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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA (Mestrado) MARCOS CASTELLI Teoremas de ponto fixo Maringá-PR 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA(Mestrado)

MARCOS CASTELLI

Teoremas de ponto fixo

Maringá-PR

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA

TEOREMAS DE PONTO FIXO

MARCOS CASTELLI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Matemática do Departamento de

Matemática, Centro de Ciências Exatas da Univer-

sidade Estadual de Maringá, como requisito para

obtenção do título de Mestre em Matemática.

Área de concentração: Equações Diferencias.

Orientador: Prof. Dr. Gleb Germanovitch Doronin.

Maringá-PR

2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Biblioteca Setorial BSE-DMA-UEM, Maringá, PR, Brasil)

Castelli, Marcos

C348t Teoremas de ponto fixo / Marcos Castelli. --

Maringá, 2016.

72 f. : il. figs.

Orientador: Profº. Drº. Gleb Germanovitch

Doronin.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de

Maringá, Centro de Ciências Exatas, Programa de Pós-

Graduação em Matemática - Área de Concentração:

Equações Diferenciais, 2016.

1. Teoria do ponto fixo. 2. Teorema da contração.

3. Lagrangiana nula. 4. Função suavizante. 5.

Aplicação compacta. 6. Equações diferenciais

parabólicas. 7. Equações diferenciais elipticas. 8.

Fixed point theory. 9. Null lagrangians. 10.

Mollifiers function. 11. Compact mapping. I.

Doronin, Gleb Germanovitch, orient. II. Universidade

Estadual de Maringá. Centro de Ciências Exatas.

Programa de Pós-Graduação em Matemática - Área de

Concentração: Equações Diferenciais. III. Título.

CDD 22.ed. 515.7248

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TEOREMAS DE PONTO FIXO

MARCOS CASTELLI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Matemática do Departamentode Matemática, Centro de Ciências Exatas daUniversidade Estadual de Maringá, como re-quisito para obtenção do título de Mestre emMatemática.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Gleb Germanovitch DoroninUniversidade Estadual de Maringá

Prof. Dr. Marcos Roberto Teixeira PrimoUniversidade Estadual de Maringá

Profa. Dra. Luci Harue FatoriUniversidade Estadual de Londrina

Maringá, 08 de abril de 2016.

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Dedico este trabalho à minha família,

com especial carinho para minha vó,

Maria Dias de Barros (in memorian).

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Agradecimentos

Meus sinceros agradecimentos aos meus queridos pais, Venilda de Lourdes de Bar-

ros Castelli e Amarildo Castelli por tudo aquilo que me ensinaram, pelo amor, confi-

ança e incentivo que me deram. Aos meus irmãos, Fabio Castelli e Silvana Castelli pelo

companheirismo, afeto e apoio.

Gostaria de agradecer ao meu orientador, professor Gleb Germanovitch Doronin,

primeiramente por ter aceitado está empreitada corrida que foi este trabalho. Também

por todo apoio, dedicação e compreensão durante todo o processo, por ter acreditado

e pelo tempo exigido.

Aos servidores da UEM que de alguma forma influenciaram na conclusão deste

trabalho, dentre os quais destaco a professora Rosali Brusamarello e a Lúcia k. Kato

por todo contratempo.

Não poderia deixar agradecer a todos meus amigos, em especial ao Anderson e a

Juliana por toda a ajuda, e aos companheiros de sala pelo ambiente de estudo mais

agradável.

Agradeço também à Capes pelo apoio financeiro.

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Resumo

Neste trabalho estudaremos teoremas sobre pontos fixos, a citar, Banach, Brouwer,

Schauder e Schaefer, e apresentamos algumas aplicações destes. Para o de Banach, sua

demonstração fornece um processo interativo para encontrar o ponto fixo.

Munidos dos resultados sobre Lagrangianas nulas provamos que não existe uma re-

tração suave da bola unitária em sua fronteira. Utilizando ideias de função suavizante

constatamos que não existe retração contínua, com a posse desses fatos demonstramos

o teorema do ponto fixo de Brouwer.

O teorema de Schauder, é uma generalização do teorema de Brouwer, cuja prova é

obtida por aproximações de aplicações com imagens de dimensão finita, e pelo teorema

do ponto fixo de Brouwer conseguimos provar o resultado.

Sobre aplicações compactas e um certo conjunto limitado, definimos uma aplicação

nas hipóteses do teorema de Schauder onde computamos a existência de um ponto

fixo que a fortiori é o ponto fixo desejado no teorema do Schaefer.

Trazemos como resultados do teorema do ponto fixo de Banach as equações inte-

grais de Fredholm e Volterra, o teorema de Picard-Lindelöf sobre sistema de equações

diferenciais ordinárias e a existência de solução fraca de uma equação diferencial para-

bólica semilinear. Como aplicações dos teorema de Schauder e Schaefer comprovamos

a existência de solução fraca para equações diferenciais elípticas semilinear e quase-

linear.

Palavras-chave: Ponto fixo, contração, lagrangiana nula, função suavizante, aplicação

compacta.

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Abstract

This work is concerned with the Fixed Point theorems, more precisely, we deal with

the Banach, Brouwer, Schauder and Schaefer theorems, and their applications.

For the proof of Banach’s theorem, the iterative process has been presented provi-

ding the successive approximation algorithm for applications.

In order to prove the Brouwer Fixed Point theorem, we show that there is no con-

tinuous retraction from the unit ball into its boundary. The machinery of the Null-

Lagrangian and some Functional Analysis results are used.

The Shauder theorem is proven as a generalization of the Brouwer Fixed Point the-

orem to the infinite-dimensional compact and convex sets. Finite-dimensional projec-

tions are used for continuous operators to show the to be possessed with a fixed point.

As a corollary, we prove in the sequel the Schaefer Fixed Point theorem which is

useful to solve boundary and initial-boundary value problems for non-linear differen-

tial equations.

Keywords: Fixed point, null lagrangians, mollifiers function, compact mapping.

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SUMÁRIO

Introdução 8

1 Teorema do ponto fixo de Banach 11

1.1 Teorema do Ponto Fixo de Banach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

1.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2 Teorema do ponto fixo de Brouwer 31

2.1 Equação de Euler-Lagrange . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

2.1.1 Lagrangianas nulas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

3 Teoremas de ponto fixo de Schauder e de Schaefer 47

3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

3.2 Teorema do Ponto Fixo de Schaefer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

3.3 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

Apêncice 61

3.4 Análise Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

3.5 Análise Funcional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

3.6 Epaços Lp e Espaços de Sobolev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

Referências Bibliográficas 71

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INTRODUÇÃO

A teoria sobre pontos fixos são de vasta aplicação em matemática, sendo também

uma ferramenta corriqueira no estudo envolvendo equações diferenciais não lineares.

Devido a valiosas informações que um ponto fixo pode oferecer, grandes matemáticos

enriqueceram a teoria com grandes teoremas sobre pontos fixos.

Existem diversos teoremas de ponto fixo em diferentes ramos da matemática, neste

trabalho abordaremos os que se referem a contrações estritas e aplicações compactas.

Trazemos no primeiro capítulo um teorema sobre contrações, o conhecido Teorema do

Ponto Fixo de Banach, um importante resultado na teoria de espaços métricos. As

hipóteses exigidas são de completude e uma aplicação contrativa. A partir de um

ponto x0 qualquer, construímos uma sequência de Cauchy, que irá convergir para o

único ponto fixo da aplicação. O interessante dessa demonstração, é que fornece um

método para encontrar melhores aproximações para o ponto fixo.

Concluímos o capítulo trazendo algumas aplicações do Teorema do Ponto Fixo de

Banach para garantir a existência de soluções para equações integrais, as conhecidas

equações de Volterra e equações de Fredholm. Também provamos o famoso teorema

de Picard-Lindelöf sobre sistema de equações diferenciais ordinárias e encerramos com

a constatação da existência de uma única solução para o sistema de difusão e reação.

No segundo capítulo vamos apresentar o Teorema do Ponto Fixo de Brouwer, talvez

o de maior relevância dos teoremas sobre ponto fixo, pois através dele conseguimos

provar no capitulo seguinte outros dois teoremas, de Schauder e de Schaefer. Além

do conhecido teorema do ponto fixo de Kakutani para correspondências, que é uma

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SUMÁRIO 10

generalização do teorema de Brower.

Estudamos a equação de Euler-Lagrange e definimos o conceito de Lagrangiana

nula. Provando alguns resultados sobre o assunto para funções suaves, determinamos

que não existe uma função suave da bola unitária em sua fronteira que mantém fixo

o bordo. Na segunda etapa demonstramos que não existe uma retração contínua da

bola unitária em sua fronteira. Agimos por contradição. Suponhamos que exista tal

função (apenas contínua), estendemos essa função para uma função suave através da

convolução com uma função suavizante. Tal extensão contradiz a conclusão da pri-

meira etapa. Com estes fatos comprovados, a veridicidade do teorema de Brouwer

decorre sem esforços.

Para o último capítulo reservamos os teoremas de ponto fixo de Schauder e de

Schaefer. Começamos verificando com um exemplo, que o Teorema do Ponto Fixo de

Brouwer não é válido para espaços de dimensão infinita, o motivo se deve ao fato das

bolas unitárias fechadas em tais espaços não serem compactas. Adicionando a hipó-

tese de compacidade, generalizamos o teorema de Brouwer para espaços de dimensão

infinita, o conhecido Teorema do Ponto Fixo de Schauder. Para este fim, seja dada uma

aplicação A : K → K contínua, onde K é um subconjunto compacto e convexo de

um espaço de Banach. Aproximando-se essa aplicação por aplicações onde é possível

aplicar o teorema de Brouwer, obtemos uma sequência de pontos fixos para estas apro-

ximações que, pela propriedade da projeção de Schauder, converge para o ponto fixo

em questão do teorema de Shauder.

Em seguida provamos o Teorema do Ponto Fixo de Schaefer para aplicações contí-

nuas e compactas A, adicionando a hipótese de limitação do conjunto de pontos fixos

retratores das funções I−λA. Definindo uma aplicação à nas hipóteses do teorema do

Shauder, obtemos um ponto fixo para à que também será ponto fixo de A.

Finalizamos o trabalho aplicando o teorema de Schaefer a um exemplo de uma

equação diferencial parcial elíptica quase-linear para comprovar a existência de solu-

ção. O método utilizado consite em transformar o problema em um problema de ponto

fixo que se encaixe nas hipóteses do teorema, acarretando o resultado.

Para complementar adicionamos um apêndice contendo resultados utilizados no

desenvolvimento do trabalho. Nos atentamos a demonstrar os resultados que são uti-

lizados diretamente nas demonstrações do texto.

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CAPÍTULO 1

TEOREMA DO PONTO FIXO DE BANACH

Neste capítulo abordaremos o Teorema do Ponto Fixo de Banach, também conhecido como

teorema das contrações. Este teorema é um resultado fundamental em espaços métricos,

ele garante a existência de um único ponto fixo para uma aplicação sobre certas condi-

ções.

O nome deste teorema é devido a Stefan Banach, um cientista polonês que concedeu

grandes contribuições para a matemática. Ele fundou a Análise Funcional Moderna e,

entre os vários trabalhos, destacam-se as suas ideias para a teoria das séries ortogonais

e na teoria de medida e integração. Banach foi quem introduziu o conceito de espaços

vetorias normados, e provou vários teorema dessa área.

Definição 1.1. Um espaço métrico é um par (X, d) onde X é um conjunto não vazio e d é uma

função definida sobre X ×X assumindo valores em R cumprindo as seguintes condições para

todo x, y, z ∈ X :

• M1) d(x, y) é finito e não negativo, isto é 0 ≤ d(x, y) <∞ ;

• M2) d(x, y) = 0 ⇔ x = y ;

• M3) d(x, y) = d(y, x) ;

• M4) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y).

Nessas condições d é chamada de métrica emX e a imagem d(x, y) denota a distância

de x a y. Na maioria das vezes, exceto quando houver possibilidades de dúvidas,

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diremos simplesmente o espaço métrico X , deixando subentendido qual é a métrica d

que está sendo considerada.

Um exemplo simples de um espaço métrico é o conjunto dos números reias R mu-

nido com a seguinte métrica

d(x, y) = |x− y|.

onde | · | denota o valor absoluto em R.

Quando nos referirmos a R como espaço métrico estaremos considerando essa mé-

trica.

Se X for um espaço vetorial normado sobre um corpo K, podemos definir uma

métrica, que o torna um espaço métrico, da seguinte forma

d(x, y) = ‖x− y‖.

A métrica d obtida dessa forma chama-se métrica induzida da norma.

Sobre o espaço vetorial Rn, sobre o corpo R, existem 3 normas equivalentes, que

serão usadas no decorrer deste trabalho:

‖x‖ =

(n∑i=1

x2i

) 12

;

‖x‖1 =n∑i=1

|xi| ;

‖x‖2 = max1≤i≤n

|xi|,

onde x : (x1, . . . , xn) ∈ Rn.

Como uma das aplicações do teorema do ponto fixo de Banach, iremos provar

o teorema de existência e unicidade de solução para um sistemas de EDOs, o fa-

moso teorema de Picard-Lindelöf. Na sua demonstração usaremos o espaço vetorial

C ([a, b],Rn) := f : [a, b]→ Rn : fé contínua com a norma

‖f‖ = supx∈[a,b]

|f(x)|,

aqui | · | denota qualquer umas das normas em Rn definidas acima.

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1.1 Teorema do Ponto Fixo de Banach 13

Se X for um espaço vetorial sobre um corpo K munido de um produto interno

〈· , ·〉 : X ×X → K, obtemos uma norma sobre X da seguinte forma

‖x‖ =√〈x, x〉, (x ∈ X).

