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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL MARGARIDA MARIA SILVA DOS SANTOS TERRITÓRIO E GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – PNAS 2004: as experiências de Maceió e Arapiraca Recife, abril de 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

MARGARIDA MARIA SILVA DOS SANTOS

TERRITÓRIO E GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL – PNAS 2004: as experiências de Maceió e Arapiraca

Recife, abril de 2010

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MARGARIDA MARIA SILVA DOS SANTOS

TERRITÓRIO E GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL – PNAS 2004: as experiências de Maceió e Arapiraca

Tese apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Serviço Social da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito para

obtenção do título de doutora em Serviço

Social.

Orientadora: Profa. Dra. Anita Aline

Albuquerque Costa

Recife, abril de 2010

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Santos, Margarida Maria Silva dos Território e gestão da política nacional de assistência social – PNAS 2004 : as experiências de Maceió e Arapiraca / Margarida Maria Silva dos Santos . – Recife : O Autor, 2010. 170 folhas : tab. Orientadora: Profa. Dra. Anita Aline Albuquerque Costa. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Serviço Social, 2010. Inclui bibliografia e anexos. 1. Estado. 2. Proteção social. 3. Assistência social. 4. Território. 5. Gestão territorial. I. Título. 361 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2011-012)

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MARGARIDA MARIA SILVA DOS SANTOS

TERRITÓRIO E GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL – PNAS 2004: as experiências de Maceió e Arapiraca

Data da defesa: 23 de abril de 2010

Banca examinadora:

Examinadores titulares:

Dra. Anita Aline Albuquerque Costa - Orientadora

Dra. Maria Carmelita Yazbek – Avaliadora externa

Dra. Rezilda Rodrigues Oliveira – Avaliadora externa

Dr. Denis Antonio de Mendonça Bernardes – Avaliador interno

Dra. Ana Cristina Brito Arcoverde – Avaliadora interna

Examinadores suplentes:

Dr. José Nascimento de França – Avaliador externo

Dra. Maria Alexandra Monteiro Mustafá – Avaliadora interna

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais – um misto de prudência e ousadia – com quem aprendi os

valores que orientam a minha vida;

Ao meu filho, com quem espero continuar tendo uma relação cheia de desafios,

descobertas e esperanças;

Aos meus irmãos, companheiros de viagem, exemplos de diferentes formas de

enfrentar o mundo;

Aos profissionais sérios que encontrei pelo caminho e cujos trabalhos me

estimulam a continuar em uma luta que nos provoca cotidianamente;

À população brasileira credora de proteção social – “os homens lentos de nosso

tempo” – conforme pensa Milton Santos, cujo silêncio, apatia, rebeldia, destruição ou

autodestruição, ainda não aprendemos a decodificar e muito menos a transformar em

elementos de construção de uma sociedade justa.

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AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pelo apoio institucional indispensável à produção desta tese;

Ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco e seus

professores pelo convívio e as muitas lições;

À Universidade Federal de Alagoas e, em especial à Faculdade de Serviço Social,

devedoras e credoras da minha pós-graduação crepuscular;

À professora Anita Aline Albuquerque Costa, orientadora e, acima de tudo,

companheira nos momentos de dificuldade e devaneios;

Aos professores Carmelita Yazbek, Denis Bernardes, Ana Arcoverde, Cristina Amélia

Carvalho e Rezilda Rodrigues, pelas importantes contribuições a este trabalho;

À Secretária Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social, Solange Bentes

Jurema, pela aceitação do estudo e pela disponibilidade de seus profissionais;

Ao Conselho Estadual de Assistência Social e seus conselheiros pela respeitosa

acolhida;

Às secretárias municipais de assistência social de Maceió e de Arapiraca pela acolhida

de suas titulares Sandra Maria Arcanjo e Adélia Lúcia de Almeida;

Às profissionais que, em Arapiraca ou em Maceió, facilitaram as nossas tarefas:

Rainilda, Valéria, Adalúsia, Arabela, Sheyla, Simone, Mércia, Irany, Bia Quirino, Taís e

Dina;

Aos profissionais – assistentes sociais, psicólogos(as), pedagogos(as) – sujeitos da

nossa pesquisa, cuja disponibilidade e confiança foram fundamentais para a sua realização;

Aos colegas de turma, testemunhas da nossa construção: Elza, Lúcia, Mara, Marcelo,

Márcia Iara e Raquel;

A Priscila Santos Alves que ouviu e transcreveu horas de gravação e traduziu

garranchos, transformando-os em algo legível;

A Maria Quitéria pela revisão do trabalho;

Aos amigos abandonados, mas fiéis nas minhas dificuldades: Janne, Carlos,

Therezinha, Margarete, Betânia, Rita Luiza, Roque, Socorro, João Honório e Vera Rocha.

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“Há sempre o perigo de confundir as mudanças transitórias e efêmeras com as

transformações de natureza mais fundamental da vida político-econômica”.

David Harvey

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RESUMO

A presente tese situa-se na área temática de estudo sobre gestão da política de

assistência social e tem como objeto a perspectiva socioterritorial assumida pela Política

Nacional de Assistência Social – PNAS, em sua versão de 2004. Objetiva identificar a direção

social assumida pela referida política e, para tanto, analisa especificamente o conceito de

território, como é expresso em documentos oficiais e como é interpretado e incorporado à

prática dos profissionais atuantes nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS. A

análise fundamenta-se na compreensão de que a assistência social desenvolve-se em um

campo de tensão entre projetos societários antagônicos mediados pelo Estado que, em tempos

recentes, teve o seu papel redimensionado, mantendo-se, entretanto, como regulador das

relações econômicas e sociais, em um claro compromisso com o capital. Por se tratar de uma

pesquisa qualitativa, o trabalho privilegiou a utilização dos seguintes procedimentos

metodológicos: pesquisas bibliográfica e documental, observação e entrevista

semiestruturada. A tese trata sobre a trajetória da proteção social; a construção da assistência

no Brasil; diferentes concepções de território; território e gestão territorial de políticas sociais

e, finalmente, sobre território e gestão da política de assistência social, enfocando as

experiências de Maceió e de Arapiraca. O trabalho conclui sobre a persistência de práticas nas

quais é restrita a possibilidade do desenvolvimento de uma política em que o território adquira

uma posição de centralidade. Práticas de orientação exógena, quando efetivadas

conjuntamente à cultura da não-participação desenvolvida no Brasil em toda a sua história,

devem ser consideradas como desafios a serem enfrentados, ante a possibilidade de uma

política de assistência social que se pretenda territorial.

Palavras-chave: Estado, proteção social; assistência social; território; gestão territorial.

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ABSTRACT

The present thesis deals with the management of the social assistance politics and its

subject matter is the socio-territorial perspective adopted by the National Politics of Social

Assistance – PNAS, in its version of 2004. It aims at identifying the social direction adopted

by the above mentioned politics and, for that purpose, analyzes specifically the concept of

territory as referred to in official documents as well as interpreted by and incorporated to the

praxis of professionals working in the Social Assistance Reference Centers – CRAS. The

analysis grounds on the comprehension that social assistance develops in a tension field

among antagonistic corporate projects mediated by the State which recently had its role

remodeled, however keeping itself as official controller of the economical and social relations

in a clear commitment to the capital. Since it is concerned with qualitative research, this thesis

favored the use of the following methodological procedures: bibliographical and documental

researches, observation and semi-structured interview. It deals with the trajectory of social

protection; the construction of assistance in Brazil; different conceptions of territory; territory

and territorial management of social politics and, finally, with territory and management of

social assistance politics focusing the experiences of Maceió and Arapiraca. The work

concludes about the persistence of practices in which the possibility of developing politics

where the territory gains a position of centrality is restricted. Practices of exogenous

orientation if carried out together with the culture of non-participation developed in Brazil

throughout its history, should be considered as challenges to be confronted facing the

possibility of social assistance politics which pretend to be territorial.

Key words: state, social protection; social assistance; territory; territorial management.

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RESUMEN

La presente tesis doctoral se sitúa en el área temática de estudio sobre la gestión de la

política de asistencia social y tiene como objeto la perspectiva socio-territorial asumida por la

Política Nacional de Assistência Social – PNAS, en su versión 2004. Objetiva identificar la

dirección social asumido por la referida política y, para ello, analiza específicamente el

concepto de territorio, como se expresa en documentos oficiales y como el mismo es

interpretado y incorporado a la práctica de los profesionales actuantes en los Centros de

Referência de Assistência Social – CRAS. El análisis se fundamenta en la comprensión de

que la asistencia social se desenvuelve en un campo de tensión entre proyectos societarios

antagónicos mediados por el Estado que, en tiempos recientes, ha tenido su papel

redimensionado, manteniéndose, sin embargo, como regulador de las relaciones económicas y

sociales, en un claro compromiso con el capital. Por se tratar de una investigación cualitativa,

el trabajo ha privilegiado la utilización de los siguientes procedimientos metodológicos:

investigación bibliográfica y documental, observación y entrevista semiestructurada. La tesis

trata sobre la trayectoria de la protección social; la construcción de la asistencia en Brasil;

diferentes concepciones de territorio; territorio y gestión territorial de políticas sociales y,

finalmente sobre territorio y gestión de la política de asistencia social, enfocando las

experiencias de las ciudades de Maceió y de Arapiraca. El trabajo concluye sobre la

persistencia de prácticas en las cuales se presenta restricta la posibilidad de desarrollo de una

política en la cual el territorio adquiera una posición de centralidad. Prácticas de orientación

exógena, cuando realizadas juntamente con una cultura de no participación desarrollada en

Brasil a lo largo de su historia, deben ser consideradas como desafíos a enfrentarse, ante la

posibilidad de una política de asistencia social que se proponga territorial.

Palabras clave: Estado, protección social; asistencia social; territorio; gestión territorial.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de secretarias dos estados do Nordeste em 2005

Tabela 2 – Divisão do estado de Alagoas e distribuição dos municípios em

mesorregiões e microrregiões

Tabela 3 – Aspectos demográficos do estado de Alagoas

Tabela 4 – Destinação das terras ocupadas com plantações em Alagoas

Tabela 5 – Efetivo de animais no estado de Alagoas

Tabela 6 – Classificação dos municípios de Alagoas segundo sua população

Tabela 7 – Dinâmica da implantação dos CRAS em Alagoas

Tabela 8 – Composição dos territórios dos CRAS

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LISTA DE SIGLAS

- APL – Arranjos Produtivos Locais

- ASCOM – Assessoria de Comunicação

- BB – Banco do Brasil

- BPC – Beneficio de Prestação Continuada

- CEAL – Companhia Energética de Alagoas

- CEAS – Conselho Estadual de Assistência Social

- CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina

- CIB – Comissão Intergestores Bipartite

- CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social

- CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

- CNT – Conselho Nacional do Trabalho

- CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

- CREAS – Centro de Referência Especializada de Assistência Social

- DILC – Distrito Industrial Governador Luiz Cavalcante

- EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

- ETR – Estatuto do Trabalhador Rural

- FCBIA – Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência

- FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

- FHC – Fernando Henrique Cardoso

- FLBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência

- FMI - Fundo Monetário Internacional

- FNAS – Fundo Nacional de Assistência Social

- HIV – Human Imunodeficiency Virus

- IAPM – Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos

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- IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

- IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

- IES – Instituição de Ensino Superior

- INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

- IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado

- IPASE – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado

- IPFU – Instituto de Previdência dos Funcionários da União

- IPH – Índice de Pobreza Humana

- LBA – Legião Brasileira de Assistência

- LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

- LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social

- MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

- MEC – Ministério da Educação e Cultura

- MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social

- MP – Medida Provisória

- MPC – Medida de Privação de Capacidade

- MT – Ministério do Trabalho

- NIS – Número de Inscrição Social

- NOB – Norma Operacional Básica

- ONG – Organização não-Governamental

- ONU – Organização das Nações Unidas

- OPEP – Organização dos Países Produtores de Petróleo

- OTAN – Organização do Atlântico Norte

- PBF – Programa Bolsa Família

- PDV – Plano de Demissão Voluntária

- PIB – Produto Interno Bruto

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- PNAS – Política Nacional de Assistência Social

- PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

- PNLCC – Programa Nacional de Leite para Crianças Carentes

- PNOT – Programa Nacional de Ordenamento Territorial

- PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

- PROALCOOL – Programa do Álcool

- PRODUBAN - Banco da Produção do Estado de Alagoas

- PRORURAL – Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural

- RH – Recursos Humanos

- SAS – Secretaria de Assistência Social

- SEAC – Secretaria Especial de Ação Comunitária

- SEAS – Secretaria de Estado de Assistência Social

- SEADES – Secretaria de Estado de Assistência de Desenvolvimento Social

- SEIAS – Secretaria de Estado de Inserção e Assistência Social

- SEPLAN – Secretaria de Estado de Planejamento

- SERPRO – Serviço de Processamentos de Dados

- SETAS – Secretaria do Trabalho e Ação Social

- SIAS – Sistema de Informação de Assistência Social

- SUAS – Sistema Único de Assistência Social

- TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

- UFAL – Universidade Federal de Alagoas

- UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

- USAID – United States Agency for International Development

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SUMÁRIO

Resumo...........................................................................................................................8

Abstract...........................................................................................................................9

Resumen .......................................................................................................................10

Lista de tabelas..............................................................................................................11

Lista de siglas................................................................................................................12

INTRODUÇÃO............................................................................................................17

1 – Proteção social: do pleno emprego ao desemprego estrutural................................20

Introdução..........................................................................................................20

1.1 – Proteção social e o Estado de bem-estar...................................................20

1.2 – A crise do Welfare State e a reconfiguração da proteção social ............. 29

2 – Proteção social e assistência social no Brasil.................................................... .... 44

Introdução.......................................................................... ...............................44

2.1 – Proteção social e políticas sociais na América Latina............................. 44

2.2 – A construção de um sistema de proteção social no Brasil....................... 46

2.3 – A construção de uma política de assistência social no Brasil: avanços e

retrocessos.........................................................................................................50

2.4 – Assistência social:política pública, dever do Estado, direito do cidadão.53

2.5 – A PNAS em sua primeira versão: tempo de consolidação.......................55

2.6 – A PNAS em sua segunda versão: a exigência de um redesenho..............68

3 – Território e gestão de políticas sociais no Brasil.....................................................75

Introdução..........................................................................................................75

3.1 – Situando a questão ...................................................................................75

3.2 – Espaço local, poder local e desenvolvimento local..................................76

3.3 – Território: conceitos e abordagens...........................................................85

3.4 - Território e territorialidade das políticas sociais no Brasil.......................92

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4 – Território e gestão da política de assistência social: as experiências de Maceió e

Arapiraca.....................................................................................................................108

Introdução........................................................................................................108

4.1 – A construção do território alagoano.......................................................108

4.1.1 – Sobre o município de Maceió..................................................119

4.1.2 – Sobre o município de Arapiraca..............................................120

4.2 – Gestão da política de assistência social em Alagoas..............................121

4.3 – Percurso e recursos metodológicos da pesquisa.....................................124

4.4 – O território e os CRAS em Alagoas.......................................................126

4.4.1 – O território e o desafio da localização dos CRAS...................128

4.4.2 – O território e o seu conceito.....................................................133

4.4.3 – O território e o seu conhecimento............................................134

4.4.4 – Território e gestão em rede......................................................135

4.4.5 – Território e atuação intersetorial..............................................137

4.4.6 – Território de participação da população..................................139

4.4.7 – Território e informação: vias e infovias..................................143

4.4.8 – Território e controle social......................................................145

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS..................................................................................148

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 155

ANEXOS................................................................................................................................164

Anexo 1 – Decálogo dos direitos socioassistenciais........................... ......................165

Anexo 2 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFAL..................................167

Anexo 3– Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..........................................168

Anexo 4 – Variáveis consideradas para a definição de vulnerabilidade............170

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INTRODUÇÃO

Desde o ano 2000, temos dedicado nossa atenção ao estudo sobre a gestão da política

de assistência social. Desse modo, em 2003, defendemos como trabalho final do nosso

mestrado a dissertação intitulada “Assistência social em Alagoas: a gestão estadual em

questão”, o que nos autorizou a contribuir com algumas reflexões em seminários,

conferências municipais e estaduais de assistência social; com a produção de textos que

circularam no ambiente acadêmico e com a participação em discussões promovidas por

secretarias municipais de assistência, ou junto ao Conselho Estadual de Assistência Social.

Logo em seguida, em 2004, a gestão da assistência social foi alterada, o que se

explicitou com a redefinição da Política Nacional de Assistência Social - PNAS, trazendo um

elemento novo – o Sistema Único de Assistência Social – SUAS que, por sua vez, tornou

imperativa a elaboração de uma nova Norma Operacional Básica, a NOB/SUAS, aprovada em

2005 pelo Conselho Nacional de Assistência Social. No conjunto das modificações daquele

momento, três delas chamaram nossa atenção pelo impacto potencial que sinalizavam na

implementação da política de assistência social: a matricialidade sociofamiliar e a perspectiva

socioterritorial, além da definição da política de recursos humanos para o setor, objeto de uma

Norma Operacional Básica específica, a NOB-RH/SUAS aprovada em 2006 e publicada em

2007. Sem prejuízo do nosso interesse pelos outros aspectos, dedicamo-nos ao estudo do

enfoque socioterritorial assumido pela PNAS.

Transformamos nossas preocupações em um projeto de pesquisa que nos habilitou na

seleção para o curso de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco em 2006. Do

processo vivenciado durante o curso resultou o presente trabalho que se inscreve no campo

temático da gestão de políticas sociais e tem como objeto a perspectiva socioterritorial

assumida como eixo estruturante da PNAS 2004.

A tese é resultante da realização de uma pesquisa qualitativa e privilegiou a

utilização dos seguintes recursos metodológicos: pesquisas bibliográfica e documental,

observação, entrevista e reunião. A pesquisa bibliográfica permitiu a construção do estado da

arte em relação à temática, o que tornou possível a identificação de importantes produções

teóricas e das tendências atuais do estudo do tema. A pesquisa documental teve como

principais fontes as publicações e o site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome - MDS, documentos relativos às reuniões do Conselho Estadual de Assistência Social

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e documentos relativos às conferências de assistência social – nacional, estadual e municipais

de Maceió e Arapiraca, realizadas durante o período de estudo. A observação, a entrevista e a

reunião tiveram fundamental importância para o nosso acesso à realidade.

A pesquisa realizada trata sobre a assistência social, uma política social desenvolvida

em uma estrutura capitalista, em um país marcado por históricas desigualdades econômicas e

sociais. Ao assumir a territorialização como eixo estruturante de sua gestão, a assistência

social coloca-se diante de duas possibilidades. Primeira: a perspectiva socioterritorial

incorporada à PNAS – como às demais políticas sociais – sendo antes de tudo, um imperativo

de um momento de reestruturação do capitalismo estaria respondendo a: (1) necessidade de

exercer um efetivo controle sobre os recursos destinados à sua realização; (2) possibilidade de

garantir acesso a novos mercados, o que seria possível com a identificação de potencialidades

locais e; (3) possibilidade de manter a inércia das populações credoras de proteção social,

mediante uma política de transferência de renda que lhes assegura a condição de

consumidoras. A segunda possibilidade que se apresenta, implica a superação de uma visão

unilateral e considera a permanente tensão entre projetos societários antagônicos. Nesse caso,

supomos que, além dos interesses do mercado, a perspectiva socioterritorial – ao possibilitar a

maior aproximação já experimentada entre a assistência social e seus usuários – pode

fortalecer a participação popular e o controle social, possibilitando, pois, o fortalecimento de

um projeto de interesse da população alcançada por essa política em uma sociedade de

desemprego estrutural.

A partir dessa reflexão, a tese é construída orientando-se pela seguinte questão:

Qual a direção social que orienta a assistência a partir da perspectiva socioterritorial assumida

pela PNAS em 2004? Para responder a essa questão, desenvolve-se uma análise que inclui

elementos como: a proteção social em diferentes expressões; a proteção social e a assistência

social no Brasil; território e a perspectiva territorial assumida pela assistência social no Brasil

e, finalmente, a expressão dessa perspectiva em experiências vivenciadas em Alagoas.

Constroem-se, a partir daí os elementos centrais abordados nos quatro capítulos que compõem

a tese.

O primeiro capítulo – proteção social: do pleno emprego ao desemprego estrutural –

faz uma análise sobre a dinâmica recente do capitalismo e os correspondentes sistemas de

proteção social. O percurso realizado resulta em uma reflexão sobre o papel do Estado, o

desenvolvimento de teorias e soluções macroestruturais ou de âmbito local. Discute-se

também o papel dos organismos supranacionais no desenvolvimento de projetos

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infranacionais. O capítulo oferece as condições para a análise sobre a assistência social no

Brasil, que se faz em seguida.

O segundo capítulo – proteção social e assistência social no Brasil – desenvolve, como

ponto de partida, uma reflexão sobre a proteção social e as políticas sociais na América

Latina, buscando identificar os fundamentos em que se alicerça, no Brasil, a construção de

seu sistema de proteção social e do seu modelo de assistência social. O capítulo recupera

elementos históricos dessa construção e detém-se na análise sobre as metamorfoses

experimentadas por essa política a partir da Constituição de 1988. Para tanto, o texto inclui

elementos normativos e legais, dados decorrentes das Conferências Nacionais, permitindo a

compreensão do caminho percorrido até a incorporação da vertente territorial (PNAS 2004),

iniciando uma discussão que motiva a elaboração do capítulo seguinte.

O terceiro capítulo é dedicado ao estudo sobre território e gestão de políticas sociais

no Brasil. Para essa análise, o texto desenvolve um percurso que se inicia com uma reflexão

sobre espaço local, poder local e desenvolvimento local e se detém no que representa o seu

interesse central: o território. A análise contempla conceitos e diferentes abordagens no

tratamento da questão, sendo enriquecida com a introdução de alguns elementos históricos

relativos à constituição do território brasileiro. Finalmente, são analisados alguns requisitos

para a garantia de uma gestão territorial no campo das políticas sociais.

O quarto capítulo é o ponto para o qual convergem todas as análises que se fizeram

necessárias à percepção do sentido e da direção social resultantes da perspectiva

socioterritorial assumida nas experiências desenvolvidas em Alagoas, nos municípios de

Maceió e de Arapiraca. Destaca importantes elementos relativos à construção do território

alagoano, evidenciando os fundamentos das desigualdades econômicas e sociais sedimentadas

desde a sua condição colonial e tem como ponto culminante a análise que se faz a partir dos

dados obtidos com a pesquisa de campo. Esses dados são apresentados e analisados,

permitindo a apreensão da forma e do conteúdo assumidos pela perspectiva socioterritorial na

realidade estudada.

A tese tem a pretensão de contribuir para uma discussão que vem se ampliando e que

interessa a diferentes profissionais atuantes no campo da assistência social. Isso lhe assegura o

valor requerido a uma produção comprometida com a ciência e com os desafios da realidade

de profissionais, gestores e usuários da assistência social, particularmente os que vivenciam

essa experiência no estado de Alagoas.

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1 – Proteção social: do pleno emprego ao desemprego estrutural

Introdução

A necessidade de recuperar a trajetória recente da proteção social motiva a elaboração

deste capítulo que é tomado como condição para um melhor entendimento sobre a definição

da política de assistência social no Brasil. A reflexão que se desenvolve destaca a trajetória da

proteção social, partindo de um momento em que o trabalho se apresentava como uma

obrigação, ultrapassando um outro em que se almejava o pleno emprego, chegando,

finalmente, a uma situação de desemprego em massa. Em cada um desses momentos, registra-

se a construção de estratégias de proteção social cujas especificidades decorrem de uma série

de fatores como a economia, a política, a cultura dos diferentes Estados e, em tempos

recentes, com mais intensidade, da conjuntura econômica e política internacionais. Em vista

disso, o capítulo termina enfocando a construção da proteção social em sua configuração

atual, o que oferece os fundamentos requeridos para o capítulo seguinte em que se trata sobre

a assistência social e suas recentes metamorfoses no Brasil.

1.1 – Proteção social e o Estado de bem-estar 1

Todas as sociedades criam mecanismos de proteção social e estes se diferenciam

conforme a complexidade da formação econômica e social a que se referem. Busca-se, dessa

forma, amparar os grupos humanos mais suscetíveis às adversidades, sejam elas de ordem

biológica, social ou originárias de fenômenos da natureza, como as calamidades. A definição

dos grupos a serem atendidos explicita interesses, valores e limites estabelecidos pelos que

possuem o poder de decisão nas mais diferenciadas formas de organização humana.

Nas sociedades contemporâneas, registra-se a atuação do Estado, no sentido de

assegurar – direta ou indiretamente – a devida proteção social a segmentos populacionais

como crianças, idosos, portadores de deficiência, desempregados, populações moradoras de

rua; às vítimas de guerras, calamidades ou outras situações em que a possibilidade de

solucionar suas dificuldades ultrapassa a capacidade individual ou grupal dos que se

encontram nessas situações. No entendimento de Giovanni, os sistemas de proteção social

são:

1 Estado de bem-estar ou Welfare State é a expressão utilizada para denominar a forma de intervenção do Estado no pós-guerra. Concebido com o objetivo de assegurar proteção social, representa a experiência de maior aproximação entre as políticas econômica e social já vivenciada no mundo capitalista ocidental em que o trabalho é trazido para uma situação de centralidade na sua relação com o capital.

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Formas – às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas – que as

sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros.

Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais

como a velhice, a doença, o infortúnio e as privações. [Incluem-se] neste

conceito também tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição

de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto de bens culturais

(como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias

formas, na vida social. [Incluem-se], ainda os princípios reguladores e as

normas que, com o intuito de proteção, fazem parte da vida das

coletividades. Isto significa que as sociedades sempre alocaram recursos e

esforços em suas atividades de proteção social ( GIOVANNI, 2008, p.1).

Admite o autor a existência de um núcleo duro no campo da proteção social, sendo o

mesmo composto pelas seguintes políticas: emprego e renda, educação, saúde, previdência e

assistência. Segundo sua análise, há uma relação direta entre essas políticas, o que explica a

necessidade de se entender que nenhuma política social tratada de forma isolada será capaz de

assegurar o atendimento das necessidades humanas a que se referem as políticas sociais em

seu conjunto. Outra importante observação do autor é para o fato de ser utilizada – em

situações específicas – a política de assistência social como uma forma de compensar a não

realização das demais políticas requeridas pela população para a garantia de proteção social

em determinado Estado.

O financiamento é um fator de fundamental importância para uma política de proteção

social assegurada pelo Estado. Além da garantia dos recursos e da definição de sua fonte, a

proteção social também exige um aparato legal e um suporte administrativo, cuja definição

decorre de uma correlação de forças políticas capaz de legitimar/ampliar/minimizar ou mesmo

impedir o cumprimento de decisões que objetivem o atendimento às populações

demandatárias das políticas de proteção social.

É oportuno observar que, nem sempre, as definições das políticas econômicas são

favoráveis às exigências das políticas sociais. Em muitas situações, observa-se que, não

podendo se furtar ao imperativo dever de assegurar proteção social, muitos Estados assumem

mínimas políticas sociais, enquanto responsabilidade pública e, por outro lado, expandem sua

atuação no campo da política econômica, entendida como capaz de oferecer um retorno

rápido e positivo, expresso sob a forma de lucro das operações realizadas. Isso se torna

evidente quando observamos a trajetória da proteção social no mundo contemporâneo.

Desde o final do século XIX, com o incremento da industrialização e a transição do

capitalismo para um formato monopolista, definiram-se novas exigências no campo da

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proteção social. Desenvolveu-se uma nova dinâmica na economia mundial em que se tornava

clara a tensão entre o crescente operariado, o fortalecimento das organizações corporativas, o

comportamento competitivo do empresariado, a possibilidade do desenvolvimento de Estados

democráticos ou autoritários, além da ameaça do comunismo e do fascismo. Estavam postas

as motivações necessárias à concepção de um modelo de proteção social capaz de inovar e

responder à questão social, conforme se explicitava naquelas circunstâncias2. Neste trabalho,

estamos entendendo questão social como:

O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista

madura, que tem uma raiz comum: a produção é cada vez mais coletiva, o

trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus

frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade

(IAMAMOTO, 1999, p. 27).

Alguns dos sistemas de proteção social experimentaram a condição de Welfare State.

A situação objetiva dos países centrais e dos periféricos, na organização capitalista mundial

definiu a possibilidade e a configuração dos seus sistemas de proteção social. Essa definição

também foi condicionada pelo projeto político dos diferentes Estados nacionais. Contribuiu

para essa definição a crise de 1929, com repercussões por toda a década de 1930. Disso

resultou a construção de três formas de reação: o surgimento do Estado de bem-estar em

países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos; a possibilidade do Estado

desenvolvimentista e protecionista nos países em desenvolvimento e, finalmente, o

fortalecimento do Estado soviético, o que provocaria outras experiências em Estados com a

mesma perspectiva político-ideológica.

Concentramos, inicialmente, essa análise na experiência de países centrais no

capitalismo mundial nos quais se desenvolveu a experiência do Estado de bem-estar –

Welfare State – que, entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos setenta,

respondeu a questões como pobreza, desemprego e desigualdades econômicas e sociais. Esse

é o período conhecido como “anos dourados do capitalismo”.

O Welfare State é um fenômeno do século XX, mas suas raízes podem ser localizadas

no século XIX, se não quisermos ir mais longe, podendo chegar à Lei dos Pobres ou às

workhouses, experiências que se desenvolveram entre os séculos XIV e XIX, em que os

pobres eram responsabilizados pelas suas precárias condições de vida e o trabalho lhes era

2 Questão social não é um fenômeno novo. Netto afirma que “a questão social surge para dar conta do fenômeno mais evidente da história da Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante, iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII: trata-se do fenômeno pauperismo” (NETTO, 2001, p. 42). O autor esclarece ainda que, em diferentes estágios do capitalismo, são produzidas diferentes manifestações da “questão social” (Op. cit. p. 45).

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imposto em condições desumanas, como solução para as injustiças sociais da época. Há,

portanto, uma pré-história a ser considerada na construção dessa forma específica de proteção

social.

No final do século XIX, desenvolveu-se na Alemanha, sob a inspiração do Chanceler

Otto Von Bismarck, uma reforma legislativa, dela resultando importante experiência de

intervenção pública no campo da proteção social. No início dos anos 1880, criou-se o Sistema

de Seguridade Social que passou a garantir um conjunto de seguros compulsórios para

situações como enfermidades, acidentes de trabalho, velhice e invalidez. As reformas

bismarckianas fundamentavam-se em um modelo conservador e autoritário e limitavam-se ao

atendimento a trabalhadores ativos. Era uma outorga de um governo autoritário que, além de

responder a necessidades da população, também objetivava se antecipar a qualquer

movimento de trabalhadores em reivindicação de seus direitos.

Apesar de seus limites, a experiência alemã representava uma inovação, pelo fato de

realizar uma ruptura com a antiga mentalidade que admitia ser a pobreza, ou a incapacidade,

uma situação de preguiça. Além disso, o modelo alemão inspirou outras iniciativas e serviu de

base para o que viria a ser o Welfare State.

Ainda na construção dessa pré-história, cumpre registrar o desenvolvimento do que se

convencionou chamar de constitucionalismo social, expresso da Constituição Mexicana de

1917 e na Constituição de Weimar, Alemanha, de 1919, o que exerceu uma forte pressão no

sentido de assegurar conquistas sociais requeridas à época. A necessidade de esvaziar

qualquer iniciativa de cunho anti-capitalista justificava as soluções que se apresentassem, e

esse era o caso, dentro do limite do próprio capitalismo.

Outras fontes de inspiração para o Welfare State foram o Plano New Deal (nova

política) e o Relatório Beveridge. O primeiro, representou um suporte para a política de

seguridade social que se inaugurava nos Estados Unidos. Desenvolvendo-se entre 1933 e

1940, sob o comando do governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, objetivava

garantir a prosperidade daquele país no processo de superação de uma grande depressão

econômica. O segundo, datado de 1942, inova ao propor a universalização da proteção social,

dispensando as contribuições características do modelo bismarckiano.

Com o Estado de bem-estar, ficava evidente a crítica e a tentativa de superação de

concepções da economia liberal clássica, pois, admitia-se a possibilidade de ser restringido o

poder do mercado. Dessa forma, o Estado passava a assumir a responsabilidade de conceder

proteção social aos seus cidadãos, devendo garantir a edificação de uma sociedade menos

desigual, o que exigia o enfrentamento da estratificação experimentada naquele momento.

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O Estado de bem-estar resultava de um pacto entre o capital, o trabalho e o Estado,

sendo uma possibilidade própria dos Estados capitalistas industrializados, o que não

significou o registro de sua existência em todos eles. Tratava-se de um Estado regulador3,

claramente intervencionista, envolvido em questões relativas tanto à esfera econômica, quanto

à esfera social. Segundo Pereira, o Welfare State é “aquele moderno modelo estatal de

intervenção na economia de mercado que, ao contrário do modelo liberal que o antecedeu,

fortaleceu e expandiu o setor público e implantou e geriu sistemas de proteção social”

(PEREIRA, 2008, p. 23). O Welfare State representa a expectativa de um capitalismo

democrático4. Admitir a possibilidade do Estado regulador é, por consequência, negar a

existência de um mercado autorregulador, que se expressa através da tese da “mão invisível”

de Adam Smith.

O desenvolvimento das estruturas do Welfare State apenas foi possível pela presença

dos seguintes fatores condicionantes: a) lógica industrial moderna que, ao aprofundar a

exploração dos trabalhadores, estimulou a organização sindical; b) democracia de massa

capaz de definir uma nova forma de interação entre classes sociais e o seu acesso a benefícios

e serviços públicos, além da sua representação em diferentes poderes, iniciando-se pelo

legislativo; c) a ameaça de um modelo de sociedade socialista e, finalmente; d) a estruturação

de uma sociedade salarial fundamentada no pleno emprego.

Não existe um modelo único de Welfare State, são incontáveis as classificações e elas

são elaboradas considerando-se fatores como a fonte de recursos, a forma de acesso aos

benefícios, a relação Estado/mercado/sociedade, a definição dos segmentos sociais a serem

atendidos, dentre tantos fatores. Esping-Andersen, por exemplo, afirma a existência de três

tipos de Estado de bem-estar: liberal, conservador-corporativo e social-democrata.

No tipo liberal, proposto por Esping-Andersen, predomina a assistência aos

comprovadamente pobres, o que significa renunciar ao seu caráter universal e privilegiar o

atendimento aos trabalhadores mais pobres e aos dependentes do Estado. Esse regime de

proteção social assenta-se mais sobre os modestos benefícios em lugar do trabalho. O acesso

aos benefícios reforça a estigmatização porque “edifica uma ordem de estratificação que é

uma mistura de igualdade relativa da pobreza, entre os beneficiários do Estado, serviços

3 O papel de regulação do Estado, claramente assumido nesse momento de crise do capitalismo, refere-se à interferência do Estado nas relações econômicas e sociais. Essa interferência pode ser exercida em proteção à acumulação capitalista e/ou no sentido do atendimento às necessidades dos trabalhadores. Trata-se de buscar saída para os problemas do capitalismo dentro do capitalismo. 4 Referimo-nos aqui a uma expectativa do Welfare State. Por isso, não discutimos sobre a incompatibilidade existente entre capitalismo e democracia.

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diferenciados pelo mercado entre as maiorias e um dualismo político de classes entre ambas

as camadas sociais” ( ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 108)

O segundo regime de Welfare State, conforme o autor, é o conservador-corporativista,

aquele que, fundamentado no corporativismo, preserva a diferença de classe e de status. O

Estado substitui o mercado ao assegurar benefícios sociais a determinados grupos

ocupacionais ou religiosos. Nesse modelo de Welfare State, a preocupação com a família está

sujeita a severos limites, pois, o apelo ao princípio da subsidiariedade5 justifica o

entendimento de que a intervenção do Estado só se justifica se a capacidade da família não for

suficiente para resolver os problemas de seus membros.

O terceiro tipo de Welfare State, na classificação de Esping-Andersen, desenvolveu-se

em países de regime social-democrata, aqueles “onde os princípios de universalismo e

desmercadorização dos direitos sociais estenderam-se também às novas classes médias” (Op.

cit. p. 109). Nesse caso, buscou-se promover a igualdade com os melhores padrões de

qualidade e não uma igualdade das necessidades mínimas. Os programas são

desmercadorizados e universalizados e os direitos são assegurados independentemente da

forma de inserção no mercado de trabalho, “mas, mesmo assim, os benefícios são graduados

de acordo com os ganhos habituais [de quem os recebe]” ( Ibidem, p. 110). O modelo opera

uma fusão entre o liberalismo e o socialismo e, “ao contrário do modelo corporativista-

subsidiador, o princípio aqui não é esperar até que a capacidade de ajuda da família se exaura,

mas sim de socializar antecipadamente os custos da família” ( Ibidem, p.110).

Há, nesse regime de Welfare State uma fusão entre proteção social e trabalho, de

forma que o direito ao trabalho tem o mesmo status que o direito de proteção à renda. Há o

entendimento de que a melhor forma de minimizar os problemas sociais e maximizar os

rendimentos é “obviamente com o maior número possível de pessoas trabalhando e com o

mínimo possível vivendo de transferência de renda” ( Id. p. 110).

Em sua análise sobre o assunto, Pereira afirma a existência de três marcos

orientadores que, combinados, formaram o que ela reconhece ser o paradigma dominante do

Estado de Bem-Estar: a) o receituário keynesiano de regulação econômica e social, a partir

dos anos 1930; b) as postulações do Relatório Beveridge sobre seguridade social (1942) e; c)

a teoria da cidadania, uma elaboração de W. T. Marshall (1940). Segundo a autora, formam-se

dessa maneira, as “colunas mestras (teóricas, políticas e ideológicas) modernas do Welfare

5 Entenda-se subsidiariedade como um princípio segundo o qual é de responsabilidade da instância mais próxima a solução dos problemas dos indivíduos. Portanto, o Estado apenas deve ser acionado na condição de última instância.

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State e de suas políticas: pleno emprego (Keynes); seguridade econômica e de existência

(Beveridge) e direitos de cidadania” (Marshall) [...] (PEREIRA, 2008, p. 90).

O keynesianismo6 se contrapôs ao entendimento de que o sistema capitalista tendia

espontaneamente, pelas leis do mercado, para um crescimento mais ou menos seguro. O

pensamento keynesiano é, portanto, o componente econômico que serve de suporte à

concepção do Estado de bem-estar. Keynes defendia a idéia de que a possibilidade de

consumir estava limitada pela taxa de poupança, mais alta para as rendas mais elevadas.

Entendia, também, que o nível da renda nacional, em grande parte, decorria do nível de

emprego. Portanto, uma política de crescimento econômico continuado está diretamente

relacionada a uma política de pleno emprego.

Sob inspiração keynesiana desenvolveram-se iniciativas sobre bases econômicas e

culturais bastante diversificadas. Em vista disso, pode-se afirmar que o keynesianismo

assumiu duas expressões: uma comercial, da qual a experiência dos Estados Unidos pode ser

tomada como exemplo e uma outra forma de expressão, classificada como social – o modelo

sueco – orientado por uma concepção social-democrata. Podemos, pois, falar em dois tipos de

keynesianismo: o comercial e o social.

A contribuição beveridgiana para a constituição do Welfare State tem origem em um

relatório sobre seguro social e serviços afins, elaborado por um comitê, sob a coordenação de

William Beveridge. O relatório foi publicado em 1942 e apontava a necessidade de se realizar

uma profunda modificação no sistema de proteção social da Grã-Bretanha que, apesar de

oferecer um esquema de pensão, saúde e seguro desemprego, não superava a situação de

pobreza que submetia as pessoas a humilhantes testes para obtenção de assistência pública. O

novo sistema de proteção aboliu a exigência de condicionalidades e assumiu um caráter

universal, distributivo e não contributivo, superando a lógica bismarkiana.

O pensamento de T. H. Marshall, no final dos anos quarenta, quando da elaboração de

sua teoria sobre os direitos de cidadania foi de fundamental importância, enquanto suporte

ideológico e possibilitou a difusão, no mundo acadêmico, das propostas de Keynes e de

Beveridge. Marshall admite que a cidadania7 é composta por três tipos de direito: civis,

políticos e sociais e afirma que “o método normal de assegurar os direitos sociais é o

exercício do poder político, pois os direitos sociais pressupõem um direito absoluto a um

6 Termo derivado do nome de John Maynard Keynes (1883 – 1946). 7 Marshall entende cidadania como um “status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status” (MARSHALL, 1967, p. 76).

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determinado padrão de civilização que depende apenas do cumprimento das obrigações gerais

da cidadania” ( MARSHALL, 1967, p. 96).

O Welfare State, como já afirmamos, desenvolveu-se como uma forma de

enfrentamento das crises experimentadas pelo capitalismo, devendo-se entender que as crises

são próprias à dinâmica desse modo de produção. Braz e Netto afirmam que “entre uma crise

e outra, decorre um ciclo econômico e nele podem distinguir-se, esquematicamente, quatro

fases: a crise, a depressão, a retomada e o auge” (BRAZ; NETTO, 2006, p. 159); constatam

ainda os autores o encurtamento do prazo que separa as crises do capitalismo que estão se

tornando cada vez mais frequentes.

As crises acontecem tendo como causas a anarquia da produção, a queda da taxa de

juros e o subconsumo das massas trabalhadoras. É sobre esses fatores que incide a atuação do

Estado quando assume o papel de regulador. As crises são construídas durante um período,

decorrem de uma série de fatores e são desencadeadas por algum acontecimento econômico

e/ou político. Os anos de ouro do capitalismo desenvolveram-se entre grandes crises, mas

também contiveram algumas delas.

