universidade do vale do rio dos sinos …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf ·...

87
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA Deise Leite Bittencourt Friedrich RECONHECIMENTO TERMINOLÓGICO EM NARRATIVAS POLICIAIS SOB UM OLHAR SEMIÓTICO São Leopoldo RS Dezembro, 2011

Upload: phamxuyen

Post on 26-Sep-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA

Deise Leite Bittencourt Friedrich

RECONHECIMENTO TERMINOLÓGICO EM NARRATIVAS POLICIAIS SOB UM

OLHAR SEMIÓTICO

São Leopoldo – RS

Dezembro, 2011

Page 2: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

Deise Leite Bittencourt Friedrich

RECONHECIMENTO TERMINOLÓGICO EM NARRATIVAS POLICIAIS SOB UM

OLHAR SEMIÓTICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Krieger

São Leopoldo – RS 2011

Page 3: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

Ficha catalográfica

Catalogação na Fonte: Bibliotecária Vanessa Borges Nunes - CRB 10/1556

F911r Friedrich, Deise Leite Bittencourt Reconhecimento terminológico em narrativas policiais

sob um olhar semiótico / por Deise Leite Bittencourt Friedrich. – 2011.

89 f.: il., 30 cm. Dissertação (mestrado) — Universidade do Vale do Rio

dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, 2011. Orientação: Profª. Drª. Maria da Graça Krieger.

1. Terminologia policial. 2. Reconhecimento

terminológico. 3. Semiótica. 4. Boletim de ocorrência policial. I. Título.

CDU 801.3

Page 4: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase
Page 5: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

Todo pasa y todo queda, pero lo nuestro es pasar,

pasar haciendo caminos, caminos sobre la mar.

Caminante, son tus huellas el camino y nada más.

Caminante, no hay camino. Se hace camino al andar.

Antonio Machado ( Poeta sevillano, Cantares, poema XXIX)

Page 6: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

Especialmente ao meu amado marido, por seu afeto e compreensão constantes.

Page 7: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

AGRADECIMENTOS

Percorrer este caminho não foi nada fácil; mas chegar neste momento e

agradecer a aqueles que tornaram minha caminhada mais suave, é uma forma de

gratidão.

Em primeiro lugar, agradeço a minha estimada orientadora Profa. Dra. Maria

da Graça Krieger, por ter me acolhido e me ensinado muito mais do que as Ciências

do Léxico poderiam prever. Pelo ser humano incrível que ela é; dotada de uma

singeleza, simplicidade e determinação constante em nos guiar com muita

sabedoria.

Aos meus queridos pais pelo apoio e carinho ao longo dos anos.

A Profa. Dra. Adila Beatriz Naud de Moura por seu incentivo, carinho, sua

alegria e dinamismo; tanto no grupo Termilex, como fora dele. Obrigada por sua

amizade.

A estimada amiga Doutoranda do PPGL da UFRGS, Maria Izabel Plath da

Costa por me permitir compartilhar de sua amizade, pelas trocas teóricas, pelos risos

e por sua leitura atenta e crítica deste trabalho.

A querida amiga Doutoranda em Literatura Comparada do PPGL da UFRGS,

Tatiana Prevedello, por sua amizade.

Aos meus queridos colegas de pesquisa, por me permitirem mudar meu ponto

de vista em relação ao meu objeto, em especial aqueles que me acompanharam

antes da seleção e depois: Eliane Iensen, Úrsula Pletsch, Cleiton Rabello, Ana

Salgado, Márcio Santiago e demais membros do Termilex e, em especial: Rejane

Ferreira pelo nosso companheirismo nas aulas, nas apresentações de trabalhos, nos

cafés, nas angústias, nos risos e na reta final. E, agradeço imensamente a

Doutoranda do PPGLA/UNISINOS, Fani Adorne pelos saberes semióticos e

terminológicos compartilhados, por seu carinho e amizade.

Ás professoras deste programa de Pós-Graduação, pelos ensinamentos

proporcionados durante o curso.

Aos policiais da Civil e da Brigada Militar pela oportunidade e pela acolhida

em seu ambiente de trabalho.

Page 8: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

RESUMO A terminologia empregada pelos policiais tanto civis, como militares no registro de ocorrência policial é de extrema importância; tanto dentro do universo técnico-jurídico, como fora dele; pois é através da linguagem que os conceitos que presidem o ordenamento da sociedade se conformam, se estabilizam e se transmitem. Para o profissional da área policial, a familiaridade com o conteúdo e a forma dos termos permite sua prática na área; para o público leigo, a compreensão do léxico especializado contribui para a observância das normas que garantem a ordem e a convivência harmônica na sociedade. Em razão dessa importância, o objetivo principal dessa dissertação é identificar a organização da narrativa e a terminologia dos boletins de ocorrência da Polícia Civil, bem como, contribuir para fazer avançar o conhecimento dessas unidades lexicais. Com base em uma abordagem que envolva as teorias do texto e do discurso que ultrapasse os limites da frase. Para isso, escolhemos como bases teórico-metodológicas a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) e a Teoria Semiótica de Algirdas Julien Greimas. A semiótica por oferecer um olhar mais refinado e detalhado perante a constituição dos textos e dos discursos. A TCT em seus princípios por permitir analisar o termo como uma unidade lexical da língua natural que integra as comunicações especializadas. Verificou-se que os fatos descritos na análise dos dados do corpus, e também na tabulação e levantamento dos termos, revelam a realidade dessa linguagem especializada, tendo em vista que os policiais que elaboram os textos especializados empregam termos específicos para enquadrar a ação efetuada pelo infringente da lei, bem como os demais envolvidos, como mostrou o encadeamento da lógica narrativa. Palavras-chave: Terminologia Policial. Reconhecimento Terminológico. Semiótica. Boletim de Ocorrência Policial.

Page 9: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

RESUMEN

La terminología utilizada tanto por los policiales civiles como militares en el registro de denuncia policial es de extremada importancia. Tanto dentro del universo técnico jurídico, como fuera de él, pues es a través del lenguaje que los conceptos que rigen el ordenamiento de la sociedad se conforman, se estabilizan y se transmiten. Para el profesional del área policial, la familiaridad con el contenido y la forma de los términos les permiten su práctica en el área; para el público lego, la comprensión del léxico especializado contribuye para la observancia de las normas que garantizan el orden y la convivencia pacífica en la sociedad. Debido a esta importancia, el objetivo principal de este trabajo es la identificación de la organización narrativa y de la terminología de la Policía Civil, así como contribuir a promover el conocimiento de las unidades léxicas, con un enfoque que arrolle a las teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase. Para ello, elegimos como bases teóricas y metodológicas la Teoría Comunicativa de la Terminología (TCT) y la Teoría Semiótica de Algirdas Julien Greimas. La Semiótica por ofrecer una visión más precisa y detallada de la constitución de los textos y de los discursos. La TCT en sus principios, por permitir analizar el término como una unidad lexical de la lengua natural que compone las comunicaciones especializadas. Se verificó que los hechos descritos en el análisis de los datos del corpus, y también en la tabulación de los términos y de la encuesta revelan la realidad de este lenguaje especializado, dado que los policiales que producen los textos emplean términos especializados específicos para enmarcar la acción realizada por aquél que infringe la ley, así como los demás involucrados, como mostró el hilo de la lógica narrativa.

Palabras clave: Terminología Policial. Reconocimiento Terminológico. La Semiótica. Informes de Denuncia Policial.

Page 10: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Gêneros textuais por domínios discursivos e modalidades. ……………..41

Quadro 2 – Listagem dos termos seguidos de sua frequência. …………………………. 77

Page 11: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Quadro Semiótico da Narrativa Policial ............................................................ 55

Figura 2 - Tela do programa UNITEX demonstrando o levantamento dos termos............... 76

Figura 3 - Distribuição de frequência dos termos mais recorrentes nos BOs....................... 79

Page 12: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................12

1.1 Objetivos da Pesquisa ..............................................................................................................15

Objetivo Geral ...........................................................................................................................15

Objetivos Específicos .................................................................................................................15

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..........................................................................................................17

2.1 A Terminologia ........................................................................................................................18

2.2 O Objeto de Estudo da Terminologia: O Termo Técnico-Científico ...........................................21

2.3 As Correntes Terminológicas ...................................................................................................25

2.4 O Texto Policial e a Terminologia .............................................................................................29

2.5 Terminologia e Texto ...............................................................................................................33

2.5.1 Gênero e Tipologia Textual do BO ....................................................................................38

2.6 A Teoria Semiótica de Algirdas Julien Greimas .........................................................................42

2.6.1 Estruturas Fundamentais .................................................................................................43

2.6.1.1 Estruturas Narrativas .....................................................................................................43

2.6.1.2 Estruturas Discursivas ....................................................................................................45

3 PRINCÍPIOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS ......................................................................................51

3.1 O Corpus .................................................................................................................................51

3.2 Análise do Corpus ....................................................................................................................53

4. PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS ......................................................................................................54

4.1 Análise dos BOs no Plano da Narratividade e Discursividade ...................................................54

4.1.1 O Boletim de Ocorrência (BO): Esquema Narrativo 1 ........................................................58

4.2 O Reconhecimento Terminológico nos BOs .............................................................................60

4.5 Tabulação dos Termos com o Unitex .......................................................................................75

5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................................80

6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................83

7 ANEXOS .........................................................................................................................................86

Page 13: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

1 INTRODUÇÃO

Muito diferente do que ocorria em épocas passadas, atualmente, o uso e o

conhecimento das terminologias não são mais vistos como privilégio de profissionais

da área. Mas, devido às grandes mudanças no processo de divulgação da

informação cada vez mais crescente, o leigo é condicionado a conhecer a linguagem

no contexto das comunicações especializadas.

Com o avanço da informática e a facilidade de acesso a bens, serviços e

produtos, os indivíduos acabam por tomar conhecimento de informações que

circulam na mídia, como é o caso, da criminalidade. O que leva à população a

necessidade de compreender o universo discursivo dos termos que são usados na

comunicação policial, no qual estão inseridos.

A terminologia empregada pelos policiais tanto civis, como militares no

registro de ocorrência policial é de extrema importância; tanto dentro do universo

técnico-jurídico, como fora dele; pois é através da linguagem que os conceitos que

presidem o ordenamento da sociedade se conformam, se estabilizam e se

transmitem.

Costa (2009) delimita a área especializada policial e identifica a terminologia

jurídico-policial, desdobrando os seus usuários diretos em especialistas e semi-

especialistas e também, situa a polícia civil no âmbito da Secretaria da Segurança

Pública-SSP, como mostraremos mais adiante.

Para o profissional da área policial, a familiaridade com o conteúdo e a forma

dos termos permite sua prática na área; para o público leigo, a compreensão do

léxico especializado contribui para a observância das normas que garantem a ordem

e a convivência harmônica na sociedade. Em razão dessa importância, o objetivo

principal dessa dissertação é identificar a terminologia dos boletins de ocorrência da

Polícia Civil, bem como, contribuir para fazer avançar o conhecimento dessas

unidades lexicais; com uma abordagem que envolva as teorias do texto e do

discurso que ultrapasse os limites da frase.

O estatuto terminológico de uma unidade lexical pode ser justificado se

levarmos em conta os elementos constitutivos desse texto especializado, o Boletim

de Ocorrência Policial (BO). Para tanto, se faz necessário verificar como está

Page 14: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

13

configurada a relação de sentidos entre os termos e os aspectos da narrativa nesse

texto de especialidade.

Com um enfoque epistemológico, que viabilize analisar o contexto de

ocorrência dos termos e a narratividade do B.O, as situações de comunicação

assumem papel relevante no reconhecimento da terminologia empregada nesta

tipologia textual.

Para isso, escolhemos como bases teórico-metodológicas a Teoria

Comunicativa da Terminologia (TCT) e a Teoria Semiótica de Algirdas Julien

Greimas. A semiótica por oferecer um olhar mais refinado e detalhado perante a

constituição dos textos e dos discursos. A TCT em seus princípios por permitir

analisar o termo como uma unidade lexical da língua natural que integra as

comunicações especializadas. Optamos pela TCT de viés comunicativo e textual,

porque prioritariamente, consideramos os termos não apenas como nódulos

cognitivos, mas também, como unidades linguísticas naturais, caracterizados por

serem unidades do conhecimento que assumem valor especializado e que se

atualizam no discurso (Krieger & Finatto, 2004, p.78).

Desse modo, acreditamos que essas teorias possam nos auxiliar no

reconhecimento da terminologia no registro de ocorrência policial. Já que a

semiótica é entendida como uma teoria que busca explicar os sentidos do texto pela

análise, em primeiro lugar, de seu plano de conteúdo e pelos mecanismos de

organização e estruturação da narrativa, que faz do texto um “todo de sentido”,

como um objeto de comunicação que se estabelece entre um destinador e um

destinatário. O discurso como lugar, ao mesmo tempo, do social, da articulação da

narrativa e discurso, isto é, o discurso constituído sobre estruturas narrativas que o

sustentam (Greimas & Courtés, 1999).

Cabe salientar também, que não temos a pretensão de fazer uma análise

exaustiva das narrativas. Objetivamos, sim, dar conta de como se apresenta esse

universo discursivo policial, analisá-lo sob a luz da semiótica greimasiana,

privilegiando os fatos narrados, a fim de buscar o reconhecimento da terminologia

nesse gênero textual.

Para isso, como corpus desta pesquisa, foram selecionados 200 históricos de

boletins de ocorrências policiais realizados pela Polícia Civil, para fins de

exemplificação escolhemos alguns mais relevantes para nosso trabalho, a fim de

Page 15: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

14

apreender a construção e o funcionamento do texto narrativo com vistas a

reconhecer as particularidades que o engendram. A trajetória teórica adotada será apresentada no capítulo 1, TERMINOLOGIA

E SUAS IMPLICAÇÕES: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. Neste capítulo, será

explicitada a Terminologia enquanto área de estudos, sua teoria e aplicação, o

objeto inicial de estudos, bem como sua aproximação com as Teorias do Texto e do

Discurso. Para tanto, salientamos algumas obras dos autores considerados

relevantes para nosso estudo, na Terminologia temos: Cabré (1993 e 1999), Krieger

et. al (2001), Krieger (2007) e Krieger & Finatto (2004). Na semiótica A. J. Greimas

(1993), avançando nas questões de gênero Marcuschi (2008) além do estudo da

Terminologia de Cunho Comunicativo e Textual (TCT).

A seguir, no capítulo 2, A SEMIÓTICA DE ALGIRDAS JULIEN GREIMAS,

apresentamos uma síntese desta teoria a fim de dar conta dos processos de

significação, pois como nos diz o autor, todo e qualquer texto subjaz uma

organização narrativa. Será apresentado o projeto semiótico greimasiano de análise

do texto. Descrevemos inicialmente, de forma sucinta, as três etapas do percurso

gerativo do sentido: a das estruturas fundamentais, a das estruturas narrativas e a

das estruturas discursivas. Logo após, na seção acerca da narratividade, abordamos

mais detalhadamente a descrição da organização da narrativa dos registros de

ocorrências policiais e o reconhecimento da terminologia, por ser este o percurso

mais significativo em nossa investigação.

No capítulo 3, CONSTITUIÇÃO DO CORPUS apresentamos a seleção dos

textos para este trabalho e, o critério da relevância na seleção dos boletins que

foram analisados: foram escolhidos 200 BOs, que foram cedidos por Delegacias do

RS (DPRs) e pela Brigada militar do RS (1ª BPM). Foram levados em consideração

os tipos de delitos mais frequentes em nossa sociedade: homicídio, lesão corporal e

demais delitos relacionados a Lei Maria da Penha. A aplicação de tal critério

conduziu à seleção de um bom número de ocorrências, as quais foram selecionadas

para exemplificação.

Realizada a seleção dos boletins de ocorrência, estes foram digitalizados e, a

fim de não comprometer a identificação dos envolvidos nos fatos, optamos por

colocar apenas a inicial de cada nome em maiúscula ao invés dos nomes

verdadeiros. Foi, também, realizada uma classificação dos mesmos, por tipos de

Page 16: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

15

delitos e fatos, a fim de termos uma melhor visualização de como está configurado o

quadro das ocorrências.

O BO caracteriza-se, essencialmente, como um documento por meio do qual

o escrivão e o policial da brigada militar registram os acontecimentos e as

circunstâncias relacionados às ocorrências policiais. Ou seja: todo fato que, de

qualquer forma, afete ou possa afetar a ordem pública e exija a intervenção policial

por meio de ações e/ou operações.

Por fim, no capítulo 4, ETAPAS METODOLÓGICAS DE ANÁLISE,

apresentamos os BOs analisados do ponto de vista da semiótica, a fim de evidenciar

os componentes que engendram esse tipo de texto. Contamos também com uma

ferramenta computacional UNITEX, que nos auxiliou a mapear a presença dos

termos, a fim de melhor identificação e seleção dos mesmos; bem como, o quadro

de levantamento de termos e o gráfico que vem a comprovar o uso dessa

terminologia e suas regularidades neste texto de especialidade.

E, no capítulo 5, CONCLUSÃO, temos os comentários finais acerca da

abordagem que foi realizada na análise das narrativas dos boletins de ocorrência,

bem como, as sugestões para trabalhos futuros.

1.1 Objetivos da Pesquisa

Objetivo Geral

Identificar, na organização da narrativa dos boletins de ocorrência policiais

(BOs), alguns dos termos técnicos que a compõe.

Objetivos Específicos

· Verificar as diferenças macroestruturais dos históricos de BOs produzidos

pela Polícia Civil e pela Brigada Militar.

Page 17: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

16

· Identificar os principais actantes desse processo através das estruturas

discursivas dos BOS.

· Estabelecer relações entre a organização narrativa dos BOs e a presença de

termos técnicos.

Diante disso, procuramos verificar através da análise da narrativa como um

termo técnico-jurídico se constitui em um nódulo cognitivo e discursivo na

comunicação especializada de um registro de ocorrência policial; tanto o que é

realizado pela Polícia Civil (PC/RS), como o da Brigada Militar (BM/RS). Com base

nesta escolha, pelo escopo teórico adotado e explicitado na introdução do trabalho,

esperamos que o modelo de análise seja capaz de dar conta da organização da

narrativa boletim de ocorrência, para que possamos atingir os objetivos propostos.

Dando continuidade ao trabalho, evidenciaremos no próximo capítulo, os

pressupostos teóricos que serviram de ancoragem para esta investigação.

Page 18: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“Aportes trazidos pela Linguística e pelas Teorias do Texto e do Discurso têm contribuído para reorientar a reflexão das unidades lexicais especializadas.”

Maria da Graça Krieger (Temas de Terminologia p.37)

Como já mencionamos anteriormente, o objetivo essencial de nossa

investigação é identificar a presença de termos técnicos utilizados pela Polícia Civil

nos históricos dos boletins de ocorrência policial (BO). E, em um segundo plano, de

buscar o reconhecimento da terminologia1 através das diferenças macroestruturais

nos históricos dos boletins de ocorrência produzidos pela Polícia Civil e pela

Brigada Militar neste relato policial.

Além disso, esperamos contribuir para avanços mais significativos na área

dos estudos terminológicos, que levem em conta as dimensões conceituais,

linguísticas e pragmáticas dos termos técnicos - jurídicos da tipologia textual BOs.

Cabe salientar também que, buscamos na dimensão semiótica um olhar para

os termos em seu contexto discursivo, uma vez que, graças a essa dimensão,

podemos aliar os subsídios teóricos da Terminologia com os estudos da Teoria

Semiótica greimasiana.

É por esta razão, que essas considerações são necessárias para explicitar

nosso propósito em investigar os fatos narrados nos boletins de ocorrência, a fim de

buscar um melhor entendimento sobre o registro policial e sua configuração

enquanto gênero textual dentro de uma área de especialidade e, a relevância com

os estudos terminológicos e discursivos. Pois, ao desvendar a organização dessa

narrativa é que se pode estabelecer uma relação significativa de sentidos, que nos

levou ao reconhecimento da terminologia, ali contida.

