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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO THALITA PAVANI VARGAS DE CASTRO DO DIREITO À EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA RURAL DO MUNICÍPIO DE CUIABÁ MT (1937-1945): DOS QUINTAIS AOS BANCOS ESCOLARES CUIABÁ-MT 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

THALITA PAVANI VARGAS DE CASTRO

DO DIREITO À EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA RURAL DO MUNICÍPIO DE CUIABÁ

– MT (1937-1945): DOS QUINTAIS AOS BANCOS ESCOLARES

CUIABÁ-MT

2018

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THALITA PAVANI VARGAS DE CASTRO

DO DIREITO À EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA RURAL DO MUNICÍPIO DE CUIABÁ

– MT (1937-1945): DOS QUINTAIS AOS BANCOS ESCOLARES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestra em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Figueiredo de Sá.

CUIABÁ-MT

2018

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À minha família e ao meu marido Vinícius que

sempre estiveram ao meu lado durante todo o

processo de formação acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha família por dividirem sempre comigo todos os

momentos de alegria e de angústia, bem como pelo incentivo incondicional durante esta

jornada. Vocês são essenciais na minha vida!

Ao meu companheiro da vida, Vinícius, que acompanha meus estudos desde os tempos

do ensino médio e sempre, em todos os momentos, apoiou minhas decisões acadêmicas e

profissionais. Externo nesta oportunidade minha imensa gratidão por tudo que você fez e faz

por nós.

À Professora Doutora Elizabeth Figueiredo de Sá, minha orientadora, por toda

colaboração durante o ciclo do mestrado. Sem dúvida, os nossos debates impulsionaram e

definiram o rumo da pesquisa, construindo e desconstruindo conceitos. A você minha gratidão

pela paciência e gestos de carinho durante esses dois anos.

Às Professoras Nileide Souza Dourado e Virgínia Pereira da Silva de Ávila, por terem

aceito gentilmente fazer parte da banca examinadora dessa dissertação. Suas contribuições

foram essenciais para essa pesquisa!

Às minhas amigas Emilene e Luciana, verdadeiros presentes que tive a oportunidade

de ganhar no Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM/UFMT).

Às colegas do GEM Silvana, Crystyne, Giselle por me acompanharem durante todo o

processo do mestrado.

Aos meus amigos e amigas, que por vezes entenderam minha ausência em inúmeros

momentos. Cada um de vocês fizeram parte dessa conquista! Esta alegria não seria a mesma

sem vocês junto comigo.

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RESUMO

O período histórico demarcado nesta pesquisa inicia-se no período do Estado Novo em Mato

Grosso (1937-1945), no qual Getúlio Dornelles Vargas a partir de um dos seus golpes de

Estado, com o apoio dos setores conservadores da sociedade e dos militares, instaurou uma

ditadura de fato no país. Mato Grosso, nesse período, era composto por seu vasto território e a

escassez populacional intensificavam os problemas enfrentados pelo estado e por seus

administradores para levarem os serviços públicos com eficiência para a população mato-

grossense. No âmbito educacional, existia um grande número de escolas isoladas rurais

espalhadas pelo estado. Dentro desse contexto a pesquisa tem como objetivo geral,

compreender as lutas de representações do direito à educação da infância rural em Cuiabá – MT

no Período do Estado Novo. Além dos objetivos específicos, direcionados em: identificar e

contextualizar as políticas públicas no período do Estado Novo em Mato Grosso, no que tange

ao direito a educação da infância rural em Cuiabá; analisar, através da documentação, as

representações do direito à educação da infância rural, localizadas no município de Cuiabá –

Mato Grosso; e analisar como se materializou as representações do direito à educação da

infância nas Escolas Primárias Rurais em Cuiabá – MT, considerando os seus limites e as suas

possibilidades. A relevância desta pesquisa está ancorada nas contribuições para a história da

educação brasileira e mato-grossense, à medida que esta modalidade escolar foi responsável,

nesse período, pela escolarização de grande parcela da população infantil cuiabana. Dessa

forma, o objeto desta pesquisa se fundamenta na representação do direito à educação primária

no âmbito rural em Cuiabá – MT (1937 a 1945). Se fundamenta na perspectiva da História

Cultural (CHARTIER, 1991), por considerar as expressões culturais e sociais envolvendo toda

experiência vivida. Os procedimentos metodológicos se baseiam na análise qualitativa de

abordagem histórica, com base nas fontes documentais impressas e manuscritas, localizadas no

Arquivo Público de Mato Grosso, no Núcleo de Documentação e Informação Histórica

Regional, nos acervos do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM da

Universidade Federal de Mato Grosso. Foi utilizado o recurso da memória oral dos professores

que atuaram no ensino primário rural no período delimitado, publicada por outros

pesquisadores. Os resultados parciais apontam através dos relatos dos governantes mato-

grossenses, e pelas demais documentações analisadas, que apesar da educação aparecer como

uma das preocupações máximas nos seus discursos, foi possível identificar que pelo grande

número de escolas isoladas rurais existentes, sobretudo na capital, seria inviável no aspecto

econômico, aparelhar todas de material suficiente. Haviam várias representações acerca do

direito à educação para a infância rural e que essas eram divergentes, estando em contínuo

conflito, identificadas como representações concorrentes (CHARTIER, 1991), a partir dos

diferentes pontos de vista dos governantes, professores e até mesmo pais de alunos quando

solicitavam a abertura de uma escola em uma determinada localidade. O que se pretende com

esta pesquisa é perceber as representações concorrentes do direito à educação, voltado para a

infância rural em Cuiabá – MT.

Palavras-chave: Escola Primária Rural. Infância Rural. Estado Novo. Cuiabá.

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ABSTRACT

The historical period demarcated in this research begins in the period of New State in Mato

Grosso (1937-1945), in which Getúlio Dornelles Vargas from one of his coups d'état, with the

support of the conservative sectors of society and the military, established in fact a dictatorship

in the country. Mato Grosso, during this period, was composed of his vast territory and the

population shortage intensified the problems faced by the state and by his administrators in

order to efficiently bring public services to the population of Mato Grosso. In education, there

were a large number of isolated rural schools scattered throughout the state. Within this context

the research has as general objective, to understand the struggles of representations of the right

to rural childhood education in Cuiabá - MT in the Period of the New State. In addition to the

specific objectives, aimed at: identifying and contextualizing public policies on the period of

New State in Mato Grosso, regarding the right to rural childhood education in Cuiabá; analyze,

through documentation, the representations of the right to education of rural children, located

in the city of Cuiabá - Mato Grosso; and to analyze how the representations of the right to

childhood education materialized in the Primary Rural Schools in Cuiabá - MT, considering

their limits and their possibilities. The relevance of this research is anchored in the

contributions to the history of Brazilian and Mato Grosso education, as this school modality

was responsible, in this period, for the schooling of a large portion of the children population

in Cuiabá. Thus, the object of this research is based on the representation of the right to primary

education in rural areas in Cuiabá - MT (1937 to 1945). It is based on the perspective of

Cultural History (CHARTIER, 1991), considering cultural and social expressions involving all

lived experience. The methodological procedures are based on the qualitative analysis of

historical approach, based on printed and handwritt en documentary sources, located in the

Public Archive of Mato Grosso, in the Documentation and Regional Historical Information

Center, in the collections of the Research Group History of Education and Memory - GEM of

the Federal University of Mato Grosso. It was used the oral memory resource of the teachers

who worked in rural primary education in the delimited period, published by other researchers.

According to the reports of the Mato Grosso rulers and other documents analyzed, despite the

fact that education appeared as one of the main concerns in their speeches, it was possible to

identify that, due to the large number of isolated rural schools, especially in the capital, would

be unfeasible in the economic aspect, to prepare all of sufficient material. There were several

representations about the right to education for rural children and that these were divergent,

being in continuous conflict, identified as competing representations (CHARTIER, 1991),

from the different points of view of the rulers, teachers and even parents of students when they

requested the opening of a school in a certain locality. The aim of this research is to understand

the competing representations of the right to education, aimed at rural childhood in Cuiabá -

MT.

Key words: Rural Primary School. Rural Childhood. New State. Cuiabá.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Mato Groso..................................................................................................................30

Mapa 2: Divisão Político Administrativa em 1943....................................................................31

Mapa 3: Cuiabá..........................................................................................................................53

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1: Um contraste Cuiabano........................................................................................46

Fotografia 2: Ponte Júlio Müller sobre o Rio Cuiabá (1940)......................................................47

Fotografia 3: Atestado de aluguel de casa para funcionamento de uma Escola Rural..............136

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Estado da Arte...........................................................................................................19

Quadro 2: Alterações na divisão administrativa de Mato Grosso (1937-1945)..........................29

Quadro 3: Categorias das Escolas Públicas Primárias em Mato Grosso.....................................74

Quadro 4: Relação dos Professores que lecionavam nas Escolas Isoladas Rurais de Cuiabá-

MT.............................................................................................................................................85

Quadro 5: Escolas Isoladas Rurais de Mato Grosso.................................................................116

Quadro 6: Escolas Rurais criadas por Júlio Müller..................................................................120

Quadro 7: Mapa elucidativo da região de São Gonçalo Velho.................................................134

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: População de Mato Grosso - 1939..............................................................................32

Tabela 2: Atividades profissionais da população de Mato Grosso por sexo...............................41

Tabela 3: Comparativo da população infantil de Mato Grosso (1920-1940)..............................59

Tabela 4: População infantil dos municípios de Mato Grosso - 1940.........................................59

Tabela 5: Escolas primárias existentes em Mato Grosso em 1937.............................................75

Tabela 6: Escolas criadas em 1939.............................................................................................77

Tabela 7: Localização das Escolas Primárias em Mato Grosso (1940)......................................78

Tabela 8: Escolas Primárias de ensino fundamental comum, públicas e particulares de Mato

Grosso.......................................................................................................................................80

Tabela 9: Quantitativo dos Professores das Escolas Primárias Rurais de Mato Grosso

(1944)........................................................................................................................................85

Tabela 10: Instrução da população mato-grossense.................................................................130

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LISTA DE SIGLAS

ABE – Associação Brasileira de Educação

APMT – Arquivo Público de Mato Grosso

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

GEM – Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória

IE – Instituto de Educação

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

MT – Mato Grosso

NDIHR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional

SCIELO – Scientific Electronic Library

UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados

UEM – Universidade Estadual de Maringá

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................14

1 MATO GROSSO NO ESTADO NOVO ............................................................ 26

1.1 A REALIDADE MATO-GROSSENSE NO CONTEXTO DOS ANOS DE 1937 A

1945 ............................................................................................................................ 26

1.2 O MUNICÍPIO DE CUIABÁ: O URBANO E O RURAL .................................. 42

1.2.1 Cuiabá e suas diferentes ruralidades dos distritos que a compõem ........ 53

1.3 A POPULAÇÃO INFANTIL MATO-GROSSENSE ......................................... 58

1.3.1 Os múltiplos olhares sobre a infância ......................................................... 61

1.3.2 O cotidiano da infância de Cuiabá ............................................................. 64

2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM MATO GROSSO (1937-

1945) ............................................................................................................................... 71

2.1 O CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ÂMBITO EDUCACIONAL

NO PERÍODO DO ESTADO NOVO EM MATO GROSSO .................................... 71

2.2 ENTRE TEXTOS E CONTEXTOS: O COTIDIANO DOS PROFESSORES

PRIMÁRIOS ............................................................................................................... 83

2.2.1 Normalistas e leigos: Os professores primários no estado de Mato Grosso

................................................................................................................................. 83

2.2.2 A instrução escolar e os símbolos nacionais ............................................... 88

2.2.3 As representações dos professores sobre as escolas primárias rurais ..... 90

3 REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS: O DIREITO A EDUCAÇÃO DA

INFÂNCIA RURAL MATO-GROSSENSE (1937-1945)..........................................99

3.1 O ENSINO RURAL: APROPRIAÇÕES ACERCA DA POLÍTICA

EDUCACIONAL MATO-GROSSENSE ................................................................... 99

3.2 A OBRIGATORIEDADE ESCOLAR DA INFÂNCIA RURAL CUIABANA..124

3.2.1 As representações do direito à educação .................................................. 124

3.2.2 As práticas que permearam o cotidiano das escolas primárias rurais de

Cuiabá-Mato Grosso............................................................................................133

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................141

REFERÊNCIAS......................................................................................................144

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INTRODUÇÃO

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do

que a cidade. A gente só descobre isso depois de

grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há

que ser medido pela intimidade que temos com as

coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim,

as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do

que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da

intimidade. [...] Se a gente cavar um buraco ao pé da

goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir

na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do

galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo

de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros

da infância. Vou meio dementado e enxada às costas

cavar no meu quintal vestígios dos meninos que

fomos [...] (BARROS, 2008, p. 67).

O Cuiabano Manoel de Barros retrata nesse trecho do seu livro, Memórias Inventadas:

as infâncias de Manoel de Barros (2008), a representação sobre os fatos da sua infância, com

base nas memórias e lembranças. Traz elementos que auxiliaram a pensar e refletir sobre a

infância rural de Cuiabá, sendo de grande relevância para a realização desta pesquisa.

Manoel de Barros viveu sua infância em uma propriedade rural em Mato Grosso, com

o cotidiano marcado pelo pé da goiabeira do quintal, cenário das brincadeiras das crianças. Foi

nesse sentido que nos apropriamos do seu olhar para respaldar as análises acerca da infância

rural em Mato Grosso naquele período, no qual Cuiabá também fez parte, que podia ser

visualizado nas ruas, nos quintais, dentro das casas e nas escolas, sobretudo, a infância rural

presente nesses espaços.

Diante desses elementos, o que me instiga a dissertar acerca dos direitos da infância

rural no período do Estado Novo foi justamente por ter sido um espaço complexo, em se

tratando da garantia desse direito. Tratava-se de um contexto marcado por uma ditadura no país,

em que se falar de direito era falar da ausência desse direito, pois o Estado, ao se referir sobre

a obrigatoriedade e gratuidade do ensino na Constituição Federal de 1937, ainda dividia essa

responsabilidade com a sociedade e com os pais. Outro elemento que me faz pensar nessa

temática é a ausência no texto constitucional sobre a educação nas zonas rurais, visto que não

foi mencionada em nenhum dos seus artigos.

Dessa forma surge o questionamento: por que pesquisar os direitos da infância rural à

escolarização no período do Estado Novo? As motivações que me levaram a pesquisar tal

temática devem-se à minha trajetória como profissional e integrante do Grupo de Pesquisa

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História da Educação e Memória (GEM/UFMT). A pesquisa tem se mostrado relevante nos

debates acerca do acesso e permanência das crianças nas escolas rurais de Cuiabá no período

delimitado, considerando que as transformações realizadas na capital mato-grossense foram

direcionadas especialmente ao aspecto urbano em consonância com os projetos estadonovistas.

Esses fatores contribuíram para delinear um contraste, sobretudo na educação, pois a realidade

de Cuiabá foi marcada pela predominância das escolas primárias rurais, que vivenciaram

inúmeras dificuldades no seu cotidiano.

O ingresso no Mestrado e a participação nas reuniões do GEM direcionaram a minha

pesquisa, trouxeram contribuições significativas para o meu processo de formação acadêmica

e profissional. Proporcionou-me amadurecer o olhar na perspectiva da História da Educação,

principalmente com ênfase no estado de Mato Grosso. Desde o ano de 2013 o grupo desenvolve

investigações sobre a educação rural pelo Projeto Educação e Estado Novo em Mato Grosso,

coordenado pela Professora Elizabeth Figueiredo de Sá e financiado pelo Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), âmbito em que a presente dissertação

se insere.

A escolha do olhar direcionado às políticas públicas deve-se à minha formação no

curso de Serviço Social da UFMT, visto que o/a Assistente Social atua nas mais distintas esferas

de formulação, gestão e execução da política social, elemento importante para o processo de

institucionalização das políticas públicas, inclusive no âmbito educacional. Nesse sentido, as

políticas públicas podem ser entendidas, segundo Teixeira (2002), como propostas que se

articulam com o contexto econômico, político e social em que a sociedade está inserida. São

elaboradas na tentativa de atender a uma demanda da sociedade civil e também aos interesses

dos organismos políticos, sendo preciso encontrar uma certa concordância para que se obtenha

a finalidade destinada a garantir os direitos já preconizados e na perspectiva de que novos

direitos sejam reconhecidos e assegurados.

Partindo desse conceito, as políticas educacionais integram o conjunto das políticas

públicas sociais. Saviani (2008) analisa que a política educacional brasileira se refere às

decisões que o Poder Público, representado pelo Estado, adota sobre a educação. A abrangência

das medidas educacionais adotadas pelo Estado apresenta limites e perspectivas que se

conjugam com o contexto da sociedade brasileira. Outro elemento destacado diz respeito à

descontinuidade das medidas implementadas pelo Estado e suas reformas como consequência

das constantes mudanças governamentais.

Ainda que os discursos tragam os indícios dessas garantias firmadas pelos governantes,

essas políticas podiam não alcançar os resultados esperados, pois seria preciso proporcionar os

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serviços educacionais com qualidade de acesso e permanência, principalmente no contexto

vivenciado por Cuiabá no período do Estado Novo, marcado pelo contraste dos aspectos urbano

e rural, no qual as transformações se direcionavam para a formação de um novo homem.

Esses conceitos auxiliaram ainda na identificação e contextualização das políticas

públicas no período do Estado Novo em Mato Grosso, visando compreender os limites e as

possibilidades das ações que foram coletivamente fabricadas e realizadas pelos governantes na

área da educação, principalmente nas zonas rurais de Cuiabá. Tais ações, assim, estabeleceram-

se numa forma de direito à educação primária.

Nesse sentido, essa pesquisa tem como objeto as representações concorrentes

(CHARTIER, 1991) acerca do direito à educação primária no âmbito rural em Cuiabá-MT

(1937 a 1945). Procuro, desse modo, responder a seguinte questão: Quais as representações de

direito à educação permearam os discursos e práticas da escolarização da infância rural em

Cuiabá-MT, no período do Estado Novo? Parto da hipótese de que havia representações acerca

do direito à educação para a infância rural e que elas eram divergentes, estando em contínuo

conflito.

A pesquisa teve como objetivo geral compreender as lutas de representações do direito

à educação da infância rural em Cuiabá-MT, no período do Estado Novo. Os objetivos

específicos assim foram delineados: a) realizar levantamento bibliográfico, documental e

catalogar as fontes; b) identificar e contextualizar as políticas públicas no período do Estado

Novo no Brasil e em Mato Grosso, no que tange ao direito à educação da infância rural em

Cuiabá; c) analisar, mediante a documentação, as representações do direito à educação da

infância rural, localizadas no município de Cuiabá-Mato Grosso; d) e analisar como se

materializaram as representações do direito à educação da infância nas Escolas Primárias Rurais

em Cuiabá-MT, no período do Estado Novo, considerando os seus limites e as suas

possibilidades.

A Escola Primária Rural tem sido objeto de pesquisa em estudos realizados em âmbito

nacional e estadual no Brasil. Vale destacar os trabalhos produzidos pelos membros do GEM,

dentre eles, o livro Escola rural: trilhar caminhos e transpor barreiras na educação (1927-

1945), resultado da dissertação de mestrado de Marineide de Oliveira da Silva, publicado em

2014, que analisa a criação e a expansão das escolas isoladas rurais de Mato Grosso, tendo

como recorte temporal a aprovação do Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, de

1927 até o ano de 1945. Essa pesquisa auxiliou a pensar sobre a criação e expansão das escolas

rurais no estado, especialmente pelos dados coletados por meio da entrevista semiestruturada

com sujeitos que vivenciaram esse cotidiano.

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Destaca-se a tese defendida em 2017 por Gino Francisco Buzato, intitulada

Transformações urbanas em Cuiabá e a formação do cidadão moderno (1937-1945), que

analisou a formação do cidadão moderno na capital mato-grossense no âmbito da produção do

espaço e da convivência urbana, durante a gestão do Interventor Federal Júlio Müller. Esse

trabalho contribuiu para a análise do meu objeto, principalmente porque o lócus de pesquisa e

o recorte temporal eram os mesmos, favorecendo identificar o contraste presente dos aspectos

urbanos e rurais da capital mato-grossense. Além disso, outros trabalhos que estão sendo

desenvolvidos pelas integrantes do Grupo de Pesquisa contribuíram para a presente pesquisa.

No ano 2010 foi desenvolvido um projeto nacional de investigação das escolas rurais

no país, denominado História da Escola Primária no Brasil – Investigação em perspectiva

comparada em âmbito nacional, contando com a participação de 40 pesquisadores doutores

pertencentes a diferentes Programas de Pós-graduação dos estados do Acre, Maranhão, Paraíba,

Piauí, Sergipe, Rio Grande do Norte, Bahia, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo,

Santa Catarina e Paraná, financiado pelo CNPq e sob a coordenação da Professora Rosa Fátima

de Souza.

Como resultado do projeto, foi publicado o livro com o mesmo título, organizado por

Rosa Fátima de Souza, Antonio Carlos Ferreira Pinheiro e Antônio de Pádua Carvalho Lopes

(2015), no qual o terceiro capítulo, de autoria das pesquisadoras Alessandra Cristina Furtado

(UFGD), Elizabeth Figueiredo de Sá (UFMT) e Analete Regina Schelbauer (UEM),

denominado “Escola Primária Rural: caminhos percorridos pelos estados de Mato Grosso e

Paraná (1930-1961)”, destaca o desprezo que sofria a zona rural no Brasil e as dificuldades

enfrentadas pela população que ali vivia. Aborda, igualmente, um dado significativo quanto ao

contingente populacional que residia nas zonas rurais do país, que caracterizava 69% da

população total. Esse cenário só foi alterado décadas depois em razão dos processos de

industrialização, êxodo rural e urbanização.

A ênfase que as autoras apresentam em torno dos tipos de escolas primárias existentes

está na modalidade isoladas rurais, modelo que fez parte da realidade de ambos os estados,

responsáveis pela escolarização de inúmeras crianças. Além disso, essa modalidade escolar

representou o maior número de escolas existentes. É relevante ressaltar algumas diferenças

entre esses estados, visto que no Paraná, além dessas escolas serem conhecidas por “casa escolar

rural”, existiram outros dois modelos: “a escola de trabalhadores rurais e de pescadores e o

grupo escolar rural”. Essa realidade também se fez presente em São Paulo, com modelos

diferentes voltados ao âmbito do ensino primário rural.

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O livro da Laci Maria Araújo Alves, publicado em 1998, intitulado Nas trilhas do

ensino educação em Mato Grosso: 1910-1946, resultado da sua dissertação de mestrado, analisa

o processo de expansão escolar no estado, seu desenvolvimento perpassado por distintas

políticas educacionais. A autora destaca três momentos. O primeiro, norteado pelo

Regulamento da Instrução Pública de 1910, reordenou o sistema educacional embasado pelos

pressupostos da Escola Nova. O segundo foi norteado pelo Regulamento da Instrução Pública

de 1927, que marcou outra reestruturação do sistema educacional, de modo que as escolas foram

classificadas com base nos pioneiros da Educação. Analisa a Era Vargas, por último, e direciona

suas análises ao movimento da Marcha para o Oeste e nos mecanismos de escolarização aos

migrantes na fronteira de colonização. Essa pesquisa auxiliou na direção de pensar os elementos

que permearam o processo de expansão escolar em Mato Grosso, articuladamente aos aspectos

econômicos, políticos, culturais e sociais vivenciados pelo estado.

O Livro História do ensino primário rural em São Paulo e Santa Catarina (1921-

1952): uma abordagem comparada, de autoria de Virgínia Pereira da Silva de Ávila, fruto da

pesquisa de doutorado, aborda sobre o ensino primário rural no Brasil, sua expansão, as

políticas públicas que foram direcionadas a esse setor no período em análise e, sobretudo, seus

impactos nas reformas de ensino em São Paulo e Santa Catarina por meio da investigação

comparada. A leitura desse livro durante o processo de construção da pesquisa trouxe

contribuições para compreender a pluralidade histórica e cultural dos modos de se organizar e

pensar o ensino primário rural.

Destaca-se, ainda, a tese de Ademilson Batista Paes, A escola primária rural em Mato

Grosso no período republicano (1889-1942), que realizou análise do cenário mato-grossense

da instrução pública desse período, com enfoque nas reformas educacionais, nos métodos de

ensino, na materialidade escolar e na estatística escolar. Considerou também outros elementos

econômicos, sociais e demográficos que perpassaram pela escola rural no estado. Esse trabalho

auxiliou a pensar no crescimento quantitativo das escolas primárias rurais durante o período da

Era Vargas, considerando os projetos nacionalistas implantados e a realidade mato-grossense.

Outras pesquisas tiveram o foco na escola primária rural, na infância e nas políticas

públicas. Tendo como referência o levantamento das produções publicadas nos anais do VIII e

IX Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE), na Revista Brasileira de História

da Educação (RBHE), na Revista História da Educação (RHE) e no Scientific Electronic

Library Online (SCIELO Brasil), foram localizadas as pesquisas:

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Quadro 1: Estado da Arte

Descritores CBHE RBHE RHE SCIELO

Infância no Estado Novo 3 0 0 2

Direito a educação rural 0 0 1 0

Infância rural no Estado Novo 0 0 1 0

Educação rural em Mato Grosso 10 0 0 0

Escola primária rural 23 3 4 4 Fonte: Organizado pela pesquisadora (2017)

Entre os artigos encontrados, alguns se aproximavam do objeto de estudo do presente

trabalho. O artigo As disputas em torno do ensino primário rural (São Paulo, 1931-1947),

publicado em 2014, escrito por Rosa Fátima de Souza e Virgínia Pereira da Silva de Ávila,

analisou os debates sobre o ensino primário rural no Estado de São Paulo, considerando as

representações dos educadores ligados à imprensa periódica educacional e as iniciativas

políticas desenvolvidas pelos governantes.

O artigo da Analete Regina Schelbauer, Da roça para a escola: institucionalização e

expansão das escolas primárias rurais no Paraná (1930-1960), visou compreender o processo

que instituiu e expandiu as escolas primárias rurais no Paraná por meio das iniciativas

empreendidas pelo Governo estadual, da relação com as diretrizes federais e dos temas

vinculados à educação rural.

Percebe-se que os estudos realizados sobre a educação primária têm colocado em

evidência a escola rural no período do século XX pela importância no processo de escolarização

da infância. Contudo, observou-se que não há produções que retratem diretamente as

representações ao direito à educação da infância rural em Cuiabá-MT no período do Estado

Novo, considerando as políticas públicas vigentes e as demais documentações desse período.

A relevância desta pesquisa está ancorada nas contribuições para a história da educação

brasileira e mato-grossense, à medida que tal modalidade escolar foi responsável, nesse período,

pela escolarização de grande parcela da população infantil.

Diante disso, ressaltamos nesse trabalho as diferentes representações acerca da

infância. A análise teórica foi realizada considerando os diferentes conceitos atribuídos à

categoria em questão, tendo em vista compreendê-la no contexto histórico em que estava

inserida.

Na tentativa de apreender os significados atribuídos à temática da infância entre os

séculos XIX e XX, recorremos às análises de Sá (2007, p. 27), que revelou que foram atribuídas

múltiplas nomenclaturas à infância brasileira, dentre elas: “Infantes, crianças, alunos, expostos,

órfãos, desvalidos, petizes, peraltas, vadios, capoeira, menores e tantos outros.” Esses termos

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estavam relacionados à classe social, grupo cultural, faixa etária, gênero, como também com à

família, à rua e à escola dos diferentes segmentos que formavam a sociedade. Essa categoria

sempre esteve presente na sociedade, vivendo e sendo tratada de diferentes maneiras, em razão

das significações a elas designadas, segundo as relações que foram se estabelecendo e se

construindo.

Portanto, direcionamos as análises considerando a criança como um ator social na

dinâmica da sociedade. A ideia da infância é moderna, uma vez que as crianças eram

reconhecidas como meros seres biológicos. Dessa forma: “[...] a construção histórica da

infância foi o resultado de um processo complexo de produção de representações sobre as

crianças, de estruturação dos seus quotidianos e mundos de vida e, especialmente, de

constituição de organizações sociais para as crianças.” (SARMENTO, 2004, p. 3). O autor

acredita que a escola está relacionada à construção social da infância, especialmente após a

obrigatoriedade escolar.

O conceito de infância no âmbito da história cultural vai abarcar distintos significados,

dependendo das suas relações econômicas, sociais, políticas e culturais. No período do Estado

Novo, por exemplo, vinculou-se as representações de infância com o desenvolvimento do

Brasil, pretendendo a construção de um novo homem para um novo país. Diante desse conceito

indago: como era o cotidiano da infância em Cuiabá? Quais eram os seus hábitos e costumes?

Como eram as suas relações com os adultos? Como se constituíam as suas brincadeiras?

Nesse sentido, esta pesquisa está ancorada no âmbito da História da Educação,

apreendida por Magalhães (2011) como um amplo campo de investigação, composto por novas

temáticas, como a história do corpo, dos impressos, dos sentimentos, dos povos. Possibilita o

diálogo entre o campo da história cultural, uma vez que a História da Educação permite uma

análise das mais variadas formas daquilo que a sociedade vê, sente e faz em sua trajetória de

vida, e nós pesquisadores buscamos analisar os significados dessas ações pela construção de

objetos de pesquisa e pela possibilidade de utilização de diversas fontes. Essa

interdisciplinaridade entre a história e a educação correspondeu aos desafios fundamentais de

internacionalização de participação ativa na preservação do patrimônio cultural e educacional,

bem como da própria memória, o que promoveu reflexões sobre as ações humanas. Assim,

entende-se que:

[...] em cada momento histórico, houve uma educação em projecto, uma

conflitualidade e uma dialéctica convergente ou divergente, uma ponderação

do presente como factor de futuro e como transformação - (re)memoriação do

passado. Tomando em referência os contextos, testemunhos, expectativas e

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realizações, é tarefa do historiador reconstituir o permanente e complexo jogo

de relações e tensões do presente/ passado, multifactorial e probabilístico

quanto ao futuro, e compreendido e explicado em sua própria evolução. A

História não é comemoração nem mestra da vida; o passado não se repete nem

se julga, mas houve erros, injustiças, projectos e sacrifícios vãos. Pensar a

educação com história oferece ao historiador e à (in)formação historiográfica

um lugar e um contributo insubstituíveis na equação do presente educativo.

(MAGALHÃES, 2011, p. 7).

É nessa perspectiva que as análises desse trabalho foram realizadas, uma vez que a

História da Educação exerce o papel no âmbito investigativo de formação e informações acerca

de determinadas temáticas que concebem uma totalidade significativa, representativa e

acessível. De igual forma, propicia uma representação e uma projeção a outros tempos e espaços

culturais, humanos e simbólicos (MAGALHÃES, 2011).

Dessa forma, compreende-se que não existe apenas uma maneira de se delinear a

realidade por ela ser complexa e composta por diversos elementos. E a História da Educação

nos proporciona ampliar os olhares em torno da investigação, dos questionamentos, das fontes

pesquisadas e da apreensão dos fatos históricos, considerando os múltiplos aspectos que a

envolvem e diferentes perspectivas de análises.

O que se pretende com esta pesquisa é perceber as representações concorrentes do

direito à educação, voltando-se para a infância rural em Cuiabá-MT. O conceito de

representações que este trabalho está respaldado se baseia nas contribuições de Chartier (1991),

que podem ser entendidas como a percepção do real, e ainda que suas divisões e classificações

são organizadas para apreenderem o mundo social. As representações variam de acordo com o

lugar ocupado pelas diferentes classes e grupos sociais, e são determinadas pelos interesses que

as tecem, pela presença da dominação, do poder e do determinismo cultural, ou seja, elas podem

ser individuais e/ou coletivas. Vale ressaltar que as representações são marcadas por seus

discursos produzirem estratégias e intencionalidades, em que a neutralidade não se conjuga.

Logo,

[...] o conceito de representação foi e é um precioso apoio para que se

pudessem assinalar e articular, sem dúvida, melhor do que nos permitia a

noção de mentalidade, as diversas relações que os indivíduos ou os grupos

mantêm com o mundo social: em primeiro lugar, as operações de classificação

e hierarquização que produzem as configurações múltiplas mediante as quais

se percebe e representa a realidade; em seguida, as práticas e os signos que

visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria

de ser no mundo, a significar simbolicamente um status, uma categoria social,

um poder; por último, as formas institucionalizadas pelas quais uns

“representantes” (indivíduos singulares ou instâncias coletivas) encarnam de

maneira visível, “pressentiriam” a coerência de uma comunidade, a força de

uma identidade ou a permanência de um poder. A noção de representação,

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assim, modificou profundamente a compreensão do mundo social.

(CHARTIER, 2011, p. 20).

De acordo com Chartier (2011), as representações podem apresentar-se de inúmeras

formas, uma vez que os diferentes grupos sociais constroem de maneira variada e até mesmo

contraditória o seu olhar sobre o mundo, visto que, ao se elaborarem as representações, são

utilizados imagens e símbolos. Constroem-se, portanto, a partir das apropriações de tudo aquilo

que nos cerca e, apesar de serem simbólicas, se materializam ao determinar as práticas dos

sujeitos.

A apropriação, para Chartier (1991, s/p), foi atribuída como “[...] uma história social

dos usos e das interpretações, relacionadas às suas determinações fundamentais e inscritas nas

práticas específicas que os produzem.” Pode-se entender que as apropriações são socialmente

determinadas pelas diferentes classes, grupos sociais, costumes e determinantes culturais.

Dessa forma, as representações produzem práticas sociais, políticas e discursivas e

estratégias que se assentam no campo das lutas e da concorrência. As lutas de representações

ocorrem quando há tentativa de imposição do ponto de vista acerca do mundo social por aqueles

que têm maior posição financeira, social e cultural. Assim, existem inúmeras representações

acerca do mundo social que não são neutras, estando em contínuo conflito. Nesse caso, são

identificadas como representações concorrentes.

As representações concorrentes predominaram em torno do direito à educação

primária rural de Cuiabá durante o período do Estado Novo, visto que, de um lado, havia a

perspectiva dos pais dos alunos, que buscavam garantir a obrigatoriedade escolar por meio do

acesso das crianças às instituições escolares; de outro, as professoras, que relataram a

precariedade vivenciada no cotidiano dessas escolas pela ausência de estabilidade nos seus

cargos, prédios adequados, mobiliários e materiais suficientes, além de outros aspectos que

serão apontados; e, ainda, o olhar dos governantes, expresso em documentos que sinalizavam

preocupação com a instrução pública, sem que a prática confirmasse esse intento, visto que as

crianças e as professoras não recebiam o apoio e os recursos financeiros necessários para

garantir uma escolarização mais eficiente e que de fato todos em idade escolar tivessem acesso,

conforme o Regulamento da Instrução Pública (1927).

Assim, essas representações estavam imbuídas por intencionalidades, produziam

interesses e estratégias individuais e coletivas no anseio de impor a força a um determinado

grupo, segundo o seu lugar social. Existiam várias representações acerca do direito à educação

para a infância rural de Cuiabá que eram divergentes, estando em contínuo conflito e

contradições; por isso, são identificadas nesta pesquisa como representações concorrentes.

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As concepções de representações, apropriações e práticas se inter-relacionam na

construção proposta por Chartier (1991) e determinam o modo de viver e agir no mundo social,

que nos deu os substratos analíticos necessários para a elaboração deste trabalho.

Por isso, a pesquisa está ancorada nos princípios da História Cultural a partir do

conceito de representações de Chartier, que entende a história na medida em que:

[...] articulam as representações das práticas e as práticas da representação. Ou

seja, qualquer fonte documental que for mobilizada para qualquer tipo de

história nunca terá uma relação imediata e transparente com as práticas que

designa. Sempre a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades

e destinatários particulares. Identificá-los é uma condição obrigatória para

entender as situações ou práticas que são o objeto da representação.

(CHARTIER, 2011, p. 16).

Assim, é possível dialogar com as fontes no sentido de apreender os significados

construídos. Logo, não existe uma história única, mas sim representações que estão em

constantes lutas e vão se materializar nas práticas. Há inúmeras possibilidades de interpretar o

que está posto nos documentos, considerando as representações individuais e coletivas de cada

um.

O percurso metodológico desta pesquisa é de cunho historiográfico, pois de acordo

com Michel de Certeau: “A historiografia mexe constantemente com a história que estuda e

com o lugar onde se elabora [...]” (2002, p. 124). O método utilizado se baseia nessa operação

historiográfica em que “tudo começa no gesto de separar, de reunir, de transformar em

‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira. Essa nova distribuição cultural é o

primeiro trabalho.” (2002, p. 81), isso é, a conjunção do lugar do historiador, a escolha das

fontes e a escrita historiográfica. Além disso, é necessário utilizar uma operação técnica,

destacando a importância de a história ser capaz de produzir verdades por meio da análise de

fontes históricas.

Dessa forma, é válido destacar o levantamento documental realizado no Arquivo

Público de Mato Grosso (APMT) nos meses de julho e agosto do ano de 2016 pelas mestrandas

e doutorandas do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM). Esse trabalho

abrangeu a tiragem de aproximadamente 25.000 fotografias de documentos de Mato Grosso,

no período entre 1930 a 1950. O contato direto com a documentação nos proporcionou

direcionar o olhar a essa operação historiográfica, justamente por nos aproximar diretamente

do gesto de separar e reunir os documentos para, em momento posterior, articular às nossas

análises e referenciais teóricos norteadores.

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Além disso, foram utilizadas as fontes documentais impressas e manuscritas do Núcleo

de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR) e nos acervos do Grupo de

Pesquisa História da Educação e Memória (GEM) da Universidade Federal de Mato Grosso

(UFMT). Essa documentação é composta por leis, decretos, relatórios, regulamento da

instrução pública, mensagens presidenciais à Assembleia Legislativa e jornais da época.

Também foi utilizado o recurso da memória dos professores que atuaram no ensino

primário rural no período delimitado, por meio de materiais publicados, como o livro

Lembranças de professores e alunos mato-grossenses (1920-1950), organizado por Marlene

Gonçalves, Nicanor Palhares Sá e Elizabeth Madureira Siqueira, publicado em 2007, resultado

do projeto “História oral na educação de Mato Grosso entre os anos de 1920-1950”,

desenvolvido entre os anos de 2002 a 2004, no âmbito do GEM. Esse livro registrou memórias

de professores, funcionários e ex-alunos que fizeram parte do contexto educacional durante a

primeira metade do século XX de Mato Grosso.

Destaco também o livro publicado por Regina Aparecida Versoza Simião, intitulado

O processo de profissionalização docente em Mato Grosso (1930-1960), publicado em 2006,

em que a pesquisadora analisa a compreensão de como ocorreu a profissionalização docente

em Mato Grosso a partir da história oral de vida dos professores primários desse período.

Por fim, outra obra utilizada foi da Maria da Glória Sá Rosa, publicada em 1990,

Memória da Cultura e da Educação em Mato Grosso do Sul: histórias de vida, resultado de um

projeto que recebeu o mesmo nome do livro, que retratou o contexto educacional do sul de

Mato Grosso por meio das memórias de 38 professores de diferentes cidades do estado,

inclusive de Cuiabá, que atuaram em salas de aula, gabinetes das Secretarias de Educação e

diretorias das escolas entre os anos de 1910 a 1970.

Concordamos com Queiroz e Corrêa (2011, p. 3), ao expressarem: “As fontes

constituem-se em elementos que o pesquisador manipula para interpretar a realidade situada no

tempo e no espaço, inseridas num capo de contradições e disputas que fazem parte do

conhecimento produzido.”

As fontes documentais e os dados quantitativos representados por meio de quadros,

tabelas, mapas e fotografias, com a finalidade de identificar, informar e analisar as demais

fontes, foram imprescindíveis para analisar as representações concorrentes, a partir dos

diferentes pontos de vista dos governantes, professores e até mesmo pais de alunos quando

solicitavam a abertura de uma escola em uma determinada localidade. Por essa razão, é

importante analisar as diferentes fontes localizadas, articulando-as com o referencial teórico

norteador.

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A presente dissertação foi organizada em três capítulos, sendo que no primeiro

delineamos o contexto mato-grossense e cuiabano no período do Estado Novo, espaço que se

apresenta como lócus dessa pesquisa, por isso a importância de trazermos essas análises iniciais.

O referido percurso histórico realizado no primeiro capítulo servirá para nos auxiliar na análise

do objeto de pesquisa, que se fundamenta na representação do direito à educação primária no

âmbito rural em Cuiabá-MT. Por isso, justifica-se a escolha por iniciar pelo contexto político,

econômico, social e cultural mato-grossense e de sua capital para, nos capítulos seguintes,

adentrarmos na realidade educacional vivenciada pelos professores e pelas crianças, sobretudo,

as que viveram nas regiões rurais.