Definição 1.2 (Sequência de Cauchy, Espaço Completo). Uma sequência (xn) em um es-

paço métrico (X, d) é dita de Cauchy se para todo ε > 0 existir N = N(ε) ∈ N tal que

d(xm, xn) < ε , ∀m,n > N.

O espaço X é dito completo se toda sequência de Cauchy em X converge para um elemento de

X .

Um espaço vetorial normado cuja métrica induzida o torna um espaço métrico com-

pleto é chamado de espaço de Banach, como também se um espaço vetorial munido de

um produto interno cuja norma obtida o classifica como espaço de Banach, é chamado

espaço de Hilbert.

1.1 Teorema do Ponto Fixo de Banach

Esta seção destina-se a enunciar e demonstrar um importante teorema em matemática

conhecido como Teorema do Ponto Fixo de Banach ou Teorema das Contrações, bem como

trazer um de seus corolários. Este teorema tem uma vasta gama de aplicações em

matemática, algumas delas trataremos posteriormente.

Definição 1.3. Um ponto fixo da aplicação T : X → X é um ponto x ∈ X tal que T (x) = x.

Definição 1.4 (Contração). Sejam X e Y espaços métricos. Uma aplicação f : X → Y é

chamada uma contração, se existe um número real 0 < c < 1 tal que, para todo x, y ∈ X

tem-se

d(f(x), f(y)) ≤ c d(x, y).

O Teorema do Ponto Fixo de Banach enunciado a seguir, é um teorema sobre exis-

tência e unicidade de ponto fixo de certas aplicações, e ele também fornece um pro-

cedimento construtivo para obter aproximações (no sentido numérico) para um ponto

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1.1 Teorema do Ponto Fixo de Banach 14

fixo. Este procedimento é chamado de iteração, isto é, dado um ponto arbitrário x0 ∈ X

calculamos a sequência recursiva x0, x1, x2, . . . pela seguinte relação

xn+1 = f(xn)

com n ∈ N ∪ 0. Processos iterativos são usados largamente em matemática aplicada,

e provas de convergência e estimativas para o erro são obtidos como uma aplicação do

Teorema do Ponto Fixo de Banach.

Teorema 1.5 (Teorema do Ponto Fixo de Banach). Considere um espaço métrico X =

(X, d), onde X 6= ∅. Suponha que X seja completo e f : X → X seja uma contração.

Então, f possui precisamente um único ponto fixo. Ponto esse que pode ser obtido como limite

da sequência (x0, f(x0), f 2 (x0) , . . .), onde fn(x0) := f (fn−1(x0)) , para qualquer x0 ∈ X .

Demonstração:

Seja x0 ∈ X e f : X → X uma contração. Consideremos a sequência iterativa (xn)

definida por x0, x1 = f(x0), x2 = f(x1), e assim sucessivamente. Afirmamos que esta

sequência converge.

De fato, pela Definição 1.4, existe 0 < c < 1 tal que d(f(x), f(y)) ≤ c d(x, y), assim

d(xn+1, xn) = d(f(xn), f(xn−1))

≤ c d(xn, xn−1)

= c d(f(xn−1), f(xn−2))

≤ c2d(xn−1, xn−2)

...

≤ cnd(x1, x0).

Usando a desigualdade triangular e a fórmula da soma de uma progressão geométrica

obtemos, para n > m, que

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1.1 Teorema do Ponto Fixo de Banach 15

d(xm, xn) ≤ d(xm, xm+1) + d(xm+1, xn)

≤ d(xm, xm+1) + d(xm+1, xm+2) + d(xm+2, xn)

...

≤ d(xm, xm+1) + d(xm+1, xm+2) + . . .+ d(xn−1, xn)

≤(cm + cm+1 + . . .+ cn−1

)d(x0, x1)

= cm1− cn−m

1− cd(x0, x1).

Desde que 0 < c < 1 e n > m, então 1− cn−m < 1, consequentemente,

d(xm, xn) ≤ cm

1− cd(x0, x1) −→ 0 quando m→∞. (1.1-1)

Isto prova que (xn) é de Cauchy. Como X é completo, tem-se limn→∞

xn = x ∈ X .

Para provar que x é um ponto fixo de f . A continuidade de f implica que

x = limn→∞

xn = limn→∞

f(xn−1) = f(

limn→∞

xn−1

)= f(x).

E para finalizar mostraremos que x é o único ponto fixo. Suponhamos que y ∈ X seja

um ponto fixo de f , assim

d(x, y) = d(f(x), f(y)) ≤ c d(x, y),

isso implica que d(x, y) = 0, pois c < 1. Logo x = y, e isto completa a demonstração.

O Teorema do Ponto Fixo de Banach é especialmente útil, uma vez que, além da

existência garante a unicidade do ponto fixo. No entanto, a exigência da aplicação

ser uma contração limita a sua utilidade. Nos próximos capítulos estaremos enfraque-

cendo as hipóteses sobre a aplicação, porém pediremos condições mais fortes sobre o

domínio e contradomínio da aplicação.

Corolário 1.6. Seja f : X → X uma aplicação sobre o espaço métrico X = (X, d), e suponha

que fm é uma contração para algum inteiro positivo m. Então f tem um único ponto fixo.

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1.2 Aplicações 16

Demonstração:

Seja g = fm, assim g é uma contração sobre X . Pelo Teorema do Ponto Fixo de

Banach, g tem um único ponto fixo, isto é, g(x) = x, logo gn(x) = x . Novamente o

teorema do ponto fixo de Banach implica que para todo x ∈ X temos

limn→∞

gn(x) = x

Em particular para x = f(x), desde que gn = fmn, temos

x = limn→∞

gn (f(x))

= limn→∞

f(f(f(. . . (f(x)))))︸ ︷︷ ︸mn+1 vezes

= limn→∞

f

f(f(. . . (f(x))))︸ ︷︷ ︸mn vezes

= lim

n→∞f (gn(x))

= limn→∞

f (x)

= f (x) .

Isto prova que x é um ponto fixo de f , como todo ponto fixo de f é também ponto fixo

de g, temos que f tem um único ponto fixo.

1.2 Aplicações

Aplicaremos agora o Teorema do Ponto Fixo de Banach a alguns exemplos. Lembre-

mos que o espaço C ([a, b],Rn) é um espaço métrico completo em relação a norma de-

finida anteriormente. Para algumas das aplicações precisamos do seguinte resultado.

Lema 1.7. Sejam X ⊂ Rm um subconjunto arbitrário, K ⊂ Rn compacto e x0 ∈ X fixado. Se

f : X ×K → Rp é contínua. Então, para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que,

∀x ∈ X tal que ‖x− x0‖ < δ =⇒ ‖f(x, t)− f(x0, t)‖ < ε, para todo t ∈ K.

Demonstração:

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1.2 Aplicações 17

Suponhamos por contradição que exista ε0 > 0 tal que para todo n ∈ N pode-se

obter xn ∈ X e tn ∈ K de modo que ‖xn − x0‖ <1

ne ‖f(xn, tn) − f(x0, tn)‖ > ε0.

Como K é compacto, passando a subsequência se necessário, podemos assumir que

tn → t0 ∈ K. Como xn → x0, a continuidade da f nos daria

ε0 ≤ limn→∞

‖f(xn, tn)− f(xo, tn)‖ = ‖f(xo, t0)− f(xo, t0)‖ = 0,

o que é uma contradição, provando o resultado.

Definição 1.8. Uma equação integral da forma

f(t)− µ∫ b

a

k(t, τ)f(τ) dτ = g(t) (1.2-2)

é chamada de equação integral de Fredholm de segunda espécie1.

Aqui [a, b] é um intervalo real, f é uma função real sobre [a, b] desconhecida, e µ ∈ R é um

parâmetro, o Núcleo k da equação é uma função dada sobre G = [a, b]× [a, b], e g é uma função

dada sobre [a, b].

Se k é contínua, como G ⊂ R2 é compacto, segue que existe 0 < c ∈ R tal que

|k(t, τ)| < c ∀(t, τ) ∈ G.

Queremos saber sobre quais condições existe solução a expressão (1.2-2).

Aplicação 1.9 (Equação Integral de Fredholm). Suponha que k : G → R seja uma função

contínua sobre G = [a, b]× [a, b] e suponha ainda que g ∈ C[a, b]. Se

|µ| < 1

c(b− a)(1.2-3)

onde |k(t, τ)| < c sobre G. Então a equação

f(t)− µ∫ b

a

k(t, τ)f(τ) dτ = g(t)

1Uma equação sem o termo f(t) assume a forma∫ b

a

k(t, τ)f(τ) dτ = g(t)

e é chamada de primeiro espécie.

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1.2 Aplicações 18

tem uma única solução f sobre [a, b].

Demonstração:

Para cada f ∈ C[a, b] a equação (1.2-2) define um operador dado por

T(f)(t) = g(t) + µ

∫ b

a

k(t, τ)f(τ) dτ.

Vamos mostrar que T(f)

é contínua em [a, b]. Seja t0 ∈ [a, b] e tn → t0 em [a, b].

Como k é contínua, dado ε > 0 o lema 1.7 garante que existe δ > 0 tal que, se µ, f 6= 0

|tn − to| < δ =⇒ |k(tn, τ)− k(t0, τ)| < ε

2|µ| ‖f‖ |b− a|, para todo τ ∈ [a, b].

Assim, como g é contínua, se n é suficientemente temos

|T(f(tn)

)− T

(f(t0)

)| =

∣∣∣∣g(tn)− g(t0) + µ

∫ b

a

[k(tn, τ)− k(t0, τ)] f(τ) dτ

∣∣∣∣≤ |g(tn)− g(t0)|+ |µ|

∫ b

a

|k(tn, τ)− k(t0, τ)||f(τ)| dτ

≤ ε

2+ |µ|‖f‖

∫ b

a

ε

2|µ| ‖f‖ |b− a|dτ

2+ |µ|‖f‖|b− a| ε

2|µ| ‖f‖ |b− a|= ε.

Isso garante que T(f)

é contínua. Assim podemos considerar T : C[a, b] → C[a, b].

Logo, encontrar a solução de (1.2-2) se transforma em um problema de ponto fixo da

aplicação T . A demonstração deste teorema seguirá imediatamente do teorema de

Banach se T for uma contração.

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1.2 Aplicações 19

Sejam f, h ∈ C[a, b] temos

d(T(f), T(h)) = max

t∈[a,b]|T(f)(t)− T

(h)(t)|

= |µ| maxt∈[a,b]

∣∣∣∣∫ b

a

k(t, τ)[f(τ)− h(τ)] dτ

∣∣∣∣≤ |µ| max

t∈[a,b]

∫ b

a

|k(t, τ)||f(τ)− h(τ)| dτ

≤ |µ|∫ b

a

c

(maxx∈[a,b]

|f(x)− h(x)|)dτ

= |µ| c(

maxx∈[a,b]

|f(x)− h(x)|)∫ b

a

= |µ| c d(f, h)(b− a)

= α d(f, h)

onde α = |µ| c(b− a). De (1.2-3) temos

α = |µ|c(b− a) <1

c(b− a).c(b− a) = 1.

Logo T é uma contração, provando então o teorema.

Uma equação integral da forma

f(t)− µ∫ t

a

k(t, τ)f(τ) dτ = g(t) (1.2-4)

é chamada de Equação Integral de Volterra e se diferencia de uma equação de Fredholm

apenas no limite superior de integração, visto que, agora o limite de integração é variá-

vel. Este fato é essencial, pois não precisamos de restrições sobre o parâmetro µ para a

existência e unicidade para tais equações.

Aplicação 1.10 (Equação Integral de Volterra). Suponhamos que g em (1.2-4) seja contínua

sobre [a, b] e que o núcleo k é contínua sobre a região triangular R no plano tτ dada por a ≤

τ ≤ t, a ≤ t ≤ b. Então (1.2-4) tem uma única solução f sobre [a, b] para todo µ.

Demonstração:

Sendo k e g contínuas, da mesma forma feito antes, podemos definir a aplicação

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1.2 Aplicações 20

T : C[a, b]→ C[a, b] dada por

T(f)(t) = g(t) + µ

∫ t

a

k(t, τ)f(τ) dτ, (1.2-5)

e assim encontrar a solução de (1.2-4) se reduz ao problema

f(t) = T(f)(t)

ou seja, encontrar o ponto fixo da aplicação T .

Sendo R compacto e k contínua, segue que existe c ∈ R tal que

|k(t, τ)| < c ∀(t, τ) ∈ R.

Como f, h ∈ C[a, b] temos que

|T(f)(t)− T

(h)(t)| = |µ|

∣∣∣∣∫ t

a

k(t, τ)[f(τ)− h(τ)] dτ

∣∣∣∣≤ |µ|

∫ t

a

|k(t, τ)||f(τ)− h(τ)| dτ

≤ |µ|∫ t

a

c d(f, h) dτ

= |µ| c d(f, h)

∫ t

a

= |µ| c(t− a) d(f, h) (1.2-6)

Usaremos indução sobre m para provar que

|Tm(f)(t)− Tm

(h)(t)| ≤ |µ|m cm

(t− a)m

m!d(f, h). (1.2-7)

Para m = 1 é verdadeiro por (1.2-6). Suponha válido até m, assim, usando a hipótese

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1.2 Aplicações 21

de indução temos

|Tm+1(f)(t)− Tm+1

(h)(t)| =

∣∣∣T(Tm(f))(t)− T(Tm(h))

(t)∣∣∣

= |µ|∣∣∣∣∫ t

a

k(t, τ)[Tm(f)(τ)− Tm

(h)(τ)] dτ

∣∣∣∣≤ |µ|

∫ t

a

|k(t, τ)||Tm(f)(τ)− Tm

(h)(τ)| dτ

≤ |µ|∫ t

a

c |µ|m cm(τ − a)m

m!d(f, h) dτ

= |µ|m+1 cm+1 d(f, h)

∫ t

a

(τ − a)m

m!dτ

= |µ|m+1 cm+1 (t− a)m+1

(m+ 1)!d(f, h)

o que completa a demonstração de (1.2-7) por indução.