1 Segundo Krieger (2001), o termo “terminologia” pode ser grafado de duas formas: I) quanto se tratar de um conjunto de termos, é grafada com t minúsculo; II) quando o termo se referir à disciplina ou ao campo de estudos, é grafada com T maiúsculo.

Page 19: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

18

2.1 A Terminologia

O engenheiro austríaco Eugen Wüster é considerado, pela maioria dos

investigadores, como o “pai” do que podemos considerar como Terminologia

moderna e, ao mesmo tempo, fundador da escola de Viena. Paralelamente à escola

austríaca surgem outras duas: a escola Soviética e a escola Tcheca. Essas três

escolas possuem como denominador comum o fato de que o conceito é considerado

como ponto de partida da análise terminológica. Wüster expõe suas primeiras

reflexões sobre o tema nos anos 1930 e, finalmente, em 1979, de forma póstuma,

seu discípulo e colaborador Helmut Felber publica Introdução à Teoria Geral da

Terminologia e à Lexicografia Terminológica, obra que fora baseada nas aulas que

Wüster havia ministrado na Universidade de Viena entre 1972 e 1974, postulando,

assim, os fundamentos da Teoria Geral da Terminologia (TGT).

Não fica sem explicação, por parte de Wüster, esta denominação do enfoque

original da Teoria Terminológica estabelecida por ele mesmo. Nesse sentido,

argumenta sua preferência em padronizar os léxicos especializados para privilegiar

a eficácia das comunicações técnicas e científicas. Em relação ao que vem a ser

Terminologia, ele esclarece que se trata: (1) do conjunto do léxico de uma área e

produto da compilação dela mesma, (2) do estudo particular de um campo

determinado em uma língua determinada e (3) do estudo de um grande número de

campos de especialidade em diversas línguas - o que faz referência ao “estudo

científico fundamental da terminologia” (Wüster, 1998), já que considera que a

ambiguidade e a polissemia da palavra Terminologia não ajudam a distinguir entre

(2) e (3). Mesmo assim, insiste em que a TGT não constitua a soma das teorias de

cada uma das terminologias especializadas, mas que transpasse os domínios

especializados e das línguas naturais ao abstrair os princípios comuns a todas elas.

Entretanto, a Terminologia não é uma área de recente criação, uma vez que o

seu nascimento foi paralelo ao da ciência e das técnicas. Podemos considerar que a

Terminologia como campo de estudos surgiu oficialmente na metade do século XX.

No entanto, não há como negar que a Terminologia como estudo científico existe

desde o momento em que surge o tratamento lexicográfico da língua de

especialidade. O que bem nos elucida Rondeau (1984):

A Terminologia não é um fenômeno recente. Com efeito, tão longe quanto se remonte na história do homem, desde que se manifesta a linguagem,

Page 20: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

19

nos encontrarmos em presença de línguas de especialidade, é assim que se encontra a terminologia dos filósofos gregos, a língua dos negócios, etc.

De fato, o que é novo, é sabermos do caráter duplo da Terminologia enquanto

campo de conhecimento teórico e aplicado. O próprio Eugen Wüster, que

fundamentou a TGT2, já evidenciava o caráter interdisciplinar desse campo, o que

nos leva a uma aproximação com a Linguística, já que possui suficiente peso e

relevância, como entidade pertencente às ciências da linguagem.

Ressaltamos, sobretudo, a afirmação de Sager (1990) ao dizer que:

A terminologia diz respeito ao estudo e ao uso de sistemas de símbolos e signos linguísticos empregados para a comunicação humana em áreas de atividades de conhecimentos especializados. É, primeiramente, uma disciplina linguística (...) Tem caráter interdisciplinar, uma vez que também toma emprestados conceitos e métodos da semiótica, epistemologia, classificação, etc.3

Já Krieger (2001) nos diz que a dimensão linguística da Terminologia

enquanto área de estudos se ocupa da natureza, da constituição dos termos e da

multiplicidade de aspectos do seu funcionamento, caracteriza-se por sua natureza

multidisciplinar - o que nos leva a estudar os termos num processo comunicacional,

com todas suas implicações e efeitos próprios do funcionamento da linguagem.

A fim de confirmar a importância da Terminologia enquanto ciência, que em

comunhão com o trajeto do pensamento revive acontecimentos que são demarcados

por termos, que vão suscitar novos conceitos em uma nova realidade (PLG II, 2006),

valemo-nos das palavras de Émile Benveniste:

A constituição de uma terminologia própria marca, em toda ciência, o advento ou o desenvolvimento de uma conceitualização nova, assinalando, assim, um momento decisivo de sua história. Poder-se-ia mesmo dizer que a história particular de uma ciência se resume na de seus termos específicos. Uma ciência só começa a existir ou consegue se impor na medida em que faz existir e em que impõe seus conceitos, através de sua denominação. Ela não tem outro meio de estabelecer sua legitimidade senão por especificar seu objeto denominando-o, podendo este constituir uma ordem de fenômenos, um domínio novo ou um modo novo de relação entre certos dados. O aparelhamento mental consiste, em primeiro lugar, de um inventário de termos que arrolam, configuram ou analisam a

2 Essa teoria se tornou um marco na história da área, está registrada em obra póstuma intitulada Introdução à Teoria Geral da Terminologia e à Lexicografia Terminológica. Ver Krieger & Finatto (2004). 3 Terminology is concerned with the study and use of the systems of symbols and linguistics signs employed for human communication in specialized areas of knowledge and activities. It is primarily a linguistic discipline (...) It is inter-disciplinary in the sense that it also borrows concepts and methods from semiotics, epistemology, classification, etc.

Page 21: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

20

realidade. Denominar, isto é, criar um conceito, é, ao mesmo tempo, a primeira e última operação de uma ciência.

Contrasta o conteúdo da subdivisão proposta por Wüster com a segmentação

tripartida que atualmente se faz dos estudos da Terminologia. Nesse sentido, ela

parece ter sofrido uma evolução em seu planejamento de origem, pois hoje

podemos perceber diferentes concepções dentro da própria Terminologia,

independentemente dos pontos de vista que possam ser adotados para sua

investigação.

É inegável a contribuição de Wüster enquanto fundador da TGT, mas ele

apenas quis ocupar-se do termo de forma prescritiva, imaginando uma língua

estática e uniforme, onde o termo seria instrumento de reconhecimento padrão de

uma terminologia especializada, a qual deveria dar-se a reconhecer como um rótulo,

uma etiqueta denominativa ou simplesmente um conceito, parte significante da

unidade lexical.

Contrariando o paradigma clássico da Terminologia, Cabré (1999a)

argumenta que não é necessário que uma matéria se justifique por si mesma; mas,

que os argumentos funcionais e sociais possam convertê-la em matéria científica a

partir do momento em que se defina o objeto de estudo e a forma que utilizaremos

para explicar seus fenômenos. Defende a ideia de que é possível explicar a

terminología desde uma teoría da linguagem e formando parte de seu objeto.

Nesse sentido, percebemos os termos como parte das línguas naturais que

são significativos e que emergem de maneira natural dentro de um discurso de

especialidade. Concebemos os termos como unidades lexicais dos sistemas

linguísticos, caracterizadores de uma comunicação profissional, que cobram sentido

na relação que estabelecem em seu contexto discursivo.

Nas palavras de Cabré (1993), verificamos um amparo quanto à face dos

termos, seu funcionamento e reconhecimento:

Como qualquer outra unidade significativa de um sistema linguístico, os termos formam parte de um sistema estruturado, no qual ocupam um determinado nível (o nível das unidades léxicas) e se relacionam, por um lado, com as demais unidades do mesmo nível, e por outro, com as unidades dos demais níveis, participando conjuntamente da construção do discurso.

Page 22: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

21

O que se faz necessário é perceber que os estudos terminológicos

avançaram, possibilitando ver os termos como unidades lexicais naturais dos

sistemas linguísticos, que possuem um valor especializado nos domínios técnico-

científicos, o que nos permite analisá-los à luz de diversas teorias.

A TGT deixou seu legado ao delimitar o campo do conhecimento e, mesmo

que tenha visto o termo apenas como representação de um conceito, essa

concepção serviu para que muitas outras correntes de estudos terminológicos

surgissem e deixassem seu ponto de vista em relação ao seu objeto de estudo.

2.2 O Objeto de Estudo da Terminologia: O Termo Técnico-Científico

Nos estudos de Cabré (1999), os termos são sempre tematicamente

específicos, de modo que não há termo sem um âmbito que o acolha; tampouco há

um âmbito especializado sem uma terminologia que o caracterize. Além disso, o

termo é uma unidade de significação que comunica o conhecimento de uma área

temática, nesse sentido, um conhecimento especializado. O que bem pode ser

confirmado nas palavras de Krieger (2001): “cabe à Terminologia compreender os

modos de manifestação linguística e discursiva da dimensão conceitual dos termos,

voltando-se ao exame dos enunciados definitórios”. Estes, de diferentes maneiras,

cumprem a função de expressar, linguística e discursivamente, o componente

cognitivo dos termos, já que a definição terminológica deve ser um componente

integrante dos estudos da área.

Nas palavras de Gouadec (1990), “o termo é uma unidade linguística que

designa um conceito, um objeto ou um processo” e ainda acrescenta que “o termo é

a unidade de designação de elementos do universo percebido ou concebido”. Por

sua vez, Cabré (1993), explica que “para os especialistas, a terminologia se constitui

no reflexo formal da organização conceitual de uma especialidade e um meio

inevitável de expressão e comunicação profissional”.

Conforme mencionamos anteriormente, a Terminologia avançou em seus

estudos e, mesmo situando-se como um campo de saber que possui uma identidade

própria, que tem o termo como seu objeto de estudos, de reflexão e de tratamento,

isto não impediu que se possa perceber o termo e a definição como faces de uma

mesma moeda. O que bem esclarece Alan Rey (1979):

Page 23: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

22

As palavras definição e termo são ligadas por um traço comum: elas designam na origem o estabelecimento de um limite, de um fim (definir) e seu resultado (termo). No plano nocional, para que um nome tenha direito ao título de termo, é necessário que ele possa, enquanto elemento de um conjunto (uma terminologia), ser distinguido de outro. O único caminho para exprimir esse sistema de distinções recíprocas é a operação dita definição.

Nesse sentido, concordamos com as palavras de Krieger (2004) que bem nos

elucida: a unidade terminológica é, simultaneamente, elemento constitutivo da

produção do saber, quanto componente linguístico, cujas propriedades favorecem a

univocidade da comunicação especializada.

Assim, podemos afirmar que nenhum domínio de especialidade, desde aquele

que se dedica às mais profundas especulações, até aquele que se ocupa de

atividades materiais, subsiste sem o recurso de uma terminologia. Com razão,

Benveniste afirma que “uma ciência só começa a existir ou consegue se impor na

medida em que impõe seus conceitos através de sua denominação” (PLG II, 2006).

Considerando essas visões, é possível refletir sobre o termo. Buscamos

estabelecer uma ligação entre os pressupostos teóricos abraçados e a abordagem

da investigação do reconhecimento da especificidade do termo no texto

especializado, posto que esta pesquisa está alicerçada na concepção de que os

elementos que constroem a especificidade do termo podem ser depreendidos pelo

exame do contexto de uma situação peculiar de comunicação.

De acordo com os estudos desenvolvidos pela Escola de Viena, durante

algum tempo os termos foram considerados como a marca distintiva prioritária da

linguagem de especialidade. Hoje, no entanto, no âmbito de uma concepção

comunicativa mais ampla, sem desprezar o caráter representativo dos termos, as

terminologias são vistas como um dos elementos que configuram as linguagens de

especialidade.

Sob essa perspectiva, portanto, a ênfase não é posta nas palavras usadas,

mas em quem as usa, nas condições de uso e, principalmente, nas características

temáticas e pragmáticas do universo que as envolve. Assim, também, a fronteira

entre as unidades lexicais da língua geral e das linguagens de especialidade torna-

se cada vez mais tênue. Por essa razão, há uma dificuldade de detectar a

Page 24: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

23

especificidade dos termos na tarefa de separar o léxico geral e o léxico

especializado. Conforme Krieger (1998):

[...] as novas terminologias confundem-se, em larga medida, com o chamado léxico comum da língua. Tanto é assim que cresce o número de sentidos terminológicos nos verbetes da lexicografia da língua comum. Com isso, os termos revelam sua naturalidade aos sistemas linguísticos de várias formas, a iniciar pela consonância aos padrões morfossintáticos das línguas que os veiculam, independentemente de serem originais ou corresponderem a estruturas neológicas.

Dessa forma, o leigo também passa a usar, os termos, antes considerados

científicos ou técnicos e reservados à comunicação restrita dos especialistas:

Em realidade, os termos técnicos e/ou científicos deixaram de se configurar como uma “língua à parte”; já não são mais facilmente identificados, como ocorria quando, ao modo das nomenclaturas, correspondiam a palavras muito distintas da comunicação ordinária e permaneciam praticamente restritos aos diferentes universos comunicacionais especializados. Hoje, os termos circulam intensamente, porque ciência e tecnologia tornaram-se objeto de interesse das sociedades, sofrendo, consequentemente, processo de vulgarização favorecidos pelas novas tecnologias da informação. (Krieger; Maciel; Finatto, 2001)

A forma do termo, na maioria das vezes, permanece a mesma, enquanto o

conteúdo se transforma. Assim, o signo linguístico percebido pelos sentidos pode

permanecer constante, mas o significado que ele exprime pode mudar. Essa

mudança vai depender dos traços específicos selecionados, de acordo com a

configuração temática de cada campo especializado.

O contrário também pode ocorrer, quando o conteúdo do termo não muda,

mas sua forma sofre alterações. Nesse caso, as mutações são decorrentes de

exigências da transmissão da mensagem. Nesse sentido, o motivo da mudança é o

propósito de adequar a informação à natureza do canal utilizado, ao tipo de texto

escolhido, à formalidade do registro, à intenção do destinador e às necessidades e

desejos do destinatário.

É consenso que o termo é a unidade lexical “profissionalmente marcada”

(Cottez, 1994). Da mesma maneira como a palavra é a unidade da língua comum, o

termo se constitui na unidade das linguagens de especialidade. O conjunto de

termos de uma área representa o conhecimento dessa área; por isso, ao mesmo

tempo em que expressa de modo privilegiado seus conceitos, também os veicula.

Page 25: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

24

Com efeito, por meio da terminologia é possível acessar, referenciar e comunicar o

saber de um dado campo de especialidade. Por essa razão, os termos são,

simultaneamente, unidades de conhecimento, expressão e comunicação

especializada.

Segundo Maciel (2001), os termos fazem parte da competência linguística do

usuário da língua, de modo que não se pode falar de duas competências

linguísticas, uma geral e outra especializada, mas de uma única competência à qual

se acrescenta o conhecimento especializado adquirido. Nessa aquisição, os termos

funcionam como vetores bidirecionais, posto que, ao mesmo tempo, tornam possível

o acesso a um universo cognitivo novo e servem para comunicar a informação

adquirida. A articulação desses dois processos tem lugar na comunicação entre

especialistas, entre especialistas e leigos, ou, ainda, entre leigos e mediadores, tais

como professores de linguagens de especialidade, profissionais da tradução, do

jornalismo de um lado e o público em geral, do outro (Cabré, 1999).

Assim, é a língua que constrói a ponte, permitindo o acesso ao conhecimento

de um conceito, à sua identificação, construção, discussão e aceitação pela

comunidade especializada. É, também, através dela que se instaura a

transformação do conceito ou sua revogação plena, pois, como já nos habituamos a

testemunhar no mundo da ciência e da técnica, os conceitos, tais como os termos,

também sofrem transformações.

Assim, temos como postulados norteadores neste trabalho:

· o termo é uma unidade linguística de significação especializada, de dimensão

cognitiva e função comunicativa, utilizada na realização natural de uso da

língua comum em situação especializada;

· a situação comunicativa em que se utiliza a linguagem de especialidade

atualiza o valor especializado do termo, tanto o que é realizado pela BM,

quanto o realizado pela PC/RS;

· a “narratividade” dos boletins de ocorrência é capaz de fazer descobrir e

explicar a organização dessa linguagem de especialidade;

Feitas essas considerações sobre os termos, cabe salientar que estes podem

ser vistos sob diferentes perspectivas, e que podem ser definidos de acordo com os

postulados de diferentes escolas de pensamento.

Page 26: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

25

Nesta pesquisa, a abordagem adotada é ancorada basicamente na dimensão

linguística evidenciada pela Terminologia, em que, se fez uma aproximação entre a

Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) em sintonia com a Teoria Semiótica

greimasiana a fim de dar respaldo à descrição das condições de produção e de

apreensão do sentido do texto B.O, na busca do reconhecimento da terminologia

através das diferenças macroestruturais dos boletins policiais produzidos pela

Polícia Civil/RS e pela Brigada Militar/RS.

Assim, concebemos os termos como elementos naturais das línguas naturais

que participam da constituição dos discursos e, para dar conta de toda essa

complexidade constitutiva, é que nos propomos a olhar as narrativas policiais em um

contexto linguístico-pragmático de uma comunicação especializada. Assim posto,

cabe, na sequência, apresentarmos os estudos de Texto aliados aos estudos da

Terminologia.

2.3 As Correntes Terminológicas

A Terminologia, desde sua sistematização por Eugen Wüster, conforme

salientamos anteriormente, ao longo dos anos passou por renovações quanto a sua

abordagem. Nesse sentido, temos o nascimento de diversas correntes

terminológicas: a socioterminologia de Gaudin (1993), a terminologia sociognitiva de

Temmerman (2000), a terminologia textual de Bourigault e Slodzian (1999) e a

Teoria Comunicativa da Terminologia (Cabré, 1993 e 1999). Cabe ressaltar que não

temos a intenção de discorrer detalhadamente sobre cada uma das Terminologias,

mas sim, de mostrar suas principais características, a fim de justificar a opção que

fizemos por nosso escopo teórico.

Na socioterminologia de Gaudin, temos como princípio norteador a variação

linguística dos termos como um fenômeno sociodiscursivo a ser descrito, ou seja, a

noção de que uma língua de especialidade não é um subconjunto estruturalmente

homogêneo, mas que apresenta um conjunto de variedades em função dos usos e

das situações variáveis e históricas. Portanto, para Gaudin, a variação é o ponto que

norteia o desenvolvimento da Socioterminologia, uma vez que chama atenção “para

a necessidade de efetivar o diálogo interdisciplinar entre as áreas de conhecimento

afetas à problemática terminológica”, como ensinam Krieger e Finatto (2004).

Page 27: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

26

Salientamos a importância dessa corrente Terminológica; porém, não iremos adotá-

la por concebermos da visão de termo que está contemplada na TCT.

Já na proposta de Bourigault e Slodzian (1999), temos o texto como ponto de

partida, a fim de que a descrição textual seja realizada. O termo, então, passa a ser

visto como produto dessa análise, que será efetuada pelo terminológo. Para

amparar esta abordagem, seus autores criam condições para bem descrever e

validar os termos. Optamos por não escolher essa Teoria como ancoragem teórico-

medotológica, por esvaziar o estatuto de termo já fortalecido pela TCT.

A Terminologia Sociocognitiva de Rita Temmerman (2000), que ancora seus

paradigmas na hermenêutica, enfatiza os termos como unidades de representação e

compreensão, que funcionam como modelos cognitivos para a produção das

denominações. As unidades terminológicas são vistas em constante processo

evolutivo, e são passíveis de sinonímia, polissemia e processos metafóricos. Como

bem menciona Temmerman (2000): essa propriedade evolutiva reflete “o poder das

palavras de (se) mover”, mostrando, assim, os diferentes papéis da linguagem na

constituição dos saberes. Não optamos por essa abordagem por não concordarmos

com a visão de Temmerman ao rejeitar a concepção de conceito e de significado,

ainda que estejamos num fazer cognitivo, que é, por sua vez, intrínseco da própria

linguagem.

