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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL TURMA IX O CONTROLE PENAL NO TRÂNSITO: ASPECTOS DA NOVA TIPICIDADE DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO VITÓRIA DAMIANI Florianópolis, Novembro de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – TURMA IX

O CONTROLE PENAL NO TRÂNSITO:

ASPECTOS DA NOVA TIPICIDADE DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

VITÓRIA DAMIANI

Florianópolis, Novembro de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – TURMA IX

O CONTROLE PENAL NO TRÂNSITO: ASPECTOS DA NOVA TIPICIDADE DO ART. 306 DO CÓDIGO DE

TRÂNSITO BRASILEIRO

Vitória Damiani

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau em Especialista em Direito Penal e

Processual Penal.

Orientador: Profª. MSc. Márcia Aguiar Arend

Florianópolis, novembro de 2009.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, pelo milagre da vida.

Ao meu marido Fabrício, meu confidente, por

compreender a razão dos meus ―nãos‖; igualmente meu

reconhecimento e gratidão pela paciência.

Aos meus irmãos, Mariana e Ramon, pela ajuda

sempre prestada;

Aos amigos que fiz: Berenice, Cláudia, Jaqueline,

Larissa, Mônica, Natália e Vanessa, pelo companheirismo;

de alguma forma, todos contribuíram para que o tempo se

tornasse mais agradável.

À minha orientadora, Márcia, pela orientação,

amizade, apoio e incentivo em todos os momentos da

realização deste estudo.

À professora Helena, que sempre esteve pronta a

escutar e a solucionar os problemas; por ora, sou grata aos

ensinamentos metodológicos, sanáveis a qualquer

momento.

À música popular brasileira e à dança: nos

momentos tristes, só eles sabem transmitir a alegria branda

de viver e de ser brasileiro.

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ii

DEDICATÓRIA

Dedico mais esta minha conquista, a eles, que,

tornaram possível mais este sonho;

Meus pais, Emir e Salete;

de quem sou parte,

por esse amor fraterno, e constante;

meus educadores,

exemplo e referência para mim ao longo de toda

minha existência;

por toda dedicação, apoio, estímulo constante,

sacrifício sem medir esforços;

Meu reconhecimento e gratidão pela paciência,

nesta jornada da vida.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade

do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

Florianópolis, novembro de 2009.

Vitória Damiani

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PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito

Penal e Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada

pela aluna Vitória Damiani, sob o título ―O controle penal no trânsito: aspectos da

nova tipicidade do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro‖, foi submetida em

novembro de 2009 à avaliação pelo Professor Orientador e pela Coordenação do

Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal, e aprovada.

Florianópolis, novembro de 2009

MSc. Márcia Aguiar Arend Orientadora

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsica Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal

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RESUMO

O presente estudo versa sobre as alterações do Código de Trânsito

Brasileiro, trazidas pela Lei n.11.705, de 19 de junho de 2008, suas modificações

referentes à infração administrativa e, principalmente, em relação ao crime de

embriaguez ao volante, aspetos da nova tipicidade do art. 306, sua natureza

jurídica, o direito de não produzir prova contra si mesmo e, em especial, os

entraves nos meios de produção de prova, impossibilitando, por vezes, a

responsabilização civil e criminal dos que praticam acidente de trânsito.

Complementa-se a pesquisa com a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina antes e depois da nova lei.

Palavra-chave: Código de Trânsito Brasileiro; Infração Administrativa;

Crime de Embriaguez; Tipicidade; Prova; Acidente de Trânsito.

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ABSTRACT

The present study it turns on the alterations of the Code of Brazilian

Transit brought by the Law n.11.705, of 19 of June of 2008, its modifications

referring to administrative infraction e, mainly, in relation to the crime of

drunkeness to the projection, aspetos of the new vagueness doctrine of art. 306,

its legal nature, the right not to produce test against itself e exactly, in special, the

impediments in the means of production of test, disabling, for times, the civil and

criminal responsabilização the ones that practise traffic accident. It is

complemented before research with the jurisprudence of the Court of Justice of

Santa Catarina and after the new law.

Keyword: Brazilian Traffic Code, Administrative Infractions; Crime and

drunkenness; typicality; evidence traffic accident.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

CRFB - Constituição da República Federativa do Brasil

CP - Código Penal

CPP - Código Processo Penal

CTB - Código de Trânsito Brasileiro

LCP - Lei de Contravenções Penais

ART. - Artigo

ARTS. - Artigos

INC. - Inciso

§ - Parágrafo

TAS - Taxa Álcool no Sangue

CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

1 TEORIA DO DELITO ....................................................................... 4

1.1 CONCEITO DE DELITO ............................................................... 4

1.1.1 CONCEITO DA ESCOLA CLÁSSICA ........................................................... 6

1.1.2 CONCEITO DA ESCOLA NEOCLÁSSICA ................................................... 7

1.1.3 CONCEITO DA ESCOLA FINALISTA........................................................... 8

1.2. FATO TÍPICO .............................................................................. 9

1.2.1 CONDUTA ................................................................................................... 10

1.2.1.1 TEORIA CAUSAL – CLÁSSICA DA AÇÃO ......................................................... 11

1.2.1.2 - TEORIA FINALISTA DA AÇÃO ....................................................................... 12

1.2.1.3 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO .............................................................................. 14

1.2.2 RESULTADO ............................................................................................... 15

1.2.3 NEXO CAUSAL ........................................................................................... 18

1.2.4 TIPICIDADE ................................................................................................. 22

2 NOÇÕES DE TRÂNSITO .............................................................. 25

2.1 LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO ................................................... 26

2.2 DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA ............................................ 27

2.2.1 DO ART. 165 DO CTB ................................................................................. 27

2.2.2 DO ART. 277 DO CTB ................................................................................. 29

2.3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ........................... 34

2.3.1 DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ......................... 35

2.3.2 EXAMES DE ALCOOLEMIA E TESTE DO BAFÔMETRO ......................... 38

2.3.3 DA NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE .............................................................................................................................. 41

3 PERFIL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA NO JULGAMENTO DOS CRIMES DE EMBRIAGUEZ NO TRÂNSITO..........................................................................................45 3.1 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS ........................................... 45

3.1.1 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2007.012824-4, DE 30/01/2009 – BRUSQUE. RELATOR: DES. SOLON D'EÇA NEVES. .......................................................... 45

3.1.2 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2008.073958-3, DE 20/10/2009 – CHAPECÓ. RELATORA: DESA. MARLI MOSIMANN VARGAS. ........................................... 48

3.1.3 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2009.040788-5, DE 20/10/2009 – BLUMENAU. RELATORA: DESA. SALETE SILVA SOMMARIVA ........................................... 53

3.1.4 HABEAS CORPUS N. 2008.058052-6, DE 06/11/2008 – BALNEÁRIO CAMBORIU. RELATOR: DES. SÉRGIO PALADINO. ......................................... 58

3.1.5 HABEAS CORPUS N. 2009.021970-9, DE 29/06/2009 – CAPITAL. RELATORA: DES. MARLI MOSIMANN VARGAS. ............................................. 60

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3.1.6 HABEAS CORPUS N. 2009.043506-6, DE 15/09/2009 – CAPITAL. RELATOR: DES. NEWTON VARELLA JÚNIOR. ................................................ 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 68

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 73

ANEXOS........................................................................................... 80

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objetivo analisar o Novo Código de

Trânsito Brasileiro, alterado recentemente pela Lei n. 11.705/2008, conhecida

vulgarmente como ―Lei Seca‖. Dentre as mudanças feitas pela lei, analisar-se-ão

a configuração da infração administrativa e, em especial, o crime de embriaguez

ao volante. Aprofundar-se-á o estudo na tipificação do crime de embriaguez ao

volante, descrito no art. 306 da referida lei, e nas condicionantes empregadas

para a obtenção de provas.

O principal objetivo da nova Norma é diminuir os elevados índices de

mortes nas estradas e vias urbanas brasileiras, causados por motoristas

imprudentes, em sua maioria, alcoolizados. A nova lei implantou novos conceitos

entre infração administrativa e penal.

A nova lei objetiva investigar se a exigência do tipo penal de 6 decigramas

de álcool por litro de sangue tem aptidão para apurar o controle penal sobre os

condutores de veículos automotores que dirigem embriagados.

Os problemas advindos da violência no trânsito têm se tornado

crescentes e assustadores, com pesadas consequências na ordem social e

econômica do país. Segundo pesquisas publicadas pelo DENATRAN,

anualmente, ocorrem mais de 350 mil acidentes nas ruas e estradas brasileiras

com um saldo sinistro: 33 mil mortos e mais de 400 mil feridos. A violência no

trânsito é a segunda maior causa de mortes por fatores externos no Brasil,

perdendo apenas para o homicídio. As estatísticas mostram que nos acidentes,

com vítimas fatais ou não, há um elevado percentual de motoristas embriagados

envolvidos – mais de 70% –, razão por que se levantaram muitos estudos com o

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propósito de se chegar a uma solução capaz de amenizar esse grave fator de

acidentes e de tragédias no trânsito brasileiro.

Diante dos elevados e crescentes índices de acidente de trânsito nas

rodovias e estradas do Brasil, o legislador levantou propositura de leis mais

rígidas que pudessem conter esse alarmante nível.

No Capítulo 1 deste trabalho, estudar-se-á a teoria do delito, nele contida

a evolução dos conceitos de crime, conforme o conceito clássico, neoclássico e

finalista. A partir do conceito de delito, abordar-se-ão os elementos descritos no

fato típico, entre eles, a conduta, subdividida em teoria causal ou teoria clássica

da ação,como também é conhecida, teoria finalista da ação e teoria social da

ação; posterior à conduta do agente, observar-se-ão o seu resultado e qual a

causa que levou a esse resultado, o chamado nexo causal, para daí, então, com

maior louvor, enquadrar esse fato com o tipo descrito na norma penal,

procedimento chamado de tipicidade.

No Capítulo 2, discorrer-se-á sobre o trânsito, destacando-se alguns

dados referentes aos acidentes de trânsito. Será apresentada a legislação de

trânsito atual e suas inovações cuja abrangência estende-se do âmbito

administrativo até a esfera penal. Cuidará da infração administrativa, do uso do

poder de polícia pelo Estado no momento da fiscalização, da aplicação de

penalidades administrativas e das provas admitidas. Posteriormente, será

estudado o crime de embriaguez ao volante, do direito de não produzir prova

contra si mesmo, bem como sua natureza jurídica.

O crime definido pelo art. 306 do CTB descreve que, para configurar o

tipo penal descrito, exigem-se 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue,

que equivalem a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões;

imprescindível, então, para a configuração do crime, que exista essa

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concentração alcoólica no sangue do condutor. Menos de seis decigramas de

álcool torna a conduta atípica, ou seja, não há crime.

Dessa forma e, para precisar com rigor a quantidade de álcool

metabolizado no sangue, faz-se necessário o teste de alcoolemia (medida pela

dosagem sanguínea) e ou pelo etilômetro, vulgarmente conhecido como

bafômetro, que mede a concentração de álcool alveolar encontrado nos pulmões.

Finalmente, no Capítulo 3, será traçado um perfil do entendimento do

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina em relação ao julgamento dos

crimes de embriaguez no trânsito, relacionam-se alguns casos concretos de

julgados pelos juízes do Estado de Santa Catarina e seus recursos ao Tribunal.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o controle penal no

trânsito.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação e Redação, será utilizado o Método Dedutivo e serão acionadas as

Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica, Jurisprudencial e do Fichamento.

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1 TEORIA DO DELITO

A Teoria do Delito é a ciência do Direito Penal que se dispõe a explicar o

que vem a ser delito e quais características em cada caso concreto1.

Neste capítulo, analisar-se-ão os conceitos da teoria do delito, com o fim

de, posteriormente, identificar-se a tipicidade do crime de embriaguez ao volante.

1.1 CONCEITO DE DELITO

O Brasil, doutrinariamente, adota de uma forma genérica o termo infração,

abrangendo crimes, delitos e contravenções. O Código Penal2 (CP) usa as

expressões infração, crime e contravenção. Não há distinção entre crime e delito,

ou seja, tais expressões são empregadas como sinônimas.

