universidade federal de mato grosso doutorado em

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM DOUTORADO EM ENFERMAGEM LUCIANA PORTES DE ALMEIDA O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A BUSCA DO SUJEITO PELA AUTONOMIA EM SUAS INTERAÇÕES CUIABÁ 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE ENFERMAGEM

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

DOUTORADO EM ENFERMAGEM

LUCIANA PORTES DE ALMEIDA

O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A

BUSCA DO SUJEITO PELA AUTONOMIA EM SUAS

INTERAÇÕES

CUIABÁ

2021

LUCIANA PORTES DE ALMEIDA

O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A BUSCA DO SUJEITO

PELA AUTONOMIA EM SUAS INTERAÇÕES

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Enfermagem da

Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para obtenção de título de

doutor em enfermagem.

Área de Concentração: Enfermagem e o

cuidado à saúde regional

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mara Regina

Rosa Ribeiro

CUIABÁ

2021

LUCIANA PORTES DE ALMEIDA

O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E A BUSCA DO SUJEITO

PELA AUTONOMIA EM SUAS INTERAÇÕES

Esta tese foi submetida à avaliação por Banca Examinadora para obtenção do título de

Doutora em Enfermagem.

Aprovada na sua versão final em 30 de abril de 2021, atendendo às normas da legislação

vigente da UFMT, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Doutorado, área de

concentração: Enfermagem e o cuidado à saúde regional.

_________________________________________

Dr.ª Fabiane Blanco Silva Bernardino

Coordenadora do Programa

BANCA EXAMINADORA:

Dr.ª Mara Regina Rosa Ribeiro Presidente (Orientador) Dr.ª Dra. Claudia Capellari Membro Efetivo Externo Dr. Vagner Ferreira do Nascimento Membro Efetivo Externo Dr. Gimerson Erick Ferreira Membro Efetivo Interno Dr.ª Jocilene de Carvalho Miraveti Canova Membro Efetivo Interno Dr.ª Karen Jeanne Cantarelli Membro Externo Suplente Dr.ª Leonara Raddai Gunther de Campos Membro Interno Suplente

Cuiabá

2021

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me presenteado com a vida do seu filho Jesus, proporcionando-me

vida abundante.

Às mulheres da minha família, Aline, Fernanda, Vitória, Clara e Marina, pelos momentos de

descontração e apoio, que me faziam esquecer as pressões do dia a dia.

À minha orientadora, Professora Mara, que me agraciou com a honra de herdar suas ideias!

Jamais a esquecerei.

Às professoras do doutorado que contribuíram para o meu crescimento. Às companheiras do

GEFOR e à turma de 2016 pelo tempo que passamos juntos. Aos coordenadores e corpo

administrativo da Pós-Graduação da FAEN/UFMT, sempre atenciosos ao nos atender.

Aos enfermeiros docentes que lutam diariamente pelo aprimoramento dos processos de

ensino-aprendizagem em enfermagem.

Enfim... que fique registrado o meu muito obrigado!

EPÍGRAFE

“Doutora aos 30”. Por muito tempo essa frase ecoou dentro de mim,

construindo, com os títulos da academia, meu pódio de sucesso. Em

um processo de autocrítica moriniana, faço uso de Shakespeare:

“˗Pobre, envelhecestes antes de ficares sábio!”. Sucesso, qual

sucesso? Para quem? Para mim? Para os outros? Foi conhecendo meu

referencial teórico que a chama do pensamento complexo consumiu

meus pódios e desconstruiu minhas fronteiras. Reconstruí-me. Foi

investigando o desenvolvimento da autonomia que fui me tornando

autônoma, foi discutindo a introspecção necessária ao aluno que me

permiti viver a minha. Fui consentindo que a prosa científica moderna

perdesse espaço para a poesia e a arte pós-moderna. Minhas verdades

se tornaram pontos de vista. A vida, tecida em redes. O tempo, ah! De

inimigo este passou a ser meu aliado. Aprendi que uma tese de

doutorado ensina mais ao autor do que aos que a leem. Agora, não

mais desejo ser reconhecida como uma dessas pessoas de sucesso, que

se deixam levar pela loucura barulhenta da cidade. Assim como

Rubem Alves, quero deixar como herança a imagem da vela que

queima na solidão silenciosa, imagem serena, capaz de despertar

poesia. Que melhor herança é possível deixar ao mundo do que

despertar a filosofia, a poesia e a arte nos meus? Sábia? Velha?

Utópica? Ininteligível? Não sei. Quem precisa de rótulos? Quem

precisa de títulos? A estes quatro anos de formação a minha gratidão,

não por terem me tornado “doutora”, mas porque me ensinaram que o

título de nada vale. Eu não sou “doutora”, eu sou o cosmo aqui dentro! Luciana Portes de Almeida, 2021

RESUMO

ALMEIDA, L.P. O desenvolvimento da competência clínica e a busca do sujeito pela

autonomia em suas interações 2021. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Curso de Pós-

graduação em Enfermagem. UFMT, Cuiabá. 135f. Orientadora: Mara Regina Rosa Ribeiro.

INTRODUÇÃO: a competência clínica, entendida como a principal a ser desenvolvida pelo

profissional enfermeiro, possui teoria própria proposta pela enfermeira norte-americana

Patricia Benner e é padronizada internacionalmente como descritor em ciências da saúde

(DeCS) na literatura científica. OBJETIVO: este estudo objetivou analisar como um curso de

graduação em Enfermagem promove o desenvolvimento da competência clínica em seus

graduandos. MÉTODO: estudo descritivo exploratório que utilizou a complexidade e a

bricolagem como referencial teórico e metodológico, respectivamente. Os dados foram

produzidos e analisados por meio da tecitura de três técnicas: 1) Análise documental do

Projeto Pedagógico de Curso; 2) Grupo focal com graduandos de Enfermagem; e 3)

Entrevista semiestruturada com o coordenador do curso. RESULTADOS: defende-se a tese

de que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem se dá por

meio da busca do sujeito-graduando pela autonomia em suas interações, quais sejam: 1)

Interações interpessoais: professor, preceptor e pares; 2) Interação com a profissão; e 3)

Interação com o ensino, serviço e a comunidade. Para tanto, apresentam-se a subjetividade e a

autonomia como elementos constitutivos e base sobre a qual se ancoram as percepções acerca

da competência clínica, suas dimensões e seu processo de desenvolvimento. Evidencia-se a

relação recursiva entre competência clínica e autonomia, as quais são desenvolvidas por meio

do tetragrama: Prática - Erro/incerteza - Introspecção – Autoconfiança; em seguida, o

desenvolvimento da autonomia nas interações do graduando é explorado. 1) Sobre as

interações interpessoais: professor, preceptor e pares, destaca-se a interação com o preceptor

como a mais potente para o desenvolvimento da competência clínica e o uso da

mimese/imitação, da articulação entre teoria e prática e da ressignificação do erro como

estratégias potentes para a ativação do tetragrama; 2) A interação com a profissão é

ressignificada durante o período da graduação, principalmente por meio das interações com a

comunidade, com o preceptor e com o serviço. Assim, esta, por meio da mimese/ imitação,

articulação entre teoria e prática e estímulo ao papel da ajuda, ativa o tetragrama de

desenvolvimento da competência clínica e autonomia; 3) A interação com ensino, serviço e

comunidade ativa o tetragrama quando adota sistematicamente a avaliação formativa,

metodologias ativas, inserção precoce no campo de prática, estágio curricular, estímulo ao

papel da ajuda e a articulação entre teoria e prática. CONCLUSAO: finaliza-se apresentando

as interações entre as interações supracitadas, demonstrando que o todo é mais que a soma das

partes, ou seja, as interações entre as interações configuram-se como elemento fundamental

para que o desempenho da competência clínica aconteça. Em âmbito nacional, os resultados

deste estudo poderão subsidiar os processos de construção de Projetos Pedagógicos de Curso

e planos de disciplina de cursos de graduação em Enfermagem, além de auxiliar docentes que

buscam caminhos para sistematizar propositivamente o desenvolvimento da competência

clínica em graduandos de Enfermagem.

Descritores: Alunos de Enfermagem; Competência Clínica; Bacharelado em Enfermagem.

ABSTRACT

ALMEIDA, L.P. The development of clinical competence and the subject's search for

autonomy in their interactions 2021. Thesis (Doctorate in Nursing) - Postgraduate course in

Nursing. UFMT, Cuiabá. 135 p. Advisor: Mara Regina Rosa Ribeiro.

INTRODUCTION: Clinical competence, understood as the main competence to be developed

by the professional nurse, has its own theory proposed by the North American nurse Patricia

Benner and is internationally standardized as a descriptor in health sciences (DeCS) in the

scientific literature. OBJECTIVE: This study aimed to analyze how an undergraduate nursing

course promotes the development of clinical competence in its undergraduates. METHOD:

Descriptive exploratory study that used complexity and bricolage as theoretical and

methodological references, respectively. The data were produced and analyzed from de mix

of three techniques: 1) Documentary analysis of the Pedagogical Course Project; 2) Focus

group with nursing students and 3) Semi-structured interview with the course coordinator; and

analyzed using bricolage. RESULTS: It is defended the thesis that the development of clinical

competence in the nursing undergraduate occurs through the search for the undergraduate

subject for autonomy in their interactions, which are: 1) Interpersonal interactions: Teacher,

Preceptor and Peers; 2) Interaction with the profession and 3) Interaction with teaching,

service and the community. To this end, subjectivity and autonomy are presented as

constitutive elements and the basis on which perceptions about clinical competence, its

dimensions and its development process are anchored. The recursive relationship between

clinical competence and autonomy is defended, which are developed through the tetragram:

Practice - Error / uncertainty - Introspection - Self-confidence. Then the development of

autonomy in the student's interactions is explored. 1) On Interpersonal Interactions: Teacher,

Preceptor and Peers the interaction with the preceptor stands out as the most potent for the

development of clinical competence and the use of mimesis / imitation, the articulation

between theory and practice and the redefinition of error as powerful strategies for activating

the tetragram. 2) The interaction with the profession is reframed during the graduation period,

mainly through interactions with the community, with the preceptor and with the service,

which, through mimesis / imitation, articulation between theory and practice and stimulating

the role of aid, activates the tetragram of development of clinical competence and autonomy.

3) The interaction with teaching, service and community activates the tetragram when it

systematically adopts formative assessment, active methodologies, early insertion in the field

of practice, curricular internship, stimulating the role of help and the articulation between

theory and practice. CONCLUSION: Finally, it concludes by presenting the interactions

between the aforementioned interactions, demonstrating that the whole is more than the sum

of the parts, that is, the interactions between the interactions are configured as a fundamental

element for the performance of clinical competence happens. At the national level, the results

of this study may subsidize the processes of construction of Course Pedagogical Projects and

discipline plans for undergraduate nursing courses, in addition to assisting teachers who seek

ways to purposefully systematize the development of clinical competence in nursing students

Descriptors: Nursing students; Clinical competence; Bachelor of Nursing.

RESUMEN

ALMEIDA, L.P. El desarrollo de la competencia clínica y la búsqueda del sujeto de

autonomía en sus interacciones 2021. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Curso de posgrado

en Enfermería. UFMT, Cuiabá. 135f. Asesora: Mara Regina Rosa Ribeiro.

INTRODUCCIÓN: La competencia clínica, entendida como la competencia principal que

debe desarrollar la enfermera profesional, tiene su propia teoría propuesta por la enfermera

norteamericana Patricia Benner y está estandarizada internacionalmente como descriptor en

ciencias de la salud (DeCS) en la literatura científica. OBJETIVO: Este estudio tuvo como

objetivo analizar cómo un curso de pregrado de enfermería promueve el desarrollo de la

competencia clínica en sus estudiantes de pregrado. MÉTODO: Estudio exploratorio

descriptivo que utilizó la complejidad y el bricolaje como referencia teórica y metodológica,

respectivamente. Los datos fueron producidos y analizados usando tres técnicas: 1) Análisis

documental del Proyecto del Curso Político; 2) Grupo focal con estudiantes de enfermería y

3) Entrevista semiestructurada con el coordinador del curso. RESULTADOS: Se defiende la

tesis de que el desarrollo de la competencia clínica en el pregrado de enfermería se produce a

través de la búsqueda del sujeto de pregrado de autonomía en sus interacciones, que son: 1)

interacciones interpersonales: profesor, preceptor y compañeros; 2) Interacción con la

profesión y 3) Interacción con la enseñanza, el servicio y la comunidad. Con este fin, la

subjetividad y la autonomía se presentan como elementos constitutivos y la base sobre la cual

se basan las percepciones sobre la competencia clínica, sus dimensiones y su proceso de

desarrollo. Se defiende la relación recursiva entre competencia clínica y autonomía, que se

desarrollan a través del tetragrama: Práctica - Error / incertidumbre - Introspección -

Confianza en uno mismo. Luego se explora el desarrollo de la autonomía en las interacciones

del alumno. 1) Sobre las interacciones interpersonales: profesor, preceptor y compañeros, la

interacción con el preceptor se destaca como la más potente para el desarrollo de la

competencia clínica y el uso de la mimesis / imitación, la articulación entre la teoría y la

práctica y la redefinición del error como estrategias poderosas para activar el tetragrama. 2)

La interacción con la profesión se replantea durante el período de graduación, principalmente

a través de interacciones con la comunidad, con el preceptor y con el servicio, que, a través de

la mimesis / imitación, articulación entre teoría y práctica y estimulando el papel. de ayuda,

activa el tetragrama de desarrollo de competencia clínica y autonomía. 3) La interacción con

la enseñanza, el servicio y la comunidad activa el tetragrama cuando adopta sistemáticamente

la evaluación formativa, las metodologías activas, la inserción temprana en el campo de la

práctica, las prácticas curriculares, estimulando el papel de la ayuda y la articulación entre la

teoría y la práctica. CONCLUSIÓN: Finalmente, concluye presentando las interacciones entre

las interacciones antes mencionadas, demostrando que el todo es más que la suma de las

partes, es decir, las interacciones entre las interacciones se configuran como un elemento

fundamental para el desempeño de la competencia clínica. sucede A nivel nacional, los

resultados de este estudio pueden apoyar los procesos de construcción de proyectos de cursos

pedagógicos y planes de disciplina para cursos de pregrado en enfermería, además de ayudar

a los maestros que buscan formas de sistematizar sistemáticamente el desarrollo de la

competencia clínica en estudiantes de enfermería.

Descriptores: Estudiantes de enfermería; Competencia clínica; Licenciado en Enfermería.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Ilustração do resultado quantitativo da busca na literatura 18

Figura 2 Categorias emergentes da análise qualitativa dos artigos

selecionados

19

Figura 3 Apresentação do marco teórico conceitual 27

Figura 4 Mapa conceitual sobre afinidades entre bricolagem e

complexidade

50

Figura 5 Processo de bricolagem para produção dos dados de pesquisa 53

Figura 6 Processo de bricolagem para análise e categorização dos dados

de pesquisa

59

Figura 7 Espiral ilustrativa da tese 60

Figura 8 O desenvolvimento da competência clínica no graduando de

enfermagem

61

Figura 9 Os eixos centrais: a subjetividade e a autonomia 62

Figura 10

Tetragrama da relação entre o desenvolvimento da

autonomia e da competência clínica

74

Figura 11 Interações interpessoais: professor, preceptor e pares 76

Figura 12 Relação entre o desenvolvimento da competência clínica e

a interação entre o graduando e o professor, o preceptor e

os pares

89

Figura 13 Interações com a profissão 90

Figura 14 Relação entre o desenvolvimento da competência clínica e

a interação entre o graduando e a profissão

97

Figura 15 Interações com o ensino, o serviço e a comunidade 98

Figura 16 Relação entre o desenvolvimento da competência clínica e

a interação entre o graduando e o ensino, serviço e

comunidade

99

Figura 17 As interações entre as interações 110

Figura 18 Relação entre o tetragrama e a mimese/imitação, a

ressignificação do erro, a articulação entre teoria e prática e

o estímulo ao papel de ajuda

115

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14

2. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 16

2.1 ESTRATÉGIAS QUE DESENVOLVEM A COMPETÊNCIA CLÍNICA ........ 19

2.2 AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA ... 22

3. OBJETIVO ..................................................................................................................... 25

3.1 OBJETIVO GERAL............................................................................................. 25

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................... 25

4. MARCO TEÓRICO CONCEITUAL .......................................................................... 26

4.1 DAS PARTES ...................................................................................................... 26

4.1.1 A competência ........................................................................................... 27

4.1.2 A clínica .................................................................................................... 29

4.1.3 A enfermagem ........................................................................................... 31

4.1.4 A competência clínica do enfermeiro ........................................................ 35

4.2 DO TODO: O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E SUA

TECITURA COM A COMPLEXIDADE MORINIANA ........................................ 39

4.2.1 As noções de Interação, Sujeito e Autonomia ........................................... 41

4.2.2 A cidadania ................................................................................................ 43

4.2.3 O conhecimento pertinente e a incerteza ................................................... 44

4.2.4 Multi/Transdisciplinaridade ...................................................................... 47

5. MÉTODO ....................................................................................................................... 49

5.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 51

5.2 LOCAL ................................................................................................................. 51

5.3 PRODUÇÃO DE DADOS ................................................................................... 51

5.3.1 Análise documental ................................................................................... 53

5.3.2 Grupo Focal ............................................................................................... 54

5.3.3 Entrevista ................................................................................................... 55

5.4 ANÁLISE DE DADOS ........................................................................................ 56

5.5 ASPECTOS ÉTICOS ........................................................................................... 58

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 59

6.1 ASPECTOS SUBJETIVOS E A BUSCA PELA AUTONOMIA COMO EIXOS

CENTRAIS DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA ........... 62

6.1.1 A competência clínica do enfermeiro ...........................................................63

6.1.2 O desenvolvimento da competência clínica no ensino de graduação de

enfermagem ........................................................................................................ 65

6.1.3 Discussão ................................................................................................... 69

6.2 INTERAÇÕES INTERPESSOAIS: PROFESSOR, PRECEPTOR E PARES ... 76

6.2.1 Interação com o professor ......................................................................... 76

6.2.2 Interação com o preceptor .......................................................................... 80

6.2.3 Interação com os pares .............................................................................. 81

6.2.4 Discussão ................................................................................................... 82

6.3 INTERAÇÕES COM A PROFISSÃO ................................................................ 90

6.3.1 Discussão ................................................................................................... 93

6.4 INTERAÇÕES COM O ENSINO, SERVIÇO E COMUNIDADE .................... 98

6.4.1 Discussão ................................................................................................. 104

6.5 O TODO É MAIS QUE A SOMA DAS PARTES: AS INTERAÇÕES DAS

INTERAÇÕES ........................................................................................................ 110

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 116

8. REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 118

9. APÊNDICE ................................................................................................................... 128

10

APRESENTAÇÃO

O ser vivo, seja ele dotado ou não de um sistema neurocerebral, capta "informações de

seu meio ambiente e exerce atividade cognitiva inseparável de sua prática de ser vivo"

(MORIN, 2012, p. 119), ou seja, a dimensão cognitiva e inseparável do processo de viver.

Inicio esta tese evocando a noção de 'sujeito' daquele que é o principal autor do

pensamento complexo, Edgar Morin, pois relatarei nesta obra produtos da minha atividade

cognitiva a partir do meu meio e vivência.

A motivação para este trabalho, bem como a legitimação do objeto como área de

estudo pessoal, deu-se durante o processo de tornar-me enfermeira ainda na graduação.

Envolvi-me com a iniciação científica nos primeiros semestres da graduação, trabalhando

durante três anos com o grupo GEFOR - Grupo de Pesquisa sobre Gestão, Formação e

Educação em Saúde e Enfermagem. Após a graduação, continuei a participar das reuniões do

grupo de pesquisa, acompanhando, assim, os trabalhos desenvolvidos sobre a temática

competência.

Desafiei-me durante o mestrado acadêmico a pesquisar o desenvolvimento da

competência para Educação Permanente em Saúde no ensino de graduações da saúde. Após o

mestrado, já como servidora do município de Cuiabá, recebi o convite para tornar-me gestora

de pessoas de um hospital público da rede municipal. Minha prática profissional me

proporcionou descobrir, ainda que empiricamente, certas fragilidades assistenciais que

enfermeiros, egressos de uma Universidade Federal da região Centro Oeste, tinham em

comum. Inquietei-me com as descobertas e desejei aprofundar estudos em nível de doutorado

sobre o desenvolvimento da competência, que particularmente considero a principal a ser

desenvolvida na graduação em Enfermagem, a competência clínica.

Este trabalho compõe uma série de produções do grupo GEFOR, fazendo parte de um

conjunto de projetos intercomplementares, os quais têm como produtos duas dissertações e

duas teses versando especificamente sobre o desenvolvimento da competência clínica.

11

Quadro 01 - Estudos concluídos sobre o tema “O desenvolvimento de competências na formação de

enfermeiros” no grupo GEFOR

TITULO AUTOR E

ANO

OBJETIVO GERAL PRINCIPAIS RESULTADOS

Perfil de competências

na formação de

enfermeiros: validação

por docentes e

acadêmicos de

Enfermagem

ORMONDE

JÚNIOR, J. C.

2017

Validar o conteúdo de

um perfil de

competências para a

formação de

enfermeiros

generalistas.

O perfil foi validado com 26

especialistas em educação em

enfermagem, para as quatro

competências propostas: Atenção

à Saúde (96,20%), Administração

e Gerenciamento (92,30%),

Educação (88,50%) e Produção de

Conhecimento (96,20%). O perfil

gerado pode ser utilizado pelas

faculdades de enfermagem como

norteador de possíveis

reestruturações nos projetos

pedagógicos dos cursos.

Validação de perfil de

competências na

formação – perspectiva

de enfermeiros da área

profissional

CIOFFI, A. C.

S. 2017

Validar o conteúdo de

um perfil de

competências para a

formação do

enfermeiro nas áreas

atenção à saúde,

administração e

gerenciamento,

educativa, produção de

conhecimento e seus

critérios de avaliação,

que são desempenhos a

serem observados no

formando.

Perfil validado com enfermeiros

da área profissional: a

competência atenção à saúde e

critérios de avaliação foi aprovada

com 93%; a competência

administrativa e gerencial e

critérios de avaliação com 95%; a

competência educativa e critérios

de avaliação com 95%; e a

competência produção de

conhecimento foi validada com

92%. Os enfermeiros concebem a

importância da mobilização das

quatro áreas de competências na

prática, porém apontam diversas

dificuldades para implementá-las

no ambiente laboral.

Competência clínica

para realizar

procedimentos

técnicos de

enfermagem –

percepções de egressos

FINGER, A.

F. A. 2018

Analisar percepções de

egressos sobre o

desenvolvimento da

competência clínica

para realizar

procedimentos

técnicos, no curso de

graduação em

Enfermagem.

Os resultados desta dissertação

resultaram em três temas, a saber:

1) Religação de saberes no

desenvolvimento da competência

clínica em enfermagem, incluindo

compreensões sobre competência

clínica, religação de saberes,

práticas e interações durante a

graduação e religação de saberes,

práticas e interações no início da

carreira; 2) A dicotomia teoria-

prática na formação do enfermeiro

– ainda um desafio a ser superado,

com os temas – A dicotomia

expressa no Projeto Pedagógico

do Curso, "Tempo de juntar as

caixinhas" - o desafio de aprender

a ser enfermeiro já sendo e

Aprender mediado pela educação

continuada; e 3) Professor, o que

o enfermeiro faz? O papel docente

na construção identitária da

profissão - Professor, o que o

enfermeiro faz? E a interação

professor-aluno - impactos na

12

constituição identitária do ser

enfermeiro.

Desenvolvimento da

competência clínica do

enfermeiro nos

estágios

supervisionados –

elementos

constitutivos e

autonomização do

sujeito

POLO, M. J.

F. 2019

Analisar como ocorre o

desenvolvimento da

competência clínica

durante os estágios

curriculares

supervisionados, na

formação do

enfermeiro.

Da análise resultaram dois temas:

“Elementos constitutivos da

competência clínica -

convergências e divergências” e

“A (co)construção da autonomia

do enfermeiro nos estágios

curriculares supervisionados”.

Concluiu-se, portanto, que o

desenvolvimento da competência

clínica e da autonomia do

enfermeiro nos estágios

curriculares supervisionados é

processo de construção coletiva,

tanto do sujeito com ele mesmo,

suas vivências e conhecimentos

prévios, sendo fortemente

influenciada pelos elementos do

meio no qual se insere -

interações, organização do

trabalho, feedbacks - e pelas

oportunidades de assunção de

protagonismo ofertadas aos

alunos.

A autonomia de

docentes de

enfermagem na (co)

construção da

competência clínica

CAMPOS,

L.R.G. 2019

Compreender como

professores de

enfermagem

desenvolvem

competência clínica

para o ensino do

cuidado de

enfermagem.

Nos resultados, destaca-se no

primeiro nível de aproximação

com o objeto que o docente de

enfermagem tem propósito

universal no Ensino Clínico, em

conjunto com a

(co)responsabilidade pelo

desenvolvimento da CC do aluno.

O segundo nível apresenta que os

docentes são advindos em maioria

do ensino público, grande parcela

teve oportunidade de participar de

programas de Iniciação Científica

e como primeiro emprego em

enfermagem a atividade

assistencialista hospitalar, seguida

pela docência após formar-se. O

terceiro nível apresenta que a

noção de CC compartilhada segue

o processo de transição

paradigmática e, para tanto,

consideram muito importante a

experiência clínica anterior à

carreira docente, entretanto não

definidora.

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

É possível perceber, por meio do quadro apresentado, a trajetória de produções sobre o

tema do grupo de pesquisa ao qual este trabalho é vinculado. Finger (2018) objetivou analisar

percepções de egressos sobre o desenvolvimento da competência clínica para realização de

procedimentos técnicos. Polo (2019) ampliou a noção de competência clínica já utilizando a

teoria proposta por Benner (1984) e analisou a percepção de alunos sobre o desenvolvimento

13

desta durante o estágio curricular. Campos (2019), utilizando a bricolagem, descreveu o

desenvolvimento da competência clínica em docentes de enfermagem e o trabalho ora

apresentado analisa o desenvolvimento desta em graduandos, a partir da percepção destes, do

coordenador de curso e da construção do PPC - Projeto Pedagógico de Curso. Portanto, este

trabalho finaliza um ciclo importante de pesquisas sobre o tema.

Esta tese está organizada de maneira a apresentar: 1) Introdução; 2) Revisão de

literatura; 3) Objetivos geral e específicos; 4) Marco Teórico Conceitual do objeto, no qual, a

partir do princípio hologramático do pensamento complexo, aproxima-se a teoria do objeto;

5) Método; 6) Resultados e Discussão; e 7) Considerações Finais. Tais elementos visam

sustentar a tese de que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de

enfermagem se dá por meio da busca do sujeito pela autonomia em suas interações.

14

1. INTRODUÇÃO

Atualmente, avanços na atuação profissional do enfermeiro exigem cada vez mais de

seus profissionais habilidades para tomada de decisões, pensamento crítico (DA COSTA

CARBOGIM, et al., 2016) e precisão nas atribuições diagnósticas e terapêuticas

(CARVALHO, 2008; MARTINEZ-MOMBLAN, et al., 2020). Faz-se necessário, portanto,

que o cotidiano do ensino no âmbito da graduação em Enfermagem seja constantemente

analisado a fim de que a formação acompanhe as transformações da prática profissional do

enfermeiro.

A competência clínica, entendida como a principal competência a ser desenvolvida

pelo profissional enfermeiro (BENNER, 1984), sugere, implicitamente, a articulação tanto das

cinco competências citadas nas DCNs (BRASIL, 2001) como das seis áreas para o processo

formativo do enfermeiro apreendidas na nova proposta (BRASIL, 2018).

Assim, apesar do termo 'competência clínica‟ do enfermeiro não ser citado pelas

DCNs, entende-se ser este o mais apropriado para definir a competência tratada neste

trabalho, uma vez que possui teoria própria na área de enfermagem e é padronizado

internacionalmente como descritor em ciências da saúde (DeCS) na literatura científica.

A literatura revela que as publicações internacionais sobre o desenvolvimento da

competência clínica na graduação em Enfermagem, além de mais numerosas, utilizam o

termo com maior frequência do que a literatura nacional e reconhecem que a formação do

enfermeiro deve ser norteada para desenvolvimento da competência clínica, uma vez que a

clínica é a essência da profissão de enfermagem (KELCÍKOVA, SKODOVA, STRAKA,

2012; GHOSH, et al., 2020; JOSEPH e JUWAH, 2012). Ainda, enquanto a literatura nacional

se desperta para as potencialidades de métodos inovadores como simulações presenciais e a

distância, aplicativos de celular, jogos online, dentre outros, a literatura internacional discute

instrumentos para avaliação destes e a articulação de um ou mais métodos a fim de

potencializar o desenvolvimento da competência clínica (JOHNSTON, PARKER, FOX,

2017; MIRANDA et al., 2017; KIBWANA et al., 2017; BRIGHTON, 2017; LEE, et al.,

2016; COYNE, et al., 2018).

O desenvolvimento da autonomia do graduando parece ter relação com o processo de

desenvolvimento da competência clínica. A autonomia, entendida no contexto da literatura

em enfermagem como liberdade em tomar decisão ou mesmo como independência no

exercício profissional (SANTOS et al., 2017a; SANTOS et al., 2017b; BONFADA, PINNO,

15

CAMPONOGARA, 2018; LEAL, et al., 2019), ganha aprofundamento teórico a partir do

pensamento complexo, em Edgar Morin.

Para Morin (2012), a autonomia não é liberdade absoluta do sujeito, emancipada de

qualquer dependência, mas pressupõe a interdependência com outros. Ou seja, a autonomia se

dá a partir de múltiplas dependências, que estão intimamente ligadas às interações do sujeito

com o mundo.

Desse modo, cientes de que há poucas publicações nacionais sobre o assunto e uma

lacuna de investigações quanto ao tema no campo da graduação em Enfermagem brasileira,

conforme revelado pela revisão de literatura a seguir apresentada, apresenta-se a seguinte

pergunta de pesquisa: como um curso de graduação em Enfermagem promove o

desenvolvimento da competência clínica em seus graduandos?

A fim de dar suporte a esta investigação, o pensamento complexo de Edgar Morin é

utilizado como referencial teórico e a bricolagem como método de pesquisa. Ambos oferecem

a estratégia, flexibilidade e criatividade necessárias à produção de conhecimento sobre o

objeto proposto. Morin diz que “complexo é tudo aquilo que é tecido junto” (MORIN, 2010,

p. 188), ou seja, o pensamento complexo enxerga um tecido de “acontecimentos, ações,

interações, retroações, determinações, acasos que constituem o nosso mundo” e entende que o

conhecer está diretamente ligado à compreensão da vida e de tudo que a envolve, permitindo-

nos uma aproximação mais fiel da realidade (MORIN, 2010, p. 20).

O objeto deste trabalho requer o olhar da complexidade moriniana, uma vez que, além

de estar inserido em um contexto de múltiplas interações entre atores, trata o graduando de

enfermagem como sujeito central do processo. Portanto, analisar o desenvolvimento da

competência clínica em graduandos de Enfermagem perpassa reflexões importantes quanto à

educação superior no Brasil, o processo de ensino-aprendizagem, a aquisição de

conhecimentos, o mundo do trabalho e o papel social do enfermeiro.

Os resultados deste estudo poderão contribuir com o avanço do conhecimento sobre o

tema, além de permitir explorar criticamente, à luz do pensamento complexo, a percepção de

graduandos e coordenador de curso sobre o desenvolvimento da competência clínica no

processo de formação do enfermeiro. Em nível local, pretende-se colaborar com o Núcleo

Docente Estruturante do curso de enfermagem da universidade em tela fornecendo elementos

para possíveis mudanças e reestruturações.