As transformações registradas na economia no período compreendido entre o final do

século XIX e o início do século XX integravam um conjunto do qual também faziam parte

importantes transformações de ordem científica, econômica, política e social. O

desenvolvimento de ciências como a Biologia, a Física e a Química; o desenvolvimento

industrial – reconhecido como a segunda revolução industrial – o uso de novas fontes de

energia (o petróleo e a energia elétrica), o surgimento dos monopólios e a redefinição do

papel dos bancos, são responsáveis pelo estabelecimento de uma nova conjuntura na Europa

e, de resto, no mundo. Não deve ser ignorado, nesse conjunto de transformações, o

movimento de urbanização que se contrapôs à ocupação dos campos, inicialmente na Europa

Central e que depois se propagou junto com o processo de industrialização alcançando o

espaço global.

No final do século, a concentração urbana atingiria 25% em todo o

continente [europeu]. Isto significou uma revolução nas necessidades de

segurança das populações citadinas. Em primeiro lugar, tornando crônicos e

agravados os chamados problemas urbanos, tais como saneamento, higiene,

etc. Em segundo lugar – e isto é de extrema importância – abriu-se espaço

para uma nova forma de sociabilidade, impessoal e desraigada das

instituições tradicionais, como a família, a vizinhança, os laços

corporativos. Gerou-se, portanto, uma grande debilidade nos vínculos de

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proteção social vigentes até então. Desmoronavam-se o parentesco e a

assistência mútua, típicas das pequenas comunidades rurais (GIOVANNI,

2008, p. 5).

Tão profundos quanto as modificações tecnológicas que respondiam às exigências

do capital, foram os seus impactos sobre a vida das pessoas e as reações dos trabalhadores em

defesa de seus direitos, o que provocou o fortalecimento do movimento sindical sob

inspiração de uma teoria e de um movimento socialistas, cuja força foi capaz de traçar uma

linha divisória entre os Estados-nação, criando-se blocos que se confrontaram de forma direta

ou em tensões que compuseram a Guerra Fria. Conforme percebemos, definiu-se um outro

norteamento teórico, tecnológico e gerencial que passou a conduzir a ordem mundial.

O Estado passou a assumir uma ampla proteção social e a indústria adotou novas

orientações capazes de intensificar a produção. Esses foram elementos capazes de provocar

um novo ciclo de crescimento econômico, talvez o mais promissor e de duração mais extensa

dos anos recentes do capitalismo no mundo.

Essa etapa de crescimento teve o automóvel como símbolo, sendo o mesmo tão

importante que Gounet chega a afirmar que “tudo o que acontece no setor automobilístico,

acontece a todos. Tem o valor de exemplo, de ilustração, do que nos espera, dos processos

que opõem as empresas umas às outras, de disputas fundamentais para o futuro de nossa

sociedade” (GOUNET, 1999, p.51).

É, pois, na indústria automobilística, que se evidenciam as expressões das teorias a

que vimos nos referindo e mais, os efeitos do fordismo e do toyotismo. Admitindo-se o

pensamento de Gounet, a partir da análise desse espaço de produção industrial, torna-se

possível entender as suas repercussões sobre os diferentes países. Pela importância dessa

análise, passamos a assumi-la como base para o entendimento de um período em que se

estabeleceram os limites ao Welfare State e emergiram novas formas de proteção social.

Estamos falando sobre o fordismo e o momento que o sucede, tratado como pós-fordismo ou

de produção flexível.

Inicialmente é necessário registrar o desafio enfrentado por Henry Ford8 para

produzir automóveis e atender a um consumo de massa, o que fez com que ele se apropriasse

8 Henry Ford (1863 - 1947). De seu nome deriva a expressão fordismo. Inventor e empreendedor nos Estados Unidos. Fundou a Ford Motor Company e, buscando maior racionalidade – menos tempo, menor custo e mais resultados – no trabalho, introduziu a montagem em série na produção de automóveis. Esse artifício ficou conhecido como “linha de montagem”. O sucesso do fordismo também incluiu um sistema de franquias que extrapolou o espaço norteamericano.

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da concepção metodológica de Taylor9, em que um rígido controle da produção ocupa lugar

de destaque. Há, nessa proposta, a preocupação em evitar o desperdício, em reduzir o custo de

produção e o preço de venda. Para isso, os operários executam tarefas específicas; limita-se o

estoque; controla-se o transporte; padronizam-se as peças. Com essas medidas, implanta-se

uma nova forma de organização da produção cujas repercussões irão ultrapassar o espaço das

fábricas.

Apesar dos positivos resultados obtidos no que se refere à produtividade, essa

proposta não foi capaz de convencer os operários, conscientes da possibilidade de ser alargada

a margem de exploração exercida sobre eles. As novas e estressantes condições de trabalho

definidas pela Ford, aperfeiçoando a proposta de Taylor, afastaram os trabalhadores que,

posteriormente, se renderam, diante da oferta de uma remuneração correspondente ao dobro

do que lhes era pago por outros fabricantes, uma vantagem perdida posteriormente.

Conquistados os operários, o fordismo também conquistou o mercado

norteamericano e depois o mundial, até que, em função da queda da taxa de lucros, se

desenvolvessem novas idéias e tecnologias, capazes de iniciar um novo ciclo na economia, o

que aconteceu na segunda metade da década de setenta, quando se consolidou um novo modo

de organização da produção, desenvolvido a partir da experiência japonesa. E, do automóvel

para o mundo, registrou-se um novo momento na indústria e na organização social não

somente de alguns países, mas da economia e da política mundiais.

1.2 – A crise do Welfare State e a reconfiguração da proteção social 10

Na década de 1970, diante de uma nova crise de proporções mundiais em que se

evidenciava o esgotamento das pretensões do Welfare State e o fortalecimento do monopólio

do capital financeiro, ressurgiu a exigência de novas respostas no campo da proteção social. A

crise dessa década foi marcada por mudanças profundas e rápidas e por um clima de

incertezas. Tratava-se do colapso do sistema keynesiano-fordista e do estabelecimento de um

novo momento, conhecido como pós-fordista ou de produção flexível. Harvey, analisando

essa crise, afirma que:

9 Frederick W. Taylor (1856 – 1915). Considerado “pai” da administração científica. O taylorismo, como ficou conhecida a sua produção, é uma proposta de utilização de métodos científicos, visando a eficiência e a eficácia operacionais na produção industrial, o que exige um rígido controle e um comportamento repetitivo e mecanicista obtido através de treinamento. 10 Utilizamos a expressão “crise do Welfare State”, mesmo sabendo das críticas que incidem sobre ela. Alegam alguns estudiosos ser a expressão eivada de um componente ideológico cuja intenção é desqualificar a experiência assim denominada. A idéia da existência de uma crise teria sido fabricada pelos que se interessavam pela falência do Welfare State.

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Não está claro se os novos sistemas de produção e de marketing,

caracterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de

mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo

garantem ou não o título de um novo regime de acumulação nem se o

renascimento do empreendimento e do neoconservadorismo, associado com

a virada cultural para o pós-modernismo, garantem ou não o título de um

novo modelo de regulamentação (HARVEY, 2003, p. 119).

Nessa perspectiva, entende-se que, apesar da sua dimensão, não havia clareza sobre a

profundidade das consequências da crise dos anos 70. A humanidade poderia estar diante de

mudanças superficiais, de ajustes necessários ao projeto do capital ou diante de profundas

transformações, capazes de possibilitar o fortalecimento e a realização de um projeto de

interesse do trabalho. O certo é que as mudanças atingiriam muitas esferas da vida humana,

desde a sua dimensão ideológica até a sua organização geográfica.

No conjunto dessa crise, registraram-se importantes acontecimentos como o

desenvolvimento de uma nova base tecnológica com a microeletrônica; a definição de um

novo padrão produtivo, com o estabelecimento de uma lógica de produção e de competição

em redes mundiais, próprias de uma economia intercapitalista; a desregulamentação da

economia; a flexibilização do mercado, com o consequente redimensionamento de conquistas

alcançadas pelos trabalhadores, em seu prejuízo; o abandono da política de pleno emprego; a

precarização das condições de trabalho; o crescimento da desigualdade de renda, do

desemprego e da pobreza no mundo, além do estabelecimento de novas formas de interação

dos trabalhadores, alicerçadas em um capital transnacionalizado.

Conforme assinalamos anteriormente, a partir da análise de Braz e Netto (2006), as

crises no capitalismo decorrem de um conjunto de fatores e são desencadeadas por

acontecimentos de ordem política e/ou econômica. No caso da crise dos anos setenta podem

ser indicados como fatores que a compuseram os seguintes: queda da taxa de lucro localizada

entre os anos 1968 e 1973; declínio do ritmo de crescimento econômico; pressão dos

trabalhadores através dos seus sindicatos; pressões de movimentos sociais emergentes

provocadas por segmentos populacionais como mulheres, estudantes, tratados como minorias

e que iniciaram no final dos anos sessenta um movimento de contracultura11.

Dois importantes acontecimentos de ordem econômica e política desencadearam essa

crise: a decisão unilateral dos Estados Unidos de desvincular o dólar do ouro, rompendo com

11 Nesses movimentos registra-se a influência do pensamento de Michel Foucault, sinalizando um redirecionamento das lutas para espaços menores; é a perspectiva do micropoder. Abandonam-se bandeiras de interesse da Humanidade em função do interesse pelos problemas das pessoas. São sinais da pós-modernidade.

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o acordo de Bretton Woods12, o que foi capaz de gerar um colapso financeiro, e o choque do

petróleo, causado pelo aumento do preço do produto determinado pela Organização dos

Países Produtores de Petróleo – OPEP, provocando uma crise energética.

Entre 1974 e 1975 agravou-se a recessão, atingindo as grandes potências econômicas

mundiais e decretando o fim dos anos dourados do capitalismo. Diante de uma crise global, o

capital monopolista, sob a égide dos Estados Unidos definiu estratégias igualmente globais

para superá-la e, em seu movimento de restauração, construiu respostas a serem

operacionalizadas através da reestruturação produtiva e da financeirização do capital,

fundamentando-se na ideologia neoliberal e em uma concepção pós-moderna da realidade. A

conexão entre esses fatores que caracterizam o atual processo de mundialização do capital em

sua versão financeira nem sempre é percebida. Atenta a isso, Iamamoto afirma que:

[...] a mundialização financeira sob suas distintas vias de efetivação

unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que vêm sendo tratados

pelos intelectuais como se fossem isolados ou autônomos: a ‘reforma’ do

Estado, tida como específica da arena política; a reestruturação produtiva

referente às atividades econômicas empresariais e à esfera do trabalho; a

questão social, reduzida aos chamados processos de exclusão e integração

social, geralmente circunscritos a dilemas da eficácia da gestão social; à

ideologia neoliberal e concepções pós-modernas, atinentes à esfera da

cultura ( IAMAMOTO, 2007, p. 114. Grifos da autora).

Em sua análise, a autora evidencia o importante papel da ideologia que explica e

justifica o mundo que, por sua vez, em sua dinâmica, provoca alterações nas diferentes

construções ideológicas. Por isso, diante de uma nova crise, é exigida uma construção

ideológica capaz de sustentar as mudanças que se desenvolvem em um determinado modo de

produção ou em um movimento que objetive a sua substituição. Para melhor entendimento

desse complexo de transformações, passamos a analisar alguns pontos, começando pela

reestruturação produtiva que muito bem se expressa com o desenvolvimento do toyotismo.

12 Em 1944, realizou-se a Conferência de Bretton Woods e, na ocasião, foram criados algumas instituições financeiras como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI, do qual o Brasil é membro fundador. Havia, naquela ocasião, a preocupação de criar um sistema monetário internacional capaz de assegurar o pleno emprego e a estabilidade dos preços. Nessa Conferência, aprovou-se uma proposta que resultou na implantação de um padrão ouro-dólar, como padrão monetário internacional. Isso significava o estabelecimento de um regime de paridade fixa e a conversibilidade do dólar em ouro com base em uma taxa estável. A partir de então os países que estivessem em situação deficitária poderiam obter recursos, mediante condições definidas pelo sistema internacional. Em 1970, os Estados Unidos romperam com esse acordo, provocando o fim do padrão ouro-dólar e a definição de um novo sistema monetário internacional em que as taxas de câmbio passaram a ser flutuantes.

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Entre os anos 1950 e 1970, no Japão, implantou-se, de forma progressiva, uma nova

forma de organização do trabalho. Essa experiência desenvolveu-se sob a orientação de

Taiichi Ohno, vice-presidente da Toyota, pai do toyotismo. Naquele país, a indústria

automobilística enfrentava desafios e problemas inexistentes na experiência keynesiano-

fordista desenvolvida nos Estados Unidos. A produção de automóveis no Japão teve que levar

em consideração fatores como: a existência de um limitado consumo de massa; a necessidade

de limitar a produção à capacidade do consumo; a diversificação da demanda, exigindo a

produção de diferentes modelos; a falta de espaço para estoque, definindo que a produção

obedecesse a uma dinâmica de rápida circulação. Tratava-se da criação de um novo formato

para a produção que, partindo do fordismo, estabeleceu as condições para superá-lo e

interferir, de forma mais ampla, na organização social, econômica e política, transitando para

as expressões contemporâneas de vida de que desfrutamos.

O sucesso da indústria de automóvel no Japão resultava da adoção de uma série de

medidas como o estabelecimento de planos estratégicos para enfrentar a concorrência, a

definição de barreiras alfandegárias, a concessão de empréstimos subsidiados para as fábricas

nacionais, a implantação de uma malha rodoviária, visando estimular o uso do automóvel e;

ainda, o incentivo a projetos de pesquisa, objetivando o desenvolvimento de novas

tecnologias que beneficiassem esse ramo da indústria.

O toyotismo propôs-se a oferecer uma rápida resposta às oscilações da demanda que,

naquele momento, estava em baixa, em um processo de esgotamento de um modo de

organização da produção, em mais uma crise do capital. A nova proposta exigia a definição de

mecanismos de flexibilização do trabalho, o que se efetivaria através das novas condições

operacionais e salariais impostas aos trabalhadores.

A flexibilidade que se estabeleceria fundamentava-se na intensificação do trabalho a

um ponto máximo, o que exigia um gerenciamento sob tensão, obtido através de

subcontratação, ou seja, participação de um mínimo de operários dos quais se exigia a

polivalência – cada operário deveria saber operar mais de uma máquina e deveria trabalhar

um conjunto delas ao mesmo tempo. Além disso, ampliava-se a extensão da jornada de

trabalho através da elevação do número de horas extras. “No toyotismo, o princípio

fundamental do taylorismo, ou seja, a luta patronal contra o ócio operário atinge o patamar

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superior” (GOUNET, 1999, p.29). O toyotismo desenvolveu como características os cinco

zeros: zero atrasos13, zero estoques, zero defeitos, zero panes e zero papéis14.

Nesses termos, a reestruturação produtiva exige uma relação complementar entre a

forma de gestão do trabalho e a desarticulação do movimento sindical. O controle da

produção deixa de obedecer a um comando vertical, materializado no chefe e passa a ser

distribuído horizontalmente e exercido por todos os trabalhadores envolvidos na execução das

tarefas, pressionados pela exigência do cumprimento de metas estabelecidas para a produção.

Para que a exploração do operário alcançasse o nível exigido por esse modo de

organização da produção, uma das condições indispensáveis era a redução do poder dos

sindicatos, o que poderia ser conseguido pela conquista, através de alguma forma de

premiação, capaz de alterar a relação estabelecida entre patrão/sindicato/operário, ou pela

destruição dos sindicatos, através de diferentes formas de pressão e até mesmo através do uso

da força. Considerando-se que o incremento tecnológico possibilitava a redução do número de

trabalhadores, prevaleceu a lógica do enfrentamento e o consequente enfraquecimento do

movimento sindical. Sabemos que a luta por melhores condições de trabalho perde sentido

ante a necessidade de se manter o emprego.

O toyotismo extrapolou as fronteiras do Japão e, a exemplo do fordismo, teve os

seus fundamentos revistos em outras realidades econômicas, políticas e culturais que se

distanciavam de sua base original. Sua propagação obedeceu a um ritmo acelerado, devido

aos novos meios de comunicação decorrentes de tecnologias capazes de encurtar distâncias.

Os Estados Unidos, segundo a análise de Gounet, não podendo – através da concorrência –

superar o toyotismo e, diante da necessidade de subverter os métodos fordistas de produção,

decidem copiá-lo; logicamente, adequando-o às suas particularidades e especificidades (Op.

cit. p. 40).

O toyotismo foi criticado, adaptado, mas as idéias que o fundamentam são as que,

paulatinamente, vão afastando a anterior base teórica – taylorismo, keynesianismo e fordismo

– que sustentou a experiência do Estado de bem-estar nos anos dourados do capitalismo. Do

processo de reestruturação produtiva que o toyotismo impulsionou, a humanidade incorporou

importantes componentes a um novo padrão de vida que se estabeleceu: desterritorialização

da produção em busca de maior extração de mais-valia; conquista de novos mercados,

13 Significa a produção do tipo just-in-time, ou seja, um tipo de administração que condiciona a produção à demanda, ao praz o estabelecido para a entrega ou para a venda. O estoque de matéria prima é restrito à necessidade da produção. 14 O kanban é uma ferramenta do just-in-time que se materializa através da utilização de cartões ou de outros sinais de comunicação como a luz ou caixas, ou ainda códigos virtuais, com a finalidade de controlar estoques em um processo de produção.

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inclusive os situados em pequenos espaços locais; reestruturação das cidades; urbanização e

suburbanização – em função da reestruturação produtiva; reorganização do espaço doméstico

requisitado para a produção; intensa incorporação de tecnologias à produção; exigência de

trabalhadores altamente qualificados e polivalentes; intensificação da exploração da força de

trabalho; precarização das condições de trabalho; posição defensiva dos sindicatos;

desemprego estrutural; perda de conquistas trabalhistas e finalmente, sindicalismo de empresa

ou de resultado.

A flexibilização do trabalho tem como uma de suas expressões a desregulamentação

do mercado de trabalho e isso acontece de forma articulada com a desregulamentação da

esfera financeira. Esse é um processo de inversão do papel do Estado, que se distancia da

proteção ao trabalho, ampliando a sua atuação em defesa do capital.

Esse novo momento do capitalismo foi favorecido pela repercussão dos

acontecimentos que expressavam a crise das experiências socialistas do Leste europeu, cujo

ápice foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Com isso, desmoronaram antigos limites que

se colocavam ao capitalismo e se fortaleceu a idéia da impossibilidade de qualquer outro

modo de produção além do capitalismo.

Em um novo cenário mundial, a produção de mercadorias passa a ser demandada

por um mercado ampliado a uma dimensão global. Pela necessidade da rápida circulação de

mercadorias e dinheiro, fica estabelecido o confronto entre duas situações: a garantia da

autonomia nacional, ou seja, da soberania dos Estados nacionais e a superação de suas

fronteiras, ante os imperativos da globalização do capital. Conforme a análise de Gomà,

A globalização econômica, construída graças à revolução nos sistemas de

informação, implicou uma transformação extraordinária de escalas: as

distâncias físicas importam menos e o aproveitamento dos custos

diferenciais no âmbito planetário desarticulou empresas e indústrias. A

sociedade do conhecimento busca, no capital intelectual, o valor diferencial

– a fonte do benefício e da produtividade –, em contraste com as lógicas

anteriores, centradas no capital físico e humano (GOMÀ, 2004, p. 14).

Dependendo muito mais de operações intelectuais, facilitadas pela tecnologia, do que

de esforço físico, o capital torna-se muito mais livre e circula por espaços não alcançáveis até

então. Considerando-se o caráter global do capitalismo e, portanto, a sua intrínseca

necessidade de expansão, é possível entender que a globalização não é um fato novo.

Entretanto, nas últimas décadas, de modo mais preciso, a partir dos anos 1970, intensificaram-

se o seu alcance e o seu ritmo e registraram-se novas exigências e respostas, próprias do atual

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momento de expansão do capital, como vimos analisando. Sobre o assunto há também a

interpretação crítica de Milton Santos, para quem o mundo contemporâneo vive um momento

de “globalitarismo”, ou seja, uma globalização totalitária, aquela em que se exclui a

democracia. (SANTOS, 2000).

O processo de produção e a extração de mais-valia são assegurados, agora com a

absorção de um volume reduzido de trabalhadores. O lucro obtido na produção é transferido

para a esfera financeira onde pode ser valorizado por meio de especulação. A busca de

rentabilidade impõe uma redefinição do lugar do capital financeiro, atribuindo-lhe maior

importância. Essa forma de expressão do capitalismo é assim analisada por Marilda

Iamamoto:

Este [mundo das finanças] tem como suporte as instituições financeiras que

passam a operar com o capital que rende juros (bancos, companhias de

seguros, fundos de pensão, fundos mútuos e sociedades financeiras de

investimento), apoiadas na dívida pública e no mercado acionário das

empresas. Esse processo impulsionado pelos organismos multilaterais

captura os Estados e o espaço mundial, atribuindo um caráter cosmopolita à

produção e consumo de todos os países; e, simultaneamente, radicaliza o

desenvolvimento desigual e combinado, que estrutura as relações de

dependência entre nações no cenário internacional. O capital financeiro

assume o comando do processo de acumulação e, mediante inéditos

processos sociais, envolve a economia e a sociedade, a política e a cultura,

vincando profundamente as formas de sociabilidade e o jogo das forças

sociais (IAMAMOTO, 2007, p. 107).

Esse processo é estudado por Iamamoto, a partir de Marx, como a fetichização do

capital, ou seja, aquele que assume sua forma mais mistificada: o capital que rende juros (Op.

cit. p. 20). No espaço global são fortalecidas empresas industriais e instituições financeiras

que, associadas, vão destruindo ou incorporando grupos menores e mais fracos. Com isso,

intensifica-se a concentração de riqueza e de poder de determinados grupos econômicos,

países ou regiões, refletindo o que acontece dentro dos Estados nacionais. Cria-se uma

oligarquia que desafia a soberania dos Estados e a autoridade de seus bancos centrais.

Segundo Braz e Netto,

Quando Estados periféricos e dependentes, por uma razão ou outra,

encontram dificuldades para manter o fluxo de recursos para os detentores

dos títulos, estes pressionam no sentido de reduzir os gastos estatais, de

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forma a constituir um superávit que lhes permita continuar succionando

valores sob forma monetária. [...] Esse superávit se obtém mediante a

diminuição de investimentos (em infra-estrutura, saúde, educação, etc.), o

que reduz as possibilidades de crescimento econômico (BRAZ; NETTO,

2006, p. 234/5).

A economia – em seu processo de globalização e financeirização – passou a operar

fundamentada em uma ideologia neoliberal, ou seja, uma forma de ordenar a economia

mundial a partir de idéias que resgatam ideais conservadores, defendidos originalmente, na

década de 1940, por Hayek15. Coloca-se, portanto, a necessidade de um ajuste a ser efetivado

na economia mundial e que é caracterizado “por um rearranjo da hierarquia das relações

econômicas e políticas internacionais, feito sob a égide de uma doutrina neoliberal,

cosmopolita, gestada no centro financeiro e político do mundo capitalista” (SOARES, 2003.

p. 19. Grifo da autora).

Na prática, os ideais do neoliberalismo materializaram-se no que ficou conhecido

como Consenso de Washington, um conjunto de orientações propostas em 1989 por

economistas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional16. As definições

decorrentes desse Consenso em 1990, transformaram-se em política oficial do FMI, passando

a orientar diferentes economias e a controlar o desenvolvimento de países em dificuldades,

visando estabelecer o seu ajustamento macroeconômico.

A pressão resultante do Consenso adquiriu tamanha importância e poder que as suas

recomendações foram tratadas como uma cartilha, um receituário. As economias sob sua

orientação deveriam observar, ou melhor, obedecer às seguintes definições: estabelecimento

de rígida disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, abertura comercial,

investimento estrangeiro direto e sem restrições, privatização de estatais, desregulamentação

econômica e trabalhista, direito à propriedade intelectual, moedas conversíveis, exportação e

mercado livres.

O neoliberalismo orientou a política econômica de Margaret Tatcher, na Inglaterra,

entre 1981 e 1989 e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, entre 1979 e 1990. Na América

Latina, firmou-se a partir da sua implantação no Chile, teve a experiência da Argentina como

um caso de sucesso e concluiu a sua expansão com a experiência brasileira. O ajuste

15 F. Hayek (1899-1992), economista austríaco, autor de “O caminho da servidão” (1944), considerado o texto original do neoliberalismo. Suas idéias desenvolveram-se como um importante contraponto ao socialismo e foram fundamentais para o governo de Margaret Tatcher e outras experiências de inspiração neoliberal. 16 Organismos que integram a estrutura da Organização das Nações Unidas – ONU.

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neoliberal exigiu a revisão do papel de Estado. O que é geralmente difundido como redução

do papel do Estado, de fato corresponde a uma diminuição do controle do Estado sobre o

capital. Há, na verdade, uma liberação do mercado, diferentemente do que acontecia durante o

Welfare State. O Estado passa a ser mínimo para o trabalho, mas atento e protetor em relação

ao capital. Estamos diante de um novo modelo de regulação, não do seu desaparecimento.

O neoliberalismo produziu efeitos diferenciados em países e continentes e,

inevitavelmente, produziu e agudizou desigualdades econômicas e sociais, de modo que os

seus efeitos nefastos passaram a preocupar, inclusive, organismos internacionais

tradicionalmente defensores da “cartilha neoliberal”. Conforme a análise de Perry Anderson,

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma

revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o

neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades

marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria.

Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num

grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam,

disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus

princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a

suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu

um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal

hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente,

milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus

regimes ( ANDERSON, 1998, p. 23).

No final dos anos 1990, registravam-se muitos sinais de problemas resultantes da

obediência à cartilha neoliberal nos moldes do Consenso de Washington. As crises não

pouparam sequer os países desenvolvidos e, na América Latina, as dificuldades enfrentadas

pela Argentina em 2002, colocaram em xeque a solução adotada. Segundo análise feita por

Soares, “em todos os países latino-americanos, verificam-se dois fatores: de um lado, o

agravamento das condições anteriores de desigualdade social e, de outro, o surgimento de

novas formas de pobreza ou exclusão social, sobretudo devido ao advento maciço do

desemprego” (SOARES, 2000, p. 33).

Relatórios do Desenvolvimento Humano produzidos pelo Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento – PNUD evidenciam resultados preocupantes. Em publicação

de 1996, o PNUD registrava o seguinte:

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Enquanto que, em sua maioria, os países ricos saíram da depressão em

quatro ou cinco anos, a década perdida de 80 continua para centenas de

milhões de pessoas em muitos países da África e da América Latina. Em

alguns casos, as pessoas são mais pobres do que 30 anos atrás e com pouca

esperança de rápida melhora (PNUD, 1996).

Naquele ano, além do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH17, o Programa

adotou uma nova ferramenta, a Medida de Proteção de Capacidade – MPC, incorporando à

sua avaliação um elemento de pobreza não relacionado à renda. A nova medida buscava

registrar a proporção de crianças com menos de cinco anos com peso abaixo do normal, a

proporção de partos não assistidos por profissionais especializados e a taxa de analfabetismo

registrada entre as mulheres.

Em 1997, considerando-se a situação de pobreza no mundo, o PNUD resolveu adotar

um índice para a elaboração de seus relatórios. Até aquele ano, o documento era produzido

tomando como base o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. A partir daí, a produção

dos relatórios introduziu o Índice de Pobreza Humana – IPH. É uma medida de pobreza, país

a país, composto pelas seguintes variáveis: vulnerabilidade à morte prematura; analfabetismo

e padrão de vida abaixo do aceitável, que compreende a falta de acesso a serviços como

saúde, água potável e alimentação adequada.

No ano 2000, a Organização das Nações Unidas – ONU coordenou a elaboração da

Declaração do Milênio18, celebrando o início de um novo ciclo na vida da humanidade.

Aprovada em 8 de setembro daquele ano, a Declaração obteve o compromisso dos 191 chefes

de Estados-membros daquela Organização de, até 2015, conduzirem suas ações no sentido de

atingir oito objetivos de desenvolvimento mundial. Além dos objetivos, foram definidas 18

metas e 48 indicadores a serem observados. Os objetivos assumidos, inclusive pelo Brasil, são

os seguintes:

a) Erradicar a extrema pobreza e a fome;

b) Atingir o ensino básico;

c) Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres;

d) Reduzir a mortalidade infantil; 17 Em 1990, para a elaboração do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, a ONU decidiu substituir a referência ao Produto Interno Bruto – PIB per capita pelo Índice de Desenvolvimento Humano, uma nova ferramenta composta pelas seguintes variáveis: esperança de vida, nível educacional e padrão de vida aceitável. 18 Disponível em: http://www.unric.org.html/portuguese/uninfo/DecdoMil. pdf. Acesso em 15/5/2009.

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e) Melhorar a saúde materna;

f) Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças;

g) Garantir sustentabilidade ambiental;

h) Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Estamos diante de uma, aliás, mais uma iniciativa de âmbito global, cujo objetivo é o

enfrentamento das desigualdades econômicas e sociais. E, como de outras vezes, fica evidente

que o cumprimento desses objetivos estabelece um novo e permanente confronto entre os

interesses do capital e do trabalho. Essa iniciativa da ONU foi adotada em meio a mais uma

crise, em um novo momento de transformações econômicas globalizadas.

Como pano de fundo de todo esse processo, desenvolvia-se o pensamento pós-

moderno, classificado por David Harvey como “uma virada cultural”, ou seja, no conjunto das

transformações ocorridas, registrava-se a construção de uma perspectiva de mundo capaz de

refletir e também de sustentar a dinâmica de um capitalismo que resiste ante os frequentes

abalos a que é submetido.

O pós-modernismo é uma construção decorrente da lógica cultural do capitalismo

avançado. Conforme a análise de Harvey, “façamos o que fizermos com o conceito, não

devemos ler o pós-modernismo como uma corrente artística autônoma; seu enraizamamento

na vida cotidiana é uma de suas características mais patentemente claras” (HARVEY, 2003,

p. 65). Portanto, referimo-nos a uma profunda transformação que não se limita às artes, mas

penetra as mais diferentes instâncias da vida contemporânea. Ante a necessidade de um

conceito, recorrendo à produção de Jair Ferreira dos Santos, podemos afirmar que o pós-

modernismo:

É o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas

sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o

modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos

anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela

filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E

amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no

cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o

cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem

que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural (SANTOS,

2000, p. 7-8).

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O pós-modernismo, integrado a uma determinada lógica econômica e cultural, reflete

o ritmo acelerado da produção e o caráter descartável dos bens produzidos. Estes, com

aparência sempre renovada, em um permanente apelo estético, são um estímulo permanente

ao consumo. Algumas características do pós-modernismo devem ser destacadas: descrença

nas metanarrativas a exemplo dos esquemas interpretativos de Marx e Freud; abandono das

metateorias e das metalinguagens; valorização do efêmero, do fragmentário, do caótico, do

descontínuo; deslocamento da atenção dedicada ao Homem para as situações das pessoas;

abandono dos planejamentos de larga escala em função de estratégias pluralistas; admissão do

pragmatismo como única filosofia possível; valorização da micropolítica, das relações de

poder locais, situações e contextos particulares; valorização da linguagem, o discurso é

tratado como forma de resistência ao poder das instituições, valorização das expressões e do

conhecimento popular; preocupação com o tempo presente, desconsiderando o passado e o

futuro. Evidentemente “estamos condenados a procurar a História através das nossas próprias

imagens e simulacros19 pop dessa história que permanece sempre fora do alcance”

(HARVEY, 2003, p. 65).

A associação entre a tecnologia e a arte através do cinema, da televisão e do vídeo,

permitem o estabelecimento de uma confusão entre a tela e a cidade, possibilitando uma

colagem entre o passado, o presente e o futuro; entre a realidade e a ficção. Com isso, também

tornou-se possível “uma colagem coesa de fenômenos eqüi-importantes e de existência

simultânea, bastante divorciados da geografia e da história material e transportados para as

salas de estar e estúdios do Ocidente num fluxo mais ou menos ininterrupto” (HARVEY,

2003, p. 63). A colagem é uma operação que se estende desde as associações mentais até às

operações materiais da vida cotidiana e termina por estabelecer uma dificuldade para se

distinguir o enredo que se desenvolve dentro de um equipamento de televisão ou de um

computador e os acontecimentos da vida, registrados nas ruas, por vezes violentas, em que

circulam as pessoas. A publicidade, nesse caso, adquire o significado da arte que interessa ao

capital.

É importante observar que, em decorrência do abandono das metanarrativas, a história

e a cultura locais são redescobertas e passam a ser valorizadas, o que adquire o sentido de

uma contraposição ao processo de subsunção que lhe foi imposto pela construção das

histórias e das culturas nacionais modernas, muitas delas resultantes de processos de

19 Simulacro não significa falsificação da realidade, mas a sua representação. Em tempos de pós-modernidade, o simulacro pode ser preferido à realidade: é a flor de plástico que, do ponto de vista estético, é preferida à natural; a realidade da televisão que é preferida à vida das ruas e das casas reais.

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colonização. O conceito de nação é revisto podendo referir-se “tanto ao moderno estado-

nação, quanto a algo mais antigo e nebuloso – a natio – uma comunidade local, um domicílio,

uma condição de pertencimento” (BRENNAN, apud HALL, 2006, p.58).

Da tensa relação entre as esferas nacional e local pode-se obter dois resultados: a

manutenção de uma forte cultura nacional, em detrimento de grupos e culturas locais, ou “um

afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional e um reforçamento de outros

laços e lealdades culturais, ‘acima’e ‘abaixo’ do nível do estado-nação” (HALL, 2006, p.73).

A abertura das fronteiras econômicas e culturais dos diferentes Estados, possibilitada pela

globalização tem provocado uma situação de contato e influência que, segundo Hall, poderá

levar a um processo de tradição ou de tradução. No primeiro caso, registra-se uma forte

resistência dos grupos locais, não aceitando qualquer tipo de mudança, o que pode levar a

casos extremos de isolamento e xenofobia. Entende o autor que os casos de tradução são mais

comuns e correspondem à construção de uma terceira expressão cultural a partir do contato

entre dois diferentes grupos. É o que ele chama de híbridos culturais existentes nos dias atuais

em que os contatos interculturais são muito comuns.

Esse é o panorama do século XXI. Diante de todos esses elementos de ordem

econômica, cultural, política e social, redefine-se a proteção social. Estamos diante de novas

condições como: o capitalismo em uma versão financeirizada; o fim da política de pleno

emprego e uma condição de desemprego estrutural; o redimensionamento do papel do Estado;

o abandono de teorias que apontavam para a busca de soluções radicais e universais; a

valorização das expressões étnicas e locais; a conexão mundial dos mais distantes e menores

espaços e a criação de organismos supranacionais capazes de orientar ações nos mais

diferentes Estados nacionais.

Diante desse quadro, registra-se mais uma vez, a exigência de respostas inovadoras, ou

seja, da redefinição dos sistemas de proteção social, o que não pode acontecer sem que se

reveja também o papel do Estado. Se a crise dos anos 1930 foi explicada como uma crise do

mercado, tendo a sua solução sido encontrada com o fortalecimento do Estado na sua função

de controle desse mercado; a dos anos 1970 / 1980 foi entendida como consequência de uma

crise do Estado, o que justificava a sua retração e a expansão do mercado. Observando a

lógica que vem caracterizando a dinâmica relação entre Estado, sociedade e mercado,

Bresser-Pereira afirma o seguinte:

Delineia-se, assim, o Estado do século vinte-e-um. Não será, certamente, o

Estado Social-Burocrático, porque foi esse modelo de Estado que entrou em

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crise. Não será também o Estado Neoliberal sonhado pelos conservadores,

porque não existe apoio político nem racionalidade econômica para a volta

a um tipo de Estado que prevaleceu no século dezenove. Nossa previsão é a

de que o Estado do século vinte-e-um será um Estado Social-Liberal: social

porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover o

desenvolvimento econômico; liberal porque o fará usando mais os controles

de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus

serviços sociais e científicos principalmente através de organizações

públicas não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalho

mais flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos

e de suas empresas para a inovação e a competição internacional

(BRESSER-PEREIRA, s.d., p.7).

O autor analisa a trajetória do Estado liberal nos últimos anos e o enxerga redefinindo

o seu lugar. Vislumbra o desenvolvimento de um Estado Social-Liberal, em uma clara

operação que corresponde a reduzir o sentido da expressão social. Nessa composição, a

expressão perde o sentido que a articula às experiências dos países social-democratas e a sua

vinculação aos ideais socialistas. Nesse Estado proposto por Bresser-Pereira, a expressão

social remete à proteção dos direitos sociais, sob orientação de uma lógica neoliberal que se

mantém viva, agora renovada pela introdução de artifícios como um discurso e uma prática

sustentados por ideais de uma solidariedade que se pretende resgatar. Simionato adverte sobre

esse tipo de análise quando afirma o seguinte: “O discurso que subsidia a reforma do Estado e

as políticas sociais utiliza-se de um estilo de linguagem simples e universal/abstrato e muitos

conceitos-chave foram capitaneados da esquerda com os conteúdos essenciais invertidos

numa verdadeira manobra transformista a serviço da utopia neoliberal” (SIMIONATO, s.d., p.

14).

Nesse cenário, a discussão sobre Welfare State é retomada, registrando-se duas

tendências. A primeira afirma o seu esgotamento e decreta o seu fim, pela sua incapacidade de

resolver problemas contemporâneos. A segunda tendência advoga a idéia de que o Welfare

State enfrenta um momento de reestruturação não havendo, portanto, crise. Sua existência

estaria sendo atualizada e estaria assegurada.

Há diferentes propostas sobre o futuro do Welfare State. Percebe-se, porém, a

tendência ao fortalecimento daquela que vem sendo denominada de welfare mix, um modelo

misto, ou welfare pluralism – pluralismo de bem-estar. Essa é uma possibilidade que vem se

firmando nos dias atuais e que se apresenta como possibilidade de incorporar o vasto conjunto

de contradições e transformações registradas nos anos recentes.

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É importante lembrar o entendimento de autores referidos anteriormente que admitem

ser o Welfare State um tipo específico de proteção social, localizado em um determinado

tempo – depois da Segunda Guerra Mundial até o início dos anos setenta – e limitado a um

pequeno número de Estados nacionais – aqueles situados no centro do sistema capitalista

mundial. Também é importante reafirmar que os sistemas de proteção social estão presentes

em todas as sociedades e, por se materializarem através de políticas sociais, quando vigentes

em sociedades complexas, estão sujeitos às redefinições da relação

Estado/mercado/sociedade.

A consolidação de um novo modelo de proteção social corresponde ao declínio de um

projeto que se construía e que se fundamentava no pleno emprego, comprometido, portanto,

com o trabalho. Em seu novo formato – mix – os sistemas de proteção social passam a

depender tanto do Estado, quanto da sociedade civil e do mercado, a quem interessa a

privatização de muitos serviços transformados em mercadorias. Ao mercado também

interessam todas as iniciativas que estimulem a sua dinâmica e, nesse caso, uma política de

transferência de renda é de fundamental importância. Essa é uma reflexão central

desenvolvida no próximo capítulo.

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2 – Proteção social e assistência social no Brasil

Introdução

Este capítulo toma como ponto de partida uma reflexão sobre a proteção social e as

políticas sociais conforme se constituem na América Latina. A situação do Brasil é, em parte,

explicada pela sua forma de inserção na realidade latinoamericana. A análise que se

desenvolve privilegia a realidade brasileira e opera um resgate de importantes medidas de

proteção social que antecederam à Constituição de 1988. O capítulo, dedicando-se à análise

do período pós-constitucional, explora a vasta produção normativa e legal orientadora da

política de assistência social e faz uma recuperação da trajetória das Conferências Nacionais

de Assistência Social. Dessa forma, registra a incorporação da perspectiva socioterritorial no

processo de construção da assistência social no Brasil e disponibiliza elementos necessários

ao estudo que se realiza nos capítulos seguintes.

2.1 – Proteção social e políticas sociais na América Latina

A experiência de construção de sistemas de proteção social na América Latina, se

observada a presença de elementos condicionantes como os referidos anteriormente –

processo de industrialização, democracia de massa e a existência de uma sociedade salarial –

pode nos levar a concluir sobre a impossibilidade do desenvolvimento de um Estado de bem-

estar latinoamericano. Sobre isso, há divergências. Existem autores que, mesmo diante da

ausência dessas condições, sustentam a sua existência. Nesse caso, o Estado de bem-estar

desenvolver-se-ia dentro de certas condições específicas, o que lhe asseguraria uma situação

de particularidade. Esse é, por exemplo, o posicionamento de Draibe (1989). A autora, sobre

a qual nos deteremos mais adiante, ao estudar a proteção social no Brasil – uma situação

específica na América Latina – admite a existência de um Estado de bem-estar no qual

observa elementos que fazem dele uma “particularidade”.

Por sua vez, Sposati (2002, 2006) – situada dentre os que negam a existência de

Welfare State em economias não centrais no sistema econômico mundial – desenvolve um

estudo sobre as políticas sociais na América Latina e admite que elas assumem uma forma de

“regulação social tardia”, cujas condições não correspondem àquelas próprias de um Estado

de bem-estar como o que se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos.

Na América Latina, segundo a análise de Sposati, “as iniciativas no sentido da garantia

dos direitos sociais situam-se no último quartil do século XX, diferentemente dos países em

que se desenvolveu o Welfare State, que significou uma conquista da primeira metade daquele

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século” (SPOSATI, 2002). O desenvolvimento das políticas sociais, mecanismos de garantia

da proteção social nos países latino-americanos resultariam, portanto, de um processo tardio

de regulação social. Nesses países, após a experiência de regimes de ditadura militar e mesmo

durante essas experiências, como é o caso do Brasil, registrou-se a criação de mecanismos de

proteção social, capazes de amenizar os efeitos das pressões próprias das ditaduras.