O doutrinador Luiz Regis Prado3 explica que o Direito Penal Brasileiro

acolhe a divisão bipartida das infrações penais em crime ou delito e contravenção.

A diferença entre elas existe em relação à gravidade da conduta, a pena. Os

crimes ou delitos são punidos com penas privativas de liberdade, restritivas de

direitos e de multa conforme art. 32, CP, ―Art. 32 - As penas são: I - privativas de

1 ZAFFARONI, E.R.l; PIERANGELLI, J.H. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 366.

2 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 abril 2007.

3 PRADO, L.R. Curso de direito penal brasileiro. Vol. 1: parte geral: arts. 1º a 120. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 238.

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liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa‖; a contravenção é sancionada

com prisão simples e multa, descritas no art. 5º, Dec.-lei 3.688/1941 – Lei de

Contravenções Penais4 ―Art. 5º As penas principais são: I – prisão simples. II –

multa‖.

Crime é o nome que se dá a uma conduta proibida, prevista no Código

Penal e em leis específicas.

A definição legal de crime é dada pela Lei de Introdução ao Código Penal,

em seu art.1º, que refere quais as penas correspondem ao crime e quais à

contravenção penal:

Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. alternativa ou cumulativamente.5 (Grifou-se).

A legislação brasileira não apresenta conceito de crime. Destacam-se

algumas definições doutrinárias de crime sob os aspectos material, formal ou

analítico:

Conceito Material: busca esclarecer o conceito, o porquê de determinado

ato ser considerado crime e outro não.6

4 BRASIL. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei de Contravenções Penais. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 10 abril 2007.

5 BRASIL. Decreto-lei nº 3.914 de 9 de dezembro de 1941. Lei de introdução do Código Penal. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 09 dez. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3914.htm> Acesso em 17 março 2007.

6 CAPEZ, F. Curso de direito penal. Vol. 4. São Paulo. Saraiva, 2006. p. 112.

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Conceito Formal: para Maggiore, ―Crime é qualquer ação legalmente

punível‖7. Por sua vez, Teles afirma que crime é a conduta humana proibida por

lei8.

Portanto, os conceitos acima apresentados não extraem o essencial de

uma combinação de conceitos, para que se possa, com firmeza, diante de um

fato, dizer se é ou não considerado crime.9

Conceito Analítico: busca estabelecer os elementos estruturais do crime,

ou seja, a infração penal cometida e o seu autor.10

A estrutura do conceito de crime sofre relevantes modificações ao longo

de sua evolução com o surgimento de novas Teorias, as quais se passam a

expor.

1.1.1 CONCEITO DA ESCOLA CLÁSSICA

Concebida por Franz von Liszt e Ernest von Beling, a Escola Clássica

dominou todo o século XIX, fortemente influenciada pelo positivismo jurídico.11

Para a teoria clássica, crime ou delito era representado por um

movimento corporal (ação), produzindo uma modificação no mundo exterior

7 MAGGIORE, G. apud MIRABETE, J.F. Manual de direito penal. Vol. 1: parte Geral,

arts.1 a 120 do CP. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 95.

8 TELES, N.M. Direito penal: parte geral. Vol.1: arts. 1º a 120. São Paulo: Atlas, 2004. p.152.

9 Idem, Ibidem, p. 154.

10 CAPEZ, F. op. cit., p. 112.

11 Idem, Ibidem, p. 113.

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(resultado). ―Este conceito de ação vinculava a conduta ao resultado através do

nexo de causalidade‖ 12.

Segundo Fernando Capez13, para os defensores dessa teoria, é

desnecessário saber se, para a caracterização de um fato típico, há quem

pertença à culpabilidade sediada pelo dolo e a culpa; nesse sentido:

[...] crime só pode ser fato típico, ilícito (anitjurídico) e culpável, uma vez que, sendo o dolo e a culpa imprescindível para a sua existência e estando ambos na culpabilidade, por óbvio esta última se torna[va] necessária para integrar o conceito de infração penal.

BITENCOURT classifica a teoria causal em quatro elementos estruturais:

a) Ação – conceito objetivo que tinha origem na vontade, embora não se

preocupasse com o seu conteúdo, mas somente com a causação do resultado

externo. b)Tipicidade – tipo e tipicidade eram caráter externo da ação,

compreendendo somente os aspectos objetivos do fato descrito na lei. c)

Antijuridicidade – também elemento objetivo; cometido um fato típico, presume-se

que seja antijurídico; enfim, é um juízo valorativo puramente formal: basta a

comprovação de que a conduta é típica e de que não concorre nenhuma causa de

justificação. d) Culpabilidade – era a parte subjetiva do crime; limitava-se a

comprovar o vínculo entre o autor e o fato; a diversidade de intensidade desse

nexo psicológico faz surgir as formas de culpabilidade, dolosa e culposa.14

1.1.2 CONCEITO DA ESCOLA NEOCLÁSSICA

12

BITENCOURT, C.R. Manual de direito penal: parte geral. Vol.1. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 137.

13 CAPEZ, F. op.cit., p. 113.

14 BITENCOURT, C.R. op.cit., p.138.

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Torna-se imprescindível salientar que é o doutrinador Cezar Roberto

Bitencourt15 que traz particularmente esse conceito. Identifica algumas alterações,

sem abandonar completamente os princípios fundamentais, justificando, dessa

forma, a denominação de conceito neoclássico.

Caracterizou-se pela reformulação do conceito de ação, ou seja, nova

atribuição à função do tipo, à transformação material da antijuridicidade e à

redefinição de culpabilidade, sem alterar, contudo, o conceito de crime, como

sendo a ação típica, antijurídica e culpável.16

1.1.3 CONCEITO DA ESCOLA FINALISTA

O finalismo de Welzel, a partir dos anos trinta, procurou trazer a ação

humana ao conceito central da teoria do delito. Descobriram-se, então, inúmeras

consequências, dentre as quais se pode destacar: a distinção entre tipos dolosos

e culposos.

Welzel deixou claro que, para ele, o crime só estará completo com a

presença da culpabilidade. Dessa forma, para o finalismo, crime continua sendo a

ação típica, antijurídica e culpável.17

15 Idem, Ibidem, p. 139.

16 Idem, Ibidem, p. 140.

17 Idem, Ibidem, p. 140 e 141.

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Capez18 conclui que, ―[...] a partir do finalismo, não há como continuar

sustentando que crime é fato típico, antijurídico e culpável, pois a culpabilidade

não tem mais nada que interessa ao conceito de crime‖.

E, continua:

a) quando o fato é atípico, não existe crime (―Não há crime sem lei

anterior que o defina‖ – art. 1º do CP);

b) quando a ilicitude é excluída, não existe crime (―Não há crime

quando o agente pratica o fato‖ – art. 23 e incisos do CP). Isto é

claro sinal de que o fato típico e a ilicitude são seus elementos.

Agora, quando a culpabilidade é excluída, nosso Código emprega

terminologia diversa: ―É isento de pena o agente que ...‖ (art. 26

caput, CP). Por todos esses motivos entendemos correta a

concepção bipartida.

Por todo o exposto, o conceito analítico de crime será amplamente

analisado nos capítulos seguintes.

1.2. FATO TÍPICO

Fato típico ocorre quando o comportamento humano constitui todos os

seus elementos, contidos na lei penal.

Não basta o comportamento do agente (conduta); dever-se-á verificar o

resultado da conduta, mas, entre a ação e o resultado, surge o terceiro elemento,

o nexo causal, pois existe uma relação de causalidade entre a conduta do agente

18 CAPEZ, F. op.cit., p. 113 e 114.

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e o resultado alcançado. Por fim, tem-se a tipicidade, que é a adequação da

conduta e o resultado da definição legal do delito.19 (grifou-se)

Faltando um dos elementos do fato típico, a conduta passa a constituir um

indiferente penal. É um fato atípico.

1.2.1 CONDUTA

Diversas são as teorias para conceituar conduta. O tema reveste-se de

importância, pois é do conceito de conduta adotado que vão decorrer profundas e

diversas consequências para as questões penais.

Damásio de Jesus20 conceitua conduta como sendo ―a ação ou omissão

humana consciente e dirigida à determinada finalidade‖.

Verificaremos que há várias teorias a respeito da conduta, sendo as

principais: teoria clássica (causal), teoria finalista e teoria social da ação.

19 SILVA, J. G. da. Teoria do Crime: história do direito penal, a lei penal, teoria do crime. 2. ed. rev. e atual. Campinas - SP: Millennium, 2002. p. 140.

20 JESUS, D. E. de. Direito penal: parte geral. 1º volume. 28ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 225.

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1.2.1.1 Teoria Causal – Clássica da ação

O conceito causal da ação foi elaborado por Franz von Liszt e Ernest von

Beling, no final do século XIX, influenciados pelo pensamento científico-natural na

Ciência do Direito Penal.21

Beling22 caracterizava a conduta nos seguintes termos:

Deve-se entender por ação um comportamento corporal (fase externa, objetiva da ação), produzido pelo domínio sobre o corpo (liberdade de enervação muscular, voluntariedade), (fase interna, subjetiva da ação); isto é, um comportamento corporal voluntário, consistente em um fazer (ação positiva, isto é, um movimento corporal) ou em um não fazer (omissão), ou seja, distensão de músculos.

Para os causalistas a manifestação da vontade do agente, o resultado e a

relação de causalidade são os três elementos que compõem o conceito de ação,

não importa o conteúdo da vontade do agente, essa não é uma questão para ser

discutida na conduta do fato típico, pois é deslocada para a culpabilidade (dolo ou

culpa).

Portanto, o crime para a teoria causal é assim estruturado conforme

Zafaroni23:

1) Fato típico: composto pelos elementos de conduta (sem interessar a

finalidade do agente), resultado, nexo causal e tipicidade.

21

BITENCOURT, C.R. op.cit., p. 151.

22 BELING Apud ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J. H. op.cit., p. 401.

23 ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J.H. op.cit., p 376 e 377.

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2) Antijuridicidade: presume-se ser antijurídico, salvo se existir alguma

causa excludente de ilicitudes previstas em lei.

3) Culpabilidade: caracteriza-se pelos seguintes elementos:

imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e dolo e culpa.

A Teoria Causal da ação era adotada pela antiga parte geral do Código

Penal.

1.2.1.2 - Teoria Finalista da ação

Hans Welzel foi o mais extremado criador e precursor da teoria finalista

da ação24.

Como o próprio nome descreve, espera-se da conduta humana uma

finalidade; a conduta é uma atividade final humana e não um simples

comportamento causal25.

Welzel26, opondo-se ao conceito causal da ação, que separa a vontade de

seu conteúdo, criou o conceito finalista da ação:

24

JESUS, D.E. de. op.cit., p. 233.

25 MIRABETE, J.F. Manual de direito penal: parte geral. Vol.1: arts.1º a 120 do CP. 21. São Paulo: Atlas, 2003. p. 102.

26 WELZEL apud BITENCOURT, C.R. op.cit., p. 154.

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ação humana é exercício de atividade final. A ação é, portanto, um acontecer ‘final’ e não puramente ‘causal’. A ‘finalidade’ ou o caráter final da ação baseia-se em que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua conduta. Em razão de seu saber causal prévio pode dirigir os diferentes atos de sua atividade de tal forma que oriente o acontecer causal exterior a um fim e assim o determine finalmente.

Percebe-se, portanto, que a conduta é o comportamento humano

voluntário e consciente (doloso ou culposo) dirigido a uma finalidade. Assim, dolo

e culpa fazem parte da conduta, elemento do fato típico.

No crime doloso, a finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito. No crime culposo, o fim da conduta não está dirigido ao resultado lesivo, mas o agente é autor de fato típico por não ter empregado em seu comportamento cuidados necessários para evitar o evento.27

Pode-se dizer, então, que o dolo e a culpa que integravam a culpabilidade

na teoria causal da ação, passam a compor o primeiro requisito do fato típico – a

conduta; assim a culpabilidade, por conseqüência, passa a ser pressuposto para

a aplicação da pena.