O segundo capítulo trata das políticas públicas de educação no estado, considerando

as legislações vigentes e os demais documentos dos governantes. Ainda neste capítulo, as

análises foram direcionadas para a educação em Cuiabá, além de trazer o ponto de vista dos

professores sobre o cotidiano das escolas primárias, no qual a infância fazia parte.

O último capítulo aborda a questão inerente ao direito à educação da infância rural

cuiabana com base na Constituição Federal que estava em vigor, trazendo as diferentes

ruralidades existentes em Mato Grosso e em Cuiabá, que era formada pelos seus variados

distritos. São mencionadas, ainda, nesse capítulo, as representações concorrentes desse direito

à educação, com base nos discursos e nas práticas.

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1 MATO GROSSO NO ESTADO NOVO

Com a implantação do período do Estado Novo ocorreram diversas mudanças no

contexto político, social, econômico e cultural do Brasil. No âmbito dessa conjuntura de

abrangência nacional, Mato Grosso foi marcado por uma política de unificação e centralização

do país, pautada pelo forte autoritarismo e por medidas de controle direcionadas a toda

população. Esses elementos nos auxiliaram a compreender o contexto vivenciado pela educação

naquele momento e como o direito à educação da infância rural se efetivou, especialmente em

Cuiabá, que se apresenta como lócus desta pesquisa.

1.1 A REALIDADE MATO-GROSSENSE NO CONTEXTO DOS ANOS DE 1937 A 1945

O início da década de 1930 no Brasil foi marcado pela queda da República Velha, cujo

direcionamento político encontrava-se em poder das oligarquias rurais, embora não tenha

representado uma mudança e ruptura imediata na estrutura política dos poderes oligárquicos.

Tais mudanças somente foram realizadas posteriormente à intervenção de Getúlio Dornelles

Vargas e, com isso, passou-se ao combate do poder de mando das oligarquias, visando

promover transformações nas estruturas políticas, sociais, culturais e econômicas,

caracterizando o processo de centralização do poder, que perdurou ininterruptamente até 1945,

denominado por Era Vargas.

Sob a influência dos regimes governamentais europeus, dentre eles a experiência

alemã de Adolf Hitler, com o nazismo, e italiana, de Mussolini com o fascismo, que se

manifestavam contrárias ao regime socialista e ao partido comunista, o Estado Novo se

desenvolveu a partir de críticas ao sistema liberal democrático, analisado como incapacitado de

resolver os problemas sociais existentes. Visando estabelecer um Estado autoritário e forte,

capaz de promover as alterações concebidas como necessárias para que ocorresse o progresso

do país dentro da ordem estabelecida, Vargas consolidou sua proposta governamental

(CAPELATO, 2011).

Sob o pretexto de salvar o país do comunismo, o Presidente fechou o Congresso

Nacional em 1937, promovendo outro golpe e instaurando o Estado Novo. Por meio da Rádio

Nacional, no programa A hora do Brasil, no dia 10 de novembro do ano referido, Vargas

declarou à população brasileira que:

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[...] a ordem constitucional de 1934, vazada nos moldes claros do liberalismo

e do sistema representativo, evidenciara falhas lamentáveis, sob esse e outros

aspectos. A Constituição estava, evidentemente, antedatada em relação ao

espírito do tempo. Destinava-se a uma realidade que deixara de existir.

(VARGAS, 1938-1945, p. 21 apud PANDOLFI, 2011, p. 15).

De acordo com Alves (1998), Getúlio Vargas acreditava que estava introduzindo no

país um regime forte, que estaria conjugando a justiça ao trabalho e à paz por meio de suas

propostas direcionadas às necessidades de reajuste no âmbito econômico. Atrelado a esses

interesses é importante ressaltar que tal período consolidou ações repressoras, que

beneficiariam apenas o Governo, apoiado pelo Exército e demais forças antidemocráticas, sem

a participação popular.

Com a instauração do Estado Novo, a economia nacional passou por uma intervenção

do poder público, com o intuito de atender as dificuldades desse setor, considerado atrasado, e

trazer mudanças para o desenvolvimento do país. Para alcançar essa proposta seria necessário

manter o controle da sociedade por meio da ordem, de maneira que as manifestações e os

movimentos grevistas fossem amenizados e não se sobressaíssem nos locais públicos.

A centralização do poder iniciada com a Revolução de 1930 manifestou-se de forma

mais contundente a partir do período do Estado Novo, que procurou desenvolver uma cultura

homogeneizante; além disso, foi um modelo político construído com base na subserviência, na

dominação e no controle. Não havia um projeto que envolvia igualdade de direitos para os

cidadãos, embora, resultante de lutas sociais, alguns segmentos tivessem avanços nesse sentido,

como, por exemplo, o das mulheres, que conquistaram o direito ao voto.

Vargas tomava as suas decisões políticas de forma verticalizada (de cima para baixo),

não contando com a participação popular, visando ao controle social. Disseminava-se a ideia

das qualidades da “nova cidadania [...] – a cidadania do trabalho”, na medida em que só era

considerado cidadão aquele que tivesse assinado a sua carteira de trabalho, um dos documentos

de identificação mais importantes desse período. Por outro lado, o contingente populacional

que se encontrava em situação de desemprego era alto, o que potencializava a ideia de não

reconhecimento da cidadania (CAPELATO, 2011, p. 122).

Capelato (2011) acredita que o período do Estado Novo trouxe diversos avanços e

retrocessos para o povo brasileiro, tais como: a questão social passou a ser tratada pelo Estado,

a introdução de uma nova cultura política no país, que utilizou a cidadania como um dos

mecanismos de controle social, além do impedimento da liberdade de expressão, em nome do

progresso econômico do Brasil pela ordem estabelecida.

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A autora ainda se refere que o objetivo de Vargas foi alcançado parcialmente com

relação ao progresso do desenvolvimento econômico, levando em consideração a superação

que teve nesse setor, sendo importante para o futuro do Brasil. Todavia, a população não

usufruiu desse progresso, uma vez que as taxas de desemprego ainda permaneceram elevadas,

aliada ao aumento do custo de vida e dos salários ínfimos dos trabalhadores, o que gerava

insatisfação para eles, demarcando a contraditória política de Vargas, que argumentava que a

população seria a principal beneficiada pelos seus projetos políticos.

Nesse contexto nacional, entre os anos de 1930 e 1940, Mato Grosso tinha como

fronteiras os seguintes estados: Minhas Gerais, São Paulo, Goiás, Paraná, Amazonas e Pará.

Com aos países, demarcava os limites com Paraguai e Bolívia. Além disso, outra característica

predominante eram as diferentes identidades e paisagens. Póvoas (1977) relatou que a posição

geográfica do estado, localizado no Centro Geodésico da América Latina, favorece as

diversificadas condições climáticas e a potencialidade do solo, uma vez que é reconhecido,

desde longa data, pelo aspecto produtivo. Segundo o autor, havia em Mato Grosso:

[...] madeiras, borracha, castanha, cacau, que são riquezas típicas da

Amazônia; possuindo os babaçuais que caracterizam a paisagem do meio-

Norte; possuindo o algodão que é a cultura tradicional do Nordeste, possuindo

o açúcar que na história econômica do país marcou um ciclo no Nordeste e no

Leste; possuindo o café, o trigo, a soja, a mamona, que são culturas

características do Sul; possuindo a pecuária que é uma das riquezas maiores

de Minas e do Rio Grande do Sul; possuindo minérios que se encontram em

quase todos os demais Estados da Federação, podemos dizer que Mato Grosso

é uma síntese do Brasil. (PÓVOAS, 1977, p. 11).

O Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso (1943)

destacou essa diversidade por ser:

[...] servido por magníficos rios, possuindo uma riqueza invejável de solo e

subsolo, a própria natureza dadivosa, com todos os seus acessos maravilhosos,

constitui uma barreira aos esforços e empreendimentos humanos. Mas, a

perseverança, essa virtude dos espíritos de boa vontade, não tem faltado ao

brasileiro, e na medida das possibilidades, vão sendo removidos com

inteligência os obstáculos. (MATO GROSSO, Relatório, 1943, p. 03).

O estado, por ser marcado por diferentes aspectos naturais, é considerado uma região

próspera para o plantio, para a pecuária e para extração de minérios. As dificuldades

encontradas no acesso a esses recursos naturais eram superadas por meio de diversas estratégias.

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Geograficamente, o estado passou por algumas alterações, conforme é possível

observar no quadro a seguir:

Quadro 2: Alterações na divisão administrativa de Mato Grosso (1937-1945)

MUNICÍPIOS ALTERAÇÕES

1. Aquidauana

2. Bela Vista

3. Campo Grande

4. Entre Rios

5. Corumbá

6. Coxim Em virtude de decreto-lei estadual nº 208, de

26/10/1938, voltou a denominar-se Herculânea,

sendo reestabelecida a denominação Coxim em

28/09/1948, com a lei nº 127.

7. Cuiabá Em divisão administrativa referente ao ano de

1933, o distrito de Poxoréo pertencia ao município

de Cuiabá. Foi elevado à categoria de município

com a denominação Poxoréo pelo Decreto-lei

Estadual n.º 208, de 26-10-1938, desmembrando-

se do município de Cuiabá.

8. Diamantino

9. Guajará Mirim Em 13 de setembro de 1943, pelo Decreto-Lei 5

812, o município de Guajará-Mirim passou a fazer

parte integrante do Território Federal do Guaporé,

criado nessa data. No dia 21 de setembro do mesmo

ano, pelo Decreto-Lei 5 839, a sua área territorial,

somada a uma parte da área territorial do município

de Mato Grosso-MT (ex-Vila Bela da Santíssima

Trindade) passou a compor o novo município de

Guajará-Mirim.

10. Livramento

11. Maracaju

12. Miranda

13. Nioac

14. Poconé

15. Ponta Porã Transformado em Território Federal de Ponta Porã

por meio do Decreto-lei n.° 5 812 de 13/9/1943. O

território foi extinto em 18 de setembro de 1946

pela Constituição de 1946 e reincorporado ao então

estado de Mato Grosso.

16. Dourados

17. Porto Murtinho

18. Rosario Oeste

19. Santana do Paranaiba

20. Santa Rita do Araguaia Por meio do decreto estadual nº 145 29/3/1938

passou a chamar-se Lageado. Mediante o Decreto

nº 208 26/10/1938 é desmembrado Lageado de

Santa Rita do Araguaia, passando a denominar-se

Alto Araguaia.

21. Araguaiana

22. Santo Antonio do Rio

Abaixo

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23. Santo Antonio do Rio

Madeira

24. São Luiz de Cáceres

25. Mato Grosso

26. Três Lagoas Fonte: FERREIRA (1958)

Até o ano de 1936, Mato Grosso era formado por 26 municípios e 102 distritos. E

diante das mudanças na organização administrativa do estado, a partir de 1938, Mato Grosso

passa a ser composto por 28 municípios e decresce para 94 distritos. Logo, o território do estado

permaneceu com 1.477.041 km² até o ano de 1943, como pode ser observado no mapa 1, com

28 municípios:

Mapa 1: Mato Grosso

Fonte: Elaborado por Fernanda Ferreira da Silva Santos1

O Decreto-lei n.° 5 812, de 13 de setembro de 1943, determina um novo perfil

territorial ao estabelecer que os municípios de Guajará-Mirim e Ponta Porã, incluído a uma

1 Geógrafa e Engenheira Ambiental. Mestre em Recursos Hídricos. Mapa elaborado a partir das informações

prestadas pela Pesquisadora.

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parte da área do município de Mato Grosso (MT) (ex-Vila Bela da Santíssima Trindade), foram

transformados em Território Federal, de acordo com o mapa 2, a seguir apresentado:

Mapa 2: Divisão Político Administrativa em 1943

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brasil_divisao_politico_administrativa_1943.PNG>

De acordo com o censo demográfico de 1940 (IBGE, 1950), a população era formada

por 432.265 habitantes, dos quais 230.405 homens e 201.860 mulheres. O estado, até o ano de

1940, ainda não havia recebido um número considerável de imigrantes, como nas demais

localidades. Assim, a população era predominantemente de brasileiros natos, totalizando

94,6%, de forma que os outros 3,4% se declararam brasileiros naturalizados, estrangeiros ou se

omitiram (SÁ; FURTADO, no prelo).

A população se encontrava distribuída conforme tabela a seguir:

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Tabela 1: População de Mato Grosso - 1939

Ordem Município Valor absoluto Por Km² %

1. Alto Araguaia 16.187 0,74 4,01

2. Alto Madeira 14.708 0,06 3,65

3. Aquidauana 16.018 1,28 3,97

4. Bela Vista 13.738 1,37 3,41

5. Cáceres 16.313 0,17 4,04

6. Campo Grande 31.857 1,02 7,91

7. Corumbá 31.857 1,02 7,91

8. Cuiabá 40.987 0,22 10,16

9. Diamantino 6.229 0,06 1,54

10. Dourados 15.008 7,54 3,72

11. Entre Rios 10.658 0,45 2,64

12. Guajará Miriam 9.096 0,13 2,25

13. Herculânea 13.377 0,30 3,32

14. Lajeado 6.360 0,44 1,58

15. Livramento 11.082 1,61 2,75

16. Maracaju 8.952 1,15 2,22

17. Mato Grosso 1.966 0,02 0,49

18. Miranda 11.116 5,56 2,76

19. Nioaque 5.968 0,76 1,48

20. Parnaiba 15.987 0,58 3,96

21. Poconé 11.555 0,57 2,86

22. Ponta Porã 27.167 0,67 6,73

23. Porto Murtinho 5.843 1,34 1,45

24. Poxoréu 8.930 0,36 2,21

25. Rosário Oeste 13.367 0,55 3,31

26. Santo Antonio 22.355 1,23 5,54

27. Três Lagoas 14.796 0,31 3,67

28. Araguaiana 4.036 0,03 1,00 Fonte: SÁ; FURTADO (no prelo)

Diante desse quadro nota-se que o estado tem uma imensidão territorial habitada por

uma escassa população. Assim, apenas Miranda possuía 5,56 habitantes por km² e Dourados

7,54 habitantes por km². Com relação aos demais municípios, apenas oito tinham entre 1 e 2

habitantes por km². E os outros 18 tinham o número inferior a 1 habitante por km². Segundo Sá

e Furtado (no prelo):

A população rarefeita vivia com pouca ou nenhuma infraestrutura. Em 1937,

dos 26 municípios, somente 17 municípios continha iluminação pública,

sendo 77 ruas iluminadas a querosene e 315 a eletricidade e, 337 domicílios

de 12 municípios tinham iluminação. A água potável era oferecida a 5

municípios, atendendo a 4.412 prédios. O serviço de limpeza pública era

realizado em 21 municípios e, domiciliária, em apenas 7 municípios, o que

justifica os relatos de insalubridade das principais ruas da Capital.

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É importante salientar que, diante dos índices populacionais, apenas uma parca parcela

da população era reconhecida como eleitora em virtude dos critérios estabelecidos, como saber

ler e escrever e ter acima de 18 anos de idade. Logo, de um total de 150.621 homens e 21.550

mulheres que exerciam profissões em diversos setores, apenas 58.879 homens e 34.625

mulheres se enquadravam nesses critérios, totalizando 21,63% da população que poderia

exercer a sua cidadania política (SÁ; FURTADO, no prelo).

Segundo as análises de Sá e Furtado (no prelo):

Pode-se perceber, no entanto, que as atividades mais exercidas pelos homens,

atividade agrícola, pecuária, silvicultura e em indústria extrativa, não

requeriam que eles soubessem ler e escrever. E, por sua vez, muitas mulheres

que trabalhavam dentro de seus lares tinham a formação necessária para votar.

Mesmo tendo esse contingente populacional que poderia exercer a sua cidadania

mediante o voto, pois as eleições diretas foram suspensas no país, houve a revogação do Código

Eleitoral e a determinação dos votos indiretos para Presidente do Brasil. Os partidos que

existiam foram extintos e proibida a organização e funcionamento de outros.

Nesse contexto, Mato Grosso, nos primeiros meses de 1937 até o início de outubro do

mesmo ano, tinha como interventor o Capitão Manoel Ary da Silva Pires2, que optou por

perseguir aos que moravam na região Sul de Mato Grosso por acusá-los de “bandoleiros”, pois

lutavam pela divisão do estado, o que era entendido como uma maneira de afastar dos chefes

políticos e proprietários daquela região o prestígio e o poder (ALVES, 1998, p. 107).

Com a implantação do Estado Novo, Júlio Müller, que já havia sido eleito

anteriormente por Assembleia Legislativa para governar o estado, permanece no Governo como

Interventor Federal até o fim desse período. Seu irmão, o capitão Filinto Müller, ocupava papel

privilegiado no governo de Getúlio Vargas, o que propiciou a construção das “Obras Oficiais”

com incentivos do Governo Central, com a intenção de trazer renovações e modernidade a Mato

Grosso, possível de ser observado na tese de Gino Francisco Buzato (2017), que considera em

suas análises que na convivência urbana são demonstradas relações entre diferentes indivíduos

e grupos e, no ambiente que fazem parte, constituem suas vivências e redes de sociabilidades

de forma a propiciar educabilidades e materializar a cidade como espaço que educa.

2 “A 9 de março de 1937, é Mário Corrêa da Costa afastado do cargo, em função de nova situação política, sendo

nomeado para substituí-lo, como interventor federal, o capitão Manoel Ary de Souza Pires, que a 4 de outubro de

1937, passa o govêrno a Julio Strubing Müller. Eleito êste posteriormente pela Assembléia Legislativa,

Governador do Estado, volta a exercer as funções de interventor, a 24 de novembro dêsse ano, em virtude do golpe

de Estado de 10 de novembro de 1937, permanecendo nesse cargo até 28 de outubro de 1945” (MARCILIO, 1963,

p. 161-162).

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Júlio Müller, ao assumir como Interventor Federal, tinha também a intenção de trazer

inovações para a política de Mato Grosso, com seus projetos administrativos que se voltavam

para o desenvolvimento do estado (JUCÁ, 1998).

De acordo com Alves (1997), na década de 1940, Mato Grosso contava com uma

situação econômica promissora por possuir riquezas agropecuárias, extrativas e, em virtude da

Campanha “Marcha para o Oeste”, recebeu incentivos para a produção agrícola. Essa

Campanha se efetivou por meio do Decreto n.° 3059, que ressaltava a formação no sul do estado

de Mato Grosso de colônias agrícolas federais. Em 1941, a Campanha ganhou maior evidência

e houve aumento considerável da população nessas regiões e da oferta de escolas aos colonos,

como uma das estratégias de fixá-lo no campo. Assim, os discursos que permeavam esse

período inculcavam a ideia de uma unidade nacional, envoltos por uma só realidade e um só

pensamento. Nesse sentido:

[...] a educação, o saneamento e os transportes eram fatores de primordial

importância no processo de ocupação dos espaços despovoados e na

manutenção do sentimento de unidade e de integridade do país. Além disso,

algumas medidas adotadas pelo governo contribuíram decisivamente para a

colonização da região central do Brasil: a criação da Divisão de Terras e

Colonização, em 1938, responsável pela implantação de Ceres (GO) e

Dourados (MS); a Expedição Roncador-Xingu, em 1943, e a criação da

Fundação Brasil Central, em 1943. (ALVES, 1997, p. 22).

Paes (2011) analisa que esse projeto foi uma das ações mais ambiciosas desenvolvidas

pelo Governo no século XX, visto que pretendia ocupar no Oeste do território brasileiro os

vazios demográficos existentes por meio do alargamento das fronteiras ocupacionais do país.

Essa ação do Governo Federal constituiu-se no esforço em explorar e ocupar as áreas que

estavam menos povoadas, de modo a distribuir a população brasileira que se concentrava na

região do litoral. Esse projeto buscou alargar o território nacional e aumentar a produtividade

econômica.

Diante da Campanha “Marcha para o Oeste” ainda era reforçada a ideia de que todos

marchassem juntos e se sentissem iguais, orientados pelo Estado, em busca da conquista do

interior do país e sentindo-se responsáveis por desbravar essas terras. Todos eram tratados como

se fossem parte de uma única realidade. Uma das formas de divulgação foi por meio do

Departamento de Imprensa e Propaganda, que propagava a doação de colônias agrícolas

(ALVES, 1997). Apesar dos discursos de Vargas se orientarem nessa perspectiva a intenção

desse Governo era centralizar a economia, a política e a própria cultura ao projeto que era viável

para o Estado.

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Esse Departamento tinha algumas funções específicas, conforme consta no documento

enviado por Lourival Fontes, Diretor Geral do Departamento de Imprensa e Propaganda, sobre

a Divisão da Divulgação no ano de 1940 ao Interventor do estado de Mato Grosso, Júlio Müller.

O documento assim dispõe:

Uma das finalidades deste Departamento é a de centralizar, coordenar, orientar

e superintender a propaganda nacional interna ou externa e servir,

permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos ministérios e

entidades públicas e privadas, na parte que interessa a propaganda nacional.

Para poder dar desempenho cabal a essas atribuições, o D.I.P. necessita de

dados e informações, muitos dos quais só lhe podem ser fornecidos com

minúcias pelas administrações estaduais. (MATO GROSSO, Ofício, 1940,

s/p).

Nesse período, a disseminação das propagandas sobre a economia mato-grossense, por

apresentar a sua eficácia em nível nacional e mundial como um estímulo para que essas regiões

fossem ocupadas, ocorreu mediante uma ampla Campanha realizada pela imprensa local e

nacional. Segundo Alves (1997, p. 21), todas essas estratégias de ocupação do interior brasileiro

integravam parte da política de Getúlio Vargas, que pretendia: “[...] ocupar os vastos espaços

despovoados, ampliar nossas fronteiras econômicas [...] e unificar o mercado interno.”3 Por

suas medidas de controle, como foi o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), as suas

ações eram centralizadas e direcionadas para atender apenas aos interesses do Presidente.

Além disso, foram criadas escolas e abertas novas rodovias. Buscavam incentivar essas

ocupações, apresentando Mato Grosso como um dos estados brasileiros com mais riquezas e

prosperidade para o seu desenvolvimento.

A ampla divulgação dos minérios aqui encontrados era elemento preponderante, usado

nos discursos e nas propagandas como uma forma de atrair grande contingente populacional

para ocupar essas regiões com sua força de trabalho. Dessa forma:

A questão fundamental era justamente o aumento da produtividade nacional e

a desmobilização das massas urbanas. Segundo Getúlio Vargas, a grande

massa de desocupados, oriundos das decadentes lavouras de café e das secas

nordestinas, representava um perigo iminente de distúrbio e rebeldia. Assim,

a pretensão da Campanha de interiorização era a absorção e o assentamento

dos excedentes populacionais desempregados e sub-empregados das demais

regiões brasileiras, principalmente das regiões Sudeste e Nordeste no meio

rural mato-grossense. (ALVES, 1998, p. 128).

3 Com base em Getúlio Vargas, em “A nova política do Brasil” (1938, p. 163).

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Inclusive, ao propagar essas ideias, disseminava-se que as colônias agrícolas seriam

equivalentes aos núcleos de civilização, ou seja, teriam toda a infraestrutura necessária, como

abastecimento de energia elétrica, água, hospitais, escolas, indústrias e demais serviços. Era

uma das formas de atrair trabalhadores para essas regiões e consolidar o grande objetivo da

Campanha, que seria atrelar o setor econômico e o político do país, de modo que impulsionasse

a economia brasileira e ao mesmo tempo fossem distribuídos os índices populacionais.

No entanto, em Mato Grosso essa infraestrutura não foi consolidada. Esses argumentos

foram utilizados como meros atrativos para que as pessoas se interessassem por essas regiões e

migrassem para elas, sem nenhuma garantia de acesso aos serviços referidos.

Vargas tinha como uma de suas preocupações com essa Campanha a segurança interna

com relação à imigração de pessoas que pudessem estar interessadas em residir nas colônias

agrícolas, para que não adentrassem no país outros tipos de ideologias, senão a cunhada pelo

próprio Estado. Segundo o Censo do ano de 1940, havia em Mato Grosso cerca de mais de

20.000 imigrantes de diferentes nacionalidades. Em razão disso, previam que, após a Segunda

Grande Guerra, estrangeiros poderiam procurar novas regiões para viver, por isso, pretendiam

ocupar essas regiões antes que os imigrantes viessem, como um mecanismo de controle do

movimento de imigração (ALVES, 1998).

Sobre a Campanha “Marcha para o Oeste”, no documento referente à viagem realizada

ao Mato Grosso, no ano de 1940, intitulado “Como falou ao povo de Mato Grosso o Ministro

da Agricultura”, o Ministro Fernando de Sousa Costa4 menciona a temática, quando ressalta:

[...] Numerosos são os problemas que a União e o vosso Estado teem de

resolver para que Mato- Grosso não continue apenas grande extensão

geográfica na vida nacional mas sim um valor eficiente, de acordo com a

capacidade do seu povo e a riqueza do seu solo. Realmente o desenvolvimento

do Brasil tem se acelerado na faixa litorânea, devido, principalmente, à

facilidade de transportes e, no sul, sobretudo à fertilidade de suas terras; mas

já é tempo de caminharmos para o Oeste, fazendo com que essas populações

que guardam ciosamente as nossas terras como sentinelas avançadas da Patria,

acompanhem o mesmo ritmo de ação do grande movimento econômico que

ora se opera no país. O Presidente Vargas lançou no programa do seu fecundo

governo a ideia de “Rumo ao Oeste”, isto é, preconizou que avancemos para

as terras ainda não exploradas do sertão brasileiro, fazendo-as produzir

economicamente em benefício maior do Brasil. O problema rodoviário e da

melhoria do gado. No que concerne ao vosso Estado, - continuou – a primeira

providência que precisamos tomar é liga-lo a São Paulo por uma rodovia de

primeira classe, pondo assim em contato com a Capital Federal e a outros

Estados. [...] Também é precário a ligação que tendes com o Sul, por via

fluvial e pela Estrada de Ferro Noroeste, o que encarece vossa vida

4 No governo de Getúlio Vargas foi ministro da agricultura. Afastou-se do Ministério em 1941 e tornou-se

interventor federal do estado de São Paulo até o ano de 1945 (PANTOJA, s/d).

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dificultando o progresso do Estado. São problemas cuja solução não depende

apenas da vossa vontade, mas também do auxílio do Governo Federal. Vossos

recursos são diminutos para atender às necessidades do Território do Estado,

com 1.377.000 quilômetros quadrados. Precisais do auxílio federal para que

se assentem as sólidas bases do vosso futuro. Resolvido o problema

rodoviário, será imprescindível um trabalho rápido de melhoria dos vossos

rebanhos, havendo necessidade urgente de remessa para aquí de reprodutores

de gado vacum e cavalar. (MATO GROSSO, Relato de viagem, 1940, s/p).

O Ministro Fernando Costa conclui o seu discurso acerca da sua visita a Mato Grosso

com as palavras seguintes:

Eis, meus caros amigos de Mato Grosso, o que observei e o que já estamos

fazendo. Confio muito em vosso futuro. Estou certo de que a semente lançada

aquí pelo Presidente Vargas produzirá os mais sazonados frutos e eu posso

dizer que já notei na vossa capital uma fase renovadora. O Palácio da Justiça,

o da Secretaria do Estado e a grande ponte sobre o tranquilo Cuiabá

constituem uma demonstração da operosidade do Interventor Julio Müller, o

qual com esforço e tenacidade vem tudo fazendo pela grandeza de Mato

Grosso, em harmonia com a obra e as diretrizes do preclaro Presidente Vargas.

(MATO GROSSO, Relato de viagem, 1940, s/p).

Na visita do Ministro da Agricultura a Mato Grosso ele destacou que um dos maiores

problemas para o desenvolvimento econômico do estado relacionava-se à questão dos

transportes e das rodovias, demonstrando que o trato com os rebanhos deveria ser melhorado,

pois o Departamento Nacional da Produção Animal estava trabalhando para transformar o

estado no grande centro nacional de produtor de animais.

Assim, no setor econômico, Mato Grosso evoluía para ser uma região promissora e

rica em âmbito nacional, atraindo, concomitantemente, famílias em situação de vulnerabilidade

social e empresas de grande porte, como a Companhia Matte Laranjeira, que se apropriou do

mate para a produção de erva na região sul de Mato Grosso e que manteve o controle de acesso

à terra por outros grupos (AMARAL, 2014).

As divulgações do estado ocorriam de diferentes maneiras, como pode ser identificado

no documento “Impressões de uma viajem à Mato Grosso”, escrito pelo Professor Primavéra

Junior, presidente da Academia de Higiene Dentaria do Rio de Janeiro, publicado em 87 jornais

daquele período. O documento assim se referia:

A vida em Mato Grosso é fácil. Lá todos trabalham. Ninguém fica

desempregado. Qualquer operário poderá se enriquecer comprando terrenos

facilmente, que valerão fortunas no futuro. Em toda parte vêm-se telhados

novos, fábricas e usinas novas e a ansia de progresso que a organização de

trabalho do Regime novo está levando a todos recantos da nação. [...] Mato-

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Grosso em todos sentidos já é uma potencia dentro do Brasil. (MATO

GROSSO, Relato de viagem, 1940, s/p).

Ou seja, houve a divulgação do estado como um território promissor para o trabalho e

para o enriquecimento das famílias que nessas regiões permanecessem, de modo que usavam

esses discursos como uma das estratégias de incentivo aos indivíduos para que permanecessem

nessas regiões, que eram pouco povoadas.

A abertura de estradas e rodovias vinha ao encontro da ocupação no interior do Brasil,

e principalmente para viabilizar a exportação de produtos, bem como favorecer o intercâmbio

político, social e econômico mais imediato entre as próprias cidades, integrando-as às atividades

do estado.

Impactos na economia do mundo, e consequentemente no Brasil, ocorreram entre os

anos 1939-1945 com o advento da Segunda Guerra Mundial. Assim, algumas complicações se

alocaram com relação à mão de obra de trabalho, que era importada e de produtos

industrializados, por isso ocorreu a necessidade de formar e qualificar pessoas para que a

produção industrial do país não sofresse tantos prejuízos pela política nacional-

desenvolvimentista. Nesse contexto, a escola foi utilizada como meio de disseminação de tais

ideais.

Outro destaque para a economia de Mato Grosso foi no ano de 1940, quando o

Governo do Estado incentivou a aquisição de automóveis, visto que a extração do látex no

estado era intensa, propiciando os interesses das empresas dos veículos por ser a matéria-prima

responsável pela fabricação dos pneus.

Em 1945 foi criado o Decreto-Lei n° 8.463, referente ao Fundo Rodoviário Nacional,

que tornou possível a construção de rodovias ligando os municípios que eram responsáveis pela

maior parte da economia do país, sendo elas: de Alto Araguaia a Cuiabá, de Campo Grande ao

Porto 15 de Novembro e de Cuiabá a Campo Grande. Dessa forma, o estado mato-grossense

por ser considerado uma região rica e promissora, cada vez mais se inseria na economia

brasileira.

Segundo Alves (1998), após o período do Estado Novo, bem como no final dos anos

de 1940, foi identificado um crescimento demográfico em Mato Grosso em virtude da expansão

econômica que estava latente. Ao mesmo tempo, colônias agrícolas eram criadas pelo estado e

os trabalhadores rurais que ali residiam tinham a esperança de se tornarem proprietários de

terras, mas isso estava distante da sua realidade, visto que viravam consumidores de produtos

básicos para viver. A atividade que tinha maior produção no estado era ainda a pecuária.

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Logo, é importante analisarmos as condições em que as abundantes riquezas existentes

em Mato Grosso eram produzidas, uma vez que grande parcela da população ainda permanecia

em situação de pobreza, com nível cultural baixo, ausência de assistência médica e sob

condições insalubres para viver. Considere-se que quando as famílias chegavam nessas regiões

encontravam uma realidade totalmente diferente da descrita nas propagandas e nos discursos,

sendo marcadas pela falta de infraestrutura básica. Em apenas alguns locais havia escola; nos

demais casos, eram regiões cercadas por mato e com precárias condições para viver.

Além disso, Getúlio Vargas tinha o projeto da construção de uma grande emissora – a

Rádio Nacional, que abrangeria os fatos nacionais e internacionais, e sua dimensão se alinharia

às maiores do mundo. Pela primeira vez na história do país haveria um meio de informação

diário que levaria sua propaganda em nível mundial.

Nesta fase suprema que a humanidade atravessa, e em que o Brasil avança a

largos passos para ocupar o logar a que tem direito no concerto das nações,

ainda mais se agiganta a significação desse acontecimento, pois só agora

teremos ao nosso alcance um dos instrumentos basicos de intercomunicação

no moderno comercio espiritual e material dos povos. [...] a Radio Nacional

será a única emissora capaz de atingir com nitidez e força pratica de sinal todos

os pontos do território brasileiro e do mundo. Qualquer mensagem, de ordem

cultural, informativa ou comercial, pode agora ser emitida para qualquer ponto

do Brasil, com resultado prático. [...] pretende a nova emissora encarar

particularmente cada Estado da União, divulgando para o mundo e para os

demais Estados sua vida política-administrativa, intelectual e comercial [...]

Desnecessário será acentuar com minucias o enorme alcance de tal iniciativa

e seu valor no programa de unidade nacional do Presidente Getulio Vargas,

pois é revelado-se uma às outras que as diversas regiões do Brasil mais se

aproximarão, espiritual e materialmente. A Radio Nacional, com sua nova e

potente emissora de ondas curtas, honra-se em chamar a si tão grandiosa

missão. (BRASIL, Ofício, 1941, s/p).

A Rádio foi ao mesmo tempo um instrumento educativo utilizado por Vargas, com a

intenção de transformar o pensamento e os hábitos dos ouvintes, que seriam movidos pelo

sentimento patriótico.

Mesmo com as divulgações do estado de Mato Grosso, ele ainda permanecia pouco

conhecido, de acordo com o que consta no documento enviado ao Interventor Federal em Mato

Grosso, Júlio Müller, em referência à ausência de divulgação do estado, no ano de 1943, pelo

Sr. João de Oliveira Barreto, do Jornal “O Estado de S. Paulo”:

[...] é um dos menos conhecidos do país; nós, os filhos de outros Estados,

pouco ou nada sabemos a seu respeito. Estudamos na escola alguma coisa

sobre ele; mas, passados os exames, tudo isso cái no esquecimento; fica-nos,

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somente, uma vaga ideia de uma grande extensão de terra coberta de florestas

virgens, possuindo algumas pequenas cidades; enfim, um território de imensas

possibilidades... para o futuro. Com exceção de uma pequena minoria de

estudiosos e intelectuais é essa, infelizmente, a idéia que aqui fóra se tem de

Mato Grosso. Óra não é justo e nem admissível que continúe a perdurar uma

tal ignorancia, tão prejudicial ao progresso desse grande Estado,

especialmente depois que o Sr. Presidente da República deu a palavra de

ordem de – “rumo ao oeste”. [...] Acredito que os melhores resultados seriam

obtidos se tais conhecimentos fossem difundidos de preferencia pela

imprenssa, e devem abranger todos os ramos de atividade – comercio,

indústria, lavoura pecuária etc.; e, naturalmente, deve ser uma propaganda

inteligente, persistente e veiculada por jornal da mais ampla divulgação em

todo país. Trabalhando para o jornal “O Estado de S. Paulo” [...] encontro-me

em condições de poder desenvolver uma propaganda eficientíssima, cujos

resultados, estou certo, serão visíveis em muito pouco tempo. (SÃO PAULO,

Ofício, 1943, p. 1-2).

Assim, pretendia-se divulgar o estado nos diferentes meios de comunicação,

considerando o seu extenso território rural e a sua importância na economia nacional e mundial,

em razão da ruralidade presente, como pode ser identificado no trecho extraído do discurso

pronunciado por Getúlio Vargas, em Porto Alegre, em 13 de novembro de 1940, referente ao

equilíbrio das forças nacionais, no Boletim do Conselho Técnico de Economia e Finanças do

Ministério da Fazenda, número 18, de 1942:

Precisamos considerar que, em países como o nosso, a prosperidade da

indústria depende diretamente do rendimento das atividades rurais, pois que a

maior ou menor capacidade de absorção do mercado interno, para os produtos

industriais, resulta dos recursos auferidos na exploração do solo [...]” Getúlio

Vargas (extrato do discurso pronunciado em Porto Alegre em 13-11-1940 para

o equilíbrio das forças nacionais). (MATO GROSSO, Boletim, 1942, s/p).

A perspectiva econômica do estado era marcada pelo aspecto rural, uma vez que a

predominância das atividades produtivas estava ligada à agricultura, pecuária e silvicultura,

seguida pelas indústrias extrativas, o que pode ser observado na tabela 2, a seguir:

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Tabela 2: Atividades profissionais da população de Mato Grosso por sexo

Profissões Sexo

Masculino Feminino

Agrícola, pecuária e silvicultura 82.341 2.159

Indústrias extrativas 18.993 192

Indústrias de transformação 8.328 1.001

Comércio de mercadorias 6.014 287

Comércio de imóveis e valores

imobiliários, crédito, seguros e

capitalização

316 11

Transportes e comunicação 5.070 90

Administração pública, justiça e ensino

público

1.920 639

Defesa nacional e segurança pública 6.344 11

Profissionais liberais, culto, ensino

particular, administração privada

788 374

Serviços, atividades sociais 3.530 5.161

Atividades domésticas 12.747 113.511

Atividades inativas ou não declaradas 16.977 13.784 Fonte: SÁ; FURTADO (no prelo)

De acordo com a tabela 2 a população masculina centrava seu trabalho no setor

agrícola, da pecuária e da silvicultura, enquanto a maior parte da população feminina

desenvolvia seus trabalhos nos setores ligados a atividades domésticas.

Assim, as noções de “urbano” e “rural” – entendidas como categorias simbólicas – vão

sendo transformadas de acordo com as relações sociais e de trabalho que são estabelecidas no

campo, mediante as representações sociais, que em determinadas regiões vão se diferenciar

social e culturalmente. A realidade que permeia a sociedade brasileira não permite falar sobre

ruralidade de um modo geral, homogeneizando-a, visto que ela vai se expressar de distintas

formas, conforme a heterogeneidade econômica, social e cultural, que, por sua vez, resulta de

processos históricos (CARNEIRO, 1998).

Essas noções, que estão em constante (re)elaboração e apropriações, podem sofrer

transformações por estarem em consonância com as representações sociais, tornando-se

possível expressar inúmeros pontos de vista sobre valores e mundo, em conformidade com o

universo simbólico considerado.

Tais análises nos permitem refletir sobre o conceito de ruralidade, entendido, de acordo

com Carneiro (1998, p. 61), como “[...] um processo dinâmico de constante reestruturação dos

elementos da cultura local com base na incorporação de novos valores, hábitos e técnicas.”

Por esse motivo, não há uma definição uniforme para conceituar o termo “ruralidade”,

pois essa concepção ainda nos direciona às discussões da tradição cultural da prática agrícola.

E pode ser considerada como uma representação social e não como uma mera realidade

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observável, no qual os atores sociais envolvidos vão determinar e construí-la culturalmente,

uma vez que as atividades desenvolvidas por eles são heterogêneas (CARNEIRO, 1998).

Sob a perspectiva da vida econômica, cultural e social, as zonas rurais constituem

espaços em que ocorrem diversas experiências por meio da criatividade ou do conhecimento

passado de geração a geração, o que desempenha um papel fundamental. Contudo, a ruralidade

suplanta as compreensões embasadas na concepção de oposição de urbanidade e constitui um

conjunto plural de integração com a economia e a sociedade. Por isso, ao formular políticas

públicas, deve-se levar em consideração as especificidades de cada localidade e da população

que ali vive, visando atender as suas demandas específicas.

Para tanto, pensar nas características que marcaram esse período do Estado Novo em

Mato Grosso, ainda predominantemente rural, a política de centralização e unificação do país

(pelo forte autoritarismo), atrelada às medidas de controle destinada a toda população, nos

auxilia a analisar o contexto em que a educação estava inserida e como o direito à educação da

infância se consolidou na região, sobretudo, na capital.

1.2 O MUNICÍPIO DE CUIABÁ: O URBANO E O RURAL

A capital mato-grossense, durante o período do Estado Novo, se apresenta como lócus

dessa pesquisa; por isso, a importância de conhecermos esse espaço, especialmente pelos

variados aspectos que influenciam a identidade do seu povo, sua infância, sua cultura, seus

modos de viver. Será dentro desse cotidiano que percorreremos nossas análises, a partir do

início do século XX até meados dos anos de 1940.

Segundo as análises realizadas por Freitas (1995), Cuiabá, no início século XX, no seu

processo de formação, era composta por três ruas: Rua de Cima, Rua do Meio e Rua de Baixo.

As ruas, denominadas por transversais, vão ter como ponto de vinculação o Córrego da Prainha,

a Igreja da Boa Morte e o largo da Matriz, locais que deram origem a bairros, tornando-se

pontos de crescimento urbano5 da região.

