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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA
Deise Leite Bittencourt Friedrich
RECONHECIMENTO TERMINOLÓGICO EM NARRATIVAS POLICIAIS SOB UM
OLHAR SEMIÓTICO
São Leopoldo – RS
Dezembro, 2011
Deise Leite Bittencourt Friedrich
RECONHECIMENTO TERMINOLÓGICO EM NARRATIVAS POLICIAIS SOB UM
OLHAR SEMIÓTICO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Krieger
São Leopoldo – RS 2011
Ficha catalográfica
Catalogação na Fonte: Bibliotecária Vanessa Borges Nunes - CRB 10/1556
F911r Friedrich, Deise Leite Bittencourt Reconhecimento terminológico em narrativas policiais
sob um olhar semiótico / por Deise Leite Bittencourt Friedrich. – 2011.
89 f.: il., 30 cm. Dissertação (mestrado) — Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, 2011. Orientação: Profª. Drª. Maria da Graça Krieger.
1. Terminologia policial. 2. Reconhecimento
terminológico. 3. Semiótica. 4. Boletim de ocorrência policial. I. Título.
CDU 801.3
Todo pasa y todo queda, pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos, caminos sobre la mar.
Caminante, son tus huellas el camino y nada más.
Caminante, no hay camino. Se hace camino al andar.
Antonio Machado ( Poeta sevillano, Cantares, poema XXIX)
Especialmente ao meu amado marido, por seu afeto e compreensão constantes.
AGRADECIMENTOS
Percorrer este caminho não foi nada fácil; mas chegar neste momento e
agradecer a aqueles que tornaram minha caminhada mais suave, é uma forma de
gratidão.
Em primeiro lugar, agradeço a minha estimada orientadora Profa. Dra. Maria
da Graça Krieger, por ter me acolhido e me ensinado muito mais do que as Ciências
do Léxico poderiam prever. Pelo ser humano incrível que ela é; dotada de uma
singeleza, simplicidade e determinação constante em nos guiar com muita
sabedoria.
Aos meus queridos pais pelo apoio e carinho ao longo dos anos.
A Profa. Dra. Adila Beatriz Naud de Moura por seu incentivo, carinho, sua
alegria e dinamismo; tanto no grupo Termilex, como fora dele. Obrigada por sua
amizade.
A estimada amiga Doutoranda do PPGL da UFRGS, Maria Izabel Plath da
Costa por me permitir compartilhar de sua amizade, pelas trocas teóricas, pelos risos
e por sua leitura atenta e crítica deste trabalho.
A querida amiga Doutoranda em Literatura Comparada do PPGL da UFRGS,
Tatiana Prevedello, por sua amizade.
Aos meus queridos colegas de pesquisa, por me permitirem mudar meu ponto
de vista em relação ao meu objeto, em especial aqueles que me acompanharam
antes da seleção e depois: Eliane Iensen, Úrsula Pletsch, Cleiton Rabello, Ana
Salgado, Márcio Santiago e demais membros do Termilex e, em especial: Rejane
Ferreira pelo nosso companheirismo nas aulas, nas apresentações de trabalhos, nos
cafés, nas angústias, nos risos e na reta final. E, agradeço imensamente a
Doutoranda do PPGLA/UNISINOS, Fani Adorne pelos saberes semióticos e
terminológicos compartilhados, por seu carinho e amizade.
Ás professoras deste programa de Pós-Graduação, pelos ensinamentos
proporcionados durante o curso.
Aos policiais da Civil e da Brigada Militar pela oportunidade e pela acolhida
em seu ambiente de trabalho.
RESUMO A terminologia empregada pelos policiais tanto civis, como militares no registro de ocorrência policial é de extrema importância; tanto dentro do universo técnico-jurídico, como fora dele; pois é através da linguagem que os conceitos que presidem o ordenamento da sociedade se conformam, se estabilizam e se transmitem. Para o profissional da área policial, a familiaridade com o conteúdo e a forma dos termos permite sua prática na área; para o público leigo, a compreensão do léxico especializado contribui para a observância das normas que garantem a ordem e a convivência harmônica na sociedade. Em razão dessa importância, o objetivo principal dessa dissertação é identificar a organização da narrativa e a terminologia dos boletins de ocorrência da Polícia Civil, bem como, contribuir para fazer avançar o conhecimento dessas unidades lexicais. Com base em uma abordagem que envolva as teorias do texto e do discurso que ultrapasse os limites da frase. Para isso, escolhemos como bases teórico-metodológicas a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) e a Teoria Semiótica de Algirdas Julien Greimas. A semiótica por oferecer um olhar mais refinado e detalhado perante a constituição dos textos e dos discursos. A TCT em seus princípios por permitir analisar o termo como uma unidade lexical da língua natural que integra as comunicações especializadas. Verificou-se que os fatos descritos na análise dos dados do corpus, e também na tabulação e levantamento dos termos, revelam a realidade dessa linguagem especializada, tendo em vista que os policiais que elaboram os textos especializados empregam termos específicos para enquadrar a ação efetuada pelo infringente da lei, bem como os demais envolvidos, como mostrou o encadeamento da lógica narrativa. Palavras-chave: Terminologia Policial. Reconhecimento Terminológico. Semiótica. Boletim de Ocorrência Policial.
RESUMEN
La terminología utilizada tanto por los policiales civiles como militares en el registro de denuncia policial es de extremada importancia. Tanto dentro del universo técnico jurídico, como fuera de él, pues es a través del lenguaje que los conceptos que rigen el ordenamiento de la sociedad se conforman, se estabilizan y se transmiten. Para el profesional del área policial, la familiaridad con el contenido y la forma de los términos les permiten su práctica en el área; para el público lego, la comprensión del léxico especializado contribuye para la observancia de las normas que garantizan el orden y la convivencia pacífica en la sociedad. Debido a esta importancia, el objetivo principal de este trabajo es la identificación de la organización narrativa y de la terminología de la Policía Civil, así como contribuir a promover el conocimiento de las unidades léxicas, con un enfoque que arrolle a las teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase. Para ello, elegimos como bases teóricas y metodológicas la Teoría Comunicativa de la Terminología (TCT) y la Teoría Semiótica de Algirdas Julien Greimas. La Semiótica por ofrecer una visión más precisa y detallada de la constitución de los textos y de los discursos. La TCT en sus principios, por permitir analizar el término como una unidad lexical de la lengua natural que compone las comunicaciones especializadas. Se verificó que los hechos descritos en el análisis de los datos del corpus, y también en la tabulación de los términos y de la encuesta revelan la realidad de este lenguaje especializado, dado que los policiales que producen los textos emplean términos especializados específicos para enmarcar la acción realizada por aquél que infringe la ley, así como los demás involucrados, como mostró el hilo de la lógica narrativa.
Palabras clave: Terminología Policial. Reconocimiento Terminológico. La Semiótica. Informes de Denuncia Policial.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Gêneros textuais por domínios discursivos e modalidades. ……………..41
Quadro 2 – Listagem dos termos seguidos de sua frequência. …………………………. 77
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Quadro Semiótico da Narrativa Policial ............................................................ 55
Figura 2 - Tela do programa UNITEX demonstrando o levantamento dos termos............... 76
Figura 3 - Distribuição de frequência dos termos mais recorrentes nos BOs....................... 79
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................12
1.1 Objetivos da Pesquisa ..............................................................................................................15
Objetivo Geral ...........................................................................................................................15
Objetivos Específicos .................................................................................................................15
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..........................................................................................................17
2.1 A Terminologia ........................................................................................................................18
2.2 O Objeto de Estudo da Terminologia: O Termo Técnico-Científico ...........................................21
2.3 As Correntes Terminológicas ...................................................................................................25
2.4 O Texto Policial e a Terminologia .............................................................................................29
2.5 Terminologia e Texto ...............................................................................................................33
2.5.1 Gênero e Tipologia Textual do BO ....................................................................................38
2.6 A Teoria Semiótica de Algirdas Julien Greimas .........................................................................42
2.6.1 Estruturas Fundamentais .................................................................................................43
2.6.1.1 Estruturas Narrativas .....................................................................................................43
2.6.1.2 Estruturas Discursivas ....................................................................................................45
3 PRINCÍPIOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS ......................................................................................51
3.1 O Corpus .................................................................................................................................51
3.2 Análise do Corpus ....................................................................................................................53
4. PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS ......................................................................................................54
4.1 Análise dos BOs no Plano da Narratividade e Discursividade ...................................................54
4.1.1 O Boletim de Ocorrência (BO): Esquema Narrativo 1 ........................................................58
4.2 O Reconhecimento Terminológico nos BOs .............................................................................60
4.5 Tabulação dos Termos com o Unitex .......................................................................................75
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................................80
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................83
7 ANEXOS .........................................................................................................................................86
1 INTRODUÇÃO
Muito diferente do que ocorria em épocas passadas, atualmente, o uso e o
conhecimento das terminologias não são mais vistos como privilégio de profissionais
da área. Mas, devido às grandes mudanças no processo de divulgação da
informação cada vez mais crescente, o leigo é condicionado a conhecer a linguagem
no contexto das comunicações especializadas.
Com o avanço da informática e a facilidade de acesso a bens, serviços e
produtos, os indivíduos acabam por tomar conhecimento de informações que
circulam na mídia, como é o caso, da criminalidade. O que leva à população a
necessidade de compreender o universo discursivo dos termos que são usados na
comunicação policial, no qual estão inseridos.
A terminologia empregada pelos policiais tanto civis, como militares no
registro de ocorrência policial é de extrema importância; tanto dentro do universo
técnico-jurídico, como fora dele; pois é através da linguagem que os conceitos que
presidem o ordenamento da sociedade se conformam, se estabilizam e se
transmitem.
Costa (2009) delimita a área especializada policial e identifica a terminologia
jurídico-policial, desdobrando os seus usuários diretos em especialistas e semi-
especialistas e também, situa a polícia civil no âmbito da Secretaria da Segurança
Pública-SSP, como mostraremos mais adiante.
Para o profissional da área policial, a familiaridade com o conteúdo e a forma
dos termos permite sua prática na área; para o público leigo, a compreensão do
léxico especializado contribui para a observância das normas que garantem a ordem
e a convivência harmônica na sociedade. Em razão dessa importância, o objetivo
principal dessa dissertação é identificar a terminologia dos boletins de ocorrência da
Polícia Civil, bem como, contribuir para fazer avançar o conhecimento dessas
unidades lexicais; com uma abordagem que envolva as teorias do texto e do
discurso que ultrapasse os limites da frase.
O estatuto terminológico de uma unidade lexical pode ser justificado se
levarmos em conta os elementos constitutivos desse texto especializado, o Boletim
de Ocorrência Policial (BO). Para tanto, se faz necessário verificar como está
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configurada a relação de sentidos entre os termos e os aspectos da narrativa nesse
texto de especialidade.
Com um enfoque epistemológico, que viabilize analisar o contexto de
ocorrência dos termos e a narratividade do B.O, as situações de comunicação
assumem papel relevante no reconhecimento da terminologia empregada nesta
tipologia textual.
Para isso, escolhemos como bases teórico-metodológicas a Teoria
Comunicativa da Terminologia (TCT) e a Teoria Semiótica de Algirdas Julien
Greimas. A semiótica por oferecer um olhar mais refinado e detalhado perante a
constituição dos textos e dos discursos. A TCT em seus princípios por permitir
analisar o termo como uma unidade lexical da língua natural que integra as
comunicações especializadas. Optamos pela TCT de viés comunicativo e textual,
porque prioritariamente, consideramos os termos não apenas como nódulos
cognitivos, mas também, como unidades linguísticas naturais, caracterizados por
serem unidades do conhecimento que assumem valor especializado e que se
atualizam no discurso (Krieger & Finatto, 2004, p.78).
Desse modo, acreditamos que essas teorias possam nos auxiliar no
reconhecimento da terminologia no registro de ocorrência policial. Já que a
semiótica é entendida como uma teoria que busca explicar os sentidos do texto pela
análise, em primeiro lugar, de seu plano de conteúdo e pelos mecanismos de
organização e estruturação da narrativa, que faz do texto um “todo de sentido”,
como um objeto de comunicação que se estabelece entre um destinador e um
destinatário. O discurso como lugar, ao mesmo tempo, do social, da articulação da
narrativa e discurso, isto é, o discurso constituído sobre estruturas narrativas que o
sustentam (Greimas & Courtés, 1999).
Cabe salientar também, que não temos a pretensão de fazer uma análise
exaustiva das narrativas. Objetivamos, sim, dar conta de como se apresenta esse
universo discursivo policial, analisá-lo sob a luz da semiótica greimasiana,
privilegiando os fatos narrados, a fim de buscar o reconhecimento da terminologia
nesse gênero textual.
Para isso, como corpus desta pesquisa, foram selecionados 200 históricos de
boletins de ocorrências policiais realizados pela Polícia Civil, para fins de
exemplificação escolhemos alguns mais relevantes para nosso trabalho, a fim de
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apreender a construção e o funcionamento do texto narrativo com vistas a
reconhecer as particularidades que o engendram. A trajetória teórica adotada será apresentada no capítulo 1, TERMINOLOGIA
E SUAS IMPLICAÇÕES: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. Neste capítulo, será
explicitada a Terminologia enquanto área de estudos, sua teoria e aplicação, o
objeto inicial de estudos, bem como sua aproximação com as Teorias do Texto e do
Discurso. Para tanto, salientamos algumas obras dos autores considerados
relevantes para nosso estudo, na Terminologia temos: Cabré (1993 e 1999), Krieger
et. al (2001), Krieger (2007) e Krieger & Finatto (2004). Na semiótica A. J. Greimas
(1993), avançando nas questões de gênero Marcuschi (2008) além do estudo da
Terminologia de Cunho Comunicativo e Textual (TCT).
A seguir, no capítulo 2, A SEMIÓTICA DE ALGIRDAS JULIEN GREIMAS,
apresentamos uma síntese desta teoria a fim de dar conta dos processos de
significação, pois como nos diz o autor, todo e qualquer texto subjaz uma
organização narrativa. Será apresentado o projeto semiótico greimasiano de análise
do texto. Descrevemos inicialmente, de forma sucinta, as três etapas do percurso
gerativo do sentido: a das estruturas fundamentais, a das estruturas narrativas e a
das estruturas discursivas. Logo após, na seção acerca da narratividade, abordamos
mais detalhadamente a descrição da organização da narrativa dos registros de
ocorrências policiais e o reconhecimento da terminologia, por ser este o percurso
mais significativo em nossa investigação.
No capítulo 3, CONSTITUIÇÃO DO CORPUS apresentamos a seleção dos
textos para este trabalho e, o critério da relevância na seleção dos boletins que
foram analisados: foram escolhidos 200 BOs, que foram cedidos por Delegacias do
RS (DPRs) e pela Brigada militar do RS (1ª BPM). Foram levados em consideração
os tipos de delitos mais frequentes em nossa sociedade: homicídio, lesão corporal e
demais delitos relacionados a Lei Maria da Penha. A aplicação de tal critério
conduziu à seleção de um bom número de ocorrências, as quais foram selecionadas
para exemplificação.
Realizada a seleção dos boletins de ocorrência, estes foram digitalizados e, a
fim de não comprometer a identificação dos envolvidos nos fatos, optamos por
colocar apenas a inicial de cada nome em maiúscula ao invés dos nomes
verdadeiros. Foi, também, realizada uma classificação dos mesmos, por tipos de
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delitos e fatos, a fim de termos uma melhor visualização de como está configurado o
quadro das ocorrências.
O BO caracteriza-se, essencialmente, como um documento por meio do qual
o escrivão e o policial da brigada militar registram os acontecimentos e as
circunstâncias relacionados às ocorrências policiais. Ou seja: todo fato que, de
qualquer forma, afete ou possa afetar a ordem pública e exija a intervenção policial
por meio de ações e/ou operações.
Por fim, no capítulo 4, ETAPAS METODOLÓGICAS DE ANÁLISE,
apresentamos os BOs analisados do ponto de vista da semiótica, a fim de evidenciar
os componentes que engendram esse tipo de texto. Contamos também com uma
ferramenta computacional UNITEX, que nos auxiliou a mapear a presença dos
termos, a fim de melhor identificação e seleção dos mesmos; bem como, o quadro
de levantamento de termos e o gráfico que vem a comprovar o uso dessa
terminologia e suas regularidades neste texto de especialidade.
E, no capítulo 5, CONCLUSÃO, temos os comentários finais acerca da
abordagem que foi realizada na análise das narrativas dos boletins de ocorrência,
bem como, as sugestões para trabalhos futuros.
1.1 Objetivos da Pesquisa
Objetivo Geral
Identificar, na organização da narrativa dos boletins de ocorrência policiais
(BOs), alguns dos termos técnicos que a compõe.
Objetivos Específicos
· Verificar as diferenças macroestruturais dos históricos de BOs produzidos
pela Polícia Civil e pela Brigada Militar.
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· Identificar os principais actantes desse processo através das estruturas
discursivas dos BOS.
· Estabelecer relações entre a organização narrativa dos BOs e a presença de
termos técnicos.
Diante disso, procuramos verificar através da análise da narrativa como um
termo técnico-jurídico se constitui em um nódulo cognitivo e discursivo na
comunicação especializada de um registro de ocorrência policial; tanto o que é
realizado pela Polícia Civil (PC/RS), como o da Brigada Militar (BM/RS). Com base
nesta escolha, pelo escopo teórico adotado e explicitado na introdução do trabalho,
esperamos que o modelo de análise seja capaz de dar conta da organização da
narrativa boletim de ocorrência, para que possamos atingir os objetivos propostos.
Dando continuidade ao trabalho, evidenciaremos no próximo capítulo, os
pressupostos teóricos que serviram de ancoragem para esta investigação.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
“Aportes trazidos pela Linguística e pelas Teorias do Texto e do Discurso têm contribuído para reorientar a reflexão das unidades lexicais especializadas.”
Maria da Graça Krieger (Temas de Terminologia p.37)
Como já mencionamos anteriormente, o objetivo essencial de nossa
investigação é identificar a presença de termos técnicos utilizados pela Polícia Civil
nos históricos dos boletins de ocorrência policial (BO). E, em um segundo plano, de
buscar o reconhecimento da terminologia1 através das diferenças macroestruturais
nos históricos dos boletins de ocorrência produzidos pela Polícia Civil e pela
Brigada Militar neste relato policial.
Além disso, esperamos contribuir para avanços mais significativos na área
dos estudos terminológicos, que levem em conta as dimensões conceituais,
linguísticas e pragmáticas dos termos técnicos - jurídicos da tipologia textual BOs.
Cabe salientar também que, buscamos na dimensão semiótica um olhar para
os termos em seu contexto discursivo, uma vez que, graças a essa dimensão,
podemos aliar os subsídios teóricos da Terminologia com os estudos da Teoria
Semiótica greimasiana.