A conclusão indiscutível é de que somente analisando o conteúdo da vontade é que se pode afirmar a realização de um tipo legal de crime, já que a finalidade é parte integrante da conduta, dela inseparável. Essa é a essência do finalismo.28

Pelo exposto, conclui-se que o crime para a teoria finalista é um fato típico

e antijurídico, Zafaroni29 assim explica:

1) Fato típico: que compõe os elementos, conduta dolosa ou culposa,

resultado, nexo causal e tipicidade.

27

MIRABETE, J. op.cit., p. 103.

28 TELES, N.M. op.cit., p.170.

29 ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J.H. op.cit., p. 379.

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2) Antijuridicidade: presume-se ser antijurídico, salvo se contiver causas

excludentes de ilicitudes previstas na lei. Não houve modificação em relação à

teoria clássica.

3) Culpabilidade como pressuposto da aplicação da pena possui os

seguintes elementos: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial

consciência da ilicitude.

Para o Código Penal Brasileiro doutrina-se essa teoria.

1.2.1.3 Teoria social da ação

Os estudiosos do Direito Penal, como Jeschek e Wessels, entenderam

que o finalismo de Welzel seria insuficiente para conceituar conduta, e visando

suplantar essa teoria, agregou-se um elemento ao conceito, qual seja, a

relevância social.

Segundo essa teoria, para se verificar a tipicidade de uma conduta é

indispensável conhecer não apenas seus aspectos causais e finalísticos, mas

também sua nota social. Seria relevante do ponto de vista social a conduta que

fosse capaz de afetar o relacionamento do indivíduo com o meio social.30

Assim, pode-se considerar que essa teoria equipara-se à causal, pois dá

importância ao desvalor do resultado, pois se a ação é a causação de um

30

TELES, N.M. op.cit., p.170.

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resultado socialmente relevante, então, não há diferença entre conduta de

homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, já que o resultado é

idêntico nos dois casos. A diferença será feita não na ação ou no fato típico, mas

na culpabilidade. Por esses motivos, essa teoria foi repudiada pela doutrina

penal.31

MIRABETE completa afirmando que:

[...] as críticas feitas a essa teoria residem na dificuldade de conceituar-se o que seja relevância social da conduta, pois tal exigiria um juízo de valor ético. Tratar-se-ia de um critério vago e impreciso que, inclusive, influiria nos limites da antijuridiciade, tornando também indeterminada a tipicidade.32

Vê-se, portanto, que a teoria social da ação ficou em desuso, pois faz

com que condutas socialmente aceitas constituam irrelevantes penais, o que, em

última análise, significa a revogação de uma lei penal por um costume social.

1.2.2 RESULTADO

A palavra resultado deriva do latim resultare (voltar para trás, repercutir).

O termo vulgarmente é entendido como o efeito ou consequência de algum fato

31 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 233.

32 MIRABETE, J. op.cit., p. 103 e 104.

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ou ato. O resultado exprime, pois, a própria decisão pela qual se põe fim ou termo

à pendência ou à questão.33

Para Capez34, resultado é a modificação do mundo exterior provocada

pela conduta do agente. Assim, complementa Mirabete35, não basta a conduta

para que o crime exista, tem que haver o segundo elemento do fato típico, o

resultado.

Damásio de Jesus36 explica que é comum o emprego de resultado como

sinônimo de evento, embora institutos distintos. Evento é qualquer acontecimento;

resultado é a consequência da conduta.

A doutrina procura esclarecer o que vem a ser resultado a partir de duas

teorias: a teoria naturalista e a teoria jurídica ou normativa.

Para a teoria naturalística, resultado é a modificação que a conduta

ocasiona no mundo exterior provocada pela ação ou omissão. Para essa teoria,

há crime sem resultado.37

Para Teles38:

Segundo essa teoria, o resultado é a modificação do mundo externo produzida pela conduta, positiva ou negativa, do agente. É uma entidade natural. No homicídio, o resultado é a morte da vítima. No furto, a mudança da posse da coisa subtraída. É uma consequência física, material, do comportamento do agente.

33 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 716.

34 CAPEZ, F.op.cit., 154.

35 MIRABETE, J. op.cit., p. 110.

36 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 243.

37 Idem, Ibidem, p. 244.

38 TELES, N.M. op.cit., p. 195.

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Por essa teoria, existem crimes que têm e crimes que não têm

resultado, como na violação de domicílio, definida no art.150 o

Código Penal, assim: ‗entrar ou permanecer, clandestinamente ou

astuciosamente, ou contra a vontade expressa de quem e direito,

em casa alheia ou em suas dependências.

Como se verifica, esse tipo descreve pura e simplesmente uma

conduta que não produz qualquer consequência natural. Tal crime

se consuma com a simples atitude do agente, entrando em casa

alheia, ou, depois de ter entrado, nela permanecendo.

Capez39 ainda classifica de acordo com o resultado: crimes materiais,

formais e de mera conduta.

Crime material é aquele cuja consumação só ocorre com a produção do

resultado naturalístico, como o homicídio, que só se consuma com a morte.

Crime Formal é o que se consuma independentemente da produção do

resultado naturalístico, como a extorsão mediante sequestro, que se exaure com

a exigência do resgate, sendo irrelevante seu recebimento, ou seja, é irrelevante,

embora possível.

Crime de mera conduta é aquele que não admite em hipótese alguma

resultado naturalístico, como a desobediência que não produz nenhuma alteração

no mundo concreto.

Para a teoria Jurídica ou Normativa, resultado é o efeito que o crime

produz na norma penal, ou seja, é a lesão ou perigo de lesão de um interesse

protegido pela lei. Para os normativistas, resultado é o elemento do delito; para

39 CAPEZ, F. op.cit., p. 154.

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essa teoria, não há crime sem resultado, pois, constituiria conduta irrelevante para

o direito penal.40

Nesse sentido, Telles41 dispõe:

Sempre, num fato típico, independentemente da modificação do mundo externo, um bem jurídico é lesionado ou exposto a perigo. De consequência, todos os crimes têm resultado, pois em todos eles haverá sempre uma lesão ou um perigo de lesão de um bem jurídico.

Dessa forma, resultado consiste na modificação do mundo exterior

causada pela conduta e pode apresentar-se sob diversas formas. Os efeitos

podem ser físicos, como a destruição de um objeto no crime de dano (art.163

CP); fisiológicos, assim como a morte (art.121 do CP), ou a perda de um membro

nas lesões corporais (art.129 §2º, III do CP); psicológico, como a injúria e a

difamação (art.140 e 139 do CP). Em todos os casos, consiste de uma

consequência natural da conduta humana, distinta dessa e relevante para o

Direito, no descrever da tipicidade42.

Certo de que houve uma conduta, na qual se obteve um resultado, essa

ligação corresponde ao 3º elemento, o nexo causal, que passaremos a focar.

1.2.3 NEXO CAUSAL

40 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 244.

41 TELES, N.M. op.cit., p. 195.

42 JESUS, D.E. de. op.cit.,p. 246.

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Dentre os elementos constitutivos do crime, o nexo causal existe para

observarmos a relação de causalidade entre a conduta do agente e o resultado

alcançado; é imprescindível que exista relação de causa e efeito, a fim de que se

possa atribuí-lo ao agente da conduta. Certo de que não se pode atribuir ou

imputar a alguém a responsabilidade por algo que não produziu, a conduta deve

ser causa do resultado; esse, a sua consequência.43

TELLES44 oferece alguns exemplos:

Nem sempre, todavia, entre conduta e resultado existe relação de causa e efeito tão simples e claramente verificável. Basta pensar algumas hipóteses:

a)Sílvio atira no peito de Armando, que, minutos após ser socorrido, é atingido por outro disparo na cabeça, efetuado por Alexandre – que nem conhece Sílvio, nem sabia de sua conduta -, falecendo em seguida;

b) Mário dispara contra Celso que, ao sair em direção ao hospital, é atingido por uma viga do telhado que desaba, matando-o;

c)Sinval atira contra Marcos, que, após socorrido e levado ao hospital, recebe, ali, da enfermeira, uma dose excessiva do medicamento receitado, morrendo por isso;

d) Luís atinge, com um tiro de revólver, Carlos, que, levado ao hospital, é tratado e contraí, dias depois, pneumonia, vindo a morrer algum tempo depois.

Nessas situações, podem restar dúvidas sobre a quem atribuir o resultado, e até onde responsabilizar o agente da conduta. A relação de causalidade é um dos temas mais interessantes do Direito Penal por isso merece atenção toda especial.

A doutrina aponta três teorias a respeito da relação de causalidade, a

saber:

43 TELES, N.M. op.cit., p. 197 e 198.

44 Idem, Ibidem.

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a) teoria da equivalência dos antecedentes causais: também conhecida

como conditio sine qua non, causa é a condição sem a qual o resultado não teria

ocorrido. Todo efeito ou resultado é produto de uma série de condições

equivalentes do ponto de vista causal – tudo que ocorre para o resultado é causa

dele. Para saber se um antecedente foi causa do resultado, deve-se procurar

eliminá-lo mentalmente – método indutivo hipotético de eliminação –, verificando

se o resultado, sem ele, teria acontecido.45

O nosso Código Penal, para resolver a questão do nexo de causalidade,

adotou essa teoria46.

Reza o art. 13, caput do Código Penal:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Grifou-se)

Telles47 explica que ―causa é toda a condição do resultado, e todos os

antecedentes causais indispensáveis à sua produção são equivalentes, não existe

qualquer distinção entre causa, concausa, condição, ocasião‖.

Pode-se, assim, apontar que tudo o que contribuir para o resultado deve

ser considerado sua causa, seja uma conduta humana, seja um fator natural.

b) teoria da superveniência de causa independente: encontra-se aqui a

exceção, prevista no o art. 13, § 1º do Código Penal, após a conduta do agente,

pode ocorrer outra causa que venha a interpor-se no curso do processo causal,

45 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: doutrina, jurisprudência selecionada, leitura indicada. 2.ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 79.

46 JESUS, D.E. op.cit., p. 247.

47 TELES, N.M. op.cit., p. 198.

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alterando seu rumo e levando à produção do resultado por sua própria

eficiência48.

Prevê, porém, o art. 13, § 1º do Código Penal:

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Telles49 traz um exemplo:

A vítima, após sofrer ferimentos por golpes de faca, é socorrida e colocada dentro de uma ambulância, que, no caminho, vem a ser abalroada por um ônibus, abrindo-se a porta traseira, e, com o choque, arremessada para fora do veículo a maca e com ela o corpo da vítima, que se choca com o asfalto, vindo a vítima a morrer por traumatismo crânio-encefálico.

Antes que concluísse o processo causal com a conduta do agente, uma

nova causa a ele se interpôs, cortando seu fluxo, e levou, por si só, ao resultado

morte. 50

c) teoria da relevância da omissão: ―Considera-se causa a ação ou a

omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido‖ (CP, art.13, segunda parte) ―51.

―Não é a simples omissão que produz um resultado, mas a omissão ilegal, que é

o agente não haver cumprido um dever legal‖.52

Prevê, o art. 13, §2º do Código Penal:

48 JESUS, D.E. de. op.cit., p. 253.

49 TELES, N.M. op.cit., p. 200.

50 Idem, Ibidem.

51 DOTTI, Renê Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.316.

52 SILVA, J.G. op.cit., p.163.

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§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Aduz o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt53:

Na verdade, o sujeito não o causou, mas como não o impediu é equiparado ao verdadeiro causador do resultado. Portanto, na omissão não há o nexo de causalidade, há o nexo de ‗não-impedimento’. A omissão relaciona-se com o resultado pelo seu não-impedimento e não pela sua causação. E esse não-impedimento é erigido pelo Direito à condição de causa, isto é, como se fosse a causa real. Dessa forma, determina-se a imputação objetiva do fato.

Percebe-se, portanto, que a relação de causalidade é composta entre o

comportamento humano e o resultado; cuida-se em estabelecer quando o

resultado é imputável ao agente da conduta, sem a intervenção de outra ação

superveniente, ou a omissão relevante à causalidade.