Numa outra vertente, temos o grupo IULATERM, do Instituto de Linguística

Aplicada da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, que, liderado por Maria

Teresa Cabré, investe em uma pesquisa reflexiva no sentido de construir

cooperativamente um modelo teórico, que permita superar as insuficiências da TGT,

dando conta das unidades terminológicas como unidades de conhecimento,

significação, denominação e comunicação especializada no quadro do discurso

especializado real (Cabré, 1999).

Para isso, o grupo coordenado por Cabré examina a Terminologia à luz de

três pilares: o cognitivo, o linguístico e o comunicacional. Sob essa ótica, propõe a

elaboração de princípios que configuram uma nova teoria, que não invalida a TGT,

mas que defende pressupostos que sejam aplicáveis a todas as áreas do campo do

conhecimento, da técnica e da vida profissional. Enfatiza, acima de tudo, uma

Terminologia mais adequada à visão da linguagem de especialidade, como uma

realização da língua comum em situações cuja especificidade possa ser bem

definida pela intenção e as características dos interlocutores.

Page 28: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

27

Essa perspectiva postula que é necessário entender os termos da forma

como eles ocorrem nas mais diversas situações comunicativas, pois do mesmo

modo que as palavras do léxico comum, eles são unidades dotadas de significado,

que se inserem de forma natural no discurso especializado.

Se para a TGT o termo estava restrito ao significante, para a TCT ele é

considerado como o elemento que melhor expressa a dimensão linguística da

terminologia, posto que é tomado como um signo e, portanto, constituído de

significado e significante

Nos postulados da TCT, as unidades lexicais especializadas, isto é, os

termos, além de se caracterizarem como unidades formais e funcionais que fazem

parte de um sistema gramatical, são também unidades de comunicação e referência.

Por esse motivo, a linguagem especializada pode ser considerada como parte

do léxico da língua comum, integrado a competência do falante, à medida que ele

adquire conhecimentos específicos da área. Dessa forma, os elementos da

linguagem especializada adquirem dimensões poliédricas que abrange as seguintes

faces: linguística, cognitiva e social.

A linguagem especializada é um continuum da linguagem geral, apesar de

diferirem na intenção comunicativa e na finalidade de enunciar (Hoffmann, 1998),

convergindo assim, com os pressupostos da TCT, que considera ambas as

linguagens, especializada e geral, diferenciadas pela situação em que são utilizadas,

conforme entendem Krieger e Finatto (2004), Cabré (2001), Bevilacqua (1996). A

linguagem especializada é intrínseca à determinada área de conhecimento e gira em

torno de uma temática específica, ao passo que a linguagem geral entorna o que é

geral, sem recorte ou direcionamento a certa área do saber.

Para Hoffmann (1998), linguagem especializada é o conjunto de todos os

recursos linguísticos que se utilizam num âmbito de comunicação, delimitado pelo

que faz a especialidade, para garantir a compreensão entre as pessoas que

trabalham naquele âmbito.

Cabré afirma que podemos conceber as unidades terminológicas como um

conjunto de traços associados a unidades léxicas caracterizadas por sua natureza

denominativa-conceitual. Essas unidades são, portanto, dotadas de capacidade de

referência e podem exercer funções distintas quando integradas no discurso. Os

itens lexicais, por sua vez, podem se constituir em núcleos predicativos ou em

argumentos dos predicados (Cabré, 1999).

Page 29: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

28

Os termos formam parte da linguagem natural, por isso, uma unidade lexical

pode assumir o caráter de termo em função do seu uso em um contexto e situação

determinados, caracterizando-se por fatores pragmáticos, pela temática específica e

usuários especializados, pela situação comunicativa mais ou menos formalizada e

por um discurso profissional e científico. Essas unidades lexicais por sua vez, devem

ser analisadas em seus contextos reais de ocorrência. Os esforços para definir o

que é um termo e examinar qualquer distinção entre diferentes tipos de termos são

irrelevantes se o contexto não for considerado (Pearson, 1998). Nas pesquisas

norteadas pelos pressupostos do trabalho linguístico baseado em corpus, que é o

caso de nossa pesquisa, o contexto é importante para as pesquisas informatizadas

em diferentes domínios, porque permite a extração semiautomática de termos e de

contextos (SLODZIAN, 2000). Destacamos a importância do contexto para a análise

dos termos, em conformidade com que apontam Krieger e Finatto (2004):

(...) o exame do comportamento das unidades terminológicas em seu real contexto de ocorrência, compreendendo que estas unidades aparecem de maneira natural no discurso, não constituindo uma língua à parte, como inicialmente se julgava. Consequentemente, os termos sofrem os efeitos de todos os mecanismos sintagmáticos e pragmáticos das cadeias discursivas que dão suporte à comunicação especializada. (KRIEGER e FINATTO, 2004)

No âmbito da Terminologia, seguimos as perspectivas de viés comunicativo e

textual , já que não pretendemos postular normas para padronizar os termos

policiais usados no boletim de ocorrência. O nosso objetivo é identificar esses

termos para, em conformidade com a linguagem em uso que é registrada nos textos

produzidos pelos policiais, explicar a forma como eles ocorrem, são utilizados e

entendidos nessa linguagem especializada.

Foi nesse sentido que optamos pela TCT em nosso trabalho, pois nos permite

ver o termo como uma unidade da língua comum que é também representante de

um conceito temático, juntamente com as funções pragmáticas assumidas na

comunicação.

Assim, as unidades lexicais podem ser visualizadas como elementos

integrantes e integralizadores do caráter comunicativo que os termos desempenham

no discurso. Tal fato nos impulsiona para o desenvolvimento de uma nova visão de

comunicação especializada, o texto de especialidade, falado ou escrito, pertencente

ao domínio público, expandindo a interação entre leigos e especialistas para além

Page 30: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

29

das fronteiras estritas das relações profissionais e, ainda mais, tornando-o parte da

vida cotidiana do usuário da língua.

Por nos propormos a tratar as unidades lexicais dentro de uma situação

comunicacional e discursiva, a seguir destacaremos a extrema relevância do

reconhecimento do termo e da articulação de estudos entre a Terminologia e o

Texto.

2.4 O Texto Policial e a Terminologia

Com o avanço da computação e a facilidade de acesso a bens, serviços e

produtos, os indivíduos acabam por tomar conhecimento de informações que

circulam na mídia, principalmente, sobre criminalidade. O que leva à população a

necessidade de compreender o universo discursivo dos termos que são usados na

comunicação policial, no qual estão inseridos.

A terminologia empregada pelos policiais tanto civis, como militares no

registro de ocorrência policial é de extrema importância; seja dentro do universo

técnico-jurídico, como fora dele, pois é através da linguagem que os conceitos que

presidem o ordenamento da sociedade se conformam, se estabilizam e se

transmitem.

Sendo que Costa (2009) salienta, ainda, que a Polícia Civil passa a ser,

muitas vezes, a instituição para a qual é feito uma espécie de desabafo daquela

parcela da sociedade que é vitimizada, pois a maioria das pessoas que acorre a

uma Delegacia de Polícia (DP) sabe que não terá de volta o bem que foi subtraído,

ou a vida de quem se foi devolvida, através do ato legal, que é o registro de

ocorrência, principalmente pela falta de provas, vestígios ou indícios que apontem

para uma pessoa suspeita da autoria.

Segundo a autora, essas pessoas, muitas vezes, querem apenas que alguém

as escute, por isso, registram a ocorrência. Entretanto, esse registro não fica

estanque na Delegacia de Polícia, pois mesmo sem provas, vestígios ou indícios, ele

deve ser investigado para apontar quem cometeu a ação criminosa, gerando assim,

uma série de documentos necessários para que a denúncia seja oferecida, os quais

somam as peças que compõem o procedimento policial. Ademais, os dados

processados na ocorrência policial resultam em dados estatísticos, que se prestam à

Page 31: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

30

análise criminal, de onde são difundidas as informações que circulam na mídia sobre

os crimes, e que dão origem aos índices de criminalidade que motivam os projetos

de gestão necessários à atividade policial.

O órgão responsável pelo registro do Boletim de Ocorrência policial (BO), é a

Polícia Civil do RS, doravante PC/RS, que é a responsável por proceder ao registro

nas Delegacias de Polícia (DPs). A Brigada Militar (BM) faz o registro nos locais

onde ocorrem os fatos. Quando há um fato típico e a BM é chamada ao local, os

policiais militares (PMs) realizam o registro em um formulário e depois o

encaminham digitalizado para a PC/RS.

A Polícia Civil, por sua vez, faz o registro nas Delegacias quando as pessoas

para lá se deslocam a fim de comunicar algum fato criminoso ocorrido. Em relação

aos registros de ocorrência, destacamos que a elucidação de um fato é

desencadeada através da ocorrência policial, que corresponde ao registro das

declarações de quem é depoente nesse procedimento. Para isso, o policial civil ou

militar preenche os campos do boletim de ocorrência com os dados da pessoa que

está procedendo à comunicação e, no campo histórico, deve ser registrada a

narrativa detalhada pelo comunicante, por meio da qual são feitas as investigações

que, conforme o caso, elucidam a autoria.

O discurso policial nos BOs acontece em um espaço de interação entre o

depoente e o escrivão ou o comunicante e o policial militar que, ao relatar os fatos

criminosos, pretende narrar e descrever enfaticamente a fala do comunicante e/ou

da vítima, caracterizando a sua área de especialidade com a presença de termos

típicos da sua área de atuação.

Os registros de ocorrências policiais BOs foram definidos como discursos de

denúncia do cidadão contra um fato criminoso, que deseja com este documento

medidas judiciais.

Grandes partes das decisões judiciais tomadas nos nossos tribunais têm justamente base no que existe de concreto no boletim de ocorrência presente nos autos, daí se pode ter uma ideia do grande reflexo que este instrumento provoca em todo um ordenamento processual e democrático existente no nosso país e nas relações sociais entre os indivíduos de toda a nação. (Araújo, 2007)

Essa afirmação fundamenta a importância do BO para o processo penal. O

campo do histórico, objeto de nossa investigação, agrega a narrativa dos fatos

Page 32: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

31

comunicados pelo cidadão. O estudo da terminologia policial baseado nesse

documento demonstra os termos peculiares da área policial, inseridos no contexto.

É extremamente relevante esclarecermos que tanto a BM, como a PC/RS

evidenciam a linguagem especializada policial nos BOs, a partir das declarações de

um comunicante que é leigo da área. Segundo Costa (2009), como o histórico é o

registro, realizado pelos policiais contém termos específicos da sua área de

especialidade, uma vez que este documento é encaminhado a outros policiais, a fim

de desencadear investigações. A partir desses documentos temos os primeiros

passos norteadores de instrução, que irão auxiliar os procedimentos de investigação

dos policiais e servirá como instrumento de justiça a juízes, promotores e

advogados, bem como, os órgãos governamentais que tem permissão para acesso

eletrônico às informações do registro.

É importante ressaltar também que compete ao poder judiciário julgar as

infrações às regras, dizendo se houve ou não, em maior ou menor grau, infrações

penais. Compete ao Ministério Público a tomada de iniciativas no que diz respeito à

provocação da ação penal, ou seja, a realização dos Processos Judiciais. Os

promotores instigam o pronunciamento judicial por meio da denúncia e por meio da

queixa, tendo em vista que se trata de relatos de ocorrências criminais que

apresentam os infratores e o contexto em questão.

Além disso, para que o Poder Judiciário e o Ministério Público possam

realizar a sua função de forma eficiente, faz-se necessário que a Polícia Civil e a

Brigada Militar possam também ser esclarecedores na narração dos fatos nos BOs,

evidenciando assim, sua função de forma significativa. Na realidade, a PC/RS se

apresenta como a organização responsável pela apuração de casos concretos de

infrações penais e também de fatos considerados como não normais. Para isso, a

PC/RS fornece ao Ministério Público os elementos necessários à organização dos

relatos, uma vez que são eles, os policiais, que possuem atribuições e recursos para

a referida questão.

Além disso, salientamos que os termos devem ser analisados nos seus

contextos reais de ocorrência. Os esforços para definir o que é um termo e examinar

qualquer distinção entre diferentes tipos de termos são irrelevantes se o contexto

não for considerado (Pearson, 1998). O que percebemos também nas palavras de

Krieger e Finatto (2004):

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

32

(...) o exame do comportamento das unidades terminológicas em seu real contexto de ocorrência, compreendendo que estas unidades aparecem de maneira natural no discurso, não constituindo uma língua à parte, como inicialmente se julgava. Consequentemente, os termos sofrem os efeitos de todos os mecanismos sintagmáticos e pragmáticos das cadeias discursivas que dão suporte à comunicação especializada. (Krieger e Finatto, 2004)

Cabe salientar também, que o texto de especialidade pode ser definido de

acordo com critérios externos, que são a temática e a perspectiva segundo a qual o

objeto é abordado, a situação de comunicação, os usuários e também a

funcionalidade do texto; ou através de critérios internos, que correspondem às

características referentes aos recursos lexicais, morfológicos, sintáticos, estilísticos e

marcas na macroestrutura. Nesse sentido, os termos são uma das características

mais evidentes de um texto especializado. O texto especializado deve ser descrito e

caracterizado com a observância de todas as suas dimensões; porém a noção de

especialidade deveria poder definir-se a partir de um estudo linguístico e estrutural

(Ciapuscio, 2003)

Os termos diferem das palavras quando vistos através dos critérios

pragmáticos e comunicativos (Cabré, 1993). Eles não compõem um sistema lexical

independente, por isso, têm uma forma fonética e gráfica em conformidade com a

estrutura fonológica de cada linguagem em que são empregados. Sua formação e

flexão obedecem às leis morfossintáticas comuns, agrupando-se em classes

gramaticais, combinando-se em sintagmas e orações, respeitando as regras usuais

de distribuição e organizando-se para formar textos que seguem os princípios gerais

de redação de textos orais ou escritos de todo o gênero.

Cabré (1999) nos elucida que os termos, além da categoria nominal,

tradicionalmente estabelecida, na linguagem especializada podem assumir outras

categorias gramaticais, já que compartilham das mesmas categorias que o léxico

comum, ainda que as palavras eminentemente funcionais, como preposições,

conjunções, artigos e pronomes, não comportem caráter terminológico. Nesse

prisma, os verbos somam um dos traços peculiares que configuram a especificidade

dos termos empregados na linguagem jurídica (Maciel, 2001). Segundo Costa

(2009), os verbos performativos, isto é, aqueles que realizam, pela enunciação, a

Page 34: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

33

ação que exprimem, ao realizarem ações específicas do mundo jurídico, ativam o

valor jurídico de seu sujeito e seus complementos.

Nesse sentido, a Terminologia tem e muito a contribuir para dar a

conhecer sobre a unidade lexical especializada caracterizadora desta tipologia

textual jurídica em análise: os registros de ocorrências policiais.

2.5 Terminologia e Texto

“Os elementos textuais e discursivos corroboram a determinação de unidades terminológicas, o componente pragmático das comunicações especializadas explica, muitas vezes, o funcionamento das terminologias.” ( Krieger)

Há que se considerar a inegável inter-relação entre o texto, o discurso

e os termos. Mais do que nunca, entendemos que a Terminologia possui uma

estreita relação com os sistemas linguísticos, textuais e discursivos. Como bem nos

assevera Krieger (2008): se uma teoria da Terminologia procura oferecer princípios

para apreender o estatuto terminológico de uma unidade lexical, os componentes

cognitivos, linguísticos e pragmáticos da comunicação especializada ganham

relevância. Na mesma linha, o reconhecimento dos mecanismos que engendram a

organização narrativa dos textos e dos discursos são elementos que auxiliam

largamente a identificar o estatuto terminológico de um item lexical. De acordo com a

autora, se uma unidade lexical ganha estatuto de termo especializado no universo

de discurso em que se insere, descrever esse universo é etapa metodológica

indispensável no quadro dos procedimentos de identificação dessas unidades.

Colocadas essas considerações, recorremos aos estudos de Kocourek

(1996), que nos diz que a problemática de reconhecimento dos termos e de seus

traços característicos não se concentra em um ou outro nível de expressão

linguística, mas se encontra dispersa em diferentes patamares: na área lexical, no

aspecto semântico, na área textual e nos indícios pragmáticos. Vemos uma

convergência nos estudos desse autor para a articulação a que nos propomos em

Page 35: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

34

nosso trabalho, entre a Terminologia de Cunho Comunicativa e Textual (TCT) e os

estudos do Texto e do Discurso em A. J. Greimas (1993), salientamos também

alguns autores que serviram de ancoragem teórica em nossos trabalho: Barros

(2008) e Marcuschi (2008).

Além disso, a TCT propõe o modelo das portas abertas que postula a

Terminologia ao estar centrada sobre a base de uma teoria da linguagem, uma

teoria do conhecimento e uma teoria da comunicação, permitindo que se possa ver o

termo sob qualquer uma destas perspectivas. Uma vez que, a TCT admite o termo

como unidade de forma e conteúdo (termos são signos linguísticos) que pode

adquirir valor especializado, dependendo do uso. A Teoria Comunicativa da

Terminologia abarca o princípio de integração de diversas teorias para análise dos

diferentes aspectos de um termo.

Nesse sentido, em todo tipo de manifestação comunicativa, temos

necessariamente um discurso imbricado. Nessas manifestações, é o texto um dos

principais componentes da ação comunicativa verbalizada. A linguagem

especializada se processa por meio de um vocabulário específico, que dentre as

possíveis formas de expressão, se manifesta nos textos. Entendemos o texto do

mesmo modo que Eco (1984), como um sistema semiótico bem organizado, um

signo já é um texto virtual, e, num processo de comunicação, um texto nada mais é

que a expansão da virtualidade de um sistema de signo.

O texto, como objeto de estudo, é passível de análise sob vários enfoques e

metodologias, cuja investigação pode ocorrer em nível formal, funcional, gramatical,

semântico, pragmático ou cognitivo. Também pode ser analisado pelo viés da

produção, recepção, ou como resultado de um processo comunicativo. A análise do

texto pode privilegiar determinado aspecto dos que foram citados. Nesta pesquisa,

analisamos o texto como resultado de uma situação comunicativa especializada e,

portanto, como texto especializado.

Hoffmann (1998), aponta que para adotar uma definição de texto

especializado, é necessário considerar aspectos como autoria, objetivos e estratégia

de comunicação. O texto especializado é o resultado de uma atividade comunicativa

sócio-produtiva especializada, compondo assim, uma unidade estrutural e funcional,

formada por um conjunto ordenado e finito de orações coerentes pragmática,

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

35

sintática e semanticamente, ou de unidades com valor de oração, que correspondem

à realidade objetiva. (Hoffmann, 1998).

Como descreve o autor, a estrutura desse texto depende do seu autor, dos

seus objetivos e da sua estratégia de comunicação, e tem peculiaridades que se

realizam de várias formas, que podem aparecer na macroestrutura do texto, na

relação estabelecida entre os elementos linguísticos do texto e na utilização de

determinadas estruturas sintáticas, lexicais e morfológicas. O texto especializado

deve ser descrito e caracterizado com a observância de todas as suas dimensões;

porém a noção de especialidade deveria poder definir-se a partir de um estudo

linguístico e estrutural (Ciapuscio, 2003). De acordo com Costa (2009), é

inquestionável que o texto especializado possa definir-se como tal segundo critérios

funcionais, situacionais e temáticos. Entretanto, esses critérios, que são externos ou

globais, têm seu correlato nos traços linguísticos; por isso, uma descrição dos textos

especializados deve partir de uma concepção ampla e compreensiva do texto, que

dê ênfase necessária no seu contexto real de uso.