É por esta razão, que essas considerações são necessárias para explicitar
nosso propósito em investigar os fatos narrados nos boletins de ocorrência, a fim de
buscar um melhor entendimento sobre o registro policial e sua configuração
enquanto gênero textual dentro de uma área de especialidade e, a relevância com
os estudos terminológicos e discursivos. Pois, ao desvendar a organização dessa
narrativa é que se pode estabelecer uma relação significativa de sentidos, que nos
levou ao reconhecimento da terminologia, ali contida.
1 Segundo Krieger (2001), o termo “terminologia” pode ser grafado de duas formas: I) quanto se tratar de um conjunto de termos, é grafada com t minúsculo; II) quando o termo se referir à disciplina ou ao campo de estudos, é grafada com T maiúsculo.
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2.1 A Terminologia
O engenheiro austríaco Eugen Wüster é considerado, pela maioria dos
investigadores, como o “pai” do que podemos considerar como Terminologia
moderna e, ao mesmo tempo, fundador da escola de Viena. Paralelamente à escola
austríaca surgem outras duas: a escola Soviética e a escola Tcheca. Essas três
escolas possuem como denominador comum o fato de que o conceito é considerado
como ponto de partida da análise terminológica. Wüster expõe suas primeiras
reflexões sobre o tema nos anos 1930 e, finalmente, em 1979, de forma póstuma,
seu discípulo e colaborador Helmut Felber publica Introdução à Teoria Geral da
Terminologia e à Lexicografia Terminológica, obra que fora baseada nas aulas que
Wüster havia ministrado na Universidade de Viena entre 1972 e 1974, postulando,
assim, os fundamentos da Teoria Geral da Terminologia (TGT).
Não fica sem explicação, por parte de Wüster, esta denominação do enfoque
original da Teoria Terminológica estabelecida por ele mesmo. Nesse sentido,
argumenta sua preferência em padronizar os léxicos especializados para privilegiar
a eficácia das comunicações técnicas e científicas. Em relação ao que vem a ser
Terminologia, ele esclarece que se trata: (1) do conjunto do léxico de uma área e
produto da compilação dela mesma, (2) do estudo particular de um campo
determinado em uma língua determinada e (3) do estudo de um grande número de
campos de especialidade em diversas línguas - o que faz referência ao “estudo
científico fundamental da terminologia” (Wüster, 1998), já que considera que a
ambiguidade e a polissemia da palavra Terminologia não ajudam a distinguir entre
(2) e (3). Mesmo assim, insiste em que a TGT não constitua a soma das teorias de
cada uma das terminologias especializadas, mas que transpasse os domínios
especializados e das línguas naturais ao abstrair os princípios comuns a todas elas.
Entretanto, a Terminologia não é uma área de recente criação, uma vez que o
seu nascimento foi paralelo ao da ciência e das técnicas. Podemos considerar que a
Terminologia como campo de estudos surgiu oficialmente na metade do século XX.
No entanto, não há como negar que a Terminologia como estudo científico existe
desde o momento em que surge o tratamento lexicográfico da língua de
especialidade. O que bem nos elucida Rondeau (1984):
A Terminologia não é um fenômeno recente. Com efeito, tão longe quanto se remonte na história do homem, desde que se manifesta a linguagem,
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nos encontrarmos em presença de línguas de especialidade, é assim que se encontra a terminologia dos filósofos gregos, a língua dos negócios, etc.
De fato, o que é novo, é sabermos do caráter duplo da Terminologia enquanto
campo de conhecimento teórico e aplicado. O próprio Eugen Wüster, que
fundamentou a TGT2, já evidenciava o caráter interdisciplinar desse campo, o que
nos leva a uma aproximação com a Linguística, já que possui suficiente peso e
relevância, como entidade pertencente às ciências da linguagem.
Ressaltamos, sobretudo, a afirmação de Sager (1990) ao dizer que:
A terminologia diz respeito ao estudo e ao uso de sistemas de símbolos e signos linguísticos empregados para a comunicação humana em áreas de atividades de conhecimentos especializados. É, primeiramente, uma disciplina linguística (...) Tem caráter interdisciplinar, uma vez que também toma emprestados conceitos e métodos da semiótica, epistemologia, classificação, etc.3
Já Krieger (2001) nos diz que a dimensão linguística da Terminologia
enquanto área de estudos se ocupa da natureza, da constituição dos termos e da
multiplicidade de aspectos do seu funcionamento, caracteriza-se por sua natureza
multidisciplinar - o que nos leva a estudar os termos num processo comunicacional,
com todas suas implicações e efeitos próprios do funcionamento da linguagem.
A fim de confirmar a importância da Terminologia enquanto ciência, que em
comunhão com o trajeto do pensamento revive acontecimentos que são demarcados
por termos, que vão suscitar novos conceitos em uma nova realidade (PLG II, 2006),
valemo-nos das palavras de Émile Benveniste:
A constituição de uma terminologia própria marca, em toda ciência, o advento ou o desenvolvimento de uma conceitualização nova, assinalando, assim, um momento decisivo de sua história. Poder-se-ia mesmo dizer que a história particular de uma ciência se resume na de seus termos específicos. Uma ciência só começa a existir ou consegue se impor na medida em que faz existir e em que impõe seus conceitos, através de sua denominação. Ela não tem outro meio de estabelecer sua legitimidade senão por especificar seu objeto denominando-o, podendo este constituir uma ordem de fenômenos, um domínio novo ou um modo novo de relação entre certos dados. O aparelhamento mental consiste, em primeiro lugar, de um inventário de termos que arrolam, configuram ou analisam a
2 Essa teoria se tornou um marco na história da área, está registrada em obra póstuma intitulada Introdução à Teoria Geral da Terminologia e à Lexicografia Terminológica. Ver Krieger & Finatto (2004). 3 Terminology is concerned with the study and use of the systems of symbols and linguistics signs employed for human communication in specialized areas of knowledge and activities. It is primarily a linguistic discipline (...) It is inter-disciplinary in the sense that it also borrows concepts and methods from semiotics, epistemology, classification, etc.
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realidade. Denominar, isto é, criar um conceito, é, ao mesmo tempo, a primeira e última operação de uma ciência.
Contrasta o conteúdo da subdivisão proposta por Wüster com a segmentação
tripartida que atualmente se faz dos estudos da Terminologia. Nesse sentido, ela
parece ter sofrido uma evolução em seu planejamento de origem, pois hoje
podemos perceber diferentes concepções dentro da própria Terminologia,
independentemente dos pontos de vista que possam ser adotados para sua
investigação.
É inegável a contribuição de Wüster enquanto fundador da TGT, mas ele
apenas quis ocupar-se do termo de forma prescritiva, imaginando uma língua
estática e uniforme, onde o termo seria instrumento de reconhecimento padrão de
uma terminologia especializada, a qual deveria dar-se a reconhecer como um rótulo,
uma etiqueta denominativa ou simplesmente um conceito, parte significante da
unidade lexical.
Contrariando o paradigma clássico da Terminologia, Cabré (1999a)
argumenta que não é necessário que uma matéria se justifique por si mesma; mas,
que os argumentos funcionais e sociais possam convertê-la em matéria científica a
partir do momento em que se defina o objeto de estudo e a forma que utilizaremos
para explicar seus fenômenos. Defende a ideia de que é possível explicar a
terminología desde uma teoría da linguagem e formando parte de seu objeto.
Nesse sentido, percebemos os termos como parte das línguas naturais que
são significativos e que emergem de maneira natural dentro de um discurso de
especialidade. Concebemos os termos como unidades lexicais dos sistemas
linguísticos, caracterizadores de uma comunicação profissional, que cobram sentido
na relação que estabelecem em seu contexto discursivo.
Nas palavras de Cabré (1993), verificamos um amparo quanto à face dos
termos, seu funcionamento e reconhecimento:
Como qualquer outra unidade significativa de um sistema linguístico, os termos formam parte de um sistema estruturado, no qual ocupam um determinado nível (o nível das unidades léxicas) e se relacionam, por um lado, com as demais unidades do mesmo nível, e por outro, com as unidades dos demais níveis, participando conjuntamente da construção do discurso.
21
O que se faz necessário é perceber que os estudos terminológicos
avançaram, possibilitando ver os termos como unidades lexicais naturais dos
sistemas linguísticos, que possuem um valor especializado nos domínios técnico-
científicos, o que nos permite analisá-los à luz de diversas teorias.
A TGT deixou seu legado ao delimitar o campo do conhecimento e, mesmo
que tenha visto o termo apenas como representação de um conceito, essa
concepção serviu para que muitas outras correntes de estudos terminológicos
surgissem e deixassem seu ponto de vista em relação ao seu objeto de estudo.
2.2 O Objeto de Estudo da Terminologia: O Termo Técnico-Científico
Nos estudos de Cabré (1999), os termos são sempre tematicamente
específicos, de modo que não há termo sem um âmbito que o acolha; tampouco há
um âmbito especializado sem uma terminologia que o caracterize. Além disso, o
termo é uma unidade de significação que comunica o conhecimento de uma área
temática, nesse sentido, um conhecimento especializado. O que bem pode ser
confirmado nas palavras de Krieger (2001): “cabe à Terminologia compreender os
modos de manifestação linguística e discursiva da dimensão conceitual dos termos,
voltando-se ao exame dos enunciados definitórios”. Estes, de diferentes maneiras,
cumprem a função de expressar, linguística e discursivamente, o componente
cognitivo dos termos, já que a definição terminológica deve ser um componente
integrante dos estudos da área.
Nas palavras de Gouadec (1990), “o termo é uma unidade linguística que
designa um conceito, um objeto ou um processo” e ainda acrescenta que “o termo é
a unidade de designação de elementos do universo percebido ou concebido”. Por
sua vez, Cabré (1993), explica que “para os especialistas, a terminologia se constitui
no reflexo formal da organização conceitual de uma especialidade e um meio
inevitável de expressão e comunicação profissional”.
Conforme mencionamos anteriormente, a Terminologia avançou em seus
estudos e, mesmo situando-se como um campo de saber que possui uma identidade
própria, que tem o termo como seu objeto de estudos, de reflexão e de tratamento,
isto não impediu que se possa perceber o termo e a definição como faces de uma
mesma moeda. O que bem esclarece Alan Rey (1979):
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As palavras definição e termo são ligadas por um traço comum: elas designam na origem o estabelecimento de um limite, de um fim (definir) e seu resultado (termo). No plano nocional, para que um nome tenha direito ao título de termo, é necessário que ele possa, enquanto elemento de um conjunto (uma terminologia), ser distinguido de outro. O único caminho para exprimir esse sistema de distinções recíprocas é a operação dita definição.
Nesse sentido, concordamos com as palavras de Krieger (2004) que bem nos
elucida: a unidade terminológica é, simultaneamente, elemento constitutivo da
produção do saber, quanto componente linguístico, cujas propriedades favorecem a
univocidade da comunicação especializada.
Assim, podemos afirmar que nenhum domínio de especialidade, desde aquele
que se dedica às mais profundas especulações, até aquele que se ocupa de
atividades materiais, subsiste sem o recurso de uma terminologia. Com razão,
Benveniste afirma que “uma ciência só começa a existir ou consegue se impor na
medida em que impõe seus conceitos através de sua denominação” (PLG II, 2006).
Considerando essas visões, é possível refletir sobre o termo. Buscamos
estabelecer uma ligação entre os pressupostos teóricos abraçados e a abordagem
da investigação do reconhecimento da especificidade do termo no texto
especializado, posto que esta pesquisa está alicerçada na concepção de que os
elementos que constroem a especificidade do termo podem ser depreendidos pelo
exame do contexto de uma situação peculiar de comunicação.
De acordo com os estudos desenvolvidos pela Escola de Viena, durante
algum tempo os termos foram considerados como a marca distintiva prioritária da
linguagem de especialidade. Hoje, no entanto, no âmbito de uma concepção
comunicativa mais ampla, sem desprezar o caráter representativo dos termos, as
terminologias são vistas como um dos elementos que configuram as linguagens de
especialidade.
Sob essa perspectiva, portanto, a ênfase não é posta nas palavras usadas,
mas em quem as usa, nas condições de uso e, principalmente, nas características
temáticas e pragmáticas do universo que as envolve. Assim, também, a fronteira
entre as unidades lexicais da língua geral e das linguagens de especialidade torna-
se cada vez mais tênue. Por essa razão, há uma dificuldade de detectar a
23
especificidade dos termos na tarefa de separar o léxico geral e o léxico
especializado. Conforme Krieger (1998):
[...] as novas terminologias confundem-se, em larga medida, com o chamado léxico comum da língua. Tanto é assim que cresce o número de sentidos terminológicos nos verbetes da lexicografia da língua comum. Com isso, os termos revelam sua naturalidade aos sistemas linguísticos de várias formas, a iniciar pela consonância aos padrões morfossintáticos das línguas que os veiculam, independentemente de serem originais ou corresponderem a estruturas neológicas.
Dessa forma, o leigo também passa a usar, os termos, antes considerados
científicos ou técnicos e reservados à comunicação restrita dos especialistas:
Em realidade, os termos técnicos e/ou científicos deixaram de se configurar como uma “língua à parte”; já não são mais facilmente identificados, como ocorria quando, ao modo das nomenclaturas, correspondiam a palavras muito distintas da comunicação ordinária e permaneciam praticamente restritos aos diferentes universos comunicacionais especializados. Hoje, os termos circulam intensamente, porque ciência e tecnologia tornaram-se objeto de interesse das sociedades, sofrendo, consequentemente, processo de vulgarização favorecidos pelas novas tecnologias da informação. (Krieger; Maciel; Finatto, 2001)
A forma do termo, na maioria das vezes, permanece a mesma, enquanto o
conteúdo se transforma. Assim, o signo linguístico percebido pelos sentidos pode
permanecer constante, mas o significado que ele exprime pode mudar. Essa
mudança vai depender dos traços específicos selecionados, de acordo com a
configuração temática de cada campo especializado.
O contrário também pode ocorrer, quando o conteúdo do termo não muda,
mas sua forma sofre alterações. Nesse caso, as mutações são decorrentes de
exigências da transmissão da mensagem. Nesse sentido, o motivo da mudança é o
propósito de adequar a informação à natureza do canal utilizado, ao tipo de texto
escolhido, à formalidade do registro, à intenção do destinador e às necessidades e
desejos do destinatário.
É consenso que o termo é a unidade lexical “profissionalmente marcada”
(Cottez, 1994). Da mesma maneira como a palavra é a unidade da língua comum, o
termo se constitui na unidade das linguagens de especialidade. O conjunto de
termos de uma área representa o conhecimento dessa área; por isso, ao mesmo
tempo em que expressa de modo privilegiado seus conceitos, também os veicula.
24
Com efeito, por meio da terminologia é possível acessar, referenciar e comunicar o
saber de um dado campo de especialidade. Por essa razão, os termos são,
simultaneamente, unidades de conhecimento, expressão e comunicação
especializada.
Segundo Maciel (2001), os termos fazem parte da competência linguística do
usuário da língua, de modo que não se pode falar de duas competências
linguísticas, uma geral e outra especializada, mas de uma única competência à qual
se acrescenta o conhecimento especializado adquirido. Nessa aquisição, os termos
funcionam como vetores bidirecionais, posto que, ao mesmo tempo, tornam possível
o acesso a um universo cognitivo novo e servem para comunicar a informação
adquirida. A articulação desses dois processos tem lugar na comunicação entre
especialistas, entre especialistas e leigos, ou, ainda, entre leigos e mediadores, tais
como professores de linguagens de especialidade, profissionais da tradução, do
jornalismo de um lado e o público em geral, do outro (Cabré, 1999).
Assim, é a língua que constrói a ponte, permitindo o acesso ao conhecimento
de um conceito, à sua identificação, construção, discussão e aceitação pela
comunidade especializada. É, também, através dela que se instaura a
transformação do conceito ou sua revogação plena, pois, como já nos habituamos a
testemunhar no mundo da ciência e da técnica, os conceitos, tais como os termos,
também sofrem transformações.
Assim, temos como postulados norteadores neste trabalho:
· o termo é uma unidade linguística de significação especializada, de dimensão
cognitiva e função comunicativa, utilizada na realização natural de uso da
língua comum em situação especializada;
· a situação comunicativa em que se utiliza a linguagem de especialidade
atualiza o valor especializado do termo, tanto o que é realizado pela BM,
quanto o realizado pela PC/RS;
· a “narratividade” dos boletins de ocorrência é capaz de fazer descobrir e
explicar a organização dessa linguagem de especialidade;
Feitas essas considerações sobre os termos, cabe salientar que estes podem
ser vistos sob diferentes perspectivas, e que podem ser definidos de acordo com os
postulados de diferentes escolas de pensamento.
25
Nesta pesquisa, a abordagem adotada é ancorada basicamente na dimensão
linguística evidenciada pela Terminologia, em que, se fez uma aproximação entre a
Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) em sintonia com a Teoria Semiótica
greimasiana a fim de dar respaldo à descrição das condições de produção e de
apreensão do sentido do texto B.O, na busca do reconhecimento da terminologia
através das diferenças macroestruturais dos boletins policiais produzidos pela
Polícia Civil/RS e pela Brigada Militar/RS.
Assim, concebemos os termos como elementos naturais das línguas naturais
que participam da constituição dos discursos e, para dar conta de toda essa
complexidade constitutiva, é que nos propomos a olhar as narrativas policiais em um
contexto linguístico-pragmático de uma comunicação especializada. Assim posto,
cabe, na sequência, apresentarmos os estudos de Texto aliados aos estudos da
Terminologia.
2.3 As Correntes Terminológicas
A Terminologia, desde sua sistematização por Eugen Wüster, conforme
salientamos anteriormente, ao longo dos anos passou por renovações quanto a sua
abordagem. Nesse sentido, temos o nascimento de diversas correntes
terminológicas: a socioterminologia de Gaudin (1993), a terminologia sociognitiva de
Temmerman (2000), a terminologia textual de Bourigault e Slodzian (1999) e a
Teoria Comunicativa da Terminologia (Cabré, 1993 e 1999). Cabe ressaltar que não
temos a intenção de discorrer detalhadamente sobre cada uma das Terminologias,
mas sim, de mostrar suas principais características, a fim de justificar a opção que
fizemos por nosso escopo teórico.
Na socioterminologia de Gaudin, temos como princípio norteador a variação
linguística dos termos como um fenômeno sociodiscursivo a ser descrito, ou seja, a
noção de que uma língua de especialidade não é um subconjunto estruturalmente
homogêneo, mas que apresenta um conjunto de variedades em função dos usos e
das situações variáveis e históricas. Portanto, para Gaudin, a variação é o ponto que
norteia o desenvolvimento da Socioterminologia, uma vez que chama atenção “para
a necessidade de efetivar o diálogo interdisciplinar entre as áreas de conhecimento
afetas à problemática terminológica”, como ensinam Krieger e Finatto (2004).