1.2.4 TIPICIDADE

53 BITENCOURT, C.R. op.cit., p. 188.

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Como último elemento que compõe o fato típico, a tipicidade é o

enquadramento do fato com o tipo, ou ainda a exata descrição na norma penal.

Para Zaffaroni54, não se deve confundir o tipo com a tipicidade. O tipo é a

fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. A tipicidade

é a característica que tem uma conduta em estar adequada ao tipo penal, ou seja,

individualizada como proibida por um tipo penal.

‘Tipo’ é a fórmula legal que diz ‗matar alguém‘ (está no CP); tipicidade é a característica de adequação ao tipo que possui a conduta de um sujeito ‗A‘ que dispara cinco tiros contra ‗B‘, causando-lhe a morte (está na realidade). A conduta ‗A‘, por apresentar a característica de tipicidade, dizemos que é uma conduta ‗típica‘.55

Para Capez56:

Tipicidade é a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência de ambos.

Para que a conduta do agente seja considerada crime, é necessário que

dela se possa, inicialmente, afirmar a tipicidade, isto é, que tal conduta se ajuste a

um tipo legal de crime; caso esse não se empregue em nenhum tipo penal, será

considerado atípico57.

54 ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J.H. op.cit., p. 422.

55 Idem, Ibidem, p. 422 e 423.

56 CAPEZ, F. op.cit., p. 166.

57 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 125.

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A tipicidade pode ser direta e indireta. Direta é a facilmente verificável

quando o crime é consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua

definição legal, conforme o preceito do art. 14, I, do Código Penal Brasileiro. E a

indireta ocorre nos casos de tentativa de crimes – quando alguém tenta realizar

um tipo e não consegue alcançar a sua consumação - e no concurso de pessoas

– quando mais de uma pessoa colabora para a realização de um só tipo. Tal

conceito deve-se ao fato de que nesses casos a verificação da tipicidade só é

possível de forma indireta.

O Código de Trânsito Brasileiro foi alterado com a lei 11.705/200858, que

traz algumas modificações, no que diz respeito ao artigo 306 do CTB, a tipificação

passou a exigir a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6

(seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa

que determine dependência.

Observa-se, então, que, menos de 6 (seis) decigramas da substância

torna a conduta atípica, ou seja, não há crime.

Estudaremos as alterações advindas com a nova lei, no que concerne à

embriaguez no trânsito, que serão analisadas individualmente no capítulo

segundo desta pesquisa.

58 Lei nº 11.705, de 19 de Junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de

1997, que ‗institui o Código de Trânsito Brasileiro‘, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm>. Acesso em 20 setembro 2009.

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2 NOÇÕES DE TRÂNSITO

O automóvel surgiu na sociedade contemporânea pela necessidade de

usufruir de uma rápida condução de transporte e de comunicação, entre os

habitantes, pois é certo que os veículos automotores facilitam a vida das pessoas,

geram riquezas, caracterizando prestígio social e prazer a quem os possui ou

dirige59.

Observa-se o dado abaixo extraído do DETRAN60 de Santa Catarina:

A cada ano, o Brasil contabiliza 750 mil acidentes, 27 mil brasileiros mortos e mais de 400 mil com lesões permanentes nas estradas e vias urbanas do País. O trânsito brasileiro corresponde a uma guerra do Vietnã a cada dois anos ( 50 mil mortos), ou à queda de um Boeing a cada dois dias. É como se aquela tragédia do Folkker que caiu em São Paulo acontecesse de três a quatro vezes por semana.

O professor Edmundo José de Bastos Júnior61 diz que:

Em nosso país o trânsito vem assumindo características de verdadeira calamidade pública, pela quantidade de mortos e feridos e de danos materiais que provoca.

Há, por isso, movimento em favor da elaboração de leis especiais e mais rigorosas para tratar dos denominados delitos do automóvel.

59 ARAGÃO, R.F. Acidentes de Trânsito: Aspectos técnicos e jurídicos. Sagra Luzzato, 1999. p.11.

60 Perguntas e respostas sobre o Código de Trânsito Brasileiro. Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina – DETRAN / SC. Disponível em: <http://www.detran.sc.gov.br/educacao/educacao1.htm>. Acesso em: 11 abril 2007.

61 BASTOS JUNIOR, E.J. de. Código Penal em Exemplos Práticos: parte geral. 4. ed. rev. e atual. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p. 66.

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26

O atual Código de Trânsito Brasileiro62 trouxe mudanças significativas na

regulamentação do trânsito em nosso país. Assim, estudar-se-á a tipicidade do

artigo 306 do código, porquanto é nele que se concentra o objeto deste trabalho.

2.1 LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

Em 21 de janeiro de 2008 foi entregue ao Presidente da República

proposta do projeto de lei que tinha como objetivo dispor sobre a proibição à

comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais e alterar a Lei nº

9.50363, 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro. Na exposição de

motivos64 desse projeto, constam vários estudos sobre o consumo de bebidas

alcoólicas e problemas ocasionados pelo álcool.

62 BRASIL. Lei nº11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ‗institui o Código de Trânsito Brasileiro‘, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de junho de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm. Acesso em: 06 maio 2009.

63 BRASIL. Decreto-lei nº 6.488 de 19 de junho de 2008. Regulamenta os arts. 276 e 306 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, disciplinando a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 20 de junho de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6488.htm>. Acesso em: 14 junho 2009.

64 BRASIL. EMI No 13 – GSI/MJ/MS/MCIDADES/MEC/MT. Exposição de motivos. Brasília: Diário Oficial da União, 21 de janeiro de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Exm/EMI-13-gsi-mj-mcidades-mec-mt.htm>. Acesso em: 15 setembro 2009.

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O Projeto de medida provisória n. 415/2008 foi aprovado e convertido na

Lei n.11.705, em 16 de junho de 2008, e publicada em 19 de junho do mesmo

ano, com vigência a partir dessa data, que 'institui o Código de Trânsito Brasileiro'

(CTB).

A Lei 11.705 de 2008, vulgarmente conhecida como Lei Seca, dispõe

sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas

alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do

art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por

condutor de veículo automotor, e dá outras providências.

2.2 DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

Foram várias as inovações trazidas pela Lei 11.705/2008 cuja

abrangência afetou tanto o âmbito administrativo como a esfera penal.

Inicialmente, é importante distinguir o crime de embriaguez ao volante da

infração administrativa de embriaguez ao volante.

Neste capítulo, por questões metodológicas, analisar-se-á a infração

administrativa.

2.2.1 DO ART. 165 DO CTB

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O crime de embriaguez na condução de veículo automotor é previsto no

art. 306 do CBT, enquanto que a disciplina do art.165 estabelece a infração

administrativa. A citação do art. 276 faz-se necessária para melhor compreensão

da infração administrativa.

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 meses;

Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Observa-se que dirigir sob a influência de álcool caracteriza a infração

administrativa, sem preocupar-se com a concentração e o teor alcoólico do

motorista, qualquer que seja a concentração, sujeita o condutor às penas do art.

165 do CTB.

Para tal infração de trânsito, considerada gravíssima, são cabíveis as

penalidades de multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze)

meses, além das medidas administrativas de retenção do veículo até a

apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Uma mesma conduta pode caracterizar tanto uma infração de trânsito quanto um

crime de trânsito – basta que o motorista esteja embriagado com concentração de

álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (ou sob a

influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência).

Nesse caso, responderá tanto perante os órgãos de trânsito quanto perante a

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justiça criminal. Caso a concentração seja inferior a 6 decigramas, o motorista

responde apenas pela infração administrativa.

Por força do novo art. 276, qualquer concentração de álcool por litro de

sangue sujeitará o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código:

Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código.

Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.

Não se admite mais que alguém ingira qualquer quantidade de álcool e

venha a dirigir veículo automotor. Se assim proceder, estará cometendo uma

infração administrativa, punida com multa e suspensão do direito de dirigir, além

da apreensão da carteira e da retenção provisória do veículo.

O parágrafo único do referido artigo deixa uma margem de tolerância:

―Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para

casos específicos‖ ou seja, quantidades insignificantes de álcool no sangue, não

configuraram a infração administrativa, tem-se como exemplo o bombom com

licor.

A primeira diferença entre a infração administrativa e a penal, como se vê,

está no nível de concentração de álcool no sangue. O fator distintivo é meramente

quantitativo. A quantidade de álcool é o primeiro critério diferenciador.

2.2.2 DO ART. 277 DO CTB

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Ainda no que se refere à infração administrativa, o legislador no combate

à embriaguez ao volante, para a constatação da influência do álcool ou de outra

substância psicoativa, estabeleceu a utilização de outros meios probatórios,

agregado ao art. 277, também alterado pela Lei 11.705/2008, que diz o seguinte:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

Observa-se, portanto, conforme o caput do art.277, que, diante da

suspeita de dirigir sob influência de álcool, o motorista deve ser submetido à

prova para a constatação de seu estado; a suspeita não obtém êxito, apenas a

certeza que advirá do resultado do exame será válida.

As três formas clássicas de se provar a embriaguez ao volante são: (a)

exame de sangue; (b) bafômetro e (c) exame clínico.

A fim de regular a matéria, o Conselho Nacional de Trânsito -

CONTRAM65 – por meio da resolução 206/06, dispôs sobre os requisitos

necessários para constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica

ou de efeito análogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a

65 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Conselho Nacional de Trânsito. Resolução nº 206/06. Dispõe sobre os requisitos necessários para constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeito análogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes. Brasília, DF, 20 outubro 2006. Disponível em: < http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/Resolucao206_06.pdf >. Acesso em: 30 setembro 2009.

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serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes. Confira-se, por

oportuno, o teor do art. 1º da referida Resolução:

Art. 1º A confirmação de que o condutor se encontra dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, se dará por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos:

I - teste de alcoolemia com a concentração de álcool igual ou superior a seis decigramos de álcool por litro de sangue;

II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) que resulte na concentração de álcool igual ou superior a 0,3mg por litro de ar expelido dos pulmões;

III - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária;

IV - exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

No novo §2º do art. 277 da lei n. 11.705/2008, e o caput do artigo 2º da

Resolução 206/06 do CONTRAN, o legislador ampliou a possibilidade da prova,

falando em outras provas em direito admitidas, para que sejam constatados os

notórios sinais de embriaguez, a excitação ou o torpor apresentado (s) pelo

condutor.

§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.

[...]

Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no art. 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução.

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§ 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da autoridade de trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução.

§ 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da autoridade de trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da lei nº 9.503/97.

Porém, somente no caso de recusa do condutor à realização dos testes,

exames e da perícia, previstos acima, é que o agente de trânsito poderá

caracterizar o estado em que o condutor se apresenta, através de termo de

constatação de embriaguez, de acordo com as diretrizes dessa resolução e de

seus anexos.

Nesse norte, o poder de polícia encontra definição no art. 78 do Código

Tributário Nacional66; confira:

Art.78 Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.

Parágrafo único: considera como regular o exercício do poder de policia ‗quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder‘.

66 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Denominado Código de Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >. Acesso em: 09 setembro 2009.

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Observa-se que o agente de trânsito está revestido do poder de polícia;

importante frisar que a atuação do agente de trânsito deverá ser proporcional e

respaldada.

Dando continuidade, no §3º do art. 277 da lei n. 11.705/2008, o legislador

recrudesceu a discussão:

§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

Cabe, no entanto, ressaltar que o motorista tem a faculdade, sim, de

recusar-se a fazer os testes de alcoolemia (sangue e aparelhos de ar). À luz das

normas e dos princípios constitucionais, ninguém está obrigado a produzir provas

contra si mesmo.