Usando o fato que t− a ≤ b− a temos

|Tm(f)(t)− Tm

(h)(t)| ≤ |µ|m cm

(b− a)m

m!d(f, h).

Assim tomando maxt∈[a,b]

em ambos os lados da inequação temos que

d(Tm(f), Tm

(h))≤ αmd(f, h),

onde

αm = |µ|m cm(b− a)m

m!.

Fixado µ e para m suficientemente grande temos que αm < 1, assim Tm é uma contra-

ção sobre C[a, b], segue do corolário 1.6 que (1.2-4) tem uma única solução.

Equações Diferenciais tem uma grande relevância na Matemática, além do que,

pode ser uma ferramenta importante, e as vezes imprescindível em muitos outros ra-

mos do conhecimento humano. De posse do Teorema do Ponto Fixo de Banach, vamos

estabelecer a existência e unicidade de solução para o problema de Cauchy associado

a uma EDO de primeira ordem, o conhecido teorema de Picard-Lindelöf.

Aplicação 1.11 (Teorema de Picard-Lindelöf). Seja Ω = Ia × Bb uma região de R × Rn,

onde Ia = t; |t − t0| ≤ a ⊂ R e Bb = x; |x− x0| ≤ b ⊂ Rn. Se f : R × Rn → Rn é

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1.2 Aplicações 22

contínua e lipschitziana na segunda variável em Ω. Então o PVI

x′(t) = f(t,x(t))

x(t0) = x0

(1.2-8)

tem uma única solução sobre Iα, onde

α = min

a,

b

M

e |f | < M .

Sendo Ia e Bb bolas fechadas centradas em t0 e x0 de raios a e b em R e Rn, res-

pectivamente, temos que Ω é compacto, sendo f contínua, temos que f(Ω) é limitado.

Assim, existe M tal que

|f(t,x)| < M ∀(t,x) ∈ Ω.

Demonstração:

Integrando de t0 até t ambos os lados da equação diferencial em (1.2-8) obtemos

x(t) = x0 +

∫ t

t0

f(s,x(s)) ds. (1.2-9)

Assim, uma solução do problema (1.2-8) dever ser também uma solução da equação

(1.2-9), e reciprocamente, se x(t) é solução da equação integral (1.2-9) então

x(t0) = x0 e x′ = f(t,x)

pelo teorema fundamental do Cálculo, ou seja, x(t) é uma solução de (1.2-8). Ainda, se

g(t) = x0 +

∫ t

t0

f(s,x(s)) ds,

obtemos que

g(t0) = x0 e g′(t) = f(t,x)

e, portanto,

g(t) = x(t).

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1.2 Aplicações 23

Considerando o espaço métrico C (Iα,Bb) com a métrica

d(f ,g) = supt∈Iα|f(t)− g(t)|

temos que este é completo.

Definamos uma aplicação T : C (Iα,Bb)→ C (Iα,Rn) dada por

T(x(t)

)= x0 +

∫ t

t0

f(s,x(s)) ds, x ∈ C (Iα,Bb) .

Destacamos as seguintes propriedades de T :

(1) Im(T ) ⊂ C (Iα,Bb)

(2) T n é uma contração, para n suficientemente grande.

De fato, para todo t ∈ Iα,

|T(x(t)

)− x0| =

∣∣∣∣∫ t

t0

f(s,x(s)) ds

∣∣∣∣ ≤M |t− t0| ≤Mα ≤ b.

Isto prova (1). Quanto a (2), para todo x,y ∈ C (Iα,Bb) e todo n ≥ 1

|T n(x(t)

)− T n

(y(t)

)| ≤ Kn|t− t0|n

n!d(x,y), t ∈ Iα, (1.2-10)

onde K é a constante de Lipschitz de f . Provaremos está desigualdade por indução

sobre n. Para n = 1

|T(x(t)

)− T

(y(t)

)| =

∣∣∣∣∫ t

t0

[f(s,x(s))− f(s,y(s))

]ds

∣∣∣∣≤

∣∣∣∣∫ t

t0

|f(s,x(s))− f(s,y(s))| ds∣∣∣∣

≤∣∣∣∣∫ t

t0

K|x(s)− y(s)| ds∣∣∣∣

≤ Kd(x,y)

∣∣∣∣∫ t

t0

ds

∣∣∣∣= K|t− t0|d(x,y)

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1.2 Aplicações 24

Suponhamos que a desigualdade seja válida para k, então

|T k+1(x(t)

)− T k+1

(y(t)

)| =

∣∣∣T(T k(x(t)))− T

(T k(y(t)

))∣∣∣=

∣∣∣∣∫ t

t0

[f(s, T k

(x(s)

))− f

(s, T k

(y(s)

))]ds

∣∣∣∣≤

∣∣∣∣∫ t

t0

∣∣∣f(s, T k(x(s)))− f

(s, T k

(y(s)

))∣∣∣ ds∣∣∣∣≤

∣∣∣∣∫ t

t0

K∣∣T k(x(s)

)− T k

(y(s)

)∣∣ ds∣∣∣∣≤ K

∣∣∣∣∫ t

t0

Kk|s− t0|k

k!d(x,y) ds

∣∣∣∣=

Kk+1

k!d(x,y)

∣∣∣∣∫ t

t0

|s− t0|k ds∣∣∣∣

=Kk+1|t− t0|k+1

(k + 1)!d(x,y).

Portanto,

|T n(x(t)

)− T n

(y(t)

)| ≤ Knαn

n!d(x,y)

assim para n suficientemente grande,Knαn

n!< 1 visto que este é o termo da série cuja

soma é ekα, donde T n é uma contração em C (Iα,Bb). Pela Proposição 1.6 temos que T

possui um único ponto fixo, e isto prova o teorema de Picard-Lindelöf.

Definição 1.12. O Laplaciano4 de uma função f : Rn → R é dado por

4f :=n∑i=1

∂2f

∂x2i

,

onde as derivadas parciais não mistas da f devem existir. Se f : Rn → Rm, então o Laplaciano

de f é dado por 4f := (4f 1, . . . ,4fm), onde f = (f 1, . . . , fm) e as derivadas parciais não

mistas das funções coordenadas devem existir.

Aplicação 1.13. Vamos agora aplicar o Teorema do Ponto Fixo de Banach para comprovar a

existência de solução para o problema de contorno semi-linear com condições iniciais para o

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1.2 Aplicações 25

sistema de difusão e reação

ut −4u = f(u) em UT

u = 0 sobre ∂U × [0, T ]

u = g sobre U × t = 0

(1.2-11)

onde u = (u1, . . . , um), g = (g1, . . . , gm), escrevemos UT = U × (0, T ], com U ⊂ Rn aberto,

limitado e com fronteira suave e T > 0 fixo.

Mas antes, precisamos de alguns resultados sobre equações parabólicas lineares.

Definição 1.14 (Equação Parabólica). O problema de contorno com condição inicial

ut + Lu = f em UT

u = 0 sobre ∂U × [0, T ]

u = g sobre U × t = 0

(1.2-12)

aqui f : UT → R e g : U → R são dadas e u : UT → R é desconhecida u = u(x, t).

Como também, L denota para cada tempo t um operador diferencial de segunda ordem, que se

apresenta na sua forma não divergente

Lu = −n∑

i,j=1

aij (x, t)uxixj +n∑i=1

bi (x, t)uxi + c(x, t)u.

Suponhamos temporariamente que u = u(x, t) seja uma solução suave do problema

parabólico (1.2-12). Vamos mudar nosso ponto de vista, associando com u a aplicação

u : [0, T ]→ H10 (U)

definida por

[u(t)] (x) := u(x, t) (x ∈ U, 0 ≤ t ≤ T ).

Similarmente defina f : [0, T ]→ L2(U) por

[f(t)] (x) := f(x, t) (x ∈ U, 0 ≤ t ≤ T ).

Fixe a função v ∈ H10 (U). Multiplicando por v a EDP

∂u

∂t+ Lu = f e depois inte-

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1.2 Aplicações 26

grando por partes obtemos

(u′, v) +B[u, v; t] = (f , v)

(′ =

d

dt

)(1.2-13)

para cada 0 ≤ t ≤ T . Denotamos por ( , ) o produto interno em L2(U) e

B[u, v; t] :=

∫U

n∑i,j=1

aij (·, t)uxivxj +n∑i=1

bi (·, t)uxiv + c(·, t)uv dx

é uma forma bilinear.

Temos também que ut ∈ H−1(U) com

‖ut‖H−1(U) ≤ C(‖u‖H1

0 (U) + ‖ut‖L2(U)

).

O primeiro termo em (1.2-13) pode ser expresso por 〈u′, v〉, onde 〈 , 〉 denota a duali-

dade de H−1(U ;Rm) e H10 (U ;Rm).

Definição 1.15. Dizemos que uma função

u ∈ L2(0, T ;H1

0 (U))

com u′ ∈ L2(0, T ;H−1(U)

)é uma solução fraca do problema (1.2-12) se

• 〈u′, v〉+B[u, v; t] = (f , v)

para todo v ∈ H10 (U), 0 ≤ t ≤ T e

• u(0) = g.

Temos que u ∈ C ([0, T ];L2(U)).

Teorema 1.16 (Existência da solução fraca). Existe uma única solução fraca de (1.2-12).

Voltemos agora ao problema da equação parabólica semi-linear. Assuma a priori

que g ∈ H10 (U ;Rm) e que f : Rm → Rm seja uma função Lipschitz contínua. Assim para

todo z ∈ Rm temos que

|f(z)| ≤ |f(z)− f(e1)|+ |f(e1)| ≤ L‖z − e1‖+ |f(e1)| ≤ L‖z‖+ (L+ |f(e1)|) .

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1.2 Aplicações 27

Portanto

|f(z)| ≤ C (‖z‖+ 1) (1.2-14)

onde C = (L+ |f(e1)|).

Dizemos que

u ∈ L2(0, T ;H1

0 (U ;Rm))

com u′ ∈ L2(0, T ;H−1(U ;Rm)

)(1.2-15)

é uma solução fraca de (1.2-11) se

〈u′,v〉+B[u,v] = (f(u),v) q.t. 0 ≤ t ≤ T (1.2-16)

para todo v ∈ H10 (U ;Rm), 0 ≤ t ≤ T e

u(0) = g. (1.2-17)

Em (1.2-16), 〈 , 〉 denota a dualidade de H−1(U ;Rm) e H10 (U ;Rm), B[ , ] é a forma

bilinear associada com −4 em H10 (U ;Rm), e ( , ) é o produto interno em L2(U ;Rm). A

norma em H10 (U ;Rm) é considerada como sendo

‖u‖H10 (U ;Rm) =

(∫U

‖Du‖2dx

) 12

.

Sabemos que u ∈ C ([0, T ];L2(U ;Rm)), depois de uma possível redefinição de u

sobre um conjunto de medida nula.

Teorema 1.17. Existe uma única solução fraca de (1.2-11).

Demonstração:

Para demonstrar este teorema, vamos aplicar o Teorema do Ponto Fixo de Banach.

Considere o espaço

X = C([0, T ];L2(U ;Rm)

),

com a norma

‖v‖ := max0≤t≤T

‖v(t)‖L2(U ;Rm).

Seja A o operador definido como segue. Dada uma função u ∈ X , seja h(t) :=

f(u(t)) (0 ≤ t ≤ T ). Devido a estimativa (1.2-14) temos que h ∈ L2 (0, T ;L2(U ;Rm)) .

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1.2 Aplicações 28

Pelo teorema (1.16), a EDP linear parabólica

wt −4w = h em UT

w = 0 sobre ∂U × [0, T ]

w = g sobre U × t = 0

(1.2-18)

tem uma única solução

w ∈ L2(0, T ;H1

0 (U ;Rm))

com w′ ∈ L2(0, T ;H−1(U ;Rm)

). (1.2-19)

Assim, w ∈ X satisfaz

〈w′,v〉+B[w,v] = (h,v) q.t. 0 ≤ t ≤ T (1.2-20)

para todo v ∈ H10 (U ;Rm) e w(0) = g.

Defina A : X → X por

A[u] = w,

com w fornecido acima.

Afirmamos que se T é suficientemente pequeno então A é uma contração.

Com efeito, dadas u,u∗ ∈ X , defina w = A[u] e w∗ = A[u∗]. Assim w satisfaz

(1.2-20) com h = f(u), e w∗ satisfaz uma identidade similar para h∗ = f(u∗).

Temos pela fórmula da integração por partes que

d

dt‖w −w∗‖2L2(U ;Rm) =

d

dt

∫U(w −w∗,w −w∗)Rm dx

=

∫U2(wt −w∗t ,w −w∗)Rm dx

= 2

∫U(4w + h−4w∗ − h∗,w −w∗)Rm dx

= 2

∫U(4w −4w∗,w −w∗)Rm dx+ 2

∫U(h− h∗,w −w∗)Rm dx

= 2

∫U

[m∑i=1

4(wi −wi∗) · (wi −wi∗)

]dx+ 2(h− h∗,w −w∗)

= −2∫U

[m∑i=1

5(wi −wi∗) · 5(wi −wi∗)

]dx+ 2(h− h∗,w −w∗)

= −2∫U‖ 5 (w −w∗)‖2dx+ 2(h− h∗,w −w∗)

= −2‖w −w∗‖2H10 (U ;Rm) + 2(h− h∗,w −w∗).

