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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO ENSINO MÉDIO: O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR QUIXADÁ-CEARÁ 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL

MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS

ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA

O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO

ENSINO MÉDIO: O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR

QUIXADÁ-CEARÁ

2019

ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA

O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO

ENSINO MÉDIO: DO CORPO DO TEXTO AO CORPO DO LEITOR

Dissertação apresentada ao Mestrado

Interdisciplinar em História e Letras da Faculdade

de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central-

FECLESC, como requisito parcial à obtenção de

título de Mestre em História e Letras.

Área de concentração: Ensino e Linguagens

Orientadora: Profa. Dra. Maria Valdenia da Silva

QUIXADÁ-CEARÁ

2019

ANTONIA ALICE QUEIROZ BEZERRA

O TEXTO TEATRAL DE ARIANO SUASSUNA NA FORMAÇÃO DE LEITORES NO

ENSINO MÉDIO: DO CORPO DO TEXTO AO CORPO DO LEITOR

Dissertação apresentada ao Mestrado

Interdisciplinar em História e Letras da Faculdade

de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central-

FECLESC, como requisito parcial à obtenção de

título de Mestre em História e Letras.

Área de concentração: Linguagens e Ensino

Orientadora: Profa. Dra. Maria Valdenia da Silva

Aprovada em: 15 de Março de 2019.

BANCA EXAMINADORA

Dedico esta pesquisa a todas e todos que

enxergam na arte uma potência para desvendar

mundos e formar leitores. Aos meus

educandos e educandas da turma do 2º Ano C

do ano letivo de 2018 da E.E.M. Francisca

Pinto dos Santos.

AGRADECIMENTOS

A todas as energias positivas que habitam este e outros universos, a Deus que nos dá

oportunidades únicas.

A minha mãe e grande amiga, Rita, pelo amor, mas principalmente por todo esforço para que

eu nunca desistisse dos meus estudos, enfrentando conflitos muitas vezes em silêncio para não

me preocupar.

Ao meu pai, Aldemir e meu irmão, Artur, pelo apoio.

A minha avó Anastácia pelo colo nos momentos difíceis e pelos conselhos sempre sábios. Aos

meus avôs e minhas avós maternos e paternos.

A minha tia Célia, por toda paciência e pelas orações.

Aos meus amigos e amor pela parceria de compartilhar momentos bons e ruins juntos,

pensando em um mundo mais justo, diverso e acolhedor. Agradeço pela paciência e por todas

as demonstrações de carinho (Luana, Jardson, Amarildo, Leonardo, Aniele, Fernanda,

Romário, Felipe, Cleilson, Rozangêla e Marcília).

A minha querida professora e orientadora Valdenia, que sempre me incentivou a trilhar este

caminho acadêmico com tranquilidade e paciência, obrigada por deixar tudo mais leve e por

tornar esta pesquisa possível.

Aos meus professores do ensino fundamental e médio que me inspiraram a ser educadora, em

especial Taciane, Cleomá, Tia Fransquinha, Tia Elsa, Analine e Delmá.

Aos meus professores da graduação, por todo conhecimento compartilhado, em especial

Vânia Vasconcelos, Luiz Oswaldo, Miguel Leocádio e Vania Castelo.

A todas as mulheres da luta feminista, pois ser mulher na academia ainda é um desafio.

Agradeço em especial ao Coletivo Feminista Severinas que desde a graduação me ajudou a

construir a mulher que sou hoje. Cada Severina é inspiração de luta e coragem. (Lizandra,

Lisiani, Larissa Caetano, Larissa Pinheiro, Paula, Maria, Mayara, Kaline e Priscila)

As professoras Jaquelania Aristides e Francimara Nogueira, pelas importantes contribuições

para a pesquisa na qualificação e na defesa e por inspirarem Arte por onde passam.

A segunda turma do MIHL que, mesmo distantes, colaboraram de alguma forma para esta

pesquisa.

A todas e todos que contribuíram direta e indiretamente para a realização deste trabalho.

Obrigada!

“O puro fantasiar do jogo dramático é

substituído, no processo de aprendizagem com

o jogo teatral, por uma representação corporal

consciente”.

(Ingrid Koudela).

RESUMO

A presente pesquisa debruça-se sobre a formação de leitores no ensino médio através da

leitura do texto teatral de Ariano Suassuna e do uso dos Jogos Teatrais de Viola Spolin

(2008). De forma mais ampla, buscamos criar uma possibilidade de ler em sala de aula através

do trabalho com o corpo. A investigação analisou algumas influências culturais que

circundam e compõem o texto teatral de Suassuna, focalizando O santo e a porca (1957).

Trata-se de um estudo qualitativo, pois a investigação ocorre sobre a análise da formação de

leitores na sala de aula. Para isto, utilizamos o método de pesquisa bibliográfico, analisando

inicialmente conceitos como os de leitura e letramento, em especial o literário. Posteriormente

investigamos as influências históricas e a cultura popular na obra de Ariano Suassuna, suporte

teórico para a elaboração de uma proposta metodológica de leitura com o texto teatral para

uma turma de segundo ano do ensino médio. Sendo assim, a pesquisa é de natureza aplicada.

Como resultados, podemos observar que o uso dos jogos teatrais na sala de aula pode

contribuir para a formação de leitores, desafiando o leitor a um trabalho com o corpo ao

utilizá-lo na motivação para a leitura e interpretação do texto. Além disso, constatamos que o

texto teatral de Ariano Suassuna pode ser efetivo no trabalho sobre a identidade cultural,

política e social do povo Nordestino, favorecendo a implementação do projeto político das

escolas do campo.

Palavras-Chaves: Formação de leitores. Ariano Suassuna. Jogos Teatrais.

ABSTRACT

The present research addresses secondary school readers’ development through the reading of

theatrical text by Ariano Suassuna and the use of Theater Games by Viola Spolin (2008). In a

broader way, we seek to create a possibility of reading in the classroom through bodywork.

The investigation analyzed some cultural influences, which surround and compose Suassuna’s

theatrical text, focusing on O santo e a porca (1957). It is a qualitative study as the

investigation occurs under the analysis of readers’ development in the classroom. For this

purpose, we used the bibliographical research method, analyzing initially concepts as the ones

of reading, literacy and literary literacy. Afterwards, we investigated the historical influences

and the popular culture in the work of Ariano Suassuna, which provides theoretical support to

elaborate a methodological proposal of reading with the theatrical text mentioned and we

applied it in a second grade class in a secondary school. Thus, we characterize the form of

investigation as applied research. As a result, we can observe that the use of theater games in

the classroom can contribute to the readers’ development as it challenges the reader with

bodywork as it is used in motivation for reading and for text interpretation. Besides, we noted

that the theatrical text by Ariano Suassuna could be effective in the work about Northeastern

people’s cultural, political and social identity of the Northeast people, favoring the

implementation of the rural schools political project.

Keywords: Readers’ development. Ariano Suassuna. Theater games.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10

2 A FORMAÇÃO DE LEITORES: LETRAMENTOS E LITERATURA NA

ESCOLA ....................................................................................................................... 14

2.1 LEITURA, LITERATURA E LETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO .................... 14

2.2 (DES)CAMINHOS DOS TEXTOS TEATRAIS NA ESCOLA .......................................... 22

2.2.1 Teatro, jogos teatrais e corpo: relações sociais ......................................................... 30

3 A CORPOREIDADE DO NORDESTE EM ARIANO SUASSUNA ...................... 41

3.1 CONCEITUANDO CORPOREIDADE ....................................................................... 41

3.2 O CORPO E A IDENTIDADE DO ROMANCEIRO POPULAR NORDESTINO ...... 45

3.3 O JOGO CÊNICO DE IDENTIDADES EM O SANTO E A PORCA (1964) ............ 51

4 O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR: EM CENA NA SALA DE

AULA ............................................................................................................................ 66

4.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ................................................. 66

4.2 DADOS DA INSTITUIÇÃO E SUJEITOS DA PESQUISA ........................................ 72

4.3 PORÇÃO DA REALIDADE ......................................................................................... 76

4.4 PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O SANTO E A PORCA (1957), DE

ARIANO SUASSUNA, PARA O ENSINO MÉDIO................. ................................... 78

5 LENDO O SANTO E A PORCA NA SALA DE AULA: ANÁLISE DOS

RESULTADOS .............................................................................................................. 93

5.1 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO I ................................................................................. 96

5.2 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DAS OFICINAS .............................................................. 99

5.3 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO II...............................................................................107

5.4 AVALIAÇÃO FINAL DO PERCURSO DE LEITURA ..............................................109

6 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 113

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 115

ANEXOS ...................................................................................................................... 120

ANEXO A -QUESTIONÁRIO I ...................................................................................121

ANEXO B – QUESTIONÁRIO II.........................................................................................133

APÊNDICES..........................................................................................................................143

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO I ....................................................................................144

APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO II....................................................................................145

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO........146

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1 INTRODUÇÃO

Quando estudante do ensino fundamental, não visualizava a literatura de forma

atrativa na escola. As maiores vivências de leitura literária ocorreram fora dela, através de

momentos lúdicos e descontraídos em espaços como as casas de professoras e os encontros

para crianças promovidos pela igreja católica. Em relação às primeiras experiências com o

teatro, recordo-me dos momentos de ensaio e das apresentações de pequenas peças teatrais,

que esporadicamente eram realizados na escola e na igreja. Foram esses momentos que

despertaram meu gosto pela leitura e pelo teatro.

Por muito tempo, acreditei que a escola e a literatura realmente deveriam

continuar distantes uma da outra, até chegar ao ensino médio e, através de um professor de

língua portuguesa, encontrar a literatura em sala de aula de forma prazerosa, principalmente

por meio da leitura completa de textos e das possibilidades interpretativas que as aulas nos

proporcionavam. Se por um lado a minha experiência no ensino médio trouxe a leitura

literária como algo positivo na escola, foi nesse mesmo momento que o teatro e o texto teatral

foram se distanciando do meu cotidiano. Literatura passaria a ser vista apenas como os

romances e, uma vez ou outra, algumas doses de crônicas e contos.

Por ocasião do meu ingresso na graduação em Letras, a concepção de uma

formação de leitores evidenciou as lacunas deixadas pela escola no que se refere ao contato

com a literatura, como a ausência da relação com os mais variados gêneros textuais existentes.

A partir dessas reflexões e considerando que essa foi a realidade de muitos jovens e continua

sendo, justifica-se em meu percurso acadêmico investigar a formação de leitores no ensino

médio, surgindo algumas inquietações: por que o gênero teatral não faz parte dos gêneros

estudados no ensino médio? Como poderia ser esse período com a presença dessas vivências

relacionadas às experiências com a arte teatral?

Após a graduação em Letras na Universidade Estadual do Ceará, ingressei no

curso de Teatro da Universidade Federal do Ceará e durante o primeiro ano vivenciei

experiências significativas com o corpo, sendo estas: oficinas; disciplinas de iniciação cênica

práticas; disciplina de trabalho com o corpo voz; montagem de cenas; apreciação cênica de

espetáculos. Foi a partir dessas experiências que surgiu o interesse real de associar os Jogos

Teatrais a formação de leitores, pois através destes percebi que a leitura de textos parecia

ganhar forma, significados reais no próprio corpo.

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Pensar a formação de leitores implica na percepção da leitura como um processo

lento e contínuo, compreendendo os avanços metodológicos do trabalho com a leitura ao

longo dos anos e possibilitando novos caminhos para o enfrentamento das grandes

dificuldades ainda encontradas diariamente nas escolas, sejam nos mais variados ambientes

em que a leitura se faz presente, sejam no trabalho específico com os textos literários em sala

de aula.

A formação de leitores pressupõe estratégias teóricas e principalmente práticas,

afinal, o desconforto com as práticas de ensino tradicionais é evidente. No atual momento, nos

parece que existe uma angústia comum entre os profissionais da educação, trata-se de saber

que algo precisa ser feito no âmbito da leitura, principalmente no sentido de aproximar os

educandos do gosto pelos mais variados gêneros literários existentes. Observa-se que muitos

professores parecem ainda não sabem elaborar estratégias para proporcionar essas

experiências, como criar essa aproximação e quais métodos aplicar. Nesse contexto, torna-se

essencial a criação de possíveis respostas às seguintes perguntas: Como formar leitores na

escola? Quais os passos para isso? Quais são as estratégias para a formação de leitores

literários?

Na busca por essas respostas, compreendemos que a pesquisa e a reflexão sobre a

prática são fundamentais para o desenvolvimento de novos meios de atuar na educação. Os

estudos pedagógicos nos apontam que um caminho possível e eficiente para isso é a

elaboração de propostas metodológicas que driblem as maiores dificuldades encontradas nas

escolas, como a escassez de livros nas bibliotecas, computadores, dentre outros suportes

físicos e, ou mesmo, estruturas físicas das salas de aula.

Nos estudos direcionados à escolarização da literatura, tem-se trabalhado bastante

com a criação de sequências didáticas ou propostas metodológicas que visem novas

abordagens do texto literário. Para elaborar e propor sequências didáticas que contribuam

efetivamente para a formação de leitores no ensino médio, torna-se primeiramente necessário

desenvolver uma reflexão em torno das concepções de letramento, em especial o literário,

assim como é preciso levantar hipóteses de como as práticas de letramento são desenvolvidas

ou não nesse nível da educação básica. Notamos que as práticas de educadoras e educadores

são orientadas pelas concepções que estes conhecem, estudam e concebem como sendo as

mais adequadas aos seus contextos educacionais. Devemos sistematizar entendimentos

teóricos que orientem, possibilitem e afirmem a importância de novas práticas metodológicas.

A pesquisa se concentrou no estudo bibliográfico direcionado tanto para o uso dos

jogos teatrais, análise do texto teatral, quanto para os estudos sobre literatura e formação de

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leitores. Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa foi desenvolvida em dois

momentos: primeiro, o estudo em torno da formação de leitores e concepções norteadoras

para a leitura em sala de aula, a investigação dos jogos teatrais como ferramenta metodológica

e a análise crítica da obra de Ariano Suassuna. Segundo, a elaboração e aplicação de três

oficinas com uma turma de segundo ano da Escola de Ensino Médio Francisca Pinto dos

Santos, como estratégia metodológica para trabalhar a leitura da peça O santo e a Porca

(1957) de Ariano Suassuna. Logo, a pesquisa foi de natureza aplicada.

Escolhemos o formato de oficinas de leitura baseadas nas sequências básicas e

expandidas de Rildo Cosson (2014) para efetivar o letramento literário na escola,

considerando que os estudantes costumam associar a leitura a uma execução meramente

teórica e sem qualquer relação com o seu próprio corpo ou com a sua experiência individual e

coletiva. A sequência básica oferece um suporte com passos fixos que orientam e contribuem

para uma leitura mais profunda da obra, são estes: motivação, introdução, leitura e

interpretação. Enquanto a sequência expandida apresenta quatro etapas, sendo estas:

motivação, introdução, leitura, 1ª interpretação, contextualização e expansão. Sabemos que

esta metodologia favorece novas formas de ler o texto teatral, estimulando a formação e

consolidação de uma comunidade de leitores, aspecto central para uma efetiva prática social

da leitura. Antes da aplicação os estudantes responderam a um questionário sobre as suas

experiências com a leitura, com o texto dramático e com a arte teatral. Após as vivências das

oficinas, os mesmos responderam a um novo questionário sobre a sua vivência enquanto

leitores na oficina. Trabalhar a partir dos jogos teatrais para a leitura dos textos literários torna

a atividade significativa para o professor e os estudantes, porque motiva, sobretudo, o

engajamento dos mesmos na construção de sentidos para o texto lido e para a apreciação

cênica.

Nessa perspectiva, o primeiro capítulo deste trabalho aborda um conjunto de

concepções teóricas sobre o letramento, com destaque para o literário, apontando criticamente

as práticas equivocadas de escolarização da literatura. Além disso, centraliza a discussão

sobre as práticas com o texto teatral, não apenas na sala de aula do ensino médio, mas na

escola de forma geral, já estabelecendo relações com as particularidades que envolvem o

gênero e sua função social, sua importância na desconstrução de preconceitos em torno da

literatura e ainda focalizando a necessidade de se abordar o mesmo a partir do teatro,

reconhecendo este último como uma das artes mais antigas.

O segundo capítulo investiga a categoria da corporeidade presente nos textos de

Ariano Suassuna, focalizando a construção das personagens que compõem o que

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identificamos como o romanceiro popular nordestino presente na obra do autor, constituindo

também o Movimento Armorial. Este capítulo propõe investigar as influências culturais

individuais e coletivas que fazem a obra de Suassuna ser demasiadamente significativa para a

construção da identidade do povo nordestino. A última seção analisa o texto teatral O Santo e

a Porca (1957), dando suporte para que o professor conheça bem o texto antes de levá-lo para

a sala de aula.

A análise da obra, realizada no segundo capítulo, oferece suporte para a

elaboração das propostas didáticas. Por isso, no terceiro capítulo, discutimos o contexto

escolar para o qual a sequência foi pensada e aplicada. Como a escola está situada em

contexto social e político diferente, ou seja, ela faz parte de um projeto específico de educação

do campo, tornou-se necessário exemplificar suas especificidades enquanto escola inserida

nas lutas sociais. Ainda neste capítulo, apresenta-se a proposta de sequência metodológica de

leitura com o referido texto teatral de Ariano Suassuna, para uma turma da E.E.M. Francisca

Pinto dos Santos.

No quarto e último capítulo, analisamos a aplicação das oficinas na escola,

investigando quais foram os aspectos positivos e negativos, refletindo sobre as reações dos

estudantes durante as oficinas e as respostas destes nos dois questionários aplicados. Além

disso, analisamos a contribuição do uso dos jogos teatrais para a formação de leitores e como

esta sequência pode colaborar com o processo de leitura da turma.

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2 A FORMAÇÃO DE LEITORES: LETRAMENTOS E LITERATURA NA ESCOLA

2.1 LEITURA, LITERATURA E LETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO

Nas discussões em torno do processo educacional brasileiro, especificamente na

área das linguagens, a formação de leitores tem ganhado destaque, tanto por parte dos

professores que se angustiam na busca por estratégias que aproximem os educandos do gosto

pelos mais variados gêneros literários, quanto por parte de pesquisadores que investigam

concepções teóricas e procedimentos metodológicos que possam romper com práticas de

ensino tradicionais que não contribuem para uma efetiva formação leitora.

Os estudos contemporâneos na área apontam importantes contribuições para o

ensino: os PCN(Parâmetros Curriculares Nacionais) destacam teorias que podem ajudar a

transformar a prática, fazendo uma reflexão sobre as práticas tradicionais que ainda hoje são

desenvolvidas nas salas de aula e discutindo estas a partir de estudos que comprovam o

caráter plural e interdisciplinar dos textos; pesquisas que descrevem e desenvolvem novas

propostas para o trabalho com a literatura, sejam círculos de leitura, sequências didáticas,

oficinas, minicursos ou projetos de intervenção, como os apresentados por Mello (2010),

Oliveira (2008) e Pontes (2015) nos lançam uma nova forma de pensar o ensino.

Compreendemos que a pesquisa e a reflexão sobre a prática são fundamentais para

o desenvolvimento de novos meios de atuar na educação. Os estudos no campo pedagógico

nos apontam que um dos caminhos possíveis e eficientes para isso é a elaboração de

estratégias metodológicas que minimizem as maiores dificuldades encontradas nas escolas,

como a ausência de materiais e suportes, tais como, materiais didáticos, equipamentos de

mídia, acesso à internet, espaços de leitura confortáveis e livros literários dos mais diferentes

gêneros.

Anteriormente às reformulações do Plano Nacional da Educação Básica e dos

Parâmetros Curriculares Nacionais, a tarefa de formar leitores estava centrada apenas nas

primeiras séries do ensino fundamental, nas quais as concepções de leitura e de leitor não

ultrapassavam os limites de um ensino tradicional. Era a alfabetização centrada apenas nas

habilidades de leitura e escrita. Segundo Irandé Antunes, a alfabetização seria apenas a etapa

inicial do processo de formação de leitores promovido no ambiente escolar, para ela:

15

Alfabetizar-se, no sentido mais elementar do termo, é adquirir a competência inicial

para lidar com os sinais da escrita, uma tarefa da qual a escola, no decorrer da

história, se tem encarregado. É desenvolver condições para o sujeito poder inserir-se

no mundo dos eventos que envolvem o intercâmbio através da grafia. (ANTUNES,

2009, p. 192)

A leitura era compreendida simplesmente como a decodificação eficiente de

palavras e frases. Neste caso, elementos como a compreensão textual e a construção de uma

interpretação crítica e capaz de promover um diálogo com outros textos não eram

desenvolvidos em sala de aula. O leitor era compreendido como ser passivo na leitura, incapaz

de construir sentidos, e sua função seria unicamente captar o texto em sua forma escrita e

concebê-lo em sua superficialidade limitada ao código. A interpretação textual deveria seguir

a busca por um sentido único, dado e afirmado pelo autor. Refletindo sobre essa perspectiva,

Silva (2005) compreende que:

Ao aluno-leitor não é dado o direito de divergir, concordar, inferir, refletir sobre o

dito, articulando-o com o não-dito, imaginar, experienciar o texto no ato dinâmico da

leitura. Enquanto as formas de encarar o texto literário não forem repensadas, os

professores irão se deparar com aversão à leitura por parte dos alunos, cada vez mais

desinteressados e desmotivados diante da literatura. (SILVA, 2005, p. 88)

O texto era compreendido na perspectiva tradicional e unilateral, que não

estabelecia relações de construção de sentidos a partir das experiências individuais dos

leitores e que, conforme Paulo Freire (1996), configura-se como uma educação bancária, um

instrumento de poder que oprime. Outra forma tradicional de encarar o texto na sala de aula

diz respeito à exaltação estilística do seu autor, apresentando-o como um ideal de ser humano

e artista totalmente distante do seu público.

Se o maior objetivo da educação, durante muitos anos, nos parecia ser, na

verdade, a alfabetização ou o desenvolvimento de uma habilidade decodificadora do texto,

poderíamos acreditar que tal objetivo teve êxito e, portanto, a escola teria cumprido seu papel,

e os educandos que chegam ao ensino médio conseguiriam ler fluentemente um determinado

texto, literário ou não. No entanto, percebemos o quanto essa perspectiva de ensino é ineficaz

e improdutiva, pois mesmo centrada na decodificação, os educandos em geral concluem o

ensino fundamental com um baixo nível de leitura fluente. A maioria consegue pronunciar as

frases e palavras, mas não compreende o que o texto diz, não constrói possibilidades de

sentidos para o mesmo. Podemos observar que uma formação de leitores baseada nessas

concepções não consegue abranger a multiplicidade de sujeitos (jovens do campo, da cidade,

participantes dos mais diferentes grupos sociais), textos e diálogos existentes na sociedade

16

contemporânea. Esse fenômeno se perpetuou de maneira forte nas escolas brasileiras, nas

quais ainda hoje prevalecem, em muitas salas de aula, os resquícios de um ensino centrado na

superficialidade dos saberes.

Além disso, observamos a ausência de uma autonomia leitora. Presos aos mesmos

gêneros textuais, geralmente não literários, fora do ambiente escolar os estudantes restringem

sua leitura aos textos encontrados nas mídias digitais e nas redes sociais. Neste sentido a

escola possui um importante papel, segundo Ivanda Maria Martins (2003),

O papel da escola é o de formar leitores críticos e autônomos capazes de

desenvolver uma leitura crítica do mundo. Contudo, na prática, essa noção ainda

parece perder-se diante de outras concepções de leitura que ainda orientam as

práticas escolares. Na escola, a leitura é praticada tendo em vista o consumo rápido

de textos, ao passo que a troca de experiências, as discussões sobre os textos, a

valorização das interpretações dos alunos torna-se atividades relegadas a segundo

plano. A quantidade de textos “lidos” (será que de fato são “lidos” pelos alunos?) é

supervalorizada em detrimento da seleção qualitativa do material a ser trabalhado

com os alunos. (SILVA, 2003, p. 515)

Nesse contexto, a escola deve ser compreendida como espaço de leitura literária,

muitas vezes atuando como único lugar onde as educandas e educandos vivenciam o texto

literário, de forma ainda mais restrita, esse contato se dá principalmente através dos textos

disponíveis no livro didático. Nota-se a importância dessa ferramenta pedagógica em muitas

pesquisas, como Coracini (1999), Faria (1984), Lajolo (1996) e Neves (1999), nas quais o

livro didático é apontado como decisivo no processo de aprendizagem, afinal, muitas vezes,

ele é o único material disponível aos estudantes, por isso, esses autores também refletem

sobre os usos que os professores fazem do mesmo na sala de aula. Conforme Lajolo, a

importância atribuída ao livro didático em toda a sociedade faz com que ele acabe

determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando de forma decisiva o

que se ensina e como se ensina, o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 4). Dessa forma, torna-se

importante ressaltar que no âmbito da literatura, essa ferramenta pode determinar os gêneros

literários a serem lidos no ensino fundamental e no médio, observa-se apenas trechos de obras

e, em livros mais tradicionais, focaliza-se o ensino das escolas literárias em detrimento da

leitura literária.

Quando se trata especificamente do ensino médio, Rildo Cosson (2006) relata

que:

No Ensino Médio, a situação, não é muito diferente, apesar da existência de um

espaço disciplinar próprio. Aqui persiste o ensino de história da literatura ou mais

17

precisamente de períodos ou escolas literárias, apesar das muitas restrições

apresentadas a esse conteúdo e modo de ensinar literatura que ele costuma acarretar,

ou seja, uma lista de traços característicos, seguida de outra lista de obras, biografia

de autores e fragmentos de textos que “comprovam” os traços identificadores de

cada período literário. No conjunto, tem razão Graça Paulino quando, após analisar

os cânones estéticos e os cânones escolares na perspectiva do letramento literário,

conclui que ‘os modos escolares de ler literatura nada têm a ver com a experiência

artística, mas com objetivos práticos, que passam da morfologia à ortografia sem

qualquer mal-estar’ (COSSON, 2006. p. 2).

O processo de formação de leitores se dá essencialmente pela leitura de textos

(orais, escritos e visuais), e torna-se fundamental que os educadores tenham consciência do

conceito de leitura que orienta sua prática em sala de aula. Ingedore Koch (2015) traz três

concepções de leitura que surgem também a partir de determinadas concepções de língua: a

primeira, centrada no autor, compreende a perspectiva tradicional na qual a leitura seria a

apreensão das intenções do autor; a segunda focalizaria o texto, sua estrutura como único

elemento necessário para a compreensão do mesmo, o texto é apenas o que está posto nele

mesmo; a terceira destaca a interação entre o autor, o texto e o leitor, concebendo leitura

como uma atividade interativa. Esta última, parte do que conhecemos por “concepção

interacional (dialógica) da língua”, a leitura interacionista, que amplia a visão sobre o

conceito de leitura, compreendendo-a como:

A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de

sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos

presentes na superfície textual e na sua forma de organização mas requer a

mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.

(Koch, 2015, p. 11) (grifos da autora)

Compreendemos que esta última concepção é a que corrobora e contribui para a

proposta de um ensino voltado para a formação de leitores, primeiramente porque reconhece o

caráter complexo do processo de construção de sentidos e também porque concebe o “leitor

enquanto construtor de sentido”. Dialogando com esse conceito de leitura, Santos (2013) diz

que:

Leitura – como compreensão de textos, orais e escritos – é, portanto, uma atividade

estratégica de levantamento de hipóteses, conforme objetivos específicos, para

pertencimento a um grupo sócio-historicamente situado. Aprender a ler, muito mais

do que decodificar o código linguístico, é trazer experiência de mundo para o texto

lido, fazendo com que as palavras tenham um significado que vai além do que está

sendo falado/ escrito, por passarem a fazer parte, também, da experiência do leitor.

(SANTOS, 2013, p. 41)

O processo de leitura ocorre através de estratégias e práticas que, segundo

18

Versiani (2012), “cria uma relação entre o texto e o leitor, permitindo que o segundo o adentre

e por ele se deixe envolver”. Essa estratégia está ligada diretamente ao gênero textual que se

lê, por isso, leitura e escrita estabelecem relações diretas entre si. Ao falar e exemplificar as

várias faces da leitura, Barbosa (2013) afirma que:

A escrita social, com caracteres e funções diferentes, propicia leituras diversificadas.

Não se lê da mesma maneira um folheto de divulgação, uma receita culinária ou um

livro de literatura. Lançamos mão de estratégias de leitura diferentes para aprender

as informações contidas nos diferentes textos, e o nosso interesse nas informações e

o objetivo desejado vai determinar o tipo de leitura a ser feito. Esta flexibilidade de

atenção, as várias formas de ler para apreender o sentido dos textos, é fundamental

para o homem e sua adaptação mundo moderno. (BARBOSA, 2013, p.143)

A importância social da leitura reflete-se também na formação da sensibilidade

que o texto literário pode propiciar aos leitores. Para Irandé Antunes (2009):

A leitura é fundamental, ainda, na educação da pessoa para a afetividade, para o desenvolvimento da sensibilidade artística e do gosto estético. Para o “prazer inútil”

das coisas que não se fecham em utilidades materiais e imediatas.

Ler textos literários possibilita-nos o contato com a arte da palavra, com o prazer

estético da criação artística, com a beleza gratuita da ficção, da fantasia e do sonho,

expressos por um jeito de falar tão singular, tão carregado de originalidade e beleza.

(ANTUNES, 2009, p.200)

A leitura está presente no nosso cotidiano de várias formas e o leitor assume

determinadas posturas diante de um texto, seja ele escrito, oral ou multimodal. Charles

Bazerman (2015, p.71) afirma que: “a leitura e a escrita são meios não só de construção de

consciência individual e de formação da ação individual da pessoa letrada, mas também são

meios de desenvolver os pensamentos coletivos e organizações interativas das sociedades em

que os indivíduos desenvolvem suas vidas e consciências.” Exatamente por isso, é preciso

desenvolver atividades para além da leitura individual, tais como círculos de leitura, debates,

clubes de leitura, etc.

No processo de leitura, o leitor deve estar disposto a se adequadar ao gênero

textual que se propõe a ler, compreendendo, em geral, as especificidades de cada um. O texto

teatral, por exemplo, traz elementos diferentes do romance e da poesia, exige do leitor uma

atenção para além de sua estrutura, pois este estabelece relação com a arte teatral. A estrutura

do texto teatral nos impulsiona a um tipo de leitura que nos leva ao jogo, à interação prática

com o texto e com outros leitores.

Cosson (2006) aponta que o leitor precisa estar disposto ao encontro do texto,

19

Ao ler, estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do outro. O sentido do

texto só se completa quando esse trânsito se efetiva, quando se faz a passagem de

sentidos entre um e outro. Se acredito que o mundo está absolutamente completo e

nada mais pode ser dito, a leitura não faz sentido para mim. É preciso estar aberto à

multiplicidade do mundo e à capacidade da palavra de dizê-lo para que a atividade

da leitura seja significativa. Abrir-se ao outro para compreendê-lo, ainda que isso

não implique aceitá-lo, é o gesto essencialmente solidário exigido pela leitura de

qualquer texto. (COSSON, 2006, p. 27)

Neste sentido, o trabalho com a leitura se faz presente na escola sendo

evidenciado nas aulas de língua portuguesa e, nestas, a literatura está presente como meio de

desenvolver habilidades e competências leitoras dos estudantes. Debatendo sobre leitura,

Ivanda Martins (2003) destaca a importância de refletir sobre a distinção entre ensino de

literatura e leitura da literatura

Segundo Beach e Marshall (1991: 38), a leitura da literatura está relacionada à

compreensão do texto, à experiência literária vivenciada pelo leitor no ato da leitura,

ao passo que o ensino da literatura configura-se como o estudo da obra literária,

tendo em vista a sua organização estética. Na verdade, esses dois níveis estão

imbricados, na medida em que ao experienciar o texto, por meio da leitura literária,

o aluno também deveria ser instrumentalizado, a fim de reconhecer a literatura como

objeto esteticamente organizado. No entanto, a escola parece dissociar esses dois

níveis, desvinculando o prazer de ler o texto literário (produzido pela leitura da

literatura) do reconhecimento das singularidades estéticas da obra (proporcionado

pelo estudo/ensino da literatura). (SILVA, 2003, p. 520)

No entanto, os conceitos de literatura nos mostram que suas funções na sociedade

ultrapassam os limites da aprendizagem escolar, por isso, para o trabalho com o texto literário

na sala de aula, torna-se necessário reconhecer a literatura enquanto demonstração ligada à

realidade que contribui para a construção e humanização do ser social. Nesta perspectiva,

Antonio Cândido (1995) reconhece a literatura como instrumento que humaniza a sociedade,

a partir do seguinte conceito: “A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o

ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de

ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação

à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua

configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade. (CANDIDO, 1972:53). Por isso,

seria indispensável:

Em primeiro lugar a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser

satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos

sentimentos e as visões de mundo ela nos organiza e nos liberta do caos e portanto

nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. Em

segundo lugar, a literatura pode ser um instrumento de desmascaramento, pelo fato

20

de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a

miséria, a servidão, a mutilação espiritual. (CÂNDIDO, 1995. p. 188)

Sobre o direito à literatura, podemos compreender que seu papel social ultrapassa

os limites impostos pelas metodologias tradicionais que, por exemplo, restringem a leitura a

níveis superficiais de interpretação. Nessa mesma linha de análise, Rildo Cosson (2006) ainda

destaca a importância da literatura como elemento que aproxima experiências humanas e

afirma que:

Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da

comunidade a que pertencemos. A literatura nos diz o que somos e nos incentiva a

desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E isso se dá porque a literatura é

uma experiência a ser realizada. É mais que um conhecimento a ser reelaborado, ela

é a incorporação do outro em mim sem renúncia da minha própria identidade. No

exercício da literatura, podemos ser outros, podemos viver como outros, podemos

romper os limites do tempo e do espaço de nossa experiência e, ainda assim, sermos

nós mesmos. É por isso que interiorizamos com mais intensidade as verdades dadas

pela poesia e pela ficção (COSSON, 2006. p. 17).