26
Salientamos a importância dessa corrente Terminológica; porém, não iremos adotá-
la por concebermos da visão de termo que está contemplada na TCT.
Já na proposta de Bourigault e Slodzian (1999), temos o texto como ponto de
partida, a fim de que a descrição textual seja realizada. O termo, então, passa a ser
visto como produto dessa análise, que será efetuada pelo terminológo. Para
amparar esta abordagem, seus autores criam condições para bem descrever e
validar os termos. Optamos por não escolher essa Teoria como ancoragem teórico-
medotológica, por esvaziar o estatuto de termo já fortalecido pela TCT.
A Terminologia Sociocognitiva de Rita Temmerman (2000), que ancora seus
paradigmas na hermenêutica, enfatiza os termos como unidades de representação e
compreensão, que funcionam como modelos cognitivos para a produção das
denominações. As unidades terminológicas são vistas em constante processo
evolutivo, e são passíveis de sinonímia, polissemia e processos metafóricos. Como
bem menciona Temmerman (2000): essa propriedade evolutiva reflete “o poder das
palavras de (se) mover”, mostrando, assim, os diferentes papéis da linguagem na
constituição dos saberes. Não optamos por essa abordagem por não concordarmos
com a visão de Temmerman ao rejeitar a concepção de conceito e de significado,
ainda que estejamos num fazer cognitivo, que é, por sua vez, intrínseco da própria
linguagem.
Numa outra vertente, temos o grupo IULATERM, do Instituto de Linguística
Aplicada da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, que, liderado por Maria
Teresa Cabré, investe em uma pesquisa reflexiva no sentido de construir
cooperativamente um modelo teórico, que permita superar as insuficiências da TGT,
dando conta das unidades terminológicas como unidades de conhecimento,
significação, denominação e comunicação especializada no quadro do discurso
especializado real (Cabré, 1999).
Para isso, o grupo coordenado por Cabré examina a Terminologia à luz de
três pilares: o cognitivo, o linguístico e o comunicacional. Sob essa ótica, propõe a
elaboração de princípios que configuram uma nova teoria, que não invalida a TGT,
mas que defende pressupostos que sejam aplicáveis a todas as áreas do campo do
conhecimento, da técnica e da vida profissional. Enfatiza, acima de tudo, uma
Terminologia mais adequada à visão da linguagem de especialidade, como uma
realização da língua comum em situações cuja especificidade possa ser bem
definida pela intenção e as características dos interlocutores.
27
Essa perspectiva postula que é necessário entender os termos da forma
como eles ocorrem nas mais diversas situações comunicativas, pois do mesmo
modo que as palavras do léxico comum, eles são unidades dotadas de significado,
que se inserem de forma natural no discurso especializado.
Se para a TGT o termo estava restrito ao significante, para a TCT ele é
considerado como o elemento que melhor expressa a dimensão linguística da
terminologia, posto que é tomado como um signo e, portanto, constituído de
significado e significante
Nos postulados da TCT, as unidades lexicais especializadas, isto é, os
termos, além de se caracterizarem como unidades formais e funcionais que fazem
parte de um sistema gramatical, são também unidades de comunicação e referência.
Por esse motivo, a linguagem especializada pode ser considerada como parte
do léxico da língua comum, integrado a competência do falante, à medida que ele
adquire conhecimentos específicos da área. Dessa forma, os elementos da
linguagem especializada adquirem dimensões poliédricas que abrange as seguintes
faces: linguística, cognitiva e social.
A linguagem especializada é um continuum da linguagem geral, apesar de
diferirem na intenção comunicativa e na finalidade de enunciar (Hoffmann, 1998),
convergindo assim, com os pressupostos da TCT, que considera ambas as
linguagens, especializada e geral, diferenciadas pela situação em que são utilizadas,
conforme entendem Krieger e Finatto (2004), Cabré (2001), Bevilacqua (1996). A
linguagem especializada é intrínseca à determinada área de conhecimento e gira em
torno de uma temática específica, ao passo que a linguagem geral entorna o que é
geral, sem recorte ou direcionamento a certa área do saber.
Para Hoffmann (1998), linguagem especializada é o conjunto de todos os
recursos linguísticos que se utilizam num âmbito de comunicação, delimitado pelo
que faz a especialidade, para garantir a compreensão entre as pessoas que
trabalham naquele âmbito.
Cabré afirma que podemos conceber as unidades terminológicas como um
conjunto de traços associados a unidades léxicas caracterizadas por sua natureza
denominativa-conceitual. Essas unidades são, portanto, dotadas de capacidade de
referência e podem exercer funções distintas quando integradas no discurso. Os
itens lexicais, por sua vez, podem se constituir em núcleos predicativos ou em
argumentos dos predicados (Cabré, 1999).
28
Os termos formam parte da linguagem natural, por isso, uma unidade lexical
pode assumir o caráter de termo em função do seu uso em um contexto e situação
determinados, caracterizando-se por fatores pragmáticos, pela temática específica e
usuários especializados, pela situação comunicativa mais ou menos formalizada e
por um discurso profissional e científico. Essas unidades lexicais por sua vez, devem
ser analisadas em seus contextos reais de ocorrência. Os esforços para definir o
que é um termo e examinar qualquer distinção entre diferentes tipos de termos são
irrelevantes se o contexto não for considerado (Pearson, 1998). Nas pesquisas
norteadas pelos pressupostos do trabalho linguístico baseado em corpus, que é o
caso de nossa pesquisa, o contexto é importante para as pesquisas informatizadas
em diferentes domínios, porque permite a extração semiautomática de termos e de
contextos (SLODZIAN, 2000). Destacamos a importância do contexto para a análise
dos termos, em conformidade com que apontam Krieger e Finatto (2004):
(...) o exame do comportamento das unidades terminológicas em seu real contexto de ocorrência, compreendendo que estas unidades aparecem de maneira natural no discurso, não constituindo uma língua à parte, como inicialmente se julgava. Consequentemente, os termos sofrem os efeitos de todos os mecanismos sintagmáticos e pragmáticos das cadeias discursivas que dão suporte à comunicação especializada. (KRIEGER e FINATTO, 2004)
No âmbito da Terminologia, seguimos as perspectivas de viés comunicativo e
textual , já que não pretendemos postular normas para padronizar os termos
policiais usados no boletim de ocorrência. O nosso objetivo é identificar esses
termos para, em conformidade com a linguagem em uso que é registrada nos textos
produzidos pelos policiais, explicar a forma como eles ocorrem, são utilizados e
entendidos nessa linguagem especializada.
Foi nesse sentido que optamos pela TCT em nosso trabalho, pois nos permite
ver o termo como uma unidade da língua comum que é também representante de
um conceito temático, juntamente com as funções pragmáticas assumidas na
comunicação.
Assim, as unidades lexicais podem ser visualizadas como elementos
integrantes e integralizadores do caráter comunicativo que os termos desempenham
no discurso. Tal fato nos impulsiona para o desenvolvimento de uma nova visão de
comunicação especializada, o texto de especialidade, falado ou escrito, pertencente
ao domínio público, expandindo a interação entre leigos e especialistas para além
29
das fronteiras estritas das relações profissionais e, ainda mais, tornando-o parte da
vida cotidiana do usuário da língua.
Por nos propormos a tratar as unidades lexicais dentro de uma situação
comunicacional e discursiva, a seguir destacaremos a extrema relevância do
reconhecimento do termo e da articulação de estudos entre a Terminologia e o
Texto.
2.4 O Texto Policial e a Terminologia
Com o avanço da computação e a facilidade de acesso a bens, serviços e
produtos, os indivíduos acabam por tomar conhecimento de informações que
circulam na mídia, principalmente, sobre criminalidade. O que leva à população a
necessidade de compreender o universo discursivo dos termos que são usados na
comunicação policial, no qual estão inseridos.
A terminologia empregada pelos policiais tanto civis, como militares no
registro de ocorrência policial é de extrema importância; seja dentro do universo
técnico-jurídico, como fora dele, pois é através da linguagem que os conceitos que
presidem o ordenamento da sociedade se conformam, se estabilizam e se
transmitem.
Sendo que Costa (2009) salienta, ainda, que a Polícia Civil passa a ser,
muitas vezes, a instituição para a qual é feito uma espécie de desabafo daquela
parcela da sociedade que é vitimizada, pois a maioria das pessoas que acorre a
uma Delegacia de Polícia (DP) sabe que não terá de volta o bem que foi subtraído,
ou a vida de quem se foi devolvida, através do ato legal, que é o registro de
ocorrência, principalmente pela falta de provas, vestígios ou indícios que apontem
para uma pessoa suspeita da autoria.
Segundo a autora, essas pessoas, muitas vezes, querem apenas que alguém
as escute, por isso, registram a ocorrência. Entretanto, esse registro não fica
estanque na Delegacia de Polícia, pois mesmo sem provas, vestígios ou indícios, ele
deve ser investigado para apontar quem cometeu a ação criminosa, gerando assim,
uma série de documentos necessários para que a denúncia seja oferecida, os quais
somam as peças que compõem o procedimento policial. Ademais, os dados
processados na ocorrência policial resultam em dados estatísticos, que se prestam à
30
análise criminal, de onde são difundidas as informações que circulam na mídia sobre
os crimes, e que dão origem aos índices de criminalidade que motivam os projetos
de gestão necessários à atividade policial.
O órgão responsável pelo registro do Boletim de Ocorrência policial (BO), é a
Polícia Civil do RS, doravante PC/RS, que é a responsável por proceder ao registro
nas Delegacias de Polícia (DPs). A Brigada Militar (BM) faz o registro nos locais
onde ocorrem os fatos. Quando há um fato típico e a BM é chamada ao local, os
policiais militares (PMs) realizam o registro em um formulário e depois o
encaminham digitalizado para a PC/RS.
A Polícia Civil, por sua vez, faz o registro nas Delegacias quando as pessoas
para lá se deslocam a fim de comunicar algum fato criminoso ocorrido. Em relação
aos registros de ocorrência, destacamos que a elucidação de um fato é
desencadeada através da ocorrência policial, que corresponde ao registro das
declarações de quem é depoente nesse procedimento. Para isso, o policial civil ou
militar preenche os campos do boletim de ocorrência com os dados da pessoa que
está procedendo à comunicação e, no campo histórico, deve ser registrada a
narrativa detalhada pelo comunicante, por meio da qual são feitas as investigações
que, conforme o caso, elucidam a autoria.
O discurso policial nos BOs acontece em um espaço de interação entre o
depoente e o escrivão ou o comunicante e o policial militar que, ao relatar os fatos
criminosos, pretende narrar e descrever enfaticamente a fala do comunicante e/ou
da vítima, caracterizando a sua área de especialidade com a presença de termos
típicos da sua área de atuação.
Os registros de ocorrências policiais BOs foram definidos como discursos de
denúncia do cidadão contra um fato criminoso, que deseja com este documento
medidas judiciais.
Grandes partes das decisões judiciais tomadas nos nossos tribunais têm justamente base no que existe de concreto no boletim de ocorrência presente nos autos, daí se pode ter uma ideia do grande reflexo que este instrumento provoca em todo um ordenamento processual e democrático existente no nosso país e nas relações sociais entre os indivíduos de toda a nação. (Araújo, 2007)
Essa afirmação fundamenta a importância do BO para o processo penal. O
campo do histórico, objeto de nossa investigação, agrega a narrativa dos fatos
31
comunicados pelo cidadão. O estudo da terminologia policial baseado nesse
documento demonstra os termos peculiares da área policial, inseridos no contexto.
É extremamente relevante esclarecermos que tanto a BM, como a PC/RS
evidenciam a linguagem especializada policial nos BOs, a partir das declarações de
um comunicante que é leigo da área. Segundo Costa (2009), como o histórico é o
registro, realizado pelos policiais contém termos específicos da sua área de
especialidade, uma vez que este documento é encaminhado a outros policiais, a fim
de desencadear investigações. A partir desses documentos temos os primeiros
passos norteadores de instrução, que irão auxiliar os procedimentos de investigação
dos policiais e servirá como instrumento de justiça a juízes, promotores e
advogados, bem como, os órgãos governamentais que tem permissão para acesso
eletrônico às informações do registro.
É importante ressaltar também que compete ao poder judiciário julgar as
infrações às regras, dizendo se houve ou não, em maior ou menor grau, infrações
penais. Compete ao Ministério Público a tomada de iniciativas no que diz respeito à
provocação da ação penal, ou seja, a realização dos Processos Judiciais. Os
promotores instigam o pronunciamento judicial por meio da denúncia e por meio da
queixa, tendo em vista que se trata de relatos de ocorrências criminais que
apresentam os infratores e o contexto em questão.
Além disso, para que o Poder Judiciário e o Ministério Público possam
realizar a sua função de forma eficiente, faz-se necessário que a Polícia Civil e a
Brigada Militar possam também ser esclarecedores na narração dos fatos nos BOs,
evidenciando assim, sua função de forma significativa. Na realidade, a PC/RS se
apresenta como a organização responsável pela apuração de casos concretos de
infrações penais e também de fatos considerados como não normais. Para isso, a
PC/RS fornece ao Ministério Público os elementos necessários à organização dos
relatos, uma vez que são eles, os policiais, que possuem atribuições e recursos para
a referida questão.
Além disso, salientamos que os termos devem ser analisados nos seus
contextos reais de ocorrência. Os esforços para definir o que é um termo e examinar
qualquer distinção entre diferentes tipos de termos são irrelevantes se o contexto
não for considerado (Pearson, 1998). O que percebemos também nas palavras de
Krieger e Finatto (2004):
32
(...) o exame do comportamento das unidades terminológicas em seu real contexto de ocorrência, compreendendo que estas unidades aparecem de maneira natural no discurso, não constituindo uma língua à parte, como inicialmente se julgava. Consequentemente, os termos sofrem os efeitos de todos os mecanismos sintagmáticos e pragmáticos das cadeias discursivas que dão suporte à comunicação especializada. (Krieger e Finatto, 2004)
Cabe salientar também, que o texto de especialidade pode ser definido de
acordo com critérios externos, que são a temática e a perspectiva segundo a qual o
objeto é abordado, a situação de comunicação, os usuários e também a
funcionalidade do texto; ou através de critérios internos, que correspondem às
características referentes aos recursos lexicais, morfológicos, sintáticos, estilísticos e
marcas na macroestrutura. Nesse sentido, os termos são uma das características
mais evidentes de um texto especializado. O texto especializado deve ser descrito e
caracterizado com a observância de todas as suas dimensões; porém a noção de
especialidade deveria poder definir-se a partir de um estudo linguístico e estrutural
(Ciapuscio, 2003)
Os termos diferem das palavras quando vistos através dos critérios
pragmáticos e comunicativos (Cabré, 1993). Eles não compõem um sistema lexical
independente, por isso, têm uma forma fonética e gráfica em conformidade com a
estrutura fonológica de cada linguagem em que são empregados. Sua formação e
flexão obedecem às leis morfossintáticas comuns, agrupando-se em classes
gramaticais, combinando-se em sintagmas e orações, respeitando as regras usuais
de distribuição e organizando-se para formar textos que seguem os princípios gerais
de redação de textos orais ou escritos de todo o gênero.
Cabré (1999) nos elucida que os termos, além da categoria nominal,
tradicionalmente estabelecida, na linguagem especializada podem assumir outras
categorias gramaticais, já que compartilham das mesmas categorias que o léxico
comum, ainda que as palavras eminentemente funcionais, como preposições,
conjunções, artigos e pronomes, não comportem caráter terminológico. Nesse
prisma, os verbos somam um dos traços peculiares que configuram a especificidade
dos termos empregados na linguagem jurídica (Maciel, 2001). Segundo Costa
(2009), os verbos performativos, isto é, aqueles que realizam, pela enunciação, a
33
ação que exprimem, ao realizarem ações específicas do mundo jurídico, ativam o
valor jurídico de seu sujeito e seus complementos.
Nesse sentido, a Terminologia tem e muito a contribuir para dar a
conhecer sobre a unidade lexical especializada caracterizadora desta tipologia
textual jurídica em análise: os registros de ocorrências policiais.
2.5 Terminologia e Texto
“Os elementos textuais e discursivos corroboram a determinação de unidades terminológicas, o componente pragmático das comunicações especializadas explica, muitas vezes, o funcionamento das terminologias.” ( Krieger)
Há que se considerar a inegável inter-relação entre o texto, o discurso
e os termos. Mais do que nunca, entendemos que a Terminologia possui uma
estreita relação com os sistemas linguísticos, textuais e discursivos. Como bem nos
assevera Krieger (2008): se uma teoria da Terminologia procura oferecer princípios
para apreender o estatuto terminológico de uma unidade lexical, os componentes
cognitivos, linguísticos e pragmáticos da comunicação especializada ganham
relevância. Na mesma linha, o reconhecimento dos mecanismos que engendram a
organização narrativa dos textos e dos discursos são elementos que auxiliam
largamente a identificar o estatuto terminológico de um item lexical. De acordo com a
autora, se uma unidade lexical ganha estatuto de termo especializado no universo
de discurso em que se insere, descrever esse universo é etapa metodológica
indispensável no quadro dos procedimentos de identificação dessas unidades.
Colocadas essas considerações, recorremos aos estudos de Kocourek
(1996), que nos diz que a problemática de reconhecimento dos termos e de seus
traços característicos não se concentra em um ou outro nível de expressão
linguística, mas se encontra dispersa em diferentes patamares: na área lexical, no
aspecto semântico, na área textual e nos indícios pragmáticos. Vemos uma
convergência nos estudos desse autor para a articulação a que nos propomos em
34
nosso trabalho, entre a Terminologia de Cunho Comunicativa e Textual (TCT) e os
estudos do Texto e do Discurso em A. J. Greimas (1993), salientamos também
alguns autores que serviram de ancoragem teórica em nossos trabalho: Barros
(2008) e Marcuschi (2008).
Além disso, a TCT propõe o modelo das portas abertas que postula a
Terminologia ao estar centrada sobre a base de uma teoria da linguagem, uma
teoria do conhecimento e uma teoria da comunicação, permitindo que se possa ver o
termo sob qualquer uma destas perspectivas. Uma vez que, a TCT admite o termo
como unidade de forma e conteúdo (termos são signos linguísticos) que pode
adquirir valor especializado, dependendo do uso. A Teoria Comunicativa da
Terminologia abarca o princípio de integração de diversas teorias para análise dos
diferentes aspectos de um termo.
Nesse sentido, em todo tipo de manifestação comunicativa, temos
necessariamente um discurso imbricado. Nessas manifestações, é o texto um dos
principais componentes da ação comunicativa verbalizada. A linguagem
especializada se processa por meio de um vocabulário específico, que dentre as
possíveis formas de expressão, se manifesta nos textos. Entendemos o texto do
mesmo modo que Eco (1984), como um sistema semiótico bem organizado, um
signo já é um texto virtual, e, num processo de comunicação, um texto nada mais é
que a expansão da virtualidade de um sistema de signo.