Cuiabá foi planejada de acordo com as necessidades dos antigos mineiros, por isso

havia uma característica irregular, com suas ruas consideradas estreitas. Além disso, dividia-se

5 “O mosaico que compõe o espaço urbano está impregnado de subjetividades de diferentes tempos. Torna-se

possível a visibilidade dessas subjetividades quando, ao observar a cidade, percebe-se que elas se revelam no

significado de suas ruas, avenidas, na arquitetura de suas edificações e de seus monumentos, no conjunto de uma

paisagem exclusiva, personalizada por sua história.” (BUZATO, 2017, p. 10).

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em dois distritos: o primeiro diz respeito à região central da cidade, já o segundo se referia à

região onde estava localizado o Porto (SÁ; BUZATO; SILVA, 2016). Dessa forma, a cidade

estava organizada em:

[...] dois distritos e consta de 24 ruas, 17 praças, e 28 travessas, sendo a Rua

Barão de Melgaço a mais extensa, com quase três quilômetros; existem

edifícios públicos e particulares de feição moderna, dois elegantes jardins,

situados nas praças Coronel Alencastro e Marques de Aracaty, uma linha de

tranways, com ramal para o Matadouro e outro, de mais de um quilômetro,

para a fábrica de cerveja. [...] Os principais edifícios do Estado e

estabelecimentos indstriaes, para apenas mencionarmos uma pequena relação,

são: Palacio do Governo, vasto edifício á praça Coronel Alencastro, n’elle

funccionando a Secretaria da Presidencia; de cada lado do palácio ficam, á

direita a Delegacia Fiscal do Thesouro Federal, construído em 1906, e à

esquerda a Diretoria de Colonisação. (AYALA; SIMON6, 1914, p. 320, grifos

do autor).

Houve também o crescimento da cidade a caminho do Rio Cuiabá, pelo aumento

urbano de pessoas de diferentes estados do país e de outras nacionalidades na margem direita

do rio.

Com relação às questões direcionadas à salubridade da capital, o Tenente Coronel

Avelino de Siqueira, no seu Relatório apresentado à Câmara Municipal em 1910, afirmou que

a cidade ainda era marcada por situações insalubres em suas ruas principais, pois era possível

que o povo que por ali transitasse encontrasse no caminho vasilhas reviradas por porcos e outros

animais.

O depósito de lixo nas ruas incomodava a Administração Pública, pois tornava-se

difícil manter os jardins da cidade e causava má impressão aos que visitavam Cuiabá. Tal

característica delineava os traços marcantes do aspecto rural7 da capital mato-grossense (SÁ;

BUZATO; SILVA, 2016). Sobre isso Fenelon Müller descreveu:

Continua, infelizmente, entre nós o mau hábito de se deixarem soltos pelas

ruas e praças públicas animais de tiro ou de sela, vacas, cabras, porcos, etc. É

um hábito que não se pode continuar, não só pela má impressão que causa aos

adventícios, como pela intranquilidade que dele decorre para os transeuntes.

[...] Uma turma de pegadores de animais está constantemente pelas vias

públicas, capturando os animais soltos e conduzindo-os ao Depósito que,

6 A veracidade dos dados encontrados no Álbum Graphico de Matto Grosso de 1914 é coloca em dúvida, pois:

“[...] mesmo não apresentando fidedignamente os dados estatísticos, tal documento é o único referencial sobre a

população da época.” (SÁ, 2007, p. 62)

7 “No período em estudo, em que se ensejava a construção da modernidade, a representação de rural pode estar

vinculada à ideia da natureza, do mais saudável, a contradição ao urbano e à industrialização, como também pode

significar o contrário, como a ausência do desenvolvimento, conformismo, ignorância e abandono.” (FURTADO;

SÁ; SCHELBAUER, 2016, p. 103).

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previamente, fiz construir nos fundos do Mercado do Primeiro Distrito, donde

só saem após pagamento da multa estabelecida por lei. (MÜLLER, 1929, p.

12-13 apud SÁ; BUZATO; SILVA, 2016, p. 275).

Sobre as vias públicas, o Álbum Graphico de Matto Grosso descreveu que: “As suas

ruas são quasi todas calçadas de pedra cristal que, quando lavadas pelas chuvas, tornam-se

bastante aceadas.” (AYALA; SIMON, 1914, p. 318). No entanto, não recebiam o mesmo

calçamento de pedras, como de outras cidades do Brasil. Com a construção do Palácio da

Instrução, local onde “[...] funcionavam o Liceu, a Escola Normal e Modelo anexa”, a

arquitetura do prédio marcou o contraste com as ruas em condições precárias da capital, o que

fez com que a Intendência Municipal providenciasse “[...] um calçamento com pedras nas

principais vias do distrito da Sé.” (SÁ; BUZATO; SILVA, 2016, p. 273-274).

Vale ressaltar, de acordo com os relatos da professora Maria Constança de Barros

Machado (apud ROSA, 1990), que a capital movimentava a vida social do seu povo por meio

da realização de algumas atividades culturais, utilizando espaços, como o do Palácio da

Instrução, para a realização de eventos, como teatro com apresentações de comédias, cantos e

danças. Os programas de festejos lítero-musicais tinham as declamações como uma das suas

principais atrações e eram bem noticiados pela imprensa naquele período por serem algo muito

admirado no início das décadas do século XX. Havia também os bailes familiares e festas.

Outra atividade cultural bastante forte em Cuiabá eram os festejos religiosos e

profanos, como as Festas de Santos: São Benedito, quando acontecia a Congada; do Divino

Espírito Santo, marcada pela Cavalhada e pelas touradas. Destacam-se, também, os batizados,

aniversários, Cururu e Siriri.

Assim, apesar de Mato Grosso ser um estado predominantemente com características

rurais, em muitas situações se interligava aos espaços urbanos. Os memorialistas descreveram

esse cenário da capital como uma cidade pacata. Naquele período, estavam fortemente presentes

na capital mato-grossense os embates entre as intenções políticas de modernizar o espaço

urbano, embora o Tenente Coronel Avelino de Siqueira (1910) afirmasse que os recursos dos

cofres públicos eram insuficientes para efetivar as melhorias necessárias e os hábitos rurais da

população. Esses fatores expressam as diferentes representações referente ao que seria uma

capital (SÁ; BUZATO; SILVA, 2016).

De acordo com Freitas (2003, p. 250), esse progresso se iniciou de forma lenta, mas

foi sendo, aos poucos, transfigurado para os padrões preconizados nacionalmente de uma

capital brasileira.

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Essa capital, assim descrita pelas memórias da professora cuiabana Maria Constança

de Barros Machado: “[...] naquele começo de século era uma cidade calma, com as pessoas se

encontrando nas praças e nos jardins, ao ritmo das músicas, das retretas”, passa a dividir esse

espaço com o movimento das construções e dos maquinários e a chegada de novos moradores,

o que foi sendo presenciado pela população nesse período (MACHADO apud ROSA, 1990, p.

62).

Nesse sentido, essa fase foi denominada por desenvolvimentista, marcada pela

melhoria no transporte de Cuiabá e pela abertura de novas estradas e rodovias. Mesmo com

todas essas mudanças ocorrendo na sociedade cuiabana, a cidade não deixou de ter as suas

construções antigas, dividindo espaço com os novos prédios e residências que estavam em

edificação. Assim, o espaço urbano da capital convivia entre os aspectos do “novo” e do

“velho”.

Na administração de Júlio Müller como Interventor Federal Mato Grosso foi incluído

nos ideais de modernização estadonovista. Dessa forma, o governo trouxe grandes mudanças a

Cuiabá, pela construção de diversos prédios e benfeitorias, almejando que acompanhasse os

progressos que estavam ocorrendo em nível nacional. Logo, a década de 1940 marca esse

período de transformações na cidade. A disseminação da informação do desenvolvimento de

Cuiabá, bem como de Mato Grosso, expandiu-se nos meios de comunicação nacionais e locais

(FREITAS, 2003). Dessa forma:

A parte central sempre foi propriamente a “cidade”, mas aos poucos essa

passou a pertencer aos visitantes, ficando muito movimentada, levando os

moradores a procurarem outros locais, entre eles o Coxipó da Ponte, onde

havia chácaras ribeirinhas e maior tranquilidade. Modernos e elegantes

edifícios particulares, que se construíram em vários pontos, começam a alterar

a fisionomia da cidade de Cuiabá, confrontando-se com a arquitetura do século

XIX. O contraste de épocas imprime na imagem da cidade as marcas de vários

tempos distintos que falam da sua história, do seu povo e do seu cotidiano

vivido. (FREITAS, 2003, p. 256).

A foto seguinte expressa os contrastes entre o rural e o urbano, o novo e o velho

presentes na cidade de Cuiabá na década de 1940:

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Fotografia 1: Um contraste Cuiabano

Fonte: NDIHR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal de Mato

Grosso – UFMT, Campus Cuiabá (1940)

O próprio fotógrafo Arturo denominou a fotografia de “Um contraste cuiabano” 8, ao

mostrar a região da Rua Eng. Ricardo Franco, em Cuiabá, na década de 1940. Todavia, essas

alterações ocorriam em contraposição aos aspectos gerais da capital, que, nesse período,

permanecia rural predominantemente.

Queiroz (1978), em seus estudos, apontou que no século XIX e início do século XX,

diante da falta de base industrial, as capitais que se localizavam nas cidades menores e aquelas

classificadas como mais pobres apresentavam uma tendência da permanência da

homogeneidade entre a vida rural e urbana.

O Presidente Vargas acreditava que o Brasil se desenvolveria economicamente à

medida que houvesse a integração entre os estados de Goiás, Mato Grosso e Amazônia com os

demais. Essas mudanças que ocorriam em nível nacional atingiam e possibilitavam mudanças

em cada região do Brasil, considerando as especificidades de cada uma delas.

8 Legendas organizadas conforme consta no Catálogo de Fotografias, organizado pelo NDIHR – Núcleo de

Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus

Cuiabá, s/d.

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O desenvolvimento do progresso ocorreu aos poucos em Cuiabá, de modo que foram

se originando novos pontos comerciais, novos bairros, ruas e avenidas que entrecortavam a

cidade. A própria estrutura arquitetônica de Cuiabá vai se alterando, trazendo novos aspectos

para a sua economia, cultura e população. Exemplo disso é a construção da ponte de concreto

com 234 metros, que liga Cuiabá a Várzea Grande (naquele período distrito da capital) pelo

Porto, conforme demonstra a foto a seguir da Ponte Júlio Müller sobre o Rio Cuiabá na década

de 1940, tirada pelo fotógrafo Arturo:

Fotografia 2: Ponte Júlio Müller sobre o Rio Cuiabá (1940)

Fonte: NDIHR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal de Mato

Grosso (UFMT), Campus Cuiabá, s/d.

Essa construção ganhou destaque por ter sido a primeira a ser consolidada e, ainda,

por substituir o serviço realizado pelas balsas, que já se encontravam em condições precárias e

não conseguiam mais suprir as demandas das fazendas que se instalavam na região norte do

estado de Mato Grosso – composta por Cáceres, Poconé e Livramento – e dos moradores que

ali residiam. Com isso, facilitava-se o intercâmbio entre tais regiões, pois nelas não existia ainda

esse tipo de construção. O Governo e a população já desejavam esse feito, justamente por

auxiliar a saída e a entrada de produtos. A preocupação dos discursos pronunciados nesse

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período tinha em seu cerne a modernização e o progresso da capital. Dessa forma, possibilitou

maior desenvolvimento dessas regiões conjugado ao fator da integração da capital (FREITAS,

2003).

A construção da ponte ligando Cuiabá à Várzea Grande amenizou esses problemas,

além de trazer um impacto positivo ao visitante, que desembarcava com uma nova visão das

mudanças urbanas. Em homenagem ao interventor, a ponte foi denominada Júlio Müller.

Logo, foram registrados nesse período progressos econômicos no estado, sendo esse

Governo marcado por:

[...] muitas obras, a modernização urbana de Cuiabá, ocasião em que construiu

edificações como a residência dos governadores, o Tesouro do Estado, o

Palácio Arquipiscopal, o Clube Feminino, o Cine Teatro Cuiabá, o Grande

Hotel, assim como abriu avenidas e novas ruas, a exemplo da rua Joaquim

Murtinho e da avenida Getulio Vargas. Mandou edificar a primeira ponte

ligando Várzea Grande e Cuiabá, a qual leva hoje seu nome, tendo sido

inaugurada em janeiro de 1942, e ainda mandou construir uma estação de

tratamento de água para a capital, tendo sido também responsável pela

construção do primeiro Centro de Saúde. (SIQUEIRA, 2009, p. 201).

Para a construção dessas obras, o projeto denominado “Obras Oficiais” recebeu o

auxílio financeiro do Governo Federal, propiciando que a cidade de Cuiabá se aproximasse das

condições almejadas pelos governantes com relação ao que uma capital deveria ter, com

infraestrutura necessária para atender a toda população e aos migrantes que vinham em busca

de melhores condições de vida e de trabalho.

A implementação do programa “Obras Oficiais” buscou minimizar as disparidades

estruturais urbanas, equiparando Cuiabá a outros centros nacionais mais desenvolvidos. Para

tanto, valeu-se do prestígio político do interventor Júlio Müller em sua administração, apoiado

pelo presidente da república, que tinha seu irmão, Filinto Müller, como chefe da polícia do

Distrito Federal. Nesse período, as mudanças que ocorreram em Cuiabá representaram um

divisor de águas em busca de superar o “[...] distanciamento entre o novo e moderno, em

detrimento do antigo e obsoleto.” (SÁ; BUZATO; SILVA, 2016, p. 278).

Cássio Veiga de Sá, na sua obra memorialística “Memórias de um Cuiabano

Honorário” (s/d), relata a sua vinda a Cuiabá, contratado pela firma Coimbra Bueno & Cia

Ltda., do Rio de Janeiro, para dirigir as “Obras Oficiais” da capital. Ele destaca que percebeu

que na cidade ninguém se referia aos endereços por números, mas sim por orientações de pontos

de referência das casas de pessoas conhecidas. Notou, ainda, o calçamento da cidade de

paralelepípedos, a sua limpeza e como estava bem cuidada. Assim que chegou, compreendeu

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porque Cuiabá era chamada Cidade Verde. Apesar das ruas não apresentarem grande

quantidade de arborização, os quintais e os espaços vazios eram cobertos por vegetação.

Essas obras trouxeram para Cuiabá condições para que tivesse infraestrutura de uma

capital, alcançando os padrões preconizados pelos governantes, com alterações significativas

para a vida de toda população, consolidando hábitos e costumes novos e diferentes dos

habituais. Veiga de Sá (s/d) destaca que, atrelando-se à realização das “Obras Oficiais”, em

Cuiabá concebia-se um perfil novo para essa sociedade, que passara a ter opções sociais novas.

Segundo Sá, Buzato e Silva (2016), essas obras, que trouxeram inovações para a

paisagem urbana e invocaram a potência da política de Vargas, se faziam presentes em todo o

território nacional, até mesmo nos lugares mais longínquos dos grandes centros, visto que eram

os intuitos da Marcha para o Oeste.

Outro marco histórico da capital foi a inauguração do novo Cine Teatro, no ano de

1942. Por representar um símbolo em nível nacional da modernização houve grande aceitação

da sociedade cuiabana, trazendo novos hábitos. Dessa forma:

O processo de modernização das cidades no Estado Novo se desenvolveu a

partir da adoção do urbanismo enquanto conhecimento técnico e científico,

empregado no reordenamento do espaço urbano no sentido de planejar seu

crescimento e controlar sua expansão. A contribuição do urbanismo no projeto

de construção da identidade do “homem do Estado Novo” se revelava segundo

o discurso de que “[...] a racionalidade técnica e a lógica científica deveriam

regular as atitudes e comportamentos da sociedade através da cidade”

(OUTTES, 2014 p.395). É a partir de então que se verifica em Cuiabá o

surgimento de uma nova estética no desenho urbano, determinada por leis que

passaram a regulamentar o enquadramento das edificações nos terrenos, a

exemplo da Residência dos Governadores, e que se estendeu para as novas

edificações que foram surgindo. (SÁ; BUZATO; SILVA, 2016, p. 281).

Diante da execução das “Obras Oficiais”, o ideário urbano estadonovista estava

ancorado na ideia de que toda cidade grande teria que possuir uma grande avenida. Cuiabá,

sendo a capital mato-grossense, deveria ter uma. Nesse sentido, ampliaram e expandiram a

antiga Avenida Murtinho, no qual o governo federal determinou a denominação Avenida

Getúlio Vargas. Localizada em posição estratégica na cidade, orientou o seu desenvolvimento

distante do Córrego da Prainha, o que promoveu a valorização dos imóveis nessa região

(PÓVOAS, 1995).

De acordo com Capelato (2011), o governo de Getúlio Vargas valorizava a cultura por

considerar ser um importante elemento para a unificação nacional. Desse modo, seria essencial

que sua intervenção fosse na perspectiva de que, ao propiciar as expressões culturais nacionais,

a arte se tornasse um apoio para impulsionar a sua política nacionalista, como ocorreu na

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Alemanha e na Itália, que valorizam o cinema e a própria arquitetura dos prédios e da cidade,

considerados instrumentos de propaganda, disseminação dos seus ideais e meio de conquista

do povo.

Nesse sentido, os moradores buscavam encontrar soluções para viverem de forma a

relacionar os aspectos novos e antigos que estavam presentes na capital. Passavam, enfim, por

um processo de adaptação à nova dinâmica que se instaurava na sociedade.

Segundo Freitas (1995), havia grande preocupação por parte dos cuiabanos durante

todo processo de desenvolvimento urbano com relação à perda dos seus costumes e das suas

raízes. Mesmo com esse receio, a população teve que se adequar aos novos costumes que se

faziam presentes no novo contexto nacional e regional. Somente uma parca parcela da

população tentou lutar e dar continuidade à conservação dos costumes tradicionais. Vale

ressaltar que não há como analisarmos a cidade de Cuiabá sem nos ater aos povos que aqui

moravam, seus hábitos e identidades culturais.

Na década de 1940 Cuiabá já sinalizava suas mudanças, com novos elementos diante

do progresso e do desenvolvimento econômico da região, com a abertura de comércios,

indústrias e produção de novos produtos. A capital mato-grossense vai desenvolvendo os traços

do século XX, tornando a articulação com os outros estados viabilizada. Ainda assim, algumas

construções históricas foram preservadas.

De acordo com Cássio Veiga de Sá (s/d), em Cuiabá, nesse período, não existiam

favelas. Mesmo que alguns indivíduos estivessem em condições de vulnerabilidade social

construíam suas casas em terrenos da prefeitura e com sua própria mão de obra.

Freitas (1995) traz um importante dado do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística sobre as taxas de urbanização de Cuiabá a partir do período do Estado Novo, que

eram superiores às taxas das demais localidades brasileiras. Assim, em 1940, houve o

crescimento de 42% da população e, em 1950, de 48,6%. Esse crescimento foi possivelmente

um dos reflexos da Campanha propagada por Vargas, que favoreceu o aumento do fluxo

migratório para essas regiões.

A construção da Residência dos Governadores, primeira obra conduzida pelo arquiteto

Humberto Kaulino em Cuiabá contou com a colaboração da esposa de Júlio Müller, a Sra. Maria

S. Müller, para as tomadas de decisões. A residência era composta por alguns elementos que

não eram comumente utilizados naquele período, como piscina e fogão a gás (foi a primeira a

ter). Assim, com a construção dessa obra, havia condições de Júlio Müller convidar o Presidente

Getúlio Vargas para visitar a capital.

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Dessa forma, a vinda de Vargas a Cuiabá ocorreu em 06 de agosto de 1941, sendo o

primeiro Presidente da República a vir a Mato Grosso. Sua visita à capital fez com que ocorresse

um aumento na circulação de pessoas e da própria imprensa, considerando que realizou a

inauguração de obras que haviam sido construídas durante o Governo do Interventor Federal

Júlio Müller. Além disso, participou de carreatas com a população, reforçando o seu caráter

populista de grande chefe da nação.

Dom Aquino Corrêa, em seu discurso sobre a vinda do Presidente Vargas à Cuiabá,

em 1941, afirmou:

A ocasião não podia ser mais propícia: é a visita de V. Excia. A Cuiabá, o

primeiro Chefe do Estado Brasileiro, que se abalança até à nossa remota

Capital, relíquia do heroísmo bandeirante, engastada, como um solitário de

esmeralda, neste longínquo ocidente da Pátria, onde a voz poderosa de V.

Excia. Vai produzindo maravilha maior que tôdas as auroras boreais, porque

teve a virtude de acender, não no oriente, mas em pleno oeste, uma alvorada

de progresso. (CORRÊA, 1944, p. 328).

Assim, a cidade foi toda preparada para recepcionar Getúlio Vargas. Passeatas foram

realizadas por estudantes para prestar suas homenagens e os próprios Governantes do estado

estavam dispostos a atender as medidas necessárias para sua passagem por Cuiabá. Portanto:

A experiência urbana produz formação específica ao cidadão para que ele viva

a cidade e dela se aproprie. Ao desvendar os signos e códigos urbanos, o

cidadão se habilita ao direito à cidade para que nela se inclua como parte

indissociável tanto na dinâmica de sua produção quanto dos direitos que nela

se originam. Refletir sobre a relação entre a modernização da cidade de Cuiabá

e, a inserção de novos hábitos e costumes na matriz cultural da sociedade

cuiabana, implica a compreensão de seu contexto social e político, na época,

delineado pelo distanciamento de outros centros nacionais e seu elementar

desenvolvimento urbano. Vale ressaltar que, a localização interiorana de Mato

Grosso, significava destacada importância geopolítica e econômica diante das

intenções estadonovistas de integração nacional. (SÁ; BUZATO; SILVA,

2016, p. 278).

Para tanto, a capital assumiu os traços do progresso com as novas construções,

trazendo novas roupagens a Cuiabá e aos seus moradores à medida que os Governantes

almejavam criar as condições para que o próprio estado crescesse e se desenvolvesse por si só,

gerando as suas próprias riquezas e meios de consumo. (FREITAS, 2003).

O período do Estado Novo em Cuiabá trouxe mudanças significativas na sua

infraestrutura, transformando a economia, a política, a parte social e a cultura da região. À

medida que os projetos de modernização foram sendo disponibilizados para a sociedade crescia

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a intencionalidade de mudanças de hábitos e de atitudes da população com relação ao que era

considerado higienista e moderno. Logo,

Pode-se considerar então, que o projeto de modernização de Cuiabá, elaborado

a partir dos princípios do urbanismo moderno, foi acompanhado de intenções

educativas disciplinadoras destinadas à formação de uma nova cultura que

orientasse para hábitos e costumes que deveriam ser assimilados pela

população citadina e que expressassem o sentido de desenvolvimento daquela

gestão pública enquanto expressão de progresso. (SÁ; BUZATO; SILVA,

2016, p. 282).

Assim, a capital cuiabana, com a execução das “Obras Oficiais” no período do Estado

Novo, representou um importante marco histórico por ter realizado grandes transformações em

uma cidade marcada pelo aspecto rural, visando aproximá-la, ainda que em menor proporção,

das características dos grandes centros urbanos do país, preconizando-se as ideais

estadonovistas.

Ainda no contexto cuiabano, a seguir abordamos as diferentes ruralidades dos distritos

que formavam o município de Cuiabá, permeados por suas particularidades e pelos seus

aspectos rurais.

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1.2.1 Cuiabá e suas diferentes ruralidades dos distritos que a compõem

O mapa 3, a seguir, identifica a quantidade de distritos que formavam Cuiabá:

Mapa 3: Cuiabá

Fonte: Mapa elaborado por Fernanda Ferreira da Silva Santos9

Em face do mapa, cabe-nos destacar as especificidades que marcaram as ruralidades

presentes em cada uma dessas localidades, considerando a sua economia e as características

sociais dos sujeitos que compunham tal cenário. A principal referência para a elaboração desse

item consiste nos dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), pelo livro Mato Grosso e seus municípios e pelos endereços eletrônicos das próprias

prefeituras.

O município de Cuiabá, no ano de 1937, era dividido territorialmente em 12 distritos.

De acordo com dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era

composta por: Aldeia, Brotas, Chapada, Coronel Ponce, Coxipó da Ponte, Guia, Passagem da

Conceição, Poxoréu, Rondonópolis, São Gonçalo, Serra da Jiboia e Várzea Grande. No entanto,

a partir do Decreto-lei Estadual n.º 145, de 29 de março de 1938, foi anexado a Cuiabá o Distrito

9 Mapa elaborado a partir das informações prestadas pela Pesquisadora.

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de Coxipó do Ouro. No mesmo ano outro Decreto-lei Estadual foi instituído pelo n.º 208, de 26

de outubro de 1938, desmembrando os seguintes distritos do município de Cuiabá: Coronel

Ponce, Ponte de Pedra (antiga Serra da Jiboia), Poxoréu e Rondonopólis. Esse Decreto-lei

também alterou a nomenclatura dos distritos de Aldeia para Alegrete e de Serra da Jiboia para

Ponte de Pedra.

De 1939 até o período que finda o Estado Novo, Cuiabá permanece formada pelos oito

distritos: Alegrete, Brotas, Chapada, Coxipó da Ponte, Coxipó do Ouro, Guia, Passagem da

Conceição, e Várzea Grande. São Gonçalo não figura como distrito.

No ano de 1943 vigora o Decreto-lei Estadual n.º 545, de 31 de dezembro, que altera

as denominações dos distritos de Brotas para Acorizal, Chapada para Chapada dos Guimarães

e Alegrete para Engenho.

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2016), após

a divisão administrativa que ocorreu no ano de 1911, o distrito de Brotas passou a fazer parte

da formação do município de Cuiabá, e permaneceu até o ano de 1953, quando foi elevado à

categoria de município. A sua nomenclatura sofreu alteração pelo Decreto-lei estadual n.º 545,

de 31 de dezembro de 1943, passando a ser denominado Acorizal. Nessa perspectiva, o distrito

tinha suas bases econômicas ancoradas no perfil agrícola, principalmente da produção de cana-

de-açúcar.

Com a produção da sua principal matéria-prima, foram sendo criados diversos

engenhos na região, que fabricavam aguardente, rapadura e açúcar de barro. Logo, o distrito

começou a comercializar esses produtos por via fluvial no Rio Cuiabá para o município da

capital, ganhando destaque pelo impulso do seu fator econômico. Além disso, ao serem

intensificadas as migrações para a região norte, em decorrência da exploração da borracha,

utilizavam como rota a passagem por esse distrito (FERREIRA, 1997).

O distrito de Brotas (Acorizal) abrange a região do cerrado de Mato Grosso, marcado

pelas suas diversidades e pela sua importância econômica. Após a criação do município de

Acorizal, o distrito de Engenho (antes denominado Aldeia e Alegrete) passou a integrá-lo.

No distrito de Chapada, assim como em Brotas (Acorizal), instalaram-se muitos

engenhos que se tornaram importantes fornecedores de produtos tanto para o mercado interno,

quanto externo. De forma a escoar a produção, no final do século XIX foi construída uma

estrada de ferro, que ligava a região denominada Lagoinha ao interior de Chapada até o

município de Cuiabá. No século seguinte também foram desenvolvidas as atividades do

garimpo de diamantes no distrito de Água Fria.

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Ao considerar os aspectos da sua localização, apesar de estar próximo a Cuiabá, se

distingue muito do município por sua fauna, flora e clima e por suas formações rochosas de

planaltos. O distrito de Chapada teve grande desenvolvimento. Sua vasta extensão territorial

deu origem aos municípios de Sinop, Paranatinga, Colíder e Nova Brasilândia.

O distrito de Poxoréu, de acordo com as informações disponibilizadas pelo IBGE

(2015), tem sua origem vinculada ao garimpo de diamantes e pode ser datada a partir da década

de 1920, período em que começou o povoamento na região. Após ocorrer um incêndio no ano

de 1927, no povoado de São Pedro, os garimpeiros que ali residiam tiveram que migrar para

outra localidade, às margens do Rio Poxoréu, dominada pelo coronelismo.

Mediante o Decreto Estadual n.º 131, de 16 de fevereiro de 1932, Poxoréu passa a

integrar o município de Cuiabá. Contudo, em 1938, foi elevado à categoria de município, sendo

composto de quatro distritos: Poxoréo, Ponte de Pedra (ex-Serra da Jiboia), Rondonópolis e

Coronel Ponce. Consequentemente, todos foram desmembrados da capital de Mato Grosso

(IBGE, 2015).

O povoamento, denominado inicialmente Capim Branco e posteriormente Coronel

Ponce, foi o primeiro núcleo populacional da região, atualmente designado por Campo Verde

(FERREIRA, 1997).

Com relação às atividades econômicas da região, o endereço eletrônico da Prefeitura

Municipal de Campo Verde10 (s/d) afirma que houve uma estagnação por quase um século, sem

atividade significativa para o estado, sendo praticadas apenas a pecuária e a agricultura para a

subsistência das famílias. Entre os anos de 1939 a 1943 Coronel Ponce passou a integrar o

distrito de Poxoréo.

Já com relação ao distrito de Rondonópolis, o sítio eletrônico da Prefeitura Municipal11

(2008) informa que no ano de 1918 foi mudado o nome de Povoado do Rio Vermelho para

Rondonópolis. Nesse período, o major Otávio Pitaluga completava o projeto de alinhamento,

estética e medição da região. Em 1920, a localidade passa a ser distrito de Santo Antônio do

Leverger e comarca de Cuiabá pela Resolução Estadual n.º 814, do dia 08 de outubro. No

entanto, o distrito nesse período passou por momentos conturbados em virtude das epidemias,

enchentes e até mesmo por desentendimentos na vizinhança. Foi também nessa ocasião que

encontraram garimpos de diamante em Poxoréo – distrito vizinho.

10 Endereço eletrônico da prefeitura municipal de Campo Verde (s/d). Disponível em:

<http://www.campoverde.mt.gov.br/TempodeCrescer/historia/>. Acesso em: 06 fev. 2017.

11 Endereço eletrônico da prefeitura municipal de Rondonopólis (2008). Disponível em:

<http://www.rondonopolis.mt.gov.br/?pg=conteudo&intCatID=121>. Acesso em: 06 fev. 2017.

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Esses fatores fizeram com que ocorresse a migração do povoamento de Rondonópolis,

entre as décadas de 1930 e 1940. No ano de 1938, pelo Decreto-lei Estadual n.º 208, o distrito

já havia sido transferido do município de Cuiabá para Poxoréo (FERREIRA, 1997).

A localidade de Passagem da Conceição situa-se na região norte de Mato Grosso,

localizada às margens do Rio Cuiabá acima, na área mais encachoeirada, e foi formada por

Comunidade Ribeirinha, constituindo papel econômico importante para Mato Grosso com suas

atividades de pesca.

Havia uma balsa que fazia o seu trajeto, sendo movimentada manualmente por meio

da utilização de uma grande vara. O comércio local era pequeno e seu produto de maior

relevância foi a produção de chinelos, exportado para as demais localidades de Mato Grosso.

De acordo com as informações em meio digital da Prefeitura Municipal de Várzea

Grande (2013), no início da década de 1930, o povoado pertencente a Passagem da Conceição

começou a declinar, pois muitas famílias que trabalhavam na fabricação dos chinelos

começaram a se mudar para a Vila de Várzea Grande. Em 1942 ocorreu um fato que marcou o

distrito, que foi a enchente que devastou diversas casas, ocasionando a mudança de muitas

pessoas e prejudicando o progresso dessa localidade.

Mesmo com a elevação de Várzea Grande a município pela Lei Estadual n.º 126, de

23 de setembro de 1948, o distrito de Passagem da Conceição só será desmembrado de Cuiabá

e transferido para Várzea Grande pela Lei Estadual n.º 370, de 31 de julho de 1954 (IBGE,

2016).

O distrito da Guia foi elevado a distrito do município de Cuiabá em divisão

administrativa no ano de 1911, integrando-a até os dias de hoje. Tinha como atividade

econômica predominante o cultivo dos canaviais e a produção de farofa, fornecendo esses

produtos para o município de Cuiabá. Com os índices econômicos em ascensão, os índices

populacionais também foram aumentando. A construção da Ponte de Ferro sobre o Rio Coxipó

Açu, no ano de 1907, foi de grande importância por ligar a estrada à capital, mas foi desativada

quando a Rodovia Helder Candia foi construída.

Outro aspecto importante destacado por Bertoldo (2007) se refere à organização social

e cultural da Freguezia Nossa Senhora da Guia, no caso, a Capela Nossa Senhora da Guia, que

ficava localizada bem ao centro, próximo de uma praça. Era um espaço que proporcionava aos

moradores se reunirem e discutirem sobre assuntos diversos. Essa Igreja era a referência de fé

do povoamento.

A fabricação da farinha no distrito da Guia era um processo que envolvia toda a

família, inclusive as crianças. A parte da colheita das raízes, à mão, que posteriormente eram

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lavadas, descascadas com faca e novamente lavadas, seria trabalho de responsabilidade das

mulheres e das crianças, geralmente. Os demais procedimentos eram divididos entre os homens

e as mulheres (ALENCASTRO, 1993).

O povoado de Várzea Grande se localiza ao lado de Cuiabá, por isso o intercâmbio

entre as regiões era realizado pelo uso de uma balsa, construída em meados do ano de 1874,

que facilitava o acesso pelo Rio Cuiabá. A balsa permaneceu sendo utilizada por 68 anos.

Segundo os dados disponíveis no endereço eletrônico da Prefeitura Municipal de

Várzea Grande (2013), na década de 1920 presenciou-se o aumento populacional tendo em vista

novas famílias que vieram residir na localidade. E em 1948, por meio da Lei Estadual n.º 126,

de 23 de setembro, foi elevado à categoria de município.

Vale destacar que faziam parte da região de Várzea Grande os seguintes distritos:

Capela do Piçarrão, Bom Sucesso, Capão Grande, Pai André, Praia Grande. O distrito de Capela

do Piçarrão era constituído por uma parca população e se destaca por ser mais antigo que Várzea

Grande. Os aspectos culturais são vinculados à imagem de Nossa Senhora da Conceição, que

após ser encontrada provocou nos moradores sua devoção, com celebrações festivas e

manifestações religiosas (PREFEITURA MUNICIPAL DE VÁRZEA GRANDE, 2013).

O distrito de Bom Sucesso, originado nas proximidades da barranca do Rio Cuiabá,

era formado por ruas estreitas e casas simples, além de ter sido cenário para o cultivo dos

canaviais, de fumo e outros produtos, representando um importante papel econômico para a

região.

Capão Grande situava-se na região oeste da Capela do Piçarrão. A sua primeira

formação de povoamento contava com a presença de oito famílias, que, no primeiro momento,

exerciam sua força de trabalho nas terras devolutas, fato que propiciou a migração de novos

sujeitos. A economia vinculava-se à pecuária, estabelecendo comércio com a capital e

promovendo o desenvolvimento da região, até chegar ao seu ápice e começar a enfraquecer.

O distrito de Praia Grande se desenvolveu em um local que possibilitava a sua

população relacionar-se com Cuiabá por meio do rio, visto que era uma região considerada

fértil para a lavoura e para a pesca (utilizavam redes). No ano de 1940, em decorrência da

construção da estrada, ocorreu o crescimento demográfico do distrito.

O distrito de Pai André, situado na margem direita do Rio Cuiabá, entre as regiões de

Bom Sucesso e Praia Grande, era considerado uma localidade próspera na produção canavieira,

o que provocou a instalação de Usinas, considerando ainda a sua localização nas proximidades

do Rio Cuiabá, que facilitava o transporte dos produtos.

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O distrito de Coxipó do Ouro está intrinsecamente relacionado ao surgimento da

cidade de Cuiabá, pois foi justamente às margens do Rio Coxipó que começaram a se aglomerar

os primeiros núcleos urbanos formados por migrantes, que vinham explorar as minas de ouro.

De acordo com o historiador Pedro Felix12 (2014), o distrito de Coxipó da Ponte

também tem uma relação muito forte com a história de Cuiabá, pois foi a região onde o Rio

Coxipó desemboca no Rio Cuiabá que deu origem a esse povoamento. Essa região tem no seu

centro histórico o bairro São Gonçalo, que também foi anexado como distrito de Cuiabá no ano

de 1835. Contudo, no quadro fixado nos anos de 1939-1943 não figura São Gonçalo como

distrito.

No final do século XIX, o aumento da atividade extrativista e da produção

agroindustrial deu origem ao aumento da população urbana na região do Porto Geral. Dessa

forma, integrou-se à região do Coxipó, à povoação urbana de Cuiabá. Apenas na década de

1940, com a abertura da estrada para Campo Grande, consolida-se como uma localidade urbana.

Logo, podemos observar que o município de Cuiabá era formado por distritos

heterogêneos, de maneira que cada um possuía as suas especificidades e características

particulares, ainda que se assemelhassem em alguns aspectos históricos e econômicos. De um

modo geral, grande parte desses distritos têm suas origens vinculadas à extração aurífera e de

pedras preciosas, além de apresentarem forte vinculação com o Rio Cuiabá e com o próprio

município. Algumas dessas regiões eram formadas por populações Ribeirinhas, que viviam da

agricultura de subsistência.

Dentro do contexto mato-grossense e cuiabano, iremos abordar a seguir os aspectos da

população infantil, os diversos olhares sobre a infância e o cotidiano dessas crianças em Cuiabá.

1.3 A POPULAÇÃO INFANTIL MATO-GROSSENSE

Segundo o Recenseamento geral do Brasil, publicado em 1928 e em 1952, a população

de Mato Grosso, entre os anos de 1920 a 1940, era jovem, compreendendo a faixa etária de

cinco a 39 anos. Sua maior concentração centrava-se dos cinco aos 29 anos, como pode ser

observado na tabela:

12 Entrevista realizada com o historiador Pedro Felix (2014). Disponível em:

<http://www.reportermt.com.br/imprime.php?cid=34803&sid=4>. Acesso em: 03 fev. 2017.

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Tabela 3: Comparativo da população infantil de Mato Grosso (1920-1940)

FAIXA ETÁRIA 1920 1940

Menos de 1 anos 6.491 13.139

1 ano 6.517 14.089

2 anos 8.185 15.199

3 anos 8.180 13.638

4 anos 7.780 13.932

De 5 a 9 anos 36.798 61.680

De 10 a 14 anos 28.695 52.370

De 15 a 19 anos 29.947 44.694

De 20 a 29 anos 39.968 81.731

De 30 a 39 anos 34.876 53.076

De 40 a 49 anos 20.153 35.311

De 50 a 59 anos 9.895 19.570

De 60 a 69 anos 5.542 8.953

De 70 a 79 anos 2.096 3.097

80 anos e mais 957 1.431 Fonte: Recenseamento geral do Brasil (1° de setembro de 1940) (1952)

Percebe-se que em 20 anos houve um aumento populacional no estado de

aproximadamente 43%, provavelmente reflexo das ações de Getúlio Vargas, como a Marcha

para o Oeste.

A população infantil, com idades entre 0 a 14 anos, em 1940, estava distribuída pelos

municípios mato-grossenses da seguinte forma:

Tabela 4: População infantil dos municípios de Mato Grosso – 1940

LOCALIDADE De 0 a 9 anos 7 a 14 anos

Masculino Feminino Masculino Feminino

Alto Madeira 798 757 516 465

Aquidauana 3.161 3.176 2.114 2.110

Araguaiana 524 456 355 320

Bela Vista 2.344 2.237 1.479 1.439

Cáceres 2.823 2.780 1.866 1.728

Campo Grande 7.344 7.287 5.049 5.148

Corumbá 4.111 3.945 2.646 2.584

Cuiabá 7.816 7.539 5.828 5.535

Diamantino 957 790 569 448

Dourados 2.618 2.442 1.863 1.570

Entre Rios 1.273 1.192 906 857

Guajará Mirim 815 808 628 592

Herculânea 1.904 1.844 1.207 1.162

Lajeado 2.265 2.251 1.380 1.326

Livramento 1.747 1.778 1 241 1.271

Maracajú 850 915 614 546

Mato Grosso 564 564 277 294

Miranda 1.858 1.791 1.128 1.129

Nioaque 839 787 591 489

Paranaíba 2.479 2.336 1.630 1.604

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Poconé 2.650 2.459 1.867 1.816

Ponta Porã 5.501 5.194 3.761 3.447

Porto Murtinho 1.052 1.069 688 685

Poxoréu 1.601 1.591 1.047 1.094

Rosário Oeste 2.321 2.409 1.477 1.454

Santo Antônio 2.585 2.413 1.554 1.532

Três Lagoas 2.583 2.427 1.704 1.591 Fonte: Recenseamento geral do Brasil (1° de setembro de 1940) (1952)

De acordo com a tabela ora apresentado, foi possível verificar que os municípios de

Cuiabá, Campo Grande, Ponta Porã e Corumbá concentravam o maior número de crianças,

respectivamente com percentual de 12,4%, 11,5%, 8,3% e 6,1%. Diante das informações

expressas, identificamos, ainda, que as crianças em idade escolar, entre sete e 14 anos,

correspondiam a 51,1% do sexo masculino e 48,9% do sexo feminino.