Além disso, o texto de especialidade pode ser definido também de acordo

com critérios externos, que são a temática e a perspectiva segundo a qual o objeto é

abordado, a situação de comunicação, os usuários e também a funcionalidade do

texto; ou através de critérios internos, que correspondem às características

referentes aos recursos lexicais, morfológicos, sintáticos, estilísticos e marcas na

macroestrutura. Nesse sentido, os termos são uma das características mais

evidentes de um texto especializado.

Os textos especializados, segundo Costa (2009), representam um conjunto de

características típicas contextuais (situacionais), funcionais e estruturais (gramaticais

e temáticas). Dentre as suas características, destaca-se a forte coerência

pragmática e semântica, pois o objeto de comunicação, em consonância com o

sistema de conhecimentos, domina os elementos do texto e a sua distribuição

(Hoffmann, 1998). Segundo o autor, o texto especializado é uma associação dos

fatores funcionais ou comunicativos, com os linguísticos ou estruturais. A

macroestrutura, que diz respeito às ideias, é característica essencial e está expressa

na superfície como uma sucessão de subtextos, determinada pela função e pelo

tema dos subtextos em relação à totalidade do texto, em uma espécie de relação

hierárquica com a sua lógica narrativa.

Page 37: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

36

Cabe destacar, que todo texto é constituído de sequências em que se

percebe uma sucessão de ações que são passíveis ao nosso entender de serem

explicáveis, através das relações na forma de diferenças e oposições que só podem

ser reconhecias como valores, ou seja, através das relações das propriedades umas

frente às outras. Dessa forma, explicitar os elementos constitutivos da narratividade

dos boletins de ocorrência (BOs) nos levará para o reconhecimento mais refinado

deste tipo de texto, levando-nos a identificar as especificidades desta área de

especialidade, dentro deste cenário comunicativo, a qual se pretende traçar uma

análise. E, como bem nos diz Barros (2008): o que ele diz e, como faz para dizer o

que diz.

Ainda no âmbito dessa questão anteriormente explicitada reconhecer os

meandros da semântica do plano narrativo para evidenciar a constituição da

narratividade nos históricos dos boletins de ocorrência é de extrema importância.

Uma vez que, os termos apresentam particularidades no sentido de que a relação

significante/significado reflete escolhas designativas motivadas. O que concordamos

com as palavras de A. J. Greimas:

“la génération de la signification ne passe pas, d’abord, par la production des énoncés et leur combinaison en discours; elle est relayée, dans son parcours,par les structures narratives et ce sont elles qui produisent le discours senséarticulé en énoncés. Dès lors, on voit que l’élaboration d’une théorie de la narrativité qui justifierait et fonderait en droit l’analyse narrative comme un domaine de recherches méthodologiquement autosuffisant, ne consiste pas seulement dans le perfectionnement et la formalisation des modèles narratifs obtenus par des descriptions de plus en plus nombreuses et variées, ni dans une typologie de ces modèles qui les subsumerait tous, mais aussi, et surtout, dans l’installation des structures narratives en tant qu’instance autonome à l’intérieur de l’économie générale de la sémiotique, conçue comme science de la signification”. 4

O que também podemos perceber nas palavras de Marcuschi (2008), um

texto também é uma proposta de sentido e ele não pode ser visto como uma

virtualidade, mas sim, como uma realidade. Realidade esta que, a nosso ver, é uma

realização linguística e terminológica, em um processo de interação comunicacional,

em que os actantes se dão a conhecer.

É nesse ambiente discursivo-textual que se buscou descobrir mais sobre as

relações de sentido e que terminologia temos nesse contrato de comunicação.

Nesse sentido, o ato de linguagem se converte em um duplo movimento: exocêntrico

4 Du sens: essais sémiotiques. Paris: Du Seuil, 1970, p. 159.

Page 38: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

37

e endocêntrico em que, de um lado, temos a atividade estrutural para

reconhecimento do sentido do termo e, de outro, o sentido comandado pela

atividade contextual, que garante a produção da significação pelo seu produto.

Aliados ao pensamento de que o texto é passível de análise sob vários

enfoques e metodologias, cuja investigação pode ocorrer em nível formal, funcional,

gramatical, semântico, pragmático ou cognitivo, também podemos analisá-lo pelo

viés da produção, recepção, ou como resultado de um processo comunicativo.

A forte relação entre a TCT, já explicitada ao longo desse trabalho com as

relações textuais nos leva a destacar a importância dos princípios da TCT para

nossa pesquisa. Cabré (1993), evidenciando os traços distintivos da terminologia,

esclarece-nos que esta:

· serve para denominar a realidade;

· exerce a função fundamentalmente referencial;

· denomina uma ciência, uma técnica, uma atividade restrita.

Na terminologia, os usuários são os especialistas de um determinado campo

de especialidade e as situações de uso são de natureza formal (Cabré, 1993).

Como nos elucida a autora em relação às características da terminologia,

temos aí um fortalecimento da estrutura linguística, o que interpretamos como texto

de especialidade pelo conjunto de sua organização interna, com suas características

sintático-semânticas. É necessário que estas possam ser ampliadas para além dos

critérios pragmáticos e comunicativos, possibilitando ver o termo em seu ambiente

especializado, por suas condições linguístico-textuais e também discursivas.

Assim, em nossa análise, partimos da concepção de que termo e texto

especializado se constituem nas diversas situações comunicativas de que fazem

parte. Por isso, faz–se necessário procurar identificar como está construída essa

narrativa e a relação de valor especializado que as palavras adquirem nas línguas

de especialidade, como unidades recursivas e dinâmicas que podem circular entre o

léxico comum e especializado.

Em vista do que abordamos anteriormente passamos a evidenciar no próximo

capítulo deste trabalho das questões de gênero e tipologia textual em relação ao

boletim de ocorrência policial.

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

38

2.5.1 Gênero e Tipologia Textual do BO

Neste capítulo, ao explicitarmos sobre a questão do gênero textual e tipologia

do boletim de ocorrência policial (BO), buscamos em Marcuschi (2008) para melhor

esclarecermos essas distinções.

Para Luiz Antônio Marcuschi entender o domínio discursivo é essencial para

compreender a que esfera da vida social ou institucional (religiosa, política, jurídica,

etc) as práticas se organizam e se comunicam em suas estratégias de ação. O que

segundo o autor, deve culminar em modelos de ação comunicativa que se

estabilizam e se transmitem em formatos textuais, na estabilização de gêneros de

texto, ou seja, empiricamente esses gêneros mostram as diversas formas da

comunicação em uma determinada sociedade.

Além disso, os gêneros textuais denotam e orientam os usuários da língua a

realizarem escolhas lexicais, a definirem o grau de formalidade comunicativa, a

escolherem temáticas pertinentes ao entorno comunicativo. Marcuschi (2008),

destaca que, ainda que se tenham diferentes definições entre tipo de texto e gênero,

não há uma dicotomia entre os mesmos, uma vez que todos os textos ‘’realizam um

gênero textual e todos os gêneros realizam sequências tipológicas diversificadas”.

A importante distinção entre as noções de tipo textual e gênero é definida

pelo autor que arrola autores que têm posição similar (Douglas Biber, John Swales,

Jean-Michel Adam, Jean-Paul Bronckart). Temos as seguintes definições para tipo

textual:

(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição,injunção. (b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, romance, bilhete, [...] instruções de uso [...] (2002).

Em nosso trabalho salientamos a relação que há entre tipologia textual,

incluindo gênero, pela materialidade dos boletins de ocorrência policial, que traz da

Page 40: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

39

oralidade para a escrita a denúncia de um fato criminoso que ocorre em um domínio

discursivo e que representa uma esfera da vida social.

Em Marcuschi (2008), é impossível se comunicar verbalmente a não ser por

algum texto. Em outras palavras, buscamos ver que a comunicação verbal só é

possível através de algum gênero textual. Para o referido autor essa é uma

concepção de língua como atividade social, histórica e cognitiva. Ele também,

reorganiza a definição de gênero textual, tornando-a mais integradora aos princípios

de concepção de língua que defende:

Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos, definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008).

O quadro geral que temos em questão é uma tentativa de distribuição dos

gêneros da oralidade e escrita e seus respectivos domínios discursivos, o autor

constrói um quadro a partir da abordagem proposta por Marcuschi (2008), a fim de

registrar a classificação elaborada pelo autor relacionada aos domínios discursivos

e modalidades de uso da língua. Mesmo que a relação contida no quadro não seja

definitiva, nem representativa, é possível observar a quantidade de exemplos tanto

da modalidade escrita, quanto da modalidade oral em seus domínios discursivos. Os

domínios como o jurídico, o instrucional e o jornalístico elencam um número

significativo de gêneros textuais. Especialmente o domínio discursivo jurídico, ao

qual relacionamos os boletins de ocorrência, que apresenta grande

representatividade na esfera em que se insere.

O BO, objeto deste estudo, na abordagem de Marcuschi, estaria classificado

no domínio discursivo jurídico; conforme os itens elencados na língua escrita (ver

quadro 2), os gêneros são: tomada de depoimento, tipo de delito, normas, regras,

citação criminal, etc. Reproduzimos o quadro organizado pelo autor, destacando os

gêneros textuais que estão circunscritos aos domínios discursivos. (Marcuschi,

2008).

Page 41: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

40

Segue o quadro, com destaque para o domínio discursivo jurídico.

DOMÍNIOS DISCURSIVOS

MODALIDADES DE USO DA LÍNGUA ESCRITA ORALIDADE

INSTRUCIONAL (científico, acadêmico e educacional)

artigos científicos; verbetes de enciclopédias; relatórios científicos; notas de aula; nota de rodapé; diários de campo; teses; dissertações; monografias; glossário; artigos de divulgação científica; tabelas; mapas; gráficos; resumos de artigos de livros; resumos de livros; resumos de conferências; resenhas; comentários; biografias; projetos; solicitação de bolsa; cronograma de trabalho; organograma de atividade; monografia de curso; monografia de disciplina; definição; autobiografias; manuais de ensino; bibliografia; ficha catalográfica; memorial; curriculum vitae; parecer técnico; verbete; parecer sobre tese; parecer sobre artigo; parecer sobre projeto; carta de apresentação; carta de recomendação; ata de reunião; sumário; índice remissivo; diploma, índice onomástico; dicionário; prova de língua; prova de vestibular; prova de múltipla escolha; certificado de especialização; certificado de proficiência; atestado de participação; epígrafe

conferências; debates; discussões; exposições; comunicações; aulas participativas; aulas expositivas; entrevistas de campo; exames orais; exames finais; seminários de iniciantes; seminários avançados; seminários temáticos; colóquios; prova oral; argüição de tese; argüição de dissertação; entrevista de seleção de curso; aula de concurso; aulas em vídeo; aulas pelo rádio; aconselhamentos

Jornalístico

editoriais; notícias; reportagens; nota social; artigos de opinião; comentário; jogos; história em quadrinhos; palavras cruzadas; crônica policial; crônica esportiva; entrevistas jornalísticas; anúncios classificados; anúncios fúnebres; carta do leitor; resumo de novelas; reclamações; capa de revista; expediente; boletim do tempo; sinopse da novela; resumo do filme; cartoon; caricatura; enquete; roteiros; errata; charge; programação semanal; agenda de viagem

entrevistas jornalísticas; entrevistas televisivas; entrevistas radiofônicas; entrevista coletiva; notícias de rádio; notícias de TV; reportagens ao vivo; comentários; discussões; debates; apresentações; programa radiofônico; boletim do tempo

Religioso

orações; rezas; catecismo; homilias; hagiografias; cânticos religiosos; missal; bulas; jaculatórias; penitências; encíclicas papais

sermões; confissão; rezas; cantorias; orações; lamentações; benzeções; cantos medicinais

Saúde

receita médica; bula de remédio; parecer médico; receitas caseiras; receitas culinárias

consulta; entrevista médica; conselho médico;

Comercial

rótulo; nota de venda; fatura; cota de compra; classificados; publicidade; comprovante de pagamento; nota promissória; nota fiscal; boleto; boletim de preços; logomarca; comprovantes de renda; carta comercial; parecer de consultoria; formulário de compra; carta-resposta; comercial; memorando; nota de serviço; controle de estoque; controle de venda; copyright; bilhete de avião; bilhete de ônibus; carta de representação; certificado de garantia; atestado de qualidade; lista de espera; balanço comercial

publicidade de feira; publicidade de tv; publicidade de rádio; refrão de feira; refrão de carro de venda de rua

Industrial

instruções de montagem; descrição de obras; código de obras; avisos; controle de estoque; atestado de validade; manuais de instrução

Ordens

Page 42: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

41

Jurídico [grifo nosso]

contrato; leis; regimentos; estatutos; certidão de batismo; certidão de casamento; certidão de óbito; certidão de bons antecedentes; certidão negativa; atestados; certificados; diplomas; normas; regras; pareceres; boletim de ocorrência; edital de convocação; edital de concurso; aviso de licitação; auto de penhora; auto de avaliação; documentos pessoais; requerimento; autorização de funcionamento; alvará de licença; alvará de soltura; alvará de prisão; sentença de condenação; citação criminal; mandado de busca; decreto-lei; medida provisória; desmentido; editais; regulamentos; contratos; advertência

tomada de depoimento; arguição; declarações; exortações; depoimento;

inquérito judicial; inquérito policial; ordem de prisão [grifo nosso]

Publicitário

propagandas; publicidades; anúncios; cartazes; folhetos; logomarcas; avisos; necrológicos; outdoors; inscrições em muros; inscrições em banheiros; placas; endereço postal; endereço eletrônico; endereço de internet

publicidade na tv; publicidade no rádio

Lazer piadas; jogos; adivinhas; histórias em quadrinhos; palavras cruzadas; horóscopo

fofocas; piadas; adivinhas; jogos teatrais

Interpessoal

cartas pessoais; cartas comerciais; cartas abertas; cartas do leitor; cartas oficiais; carta-convite; cartão de visita; e-mail; bilhetes; atas; telegramas; memorandos; boletins; diário pessoal; aviso fúnebre; volantes; lista de compras; endereço postal; endereço eletrônico; autobiografia; formulários; placa; catálogo; papel timbrado

recados; conversações

Militar ordem do dia; roteiro de cerimônia oficial; roteiro de formatura; lista de tarefas

ordem do dia

Ficcional épica – lírica – dramática; poemas diários; contos; mito; peça de teatro; lenda; parlendas; fábulas; história em quadrinhos; romances; dramas; crônicas; roteiros de filme

fábulas; contos; lendas; poemas; declamações

Quadro 1 – Gêneros textuais por domínios discursivos e modalidades. Fonte: Marcuschi (2008)

Embora mais adiante, venhamos, a realizar uma análise das características

dos boletins de ocorrência, podemos considerar desde já que se trata de um gênero

textual do âmbito jurídico já estabilizado socialmente, reconhecido como uma

“entidade” empírica de comunicação, seja de especialista para especialista, seja de

especialista para não - especialista. Outras características mais específicas desse

gênero serão abordadas mais adiante.

Para melhor esclarecermos nossa opção de ver significativamente os termos

no texto de especialidade em uma situação comunicativa, explicitaremos, no

próximo item, a Teoria Semiótica greimasiana.

Page 43: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

42

2.6 A Teoria Semiótica de Algirdas Julien Greimas

A semiótica de cunho francesa caracteriza-se como uma teoria geral da

significação e não do signo linguístico. Essa teoria vê a linguagem como um sistema

de significações que emergem da relação de oposição entre elementos, relação

reveladora de diferenças de sentido. A semiótica greimasiana instaura-se assim na

tradição do pensamento de Ferdinand Saussure ( CLG) e de Louis Hjelmslev.

Como uma teoria geral da significação, a semiótica procura explicitar, por

meio de construções conceituais, as condições de produção e de apreensão do

sentido através da qual um conteúdo é manifestado.

Tendo como objeto de estudo o texto, encontro do plano de conteúdo com o

plano de expressão, a semiótica o percebe como um todo de significação, que

demarca em si mesmo, os princípios de sua organização. Esses princípios

subscrevem, por sua vez, o princípio da imanência do texto. A teoria greimasiana

institui assim, uma análise imanente, reconhecendo o objeto textual como uma

máscara sob a qual é preciso buscar as leis que regem o universo discursivo. E,

através de uma análise interna, chegar ao sujeito desse processo.

Cabe salientar também que, a teoria postula que o sentido se equaciona

gradativamente, sob um percurso gerativo, princípio que representa máxima da

teoria, uma vez que, tal percurso marca a geração semiótica de qualquer discurso,

constituindo-se assim no modelo que descreve a produção dos sentidos, motivo pelo

qual é um percurso de conteúdo. Por isso, são as descrições do plano de conteúdo

que levam a semiótica a estabelecer-se como a teoria geral da significação.

O trabalho de construção do sentido, que vai da imanência à aparência, é

percebida como uma articulação entre os três níveis: fundamentais, narrativos e

discursivos. Esses níveis avançam do mais simples ao mais complexo e do mais

abstrato ao mais concreto, constituem-se cada um, de uma gramática composta de

um componente semântico e outro sintático. A passagem de um patamar a outro

representa um enriquecimento e não uma ruptura à medida que a construção do

sentido, para a semiótica, se faz através de progressivos investimentos semânticos

e das novas articulações efetuadas em cada nível.

Assim, o sentido do texto decorre, por sua vez, da articulação dessas etapas

progressivas. O princípio da significação como articulação é, aliás, desdobramento

natural da própria concepção de linguagem como sistema de significações.

Page 44: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

43

A seguir será feita uma apresentação sucinta dos três níveis do percurso

gerativo do sentido. Cabe lembrar que esta investigação concentra-se na descrição

da organização narrativa do discurso policial nos históricos dos boletins de

ocorrência, razão pela qual os aspectos da narratividade e as questões a ela

relacionadas serão enfatizados.

2.6.1 Estruturas Fundamentais

Uma das primeiras etapas do percurso gerativo é a das estruturas

fundamentais, de natureza lógico-semântica. É sem dúvida, uma instância mais

abstrata que abarca as categorias semânticas sobre as quais se constrói um texto.

Na sintaxe fundamental temos explicitado as primeiras articulações da

substância semântica em termos puramente relacionais, enquanto que a semântica

fundamental aparece como um inventário de categorias semânticas alicerçadas

numa diferença, ou seja, no valor da oposição como condição do sentido.

As relações e articulações lógicas dos termos da estrutura elementar da

significação são espacialmente representadas pelo quadrado semiótico. Tal modelo,

concebido como representação lógica da estrutura elementar, permite traduzir suas

relações em termos de contradição, contrariedade e complementaridade, com base

nas duas operações da sintaxe fundamental: a negação e a asserção. Essas

operações realizadas no quadrado semiótico, ao negarem um conteúdo e afirmarem

outro, permitem explicar um primeiro modo de engendramento da significação,

tornando-a passível de narrativização.

A projeção no quadrado semiótico da categoria tímica / euforia / vs / disforia /

é responsável pela axiologização das categorias semânticas, suscetíveis, enquanto

valores virtuais, de serem exploradas pelo sujeito da enunciação.

2.6.1.1 Estruturas Narrativas

Em termos de geração de sentido, no nível narrativo, opera-se a conversão das

estruturas profundas em estruturas narrativas, graças à intervenção da ação do

sujeito. Chama-se, por isso, o nível da antropomorfização.

Page 45: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

44

Embora o problema da passagem de um nível fundamental a um nível

narrativo imediatamente superior não esteja completamente solucionado, é possível

isolar duas ordens de conversão: 1) os elementos das oposições semânticas

fundamentais são assumidos como valores por um sujeito; 2) as operações lógicas

são substituídas por sujeitos que operam transformações de estado.