O texto, como objeto de estudo, é passível de análise sob vários enfoques e
metodologias, cuja investigação pode ocorrer em nível formal, funcional, gramatical,
semântico, pragmático ou cognitivo. Também pode ser analisado pelo viés da
produção, recepção, ou como resultado de um processo comunicativo. A análise do
texto pode privilegiar determinado aspecto dos que foram citados. Nesta pesquisa,
analisamos o texto como resultado de uma situação comunicativa especializada e,
portanto, como texto especializado.
Hoffmann (1998), aponta que para adotar uma definição de texto
especializado, é necessário considerar aspectos como autoria, objetivos e estratégia
de comunicação. O texto especializado é o resultado de uma atividade comunicativa
sócio-produtiva especializada, compondo assim, uma unidade estrutural e funcional,
formada por um conjunto ordenado e finito de orações coerentes pragmática,
35
sintática e semanticamente, ou de unidades com valor de oração, que correspondem
à realidade objetiva. (Hoffmann, 1998).
Como descreve o autor, a estrutura desse texto depende do seu autor, dos
seus objetivos e da sua estratégia de comunicação, e tem peculiaridades que se
realizam de várias formas, que podem aparecer na macroestrutura do texto, na
relação estabelecida entre os elementos linguísticos do texto e na utilização de
determinadas estruturas sintáticas, lexicais e morfológicas. O texto especializado
deve ser descrito e caracterizado com a observância de todas as suas dimensões;
porém a noção de especialidade deveria poder definir-se a partir de um estudo
linguístico e estrutural (Ciapuscio, 2003). De acordo com Costa (2009), é
inquestionável que o texto especializado possa definir-se como tal segundo critérios
funcionais, situacionais e temáticos. Entretanto, esses critérios, que são externos ou
globais, têm seu correlato nos traços linguísticos; por isso, uma descrição dos textos
especializados deve partir de uma concepção ampla e compreensiva do texto, que
dê ênfase necessária no seu contexto real de uso.
Além disso, o texto de especialidade pode ser definido também de acordo
com critérios externos, que são a temática e a perspectiva segundo a qual o objeto é
abordado, a situação de comunicação, os usuários e também a funcionalidade do
texto; ou através de critérios internos, que correspondem às características
referentes aos recursos lexicais, morfológicos, sintáticos, estilísticos e marcas na
macroestrutura. Nesse sentido, os termos são uma das características mais
evidentes de um texto especializado.
Os textos especializados, segundo Costa (2009), representam um conjunto de
características típicas contextuais (situacionais), funcionais e estruturais (gramaticais
e temáticas). Dentre as suas características, destaca-se a forte coerência
pragmática e semântica, pois o objeto de comunicação, em consonância com o
sistema de conhecimentos, domina os elementos do texto e a sua distribuição
(Hoffmann, 1998). Segundo o autor, o texto especializado é uma associação dos
fatores funcionais ou comunicativos, com os linguísticos ou estruturais. A
macroestrutura, que diz respeito às ideias, é característica essencial e está expressa
na superfície como uma sucessão de subtextos, determinada pela função e pelo
tema dos subtextos em relação à totalidade do texto, em uma espécie de relação
hierárquica com a sua lógica narrativa.
36
Cabe destacar, que todo texto é constituído de sequências em que se
percebe uma sucessão de ações que são passíveis ao nosso entender de serem
explicáveis, através das relações na forma de diferenças e oposições que só podem
ser reconhecias como valores, ou seja, através das relações das propriedades umas
frente às outras. Dessa forma, explicitar os elementos constitutivos da narratividade
dos boletins de ocorrência (BOs) nos levará para o reconhecimento mais refinado
deste tipo de texto, levando-nos a identificar as especificidades desta área de
especialidade, dentro deste cenário comunicativo, a qual se pretende traçar uma
análise. E, como bem nos diz Barros (2008): o que ele diz e, como faz para dizer o
que diz.
Ainda no âmbito dessa questão anteriormente explicitada reconhecer os
meandros da semântica do plano narrativo para evidenciar a constituição da
narratividade nos históricos dos boletins de ocorrência é de extrema importância.
Uma vez que, os termos apresentam particularidades no sentido de que a relação
significante/significado reflete escolhas designativas motivadas. O que concordamos
com as palavras de A. J. Greimas:
“la génération de la signification ne passe pas, d’abord, par la production des énoncés et leur combinaison en discours; elle est relayée, dans son parcours,par les structures narratives et ce sont elles qui produisent le discours senséarticulé en énoncés. Dès lors, on voit que l’élaboration d’une théorie de la narrativité qui justifierait et fonderait en droit l’analyse narrative comme un domaine de recherches méthodologiquement autosuffisant, ne consiste pas seulement dans le perfectionnement et la formalisation des modèles narratifs obtenus par des descriptions de plus en plus nombreuses et variées, ni dans une typologie de ces modèles qui les subsumerait tous, mais aussi, et surtout, dans l’installation des structures narratives en tant qu’instance autonome à l’intérieur de l’économie générale de la sémiotique, conçue comme science de la signification”. 4
O que também podemos perceber nas palavras de Marcuschi (2008), um
texto também é uma proposta de sentido e ele não pode ser visto como uma
virtualidade, mas sim, como uma realidade. Realidade esta que, a nosso ver, é uma
realização linguística e terminológica, em um processo de interação comunicacional,
em que os actantes se dão a conhecer.
É nesse ambiente discursivo-textual que se buscou descobrir mais sobre as
relações de sentido e que terminologia temos nesse contrato de comunicação.
Nesse sentido, o ato de linguagem se converte em um duplo movimento: exocêntrico
4 Du sens: essais sémiotiques. Paris: Du Seuil, 1970, p. 159.
37
e endocêntrico em que, de um lado, temos a atividade estrutural para
reconhecimento do sentido do termo e, de outro, o sentido comandado pela
atividade contextual, que garante a produção da significação pelo seu produto.
Aliados ao pensamento de que o texto é passível de análise sob vários
enfoques e metodologias, cuja investigação pode ocorrer em nível formal, funcional,
gramatical, semântico, pragmático ou cognitivo, também podemos analisá-lo pelo
viés da produção, recepção, ou como resultado de um processo comunicativo.
A forte relação entre a TCT, já explicitada ao longo desse trabalho com as
relações textuais nos leva a destacar a importância dos princípios da TCT para
nossa pesquisa. Cabré (1993), evidenciando os traços distintivos da terminologia,
esclarece-nos que esta:
· serve para denominar a realidade;
· exerce a função fundamentalmente referencial;
· denomina uma ciência, uma técnica, uma atividade restrita.
Na terminologia, os usuários são os especialistas de um determinado campo
de especialidade e as situações de uso são de natureza formal (Cabré, 1993).
Como nos elucida a autora em relação às características da terminologia,
temos aí um fortalecimento da estrutura linguística, o que interpretamos como texto
de especialidade pelo conjunto de sua organização interna, com suas características
sintático-semânticas. É necessário que estas possam ser ampliadas para além dos
critérios pragmáticos e comunicativos, possibilitando ver o termo em seu ambiente
especializado, por suas condições linguístico-textuais e também discursivas.
Assim, em nossa análise, partimos da concepção de que termo e texto
especializado se constituem nas diversas situações comunicativas de que fazem
parte. Por isso, faz–se necessário procurar identificar como está construída essa
narrativa e a relação de valor especializado que as palavras adquirem nas línguas
de especialidade, como unidades recursivas e dinâmicas que podem circular entre o
léxico comum e especializado.
Em vista do que abordamos anteriormente passamos a evidenciar no próximo
capítulo deste trabalho das questões de gênero e tipologia textual em relação ao
boletim de ocorrência policial.
38
2.5.1 Gênero e Tipologia Textual do BO
Neste capítulo, ao explicitarmos sobre a questão do gênero textual e tipologia
do boletim de ocorrência policial (BO), buscamos em Marcuschi (2008) para melhor
esclarecermos essas distinções.
Para Luiz Antônio Marcuschi entender o domínio discursivo é essencial para
compreender a que esfera da vida social ou institucional (religiosa, política, jurídica,
etc) as práticas se organizam e se comunicam em suas estratégias de ação. O que
segundo o autor, deve culminar em modelos de ação comunicativa que se
estabilizam e se transmitem em formatos textuais, na estabilização de gêneros de
texto, ou seja, empiricamente esses gêneros mostram as diversas formas da
comunicação em uma determinada sociedade.
Além disso, os gêneros textuais denotam e orientam os usuários da língua a
realizarem escolhas lexicais, a definirem o grau de formalidade comunicativa, a
escolherem temáticas pertinentes ao entorno comunicativo. Marcuschi (2008),
destaca que, ainda que se tenham diferentes definições entre tipo de texto e gênero,
não há uma dicotomia entre os mesmos, uma vez que todos os textos ‘’realizam um
gênero textual e todos os gêneros realizam sequências tipológicas diversificadas”.
A importante distinção entre as noções de tipo textual e gênero é definida
pelo autor que arrola autores que têm posição similar (Douglas Biber, John Swales,
Jean-Michel Adam, Jean-Paul Bronckart). Temos as seguintes definições para tipo
textual:
(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição,injunção. (b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, romance, bilhete, [...] instruções de uso [...] (2002).
Em nosso trabalho salientamos a relação que há entre tipologia textual,
incluindo gênero, pela materialidade dos boletins de ocorrência policial, que traz da
39
oralidade para a escrita a denúncia de um fato criminoso que ocorre em um domínio
discursivo e que representa uma esfera da vida social.
Em Marcuschi (2008), é impossível se comunicar verbalmente a não ser por
algum texto. Em outras palavras, buscamos ver que a comunicação verbal só é
possível através de algum gênero textual. Para o referido autor essa é uma
concepção de língua como atividade social, histórica e cognitiva. Ele também,
reorganiza a definição de gênero textual, tornando-a mais integradora aos princípios
de concepção de língua que defende:
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos, definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008).
O quadro geral que temos em questão é uma tentativa de distribuição dos
gêneros da oralidade e escrita e seus respectivos domínios discursivos, o autor
constrói um quadro a partir da abordagem proposta por Marcuschi (2008), a fim de
registrar a classificação elaborada pelo autor relacionada aos domínios discursivos
e modalidades de uso da língua. Mesmo que a relação contida no quadro não seja
definitiva, nem representativa, é possível observar a quantidade de exemplos tanto
da modalidade escrita, quanto da modalidade oral em seus domínios discursivos. Os
domínios como o jurídico, o instrucional e o jornalístico elencam um número
significativo de gêneros textuais. Especialmente o domínio discursivo jurídico, ao
qual relacionamos os boletins de ocorrência, que apresenta grande
representatividade na esfera em que se insere.
O BO, objeto deste estudo, na abordagem de Marcuschi, estaria classificado
no domínio discursivo jurídico; conforme os itens elencados na língua escrita (ver
quadro 2), os gêneros são: tomada de depoimento, tipo de delito, normas, regras,
citação criminal, etc. Reproduzimos o quadro organizado pelo autor, destacando os
gêneros textuais que estão circunscritos aos domínios discursivos. (Marcuschi,
2008).
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Segue o quadro, com destaque para o domínio discursivo jurídico.
DOMÍNIOS DISCURSIVOS
MODALIDADES DE USO DA LÍNGUA ESCRITA ORALIDADE
INSTRUCIONAL (científico, acadêmico e educacional)
artigos científicos; verbetes de enciclopédias; relatórios científicos; notas de aula; nota de rodapé; diários de campo; teses; dissertações; monografias; glossário; artigos de divulgação científica; tabelas; mapas; gráficos; resumos de artigos de livros; resumos de livros; resumos de conferências; resenhas; comentários; biografias; projetos; solicitação de bolsa; cronograma de trabalho; organograma de atividade; monografia de curso; monografia de disciplina; definição; autobiografias; manuais de ensino; bibliografia; ficha catalográfica; memorial; curriculum vitae; parecer técnico; verbete; parecer sobre tese; parecer sobre artigo; parecer sobre projeto; carta de apresentação; carta de recomendação; ata de reunião; sumário; índice remissivo; diploma, índice onomástico; dicionário; prova de língua; prova de vestibular; prova de múltipla escolha; certificado de especialização; certificado de proficiência; atestado de participação; epígrafe
conferências; debates; discussões; exposições; comunicações; aulas participativas; aulas expositivas; entrevistas de campo; exames orais; exames finais; seminários de iniciantes; seminários avançados; seminários temáticos; colóquios; prova oral; argüição de tese; argüição de dissertação; entrevista de seleção de curso; aula de concurso; aulas em vídeo; aulas pelo rádio; aconselhamentos
Jornalístico
editoriais; notícias; reportagens; nota social; artigos de opinião; comentário; jogos; história em quadrinhos; palavras cruzadas; crônica policial; crônica esportiva; entrevistas jornalísticas; anúncios classificados; anúncios fúnebres; carta do leitor; resumo de novelas; reclamações; capa de revista; expediente; boletim do tempo; sinopse da novela; resumo do filme; cartoon; caricatura; enquete; roteiros; errata; charge; programação semanal; agenda de viagem
entrevistas jornalísticas; entrevistas televisivas; entrevistas radiofônicas; entrevista coletiva; notícias de rádio; notícias de TV; reportagens ao vivo; comentários; discussões; debates; apresentações; programa radiofônico; boletim do tempo
Religioso
orações; rezas; catecismo; homilias; hagiografias; cânticos religiosos; missal; bulas; jaculatórias; penitências; encíclicas papais
sermões; confissão; rezas; cantorias; orações; lamentações; benzeções; cantos medicinais
Saúde
receita médica; bula de remédio; parecer médico; receitas caseiras; receitas culinárias
consulta; entrevista médica; conselho médico;
Comercial
rótulo; nota de venda; fatura; cota de compra; classificados; publicidade; comprovante de pagamento; nota promissória; nota fiscal; boleto; boletim de preços; logomarca; comprovantes de renda; carta comercial; parecer de consultoria; formulário de compra; carta-resposta; comercial; memorando; nota de serviço; controle de estoque; controle de venda; copyright; bilhete de avião; bilhete de ônibus; carta de representação; certificado de garantia; atestado de qualidade; lista de espera; balanço comercial
publicidade de feira; publicidade de tv; publicidade de rádio; refrão de feira; refrão de carro de venda de rua
Industrial
instruções de montagem; descrição de obras; código de obras; avisos; controle de estoque; atestado de validade; manuais de instrução
Ordens
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Jurídico [grifo nosso]
contrato; leis; regimentos; estatutos; certidão de batismo; certidão de casamento; certidão de óbito; certidão de bons antecedentes; certidão negativa; atestados; certificados; diplomas; normas; regras; pareceres; boletim de ocorrência; edital de convocação; edital de concurso; aviso de licitação; auto de penhora; auto de avaliação; documentos pessoais; requerimento; autorização de funcionamento; alvará de licença; alvará de soltura; alvará de prisão; sentença de condenação; citação criminal; mandado de busca; decreto-lei; medida provisória; desmentido; editais; regulamentos; contratos; advertência
tomada de depoimento; arguição; declarações; exortações; depoimento;
inquérito judicial; inquérito policial; ordem de prisão [grifo nosso]
Publicitário
propagandas; publicidades; anúncios; cartazes; folhetos; logomarcas; avisos; necrológicos; outdoors; inscrições em muros; inscrições em banheiros; placas; endereço postal; endereço eletrônico; endereço de internet
publicidade na tv; publicidade no rádio
Lazer piadas; jogos; adivinhas; histórias em quadrinhos; palavras cruzadas; horóscopo
fofocas; piadas; adivinhas; jogos teatrais
Interpessoal
cartas pessoais; cartas comerciais; cartas abertas; cartas do leitor; cartas oficiais; carta-convite; cartão de visita; e-mail; bilhetes; atas; telegramas; memorandos; boletins; diário pessoal; aviso fúnebre; volantes; lista de compras; endereço postal; endereço eletrônico; autobiografia; formulários; placa; catálogo; papel timbrado
recados; conversações
Militar ordem do dia; roteiro de cerimônia oficial; roteiro de formatura; lista de tarefas
ordem do dia
Ficcional épica – lírica – dramática; poemas diários; contos; mito; peça de teatro; lenda; parlendas; fábulas; história em quadrinhos; romances; dramas; crônicas; roteiros de filme
fábulas; contos; lendas; poemas; declamações
Quadro 1 – Gêneros textuais por domínios discursivos e modalidades. Fonte: Marcuschi (2008)
Embora mais adiante, venhamos, a realizar uma análise das características
dos boletins de ocorrência, podemos considerar desde já que se trata de um gênero
textual do âmbito jurídico já estabilizado socialmente, reconhecido como uma
“entidade” empírica de comunicação, seja de especialista para especialista, seja de
especialista para não - especialista. Outras características mais específicas desse
gênero serão abordadas mais adiante.
Para melhor esclarecermos nossa opção de ver significativamente os termos
no texto de especialidade em uma situação comunicativa, explicitaremos, no
próximo item, a Teoria Semiótica greimasiana.
42
2.6 A Teoria Semiótica de Algirdas Julien Greimas
A semiótica de cunho francesa caracteriza-se como uma teoria geral da
significação e não do signo linguístico. Essa teoria vê a linguagem como um sistema
de significações que emergem da relação de oposição entre elementos, relação
reveladora de diferenças de sentido. A semiótica greimasiana instaura-se assim na
tradição do pensamento de Ferdinand Saussure ( CLG) e de Louis Hjelmslev.
Como uma teoria geral da significação, a semiótica procura explicitar, por
meio de construções conceituais, as condições de produção e de apreensão do
sentido através da qual um conteúdo é manifestado.
Tendo como objeto de estudo o texto, encontro do plano de conteúdo com o
plano de expressão, a semiótica o percebe como um todo de significação, que
demarca em si mesmo, os princípios de sua organização. Esses princípios
subscrevem, por sua vez, o princípio da imanência do texto. A teoria greimasiana
institui assim, uma análise imanente, reconhecendo o objeto textual como uma
máscara sob a qual é preciso buscar as leis que regem o universo discursivo. E,
através de uma análise interna, chegar ao sujeito desse processo.
Cabe salientar também que, a teoria postula que o sentido se equaciona
gradativamente, sob um percurso gerativo, princípio que representa máxima da
teoria, uma vez que, tal percurso marca a geração semiótica de qualquer discurso,
constituindo-se assim no modelo que descreve a produção dos sentidos, motivo pelo
qual é um percurso de conteúdo. Por isso, são as descrições do plano de conteúdo
que levam a semiótica a estabelecer-se como a teoria geral da significação.