Conforme aponta Sá (2007), as crianças mato-grossenses eram negras, brancas, pardas

e índias. As crianças que pertenciam a uma classe social considerada mais abastada residiam

no 1° distrito ou na Freguesia da Sé, que era composta pelas ruas centrais do município de

Cuiabá. Essa infância independia de cor. Já as crianças negras, quando ainda eram escravas, na

zona rural, participavam do mundo do trabalho a partir dos cinco anos de idade. Grande parte

da população pobre se encontrava na Freguesia de São Gonçalo, na região do Porto (2° distrito).

A pesquisadora ainda ressalta que esse segmento populacional se reunia e se

encontrava na periferia, ou seja, nos bairros distantes do centro da capital mato-grossense,

descrevendo que esses locais geralmente eram formados por casinhas e ranchos de chão batido,

cobertos por capim e sem mobiliários.

Com relação à população indígena, constata-se que não era mencionada nos dados

estatísticos, assim como não era contabilizada nos censos nacionais daquele período,

impossibilitando o conhecimento sobre a quantidade da população infantil indígena que se

encontrava no estado de Mato Grosso. No entanto, o Álbum Graphico do estado de Mato Grosso

(1914) relacionou 33 etnias indígenas declaras e conhecidas. Dentre elas havia uma diversidade

cultural e linguística, por isso a infância indígena tinha um lugar diferente daquele do “homem

considerado civilizado”. A cultura indígena foi aos poucos sendo influenciada por demais

culturas (SÁ, 2007, p. 64).

Além disso, o documento Organização do Ensino Primário e Normal XVIII Estado de

Mato Grosso Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Boletim n.º 22, apresentado no ano de

1942 pelo Ministério da Educação e Saúde, afirmou que em Mato Grosso a população era de

434.265 habitantes, dos quais apenas 6% representavam os alunos inscritos.

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Ou seja, apenas uma pequena parcela da população mato-grossense estava matriculada

formalmente nas escolas. Sem contar as crianças que eram matriculadas, mas que não

frequentavam regularmente a escola ou abandonavam-na por razões diversas, como no período

em que auxiliavam as suas famílias no trabalho.

Podemos identificar, diante dos dados apresentados, que a população infantil mato-

grossense era formada por um grande contingente, inclusive em idade escolar, marcado pela

presença de todas raças.

A seguir centralizamos nossas análises em torno dos diversos olhares acerca da

infância.

1.3.1 Os múltiplos olhares sobre a infância

No contexto de Cuiabá torna-se importante conhecer a infância que fez parte desse

cenário, que podia ser visualizada nas ruas, nos quintais, dentro de casa e nas escolas.

Sobretudo, a infância rural presente nesse cotidiano (CERTEAU, 1994). Por isso, ressaltamos

as múltiplas representações acerca da infância.

Realizamos essa análise teórica considerando a diversidade de conceitos da infância,

visando compreendê-la no contexto histórico em que estava inserida. Ainda abordaremos a

população infantil mato-grossense e acerca da infância em Cuiabá.

Essa categoria sempre esteve presente no interior de uma formação social, vivendo e

sendo tratada de distintas maneiras, em razão das significações a ela designadas, de acordo com

as relações que iam se estabelecendo e se construindo no interior da sociedade. Segundo

Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004, p.15) expressam: “A história da infância seria então a história

da relação da sociedade, da cultura, dos adultos, com essa classe de idade, e a história das

crianças entre si e com os adultos, com a cultura e com a sociedade.”

É necessário compreender essas distintas noções da infância e da criança que foram

configuradas historicamente para que se possa graduar a relevância da afetividade no seu

desenvolvimento.

De acordo com Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004, p. 16), as palavras “infância” e

“criança” não são expressões com sentidos semelhantes e delineiam a “infância” como “um

período de vida humana; no limite da significação”, ao passo que a palavra “criança” “indica

uma realidade psicobiológica referenciada ao indivíduo”. Nesse sentido:

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[...] talvez a forma mais direta de percepcionar a criança, individualmente ou

em grupo, seja precisamente tentar captá-la com base nas significações

atribuídas aos diversos discursos que tenta definir historicamente o que é ser

criança. Assim, baseando-se na história da infância seria possível estruturar

as histórias da criança [...] (KUHLMANN JR.; FERNANDES, 2004, p. 16).

Com relação à temática em questão, Colin Heywood (2004, p. 21-22) assegura que a

criança é uma construção social que sofre transformações no transcorrer dos anos, destacando

que em qualquer sociedade há variação entre grupos étnicos e sociais. Acrescenta que as

crianças têm capacidade de se adaptar aos diferentes ambientes e acredita ser difícil sustentar a

ideia de uma criança “natural”, mas sim como resultado de forças culturais, históricas,

econômicas e geográficas. O autor cita David Archard, pois suas ideias sugerem que os

conceitos de infância, em todas as sociedades e em diferentes momentos históricos, entendiam

que a criança pode ter características distintas dos adultos de diversas formas.

Apesar de receber críticas dos historiadores que trabalham com a infância, Philippe

Ariès (1981), em sua obra História social da criança e da família, considerada a mais

importante do autor, apresenta a história da infância e da família moderna de forma abrangente.

Ele trabalha com uma pluralidade de documentos, tais como diários, músicas e fotos, além da

iconografia religiosa e leiga da Idade Média. Inicia as suas análises pela sociedade medieval,

na qual não havia lugar para a infância no mundo, ideário que se estendeu até o século XII.

Partia da representação em que a infância é desconhecida por ser um período apenas de

transição, ultrapassado rapidamente. Para o autor:

[...] o sentimento de infância não existia – o que não quer dizer que as crianças

fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento de

infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à

consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue

essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não

existia. (ARIÈS, 1981, p.156).

Podemos perceber que na sociedade medieval não havia o sentimento de infância, que

abrangia a particularidade infantil. A criança, geralmente a partir dos sete anos de idade,

misturava-se aos adultos. Com relação à vida coletiva, não havia lugar para um setor privado,

a função da família era apenas a transmissão da vida, dos nomes e dos bens.

Contudo, alguns estudos subsequentes indagaram o argumento de Ariès (1981) no que

tange ao “sentimento da infância”, porém, concordaram com ele quando analisa que as crianças,

no período medieval, foram “inseridas gradualmente no mundo dos adultos a partir de uma

idade precoce, ajudando os pais, trabalhando na condição de servas ou desenvolvendo o

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aprendizado de um ofício.” (HEYWOOD, 2004, p. 30). Logo, o que era entendido por infância

ia introduzindo-se de forma quase impercebível na idade dos adultos.

O final do século XVIII e o início do XIX são reconhecidos pela quantidade de

publicações e fontes sobre as infâncias burguesas e aristocráticas, ao passo que a infância

operária e pobre não era considerada com a mesma relevância.

De acordo com as análises de Sá (2007, p.18, grifos da autora), a história da infância

está atrelada à história da instituição escolar, visto que a criança, ao ser introduzida em tal

ambiente, é ensinada a ser aluno. A autora traz suas percepções à concepção de uma “nova

infância: a escolarizada”. Logo, uma condição da infância interligada a uma nova tradição do

desenvolvimento da escola primária concebeu “a criança-aluno”.

Assim, no Brasil, o processo que resultou na República torna a educação a bandeira

do progresso nacional. Converter a criança em aluno significava educar a infância com hábitos

e valores novos com relação aos deveres e à virtude do trabalho, com o intuito de que fossem

úteis à sociedade capitalista. Além disso, o ato de educar também era composto pela formação

da disciplina social, como o respeito às autoridades, à ordem, à obediência, aos valores cívicos

e patrióticos, dentre outros (SÁ, 2007).

Acreditava-se no poder da educação para transformar o indivíduo e a sociedade. A

escola primária era concebida como um local indicado para operar a regeneração moral, formar

cidadãos e, desse modo, consolidar a república. Era a confiança nas potencialidades da escola

de espalhar as luzes e afastar as trevas da ignorância. O ensino, segundo os intelectuais liberais

daquele período, retratava uma ação civilizadora, dado que acabar com a ignorância permitiria

que a população tivesse acesso ao mundo do conhecimento, pois o progresso social somente

seria possível com a propagação do ensino (SÁ, 2007).

A infância brasileira menos abastada desses séculos foi preparada para atuar no mundo

do trabalho e exercer a sua cidadania, considerando as condições socioeconômicas do período

em que o país estava se (re)organizando em torno do processo de industrialização, sob o

discurso de fornecer uma ocupação que seria entendida como proveitosa, com o intuito de

combater a criminalidade e a vagabundagem (RIZZINI, 2002).

Médicos, juristas, policiais e higienistas, nesse período até as primeiras décadas do

século XX, divulgaram as alterações necessárias da sociedade brasileira para a modernização

de seus comportamentos e de sua estrutura. No tocante à infância, Sá (2007, p. 38) admite que:

“[...] tais segmentos da sociedade implementaram ações no sentido de preparar a criança para

exercer a cidadania e atuar no mundo do trabalho”, cujo enfoque centrava-se em torno dos

investimentos na área da educação.

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As crianças se sobressaem ao considerar os sujeitos da educação. Desse modo, trata-

se de entendê-las não apenas como meros integrantes da escola, como alunos, mas percebê-las

como elementos de um corpo social amplo, no qual a solidariedade, o trabalho, as expressões

culturais para além da escola, os conflitos, a violência, se revelam na interação com o mundo

escolar, recebendo sua influência (SIQUEIRA; SÁ, 1997).

Percebe-se que as distintas concepções de infância, considerando o contexto sócio-

histórico, possuem uma relação conjugada ao sentimento de afetividade com a família, que se

transformou profundamente na medida em que modificou as suas relações internas com a

criança, bem como submeteu-se aos progressos da vida privada. A família moderna

correspondeu a uma necessidade de intimidade e de identidade, em que os membros se unem

pelos laços afetivos e repugnam as promiscuidades que eram impostas nas sociedades

medievais. Portanto, há uma relação entre o sentimento da família e a classe a que pertence, de

modo a reunir os sujeitos por sua semelhança moral e pela identidade do seu gênero de vida

(ARIÈS, 1981).

Partimos do reconhecimento da criança como um ator social na dinâmica da sociedade.

A ideia da infância é uma ideia moderna, pois, como vimos, as crianças eram consideradas

meros seres biológicos. Nesse sentido: “[...] a construção histórica da infância foi o resultado

de um processo complexo de produção de representações sobre as crianças, de estruturação dos

seus quotidianos e mundos de vida e, especialmente, de constituição de organizações sociais

para as crianças.” (SARMENTO, 2004, p. 3). O autor acredita que a escola está associada à

construção social da infância, principalmente após a obrigatoriedade escolar.

Entende-se que o conceito de infância na história cultural vai abranger diferentes

significados, dependendo das suas relações econômicas, sociais, políticas e culturais. No

período do Estado Novo vinculou-se as representações de infância com o desenvolvimento do

futuro da nação, visando à construção de um novo homem.

1.3.2 O cotidiano da infância de Cuiabá

Sobre o cotidiano da infância (CERTEAU, 1994) partimos das obras memorialísticas,

dos vestígios escritos e relatados por quem vivenciou tal realidade. Recorremos às produções

literárias da professora Maria Benedita Deschamps Rodrigues, conhecida como Dunga

Rodrigues, que trouxe contribuições para a apreensão da realidade vivenciada pela infância

cuiabana, sendo elas: Cuiabá ao longo de 100 anos, escrita em 1994, com Maria de Arruda

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Müller; Os vizinhos (1977); e Reminiscências de Cuiabá (s/d). Foi possível identificar e

compreender por meio dessas memórias como as crianças viviam em Cuiabá, quais eram seus

hábitos, costumes, como se relacionavam com os adultos e suas brincadeiras. Para tanto, é

importante considerar a reflexão:

A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a

história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória

não se acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de lembranças

vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível

a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções. A história, porque

operação intelectual e laicizante, demanda análise e discursos críticos. A

memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta e a torna sempre

prosaica [...] (NORA, 1993, p. 9).

A memória seria o pilar de apoio da oralidade. Ainda que essa memória seja

considerada sempre atual, não expõe os fatos com exatidão por estar atrelada aos imaginários e

às crenças de cada indivíduo. Por isso, a fonte da memória oral foi articulada com base em

outros documentos para nos dar o suporte necessário na elaboração das análises.

Dunga Rodrigues era de família tradicional cuiabana. Seu pai, Firmo José Rodrigues,

era oficial do Exército. Ela e Maria Müller são consideradas memorialistas oficiais de Cuiabá,

por seus relatos orais e obras publicadas. Ao longo dos anos tem contribuído com os

pesquisadores por terem deixado pistas desse cotidiano (SÁ, 2007).

A obra memorialística Cuiabá ao longo de 100 anos (1994) traz o aspecto da infância

no cotidiano do município, quando se referem às brincadeiras, aos modos e aos costumes que

marcaram a vida dessas pessoas. No início do livro as autoras destacam sobre “A rua grande”,

rua 15 de novembro, por considerarem a mais familiar. Proporcionam um verdadeiro passeio

pelo passado das crianças nesse cenário e descrevem que: “A linha de bonde fazia a curva na

mangueira do Zé Antônio e contornava os cajazeiros do Arsenal de Guerra, em demanda da

cidade. Os ônibus só vieram mais tarde e, a tardinha, tudo ficava livre para as meninas

brincarem de roda e os rapazinhos de pega-pega.” (MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 7)

De acordo com as autoras referidas, essa rua se situava no conhecido Segundo Distrito

da capital, na localização do Porto Geral, transformado posteriormente em Bairro do Porto.

Dunga Rodrigues ainda aponta sua representação sobre o Cine Dorsa na sua infância, ou seja,

as famílias que residiam na região solicitavam que os filmes fossem repassados para seus filhos

e filhas. As autoras assim descrevem:

As crianças se extasiavam com o “Purgante de Lili”, comédia a que várias

vezes assisti, atropelando meu pai para interceder junto aos proprietários, por

várias repetições. O enredo era ingênuo, mas agradava à garotada pela

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hilariedade. A menina de nome Lili relutava em tomar um purgante e os pais

ofereciam a todos os transeuntes um gole a provar, para estimular a filha. Do

guarda civil aos senhores e senhoras respeitáveis, todos provavam o remédio.

Este acabou, e para Lili não houve sobra. Terminava a película com os

provadores em correrias, com dor de barriga. (MÜLLER; RODRIGUES,

1994, p. 8).

A história do filme, naquele período, era cômica justamente porque o medicamento,

óleo de rícino, era considerado eficaz para todas as doenças, mas, ao mesmo tempo, era odiado

pelas crianças. Müller e Rodrigues (1994) ainda descreveram sobre outro filme que marcou

suas infâncias, no qual a história as divertia, mas as angustiava pela chance de serem “trocadas”

sem que seus pais percebessem, assim como ocorria no filme em questão:

[...] reproduzia a história de ima menina que, ao sair do colégio, numa

bicicleta, trajando um uniforme xadrezinho, foi colhida por uma carruagem,

atrelada por dois cavalos. Ela morreu e, para que sua mãe cardíaca, não se

desesperasse, procuraram, num asilo de órfãs, uma menina bem semelhante,

verdadeira sósia, vestiram-lhe o uniforme idêntico e a levaram à mãe da

falecida que não suspeitou da troca. (MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 8-9).

Percebe-se que essas memórias retratavam a infância urbana do município de Cuiabá

aos que tinham acesso ao cinema como diversão, realidade que não se generalizava em todos

os distritos, inclusive os rurais, que compunham a capital.

De acordo com Müller e Rodrigues (1994), foi criada a Irmandade de Nossa Senhora

da Conceição, da igreja São Gonçalo, fundada por Dona Relinda e Dona Alexandrina,

referências aos moradores do Porto. Essa Irmandade reunia toda a cidade, incluindo os

paroquianos e a própria elite. Faziam uma fogueira de São João, acompanhada de chá com bolo

e lavavam o santo na beira da margem esquerda do Rio Cuiabá. Essa era a festa das crianças

ribeirinhas e também daquelas que moravam em outras regiões do munícipio, que iam

acompanhadas de seus familiares.

Dentre os costumes as autoras destacam que havia nas casas cuiabanas de “aguar” o

café para as crianças, ou seja, acrescentavam mais água para eles, transformando-os em algo

mais próximo a um chá. Poucas casas tratavam as crianças e os adultos com a mesma atenção,

inclusive porque ali serviam cafés diferentes (MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 13).

As autoras referidas relatam que a vizinhança naquele período representava uma forte

união entre os vizinhos, que se sustentavam por deveres e obrigações que não eram explícitos,

no entanto eram aceitos pelos moradores das casas que se formavam em um quarteirão, podendo

se estender para outras ruas. Os vizinhos se tornavam próximos pelos próprios hábitos que eram

apropriados, como o de sentar a porta da rua, formando uma roda de conversas entre essas

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pessoas. As crianças nesse cotidiano “[...] se incumbiam de levar mais longe as raias da

vizinhança: chegavam até Nhá Vitu, no Capim Branco, à Chácara do Bicho, pelas jabuticabas,

aos quintais do Joaquim Pinto, pelos cajueiros, pequenas obrigações mantinham acesas as

chamas da amizade ou simples tolerância.” (MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 33).

Percebe-se que as crianças eram presentes no cotidiano dos adultos de Cuiabá, nos

diferentes espaços. Além disso, circulavam pelos distritos por meio dos quintais e dos pés de

árvores da vizinhança e colhiam frutas desses pés. Outro aspecto relevante era que essas

crianças entravam em todas as casas que se formavam em uma quadra, entendida como uma

praça, rua, quarteirão, que variava de acordo com os interesses e a intimidade entre a vizinhança.

Por isso, circulavam nessas residências sem anunciar que estavam entrando, segundo relata

Dunga Rodrigues:

Isto nos recorda certa meninazinha ao lado que, ao ouvir a galinha cacarejar,

sinal de que acabava de deixar o ovo no ninho corria apressada, atravessando

a nossa casa, direto ao local de onde trazia o ovo ainda quentinho e retornava

desconfiada, olhos sobressaltados, escondendo algo nas dobras do vestido.

(MÜLLER; RODRIGUES, 1994, p. 44-45).

Essas vizinhanças faziam parte da imaginação infantil e das suas brincadeiras. Assim

como os pequenos regos naturais que faziam a alegria dessas crianças, pois após as chuvas

procuravam por ouro que aflorava e guardavam para as entradas de circo (MÜLLER;

RODRIGUES, 1994).

Naquele período ainda não havia na capital mato-grossense lojas especializadas em

brinquedos, fábricas com esse designo. Não havia parques públicos de diversões infantis, mas

isso não era limitação para que as crianças deixassem de se divertir. Conforme ressaltam Müller

e Rodrigues (1994, p. 65): “Gostoso mesmo era o viver do menino pobre, inventador de

artimanhas.”

As brincadeiras acompanham o calendário dos acontecimentos e das festividades. No

carnaval, as crianças brincavam de “entrudo”, o que desrespeitava o período da quaresma, visto

que enchiam “[...] uma bisnaga redonda de metal prateado para molhar os colegas incautos e

distraídos. Logo vinha a malhação do Judas. Pendurado num pau de imbaúva, vestido de

andrajos, o Judas aguardava os sinos da Aleluia que, então badalavam às dez horas da manhã

de sábado.” Esse mesmo pau se transformava em “burrica”, uma gangorra. Jogavam bolitas de

ferro, “o vinte e um”, que se revezava com o jogo de bocha, que era mais voltado para os

adultos.

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Em agosto, os ventos levantavam as pipas, as pandorgas e os papagaios. No final do

ano, com as colheitas do milho, eram produzidas as petecas. Além dos brinquedos que eram

feitos de maxixe e palitos de fósforo e se transformavam em boizinhos, os carretéis da marca

elefante se tornavam soldados. Qualquer espaço se tornava campo de futebol. As meninas

brincavam de cirandas e rodas, do “pegador” e do quitute quando se reuniam para brincar de

fazerem comidinhas de verdade ou fingidas em panelas pequenas de barro (MÜLLER;

RODRIGUES, 1994, p. 66).

As autoras ainda retratam que os brinquedos importados, bonecas com rosto de

porcelana, por exemplo, faziam parte do cotidiano das crianças de classe social mais abastada.

Em muitas situações, os pais acabavam isolando seus filhos e filhas dos meninos que brincavam

nas ruas.

Conforme analisado anteriormente sobre as festividades religiosas, dentro desse

cenário cultural da cidade de Cuiabá, havia as crianças que se divertiam inspiradas nesses

eventos, no mês do junho: “[...] após as touradas, a criançada brincava com uma cabeça de boi

espetada numa vassoura e vários atacantes, reproduzindo, cada um de sua maneira, o espetáculo

que se sucedia à festa do Divino Espírito Santo.” (SÁ, 2007, p. 71). Ou seja, a autora analisa

que essas brincadeiras mudavam conforme as festividades ou o próprio clima da cidade.

Além das brincadeiras, percebe-se que as crianças participavam do cotidiano dos

adultos. Rodrigues (s/d, p. 75) afirmou em sua obra memorialística Reminiscências de Cuiabá

que quando ocorreu o desentulho do Beco do seu Pedro, também conhecido como Bequinho da

Botica, para a sua pavimentação, inúmeras pessoas acompanhavam as viaturas com a finalidade

de “batearem o entulho”. Esse cortejo era acompanhado pelas crianças.

As touradas, incialmente, ocorriam na Praça Ipiranga, mas posteriormente passou a ser

realizado no Campo d’Ourique ou no Largo da Fôrca. A equipe que atuava geralmente vinha

do município de Cáceres. No período da tarde e da noite funcionava um carrossel que encantava

as crianças para andarem nos cavalos.

Dessa forma, é possível identificar que as crianças dividiam a vida social com os

adultos, no entanto Rodrigues (1977) afirma que nos bailes as crianças não podiam entrar, mas

isso não as impedia de ficarem até tarde da noite nas janelas observando as danças dos adultos.

Assim, as crianças, que tinham o costume de participar de todas as ocasiões com sua

família, se faziam presentes também nos velórios. Conforme Rodrigues (s/d, p.109): “As

crianças também acompanhavam os adultos para fazer o quarto, como diziam; porém sempre

imbuídos daquele espírito de diversão, para quem a vida sorri indiferentemente à morte e à

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consternação.” Porém, quando se tratava de morte na família, as crianças tinham que respeitar

o luto que era imposto.

Mesmo fazendo parte da rotina dos adultos, as crianças tinham o costume de subir nas

goiabeiras e as pitombeiras. No período das aulas, eram locais utilizados para repetir as matérias

de história e geografia em voz alta, e se transformavam nas férias das crianças em palcos de

touradas e outras brincadeiras (RODRIGUES, 1977).

A praça também era um local bastante frequentado pelas crianças, que as via como

uma praça de guerra. Segundo Rodrigues (1977, p. 48-49, grifos da autora):

Arteiros, viam alí seu campo de ação seu mundo de Grimm, O mundo

maravilhoso de Alice. Pobres ou ricas, não lastimem as crianças. Elas

sobrevivem às misérias e dôres ambientes e se irmanam na melhor

camaradagem, vivendo e assimilando mais que os adultos, a parábola do

Mestre – Amai-vos uns aos outros. [...] Não se preocupem com as crianças

que não têm brinquedo. De um osso de canela de boi, elas o vem transformado

em viva e formosa boneca. Os cacos de garrafa multicolores fazem-nas

enxergar um mundo fantástico de sonho.

Percebe-se que a maioria dos objetos encontrados eram transformados em brinquedos,

fruto da imaginação e da criatividade infantil.

A chegada do circo na cidade, por sua vez, envolvia o povo cuiabano, inclusive de

diferentes classes sociais. O picadeiro atraía a todos. Na ausência de outra diversão, o circo

proporcionava entretenimento envolto por risadas, vaias e tristezas. As crianças saiam por

debaixo do pano, enganando a vigilância dos guardas (RODRIGUES, 1977).

Ademais, as reminiscências de Rodrigues (1977) destacam os piqueniques realizados

com toda a garotada da vizinhança, cujo trajeto era realizado a pé, preenchido por brincadeiras

e risadas. Perpassavam pelas ruas movimentadas e também pelos quintais com cercas de arame,

até chegarem nos seus destinos, geralmente nas proximidades de um rio. Assim:

Quando os ventos sopravam para os lados do Coxipó, não havia lugar melhor

no mundo. Um rio de águas claríssimas em que se podia procurar agulha no

seu leito, caso aí caísse alguma. Muito raso, porém não se podia fiar nele, pois

havia e ainda há alguns poços esparsos nos seus portos, que engulido muitas

pessoas descuidadas. Outras vezes rumavam à Guarita, Sítio à beira do

Cuiabá, abrangendo as margens do rio acima, até a Passagem da Conceição.

(RODRIGUES, 1977, p. 71).

Além das brincadeira, festas, piqueniques e visitas, o cotidiano infantil também era

marcado pelo trabalho. Em suas casas, o trabalho era divido entre todos os familiares, de modo

que cabia às meninas o trabalho doméstico, tais como costurar, lavar, passar e costurar. Os

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meninos se ocupavam do trabalho fora de casa, como levar encomendas aos parente e vizinhos,

varrer o passeio da rua e comprar mercadorias. As crianças ainda trabalhavam nas indústrias e

usinas, mas recebiam salários inferiores aos dos adultos, o que também variava pela distinção

entre os sexos, ou seja, as meninas tinham menores salários do que dos meninos (SÁ, 2007).

É possível afirmar que o cotidiano da infância de Cuiabá era marcado pela presença

na vida dos adultos, mas também de muitas brincadeiras que variavam segundo as festividades,

a imaginação e a criatividade. Verificou-se, ainda, como os hábitos e costumes de toda a

vizinhança refletiam no dia a dia das crianças.

No entanto, não foram localizados demais estudos que tratavam diretamente sobre a

história da infância cuiabana das áreas rurais. Ainda é pouco abordada no campo da História da

Educação, mas não há como desconsiderar a importância de voltar o olhar dos estudos acerca

da infância cuiabana e mato-grossense, porque é por dessa compreensão que encontramos

elementos para pensar a educação da infância rural, que é tão peculiar.

É nesse contexto cuiabano, permeado por essas particularidades culturais, que nos

capítulos seguintes analisamos a educação, especialmente da infância rural que se vivia nos

distritos da capital mato-grossense, fortemente marcada pelo aspecto urbano e rural nesse

período.

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2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO EM MATO GROSSO (1937-1945)

Neste capítulo nos propomos a analisar as políticas públicas educacionais no âmbito

estadual de Mato Grosso, enfatizando as suas modalidades escolares, a forte presença dos

símbolos nacionais na instrução pública e a representação dos professores acerca do cotidiano

vivenciado nas escolas primárias rurais. Tais análises foram fundamentais para nos aproximar

do objeto dessa pesquisa sobre o direito à educação da infância rural de Cuiabá.

2.1 O CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ÂMBITO EDUCACIONAL NO

PERÍODO DO ESTADO NOVO EM MATO GROSSO

Para a construção deste capítulo, primeiramente partimos da representação sobre as

políticas públicas no âmbito geral, por considerar que as políticas educacionais integram as

políticas públicas sociais de um país. Dessa forma, nos respaldaremos nas análises de Teixeira

(2002, p. 03), que as define como:

[...] diretrizes, princípios norteadores de ação do Poder Público; regras e

procedimentos para as relações entre Poder Público e sociedade, mediações

entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas,

sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de

financiamento) que orientam as ações que normalmente envolvem aplicação

de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as

intervenções e declarações de vontades e as ações desenvolvidas. Devem ser

consideradas também as “não ações”, as omissões, como formas de

manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que

ocupam cargos.

Assim, partindo desse conceito, as políticas públicas são concebidas como propostas

e são articuladas em conformidade com o contexto político, econômico e social no qual a

sociedade está inserida. Sua elaboração tem o intuito de responder a uma demanda da sociedade

civil e, ao mesmo tempo, dos próprios interesses dos organismos políticos com suas

particularidades. Por vezes são contraditórios, sendo necessário encontrar o consenso para que

se obtenha a eficácia esperada a fim de garantir os direitos já preconizados e também para que

sejam reconhecidos e assegurados novos direitos aos cidadãos.

Os processos de elaboração, de implantação e dos resultados das políticas públicas

revelam as diferentes configurações do poder político responsável pelas atividades e programas,

mesmo que de forma direta ou indireta.

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De acordo com Teixeira (2002), há uma delimitação do alcance das políticas públicas

no que tange a sua definição, uma vez que na esfera de poder político elas podem ser municipais,

estaduais ou federal. O seu conteúdo pode abranger diferentes categorias, sejam elas: sociais,

econômicas, de assistência social, da educação, da saúde e outras. Para as políticas públicas

serem implementadas perpassam pelos procedimentos de formulação atrelados às demandas

sociais, pela sua viabilidade para implantação e, posteriormente, avaliam-se os resultados a

serem alcançados. O seu desenvolvimento depende da articulação do trabalho entre os entes

federados para que alcancem as suas finalidades. Nesse sentido, as políticas públicas são

permeadas de processos que envolvem complexidades e ao mesmo tempo contradições,

justamente por vincularem diferentes interesses na garantia de direitos, que por vezes se

confrontam (INEP, 2006).

Quando tratamos das políticas públicas, como visto anteriormente, não se pode

desconsiderar a distinção entre elas e as políticas sociais que, por sua vez, são ações mais

direcionadas à distribuição de benefícios sociais, determinando o padrão de proteção social

praticado pelo Estado e tendo como principal objetivo diminuir os índices de desigualdades

estruturais, entendidos como reflexos do desenvolvimento socioeconômico do país. As políticas

sociais abrangem as mesmas esferas de atuação das políticas públicas. As políticas educacionais

integram o conjunto das políticas públicas sociais, cuja regulação tem como principal

responsável o Governo, que pode ser ou não a expressão da ação social do Estado. Seus

referenciais normativos vão direcionar suas ações, que serão materializadas por intermédio dos

programas, interagindo com os diferentes atores sociais (INEP, 2006).

Nessa perspectiva, concordamos com Saviani (2008) quando analisa as políticas no

âmbito educacional no Brasil e afirma que elas se relacionam com as decisões tomadas pelo

Estado. Pontua ainda que há limitações estruturais e tributárias históricas para que se

consolidem e que uma delas seria a oposição das elites dirigentes à manutenção necessária para

o funcionamento da educação pública, o que é demarcado pelos ínfimos recursos financeiros

destinados a esse setor da sociedade. Além disso, outro fator que merece destaque como reflexo

das constantes mudanças governamentais refere-se à descontinuidade das medidas

implementadas pelo Estado e suas reformas.

Portanto, a política educacional se vincula aos objetivos, às regras estabelecidas e aos

valores preconizados por uma sociedade. Trata-se de compreender os limites e as possibilidades

de ações coletivamente construídas e efetivadas na área da educação, que se imbricam nas

formas como se organizam os direitos e deveres dos cidadãos. Para tanto, se torna necessário

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que se analise e considere os fatos históricos para ser possível atender as demandas sociais

(INEP, 2006).

Embora os discursos reafirmem essas garantias firmadas pelo Governo, não são em

todas as situações que essas políticas trazem os resultados positivos, uma vez que não basta

apenas assegurar tais serviços, é preciso prestá-los com qualidade de acesso e permanência.

Nesse sentido, em Mato Grosso, as políticas públicas de educação, no período do

Estado Novo, permaneceram direcionadas pelo Regulamento da Instrução Pública Primária do

ano de 1927 (Decreto n.º 759, de 22 de abril de 1927), que vigorou até 1952, período em que

foi sancionada no estado a Lei Orgânica do Ensino Primário, em nível federal. Percorreremos

esse recuo histórico para nos dar o respaldo necessário para a compreensão de como estava

sendo organizada a educação e o direcionamento das suas políticas públicas no estado,

utilizando, ainda, as demais documentações oficiais desse período, compostas por relatórios

governamentais, mensagem dos interventores e outras.

Os primeiros artigos desse documento apresentaram a divisão do ensino do estado de

acordo com a natureza do curso em primário e secundário. E, ainda, que o ensino seria

ministrado em instalações públicas e particulares, mas ambos estariam sujeitos a serem

fiscalizados (MATO GROSSO, Regulamento, 1927, Arts. 1º e 2º).

Essas fiscalizações durante o período do Estado Novo eram de responsabilidade

apenas de dois Inspetores Gerais do Ensino em todo Mato Grosso, de forma que um seria

responsável por realizar as inspeções na zona norte e outro na zona sul. Essa quantidade de

profissionais era insuficiente para realizar as inspeções em todas as instituições de ensino

existentes no estado, considerando a proporção da extensão do seu território no período, como

foi abordado no capítulo anterior.

A Diretoria Geral era o órgão encarregado pela Instrução Pública do estado de Mato

Grosso. O diretor geral era a pessoa responsável pela sua administração, tendo por atribuição

dirigir o ensino, efetuando e fazendo cumprir as legislações e os regulamentos que estavam em

vigência. As escolas primárias e secundárias da rede pública e particulares de todo o estado

eram representadas pelos professores, administrativo e alunos, que estavam subordinados a essa

Diretoria (SIMIÃO, 2006).

Com relação ao ensino público, seria gratuito e obrigatório a todas as crianças de sete

a 12 anos de idade, analfabetas e consideradas normais, e que deveriam residir até 2 quilômetros

da escola. Todas as instituições de ensino teriam que seguir os mesmos conteúdos, apenas

variando o tempo de duração dos cursos. O Regulamento da Instrução Pública Primária definiu

em categorias essas escolas públicas, conforme:

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Quadro 3: Categorias das Escolas Públicas Primárias em Mato Grosso

Escolas isoladas rurais [...] localizadas a mais de 3 quilômetros da sede do município. Art. 6 –

A escola rural tem por fim ministrar a instrução primária rudimentar;

seu curso é de dois anos e o programa constará de leitura, escrita, as

quatro operações sobre números inteiros, noções de História Pátria,

Corografia do Brasil e especialmente de Mato Grosso e noções de

Higiene (MATO GROSSO, Relatório, 1927, p. 163).

Escolas isoladas

urbanas

“[...] localizada num raio de até três quilômetros da sede do município.

Art. 13 – O curso da escola urbana é de três anos, sendo o programa dos

dois primeiros anos igual ao das escolas rurais.” (MATO GROSSO,

Relatório, 1927, p. 164).

Escolas isoladas

noturnas

só se diferenciam das escolas isoladas urbanas no que tange a se

destinarem: “[...] aos meninos de 12 para mais, que forem

impossibilitados de freqüentar as aulas diurnas.” (MATO GROSSO,

Relatório, 1927, p.165).

Escolas reunidas [...] num raio de dois quilômetros, funcionarem três ou mais escolas

isoladas, com frequência total mínima de 80 alunos, o governo poderá

reuni-las num só estabelecimento, que receberá a denominação de

“Escolas Reunidas”. Art. 20 – As escolas reunidas terão no máximo sete

classes e não poderão funcionar com menos de três. Art. 21 – A criação

de escolas reunidas visa: I – melhorar as condições pedagógicas e

higiénicas das salas escolares; II – classificar os alunos pelo nível de

desenvolvimento intelectual; III –facilitar e intensificar a inspeção. [...]

Art. 24 – O curso das escolas reunidas é de três anos e obedecerá o

programa anexo a este regulamento (MATO GROSSO, Relatório, 1927,

p.166)

Grupos escolares [...] no mínimo, oito classes, e serão criados onde houver, pelo menos,

num raio de 2 quilômetros, 250 crianças em idade escolar. § único – As

escolas reunidas que, em virtude de desdobramento de suas classes,

funcionarem, durante um ano, com oito classes, serão transformadas em

grupos escolares. Art. 35 – Funcionará anexa a cada Escola Normal, um

grupo escolar modelo destinado à observação e prática pedagógica dos

normalistas e ao ensaio e divulgação dos novos métodos de ensino.

(MATO GROSSO, Relatório, 1927, p. 167). Fonte: MATO GROSSO, Regulamento (1927)

De acordo com as análises de Sá e Furtado (no prelo), o ensino primário no estado foi

ministrado em diferentes tipos de escolas, que se distinguiam pela sua localização, número de

alunos, pela forma como sua organização pedagógica se constituía, por parâmetros com base

na titulação dos professores, entre outros aspectos estabelecidos, apontando que as crianças não

tinham o mesmo acesso e direitos à educação. Na prática, também existiram outras modalidades

de escolas que foram apresentadas nas documentações dos governadores e interventores do

estado da década de 1930, como as escolas isoladas ambulantes e distritais.

A Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa pelo Interventor Federal do Estado

de Mato Grosso, Cap. Manoel Ary da Silva Pires, no mês de junho de 1937, informou a

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quantidade de escolas existentes em Mato Grosso e a suas respectivas fiscalizações no ano de

1937, totalizando no estado 227 escolas, sendo elas:

Tabela 5: Escolas primárias existentes em Mato Grosso em 1937

LOCALIDADE QUANTIDADE

Urbanas 55

Distritais 20

Rurais 152

Total 227 Fonte: MATO GROSSO, Mensagem (1937)

Isso nos indica que era na região da zona rural que se localizava a maioria das escolas

no estado, conforme análises apresentadas no capítulo anterior. Dessa forma, por meio do

Decreto n.º 759, de 22 de abril de 1927, o ensino primário no estado foi reorganizado por:

[...] duas Inspetorias Regionais do Ensino, órgãos técnicos, remunerados, a

que estão entregues toda a responsabilidade moral na fiscalização e eficiência

pedagógica do ensino, mantendo ainda os cargos honoríficos de Inspetores

Escolares, também encarregados da fiscalização do ensino primário nos

municípios, termos e distritos. (MATO GROSSO, Mensagem, 1937, p. 02 e

03).

Eram os Inspetores Escolares, em grande maioria, escolhidos por serem pessoas

indicadas por chefes políticos locais, não considerando a sua capacidade técnica e a

competência para a execução do cargo. Em algumas situações a escolha desse profissional podia

ser de uma pessoa analfabeta, sem o mínimo de instrução, fato que não garantia a execução da

função.

A respeito, o relatório apresentado pelo Diretor da Instrução Pública, Francisco

Alexandre Ferreira Mendes (1944), reconheceu que a inspeção escolar em Mato Grosso era

inexistente, com exceção das Escolas Públicas de Cuiabá, Campo Grande e dos demais centros

considerados populosos do estado. Ressaltou a ausência de profissionais competentes para

exercer o cargo de Inspetor e, ainda, que até aquele período ocorrera a permanência de

profissionais leigos que somente realizavam a fiscalização em alguns municípios uma vez ao

ano e de forma superficial, apenas colhendo os dados relacionados ao quantitativo de alunos

frequentes e matriculados e na escrita dos livros estatísticos. Por conseguinte, se constituiu

como um trabalho ineficaz para a educação em Mato Grosso, que, por sua vez, não tinha valor

para a administração.

Apesar das fiscalizações nessas escolas terem o auxílio dos Inspetores Distritais, das

autoridades policiais, dos Diretores de Grupos Escolares e Escolas Reunidas, e, ainda, dos

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Prefeitos Municipais, Promotores Públicos e seus adjuntos, não eram suficientes para fiscalizar

todas as escolas existentes, considerando, ainda, a ausência de estradas, de comunicação e que

tinham que abandonar os seus afazeres para realizar uma atividade não remunerada.

O discurso do jurista Gervásio Leite13 (1971) acerca do ensino em Mato Grosso era de

uma educação com inúmeras dificuldades, e isso não só pela dimensão territorial do estado,

como por não seguir uma orientação bem definida pela própria Instrução Pública, associando-

se aos problemas relacionados com o método e programa de ensino e com os professores,

embora não fosse possível manter igualdade nas ações entre as regiões do estado em virtude

das características específicas de cada uma delas.

O Diretor da Instrução Pública sugeriu como forma de melhorar as fiscalizações nas

instituições de ensino dividir o estado em zonas, em conformidade com as condições de

acessibilidade de cada região, de forma que facilitasse a abertura de concursos e provas para a

nomeação de profissionais, com uma remuneração condizente com o exercício da sua função,

com a finalidade de obter inspetores capazes de atender as necessidades do seu cargo (MATO

GROSSO, Relatório, 1944). Tais ações estavam previstas desde o Regulamento de 1927,

porém, até o final do período do Estado Novo, não haviam sido efetivadas.

Tal fato se constituiu como uma das dificuldades enfrentadas nesse período por não

estar em consonância com a pedagogia moderna, devido à falta de fiscalização adequada, o que

acarretava prejuízos aos professores, principalmente aos que trabalhavam nas escolas

localizadas no âmbito rural, pois o difícil acesso nessas instituições de ensino fazia com que

essas fiscalizações, em alguns casos, nem ocorressem. Esse fator também contribuiu para que

não houvesse a possibilidade de direcionar programas nesse setor por se desconhecer as

especificidades das regiões que não eram inspecionadas.