Em consonância com essa concepção, Edgar Morin (2005) reflete, afirmando

que É no romance, no filme, no poema, que a existência revela sua miséria e sua

grandeza trágica, com o risco de fracasso, de erro, de loucura. É na morte de nossos

heróis que temos nossas primeiras experiências da morte. É, pois, na literatura que o

ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vívida e ativa, para esclarecer

cada um sobre sua própria vida. (MORIN, 2005, p. 49)

Aliada à concepção de leitura interacionista e literatura como instrumento

humanizador, podemos refletir sobre o termo letramento e como este vem se desenvolvendo

ao longo dos anos a partir das mudanças sociais. Os primeiros conceitos de letramento já o

compreendem como um processo contínuo de desenvolvimento social, ultrapassando os

limites da alfabetização e possibilitando um novo olhar para os problemas encontrados

durante esse processo. Para Soares:

Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a

escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos,

para objetivos específicos. (ef. Scribner e Cole, 1981) As práticas específicas da

escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era

definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia

alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas

um tipo de prática – de fato, dominante - que desenvolve alguns tipos de habilidades

mas não outros, e que determinam uma forma de utilizar o conhecimento sobre a

escrita. (SOARES, 2008, p.19)

Conforme a autora, esse conceito de letramento no Brasil se desenvolveu

21

enquanto forma de expandir o termo alfabetização, mostrando-se em duas faces: primeiro,

como elemento individual através da apropriação da escrita e da leitura; segundo, como social,

reunindo todas as atividades que envolvem escrita e leitura no nosso cotidiano. Essa segunda

face do letramento aponta para o seu caráter complexo, por envolver todos os usos da língua e

se constrói sempre em relação com o outro, sendo, portanto, múltiplo, por isso, compreende-se

falar de letramentos. Além disso, o desenvolvimento das novas tecnologias ocasionou o

surgimento de novas formas de letramento, como analisa Rojo (2009, p.107), ao denominar

esses letramentos de letramentos múltiplos, a estudiosa chama a atenção para o fato de que a

escola precisa parar de “ignorar ou apagar os letramentos das culturas locais de seus agentes

(professores, alunos, comunidade escolar) e colocando-os em contato com os letramentos

valorizados, universais e institucionais”. Nesse sentido, adotamos o que Soares (1998)

denomina de versão forte do letramento, sendo esta

... mais próxima do enfoque ideológico e da visão Paulo-freiriana de alfabetização,

seria revolucionária, crítica, na medida em que colaboraria não para a adaptação do

cidadão às exigências sociais, mas para o resgate da autoestima, para a construção de

identidades forte, para a potencialização de poderes (empoderamento,

empowerment) dos agentes sociais, em sua cultura local, na cultura valorizada, na

contra-hegemonia global (1998, apud Rojo, 2009, p. 100)

Ignorar a cultura desses agentes é promover o distanciamento de suas próprias

identidades, gerando uma não identificação com a escola e com outras formas de

manifestações culturais que possam lhe ser apresentadas. A exclusão de suas identidades do

ambiente de ensino promove uma resistência em conhecer e vivenciar experiências com

outros tipos de literatura, como por exemplo, a leitura de clássicos.

Segundo Kleiman (1995),

Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento,

preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas apenas um tipo de prática de

letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético,

numérico), processo geralmente percebido em termos de uma competência

individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de

letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram

orientações de letramento muito diferentes (Kleiman, 1995: 20)

A autora destaca ainda os letramentos multissemióticos, que ultrapassam o texto

escrito e são “exigidos pelos textos contemporâneos, ampliando a noção de letramentos para o

campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita” (ROJO, 2009,

p.108). Além disso, existem os letramentos críticos que, ainda segundo Rojo, são utilizados

“para o trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de textos e que não pode lidar

com eles de maneira instantânea, amorfa e alienada”. Apesar de bem definidos, esses dois

22

tipos de letramentos dialogam entre si, no gênero dramático, por exemplo, pois podemos

trabalhar os dois, ou seja, desenvolver a capacidade crítica dos educandos através de novas

formas criativas de leituras para o texto e promover a estas a partir da sua relação com o teatro

e outras artes.

No limiar das reflexões sobre os processos de letramentos sociais e as concepções

que a escola adota em torno da literatura, encontra-se o letramento literário como uma

possibilidade de trabalho efetivo da leitura dos textos literários, desenvolvido

primordialmente nas aulas de literatura/língua portuguesa.

Para Cosson:

O processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas

uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma

forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola, ou melhor,

sua importância em qualquer processo de letramento, seja ele oferecido pela escola,

seja aquele que se encontra difuso na sociedade. (COSSON, 2006, p. 12)

A importância do letramento literário na escola compreende a desconstrução de

atividades desconexas com os textos literários, como o seu uso para trabalhar apenas questões

gramaticais, ou a desvalorização da leitura de textos ou livros completos. De acordo com

Cosson, nossa leitura fora da escola está fortemente condicionada pela maneira como ela nos

ensina a ler. Os livros, como os fatos, jamais falam por si mesmos. O que os fazem falar são

os mecanismos de interpretação que usamos, e grande parte deles são aprendidos na escola.

(COSSON, 2006, p. 26).

Assim, compreendendo letramentos como práticas sociais, também podemos

pensar em um letramento literário ligado à literatura e, portanto, às práticas leitoras aplicadas

em escolas através de textos literários.

Conceber literatura como “uma experiência a ser realizada”, não no nível de

abstração ou idealização, porém numa atuação prática, pode nos permitir criar possibilidades

de vivências mais significativas, como por exemplo, a aproximação com elementos lúdicos,

nas quais o leitor se sinta protagonista da ação leitora. Através da arte, especificamente a arte

dramática, compreendemos uma nova proposta de metodologia que pode vir a ser o caminho

para um letramento literário efetivo no ensino médio.

2.2 (DES)CAMINHOS DOS TEXTOS TEATRAIS NA ESCOLA

Como observamos no tópico anterior, o trabalho com a literatura na escola

23

enfrenta sérios problemas, em sua maioria, relacionados às escolhas metodológicas baseadas

em concepções que não conseguem abranger a complexidade do processo da formação de

leitores. Um desses grandes problemas é a seleção de textos para a sala de aula. Rildo Cosson

(2014) analisa esse aspecto e o compreende como fundamento essencial para o processo de

letramento, no entanto, destaca que na escola ele depende de alguns outros fatores, são estes:

os currículos escolares; a legibilidade dos textos; as condições para a leitura literária; a

trajetória de leitura dos professores. Neste sentido, existem duas tendências extremistas que

parecem estar presentes na sala de aula, a primeira ainda baseada na adoração aos cânones

literários e a segunda, busca uma maior aproximação dos estudantes com a leitura através do

estudo de textos contemporâneos.

Na prática, podemos observar que a escola prioriza o uso de alguns gêneros

textuais em detrimento de outros, como constata Hélder Pinheiro (2002), ao afirmar que a

poesia, por exemplo, é o gênero menos prestigiado nas aulas de língua portuguesa, inclusive

pode ser reflexo também da sua pouca aparição, ou de forma fragmentada, nos livros

didáticos.

Assim como a poesia, o texto teatral ainda é pouco trabalhado na sala de aula. Em

torno da poesia, criaram a ideia de que esta seria um gênero de difícil compreensão e, por

isso, pertenceria apenas aos intelectuais capazes de propor interpretações. Enquanto isso,

criaram em torno do texto teatral a ideia de que este serviria apenas para entreter um público

através da encenação teatral, sem desenvolver experiências corporais essenciais para

quaisquer encenações, não necessitando uma leitura e discussão do mesmo. O ensino

tradicional das escolas minimizou tanto estes dois gêneros que hoje é possível notar que a

sociedade contemporânea não é composta por fluentes leitores de poesia e peças teatrais,

menos ainda por espectadores de teatro.

Compreende-se por texto dramático o gênero literário que possui uma sequência

de diálogos que pode ser representada pela arte teatral, mas que, mesmo com uma estrutura

básica, apresenta possibilidades de dinamicidade e de diálogos com outros gêneros, atuando

com a essência básica de todo gênero: sua natureza mutável e plural que se transforma a partir

dos suportes, contextos sociais, etc. Por isso, devemos considerar que há diferenças entre as

definições de texto dramático e texto teatral, como a que afirma que

No teatro dramático, assim ela diz, o texto apresenta os esboços de ação para um

acontecimento ficcional e é texto de um personagem (portanto, fala figurativa).

Textos teatrais além do drama, no entanto, mostram uma tematização autorreflexiva

da língua e deveriam ser lidos enquanto “poesia”: Libertado da polifuncionalidade

fundamental da comunicação cotidiana, ou seja, da comunicação puramente

24

referencial de informações, a linguagem no texto teatral pode ativar

preferencialmente a função poética de seus signos.(Birkenhauer, 2012, p. 182)

Assim, a principal distinção seria que enquanto o texto dramático encontra-se

contextualizado nas falas e nos personagens, o texto teatral teria uma maior liberdade poética

de significações. Utilizaremos esse termo porque trabalhamos com a obra de Ariano

Suassuna, a qual, como veremos no próximo capítulo, possui características que ultrapassam

os limites de uma estrutura dramática, remetendo-o sempre ao diálogo com outras culturas,

como a literatura de cordel.

Neste sentido, o ambiente escolar demonstra desconhecer as relações existentes

entre drama, teatro e leitura. No que diz respeito à literatura dramática, o livro didático pouco

aprofunda as discussões, menos ainda quando se fala em texto teatral na perspectiva

apresentada acima. A ausência deste no material didático reflete a sua exclusão dos processos

de letramento. Nos momentos em que ele aparece nos livros didáticos ou mesmo na sala de

aula, utiliza-se fragmentos de peças canônicas e o estudo fica por isso mesmo, nestes casos,

prioriza-se também o uso de dramaturgos estrangeiros, como William Shakespeare.

Pouco se encontra da produção de dramaturgos brasileiros, menos ainda de

nordestinos, tais como: Ariano Suassuna, Lourdes Ramalho e Nelson Rodrigues. Não se fala

desses autores ou de suas obras, seja por desconhecimento também de suas obras pelos próprios

educadores, fato este que reflete os currículos dos cursos de letras espelhados em padrões

eurocêntricos, que não priorizam a produção literária nordestina, seja pela desatualização do

currículo escolar que orienta os educadores. Nessas circunstâncias, alimenta-se o mito de que a

arte circunscreve-se apenas a uma elite econômica oriunda das grandes metrópoles. Escritores

nordestinos dos mais diversos gêneros, por exemplo, até mesmo os contemporâneos,

dificilmente são lidos nas aulas de língua portuguesa, mesmo na própria região do Nordeste.

Analisando a presença do texto dramático em livros didáticos e as atividades

propostas para o trabalho com esses estes, Marega (2015) afirma que:

É possível afirmar que a maioria dos livros didáticos observados

apresentam atividades de adaptação de um gênero que apresenta um

predomínio de sequências narrativas, para outro que apresenta um

predomínio de diálogos, como ocorre no gênero texto dramático.

Verificamos que, nas orientações que acompanham as propostas de

produção escrita do gênero, a ação dramática é raramente sinalizada,

pois se preconiza, em grande medida, o leitor como público alvo;

trabalha-se a estrutura, sem relacioná-la, necessariamente, com a

possibilidade de atender a outros interlocutores (ator, diretor, público)

que o texto dramático pode convocar. (MAREGA, 2015. p.114)

25

A análise feita acima nos apresenta uma possibilidade de trabalho ofertada pelo

livro didático que não considera o caráter prático do texto dramático e desconsidera também

outros elementos essenciais para a compreensão dos sentidos do mesmo a partir da sua

relação com a arte teatral. Além disso, o livro didático não traz textos adequados à cada

contexto escolar, muitas vezes, ele explora autores que abordam temáticas demasiadamente

distantes da realidade dos educandos, quando poderia ser trabalhado primeiramente o

reconhecimento de sua literatura regional para, em seguida, expandir o conhecimento para as

outras literaturas existentes. Cabe aos educadores utilizarem outros suportes e estratégias na

prática de sala de aula para suprir essa lacuna.

Esse problema ultrapassa a ideia de representatividade, ele contribui para o

desconhecimento dos jovens sobre traços importantes da sua cultura regional e, portanto, de

sua própria identidade, além de gerar o esquecimento de grandes escritoras e escritores, afinal,

a literatura também nos traz elementos que contribuem para uma análise histórica das

comunidades. Para Jatahy Pesavento (2006, p. 72), “o texto literário revela e insinua as

verdades da representação ou do simbólico através dos fatos criados pela ficção”. Ou seja,

através dela podemos estabelecer ligações históricas e compreender as mudanças sociais em

nossas comunidades, podendo assim, agir sobre elas para novas transformações.

Considerando as reflexões da história social sobre a questão de uma construção de

identidades nacionais e regionais, compreendemos que é essencial conceber identidade como

construção social, como nos aponta Oliven: “Embora sejam entidades abstratas, as identidades

— enquanto propriedades distintivas que diferenciam e especificam grupos sociais — são

moldadas a partir de vivências cotidianas.” (OLIVEN, 2011, p. 227). Assim, a escola também

pode ser concebida como um espaço de vivências, ora semelhantes às experiências vividas no

ambiente familiar, ora distantes das mesmas, promovendo a discussão da identidade através

de outras linguagens, como a literatura, a música, a dança e o teatro. Nesta mesma

perspectiva, os PCN afirmam que:

Na escola, a exigência de se dar espaço para a verbalização do não-dito será uma

possibilidade para a construção de múltiplas identidades. Dar espaço para a

verbalização da representação social e cultural é um grande passo para a

sistematização da identidade de grupos que sofrem processos de deslegitimação

social. Aprender a conviver com as diferenças, reconhecê-las como legítimas e saber

defendê-las em espaço público fará com que o aluno reconstrua a auto-estima. (PCN,

2000. p. 20)

26

Aqui, os PCN oferecem aos educadores o apoio teórico básico para dar

sustentação às suas tentativas de práticas inovadoras diante de quaisquer formas de

resistências que possam vir a surgir. Corroborando com esta concepção, nota-se a importância

de, através da arte, dar voz e criar momentos dentro do ambiente escolar para falar e

experienciar temas sociais até então vistos como grandes tabus sociais. Dentro desse

complexo de deslegitimação e negação ao debate ou até mesmo ao poder de fala, podemos

citar as mulheres, os pobres e os nordestinos como grupos sociais que sofrem com essa

ausência de debate dentro e fora da escola. Não é preciso apenas saber da existência desses

grupos, mas é fundamental debates sobre os seus espaços sociais, inclusive dentro da escola.

No cenário cultural e literário brasileiro, podemos destacar dramaturgos que

trouxeram importantes contribuições, abordando, por exemplo, os paradigmas de seus

respectivos contextos, a exemplo de Nelson Rodrigues, Augusto Boal, Martins Pena, Plínio

Marcos, entre outros. No Nordeste, destaca-se Ariano Suassuna, Hermilio Borba Filho,

Joaquim Cardozo, entre outros, cada um destacando um ou mais aspectos regionais, essenciais

para a compreensão histórica, social e cultural da sociedade nordestina sempre em diálogo

com outras culturas. Nelson Rodrigues aborda alguns dos preconceitos e tabus vivenciados

nas décadas de 40 e 60, como o adultério, o sexo e os conflitos psicológicos, na peça Beijo no

asfalto (1960) coloca em evidência os conflitos sociais que poderiam surgir a partir de um

simples ato, a hipocrisia social é desmascarada por seus personagens, fazendo o leitor ou

espectador compreender e refletir sobre as relações que estavam pulsantes na sociedade

burguesa da época.

Durante muito tempo, o teatro brasileiro foi completamente baseado na estética

europeia e esses autores contribuíram significativamente para uma nova fase do teatro no

Brasil. Suassuna, por exemplo, traz personagens e contextos, em suas obras, singularmente

nordestinos, sempre em diálogo com elementos plurais de outras culturas.

Nesse sentido, o trabalho com escritores nordestinos ou com textos que

proponham um pensar acerca da identidade do povo nordestino, principalmente os que

buscam desconstruir estereótipos criados e propagados pelos discursos midiáticos, dialoga

com a necessidade de levar os jovens a refletir sobre a sua própria identidade. Suassuna foi

além de dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta. Nascido na Paraíba, escreveu grandes obras

da literatura brasileira como O auto da Compadecida (1955), Romance d'A Pedra do Reino e

o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971). Na sua obra, propõe uma dramaturgia e uma

teatralidade plural, que dialoga, reflete e personifica os paradigmas nordestinos, desde as

crenças populares às influências colonialistas que o Nordeste recebeu dos portugueses e

27

espanhóis, por isso, consideramos suas peças teatrais como texto teatral, reconhecendo às

múltiplas referências populares, como o cordel, que essas peças possuem, muitas vezes sendo

adaptações de histórias já contadas por cordelistas.

Além disso, podemos encontrar uma relação próxima com a memória e biografia

do próprio autor. Martins Ramalho afirma que:

Sua obra teatral é marcada pelo caráter cômico, popular e religioso que se origina da

influência da tradição mediterrânica, dos espetáculos populares nordestinos e do que

o autor denomina Romanceiro Popular do Nordeste, formado pela ‘Poesia

Improvisada’, a ‘Literatura de Cordel’ e a ‘Tradição Oral Decorada’. Essas

confluências na dramaturgia suassuniana possibilitam, além da criação de um teatro

que busca expressar o mundo mítico, mágico, tradicional e realista das tradições

populares, o emergir de um dramaturgo como pensador das brasilidades, por meio

da sua própria obra e dos seus escritos, que revelam as suas concepções no campo

artístico e cultural. (RAMALHO, 2012, p.12)

Para Décio de Almeida Prado, Suassuna "identifica-se com o povo do Nordeste.

Ele não põe em cena o camponês, o trabalhador braçal, entendidos enquanto classe social ou

força revolucionária, e, sim, especificamente, o ‘amarelo’, o cangaceiro, o repentista popular,

com toda a carga de pitoresco que a região lhes atribui." (PRADO, 2007, p.79). Esses

personagens e essas características regionais, quando exploradas no contexto escolar, podem

contribuir para uma maior discussão e reflexão sobre a realidade nordestina, além de

aproximar a cultura popular e a oralidade do universo tecnológico em que o estudante está

inserido.

No cenário do teatro brasileiro, a obra em questão se destaca, pois:

Funde o dramaturgo, em seus trabalhos, duas tendências que se desenvolvem quase

sempre isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da

sua matéria-prima. Alia o espontâneo ao elaborado, o popular ao erudito, a

linguagem comum ao estilo terso, o regional ao universal. (MAGALDI, 2004, p.

236).

Na sala de aula, geralmente as narrativas curtas, como as crônicas e o conto, são

os textos mais trabalhados. No entanto, os estudos desenvolvidos sobre a formação de leitores,

como os de Hélder Pinheiro (2002) e Rildo Cosson (2006), e os documentos oficiais que

orientam o ensino médio compreendem que é preciso que o educando tenha contato

significativo com os mais variados gêneros textuais e, isto, obviamente, inclui o texto teatral.

Todavia, essa necessidade de trabalhar novos gêneros nos traz uma série de questionamentos:

como educadoras e educadores podem ter acesso a esse gênero? Não é difícil encontrar esse

material nos suportes oferecidos pelas escolas? Não é o texto dramático difícil de se trabalhar

em sala de aula pela sua estrutura e estética?

28

A realidade tem mostrado que, atualmente, as bibliotecas escolares, em geral, são

equipadas com coleções organizadas pelo governo, como por exemplo, através do projeto

“Literatura em minha casa” que objetivando contribuir com o processo de formação de

leitores visava inicialmente criar um bom acervo nas bibliotecas escolares, como nos afirma

Moama Lorena (2007)

No PNBE 2000, atendendo-se a solicitações dos docentes, principalmente daqueles

que participaram dos cursos de capacitação proporcionados pelo programa

“Parâmetros em Ação”, foram fornecidos materiais didático-pedagógicos que

dessem subsídio ao trabalho deles. Já em 2001, as avaliações realizadas em relação

aos anos anteriores apontaram um rumo novo para o PNBE. A partir de então, os

livros não mais seguiriam, apenas, o caminho em direção às bibliotecas, mas

chegariam até às casas dos alunos. Essa foi a proposta da nova ação do PNBE, que

recebeu o nome de Literatura em minha casa. (MARQUES, 2007, p.41)

Ainda segundo a pesquisadora e de acordo com as avaliações realizadas no Plano

Nacional das Bibliotecas Escolares (PNBE) a mudança no plano de distribuição de livros

ocorreu porque estes não estavam sendo utilizados nas bibliotecas e muitas vezes havia o

desvio desse material por parte das gestões escolares. Observa-se assim que, além de dar o

material necessário é preciso formar os educadores para o bom uso desse material nas aulas,

por isso é essencial criar estratégias para a formação de leitores.

Nessas coleções que chegam às escolas estão inclusas peças teatrais que podem

ser levadas para a sala de aula, além disso, textos completos estão facilmente acessíveis

na internet para download. Por outro lado, em razão do pouco incentivo à leitura de textos

teatrais, as obras dos acervos das bibliotecas ficam, na maioria das vezes, esquecidas nas

prateleiras, afinal, se não se incentiva a leitura de peças teatrais, também não se incentiva a

apreciação do teatro. Diante desse cenário, fica evidente que o texto dramático e teatral, na

sala de aula, precisa trilhar novos caminhos e, para isso, é fundamental conhecer seus

desdobramentos, seu caráter múltiplo e plural na sua relação com o fazer teatral.

Ao falar sobre os conhecimentos a serem compartilhados em Língua Portuguesa

no Ensino Médio, os documentos oficiais destacam a natureza interativa da linguagem como

um elemento a ser explorado durante as aulas e centraliza a formação no desenvolvimento de

habilidades e competências que possam contribuir para a vida em sociedade, como podemos

observar no seguinte trecho:

O processo de aprendizagem de língua portuguesa deve basear-se em propostas

interativas língua/ linguagem, consideradas em um processo discursivo de

construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da

sociedade em geral. Essa concepção destaca a natureza social e interativa da

29

linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social.

O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização

da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o

domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. (PCN, 2000, pag. 18)

No que se refere ao trabalho com os gêneros discursivos na escola, os Parâmetros

Curriculares Nacionais também dialogam com os estudos sociais da linguagem, que afirmam:

A língua dispõe dos recursos, mas a organização deles encontra no social sua

matéria-prima. Mesmas estruturas linguísticas assumem significados diferentes,

dependendo das intenções de interlocutores. Há uma “diversidade de vozes” em um

mesmo texto. (...) uma entonação de voz pode transformar todo o sentido de um

texto. A simples inversão de um adjetivo modifica o significado de uma frase. O

texto literário se apropria desse jogo com maestria. (PCN, 2000. p. 21)

Ao considerarmos o texto literário de forma geral, podemos perceber que as

características apontadas acima estão marcadamente presentes no texto teatral. O jogo com a

linguagem é perceptível em suas possíveis estruturas, mas, diferentemente de outros gêneros

discursivos, exige o envolvimento de outros elementos para a sua compreensão, elementos

estes que dialogam com o próprio teatro.

Os PCNEM trazem outras importantes contribuições mais específicas desse nível

da educação básica quando destacam o papel do educador na seleção de textos:

O estatuto do leitor e da leitura, no âmbito dos estudos literários, leva-nos a

dimensionar o papel do professor não só como leitor, mas como mediador, no

contexto das práticas escolares de leitura literária. A condição de leitor direciona, em

larga medida, no ensino da Literatura, o papel dos mediadores para o funcionamento

de estratégias de apoio à leitura da Literatura, uma vez que o professor opera

escolhas de narrativas, poesias, textos para teatro, entre outros de diferentes

linguagens que dialogam com o texto literário. Essas escolhas ligam-se não só às

preferências pessoais, mas a exigências curriculares dos projetos pedagógicos da

escola. (PCNEM, 2006. p. 72)

A mudança de percurso surge aliada ao uso de estratégias e à compreensão da

importância social do texto teatral. Como aponta a citação acima, o professor enquanto

mediador precisa compreender as relações que as artes estabelecem entre si, por isso, ao

propor dar a ler o texto teatral em sala de aula, precisamos conceber também as principais

concepções de teatro que, por seu caráter eminentemente social, pode contribuir como aliado

na formação de leitores. Afinal, não basta decodificar o teatro teatral, ele impulsiona o leitor a

uma vivência que pode ser concretizada através do teatro.

30

2.2.1. Teatro, jogos teatrais e corpo: relações sociais

Etimologicamente, o termo teatro tem sua origem no latim theatrum e pode

significar “Arte de representação em palco” ou “Lugar onde se representam obras dramáticas

ou líricas, comédias, revistas”. Mas, foram o povo egípcio que iniciaram as apresentações em

públicos, em sua maioria para a exaltação da mitologia egípcia, principalmente Hórus, Osíris

e Ísis. Na Grécia, as manifestações teatrais foram registradas em pinturas em cavernas e na

decoração de artefatos.

Aproximadamente no século VI a.C. Envolto aos cultos Dionisíacos, o teatro se

constituía nas festividades comemorativas, na adoração aos deuses e nos ritos religiosos,

sempre permutado as outras manifestações, como a dança e a música. Com a expansão desses

movimentos para Roma, o teatro passou a ser reconhecido como uma representação, a

concepção de que a realidade estaria ali representada foi se difundindo nas mais variadas

culturas, chegando por fim ao Oriente.

Conforme Massaud Moises (2000), podemos observar que o teatro pode ser

considerado uma das manifestações artísticas mais antigas, pois, antes mesmo da escrita, ele já

estava presente nos rituais de dança e festividades do homem primitivo. Nota-se, assim, que a

relação mística sempre esteve envolta nessa arte, seja relacionada a uma manifestação cultural

específica voltada a comemorações e lazer, seja ligada aos elementos místicos que compõem a

religiosidade de um povo.

Diante de todas as transformações pelas quais o teatro passou ao longo dos

séculos, podemos destacar as influências estrangeiras, as mudanças de concepções, ora

centradas no texto, no diretor, ora no ator, e a criação de espaços específicos para a encenação,

bem como o uso de novos materiais e tecnologias. Nota-se que a função social do teatro

também foi se modificando, desvencilhando-se de antigas concepções para dar novos lugares

às ideias do mundo contemporâneo. Para Calzavara (2009, p. 150), “O drama é a mais social

de todas as formas de arte. Ele é por sua própria natureza uma criação coletiva que

presentifica o instinto do jogo na condição humana”. Compreendendo que o teatro se

concretiza também a partir do texto dramático, podemos perceber ambos como espaços que

criam possibilidades para a realização do jogo, ou seja, é possível associar a sua importância

social à necessidade humana de desenvolver práticas lúdicas, como Aristóteles aponta em A

poética (1987), destacando também a importância do enredo para a tragédia.

Alcione Araujo (2009, p.17) aponta para o fato de que “a expressão teatral está tão

31

profundamente imbricada na natureza humana e na condição humana, que é quase impossível

estabelecer a fronteira entre uma atividade genuína genérica e a noção de teatro”, afinal,

nossas ações diárias são expressões que, de uma forma ou de outra, podem ser consideradas

ações teatrais, ora choramos exageradamente para conseguir algum benefício ou para

expressar sentimentos, ora nossas atitudes são movidas em função de um complexo de

“parecer ser” algo ou alguém, não no sentido negativo da expressão, mas no sentido de atuar

para nos tornar quem somos, agindo para reafirmar o que queremos ser.

No Brasil, o teatro passou por um longo processo de transformação, desde as suas

manifestações até as ideologias refletidas nas próprias obras. O fato é que o texto dramático,

assim como a literatura de forma geral, está diretamente relacionado ao seu contexto de

produção. Para Zilá Bernd (1992), existe uma literatura sacralizadora que corrobora e

contribui para os pensamentos de uma determinada época e uma perspectiva dessacralizadora

que busca refletir e desconstruir as ideologias dominantes em determinados períodos

históricos. O texto dramático também pode ser compreendido a partir dessas duas

perspectivas. O teatro e a dramaturgia se construíram e foram se transformando no Brasil à

medida que o país passou por transformações políticas, nessa perspectiva, a história social

contribui para a compreensão desse processo, como nos diz Patriota:

O processo de emancipação política, do qual 7 de setembro de 1822 é um marco,

não promoveu, de imediato, alterações significativas nas atividades teatrais da jovem

nação. Os estudos históricos revelam que, se as peças confeccionadas na colônia não

possuíam propósitos definidos, no decorrer do século XIX começou, porém, a surgir

um teatro comprometido com a ideia de nacionalidade. Essa afirmativa ampara-se no

fato de que, em 1831, estreou profissionalmente nos palcos cariocas o ator João

Caetano. Ele, em 1833, criou sua própria companhia e encenou, em 1838, a tragédia

de Gonçalves de Magalhães, Antônio José ou o poeta e a Inquisição, e a comédia O

juiz de paz na roça, de Martins Pena. Os dois trabalhos foram adjetivados como a

primeira tragédia e a primeira comédia nacionais do país, respectivamente; na peça

de Pena, a crítica enfatizou os valores do homem do campo em contraponto ao

ambiente das cidades. (PATRIOTA, 2011, p. 440)

Nesse momento, o foco do teatro era uma leitura e interpretação de suas

manifestações a partir da crítica à qualidade estética do texto escrito, os outros elementos

eram observados em segundo plano, como a performance dos atores. Ao longo desse mesmo

século, visto como vanguarda e apontando temáticas sociais, o teatro realista começou a se

fazer presente, do qual destacamos O demônio familiar (1857) e Mãe (1860), de José de

Alencar, os quais trataram da escravidão.

Apesar do teatro realista iniciar as discussões sociais, a crítica e a maior parte das

32

peças buscavam defender uma ideologia da moral baseada na conservação de valores e

padrões burgueses e do que se compreendia na época como bons costumes, uma espécie de

teatro educativo, este último não no sentido emancipatório de Paulo Freire, mas na concepção

dominadora e manipuladora de ideais e posturas, principalmente para o público infantil. Sobre

o teatro infantil, Aires (2014) divide-o em duas categorias, o pedagógico e o artístico:

A primeira, tem a intenção de usar o teatro, mais especificamente a técnica teatral,

como uma ferramenta para ensinar algo a um determinado público. Já o teatro de

cunho artístico prioriza a arte e a estética, sem atrelá-lo a questões pragmáticas, no

sentido de torna-lo apenas um pretexto para lições de moral e de bons costumes ou

de qualquer outro tipo de lição. O objetivo, portanto, é apreciar e vivenciar o teatro

em si de uma forma lúdica, especialmente, quando direcionado a crianças na

condição de leitores, expectadores ou atores. (AIRES, 2014, p. 195)

Essas categorias se relacionam com a função social que o gênero possui, ora

pedagogizante, buscando ensinar algo e manter a ordem social, ora buscando um trabalho de

emancipação humana através da arte, rompendo paradigmas socialmente construídos. Assim,

os gêneros literários também contribuem para a perpetuação das relações de poder ou para o

questionamento destas. A literatura pode ser vista como instrumento de influência e controle

social, não apenas como representação.

Percebemos a participação e influência política nas temáticas e encenações do

teatro, ainda segundo Rozangela Patriota (2011):

Vale ressaltar que, dramaturgicamente, se processava uma efusiva defesa do drama

e/ou comédia, cuja temática exaltasse e suscitasse condutas sociais/morais

adequadas. Esse foi o caminho adotado pela crítica militante da época e até há pouco

tempo, em termos absolutos, por boa parte da historiografia teatral do Brasil.

(PATRIOTA, 2011. p. 443)

Ligado a isso, no século XIX e XX, o trabalho do ator começou a ganhar

destaque: a sua ligação com o público, os grandes momentos de improvisação e atualização da

linguagem cênica criaram novos rumos para as comédias brasileiras, como nos afirma Patriota

(2011) ao fazer um panorama histórico do teatro:

Assim, momentos significativos da cena teatral do fin de siècle e da primeira metade

do século XX estiveram assentados na figura icônica de um ator, ou de uma atriz, e

no diálogo direto com o cotidiano. Por sua vez, as análises críticas, em geral,

veiculadas especialmente pela imprensa, enfatizavam a necessidade de um teatro

33

fortalecido por uma dramaturgia capaz de contribuir com o processo civilizatório e

com a nação. (PATRIOTA, 2011. p. 443)

Concomitante ao desenvolvimento da capital carioca, os espaços teatrais foram

tomando outras formas, seja por influências externas de companhias que visitaram o país já no

século XX, seja pelas influências ocidentais trazidas por diretores que as colocaram em

prática através de algumas obras brasileiras, como as de Oswald de Andrade, buscando

sempre uma ideia de modernidade, como também nos mostra a pesquisadora Rozangela

Patriota (2011):

No decorrer dos anos 1930, dramaturgos/diretores como Oduvaldo Vianna e Renato

Vianna, respectivamente com as peças Amor e Sexo, ao lado das contribuições de

Oswald de Andrade (O rei da vela, O homem e o cavalo e A morta), deram mostras

tanto do pensamento quanto das incorporações cênicas das novas propostas que

agitavam o teatro ocidental, o que inclui também a percepção e a consciência das

relações na sociedade capitalista e a resposta ideológica e política que levou, nessa

época, Procópio Ferreira a produzir e protagonizar Deus lhe pague, de Joracy

Camargo. (PATRIOTA, 2011. p.443)

Na busca pela construção de uma identidade nacional, o teatro também traz

elementos históricos que contribuíram para a instauração de uma ordem social, para a

afirmação de comportamentos sociais e para uma valorização da cultura europeia:

O debate em torno de um teatro nacional, típico do século XIX, transmutou-se no

século XX, sem perder seu objetivo anterior, na busca da modernidade, por via da

modernização, incorporando a complexidade de um mundo em que a aceleração do

tempo se tornara uma realidade de vida. Assim, conquanto a dinâmica histórica

apresente-se múltipla, contraditória e tão marcada pelas especificidades de seu

ritmo, aqueles que advogaram e/ou militaram em prol de um teatro capaz de

promover o ingresso do Brasil no rol das nações “civilizadas”, por intermédio das

letras e das artes, bem como do apurado juízo moral e estético, atuaram,

sistematicamente, na divulgação de seus princípios em jornais, por meio da crítica

teatral, das discussões públicas, em livros e, principalmente, na criação de grupos de

teatro amador — vale aqui citar as contribuições das comunidades de imigrantes:

italiana, espanhola, judaica, isso para não mencionar a portuguesa — com a

finalidade de estabelecer a sintonia entre a produção teatral e a modernização.