Os estados são compreendidos como relações de junção - conjunção ou

disjunção de um sujeito com os valores investidos nos objetos, sendo as

transformações, alterações de estado. Estados e transformações compõem a base

do enunciado elementar que se desdobra em enunciados de estado e enunciados

de fazer.

Conforme a natureza da função constitutiva do enunciado

(junção/transformação) ,é possível distinguir sujeitos de estado de sujeitos do fazer.

Enquanto aqueles se definem por sua relação de junção com o objeto-valor, estes

são os responsáveis pelas transformações que alteram as relações de junção com

os objetos visados.

Os dois tipos de enunciado, o de estado e o de fazer , assim como os

actantes narrativos que os constituem, o sujeito e o objeto são os componentes

básicos da sintaxe narrativa, cujo sintagma elementar é denominado programa

narrativo.

O programa narrativo constitui-se de um enunciado de fazer que rege um

enunciado de estado (Greimas & Courtés, 1999). Isso equivale a dizer que a

transformação de estados ou relação de junção de um sujeito com um objeto-valor

resulta da execução de um programa narrativo por um sujeito.

Nessa perspectiva, a teoria parte de uma concepção de narratividade como

uma sucessão de transformações, operadas por um sujeito do fazer. Os resultados

do fazer levam a alterações da relação de junção dos sujeitos com os valores

investidos nos objetos.

No encadeamento dos programas narrativos, cujos tipos fundamentais são o

de competência e o de performance, resulta um percurso narrativo, unidade sintática

hierarquicamente superior.

Os três percursos narrativos são encontrados na organização narrativa: o do

sujeito, o do Destinador manipulador e o do Destinador julgador. O encadeamento

lógico de um programa de competência, necessário à ação, com um programa de

performance constitui o percurso do sujeito. O percurso do Destinador manipulador

Page 46: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

45

compreende duas etapas: a de atribuição de competência semântica e a de doação

de competência modal. Estas duas etapas são sempre pressupostas, pois o

destinatário-sujeito, para que se deixe manipular, precisa crer nos valores

apresentados pelo Destinador. A manipulação propriamente dita se dá, por sua vez,

quando o Destinador doa ao destinatário-sujeito os valores modais do querer-fazer,

do dever-fazer, do saber-fazer e do poder-fazer.

O terceiro percurso, o do Destinador julgador, organiza-se pelo

encadeamento de programas de dois tipos: o de sanção cognitiva ou interpretação e

o de sanção pragmática ou retribuição. Cabe ao Destinador julgador verificar a

conformidade da ação do sujeito ao sistema de valores compartilhados e, sobretudo,

se o sujeito cumpriu os compromissos assumidos na relação contratual.

A reunião dos três percursos do sujeito, do Destinador manipulador e do

Destinador julgador- resulta num modelo de referência e previsibilidade da estrutura

geral da narrativa: o esquema narrativo canônico.

A concepção inicial da narrativa como sucessão de estados e transformações

complementa-se com a da narratividade como sucessão de estabelecimentos e

rupturas de contratos entre um Destinador e um destinatário.

O esquema narrativo engloba, assim, os dois pontos de vista presentes nas

definições de narratividade - o do sujeito e de seu fazer, de um lado, e, de outro, o

das relações entre Destinador e destinatário-sujeito revelando a natureza conflituosa

das relações intersubjetivas. Conflitos assinalados pelas disputas do mesmo objeto-

valor e também pala manifestação de sistemas de valores contrários e

contraditórios. Isso demostra, em última análise, o reconhecimento de um princípio

polêmico sobre o qual repousa a organização da narrativa.

2.6.1.2 Estruturas Discursivas

As estruturas discursivas são o patamar imediatamente superior ao das estruturas

narrativas e o mais próximo da manifestação textual.

Em termos gerais, no nível discursivo, a narrativa é assumida pelo sujeito da

enunciação. Nessa medida, ao nível da instância enunciativa, o sujeito da

enunciação opera a conversão dos esquemas narrativos em discursos e neles deixa

“marcas”. Subjacente a esse postulado, encontra-se o ponto de vista semiótico de

Page 47: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

46

que o sujeito não é dado a priori, mas é reconhecido e reconstruído pelas marcas

deixadas no enunciado.

A enunciação é, portanto, uma instância logicamente pressuposta pelo

discurso enunciado. Esta definição, assumida pela semiótica, permite integrar a

instância da enunciação na concepção de conjunto da teoria, sem implicar

contradições (Greimas & Courtés, 1999).

As relações entre enunciação e discurso são examinadas pela sintaxe

discursiva em termos de uma projeção. A operação de projeção para fora da

instância enunciativa dos actantes e das coordenadas espaço-temporais, que

servem de suporte ao enunciado, denomina-se debreagem. A operação contrária

chama-se embreagem e consiste na suspensão das oposições de pessoa, de tempo

ou espaço, visando a um retorno das formas já debreadas à instância da

enunciação. Embora esse seja um procedimento típico dos chamados discursos

objetivos, a embreagem total, que equivaleria ao apagamento de todas as marcas

dos discursos, é impossível, conforme Greimas “a embreagem deve deixar alguma

marca discursiva da debreagem anterior”. Já nos discursos denominados subjetivos,

instala-se o sujeito “eu”, como um simulacro da enunciação.

A referência ao sujeito da enunciação ou a referência ao objeto, em outras

palavras, ao mundo que rodeia o homem e onde ele interage com outros homens,

produzem respectivamente a ilusão enunciativa e a ilusão referencial.

Em suma, as operações de debreagem e de embreagem, ligadas à instância

de enunciação, compõem a discursivização, descrita pela sintaxe discursiva como

um conjunto de procedimentos chamados a preencher - com a semântica discursiva

- a distância que separa a sintaxe e a semântica narrativas da manifestação textual

(Greimas & Courtés, 1999).

A semântica discursiva acompanha os procedimentos sintáticos da

discursivização, denominados actorialização, temporalização e espacialização,

procedendo a novos investimentos que correspondem aos procedimentos de

tematização e de figurativização. Nesses termos, a semântica discursiva opera a

conversão dos percursos narrativos quer em percursos temáticos quer, numa etapa

ulterior, em percursos figurativos.

A tematização e a figurativização são tarefas do sujeito da enunciação que,

assim procedendo, assegura a coerência semântica do discurso, pela recorrência

Page 48: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

47

dos traços ou semas, e cria, com a cobertura figurativa, efeitos de realidade,

garantindo a relação entre mundo e discurso.

Nessa perspectiva, é no âmbito das estruturas discursivas que se examinam

duas ordens de fenômenos: 1) as projeções da instância da enunciação no discurso

enunciado, bem como as relações entre enunciador e enunciatário; 2) o

investimento, sob a forma de temas e a concretização por meio de figuras, dos

valores sobre os quais está assentado o texto.

A semiótica concebe, portanto, o plano de conteúdo de um texto,

independente e anterior a sua manifestação linguística ou não, sob a forma de um

percurso gerativo de sentido. O modo de organização dos três níveis do percurso

(fundamental, narrativo e discursivo) em grandes linhas, mostra os mecanismos de

produção e apreensão do sentido.

2.6.1.3 Esquema Narrativo Canônico

Como neste trabalho objetiva-se descrever a organização narrativa presente

nos históricos de boletins de ocorrência policiais e o uso da terminologia neste

gênero textual, passa-se, agora, a examinar mais de perto determinados aspectos

da organização sintagmática do esquema narrativo, antes apenas esboçados.

A semiótica, inspirando-se nas análises desenvolvidas por Propp sobre um

corpus de contos maravilhosos russos, estabelece um modelo de organização de

qualquer narrativa. Para tanto, revê inicialmente as funções estudadas pelo Autor

em Morfologia do Conto, dando-lhes a forma canônica de um enunciado narrativo.

Mas, ao contrário da formulação proppiana que via o conto como a sucessão de

trinta e uma funções, a semiótica francesa não considera a sucessão de enunciados

suficiente para explicar a organização de uma narrativa e propõe um modelo de

análise: o esquema narrativo canônico, a maior unidade da sintaxe narrativa.

O esquema narrativo surge como um modelo de referência e de

previsibilidade para todo e qualquer discurso, a partir do qual desvios, expansões e

variações narrativas podem ser calculados, bem como estabelecidas comparações

entre narrativas diferentes.

Compreende três percursos formulados hierarquicamente: o do sujeito, o do

Destinador manipulador e o do Destinador julgador. O percurso do sujeito do fazer

Page 49: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

48

compreende dois programas narrativos: o de performance e o de aquisição de

competência. No programa de performance, o sujeito empreende a busca do objeto

valor, o que corresponde a uma tentativa de reparar um dano, liquidar uma falta. O

programa de aquisição de competência, logicamente pressuposto, é definido em

termos modais, ou seja, o sujeito competente para a ação deve possuir um conjunto

de modalidades ou de valores modais: o querer-fazer e ou dever-fazer, o poder-fazer

e saber- fazer.

Distinguem-se, assim, dois tipos de modalização: a do fazer e a do ser. A

primeira é responsável pela qualificação para a ação, enquanto a segunda altera a

existência modal do sujeito. À medida que as relações do sujeito com os valores são

alteradas por determinações modais, produzem-se efeitos de sentido passionais

como satisfação, frustração, decepção e muitos outros. Com isso se quer dizer que

a competência modal de um sujeito não é sempre positiva, podendo inclusive ser

insuficiente ou mesmo negativa, assim como os dispositivos modais da existência

também são passíveis de alterações. Nesse caso, produzem-se efeitos de sentido

reconhecidos como paixões.

O percurso do sujeito é enquadrado pelo percurso do Destinador

manipulador, que o antecede, e pelo do Destinador julgador, último segmento do

esquema. O Destinador manipulador determina os valores que serão buscados pelo

sujeito, ou seja, doa competência semântica; assim como atribui competência modal

ao sujeito, dotando-o dos valores modais necessários à execução da ação. Em

outras palavras, a manipulação para obter êxito necessita da aceitação do

manipulado, isto é, exige que o mesmo compartilhe o sistema de valores

apresentado, crendo-o como verdadeiro. A manipulação propriamente dita

pressupõe a relação fiduciária subjacente à crença e caracteriza-se pela doação, ao

destinatário-sujeito, dos valores modais do querer-fazer, do dever-fazer, do saber-

fazer e do poder-fazer.

Em suma, passa-se à problemática da manipulação, concebida pela semiótica

como “uma ação do homem sobre outros homens, visando a fazê-los executar um

programa dado” (Greimas & Courtés, 1999). Nessa perspectiva, o Destinador

manipulador configura-se como o detentor das regras do jogo, pólo de onde

emanam as obrigações contratuais a serem cumpridas pelo destinatário-sujeito,

determinando, em última instância, o valor dos valores a serem visados pelo sujeito.

Page 50: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

49

A ação do sujeito submete-se, assim, a um sistema axiológico determinado pelo

Destinador.

Mas se é reconhecido que o Destinador faz saber ao sujeito do fazer os

compromissos que deve assumir, exercendo para tanto um fazer-persuasivo, a

aceitação por parte do destinatário-sujeito das propostas contratuais que recebe

depende de um fator: a eficácia do saber-fazer. Desse modo, os mecanismos de

manipulação acionados têm como contraparte necessária o fazer-interpretativo do

sujeito operador, o que determina, em última instância, a execução do fazer

desejado pelo Destinador inicial. Independente da forma de manipulação acionada,

previstas até agora pela semiótica como provocação, sedução, tentação ou

intimidação, cabe ao destinatário-sujeito cumprir os compromissos contratuais

assumidos junto à instância superior.

No segmento final, que complementa o esquema narrativo canônico, o

Destinador julgador verifica se os compromissos assumidos pelo destinatário-sujeito

foram cumpridos para emitir sua sanção positiva ou negativa. Para tanto, exerce um

fazer-interpretativo sobre a performance realizada pelo sujeito, avaliando se a

mesma está em conformidade com os compromissos contratuais e com o sistema

axiológico compartilhado. Nessa perspectiva, a sanção é uma operação cognitiva de

interpretação, em última análise, corresponde aos juízos positivos ou negativos

sobre os resultados da ação heróica.

A competência modal do Destinador julgador, no entanto, não é assegurada a

priori, se institui à medida que se desenrola o fazer-interpretativo. A semiótica

pretende desse modo, evitar a ideia de uma verdade pré-estabelecida, independente

do fazer-interpretativo.

Sejam as sanções positivas ou negativas, traduzidas pela recompensa ou

pela punição, não importa: a sanção final ratifica o princípio das relações contratuais

entre o Destinador julgador e os sujeitos.

O esquema narrativo, ao fundamentar-se em uma estrutura contratual, vem

revelar a concepção semiótica de que as relações intersubjetivas se organizam a

partir de condições mínimas, designadas pelo nome de contratos implícitos (Greimas

& Courtés, 1999). Com base nos contratos, definem-se os papéis desempenhados

pelos sujeitos no espaço social, as possibilidades de ação de cada um e as

coerções a que se submetem.

Page 51: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

50

No entanto, é necessário frisar que os contratos não têm, na maior parte das

vezes, um real fundamento intersubjetivo. Nesse sentido, Greimas refere-se à noção

de simulacro para explicar os objetos imaginários construídos pelos sujeitos e

presentes nas relações contratuais. O contrato simulado traz, assim, uma carga de

expectativas particulares que podem não ser satisfeitas pelo outro, à medida que

não significam obrigações assumidas de fato. O efeito passional da decepção e seus

desdobramentos, por exemplo, decorrem, justamente, da perda de confiança no

contrato simulado referido.

Por fim, é preciso não esquecer que a organização contratual da

intersubjetividade articula-se em pólos opostos, de um lado, o das estruturas

contratuais em sentido restrito (expectativa benevolente), de outro, o das estruturas

polêmicas ou conflituosas. Em suma, as estruturas narrativas, cujo maior sintagma é

o esquema narrativo canônico, “simulam, por conseguinte, tanto a história do

homem em busca de valores ou à procura de sentido quanto a dos contratos e dos

conflitos que marcam os relacionamentos humanos” (Barros, 2008).

Page 52: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

3 PRINCÍPIOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS

Neste capítulo, nos concentramos nos princípios teóricos- metodológicos que

foi percorrido em nossa dissertação. Para isso, optamos pela Teoria Comunicativa

da Terminologia (TCT) em consonância com a Semiótica greimasiana. E com esse

aporte buscou-se identificar a configuração da organização das narrativas e os

actantes deste contrato de comunicação. Também, elencamos alguns dos termos

técnicos que compõem a narrativa policial, usando, basicamente, dois critérios para

a identificação dos termos, que são os seguintes:

- eleição das palavras que adquirem significado peculiar quando empregadas na

área policial, encontrados nos textos que compõem o corpus que são os históricos

do boletim de ocorrência;

- submissão dos termos escolhidos ao crivo dos especialistas da área que são os

policiais;

Após essa etapa, foi efetuada uma tabulação dos termos com o auxílio de

uma ferramenta computacional – UNITEX, e gráficos estatísticos, a fim de

comprovar com maior exatidão a frequência dos termos na linguagem especializada

da PC/RS e da BM do RS. Nesse sentido, destacamos que a identificação da

frequência serve tão somente para mensurar o uso de determinado termo, e não

para atestar o caráter de termo.

3.1 O Corpus

Após a definição do objeto e dos objetivos da pesquisa, procedeu-se

primeiramente ao critério de seleção dos textos para este trabalho, que é o da

relevância para a seleção dos boletins que foram analisados: foram escolhidos 200

BOs, que foram cedidos por Delegacias do RS (DPRs) e pela Brigada militar do RS

(1ª BPM). Foi levado em consideração os tipos de delitos mais frequentes em nossa

sociedade. A aplicação de tal critério conduziu à seleção de um bom número de

ocorrências, as quais foram selecionadas para exemplificação.

Realizada a seleção dos BOs, estes foram digitalizados e, a fim de não

comprometer a identificação dos envolvidos nos fatos, optamos por colocar apenas

a inicial de cada nome em maiúscula ao invés dos nomes verdadeiros. Foi, também,

Page 53: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

52

realizada uma classificação dos mesmos, por tipos de delitos e fatos, a fim de

termos uma melhor visualização de como está configurado o quadro das

ocorrências.

É importante esclarecer que os registros de ocorrências policiais são textos

de natureza técnica e finalidade jurídica, que correspondem ao registro das

declarações de quem é vítima ou depoente de um fato ocorrido. De acordo com

Costa (2009), é prática corrente, em nossa sociedade, o cidadão recorrer a uma

Delegacia de Polícia (DP), a fim de comunicar as autoridades competentes a

respeito de um fato criminoso, o qual muitas vezes, requer medidas de proteção. Os

fatos narrados pelo comunicante da ocorrência irão ser registrados no BO para que,

a partir dele, outras peças sejam agregadas ao procedimento até chegar ao Poder

Judiciário (PJ), que representa o caminho final. É de suma importância a eficácia

dessa comunicação para que o propósito a que se presta seja atingido.

Os registros de ocorrências policiais da Polícia Civil/RS são realizados por

escrivães e os da Brigada Militar por policiais militares, cujos documentos nos

propusemos a investigar neste trabalho e, que se constituem como fortes

instrumentos de investigação na área jurídica. Possuem uma terminologia de

natureza especializada ali imbricada e, dentro do histórico, as narrativas

propriamente ditas agregam fatos comunicados pelo cidadão que são reconstruídos

por termos peculiares da área policial, inseridos no contexto discursivo-textual.

O BO é feito pela PC/RS e pela BM, sendo que a PC/RS procede ao registro

nas DPs e a BM nos locais dos fatos. Quando ocorre um fato típico e a BM é

acionada, no local os PMs efetuam o registro em um formulário que, posteriormente,

é digitado e enviado à PC/RS, em modo eletrônico, para chancelamento. Quando

ocorre este procedimento, na ocorrência policial aparece o termo chancelada. A

PC/RS, por sua vez, efetua o registro nas DPs, quando as pessoas para lá se

deslocam a fim de comunicar o crime.

Isso não quer dizer que a PC/RS nunca compareça nos locais em que

ocorrem os fatos, porém o faz em caráter investigativo, para proceder ao

levantamento do local, como por exemplo, em locais de acidente, de homicídio, etc.

Devido ao que foi explicitado anteriormente, o estudo da terminologia

desempenha papel fundamental, pois a incompreensão de determinado termo

implicará em um desvio de propósitos nessa comunicação, que é noticiar e

denunciar um fato criminoso ocorrido na sociedade.

Page 54: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

53

Nesse sentido, em nossa pesquisa temos como objetivo principal descrever a

organização da narrativa policial, a configuração dos actantes que participam desse

discurso, a fim de buscar o reconhecimento terminológico (pelo valor do

termo/diferença) da PC/RS e da BM/RS presente neste gênero textual.

Além disso, esperamos contribuir para avanços mais significativos na área

dos estudos terminológicos que levem em conta as dimensões conceituais,

linguísticas e pragmáticas dos termos técnico-jurídicos da tipologia textual BO o qual

se buscou analisar nesse trabalho.

3.2 Análise do Corpus

O objetivo desta seção é descrever a análise do corpus que, como se falou

anteriormente, está constituído por 200 boletins de ocorrências policiais, porém

evidenciaremos alguns textos que consideramos mais significativos para melhor

constatação do que nos propomos evidenciar: a organização da narrativa e a

terminologia presente neste documento. A análise foi feita em dois momentos

distintos: primeiro tendo em vista a descrição do plano da narratividade e da

discursividade, em um segundo momento nos valemos de uma ferramenta

computacional UNITEX- que nos auxiliou a mapear a presença dos termos e suas

regularidades em nosso corpus.