Outro ponto que merece destaque são as condições em que os prédios escolares se

encontravam. O Interventor Federal de Mato Grosso destacou que apenas as Escolas Normais

e Modelo Anexa e o Grupo Escolar Senador Azeredo estavam instaladas em prédios adequados

e com condições higiênicas parcialmente compatíveis com o que era exigido, embora ainda

necessitassem de material escolar e demais reparos. Ademais, todas as escolas estavam

instaladas em prédios inadequadas, improvisados e não atendiam aos requisitos estabelecidos

pela Instrução Pública. Por isso, ele destacou a necessidade urgente de uma reforma na

educação mato-grossense (MATO GROSSO, Mensagem, 1937).

13 A sua obra trata-se de uma produção historiográfica clássica referente ao estado e a sua representação e vem

como um dos primeiros esforços em proceder um estudo sobre a história da educação de Mato Grosso.

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77

A problemática com relação aos prédios e mobiliários escolares também foi enfatizada

em outros documentos, como o relatório do Inspetor Geral do Ensino Primário na Zona Norte

do Estado, Sr. Augusto Moreira da Silva Filho (1938), que afirmou que dentre as mais de 100

escolas inspecionadas em quase todo o território do estado, somente as que estavam localizadas

nas vilas e cidades eram instaladas em prédios próprios, mas que ainda existiam algumas

exceções. Destacou as instituições de ensino que se localizavam nas zonas rurais e sua

infraestrutura precária.

O Inspetor Geral ainda sugere que o governo estadual deveria estabelecer um acordo

com as prefeituras para que se comprometessem a construir casas apropriadas para a instalação

das escolas rurais, pois a realidade que permeava essas regiões era de espaços cedidos pelos

próprios professores em suas residências ou em casas alugadas.

A respeito, o Interventor Federal de Mato Grosso, Júlio Strubing Müller, informou que

o estado estava se esforçando para construir nos distritos principais de Mato Grosso novos

prédios e melhorar outros que já existiam, obedecendo as normas prescritas pela pedagogia

moderna (MATO GROSSO, Relatório, 1940). Contudo, podemos identificar nos documentos

posteriores, que esses esforços não foram suficientes para atender a toda demanda existente em

Mato Grosso, realidade que permaneceu durante todo o Estado Novo, como veremos adiante.

O Interventor Federal destacou a assistência escolar nula com relação à higiene e

fiscalização médico-escolar. Expressou a sua importância e necessidade diante do contexto em

questão. Dessa forma, as crianças estavam abandonadas e desprotegidas pelas políticas públicas

vinculas ao sistema educacional que o estado deveria proporcionar (MATO GROSSO,

Mensagem, 1937).

Mesmo diante de todas essas dificuldades, podemos observar que, nesse contexto,

foram criadas 59 instituições de ensino em Mato Grosso no ano de 1939, sendo:

Tabela 6: Escolas criadas em 1939

CATEGORIA

DAS ESCOLAS

QUANTIDADE

Grupos Escolares 02

Escola Reunida 01

Escolas Isoladas 02

Escolas Distritais 35

Escolas Regimentais 14

Escolas rurais 05

Total 59 Fonte: MATO GROSSO, Relatório (1940)

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Com a criação dessas novas escolas, a distribuição por localidade se organizou da

seguinte forma no estado:

Tabela 7: Localização das Escolas Primárias em Mato Grosso (1940)

MODALIDADE DE ENSINO

LOCALIDADE GRUPOS

ESCOLARES

ESCOLAS

REUNIDAS

ESCOLAS

ISOLADAS

ESCOLAS

RURAIS

ISOLADAS

Capital 2 4 9 33

Rosário Oeste 1 - - 15

Santo Antônio 1 - 1 18

Poconé 1 - - 7

Cáceres 1 - - 9

Corumbá 1 1 4 6

Aquidauana 1 - 2 2

Campo Grande 2 2 2 4

Três Lagoas 1 - - 6

Ponta Porã 1 - - 5

Herculânea 1 a instalar - 1 8

Livramento - 1 1 7

Porto Murtinho - 1 - 3

Miranda - 1 - 3

Maracaju - 2 - 2

Paranaíba - 2 - 4

Entre Rios - 1 - 1

Bela Vista - 1 1 1

Nioaque - 1 - 2

Poxoréu - 1 - -

Lageado - 1 - 4

Alto Araguaia - 1 - 4

Guajará-Mirim - 1 - 9

Alto Madeira - - - 3

Araguaiana - - - 6

Diamantino - - - 3

Mato Grosso - - - 1

TOTAL 13 21 21 166 Fonte: OLIVEIRA; CASTRO (2017)

Podemos analisar por essa tabela e pelas fontes do Relatório do ano de 1940 que as

matrículas nas escolas primárias de Mato Grosso alcançaram um total de 25.699 crianças. No

entanto, observa-se que, apesar desse quantitativo de matrículas, o acesso à escolarização era

restrito e havia índices de evasão consideráveis por parte dos alunos que não concluíam o ensino

primário. Devemos considerar, ainda, a população infantil que nem sequer constou nessa

estatística.

A partir dos documentos de solicitação do pagamento de aluguéis das casas em que

funcionavam as escolas primárias rurais enviados à Instrução Pública mato-grossense e dos

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documentos dos professores solicitando materiais é possível inferir em que condições essas

escolas eram criadas, considerando a ausência de infraestrutura própria, o mobiliário e material

escolar, que, em sua maioria, eram inapropriados e/ou inexistentes, a ausência das constantes

fiscalizações realizadas por profissionais capacitados e os ínfimos recursos financeiros

dispendidos com políticas públicas direcionadas ao setor.

Isso podemos observar na solicitação realizada pela Professora Alice Pacheco P. de

Castro, que lecionava na Escola Rural Mista de Bôa-Vista, munícipio de Cuiabá, no dia 06 de

julho de 1940, ao Diretor Geral da Instrução Pública de Mato Grosso: “Tendo terminado os

objetos escolares e achando em faltas de alguns livros, venho mui respeitosamente vos solicitar

os seguintes: 10 – 1° livro Primeiras leituras na Roça, 10 Cartilha do Povo, 2 resma de papel

almasso, 3 duzias de lápis preto, 1 lápis bicolor [...]” (MATO GROSSO, Solicitação, 1940, s/p).

Ao percorrer os Relatórios oficiais desse período, podemos identificar o que foi

apresentado pelo Interventor do Estado de Mato Grosso, Júlio Strubing Müller, ao Presidente

Vargas, no ano de 1942. Ou seja, há dicotomia no discurso do Governante ao evidenciar a

situação do ensino primário no estado no ano anterior, que, segundo ele, esteve em

conformidade com o que estava estabelecido nos regulamentos e legislações vigentes,

obedecendo aos padrões pedagógicos.

No entanto, podemos inferir que principalmente as escolas primárias das zonas rurais

não seguiam esses preceitos na prática, sendo marcadas pela ausência de ações voltadas à

dinamização de recursos físicos e materiais necessários para o seu funcionamento.

Diante desse levantamento documental e de todas as dificuldades apontadas, o

documento Organização do Ensino Primário e Normal XVIII Estado de Mato Grosso Instituto

Nacional de Estudos Pedagógicos Boletim n.º 22”, apresentado no ano de 1942, pelo Ministério

da Educação e Saúde, apontou que entre os anos de 1932 a 1941 houve um aumento

considerável das Escolas Primárias de ensino fundamental comum, públicas e particulares em

Mato Grosso, considerando o número de matrículas, a quantidade de escolas e a despesa do

estado com a educação, conforme a tabela seguinte:

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Tabela 8: Escolas Primárias de ensino fundamental comum, públicas e particulares de Mato Grosso

Ano Escolas

Primárias de

ensino

fundamental

comum,

públicas e

particulares de

Mato Grosso

Matrículas Quantidade de

escolas

Despesa do

Estado com

Educação

1932 238 16.407 alunos 08 1.636 contos

1941 336 28.223 alunos 64 3.442 contos

Aumento

percentual

41 % + 70 %

700% 110.9%

Fonte: BRASIL, Organização do Ensino Primário e Normal XVIII Estado de Mato Grosso Instituto Nacional de

Estudos Pedagógicos Boletim n.º 22 (1942)

Nesse sentido, podemos observar que em menos de uma década houve o crescimento

de 700% das Escolas Primárias em Mato Grosso, de acordo o citado documento, reflexo das

ações do Interventor Federal Júlio Müller direcionadas à construção das novas instituições de

ensino.

Contudo, conforme analisou Lourenço Filho nesse mesmo documento: “O evidente

progresso de quantidade, não pode ser acompanhado, no entanto, por sensível desenvolvimento

das normas de administração e de orientação pedagógica.” (BRASIL, Organização do Ensino

Primário e Normal, 1942, p. 08).

Essas orientações gerais e os programas ligados ao ensino estavam demandando a sua

revisão com a finalidade de se adequarem às necessidades específicas de trabalho e do próprio

estado, e seria importante partir para recursos com ênfase na ação social. Mas não se pode

desconsiderar que melhorar as condições da educação em Mato Grosso dependeria também da

preparação e da formação dos professores, considerando que:

[...] ainda em 1.941, cerca de metade dos professores em exercício, no estado,

não haviam recebido qualquer orientação específica para o trabalho que

realizam. Isso explicará, em grande parte, o deficiente rendimento escolar. No

triênio 1.939 – 1.941 os alunos aprovados não chegavam a representar metade

da matrícula efetiva em relação a matrícula geral, os alunos só chegavam a ser

promovidos em um terço. (BRASIL, Organização do Ensino Primário e

Normal, 1942, p. 09).

Desse modo, esse documento reconheceu a falta de orientação por parte da Instrução

Pública aos professores, justificando que essa seria uma das causas do pequeno quantitativo de

aprovações anuais dos alunos, sem reforçar os demais elementos que faziam parte desta

realidade.

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81

Os professores que atuavam no ensino primário, teoricamente, permaneceram

utilizando o método intuitivo e prático, conforme estabelecido no Regulamento de 1910. O

Regulamento de 1927, sofrendo a influência das ideias escolanovistas14, introduziu o método

analítico para o ensino da leitura, que se baseava no todo para depois se analisar em partes.

Conforme Alves (1998), a aplicação dessa metodologia apresentou dificuldades para alguns

docentes, devido à ausência de preparação na sua formação, visto que as iniciativas e ações

desenvolvidas e implementadas pelo Poder Público eram insuficientes para suprir as

necessidades. Logo:

Com a adoção dessas medidas percebe-se o esforço dos educadores de Mato

Grosso em adequar a escola ao meio social, e ao mesmo tempo, acompanhar

as reformas nacionais. No entanto, na prática, pouco se conseguiu. Em quase

todos os relatórios de diretores de grupos escolares como nos de diretores de

Instrução Pública nesse período, se ressaltava a completa desorientação em

relação ao emprego de métodos, devido à falta de habilidade dos professores.

(ALVES, 1998, p. 75).

Percebe-se que a realidade mato-grossense não sofreu alterações significativas como

nos grandes centros urbanos com relação às ideias escolanovistas e com o que o Presidente

Vargas destacava em sua pretensão de introduzir na educação brasileira novos parâmetros e de

transformar as instituições de ensino em aparelhos eficientes para disseminar os seus ideais

ancorados no progresso econômico e social do país.

Apesar do Regulamento da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso do ano de 1927

ter apresentado algumas inovações no aspecto pedagógico com o movimento pela Escola Nova,

elas não se consolidaram de forma considerável, se comparadas às mudanças que estavam

acontecendo em outros estados brasileiros. Esse movimento se sobressaiu justamente por

valorizar a criança, tornando-a coparticipante das aulas “[...] como sujeito da aprendizagem e

agente do seu próprio desenvolvimento”, respeitando as capacidades e ritmos individuais de

aprendizagem, valorizando, ainda, sua liberdade de expressão. Contrapõem- se à concepção da

“pedagogia tradicional” (SÁ, 2011, s/p).

De acordo com as análises de Sá (2011), o investimento na educação buscou seguir as

ideias pedagógicas que circulavam em outros estados brasileiros, por meio das legislações, das

publicações e dos próprios congressos promovidos pela Associação Brasileira de Educação e

pela União. Algumas propostas foram apresentadas em Mato Grosso, semelhantes as realizadas

14 Esse ideário veio para contrapor as ideias da escola tradicional com relação às práticas pedagógicas, e “[...] a

centralidade da criança nas relações de aprendizagem, o respeito às normas higiênicas na disciplinarização do

corpo do aluno e de seus gestos, a cientificidade da escolarização de saberes e fazeres sociais e a exaltação do ato

de observar, de intuir, na construção do conhecimento do aluno.” (VIDAL, 2003, p. 497).

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em outras localidades, trazendo alguns princípios escolanovistas para a educação. No entanto,

em muitos aspectos não foi preconizada a interrupção com os modelos pedagógicos conhecidos

em Mato Grosso.

Por conseguinte, para compreender a educação como um elemento essencial no

processo de efetivação da cidadania da população, ela deveria ser entendida como um direito,

garantido integralmente, na elaboração de ações e programas, sendo organizada de modo que

os indivíduos tivessem as mesmas condições de acesso e permanência. Para que isso ocorresse

naquele período, principalmente no âmbito rural, seriam necessárias transformações nas

legislações vigentes, bem como demasiado investimento em políticas públicas, visando atender

às demandas específicas.

Além disso, o ponto de vista de Leite (1971) reforçou que a escola deveria ser analisada

por todos os aspectos (demográfico, político-social, administração escolar e outros) que a

integram. Os problemas que cercavam a educação eram inúmeros, e em nível nacional, não

apenas como uma realidade local isolada. Portanto, a esperança apontada pelo autor seria a

elaboração e efetivação do Plano Nacional de Educação, embora o Relatório apresentado no

ano de 1944 tenha retratado que:

A unificação do ensino, de primeira vista, parecia a solução viável e acertada.

Entretanto, considerando-se o aspecto educacional brasileiro e as condições

mesológicas do país (sic), é de ver-se a grande diferença de vida, hábitos e

costumes, a oporem barreiras à essa unidade sob o ponto de vista didático-

administrativo. Dessa forma, parece-nos, a solução dos problemas que se

apresenta ainda em estudos, continuará por algum tempo, sem solução.

(MATO GROSSO, Relatório, 1944, s/p).

Portanto, o relatório levou em consideração as especificidades existentes em cada

região e que, por essa razão, não havia possibilidade de trazer soluções uniformes para todo o

estado e nem mesmo unificar em nível nacional o ensino. Por isso, seriam necessários novos

estudos com a finalidade de trazer solução mais assertivas.

Podemos analisar que as políticas públicas voltadas para o ensino no estado de Mato

Grosso, de um modo geral, enfrentaram inúmeras dificuldades para a sua efetivação durante o

período do Estado Novo. Atrelado a isso têm-se, ainda, a ausência de iniciativas, de ações e

programas por parte do Ministério da Educação e Saúde, o que se soma à ausência de recursos

destinados, principalmente às escolas primárias que se localizavam nas regiões rurais, utilizadas

nos primeiros anos do Estado Novo como mero instrumento político e ideológico, no sentido

de pretender articular a extinção do analfabetismo com a política ditatorial do período.

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Os resultados do ensino primário permaneceram insuficientes para atender aos

problemas educacionais vivenciados por aquela realidade social, marcada pela precariedade de

acesso e permanência da população infantil. Além disso, dentre as diferentes modalidades de

escolas primárias que se disseminaram por todo estado de Mato Grosso, foram as escolas

isoladas rurais que mais se expandiram nesse período, como se aborda no capítulo seguinte.

2.2 ENTRE TEXTOS E CONTEXTOS: O COTIDIANO DOS PROFESSORES PRIMÁRIOS

Com base no objeto de pesquisa deste trabalho, vale destacar o cotidiano dos

professores primários no qual a infância mato-grossense também se inseriu, levando em conta

os seus aspectos de formação na Escola Normal, pois ainda havia um contingente considerável

no período do Estado Novo de professores leigos. Em face da temática abordada, consideramos

a mobilidade entre as escolas que iriam lecionar por dependerem do forte favoritismo político.

Para fazer essas análises utilizamos o recurso da memória desses professores, publicado por

outros pesquisadores.

2.2.1 Normalistas e leigos: os professores primários no estado de Mato Grosso

O cotidiano dos professores primários tinha um direcionamento a partir do

Regulamento da Instrução Pública Primária de Mato Grosso (1927), que legislou acerca das

categorias dos professores primários, sua nomeação, compromisso, posse e exercício,

considerando os deveres e direitos que deveriam nortear a sua atuação. Esses professores

podiam ser efetivos, interinos ou substitutos, desde que formados pela Escola Normal e/ou que

tivessem completado o curso primário, atuando como professores leigos.

Apesar do Regulamento amparar a contratação de professores leigos, há críticas em

torno dessa questão, pois os governantes atribuíam os problemas do ensino rural à falta de

formação docente, e dificilmente criticavam ou se responsabilizavam pela ausência de

investimentos financeiros necessários nesse âmbito.

Os professores efetivos que fossem atuar nas escolas urbanas tinham que exercer a sua

função pelo tempo mínimo de um ano nas escolas rurais e os professores normalistas deveriam

atuar com dois anos de exercício interino ou substituto, estabelecidos como critério de seleção

(MATO GROSSO, Regulamento, 1927).

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De acordo com o Art. 125 do referido Regulamento, cabia aos professores das escolas

isoladas, independentemente de sua categoria, além dos deveres previstos no Art. 123: atender

e exercer as instruções e ordens sobre o ensino que o inspetor distrital lhes fizesse; organizar o

recenseamento no seu raio de abrangência escolar, segundo as instruções do diretor geral;

quando ocorressem visitas das autoridades a escola e os livros de escrituração deveriam ser

abertos; e proporcionar festas cívicas indicadas pelo inspetor distrital.

Os trabalhos escolares nas instituições que funcionavam apenas em um turno teriam a

duração de quatro horas e meia, com o intervalo de 40 minutos para o recreio dos alunos ao ar

livre. As instituições que funcionavam em dois turnos teriam a duração de quatro horas, com

30 minutos de intervalo para recreio dos alunos, também ao ar livre. Utilizavam a privação ao

recreio como penalidade aos alunos das escolas públicas, considerando que seria o momento

em que as crianças teriam para brincar (MATO GROSSO, Regulamento, 1927).

Nos domingos, feriados nacionais e estaduais e por determinação do Governo do

Estado eram suspensos os trabalhos escolares, além dos dias que compreendiam de 15 a 30 de

junho.

Segundo Simião (2016, p. 55), todos os trâmites burocráticos que se relacionavam com

a vida dos professores, como as transferências, licenças para tratamento de saúde, gratificações,

aposentadorias e permutas eram realizadas por dispositivos legais por meio de “atos

administrativos”, quando enviados pelo Presidente do Estado. A Secretaria do Interior e a

Diretoria Geral da Instrução Pública aprovavam por via de “portarias”, ao passo que as

Diretorias das Escolas Normais e dos Grupos Escolares realizavam mediante as “designações”,

de acordo com o regulamento em vigência. Como exemplo a autora se refere que:

[...] uma professora que se casasse, oficiava ao Diretor Geral comunicando-

lhe o fato e este, por sua vez, encaminhava a informação ao Presidente do

Estado, que, por meio de despacho concedia permissão para que ela passasse

a assinar com o sobrenome do marido, e assim por diante. (SIMIÃO, 2006, p.

56).

Todos esses processos perpassavam pelo Diretor Geral da Instrução Pública do estado,

como também, naquele período, eram inúmeros os casos motivados por pedidos de licença nos

estabelecimentos de ensino primário, solicitando a substituição eventual. Rodrigues (1969)

apontou em sua obra memorialística que esse seria um fato urgente para ser solucionado,

considerando que em algumas situações a escola ficava sem professor por período

indeterminado, pois era apresentada a solicitação e logo em seguida já se abandonava o

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85

exercício da função, aguardando se o resultado seria favorável ou não. Nesse intervalo de tempo

a classe permanecia vaga, trazendo prejuízos às crianças matriculadas nessas escolas.

Não se podia datar com precisão a contratação de outro professor, por isso, nesse

espaço de tempo indeterminado as crianças ficavam sem aula, aguardando a chegada de um

outro professor para assumir a turma e dar seguimento às aulas.

De acordo com o relatório no ano de 1944, apresentado ao Presidente do Estado pelo

Diretor da Instrução Pública Francisco A. Ferreira Mendes, podemos analisar que grande parte

dos professores no início do período em questão eram mulheres, sobretudo, as que atuavam no

ensino primário nas escolas isoladas rurais. Muitas não tinham formação pelo Curso Normal,

sendo denominadas leigas, apesar da maioria ser normalista, como pode ser observado na tabela

a seguir:

Tabela 9: Quantitativo dos Professores das Escolas Primárias Rurais de Mato Grosso (1944)

LOCAL TOTAL

DE

ESCOLAS

VAGAS NORMALISTAS

LEIGOS EFETIVOS INTERINOS

Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres

Cuiabá 41 04 01 33 02 05 01 04 02 30

Diamantino 03 02 - - 01 - - - 01 -

Rosário

Oeste

16 01 - 07 01 06 - 01 01 13

Cocais

(Livramento)

12 02 01 08 - 01 - 01 09

Poconé 11 03 - 06 01 01 - - 01 08

Cáceres 12 04 - - 04 04 - - 04 04

Mato Grosso 04 02 - - - 02 - - - 02

Santo

Antônio

15 02 - 07 - 06 - 01 - 12

Corumbá 06 03 - - 03 - - - 03 -

Miranda 02 01 - - - 01 - - - 01

Aquidauana 04 01 - - - 03 - - - 03

Porto

Murtinho

04 01 - - 02 01 - - 02 01

Bela Vista 03 - - - 03 - - - 03 -

Nioaque 02 01 - 01 - - - - - 01

Herculânea 08 03 - - 02 03 - - 02 03

Campo

Grande

11 03 - 07 - 01 - - - 08

Total 154 33 02 65 19 34 01 06 20 95

Fonte: CASTRO; CORRÊA (2017)

Nesse relatório percebe-se que das 154 escolas rurais listadas em Mato Grosso 21,55%

delas estavam vagas, ou seja, sem professor lotado para o seu efetivo funcionamento. Dos

professores relacionados, cerca de 81,50% eram mulheres. No que concerne à formação,

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aproximadamente 55% dos professores que atuaram nas escolas rurais no período tinham

formação na Escola Normal.

Segundo o relatório apresentado por Francisco A. Ferreira Mendes, no ano de 1944, a

realidade das Escolas Primárias Rurais da capital mato-grossense se distinguia das demais

cidades, ou seja, apresentava um total de 41, embora nem todas estivessem funcionando por

falta de professor ou por não terem sido alocadas em determinada região. É o que apresenta o

quadro seguinte:

Quadro 4: Relação dos Professores que lecionavam nas Escolas Isoladas Rurais de Cuiabá-MT

Nº LOCALIDADES Sexo

NOME DOS PROFESSORES TÍTULOS

1. Vertente Mixta Marina Mafalda do Patr. Cardoso

Normalista

2. Parí Mixta Maria do Carmo Rodrigues Barreto

Normalista

3. Sovaco Mixta Antonia Costa

Normalista

4. Capela do Pissarão

Mixta Benedita Conceição Da Silva Normalista

5. Tijucal Mixta Maria Julieta Moreira Da Silva

Normalista

6. Passagem da Conceição

Mixta Isaura Lucinda da Silva Normalista

7. Ponte Alta Mixta Oliva Vieira de Morais

Leiga

8. Capão Grande

Mixta Nadir de Oliveira Normalista

9. Capão Grande

Adj. Domitila Pinto Normalista

10. Machado Mixta Rogério Rodrigues Lisboa

Normalista

11. Capéla do Coxipó

Mixta Apolonio Higino de Arruda Leigo

12. Praia Grande Mixta Lucia Aurea Bandeira Duarte

Normalista

13. Praia Grande Adj. Jovelina Malheiros

Normalista

14. Guarita Mixta Elvira Margarida N. Martins

Leiga

15. Burití Mixta Eucaris de Lima Taques

Leiga

16. Paulino Mixta Délia da Costa Antunes

Normalista

17. Limpo Grande Mixta Euraides de Paula

Normalista

18. Cachoeira Rica Mixta Amália de Arruda F. Rondon

Normalista

19. Cachoeira Rica Adj. Ana Leite de Arruda

Normalista

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20. Sucurí Mixta Eurema de Paula

Normalista

21. S. Gonçalo Mixta Ana Crismancia de Oliveira

Normalista

22. Engordador Mixta Odete das Neves L. de Morais

Normalista

23. Passa Três Mixta Maria Bartolina de Brito

Normalista

24. Rio dos Peixes Mixta Vaga

----

25. Varginha Mixta Hilda Alves Saginés

Normalista

26. Santa Tereza Mixta Vaga

----

27. Forquilha Mixta Ana Cecilia Peixoto

Normalista

28. Porto Alegre Mixta Não Funcionou no local -----

29. Boa Vista – Chapada

Mixta Alice Pacheco Pinto de Castro Leiga

30. Mato-Grosso Mixta Vaga

-----

31. Boa Vista – Engenho

Mixta Tereza de Arruda Normalista

32. Mão de Pilão Mixta Benedita da Gloria Pereira

Normalista

33. Bom Sucésso Mixta Josefina Andrélina da Silva

Normalista

34. Agua Fria Mixta Elba de Cerqueira Xavier

Normalista

35. Brilhante Mixta Elvidelina Malhado de Moura

Leiga

36. Xavier Mixta Josefina Ribeiro de Magalhães

Normalista

37. S. Manoel Mixta Antonio do Nascimento

Leigo

38. Baía Mixta Odilza Vieira de Almeida

Normalista

39. Lavrinha Mixta Nerina Maciel da Silva

Normalista

40. Bernardina Mixta Autide Pinto dos S. Reis

Normalista

41. Três Pedras Mixta Elzita Heiné

Normalista

Fonte: MATO GROSSO, Relatório (1944)

Essas escolas estavam compostas por 31 professores normalistas, com predomínio de

mulheres exercendo essa função e apenas dois homens. Desse contingente de professores,

somente sete eram leigos, dos quais cinco eram mulheres e dois eram homens.

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Durante o período do Estado Novo em Mato Grosso a atuação dos professores

primários permaneceu sendo desenvolvida com inúmeras dificuldades, refletindo as ações dos

governantes, que, na maior parte, eram insuficientes para atender as demandas dessas escolas.

2.2.2 A instrução escolar e os símbolos nacionais

Esse período foi marcado por forte cultura cívica, direcionando todos os estados a um

movimento uniforme nacionalista, que, consequentemente, se disseminou no interior de todas

as escolas brasileiras (SIMIÃO, 2006).

Rodrigues (1969) descreveu em seu livro que os professores primários rurais deveriam

ter domínio do ensino teórico, mas também teriam que ensinar sobre as noções práticas de

higiene, informando-os as estratégias de prevenir algumas doenças com os devidos cuidados

com a água de beber, como a verminose; além disso, ainda caberia ao professor instruir sobre a

higiene corporal e das casas que moravam; ensinar jogos esportivos; o que seria melhor na

escolha da alimentação, de acordo com as possibilidades de cada região; técnicas de criação de

aves e animais, manutenção das hortas, práticas de jardinagem.

Segundo análises de Simião (2006), independente da maneira como foi se

desenvolvendo e se expandindo a estruturação da escola, houve uma característica que se

sobressaiu em todo o Brasil no decorrer do Estado Novo, que foi o sentimento patriótico,

exaltado pelos símbolos nacionais (a Bandeira Nacional e o Hino), as manifestações populares

como uma expressão cívica marcada pelas festas e os desfiles do “7 de setembro”, em

comemoração à independência do Brasil.

As festas em comemoração ao Dia da Independência do Brasil eram disseminadas em

todo o país e os detalhes eram organizados por uma comissão responsável. Em Mato Grosso,

Philogônio de Paula Corrêa, Rubens de Carvalho e Jercy Jacob formaram essa comissão, que

entrava em contato com a nacional e definia os programas que seriam executados, à medida que

deveria existir: “[...] a) comunicação a todos os prefeitos para coordenarem as festividades

cívicas em seus municípios; b) solicitação à Imprensa do Estado para exclusiva divulgação

durante os dias do evento. E, com certa antecedência, a comissão veiculava notas [...]”

(SIMIÃO, 2006, p. 44).

Essas notas eram vinculadas nos meios de comunicação, como os jornais. Vale

ressaltar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que subordinava a imprensa ao

poder político, espaço considerado como produtor de legitimidade por produzir e coordenar

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toda a propaganda do regime de Getúlio Vargas, seguindo uma linha sistematizada, sofisticada

e que reforçava o seu caráter populista, além de buscar desenvolver com legitimidade o seu

poder e receber o apoio dos âmbitos mais amplos da sociedade. Todas as políticas designadas

ao campo social articulavam-se entre si e tinham como elemento norteador a doutrina

predominante do regime governamental (GOMES, 1999).

De acordo com as análises de Simião (2006), a “Semana da Pátria” era comemorada

com um grande entusiasmo e patriotismo durante o período do Estado Novo e após o seu

término. Essa semana era repleta de atividades culturais e cívicas, principalmente em Cuiabá,

por ser a capital do estado. Eram envolvidos como organizadores do evento o Liceu Cuiabano

e a Escola Normal. A programação era constituída por atividades esportivas, sessões de cinema

populares, passeatas cívicas, no qual no dia “7 de Setembro” havia a grande parada militar na

capital, com o desfile das escolas. Encerravam-se as comemorações no dia seguinte com uma

missa campal. A professora cuiabana Relvita Campos Borges assim mencionou em seus

depoimentos:

[...] 7 de setembro, a gente vinha lá do Porto andando, para vir aqui na cidade

assistir à Parada. [...] Desfilava todo o colégio, porque naquele tempo Cuiabá

devia ter, o que, uns 50 mil habitantes. Tinha o desfile dos soldados da 16ª

Brigada de Infantaria da Polícia, tinha o desfile do colégio dos padres, porque

meus irmãos desfilaram. A roupa era branca, igual da polícia [...] (BORGES,

depoimento..., 2002 apud SIMIÃO, 2006, p. 45).

O Decreto-lei n.° 2072, de 8 de março de 1940, passou a dispor a respeito da

obrigatoriedade da educação cívica, moral e física da infância e da juventude, estabelecendo

seus parâmetros. Para essas disciplinas serem aplicadas foi preparada uma instituição nacional

designada Juventude Brasileira, que deu início à obrigatoriedade dessas disciplinas, envolvendo

progressivamente todos os professores no projeto de nacionalização e cidadania proposto por

Vargas. Esse projeto foi efetivamente implantado no período do Estado Novo, mas já estava

sendo elaborado desde a República (SIMIÃO, 2006).

Essa disciplina foi elaborada com o intuito de sustentar os valores pátrios preconizados

por Getúlio Vargas e que seriam disseminados a todas as crianças e jovens brasileiros nas

escolas, com direcionamentos políticos e ideológicos bem definidos, pois com sua apropriação

pretendia-se construir uma nova sociedade.

Sobre o civismo, Rodrigues (1969, p. 53) descreveu em seu livro que uma professora

da escola primária rural de Mato Grosso pretendia ensinar as crianças a marchar em desfile,

relatando que foi “[...] um trabalho enorme, não conseguindo que os mesmos andassem com a

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fronte erguida e passo uniforme e candenciado; marchavam curvados, olhando para os pés e

não conseguiam acertar os passos.”

Os desfiles cívicos exigiam toda uma preparação da postura das crianças e jovens que

participassem, devendo ser de forma imponente, até mesmo em respeito à pátria e aos seus

símbolos presentes naquele momento.

Mediante a vigência do Decreto-lei n.° 2.072, de 1940, a introdução da disciplina

Educação Cívica tinha como intuito formar a consciência patriótica, instituindo ao mesmo

tempo o espírito nas crianças e nos jovens do sentimento de responsabilidade pela pátria

brasileira. Nesse contexto, a escola representou o espaço em que se aprendia sobre os símbolos

da nação, considerando suas práticas cotidianas de hasteamento da bandeira e de cantar o hino

nacional (SIMIÃO, 2006).

A disciplina de Educação Moral tinha como pretensão elevar a espiritualidade da

personalidade, imprimindo, na infância e na juventude, o hábito pelos conteúdos trabalhados

nessa disciplina e a iniciativa para serem executados. Dessa forma, tinha como objetivo tornar

os alunos aptos para assumirem a missão de pais e mães de família. Com a implantação dessa

disciplina instituiu-se entre pais e professores o encargo de disciplinar as crianças (SIMIÃO,

2006).

Segundo Simião (2006), as punições eram apropriadas como medidas necessárias para

se conservar a ordem, considerando que o próprio Estado concedia ao pai, que conferia aos

professores, o direito de intervir no processo de formação de seus filhos. A relação entre os pais

e os professores era alicerçada no apoio e na confiança. Os alunos mantinham um

relacionamento de submissão com seus professores.

A disciplina da Educação Física teria de ser aplicada segundo as condições de cada

sexo, por meio de ginástica e dos esportes, considerando que a sua finalidade estava vinculada

ao fortalecimento físico das crianças e dos jovens. Tinha ainda como intuito ampliar as atenções

sobre as práticas higiênicas, para prevenir de doenças, visando ao bem-estar deles (SIMIÃO,

2006).

2.2.3 As representações dos professores sobre as escolas primárias rurais

Além de todos esses elementos que faziam parte da educação como um todo, os

professores, leigos ou normalistas que atuaram nas Escolas Primárias Rurais em Mato Grosso

no período do Estado Novo, se deparavam no seu cotidiano com inúmeros problemas

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relacionados à própria adaptação do lugar onde começariam a lecionar, a infraestrutura da

instituição de ensino, a falta de fiscalização por parte dos inspetores e a ausência de material

pedagógico.

Rodrigues (1969, p. 53) afirmou que ouviu uma narrativa realizada por uma professora

que atuava em escola primária rural, ressaltando a sua representação sobre o lugar onde foi

alocada para trabalhar: “[...] onde o desconforto de vida é completo: habitação anti-higiênica e

alimentação deficiente. Se ela se hospeda na residência de um morador da localidade, dão-lhe

para morada um quarto pequeno, que também serve de depósito de feijão, milho, etc.”

O autor referido ainda citou outro relato de professora que atuou no ensino primário

rural:

O Sr. Não observou que estou abatida e com cara de doente? Pois, quando fui

tomar conta da escola, era forte e bem disposta, mas lá estranhei muito o

passadio e a água. Em certa época do ano só se encontra água em cacimbas,

de produção muito reduzida, e a alimentação é exígua, pois, muitas vezes só

havia para refeição: arroz, mandioca e batata doce. Carne era objeto de luxo.

Morava em um rancho de palha, onde baratas e grilos faziam-me

concorrência. (RODRIGUES, 1969, p. 53)

O ponto de vista sobre as experiências vivenciadas por essas professoras retratava

moradias insalubres, alimentação reduzida e água que ingeriam proveniente de poços sem

nenhum tratamento, características presentes nas localidades onde eram alocadas. Rodrigues

(1969) ainda narra outro fato relacionado à realidade vivenciada pelas profissionais:

Em comemoração ao dia da Árvore, ela fez hastear a bandeira nacional e, após

uma preleção sobre a data, convidou os alunos a plantar algumas árvores

frutíferas, no terreno contíguo à mesma escola, impondo a cada um a

obrigação de diariamente molhá-las. No primeiro dia, os alunos obedeceram

satisfeitos, indo cada um a um córrego próximo, encher uma garrafa d’água,

para aquêle fim; mas, no dia seguinte, alguns dos meninos cumpriram aquela

tarefa, com manifesta má vontade: os pais acharam ruim, pois seus filhos

tinham ido à escola para aprender e não para molhar plantas.

Percebe-se que o ato de hastear a bandeira nacional fazia parte do cotidiano dessa

escola, marcando um dos fortes símbolos nacionais. Sobre a atividade aplicada pela professora

em comemoração ao dia da árvore, não foi bem vista pelos pais dos alunos, considerando não

entenderem a real finalidade de conscientização sobre a importância da árvore para a vida e a

sua preservação, acreditando que a escola era um espaço limitado a aprender conhecimentos

referentes à escrita e à leitura.

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O predomínio de mulheres atuando como professora das escolas primárias rurais de

Cuiabá pode ser explicada pela professora Adi Figueiredo de Matos, cuiabana, nascida no dia

6 de abril de 1918, no bairro do Porto. Em seus relatos afirmou que as meninas terminavam

“[...] o 4°. ano, para ser professora, porque a única coisa que a mulher naquele tempo podia ser

era professora.” Ressaltou a valorização das professoras, quando disse: “[...] porque o homem

perdia o nome dele, era “fulano de tal”, marido da professora “fulana de tal”, quer dizer, valia

o nome da professora.” (SIMIÃO, 2006, p. 28).

Conforme podemos observar no relato da professora Adi, naquele período o magistério

seria a profissão destinada às mulheres, de grande reconhecimento pela importância de ensinar

as crianças e os jovens.

Outro fator a se considerar foi o predomínio, em 1944, de professoras normalistas em

Cuiabá, visto que no Relatório de 1940 o Interventor Federal declarou:

Tem-se procurado substituir os professores leigos por normalistas e esse

objetivo se vai conseguindo, plenamente, exceção feita de algumas escolas

rurais, cujo afastamento dos centros de população, torna difícil o seu

preenchimento por normalistas, o que, não obstante, se fará pouco a pouco,

aproveitando-se, para tanto, cada oportunidade que se oferecer. (MATO

GROSSO, Relatório, 1940, p. 14)

Os professores normalistas tinham a preferência por permanecer na capital ou na sua

cidade de origem após a conclusão do curso normal. No entanto, o próprio Regulamento da

Instrução Pública do Estado (1927), no seu Art. 50, dispôs como um dos critérios de seleção

para ingressar nas escolas urbanas que essas instituições deveriam estar dotadas por professores

efetivos com pelo menos um ano de exercício em escola rural, ou por professores normalistas

com dois anos de exercício interino ou substituto.

Isso é, trabalhar nas escolas rurais seria um dos critérios a que os professores efetivos

deveriam submeter-se para posteriormente ingressar em uma escola urbana. Dessa forma, esse

processo até os forçava a lecionar nessas escolas.

Além disso, no interior do estado de Mato Grosso, embora o discurso da administração

estadual afirmasse a sua atuação para resolver as questões relacionadas ao ensino primário, ele

ainda não estava em consonância com os preceitos da Escola Nova, uma vez que predominou

a falta de livros didáticos adequados ao meio e não houve a interlocução entre as ideias desses

profissionais com de outros estados (MATO GROSSO, Relatório, 1943).

Para atuar como professor em Mato Grosso não era necessário ter cursado a Escola

Normal, uma vez que se começava a lecionar depois que terminasse o ensino primário, como

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aconteceu com a Professora Esmeraldina Malhado, cuiabana, nascida em 27 de setembro de

1896, que trabalhou por mais de 30 anos ensinando crianças nas cidades de Cáceres, Barra do

Bugres, Aquidauana e Anastácio. Aposentou-se em 1950. No seu depoimento a professora

assegura ser leiga, mas que ao terminar o ensino primário prestou concurso para professora, foi

nomeada e começou a lecionar, como podemos verificar a seguir:

Era criança, tinha apenas 15 anos, decidiram que o meu caminho era o da

maioria das mulheres daquele tempo: dar aula a crianças, a adultos, a quem

precisasse de mim. A princípio, achava pesado passar longas horas, ensinando

a ler, a contar, nas folgas corrigindo cadernos, preparando material escolar,

mas depois de acostumei e acabei gostando da profissão. (MALHADO apud

ROSA, 1990, p.96).

Durante esse período, esses profissionais foram duramente criticados pela falta de

formação e sofreram com as acusações dos governantes e intelectuais da época como

responsáveis pela ineficiência e ineficácia do ensino público primário (SÁ; ROHDEN, 2015).

Chaloba (2017) analisa que alguns educadores brasileiros, no início do século XX,

defenderam a necessidade de formação específica para os professores rurais. Entre as décadas

de 1930 e 1960 essa ideia se fortaleceu por meio da tendência do ruralismo pedagógico15

difundida no país. Sud Mennucci foi um dos líderes do pensamento ruralista no Brasil e

defendeu a criação das escolas normais rurais públicas em São Paulo e no país. Acreditava que

as escolas primárias existentes nas regiões rurais reforçavam a estima pela cultura urbana e não

a rural, por isso não seriam suficientes para atender as necessidades do trabalhador rural.