(PATRIOTA, 2011, p. 444)

Sobre essa modernização, podemos citar o espetáculo Vestido de noiva (1943), de

Nelson Rodrigues, que trouxe mudanças para o cenário da dramaturgia brasileira, com a sua

estreia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com o grupo Os Comediantes, dirigido por

Ziembinski. O crítico Sábato Magaldi exemplifica aspectos que contribuíram para a

34

consagração dessa peça:

São hoje lendárias as conquistas da montagem: substituía-se o velho estilo do

predomínio do astro pelo desempenho da equipe, ensaiando-se e valorizando-se com

igual carinho todos os intérpretes; o cenário construído e estilizado de Santa Rosa

impunha-se pela modernidade de linhas, funcional e simultaneamente rico de

sugestões; Ziembinski trocava a iluminação uniforme da sala de visitas habitual pelo

uso de muitos refletores, concebendo cerca de 150 efeitos luminosos; e o elenco

abandonou as convenções do palco tradicional por formas estilizadas, adotando,

contraponteado com as cenas de puro realismo, o grotesco de inspiração

expressionista. (MAGALDI, 2004, p. 19)

Durante a ditadura militar, o teatro, assim como outras manifestações artísticas,

também se fez instrumento de resistência. Torna-se necessário destacar alguns acontecimentos

que tiveram grande importância nesse cenário do teatro nacional, tais como: a criação do

Teatro Brasileiro de Comédia (1948) por Franco Zampari; a fundação da Escola de Arte

Dramática (1948) por Alfredo Mesquita e do Teatro de Arena (1952) por José Renato. No que

se refere às influências mais teóricas recebidas pelo teatro brasileiro, podemos citar o método

das ações físicas de Konstantin Stanislavsk que, de forma não aprofundada aqui, consiste em

utilizar as ações essencialmente físicas para compor o corpo do ator e, portanto, a encenação.

Esse método influenciou as técnicas teatrais desenvolvidas por Bertolt Brecht, Antonin

Artaud e, posteriormente, do diretor Grotowski, além de tantos outros.

Numa dimensão mais abrangente, o Teatro é a arte que faz uso do texto dramático

ou teatral, mas não apenas deste, a definição contemporânea dessa arte não é consenso e a

cada dia ganha novas possibilidades de interpretação. Para Jerzy Grotowski (1992), o teatro

seria o que acontece entre o espectador e o ator, a comunicação que ocorre no ato da

encenação e, por isso, Grotowski concebe como essencial uma maior participação do público

em suas peças. Enquanto para Peter Brook (2008), as ações teatrais ocorrem não a partir de

dois elementos, mas de três, além do espectador e do ator, ele acrescenta o espaço vazio, o

qual possibilitaria o fazer teatral nas suas múltiplas formas. O fato é que essas, e outras,

concepções influenciam o fazer teatral e a forma como este se faz presente nos mais diferentes

ambientes sociais.

Nas escolas, de forma geral, podemos observar que os espaços de encontro com o

teatro, geralmente acontecem quando a atuação se torna necessária em eventos, datas

comemorativas ou festejos. Nesses momentos, o texto teatral é visto simplesmente com o

propósito da encenação teatral na sua forma de entretenimento; um trabalho de leitura crítica e

discussão sobre o próprio texto dramático como gênero literário é completamente ignorado e a

35

encenação realizada não busca um desenvolvimento de técnicas teatrais ou um trabalho mais

próximo à arte dramática. Tem-se a impressão de que a elaboração de um espetáculo escolar

não necessita de um trabalho teatral elaborado, criando a falsa ideia de que é simples e não

precisa de tanto esforço, seria esta a origem do preconceito com os artistas e com a arte?

Propor a leitura do texto teatral na sala de aula é reconhecer sua importância

social e compreender sua relação com as artes, com o fazer teatral. O processo de leitura do

texto não acaba na decodificação e interpretação do mesmo, ele necessita da exploração de

outras formas de leitura, pois sua particular relação com o teatro possibilita que o texto se

construa também no corpo do ator e do leitor. Compreendendo tais especificidades do texto

dramático, torna-se essencial afirmá-lo em sua relação com os estudos teatrais, neste caso,

aproximaremos o mesmo dos jogos dramáticos desenvolvidos por Viola Spolin, objetivando a

formação de leitores capazes de perceber esse gênero como ligado à teatralidade. De acordo

com Sarrazac:

A teatralidade é aquilo que permite pensar o teatro não sem o texto mas, de modo

recorrente, a partir de sua realização ou seu devir cênico. (...) Mas, sobretudo,

vontade de libertar o teatro de sua identidade literária, abstrata e atemporal, para

recuperar sua abertura para o mundo, para o real. Nesse sentido, a teatralidade

reinstitui a arte do teatro enquanto ato. (SARRAZAC, 2013, p. 15)

Nessa perspectiva de compreensão do texto, consideramos que é essencial abarcar

também a educação como experiência. Jorge Larrosa (2014) nos inquieta, apontando os

benefícios e as transformações que são possíveis ao reconhecer a vida como experiência, para

assim aproximar o processo educacional de vivências mais naturais.

A vida como experiência, é relação: com o mundo, com a linguagem, com o

pensamento, com os outros, com nós mesmos, com o que se diz e o que se pensa,

com o que já estamos deixando de ser. A vida é a experiência da vida, nossa forma

singular de vivê-la. Por isso, colocar a relação educativa sob a tutela da experiência

(e não da técnica, por exemplo, ou da prática) não é outra coisa que enfatizar sua

implicação com a vida, sua vitalidade. (LARROSA, 2014. p. 74)

Desconstruindo uma visão tradicional, para além de sugerir algo diferente, o

pesquisador propõe que esse reconhecimento das experiências nos possibilita negar o que é

imposto, mostrando possibilidades de existência, de vivência. Ao discutir experiência, Larrosa

(2014) suscita a seguinte reflexão:

Fazer soar a palavra ‘experiência’ em educação tem a ver, então, com um não e com

uma pergunta. Com um não a isso que nos é apresentado como necessário e como

36

obrigatório, e que já não admitimos. E com uma pergunta que se refere ao outro, que

encaminha e aponta em direção ao outro (para outros modos de pensamento, e da

linguagem, e da sensibilidade, e da ação, e da vontade), porém, sem dúvida, sem

determiná-lo. (LARROSA, 2014. p. 74)

Pensando a sala de aula sob essa compreensão, o trabalho com o texto teatral nos

impulsiona a reconhecer os processos como experiências. Nas leituras das peças teatrais

(referimo-nos à leitura como algo múltiplo: montagens, performances, etc.), é fundamental

estabelecer conexões com a própria vivência, para descentralizar o foco na obrigatoriedade de

uma apresentação final, reconhecer a importância do processo, o qual poderíamos denominar

experiência ou caminhar da experiência. Como afirma Larrosa (2014, p.74), “deixar que a

palavra “experiência” nos venha à boca (que tutele nossa voz, nossa escrita) não é usar um

instrumento, e sim se colocar no caminho, ou melhor, no espaço que ela abre”.

Por conseguinte, a elaboração de propostas para a sala de aula deve considerar a

relação que o texto pode vir a estabelecer com o corpo e como essa relação pode contribuir

para a formação de leitores. Em nossas experiências de sala de aula, ouvimos relatos de

estudantes que dizem jamais esquecer determinadas obras literárias, porque as vivenciaram no

próprio corpo, porque a literatura, compreendida e transformada em experiência, atravessa a

própria vivência humana e sensibiliza.

Diante disso, surge o seguinte questionamento: como proporcionar essas vivências

no corpo apenas através da leitura? Para responder a essa questão, enfatizamos a necessidade

de aliar a leitura do texto aos jogos teatrais. Conceber esse processo como experiência

possibilita a adoção de ferramentas que contribuam efetivamente para um corpo atento e

disposto às novas maneiras de ler e interpretar. O jogo é o elemento base do teatro, é através

dele que os corpos encontram possibilidades de ação, de reflexão e, principalmente, de

vivência. O jogo também tem ganhado destaque nas pesquisas sobre aprendizagem,

mostrando-se efetivo no desenvolvimento de habilidades e competências dos educandos, não

apenas nas séries inicias. Segundo o filósofo Johan Huizinga:

Jogo “é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de

certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras

livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um

fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria

e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana” (HUIZINGA,

2007, p. 33).

37

Desse modo, torna-se fundamental a presença de jogos na escola. No campo do

teatro temos os jogos teatrais desenvolvidos por autores como Algusto Boal e Viola Spolin,

esta última afirma que:

O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade

pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e

habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar.

As habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está

jogando, divertindo-se ao máximo e recebendo toda estimulação que o jogo tem a

oferecer – este é o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para

recebê-la (SPOLIN, 2006, p.4).

Focalizando o uso dos jogos teatrais como recurso pedagógico, a pesquisadora em

artes cênicas Pricila Tatiana Araújo Leite nos mostra a importância dos jogos teatrais para o

desenvolvimento de crianças e jovens na escola, ela afirma que:

Logo, o teatro, dentro das mais diversas áreas de desenvolvimento humano, traz

consigo a possibilidade de autoconhecimento necessário para o bom

desenvolvimento do ser humano. O aluno de teatro passa por experiências onde é

capaz de sentir suas emoções a fundo. Para a criança, o toque no outro ou no seu

próprio corpo traz consigo uma carga de descobertas que, com certeza tornam a sua

vida mais sensível, mais desperta, para questões tanto de cunho educativo quanto

profissional, emocional, pessoal, familiar. (LEITE, 2016, p.17)

Assim, acreditamos que, por meio da utilização dos jogos teatrais, podemos

aproximar o texto de Ariano Suassuna da própria realidade dos educandos e associá-los à

formação de leitores. Além disso, trabalhando com os jogos, focalizaremos o corpo como

elemento artístico e como constituinte do ser social. Pensar o corpo na sociedade

contemporânea é se opor às amarras de um sistema opressor que somente o reconhece a partir

de duas perspectivas: a primeira se refere ao corpo obediente, dominado e manipulado, como

podemos encontrar no livro ‘Vigiar e Punir’ de Michel Foucault (1987). Nesta obra, o autor

analisa historicamente as compreensões que a sociedade foi adquirindo sobre o corpo através

da sua leitura dos instrumentos de criação e manutenção de corpos adestrados para viver em

sociedade. Ele aponta que as duas instituições que mais contribuíram para uma disciplina do

corpo foram as escolas e os quartéis:

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que

realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de

docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos processos

disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas

também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII

fórmulas gerais de dominação. (FOUCAULT, 1987. p.164)

38

A disciplina militar, conforme Foucault, surgida nos exércitos protestantes, deixou

marcas também na escola, como por exemplo, o posicionamento autoritário do professor que

acabou se estabelecendo como um elemento fundamental para a educação, além dos castigos

físicos e psicológicos dados aos estudantes que desobedeciam as regras.

Ainda hoje as práticas não reconhecem o corpo como essencial no processo de

desenvolvimento humano. A ideia de disciplina prevalece; educado parece ser sempre

aquele que se mantem sentado e imóvel na sala de aula. Se por um lado podemos

compreender uma postura disciplinar como uma forma mais sutil de manter uma determinada

ordem, por outro lado, ela deixa claro que para isso é preciso a imobilidade do corpo. A sala

de aula seria um laboratório onde os mais educados e “civilizados” seriam os que não se

movimentassem e, portanto, conseguissem manter uma postura de gestos pequenos, breves e

lentos.

Esse problema está diretamente relacionado à questão da fragmentação dos

saberes na escola. Edgar Morin discorre sobre a complexidade da condição humana e reflete

sobre a necessidade de reconhecer o ser humano a partir das suas várias faces, ou seja,

reconhecê-lo para além das estruturas fragmentadas construídas socialmente.

Seria preciso conceber uma ciência antropossocial religada, que concebesse a

humanidade em sua unidade antropológica e em suas diversidades individuais e

culturais. À espera dessa religação – desejada pelas ciências, mas ainda fora de seu

alcance, seria importante que o ensino de cada uma delas fosse orientado para a

condição humana. Assim, a Psicologia, tendo como diretriz o destino individual e

subjetivo do ser humano, deveria mostrar que Homo sapiens também é,

indissoluvelmente, Homo démens, que Homo faber é, ao mesmo tempo, Homo

ludens, que Homo economicus é, ao mesmo tempo, Homo mythologicus, que Homo

prosaicus é, ao mesmo tempo, Homo poeticus. (Morin, 2004. p. 35)

A segunda forma diz respeito à hipersexualização dos corpos, principalmente do

corpo feminino. Esse fenômeno ocorre através dos discursos divulgados pelas mídias e pela

negação do diálogo familiar sobre a sexualidade. Educados sob o estigma de não poder falar

sobre sua sexualidade e/ou sobre seus próprios corpos, os jovens que chegam ao ensino médio

não conhecem as possibilidades do seu corpo e não o reconhecem como parte de seu ser

complexo. Por isso, os exercícios propostos pelos jogos teatrais e a ludicidade envolvida na

leitura de textos dramáticos contribuem para o desenvolvimento de reflexões teóricas e

práticas sobre o corpo, incentivando o despertar de uma consciência para corpos ativos,

capazes de atuar na sociedade a partir do autoconhecimento.

39

Nessa perspectiva, o texto teatral se tornaria uma base multiplicadora de

possibilidades, uma vez que sua estrutura aponta diretamente para vivências do próprio corpo.

Por meio do uso dos jogos dramáticos, os leitores podem desenvolver essa aproximação entre

o texto escrito e a própria encenação, desenvolvendo outras formas de leitura do texto

literário. Trabalhar na perspectiva da experiência não significa “fazer de qualquer forma”,

pelo contrário, a proposta é orientar as vivências da melhor maneira possível, por meio de

estratégias, de sequências didáticas.

Nesse contexto, surge também a necessidade de novos olhares para o texto

dramático desde a sua leitura até a forma como este adquire cada vez mais características. A

mudanças pelas quais as relações que os gêneros literários ou não passam ao longo dos anos

devem ser discutidas nas aulas de língua portuguesa, para que os educandos desenvolvam o

senso crítico diante das transformações sociais, sabendo lidar com os noos diálogos

intertextuais que surgem. O ambiente escolar poderia estar mais atento a esses diálogos que a

leitura promove, afinal, ao propor a leitura de uma peça teatral em sala, o educador deve

compreender estar disposto a elaborar uma sequência que possibilite a construção de

interpretações a partir das ações dos personagens. A dramaturgia exige do leitor níveis

maiores de atenção e interpretação, as emoções e as características das personagens não

podem ser encontradas de forma linear como no romance. Elas estão fora dos diálogos, estão

nas rubricas, nas entonações de voz e, principalmente, no corpo do ator no palco. Para

Alcione Araujo (2009):

Ler uma peça de teatro não é ler os diálogos, mas as repercussões em cada

personagem do que foi dito, a maneira particular e pessoal com que cada

personagem absorve as palavras enunciadas- as maneiras de perceber e reagir são

reveladoras da índole e do caráter de cada um. A leitura de uma peça não se limita,

portanto, às palavras do diálogo, mas entende-se à repercussão das palavras em cada

personagem. Lê-se a subjetividade das personagens e as relações entre elas, não

apenas as palavras. O dramaturgo, diferentemente do romancista, não podendo

desvelar as intenções das personagens, oculta-as na sua maneira de falar, na maneira

de silenciar, na sua maneira de perceber e na sua maneira de reagir. Personagens

ocultam-se nas falas, nos silêncios, nas percepções e nas reações. Elas se desvelam

nas intenções e nas ações. (ARAUJO, 2009. p. 188)

O texto teatral desafia o leitor a considerar e realizar a leitura de todos os seus

elementos, para assim, desenvolver interpretações mais coerentes com o mesmo. Como

também nos aponta Kelly Costa (2006) ao falar das especificidades do gênero dramático.

40

É importante ressaltar que o texto dramático, diferentemente da narrativa, revela o

seu sentido por meio da ação das personagens e das rubricas. Logo, o seu estudo

deve ser feito, observando principalmente estes dois elementos. Quando realizamos

uma leitura apressada de um texto dramático, geralmente, tendemos a desconsiderar

as rubricas de modo que muitas vezes nem as lemos, por isso o professor tem de

chamar a atenção do seu aluno para a importância de lê-las. Nas rubricas não estão

contidas apenas informações para quem irá encenar o texto, mas também elas

revelam como são as personagens, os espaços, o tempo em que tudo acontece no

enredo, entre outros aspectos que são determinantes para se analisar e compreender

o texto como um todo coeso. (COSTA, 2006. p.96)

Isso ocorre, porque ele pode ser considerado um texto de caráter multimodal,

como nos afirma Marega (2015, p.72): “A produção escrita desse gênero discursivo permite-

nos refletir as relações entre fala e escrita; sua produção oral leva-nos a pensar em entonações

e gestos que podem acompanhar as falas das personagens, seus movimentos e ações diante de

um cenário proposto”, ou seja, ele estabelece conexões com outras linguagens e pode

contribuir para o desenvolvimento de habilidades. Neste sentido, compreendemos que essa é

uma das grandes contribuições do texto dramático para a formação de leitores, ativando seus

conhecimentos não apenas no campo intelectual, mas também corporal.

A relação entre teatro e literatura se estabelece à medida que o primeiro dialoga

com a segunda através do texto dramático. Diferente de outras artes, como a pintura e a

música, que têm limites e materiais específicos que marcam suas fronteiras com a Literatura,

é o valor estético e artístico do texto teatral que o aproxima e o torna literário.

Assim, compreenderemos no próximo capítulo a construção estética e as

influências sociais da obra teatral de Ariano Suassuna, para, nos capítulos seguintes,

apresentarmos uma proposta metodológica que contribui com a formação de leitores na

escola, a partir do viés do teatro e dos jogos teatrais. Utilizaremos a peça O santo e a porca,

de Ariano Suassuna como texto base para a proposta de letramento.

41

3 A CORPOREIDADE DO NORDESTE EM ARIANO SUASSUNA

3.1 CONCEITUANDO CORPOREIDADE

Quando falamos em corporeidade como expressividade humana nos remetemos

inevitavelmente as reflexões de Merleau-Ponty (1994), isso nos leva a pensar em corpo, ação

e interação, relacionando, assim, a corporeidade a um sentido prático. Observamos, no

entanto, que, no ambiente escolar, a literatura torna-se, muitas vezes, enfadonha, pois é

apresentada de forma teórica e unilateral, desconectada de outros elementos tão essenciais

quanto o próprio texto, tais como o espaço, o corpo do leitor e os dos que partilham com ele a

experiência da leitura, ou seja, os leitores. As formas de dar a ler em sala de aula precisam

passar pelas percepções sensoriais dos leitores, manifestando formas distintas ou

complementares de ler e interpretar um mesmo texto. Para isso, o educador precisa identificar

na obra aspectos que podem contribuir para essas novas leituras, como a construção das

personagens. No texto teatral, por exemplo, esta relação encontra-se mais evidente pelas

rubricas e pelos diálogos que se constituem basicamente de ações.

Partindo desta reflexão, este capítulo propõe um aprofundamento na análise de

como a corporeidade está construída na obra teatral de Ariano Suassuna, percebendo suas

influências e as relações destas com o corpo. Por isso, precisamos compreender que os

conceitos de corporeidade dialogam com as ciências humanas à medida que trazem reflexões

sobre a construção do eu, de um ser social. A fenomenologia traz importantes contribuições

neste sentido,

Como vimos, ao tomar como objeto de estudo não mais o sujeito e o corpo como

elementos ontologicamente distintos, mas o chamado “sujeito corporal” (Barbaras,

1992),a fenomenologia redimensionou o valor da narratividade e do pensamento

conceitual e reflexivo na experiência do eu, incluindo no horizonte epistemológico

dos estudos sobre a vida subjetiva três elementos fundamentais, a saber, a

valorização da relação entre o organismo e ambiente, o papel central ocupado pela

corporeidade na organização da vida subjetiva, e a importância da ideia de ação nos

modelos da vida mental. (SALEM; JUNIOR, 2010, p. 193)

Segundo Olivier (1995), “o que marca o humano são as relações dialéticas entre

esse corpo, essa alma e o mundo no qual se manifestam. Relações que transformam o corpo

humano numa corporeidade, ou seja, numa unidade expressiva da existência” (p.46).

Adotando o conceito de corporeidade como unidade expressiva da existência, podemos

estabelecer sua relação direta com a literatura, como afirma o filósofo Merleau-Ponty

42

Os escritores não têm a impressão de criar, de inventar, porque eles estão com efeito

em vias de decifrar os hieróglifos de sua paisagem. Mas, eles criam porque 1) essas

verdades mudas tomam sua paisagem, ninguém as faria falar em seu lugar; 2) uma

vez convertidas em coisas ditas elas tomam lugar, senão como quadro visível, ao

menos no Mundo que é, como o visível, chamado a falar – Outros aprendem lendo-

as para dizê-las a outros (MERLEAU-PONTY, 1996, p.203).

Os textos literários também estabelecem relações com o corpo, como através da

oralidade presente em obras com traços mais populares, histórias passadas por meio da

tradição de gerações a gerações. As representações sociais feitas através das personagens

exemplificam características individuais à medida que constroem e desconstroem paradigmas

sociais também relacionados ao corpo e como comportamentos estereotipados do ser homem

e ser mulher. No espaço da sala de aula, podemos promover a compreensão textual através de

um trabalho corporal, compreendendo corpo na perspectiva de Merleau- Ponty

[...] o corpo não é um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho dele não é

um pensamento, quer dizer, não posso decompô-lo e recompô-lo para formar dele

uma ideia clara. [...] Quer se trate do corpo do outro ou meu próprio corpo, não

tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivê-lo, quer dizer, retomar por

minha conta o drama que o ultrapassa e confundir-me com ele (MERLEAU-

PONTY, 1994, p. 269).

Assim, também podemos afirmar que se o texto compreende dimensões do corpo,

como a sensibilidade e a consciência corporal, ele não pode ser compreendido em sua

complexidade senão por meio do próprio corpo. Para isso, precisamos aproximar as relações

entre texto e corpo, fazendo uso das estratégias de leitura e interpretação e das especificidades

da literatura e do teatro. A escola é um ambiente propício para esse trabalho, podendo

transformar as práticas de leituras cansativas e desconexas da realidade em vivências

corpóreas e textuais significativas. Estas, se aliadas a um trabalho com o corpo, poderão fazer

um sentido maior para aqueles que não entendem as conexões existentes entre as artes e que

acreditam que Literatura não nos transforma enquanto sujeitos. Por isso, como nos diz a

pesquisadora Karenine de Oliveira Porpino (2018), ao refletir sobre a complexidade humana e

sua ligação direta com a corporeidade e com a dança, é necessário:

[...] compreender o ser humano como uno e ao mesmo tempo como múltiplo, como

essência, porém existencial e plena de sentido, que encontra a sua forma de

expressão na coexistência de antagonismos. Assim, o termo corporeidade propõe

uma nova compreensão de homem e uma nova possibilidade de compreensão do

corpo, transcendendo o entendimento dicotômico ainda predominante em nossa

cultura ocidental. Somos, ao mesmo tempo, cultura e natureza, corpo e espírito,

razão e emoção, numa simbiose que não pode ser desfeita. (PORPINO, 2018. p.20)

43

Concebemos a leitura como um processo complexo que compreende as relações

entre o leitor, o autor e suas experiências, ocorrendo uma interação entre seus corpos e o

texto. Porpino (2018) também discute sobre isso ao enfatizar o corpo e sua relação com a

dança,

A partir do conceito de corporeidade, é possível entender o corpo como possuidor de

uma singularidade que somente se compreende na pluralidade da existência de

outros corpos, e que é capaz de gerar conhecimento, autogerando-se, a cada

momento, a partir da inevitabilidade da coexistência entre a sensibilidade e a razão.

Assim, a corporeidade desvela o corpo em sua essência existencial complexa,

restitui a este a sua capacidade de gerar conhecimento, de reconhecer-se como

sujeito da percepção, sendo, ao mesmo tempo, objeto percebido por outros corpos,

numa época (século XX) em que a predominância do racionalismo ainda se faz

presente. (PORPINO, 2018. p. 58)

Neste sentido, romper com as relações dicotômicas do ser é agir consciente da

necessidade de uma transformação social, começando pela educação, principalmente através

escola, que ainda insiste em separar os saberes, promovendo o individualismo, abrigando em

si as mazelas da sociedade contemporânea. Reconhecer a complexidade nos vários âmbitos,

culturais, sociais, políticos, lúdicos, etc, contribui para a transformação social e, obviamente,

envolve a relação entre os indivíduos. Na leitura dinâmica e complexa do texto literário, os

educandos e educandas poderão desenvolver o que há de mais natural no ser humano: a

relação entre os seres. Como sabemos, não basta ler mecanicamente um texto, mas associá-lo

as nossas vivências, e isso também ocorre quando ouvimos ou percebemos a maneira distinta

que o outro conseguiu compreender um mesmo texto, é nesse momento que os leitores podem

desenvolver a percepção para a diferença como algo que agrega informações e possibilidades

e não como um fator negativo. Ao tratarem das relações sociais, Maturana e Varela (1995)

refletem que:

Se sabemos que o nosso mundo é sempre o mundo que construímos com outros,

toda vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição a outro ser humano com

quem desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser a de se reafirmar o que

vemos do nosso próprio ponto de vista, e sim a de considerarmos que nosso ponto de

vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial

tão válido como o de nosso oponente, ainda que o dele nos pareça menos desejável

(MATURANA; VARELA, 1995, p. 262).

A literatura muitas vezes está diretamente relacionada à identidade, como vimos

no capítulo anterior. Muitos são os escritores que trouxeram, em sua obra, características que

contribuíram para uma construção da identidade brasileira, tais como Machado de Assis,

Clarice Lispector, José de Alencar e Ariano Suassuna. Podemos destacar na obra do cronista,

44

romancista e dramaturgo Machado de Assis representatividades e construções da sociedade

burguesa, como em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), romance no qual o escritor dá

voz aos homens considerados cultos do país ou como em suas crônicas, gênero literário

através do qual o autor teceu críticas sociais relevantes, como destaca Salete de Almeida Cara

no prefácio da obra coleção Melhores Crônicas (2006):

Avançando pelos anos, a crônica de Machado vai-se distanciando um pouco mais da

nomeação direta dos acontecimentos imediatos e, indo muito à vontade para o

passado, continua ainda a dar asas a uma imaginação sempre sustentada por aquele

movimento geral que vai observando, e do qual a crônica depende. Por isso mesmo é

que se pode ler “A semana” dos dois últimos anos como o resultado lógico de uma

experiência nacional singular, que o cronista foi capaz de perceber mais do que

ninguém: é o desenrolar dessa história que vai contando até a etapa pouco feliz, mas

previsível, da crise financeira dos governos Prudente de Moraes e Campos Salles.

Tempo da Guerra de Canudos, pouco antes do empréstimo de dois milhões de libras

e da possibilidade de uma moratória, em 1898. (2006, p. 11)

Outro grande exemplo de construção de uma identidade nacional através da

literatura é José de Alencar. Com seus romances indianistas e regionalistas, ele constrói uma

imagem romântica da relação colonizadora existente entre o índio e o português, sugerindo

uma história pacífica e amorosa das tomadas de terra no Ceará. Por outro lado, além de

romancista, o autor também escreveu crônicas, os antigos folhetins, publicou, por exemplo,

no Diário do Rio de Janeiro, a segunda série de textos chamada de “Ao correr da pena” em

1855, esta tematiza as grandes transformações pelas quais o Rio de Janeiro passava na época,

com a era da modernização, progresso, etc. Estes escritores, ao representar determinados

aspectos sociais, elaboram representações corpóreas que ultrapassam os limites físicos e

dialogam com a posição social que estes corpos ocupam, seja de resistência, de corpo que

colabora para a propagação dos estereótipos sociais, ou das convenções públicas existentes até

então.

Em Clarice Lispector, a personagem Macabéa, de A hora da estrela (1977),

destaca-se como uma protagonista que representa as angústias do povo nordestino, inclusive

em suas formas de negar sua existência e expressividade, ao mesmo tempo que essa própria

negação a introduz no universo de representação maior, a de um corpo inerte à realidade que o

rodeia. Terezinha Petrucia da Nóbrega, ao analisar A paixão segundo G.H (1964), buscando

aproximações com a filosofia, mais exatamente à luz dos estudos filosóficos sobre a acepção

de “corpo” conforme Merleau-Ponty, afirma que:

A literatura de Clarice Lispector problematiza uma compreensão essencialista da

natureza humana, seu distanciamento da animalidade, da experiência do corpo, da

carne em nome da civilidade e de ideias abstratas. Mas, não se trata somente de

45

abandonar a humanidade e a civilização. Trata-se antes de pôr em suspensão a

existência e de criar as condições para uma nova experiência e para uma nova

filosofia. (p.06)

Enquanto Lispector problematiza a natureza humana em suas formas complexas, o

escritor Ariano Suassuna traz as questões mais pungentes da existência para uma realidade

específica, regional, com suas particularidades que transformam a forma de encará-las,

abordando temas globais, como a avareza, um dos sete pecados capitais segundo a ótica

católica. O texto de Suassuna desafia o leitor a recriar um outro olhar para o tema.

3.2 O CORPO E A IDENTIDADE DO ROMANCEIRO POPULAR NORDESTINO

As relações entre história e literatura, no meio acadêmico, se consolidaram através

das diversas pesquisas que apontam caminhos para a leitura de obras a partir de concepções

históricas, buscando compreender as influências de um determinado momento histórico na

produção artística ou ainda como essa escrita pode contribuir para o entendimento desse

mesmo período. Isso ocorre porque a Literatura pode ser vista como um instrumento de

construção social, ou seja, por estar presente em todos os períodos históricos, ela acaba por ser

elemento de construção e reconstrução de uma cultura brasileira. É possível falar ainda em

culturas brasileiras, afinal, as distintas ideologias propagadas pelas mídias destacam o caráter

plural da cultura.

Para Fernando de Azevedo (1971) em seu livro A Cultura Brasileira:

A cultura, nas suas múltiplas manifestações, sendo a expressão intelectual de um

povo, não só reflete as ideias dominantes em cada uma das fases de evolução

histórica, e na civilização de cuja vida ele participa, como mergulha no domínio

obscuro e fecundo em que se elabora a consciência nacional. (AZEVEDO, 1971,

p.45)

A partir de suas experiências populares e artísticas refletidas em suas obras, os

escritores acabam por contribuir, consciente ou inconscientemente, para a elaboração de uma

consciência nacional. Torna-se fundamental refletir sobre a cultura popular, suas

características e importância social, compreendendo que esta dialoga diretamente com

aspectos de uma identidade nacional. Como nos dizem Costa e Rêgo (2018) ao debaterem o

tema:

É possível interpretar a cultura popular como resultado da “sabedoria oral”, memória

coletiva anteposta aos conhecimentos transferidos pela ciência. Possuidora de “bases

universais”, portadora de um “instinto de conservação para manter o patrimônio sem

modificações sensíveis, uma vez assimilado” (CASCUDO, 1983, p.679). A cultura

46

popular é detentora de um caráter multidimensional e está aberta ao contato com o

novo. (COSTA; RÊGO, 2018, p.202)

Um evidente exemplo deste feito é a obra de Suassuna. Do teatro à poesia, o autor

consegue expandir o horizonte de suas vivências no Nordeste. Através da influência que o

paraibano obteve por meio das tradições orais e pelos traços destas em suas obras, podemos

caracterizar sua obra como parte de uma cultura popular. Em ABC de Ariano Suassuna

(2007), Bráulio Tavares faz um resgate das influências culturais e sociais de Ariano Suassuna,

as quais podemos identificar em sua vasta obra. A primeira influência que o autor nos revela e

que o próprio Suassuna costumava citar em entrevistas e textos é o seu encontro com a

literatura de cordel desde a infância. A este respeito, Tavares afirma que:

Podemos avaliar, pelo que sabemos da história editorial do cordel, a variedade de

títulos disponíveis para um leitor que morava em Taperoá nos anos 1930. No Recife,

a gráfica de João Martins de Athayde estava funcionando a todo vapor: entre seus

maiores sucessos estavam os folhetos sobre a morte do Padre Cícero, e 1934, e sobre

a morte de Lampião, 1938. Os folhetos de Francisco das Chagas Baptista (1882-

1930), o grande cronista das façanhas de Antonio Silvino, continuavam circulando.