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

4. PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS

Neste capítulo será demonstrada a análise do corpus através da teoria

semiótica greimasiana, em que se procurou identificar como está configurada a

organização das narrativas e os actantes deste contrato de comunicação. Também,

evidenciamos o enquadramento da terminologia usada pela polícia civil e pela

brigada militar no histórico dos BOs. Logo após, foi realizado o levantamento dos

termos de cada boletim, para melhor explicitar a relação do plano de conteúdo da

narrativa com a terminologia empregada; para isso, foi construída uma tabulação

dos termos com auxílio de uma ferramenta computacional – UNITEX, e um gráfico

estatístico, a fim de comprovar com maior exatidão a frequência dos termos na

linguagem especializada da PC/RS e da BM do RS.

4.1 Análise dos BOs no Plano da Narratividade e Discursividade

À luz da organização narrativa, cabe agora descrever, em linhas gerais, o

papel que o boletim de ocorrência desempenha nesse universo discursivo e as

relações de interlocução daí decorrentes. Conforme o modo como a Polícia Civil/RS

e a Brigada Militar/RS dispõem as condições da interlocução, foi possível identificar,

em princípio, as formas de organização dessa narratividade e a temporalidade

discursiva que é dicotomizada em um vs e um depois do fato ocorrido. Em que a

categoria semântica fundamental é:

segurança vs criminalidade

Temos euforia- segurança, tranquilidade vs disforia( tensão, insegurança, agressão)

Essa oposição manifesta-se através dos enunciados de saber que operam a

passagem de um estado a outro, ou seja, de um estado de conjunção a um estado

de disjunção.

Embora saibamos que o ato de comunicação presente nos BOs está

configurado em vários sujeitos, não nos deteremos nesta questão; uma vez que,

nosso objetivo principal não comporta essa análise. Mas sim, elucidarmos os

Page 56: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

55

principais actantes desse discurso em que temos: um S1 (comunicante) e um S2

(policial/PM autor dos fatos narrados). O que configuramos da seguinte forma:

Nesse relato policial temos no modo de dizer uma transformação de estado,

em um vs antes e um depois da ação criminosa que norteia ambos os textos, tanto

o que é narrado pela PC/RS, como o da BM/RS. Como podemos exemplificar :

Além disso, o objeto da transformação evidenciado nas narrativas policiais de

diversas formas no BO, tanto o que é realizado pela PC/RS quanto o que é realizado

pela BM, como podemos exemplificar no fragmento de um dos textos analisados:

“As quatro vítimas abaixo qualificadas se encontravam no salão do Ivo e, onde se

realizava um baile”, dado momento o indivíduo M, que tem uma desavença com I,

munido de arma branca, desferiu um golpe”... ( BO da PC/RS)

O COMUNICANTE ESTAVA EM PATRULHAMENTO DE ROTINA E FOI DESLOCADO PELA SALA DE RADIO PARA ATENDER OCORRENCIA DE LESAO CORPORAL. NO LOCAL, ENCONTROU A PART. 2, AL, EX-ESPOSA DO ACUSADO, BEM COMO O AMIGO DELA, PART.3, QUE A ACOMPANHAVA ATE EM CASA. AL JA ESTA SEPARADA DO ACUSADO HA MAIS DE UM MES, TEM PEDIDO DE MEDIDAS PROTETIVAS E AUDIENCIA AGENDADA NO FORO PARA O DIA 11.01.11, MAS O ACUSADO, INCONFORMADO, A AGREDIU HOJE, QUEBROU SEU TELEFONE CELULAR, AMEACANDO LHE MATAR. O MARIDO DA AMIGA DE AL, AO INTERVIR PARA QUE NAO A AGREDISSE NEM A FILHA QUE TRAZIA NOS BRACOS, TAMBEM FOI AGREDIDO

F = função → = transformação S1 = sujeito do dizer S2 = sujeito do estado ∩ = conjunção U = disjunção Ov = objeto-valor

PN = F[ S1 → (S2 ∩ Ov) ] F[ S1 → (S2 U Ov) ]

Figura 1 - Quadro Semiótico da Narrativa Policial

S1 Vítima ∩

O1 Fato

Problema

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

56

COM UM PEDACO DE PAU E TEVE OS OCULOS TOTALMENTE QUEBRADOS PELO ACUSADO, QUE FUGIU. NM. (BO da BM/RS)

Além disso, o modo de organização do discurso presente na narratividade do

histórico dos boletins de ocorrências tem a função base de narrar e descrever um

fato ocorrido em 3ª pessoa, que inicia com verbos no presente: comunica, relata... e

com os verbos no pretérito. O princípio de organização podemos dizer que é duplo,

pois é ao mesmo tempo descritivo e narrativo. Apresenta ao mesmo tempo, uma

organização de encadeamentos lógico-narrativos e uma organização da

“encenação” narrada; como no boletim acima que mostra o comunicante em seu

cumprimento de dever: “ estava em patrulhamento de rotina” sendo que quem faz

esse serviço de segurança in loco é o PM da brigada militar e não o policial civil.

O comunicante está consciente do poder de autorização que estabelece com

o interlocutor uma vez que, possui com seu enunciado o propósito de narrar o fato

ocorrido e sabe ou supõe que o interlocutor está apto a executar a tarefa de garantir

esse direito autorizado num saber-fazer através dos fatos narrados em um

documento que possui uma implicação jurídica, o BO.

O narrador ciente de seu papel de destinador manipulador configura-se como

fonte de uso de termos especializados, que são determinantes das regras da

constituição do texto. O que já aponta para a principal característica macroestrutural

do BO que evidencia pela diferença, em todos os textos analisados, os relatos do

policial, da vítima ou ainda, comunicante do fato. Como podemos exemplificar:

RELATO POLICIAL: QUE A GUARNICAO CHEGOU NO LOCAL E A VITIMA ENCONTRAVA-SE EM FRENTE AO NR 804 NA RUA NARCISO ANTUNES CAIDO NA RUA SANGRANDO. RELATO DA VITIMA: QUE FOI AGREDIDO NA CABECA PELO CIDADAO CONHECIDO COMO S QUE LHE DEU UM GOLPE DE FACAO. QUE A VITIMA SOFREU A AGRESSAO EM FRENTE AO BAR DO VALMOR LOCALIZADO NO PASSO DA LAGOA.

O discurso de origem passa por uma transformação do dizer e o modo de

produção tenta reproduzir o que foi dito pelo locutor ou ainda, mostrar em seu

contexto discursivo a presença de uma terminologia que se atualiza neste contexto.

O que evidencia o discurso relatado de uma maneira integrada ao dizer daquele que

é um agente de um ato de dizer.

Page 58: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

57

Como mencionamos anteriormente, a encenação da narrativa é um

movimento duplo:

- a construção de uma sucessão de ações que seguem uma lógica que

constitui a trama do relato policial, em nosso caso, a denúncia que diretamente é um

fato típico ocorrido, geralmente, com quem é a vítima de uma agressão.

- a realização de uma representação narrativa, diz respeito a ordem da

organização das ações, os envolvidos e todo o universo que está sendo narrado

possui dupla articulação do lugar, dos envolvidos, do tipo de agressão e o que

gerou o fato. Fazendo com que, possamos perceber uma organização da encenação

narrativa. Como podemos exemplificar:

COMPARECE PARA INFORMAR QUE, NO DIA, HORA E LOCAL ACIMA MENCIONADOS, O ACUSADO, COMPANHEIRO DA VITIMA, CHEGOU EM CASA E COMECOU A DISCUTIR COM A VITIMA, EXIGINDO QUE A MESMA SAISSE DA CASA, COM AS FILHAS, POIS A CASA PERTENCE AO AVÔ DO ACUSADO. LOGO EM SEGUIDA, PASSOU A AGREDIR A VITIMA FISICAMENTE, COM EMPURROES E CHUTES, FERINDO A VITIMA NAS PERNAS E NAS MAOS. AS AGRESSOES OCORRERAM NA NOITE DO DIA ANTERIOR E SEGUIRAM NO DIA DE HOJE, CONFORME DECLARACOES QUE SEGUEM. DESEJA REPRESENTAR CRIMINALMENTE CONTRA O ACUSADO E SOLICITA AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGENCIA. NADA MAIS. (BO PC/RS)

No processo narrativo dos BOs há a expressão pela categoria de língua e,

principalmente, pela categoria de organização discursiva cujo processo se dá

através das ações em uma estreita relação com os papéis narrativos dos actantes

encontramos: um papel em que um sofre a ação e o outro é o agente agressor.

Percebemos que o actante sofre a ação na maioria das vezes o que vem a

confirmar a terminologia usada pelo escrivão e pelo brigadiano denominando-o

vítima. E, também, temos o responsável e executante da ação como um agressor.

Nos boletins analisados percebeu-se que o autor de tal ato criminoso o faz de

via de regra, consciente. A vítima é afetada negativamente por esta ação em que

muitas vezes tenta fugir do agressor e, também, busca neutralizar a agressão do

mesmo tentando negociar para que tal ato não venha a ocorrer. Porém, o agressor

recusa esta negociação trazendo sérias consequências às vítimas. Como podemos

exemplificar:

Page 59: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

58

COMPARECE NESTA DP A VITIMA ABAIXO CADASTRADA PARA INFORMAR QUE NO DIA E HORA SUPRAMENCIONADOS SEU GENRO, O ACUSADO EV, ARREMESSOU UMA CADEIRA CONTRA SUA CABECA VINDO A LESIONA-LA. NAO BASTASSEM TAIS FATOS EV A AMEACOU DE MORTE DIZENDO QUE IRIA MATA-LA. TAIS FATOS SE DERAM POIS A VITIMA DEFENDEU A FILHA EM UMA BRIGA DO CASAL. AD DIZ QUE EV E SUA FILHA RESIDEM COM A VITIMA E SEGUIDAMENTE PRESENCIA BRIGAS ENTRE OS DOIS. SEMPRE QUE EV E SUA FILHA BRIGAM ESTE DIZ QUE VAI INGRESSAR COM ACAO JUDICIAL PEDINDO A GUARDA DA FILHA. NO MOMENTO NAO DESEJA REPRESENTAR EM JUIZO E CIENTIFICADA QUANTO AOS TRAMITES LEGAIS CASO DESEJE FAZE-LO, INCLUSIVE QUANTO AS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI 11.340/2006 - MARIA DA PENHA (BO PC/RS)

COMUNICA QUE JA POSSUI MEDIDA PROTETIVA CONTRA O ACUSADO, POREM ELE A DESOBEDECEU E ESTAVA LHE ESPERANDO QUANDO DA CHEGADA DO SEU TRABALHO. ELE LHE AMEACOU DE MORTE E LHE ESPANCOU EM PLENA RUA. QUE ELE RESIDE PROXIMO A CASA DA VITIMA (EH UMA CHACARA DEFRONTE A O UNICO ORELHAO DO LOTEAMENTO). QUE A VITIMA NAO TEM MAIS SOSSEGO E ESTA COM MUITO MEDO DELE, JA QUE ELE ESTA CIENTE DAS MEDIDAS E MESMO ASSIM, AGIU DA MANEIRA COMO AGIU. QUE DESEJA REPRESENTAR CRIMINALMENTE CONTRA O ACUSADO. NADA MAIS.( BO PC/RS)

Abaixo daremos continuidade em nossa análise nos BOs com o levantamento

dos termos utilizados tanto pela PC/RS como da BM/RS. Cabe salientar que os

boletins de ocorrências foram redigitados, apenas omitindo os nomes verdadeiros

dos envolvidos e, marcações que possam identificar seus dados pessoais.

4.1.1 O Boletim de Ocorrência (BO): Esquema Narrativo 1

Os registros policiais nos BOs ainda são elaborados dentro de níveis

insatisfatórios. Pois, segundo Costa (2009) não existe normativa que estabeleça a

elaboração do BO. É preciso aprimorar esses registros e qualificar os textos que

compõem o histórico, porque o produto final do trabalho da Polícia Judiciária são

textos, os quais devem estabelecer uma comunicação profícua com os demais

órgãos, para facilitar a aplicabilidade da lei penal.

Não existe norma para o registro de ocorrência, tampouco uma base científica

que estabeleça parâmetros de forma e conteúdo para esse texto. Nesse prisma, o

estudo da terminologia desempenha importante papel porque a incompreensão de

determinado termo implica em um desvio de propósitos nessa comunicação, que é

noticiar e denunciar um fato criminoso ocorrido em dada sociedade.

Page 60: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

59

A pessoa que se desloca a uma delegacia de polícia, certamente o faz no afã

de encontrar solução para um problema que atravessa. Os fatos narrados pelo

comunicante da ocorrência irão ser registrados no BO, para, a partir dele, outras

peças serem agregadas ao procedimento até chegar ao PJ, que representa o

caminho final. É de suma importância a eficácia dessa comunicação para que a

propositura a que se presta seja atingida.

Hoffmann (1980) destaca que as peculiaridades do texto especializado podem

aparecer na sua macroestrutura, e no caso do histórico do BO, essas peculiaridades

macroestruturais são as que mais se destacam aos olhos do observador por

estarem quase que na maioria dos textos, por isso acreditamos ser importante dar

a conhecer o modo como elas acontecem nesse discurso de especialidade.

Como mencionamos nessa pesquisa, é extremamente relevante identificar, no

histórico do BO, as declarações dos actantes envolvidos neste cenário comunicativo,

que são o policial e o comunicante da ocorrência. A narrativa do comunicante

aparece, na estrutura do texto, de forma distinta à do policial, como podemos

exemplificar: relata a vítima, comunica o SD, relato do policial,etc Além disso

percebemos que, os fatos analisados no histórico do BO da PC sob o enfoque

macroestrutural, observamos que é um texto sem parágrafos que, em um campo

com maior abrangência de linhas, se necessária a troca de página, é digitada a

narrativa do comunicante. Terminada a declaração, o texto é sinalizado com

expressões do tipo Nada mais, Encerra, Era o registro, dentre outras. Alguns textos,

porém, continuam após o final das declarações do comunicante com as declarações

do policial, autor do texto abaixo:

INFORMA O COMUNICANTE QUE NA DATA E HORA SUPRACITADOS ESTAVA EM SUA RESIDENCIA QUANDO SUA IRMA MCV CHEGOU LHE RELATANDO TER SIDO AGREDIDA PELO IRMAO QUE RESIDE JUNTO COM M NA CASA DA MAE DOS MESMOS. A VITIMA RELATA TER SOFRIDO UM SOCO NO BRACO ESQUERDO E QUE CL, SEMPRE QUE BEBE CHEGA ALTERADO EM CASA AGREDINDO M E AS DEMAIS IRMAS QUE TAMBEM MORAM NA CASA. QUE DESEJA AS MEDIDAS PROTETIVAS E QUER REPRESENTAR CONTRA O ACUSADO. NADA MAIS

No boletim de ocorrência da brigada militar, em sua macroestrutura, o número

de linhas é limitado, impera a 3ª pessoa, porém a narrativa já em seu início mostra

Page 61: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

60

a fala do policial, identifica a vítima primeiramente como indivíduo, relata o fato de

maneira objetiva, não com tanta riqueza de detalhes e, não fecha a narrativa como

o faz a PC com: nada mais, era o registro, coloca tão somente o responsável pelo

boletim de atendimento com sua patente militar.

RELATO POLICIAL: A GUARNICAO DESLOCOU-SE ATE RUA RUDY MERTEN, PARA ATENDER OCORRENCIA DE UMA BRIGA ENVOLVENDO ELP E DSS. RELATO DA

VITIMA QUE ESTAVA EM CASA E O SENHOR DSS CHEGOU NA FRENTE DA CASA EXALTADO . GRITANDO, CHAMANDO-O PARA FORA SENDO QUE O SENHOR ELP SAIU E DSS FICOU CADA VEZ MAIS EXALTADO QUANDO PUXOU DE UMA FACA E INVESTIU CONTRA A VITIMA. ELP FICOU FERIDO NO PESCOCO DO LADO ESQUERDO E NO ROSTO DO MESMO LADO, SENDO QUE LEVOU 14 PONTOS.

BO é composto pelos campos ocorrência, participante, objeto, arma, veículo,

pessoa jurídica e histórico, sendo que o único campo que permite texto é o histórico,

cujo espaço é destinado ao registro do relato do comunicante da ocorrência. Como

podemos verificar abaixo a título de ilustração na estrutura dos campos de

preenchimento dos BOs, tanto o da PC/RS quanto o da BM/RS já apresentam

diferenças de terminologias ali empregadas (Ver Anexo 1 e 2).

A seguir mostra-se o surgimento da terminologia nesse discurso e a

tabulação dos termos.

4.2 O Reconhecimento Terminológico nos BOs

No histórico das narrativas, no desenrolar dos fatos, emergem termos que na

maioria das vezes, adquirem uma nova denominação. Como podemos exemplificar

no Boletim 1 ( PC/RS e da BM/RS, em anexo), o escrivão passa a denominar a

pessoa que efetua a denúncia do fato ocorrido como vítimas e, também, como

vítimas qualificadas. O que a nosso ver já mostra uma pertinência do uso

terminológico nesse discurso. Dependendo de cada fato o escrivão pode tratar o

depoente, como vítima ou até mesmo nomeá-lo com sua patente quando for um

policial da BM. No desenrolar dos fatos narrados pelo escrivão, há tempo, pessoa e

Page 62: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

61

espaço bem marcados e, também, termos que identificam os delitos como furto,

tentativa de homicídio, homicídio, lesão corporal e outros furtos. No da BM/RS temos

na própria estrutura (legenda) campos terminológicos, onde explicam-se as

abreviaturas que o policial militar deve preencher no registro da ocorrência (Anexo

2).

Nesse sentido, para fins de exemplificação e para melhor explicitarmos o uso

da terminologia nesse discurso de especialidade colocamos dois textos um da

PC/RS e o outro da BM/RS para o reconhecimento da terminologia e levantamento

dos termos:

BOLETIM 1 (tentativa de homicídio) PC-RS

As quatro vítimas abaixo qualificadas se encontravam no salão do Ivo, onde se realizava um baile e em dado momento o indivíduo M, que tem uma desavença com I, munido de arma branca, desferiu um golpe na nádega direita de G, irmã daquela. Aí iniciou uma briga generalizada do lado de fora do clube. Ao lado, estavam as vítimas C e as filhas I, G e C respectivamente mãe e filhas, do outro lado estavam M, I, J, A, E e L mulher de J. Todos os agressores estavam de posse de arma branca e, de garrafas quebradas, M chegou a sair e voltar com uma arma de fogo e efetuar disparos, C foi a mais atingida, levou uma facada no nariz que quase amputou o órgão, tendo sido medicada e encaminhada para cirurgia, as filhas I e G foram atingidas pelos golpes de arma branca desferidos pelos agressores, todas foram socorridas pelo resgate do corpo de bombeiros e levadas ao PAM, onde foram medicadas, os agressores são vizinhos das vítimas. Fornecidas requisições para ECD. Nada mais. BOLETIM 1 (tentativa de homicídio) BM-RS

Trata-se de tentativa de homicídio em residência, a sra. X relata que ligou ao 190 na tentativa de chamar a brigada para entregar o genro, que estava em posse de arma de fogo. Gritava e xingava a esposa M e a ameaçava com a arma, agrediu a vítima com muitos palavrões de baixo calão e, depois a agrediu com socos e pontapés. O agressor ao ouvir a sogra gritar dizendo que já tinha chamado a brigada, pulou a janela e deixou a vítima desacordada com muitos ferimentos no corpo.