16

2 REVISÃO DE LITERATURA

A fim de identificar o panorama das publicações científicas internacionais e nacionais

sobre o desenvolvimento da competência clínica em graduandos de Enfermagem, fez-se uso

da estratégia PICO, a qual propõe que os problemas clínicos que surgem na prática

assistencial, de ensino ou pesquisa, sejam decompostos e a seguir organizados utilizando o

acrônimo PICO, que representa P- Paciente, I- Intervenção, C- Comparação e O- Outcomes

(desfecho). Segundo Santos, Pimenta, Nobre (2007), dentro da Prática Baseada em

Evidências esses quatro componentes são os elementos fundamentais da questão de pesquisa e

da construção da pergunta para a busca bibliográfica de evidências.

Também há adaptações para buscas exploratórias em pesquisas qualitativas. Para

Karina e Felli (2012), a formulação da pergunta segue pelo acrônimo PICo, em que o P

corresponde aos participantes, I ao fenômeno de interesse e Co ao contexto do estudo.

Determinou-se, portanto, para esta revisão de literatura, que os participantes (P) são os

alunos de enfermagem, representados pelo descritor “alunos de enfermagem”; o fenômeno de

interesse (I) é o desenvolvimento da competência clínica, representado pelo descritor

“competência clínica”; e, por fim, o contexto (C) é a graduação de enfermagem, representada

pelo descritor “bacharelado em enfermagem”. Utilizaram-se os operadores booleanos “and” a

fim de determinar os trabalhos que contemplam os três descritores. Os critérios de inclusão

foram ser artigo original, possuir resumo, publicado entre 2012 e 2017, escrito nos idiomas

inglês, português ou espanhol. Cabe ressaltar que esta revisão foi realizada em 2017 e

consistiu em estratégia de aproximação com o objeto de estudo.

Após os achados utilizando a estratégia PICO, notou-se que a amostra não possuía

artigos nacionais, portanto, visando à inclusão da literatura nacional, uma segunda busca foi

realizada e, desta feita, o método foi flexibilizado elegendo apenas dois descritores,

notoriamente essenciais à busca, quais sejam: “competência clínica” and “alunos de

enfermagem”. Os mesmos critérios de inclusão foram aplicados, exceto o critério da língua,

pois nesse momento o foco era levantar trabalhos nacionais sobre o tema, ou seja, apenas

trabalhos escritos na língua portuguesa foram selecionados.

Devido ao quantitativo elevado de artigos, a análise qualitativa foi realizada por meio

de leitura aprofundada dos resumos e quando restavam dúvidas era realizada a leitura do texto

na íntegra. As linhas da tabela foram recortadas e atribuídos números a cada artigo; em

seguida, os artigos foram agrupados por grandes temas, seguindo pela possibilidade de junção

em categorias.

17

A primeira busca utilizando a estratégia PICO com os descritores e operadores

booleanos “alunos de enfermagem” and “competência clínica” and “bacharelado em

enfermagem”, nas bases de dados Lilacs, Scielo e MedLine, obteve como resultado 1895

trabalhos. Artigos com resumo e texto completo (685), escritos nos idiomas inglês (678),

português (7) e espanhol (0). Aplicado o filtro de ano de publicação foram selecionados 420

artigos, todos escritos em língua inglesa e publicados na base de dados MedLine. Após a

leitura dos títulos e dos resumos, obteve-se uma amostra de 162 artigos para análise

qualitativa.

A segunda busca teve como objetivo a literatura nacional, utilizaram-se os descritores

e operadores booleanos “alunos de enfermagem” and “competência clínica”. A busca obteve

como resultado 3.390 trabalhos. Artigos com resumo e texto completo (1260), publicados

entre 2012 e 2017 (815), escritos no idioma português (9), publicados nas bases de dados

MedLine, Lilacs e Bdenf. Após a leitura dos títulos e dos resumos, a amostra de quatro artigos

foi selecionada para análise qualitativa. Apresenta-se uma figura (Figura 1) para demonstrar,

visualmente, ambas as buscas detalhando a aplicação dos critérios de inclusão e seus reflexos

nos quantitativos encontrados.

Os países que tiveram representação nesta revisão foram Austrália, Estados Unidos,

Canadá, Japão, Nova Zelândia, China, Coreia do Sul, Brasil, introduzido após a segunda

forma de busca, dentre outros. Dos 166 artigos, apenas 28,3% eram de abordagem qualitativa,

os demais utilizaram métodos quantitativos. O periódico com maior número de publicações

sobre o tema foi o Nurse Education Today com 36% das publicações; em seguida, Journal of

Nursing Education com aproximadamente 22%, Nurse Education in Practice com 21%, Nurse

Educator com 7% e os demais somaram, aproximadamente, 14%.

18

Figura 1 - Ilustração do resultado quantitativo da busca na literatura. Cuiabá, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

A seguir, apresenta-se a identificação qualitativa do teor dos 166 artigos selecionados.

As publicações sobre a temática são complexas e, portanto, não fragmentáveis, sendo

necessária a análise das categorias emergentes como um todo, porém, para fins didáticos, o

resultado foi apresentado em duas grandes categorias, a saber: 1) Estratégias que

desenvolvem a competência clínica e 2) A avaliação do desenvolvimento da competência

clínica. A figura a seguir mostra, visualmente, o resultado obtido após análise por categorias.

19

Figura 2 - Categorias emergentes da análise qualitativa dos artigos selecionados. Cuiabá, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

2.1 ESTRATÉGIAS QUE DESENVOLVEM A COMPETÊNCIA CLÍNICA

Esta categoria foi composta pela maioria absoluta dos trabalhos analisados, 128

artigos. Todos os trabalhos foram escritos em língua inglesa e nenhum desenvolvido no

Brasil, o que justifica a importância da temática da presente tese.

Por meio das análises, apreendeu-se que as estratégias citadas na literatura científica

capazes de desenvolver a competência clínica em graduandos de Enfermagem são: 1)

Metodologias ativas/Simulação; 2) Ambiente apropriado/Prática clínica; 3) Currículo voltado

para o desenvolvimento da competência clínica; 4) Instrumentos específicos; e 5) Outros. A

avaliação formativa foi encontrada tanto como estratégia potente para o desenvolvimento da

competência clínica quanto para a avaliação desta.

Sobre o tema metodologias ativas, observa-se que as simulações presenciais compõem

o tema de maior número absoluto de artigos (48). Os trabalhos objetivaram experimentar

simulações a fim de comprovar o desenvolvimento de alguma dimensão da competência

clínica, relatar experiências de simulações e/ou comparar o uso de simulações presenciais

com outros métodos para o desenvolvimento dessa competência. Os resultados mostram que

as simulações podem ser realizadas por meio de manequins/bonecos e/ou atores que

20

interpretam sinais e sintomas de um paciente-padrão. Tais simulações são capazes de

desenvolver o julgamento clínico, comunicação, conduta ética, liderança, gerenciamento de

enfermagem e habilidades psicomotoras, aumentar padrões de autoeficácia, autoconfiança e

atenção em situação crítica e diminuir níveis de estresse e ansiedade. As simulações podem

ser potencializadas com o uso de discussões pré e/ou pós-simulações, uso de PBL -

Aprendizagem Baseada em Problemas e simulação mental prévia à execução da simulação

realística.

O uso de simulações a distância e tecnologias apareceu em 21 artigos. As tecnologias

EaD, educação a distância, utilizadas no desenvolvimento da competência clínica são os jogos

online para computador e celular, vídeos, softwares, avatares e cursos online. Segundo os

artigos, tais estratégias são capazes de desenvolver o julgamento crítico, comunicação

profissional-paciente, habilidades psicomotoras, comportamento ético, julgamento clínico e

habilidades para transferência de cuidado para o cuidador familiar. Outro fato comprovado

pela literatura é que o uso de simulações e/ou tecnologias de ensino a distância potencializam

o desenvolvimento de competência clínica nas simulações presenciais.

Os artigos que trataram de outras Metodologias Ativas em sala de aula foram 13, estes

citaram como métodos capazes de desenvolver competência clínica a EBL - Aprendizagem

baseada em Evidencias, o mapa conceitual, a elaboração de trabalhos em pares, a PBL -

Aprendizagem baseada em Problemas, a CBL - Aprendizagem Baseada em Casos, a Sala de

Aula Invertida, o Ensaio Mental e a Autorreflexão. Tais métodos também podem ser

utilizados para potencializar o desenvolvimento de competência clínica em simulações

presenciais.

Um total de 25 artigos tratava sobre a utilização de espaço físico apropriado e prática

clínica. Quanto ao espaço físico, citaram-se os laboratórios de enfermagem nas universidades,

os complexos laboratoriais desenhados para o desenvolvimento de competência clínica, os

veículos-ambulâncias e um local tipo pousada para imersão dos alunos. Sobre os espaços, os

artigos referem a importância destes para o desenvolvimento de competências no graduando

de enfermagem, assim como dos materiais e instrutores/professores que os compõem. O local

do tipo pousada utilizado para imersão dos alunos por alguns dias foi utilizado a fim de

desenvolver a competência clínica para saúde mental.

Outro aspecto desse tema foi a importância do ambiente de prática clínica para o

desenvolvimento de competências. Os artigos relatam que são fatores que influenciam o

desenvolvimento do aluno: o ambiente organizacional, a organização do serviço, a

organização do estágio, o ambiente físico, a carga horária, a experiência em simulações

21

prévias e o relacionamento com o preceptor. A aferição do nível de dependência do aluno por

meio de escala específica, a promoção da autorreflexão e o bom relacionamento com o

preceptor e professor são fatores relatados como potencializadores para o desenvolvimento da

competência clínica.

O currículo também foi identificado por 17 artigos, sendo apenas 1 nacional, como

estratégia capaz de promover o desenvolvimento da competência clínica. Os trabalhos trazem

a composição do currículo com criação de disciplinas, cursos temporários, workshops como

estratégias potentes para desenvolver aspectos da competência clínica. O trabalho nacional

encontrado versa sobre um curso extracurricular capaz de melhorar o desenvolvimento de

atitude de estudantes de enfermagem diante do comportamento suicida. Também relata a

possibilidade de construção de currículos baseados em casos, competências, simulações,

liderança e habilidades para números.

O uso de instrumentos como estratégia para desenvolvimento da competência clínica

também foi discutido nos artigos. A criação de guidelines para o desenvolvimento de

competência clínica, instrumento de passagem de plantão capaz de melhorar o julgamento

clínico, e um formulário para exame clínico foram citados como potencializadores do

desenvolvimento dos alunos.

Apenas um artigo não apresentou relação com os demais temas, portanto foi

classificado na modalidade “outros”. Trata-se de artigo que relata a utilização de coaching

para alunos com baixas notas. A estratégia mostrou-se favorável à recuperação de notas e

desenvolvimento da competência clínica em alunos de enfermagem.

A busca ainda revelou três artigos que versavam sobre modelos de avaliação

formativa, que são capazes de desenvolver a competência clínica. Todos os artigos relatam o

método de avaliação por pares como estratégia que, além de ser capaz de atribuir nota ao

aluno, também é potente para desenvolver competências no graduando de enfermagem.

22

2.2 A AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA

Um total de 38 artigos analisados versava sobre avaliação do desenvolvimento da

competência clínica em graduandos de Enfermagem. Percebem-se dois grandes grupos nesta

categoria: 1) Avaliação do desenvolvimento de alguma dimensão específica da competência

clínica e 2) Avaliação do desenvolvimento da competência clínica geral.

Encontraram-se trabalhos que versavam sobre as seguintes dimensões específicas da

competência clínica: Aspectos relacionados à segurança do paciente; Saúde pública; Prática

por evidência; Habilidade para trabalho em equipe multiprofissional; Aspectos emocionais

como autoconfiança e controle de ansiedade/estresse; Liderança; Comportamento ético;

Habilidades psicomotoras; e Patologias específicas.

Os artigos que tratavam sobre Aspectos relacionados à segurança do paciente

versavam sobre o desenvolvimento da habilidade para lavagem das mãos, comportamento

seguro e habilidades relacionadas ao preparo, administração e cuidados com a medicação. A

competência clínica específica para a prática de enfermagem em Saúde pública também foi

avaliada por dois trabalhos.

Outro aspecto avaliado pelos artigos foi a capacidade de a graduação formar para a

Prática por Evidência discutindo sobre o uso de pesquisas para tomada de decisão na prática

clínica. Além disso, a Habilidade para o trabalho em equipe multiprofissional foi avaliada,

inclusive é relatado uso de escala específica para tal avaliação em alunos de graduação.

Aspectos emocionais como autoconfiança e controle de ansiedade/estresse foram avaliados e

também há relatos de uso de escalas e comparações dessa dimensão da competência clínica

em alunos submetidos ou não a simulações.

A avaliação do desenvolvimento de Liderança e Comportamento ético trouxeram a

importância da prática clínica para que o aluno alcance melhor performance em ambas. O

desenvolvimento de Habilidades psicomotoras durante a graduação também foi avaliado por

trabalhos que analisaram especificamente a habilidade para punção venosa, cateterismo e

cuidados com feridas. Nesse último tema, encontraram-se dois artigos nacionais que propõem

o uso de instrumentos para avaliar o desempenho de alunos no cuidado a feridas.

O julgamento clínico foi avaliado por um trabalho nacional que propõe instrumento

para caracterizar os aspectos do julgamento clínico de estudantes. Os trabalhos que

objetivaram avaliação de desenvolvimento da competência para cuidado de patologias

específicas versaram sobre diabetes.

23

Com relação aos trabalhos que objetivaram a avaliação do desenvolvimento da

competência clínica geral, encontraram-se os que exploraram o uso de instrumentos como

escalas para avaliação de competência em graduandos, escala para avaliação específica de

competência clínica em campo de prática e construção de um inventario que lista os aspectos

mais importantes da competência clínica que não podem faltar na avaliação do graduando.

Inclusive, há estudos que aplicaram instrumentos comparando escores relacionados ao

julgamento clínico, performance em simulações e performance em campo de prática a fim de

estabelecer conexões entre estes.

Por fim, as percepções de alunos e preceptores também foram discutidas nos

trabalhos. Há trabalhos que discutem a percepção de alunos sobre os fatores que afetam o

desenvolvimento da competência clínica, assim como percepção de preceptores sobre

avaliação por competências. Ainda, há artigos que propõem o uso de escala para avaliação de

competência clínica e artigos de discussão sobre as avaliações por competências.

Esta revisão foi capaz de promover importantes reflexões sobre o panorama atual de

publicações acerca da temática de competência clínica no ensino de graduação em

Enfermagem. Parece haver consenso na literatura sobre o conceito de competência clínica e as

dimensões que a compõem. A literatura internacional utiliza o termo com maior frequência e

profundidade do que a literatura nacional, e os artigos internacionais reconhecem que a

formação de enfermagem deve ser norteada para o desenvolvimento da competência clínica,

uma vez que a clínica é a essência da profissão.

Chama a atenção o número amplo de publicações internacionais sobre o tema

comparado ao quantitativo reduzido das publicações nacionais e estas demonstram desuso do

descritor “competência clínica”, assim como do termo nos trabalhos sobre educação em

enfermagem.

Outro aspecto importante refere-se aos temas discutidos nos trabalhos internacionais.

Enquanto a literatura nacional dá seus primeiros passos em direção à temática de métodos

inovadores como simulações presenciais e a distância, aplicativos de celular, jogos online,

dentre outros, a literatura internacional discute instrumentos para avaliação destes e a

articulação de um ou mais métodos visando potencializar o desenvolvimento da competência

clínica.

Ao contrário das produções internacionais, a competência clínica é pouco investigada

nacionalmente. E, apesar de muito explorada em trabalhos estrangeiros, é abordada no campo

das aferições de desempenho, e não na análise de como se dá o processo de aquisição dessa

24

competência para o sujeito-estudante. Portanto, há espaço para investigação nacional sobre o

tema.

Conclui-se, a partir desta revisão de literatura, a possibilidade de tomar alguns

pressupostos para este trabalho: 1) A competência clínica tem seu desenvolvimento

potencializado por meio de métodos (caminhos) de ensino-aprendizagem. As metodologias

ativas/simulações foram apontadas na literatura como as estratégias mais investigadas para o

desenvolvimento da competência, porém o ambiente apropriado para prática clínica e a

organização curricular também possuem evidências científicas como potencializadores do

desenvolvimento desta; 2) A competência clínica pode ser aferida em desempenhos práticos

por meio do uso de instrumentos como escalas para avaliação de competência em sala de aula

e/ou em campo de prática, mensurando julgamento clínico, performance em simulações e

performance em campo de prática; 3) A competência clínica é desenvolvida em processos

subjetivos dos indivíduos/estudantes. Apesar de não encontrado nesta revisão de literatura

como se dá o desenvolvimento da competência clínica no estudante de enfermagem, há

evidências de que a promoção da autorreflexão, o bom relacionamento com o preceptor e

professor, o ensaio mental repetitivo de procedimentos de enfermagem e a utilização de

coaching são fatores potencializadores para o desenvolvimento desta (SOARES &

FERREIRA, 2017; ROCHA et al., 2019; GHOSH et al., 2020; DE QUADROS & COLOMÉ,

2016).

25

3 OBJETIVO

3.1 OBJETIVO GERAL

Analisar como o curso de graduação em Enfermagem promove o desenvolvimento da

competência clínica em seus graduandos.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Compreender a partir da análise do PPC como ocorre o desenvolvimento da

competência clínica;

Compreender a percepção de graduandos e coordenador de curso sobre competência

clínica;

Compreender, na percepção dos graduandos e coordenador de curso, de que maneira o

curso de graduação promove o desenvolvimento da competência clínica.

26

4 MARCO TEÓRICO CONCEITUAL

A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento e a reforma do pensamento

deve levar à reforma do ensino. O significado de “uma cabeça bem cheia” é uma cabeça onde

o saber é acumulado, empilhado, fragmentado e não dispõe de um princípio de seleção e

organização que lhe dê sentido e possibilidade de interação. “Uma cabeça bem-feita” significa

que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor, ao mesmo tempo, de uma aptidão

geral para colocar e tratar os problemas e de princípios organizadores que permitam ligar os

saberes e lhes dar sentido (MORIN, 2012. p. 20).

O tema desta pesquisa é a competência clínica no ensino de graduação em

Enfermagem. Para desenvolver as ideias apresentadas neste trabalho, o tema será abordado

por meio das lentes de alguns princípios do pensamento complexo proposto por Edgar Morin.

Para Morin, o princípio sistêmico “permite ligar o conhecimento das partes com o

conhecimento do todo e vice-versa”, sendo o todo mais que “a soma das partes” e sendo este

igualmente menos que as partes (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2004, p. 35). Assim, para

fins didáticos, apresenta-se, inicialmente, uma aproximação das partes “a competência”, “a

clínica”, “a enfermagem" e “a competência clínica do enfermeiro” a fim de que, em seguida,

seja possível compreender o todo - o desenvolvimento da competência clínica na graduação

de enfermagem e sua tecitura com a complexidade moriniana. Importante ressaltar que o

termo tecitura é utilizado nesta pesquisa a partir da lógica complexa moriniana, a qual refere-

se a construir estrutura a partir do entrelace metódico, termo utilizado pelos artesãos na

produção como sinônimo de entrelaçar, compor, fiar.

4.1 DAS PARTES

Nesta tese, assume-se que as partes compõem o todo, assim como o todo também

compõe as partes (Figura 3). As linhas tracejadas representam a falta de fronteiras delimitadas

entre as partes e o todo, ou seja, há movimento contínuo de comunicação, interações e

interconexões entre as partes e entre as partes e o todo.

27

Figura 3 - Apresentação da estrutura do marco teórico conceitual. Cuiabá, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

4.1.1 A competência

Visando elucidar a competência, apresenta-se nos próximos parágrafos um breve

apanhado histórico, cabendo ressaltar que o termo tem referência teórica própria e que não é

objetivo deste trabalho explorar tal referencial, mas, sim, apenas contextualizar o leitor sobre

as nuances do objeto ora apresentado.

O termo competência tem sua origem no latim, “competentia”, e surgiu na França no

século XV, no âmbito do Direito; seu significado relacionava-se à capacidade das instituições

jurídicas em resolver problemas ou ainda sobre a qualidade de quem é capaz de apreciar e

resolver certo assunto (DIAS, 2010).

No século XVIII, o termo passou a referir-se à capacidade dos indivíduos de resolver

problemas e já na década de 1950 foi aplicado na área da psicologia para descrever a pessoa

que realizava uma tarefa eficaz de acordo com seu potencial biológico (DIAS, 2010).

28

Na Alemanha, a competência surge com o setor produtivo, sendo um conjunto de três

dimensões: Conhecimentos - informações com as quais o indivíduo entende o mundo;

Habilidades - saber utilizar o conhecimento adquirido; e Atitudes - querer fazer. Essas

dimensões são interligadas e interdependentes, porém em conjunto mobilizam-se gerando

ações eficazes em diferentes contextos (DEFFUNE; DEPRESBITERIS, 2019).

O trabalho de Santos e Ciampone (2007) vem corroborar com os autores acima

trazendo a competência profissional em três eixos: Conhecimentos, entendidos como saber

adquirido pelo profissional; Habilidades, como o saber fazer específico; e as Atitudes,

também entendidas como saber agir, julgar, escolher e decidir. Esses eixos referem-se ao

CHA da competência – designado como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes.

O termo competência apresenta-se na literatura científica com diferentes visões teóricas de

vários autores. Empregado em diversas áreas do conhecimento como psicologia, sociologia,

linguística, educação, dentre outras (DELORS et al, 2010).

Alguns estudiosos referem que a competência perpassa o conjunto de conhecimentos,

habilidades e atitudes, como exemplo Le Boterf (2006), para quem a competência é a

interação entre três domínios: o indivíduo, a formação e sua experiência. Para o autor, a

competência mostra-se por meio da realidade a partir do momento em que a pessoa está no

ambiente de trabalho e consegue extrair conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo do

tempo para realizar determinada tarefa.

As competências se incorporam no mundo do trabalho buscando superar o conceito de

qualificação que se demonstra vinculado a aspectos mais restritos à formação dos

trabalhadores. Vale ressaltar que o conceito de competências é diferente do conceito de

qualificação, pois enquanto a qualificação remete aos saberes necessários à realização de

determinada ação, a competência requer a mobilização desses saberes que podem, não

necessariamente, estarem ligados à formação inicial (TANGUY & ROPÉ, 1997).

Seguindo as ideias de Le Boterf, porém agora voltado para a área da educação,

Perrenoud (1999) afirma que formamos seres autônomos que agem em contextos distintos e

define a competência como “a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de

situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. As competências

manifestadas não são necessariamente conhecimentos, mas os mesmos são mobilizados e

integrados na ação (PERRENOUD, 1999).

Essa definição apoia-se em três aspectos: 1) Acontece por meio do pensamento

organizado, que determina de forma consciente a realização de uma atividade que se adapte à

situação vivenciada; 2) As competências não são o mesmo que saberes ou atitudes, porém as

29

mesmas são mobilizadas e integradas a fim de organizarem os recursos; 3) Cada situação é

única, mesmo havendo outras semelhantes que foram vivenciadas. Trata-se, portanto, de

soluções rápidas e respostas criativas e eficazes para determinada ação (PERRENOUD,

1999).

Cientes de que o termo tem se apresentado sob diversas concepções, esta tese faz uso

do termo „competência' entendido como o saber agir, reconhecido pelos outros, que abrange o

saber integrar, recursos e habilidades em um contexto profissional (LE BOTERF, 2006).

4.1.2 A clínica

O termo clínica provém do grego klinikós, que se refere a klíno, inclinar ou kline, leito.

Entende-se que clínica é a prática da medicina ao leito do enfermo. Ela nasce do constante

olhar sobre o doente, todavia o sentido do termo pode ser mais amplo, há autores que afirmam

ser a interação complexa entre dois sujeitos singulares: um profissional e um doente

(BEDRIKOW e CAMPOS, 2011).

Para entender o sentido de clínica, faz-se necessário lembrar a história do hospital, que

nasce sem a função de cura, ou seja, constituía-se de um espaço destinado à assistência de

indivíduos pobres, como forma de exclusão e isolamento social, e ocupava função de

morredouro marcado como local de transição entre a vida e a morte. Para Foucault (1979),

entre os séculos XVII e XVIII, a formação médica era marcada pela característica cognitiva

de memorização de textos e de receitas, sendo a medicina exercida de forma totalmente

individualizada, não havia práticas médicas hospitalares nem de saúde coletiva.

A medicina passou a se tornar hospitalar não para intervir sobre o doente, “mas por

meio das anulações de efeitos negativos do próprio hospital”, ou seja, do seu efeito nocivo

para a própria sociedade. Naquela época, o hospital servia como ponto de tráfico de

mercadorias e especiarias, além de ponto de disseminação de pestes vindas com os viajantes

(FOUCAULT, 1979, p. 103)

Foucault (1979, p. 107) traz que a instauração da disciplina, entendida como técnica de

poder, é o que rearranja o espaço hospitalar, iniciando, assim, o processo de „medicalização‟.

Toda essa disciplina e, logo, poder são estabelecidos pela figura do médico que estabelece

consigo não só a mudança do espaço hospitalar, mas consequentemente mudanças

relacionadas ao saber e às práticas de cuidados de saúde.

30

A disciplina e a intervenção médica sobre o ambiente foram os principais motivos que

possibilitaram a evolução do hospital como centro de morte para centro de cura. Essa

evolução do saber e das práticas de saúde causadas pela imposição de disciplina/poder

ocorreu, principalmente, no fim do século XVIII e transferiu consigo o foco das intervenções

médicas do indivíduo, ou seja, do particular, para o meio ambiente que o circundava. Os

espaços físicos passaram a ser tratados e esse conhecimento passou a ser utilizado nos

ambientes hospitalares (FOUCAULT, 1979).

Portanto, há a consolidação do poder médico tanto sobre o ambiente hospitalar como

sobre a estrutura hierárquico-organizacional, passando a ter, inclusive, controle sobre o

funcionamento econômico da instituição, o que era antes atividade detida por ordens

religiosas. As visitas médicas, basicamente, compõem um ritual marcado pela disciplina e

poder, advindas do saber médico, seguido pelas demais estruturas hierárquicas - alunos,

enfermeiras assistentes, dentre outras (FOUCAULT, 1979).

Ainda para Foucault, as rotinas do hospital marcam o nascimento da clínica, composta

por um sistema de registro contendo "técnicas de identificação; entrada e saída - admissões e

altas; diagnósticos; local de alojamento; registros de botica e medicamentos; debates entre

médicos discutindo as melhores conduções para o quadro dos pacientes". Essa característica

marca fortemente o processo de formação em saúde, tornando o hospital um espaço não

apenas de cura, mas também de formação e transmissão de saber” (FOUCAULT, 1979, p.

111).

Assim, a clínica na enfermagem evoluiu a partir desse contexto disciplinar, ora

hierarquizada, subordinada ao saber médico, focada no trabalho técnico, mecânico e pouco

refletido pelo profissional, para não somente a produção de saúde por meio de meios

curativos, preventivos ou reabilitação, como também para aumentar a autonomia dos sujeitos.

Para Sundfeld (2010), a enfermagem clínica deve promover a capacidade de

autocuidado, de compreensão sobre o processo saúde/enfermidade, ampliando as capacidades

do sujeito de lidar com a doença ou condição debilitante em seu contexto social, cultural e até

sua subjetividade.

Atualmente, a visão mais ampla de clínica, a clínica ampliada, toma para si a

articulação de diversos diálogos e saberes entre diferentes profissionais de saúde, políticas

públicas e outros setores para compreender os processos de saúde e adoecimento, incluindo os

usuários como participantes nas condutas de saúde e até em seu projeto terapêutico

(SUNDFELD, 2010).

31

Jungles (2009) defende que a clínica ampliada produz cuidado centrado no sujeito e

em seu contexto e coletividade, não apenas com finalidade de alívio do sofrimento, mas

promovendo a autonomia a fim de que os profissionais de saúde utilizem tecnologias leves -

vínculo, autonomização, acolhimento - e a construção de diálogos entre usuário, família e

equipe de saúde.

Para Oliveira et al. (2009), a clínica se dá em uma relação entre aquele que busca o

serviço de saúde e o enfermeiro, ou seja, entre dois sujeitos. A enfermagem ocupa o papel de

manter a organização dos espaços e dos corpos, de desenvolver sua prática baseada em

evidências, de criar protocolos e normas de atuação e classificar diagnósticos e intervenções

de cuidado.

O julgamento clínico, uma das competências essenciais do enfermeiro (OLIVEIRA et

al, 2017) está ligado ao "ato de julgar as necessidades de cuidados de cada indivíduo" e

"elaborar o planejamento da assistência de enfermagem a ser realizada, de forma a atender as

suas necessidades e expectativas” (COSTA et al, 2016. p. 60). O julgamento clínico torna-se,

portanto, uma dimensão da clínica, sendo que a enfermagem, o cuidado e a clínica estão

interligados.

O cuidado clínico, assim como afirma Moreira et al. (2015), é o ato de cuidar com

responsabilidade, ética e compromisso social realizado pelo profissional enfermeiro que

articula o olhar clínico por meio dos seus conhecimentos científicos, a habilidade de escuta, o

toque e a fala terapêutica, atendendo o sujeito que solicita o cuidado, respeitando sua

individualidade.

Portanto, a clínica é entendida neste trabalho como a relação de cuidado estabelecida

entre o paciente, a família e a comunidade e o profissional de saúde, enfermeiro, que assiste a

tais demandas.

4.1.3 A enfermagem

É importante que um limite no campo de atuação do objeto deste estudo seja traçado,

uma vez que outras formações profissionais também requerem o desenvolvimento da

competência clínica, porém, este trabalho restringe-se a abordar a competência clínica no

âmbito da formação do enfermeiro. Os próximos parágrafos apresentam um breve contexto

histórico da profissão e da formação profissional em enfermagem de modo a contextualizar o

surgimento e a contextualização da clínica na profissão.

32

O processo de construção profissional da enfermagem no Brasil começa ainda no

período colonial, marcado pelo exercício baseado em conhecimentos empíricos, no qual o

cuidar era praticado por religiosos e voluntários. Os hospitais eram utilizados com o intuito de

abrigar órfãos, pobres e enfermos miseráveis, e é neste contexto que nascem as primeiras

Santas Casas de Misericórdia. O ensino era reproduzido de forma não sistematizada em

instituições religiosas até 1890, quando é criada a Escola Profissional de Enfermeiros e

Enfermeiras, construída junto ao Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, cujo

ensino centrava-se exclusivamente na assistência (GERMANO, 1985).

Em 1923, cria-se, ainda no Rio de Janeiro, a Escola de Enfermeiras do Departamento

Nacional de Saúde Pública, atual Escola Anna Nery, que seguia os princípios de Florence

Nightingale, quais sejam: submissão, espírito de serviço, obediência e disciplina. Uma crítica

ao então planejamento curricular da escola seria a falta de contextualização do conteúdo à

realidade brasileira e o foco no trabalho intelectual, formando enfermeiros exclusivamente

para o ensino (GIOVANINI, 2002).

As atividades técnicas da assistência direta ao paciente eram realizadas pelas

atendentes de enfermagem. Fato que se relaciona com a histórica dicotomia entre teoria e

prática no campo da enfermagem, pois parte de seus trabalhadores eram encarregados de

'saber', realizando atividades administrativas, gerenciais e educativas, e a outra parte

responsável por 'fazer', realizando o cuidado prático, diário e direto aos usuários de saúde

(GIOVANINI, 2002).

A partir da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação – LDB (BRASIL, 1996), um

currículo mínimo foi elaborado, executado de 1962 a 1972, visando aspectos técnicos,

individuais e curativos da atenção à saúde, centrado, portanto, em práticas curativas,

alicerçado no referencial biológico e na visão cartesiana. A formação do enfermeiro esteve

centrada, dessa forma, no polo indivíduo-doença-cura e na assistência hospitalar.