Esse modelo de regulação, segundo Sposati, é descentrado da noção de pleno

emprego, o que significa abandonar a pretensão do emprego formal para todos. A categoria

trabalho perde seu lugar para a categoria mercado. Nessa perspectiva, desenvolve-se o que a

autora chama de regulação social tardia, registrada em “países nos quais os direitos sociais

foram legalmente reconhecidos no último quartel do século XX e cujo reconhecimento legal

não significa que estejam sendo efetivados, isto é, podem continuar a ser direitos de papel,

eles não passam nem pelas institucionalidades, nem pelos orçamentos públicos” (SPOSATI,

2002, p.2).

Nesses países de regulação social tardia, as políticas sociais desenvolvem específicas

características, quais sejam: reconhecimento dos direitos sociais como resultados de lutas de

movimentos sociais e não de movimentos sindicais; territorialização dos direitos sociais, com

o reconhecimento de que eles são resultados de lutas locais, no âmbito das cidades, o que os

torna difusos; e dificuldade de imprimir continuidade ao reconhecimento e ao atendimento

desses direitos, haja vista que isso depende da sensibilidade e do compromisso do grupo que

está no governo.

Ainda conforme Sposati, o modelo político dominante nos países de regulação social

tardia não é mais o Estado-Nação, mas o que prevalece é o Estado-transnacionalizado. Por sua

vez, no âmbito das relações internas, a gestão social é caracterizada pelo “deslizamento da

responsabilidade do Estado nacional para o Estado local” (op. cit., p. 9). Por consequência, o

atendimento aos direitos sociais deixa de ser uma responsabilidade centrada no governo e

passa a depender de agentes múltiplos, situados no mercado, a exemplo de empresários, ou de

outros benfeitores sociais movidos por um sentimento de solidariedade. Abandona-se a

perspectiva beveridgiana que orienta a proteção social em uma perspectiva universalizante.

Por outro lado, fica estabelecido que o acesso ao direito limita-se a uma área de abrangência,

podendo a mesma ser o bairro, a cidade ou um outro tipo de recorte local. Há, portanto, a

territorialização dos direitos sociais.

Nas sociedades de regulação social tardia, observa-se também a diferença do alcance e

da qualidade das políticas sociais, conforme sejam elas destinadas aos trabalhadores formais

ou informais, o que evidencia o papel assumido pelo mercado. Nesse caso, registra-se a sua

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prevalência em um espaço de atuação que poderia ser prioritariamente ocupado por ações

governamentais e da sociedade civil. Sposati refere-se ainda a uma nova forma de atuação

assumida pelo Estado:

Grande parte dos programas estatais sob tal orientação são substituídos por

programas de transferência de auxílios regulares mensais sob a forma de

renda mínima. Não se alteram os dispêndios orçamentários mas, o modo de

acesso ao fundo público passa a ser também individual através da

transferência de um auxilio financeiro. Este submete a possível garantia social

ao “desejo” do beneficiário em consumir os bens postos ao alcance do valor

do auxílio recebido. Neste caso, se alia uma política de mercado a uma

condição de provisão social. Com a garantia da renda mínima, os novos

consumidores, antes indigentes, passam a ter por um tempo, crédito no

mercado podendo consumir produtos onde vivem ( Op. cit. p.8).

Esse tipo de proteção social incorpora a lógica de um tempo e de uma realidade em

que não há mais a expectativa de pleno emprego, mas que assegura a dinâmica do mercado.

Nesse caso, a garantia de uma renda mínima assegura um limitado poder aquisitivo a uma

parcela da população que se credencia como consumidora diante de um mercado mais

protegido do que ela mesma.

2.2 – A construção de um sistema de proteção social no Brasil

Julgamos importante registrar de início, que não há um consenso sobre a existência de

um Welfare State no Brasil. Em vista disso, e como assumimos a premissa da sua

inexistência, em nossa análise referimo-nos à construção de um sistema de proteção social e

das políticas sociais que o concretizam. Para melhor entendimento sobre as interpretações

possíveis, destacamos o pensamento de dois autores cujos pontos de vista evidenciam as

razões de se afirmar ou negar esse fato. O desenvolvimento de um Estado de bem-estar social

no Brasil é negado por Márcio Pochmann e afirmado por Sonia Draibe.

A análise de Pochmann (2004), fundamenta-se na argumentação de que os países

situados na periferia do sistema capitalista mundial – e afirma ser essa a situação do Brasil –

não tiveram presentes as condicionalidades estruturais necessárias ao desenvolvimento de um

Estado de bem-estar social. Por isso, considerando-se o fato de não ter desenvolvido uma

política de pleno emprego, além de não ter acompanhado o ritmo das experiências de

industrialização, nem aprofundado e garantido uma permanente experiência democrática, o

Brasil não se colocaria no rol dos Estados que vivenciaram uma situação de Welfare State.

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Por sua vez, Draibe (1989), afirma a existência de um Welfare State no Brasil e que

este teria sido construído e consolidado institucionalmente entre os anos 30 e a década de 70,

como um sistema específico de proteção social. Para a autora, ao longo desse período,

destacaram-se duas fases em sua produção legal: a que se desenvolveu entre os anos 1930-

1943 e uma outra situada entre 1966 e 1971. Ambas, é bom que se frise, efetivadas sob

regimes autoritários.

A partir dos anos 1930, o Brasil teve a oportunidade de iniciar um novo ciclo em sua

história econômica, política e social. A depressão da economia mundial em 1929, estabeleceu

o que Pochmann avalia como uma “brecha histórica para as economias periféricas”. Diante

dessa oportunidade, o Brasil redefiniu a condução de seu modelo econômico, o que implicou

o estabelecimento de uma nova correlação de forças entre as classes sociais, iniciando-se um

processo de desenvolvimento do qual resultou uma importante expansão da indústria nacional

e, em consequência, da urbanização. Superava-se, a partir daí, o predomínio das classes

proprietárias rurais. Criavam-se também as condições para que se inaugurasse um sistema

oficial de proteção social que, por sua vez, preservava privilégios a categorias segmentadas,

como extensão do modo escravocrata em um evidente processo de modernização

conservadora.

No início dessa década, duas medidas simbolizaram a nova conduta assumida pelo

Estado brasileiro para regulamentar o processo de produção que se desenvolvia em uma

economia periférica, em um mundo em crise. Em 1931, criou-se o Ministério do Trabalho e,

em 1934, instituiu-se a carteira de trabalho. A Constituição de 1934 introduziu um capítulo

sobre a Ordem Econômica e Social, o que significou o reconhecimento de que a União

deveria preservar os direitos sociais estabelecidos a partir de então.

A proteção social passou a incorporar uma tendência à generalização dos serviços

previdenciários prestados a todos os trabalhadores de uma mesma categoria. Entre 1934 e

1937, criaram-se diversos institutos de aposentadoria e pensão como o dos bancários, o dos

comerciários, dos industriários e dos servidores do Estado.

Na década de 1940, foram adotadas novas medidas de proteção ao trabalhador dentre

as quais destacam-se as seguintes: regulamentação e implementação do salário mínimo e

consolidação das leis do trabalho. É dessa década, em 1942, a criação da Legião Brasileira de

Assistência, sob responsabilidade da primeira dama D. Darcy Vargas. É a primeira iniciativa

de proteção não condicionada a um vínculo trabalhista, cuja proposta é a de desenvolvimento

de programas de apoio a pessoas pobres, miseráveis e indigentes, descentralizando-se as ações

para estados, através da mobilização das primeiras damas nessas esferas de governo.

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Criada em um momento de ditadura, uma instituição de assistência como a LBA

assumia dupla tarefa: a primeira de assegurar proteção social a uma população

vulnerabilizada, principalmente os familiares dos soldados, pela situação do envolvimento do

Brasil na Segunda Guerra Mundial e a segunda: a garantia da popularidade de um governante-

ditador que precisava manter a imagem de “pai dos pobres”.

Durante os anos 1950, a proteção social enfatizou ações de assistência social, visando

o atendimento a situações emergenciais. Sob orientação da Organização das Nações Unidas -

ONU, realizaram-se programas de desenvolvimento de comunidades em áreas consideradas

como situações de “estagnação socioeconômica”, o que expressava a orientação

desenvolvimentista assumida pelo Brasil, ante a crise da economia mundial. Nessa década, as

políticas sociais receberam orientações de organismos supranacionais, a exemplo da Aliança

para o Progresso20 e do Convênio MEC-USAID21 e receberam recursos de fundos

internacionais. Essa orientação evidenciava a interferência dos Estados Unidos que, direta ou

indiretamente, detinham o controle não somente sobre o Brasil, mas sobre outros países e

mesmo sobre continentes.

Na década de 1960, no período que antecedeu à ditadura militar, podem ser

registrados os seguintes acontecimentos: a) promulgação da Lei Orgânica da Previdência

Social, ainda não extensiva aos trabalhadores autônomos, rurais e aos empregados domésticos

e, b) Estatuto do Trabalhador Rural. Nesse período, registrava-se uma forte pressão dos

trabalhadores ante a expectativa da realização de reformas de base: um conjunto de propostas

do governo João Goulart com o objetivo de realizar profundas alterações estruturais,

abrangendo setores como educação, organização agrária, organização bancária e fiscal, além

de uma reforma urbana que se tornava inadiável, como uma forma de enfrentar as

consequências do processo de concentração da população brasileira nas cidades.

A partir de 1964, instaurada a ditadura militar, confirmava-se o modelo de

desenvolvimento econômico dependente e preservava-se o processo de modernização

conservadora, intensificando-se a urbanização, o que provocou a favelização de muitos

trabalhadores e o estabelecimento de condições desumanas de trabalho e de sobrevivência.

Desde então, o Estado brasileiro passou a conduzir a sua atuação fundamentando-se em duas

orientações: por um lado, a repressão, ou seja, a cassação dos direitos civis e políticos; por

20 Programa dos Estados Unidos, desenvolvido entre 1961 e 1970. Através de apoio técnico e financeiro o programa visava a promoção do desenvolvimento econômico da América Latina, inibindo qualquer iniciativa que se inspirasse no exemplo cubano. 21 Diz respeito a um dos acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States

Agency for International Development do qual resultou a reforma do ensino no Brasil.

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outro lado, as concessões de benefícios que assegurassem a imagem de proteção obtida

através da garantia de alguns direitos sociais.

Em plena ditadura, a atuação do Estado brasileiro obedecia a uma orientação

tecnocrata e centralizadora. Nesse período, no campo da proteção social, registraram-se as

seguintes medidas: a) criação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, unificando

todos os institutos existentes, com exceção do Instituto de Previdência e Assistência dos

Servidores do Estado – IPASE; b) criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço –

FGTS; c) criação do PRORURAL; d) extensão dos benefícios previdenciários aos

empregados domésticos e aos autônomos.

Nos anos 1970, em meio a uma crise mundial, o Brasil, conforme analisa Pochmann,

diferentemente do que aconteceu nos anos 1930, entrou em uma fase de estagnação

econômica. Nessa década, situam-se os seguintes acontecimentos: criação do Ministério da

Previdência e Assistência Social; do Conselho de Desenvolvimento Social e do Fundo de

Apoio ao Desenvolvimento Social; garantia de amparo previdenciário, pensões e assistência

médica aos maiores de setenta anos e inválidos que tivessem contribuído pelo menos durante

12 meses, consecutivos ou não, para o INPS e, ainda, a extensão do seguro de acidentes aos

trabalhadores rurais.

Os anos 1980 são o palco do convívio entre uma profunda crise e a grande esperança

sinalizada pela elaboração de uma nova constituição em que se depositava um conjunto de

interesses, nem sempre conciliáveis, mas que incorporava muito das pressões exercidas pelos

movimentos sociais em plena atividade. A nova Constituição sinalizava a possibilidade de

uma experiência democrática o que, no campo da proteção social, correspondia a admitir pela

primeira vez uma tendência beveridgiana, ou seja, a expansão incondicional das políticas

sociais aos cidadãos brasileiros.

As constituições de 1934 a 1967 dedicaram um espaço ao tratamento de questões

colocadas na Ordem Econômica e Social, expressão utilizada por todas elas, com exceção da

carta de 1937, cuja referência limita-se à expressão Ordem Econômica. Nesses espaços,

dedica-se atenção especial ao trabalho e são definidas, inclusive, condições básicas para o

trabalho na cidade e no campo.

A Constituição de 1988 destina um espaço ao tratamento da Ordem Social (Título

VIII), fazendo essa abordagem separadamente da ordem econômica, de forma diferente do

que se fez até então. Define o texto constitucional que “a ordem social tem como base o

primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (Art. 193).

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Em seguida, a Constituição define elementos fundamentais, visando a garantia dos

objetivos da ordem social e os situa no campo da seguridade social, definindo-a como “um

conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Art. 194).

O processo de implantação das definições constitucionais foi marcado por importantes

embates, haja vista que o Brasil estava oficialmente comprometido com a criação do que

poderia vir a ser um Estado de bem-estar social. Vislumbrava-se, portanto, um emergente

padrão público e universal de proteção social, enquanto no plano internacional, vivia-se um

momento de fragilização desse modelo. O projeto de construção de um Estado brasileiro justo

e democrático foi atropelado por uma nova dinâmica internacional que exigia a redução da

autonomia dos Estados nacionais e o redimensionamento de suas políticas econômica e social,

em obediência a uma lógica de prevalência da primeira, conforme os princípios neoliberais de

que vimos tratando ao longo deste trabalho.

Ficava estabelecida, dessa maneira, uma relação de tensão entre a lógica da garantia e

da expansão da proteção social e a exigência de uma atuação do Estado em defesa do capital,

garantindo o seu papel na regulação do mercado, sem que isso significasse novos custos para

um Estado que estava às voltas com uma crise econômica que se arrastou por toda a década de

1980 e se estendeu pelos anos 1990.

2.3 – A construção de uma política de assistência social no Brasil: avanços e retrocessos

A história recente da assistência social no Brasil é marcada por importantes e

sucessivas transformações. A Constituição de 1988 operou uma ruptura formal com a

perspectiva assistencialista tradicional e a assistência passou à condição de política pública,

integrando a seguridade social, com a saúde e a previdência.

As definições teóricas, normativas e operacionais que orientam a assistência social

atualmente são resultantes de um processo desencadeado a partir do governo José Sarney

(1985 – 1989), quando se registrou a promulgação do novo texto constitucional, redefinindo-

se a lógica da proteção social e, por consequência, alterando radicalmente a perspectiva

oficialmente assumida até então.

A assistência social é especificamente tratada nos artigos 203 e 204 da Constituição de

1988. No artigo 203, define-se que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar,

independentemente de contribuição à seguridade social” e que a referida política social tem os

seguintes objetivos:

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I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de

sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de

deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou

de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Em seu artigo 204, a Constituição estabelece que o financiamento das ações

governamentais na área da assistência social terá como fonte os recursos da previdência

social, previstos no artigo 195, podendo ser complementado com recursos de outras fontes. O

mesmo artigo define que a assistência social estará organizada com base nas seguintes

diretrizes:

I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais

à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e

municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

A implantação dessas orientações constitucionais que redimensionariam a assistência

social foi submetida a um moroso processo burocrático e operacional cuja razão pode ser

encontrada em um forte componente político e cultural, considerando-se que a nova

configuração definida constitucionalmente para a assistência social exigia o reordenamento

das relações de poder entre estados, entre municípios e entre eles e o governo federal. A nova

proposta apresentava-se como uma ameaça às velhas alianças, a políticos e seus aliados

tradicionalmente detentores do controle sobre a distribuição dos recursos destinados às mais

diferentes políticas sociais e, particularmente, à assistência social.

Assim, os avanços sinalizados para a assistência social durante o governo Sarney

ficaram restritos às definições constitucionais, ou seja, mantiveram-se como uma remota

possibilidade, algo que poderia ser – como de fato foi – remetido para o futuro.

Naquele período, as principais ações no âmbito da assistência social mantiveram-se

sob a coordenação da Fundação Legião Brasileira de Assistência – FLBA22, titular nessa área

22 A LBA foi transformada em Fundação durante o período da ditadura militar.

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desde os anos 1940, mas criou-se um programa que marcaria aquele governo: Programa do

Leite, popularmente conhecido como “Leite do Sarney”.

Em 30/7/1985, através de decreto, o governo federal criou a Secretaria Especial de

Ação Comunitária – SEAC, vinculada ao Gabinete da Presidência, destinada a “criar e

desenvolver projetos de baixo custo no âmbito da ação comunitária [e a garantir] apoio às

experiências já existentes” (ESTEVÃO; NERY; GOUVÊA, 1993, p. 64). Coube a essa

Secretaria, junto com a Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da

República – SEPLAN, coordenar a execução desses projetos.

O Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes – PNLCC representou a

política participacionista do governo, com um discurso do resgate da dívida social e

explorando o slogan “Tudo pelo social”. Criado em janeiro de 1986, o Programa destinava-se

ao atendimento a crianças de até sete anos, de famílias cuja renda mensal não ultrapassasse

dois salários mínimos. A operacionalização do programa implicava a distribuição de tickets, o

que era feito por associações comunitárias e de bairros. Os tickets eram trocados

exclusivamente por leite em estabelecimentos comerciais voluntariamente credenciados e

esses convertiam os tickets em dinheiro. O programa materializava o pensamento do governo

assim expresso, em 1986, pelo Presidente da República, José Sarney:

Neste ano de mudanças sociais que se fundamentam na prioridade pelos

pobres, está o governo voltado para trabalhar com a comunidade, uma das

mais importantes células formadoras da nacionalidade. Será através das

associações comunitárias que vamos enfrentar a fome e a subnutrição num

combate corpo a corpo. Estamos seguros de que através de uma ação

comunitária séria e solidária, coerente com os princípios democráticos e

com os ideais da Nova República, é que venceremos a miséria e a pobreza.

Ligados com a comunidade, atendendo à criança, plantaremos hoje o futuro

do Brasil. O Brasil começa na criança. É o alicerce da nação (SARNEY,

apud ESTEVÃO; NERY; GOUVÊA, 1993, p. 62).

Além do atendimento às famílias cujas crianças se enquadravam no perfil definido

pelo Programa, estudos apontam a existência de outros objetivos, não declarados, que

justificavam a sua existência, e apontam os seguintes: incentivo à pecuária leiteira, garantia e

controle sobre redutos eleitorais, através das organizações comunitárias, além da possibilidade

da realização de ações governamentais a baixo custo, o que era afirmado por um dos

coordenadores do programa: “A primeira vantagem da ação comunitária é que as associações

se tornam agentes não remunerados do governo. Atualmente, nós temos 450 associações

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envolvidas só no Programa do Leite. É como se o governo tivesse criado 450 novas

repartições, que não custam nada ao serviço público”23.

A realização desse programa mobilizava, na esfera governamental, os seguintes

setores: Secretaria de Planejamento e Coordenação – SEPLAN, Secretaria Especial de Ação

Comunitária – SEAC, Serviço de Processamento de Dados – SERPRO, Casa da Moeda do

Brasil, Banco do Brasil e Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Seu desenvolvimento

em um elevado número de municípios brasileiros era assegurado através de uma relação direta

entre setores do governo federal, organizações comunitárias e outras organizações não-

governamentais à revelia das estruturas municipais e estaduais.

O governo Sarney chegou ao seu final sem que tivesse havido qualquer alteração na

assistência social, além daquela que se processou na Constituição.

2.4 – Assistência social: política pública, dever do Estado, direito do cidadão

Decorridos cinco anos da definição de um novo ordenamento jurídico, só em 1993,

registrou-se a regulamentação das definições constitucionais relativas à assistência social. Em

7 de dezembro daquele ano, foi sancionada a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, Lei

nº 8.724.

A LOAS, em seu artigo primeiro, define a assistência social como “direito do cidadão

e dever do Estado”, como “Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os

mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e

da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. A referida Lei incorpora,

na íntegra, os objetivos definidos na Constituição e acrescenta o seguinte parágrafo ao

objetivo V: “A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando

ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições

para atender contingências sociais e a universalização dos direitos sociais”. No que se refere

aos princípios, a LOAS estabelece os seguintes:

I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de

rentabilidade econômica;

II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação

assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

23 Análise de Aníbal Teixeira, um dos coordenadores do programa, citado por ESTÊVÃO; NERY; GOUVÊA, 1993, p. 77.

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III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e

serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer

comprovação vexatória de necessidade;

IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer

natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem

como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

As diretrizes básicas para a organização da assistência social também são definidas

pela sua Lei Orgânica. Observa-se que a LOAS incorpora as definições constitucionais

relativas à descentralização político-administrativa e à participação da população e, no que se

refere à descentralização, define a existência de um comando único em todas as esferas

governamentais. A LOAS amplia as diretrizes propostas pela Constituição ao definir o papel

do Estado na condução da assistência social, estabelecendo, desse modo, as seguintes:

I – descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

III – primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência

social em cada esfera de governo.

A LOAS foi sancionada por Itamar Franco, presidente que substituiu a Fernando

Collor de Mello, primeiro presidente eleito por voto direto depois da ditadura militar. O

período Collor/Itamar – 1990/1994 – foi bastante tumultuado por denúncias de corrupção,

escândalos, desmandos administrativos, culminando com o impeachment do presidente eleito.

A promessa de controle da inflação justificou atos arbitrários como o confisco da

poupança da população. O uso e o abuso do dinheiro público deixavam clara a desobediência

a qualquer critério de probidade administrativa, prevalecendo a lógica do benefício

direcionado a determinadas bases eleitorais, prática comum no Brasil de outrora, como foi o

caso da política do café-com-leite.

Fernando Collor confirmava a dinâmica brasileira da modernização conservadora. Sua

política no campo da economia esteve orientada para a abertura do mercado brasileiro,

definição fundamental para a consolidação da cartilha neoliberal no Brasil. Lembrando a

teoria defendida por Gounet sobre a importância do automóvel, Collor o utilizou como

parâmetro, afirmando a necessidade de substituir as “carroças”, referindo-se aos carros que

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circulavam no Brasil, o que seria possível com a abertura do mercado à importação. Firmava-

se, pois, a proposta de liberalização do mercado brasileiro.

Tratando especificamente sobre a assistência social, o governo Collor deixou clara a

sua pretensão de não modificar o modelo por ele encontrado. Manteve a Legião Brasileira de

Assistência, e o modelo de direção sob responsabilidade da primeira dama. No âmbito dos

projetos sociais, uma de suas primeiras medidas foi extinguir o Programa do Leite – marca de

um governo anterior – e o substituir pela distribuição de cestas básicas, através da FLBA.

O redirecionamento dessa orientação e as primeiras medidas rumo a uma política de

assistência social, que se iniciaria com a aprovação da LOAS, apenas foi possível sob a

presidência de Itamar Franco com a apresentação de um segundo Projeto de Lei,

considerando-se que o primeiro havia sido vetado na íntegra por Fernando Collor.

Mesmo tendo ficado represada na burocracia e na rede de interesses avessos à coisa

pública, a LOAS definiu os pilares que sustentariam a assistência social. Dentre as suas

definições, é importante assinalar que está contemplada a lógica de organização em sistema, o

que é tratado no seu capítulo III, artigo 6, em que se afirma o seguinte: “As ações na área de

assistência social são organizadas em sistema descentralizado e participativo, constituído

pelas entidades e organizações de assistência social abrangidas por esta lei, que articule

meios, esforços, e por um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos

setores envolvidos na área”.

Todos os avanços representados pela LOAS, até aquele momento, limitaram-se ao

campo das definições formais, confirmando o desinteresse do governo em realizar qualquer

alteração esperada desde a promulgação da Constituição. Durante o ano de 1994, último do

período Collor/Itamar, não se registrou qualquer iniciativa do poder executivo, no sentido de

operacionalizar o que a lei definia. As primeiras medidas, nesse sentido, foram adotadas no

início do governo de Fernando Henrique Cardoso - FHC.

2.5 – A PNAS em sua primeira versão: tempo de consolidação

Em 1995, iniciando-se o governo de Fernando Henrique Cardoso, cuja duração em

dois mandatos se estenderia até o ano 2002, registraram-se as primeiras iniciativas visando

tornar efetivas as definições constitucionais relativas à assistência social. Destacam-se, nesse

período, importantes acontecimentos, tanto no campo das iniciativas governamentais, quanto

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no âmbito da sociedade civil, cuja expressão mais formalizada se apresenta nas Conferências

realizadas em número de três, desde a primeira em 1995 até a terceira, acontecida em 2001.

Ainda em seu primeiro ano de mandato, o governo FHC, através da Medida Provisória

- MP 813, extinguiu o Ministério do Bem-Estar Social e, para coordenar a assistência social,

criou a Secretaria de Assistência Social – SAS, vinculada ao Ministério da Previdência e

Assistência Social. Com a mesma MP, o governo extinguiu a Fundação Legião Brasileira de

Assistência – FLBA e a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência –

FCBIA. A Medida Provisória definiu também que à Secretaria de Assistência Social caberia a

responsabilidade da implantação da LOAS. Também em 1995 foi regulamentado o Fundo

Nacional de Assistência Social. Ainda por força da MP 813 criou-se o Conselho do

Comunidade Solidária, integrando a estrutura básica da Casa Civil da Presidência da

República.

Visando efetivar as mudanças que se tornavam inadiáveis, foram criados escritórios

regionais nas unidades da Federação e estes passaram a funcionar com o quadro de pessoal

das fundações extintas – FLBA e FCBIA. Os escritórios, sob a coordenação da SAS, ficaram

encarregados de efetivar o processo de transição para o novo formato que deveria ser

assumido pela assistência social e isso implicava implementar a LOAS e estimular a criação

das condições para que a mesma se tornasse realidade.

Nesse processo, buscou-se a articulação com as universidades, tomando como ponto

de apoio as suas Pró-Reitorias de Extensão. Era uma importante aproximação entre aquele

governo e as Instituições de Ensino Superior – IES, tendo como objeto de interesse a

assistência social, o que posteriormente teria desdobramentos, inclusive sobre a garantia do

comando único definido na LOAS para a realização dessa política. Como sabemos, a

assistência social foi, por certo tempo, assumida como objeto de trabalho realizado pelo

Programa Comunidade Solidária, instituído pelo Decreto 1.366, de 12 de janeiro de 1995. O

Programa foi coordenado pela primeira dama, Dra. Rute Cardoso e teve como um dos seus

desdobramentos a criação do Programa Universidade Solidária.

Adiantadas as negociações e modificações, os escritórios regionais foram extintos e

efetivou-se a redistribuição dos servidores e dos equipamentos, incorporados por diferentes

órgãos federais, mediante a negociação de parcerias para trabalhos futuros, principalmente os

que objetivassem a capacitação de pessoal. Havia, naquele momento, a preocupação com o

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processo de municipalização da assistência social, o que demandaria um elevado número de

profissionais preparados para tal.

O processo não obedecia ao ritmo que se esperava, ou seja, desenvolvia-se de forma

lenta. Desse modo, conforme estudo de Arretche (2000, p. 55), “até setembro de 1997 o

programa [de descentralização] havia alcançado 33% de adesão municipal no país inteiro”.

Essa morosidade, analisa a autora, resultava do cálculo que os municípios faziam sobre a

relação custos/benefícios da descentralização e, sobretudo, da incerteza quanto ao novo papel

dos estados e do governo federal com a redução de suas atribuições repassadas, a partir daí

para os municípios.

O formato inicialmente adotado para o repasse de recursos financeiros constituía-se

em uma outra fonte de preocupação para os municípios. O acesso aos recursos passou a

depender da atuação dos estados. A descentralização da assistência social obedeceu

inicialmente a um processo de estadualização e só depois de municipalização. Registrava-se,

no primeiro momento, uma clara garantia de privilégios aos poderes executivos estaduais, na

sua maioria, contrários à descentralização e que incluíam nesse processo de repasse a

possibilidade de beneficiar ou prejudicar alguns municípios, conforme as alianças políticas

então estabelecidas.

A dinâmica observada no espaço da administração governamental era simultânea a

uma outra que se registrava entre os que faziam, estudavam ou demandavam a assistência

social. Foi nesse período que se realizou entre 20 e 23 de novembro de 1995, a I Conferência

Nacional de Assistência Social, coordenada pelo Conselho Nacional 24, instância superior de

deliberação no âmbito da estrutura organizacional da política de assistência.

A I Conferência teve o seguinte objetivo geral: “Avaliar a situação e propor diretrizes

para aperfeiçoamento do sistema descentralizado e participativo da assistência social”. As

discussões que a compuseram giraram em torno dos seguintes conteúdos: a) sistema

descentralizado e participativo da assistência social; b) relação público e privado na

assistência social; c) financiamento da assistência social. No espaço das deliberações que

totalizaram 233, ficavam evidenciados os avanços, as expectativas e os empecilhos que se

colocavam à assistência social naquele momento. A preocupação com a garantia do comando

único foi explicitada na seguinte deliberação:

24 Os dados relativos a essa Conferência apresentados neste trabalho foram extraídos do Relatório Final da I Conferência Nacional de Assistência Social, 1995. Disponível em http://www.mds.gov.br/cnas/conferencias-nacionais/i-conferencia-nacional

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Extinguir o Programa Comunidade Solidária e outros programas e organismos

governamentais, tais como Fundos de Solidariedade que atuem paralelamente

na área da Assistência Social nas três esferas de governo, tendo em vista a

implantação do Comando Único preconizado pela LOAS, incorporando seus

recursos e patrimônios aos órgãos executores da Política de Assistência Social

(Relatório Final da I Conferência Nacional de Assistência Social, 1995).

É importante ressaltar que essa foi a deliberação número um daquela conferência. Em

seu conjunto, as deliberações evidenciavam a pressão que se fazia necessária para vencer a

resistência governamental no sentido de assegurar a obediência às definições constitucionais e

à Lei Orgânica de Assistência Social, frontalmente desrespeitadas. O primeiro-damismo

assumia uma versão atualizada e sofisticada e, pela autoridade do conhecimento acadêmico,

apresentava-se como um sério obstáculo a ser enfrentado. Dessa tensão resultou tanto o

encaminhamento formal da assistência, visando um novo padrão operacional, quanto o

fortalecimento do Programa Comunidade Solidária, do qual derivaria o Programa

Universidade Solidária. Essa situação se arrastou por todo o governo FHC.

A Conferência também sinalizava para a necessidade da uniformização de

procedimentos e de elementos organizacionais, objetivando assegurar o caráter nacional

requerido por uma política que se pretendia elaborar; nesse sentido, registrava-se a

expectativa da utilização de recursos informacionais. Outras importantes deliberações

referiam-se ao fortalecimento dos conselhos, ao controle sobre os fundos destinados ao

financiamento da assistência e à capacitação de recursos humanos.

Em 1997, no período e 9 a 12 de dezembro, realizou-se a II Conferência Nacional de

Assistência Social tendo como tema geral “O Sistema descentralizado e participativo da

assistência social: construindo a inclusão – universalizando direitos” e teve o seguinte

objetivo geral: “avaliar a situação da assistência social e propor diretrizes para o

aperfeiçoamento do sistema”25.

Os Anais dessa Conferência tornam clara a dificuldade enfrentada para a sua

realização, o que resultava de um posicionamento assumido pelo Ministério da Previdência e

Assistência Social e pela Casa Civil e confrontado pelos conselhos estaduais e municipais.

Esse fato tornou-se evidente no pronunciamento do presidente do Conselho Nacional de

Assistência Social, Gilson Assis Dayrell, na solenidade de abertura quando, referindo-se à

25 Os dados relativos a essa conferência incluídos neste trabalho foram extraídos do documento Anais da II Conferência Nacional de Assistência Social, 1997. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/conferencias-nacionais/ii-conferencia-nacional

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luta para a sua realização, registrou ter sido necessário levar “o governo a rever a sua decisão

de não realizá-la no ano de 1997, especialmente porque ela já estava em fase adiantada de

preparação, pelo CNAS, e muitos municípios e estados já haviam programado as suas

conferências” (Anais da II Conferência Nacional de Assistência Social, p.16).

O Ministro Reinhold Stephanes, da Previdência e Assistência Social, em depoimento

na mesma solenidade deixou transparecer a necessidade de alinhar os projetos sociais em

desenvolvimento no país às definições legais já estabelecidas. Afirmava o Ministro:

Nestes dois anos que separam a Conferência anterior da atual, muita coisa

foi feita, quero dizer, muito se caminhou na direção de eliminar o

clientelismo e o paternalismo com a descentralização. Inúmeros programas

foram executados neste período, no qual ocorreram acertos, mas também

equívocos. Quero deixar claro que, em relação aos equívocos, sempre estive

e estarei aberto ao diálogo ou ao debate, para receber instituições a qualquer

momento e para discutir questões específicas que venham a ajudar a

eliminar problemas e, até mesmo, para explicar limitações na implantação

de políticas e execuções de programas (STEPHANES, In: Anais da II

Conferência Nacional de Assistência Social, 1997, p. 18).

Naquela Conferência foi anunciada a elaboração da NOB I, publicada naquele mesmo

ano e da Política Nacional de Assistência Social, publicada no ano seguinte. Conforme

relatório, naquela época registrava-se a existência de conselhos estaduais de assistência em

todas as unidades da Federação e em 3.000 dos 5.525 municípios existentes. Destacava-se,

então o fato da sua inexistência na cidade de São Paulo, situação que se equiparava à

realidade de muitos municípios pequenos. Da Conferência resultou a aprovação de 137

propostas que deixavam evidente que a assistência social continuava a ser realizada sob a

forma de programas e projetos isolados, ou seja, a fragmentação das ações continuava

presente.

A Conferência reafirmava a necessidade do controle sobre os fundos destinados à

assistência social e a necessidade de articulação com as universidades era confirmada.

Explicitava-se também a necessidade da uniformização do universo conceitual, das

sistemáticas operacionais e da definição de redes de serviços. A introdução da questão da

acessibilidade passava a integrar a pauta de interesse da conferência e reaparecia a questão do

exercício democrático no espaço dos conselhos, além de ter merecido destaque a participação

popular na assistência social.

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As propostas da Conferência também tornavam claro o desrespeito do governo às

definições da LOAS, principalmente pela não observação do comando único, sempre

confrontado pela atuação do Programa Comunidade Solidária. Mantinha-se, pois, o

desencontro entre as perspectivas formais e a realidade da assistência social no governo FHC.

Estavam presentes, portanto, nas propostas da Conferência duas tendências claramente

opostas: um conjunto de elementos que apontavam para a definição e o aperfeiçoamento de

uma política de assistência e uma série de indicações de ameaças que pairavam sobre ela,

algumas já sinalizadas desde a conferência anterior.

Em dezembro de 1997, o Ministério da Previdência e Assistência Social, através da

Secretaria de Assistência Social, publicou a primeira Norma Operacional Básica – NOB,

conjuntamente a um outro documento em que se definia a “Sistemática de Financiamento da

Assistência Social”. Os dois documentos adotaram os seguintes requisitos:

Revisão do papel do Estado; fortalecimento das unidades da Federação e

dos municípios na implementação da Política de Assistência Social; co-

financiamento das ações que compõem a Política de Assistência Social nas

três esferas de governo e, ainda, a cooperação técnica e financeira das

demais políticas setoriais; fortalecimento e participação da sociedade,

através dos conselhos, na construção, avaliação e aplicação dos recursos

públicos voltados para a área social; ênfase em ações que privilegiam a

integração familiar e comunitária (Norma Operacional Básica e Sistemática

de Financiamento da Assistência Social, 1997, p. 5).

A NOB I, fundamentando-se na Constituição, na LOAS e em outros instrumentos

legais e, ainda, considerando toda a construção já disponível acerca do sistema

descentralizado e participativo da assistência social, ofereceu importantes orientações para

que se concretizasse uma proposta cuja construção vinha se arrastando há nove anos. Desse

modo, a NOB:

[...] apresenta a estrutura do Sistema Descentralizado e Participativo da

Assistência Social, sinaliza seus pressupostos, princípios e diretrizes,

estabelece as competências dos órgãos gestores, caracteriza os níveis de

gestão, os requisitos básicos para sua eficiência e eficácia, bem como, o

fluxo de financiamento e transferência de recursos do Fundo Nacional de

Assistência Social para os Fundos Estaduais, do Distrito Federal e

Municipais de Assistência Social (Ibidem, p.7).

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A NOB afirma que, para se assegurar a eficácia e a eficiência do Sistema, algumas

exigências devem ser observadas. Esse é o caso da elaboração da política nacional, exigência

que, em termos semelhantes, se estenderia aos estados e municípios. É também o caso da

criação e fortalecimento dos conselhos e dos fundos de assistência social, da criação de

comissões tripartites, dentre outras condições.

A gestão intergovernamental é outra definição da NOB, sendo entendida como uma

estratégia capaz de revisar o papel do Estado, considerando a definição das competências

político-administrativas em todas as esferas de governo. “O modelo intergovernamental

ocorre nas redes de assistência social que se constituem pela interconexão de agentes,

benefícios, serviços, programas e projetos, assim como organizações governamentais,

movimentos sociais e comunidades locais” (Op. cit. p. 13). Os níveis de gestão definidos pela

NOB são os seguintes: gestão municipal, gestão estadual e gestão do Distrito Federal.

O segundo documento, “Sistemática Operacional para Financiamento das Ações de

Assistência Social”, orientava sobre fluxos e procedimentos a serem observados. Portanto,

definia “os benefícios, serviços assistenciais de ação continuada, de atenção à criança e ao

adolescente, à pessoa portadora de deficiência, ao idoso, programas e projetos de

enfrentamento da pobreza que compõem o sistema de proteção social [...]” ( Op. cit. p. 17).

O documento definia ainda a existência e o funcionamento dos conselhos em todas as

esferas de governo como uma das condições para a oferta dos serviços, programas e projetos.

Os conselhos deveriam ter composição paritária entre governo e sociedade civil. Outras

exigências postas no documento eram a existência do Fundo de Assistência Social, estando

este sob a orientação e controle dos respectivos conselhos e, finalmente, a existência de plano

de assistência social no âmbito municipal, estadual e nacional. Formalmente, mais uma vez, a

assistência registrava avanços no campo das definições legais e normativas sem que esses

repercutissem na mesma proporção no cotidiano da referida política social.

Em 1998, registrava-se o momento de conclusão do primeiro mandato de Fernando

Henrique Cardoso e desenvolvia-se um processo de sucessão presidencial, com a

possibilidade de sua reeleição. Foi um período de fundamental importância para a assistência

social. A partir daquele ano, todas as esferas de governo passaram a dispor de um instrumento

legal relativo ao acesso a recursos do Fundo Nacional de Assistência Social. Referimo-nos ao

Decreto nº 2.529, de 25 de março de 1998, que tratava sobre a transferência de recursos do

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Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS para os Fundos Estaduais, Municipais e do

Distrito Federal.

No mesmo ano, a Lei 9.604, de 5 de fevereiro, definiu as formas de prestação de

contas dos recursos dos fundos destinados à assistência social. Ainda em 1998, a Resolução nº

207 do CNAS estabeleceu a primeira versão da Política Nacional de Assistência Social e uma

nova Norma Operacional Básica – NOB 2 sobre as quais passamos a refletir. Sob o slogan

“avançando para a construção do sistema descentralizado e participativo de assistência

social”, essa NOB foi mais uma iniciativa no sentido de disciplinar a descentralização

político-administrativa da assistência social, o financiamento e a relação entre os três níveis

de governo.

A definição de uma segunda NOB, um ano depois da primeira, justificava-se pelo fato

de se constatar que a operacionalização das definições da LOAS dependia de profundas

mudanças no desenho institucional, na forma de prestação de serviços, no modelo de gestão e

na forma de articulação entre as diferentes escalas de gestão, o que não se assegurava com a

primeira NOB. Em sua segunda versão, a NOB definia princípios, diretrizes, destinatários da

assistência social, financiamento, competências dos gestores em diferentes esferas de

governo, instâncias de decisão e suas competências: conselhos, comissões intergestores,

modelos de gestão, procedimentos operacionais para habilitação e desabilitação de estados e

municípios.

Mesmo depois desse instrumento normativo, a Secretaria de Estado da Assistência

Social – SEAS, ainda sentia a necessidade de tornar mais claras as orientações para efetivar as

mudanças definidas desde 1993, com a LOAS e, diante disso, publicou um manual do

“Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social”, com uma linguagem clara,

sob a forma de perguntas e respostas. Dessa forma, buscava tornar mais acessíveis as

definições legais e normativas em vigor. Esse documento assim definia o Sistema:

O Sistema Descentralizado e Participativo da Assistência Social é um

conjunto orgânico de ações de assistência social de responsabilidade da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em seus

respectivos níveis, de maneira complementar e cooperativa. Essas ações são

articuladas entre si por meio das Comissões Intergestoras e contam com a

participação da sociedade civil, por intermédio dos Conselhos. O Sistema

organizado é expresso pela rede prestadora de serviços assistenciais, voltada

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para as necessidades do conjunto da população (Sistema Descentralizado e

Participativo da Assistência Social, p. 15).

Por seu turno, a elaboração da Política Nacional de Assistência Social respondia, em

1998, a uma definição datada de 1993. O documento apresenta uma análise situacional em

que esclarece as dificuldades experimentadas pela população brasileira, situando o Brasil em

uma realidade global, em uma economia mundial orientada pelo neoliberalismo.

Nesse caso, conforme análise desenvolvida no capítulo anterior, o Estado é levado a

rever o seu papel, inclusive reduzindo os seus gastos no campo das políticas sociais. Foi isso

que ocorreu no governo de FHC, fazendo com que se definisse uma agenda que incorporasse

“a necessidade de construção de estratégias de enfrentamento da exclusão social, para além do

limite da ação do Estado” (BRASIL, 2001, p. 23). Era essa orientação que justificava a

existência de ONGs e de outras iniciativas do terceiro setor, estimuladas a desenvolver

programas e projetos sociais.