Gráficas e editoras em várias cidades nordestinas supriam um mercado crescente,

cujo auge viria a ocorrer, talvez, entre as décadas de 1940 e 1950. (TAVARES,

2007, p.26)

Como um leitor de Taperoá, Ariano teve grande contato com os folhetos, por isso,

podemos identificar em sua obra as duas personagens nordestinas citadas acima. Em O auto

da Compadecida (1955), está presente a devoção ao Padre Cícero e a referência ao bando de

Lampião, sendo este um exemplo de que suas releituras das histórias contadas pelos folhetos

trazem em si um novo modo de preservar e recriar a literatura nordestina e sua tradição, ora

reinventando e adaptando as histórias do cordel para o texto teatral, ora introduzindo os textos

originais como fala de suas personagens, em sua maioria nordestinas. É importante ressaltar o

que Patrícia Cristina de Aragão Araújo (2007) apresenta em sua tese ao tratar sobre o cordel:

No âmbito do saber e da cultura populares, o cordel emerge como um artefato

cultural, expressão da cultura de um povo que apresenta linguagem e estética

próprias. Através dele, o poeta expõe sua visão de mundo, de ser humano e da

realidade social onde está inserido. Ou seja, é materialização do pensar e das

subjetividades do poeta. Desse modo, o poeta de cordel, ao produzir conhecimento

através dos folhetos, também propicia uma ação educativa que se estabelece

mediante a comunicação e o diálogo que o cordelista mantém com seu público-

leitor. (ARAÚJO, 2007, p. 23)

É por isso que Suassuna encontra forte inspiração nos folhetos, destacando sempre

a importância destes para sua obra. Além disso, a tradição da oralidade, da contação de

histórias e o histórico de aceitação dos cordéis pela sociedade brasileira aproximaram e ainda

47

aproximam os leitores dos livros do autor, como destaca Araújo (2007) ao exemplificar a

flexibilidade dos folhetos em diferentes contextos sociais:

No Nordeste, foi com o hábito de contar história que o cordel passou a florescer. Ou

seja, a relação entre o contador de história e o cantador de cordel é íntima, não só

porque o público de ambos é o mesmo, mas também porque a maioria das histórias

contadas e cantadas em versos advém das classes populares. A apreciação aos

folhetos se dava em diferentes estratos sociais, tanto por entre as camadas populares

quanto entre membros da elite nordestina. Além de consistir numa forma de lazer e

entretenimento, a circulação dos folhetos entre essas duas classes nos mostra a

circularidade cultural dos folhetos que, assim como acontecera na Europa, também

ocorreu por entre as populações nordestinas, isto é, houve grande receptividade

daqueles que pertenciam à elite e daqueles pertencentes às camadas populares.

(ARAÚJO, 2007, p.47)

Outra influência advém dos cantadores de viola. Nesse sentido, Tavares reconta

uma experiência vivida por Suassuna na infância:

Em 1934 foi assistir, levado por seu irmão João Suassuna Filho, a uma cantoria de

viola na casa de um oficial de polícia de Taperoá. Nesse dia conheceu o grande

Antonio Marinho (1887-1940), um dos maiores repentistas da velha geração, e que

tem hoje uma estátua em praça pública na cidade de São José do Egito. Marinho

duelava com um cantador de Juazeirinho, Antonio Marinheiro. Com sete anos, o

menino Ariano ficou impressionado não apenas com a rapidez dos repentes de

Marinho, como também com o fato do violeiro cantar de memória um folheto de

cordel inteiro que falava de assombrações. Nessa experiência ele pode registrar duas

fontes da poesia de improviso: a rapidez do raciocínio e uma memória precisa,

treinada com rigor. (TAVARES, 2007, p. 28)

O contato com os cantadores de viola reflete a dinamicidade e os recursos sonoros

utilizados em seus textos, como as rimas e as aliterações. Estas duas fontes de improviso são

marcantes na obra do autor em questão, por isso, sua leitura pode exigir dos leitores uma

rapidez de raciocínio. Os acontecimentos transitam rapidamente, armações, trapaças e ações

imprevistas que surpreendem os leitores podem confundir se houver desatenção. A sonoridade

compõe uma musicalidade existente no Nordeste, por exemplo, o sotaque “cantado” ganha

ritmo acelerado e nos remete imediatamente aos cantadores e violeiros. Estudos como o de

João Miguel Manzolillo Sautchuk (2009) falam um pouco sobre as relações existentes entre a

cantoria de viola e a poesia das antigas civilizações:

Evidentemente, a cantoria nordestina guarda diferenças fundamentais em relação aos

épicos dos poetas cantores da antiga Iugoslávia. Principalmente, esses bardos

cantavam compondo versos sobre enredos predefinidos nos quais o uso da fórmula

constituía justamente a repetição e variação de expressões que se agregavam a essas

narrativas. Para o repentista, a repetição de palavras ou linhas inteiras constitui um

erro grosseiro. Outra ressalva que deve ser feita relação ao uso do conceito de

fórmula na compreensão dos métodos do cantador refere-se à temática variada dos

48

versos neste contexto, que dificulta a identificação de linhas que nos poemas épicos

são sistematicamente substituídas ou rearranjadas no ato de recontar uma estória.

(SAUTCHUK, 2009, p. 43)

A representação e recriação de ritmos e sons é também uma forma de preservação

de elementos significativos da cultura popular. Nesse contexto, relembramos as contadoras de

histórias, dos causos, onde a memorização ganhava destaque e esta era a responsável por

passar grandes histórias de geração em geração.

Outra influência se refere ao contato com experiências de teatro popular, como os

espetáculos de mamulengos e o circo. Os espetáculos de mamulengos eram e, em alguns

lugares, ainda são grandes atrações populares no Nordeste,

Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o

Mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia-a-dia do povo da

região. Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas,

com seus temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos

repressores, com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia de liberdade.

(SANTOS, p. 19)

Como uma forma de expressão teatral, o mamulengo traz o texto no próprio corpo

e solicita a atenção do público para este, reconhecendo-o como um todo que compõe o

boneco. A estrutura dos espetáculos de bonecos conscientiza a plateia da existência de um

corpo responsável por criar aquele personagem, no entanto, a ludicidade envolvida em toda a

encenação não permite que o espectador fuja do desejo de compreender o desenrolar dos

acontecimentos da trama. Esta influência, sem dúvidas, contribuiu para a dinamicidade das

ações nos textos Suassunianos. Assim, Alcure no diz que:

O mamulengo está presente em diversos circuitos, que não necessariamente os da

Zona da Mata. Mesmo tendo um corpo “tradicional” bem definido, que seria

referendado por um conjunto fixo de personagens, passagens, loas, músicas, pelo

aprendizado dos mestres, entre outros aspectos, o mamulengo está inserido numa

sociedade complexa que articula valores múltiplos, dinâmicos e amplos. Justamente

por articular uma rede social densa, o mamulengo põe em questão noções

demasiadamente restritas de cultura, cultura popular e localidade. (ALCURE, 2001,

p. 193)

Isto ocorre porque os causos e situações abordadas nos espetáculos retratam a

realidade do povo nordestino, por isso, a identificação e o riso comuns ao público. É uma arte

do corpo nordestino para o corpo nordestino, eminentemente popular, composto a partir da

experiência. O circo enquanto manifestação artística, por sua vez, é visto por muitos

pesquisadores como uma das artes mais antigas que, à época da infância e juventude de

49

Ariano Suassuna, era composto principalmente por elementos teatrais, diferindo do atual

modelo, em que a tecnologia e a presença de adereços diversos predominam. Para o autor, “o

circo é, portanto, uma das imagens mais completas da estranha representação da vida, do

estranho destino do homem sobre a terra” (2008, p. 209). Para Silva (1996):

O circo herdou dos artistas ambulantes e saltimbancos – os que saltam sobre os

bancos- uma característica importante e que se mantém: a transmissão do saber de

geração em geração; um saber que engloba toda a vida cotidiana de um grupo

nômade. A partir do último quarto do século XVIII formaram-se as dinastias

circenses que saíram da Europa Ocidental. Assim a arte circense era transmitida de

pai para filho. (SILVA, 1996, p. 1)

Aspectos relacionados à religiosidade também contribuem para a construção de

um corpo das personagens Suassunianas, um corpo reconhecido pela igreja como impróprio,

pecador e, portanto, sujeito a punições. As instituições religiosas baseadas no cristianismo

trabalham com as dicotomias, corpo e alma, certo e errado, bem e mal, ambas como distintas e

distantes. Essas dicotomias aparecem muitas vezes na obra de Suassuna, como na complexa

relação entre o ócio e o trabalho em A farsa da boa preguiça (1995), ou como a fé e o pecado

em O auto da compadecida (1955) , ou ainda como entre o dinheiro e a fé em O santo e a

porca (1957). A relação do autor com esses aspectos também se dá porque sua família sempre

esteve ligada a religiões de forma participativa, primeiramente ele se relacionou com a igreja

protestante, depois de adulto, por influência de sua noiva, converteu-se ao catolicismo.

Segundo Tavares, “as tragédias da infância e as leituras de adolescência ajudaram

Ariano na construção de uma visão do mundo que envolve um profundo sentido religioso,

embora essa visão se exprima em imagens que são mais literárias e mitológicas do que

propriamente religiosas ou filosóficas” (TAVARES, 2007, p.38).

Nota-se em sua obra a influência do dramaturgo medieval Gil Vicente, tanto pelas

temáticas abordadas quanto pela estrutura de suas peças. Segundo Krishna Monique de

Andrade (2011), “o teatro vicentino é marcado pela inobservância das regras do teatro

clássico, mas de aproveitamento de toda variedade do teatro medieval e especialmente

peninsular, o qual era formado de milagres, mistérios, moralidades, farsas, sotties (de onde

vem o Parvo), momos e entremeses” (ANDRADE, 2011, p.12). Estes elementos também

podem ser vistos no teatro de Ariano Suassuna, por isso, fala-se que sua obra funde o popular

e o erudito, porque, na verdade, sua escrita reflete todas as suas influências, inclusive as de

suas leituras clássicas.

Diante de todas essas e muitas outras influências, Suassuna começou muito cedo a

50

refletir sobre a cultura brasileira, em especial a de matiz popular, dando forma a uma visão

essencialista destas, criando, assim, o movimento Armorial, definido pelo próprio Ariano

Suassuna:

A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço principal a ligação com o

espírito mágico dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste, a Literatura de

Cordel, a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e com a

xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das Artes e

espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionado (SUASSUNA,

1975, p. 6).

O escritor defende a complexidade e a pluralidade de elementos artísticos da

cultura popular, criando uma teoria estética que compreende as influências e suas

interrelações. Segundo Carlos Newton Júnior (2008), no livro Almanaque Armorial/ Ariano

Suassuna, o movimento armorial idealizado por Suassuna, em Recife, a 18 de outubro de

1970, teria como objetivo “[...] criar uma arte erudita brasileira a partir das raízes populares da

nossa cultura, e de combater, assim, o processo de vulgarização cultural ao qual ainda hoje

nos encontramos submetidos”. Em seus trabalhos e aulas espetáculos, o autor ironizava as

manifestações contemporâneas que vulgarizam a arte brasileira, suas fortes críticas concebem

uma análise estética que observa a modernidade dos estrangeirismos como perda da

caracterização do popular brasileiro.

Por isso, Suassuna utiliza em suas obras ilustrações de xilogravuras, pois o seu

uso é mais um elemento fundamental para a criação de uma cultura eminentemente popular.

Esse movimento, todavia, deve ser concebido na contemporaneidade de forma

crítica, pois, por sua tradição e radical ideia de negar influências estrangeiras, pode criar

conflitos identitários, afinal, com o acesso a um maior número de informações em um curto

espaço de tempo, essas influências são inevitáveis e acabam fazendo parte também do que

hoje constitui as culturas brasileiras.

Podemos analisar que todas essas referências e influências presentes na obra de

Suassuna possuem uma ligação demasiadamente forte com experiências corporais ou como

compreendemos o corpo na cultura popular nordestina. O Romanceiro Popular Nordestino

torna-se influência, elemento e resultado da obra suassuniana. O corpo que se constrói é

fragmentado e complexo, uma colcha de retalhos costurada com tecidos da cultura popular

nordestina, a medida que o autor tece as peças, forma outras ainda mais complexas e

significativas para um povo.

Essas pesquisas e a leitura das obras de Suassuna nos revelam que a sua escrita

51

busca construir novas identidades para o povo nordestino, desconstruindo estereótipos, como

o de um povo devastado pela fome e miséria, sem perspectivas de possibilidades de fuga.

Suas obras trazem as marcas da oralidade, principalmente através do cordel e da religiosidade

presentes nas falas das personagens. A cultura popular presente nas obras de Ariano Suassuna

estabelece relações com grandes clássicos da literatura mundial, tais como Molière e Plauto,

mesclando elementos da cultura erudita com a cultura popular, isso fica ainda mais evidente

quando observamos sobrevivências da cultura medieval ibérica na cultura brasileira,

principalmente nas cantigas.

3.3 O JOGO CÊNICO DE IDENTIDADES EM O SANTO E A PORCA (1957)

A comédia O Santo e a porca (1964) traz a temática da avareza no contexto do

regionalismo nordestino, no entanto, também podemos realizar a leitura de muitas outras

questões sociais. Por isso, para levar esta obra para a sala de aula, o educador precisa lê-la

com muita antecedência para abrir o leque de interpretações que os educandos possivelmente

poderão encontrar e se identificar a partir de suas experiências individuais e coletivas.

O regionalismo tratado no texto pode ser percebido através dos elementos que

estruturam um texto teatral, que, como visto no tópico acima, está presente em boa parte da

escrita de Ariano Suassuna, destacamos três: cenário, costumes e linguagem. Compreendemos

regionalismo a partir dos estudos sobre as relações existentes entre região, regionalismo e

regionalidade, de José Clemente Pozenato (2003):

O regionalismo pode ser identificado como uma espécie particular de relações de

regionalidade: aquelas em que o objetivo é o de criar um espaço – simbólico, bem

entendido – com base no critério da exclusão, ou pelo menos da exclusividade. Esse

critério se manifesta, no caso da produção literária, pelo uso de um dialeto, quando

não de uma língua, de estrita circulação interna. E também não é por acaso que todos

os regionalismos – não só os literários – se apoiam fortemente na defesa de uma

língua própria, como no fenômeno, conhecido entre nós, do talian. A força

simbólica da língua funciona como uma bandeira hasteada. (POZENATO, 2003, p.

7)

Por isso, a literatura está diretamente ligada às identidades e as suas construções

ao longo do tempo. O antropólogo Ruben Oliven (1992) entende que:

a afirmação de identidades regionais no Brasil pode ser encarada como uma reação a

uma homogeneização cultural e como uma forma de salientar as diferenças culturais.

Esta redescoberta das diferenças e a atualidade da questão da federação numa época

em que o país se encontra bastante integrado do ponto de vista político, econômico e

52

cultural sugere que no Brasil o nacional passa primeiro pelo regional

(OLIVEN,1992, p. 43).

Ou seja, mesmo com essa compreensão da importância do reconhecimento das

identidades regionais para um entendimento do nacional, Pierre Bourdieu (1989) afirma que:

se a região não existisse como espaço estigmatizado, como província definida pela

distância econômica e social (e não geográfica) em relação ao centro, quer dizer,

pela privação do capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria que

reivindicar a existência (BOURDIEU, 1989, p. 126).

Na literatura, a identidade regional reivindica espaços plurais para suas formas de

manifestações artísticas e culturais, no entanto, como também observa Pierre Bourdieu

(1989), “tanto o discurso regionalista (voltado para constituir a identidade de uma região)

quanto o discurso científico (voltado para descrever relações regionais) são performativos,

isto é, constroem a realidade que eles designam” (BORDIEU, 1989, p.3). Estes discursos

podem ser encontrados na literatura. Ariano Suassuna cria o Movimento Armorial, assumindo

a construção das identidades da região nordestina como sua tarefa junto a outros autores

ligados à cultura popular. Por isso, em muitas notas iniciais de seus livros o autor reflete sobre

suas verdades ali escritas, sobre sua perspectiva de mundo a partir do seu lugar de fala.

Ao falar sobre O santo e a porca, Ariano nos leva a refletir sobre a sua

intencionalidade ao escrever esse texto:

O que eu procuro atingir, portanto, é, se não a verdade do mundo, a verdade de meu

mundo, afinal inapreensível em sua totalidade, mas mesmo assim, ou por isso

mesmo, tentador e belo, com seu sol luminoso e selvagem, tão selvagem que não

podemos vê-lo. Procuro me aproximar dele com as histórias, os mitos, os

personagens, as cabras, as pedras, o planalto seco e frio de minha região parda,

pedregosa e empoeirada. Esta visão ardente — grosseira e harmoniosa, ao mesmo

tempo — é o cerne para onde se dirige meu trabalho de escritor. Admito, a exemplo

do que acontece com o público e com a arte popular de minha região — o

mamulengo, o romanceiro —, a mentira geral do teatro para que isso me possibilite

comunicar aos outros, na medida de minhas forças, a substância deste mundo.

(SUASSUNA, 2012. p. 16)

Em sua fala, podemos observar a racionalidade e o engajamento social que o autor

possui ao se propor escrever sobre o sertão. A consciência de que a sua escrita é também uma

leitura do nordeste e que se constrói à medida que aborda as contradições, os sentidos opostos

que encontramos, como a religião e a avareza. É, portanto, a partir das suas vivências que a

dramaturgia Suassuniana se constitui e, por isso, as personagens representadas em suas obras

dialogam com a sua percepção histórica e social do seu contexto de produção, assim como das

suas próprias ideologias.

53

O cenário descrito nas rubricas da obra retrata o sertão Paraibano, um vilarejo não

muito distante da cidade, mas também não muito moderno, pelas curtas descrições de objetos,

decorações, móveis, utensílios podemos compreender que a casa de Eurico, lugar onde ocorre

a maioria das cenas, não possui luxos, mas apenas o básico para sobrevivência. Por outro

lado, consegue se imaginar fisicamente em um lugar grande, uma casa de alpendres

tipicamente sertaneja.

O cenário se constrói à medida que são revelados os costumes da família e de cada

um de seus integrantes, sendo que estes são carregados de estereótipos. Assim, existem o

velho avarento, a tia solteirona, a filha prendada, o viúvo que deseja casar novamente, o

jovem apaixonado pela mocinha e a empregada esperta.

Por ter poucos elementos descritivos do ambiente físico, revelando apenas que a

história ocorre no interior do Nordeste, mais especificamente na casa de uma família

composta por um velho, sua irmã, sua filha e alguns trabalhadores, um outro elemento que se

destaca é a linguagem, responsável pelos principais jogos cênicos que ocorrem na comédia. A

peça faz muito uso do elemento cômico quiproquó que, segundo a pesquisadora Krishna

Monique de Andrade, “consiste em um diálogo entre as personagens em que enquanto as

mesmas pensam estar falando de um assunto, estão, na verdade, tratando de assuntos

divergentes, surgindo, assim, uma confusão, um engano.” (ANDRADE, 2011, p.12). Como

podemos observar no diálogo abaixo, enquanto Euricão fala da porca, Dodó se refere à

Margarida:

EURICÃO: - Como é que você teve coragem de tocar naquilo que não lhe pertencia?

[...]

DODÓ – A culpa foi das circunstâncias. E eu não já vim pedir desculpas?

EURICÃO – Não gosto desses criminosos que prejudicam os outros e depois vêm

pedir desculpas! Você sabia que ela não era sua, não devia ter tocado nela!

EURICÃO – Coisa tola o quê? Você veio me confessar? E depois, de repente,

começa a se desdizer, dizendo que não tocou nela! Como é, tocou ou não tocou?

DODÓ – Bem, tocar, toquei, mas não foi nada que pudesse ofendê-la. Mas já que o

senhor considera essa tolice um crime, porque não aceita os fatos e não me dá de vez

esse tesouro?

EURICÃO – Como é, assassino? Você quer ficar com meu tesouro? Contra minha

vontade?

DODÓ – Eu não estou lhe pedindo? A coisa que mais desejo no mundo é ficar com

ela.

EURICÃO – Você? Ficar com ela?

DODÓ – Sim.

EURICÃO – Ah, não, você tem que devolver!

DODÓ – Devolver? Eu não já disse que não tirei nada? Devolver o quê?

(p. 188-190)

Outro elemento da linguagem muito utilizado é a ironia que promove as situações

54

cômicas na peça, ela gera o riso e contribui para o entendimento da história, segundo Esteves

(1997):

Se é difícil, num sentido lato, destrinçar ironia de humor é porque nela está presente

o conflito entre seriedade e humorismo, conflito que a própria ironia alimenta e

atiça, num aumentar de equivocidades para melhor exprimir a sugestão de um piscar

de olhos ao auditório, na cumplicidade comunicante de quem ironicamente se

compreende a si próprio na relação com os outros. E neste jogo, a ironia é a

descoberta da teatralidade da linguagem, não só como um cenário do possível, mas

como happening de múltiplas e inesperadas contingências, já que toda a linguagem é

uma abertura ao inesperado, que irrompe como uma ironia. (ESTEVES, 1997).

A peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna foi escrita em 1957 e encenada pela

primeira vez em 1958, no Teatro Cacilda Becker, Rio de Janeiro, sob a direção de Ziembinski.

Suassuna afirma que sua obra não busca explicar os conflitos humanos de forma única ou

universal, ele aponta que ela se centra na discussão e conflitos de um Nordeste que pertence a

sua própria experiência.

As cenas da peça se desenvolvem na casa de Euricão, um velho avarento que

possui um conflito entre a sua crença religiosa e a sua ganância por riquezas. Esta personagem

guarda uma porca de madeira na qual depositou dinheiro desde a sua adolescência,

guardando-a e protegendo-a com todo empenho e dedicação, transformando-a em um objeto

de extremo valor pessoal. Além disso, podemos perceber o conflito existente entre a fé e a

avareza como pecado capital, o homem também é devoto de Santo Antonio e apela por ele

sempre que necessita de sua ajuda, afinal, por ser muito desconfiado de tudo e de todos, está

sempre alerta para proteger a sua porca, demonstrando que a fé e a ganância caminham lado a

lado, uma sempre em defesa da outra.

Apesar de Eurico ser apresentado como a personagem principal da peça, seu

percurso cênico demonstra que o enredo não se desenrola a partir das suas ações, mas da sua

relação com as três personagens femininas que compõem os diálogos: Margarida, Benona e

Caroba.

O autor pode expor as personagens de várias maneiras, no caso da peça teatral,

essa apresentação não se faz simplesmente através de uma voz externa à cena, ela é

progressiva e vai acontecendo ao longo dos diálogos; ela também se constitui por meio das

rubricas e da intertextualidade com outros gêneros literários.

No texto de Ariano Suassuna, como já foi citado, podemos perceber que as

características se compõem por meio de histórias populares, cordéis que servem como base

para a sua escrita e os enredos que nos lembram grandes obras clássicas. No caso desta obra

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em questão, trata-se de uma reescrita de Alularia, de Plauto, como no próprio subtítulo da

obra diz “imitação nordestina de Plauto”. Apesar disso, o comprometimento do autor com o

debate sobre uma cultura eminentemente brasileira o faz transformar as ações das personagens

em grandiosas representações de identidades populares do Nordeste. Cada um deles possui

uma complexidade de elementos que remetem o leitor a uma cultura regional.

Os homens da comédia são distintos entre si, em personalidade, faixa etária e

história, no entanto, possuem semelhanças que os unem de alguma forma. Eurico Árabe, o

velho avarento que, depois que sua esposa o deixou, passou a demonstrar uma enorme

devoção a Santo Antônio, ao mesmo tempo em que começou a guardar dinheiro em uma

porca de madeira. A devoção a Santo Antônio no Nordeste é vivenciada de forma intensa, ele

é conhecido como “Santo casamenteiro”, as mulheres, em geral, faziam muitas promessas

para ele, pedindo um bom casamento, provavelmente, por isso, a personagem aumentou sua

devoção pelo santo quando sua esposa foi embora.

Um senhor de meia idade demonstra sua avareza em não comprar bons alimentos

para casa, provocando inclusive a ausência da janta sempre, representando o clássico

personagem “pão duro”, como fica claro neste diálogo:

DODÓ – Chegaram uns homens aí fora.

PINHÃO – São dois empregados do hotel, certamente vêm com a porca. Arranjei

uma porca assada para nós.

DODÓ – Então, pelo menos, hoje se tira a barriga da miséria! Estou aqui há dois

meses, é a segunda vez que vou comer de noite. Vá receber a porca. (p. 107)

Além disso, por sua crença e construção histórica, traz em si critérios morais de

comportamentos baseados no catolicismo, no recato, no pudor e no controle em detrimento de

uma possível liberdade. Morando com sua irmã e filha, Euricão Árabe transfere sua

infelicidade de estar só em atitudes carrascas, ações que buscam exercer controle, tudo em

nome da manutenção da ordem social familiar:

Eudoro: É Margarida, não tive tempo de ir ao hotel trocar de roupa, mas quero logo

pedir uma entrevista a você para conversarmos.

Euricão: Ah, não, entrevista é essa!

Eudoro: Mas Eurico...

Margarida: Não precisa nem o senhor falar, meu pai. Prefiro ir para um convento.

Euricão: Está vendo o que é recato, Eudoro? Aí, Margarida! Sustente o pudor,

Margarida, sustente o recato. Trate-se de Eudoro, é uma pessoa séria, de mais idade

e além do mais vai entrar na família. Mas recato é recato! Entrevista, sozinha, com

ninguém! (p. 77)

Eurico também possui um grande problema com seu nome, há muito tempo

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ganhou o apelido de Euricão Engole-Cobra e isso é motivo de risada por todos, Caroba

inclusive utiliza isso como estratégia para irritá-lo e deixá-lo impaciente. Como no trecho

abaixo:

CAROBA – ‘Vá procurar Euricão Engole-Cobra...’

EURICÃO – Engole- Cobra é a mãe! Não lhe dei licença de me chamar de Engole-

Cobra, não! Só de Euricão! (p 22)

Em oposição a Eurico, que após o abandono de sua esposa não vislumbrou outro

matrimônio, apenas a devoção a porca, Eudoro Vicente é um viúvo que decide pedir a mão de

Margarida em casamento simplesmente para não permanecer sozinho. O casamento como

uma fuga da solidão é a solução encontrada, no século XVIII e XIX, nos quais essa instituição

era a base da sociedade e, portanto, era concebida como uma convenção social. Para os

homens, casar significaria, em sua maioria, a manutenção de seu poder enquanto homem,

além de assegurar que teria sempre os cuidados de uma mulher, enquanto para a mulher era

ofertado o papel de cuidadora do lar, sem grandes expectativas de avanços profissionais.

Vejamos abaixo:

CAROBA: O senhor mandou dizer na carta que ia roubar o tesouro de Seu Euricão e

todo mundo está pensando que isso quer dizer “casar com Dona margarida”.

EUDORO: Pois estão pensando certo, Caroba. Desde que Dodó saiu de casa para

estudar, estou me sentindo muito só. Simpatizei com a filha de Euricão e resolvi

pedi-la, apesar da diferença de idade.

(p. 65)

Uma personagem que traz referências nordestinas das histórias de amores com

fugas e armações é Dodó, filho de Eudoro Vicente. Ele sai de casa afirmando que iria estudar,

mas, ao apaixonar-se por Margarida, larga os estudos e segue a vida escondido, trabalhando

na casa da família da amada. É importante destacar que ele obteve oportunidades de estudos,

porém o mesmo não foi dado à Margarida. Para isso, ele utiliza o tempo todo um disfarce que

o torna irreconhecível, no trecho abaixo, Caroba o descreve:

EURICO - Meu filho tem esse mesmo apelido de Dodó!

CAROBA - Mas seu filho é coxo?

EURICO - Você já morou em minha terra e sabe que não.

CAROBA – É corcunda?

EUDORO – Não.

CAROBA – Tem uma barbicha?

EUDORO – Não.

CAROBA – Veste sempre preto?

EUDORO - Não.

CAROBA – É amarrado?

EUDORO – Não.

CAROBA – Tem a boca torta?

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EUDORO - Não.

CAROBA – Então não é esse não, porque seu Dodó Boca-da-Noite tem tudo isso e

mais alguma coisa. [...]

(p.74)

Este disfarce pode ser um gancho, uma motivação para o trabalho com o corpo

nas oficinas de leitura da obra em sala de aula. Pela descrição exagerada, é possível que os

leitores imaginem uma imagem clara do corpo de Dodó. Um corpo que não deixa dúvidas aos

leitores sobre suas possibilidades reais de existência, de maneira cômica. Mesmo tendo

oportunidade de estudar, Dodó afirma se identificar com o campo e com a criação de animais,

sendo possível escolher caminhos:

EUDORO: Mas esse casamento assim, meu filho!

MARGARIDA: Esse casamento assim o quê? É igual ao do senhor com a tia

Benona!

EUDORO: Você precisa terminar seu estudo!

DODÓ: Meu pai, eu só gosto no mundo de criar boi. É a única coisa que me dá

gosto. Deixe eu me casar! Se eu não casar amanhã, todo mundo vai saber a história e

Margarida fica comprometida!

(p. 201)

Pinhão, empregado da família e namorado de Caroba, traz, assim como ela, uma

representação dos trabalhadores explorados no Sertão por fazendeiros, demonstrando as

péssimas condições de trabalho e a relação escrava que acaba se estabelecendo, perpetuando

uma ideia de que os empregados fazem parte da família, quando na verdade este princípio

serve apenas para legitimar as desigualdades existentes e a exploração como herança do

passado de escravidão. No entanto, seu espírito astuto e vontade de superar as dificuldades

para enfim casar com Caroba, o faz agir com artimanhas para conseguir pegar a porca do

patrão que contém o dinheiro. Porém, ele, assim como os outros homens da comédia,

demonstra claramente em suas falas as marcas de um sistema patriarcal que compreende as

mulheres (namoradas, irmãs e filhas) como suas propriedades. Por vezes, tenta impedir

Caroba de agir, utilizando chantagem emocional. Analisando este casal em sala de aula, os

estudantes facilmente encontrarão semelhanças com algum relacionamento que conhecem ou

vivem, pode ser uma motivação para o debate sobre relacionamentos abusivos e relações de

poder.

Dividindo as personagens entre homens e mulheres, podemos tornar claras as

relações de gênero que acontecem na obra, porque é a partir delas que o drama vai se

constituindo. Na peça, as mulheres têm papel fundamental, são as suas ações que estabelecem

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os conflitos e as soluções a todo o momento, tornando Euricão muitas vezes uma personagem

secundária.

É sob as relações de poder que se estabeleceram na sociedade patriarcal que se

constrói Margarida, a filha de Euricão. A imagem da filha obediente às vontades do pai

objetiva manter a ordem tradicional e conservadora da família, na qual o patriarca comanda os

destinos das mulheres da casa, mantendo-as supostamente seguras dos perigos da sociedade,

principalmente porque este já não conseguiu evitar a partida da esposa.

Margarida vive de amores por Dodó Vicente, filho de Eudoro, que fugiu de casa

para ficar perto da moça. A primeira aparição da personagem se dá quando ela entra em casa e

encontra o pai mergulhado numa agonia porque recebeu uma carta e acredita que irão lhe

pedir dinheiro. Nesse primeiro momento, ela aparece com Dodó e durante todas as cenas

seguintes isso também ocorre, o leitor não encontra possibilidade de visualizá-la sozinha; sua

identidade aparece ligada às duas figuras masculinas pelas quais sua vida se constrói e, em

nenhum momento, encontramos algo relacionado a sua profissão ou algo relacionado a sua

educação formal; à personagem não é dada outras características além do seu amor por Dodó

e de sua vontade de revelá-lo ao pai para finalmente casar com o amado, ela, enquanto

adolescente sertaneja, parece não ter muitas oportunidades, seja de trabalhos ou de estudos,

sendo quase anulada de tomar decisões sobre seu próprio futuro. Segundo Telles:

Excluída de uma efetiva participação na sociedade, da possibilidade de ocuparem

cargos públicos, de assegurarem dignamente a sua própria sobrevivência e até

mesmo impedidas do acesso à educação superior, as mulheres no século XIX

ficavam trancadas, fechadas dentro de casas ou sobrados, mocambos e senzalas,

construídos por pais, maridos, senhores. Além disso, estavam enredadas e constritas

pelos enredos da arte e ficção masculina. Tanto na vida quanto na arte, a mulher no

século passado aprendia a ser tola, a se adequar a um retrato do qual não era a

autora. As representações literárias não são neutras, são encarnações “textuais” da

cultura que as gera. (TELLES, 2004, p. 408).

O pai, o velho avarento Euricão, a descreve como sendo o seu maior tesouro:

“minha filha é um patrimônio que possuo. Hei de casá-la com um homem rico e ela há de

amparar a velhice do paizinho dela” (SUASSUNA, 2012. p.25). Essa situação desconstrói a

ideia de que uma relação familiar opressora se refere apenas àquelas nas quais ocorre

violência física. Aqui, a opressão se dá de forma naturalizada, não é colocada pelo autor como

algo inaceitável ou incorreto, ele apenas expõe o conflito e permite aos leitores estabelecer

interpretações quanto à postura do pai e da filha.

Ariano Suassuna expõe uma realidade e, apesar de a obra ter um caráter moralista

no final, isso ocorre apenas relacionado ao tema central, a avareza, os outros temas presentes

59

na obra ficam em aberto, o autor não limita o horizonte de possibilidades dos leitores e

apresenta um universo de questões que podem ser discutidas a partir da leitura da obra.