Depara-se, então, com o opinião do Ministério Público de Santa Catarina

no parecer67 do Centro de Apoio Operacional Criminal:

Sinceramente, não se vislumbra óbice constitucional para o legislador determinar, por lei, que quem se recusar a submeter-se ao exame de alcoolemia deve sujeitar-se às mesmas sanções administrativas daquele que está dirigindo sob a influência de álcool. Ora, diante da situação atual vivenciada nas estradas brasileiras (o que justifica a proporcionalidade), o legislador entendeu que quem se recusar a fazer o teste de bafômetro, por exemplo, está praticando uma infração administrativa. O motorista não tem a obrigação de submeter-se ao bafômetro e, consequentemente, fazer prova contra si. Isso é certo. Todavia, se assim entender, está praticando uma infração administrativa punida com a mesma sanção prevista no art. 165 do CTB. Não há obrigatoriedade, porque o motorista pode optar entre fazer o teste ou arcar com a sanção administrativa. Qual a inconstitucionalidade desse novo comando legislativo?

67 MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Centro de Apoio Operacional Criminal (CCR). Parecer nº 005/2008/CCR, Embriaguez ao volante. Lei n.11.705/2008. Alterações ao Código de Trânsito Brasileiro. Algumas ponderações. Florianópolis, julho de 2008. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em 30 de abril de 2009.

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Enfim, para que se possa compreender melhor, diante da suspeita de que

o condutor está dirigindo sob a influência de álcool, o agente de trânsito pode

pedir-lhe que se submeta aos testes do bafômetro ou de alcoolemia. Entretanto,

diante da negativa do condutor, incidirá nas sanções administrativas do § 3º do

art. 277 do CTB.

Assim afirma o Delegado de Polícia de São Paulo, José Luiz Joveli em

seu artigo68:

Em suma, o legislador, no afã de tentar conter os índices alarmantes de acidentes de trânsito, produziu um verdadeiro imbróglio jurídico, conseguindo tumultuar ainda mais a redação dos tipos penais do Código de Trânsito Brasileiro.

Da análise dos aspectos deste capítulo, restou caracterizada a infração

administrativa e o uso do poder de polícia pelo agente de trânsito. Dessa forma,

passa-se ao cerne da questão deste trabalho, o crime descrito no art.306 do CTB

e suas consequências criminais.

2.3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Neste capítulo será abordado o crime definido pelo art. 306 do CTB, bem

como sua natureza jurídica. Será, também, questionado sob o direito de não produzir

68 JOVELI, J.L. Breves considerações sobre a Lei nº 11.705/08. A questão da embriaguez ao volante e os testes de alcoolemia. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1820, 25 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11432>. Acesso em: 27 julho 2009.

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prova contra si mesmo, visto que, para configuração desse crime, é necessário que o

condutor submeta-se a testes de alcoolemia.

2.3.1 DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

O antigo Código de Trânsito Brasileiro69 assim tipificava o crime de

embriaguez ao volante:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a

dano potencial a incolumidade de outrem.

Penas — Detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Certo de que o tipo penal era ―conduzir veículo automotor, sob influência

de álcool, qualquer que fosse a concentração, e oferecendo risco potencial à

segurança viária, estaria caracterizado, em tese, o crime de embriaguez ao

volante‖. Não havia dificuldades de se provar a embriaguez, pois eram suficientes

a documentação do oficial da ocorrência, o exame médico clínico e a prova

testemunhal, que indicava o estado de embriaguez e a direção anormal.

Com a lei nº 11.705/08, o tipo penal passou a ser:

69 BRASIL. Lei nº9.503, de 23 de setembro de 1997. Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de janeiro de 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503Compilado.htm>. Acesso em 09 maio 2009.

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Art. 306 Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Segundo os termos do artigo 306 do CTB, são duas as condutas

incriminadas: a) conduzir veículo automotor na via pública, estando com

concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas e

b) conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de qualquer outra

substância psicoativa que determine dependência.

Observa-se que a primeira não exige mais a exposição a dano potencial à

incolumidade de outrem, e, para configurar o tipo penal descrito, exigem-se 6

(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, que equivalem a 0,3 miligramas

de álcool por litro de ar expelido dos pulmões; imprescindível, então, para a

configuração do crime, essa concentração alcoólica no sangue do condutor.

As conversões entre TAS (taxa de álcool no sangue) e álcool por litro de

ar expelido dos pulmões podem ser feitas por meio da Lei de Henry70 (adotada

70 Leciona O. Pataro: ―As avaliações do estado de impregnação alcoólica resultam da lei de Henry sobre as trocas entre um gás, um vapor (álcool) e um líquido (sangue), quando feitas pelos chamados métodos respiratórios. Com efeito, existe uma relação constante entre a quantidade de álcool concentrada no mesmo volume de ar alveolar e de sangue, sendo que esta razão é de 1/2.000. Desse modo, 1 ml de sangue encerra a mesma quantidade de álcool que 2.000 ml de ar alveolar.‖ (PATARO, 1976. p. 309.)

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pela Resolução n. 206/0671, do CONTRAN, e pelo Decreto n. 6.48872, de

19.06.08), ou seguindo-se tabelas divulgadas pelos órgãos de trânsito.

Conversão segundo Lei de Henry

TAS (dg/L) = ar alveolar (em décimos de mg/L)

2000

Exame sangue/urina = 6 dg/L

Etilômetro = 0,3 mg/L

Ao fixar um percentual mínimo de álcool no sangue dos motoristas, a

norma criou um critério técnico e objetivo. Menos de 6 decigramas de álcool torna

a conduta atípica, ou seja, não há crime.

Em relação à segunda conduta punível prevista no art. 306, ―conduzir

veículo automotor, na via pública, sob influência de qualquer outra substância

psicoativa (que não o álcool) que determine dependência‖, não existe qualquer

71 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Conselho Nacional de Trânsito. Resolução nº 206/06. Dispõe sobre os requisitos necessários para constatar o consumo de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeito análogo no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes. Brasília, DF, 20 outubro 2006. Disponível em: < http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/Resolucao206_06.pdf >. Acesso em 30 setembro 2009.

72 BRASIL. Decreto nº 6.488 de 19 de junho de 2008. Regulamenta os arts. 276 e 306 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, disciplinando a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Brasília,DF, 20 de junho de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6488.htm>. Acesso em: 14 junho 2009.

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exigência de concentração mínima da substância psicoativa, não importando a

quantidade.

Sob tais condições, para a persecução penal, não é imprescindível prova

pericial, sendo suficiente a observação do agente de trânsito sobre a conduta do

motorista.

O parágrafo único, incluído com a Lei nº 11.705/08, dispõe que o Poder

Executivo federal estipulará a equivalência entre “distintos” testes de alcoolemia,

para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. Ou seja, a lei

descreve como teste de alcoolemia, o conhecido como exame de sangue, assim

disposto no caput do art. 306. Destarte, esclarece que as únicas formas pelas

quais se pode medir com precisão a concentração de álcool no organismo é por

teste de alcoolemia, ou teste de etilômetro, vulgarmente conhecido como teste do

bafômetro.

E dessas duas formas, é necessária a aceitação do condutor de fornecer

uma parte de seu organismo vivo, qual seja (sangue ou ar do pulmão).

E nesse impasse, de como provar a concentração etílica no sangue,

segue-se para o próximo subitem deste estudo.

2.3.2 EXAMES DE ALCOOLEMIA E TESTE DO BAFÔMETRO

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Para dar início a esse tema, há de ser colocado em pauta, a origem e o

significado de prova. Portanto, para Marcus Cláudio Acquaviva73, prova se origina

do

[...] latim probare (probo, as, are) convencer, tornar crível, estabelecer uma verdade, com/provar.

Todo meio lícito e suscetível de convencer o juiz da verdade de uma alegação da parte.(...)

O termo é usado em sentidos diversos.

Num sentido comum, tem-se como sendo uma verificação, apreciação,

reconhecimento, significa aquilo que estabelece, demonstra a veracidade de um

fato. Contudo, em quaisquer de seus significados, representa sempre o meio

usado pelo homem para, através da percepção, demonstrar uma verdade.

Dessa forma, a nova redação do art.306 do CTB, inseriu como elementar

do tipo descrito, dosagem etílica, torna-se imprescindível a comprovação do

quantum, para a configuração do crime.

Na exposição de motivos74 que foi convertida em lei 11.705/08, aborda-se

uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito

– Abdetran:

Outro ponto importante é a Pesquisa realizada em 1998 por iniciativa da Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito - Abdetran em quatro capitais brasileiras - Salvador, Recife, Brasília e Curitiba - a qual apontou que entre as 865 vítimas de acidentes,

73 ACQUAVIVA, M.C. Dicionário acadêmico de direito. São Paulo: Jurídica, 2001. p.573.

74 BRASIL. EMI No 13 – GSI/MJ/MS/MCIDADES/MEC/MT. Exposição de motivos. Brasília: Diário Oficial da União, 21 janeiro 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Exm/EMI-13-gsi-mj-mcidades-mec-mt.htm>. Acesso em 15 setembro 2009.

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quase um terço (27,2%), apresentou taxa de alcoolemia superior a de 0,6 g/l, índice limite definido pelo Código de Trânsito Brasileiro.

Ensina a literatura médica que o único exame técnico capaz de precisar,

com rigor, a quantidade de álcool metabolizado no sangue é a dosagem

sanguínea – teste de alcoolemia. O etilômetro, vulgarmente conhecido como

bafômetro, mede a concentração de álcool alveolar encontrado nos pulmões.

Pelo exposto, pode ser observada a seguinte situação: o motorista

flagrado em uma blitz apresenta sinais de embriaguez, mas se recusa a fazer o

teste do bafômetro ou a fornecer sangue para o teste de alcoolemia para o agente

ou mesmo para o médico, recusa essa lícita e sem consequências penais. Nesse

caso, o motorista será apenas autuado por infração administrativa.

Em face do princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova

em seu desfavor, por força de princípio abrigado na Constituição Federal de 1988,

art. 5º, LXIII : ―LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de

permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de

advogado‖; e no art. 8º, II, g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,

ratificada pelo Brasil, ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo e

tem o direito de ser informado.

Art. 8º Garantias Judiciais:

(...)

II Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;

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Dessa forma, não comprovado por meio de exames que o motorista

estava com álcool acima desses limites, não há como processá-lo criminalmente,

ainda que o médico certificar pelo exame clínico que o motorista apresenta sinais

de embriaguez, isso porque o médico não saberá precisar o grau de álcool em

seu sangue, conforme a tipificação descrita em lei.

Esquece-se de que as pessoas têm diferentes tolerâncias ao álcool e

nelas a mesma taxa produzirá efeitos diversos, os quais dependerão do peso,

idade, estado emotivo, hábito de beber, saúde, ter-se ou não alimentado ou

medicado etc. Alguns, mesmo com taxa de alcoolemia acima permitida,

conduzem veículo normalmente; outros, com taxa inferior, apresentam

embriaguez e dirigem anormalmente. Apenas o resultado da dosagem de álcool

pode induzir à conclusão equivocada. Há necessidade, também, do exame clínico

em que o médico avaliará as manifestações físicas, neurológicas e psíquicas do

examinado, atestando se dirigia ou não embriagado.

Vê-se que a realização da prova técnica (exame de alcoolemia e/ou

bafômetro) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do

delito, inviabilizando qualquer outro meio de prova.

O que se mostra é que não se pode conceber como razoável e aceitável

que o Estado se veja privado de exercer o seu poder punitivo simplesmente

porque o motorista exerce o seu direito de não produzir prova contra si.

2.3.3 DA NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

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Muitos estudiosos questionam quanto à natureza do crime de embriaguez

ao volante ser de perigo concreto ou abstrato, pois, foi retirado do novo dispositivo

do artigo 306 a elementar explicação ―expondo a dano potencial a incolumidade

de outrem‖, dando a entender que, para configurar o crime tipificado no artigo em

comento, é de perigo abstrato.

Doutrinariamente, crime de perigo é aquele que apresenta um perigo

como resultado. Dividindo-se em crime de perigo concreto (aquele que o perigo

deve ser demonstrado e provado), e crime de perigo abstrato (o perigo não

precisa ser demonstrado e provado, por ser presumido pela lei).

No ponto, Guilherme de Souza Nucci75 assevera que o crime de perigo

abstrato é aquele em que "a probabilidade de ocorrência de dano está presumida

no tipo penal".