O trabalho de construção do sentido, que vai da imanência à aparência, é
percebida como uma articulação entre os três níveis: fundamentais, narrativos e
discursivos. Esses níveis avançam do mais simples ao mais complexo e do mais
abstrato ao mais concreto, constituem-se cada um, de uma gramática composta de
um componente semântico e outro sintático. A passagem de um patamar a outro
representa um enriquecimento e não uma ruptura à medida que a construção do
sentido, para a semiótica, se faz através de progressivos investimentos semânticos
e das novas articulações efetuadas em cada nível.
Assim, o sentido do texto decorre, por sua vez, da articulação dessas etapas
progressivas. O princípio da significação como articulação é, aliás, desdobramento
natural da própria concepção de linguagem como sistema de significações.
43
A seguir será feita uma apresentação sucinta dos três níveis do percurso
gerativo do sentido. Cabe lembrar que esta investigação concentra-se na descrição
da organização narrativa do discurso policial nos históricos dos boletins de
ocorrência, razão pela qual os aspectos da narratividade e as questões a ela
relacionadas serão enfatizados.
2.6.1 Estruturas Fundamentais
Uma das primeiras etapas do percurso gerativo é a das estruturas
fundamentais, de natureza lógico-semântica. É sem dúvida, uma instância mais
abstrata que abarca as categorias semânticas sobre as quais se constrói um texto.
Na sintaxe fundamental temos explicitado as primeiras articulações da
substância semântica em termos puramente relacionais, enquanto que a semântica
fundamental aparece como um inventário de categorias semânticas alicerçadas
numa diferença, ou seja, no valor da oposição como condição do sentido.
As relações e articulações lógicas dos termos da estrutura elementar da
significação são espacialmente representadas pelo quadrado semiótico. Tal modelo,
concebido como representação lógica da estrutura elementar, permite traduzir suas
relações em termos de contradição, contrariedade e complementaridade, com base
nas duas operações da sintaxe fundamental: a negação e a asserção. Essas
operações realizadas no quadrado semiótico, ao negarem um conteúdo e afirmarem
outro, permitem explicar um primeiro modo de engendramento da significação,
tornando-a passível de narrativização.
A projeção no quadrado semiótico da categoria tímica / euforia / vs / disforia /
é responsável pela axiologização das categorias semânticas, suscetíveis, enquanto
valores virtuais, de serem exploradas pelo sujeito da enunciação.
2.6.1.1 Estruturas Narrativas
Em termos de geração de sentido, no nível narrativo, opera-se a conversão das
estruturas profundas em estruturas narrativas, graças à intervenção da ação do
sujeito. Chama-se, por isso, o nível da antropomorfização.
44
Embora o problema da passagem de um nível fundamental a um nível
narrativo imediatamente superior não esteja completamente solucionado, é possível
isolar duas ordens de conversão: 1) os elementos das oposições semânticas
fundamentais são assumidos como valores por um sujeito; 2) as operações lógicas
são substituídas por sujeitos que operam transformações de estado.
Os estados são compreendidos como relações de junção - conjunção ou
disjunção de um sujeito com os valores investidos nos objetos, sendo as
transformações, alterações de estado. Estados e transformações compõem a base
do enunciado elementar que se desdobra em enunciados de estado e enunciados
de fazer.
Conforme a natureza da função constitutiva do enunciado
(junção/transformação) ,é possível distinguir sujeitos de estado de sujeitos do fazer.
Enquanto aqueles se definem por sua relação de junção com o objeto-valor, estes
são os responsáveis pelas transformações que alteram as relações de junção com
os objetos visados.
Os dois tipos de enunciado, o de estado e o de fazer , assim como os
actantes narrativos que os constituem, o sujeito e o objeto são os componentes
básicos da sintaxe narrativa, cujo sintagma elementar é denominado programa
narrativo.
O programa narrativo constitui-se de um enunciado de fazer que rege um
enunciado de estado (Greimas & Courtés, 1999). Isso equivale a dizer que a
transformação de estados ou relação de junção de um sujeito com um objeto-valor
resulta da execução de um programa narrativo por um sujeito.
Nessa perspectiva, a teoria parte de uma concepção de narratividade como
uma sucessão de transformações, operadas por um sujeito do fazer. Os resultados
do fazer levam a alterações da relação de junção dos sujeitos com os valores
investidos nos objetos.
No encadeamento dos programas narrativos, cujos tipos fundamentais são o
de competência e o de performance, resulta um percurso narrativo, unidade sintática
hierarquicamente superior.
Os três percursos narrativos são encontrados na organização narrativa: o do
sujeito, o do Destinador manipulador e o do Destinador julgador. O encadeamento
lógico de um programa de competência, necessário à ação, com um programa de
performance constitui o percurso do sujeito. O percurso do Destinador manipulador
45
compreende duas etapas: a de atribuição de competência semântica e a de doação
de competência modal. Estas duas etapas são sempre pressupostas, pois o
destinatário-sujeito, para que se deixe manipular, precisa crer nos valores
apresentados pelo Destinador. A manipulação propriamente dita se dá, por sua vez,
quando o Destinador doa ao destinatário-sujeito os valores modais do querer-fazer,
do dever-fazer, do saber-fazer e do poder-fazer.
O terceiro percurso, o do Destinador julgador, organiza-se pelo
encadeamento de programas de dois tipos: o de sanção cognitiva ou interpretação e
o de sanção pragmática ou retribuição. Cabe ao Destinador julgador verificar a
conformidade da ação do sujeito ao sistema de valores compartilhados e, sobretudo,
se o sujeito cumpriu os compromissos assumidos na relação contratual.
A reunião dos três percursos do sujeito, do Destinador manipulador e do
Destinador julgador- resulta num modelo de referência e previsibilidade da estrutura
geral da narrativa: o esquema narrativo canônico.
A concepção inicial da narrativa como sucessão de estados e transformações
complementa-se com a da narratividade como sucessão de estabelecimentos e
rupturas de contratos entre um Destinador e um destinatário.
O esquema narrativo engloba, assim, os dois pontos de vista presentes nas
definições de narratividade - o do sujeito e de seu fazer, de um lado, e, de outro, o
das relações entre Destinador e destinatário-sujeito revelando a natureza conflituosa
das relações intersubjetivas. Conflitos assinalados pelas disputas do mesmo objeto-
valor e também pala manifestação de sistemas de valores contrários e
contraditórios. Isso demostra, em última análise, o reconhecimento de um princípio
polêmico sobre o qual repousa a organização da narrativa.
2.6.1.2 Estruturas Discursivas
As estruturas discursivas são o patamar imediatamente superior ao das estruturas
narrativas e o mais próximo da manifestação textual.
Em termos gerais, no nível discursivo, a narrativa é assumida pelo sujeito da
enunciação. Nessa medida, ao nível da instância enunciativa, o sujeito da
enunciação opera a conversão dos esquemas narrativos em discursos e neles deixa
“marcas”. Subjacente a esse postulado, encontra-se o ponto de vista semiótico de
46
que o sujeito não é dado a priori, mas é reconhecido e reconstruído pelas marcas
deixadas no enunciado.
A enunciação é, portanto, uma instância logicamente pressuposta pelo
discurso enunciado. Esta definição, assumida pela semiótica, permite integrar a
instância da enunciação na concepção de conjunto da teoria, sem implicar
contradições (Greimas & Courtés, 1999).
As relações entre enunciação e discurso são examinadas pela sintaxe
discursiva em termos de uma projeção. A operação de projeção para fora da
instância enunciativa dos actantes e das coordenadas espaço-temporais, que
servem de suporte ao enunciado, denomina-se debreagem. A operação contrária
chama-se embreagem e consiste na suspensão das oposições de pessoa, de tempo
ou espaço, visando a um retorno das formas já debreadas à instância da
enunciação. Embora esse seja um procedimento típico dos chamados discursos
objetivos, a embreagem total, que equivaleria ao apagamento de todas as marcas
dos discursos, é impossível, conforme Greimas “a embreagem deve deixar alguma
marca discursiva da debreagem anterior”. Já nos discursos denominados subjetivos,
instala-se o sujeito “eu”, como um simulacro da enunciação.
A referência ao sujeito da enunciação ou a referência ao objeto, em outras
palavras, ao mundo que rodeia o homem e onde ele interage com outros homens,
produzem respectivamente a ilusão enunciativa e a ilusão referencial.
Em suma, as operações de debreagem e de embreagem, ligadas à instância
de enunciação, compõem a discursivização, descrita pela sintaxe discursiva como
um conjunto de procedimentos chamados a preencher - com a semântica discursiva
- a distância que separa a sintaxe e a semântica narrativas da manifestação textual
(Greimas & Courtés, 1999).
A semântica discursiva acompanha os procedimentos sintáticos da
discursivização, denominados actorialização, temporalização e espacialização,
procedendo a novos investimentos que correspondem aos procedimentos de
tematização e de figurativização. Nesses termos, a semântica discursiva opera a
conversão dos percursos narrativos quer em percursos temáticos quer, numa etapa
ulterior, em percursos figurativos.
A tematização e a figurativização são tarefas do sujeito da enunciação que,
assim procedendo, assegura a coerência semântica do discurso, pela recorrência
47
dos traços ou semas, e cria, com a cobertura figurativa, efeitos de realidade,
garantindo a relação entre mundo e discurso.
Nessa perspectiva, é no âmbito das estruturas discursivas que se examinam
duas ordens de fenômenos: 1) as projeções da instância da enunciação no discurso
enunciado, bem como as relações entre enunciador e enunciatário; 2) o
investimento, sob a forma de temas e a concretização por meio de figuras, dos
valores sobre os quais está assentado o texto.
A semiótica concebe, portanto, o plano de conteúdo de um texto,
independente e anterior a sua manifestação linguística ou não, sob a forma de um
percurso gerativo de sentido. O modo de organização dos três níveis do percurso
(fundamental, narrativo e discursivo) em grandes linhas, mostra os mecanismos de
produção e apreensão do sentido.
2.6.1.3 Esquema Narrativo Canônico
Como neste trabalho objetiva-se descrever a organização narrativa presente
nos históricos de boletins de ocorrência policiais e o uso da terminologia neste
gênero textual, passa-se, agora, a examinar mais de perto determinados aspectos
da organização sintagmática do esquema narrativo, antes apenas esboçados.
A semiótica, inspirando-se nas análises desenvolvidas por Propp sobre um
corpus de contos maravilhosos russos, estabelece um modelo de organização de
qualquer narrativa. Para tanto, revê inicialmente as funções estudadas pelo Autor
em Morfologia do Conto, dando-lhes a forma canônica de um enunciado narrativo.
Mas, ao contrário da formulação proppiana que via o conto como a sucessão de
trinta e uma funções, a semiótica francesa não considera a sucessão de enunciados
suficiente para explicar a organização de uma narrativa e propõe um modelo de
análise: o esquema narrativo canônico, a maior unidade da sintaxe narrativa.
O esquema narrativo surge como um modelo de referência e de
previsibilidade para todo e qualquer discurso, a partir do qual desvios, expansões e
variações narrativas podem ser calculados, bem como estabelecidas comparações
entre narrativas diferentes.
Compreende três percursos formulados hierarquicamente: o do sujeito, o do
Destinador manipulador e o do Destinador julgador. O percurso do sujeito do fazer
48
compreende dois programas narrativos: o de performance e o de aquisição de
competência. No programa de performance, o sujeito empreende a busca do objeto
valor, o que corresponde a uma tentativa de reparar um dano, liquidar uma falta. O
programa de aquisição de competência, logicamente pressuposto, é definido em
termos modais, ou seja, o sujeito competente para a ação deve possuir um conjunto
de modalidades ou de valores modais: o querer-fazer e ou dever-fazer, o poder-fazer
e saber- fazer.
Distinguem-se, assim, dois tipos de modalização: a do fazer e a do ser. A
primeira é responsável pela qualificação para a ação, enquanto a segunda altera a
existência modal do sujeito. À medida que as relações do sujeito com os valores são
alteradas por determinações modais, produzem-se efeitos de sentido passionais
como satisfação, frustração, decepção e muitos outros. Com isso se quer dizer que
a competência modal de um sujeito não é sempre positiva, podendo inclusive ser
insuficiente ou mesmo negativa, assim como os dispositivos modais da existência
também são passíveis de alterações. Nesse caso, produzem-se efeitos de sentido
reconhecidos como paixões.
O percurso do sujeito é enquadrado pelo percurso do Destinador
manipulador, que o antecede, e pelo do Destinador julgador, último segmento do
esquema. O Destinador manipulador determina os valores que serão buscados pelo
sujeito, ou seja, doa competência semântica; assim como atribui competência modal
ao sujeito, dotando-o dos valores modais necessários à execução da ação. Em
outras palavras, a manipulação para obter êxito necessita da aceitação do
manipulado, isto é, exige que o mesmo compartilhe o sistema de valores
apresentado, crendo-o como verdadeiro. A manipulação propriamente dita
pressupõe a relação fiduciária subjacente à crença e caracteriza-se pela doação, ao
destinatário-sujeito, dos valores modais do querer-fazer, do dever-fazer, do saber-
fazer e do poder-fazer.
Em suma, passa-se à problemática da manipulação, concebida pela semiótica
como “uma ação do homem sobre outros homens, visando a fazê-los executar um
programa dado” (Greimas & Courtés, 1999). Nessa perspectiva, o Destinador
manipulador configura-se como o detentor das regras do jogo, pólo de onde
emanam as obrigações contratuais a serem cumpridas pelo destinatário-sujeito,
determinando, em última instância, o valor dos valores a serem visados pelo sujeito.
49
A ação do sujeito submete-se, assim, a um sistema axiológico determinado pelo
Destinador.
Mas se é reconhecido que o Destinador faz saber ao sujeito do fazer os
compromissos que deve assumir, exercendo para tanto um fazer-persuasivo, a
aceitação por parte do destinatário-sujeito das propostas contratuais que recebe
depende de um fator: a eficácia do saber-fazer. Desse modo, os mecanismos de
manipulação acionados têm como contraparte necessária o fazer-interpretativo do
sujeito operador, o que determina, em última instância, a execução do fazer
desejado pelo Destinador inicial. Independente da forma de manipulação acionada,
previstas até agora pela semiótica como provocação, sedução, tentação ou
intimidação, cabe ao destinatário-sujeito cumprir os compromissos contratuais
assumidos junto à instância superior.
No segmento final, que complementa o esquema narrativo canônico, o
Destinador julgador verifica se os compromissos assumidos pelo destinatário-sujeito
foram cumpridos para emitir sua sanção positiva ou negativa. Para tanto, exerce um
fazer-interpretativo sobre a performance realizada pelo sujeito, avaliando se a
mesma está em conformidade com os compromissos contratuais e com o sistema
axiológico compartilhado. Nessa perspectiva, a sanção é uma operação cognitiva de
interpretação, em última análise, corresponde aos juízos positivos ou negativos
sobre os resultados da ação heróica.
A competência modal do Destinador julgador, no entanto, não é assegurada a
priori, se institui à medida que se desenrola o fazer-interpretativo. A semiótica
pretende desse modo, evitar a ideia de uma verdade pré-estabelecida, independente
do fazer-interpretativo.
Sejam as sanções positivas ou negativas, traduzidas pela recompensa ou
pela punição, não importa: a sanção final ratifica o princípio das relações contratuais
entre o Destinador julgador e os sujeitos.
O esquema narrativo, ao fundamentar-se em uma estrutura contratual, vem
revelar a concepção semiótica de que as relações intersubjetivas se organizam a
partir de condições mínimas, designadas pelo nome de contratos implícitos (Greimas
& Courtés, 1999). Com base nos contratos, definem-se os papéis desempenhados
pelos sujeitos no espaço social, as possibilidades de ação de cada um e as
coerções a que se submetem.
50
No entanto, é necessário frisar que os contratos não têm, na maior parte das
vezes, um real fundamento intersubjetivo. Nesse sentido, Greimas refere-se à noção
de simulacro para explicar os objetos imaginários construídos pelos sujeitos e
presentes nas relações contratuais. O contrato simulado traz, assim, uma carga de
expectativas particulares que podem não ser satisfeitas pelo outro, à medida que
não significam obrigações assumidas de fato. O efeito passional da decepção e seus
desdobramentos, por exemplo, decorrem, justamente, da perda de confiança no
contrato simulado referido.
Por fim, é preciso não esquecer que a organização contratual da
intersubjetividade articula-se em pólos opostos, de um lado, o das estruturas
contratuais em sentido restrito (expectativa benevolente), de outro, o das estruturas
polêmicas ou conflituosas. Em suma, as estruturas narrativas, cujo maior sintagma é
o esquema narrativo canônico, “simulam, por conseguinte, tanto a história do
homem em busca de valores ou à procura de sentido quanto a dos contratos e dos
conflitos que marcam os relacionamentos humanos” (Barros, 2008).
3 PRINCÍPIOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS
Neste capítulo, nos concentramos nos princípios teóricos- metodológicos que
foi percorrido em nossa dissertação. Para isso, optamos pela Teoria Comunicativa
da Terminologia (TCT) em consonância com a Semiótica greimasiana. E com esse
aporte buscou-se identificar a configuração da organização das narrativas e os
actantes deste contrato de comunicação. Também, elencamos alguns dos termos
técnicos que compõem a narrativa policial, usando, basicamente, dois critérios para
a identificação dos termos, que são os seguintes:
- eleição das palavras que adquirem significado peculiar quando empregadas na
área policial, encontrados nos textos que compõem o corpus que são os históricos
do boletim de ocorrência;
- submissão dos termos escolhidos ao crivo dos especialistas da área que são os
policiais;
Após essa etapa, foi efetuada uma tabulação dos termos com o auxílio de
uma ferramenta computacional – UNITEX, e gráficos estatísticos, a fim de
comprovar com maior exatidão a frequência dos termos na linguagem especializada
da PC/RS e da BM do RS. Nesse sentido, destacamos que a identificação da
frequência serve tão somente para mensurar o uso de determinado termo, e não
para atestar o caráter de termo.
3.1 O Corpus
Após a definição do objeto e dos objetivos da pesquisa, procedeu-se
primeiramente ao critério de seleção dos textos para este trabalho, que é o da
relevância para a seleção dos boletins que foram analisados: foram escolhidos 200
BOs, que foram cedidos por Delegacias do RS (DPRs) e pela Brigada militar do RS
(1ª BPM). Foi levado em consideração os tipos de delitos mais frequentes em nossa
sociedade. A aplicação de tal critério conduziu à seleção de um bom número de
ocorrências, as quais foram selecionadas para exemplificação.
Realizada a seleção dos BOs, estes foram digitalizados e, a fim de não
comprometer a identificação dos envolvidos nos fatos, optamos por colocar apenas
a inicial de cada nome em maiúscula ao invés dos nomes verdadeiros. Foi, também,
52
realizada uma classificação dos mesmos, por tipos de delitos e fatos, a fim de
termos uma melhor visualização de como está configurado o quadro das
ocorrências.