A postura dominadora e opressora do pai para com o destino da filha representa a

relação abusiva que a instituição família tem construído com as mulheres, ou seja, quem

decide o futuro das filhas é o pai, é o homem que domina e tem o direito sobre a vida das

mesmas. Ao falar da vida, podemos compreender um domínio sobre as escolhas, sobre o

corpo e principalmente sobre seus desejos, tudo isso relacionado também à crença religiosa do

pai, fazendo-nos retomar o que nos diz Bordieu:

É, sem dúvida, a família que cabe o papel principal na reprodução da dominação e

da visão masculina; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão

sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão, garantida pelo direito e

inscrita na linguagem. Quanto à Igreja, marcada pelo antifeminismo profundo de um

clero pronto a condenar todas as faltas femininas à decência, sobretudo em matéria

de trajes, e a reproduzir, do alto de sua sabedoria, uma visão pessimista das mulheres

e da feminilidade, ela inculca (ou inculcava) explicitamente uma moral familiarista,

completamente dominada pelos valores patriarcais e principalmente pelo dogma da

inata inferioridade das mulheres. (BOURDIEU, 2011, p. 103).

Neste caso, a figura opressora do pai corrobora com os estudos desenvolvidos

sobre esta figura ao longo das épocas, como nos relata Martha Giudice Narvaz:

O pensamento patriarcal tradicional envolve as preposições que tomam o poder do

pai de família como origem e modelo de todas as relações de poder e autoridade, o

que parece ter vigido nas épocas da Idade Média e da modernidade até o século

XVII. O discurso ideológico e político que anuncia o declínio do patriarcado, ao

final do século XVII, baseia-se na ideia de que não há mais os direitos de um pai

sobre as mulheres na sociedade civil. Entretanto, enfatiza Pateman (1993), uma vez

que mantido o direito natural conjugal dos homens sobre as mulheres, como se cada

homem tivesse o direito natural de poder sobre a esposa, há um patriarcado

moderno. (NARVAZ, 2005, p. 32)

Margarida, na história, não tem uma vida social ativa no sentido de estabelecer

contato com amigas ou conhecidas, muito menos de frequentar lugares, nem mesmo

relacionados a sua própria educação. Essa ausência de descrição de outras ações suas e de

outras relações nos leva a refletir sobre o aprisionamento das jovens numa determinada

conduta pregada principalmente por igrejas e adotadas pelas famílias: as jovens preparadas

para o casamento deveriam se manter distantes de quaisquer lugares que oferecessem algum

tipo de perigo a sua conduta e a sua moral. No sertão nordestino, a liberdade feminina, no

século XX e, em grande parte, no século XXI, era vista como perigosa para a imagem do

cabra macho que se constitui como o homem valente, astuto, forte e que detém o poder sobre

o sertão, incluindo as mulheres.

60

Por outro lado, essas relações de dominação não ficam estagnadas apenas na

família, estas também podem ser percebidas nas relações amorosas. A personagem Margarida

é apaixonada por Dodó, ele, na sua condição masculina privilegiada, possui uma liberdade

explicitada no fato de ter saído de casa para concretizar seu amor, enquanto ela permanece em

casa por não ter a coragem de partir em busca de viver sua paixão. O amado se apresenta

como esperto e astuto, pois finge ser outra pessoa para não ser reconhecido pelo pai de

Margarida e continuar o namoro.

Em sua relação amorosa, Dodó corrobora com estereótipos de homens que

acreditam serem superiores as suas companhieras, ele tenta exercer domínio sobre Margarida

através do seu discurso machista apoiado pelas situações em que demonstra extremo ciúmes:

MARGARIDA: Você é quem parece de repente cheio de dureza para com ele! Você

já não sabia como ele era? Por que, então, esses modos, de repente? Parece é que

você quer me deixar de lado e está procurando um pretexto!

DODÓ: E você? Parece estar ansiosa por essa entrevista! Pois vá! Vá, siga os

conselhos de Caroba e, quando estiver de volta, jogue fora a aliança que lhe dei. Não

quero casar com uma moça que marca entrevista com outro! (Sai. Margarida Chora.)

CAROBA: Não chore não, Dona Margarida. Quando Seu Dodó chegar à conclusão

de que tudo está bem, acaba com essa besteira.

MARGARIDA: Eu sei lá, eu sei lá, Caroba! Que complicação, meu Deus! E essa

trabalhada de entrevista... não vou, Caroba, não vou de jeito nenhum. Afinal de

contas, quem marcou a entrevista?

CAROBA: Eu!

MARGARIDA: Pois vá você, está ouvindo? Você foi quem marcou, você é quem

vai.

A relação de poder estabelecida aqui corrobora o que Simone de Beauvoir nos diz

em O segundo sexo (2014). Segundo a autora, a história nos mostra que, desde o início do

patriarcado, os poderes estão com os homens, enquanto à mulher é imposto o estado de

dependência, exatamente o que acontece com a personagem, passando dos domínios do pai

para os do esposo como algo natural, afinal, no fim da trama tudo se resolve com a realização

do casamento.

Além de Margarida, percebemos em Benona outras formas de opressão também

relacionadas ao gênero. Na mesma perspectiva tradicional da mulher nordestina do século

XX, podemos encontrar Benona como a tia da família que não casou e que segue acreditando

que ainda é possível, e até preciso, casar.

Essa imagem da mulher corrobora também com a ideia de que o casamento é algo

indispensável na vida das mulheres e que, portanto, todas sonhariam com esse momento. Por

não ter casado, Benona torna-se também um peso para o irmão, como ele esclarece no diálogo

com ela, dizendo que “Esperava que Eudoro, com todo aquele dinheiro, se tornasse meu

61

cunhado. Era uma boca a menos e um patrimônio a mais”.

Conforme Bourdieu, a mulher, em nossa sociedade, é submetida diariamente à

violência simbólica:

Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e

vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo

que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas

próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da

comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do descobrimento, do

reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. (BOURDIEU, 2011, p. 7-8).

A violência simbólica se constitui principalmente no discurso que deprime,

humilha e as coloca como ser inferior ao homem. A submissão e as relações opressoras

ganhavam forças, uma vez que não havia formação profissional para as mulheres, muito

menos oportunidades de trabalho para que pudessem ser autônomas e gerir suas próprias

vidas. Por falta de possibilidades de emancipação, as mulheres eram sujeitas a viver situações

familiares de submissão e opressão para manter a sua sobrevivência e a dos filhos ou

buscavam estratégias de fuga, como o casamento.

Na obra O santo e a porca (2018), Caroba exerce a função de serviçal da família e

ganha grande destaque porque se mostra inteligente, compreende a situação desde o início e

arma para que os acontecimentos se desenrolem da melhor forma possível e a favor dela e de

seus interesses.

A relevância dessa personagem se dá já no primeiro ato do texto dramático,

quando noticia a Eurico a chegada de uma carta de Eudoro endereçada ao patrão. Ainda nesse

ato, ela se mostra engenhosa e cheia de artimanhas para enganar o patrão avarento, Eudoro, e

sua irmã Benona. No entanto, podemos observar que os discursos de opressão direcionados à

personagem em questão estão relacionados especificamente a sua classe social e ao seu

gênero. “EURICÃO — E que idéia foi essa de que eu tenho dinheiro? Você andou espalhando

isso! Foi você, Caroba miserável, você que não tem compaixão de um pobre como eu! Foi

você, só pode ter sido você!” (SUASSUNA, 2017, p. 22). A palavra miserável constitui a

declaração da inferioridade pela qual Caroba é percebida pelo patrão, o tratamento dado a ela

é sempre de desconfiança e descrença.

Uma importante característica da obra de Ariano Suassuna é desafiar os limites

entre o popular e o erudito, pela linguagem e, neste caso, principalmente pela temática. O

texto em questão possui o mesmo tema central de Alularia, de Plauto, um clássico que

compõe a literatura mundial, mas com todos os elementos da cultura nordestina. Suassuna

62

propõe mais que uma simples adaptação, ele demonstra que os conflitos humanos ocorrem de

diferentes formas, em lugares distintos, mas com elementos que são únicos a cada local,

próprios de sua construção cultural.

O humor constitui um elemento muito importante no texto, através dele as

personagens articulam as estratégias para enganar o outro e se sair sempre bem das situações.

Paralelamente, as relações familiares e amorosas demonstram as amarras do sistema patriarcal

que no sertão ganha força com a “Cultura do cabra macho” que exige o comportamento

agressivo dos homens e, muitas vezes, força as mulheres a viverem subordinadas às relações

abusivas

A condição do popular é ressignificada, tirando-a do lugar de subalterno

geralmente colocada pela seca ou pela posição social que a personagem ocupa na narrativa.

As mulheres foram limitadas a ocuparem determinadas posições sociais, mas essa mesma

limitação proporcionou a criação de estratégias, como nos diz Margareth Rago:

A história da ciência também é caracterizada pela exclusão da mulher “tendo sido

alijadas do poder, da política e dos centros de decisão, por séculos aprenderam a

desenvolver estratégias de ação (...) e foram formadas em contextos sociais e

culturais diferenciados dos masculinos, sofreram outras exigências morais e

corporais” (RAGO, 2004)

No caso da personagem Caroba, ela ultrapassa os limites construídos socialmente

pelo patriarcado no que tange à relação patrão/empregada, no sentido de manter, entre o

opressor e o oprimido, o sentimento de intimidação. O patrão desconfia de Caroba e faz uso

de falas agressivas, insinuando que ela o roubara, e ela se defende com as armas que possui:

EURICÃO — Que conversa é essa? Você andou remexendo no que é meu?

CAROBA — Que interesse eu tinha em remexer nessa troçaria? Só se fosse para

ficar com asma, nesse mofo.

EURICÃO — Deixe ver os bolsos.

CAROBA — Veja.

EURICÃO — Sacuda o vestido. (SUASSUNA, 2012. p.31)

As falas dele revelam uma extrema desconfiança contra ela, por ser mulher e estar

na condição de empregada, no entanto ela dribla as desconfianças mostrando-se mais esperta

que o patrão. Nas palavras de Spivak sobre o sujeito subalterno, “o mais claro exemplo de tal

violência epistêmica é o projeto remotamente orquestrado, vasto e heterogêneo de se construir

o sujeito colonial como o Outro” (SPIVAK, 2014, p. 60).

A estratégia de empoderamento aqui se dá através da ironia, do enfrentamento

63

direto e da esperteza, mesmo que de forma ainda sutil, ainda segundo Spivak “o subalterno,

neste caso em especial, a mulher como subalterna, não pode falar e quando tenta fazê-lo não

encontra os meios para se fazer ouvir” (SPIVAK, 2010, p. 15). Ou seja, mesmo encontrando

estratégias, a voz de Caroba acaba sempre sofrendo tentativas de silenciamento.

Nesse mesmo ato, no momento de negociar o preço de sua ajuda para que o patrão

se livre de um possível golpe, Caroba também utiliza sua esperteza, negociando e

esclarecendo a sua importância para a situação, colocando o patrão numa condição inferior,

fazendo-nos perceber a importância dessa personagem para toda história, fato que enfatiza

uma posição de resistência desta em relação a sua condição de subalterna. A personagem em

questão assume uma posição superior ao patrão, pois este se vê necessitado da ajuda da

empregada, como podemos observar no seguinte diálogo:

EURICÃO — Ai, é mesmo! E se ele não emprestar, Caroba?

CAROBA — Ah, ele empresta! Vou dar um jeito nisso. O senhor me dá uma

comissão?

EURICÃO — Se você arranjar os vinte contos? Dou.

CAROBA — Quanto?

EURICÃO — Eu lhe dou metade daquele jerimum que o cego me deu ontem.

CAROBA — É pouco! Eu quero é dinheiro, Seu Euricão!

EURICÃO — Ai, ai! Ainda não tenho os vinte contos e já querem me roubar! Não

dou, não dou de jeito nenhum.

CAROBA — Então, estou fora do negócio.

EURICÃO — Não! Preciso de você, Caroba, não me abandone!

CAROBA — Então me dê minha comissão. (SUASSUNA, 2012.p.35)

Noutro momento, Caroba desafia o próprio noivo, pois não concorda com o fato

de que ele tente impedi-la de realizar seus planos. Na comédia, para que o plano da

personagem dê certo e ela receba a comissão que conseguiu negociar com o patrão, é preciso

ir a um encontro às escondidas com Eudoro, disfarçada de Margarida, estratégia com a qual o

noivo de Caroba não concorda. Vejamos o diálogo abaixo:

PINHÃO — Que história é essa, Caroba? É a entrevista que o patrão marcou com

Dona Margarida?

CAROBA — É, eu vou no lugar dela!

PINHÃO — Eu não quero você com o patrão aqui, de jeito nenhum! Aquilo é um

viúvo sonso dos seiscentos diabos!

CAROBA — Espere lá, Pinhão, você não entendeu nada!

PINHÃO — Não entendi, nem quero entender, está ouvindo? Você foi ao hotel falar

com ele?

CAROBA — Fui, e então? Precisava esclarecer certas coisas e fui!

PINHÃO — E por que não me disse que ia?

CAROBA — Ainda mais essa!

PINHÃO — Você foi para falar sobre a entrevista?

CAROBA — Fui!

PINHÃO — E vai a essa entrevista com ele, de noite?

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CAROBA — Vou!

PINHÃO — Vai como?

CAROBA — Vou do jeito que entender!

PINHÃO — Pois quero lhe dizer logo que é essa entrevista ou eu, está ouvindo?

Trate de escolher!

CAROBA — Já escolhi!

PINHÃO — Quem ganhou?

CAROBA — A entrevista! Você quer mandar em mim, é, Pinhão? Que

desconfiança é essa, se nunca lhe dei motivo? Vou e é quer você queria, quer não!

PINHÃO — Pois adeus, Caroba. Quem gosta de dormente é o trem. (Sai. Caroba

chora, mas logo enxuga as lágrimas.) (SUASSUNA, 2012. p.60)

Caroba não permite que Pinhão (seu noivo) exerça o papel de dominador da sua

vida, de suas escolhas, ela não cala diante das tentativas de silenciamento e o enfrenta

veemente:

CAROBA — Você quer saber do que mais, Pinhão? Vá se danar! Eu comecei a lhe

dar muito valor, você ficou convencido demais. Dê o fora! Eu também ia lhe

explicar tudo sobre a entrevista, mas se você vem com essa desconfiança de minuto

em minuto, pode se danar! (SUASSUNA, 2012. p.83)

Mesmo após várias brigas, ela ainda pretende perdoá-lo quando tudo se resolver,

no entanto, no meio de toda a confusão, ao fingir ser Benona, ela o encontra por acaso e ele se

insinua para ela pensando ser a outra. Caroba utiliza o ocorrido para dar duas surras em

Pinhão, uma como ela mesma e outra como Benona. Mesmo perdoando-o, ela se impõe e

encena para que ele não perceba que na verdade era ela mesma. Mais uma vez, se coloca

como independente e consciente de seus desejos e de sua liberdade, principalmente, a de ser

mulher, utilizando tais estratégias para possibilitar melhorias de vida.

Vale destacar também que Caroba reúne em si as pequenas resistências das

mulheres de sua época, apesar de estar bem à frente de seu tempo. Ela joga com as

personagens de acordo com suas principais características psicológicas, seus sentimentos e

comportamentos, em benefício próprio, mas faz isso sem prejudicar ninguém, apenas

seguindo um caminho que ela acredita ser o mais eficiente. Do patrão, utiliza a avareza, de

Eudoro, sua paixão por Margarida, de Benona, seus antigos sentimentos por Eudoro e, de

Margarida, seu amor por Dodó. A confusão é tão bem pensada e executada que lembra o

poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. O fato é que Caroba convence a todos

que ela sabe o que fazer para ajudar cada um e realmente sabe.

Assim, podemos compreender que o jogo cênico de identidades dialoga com o que

o estudioso Stuart Hall reflete no livro A Identidade cultural na pós-modernidade (2006):

65

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se

tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,

algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Correspondentemente, as

identidades, que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa

conformidade subjetiva com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando

em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio

processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades

culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. (HALL, 2006, p. 12)

Ariano Suassuna “funde duas tendências que se desenvolvem quase sempre

isoladas em outros autores, e consegue assim um enriquecimento maior da sua matéria-prima.

Alia o espontâneo ao elaborado, o popular ao erudito, a linguagem comum ao estilo terso, o

regional ao universal”. Pesquisar sua obra é mergulhar no imaginário popular do sertão

nordestino e desvendar as nuances que geram os desdobramentos inesperados nas histórias.

Assim, a corporeidade do nordeste pode ser compreendida como uma complexa relação entre

as experiências, as vivências do autor constroem as histórias à medida que estas dialogam

diretamente com as experiências dos leitores, construindo sentidos para o texto.

A peça em questão possui análises e pesquisas a respeito de sua construção, como

a monografia de Andrade (2011) que discute as marcas da cultura popular no teatro Vicentino

e a pesquisa de Rodrigues (2008) sobre o dialogismo com Plauto presente na obra. Por isso,

propomos uma leitura a partir das relações encontradas entre as personagens. No próximo

capítulo, propomos um trabalho de leitura da peça ligado ao corpo, buscando aproximações

entre corpo, identidade e a formação de leitores no contexto do ensino médio.

Em O Santo e a Porca, a relação de elementos estéticos e estilísticos se une a um

enredo rápido, através do qual a composição das personagens se faz à medida que aumenta a

complexidade dos conflitos. O autor utiliza o riso para provocar a discussão sobre algo

ríspido, como a avareza. Na sala de aula, os estudantes poderão identificar-se com várias

personagens e rir durante a leitura. As junções de outras temáticas em torno da avareza, como

o amor, relacionamentos, relações de gênero, família, ciúmes, romance, religiosidade, entre

outros, é favorável à realização de boas experiências de leituras, capazes de extrapolar os

limites de uma aula tradicional e promover o diálogo com outros elementos, como o corpo.

66

4 O CORPO DO TEXTO NO CORPO DO LEITOR: EM CENA NA SALA DE AULA

4.1 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

A leitura literária possibilita reflexões sobre a realidade na qual os leitores estão

inseridos e esse, é um dos fatores mais relevantes pelo qual ela deve estar presente no

ambiente escolar. Ela também é a porta de entrada para novas metodologias e inovações

pedagógicas, para isso, torna-se fundamental que as escolas aproximem as relações com os

pesquisadores e com as Universidades, pois essa relação poderá gerar grandes mudanças no

ensino.

Para elaborar propostas e aplicá-las em sala de aula, deve-se considerar o contexto

escolar da instituição e o perfil das educandas e educandos, ou seja, os sujeitos envolvidos

diretamente na pesquisa. Cada instituição de ensino possui suas particularidades e são estas

que orientam o que pode ou não funcionar de inovação na sala de aula.

No presente capítulo, conheceremos um pouco dos contextos social, político e

cultural que fomentaram o surgimento da Escola de Ensino Médio Francisca Pinto dos Santos,

na qual foram aplicadas as oficinas de leitura com o texto teatral O santo e a Porca, de Ariano

Suassuna. A referida escola foi selecionada pela novidade e relevância de seu projeto

pedagógico para o município de Ocara. Além disso, o fato de trabalharmos na escola durante

o período de realização da presente pesquisa facilitou a realização das oficinas. Vale ressaltar

que atualmente não mais integramos o corpo docente da instituição.

Nas veredas da sala de aula, encontramos marcas de luta e oportunidades de

construir novas maneiras de caminhar com a leitura na escola. No Nordeste, veredas são

pequenos e estreitos caminhos construídos para facilitar o acesso as outras comunidades, por

isso, a sala de aula de uma escola do campo pode tornar-se uma vereda capaz de nos fazer

acessar lugares e novas experiências.

A educação brasileira foi construída a partir da colonização. Os primeiros espaços

de educação formal eram destinados apenas aos homens da burguesia. Com o passar do tempo

e com o desenvolvimento industrial, surgiu a necessidade de ofertar aos operários e seus

filhos o mínimo de instrução escolar para colaborar com o seu trabalho, ou seja, a educação

estava aliada à manutenção de mão de obra para classe burguesa.

Quando a classe trabalhadora teve acesso à educação, não a obteve de forma

completa e efetiva, surgindo também à separação entre a educação para a elite e a educação

para a classe trabalhadora, assim:

67

(...) a separação entre a educação das elites e a das classes populares não só perdurou

como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulgadas a partir

de 1942. De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e normal seria

“formar as elites condutoras do país” e o do ensino profissional seria oferecer

“formação adequada aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos

afortunados, aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”.

(SECAD, 2007, p. 11)

A Educação do Campo, enquanto política pública que busca suprimir as

dificuldades do povo camponês, não surgiu recentemente, os movimentos sociais que atuam

no campo, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), concebem a

valorização da educação como um meio para a superação das desigualdades sociais e,

portanto, a luta pela terra compreende a construção de novas formas de educar para o povo e

pelo povo.

O MST é um movimento social atuante em todo o Brasil e surge a partir do

problema agrário no país, assim, o movimento luta pela reforma agrária, mas não apenas por

isso. Buscando a conquista de terras para as famílias camponesas, o MST surgiu efetivamente

em 1984, no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, realizado em

Cascavel, no estado do Paraná. No Ceará, suas atividades estão presentes em todas as regiões,

atuantes principalmente em acampamentos e assentamentos.

O Movimento Sem Terra está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país.

No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e

da organização dos trabalhadores rurais. Mesmo depois de assentadas, estas famílias

permanecem organizadas no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro

passo para a realização da Reforma Agrária. (MST, 2014)

Tornando-se cada vez maior e com grande atuação nos estados, o movimento foi

cada vez mais aperfeiçoando sua relação com a educação, passando a compreendê-la como

fundamental para a luta de classes e assumindo um compromisso maior na luta por uma

escola que atendesse às necessidades do povo camponês. Importante ressaltar que são

inúmeros os ambientes de aprendizagem dentro do movimento. Para Arlete Ramos Santos

(2003, p.104), “No caso do MST, os espaços de aprendizagem envolvem todos os

trabalhadores por meio de seus setores que são os sujeitos educativos no interior desse

Movimento numa perspectiva de coletividade”. Depreende-se que a escola não é o único

espaço educativo, a luta, as reuniões, os encontros formativos, os debates, o trabalho, enfim, a

luta, no seu sentido mais amplo, constituiu uma forma de educação na qual a troca de

conhecimento constrói novos saberes.

68

Para a pesquisadora Santos (2013), “O MST, sendo um movimento social

popular, se torna educador como um sujeito pedagógico que busca uma identidade coletiva

forjada intencionalmente por meio da participação dos trabalhadores na luta de classes.”

(SANTOS, 2013, p. 105). Por isso, ao longo dos anos, sua função educadora foi sendo

desenvolvida, criando grandes estruturas de sustentação, pesquisa e articulação, como o setor

de educação. De acordo com a grande pesquisadora do movimento Roseli Caldart

A partir de 1987-88, o setor de educação foi sendo criado nos estados,

acompanhando a territorialização do MST, e um coletivo nacional de educação

passou a integrar suas instâncias organizativas. Entre os objetivos desse primeiro

seminário de educação estava a socialização de experiências e discussões sobre

escola que aconteciam a partir das iniciativas das equipes de educação formadas nos

acampamentos e assentamentos dos estados em que o MST começava a se organizar.

Outro objetivo principal era o debate sobre como, a partir desse primeiro acúmulo,

dar início à sistematização do que foi chamado de “proposta de educação” e depois

“proposta pedagógica” do MST, hoje mais conhecida como Pedagogia do MST ou

Pedagogia do Movimento. (CALDART; BÔAS, 2017, p.262)

Ainda sobre o setor de educação, o qual tem papel fundamental na implementação

do projeto de escolas do campo, Roseli Caldart afirma que:

Ele tem como base, por meio da pedagogia emancipatória, ajudar na construção de

uma sociedade igualitária, entendendo a educação como um elemento fundamental

nos processos de transformação social, cujo objetivo é contribuir para a construção

de um novo homem e uma nova mulher, libertos de todas as formas de opressão e de

exploração (CALDART, 1997, p. 11).

Como nos relata a autora, ao longo do processo de pensar uma educação do

campo, os trabalhadores e trabalhadoras foram percebendo que não bastava ser inseridos na

educação já existente, uma vez que estes eram excluídos, seja pela distância das instituições,

seja pelo conteúdo que não incluía a relação com seu cotidiano, mas era preciso criar novas

formas de educar, afinal:

A LDB de 1996 reconhece, em seus arts. 3º, 23, 27 e 61, a diversidade sociocultural

e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a definição de diretrizes

operacionais para a educação rural sem, no entanto, romper com um projeto global

de educação para o país. A idéia de mera adaptação é substituída pela de adequação,

o que significa levar em conta, nas finalidades, nos conteúdos e na metodologia, os

processos próprios de aprendizado do estudante e o que é específico do campo.

(SECAD, 2007, p. 17)

Tornava-se preciso uma educação pensada para o povo e construída com ele, por

isso, o MST iniciou o projeto de construção de novas escolas, com suas estruturas físicas

construídas perto do povo, em assentamentos, e com uma proposta pedagógica que abrangesse

69

a identidade nordestina e camponesa. Diante das contradições e lutas do movimento foi

ficando evidente a relação necessária entre a luta pela terra e por uma educação de qualidade.

Para Caldart:

O processo da luta pela terra é que aos poucos foi mostrando que uma coisa tem a

ver com a outra. Especialmente quando começaram a se multiplicar os desafios dos

assentamentos, ficou mais fácil de perceber que a escola poderia ajudar nisso, desde

que ela fosse diferente daquela de triste lembrança para muitas famílias. Hoje já

parece mais claro que uma escola não move um assentamento, mas um assentamento

também não se move sem a escola, porque ele somente se move, no sentido de que

vai sendo construído como um lugar de novas relações sociais, de uma vida mais

digna, se todas as suas partes ou dimensões se moverem junto. E a escola, à medida

que se ocupa e ocupa grande parte do tempo de vida especialmente da infância Sem

Terra, se não se move junto, é de fato um freio no processo mais amplo. Sem ela não

se constrói uma das bases culturais decisivas às mudanças sociais pretendidas pelo

MST. (CALDART, 2003, p. 65)

Em Julho de 1998, houve a Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do

Campo, na qual se discute o contexto do campo e foram geradas três reflexões essenciais para

a compreensão da Educação do Campo. Roseli Caldart nos mostra que foram estas:

1. O campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais, organizações e

movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra que estão mudando o jeito da

sociedade olhar para o campo e seus sujeitos.

2. A Educação Básica do Campo está sendo produzida neste movimento, nesta

dinâmica social, que é também um movimento sociocultural de humanização das

pessoas que dele participam.

3. Existe uma nova prática de Escola que está sendo gestada neste movimento.

Nossa sensibilidade de educadores já nos permitiu perceber que existe algo diferente

e que pode ser uma alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educação, de

ser humano. Precisamos aprender a potencializar os elementos presentes nas

diversas experiências, e transformá-los em um movimento consciente de construção

das escolas do campo como escolas que ajudem neste processo mais amplo de

humanização, e de reafirmação dos povos do campo como sujeitos de seu próprio

destino, de sua própria história.

(CALDART, 2003, p.61)

Baseados nestes princípios, os movimentos sociais do campo foram articulando

cada vez mais ações na busca pelo direito à escola, uma vez que, até o século XX, as famílias

camponesas não tinham grande acesso a instituições escolares, e este problema não atingia

apenas as áreas de reforma agrária, mas toda a população do campo. Excluídos dos processos

formais de educação, as consequências eram devastadoras, tais como o não acesso à

informação ou a uma formação mínima; a ausência de oportunidades de trabalho; a

desvalorização da cultura; a perda da identidade camponesa; o êxodo rural. Este último era o

mais evidente, crianças e jovens tinham que sair de suas comunidades em busca de alguma

70

formação acadêmica, seja para estudar, seja para trabalhar. O dicionário de educação do

campo afirma que:

O movimento histórico de construção da concepção de escola do campo faz parte do

mesmo movimento de construção de um projeto de campo e de sociedade pelas

forças sociais da classe trabalhadora, mobilizadas no momento atual na disputa

contra-hegemônica (MOLINA; SÁ, 2012, p. 324-325).

Ao longo dos anos e das reflexões realizadas pelo MST, foi construído um

arcabouço teórico que orienta a proposta de Educação do Campo. Podemos destacar a

Pedagogia Socialista e a Educação Popular de Paulo Freire como principais teorias que

inspiram a proposta pedagógica das escolas do campo. Utilizando o método de educação

popular de Freire em mutirões de ensino em assentamentos e acampamentos, foi iniciado um

trabalho de base, posteriormente, estes métodos foram aperfeiçoados para as escolas do

campo, assim como a pedagogia por complexos1, adequadas à realidade de cada

assentamento.

A pedagogia socialista tem como principal teórico o professor ucraniano Anton

Makarenko (1888-1939), suas ideias e experiências tinham como principal objetivo a criação

de uma escola a partir da relação dos sujeitos com o trabalho, por isso, as experiências criadas

por ele contribuíram com a reforma educacional soviética após a Revolução de 1917. Assim,

serve como inspiração por sua relação direta com as trabalhadoras e trabalhadores. Para

Caldart (2017):

(...) compartilhamos da compreensão da pedagogia socialista como o conjunto de

esforços ‘de associação e de teorização de práticas educativas protagonizadas pelos

trabalhadores ao redor do mundo, e conduzidas (na teoria e na prática) desde seus

objetivos de classe para construção de novas relações sociais de caráter socialista’.

(CALDART; BÔAS, 2017, p. 263)

A escola pensada a partir da educação do campo abarcaria um caráter político de

valorização do trabalho na construção de sujeitos autônomos, proporcionando experiências

práticas com a agroecologia. Além disso, a escola atua na busca por experiências socialistas

1 Os complexos, formulação da didática socialista, visam operacionalizar a escola do trabalho. Na experiência

russa, eles são entendidos como “a complexidade concreta dos fenômenos, tomados da realidade e unificados ao

redor de um determinado tema ou idéia central” (NARKOMPROS, 1924, apud FREITAS, 2009, p. 36). A

definição do tema de estudo não ocorre apenas pela aproximação à realidade do educando, mas pela centralidade

social que a questão comporta. Na perspectiva materialista histórica dialética a realidade é complexa,

constituindo-se como totalidade. Local e geral se encontram em relações recíprocas e interdependentes.

(Dalmagro, 2016, p.4)

71

no sentido de procurar a construção de relações cada vez mais conscientes de uma

transformação social, por isso:

(...) entendemos a pedagogia do MST como um esforço particular de construção

histórica concreta da pedagogia socialista. O MST tem buscado vincular a educação

às lutas pela transformação social, desde a realidade atual do campo, produzindo

formulações pedagógicas em diálogo com as formulações teórico-metodológicas da

construção histórica da pedagogia socialista e seus fundamentos. (CALDART;

BÔAS, 2017, p. 263)

Assim como a Pedagogia Socialista, a Educação Popular caminha em oposição ao

ensino tradicional dissociado da realidade dos educandos e educandas. A Educação Popular

teve como principal idealizador o professor e grande pensador brasileiro Paulo Freire, suas

obras ganharam dimensões internacionais e outros pesquisadores debruçaram-se a estudar

seus métodos de ensino, transformando-os e aperfeiçoando-os a partir das realidades

especificas, como podemos encontrar nos estudos de Gadotti (2007):

A educação popular, como prática educacional e como teoria pedagógica, pode ser

encontrada em todos os continentes, manifestada em concepções e práticas muito

diferentes. Como concepção geral da educação, ela passou por diversos momentos

epistemológicos-educacionais e organizativos, desde a busca da conscientização, nos

anos 50 e 60, e a defesa de uma escola pública popular e comunitária, nos anos 70 e

80, até a escola cidadã, nos últimos anos, num mosaico de interpretações,

convergências e divergências. (GADOTTI, 2007, p.24)

Em 2002, foram aprovadas as diretrizes operacionais para a educação básica das

escolas do campo, as quais compreendem estas:

pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na

temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza

futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos

sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à

qualidade social da vida coletiva no país. (DIRETRIZES, Art. 2º, Parágrafo único)

Aos poucos, através da luta dos movimentos sociais, a educação do campo foi

adentrando às Leis que orientam a educação brasileira, ganhando espaço para ser discutida e

finalmente aplicada formalmente no sistema educacional brasileiro. O Artigo 28, das Leis de

Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), diz que:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino

promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida

rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias

apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II -

organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do

ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na

zona rural.

72

Existem quatro matrizes formadoras da educação do campo que orientam o

funcionamento das escolas de ensino médio: o trabalho, a cultura, a história e os movimentos

sociais. O trabalho, ligado à perspectiva socialista, compõe a escola à medida que transforma

os sujeitos envolvidos no processo. Compreende-se aqui como elemento de transformação

social, tornando os seres mais humanizados. A cultura como matriz orienta para a preservação

e cultivo das culturas existentes no campo, sem esquecer de notar e analisar as influências

externas que dialogam com os sujeitos do campo através das mídias. A história tem função

primordial na educação do campo, afinal, é através dela que a escola encontrará elementos

para a pesquisa, compreensão da realidade atual e caminhos para possíveis transformações,

afirmando também os movimentos sociais como agentes construtores de melhores condições

para a sociedade.

Nessa perspectiva de contribuir para a preservação e recriação da identidade do

povo camponês nordestino, a proposta das Escolas do Campo dialoga diretamente com o

Movimento Armorial idealizado por Ariano Suassuna que fora apresentado no capítulo

anterior. Ambos dialogam no sentido de construir uma cultura eminentemente popular, com

seus traços, especificidades e buscando sempre uma transformação social para a melhoria do

povo.

Desse modo, o perfil dos sujeitos da pesquisa, estudantes da turma do segundo

ano C da escola do campo Francisca Pinto dos Santos são em sua maioria mulheres entre 15 e

17 anos de idade, dentro da faixa etária escolar recomendada. Em sua maioria trabalham pela

manhã e estudam a tarde, as meninas trabalham em casa de famílias ajudando nas tarefas

domésticas, enquanto os meninos acompanham os pais na agricultura ou fazendo serviços em

plantações terceiros, fazendeiros ou outras famílias que possuem mais terra.