Percebe-se que neste discurso há um enquadramento do domínio técnico-

jurídico que nos leva a perceber o processo de reescritura lexical, realizada pelo

escrivão e pelo policial militar. Além disso, faz com que possamos ver que há

também, a presença de terminologias de uso desse universo policial. Para melhor

compreensão, temos o seguinte quadro de levantamento dos termos no BO/ PC-RS

e BO- BM/RS:

Page 63: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

62

Termos da PC/RS: 1. vítimas 2. .qualificadas 3. arma branca 4. golpe 5. agressores 6. arma de fogo 7. requisições ECD

Termos da BM/RS:

1. tentativa de homicídio 2. vítima 3. brigada 4. arma de fogo 5. agressor 6. arma

Comparando os relatos do histórico dos BOs, percebemos que o registro

efetuado pela PC/RS é mais detalhista fechando a narrativa e, inclusive dando

comunicações de encaminhamento do documento, com início e fechamento do

texto, pelo fato de esta polícia realizar atividade de polícia judiciária, quer seja,

proceder a investigação do fato. Já, no da BM, isto não ocorre deixando a narrativa

em aberto, no seu desfecho. Isso indica que, apesar das especificidades da

atividade em si, ambos os textos, da PC e da BM, formam a terminologia policial,

que tem como finalidade instruir a ação penal.

Dando continuidade em nossa análise apresentamos alguns dos boletins

analisados e a identificação da terminologia que foi encontrada em nosso corpus:

BOLETIM 2 (lesão corporal – direção perigosa)

O policial militar A, comparece nesta DPPA para comunicar que estava de serviço na VTR4635, na companhia do colega G, quando foram solicitados a comparecerem na Rua Becker Pinto, onde estaria ocorrendo uma desordem. Chegando ao local efetuaram contato com o sr. F, de 63 anos de idade, o qual relatou que dois motociclistas estariam fazendo manobras perigosas na rua, como cavalo-de-pau e aceleravam os veículos, sem placas, perturbando a vizinhança onde residem pessoas idosas e enfermas. Ao reclamar para o motociclista L, este empinou o veículo na direção de A que conseguiu escapar para o lado, sendo quase atropelado. O policial militar C, de folga vizinho de A, ao presenciar o ocorrido,

Page 64: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

63

conseguiu abordar A e após discussão, tentou deter o motociclista para chamar a brigada militar. Como L aceitou, reagiu, entrando em luta corporal com o PM C, tendo sido imobilizado até a chegada dos policiais. A motocicleta era Yamaha/ RD, cor preta, sem placa, sem cano, sem farol, com o condutor sem capacete. Após a confusão, os amigos de L, esconderam a Moto. L foi encaminhado ao PA do patronato, onde foi medicado, sendo fornecido ofício para exame de lesões PML e também ao PMC. Ao ser qualificado nesta DPPA, L apresentou a sua CNH, a qual consta no sistema como CNH apreendida. Diante dos fatos o documento foi apreendido para verificação da situação atual do mesmo. Foi agendada audiência para L, pelo crime de direção perigosa e para o PM C deixou de agendar audiência (lesão corporal) por tratar-se de funcionário público, ficando para ser oficiado pelo PEC. Nada mais.

Termos: 1. DPPA 2. luta corporal 3. Crime de direção perigosa 4. PM 5. PML 6. PMC 7. PEC 8. policial militar 9. lesão corporal 10. apreendido para verificação

11. foi encaminhado ao PA do Patronato. 12. fornecido ofício para exame de lesões PML. 13 .Foi agendada audiência. 14. Oficiado pelo PEC.

BOLETIM 3 (lesão corporal)

Relata vítima que na tarde de terça-feira dia 12 do corrente foi agredida por seu ex-marido S, residente na rua motorista mariano 948. Que S a agrediu com tapas deixando-a com hematomas na face e hemorragia nasal. Disse que S é alcóolatra e que quando está bêbado passa a agredi-la. Disse que já está separada do mesmo, e está residindo com a mãe. Não tem testemunhas. Disse que foi agredida por causa de fofocas. Disse que S reteve suas roupas e não quer devolver. Ciente que tal crime será investigado através de IP, não optou por medidas protetivas. Não foi pedido exame de lesões pq devido ao tempo decorrido não há mais lesões aparentes. Nada Mais.

Termos: 1. vítima 2. crime 3. IP 5. medidas protetivas 6. exames de lesões 7. lesões aparentes 8. agrediu

11. testemunhas

Page 65: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

64

9. hematomas 10. hemorragia nasal

BOLETIM 4 (lesão corporal – violência doméstica)

Comunica que por volta das 14:00 horas de hoje,18/05, a mesma foi agredida fisicamente (puxões pelos cabelos, derrubada ao chão e recebeu um soco no estômago) sendo autor o companheiro Sr. J, de 50 anos de idade. Que as agressões ocorreram na residência do casal (dentro do quarto). Após agredi-la o agressor saiu. Refere que em nove anos de união estável esta foi a primeira agressão física ocorrida; embora tenha havido algumas ameaças. Nunca havia registrado ocorrência policial sobre os fatos. Manifesta-se pelo prosseguimento da respectiva ação penal. Não nomina, no momento, testemunhas dos fatos e não deseja medidas protetivas. Nada mais. OBS: Fornecido Requisição A.E.D.M. Termos: 1. agressões 2. agressor 3. agressão física 4. ameaças 5. ocorrência policial 6. arma de fogo 7. medidas protetivas. 8. Requisição A.E.D.M. 9. testemunhas dos fatos

BOLETIM 5 (lesão corporal)

O Sd CH comunica nesta DPPA que na data e hora acima, recebeu um chamado via rádio para se deslocar ao endereço acima, aonde estaria ocorrendo uma briga de casal. Que se deslocou ao local indicado acompanhado da SD. E, VTR 4634, aonde em contato com a vítima sr. L, esta relatou que havia sido vítima de agressão física por parte de seu companheiro e pai de seus filhos. O (acusado) o qual, lhe bateu com um tapa no rosto. O acusado não encontrava-se em casa e minutos após, chegou da rua e informou que não havia batido em S., apenas havia lhe dado um empurrão. Diante dos fatos as partes foram encaminhadas ao PA do Patronato. Não foi constatado nenhuma marca ou lesão na vítima. Nesta DPPA a vítima foi alertada que o registro do fato gera inquérito policial e, ao ser cientificada das medidas protetivas, resolveu reinterar pelas mesmas. Nesta DPPA o acusado negou haver agredido a vítima e que apenas empurrou para se defender de um chute que a mesma lhe deu. O acusado admitiu ter ingerido duas garrafas de cerveja porém, não se apresentou alterado tampouco com sintomas de embriaguez nesta DPPA.

Segue termo de declarações das partes. Era o registro.

Page 66: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

65

Termos: 1. Sd 2. DPPA 3. acusado 4. marca 5. lesão 6. vítima 7. medidas protetivas 8. via rádio. 9. termos de declarações das partes

BOLETIM 6 (estupro consumado)

A vítima infraqualificada comunica que vive maritalmente com D, 5 anos e com ele teve um filho de 3 anos, que estão separados há 3 meses e meio, que por orientações do advogado, registra o fato de estupro ocorrido no dia 07.02.2008, por volta das 4hs, que chegaram de um bar, sendo que a comunicante estava alcoolizada, que estavam tentando uma reconciliação, que no outro dia quando acordou estava sem as roupas debaixo e com suas partes íntimas sangrando, que após alguns dias ele pediu perdão pelo que tinha feito, que até hoje tem sequelas daquela noite em que foi estuprada e nada recorda. Fornecida requisição para AEDM. Nada mais.

Termos: 1. vítima infraqualificada 2. estupro 3.comunicante 4. requisição A.E.D.M

Page 67: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

66

BOLETIM 7 (violência doméstica)

A vítima infraqualificada comunica que vive maritalmente com A, apelido Pana, há 4 anos e 8 meses, que pana está no regime semi-aberto por assalto e é viciado em crack, que hoje pela manhã foi obrigada a manter relações sexuais com ele na frente da filha de 3 anos de idade, que já tinha tido outras tentativas porém conseguiu se livrar, que ele está completamente fora de si com a droga e não respeita ninguém, que está com medo dele porque ele a puxa pelos cabelos e bate na cabeça onde não ficam marcas, que está com medo porque desde que foi preso o comportamento mudou completamente, que também é ameaçada de morte com arma branca no pescoço e agride fisicamente a filha com tapas no rosto, que a filha está traumatizada, pois pouco A, nestes 5 anos ficou fora da cadeia, que a filha está perdendo os cabelos e foi encaminhada para um psicólogo. Fornecida requisição de conjunção carnal e lesão corporal. Requer medidas protetivas e a delegacia orientou para oficiar a VEC sobre o fato, que segundo a comunicante A, não retornará ao PRSM pois vai foragir. Nada mais.

Termos: 1. vítima infraqualificada 2. regime semi-aberto 3. viciado em crack 4. droga 5. preso 6. ameaça de morte 7. PRSM 8. conjunção carnal 9. lesão corporal 10. medidas protetivas

11. delegacia 12. VEC 13. comunicante 14. foragir 15. fornecida requisição

BOLETIM 8 (outros furtos)

O policial militar abaixo qualificado comparece para informar que na data e horário citados quando se encontrava realizando patrulhamento normal,foi solicitado através da sala de operações para deslocar até a Rua Venâncio Aires, Supermercados Beltrame, local onde havia ocorrido o furto. Que de imediato deslocou até o referido estabelecimento e chegando lá entrou em contato com o senhor A, o qual trabalha no monitoramento do estabelecimento. Que A, disse que a acusada C havia adentrado no mercado e apresentava atitudes suspeitas, então passou a observá-la, que em certo momento C colocou barras de chocolate dentro das calças que usava. Que logo após tentou sair do estabelecimento sendo abordada e detida. Que foi solicitado a presença da BM no local e todos foram conduzidos até esta

Page 68: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

67

DP, C ao ser indagada em relação aos fatos nega as acusações, dizendo que ganhou os chocolates.

Termos: 1. policial militar qualificado 2. patrulhamento 3. sala de operações 4. furto 5. detida 6. BM 7. DP 8. acusações

BOLETIM 9 (tentativa de agressão)

Informa o comunicante, que em data, horário e local supra, foi informado por transeuntes, que havia uma sacola na referida esquina, mas que aparentava ter pessoa. O comunicante foi verificar, onde apurou que se tratava de um menor que estava dormindo, enrolado no moleton que fedia. Perguntou ao mesmo onde morava e ele disse ser morador de rua, onde de imediato, passou a xingar e ofender o comunicante, tentando lhe agredir, onde foi dominado pelo comunicante. Foi acionado uma patrulha da BM, que conduziu ambos para esta DPPA. O menor foi identificado como sendo RL. residente na vila natal, não fornecendo outros dados. O comunicante ficou lesionado em um dos dedos da mão esquerda. Nada mais.

Aditamento: Ao longo do registro policial foi apurado que o menor infrator tem contra si um mandado de busca, apreensão e internamento, sendo, pois, encaminhado ao centro da juventude (CASE), conforme documentação em anexo. A mãe do infrator, AP foi avisada do recolhimento do mesmo. Nada Mais.

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

68

Termos: 1. comunicante 2. transeuntes 3. um menor 4. morador de rua 5. patrulha da BM 6. DPPA 7. arma de fogo 8. aditamento 9. registro policial 10. menor infrator

11. mandado de busca 12. mandado de apreensão 13. mandado de internamento 14. infrator 15. CASE

BOLETIM 10 (Estupro consumado e Lesão corporal)

A vítima infraqualificada comunica que na data supracitada estava na residência de sua mãe. Quando chegou em sua casa se deparou com seu ex-companheiro deitado na cama, L, do qual já está separada 1 ano e 11 meses, com quem têm três filhos. Sendo que a vítima o acordou e mandou ele ir embora, mas ele negou-se a ir. Trancou a porta e ameaçou a vítima com uma arma branca na frente da filha mais velha. A vítima mandou as crianças saírem do quarto. Foi então que o agressor colocou a arma branca no pescoço da vítima, segurando-a fortemente pelos braços e, que ela ficasse quietinha. Amarrou a vítima na cama e colocou uma mordaça na boca da mesma para que não gritasse, que qualquer tentativa dela de gritar ou fugir ele a mataria. Desferiu golpes em seu rosto e, batia várias vezes a cabeça da vítima na parede e, chamava de vagabunda. A vítima sentiu gosto de sangue na boca e sentiu adormecer. Quando acordou estava sem roupas, com o corpo marcado e sinais de sangramentos nas partes genitais e anais. Foram os menores que a encontraram desmaiada e amarrada na cama ensanguentada e, buscaram ajuda com os vizinhos, que chamaram a BM. A vítima já tinha medida protetiva processo n. 027/2.07.0018407-4 que fora apresentada para os policiais no momento do fato.

Termos: 1. vítima infraqualificada 2. vítima 3. ameaçou 4. agressor 5. desferiu golpes

11. BM 12. medida protetiva 13. processo 14. policiais

Page 70: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

69

6. corpo marcado 7. sinais de sangramento 8. partes genitais 9. partes anais 10. os menores BOLETIM 11 ( Lesão Corporal)

O comunicante comparece nesta DPPA para registrar que estava andando de bicicleta no calçadão desta cidade, quando um guarda municipal o parou e agredindo-o com palavras primeiramente disse para descer. Quando a vítima tentou sair com a bicicleta, o agressor o segurou pelo braço e começou a desferir-lhe golpes com o cacetete nas costas e nas mãos, fazendo com que soltasse a bicicleta. O agressor disse que deveria buscar a bicicleta na casa de cultura, mediante requisições. Em decorrência das agressões sofridas, a vítima teria sofrido escoriações. Não sabe a identidade do agressor. Mas,sabe reconhecê-lo. Deseja representar criminalmente. N.M

Termos: 1. comunicante 2. DPPA 3. agressor 4. golpes 5. requisições 6. agressões 7. vítima 8. escoriações 9. representar criminalmente

BOLETIM 12 ( Outros roubos)

A vítima comparece nesta DPPA relatando que teve roubado seu aparelho de celular marca LG modelo MG 220, N. ( 55) XXXXXXXX e 50 reais em dinheiro. O roubo se deu quando chegava no curso preparatório da Venâncio XXXX, dois elementos de cor negra, aparentando serem menores abordaram a vítima. Relata que falavam para passar rápido dinheiro e celular e mostraram a arma de fogo que possuíam e, que os dois estavam armados com arma de fogo de calibre tipo 38. A vítima entregou os bens que possuía; os meliantes bateram em retirada, levando os pertences da vítima. A vítima diz ter como reconhecer os meliantes. Nada mais.

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

70

Termos: 1. vítima 2. DPPA 3. roubado 4. dois elementos 5. menores 6. arma de fogo 7. arma de fogo calibre 38 8. meliantes

BOLETIM 13 ( Outros Furtos - Furto de Sinal da NET)

O comunicante, na qualidade de agente autorizado da NET, comunica nesta DPPA que na data e hora acima, através de uma vistoria na caixa distribuidora do sinal da NET, no prédio 728 da Rua André Marques, foi constatado que no local havia alterações ilegais de instalação, receptação e fornecimento ilícitos de sinal da NET de apartamento para apartamento, instalações e dispositivos dos tipos não padrões ( cabo coxial e divisor de sinal), danos nos materiais, caixa violada e instalação grosseira e autonôma de cabos com divisor de sinal visível por fora do prédio. O apartamento 301* não assinante*, é possuidor de decouder da empresa NET, fornecedora do sinal para os outros apartamentos. O síndico, sr. M, se esconde para não prestar esclarecimentos, sendo este o único que possui a chave de acesso à caixa de distribuição. Registra o fato para as devidas providências. Era o registro.

Termos: 1. comunicante 2. agente autorizado 3. DPPA 4. alterações ilegais de instalação 6. receptação 7. fornecimento ilícitos 8. chave de acesso 9. caixa de distribuição

10. prestar esclarecimentos

Page 72: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

71

BOLETIM 14 (Tentativa de Homicídio)

O SD A, comunica que na data e hora acima, recebeu um chamado via rádio para comparecer na rua Marechal Rondon 235, local onde um indivíduo havia sido baleado. Que se dirigiu ao local acompanhado dos sargentos U e J. Segundo testemunhas não identificadas, a vítima J de 15 anos, havia sido alvo de três disparos de arma de fogo, sendo que nas paredes do corredor do prédio haviam marcas de disparos. A vítima entrou no prédio 235, onde trabalha sua avó, esta contou que ouviu o som de três disparos de arma de fogo e ao ir verificar o que acontecia, constatou que seu neto J estava ferido e caído no corredor do prédio em frente a porta do apartamento em que trabalha. Segundo testemunhas o autor dos disparos foi um tal de N, morador da VL. São João, que o meliante é famoso por inúmeros assaltados e crimes cometidos nas redondezas. A vítima foi socorrida pela ambulância do corpo de bombeiros e conduzida ao HUSM, para procedimentos cirúrgicos. Era o registro.

Termos: 1. SD 2. indivíduo 3. testemunhas não identificadas 4. arma de fogo 5. marcas de disparos 6. ferido 7. meliante 8. assaltos 9. crimes 10. vítima

11. HUSM

BOLETIM 15 ( Tentativa de Homicídio)

A comunicante compareceu nesta DPPA e registrou que por volta das 16hs e 30min de hoje, integrava a guarnição da VTR/BM 4632,juntamente com o SD RC, quando ambos foram determinados a se deslocar para o endereço supra, para atendimento de uma ocorrência de tentativa de homicídio. Chegando ao local mantiveram contato com R o qual informou ter

Page 73: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

72

socorrido ao PAM do patronato, a ex-companheira de seu irmão, a sra. A, que teria sido atingida por três disparos de arma de fogo, desferidos por R, que fugiu do local após o ocorrido.

A vítima foi encaminhada ao HUSM em estado grave. Embora o fato tenha sido presenciado por algumas testemunhas, ninguém quis ser arrolado como testemunha do ocorrido.

OBS: Cópias da ocorrência e termo de declarações para a DPCA.

Termos: 1. comunicante 2. DPPA 3. guarnição VTR/BM 4632 4. SD 5. tentativa de homicídio 6. PAM 7. disparos de arma de fogo. 8 .vítima 9. HUSM 10. testemunhas

11. termos de declarações 12. DPCA 13. testemunhas

BOLETIM 16 ( Outros Roubos)

Comparece o comunicante nesta DPPA para comunicar que no início da madrugada do último domingo, esperava um amigo no portão do prédio onde reside, quando foi abordado por dois meliantes, munidos de arma branca e, que lhe deram voz de assalto, os quais lhe roubaram o telefone celular marca simens modelo A60, habilitado na Brasil Telecom sob número (55)XXXXXXXX. Refere a vítima que tem plenas condições de reconhecer os meliantes pois, os mesmos estavam de cara limpa, um usava boné e o outro era cabeludo. Que a vítima restou lesionada, devido aos safanões dos agressores. Nada mais.

Termos: 1. comunicante 2. DPPA 3. abordado 4. meliantes 5. munidos de arma branca 6. cara limpa 7. agressores

BOLETIM 17 ( Homicídio)

Page 74: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

73

O comunicante relata que estava na parada de ônibus da Santa Marta, quando ouviu uns gritos na esquina. Compareceu ao local e, ao aproximar-se viu uma pessoa do sexo masculino esfaqueada. Foi até um orelhão e chamou a polícia. A IC compareceu ao local e verificou que a vítima que se encontrava caída na rua, já estava morta e apresentava ferimentos provocados por arma branca. Questionando vários vizinhos do local sobre o fato, ninguém soube informar o que ocorreu.

A IC constatou que a vítima apresentava 06 ferimentos, 03 no braço esquerdo, dois no abdômen e um grande nas costas, todos provocados por arma branca. Remoção do cadáver, comunicado da 2 DP. Segundo o comunicante foram realizadas buscas nas proximidades e nada fora encontrado. Era o registro.