Importante ressaltar que nesse momento crescia a rede de atenção privada à saúde,

contudo o INAMPS - Instituto Nacional da Previdência Social ainda era o principal

responsável pela atenção à saúde no Brasil. Para a atuação da enfermagem, esse cenário

reforçou a divisão da categoria em diferentes níveis de escolaridade, pois os profissionais de

nível superior geralmente eram contratados para o setor público e o pessoal de nível médio e

operário absorvido para a iniciativa privada.

Freitas, Favero & Scatena (1993) afirmam que na década de 80 intensificaram-se as

discussões acerca do processo de formação do profissional enfermeiro, porém foi apenas em

1994 que o então Ministério da Educação e do Desporto, por meio de portaria, propôs

33

mudança no currículo mínimo de enfermagem, que então objetivava a formação de um

profissional „generalista‟, ou seja, com visão holística para atuar nas áreas de assistência,

gerência, ensino e pesquisa. Nesse momento, começam a intensificar a ideia de uma formação

técnico-científica e política com vistas à reflexão sobre o homem na sociedade a partir da

multiprofissionalidade.

Com as transformações advindas do século XXI, o campo da educação na área da

saúde foi marcado por uma visão transformadora com base em teorias críticas como o

construtivismo, as abordagens compreensivas e a problematização das práticas e dos saberes

(SENA, 2001). A formação para o Sistema Único de Saúde - SUS e seus princípios, a saber: a

universalidade, descentralização, equidade no acesso aos serviços de saúde e a abordagem

integral da pessoa inserida na família e na sociedade, demandam dos centros formadores

integração ensino-serviço-comunidade, assim como formação do aluno com vistas ao mundo

do trabalho.

Em 2001, formularam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de

enfermagem, trazendo em seu corpo textual as competências primordiais a serem

desenvolvidas durante a graduação de enfermagem, a saber: competência para o

gerenciamento e administração, liderança, tomada de decisão, comunicação, educação

permanente e atenção à saúde. Cabe frisar que as competências citadas nas DCNs se

relacionam aos princípios da competência clínica, apesar disso, especificamente, o termo não

é citado. Além disso, pode-se notar que as orientações são demasiadamente amplas, vagas e

teóricas, não proporcionando subsídios objetivos sobre a formação dos futuros enfermeiros.

A resolução 573, de 31 de janeiro de 2018, aprovou novas DCN para os cursos de

graduação em Enfermagem, a qual prevê que a educação em enfermagem deve ter como

"princípio básico o cuidado - ação terapêutica da Enfermagem”. O cuidado profissional em

enfermagem é conceituado nas DCNs como "uma das dimensões do cuidado humano" que se

realiza em ato no processo de trabalho em enfermagem e se expressa por meio da

Sistematização da Assistência de Enfermagem (BRASIL, 2018. p. 1).

As DCNs, ao contrário do currículo mínimo, dão liberdade às instituições de ensino

superior quanto à composição da carga horária, visto que apenas indicam de maneira ampla a

necessidade de utilização de campos de prática durante a graduação, o uso de metodologias de

ensino e aprendizagem que promovam a autonomia e a importância de realizar avaliações

periódicas sobre a qualidade do ensino.

A partir de 2004, presencia-se, no cenário brasileiro, uma ampliação vertiginosa dos

cursos de enfermagem. Fernandes (2012) aponta que, em 2004, a área da Enfermagem

contava com 415 escolas/cursos, quantitativo que passou para 838 em 2012, sendo 80,19% na

34

rede privada. Nesse contexto, apesar da ampliação quantitativa das vagas, a qualidade do

ensino foi prejudicada, uma vez que a expansão se deu de forma desarticulada aos cenários

das práticas em saúde, ocasionando desequilíbrio entre os espaços para o desenvolvimento

das práticas em saúde/enfermagem e o quantitativo de alunos nesses espaços.

Paralelamente ao aumento desenfreado do número de cursos de graduação e à queda

da qualidade de formação, observa-se, a partir do início do século XXI, uma crise

generalizada de sentido relacionada ao trabalho. A precarização e impotência da luta das

classes trabalhadoras reorganizaram o trabalho de maneira a desvalorizar o ser humano.

Como consequências desse processo, no mundo do trabalho, há insegurança, falta de proteção

social e desrespeito às limitações físicas e psicológicas do trabalhador.

Na enfermagem, Costa e Trambellini (2009. p. 962) afirmam que atualmente são

características do trabalho “a urbanização, especialização, a redução da remuneração, a

multiplicidade de vínculos empregatícios", elevado número de plantões e crescente

informalidade nas relações de trabalho. Isso indica que o mercado de trabalho brasileiro no

setor saúde vem reproduzindo a tendência global da economia dessa era, que é utilizar a

flexibilização da contratação da força de trabalho provocando uma geração de pessoas que

vivem doentes devido ao trabalho, porém sofrem com o medo de perdê-lo (ARAUJO-DOS-

SANTOS, 2018).

Para os enfermeiros, a precariedade, principalmente no trabalho assistencial, tem sido

o fator predominante de escolha pela área da docência em busca de melhor qualidade de vida.

Hellebrandt (2014) pontua iniciativas governamentais que preconizam a inserção precoce do

estudante na pesquisa científica e priorizam cada vez mais a formação de jovens doutores, ou

seja, recém-graduados já ingressam em cursos de mestrado e doutorado sem viver a realidade

prática de sua profissão, ocupando, posteriormente, a função de docentes de enfermagem.

Os cenários atuais tanto de educação como de atuação profissional da enfermagem são

ecos de suas condições históricas, socioeconômicas e culturais (DE OLIVEIRA CRUZ,

2017). Apesar de ainda ter muitos desafios, a educação em enfermagem avançou do currículo

mínimo, que definia cursos e perfis profissionais estáticos, tecnicistas, hospitalocêntricos, à

formação de profissionais que visa não apenas o conhecimento técnico e as habilidades

psicomotoras, mas também a criatividade, reflexão, flexibilidade, produção e consumo de

conhecimento científico e prática assistencial baseada em evidências, a fim de suprir as novas

demandas do mundo do trabalho.

Ayres (2017. p.1) afirma que a enfermagem herda o "manejo do cuidar em sua

operação concreta” e como área de conhecimento o "aspecto relacional toca de muito perto a

35

Enfermagem e o fazer técnico de enfermagem no cotidiano dos serviços”. Ou seja,

entendendo a clínica como a relação de cuidado estabelecida entre o paciente, a família e a

comunidade e o profissional de saúde, bem como o cuidado como o princípio básico da

atuação profissional de enfermagem (BRASIL, 2018), justifica-se a necessidade de ampla

exploração desse tema, tanto no processo de formação como na atuação profissional de

enfermagem.

4.1.4 A competência clínica do enfermeiro

Considerando as noções já tratadas neste trabalho, apreende-se que a competência

clínica do enfermeiro permeia o saber agir responsável, reconhecido pelos outros, que

sustenta a relação de cuidado estabelecida entre o paciente, a família e a comunidade, que

buscam o serviço de saúde, e o profissional que assiste tais demandas. Tal profissional está

inserido em um contexto profissional complexo permeado pelo desenvolvimento da

identidade profissional e lutas de classe ao longo das últimas décadas.

Para além da conexão entre os termos „competência', „clínica' e „enfermagem‟, a

competência clínica do enfermeiro ganha destaque em meados da década de 80, com teoria

própria, criada pela autora Patrícia Benner. Nascida em 1942, enfermeira e teorista norte-

americana, Benner afirma que a competência clínica de enfermagem é adquirida pela

experiência ao longo do tempo em determinado campo de atuação, focando em desempenhos

atualizados e em resultados esperados em situações particulares. Esse modelo de aquisição de

competências é baseado no modelo dos irmãos Dreyfus (BENNER, 1984).

Afirma que apesar de ser possível descrever a prática do profissional expert, não é

possível capturar desse profissional passos formais, o processo mental ou todos os elementos

que passam por sua reconhecida capacidade de fazer avaliações rápidas em pacientes. Assim,

técnicas de medição, não importa quão refinadas e/ou tecnológicas são, mostram-se incapazes

de identificar todas as competências a serem medidas em um profissional competente.

A partir dos seus estudos, estabelece que há sete domínios da competência clínica, a

saber: 1) O papel da ajuda; 2) Ensino e treinamento; 3) Diagnóstico e monitoramento; 4)

Gestão eficaz de situações de rápida mudança; 5) Administração e monitoramento de

intervenções e regimes terapêuticos; 6) Monitoramento e garantia da qualidade das práticas de

saúde; e 7) Competências organizacionais e de trabalho (BENNER, 1984). A autora lembra

que a proposta não é apresentar uma lista acabada/exaustiva das dimensões que compõem a

competência, pois como relatado anteriormente, sabe-se a complexidade desta.

36

O primeiro domínio, O papel de ajuda, diz respeito às intervenções do(a)

enfermeiro(a) por meio de apoio social, emocional e espiritual que visam promover a cura

e/ou auxiliar o paciente e sua família a se comprometerem com o tratamento

(co)responsabilizando-os pela evolução do quadro clínico. Refere-se a estar com o paciente,

oferecer o conforto que a situação permite, implica comprometer-se com o outro, envolver-se.

A interação do profissional com o paciente caminha no sentido de captar no outro o desejo de

melhora, ou seja, partir dos significados que o outro atribui ao seu processo de adoecimento,

de modo a fazê-lo perceber a necessidade de ajuda, que se manifestam como aceitação e

colaboração.

O Segundo domínio, Ensino e treinamento, envolve a capacidade do(a) enfermeiro(a)

ensinar e treinar o paciente/família por meio da situação de doença, reconhecendo o melhor

momento de intervir, utilizando diferentes abordagens para obter a interpretação do

paciente/família sobre a doença e auxiliá-los na compreensão do quadro de saúde, bem como

dos procedimentos necessários para manutenção dos cuidados imediatos e futuros. Versa

sobre o enfermeiro fornecer informações sobre a situação de saúde do paciente e tratamento,

isto é, interpretar e explicar os procedimentos. Para tanto, precisa fazer uso de comunicação

que facilite a compreensão da situação por parte do paciente com o objetivo de diminuir e/ou

controlar a ansiedade, preocupação e medo visando promover o encorajamento do paciente a

enfrentar a situação e participar do plano de cuidados.

O terceiro domínio, Diagnóstico e monitoramento, refere-se à habilidade do(a)

enfermeiro(a) de reconhecer e documentar alterações fisiológicas mensuráveis, alterações

perceptivas sutis, detectar, precocemente, problemas no quadro clínico do paciente, bem

como demonstrar segurança, firmeza e convicção no relato do estado de saúde a outros

membros da equipe multiprofissional. O enfermeiro é apto a reconhecer e aplicar ações que

visem atender às necessidades de atenção/cuidado do paciente, ou seja, gerenciar situações de

mudança rápida do estado do paciente até que o restante da equipe multiprofissional chegue.

No quarto domínio, Gestão eficaz de situações de rápida mudança, os enfermeiros

funcionam como „orquestradores‟ de situações complexas, por serem capazes de identificar os

problemas que precisam ser gerenciados, estabelecer prioridades rapidamente e delegar

responsabilidades à equipe. Sabem como trabalhar diante de situações imprevisíveis e ajustar

seus planos às contingências da situação. Além disso, eles têm confiança em sua própria

capacidade e raramente entram em pânico em face de uma avaria - segurança e calma. Este

domínio revela o desempenho esperado do enfermeiro em situações de urgência e

emergência, gerindo rapidamente um problema ameaçador para a vida do paciente, liderando

37

a equipe multiprofissional e gerenciando a crise do paciente até que o médico esteja

disponível.

O quinto domínio, Administração e monitoramento de intervenções e regimes

terapêuticos, envolve o conhecimento do(a) enfermeiro(a) para realizar e monitorar

intervenções terapêuticas no paciente, conduzindo-as de forma a permitir sempre a cura e/ou o

maior conforto possível ao paciente. Este domínio inclui não apenas a administração precisa e

segura de medicamentos, levando em consideração possíveis interações medicamentosas ou

incompatibilidades, mas também exige que o enfermeiro controle efeitos adversos, reações

terapêuticas, toxicidade e incompatibilidades. Tal monitoramento pode ter implicações para a

vida e a morte. A avaliação clínica especializada ao longo do tempo é crucial para a segurança

e recuperação do paciente.

O sexto domínio, Monitoramento e garantia da qualidade das práticas de saúde, está

relacionado às formas de atuação em que o(a) enfermeiro(a) garante os cuidados de saúde

com qualidade aos pacientes, utilizando seu julgamento clínico e poder de decisão para acatar,

excluir ou acrescentar cuidados à indicação médica, fornecendo retorno no processo

comunicativo, inclusive documentando formalmente as ações tomadas. Cabe ao enfermeiro

estar sempre que possível presente e coordenar múltiplas interações que a equipe de saúde

estabelece com o paciente, como também estar em posição de prevenir e detectar erros.

Necessita ter um senso aguçado para perceber o comportamento e a aparência usual do

paciente, identificar alterações sutis, mas significativas no seu quadro geral.

O sétimo domínio, Competências organizacionais e de trabalho, envolve a atuação

do(a) enfermeiro(a) sobre a organização das tarefas e funções a serem executadas pelo serviço

da enfermagem, bem com a importância de reconhecer e fazer o trabalho em equipe, suprindo

as necessidades do paciente. Esse último domínio implica em organizar, planejar e coordenar

necessidades e solicitações de múltiplos pacientes, bem como reorganizar suas prioridades em

meio a constantes rotatividades de pacientes. Para a conduta ser eficaz, cada pessoa envolvida

deve apresentar sua perspectiva aos outros integrantes da equipe. Essa troca é processo

contínuo, visto que o paciente muda de tempos em tempos e diferentes relacionamentos

suscitam diferentes perspectivas e, portanto, diferentes possibilidades de terapia.

Postula-se que o enfermeiro passa por cinco níveis de competência: novato, iniciante

avançado, competente, proficiente e expert. Esses diferentes níveis refletem em mudanças em

três aspectos gerais de uma atuação competente: o primeiro é o movimento de sair da

confiança em princípios abstratos para o uso de experiências concretas como paradigmas; o

segundo é a mudança na percepção da situação de demanda, na qual esta parece ser cada vez

38

menos um compilado de partes igualmente relevantes e mais com um todo no qual certas

partes são relevantes; e o terceiro é quando o indivíduo passa a fazer parte da situação, não se

atendo apenas a ser um observador (BENNER, 1984).

Para cada nível de competência, a autora descreve características dos enfermeiros,

comportamentos e implicações para o ensino-aprendizagem: no primeiro nível, o novato, o

enfermeiro é limitado em suas ações, não possui experiências do que virá a enfrentar e não

consegue discernir aspectos mais relevantes em determinada situação; geralmente é possível

reconhecer aqui a maioria dos estudantes de enfermagem, porém um profissional que integra

novo serviço em unidade desconhecida pode voltar a encontrar-se nesse nível (BENNER,

1984). Para que novatos consigam experiência, deve-se descrever as situações em parâmetros

mensuráveis para permitir-lhes melhor conhecimento das condições do paciente, sendo assim

um ponto de partida seguro para a aprendizagem em situações clínicas (BENNER, 1984).

Já o iniciante avançado enfrentou situações reais e consegue perceber alguns

componentes que se reproduzem em outras situações idênticas já vivenciadas, ou seja, ele traz

consigo uma experiência anterior, todavia ainda depende da vivência com enfermeiros mais

experientes (BENNER, 1984). Estes seguem parâmetros e tarefas que devem realizar, mas

apresentam dificuldades em dominar uma situação partindo de perspectiva mais ampliada;

dão importância para parâmetros mensuráveis; necessitam aprofundar-se na prática e serem

ajudados para estabelecer prioridades; geralmente, encontram-se nesse nível os enfermeiros

recém-graduados (BENNER, 1984).

No terceiro nível, apresenta-se o enfermeiro competente, geralmente profissionais que

estão trabalhando de dois a três anos em uma mesma clínica, conseguem classificar as ações

que precisam ou não de mais atenção e desenvolvem um planejamento consciente, metas de

cuidados em longo prazo, ganhando eficiência e organização dos seus serviços (BENNER,

1984). Beneficiam-se das suas ações por meio da prática coordenando os cuidados perante as

necessidades de cada paciente. Ao tornarem-se confiantes em sua prática são capazes de

antecipar e solucionar problemas clínicos em sua rotina com facilidade (BENNER, 1984).

No quarto e penúltimo nível, apresenta-se o enfermeiro proficiente. Esse profissional

utiliza-se da percepção, compreendendo aspectos mais relevantes de determinada situação por

meio de estudos de caso e de casos clínicos que surgem na prática do dia a dia, sendo eficazes

em diferentes níveis de complexidade e perante situações reais. Segundo a autora, há uma

estimativa de que o proficiente trabalha com a mesma população de pacientes entre três a

cinco anos, porém o estudo precisa ser aprofundado (BENNER, 1984).

39

O enfermeiro expert se encaixa no último nível de competência clínica; a partir de

situações reais já vivenciadas, não perde tempo e consegue antecipar ações com grande

assertividade, pois o mesmo possui vasta experiência e aborda situações de modo intuitivo,

mas não no sentido de ser uma adivinhação, nesse caso a intuição aqui permite ao expert

determinar o que é mais importante em dada situação (BENNER, 1984).

Na maioria das vezes, os experts proporcionam opiniões clínicas ou administram

situações complexas de forma admirável e podem ser consultores de outros enfermeiros. São

eficazes detectando de forma precoce alterações clínicas que precisam de avaliação médica,

detectando mudanças fisiológicas antes mesmo da alteração dos sinais vitais dos pacientes ou

que ocorram maiores intercorrências (BENNER, 1984).

Esse modelo é progressivo, porém não caminha em forma linear, às vezes o

profissional pode passar por retrocessos, estagnação ou saltos e até mesmo não chegar ao

nível expert, uma vez que não há prática clínica suficiente. Nesse contexto, não é coerente

culpar os profissionais por aquilo que não vivenciaram em sua prática clínica, sendo muito

importante a convivência e trabalho em parceria com outros colegas para partilharem

experiências clínicas (BENNER, 1984).

Desse modo, a partir dos cinco níveis propostos por Benner (1984), apreende-se que a

competência clínica, apesar de progressiva, não se desenvolve linearmente, mas em

movimentos contínuos de ir e vir e a depender do tempo e da área de atuação profissional. Os

domínios demonstram não apenas a necessidade de experiências práticas para o

desenvolvimento da competência, mas também que esta pode ser observada por meio de

desempenhos práticos.

4.2 DO TODO: O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA E SUA

TECITURA COM A COMPLEXIDADE MORINIANA

Ao longo dos anos, a educação em enfermagem passou por várias fases de

desenvolvimento, tendo como reflexo de cada mudança o contexto histórico,

consequentemente o perfil de enfermeiros apresenta significativas mudanças em decorrência

dessas transformações (ITO et al, 2006).

Ressaltam-se alguns pontos fundamentais que sustentam a compreensão dessa linha do

tempo imaginária: a enfermagem inicia sua trajetória histórica atuando de maneira empírica,

em ambiente hospitalar e subordinada ao saber médico; em seguida, com a criação das escolas

40

de formação, há divisão entre o nível de escolaridade dos profissionais da área, fomentando a

dicotomia teoria-prática.

O currículo mínimo é proposto centrado na tríade indivíduo-doença-cura, contudo,

após a criação do SUS, a formação de um profissional generalista é apresentada (DUARTE,

VASCONCELOS E SILVA, 2017). Nos anos seguintes, as Diretrizes Curriculares Nacionais

oferecem liberdade às instituições de ensino descrevendo competências demasiadamente

amplas para a atuação do enfermeiro. Após isso, há a ampliação de cursos de graduação e

diminuição de maneira geral da qualidade do ensino, associados à crise de sentido relacionada

ao mundo do trabalho em enfermagem e fuga do profissional enfermeiro da assistência para a

docência em busca de melhor qualidade de vida (SANTOS et al, 2018).

Questiona-se aqui se a educação em enfermagem ao sair de um polo biologista/

tecnicista chegou ao polo oposto, repetindo um erro do passado de proporcionar uma

educação teórica/filosófica focada na produção e consumo de pesquisa científica, centrada no

'saber', porém distante da essência da profissão: a prática do cuidado clínico.

Este trabalho defende que o desenvolvimento da competência clínica deve ser o

norteador da graduação em Enfermagem, todavia esse norte precisa manter os princípios da

autonomia, criticidade e reflexão, sem retornar ao currículo mínimo e à formação tecnicista.

Para Morin (2012, p. 13), “há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave

entre os saberes [...] compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou

problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais,

globais, planetários”.

Torna-se contundente concordar com o autor que o retalhamento das disciplinas torna

impossível apreender “o que é tecido junto”, isto é, o complexo, segundo o sentido original do

termo. Os problemas essenciais nunca são parceláveis e os problemas globais são cada vez

mais essenciais. Além disso, todos os problemas particulares só podem ser posicionados e

pensados corretamente em seus contextos. A complexidade moriniana prevê noções básicas

para uma educação libertadora.

41

4.2.1 As noções de interação, sujeito e autonomia

A primeira definição de sujeito para Morin (2012) seria o egocentrismo, sentido literal

do termo, ou seja, o indivíduo que se posiciona no centro do seu mundo. O “Eu” e o ato de

ocupação de um espaço que se torna centro do mundo, assim um indivíduo é ao mesmo tempo

produto e produtor de um ciclo de reprodução. Biologicamente, um indivíduo é produto de

um acasalamento e esse próprio indivíduo é reprodutor desse ciclo ao se acasalar com outro

indivíduo – agora de sexo diferente - da mesma espécie (MORIN, 2012).

O fenômeno social também pode ser considerado sob o ponto de vista biológico. Os

indivíduos interagem e produzem a sociedade como nós a conhecemos, mas também a

sociedade com sua cultura, normas e valores retroage sobre os indivíduos humanos. Assim

sendo, os produtos da interação entre os sujeitos e a sociedade são, ao mesmo tempo,

produtores desses próprios sujeitos e sociedade (MORIN, 2012).

As ideias supracitadas são fundamentais para compreender a noção de sujeito, a qual

Morin chama de “computação”:

A computação que cada um faz de si mesmo, por si mesmo e para si

mesmo. É um cômputo. O cômputo é o ato pelo qual o sujeito se

constitui posicionando-se no centro de seu mundo para lidar com ele,

considerá-lo, realizar nele todos os atos de preservação, proteção,

defesa, etc. (MORIN, 2012, p. 119).

Para Morin, o sujeito é ser computante, isto é, analisa seus próprios dados internos e

os dados externos, sendo tais cômputos realizados para si, ou seja, na primeira pessoa. Por

essa ideia de cômputo que Morin (2005a) caracteriza a individualidade viva.

Portanto, a individualidade não conota apenas singularidade, mas também

subjetividade. Ser sujeito é dispor-se no centro do seu universo, sendo ser único,

independentemente da sua carga genética – como nos casos dos gêmeos homozigóticos – cada

um ocupa a sede do seu “eu”. O sujeito vivo é, ao mesmo tempo, egocêntrico, dedicado a si

mesmo; genocêntrico, dedicado aos seus ou à perpetuação da espécie; e também

sociocêntrico, dedicado à sociedade (MORIN, 2010).

Partindo do olhar moriniano sobre a realidade, compreende-se que o desenvolvimento

da competência clínica não objetiva apenas qualificar a assistência, o que teria como ação

finalística alcançar apenas o usuário do serviço, mas também o próprio trabalhador,

justificando o seu “eu profissional” em seus aspectos ontológicos, ou seja, do que se é frente a

si, frente ao outro e do seu papel na sociedade. O desenvolvimento da competência clínica ao

42

longo da vida profissional, assim como citada por Benner (1984), possui potencial para

contínua reconstrução humana e o trabalho estabelece papéis sociais, que justificam o “eu”

em sociedade. Sendo assim, a articulação permanente de aprender por meio da prática resulta

na reconstrução do “eu”.

O paciente atendido também é sujeito computante, ou seja, analisa seus dados internos

e externos, tendo percepções subjetivas do mundo e de si. É nesse encontro de sujeitos que a

clínica acontece diariamente. Segundo a teoria de Benner (1984), apesar de todos os domínios

permearem a noção de sujeito e também de autonomia, entende-se que o segundo domínio,

Ensino e treinamento, é o que mais representa o desenvolvimento da subjetividade tanto do

profissional como da pessoa assistida, uma vez que envolve a capacidade do(a) enfermeiro(a)

ensinar e treinar o paciente/família por meio da situação de doença utilizando diferentes

abordagens para obter a interpretação do paciente/família sobre a

doença/procedimentos/rotinas. Nesse encontro pedagógico, ambos precisam utilizar a

comunicação para compreender as percepções/cômputes do outro sujeito, em prol de diminuir

a ansiedade, preocupação e medo por parte do paciente/família e promover a coparticipação

no plano de cuidados.

A autonomia para Morin:

[...] depende de seu meio ambiente, seja ele biológico, cultural ou

social. Assim, um ser vivo, para salvaguardar sua autonomia, trabalha,

despende energia, e deve, obviamente, abastecer-se de energia em seu

meio, do qual depende. Quanto a nós, seres culturais e sociais, só

podemos ser autônomos a partir de uma dependência original em

relação à cultura, em relação a uma língua, em relação a um saber

(MORIN, 2012, p. 118).

A autonomia e o processo de aprender se articulam de maneira recursiva, sendo que a

autonomia estimula o processo de aprender e este estimula a autonomia. As múltiplas

dependências estão intimamente ligadas a nossa dependência da sociedade, na qual estamos

inseridos, do ambiente em que vivemos, da nossa ascendência genética e da cultura.

Ao primeiro olhar, pode causar certa estranheza conceituar autonomia como múltiplas

dependências, pois, na visão do pensamento simplificador, autonomia e dependências são

termos repulsivos (MORIN, 2012, p. 124).

Assim, uma equipe de saúde em seu cotidiano torna-se autônoma a partir de um „ciclo

virtuoso‟ de compartilhamento de experiências, pensamentos, buscas e tomadas de decisão

em equipe. Somente a partir de tal ciclo, capaz de desenvolver continuamente a competência

43

clínica, é possível estimular a autonomia pessoal de cada integrante da equipe – autonomia

das partes - e a autonomia do próprio grupo de trabalho – autonomia do todo.

A construção da autonomia do ser profissional de saúde inicia-se antes do período da

graduação e permanece em desenvolvimento durante toda a sua vida profissional. Na

graduação, cabe ao docente mediar as relações de dependências no processo de aprender a

tornar-se autônomo.

A autonomia de múltiplas dependências em Morin nos faz refletir que, no contexto da

graduação, o aluno, para desenvolver autonomia, depende dos professores, da instituição de

ensino, do seu conhecimento prévio, enfim, de uma série de fatores para tornar-se um

profissional autônomo. Já no ambiente de trabalho, o profissional precisará das competências

construídas no período de graduação, equipe de trabalho, de gestão do trabalho favorável, de

políticas de saúde que sustentam sua atuação, entre outros fatores para exercer seu trabalho de

maneira autônoma.

Auxiliando na compreensão de sujeito, Morin (2012) evoca a teoria de Jaynes,

segundo a qual os indivíduos da antiguidade possuíam mentes bicamerais. Uma câmara seria

a da subjetividade humana, ou seja, lidaria com assuntos referentes à casa, família, filhos,

dentre outros de cunho privado; a segunda câmara era ocupada por assuntos da cidade, do

poder teocrático político, do rei.

Jaynes afirma que a consciência nasce no momento em que uma brecha é aberta entre

as duas câmaras, que, dessa maneira, podem se comunicar. Ou seja, o indivíduo poderia se

questionar sobre o que seria a cidade e a política, colocando sua pessoalidade como integrante

destas. Quando a pessoa pensa dessa forma, eventualmente, nasce um cidadão. Portanto, a

noção de sujeito e as noções de cidadania – como exemplificadas pela teoria de Jaynes - são

recursivas, sendo o sujeito, ao mesmo tempo, produto e produtor da sociedade a partir da

cidadania (JAYNES, 2000).

4.2.2 A cidadania

Para Morin, a verdadeira cidadania reconcilia o sujeito com o mundo, transformando-o

em sujeito político, “atuante na sociedade e responsável não apenas por suas ações mas

também pelas ações do outro” (MORIN, 2012, p. 83). Ser cidadão significa ter sentimento de

responsabilidade, a qual não é alcançada com discursos cívicos, mas por meio de “um

44

profundo sentimento de filiação, sentimento matripatriótico que deveria ser cultivado de

modo concêntrico sobre o país, o continente, o planeta” (MORIN, 2012, p. 74).

A enfermagem por ter o cuidado como seu objeto principal é uma profissão cidadã. A

competência clínica do enfermeiro interage com essa cidadania por meio de todos os

domínios elencados por Benner (1984), visto que visam produzir a essência da profissão: o

cuidado (de si, do meio e do outro). Especificamente, o primeiro domínio da teoria de

Benner, o papel da ajuda, destaca-se nesse aspecto. O cuidado com o outro, descrito como

„ajuda‟, representa a construção de laços fraternos entre seres da mesma espécie, ou seja, a

construção da cidadania humana, terrena (MORIN, 2012).

Uma das características mais marcantes do sistema de saúde implantado no Brasil, a

qual inclusive o torna singular internacionalmente, é a participação efetiva da população nos

processos de tomada de decisão, o chamado controle social. A participação social no SUS não

se resume à avaliação de satisfação, em ouvidorias, ou até mesmo de maneira consultiva. No

Brasil, a população tem assento nas instâncias máximas da tomada de decisões em saúde

(CECCIM E FEUERWERKER, 2004).

Corroborando com tal característica do SUS, a formação também deve ser pensada

sobre a forte base da participação popular, integrada com as necessidades locorregionais e

embasada nas políticas nacionais constituídas. Dessa forma, a educação baseada nos moldes

do pensamento moriniano pretende desenvolver competências, e não somente transmitir

saberes, mas cultura, tornando possível compreender a condição humana e ajudando a viver à

medida que favorece um modo de pensar aberto e livre (MORIN, 2012).

Por fim, concordando com Benner (1984), entende-se que a graduação por si só não é

capaz de formar um enfermeiro expert - competente em último nível, uma vez que o tempo e

a vivência prática cotidiana são imprescindíveis para o desenvolvimento dos níveis de

competência. Contudo, pode-se partir do pressuposto de que o bacharelado em enfermagem é

capaz de desenvolver o aluno de enfermagem até o segundo nível da competência clínica -

Iniciante Avançado, já que a aquisição de competência para além desse nível demanda do

estudante vivenciar experiências de participação ativa no cenário de prática por tempo que a

graduação por si só não comporta.

4.2.3 O conhecimento pertinente e a incerteza

A necessidade de desenvolvimento da competência clínica durante a graduação de

enfermagem relaciona-se ao princípio do conhecimento pertinente proposto por Morin (2012),

45

que afirma ser a educação capaz de produzir o conhecimento que é capaz de situar qualquer

informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está. Para compreendermos

esse processo, Morin discorre sobre as diferenças entre a informação, o conhecimento e o

pensamento: "a informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e

integrar; o conhecimento deve ser permanentemente revisitado e revisado pelo pensamento; o

pensamento é, mais do que nunca, o capital mais precioso para o indivíduo e a sociedade”

(MORIN, 2012. p.17).

O pensamento complexo define o “pensar bem” e o "pensar mal”. Para Morin (2005.

p. 61), pensar mal fragmenta e compartimenta o conhecimento, ignora o contexto, ignora a

recursividade de passado/presente/futuro, privilegia o quantificável, rejeita ambiguidades e

contradições, “obedece ao paradigma de simplificação que impõe o princípio de redução para

conhecer e impede de conceber os vínculos de um conhecimento com o seu contexto e com o

todo do qual faz parte”. Já o “pensar bem” conecta partes-todo, supera o reducionismo,

considera os contextos “permitindo inserir a ação moral na ecologia da ação”, concebe uma

racionalidade aberta, considera a relação local-global e possui caráter antirredutor.