4.2 DADOS DA INSTITUIÇÃO

A E. E. M. Francisca Pinto dos Santos encontra-se localizada no Assentamento

Antonio Conselheiro, no município de Ocara-ce. A escola possui uma ampla estrutura física

composta pelos seguintes espaços: uma Biblioteca, espaço disponível à comunidade escolar e

local, onde os sujeitos podem realizar pesquisas e projetos de leituras com acompanhamento

pedagógico; um Laboratório de informática que atende os educandos\as da unidade escolar

e à comunidade acompanhados por um professor mediante a um calendário; um Laboratório

de ciências, espaço organizado em quatros outros espaços (laboratórios de Química, Física,

Matemática e Biologia) que disponibiliza de materiais e recursos didáticos para a interação e

73

produção de conhecimentos na relação teoria e prática; um Quadra esportiva, espaço

coletivo que é usado pela escola para atividades pedagógicas e esportivas, estando disponível

à comunidade para eventos comunitários e esportivos; um Anfiteatro sem cobertura

adequada, espaço disponível às expressões culturais da comunidade escolar e região na

promoção de eventos artísticos e culturais; um Pátio e praça da escola, espaço disponível

para troca de experiência, interação de grupo e momentos recreativos e que também é

utilizado como refeitório; uma Sala de vídeo, local destinado a apresentação e debate,

exposição através de filmes, documentários, fotografias educativas para ampliação de

conhecimentos; seis Salas de aula, espaço destinado ao ensino, para aquisição de

conhecimento e interação entre educandos/as e educadores/as; uma Cozinha, espaço de

destino de preparar as refeições escolares; uma Ala administrativa, que fica o setor de

organização e administração burocrática da escola.

Além do ambiente físico inaugurado no ano de 2017, a escola com um novo

modelo de Projeto Político Pedagógico, segundo o qual:

A comunidade continua se construindo e se forjando durante os vinte e três (23) anos

de conquista da terra, e nessa jornada a organização interna se desenvolveu

afirmando o modo de vida camponesa, valores, afirmação ideológica, seguiu na luta

por terra apoiando outras áreas acampadas, liberando militância para dar

continuidade as ações do MST em todo o território nacional ocupado pelos

trabalhadores e trabalhadoras. No dia 13 de dezembro de 1995 a associação dos

Assentados e Assentadas do Assentamento Antônio Conselheiro foi fundada, sob a

estratégia do Movimento de dar respaldo legal as ações coletivas. (PPP, 2017, p.9)

A escola surgiu a partir da luta do povo camponês no município junto ao

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), integrada ao Projeto de Educação do

Campo articulado como parte da conquista pela terra e elaborado pelo MST, o qual depois de

muita luta e manifestações políticas recebeu apoio do Governo do Estado do Ceará para sua

realização. O referido projeto foi planejado para a construção de 12 escolas de ensino médio

nas áreas de reforma agrária do estado do Ceará, sendo a escola A E. E. M. Francisca Pinto

dos Santos a sétima a ser construída e entregue em 2017.

O Projeto Político Pedagógico destaca as contribuições que o MST trouxe para o

assentamento no que se refere à educação, são estas:

Na trajetória do Assentamento Antônio Conselheiro, a educação é uma das lutas

permanentes das famílias, onde o MST já teve a realização de vários projetos de

alfabetização de jovens e adultos, formação de educadoras e educadores através dos

cursos: Pedagogia da Terra, Licenciatura em Educação do Campo, Magistério da

Terra, Formação de Técnicos Agrícolas, Serviço Social, Habilitação em História e

Geografia, Jornada Nacional pela soberania alimentar e alimentação saudável,

semanas pedagógicas das escolas de ensino médio do campo, encontros e formação

74

com a juventude, cursos prolongados com conclusão do ensino fundamental e

médio. Escola nacional, com o objetivo de forjar os filhos e filhas dos assentados e

assentadas e dirigentes de suas comunidades. (PPP, 2017, p.12)

Desde o nome da escola à seleção dos educadores e educadoras, a comunidade

está envolvida em todo processo. Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola, o nome da

mesma foi escolhido pela comunidade:

O processo de escolha do nome da Escola de Ensino Médio do Campo Francisca

Pinto dos Santos se deu de forma democrática através das assembleias realizadas

pelas quatro associações pertencentes ao assentamento Antônio Conselheiro,

partindo das discussões nos grupos de trabalho. (PPP, 2017, p. 13)

O nome traz a memória de uma mulher, Francisca Pinto, uma trabalhadora do

assentamento que sempre lutou pelo acesso à educação de qualidade e que concluiu seus

estudos com muito esforço, atuando posteriormente como educadora na região.

Como princípio básico, a escola busca manter a organização através de escolhas

democráticas e da participação de toda a comunidade escolar baseada na organização do

MST, tendo como missão:

Desenvolver a formação humana dos educandos e educandas visando uma educação

de qualidade que favoreça a garantia de direitos a justiça social, a solidariedade entre

os sujeitos do campo; o conhecimento histórico, social, econômico, político,

ambiental e cultural para uma interação crítica e participativa buscando se apropriar

do conhecimento popular e científico na perspectiva de produzir inovações dos

conhecimentos, contribuindo na transformação da realidade e na vida do campo.

(PPP, 2017, p. 3)

As turmas são divididas em Núcleos de Base (NBs), que são equipes onde cada

integrante possui uma função e de cada turma são selecionados um homem e uma mulher para

representá-los em um coletivo maior. Os educadores, a gestão, os auxiliares também se

organizam desta forma. Abaixo, podemos observar com mais clareza a sistematização da

organização democrática da escola:

75

Fonte: Retirada do Projeto Político Pedagógico da E.E.M. Francisca Pinto dos Santos. Pag. 30

A escola atende em torno de 22 (vinte e duas) comunidades, entre elas, outros

assentamentos de reforma agrária, ou seja, o público alvo é prioritariamente o povo camponês,

aqueles que iriam se deslocar até o centro da cidade de Ocara para ter acesso ao ensino médio

e agora tem a oportunidade de estudar mais próximo de sua casa, conforme o Projeto político

Pedagógico da escola:

Com foco no ensino médio e futuramente no fundamental, deverá atender

prioritariamente aos jovens e adultos, tanto das comunidades do Assentamento,

quanto circunvizinhas, dentre elas: Placa José Pereira, Arisco Grande, Mocoré,

Mocoré dos Cosme, Mocoré dos Rodrigues, Mocoré do André, Oitenta, Lagoa

Bonita, Vila Nova dos Luzias, Batente, Canafístula, Assentamento Denir, Arisco dos

Marianos, Carnaúbas, Lagoa do Serrote, Córrego do Facó, Croatá, Assentamento

Vitória, Lênin Paz II, Comuna Mariano Xavier, Furnas, Umarizeiro, São Francisco,

Boa vista. (PPP, 2017, p. 17)

A escola iniciou o funcionamento em Agosto de 2016 e, neste período, houve

grandes questionamentos das comunidades sobre a proposta da escola e também por parte dos

educandos que, devido às marcas de uma sociedade que não vê o campo como um lugar de

desenvolvimento, rejeitaram a proposta da escola por não se identificarem como sujeitos do

campo. Isso também ocorreu porque o movimento sofre com tentativas de criminalização de

suas manifestações políticas, como nos afirma Frigotto (2011):

76

Do mesmo modo, a criminalização do projeto educacional do MST resulta do fato de

que o mesmo o articula, sem rodeios, a um projeto de classe contrahegemônico, uma

luta de uma sociedade humanamente emancipada e com uma educação

emancipadora. (FRIGOTTO, 2011, p. 42)

No ano de 2018, a escola ganhou novo ânimo a partir de uma maior organização

administrativa desde o início do ano, podendo realizar um trabalho de base nas comunidades,

explicando sua proposta pedagógica e estrutura curricular. Seguindo a proposta de escolas do

campo, em seus componentes curriculares, além das disciplinas da base curricular comum,

adota-se mais três componentes, são estes: PSC (Práticas Sociais Comunitárias); OTTP

(Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas); PEP (Projeto, Estudo e Pesquisa). A

primeira busca aproximar as relações escola/ comunidade de forma a agir sobre a realidade

das comunidades em busca de sua melhoria, tentando resolver questões simples, como a

ausência de coleta de lixo, a falta de água, falta de iluminação pública, criação de formas de

trabalho a partir da agricultura e da agroecologia, ou seja, é um componente de intervenção da

realidade. A segunda busca, com o trabalho de um engenheiro agrônomo, dar suporte teórico

e prático para que os estudantes possam auxiliar as suas próprias famílias no trabalho, uma

vez que a grande maioria são filhos e filhas de agricultores, são estudadas técnicas agrícolas e

aplicadas na escola, no que é denominado de campo experimental. A terceira tem como

objetivo geral desenvolver trabalhos de pesquisa a partir da realidade das comunidades que

compõem a escola, sendo todo trabalho científico desenvolvido pelos próprios estudantes. O

planejamento das referidas disciplinas encontra-se baseado no inventário da realidade.

A organização metodológica do Ensino Médio sustenta-se e organiza o ensino e a

formação dos jovens a partir do princípio metodológico da historicização e contextualização

do conhecimento, que se efetiva no diálogo entre os conteúdos previstos nos componentes

curriculares com os inventários da realidade a ser conhecida, interpretada e transformada.

O inventário da realidade é um instrumento de pesquisa, de estudos permanentes da

realidade, que busca identificar as fontes educativas do meio, a partir das quatro

matrizes formativas (as lutas sociais, a cultura, o trabalho e a opressão). Tem a

intencionalidade de realizar os planejamentos pedagógicos vinculando os objetivos

formativos e de ensino das áreas do conhecimento, à vida e a realidade dos

educandos. Este instrumento é fruto de um processo coletivo que envolve,

educadores (as), educandos/as e comunidades em que a escola está inserida. (PPP,

2017, p. 42)

77

No projeto de escola do campo, o inventário da realidade é uma ferramenta de

pesquisa utilizada para fazer um levantamento e registro organizado de aspectos materiais ou

imateriais da realidade que cerca a escola, ou seja, das comunidades que a compõem.

A partir do inventário da realidade das comunidades nas quais os estudantes

moram, construídos por eles próprios no primeiro ano do ensino médio, os educadores

sistematizam as informações encontradas, identificando, assim, os principais problemas

enfrentados pelas famílias e como estas vivem, passando a conhecer profundamente a sua

realidade. A partir deste estudo, os educadores e a gestão da escola escolhem um aspecto

desse inventário para ser trabalhado durante um bimestre ou um semestre na escola, o tema

selecionado deverá estabelecer relações com os componentes curriculares da base comum e

será trabalhado nas turmas de forma interdisciplinar. A esse tema escolhido dar-se o nome de

Porção da realidade, pois foi retirado do próprio contexto social, e seu estudo possibilitará

uma maior compreensão do mesmo, dando novos significados e valores à educação.

4.3 PORÇÃO DA REALIDADE

No ano letivo de 2018, a escola trabalhou com dois complexos da realidade (tema

do inventário), duas porções, um em cada semestre do ano. O primeiro, escolhido pela

predominância nas comunidades e pelo contexto social enfrentado pelos educandos, foi a

Violência. O segundo, surgido como proposta de combate à violência, foi relacionado às

Manifestações Culturais, uma vez que se identificou a perda de costumes e a não valorização

da cultura existente no assentamento e nas outras comunidades, tais como o Reizado, os

cantadores, os violeiros, os cordelistas, etc.

A cultura como superação da violência proporcionou um grande movimento no

ambiente escolar. No componente de Língua Portuguesa, esteve fortemente presente a cultura

popular, especificamente a leitura literária de escritores nordestinos e o estudo da Literatura

de Cordel. Com um planejamento de trabalho com as porções, realizado no início do ano

letivo, por ocasião da semana pedagógica da escola, foi possível introduzir na ementa da

disciplina o conteúdo da porção e trabalhar de forma efetiva, dialogando não apenas de forma

interdisciplinar com as outras áreas, mas principalmente com as comunidades.

Neste contexto escolar, no qual se trabalhava a porção ‘Manifestações Culturais’,

percebemos que a leitura do texto de Ariano Suassuna caberia perfeitamente na proposta da

78

escola. Assim, foi elaborada a proposta de leitura abaixo, visando também uma melhor

compreensão da cultura popular através da obra de Suassuna, trabalhando questões como de

identidade cultural e linguística, envolvendo também as relações de gênero enquanto

construção social no Nordeste.

Trabalhar as manifestações culturais na escola é dar oportunidade aos estudantes

de construírem algo novo e serem criativos em seus próprios contextos. A partir do

conhecimento dos artistas locais e regionais, reconhecer a importância da sua região para a

cultura nacional e para a indústria cultural, possibilitando aos mesmos novas formas de criar

arte no campo.

Durante o trabalho com a referida porção, é importante destacar a realização da

noite cultural na escola, com apresentações de dança, teatro, capoeira, reisado, cantores e

tocadores locais, feira de livros e feira de produtos agroecológicos. Especificando ainda mais

a relação com a cultura, torna-se importante ressaltar que a escola possui um grupo de Teatro

denominado ‘Corpo e Voz’, que em 2018, desenvolveu a peça A seca no Nordeste,

apresentada no III Festival de Arte e Cultura das Escolas do Campo do MST-Ceará, realizado

entre os dias 29 e 31 de Agosto de 2018. Aliando o teatro à dança com o objetivo de criar

outras formas de falar sobre a seca, resgatando o debate através da arte, o grupo vivenciou no

corpo o trabalho com a porção, na música, nos movimentos e na pesquisa histórica para a

compreensão da seca, vivenciando oficinas de corpo e voz que a escola oferece durante os

dois dias integrais (terças e quintas) e, durante estas, pode-se observar a empolgação dos

estudantes e aceitação diante dos jogos teatrais.

Percebendo que o trabalho com os jogos teatrais foi efetivo no grupo, pensamos

que seria possível uma atividade semelhante de leitura com uma turma da escola. A seleção da

turma para aplicar a oficina foi pensada a partir da maior disponibilidade da mesma, uma vez

que a pesquisadora em questão atua como regente de Língua Portuguesa nesta mesma turma.

Composta por 32 (trinta e dois) estudantes, a turma havia acabado de estudar a Literatura de

Cordel, pesquisando os principais cordelistas regionais e locais. O núcleo gestor prontamente

concordou com as oficinas, pois iriam contribuir diretamente com o debate em torno da

porção, oferecendo novas maneiras de perceber a cultura popular.

4.4 PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O SANTO E A PORCA (1957), DE

ARIANO SUASSUNA, PARA O ENSINO MÉDIO

79

Na seguinte proposta de leitura, consideramos todo o arcabouço teórico estudado

até então, desde os conceitos de letramento e do processo de leitura, abordados no primeiro

capítulo, às influências da escrita de Ariano Suassuna e análise da obra no segundo capítulo,

ambos contribuem para a preparação dos educadores ao levarem o livro O Santo e a porca

para a sala de aula. Neste caso específico, levar a sua leitura para educandas e educandos da

Escola de Ensino Médio Francisca Pinto dos Santos, considerando o seu contexto de escola do

campo, como vimos no início deste capítulo.

A proposta foi elaborada para ser aplicada a uma turma de segundo ano do Ensino

Médio durante quatro aulas de Língua Portuguesa do quarto semestre do ano de 2018, o

equivalente a quatro horas aula, cada uma com 50 minutos. A metodologia adotada foi

exposta por meio de oficinas. Para um trabalho mais efetivo, dividimos em quatro momentos,

são estes: Oficina I- Motivações para a leitura; Oficina II- A leitura no corpo do leitor; Oficina

III- Interpretar é ler o texto no corpo; Oficina IV – Outras possibilidades de interpretação no

corpo do leitor. Inicialmente, as oficinas foram elaboradas de acordo com as necessidades

percebidas anteriormente na turma, como a dificuldade de ler em voz alta. No entanto, as

oficinas sofreram adaptações durante a aplicação, como veremos no último capítulo. O

educador ou educadora precisa ser flexível para que o processo de leitura ocorra da melhor

maneira possível para os estudantes, para que a experiência seja significativamente eficaz para

o letramento literário na escola.

Antes de iniciar a primeira oficina foi aplicado o questionário I para toda a turma.

A oficina I, intitulada ‘Motivações para a leitura’, teve como objetivo geral discutir o tema

central da obra O santo e a porca, de Ariano Suassuna. Os objetivos específicos foram:

identificar como esse tema está presente na sociedade contemporânea; conhecer a avareza em

nossas personalidades individuais; perceber o corpo e as suas relações com o espaço da sala

de aula; introduzir o autor e a obra segundo a sequência básica de Rildo Cosson.

A motivação configura-se como uma etapa de preparação do aluno para entrar no

texto. A construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou

posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais da construção da motivação

(COSSON, 2012). Neste caso, realizamos esta etapa com ênfase na aproximação dos

educandos e educandas à temática central da obra, que é a avareza, através de uma

consciência do espaço da sala de aula e de seu próprio eu por meio de um jogo teatral

denominado, por Viola Spolin, de Sentindo o Eu com o Eu, o qual poderá envolver também as

80

caminhadas no espaço, que permitirá a (re)descoberta ou (re)familiarização do espaço da

sala de aula, além de criar uma consciência sensorial para a introdução do tema.

Jogo I

Sentindo o EU com o Eu

Objetivo: Descobrir a percepção com o corpo todo.

Foco: Na percepção da parte do todo que está sendo solicitado pela instrução.

Descrição: Os jogadores permanecem silenciosamente sentados em suas carteiras e

fisicamente sentem aquilo que está em contato com seus corpos, conforme a

instrução.

Notas: 1. Sentindo o Eu com o Eu é um dos exercícios básicos de aquecimento.

2. Dê a instrução “Fique de olhos abertos!”, se necessário. Olhos fechados podem

ser uma defesa.

3. Este é um último exercício para relaxar e trazer novo frescor para os alunos.

Sinta os pés nas meias! Sinta as meias nos pés! Sinta os pés nos sapatos!

Sinta os sapatos nos pés! Sinta as meias nas pernas! Sinta as pernas nas meias!

Sinta a calça ou saia nas pernas!

Sinta as pernas nas calças!

Sinta a roupa de baixo perto do seu corpo!

Sinta o corpo perto da roupa de baixo!

Sinta a blusa ou camisa com seu peito e sinta o seu peito dentro da blusa ou camisa!

Sinta o anel no dedo!

Sinta o dedo no anel!

Sinta o cabelo na cabeça e as sobrancelhas na testa!

Sinta a língua na boca!

Sinta as orelhas!

Sinta o espaço a sua volta!

Agora deixe que o espaço sinta você!

Houve alguma diferença entre sentir o anel no dedo e sentir o dedo no anel?

(SPOLIN, 2008, p. 71)

Logo depois, segue-se com o jogo II, que é um aquecimento que contribui

bastante para o processo de concentração da turma e para a observação do espaço no qual está

inserido. O maior desafio aqui poderá ser trabalhar com indicações que, para a turma, podem

ser compreendidas como abstratas e gerar dúvidas sobre sua execução. No entanto, o

educador não deverá desistir no meio da oficina, pois os jogos trabalham exatamente o

desenvolvimento de sentidos, muitas vezes daqueles que não acreditaríamos sentir.

81

Jogo II

CAMINHADA NO ESPAÇO

Caminhe por aí e sinta o espaço à sua volta!

Investigue-o como uma substância desconhecida e não lhe dê um nome!

Sinta o espaço com as costas!

Com o pescoço!

Sinta o espaço com o corpo e deixe que suas mãos formem um todo com seu corpo!

Sinta o espaço dentro da boca!

Na parte exterior de seu corpo!

Sinta a forma de seu corpo quando se move pelo espaço!

Agora deixe que o espaço sinta você!

O seu rosto!

Os seus braços!

O seu corpo todo!

Mantenha os olhos abertos! Espere!

Não force!

Você atravessa o espaço e deixa que o espaço o atravesse!

Alguém teve a sensação de sentir o espaço ou de deixar que o espaço o sentisse?

Objetivo: Familiarizar os jogadores com o elemento (espaço)

Foco: Em sentir o espaço com o corpo todo.

Descrição: Os jogadores caminham e investigam fisicamente o espaço como se fosse

uma substância desconhecida.

Notas: 1. Como em todas as caminhadas no espaço, o coordenador-instrutor caminha

com o grupo enquanto dá instruções para o exercício. Utilize as características

físicas de seus jogadores (boca cerrada, ombros curvados etc) como guia para dar as

instruções para as caminhadas no espaço. Por exemplo, se um dos jogadores tem

uma expressão rígida no olhar, você pode dizer: “Coloque espaço onde estão os seus

olhos! Deixe que a sua visão passe pelos seus olhos”. Quando especificar a área de

tensão de um dos jogadores, não deixe que ele o perceba. O que ajuda um deles,

ajuda a todos. [...] (SPOLIN, 2008, p. 72)

Primeiramente, o educador deverá colocar uma música acelerada e pedir para que

a turma caminhe pela sala de forma lenta, depois de forma um pouco mais rápida. Passados 10

minutos, deve-se pausar a música e todos devem voltar aos seus lugares. É importante

ressaltar que alguns jogos não estabelecem uma relação direta com o texto de Ariano

Suassuna, estes fazem parte de exercícios de aquecimento, ou seja, são introdutórios para o

trabalho com o corpo, sendo portanto essenciais para o processo de aplicação dos jogos

aplicados posteriormente.

82

No segundo momento, o professor deverá fazer uma breve introdução sobre o

mundo capitalista e as estratégias de sobrevivência, finalizando sua fala com a orientação de

que nesse momento a turma está dividida em duas grandes épocas, século XX e século XXI.

O professor deve colocar uma sexta com muitas cédulas falsas de dinheiro, as

mais variadas possíveis, com moedas de vários países e imagens relacionadas a sentimentos e

valores universais. Após explicar e dividir a turma em duas épocas, o professor deve abordar a

seguinte situação: “vocês enquanto personagens de determinada época acreditam que

precisam de quais elementos para terem uma vida excelente no futuro? Encontrem, na cesta,

imagens que retratem essas necessidades.” Cada estudante deverá pegar o máximo de imagens

possíveis, sendo necessária a confecção do material com bastante antecedência.

Em suas equipes, deverão explicar a necessidade de cada elemento para o bem-

estar individual e coletivo e se eles dariam para a outra equipe os seus elementos

conquistados. Após as explicações, a orientação é que as equipes troquem de época e

argumentem de forma diferente sobre a importância desses elementos agora em outro período

histórico, buscando novos argumentos para defesa. Depois, uma pessoa deverá ficar

responsável por guardar o tesouro do grupo (da época) até a próxima oficina.

A penúltima etapa desta oficina consiste em responder, por escrito, as seguintes

questões: “a dinâmica gerou quais sentimentos em você? Como seu corpo reagiu ao

representar uma época e agir como tal para defender seus interesses? Foi confortável para

você sair de sua cadeira e movimentar o corpo durante a atividade?” Por fim, os estudantes

deverão encontrar na sala quatro palavras escondidas que utilizamos para se referir a quem é

avarento, são estas: pão-duro, mão-de-vaca, unha-de-fome e muquirana. Ao encontrar todas as

palavras, os próprios estudantes deverão finalmente chegar à palavra ‘avareza’ e, nesse

momento, o professor comenta ser este o tema central da peça O santo e a Porca, de Ariano

Suassuna.

Para a apresentação do autor, o professor não precisa deter-se em aspectos

meramente históricos ou biográficos, como datas e quantidades de obras escritas. Estas são

informações adicionais que podem ser ditas posteriormente. Para cada sequência

metodológica elaborada, é necessário escolher os principais focos a serem trabalhados, assim

como propõem os jogos teatrais. Por isso, esta primeira oficina tem o objetivo de introduzir

aspectos centrais da obra através do tema, motivando o interesse dos educandos para a leitura

do texto.

83

De acordo com a sequência básica de Rildo Cosson, antecipamos que nessa

oficina mesclamos as etapas de motivação e introdução, respectivamente. A segunda é o

momento de apresentação do autor e da obra. No entanto, essa biografia deve ser breve, pois,

entre outros contextos, ela é uma das que acompanham o texto. Esse momento da introdução,

é suficiente que se forneçam informações básicas sobre o autor e, se possível, ligadas àquele

texto (COSSON, 2012).

Em slides, apresentaremos algumas frases marcantes das personagens da obra O

auto da compadecida (1955), para que os educandos ativassem sua memória da peça mais

conhecida do Autor, principalmente por sua adaptação para o cinema em 2000. Uma das

características marcantes do escritor foram suas aulas-espetáculos, nas quais ele falava sobre

cultura brasileira, tecendo críticas aos estrangeirismos. Por isso, para que os alunos tivesse

mais informações sobre o autor, deverá ser exibido um trecho de apenas dois minutos de uma

de suas aulas, a qual deverá ser brevemente discutida, afinal, o foco é a motivação para a

leitura da obra a partir dos jogos teatrais.

Como forma de avaliar a oficina, o educador poderá observar se o tema da obra

foi compreendido a partir da participação da turma e das relações que eles poderão fazer do

tema com as suas próprias realidades. Além disso, as respostas das três últimas perguntas que

deverão ser recolhidas.

A segunda oficina, intitulada “A leitura no corpo do leitor”, tem como objetivo

geral vivenciar uma experiência corporal da obra O santo e a Porca e, como específicos, ler o

primeiro e segundo ato do livro e participar de jogos teatrais a partir das primeiras impressões

da obra após a sua leitura parcial.

A etapa ‘leitura’, considerada essencial na proposta de letramento literário de

Rildo Cosson, precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e

esse objetivo não deve ser perdido de vista (COSSON, 2012). Por isso, o foco desta é a leitura

da obra e a vivência de aspectos da mesma no próprio corpo do leitor. Após o momento de

introdução, os estudantes deverão ser convidados a participar de um jogo para que possam se

aproximar dos personagens da obra. Este poderá contribuir para que a turma tenha um maior

interesse e envolvimento com os personagens e possam compreender suas diferenças a partir

de suas ações.

Para Cosson (2012), a interpretação envolve práticas e postulados numerosos e

impossíveis de serem conciliados, pois toda reflexão literária traz implícita ou explicitamente

84

uma concepção do que seja interpretação ou de como se deve proceder para interpretar textos

literários. Essas interpretações acontecem em dois momentos: um interior (que passa pela

decifração/pelo íntimo, por meio da história de leitor do aluno, das relações familiares e tudo

que constitui o contexto de leitura) e o outro exterior (quando ocorre a materialização da

interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade, por meio

do compartilhamento da interpretação com os colegas e professor).

Em relação ao jogo III, Spolin descreve:

Jogo III

(PERSONAGEM/ RELACIONAMENTO)

De forma similar, introduza o Quem.

“Você em geral sabe quem é a pessoa que está na mesma sala que você? Saberia a

diferença entre um estranho e seu irmão? Seu tio e o açougueiro da esquina?”.

“Mas é claro!” “Você pode me dizer qual é a diferença entre dois colegas de escola e

dois estranhos e duas pessoas que acabaram de se encontrar? “Sim” “Pode me dizer

a diferença?” “Pela forma como se comportam um com o outro”

“O que quer dizer ‘pela forma como se comportam’?”

“Amigos não param de falar”. “Estranhos fazem de conta que não estão vendo um ao

outro”. “Pessoas que acabaram de se encontrar são educadas uma com a outra”.

Por meio da discussão, os alunos irão concordar que as pessoas nos mostram quem

elas são por aquilo que dizem sobre si mesmas, mas por meio de suas atitudes.

Quando chegarem a este ponto, traga o fato de que atores, para comunicar sua

identidade à plateia, precisam mostrar Quem através do relacionamento com seus

parceiros de jogo. “Mostre, não conte!” Trará uma compreensão mais profunda

sobre como, no cotidiano, revelamos a nós mesmos para o outro, sem dizer uma

palavra.

A utilização do jogo do Quem durante a oficina de jogos teatrais vai abrir a visão

dos jogadores para uma observação mais clara do seu cotidiano.

Inicialmente as frases acima para esse jogo não serão apenas perguntas, mas

instruções a partir das quais os estudantes deverão agir. Tendo, portanto, que

explicar a diferença entre dois colegas da turma e entre estes e um desconhecido.

(SPOLIN, 2008, p. 71)

Finalmente, divididos em equipes/NBs (Núcleos de base), a turma iniciará a

leitura paragrafada do primeiro e segundo atos. A obra a ser lida encontra-se disponível no

acervo da biblioteca da escola Francisca Pinto dos Santos. Torna-se importante destacar que

os dez livros pertencem à edição feita para o projeto Literatura em minha casa (2002) e

chegaram até a escola por meio de doações. Além disso, os estudantes poderão utilizar o

celular para ler a obra em pdf, o conteúdo pode ser facilmente encontrado na internet. Já na

primeira leitura, o professor poderá destacar a importância de se dar ênfase à forma de ler,

percebendo questões de sotaque, dicção, manias vocálicas e adequação às rubricas (sugerimos

que o educador seja o responsável por ler as rubricas). Durante a leitura, deve-se dar breves

85

pausas para a observação da estrutura do texto teatral e, após a leitura dos atos I e II, os

estudantes serão convidados a participar do IV jogo:

Jogo IV

CAMINHADA NO ESPAÇO N.2

Objetivo: Sentir o espaço à nossa volta.

Foco: Em sustentar a si mesmo ou deixar que a substância do espaço o sustente, de

acordo com a instrução.

Descrição: Os jogadores caminham pela sala e sustentam a si mesmos ou permitem

que o espaço os sustente, de acordo com a instrução.

Notas: 1. Como em caminhada no espaço n.1, o professor/coordenador caminha com

o grupo enquanto dá as instruções para o exercício. Dê espaço de tempo entre as

instruções para que os jogadores experimentem.

2. Deixar que o espaço sustente não significa perder o controle ou andar aos trancos.

O jogador deve permitir que o corpo encontre o seu alinhamento correto.

3. Jogue este jogo várias vezes. Todos terão prazer com ele. Espere até que os

jogadores conheçam uns aos outros.

4. Varie a instrução entre sustentar-se a si mesmo e deixar que o espaço o sustente,

até que os jogadores experimentem a diferença.

5. Os alunos terão tendência para se movimentar em câmera lenta, como se

estivessem se movendo dentro da água. Pergunte a eles: “O que diminui o

movimento de mergulhadores?”.

Você atravessa o espaço e deixa que o espaço atravesse você!

Enquanto caminha, entre em seu próprio corpo e sinta as tensões!

Sinta seus ombros!

Sinta a coluna de cima para baixo!

Sinta o seu interior a partir do interior!

Observe! Anote!

Você é seu único suporte!

Você sustenta o seu rosto!

Seus dedos dos pés!

Seu esqueleto todo!

Se você não se sustentasse, você se despedaçaria em mil partes!

Agora mude!

Caminhe pelo espaço e deixe que o espaço o sustente!

O seu corpo entenderá!

Perceba o espaço onde estão seus olhos!

Deixe que o espaço sustente seus olhos!

Deixe que o espaço sustente seu rosto!

86

Seus ombros!

Agora mude!

Agora é você quem se sustenta novamente!

Havia uma diferença entre sustentar a si mesmo e deixar que o espaço o sustentasse?

(SPOLIN, 2008, p. 73)

Ao longo da caminhada, o professor dará as seguintes instruções:

✓ Em uma palma, caminharemos com o corpo de Euricão (como esse corpo

caminha no espaço e se movimenta de acordo como nós pensamos ser esse personagem? Ora

um pouco mais rápido, ora mais lento); Passados um ou dois minutos, deve-se pedir para que

a turma congele numa posição que represente Eurico. Ao fazer isso, cada um observa a

posição do outro. Por fim, cada jogador deverá dizer uma palavra ou expressão que represente

Eurico.

✓ Em duas palmas, caminharemos pelo espaço com o corpo de Margarida (como

esse corpo caminha no espaço e se movimenta de acordo como nós pensamos ser esse

personagem? Ora um pouco mais rápido, ora mais lento); Passados um ou dois minutos, deve-

se pedir para que a turma congele numa posição que represente Margarida. Ao fazer isso, cada

um observa a posição do outro. Por fim, cada jogador deverá dizer uma palavra ou expressão

que represente Margarida.

✓ Em três palmas, os jogadores voltam ao seu corpo neutro;

✓ Uma palma, agora, deve ativar o caminhar lento e rápido no corpo de Benona

(como esse corpo caminha no espaço e se movimenta de acordo como nós pensamos ser esse

personagem? Ora um pouco mais rápido, ora mais lento). Passados um ou dois minutos, deve-

se pedir para que a turma congele numa posição que represente Benona. Ao fazer isso, cada

um observa a posição do outro. Por fim, cada jogador deverá dizer uma palavra ou expressão

que represente Benona.

✓ Todos os jogadores devem voltar ao seu corpo neutro e fazerem um círculo

para uma breve conversa sobre a experiência. O professor deve questioná-los sobre quais

foram as dificuldades e as facilidades de caminhar como as personagens. Para finalizar com o

registro escrito, o educador deverá entregar folhas em branco para que a turma possa

expressar um pouco do que viveram de forma livre (recolher os registros).

A avaliação será feita através da participação, disposição corpórea durante os

jogos para os que estiverem participando como atores e atenção para os que estiverem na

87

plateia, além da compreensão dos principais aspectos das personagens da obra percebidos por

todos os participantes.