É importante esclarecer que os registros de ocorrências policiais são textos
de natureza técnica e finalidade jurídica, que correspondem ao registro das
declarações de quem é vítima ou depoente de um fato ocorrido. De acordo com
Costa (2009), é prática corrente, em nossa sociedade, o cidadão recorrer a uma
Delegacia de Polícia (DP), a fim de comunicar as autoridades competentes a
respeito de um fato criminoso, o qual muitas vezes, requer medidas de proteção. Os
fatos narrados pelo comunicante da ocorrência irão ser registrados no BO para que,
a partir dele, outras peças sejam agregadas ao procedimento até chegar ao Poder
Judiciário (PJ), que representa o caminho final. É de suma importância a eficácia
dessa comunicação para que o propósito a que se presta seja atingido.
Os registros de ocorrências policiais da Polícia Civil/RS são realizados por
escrivães e os da Brigada Militar por policiais militares, cujos documentos nos
propusemos a investigar neste trabalho e, que se constituem como fortes
instrumentos de investigação na área jurídica. Possuem uma terminologia de
natureza especializada ali imbricada e, dentro do histórico, as narrativas
propriamente ditas agregam fatos comunicados pelo cidadão que são reconstruídos
por termos peculiares da área policial, inseridos no contexto discursivo-textual.
O BO é feito pela PC/RS e pela BM, sendo que a PC/RS procede ao registro
nas DPs e a BM nos locais dos fatos. Quando ocorre um fato típico e a BM é
acionada, no local os PMs efetuam o registro em um formulário que, posteriormente,
é digitado e enviado à PC/RS, em modo eletrônico, para chancelamento. Quando
ocorre este procedimento, na ocorrência policial aparece o termo chancelada. A
PC/RS, por sua vez, efetua o registro nas DPs, quando as pessoas para lá se
deslocam a fim de comunicar o crime.
Isso não quer dizer que a PC/RS nunca compareça nos locais em que
ocorrem os fatos, porém o faz em caráter investigativo, para proceder ao
levantamento do local, como por exemplo, em locais de acidente, de homicídio, etc.
Devido ao que foi explicitado anteriormente, o estudo da terminologia
desempenha papel fundamental, pois a incompreensão de determinado termo
implicará em um desvio de propósitos nessa comunicação, que é noticiar e
denunciar um fato criminoso ocorrido na sociedade.
53
Nesse sentido, em nossa pesquisa temos como objetivo principal descrever a
organização da narrativa policial, a configuração dos actantes que participam desse
discurso, a fim de buscar o reconhecimento terminológico (pelo valor do
termo/diferença) da PC/RS e da BM/RS presente neste gênero textual.
Além disso, esperamos contribuir para avanços mais significativos na área
dos estudos terminológicos que levem em conta as dimensões conceituais,
linguísticas e pragmáticas dos termos técnico-jurídicos da tipologia textual BO o qual
se buscou analisar nesse trabalho.
3.2 Análise do Corpus
O objetivo desta seção é descrever a análise do corpus que, como se falou
anteriormente, está constituído por 200 boletins de ocorrências policiais, porém
evidenciaremos alguns textos que consideramos mais significativos para melhor
constatação do que nos propomos evidenciar: a organização da narrativa e a
terminologia presente neste documento. A análise foi feita em dois momentos
distintos: primeiro tendo em vista a descrição do plano da narratividade e da
discursividade, em um segundo momento nos valemos de uma ferramenta
computacional UNITEX- que nos auxiliou a mapear a presença dos termos e suas
regularidades em nosso corpus.
4. PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS
Neste capítulo será demonstrada a análise do corpus através da teoria
semiótica greimasiana, em que se procurou identificar como está configurada a
organização das narrativas e os actantes deste contrato de comunicação. Também,
evidenciamos o enquadramento da terminologia usada pela polícia civil e pela
brigada militar no histórico dos BOs. Logo após, foi realizado o levantamento dos
termos de cada boletim, para melhor explicitar a relação do plano de conteúdo da
narrativa com a terminologia empregada; para isso, foi construída uma tabulação
dos termos com auxílio de uma ferramenta computacional – UNITEX, e um gráfico
estatístico, a fim de comprovar com maior exatidão a frequência dos termos na
linguagem especializada da PC/RS e da BM do RS.
4.1 Análise dos BOs no Plano da Narratividade e Discursividade
À luz da organização narrativa, cabe agora descrever, em linhas gerais, o
papel que o boletim de ocorrência desempenha nesse universo discursivo e as
relações de interlocução daí decorrentes. Conforme o modo como a Polícia Civil/RS
e a Brigada Militar/RS dispõem as condições da interlocução, foi possível identificar,
em princípio, as formas de organização dessa narratividade e a temporalidade
discursiva que é dicotomizada em um vs e um depois do fato ocorrido. Em que a
categoria semântica fundamental é:
segurança vs criminalidade
Temos euforia- segurança, tranquilidade vs disforia( tensão, insegurança, agressão)
Essa oposição manifesta-se através dos enunciados de saber que operam a
passagem de um estado a outro, ou seja, de um estado de conjunção a um estado
de disjunção.
Embora saibamos que o ato de comunicação presente nos BOs está
configurado em vários sujeitos, não nos deteremos nesta questão; uma vez que,
nosso objetivo principal não comporta essa análise. Mas sim, elucidarmos os
55
principais actantes desse discurso em que temos: um S1 (comunicante) e um S2
(policial/PM autor dos fatos narrados). O que configuramos da seguinte forma:
Nesse relato policial temos no modo de dizer uma transformação de estado,
em um vs antes e um depois da ação criminosa que norteia ambos os textos, tanto
o que é narrado pela PC/RS, como o da BM/RS. Como podemos exemplificar :
Além disso, o objeto da transformação evidenciado nas narrativas policiais de
diversas formas no BO, tanto o que é realizado pela PC/RS quanto o que é realizado
pela BM, como podemos exemplificar no fragmento de um dos textos analisados:
“As quatro vítimas abaixo qualificadas se encontravam no salão do Ivo e, onde se
realizava um baile”, dado momento o indivíduo M, que tem uma desavença com I,
munido de arma branca, desferiu um golpe”... ( BO da PC/RS)
O COMUNICANTE ESTAVA EM PATRULHAMENTO DE ROTINA E FOI DESLOCADO PELA SALA DE RADIO PARA ATENDER OCORRENCIA DE LESAO CORPORAL. NO LOCAL, ENCONTROU A PART. 2, AL, EX-ESPOSA DO ACUSADO, BEM COMO O AMIGO DELA, PART.3, QUE A ACOMPANHAVA ATE EM CASA. AL JA ESTA SEPARADA DO ACUSADO HA MAIS DE UM MES, TEM PEDIDO DE MEDIDAS PROTETIVAS E AUDIENCIA AGENDADA NO FORO PARA O DIA 11.01.11, MAS O ACUSADO, INCONFORMADO, A AGREDIU HOJE, QUEBROU SEU TELEFONE CELULAR, AMEACANDO LHE MATAR. O MARIDO DA AMIGA DE AL, AO INTERVIR PARA QUE NAO A AGREDISSE NEM A FILHA QUE TRAZIA NOS BRACOS, TAMBEM FOI AGREDIDO
F = função → = transformação S1 = sujeito do dizer S2 = sujeito do estado ∩ = conjunção U = disjunção Ov = objeto-valor
PN = F[ S1 → (S2 ∩ Ov) ] F[ S1 → (S2 U Ov) ]
Figura 1 - Quadro Semiótico da Narrativa Policial
S1 Vítima ∩
O1 Fato
Problema
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COM UM PEDACO DE PAU E TEVE OS OCULOS TOTALMENTE QUEBRADOS PELO ACUSADO, QUE FUGIU. NM. (BO da BM/RS)
Além disso, o modo de organização do discurso presente na narratividade do
histórico dos boletins de ocorrências tem a função base de narrar e descrever um
fato ocorrido em 3ª pessoa, que inicia com verbos no presente: comunica, relata... e
com os verbos no pretérito. O princípio de organização podemos dizer que é duplo,
pois é ao mesmo tempo descritivo e narrativo. Apresenta ao mesmo tempo, uma
organização de encadeamentos lógico-narrativos e uma organização da
“encenação” narrada; como no boletim acima que mostra o comunicante em seu
cumprimento de dever: “ estava em patrulhamento de rotina” sendo que quem faz
esse serviço de segurança in loco é o PM da brigada militar e não o policial civil.
O comunicante está consciente do poder de autorização que estabelece com
o interlocutor uma vez que, possui com seu enunciado o propósito de narrar o fato
ocorrido e sabe ou supõe que o interlocutor está apto a executar a tarefa de garantir
esse direito autorizado num saber-fazer através dos fatos narrados em um
documento que possui uma implicação jurídica, o BO.
O narrador ciente de seu papel de destinador manipulador configura-se como
fonte de uso de termos especializados, que são determinantes das regras da
constituição do texto. O que já aponta para a principal característica macroestrutural
do BO que evidencia pela diferença, em todos os textos analisados, os relatos do
policial, da vítima ou ainda, comunicante do fato. Como podemos exemplificar:
RELATO POLICIAL: QUE A GUARNICAO CHEGOU NO LOCAL E A VITIMA ENCONTRAVA-SE EM FRENTE AO NR 804 NA RUA NARCISO ANTUNES CAIDO NA RUA SANGRANDO. RELATO DA VITIMA: QUE FOI AGREDIDO NA CABECA PELO CIDADAO CONHECIDO COMO S QUE LHE DEU UM GOLPE DE FACAO. QUE A VITIMA SOFREU A AGRESSAO EM FRENTE AO BAR DO VALMOR LOCALIZADO NO PASSO DA LAGOA.
O discurso de origem passa por uma transformação do dizer e o modo de
produção tenta reproduzir o que foi dito pelo locutor ou ainda, mostrar em seu
contexto discursivo a presença de uma terminologia que se atualiza neste contexto.
O que evidencia o discurso relatado de uma maneira integrada ao dizer daquele que
é um agente de um ato de dizer.
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Como mencionamos anteriormente, a encenação da narrativa é um
movimento duplo:
- a construção de uma sucessão de ações que seguem uma lógica que
constitui a trama do relato policial, em nosso caso, a denúncia que diretamente é um
fato típico ocorrido, geralmente, com quem é a vítima de uma agressão.
- a realização de uma representação narrativa, diz respeito a ordem da
organização das ações, os envolvidos e todo o universo que está sendo narrado
possui dupla articulação do lugar, dos envolvidos, do tipo de agressão e o que
gerou o fato. Fazendo com que, possamos perceber uma organização da encenação
narrativa. Como podemos exemplificar:
COMPARECE PARA INFORMAR QUE, NO DIA, HORA E LOCAL ACIMA MENCIONADOS, O ACUSADO, COMPANHEIRO DA VITIMA, CHEGOU EM CASA E COMECOU A DISCUTIR COM A VITIMA, EXIGINDO QUE A MESMA SAISSE DA CASA, COM AS FILHAS, POIS A CASA PERTENCE AO AVÔ DO ACUSADO. LOGO EM SEGUIDA, PASSOU A AGREDIR A VITIMA FISICAMENTE, COM EMPURROES E CHUTES, FERINDO A VITIMA NAS PERNAS E NAS MAOS. AS AGRESSOES OCORRERAM NA NOITE DO DIA ANTERIOR E SEGUIRAM NO DIA DE HOJE, CONFORME DECLARACOES QUE SEGUEM. DESEJA REPRESENTAR CRIMINALMENTE CONTRA O ACUSADO E SOLICITA AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIA. NADA MAIS. (BO PC/RS)
No processo narrativo dos BOs há a expressão pela categoria de língua e,
principalmente, pela categoria de organização discursiva cujo processo se dá
através das ações em uma estreita relação com os papéis narrativos dos actantes
encontramos: um papel em que um sofre a ação e o outro é o agente agressor.
Percebemos que o actante sofre a ação na maioria das vezes o que vem a
confirmar a terminologia usada pelo escrivão e pelo brigadiano denominando-o
vítima. E, também, temos o responsável e executante da ação como um agressor.
Nos boletins analisados percebeu-se que o autor de tal ato criminoso o faz de
via de regra, consciente. A vítima é afetada negativamente por esta ação em que
muitas vezes tenta fugir do agressor e, também, busca neutralizar a agressão do
mesmo tentando negociar para que tal ato não venha a ocorrer. Porém, o agressor
recusa esta negociação trazendo sérias consequências às vítimas. Como podemos
exemplificar:
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COMPARECE NESTA DP A VITIMA ABAIXO CADASTRADA PARA INFORMAR QUE NO DIA E HORA SUPRAMENCIONADOS SEU GENRO, O ACUSADO EV, ARREMESSOU UMA CADEIRA CONTRA SUA CABECA VINDO A LESIONA-LA. NAO BASTASSEM TAIS FATOS EV A AMEACOU DE MORTE DIZENDO QUE IRIA MATA-LA. TAIS FATOS SE DERAM POIS A VITIMA DEFENDEU A FILHA EM UMA BRIGA DO CASAL. AD DIZ QUE EV E SUA FILHA RESIDEM COM A VITIMA E SEGUIDAMENTE PRESENCIA BRIGAS ENTRE OS DOIS. SEMPRE QUE EV E SUA FILHA BRIGAM ESTE DIZ QUE VAI INGRESSAR COM ACAO JUDICIAL PEDINDO A GUARDA DA FILHA. NO MOMENTO NAO DESEJA REPRESENTAR EM JUIZO E CIENTIFICADA QUANTO AOS TRAMITES LEGAIS CASO DESEJE FAZE-LO, INCLUSIVE QUANTO AS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI 11.340/2006 - MARIA DA PENHA (BO PC/RS)
COMUNICA QUE JA POSSUI MEDIDA PROTETIVA CONTRA O ACUSADO, POREM ELE A DESOBEDECEU E ESTAVA LHE ESPERANDO QUANDO DA CHEGADA DO SEU TRABALHO. ELE LHE AMEACOU DE MORTE E LHE ESPANCOU EM PLENA RUA. QUE ELE RESIDE PROXIMO A CASA DA VITIMA (EH UMA CHACARA DEFRONTE A O UNICO ORELHAO DO LOTEAMENTO). QUE A VITIMA NAO TEM MAIS SOSSEGO E ESTA COM MUITO MEDO DELE, JA QUE ELE ESTA CIENTE DAS MEDIDAS E MESMO ASSIM, AGIU DA MANEIRA COMO AGIU. QUE DESEJA REPRESENTAR CRIMINALMENTE CONTRA O ACUSADO. NADA MAIS.( BO PC/RS)
Abaixo daremos continuidade em nossa análise nos BOs com o levantamento
dos termos utilizados tanto pela PC/RS como da BM/RS. Cabe salientar que os
boletins de ocorrências foram redigitados, apenas omitindo os nomes verdadeiros
dos envolvidos e, marcações que possam identificar seus dados pessoais.
4.1.1 O Boletim de Ocorrência (BO): Esquema Narrativo 1
Os registros policiais nos BOs ainda são elaborados dentro de níveis
insatisfatórios. Pois, segundo Costa (2009) não existe normativa que estabeleça a
elaboração do BO. É preciso aprimorar esses registros e qualificar os textos que
compõem o histórico, porque o produto final do trabalho da Polícia Judiciária são
textos, os quais devem estabelecer uma comunicação profícua com os demais
órgãos, para facilitar a aplicabilidade da lei penal.
Não existe norma para o registro de ocorrência, tampouco uma base científica
que estabeleça parâmetros de forma e conteúdo para esse texto. Nesse prisma, o
estudo da terminologia desempenha importante papel porque a incompreensão de
determinado termo implica em um desvio de propósitos nessa comunicação, que é
noticiar e denunciar um fato criminoso ocorrido em dada sociedade.
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A pessoa que se desloca a uma delegacia de polícia, certamente o faz no afã
de encontrar solução para um problema que atravessa. Os fatos narrados pelo
comunicante da ocorrência irão ser registrados no BO, para, a partir dele, outras
peças serem agregadas ao procedimento até chegar ao PJ, que representa o
caminho final. É de suma importância a eficácia dessa comunicação para que a
propositura a que se presta seja atingida.
Hoffmann (1980) destaca que as peculiaridades do texto especializado podem
aparecer na sua macroestrutura, e no caso do histórico do BO, essas peculiaridades
macroestruturais são as que mais se destacam aos olhos do observador por
estarem quase que na maioria dos textos, por isso acreditamos ser importante dar
a conhecer o modo como elas acontecem nesse discurso de especialidade.
Como mencionamos nessa pesquisa, é extremamente relevante identificar, no
histórico do BO, as declarações dos actantes envolvidos neste cenário comunicativo,
que são o policial e o comunicante da ocorrência. A narrativa do comunicante
aparece, na estrutura do texto, de forma distinta à do policial, como podemos
exemplificar: relata a vítima, comunica o SD, relato do policial,etc Além disso
percebemos que, os fatos analisados no histórico do BO da PC sob o enfoque
macroestrutural, observamos que é um texto sem parágrafos que, em um campo
com maior abrangência de linhas, se necessária a troca de página, é digitada a
narrativa do comunicante. Terminada a declaração, o texto é sinalizado com
expressões do tipo Nada mais, Encerra, Era o registro, dentre outras. Alguns textos,
porém, continuam após o final das declarações do comunicante com as declarações
do policial, autor do texto abaixo:
INFORMA O COMUNICANTE QUE NA DATA E HORA SUPRACITADOS ESTAVA EM SUA RESIDENCIA QUANDO SUA IRMA MCV CHEGOU LHE RELATANDO TER SIDO AGREDIDA PELO IRMAO QUE RESIDE JUNTO COM M NA CASA DA MAE DOS MESMOS. A VITIMA RELATA TER SOFRIDO UM SOCO NO BRACO ESQUERDO E QUE CL, SEMPRE QUE BEBE CHEGA ALTERADO EM CASA AGREDINDO M E AS DEMAIS IRMAS QUE TAMBEM MORAM NA CASA. QUE DESEJA AS MEDIDAS PROTETIVAS E QUER REPRESENTAR CONTRA O ACUSADO. NADA MAIS
No boletim de ocorrência da brigada militar, em sua macroestrutura, o número
de linhas é limitado, impera a 3ª pessoa, porém a narrativa já em seu início mostra
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a fala do policial, identifica a vítima primeiramente como indivíduo, relata o fato de
maneira objetiva, não com tanta riqueza de detalhes e, não fecha a narrativa como
o faz a PC com: nada mais, era o registro, coloca tão somente o responsável pelo
boletim de atendimento com sua patente militar.