Morin afirma que o saber se tornou cada vez mais exclusivo aos especialistas e o

conhecimento técnico está "reservado aos experts cuja competência em um campo restrito é

acompanhada de incompetência, quando esse campo é perturbado por influências externas ou

modificado por um novo acontecimento” (MORIN, 2012. p. 18). Portanto, quando se discorre

sobre a necessidade do desenvolvimento da competência clínica durante a graduação em

Enfermagem, não se atém apenas à aprendizagem técnico-científica e psicomotora, mas

ressalta-se a necessidade de educar de modo a "favorecer a aptidão natural da mente para

colocar e resolver os problemas” (MORIN, 2012. p. 20), evitando as dicotomias -

teoria/prática, saber/fazer, pensar/sentir.

Especificamente, o quarto e quinto domínios da teoria de Benner sobre a competência

clínica, a saber: Gestão eficaz de situações de rápida mudança; e Administração e

monitoramento de intervenções e regimes terapêuticos, versam sobre a capacidade do

enfermeiro de contextualizar e lidar com situações de incerteza. Para Morin, pode-se ter uma

certeza em mente: a de que se está rodeado de incertezas (MORIN, 2002).

Benner afirma que o enfermeiro é capaz de identificar problemas, estabelecer

prioridades e delegar funções para si e para a equipe. Faz-se necessário saber avaliar o

problema e ajustar os planos às demandas da situação do paciente. Tais incertezas

caracterizam o ambiente de trabalho em saúde como provocador de um permanente

46

movimento de desequilíbrio ↔ equilíbrio exigindo do profissional flexibilidade, criatividade

e aceitação da incompletude dos seus conhecimentos.

A condição humana está marcada por duas grandes incertezas: a incerteza cognitiva e

a incerteza histórica (MORIN, 2012, p. 54). A incerteza cognitiva pressupõe que o

conhecimento nunca é um reflexo do real, é sempre tradução e construção singular, ou seja,

comporta em si risco de erro. A incerteza histórica seria a de que o futuro é imprevisível

(MORIN, 2012):

Os erros da predição futurológica, os inúmeros fracassos da predição

econômica (apesar e por causa de sua sofisticação matemática), a derrota do

progresso garantido, a crise do futuro, a crise do presente introduziram o vírus

da incerteza em toda parte (MORIN, 2012, p. 55).

Todos os dias prognósticos são confrontados, procedimentos e medicamentos

aprimorados ou até extinguidos e julgamentos clínicos de diferentes profissionais se

descobrem ambíguos ou, por vezes, antagônicos. Desse modo, é neste ambiente de incertezas

que estão inseridos o aluno, o profissional de saúde, o usuário do sistema, os gestores e as

instituições formadoras. No cotidiano de atenção à saúde, as respostas não são previsíveis,

sejam elas do sujeito atendido, da gestão do trabalho ou do próprio sistema de saúde. As

singularidades dos organismos humanos e institucionais e suas reações confrontam

diariamente o paradigma positivista de certo ou errado, verdade ou mentira, cura ou doença.

O desenvolvimento da competência clínica deve encontrar no ambiente natural das

incertezas – a prática cotidiana – sua fonte e objetivo. Esta estimula a ruptura da linearidade

da causa e efeito e a adoção de possibilidades circulares - retroatividade, recursividade:

Por que as mesmas causas não produzem sempre os mesmos efeitos, quando

os sistemas que elas afetam têm reações diferentes, e por que causas

diferentes podem provocar os mesmos efeitos (MORIN, 2012, p. 94).

Faz-se necessário, assim, que o enfermeiro desenvolva competências capazes de

enfrentar a complexidade do real, contextualizar suas vivências e lidar com as incertezas

inerentes à área da saúde para que, dessa forma, possa desenvolver inteligência estratégica,

criatividade e coerência entre como o sujeito pensa e como os fenômenos acontecem nesse

contexto.

47

4.2.4 Multi/Transdisciplinaridade

Disciplina caracteriza-se como “uma categoria organizadora dentro do conhecimento

científico; ela institui a divisão e a especialização do trabalho” (MORIN, 2012, p. 105). As

disciplinas possuem uma história, um nascimento, uma evolução e, consequentemente, um

esgotamento.

Na era atual, nota-se que os problemas vão além das disciplinas. Jacques Labeyrie

(apud Morin, 2012) sugeriu: “Quando não se encontra solução em uma disciplina, a solução

vem de fora da disciplina”. Sabe-se que a história das disciplinas está imbricada nas

universidades, que por sua vez está imbricada na sociedade, ou seja, “as disciplinas nascem da

sociologia das ciências e sociologia dos conhecimentos” (MORIN, 2012, p. 99).

Sendo assim, a disciplina não é construída apenas por reflexões internas sobre si

mesma, mas também por reflexões sobre um conhecimento externo, logo “não basta, pois,

estar por dentro de uma disciplina para conhecer todos os problemas aferentes a ela”

(MORIN, 2012, p. 105).

No contexto do desenvolvimento da competência clínica, entende-se por disciplina

tanto os conhecimentos próprios de cada profissão da área da saúde quanto as áreas de

conhecimento específico, como a anatomia, fisiologia, farmacologia, dentre outras. O terceiro,

sexto e sétimo domínios, especificamente, da teoria de Benner, a saber: Diagnóstico e

monitoramento; Monitoramento e garantia da qualidade das práticas de saúde; e

Competências organizacionais e de trabalho, remetem-nos à habilidade de pensar

multi/transdisciplinarmente. Ao formular um julgamento clínico coerente e acrescentar ou

excluir cuidados à indicação médica, o enfermeiro precisa articular conhecimentos variados

advindos das áreas de conhecimento da saúde, assim como quando o enfermeiro acessa,

reconhece a importância e interage com a equipe multiprofissional ele também age

multi/transdisciplinarmente.

Para a formação de um enfermeiro competente clinicamente, faz-se necessário que as

disciplinas se interajam, pois a instituição disciplinar, por si só, corre o perigo de

hiperespecializar-se, conhecendo profundamente o micro, porém ignorando que seus objetos

de estudo são construídos a partir do contexto macro, resultando na „coisificação‟ do objeto

estudado (MORIN, 2012, p. 106).

Assim, Morin afirma que interdisciplinaridade “trata-se frequentemente de esquemas

cognitivos que podem atravessar as disciplinas”, o que pode significar também “troca e

48

cooperação, o que faz com que a interdisciplinaridade possa vir a ser alguma coisa orgânica”

(MORIN, 2012, p. 115).

Já a multidisciplinaridade:

constitui uma associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um

objeto que lhes sejam comuns; as disciplinas ora são convocadas como

técnicos especializados para resolver tal ou qual problema; ora, ao contrário,

estão em completa interação para conceber esse objeto e esse projeto

(MORIN, 2012, p. 115).

Para promover a multi/transdisciplinaridade, precisa-se de um paradigma “que, ao

mesmo tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem os

reduzir às unidades elementares e às leis gerais” (MORIN, 2010, p. 138).

Percebe-se a necessidade de ações multi/transdisciplinares no espaço da atenção à

saúde. Desenvolver a competência clínica perpassa desenvolver consciência nos graduandos

de que os saberes são compartilhados com outros profissionais da saúde, os quais, em seus

ambientes de trabalho, não apenas dialogam, reunindo expertises para a resolução de um

problema em comum, mas promovem, a partir de processos de cuidado integral, o

engendramento de um organismo vivo autônomo, desprovido de vaidades.

As fronteiras disciplinares tendem a deixar de existir quando se cria um ambiente de

aprendizagem, capaz de democratizar a instituição e humanizar as relações interpessoais e

organizativas do trabalho (CECCIM e FEUERWERKER, 2004). Uma assistência à saúde de

qualidade implica na interação entre diversas disciplinas e profissões. A integralidade,

defendida como norteadora das ações e serviços de saúde, pressupõe promoção, prevenção e

recuperação da saúde em todos os níveis de atenção (do nível básico ao de maior

complexidade), tendo em vista os aspectos multidimensionais pessoais e coletivos dos

sujeitos.

49

5 MÉTODO

Na perspectiva complexa, a teoria está “intimamente ligada ao método que, para ser

elaborado, exige estratégia, iniciativa, invenção e arte” (MORIN, CIURANA E MOTTA,

2004, p. 23). Portanto, uma relação recursiva é desenvolvida entre o método e a teoria. O

método é produzido pela teoria e ao mesmo tempo é produtor desta.

Partindo dessa compreensão, neste tópico é apresentada a proposta da bricolagem

como método de pesquisa, a qual está intimamente ligada ao pensamento complexo. Para

Morin, o método é o caminho e este não é preexistente e acabado, mas, sim, dependente do

próprio ato de caminhar, ou seja, utilizando as palavras do poeta Antônio Machado: "O

caminho se faz ao caminhar” (MACHADO, 2008). É nessa perspectiva que a bricolagem

propõe a criação de novos significados/utilidades a partir da junção de objetos preexistentes.

Sua criação está vinculada aos movimentos dadaísta e surrealista durante e após a primeira

guerra mundial, configurando-se como um ato de negação racionalista que tinha como

objetivo romper com as concepções formais sobre „o que era considerado arte‟ pela

hegemonia burguesa (CAMPOS; RIBEIRO, 2016).

Pesquisadores apontam a bricolagem como uma inovação nos métodos de pesquisa

científica, autores como Denzin e Lincoln (2006), Nunes (2014), Campos e Ribeiro (2016),

Campos e Ribeiro (2017) afirmam que a bricolagem propõe aos pesquisadores o desafio de

ultrapassar processos científicos inflexíveis e os incentiva a utilizar diferentes conhecimentos,

teorias e técnicas com a finalidade de construir algo novo, ou seja, seu próprio caminho.

A complexidade e a bricolagem estimulam a criatividade, a flexibilidade e a estratégia

durante a produção de conhecimento. Morin (2010), inclusive, propõe a noção de „ecologia da

ação‟, afirmando que a ação é permeada de escolhas e apostas, imbricadas pela noção de risco

e incerteza, ou seja, quando empreendemos uma ação, nossas intenções iniciais ficam

dependentes do meio, e o pesquisador interage em um universo que pode desviar seu intento

inicial. Como “batidas de asas de uma borboleta”, não podemos prever com certeza os

resultados de nossas ações, a complexidade supõe o "aleatório, o acaso, a iniciativa, a decisão,

o inesperado, o imprevisto, a consciência de derivas e transformações” (MORIN, 2011, p.

76).

Nessa mesma perspectiva, para a bricolagem nem sempre é viável definir em antemão

uma metodologia. Kincheloe e Barry (2007, p. 17) afirmam que a relação entre “o

pesquisador e os objetos de suas investigações é sempre complicada, volátil, imprevisível e,

50

certamente, complexa". Essas condições apontam a incoerência da prática de planejar

antecipadamente o passo a passo de pesquisa.

Apesar da proposta de flexibilidade trazida tanto pela bricolagem como pelo

pensamento complexo, não significa que durante o caminhar da pesquisa não se organize

nenhum planejamento prévio, pelo contrário, há organização e planejamento, porém

utilizados com estratégia. Para Morin (2012), a estratégia inova e adapta as situações, elabora

um cenário que examina as certezas e incertezas, as probabilidades e improbabilidades. O

cenário pode e deve ser modificado de acordo com as novas informações, os acasos, os

contratempos e as oportunidades encontradas ao longo do caminho.

Figura 4 - Mapa conceitual sobre afinidades entre bricolagem e complexidade, 2019

Fonte: extraído de Campos LRG, 2019, p. 50.

Ambos, o pensamento complexo e a bricolagem, propõem o método como caminho

intuitivo, criativo, flexível, subjetivo e estratégico, o qual aceita a incerteza e religa o

conhecimento. A atuação do pesquisador no caminho é de sujeito ativo, político, teórico e

interpretativo. A figura acima demonstra de que maneira a bricolagem pode se tornar um

método de pesquisa coerente ao pensamento complexo.

51

5.1 TIPO DE ESTUDO

O estudo é do tipo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa que utiliza o

pensamento complexo e a bricolagem como referencial teórico e método da pesquisa. A

abordagem qualitativa foi escolhida devido ao paradigma constituir-se na complexidade, que,

por sua vez, revela como essencial a análise do contexto em que o objeto se insere, exigindo,

assim, a abertura que a pesquisa qualitativa proporciona.

A pesquisa qualitativa, para Minayo (2010), trabalha com os significados das ações e

relações humanas, suas crenças, valores e atitudes, adequando-se ao objeto do presente

estudo, já que se propõe a analisar percepções sobre o desenvolvimento da competência

clínica.

5.2 LOCAL

O local da pesquisa foi a Faculdade de Enfermagem de uma Universidade Pública da

região Centro-Oeste. Essa universidade foi escolhida por ocupar lugar de destaque entre as

instituições federais de ensino superior nessa região. Criada por meio da Lei 5.647, de 10 de

dezembro de 1970, conta com quatro campi, sendo o principal na capital e os demais nas

cidades do interior do estado. A universidade possui um hospital universitário, atualmente

administrado pela EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que possui papel

importante na rede atenção à saúde do estado.

5.3 PRODUÇÃO DOS DADOS

A bricolagem utiliza como elemento inicial da sua operacionalização o POETA, que

funciona como “elemento central para a rede de entretecimento na análise” (CAMPOS &

RIBEIRO, 2017. p. 1). Um POETA pode ser qualquer coisa que produza sentido – uma

imagem, um livro, uma fotografia.

O primeiro POETA deste trabalho constituiu-se a partir dos resultados da revisão de

literatura inicial sobre o tema cujo perfil demonstrou-se predominantemente internacional,

com abordagens quantitativas no campo das aferições de desempenho, e não na análise de

como se dá o processo de aquisição da competência clínica para o sujeito-estudante. Tal

POETA possibilitou questionamentos sobre o que foi instituído, em forma de documento,

pelo corpo docente do curso de Enfermagem pesquisado.

52

O segundo POETA constituiu-se a partir dos resultados da análise documental do

PPC. Notou-se que apesar da ausência do termo „competência clínica‟ esta era percebida em

vários elementos que constituem o documento, permeando transversalmente o curso de

graduação, porém de forma não sistematizada. Para além do planejado, tal POETA

possibilitou questionamentos sobre o que tem sido desenvolvido no cotidiano das práticas

educativas para aqueles que se configuram como elemento central do processo de ensino-

aprendizado, os estudantes.

As entrevistas dos grupos de estudantes formaram o terceiro e mais significativo dos

POETAS. As entrevistas permitiram a aproximação dos aspectos subjetivos do

desenvolvimento da competência clínica nos estudantes, além de suas percepções sobre seus

processos durante o período de graduação. Tal poeta exigiu um último nível de aproximação

com o objeto, a percepção do coordenador do curso sobre não apenas o documento produzido

pelo corpo docente – PPC, mas também o desenvolvimento da competência clínica ao longo

de todo o processo de formação oferecido pelo curso de graduação.

O quarto POETA - entrevista do coordenador do curso possibilitou visualizar a

complexidade do tema e adensar as tecituras das análises. A partir desse momento,

visualizaram-se potencialidades e limitações do estudo, que não tem por objetivo exaurir o

objeto de pesquisa, mas apenas a partir de um ponto de vista.

A utilização dos POETAS proporcionou o passo a passo, não fragmentado, da

produção dos dados deste estudo. As interações entre o graduando e os serviços, profissão,

preceptor, comunidade, pares, preceptor, professor e consigo mesmo (subjetividade), ainda

que desvinculadas umas das outras, começaram a surgir desde o primeiro POETA e ganharam

consistência ao longo do processo de produção de dados.

53

Figura 5 – Processo de produção dos dados por meio da bricolagem – utilização de POETAS, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

Portanto, utilizaram-se três técnicas de coleta de dados: 1) Análise documental do

Projeto Pedagógico de Curso; 2) Grupo focal com graduandos de Enfermagem; e 3)

Entrevista semiestruturada com o coordenador do curso. O trabalho de campo foi realizado

entre junho e setembro de 2018.

Todos os participantes foram contatados pessoalmente, sendo entregue o TCLE com o

convite para participar da pesquisa. O local da coleta foi escolhido pelos próprios

participantes, tendo como critério principal o conforto do participante.

5.3.1 Análise documental

Para Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), o uso de documentos em pesquisa precisa

ser valorizado e seu uso é justificado pela riqueza de informações que deles podemos extrair.

Ainda, a análise documental possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão

necessita de contextualização sociocultural (KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015).

A partir da atribuição de valor à análise documental, é possível acrescentar que se

torna necessária para compreensão do objeto a análise do que foi instituído pelo corpo

docente, em forma de documento, e o que tem sido desenvolvido no cotidiano das práticas

educativas.

54

O PPC encontra-se disponibilizado ao público no sítio online da Universidade Federal

pesquisada. Um instrumento de análise foi construído artesanalmente pelo pesquisador, a

partir de quatro eixos, a saber: 1) Dados Gerais; 2) Bases Teóricas do PPC que se articulam

com a Competência Clínica; 3) Estratégias Pedagógicas; e 4) Dimensões da Competência

Clínica previstas. O documento foi analisado a partir desse instrumento. O instrumento

baseado nos quatro eixos supracitados encontra-se no Apêndice 1 e se configura como

estratégia para alcançar o seguinte objetivo específico: examinar o PPC do referido curso de

graduação a fim de compreender de que maneira aborda/prevê o desenvolvimento da

competência clínica.

5.3.2 Grupo focal

O grupo focal é uma técnica de coleta de dados que, a partir da interação grupal,

promove ampla problematização sobre um tema específico (KINALSKI, 2017). No processo,

os encontros grupais possibilitam aos participantes explorarem seus pontos de vista, a partir

de reflexões, e desse modo o grupo focal alcança um nível reflexivo que outras técnicas não

alcançam e traz o benefício da reflexão sobre o tema para os participantes da técnica

(BARBOUR, 2009).

Ao todo, realizaram-se nove encontros de grupo focal, que foram gravados e

transcritos na íntegra. Estes foram agendados em data e horário que melhor atenderam os

participantes e aconteceram nas instalações da própria universidade e no Hospital

Universitário, porém o próprio grupo pôde escolher outro local se assim fosse o desejo da

maioria dos participantes. Os grupos tiveram como coordenador o próprio pesquisador e

como redator/observador um integrante do grupo GEFOR que se voluntariou para a ação.

No total, 25 estudantes participaram da pesquisa. Os critérios de inclusão dos

participantes dos grupos foram estar legalmente matriculados no curso de graduação em

Enfermagem da universidade pesquisada e cursar o semestre escolhido para investigação.

A técnica do grupo focal foi a estratégia que alcançou os seguintes objetivos

específicos: compreender a percepção de graduandos sobre competência clínica; identificar

quais habilidades, conhecimentos e atitudes compõem a competência clínica na percepção dos

graduandos; compreender, na percepção dos graduandos, de que maneira o curso de

graduação desenvolve a competência clínica.

Para Barbour (2009), a quantidade mínima de encontros considerada apropriada para

grupos focais é de três encontros, assim sendo foram realizados três encontros de grupo focal

55

com graduandos dos semestres que finalizam cada etapa do curso de graduação, a saber:

terceiro, sétimo e nono semestres. Importante ressaltar que a grade curricular é dividida em

três grandes blocos: 1) Disciplinas básicas (primeiro, segundo e terceiro semestres); 2)

Disciplinas específicas (quarto, quinto, sexto e sétimo semestres); e 3) Estágios (oitavo e nono

semestres - Estagio Supervisionado 1 e 2). Portanto, realizaram-se nove encontros de grupo

focal. As reuniões tiveram duração de 33 a 54 minutos e os participantes foram convidados

presencialmente. Todos os alunos da turma que aceitaram o convite fizeram parte do grupo

focal. A média de participantes por grupo foi de oito participantes.

5.3.3 - Entrevista

Para Minayo (2010), é possível considerar as entrevistas como conversas com

finalidade. A entrevista semiestruturada obedece a um roteiro criado e aplicado pelo

pesquisador a fim de obter clareza e coerência das questões a serem investigadas.

O participante da entrevista foi o coordenador de graduação da Faculdade de

Enfermagem da universidade federal escolhida. A entrevista foi agendada previamente

segundo aceite do participante, em ambiente de escolha do entrevistado.

O roteiro para entrevista foi baseado em quatro eixos, a saber: 1) Perfil do

entrevistado; 2) Percepção sobre competência clínica; 3) Conhecimentos, Habilidades e

Atitudes que compõem a competência clínica; 4) A competência clínica e o ensino graduação.

Considera-se que esses eixos alcançaram os seguintes objetivos específicos: compreender a

percepção do coordenador de curso sobre competência clínica; compreender, na percepção do

coordenador de curso, de que maneira o curso de graduação desenvolve a competência

clínica. O roteiro para a entrevista semiestruturada encontra-se no Apêndice 2.

A entrevista foi gravada e transcrita na íntegra. Sabe-se que a entrevista permite ao

pesquisador a exploração do problema por meio do modo como as pessoas contextualizam o

objeto. A entrevista semiestruturada foi escolhida pela intencionalidade de trabalhar com as

percepções dos participantes sobre o tema.

Concebe-se aqui a percepção como algo subjetivo, próprio do ser que observa. Morin

por muitas vezes afirma a natureza subjetiva do conhecimento. Para Maturana, a existência de

algo depende do observador e este é o “ponto central da reflexão” e o “ponto de partida da

reflexão”. Assim, ao analisar as explicações dos participantes sobre o tema, os pesquisadores

tiveram em mente que o explicar é sempre uma “reformulação da experiência que se explica”,

56

ou seja, “o explicar é uma operação distinta da experiência que se quer explicar”, sofre

interferência da linguagem (MATURANA, 2001, p. 27-33).

Para Morin, Ciurana e Motta (2004), o espírito humano:

não reflete o mundo: vai traduzi-lo recorrendo a um sistema

neurocerebral por meio do qual os seus sentidos captam um

determinado número de estímulos que são transformados em

mensagens e códigos com a ajuda das ramificações nervosas e é o

espírito-cérebro que produz aquilo a que chamamos representações,

noções e ideias através das quais ele percebe e concebe o mundo

exterior (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2004, p. 25-26)

As ideias não são reflexos do real, mas antes traduções ou até construções que

ganharam forma de religiões, de ideologias e até de teorias. Todas suscetíveis a erro (MORIN,

2012).

O entrevistado possui responsabilidade pela condução do ensino de graduação na

Faculdade de Enfermagem, corresponsável assim pela formação de centenas de futuros

enfermeiros, por isso a busca pela percepção desse participante sobre competência clínica

possui relevante significado.

Os critérios de inclusão do participante da entrevista foram ser coordenador do curso

de enfermagem da universidade federal em tela - campus da capital - e não estar em gozo de

férias ou licença no período da coleta de dados.

5.4 ANÁLISE DE DADOS

O método/caminho e o paradigma são inseparáveis. “Toda atividade metódica existe

em função de um paradigma e dirige uma práxis cognitiva” (MORIN, MOTTA E CIURANA,

2004, p. 39). Desse modo, propôs-se traçar o caminho deste trabalho ao caminhar.

A Filosofia de Descartes durante toda sua obra realça a necessidade em toda pesquisa

de proceder partindo de certezas estabelecidas de uma maneira ordenada e nunca por acaso.

Porém, se admitirmos que a realidade não é determinada, ou seja, é mutável e possui potencial

transformador, um método programático não será o suficiente, torna-se necessário, portanto,

uma atitude estratégica. O método é o caminho „para‟ e „do‟ pensamento. O método/caminho

é ação pensante do sujeito vivo. Um sujeito pensante é capaz de “aprender e criar sobre e

durante o seu caminho” (MORIN, MOTTA E CIURANA, 2004, p. 16).

57

Para o pensamento complexo, a elucidação das circunstâncias e a compreensão da

complexidade humana exigem um pensamento que “transcenda a ordem dos saberes

constituídos e a trivialidade do discurso acadêmico”, assim como “uma escrita e um

pensamento que integrem a errância e o risco inerente à reflexão” (MORIN, MOTTA E

CIURANA, 2004, p. 22)

A seguir, apresenta-se o registro do passo a passo da estratégia de análise dos dados

utilizada.

O material gravado foi transcrito na íntegra, totalizando 49 páginas de transcrição. No

total, 25 graduandos participaram dos encontros de grupo focal e 1 coordenador participou da

entrevista, totalizando 26 participantes do estudo.

Importante ressaltar que a codificação dos materiais para análise seguiu o princípio do

sigilo, proporcionando, dessa forma, a organização necessária. A entrevista com o

coordenador recebeu como código “C1", a análise documental do Projeto Pedagógico de

Curso “PPCEnf” e a transcrição na íntegra dos áudios dos grupos uma codificação que

objetivou identificar apenas o semestre ao qual o grupo de estudantes pertencia, garantindo o

sigilo da fala individual dos participantes, sendo assim foram codificados como "G1", "G2" e

"G3".

Os primeiros processos de análise foram possíveis ainda durante a produção dos

dados, uma vez que produção e análise de dados não caminharam linearmente, mas, sim, em

tecitura ininterrupta, com a operação dos POETAS. Contudo, a categorização dos núcleos de

sentido só foi possível ao longo do processo de análise em profundidade dos dados.

Os dados provenientes da análise documental, dos encontros de grupo focal e da

entrevista com o coordenador foram lidos primeiramente em leitura flutuante e, em seguida,

em profundidade. Inicialmente, separaram-se três painéis, um para cada fonte de dados, que

tinham como objetivo o registro das unidades de significados apreendidas. As unidades de

significados comuns foram juntadas por semelhança e registradas nos painéis.

A composição formada pela junção das unidades de significados foi denominada

mapa. Estes foram construídos com „unidades-macro‟ de significados, criadas a partir da

junção, por áreas de afinidade, das unidades de significados comuns provenientes dos

resultados obtidos pelas três fontes de coleta de dados. Essas unidades-macro foram obtidas a

partir das congruências e divergências dos resultados provenientes das três fontes, de modo

que a fonte já não era o foco principal, mas, sim, a unidade macro de significado,

demonstrando, desse modo, tecituras temáticas entre os dados provenientes das diferentes

58

fontes. Almejou-se, dessa forma, analisar as dimensões do objeto conhecendo suas tecituras,

evitando o erro da simplificação e a perda da perspectiva complexa.

5.5 ASPECTOS ÉTICOS

Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa por meio da plataforma

Brasil - sistema CEP/CONEP, obedecendo às recomendações das resoluções CNS466/2012 e

CNS510/2016, e aprovado por meio do protocolo 2.553.958 e CAAE 83083318.8.0000.8124.

59

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apesar de considerar que a análise dos dados não caminha linearmente, mas, em

movimento constante de idas e vindas do caminho, apresenta-se a figura a seguir que

demonstra, didaticamente, o processo de bricolagem no tratamento dos dados desta pesquisa.

Figura 6 - Processo de bricolagem para análise dos dados de pesquisa. Cuiabá, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

60

A partir das três diferentes fontes de dados, apreenderam-se três unidades-macro de

significado. Os conteúdos das três unidades-macro de significados estavam implícitos nas

fontes de dados, de maneira que, a partir da pergunta de pesquisa, o pesquisador os apreendeu

e os reorganizou, produzindo os mapas, que, por sua vez, foram tecidos em uma única

composição lógica, a partir da luz do referencial teórico.

A nova composição, produzida a partir dos movimentos do pesquisador, interage de

maneira autônoma com as fontes de dados originais, superando sua origem a partir de

múltiplas dependências. Portanto, almejando responder à pergunta de pesquisa (Como o curso

de graduação em Enfermagem promove o desenvolvimento da competência clínica em seus

graduandos?), apresenta-se o seguinte resultado: o desenvolvimento da competência clínica

no graduando de enfermagem se dá por meio da busca do sujeito pela autonomia em suas

interações, sendo estas: 1) Interações interpessoais: professor, preceptor e pares; 2) Interações

com a profissão; e 3) Interações com o serviço, ensino e a comunidade. A seguir, apresenta-se

uma figura que faz uso da noção da espiral construtivista para ilustrar o desenvolvimento da

competência clínica no graduando de enfermagem.

Figura 7 - Espiral ilustrativa da tese. Cuiabá, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

61

O sujeito em busca da construção de sua autonomia é o eixo principal do

desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem. As interações, como

representado na figura, são agrupadas em três, apenas para fins didáticos, uma vez que se

interagem constantemente tecendo-se em apenas uma, o que Morin chama de interação do

"espírito humano" com a vida (MORIN, 2005. p. 19).

É importante ressaltar que, de acordo com os resultados deste trabalho, o

desenvolvimento da competência clínica tem como plano de fundo e eixo central a

subjetividade e a busca pela autonomia, ambas ditas aqui, no sentido moriniano. As interações

são constituídas a partir/para o desenvolvimento da subjetividade e da autonomia, por isso

estas não se configuram apenas como conexões, mas, sim, como bases constitutivas das

interações do indivíduo com ele mesmo e com o mundo.

Apresenta-se este desenvolvimento da competência clínica por meio das interações

utilizando o movimento partes-todo, como já explicado anteriormente nesta tese. Assim, nas

próximas páginas, serão descritos os aspectos subjetivos do aluno e o desenvolvimento da

autonomia; em seguida, as interações são exploradas e, por fim, apresentam-se as tecituras

entre as interações, de modo que o princípio sistêmico moriniano, qual seja, o todo é maior

que a soma das partes, demonstre-se genuíno.

Figura 8 - O desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem, 2019

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

62

A figura acima demonstra o caminho lógico escolhido para apresentação dos

resultados. A subjetividade e a busca pela autonomia como eixos centrais da espiral do

desenvolvimento da competência clínica são constitutivos de todas as interações e estas não

possuem fronteiras delimitadas, sendo tecidas umas com as outras, não sendo possível

delimitação de 'quando' - espaço de tempo, nem „onde‟ - lugar físico, elas ocorrem, pois são

vividas em espiral, aproximam-se e afastam-se ao longo da vida do estudante

A seguir, a descrição dos resultados e as discussões são apresentadas em tópicos,

porém a tecitura entre os temas perpassa transversalmente todo o texto.

6.1 ASPECTOS SUBJETIVOS E A BUSCA PELA AUTONOMIA COMO EIXOS

CENTRAIS DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA CLÍNICA

Este tópico descreve percepções apreendidas dos participantes sobre a competência

clínica e suas dimensões, assim como o processo de desenvolvimento desta. Ainda, explora-se

a percepção subjetiva do aluno sobre si mesmo e do que se pretende alcançar. Fez-se

necessária a abordagem dos resultados em dois momentos, a saber: 1) A competência clínica

do enfermeiro; e 2) O desenvolvimento da competência clínica no ensino de graduação de

enfermagem.

Figura 9 - Os eixos centrais: a subjetividade e a autonomia

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

63

6.1.1 A competência clínica do enfermeiro

É a principal, né? Para a enfermagem! (G2)

Para os estudantes, o termo competência clínica é a composição de dois distintos:

„competência‟ e „clínica‟. A partir da divisão dos termos, eles a definem como o ato de ser

designado a realizar o cuidado e agir com conduta adequada. Para isso, o profissional

competente clinicamente deve identificar sinais e sintomas, integrando teoria e prática, a fim

de tomar decisão e executá-la adequadamente.

A competência clínica pode ser definida como a habilidade de identificar o quadro

clínico com e/ou sem exames laboratoriais e/ou de imagem, relacionar o cuidado prático com

o que aprendeu na teoria, realizar a Sistematização da Assistência de Enfermagem – SAE

adequadamente, dar continuidade na linha de cuidado e estar preparado para resolver

problemas do paciente, da equipe e da família com julgamento clínico coerente e realizando

procedimentos técnicos com habilidade manual:

[...] resumindo, eu penso que é saber o que fazer com o paciente e fazer

corretamente, ali, na prática [...] (G3)

Já na percepção do coordenador, a competência clínica não é dissociada das outras,

seriam cinco: assistencial, gerencial, educacional, para pesquisa e ético/política. A

competência clínica é a principal, visto que exige a articulação de todas as demais em prol de

atuar com o paciente. O PPC não utiliza e, por consequência, não define o termo

„Competência Clínica‟, contudo registra, ao longo do documento, alguns princípios desta, ou

seja, apesar de não ser citada diretamente, é indiretamente tratada ao longo de todo o

documento, em sua apresentação, justificativa, nos princípios norteadores do PPC, no perfil

do egresso e na grade curricular (PPCEnf, 2010).