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1.2 Aplicações 29

Logo, aplicando as desigualdades de Cauchy-Schwars, Young(ab ≤ a2

2ε+εb2

2, ε > 0

)e Poincaré temos

d

dt‖w −w∗‖2

L2(U ;Rm) + 2‖w −w∗‖2H1

0 (U ;Rm)

= 2 (w −w∗,h− h∗)

≤ 2‖w −w∗‖L2(U ;Rm) · ‖f(u)− f(u∗)‖L2(U ;Rm)

≤ ε‖w −w∗‖2L2(U ;Rm) +

1

ε‖f(u)− f(u∗)‖2

L2(U ;Rm)

≤ εC‖w −w∗‖2H1

0 (U ;Rm) +1

ε‖f(u)− f(u∗)‖2

L2(U ;Rm)

Para ε <2

Cdeduzimos

d

dt‖w −w∗‖2

L2(U ;Rm) ≤d

dt‖w −w∗‖2

L2(U ;Rm) + (2− εC)‖w −w∗‖2H1

0 (U ;Rm)

≤ 1

ε‖f(u)− f(u∗)‖2

L2(U ;Rm)

≤ K‖u− u∗‖2L2(U ;Rm),

com K = Lε

, desde que 0 < (2 − εC) e f é Lipschitz. Consequentemente, de(w −

w∗)(0) = 0 temos,

‖w(s)−w∗(s)‖2L2(U ;Rm) =

∫ s

0

d

dt‖w(t)−w∗(t)‖2

L2(U ;Rm)dt

≤ K

∫ s

0

‖u(t)− u∗(t)‖2L2(U ;Rm)dt (1.2-21)

≤ KT‖u− u∗‖2

para cada 0 ≤ s ≤ T . Assim,

‖w −w∗‖2 ≤ KT‖u− u∗‖2.

Logo

‖A[u]− A[u∗]‖ ≤ (KT )12 ‖u− u∗‖, (1.2-22)

portanto A é uma contração se T é pequeno tal que (KT )12 = γ < 1.

Dado T > 0, escolhemos T1 > 0 tão pequeno tal que (KT1)12 < 1. Então aplicamos

o Teorema do Ponto Fixo de Banach para encontrar uma solução do problema 1.2-11

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1.2 Aplicações 30

sobre o intervalo de tempo [0, T1]. Desde que u(t) ∈ H10 (U ;Rm) quase sempre em

0 ≤ t ≤ T1, podemos redefinir T1 se necessário e assumir que u(T1) ∈ H10 (U ;Rm).

Observe que o tempo T1 > 0 depende da constante K, que por sua vez depende

da somente constante de Lipschitz para f . Podemos então repetir o que foi feito acima

para o intervalo [T1, 2T1] e estender nossa solução para esse intervalo. Após alguns

passos construímos uma solução fraca em todo o intervalo [0, T ].

Para finalizar, provemos a unicidade. Suponha que u e u∗ sejam duas soluções de

(1.2-11). Temos para w = A[u] e w∗ = A[u∗] na desigualdade (1.2-21) que

‖u(s)− u∗(s)‖2L2(U ;Rm) = ‖w(s)−w∗(s)‖2

L2(U ;Rm) ≤ K

∫ s

0

‖u(t)− u∗(t)‖2L2(U ;Rm)dt

para 0 ≤ s ≤ T . De acordo com a desigualdade de Gronwall temos u ≡ u∗.

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CAPÍTULO 2

TEOREMA DO PONTO FIXO DE BROUWER

O Teorema do Ponto Fixo de Brouwer assegura, sob certas condições, a existência de ao

menos um ponto fixo para uma função, esse tipo de teorema é dos chamados "teoremas

de existência". O nome dado a este teorema é devido ao matemático holandês Luitzen

Egbertus Jan Brouwer, que propôs sua demonstração por volta de 1910.

Luitzen Egbertus Jan Brouwer mais conhecido como L.E.J. BROUWER, nasceu em

Overschie no dia 27 de fevereiro de 1881 vivendo até o dia 2 de dezembro de 1966, em

Blaricum. Foi um grande gênio matemático com fortes tendências filosóficas. Embora

a própria demonstração proposta por ele recebeu suas críticas, por terem base na lei

do terceiro excluído (demonstração por absurdo), Brouwer foi quem fundou o intuici-

onismo matemático que considera qualquer objeto matemático como um produto da

construção de uma mente, e portanto, a existência de um objeto matemático equivale

a construção dele.

O intuicionismo matemático contrasta com a abordagem clássica da matemática,

abordagem esta que, a existência de uma entidade matemática pode ser provada atra-

vés da refutação da sua não existência. No entanto, para o intuicionismo, a refutação

da não existência não implica que é possível achar uma prova construtiva da existên-

cia.

Existem demonstrações do teorema de Brouwer que não ultrapassam algumas li-

nhas, por exemplo ver [11]. Logicamente essas demonstrações utilizam-se de resulta-

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 32

dos provados anteriormente. Optamos aqui utilizar técnicas do cálculo variacional e

resultados sobre aproximações de funções através de convolução com funções suavi-

zante. Porém, para o caso unidimensional a demonstração é simples.

Suponhamos que f : [−1, 1]→ [−1, 1] seja uma função contínua. Então f possui um ponto

fixo.

Demonstração:

Suponhamos que f não tenha ponto fixo, assim a função g : [−1, 1] → −1, 1

definida por

g[x] :=f [x]− x|f [x]− x|

é uma função contínua. Sendo I = [−1, 1] um intervalo e g contínua, temos que g[I] é

um intervalo e, portanto, g[I] = −1 ou g[I] = 1. Se g[I] = 1 então

1 = g[1] =f [1]− 1

|f [1]− 1|=⇒ 1− f [1] = f [1]− 1 =⇒ 2(1− f [1]) = 0 =⇒ f [1] = 1

em contradição com a hipótese. O caso em que g[I] = −1 é análogo, portanto f

possui um ponto fixo.

O caso geral do teorema é considerado a bola fechadaB = B[0, 1] ⊂ Rn e f : B → B

contínua. E a demonstração faremos depende de alguns resultados que apresentare-

mos agora.

2.1 Equação de Euler-Lagrange

Uma função f : Ω → Rm, onde Ω ⊂ Rn é um aberto, é dita uma função suave se

f ∈ C∞(Ω,Rm).

Sejam U ⊂ Rn um conjunto aberto, limitado com fronteira ∂U suave, e L uma

função suave

L : Rn × R× U → R

que chamamos de Lagrangiana.

Escreveremos

L = L(p, z,x) = L(p1, . . . , pn, z, x1, . . . , xn)

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 33

para p ∈ Rn, z ∈ R e x ∈ U . Também estabelecemos as notações

DpL = (Lp1 , . . . , Lpn) ;

DzL = Lz ;

DxL = (Lx1 , . . . , Lxn).

que será útil para o desenvolvimento da teoria que segue.

Considere agora w : U → R uma função suave satisfazendo a condição de contorno

w = g sobre ∂U. (2.1-1)

Defina

I[w] :=

∫U

L(Dw(x), w(x),x)dx (2.1-2)

Problemas de encontrar uma função que seja o mínimo de I[ · ] ocuparam um im-

portante lugar na matemática a partir do século XVI, nomes como Newton, Jean Ber-

noulli, Euler, Lagrange, Legendre, Hamilton entre outros, estão associados ao estudo

de tais problemas.

Um exemplo simples onde encontramos problemas desse tipo é o seguinte. Supo-

nhamos que queremos encontrar uma função f : [a, b]→ R tal que, f(a) = c e f(b) = d

e o comprimento do arco de gráfico da f seja o menor possível. Em outras palavras,

encontrar o mínimo de

l(f) =

∫ b

a

√1 + f ′(x) dx.

Outros exemplos de tais problemas são

Superfícies mínimas. Considere uma membrana bidimensional em repouso ocupando

uma região limitada Ω. Desejamos submetê-la a deformações normais a superfície e de

modo que o deslocamento na fronteira seja perscrito, isto é, w = g sobre ∂Ω.

A posição de equilíbrio pode ser encontrada minimizando-se a energia potencial de

deformação

U =

∫∫Ω

√1 + w2

x + w2y dx dy

sobre todos os caminhos u(x, y) que coincidem com g sobre ∂Ω. Este problema também

é conhecido como problema de Plateau.

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 34

Braquistócrona. Dado um corpo de massa unitária situado na origem (0, 0), queremos

deslocá-lo até um ponto A = (xA, yA) com yA < 0 < xA sob a ação da gravidade na

ausência de atrito. Queremos determinar a curva y(x) satisfazendo y(0) = 0 e y(A) =

yA para o qual o tempo de percurso é o mínimo.

Pode-se mostrar que o tempo é dado por

T (y) =

∫ xA

0

√1 + y′2

2gydy.

Euler e Lagrange estudavam juntos o problema da curva tautocrônica, que con-

siste em determinar uma curva na qual uma partícula irá cair para um ponto fixo num

tempo fixo, independentemente do ponto de partida. Lagrange resolveu este problema

em 1975 e enviou uma carta para Euler com a solução. Desenvolvendo as ideias conti-

das na carta, Euler aplicou a mecânica, levando a formulação da mecânica de Lagrange.

A frequente correspondência entre os dois levaram a criação do cálculo variacional.

Um resultado crucial no cálculo variacional é o lema du Bois-Reymond, sua for-

malização impulsionou fortemente o cálculo variacional. O lema foi objeto de inves-

tigação por matemáticos como Euler e Lagrange, tendo sido apresentado por P. du

Bois-Reymond no ano de 1879. Foi entretanto K. Weierstrass, que apresentou pela pri-

meira vez uma demonstração clara e completa em seus seminários (1875-1882). Para

mais informações ver [4]. Para nossos propósitos trazemos o seguinte lema.

Lema 2.1. Seja w : U → R uma função contínua tal que

∫U

w(x)v(x)dx = 0,

para toda função suave v com suporte compacto. Então w ≡ 0.

Demonstração:

Como w é contínua, basta mostrar que w se anula em U e consequentemente em

U . Suponha então que exista x0 ∈ U de modo que w(x0) > 0, por U ser aberto e pela

continuidade de w existe δ > 0 tal que w(x) > 0 para todo x ∈ B(x0, δ) ⊂ U.

Defina

v(x) =

1− 1δ2‖x− x0‖2 se x ∈ B(x0, δ)

0 se x /∈ B(x0, δ).

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 35

Temos então que v é suave com suporte compacto além do que, v(x) > 0 para todo

x ∈ B(x0, δ), assim

w(x)v(x) > 0 se x ∈ B(x0, δ) e w(x)v(x) = 0 se x /∈ B(x0, δ).

Logo ∫U

w(x)v(x)dx =

∫B(x0,δ)

w(x)v(x)dx > 0,

em contradição com a hipótese, portantow ≡ 0.

Voltemos ao problema de minimizar (2.1-2). Suponha que existe uma função suave

u cumprindo u = g sobre ∂U e u seja um minimizador de I[·] entre todas as funções

satisfazendo (2.1-1). Vamos demonstrar que u sobre essas hipóteses é solução de uma

EDP não linear.

Para confirmar nossa afirmação, escolha qualquer função suave v com suporte com-

pacto, assim toda função w que cumpre (2.1-1) pode ser escrita como

w(x) = u(x) + ε(x)v(x)

com ε(x) ∈ R. Para simplificar, escrevemos w = u + εv e considere a função real

definida por

i(ε) := I[u+ εv] (ε ∈ R). (2.1-3)

Sendo u um minimizador de I[ · ] e u = u+ εv = g sobre ∂U , obtemos então que i(·)

tem um ponto de mínimo em ε = 0. Então

i′(0) = 0. (2.1-4)

Calculemos explicitamente esta derivada chamada de primeira variação. Escrevemos

i(ε) =

∫U

L(Du+ εDv, u+ εv,x)dx. (2.1-5)

Pelo teorema da derivação sob o sinal da integral

i′(ε) =

∫U

d

dε[L(Du+ εDv, u+ εv,x)] dx. (2.1-6)

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 36

Pela regra da cadeia obtemos que

d

dε[L(Du+ εDv, u+ εv,x)] = DL

[d

dε(Du+ εDv, u+ εv,x)

]= DpL[Dv] +DzL[v] +DxL[0]

=n∑i=1

Lpi(Du+ εDv, u+ εv,x)vxi + Lz(Du+ εDv, u+ εv,x)v.

Substituindo em (2.1-6) obtemos

i′(ε) =

∫U

[n∑i=1

Lpi(Du+ εDv, u+ εv,x)vxi + Lz(Du+ εDv, u+ εv,x)v

]dx. (2.1-7)

Fazendo ε = 0 deduzimos de (2.1-4) que

0 = i′(0) =

∫U

[n∑i=1

Lpi(Du, u,x)vxi + Lz(Du, u,x)v

]dx

=n∑i=1

[∫U

[Lpi(Du, u,x)vxi + Lz(Du, u,x)v] dx

]. (2.1-8)

Finalmente, desde que v tem suporte compacto, fazendo a integração por partes obte-

mos

∫U

Lpi(Du, u,x)vxidx = −∫U

(Lpi(Du, u,x))xi v dx+

∫∂U

Lpi(Du, u,x)vνi dS

= −∫U

(Lpi(Du, u,x))xi v dx.

onde ν é o vetor normal unitário no ponto x ∈ ∂U . Substituindo em (2.1-8) obtemos

0 =n∑i=1

[∫U

[− (Lpi(Du, u,x))xi v + Lz(Du, u,x)v

]dx

]

=

∫U

[−

n∑i=1

(Lpi(Du, u,x))xi + Lz(Du, u,x)

]v dx.

Como está igualdade é válida para todas as funções v ∈ C10(U), concluímos do lema

2.1 que u deve ser solução da EDP não linear

−n∑i=1

(Lpi(Du, u,x))xi + Lz(Du, u,x) = 0 em U. (2.1-9)

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 37

Esta é a equação de Euler-Lagrange associada ao funcional I[ · ] definido em (2.1-2).

Observe que (2.1-9) é uma EDP quase-linear na forma de divergência.