Seguindo essa linha de raciocínio, imperioso ressaltar que a contravenção

penal de direção perigosa de veículo em via pública, a qual se encontra inserida

no capítulo referente à defesa da incolumidade pública, é considerada como de

perigo abstrato, ou seja, prescinde de ocorrência de efetivo perigo a determinada

pessoa, bastando, tão-somente a possibilidade de risco à segurança alheia.

Sobre o tema, Renato Marcão76 explica:

75 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 172.

76 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 julho 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11454>. Acesso em: 20 novembro 2008.

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A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.

Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que

exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.

Fazendo uma leitura da primeira parte do artigo 306 do CTB, chega-se à

conclusão de que a elementar do tipo ―concentração de álcool por litro de sangue

igual ou superior a 6 decigramas‖ é de perigo abstrato.

Sobre o tema, Fernando Capez77 preleciona:

O art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura que todos os cidadãos têm direito à segurança. O art. 1º, § 2º, do código de Trânsito Brasileiro estabelece que ‗o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos...‘, e em seu art. 28 dispõe que o motorista deve conduzir o veículo ‗com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito‘.

É fácil concluir, portanto, que a segurança viária é o objeto jurídico principal do delito. O direito à vida e à saúde constituem, na verdade, a objetividade jurídica secundária.

E, continua:

Pois bem, considerando que no delito em análise o bem jurídico tutelado é a segurança viária, pode-se concluir pela sua existencia sempre que o condutor atentar contra a segurança dos usuários das vias públicas, em virtude de seu modo de dirigir, por estar sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos.

Pois é no trânsito que se aguarda dos demais motoristas o mínimo de

respeito às normas pertinentes. Trabalha-se com o ―princípio da confiança‖, pelo

qual o motorista conduz seu veículo na firme crença de que, por exemplo, ao

77 CAPEZ, F.op.cit., p. 300.

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passar por um cruzamento, os automóveis que se aproximam do sinal vermelho

pela via perpendicular irão parar e permitir-lhe continuar trafegando na pista onde

o sinal encontra-se verde.

Não se pode esperar que o motorista que conduz veículo automotor sob a

influência de álcool cometa alguma irregularidade ou acidente, para, só então,

puni-lo. O motorista embriagado, por qualquer que seja a dosagem etílica,

representa um perigo permanente a todos os que cruzam seu caminho, não

sendo necessário que conduza de forma anormal para responder

administrativamente e criminalmente por seu comportamento.

É certo que, por qualquer dosagem etílica, ficam comprometidos os

reflexos do condutor. Quem vive em coletividade e se submete às regras do

convívio social espera que os demais cidadãos também se comportem dentro da

lei.

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3 PERFIL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA

CATARINA NO JULGAMENTO DOS CRIMES DE EMBRIAGUEZ NO

TRÂNSITO

No presente capítulo será traçado um perfil do entendimento do Tribunal

de Justiça do Estado de Santa Catarina em relação ao julgamento dos crimes de

embriaguez no trânsito, colacionam-se alguns casos concretos de julgados pelos

juízes do Estado de Santa Catarina e seu recursos ao Tribunal.

A pesquisa foi realizada mediante consulta on-line das decisões pelo site

do tribunal catarinense, por meio da ferramenta Pesquisa de Jurisprudência.

3.1 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS

3.1.1 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2007.012824-478, DE 30/01/2009 – BRUSQUE.

RELATOR: DES. SOLON D'EÇA NEVES.

78 BRUSQUE, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2007.012824-4. Relator: Des. Solon d'Eça Neves. Decisão prolatada em 30 janeiro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.

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APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA - RECURSO PROVIDO.

Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro, que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime ali previsto.

[...]

Na comarca de Brusque, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra G.H., dando-o como incurso nas sanções do art. 306 da Lei n. 9.503/97, pelos fatos assim descritos na exordial acusatória:

Na madrugada do dia 13-3-2005, por volta da 1h, o denunciado G.H. conduzia pela Rua Inácio Walendowsky, 1º de Maio, neste município, o veículo Ford/Corcel II, placas LZQ 4118, quando veio a colidir contra um portão.

Logo após a colisão, os policiais militares que atenderam a ocorrência constataram que o denunciado Gilmar Hilleshein encontrava-se em nítido estado de embriaguez.

Portanto, o denunciado conduzia o veículo automotor, em via pública, sob a influência do álcool, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

Concluída a instrução criminal, o Magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o réu G.H. ao cumprimento da pena de 6 (seis) meses de detenção, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, e suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 2 (dois) meses, por infração ao art. 306 da Lei n. 9.503/97.

Por preencher os requisitos do art. 44 do CP, o réu teve a pena privativa de liberdade substituída por uma prestação pecuniária estabelecida no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) em favor da APAE daquela Comarca.

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Irresignado com o teor do decisum, o réu, por intermédio de seu defensor, interpôs recurso de apelação. Objetiva, em síntese, a reforma da sentença para se ver absolvido, porquanto alega que foi equivocada a adoção do procedimento da Lei n. 10.259/01, o que ensejaria a anulação do feito. Alternativamente, pleiteia a absolvição, pois comprovou nos autos ser portador de labirintite. Por fim, assevera que inexistem nos autos provas seguras para uma condenação, sobretudo o teste de alcoolemia.

Contra-arrazoado o apelo, os autos ascenderam a esta superior instância e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. Vilmar José Loef, opinou pelo seu não conhecimento.

Esta Câmara não conheceu da apelação sob o argumento da intempestividade.

Ato contínuo, a defesa interpôs revisão criminal que foi deferida, tendo a Seção Criminal deliberado pela necessidade do conhecimento da apelação.

[...]

Inicialmente, vale registrar que o tipo penal ora em apreço foi alterado com a publicação da recente Lei n. 11.705/2008, a qual acabou por assim estabelecer a nova redação do art. 306 do CTB:

[…]

A edição da nova lei que alterou o tipo penal em exame, acabou por trazer, de um lado, uma agravação da conduta, pois o crime, que era de perigo concreto, passou a ser de perigo abstrato, bastando o fato de dirigir embriagado com a concentração estipulada para caracterizá-lo.

Contudo, vale registrar que a modificação legislativa passou a incluir no tipo a obrigatoriedade do exame de alcoolemia, sem o qual fica descaracterizada a conduta.

Percebe-se, assim, que, muito embora seja a nova norma aparentemente prejudicial aos agentes quanto às elementares, mostra-se mais benéfica quando exige o teste específico da concentração de álcool.

Assim sendo, imperativa a obediência aos art. 5, XL, da Constituição da República; art. 2º, parágrafo único, do Código Penal; art. 9º da Convenção Interamericana de Direito Humanos e

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artigo XI, 2, da Declaração Universal dos Direitos do Humanos, que garantem a retroatividade da norma benéfica.

Por conseguinte, em decorrência da aludida modificação no tipo penal, considerando que não houve a realização do popular teste do ‗bafômetro‘, não há materialidade do delito.

Dessa feita, maneira outra não há senão absolver o apelante, pelo que ficam prejudicados os demais pedidos defensivos.

[...]

Ante o exposto, à unanimidade, dá-se provimento ao recurso para absolver o apelante, nos termo do art. 386, II, do Código de Processo Penal.

[...]

Percebe-se, portanto, mais uma absolvição em virtude da materialidade

do art.306 do novo código de Trânsito Brasileiro, fundamentado no art. 38679, II do

Código de Processo Penal: ―O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na

parte dispositiva desde que reconheça: II – não haver prova da existência do

fato‖.

3.1.2 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2008.073958-380, DE 20/10/2009 – CHAPECÓ.

RELATORA: DESA. MARLI MOSIMANN VARGAS.

79 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 13 outubro 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 09 maio 2009.

80 CHAPECÓ, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2008.073958-3. Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas. Decisão prolatada em 20 outubro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 01 novembro 2009.

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APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÂNSITO (ARTS. 306 E 309, AMBOS DA LEI N. 9.503/97 C/C ART. 331 DO CP, EM CONCURSO MATERIAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08. APLICAÇÃO DE OFÍCIO. EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. RETROATIVIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO POR DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS E AUTO DE CONSTATAÇÃO DE EMBRIAGUEZ. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO.

Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro -, conhecido como ‗bafômetro‘, faz-se imprescindível para a comprovação da materialidade do delito, não podendo ser suprido por prova testemunhal.

[...]

O representante do Ministério Público da Comarca de Chapecó/SC ofereceu denúncia contra V.C.P. pela prática dos delitos definidos nos arts. 306 e 309 da Lei n. 9.503/97, em concurso material com o art. 331 do Código Penal, assim descritos na inicial acusatória:

No dia 13 de outubro de 2007, por volta das 23 horas, uma viatura da Polícia Militar de Chapecó, foi acionada, para atender à uma ocorrência, que se registrava na rua Galvão nº 10, no bairro Cristo Rei, Chapecó, pois um automóvel, tinha derrubado um muro da residência lá situada, quebrando o hidrômetro da água e, só parando no pátio da casa.

Quando aportaram ao local, os agentes oficiais, verificaram que, o veículo, se tratava de um Opala (Chevrolet), placas LZC-9572, que era pilotado pelo denunciado V.C.P., o qual apresentava-se em visível estado de embriaguez pois, mal conseguia pronunciar alguma palavra.

O acusado, recusou-se a efetuar o teste de bafômetro mas, por todas as evidências e, pelo seu próprio comportamento, elaborou-se o auto de constatação de ebriez, podendo-se afirmar que ele, dirigia veículo automotor, por via pública, sob o efeito de álcool ou substância análoga, colocando em risco a incolumidade alheia, tanto que, proporcionou o acidente já referido.

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[...]

Encerrada a instrução, o magistrado julgou procedente a denúncia para condenar o acusado à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e à suspensão por 2 (dois) meses da habilitação para dirigir veículo automotor (caso o réu tenha conseguido tirar carteira de motorista após os fato). Ao final, substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, em duas entidades credenciadas junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 02 horas diárias de serviço pelo tempo da pena aplicada, por infração ao disposto nos arts. 306 e 309, da Lei 9.503/97, e art. 331, do Código Penal, c/c art. 69 do Código Penal.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, objetivando sua absolvição e, sucessivamente, seja a pena reduzida para aquém do mínimo legal, haja vista ser réu confesso, e em observância ao princípio da ofensividade e lesividade. Por fim, caso mantida a condenação, requer a redução das horas de serviço fixadas na substituição da pena privativa.

Em contrarrazões, requereu o apelado a manutenção da sentença condenatória.

[...]

Pretende o apelante, em síntese, seja absolvido e, sucessivamente, seja a pena reduzida para aquém do mínimo legal, ou ainda, seja reduzida as horas de serviço fixadas na substituição da pena privativa.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto.

1 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB)

Vê-se que o sentenciante condenou o ora apelante pelo crime previsto no art. 306 da Lei n. 9.503/97 com base no auto de constatação de embriaguez lavrado durante a ocorrência, bem como pelos depoimentos dos policiais. Contudo, tais meios probatórios, de acordo com a nova legislação vigente, não podem servir de fundamento para caracterizar o estado de embriaguez.

Com a edição da Lei n. 11.705/08 houve substancial modificação no tipo penal supracitado, sendo que para a configuração do delito de embriaguez ao volante, faz-se necessário averiguar a

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existência de concentração de álcool no sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei. É a redação do dispositivo:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

(...)

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Posto isso, vê-se que a realização de prova técnica (exame de alcoolemia) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do delito, inviabilizando a prova testemunhal, que antes era considerada suficiente para a condenação do condutor do veículo.

[...]

Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.

O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante; Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306, Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p. 88).

Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva. Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe seja imposto por meras alegações testemunhais, deve ela retroagir aos crimes praticados antes de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008, em obediência ao art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

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[...]

"Com o advento da Lei n. 11.705/08, necessária a realização de exame para se verificar com precisão se a concentração de álcool no sangue do motorista é igual ou superior a 6 (seis) decigramas". (AC n. 2008.010810-4, de São Joaquim, rel. Des. Subst. Victor Ferreira, j. 21/10/08)

Dessa forma, aplicando-se a nova lei ao caso sob análise, modifica-se a sentença que condenou o apelante com base nas únicas provas colacionadas aos autos, quais sejam, auto de constatação e depoimentos testemunhais, haja vista não haver o dito exame técnico necessário para auferir se a conduta delitiva praticada enquadra-se na nova redação do art. 306 do CTB.