Conhecimentos específicos de enfermagem, habilidades técnico-científicas, aspectos

gerenciais do cuidado e criticidade ética são descritos como parte das competências

necessárias ao egresso, assim como a atuação interdisciplinar. Além disso, o enfermeiro deve

ser capaz de acolher o paciente, tendo em vista a humanização, fazer uso de pesquisa

científica e ter capacidade de aprender a aprender. Tais elementos também são mencionados

no PPC como importantes para a formação do enfermeiro.

É possível apreender que a percepção sobre competência clínica dos graduandos diz

respeito à ação prática, a desempenhos concretos na atuação profissional. Já o coordenador e

o PPC abordam elementos da competência clínica de maneira ampla e superficial, não

traduzindo em ações concretas os desempenhos esperados para a formação do enfermeiro.

64

Os alunos associam a ideia da necessidade de desenvolvimento de competências

profissionais à execução de ações práticas observáveis, próprias de um enfermeiro

competente clinicamente, tais ações são separar corretamente os materiais antes de ir para o

procedimento de modo que não faltem insumos durante a execução deste; manter as

prioridades da clínica, mesmo com muitas tarefas; demonstrar-se calmo, sóbrio e acessível à

equipe apesar dos afazeres; e delegar ações à equipe de enfermagem. O coordenador e o PPC

não estabelecem essa relação de causalidade entre o desenvolvimento de competências e o

desempenho de ações práticas observáveis.

Os conhecimentos que compõem a competência clínica para os graduandos são

anatomia, fisiologia, farmacologia, ou seja, conhecimento teórico de disciplinas básicas;

protocolos ministeriais quanto à segurança do paciente, segurança do trabalhador e

fisiopatologia e terapêutica das principais patologias que acometem a população. Porém, o

principal seria integrar os conhecimentos em prol de um julgamento clínico coerente. Os

conhecimentos citados pelo coordenador do curso convergem com a percepção dos

estudantes, sendo acrescidos os conhecimentos culturais e sociais do paciente assistido.

Para os estudantes, tais conhecimentos são adquiridos na graduação e/ou ao longo da

vida, já o coordenador cita que os conhecimentos são adquiridos durante a graduação em

Enfermagem, não citando as vivências cotidianas, para além do ensino formal, pré, durante

e/ou após o curso. Os participantes convergem na ideia de que os conhecimentos devem ser

atualizados permanentemente, em contínuo processo de aprendizagem pelo e para o trabalho,

uma vez que a atualização de conhecimentos também sustenta a competência clínica.

As habilidades que compõem a competência para os graduandos e para o coordenador

são palpação, percussão, observação e ausculta, habilidades manuais para procedimentos de

enfermagem, e ter ouvido treinado para sons emitidos pelos equipamentos de monitoramento

ao paciente. Estas são desenvolvidas com o tempo e dependem necessariamente da repetição

na prática.

Os aspectos atitudinais são mencionados como os mais importantes. As atitudes que

compõem a competência clínica na percepção dos estudantes são proatividade, ética

profissional, autocontrole, saber conviver com a equipe multiprofissional respeitando os

limites da sua atuação, assumir a liderança da equipe de enfermagem, resolver problemas e

evitá-los quando possível. Tais atitudes são desenvolvidas antes, durante e após o curso de

graduação e compõem o perfil de um enfermeiro competente.

65

Para o coordenador, a dimensão atitudinal é desenvolvida anteriormente ao curso de

graduação, ou seja, depende mais das vivências familiares do sujeito do que dos estímulos

oferecidos durante a formação profissional.

Porque esperar que em quatro anos e meio seja feita a formação do caráter é

impossível […] muitos alunos que […] que moram sozinhos […] quando

eles vêm de uma estrutura familiar desorganizada, desestruturada, eles não

vem com essa formação (C1).

O PPC registra que preza tanto com a excelência técnico-científica quanto com o

comprometimento social dos profissionais com a geração de saúde, segundo o eixo da

integralidade, e acrescenta que o egresso deve conhecer e atuar conforme o Código de Ética

da Profissão de Enfermagem, ou seja, a dimensão atitudinal é de extrema importância, pois é

sustentada no PPC e defendida por graduandos e coordenador do curso como a principal

dimensão da competência clínica, uma vez que sem esta as demais não são desenvolvidas.

O PPC do referido curso de graduação prevê que o egresso desenvolverá as seguintes

competências: 1) Atenção à saúde: diz respeito à intervenção no processo saúde-doença com

responsabilidade pela qualidade da assistência/cuidado de enfermagem; 2) Administrativas e

Gerenciais: relativas a tomar iniciativas, gerenciar a força de trabalho, recursos físicos e

materiais; 3) Educativas: dizem respeito a ser capaz de "aprender continuadamente para a sua

formação” e responsabilizar-se com a educação de futuros profissionais e da sua equipe; 4)

Produção de conhecimento: versa sobre a capacidade de produzir saberes em saúde e

incorporar os resultados técnico-científicos na assistência; 5) Ética profissional: sobre o

profissional conhecer e atuar conforme o Código de Ética da Profissão de Enfermagem; e 6)

Comunicação: saber comunicar-se de forma oral, escrita e cinestésica (PPCEnf, 2010).

6.1.2 O desenvolvimento da competência clínica no ensino de graduação de

enfermagem

Eu penso que para ter essa competência clínica precisa de teoria e prática,

mas... mais prática do que teoria [risos] porque a gente aprende mais na

prática sobre a clínica. Esse é o problema da graduação, não entendem isso!

(G3)

É possível perceber que a competência clínica se desenvolve a partir da busca dos

sujeitos, graduandos em enfermagem, pela autonomia. Na percepção dos graduandos, para o

desenvolvimento da competência clínica, fazem-se necessárias teoria e prática, porém a

última é mais importante que a primeira. A graduação, por oferecer momentos limitados de

66

prática, não é capaz de desenvolver a competência clínica para formar o perfil almejado ao

enfermeiro, todavia é capaz de construir as bases para o desenvolvimento desta, se o currículo

tiver esse objetivo central.

Apesar de compreenderem a competência clínica como a mais importante a ser

desenvolvida na graduação de enfermagem, os graduandos não a vislumbram como

prioridade no currículo. Quanto ao processo de desenvolvimento da competência clínica, os

estudantes, em movimento introspectivo, entendem que falta curiosidade e proatividade do

próprio aluno, ou seja, é necessária a busca individual, pois o interesse particular é decisivo

no desenvolvimento profissional de cada um. Como exemplo, foi citado que colegas de

turma, apesar de formados juntos, possuem conhecimentos diferentes, isto é, na percepção

dos estudantes, o próprio aluno tem corresponsabilidade no desenvolvimento de competências

e há falhas na busca individual por conhecimento.

Versando sobre a corresponsabilidade na aprendizagem, os estudantes apontam que

cada um precisa articular o conhecimento sozinho e que essa articulação se dá por meio do

resgate pessoal de conhecimentos anteriores, conectando o novo conteúdo ao conhecimento já

adquirido anteriormente. Tal movimento quando praticado individualmente é positivo. Ainda,

relatam que se arrependem de todas as faltas que tiveram durante a graduação no momento

que entram no estágio curricular, pois há pressão por parte dos pacientes, da equipe, do

professor e interna - dele para com ele mesmo - para conhecerem as patologias e os cuidados

de enfermagem que a comunidade demanda.

A percepção do coordenador converge em parte com a dos graduandos, pois para este

o graduando é o principal responsável pelo desenvolvimento da competência clínica, uma vez

que, se o estudante não tiver interesse, não é possível ocorrer o desenvolvimento desta.

Afirma que as oportunidades são disponibilizadas a todos, porém alguns se desenvolvem,

outros não. É notório, portanto, que enquanto os estudantes relatam que o desenvolvimento

depende da corresponsabilidade, o coordenador percebe que o graduando é o maior

responsável e a instituição deve proporcionar oportunidades.

Tendo em vista que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de

enfermagem se dá no âmbito da subjetividade por meio do desenvolvimento da autonomia do

sujeito, é importante registrar que os estudantes dos semestres iniciais afirmam que não se

consideram competentes clinicamente, justificando que estão no início do processo de

tornarem-se enfermeiros e esperam que até o fim do curso de graduação essa percepção

mude. Já os alunos dos semestres finais afirmam que apesar de terem desenvolvido

competências ao longo da graduação, terminam o curso inseguros, com a percepção de

67

possuírem pouca competência clínica, menos do que esperavam de um recém-graduado em

enfermagem.

A autoconfiança também tende a ser aspecto importante para os estudantes, os quais

relatam que nos momentos de prática o aluno não se sente confiante, já que ninguém da

equipe assistencial utiliza o que eles escrevem. Segundo eles, ninguém lê a evolução nem os

diagnósticos de enfermagem elaborados, assim como os técnicos de enfermagem não checam

as prescrições quando eles a elaboram. No momento de estágio, afirmam adentrar no campo

muito inseguros, temendo causar mal ao paciente, porém com o tempo, vivenciando o campo

de prática, desenvolvem autoconfiança em seus conhecimentos e habilidades técnicas:

Você entra pensando que vai matar alguem… depois vai melhorando. (G2)

Durante a prática, o aluno se sente um lixo. (G3)

Corroborando com o sentimento de menos-valia no campo de prática, o aluno não tem

seu nome cadastrado no sistema do hospital universitário, ou seja, precisa pedir login e senha

para algum profissional da unidade para registrar qualquer tipo de atividade. Toda produção

dos alunos no sistema é impressa e vista pelo profissional que, frequentemente ignora o que o

aluno fez e produz novo, no formato que entende ser o corriqueiro da unidade.

O medo de ser enfermeiro, o sentimento de despreparo e dúvidas quanto à escolha da

profissão também são aspectos de grande influência no processo de desenvolvimento da

competência clínica. Existe, inclusive, o medo de assumir-se estudante de enfermagem ao

utilizar camisetas com o nome do curso, pois em situações de urgência e/ou emergência o

aluno poderá ser solicitado pela comunidade a atuar e não se sente preparado para tal.

Portanto, a autoconfiança é fator essencial ao processo de desenvolvimento da

competência clínica, esta, na percepção dos graduandos, é desenvolvida com a introspecção -

olhar para si - no campo de prática. Quando surge uma demanda, o aluno reflete sobre seus

potenciais e fragilidades, assumindo o risco do erro, e coloca-se a executar a tarefa. A

repetição desses momentos gera autoconfiança, autonomia profissional e desenvolvimento da

competência clínica:

Eu estou sozinha na clínica. [...] ou eu coleto ou coleto! (G3)

Ainda versando sobre a introspecção, a busca pessoal do aluno é essencial para o

desenvolvimento de competências, uma vez que os momentos de prática são limitados

durante a graduação. Os estudantes buscam, individualmente, estratégias que simulem a

prática a fim de ter maior contato com o conteúdo abordado em sala. Um exemplo dado foi de

que os estudantes aprenderam na teoria, em sala de aula, sobre sons pulmonares, contudo,

68

apesar de ser explanado bem pelo professor, perceberam dificuldade em aplicá-los na prática.

Assim, buscaram em uma plataforma online de vídeos - Youtube®- um profissional

realizando exame físico que apresentava os tipos de sons pulmonares demostrando,

audivelmente, as diferenças entre eles.

O tempo na prática, a busca pessoal e o reconhecimento por parte da equipe e dos

pacientes são apontados como elementos potentes para o desenvolvimento dessa

autoconfiança:

Eu já estava há algum tempo em estágio quando notei a prescrição rotineira

de uma medicação que eu desconfiava ter reações adversas severas caso fosse

usada por tempo prolongado, eu pesquisei sobre a medicação, confirmei

minha preocupação e fui conversar com a equipe médica. Apontei o problema

e sugeri outra escolha de medicação para o paciente, a equipe agradeceu e

acatou a minha sugestão. Daí eu pensei… poxa, agora estou entrando no eixo,

agora sou enfermeiro de verdade! (G3)

Os estudantes relataram que a vivência pessoal do aluno, como empregos anteriores à

graduação e processos de adoecimento na família, pode ser relevante para o desenvolvimento

da competência clínica, uma vez que o aluno que possui tais vivências consegue relacionar a

prática aos conteúdos vistos na teoria em sala de aula. Dessa maneira, a vida cotidiana, antes,

durante e/ou depois da graduação, tem potencial para desenvolver aspectos da competência

clínica, a depender das vivências de saúde-doença que o graduando possui.

O afeto, descrito aqui como sentimento terno de afeição, foi relatado como fator

importante para o desenvolvimento da competência clínica. O afeto pela profissão, segundo

os graduandos, é desenvolvido a partir das interações com o campo de prática, ou seja, o

cotidiano do serviço tem potencial para promover o afeto pelo exercício da profissão. Durante

o período de estágio, o afeto faz o graduando trabalhar e aprender melhor, melhorando sua

produtividade e diminuindo o absenteísmo durante o estágio.

Referem ainda que a consciência de que o paciente precisa do enfermeiro faz o aluno

ansiar aprender mais a fim de se tornar um bom profissional. Algumas situações foram

citadas pelos participantes como momentos que desenvolvem este afeto:

O dia que para mim fez mais diferença foi quando eu pensei: Nossa! A minha

mão faz diferença! Foi no último dia de prática. Chegamos lá e tinha uma

mulher em trabalho de parto com 6 cm de dilatação, ficamos fazendo cuidado

para parto natural humanizado, ela não teve nenhum tipo de intervenção.

Pegávamos ela, levávamos para a bola, para chuveiro, minha atitude de pegar

na mão dela, andar com ela, levar para a bola, foi dando confiança para ela

evoluir com tranquilidade no trabalho de parto. Em todo momento a gente

falava: ˗ Calma! Você está indo ótimo! Olha tudo que você já passou! Falta

tão pouco! Quer ir ao banheiro jogar água quente no corpo? ˗ E foi

maravilhoso! Não fui a primeira mão a aparar o bebê, mas fiquei lá! Foi

69

ótimo! Depois que passou tudo, a mãe, já mais estabilizada, olhou pra mim e

falou: Nossa! Muito obrigado! Você não tem ideia da diferença que fez a sua

mão comigo [choro]! (G2)

6.1.3 Discussão

A percepção dos atores sobre a competência clínica e o processo de desenvolvimento

desta encontra-se no campo da subjetividade dos sujeitos. Para o pensamento complexo, o

nosso universo constitui-se em um tetragrama dialógico de interações, a saber: Ordem ↔

Desordem ↔ Interação ↔ Organização. As interações do sujeito com o mundo produzem

desordem, que por sua vez é organizada por meio das próprias interações, assim o tetragrama

se combina ao mesmo tempo de maneira antagônica e complementar (MORIN, 2005c. p. 93).

A computação interna do ser é essencialmente destinada às suas interações, as quais

garantem a sua própria integridade pela transformação de elementos do meio exterior em

internos. Originalmente, as interações entre o ser e o mundo visavam à organização de

problemas do viver-sobreviver, como alimentação, defesa em um ambiente, dentre outros.

Atualmente, nossas sociedades complexas exigem cada vez mais a computação de numerosas

informações - elementos externos para a (sobre)vivência em sociedade (MORIN, 2005a. p.

50).

A percepção dos estudantes sobre a competência clínica demonstra como a clínica é

essencial à construção da identidade profissional do enfermeiro, vinculando-a a ações práticas

do cotidiano da assistência de enfermagem ao afirmar que o enfermeiro competente identifica

sinais e sintomas, integrando teoria e prática, tomando decisão e executando-as

adequadamente. Assim, é possível perceber que a competência clínica para o graduando vai

além de articular conhecimentos no campo do pensamento, mas, sim, da necessidade de

evidenciar, por meio de ações práticas, a tomada de decisão clínica adequada (SMYTH &

MCCABE, 2017).

A falta de utilização do termo competência clínica e a diluição deste, de maneira

difusa ao longo do PPC, pode ser prejudicial para a compreensão desta por parte dos atores

envolvidos na formação do enfermeiro. Defende-se que o PPC, produto das intenções do

corpo docente para o ensino de graduação, deve expressar com clareza que a competência

clínica é a principal a ser desenvolvida no graduando de enfermagem (ROCHA et al, 2019),

assim como as estratégias que serão utilizadas para esse fim (COELHO et al, 2016).

70

O coordenador, por sua vez, também não define um conceito, mas também afirma que

competência clínica é a mais importante a ser desenvolvida no graduando de enfermagem.

Portanto, tanto a percepção de competência clínica impressa no PPC como a apreendida do

coordenador se mostram convergentes com os aspectos apontados por Benner (1984), porém

mais vagas e abstratas, divergindo da percepção dos graduandos, que possui como

característica principal a observação dessa competência em desempenhos práticos (DA

ROCHA TONHOM, MORAES, PINHEIRO, 2016).

Logo, um conceito estabelecido de competência clínica não foi encontrado nos

resultados desta pesquisa nem há consenso na literatura científica (KABIR & KABIR, 2014;

CARR, 2004). Patrícia Benner, apesar de estudar profundamente a competência, não delimita

um conceito/noção para o termo em sua obra. Importante ressaltar, portanto, a necessidade de

novas pesquisas capazes de explorar a temática e definir um conceito/noção para a

competência clínica do enfermeiro, uma vez que, como afirma ter clareza do termo, pode

auxiliar docentes, discentes e coordenadores a buscar o desenvolvimento propositivo desta

(DA SILVA NUNES, 2016).

Para graduandos e de acordo com o PPC, as dimensões (conhecimentos, habilidades e

atitudes) da competência são adquiridas ao longo da vida, não se restringindo ao momento de

graduação. Tal percepção remete à ruptura da epistemologia empirista, ou seja, a noção de

que o aluno é tábula rasa, comparado a um recipiente vazio (CARRARD & MONTAGNER,

2019). Morin (2005a, p. 19) afirma que todo conhecimento humano emerge incessantemente

do mundo da vida, ou seja, todo conhecimento filosófico científico ou poético emerge da vida

cultural comum, uma vez que "as sociedades só existem e as culturas só se formam,

conservam, transmitem e desenvolvem através das interações cerebrais espirituais entre os

indivíduos”.

Especificamente sobre os aspectos atitudinais, apesar de serem desenvolvidos ao longo

da vida do sujeito, autores afirmam que a ética deve ser abordada como tema transversal

durante a graduação (PACHECO et al, 2019; SANTOS et al, 2020). Para Morin (2005d, p.

36), “todo ato ético, vale repetir, é na realidade um ato de religação”, do sujeito com seu

próprio eu, com sua comunidade, com sua origem biológica e com seu planeta. Assim, há que

se dizer que a autonomia e a ética se desenvolvem simultaneamente, pois quanto mais o

sujeito toma consciência de que está perdido no universo, mergulhado em uma aventura

incerta e desconhecida, mais tem necessidade de religar-se com os seus irmãos e irmãs da

humanidade (MORIN, 2005d).

71

Desse modo, concorda-se com o coordenador de que o ensino de graduação por si só

não é capaz de desenvolver o aspecto atitudinal do aluno, afinal o desenvolvimento da ética

desse sujeito data do início do desenvolvimento da sua própria autonomia (BONFADA,

PINNO, CAMPONOGARA, 2018). Todavia, uma vez que se compreende o processo de

formação como uma fonte de vivências capaz de oferecer cômputos internos e externos aos

sujeitos envolvidos, é possível propor que o ensino de graduação deve ter o desenvolvimento

da autonomia - múltiplas dependências - como ação propositiva dessa vivência,

desenvolvendo, assim, o aspecto atitudinal do sujeito – religação (Morin, 2005d) .

Nesse particular, não há que se falar em desenvolvimento da autonomia sem que haja

processo de introspecção. Nossa sociedade entrega a terceiros, psiquiatras ou psicanalistas a

exploração dos nossos problemas interiores. Para Morin (2005d. p. 94), o outro é importante

para que possamos conhecer a nós mesmos, mas não nos dispensa a introspecção. O exercício

de olhar para si suscita uma nova consciência de nós mesmos capaz de nos descentrar, pois ao

medir o grau das nossas lacunas, carências e fraquezas, medimos também o grau do nosso

egocentrismo, logo, faz-se necessário ao ensino um processo de aprendizagem e

"enraizamento da reflexividade”.

Os estudantes se autoanalisam em relação ao processo de desenvolvimento da

competência clínica, afirmando que há falta de curiosidade e proatividade do próprio aluno,

ou seja, na percepção deles, para o desenvolvimento dessa competência, também é necessário

existir busca individual, uma vez que são corresponsáveis pelo processo juntamente com os

professores, preceptores, o ensino e o serviço. Bernardino et al. (2018) afirmam que a

autonomia dos estudantes de enfermagem é despertada pela motivação intrínseca destes.

É possível visualizar iniciativas autônomas e criativas nos relatos dos estudantes. Há

alunos que, percebendo os limites do cotidiano do ensino, buscam individualmente estratégias

que simulem a prática, sendo a internet citada como a principal delas. Ressalta-se que tal

movimento individual de busca pela superação dos limites da sala de aula e pelo contato com

a prática por meio de tecnologias demonstra que o estudante é capaz de buscar

individualmente conhecimentos que sustentam o desenvolvimento das suas competências

(DOS SANTOS BARROS et al., 2019; MELLO, ERDMANN, MAGALHAES, 2018).

Morin (2005c, p. 102) afirma que a atividade pensante comporta criação, ou seja, o

movimento criador do pensamento é um "complexo diálogo que aciona as competências

complementares e antagônicas da mente como distinguir/ligar, diferenciar/unificar,

analisar/sintetizar”. A utilização de metodologias ativas se apresenta como potencial para o

desenvolvimento da competência clínica (SILVA et al., 2020; QUADROS & COLOMÉ,

72

2016, FABBRO et al., 2018). Berbel (2015) afirma que as metodologias ativas possuem

potencial para o desenvolvimento da autonomia, uma vez que os alunos problematizam a

realidade associada ao foco do estudo; considera-se a realidade concreta para aprender com

ela e para nela intervir; o aluno aprende fazendo; a relação teoria–prática é constante; o

processo se completa com algum grau de intervenção; os alunos são estimulados a

"confirmarem suas crenças, seus valores e seus conceitos anteriores, ou a colocá-los em

dúvida, ou até reformulá-los, pelos novos aprendizados"; o professor atua como mediador, e

não como "fornecedor de todas as informações ou autoria de todas as decisões" (BERBEL,

2015, p. 25-40).

Portanto, as metodologias ativas admitem o processo criativo do pensamento,

desenvolvendo a autonomia e permitindo o pensamento complexo (DIESEL, BALDEZ,

MARTINS, 2017). Ou seja, a fim de promover o desenvolvimento da autonomia e, por

consequência, a competência clínica nos graduandos de Enfermagem, deve-se promover o

pensamento complexo, que segundo Morin (2005c) supera diferentes modos de inteligência

pela importância do seu componente reflexivo e pela sua aptidão organizadora e criadora.

Outro achado importante relacionado às percepções de si e do que se quer alcançar

versa sobre os aspectos emocionais. O medo de se tornar enfermeiro, o sentimento de menos-

valia no campo de prática, a sensação de despreparo e dúvidas quanto à escolha da profissão

também exercem grande influência no processo de desenvolvimento da competência clínica,

uma vez que a autoconfiança foi apontada como fator essencial para esse desenvolvimento.

Ao definirmos os seres humanos somente como Homo Sapiens os reduzimos. A

afetividade se apresenta na modernidade como "supérflua, parasita e perturbadora” (MORIN,

2005d, p. 135), de maneira que o exercício pleno da razão eliminaria por si mesmo a

afetividade. Estudos demonstram que não há razão sem afetividade (SANTOS, JUNQUEIRA,

DA SILVA, 2016; DAMASIO, 2003), ou seja, os seres humanos são ao mesmo tempo Homo

Sapiens e Homo Demens. Não existe fronteira clara entre razão e emoção, portanto ignorar a

análise dos sentimentos do sujeito no desenvolvimento da competência clínica torna-se

disjuntor/simplificador.

Cabete et al. (2016) apontam a importância de investigação sobre a relação entre os

sentimentos e emoções do graduando e o contato com a realidade profissional de

enfermagem. As emoções se articulam com todos os sete domínios da competência clínica

propostos por Benner (1984), uma vez que estas direcionam a tomada de decisão do

profissional. Para Guilhardi (2002), os sentimentos de autoconfiança se desenvolvem a partir

73

de contingências de reforçamento que podem ser positivas ou removedoras de condição

aversiva:

Se uma pessoa arremessa uma bola na cesta de basquete e acerta, a bola

entrando na cesta reforça positivamente o comportamento de arremessá-la.

[…] outro exemplo seria o de usar o extintor de incêndio adequadamente

(comportamento), a pessoa apaga o fogo (remove um evento aversivo)

(GUILHARDI, 2002, p. 14).

A autoconfiança é, portanto, um sentimento. “Diz-se que uma pessoa com sentimento

de autoconfiança é „segura‟, „confiante‟ e „tem iniciativa‟”, tais características significam que

a pessoa sabe quais comportamentos deve emitir para alcançar reforços positivos ou remover

eventos aversivos. Já a 'iniciativa' significa que, em um contexto determinado, a pessoa emite,

sem a ajuda de outro, a resposta adequada, ou seja, que produz consequências gratificantes

(GUILHARDI, 2002, p.14).

O sentimento de autoconfiança está associado à repetição de comportamentos bem-

sucedidos. Assim, os atores envolvidos no cotidiano do ensino precisam criar condições para

que os estudantes emitam comportamentos cujas consequências reforcem o sentimento de

autoconfiança. As metodologias ativas, principalmente por meio de simulações realísticas,

demonstram-se potentes para o desenvolvimento da autoconfiança (BRASIL et al, 2018;

BERGAMASCO, MURAKAMI, DINÁ DE ALMEIDA, 2018):

Assim, se uma mãe vai até a padaria e pede para o filho esperá-la no carro,

enquanto ela desce, compra o pão, o leite e um docinho que entrega para o

filho, essa mãe não criou condições para o filho emitir comportamentos. Se,

pelo contrário, ela lhe diz: “Filho, desça e compre pão, leite e um docinho

para você, enquanto estaciono o carro”, ela criou oportunidades para o filho

se comportar e ser consequenciado positivamente. Assim, a criança pede o

pão e a balconista a reforça entregando-lhe o pão. Vai até o caixa que a

reforça dando-lhe o troco etc. Ou seja, a mãe criou as oportunidades e a

criança emitiu vários comportamentos e todos foram reforçados. A criança,

então, se sente capaz, segura, autoconfiante (GUILHARDI, 2002, p. 15).

Os achados de Benner (1984) sobre a necessidade da prática assistencial para o

desenvolvimento da competência clínica do enfermeiro encontram respaldo nos resultados

deste trabalho. No cotidiano de atenção à saúde, as respostas não são previsíveis, sejam elas

do sujeito atendido, da gestão do trabalho ou do próprio sistema de saúde. O desenvolvimento

da competência clínica deve encontrar no ambiente natural das incertezas – a prática cotidiana

– sua fonte e objetivo.

Percebe-se que o contato com o erro e a incerteza da realidade é fundamental para o

desenvolvimento da autonomia e, consequentemente, da competência clínica do futuro

74

enfermeiro. A pressão por parte dos pacientes, da equipe, do professor e interna - dele para

com ele mesmo - para articular conhecimentos teóricos e práticos sobre os cuidados de

enfermagem que a comunidade demanda é fonte constante de cômputos ao sujeito,

promovendo autoanálise (olhar para si) e autonomia (percepção de suas limitações e de suas

múltiplas dependências). Um exemplo desse processo é observado quando os graduandos

afirmam que se arrependem de todas as faltas que tiveram durante a graduação no momento

que entram no estágio.

Ressalta-se aqui, assim como em outros estudos (ANDRADE et al, 2014;

CARVALHO, DUARTE, GUERRERO, 2015; TAKASE, YAMAMOTO, SATO, 2018,

BREHMER, 2017), a importância da interação entre o graduando e o ensino, o serviço e

comunidade no desenvolvimento da competência clínica. Tal interação, além de proporcionar

busca individual por conhecimentos, habilidades e atitudes que sustentam o desempenho

profissional do enfermeiro ainda proporciona ao estudante reflexões de aspectos subjetivos

traduzidos por identidade e afeto pela profissão. Assim, o contato com a comunidade, além de

"possibilitar a aproximação com a realidade sanitária e social do país, possibilita a "percepção

de uma riqueza cultural e de saberes imensuráveis", ou seja, essa interação proporciona ao

ensino formação integral, humanizada e de qualidade (MENDES, 2018, p. 113).

A figura abaixo demonstra visualmente a proposta de um novo tetragrama, agora com

o objetivo de estabelecer relação entre o processo de desenvolvimento da autonomia e da

competência clínica, apresentado nesta discussão. Conclui-se a partir dessa exploração que a

autonomia do graduando de enfermagem estabelece relação recursiva com o desenvolvimento

da competência clínica, ambos desenvolvidos por meio do tetragrama: Prática - Erro/Incerteza

- Introspecção - Autoconfiança. O contato com a realidade da assistência à saúde configura-se

como ambiente natural de erros e incertezas, que ativa no graduando de enfermagem

processos introspectivos, nos quais o sujeito olha para si analisando suas fragilidades e

potencialidades. É nesse movimento subjetivo do graduando que surge a autoconfiança, esta

se caracteriza como sentimento gerado a partir da computação interna do sujeito sobre

reforços positivos e/ou negativos alcançados por meio de ações executadas na realidade

assistencial do enfermeiro.

75

Figura 10 - Tetragrama que estabelece relação entre o desenvolvimento da autonomia e da

competência clínica. 2020

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

76

6.2 INTERAÇÕES INTERPESSOAIS: PROFESSOR, PRECEPTOR E PARES

A fim de abordar o papel das interações interpessoais do graduando de enfermagem,

os resultados desse núcleo de sentido são apresentados em três momentos, a saber: 1)

Interação professor-aluno; 2) Interação preceptor-aluno; e 3) Interação pares-aluno. Neste

tópico, a interação com o preceptor é destacada como a mais potente para o desenvolvimento

da competência clínica e uso da mimese/imitação, da articulação entre teoria e prática e da

ressignificação do erro como estratégias potentes para a ativação do tetragrama: Prática –

Erro/Incerteza – Introspecção – Autoconfiança.

Figura 11 - Interações interpessoais: professor, preceptor e pares. Cuiabá, 2020

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

6.2.1 Interação Professor-Aluno

Um professor bom é aquele que te faz ter confiança, leveza, te faz pensar „eu

quero ser enfermeiro, eu sei ser enfermeiro‟. (G3)

Para os estudantes, as interações entre eles e o professor são frágeis e conflituosas.

Apesar de o professor ter potencial para construir o desempenho profissional do futuro

enfermeiro, os resultados mostram que as interações mais dificultam o desenvolvimento da

competência clínica do que facilitam. Ainda, a interação entre o estudante e o professor foi

77

considerada a mais conflituosa, ou seja, a interação com o professor é mais difícil do que com

os preceptores ou com os pares.

Os estudantes entendem que os professores que não são enfermeiros não

compreendem a realidade da profissão, uma vez que frequentemente alegam que conteúdos

não serão utilizados no cotidiano profissional. Porém, quando o aluno adentra o campo de

prática, descobre que tais conteúdos eram necessários e são utilizados na prática de

enfermagem. Sendo assim, afirmam que ter professor enfermeiro e com experiência prática é

muito importante para o aprendizado.