Resumindo, qualquer minimizador suave de I[·] é uma solução da EDP de Euler-

Lagrange dada (2.1-9). Como também, podemos tentar encontrar uma solução de (2.1-

9) através da procura de minimizadores em (2.1-2).

Como um exemplo, considere

L(p, z,x) =1

2‖p‖2.

Então Lpi = pi para i = 1, . . . , n e Lz = 0, logo a equação de Euler-Lagrange associada

ao funcional

I[w] =1

2

∫U

‖Dw‖2dx

é

0 = −n∑i=1

(pi)xi =n∑i=1

(uxi)xi =n∑i=1

∂2u

∂x2i

= 4u em U.

e este fato é conhecido como Princípio de Dirichlet.

A equação de Euler-Lagrange acima pode ser facilmente generalizada para o caso

de sistemas. As complicações que aparecem agora é devido a notação. Considere

Mm×n o espaço das matrizes m× n, e assuma que a função suave Lagrangiana

L : Mm×n × Rm × U → R

é dada. Como feito antes, escreva

L = L(P, z, x) = L(p11, . . . , p

mn , z

1, . . . , zm, x1, . . . , xn)

para P ∈Mm×n, z ∈ Rm, x ∈ U , onde

P =

p1

1 · · · p1n

... . . . ...

pm1 · · · pmn

m×n

Seja w : U → Rm uma função suave , w = (w1, . . . , wm), que satisfaz a condição de

fronteira w = g sobre ∂U, para uma função g : ∂U → Rm dada.

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 38

Defina

I[w] :=

∫U

L(Dw(x),w(x), x) dx. (2.1-10)

Aqui

Dw(x) =

w1x1· · · w1

xn... . . . ...

wmx1 · · · wmxn

m×n

é a matriz gradiente de w em x.

Se u = (u1, . . . , um) é um minimizador de I[ · ], entre as funções iguais a g sobre ∂U

e v = (v1, . . . , vm) ∈ C∞0 (U ;Rm), escreva

i(ε) := I[u + εv].

Como antes,

i′(0) = 0.

Calculando a derivada de i(·) obtemos

i′(ε) =

∫U

d

dε[L(Du + εDv,u + εv, x)] dx

=

∫U

DL

[d

dε(Du + εDv,u + εv, x)

]dx

=

∫U

DPL[Dv] +DzL[v]dx

=

∫U

[n∑i=1

m∑k=1

Lpki (Du + εDv,u + εv, x)vkxi +m∑k=1

Lzk(Du + εDv,u + εv, x)vk

]dx.

Se ε = 0 então

0 = i′(0) =

∫U

[n∑i=1

m∑k=1

Lpki (Du,u, x)vkxi +m∑k=1

Lzk(Du,u, x)vk

]dx.

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 39

e a integração por partes nos dá

0 =n∑i=1

m∑k=1

∫U

Lpki (Du,u, x)vkxi dx+

∫U

m∑k=1

Lzk(Du,u, x)vkdx

=n∑i=1

m∑k=1

∫U

−(Lpki (Du,u, x)

)xivk dx+

∫U

m∑k=1

Lzk(Du,u, x)vkdx

=

∫U

m∑k=1

[−

n∑i=1

(Lpki (Du,u, x)

)xi

+ Lzk(Du,u, x)

]vkdx.

Como está igualdade está válida para todas as funções testes v1, . . . , vn concluímos que

−n∑i=1

(Lpki (Du,u, x)

)xi

+ Lzk(Du,u, x) = 0 em U (k = 1, . . . ,m). (2.1-11)

O sistema de EDP’s determinado em (2.1-11) compreende-se a equação de Euler-

Lagrange para o funcional I[ · ] definido em (2.1-10).

2.1.1 Lagrangianas nulas

Definição 2.2 (Lagrangiana nula). A função L é chamada de Lagrangiana nula se para toda

função suave w : U → Rm o sistema de equações de Euler-Lagrange é satisfeito, isto é

−n∑i=1

(Lpki (Dw,w, x)

)xi

+ Lzk(Dw,w, x) = 0 em U (k = 1, . . . ,m). (2.1-12)

A importância de lagrangianas nulas é que o funcional correspondente

I[w] :=

∫U

L(Dw(x),w(x), x)dx

depende somente da condição de fronteira.

Teorema 2.3. SejaL uma Lagrangiana nula. Assuma que u, f sejam duas funções emC∞(U,Rm)

tais que

u ≡ f sobre ∂U.

Então

I[u] = I[f ].

Demonstração:

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 40

Dadas u, f nas condições acima, defina

i(ε) := I[εu + (1− ε)f ] (0 ≤ ε ≤ 1).

Então

i′(ε) =

∫U

[n∑i=1

m∑k=1

Lpki (εDu + (1− ε)Df , εu + (1− ε)f , x)(ukxi − fkxi

)

+m∑k=1

Lzk(εDu + (1− ε)Df , εu + (1− ε)f , x)(uk − fk)

]dx

=m∑k=1

∫U

[−

n∑i=1

(Lpki (εDu + (1− ε)Df , εu + (1− ε)f , x)

)xi

+Lzk(εDu + (1− ε)Df , εu + (1− ε)f , x)] (uk − fk) dx

= 0

pois L é uma Lagrangiana nula e temos que (εu + (1 − ε)f) ∈ C∞(U,Rm) para todo

0 ≤ ε ≤ 1. Logo i( · ) é constante, e assim

I[u] = i(1) = i(0) = I[f ].

Seja P ∈ Mm×n e denotamos por cofP a matriz dos cofatores de P . Sabemos da

álgebra linear que

(detP )I = P T (cofP ),

isto é

(detP )δij =n∑k=1

pki (cofP )kj (i, j = 1, . . . , n). (2.1-13)

Em particular, tomando i = j = m, temos

∂ detP

∂pkm=

n∑l=1

∂pkm

[plm(cofP )lm

]= (cofP )km (k,m = 1, . . . , n). (2.1-14)

De fato, se l 6= k então (cofP )lm não possui a variável pkm, pois retira-se a coluna m da

matriz P , logo a derivada∂

∂pkm

[plm(cofP )lm

]é zero.

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2.1 Equação de Euler-Lagrange 41

Lema 2.4. Seja u : Rn → Rn uma função suave. Então

n∑k=1

(cofDu)ki,xi = 0 (k = 1, . . . , n). (2.1-15)

Demonstração:

Seja P = Du em (2.1-13). Diferenciando em relação a xj , pela regra da cadeia,

n∑k,m=1

δij (cofDu)km ukxmxj

=n∑

k,m=1

δij

[∂ detDu

∂pkm

] (pkm)xj

=∂

∂xj[(detDu)δij]

=∂

∂xj

[n∑k=1

ukxi(cofDu)kj

]

=n∑k=1

ukxixj (cofDu)kj + ukxi (cofDu)kj,xj .

Somando em relação a j = 1, . . . , n, temos

n∑j,k,m=1

δij (cofDu)km ukxmxj

=n∑

j,k=1

ukxixj (cofDu)kj + ukxi (cofDu)kj,xj . (2.1-16)

Como δij = 0 se i 6= j, chegamos então a igualdade

n∑j,k,m=1

δij (cofDu)km ukxmxj

=n∑

k,m=1

(cofDu)km ukxmxi

=n∑

j,k=1

ukxixj (cofDu)kj .

Simplificando em (2.1-16) obtemos,

n∑k=1

ukxi

(n∑j=1

(cofDu)kj,xj

)= 0 (i = 1, . . . , n), (2.1-17)

que na realidade é um sistema linear homogêneo. Se detDu(x0) 6= 0, então concluímos

quen∑j=1

(cofDu)kj,xj = 0 (k = 1, . . . , n)

em x0. Agora se detDu(x0) = 0, escolha ε > 0 de modo que detD(u(x0) + εI) 6= 0, e

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2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer 42

repita o que fizemos acima para a função f = u + εI , assim vamos chegar em

n∑j=1

(cofD(u(x0) + εx0)kj,xj = 0 (k = 1, . . . , n).

Como a função cof é uma função contínua, fazendo ε→ 0 temos o resultado.

Teorema 2.5. A função determinante L : Mn×n × Rn × U → R dada por

L(P, z, x) := detP

é uma Lagrangiana nula.

Demonstração:

Como L depende somente da primeira variável, iremos simplesmente escrever

L(P, z, x) = L(P ). Seja agora u : U → Rn uma função suave. De acordo com (2.1-

14), temos

Lpki = (cofP )ki (i, k = 1, . . . , n).

Assim, pela conclusão do lema precedente,

−n∑i=1

(Lpki (Du)

)xi

+ Lzk(Du) = −n∑i=1

(cofDu)ki,xi = 0 (k = 1, . . . , n).

Portanto L é uma Lagrangiana nula.

2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer

Após as considerações feitas na seção anterior, estamos com as ferramentas necessárias

para a demonstração do principal teorema deste capítulo. A sua demonstração será

dividida em três etapas; em cada uma das quais o método utilizado é por absurdo.

Iremos usar a notação para a bola fechada B[0, 1] = x ∈ Rn : ‖x‖ ≤ 1.

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2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer 43

Teorema 2.6 (Teorema do Ponto Fixo de Brouwer). Assuma que

u : B[0, 1]→ B[0, 1]

seja uma função contínua. Então u tem um ponto fixo, isto é, existe x ∈ B[0, 1] tal que

u(x) = x.

Demonstração:

Etapa I. Escreva B = B[0, 1]. Nossa primeira afirmação é que não existe uma função

suave

w : B → ∂B (2.2-18)

cumprindo

w(x) = x para todo x ∈ ∂B. (2.2-19)

Com efeito, suponhamos que tal função w exista. Assim, por (2.2-19) temos

w ≡ I sobre ∂B.

Desde que a função determinante é uma Lagrangiana nula, então o teorema 2.3 implica

que ∫B

detDw dx =

∫B

detDI dx = vol(B) 6= 0. (2.2-20)

Por outro lado, (2.2-18) implica que ‖w‖2 ≡ 1, e então diferenciando, nós temos

〈Dw,w〉 = (Dw)T w = 0. (2.2-21)

Como ‖w‖2 = 1, (2.2-21) diz que 0 é um auto valor de (Dw)T para todo x ∈ B, assim

detDw = det (Dw)T = 0,

em contradição com (2.2-20). Logo não existe uma função suave w satisfazendo (2.2-18)

e (2.2-19).

Etapa II. Vamos provar agora que não existe função contínua w satisfazendo (2.2-18) e

(2.2-19). Suponhamos que exista tal função w, e estenda continuamente para a função

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2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer 44

w1 : Rn → Rn dada por w1(x) = x se x ∈ Rn −B.

Observe que w1(x) 6= 0 se x ∈ Rn. Fixe ε > 0 tão pequeno que wε1 = ηε ∗w1, onde ηε

é dada pela definição 3.26 do apêndice, cumpra ‖wε1(x)‖ 6= 0 (x ∈ Rn). Isto é possível

devido a propriedade (iii) do teorema 3.28 do apêndice.

Note também que, para ε > 0 suficientemente pequeno, se ‖x‖ ≥ 2, então ‖x−y‖ ≥

1 para todo y ∈ B(0, ε), assim w1(x− y) = x− y, logo

wε1(x) = (ηε ∗w1) (x) =

∫B(0,ε)

ηε(y)w1(x− y)dy

=

∫B(0,ε)

ηε(y) [x− y] dy

= x

∫B(0,ε)

ηε(y)dy −∫B(0,ε)

ηε(y)y dy

= x−K

onde K =

∫B(0,ε)

ηε(y)y dy e satisfaz ‖K‖ < 2. Defina w2 := wε1 + K, então w2(x) = x,

para ε > suficientemente pequeno e x ∈ Rn −B[0, 2].

Defina

w3 :=2w2

‖w2‖,

então w3 é uma função suave pois, w2 é uma função suave devido a propriedade (i) do

teorema 3.28 do apêndice e w2(x) 6= 0 (x ∈ Rn). A função w3 cumpre as condições (2.2-

18) e (2.2-19) para a bola B[0, 2]. Usando os mesmos argumentos da Etapa I conclue-se

que isto é impossível.

Etapa III. Finalmente vamos a prova do nosso teorema. Suponhamos que exista u

contínua mas não possua ponto fixo. Defina a aplicação w : B → ∂B por

w(x) :=x− u(x)

‖x− u(x)‖,

observe que w é uma função contínua pois ‖x− u(x)‖ 6= 0 para todo x ∈ B. Note que

w(x) é o ponto de ∂B que é atingido pelo vetor de origem x passando por u(x).

x

u(x)w(x)

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2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer 45

Então w(x) = x sobre ∂B, e w é uma função contínua que cumpre (2.2-18) e (2.2-19).

Mas isto é uma contradição com a etapa II, portanto u possui um ponto fixo.

Para futuras aplicações, será necessário uma generalização para conjuntos conve-

xos do Teorema do Ponto Fixo de Brouwer.

Definição 2.7. Seja X um espaço topológico não vazio. Dizemos que X tem a propriedade do

ponto fixo se toda função contínua f : X → X tem um ponto fixo.

Teorema 2.8. Se X tem a propriedade do ponto fixo e X é homeomorfo a Y , então Y tem a

propriedade do ponto fixo.

Demonstração:

Seja h : X → Y um homeomorfismo e seja g : Y → Y uma função contínua. Assim

h−1 g h : X → X

é contínua. Logo existe x0 ∈ X tal que

h−1 g h(x0) = x0.

Tome h(x0) = y0 ∈ Y , então g(y0) = y0.

Definição 2.9. Sejam A ⊂ X . Dizemos que A é um retrato de X , se existe uma aplicação

contínua r : X → A onde r ≡ I sobre A. A função r é chamada retração.