A oficina III, sob o título “Interpretar é ler o texto no corpo”, de modo geral,

objetiva construir possibilidades de interpretação textual e corporal da obra O Santo e a

Porca. Os objetivos específicos consistem em: ativar a memória de leitura do primeiro e

segundo atos lidos na oficina anterior através dos jogos teatrais; despertar uma consciência

corporal no estudante; ler o último ato da peça; investigar a identidade do povo nordestino. O

professor deverá iniciar a oficina com um jogo pertencente à categoria aquecimento,

denominado de Câmera lenta/pegar e congelar.

Jogo V

CÂMERA LENTA/PEGAR E CONGELAR

Objetivo: Explorar movimento e expressão física.

Foco: EM movimentar-se em câmera lenta.

Descrição: Muitos jogadores (se o tempo permitir, metade do grupo é plateia

enquanto a outra metade joga). Depois de um curto período de aquecimento com

Pegador com Explosão, um jogo de pegador com congelamento é realizado em

câmera muito lenta e dentro dos limites. Aponte para o primeiro pegador. Todos os

jogadores devem estar correndo, respirando, agachando, olhando rindo etc. em

câmera muito leta. Quando pegar outro jogador, o pegador deve congelar na posição

exata em que estava naquele momento. O novo pegador continuar em câmera lenta e

congela naquela posição em que estava ao pegar um novo jogador, que se torna o

pegador. Todos os jogadores que ainda não foram pegos devem ficar dentro dos

limites e movimentar-se em câmera lenta entre, e ao redor, dos jogadores congelados

(como em torno de árvores numa floresta). O jogo continua até que todos estejam

congelados.

Notas: 1. O espaço ode o jogo é realizado deve ser restrito, caso contrário, o jogo

pode consumir tempo demais. Se o grupo for muito grande, recomenda-se haver dois

pegadores. Ao final, dê a instrução “Pegadores, peguem agora um ao outro!”

2. Quando se joga realmente com câmera lenta, há fluência no movimento.

Corra em câmera lenta! Respire em câmera lenta! Abaixe em câmera lenta! Pegue

em câmera leta! Levante seus pés em câmera lenta! Permaneça dentro dos limites em

câmera muito lenta!

Há diferença entre movimentar-se lentamente e movimentar-se em câmera lenta?

Plateia, vocês viram uma diferença entre movimentar-se lentamente (iniciar, parar,

iniciar e parar) e movimentar-se em câmera lenta (fluência no movimento)?

(SPOLIN, 2008, p. 66)

Para relembrar os principais aspectos do primeiro e do segundo atos, o segundo

jogo desta oficina será o “Construindo uma estória: congelar.” A principal orientação será a

88

de que os jogadores deverão reconstruir com as suas palavras a história do livro, exercitando a

memória dos mesmos e a coerência das ações das personagens:

Jogo VI

CONSTRUINDO UMA ESTÓRIA: CONGELAR

Objetivo: Apurar a percepção ao ouvir ou contar uma estória.

Foco: Em continuar uma estória a partir do meio da palavra.

Descrição: Cinco a quinze jogadores jogam cada um por vez no círculo. O primeiro

jogador inicia a estória e, quando quiser, congela no meio da palavra. O próximo

jogador deve continuar a estória, finalizando a palavra não terminada pelo jogador

antecedente. O jogador não deve concluir a mesma palavra que o jogador

antecedente tinha em mente. O novo final deve combinar com o início da palavra

para formar uma nova palavra que dê continuidade à estória. Uma vez que o grupo

tenha se familiarizado com a variação acima, o próximo jogador pode ser apontado

fortuitamente, em vez de seguir a ordem do círculo.

Nota: Esse jogo pode ser realizado por dois jogadores com tranquilidade e

divertimento.

Não planeje com antecedência!

Busque uma estória, uma voz!

Compartilhe sua voz!

Os jogadores foram capazes de continuar a estória a partir do meio da palavra?

Quantas vezes o próximo jogador finalizou a palavra que o jogador que o antecedeu

tinha em mente?

Ou os jogadores criaram novas palavras a partir do início da palavra do jogador que

os antecedeu?

As palavras completadas deram continuidade à estória?

Em seguida, as equipes deverão realizar a leitura do terceiro ato. O foco desta

oficina é identificar marcas de estereótipos associados ao povo nordestino através do discurso

das personagens. Por isso, durante a leitura, o educador ou educadora poderá realizar

pequenas pausas para solicitar aos educandos e educandas que anotem ou observem alguma

parte do discurso de uma personagem para posteriores reflexões. Durante a leitura, na página

94, o professor deve orientar uma pausa para indagar a turma sobre como acham que ocorrerá

o desfecho da história. Deve-se promover um levantamento de hipóteses para, em seguida,

continuar a leitura em voz alta.

Concluída a leitura, o professor orienta o debate para a questão de buscar

elementos que simbolizam ou caracterizam bem o povo nordestino na obra em questão. Cada

esquipe deverá escrever na lousa o máximo de elementos sem que se repitam, uma equipe por

vez.

89

Jogo VII:

OUVINDO O AMBIENTE

Objetivo: desenvolver e apreciar o sentido da audição.

Foco: em ouvir o maior número de sons possível no ambiente imediato.

Descrição: O grupo todo permance sentado, silenciosamente, de olhos fechados, por

um minuto ou mais, ouvindo os sons do ambiente imediato. Os jogadores prestam

atenção nos diferentes sons que há no ambiente.

Notas: 1. Dê esse exercício como “tarefa de casa”, a ser feita por alguns minutos por

dia, enquanto caminha, em casa, com a família etc.

2. Lembre aos jogadores o quanto do mundo eles entendem por meio da audição e

sugira que procurem imaginar como é o mundo para aqueles que não conseguem

ouvir.

Ouça todos os sons à sua volta- até os mais imperceptíveis!

Preste atenção!

Ouça o maior número de sons possível!

Quais sons você ouviu?

(Peça para os jogadores identificarem tantos sons quanto possível).

Quantos ouviram aquele som?

Quais sons ainda não foram mencionados?

(SPOLIN, 2008, p. 108)

A avaliação do momento poderá ser feita através da participação, disposição

corpórea e compreensão dos principais aspectos do enredo da obra.

A oficina IV, intitulada “Outras possibilidades de interpretação no corpo do

leitor”, tem como objetivo geral investigar outras formas de interpretar as ações das

personagens por eixos temáticos. Enquanto os objetivos específicos são explorar a temática da

presença feminina na obra e identificar nas rubricas, aspectos fundamentais para a encenação

da obra ou de partes desta.

Partindo das reflexões de Rildo Cosson sobre a etapa de interpretação, podemos

destacar que nesta as atividades devem ter como princípio a externalização da leitura, isto é,

seu registro (p. 66). Ao falar em registro, tem-se a ideia de algo apenas por escrito, mas não

necessariamente, o leitor pode interpretar o texto a partir das urgências e especificidades que

ele nos propõe. O texto de Ariano Suassuna, por exemplo, criado para a encenação teatral,

coloca o leitor cara a cara com a necessidade de expor cenicamente alguns de seus elementos.

Ler o texto através da própria ação possibilita se aproximar das práticas vivenciadas em

90

grupos de teatro, colocando o leitor da sala de aula em um novo tipo de contato com o texto e

com todos os elementos que o compõem, percebendo-o como criador/ator protagonista dos

significados do texto.

Para iniciar esta oficina, o professor irá propor um jogo de aquecimento

tradicional denominado Nó, podendo associar o jogo à leitura e interpretação textuais,

afirmando que inicialmente essas tarefas podem parecer complexas, mas com a colaboração

de todos, cada um com suas experiências individuais e coletivas podem contribuir para a

descoberta de possíveis sentidos para o texto.

Jogo VIII

Descrição: Os jogadores formam um círculo com as mãos dadas. O professor, de

mãos dadas com os jogadores à sua esquerda e à sua direita, atravessa o círculo,

passando por baixo das mãos dadas de dois jogadores que estão do lado oposto do

círculo. Mudando a direção, girando em volta de si mesmo em forma de serpentina,

aponta da linha atravessa outros pontos do círculo, amarrando o grupo como um nó,

incapacitando-o de se mover. Em seguida, o grupo começa a se desenrolar a partir

desta posição, liderada pelo professor, até que todos os jogadores estejam

desvencilhados e o círculo volte à posição inicial. Não vale soltar as mãos durante o

processo do jogo.

Notas: 1. Quanto mais o professor der voltas no círculo, tanto mais apertado ficará o

nó.

2. Este é um dos raros jogos de playground silencioso que pode ser executado em

ambiente fechado. (SPOLIN, 2008, p. 62)

Ao final do jogo, deve-se conversar sobre as dificuldades de desatar um nó

coletivamente. Pode-se também orientar o diálogo para reflexões em torno das interpretações

possíveis para o texto. Ao discutir sobre isso, os estudantes poderão compreender que todos

podem dar contribuições sobre os sentidos do texto. Em seguida, a turma participa do jogo

“Siga o seguidor”:

Jogo VIII:

Objetivo: Dar aos jogadores um sentido de si mesmos e de sua ligação com os outros

por meio do ato de refletir.

Foco: Em seguir o seguidor.

Descrição: Duplas, com uma plateia. Um jogador é o espelho, o outro o gerador dos

movimentos. O diretor inicia o jogo de espelho normal e então diz: “Mudança!” para

que os jogadores invertam as posições. Essa ordem é dada a intervalos. Quando os

jogadores estiverem iniciando e refletindo com movimentos corporais amplos, o

diretor dá a instrução “Os dois espalham! Os dois iniciam!” Os jogadores, então,

espelham um ao outro sem iniciar. Isso é capcioso – os jogadores não devem iniciar,

mas devem seguir o iniciador. Ambos são, ao mesmo tempo, o iniciador e p espelho

(ou seguidor). Os jogadores espelham a si mesmos, sendo espelhados.

91

Notas: 1. Peça para os jogadores espelharem e iniciarem apenas quando estiverem

fazendo movimentos corporais amplos.

2. Esse exercício pode confundir de início, mas permaneça jogando. Quando o

jogador espelha o outro, haverá naturalmente variações corporais. Assim, os

jogadores espelham a si mesmos sendo espelhados.

Espelhe!

Saiba quando inicia!

Mudança!

Espelhe só o que você vê, não o que pensa que vê!

Mudança!

(O instrutor pode entrar na área de jogo para checar as iniciativas dos jogadores).

Saiba quando inicia!

Faça movimentos corporais amplos!

Amplie!

Siga o seguidor!

Espelhe apenas o que vê!

Não o que pensa estar vendo!

Espelhe!

Mantenham o espelho entre vocês!

Não inicie!

Siga o iniciador!

Siga o seguidor!

(Durante o jogo, para um jogador que se move):

Você iniciou este movimento?

Ou você espelhou o que viu?

Plateia, vocês concordam com o jogador? (SPOLIN, 2008, p. 122)

Após esse jogo, os participantes devem realizar caminhadas no espaço e, ao longo

destas, focar na criação de um caminhar para a personagem Caroba, pensando sobre o lugar

que ela ocupa na obra. Durante as caminhadas no espaço, o educador deverá indicar pausas,

nas quais cada um deverá seguir as seguintes inscrições: “nas primeiras duas pausas, digam

palavras que Caroba diria; caminhe experimentando Caroba no corpo de Margarida; caminhe

experimentando Caroba no corpo de Benona; caminhe com um corpo 30% Caroba, 20%

Benona e 50% Margarida”. Entre uma instrução e outra, dê um tempo de dois minutos para

92

que os estudantes possam se aproximar mais de suas interpretações das personagens a partir

da leitura.

Após esse momento, o professor deve iniciar o jogo Tocar e ser tocado.

Objetivo: Criar consciência sensorial.

Foco: Em tocar um objeto e deixar que o objeto toque o jogador.

Descrição: Os jogadores são instruídos a caminhar livremente pelo espaço e a tocar

uma sucessão de objetos; e quando o objeto é percebido, permitir que o objeto os

toque.

Notas: 1. Lembre-se de manter os jogadores em movimento e dê tempo entre as

instruções.

2. O professor deveria fazer esse exercício junto com os alunos enquanto passa a

instrução.

3. Permita que os jogadores toquem e sejam tocados, vejam e sejam vistos.

4. A frase de instrução “Tome distância de seu corpo!” ajuda os jogadores a permitir

desprendimento, encontrando assim maior envolvimento. Em alguns teatros do

século XX, este sentido de desprendimento é central para a boa atuação. Bertolt

Brecht denominou-o de “efeito de estranhamento”.

Permita que o espaço se mova através de você e você se mova através do espaço!

Tome distância de seu próprio corpo e veja o cenário à sua volta! Toque em algum

objeto no espaço - uma árvore, um copo, um tecido, uma cadeira!

(Variar os objetos).

Toque um parceiro de jogo e permita que seu parceiro toque você!

(Variar parceiros)

Veja um objeto! Quando o vir realmente, deixe que o objeto veja você!

(Variar os objetos).

Veja um parceiro de jogo! Permita que o parceiro veja você!

Foi difícil permitir ser tocado... ser visto?

Como se sentiu ao tocar e ser tocado?

Você poderia explicar a diferença para uma plateia?

O que diria? (SPOLIN, 2008, p. 70)

Após o jogo, a turma faz uma roda de conversa. Deverá ser realizado um debate

sobre as diferentes representações das mulheres na peça e quais as semelhanças e diferenças

entre elas, quais são as relações com a realidade. Os estudantes que participaram da vivência

podem falar sobre o que sentiram, quais foram as dificuldades encontradas durante a ação.

Posteriormente, os que ficaram na plateia poderão relatar o que perceberam nos colegas e se

fariam diferentes cada personagem. Nesse processo de comunicação e participação no debate,

será feita a avaliação. Por fim, a resolução do questionário II será realizada por todos.

93

5 LENDO O SANTO E A PORCA NA SALA DE AULA: ANÁLISE DOS

RESULTADOS

No quarto e último capítulo, relatamos e analisamos, à luz dos estudos sobre o

letramento, a experiência de leitura aplicada em uma turma de segundo ano da E.E.M.

Francisca Pinto dos Santos no município de Ocara-ce. Com a proposta elaborada e exposta no

capítulo anterior, buscamos identificar os aspectos positivos e negativos da experiência,

investigando como o contexto escolar contribuiu ou não para a leitura da obra O Santo e a

porca, de Ariano Suassuna. Além disso, torna-se essencial compreender como a leitura foi

percebida pelos participantes e quais foram suas percepções em torno do uso de jogos teatrais

na sala de aula. Por fim, avaliamos como os jogos teatrais aliados à leitura literária de textos

teatrais podem contribuir para a formação de leitores no ensino médio.

O trabalho de letramento com a turma em questão, em especial com o letramento

literário, não se detém apenas nesta experiência. Enquanto professora regente de língua

portuguesa da turma, pude exercitar, com os estudantes, práticas leitoras durante todo ano

letivo. Logo no início do ano, realizei um exame diagnóstico de leitura e escrita para avaliar,

mesmo que superficialmente, o nível dos estudantes. Os dados encontrados foram

preocupantes, pois poucos alunos já haviam lido um livro completo e a maioria achava a

leitura enfadonha e chata, sem conseguir estabelecer fortes conexões com a realidade. Como

no primeiro semestre letivo a escola trabalhava com a porção da realidade ‘violência’, utilizei

poemas e contos da escritora, romancista e poetiza brasileira Conceição Evaristo para a leitura

e discussão, sempre no início das aulas, como estratégia para abordar o universo das

violências através da sensibilidade dos escritos da autora.

Os textos utilizados foram retirados do livro Olhos D’água (2017), da escritora

Afro-brasileira Conceição Evaristo, são estes: “Maria”, “Quantos filhos Natalina teve?” e “

Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”, dentre outros. Estes contos envolveram bastante a

turma, pois falam da realidade de famílias em situação de vulnerabilidade social. Com o

avanço da criminalidade também no campo, os estudantes identificaram algumas situações

que já viram próximas ou em noticiários, afinal, a leitura acontece de forma diferente para

cada um, a partir de suas vivências, como reflete Rildo Cosson:

Ao longo da vida, as experiências de leitura de uma pessoa serão diferentes, dentre

outros fatores por que seu conhecimento de mundo terá mudado. Portanto, a releitura

de um texto metafórico ou simbólico ou irônico poderá suscitar diferentes

percepções e interpretações em momentos distintos (COSSON et al., 2010, p. 37).

94

Isso ocorreu durante a leitura dos textos referidos acima. Todavia, antes que se

desse o processo de interpretação dos textos, a turma questionou o porquê de apenas

conversarmos sobre o texto e não realizarmos atividade escrita e sobre as razões do meu

interesse em saber de suas interpretações acerca dos textos lidos, afirmando que não estavam

acostumados a isso, pois sempre faziam atividades escritas após a leitura. Após uma longa

conversa sobre a importância de refletirmos a respeito dos textos trabalhados, os participantes,

em sua maioria, perceberam que os contos e poemas lidos no início das aulas possuíam

relação direta com as nossas vidas e com a sociedade atual, afinal, como Cosson também

afirma:

A interpretação depende, assim, do que escreveu o autor, do que leu o leitor e das

convenções que regulam a leitura em uma determinada sociedade. Interpretar é

dialogar com o texto tendo como limite o contexto. Esse contexto é de mão dupla:

tanto é aquele dado pelo texto quanto o dado pelo leitor; um e outro precisam

convergir para que a leitura adquira sentido (COSSON, 2009, p. 41).

Por isso, para alunos não leitores de textos literários, torna-se fundamental

oferecer textos que trabalhem com assuntos mais próximos possíveis de seus contextos, não

para ficar apenas nestes, mas para abrir caminhos para a leitura de outros gêneros e tipos

textuais literários ou não. Sobre a seleção de textos, Rildo Cosson:

Se tivermos dúvidas quanto ao texto que queremos ler, podemos consultar resenhas

dos jornais e das revistas, ouvir os amigos [...], checar a propaganda sobre os

lançamentos e consultar as listas de mais vendidos. Essas são algumas das maneiras

pelas quais a literatura é selecionada tendo como ponto de orientação o leitor. É a

chamada livre escolha, que, como se pode observar, nunca é inteiramente livre, mas

conduzida por uma série de fatores (COSSON, 2009, p. 31).

Na sala de aula, os educadores devem se basear nos conhecimentos prévios da

turma, por isso é importante conhecê-los. Quando apontamos o ato de conhecer o contexto das

turmas como fundamental, não se trata apenas de que isto pode contribuir para uma melhor

relação com estes, mas para orientar as escolhas metodológicas que faremos, afinal, sabemos

que:

A atividade de leitura desenvolvida na escola deve ter objetivos claros em cada

etapa: não é possível, ao leitor iniciante, perceber de uma só vez todas as sutilezas de

um texto — ambiguidades, ironia, lirismo, estratégias de persuasão, referências de

sua estrutura, da linguagem utilizada ou construída, relações entre o texto e as

imagens que compõem seu projeto gráfico, etc. (COSSON, 2010, p. 37-38).

95

Durante o primeiro bimestre letivo, estudávamos sobre o Romantismo. Em

determinado momento, mais especificamente sobre a terceira geração, com a leitura de

poemas de Castro Alves, durante uma discussão sobre o poema “Navio Negreiro”, um dos

educandos falou sobre o Museu existente em Redenção, que também retrata a vida do povo

negro. A partir desta informação, houve um alvoroço na turma, despertando uma maior

atenção ao tema. Para finalizar o bimestre, realizamos uma visita ao Museu Negro Liberto, na

cidade de Redenção, através da qual a turma pode identificar no ambiente os elementos dos

poemas lidos em sala. Quando a leitura ultrapassa as folhas do livro e pode ser vista em

objetos e espaços, ela ganha novas dimensões e passa a fazer um maior sentido. Neste caso da

visita, a cada objeto ou espaço visto e reconhecido, os estudantes lembravam-se de algum

trecho dos poemas lidos.

Outra experiência de leitura realizada na turma foi uma Gincana sobre o romance

Iracema, de José de Alencar. Esta conseguiu obter a participação de todos da turma, pois

conteve três etapas, nas quais eram lançados desafios aos estudantes, que estavam divididos

em equipes. O livro foi enviado em formato PDF para um grupo da turma em um aplicativo

de celular, facilitando, assim, a leitura em sala. Percebendo que os estudantes eram parados e

demonstravam cansaço durante as aulas, a primeira etapa tinha como objetivo encontrar o

maior número de figuras relacionadas à obra, que estavam espalhadas e escondidas em vários

lugares da escola. Com isso, eles movimentaram-se e ativaram diversas estratégias, como a

divisão da equipe por espaços da escola.

A segunda etapa tinha como objetivo encontrar os mensageiros, que poderiam ser

qualquer pessoa da escola (estudantes e funcionários). Cada um tinha uma mensagem retirada

do livro para ser entregue, mas só diriam se os abordassem dizendo “Iracema, Iracema!”. Essa

dinâmica proporcionou uma interação maior da turma com outras pessoas da escola, inclusive

de muitos alunos que, até então, eram bastante tímidos, ficando empolgados com a leitura da

obra. A terceira etapa foi sobre a pesquisa do maior número possível de palavras de origem

indígena presentes no livro, trabalhando a língua e questões ligadas à identidade.

Outra experiência de leitura é uma prática que, aos poucos, foi se tornando

comum. A cada bimestre, uma visita à biblioteca da escola, dividindo-se em dois momentos:

primeiro é livre, todos ficam à vontade para caminhar, observar as prateleiras e folhear

quaisquer livros, podendo ler apenas uma página, trocar com os colegas, receber minhas

indicações, etc. Após a primeira aula, o equivalente a 50 minutos de leitura ou de contato com

os livros, cada um é orientado a ler um trecho do livro que escolheu. Sem questionários ou

96

exigências para um trabalho, a avaliação é a leitura, a participação. Percebi que, no primeiro

momento, muitos recorriam a mim para pedir orientação, nossos educandos e educandas não

sabem o que ler ou o que pode ser interessante para a idade deles no ambiente de uma

biblioteca escolar, uma turma de cinco estudantes apaixonados por futebol não sabia da

existência de livros sobre o tema ou ainda das enciclopédias com o perfil de grandes

jogadores, por exemplo. A timidez de muitos, no momento da leitura, foi aos poucos

melhorando quando percebiam a aceitação da turma e a minha enquanto professora.

Geralmente, eu começava a leitura do trecho que havia escolhido.

Acredito que, durante um ano letivo, os educadores podem realizar testes, criando

suas próprias propostas e transformando-as em experiências, para aplicar aos poucos em suas

turmas. Por isso, é necessário ver a sala de aula como espaço de criação de novas práticas e

não apenas de reprodução, é nela que o professor/pesquisador poderá montar seu laboratório

de pesquisa, inovando sua prática docente.

5.1 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO I

O questionário I que foi aplicado antes do início da primeira oficina de leitura,

após a explicação da pesquisa, teve como objetivo principal desvendar quais são as ideias

gerais que os estudantes têm sobre leitura e qual é o contato destes com textos literários A

primeira pergunta revelou que os estudantes acreditam que saber ler se relaciona à expansão

do conhecimento que temos e todos afirmaram que a leitura é positiva para a sociedade. De

uma forma ou de outra, todos acreditam que ela é um fator muito importante para a vida em

sociedade. Desde conseguir um trabalho a facilitar coisas simples do dia a dia, como ler uma

placa importante em algum lugar.

Alguns relataram que ler é entender melhor as coisas do mundo, outros, porém,

não esqueceram o lado lúdico e ficcional da leitura, como a imaginação e o mergulho em

histórias diferentes. As respostas, ora mais abrangentes, ora referentes a algo menor ou mais

específico, deixaram clara a consciência da turma sobre a importância da leitura. Alguns ainda

afirmaram que a leitura tem a ver com conhecer coisas novas, conseguindo ainda estabelecer

relações com os diferentes tipos de leitura. A educanda ‘A’ disse que “Saber ler significa que

eu aprendo o que os meus professores queriam, ler palavras, conhecer livros e também ler não

é só ler livros, é também interpretar desenhos e isso é muito interessante, você saber o que

significa aquela imagem”. Diferentemente do que muitos professores relatam, de que os

97

estudantes não possuem consciência da necessidade da leitura, estes conseguem visualizá-la

de forma complexa e não seria esta a maior dificuldade em seus processos de letramento.

Na segunda pergunta, o estudante era convidado a explicar seu contato com a

leitura. O educando B disse que seu contato é “Quando a professora leva a gente para a

biblioteca”, ou seja, um singelo momento faz a diferença no processo de leitura e a escola

pode ser o único espaço propício para a leitura literária de muitos. Dos 22 participantes que

responderam ao questionário, apenas três relataram que praticam a leitura literária em casa e

na escola constantemente. Dois deles afirmaram que é muito difícil e que não gostam e o

restante respondeu que o único contato com a leitura de textos literários ocorre na escola.

A terceira e a quarta questões eram objetivas, 12 afirmaram nunca terem lido um

texto teatral, sendo que 6 disseram já terem assistido a uma peça e os outros 6 afirmaram

nunca terem assistido. Enquanto isso 10 disseram já terem lido, sendo que 5 já assistiram a

uma peça de teatro e os outros 5 nunca assistiram. Percebe-se que há um equilíbrio entre os

números encontrados, demonstrando que aos poucos o contato com o texto teatral e com o

Teatro está se aproximando do campo, inclusive através da própria escola, afinal, durante a

aplicação, muitos estudantes perguntaram se a peça apresentada na noite cultural da semana

anterior contava como peça de teatro que a pergunta falava, então para muitos, a escola já está

proporcionando novas experiências.

Buscando investigar as vivências de leitura anteriores ao Ensino Médio, a

pergunta cinco nos trouxe relatos de momentos que, para eles, foram marcantes, tais como: a

reunião de todos no cantinho da leitura para contar histórias; rodas de leitura e conversas;

leitura de textos através de brincadeiras; leitura expressiva da professora com o poema “A

bailarina”; aulas divertidas na biblioteca; saraus de leitura; leitura em voz alta. Importante

observar que todas estas práticas de leitura recordadas como positivas pelos estudantes estão

relacionadas com a relação que o professor estabelece com o corpo na sala de aula, uma

leitura dinâmica envolve este elemento como centro de sua compreensão. Muitas vezes, o

ensino médio representa uma drástica quebra, onde o lúdico é completamente esquecido e

associado apenas as crianças ou ao ensino fundamental. Os estudantes chegam ao primeiro

ano do ensino médio e muitas vezes encontram uma forma rígida de ler os textos, inclusive os

literários, causando, por vezes, o distanciamento daqueles que gostavam dos momentos de

leitura do fundamental. Exigir um comportamento adequado ao adolescente é algo necessário,

mas esta não deve ser vista como uma tentativa de atrofiar sua capacidade de criação e

imaginação através de interpretações moldadas por respostas únicas de professores ou de

98

livros didáticos. Esta questão, todavia, não gerou relatos apenas positivos, entre as

experiências importantes, pois dois estudantes destacaram que não tinham momentos

marcantes porque os professores não trabalhavam literatura. A aluna ‘A’ disse que “Não tinha

nenhum contato, pois a professora só passava atividade sobre sujeito, adjetivo, etc”,

denotando que a prática tradicional com ênfase apenas na gramática normativa da Língua

Portuguesa não dava espaço para bons momentos com a leitura.

A pergunta seis, no momento da aplicação, foi a que gerou mais dúvidas. Não

somos educados para falar sobre o corpo ou para dar atenção a ele nem em casa, muito menos

ainda na escola, talvez por isso as dúvidas. Das vinte e duas pessoas, doze afirmaram que se

sentem bem em relação aos seus corpos na sala de aula. No entanto, as dez outras

demonstraram algum tipo de desconforto, a maioria relacionado ao cansaço por ter que passar

muito tempo sentada e na mesma posição. A educanda ‘C’ demonstrou vontade em participar

mais ao falar que “me sito semi-ativa, não da forma que eu queria, queria ser mais presente

em leituras em sala, apresentações entre outros, mas acaba sendo mais fácil não falar”.

Compreendo que esta fala demonstra interesse ela leitura, contrapondo-se ao comportamento

desmotivado de muitos. Nós, educadoras e educadores, temos a tendência de, por vários

motivos, não perceber esses interesses e acabar não motivando o suficiente. A fala da

estudante demonstra que a mesma quer ser sujeito de sua escola, participando ativamente.

Outra resposta do Aluno ‘D’ afirma: “me sinto cansado em relação ao físico, pois sinto que

meu corpo ultimamente anda muito cheio de dores e minha mente anda muito bagunçada,

cheia de perguntas sem respostas”. Depreendemos desta fala que ele soube perceber seu corpo

além do aspecto físico, relacionando-o com a mente. Essa percepção é extremamente

importante para a compreensão do próprio eu, do controle de suas emoções e de seus

relacionamentos.

Para finalizar o primeiro questionário, 18 estudantes afirmaram que o Teatro

possui relação com a sala de aula, enquanto quatro disseram que não possui. Podemos

associar a resposta com as experiências de leituras vivenciadas ao longo do ano letivo na

escola. As leituras sempre traziam aspectos teatrais, principalmente naquelas em voz alta,

onde costumava-se exercitar as formas de ler os textos. Trabalhamos com a leitura de poesia,

enfatizando a métrica, as rimas, a sonoridade das palavras e os significados que elas trazem

para o texto, percebendo assim que uma leitura adequada pode contribuir para a melhor

compreensão dos textos literários.

99

Ao longo desse trabalho, também percebemos que, aos poucos, os estudantes

foram se soltando e explorando formas diferentes de ler, com outras intensidades, outras

expressões sonoras, enfim, a experiência com a poesia contribuiu para a sensibilização do

leitor com o ato de ler, retirando um pouco das amarras tradicionais que durante muito tempo

foram colocadas sobre o processo de leitura literária, desconstruindo um tipo de leitura

robótica, automática, na qual o estudante não pode expressar suas emoções.

5.2 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DAS OFICINAS

Como já fora citado no capítulo anterior, as oficinas foram aplicadas nas aulas de

Língua Portuguesa da turma na qual atuei como educadora da referida disciplina no ano de

2018. A primeira oficina, com nome Motivações para a leitura, partiu da ideia de introduzir o

tema da avareza para, através dele, motivar a leitura da obra O santo e a Porca, de Ariano

Suassuna. No primeiro momento, foi explicado a proposta de forma breve, com o objetivo de

ser a aplicação o mais natural possível e logo foi aplicado o primeiro questionário. Em

seguida, iniciou-se a oficina propriamente dita com o Jogo I – Sentindo o EU com o EU.

Neste momento, toda a turma participou. Nos cinco primeiros minutos, houve uma

dificuldade em ficar concentrado, o que é absolutamente normal após o horário de intervalo

no qual estávamos. No entanto, ao longo das orientações, um profundo silêncio pairou sobre a

turma e, a cada instrução, os estudantes movimentavam a parte do corpo citada lentamente.

Observou-se que, para eles, era preciso o movimento para sentir cada parte, passada a terceira

orientação, todos estavam com os olhos fechados, como uma forma de expressar a timidez

diante de algo novo. A maior dificuldade percebida neste primeiro jogo foi a de permanecer

com os olhos abertos, o medo da avaliação do outro foi percebido em todos.

No segundo jogo Caminhada no espaço 1, afastamos as cadeiras para o fundo da

sala. Apenas dez estudantes se prontificaram a participar, o restante ficou na plateia. Enquanto

caminhava com os dez, os outros pareciam assustados com a ideia de estar na frente de um

público. Os que caminhavam demonstraram interesse em fazer algo novo, no entanto, ao

longo das instruções, foram surgindo as dificuldades e dúvidas, tudo parecia muito abstrato. O

estudante ‘D’ disse “Como vou fazer isso?” e, em seguida, todos olhavam para mim. Era um

exemplo a ser seguido, porém isso não os limitava, os movimentos por mim realizados era

apenas o pontapé inicial para os movimentos que eles poderiam realizar.

100

Durante o jogo, eles investigaram o ambiente da sala de aula completo, incluindo

tocar nos que estavam na plateia. Os 10 minutos programados se transformaram em 25

minutos e, logo após, todos sentaram e conversamos sobre o momento e o que sentiram. Neste

processo, o momento de falar sobre o que foi vivido é muito importante. Nas falas, ainda um

pouco impactados com a vivência, fica nítida a vontade de continuar e de entenderem o que

foi vivido. A estudante ‘E’ disse que “Foi estranho, diferente, tive vergonha, mas quando vi

que a tia tava fazendo, passou!”, enquanto a educanda ‘F’ disse que “Não sei explicar, vi a

sala diferente, não tinha tocado nas paredes antes!”. A conversa durou cerca de 15 minutos.

Em seguida, realizei uma breve introdução sobre o mundo capitalista e as

estratégias de sobrevivência, sem slides, oralmente. Assim, acabamos nos detendo bastante

nos jogos e, infelizmente, não houve tempo para a aplicação da segunda parte da oficina na

primeira aula. Percebi que, na proposta elaborada, havia muita coisa para realizar na primeira

oficina, por isso, selecionei os jogos e em seguida introduzi o tema da avareza através do

debate sobre o mundo capitalista e sobre os pecados capitais. Para finalizar esse momento,

com as palavras já escondidas antes da aula na sala, orientei que eles deveriam encontrar

quatro palavras escondidas que se relacionam com um dos sete pecados capitais. O jogo durou

uns 10 minutos, encontraram as palavras pão-duro, mão-de-vaca, unha-de-fome e muquirana,

chegando, assim, ao tema da obra a ser lida, a avareza.