Os aspectos da interação que facilitam o desenvolvimento da competência são

elementos de desempenho individual do professor. Para os estudantes, o professor capaz de

articular teoria e prática consegue promover o desenvolvimento de competência clínica no

estudante. Um exemplo citado foi o uso da ação da gravidade no trabalho de parto. Os alunos

aprenderam em sala que a banqueta era uma das estratégias para unir a força promovida pela

mulher e a força da gravidade. Em momento de prática, durante um parto, a professora leva os

alunos a se lembrarem do ensinamento em sala de aula e pede para que executem o que

aprenderam. Os estudantes avaliam que esta seria uma professora competente:

[...] ela mostra como é ser enfermeiro, nunca mais vamos esquecer da

banqueta. (G2)

São poucos os aspectos da interação professor - aluno que potencializam o

desenvolvimento da competência clínica, alguns professores utilizam a sua posição

hierárquica para perpetuar práticas, na percepção dos estudantes, inadequadas, criticando as

dúvidas que os alunos apresentam e fazendo piadas homofóbicas e/ou racistas em sala de

aula. Ainda foi citado que a maioria dos professores não está aberta a receber críticas, mas as

fazem aos alunos de maneira ríspida, intimidando e inibindo participações em sala. Falas

como „você já deveria saber, isso é básico‟ e o 'olhar intimidador' do docente foram citados

como frequentes inibidores do desenvolvimento pessoal do aluno.

De acordo com a análise do PPC, as interações entre o corpo docente e os graduandos

devem ser horizontais, pautadas no respeito mútuo e empatia. Já para o coordenador, as

relações entre o corpo docente e os alunos estão cada vez mais difíceis, os graduandos

possuem dificuldade em respeitar hierarquia e seguir comandos. Além disso, os desafios de

interação não são apenas entre o aluno e o professor, muitos alunos também não conseguem

se relacionar com os próprios pares, ou seja, a sala de aula tem se tornado um ambiente cada

vez mais conflituoso, na percepção do coordenador.

78

O desenvolvimento da competência clínica é dificultado também quando o professor

coíbe o aluno. Quando este não permite que o aluno execute atividades já ensinadas

teoricamente em sala de aula ou quando mostra constantemente os erros ao discente, este

percebe que só comete erros, gerando sentimento de menos-valia e questionamentos sobre a

escolha da profissão. Um exemplo citado foi de um professor que no momento de realizar o

procedimento de punção, ele mesmo o realizava e pedia ao aluno que apenas segurasse a

bandeja.

O erro é mal visto pelo professor e o aluno tem medo de errar, dúvidas não são bem

vistas no cotidiano do ensino, pois se consideradas não apropriadas para o semestre que o

aluno se encontra, são motivos de perda de nota em disciplina. Há professores que utilizam

como técnica a avaliação do aluno desde o primeiro dia de aula, sendo que este começa com a

nota máxima e vai perdendo no decorrer da disciplina, perguntas consideradas inadequadas

são motivos para retirada de nota.

Ainda, o desenvolvimento da competência clínica em sala de aula é dificultado não

apenas pela interação conflituosa entre professor-aluno, mas também pelas estratégias

pedagógicas utilizadas. Para os estudantes, a maioria dos professores só utiliza aulas

expositivas, o que dificulta a articulação entre o conteúdo abordado e a prática, além disso,

constatam que o professor vive em um ambiente diferente da prática profissional, intitulado

pelos alunos de „mundo perfeito‟, uma vez que a prática cotidiana da profissão constitui-se

em um mundo de incerteza e imprevisibilidade e o professor não pertence a esse ambiente.

Os estudantes preferem aulas práticas, porém o professor não utiliza os recursos da

própria universidade, como os laboratórios e o hospital universitário, para estimular as

práticas. Principalmente nos semestres iniciais, os conteúdos são ministrados em sala de aula

e, em momentos pontuais, a depender da disciplina, realizam visitas técnicas.

O coordenador do curso também percebe a subutilização dos recursos da própria

universidade, para este, os professores utilizam menos do que poderiam os laboratórios e o

hospital universitário, ainda problematiza que a sala de aula se configura como zona de

conforto para a maioria dos professores.

Também em campo de prática, as dificuldades na interação professor - aluno afetam o

desenvolvimento da competência clínica. Na percepção dos alunos, o professor é fundamental

no desenvolvimento da autoconfiança. A falta de liberdade é ruim, visto que promove medo e

a falta de autonomia no graduando. Um professor bom é aquele que deixa o estudante livre e

confia no conhecimento e discernimento deste, ainda o questiona sobre o paciente e mostra

quais estratégias podem ser utilizadas para o cuidado, porém o deixa livre, permitindo que

79

execute sozinho a atividade, demonstrando, assim, relação de confiança. O estudante que

desempenha a tarefa sozinho se sente autoconfiante e desenvolve o 'seu jeito' de realizá-la,

pois os erros o fazem aprender para a próxima oportunidade e os acertos o motivam.

Para os estudantes, os professores não demonstram familiaridade com o campo de

prática e não fazem parte da equipe de saúde. Há equipes que comentam que quando os

professores realizam plantão no hospital universitário, eles não preenchem os instrumentos

básicos e deixam várias pendências para o próximo plantonista, o que faz com que o

professor não seja uma boa referência profissional. Ainda, a falta de vivência na prática faz

com que o docente não entenda a rotina da clínica e queira realizar reuniões e/ou avaliação do

estudante em momentos de grande demanda, gerando comentários negativos entre a equipe

de saúde do local.

Não há perfil básico profissional padronizado pela instituição, ou seja, cada professor

tem um perfil e exige atitudes e comportamentos de acordo com o que entende adequado.

Assim sendo, os alunos se comunicam com seus pares/veteranos a fim de conhecer qual o

perfil do professor e como devem se comportar na frente deste durante a disciplina, em sala

de aula e em campo de prática. Por vezes, os comportamentos tidos como adequados para

dois professores são tão distintos que chegam a ser opostos, um exemplo citado foi o de

discutir prescrição com a equipe médica. Há professores que entendem ser necessário discutir

todas as prescrições com a equipe médica, outros veem com maus olhos o aluno de

enfermagem questionar prescrições médicas que entendem coerentes.

Para os graduandos, a instituição não possuir um perfil de egresso é negativo. O

professor sabe muito na teoria, mas não sabe atuar prática e, como o estudante acaba por

imitar o perfil do professor, entendem que possuem conhecimentos e habilidades para

explanar teoricamente sobre a maioria dos conteúdos, mas no cotidiano da prática são

inseguros e com pouca destreza manual. Ainda, falta-lhes a articulação de conhecimentos e

habilidades de comunicação necessárias à prática.

O coordenador aponta que, historicamente, na faculdade pesquisada, houve um lapso

temporal que supervalorizou os aspectos educacionais e gerenciais na formação do

enfermeiro, contudo pouco a pouco a graduação tem retomado a ênfase na assistência. Ainda,

percebe que apesar de todos do corpo docente perceberem a importância de priorizar o

desenvolvimento da competência clínica, os desempenhos não estão claros para o docente.

É notável tal lapso temporal quando o PPC descreve no momento de relato da história

do curso de graduação em Enfermagem a retirada do corpo docente das unidades assistenciais

a fim de melhor capacitá-los:

80

[…] para realizar o investimento na capacitação docente, necessária ao

avanço da enfermagem nas áreas de pesquisa, extensão e pós-graduação,

houve a substituição de docentes das atividades assistenciais e gerenciais do

Centro de Saúde Escola e Hospital Universitário, adotando-se o modelo de

contratação de profissionais técnicos para atuar na instituição hospitalar. No

caso do HU, a unidade administrativa de enfermagem continuou assumindo

os cargos de chefia, sendo estes gradativamente repassados para enfermeiros

do hospital, permanecendo essa vinculação no maior cargo hierárquico,

denominado de gerência de enfermagem (PPCEnf).

6.2.2 Interação Preceptor-Aluno

“Os preceptores são profissionais do serviço/assistência que, aliado a um

conhecimento pedagógico, acompanham o desenvolvimento profissional de futuros

profissionais de saúde” (SOUZA & FERREIRA, 2019. p. 15). É importante ressaltar que,

neste trabalho, a concepção de preceptor utilizada diz respeito ao profissional do campo de

prática que acompanha os estudantes durante certo período de tempo. Esse profissional pode

ou não ter formação específica para preceptoria e não possui vínculo empregatício com a

universidade, mas, sim, com a instituição de saúde em que atua. Sobre a interação preceptor-

aluno, esta é a mais potente, na percepção dos estudantes, para desenvolver a competência

clínica.

Ao discutirem essa interação e o desenvolvimento da competência clínica, os

estudantes relatam mais potencialidades do que dificuldades. As dificuldades permeiam o

campo das relações interpessoais, quando o preceptor com 'personalidade difícil' tem

dificuldade em dialogar com o aluno.

Cabe ressaltar que mesmo relatando dificuldades relacionais devido à „personalidade

difícil‟ do preceptor, os estudantes demonstram se esforçar para compreender os motivos da

dificuldade e buscam ativamente oportunidades para estabelecer vínculo. Tal movimento não

foi apontado pelos graduandos na interação professor-aluno:

[...] mas com o tempo fui mostrando pra ela [preceptora] meu valor! Hoje ela

me chama pra tudo [sorri]. (G3)

As potencialidades da interação no desenvolvimento da competência clínica são,

principalmente, relacionadas à autonomia e valorização profissional do estudante. Para os

alunos, o preceptor os oferece liberdade exigindo feedbacks pontuais sobre as atividades.

Quanto mais liberdade o preceptor oferece, mais desenvolvem a competência clínica.

81

O preceptor é visto como parceiro do aluno e essa relação facilita o desenvolvimento

de competências. As estratégias praticadas pelos preceptores e relatadas como potentes foram

convidar o aluno para participar das reuniões de equipe; elogiar na frente da equipe; em caso

de erros, colocar-se como parceiro e ajudar a sanar o problema; discutir a melhor conduta

ouvindo o que o aluno tem a dizer sobre o caso, em casos desconhecidos para ambos, o

preceptor se colocar como colega do aluno, assumindo que também não tem familiaridade

com a situação; e pesquisar junto o que pode ser feito.

Para o coordenador, os profissionais do campo, ou seja, os preceptores, costumam ser

despreparados e por vezes não são um bom exemplo profissional ao aluno. O coordenador

afirma que os preceptores frequentemente são incapazes de discutir caso clínico com

propriedade, assim esta é uma atividade mais proveitosa quando realizada pelo professor.

Na percepção dos alunos, um bom preceptor é inteligente; convida com frequência

para participar das atividades da clínica; compartilha o que deve ser realizado e, caso o aluno

não saiba executar um procedimento, coloca-o para o observar enquanto ele executa, tira

dúvidas após o término do procedimento e, na próxima vez que surge a necessidade, deixa o

discente fazer sozinho; não desautoriza o aluno na frente do paciente; vê o aluno como parte

da equipe e permite a execução de atividades que ele se sente confiante. Executar as

atividades sozinho gera confiança, reafirma o desejo de ser enfermeiro e aumenta a

produtividade do aluno, e tais momentos dependem da liberdade que o preceptor oferece ao

estudante.

As interações professor-aluno e preceptor-aluno são tão distintas que, na percepção

dos estudantes, a avaliação final do período de prática deveria ser realizada pelo preceptor, e

não pelo professor devido à proximidade e acompanhamento diário.

6.2.3 Interação Pares - Aluno

A interação entre os alunos também foi relatada como importante fator no

desenvolvimento da competência clínica. A possibilidade de erro entre os pares é potente para

o desenvolvimento da autoconfiança. Para os estudantes, discutir com os colegas é

fundamental para aprendizagem em sala de aula, ainda, o estudo em grupo e a prática de

procedimentos de enfermagem não invasivos em colegas também foram apontados como

estratégias potentes para o desenvolvimento da competência clínica.

82

A monitoria foi apontada como estratégia importante tanto para o monitor, que

desenvolve competências no processo de ensino-aprendizagem, quanto para os alunos, que,

por sua vez, sentem que o monitor “traduz" o que foi dito pelo professor para uma linguagem

compreensível.

O início das práticas e do estágio em duplas também foi apontado como

potencializador para desenvolvimento de competências. Apesar de a solidão ser importante

para o desenvolvimento pessoal, o início das práticas é momento de grande estresse e a

presença de um colega para dividir as pressões e responsabilidades é produtivo:

É bom ter um colega do lado, principalmente no início da prática, porque [...]

se você esquece alguma coisa o colega pega, e vice versa. (G2)

Sobre as interações com os pares, o coordenador converge com a percepção dos

graduandos sobre a monitoria afirmando que esta é potente para o desenvolvimento da

competência clínica.

6.2.4 Discussão

A busca do graduando pela autonomia é o eixo central das interações interpessoais

deste. A autonomia, para Morin, não pressupõe liberdade absoluta, emancipada de qualquer

dependência, mas autonomia que:

Depende de seu meio ambiente, seja ele biológico, cultural ou social. Assim,

um ser vivo, para salvaguardar sua autonomia, trabalha, despende energia, e

deve, obviamente, abastecer-se de energia em ser meio, do qual depende.

Quanto a nós, seres culturais e sociais, só podemos ser autônomos a partir de

uma dependência original em relação à cultura, em relação a uma língua, em

relação a um saber (MORIN, 2012, p. 118).

A autonomia e o processo de aprender se articulam de maneira recursiva, sendo que a

autonomia estimula o processo de aprender e este estimula a autonomia. O sujeito, indivíduo

que comporta o cosmo em si, ao mesmo tempo em que exerce criatividade única e se difere

do professor, do preceptor e de seus pares, também depende destes para exercer o movimento

de aprendizagem mais elementar do desenvolvimento humano, a mimese/imitação:

A mimese é um dos fenômenos mais importantes da vida animal […] insetos

imitam folhas de árvores […]. Também é na vida humana, aqui salientamos

uma mimese primeira, começa com a menina que brinca de boneca, ou seja,

de mamãe e com o menino que brinca de guerra (Morin, 2005c. p. 91).

83

Para Morin (2005c), cada um de nós se forma por meio de mil imitações, porém o

mistério reside no poder da mimese, pois não só imitamos o comportamento de outros, mas

entramos neles e deixamo-nos possuir por eles, ou seja, somos sujeitos únicos ao mesmo

tempo em que somos iguais a todos. Todavia, a era planetária, com os tempos modernos,

suscita enfraquecimento dos lados fraternos e da tutela comunitária. O individualismo, "fonte

de responsabilidade pessoal pela sua conduta de vida, é também fonte de fortalecimento do

ego-simplismo” (MORIN, 2005d. p. 26), este tende a inibir as potencialidades altruístas e os

laços solidários, o que contribui para a desintegração da noção de comunidade.

Os resultados apontam que a interação professor-aluno é frágil e conflituosa,

corroborando, o coordenador afirma que as relações entre o corpo docente e os alunos estão

cada vez mais difíceis, uma vez que estes não respeitam hierarquia nem seguem comandos.

O corpo docente e os estudantes pertencem e são pertencidos pelo que Morin (2012)

conceitua como "era planetária". Trata-se de uma época marcada pela globalização, que

estabeleceu um mercado mundial e uma rede de comunicações que se ramificou intensamente

por todo o planeta:

Os desenvolvimentos científicos, técnicos, econômicos propiciam um devir

comum para toda a humanidade. Ameaças de morte nuclear e ecológica

conferem a humanidade planetária uma característica de comunidade de

destino. Tornou-se vital conhecer o destino planetário em que vivemos, tentar

perceber o caos dos acontecimentos, interações e retroações nos quais se

misturam os processos economicos, políticos, sociais, etnicos, religiosos,

mitologicos que tecem esse destino (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2012,

p. 11).

Há cada vez mais necessidade de sabermos quem somos e o que nos determina. Há

cada vez mais necessidade de "espíritos aptos a apreender seus problemas fundamentais e

globais e a compreender sua complexidade” (MORIN, CIURANA E MOTTA, 2012, p. 12).

Ou seja, apesar dos problemas da contemporaneidade exigirem cada vez mais o pensamento

que religa, nosso sistema de ensino continua a fragmentar os conhecimentos.

O professor e o aluno são sujeitos em conflito geracional. Segundo Prensky (2001), as

relações entre os estudantes, 'nativos digitais', ou seja, que nasceram na era digital, e os que

nasceram antes, conhecidos como “imigrantes digitais”, como é o caso da maioria dos

professores, gestores entre outros, podem gerar conflitos devido a diferenças culturais.

Contudo, apesar de conflituosa, essa relação também pode ter potencial para

transformação mútua, afinal é na interação com o cosmo e com o outro que a existência

84

humana se realiza, como afirma OLIVEIRA (1999, p. 1) “a constituição de uma pessoa como

sujeito social se dá [...] ao mesmo tempo em que o outro se constitui”.

Apesar de admitir-se o conflito geracional supracitado, a interação preceptor-aluno é

vista como menos conflituosa que a interação professor-aluno, ou seja, os conflitos desta

possuem características específicas que não são observadas naquela e que ultrapassam as

fronteiras da diferença geracional.

Nesse contexto, é importante ressaltar que as percepções do aluno sobre o professor de

enfermagem não se iniciam na graduação, são produtos de suas vivências ao longo da vida, ou

seja, as percepções registradas neste trabalho são marcadas por vivências pessoais, anteriores

à graduação, entre o sujeito e ele mesmo – com relação ao papel de aluno que este exerceu ao

longo da vida - e entre o sujeito e seus antigos professores.

Assim, os relatos de que o professor é uma figura de autoridade, temida, que percebe o

mundo diferente dos graduandos são carregados de cultura. A cultura é:

constituída pelo conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes,

normas, interditos, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se perpetua

de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a

complexidade social (MORIN, 2005c, p. 35).

Faz-se necessário assumir que os mitos e normas inerentes à cultura são

potencializadores ou inibidores da aprendizagem, pois a cultura é o que permite aprender e

conhecer, mas também é o que impede de aprender e de conhecer fora dos seus imperativos e

das suas normas, isto é, há que se admitir o antagonismo entre o espírito autônomo e a cultura

(MORIN, 2005c).

Na percepção dos graduandos e do coordenador de curso, o erro e a incerteza devem

ser evitados. O erro, que nos resultados deste trabalho aparece como punido pelo professor e

temido pelos graduandos, é inerente ao ser humano. É essencial enfatizar que "o problema do

erro transforma o problema da verdade, mas não o destroi” (MORIN, CIURANA E MOTTA,

p. 28).

O pensamento complexo não nega a verdade, mas considera que o caminho da verdade

e uma busca sem fim e tais caminhos passam pelo ensaio e pelo erro. Ou seja, a busca da

verdade, esta subjetiva e dependente das percepções individuais sobre a realidade, so pode ser

feita por meio do vagar e da itinerância. Não há busca pela verdade sem a experimentação do

erro por meio da incerteza. "É um erro buscar a verdade sem buscar o erro” (CARLOS

SUARES APUD MORIN, CIURANA E MOTTA, p. 28).

85

Penazzo (2003) afirma que se encontram indícios nas obras de Vygotsky que podem

levar a concluir que o 'erro' no contexto da psicologia da aprendizagem escolar vygotskyana é

visto como "parte integrante do processo dialetico de apropriação do conhecimento, podendo

ainda ser utilizado como ferramenta útil ao professor em seu papel de mediador do

conhecimento" (PENAZZO, 2003, p. 1). Na assistência de enfermagem, o reconhecimento do

erro pelos profissionais contribui para a sua prevenção favorecendo assistência segura e de

qualidade (DUARTE et al, 2018).

Portanto, assume-se que o desenvolvimento da competência clínica no graduando de

enfermagem ocorre por meio da busca do sujeito pela autonomia do pensamento, ou seja, por

sua verdade. Se for possível compreender que não há busca pela verdade sem a

experimentação do erro por meio da incerteza, é imperativa ao ensino a oferta de vivências ao

graduando que permitam o contato com o erro, o real e o incerto. No campo do ensino, a

possibilidade de aceitação do erro passa necessariamente pela aceitação da incerteza, que para

o pensamento complexo materializa-se na realidade, afinal, se temos uma certeza é a de que

estamos rodeados de incerteza e a realidade é a maior fonte desta (MORIN, CIURANA E

MOTTA, 2012).

Quanto ao perfil do docente na percepção dos graduandos, os achados deste estudo

coadunam com resultados semelhantes encontrados na literatura que afirmam que o professor

ideal deve ter domínio do conteúdo teórico-prático, possuir habilidades didático-pedagógicas,

ser paciente, tolerante, amigo, flexível e afetuoso (GABRIELLI & PELÁ, 2004; CHAVES et

al, 2017). Semelhante, no estudo de López et al. (2010), os estudantes universitários afirmam

que as qualidades que mais valorizam em um professor universitário são a competência, a

capacidade comunicacional, a responsabilidade, a atitude de respeito, aberta e com capacidade

de escuta e a pontualidade no cumprimento dos horários.

Agnelli (2018) afirma que a experiência prática profissional do enfermeiro que está/e

professor contribui positivamente para o domínio do repertório de conhecimentos deste, pois,

apesar de não ser a única experiência capaz de garantir uma boa prática docente, a experiência

profissional possibilita o domínio de repertório teórico-prático que fundamenta a prática do

enfermeiro-docente.

Compreende-se, portanto, que a imagem de "boa referência profissional" para o

graduando de enfermagem relaciona-se a quem demonstra competência por meio de

desempenhos práticos no cotidiano da assistência à saúde. Ou seja, quando o enfermeiro-

docente desempenha sua competência apenas na teoria, não no campo prático, este não se

configura como “boa referencia profissional”.

86

Dessa forma, considerando que, segundo Benner (1984), o desenvolvimento da

competência clínica se dá na vivência prática da assistência à saúde e que o curso de

graduação em Enfermagem almeja o desenvolvimento desta em seus graduandos, torna-se

necessário aprimorar a prática docente por meio da inserção da prática assistencial (real ou

simulada) no cotidiano do ensino (AUED et al, 2016; DE LIMA et al, 2018).

No que se refere à interação com os pares, os graduandos apontam que esta é

importante para o desenvolvimento da competência clínica na medida em que o erro é aceito

entre os atores. As discussões em grupo, a prática de procedimentos de enfermagem nos

colegas, a monitoria e as atividades no campo de prática em dupla são estratégias que

promovem troca de conhecimentos, treino de habilidades e desenvolvimento do aspecto

atitudinal.

No decorrer do curso de graduação, os acadêmicos de Enfermagem vivenciam

momentos de dificuldade pessoal e interpessoal e, com o passar do tempo e o

amadurecimento emocional, os momentos conflitantes tornam-se menos frequentes e mais

simples. Ainda, concorda-se com Garro (2006), em seu estudo sobre a depressão em

graduandos de Enfermagem, que a formação acadêmica destes e um processo de

desenvolvimento, no qual o aluno deve aprender a lidar:

com sentimentos de vulnerabilidade; com o gerenciamento do crescente

volume de informações; com o planejamento da carreira profissional; com o

estresse decorrente de certas características dos estágios práticos (fadiga,

pacientes difíceis); com problemas relativos a qualidade do ensino e ao

ambiente educacional; com o estresse que está vinculado a características

individuais e situações pessoais (vulnerabilidades psicologicas, situação

socioeconomica [...] (GARRO, 2006. p. 163).

A relação entre os graduandos e seus pares é uma estratégia não apenas para fomentar

a troca de conhecimentos e o treino de habilidades, mas também como desenvolvimento dos

aspectos atitudinais do sujeito, ou seja, do 'saber ser' (DELLORS, 1998). Freitas (2007)

entende que as modificações que ocorrem no indivíduo durante o tempo que permanece nas

instituições de ensino superior se processam nas diferentes áreas de desenvolvimento, mais

concretamente em nível cognitivo e psicossocial.

Ainda, o papel do preceptor neste estudo foi marcado como potente para o

desenvolvimento da competência clínica. Na percepção dos alunos, o preceptor promove esse

desenvolvimento quando o convida com frequência para participar das atividades da clínica;

compartilha o que deve ser realizado; vê o aluno como parte da equipe e o deixa sozinho para

praticar a execução das atividades que ele já é capaz.

87

Duenas, De Paula Brito e Da Cruz Veneno (2015) afirmam que o preceptor tem papel

fundamental no desenvolvimento do graduando de Enfermagem, podendo este, inclusive,

influenciar na decisão do aluno seguir ou não na profissão de enfermagem. Para Thomson,

Docherty e Duffy (2017), o graduando que possui experiência positiva com o preceptor

tornou-se parte da equipe de saúde, tem feedback constante e sente-se encorajado a aproveitar

oportunidades de aprimoramento clínico.

Valida-se aqui a atuação do preceptor no desenvolvimento de competências na

formação do enfermeiro, porém, tendo em vista que o enfermeiro-docente está presente do

início ao fim do ciclo de formação e que a educação superior em enfermagem brasileira o

prevê como principal facilitador do processo de ensino-aprendizagem, faz-se necessário o

resgate do papel profissional desse professor.

Logo, tendo em vista a complexidade das interações supracitadas, entende-se que há

estratégias possivelmente capazes de promover desenvolvimento da competência clínica do

graduando nesse cenário. Após os resultados desse núcleo de sentido e as discussões que se

seguiram, defendemos que as interações interpessoais são potentes quando utilizam as

seguintes estratégias: o uso do mimetismo, a ressignificação do erro; e a articulação teoria e

prática.

Para a primeira estratégia, ou seja, o uso propositivo do mimetismo, faz-se necessário

que o professor, que interage diretamente com o aluno, seja enfermeiro, possua identidade

com a profissão e seja capaz de demonstrar desempenhos específicos esperados para o

profissional enfermeiro, pelo menos, no terceiro nível de competência de Benner (1984), nível

competente. Tais desempenhos se referem a profissional que trabalhou de dois a três anos em

uma mesma clínica e já consegue classificar as ações que precisa ou não de mais atenção e

desenvolve um planejamento consciente, metas de cuidados em longo prazo, ganhando

eficiência e organização dos seus serviços. Esses profissionais beneficiam-se das suas ações

por meio da prática coordenando os cuidados perante as necessidades de cada paciente. Ao

tornarem-se confiantes em sua prática são capazes de antecipar e solucionar problemas

clínicos em sua rotina com facilidade (BENNER, 1984).

A segunda estratégia, ou seja, a articulação entre teoria e prática, sustenta-se na noção

de autonomia - dita no sentido moriniano - e na possibilidade do professor ofertar

oportunidades ao graduando de emitir comportamentos no campo de prática e lidar com os

feedbacks advindos destes. Para Guilhardi (2002), uma pessoa com sentimento de

autoconfiança e „segura‟, „confiante‟ e 'tem iniciativa”, tais características significam que a

88

pessoa sabe quais comportamentos deve emitir e os coloca em atuação concreta a fim de

alcançar reforços positivos ou remover eventos aversivos.

A terceira estratégia, a ressignificação do erro, possibilita ao estudante expressar-se

sem silenciamentos. O cotidiano do ensino deve basear-se na resolução de problemas práticos

visando promover ambiente que acolhe o erro como estratégia pedagógica, de modo a

favorecer a aprendizagem significativa. Há, portanto, necessidade de mudança de paradigma

no ensino, que precisa sair do pensamento reducionista, binário, simplificador para o

pensamento que religa e contextualiza. É necessário criar ambiente pedagógico seguro no

qual o erro é visto como estratégia de ensino-aprendizagem e a avaliação como parte da

formação do futuro enfermeiro.

Entendendo que a autoconfiança é o sentimento associado à repetição de ações, que

comportam risco de erro, praticadas pelo próprio sujeito com feedbacks satisfatórios

(GUILHARDI, 2002), e o mimetismo como estratégia pedagógica forte e natural do ser

humano, defende-se que o professor é fundamental no processo de desenvolvimento da

competência clínica do graduando, uma vez que é capaz de não só oferecer vivências nas

quais este o observará e imitará seus desempenhos como enfermeiro, mas também possibilitar

vivências concretas aos futuros enfermeiros de execuções de comportamentos que produzirão

feedbacks.

Conclui-se que a interação entre eu e o outro exige a percepção do outro como ser

simultaneamente diferente e igual a mim. Sabe-se que esses movimentos de interação entre o

eu e o outro, entre o professor e o aluno e entre o preceptor e o professor são reflexos das

relações sociais inseridas na era planetária, uma vez que tais sujeitos contêm e, ao mesmo

tempo, estão contidos na sociedade contemporânea. É possível afirmar que há uma carência

introspectiva nessas relações. Morin (2005d, p. 94) declara que o trabalho da introspecção é

extremamente difícil em razão da nossa tendência para o egocentrismo e autojustificação, que

sempre transfere para o outro o erro ou a falha.

Portanto, a autoanálise é uma exigência primordial e deveria ser ensinada desde o

começo do ensino fundamental para se tornar uma prática costumeira. Analisar a si mesmo,

encontrar suas limitações e dependências é exercício de autonomia, esta que comporta,

portanto, a honra, a tolerância e a tomada de responsabilidade por si, pelo outro e pelo cosmo

(MORIN, 2005d).

Ao facilitar a busca pelo desenvolvimento da autonomia, o professor transforma o

ambiente acadêmico em ambiente ético, uma vez que a busca do graduando pela autonomia,

no sentido moriniano, possui potencial para desenvolver a autoética, pois o exercício da

89

autoanálise suscita a consciência do “eu” e das suas múltiplas dependências - autonomia". A

autoética é, antes de tudo, uma ética de si que desemboca naturalmente em uma ética para o

outro” (MORIN, 2005d. p. 93). A imagem a seguir apresenta o papel das interações

interpessoais no desenvolvimento da competência clínica do graduando de Enfermagem.

Figura 12 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação entre o

graduando e o professor, o preceptor e os pares, 2020

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

As interações interpessoais entre o graduando e o professor, o preceptor e seus pares

são potentes para desenvolver a competência clínica quando ancoradas em estratégias que

ativam o tetragrama: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. As estratégias

90

apontadas pelos resultados desse núcleo de sentido são a força pedagógica da

mimese/imitação, a articulação entre teoria e prática e a ressignificação do erro.

Conclui-se que o contato do graduando com a realidade da assistência à saúde, quando

mediado pelo preceptor e/ou professor, pode configurar-se como ambiente de aprendizagem a

partir de erros e incertezas inerentes ao cotidiano do serviço. Esse contato ativa no graduando

de Enfermagem processos introspectivos, nos quais o sujeito olha para si, analisando suas

fragilidades e potencialidades, gerando autoconfiança.

6.3 INTERAÇÃO COM A PROFISSÃO

Eu queria fazer enfermagem para cuidar das pessoas, pensar que você pode

aliviar a dor de alguém é muito bom! (G3)

Antes de ingressar no curso de graduação, os alunos já possuem uma noção do que faz

o profissional enfermeiro, ou seja, a interação entre o sujeito-graduando e a profissão de

enfermagem inicia-se antes do curso de formação e é ressignificada ao longo da vida.

Figura 13 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação com a

profissão. 2020

Fonte: elaborado pelas autoras, 2019.

91

Durante o curso, o sujeito prioriza a aprendizagem do que compreende fazer parte das

ações de um enfermeiro, o que por vezes difere do que o currículo propõe para o momento.

Um exemplo citado é o empenho dos docentes em formar enfermeiros competentes para

produção de pesquisa científica. Compreendem que o enfermeiro não precisa saber realizar

pesquisa na prática assistencial, apenas consumi-la, e que o primordial para o desempenho da

função é conhecer as principais patologias encontradas no cotidiano da assistência e os

cuidados de enfermagem para cada uma delas.

Ainda, a vivência pessoal do aluno, como vida profissional anterior à graduação e

processos de adoecimento próprios e na família, pode ser positiva para o desenvolvimento da

competência clínica, visto que o discente que possui tais vivências consegue relacionar o

papel da enfermagem com os conteúdos vistos na teoria em sala de aula. Assim, a vida

cotidiana, antes, durante e/ou depois da graduação, tem potencial para desenvolver aspectos

da competência clínica, a depender das vivências de saúde e doença que a pessoa possui.