O Estado brasileiro, durante o governo FHC, adquiriu uma nova configuração. Foi

nesse governo que se realizou a sua reforma, um projeto coordenado pelo ministro Luis

Carlos Bresser-Pereira que, àquela época, defendia um Estado mínimo, liberado de obrigações

que pudessem ser de interesse do mercado ou transferidas para a responsabilidade da

sociedade civil, na qual deveria ser mobilizado o sentimento de solidariedade.

Foi ainda no período FHC, em 2001, que se realizou a III Conferência Nacional de

Assistência Social. A ameaça que se delineava na II Conferência confirmou-se e o espaço

entre as duas, definido pela LOAS para dois anos, foi estendido por uma definição do governo

federal, através da Lei 9.720, de 30/11/1998, ampliando para quatro anos o intervalo entre as

conferências. Desse modo, mais uma vez a LOAS foi desconsiderada, prejudicando as

discussões na esfera maior de deliberação da assistência social.

A III Conferência realizou-se no período compreendido entre 4 e 7 de dezembro de

2001 e teve o seguinte tema: “Política de Assistência Social: uma trajetória de avanços e

desafios”26. A Conferência teve 137 deliberações que deixavam clara a permanência de

problemas como o desrespeito ao comando único, a desconsideração de uma Política

Nacional já definida e o descumprimento da LOAS. A referência à possibilidade de acionar o

Ministério Público, indicada nas deliberações, corresponde a uma declaração do esgotamento

26 Os dados relativos a essa Conferência contidos neste trabalho foram extraídos do documento III Conferência Nacional de Assistência Social – deliberações, 2001. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/conferencias-nacionais/iii-conferência-nacional

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das condições de resolver questões fundamentais no âmbito da relação direta com o governo

federal. Está presente a preocupação com a garantia de recursos financeiros e com a produção

de pesquisas que subsidiem as ações na área da assistência social. A autonomia e as condições

de funcionamento dos conselhos também estão presentes nas deliberações. A articulação entre

a assistência social e uma política de emprego e renda é requerida e também se reconhece a

necessidade de, através da descentralização política e administrativa, assegurar a autonomia

aos municípios, não os limitando a executores de programas e projetos definidos na esfera do

governo federal.

Em 2002, último ano do governo FHC, a assistência social constava da pauta de

discussão dos candidatos à presidência da República, processo do qual participaram, dentre

outros, José Serra, representando a continuidade do projeto em andamento e Luiz Inácio da

Silva, uma possibilidade de ruptura com aquele projeto, o que se evidenciava em sua “Carta

ao povo brasileiro”, em que afirmava o seguinte:

O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para

conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça

social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade

popular de encerrar o atual ciclo econômico e político. [...] Nosso povo

constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e está muito

mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte comprometida, a

corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a insegurança

tornaram-se assustadoras (SILVA, 2002).

A situação da assistência social, naquele momento, explicitava alguns elementos

internos e externos que a condicionavam e que interferiram na condução do discurso e da

prática dos candidatos em processo eleitoral. No campo interno, era evidente a fragilidade da

política, mesmo que oficialmente definida há quatro anos. Na prática, a LOAS e a PNAS

continuavam sendo pouco consideradas. No campo dos fatores condicionantes externos

situavam-se as pressões resultantes da tradicional utilização das políticas sociais como moeda

de troca em períodos eleitorais, além do distanciamento entre eleitores e partidos políticos,

gerando uma cultura política de muita plasticidade e, portanto, vulnerabilidade da população

às propostas de candidatos, às vezes pouco preocupados com a sua concretização.

Naquele ano, 2002, registrava-se um clima de muita incerteza em relação aos

programas sociais do governo federal. À apreensão manifestada pelas famílias cadastradas

nesses programas o governo respondeu com uma série de medidas que significavam ampliar a

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sua atuação e os recursos destinados aos projetos sociais nos quatro meses que antecediam à

eleição. Matéria jornalística que circulou à época27 dava conta das seguintes iniciativas do

governo federal:

� Criação do “Cartão Cidadão” com o objetivo de unificar o pagamento dos

programas de transferência direta de renda, abrangendo inicialmente cinco dos

doze programas em execução: Bolsa-alimentação, Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil – PETI, Bolsa-Escola, Brasil Jovem e Vale-Gás;

� Cadastro Único dos usuários dos programas;

� Campanha para registro civil, criando condições de acesso aos programas

sociais.

Segundo afirmava o articulista, “além da estabilização da economia, o que mais dá

prazer a FHC é falar sobre a transferência de renda aos mais pobres feita em seu governo”. Ao

final desse período de governo algumas definições estavam claras: a retração do Estado na

execução das políticas sociais, dentre elas a assistência social; a inversão do seu alvo no

campo da regulação: o Estado, diferentemente do seu comportamento em tempos de Welfare

State, libera o mercado; o desempenho do papel de controle, do qual não abre mão, mas passa

a fazê-lo com a mobilização da sociedade; a transferência de responsabilidades de proteção

social para a sociedade, em um apelo à solidariedade e; finalmente, o privilegiamento dos

projetos de transferência de renda, o que responde principalmente à questão do limite do

mercado de trabalho, um fenômeno local, mas também, a expressão de uma economia

globalizada e financeirizada.

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente, em sua quarta tentativa. Candidato do

Partido dos Trabalhadores – PT, o metalúrgico foi ao longo de sucessivos processos eleitorais

uma das alternativas de oposição, uma oposição que aos poucos foi sendo abrandada, até se

tornar adequada aos projetos dominantes da economia brasileira e de seus financiadores

externos.

Iniciou-se, portanto, em 2003 um governo sob expectativas muito fortes, alicerçadas

no discurso presidencial que ressaltava a mudança como carro-chefe de sua administração e

defendia o combate à fome, à corrupção e à impunidade. No campo específico da assistência

social, o presidente, de início, sinalizou positivamente ao atender a uma antiga reivindicação,

27 COSTA, Folha de S. Paulo, 2002.

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criando o Ministério da Assistência Social, conduzido por uma assistente social, Benedita da

Silva. Entretanto, como antes, o ritmo das mudanças operacionais continuou lento.

Em respeito a compromissos de campanha, logo de início, o Governo Lula criou o

Programa Fome Zero, transformado posteriormente em estratégia de governo, com o objetivo

de “acabar com a fome e a exclusão social por meio de programas que criam condições para o

desenvolvimento sustentado da [...] população”28.

Passado quase um ano de sua posse, em outubro de 2003, o Presidente lançou o

Programa Bolsa-Família, como o principal programa de seu governo, unificando recursos dos

seguintes programas de transferência de renda: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-

Gás e Cartão-Alimentação. Em discurso durante o lançamento do Programa, o presidente

afirmava o seguinte: “A ponte que estamos construindo hoje aproxima solidariamente os

extremos da nossa sociedade e dá uma nova oportunidade histórica ao país”. Dizia ainda o

presidente: “Quando assumimos, encontramos alguns programas de transferência de renda em

andamento. Procuramos aproveitá-los da melhor maneira possível, corrigindo e aperfeiçoando

o que era necessário”29.

Mais do que aperfeiçoar programas, o governo Lula também ressuscitou antigas

práticas. Esse é o caso da distribuição de leite, uma reedição do programa desenvolvido

durante o governo Sarney, que apenas foi modificado em relação ao público, antes limitado a

crianças e agora ampliado para atender a gestantes e mães que estivessem amamentando,

cujas famílias, com renda familiar inferior a meio salário mínimo por pessoa, passaram a

receber diariamente até dois litros de leite. O programa não se destinava a todos os estados

brasileiros, apenas a dez unidades localizadas no semi-árido, cinco dos quais para

atendimento imediato: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Essa

iniciativa que atendia a um compromisso de campanha com o seu idealizador, José Sarney,

provocou uma série de críticas, desde as que se originavam na categoria dos nutricionistas, até

as que nasciam de grupos políticos e intelectuais que começaram a colocar em

questionamento o limite que o projeto do governo começava a demonstrar. Para alguns

críticos ficava evidente a inexistência de um projeto de governo, por isso os governantes se

orientavam por um projeto de poder.

28 Desenvolvimento Social: Guia de políticas e programas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, 2008, p. 9. 29 Trechos do discurso presidencial citados por SILVEIRA, 2003.

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Nesse mesmo ano, 2003, realizou-se no período de 7 a 10 de dezembro, a IV

Conferência Nacional de Assistência Social30, a primeira sob o governo Lula, convocada

extraordinariamente, pelo fato de ainda vigorar a Lei que estendeu para quatro anos o

intervalo entre esses eventos, uma herança do governo FHC. Conforme relatório, tratava-se da

primeira conferência “a ser construída sob as aspirações do novo governo democrático do

País, que corajosamente, conclama sua realização extraordinária solicitando e possibilitando a

participação popular na construção do direito à assistência social no Brasil” (Relatório da IV

Conferência Nacional de Assistência Social, 2003, p. 8).

A Conferência, realizada dez anos depois da aprovação da LOAS, teve o seguinte

tema central: “Assistência social como política de inclusão: uma nova agenda para a cidadania

– dez anos de LOAS”. As atividades da Conferência foram orientadas pelos seguintes sub-

temas:

� Assistência Social: conceber a política para realizar o direito;

� Organização e gestão: planejar localmente para descentralizar o direito;

� Financiamento: assegurar recursos para garantir a política;

� Mobilização e participação como estratégias para fortalecer o controle social.

Pela primeira vez, registrava-se de forma explícita a referência à instância local,

indicada como uma estratégia para se obter o fortalecimento do poder local, cuja discussão foi

orientada pela seguinte questão: “como formular e definir benefícios, programas e serviços

relacionados às necessidades locais e não depender exclusivamente das definições nacionais?”

O questionamento sugere a necessidade de se assegurar a autonomia das instâncias locais,

reforçando posições das conferências anteriores que sempre se contrapuseram aos programas

definidos no âmbito do governo federal para realização nos diferentes municípios.

O grande marco dessa conferência foi a criação do Sistema Único de Assistência

Social – SUAS, cujas bases foram amplamente discutidas e finalmente aprovadas, ante o

entendimento do seu caráter de urgência para a organização e gestão da Política de

Assistência Social. As deliberações dessa conferência sinalizavam para a recusa às

condicionalidades e às contrapartidas de forma coerente com a lógica da proteção social

implícita no texto constitucional. A lógica da universalização dos direitos sociais apresentava-

30 Os dados relativos a essa Conferência, referidos neste trabalho, foram extraídos do Relatório da IV Conferência Nacional de Assistência Social, 2003. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/conferências-nacionais/iv-conferencia-nacional

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se como um ideal bastante ameaçado na realidade brasileira. Antigas reivindicações voltaram

à pauta das deliberações como foi o caso da garantia do comando único, da parceria com as

universidades e da capacitação continuada de recursos humanos. A possibilidade de recorrer

ao Ministério Público, sugerida na conferência anterior, foi reafirmada, indicando ainda a

existência de dúvidas sobre a atenção que a assistência social receberia no governo que se

iniciava.

No ano de 2004, registrou-se a primeira reestruturação ministerial do Governo Lula

com a qual foram extintos o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Nutricional

e o Ministério da Assistência Social. Para responder pelas atribuições das pastas extintas,

criou-se o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, através da

Medida Provisória 163, de 23 de janeiro de 2004. A assistência social passou a partir de então

a ser coordenada pela Secretaria Nacional de Assistência Social, integrante da estrutura

organizacional do MDS.

2.6 – A Política Nacional de Assistência Social em sua segunda versão: a exigência de um

redesenho

Em 2004, em atendimento às definições da IV Conferência, foi elaborada a nova

versão da Política Nacional de Assistência Social, aprovada em reunião do CNAS de 22 de

setembro de 2004 e publicada no Diário Oficial da União de 28 de outubro do mesmo ano.

Como afirma a própria PNAS 2004, a riqueza da sua construção é resultante das

contribuições recebidas dos conselhos de assistência social; dos fóruns de gestores; de

associações de municípios; de fóruns estaduais, regionais; de organizações governamentais e

não-governamentais; das secretarias de assistência social; dos núcleos de estudo; de

estudantes e estudiosos da área; além dos sujeitos anônimos que participaram do processo. A

PNAS em sua versão atual se apresenta como:

Uma elaboração fundamentada em um certo modo de olhar e quantificar a

realidade a partir de uma visão inovadora, dando continuidade ao

inaugurado pela Constituição de 1988 e pela LOAS; [...] uma visão social

de proteção; [...] uma visão social capaz de captar as diferenças sociais, o

que exige confrontar a leitura macro-social com a leitura micro-social; uma

visão social capaz de entender que a população tem necessidades, mas

também possibilidades ou capacidades que devem e podem ser

desenvolvidas e, finalmente, uma visão social capaz de identificar forças e

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não fragilidades que as diversas situações de vida possuam (PNAS, 2004,

p.15)31.

A apresentação de uma nova versão da PNAS se fez no segundo ano do governo Lula,

menos de um ano após a realização da IV Conferência, o que demonstrava a prontidão em

responder às deliberações do fórum maior da política de assistência. Uma leitura da PNAS

feita com mais profundidade permite elencar algumas das inovações que compõem esse novo

olhar que passa a caracterizar a assistência social e, nesse sentido, destacamos as seguintes

referências presentes no texto:

� a consideração das desigualdades territoriais no manejo e na configuração da

própria política;

� a necessidade da constituição da rede de serviços;

� a relevância atribuída à atuação intersetorial;

� a atenção dada às novas tecnologias da informação, como uma forma de

ampliar as possibilidades de comunicação e melhorar as condições para

circulação de informação, de realização de monitoramento e avaliação;

� a definição da centralidade sociofamiliar no âmbito das ações da assistência

social.

A ênfase que se impõe à matricialidade sociofamiliar e à perspectiva socioterritorial

atravessa toda a construção da PNAS, o que passa a exigir uma revisão nas suas diretrizes e

nos seus objetivos. Definem-se, portanto, da seguinte forma as diretrizes da PNAS:

I – Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação

e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos

respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a

entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único

das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as

características socioterritoriais locais;

II – Participação da população, por meio de organizações

representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em

todos os níveis;

31 Para conferência das páginas indicadas, deve-se considerar a publicação da PNAS e da NOB-SUAS que apresenta conjuntamente os dois documentos, uma edição datada de novembro de 2005.

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III – Primazia da responsabilidade do Estado na condução da

Política de Assistência Social em cada esfera de governo;

IV – Centralidade na família para concepção e implementação dos

benefícios, serviços, programas e projetos.

Os objetivos da PNAS são definidos considerando-se a necessidade de prover

condições para responder às contingências sociais. Também nesse campo, faz-se presente a

referência à centralidade sociofamiliar e a abordagem socioterritorial, apresentada sob a forma

de áreas rurais ou urbanas e convivência comunitária.

A PNAS, ante a necessidade de caracterizar os diferentes territórios, utiliza como

referência a classificação de municípios adotada pelo IBGE que os define como pequenos,

médios, grandes e metrópoles32. O tamanho da população e o número médio de famílias que

habitam os municípios também são elementos considerados pela PNAS e são de fundamental

importância nas definições necessárias à sua operacionalização.

A PNAS 2004 define um sistema de proteções afiançadas classificadas como: (1)

proteção social básica, cujo objetivo é: “prevenir situações de risco através do

desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e

comunitários”; (2) proteção social especial, entendida como “modalidade de atendimento

assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e

social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de

substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação

de trabalho infantil, dentre outras”. A proteção social especial é classificada em dois tipos:

média e alta complexidade.

A PNAS também trata de questões como: controle social, financiamento e

monitoramento. Importante referência é a que se faz a Recursos Humanos, o que

posteriormente tem como desdobramento a publicação de uma NOB sobre o assunto, a NOB-

RH, em 2007.

Com a PNAS 2004, cria-se o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, “um

sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão

32 Classificam-se como municípios de pequeno porte I aqueles com população até 20.000 habitantes; os municípios de pequeno porte II são os que possuem uma população entre 20.001 e 50.000 habitantes; municípios de médio porte são os que cuja população fica entre 50.001 e 100.000 habitantes; os municípios de grande porte abrigam uma população entre 101.000 e 900.000 habitantes e os municípios/metrópoles contam com uma população superior a 900.000 (BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004 , p. 19).

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do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira”

(NOB/SUAS, 2005, p. 86). O SUAS está fundamentado em uma “concepção política, teórica,

institucional e prática da política na perspectiva de ampliar a cobertura e a universalização de

direitos, aperfeiçoando a sua gestão, qualificando e fortalecendo a participação e o controle

social” (PNAS, 2004). O SUAS,

[...] cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na

regulação e organização em todo o território nacional das ações

socioterritoriais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como

foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o

território como base de organização, que passam a ser definidos pelas

funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e

pela sua complexidade (PNAS, 2004, p. 39).

A implementação da PNAS e a implantação do SUAS exigiram a elaboração de uma

nova Norma Operacional, o que resultou na elaboração da NOB/SUAS, a terceira de uma

série iniciada em 1997 e que define a disciplina e a operacionalização da gestão da PNAS,

orientando gestores, técnicos e usuários.

A NOB/SUAS define tipos e níveis de gestão. São quatro os tipos de gestão: dos

municípios, do Distrito Federal, dos estados e da União. No que se refere aos níveis, a gestão

pode ser classificada como: inicial, básica e plena. Dependendo do nível de gestão, definem-

se requisitos, responsabilidades e incentivos. Em relação aos municípios, a NOB estabelece as

condições de habilitação e desabilitação, as condições de gestão inicial, básica e plena; os

critérios de partilha e de transferência de recursos em que se consideram características,

necessidades e potencialidades socioterritoriais. Como instrumentos de gestão, definem-se os

seguintes: planos, orçamentos, gestão de informação, monitoramento e avaliação e, ainda,

relatório anual de gestão.

A NOB-SUAS define os seguintes eixos estruturantes de gestão da política de

assistência social:

� Precedência da gestão pública da política;

� Alcance de direitos socioassistenciais pelos usuários;

� Matricialidade sociofamiliar;

� Territorialização;

� Descentralização político-administrativa;

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� Financiamento partilhado entre os entes federados;

� Fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil;

� Valorização da presença do controle social;

� Participação popular/cidadão usuário;

� Qualificação de recursos humanos;

� Informação, monitoramento, avaliação e sistematização de resultados.

Ao mesmo tempo em que se aperfeiçoava o Sistema, realizaram-se duas Conferências

Nacionais, uma em 2005 e outra em 2007, ambas importantes pela definição de um elevado

volume de compromissos, sinalizando a confiança em uma construção que parecia mais

próxima.

A V Conferência foi realizada no período de 5 a 8 de dezembro de 2005, tendo como

objetivo “consolidar um plano de metas para implementação da Política Nacional de

Assistência Social para os próximos dez anos”. O tema da Conferência foi o seguinte: “SUAS

– Plano 10: estratégias e metas para a implementação da Política Nacional de Assistência

Social”33.

O CNAS afirmou em relatório que a Conferência registrava e corroborava “os

notáveis avanços da assistência social brasileira, enquanto política de Estado, firmando um

pacto em favor de um mutirão nacional para a construção do Sistema Único de Assistência

Social”. A idéia de um mutirão evidenciava a necessidade de concentrar esforços no sentido

de impulsionar a assistência social, cujos avanços mais se faziam no campo normativo, como

vimos constatando neste trabalho.

Como resultado daquela Conferência, merecem destaque as deliberações que se

apresentaram, sendo agrupadas da seguinte forma: metas de gestão de recursos humanos,

metas de gestão do SUAS, metas de financiamento, 10 direitos socioassistenciais, metas de

controle social e compromissos éticos com os direitos socioassistenciais. Dessas deliberações,

a definição dos direitos socioassistenciais, também tratados com “Decálogo dos direitos

socioassistenciais” (Anexo 1), passou a ser tratada como uma permanente referência. A

elaboração de um Plano Decenal foi iniciada nessa Conferência, com o traçado de algumas

33 Os dados relativos a essa conferência foram extraídos dos Anais da V Conferência Nacional de Assistência Social, 2005. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/conferencias-nacionais/v-conferencia-nacional

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metas a serem alcançadas a partir de 2006 e até 2015. Esse Plano foi retomado e aperfeiçoado

na conferência seguinte.

Em 2007, no período de 14 a 17 de dezembro, realizou-se a VI Conferência Nacional

de Assistência Social com o seguinte tema: “Compromissos e responsabilidades para

assegurar proteção social pelo Sistema Único de Assistência Social – SUAS”. A Conferência,

segundo relatório, teve os seguintes subtemas: plano decenal, direitos socioassistenciais,

controle social e protagonismo dos usuários, financiamento, gestão do trabalho,

intersetorialidade entre as políticas e destas com o desenvolvimento econômico34.

A Conferência orientou-se pelos seguintes objetivos: avaliar e debater a implantação

do SUAS; aperfeiçoar o Plano Decenal da Assistência Social, através da inclusão de novas

metas nacionais; afirmar compromissos e responsabilidades com o Plano decenal da

Assistência Social; reafirmar os compromissos e responsabilidades para assegurar a proteção

social pelo SUAS; aprovar a Carta Nacional dos Direitos Socioassistenciais.

No campo das deliberações, a Conferência definiu metas nacionais a serem

incorporadas ao Plano Decenal de Assistência Social, sendo essas agrupadas nos seguintes

eixos: financiamento, controle social, recursos humanos e gestão.

Os Direitos Socioassistenciais receberam especial atenção, sendo reafirmados através

da publicação de uma Carta Nacional dos Direitos Socioassistenciais em que a sociedade

brasileira era conclamada a assumir os desafios que assegurassem a efetivação dos direitos

deliberados na V Conferência.

A Conferência também deliberou, dentre outros assuntos, sobre o Plano Decenal –

SUAS Plano 10, definindo sobre o aperfeiçoamento ou a definição de metas e estratégias em

relação:

� ao modelo socioassistencial: garantia de proteção social não contributiva;

vigilância social e defesa social e institucional; níveis de proteção social e

integração de serviços e benefícios; regulação; informação, monitoramento e

avaliação;

� à rede socioassistencial e intersetorialidade;

� ao investimento em assistência social;

34 Os dados relativos a essa conferência foram extraídos do Relatório Final da VI Conferência Nacional de Assistência Social, 2007. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/conferencias-nacionais/vi-conferencia-nacional

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� à gestão do trabalho;

� à democratização do controle social.

É importante lembrar que as conferências nacionais são antecedidas pela realização de

conferências estaduais e municipais. A temática escolhida é inicialmente discutida nos

municípios e nos estados, culminando o processo na esfera nacional.

A Conferência de 2007 provocou a abertura de um espaço para a discussão da

participação do usuário da assistência social. Disso resultou a definição do protagonismo do

usuário como um dos elementos centrais das discussões da VII Conferência realizada em

dezembro de 2009, tendo como tema “Participação e controle social no SUAS”.

Os resultados sistematizados das conferências estaduais foram apresentados na

Conferência Nacional e, não somente deixaram claras as situações de avanços e conquistas,

mas também, a necessidade de um maior investimento no sentido de superar os entraves para

que, de fato, se efetive o protagonismo do usuário.

As deliberações da conferência35 enfatizaram as seguintes necessidades:

fortalecimento de fóruns e conselhos; garantia de ampla participação dos usuários na

condução da assistência social; fortalecimento dos centros de referência; capacitação

permanente de conselheiros; ampliação de recursos financeiros e orçamentários nas três

esferas de governo. Essas foram algumas das importantes constatações daquela conferência.

A discussão sobre território também integrou a dinâmica do encontro, sendo uma

questão abordada em um painel específico e que se fez presente quando se tratou sobre

centros de referência, acessibilidade, gestão local ou condições de trabalho dos profissionais

da área. Essa questão – a atuação da assistência social em territórios – passa a assumir a

centralidade da discussão que vimos desenvolvendo, sendo privilegiada nos próximos

capítulos deste trabalho.

35 Disponíveis em: http://www.mds.gov.br/cnas/vii-conferencia-nacional/as-deliberações-da-vii-conferencia/

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3 – Território e gestão de políticas sociais no Brasil

Introdução

Este capítulo tem como elemento central a discussão sobre território. Dela derivam as

reflexões que se desenvolvem sobre espaço local, poder local e desenvolvimento local. O

capítulo contempla o tratamento de questões como conceitos e diferentes abordagens sobre

território, traçando-se o caminho para a análise relativa à territorialidade das políticas sociais

no Brasil. Finalmente, enfatiza-se a perspectiva socioterritorial assumida pela Política

Nacional de Assistência Social.

3.1 – Situando a questão

A introdução da perspectiva socioterritorial na Política Nacional de Assistência Social

de 2004 não deve ser tratada como um acontecimento de somenos importância. A

descentralização político-administrativa e a territorialização, colocadas entre os eixos

estruturantes da referida política, implicam o seu redimensionamento teórico e, logicamente, o

seu reordenamento metodológico e operacional. Com essas definições, a PNAS 2004

redimensiona o lugar do conceito de território, atribuindo-lhe centralidade, diferentemente do

entendimento registrado em 1998, quando esse conceito foi abordado de forma tangencial.

Os conceitos são desenvolvidos em determinados campos teóricos e muitos deles

interessam a diferentes grupos de estudiosos, o que permite a sua apropriação pelas mais

diversas ciências. O entendimento sobre o significado e a importância de alguns conceitos

exige um exercício de reconstrução de sua origem, de sua trajetória temporal e, em algumas

situações, das interpretações a que se submeteram em específicas áreas de conhecimento. Esse

é um exercício que passamos a fazer.

Para melhor fundamentar a discussão sobre território, julgamos importante considerar,

como ponto de partida, que essa é uma discussão situada em um conjunto temático no qual se

destacam conceitos como: poder local, planejamento local, orçamento participativo,

desenvolvimento regional, desenvolvimento local sustentável, arranjos produtivos locais,

descentralização, municipalização, dentre outros. Na análise que desenvolvemos neste

capítulo, orientamo-nos, inicialmente, pela concepção de Costa36, para quem território é um

36 COSTA, R. H. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade, 2007.

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“conceito derivado de espaço, o conceito maior”, ou seja, “território é produto da apropriação

de um dado segmento do espaço por um dado grupo social, nele estabelecendo-se relações

políticas de controle ou relações afetivas identitárias, de pertencimento”.

O vasto universo conceitual a que anteriormente nos referimos, segundo entendemos,

tem como pano de fundo uma importante discussão relativa à questão do espaço37 local. Essa

discussão, quando desenvolvida em tempos recentes, é submetida a uma análise apenas

possível se esse espaço é colocado como um contraponto ao espaço global. Queremos chamar

a atenção para o fato de que a preocupação com a questão do espaço local não é nova, mas

tem o seu tratamento atualizado, conforme constatamos nesta reflexão para a qual tomamos

como pontos de partida as seguintes concepções básicas: espaço local, poder local e

desenvolvimento local.

3.2 – Espaço local, poder local e desenvolvimento local

O tratamento da questão local remete os estudiosos a formas de organização social em

que se registra uma intensa aproximação entre os seres humanos e os seus lugares de vida;

seus espaços de relacionamento e de construção de identidade, ou seja, os lugares onde

produzem suas estratégias de sobrevivência. Pensar sobre o espaço local é pensar sobre o

desenvolvimento de uma forma de vida em que as situações e soluções endógenas adquirem

um importante significado

Esse tipo de relacionamento próximo, desenvolvido entre os seres humanos e entre

eles e os lugares em que vivem, pode ser registrado nas seguintes situações: inicialmente foi

experimentado em um período anterior ao acelerado processo de urbanização vivenciado em

âmbito mundial e, atualmente, se mantém em localidades pouco afetadas por esse processo,

mas também naquelas em que, através de uma ação deliberada, busca-se recuperar antigas

formas de relacionamento humano, voltadas para o fortalecimento de valores humanitários e

para a exploração de recursos locais, sejam eles materiais ou imateriais. A urbanização é uma

das profundas transformações decorrentes da revolução industrial, tendo sido vivenciada

37 Espaço é um conceito muito importante, não somente para a Geografia, mas para um conjunto de outras ciências. Milton Santos afirma que o espaço “é a casa do homem e também a sua prisão” (SANTOS, 2004, p. 264). Afirma também que a construção do espaço é “obra da sociedade em sua marcha histórica ininterrupta” ( Op. cit. p.261), e que o espaço geográfico é a natureza modificada pelo homem através de seu trabalho” ( Ibid. p. 150). Ainda segundo Santos, “o espaço por suas características e por seu funcionamento, pelo que ele oferece a alguns e recusa a outros, pela seleção de localização feita entre as atividades e entre os homens é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais ( Id. p. 95-6). Finalmente, acreditamos que, diante de tantas possibilidades conceituais, Milton Santos se expressa da seguinte forma: “Assim como Santo Antônio disse do tempo ‘se me perguntarem se sei o que é, respondo que sim; mas, se me pedem para defini-lo, respondo que não sei’; o mesmo pode ser dito do espaço’ ” ( Id. p. 150).

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inicialmente em um processo acelerado, capaz de operar uma profunda transformação e

desenhando a organização social que vivenciamos nos dias atuais.

A discussão que se desenvolve atualmente sobre o espaço local responde à

necessidade de recuperação, fortalecimento e até mesmo, da reinvenção desse espaço, como

forma de estabelecer um contraponto ao espaço global, assegurando-se uma relação dialética

entre local e global. A questão local é, pois, retomada em tempos recentes em um processo

simultâneo ao desenvolvimento da globalização e, dessa forma, local e global são instâncias

complementares. Nessa perspectiva, como uma constatação inicial, podemos afirmar que o

espaço local é propício à construção de respostas para muitos dos problemas característicos

do modelo macroeconômico global em vigor.

A relação complementar e dialética entre local e global é tratada por Milton Santos,

que se refere a esse processo, reconhecendo que “o local é a realização possível num dado

momento. Mas quando encaro o global, vejo outras perspectivas e almejo alcançá-las. Quando

as vejo presentes em outros lugares, me pergunto: por que não aqui?” ( SANTOS, 2000, p.

54). O autor sinaliza para uma forma de relacionamento em que local e global se colocam

como tensão, possibilidade e, acima de tudo, como desafios simultâneos.

Espaço local é um termo que, em uma interpretação imediata, ou resultante de senso

comum, remete-nos à idéia de uma área pequena, de extensão restrita, possibilitando,

portanto, o estabelecimento de um contato próximo, imediato, entre os que aí se situam e

vivem. Há, entretanto, alguns estudiosos do assunto que superam essa compreensão. A título

de ilustração, trazemos para esse texto o pensamento de alguns desses autores, como é o caso

de Tenório, Fischer e Dowbor.

Na produção teórica de Fernando Tenório localizamos o seu conceito de local,

entendido como “aquele espaço territorial delimitado em sub-regiões38, municípios ou

cidades” (TENÓRIO, 2007, p. 17). Também assumindo essa compreensão ampliada do termo,

situa-se Tânia Fischer. Segundo a autora, “quando se fala em local, não se está

circunscrevendo o conceito à rua, ao bairro ou mesmo à cidade. O universo de análise é mais

amplo e abstrato, podendo estar relacionado a várias escalas39 de poder, consideradas

38 O autor não explicita o seu conceito de sub-região. 39 Segundo Iná Elias de Castro, “a palavra escala é frequentemente utilizada para designar uma relação de proporção entre objetos (ou superfícies) e sua representação em mapas, maquetes e desenhos, e indica o conjunto infinito de possibilidades de representação do real, complexo, multifacetado e multidimensional, constituindo um modo necessário para abordá-lo [...]. Como não se trata apenas de tamanho ou de representação gráfica, é preciso ultrapassar esses limites para enfrentar o desafio epistemológico que o termo escala e a abordagem necessariamente fragmentada do real colocam (CASTRO, 2006, p. 129).

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isoladamente ou em conjunto, em um ou mais territórios” (FISCHER, 2002, p. 13). Com a

mesma perspectiva, Dowbor entende que “o espaço local é o município, unidade básica de

organização social, mas é também o bairro, o quarteirão em que vivemos” (DOWBOR, 1994,

p. 2).

Constatamos, a partir dos conceitos desenvolvidos pelos três autores, que a referência

a espaço local possibilita uma vasta lista de interpretações. Podemos estar falando sobre uma

rua, um quarteirão, uma cidade, um município, uma sub-região. Essa lista provavelmente se

ampliaria se abordássemos outros autores. O que se pode afirmar é que a indicação de espaço

local só adquire sentido pela sua contraposição a um outro espaço de maior dimensão. É

importante observar que os conceitos de território, conforme estão sendo utilizados pelos

autores, o indicam na condição de um elemento secundário, podendo ser entendido como um

suporte material para o espaço local.

Nesse espaço, desenvolvem-se relações de poder que interessam a projetos políticos

específicos, cujos objetivos podem expressar tanto a pretensão de desarticular grupos ou

populações, quanto a pretensão de aproximar pessoas, grupos ou populações dispersas em

espaços como os das grandes metrópoles, podendo ainda representar oportunidades de

exploração de recursos locais em benefício próprio ou de grupos externos. Em síntese, a

interação que se estabelece entre poder local e poder global pode ser desenvolvida em duas

direções: pode privilegiar as potencialidades locais, em benefício próprio, ou pode limitar-se

ao exercício de um controle sobre determinado espaço local em benefício de projetos alheios

aos seus interesses.

É importante registrar a existência de uma vasta discussão acerca da existência ou da

inexistência de diferença entre espaço e território. Dentre os que participam dessa discussão,

destacamos dois importantes nomes, o de Claude Raffestin e o de Milton Santos. Na opinião

do primeiro, território é o espaço apropriado, “o espaço é, de certa forma, ‘dado’ como se

fosse matéria prima [...]. Evidentemente, o território se apóia no espaço, mas não é o espaço.

É uma produção a partir do espaço” (RAFFESTIN, 1993, p.144). Por seu turno, Milton

Santos considera essa, uma discussão pouco importante, pensamento que ele expressa da

seguinte forma:

Na verdade eu renunciei à busca dessa distinção entre espaço e território.

[...] Eu acho que são filigranas, que não são indispensáveis ao verdadeiro

debate substantivo [...]. Agora a retificação que ando fazendo é que não

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serve falar de território em si mesmo, mas de território usado, de modo a

incluir todos os atores (SANTOS, 2000, p. 46).

A questão do poder local também tem merecido a atenção de importantes estudiosos

de cuja produção incorporamos alguns elementos a este trabalho. De início, destacamos a

contribuição de Elenaldo Teixeira que conceitua poder local como “a relação social em que a

sociedade civil, com todos os seus componentes (organizações, grupos, movimentos), é um

dos atores, e, embora limite-se por uma territorialidade, nela não se esgota” (TEIXEIRA,

2001, p. 20). Dowbor, por sua vez, entende que o poder local “está no centro do conjunto de

transformações que envolvem a descentralização, a desburocratização e a participação, bem

como as chamadas tecnologias urbanas” (DOWBOR, 1994, p.3). Conforme a análise de

Fischer, o poder local diz respeito a um conjunto de relações que envolvem cooperação e

competição, conflitos de interesses e práticas solidárias. Refere-se a autora a uma forma plural

de poder, ou seja, “poderes espacialmente localizados, com sua fragmentação e

reconfiguração multiescalares em cidades, regiões e outros recortes interorganizacionais”

(FISCHER, 2002, p. 12-3).

Registra-se, dessa forma, a possibilidade da coexistência de diferentes poderes,

distribuídos em diferentes escalas, sobre um mesmo espaço, no qual desenvolvem-se projetos

e incidem financiamentos que, muitas vezes, se sobrepõem e até se contrapõem. Também

nesses conceitos é possível observar que a referência a território é caracterizada pela idéia de

um elemento de suporte ao exercício do poder local.

O terceiro conceito de que precisamos nessa introdução ao estudo sobre território é o

de desenvolvimento local. Pela sua abrangência, entende-se que o desenvolvimento local

implica o envolvimento efetivo de diversas dimensões a exemplo das seguintes: econômica,

social, cultural, ambiental e físico-territorial, política e tecnológica. Segundo Tenório,

desenvolvimento local “procura reforçar a potencialidade do território mediante ações

endógenas, articuladas pelos seus diferentes atores: sociedade civil, poder político e o

mercado” (TENÓRIO, 2007, p. 73). Para Cragnolino, desenvolvimento local é:

Um processo de desenvolvimento centrado num território concreto em que

os protagonistas são uma pluralidade de atores que ocupam determinadas

posições no espaço social e que estabelecem relações em função de metas e

projetos comuns. Estes atores se vinculam de acordo com o sistema de ação

local; podem ser individuais ou coletivos; agrupam-se, segundo provenham

do Estado ou do setor não-governamental, em atores públicos e atores da

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sociedade civil; também podem ser distinguidos, de acordo com o âmbito

de ação, em atores econômicos, atores sociais, atores políticos e

governamentais e podem ser também atores institucionais ou

interinstitucionais. (CRAGNOLINO apud TENÓRIO, 2007, p. 90).

Constatamos que os autores citados tratam sobre desenvolvimento local destacando a

questão territorial, mas a exemplo da concepção presente em espaço local e poder local, a que

nos referimos anteriormente, território é tomado como um suporte físico para os projetos de

desenvolvimento. Os conceitos apresentados enfatizam o papel dos atores – ou protagonistas

sociais – e sua relação com o estabelecimento de um conjunto de metas e objetivos. Segundo

essa concepção de desenvolvimento, valorizam-se as oportunidades, as potencialidades e os

recursos disponíveis em determinada localidade. Com isso, reduz-se a importância da

mensuração das variáveis comumente enfatizadas pela economia na sua perspectiva de

crescimento quantitativo, ou seja, perde importância a expressão numérica da realidade,

cedendo lugar a uma abordagem em que os elementos qualitativos passam a receber maior

atenção.

As teorias que orientam as experiências de desenvolvimento local têm seus registros

iniciais no século XIX, com a produção de Alfred Marshall ( 1842-1924 ) que introduz o

conceito de distritos industriais nas discussões da economia, para explicar a concentração de

pequenas e médias empresas situadas ao redor de grandes indústrias nos subúrbios da

Inglaterra. As primeiras experiências nessa área, portanto, datam do século XIX e se

estendem aos dias atuais, adquirindo expressões diferenciadas nesse percurso. Inicialmente,

as experiências enfatizavam os macro-espaços econômicos e sociais. Paulatinamente, teorias e

práticas assumiram uma nova direção, privilegiando-se, então os micro-espaços,

evidenciando-se o seu caráter cada vez mais localizado.

Em vista disso, podemos afirmar a existência de duas importantes tendências no

campo do desenvolvimento local: uma primeira, em que se destacam as experiências de

desenvolvimento regional com a constituição de grandes aglomerados industriais, ou pólos de

desenvolvimento, e uma segunda, claramente situada a partir dos anos 1990, em que são

privilegiados os projetos desenvolvidos em micro espaços, ou territórios de desenvolvimento.

Essa compreensão, como analisaremos, não implica a redefinição do conceito de

território, no sentido de vinculá-lo apenas a áreas de pequena dimensão. Não é esse o caso.

Território é um termo que pode ser utilizado em referência a áreas de diferentes dimensões,

desde uma rua, uma esquina, uma casa até um aglomerado de Estados. Isso nos leva a admitir

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que mais importante que o tamanho da área de abrangência, no caso das políticas sociais, a

referência territorial diz respeito ao foco definido para a sua atuação. É isso que define a

escala adotada para a realização de determinada política em que se enfatize uma abordagem

territorial.

O período posterior à Segunda Guerra Mundial foi marcado pelo desenvolvimento de

uma série de modelos de planejamento e de políticas ante a necessidade de promover um tipo

de desenvolvimento capaz de superar as desigualdades regionais o que, em muitos países,

prejudicava o ritmo geral de crescimento econômico dos Estados nacionais. As propostas

vivenciadas, a partir de então, apoiavam-se na idéia de crescimento exógeno e objetivavam a

correção ou redução dos desequilíbrios existentes entre as regiões. Para tanto, fazia-se

necessária a transferência de tecnologia e a mobilidade interregional de bens e fatores de

produção para beneficiar as regiões menos desenvolvidas.

As iniciativas, daquele momento, fundamentavam-se em elementos básicos como a

constatação do caráter desigual do crescimento econômico e a necessidade da intervenção do

Estado, daí a atuação de um ente exógeno transferindo recursos e assegurando a interrelação e

integração regional e nacional.

Na década de 1950, já era possível registrar a incorporação desse modelo de

desenvolvimento regional por muitos governos nacionais que passaram a instalar os seus

parques industriais em áreas estratégicas, fundamentando-se na “Teoria dos pólos de

crescimento”40. Conforme esse modelo, o planejamento passava a obedecer a uma hierarquia

em que as definições mais importantes eram tomadas de modo centralizado pelo governo

federal e transferidas para as esferas regional, estadual e municipal. Observa-se, pois, uma

dinâmica em que o planejamento e as intervenções são orientados “de cima para baixo”.

Segundo Tenório, “os efeitos exercidos por um pólo de desenvolvimento se distinguem pela

capacidade de induzir transformações na sua área de influência, denominados ‘efeitos de

arrasto’, que são gerados por indústrias motrizes e dinâmicas que não estão presentes em

outras aglomerações” ( TENÓRIO, op.cit. p.81)

Daquela década até os anos 1970, predominaram as teorias fundamentadas na noção

de crescimento desequilibrado, idéia básica para a formulação de importantes quadros

40 A Teoria dos pólos de crescimento tem como principal nome o de François Perroux, tendo inspirado importantes experiências desenvolvidas durante as décadas de 1940 e 1950. Teve como principais preocupações o entendimento sobre as razões da concentração de riquezas em determinadas regiões e como o crescimento poderia ser estendido de uma região para outra. Nesse caso, o conceito de região não é de região homogênea, mas de região polarizada.