Teorema 2.10. Se X tem a propriedade do ponto fixo e A é um retrato de X , então A tem a

propriedade do ponto fixo.

Demonstração:

Seja r : X → A uma retração e f : A → A contínua. Logo f r : X → A ⊂ X é

uma função contínua. Assim, de X ter a propriedade do ponto fixo, existe x0 ∈ X tal

que (f r)(x0) = x0. Agora, como x0 = (f r)(x0) ∈ A, segue que r(x0) = x0, então

f(x0) = x0.

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2.2 Teorema do Ponto Fixo de Brouwer 46

Agora vamos a generalização.

Teorema 2.11. Todo conjunto K ⊂ Rn convexo, fechado, limitado e não vazio tem a proprie-

dade do ponto fixo.

Demonstração:

Sendo K limitado, segue que K ⊂ B[0,M ] para M > 0 suficientemente grande.

Sendo B[0, 1] e B[0,M ] homeomorfas, segue do Teorema do Ponto Fixo de Brouwer

que B[0, 1] tem a propriedade do ponto fixo e portanto B[0,M ] também o possui.

O teorema 3.23 do apêndice afirma queK é uma retração deB[0,M ], e pelo teorema

2.10, K possui a propriedade do ponto fixo.

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CAPÍTULO 3

TEOREMAS DE PONTO FIXO DE SCHAUDER E DE

SCHAEFER

Finalizamos nosso trabalho trazendo os teoremas de ponto fixo de Schauder e de Scha-

efer. Neste capítulo, X denotará um espaço de Banach real.

3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder

Nesta seção estabeleceremos uma extensão do Teorema do Ponto Fixo de Brouwer para

espaços de Banach. Agora a hipótese exigida é compacidade. Esta generalização é

devida a Schauder. A ideia agora é aproximar aplicações compactas por aplicações

com imagem de dimensão finita.

Vejamos com um exemplo que para espaços de Banach de dimensão infinita X ,

uma aplicação A : B[0, 1]→ B[0, 1] contínua não necessariamente possui ponto fixo.

Considere

l2 := x = (x1, x2, . . .) : ‖x‖2 =∞∑i=1

|xi|2 <∞

e B := B[0, 1] ⊂ l2. Defina A : B → B por

A[x] :=(√

1− ‖x‖2, x1, x2, . . .)

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3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder 48

Note que

‖A[x]‖2 =(√

1− ‖x‖2)2

+∞∑i=2

|xi−1|2 = (1− ‖x‖2) + ‖x‖2 = 1.

Logo, A está bem definida.

Para a continuidade de A, seja xn = (xn1 , xn2 , . . .) ∈ B tal que xn → x. Então

‖A[xn]− A[x]‖2 =((√

1− ‖xn‖2)−(√

1− ‖x‖2))2

+

(∞∑i=2

|xni−1 − xi−1|2)

=((√

1− ‖xn‖2)−(√

1− ‖x‖2))2

+ ‖xn − x‖2.

Assim, ‖A[xn]− A[x]‖2 → 0 quando n→∞, logo A é contínua. Suponha que A possua

um ponto fixo x ∈ B, assim

(x1, x2, x3, . . .) = x = A[x] =(√

1− ‖x‖2, x1, x2, . . .).

Então x1 =√

1− ‖x‖2 e xi+1 = xi para todo i = 1, 2, . . .

Logo,

1 = ‖A[x]‖2 = ‖x‖2 = 1− (x1)2

então x1 = 0 e x = (0, 0, . . .). Mas A[x] = (1, 0, 0, . . .) 6= (0, 0, . . .) = x, o que é uma

contradição. Portanto A não possui ponto fixo.

Para demonstração do Teorema do Ponto Fixo de Schauder precisamos de alguns

resultados auxiliares.

Definição 3.1. Seja Y = u1, . . . , un ⊂ X.Chamamos por envoltória convexa de u1, . . . , un

o conjunto

conv (Y ) :=

n∑i=1

λiui : 0 ≤ λi ≤ 1,n∑i=1

λi = 1

.

A envoltória convexa de um conjunto Y = u1, . . . , un é um conjunto fechado e é

o menor convexo que contém Y .

De fato, seja vk∞k=1 uma sequência de pontos de conv (Y ) que converge para v ∈ X .

Temos que vk =n∑i=1

λki ui com 0 ≤ λki ≤ 1 en∑i=1

λki = 1 para todo k ∈ N. Como λk1∞k=1

é uma sequência real limitada, segue que esta possui uma subsequência convergente,

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3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder 49

isto é, existe J1 ⊂ N infinito tal que limk∈J1

λk1 = λ1 com 0 ≤ λ1 ≤ 1. Considerando agora a

sequência λk2k∈J1 real limitada, temos que existe J2 ⊂ J1 infinito tal que limk∈J2

λk2 = λ2 e

0 ≤ λ2 ≤ 1. Continuando esse raciocínio obtemos um conjunto J ⊂ Ji infinito, tal que

limk∈J

λki = λi com 0 ≤ λi ≤ 1. Da seguinte igualdaden∑i=1

λki = 1 obtemos quen∑i=1

λi = 1.

Defina então v∗ =n∑i=1

λiui ∈ conv (Y ).

Temos que v = v∗. Com efeito, dado ε > 0 existe N ∈ N tal que se k ∈ J e k > N,

então

‖vk − v‖ <ε

2e |λki − λi| <

ε

2(‖u1‖+ . . .+ ‖un‖)para i = 1, . . . , n.

Assim,

0 ≤ ‖v − v∗‖ ≤ ‖v − vN‖+ ‖vN − v∗‖

2+(|λN1 − λ1|‖u1‖+ . . .+ |λNn − λn|‖un‖

)< ε.

Portanto v = v∗ e conv (Y ) é fechado.

Claramente Y ⊂ conv (Y ) e dados u, v ∈ conv (Y ) temos que

u =n∑i=1

λiui com 0 ≤ λi ≤ 1 en∑i=1

λki = 1

e também

v =n∑i=1

βiui com 0 ≤ βi ≤ 1 en∑i=1

βki = 1.

Assim, para 0 ≤ t ≤ 1 temos

(1− t)u+ tv = (1− t)n∑i=1

λiui + t

n∑i=1

βiui

=n∑i=1

[(1− t)λi + tβi]ui

=n∑i=1

ξiui,

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3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder 50

onde ξi = [(1− t)λi + tβi] com

n∑i=1

ξi = (1− t)n∑i=1

λi + t

n∑i=1

βi = (1− t) + t = 1.

Logo (1− t)u+ tv ∈ Yc e, portanto, conv (Y ) é convexo.

Para completar nossa afirmação, vamos mostrar que conv (Y ) é o menor convexo

que contém Y . Suponha por absurdo que exista Y ⊂ C conv (Y ) com C convexo.

Então existe u ∈ conv (Y ) \ C, assim u é uma combinação convexa dos elementos de

Y . Devemos mostrar que u ∈ C, o que será feito por indução. Se n = 1 o resultado é

óbvio. Suponhamos que o resultado é válido para n− 1 e provemos para n. Considere

u =n∑i=1

λiui com 0 ≤ λi ≤ 1 en∑i=1

λi = 1.

Se λn = 1, então u = un ∈ C, caso contrárion−1∑i=1

λi > 0 e então

v =

(λ1∑n−1i=1 λi

)u1 + . . .+

(λn−1∑n−1i=1 λi

)un−1

pertence a C por hipótese. Como un ∈ C, para t =n−1∑i=1

λi da convexidade de C temos

que

tv + (1− t)un =n∑i=1

λiui = u ∈ C.

Portanto conv (Y ) é o menor convexo que contém Y .

Para futuras aplicações, definimos o casco convexo de convexo de um conjunto

qualquer Y ⊂ X .

Definição 3.2. Seja Y ⊂ X chamamos por envoltória convexa de Y , e denotamos por conv (Y )

, o menor convexo que contém Y .

Segue um importante resultado sobre envoltória convexa de conjuntos compactos,

sua demonstração pode ser encontrada em [2] capítulo 5 teorema 5.35.

Teorema 3.3. Em um espaço métrico localmente convexo, o fecho da envoltória convexa de um

conjunto compacto é compacto.

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3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder 51

Este teorema abrange os espaços de Banach com a topologia proviniente da norma.

Notação : Para ε > 0 fixo, denotamos

Yε :=n⋃i=1

B(ui, ε)

e definimos para i = 1, . . . , n a aplicação ωi : Yε → R por

ωi[u] := max0, ε− ‖u− ui‖.

Note que cada ωi é contínua.

Seja agora K ⊂ X um subconjunto compacto e convexo. Para ε > 0 fixo, seja

Y = u1, . . . , uNε um subconjunto de K tal que

K ⊂Nε⋃i=1

B(ui, ε) = Yε.

Isto é possível pois K é compacto. Como K é convexo, Y ⊂ K e conv (Y ) é o menor

convexo que contém Y , segue que conv (Y ) ⊂ K.

A projeção de Schauder é a aplicação Pε : K → conv (Y ) definida por

Pε[u] :=

∑Nεi=1 ωi[u]ui∑ni=1 ωi[u]

.

Notemos que a projeção de Schauder está bem definida pois se u ∈ Yε, então u ∈

B(ui, ε) e assim 0 < ε − ‖u − ui‖ = ωi[u] e, portanto,Nε∑i=1

ωi[u] > 0. Notando que cada

Pε[u] é combinação convexa dos elementos de Y , segue que Pε[u] ∈ conv (Y ).

Lema 3.4. Seja K ⊂ X um subconjunto compacto e convexo. A projeção de Schauder definida

acima é contínua e ainda mais, para todo u ∈ K temos

‖u− Pε[u]‖ < ε. (3.1-1)

Demonstração:

A continuidade é imediata, pois cada ωi é contínua e ω[u] :=Nε∑i=1

ωi[u] > 0. Dado

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3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder 52

u ∈ K temos

‖u− Pε[u]‖ =

∥∥∥∥∥ω[u]

ω[u]u−

∑Nεi=1 ωi[u]uiω[u]

∥∥∥∥∥ =1

ω[u]

∥∥∥∥∥ω[u]u−Nε∑i=1

ωi[u]ui

∥∥∥∥∥=

1

ω[u]

∥∥∥∥∥Nε∑i=1

ωi[u]u−Nε∑i=1

ωi[u]ui

∥∥∥∥∥ =1

ω[u]

∥∥∥∥∥Nε∑i=1

ωi[u](u− ui)

∥∥∥∥∥≤ 1

ω[u]

Nε∑i=1

ωi[u]‖u− ui‖ <1

ω[u]ω[u]ε = ε.

Agora estamos com as ferramentas necessárias para demonstração do teorema.

Teorema 3.5 (Teorema do Ponto fixo de Schauder). Suponha que K ⊂ X é compacto e

convexo, e assuma que

A : K → K

é contínua. Então A possui um ponto fixo.

Demonstração:

Fixe ε > 0. Como K é compacto e convexo, seja Y = u1, . . . , uNεum subconjunto

de K tal que conv (Y ) ⊂ K ⊂ Yε. Considere a projeção de Schauder Pε : K → conv (Y )

definida anteriormente.

Defina agora o operador Aε : conv (Y )→ conv (Y ) por

Aε[u] := Pε [A[u]] (u ∈ conv (Y )).

Temos que Aε é contínua pois é a composição de contínuas. E desde que conv (Y )

é convexo e fechado como também limitado, pois conv (Y ) ⊂ K e K é compacto,

e sendo um subconjunto de um subespaço vetorial de dimensão finita, contido em

spanu1, . . . , uNε, segue que conv (Y ) é homeomorfo a algum conjunto convexo, fe-

chado e limitado Z ⊂ Rm para algum m ≤ uNε . Segue dos teoremas 2.8 e 2.11 do

capítulo 2 que existe uε ∈ conv (Y ) satisfazendo

Aε[uε] = uε. (3.1-2)

Como ε > é arbitrário, temos que para cada k ∈ N (tomando ε = 1k) existe uk ∈ K

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3.1 Teorema do Ponto Fixo de Schauder 53

cumprindo (3.1-2). Isto define uma sequência uk∞k=1 em K, sendo compacto, existe

uma subsequência ukj∞j=1 e um ponto u ∈ K com ukj → u.

Assim, pelo lema 3.4 temos

‖ukj − A[ukj ]‖ = ‖Akj [ukj ]− A[ukj ]‖ = ‖Pkj[A[ukj ]

]− A[ukj ]‖ <

1

kj.

Como A é contínua segue que A[ukj ] → A[u] e a desigualdade acima implica que

u = A[u].

Corolário 3.6. SejaC ⊂ X um subconjunto convexo e fechado. SeA : C → C é uma aplicação

contínua e A [C] ⊂ K ⊂ C, onde K é um conjunto compacto. Então A possui um ponto fixo.

Demonstração:

Sendo K compacto, existe Y = u1, . . . , uNε ⊂ K, tal que A [C] ⊂ K ⊂ Yε. Uma vez

que C é convexo temos que conv (Y ) ⊂ C. Seja projeção de Schauder Pε : K → conv (Y )

e considere Aε : conv (Y )→ conv (Y ) por

Aε[u] := Pε [A[u]] (u ∈ conv (Y )).

Prosseguindo de modo análogo a demonstração do teorema do ponto fixo de Schauder

obtemos que Aε tem um ponto fixo uε. Isto define uma sequência uk∞k=1 em C com a

sequinte propriedade

‖uk − A[uk]‖ = ‖Ak[uk]− A[uk]‖ = ‖Pk [A[uk]]− A[uk]‖ <1

k.

Como A[uk]∞k=1 é uma sequência em K, podemos assumir que A[uk] → u em K, a

desigualdade acima implica que uk → u, como C é fechado, u ∈ C. Como A é contínua

segue que A[u] = u.