RELATO POLICIAL: A GUARNICAO DESLOCOU-SE ATE RUA RUDY MERTEN, PARA ATENDER OCORRENCIA DE UMA BRIGA ENVOLVENDO ELP E DSS. RELATO DA
VITIMA QUE ESTAVA EM CASA E O SENHOR DSS CHEGOU NA FRENTE DA CASA EXALTADO . GRITANDO, CHAMANDO-O PARA FORA SENDO QUE O SENHOR ELP SAIU E DSS FICOU CADA VEZ MAIS EXALTADO QUANDO PUXOU DE UMA FACA E INVESTIU CONTRA A VITIMA. ELP FICOU FERIDO NO PESCOCO DO LADO ESQUERDO E NO ROSTO DO MESMO LADO, SENDO QUE LEVOU 14 PONTOS.
BO é composto pelos campos ocorrência, participante, objeto, arma, veículo,
pessoa jurídica e histórico, sendo que o único campo que permite texto é o histórico,
cujo espaço é destinado ao registro do relato do comunicante da ocorrência. Como
podemos verificar abaixo a título de ilustração na estrutura dos campos de
preenchimento dos BOs, tanto o da PC/RS quanto o da BM/RS já apresentam
diferenças de terminologias ali empregadas (Ver Anexo 1 e 2).
A seguir mostra-se o surgimento da terminologia nesse discurso e a
tabulação dos termos.
4.2 O Reconhecimento Terminológico nos BOs
No histórico das narrativas, no desenrolar dos fatos, emergem termos que na
maioria das vezes, adquirem uma nova denominação. Como podemos exemplificar
no Boletim 1 ( PC/RS e da BM/RS, em anexo), o escrivão passa a denominar a
pessoa que efetua a denúncia do fato ocorrido como vítimas e, também, como
vítimas qualificadas. O que a nosso ver já mostra uma pertinência do uso
terminológico nesse discurso. Dependendo de cada fato o escrivão pode tratar o
depoente, como vítima ou até mesmo nomeá-lo com sua patente quando for um
policial da BM. No desenrolar dos fatos narrados pelo escrivão, há tempo, pessoa e
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espaço bem marcados e, também, termos que identificam os delitos como furto,
tentativa de homicídio, homicídio, lesão corporal e outros furtos. No da BM/RS temos
na própria estrutura (legenda) campos terminológicos, onde explicam-se as
abreviaturas que o policial militar deve preencher no registro da ocorrência (Anexo
2).
Nesse sentido, para fins de exemplificação e para melhor explicitarmos o uso
da terminologia nesse discurso de especialidade colocamos dois textos um da
PC/RS e o outro da BM/RS para o reconhecimento da terminologia e levantamento
dos termos:
BOLETIM 1 (tentativa de homicídio) PC-RS
As quatro vítimas abaixo qualificadas se encontravam no salão do Ivo, onde se realizava um baile e em dado momento o indivíduo M, que tem uma desavença com I, munido de arma branca, desferiu um golpe na nádega direita de G, irmã daquela. Aí iniciou uma briga generalizada do lado de fora do clube. Ao lado, estavam as vítimas C e as filhas I, G e C respectivamente mãe e filhas, do outro lado estavam M, I, J, A, E e L mulher de J. Todos os agressores estavam de posse de arma branca e, de garrafas quebradas, M chegou a sair e voltar com uma arma de fogo e efetuar disparos, C foi a mais atingida, levou uma facada no nariz que quase amputou o órgão, tendo sido medicada e encaminhada para cirurgia, as filhas I e G foram atingidas pelos golpes de arma branca desferidos pelos agressores, todas foram socorridas pelo resgate do corpo de bombeiros e levadas ao PAM, onde foram medicadas, os agressores são vizinhos das vítimas. Fornecidas requisições para ECD. Nada mais. BOLETIM 1 (tentativa de homicídio) BM-RS
Trata-se de tentativa de homicídio em residência, a sra. X relata que ligou ao 190 na tentativa de chamar a brigada para entregar o genro, que estava em posse de arma de fogo. Gritava e xingava a esposa M e a ameaçava com a arma, agrediu a vítima com muitos palavrões de baixo calão e, depois a agrediu com socos e pontapés. O agressor ao ouvir a sogra gritar dizendo que já tinha chamado a brigada, pulou a janela e deixou a vítima desacordada com muitos ferimentos no corpo.
Percebe-se que neste discurso há um enquadramento do domínio técnico-
jurídico que nos leva a perceber o processo de reescritura lexical, realizada pelo
escrivão e pelo policial militar. Além disso, faz com que possamos ver que há
também, a presença de terminologias de uso desse universo policial. Para melhor
compreensão, temos o seguinte quadro de levantamento dos termos no BO/ PC-RS
e BO- BM/RS:
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Termos da PC/RS: 1. vítimas 2. .qualificadas 3. arma branca 4. golpe 5. agressores 6. arma de fogo 7. requisições ECD
Termos da BM/RS:
1. tentativa de homicídio 2. vítima 3. brigada 4. arma de fogo 5. agressor 6. arma
Comparando os relatos do histórico dos BOs, percebemos que o registro
efetuado pela PC/RS é mais detalhista fechando a narrativa e, inclusive dando
comunicações de encaminhamento do documento, com início e fechamento do
texto, pelo fato de esta polícia realizar atividade de polícia judiciária, quer seja,
proceder a investigação do fato. Já, no da BM, isto não ocorre deixando a narrativa
em aberto, no seu desfecho. Isso indica que, apesar das especificidades da
atividade em si, ambos os textos, da PC e da BM, formam a terminologia policial,
que tem como finalidade instruir a ação penal.
Dando continuidade em nossa análise apresentamos alguns dos boletins
analisados e a identificação da terminologia que foi encontrada em nosso corpus:
BOLETIM 2 (lesão corporal – direção perigosa)
O policial militar A, comparece nesta DPPA para comunicar que estava de serviço na VTR4635, na companhia do colega G, quando foram solicitados a comparecerem na Rua Becker Pinto, onde estaria ocorrendo uma desordem. Chegando ao local efetuaram contato com o sr. F, de 63 anos de idade, o qual relatou que dois motociclistas estariam fazendo manobras perigosas na rua, como cavalo-de-pau e aceleravam os veículos, sem placas, perturbando a vizinhança onde residem pessoas idosas e enfermas. Ao reclamar para o motociclista L, este empinou o veículo na direção de A que conseguiu escapar para o lado, sendo quase atropelado. O policial militar C, de folga vizinho de A, ao presenciar o ocorrido,
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conseguiu abordar A e após discussão, tentou deter o motociclista para chamar a brigada militar. Como L aceitou, reagiu, entrando em luta corporal com o PM C, tendo sido imobilizado até a chegada dos policiais. A motocicleta era Yamaha/ RD, cor preta, sem placa, sem cano, sem farol, com o condutor sem capacete. Após a confusão, os amigos de L, esconderam a Moto. L foi encaminhado ao PA do patronato, onde foi medicado, sendo fornecido ofício para exame de lesões PML e também ao PMC. Ao ser qualificado nesta DPPA, L apresentou a sua CNH, a qual consta no sistema como CNH apreendida. Diante dos fatos o documento foi apreendido para verificação da situação atual do mesmo. Foi agendada audiência para L, pelo crime de direção perigosa e para o PM C deixou de agendar audiência (lesão corporal) por tratar-se de funcionário público, ficando para ser oficiado pelo PEC. Nada mais.
Termos: 1. DPPA 2. luta corporal 3. Crime de direção perigosa 4. PM 5. PML 6. PMC 7. PEC 8. policial militar 9. lesão corporal 10. apreendido para verificação
11. foi encaminhado ao PA do Patronato. 12. fornecido ofício para exame de lesões PML. 13 .Foi agendada audiência. 14. Oficiado pelo PEC.
BOLETIM 3 (lesão corporal)
Relata vítima que na tarde de terça-feira dia 12 do corrente foi agredida por seu ex-marido S, residente na rua motorista mariano 948. Que S a agrediu com tapas deixando-a com hematomas na face e hemorragia nasal. Disse que S é alcóolatra e que quando está bêbado passa a agredi-la. Disse que já está separada do mesmo, e está residindo com a mãe. Não tem testemunhas. Disse que foi agredida por causa de fofocas. Disse que S reteve suas roupas e não quer devolver. Ciente que tal crime será investigado através de IP, não optou por medidas protetivas. Não foi pedido exame de lesões pq devido ao tempo decorrido não há mais lesões aparentes. Nada Mais.
Termos: 1. vítima 2. crime 3. IP 5. medidas protetivas 6. exames de lesões 7. lesões aparentes 8. agrediu
11. testemunhas
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9. hematomas 10. hemorragia nasal
BOLETIM 4 (lesão corporal – violência doméstica)
Comunica que por volta das 14:00 horas de hoje,18/05, a mesma foi agredida fisicamente (puxões pelos cabelos, derrubada ao chão e recebeu um soco no estômago) sendo autor o companheiro Sr. J, de 50 anos de idade. Que as agressões ocorreram na residência do casal (dentro do quarto). Após agredi-la o agressor saiu. Refere que em nove anos de união estável esta foi a primeira agressão física ocorrida; embora tenha havido algumas ameaças. Nunca havia registrado ocorrência policial sobre os fatos. Manifesta-se pelo prosseguimento da respectiva ação penal. Não nomina, no momento, testemunhas dos fatos e não deseja medidas protetivas. Nada mais. OBS: Fornecido Requisição A.E.D.M. Termos: 1. agressões 2. agressor 3. agressão física 4. ameaças 5. ocorrência policial 6. arma de fogo 7. medidas protetivas. 8. Requisição A.E.D.M. 9. testemunhas dos fatos
BOLETIM 5 (lesão corporal)
O Sd CH comunica nesta DPPA que na data e hora acima, recebeu um chamado via rádio para se deslocar ao endereço acima, aonde estaria ocorrendo uma briga de casal. Que se deslocou ao local indicado acompanhado da SD. E, VTR 4634, aonde em contato com a vítima sr. L, esta relatou que havia sido vítima de agressão física por parte de seu companheiro e pai de seus filhos. O (acusado) o qual, lhe bateu com um tapa no rosto. O acusado não encontrava-se em casa e minutos após, chegou da rua e informou que não havia batido em S., apenas havia lhe dado um empurrão. Diante dos fatos as partes foram encaminhadas ao PA do Patronato. Não foi constatado nenhuma marca ou lesão na vítima. Nesta DPPA a vítima foi alertada que o registro do fato gera inquérito policial e, ao ser cientificada das medidas protetivas, resolveu reinterar pelas mesmas. Nesta DPPA o acusado negou haver agredido a vítima e que apenas empurrou para se defender de um chute que a mesma lhe deu. O acusado admitiu ter ingerido duas garrafas de cerveja porém, não se apresentou alterado tampouco com sintomas de embriaguez nesta DPPA.
Segue termo de declarações das partes. Era o registro.
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Termos: 1. Sd 2. DPPA 3. acusado 4. marca 5. lesão 6. vítima 7. medidas protetivas 8. via rádio. 9. termos de declarações das partes
BOLETIM 6 (estupro consumado)
A vítima infraqualificada comunica que vive maritalmente com D, 5 anos e com ele teve um filho de 3 anos, que estão separados há 3 meses e meio, que por orientações do advogado, registra o fato de estupro ocorrido no dia 07.02.2008, por volta das 4hs, que chegaram de um bar, sendo que a comunicante estava alcoolizada, que estavam tentando uma reconciliação, que no outro dia quando acordou estava sem as roupas debaixo e com suas partes íntimas sangrando, que após alguns dias ele pediu perdão pelo que tinha feito, que até hoje tem sequelas daquela noite em que foi estuprada e nada recorda. Fornecida requisição para AEDM. Nada mais.
Termos: 1. vítima infraqualificada 2. estupro 3.comunicante 4. requisição A.E.D.M
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BOLETIM 7 (violência doméstica)
A vítima infraqualificada comunica que vive maritalmente com A, apelido Pana, há 4 anos e 8 meses, que pana está no regime semi-aberto por assalto e é viciado em crack, que hoje pela manhã foi obrigada a manter relações sexuais com ele na frente da filha de 3 anos de idade, que já tinha tido outras tentativas porém conseguiu se livrar, que ele está completamente fora de si com a droga e não respeita ninguém, que está com medo dele porque ele a puxa pelos cabelos e bate na cabeça onde não ficam marcas, que está com medo porque desde que foi preso o comportamento mudou completamente, que também é ameaçada de morte com arma branca no pescoço e agride fisicamente a filha com tapas no rosto, que a filha está traumatizada, pois pouco A, nestes 5 anos ficou fora da cadeia, que a filha está perdendo os cabelos e foi encaminhada para um psicólogo. Fornecida requisição de conjunção carnal e lesão corporal. Requer medidas protetivas e a delegacia orientou para oficiar a VEC sobre o fato, que segundo a comunicante A, não retornará ao PRSM pois vai foragir. Nada mais.
Termos: 1. vítima infraqualificada 2. regime semi-aberto 3. viciado em crack 4. droga 5. preso 6. ameaça de morte 7. PRSM 8. conjunção carnal 9. lesão corporal 10. medidas protetivas
11. delegacia 12. VEC 13. comunicante 14. foragir 15. fornecida requisição
BOLETIM 8 (outros furtos)
O policial militar abaixo qualificado comparece para informar que na data e horário citados quando se encontrava realizando patrulhamento normal,foi solicitado através da sala de operações para deslocar até a Rua Venâncio Aires, Supermercados Beltrame, local onde havia ocorrido o furto. Que de imediato deslocou até o referido estabelecimento e chegando lá entrou em contato com o senhor A, o qual trabalha no monitoramento do estabelecimento. Que A, disse que a acusada C havia adentrado no mercado e apresentava atitudes suspeitas, então passou a observá-la, que em certo momento C colocou barras de chocolate dentro das calças que usava. Que logo após tentou sair do estabelecimento sendo abordada e detida. Que foi solicitado a presença da BM no local e todos foram conduzidos até esta
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DP, C ao ser indagada em relação aos fatos nega as acusações, dizendo que ganhou os chocolates.
Termos: 1. policial militar qualificado 2. patrulhamento 3. sala de operações 4. furto 5. detida 6. BM 7. DP 8. acusações
BOLETIM 9 (tentativa de agressão)
Informa o comunicante, que em data, horário e local supra, foi informado por transeuntes, que havia uma sacola na referida esquina, mas que aparentava ter pessoa. O comunicante foi verificar, onde apurou que se tratava de um menor que estava dormindo, enrolado no moleton que fedia. Perguntou ao mesmo onde morava e ele disse ser morador de rua, onde de imediato, passou a xingar e ofender o comunicante, tentando lhe agredir, onde foi dominado pelo comunicante. Foi acionado uma patrulha da BM, que conduziu ambos para esta DPPA. O menor foi identificado como sendo RL. residente na vila natal, não fornecendo outros dados. O comunicante ficou lesionado em um dos dedos da mão esquerda. Nada mais.
Aditamento: Ao longo do registro policial foi apurado que o menor infrator tem contra si um mandado de busca, apreensão e internamento, sendo, pois, encaminhado ao centro da juventude (CASE), conforme documentação em anexo. A mãe do infrator, AP foi avisada do recolhimento do mesmo. Nada Mais.
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Termos: 1. comunicante 2. transeuntes 3. um menor 4. morador de rua 5. patrulha da BM 6. DPPA 7. arma de fogo 8. aditamento 9. registro policial 10. menor infrator
11. mandado de busca 12. mandado de apreensão 13. mandado de internamento 14. infrator 15. CASE
BOLETIM 10 (Estupro consumado e Lesão corporal)
A vítima infraqualificada comunica que na data supracitada estava na residência de sua mãe. Quando chegou em sua casa se deparou com seu ex-companheiro deitado na cama, L, do qual já está separada 1 ano e 11 meses, com quem têm três filhos. Sendo que a vítima o acordou e mandou ele ir embora, mas ele negou-se a ir. Trancou a porta e ameaçou a vítima com uma arma branca na frente da filha mais velha. A vítima mandou as crianças saírem do quarto. Foi então que o agressor colocou a arma branca no pescoço da vítima, segurando-a fortemente pelos braços e, que ela ficasse quietinha. Amarrou a vítima na cama e colocou uma mordaça na boca da mesma para que não gritasse, que qualquer tentativa dela de gritar ou fugir ele a mataria. Desferiu golpes em seu rosto e, batia várias vezes a cabeça da vítima na parede e, chamava de vagabunda. A vítima sentiu gosto de sangue na boca e sentiu adormecer. Quando acordou estava sem roupas, com o corpo marcado e sinais de sangramentos nas partes genitais e anais. Foram os menores que a encontraram desmaiada e amarrada na cama ensanguentada e, buscaram ajuda com os vizinhos, que chamaram a BM. A vítima já tinha medida protetiva processo n. 027/2.07.0018407-4 que fora apresentada para os policiais no momento do fato.
Termos: 1. vítima infraqualificada 2. vítima 3. ameaçou 4. agressor 5. desferiu golpes
11. BM 12. medida protetiva 13. processo 14. policiais
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6. corpo marcado 7. sinais de sangramento 8. partes genitais 9. partes anais 10. os menores BOLETIM 11 ( Lesão Corporal)
O comunicante comparece nesta DPPA para registrar que estava andando de bicicleta no calçadão desta cidade, quando um guarda municipal o parou e agredindo-o com palavras primeiramente disse para descer. Quando a vítima tentou sair com a bicicleta, o agressor o segurou pelo braço e começou a desferir-lhe golpes com o cacetete nas costas e nas mãos, fazendo com que soltasse a bicicleta. O agressor disse que deveria buscar a bicicleta na casa de cultura, mediante requisições. Em decorrência das agressões sofridas, a vítima teria sofrido escoriações. Não sabe a identidade do agressor. Mas,sabe reconhecê-lo. Deseja representar criminalmente. N.M
Termos: 1. comunicante 2. DPPA 3. agressor 4. golpes 5. requisições 6. agressões 7. vítima 8. escoriações 9. representar criminalmente
BOLETIM 12 ( Outros roubos)
A vítima comparece nesta DPPA relatando que teve roubado seu aparelho de celular marca LG modelo MG 220, N. ( 55) XXXXXXXX e 50 reais em dinheiro. O roubo se deu quando chegava no curso preparatório da Venâncio XXXX, dois elementos de cor negra, aparentando serem menores abordaram a vítima. Relata que falavam para passar rápido dinheiro e celular e mostraram a arma de fogo que possuíam e, que os dois estavam armados com arma de fogo de calibre tipo 38. A vítima entregou os bens que possuía; os meliantes bateram em retirada, levando os pertences da vítima. A vítima diz ter como reconhecer os meliantes. Nada mais.