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teóricos inspiradores de conhecidas experiências que se iniciaram na Europa e foram

disseminadas pelos demais continentes. No conjunto dessas explicações, destacamos a Teoria

da Dependência, que fundamentou o trabalho da Comissão Econômica para a América Latina

– CEPAL, destinada a explicar a situação de não desenvolvimento de alguns países da

América Latina, o que se justificaria pelo desgaste das relações de troca estabelecidas entre

países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Na década de 1980, em consequência da crise vivenciada pela economia mundial, da

revolução de ordem tecnológica que se desenvolveu e das novas orientações relativas ao papel

do Estado, tornou-se inviável o tipo de desenvolvimento regional experimentado até então,

fundamentalmente assegurado pelo governo nacional. Como parte desse processo, muitas

regiões tradicionalmente industriais entraram em declínio. Teoria e prática do

desenvolvimento exógeno tornaram-se insustentáveis e, em seu lugar, de modo compatível

com os novos paradigmas que se instalavam, passamos a conhecer as teorias do

desenvolvimento endógeno que incorporam novos fatores de produção aos tradicionais capital

e força de trabalho.

Desse modo, fatores anteriormente considerados exógenos como conhecimento,

informações e pesquisa adquirem um lugar importante, ante a necessidade de inovação e

aproveitamento dos recursos locais necessários ao desenvolvimento endógeno, que é

explicado por Amaral Filho como:

Um processo interno de ampliação contínua da capacidade de agregação de

valor sobre a produção, bem como da capacidade de absorção da região,

cujo desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na

economia local e/ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões.

Esse processo tem como resultado a ampliação do emprego, do produto e da

renda do local ou da região, em um modelo de desenvolvimento regional

definido (AMARAL FILHO, 1995, p. 37).

Em sua análise, Amaral Filho afirma a existência de elementos novos nesse paradigma

de desenvolvimento endógeno e destaca principalmente o fato de que as iniciativas dos atores

locais devem adquirir centralidade, como forma de assegurar uma base de decisões

autônomas.

A partir dessa orientação que se consolida nos anos 1990, o desenvolvimento passa a

obedecer a uma nova dinâmica, ou seja, “de dentro para fora”, em que as condições locais,

materiais ou imateriais, passam a ter fundamental importância. Com o redimensionamento das

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atribuições do Estado, efetiva-se um amplo processo de descentralização orientado no sentido

da maior responsabilização dos municípios e, em seguida, pelo maior aproveitamento das

potencialidades locais, ou seja, dos espaços intramunicipais. “Dessa forma, as novas políticas

de desenvolvimento voltam-se não apenas para a redução das desigualdades regionais, mas,

sobretudo, para o estímulo e desenvolvimento de competências locais, valorizando as

especificidades de cada região e procurando inseri-las em mercados cada vez mais

globalizados” (FEITOSA, 2007, p. 138).

Consolida-se uma outra estrutura de produção que, por sua vez, exige uma nova forma

de gestão. Novos conceitos entram em cena e imprimem novas orientações metodológicas e

operacionais. Governança, capital social, cooperação voluntária, organização reticular,

empreendedorismo, pequeno negócio, microempresa, microcrédito, planejamento estratégico,

integram o novo cenário a partir daí. Nesse contexto, a utilização do planejamento estratégico

adquire papel decisivo.

A cidade e a região empreendedoras são, isto é, devem ser, antes de mais

nada, concebidas e planejadas como uma empresa [...]. Num mundo cada

vez mais pragmático, trata-se agora não apenas de explicar os sucessos e os

insucessos de cidades e regiões, mas sobretudo, formular os planos de

guerra, os planos estratégicos que as conduzirão à vitória (VAINER, 2009,

p. 8).

Planejamento estratégico é um planejamento de guerra e, no caso da sua utilização em

um mercado globalizado, implica o estabelecimento de uma guerra de lugares e por lugares.

Municípios, estados e regiões competem entre si e, nesse processo, fazem ofertas que se

expressam em vantagens fiscais, mão de obra a baixo custo, ou outros atrativos, no sentido de

conquistar empreendimentos comerciais. Nesse caso, prevalece a lógica da concorrência e os

recursos locais passam a ser decisivos. Essa proposta de planejamento é severamente criticada

por autores como Fernando Tenório que o classificam como uma forma de enfrentamento em

detrimento de uma ampla participação dos sujeitos coletivos.

As propostas de desenvolvimento local, ao longo de sua trajetória, adquirem

materialidade através da constituição dos Distritos Industriais, dos Clusters ou dos Arranjos e

Sistemas Produtivos Locais, formas bastante conhecidas em tempos recentes.

Os Distritos Industriais, conforme afirmamos anteriormente, fundamentam-se na

teoria desenvolvida por Alfred Marshall. “São aglomerações de pequenas e médias empresas

espacialmente concentradas e setorialmente especializadas, que operam numa atmosfera

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cultural e social fundamentada na cooperação, confiança e reciprocidade entre os agentes”

(FEITOSA, op. cit. p. 139). O surgimento dos Distritos Industriais integra o processo pós-

fordista de flexibilização e descentralização produtivas.

A formação dos Distritos Industriais proporciona uma série de benefícios,

principalmente às pequenas empresas que os compõem. A garantia de infra-estrutura, de mão

de obra treinada, a disponibilidade de recursos naturais locais, o acesso a informações sobre

novas técnicas, são benefícios possíveis, graças à proximidade geográfica entre empresas, o

que facilita o seu relacionamento. Em conseqüência, torna-se possível a produção em larga

escala, beneficiando a todos, produtores e consumidores envolvidos no processo. Os

benefícios desfrutados pelas empresas integrantes do Distrito Industrial são chamados de

economias externas ou externalidades, aqueles que não são comprados e independem da ação

direta de uma empresa, mas que a beneficia.

Na década de 1970, a proposta de desenvolvimento local, através dos Distritos

Industriais, foi retomada na Itália, na região de Emília Romagna, Sul da Itália, sendo essa

experiência conhecida como Modelo Emiliano e, pelo seu sucesso, também ficou conhecida

como Terceira Itália, pelo fato de se ter constituído em elemento novo no dualismo existente

entre o Norte desenvolvido e o Sul atrasado, segunda Itália. Os positivos resultados da

experiência fizeram com que ela se estendesse posteriormente aos Estados Unidos, França,

Alemanha além de países periféricos, dentre eles, o Brasil.

Os clusters podem ser caracterizados também como um aglomerado de empresas, mas

aí também se incluem as grandes iniciativas. A Alemanha pode ser apresentada como um bom

exemplo de desenvolvimento de clusters. Nesse caso, há uma utilização básica da noção

marshalliana de Distrito Industrial, mas registra-se a presença de novos elementos que os

fazem diferentes dos Distritos Industriais. Podemos entender que os clusters:

São concentrações geográficas de empresas e instituições em determinado

setor de atividade correlata, que enfatiza a concorrência como fator de

dinamismo para a competitividade e, por conseguinte, para a promoção do

desenvolvimento [...]. Destacam-se dos distritos industriais marshallianos

por não ficarem restritos às pequenas e médias empresas e por enfatizarem

mais a concorrência do que a cooperação, no processo de desenvolvimento

econômico. (FEITOSA, op. cit. p. 140)

Os Arranjos e Sistemas Produtivos Locais compõem-se pela aglomeração de empresas

e de produtores de um mesmo setor em determinado território, podendo incorporar pequenas e

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médias empresas. Nesse modelo de desenvolvimento local, a participação de instituições de

pesquisa e de desenvolvimento adquirem fundamental importância, pela preocupação que

existe em criar e difundir conhecimentos, visando a garantia de externalidades. Feitosa

conceitua da seguinte forma os arranjos e sistemas produtivos locais:

São aglomerados territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, que

apresentam vínculos de interdependência, mesmo que incipientes [...] A

ênfase dessa abordagem recai sobre a importância da inovação e do

aprendizado interativo, como fatores de competitividade sustentada,

envolvendo diferentes atores em âmbito local (FEITOSA, 2007, p. 140)

O que se evidencia nessa trajetória é um afunilamento em relação ao espaço de

abrangência definido para o exercício do poder e para o desenvolvimento de projetos com

enfoque local. Em consequência, teorias e práticas caracterizadas por esse viés localista –

cada vez mais micro – são orientadas em função de uma perspectiva territorial que atravessa

as mais diferentes políticas sociais, alicerça a atuação das organizações governamentais e não-

governamentais e fundamenta projetos econômicos e sociais, independentemente de suas

tendências e compromissos.

3.3 – Território: conceitos e abordagens

A discussão sobre território tem seus primeiros registros no século XVIII e suas

primeiras sistematizações teóricas situam-se no campo da Etologia41. Partindo de uma

abordagem naturalista, o conceito de território foi, em seguida, incorporado à logística estatal

– a partir das contribuições da Geografia e da Ciência Política – e, posteriormente, alcançou o

campo das ciências humanas, destacando-se aí a produção da Filosofia, da Antropologia, da

Sociologia, da História, da Psicologia, da Economia e, mais recentemente, da Administração.

Tão importantes quanto as ciências que incluem em seu universo a questão do

território, são as perspectivas em que se fundamentam as suas produções. Em sua análise

sobre essa questão, Costa registra as seguintes perspectivas: materialistas, idealistas e uma

perspectiva integradora. Conforme o autor, as perspectivas materialistas de análise do

território assumem as seguintes formas: a) concepção naturalista, b) concepção de base

econômica e, c) concepção política, também conhecida como tradição jurídico-política.

41 A Etologia tem como objeto de estudo o comportamento animal, preocupando-se basicamente com a evolução desse comportamento através do processo de seleção natural.

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Segundo a concepção naturalista, a territorialidade42 entre os seres humanos é

explicada como consequência da sua vinculação ao mundo animal e da consequente interação

que envolve a sociedade humana e a natureza. Assim, o território humano é definido pelo que

há de natural no próprio homem. As primeiras sistematizações sobre território, por se

localizarem no campo da Etologia, põem em destaque a base animal do ser humano como

elemento explicativo para o seu comportamento. Por conseguinte, entende-se que:

O território é a área geográfica nos limites da qual a presença permanente

de um sujeito exclui a permanência simultânea de congêneres pertencentes

tanto ao mesmo sexo (machos), à exceção dos jovens (território familiar),

quanto aos dois sexos (território individual) (DI MÉO, apud COSTA, 2007,

p. 45).

Território adquire, nesse caso, um caráter limitante e excludente em que, a partir de

um comportamento instintivo, os animais e, dentre eles o ser humano, defendem uma área em

que não cabem todos os indivíduos que disputam os mesmos espaços e dependem dos

mesmos recursos. A defesa do território apropriado justifica e motiva a definição de limites e

a consequente exclusão dos que não são necessários.

Nessa perspectiva, a explicação sobre o comportamento humano é transposta do

campo de estudo do comportamento animal para o campo do conhecimento sobre o

comportamento humano e, apesar de marcar os primeiros exercícios de produção teórica nessa

área, não se trata de uma tendência superada. Produções recentes continuam afirmando esse

entendimento, classificado por alguns autores como “neodarwinismo” ou, ainda, como

“armadilha biologicista”. As políticas sociais que se limitam à satisfação das necessidades

humanas, limitando-se exclusivamente ao seu componente biológico ou animal orientam-se

por essa perspectiva.

A segunda concepção materialista apresentada por Costa é a de base econômica,

aquela em que se enfatiza a importância do território como fonte de recursos. Trata-se de uma

perspectiva de análise assumida por diferentes ciências, como é o caso da Antropologia em

que se destaca a produção de Maurice Godelier e da Geografia em que é reconhecida a

contribuição de Milton Santos. Conforme Godelier,

42 Trata-se de um conceito cujo sentido depende da perspectiva a que se vincula o pesquisador. De um modo geral, pode ser entendido como a capacidade humana de se organizar e viver em territórios nos quais se registra a interferência humana, dos quais os seres humanos recebem influência e através dos quais se relacionam. Raffestin define territorialidade como “um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema” (RAFFESTIN, 1993, p.160).

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Designa-se por território uma porção da natureza e, portanto, do espaço

sobre o qual uma determinada sociedade reivindica e garante a todos ou a

parte de seus membros direitos estáveis de acesso, de controle e de uso com

respeito à totalidade ou parte dos recursos que aí se encontram e que ela

deseja e é capaz de explorar (GODELIER, apud COSTA op. cit., p. 56).

Essa noção de território como fonte de recursos, desenvolvida por Godelier, é muito

comum aos pesquisadores vinculados à Antropologia, via de regra, comprometida com o

estudo de sociedades tradicionais. Essa interpretação não dá conta de muitas realidades

características de sociedades mais complexas, alicerçadas em bases tecnológicas mais

sofisticadas, em que a dependência direta da natureza como fonte de recursos não é tão

acentuada. Mesmo assim, é uma tentativa explicativa que também se mantém viva.

Na Geografia, conforme entendimento de Costa, Milton Santos também privilegia a

dimensão econômica na sua concepção de território e, pela importância de sua obra, essa

perspectiva de análise é assumida por muitos e importantes autores da atualidade. Segundo

Santos,

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de

sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem.

O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o

sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do

trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os

quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo,

entender que se está falando em território usado, utilizado por uma dada

população. Um faz o outro [...] (SANTOS, 2006, p. 97).

Dessa forma, o relacionamento estabelecido entre os seres humanos e os seus

territórios sofre uma transformação que acompanha o movimento dos diferentes modos de

produção experimentados pela humanidade. Para o autor, “no começo da história humana [...]

os laços entre território, política, economia, cultura e linguagem eram transparentes” (Op. cit.

p.61-2). Havia uma territorialidade absoluta, “no sentido de que, em todas as manifestações

essenciais de sua existência, os moradores pertenciam àquilo que lhes pertencia, isto é, o

território” (Ibid. p. 62).

Hoje, vivemos um momento cujas principais características podem ser indicadas como

um imperativo domínio do dinheiro e da informação, e isso interfere na relação entre os

homens e os seus territórios: “antes o território continha o dinheiro”; hoje, “o dinheiro

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automizado, e não mais capital como um todo, se torna, [...] o principal regedor tanto do

território, como de suas frações” (Id. p. 101). Ainda na análise do autor, “o território passa a

ser ‘território nacional da economia e a pobreza é a ‘pobreza nacional da ordem internacional’

”(Id. p. 74).

Essa concepção de base econômica quando se expressa na geografia, compõe uma

tendência denominada crítica ou marxista, cujo desenvolvimento se inicia na década de 1970

e representa um movimento de ruptura com a geografia tradicional e com a tendência

teorético-quantitativa 43.

A existência de uma geografia de tendência crítica é colocada em dúvida por alguns

autores que não reconhecem o desenvolvimento de uma análise específica sobre espaço na

obra de Marx. Dentre os que pensam assim, encontra-se Foucault. Em sua obra Microfísica do

poder, encontra-se o seguinte comentário:

Não houve geografia marxista, nem mesmo tendência marxista na

geografia. Os geógrafos que se dizem marxistas na verdade se desviam para

a economia ou a sociologia [...]. Marxismo e geografia dificilmente se

articulam. Talvez o marxismo, em todo caso o Capital, e de modo geral os

textos econômicos, privilegiando o fator tempo, não se prestam bem à

espacialização (FOUCAULT, 1979, p. 163).

Contrariando essa análise, Harvey (2005) registra nos escritos de Marx a preocupação

com o espaço, mas reconhece a ênfase dada ao tempo, pela sua importância no processo de

produção e circulação das mercadorias. Nesse caso, o espaço é tratado como um obstáculo a

ser enfrentado pelo tempo, que precisa ser cada vez mais curto no processo de troca.

O espaço tem sido um constante desafio ao capital. Inicialmente, a necessidade de

conquistá-lo, ou seja, a expansão necessária à apropriação e controle do espaço.

Posteriormente, conquistado o espaço, colocou-se a necessidade de intensificar a sua

exploração e de criar mecanismos que assegurassem a rápida circulação de mercadorias.

Nesse processo, a criação de um sistema de crédito funciona como um mecanismo capaz de

assegurar a expansão geográfica do mercado, garantindo oportunidades e continuidade à

acumulação do capital. Apesar de registrar essa abordagem espaço/temporal na obra de Marx,

Harvey reconhece nela a inexistência de uma elaboração teórica sistemática e especificamente

geográfica e espacial, o que em sua análise, passa a ser responsabilidade de estudos futuros.

43 Corrêa (2006) afirma a existência das seguintes tendências ou correntes teóricas na geografia: tradicional, abordagem teorético-quantitativa, perspectiva marxista e geografia cultural e humanista.

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Finalmente, a tradição jurídico-política, apresentada por Costa como a terceira

concepção materialista de território, é caracterizada pelo estabelecimento de um vínculo entre

Estado e território, sendo este o fundamento material para aquele. Essa concepção tem em

Friedrick Ratzel o seu principal representante.

A produção de Ratzel é conhecida como Geografia do Estado ou Geografia Política.

Para o autor, existe uma estreita ligação entre o solo e o Estado, cujo elemento fundador “foi

o enraizamento no solo de comunidades que exploram as potencialidades territoriais”

(RAFFESTIN, op.cit. p. 13). Seu trabalho é apontado como responsável pela “naturalização

da geografia”, ponto de vista do qual discorda Raffestin que, ao considerar a amplitude da

obra ratzeliana afirma o seguinte: “Ratzel está num ponto de convergência entre uma corrente

de pensamento naturalista e uma corrente de pensamento sociológica que a análise atenta de

suas fontes revelaria” (Ibidem, p. 12). O pensamento de Ratzel tornou-se politicamente

importante por haver fundamentado projetos totalitários e a concepção de um Estado todo-

poderoso. Decorre daí a concepção de geopolítica segundo a qual Estado é igual a poder e

esse poder refere-se ao espaço interno e o extrapola, tendo em vista a definição do espaço

mundial, no qual interferem os interesses e o poder dos diferentes Estados-nacionais.

Referindo-se à produção idealista sobre território, Costa a identifica nos estudos

desenvolvidos pela Antropologia e também pela Geografia. Na Antropologia, destaca-se a

atenção dedicada ao estudo sobre a criação e recriação de mitos e símbolos assumidos como

referências espaciais de determinados grupos humanos. A antropologia está atenta ao caráter

subjetivo a ser observado no território. Ou seja, ela está certa de que entre o homem e o meio

físico em que ele vive, existem idéias, concepções, enfim, uma cultura a ser considerada.

As teorias idealistas enfatizam o processo de criação de símbolos, não os entendendo

como não resultantes de uma determinação das características territoriais. A valorização da

dimensão simbólica do território implica admitir uma lógica culturalista ou pós-moderna que,

no campo de produção da Geografia se manifesta através da Geografia humanista e cultural,

uma tendência que se desenvolve a partir do enfrentamento com a Geografia positivista e com

a Geografia crítica. Segundo analisa Corrêa, “a geografia humanista está assentada na

subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo e na contingência,

privilegiando o singular e não o particular ou o universal, e, ao invés da explicação, tem na

compreensão a base de inteligibilidade do mundo real” (CORRÊA, 2006, p. 30).

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Concluindo sua análise, Costa propõe e assume uma concepção de território definida

conforme uma perspectiva integradora em que ele considera tanto a dimensão simbólica ou

cultural, quanto a dimensão material ou econômico-política, geralmente tratadas

separadamente, como vimos no caso das perspectivas classificadas como materialistas ou

idealistas. Trata-se, portanto, a perspectiva integradora de uma “leitura de território como

espaço que não pode ser considerado nem estritamente natural, nem unicamente político,

econômico ou cultural” ( COSTA, op.cit.p. 74).

Teorias e práticas territoriais vêm sendo submetidas a um processo de atualização e

isso tem exigido a superação de concepções tradicionais e a incorporação de elementos novos

que orientam a realidade atual. Conceitos como flexibilidade, mobilidade, transitoriedade,

territórios-rede, intersetorialidade não podem ser desconsiderados na discussão

contemporânea sobre território. Um bom exemplo do que afirmamos é a análise de Souza que

reproduzimos a seguir:

Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas

escalas, da mais acanhada (por exemplo, uma rua) à internacional (por

exemplo a área formada pelo conjunto dos territórios dos países-membros

da Organização do Atlântico Norte – OTAN); territórios são construídos (e

desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos,

décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter um caráter permanente,

mas também podem ter existência periódica, cíclica (SOUZA, 2006, p. 81).

Uma clara elasticidade caracteriza essa concepção de território. Só assim torna-se

possível entender a mobilidade dos territórios de prostituição, dos pontos de comércio

informal, das gangues, dos grupos que integram o tráfico de drogas ou os territórios flutuantes

constituídos por populações que habitam áreas fluviais como na Amazônia. É essa

elasticidade conceitual que nos permite entender que a definição de um território nem sempre

está associada à figura do Estado e que nos coloca diante dos territórios-rede, marcados pela

descontinuidade espacial. Decorre ainda da atualização conceitual a possibilidade de

entendermos que experimentamos múltiplas territorialidades e que os processos de

territorialização, desterritorialização e reterritorialização estão mais presentes em nossas vidas

do que poderíamos imaginar.

Quanto a esses processos, considerando-se a realidade de não absorção de um elevado

número de trabalhadores no mercado de trabalho e a consequente ampliação de uma massa de

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desempregados, registra-se o surgimento do que Souza chama de aglomerados de exclusão

por ele explicados da seguinte forma:

Aglomerados de exclusão seriam marcados então pela desterritorialização

extrema, uma certa fluidez marcada pela instabilidade e a insegurança

constantes, principalmente em termos de condições materiais de

sobrevivência, pela violência freqüente e pela mobilidade destruidora de

identidades. Tratam-se, em síntese, de espaços sobre os quais os grupos

sociais dispõem de menor controle e segurança, material simbólica. A

desterritorialização arrasadora dos aglomerados excludentes produz assim o

anonimato, a anulação de identidades e a ausência praticamente total de

autonomia de seus habitantes (SOUZA, op. cit., p. 193).

É nessas condições que numerosa parcela da população mundial vai sendo descartada

– desterritorializada – mas inevitavelmente se insere em novos grupos e organizações, em um

processo de reterritorialização que, às vezes, vincula essas populações a atividades marginais,

ilegais, perigosas. Dessa dinâmica tem resultado um processo de segregação que, no seu

extremo, pode chegar a situações de territorialismo44, ou seja, um extremo isolamento e uma

acentuada intolerância ao diferente.

Essas populações que não contam com qualquer organização sindical ou político-

partidária – o que é uma marca do nosso tempo – tornam-se suscetíveis a qualquer apelo ou

mobilização, quer seja efêmera ou duradoura, política, religiosa, consequente ou

inconsequente e isso resulta em atividades que podem ser uma marcha em defesa de seus

direitos ou um linchamento. Tudo é tão imprevisível quanto o futuro dessa população sem

expectativas e exposta a sofrer ou praticar toda sorte de violência.

Para essa população, são direcionadas ações destinadas a possibilitar a recuperação ou

o desenvolvimento de laços de identidade e de solidariedade, projetos que potencializem

recursos materiais e imateriais endógenos e que, acima de tudo, através de mecanismos de

controle assegurem o convívio entre diferentes segmentos sociais, ou seja, os que possuem e

os que não possuem condições de vida.

Nesse sentido, Estados nacionais e organismos supranacionais empenham-se em um

esforço coletivo e, para tanto, lançam mão de políticas territoriais de desenvolvimento e de

assistência social que adquirem um caráter planetário, mas são submetidas a um processo de

44 Essa é uma expressão utilizada por alguns autores para indicar uma forma extrema de relação com o território.

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adequação às particularidades locais. O entendimento da realidade do Brasil, respeitando-se a

sua particularidade, é um dos desafios desse trabalho.

3.4 – Território e territorialidade das políticas sociais no Brasil

A incursão realizada sobre as possíveis definições relativas ao conceito de território

nos autoriza a proceder a uma reflexão sobre a questão territorial e as políticas sociais no

Brasil. Pretendemos, inicialmente, tratar sobre o Brasil, enquanto território e, em seguida,

abordar as políticas sociais e sua territorialidade na sociedade brasileira, enfocando

especificamente a questão da assistência social.

Para melhor entender o processo de construção do território brasileiro, decidimos pela

realização de um breve exercício de resgate de alguns dados da nossa história. O enfoque

adotado, nesse caso, não é o tradicionalmente utilizado em que se define território

considerando-o apenas como a base física na qual se assenta o Estado. Nossa pretensão é

pensá-lo a partir de um conceito em que estão incluídos os seus diferentes componentes –

naturais, sociais, políticos, econômicos, históricos, culturais – capazes de fundamentar as

relações estabelecidas entre indivíduos, grupos, classes sociais, ou outras formas de

organização social.

Nesse exercício, apoiamo-nos inicialmente em importante estudo de Manuel Correia

de Andrade. Em sua análise sobre o processo de construção do território brasileiro, o autor

destaca um fator definitivo na nossa história, trata-se do fato de que, nos primórdios de nossa

história, formou-se o Estado sem que ainda existisse a sociedade, o que significou a criação e

a imposição de um ente político distanciado da organização da sociedade em formação

(ANDRADE, 2004). Essa marca inicial da nossa história, segundo o autor, é fundamental

para o que se constrói a partir daí.

A grande extensão da área geográfica do Brasil e a forma definida para sua gestão,

como destaca Andrade, foram importantes desafios enfrentados, inicialmente, pelos

colonizadores e continuam exigindo especial atenção dos governantes atuais. A conquista do

solo brasileiro e a exploração de suas riquezas compuseram um doloroso processo de

dominação dos povos nativos, o que provocou um massivo extermínio que não se concluiu

naquele primeiro momento, estendendo-se até os dias atuais. Esse processo se desenvolveu

em paralelo à devastação da natureza para a implantação de grandes projetos agrícolas ou

pecuários: cana, pastagens, criação de gado.

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93

Além do sacrifício imposto aos povos nativos, a necessidade de mão-de-obra e a

prática do trabalho escravo, possível à época, possibilitaram ao Brasil a aquisição de homens

e mulheres, transformados pela economia e pela cultura de então em importantes peças da

engrenagem produtiva de uma economia movida a energia animal. No Brasil, as formas

iniciais de relação com o trabalho são bastante dolorosas.

Ao processo de imposição do trabalho aos indígenas e aos negros, o que fomentava

uma relação pouco positiva com o Estado nascente e de não-pertencimento ao território em

construção, deve-se acrescentar a presença dos portugueses colonizadores, para quem a

Colônia sempre foi tratada como solução para questões políticas e econômicas. Nesse sentido,

o Brasil também foi disputado e atendeu a interesses de outros exploradores como foi o caso

de holandeses, espanhóis, ingleses, franceses.

É importante lembrar que a conquista do Brasil pelos portugueses aconteceu em um

momento de capitalismo concorrencial em que o capital experimentava um processo de

expansão próprio de uma época em que havia muita terra a ser “descoberta” e dominada pelos

Estados que, naquela época, redefiniam a geografia mundial. A garantia da posse de uma área

tão extensa exigiu dos portugueses a definição de estratégias como a divisão em capitanias

hereditárias, a criação das sesmarias e, posteriormente, impôs aos governos, inclusive já na

República, o deslocamento do povoamento do litoral para o interior do país.

Como analisa Andrade, esse foi um momento em que não se conseguiu, de fato,

consolidar a construção de um território entendido como terra, gente, identidade e

participação. Podemos afirmar que esse processo teve como pano de fundo a apropriação da

terra, a devastação da natureza, a intensa exploração da mão-de-obra, a desproteção

trabalhista e social e a marginalização de amplos segmentos populacionais, ou seja, na

formação do território brasileiro a natureza e as pessoas não foram poupadas.

Esse primeiro momento da nossa história teve uma duração e uma intensidade cuja

importância não pode ser desconsiderada para o entendimento do que somos hoje. É oportuno

lembrar a análise de Chauí com a sua proposta da existência de um mito fundador que

explicaria a permanência de muitos elementos construídos no nosso passado, mas ainda vivos

no nosso presente.

Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para

exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que,

quanto mais parece ser outra, tanto mais é a repetição de si mesmo

(CHAUI, 2000, p. 9).

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A autora, em sua análise não assinala a impossibilidade de mudança, mas aponta para

a persistência de elementos básicos da nossa formação que se atualizam, se renovam, mas

resistem e definem as características da nossa sociedade.

Tomado o Estado Novo, segundo propõe Andrade (2004), como o início de um outro

momento de construção do território brasileiro, é interessante destacar dois acontecimentos

decisivos: a Marcha para o Oeste e a crise da economia mundial nos anos 20 e 30 cujos

reflexos foram vivenciados no Brasil com a crise do café.

A Marcha para o Oeste foi uma iniciativa do governo Vargas, com a pretensão de

atingir dois objetivos. Primeiro: incentivar a ocupação da região Centro-Oeste e, segundo:

aliviar a pressão migratória em direção a outras regiões como o caso do Sudeste do país.

Tratava-se de uma política motivada pela necessidade de corrigir os desequilíbrios regionais

e, para sua operacionalização, definiram-se estratégias como: construção de estradas, reforma

agrária, criação de colônias agrícolas e incentivo à produção agropecuária. Estados como

Goiás, Mato Grosso e Paraná foram mobilizados como base de apoio a essa intervenção

estatal que, em sua continuidade pretendia a ocupação de toda a Amazônia.

Por se tratar de uma região desconhecida e povoada por indígenas, sua ocupação

deveria ser iniciada com a penetração de homens armados que abririam as estradas

necessárias ao desenvolvimento. Desse projeto participaram importantes profissionais como

foi o caso dos irmãos Villas Boas, o que amenizou os impactos negativos sobre as áreas

exploradas. A forma de ocupação utilizada repetia, em moldes atualizados, antigos métodos

de colonização e de construção do território brasileiro. Os resultados obtidos possibilitaram a

construção de uma realidade cujas características se mantêm até os dias atuais e podem ser

percebidos na seguinte matéria publicada em 2008:

Eldorado brasileiro mudou de lugar. Nesse início de século XXI, as boas

oportunidades não se escondem mais nas grandes cidades nem nas capitais

dos estados. A prosperidade e a riqueza, embaladas pelo sucesso do

agronegócio, espalham-se pelo interior do país a uma velocidade inédita. O

melhor exemplo dessa nova ordem é a Região Centro-Oeste. Os três estados

que a compõem – Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás – viram seu

peso na economia brasileira aumentar espetacularmente [...]. Duas

atividades sustentam a pujança no campo: a primeira é o cultivo de soja, um

colosso econômico. O plantio e o beneficiamento do grão empregam 4,5

milhões de pessoas, ou 2,5% da população brasileira. Desde 2000, a área

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plantada teve um acréscimo de 54%. O faturamento com exportações

disparou, impulsionado pelo aumento da produção e pela alta dos preços no

mercado internacional. O outro pilar que suporta a economia do Centro-

Oeste é a criação do gado. O rebanho no Brasil chegou a 207 milhões de

cabeças (sim, já há mais bois do que gente) (Veja, 2008).

A cultura da soja e a criação do gado são duas atividades que exigem vastas extensões

de terra. A sua intensificação e o seu compromisso com a exportação indicam a permanência

de um projeto fundamentado na concentração da propriedade da terra e na complementar

exploração da mão-de-obra, o que no Brasil, ainda chega ao extremo do trabalho escravo.

O segundo acontecimento decisivo para o início de um novo momento na construção

do território brasileiro foi a crise do café, resultante de uma superprodução mundial. Os

efeitos dessa crise, apesar das medidas protecionistas adotadas, provocaram o encerramento

do domínio dos cafeicultores sobre a economia e a política nacionais. Tornou-se, então, mais

evidente a tensão entre os projetos agrarista e industrialista que se colocavam como

possibilidades para o Brasil. Os dois projetos estavam comprometidos com a concorrência no

mercado internacional, o que expressava o caráter agroexportador da economia brasileira.

Prevaleceu o projeto de industrialização, consolidando-se e acelerando a política de

substituição de importações. A industrialização passou a ser assumida pelo governo Vargas

como prioridade para o desenvolvimento nacional e tornou-se um projeto irreversível, sendo

assumido pelos governos seguintes. O projeto brasileiro de desenvolvimento incorporou as

orientações em voga na economia mundial e, politicamente, entre os anos trinta e oitenta,

assumiu um modelo altamente centralizador. Como estratégia de desenvolvimento definiu-se

o governo brasileiro pela a implantação de pólos de desenvolvimento para, em seguida, adotar

um modelo de desenvolvimento endógeno em que estados, municípios e unidades

inframunicipais passaram a ser mobilizadas no sentido de assumir o seu próprio

desenvolvimento.

Na década de 1950, observando as orientações da CEPAL, o Estado brasileiro,

visando superar o atraso e a dependência em relação aos países centrais, consolidou o seu

projeto de industrialização, justificado em nome de um nacionalismo em que não se excluía o

capital estrangeiro. Tenório (2007) chama a atenção para o fato de que “no Brasil, o

fortalecimento do conceito de Nação vai ser atrelado à questão econômica” (Op. cit. p. 75).

Essa observação confirma a dificuldade que enfrentamos na construção da nossa identidade

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territorial mais ampla. Somos muito mais pernambucanos, alagoanos, paulistas do que

brasileiros e isso coloca sempre sob ameaça o nosso Pacto Federativo.

O Brasil chega à década de 1960 com o agravamento das desigualdades sociais e da

concentração de renda, além de uma profunda inquietação popular diante da expectativa das

reformas de base e da polarização de projetos políticos em que a possibilidade de uma

experiência de orientação socialista se apresentava muito próxima.

O golpe militar e a instauração de uma ditadura frustraram essas expectativas e

impediram o avanço dos movimentos sociais e políticos contrários aos interesses do capital

nacional aliado ao internacional. O Estado centralizador passou a ter mais força e assumiu o

desenvolvimento como um elemento de maior controle. É do período militar a elaboração dos

Planos Nacionais de Desenvolvimento – PND. Durante os governos militares a política de

ocupação territorial teve continuidade.

Fatores como a crise internacional da década de 1970, o fracasso do projeto

econômico e do projeto político e, acima de tudo, a resistência de brasileiros ao regime de

força em vigor, fizeram com que o Brasil chegasse à década de 1980 em meio a uma crise

fiscal e em uma situação de desordem nas finanças dos estados. Além disso, registrava-se uma

profunda desarticulação de muitos movimentos sociais, imobilizados pelo medo, uma herança

difícil de ser vencida e que se estende até hoje.

Essa crise [dos anos 80 e início dos anos 90] exauriu a poupança pública e

esvaziou, por conseqüência, a capacidade de investimento do Estado, o que

fez cair o padrão de intervenção estatal no processo de crescimento e

desenvolvimento econômico. Nesse quadro, ficam esvaziadas as políticas

industrial e regional, ambas controladas pelo governo federal (AMARAL

FILHO, 1995, p. 53).

Fica evidente, diante do projeto de uma da economia globalizada, do esgotamento do

modelo político e econômico centralizador, da pressão popular, o estabelecimento das

condições para a valorização do espaço local, ou “o retorno do território”, na expressão de

Milton Santos (2005). A ênfase ao poder local, nesse caso, não se dá mais sob o enfoque

regional, mas enfatizam espaços bem menores, os territórios. Passamos, então, a vivenciar

políticas de caráter territorial no Brasil o que reflete uma tendência globalizada.

A discussão e a vivência de ações orientadas para o desenvolvimento de territórios são

retomadas no Brasil a partir da década de 1990, tendo conquistado um significativo espaço na

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academia. Essa não foi a primeira vez que se ressaltou a referida forma de gestão de

programas e projetos sociais. Para Fischer (2002), iniciativas semelhantes podem ser

registradas nos trabalhos com comunidades nos anos 60 e 70, com os movimentos populares

nos anos 70 e 80, e, ainda com o boom das organizações não-governamentais na década de 80

(FISCHER, 2002, p.20).

As políticas sociais brasileiras, por definições constitucionais, experimentaram nos

anos recentes um processo de descentralização cujo mecanismo utilizado inicialmente foi a

municipalização. Esse processo não pode ser analisado como um acontecimento

exclusivamente nacional, mas como um movimento bem mais amplo, de alcance global. A

municipalização foi utilizada como uma forma de resgate do espaço local, de valorização do

poder local e se desenvolveu como um movimento generalizado na América Latina, não sem

antes ter sido registrado na Europa. Moura observa que:

A revalorização dos governos locais [...] tem como um dos elementos

impulsionadores a onda de reformas de descentralização do Estado,

instalada já na década de 70 em países da Europa (Inglaterra, França, Itália,

Espanha) e, posteriormente, na América Latina (Chile, Colômbia, México,

Peru, Bolívia, Brasil) ( MOURA, 1998, p. 167).

No Brasil, as modificações efetivadas na execução das diferentes políticas sociais, no

que se refere à sua descentralização, resultaram de duas fortes pressões. A primeira originária

de uma tendência mundial, em tempos de neoliberalismo, a segunda de um movimento de

democratização da sociedade brasileira.

Sobre a primeira fonte de pressão, devemos lembrar que, nas duas últimas décadas do

século findo, registrou-se um severo avanço da tecnologia, tendo como uma de suas

expressões a instauração da era informacional, caracterizada pelo expressivo desenvolvimento

da informação e do conhecimento, o que impôs a revisão dos métodos de gestão. Além disso,

a redefinição do papel do Estado, sob orientação neoliberal, sustentou a imperiosa

necessidade desses novos métodos.

A segunda fonte de pressão tem origem em importantes movimentos sociais atuantes

em defesa de direitos nas áreas da saúde, da educação, da habitação, da assistência social. Em

todas essas áreas, registra-se a luta no sentido de assegurar a descentralização e a participação

popular, sinais evidentes da proposta democrática em que se fundamentou o texto

constitucional de 1988.

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Desse modo, a proposta de uma gestão territorial é assumida sistematicamente como

orientação transversal, observável nas diferentes políticas sociais brasileiras. Essa orientação

pode ser percebida em iniciativas do Estado, a partir do governo de Fernando Henrique

Cardoso, período em que podemos indicar como exemplo emblemático a criação do

Ministério das Cidades. No campo específico da assistência social, essa orientação se

manifesta através do Programa Comunidade Solidária, cujo embate com a política nacional de

assistência, sob outra orientação à época era evidente, conforme tratamos anteriormente nesse

trabalho.

Durante o governo Lula, consolidou-se a orientação territorial para as políticas sociais

brasileiras e, nesse período, podemos indicar a título de ilustração iniciativas como o

Programa Territórios da Cidadania, o Programa Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT

e o que nos interessa particularmente, a Política Nacional de Assistência Social – PNAS.

O prosseguimento dessa análise requer a explicitação de alguns conceitos

fundamentais como o de Estado e o de políticas sociais para, então, abordarmos a perspectiva

socioterritorial assumida atualmente pela PNAS.

Quando tratamos sobre a gestão de uma política social, estamos fazendo referência a

um campo de relações e de tensão que envolve o Estado que não é um ente isento de

interesses econômicos e de lutas pelo poder. O Estado – resultante e contingente de uma

constante dinâmica – assume diferentes formas de expressão. Portanto, podemos falar de um

Estado brasileiro, com as virtudes e as mazelas que definem a sua singularidade. No presente

estudo, assumimos a teoria ampliada do Estado, uma elaboração conceitual de Gramsci, para

quem:

O Estado habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura,

ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de

produção e a economia de um dado momento), e não como um equilíbrio da

sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social

sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas

privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.); e é especialmente na

sociedade civil que opera os intelectuais (GRAMSCI, 2005, p. 84).

Na concepção gramsciana registra-se a preocupação em superar a idéia de um Estado

acabado, unidirecionalmente conduzido. Em seus textos, está sempre presente a referência à

possibilidade da construção de projetos hegemônicos e ao papel dos intelectuais e seu

comportamento orgânico a determinados grupos e seus interesses. São constantes os ensaios

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de Gramsci na elaboração do seu conceito de Estado. Carlos Nelson Coutinho sistematiza

muitas dessas iniciativas e desse seu exercício resulta o seguinte conceito:

O Estado em sentido amplo ‘com certas determinações’, comporta duas

esferas principais: a sociedade política (que Gramsci também chama de

‘Estado em sentido estrito’ ou ‘estado-coerção’), que é formada pelo

conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o

monopólio legal da repressão e da violência, e que se identifica com os

aparelhos de coerção sob controle das burocracias executivas e policial-

militar; e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das

organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias,

compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os

sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura

(revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc.

(COUTINHO, 1989, p. 76-7).

Como sinalizamos anteriormente, o Estado pode assumir expressões diferenciadas,

conforme se desenvolvam as relações entre sociedade civil e sociedade política e também

conforme se situe no cenário internacional. É assim que se define a história de cada Estado-

nação, o que permite a construção de sua identidade e a expressão de sua singularidade. A

situação de cada país permite diferentes avaliações, como podemos observar em análises que

abaixo sintetizamos com a pretensão de entender o caso brasileiro.

Segundo afirma Schmidt, uma análise mais geral sobre os rumos do Estado e da

sociedade, na atualidade, aponta para o fim do “vendaval neoliberal” e o início do “momento

pós-neoliberal” em que se registra “a imprescindível presença do Estado através de políticas

públicas para viabilizar o desenvolvimento com inclusão social” (SCHMIDT, 2007, p.1989).

Na sua perspectiva, o neoliberalismo é um projeto inconcluso no Brasil, resultado de

“resistências impostas por atores políticos e sociais importantes” (Ibidem, p. 2008). Apesar

dessas resistências, reconhece o autor que profundas reformas neoliberais aconteceram e seus

efeitos podem ser percebidos no Estado e na sociedade, a exemplo do controle da inflação, da

abertura do mercado, das privatizações, do enfraquecimento de estruturas estatais, do controle

por meio de agências reguladoras, da explosão da dívida pública, da elevação da carga

tributária, do baixo crescimento econômico e da permanência do padrão de desigualdade

social.