Na percepção dos graduandos, o enfermeiro é “o dono da clínica” e líder da equipe de

enfermagem, ou seja, é referência para a equipe multiprofissional no que tange aos cuidados

do paciente. O enfermeiro precisa ser ponderado e calmo, ter bom julgamento clínico, boas

habilidades manuais/técnicas e saber fisiopatologia e terapêuticas indicadas para as principais

patologias conhecidas. Também deve saber o que fazer em situações de urgência e

emergência, bem como conhecer os aspectos da rede de atenção à saúde e orientar a

comunidade quanto a esta:

Um enfermeiro mantém a calma e toma decisão certa mesmo na urgência.

Não dá para ter um branco na hora, né? (G2)

Interações com o preceptor, com o serviço e a comunidade foram citadas pelos

graduandos como essenciais para o desenvolvimento da familiaridade entre o estudante e o

cotidiano do serviço de enfermagem, uma vez que estas ressignificam a interação entre

graduando e profissão, ou seja, na percepção dos graduandos, a interação graduando-

profissão é ressignificada pelas interações com o preceptor, com o serviço e com a

comunidade.

O preceptor se configura como o principal exemplo profissional a ser seguido, aquele

que apresenta a profissão ao estudante, observá-lo, portanto, promove no graduando um

comparativo entre os desempenhos dele e do preceptor, inclusive características pessoais

também são observadas e imitadas pelos estudantes:

Eu vi que eu precisava falar mais com o paciente, não ter vergonha,

enfermeiro não pode ser tímido assim. (G3)

92

Comecei a fazer do jeito que ela fazia. Me ajudou demais! (G3)

Dialogar e assistir o paciente em sua necessidade são ações que fazem com que o

graduando deseje aprender cada vez mais. O paciente frequentemente faz perguntas ao aluno

e este, desejando oferecer a melhor assistência ao paciente e temendo ser envergonhado,

estuda o caso a fundo a fim de ser capaz de sanar suas dúvidas. Portanto, apesar de o PPC não

pautar a relação direta entre a interação comunidade-aluno e o desenvolvimento da

competência clínica, percebe-se que a interação com comunidade é potente para ressignificar

a interação do aluno com a profissão, desenvolvendo a autonomia e competência clínica.

Considera-se que existem situações de interação paciente-aluno que marcam o

graduando de tal forma que este as revisita mentalmente, sentindo-se encorajado a

desenvolver a competência clínica e desenvolvendo afeto pela profissão:

Pensar que tem alguém que precisa de você faz você querer ser melhor

enfermeiro. [...] eu fiz enfermagem para isso! (G2)

O estágio é visto pelos estudantes como a vivência mais importante da graduação, pois

é nele que o seu eu - enfermeiro é construído. Para os graduandos, o tempo inserido no

cotidiano da assistência mostra a realidade da enfermagem. A vivência do estágio ainda tem o

potencial de fazer com que o educando perca o medo de atuar profissionalmente como

enfermeiro. Na percepção dos estudantes, inteirar-se da rotina de atendimento do serviço faz

com que ele se sinta produtivo e confiante em sua decisão de tornar-se enfermeiro:

Eu, eu estou no bloco nove (nono semestre), então eu sou a enfermeira da

clínica agora… (G3)

O PPC valoriza a aproximação precoce com o mundo do trabalho e com diferentes

cenários de prática, compreende também que é na prática que o graduando pode visualizar

como se concretizam processos de vida e saúde-doença. Ainda, é possível apreender que o

documento valoriza a articulação entre o ensino e a realidade da profissão, assim como a

articulação profissional da enfermagem com as demais profissões da saúde. Portanto, a

construção da identidade com a profissão é de extrema importância para o aluno e é prevista

pelo PPC, que afirma que esta se dá no campo de prática, em contato direto com o mundo do

trabalho (PPCEnf).

93

6.3.1 Discussão

Para o pensamento complexo (MORIN, 2005b. p.19), a cultura caracteriza as

sociedades humanas, "é organizada/organizadora via o veículo cognitivo da linguagem a

partir do capital cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das competências

aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica das crenças míticas de uma

sociedade". Assim, esta se manifesta por meio de "representações coletivas”, "consciência

coletiva” ou "imaginário coletivo".

O desempenho do trabalho profissional é carregado de cultura, assim o aluno de

graduação, antes mesmo de iniciar seu primeiro dia de aula, já interage com a profissão por

meio das representações coletivas da profissão enfermeiro. O sujeito possui percepções, estas

que são ao mesmo tempo produtos e produtoras do imaginário coletivo de sua cultura, sobre

competências e desempenhos específicos para o profissional enfermeiro que se relacionam

com as percepções do que se é e do que se quer ser no futuro.

Tais representações do sujeito sobre a profissão enfermeiro configuram-se ainda como

horizonte normativo para o desenvolvimento de competências profissionais. Horizonte

normativo “entendido como uma inescapável referência ética e moral que orienta qualquer

formação discursiva, e [...] reclama ativamente processo de validação intersubjetiva, de

legitimação social” (AYRES, 2005, p. 550).

A competência clínica é essencial para a atuação do profissional enfermeiro na

percepção dos participantes desta pesquisa. Portanto, é possível associar recursivamente a

competência clínica e a interação com a profissão, uma vez que uma é ao mesmo tempo

produto e produtora da outra.

A interação profissão-aluno é produzida pelo desenvolvimento da competência clínica,

assim como o desenvolvimento da competência clínica é produzido pela interação com a

profissão, ou seja, um é necessário ao outro simultaneamente. Assim, se há intenção por parte

do corpo docente de cursos de graduação em Enfermagem de estimular um destes,

impreterivelmente, precisa estimular o outro.

Compreende-se que a interação aluno-profissão é ressignificada ao longo da vida e o

momento da graduação é essencial na produção de vivências. Os resultados deste estudo vão

ao encontro de achados de Oliveira (2016), que investigou a construção da identidade

profissional do enfermeiro. Os participantes da pesquisa de Oliveira (2016) mostraram que

iniciaram a construção da sua identidade profissional antes de adentrar o curso de graduação,

tendo iniciado esse processo simultaneamente ao processo da sua identificação juvenil,

94

deparando-se com a força da opinião da família, questões políticas e o poder de influência da

mídia.

As percepções dos graduandos sobre o que é ser um “bom enfermeiro” repercutem

diretamente no desenvolvimento da competência clínica durante a graduação, uma vez que o

aluno prioriza a aprendizagem do que compreende fazer parte das ações de um bom

enfermeiro, o que por vezes difere do que o currículo propõe para o momento. O exemplo

citado foi o da pesquisa científica, em que os estudantes afirmam que o enfermeiro deve

aprender a consumir pesquisa, mas não elaborar a mesma, o que difere das competências

esperadas pelo PPC que possui como perfil do profissional formado "produzir e inovar

conhecimentos e outras ferramentas tecnológicas em saúde e enfermagem" (PPCEnf. P.04).

Para os estudantes, o bom enfermeiro é o líder da equipe e a referência para a equipe

multiprofissional no que tange aos cuidados. Achados de De Oliveira et al. (2017, p. 6)

coadunam com os resultados deste trabalho afirmando que as ações do enfermeiro como líder

são “reconhecidas não apenas no âmbito da enfermagem, mas também pelos demais

profissionais hospitalares”.

A percepção dos estudantes sobre o enfermeiro ser ponderado e calmo, assim como ter

bom julgamento clínico, boas habilidades manuais/técnicas, dentre outros, direciona-nos à

necessidade de desenvolvimento da competência clínica como expectativa do sujeito-aluno

sobre sua futura atuação profissional. Ou seja, o desenvolvimento da competência clínica

torna-se necessário para alcançar os desempenhos que sustentam a consciência coletiva dos

graduandos sobre o "bom enfermeiro".

Durante o tempo da graduação, o preceptor se configura como o principal exemplo

profissional a ser seguido na percepção do graduando, inclusive características pessoais do

preceptor também são observadas e imitadas pelos estudantes, observá-lo, portanto, promove

no graduando um comparativo entre os desempenhos dele e do preceptor.

A interação com o preceptor, que é exemplo profissional para o graduando, constitui-

se como vivência capaz de confirmar ou refutar antigas percepções deste sobre a profissão.

Assim, o enfermeiro-preceptor é a corporificação do mito da profissão enfermeiro e a

interação entre o sujeito-aluno e o enfermeiro-preceptor também se configura na interação

entre esse sujeito-aluno e a profissão.

A interação com o preceptor tem sido estudada na área de Enfermagem (SOARES &

FERREIRA, 2017; FERREIRA, DANTAS, VALENTE, 2018; BARROS, et al, 2018) e os

resultados deste estudo coadunam com Carvalhal (2003) que afirma que o ensino clínico é o

cerne da formação em Enfermagem e o orientador clínico, ou seja, o preceptor, é essencial

95

para esse processo, uma vez que tem a capacidade de melhorar a qualidade da formação. Já

Carvalho (2006) afirma que a participação dos enfermeiros na educação dos futuros

profissionais de enfermagem possui importante papel no sucesso ou insucesso do estudante no

processo de ensino-aprendizagem. Ainda para Abreu (2007), os preceptores são vistos pelos

estudantes como um modelo profissional quando são seguros das suas competências, amigos,

atenciosos, pacientes e quando sabem como gerir o tempo e organizar o trabalho.

Para Morin, o sujeito que comporta o cosmo em si, ao mesmo tempo em que exerce

criatividade única e se difere de outros sujeitos, também depende destes para exercer o

movimento de aprendizagem mais elementar do desenvolvimento humano, a

mimese/imitação. A “mimese é um dos fenômenos mais importantes da vida animal […]

insetos imitam folhas de árvores […]. Também é na vida humana”, cada um de nós se forma

por meio de mil imitações, contudo o mistério reside no poder da mimese, pois não só

imitamos o comportamento de outros, mas entramos neles e deixamo-nos possuir por eles, ou

seja, somos sujeitos únicos ao mesmo tempo em que somos iguais a todos (Morin, 2005c, p.

91).

Desse modo, faz-se necessário que o ensino faça uso propositivo dessa "força

pedagógica elementar da vida humana” (MORIN, 2005, p. 91) e estimule a interação aluno-

preceptor em campo de prática, de modo que possibilite ao futuro enfermeiro mimetizar e

exercer, ao mesmo tempo, criatividade única em relação aos desempenhos profissionais do

preceptor.

A interação com o serviço também é potente para ressignificar a interação com a

profissão, logo, defende-se aqui a inserção precoce do graduando de Enfermagem no serviço

de saúde, visto que é na prática assistencial que o aluno tem a possibilidade de se perceber

profissional enfermeiro. Nesse sentido, os resultados deste estudo concordam com os de

Marran, Lima, Bagnato (2015), Da Rocha Tonhom (2016) e Da Silva Teodosio & Padilha

(2016) que defendem que os estágios curriculares supervisionados se constituem como

principal lócus de aproximação do graduando com a profissão, uma vez que é potente para o

desenvolvimento de competências profissionais do enfermeiro.

Complementarmente, compreende-se que a tomada de decisão do enfermeiro na

prática assistencial é construída a partir das situações vividas e das teorias apresentadas ao

profissional, assim a articulação entre teoria e prática é essencial a construção do eu -

profissional do graduando de Enfermagem. A experiência “não significa a mera passagem do

tempo, eis que representa o refinamento de noções e teorias preconcebidas através do

96

encontro com várias situações da prática que adicionam nuances à teoria” (ASSAD &

VIANA, 2003, p. 45).

Defende-se, portanto, que ambos os processos, de interação com a profissão e de

desenvolvimento da competência clínica, dão-se de forma paralela e contínua, uma vez que a

aprendizagem da profissão de enfermeiro se dá por meio da religação teoria-prática, por

tempo prolongado e em cenários reais de assistência à saúde (BENNER, 1984; PARRA et. al.

2016).

Dentre as percepções sobre a profissão, o papel de ajuda (BENNER, 1984) parece ser

relevante na construção da consciência coletiva sobre o profissional enfermeiro. Sabe-se que

sentimentos religiosos associados à obediência, respeito à hierarquia, humildade, espírito de

servir, abnegação, disciplina, dentre outros, marcaram a construção social da enfermagem

(GERMANO, 1985, p. 24).

Em estudo realizado por Pereira (2015) acerca da concepção de graduandos de

Enfermagem sobre o que é a enfermagem, observa-se que grande parte dos sujeitos possui

uma concepção de enfermagem permeada de valores religiosos, sendo que a concepção de

ajuda, serviço, doação e o caráter caritativo estiveram presentes nas falas de todos os sujeitos.

Nota-se, portanto, que os achados deste estudo corroboram com resultados do autor

supracitado.

Continuando a abordagem sobre a interação com a comunidade, constata-se nos

relatos dos graduandos que a percepção de desenvolvimento da competência clínica está

vinculada como, ao mesmo tempo, causa e consequência a esse papel de ajuda, ou seja, o

graduando busca o desenvolvimento da competência clínica a fim de ajudar o paciente, assim

como percebe que desenvolveu a competência clínica quando consegue ajudá-lo em suas

necessidades. Assim, é possível estabelecer relação recursiva entre o desenvolvimento da

competência clínica e o domínio papel de ajuda, estabelecido por Benner (1984).

Dos Santos Lima et al. (2018) e Beck et al. (2009) também confirmam os resultados

do estudo ora apresentado. Segundo os autores, a imagem caritativa de útil e necessário

refletiu-se sob diversos prismas e em diferentes intensidades no desenvolvimento da

identidade profissional do enfermeiro. Os participantes do estudo de Beck et al. (2009)

consideraram seu trabalho importante e, ao se definirem como cuidadores, sentem-se

motivados em seu trabalho e confiantes na efetividade de suas ações. Já Dos Santos Lima et

al. (2018) concluíram que as representações sociais de estudantes de Enfermagem se iniciam

nos aspectos caritativo e tecnicista, modificando-se com o avançar da academia.

97

Apresenta-se a seguinte figura a fim de elucidar visualmente os achados desse núcleo

de sentido:

Figura 14 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação entre o

graduando e a profissão, 2020

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

Nessa perspectiva, durante a graduação em Enfermagem, o sujeito ressignifica sua

interação com a profissão principalmente por meio das interações com o preceptor, com o

serviço e com a comunidade, por meio das seguintes estratégias: 1) A força pedagógica da

mimese, possibilitada principalmente pela interação preceptor-aluno; 2) A articulação teoria e

É POTENTE PARA O DESENVOLVIMENTO

DA

98

prática, promovida pelo cotidiano do serviço em enfermagem; e 3) O papel da ajuda, inerente

à interação entre o aluno e a comunidade. Estas são potentes para desenvolver a competência

clínica por meio da ressignificação da interação entre o aluno e a profissão do enfermeiro.

Conclui-se que o sujeito aprende uma profissão pelo desejo de tornar-se alguém, ou

seja, a aprendizagem do graduando de Enfermagem se dá no âmbito da subjetividade, na

busca de quem se é e de quem se quer ser. Ao ensino cabe a compreensão complexa de tais

fenômenos, uma vez que se torna cada vez mais essencial articular as expectativas dos

sujeitos-graduandos com as propostas atuais de formação do enfermeiro.

6.4 INTERAÇÕES COM O ENSINO, SERVIÇO E A COMUNIDADE

A gente dá a sugestão, mas eles [corpo docente e coordenador] não escutam!

Falta conversa entre as disciplinas, por exemplo, tem uma disciplina que é

muito necessária para outra, então elas deveriam ser feitas ao mesmo tempo,

juntas, para você [o aluno] conseguir conectar um assunto com o outro. E

não tem isso! É tudo jogado! Você que tem que articular sozinho. (G3)

O estágio curricular foi citado pelos estudantes como momento crucial para o

desenvolvimento da competência clínica. Essa vivência possui potencial para promover a

reflexão do aluno sobre sua trajetória durante a graduação, avaliando suas potencialidades e

fragilidades. Relata-se, ainda, que quando os alunos entram no estágio se arrependem de todas

as faltas que tiveram durante a graduação devido à perda de conteúdos que consideram

importantes para a atuação de enfermagem.

Figura 15 - Interações com o ensino, o serviço e a comunidade, 2020

99

Fonte: elaborado pelas autoras. 2020.

Os semestres de estágio exigem que o aluno conecte todo o conhecimento apreendido

de forma fragmentada ao longo da graduação, portanto as vivências de estágio são diferentes

do restante da graduação e decisivas para o desenvolvimento de competências:

A gente entra no estágio e se arrepende de ter faltado… não ter prestado

atenção na aula [...] faz muita diferença na hora da prática. (G3)

O estágio é visto como a vivência mais importante da graduação, pois é nele que o eu -

enfermeiro é construído. A prática mostra a realidade da enfermagem e coloca o aluno como

enfermeiro da unidade, promovendo, assim, autonomia. A vivência do estágio ainda tem o

potencial de fazer com que o aluno perca o medo de atuar profissionalmente como

enfermeiro:

Eu, eu estou no bloco nove (nono semestre), então eu sou a enfermeira da

clínica agora... eu concordo com a equipe agora, eu acho que o aluno dos

outros blocos (semestres) acabam atrapalhando a rotina da clínica mesmo.

(G3)

A grade curricular foi citada como fator dificultador para o desenvolvimento da

competência, pois ainda é rígida e fragmentada por disciplinas básicas (anatomia, fisiologia,

biologia etc.) e específicas (processo de cuidar, saúde do adulto, saúde da criança etc.). Os

semestres iniciais são distantes da realidade de enfermagem, sendo que o aluno só se percebe

enfermeiro nos últimos semestres - semestres de estágio supervisionado, a saber: oitavo e

nono semestres:

Essa grade é muito ruim, porque a gente só vira enfermeiro na prática, e a

prática só é oferecida, de verdade, no fim da graduação. (G2)

A percepção do coordenador converge com a dos graduandos a respeito das falhas da

grade curricular. Afirma que a graduação falha quando não proporciona ao aluno momentos

de interligação de saberes que o foco da formação deve ser a clínica e que o currículo deve ser

direcionado ao desenvolvimento da competência clínica, o que não ocorre atualmente. O PPC

aponta que o planejamento das disciplinas deve ser participativo, sistemático e flexível,

prevendo outros elementos que auxiliem o aluno em seu processo de aprendizado. Ainda,

valoriza a integração das disciplinas, afirmando que tal integração deve ser buscada por meio

de atividades sistemáticas e coletivas de planejamento e reflexão.

100

Os estudantes sugerem que uma disciplina de primeiros socorros seja ofertada logo

nos primeiros semestres, visto que seria atrativa e útil, aproximando a atuação clínica do

estudante, além de ser positiva para o desenvolvimento da competência clínica, pois afirmam

que a disciplina desenvolveria o afeto pela profissão e daria segurança ao aluno para se

assumir como estudante de enfermagem na comunidade.

Os laboratórios de enfermagem e de medicina são pouco usados durante a graduação

em Enfermagem, sendo praticamente privativos a um único semestre, estes permanecem

trancados, o que na percepção dos estudantes é fator dificultador para o desenvolvimento da

competência clínica.

Para os graduandos, o curso não promove momentos de prática suficientes, o tempo

em campo não é o bastante para apreender da rotina do serviço, ainda, há falta de interação

entre o Hospital Universitário e a Faculdade de Enfermagem, que é notada quando os

professores enfermeiros não compreendem as rotinas do serviço e não dialogam bem com a

equipe de enfermagem, ou seja, apesar do hospital possuir vínculo institucional com a

universidade, na percepção dos alunos são como dois mundos diferentes.

Outros elementos do cotidiano do ensino também foram citados como capazes de

potencializar ou fragilizar o desenvolvimento da competência clínica. As metodologias ativas

são, na percepção dos estudantes, estratégias potencializadoras para o desenvolvimento da

competência, mas poucos docentes utilizam metodologias ativas em sala e quando as utilizam,

apesar da proposta ter características inovadoras, falta orientação quanto aos objetivos a

serem alcançados com a atividade e a relação professor-aluno continua verticalizada.

Convergente à percepção dos graduandos, o PPC aponta em seus fundamentos que são

necessários a integração curricular, os modelos pedagógicos interativos, o uso de

metodologias ativas de ensino-aprendizagem, abordagem interdisciplinar e a atuação do

professor como facilitador do processo de construção de conhecimento. No PPC, há registros

de defesa de posturas pedagógicas críticas que permitam a revelação das contradições sociais

e a formação do homem consciente e crítico (PPCEnf, 2010).

O que facilita o desenvolvimento da competência clínica em sala de aula são os

exemplos práticos que o professor cita durante a explicação do conteúdo, quanto mais

exemplos da prática, melhor para fixação do conteúdo e compreensão de como utilizá-lo na

atuação profissional:

Pode até ser slide, mas tem que dar exemplo de como vou usar isso [o

conteúdo] quando eu virar enfermeiro. (G1)

101

O professor, na percepção dos graduandos, deve utilizar diferentes estratégias a fim de

promover a aprendizagem. Citaram-se como estratégias facilitadoras desse desenvolvimento

os estudos de caso, discussão de casos clínicos que abordem não apenas fisiopatologia, mas

também os cuidados de enfermagem, discussões de assuntos em grupo, uso do laboratório,

uso de vídeos/filmes, visitas técnicas, treino de procedimento entre os alunos e simulação

realística. Para o desenvolvimento de habilidades manuais, os estudantes relatam que o

melhor método é a observação do professor executando a atividade, seguida da execução pelo

aluno em parceria com o professor e finalizando com a execução da atividade completa pelo

aluno e, posteriormente, discussão final dos resultados.

As estratégias que dificultam o desenvolvimento da competência clínica para os

graduandos são a leitura solitária de material de referência sem debate prévio ou posterior,

uso de apenas uma estratégia pedagógica durante toda a disciplina, poucos momentos práticos

e o uso de muitos slides com textos e sem exemplos do cotidiano.

A avaliação da aprendizagem pode ser concorrente ou não para o desenvolvimento da

competência clínica. As avaliações frequentes com baixo valor quantitativo de nota foram

referidas como mais adequadas ao processo de desenvolvimento de competências na

percepção dos graduandos. A avaliação apenas no fim da disciplina com alto valor de nota é

percebida como um aspecto dificultador, já que não possibilita feedback a tempo do aluno

refletir e melhorar seu desempenho.

Quanto às avaliações durante o estágio, estas são as mais criticadas pelos estudantes

devido ao alto grau de subjetividade. Além do instrumento avaliativo do estágio não possuir

desempenhos claros a serem alcançados, exige-se demasiadamente o desenvolvimento de

atividades gerenciais. Contudo, a rotina da clínica possui mais demandas de atividades

assistenciais do que gerenciais, assim, a fim de ser bem avaliado, o aluno, apesar de não

compreender como importante para o seu desenvolvimento, elabora Procedimentos

Operacionais Padrão - POP para que o professor se sinta contemplado e lhe atribua nota

correspondente.

Concordando com o estudante acerca da necessidade de diálogo sobre o processo

avaliativo, o PPC afirma que o diálogo deve abrir espaço para a troca em torno do

desenvolvimento do graduando, do processo de ensino e suas condições, Ainda, o processo

avaliativo “deve promover a valorização e autonomia de alunos e professores”

proporcionando momentos de coleta de “indícios que sinalizam problemas nas inter-

relações”, estimulando, dessa forma, os processos de autoavaliação de alunos e professores

(PPCEnf).

102

No que tange à interação com o serviço de saúde, o coordenador de curso, os

graduandos e o PPC convergem acerca da noção de que a aproximação precoce com o mundo

do trabalho e com diferentes cenários de prática é benéfica ao estudante e potencializa o

desenvolvimento de competências.

Para os estudantes, só é possível desenvolver competência clínica vivenciando o

cotidiano do serviço. A equipe multiprofissional de saúde, as rotinas e a interação com a rede

de serviço são fundamentais nesse desenvolvimento. Para o coordenador do curso, o campo

de prática precisa ser compatível com os conteúdos abordados no semestre, um exemplo dado

foi a escolha de UPAs – Unidades de Pronto Atendimento e Policlínicas para o

desenvolvimento da prática do quarto semestre - semestre que tem o ensino de procedimentos

técnicos de enfermagem como principal objetivo. Para os estudantes, cada setor do serviço de

saúde proporciona vivências diferentes e todas são muito valiosas. O tempo de atuação do

graduando no serviço, portanto, é visto como essencial para o desenvolvimento da

competência.

O Hospital Universitário, por acolher muitos alunos, torna-se um ambiente de disputas

por procedimentos. Em virtude de a maior parte das atividades do curso ser concentrada no

período matutino, quando surge alguma demanda, a equipe de enfermagem dá preferência aos

residentes de enfermagem e depois aos estagiários do último semestre. Os estudantes dos

semestres iniciais acabam por perder as oportunidades de aprendizagem prática, restando

apenas a observação da realização dos procedimentos. A solidão no âmbito do serviço é

apontada como fator que potencializa o desenvolvimento da competência clínica. Há relatos

de que o momento em que o aluno mais percebeu que se desenvolveu foi quando o enfermeiro

da clínica entrou de férias e os residentes entraram em recesso, ou seja, o aluno assumiu os

cuidados dos pacientes sozinho com a equipe de enfermagem:

É, só tem eu! Ou eu coleto, ou eu coleto. (G3)

A autonomia do estudante em relação à prática clínica é estimulada durante a inserção

do aluno no campo e, na percepção dos estudantes, quanto maior o tempo de inserção, maior

o desenvolvimento da competência. O aluno se sente encorajado a se aprofundar nos

conteúdos vistos na prática quando a equipe de saúde o convida para as discussões de caso,

pergunta algo ao estudante e quando o elogia. Tais momentos desenvolvem afeto pelo

exercício da profissão e estimulam o graduando a aprimorar seu desempenho profissional.

Apesar de potente para o desenvolvimento da competência clínica, a interação com a

equipe também pode ser conflituosa. Os alunos relatam que a equipe de saúde vê o aluno da

103

Universidade Federal como inteligente, que conhece muito da teoria e que não erra com

frequência, todavia são considerados ruins para execução de procedimentos técnicos e não

confiáveis quando há necessidade de execução de atividade que requer habilidades manuais.

A interface ensino - serviço é dialogicamente conflituosa e profícua ao

desenvolvimento da competência. Os graduandos percebem que antes do oitavo e nono

semestres, ou seja, antes dos semestres de estágio, o aluno atrapalha a rotina do serviço

porque não assume o cuidado integral do paciente e não acompanha os horários rotineiros dos

plantões. Os estudantes e o professor entram na clínica depois da equipe de enfermagem,

escolhem alguns pacientes, realizam apenas os cuidados que o professor julga como

importantes para a aprendizagem do aluno naquele momento e deixam os outros

procedimentos para a equipe realizar após deixarem o campo de prática. Assim, os próprios

alunos percebem que atrapalham a rotina do serviço.

Há falta de integração entre o Hospital Universitário da universidade em tela e a

Faculdade de Enfermagem. O aluno é visto como visita e não faz parte do cotidiano do

serviço. Ainda, as produções são pouco valorizadas, uma vez que apesar de os alunos

registrarem evolução, diagnóstico e prescrição de enfermagem, o enfermeiro da unidade

também os produz, sendo apenas estes afixados no prontuário. Ou seja, na percepção dos

alunos, eles não são parte da equipe, já que ninguém lê seus registros:

[...] a gente termina de evoluir e coloca na bancada do posto de enfermagem

após terminarmos o período, eu mesmo já vi elas sendo descartadas no lixo

pela equipe de enfermagem... ou seja, a gente é um nada ali, com o aluno ou

sem o aluno é a mesma coisa. (G3)

O cotidiano do ensino não prepara o estudante para a real atuação do enfermeiro. Na

prática, o volume de demanda absorvido pelo enfermeiro é intenso e há falhas na rede de

atenção e na equipe multiprofissional, portanto os estudantes percebem que a graduação os

formou com competências para atuar apenas em um campo ideal e que somente durante a

inserção integral no serviço, ou seja, durante os semestres de estágio supervisionado, o mundo

real da atuação de enfermagem é apresentado a eles.

O aluno percebe que chega ao estágio com o perfil do professor, ou seja, apesar de

saber falar sobre as demandas e prioridades de um setor, na prática, perde o controle destas e

ao término do dia é pouco produtivo e resolutivo. O tempo de vivência no campo proporciona

interações com os pacientes, com a instituição de saúde e com a equipe multiprofissional,

assim o discente vai modificando esse perfil em prol de um perfil menos teórico, mais prático

104

e resolutivo, adapta-se às demandas do serviço e ganha o respeito da equipe multiprofissional

da unidade.

A interação com a comunidade assistida foi citada como fonte de desenvolvimento da

competência clínica pelos graduandos. O coordenador do curso e o PPC não pautam a relação

direta entre interação paciente-aluno e o desenvolvimento da competência clínica. Para os

estudantes, perceber que o paciente precisa do enfermeiro faz com que ele deseje aprender

cada vez mais e há situações nessa interação que marcam o graduando de tal forma que este

revisita mentalmente a vivência, sentindo-se encorajado a desenvolver a competência clínica e

o afeto pela profissão:

[...] aquilo que ele falou me marcou tanto, que eu fiquei pensando nisso a

semana inteira. (G3)

Pensar que tem alguém que precisa de você faz você querer ser melhor

enfermeiro. [...] eu fiz enfermagem para isso! (G2)

Os alunos relatam que na própria comunidade em que estão inseridos, ou seja,

familiares e amigos, demanda do graduando de enfermagem, mesmo que recém-admitido na

universidade, conhecer as principais patologias locorregionais, principais fármacos e

primeiros socorros, ou seja, a lógica da graduação de abordar todas as disciplinas teóricas nos

semestres iniciais para que somente após dois anos de curso aborde aspectos práticos da

profissão acaba por não corresponder às expectativas do aluno e da sua comunidade perante o

desenvolvimento da graduação:

[...] uma vizinha minha tentou suicídio, cheguei lá e ela estava com os pulsos

cortados, eu liguei pro SAMU e chamei o vizinho que estuda medicina, mas

me senti um inútil. Estou há um ano e meio cursando enfermagem e não fiz

nada. Não sei fazer nada. Não sei nem primeiros socorros. Morro de

vergonha! (G1)

6.4.1 Discussão

Os resultados apontam que a interação entre o sujeito-graduando e o ensino, o serviço

e a comunidade são potentes para o desenvolvimento da competência clínica. Para Morin

(2012), o sujeito é ser computante, isto é, analisa os dados externos e seus próprios dados

internos, sendo que tais cômputes são realizados para si, ou seja, na primeira pessoa. Portanto,

a interação entre o graduando e o ensino, o serviço e a comunidade é capaz de desenvolver a

competência clínica, pois se dá no âmbito da subjetividade do graduando/sujeito.

No cotidiano de atenção à saúde, as respostas não são previsíveis, sejam elas do

sujeito atendido, da gestão do trabalho ou do próprio sistema de saúde. As singularidades dos

105

organismos humanos e institucionais e suas reações confrontam diariamente o paradigma

positivista de certo ou errado, verdade ou mentira, cura ou doença. Ao deparar-se com a

incerteza, o sujeito olha para si, movimento de introspecção (MORIN, 2005d), a fim de

perceber suas potencialidades e limitações diante da realidade que o cerca.

O estímulo por parte dos pacientes, da equipe, do professor e interna - dele para com

ele mesmo - para articular conhecimentos teóricos e práticos sobre os cuidados de

enfermagem que a comunidade demanda é fonte constante de cômputos ao sujeito. Ou seja, a

prática da assistência em enfermagem, por meio do contato com o erro e a incerteza, promove

introspecção (olhar para si), autonomia (percepção de si, de seus potenciais e de suas

múltiplas dependências) e, consequentemente, o desenvolvimento da competência clínica.

O estágio curricular foi apontado como a estratégia mais potente da graduação para o

desenvolvimento da competência clínica, corroborando com tais resultados, Dalcol et al.