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3.2 Teorema do Ponto Fixo de Schaefer 54

3.2 Teorema do Ponto Fixo de Schaefer

Definição 3.7. Uma aplicação A : X → X é chamada compacta se para toda sequência limi-

tada uk∞k=1 a sequência A[uk]∞k=1 possui uma subsequência convergente em X .

Teorema 3.8 (Teorema do Ponto Fixo de Schaefer). Suponha que

A : X → X

seja uma aplicação contínua e compacta. Assuma ainda que o conjunto

Y = u ∈ X : u = λA[u] para algum 0 ≤ λ ≤ 1

é limitado. Então, A tem um ponto fixo.

Demonstração:

Sendo Y limitado, seja M > 0 uma cota superior de Y , isto é,

‖u‖ < M se u = λA[u] para algum 0 ≤ λ ≤ 1 (3.2-3)

Defina à : X → X por

Ã[u] :=

A[u] se ‖A[u]‖ ≤M

MA[u]

‖A[u]‖se ‖A[u]‖ ≥M.

(3.2-4)

SendoA compacta segue que à é compacta. Com efeito, seja uk∞k=1 uma sequência

limitada em X , seja A[ukj ]∞j=1 convergente para v ∈ X . Se ‖v‖ > M , existe N ∈ N tal

que ‖A[ukj ]‖ > M se j > N , assim a subsequência Ã[ukj ]∞j>N converge para Mv‖v‖ ∈ X .

Se ‖v‖ < M de modo análogo temos que existe N ∈ N tal que Ã[ukj ]∞j>N converge

para v ∈ X . Agora, se ‖v‖ = M , temos que deve existir uma subsequência A[ukjn ]∞n=1

de tal modo que ‖A[ukjn ]‖ < M , ‖A[ukjn ]‖ > M ou ‖A[ukjn ]‖ = M para todo n ∈ N. Os

dois primeiros casos recaem nos anterios, para o terceiro basta notar que A[u] = Ã[u].

Note que Ã[X] ⊂ B[0,M ], assim podemos considerar à : B[0,M ] → B[0,M ]. Seja

K o fecho do menor convexo que contém Ã[B[0,M ]], isto é K = con(Ã[B[0,M ]]

), note

que K ⊂ B[0,M ] pois toda bola fechada é convexa e fechada.

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3.2 Teorema do Ponto Fixo de Schaefer 55

Afirmamos que K é compacto e convexo.

Com efeito, vamos mostrar a priori que Ã[B[0,M ]] é compacto. Isto segue sem

dificuldades observando que se à é uma aplicação compacta, então toda sequência

em Ã[B[0,M ]] possui uma subsequência convergente, pois a pré imagens formam uma

sequência limitada.

Sendo Ã[B[0,M ]] compacto, seque do teorema 3.3 que K é um conjunto compacto.

A convexidade de K segue por ser o fecho de um conjunto convexo.

Considere à |K : K → K . Como K é compacto e convexo, sendo à contínua, segue

do Teorema do Ponto Fixo de Schauder que existe um ponto u0 ∈ K tal que

Ã[u0] = u0 (3.2-5)

Afirmamos agora que u0 é um ponto fixo de A. Suponhamos o contrário, isto é,

u0 6= A[u0]. Logo

‖A[u0]‖ > M,

pois se ‖A[u0]‖ ≤M teríamos por (3.2-4) e (3.2-5) que u0 = Ã[u0] = A[u0].

Assim, de acordo com a definição de à temos

u0 =MA[u0]

‖A[u0]‖= λA[u0] para λ =

M

‖A[u0]‖< 1. (3.2-6)

Mas,

‖u0‖ = ‖Ã[u0]‖ =

∥∥∥∥MA[u0]

‖A[u0]‖

∥∥∥∥ = M,

o que é uma contradição com (3.2-3) e (3.2-6).

Para algumas aplicações é conveniente termos um resultado que é uma variação do

teorema acima.

Teorema 3.9 (Teorema de ponto fixo para conjuntos convexos). Seja K um subconjunto

convexo de um espaço de Banach X , com 0 ∈ K. Se A : K → K é uma aplicação contínua e

compacta para o qual o conjunto

u ∈ K : u = λA[u] para algum 0 ≤ λ ≤ 1

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3.3 Aplicações 56

é limitado, então A tem um ponto fixo.

Para provar este teorema, basta fazer uma leve modificação na demonstração acima.

Observando que se 0 ∈ K então K ∩ B[0,M ] é não vazio e convexo para todo M > 0,

assim podemos considerar à : K ∩ B[0,M ] → K ∩ B[0,M ]. Como K ∩ B[0,M ] é con-

vexo, o fecho do menor conjunto convexo que contém Ã[K ∩ B[0,M ]] está contito em

K ∩B[0,M ], e o resultado segue de modo análogo.

3.3 Aplicações

Para as apliacações precisamos de alguns fatos dos espaços Lp e espaços de Sobolev.

As integrais que aparecem nesta seção são as integrais de Lebesgue.

Teorema 3.10 (Teorema da Convergência Dominada). Seja U ⊂ Rn um aberto, e p ∈

[1,+∞), e fn uma sequência de funções mensuráveis com domínio em U. Suponhamos que

fn converge quase sempre para f , e exista uma função g ∈ Lp(U) tal que, |fn(x)| ≤ g(x)

para todo x ∈ U − Z, onde Z é um conjunto de medida nula. Então cada fn assim como f

pertencem a Lp(U) e fn → f em Lp(U).

Corolário 3.11. Dada f ∈ C(R) tal que |f(t)| ≤ α(1 + |t|) onde α > 0. Então a aplicação

u 7−→ f(u) é contínua de L2(U) em L2(U).

Aplicação 3.12 (Equação Elíptica Semilinear). Vamos estudar a equação diferencial semili-

near com a forma −4 u = f(u) em U

u = 0 sobre ∂U,(3.3-7)

onde U é limitado com fronteira suave e f : R→ R uma função dada.

Teorema 3.13. Seja U ⊂ Rn um aberto, limitado e com fronteira suave, e f ∈ C(R) uma

função limitada. Então o problema de contorno 3.3-7 tem uma solução fraca u ∈ H10 (U), isto é,

a seguinte igualdade ∫U

Du ·Dφdx =

∫U

f(u)φ dx

é válida para toda função teste φ ∈ C∞0 (U).

Demonstração:

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3.3 Aplicações 57

Defina a aplicação A : L2(U)→ L2(U) por,

A(u) := (−4)−1 (f(u)) .

Nosso objetivo é mostrar que A se encaixa nas hipóteses do teorema do ponto fixo de

Schauder, obtendo assim um ponto fixo que será a solução fraca desejada.

A é uma aplicação contínua. O corolário 3.11 garante que u 7−→ f(u) é contínua

de L2(U) nele mesmo. O corolário 3.38 do apêndice, afirma que (−4)−1 é contínua de

L2(U) em H10 (U), que pode ser imerso contínuamente em L2(U) pela proposição 3.35.

Portanto A é uma aplicação contínua.

Vamos encontrar um conjunto não vazio K fechado e convexo tal que A : K → K.

Dada u ∈ L2(U), temos que A(u) satisfaz

∫U

‖DA(u)‖2dx =

∫U

A(u)f(u) dx ≤ ‖f‖L2(U)‖A(u)‖L2(U) ≤ a|U |‖A(u)‖L2(U) (3.3-8)

pela desigualdade de Cauchy-Schwarz, onde a é tal que |f(x)| ≤ a (∀x ∈ R) . A desi-

gualdade de Poincaré nos dá

‖A(u)‖2L2(U) ≤ C‖DA(u)‖2

L2(U) ≤ a|U |C‖A(u)‖L2(U)

para alguma constante C. Seja r := a|U |C e escolha K := u ∈ L2(U) : ‖u‖L2(U) ≤ r.

Então A : K → K.

Vamos provar agora que A(K) está contido em algum compacto. Aplicando nova-

mente a desigualdade de Poincaré do lado direito de (3.3-8) obtemos

‖DA(u)‖2L2(U) ≤ C‖DA(u)‖L2(U)

para alguma constante C. Assim ‖A(u)‖L2(U) ≤ C, isto implica que A(K) é limitado em

H10 (U) pelo corolário 3.40 do apêndice. E uma vez que a imersão de H1

0 (U) em L2(U)

está contida em algum compacto, segue que A(K) está contido em algum compacto.

Uma vez que K é convexo e fechado, A é contínua e A(K) está contido em algum

compacto segue do corolário do teorema do ponto fixo de Schauder que A tem um

ponto fixo u ∈ K. Pela escolha do operador A, este u está em H10 (U).

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3.3 Aplicações 58

Aplicação 3.14. Vamos agora aplicar o Teorema de Schaefer para provar a existência de solução

de um problema elíptico de valores de fronteira quasilinear

−4 u+ g (Du) + µu = 0 em U

u = 0 sobre ∂U,(3.3-9)

onde U é aberto, limitado com fronteira suave e g : Rn → R uma função suave e Lipschitz.

Sendo g uma função Lipschitz, temos que para todo p ∈ Rn

|g(p)| ≤ C (‖p‖+ 1) , (3.3-10)

para alguma constante C.

Teorema 3.15. Se µ > 0 é suficientemente grande, existe uma função u ∈ H2(U) ∩ H10 (U)

solução fraca do problema de valor de fronteira (3.3-9).

Demonstração:

Dada u ∈ H10 , defina

f := −g (Du) . (3.3-11)

Devido a estimativa (3.3-10), temos que f ∈ L2(U). Pela proposição 3.37 do apêndice,

temos que existe w ∈ H10 (U) que é a unica solução para o problema linear

−4 w + µw = f em U

w = 0 sobre ∂U.(3.3-12)

Pela teoria da regularidade, olhar [5], temos que w ∈ H2(U), com a estimativa

‖w‖H2(U) ≤ K ‖f‖L2(U) , (3.3-13)

para alguma constante K.

Assim, fica bem definida a aplicação A : H10 (U)→ H1

0 (U) ∩H2(U) dada por

A[u] = w.

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3.3 Aplicações 59

Logo de (3.3-10) e (3.3-13) segue a desigualdade

‖A[u]‖H2(U) = ‖w‖H2(U) ≤ K ‖f‖L2(U) = K ‖−g (Du)‖L2(U)

≤ k(‖Du‖L2(U) + 1

)= k

(‖u‖H1

0 (U) + 1), (3.3-14)

onde k = KC > 0.

Note que, se A tiver um ponto fixo, então esse ponto fixo será a solução procurada

do problema (3.3-9). Para provar a existência de tal ponto fixo, utilizaremos o Teorema

do Ponto Fixo de Schaefer. Vamos mostrar que A : H10 (U) → H1

0 (U) se enquadra das

hipóteses do teorema.

Com efeito, se uk → u em H10 (U), então uk é limitada por uma constante M > 0,

assim por (3.3-14) nós temos

‖A[uk]‖H2(U) = ‖wk‖H2(U) ≤ k(‖uk‖H1

0 (U) + 1)≤ k (M + 1) .

Logo,

supk‖wk‖H2(U) <∞. (3.3-15)

Portanto existe uma subsequência wkj∞j=1 e uma função w ∈ H10 (U) tal que

wkj → w em H10 (U). (3.3-16)

Agora, ∫U

(Dwkj ·Dv + µwkjv

)dx = −

∫U

g(Dukj

)v dx

para todo v ∈ H10 (U). Como g é contínua, de ukj → u e por (3.3-16) temos que

∫U

(Dw·Dv + µwv) dx = −∫U

g (Du) v dx

para todo v ∈ H10 (U). Assim w é a solução fraca de (3.3-12) e A[u] = w , portanto A é

contínua.

Para mostrar queA é compacta, basta observar que se uk∞k=1 é uma sequência limi-

tada em H10 (U), temos então que (3.3-15) também é satisfeita, e prosseguindo de modo

análogo podemos encontrar uma subsequência A[ukj ]∞j=1 que converge em H10 (U).

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3.3 Aplicações 60

Finalmente vamos mostrar que se µ é suficientemente grande, então o conjunto

Y = u ∈ H10 (U) : u = λA[u] para algum 0 ≤ λ ≤ 1

é limitado em H10 (U). Assuma que u ∈ H1

0 (U) é tal que

u = λA[u] para algum 0 < λ ≤ 1.

Entãou

λ= A[u], isto é, u ∈ H2(U) ∩H1

0 (U) e

−4 u+ µu = −λg(Du) em U.

Multiplicando essa igualdade por u e integrando sobre U , obtemos que

∫U

‖Du‖2 + µ‖u‖2dx = −∫U

λg(Du)u dx

≤∫U

λC (‖Du‖+ 1) ‖u‖ dx

≤∫U

C (‖Du‖‖u‖+ ‖u‖) dx. (3.3-17)

Aplicando a desigualdade ab ≤ a2

2ε+εb2

2(ε > 0) com a = ‖Du‖, b = ‖u‖ e ε = C temos

que

‖Du‖‖u‖ ≤ |Du‖2

2C+C‖u‖2

2,

substituindo em (3.3-17) temos,

∫U

[‖Du‖2 + µ‖u‖2

]dx ≤

∫U

C

[|Du‖2

2C+C‖u‖2

2+ ‖u‖

]dx

≤ 1

2

∫U

‖Du‖2dx+

∫U

C

[C‖u‖2

2+‖u‖2 + 1

2

]dx

=1

2

∫U

‖Du‖2dx+

∫U

C

[(C + 1)‖u‖2

2+

1

2

]dx

≤ 1

2

∫U

‖Du‖2dx+K

∫U

[‖u‖2 + 1

]dx, (3.3-18)

onde K =C(C + 1)

2é uma constante que não depende λ. Então, subtraindo os termos

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3.3 Aplicações 61

em (3.3-18) se µ for suficientemente grande obtemos

‖u‖2H1

0 (U) ≤1

2

∫U

‖Du‖2dx+ (µ−K)

∫U

‖u‖2dx ≤ K

∫U

1 dx = K|U |,

e portanto Y é limitado.