A pesquisadora ainda apontou que, diferente do pensamento de Sud Mennucci,

Almeida Junior, ocupando o cargo de Diretor Geral do ensino até o ano de 1938, em São Paulo,

criticou as ideias dos ruralistas e era contra a criação das escolas normais rurais. Acreditava que

deveria haver apenas uma especialização técnica para os professores atuarem nas escolas

localizadas nas regiões rurais. Esses cursos deveriam ser de curta duração, totalizando três ou

quatro meses, contariam com aulas diárias teóricas e práticas, abarcando matérias e atividades

consideradas essenciais ao professor rural, dentre elas, os cuidados corporais, higiene rural

educação rural e sociologia rural.

Logo, a oposição entre a defesa da escola normal rural e os cursos de especialização

deve ser entendida como embate político com posições que divergiam entre os defensores da

escola comum e os ruralistas pedagógicos. Isso permaneceu durante o período analisado, sendo

15 Segundo Bezerra Neto (2003, p.11), a corrente do Ruralismo Pedagógico foi proposta para “definir uma proposta

de educação do trabalhador rural que tinha como fundamento básico a ideia de fixação do homem no campo por

meio da pedagogia.”

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ela (a escola rural) relegada pelos governantes e marcada pela desigualdade em relação à escola

primária localizada nas zonas urbanas (CHALOBA, 2017).

Em Mato Grosso a desigualdade vivenciada pela escola primária não foi diferente. O

Relatório referente ao ano de 1942, escrito pelo Prof. Francisco A. Ferreira Mendes e publicado

em 1943, identificou o que podemos considerar uma das primeiras dificuldades vivenciada por

professoras nomeadas para reger nas escolas localizadas nas zonas rurais:

A professora nomeada para a regência da escola, não conhece o lugar e o meio

em que vai servir, mas, precisa ganhar a vida e manter a subsistência e a da

família. A escola instala-se muitas vezes, em um rancho diferente do que foi

apresentando à inspeção, sem mobiliário apropriado, e a professora fica na

completa dependência do murubixaba do lugar. Desambientada, sujeita aos

caprichos do dono da casa, falha de todos os recursos de alimentação e de

remédios, segregada, julga-se infeliz, e , quando tem forças reage e consegue

mudar-se para outro meio onde, muitas vezes, vai encontrar os mesmos ou

novos embaraços, com isso, leva a professora a tempo a pensar no período das

férias para regressar ao lar, de onde, com muito custo, constrangida, no início

do novo ano escolar volta a retomar a atividade sem nenhum estímulo e

sempre contra feita. (MATO GROSSO, 1943, p. 5).

Essa realidade foi descrita igualmente pela professora normalista Gracildes Melo

Dantas, quando começou a lecionar na cidade de Barra do Garças. Sobre a região e a condição

de trabalho ela explica:

Era apenas um garimpo, quando fui nomeada. Então, professora, me deparei

com uma classe de quase 100 alunos, de todo tipo. Não havia outra escola.

Eles foram chegando, foram chegando, e eu não tinha coragem de dizer não.

Era auxiliada por minha tia, aquela a que antigamente eu auxiliava, quando

era garota e me mandou estudar. [...] Não era um grupo escolar, era uma escola

que a gente tinha que adaptar. Ela ficava com o salão grande. Ficavam os

alunos do primeiro ano, para alfabetizar, e cabia a mim, os segundo, terceiro

e quarto anos que eram menos. (DANTAS apud GONÇALVES et al., 2007,

p. 63).

Podemos analisar que alguns desses professores passavam por um processo difícil de

adaptação ao lugar onde eram direcionados para lecionar, pois se deparavam com um cotidiano

distinto do que estavam acostumados.

A realidade da professora cuiabana Maria do Carmo, nascida no dia 20 de abril de

1918, conhecida por todos e profissionalmente por “Mocinha”, é aqui abordada. A professora

Tereza Lobo, sua tia, foi quem a criou. Por ajudar a sua tia desde criança, despertou o amor

pelo magistério. Concluiu o Curso de normalista no ano de 1938. Nos seus depoimentos

recordou que com seu primeiro salário comprou o que considerou como o meio de transporte

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fundamental para atravessar as crianças que viviam do outro lado do rio, próximo da região do

Parí, local onde lecionava na cidade de Cuiabá:

Fiquei contente, porque aquele tempo pagava bem o professor, eu recebia 280

mil réis por mês. Eu comprei até uma canoa dessas grandes, para carregar as

crianças, porque tinha muita criança do outro lado do rio que vinha estudar

deste lado, então comprei a canoa para baldear as crianças. [...] O governo não

dava nada, comprei, com meu dinheiro, de um senhor chamado Horácio

Saliés, de Rosário. (FARIAS, depoimento..., 2002 apud SIMIÃO, 2006, p.

62).

Como as crianças que moravam na outra margem do rio não tinham acesso à escola

primária, com a iniciativa da Professora Mocinha em comprar uma canoa e atravessá-los

diariamente foi possível garantir que estudassem. Dessa forma, percebe-se que o Governo não

auxiliou financeiramente para solucionar essa especificidade vivida pela área ribeirinha do Parí.

A Mensagem apresentada na Assembleia Legislativa pelo Interventor Federal do

Estado de Mato Grosso, Capitão Manoel Ary da Silva Pires, no ano de 1937, evidenciou que o

ensino em Mato Grosso vivenciava, ainda, outras dificuldades, dentre elas, a ausência de

prédios apropriados para o funcionamento das escolas e a falta de adaptação das professoras no

novo local de trabalho.

Segundo as visitas realizadas, o Interventor declarou que em mais de 100 instituições

de ensino de Mato Grosso havia poucas que se alocavam em prédios próprios nas vilas e

cidades. As situadas em regiões rurais funcionavam em grande parte em estabelecimentos que

não ofereciam nenhum conforto aos alunos e professores, sendo que em muitas ocasiões o

estado alugava residências particulares ou os próprios professores cediam um espaço em suas

casas (MATO GROSSO, Mensagem, 1937).

O depoimento da professora Arlinda Alves de Almeida, nascida em 9 de fevereiro de

1921, que concluiu o magistério em 1940, descreveu a realidade vivenciada quando atuou em

Rosário Oeste:

Na escola rural ensinava somente o básico, os alunos eram uns meninos bons,

umas meninas boas, tudo para eles era novidade, o papel, o lápis, borracha

[...]. Estudavam tudo junto porque ninguém sabia nada, foram aprendendo,

uns tinham mais facilidade do que outros, mas todos aprendiam. Os alunos

sentavam no banco, não tinha conforto, tinha os bancos e a gente distribuía,

os meninos ficavam de um lado e as meninas na frente. (ALMEIDA,

depoimento, 2012 apud SILVA, 2014, p. 89).

A professora afirmou também (apud SILVA, 2014, p. 88), que “[...] a escola era de

adobe, coberta com sapé, com chão de terra batida e tinha o pote de água, para que ela e os

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alunos bebessem. Uma pobreza, porque era no sítio, mas era tudo arrumadinho.” Esses relatos

confirmam a precariedade dos prédios em que funcionavam as escolas no interior de Mato

Grosso, além das condições da água que era ingerida.

A Mensagem do ano de 1937 ratifica esse relato, quando o Interventor Federal destaca

sobre os materiais escolares dispostos nessas escolas, que não atendiam aos preceitos

estabelecidos.

Diante desse cenário, a realidade dos profissionais que atuavam no ensino primário era

sinalizada pela incerteza e insegurança do seu cargo, uma vez que as indicações políticas

prevaleciam nesse âmbito, o que ocasionava desânimo e prejuízos para o ensino da população

infantil, pois uma grande parte das escolas tinha seus cargos definidos pelo favoritismo político.

O relato da professora Gracildes Melo Dantas, novamente, nos demonstra essa forte

vinculação com o apadrinhamento político, quando descreveu sobre o lugar que começaria a

lecionar:

Primeiro, procurei lecionar aqui. Não fui capaz de encontrar um local, talvez,

um pouco de falta de experiência. [...]. Faltou, uma pessoa que me orientasse,

que arranjasse para mim. Era tudo na base da política, apesar de meu pai fazer

parte da política. Papai era aquela criatura, que não pedia nada para os dele. E

meu padrinho que era um getulista, morreu no ano que me formei. Ele podia

ter arranjado para mim. Fui a primeira aluna, desde o primeiro ano da Escola

Normal, mas isso não garantiu minha nomeação em Cuiabá. Precisei ir para

Barra do Garças. Foi ótimo para mim, porque eu ganhei uma experiência

grande, e fui vendo como que se ensinava. (DANTAS apud GONÇALVES et

al., 2007, p. 64).

De acordo com as análises de Sá e Rohden (2015) esses argumentos sobre a influência

política permeavam a realidades dos profissionais, ou seja, formados ou leigos que lecionavam

nessas escolas primárias do estado estavam sujeitos a condições precárias de vida e de trabalho

nessas regiões. Dependiam desse favoritismo político para terem a possibilidade de ocupar

vagas em localidades urbanas ou com melhores estrutura e também para mudarem o cargo e

assumirem outro considerado de maior importância na Instrução, pois esses privilégios não se

atrelavam somente ao critério da formação.

A realidade da professora Mocinha também foi marcada pela dificuldade de conseguir

uma vaga na escola para começar a lecionar. Em seus relatos, explicou que apenas em 1941

teve início a sua carreira em uma escola rural mista, situada no Parí, localizada em Cuiabá.

Nessa escola lecionou pelo período de nove anos (SIMIÃO, 2006).

Alves (1998) também direcionou suas análises por reconhecer essa prática relacionada

ao clientelismo e aos favores políticos na atuação dos professores, conforme:

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Professores são contratados e exonerados em função de suas vinculações

político-partidárias e não de qualificação profissional; os apadrinhados dos

chefes políticos entendem os cargos para os quais são nomeados como

sinecuras; e começaram a surgir os fantasmas da educação. Certa vez, um

secretário de estado afirmou-me que, na dança dos partidos que se alternavam

no poder, até mesmo as escolas rurais mudavam de endereço. Essas escolas

funcionavam somente nas terras dos senhores que dominavam o poder

político. Logo, quando a oposição chegava ao poder, a transferência das sedes

das escolas rurais, por Decreto, era algo entendido como natural, independente

dos atropelos que tal orientação pudesse ocasionar aos maiores interessados

na Educação: os educandos. (ALVES, 1998, p. 12).

O relato da professora Esmeraldina Malhado também destacou esse favoritismo político:

Quando vim para Aquidauana, lecionei primeiro na margem direita do Rio,

depois a política me jogou do lado esquerdo do Rio, que é Anastácio. No

tempo de Getúlio Vargas, havia dois partidos, o azul e o vermelho. Como eu

era mulher, achavam que eu era do partido contra o Governo, e viviam me

perseguindo de um lado para o outro. [...]. Na margem esquerda lecionei no

Grupo Escolar Antônio Correa, na margem direita, na Escola Pública Rural.

Alfabetizei centenas de alunos. (MALHADO apud ROSA, 1990, p. 96).

O exercício da profissão em Mato Grosso estava fortemente vinculado à vontade

política vigente, visto que o professor poderia ser remanejado ou exonerado do seu cargo, caso

tivesse um posicionamento diferente do representado pelo poder político local.

O Relatório enviado pelo Interventor Federal Júlio Müller ao Presidente Getúlio

Vargas no ano de 1940, ao versar sobre os prédios escolares, declarou que a Instrução Pública

de Mato Grosso estava se esforçando para que fosse possível a construção de novos prédios nos

distritos do estado, viabilizando melhorias nos que já existiam, em conformidade com o que era

previsto pelas regras pedagógicas modernas. Sobre o material escolar, Júlio Müller identificou

que todas as escolas que precisassem teriam efetivado o seu aparelhamento.

Contudo, por mais que essas iniciativas fossem apropriadas nos discursos

governamentais, percebemos pelas demais documentações que tais problemas e dificuldades

permaneceram por todo o período do Estado Novo, não havendo a efetivação de ações incisivas.

Assim podemos notar no relato da Professora Esmeraldina Malhado:

Nunca tivemos um curso, uma orientação para melhorar nossos métodos de

ensino. Só os pais é que apareciam, para reclamar, quando os seus filhos eram

reprovados. Os políticos nunca dedicaram atenção ao ensino. Só se

preocupavam em perseguir professores, que não eram do partido deles.

(MALHADO apud ROSA, 1990, p. 97).

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O Relatório publicado no ano 1943 argumentava que os serviços educacionais no país

deveriam ser concentrados pelo Ministério da Educação, de forma que possibilitassem melhores

salários aos professores responsáveis pelo ensino primário, estimulando-os a exercer com

empenho a sua profissão.

O mesmo relatório assinalou que há mais de cinco anos não era realizado concurso

para preencher as vagas de magistério primário no estado e explica esse fato pelos problemas

na própria regulamentação do ensino primário no Brasil, pelo qual o Governo do Estado estaria

esperando solução. Assim:

Cumpre portanto, ao Governo do Estado legislar sobre a matéria,

estabelecendo regras decisivas para os concursos, revogando os numerosos

Decretos existentes que só tem servido para estabelecer dificuldades na

classificação dos candidatos ao preenchimento efetivo das vagas do

magistério primário. [...] Esta medida que julgamos urgente, tem também

grande finalidade, a de estimular o professor. (MATO GROSSO, Relatório,

1943, p. 35).

Perdurou durante todo o período do Estado Novo em Mato Grosso a atuação desses

professores marcada pela incerteza da permanência no cargo e insegurança pela não realização

de concursos, o que se refletia na instabilidade devido às contratações precárias, explicadas pelo

forte favoritismo político por parte dos políticos locais. Esse conjunto de elementos ocasionava

dificuldades ao ensino como um todo.

No capítulo seguinte direcionamos o nosso olhar para a educação primária rural em

Mato Grosso, bem como para as representações concorrentes acerca do direito à educação da

infância de Cuiabá.

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3 REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS: O DIREITO À EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA

RURAL MATO-GROSSENSE (1937-1945)

Para o desenvolvimento deste capítulo retomamos os conceitos de representações e

práticas de Chartier (1990, p.17) por entender que: “[...] as representações do mundo social [...]

são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam.” Ou seja, não existe a

possibilidade de realizar a leitura de um determinado fenômeno apenas de forma única, como

uma verdade absoluta, pois há diferentes apropriações acerca do mundo social e essas envolvem

contradições que se materializam nas práticas dos sujeitos e/ou dos grupos sociais que as

produzem, e, concomitantemente no campo das lutas e da concorrência.

Essas representações estavam permeadas por intencionalidades que produziam e

reproduziam estratégias e interesses coletivos e individuais na pretensão de impor a força a um

grupo, de acordo com o seu lugar social. Percebe-se que tiveram diversas representações sobre

o direito à educação para a infância rural de Cuiabá, que eram diferentes e estabeleciam-se sob

contínuas contradições e conflitos. Dessa forma, designadas como representações concorrentes

(CHARTIER, 1991).

3.1 A ESCOLA RURAL: APROPRIAÇÕES ACERCA DA POLÍTICA EDUCACIONAL

MATO-GROSSENSE

As fontes documentais utilizadas nos possibilitaram delinear um cenário marcado pelo

descaso com as escolas primárias rurais de Mato Grosso, que, mesmo com as mensagens dos

governantes e com os relatórios realizados pelos Inspetores e Diretor Geral da Instrução

Pública, que descreviam as suas representações sobre o cotidiano vivenciado nas áreas rurais

pelos alunos e professores, continuaram não implementando políticas públicas suficientes para

suprir as demandas.

Nessas escolas o trabalho desenvolvido por professores normalistas e leigos não

contava com o apoio das Diretorias Gerais quando eram lotados em uma unidade de ensino: o

currículo era reduzido, os prédios e mobiliários escolares eram inadequados, além de existirem

outras dificuldades que reforçavam a precariedade do ensino naquele período.

Em Mato Grosso, como em todos os estados brasileiros, partindo de uma estrutura

organizacional, as escolas isoladas rurais eram fundadas a juízo do governo, a partir de

proposições do Diretor Geral da Instrução Pública, que recebia os relatórios dos inspetores

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gerais com informações sobre determinada localidade. Geralmente deveriam ser instaladas em

locais onde já existisse algum prédio que poderia ser adequado às necessidades escolares. Para

que essas escolas fossem criadas era critério estabelecido pelo Regulamento da Instrução

Pública de Mato Grosso ter no mínimo 30 crianças em idade escolar, dentro do raio de três

quilômetros do prédio em que funcionaria a escola (MATO GROSSO, Regulamento, 1927).

Da mesma forma que essas escolas poderiam ser criadas, também poderiam ser

fechadas, nas situações em que o número de alunos fosse inferior ao que era instituído. As

visitas dos inspetores seriam responsáveis por comprovar esses dados (MATO GROSSO,

Regulamento, 1927).

A criação dessas escolas geralmente era solicitada pelos próprios moradores de uma

determinada região, mediante organização de abaixo-assinado enviado ao Governo do Estado.

Posteriormente, haveria inspeção in loco por um dos inspetores gerais, para comprovar a

veracidade das informações. Após comprovada a existência dos requisitos preestabelecidos, a

escola era fundada e instalada (SIMIÃO, 2006)

Segundo Simião (2006), por essas escolas se localizarem em áreas rurais, nem sempre

recebiam os mesmos cuidados que as escolas isoladas localizadas nas regiões urbanas, que

tinham maior visibilidade naquele período. Por essa razão, em geral, apresentavam

precariedade na sua instalação física, o que acarretava dificuldade de adaptação e mobilidade

dos professores, como foi explanado no capítulo anterior. Constantemente as escolas isoladas

rurais eram abertas e fechadas em decorrência da falta de frequência dos alunos, que,

geralmente, abandonavam a escola nos períodos de colheita para auxiliar suas famílias, ou por

outras razões.

O médico e sanitarista Cerquinho (1937, p. 3) participou do I Congresso de Ensino

rural no Brasil, em São Paulo, no ano de 1937. Publicou o livro Pelo Ensino Rural, proveniente

dos debates que ocorreram nesse evento, que originou as oito teses referentes à escola rural.

Afirmou que no Brasil a Escola Primária Rural era “[...] um dos grandes problemas nacionais.”

Contudo, para o autor, seria a escola que mais correspondia à realidade brasileira, mas que na

conjuntura do ano de 1937 se ressentia de profissionais devidamente instruídos para a função

da mentalidade rural brasileira, que estariam alicerçados os ensinos rural e primário, sugerindo,

ainda, a necessidade de verdadeiros mestres rurais.

Nesse contexto, é importante sinalizar o Oitavo Congresso Brasileiro de Educação

como um evento que promoveu as discussões acerca da educação primária no país, com enfoque

nas zonas rurais. Não há como desconsiderar a sua importância para pensar nas políticas

educacionais destinadas a essas escolas, sobretudo os debates e as teses que foram direcionadas

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101

a Mato Grosso e sua capital, apresentando aspectos das dificuldades vivenciadas, as diferentes

ruralidades existentes no estado e a corrente do ruralismo pedagógico, fortemente presente nos

discursos favoráveis à política do Presidente da República.

Diversas teses foram debatidas e propostas, inclusive as que defendiam uma formação

diferente para as comunidades rurais e o meio urbano. Nesse sentido, os Congressos

organizados pela ABE no ano de 1940 estavam interligados ao projeto estadonovista, o que

levou pensadores a produzirem ideias sobre a educação e suas particularidades (PAES, 2011).

Acerca do Congresso pretende-se analisar as discussões que foram travadas no aspecto

geral sobre a escola primária rural, trazendo como enfoque as diferenças sinalizadas entre o

rural e o urbano. Com base nos discursos e nas práticas ocorridas no contexto de Mato Grosso,

também cabe destacar o ponto de vista dos responsáveis pelas teses publicadas: o Diretor do

Departamento Estadual de Estatística de Mato Grosso, Gervásio Leite, com a tese denominada

Aspecto matogrossense do Ensino Rural; e o Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de

Mato Grosso, Prof. Francisco A. Ferreira Mendes, com a tese intitulada O ensino primário em

Mato Grosso. Tais debates trazem elementos para pensar no objeto desta pesquisa: a

representação do direito à educação primária no âmbito rural em Cuiabá no período do Estado

Novo.

A conferência apresentada no Oitavo Congresso Brasileiro de Educação ocorreu no

ano de 1942, na cidade de Goiânia, pela Associação Brasileira de Educação (ABE), com o apoio

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e colaboração dos poderes públicos, que

integraram parte dos eventos em comemoração à inauguração dessa cidade, que seria a nova

capital do estado de Goiás.

O evento reuniu representantes, autoridades e interventores de vários estados

brasileiros, dentre eles: Goiás, Mato Grosso, Alagoas, Acre, Bahia, Amazonas, Ceará, Espírito

Santo, Paraná, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Sergipe,

São Paulo, Piauí, Minas Gerais, Pará, Paraíba e Rio de Janeiro. Teve como objetivo principal

“[...] examinar os problemas da educação primária fundamental da população brasileira,

principalmente os relacionados com as zonas rurais e sugerir, quanto aos mesmos, diretrizes e

soluções.” (ABE, 1944, p. 6).

O tema central que norteou o evento, segundo a ABE (1944), foi A educação primária

fundamental – objetivos e organização: a) nas pequenas cidades e vilas do interior; b) na zona

rural comum; c) nas zonas rurais de imigração; d) nas zonas de alto sertão. Vale ressaltar que

a tese apresentada por Francisco A. Ferreira Mendes trouxe a sua representação sobre esses

quatro aspectos distintos que se fizeram presentes na realidade mato-grossense, na medida em

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102

que apontou importantes ponderações que repercutiram diretamente nas políticas públicas e no

cotidiano das escolas primárias rurais, marcando as ruralidades existentes no estado, o que

iremos aprofundar adiante.

Segundo Paes (2011), as teses publicadas no Anais do VIII Congresso propuseram

questões que se direcionavam ao nacionalismo defendido por Getúlio Vargas. Os participantes

do evento acreditavam que as escolas rurais deveriam responder às necessidades econômicas

da pecuária, da agricultura, da pesca e outras. As representações que circularam demonstraram

que a concepção de escola rural seria distinta da escola urbana no que tange aos professores, ao

currículo e ao próprio espaço físico, uma vez que muitos acreditavam que o espaço rural seria

sinônimo de atraso, de pobreza e outras dificuldades. Pretendia-se, por meio da educação,

nacionalizar as comunidades rurais e utilizar a produção rural para favorecer os setores

econômicos.

Dessa forma, o relatório do tema geral do Oitavo Congresso foi elaborado pelo

Professor Raul Bittencourt16, que argumentou que os limites entre pequenas cidades e vilas e

zonas propriamente rurais geravam indecisão e isso trouxe como problema a definição do que

seria zona rural. Ressaltou que não poderia ser confundida com a zona agrícola, pois essa seria

capaz de existir em torno e dependente de um centro urbano; já as zonas rurais e campesinas

poderiam ter como base econômica de sua população a indústria extrativa e a pecuária (ABE,

1944).

Acerca desse debate, a Assembleia geral do Conselho Nacional de Estatística, por meio

da Resolução n.º 76, de 18 de julho de 1938, definiu que seriam chamadas de escolas rurais

todas aquelas:

[...] que não estivessem localizadas nas sedes municipais ou distritais, o que,

na quase totalidade dos casos, afastaria a hipótese de pequenas cidades. Essas,

entretanto, podem apresentar mais traços de semelhança social, de costumes e

atividades profissionais, com as regiões ditas rurais do que com os centros

urbanos de população mais considerável. Donde se vê que só nos extremos de

regiões campestres ou sertanejas típicas e, de outro lado, cidades populosas e

com comércio e indústria assaz desenvolvidos é possível estabelecer uma

distinção clara entre vida e, portanto, educação rural e urbana. (ABE, 1944, p.

90).

16 Médico formado pela faculdade de Porto Alegre. Foi autor de grande parte dos artigos referentes à educação no

texto Constituição Federal de 1934. No mesmo ano elegeu-se Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul.

Participou da Comissão de Educação e Cultura da Câmara e foi relator de diversos projetos voltados para a

educação, continuando a exercer suas atividades pedagógicas na capital federal. Fundou em 1938 o Educandário

Rui Barbosa. Foi professor titular de economia geral no Curso de Economia e Finanças Valentim Bouças em 1942,

tornando-se nesse mesmo ano professor substituto da Faculdade de Ciências Econômicas da Fundação Mauá

(Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-

republica/BITTENCOURT,%20Raul.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2017).

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Desse modo, as discussões travadas no Congresso sobre as escolas primárias rurais

centraram-se em especificá-las e em ressaltar as diferenças com as escolas primárias urbanas.

Segundo Souza e Ávila (2015), as categorias rural e urbano são fundamentais para se

compreender a organização do ensino e para se ratificar propostas educacionais distintas.

A formulação das políticas públicas educacionais se direcionava por essas categorias.

Por exemplo, em Mato Grosso, a durabilidade do curso era mais curta para as escolas isoladas

rurais, de acordo com o Regulamento da Instrução Pública (1927); dessa forma, os recursos

financeiros destinados a elas eram ínfimos, além de outros fatores que reforçavam as

discrepâncias. Por isso, tais categorias são determinantes para se compreender o cotidiano que

foi produzido nas escolas primárias rurais inseridas no contexto da capital cuiabana.

Ainda sobre a educação rural e urbana, o Professor Raul Bittencourt as entendia como

modalidades, espécies de um gênero comum, não como duas categorias diferentes. Considerou

em suas análises que a educação primária como um todo deveria atingir determinados desígnios.

A partir disso é que se desenvolveriam outros objetivos relacionados com os interesses sociais

distintos da sua localidade, cultura e economia. A educação primária brasileira precisava ser

atendida para que a escola ajustasse o aluno a uma sociedade.

Ou seja, eram frequentes nas teses publicadas as ideias de ajuste e adaptação do homem

ao seu meio ou a sociedade como uma das finalidades da escola, o que confirma o

direcionamento ideológico dos participantes do Oitavo Congresso, que seguiram alicerçados no

Ruralismo Pedagógico. Nessa perspectiva, um dos objetivos atribuídos à escola rural era de

formar trabalhadores especializados ao seu meio, visando a sua fixação nas regiões e rompendo

com a possibilidade do êxodo rural. Assim, contribuía-se com a Campanha “Marcha para o

Oeste”, de Getúlio Vargas, no intuito de ocupar regiões que estavam pouco povoadas.

Esse movimento buscava atender aos interesses econômicos e políticos dos

governantes aliados ao Presidente da República em todo o país, que se apropriavam desses

discursos como forma de ocultar as suas verdadeiras intenções de desenvolvimento do país.

A partir desses elementos o Professor Raul Bittencourt afirmou que seria possível

diferenciar o ensino rural do urbano, diversificação que partiria do mesmo ponto comum, de

um mesmo problema e que também poderia ter outras especificações. Contudo, pode ser

observado no discurso do Professor que havia muitas oportunidades de escolas urbanas e rurais

e suas respectivas variações de ambiente social, dentro da mesma vida urbana ou campesina.

Dessa forma, enunciou o problema da educação primária em dois fatores:

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a) deve haver no Brasil uma educação primária sujeita a objetivos uniformes

em todo país; b) essa mesma educação deve atender as variações regionais não

se limitando à bi-partição de escolas em urbanas e rurais, mas reconhecendo

a possibilidade de diversos tipos de escolas rurais, conforme as necessidades

econômicas, densidade demográfica e nível cultural de cada zona. (ABE,

1944, p. 91).

A representação do discurso do Professor indica a existência de uma escola para o

meio urbano, a qual não carecia de mudanças. Entretanto, sobre as escolas localizadas nas

regiões rurais, destacou a urgência em estabelecer uma escola que fosse ajustada ao meio e que,

concomitantemente, ajustasse o homem. Considerava a população e a realidade distinta e

longínqua da cidade, apesar de reconhecer a sua importância nas questões econômicas.

O posicionamento de Raul Bittencourt nesse relatório nos remete a considerar o lugar

que ocupava naquele período, como professor de economia geral, e se o seu envolvimento direto

com a política contribuía para direcionar suas ideias a favor do projeto do Estado Novo.

Ainda no Relatório do tema central do Congresso foi realizada a distinção entre a

escola rural e a escola urbana. A escola urbana teria que responder às necessidades econômicas

vinculadas às indústrias e ao comércio. Destacou que contaria com ambiente cultural

considerado por ele como mais elevado; além disso, se depararia com problemas sanitários

específicos, relacionaria professores competentes, teria grandes recursos financeiros,

amparados por meios de comunicação apropriados. Em contraposição, as escolas rurais teriam

que responder às necessidades econômicas da pecuária, agricultura, pesca, indústria extrativa.

O ambiente cultural foi nivelado pelo professor como mais baixo, contendo diferentes

problemas sanitários. Apontou a dificuldade de contratação de professores para atuar nessas

regiões, ausência de recursos financeiros suficientes e meios de comunicação inexistentes ou

em condições precárias (ABE, 1944).

Diante do exposto surgem algumas indagações: por que existia essa diferença tão

latente do cuidado entre as escolas rurais e urbanas? Por que ao rural se resumiam as condições

precárias? Por que o desprezo com as escolas localizadas nessas regiões? Essa diferenciação

social permaneceu evidenciada por todo o período, segundo a análise dos vestígios

documentais. Talvez os indícios sinalizem para o descaso dos governantes, que não deram a

devida importância ao povo que ali vivia, não os reconhecendo como cidadãos de direitos. Com

isso, segregava-se uma mesma cidade em dois polos distintos. Realidades próximas, mas que

ao mesmo tempo se distanciavam pelas oportunidades de acesso, marcando o cotidiano das

escolas primárias cuiabanas, conforme será abordado no tópico seguinte.

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De acordo com as análises de Souza e Ávila (2015), distinguir os programas de ensino

em urbano e rural expressava reconhecer que a escola primária não devia ser a mesma para

essas populações. Inclusive para as escolas primárias rurais o que era indicado seria o ensino

mais simples, de curta duração e de caráter alfabetizante. No entanto, as representações dos

governantes defendiam que tais diferenças eram de cunho administrativo, e isso expressava

uma forma de conceber essas populações e o significado da participação no desenvolvimento

do país.

Isso reforçava a concepção de que o urbano e o rural foram tratados como realidades

antagônicas, em que o urbano se sobrepunha ao rural por esse último ser visto pelas autoridades

como sinônimo de atraso. Para Queiroz (1978), apesar da visão dualista entre o rural e o urbano

terem sido disseminadas no Brasil, o meio rural deve ser estudado como parte de um conjunto

social mais amplo, que integra e se relaciona com a cidade. Apesar das variadas funções e

relações que envolvem esses espaços, não devem ser tratados como realidades separadas.

A proposta de criar uma escola primária nas regiões rurais que se distinguisse da escola

localizada nas zonas urbanas conjecturava o limite de conteúdos e imporia um currículo

diferente ao que todas as crianças tinham acesso como um direito. O destino das crianças e dos

jovens que residiam no campo estava suscetível a uma escola primária que viabilizasse meios

para a permanência nessas localidades, de modo que sua fixação no meio se fizesse por sua

vontade.

Contudo, havia por trás de todo esse investimento e incentivo interesses que iam além

do mero fator ligado à educação. Tratava-se do próprio desenvolvimento econômico e político

na zona rural, uma vez que o discurso acerca do papel da educação era disseminado como uma

estratégia por se relacionar diretamente aos esforços da colonização interna brasileira, à própria

segurança nacional, que ganhava relevância nos projetos do Estado Novo.

Esse discurso disseminado durante o período do Estado Novo sobre a importância da

escola ser apropriada a sua região ansiava que os homens e as instituições de ensino fossem

envolvidos com os interesses e os projetos governamentais. A escola tinha como um dos papéis

disseminar os ideais preconizados pelos governantes.

A representação do Professor Raul Bittencourt assinala que apenas nas zonas rurais

havia os problemas em grande escala, e que para solucioná-los seriam necessárias medidas

comuns a toda educação dessas localidades. Respaldou-se no livro Sociedade Rural, de A.

Carneiro Leão, para apontar as possíveis soluções, dentre elas:

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1 – a organização da escola rural diferenciada da urbana, com currículo

contendo ensinamentos especificamente ligados a vida agrária, sertaneja; 2 –

a organização de cursos normais especializados para a formação de

professores rurais; 3 – a ação intensa da administração pública no sentido do

saneamento e soerguimento econômico das zonas rurais, especialmente no

que se refere as vias de comunicação; 4 – o concurso financeiro dos poderes

da União, estados e municípios para a fundação das escolas; 5 – a ação

complementar da imprensa, de bibliotecas ambulantes, de associações locais,

do cinema, do rádio e de missões culturais mobilizadas em favor da educação

rural. (ABE, 1944, p. 91).

Esses aspectos citados não eram comuns na educação rural, uma vez que não havia

uniformidade entre as regiões. O professor defendia que não poderia existir um tipo de escola

rural, mas tipos que atendessem as especificidades de cada localidade, correspondendo às

variações climáticas, históricas, geográficas, condições culturais, econômicas, sociais. Ele

defendia que ao ser criada uma escola rural era necessário de fato conhecer a área que seria

instalada e considerar suas particularidades.

No evento foram realizadas deliberações referentes ao ensino rural com base nas 41

teses publicadas, das quais 21 versavam sobre educação rural, em geral. Esse Congresso

reconheceu que no Brasil havia diferentes ruralidades, que se distinguiam pelas especificidades

existentes em cada região e, por isso, não poderia haver a padronização dessa modalidade de

ensino, uma vez que cada localidade apresentava problemas específicos. Nesse sentido:

[...] o Oitavo Congresso assumiu caráter emblemático, dada a importância que

teve no contexto político-ideológico vivido pelo Brasil naquele momento. Sua

importância pode ser percebida pela mobilização que caracterizou sua

organização e pelo desenrolar de seus trabalhos, conforme atesta o texto dos

seus Anais. [...] O texto introdutório aos Anais da Oitava Conferência é

primoroso na ilustração das afirmativas feitas neste texto quanto ao

comprometimento dos intelectuais com os projetos do governo. (PRADO,

2000, p. 06).

Dentre as teses publicadas nos Anais do evento, direcionamos o enfoque sobre duas

que abordaram o ensino primário em Mato Grosso. A primeira foi elaborada por Gervásio Leite,

que publicou um livro com o mesmo título: Aspecto matogrossense do ensino rural. Tratou

inicialmente sobre a sua representação sobre a crise que a escola primária vivenciava, sobretudo

o ensino rural, pois a instrução de um sistema de ensino distante da realidade vivida colaborava

com a fuga do homem do campo e isso repercutia diretamente na economia, decorrente do

abandono da zona rural. Por isso, acreditava que a escola primária rural deveria valorizar o

homem em razão do seu meio.

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Apontou que essas escolas eram o centro vital da comunidade e criticou as propostas

realizadas pelos governantes para solucionar os problemas das zonas rurais, dentre eles:

educação, transporte, fixação. Leite afirmou que eles desconheciam a realidade desses locais,

que ficavam entregues a medidas paliativas, com métodos e programas de ensino urbanos, o

que ocasionava o desinteresse pelos problemas do meio aos quais a escola servia. Dessa forma,

Gervásio Leite argumenta:

A escola isolada rural tornou-se, por isso, o mais ruinoso fator de

desagregação do meio, visto ser aparelho de instrução deficiente entregue à

incompetência de professores desconhecedores dos problemas magnos do

ensino rural e servindo muitas vêzes, de centro de conversações políticas onde

as urnas em dias de eleição encontravam guarida nem sempre segura. “A

escola rural é assim de pequeno rudimento, em geral, pelas dificuldades

decorrentes da matrícula de alunos de todos os graus de adiantamento, falta

de direta orientação do professor, falta de fiscalização, falta de material, falta

de estímulo ao docente. É a escola típica dos núcleos de pequena densidade

de população, a escola da roça.” Outro espírito esclarecido assinala que a

ninguém é lícito ignorar a inferioridade da escola isolada, tanto do ponto de

vista técnico, como administrativo. Mal instalada, sem atrativos para o aluno,

nem condições de grande eficiência para o professor, com a fiscalização

dificultada pela sua própria dispersão, a escola isolada é aparelho apenas se

tolera onde não haja possibilidade de se criar grupo escolar. (ABE, 1944, p.

135).

O ponto de vista de Leite (1971) sobre as zonas rurais e urbanas, mesmo sem informar

sua fonte de dados, foi de que na zona rural havia um déficit populacional permanente, baixos

níveis sociais e difícil acesso por meio das estradas em decorrência das longas distâncias que

essas localidades se encontravam. Por sua vez, a zona urbana se constituía com densa população

e mais fácil acessibilidade. O diretor evidenciou o contraponto entre as duas realidades, que

consideramos que seja importante fator para o planejamento de política públicas no âmbito

educacional.

Leite (1971, p. 165) também direcionou o seu olhar para a falta de materiais didático-

pedagógicos e de infraestrutura adequada dos prédios escolares, que acabavam tendo que se

adaptar às condições do meio ao qual eram alocados, tornando o ensino rural formal e “[...]

verboso, sem poder educar pelo trabalho manual, pela aprendizagem, pela experimentação.

Desse modo o ensino primário nas zonas rurais apresenta resultados negativos ou índices muito

baixos.”

Além disso, outros motivos desencadeavam essa problemática, dentre eles o fato de

que as próprias políticas públicas direcionadas ao ensino rural não contribuíam para melhorar

essas condições. Havia falta de interesses dos governantes em realizar benfeitorias nas zonas

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rurais, mesmo na capital mato-grossense, que sofria pelo desprezo e pelos problemas de

magnitude nos distritos, que viviam sob o descaso do poder público. A cidade, por ser entendida

como sinônimo de modernidade, e até mesmo por Cuiabá ser a capital do estado, demandou

que outros olhares fossem atribuídos às escolas isoladas urbanas.

Ao se estabelecer um plano de reforma na educação, seria necessária uma

determinação prévia das características que conferiam à cidade e ao meio rural os seus aspectos

específicos. Gervásio Leite (1971) ressaltou ainda a sua representação sobre a educação, que

estaria andando pelo caminho errado, pois “[...] a escola rural precisa ser diferente da escola

urbana” (p. 161), considerando as diferenças no método, no programa e nos professores. “O

ensino rural brasileiro é sobretudo de fixação do homem ao solo”, caso contrário, ele continuará

sendo “vítima” do urbanismo, visto que o ensino que se oferece às crianças nas áreas rurais

aceleraria o êxodo do campo para a cidade, logo, impossibilitava a fixação pelo desinteresse

das realidades e possibilidades do meio (ABE, 1944, p. 162).

Nessa tese, Leite referiu que é dever do Estado oferecer a educação a todas as crianças,

e se elas não podem recebê-la onde o Estado oferece, e se a escola não pode ser implantada

naquela região pela ausência do mínimo populacional, será necessário encontrar uma solução

em que o Estado forneça a educação nessas regiões com “educandários de tipo especial” (ABE,

1944, p. 136).

Percebe-se que o Diretor se posiciona a favor da obrigatoriedade escolar a todas as

crianças, visto que esse era um problema recorrente no estado de Mato Grosso, considerando a

sua extensão demográfica, apontada no primeiro capítulo.

Gervásio Leite afirmou que as escolas isoladas não ofereciam vantagens, uma vez que

a forma como se organizam as tornavam centros burocráticos, afastando-as dos princípios da

técnica de educação. Soma-se a esses fatores a dificuldade das inspeções, em decorrência da

distância, da ausência de preparo prévio dos profissionais, impossibilitando que ocorram

melhorias. Além disso, a falta de materiais didático-pedagógicos, de infraestrutura adequada no

que tange a prédios escolares que se adaptem às condições do meio em que estão alocados,

torna o ensino rural formal e “verboso, sem poder educar pelo trabalho manual, pela

aprendizagem, pela experimentação. Desse modo o ensino primário nas zonas rurais apresenta

resultados negativos ou índices muito baixos.” (ABE, 1944, p. 165). O Diretor ainda

complementou:

Como está organizado o ensino rural, até agora, que de rural só tem o nome,

nenhum bom resultado tem conquistado. O período muito breve de ensino (2

anos), a instabilidade do professor, que dêsse modo desconhece as

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possibilidades da região, e não pode sentir os defeitos e as necessidades do

meio, a incompreensão paterna, retirando os filhos da escola para os

indispensáveis trabalhos de campo, onde não há braços para a lavoura, o

programa inadequado e incompreensível, a falta de instalações para

aprendizagem de atividades que interessam à vida da população, são

circunstâncias que infelicitam o ensino rural. (ABE, 1944, p. 137).

Mesmo diante das dificuldades apresentadas, não se pode desconsiderar a importância

que essas escolas tiveram na vida das crianças no processo de alfabetização e de apropriação

de conhecimentos, trazendo novas perspectivas no seu cotidiano. Tais resultados não

possibilitaram o otimismo do Diretor com relação à organização do ensino naquele período.

Assim, Leite sugeriu que não se deveria criar novas escolas, mas sim reformar as que já existiam

com novos princípios, tornando o dinheiro público mais eficiente.