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O autor aprofunda e atualiza sua análise, trazendo-a para os dias atuais. Afirma que o

governo Lula “passou a orientar-se por uma nova concepção de Estado. Em lugar do Estado

mínimo, um Estado revitalizado, cujo grande objetivo é promover o desenvolvimento

nacional” (p. 2010, grifos do autor). Afirma ainda ser o governo Lula:

Um governo pós-neoliberal, de transição, orientado por uma nova

concepção de Estado e que abriu espaço para transformações mais

profundas na linha do desenvolvimento sustentável e da inclusão social. A

melhora das finanças públicas e das condições econômicas do país, as

políticas de redistribuição de renda e a capacidade de formular e

implementar políticas são aspectos que convergem para a revitalização do

Estado e a gestão de um novo modelo de administração pública (Op. cit. p.

2013).

Por seu turno, ao analisar o pensamento político brasileiro em sua dinâmica atual,

Brandão observa o seguinte:

Como algumas verdades parecem esquecidas, é bom lembrar que não

estamos lidando com resíduos, expressões atrasadas ou ilhas perdidas em

meio a um oceano de modernidade social ou tecnológica, mas com relações

estruturais e dinâmicas, constitutivas de nosso modo de ser e de ir sendo

capitalista. Dito de forma sintética: capitalismo high tech e arcaísmo

continuam andando de mãos dadas, e precisamos com urgência deslindar as

novas formas em que isso acontece (BRANDÃO, 2007, p.163)

Percebemos, portanto, a existência de diferentes formas de apreender e explicar a

realidade brasileira, o que exige trazer para o conjunto dessas análises alguns elementos

próprios da cultura e da história brasileiras, bastante significativas para explicar a situação

atual, constituindo uma totalidade que não pode ser desconsiderada.

Tratando especificamente sobre as políticas sociais, precisamos lembrar que elas

devem ser entendidas como uma importante conquista civilizatória, e que não devemos

depositar nelas as esperanças de solução das desigualdades econômicas e sociais, próprias do

modelo de economia em que se fundamenta o Estado brasileiro. Sobre isso é importante

considerar a análise de José Paulo Netto, para quem,

A dinâmica das políticas sociais está longe de esgotar-se numa tensão

bipolar – segmentos da sociedade demandantes/Estado burguês no

capitalismo monopolista. De fato, elas são resultantes extremamente

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complexas de um complicado jogo em que protagonistas e demandas estão

atravessados por contradições, confrontos e conflitos. A diferenciação no

seio da burguesia, os cortes no conjunto dos trabalhadores e as próprias

fissuras no aparelho do Estado [...] tornam a formulação das políticas

sociais processos que estão muito distanciados de uma pura conexão causal

entre os seus protagonistas, os seus interesses e as suas estratégias (NETTO,

1992, p.29).

Essa análise nos leva a considerar os diferentes atores e fatores que, ao longo de anos

têm definido e redefinido o perfil das políticas sociais até a presente configuração. Dessa

forma, registra-se atualmente – em decorrência da insuficiente absorção de mão-de-obra pelo

mercado de trabalho, pelas razões já expostas – a necessidade de ampliação da assistência

social que adquire centralidade no campo da seguridade social e pode ser utilizada como um

mecanismo de contenção da insatisfação popular.

Após a análise sobre as possibilidades conceituais relativas a território e após uma

breve reflexão acerca da constituição do nosso território podemos, finalmente, proceder a uma

discussão sobre a gestão territorial. Para tanto, precisamos de fundamentos relativos à

inserção dessa perspectiva no campo da gestão de políticas sociais, o que decidimos buscar,

em princípio, na produção de Eurípedes Vieira e Marcelo Vieira, além daquela desenvolvida

por Dirce Koga.

Vieira e Vieira desenvolvem uma importante análise sobre geoestratégia, poder e

gestão do território. Constatam os autores que as estratégias globais “definem uma nova

geoestratégia espacial, um novo poder global e uma nova gestão para os territórios” (VIEIRA;

VIEIRA, 2003, p. 13). A economia globalizada redefine a dimensão da soberania dos

Estados-nação, pela necessidade de penetração em todos os espaços produtivos, por menores

e mais locais que eles sejam. Os territórios podem ser alcançados pelos caminhos tradicionais

ou pelas infovias.

Para os autores há uma articulação entre os espaços locais e os espaços globais. O

mercado passa a ser um sistema de redes e, nesse sentido, os autores destacam grandes

formatos de rede: as redes espaciais de produção, as redes de montagem globais, as redes de

distribuição globais, as redes financeiras globais, as redes de telecomunicações e as redes

globais do crime organizado (Op. cit., p.57). Ainda conforme os autores, desse processo de

redimensionamento não escapam as relações de trabalho e a gestão pública. As relações de

trabalho passam a ser mais individualizadas e a gestão pública afasta-se “das estruturas

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verticais para a horizontalidade dos fluxos decisórios e, também, para a administração por

contrato [...]” (Id., p. 96). Na análise de Vieira e Vieira, “a alta tecnologia contraiu o espaço-

tempo. As distâncias não contam mais. São pontos virtuais, subjetividades lógicas no

ciberespaço (Op. cit., p.17).

Autores como Kauchakje e outros admitem que “a gestão em rede apresenta

maleabilidade, podendo ser combinada tanto com o modelo gerencial, quanto com o

participativo”. Entendem rede como: “uma das formas de auto-organização e de

relacionamento interorganizacional proposta por atores sociais interessados nos processos de

transformação social com base na ação coletiva, e é um modo espontâneo de organização em

oposição a uma dimensão formal e instituída” (KAUCHAKJE; DELAZARI; PENNA, 2007,

p. 137). A discussão sobre rede registra uma séria polêmica no que se refere a duas questões

básicas: a existência de hierarquia e o exercício de poder nas relações que se desenvolvem no

seu interior. Sobre isso há opiniões discordantes.

Expressando um permanente diálogo com Milton Santos, registra-se a contribuição de

Dirce Koga, em sua análise sobre a perspectiva territorial assumida no campo das políticas

sociais. Para a autora, o território “representa o chão do exercício da cidadania, pois

cidadania significa vida ativa no território, onde se concretizam as relações da vizinhança, e

solidariedade, as relações de poder” (KOGA, 2003, p. 33).

Entende a autora que a “territorialidade se faz pelos significados e ressignificação que

os sujeitos vão construindo em torno de suas experiências de vida em dado território”

(Ibidem, p.38). Koga nos introduz “à recente relação mediada pela linguagem do

geoprocessamento que permite, com sucesso, uma nova relação entre todo e parte, ou a

reconstrução da totalidade observando-se a heterogeneidade dos elementos que a compõem”

Id. p. 16). A indicação do geoprocessamento sugere uma reflexão sobre o papel da geografia e

dos recursos da informática, utilizáveis nas políticas sociais como forma de acesso e controle

mais precisos sobre os territórios.

As concepções dos dois autores evidenciam a existência de uma relação entre os seres

humanos e o seu espaço, de cuja dinâmica resulta a constituição dos seus territórios. Essa

relação pode ser de construção e fortalecimento de uma identidade, de pertencimento, em um

processo rico e positivo de territorialização, ou pode acontecer de forma precária, negativa,

caracterizando-se pelo isolamento e gerando processos de desterritorialização e

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reterritorialização, geralmente reafirmando as precárias condições de sua realização inicial.

Sobre esses processos Costa faz a seguinte análise:

[...] a exclusão aviltante ou as inclusões extremamente precárias a que as

relações capitalistas relegaram a maioria da humanidade fez com que

muitos, no lugar de partilharem múltiplos territórios, vaguem em busca de

um, o mais elementar território da sobrevivência cotidiana (COSTA, 2007,

p. 17).

Para esse trabalho, é de importância central estabelecer a diferença entre o que alguns

autores classificam como políticas territoriais: as que assumem a centralidade do território

para sua formulação e gestão, e políticas territorializadas: aquelas que resultam da aplicação

de uma política a um território. No primeiro caso, assegura-se o caráter endógeno das

políticas, o que não acontece no segundo. Esta é uma análise que podemos encontrar em

Michel Autés, para quem as políticas territorializadas são:

Aquelas em que o território passa a ser o palco das velhas políticas

existentes. Elas passam a ser administradas descentralizadamente, mas não

mudam sua lógica ou o seu desenho em função do lugar onde passam a

atuar. [...] As políticas territoriais são aquelas capazes de elaborar fórmulas

inéditas de gestão do vínculo social. Aqui, o lugar realmente faz a diferença,

sendo o agente motor da engrenagem das políticas. A partir da inter-relação

entre políticas e território é que novas formas de gestão são introduzidas

(AUTÉS, apud KOGA, 2003, p. 227-8).

As políticas territoriais apenas se tornam possíveis mediante a adoção de novos

procedimentos de planejamento e execução em que se assegure a efetiva participação e o

controle social, aquele exercido pelos seus demandatários e não sobre eles. Coloca-se, dessa

forma, a exigência de um outro tipo de gestão, a gestão social, como estratégia para assegurar

a socialização do poder, não mais restrito aos gestores municipais, estaduais e ao governo

federal, mas também, e principalmente, acessível aos usuários das políticas sociais brasileiras.

Nesse trabalho, estamos refletindo sobre gestão social a partir de concepções como as de

Tenório, Carvalho e Ckagnazaroff. Segundo Tenório,

Entende-se como gestão social os processos em que a ação gerencial se

desenvolve por meio da interação negociada entre os atores sociais,

perdendo o caráter tecnoburocrático em função da relação direta entre

gestão e participação, o que possibilita fazer uso de esquemas

organizacionais diferenciados e múltiplos (TENÓRIO, 2007, p. 11).

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104

Para Carvalho (1999), quando falamos em gestão social, referimo-nos à gestão das

ações sociais públicas, entendendo que a gestão do social é, em realidade, a gestão das

demandas e necessidades dos cidadãos. Para a autora, existem duas ordens de tensão que

movimentam e formatam a gestão da política social contemporânea: a) a tensão entre a

eficiência e a equidade e, b) a tensão entre a lógica da tutela ou compaixão e a lógica dos

direitos. Afirma Carvalho que a gestão das políticas sociais deve atender às seguintes

exigências: ser compartilhada; ênfase na ação local; articulação e complementaridade entre as

esferas de governo: União, estados e municípios; gestão em rede; flexibilização dos

programas e serviços.

Ckagnazaroff (2004, p.13) entende ser a gestão social “um campo interdisciplinar e

intersetorial de conhecimentos e práticas destinadas à realização de bem estar social”.

Reconhece as seguintes ferramentas operacionais utilizadas na gestão social: análise de

ambiente; análise de atores envolvidos; construção de cenários; planejamento estratégico45;

análise de problemas; instrumentos de preparação de programas e projetos; monitoramento e

avaliação; técnicas de administração de conflitos; metodologias de participação; desenho e

coordenação de redes interorganizacionais e gestão da descentralização”.

Observando os componentes mais incidentes ou os que julgamos de maior relevância

nos conceitos apresentados, acreditamos poder definir os que listamos a seguir, como fatores

indispensáveis a uma gestão social:

� Conhecimento e valorização da realidade, das demandas e das potencialidades

locais;

� Limitado ou inexistente caráter tecnoburocrático;

� Interação negociada;

� Descentralização;

� Participação da população em diferentes atividades gerenciais: planejamento,

execução, monitoramento e avaliação;

� Flexibilidade dos programas, serviços e recursos;

� Gestão em rede;

45 Alguns autores, como é o caso de Tenório, fazem restrição ao planejamento estratégico como ferramenta da gestão social. Segundo o autor, o planejamento estratégico, concebido em sua origem como um planejamento de guerra, coloca os atores em situação de embate e não de colaboração.

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105

� Atuação intersetorial.

A gestão territorial que se define para as políticas sociais, como percebemos, é

marcada por uma complexidade nem sempre percebida pelos que as vivenciam. A perspectiva

socioterritorial assumida pela PNAS pode expressar a direção assumida pelo Estado brasileiro

no enfrentamento da questão social em suas expressões atuais. Lembramos que aprofundar a

reflexão sobre o conceito de território e sobre os desafios e limites postos à assistência social

pensada territorialmente é a questão central assumida nesse trabalho.

Entendemos que, ao incorporar a perspectiva socioterritorial, a PNAS opera

importantes definições, o que exige um tratamento adequado a essa inovação que implica

importantes consequências. Território, até a primeira PNAS correspondia a um conceito

restrito, ou seja, limitado à compreensão de área geográfica: o território nacional, o solo da

pátria. Também pode ser encontrado no texto referindo-se a uma concepção micro, o

“microterritório” que é entendido como a comunidade, na qual é necessário que se implante

uma rede, “otimizando as relações e os recursos aí existentes, com vistas ao desenvolvimento

local sustentável” (Política de Assistência Social, 2001, p. 53). No texto daquela PNAS,

território é uma referência secundarizada.

Na atual PNAS, a incorporação da perspectiva socioterritorial fundamenta uma

determinada forma de conceber e operacionalizar a assistência social. Essa perspectiva é

explicitada em vários pontos da PNAS, como os que a seguir apresentamos:

� “A Política Nacional de Assistência Social traz sua marca no reconhecimento

de que para além das demandas setoriais e segmentadas, o chão onde se encontram e

se movimentam setores e segmentos faz a diferença no manejo da própria política,

significando considerar as desigualdades socioterritoriais da sua configuração”

(PNAS, 2004, p. 14).

� “É necessário relacionar as pessoas e seus territórios, no caso os municípios

que, do ponto de vista federal, são a menor escala administrativa governamental. O

município, por sua vez, poderá ter territorialização intra-urbana, já na condição de

outra totalidade que não é a nação” (Op. cit., p. 15).

� “Ao agir nas capilaridades dos territórios e se confrontar com a dinâmica do

real, no campo das informações, essa política inaugura uma outra perspectiva de

análise ao tornar visíveis aqueles setores da sociedade brasileira, tradicionalmente

tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas – população em situação de rua,

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adolescentes em conflito com a lei, indígenas, quilombolas, idosos, pessoas com

deficiência” (Id., p. 16).

� Quando afirma que, “ao invés de metas setoriais a partir de demandas ou

necessidades genéricas, trata-se de identificar os problemas concretos, as

potencialidades e as soluções, a partir de recortes territoriais que identifiquem

conjuntos populacionais em situações similares, e intervir através das políticas

públicas, com o objetivo de alcançar resultados integrados e promover impacto

positivo nas condições de vida” (Id., p. 44).

Ao adotar a perspectiva socioterritorial, a PNAS opera uma revisão em sua forma de

concretizar a descentralização e a participação exigidas desde as definições constitucionais.

Se, anteriormente, a descentralização havia assumido a dimensão estadual e depois a

municipal, a partir da NOB/SUAS, privilegiam-se os espaços locais, buscando-se assegurar a

maior capilaridade possível às ações da assistência social.

Em vista disso, criaram-se os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS,

um equipamento que se apresenta como a porta de entrada para o SUAS e que está destinado

a realizar as ações de proteção social básica. De forma complementar, criaram-se os Centros

de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS, destinados ao atendimento no

campo da proteção social especial.

A PNAS coloca-se, portanto, diante do desafio de incorporar exigências que implicam

mudanças não apenas teóricas, mas também metodológicas e operacionais. Sem isso, enfatizar

o território pode assumir um caráter restritivo, confirmando o rol de problemas e dificuldades

que vêm marcando sucessivas experiências nesse campo.

A valorização do espaço e do poder locais pode ser orientada por projetos

fundamentados em pretensões competitivas ou cooperativas e seus resultados podem levar a

aproximações ou a segregações socioespaciais. Estudos recentes sinalizam para díspares

possibilidades dessa perspectiva assumida pela PNAS:

Assim, a dimensão territorial, como um dos eixos da política de assistência

social, representa um avanço potencialmente inovador, ainda mais porque

incorpora uma noção ampliada de território, para além da dimensão

geográfica, concebendo-o como ‘espaço habitado’ fruto da interação entre

os homens, síntese de relações sociais. Contudo, podem-se detectar certos

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107

limites/riscos do enfoque territorial, que precisam ser considerados

(COUTO; RAICHELIS; YAZBEK, 2008).

As possibilidades que se apresentam com a territorialidade incorporada pela

assistência social, colocam-se em uma conjuntura real em que se manifestam efetivas

condições sociais, econômicas, políticas e culturais. Estamos tratando de uma política social

cuja trajetória pode, a partir dessa decisão, ultrapassar o limite formal das transformações até

agora propostas. É uma possibilidade.

A análise que vimos desenvolvendo nesse trabalho nos leva a observar uma dinâmica

em que, por um lado, exigências de uma política econômica impõem limites à concretização

dos direitos sociais universalmente defendidos, provocando o agravamento da questão social

que adquire uma complexidade própria das sociedades contemporâneas e, por outro lado, a

PNAS, a despeito do redimensionamento das responsabilidades do Estado, se apresenta como

uma proposta de ampliação de garantia de direitos, indicando a abordagem socioterritorial

como estratégia para alcançar setores até agora invisíveis ou excluídos. De uma forma mais

específica, a partir dessas reflexões buscamos responder à questão: Qual a direção social que

orienta a assistência social a partir da perspectiva socioterritorial assumida pela PNAS em

2004?

Para responder a essa questão, traçamos a trajetória desenvolvida até o momento e, no

próximo capítulo, trazemos para a discussão elementos das experiências vivenciadas em duas

realidades – Maceió e Arapiraca – as nossas fontes de dados empíricos, com a esperança de

melhor fundamentar a nossa análise.

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4 – Território e gestão da política de assistência social em Alagoas: as experiências de

Maceió e Arapiraca

Introdução

Para este capítulo convergem todas as análises anteriormente realizadas. Nele estão

contidos os dados obtidos na pesquisa realizada nos municípios de Maceió e Arapiraca. A

necessidade de contextualizar essa análise foi a razão de se iniciar o capítulo com uma rápida

recuperação do processo de construção do território alagoano. Em seguida, é traçado um perfil

atual da realidade do estado, com ênfase para elementos demográficos, econômicos,

educativos e de saúde. A caracterização dos municípios – Maceió e Arapiraca – também é

realizada, criando-se as condições para estudar as experiências que se desenvolvem nos

CRAS, tomados como espaços de gestão da assistência social em uma perspectiva

socioterritorial.

4.1 – A construção do território alagoano

O estado de Alagoas é resultante de um processo de divisão da Capitania de

Pernambuco. Registra-se a sua emancipação em 16 de setembro de 1817. Até então sua

história é a daquela capitania. Conforme analisamos no capítulo anterior, as capitanias foram

criadas como estratégia de ocupação do território brasileiro, uma colônia portuguesa, cobiçada

por espanhóis, ingleses, franceses e holandeses. Segundo Andrade, “o processo de

povoamento da capitania foi determinado pela cultura da cana-de-açúcar, financiada por

capital holandês, ou por judeus instalados na Holanda, que se empenharam na aquisição de

escravos africanos, na instalação dos engenhos e na expansão dos canaviais” (ANDRADE,

1997, p. 17).

O processo de ocupação obedeceu às seguintes etapas: enfrentamento com os

indígenas e destruição de suas aldeias; escravização dos que eram capturados;

desenvolvimento de agricultura para alimentação da população que se instalava; implantação

de áreas de criação de gado e; finalmente, cultivo da cana e implantação de engenhos. A

cultura de cana-de-açúcar, além de representar um tipo de atividade econômica, pela sua

importância na formação do território e da cultura no Brasil, também definiu um modo de

organização social, o que se expressava, inclusive, pela ordenação dos locais de moradia,

diferenciados, portanto, na distribuição geográfica, conforme se destinassem aos senhores ou

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aos escravos. “A sociedade era muito hierarquizada, e o senhor de engenho era praticamente

um chefe militar, tendo que se manter armado e alerta, com dependentes armados, a fim de

resistir às revoltas dos negros e aos ataques dos quilombos, sobretudo depois que os

quilombos da Serra da Barriga se multiplicaram” (Op. cit. p. 22)

Obedecendo a essa lógica de ocupação territorial, o desenvolvimento da capitania de

Pernambuco foi marcado pela expansão da cultura da cana-de-açúcar, o que se explicava

pelas condições muito favoráveis, em virtude da planície litorânea nordestina. Na área que se

definiria como território de Alagoas, o povoamento foi impulsionado a partir de três pontos:

Porto Calvo, Alagoas (hoje Marechal Deodoro) e Penedo. Posteriormente, mais ao centro do

território, instalou-se um quarto ponto, em virtude do fortalecimento do Quilombo dos

Palmares que, na expressão de Andrade, constituiu, no século XVII, um “verdadeiro estado

negro”.

A produção de açúcar em Alagoas, a exemplo do que aconteceu no Brasil, obedeceu

em seus primórdios, a um processo rudimentar desenvolvido por um sistema de engenhos ou

banguês, o que predominou até o século XIX, quando foram implantadas as primeiras usinas

no estado. Inicialmente, a maior concentração de engenhos registrou-se na área de Porto

Calvo e de Alagoas, desaparecendo progressivamente na direção Sul, e não sendo presente no

sertão, onde as condições não lhes eram favoráveis.

Naquele século, a agroindústria açucareira experimentou importantes modificações,

das quais resultou a decadência de muitos engenhos, indicando o esgotamento daquele

modelo de produção. A utilização do arado, do bagaço da cana em substituição à lenha como

combustível, a introdução de novas espécies de cana e a definição de novas relações de

trabalho, com o fim da escravidão representaram alterações definitivas na economia e na

organização social experimentadas até então.

Ao final daquele século, o governo brasileiro em atenção aos interesses da Inglaterra,

estimulou a implantação de engenhos centrais e o desenvolvimento de ferrovias que

facilitaram o transporte da cana produzida, encurtando distâncias. O surgimento dos

engenhos centrais provocou um importante impacto à medida que implicou uma divisão de

tarefas, cabendo aos banguezeiros as atividades agrícolas e aos engenhos centrais as

atividades industriais, compatíveis com as empresas que se instalavam, estabelecendo-se um

clima de insatisfação entre os que faziam o setor.

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110

Em Alagoas, as ferrovias, muitas delas privadas, possibilitaram o avanço da cultura da

cana para a região da mata, cuja produção passou a superar os resultados alcançados no litoral

norte e nas áreas de lagoas. Por seu turno, a implantação de engenhos centrais obedeceu a um

processo lento, posteriormente superado por uma nova dinâmica.

A cultura da cana-de-açúcar predominou na economia alagoana entre as décadas de

1920 e 1950. A partir de então, viveu um processo de expansão e, além das várzeas, passou a

ocupar os tabuleiros. Para tanto, tornou-se imperativa a destruição de vastas áreas da Mata

Atlântica. Além dessa questão ambiental, as usinas criaram um outro problema, a poluição de

rios e lagoas e, mais ainda, a destruição de importantes espécies da fauna e da flora, com as

queimadas praticadas ainda hoje.

A agroindústria açucareira também viveu o seu processo de modernização e

reestruturação produtiva, o que significou a substituição dos banguês pelas usinas, em muitas

áreas e implicou a modernização das relações de produção. A introdução de novas

tecnologias e a transformação do senhor de engenho em usineiro, imprimiu-lhe um perfil

diferente do experimentado até então, haja vista que as novas exigências o colocavam em

contato com o sistema bancário que se modernizava e incorporava um aparato tecnológico

que precisava também ser incorporado à vida dos empresários recém integrados ao moderno

sistema econômico.

Em prosseguimento a esse processo de modernização do setor, algumas usinas

transformaram-se em sociedades anônimas, dando origem a uma categoria de produtor de

cana: os proprietários de engenho, acionistas das usinas. Também impulsionou o setor a crise

estabelecida entre os Estados Unidos e o governo revolucionário cubano, o que interferiu

sobre o mercado do açúcar e, nessas circunstâncias, pelo embargo imposto a Cuba, a

produção de cana no Brasil, na década de 1960, assumiu maior importância, ante a demanda

dos Estados Unidos.

A industrialização do setor canavieiro, claramente perceptível na década de 1970,

consolidava um novo modelo de produção, de relações de trabalho e de relações sociais

decorrentes dessa atividade. As usinas, ao substituírem os engenhos, operavam a

modernização do capitalismo no campo. A mecanização, a expulsão de mão-de-obra e a

pressão sobre os centros urbanos foram expressões de um mesmo fenômeno: o reordenamento

do capitalismo.

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111

O lançamento do programa do álcool – PROALCOOL, em 1975, possibilitou o

financiamento, a instalação e a ampliação do número de destilarias de álcool, o que

representava uma política de estímulo do governo federal em um momento de crise

internacional do petróleo. As destilarias não eram novidade em Alagoas, elas já teriam

existido em algumas usinas e as pioneiras datavam da década de 1930. A produção de álcool

no estado já se registrava desde os anos 1940.

A produção alagoana de álcool teve um crescimento acelerado entre as décadas de

1960 e 1970. Portanto, o estímulo governamental era bastante oportuno para impulsionar o

setor. Esse momento é analisado por Andrade da seguinte forma: “a indústria açucareira

alagoana cresceu duas vezes e meia, mais precisamente 145,7%, entre 1970 e 1980; ela entrou

na nona década do século XX com uma importância que rivaliza com a de Pernambuco, que

tradicionalmente era o maior produtor de açúcar e álcool do Nordeste” (Ibid. p. 99). Cumpre

registrar que a produção de álcool desencadeia um problema ambiental, decorrente da

produção do vinhoto, responsável por uma nova forma de agressão à natureza.

Com as transformações operadas nos anos 1980 e 1990, em função da reestruturação

produtiva e da revisão do papel do Estado, o que se verifica em âmbito global, o setor

sucroalcooleiro alagoano sofreu um forte impacto e, sem a proteção do Estado e com a

desregulamentação do setor, os usineiros buscaram proteção junto ao governo local. Resulta

desse momento, alardeado como uma profunda crise, um conjunto de acontecimentos cuja

repercussão se estende aos dias atuais. Desse conjunto, pode-se destacar a crise da Companhia

Energética de Alagoas – CEAL, em consequência de débitos acumulados pelas usinas; e a

falência do Banco da Produção – Produban, o banco do estado, inviabilizado em função do

não pagamento de empréstimos concedidos ao setor. Esse foi também mais um momento de

demissão em massa de trabalhadores das usinas e de migração para os centros urbanos.

A proteção do governo do estado, viabilizada através de acordos46, implicou a

transferência de recursos públicos para os usineiros, o que deixava clara a aliança entre o

governo do estado e o setor. À época, especificamente no período de março de 1987 a maio de

1989, o estado teve Fernando Collor de Mello como seu governador. Como o seu mandato foi

interrompido haja vista que o jovem político aspirava, e conseguiu, a presidência da

República, a crise estabelecida passou a ser administrada pelos que o sucederam, inicialmente

pelo seu vice-governador, Moacyr Lopes de Andrade, à frente do governo estadual de maio de

1989 a março de 1990. 46 Pela sua importância, tornou-se nacionalmente conhecida expressão “acordo dos usineiros”.

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112

No período seguinte ( 15 de março de 1991 a primeiro de janeiro de 1995), o estado

teve Geraldo Bulhões como seu titular, em um governo do qual sequer se conheceu o plano de

trabalho47, mas que, pelos seus escândalos, projetou negativamente o estado. A crise de

Alagoas se agravava e eclodiu com todo vigor no governo seguinte, cujo titular foi Divaldo

Suruagy, cujo período de governo seria de primeiro de janeiro de 1995 a 17 de julho de 1997.

Político experiente, governador do estado pela terceira vez, eleito como salvação para o

estado, teve entre os seus desafios, a árdua tarefa de reduzir o quadro de funcionários do

estado, através de um Plano de Demissão Voluntária – PDV e, não controlando os problemas

herdados, teve seu governo encerrado por um processo de impeachment. Sucedeu-lhe o

usineiro Manoel Gomes de Barros (17 de julho de 1997 a primeiro de janeiro de 1999), cujo

período de governo foi acompanhado de perto pelo governo federal, em uma clara intervenção

cujo ponto central eram as finanças do estado.

O futuro político de Alagoas parecia contar com uma possibilidade de reversão, com

inclinação à esquerda, quando foi eleito Ronaldo Lessa, vinculado ao Partido Socialista

Brasileiro - PSB, com o amplo apoio de partidos de tendência socialista. Seu mandato se

iniciou em 1999 e, durante todo o primeiro ano, enfrentou uma crise com o poder legislativo,

o que lhe impunha uma situação de ingovernabilidade. Durante sua gestão, o governador

rompeu com o seu vice-governador, Geraldo Sampaio, do Partido Trabalhista Brasileiro -

PTB, proprietário de um dos meios de comunicação do estado, mantendo-o distanciado até o

final de seu mandato. Rompeu também com os partidos de esquerda que lhe davam

sustentação desde o período de campanha. Visando acomodar interesses dos grupos políticos

de que necessitava, o governador, através de negociações com blocos do poder legislativo,

conseguiu a aprovação de uma reforma administrativa em que ampliava o número de

secretarias e de cargos comissionados, respondendo aos interesses do momento.

Para atender a um número maior de interesses, o governador adotou uma estratégia

que ficou conhecida como “ronaldízio”, ou seja, a sucessiva mudança de seus assessores,

inclusive os secretários de estado, sem a menor preocupação com os prejuízos causados às

políticas públicas. O governo de Lessa também ficou conhecido pelas estratégias de

marketing utilizadas. Em uma delas, valendo-se do caos e da insegurança que imperavam no

estado, o governador e seu secretariado passaram a usar como peça de seu vestuário, uma

jaqueta da polícia civil, com a promessa de só deixar de usá-la quando se resolvesse o

problema da insegurança em Alagoas.

47 Conforme constata CABRAL em estudo publicado em 2005.

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113

As alianças construídas entre 1999 e 2002, asseguraram a Lessa a reeleição e, mais

uma vez, o artifício anteriormente utilizado foi útil para acomodar os interesses de antigos e

novos aliados. Desse modo, o estado de Alagoas conseguiu ter o segundo maior número de

secretários de todos os estados do Nordeste – conforme quadro a seguir apresentado – e o

segundo maior do Brasil, perdendo apenas para Santa Catarina.

Tabela 1 - Número de secretarias dos estados do Nordeste em 2005

Estado Número de secretarias

Pernambuco

Piauí

Paraíba

Bahia

Maranhão

Rio Grande do Norte

Sergipe

Ceará

Alagoas

13

15

16

18

18

19

22

24

38

Fonte: BARREIROS, 2005.

A eleição para a sucessão de Ronaldo Lessa ofereceu aos alagoanos a oportunidade de

escolher um, entre dois usineiros: João Lyra ou Teotônio Vilela Filho. Venceu o segundo que,

atualmente, no campo das especulações, é apresentado para a reeleição, devendo disputar o

pleito com Ronaldo Lessa, que voltaria ao governo do estado e cumpriria um terceiro

mandato. Pelo que observamos, o instituto da reeleição e o retorno ao poder tendem a se

fortalecer em Alagoas, refletindo uma prática de âmbito nacional.

De todo esse processo de construção econômica e política desenvolvido em Alagoas,

destacam-se dois importantes resultados. Primeiro, o sacrifício imposto aos alagoanos com a

quase falência de suas instituições e uma herança que se expressa através do desenvolvimento

de preocupantes indicadores sociais, de uma cultura de violência e de uma elevada dívida

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junto ao governo federal, alimentando a permanente dependência do estado em relação a

recursos da União.

Criou-se uma conjuntura favorável à produção e reprodução de desigualdades

analisada por Carvalho (2005) da seguinte forma: Alagoas vive uma situação de

“federalização” que é assim explicada: o estado tem uma elevada dívida com a União, o que o

obriga a fazer elevados repasses de recursos, comprometendo suas receitas.

Consequentemente, o governo federal se vê obrigado a fazer repasses ao estado para garantir a

execução de programas e projetos, destacando-se aí os assistenciais. O autor classifica a

situação de Alagoas como uma economia que vive de “renda sem produção”.

O segundo resultado foi o reordenamento e o fortalecimento do setor sucroalcooleiro

que, depois de eliminar os menos preparados para a concorrência, concentrou suas atividades

em um número restrito de empresários. Fortalecidos, esses produtores expandiram o seu

domínio para outras unidades da Federação e para outros ramos de atividade como a criação

de gado leiteiro e o beneficiamento de leite, a criação de cavalo de raça, as fábricas de

fertilizante, o beneficiamento de coco, a construção civil e a venda de veículos, dentre outras.

Alagoas é o segundo menor estado brasileiro. Ocupa uma área de 27.767,661 km²,

superior apenas ao estado de Sergipe. O estado é dividido em três mesorregiões e em 13

microrregiões, nas quais estão distribuídos os seus 102 municípios.

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Segundo essa definição, pode-se observar na tabela seguinte que a mesorregião Leste

Alagoano contém o maior número de microrregiões e de municípios do estado.

Tabela 2 - Divisão do estado de Alagoas e distribuição dos municípios em mesorregiões e

microrregiões

Mesorregiões Microrregiões Número de municípios

distribuídos por região

1 – Sertão Alagoano

- Serrana do Sertão Alagoano

- Alagoana do Sertão de S. Francisco

- Santana do Ipanema

- Batalha

5

3

10

8

2 – Agreste Alagoano - Palmeira dos Índios

- Arapiraca

- Traipu

11

10

3

3 – Leste alagoano - Serrana dos Quilombos

- Mata Alagoana

- Litoral Norte Alagoano

- Maceió

- São Miguel dos Campos

- Penedo

7

16

5

10

9

5

Fonte: SEPLAN, Anuário Estatístico de Alagoas, 2007.

Para o desenvolvimento desse capítulo, selecionamos um conjunto de dados, visando

possibilitar o entendimento sobre a especificidade do estado de Alagoas. Cuidamos de enfocar

indicadores ou índices que se apresentam como causas ou consequências das desigualdades

econômicas e sociais e que justificam a elevada demanda por programas, projetos e benefícios

situados no âmbito da assistência social. Em vista disso, apresentamos dados referentes a

demografia, rendimentos e economia, educação e saúde no estado. A escolha desses

indicadores ou índices decorre de serem eles tomados como referenciais na elaboração e na

execução da PNAS. Iniciamos, pois, destacando dados relativos à demografia que caracteriza

o estado de Alagoas.

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116

Tabela 3 – Aspectos demográficos do estado de Alagoas

Aspectos demográficos 1992* 1999* 2006**

População Total

Homens

Mulheres

População Urbana

População Rural

Taxa de Urbanização

Densidade Demográfica

Taxa Bruta de Natalidade

Taxa Bruta de Mortalidade

Esperança de Vida ao Nascer

2.538.482

1.256.426

1.282.056

1.540.824

997.658

60,7%

90,9

30,4

10,0

60,4

2.719.073

1.311.585

1.407.488

1.775.480

943.598

65,3%

97,3

28,6

8,3

62,8

3.085.101

1.504.977

1.580.124

2.129.849

955.252

68,89

109,86

-

-

-

*Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais, 2000.

**Fonte: SEPLAN, Anuário Estatístico de Alagoas, 2007.

O estado apresenta uma situação de crescimento de sua população total, bem como do

quantitativo de homens e mulheres. Em termos comparativos, observa-se que a relação entre o

número de homens e o de mulheres apresenta um comportamento de redução do universo

masculino. Em 1992, a razão de sexo48 registrada era de 98,0; em 1999, de 93,2. A

manutenção de um comportamento crescente da população é, em parte, assegurada pela

redução das taxas de mortalidade e de natalidade: nasceu menos, mas também morreu menos

gente em Alagoas nos últimos tempos.

Comportamento crescente não é igualmente registrado entre as populações rural e

urbana. Nesse caso, percebe-se um declínio da população rural entre o período 1992 e 1999,

havendo uma elevação desse contingente populacional entre 1999 e 2008. Apesar dessa

elevação, as taxas de urbanização – 60,7%, 65,3% e 68,89% ─ nos três momentos de

pesquisa, confirmam o movimento da população em direção às áreas urbanas, o que

representa, em termos relativos, a redução do contingente populacional na área rural.

A densidade demográfica de Alagoas tem crescido, registrando-se em 2008, uma

relação de 109,86 hab./ km². Um dado positivo é o crescimento da esperança de vida ao

nascer que apresenta um movimento ascendente: 60,4 e 62,8 anos, apesar de se manter como

a mais baixa entre os estados brasileiros em 1992 e 1999.

48 Razão de sexo é a relação existente entre o número de homens para cada cem mulheres.

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117

No que diz respeito a rendimento da população, registrava-se, em 1992, entre a

população ocupada uma concentração de 51,1% vivendo com até meio salário mínimo e

24,3% com um rendimento entre meio e um salário mínimo. Somando-se, havia no estado

uma população ocupada de 75,4%, vivendo com até um salário mínimo. Em 1999, esse total

caiu para 67,8%, refletindo a redução do número de pessoas que recebiam até meio salário

mínimo (de 51,1% para 39,7%). O número de pessoas ocupadas com rendimento entre meio e

um salário mínimo aumentou de 24,3% para 28,1%49 .

A taxa de atividade no estado em 1992 era de 58,0%, enquanto no Brasil e no

Nordeste era de 61,3 e 61,5, respectivamente. Em 1999, essas taxas se apresentavam da

seguinte forma: 54,9% em Alagoas; 61,1% no Nordeste e 61,0 no Brasil. Todas elas

apresentaram um comportamento descendente, mas não na proporção experimentada por

Alagoas50.

Quanto à fonte de renda, em 2000, observava-se, no Brasil, que 69,77% eram

provenientes de rendimento do trabalho enquanto em Alagoas eram 61,64%. Os rendimentos

provenientes de transferências de renda no Brasil, no mesmo ano eram de 14,66% e em

Alagoas de 16,69%51 .

O Índice de Gini52 da população ocupada em Alagoas, considerando rendimento, em

1992, era de 0,581 e em 1999, de 0,52953 . Esse índice também é utilizado para medir a

desigualdade resultante da concentração de terra. Nesse caso, constata-se no Brasil e, de

forma mais grave, em Alagoas, que o movimento de redução da desigualdade não se

confirma. Ou seja, a concentração de terra se agravou. O censo agropecuário realizado pelo

IBGE em 2006 constatou em Alagoas o maior Índice de Gini do país, 0,871, o que se explica

pela forma como se dá a utilização das terras para as atividades nesse setor.

49 IBGE, Síntese de Indicadores Sociais, 2000. 50 Ibidem. 51 PNUD, Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000. 52 O Índice de Gini é utilizado para medir o grau de concentração de uma distribuição de desigualdade. Consideram-se valores de zero (igualdade perfeita) a um (desigualdade máxima). 53 Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais, 2000.

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118

Tabela 4 – Destinação das terras ocupadas com plantações em Alagoas

Destinação (ha.) 1985 1995 2006

Área total

Lavouras

Pastagens

Matas e florestas

2.363.770

998.411

805.716

213.519

2.142.460

847.264

862.434

176.381

1.905.266

980.373

873.822

223.476

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

As terras do estado estão mais comprometidas com o desenvolvimento de lavouras, à

exceção do que se constatou em 1995, quando a pastagem se sobressai. É importante

esclarecer que a utilização para lavoura inclui as áreas destinadas ao plantio de cana-de-

açúcar. As pastagens destinam-se à criação de animais que, via de regra, exige pouca mão-de-

obra. Em Alagoas é mais intensa a criação de bovinos como pode ser observado a seguir.

Tabela 5 – Efetivo de animais no estado de Alagoas

Animais Censos

1985 1995 2005

Bovinos

Bubalinos

Caprinos

Ovinos

Suínos

Aves (1000 cabeças)

755.992

923

36.045

106.187

85.466

2.093

968.462

2.478

22.136

89.933

93.865

4.497

913.875

1.451

33.744

132.431

93.716

4.470

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006.

Obedecendo à lógica que orienta o desenvolvimento local, o governo do estado tem

investido na organização de Arranjos Produtivos Locais – APL, que estão assim

regionalizados no estado: no sertão – apicultura, laticínios e ovinocaprinocultura; no agreste –

mandioca, móveis, pinha e horticultura; em Maceió – tecnologia da informação; no litoral –

turismo Costa dos Corais e turismo lagoas e mares do Sul; no Baixo São Francisco – campos

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119

do São Francisco e piscicultura; no Vale do Paraíba – inhame e no Vale do Mundaú – laranja

(SECOM , 2010, p. 41).

Além desses elementos relativos a renda e economia, chamam a nossa atenção os

dados relativos a educação e saúde. No que se refere a educação, destacamos a taxa de

analfabetismo que, em Alagoas, em 1992, era de 35,8% entre as pessoas de 15 anos ou mais.

Nesse mesmo universo, em 1999, essa taxa era de 32,8%, apresentando uma redução, que não

foi suficiente para tirar o estado da pior colocação no cenário nacional. Quanto à saúde, em

1992, a taxa de mortalidade infantil em Alagoas era de 90,0 (por mil nascidos vivos) e, em

1999, de 66,1, superando a situação nacional que, por sua vez, apresentou nesses mesmos

períodos, taxas de 44,3 e 34,6, respectivamente54.

4.1.1 – Sobre o município de Maceió

Alagoas tem Maceió como sua capital desde o ano de 1839. Maceió ocupa uma área

territorial de 512,8 km², situando-se na Mesorregião Leste Alagoano e na Microrregião

Maceió. A cidade abriga uma população de 896.965 habitantes, ou seja, mais de um terço da

população do estado reside em Maceió.

A densidade demográfica do município é alta, a quarta do país e registra um

progressivo crescimento, de forma que, em 2001, era 1.600,78 hab/km² e em 2006, atingiu o

patamar de 1.800,42 hab/km². (SEPLAN, 2007).

A população urbana de Maceió está distribuída em 50 bairros, sendo os mais

populosos os seguintes: Jacintinho (83.981 habitantes), Benedito Bentes (78.602 habitantes),

Cidade Universitária (65.741 habitantes) e Tabuleiro do Martins (61.276 habitantes). É

importante registrar que o município de menor população no estado é o de Pindoba, com

3.126 habitantes.