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Termos: 1. vítima 2. DPPA 3. roubado 4. dois elementos 5. menores 6. arma de fogo 7. arma de fogo calibre 38 8. meliantes
BOLETIM 13 ( Outros Furtos - Furto de Sinal da NET)
O comunicante, na qualidade de agente autorizado da NET, comunica nesta DPPA que na data e hora acima, através de uma vistoria na caixa distribuidora do sinal da NET, no prédio 728 da Rua André Marques, foi constatado que no local havia alterações ilegais de instalação, receptação e fornecimento ilícitos de sinal da NET de apartamento para apartamento, instalações e dispositivos dos tipos não padrões ( cabo coxial e divisor de sinal), danos nos materiais, caixa violada e instalação grosseira e autonôma de cabos com divisor de sinal visível por fora do prédio. O apartamento 301* não assinante*, é possuidor de decouder da empresa NET, fornecedora do sinal para os outros apartamentos. O síndico, sr. M, se esconde para não prestar esclarecimentos, sendo este o único que possui a chave de acesso à caixa de distribuição. Registra o fato para as devidas providências. Era o registro.
Termos: 1. comunicante 2. agente autorizado 3. DPPA 4. alterações ilegais de instalação 6. receptação 7. fornecimento ilícitos 8. chave de acesso 9. caixa de distribuição
10. prestar esclarecimentos
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BOLETIM 14 (Tentativa de Homicídio)
O SD A, comunica que na data e hora acima, recebeu um chamado via rádio para comparecer na rua Marechal Rondon 235, local onde um indivíduo havia sido baleado. Que se dirigiu ao local acompanhado dos sargentos U e J. Segundo testemunhas não identificadas, a vítima J de 15 anos, havia sido alvo de três disparos de arma de fogo, sendo que nas paredes do corredor do prédio haviam marcas de disparos. A vítima entrou no prédio 235, onde trabalha sua avó, esta contou que ouviu o som de três disparos de arma de fogo e ao ir verificar o que acontecia, constatou que seu neto J estava ferido e caído no corredor do prédio em frente a porta do apartamento em que trabalha. Segundo testemunhas o autor dos disparos foi um tal de N, morador da VL. São João, que o meliante é famoso por inúmeros assaltados e crimes cometidos nas redondezas. A vítima foi socorrida pela ambulância do corpo de bombeiros e conduzida ao HUSM, para procedimentos cirúrgicos. Era o registro.
Termos: 1. SD 2. indivíduo 3. testemunhas não identificadas 4. arma de fogo 5. marcas de disparos 6. ferido 7. meliante 8. assaltos 9. crimes 10. vítima
11. HUSM
BOLETIM 15 ( Tentativa de Homicídio)
A comunicante compareceu nesta DPPA e registrou que por volta das 16hs e 30min de hoje, integrava a guarnição da VTR/BM 4632,juntamente com o SD RC, quando ambos foram determinados a se deslocar para o endereço supra, para atendimento de uma ocorrência de tentativa de homicídio. Chegando ao local mantiveram contato com R o qual informou ter
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socorrido ao PAM do patronato, a ex-companheira de seu irmão, a sra. A, que teria sido atingida por três disparos de arma de fogo, desferidos por R, que fugiu do local após o ocorrido.
A vítima foi encaminhada ao HUSM em estado grave. Embora o fato tenha sido presenciado por algumas testemunhas, ninguém quis ser arrolado como testemunha do ocorrido.
OBS: Cópias da ocorrência e termo de declarações para a DPCA.
Termos: 1. comunicante 2. DPPA 3. guarnição VTR/BM 4632 4. SD 5. tentativa de homicídio 6. PAM 7. disparos de arma de fogo. 8 .vítima 9. HUSM 10. testemunhas
11. termos de declarações 12. DPCA 13. testemunhas
BOLETIM 16 ( Outros Roubos)
Comparece o comunicante nesta DPPA para comunicar que no início da madrugada do último domingo, esperava um amigo no portão do prédio onde reside, quando foi abordado por dois meliantes, munidos de arma branca e, que lhe deram voz de assalto, os quais lhe roubaram o telefone celular marca simens modelo A60, habilitado na Brasil Telecom sob número (55)XXXXXXXX. Refere a vítima que tem plenas condições de reconhecer os meliantes pois, os mesmos estavam de cara limpa, um usava boné e o outro era cabeludo. Que a vítima restou lesionada, devido aos safanões dos agressores. Nada mais.
Termos: 1. comunicante 2. DPPA 3. abordado 4. meliantes 5. munidos de arma branca 6. cara limpa 7. agressores
BOLETIM 17 ( Homicídio)
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O comunicante relata que estava na parada de ônibus da Santa Marta, quando ouviu uns gritos na esquina. Compareceu ao local e, ao aproximar-se viu uma pessoa do sexo masculino esfaqueada. Foi até um orelhão e chamou a polícia. A IC compareceu ao local e verificou que a vítima que se encontrava caída na rua, já estava morta e apresentava ferimentos provocados por arma branca. Questionando vários vizinhos do local sobre o fato, ninguém soube informar o que ocorreu.
A IC constatou que a vítima apresentava 06 ferimentos, 03 no braço esquerdo, dois no abdômen e um grande nas costas, todos provocados por arma branca. Remoção do cadáver, comunicado da 2 DP. Segundo o comunicante foram realizadas buscas nas proximidades e nada fora encontrado. Era o registro.
Termos: 1. comunicante 2. esfaqueada 3. polícia 4. IC 5. vítima 6. morta 7.arma branca 8.remoção do cadáver 9. comunicado da 2ª DP
BOLETIM 18 (Outros Furtos - Consumado)
O comunicante, com o auxílio da BM, apresenta nesta DPPA o adolescente CGF, o qual foi flagrado pelas câmeras de segurança do Mercado Nacional, furtando alguns produtos comestíveis no interior do Supermercado, estavam colocados dentro de uma mochila. No serviço de monitoramento quando observou o acusado e de imediato o reconheceu como sendo o indivíduo que no último sábado esteve no supermercado e furtou diversas mercadorias. De imediato acionou a BM e quando o acusado já estava fora do supermercado a BM chegou e efetuou a abordagem do meliante. O acusado portava a mochila que no seu interior estavam as mercadorias furtadas. Após foi efetuada a condução do indivíduo, identificado como DF, que foi autuado em flagrante, sendo detido nesta DP para averiguações. Era o Registro.
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Termos: 1. comunicante 2. BM 3. flagrado 4. furtando 5. acusado 6. furtou 10. meliante 11. mercadorias furtadas 12. autuado em flagrante 13. detido 14. DP 15. averiguações
BOLETIM 19 ( Tentativa de Homicídio)
Relata a vítima, que um indivíduo conhecido por “Pila”, entrou no seu pátio e dentro, efetuou vários disparos de arma de fogo. Que a vítima, ao perceber a situação, entrou para dentro de sua residência e escutou o autor falar: “vou te matar, vou te pegar filho da puta,
seu guampudo”, Que os disparos de arma de fogo foram em direção à vítima, mas que o indivíduo não conseguiu acertar. Do autor só sabe o apelido acima. Os soldados da BM estiveram no local. Era o registro. Órgão competente: 3ª DP.
Termos: 1. vítima 2. disparos 3. arma de fogo 4. autor 5. indivíduo 6. BM 7. Era o registro. 8. órgão competente 9. 3ª DP
BOLETIM 20 ( Outros Roubos)
O comunicante comparece nesta DPPA relatando que nesta data por volta das 22hs e 30min foi vítima de *assalto*, por dois indivíduos: um de cor branca e outro de pele escura,
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sendo que o primeiro mencionado foi na direção da vítima em frente ao prédio e deu voz de assalto dizendo que passasse tudo o que tinha, exigiu dinheiro e a carteira, a qual continha a quantia de R$ 86,00, C.I.; CNH, documentos de carteira do Clube Dores, Unimed, nota fiscal de telefone. Relata que estava entrando com seu carro no prédio, que estava aguardando o portão abrir totalmente quando os meliantes o abordaram. Deram dois disparos de arma de fogo, furando dois pneus do carro e, que antes de baterem em retirada com seus pertences pessoais, o ameaçaram que não olhasse para trás, se não iriam atirar contra ele. Era o registro.
Termos: 1. comunicante 2. . vítima 3. voz de assalto 4. indivíduos 5. disparos 6. arma de fogo 7. meliantes
Após nossa segunda etapa de análise, daremos sequência ao trabalho,
evidenciado a utilização da ferramenta computacional UNITEX que serviu para a
tabulação dos termos.
4.5 Tabulação dos Termos com o Unitex
O UNITEX é uma ferramenta computacional que foi desenvolvida por
Sébastien Paumier da Universidade Marne-La-Valée (França) com o intuito de
possibilitar o tratamento de textos em língua natural utilizando recursos linguísticos.
Como o programa UNITEX permite a separação dos textos por frases e se
pode classificar cada uma das entradas lexicais em todas as possibilidades
gramaticais, este sistema permitiu-nos verificar então, as terminologias mais
recorrentes nos boletins de ocorrência analisados da PC/RS e da BM/RS; e, com
isso nos possibilitou a elaboração de tabulações que procuramos mostrar quais são
os termos mais e/ou menos recorrentes neste discurso de especialidade. Abaixo
temos um exemplo de como foi realizado o procedimento de contagem de termos de
cada BO. No caso, está sendo demonstrado a análise do BO1.
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Figura 2 - Tela do programa UNITEX demonstrando o levantamento inicial dos termos.
Após analisarmos os BOs no software Unitex, confeccionamos uma tabela
com a listagem dos termos mais recorrentes nos BOs. A tabela mostra os termos
seguidos de sua frequência em ordem decrescente. Ao todo, encontramos 26
termos considerando a frequência mínima 3.
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Quadro 2 – Listagem dos termos seguidos de sua frequência
Termos Contagem
vítimas 40
comunicante 24
agressores 23
arma 18
arma branca 12
arma de fogo 10
acusado 9
policiais 9
disparos 9
Desferidos ( disparos) 9
registro 8
indivíduo 7
testemunhas 6
lesões corporais 6
assaltos 5
medidas protetivas 5
meliantes 5
menores infratores 5
ameaças 4
crimes 4
furtos 4
golpe 4
requisições 4
apreensão 3
ocorrência 3
sangramento 3
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Aos fatos relacionados temos: os termos, o meio e o objeto em posição de
valor, pela diferença. Além disso, temos uma narrativa que vai classificando o fato
por tipo de delito, actantes principais do ambiente externo (da elaboração do BO)
em que temos como actantes: S1 comunicante e S2 escrivão, no ambiente interno
próprio da narratividade temos os sujeitos S1 vítima e S2 agressor envolvidos em
uma ação criminosa que é relatada pelo policial com o uso de uma terminologia que
evidencia sua área de especialidade. Além disso, temos uma narrativa que vai
classificando o fato por tipo de delito, o escrivão/PM que narra em 3ª pessoa o
boletim de ocorrência instaura no modo de seu saber-fazer, um discurso
especializado que se atualiza no uso, em que o foco assegura a categorização dos
fatos criminais, dos sujeitos, caracterizando os procedimentos da análise o que nos
permite confirmar sua identidade de texto técnico-jurídico, ancorado no uso de uma
terminologia policial.
Abaixo demonstramos a fins de comprovação a frequência e as regularidades
da terminologia presente na macroestrutura dos boletins de ocorrência. O que vem a
validar o uso dos termos como parte integrante da linguagem de uma área da esfera
jurídico-policial.
Cabe salientar também, que essa comunicação especializada se legitimou na
observação do corpus, o que nos mostrou algumas formas cristalizadas tanto pelos
verbos do presente da narrativa instaurados pelo policial produtor do texto, que
indica o comunicante do relato, as adjetivações dadas à vítima e ao agressor e os
verbos do pretérito perfeito do indicativo no desenrolar das ações. Exercendo a
função de fórmulas para transmitir, de forma eficaz, a informação que devem
comunicar. A eficácia a qual se prestam decorre da necessidade de embasar, com
convicção, determinadas informações que irão sustentar os argumentos através da
terminologia posta em uso pelos profissionais da área de especialidade dentro desta
esfera jurídico-policial.
Além disso, foi possível após a seleção dos termos que compõe a narrativa
dos boletins de ocorrência submetê-las aos olhares de especialistas da área que
possuem formação policial e terminológica, os quais nos auxiliaram no
reconhecimento dos termos, na compreensão dos dados levantados em nossa
pesquisa. Além disso, a partir da tabela de listagem dos termos (pág. 77), foi
possível elaborarmos um gráfico que apresenta os termos mais frequentes nos
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boletins de ocorrência com seus índices de frequência. O eixo vertical (y) indica a
contagem dos termos.
Observamos, que o termo “vítimas” é o de maior incidência aparece 40
vezes, confirmando assim como vimos pela semiótica esse como o principal actante
da narrativa, relacionado com o objeto valor: o fato criminoso em disjunção com S2
(agressor) que se opera uma transformação de estado nesse S1 (vítima) descritas
em um gênero textual que se legitima como técnico jurídico pelo uso da
terminologia empregada nesse discurso de especialidade. Conforme o gráfico
abaixo:
Figura 3 - Distribuição de frequência dos seis termos mais recorrentes nos BOs.
5 CONCLUSÃO
Como foi explicitado no primeiro capítulo deste trabalho, esta pesquisa teve
por objetivo geral explicar a organização da narrativa dos boletins de ocorrência
(BO), e elencar alguns dos termos técnicos que a compõe. Os objetivos específicos
foram descrever a organização narrativa dos BOs pelo viés da semiótica
greimasiana; verificar as diferenças macroestruturais dos históricos de BOs
produzidos pela Polícia Civil e pela Brigada Militar; identificar os principais actantes
desse processo através das estruturas discursivas dos BOS, e estabelecer relações
entre a organização narrativa dos BOs e a presença de termos técnicos.
No término da pesquisa, podemos afirmar que os fatos descritos na análise
dos dados do corpus, e também na tabulação e levantamento dos termos, revelam a
realidade dessa linguagem especializada, tendo em vista que os policiais que
elaboram os textos especializados empregam termos específicos para enquadrar a
ação efetuada pelo infringente da lei, bem como os demais envolvidos, como
mostra o encadeamento da lógica narrativa. Como exemplo desses termos,
destacamos disparos, agressão, arma branca, arma de fogo e vítima. Em que pese
o fato de serem termos técnicos da área policial, não trazemos a esta pesquisa a
definição dos termos citados porque, além de não ser nosso objetivo delimitar as
definições que são atribuídas a essa terminologia, não existe estudo científico que
dê conta de repertoriar os termos empregados pela PC.
Os históricos dos BOs que foram analisados mostraram que o texto policial
inicia com verbos no presente e em 3ª pessoa, a exemplo dos excertos comunicante
relata, comparece nesta DP e apresenta nesta DPPA. Para evidenciar o acontecido
(o fato criminoso em si) são empregados verbos no pretérito perfeito do indicativo,
tais como foi vítima de, foi agredida, foi furtado, agrediu, efetuou golpe, etc.
Nos textos analisados, predomina o tempo verbal de transição entre os
mundos narrado e comentado, haja vista o escrivão ter de narrar os fatos que o
depoente está declarando, o que constitui uma narrativa. A organização dessa
narrativa, analisada pelo viés da semiótica greimasiana, mostrou que no ambiente
externo temos como actantes S1 comunicante e S2 escrivão (ou PM), e no ambiente
interno, próprio da narratividade temos os sujeitos S1 vítima e S2 agressor,
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envolvidos pelo desenrolar dos fatos narrados. A transição entre os mundos existe
porque mesmo necessitando mostrar a sua imparcialidade na elaboração do BO, o
escrivão não deixa de inserir no texto a sua competência terminológica, através do
uso de termos técnicos, uma vez que a situação do depoimento mostra, além das
declarações, o contexto do fato, contexto esse ao qual o escrivão tem acesso
quando registra o depoimento. Cabe destacar que o registro da ocorrência
corresponde ao primeiro relato do fato ocorrido, o que o torna rico em detalhes, cuja
narrativa é ímpar.
As diferenças macroestruturais que existem entre os textos produzidos pela
Polícia Civil e pela Brigada Militar foram apontadas na página 59, que mostra uma
macroestrutura diferente nos textos elaborados pela Brigada Militar pelo seguinte:
enquanto que a PC depende da presença do comunicante, na Delegacia de Polícia,
para registrar o BO, salvo os locais de crime, a BM desloca para o local onde o fato
ocorreu, ou está ocorrendo, gerando, com isso, duas versões na estrutura da
narrativa, marcadas pelas expressões versão da vítima, versão do policial, ou ainda,
versão do acusado.
Identificamos que os fatos relacionam os termos, o meio e o objeto,
considerando que o contexto especializado determina, além da macroestrutura
textual, também os termos que são empregados, tais como disparos, agressão,
arma branca e arma de fogo, e o tipo de delito cometido (lesão corporal, tentativa de
homicídio, furto, dentre outros).
O gênero textual boletim de ocorrência policial legitima o contexto
especializado e transmite o conhecimento da área de especialidade, uma vez que é
empregado visando a persecução penal, como sendo a célula embrionária da ação
penal que pode desencadear a sentença que é aplicada pelo Poder Judiciário.
Diante dos arrazoados aqui expostos, afirmamos que os objetivos propostos
foram plenamente cumpridos. Não obstante ao cumprimento do que foi proposto, a
presente pesquisa conforma uma pequena contribuição para os estudos que aliem o
princípio de observar os termos em nível de relações textuais e discursivas, e que
também considerem os sujeitos que compõem a trama dos textos jurídicos. A ciência
da linguagem possui muitas áreas, que podem focalizar a área policial, que é pouco
explorada nos estudos linguísticos em virtude do sigilo de determinados
procedimentos, conformando, assim, uma via de mão dupla, beneficiando, de um
lado, a instituição policial com pesquisas que certamente irão aprimorar o trabalho
82
prestado à esfera social, e, de outro lado, contribuir para o meio acadêmico através
do estudo de uma área – policial - que começa a ser melhor entendida e
consolidada, e que, segundo Costa (2009) é definida como área especializada
jurídico-policial.
O cotejamento entre o Direito Penal e a linguística, no âmbito da terminologia
e da semiótica, denota a função social dos estudos linguísticos, a partir do momento
que estes exploram uma terminologia em textos ricos que estatuem a área
especializada na qual são empregados. A Polícia Judiciária registra todas as suas
diligencias através da escrita, por isso a máxima o que não está nos autos não está
no mundo. Sendo assim, a pesquisa ora proposta tem a possibilidade de ser
expandida para dar conta de descrever a macroestrutura de outros textos que são
produzidos por essa polícia, tais como Ordem e Relatório de Serviço, Auto de
Avaliação, Apreensão e Restituição, Relatório Final, Termo de Declaração, dentre
outros, uma vez que tudo o que a Polícia Civil produz é registrado pelo ato de
escrever, organizado cronologicamente, através de textos especializados que, em
virtude da temática, dos usuários e da função, adquirem características peculiares;
ou de pesquisar a etimologia dos termos que são empregados pela Polícia Civil, de
modo a contribuir com pesquisa que já está em fase de desenvolvimento, e que
repertoria a terminologia policial em um glossário digital.
6 REFERÊNCIAS
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7 ANEXOS