Termos: 1. comunicante 2. esfaqueada 3. polícia 4. IC 5. vítima 6. morta 7.arma branca 8.remoção do cadáver 9. comunicado da 2ª DP

BOLETIM 18 (Outros Furtos - Consumado)

O comunicante, com o auxílio da BM, apresenta nesta DPPA o adolescente CGF, o qual foi flagrado pelas câmeras de segurança do Mercado Nacional, furtando alguns produtos comestíveis no interior do Supermercado, estavam colocados dentro de uma mochila. No serviço de monitoramento quando observou o acusado e de imediato o reconheceu como sendo o indivíduo que no último sábado esteve no supermercado e furtou diversas mercadorias. De imediato acionou a BM e quando o acusado já estava fora do supermercado a BM chegou e efetuou a abordagem do meliante. O acusado portava a mochila que no seu interior estavam as mercadorias furtadas. Após foi efetuada a condução do indivíduo, identificado como DF, que foi autuado em flagrante, sendo detido nesta DP para averiguações. Era o Registro.

Page 75: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

74

Termos: 1. comunicante 2. BM 3. flagrado 4. furtando 5. acusado 6. furtou 10. meliante 11. mercadorias furtadas 12. autuado em flagrante 13. detido 14. DP 15. averiguações

BOLETIM 19 ( Tentativa de Homicídio)

Relata a vítima, que um indivíduo conhecido por “Pila”, entrou no seu pátio e dentro, efetuou vários disparos de arma de fogo. Que a vítima, ao perceber a situação, entrou para dentro de sua residência e escutou o autor falar: “vou te matar, vou te pegar filho da puta,

seu guampudo”, Que os disparos de arma de fogo foram em direção à vítima, mas que o indivíduo não conseguiu acertar. Do autor só sabe o apelido acima. Os soldados da BM estiveram no local. Era o registro. Órgão competente: 3ª DP.

Termos: 1. vítima 2. disparos 3. arma de fogo 4. autor 5. indivíduo 6. BM 7. Era o registro. 8. órgão competente 9. 3ª DP

BOLETIM 20 ( Outros Roubos)

O comunicante comparece nesta DPPA relatando que nesta data por volta das 22hs e 30min foi vítima de *assalto*, por dois indivíduos: um de cor branca e outro de pele escura,

Page 76: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

75

sendo que o primeiro mencionado foi na direção da vítima em frente ao prédio e deu voz de assalto dizendo que passasse tudo o que tinha, exigiu dinheiro e a carteira, a qual continha a quantia de R$ 86,00, C.I.; CNH, documentos de carteira do Clube Dores, Unimed, nota fiscal de telefone. Relata que estava entrando com seu carro no prédio, que estava aguardando o portão abrir totalmente quando os meliantes o abordaram. Deram dois disparos de arma de fogo, furando dois pneus do carro e, que antes de baterem em retirada com seus pertences pessoais, o ameaçaram que não olhasse para trás, se não iriam atirar contra ele. Era o registro.

Termos: 1. comunicante 2. . vítima 3. voz de assalto 4. indivíduos 5. disparos 6. arma de fogo 7. meliantes

Após nossa segunda etapa de análise, daremos sequência ao trabalho,

evidenciado a utilização da ferramenta computacional UNITEX que serviu para a

tabulação dos termos.

4.5 Tabulação dos Termos com o Unitex

O UNITEX é uma ferramenta computacional que foi desenvolvida por

Sébastien Paumier da Universidade Marne-La-Valée (França) com o intuito de

possibilitar o tratamento de textos em língua natural utilizando recursos linguísticos.

Como o programa UNITEX permite a separação dos textos por frases e se

pode classificar cada uma das entradas lexicais em todas as possibilidades

gramaticais, este sistema permitiu-nos verificar então, as terminologias mais

recorrentes nos boletins de ocorrência analisados da PC/RS e da BM/RS; e, com

isso nos possibilitou a elaboração de tabulações que procuramos mostrar quais são

os termos mais e/ou menos recorrentes neste discurso de especialidade. Abaixo

temos um exemplo de como foi realizado o procedimento de contagem de termos de

cada BO. No caso, está sendo demonstrado a análise do BO1.

Page 77: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

76

Figura 2 - Tela do programa UNITEX demonstrando o levantamento inicial dos termos.

Após analisarmos os BOs no software Unitex, confeccionamos uma tabela

com a listagem dos termos mais recorrentes nos BOs. A tabela mostra os termos

seguidos de sua frequência em ordem decrescente. Ao todo, encontramos 26

termos considerando a frequência mínima 3.

Page 78: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

77

Quadro 2 – Listagem dos termos seguidos de sua frequência

Termos Contagem

vítimas 40

comunicante 24

agressores 23

arma 18

arma branca 12

arma de fogo 10

acusado 9

policiais 9

disparos 9

Desferidos ( disparos) 9

registro 8

indivíduo 7

testemunhas 6

lesões corporais 6

assaltos 5

medidas protetivas 5

meliantes 5

menores infratores 5

ameaças 4

crimes 4

furtos 4

golpe 4

requisições 4

apreensão 3

ocorrência 3

sangramento 3

Page 79: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

78

Aos fatos relacionados temos: os termos, o meio e o objeto em posição de

valor, pela diferença. Além disso, temos uma narrativa que vai classificando o fato

por tipo de delito, actantes principais do ambiente externo (da elaboração do BO)

em que temos como actantes: S1 comunicante e S2 escrivão, no ambiente interno

próprio da narratividade temos os sujeitos S1 vítima e S2 agressor envolvidos em

uma ação criminosa que é relatada pelo policial com o uso de uma terminologia que

evidencia sua área de especialidade. Além disso, temos uma narrativa que vai

classificando o fato por tipo de delito, o escrivão/PM que narra em 3ª pessoa o

boletim de ocorrência instaura no modo de seu saber-fazer, um discurso

especializado que se atualiza no uso, em que o foco assegura a categorização dos

fatos criminais, dos sujeitos, caracterizando os procedimentos da análise o que nos

permite confirmar sua identidade de texto técnico-jurídico, ancorado no uso de uma

terminologia policial.

Abaixo demonstramos a fins de comprovação a frequência e as regularidades

da terminologia presente na macroestrutura dos boletins de ocorrência. O que vem a

validar o uso dos termos como parte integrante da linguagem de uma área da esfera

jurídico-policial.

Cabe salientar também, que essa comunicação especializada se legitimou na

observação do corpus, o que nos mostrou algumas formas cristalizadas tanto pelos

verbos do presente da narrativa instaurados pelo policial produtor do texto, que

indica o comunicante do relato, as adjetivações dadas à vítima e ao agressor e os

verbos do pretérito perfeito do indicativo no desenrolar das ações. Exercendo a

função de fórmulas para transmitir, de forma eficaz, a informação que devem

comunicar. A eficácia a qual se prestam decorre da necessidade de embasar, com

convicção, determinadas informações que irão sustentar os argumentos através da

terminologia posta em uso pelos profissionais da área de especialidade dentro desta

esfera jurídico-policial.

Além disso, foi possível após a seleção dos termos que compõe a narrativa

dos boletins de ocorrência submetê-las aos olhares de especialistas da área que

possuem formação policial e terminológica, os quais nos auxiliaram no

reconhecimento dos termos, na compreensão dos dados levantados em nossa

pesquisa. Além disso, a partir da tabela de listagem dos termos (pág. 77), foi

possível elaborarmos um gráfico que apresenta os termos mais frequentes nos

Page 80: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

79

boletins de ocorrência com seus índices de frequência. O eixo vertical (y) indica a

contagem dos termos.

Observamos, que o termo “vítimas” é o de maior incidência aparece 40

vezes, confirmando assim como vimos pela semiótica esse como o principal actante

da narrativa, relacionado com o objeto valor: o fato criminoso em disjunção com S2

(agressor) que se opera uma transformação de estado nesse S1 (vítima) descritas

em um gênero textual que se legitima como técnico jurídico pelo uso da

terminologia empregada nesse discurso de especialidade. Conforme o gráfico

abaixo:

Figura 3 - Distribuição de frequência dos seis termos mais recorrentes nos BOs.

Page 81: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

5 CONCLUSÃO

Como foi explicitado no primeiro capítulo deste trabalho, esta pesquisa teve

por objetivo geral explicar a organização da narrativa dos boletins de ocorrência

(BO), e elencar alguns dos termos técnicos que a compõe. Os objetivos específicos

foram descrever a organização narrativa dos BOs pelo viés da semiótica

greimasiana; verificar as diferenças macroestruturais dos históricos de BOs

produzidos pela Polícia Civil e pela Brigada Militar; identificar os principais actantes

desse processo através das estruturas discursivas dos BOS, e estabelecer relações

entre a organização narrativa dos BOs e a presença de termos técnicos.

No término da pesquisa, podemos afirmar que os fatos descritos na análise

dos dados do corpus, e também na tabulação e levantamento dos termos, revelam a

realidade dessa linguagem especializada, tendo em vista que os policiais que

elaboram os textos especializados empregam termos específicos para enquadrar a

ação efetuada pelo infringente da lei, bem como os demais envolvidos, como

mostra o encadeamento da lógica narrativa. Como exemplo desses termos,

destacamos disparos, agressão, arma branca, arma de fogo e vítima. Em que pese

o fato de serem termos técnicos da área policial, não trazemos a esta pesquisa a

definição dos termos citados porque, além de não ser nosso objetivo delimitar as

definições que são atribuídas a essa terminologia, não existe estudo científico que

dê conta de repertoriar os termos empregados pela PC.

Os históricos dos BOs que foram analisados mostraram que o texto policial

inicia com verbos no presente e em 3ª pessoa, a exemplo dos excertos comunicante

relata, comparece nesta DP e apresenta nesta DPPA. Para evidenciar o acontecido

(o fato criminoso em si) são empregados verbos no pretérito perfeito do indicativo,

tais como foi vítima de, foi agredida, foi furtado, agrediu, efetuou golpe, etc.

Nos textos analisados, predomina o tempo verbal de transição entre os

mundos narrado e comentado, haja vista o escrivão ter de narrar os fatos que o

depoente está declarando, o que constitui uma narrativa. A organização dessa

narrativa, analisada pelo viés da semiótica greimasiana, mostrou que no ambiente

externo temos como actantes S1 comunicante e S2 escrivão (ou PM), e no ambiente

interno, próprio da narratividade temos os sujeitos S1 vítima e S2 agressor,

Page 82: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

81

envolvidos pelo desenrolar dos fatos narrados. A transição entre os mundos existe

porque mesmo necessitando mostrar a sua imparcialidade na elaboração do BO, o

escrivão não deixa de inserir no texto a sua competência terminológica, através do

uso de termos técnicos, uma vez que a situação do depoimento mostra, além das

declarações, o contexto do fato, contexto esse ao qual o escrivão tem acesso

quando registra o depoimento. Cabe destacar que o registro da ocorrência

corresponde ao primeiro relato do fato ocorrido, o que o torna rico em detalhes, cuja

narrativa é ímpar.

As diferenças macroestruturais que existem entre os textos produzidos pela

Polícia Civil e pela Brigada Militar foram apontadas na página 59, que mostra uma

macroestrutura diferente nos textos elaborados pela Brigada Militar pelo seguinte:

enquanto que a PC depende da presença do comunicante, na Delegacia de Polícia,

para registrar o BO, salvo os locais de crime, a BM desloca para o local onde o fato

ocorreu, ou está ocorrendo, gerando, com isso, duas versões na estrutura da

narrativa, marcadas pelas expressões versão da vítima, versão do policial, ou ainda,

versão do acusado.

Identificamos que os fatos relacionam os termos, o meio e o objeto,

considerando que o contexto especializado determina, além da macroestrutura

textual, também os termos que são empregados, tais como disparos, agressão,

arma branca e arma de fogo, e o tipo de delito cometido (lesão corporal, tentativa de

homicídio, furto, dentre outros).

O gênero textual boletim de ocorrência policial legitima o contexto

especializado e transmite o conhecimento da área de especialidade, uma vez que é

empregado visando a persecução penal, como sendo a célula embrionária da ação

penal que pode desencadear a sentença que é aplicada pelo Poder Judiciário.

Diante dos arrazoados aqui expostos, afirmamos que os objetivos propostos

foram plenamente cumpridos. Não obstante ao cumprimento do que foi proposto, a

presente pesquisa conforma uma pequena contribuição para os estudos que aliem o

princípio de observar os termos em nível de relações textuais e discursivas, e que

também considerem os sujeitos que compõem a trama dos textos jurídicos. A ciência

da linguagem possui muitas áreas, que podem focalizar a área policial, que é pouco

explorada nos estudos linguísticos em virtude do sigilo de determinados

procedimentos, conformando, assim, uma via de mão dupla, beneficiando, de um

lado, a instituição policial com pesquisas que certamente irão aprimorar o trabalho

Page 83: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

82

prestado à esfera social, e, de outro lado, contribuir para o meio acadêmico através

do estudo de uma área – policial - que começa a ser melhor entendida e

consolidada, e que, segundo Costa (2009) é definida como área especializada

jurídico-policial.

O cotejamento entre o Direito Penal e a linguística, no âmbito da terminologia

e da semiótica, denota a função social dos estudos linguísticos, a partir do momento

que estes exploram uma terminologia em textos ricos que estatuem a área

especializada na qual são empregados. A Polícia Judiciária registra todas as suas

diligencias através da escrita, por isso a máxima o que não está nos autos não está

no mundo. Sendo assim, a pesquisa ora proposta tem a possibilidade de ser

expandida para dar conta de descrever a macroestrutura de outros textos que são

produzidos por essa polícia, tais como Ordem e Relatório de Serviço, Auto de

Avaliação, Apreensão e Restituição, Relatório Final, Termo de Declaração, dentre

outros, uma vez que tudo o que a Polícia Civil produz é registrado pelo ato de

escrever, organizado cronologicamente, através de textos especializados que, em

virtude da temática, dos usuários e da função, adquirem características peculiares;

ou de pesquisar a etimologia dos termos que são empregados pela Polícia Civil, de

modo a contribuir com pesquisa que já está em fase de desenvolvimento, e que

repertoria a terminologia policial em um glossário digital.

Page 84: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

6 REFERÊNCIAS

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2008. BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis, Vozes, 1971. BEAUGRANDE,Robert- Alain de; DRESSLER, Wolfgang Ulrich. Introducción a la lingüistica del texto. Barcelona: Ariel Lingüística, 1997.347.p BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 2006. __________. Problemas de Linguística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 2006. BEVILACQUA, Cleci Regina. A fraseologia jurídico-ambiental. 1996. 148 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Bourigault, Didier / Slodzian, Monique. 1999. Pour une terminologie textuelle. Terminologies nouvelles 19, 29-32. CABRÉ, M. T. La terminología: teoria, metodologia, aplicaciones. Barcelona: Antartida/Empuries,1993. __________. Una nueva teoría de la terminología: de la denominación a la comunicación. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra.1999. p.109-126 __________. La terminología: representación y comunicación. Elementos para una teoría de base comunicativa y otros artículos. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra.1999a. __________. Terminología y modelos culturales. Barcelona: Institut Universitari de Lingüística AplicadaPompeu Fabra.1999a. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: Modos de organização. São Paulo: Contexto,2008. CIAPUSCIO, Guiomar Elena. Textos especializados y terminología. Barcelona: IULA/Universitat Pompeu Fabra, 2003b. 149 p. (Sèrie monografies, n. 6) COSTA, Maria I. P. da. Estudo preliminar da Terminologia empregada pela polícia civil do RS no boletim de ocorrência policial. Porto Alegre: 2009 Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 102 Instituto de Letras. Programa de Pós-Graduação e Letras. Mestrado em Estudos da Linguagem.

Page 85: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

84

COTTEZ, H. La place des termes techniques et scientifiques dans un dictionnaire de langue. In: CANDEL, Danielle. (ed.) Français scientifique et technique et dictionnaire de langue. Paris: Didier Érudition. p.13-26, 1994. DIJK T. A. V. Estrucuturas y funciones del discurso: una introducción interdisciplinaria a la lingüística del texto y a los estudios del discurso. 9. ed. Madrid: España, Siglo Veintiuno, 1995. 204 p. ECO, Umberto. Conceito de texto. São Paulo : T.A. Queiroz, 1984. p.4. HOFFMANN, L. Llenguatges d´especialitat. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra. Institut Universitari de Lingüística Aplicada, 1998. GAUDIN, François. (1993a) Pour une socioterminologie: des problèmes semantiques aux pratiques institutionnelles. Rouen: Publications de l´Université de Rouen. 231p. __________. (1993b) Socioterminologie: du signe au sens, construction d´um champ. Meta, v.38, .n.2. 1993. p.293-301. GOUADEC, Daniel. (1990) Terminologie: constitution des données. Paris: AFNOR. 219p. GREIMAS, A.J. A semântica estrutural. São Paulo, Cultrix, 1973. ____________. Sobre o sentido: ensaio semiótico. Petrópolis, Vozes, 1975. ____________. Semiótica do discurso científico. Da modalidade. São Paulo, DIFEL, SBPL, 1976. ____________. Semiótica e ciências sociais. São Paulo, Cultrix, 1981. ____________. Du sens II. Paris, Seuil, l983. GREIMAS, A.J. &COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo, Cultrix. 1999. KOCOUREK, Rostislav. (1996) Les textes spécialisés et la terminologie en tant qu´object de l´analyse linguistique. In: ALFA. 1994/95 v.7/8 Actes de langue française et linguistique/Symposium on French language and linguistics: Terminologie et linguistique de spécialité/ Terminology and LSP Linguistics. Université Dalhousie, Halifax, Canada. p.9-16. KRIEGER, Maria da Graça. Terminologia técnico-científica: seu papel no Mercosul. Boletim da Associação Brasileira de Lingüística. n. 24, fev. 2001. Disponível em <http://www.unb.br/abralin/index.php?id=8&boletim=24&tema=02> Acesso em: 23 maio 2010. KRIEGER, M. A interface semiótica/terminologia no dicionário jurídico-ambiental TERMISUL. In: Isquerdo, Aparecida Negri; OLIVEIRA, Ana Maria P.P. (Org). As

Page 86: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

85

ciências do léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. Campo Grande: UFMS, 1998, P.223-224. KRIEGER, M.; MACIEL, A. M. B.; FINATTO, M. J. Bocorny. Terminografia das leis do meio ambiente: princípios teórico-metodológicos. In: Temas de Terminologia. Porto Alegre/São Paulo: Universidade/UFRGS/Humanitas/USP, 2001. p.317-335. ______________; FINATTO, M. J. Introdução à Terminologia: Teoria & Prática. São Paulo: Contexto, 2004. _______________. Por que Lexicografia e Terminologia: relações textuais? Anais do VIII CELSUL. Porto Alegre: UFRGS, 2008. MACIEL, A. M. B. Para o reconhecimento da especificidade do termo jurídico. Porto Alegre: 2001 Tese de Doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 102 Instituto de Letras. Programa de Pós-Graduação e Letras. Doutorado em Estudos da Linguagem. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. PEARSON, Jennifer. Terms in Context. Amsterdam: J. Benjamins, 1998. REY, Alain. La Terminologie: noms et notions. Paris: PUF, 1979. RONDEAU, Guy. Introduction à la Terminologie. Québec: Gaëtan Mourin, 1984. SAGER, Juan C. A practical course in terminology processing. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 1990. SLODZIAN, Monique. Comment revisiter la doctrine terminologique aujourd´hui? La Banque des mots. n.7, 1995. Numéro spécial. Premières Rencontres Terminologie et Intelligence Artificielle. 2000. TEMMERMAN, Rita. (2000) Towards new ways of terminology description. Amsterdam: John Benjamins. 258p. WÜSTER, Eugen. Introducción a la teoría general de la terminología y a la lexicografía terminológica. Barcelona: IULA, Trad. Anne-Cécile Nokerman, 1998.

Page 87: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS …biblioteca.asav.org.br/vinculos/000008/00000808.pdf · teorías del texto y del discurso que va más allá de los límites de la frase

7 ANEXOS