Em 2000, conforme o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, Maceió

registrava a existência de 18,39% de indigentes e de 38,81% de pobres na população residente

no município. Constatava-se, naquele ano que, 64,60% dos rendimentos dos residentes no

município eram provenientes de trabalho e 14,21% provinham de transferências

governamentais. A apropriação de renda, como se constata, é um outro elemento a ser

considerado na desigualdade que atravessa as relações econômicas e sociais em Maceió.

54 Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais, 2000.

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120

A economia de Maceió tem como principal responsável o setor de serviços, recaindo

maior desempenho sobre as atividades da administração pública e do comércio, tanto o

atacadista, quanto o varejista. Nesse campo de atividades, destacam-se o setor alimentício, de

vestuário e de combustíveis. Além desses setores, destaca-se a indústria de transformação em

que adquirem grande importância o setor químico e o de produção de alimentos e bebidas. É

importante registrar a existência do Distrito Industrial Governador Luis Cavalcante, no bairro

do Tabuleiro do Martins. Sua instalação data de 1979, mas seu funcionamento tem sido

constantemente ameaçado pela precariedade de sua infraestrutura. Investimentos recentes e a

implantação de estabelecimentos comerciais de grande porte sinalizam para uma nova e

positiva dinâmica a ser vivenciada, finalmente pelo Distrito.

Em 2007, Maceió foi responsável por 47,83% do PIB55 do estado. Esse fato chama

atenção e expressa o caráter concentrador da economia do estado, o que se confirma quando a

Secretaria de Planejamento registra que os dez municípios56 com menor participação no PIB

estadual, somados, totalizaram em 2007, a irrisória participação de 0,84%

(ASCOM/SEPLAN, 2009).

4.1.2 – Sobre o município de Arapiraca

O segundo maior município do estado de Alagoas é Arapiraca, tanto em dimensão

territorial, quanto em sua economia e seu contingente populacional. É um município de

história recente, instalado em 1924. Localizado na Mesorregião Agreste Alagoano e na

Microrregião Arapiraca, o município ocupa uma área de 367,5 km² e fica distante 134 km de

Maceió. Sua população atual é de 202.398.

Na área urbana do município, registra-se a existência de 38 bairros. Também há

registro no município da existência de 107 associações de moradores e de uma Federação à

qual as associações existentes se vinculam (FACOMAR, 2003). A densidade demográfica do

município tem obedecido a um processo de crescimento. Em 2001, era de 537,71 hab./km²,

chegando em 2006 a 575,84 hab./km² (SEPLAN, 2007).

55 O PIB corresponde ao valor de toda a riqueza produzida por um município, estado ou país, no período de um ano. 56 Os municípios referidos são os seguintes: Pindoba, Mar Vermelho, Palestina, Olho D’Água Grande, Tanque D’Arca, Belém, Coqueiro Seco, Jundiá, Minador do Negrão e Campestre.

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121

A renda per capita do município, em 1991, era de 113,4157 e, em 2000, era de R$

129,21. Em 2000, entre os residentes naquele município, 64,83% tinham rendimentos

provenientes de trabalho, enquanto 11,85% tinham rendimentos provenientes de

transferências governamentais. No mesmo ano, registrava-se a existência de 27,69% de

indigentes e de 54,06% de população pobre em Arapiraca (PNUD, 2000). Esses dados

sinalizavam, a exemplo de Maceió, para uma forma excludente de distribuição de renda no

município.

A economia do município tem suas raízes na lavoura de subsistência e na cultura do

fumo, desenvolvidas em minifúndios que substituíram os latifúndios improdutivos existentes

nos primórdios de sua história, o que operou gradativamente um processo de reforma agrária.

Arapiraca é muito conhecida pela cultura do fumo, atividade em que se destacou no cenário

nacional e internacional, chegando a ser conhecida como a “capital brasileira do fumo”. O

município também é lembrado pela sua feira livre, realizada às segundas feiras, ocupando

muitas ruas da cidade e atraindo um grande público, o que ultrapassa o universo dos

residentes na região.

A dinâmica econômica do município atrai muitos trabalhadores não só da região. O

agronegócio fumageiro é a principal atividade da região, apesar de estar atravessando uma

situação de crise, provocando, inclusive, a ampliação de outras atividades como a cultura de

subsistência.

4.2 - Gestão da política de assistência social em Alagoas

O estado de Alagoas tem como gestora da política de assistência social a Secretaria de

Estado de Assistência e Desenvolvimento Social – SEADES. Nos últimos anos, o órgão

coordenador estadual da assistência social experimentou sucessivas reformas administrativas

que alteraram desde a sua estrutura organizacional até a sua denominação.

Em 1999, a assistência social era coordenada pela Secretaria do Trabalho e Ação

Social – SETAS. Desmembrada, em função de suas finalidades e pela necessidade de

contemplar compromissos políticos do momento, a SETAS originou duas novas secretarias: a

Secretaria de Estado de Emprego, Renda e Relações de Trabalho e a Secretaria de Estado da

Assistência Social – SEAS. Em abril de 2002, a SEAS passou por um processo de

57 Em R$ de 2000, segundo Atlas do Desenvolvimento Humano, PNUD, 2000.

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122

reestruturação, adaptando-se às novas orientações decorrentes da política nacional que se

implantava.

Essas alterações aconteceram durante o governo de Ronaldo Lessa. Também nesse

período, em decorrência do rodízio de secretários – o “ronaldízio” – a Secretaria

experimentou, durante oito anos, um desfile de secretários e de assessores, o que estudamos

em nossa dissertação de mestrado, concluído em 2003, quando fizemos o seguinte registro:

“quando muda um secretário, via de regra, muda-se um elevado número de pessoas

integrantes da equipe técnica e, com ela, vai-se muito do conhecimento necessário ao bom

andamento dos trabalhos” (SANTOS, 2003, p. 92). Conforme observávamos, concentrava-se

naqueles que ocupavam os cargos de confiança todo o conhecimento sobre uma política em

implantação e, como a situação era de elevada rotatividade, o estado pagou um alto preço por

isso. Durante a primeira gestão Lessa, a média de permanência do titular da pasta da

assistência social chegou a seis meses.

Mais uma reforma administrativa registrada em 2007 resultou na criação da Secretaria

de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social – SEADES que está instalada no prédio

onde funcionou a Legião Brasileira de Assistência e abriga em suas dependências o Conselho

Estadual de Assistência Social – CEAS. O Conselho, pela primeira vez em sua existência é

presidido por uma representante da sociedade civil, ou seja, no período de 1996 a 2008 essa

presidência esteve sempre sob a responsabilidade de representantes governamentais, apesar da

sua composição paritária58.

Além do Conselho, e em sala contígua às suas dependências, está instalada a

Comissão Intergestores Bipartite – CIB, instância de negociação e pactuação no conjunto de

relações nas três esferas que integram a gestão do SUAS. O governo estadual destina

recursos para o Fundo de Assistência Social, cuja aplicação é realizada sob controle do

Conselho. Fundo e Conselho foram criados através da Lei 5.810, em 27 de fevereiro de 1996.

Para a gestão da assistência social, a SEADES adota a divisão do estado em sete

regiões administrativas, uma definição do estado, a partir de uma ação articulada pela

Secretaria de Planejamento, quando da elaboração do Plano Plurianual de 2008. Segundo essa

definição, os municípios estão agrupados nas seguintes regiões: Sertão Alagoano, Bacia

Leiteira, Agreste Alagoano, Região Sul, Metropolitana de Maceió, Região Norte e região dos

Vales do Paraíba e do Mundaú. Trata-se de uma divisão administrativa, portanto, diferente da

58 A paridade na composição dos conselhos de assistência social é assegurada pela participação de 50% de representantes governamentais e 50% de representantes da sociedade civil.

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123

divisão geográfica, anteriormente mencionada, em que se registra a existência de 3

mesorregiões e 13 microrregiões.

Considerando-se o tamanho da sua população, os municípios estão classificados da

seguinte forma: 64 de pequeno porte I (até 20.000 habitantes), 29 de pequeno porte II (entre

20.001 e 50.000 habitantes); sete de médio porte (entre 50.001 e 100.000 habitantes) e dois de

grande porte (entre 100.001 e 900.000 habitantes). Esse é o caso dos municípios de Maceió e

Arapiraca, escolhidos para a nossa pesquisa. Apesar da classificação dos dois municípios em

uma mesma categoria, há entre eles, uma distância muito grande decorrente do tamanho das

respectivas populações: Maceió, chegando aos 900 mil habitantes e Arapiraca com um pouco

mais de 200 mil. Essa classificação pode ser melhor visualizada na tabela seguinte:

Tabela 6 – Classificação dos municípios alagoanos segundo sua população

Classificação População

(Número de habitantes) Total de municípios

Pequeno porte I

Pequeno porte II

Médio porte

Grande porte

até 20.000

de 20.001 até 50.000

de 50.001 até 100.000

de 100.001 até 900.000

64

29

7

2

Fonte: Elaboração da autora, 2010.

Todos os municípios do estado estão habilitados para gestão do SUAS, mas nenhum

deles em gestão plena. Há, ainda, um município em gestão inicial – Canapi – situado na

região do Sertão Alagoano. Em todos os municípios registra-se a cobertura do Programa

Bolsa Família – PBF e do Benefício de Prestação Continuada – BPC.

Em Maceió, a assistência social é coordenada pela Secretaria Municipal de Assistência

Social. O município tem Conselho, Plano e Fundo e conseguiu, no final de 2009, recuperar a

sua habilitação, suspensa pelo período de mais de um ano, enquanto se adequava às

exigências do SUAS. Já em 2006, Maceió era a única capital brasileira que não estava em

gestão plena.

Em Arapiraca, a assistência social é coordenada pela Secretaria Municipal de

Assistência Social. O município tem conselho, plano e fundo, atendendo às exigências atuais

para habilitação no SUAS.

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124

4.3 – Percurso e recursos metodológicos da pesquisa

Este trabalho não é um ponto de partida; é parte de um estudo iniciado no ano de 2000,

quando transformamos a gestão da política de assistência social em nosso objeto de pesquisa.

Nossa produção inicial foi dedicada ao estudo sobre a gestão estadual da referida política em

Alagoas. A pesquisa inscreve-se no campo temático da gestão das políticas sociais, tratando

especificamente sobre a perspectiva socioterritorial assumida pela gestão da Política Nacional

de Assistência Social, a partir de 2004. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de

Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, o que se explica pelo fato de tratar de

uma questão relativa ao referido estado tendo obtido aprovação (Ver Anexo 2).

Tendo em vista a amplitude da temática, a tese foi produzida observando-se dois

recortes: um de tempo e outro de abrangência espacial. Em termos de tempo, privilegia o

período que se inicia em 2004, ano em que passa a vigorar a atual PNAS, estendendo o seu

alcance até março de 2010, quando se concluiu a elaboração da tese.

A pesquisa privilegia as experiências de Maceió e de Arapiraca, analisando-as a partir

de sua inserção nas realidades de Alagoas e do Brasil. A definição desses municípios resultou

dos seguintes fatores: são os dois municípios de grande porte do estado e, apesar de se

assemelharem nessa classificação, distanciam-se pelo seu contingente populacional.

Diferenciam-se, também, por ser Maceió a capital do estado e Arapiraca um município

situado no interior alagoano desenvolvendo, portanto, específicas características econômicas,

sociais e culturais.

Nesses municípios, tomamos como fonte primeira para o estudo as secretarias

municipais, nas quais estabelecemos contatos com gestores e técnicos. Daí, com o apoio dos

gestores municipais e de técnicos das secretarias, deslocamos as nossas atividades para os

CRAS, onde concentramos a dinâmica da pesquisa.

Optamos pela realização de um estudo de caso múltiplo, atentando para a observação

de Robert Yin, para quem “mesmo que você só possa fazer um estudo ‘de dois casos’, suas

chances de fazer um bom estudo de caso serão melhores do que usar um projeto de caso

único” (YIN, 2005, p. 75). Esse tipo de abordagem à realidade permitiu a percepção de fatores

conjunturais condicionantes, tendo eles origem estadual, nacional ou mesmo internacional,

com possibilidade de oferecer diferentes condições e de obter diferentes respostas à

operacionalização da PNAS 2004 nos municípios em análise.

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125

A tese resulta da realização de pesquisa bibliográfica, documental e de campo. A

pesquisa documental teve como principais fontes a produção do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, além de um conjunto de documentos

relativos a reuniões do Conselho Estadual de Assistência Social, e de material produzido

sobre a assistência social nos municípios abordados.

Para a pesquisa de campo utilizamos a observação, a entrevista e as reuniões como

recursos metodológicos que nos permitiram o acesso à realidade. A observação foi importante

para o registro de situações relativas à dinâmica organizacional e aos ambientes físicos

visitados. A observação forneceu-nos importantes pistas em todos os momentos da pesquisa,

permitindo a exploração de situações específicas quando da realização das entrevistas.

As entrevistas semi-estruturadas possibilitaram as abordagens relativas aos gestores

da assistência nos municípios, bem como aos profissionais atuantes nos CRAS. Realizamos

um total de quinze entrevistas assim distribuídas: uma com uma gestora municipal, duas com

assessores diretos das gestoras municipais e doze com profissionais atuantes nos CRAS (seis

de Maceió e seis de Arapiraca).

Todos os sujeitos envolvidos na pesquisa tomaram conhecimento da forma e da

condição de sua participação na pesquisa através de um Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido – TCLE (Anexo 3), podendo posicionarem-se sobre a aceitação, ou não, em

participar da pesquisa e também sobre a continuidade ou interrupção da sua participação

durante a entrevista. O TCLE era lido e assinado antes que se fizesse qualquer

questionamento. As questões apenas eram feitas após o conhecimento dos sujeitos

participantes da pesquisa.

As entrevistas foram pensadas inicialmente como uma abordagem individual e

direcionada preferencialmente aos coordenadores dos CRAS. Na prática, esse formato apenas

se confirmou em quatro CRAS situados em Maceió. Nos demais, a abordagem foi grupal,

envolvendo diferentes profissionais – assistentes sociais psicólogos, pedagogos, pessoal

técnico-administrativo – mobilizados para dar conta das informações de que necessitávamos.

Todas as entrevistas realizadas foram gravadas com autorização dos participantes e

foram transcritas, produzindo-se textos, sendo os mesmos submetidos a uma análise de

conteúdo, ou seja, a um procedimento metodológico que julgamos mais adequado ao tipo de

pesquisa que estávamos realizando. A análise de conteúdo “é uma técnica para produzir

inferências de um texto focal para seu contexto social de maneira objetivada” (BAUER;

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126

GASKELL, 2002, p. 191). Assim, o tratamento dos dados foi orientado no sentido de permitir

a sistematização exigida à produção das inferências necessárias ao tipo de pesquisa

desenvolvido.

Trabalhamos, portanto, com um total de quinze textos correspondentes ao número de

entrevistas realizadas. Agrupamos os textos em dois blocos específicos, sendo um relativo aos

sujeitos integrantes do núcleo da gestão municipal e o outro composto pelas doze demais

entrevistas relativas aos profissionais atuantes nos CRAS.

Para a análise dos conteúdos dos textos tomamos como unidade básica a palavra

território, ou seja, a análise foi desenvolvida a partir de uma unidade sintática59. Os dados

obtidos foram submetidos a um tratamento manual. Pelo reduzido volume de material,

julgamos desnecessário um tratamento que implicasse a utilização de recursos tecnológicos

mais sofisticados. Com a análise dos textos, foi possível registrar a frequência da utilização de

determinadas palavras, frases ou a referência a determinadas situações. Dessa forma, tornou-

se possível sistematizar os dados, estabelecer categorias e inferir resultados. A realização

dessa pesquisa tomou como âncora o conceito de território, relacionando-o a elementos que

fundamentam a gestão social. Dessa forma tornou-se possível a construção dos seguintes

núcleos utilizados para a análise que se efetivou: conceito de território, localização dos

CRAS, gestão em rede, atuação intersetorial, participação da população, acesso a informação

e exercício de controle social. São esses núcleos que orientam a apresentação dos resultados

que é feita a seguir.

4.4 – O território e os CRAS em Alagoas

A incorporação do território ao debate e à prática da assistência social é um elemento

novo e desafiante. Território, conforme vimos analisando, é um conceito que interessa a

diferentes áreas de conhecimento e, nesse trabalho, é situado como um dos componentes da

gestão social. Lembramos que, no presente estudo, destaca-se a importância dos CRAS,

enquanto espaço privilegiado de expressão do território na gestão de uma política social; por

isso, os definimos como lócus da nossa pesquisa. Segundo definição da PNAS, o CRAS “é

uma unidade pública estatal de base territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social,

sendo responsável pelos serviços, ações, benefícios, projetos e programas que acontecem em

59 Bauer e Gaskell classificam as unidades de texto da seguinte forma: (1) físicas: livros, cartas, filmes; (2) sintáticas: capítulo de livro, frases, cenas de filmes, palavras; (3) proposicionais: núcleos lógicos de frases; (4) unidades temáticas ou semânticas: características de textos que implicam um juízo humano (2002, p. 198)

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127

determinado território”. A NOB-SUAS define vulnerabilidade social considerando variáveis

como: infraestrutura domiciliar inadequada; baixa renda per capita; presença de idosos e de

portadores de deficiência, além de outras variáveis, conforme pode ser observado em anexo a

esse trabalho (Anexo 3).

A implantação dos CRAS no Brasil foi iniciada em 2003, ano em que foram instaladas

454 unidades, em 301 municípios. Naquele ano, instalou-se um CRAS em Alagoas, no

município de Atalaia. A instalação dos CRAS é feita tomando-se como indicador a taxa de

vulnerabilidade social. A escolha da área para localização dos CRAS é de responsabilidade

dos municípios, devendo-se assegurar a maior proximidade possível entre os serviços

prestados e os locais de maior concentração de famílias em situação de vulnerabilidade.

Em Alagoas, apesar de ter sido iniciada em 2003 a instalação dos CRAS, até 2009

esses equipamentos sociais ainda não cobriam todo o estado. É oportuno ressaltar que nos

momentos iniciais de instalação desses Centros, entre 2004 e 2005, os municípios de Maceió

e Arapiraca foram contemplados com um número igual dessas unidades de proteção social

básica, ou seja, desde então esses municípios passaram a contar com seis CRAS, o maior

número de CRAS por município. A dinâmica da implantação desses Centros de Referência de

Assistência Social em Alagoas obedeceu à seguinte ordem:

Tabela 7 – Dinâmica da implantação dos CRAS em Alagoas

Situação Municípios Nº de

CRAS

Primeiro momento – 2003

Expansão em 2004

Expansão em 2005

Expansão em 2006

Expansão em 2007

Expansão em 2008

Expansão em 2009

Total

1

6

21

33

27

8

4

100

1

11

26

33

27

8

4

110

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128

Fonte: Elaboração da autora.

A implantação dos CRAS obedeceu a um processo crescente cujo ápice é observado

em 2006, quando se registrou a implantação do maior número desses centros no estado: 33

unidades em 33 municípios, ou seja, desenvolveu-se uma ação que atendeu a quase um terço

do número de municípios alagoanos. Não devemos desconsiderar o fato de ter sido aquele um

ano de eleições majoritárias.

Ao final de 2009, estavam instalados 110 CRAS no estado, um deles sem co-

financiamento, no município de Pilar. Desse total registrava-se um número de 10 CRAS

instalados em áreas rurais. Por conta do grande número de municípios de pequeno porte I (

64 ) a quase totalidade deles contava apenas com um CRAS. Arapiraca e Maceió contavam,

cada um, com seis CRAS. Alguns municípios foram contemplados em mais de um processo

de expansão, o que explica o registro de 100 municípios com esses equipamentos e a

existência de cinco municípios sem CRAS: Lagoa da Canoa, Maribondo, Paripueira, Roteiro

e Tanque D’Arca.

4.4.1 – O território e o desafio da localização dos CRAS

A abordagem a dois municípios – Maceió e Arapiraca – conforme esclarecemos

anteriormente, permitiu o registro de elementos de semelhanças e diferenças observáveis no

que se expõe em seguida. A análise que é feita não tem qualquer propósito de confrontação de

dados. Por essa razão, em grande parte da exposição, eles são apresentados conjuntamente,

tornando-se impossível distinguir a sua origem. Somente quando as realidades apresentam

especificidades é que os dados são destacados e analisados separadamente. Lembramos, mais

uma vez que os CRAS são o lócus privilegiado em nossa análise sobre a relação entre

território e gestão da política de assistência social.

Nossa primeira preocupação, ao iniciar a pesquisa, foi registrar o modo como se

definiram operacionalmente as áreas de atuação dos CRAS e iniciamos daí a nossa

abordagem. Sendo essas áreas resultantes de escolha dos municípios, registramos duas

situações diferentes.

Em Maceió, os CRAS foram instalados em localidades nas quais havia disponibilidade

de prédios, via de regra, os que haviam abrigado centros de qualificação profissional. Isso

assegurou aos CRAS de Maceió instalações físicas que superam as recomendações oficiais,

segundo as quais o espaço físico para funcionamento desses centros deve ter, pelo menos, os

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129

seguintes ambientes: uma recepção, uma sala ou mais para entrevistas e um salão para

reuniões com grupos, além das áreas convencionais de serviço. Os CRAS de Maceió estavam

assim distribuídos:

- CRAS Sonia Sampaio

Rua Jarbas Andrade, 119 – COHAB - Jacintinho

- CRAS Dom Adelmo Machado

Rua João Ulisses Marques, 112 - Prado

- CRAS Denisson Menezes

Conjunto Denisson Menezes, 50 – Qd 4 – Tabuleiro do Martins

- CRAS Terezinha Normande

Rua José de Melo Gonçalves, s/n - Conjunto José da Silva Peixoto - Jacintinho

- CRAS Pitanguinha

Rua Cônego Tobias, s/n - Pitanguinha

- CRAS Cacilda Sampaio

Rua das Flores, s/n – Vergel

Em Arapiraca, a instalação dos CRAS se fez observando-se a regionalização adotada

pela política de saúde. A inexistência de prédios pertencentes ao município nas localidades

definidas para sua implantação tem representado um problema solucionado com a locação de

imóveis, cuja adaptação nem sempre atende às necessidades dos trabalhos. Os CRAS de

Arapiraca, quando da realização da pesquisa estavam assim localizados:

- CRAS Mangabeiras

Povoado Mangabeiras, s/n

- CRAS Cazuzinhas

Rua Jeovanilson Pereira Silva, 73 – Olho d’Água dos Cazuzinhas

- CRAS Batingas (CRAS rural)

Rua Nossa Senhora das Graças, 5 - Batingas

- CRAS Itapuã

Rua Dácia Bezerra Cavalcante, 293 – Brasília

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- CRAS Planalto

Rua Joaquim Gomes, 168

- CRAS Canafístula

Rua Tertuliano Barbosa Leite, 201

Das duas alternativas adotadas resultou uma forma de distribuição dos CRAS em que

se pode perceber um maior espaçamento no caso de Arapiraca e uma situação de

concentração entre algumas dessas unidades no caso de Maceió. Isso pode ser visualizado nos

mapas seguintes:

Maceió – Localização dos CRAS, 2009

Rua Joaquim Gomes, 168 - Planalto

Rua Tertuliano Barbosa Leite, 201 – Canafístula

Das duas alternativas adotadas resultou uma forma de distribuição dos CRAS em que

se pode perceber um maior espaçamento no caso de Arapiraca e uma situação de

concentração entre algumas dessas unidades no caso de Maceió. Isso pode ser visualizado nos

Localização dos CRAS, 2009

130

Das duas alternativas adotadas resultou uma forma de distribuição dos CRAS em que

se pode perceber um maior espaçamento no caso de Arapiraca e uma situação de

concentração entre algumas dessas unidades no caso de Maceió. Isso pode ser visualizado nos

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Arapiraca – Localização dos CRAS, 2009

Com essa distribuição, ficou estabelecida a constituição inicial dos territórios de

atuação dos CRAS. A definição desses territórios foi o resultado de recortes

pressão de um tempo oferecido em uma programação nacional para a implantação dos

primeiros Centros de Referência. Os desenhos resultantes não guardam entre si qualquer

semelhança, conforme pode ser analisado na tabela seguinte:

Localização dos CRAS, 2009

Com essa distribuição, ficou estabelecida a constituição inicial dos territórios de

atuação dos CRAS. A definição desses territórios foi o resultado de recortes

pressão de um tempo oferecido em uma programação nacional para a implantação dos

primeiros Centros de Referência. Os desenhos resultantes não guardam entre si qualquer

semelhança, conforme pode ser analisado na tabela seguinte:

131

Com essa distribuição, ficou estabelecida a constituição inicial dos territórios de

atuação dos CRAS. A definição desses territórios foi o resultado de recortes realizados sob a

pressão de um tempo oferecido em uma programação nacional para a implantação dos

primeiros Centros de Referência. Os desenhos resultantes não guardam entre si qualquer

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132

Tabela 8 – Composição dos territórios dos CRAS

Composição Nº.

• Conjunto residencial + sítios

• Cinco bairros contínuos + um distanciado

• Três bairros + povoado + serra

• Bairro+ povoado rural + sítios + comunidade quilombola

• Quatro bairros contínuos + sítios

• Quatro bairros contínuos

• Um bairro + partes de dois outros

• Um bairro

• Partes de dois bairros

• Três bairros + parte de dois outros bairros

• Partes de três bairros

• Oito bairros contínuos + parte de um outro bairro

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

Fonte: Elaboração da autora

A análise dessa forma de distribuição permite concluir que a implantação dos CRAS

não obedeceu a uma divisão administrativa regionalizada e, quando o fez, no caso de

Arapiraca, observou-se uma única política, a de saúde. Nos dois municípios percebe-se que

território e políticas sociais carecem de maior aproximação. O fato de serem operados recortes

em bairros sugere a desconsideração de elementos de sua história, sua cultura e de sua

identidade. A esse respeito é interessante considerar a análise de uma participante da

pesquisa: “Quando tivemos de definir um território, enfrentamos a possibilidade de dividir um

bairro vulnerável ao meio e, para não fazer isso, consideramos a direção da demanda,

garantindo à população o atendimento no CRAS mais próximo e mais procurado por ela”.

Nesse caso, ante a responsabilidade de delimitar um território, os profissionais

atentaram para os interesses e os limites enfrentados pela população. Fica evidente que a

definição de um território é um acontecimento situado fora do espaço de deliberação e poder

dos usuários da política de assistência social nas experiências em análise.

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133

Os profissionais tomam como elementos orientadores para a efetivação dos recortes

territoriais as definições oficiais, ou seja, o número de famílias referenciadas no entorno dos

CRAS, o que se fundamenta nos conceitos de vulnerabilidade e risco social. Essa operação,

predominantemente quantitativa, pode ser realizada com o auxílio de recursos tecnológicos

como os mapas disponíveis em meios virtuais e o geoprocessamento.

Considerando o CRAS como ponto de partida, expande-se a sua área de atuação até

alcançar a área de um outro Centro o que, segundo constatamos, decorre do entendimento

entre os profissionais. Esse procedimento é adotado nas situações em que os CRAS são

próximos. Em todos os casos, a definição dos territórios é quantitativamente orientada.

4.4.2 – O território e o seu conceito

Os profissionais que atuam nos CRAS, de um modo geral, iniciaram os seus trabalhos

em uma situação de pouca familiaridade com o conceito de território. Vivenciados cinco anos

de experiência, é importante saber como esse conceito se incorporou ao seu universo.

Nos depoimentos obtidos, identifica-se um elemento comum a todos os sujeitos da

pesquisa: a idéia de delimitação. Todos fazem referência à definição de uma linha divisória

que estabelece os limites do trabalho de cada Centro de Referência.

O entendimento sobre território, conforme registramos, vai do conceito mais simples

ao mais complexo e, em alguns casos, deixa transparecer a realização de leituras relativas à

temática. Para ilustrar o que estamos afirmando, destacamos algumas formulações conceituais

explicitadas: “Eu pensava que território era simplesmente a demarcação física. É essa a visão

que a gente tem geralmente. Mas é muito além, eu até me surpreendi... Não sei o que é

território. Sinceramente, eu não sei.” O depoimento deixa clara a situação de

desconhecimento de um conceito que é colocado como eixo estruturante da PNAS. Sem

maior domínio conceitual, a prática se retroalimenta e se basta.

Um outro participante da pesquisa assim define território: “É o chão mais o que de

concreto ele tem. É a realidade das famílias naquela região, o que acontece ali. A gente tem

que entender a lógica daquele funcionamento, tem que conhecer a cultura”. Percebe-se que,

nesse caso, desenvolveu-se algum exercício de leitura e que o conceito passa a integrar o

universo de alguns profissionais.

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134

Todos os participantes da pesquisa fizeram referência a um esforço pessoal no sentido

de adquirir domínio sobre essa temática com a qual apenas estabeleceram contato através da

própria PNAS. Há referência, entre os profissionais de Arapiraca sobre a realização de um

curso de capacitação em que se destinou um tempo para o estudo sobre território. Entretanto,

é muito clara a necessidade de se conseguir dominar esse conceito e, por consequência, as

implicações de se assumir a perspectiva socioterritorial.

4.4.3 – O território e o seu conhecimento

A definição dos territórios de atuação dos CRAS, como vimos, resultou de uma

deliberação exógena e alheia ao conhecimento e à vontade dos que viviam nas localidades

transformadas em territórios para a assistência social.

A dinâmica experimentada pelos CRAS abordados, tendo em vista o limitado tempo

disponível para a sua implantação, não contemplou a construção inicial de um conhecimento

sobre as realidades nas quais se situam. Os profissionais lançaram mão dos dados produzidos

por alguns órgãos de pesquisa, como foi o caso do IBGE, além daqueles produzidos pelos

profissionais da saúde ou resultantes da atuação da própria assistência social. Esses dados,

nem sempre foram suficientes para o conhecimento de que os técnicos necessitavam naquele

momento. Atualmente, os profissionais afirmam que o conhecimento de que dispõem é

resultante de suas atuações junto às populações e das entrevistas para cadastramentos em que

muitas informações são obtidas.

Em Maceió, os profissionais afirmam estar atualmente mais seguros em relação ao

conhecimento sobre os territórios em que trabalham por conta da realização de uma pesquisa,

efetivada sob coordenação do Núcleo Temático da Assistência Social – NUTAS, da

Universidade Federal de Alagoas, cujos resultados preliminares já permitem um maior

domínio sobre essas realidades.

De modo geral, os profissionais dos dois municípios afirmam ter dificuldade de

articular a intensa dinâmica dos trabalhos com a realização de qualquer trabalho de pesquisa

ou de qualquer estudo, mas reconhecem a importância da realização desses estudos, tanto para

divulgação dos CRAS, quanto para melhor entendimento sobre as localidades em que atuam.

Tratando ainda sobre conhecimento, também consideramos a reação da população à

presença desse novo equipamento social e, embora a nossa investigação não tenha incluído os

usuários, ouvimos dos profissionais sua interpretação sobre esse fato. Em apenas três CRAS,

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os profissionais afirmaram que esses centros são satisfatoriamente conhecidos em seus

territórios. Nos outros nove, afirmaram haver um limitado conhecimento e apresentaram

como causas para o desconhecimento: as mudanças de endereço (dos CRAS e dos usuários),

as extensas áreas de abrangência, a finalidade a que se destinava anteriormente o prédio onde

o CRAS está instalado, a imagem do Programa Bolsa Família que se impõe à imagem do

CRAS.

Do limitado conhecimento sobre os territórios resulta a dificuldade de identificar seus

problemas e suas potencialidades. Mesmo assim, elaborou-se uma lista de problemas,

composta por itens como: insegurança, desemprego, dependência química, prostituição, falta

de documentação, falta de qualificação profissional e trabalho informal. Quanto às

potencialidades identificadas, os entrevistados apresentaram as seguintes: artesanato,

agricultura familiar, folclore e industrialização de pescado. Percebe-se, nessas indicações, o

descompasso entre a grandiosidade dos problemas e o limite das potencialidades

identificadas, o que evidencia a realidade dos territórios em que se situam os CRAS e os

limites impostos à sua atuação.

4.4.4 – Território e gestão em rede

A gestão em rede é uma exigência da administração contemporânea. É uma forma de

articulação de ações e organizações, de modo a superar a centralização de poder e o seu

exercício de modo verticalizado. Esse tipo de gestão permite e facilita a expressão de

potencialidades e valores locais. Junqueira entende que:

As redes sociais [são] um conjunto de pessoas e organizações que se

relacionam para responder demandas e necessidades da população de

maneira integrada, mas respeitando o saber e a autonomia de cada

membro. Com isso, as redes constituem um meio de tornar mais

eficaz a gestão das políticas sociais, otimizando a utilização dos

recursos disponíveis (JUNQUEIRA, 2008, p. 96).

Uma gestão em rede fundamenta-se na existência de pessoas, grupos, organizações,

lugares ou pontos virtuais – os nós – e na articulação que se estabelece entre eles. A rede é

uma malha de relacionamentos entre os indivíduos que a compõem cuja identidade é

garantida. Nessa malha, podem ser estabelecidas relações simétricas ou assimétricas, o que

depende da aceitação ou recusa do exercício de algum tipo de poder no seu interior.

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136

A proposta de atuação em rede já se observava na Norma Operacional Básica de 1997

que propõe um modelo intergovernamental a ser realizado em redes de assistência social

constituídas pela interconexão de agentes, benefícios, serviços, programas organizações

governamentais, movimentos sociais e comunidades locais (NOB 1997, p. 13).

A PNAS reafirma a indicação de um trabalho em rede. Em vista disso, define que o

CRAS “excuta serviços de proteção social básica, organiza e coordena a rede de serviços

socioassistenciais locais da política de assistência social” (p. 35). Afirma também que a

equipe do CRAS “realiza [...] sob orientação do gestor municipal de assistência social, o

mapeamento e a organização da rede socioassistencial de proteção básica e promove a

inserção das famílias nos serviços de assistência social local (p. 35). Define, ainda, que “a

operacionalização da política de assistência social em rede, com base no território, constitui

um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política (p. 44). Ainda no

campo das definições oficiais, a NOB-SUAS conceitua rede socioassistencial como:

Um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que

operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a

articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social, sob a

hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de complexidade (NOB-

SUAS, p. 94).

São essas definições que orientam as práticas dos profissionais atuantes nos CRAS e,

novamente, nos deparamos com as especificidades dos dois municípios.

Em Maceió, os profissionais afirmam categoricamente a inexistência de uma rede,

apesar de reconhecerem a atuação de organizações governamentais e não-governamentais no

atendimento aos usuários da assistência social. Com exceção de um sujeito da pesquisa em

Maceió, os demais afirmam não contar com uma rede local, pela situação de escassez de

recursos das localidades em que trabalham e, quando se reportam a uma rede socioassistencial

municipal, reconhecem na mesma uma situação de esgotamento da sua capacidade de

atendimento às demandas das instituições e das populações. Os profissionais também se

referem à inexistência de uma articulação entre as instituições que poderiam compor uma

rede.

Em Arapiraca, todos os participantes da pesquisa afirmaram a existência de uma rede

socioassistencial, sendo a mesma indicada inclusive em documento de planejamento do gestor

municipal. Do que observamos, nesse caso, a dinâmica de uma rede ainda está por ser

construída e isso se explicita em depoimentos como: “A rede existe, mas enfraquecida. É

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137

difícil obter o atendimento a muitos dos encaminhamentos feitos”; ou: “Existem políticas que

se julgam auto-suficientes e aí, elas se fecham em relação às necessidades das demais”; ou,

ainda: “Existe uma rede local, mas a articulação com a rede municipal é feita através da

Secretaria”. Nesse caso, a referência à busca de uma autoridade maior sugere a inexistência de

autonomia, característica do relacionamento entre os sujeitos que integram uma rede. Por

consequência, registra-se a persistência de uma estrutura administrativa claramente

verticalizada.

Nesses depoimentos, percebe-se, nos dois municípios, a dificuldade enfrentada pelos

profissionais para se valerem de uma rede socioassistencial. Cabe, nesse sentido, uma

reflexão sobre as indicações da PNAS e da NOB-SUAS, quanto à responsabilidade dos CRAS

em relação à articulação e dinâmica dessa rede. Do que observamos, é possível afirmar que a

atuação de alguns CRAS, pelas dificuldades que eles enfrentam, expressa o quanto ainda é

necessário de investimento – material e humano – para que esses equipamentos sociais se

estabeleçam como elementos centrais de uma rede socoassistencial.

Registramos, durante a pesquisa, a existência de uma articulação entre as diferentes

esferas de gestão do sistema e, nesse caso, a rede virtual tem fundamental importância. A

forma de utilização desse canal de comunicação é indispensável ao controle da concessão de

benefícios e de suas condicionalidades, mas na nossa interpretação, está mais a serviço de um

controle burocrático do que da dinâmica dos territórios, inclusive porque nem todos os CRAS,

durante a nossa pesquisa, dispunham de condições de acesso às infovias, em consequência do

não funcionamento dos equipamentos disponíveis nos Centros.

É oportuno lembrar que em documentos oficiais afirma-se que é “recomendável a

disponibilização de linha telefônica e computador conectado à rede Internet, permitindo

agilidade de procedimentos e de registro de dados” ( p. 16). Ou seja, o fato de um CRAS não

dispor de equipamento que o coloque em rede, é apenas o não cumprimento de uma

recomendação. Observa-se, dessa forma, que os profissionais devem produzir dados para

alimentar um sistema de informações mesmo que não lhes sejam asseguradas as condições

para isso.

4.4.5 – Território e atuação intersetorial

A intersetorialidade é um dos requisitos da gestão social. É pelo seu exercício que se

espera superar dificuldades antigas como a fragmentação, a desarticulação, o isolamento e a

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138

sobreposição de projetos sociais. Como analisa Magalhães, a intersetorialidade é uma

estratégia que implica “uma transformação radical na gestão pública” e “requer apoios

políticos, administrativos e financeiros importantes” (2004, p. 41).

A incorporação da intersetorialidade ao campo das políticas sociais exige a superação

de formas tradicionais de entendimento e execução dessas políticas, o que precisa ser

assumido, tanto pelos que as elaboram quanto pelos seus usuários. Não são mais segmentos

de pessoas e de políticas que merecem atenção.

A PNAS incorpora ao seu texto a perspectiva intersetorial a ser assumida pela

assistência social e remete aos CRAS a responsabilidade da sua vivência, definindo que o

CRAS:

Promove a inserção das famílias nos serviços de assistência social local.

Promove também o encaminhamento da população local para as demais

políticas públicas e sociais, possibilitando o desenvolvimento de ações

intersetoriais que visem a sustentabilidade, de forma a romper com o ciclo

de reprodução intergeracional do processo de exclusão social, e evitar que

estas famílias e indivíduos tenham seus direitos violados, recaindo em

situações de vulnerabilidades e riscos (PNAS, 2005, p.35-6).

A LOAS define, em seu artigo 2º que a assistência social realiza-se de forma integrada

às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao

provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos

sociais. Por definição legal, incorpora-se a idéia da intersetorialidade à assistência social.

Em nosso estudo, constatamos que todas as referências feitas pelos entrevistados à

intersetorialidade remetem apenas à relação que se estabelece entre a assistência social e as

políticas de educação e de saúde e apontam para a busca de soluções que assegurem as

condicionalidades definidas para a concessão de benefícios socioassistenciais.

São fundamentais alguns depoimentos obtidos para o entendimento do que estamos

afirmando: “a intersetorialidade só é exercida na hora em que surgem os problemas e as

dificuldades; é muito uma situação de ‘apagar incêndio’”. Ou: “a intersetorialidade ocorre a

partir das necessidades sentidas nas atividades”. Ou: “acho que não existe articulação entre as

políticas; existem contatos entre profissionais para encaminhamentos, parcerias, não existe

essa articulação necessária”. Ou, ainda: “cada um fica na sua caixinha, como se não

existissem os outros, como se não precisassem uns dos outros; infelizmente, a gente termina

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139

puxando a responsabilidade pra gente, porque se os outros não fazem, não custa nada a gente

tentar”.

Dois fatos são muito sérios nesses depoimentos. O primeiro refere-se ao entendimento

de uma intersetorialidade que se situa apenas na base, no local onde a ação se desenvolve e,

principalmente, em situações de urgência. O segundo fato é a compreensão de que, se os

outros não fazem, cabe a quem estiver no CRAS, fazer. Com isso, corre-se o risco de

fortalecer a imagem de que a assistência e, mais recentemente, os CRAS, são instâncias de

solução para tudo o que não é resolvido por outros setores e outras políticas sociais. Disso

pode resultar a ampliação do volume das demandas aos CRAS e, pelo não atendimento a

muitas delas, o desgaste desse recurso institucional.

Um outro depoimento chama a nossa atenção, pela importância que adquire o espaço

virtual no exercício da intersetorialidade. É o seguinte: “os dados relativos à educação chegam

ao CRAS através da central do Programa Bolsa Família, sempre com atraso. Da saúde, não

temos recebido informações”. Delineia-se a possibilidade de uma intersetorialidade virtual

que é complementada pela atuação dos profissionais, apenas quando se estabelecem

problemas. Dessa forma, privilegiam-se as expressões virtuais da realidade, nem sempre

acessíveis aos usuários da assistência social.

4.4.6 – Território e participação da população

A participação da população é uma exigência posta à assistência social desde o texto

constitucional de 1988 que, em seu artigo 204, define como diretrizes para a assistência social

a descentralização político-administrativa e a participação da população.

A Lei Orgânica de Assistência Social define em seu artigo 5º como uma de suas

diretrizes a seguinte: “participação da população, por meio de organizações representativas,

na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. Essa definição, como

não poderia deixar de ser, é incorporada na íntegra pela PNAS. A NOB-SUAS inclui no

conjunto dos eixos estruturantes da gestão do SUAS a “participação popular/cidadão usuário”.