(2019) apontam que não apenas o aprendizado do estudante de Enfermagem está intimamente

ligado ao estágio, mas também a integração ensino, serviço e comunidade deve ser vista como

transversal ao curso de graduação em Enfermagem.

Os resultados coadunam ainda com pesquisa de Rocha et al. (2019) que aplicou a

escala “Clinical Competence Questionnaire - Questionário de Competências Clínicas (QCC)”

em graduandos de último ano de Enfermagem. Os resultados apontam que os discentes

perceberam melhora na competência clínica ao final do estágio, afirmando serem capazes de

realizar atividades sozinhos ou com alguma supervisão. Assim, é possível apreender que o

estágio curricular é a estratégia mais potente para o desenvolvimento da competência clínica,

uma vez que essa interação aproxima teoria de prática e propicia reflexão e criticidade

(CARVALHO, DUARTE, GUERRERO, 2015).

A grade curricular do curso de graduação em estudo separa o processo de formação

em três momentos, a saber: disciplinas fundamentais, disciplinas específicas e estágios. Tal

grade foi criticada por alunos e coordenador, pois reforça a dicotomia teoria e prática e não

contempla as expectativas dos discentes em relação ao curso. Morin (2012) afirma que o

retalhamento das disciplinas torna impossível apreender o que é tecido junto, isto é, o

complexo, segundo o sentido original do termo. Assim, precisa-se analisar o problema do

ensino considerando os efeitos da compartimentação dos saberes e a necessidade de

desenvolvimento da capacidade de contextualizar e integrar conhecimentos.

A proposição de uma grade curricular, norteada pelo desenvolvimento da competência

clínica, estimula a ruptura da linearidade da causa e efeito e a adoção de possibilidades

circulares (retroatividade, recursividade), uma vez que as mesmas causas não produzem

106

sempre os mesmos efeitos, quando os sistemas que elas afetam têm reações diferentes, e

porque causas diferentes podem provocar os mesmos efeitos (MORIN, 2012, p. 94). Faz-se

necessário, assim, que o sujeito/futuro enfermeiro desenvolva competências capazes de

enfrentar a complexidade do real, contextualizar suas vivências e lidar com as incertezas

inerentes à área da saúde para que, dessa forma, possa desenvolver inteligência estratégica,

criatividade e coerência entre como o sujeito pensa e como os fenômenos acontecem nesse

contexto.

Bensfield, et al. (2012) apontam que a elaboração do currículo possui impactos

significativos no desenvolvimento da competência clínica. Propostas construtivistas (JOSEPH

& JUWAH, 2012), o norte por competências (SILVA-GALLEGUILLOS, 2016), assim como

a incorporação sistemática de metodologias ativas (DALCOL et al., 2019; JOHNSTON,

PARKER, FOX, 2017; PITON-GONÇALVES, 2020), são reformas importantes para que o

ensino de graduação promova a aprendizagem significativa e desenvolva competências

profissionais necessárias à atuação do enfermeiro.

A fim de significar a aprendizagem, os participantes apontam que o uso de

metodologias ativas no cotidiano do ensino é potente para o desenvolvimento da competência

clínica. Para Diaz-Bordenave & Pereira (2007), a metodologia ativa estimula processos

críticos-reflexivos de aprendizagem, uma vez que promove a aproximação crítica do aluno

com a realidade.

Percebe-se que a proposta de utilização de metodologias ativas no cotidiano do ensino

significa a ruptura dos modelos de ensino tradicionais. Sobral (2012) afirma que as propostas

metodológicas usadas na formação dos profissionais de saúde precisam integrar teoria e

prática, serviço e ensino. A associação entre o uso de metodologias ativas de ensino-

aprendizagem e a autonomia foi apontada por Paiva et al. (2016) em revisão sobre o tema. Os

autores afirmam que autonomia, criatividade e reflexão são questões centrais no processo de

aprendizagem por meio de metodologias ativas.

Metodologias ativas fomentam a integração entre teoria e prática possibilitando um

processo de formação mais sólido, coerente e efetivo. O pensamento crítico é desenvolvido a

partir da relação entre o graduando e a realidade e esta facilita a fixação dos conteúdos, uma

vez que ganham significado e força (CARRARO, 2016).

Ademais, estudos demonstram a efetividade de metodologias não tradicionais para o

desenvolvimento de competências. O uso de linha do tempo (DE CARVALHO, 2016),

estudos de caso (QUEMEL, 2019), aprendizagem baseada em problemas - ABP,

problematização (BERBEL, 1998), aprendizagem baseada em times - TBL (VIEIRA,

107

OLIVEIRA, MENDES, 2019), dentre outros, são estratégias importantes para processos de

aprendizagem mais significativos e integração entre teoria e prática.

Portanto, utilizar metodologias pedagógicas que ultrapassam os limites da sala de aula

é estreitar a relação entre teoria e prática. Faz-se necessário que as instituições de ensino e de

saúde se alinhem, de modo que a parceria entre os enfermeiros (docentes e assistenciais)

ultrapasse o simples trabalho em conjunto (DE OLIVEIRA, ARAUJO E RIBEIRO, 2017).

Apreende-se que apesar da avaliação formativa ser preconizada pelo PPC, os

resultados deste estudo demonstram que ainda há desafios para a execução desta na prática.

Defende-se que a competência profissional norteadora da graduação em Enfermagem deve ser

a competência clínica e, uma vez que o desenvolvimento desta se dá por meio da busca do

sujeito-aluno pela autonomia em suas interações, torna-se fundamental a institucionalização

da avaliação formativa, uma vez que o principal componente desta, segundo Borges (2014), é

o feedback (DOS SANTOS & DA SILVEIRA KROEFF, 2018).

O feedback determina o processo de ensino-aprendizagem, promovendo,

continuamente, informações para que o aluno perceba o quão próximo, ou distante, está dos

objetivos almejados. No caso da avaliação formativa, o feedback contínuo permite que o

estudante realize os ajustes necessários precocemente para melhor qualidade da aprendizagem

(BORGES, 2014; CESARIO, et al., 2016; MONTES, RODRIGUES & AZEVEDO, 2019).

Assim, a avaliação formativa promove o olhar para si, ou seja, a introspecção moriniana,

fundamental para o desenvolvimento da autonomia e competência clínica.

Ainda, defende-se aqui a inserção precoce do graduando de Enfermagem no serviço de

saúde. Para Benner (1984), o desenvolvimento da competência clínica depende do tempo de

inserção do enfermeiro na prática assistencial, ou seja, não há como se falar em competência

clínica sem prática. Ainda, a prática assistencial promove vivências de interação profissão-

aluno, ou seja, é na prática assistencial que o aluno tem a possibilidade de se perceber

profissional enfermeiro.

Contudo, muitos são os desafios na integração entre ensino, serviço e comunidade.

Não basta apenas transferir o ambiente do ensino para a rede de atenção à saúde, o sentido da

palavra integrar deve referir-se a processos complexos em busca de objetivos comuns, os

quais requerem de cada ente comprometimento com a educação e com a saúde (ANDRADE,

et al, 2014).

Santana (2015) problematiza o distanciamento entre teoria e prática no âmbito da

enfermagem relacionando a priorização de atividades relacionadas à pesquisa, por parte do

docente, em detrimento das atividades assistenciais do enfermeiro. Esse maior envolvimento

108

com as atividades inerentes à área de educação distancia o professor das situações cotidianas

da atenção à saúde no SUS. Concomitantemente, o profissional do serviço se dedica tanto ao

dia a dia do serviço que acaba por preterir as questões do ensino.

São desafios a serem superados para que a integração ensino-serviço avance: falta de

investimentos públicos; recursos humanos escassos; projetos curriculares

descontextualizados; e dificuldade de inserção de alunos em algumas áreas

(VENDRUSCOLO et al, 2018). Esses aspectos interferem na diversificação de cenários e

desenvolvimento docente. Ir além desses limites, de desigualdades e contradições entre ensino

e serviço “[...] pressupõe construção de projetos coletivos, responsabilidade compartilhada,

espaços de diálogo solidário e, sobretudo, negociação” (CARVALHO; DUARTE &

GUERRERO, 2015, p. 139).

A partir dos resultados é possível estabelecer relação recursiva entre os movimentos de

distanciamento entre serviço e ensino. Em outras palavras, o distanciamento da academia está

vinculado como, ao mesmo tempo, causa e consequência do distanciamento do serviço.

Quanto mais o ensino se afasta da rede de atenção, mais o serviço distancia sua rotina do

cotidiano da prática docente e vice-versa. Daí a necessidade da criação de ambientes

pedagógicos capazes de potencializar a prática assistencial, promovendo, assim, educação do,

pelo e para o trabalho, ou seja, espaços de educação permanente em saúde (CECCIM &

CARVALHO, 2005). É impossível o ensino objetivar o desenvolvimento da competência

clínica do enfermeiro sem planejar a interação entre o graduando e o ensino, o serviço e a

comunidade. A integração ensino, serviço e comunidade se dá quando ocorre o trabalho

coletivo. O quadrilátero da formação – formação- gestão-atenção- participação - é apontado

como fundamental para estabelecer processos de articulação entre os atores envolvidos

(CECCIM; FERLA, 2011; DE SOUZA, TORRES & DANTAS, 2017).

Especificamente, a interação entre o graduando e a comunidade demonstra ser

essencial ao processo de desenvolvimento da competência clínica. O papel de ajuda é o mais

relevante na construção da consciência coletiva (MORIN, 2005) sobre o profissional

enfermeiro. Benner (1984) afirma que o papel de ajuda diz respeito às intervenções do(a)

enfermeiro(a) por meio de apoio social, emocional e espiritual que visam promover a cura ou

auxiliar o paciente e sua família a se comprometer com o tratamento. A interação do

profissional com o paciente caminha no sentido de captar no outro o desejo de melhora, ou

seja, partir dos significados que o outro atribui ao seu processo de adoecimento.

Nesse contexto, observa-se que a integração ensino, serviço e comunidade oportuniza

vivências de articulação entre teoria e prática, uma vez que a experiência “não significa a

109

mera passagem do tempo, eis que representa o refinamento de noções e teorias preconcebidas

através do encontro com várias situações da prática que adicionam nuances à teoria” (ASSAD

& VIANA, 2003. p.45).

A figura abaixo apresenta o papel da interação com o ensino, serviço e a comunidade

no desenvolvimento da competência clínica.

Figura 16 - Relação estabelecida entre o desenvolvimento da competência clínica e a interação entre

o graduando e o ensino, serviço e comunidade, 2020

Fonte: elaborado pelas autoras. 2020.

Conclui-se que a integração entre o graduando e o ensino, o serviço e a comunidade é

potente para desenvolver a competência clínica quando prioriza estratégias que ativam o

tetragrama: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. As estratégias apontadas

foram: 1) a ressignificação do erro, por meio da avaliação formativa; 2) articulação entre

110

teoria e prática, por meio, principalmente, do uso de metodologias ativas, inserção precoce no

campo de prática e estágio curricular, 3) estímulo ao desenvolvimento do papel de ajuda à

comunidade; e 4) mimese/imitação, relacionada principalmente à interação entre o graduando

e o preceptor.

6.5 O TODO É MAIS QUE A SOMA DAS PARTES: AS INTERAÇÕES ENTRE AS INTERAÇÕES

Apresenta-se neste momento, por meio de mais um princípio moriniano - princípio

sistêmico, que o todo é mais que a soma das partes, de maneira que o „todo‟, ou seja, o

desenvolvimento da competência clínica no graduando de enfermagem se dá não apenas pela

soma das interações já explanadas, mas também por meio das intersecções entre essas

interações. Tais intersecções podem ser observadas como as tecituras das interações umas

com as outras ou, ainda, como as interações das interações, ora apresentadas.

Figura 17 - As interações entre as interações

Fonte: elaborado pelas autoras. 2020.

A interação professor-aluno desempenha papel fundamental no desenvolvimento da

interação entre o graduando e a profissão. Na percepção dos alunos, há professores que fazem

com que o estudante se apaixone pela profissão, outros que desista de ser enfermeiro. O

111

professor que não dá liberdade e que monitora demasiadamente as ações do aluno durante a

prática leva este a se sentir inseguro e despreparado para ser enfermeiro. Tal comportamento

do professor diminui a vontade do discente de se tornar enfermeiro:

O professor que fica em cima, que não deixa a gente fazer as coisas, faz a

gente achar que não sabe ser enfermeiro. Parece que a gente não sabe nada e

está na profissão errada. (G2)

MOTA (2018) também encontra relação entre o papel do docente com o graduando no

campo de prática de enfermagem e o desenvolvimento da autonomia profissional deste. Os

entrevistados de Mota afirmaram que "há interferência dos professores quanto a eles [os

graduandos] exercerem a prática das atividades, especialmente no que concerne ao fazer".

Essa interferência acaba por impedir ou limitar a liberdade e autonomia do futuro enfermeiro.

A autoconfiança desenvolve-se a partir da repetição de ações práticas, resultando em

estímulos positivos (GUILHARDI, 2002), ou seja, se o corpo docente de graduação objetiva o

desenvolvimento da autoconfiança dos futuros profissionais enfermeiros, precisa deixar o

centro do processo de ensino-aprendizagem e passar para o sujeito em formação a posição de

protagonista desse processo.

Os resultados apontam que professor não é visto como principal modelo profissional a

ser seguido pelo estudante, ainda, afirmam que por vezes o docente espera que o graduando

tome decisões como ele, porém essa decisão não seria a mais adequada, uma vez que um

„bom enfermeiro‟ não tomaria a mesma decisão do professor:

[...] às vezes o professor quer uma decisão minha que seja igual à dele, não a

que eu acho que um bom enfermeiro faria, o meu preceptor não faria desse

jeito, então eu acho que não é a melhor decisão. (G3)

Por outro lado, o preceptor é visto pelos graduandos como principal modelo

profissional, o que os leva a desenvolver autoconfiança e afeto pela profissão a partir do

reconhecimento por parte do preceptor. Esse reconhecimento é observado quando o preceptor

o elogia, solicita-o para as reuniões de equipe e conta com o aluno para a divisão diária de

tarefas. O papel do preceptor como modelo profissional também foi destacado por outros

autores (CUNHA et al, 2010; CARVALHAL, 2003; PACZEK & ALEXANDRE, 2019; DOS

SANTOS et al, 2020), os quais também encontraram a interação entre o aluno e o preceptor

como potente para o desenvolvimento de competências profissionais.

Na percepção dos graduandos, o processo de tornar-se enfermeiro majora-se a partir

da experiência do estágio, antes deste, o discente não se vê como enfermeiro e se mostra

inseguro em relação a sua escolha profissional. O nono semestre, último da graduação, parece

112

ser o grande responsável pelo desenvolvimento da percepção de que o aluno é um enfermeiro,

os demais não são capazes de desenvolver tal percepção devido a problemas de interação

entre os estudantes e o serviço. Para os estudantes, como o aluno dos semestres anteriores é

pouco útil para o serviço e para equipe, ele não é enfermeiro, de modo que se retoma aqui a

construção coletiva do “ser enfermeiro” na cultura:

Eu sou do bloco 9 (nono semestre), eu sou o enfermeiro da G.O (clínica de

ginecologia obstétrica) agora, eu vou falar... os alunos do B6 só atrapalham a

rotina, pegam só os cuidados que eles querem, enrolam, chega 11 horas vão

embora, tenho que checar os procedimentos que fizeram e nem banho a

paciente tomou. (G3)

O relato de alunos com receio de ir e voltar da universidade com camiseta na qual está

escrito o nome do curso, pois se alguma situação de urgência e emergência acontecer no

percurso ele não saberá tomar conduta, demonstra mais uma vez que a graduação se apresenta

distante da prática assistencial do enfermeiro. Para Benner (1984), a prática é essencial ao

desenvolvimento da competência clínica, ou seja, aproximar o graduando precocemente da

prática demonstra-se favorável ao desenvolvimento da autoconfiança e autonomia deste, em

relação a sua escolha profissional:

Essa grade é muito ruim, porque a gente só vira enfermeiro na prática, e a

prática só é oferecida, de verdade, no fim da graduação. (G2)

A literatura (DUARTE E VASCONCELOS, 2017; MONTEIRO E PIMENTEL,

2019) apresenta a relação entre a grade curricular proposta por cursos de graduação em

Enfermagem e o perfil de atuação desses profissionais, ou seja, a interação entre o graduando

de enfermagem e a realidade profissional é estimulada ou reprimida a depender do currículo

proposto pela instituição de ensino. Defende-se, portanto, neste trabalho, o currículo norteado

para o desenvolvimento da competência clínica a partir da autonomia do futuro enfermeiro.

Para tal, torna-se essencial a inserção precoce do graduando em campo de prática assistencial

e a integração ensino-serviço-comunidade.

As interações interpessoais: professor, preceptor e pares se relacionam diretamente

com as interações com o ensino, o serviço e a comunidade. O professor que não proporciona

liberdade ao aluno e não o estimula a executar o cuidado integral de pacientes gera problemas

na rotina de cuidados do setor, atrapalhando o serviço e trazendo conflitos à interação do

aluno com o ensino, serviço e comunidade.

O aluno percebe que chega ao momento de estágio com o perfil do professor, ou seja,

apesar de saber falar sobre as demandas e prioridades de um setor, na prática, perde o

113

controle destas e ao término do dia é pouco produtivo e resolutivo. O tempo de vivência no

campo proporciona interações com os pacientes, com a instituição de saúde e com a equipe

multiprofissional, desse modo o aluno vai modificando esse perfil em prol de um perfil menos

teórico, mais prático e resolutivo, adaptando-se à demanda real do serviço e ganhando o

respeito da equipe multiprofissional da unidade.

A interação com o preceptor ensina o aluno a focar na assistência em saúde, e ele

compreende que a assistência direta ao paciente é a principal demanda do enfermeiro, porém

o professor não compreende essa demanda e foca sua avaliação em aspectos gerenciais. Tal

divergência de prioridades gera conflitos entre a equipe multiprofissional e o professor, que

frequentemente é visto como alheio à realidade da assistência de enfermagem.

Outro problema referente à interação professor-aluno que se relaciona diretamente

com a interação serviço-aluno é que o professor não estimula a (co)responsabilização pelo

cuidado integral do paciente nos semestres anteriores ao estágio, ou seja, o graduando não

vivencia todas as etapas do processo de cuidar. Como exemplo, relatou-se que os alunos de

Enfermagem após evoluírem o paciente, no momento de irem embora da unidade, deixam as

evoluções na bancada do posto de enfermagem, não colocando no prontuário, pois a equipe

realizará a evolução independente da presença do discente na unidade:

Eu aprendi na prática: se você fez, o lugar que do que você fez não é na

bancada, nós aprendemos, os professores falavam: ˗ Terminando, você

coloca na bancada aqui, daí o técnico ou a enfermeira vão colocar no

prontuário. Não! Ele vai jogar fora. Vai jogar fora! Eu que estou no nove

[nono semestre] se deixar em cima da bancada vou jogar fora! A não ser que

você peça pra alguém. […] se você escreveu alguma coisa coloca no

prontuário! […] Ninguém tem a obrigação de guardar suas coisas dentro do

prontuário. (G3)

Os desafios para a integração ensino e serviço perpassam o âmbito das relações

interpessoais entre equipe de saúde e corpo docente (BERNARDINO et al, 2018). Lima e

Pereira (2014) também encontraram como resultado de pesquisa sobre estágio curricular

dificuldades de relacionamento interpessoal com o supervisor e resistência por parte da equipe

da unidade de saúde. Para Morin (2005d, p. 103), o sujeito-humano carrega um duplo

programa: altruísta e egocêntrico. A rejeição do outro fora da identidade estabelece relação

recursiva com o fechamento egocêntrico, ou seja, ao mesmo tempo produz e é produzido por

este. Assim, um comportamento ético exige religação com o outro a partir do "sentimento de

identidade comum".

A competência diz de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que

sustentam ações práticas (PERRENOUD, 2002), assim há que se dizer que a presença da

114

dimensão ética/atitudinal é essencial à competência profissional. O profissional enfermeiro

docente ou assistencial é ético ao religar-se com o outro, diminuindo o egocentrismo impresso

na rejeição ao diferente e aumentando o sentimento de identidade comum entre eles

(VENDRUSCOLO et al, 2018).

As três interações se relacionam entre si, tendo a busca pela autonomia como o eixo

central das interações. Os estudantes afirmam que o professor e o preceptor que estimulam a

autonomia tornam o cotidiano do ensino, em sala ou em campo de prática, mais leve e

profícuo, despertando o afeto pela profissão de enfermagem e desenvolvendo a competência

clínica no graduando.

O processo de desenvolvimento da autonomia individual por meio tetragrama talvez

seja a grande proposta deixada por este trabalho para novas pesquisas no campo da formação

em enfermagem. Uma profissão essencialmente exercida no âmbito das interações deve ter o

sujeito humano como fonte e objetivo dos seus estudos.

Várias estratégias demonstraram-se potentes para ativar esse tetragrama, porém

ressalta-se a importância de quatro destas: 1) A mimese/imitação; 2) Ressignificação do erro;

3) Estímulo ao papel de ajuda; e 4) Articulação entre teoria e prática. Tomando a figura da

espiral como referência, essas estratégias permeiam o eixo central da espiral, ou seja, a busca

do sujeito pela autonomia como interface das camadas de interações.

115

Figura 18 - Relação entre o tetragrama e a mimese/imitação, a ressignificação do erro, a articulação

entre teoria e prática e o estímulo ao papel de ajuda, 2020

Fonte: elaborado pelas autoras, 2020.

116

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Respondendo à pergunta de pesquisa (Como um curso de graduação em Enfermagem

promove o desenvolvimento da competência clínica em seus graduandos?), este trabalho

demonstrou que o desenvolvimento da competência clínica se dá na busca do sujeito-

graduando pela autonomia em suas interações, quais sejam: Interações interpessoais:

professor, preceptor e pares; Interação com a profissão; Interação com o ensino, serviço e a

comunidade.

O desenvolvimento da autonomia e da competência clínica estabelece-se como

recursivos, uma vez que um é ao mesmo tempo produto e produtor do outro. Propõe-se o

tetragrama, para fins pedagógicos, como caminho lógico para desenvolvimento destas, este é

composto por: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. O contato com a

realidade da assistência à saúde configura-se como ambiente natural de erros e incertezas, que

ativa no graduando de enfermagem processos introspectivos, nos quais o sujeito olha para si

analisando suas fragilidades e potencialidades. É nesse movimento subjetivo do graduando

que surge a autoconfiança, esta se caracteriza como sentimento gerado a partir da computação

interna do sujeito sobre reforços positivos e/ou negativos alcançados por meio de ações

executadas na realidade assistencial do enfermeiro.

Algumas estratégias, presentes nas interações do sujeito, demonstraram-se potentes

para ativar esse tetragrama, porém ao longo das discussões ressalta-se a importância de,

especificamente, quatro destas: 1) A mimese/imitação; 2) Ressignificação do erro; 3)

Estímulo ao papel de ajuda; e 4) Articulação entre teoria e prática.

Ainda, percebeu-se que as percepções de graduandos de Enfermagem sobre a

competência clínica convergem e divergem das percepções do coordenador e do PPC da

graduação em estudo. Convergem-se, uma vez que é possível assimilar nessas percepções os

princípios da teoria de Benner sobre competência clínica do enfermeiro, e divergem-se na

medida em que as percepções do coordenador e do PPC abordam elementos da competência

clínica de maneira ampla e superficial; já as percepções dos graduandos dizem respeito à ação

prática, ou seja, a desempenhos concretos na atuação profissional do enfermeiro.

Há relação recursiva entre a interação com a profissão e o desenvolvimento da

competência clínica do graduando de enfermagem. A interação com a profissão é permeada

por representações coletivas da profissão, apreendidas pelo sujeito-cultural antes mesmo do

início da graduação em Enfermagem e que podem ser ressignificadas ao longo da vida. As

discussões sobre tais representações são importantes para o contexto da formação

117

profissional, visto que se configuram como horizonte normativo para o desenvolvimento da

competência clínica.

Durante a graduação em Enfermagem, o sujeito ressignifica sua interação com a

profissão principalmente por meio das interações com o preceptor, com o serviço e com a

comunidade. A força pedagógica da mimese possibilitada pela interação preceptor-aluno; a

articulação teoria e prática promovida pela interação entre este e o cotidiano do serviço em

enfermagem; e o papel da ajuda inerente à interação entre o aluno e a comunidade são

potentes para desenvolver a competência clínica por meio da interação entre o aluno e a

profissão do enfermeiro.

As interações interpessoais entre o graduando e o professor, o preceptor e seus pares

são potentes para desenvolver a competência clínica quando ancoradas em estratégias que

ativam o tetragrama: Prática - Erro/Incerteza - Introspecção - Autoconfiança. As estratégias

apontadas pelos resultados deste estudo são a força pedagógica da mimese/imitação, a

articulação entre teoria e prática e a ressignificação do erro. Tais estratégias são capazes de

priorizar o desenvolvimento da autonomia do graduando de enfermagem e por consequência

estimular o desenvolvimento da competência.

A integração entre o graduando e o ensino, o serviço e a comunidade desenvolve a

competência clínica do graduando quando prioriza estratégias que ativam o tetragrama. As

estratégias apontadas nesta pesquisa foram a ressignificação do erro, articulação entre teoria e

prática, estímulo ao desenvolvimento do papel de ajuda e a mimese/imitação.

Assim, conclui-se que a autonomia é suscitada pela ação reflexiva da introspecção e

autoanálise, essenciais no desenvolvimento da ética - religação com o outro, com o cosmo e

consigo mesmo. Portanto, sugere-se aqui que, sob o olhar do pensamento complexo, sejam

realizadas futuras explorações científicas relacionadas tanto ao desenvolvimento da

autonomia de atores como aos processos de aprender dos envolvidos no ser/tornar-se

enfermeiro.

As limitações deste trabalho encontram-se na impossibilidade de definir um

conceito/noção de competência clínica do enfermeiro, assim como elaborar um instrumento

capaz de aferir o desenvolvimento da competência clínica do graduando ao longo da

graduação que seja compatível com os achados desta tese. Assim sendo, fazem-se necessários

novos estudos a fim de sanar tais lacunas.

Esses achados contribuíram com o avanço do conhecimento sobre o tema, uma vez

que permitiram explorar, à luz do pensamento complexo, o PPC e a percepção de graduandos

e coordenador de curso sobre o desenvolvimento da competência clínica no processo de

118

formação do enfermeiro. Em âmbito nacional, os resultados desta tese poderão subsidiar os

processos de construção de Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) e planos de disciplina de

cursos de graduação em Enfermagem, além de auxiliar docentes da área que buscam

caminhos para sistematizar propositivamente o desenvolvimento da autonomia e da

competência clínica em graduandos de Enfermagem.

119

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130

9 APÊNDICES

9.1 APÊNDICE_1_ROTEIRO PARA ANÁLISE DOCUMENTAL

Objetivo geral: analisar como o curso de graduação em Enfermagem de uma universidade

pública da região Centro-Oeste desenvolve a Competência Clínica em seus graduandos.

Objetivo específico: examinar o PPC do referido curso de graduação a fim de compreender de

que maneira aborda/prevê o desenvolvimento da competência clínica.

GERAL

Curso de graduação: ______________________

Ano de vigência do PPC:____________

O texto deixa clara a concepção de „competência‟ utilizada na construção do projeto?

O texto deixa clara a intenção de integrar teoria e prática?

O PPC deixa claro sua concepção ao tratar do termo „Competência Clínica‟? Qual seria?

DIMENSOES DA COMPETÊNCIA CLÍNICA

Consta no PPC aspectos relacionados a desenvolvimento de:

Conhecimento técnico-científico / Cognição

b) Habilidades técnicas / psicomotoras

d) Atitude / ética

e) Julgamento clínico / Tomada de decisão clínica

f) Auto confiança / auto controle

COMPETÊNCIAS PREVISTAS QUE DIALOGAM COM A COMPETÊNCIA

CLÍNICA

O PPC cita competências a serem desenvolvidas no graduando? Quais?

Quais dessas competências dialogam com a competência clínica?

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS

2. Faz menção sobre:

131

Utilização de práticas pedagógicas inovadoras que articulam teoria e prática ?

Utilização de metodologias ativas? (problematização/ABP)

132

9.2 APÊNDICE_2_ PERGUNTAS NORTEADORAS PARA ENTREVISTA

SEMI-ESTRUTURADA

Objetivos:

Compreender a percepção do coordenador de curso sobre competência clínica

Compreender, na percepção do coordenador de curso, de que maneira o curso de

graduação desenvolve a competência clínica e em quais momentos este

desenvolvimento é mais intencional.

PERFIL

Nome: _____________________________________________ idade: ___________

Tempo de Formado: __________

Titulação:______________________________________________________________

Há quanto tempo na função de coordenador? _________________________________

Inicio: ________________ Fim: _____________

COMPETÊNCIA CLÍNICA

O que é Competência clínica? O que entende do termo ‘competência clínica’?

DIMENSOES PARA COMPETÊNCIA CLÍNICA

Na sua opinião, quais são as dimensões da competência clínica? Quais dimensões

compõem a competência clínica?

Quais habilidades, conhecimentos e atitudes são necessários ao graduando para ser

considerado um aluno competente clinicamente? Quais habilidades, conhecimentos,

atitudes compõem a competência clínica de um aluno?

COMPETÊNCIA CLÍNICA E O ENSINO DE GRADUAÇÃO

1. Em sua percepção, o PPC referente à graduação que coordena contempla a Competência

Clínica? Por quê? A competência clínica está prevista no PPC? Como?

133

2. As estratégias pedagógicas utilizadas dialogam com a intenção de desenvolvimento da

competência no graduando? Como? As práticas pedagógicas utilizadas no dia-a-dia são

adequadas para desenvolver a Competência Clínica?

3. Que elementos do cotidiano do ensino facilitam ou dificultam o desenvolvimento da

competência clínica no graduando? O que acontece no dia-a-dia da graduação que dificulta

ou facilita desenvolver competência clínica no aluno?

134

9.3 APÊNDICE_3_ PERGUNTAS NORTEADORAS PARA GRUPO FOCAL

Objetivos:

Compreender a percepção de graduandos de Enfermagem sobre competência clínica

Compreender, na percepção de graduandos de Enfermagem, de que maneira o curso

de graduação desenvolve a competência clínica e em quais momentos este

desenvolvimento é mais intencional.

VINHETA PARA INICIO DO ENCONTRO DE GRUPO FOCAL

ENCONTRO 1 - PERCEPÇAO SOBRE COMPETÊNCIA CLÍNICA

1- O que é Competência clínica? O que você entende do termo ‘competência clínica’?

2- Quais habilidades, conhecimentos e atitudes são necessários ao graduando para ser

considerado um aluno competente clinicamente? Quais habilidades, conhecimentos, atitudes

compõem a competência clínica de um aluno? Na sua opinião, quais são as dimensões da

competência clínica? Quais dimensões compõem a competência clínica?

ENCONTRO 2 - A COMPETÊNCIA CLÍNICA E O COTIDIANO DO ENSINO

1. Na sua opinião, as estratégias pedagógicas utilizadas na graduação dialogam com a

intenção de desenvolvimento da competência? Como? Para você, as práticas pedagógicas

utilizadas no dia-a-dia são adequadas para desenvolver a Competência Clínica?

2- Na sua opinião, que elementos do cotidiano do ensino facilitam ou dificultam o

desenvolvimento da competência clínica? O que acontece no dia-a-dia da graduação que

dificulta ou facilita desenvolver competência clínica no aluno?

ENCONTRO 3 - EXPERIENCIA PESSOAL DE DESENVOLVIMENTO DA

COMPETÊNCIA CLÍNICA

1. Relate brevemente alguma situação que vivenciou durante a graduação que acredita ter

desenvolvido a competência clínica em você. Alguma situação específica foi importante para

desenvolver a competência clínica em você? Qual?