Acreditava que o ensino em Mato Grosso estava errado dos prédios ao método. Por

isso, ressaltou a necessidade de um novo plano de educação que fosse capaz de resolver

efetivamente os problemas que se apresentavam em nível nacional, não apenas como uma

realidade local isolada. Portanto, sugeriu a elaboração de um plano nacional de educação.

Dessa forma, a questão financeira, exclusivamente, não era o único empecilho das

escolas primárias rurais. Também as questões políticas estavam imbricadas nesse processo. Por

isso, não poderia se pensar em medidas de enfrentamento dos problemas da educação por uma

única perspectiva, mas sim por uma ótica ampla que envolvesse todas as dificuldades, desde a

precariedade dos mobiliários e dos prédios até o deslocamento a essas escolas. Materializadas

no cotidiano mato-grossenses, esse problema exigia uma solução em nível nacional, e não

apenas regional.

Já a tese apresentada pelo Prof. Francisco A. Ferreira Mendes foi transcrita no

Relatório do ano de 1943. Nela, são identificadas as diferentes ruralidades em Mato Grosso,

que foram definidas como zonas rurais comuns, zonais rurais de imigração e zonas rurais do

alto sertão.

Percebe-se que as denominações atribuídas direcionavam para temas que estavam

presentes nos discursos do Congresso. Partiam do entendimento de que algumas dessas escolas

rurais, por sua localização nas zonas de fronteira e de fluxo migratório, deveriam ter políticas

públicas nacionalizantes e integradoras. Já as escolas rurais comuns deveriam ser organizadas

no sentido de prepararem para o trabalho e para a permanência do homem nessas regiões.

Outras, que tinham o acesso considerado mais difícil, seriam atribuídas à iniciativa não

governamental missionária, reconhecendo que a solução não dependia somente das ações

políticas (PAES, 2011).

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As zonas rurais comuns, segundo as análises de Furtado, Sá e Schelbauer (2016), eram

compostas por pequenas vilas e cidades do interior. Em decorrência dos contratos de

colonização e das vendas das terras devolutas, houve também intenso processo migratório

nessas regiões, que visavam fixar pessoas para residir nesse território.

A tese apontou que uma das dificuldades encontradas naquele período no ensino

primário, nas pequenas cidades e vilas do interior de Mato Grosso, era de que não estava em

consonância com os preceitos estabelecidos pela Escola Nova, embora a administração estadual

afirmasse o seu empenho. Uma das razões para que isso ocorresse estaria vinculada à ausência

de formação dos professores e a necessidade de articular as ideias com os profissionais dos

demais estados do Brasil.

Destacou-se nesse documento a abordagem dos livros didáticos, ou seja, que não

estariam apropriados ao ambiente, uma vez que acreditavam que eles deveriam de certa forma

seguir a realidade da vida local, colaborando para a formação da criança. As escolas localizadas

nas zonas rurais comuns, com algumas exceções, não atendiam as finalidades estabelecidas, e

o motivo novamente estaria vinculado à ausência de preparação profissional dos professores

que atuavam nessas regiões (MATO GROSSO, Relatório, 1943).

Considerando esses fatores, o profissional nomeado para reger essa escola, em muitas

situações, por precisarem do trabalho para a sua subsistência e de sua família, mudavam para

essas localidades, mesmo desconhecendo o lugar. Ao chegarem nessas instituições de ensino,

era comum encontrá-las sem mobiliário adequado e infraestrutura precária, conforme

analisamos no capítulo anterior, sob o ponto de vista dos professores que atuavam nessas

escolas.

Segundo a tese, essas condições impactavam nos resultados do ensino, que por sua vez

eram nulos, valendo ressaltar que a criança que residia nessas regiões rurais, em épocas sazonais

determinadas pela agricultura, auxiliava sua família nos serviços de colheita e de plantio, tendo

se efetivado como uma das causas para não se manter a frequência na escola. Ao concluir sobre

essa região, Francisco A. Ferreira Mendes destacou que seria urgente trazer soluções para a

instrução primária no âmbito rural em Mato Grosso.

Diante da vasta extensão territorial mato-grossense, as zonas rurais de imigração eram

consideradas aquelas regiões localizadas na zona de fronteira com Paraguai e a Bolívia – Ponta

Porã, Bela Vista e Porto Murtinho, que, segundo o Relatório de 1943, representaria um “Brasil

a parte”, em virtude de suas diferenças nos:

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111

[...] costumes, língua. As fronteiras Brasil – Paraguai, como se poderá

verificar no esboço cartográfico anexo, são abertas sempre e de acesso franco.

O meio de vida da região, é um convite eterno a atividade do paraguaio – a

indústria ervateira e a pecuária – e o número deste elemento imigrado é muito

grande. “ Embora nascidos no Brasil – acentua o autor de “Fronteiras

Guaranis” – os filhos dos guaranis não se adaptam facilmente à nossa

educação, salvo se a mãe é brasileira, porque em tal caso predomina os

costumes desta. Não aprendeu a língua portuguesa nem para isso fazem

qualquer esforço. Da mistura do castelhano com o guarani e o Português,

resulta um quase dialeto que falado na Avenida Rio Branco ninguém

entenderia”. Bela Vista conta uma área de 10.000 Km², e uma população de

17.000 habitantes, estrangeiros e nacionais e está situada à margem do rio

Apa, divisa internacional entre as duas nações. [...] Porto Murtinho, à margem

do rio Paraguai, com ótimo porto, está isolado do Brasil, porque a sua principal

via de comunicação é o Rio Paraguai, e o serviço de navegação deficiente; o

seu terreno é alagadiço e muito dificilmente se pode comunicar por terra ao

centro brasileiro. As indústrias ervateiras, a do quebracho e a saladeiril,

constituem a principal fonte de trabalho da região, e assim, em quase idênticas

semelhanças com o município de Bela Vista, Porto Murtinho oferece todas as

vantagens ao paraguaio, cujo elemento é ali grande parte formadora

população. (MATO GROSSO, Relatório, 1943, p. 06).

As zonas rurais de imigração, por serem uma região de fronteira, eram compostas por

diferentes aspectos sociais, culturais e econômicos, que ali se miscigenavam. Por essa razão,

exigiam estudos mais aprofundados e específicos do que os que já haviam sido realizados pelo

Regulamento Geral do Oitavo Congresso Brasileiro de Educação. Os municípios de fronteira

tinham aspectos considerados especiais no âmbito educacional com a finalidade nacionalista,

ao considerar as especificidades da vida social e econômica que levavam. O ensino nessas

escolas seguia os programas oficiais que eram determinados. Não bastava apenas alfabetizar e

educar as crianças dessas regiões, era necessário também nacionalizá-las sob o ponto de vista

dos Governantes (MATO GROSSO, Relatório, 1943).

Por isso, nessas zonas era defendido que seria necessária a implantação de uma escola

nacionalista, de forma que o ensino cívico complementasse a ação alfabetizadora e educadora,

concretizando os ideais estabelecidos por Getúlio Vargas de agregar essas ações à comunhão

nacional, à Pátria brasileira.

Com relação às zonas rurais do Alto Sertão, era formada pelas populações indígenas,

dentre as quais:

“Fraternidade Indígena”, índios Barbados, no Alto Paraguai; “Simões Lopes”,

índios Bacairis, no Alto Teles Pires; “São Lourenço”, “Córrego Grande” e

“Couto Magalhães” índios Bororós no vale do rio São Lourenço; “Bananal”,

“Cachoeirinha” e “Salinas”; ao longo da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil,

zona habitada pelos remanescentes das antigas tribos “Guaicurus” e “Terenos”

completamente catequizadas; Aquidauana e Campo Grande, com índios

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112

Terenos; “Capitão Vitorino”, no município de Nioaque; “Alves de Barros”, na

região da Serra da Bodoquena, índios Cadiuéris; “ Francisco Horta”, “José

Bonifácio” e “União”, índios Caiuás, no extremo sul do Estado. [...] povoada

por numerosas tribos, dentre as quais a dos terríveis Nhanbiquaras está ainda

na dependência de uma solução civilizadora, que venha definitivamente

completar o grande feito do arrojado sertanista patrício, de que com razão se

ufana a nacionalização pátria. (MATO GROSSO, Relatório, 1943, p. 07).

Havia 14 escolas localizadas nos postos de localização indígenas mencionados, que

mantinham “[...] uma escola de assistência educação e nacionalização, escolas mistas, de um

só tipo, em que se ministram também trabalhos manuais e noções de agricultura.” Na região do

extremo sul de Mato Grosso todos tinham acesso à escolarização e à catequização. Já a extensa

zona norte do estado, povoada por numerosas tribos, dentre as quais a dos Nhanbiquaras, estava

ainda sem contato com as iniciativas estatais e/ou religiosas (MATO GROSSO, Relatório,

1943, p. 07).

Sobre as escolas rurais de Mato Grosso que se localizavam nas Zonas do Alto Sertão

a tese reconheceu os problemas que existiam e que ainda seriam resolvidos, no entanto,

permaneceram ao longo do período em análise. Nessas regiões, com exceção da zona leste e

parte da zona sul, não existiam escolas públicas. Dessa forma, houve nessas regiões:

[...] algumas missões religiosas, compostas de ministros estrangeiros, que sob

pretexto de catequese religiosa dos selvagens, penetram pelos sertões mato-

grossenses, instalam-se e vão prosseguindo na luta a que visam. Não podemos

fazer referências precisas sobre a realidade do que existe no assunto que

descrevemos. A liberalidade das leis brasileiras não impedem a propaganda

religiosa e, com isso, os evangelistas norte-americanos, e quiçá mesmo de

outras nacionalidades, encontram fácil acesso aos sertões do Estado, cujos

lindes extensos e ermos, estão desguarnecidos de qualquer vigilâncias.

(MATO GROSSO, Relatório, 1943, p. 7).

Nessas regiões predominavam indígenas de diferentes tribos, por esse motivo, naquele

período, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio do Brasil tinha a responsabilidade de

conceder toda a assistência necessária por meio do Serviço de Proteção aos Índios do Brasil,

que preservava em cada posto de localização indígena uma escola mista, que prestava

assistência à educação e ao processo de nacionalização, além de ministrar as noções de

agricultura e de trabalhos manuais (MATO GROSSO, Relatório, 1943).

Essas escolas enfrentaram inúmeros problemas, segundo a própria Delegacia Regional

do Trabalho, pois era difícil encontrar profissionais formados dispostos a mudar para essas

localidades. A zona norte de Mato Grosso, apesar de ter sido considerada como a civilização

que se relacionou a um dos maiores empreendimentos do século XX, vinculados às expedições

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de Marechal Rondon, ainda permanecia na situação de dependência de uma solução

civilizadora, que seria da nacionalização.

O Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso,

referente ao ano de 1942, apontou que uma das formas de elevar a finalidade do ensino em

Mato Grosso seria pelo estabelecimento da igualdade do tempo de duração dos cursos rurais

com os demais, visto que se restringem a dois anos, direcionados às crianças de sete a 12 anos

de idade (MATO GROSSO, Relatório, 1943).

O documento ainda destacou que em razão do curto tempo para a conclusão do curso

primário, muitas crianças ficavam com o tempo ocioso por não terem mais conteúdo para

estudar, e em alguns casos auxiliavam suas famílias no trabalho agrícola. Logo, os

ensinamentos dos trabalhos manuais deveriam ser realizados em todas as escolas primárias

como forma de um complemento na educação, embora ao mesmo tempo deveriam ser algo que

proporcionasse ao alunado interesse e curiosidade, conjugados às tendências vocacionais de

cada um. Seria um modo de se executar o plano de ensino das artes (MATO GROSSO,

Relatório, 1943).

Podemos identificar a forte tendência da corrente do Ruralismo Pedagógico na

representação do Diretor Geral Prof. Francisco A. Ferreira Mendes, visto que, apesar de realizar

uma crítica sobre o tempo de duração do curso primário e a ociosidade das crianças, seria de

certa forma utilizada como justificativa para elevar a importância de aulas complementares

sobre os cuidados com o meio rural a essas crianças, que estariam disponíveis a auxiliar seus

familiares no cotidiano de trabalho, tornando-se mais uma forma de incentivo à permanência

nessas localidades.

Sobre a obrigatoriedade do ensino, o Relatório (1943) descreveu que deveriam ser

estabelecidos nos Grupos Escolares e nas Escolas Reunidas (incorporados aos que estão nas

zonas agrícolas) os Clubes Agrícolas, de forma que seria uma das alternativas para resolver o

problema do ensino primário no país: “[...] a integração do indivíduo ao meio com a capacidade

suficiente para promover a prosperidade da terra.” (MATO GROSSO, Relatório, 1943, p. 8).

Diante dos problemas educacionais apontados nas ruralidades existentes no estado de

Mato Grosso, as soluções deveriam estar conjugadas ao nacionalismo e à moral disseminada

por Vargas, bem como à formação de profissionais do magistério que estivessem de fato

preparados para exercer as funções de sua profissão, visando considerar as heterogeneidades

existentes em cada região:

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É medida que se impõe, desde que a educação visa principalmente a adaptar

o homem, ao meio. Precisa ser feita com meticulosidade, procurando focalizar

os assuntos que despertam na alma infantil, o amor ao lugar em que nasceu,

como um trecho integrante da Pátria comum. Com este objetivo devemos

resolver o problema do livro didático. Uma comissão composta de Professores

dos diversos Estados, encarregada de selecionar os livros didáticos a serem

adotados, ou incumbida de elaborar outros adequados às diversas modalidades

da vida brasileira, parece-nos, será caminho acertado e seguro para se

concretizar a obra do ensino quanto a este importante assunto. Com isto,

entendemos mais lembrar que, o ensino ministrado nas escolas, encarando os

problemas sociais e econômicos do meio em que atua, não pode se

circunscrever somente à zona de ação do escolar. A educação, devem

acompanhar os ensinamentos de tudo o que se relaciona com a vida brasileira,

de um modo geral, enraizando no espírito da criança, com o conhecimento das

riquezas da terra do berço e das riquezas e esperanças do grande todo, que é a

nação, o amor à Pátria. (MATO GROSSO, Relatório,1943, p. 8).

A tese destacou outro importante fator ao se referir que era preciso que os cursos rurais

tivessem igualdade no seu tempo de duração, visto que no Brasil havia estados em que a duração

era de até cinco anos. No Mato Grosso concluía-se em dois anos. O Relatório justificou que

isso contribuía para que as “crianças inteligentes” ficassem com tempo ocioso por já terem

concluído o seu curso na escola rural. Acreditava também que uma das possíveis soluções para

resolver o problema no Brasil do ensino primário estaria vinculada justamente a integrar o

indivíduo ao ambiente em que vive, e que ele tivesse a capacidade de retirar da terra a seu

sustento.

Novamente o diretor explicita na sua representação o direcionamento com a política

nacional vigente em integrar a população rural, o que remetia ao projeto autoritário de

modernização do Brasil propagado por Getúlio Vargas. Nesse modelo, a educação primária

rural ocupou um lugar estratégico, consoante com a proposta de desenvolver programas

orientados ao ensino prático, adaptado aos costumes e hábitos locais e, consequentemente,

promovendo a fixação nessas regiões.

Francisco A. Ferreira Mendes considerou que a unificação do ensino, ainda que

figurasse como a solução mais viável naquele momento, não seria possível de se efetivar. Em

razão de reconhecer o aspecto educacional brasileiro e os distintos costumes, hábitos e vida que

cada região mato-grossense era marcada, não seria provável que se consolidasse essa unificação

na perspectiva didático-administrativo.

Percebe-se que as representações de Gervásio Leite e de Francisco A. Ferreira Mendes

estavam imbuídas pelo Ruralismo Pedagógico. Essa corrente de pensamento pretendia atender

aos interesses sociais e, sobretudo, políticos, além de contribuir para ocultar os problemas que

existiam nas zonas rurais e os efeitos do êxodo rural. Os ruralistas designaram à escola uma

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função que não poderia ser atendida somente por ela, embora tivessem o apoio de parcela que

compunha as elites urbanas, por entenderem que esse movimento seria uma forma de incentivar

o homem a permanecer nas áreas rurais e consistiria numa possibilidade de amenizar os

problemas existentes nas cidades.

No entanto, o ruralismo pedagógico não se materializou na prática em Mato Grosso.

Houve apenas uma tendência de discursos e posicionamentos favoráveis, pois a realidade do

estado se diferenciava dos grandes centros urbanos onde a corrente foi disseminada em virtude

do processo do êxodo rural elevado pelo crescimento das indústrias e serviços. Em Mato Grosso

não houve essa migração do campo significativa para se pensar em políticas públicas

educacionais que visassem manter esses homens na zona rural. O estado era

predominantemente rural, ainda estava em processo de povoação pelos projetos governamentais

e sua densidade populacional era pequena comparada à extensão territorial, como analisamos

no primeiro capítulo deste trabalho.

Dessa forma, considerando a extensa dimensão territorial mato-grossense e suas

respectivas condições demográficas, Júlio Strübing Müller afirmou no seu relatório que

pretendia apoiar toda a população, disseminando escolas em locais onde “[...] todos os núcleos

onde se apresentam mais de 30 crianças em idade escolar, e mantendo professoras nas escolas

regimentais que se organizam nos corpos de tropa federal e estadual.” (MATO GROSSO,

Relatório, 1940, p. 7).

De acordo com os Relatórios da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de

Mato Grosso analisados, pode-se inferir que grande parcela desses professores, principalmente

os responsáveis pelo ensino primário nas escolas isoladas rurais, eram leigos, com exceção das

escolas localizadas na capital, onde havia grande número de normalistas. Recebiam baixos

salários e ficavam à mercê do forte nepotismo político para a permanência nos seus cargos,

conforme apontamos no capítulo anterior.

Mesmo com a educação sendo destacada nas documentações oficiais como uma das

preocupações máximas do Governo do estado, essas dificuldades se faziam presentes na

realidade vivenciada pelos professores e pelos alunos, novamente sendo predominante nas

escolas localizadas nas zonas rurais, pela ausência de políticas públicas que visassem atender

as demandas específicas dessas localidades, conforme demonstra o quadro a seguir:

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Quadro 5: Escolas Isoladas Rurais de Mato Grosso - 1944

Cuiabá

1. Vertente Rural Mista

2. Parí Rural Mista

3. Sovaco Rural Mista

4. Capela do Pissarrão Rural Mista

5. Tijucal Rural Mista

6. Passagem da

Conceição

Rural Mista

7. Ponte Alta Rural Mista

8. Capão Grande Rural Mista

9. Capão Grande Rural Adj.

10. Machado Rural Mista

11. Capela do Coxipó Rural Mista

12. Praia Grande Rural Mista

13. Praia Grande Rural Adj.

14. Guarita Rural Mista

15. Burití Rural Mista

16. Paulino Rural Mista

17. Limpo Grande Rural Mista

18. Cachoeira Rica Rural Adj.

19. Cachoeira Rica Rural Mista

20. Sucuri Rural Mista

21. S. Gonçalo Rural Mista

22. Engordador Rural Mista

23. Passa Três Rural Mista

24. Rio dos Peixes Rural Mista

25. Varginha Rural Mista

26. Santa Tereza Rural Mista

27. Forquilha Rural Mista

28. Porto Alegre Rural Mista

29. Boa Vista – Chapada Rural Mista

30. Mato Grosso Rural Mista

31. Boa Vista – Engenho Rural Mista

32. Mão de Pilão Rural Mista

33. Bom Sucesso Rural Mista

34. Água Fria Rural Mista

35. Brilhante Rural Mista

36. Xavier Rural Mista

37. S. Manoel Rural Mista

38. Baía Rural Mista

39. Lavrinha Rural Mista

40. Bernardina Rural Mista

41. Três Pedras Rural Mista

Município de Diamantino

42. Lavrinha Rural Mista

43. Córrego Fundo Rural Mista

44. Afonso Rural Mista

Município de Rosário Oeste

45. Água Doce Rural Mista

46. Córrego Fundo Rural Mista

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47. Arruda Rural Mista

48. Cancela Rural Mista

49. Espinhal Rural Mista

50. Pass. do Cachorro Rural Mista

51. Raizama Rural Mista

52. Raizama de Cima Rural Mista

53. Figueira Rural Mista

54. Bauchí Rural Mista

55. Ribeirão Grande Rural Mista

56. Timbozal Rural Mista

57. Cedral Rural Mista

58. Cachoeirinha Rural Mista

59. Pai Caetano Rural Mista

60. Barreirinho Rural Mista

Município de Cocais – ex- Livramento

61. Santo Onofre Rural Mista

62. Rancharia Rural Mista

63. Retiro Rural Mista

64. Tambor Rural Mista

65. Ventura Rural Mista

66. Cedral Rural Mista

67. Bom Jardim Rural Mista

68. Aguada Rural Mista

69. Seco Rural Mista

70. Ribeirão de Cocais Rural Mista

71. Carandá Rural Mista

72. Corumbiára Rural Mista

Município de Poconé

73. Cercado Rural Mista

74. Cupim Rural Mista

75. Pantanal Rural Mista

76. Faval Rural Mista

77. Retiro Rural Mista

78. Burití Rural Mista

79. Santa Cruz Rural Mista

80. Pantanalzinho Rural Mista

81. Traíras Rural Mista

82. Oncinhas Rural Mista

83. Barreirinho Rural Mista

Município de Cáceres

84. Paraíso Rural Mista

85. Descalvados Rural Mista

86. Corixo Rural Mista

87. Virtude Rural Mista

88. Porto Aliança Rural Mista

89. Porto Estrela Rural Mista

90. Porto Esperidião Rural Mista

91. Bela Vista Rural Mista

92. Sant’Ana Rural Mista

93. Fortaleza Rural Mista

94. Candelária Rural Mista

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95. Uacorisal Rural Mista

Município de Mato Grosso

96. Lagoa do Aguassú Rural Mista

97. Belém Rural Mista

98. Porto Carvalho Rural Mista

99. Areião Rio Alegre Rural Mista

Município de Santo Antônio - Este Município

passou à denominação de “LEVERGER’’.

100. Morro Grande Rural Mista

101. Poço Rural Mista

102. Bocaiuval Rural Mista

103. Tibaia Rural Mista

104. Barra do Aricá Rural Mista

105. S. Pedro Rural Mista

106. Berreirinho Rural Mista

107. Berreirinho Rural Adj.

108. Uacorutuba de Baixo Rural Mista

109. Lage Rural Mista

110. Jatobá Rural Mista

112. Mutum Rural Mista

112. Piraim Rural Mista

113. Serra Rural Mista

114. Porto de Fora Rural Mista

Município de Corumbá

115. São Domingos Rural Mista

116. Castelo Rural Mista

117. Bracinho Rural Mista

118. Santa Rita Rural Mista

119. Bálsamo Rural Mista

120. Porto Esdras Rural Mista

Município de Miranda

121. Fazenda Santa Tereza Rural Mista

122. Jabotí Rural Mista

Município de Aquidauana

123. Correntes Rural Mista

124. Limão Verde Rural Mista

125. Corguinho Rural Mista

126. Duque Estrada Rural Mista

Município de Porto Murtinho - Passou a

integrar o território de Ponta Porã.

127. Cachoeirinha Rural Mista

128. Foz do Apa Rural Mista

129. Boa Sorte Rural Mista

130. Barranco Branco Rural Mista

Município de Bela Vista - Passou a integrar o

território de Ponta Porã.

131. Nunca-te-vi Rural Mista

132. Porteira Rural Mista

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Fonte: MATO GROSSO, Relatório, 1944

Até o ano de 1944, segundo esse Relatório, existiam em Mato Groso 154 escolas

primárias rurais, das quais 32 estavam “vagas” nos municípios de Cuiabá, Diamantino, Rosário

Oeste, Cocais (ex-Livramento), Poconé, Cáceres, Mato Grosso, Santo Antônio (passou a

denominação de Leverger), Corumbá, Miranda, Aquidauana, Porto Murtinho (passou a integrar

o território de Ponta Porã), Bela Vista (passou a integrar o território de Ponta Porã), Nioaque

(passou a integrar o território de Ponta Porã), Herculânea e Campo Grande.

Quando contrapomos essa informação com a Mensagem apresentada pelo Interventor

Federal do Estado de Mato Grosso, Cap. Manoel Ary da Silva Pires, no ano de 1937,

percebemos que em sete anos houve aumento quantitativo de apenas duas escolas primárias

rurais em Mato Grosso, contudo, apenas 122 estavam funcionando efetivamente.

Conforme as análises do capítulo anterior, a cidade de Cuiabá, capital de Mato Grosso,

era a que continha maior quantidade de escolas isoladas rurais, somando 41 até o ano de 1944.

Apesar da capital, nesse período, ter características de modernização, percebemos que

133. Passo Itá Rural Mista

Município de Nioaque - Passou a integrar o

território de Ponta Porã.

134. Bom Jardim Rural Mista

135. Guia Lopes Rural Mista

Município de Herculânea

136. Pedro Gomes Rural Mista

137. Descanso Rural Mista

138. Recreio Rural Mista

139. Jaurú Rural Mista

140. Piquirí Rural Mista

141. Brioso Rural Mista

142. Retiro Rural Mista

143. Ponte Vermelha Rural Mista

Município de Campo Grande

144. Cachoeirinha Rural Mista

145. Cascudo Rural Mista

146. Três Barras Rural Mista

147. Lagoa da Cruz Rural Mista

148. Chácara Municipal Rural Mista

149. Chácara Municipal Rural Adj.

150. Bálsamo Rural Mista

151. Cerâmica Aparecida Rural Mista

152. Jaraguá Rural Mista

153. Fazenda Rochedo Rural Mista

154. Sidrolândia Rural Mista

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predominaram escolas primárias rurais, e não escolas urbanas. Por isso, remetemos ao primeiro

capítulo sobre esse contraste presente em Cuiabá, antes de adentrarmos nessa questão.

O Relatório de 1940 ressaltava que o estado iria favorecer as escolas primárias

localizadas nas zonas rurais e urbanas, de acordo com as suas determinadas condições sociais

e locais, fornecendo a ambas material didático de qualidade e suficiente para atender toda a

demanda, visto que o ensino seria uma das preocupações constantes e máximas desse Governo

(MATO GROSSO, Relatório, 1940).

No entanto, conforme analisamos nas documentações oficiais, essas propostas

permaneceram no âmbito do discurso do Governante durante o período em análise, não sendo

efetivadas na prática cotidiana das escolas.

Mesmo diante da ineficiência em atender toda a demanda das escolas rurais e todos os

obstáculos de permanência e manutenção, foi promulgado o Decreto n.º 53, de 18 de abril de

1941, criando no estado 100 escolas rurais, em homenagem à data natalícia do Exmo. Sr.

Presidente da República, a 19 do mesmo mês. Dessas, 19 receberam o nome de “Presidente

Vargas”, como mostra o quadro 6:

Quadro 6: Escolas Rurais criadas por Júlio Müller

NOME DA ESCOLA LOCALIDADE

POVOAÇÃO DISTRITO MUNICÍPIO

1. – Xavier Brotas Cuiabá

2. Presidente Vargas Porto Alegre – Rosário Oeste

3. Presidente Vargas Porto Carvalho – Mato Grosso

4. – São Miguel – Cuiabá

5. – Bálsamo – Corumbá

6. Presidente Vargas Alcantilado – Lageado

7. Presidente Vargas Afonso – Diamantino

8. Presidente Vargas Coqueiro – Entre Rios

9. – Baía – Cuiabá

10. Presidente Vargas Arapuá – Três Lagôas

11. Presidente Vargas Arraial S. Ana – Cáceres

12. Presidente Vargas Toriparú Toriparú Poxoréu

13. – Ferreiros – Três Lagôas

14. Presidente Vargas Oncinhas – Poconé

15. Presidente Vargas Bálsamo – Campo Grande

16. Presidente Vargas Barreirinho – Poconé

17. – Barreirinho – Rosário Oeste

18. Presidente Vargas Capela – Paranaíba

19. Presidente Vargas Paranhos Paranhos Ponta Porã

20. – Tinteiro – Lageado

21. – Ceramica

Aparecida

Bandeira Campo Grande

22. – Jaraguá – Campo Grande

23. Presidente Vargas Ribeirãozinho – Alto Araguaia

24. – Faz. Rochedo – Campo Grande

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25. – Sidrolandia – Campo Grande

26. Presidente Vargas Joboti – Miranda

27. – Lavrinha – Cuiabá

28. – Campo Grande – Campo Grande

29. Cel. Luiz Coêlho de

Campos

Ponte Pedra – Poxoréu

30. – Bernardina Bandeira Cuiabá

31. Cel. Luiz Coêlho de

Campos

Três Pedras Alegrete Cuiabá

32. – Campo Grande – Campo Grande

33. – Sanga Puitã – Ponta Porã

34. – Colônia Penzo – Ponta Porã

35. Presidente Vargas Barranco Branco – P. Murtinho

36. – Fortaleza – Cáceres

37. Presidente Vargas Serra – Santo Antonio

38. Presidente Vargas Seco – Livramento

39. – Cachoeirinha – Rosário Oeste

40. – Candelária – Cáceres

41. – Ribeirão dos

Cocais

– Livramento

42. – Porto 15

Novembro

– Entre Rios

43. – Porto de Fora – Santo Antonio

44. – Uacurisal Faz. do Morro

Branco

Cáceres

45. – Carandá – Livramento

46. – Areião Rio

Alegre

– Mato Grosso

47. – Colônia Fortaleza Chapada Cuiabá

48. – S. Sebastião do II – Campo Grande

49. – Colônia Agrícola

de Retiro

– Capital

50. – Colônia Agrícola

de Paraíso

– Poxoréu

51. – Guanandi – Poconé

52. – Japão – Poconé

53. – Poça de Anta – Rosário Oeste

54. – Cedralzinho – Rosário Oeste

55. – São Lourenço – Capital

56. – Vila

Entroncamento

– Campo Grande

57. – Matum – Leverger

58. – Rio Novo – Rosário Oeste

59. – Cassange – Poconé

60. – Fazenda de Cima – Poconé

61. – Teuda Engenho Capital

62. – Maravilha – Poconé

63. – Alto Coité – Poxoréu

64. Presidente Vargas Flexas Engenho Cáceres

65. – Biguasar – Leveger

66. – Urucum – Corumbá

67. – Retiro – Rosário Oeste

68. – Taquarussu – Caiuás

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69. – Mundo Novo – Poconé

70. – Jurú Mirim – Capital

71. – Pichaim – Poconé

72. – Pai André – Capital

73. – Abodral – Corumbá

74. – Santa Rita – Poconé

75. – - Utiaritá Diamantino

76. – Porto do Braz Rio Taquari Corumbá

77. – Veados – Poconé

78. – Varal – Poconé

79. – Lajo Acorizal Capital

80. – Manoel Corrêa Albuquerque Corumbá

81. – Ranchão – Capital

82. – – Camapuã Herculânea

83. – Três Barras – Campo Grande

84. – Rochedinho – Campo Grande

85. Tombador Tombador – Rosário Oeste

86. – Gatinho – Diamantino

87. – Faz. Exp. de

criação de Gado

Campo Grande –

88. – Couto Magalhães S. Lourenço Leverger

89. – Rondonópolis – Poxoréu

90. – Água Branca – Poconé

91. – S. Sebastião – Poconé

92. – Capão Verde – Poconé

93. – Pantanalzinho – Poconé

94. – Barreirão – Poconé

95. – Buriti Comprido Engenho Capital

96. – Fazenda Velha – Leverger

97. – Bocaina Engenho Capital

98. – Mato Dentro Guia Capital

99. – Pindaival – Rosário Oeste

100. – Morrinho – Capital Fonte: ALVES (1998, p. 174-175)

Vale ressaltar que das 100 escolas, em Cuiabá foram criadas 18, das quais nenhuma

recebeu o nome de “Presidente Vargas”, como pode ser observado no quadro apresentado.

Ademais, dentre essas escolas, algumas na verdade foram renomeadas, uma vez que já existiam.

Segundo Alves (1998, p. 119), essa ação representou um grande paradoxo no âmbito

educacional, visto reportar ao descaso ao ensino no estado, justamente por verem a educação

como uma “moeda corrente”. Essa medida estava vinculada à imagem do Presidente Vargas,

que buscava fortalecer o seu regime populista por meio da educação.

Mesmo tendo investido reduzidamente no âmbito educacional de Mato Grosso houve

apoio do presidente Vargas, que realizou a expansão do ensino primário. Apesar de ter sido

caracterizada por estratégias políticas, foi evidente o aumento do número de escolas e de

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matrículas, especialmente no ensino primário rural em Mato Grosso (SÁ; FURTADO, no

prelo).

Outro aspecto a ser abordado, de acordo com Sá e Furtado (no prelo), em relação ao

quadro 6, foi que quase todas as localidades do estado de Mato Grosso, dentre os seus

municípios, distritos e povoados, passaram a ter uma escola primária após esse decreto de Júlio

Müller, com maior ênfase na região norte. Desmistificava-se a hipótese de que somente nas

localidades que possuíssem grupos escolares tinha se efetivado uma educação de qualidade.

Mas isso não significava de fato que todas essas escolas foram implantadas no estado.

As condições em que foram criadas tais escolas continuaram precárias, ou seja, não

houve investimento necessário para o seu funcionamento e manutenção. Existia um grande

contraste entre a educação das escolas urbanas e as da zona rural, dado que o professor

responsável por ministrar as aulas nessas escolas atuava em difíceis condições de trabalho.

Ferreira Mendes, diretor da Instrução Pública, destacou que dentre as escolas

existentes no estado havia as que se localizavam em regiões afastadas e algumas em locais de

difícil acesso; ainda assim, foram visitadas diversas escolas rurais localizadas nos distritos da

capital, Diamantino e Rosário Oeste. Ao ouvirem os alunos e realizarem as suas observações

chegaram à conclusão de que havia:

[...] necessidade de uma inspeção médica nos termos da parte final dos dizeres

do relatório de 1942 citado, que passo a transcrever – O Regulamento da

Instrução Pública, baixado com o Decreto n.º 759, de 22 de Abril de 1927, no

Capítulo VIII, Artigos 181 a 186, legisla sobre a Assistência Médica Escolar.

Para esse fim, diz o Art. 182 “Haverá para esse fim, um médico encarregado

da inspeção médica dos estabelecimentos públicos e particulares”. Tal

inspetor era livre nomeação do Governo, e tinha suas atribuições declaradas

no Art.138, do regulamento citado. (MATO GROSSO, Relatório, 1944, s/p).

Nesse sentido, Ferreira Mendes declarou que nos centros rurais a inspeção médica

escolar era inexistente, considerada nula. Por sua vez, nas escolas que se situavam nas regiões

centrais da capital e nos demais centros que tinham melhor acesso efetuavam-se essas

inspeções. Reforça que em Mato Grosso a população que vivia nas zonas rurais estava à mercê

dos recursos médicos.

Ressaltou ainda que essas populações não tinham noções de higiene e que por essa

razão os alunos se encontravam em situação de vulnerabilidade nas instituições de ensino,

suscetíveis a doenças contagiosas e demais verminoses. Sugere que dentro das possibilidades

econômicas do estado fossem organizadas e realizadas caravanas médicas, com profissionais

da área da saúde para atender essas crianças (MATO GROSSO, Relatório, 1944).

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124

Conforme as análises realizadas, cabe-nos inferir que as políticas públicas no âmbito

do ensino primário rural foram direcionadas para a infância dos que viviam nessas regiões.

Entretanto, mesmo diante de um cenário marcado por precariedades no cotidiano das

instituições de ensino, predominou o discurso, em detrimento da efetivação de ações.

Apesar de não existir um modelo padrão, as escolas primárias rurais se expandiram em

conformidade com o desenvolvimento econômico do estado. Podemos identificar que os

recursos financeiros dispostos pelo Governo eram escassos, o que torna evidente o descaso com

essa instituição e os demais atores envolvidos. Diante desse contexto mato-grossense,

direcionamos o olhar para as representações do direito à educação da infância rural em Cuiabá.

3.2 A OBRIGATORIEDADE ESCOLAR DA INFÂNCIA RURAL CUIABANA

A obrigatoriedade escolar não foi inserida na legislação federal antes do ano de 1930,

tanto em relação aos pais, como na garantia do Poder Público, que ainda estava presente de

forma precária nas discussões, como no caso de Mato Grosso, em que o Regulamento da

Instrução Pública Primária no Estado de Mato Grosso (1927) definia: “Art. 3 – O ensino público

primário é gratuito e obrigatório a todas as crianças normais, analfabetas, de 7 a 12 anos, que

residirem até 2 quilômetros de escola pública.”

No entanto, esse Regulamento não deixa explícito em nenhum dos seus artigos a

obrigatoriedade do estado ou da família em garantir a efetivação desse direito. Outro elemento

desse documento a se destacar refere-se à restrição desse direito apenas para as crianças

consideradas “normais” daquele período, que seriam aquelas que não tivessem nenhuma

deficiência, seja ela física, intelectual, auditiva ou visual.

3.2.1 As representações do direito à educação

Para abordarmos o direito à educação temos que considerar em nossas análises a sua

relação com a obrigatoriedade escolar e a extensão da escolaridade no período em questão.

Apesar de não terem sido processos que ocorreram concomitantes, devem ser atrelados ao

serem pesquisados (HORTA, 2013).

Podemos analisar que o estabelecimento da obrigatoriedade escolar na sociedade

brasileira foi um processo conflituoso e permeado por complexidades, tendo se efetivado de

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diferentes formas em cada tempo e região do país. A consensualidade em torno da temática por

vezes é provisória e alterada, em decorrência das mudanças gestadas na escola e da sua relação

com o Estado e a sociedade.

A Constituição Federal de 1934 assegurou a garantia do direito à educação gratuita e

obrigatória. Segundo o art. 149: “deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos.”

Dentre as normas a serem seguidas constava a elaboração do Plano Nacional de Educação, que

garantiria as bases do ensino primário integral, de frequência obrigatória e gratuito, e que

também se estendia aos adultos.

O Plano Nacional de Educação era definido em seu art. 4º que: “A educação é direito

e dever de todos. Incumbe especialmente à família e aos poderes públicos ministrá-la a

brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil por todos os meios legítimos.” Por sua vez, o art.

39 garantia: “A obrigatoriedade da educação primária pode ser satisfeita nas escolas públicas,

particulares ou ainda no lar.” E reiterava no seu art. 40: “Dos 7 aos 12 anos toda a criança é

obrigada a frequentar escola, salvo quando receber instrução no lar.”

No entanto, apesar das propostas visarem garantir a obrigatoriedade escolar e a

implementação desse Plano, de acordo com Horta (1998, p. 18), “[...] não há, porém, a

incorporação do direito à educação como direito público subjetivo [...] nem a previsão de

responsabilização criminal das autoridades responsáveis pelo não atendimento.” Esse avanço

não trouxe mudanças significativas, pois essa Constituição teve vigência temporária pela

situação política, social e cultural vivenciada pelo Brasil.

Na Constituição Federal do ano de 1934 o direito à educação aparece garantido de

forma legal na sua gratuidade e obrigatoriedade. Essa Constituição baseou-se no Manifesto dos

Pioneiros da Educação de 1932, um documento que circulou em âmbito nacional, escrito por

26 educadores, com o título A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Tinha

como objetivo propor diretrizes para uma política de educação. Logo, esses educadores

defendiam:

A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são outros tantos

princípios que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da

subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares

e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito

biológico que cada ser humano tem à educação. [...] A gratuidade extensiva a

todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna

a educação, em qualquer dos seus graus, acessível não a uma minoria, por um

privilégio econômico, mas todos os cidadãos que tenham vontade e estejam

em condições de recebê-la. Aliás, o Estado não pode tornar o ensino

obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas,

ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve

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126

estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor,

isto é, até os 18 anos, é mais necessária ainda “na sociedade moderna em que

o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a

criança e o jovem”, cuja educação é frequentemente impedida ou mutilada

pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas.

(MANIFESTO DOS PIONEIROS, 1932, p. 413-414)17.

Em 1932, a proposta apresentada na 5ª Conferência Nacional de Educação defendeu a

obrigatoriedade do ensino primário e a sua expansão até os 18 anos, no processo educativo

seguinte. No mesmo ano, a Associação Brasileira de Educação (ABE) anunciava os seus

anseios sobre a Constituição Federal, dentre eles estava presente a obrigatoriedade do ensino

primário e secundário (HORTA, 1998). Por isso, esses princípios estiveram em todas as

propostas para a Constituição de 1934, expressas pela Associação Brasileira de Educação.

Segundo as análises de Horta (1998), o substitutivo da Comissão Constitucional, que

foi exposto no ano de 1933, indicou no seu Art. 164:

O ensino primário é obrigatório, nos limites das possibilidades locais,

inclusive para os adultos e gratuito, assim como o material escolar, para os

pobres, nos estabelecimentos oficiais. A obrigação escolar se ampliará,

sempre que possível, ao ensino profissional, e até os 18 anos de idade.

A obrigatoriedade escolar seria então garantida ao ensino primário para as crianças e

adultos, estendendo-se ao ensino profissional segundo os requisitos preestabelecidos. Por isso,

a importância de fazermos esse recuo histórico, justamente porque esse respaldo legal foi

mantido até a consolidação da Constituição Federal de 1934.