Aplicando o Teorema do Ponto fixo de Schaefer com X = H10 (U), concluímos que

A tem um ponto fixo u ∈ H10 (U) ∩H2(U) que é solução fraca do problema de contorno

(3.3-9).

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APÊNDICE

3.4 Análise Real

Nesta seção U ⊂ Rn sempre será um conjunto aberto e k ∈ 1, 2, . . ..

Definição 3.16. Dizemos que a fronteira ∂U é de classe Ck se para todo x0 ∈ ∂U existe r > 0

e uma função γ : Rn−1 → R de classe Ck tal que (reorientando os eixos se necessário) temos

U ∩B(x0, r) = x ∈ B(x0, r) : xn > γ(x1, . . . , xn−1).

A fronteira é dita de classe C∞ se ∂U é Ck para k = 1, 2, . . .

Definição 3.17. (i) Se ∂U é C1, então ao longo de ∂U é definido o campo de vetores normais

apontado para fora

ν = (ν1, . . . , νn)

o vetor normal unitário de um ponto x0 ∈ ∂U é ν(x0) = ν = (ν1, . . . , νn).

(ii) Seja u ∈ C1(U). Chamamos∂u

∂ν:= νDu

(apontando para fora) de derivada normal de u.

Teorema 3.18 (Teorema de Gauss-Green). Suponhamos que U seja limitado e que ∂U seja

C1:

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3.5 Análise Funcional 63

(i) Se u ∈ C1(U). Então

∫U

uxidx =

∫∂U

uνidS (i = 1, . . . , n).

(ii) Temos ∫U

div u dx =

∫∂U

uν dS.

para cada campo de vetores u ∈ C1(U,Rn).

O item (ii) é chamado de Teorema da Divergêcia.

Teorema 3.19 (Fórmula de integração por partes). Seja u, v ∈ C2(U). Então

∫U

uxivdx = −∫U

uvxidx+

∫∂U

uvνi dS.

Teorema 3.20 (Desigualdade de Gronwall). Seja ξ(t) não negativa, somável sobre [0, T ] e

cumpra para quase todo t a desigualdade

ξ(t) ≤ C1

∫ t

0

ξ(s)ds+ C2

para constantes C1, C2 ≥ 0. Então

ξ(t) ≤ C2

(1 + C1te

C1t)

para quase todo t ∈ [0, T ]. Em particular, se

ξ(t) ≤ C1

∫ t

0

ξ(s)ds

para quase todo t. Então

ξ(t) = 0 q.s.

3.5 Análise Funcional

Teorema 3.21 (Projeção sobre um convexo fechado). Sejam X um espaço de Hilbert e

K ⊂ X um convexo, fechado e não vazio. Então para todo x ∈ X existe um único u(x) ∈ K

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3.5 Análise Funcional 64

tal que

‖x− u(x)‖ = minv∈K‖x− v‖. (3.5-19)

Ainda mais, u(x) se caracteriza por

u(x) ∈ K

〈x− u(x), v − u(x)〉 ≤ 0 ∀v ∈ K.(3.5-20)

Dizemos que u(x) é a projeção de x sobre K.

Proposição 3.22. Com as mesmas hipóteses do teorema acima, verifica-se

‖u(x)− u(y)‖ ≤ ‖x− y‖ ∀x, y ∈ X.

Demonstração:

Como u(x), u(y) ∈ K temos de 3.5-20 que

〈x− u(x), u(y)− u(x)〉 ≤ 0

〈y − u(y), u(x)− u(y)〉 ≤ 0,

somando essas desigualdades temos

〈y − x+ u(x)− u(y), u(x)− u(y)〉 ≤ 0

=⇒ 〈u(x)− u(y), u(x)− u(y)〉 ≤ 〈x− y, u(x)− u(y)〉

=⇒ ‖u(x)− u(y)‖2 ≤ ‖x− y‖‖u(x)− u(y)‖.

O que prova o resultado.

Teorema 3.23. Todo conjunto K ⊂ Rn convexo, fechado e não vazio é uma retração do Rn.

Demonstração:

Considere a aplicação u : Rn → K definida no teorema 3.21, pela proposição 3.22

ela é contínua, é por 3.5-20 temos que se x ∈ K então

‖x− u(x)‖2 = 〈x− u(x), x− u(x)〉 ≤ 0.

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3.5 Análise Funcional 65

Então

u(x) = x.

E portanto K é uma retração do Rn.

Definição 3.24. O suporte de uma função f : Ω→ R é o conjunto supp(f) = x ∈ Ω : f(x) 6= 0 .

Uma função f é dita ter suporte compacto se o conjunto supp(f) é compacto. Note

que o suporte é sempre um conjunto fechado, assim, o suporte é compacto se e somente

se é limitado. Denote o conjunto de todas as funções suaves com suporte compacto por

C∞0 . As vezes vamos chamar a função φ pertencente a C∞0 de função teste.

Definição 3.25. Sejam f ∈ L1(Rn) e g ∈ Lp(Rn) com 1 ≤ p ≤ +∞. A convolução de f por g

é definida por

(f ∗ g)(x) =

∫Rnf(x− y)g(y)dy.

Seja U ⊂ Rn um conjunto aberto e ε ≥ 0, escrevemos

Uε = x ∈ U | dist(x, ∂U) ≥ ε.

Temos que Uε é um subconjunto aberto de Rn.

Definição 3.26. (i) Seja η ∈ C∞(Rn) dada por

η(x) =

C exp

(1

‖x‖2 − 1

)se ‖x‖ < 1

0 se ‖x‖ ≥ 1

onde C :=

(∫B(0,1)

exp

(1

‖x‖2 − 1

)dx

)−1

é tomado para∫Rnη(x)dx = 1.

(ii) Para todo ε ≥ 0 , seja

ηε(x) =1

εnη(xε

).

Chamamos η de função de mollifiers. A função ηε ∈ C∞ satisfaz as seguintes propri-

edades:

∫Rnηε(x)dx = 1 e supp(ηε) ⊂ B(0, ε).

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3.5 Análise Funcional 66

Definição 3.27. Seja f : Ω→ R uma função contínua e ε > 0, defina f ε : Uε → R por

f ε(x) := (ηε ∗ f)(x)

isto é,

f ε(x) =

∫U

ηε(x− y)f(y)dy =

∫B(0,ε)

ηε(y)f(x− y)dy.

Para a segunda igualdade usamos a mudança de variável y → x−y e a propriedade

de que supp(ηε) ⊂ B(0, ε). Observe ainda que , se y ∈ B(0, ε) e x ∈ Uε então x− y ∈ U ,

logo as integrais acima fazem sentido.

Teorema 3.28. Propriedades de mollifiers.

(i) f ε ∈ C∞(Uε)

(ii) f ε → f se ε→ 0

(iii) f ε converge uniformemente sobre subconjuntos compactos contido em U .

Demonstração:

i.Fixe x ∈ Uε e i ∈ 1, . . . , n . Como Uε é aberto, seja h ∈ R suficientemente pequeno

de modo que x+ hei ∈ Uε. Nessa condições temos

f ε(x+ hei)− f ε(x)

h=

∫U

(ηε(x+ hei − y)− ηε(x− y)

h

)f(y)dy

=

∫V

(ηε(x+ hei − y)− ηε(x− y)

h

)f(y)dy

onde V ⊂ U é um subconjunto compacto. Desde que

limh→0

ηε(x+ hei − y)− ηε(x− y)

h=∂ηε∂xi

(x− y)

e a integral está sendo tomada sobre um conjunto compacto, temos

∂f ε

∂xi(x) = lim

h→0

f ε(x+ hei)− f ε(x)

h

= limh→0

∫V

(ηε(x+ hei − y)− ηε(x− y)

h

)f(y)dy

=

∫V

∂ηε∂xi

(x− y)f(y)dy

=

(∂ηε∂xi∗ f)

(x).

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3.6 Epaços Lp e Espaços de Sobolev 67

Com um processo de indução e argumentos análogos prova-se que para qualquer

multi-índice α tem-se

Dαf ε = Dαηε ∗ f.

Em particular f ∈ C∞(Uε).

ii. De acordo com o Teorema da Diferenciação de Lebesgue

limr→0

1

vol(B)rn

∫B(x,r)

|f(y)− f(x)| dy = 0 (3.5-21)

para todo x ∈ U , onde vol(B) é o volume da bola unitária em Rn. Fixe x ∈ Uε , então

|f ε(x)− f(x)| =

∣∣∣∣∫B(x,ε)

ηε(x− y)[f(x)− f(y)] dy

∣∣∣∣≤ 1

εn

∫B(x,ε)

η

(x− yε

)|f(y)− f(x)| dy

≤ vol(B)K1

vol(B)εn

∫B(x,ε)

|f(y)− f(x)| dy −→ 0 quando ε→ 0,

onde K é tal que |η| < K. O que prova (ii).

iii. Dado V ⊂ U compacto, sendo U aberto, podemos escolher W ⊂ U compacto

de modo que V ⊂ W . Sendo f contínua, temos que f é uniformemente contínua sobre

W . Assim, o limite 3.5-21 detém de forma uniforme para x ∈ V . Consequentemente

f ε → f uniformemente sobre V .

3.6 Epaços Lp e Espaços de Sobolev

Definição 3.29. Seja p ∈ (0,∞) e Ω ⊂ Rn. Se f : Ω → R é uma função mensurável,

definimos

‖f‖Lp(Ω) :=

(∫Ω

|f(x)|pdx) 1

p

.

O Espaço Lp(Ω) é definido como

Lp(Ω) := f : Ω→ R : ‖f‖Lp(Ω) <∞.

Definição 3.30. Seja U ⊂ Rn um aberto conexo. Seja α := (α1, . . . , αn) um multi-índice.

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3.6 Epaços Lp e Espaços de Sobolev 68

Para qualquer φ ∈ C∞(Rn) defina o operador diferencial Dα por

Dαφ :=

(∂

∂x1

)α1(

∂x2

)α2

. . .

(∂

∂xn

)αnφ.

Assuma agora que u ∈ C1(U). Se φ ∈ C∞0 (U), a fórmula de integração por partes

nos dá

∫U

uφxidx = −∫U

uxiφ dx+

∫∂U

uφνi dS

= −∫U

uxiφ dx. (3.6-22)

Pois não existe termos na fronteira, desde que φ tem suporte compacto em U, e assim

desaparece perto de ∂U . Mais geralmente, se k é um inteiro positivo, u ∈ Ck(U) e

α := (α1, . . . , αn) é um multi-índice de ordem |α| = α1 + . . .+ αn = k, então

∫U

uDαφdx = (−1)α∫U

Dαuφ dx (3.6-23)

onde aplicamos a fórmula 3.6-22 |α| vezes.

Definição 3.31. Dadas u, v : U → R e α um multi-índice. Dizemos que v é αth-derivada fraca

de u e escrevemos

Dαu = v,

se

∫U

uDαφdx = (−1)α∫U

vφ dx (3.6-24)

para toda função teste φ ∈ C∞0 (U).

Lema 3.32. A αth-derivada fraca, se existe, é única a menos de um conjunto de medida nula.

Demonstração:

Assuma que v, w : U → R satisfaçam

∫U

uDαφdx = (−1)α∫U

vφ dx = (−1)α∫U

wφ dx.

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3.6 Epaços Lp e Espaços de Sobolev 69

Então, ∫U

(u− w)φ dx = 0

para toda φ ∈ C∞0 (U), então u = w quase sempre.

Definição 3.33. O espaço de Sobolev W k,p(U) é o conjunto formado por todas as funções

localmente integráveis1 u : U → R tal que para cada multi-índice α, com |α| ≤ K, a derivada

fraca Dαu existe e pertence a Lp(U).

Proposição 3.34. O espaço de Sobolev W k,p(U) é um espaço de Banach.

Notação : Se p = 2 usualmente escrevemos W k,p(U) = Hk(U), note que H0(U) =

L2(U). O fecho do conjunto C∞0 (U) em W k,p(U) é denotado por W k,p0 (U), se p = 2

denotamos Hk0 (U). O espaço dos operadores lineares limitados f : H1

0 → R é denotado

por H−1(U).

Proposição 3.35. O espaço de Sobolev H10 (U) está imerso continuamente em L2(U).

Proposição 3.36. O conjunto H1(U) é um espaço de Hilbert com o produto interno

〈u, v〉 :=

∫U

Du ·Dv dx+

∫U

uv dx

Proposição 3.37. Seja g ∈ H−1(U) e µ ≥ 0. Então existe uma única v ∈ H10 (U) tal que

−4 v + µv = g em D′(U) e v é a única solução do problema variacional

∫U

Dv ·Dw dx+ µ

∫U

vw dx = 〈g, w〉 ∀w ∈ H10 (U).

Além disso, a aplicação g → v é contínua de ∈ H−1(U) em ∈ H10 (U).

Corolário 3.38. A aplicação g 7−→ (−4+µId)−1 g = v é contínua de L2(U) para H1

0 (U),

isto é,

‖v‖H10 (U) ≤ C‖g‖L2(U)

onde C é uma constante que depende de U.

Teorema 3.39 (Desigualdade de Poincaré). Se p ∈ [1,+∞) e u ∈ W 1,p(U). Então existe

uma constante C que depende somente de U e de p, cumprindo

‖u‖Lp(U) ≤ C‖Du‖Lp(U).

1Integrável sobre algum subconjunto compacto do domínio.

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3.6 Epaços Lp e Espaços de Sobolev 70

Corolário 3.40. A norma sobre H10 (U) pode ser definida por

‖u‖H10 (U) = ‖Du‖L2(U)

para todo u ∈ H10 (U). Está norma é equivalente a norma definida na proposição 3.36.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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