No campo normativo, não cabe qualquer questionamento sobre a participação popular

na assistência social. Esse questionamento é imperativo quando se observa a materialização

dessas definições na execução da referida política. Participação é um conceito cuja

elasticidade permite que ele seja limitado a um espaço restrito de manifestação de opinião –

fala, voto – ou ampliado até a plena interferência nas definições sobre a direção de uma

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140

política pública, sendo um elemento central na sua direção. Participação implica uma relação

de poder econômico; está presente na luta por espaços políticos; estimula o confronto entre

culturas; exige uma atitude de enfrentamento e de responsabilidade e o domínio de

conhecimentos que, na atualidade da assistência social, significa a constante atualização de

informações, o domínio de novas tecnologias e o acesso a um mundo virtual. Segundo

Dallari,

A participação não depende de se desejar ou não, pois mesmo aqueles que

não tomam qualquer atitude são utilizados pelos grupos mais ativos, visto

que o silêncio e a passividade são interpretados como sinais de

concordância com as decisões do grupo dominante (DALLARI, 2004,

p.34).

Nesse estudo, a participação foi analisada a partir de alguns fatores que consideramos

como condicionantes para a efetiva atuação dos usuários nos territórios da assistência social.

Observamos, portanto, o seguinte: a forma de inserção na gestão, a acessibilidade dos

usuários, a disponibilidade dos profissionais e suas condições de trabalho e, ainda, a

infraestrutura disponível para o trabalho.

Inicialmente, destacamos as nossas constatações sobre o espaço de participação dos

usuários nos diferentes momentos da gestão: planejamento, execução e avaliação. Em todos

os CRAS estudados a participação dos usuários está limitada ao momento da execução dos

programas e projetos. O espaço de planejamento e de avaliação é restrito à definição de

cronogramas de atividades e às próprias atividades, principalmente as palestras.

Os CRAS têm a responsabilidade de ofertar o Programa de Atenção Integral à Família

– PAIF. A oferta desse programa e a gestão da proteção básica no território são as duas

funções dos CRAS, em sua atuação territorial. O CRAS “é o ponto focal da rede

socioassistencial territorial local” (BRASIL, 2009, p. 23). O PAIF é ofertado de forma

exclusiva e obrigatória pelos CRAS. Por isso,

É o principal serviço de Proteção Social Básica, ao qual todos os outros

serviços desse nível de proteção devem articular-se, pois confere a primazia

da ação do poder público na garantia do direito à convivência familiar no

atendimento socioassistencial, um dos eixos estruturantes do SUAS (Op.

cit. p.31).

Em todos os CRAS, registramos a realização de atividades vinculadas ao PAIF e

constatamos o empenho de profissionais e gestores no sentido de garantir a sua efetivação.

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141

Entretanto, registramos também alguns obstáculos a serem enfrentados e cuja solução nem

sempre se situa na esfera local. Nesse sentido, julgamos importante destacar os seguintes

pontos de nossas observações:

a) a prevalência dos programas de transferência de renda, em muitos casos,

promove o afastamento de usuários que, uma vez possuidores de seu cartão

magnético, direcionam a sua vinculação a uma agência bancária, buscando o

CRAS apenas em momentos de recadastramento ou diante de situações com

as quais ainda não estabeleceram familiaridade;

b) a inadequação ou mesmo a inexistência de espaços físicos nos prédios dos

CRAS, para a realização de atividades com um maior número de

participantes;

c) o volume de atendimentos individuais e de encaminhamentos que terminam

se sobrepondo às atividades que exigem uma sistemática contínua para sua

realização. Existem grupos em funcionamento em alguns Centros, cuja

periodicidade de reunião é mensal e que os profissionais precisam enviar

lembretes para assegurar a presença das pessoas nas atividades.

Nessas condições, conforme registramos, um conjunto de fatores de origem local ou

próprios à lógica que preside a transferência de renda no Brasil, contribui para a permanência

de barreiras à participação da população usuária da assistência social.

A participação depende também da acessibilidade. Esse é mais um conceito que

precisa ser melhor entendido. Koga (2005) chama atenção para a necessidade de se considerar

a questão da proximidade como um componente da acessibilidade que também é o direito à

cidade, ao lugar, extrapolando as relações de vizinhança. Nos municípios em análise,

observamos que muitas barreiras físicas à acessibilidade foram superadas, ou seja, entrar e

circular nas instalações dos CRAS não é mais problema. Entretanto, ainda observamos em

três CRAS a permanência de barreiras ao acesso da população ao prédio ou a alguns dos seus

espaços internos. Por seu turno, a questão da distância entre o local de moradia e a sede do

CRAS ainda é um sério problema enfrentado pelos usuários.

Os critérios adotados para a implantação dos CRAS permitem a existência de apenas

uma unidade para a área total de um município, bem como a concentração de alguns deles em

áreas bastante próximas, além de possibilitar a existência de municípios sem CRAS, situação

que se registra em Alagoas.

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142

Outro condicionante à participação da população, do nosso ponto de vista, é o que diz

respeito às condições de trabalho dos profissionais da assistência social. Nessa área,

interferem fatores como: contratação temporária ou permanente, duração da jornada de

trabalho, remuneração, além da infraestrutura disponível para o exercício das atividades

requeridas ao servidor.

Nos casos estudados, registramos uma diferença quanto à forma de contratação. Em

Maceió, em atendimento às exigências feitas para a nova habilitação à gestão do SUAS, o

município, através de concurso público, formou um quadro de profissionais para a assistência

social. Desse modo, os casos de funcionários não contratados nos CRAS eram exceção

quando realizamos as entrevistas. Diferente era a situação de Arapiraca, em que os

profissionais dos CRAS eram todos contratados temporariamente.

A jornada de trabalho se assemelhava entre os profissionais de Maceió e de Arapiraca.

Registrava-se o cumprimento de horários corridos em que as equipes – manhã e tarde – se

sucediam, havendo um momento em que os técnicos se encontravam e que eram aproveitados

para troca de informações e realização de reuniões. A presença de estagiários era comum a

todos os CRAS de Maceió e registrada em três CRAS de Arapiraca.

As condições de infraestrutura eram mais favoráveis em Maceió, com exceção de uma

unidade, cuja reforma se iniciou no final de 2009. Em Arapiraca, o fato de se instalarem os

CRAS em prédios destinados originalmente a outras finalidades, gerou a necessidade de

adaptá-los aos trabalhos dos Centros de Referência, disso resultando algumas dificuldades

para acesso e acolhida dos usuários. Há situações em que é evidente o prejuízo causado aos

atendimentos e a impossibilidade da garantia de privacidade e sigilo.

Em Maceió e Arapiraca, observamos que a existência de problemas de instalação

hidráulica, elétrica e a falta de manutenção de equipamentos em alguns Centros de Referência

causavam problemas como a não utilização de equipamentos como ventiladores e

computadores, fatores limitantes ao trabalho dos profissionais.

Evitamos qualquer abordagem relativa à questão salarial pelo fato de não existir

qualquer parâmetro para essa avaliação. A NOB-RH, aprovada em 2006 e publicada em 2007,

é ainda uma esperança para o futuro. A definição de uma política de cargos e salários é mais

um desafio a ser enfrentado por gestores e trabalhadores da assistência social.

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143

4.4.7 – Território e informação: vias e infovias

A informação é um elemento central na organização do mundo contemporâneo. No

presente trabalho, chamamos a atenção para a relação entre o território e a informação,

considerando duas formas específicas para o estabelecimento dessa relação: as vias e as

infovias. Estamos chamando de vias a todos os meios tradicionais de circulação de

informações no campo da assistência social: as reuniões, os atendimentos, os

encaminhamentos, as conferências, ou seja, as informações que exigem o contato presencial

envolvendo profissionais, usuários e instituições. As infovias são os canais virtuais

disponibilizados para a circulação de informações, exigindo para isso equipamentos e

conhecimentos específicos, indispensáveis à sua dinâmica. Integram esse universo todas as

informações disponíveis no site do MDS e em outros espaços virtuais utilizados para

subsidiar a atuação de profissionais e de usuários da assistência social.

No que se refere às tradicionais vias de informação, nossa análise já vem sinalizando o

limite registrado no acesso da população às informações que circulam no universo da

assistência social nos seus territórios. Isso fica muito claro na análise sobre a participação dos

usuários em atividades como planejamento e avaliação, além da sua limitada presença no dia-

a-dia dos Centros de Referência.

Quanto às infovias, iniciamos essa análise destacando que elas são imprescindíveis a

qualquer política e mesmo à vida de qualquer cidadão no mundo atual. A exigência de um

sistema nacional que armazenasse, articulasse e coordenasse os dados relativos à assistência

social foi colocada desde a primeira conferência nacional, realizada em 1995.

A NOB-SUAS (2005) ao definir os instrumentos de gestão60 da política de assistência

social inclui a “gestão da informação, monitoramento e avaliação”. O MDS assegurou na sua

estrutura um espaço para a informação ao criar, dentre as suas secretarias61, a Secretaria de

Avaliação e Gestão da Informação e instituir a Rede SUAS, “um suporte para a gestão,

monitoramento e a avaliação de programas, serviços, projetos e benefícios de assistência

social, contemplando gestores, profissionais, conselheiros, entidades, usuários e sociedade

civil” (Op.cit. p.120). Segundo Tapajós,

60 Os instrumentos de gestão são os seguintes: plano de assistência social; orçamento da assistência social, gestão da informação, monitoramento e avaliação e; finalmente, relatório anual da gestão. 61 O MDS tem as seguintes secretarias: Secretaria Executiva, Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, Secretaria Nacional de Assistência Social, Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutrição, Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação e Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias.

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144

A Rede é um sistema de informação resultante da integração de vários

instrumentos de produção, recebimento, armazenamento e transmissão de

dados e informação com escopos diferenciados no arcabouço da gestão para

o controle social e financiamento da política. De fato, chama-se de

sistema por conta da condição interativa e da perspectiva de rede de

relações que determina, em função da dependência recíproca entre

um conjunto de elementos, partes ou órgãos componentes dos

sistemas, isto é, subsistemas dinamicamente inter-relacionados com a

organização específica. No caso, gestores, usuários, técnicos, rede de

entidades executoras de serviços socioassistenciais e a sociedade

(TAPAJÓS, 2009, p. 306-7).

Esse conceito deixa muito claro o que é uma rede e que ela está, de fato, estabelecida

como uma ferramenta. De modo diferente do que acontece na dinâmica da rede não virtual,

analisada anteriormente, esse sistema tem efetiva utilização. O acesso a esse mundo virtual é

uma necessidade inquestionável e a utilização de suas ferramentas é indispensável. O grande

desafio que se coloca é a interação possível entre esse universo e os territórios da assistência

social. Essa é uma discussão que exige um outro estudo, mas arriscamos afirmar que o tipo de

conhecimento requerido, a exigência de senhas para o acesso a muitos espaços da rede, além

do difícil acesso a equipamentos são fatores que limitam a circulação nesse universo de

informações, transformando-o em um espaço restrito a gestores e inacessível à grande maioria

da população.

A rede é alimentada, dentre outras fontes, a partir de dados dos territórios e dos

usuários aí cadastrados. Cada cidadão é reconhecido no sistema através do seu Número de

Identificação Social - NIS. Pela situação de exclusão digital registrada no Brasil, dificilmente

esse universo será acessado pelos cidadãos correspondentes aos muitos NIS em vigor.

A rede assegura aos gestores condições jamais conhecidas para o seu trabalho, mas

ainda está muito longe de facilitar o controle social enquanto prerrogativa da população

usuária da assistência social. Pelo contrário, é uma ferramenta muito precisa para o exercício

de controle sobre a população.

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145

4.4.8 – Território e controle social

Por extensão da análise que fizemos no item anterior, devemos considerar como

elemento básico para o exercício do controle social o domínio da linguagem no universo do

qual se participa. A assistência social com se configura atualmente propõe: a) uma nova

linguagem teórica e metodológica, com a introdução de conceitos e procedimentos

metodológicos – novos ou renovados; b) uma outra linguagem tecnológica: é impossível hoje

ignorar o mundo digital e, c) uma nova linguagem política, capaz de assegurar ao usuário o

seu lugar de protagonista, o que implica uma inversão no universo construído até o presente.

Para Gramsci,

Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção

de mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da

linguagem de cada um, é possível julgar a maior ou menor complexidade de

sua concepção de mundo (GRAMSCI, 2001 , p. 95).

Há muitas linguagens que circulam nos territórios da assistência social e que ainda não

são dominadas pelos seus usuários, dada a sua complexidade. É preocupante o acelerado

ritmo que marca as alterações e inovações, bem como o nível de complexidade que vem

marcando a história recente da assistência social no Brasil, transformando-as em um

permanente e distante alvo a ser alcançado. Depoimentos de profissionais entrevistados

evidenciaram a necessidade de interpretar e traduzir para os usuários muitas informações

elementares e necessárias ao sucesso de encaminhamentos e de outros procedimentos

adotados. A população utiliza muito do seu tempo no esforço de superar a falta de domínio de

uma linguagem cuja complexidade está distante do seu alcance.

A análise que vimos desenvolvendo nesse trabalho permite a identificação de muitos

entraves ao domínio da linguagem e do universo da política de assistência social, resultando

em sérios empecilhos ao exercício do controle social. Sem o domínio das linguagens que

circulam no universo da assistência social, a população fica impedida de exercer o controle

social a ela delegado.

Ao final de toda essa análise, sentimo-nos em condições de fazer as seguintes

inferências:

● o conceito de território ainda não é de total domínio daqueles que o utilizam;

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146

● a definição dos territórios em que se situam os CRAS e o conseqüente

desenvolvimento de programas, projetos e atividades resultam da atuação de atores estranhos

aos territórios;

● apesar das possibilidades criadas para as iniciativas locais, prevalecem propostas

padronizadas e de âmbito nacional;

● há uma incerteza em relação ao que é o território para os CRAS: ora é entendido

como o espaço do(s) bairro(s) – no momento da execução; ora é entendido como o espaço do

município – no momento do planejamento;

● o conhecimento dos técnicos sobre o território e do território sobre o CRAS é

incipiente, o que dificulta o planejamento e a realização de ações mais próximas das

necessidades e potencialidades locais;

● a utilização da vulnerabilidade como critério para definição do território para os

CRAS pode resultar no desenvolvimento de uma condição de isolamento de populações que

passam a ser identificadas e limitadas a determinadas localidades;

● os trabalhos em rede e a atuação intersetorial não são comuns nos territórios

estudados; o que se verifica é a forma vertical de gestão, sustentada pela burocracia que

adquire novas formas de expressão e se fortalece com o uso da informática;

● participação, interação negociada e controle social ainda são um ideal a ser

alcançado;

● a atuação dos profissionais é desafiada a superar o enfoque meramente técnico-

burocrático, capaz de tornar obscuros os seus componentes teóricos e ideológicos.

Do que inferimos, fica evidente o vasto universo de conhecimento a ser dominado. Por

outro lado, se uma gestão territorial apenas se sustenta quando alicerçada em princípios de

uma gestão social, estamos diante de um quadro em que se explicita a permanência de um

modelo de administração pública gerencial. Paula (2005), analisando a administração pública

brasileira, estabelece uma comparação entre o modelo gerencial e o modelo societal. Para isso

os situa, no primeiro caso como o modelo desenvolvido pelo governo de FHC e no segundo

caso como o modelo sinalizado para o governo Lula. O insucesso dessa pretensão provocou a

continuidade da proposta gerencial de FHC no governo que o sucedeu.

Examinando a literatura, a autora afirma que “na vertente gerencial, a ênfase recai

principalmente nas dimensões econômico-financeira e institucional-administrativa. Na

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vertente societal, a ênfase é na dimensão sociopolítica” (Op.cit. p. 41). No espaço da

administração pública gerencial a abertura das instituições políticas à participação social é

possível “no nível do discurso, mas [é centralizadora] no que se refere ao processo decisório,

à organização das instituições políticas e à construção de canais de participação popular” (Id.

p. 41). Em nossa análise, registramos que existe um distanciamento entre o universo

discursivo e normativo da assistência social em sua perspectiva socioterritorial e que as

condições objetivas de superação do modelo gerencial de administração pública no Brasil

ainda estão em processo de consolidação, o que nos lembra a análise de Boschetti, para quem:

Os direitos assistenciais no Brasil convivem numa dialética situação de

originalidade e conservadorismo. Originalidade porque o campo jurídico

institui legalmente princípios e diretrizes que não estavam assegurados em

lei e conservadorismo porque princípios seculares e situações

historicamente vigentes não são superados (BOSCHETTI, 2003, p. 116).

A realidade sobre a qual refletimos nesse trabalho explicita um campo de tensão em

que os profissionais se empenham no sentido de assimilar a proposta teórica e metodológica

que se coloca com a PNAS 2004. Novos conceitos, como é o caso de território, são

introduzidos e novos procedimentos metodológicos são requeridos.

A despeito dos limites decorrentes da reduzida inclusão digital, a política se apropria e

se movimenta em um espaço virtual. Nessas condições, as exigências de participação e

controle social definidas desde o texto constitucional de 1988, em novas condições,

continuam sendo um distante ideal a ser alcançado.

Sem ter ainda alcançado as necessárias condições para a efetiva participação e o

exercício do controle social, os usuários da política de assistência social ainda não assumiram

o seu lugar de protagonistas. Uma nova linguagem política e, acima de tudo, uma nova

vivência política é, ainda, um processo em construção.

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148

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A elaboração da presente tese foi motivada pela necessidade de responder ao seguinte

questionamento: Qual a direção social assumida pela assistência social desde a incorporação

da perspectiva socioterritorial à PNAS 2004? No intuito de responder a essa questão,

desenvolvemos um trabalho de pesquisa do qual resultou esta tese. Entendemos que, a partir

da atual versão da Política Nacional de Assistência Social, a concepção de território adquiriu

um tratamento diferenciado e redefiniu a direção assumida pela referida política social no

Brasil.

A leitura cuidadosa do texto de 1998 – primeira versão da PNAS – dá conta de um

tratamento secundário atribuído ao termo; registra-se a referência a território como o solo da

Pátria ou como algo relativo à comunidade, quando se refere aos microterritórios. De modo

diferente, a PNAS 2004 define a territorialização como um dos seus eixos estruturantes, o que

indica um redimensionamento da referida política do ponto de vista teórico-operacional, ou

seja, o rearranjo conceitual que se efetua está diretamente vinculado a uma nova proposta

operacional que passa a ser exigida.

O estudo que desenvolvemos ao longo deste trabalho tomou como ponto de partida

uma análise sobre a proteção social e sua forma de desenvolvimento na realidade brasileira.

Entendemos ser nesse campo teórico e operacional que se constroem as respostas à Questão

Social em suas diferentes formas de manifestação.

Analisando a trajetória mundial da proteção social, observamos as suas diferentes

configurações, desenhadas desde o momento em que era entendida como o resultado da

imposição do trabalho aos miseráveis (responsabilizados pela sua situação de miséria);

passando por um outro momento em que se concretizou em algumas sociedades, o Welfare

State como a realização do ideal do pleno emprego e, finalmente; constatamos que, no

presente, experimenta-se uma realidade de desemprego estrutural e impõe-se a necessidade de

construir novas respostas, através da proteção social, às diferentes formas de manifestação da

Questão Social, próprias das sociedades contemporâneas.

A história da proteção social reflete a história recente da reestruturação do capitalismo,

o que implica profundas mudanças na economia e também exige transformações sociais,

políticas, culturais, científicas, epistemológicas e gerenciais. O desenvolvimento científico, os

avanços tecnológicos experimentados em tempos recentes e a construção de novas

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perspectivas filosóficas respondem a questões que se tornaram imperativas à própria

preservação da humanidade. Nesses campos de elaboração, opera-se uma transição da qual

resulta o resgate da perspectiva local – e como desdobramento, do território – como elemento

central para a interpretação e a intervenção nas questões do mundo contemporâneo.

A garantia de proteção social nas sociedades hodiernas, segundo entendemos, tem

obedecido a duas orientações registradas como tendências mundiais presentes, portanto, na

situação particular do Estado brasileiro: a transferência de renda e a territorialização, fatores

sobre os quais passamos refletir.

A transferência de renda é uma proposta que adquire destaque no Brasil nos últimos

quinze anos, mais especificamente nos períodos relativos aos governos FHC e Lula.

Entretanto, a experiência internacional tem uma longa história na Europa e nos Estados

Unidos, experiência marcada pela especificidade da incondicionalidade, ou seja, não se

registra, nesses casos, a vinculação desse tipo de proteção social a uma renda mínima ou à

inserção no mercado de trabalho.

No Brasil, essa proposta ganhou visibilidade através da atuação do Senador Eduardo

Matarazzo Suplicy, quando em 1991 conseguiu aprovar no Senado o Projeto de Lei nº

80/1991, instituindo o Programa de Garantia de Renda Mínima, a ser assegurado através de

um imposto de renda negativo. Esse projeto não teve maiores desdobramentos visto não ter

ultrapassado o espaço do Congresso.

Em janeiro de 2004, mais uma vez por iniciativa do Senador Suplicy, foi sancionada

pelo Presidente da República a Lei nº 10.835, instituindo a partir de 2005, a Renda Básica de

Cidadania, assegurando o “direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros

residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição

socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário” (www.planalto.gov.br).

Definia a Lei que a abrangência desse benefício seria alcançada em etapas, a critério do Poder

Executivo, priorizando-se as camadas mais pobres da população.

Como se pode observar, se comparada essa proposta ao que se realiza através do Bolsa

Família, fica evidente o limite do programa em desenvolvimento no Brasil. A proposta

apresentada como Renda Básica de Cidadania é bem mais ampla e não se fundamenta em

condicionalidades, a exemplo do que acontece com o Programa Bolsa Família: um limite

mínimo de renda per capita; exigências relativas à área da Saúde (vacinação e

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acompanhamento de crescimento das crianças) e à área da Educação, como a comprovação de

frequência à escola.

Conforme tratamos durante o nosso estudo, a proteção social é composta por um

núcleo duro62 no qual se encontram elementos como a saúde, a educação, a previdência, o

trabalho, o emprego e a assistência social. Desde o ano 2001, o sistema de proteção social

brasileiro tem sido capitaneado por um conjunto de programas de transferência de renda,

implantados inicialmente em municípios de São Paulo e em Brasília e, posteriormente,

assumidos pelo Governo Federal e estendidos a todos os municípios.

Estudo recente situa os programas de transferência de renda63 no eixo assistencial do

sistema de proteção social brasileiro e registra a prevalência desses programas no âmbito da

política social brasileira no século XXI. Por se tratar de uma transferência de recursos

limitados e destinados à camada mais pobre da população, essa estratégia assegura o

cumprimento do ideário neoliberal, ou seja, assegura a focalização, não possibilita a

autonomia dos usuários e apela às parcerias, em nome da solidariedade. Desse modo, o

atendimento a um conjunto de direitos é submetido a uma série de restrições e exigências

feitas aos usuários, o que se contrapõe ao caráter de universalidade presente no texto

constitucional de 1988.

Em síntese, como se realiza no Brasil, a política de transferência de renda mantém o

caráter discriminatório e desestimula a busca por emprego – quando disponíveis – haja vista

que há, entre os usuários, o entendimento de que isso poderia implicar o prejuízo de perder o

benefício da transferência de renda 64.

A territorialidade, que entendemos ser um segundo elemento de caracterização da

proteção social no Brasil, tem sido registrada nas mais diferentes políticas sociais, firmando-

se na assistência social a partir de 2004, apesar de ter sido sinalizada anteriormente. A

introdução dessa vertente territorial resulta de um conjunto de fatores, dentre os quais

destacamos inicialmente as orientações neoliberais que exigiam um novo papel do Estado

submetido a um processo de reforma administrativa.

62 Tratamos sobre esse assunto no primeiro capítulo da tese. 63 “Programas de Transferência de Renda [são] aqui entendidos como aqueles que atribuem uma transferência monetária a indivíduos ou a famílias, mas que também associam a essa transferência monetária, componente compensatório, outras medidas situadas principalmente no campo das políticas de educação, saúde e trabalho, representando, portanto, elementos estruturantes, fundamentais, para permitir o rompimento de ciclo vicioso que aprisiona grande parte da população brasileira nas amarras da reprodução da pobreza” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004, p. 19). 64 Essa questão tem sido alvo de preocupação de SUPLICY, o que pode ser constatado em seu livro “Renda de cidadania: a saída é pela porta”.

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Sob a orientação de organismos internacionais, como é o caso do Banco Mundial e do

Banco Interamericano de Desenvolvimento, processou-se uma profunda transformação na

dinâmica das relações econômicas e políticas, envolvendo os países centrais e periféricos na

composição do capitalismo mundial. Nesse processo, merece destaque a exigência de uma

reforma do Estado que passou a assumir a responsabilidade de acomodar os seus interesses

internos em função das exigências dos interesses capitalistas externos em um momento de

reordenamento do capital.

O Estado, segundo essa orientação, passou a ser responsável pela efetivação dos

objetivos e interesses globais em espaços locais, sob seu comando. A estratégia da

descentralização foi inicialmente realizada através da estadualização das políticas e dos

recursos exigidos para a sua operacionalização, teve continuidade através da municipalização,

e passou, em seguida, a se efetivar através da utilização dos microterritórios, com o objetivo

de assegurar espaços, ainda não alcançados, para a intensificação da exploração capitalista.

A descentralização e, como desdobramento, a perspectiva territorial incorporada às

políticas sociais brasileiras, também responde a uma pressão de movimentos sociais e de

forças políticas que se opuseram à ditadura militar, período caracterizado pela centralização

política em diferentes dimensões. O caso brasileiro reflete um movimento mundial de reação

aos modelos totalitários, de estímulo à participação local e de recuperação do sentido de ter

poder sobre a dinâmica política e econômica da realidade em que se vive. Portanto, o

território e as políticas sociais nele fundamentadas resultam de uma correlação de forças e de

projetos diferenciados e, por vezes, antagônicos.

Outro importante fator a ser considerado para o apelo ao território diz respeito ao

crescimento dos problemas sociais urbanos. A intensificação do processo mundial de

urbanização resultou na impossibilidade de assegurar, nas cidades, o acesso a bens e serviços

anteriormente suficientes para uma população numericamente inferior. Problemas como a

dissolução do sentido de solidariedade, o desemprego em massa, o aumento da criminalidade

e da delinquência infanto-juvenil, a formação de gangues e a segregação de segmentos

populacionais passaram a exigir soluções efetivas.

O enfrentamento desses problemas suscitou a construção de uma sociologia urbana65 e

exigiu atenção especial para as suas manifestações locais. O panorama teórico e cultural que

se desenvolveu no transcorrer de todo o século XX favoreceu o desenvolvimento de teorias e

65 Desde o início do século XX, esses problemas tornaram-se evidentes e do seu enfrentamento resultou a criação da Escola de Chicago, o que aconteceu em 1910.

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escolas, a exemplo da Escola de Chicago. Como tratamos ao longo desse trabalho, o

abandono de macroteorias e de abordagens e soluções de caráter universal, em clima de pós-

modernidade, possibilitou a construção de teorias e abordagens fundamentadas e

comprometidas com microproblemas, microssoluções e microespaços, do que resulta a

importância que se vem atribuindo ao território em tempos recentes.

Território, conforme analisamos no terceiro capítulo desse trabalho, é um conceito

complexo e de múltiplas interpretações. A sua incorporação à PNAS 2004 apresenta uma

forma específica de expressão, objeto do nosso interesse no presente estudo. A análise das

experiências desenvolvidas em Maceió e Arapiraca permitiu-nos chegar às seguintes

conclusões:

● Apesar de alicerçada em uma perspectiva socioterritorial, nos dois casos estudados,

não registramos a valorização e o efetivo envolvimento do poder local, o que permite a

continuidade da atuação de profissionais junto à população que, via de regra, recebe um

conjunto de benefícios, programas e projetos concebidos fora de seu âmbito de definição;

● A história, a cultura e a identidade dos espaços definidos como territórios, são

desconsiderados em função de definições como o número de usuários a serem atendidos, ou

seja, as famílias referenciadas, em uma área geográfica para atendimento por um Centro de

Referência, a partir de protótipos nacionalmente concebidos. Dessa forma, registramos que os

elementos quantitativos que prevalecem, determinando recortes territoriais inconcebíveis ante

qualquer identidade construída pela população local;

● O desenvolvimento de programas padronizados nacionalmente e a focalização ainda

são marcas presentes na atuação dos CRAS nos municípios estudados, o que se explica ante a

cultura da não-participação ainda não superada na realidade brasileira;

● O protagonismo do usuário, temática central das conferências realizadas em 2009, é

um horizonte distante a ser alcançado. A participação dos usuários limita-se ao espaço da

programação e da avaliação de atividades e o exercício do controle social é dificultado pela

falta de domínio do universo da assistência social como direito, pela falta de acesso a

equipamentos e pelo desconhecimento de muitos elementos conceituais em uso;

● A atuação em rede e a intersetorialidade são estratégias prejudicadas em função da

superposição de uma pesada burocracia, atualizada e apresentada sob a forma de uma

tecnoburocracia, comprometedoras do tempo dos profissionais, em detrimento de um contato

mais próximo com a população;

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● A dinâmica da implantação da PNAS-2004, marcada pela introdução de um amplo

conteúdo teórico e operacional, exige o domínio de determinados conceitos, em particular o

conceito de território, por parte dos profissionais originários de diferentes formações, o que

ainda se apresenta como um obstáculo a ser superado.

Desenvolvida essa análise, retomamos a nossa preocupação inicial, ou seja, verificar a

direção social assumida pela PNAS 2004, desde a adoção da perspectiva socioterritorial em

sua concepção. Nesse caso, recuperamos a seguir as duas possibilidades que vislumbramos

como ponto de partida para o estudo.

Primeira: a orientação de uma prática social, ao se fazer mais próxima do chão em que

se desenvolve, tem a possibilidade de se efetivar de forma comprometida com os interesses e

necessidades dos seus usuários, cujo papel deve ser o de protagonistas.

A segunda possibilidade que se apresenta diz respeito à apropriação da assistência

social como um espaço de maior aproximação e controle sobre as populações que vivem em

situações sub-humanas. Nesse caso, são limitadas as possibilidades de alteração do quadro de

desigualdade econômica e social que se registra no Brasil e os mecanismos utilizados são

suficientes para garantir a essa população a condição de consumidora.

Evidentemente, as duas possibilidades não estabelecem, em principio, uma relação de

exclusão. Entretanto, por se tratar de uma realidade desenvolvida em uma sociedade

alicerçada em um modo de produção e de organização capitalista, prevalece a primeira

possibilidade. Os territórios da assistência social não estão isentos desses elementos de

determinação.

Pela análise que desenvolvemos, concluímos que, até o momento, a perspectiva

socioterritorial tem materializado o que é chamado por Michel Autès66 de territorialização de

uma política pública, ou seja, a referência ao território não elimina antigas marcas que

persistem na política de assistência social. De um modo mais direto podemos afirmar que a

valorização do território não tem fortalecido o projeto societário comprometido com o

trabalho. Fortalece, portanto, o projeto que representa os interesses de um modo de

organização econômica e social centrado no capital e que, no momento, experimenta seu

formato de capital financeiro.

A assistência social assume, portanto, uma direção social em que os interesses do

mercado se fortalecem, em detrimento da participação popular e do controle social,

66 Tratamos sobre esse autor no terceiro capítulo deste trabalho.

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prerrogativas estabelecidas desde o texto constitucional de 1988. O entendimento dessa

situação, apesar de limitado a um estudo de experiências localizadas, ou seja, estudo de casos,

pode ser estendido a outras realidades, se considerarmos o lastro histórico construído no

Brasil. A nossa história oferece farto material para o desenvolvimento de uma posição de

resistência a uma perspectiva territorial que se proponha a fortalecer um projeto societário

comprometido com os interesses dos maiores credores de proteção social do Estado, também

usuários da política de assistência social brasileira.

Por outro lado, e de forma mais ampla, o momento de reestruturação do capitalismo

também não comporta um projeto de socialização de bens e riquezas que represente uma

ameaça àqueles que, diante de mais uma crise do capital, saíram fortalecidos: empresários,

banqueiros, enfim, os representantes do capital financeiro.

Concluímos esse trabalho com o reconhecimento dos seus limites, dentre os quais

destacamos os seguintes: (i) a complexidade da temática e o limite do tempo que

estabeleceram uma permanente tensão enfrentada pela pesquisadora; tratando-se de uma

pesquisa vinculada ao tempo da pós-graduação, temos clareza de que apenas inauguramos o

debate; (ii) a tese, pelas razões anteriormente apresentadas, sinaliza algumas discussões não

aprofundadas; (iii) o estudo exige continuidade, o que implica o apoio em múltiplos campos

disciplinares.

Com a finalização da pesquisa, torna-se possível também sinalizar algumas

perspectivas para estudos futuros e, nesse caso, indicamos as seguintes: (i) “A informática e a

participação popular na assistência social” e (ii) “A burocracia, os profissionais e o

protagonismo dos usuários”.

Essas são algumas possibilidades que sinalizamos para a continuidade de um estudo

apenas iniciado.

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155

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ANEXOS

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ANEXO 1

DECÁLOGO DOS DIREITOS SOCIOASSISTENCIAIS

1. Todos os direitos de proteção social de assistência social consagrados em Lei para todos: Direito, de todos e todas, de usufruírem dos direitos assegurados pelo ordenamento jurídico brasileiro à proteção social não contributiva de assistência social efetiva com dignidade e respeito. 2. Direito de equidade rural-urbana na proteção social não contributiva: Direito, do cidadão e cidadã, de acesso às proteções básica e especial da Política de Assistência Social, operadas de modo articulado para garantir completude de atenção, nos meios rural e urbano. 3. Direito de equidade social e de manifestação pública: Direito, do cidadão e da cidadã, de manifestar-se, exercer protagonismo e controle social na política de assistência social, sem sofrer discriminações, restrições ou atitudes vexatórias derivadas do nível pessoal de instrução formal, etnia, raça, cultura, credo, idade, gênero, limitações pessoais. 4. Direito à igualdade do cidadão e cidadã de acesso à rede socioassistencial: Direito à igualdade e completude de acesso nas atenções da rede socioassistencial, direta e conveniada, sem discriminação ou tutela, com oportunidades para a construção da autonomia pessoal dentro das possibilidades e limites de cada um. 5. Direito do usuário à acessibilidade, qualidade e continuidade: Direito, do usuário e usuária, da rede socioassistencial, à escuta, ao acolhimento e de ser protagonista na construção de respostas dignas, claras e elucidativas, ofertadas por serviços de ação continuada, localizados próximos à sua moradia, operados por profissionais qualificados, capacitados e permanentes, em espaços com infra-estrutura adequada e acessibilidade, que garantam atendimento privativo, inclusive, para os usuários com deficiência e idosos. 6. Direito em ter garantida a convivência familiar, comunitária e social: Direito, do usuário e usuária, em todas as etapas do ciclo da vida a ter valorizada a possibilidade de se manter sob convívio familiar, quer seja na família biológica ou construída, e à precedência do convívio social e comunitário às soluções institucionalizadas. 7. Direito à Proteção Social por meio da intersetorialidade das políticas públicas: Direito, do cidadão e cidadã, à melhor qualidade de vida garantida pela articulação, intersetorial da política de assistência social com outras políticas públicas, para que alcancem moradia digna trabalho, cuidados de saúde, acesso à educação, à cultura, ao esporte e lazer, à segurança alimentar, à segurança pública, à preservação do meio ambiente, à infraestrutura urbana e rural, ao crédito bancário, à documentação civil e ao desenvolvimento sustentável. 8. Direito à renda: Direito, do cidadão e cidadã e do povo indígena, à renda individual e familiar, assegurada através de programas e projetos intersetoriais de inclusão produtiva, associativismo e cooperativismo, que assegurem a inserção ou reinserção no mercado de trabalho, nos meios urbano e rural. 9. Direito ao co-financiamento da proteção social não contributiva:

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Direito, do usuário e usuária, da rede sócioassistencial a ter garantido o cofinanciamento estatal – federal, estadual, municipal e Distrito Federal – para operação integral, profissional, contínua e sistêmica da rede sócioassistencial nos meios urbano e rural. 10. Direito ao controle social e defesa dos direitos sócio-assistenciais: Direito, do cidadão e cidadã, a ser informado de forma pública, individual e coletiva sobre as ofertas da rede socioassistencial, seu modo de gestão e financiamento; e sobre os direitos socioassistenciais, os modos e instâncias para defendê-los e exercer o controle social, respeitados os aspectos da individualidade humana, como a intimidade e a privacidade.

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ANEXO 2

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ANEXO 3

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.)

(Em 2 vias, firmado por cada participante-voluntári(o,a) da pesquisa e pelo responsável)

“O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após

consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou

por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na

pesquisa.” (Resolução. nº 196/96-IV, do Conselho Nacional de Saúde) Eu, ..................... ................................................................., tendo sido convidad(o,a) a participar como voluntári(o,a) do estudo sobre "POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - PNAS / 2004. Gestão territorial : desafios e possibilidades", recebi da Sra. Margarida Maria Silva dos Santos, professora da Faculdade de Serviço Social / UFAL e doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco , responsável por sua execução, as seguintes informações que me fizeram entender sem dificuldades e sem dúvidas os seguintes aspectos: � Que o estudo se destina a profissionais, preferencialmente assistentes sociais, atuantes nos Centros de Referência de Assistência Social dos municípios de Maceió e Arapiraca; � Que a importância deste estudo é a de apreender o significado da perspectiva territorial assumida pela Política Nacional de Assistência Social; � Que os resultados que se desejam alcançar são os seguintes: identificação das razões históricas, econômicas, sociais e culturais de condicionam a configuração territorial da assistência e as repercussões dessa perspectiva no cotidiano teórico e operacional dos profissionais; � Que o estudo de campo começará em agosto e terminará em dezembro de 2009; � Que o estudo será feito da seguinte maneira: realização de observações e entrevistas; � Que eu participarei das seguintes etapas: observação e entrevista; � Que a minha participação não me provocará qualquer incômodo; � Que não existem riscos à minha saúde física e mental; � Que os benefícios que deverei esperar com a minha participação, mesmo que não diretamente são a produção de conhecimentos sobre uma temática recente na profissão; � Que, sempre que desejar, serão fornecidos esclarecimentos sobre cada uma das etapas do estudo. � Que, a qualquer momento, eu poderei recusar a continuar participando do estudo e, também, que eu poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me traga qualquer penalidade ou prejuízo. � Que as informações conseguidas através da minha participação não permitirão a identificação da minha pessoa, exceto aos responsáveis pelo estudo, e que a divulgação das mencionadas informações só será feita entre os profissionais estudiosos do assunto. � Que eu deverei ser indenizado por qualquer despesa que venha a ter com a minha participação nesse estudo e, também, por todos os danos que venha a sofrer pela mesma razão, sendo que, para essas despesas, foi-me garantida a existência de recursos. Finalmente, tendo eu compreendido perfeitamente tudo o que me foi informado sobre a minha participação no mencionado estudo e estando consciente dos meus direitos, das minhas responsabilidades, dos riscos e dos benefícios que a minha participação implicam, concordo em dele participar e para isso eu DOU O MEU CONSENTIMENTO SEM QUE PARA ISSO EU TENHA SIDO FORÇADO OU OBRIGADO.

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Endereço d(o,a) participante-voluntári(o,a) Domicílio: (rua, praça, conjunto): Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone: Ponto de referência: Contato de urgência: Sr(a).Margarida Maria Silva dos Santos Domicílio: Av. Siqueira Campos, 1718 Bairro: Trapiche /CEP 57.010-645 / Cidade: Maceió /Telefone: 3033-7465 Ponto de referência: Quartel dos bombeiros Endereço dos(as) responsável(is) pela pesquisa (OBRIGATÓRIO): Instituição: Faculdade de Serviço Social Endereço: Campus A. C. Simões Bairro: Tabuleiro do Martins / Cidade: Maceió Telefones p/contato: 3214-1231 ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação no estudo, dirija-se ao: Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas: Prédio da Reitoria, sala do C.O.C. , Campus A. C. Simões, Cidade Universitária Telefone: 3214-1041 Maceió, de novembro de 2009

(Assinatura ou impressão datiloscópica d(o,a) voluntári(o,a) ou responsável legal

- Rubricar as demais folhas)

Nome e Assinatura do(s) responsável(eis) pelo estudo

(Rubricar as demais páginas)

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ANEXO 4

Variáveis consideradas para a definição de vulnerabilidade

Variáveis Fonte Ano

Famílias que residem em domicílio com serviços de infra-estrutura inadequados. Conforme definição do IBGE, trata-se dos domicílios particulares permanentes com abastecimento de água proveniente de poço ou nascente ou outra forma, sem banheiro e sanitário ou com escoadouro ligado à fossa rudimentar, vala, rio, lago, mar ou outra forma e lixo queimado, enterrado ou jogado em terreno baldio ou logradouro, em rio, lago ou mar ou outro destino e mais de 2 moradores por dormitório.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família com renda familiar per capita inferior a um quarto de salário mínimo.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com pessoas de 0 a 14 anos e responsável com menos de 4 anos de estudo.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família na qual há uma chefe mulher, sem cônjuge, com filhos menores de 15 anos e ser analfabeta.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família na qual há uma pessoa de 16 anos ou mais, desocupada (procurando trabalho) com 4 ou menos anos de estudo.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família na qual há uma pessoa com 10 a 15 anos que trabalhe.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família na qual há uma pessoa com 4 a 14 anos que não estude

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com pessoas de 60 anos ou mais.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com uma pessoa com deficiência.

IBGE, Censo Demográfico PNAD

2000 (2001 em diante)

Fonte: NOB-SUAS, 2005