.

Desse modo, talvez seja possível indicar que o diálogo, proposto pelo educador

brasileiro, seja ao mesmo tempo uma tecnologia de ensino e um comportamento mais

vantajoso para a sobrevivência (sem imposição) das culturas. Isto é, a favor de culturas mais

progressistas e não coercitivas.

Por fim, a partir das propostas de Paulo Freire, o convite assumido por este trabalho, é

de que ao fazer ciência que o cientista se mantenha aberto ao diálogo com outras ciências.

Especialmente as que têm se feito mais comprometidas com a transformação social. Que se

reafirmem em suas bases, mas também que se busquem novas formas de fazer, cada vez mais

comprometidas com a igualdade, a justiça e a ética. Que se busque reconhecer e colaborar

com outras comunidades científicas e que em cada ação, a cada proposição técnica ou

científica, seja assumida a responsabilidade radical da transformação das práticas

exploratórias e alienantes.

101

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