Na segunda aula, continuamos com foco no autor, realizando o que Rildo Cosson

chama de introdução. Apresentei dois trechos do filme O auto da compadecida, baseado na

obra de Ariano Suassuna, para que os estudantes chegassem ao nome do autor. Para minha

surpresa, todos conheciam o filme, mas ninguém sabia que era baseado em um livro, muito

menos em uma peça teatral ou quem era o escritor da história. Expliquei aspectos centrais da

vida de Ariano Suassuna, enfatizando a sua influência da Literatura de Cordel, pois a turma

tinha acabado de estudar esse assunto. Em seguida, começamos com o Jogo III - personagem/

relacionamento, dando início à oficina II, intitulada A leitura no corpo do leitor. Durante o

jogo, chegamos à mesma conclusão que Spolin propõe, em suas palavras:

‘Por meio da discussão, os alunos irão concordar que as pessoas nos mostram quem

elas são por aquilo que dizem sobre si mesmas, mas por meio de suas atitudes.

Quando chegarem a este ponto, traga o fato de que atores, para comunicar sua

identidade à plateia, precisam mostrar Quem através do relacionamento com seus

parceiros de jogo. ‘Mostre, não conte!’ (SPOLIN, 2008, p. 71)

101

A partir disso, expliquei que essa é uma característica do texto teatral, ele não fala

sobre as personagens, ele expõe suas ações e são estas que descrevem suas características.

Logo após, dividi a turma em grupos e distribuí os livros para iniciarmos a leitura da peça O

Santo e Porca. A equipe 1 iniciou a leitura, cada integrante era um personagem e, logo no

início, dois estudantes deixaram claro a importância da entonação, eles próprios chamando

atenção uns dos outros. A forma de ler o texto também foi um elemento trabalhado desde o

início do ano letivo, fazendo-os perceber que ler uma poesia nos exige uma postura totalmente

diferente da de ler uma notícia. Ficou perceptível o preconceito de dois meninos em não

querer ler a fala de uma personagem mulher, Caroba, porém, após insistência dos próprios

colegas, ele leu, e, mesmo ao longo da leitura trocando de equipe, o mesmo não quis deixar a

personagem. Assim, realizamos a leitura do primeiro e segundo atos, finalizando a aula do

dia.

Figura 1 - Estudantes lendo o primeiro e segundo ato.

Fonte: Elaborado pela autora

Importante ressaltar que frases marcantes de alguns personagens ficaram na

memória dos estudantes. Nos corredores, um ou dois dias após a leitura, eles me encontravam

e diziam “Ai, meu Santo Antonio, ai, minha porquinha!”, revelando a interação que eles

102

tiveram com a peça e como a leitura os tocou fortemente, dialogando com o que Perissé

(2006) nos diz sobre a literatura:

A leitura não é uma atividade mecânica, de mero reconhecimento de sinais. Educar-

se na leitura é aprender a interpretar símbolos, analisar personalidades, captar

sentidos, criar mundo tendo como ponto de partida os mundos criados pela palavra

literária. (p. 130)

Os estudantes mais participativos acabaram se identificando com a personagem

Eurico, tanto pela forma “aperriada” de se expressar, quanto pelas confusões nas quais ele se

envolveu, sendo estas relacionadas à linguagem, confundindo assuntos e ficando atrapalhado

diante da família.

Na aula seguinte, apliquei a oficina III, denominada interpretar é ler o texto no

corpo. Ocorreu um fato inédito para a turma, todos chegaram à sala no horário correto,

ansiosos pela continuação da história. Iniciamos, porém, com a continuação da oficina II, que

não deu tempo de ser aplicada completamente. Em razão disso, começamos com o Jogo IV -

caminhada no espaço n.2. Logo no início, os estudantes afirmaram que o espaço da sala era

pequeno para caminhar e sugeriram irmos para a quadra esportiva, que no momento estava

disponível. De pronto, concordei com a proposta, porém, de 28 pessoas presentes no encontro,

apenas 12 quiseram participar deste jogo. Apesar de ocorrer dispersão neste local, a turma tem

razão ao afirmar que a sala de aula acaba sendo um espaço pequeno para explorar, afinal ela

possui muitas mesas e cadeiras.

A identificação com as personagens ocorreu de forma lúdica ao longo das

instruções. As que foram mais aclamados e mais bem representados foram Caroba, Eurico e

Dodó. Para representar Caroba, as estudantes usaram formas corporais que se aproximavam

de uma figura empoderada. Nas pausas, ficavam sempre em posição de mulher maravilha,

com o braço para cima em posição de luta, ou ainda com o nariz empinado, insinuando algum

respeito, enquanto os estudantes representavam Caroba sempre rindo, como a debochar dos

outros pela sua esperteza. Para as meninas, dar corpo à personagem foi a oportunidade de

enfrentar frente a frente a postura machista dos colegas de sala, assumindo-se como

protagonistas de uma história, capazes de conseguir o que querem, de enganar para favorecer

a todos. Para elas, o corpo de Caroba vinha de maneira mais espontânea, como a abraçar seu

próprio desejo de atuar e de ser capaz de promover mudanças em sua realidade, enquanto para

os meninos esse corpo demonstrava um incômodo, não por ser uma mulher, mas por ser uma

mulher empoderada, por isso, as meninas riam da forma como eles a representavam.

103

Durante a caminhada, quando representavam Eurico, inevitavelmente surgiram as

expressões frequentemente ditas por ele, gerando riso e alterações no corpo, deixando-os mais

soltos e menos automáticos. Os movimentos tornavam-se espontâneos, como nos diz Viola

Spolin:

A intuição é sempre tida como sendo uma dotação ou uma força mística possuída

pelos privilegiados somente. No entanto, todos nós tivemos momentos em que a

resposta certa “simplesmente surgiu do nada” ou “fizemos a coisa certa sem pensar”.

Às vezes em momentos como este, precipitamos por uma crise, perigo ou choque, a

pessoa “normal” transcende os limites daquilo que é familiar, corajosamente entra na

área do desconhecido e libera por alguns minutos o gênio que tem dentro de si.

“Quando a resposta a uma experiência se realiza no nível do intuitivo, quando a

pessoa trabalha além de um plano intelectual constrito, ela está realmente aberta para

aprender (SPOLIN, 2010, p.34).

Por isso, denomino esse momento como o auge do trabalho com o corpo nas

oficinas, onde a espontaneidade alcançada demonstrou um autoconhecimento corporal que,

até então, a turma não havia desenvolvido. Como explica Viola Spolin “...Os jogos teatrais

vão além do aprendizado teatral de habilidades e atitudes, sendo úteis em todos os aspectos da

aprendizagem e da vida”. (SPOLIN, 2012, p.27).

Figura 2 - Estudantes jogando e representando as personagens.

Fonte: Elaborado pela autora

104

Obviamente, esse momento só foi possível após as outras vivências, sendo

resultado de um processo de consciência corporal e, para esta, o texto teatral de Ariano

Suassuna teve grande contribuição. Sobre os feitos de uma boa leitura, ressalta Perissé (2006):

A literatura nos ajuda a realizar essas descobertas descortinadoras. Descobertas

feitas em diálogo com autores que jamais conheceremos fisicamente (mas que

conheceremos pelo ato da leitura), [...] que devemos marcar com o rosto sério, voz

pausada e grave, com quem se sente capaz de definir o destino do universo com o

poder da mente. Descobertas são descobertas, no sentido mais simples da palavra:

ver o que se antes não se via, e admirar-se! (p. 71)

Se a literatura possui esse poder, aliada aos jogos teatrais, ela demonstrou ter

ainda mais força, possibilitando a ampliação dos sentidos da leitura na escola. Outra

personagem que se destacou pela leitura que os estudantes fizeram de sua postura foi Dodó, o

qual usava sempre um disfarce que o deixava bastante engraçado e estranho. Os meninos, em

especial, adoraram imitá-lo e compará-lo a pessoas conhecidas de suas comunidades. O

exagero nos gestos, na corcunda, na péssima aparência, gerou muitos risos e até os que

estavam mais distantes se aproximaram para assistir à encenação. Aos poucos, alguns foram

se sentindo à vontade para fazer interferências no corpo do outro, sugerindo posições, gestos e

ações que eles poderiam fazer para representar melhor a personagem em questão. Durante

todo o jogo, o riso tomava conta da plateia, Chauí (1982, p.56), não discorda de Spinosa

quando afirma:

A alegria é o que sentimos quando percebemos o aumento de nossa realidade, isto é,

de nossa força interna e capacidade para agir. Aumento de pensamento e de ação, a

alegria é caminho da autonomia individual e política. A tristeza é o que sentimos ao

perceber a diminuição de nossa realidade, de nossa capacidade para agir, o aumento

de nossa impotência e a perda da autonomia. A tristeza é o caminho da servidão

individual e política, sendo suas formas mais costumeiras o ódio e o medo

recípocros. (CHAUÍ, 1982, p. 56)

Neste caso, o riso como fator de alegria expandiu os horizontes de leituras e da

realidade, proporcionando uma maior interação entre os participantes. A participação da

plateia, no início, deixou os jogadores um pouco constrangidos, mas com a minha

participação e a aceitação da plateia, foram se soltando. Durante a representação do caminhar

de Caroba, um aluno chegou a dizer “Não imaginei Caroba assim não!”, uma das meninas

respondeu “Eu que tô fazendo”. A primeira frase reflete que eles conseguiram criar imagens

das personagens, enquanto na segunda podemos identificar a força do jogo de dar autonomia

aos sujeitos e os fazerem construtores do texto, de uma nova interpretação e possiblidade

criativa.

105

Em outro momento, a plateia reclamava que alguns Euricões estavam muito

calmos, tranquilos, afirmando que a personagem não era assim. Como resposta, um estudante

disse “Olha! O da tia também é estranho!”, ou seja, ao observarem as minhas ações,

perceberam que não havia certo ou errado, cada um era responsável pela criação daquele

corpo.

Após alguns minutos de jogos, paramos e conversamos um pouco sobre as

dificuldades encontradas, como nos sentimos, e os relatos afirmaram ter sido legal e divertido,

mas que no começo foi muito difícil. Em seguida, voltamos para a sala de aula e continuamos

a leitura. Felizmente, concluímos a leitura ao fim da segunda aula, porém, faltou a quarta

oficina ser aplicada. Por isso, adiei, para a semana seguinte, a finalização da discussão e da

interpretação do livro.

[...] o professor, ao estimular o desenvolvimento dos modos de ler a obra literária,

além de contribuir para a aprendizagem da literatura, ampliando o acervo textual de

cada aluno, seus conhecimentos sobre a história da humanidade, os autores, os

estilos, contribui para o desenvolvimento pessoal, das subjetividades, do “ser no

mundo”, promovendo, ainda, o desenvolvimento de estratégias de leitura que podem

ser usadas em muitas e variadas situações de interpretação textual (2004, p. 94).

Na semana seguinte, começamos a oficina IV – Outras possibilidades de

interpretação no corpo do leitor, com o Jogo VIII - NÓ. No primeiro momento, apenas 10

estudantes participaram, no entanto, quando concluímos o jogo, pediram para fazermos

novamente e neste momento mais cinco resolveram participar.

Figura 3 - Estudantes jogando o jogo Nó na sala da aula.

Fonte: Elaborado pela autora

106

O objetivo de desfazer o nó dado gerou, da primeira vez, um alvoroço enorme,

mas, da segunda, houve muita concentração e conseguiram desfazer o nó com perfeição e sem

barulho. Acredito que esse foi o jogo que mais teve participação e concentração por parte de

todos, inclusive da plateia, que ficou angustiada pelas dificuldades encontradas durante a

execução do jogo.

Figura 4 - Turma jogando o jogo Nó na quadra escolar.

Fonte: Elaborado pela autora

Em seguida, já introduzimos o Jogo VIII - Siga o seguidor, onde apenas cinco

duplas participaram, divertindo todos os outros. Enquanto algumas duplas faziam movimentos

simples, outras exploravam o máximo possível do corpo e do espaço, dificultando a vida dos

seus parceiros.

Continuando a atividade das caminhadas no espaço, retornamos às representações

das personagens femininas através do corpo, buscando identificar as semelhanças e diferenças

entre elas. O momento mais significativo foi o debate, no qual a turma demonstrou

compreender a importância de Caroba, enquanto afirmavam que Margarida e Benona

acabavam ficando sem graça, porque eram medrosas apesar de suas participações no plano.

107

Devido ao grande tempo que levamos no jogo anterior, não tivemos condições de aplicar o

último jogo, chamado Tocar e ser tocado.

5.3 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO II

Este questionário teve como objetivo compreender de forma mais sistematizada

como os estudantes receberam as oficinas, tanto a parte da leitura do texto teatral escrito,

quanto os jogos, tentando identificar quais mudanças ocorreram no que se refere a sua relação

com seu próprio corpo e com os outros corpos. No dia da aplicação deste questionário, 18

pessoas responderam-no.

A primeira pergunta se refere a como os estudantes se sentiram ao participarem

das oficinas. Todos afirmaram se sentir bem com os exercícios, e a maioria justificou, dizendo

ter sido muito divertido. Entre estes, dois afirmaram que se sentiram “leves”.

A estudante ‘A’ escreveu que se sentiu “mais envolvida na história do texto.” Este

simples relato nos mostra que ela conseguiu compreender melhor o texto a partir dos jogos,

corroborando com a ideia de que estes podem contribuir para a formação de leitores e,

portanto, para o processo de letramento literário na escola.

A educanda ‘B’ disse: “me senti bem, foi muito bom desenvolver a leitura e

interagir com os colegas.” Esta afirmação confirma que a interação entre os leitores, antes,

durante e após a leitura, contribui muito mais para a compreensão de aspectos complexos da

obra e para o desenvolvimento das relações humanas e das competências socioemocionais.

O aluno ‘C’ afirmou: “achei muito divertido e interativo, algumas partes senti

dificuldade, mas no fim deu certo.” O sentimento de dificuldade do aluno, no início,

demonstra o quão ainda é novo o trabalho com o corpo na escola e, durante as primeiras

tentativas, pode-se sentir desconforto ou vergonha, mas, aos poucos e com as demonstrações e

ajuda do(a) professor(a), a turma fica mais solta, assim como ocorreu nesta experiência.

Por outro lado, o estudante ‘D’ disse que “mim senti bem pois as oficinas são

legais e são muito legais para diferenciar das aulas.” O uso dos jogos teatrais na sala de aula

poderá causar estranhamento entre os outros colegas professores, mas, certamente, o novo na

sala de aula traz movimento, como trouxe para esta turma. As conversas paralelas em sala

ganharam um foco, o livro.

108

A segunda pergunta trata especificamente do interesse que a obra gerou entre os

estudantes e o porquê deste interesse ou não. Apenas um estudante afirmou que não gostou da

peça, justificando que saiu da sala antes de acabar a leitura. Os demais afirmaram que

acharam interessante, destacando o caráter cômico da peça. Existem outras justificativas que

também merecem destaque, tais como: “porque a obra é muito divertida e nos faz imaginar a

cena na hora da leitura da obra”; “porque a obra é muito interessante, quanto mais ler, mais

curiosos ficamos para saber o final”; ”pois a história tem bastante diálogos entre as pessoas”;

“a forma que as personagens falam, passa humor a partir das personagens”; “porque não tinha

visto um livro com tantas aventuras”. Estas justificativas demonstram que a turma conseguiu

compreender a estrutura básica e/ou os principais elementos de um texto teatral, apontando

aspectos de extrema relevância, como os diálogos, que conseguem dar ao leitor suporte

suficiente para que este imagine as cenas e elabore com criatividade sua visão das

personagens. Conseguiram também ler características importantes da obra de Ariano

Suassuna no texto: a comicidade das falas que provocava o riso, a sequência de fatos que

constituem um ar misterioso na história, permitindo que os leitores se prendam à leitura e

mantenham a concentração para não perder detalhes importantes das armações.

Para a terceira pergunta, que se referia à opinião sobre o fato do teatro poder

tornar a sala de aula um ambiente mais acolhedor, todos afirmaram que sim, corroborando

com a maioria das repostas da questão seis do questionário I. Nesta perspectiva, o teatro

estabelece relação direta com a sala de aula e pode contribuir com a construção de relações

mais saudáveis entre os educandos e educadores. Quando falamos em teatro, referimo-nos à

complexidade do termo, não necessariamente a uma encenação ou à montagem de um

espetáculo, mas, sobretudo, ao teatro enquanto trabalho com o corpo, com experimentos

corporais e vivências.

Na quarta questão, ao responderem sobre a relação entre o teatro e a leitura, os

estudantes concordaram com a resposta da questão anterior e souberam identificar aspectos

dessa relação. Afirmaram que esta relação “melhora a nossa forma de entender”, “expressa a

leitura através do teatro dramatizando cenas”, “lemos a história, imaginamos a cena e

tentamos interpretar”, “eles se complementam, pois juntos ajuda a entendermos mais”,

“melhora a leitura”, “é que quando nós fazemos a leitura nós estamos interpretando o

personagem”, “é uma sensação de acolhimento pois da gosto ler e interpretar”, “podemos

atuar na história como personagens”, “é a intensidade como você ler as falas das

personagens”. Para estes estudantes, o teatro ou os jogos teatrais podem contribuir

109

positivamente para o ensino, na sala de aula e em várias disciplinas, não como um fim, mas

como um caminho, um meio para criar consciência corporal leitora.

A quinta questão, referente ao corpo, buscava incentivar a reflexão sobre este à

medida que a turma poderia também reconhecer na experiência vivida a função do corpo

como parte do próprio sujeito e de sua compreensão textual. As respostas foram variadas,

porém, diferentemente do primeiro questionário, não houve muitas dúvidas ou espantos com

essa questão, demonstrando que a turma, após a vivência, passou a ter uma maior consciência

sobre o corpo. Sobre as respostas, destacamos as seguintes: “interagir, não só ficar sentado,

mas participar”; “participar mais de oficinas de leitura”; “importante para entender os textos

através de dinâmicas”; “o nosso corpo tem muita participação na sala de aula porque a gente

mentaliza as coisas, aprende novas coisas e tem mais facilidade de compreensão”; “interagir

mais”; “para praticar exercícios”.

A partir destas respostas, podemos compreender que não adianta o professor

apenas falar sobre a importância do corpo ou como o seu entendimento passa pela

compreensão de quem nós somos em totalidade, é necessário proporcionar vivências

corpóreas para que os sujeitos, por si só, através das orientações, possam atingir o mínimo de

consciência possível. Além disso, o elemento corpo, quando passa a ser reconhecido como

componente integrador do processo de ensino, consegue se distanciar da sexualização que a

sociedade faz dele, o que o torna liberto para ser o que quiser.

5.4 AVALIAÇÃO FINAL DO PERCURSO DE LEITURA

A aplicação de uma proposta com elementos considerados novos gera,

inevitavelmente, comentários entre os educadores e educandos. Estes últimos, na referida

proposta, demonstraram interesse em atividades diferenciadas, alegando que a maioria das

aulas eram paradas, cansativas e demasiadamente teóricas. Em contrapartida, as turmas que

observavam a interação daquela turma específica com as etapas das oficinas realizadas

durante o ano letivo questionavam os outros educadores sobre a necessidade de terem aulas

semelhantes e o porquê deles também não seguirem aquela metodologia. Esse fenômeno nos

faz refletir sobre o ensino, muitas vezes, fracassado no ambiente escolar, maçante, numa

pedagogia tradicional, que não reconhece a complexidade dos seres humanos e a necessidade

da expressão artística para o aprendizado. Além disso, podemos perceber a força e impacto

110

que uma nova proposta de atividade possui. Para além da sala de aula, mexe com a escola

toda e, consequentemente, provoca mudanças.

Entre os pontos positivos encontrados no percurso desta aplicação, identificamos

também o contexto social no qual a referida instituição escolar está inserida, a importância

dada ao resgate histórico, a preservação e recriação cultural, as referências à luta e aos

movimentos sociais. Tudo isso contribuiu para que a proposta pudesse ser aceita pela

comunidade escolar. A porção da realidade Manifestações Culturais, desenvolvida como

estratégia pedagógica na escola do campo, promovia referências ao Movimento Armorial de

Ariano Suassuna no sentido de preservar uma identidade cultural do Nordeste.

A biblioteca escolar teve um importante papel nesta proposta, apesar de não ter

um funcionário específico para o ambiente no referido ano da pesquisa. Através de doações,

ela possui um ótimo acervo e, por isso, tem dez exemplares do livro O santo e a porca. Isso

facilitou a aplicação da proposta. Com os livros em mãos, as equipes conseguiram exercer

com expressividade a função de leitores. Afinal, para muitos, a obra de Ariano Suassuna foi o

primeiro livro lido por completo e, no processo de letramento literário, o contato com o livro

impresso é de extrema relevância. A materialidade das páginas oferece ao leitor maior

envolvimento físico com a obra e, consequentemente, com a leitura.

A avaliação que podemos fazer do uso dos jogos teatrais nesta experiência é que a

sua utilização implicou em outras formas de ler, principalmente através do corpo,

interpretando e percebendo a estrutura do texto em sua essência (os diálogos) e os

personagens em suas características individuais. Acreditamos, após essa experiência, que o

ato de ler por si só não é suficiente, podemos associar outras práticas a ele. Neste sentido, os

jogos contribuíram, como os próprios estudantes afirmaram, para um modo de ler

diferenciado, ou seja, com o corpo e na interação deste com outros. Outra vantagem de usar os

jogos é que não precisamos de muitos materiais, os sujeitos e um espaço favorável já

possibilita o trabalho. Aliados à leitura literária de textos teatrais, os jogos podem contribuir

para a formação de leitores no ensino médio de forma significativa.

Por outro lado, nem sempre as escolas estão abertas ao novo, nem sempre o

professor terá a liberdade de aplicar novas metodologias. Percebemos que, em escolas

públicas, existe uma maior flexibilidade neste sentido, propostas são mais aceitas e são estas

que podem promover mudanças nos educadores e nos educandos.

111

A primeira dificuldade encontrada foi na elaboração da proposta, adequá-la à

complexa realidade da E.E.M. Francisca Pinto dos Santos foi um desafio, pois, como escola

do campo, esta possui muitas atividades e está em constante mudança, sendo, portanto, difícil

introduzir algo a mais nas aulas que esteja de acordo com os componentes curriculares

específicos. Não é sempre que nossas pesquisas e experimentos estarão de acordo com as

necessidades escolares e individuais dos estudantes, cabe a nós adequá-las ou criar novas

estratégias.

Durante as oficinas, percebemos que se concentrar na leitura ainda é um desafio

para alguns, por isso a necessidade de pensar sobre ela. A leitura dos atos de O Santo e a

porca, em equipes, demonstrou que havia um grande desequilíbrio nos níveis de leitura dos

estudantes, enquanto alguns articulavam a leitura no nível de leitores proficientes,

compreendendo os significados do texto, o jogo de palavras que os levavam ao riso, outros

não conseguiam acompanhar a leitura por motivos de desconcentração, executando uma

leitura decodificada com extrema dificuldade.

O processo de leitura no ensino médio envolve diversos fatores sociais que

dialogam com essas duas grandes dificuldades encontradas. A primeira pode ser relacionada à

realidade de um ensino fundamental defasado, que não consegue formar leitores, muito menos

leitores literários. Pensando no contexto dos estudantes da turma na qual fora aplicada a

proposta, podemos compreender que o trabalho, que muitos realizavam pela manhã, tanto na

agricultura quanto em casas de família, implicava diretamente na aprendizagem dos mesmos.

Alguns chegavam cansados, demonstrando sono e obviamente isso prejudicava o seu

desempenho escolar.

A segunda grande dificuldade, que aos poucos foi ganhando destaque nas oficinas,

foi a relação dos estudantes com os seus corpos ou com os corpos dos seus colegas de classe.

Adolescentes, muitos gostavam de insinuar temas sobre sexo durante as aulas, sempre de

forma erotizada, demonstrando que o tema não é mais um tabu. A problemática envolve os

estereótipos e a erotização dos corpos desde muito cedo. A sociedade nega o direito dos

estudantes de conhecerem seus corpos e falar sobre eles por outros vieses, o da arte, da

sinestesia e da própria literatura. Por isso, o corpo torna-se um elemento banalizado, sem

reconhecermos a sua importância para o autoconhecimento, inclusive para a luta diante das

injustiças sociais. Sendo esta última um grande foco das escolas do campo, estas, portanto,

deveriam estar mais atentas a como o corpo é estudado e investigado na própria escola e no

movimento que a envolve, buscando aberturas ainda maiores que estas experiências

112

realizadas, num trabalho contínuo. Na prática, muitos possuem medo de mostrar-se em

posições diferentes, medo do julgamento dos colegas. A experiência, por ser considerada

diferente das aulas, despertou interesse da maioria da turma, tirando-os da zona de conforto

vivida no ambiente escolar, principalmente através do elemento da tensão pós- leitura e pré-

jogo teatral.

113

6 CONCLUSÃO

Ao final deste trabalho, constatamos que a formação de leitores ainda enfrenta

grandes desafios na escola. Muitas vezes, estes não dependem unicamente da mudança de

postura ou de metodologia do professor para serem superados, pois podem advir de fatores

sociais relacionados à família, ao trabalho, à alimentação, que refletem em nossos estudantes

no desânimo diante do ato de ler. Quando refletimos sobre o ensino médio, é ainda pior.

Geralmente, muitos educandos viveram momentos traumáticos relacionados à leitura no

ensino fundamental, como atividades em que esta era um castigo para comportamentos

inadequados. Neste caso, a tarefa do professor é ainda maior no sentido de ressignificar a

leitura no seu processo de escolarização.

Por outro lado, se as transformações das práticas docentes não conseguem por si

só promover a formação de leitores, em especial os literários, sem elas, tão pouco isto será

possível. Muito já se tem discutido sobre os problemas que envolvem a educação brasileira,

no entanto, ainda nos falta pensar um pouco mais sobre o paradigma da reflexão da prática

docente, criando novas possibilidades de ler. Apontar os problemas é fundamental, mas criar

possibilidades e novas estratégias é uma urgência para a sala de aula.

A pesquisa nos fez compreender que a elaboração de sequências didáticas

envolvendo a leitura do texto dramático exige muito mais estudo e planejamento dos

professores sobre a obra, o autor, o contexto histórico da unidade escolar e as especificidades

de cada turma. Considerando tudo o que foi discutido, reafirmamos que a proposta elaborada

e aplicada não possui um caráter imutável, como vimos na análise da aplicação do último

capítulo, assim, não pretendemos que esta seja igualmente aplicada em outras escolas e

turmas, mas que possa ser inspiração e fonte de pesquisa para outros educadores.

Constatamos ainda que a obra teatral de Ariano Suassuna possui um grande

potencial para o debate sobre as identidades do povo nordestino e para a valorização de nossas

manifestações culturais e populares, pois o projeto estético de Suassuna dialoga diretamente

com muitas dessas manifestações, além disso, ela pode contribuir para a afirmação de projetos

políticos como a Educação do Campo. Diante desta afirmação, destacamos que tanto a

proposta contribuiu para a realidade da escola, quanto o contexto pedagógico escolar também

contribuiu para que a sequência tivesse um sentido mais amplo para os estudantes.

114

A proposta de escola do campo, por sua estrutura curricular, permite uma

flexibilidade em seus conteúdos, adequando-os à realidade dos estudantes. Portanto,

argumenta-se muito sobre a necessidade de uma boa formação dos profissionais da educação

do campo. A porção da realidade adotada pela E.E.M. Francisca Pinto dos Santos,

‘manifestações culturais’, facilitou a aplicação de nossa proposta de pesquisa e esta pode

contribuir com esse debate, principalmente pela relação do autor com a literatura de cordel,

cantadores, violeiros, enfim, com a cultura popular.

Mesmo com adaptações, o uso das sequências básica e expandida de Rildo Cosson

demonstrou eficiência no planejamento, contribuindo para uma melhor organização da leitura

em sala de aula.

Outro aspecto relevante refere-se à relação da leitura com o corpo, um dos

elementos basilares desta investigação. Por usarmos um texto teatral, a proposta nos levou a

trabalhar com os jogos teatrais e, durante as oficinas, eles demonstraram ser grandes aliados à

formação de leitores. A análise da aplicação mostrou que o uso dos jogos, além de ser

motivação para a leitura, contribuiu significativamente com a interpretação da obra e

principalmente para a reflexão sobre as personagens através do corpo do leitor. A experiência

corporal vivida revela que a leitura literária pode ser mais interativa e o leitor pode explorar os

sentidos do texto, desenvolvendo paralelamente o autoconhecimento e o conhecimento

literário. A leitura também é um ato corporal e na sala de aula não podemos mais ignorar esse

fenômeno.

Através da análise realizada no quarto capítulo, concluímos que a proposta

elaborada cumpriu seus objetivos relacionados à formação de leitores no ensino médio através

do texto teatral O Santo e a Porca (1957,) de Ariano Suassuna. A experiência vivida através

das oficinas foi significativa tanto para o incentivo à leitura, quanto para a inovação das

formas de ler e para a criação de uma consciência corporal nos estudantes.

115

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SARRAZAC, Jean-Pierre. A invenção da teatralidade. Trad. Silvia Fernandes da Silva Telesi.

Revista Sala Preta PPGAC. V.1, n. 13, 2013.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 6. ed.

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SILVA, Ivanda Martins. Literatura em sala de aula: da teoria à prática escolar. Recife:

EDUFPE, 2005.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica,

2001.

______. Alfabetização e letramento. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2008.

SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais para a sala de aula: um manual para o professor. Tradução:

Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2008.

SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais: o fichário de Viola Spolin; tradução de Ingrid Dormien

Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2012.

______. Jogos Teatrais na sala de aula: um manual para o professor. Tradução de Ingrid

Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 2012.

______. Improvisação para o teatro. São Paulo, Perspectiva, 2006.

SUASSUNA, Ariano. A Arte Armorial. In: Jornal da Semana. Recife, 20 de maio de 1975.

______. Farsa da boa preguiça. 10 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.

______. Iniciação à estética. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

______. O santo e a porca. São Paulo: Nova Fronteira, 2018.

______. O santo e a porca. 26. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.

______. Uma mulher vestida de sol. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013.

119

TAVARES, Braulio. ABC de Ariano Suassuna. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

TEIXEIRA, U. (2005) “Dicionário de Teatro”. São Luís, MA: Instituto Geia.

VERSIANI, Daniela B; YUNES, Eliana; CARVALHO, Gilda. Manual de reflexões sobre

boas práticas de leitura. São Paulo: EDUNESP, 2012.

VILAÇA, Marcos Vinicios Rodrigues. Caderno de literatura brasileira. São Paulo:

Instituto Moreira Salles, 2000.

120

ANEXOS

ANEXO A

121

122

123

124

125

126

127

128

129

130

131

132

ANEXO B

133

134

135

136

137

138

139

140

141

142

143

APÊNDICES

APÊNDICE A

144

Questionário I

01. Para você, o que significa saber ler?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

02. Qual é o seu contato com a leitura de textos literários?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

03. Você já leu algum texto teatral?

( ) Sim ( ) Não

04. Você já assistiu uma peça de teatro?

( ) Sim ( ) Não

05. Qual é a lembrança mais marcante das atividades relacionadas à leitura no seu ensino

fundamental?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

06. Como você se sente em relação ao seu corpo na sala de aula?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

07. Você acredita que o teatro tem alguma relação com a sala de aula?

( ) Sim ( ) Não

APÊNDICE B

145

Questionário II

01. Como você se sentiu ao participar das quatro oficinas?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

02. Achou a obra O Santo e a porca, de Ariano Suassuna, interessante?

( ) Sim ( ) Não

03. Você acredita que o teatro pode tornar a sala de aula um ambiente mais acolhedor?

( ) Sim ( ) Não

04. Qual é a relação do teatro com a leitura?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

05. Qual é a função do seu corpo na sala de aula?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

06. Essa experiência foi significativa para você? Porquê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

146

APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “O texto teatral de Ariano Suassuna

para a formação de leitores no Ensino Médio: o corpo do texto no corpo do leitor”. O objetivo

geral deste estudo consiste em investigar as contribuições dos jogos teatrais para a leitura de

O santo e a porca de Ariano Suassuna na perspectiva da formação de leitores no Ensino

Médio.

Caso você autorize, você irá: 1) Responder dois questionários 2) Participar de oficinas de

leitura

A sua participação não é obrigatória e, a qualquer momento, poderá desistir da participação.

Tal recusa não trará prejuízos em sua relação com pesquisador ou com a instituição em que

estuda. Há riscos quanto a sua participação sendo esses (Cansaço ou desagrado ao responder

atividades de leitura e participar dos jogos teatrais práticos; constrangimento ao se expor

oralmente durante a realização dos círculos de leitura e ou a gravações de áudio e vídeo;

desconforto psicológico suscitado pela evocação de memórias pessoais e quebra involuntária

de sigilo.). Tudo foi planejado para minimizar os riscos da sua participação, porém se sentir

desconforto emocional, dificuldade ou desinteresse poderá interromper a participação e, se

houver interesse, conversar com o pesquisador.

Você não receberá remuneração pela participação. Em estudos parecidos com esse, os

participantes puderam vivenciar uma experiência significativa para sua formação estudantil e

a sua participação pode contribuir para o (Experiências de leitura através do desenvolvimento

de uma consciência corpôrea; vivências com algumas práticas da encenação teatral;

contribuição para a formação humana e para o letramento crítico; socialização de

experiências; aprendizado em cooperação; prazer estético;). As suas respostas não serão

divulgadas de forma a possibilitar a identificação. Além disso, você está recebendo uma cópia

deste termo onde consta o telefone do pesquisador principal, podendo tirar dúvidas agora ou a

qualquer momento.

______________________________________

Antonia Alice Queiroz Bezerra

147

(85)992081558

Educadora

O pesquisador me informou que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa em Seres Humanos da UECE que funciona na Av. Dr. Silas Munguba, 1700,

Campus do Itaperi, Fortaleza-CE, telefone (85)3101-9890, email [email protected]. Se necessário,

você poderá entrar em contato com esse Comitê o qual tem como objetivo assegurar a ética na

realização das pesquisas com seres humanos.