As escolas primárias rurais vivenciaram a distinção de um modelo de escola urbano e

outro que seria próprio para a zona rural. Apenas na Constituição Federal de 1934 o Governo

começou a tratar a educação rural como direito social, ganhando certa centralidade a partir da

Revolução de 1930 (ÁVILA, 2013).

Apesar de todo esse percurso histórico da obrigatoriedade escolar, Vidal (2013, p. 14-

15) acredita que, mesmo após um século, ao analisarmos as estatísticas do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE), por mais que a universalização das matrículas tenha sido

atingida no século XX, “[...] com 96,9% das crianças de 7 a 14 anos de idade na escola [...]”,

não foi possível assegurar a obrigatoriedade escolar, visto que havia ainda grandes problemas

nas legislações, no âmbito dos direitos, que garantissem a escolaridade de forma compulsória e

a efetiva frequência do público escolar. Dessa forma, um grande questionamento nos é posto

17 In: Revista bras. Est. Pedag., Brasília, 65(150): 407-25, mai/ago. 1984

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pela autora: “Poderia o Estado interferir na autoridade do pai no sentido de obriga-lo a

escolarizar seu filho?” (VIDAL, 2013, p. 14-15, grifos da autora).

Esse questionamento é envolto por complexidades, justamente por abarcar as

diferenças entre as localidades brasileiras sobre seus sistemas educacionais. Isso envolvia

outros limites para que a aplicação da obrigatoriedade escolar se efetivasse plenamente. A

precariedade orçamentária da administração, a ausência de compromisso dos governantes, a

dimensão territorial e a falta de professores habilitados para instruírem os alunos impactavam

a efetivação da obrigatoriedade. A garantia do direito à escolarização das crianças tratava-se,

portanto, de responsabilidade que não era única dos pais e da família.

Nesse sentido, na esfera da educação ocorreram restrições ao que cabe ao Estado em

1937, retrocedendo às garantias conquistadas na Constituição anterior, uma vez que definiu a

responsabilidade por assegurar o dever da educação aos pais, enquanto o Estado teria apenas a

função secundária de subsidiar isso, entendendo esse direito como natural. Desse modo, Horta

(1998) reflete: “[...] o conceito de obrigatoriedade escolar, tal como se apresentava na

legislação, não implicava dever do Estado perante o indivíduo, mas somente dever do indivíduo

perante o Estado.” (p. 20).

A Constituição Federal de 1934 anteviu o estabelecimento de uma norma geral

referente à obrigatoriedade escolar, que posteriormente foi assegurada na Carta constitucional

de 1937, marcando o início do período do Estado Novo, no seu artigo 130:

[...] ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui

o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por

ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não

puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para

a caixa escolar. (BRASIL, Constituição, 1937, s/p).

O texto constitucional do ano de 1937 traz em seu art. 130 a garantia da gratuidade e

obrigatoriedade da educação primária, indicando que o Estado seria responsável por assegurar

esse nível de ensino às crianças. Porém, ainda no mesmo artigo, é retirada essa responsabilidade

do poder público, pois, ainda que garantisse essa gratuidade nesse nível de ensino, estabelece

que isso não suprime o dever de solidariedade a aqueles que se encontram em situação de

pobreza.

Nessa perspectiva, as caixas escolares seriam uma contribuição financeira mensal e

modesta às crianças que alegassem dificuldade de recursos para estudarem, prevista ainda pelo

Regulamento da Instrução Pública Primária de Mato Grosso de 1927. Retirava-se, assim, a

obrigatoriedade apenas do Estado, dividindo-a com a sociedade, conforme consta:

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Art. 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à

educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos

Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em

todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas

faculdades, aptidões e tendências vocacionais. (BRASIL, Constituição, 1937,

art.129).

A Carta Constituinte de 1937 não mencionou o Plano Nacional de Educação, como

também não foram mais defendidos os preceitos com base na integração do direito à educação

como direito público subjetivo. Também não previu as situações de não garantia por parte da

Instrução Pública, em que as autoridades poderiam responder criminalmente.

A Constituição Federal de 1937 garantiu em seu art. 125 que “a educação integral da

prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever,

colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as

deficiências e lacunas da educação particular.”

Os discursos e as práticas que sustentavam o poder da política do Estado Novo, no

âmbito educacional, praticamente se isentavam das suas responsabilidades, atribuindo-as aos

pais como dever e direito de garantir a educação dos seus filhos, de modo que o Estado atuaria

apenas como um colaborador para sua efetivação.

Podemos observar que o termo “dever do Estado” com relação à educação foi

assegurado na Constituição Federal de 1934, mas na Carta constituinte de 1937 já não se garante

esse direito às crianças por parte do Estado. De certa forma, houve uma regressão de direitos

para a sociedade, por essa legislação não apresentar a educação como direito social.

O período do Estado Novo, marcado pela centralização do poder e pelas demais

características apontadas no primeiro capítulo, foi de um governo ditatorial. Como assegurar o

direito à educação em um regime onde foram retirados direitos da sociedade? Ou seja, falar de

direito no Estado Novo é falar da ausência desse direito, pois o Estado, ao se referir à

obrigatoriedade e gratuidade do ensino, ainda dividia essa responsabilidade com a sociedade e

com os pais. Mesmo considerando a força que detém, o Estado não representava a força maior

no sentido de garantir o direito à educação sob sua responsabilidade.

A Constituição do ano de 1937 desconsidera a educação nas zonas rurais, uma vez que

ela não é citada. As políticas públicas destinadas às ações educacionais no campo também

foram excluídas, delineando diversas contradições nesse período e marcando as dificuldades

enfrentadas no cotidiano pelos professores, pelas crianças e pela própria família.

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129

A educação que foi destinada à população brasileira que residia nas áreas rurais não

considerou as suas especificidades, ficando restrita às políticas pedagógicas. Por isso, a

necessidade nesses espaços de um projeto político-pedagógico adequado às realidades em que

estavam inseridos, bem como de políticas públicas efetivas, em consonância com as legislações

vigentes, que permearam e perduraram em todo período do Estado Novo, colocando como

desafio aos próprios professores e ao poder público repensar as práticas vigentes na realidade

brasileira.

As Constituições brasileiras analisadas estavam em consonância com os

acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais, de modo que cada uma definiu

garantias no âmbito da educação, por isso as sinalizamos como avanços e retrocessos pelas

alterações que promoveram.

Do mesmo modo que havia limites de matrículas presumidas na Constituição Federal

de 1934, houve a exigência de contribuição para as caixas escolares na Constituição Federal de

1937, demonstrando uma ideia restrita sobre a obrigatoriedade e gratuidade do ensino, o que

pode ter colaborado para que a entrada e permanência na escola fosse difícil de se efetivar, visto

que a educação não era tratada como prioridade e nem garantia de direito social.

De acordo com Santiago (2015), apesar da Constituição Federal de 1937 ter mantido

alguns aspectos da constituição anterior sobre a obrigatoriedade do ensino primário e sua

gratuidade, além da disposição da obrigatoriedade do ensino cívico, da educação física, dos

trabalhos manuais e a facultatividade do ensino religioso, o ensino primário obteve pouco êxito

diante da quantidade de escolas que existia, permanecendo uma soma considerável de crianças

sem acesso ao ensino.

As deliberações presentes nas Constituições Federais no período da Era Vargas e as

reformas direcionadas para o ensino expressaram, no âmbito legal e formal, as medidas

estabelecidas pelo Estado no que concerne ao conteúdo, a forma e a abrangência da formação

escolar considerada fundamental para a reorganização da sociedade brasileira que se pretendia

desenvolver, direcionando aos ideais do Presidente Vargas os conhecimentos e a disciplina. A

educação deveria atribuir à vida um sentido para as atividades que fossem exercidas, pois

possibilitaria uma formação em consonância com preceitos da unidade nacional e isso iria

promover o enaltecimento dessa instituição como fundamental para a formação e a manutenção

da coletividade (SANTIAGO, 2015).

Essa dinâmica sociocultural da qual a sociedade brasileira fez parte relegou a educação

rural a um plano inferior, considerando o forte favoritismo político que marcou esses processos

educacionais.

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Diante disso, podemos identificar os dados seguintes referentes ao estado de Mato

Grosso, conforme o Recenseamento geral do Brasil do ano de 1940:

Tabela 10: Instrução da população mato-grossense

INSTRUÇÃO TOTAIS

Pessoas de 0 a 29 anos

Total Homens Mulheres De 0 a 9 anos De 10 a 19 anos

Homens Mulheres Homens Mulheres

Sabem ler e

escrever

146.780 87.187 59.593 4.667 4.793 21.519 21.493

Não sabem ler

nem escrever

214.313 107.037 107.276 26.482 25.140 27.481 26.321

De instrução

não declarada

1.175 598 577 305 293 140 110

Fonte: Recenseamento geral do Brasil (1940)

Ou seja, um grande contingente populacional mato-grossense não sabia ler e escrever.

Provavelmente não teve acesso à instrução pública primária por diferentes razões, sendo esse

quantitativo superior entre homens e mulheres com idade de 10 a 19 anos.

A educação é um elemento essencial no processo de efetivação da cidadania da

população e deve ser entendida como um direito, garantido integralmente na elaboração de

propostas e organizado de modo que os indivíduos tenham as mesmas condições de acesso e

permanência. Para que isso ocorresse naquele período, principalmente no âmbito rural, seriam

necessárias transformações nas legislações vigentes, bem como demasiado investimento em

políticas públicas.

As políticas de educação destinadas ao âmbito rural deveriam ser construídas

coletivamente, com a participação de gestores e da população que residia nessas regiões. O uso

do espaço escolar, assim, possibilitaria a efetivação de uma importante política pública

Ao compararmos a Constituição Federal que estabeleceu o período denominado

Estado Novo com a Carta Magna anterior, de 1934, percebemos que essa assegurava mais ideias

democráticas ao ensino, ao garantir a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário integral

e o que fosse posterior a ele. Já o período do Estado Novo foi marcado pela ausência desse

direito.

Outra legislação que merece destaque, no ano de 1940, foi o Decreto-Lei n.º 2.848,

que instituiu o Código Penal e estabeleceu no seu Art. 246 o crime de abandono intelectual, que

se consolidava quando os pais ou responsáveis deixam “[...] sem justa causa, de prover a

instrução primária de filho em idade escolar.” Ou seja, essa legislação também instituiu a

competência para a família assegurar o direito à escolarização dos seus filhos.

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Percebe-se que os dirigentes não direcionavam os seus olhares para as condições de

vida dessas famílias e nem as razões que levavam os pais a não se comprometerem com a

instrução dos seus filhos. Será que de fato esses pais não queriam ou não podiam? Quais eram

os motivos que os condicionavam a optar por tais escolhas? Questionamentos como esses não

eram realizados nesse período, nem se consideravam as especificidades das regiões, sobretudo

as rurais da capital mato-grossense. Talvez, levantando hipóteses, fosse possível minimizar os

problemas vivenciados no cotidiano dessas escolas, considerando que as diretrizes do Estado

Novo sinalizavam:

A obrigatoriedade do ensino, associada à permanência dos alunos na escola,

possibilitaria educá-los dentro de um padrão moral e de cooperação social que

estimulariam o amor e a compreensão às tradições e às instituições brasileiras,

sobretudo o culto ao país. Tais ensinamentos exigiam, por sua vez, vigilância

e tutela por parte dos poderes públicos para assegurar a sua incorporação. A

escola primária, neste aspecto, cumpre papel fundamental. Além dos

conteúdos escolares, tem um conjunto de valores e condutas a disseminar e a

internalizar tanto por professores como pelos alunos. (ÁVILA, 2008 apud

ÁVILA, 2013, p. 128).

Conforme analisamos no capítulo anterior, se destacou em todo o Brasil, no decorrer

desse período, o sentimento patriótico, elevado pelos símbolos nacionais, em que a

obrigatoriedade escolar estaria atrelada a esses elementos, mesmo que a educação não estivesse

assegurada em forma de direito à infância na Constituição.

Sobre a Obrigatoriedade Escolar o documento referente à “Organização do Ensino

Primário e Normal XVIII Estado de Mato Grosso Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

Boletim n.º 22”, do ano de 1942, afirmou:

O ensino público primário e gratuito, leigo e obrigatório a todas as crianças

normais, analfabetos, de 7 a 12 anos que residirem até 2 quilômetros de escola

pública (Artigo 3º do Decreto Citado) [...] Em qualquer tempo as matrículas

serão encerradas temporariamente: a) quando estiver completa a lotação da

aula onde for o aluno destinado; b) quando embora incompleta a lotação,

houver 45 alunos matriculados na classe (Artigo 136 do Decreto Citado). A

lotação das salas é determinada: a) pelo número de bancos que a sala

comportar; b) pelo número de bancos que existem sem prejuízo do disposto

na alínea precedente. Os pedidos de matrícula em excesso serão registrados

para serem enviados a diretoria geral da instrução pública para o

desdobramento de classe ou criação de novas classes (Artigo 136 do Decreto

Citado). Não serão matriculados: a) os menores de 7 anos e os maiores de 14

anos nas escolas diurnas; b) os menores de 12 anos no curso noturno c) os

meninos em classes femininas e as meninas em classes masculinas; d) os

afetados por moléstias contagiosas ou repugnantes e os anormais, incapazes

de receberem instrução em classe comuns (Artigo 137 do Decreto Citado).

(BRASIL, Organização do Ensino Primário e Normal, 1942, s/p, grifos

nosso).

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No entanto, apesar dessas garantias sobre a obrigatoriedade escolar, nossas análises

direcionam para as demais dificuldades encontradas, a exemplo de que a qualquer tempo as

matrículas poderiam ser encerradas por período determinado, considerando a ausência de

mobiliário escolar para atender todos os alunos. De igual forma, ao estabelecer critérios aos que

não poderiam ser matriculados nessas escolas, como referido: “[...] os anormais, incapazes de

receberem instrução em classe comuns.” Ou seja, as crianças que tivessem alguma deficiência

não teriam direito ao acesso à educação.

Leite (1971, p. 163) assegura, a partir de sua representação como jurista, ser dever do

estado oferecer a educação a todas as crianças, e se essas não podem recebê-la onde o estado

oferece, e se por ventura a escola não puder ser implantada naquela região pela ausência do

mínimo populacional, é necessário encontrar uma solução de forma que o ente público forneça

a educação nessas regiões com “educandários de tipo especial”. Preconiza essa questão em

regiões que sejam propícias à colonização intensa e servidas por meios fáceis de comunicação.

Cerquinho (1937, p. 5) destacou o seu ponto de vista sobre o fracasso do Ensino Rural

no Brasil, o que teria relação com a localização das fazendas em regiões mais afastadas,

somando-se à falta de transporte dos seus moradores, visto que nos locais onde as escolas são

instaladas os que ali residem têm assistência escolar; no entanto, as crianças que moram em

regiões mais afastadas não têm condições de frequentar assiduamente as aulas devido à

dificuldade de deslocamento. Por isso, destaca que o ensino deve ser: “[...] federado, gratuito,

obrigatório e sob a forma de internato. Caso contrário, continuaremos a ter as crianças das zonas

ruraes sem assistência escolar.”

Seria federado no sentindo de que o plano elaborado pelo Ministério da Agricultura

teria alcance nacional, com o intuito de sanar as orientações que os ensinos primários e rurais

sofrem em cada estado e ou município. Deveria ser gratuito para que fosse de fato eficiente e

concomitantemente produzisse os efeitos esperados. Portanto: “Deve ser obrigatório, porque o

Ensino Primário Rural, é uma necessidade de origem geral e impõem-se a obrigatoriedade

porque o analphabetismo e os desconhecimentos dos processos modernos agro-pecuarios,

constituem pesos mortos no Orçamento Geral da Paiz.” (CERQUINHO, 1937, p. 6).

E deve ser em forma de internato, conforme Cerquinho (1937) sugere, para que as

crianças que moravam nas regiões mais afastadas tivessem acesso e permanência escolar.

Seriam orientadas sobre os métodos modernos da pecuária e da agricultura, reforçando, assim,

os preceitos da corrente do Ruralismo Pedagógico.

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133

Cerquinho (1937) destaca a sua representação de que o ensino rural até o ano de 1937

era insuficiente e que as crianças que residiam nessas regiões não teriam acesso efetivamente

ao ensino rural e primário eficiente.

Diante das representações no âmbito nacional e estadual, por meio da Constituição

Federal de 1937, dos intelectuais da época e dos representantes políticos que influenciaram o

processo do direito à educação, podemos inferir que esse direito não foi assegurado

integralmente, principalmente para as crianças que viviam nas regiões rurais, considerando

todas as dificuldades vivenciadas no cotidiano das instituições de ensino, apesar de

preconizarem nos seus discursos a sua máxima preocupação com a educação.

3.2.2 As práticas que permearam o cotidiano das escolas primárias rurais de Cuiabá-Mato

Grosso

O cotidiano das escolas rurais cuiabanas era marcado por inúmeras dificuldades,

inclusive com a necessidade de instalação de escolas primárias nesses locais. Podemos

identificar essa necessidade por meio dos abaixo-assinados, como se mostra a seguir, da

povoação de São Gonçalo Velho, margem esquerda do rio Cuiabá, distrito de Paz do Coxipó

da Ponte, assinado pelo Sr. Manoel dos Santos Pereira, um dos moradores da região:

[...] existindo, grande numero de crianças em idade escolar, carecidas de

necessária instrução primaria, e não havendo atualmente uma escola para

instruí-las, pois que a que aqui havia foi a tempos transferida para a USINA

S. GONÇALO, tornando-se com essa transferência difícil a frequência

daquelas crianças, devido a travessia do aludido rio, por achar-se a mesma

localizada à sua margem direita, por isso, vem respeitosamente pedir a V.EXA

que se digne de criar uma escola na citada povoação, prestando com esse ato

de previsão administrativa um grande serviço a esta povoação e um grande

bem á sua juventude em idade escolar. Acompanha um mapa elucidativo.

(MATO GROSSO, Abaixo assinado, 1939, s/p).

O referido abaixo-assinado explicitava que a transferência da escola da região de São

Gonçalo Velho dificultou a frequência dos alunos, pois foi alocada em um local com acesso

restrito por ser necessário atravessar o rio Cuiabá. Tratando-se que as crianças deveriam realizar

esse deslocamento, precisariam de pelo menos um barco para realizarem a travessia para o outro

lado do rio, o que implicaria em riscos para eles. Nesse documento foram redigidos os nomes

de 42 crianças em idade escolar e o nome dos seus respectivos responsáveis, como pode ser

observado no quadro a seguir:

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134

Quadro 7: Mapa elucidativo da região de São Gonçalo Velho

NOMES DOS ALUNOS NOMES DOS RESPONSÁVEIS

1.

2.

3.

Americo dos Santos Pereira

Ana da Conceição dos Santos Pereira

Adir dos Santos Pereira

Manoel dos Santos Pereira

4.

5.

Francisco de Paula Antunes

Silvia Antunes

Adhemar Antuner

6.

7.

Tarcisio Rodrigues da Silva

Benildes Rodrigues da Silva

Catulina Rodrigues da Silva

8.

9.

10.

Maria Elsa Antunes

Maria de Lourdes Antunes

Afonso Maria Antunes

Jaime Simião Antunes

11.

12.

13.

Andrelina Souza de Assunção

Argemiro Souza de Assunção

Luiza Souza de Assunção

Pedro Souza de Assunção

14.

15.

Firmino de Souza Leite

Tolentina de Souza Leite

José de Souza Leite

16.

17.

18.

Sebastião Leite Pereira

Juína Leite Pereira

Olino Leite Pereira

Jacintho Leite Pereira

19.

20.

21.

Francisco Dutra Paes de Barros

José Dutra Paes de Barros

Antonio Dutra Paes de Barros

João Dutra Paes de Barros

22.

23.

Martinha Rodrigues da Conceição

Brasileu Rodrigues da Conceição

Vicente Antonio da Conceição

24.

25.

Maria Benedita da Silva

Castorina Gonçalves

Victorino Leite de Alcantara

26.

27.

28.

29.

Ataíde Gomes da Silva

Nadír Gomes da Silva

Francisco Gomes da Silva

Maria José Gomes da Silva

Salustiano Gomes da Silva

30.

31.

Benedita Gomes da Silva

Rosalina Gomes da Silva

Alberto Gomes da Silva

32.

33.

Candido Manoel da Silva

Maria Aureliana da Silva

Manoel Athanasio da Silva

34. Milton Lopes Pereira Eduardo Lopes Pereira

35. Aristes Lopes Pereira Nestor Lopes Pereira

36.

37.

Teresa Lopes Pereira

Ione Lopes Pereira

Catharina Lopes Pereira

38.

39.

Rosa Amelia Lopes dos Santos

Mirtes Lopes dos Santos

Antonio Maria dos Santos

40. Mauro Pontes Antonio Pontes

41.

42.

Marieta Gregoria Leite

Tarcila Gregoria Leite

Catharina Gregoria Leite

Fonte: MATO GROSSO, Relatório (1939)

O quadro comprova a quantidade de crianças da região de São Gonçalo Velho, distrito

da capital mato-grossense, que não estava tendo acesso à escola primária. Por essa razão, a

localidade necessitava da instalação de uma instituição de ensino. Seria esse um distrito

ribeirinho, marcado pelo cotidiano nas proximidades das margens do rio Cuiabá.

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No distrito de Coxipó da Ponte também foi realizado o abaixo-assinado pelos

lavradores da região, que residiam no lugar denominado Cachoeira do Ferreira, margem direita

do rio desse nome, que solicitavam:

[...] a V. Excia. cuja preocupação máxima é difundir a instrução, secundando

o esforço patriótico dos abnegados brasileiros que dirigem a campanha

nacional pró-educação, a criação de uma escola primária mixta naquele logar,

onde existem cêrca de quarenta crianças em idade escolar. Os sinatários desta,

confiando no grande amôr que V. Excia. tem patenteado à Instrução, estão

certos que serão atendidos e isso o esperam [...] (MATO GROSSO, Abaixo

assinado, 1939, s/p).

Assim, as regiões de São Gonçalo Velho e da Cachoeira do Ferreira não estavam, no

ano de 1939, em conformidade com o Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, que

garantia:

Art. 7 – Terão as escolas rurais a maior disseminação e serão criadas a juízo

do governo, por proposta do diretor Geral da instrução, mediante informações

dos inspetores gerais, nos lugares onde houver os seguintes elementos: [... ]b)

Trinta crianças em idade escolar, num raio de 3 quilômetros do prédio

indicado. (MATO GROSSO, Regulamento, 1927, p. 164).

Logo, essas regiões ultrapassavam a quantidade mínima exigida pelo Regulamento da

Instrução Pública de Mato Grosso (1927) de crianças em idade escolar para a instalação de uma

escola. Além disso, a escola mais próxima para eles era de difícil acesso, sendo essas

justificativas suficientes para a Instrução Pública atender a tais demandas.

Sobre as transferências e abertura de escolas primárias rurais em Mato Grosso, pode-

se identificar que ocorriam com bastante frequência, conforme o relatório do mês de julho de

1939 do Inspetor de Ensino:

No dia 15 de Maio transato, foi reaberta a escola da povoação de "Aleixo", no

distrito de "Brotas", municipio desta Capital, com a minha assistencia ao ato,

estando a mesma regida pela professora normalista, Srta. Ana Cecilia Peixoto,

sendo a mesma reaberta com a matricula inicial de 18 alunos, esperando-se

que ela vá em constante progresso, tendo-se em vista a população existente no

local. Na povoação de "Baús" onde achava-se funcionando uma escola foi

inesperadamente suspenso o seu funcionamento, por profunda divergencia

entre a professora e proprietario da casa onde estava localisada a referida

escola, sendo a mesma transferida imediatamente para "Cachoeira Rica", pelo

Decreto nº 274, de 26 de Maio p. p., conforme meu telegrama de 16 do mesmo

mês. (MATO GROSSO, Relatório, 1939, s/p).

Várias escolas primárias rurais funcionavam em casas alugadas, e os documentos

analisados indicaram que o estado ficava meses sem efetuar o pagamento para grande parte

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desses locatários. Talvez essa tenha sido a razão da “[...] profunda divergencia entre a

professora e proprietário da casa.” A seguir segue um dos documentos que comprovam essa

dívida no local em que funcionava a Escola Rural Mixta do Parí, referente aos meses de janeiro

a dezembro, em Cuiabá:

Fotografia 3: Atestado de aluguel de casa para funcionamento de uma Escola Rural

Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso (APMT, 1943)

O número de escolas existentes nesse período ainda era insuficiente para atender a

demanda em alguns núcleos populacionais, e até mesmo nos distritos do município da capital,

onde residiam centenas de crianças em idade escolar, com somente uma escola para atendê-los.

No entanto, não era suficiente apenas a criação de novas escolas, mas indispensáveis as

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constantes fiscalizações para que tivessem as condições mínimas para o seu funcionamento e

que as crianças frequentassem assiduamente as aulas (MATO GROSSO, Relatório, 1938).

Por isso, o Relatório de Inspetoria Primária da Zona Norte, redigido pelo Inspetor

Augusto Moreira da Silva Filho, em 1944, apontou:

No intuito de minorar vários inconvenientes que se observa na marcha do

ensino em elevado número de escolas, insisto na conveniência da fiscalização

permanente das mesmas, por meio de inspetores locais, com poderes especiais

de policiamento escolas, afim de evitar a falta de frequência dos alunos e

obrigarem os pais a fazerem a matrícula dos filhos nas épocas regulamentais

e ainda coibirem os professores de se ausentarem das escolas, sem prévia

licença, ocasionando não poucas vezes a paralisação do ensino nas mesmas.

(MATO GROSSO, Relatório, 1944, s/p).

O Inspetor de Ensino destacou a importância dos inspetores locais e que eles deveriam

ter poder de policiamento nas escolas como uma medida para garantir a frequência das crianças

e, ao mesmo tempo, a obrigatoriedade dos pais fazerem suas matrículas. Realizariam, ainda,

acompanhamento dos professores nos processos de solicitações de licença para que essas

escolas não ficassem desprovidas de profissionais antes do período previsto.

Nesse mesmo Relatório, também pode ser identificada a situação vivenciada na escola

localizada em Varzea Grande, a margem direita do rio Coxipó Mirim em Cuiabá que apesar de:

[...] instalada em bôa casa coberta de telha, cedida gratuitamente ao Estado,

que fora instalada a 1º de julho de 1942, com vinte e seis alunos matriculados

e prometendo aumento progressivo, foi inesperadamente, transferida,

privando de instrução algumas dezenas de crianças, filhas de lavradores

pobres, residentes nas imediações. (MATO GROSSO, Relatório, 1944, s/p).

Com a transferência inesperada dessa escola não foi possível garantir o direito à

educação das crianças que viviam nessas regiões. Conforme destacou o Inspetor de Ensino,

eram filhos de lavradores pobres que deixaram de ter assegurado o acesso ao ensino primário.

Nesse sentido, Augusto Moreira da Silva Filho assim descreveu:

O regulamento em vigor, cujos os postulados sobre a obrigatoriedade do

ensino são quasi que meramente platônicos, não produz o efeito desejado,

apesar dos esforços empregados pelas autoridades escolares, tornando-se

necessário o emprêgo de medidas mais eficientes. No ano transato foram

transferidas e localizadas diversas escolas, cujo resultado foi

contraproducente, peorando a situação do ensino em vez de melhora-la, como

aconteceu com a escola situada na Usina Elétrica do rio da Casca, que foi

mudada para o garimpo "Mão de Pilão", havendo decrescido

consideravelmente a frequência, conforme foi constatado por esta Inspetoria.

(MATO GROSSO, Relatório, 1944, s/p).

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A instalação e transferência de escolas, principalmente as localizadas nas zonas rurais,

nem sempre constituíam mudanças que levassem a aumentar o número da frequência escolar

das crianças nessas escolas, considerando as especificidades de cada região. No caso, por se

tratar de uma localidade de usina e outra de garimpo.

Augusto Moreira da Silva Filho já havia identificado em outro Relatório de Inspeção

de Ensino primário da zona norte, do ano de 1940, conforme:

Aproximando-se a ocasião da reabertura das escolas de curso primário, e

existindo muitas localidades em diversos municípios da zona Norte, que

ressentem-se da falta de estabelecimentos de ensino para a instrução dos filhos

de paes pobres, venho de acôrdo com o artº 7 e alíneas a e b do Regulamento

da Instrução Pública, informar-vos da necessidade existente de creação de

escolas afim de que possa ser atingido com a eficiencia necessaria a instrução

do povo. Junto vos remeto um memorial das localidades de mais urgencia para

serem localisadas as escolas e algumas alterações nas existentes. (MATO

GROSSO, Relatório, 1940, s/p).

O Inspetor ressaltou a importância de criar escolas de ensino primário para atender

todos os distritos que tinham os requisitos necessários para a sua abertura, com base no

Regulamento da Instrução Pública Primária de Mato Grosso (1927), visando garantir o direito

à educação das crianças que viviam nas regiões rurais.

Diante de todos esses elementos apontados, o Inspetor Augusto Moreira da Silva Filho

descreveu, ainda, no Relatório referente ao ano de 1940:

Como medida salutar, para maior incremento da alfabetisação do nosso povo,

creio que deve ser elaborado um novo Regulamento para a Intrução Pública,

estabelecendo rigorosa obrigatoriedade aos pais de família, para matricularem

os filhos em idade escolar e obriga-los a frequentar assiduamente as escolas

da zona de habitação. (MATO GROSSO, Relatório, 1940, s/p).

No entanto, não bastava apenas garantir a obrigatoriedade nas legislações vigentes

durante o período do Estado Novo em Mato Grosso aos pais se as condições em que os alunos

tinham para estudar eram precárias e se o estado não se responsabilizasse diretamente por

garantir esse direito, conforme dispõe o Relatório de inspeção do final do ano de 1940:

Devo ainda ponderar a V. Excia. a urgente necessidade que têm as escolas

isoladas, principalmente as distritais e as rurais de serem supridas de

mobiliário e material didático, uma vez que de maneira geral, elas se

ressentem grandemente da escasses dos mesmos, sendo que durante o ano

letivo ora findo, apenas no primeiro período foi fornecido o material didático

às diversas escolas, acarretando enorme prejuizo ao aprendisado dos alunos.

(MATO GROSSO, Relatório, 1940, s/p).

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O cotidiano dessas escolas rurais era marcado pela falta de material didático,

insuficiente para atender os professores e os alunos, trazendo inúmeros agravos no processo de

ensino. Além disso, podemos observar nesse Relatório que, após inspecionar 46 escolas

isoladas rurais no primeiro trimestre do presente ano letivo, havia outras dificuldades nas

escolas rurais de Mato Grosso e nas da capital, conforme:

Atravez da excursão realizada nêsses municípios tive ainda oportunidade de

verificar a deficiência de escolas rurais em diversos núcleos de população de

gente laboriosa e honesta, embora pobres e que se dedica a vida rural, podendo

ser citados entre outros os seguintes, onde a localização de uma escola torna-

se necessária: [...] No município da capital tambem existem localidades que

se ressentem da mesma falta. Entre elas devemos mencionar as seguintes:

"Barcada", no distrito de Brotas; "Bocaiuval", "Mato-Grande" e "Espinheiro",

no distrito da Guia; "S. Gonçalo Velho", à margem esquerda do rio Cuiabá e

"Varzea-Grande", margem direita do Coxipó-Mirim, neste município.

(MATO GROSSO, Relatório, 1940, s/p).

O Inspetor de Ensino mencionou seis escolas isoladas rurais, localizadas em Cuiabá,

que também se encontravam, no ano de 1940, em condições precárias, destacando o aspecto da

condição de pobreza das famílias dessas regiões.

Houve uma inspetoria escolar realizada no distrito de Alegrete, município de Cuiabá,

que afirmou:

[...] foram reabertas todas escolas neste distrito no dia 1° de março. Apenas

continua fechada a escola do sexo feminino desta vila, estando os alunos

pertencento esta escola bastante prejudicado visto que fazer quazi um mez que

não funciona por falta da referida professora. Por este motivo, rogo vossa

providencia no distrito a vir uma professora para o qual tomo a liberdade a

propor para esta vaga, a normalista Eremita Canuto Ribeiro Taques. (MATO

GROSSO, Relatório, 1940, s/p).

Diante desse trecho do Relatório, podemos identificar que havia escolas nas regiões

rurais da capital mato-grossense sem funcionamento em decorrência da falta de professores

para assumir o respectivo cargo. Era o caso da escola de Alegrete, ficando as crianças do sexo

feminino daquela localidade prejudicadas por não terem aula. Percebe-se que não havia escolas

mistas nessa localidade, mas distintas por sexos.

No Relatório de dezembro de 1940, diante das inspeções realizadas nas escolas

situadas na Zona Norte, Augusto Moreira da Silva Filho apresentou medidas aconselháveis que

julgava necessário para promover melhorias. Havia observado vários problemas no próprio

aparelhamento da Instrução Pública Primária e dentre as sugestões ele menciona os aspectos

referentes a:

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[....] c) - obrigatoriedade do ensino primário nas escolas isoladas ser

ministrado até ao 3º ano, ficando somente a conclusão do curso reservado aos

grupos escolares, organizando-se para isso um horario conveniente aos

professores e alunos; d) - creação de multas para os pais refratarios à educação

dos filhos, deixando de matricula-los e de zelar pela frequencia regular dos

mesmos, revertendo essas multas, que serão impostas pelo Inspetor de Polícia

Escolar e cobrada pela forma que o Estado achar mais conveniente, em

benefício da "caixa escolar" da localidade onde estiver situada a escola.

(MATO GROSSO, Relatório, 1940, s/p).

Por isso, a obrigatoriedade do ensino no Brasil é marcada pelos embates que envolvem

as diferentes representações sociais, entre as negociações dos grupos sociais em torno das

possibilidades de construções para a escola no cenário nacional e na inserção das relações na

sociedade (VIDAL, 2013).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação teve como objeto a representação do direito à educação primária no

âmbito rural em Cuiabá-MT (1937 a 1945). O caminho delineado possibilitou responder à

problemática proposta de acordo com a seguinte indagação: quais as representações de direito

à educação permearam os discursos e práticas da escolarização da infância rural em Cuiabá-

MT, no período do Estado Novo? Diante dessa pergunta inicial, foi necessário localizar

documentos, separá-los, catalogar, reunir e articular com as análises e referenciais teóricos

norteadores.

As escolas primárias rurais localizadas em Cuiabá foram responsáveis por alfabetizar

e disseminar os ideais políticos e ideológicos na perspectiva da extinção do analfabetismo com

a política ditatorial do período do Estado Novo, direcionada grande parte à população infantil,

visto que essa modalidade de ensino predominou quantitativamente na capital mato-grossense.

Esse período também marcou essas escolas em âmbito nacional, que teve como um dos

objetivos a formação técnica e a fixação dos homens nessas regiões, visando conter o êxodo

rural e contribuir com a Campanha “Marcha para o Oeste”, de Getúlio Vargas.

Diante desse contexto, a Constituição Federal de 1937 retirou o termo “dever do

Estado” com relação à educação, ou seja, esse direito não seria garantido integralmente às

crianças pelo Estado. Pode-se analisar que houve uma regressão de direitos para a sociedade,

pois essa legislação não evidenciou a educação como direito social a todos. A ausência desse

direito dividiu a responsabilidade da obrigatoriedade e gratuidade do ensino com a sociedade e

com os pais. A carta constituinte se expressa como uma representação de âmbito nacional, bem

como as políticas públicas que foram direcionadas à educação, considerando que apesar de os

discursos governamentais estarem atentos a esse setor, na prática, inúmeros problemas

prevaleceram.

Houve dificuldades em Mato Grosso, sobretudo em Cuiabá, para a efetivação das

políticas públicas direcionadas a essas escolas pela ausência de iniciativas, ações e programas

do Ministério da Educação e Saúde, que, no discurso, expressava a insuficiência de recursos

financeiros; entretanto, as intencionalidades e os interesses governamentais direcionavam-se a

outros setores considerados prioritários ao desenvolvimento econômico do país. Os problemas

educacionais vivenciados pelas comunidades das zonas rurais foram marcados pela

precariedade de acesso e permanência da população infantil nas instituições de ensino, mesmo

com a expansão do ensino primário.

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Por meio das representações dos governantes mato-grossenses e pelas documentações

analisadas percebe-se que, apesar da educação aparecer como uma das preocupações máximas

nos seus discursos, pelo grande número de escolas isoladas rurais existentes na capital seria

inviável, no aspecto econômico, aparelhar todas com material suficiente. Do ponto de vista do

Governo não havia orçamento necessário para a educação, visto que o setor educacional não

foi priorizado financeiramente para garantir escolarização mais eficiente e para que todas as

crianças em idade escolar tivessem as mesmas condições de acesso e permanência.

Ressalta-se também o ponto de vista das professoras, que apontaram em seus

depoimentos como era o cotidiano nas escolas primárias rurais e as principais dificuldades

vivenciadas. O cenário era marcado pela incerteza e insegurança de permanência nos seus

cargos, reflexo da ausência de estabilidade pelas formas de contratações precárias e o

predomínio do favoritismo político por parte dos governantes. Além disso, reforçavam a falta

de prédios para instalarem essas escolas, os mobiliários e os materiais insuficientes para suprir

as demandas.

Ainda foram apresentadas as representações dos pais dos alunos, mediante abaixo-

assinados, que descreviam a quantidade de crianças em determinadas regiões rurais, distritos

da capital mato-grossense, no intuito de garantir o direito à obrigatoriedade escolar por meio

do acesso das crianças à escola. Reforçavam a necessidade de instalação de uma instituição de

ensino nessas localidades.

Observamos que a quantidade de escolas primárias rurais existentes nesse período

ainda não era suficiente para atender a demanda de alguns distritos de Cuiabá, onde residiam

diversas crianças em idade escolar que não tiveram direito à educação assegurado

integralmente. Dessa forma, não seria suficiente somente a criação de novas escolas, mas

acompanhamentos constantes, visando garantir as condições mínimas para o funcionamento

das instituições de ensino.

Percebe-se que as lutas de representações prevaleceram em torno do direito à educação

primária rural de Cuiabá durante o período analisado, possuindo características diferenciadas,

sinalizando conflitos contínuos e contradições, o que se denomina representações concorrentes

(CHARTIER, 1991). Tais representações foram direcionadas por intencionalidades que

produziam e reproduziam estratégias e interesses coletivos e individuais, considerando que o

direito à educação a todas as crianças que se enquadrassem nos critérios estabelecidos pelo

Regulamento de 1927, garantido constitucionalmente, ainda permanecia negado a uma parcela

da população, principalmente, as que residiam nas zonas rurais do estado.

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Com relação ao direito à educação, podemos identificar nas análises das Constituições

Federais que houve avanços e retrocessos, de acordo com o período histórico em questão.

Porém, não se conjecturava a educação como um direito público subjetivo, entendido, segundo

Cury (2002), como aquele pelo qual o cidadão pode exigir de forma direta e imediatamente do

Estado o cumprimento de um dever e de uma obrigação, visto que, no caso desta pesquisa, ao

gerar a obrigatoriedade escolar à população, ao Governo não foi atribuído o dever de fornecer

a educação.

Ainda nessa perspectiva, o direito à educação, a obrigatoriedade do ensino no âmbito

constitucional e a própria forma como a sociedade brasileira foi se organizando historicamente

não possibilitou que se desenvolvesse a concepção de que a educação é direito de todos os

cidadãos (FLACH, 2009).

Assim, essas lutas de representações prevaleceram em torno do direito à educação

primária rural de Cuiabá durante o período do Estado Novo, uma vez que havia o ponto de vista

dos pais dos alunos, que visavam garantir a obrigatoriedade escolar por meio do acesso das

crianças à escola; em contrapartida, havia as professoras, que descreveram as dificuldades

vivenciadas no cotidiano dessas escolas; e havia, ainda, a perspectiva dos governantes,

enunciada nos documentos, que, embora apontasse a preocupação com a instrução pública, na

prática os recursos financeiros não eram dispendidos de forma suficiente para garantir uma

escolarização mais eficiente e que todos em idade escolar tivessem condições de acesso e

permanência.

Não há como negar a importância que as escolas primárias rurais da capital mato-

grossense representaram para as crianças que viviam nessas localidades como oportunidade de

acesso à escolarização. No entanto, esse acesso ainda foi restrito, uma vez que nem todas as

comunidades tiveram suas solicitações atendidas pela Instrução Pública, não garantindo o

direito à educação.

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144

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______. Abaixo assinado pelos lavradores da região, que residiam no lugar denominado

Cachoeira do Ferreira, margem direita do rio deste nome, distrito de Coxipó da Ponte.

Arquivo Público de Mato Grosso – APMT. Cuiabá-MT, 1939.

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