[...]

Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro, que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime ali previsto. (AC n. 2007.012824-4, de Brusque, rel.Des. Solon d'Eça Neves, j. 11/12/08)

[...]

Verificado que as autoridades policiais não realizaram exame de sangue no condutor do veículo nem mesmo procederam ao teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro -, popularmente denominado de "bafômetro", inexiste, pois, a materialidade delitiva descrita na denúncia.

Por fim, diante da ausência de prova técnica capaz de confirmar com exatidão a concentração de álcool existente no sangue do apelante, impõe-se a absolvição desse da imputação do crime de embriaguez ao volante, nos moldes do art. 386, II, do Código de Processo Penal.

Dá-se provimento ao recurso no ponto.

[…]

Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e dar-lhe provimento em parte para, aplicando a Lei n. 11.705/08, decretar

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a absolvição do apelante quanto ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal e, consequentemente, adequar a pena aplicada para manter somente as condenações pelos crimes do art. 309 da Lei n. 9.503/97 e art. 331 do Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP), finalizando a reprimenda em 1 (um) ano de detenção, substituindo-a por 1 (uma) restritiva de direito, nos termos do art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP, consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública credenciada junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 01 (uma) hora diária de serviço pelo tempo da pena aplicada, conforme art. 43, IV, também do CP.

[...]

Observa-se que, aplicando a Lei n. 11.705/08, foi decretada a absolvição

do apelante quanto ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, nos termos do art.

386, II, do Código de Processo Penal.

3.1.3 APELAÇÃO CRIMINAL N. 2009.040788-581, DE 20/10/2009 – BLUMENAU.

RELATORA: DESA. SALETE SILVA SOMMARIVA

APELAÇÃO CRIMINAL - CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (CTB, ART. 306) - ALTERAÇÕES DA LEI N. 11.705/2008 - VALOR TAXATIVO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - RETROATIVIDADE IMPOSTA - (CF, ART. 5º, INC. XL E CP, ART. 2º, PAR. UN.) - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR MEIO DIVERSO DO PRECONIZADO NO TIPO PENAL - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

81 BLUMENAU, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal n. 2009.040788-5. Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva. Decisão prolatada em 20 outubro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.

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[...]

Na comarca de Blumenau, o Ministério Público, por seu promotor de justiça, ofereceu denúncia em face de D.W., pela prática do crime de conduzir veículo automotor sob efeito de álcool (Lei n. 9.503/1997, art. 306), conforme narra a exordial acusatória:

Na data de 12 de março de 2006, por volta das 05:45 horas, o denunciado, sob efeito de bebida alcoólica, conduzia a motocicleta placa MGY-7680, de Blumenau SC, pela rua Dr. Luiz de Freitas Melro, nesta, de modo a expor a perido a segurança alheia. Na altura do nº411 da referida rua o denunciado, transitando com passageiros sem capacete chamou a atenção da guarda municipal que encontrava-se no local, que abordando-o constatou que encontrava-se em visível estado de embriaguez, fato esse confirmado pelo forte odor de bebida alcoólica além do modo agressivo que se expressava.

Recebida a peça acusatória em 1-7-2006 (fl. 35) e citado o réu (fl. 49), este foi interrogado (fls. 52/54), após o que ofereceu defesa prévia (fl. 55).

Realizada a audiência (fl. 78), fora inquirida uma testemunha da acusação (fls. 79/80).

O representante do Ministério Público apresentou suas alegações finais (fls. 95/97), pugnando a condenação do réu. Em ato contínuo, o acusado protocolizou suas derradeiras assertivas (fls. 103/109), pleiteando a decretação da prescrição virtual e, alternativamente, absolvição.

Conclusos os autos (fls. 110/114), o Juiz de Direito Rafael Germer Condé julgou improcedente a denúncia e, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, absolveu o réu D.W. das sanções do art. 306 do CTB.

Irresignado, o membro do Ministério Público interpôs recurso de apelação (fls. 116/123) aduzindo existirem nos autos elementos comprobatórios da prática delitiva apontada na denúncia, ainda que ausentes provas periciais, notadamente os exames periciais de sangue ou bafômetro.

Frisou que, havendo recusa do motorista em realizar o teste de alcoolemia, mostra-se perfeitamente viável a aplicação do disposto no art. 167 do CPP, de modo que a prova testemunhal pode suprir a perícia.

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Pleiteou, ao final, a reforma da sentença, no sentido de que Douglas Willbert fosse condenado pela prática do crime previsto no art. 306 do CTB.

Após as contrarrazões (fls. 130/135), ascenderam os autos a esta egrégia corte.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Demétrio Constantino Serratine (fls. 142/144), manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

[...]

Isso porque, analisando os autos, denota-se a ausência do necessário exame de teor alcoólico que atestasse a presença da concentração da substância em seu organismo do apelante.

Nesse contexto, a imprescindibilidade do aludido laudo de alcoolemia dera-se em face da significativa alteração do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, promovida pela Lei n. 11.705/2008, em vigor no país desde 20-6-2008, trazendo aspectos de novatio legis in mellius e de novatio legis in pejus.

[...]

Assim, como característica prejudicial ao réu, a nova redação passou a exigir, como comprovação do crime de embriaguez ao volante, não mais que o agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, bastando, para tanto, que conduza veículo automotor, na via pública, com concentração alcóolica por litro de sangue igual ou superior a 0,6 (seis decigramas), ou que esteja alterado por uso de qualquer outra substância psicoativa que possa causar dependência.

Dessa forma, tem-se que não mais desponta como requisito essencial a direção ou a exposição de outros ao risco causado pela direção de condutor fisicamente ou psicologicamente alterado pelo uso de substâncias alcóolicas ou entorpecentes, perfectibilizando-se o delito tão-somente com a mera conduta em dirigir embriagado, com concentração aferida através do aparelho de dosagem alcoólica, ou sob influência de qualquer outro tipo de elemento que cause dependência.

No entanto, ressalta-se novamente que, com o advento da Lei n. 11.705/2008, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca da comprovação de no mínimo 0,6g (zero vírgula seis gramas) de álcool por litro de sangue para se atestar a embriaguez do condutor de veículo automotor.

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Nesse diapasão, pressupõe-se que o novo diploma legal constitui-se norma mais benéfica, ao passo que, na antiga redação do preceptivo legal em comento, não constava dados objetivos para a aferição da embriaguez no volante, bastando, para tanto, que o motorista apresentasse qualquer quantidade de álcool no sangue. Não restam dúvidas, destarte, que a lei superveniente se reputa como novatio legis in mellius neste ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer aqueles que se submeteram ao exame de alcoolemia e apresentaram concentração alcóolica menor à agora necessária para configuração do crime ou, ainda, aos que não fizeram o teste, contra os quais foram imputados a infração em destaque, na vigência da norma pretérita (CF/88, art. 5º, XL e CP, art. 2º, parágrafo único).

Ademais, o novel diploma legal em estudo também procedeu alterações no pertinente ao método de aferição do grau de embriaguez do condutor, acabando por estabelecer que tal procedimento passará a se limitar à utilização do bafômetro ou exame de sangue, inviabilizando-se qualquer outro meio lícito de comprovação.

[...]

Agora, quando da ebriedade por álcool, exige a lei, para que o crime se perfaça, a comprovação de ao menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue.

[...]

Para a comprovação de infração ao artigo 306, CTB, devido ao álcool, mister se faz atualmente o exame químico - toxicológico de sangue e/ou o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), ou seja, exames e testes que determinam com segurança a taxa de alcoolemia, cujas respectivas equivalências

estão definidas no artigo 2º, I e II, do Decreto 6488/08, nos termos do artigo 306, Parágrafo Único, CTB.

Observada a nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, fica claro em relação à embriaguez ao volante que só haverá processo e eventual condenação se houver prova técnica (bafômetro, por exemplo), indicando a presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. A prova testemunhal isolada não é suficiente.

Nesse sentido, a nova redação do art. 306 é mais benéfica que a redação anterior em relação ao réu que responde criminalmente

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pela conduta em comento, pois cria obstáculo à configuração do ilícito, estabelecendo elementar antes não prevista.

Por força do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do parágrafo único do art. 2º do Código Penal, a lei posterior benéfica deve retroagir em favor do réu.

[...]

Desse modo, na hipótese ora apreciada, verifica-se que não houve a comprovação do índice alcoólico referido, tendo o apelante se recusado a submeter-se ao etilômetro, valendo-se da prerrogativa constitucional prevista no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.

Destarte, muito embora exista nos autos o boletim de ocorrência (fls. 7/8), assim como os depoimentos do agente de trânsito fls. 79/80) afirmando a recusa do apelado em realizar o teste de bafômetro, assim como que o apelado se encontrava em estado de embriaguez, não há como inferir a dosagem da substância no sangue do agente, em razão da inexistência do exame de alcoolemia, condição necessária para a responsabilização pelo crime previsto no art. 306 da Lei n. 11.705/2008.

[...]

Desse modo, de acordo com a fundamentação alhures transcrita, verifica-se ser viávela possibilidade de o apelado vir a ser, em tese, condenado pela aludida contravenção, haja vista a eventualidade de se aferir seu estado de embriaguez por outros meios lícitos de prova sem a utilização do bafômetro ou exame de sangue, como determina o art. 306 do CTB.

Ademais, apenas a título argumentativo, poder-se-ia pressupor que o crime definido no art. 306, revogou, ainda que parcial e implicitamente, a contravenção (art. 34), porse tratarem da mesma matéria.

Entretanto, vale frisar que não há falar-se, no caso, em revogação, uma vez que, além de aludido crime tratar-se de normal especial e a contravenção de norma de caráter geral, cuidam os institutos de bem jurídicos diversos, vale dizer, aquele, em seu art. 306, é considerado de perigo concreto enquanto esta, no art. 34, é reputada como de perigo abstrato.

[...]

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Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP, desclassificar o tipo penal indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a contravenção prevista no art. 34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência, decretar a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva (CP, art. 107, IV).

3.1.4 HABEAS CORPUS N. 2008.058052-682, DE 06/11/2008 – BALNEÁRIO

CAMBORIU. RELATOR: DES. SÉRGIO PALADINO.

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PRETENDIDO TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DO TESTE DO BAFÔMETRO. PROVAS TESTEMUNHAIS. DELITO PERPETRADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 11.705/2008, QUE EXIGE A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O VEÍCULO COM SEIS OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI PENAL NO TEMPO MAIS BENÉFICA, NESTE PONTO, AO PACIENTE. RETROATIVIDADE QUE SE IMPÕE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM ANDAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado, em causa própria, por G.N.O. contra decisão do Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Balneário Camboriú, que determinou a expedição de carta precatória à comarca da Capital, com vistas à realização da audiência de transação penal a ser proposta pelo representante do Ministério Público, nos autos n.

82 BALNEÁRIO CAMBORIÚ, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2008.058052-6. Relator: Des. Sérgio Paladino. Decisão prolatada em 06 novembro 2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.

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005.08.005478-6, a que responde por infração, em tese, ao art. 306 da Lei n. 9.503/97.

Objetiva o trancamento do inquérito policial ao argumento de que está sofrendo constrangimento ilegal em face da ausência de justa causa para o respectivo prosseguimento, enfatizando que, embora o delito tenha sido, em tese, perpetrado antes da edição da Lei n. 11.705/08, a novel legislação condicionou a responsabilização criminal à comprovação de que o agente esteja conduzindo o veículo com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo, independentemente de haver exposto a dano potencial a incolumidade pública.

Portanto, sendo a lei posterior mais benéfica do que a revogada, que não exigia a demonstração de qualquer índice de teor alcoólico no sangue, deve retroagir à data dos fatos, por força do preceito inscrito no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

[...]

Com efeito, extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante no dia 3 de abril do corrente pela perpetração, em tese, do delito definido no art. 306 da Lei n. 9.503/97, em virtude de se haver envolvido em acidente de trânsito, constatando os policiais militares que atenderam à ocorrência que ele estava em visível estado de embriaguez, tendo se recusado a realizar o teste do bafômetro.

A Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008 alterou o art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionando a caracterização do delito à comprovação, por meio de exames físicos-químicos, de que o agente esteja conduzindo o veículo com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo, independemente de ter exposto a dano potencial a incolumidade pública.

Como a novel lei contém norma de direito material mais benéfica, visto que a legislação anterior não exigia a demonstração de qualquer índice de teor alcoólico no sangue, deve retroagir à data dos fatos, uma vez que se trata de evidente novatio legis in mellius, nos termos do parágrafo único do art. 2º do Código Penal.

[...]

Ante o exposto, concedeu-se a ordem para trancar o inquérito policial.

[...]

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Nessa mesma linha, concede-se o trancamento da ação penal pela

materialidade da prova.

3.1.5 HABEAS CORPUS N. 2009.021970-983, DE 29/06/2009 – CAPITAL.

RELATORA: DES. MARLI MOSIMANN VARGAS.

HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIMES DE TRÂNSITO.

ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97) - ACOLHIMENTO - TESTE DE BAFÔMETRO NÃO REALIZADO - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08 - EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE - IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO - WRIT CONCEDIDO NO PONTO.

Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro - conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a comprovação da materialidade do delito, sendo que sua ausência configura falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal.

[...]

Cuida-se de ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado F.Z.S., em favor de M.M.M., denunciado pela prática das condutas delituosas descritas nos arts. 305 e 306 da Lei n. 9.503/97.

O impetrante requer o trancamento da ação penal por falta de justa causa, argumentando, em síntese, a inconstitucionalidade do

83 CAPITAL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2009.021970-9. Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas. Decisão prolatada em 29 junho 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.

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art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97) e a atipicidade da conduta prevista no art. 306 do referido diploma legal.

Aduz que o art. 305 da Lei n. 9.503/97 ofende o art. 1º, III, e art. 5º, LXIII e LXVII, ambos da Constituição Federal.

No tocante ao crime disposto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, menciona não ter sido realizado o chamado ‗teste de bafômetro‘ e nem exame de sangue para auferir a concentração alcoólica e atestar a suposta embriaguez do paciente. Cita a inovação da Lei n. 11.705/08.

Desta feita, pugna pela concessão da ordem em caráter definitivo, culminando no trancamento da ação penal.

Indeferida a liminar e prestadas as informações, foi proferido parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça opinando pela concessão parcial do writ, para trancar o procedimento penal em trâmite apenas com relação ao delito previsto no art. 306 do CTB.

[...]

Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos previstos nos arts. 305 e 306 Lei n. 9.503/97.

Pretende o impetrante obstar o curso da ação penal, argumentando, em síntese, a insuficiência de provas da materialidade do delito tipificado no art. 306 da Lei de Trânsito e a inconstitucionalidade do art. 305 da mesma lei.

De início, cumpre salientar que o pedido de trancamento da ação é medida excepcional, somente sendo admitida quando a mera exposição dos fatos evidencia a ilegalidade, ou quando se imputa ao paciente fato atípico, ou, ainda, quando ausente qualquer fundamento no inquérito para embasar a acusação.

[...]

1. DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97)

No dia 20 de agosto de 2007, por volta das 00:30 horas, o denunciado M.M.M., conduzindo o veículo Fiat Pálio, de placa MAZ 6551, pela Rua do Pedregal, Tapera, nesta Capital, sob influência de álcool, imprudentemente e sem observar as regras mínimas de direção, colidiu contra o veículo VW Gol, de placa MAC 1355.

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Ato contínuo, o denunciado, no intuito de fugir a sua responsabilidade penal e civil que lhe seria atribuída, evadiu-se do local do acidente, tendo sido encontrado por policiais militares no bairro Tapera e, ao ser submetido ao exame de bafômetro, o mesmo se recusou em fazê-lo, tendo o auto de constatação de sinais de embriaguez concluído que Marcelo Moraes Machado encontrava-se sob a influência de álcool.

Conforme ressaltado pelo representante do Ministério Público, o acusado deixou de proceder ao teste de bafômetro, havendo somente o auto de constatação de embriaguez como fundamento para a deflagração da ação penal.

Contudo, com a nova legislação vigente, tal documento é insuficiente para a configuração do crime de embriaguez ao volante.

Com a edição da Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008 houve substancial modificação no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que passou a vigorar com a seguinte redação:

[...]

Vê-se que diante do novo diploma legal, para a configuração do delito de embriaguez ao volante, faz-se necessário averiguar a existência de concentração de álcool no sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei.

A realização de prova técnica (exame de alcoolemia) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do delito, inviabilizando qualquer outro meio de prova.

Sobre o tema, Renato Marcão explica:

A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.

Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.

O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante; Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306, Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997

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(Código de Trânsito Brasileiro). Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p. 88).

Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva. Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe seja imposto por meras alegações, deve ela retroagir aos crimes praticados antes de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008, em obediência ao art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

[...]

Em razão disso, é certo que para a configuração do delito de embriaguez ao volante descrito na denúncia não basta que o agente esteja dirigindo sob o efeito do álcool, sendo indispensável verificar se a dosagem alcoólica é igual ou superior a 6 (seis) decigramas, pois, se assim for constatado, possível é o oferecimento da denúncia nos moldes em que foi proposta, como incurso no art. 306 do CTB.

[...]

Ausente tal constatação, falta justa causa para a deflagração da ação penal, visto que, com o advento da Lei n. 11.705/2008, a conduta descrita é carente de materialidade.

Conclui-se, por conseguinte, que a prova eventualmente produzida durante a instrução processual não levaria a outro resultado senão a absolvição do acusado.

É o julgado desta Corte:

Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n. 11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com fundamento no art.

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386, II, do Código de Processo Penal. (AC n. 2008.044859-6, de Caçador, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 21/10/08)

Desta feita, diante da essencialidade de exame de sangue no condutor do veículo ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro - popularmente denominado de "bafômetro", única forma capaz de aferir a materialidade delitiva descrita na denúncia, concede-se a ordem para o trancamento da ação penal no que se refere ao delito de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).

[...]

Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à unanimidade de votos, decidiu conceder a ordem em parte tão-somente para trancar a ação penal n. 023.07.121523-1 no tocante ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97.

[...]

No mesmo norte que os recursos de apelação criminal, o habeas corpus

tranca a ação penal pela negativa do acusado de fazer o teste do bafômetro.

3.1.6 HABEAS CORPUS N. 2009.043506-684, DE 15/09/2009 – CAPITAL.

RELATOR: DES. NEWTON VARELLA JÚNIOR.

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE DENUNCIADO POR CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997). FATO OCORRIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI N. 11.705/2008, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO TIPO PENAL, EXIGINDO A PRESENÇA DE CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. RETROATIVIDADE APLICADA (ART. 5º, XL, DA CF, E ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP).

84 CAPITAL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Habeas Corpus n. 2009.043506-6. Relator: Des. Newton Varella Júnior. Decisão prolatada em 15 setembro 2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 10 outubro 2009.

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AUSÊNCIA DE EXAME ESPECÍFICO A CONSTATAR O GRAU DE ALCOOLEMIA NO SANGUE DO AGENTE. IMPOSSIBILDIADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE. LAUDO CLÍNICO ATESTANDO O ESTADO DE EMBRIAGUEZ E CONFISSÃO DO RÉU QUE NÃO SUPREM A PROVA TÉCNICA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

Trata-se de habeas corpus impetrado por I.L.S. em favor de E.L.B., objetivando o trancamento da ação penal n. 023.08.012910-5, da 3ª Vara Criminal da comarca da Capital, em que é imputada ao paciente a prática do crime descrito no art. 306 da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro).

Alega que o constrangimento ilegal se dá pelo fato de não constar dos autos o exame técnico específico atestando a concentração no sangue do acusado acerca do teor alcoólico exigido pela nova redação do art. 306, dada pela Lei n. 11.705/2008, aplicável aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, por ser norma mais benéfica ao réu.

Aduz, ademais, que não há comprovação de que o paciente tenha causado concretamente qualquer perigo de dano na condução do veículo.

[...]

Importa destacar, antes de tudo, que o trancamento da ação penal via habeas corpus somente é admitido em situações excepcionalíssimas, assim consideradas nos casos em que emergir dos autos elementos suficientes a se concluir, de forma inequívoca, pela atipicidade da conduta, pela extinção da punibilidade ou pela inocência do acusado, por exemplo.

Narra a denúncia (fls. 17/18) que, no dia 16.2.2008, por volta das 23h, o paciente vinha conduzindo em via pública o veículo GM/Kadett, em alta velocidade, e, ao ser abordado por policiais militares em uma blitz, estes constataram estar o acusado em visível estado de embriaguez, embora tenha se negado ao teste de alcoolemia.

Assim, restou denunciado, em 26.5.2008, pela prática do crime descrito no seguinte dispositivo da Lei n. 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro:

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Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

De acordo com a lição de Damásio E. de Jesus, a conduta típica deste delito ‗consiste em conduzir veículo, sob a influência de substância inebriante, de forma anormal, expondo assim a segurança alheia a indeterminado perigo de dano (perigo coletivo)‘ (Crimes de trânsito. Anotações à parte criminal do código de trânsito, Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 147).

Ocorre que em 20.6.2008, como é sabido, adveio a Lei n. 11.705, que alterou a redação do caput do art. 306 do CTB, para os seguintes termos:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Nota-se, pois, que duas foram as alterações substanciais implementadas pela referida lei para a configuração do delito.

Uma trata-se da prescindibilidade de dano potencial à incolumidade pública, anteriormente exigida.

A outra refere-se à necessidade de comprovação da concentração de, no mínimo, 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue do condutor.

Acerca desta última, tem-se que a norma anterior considerava crime a direção ‗sob influência de álcool‘, sem delimitar o grau específico de concentração da substância no sangue, e a nova disposição prevê expressamente o mínimo exigido para a caracterização da infração, tornando-se necessário, diante do princípio da legalidade, que se proceda ao teste específico para se aferir com precisão se a concentração de álcool por litro de sangue do motorista excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

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Diante disso, constata-se que a nova legislação vem a ser mais benéfica ao réu, uma vez que a realização de prova técnica específica para averiguação do índice mínimo de alcoolemia no sangue do agente passou a ser essencial para a comprovação da materialidade do delito, não bastando a mera constatação de que o condutor do veículo estaria sob influência de álcool, que antes era suficiente para configuração do crime.

Consequentemente, é de se reconhecer a incidência no presente caso da atual norma prevista no art. 306 do CTB, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.705/2008, porquanto a Constituição da República, em seu art. 5º, XL, prevê expressamente que ‗a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu‘, não dispondo diferente o Código Penal:

Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (sem grifo).

Verifica-se, na situação em análise, que o exame químico, seja o toxicológico de sangue, seja o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro, mais conhecido como ‗bafômetro‘), não restou realizado, tendo sido efetuado tão-somente o exame clínico (Laudo Pericial à fl. 37), atestando o estado de embriaguez do réu, porém não determinando o grau de concentração de álcool no seu sangue, de modo a não possibilitar a conclusão de que houve a prática do delito em questão.

É certo que os agentes policiais afirmaram que o paciente estava, no momento dos fatos, em visível estado de embriaguez, e que o próprio confessou no seu interrogatório em Juízo (fl. 47) ‗que havia feito o uso de aproximadamente cinco cervejas‘.

Porém, tais provas não se mostram aptas a suprir a prova técnica, pois a concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue do motorista é elementar do tipo penal, de modo que, ausente a comprovação precisa deste limite imposto pela lei, não há como se aferir a materialidade do crime.

[...]

Ante o exposto, a Câmara decide conceder a ordem, determinando-se o trancamento da ação penal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho tratou das alterações no Código de Trânsito

Brasileiro, introduzidas pela Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008, que se originou

do Projeto de Lei n. 415 de 21, de janeiro de 2008.

O Brasil é um dos países com maior número de mortes no trânsito, sendo,

em sua maioria, provocadas por motoristas alcoolizados. O objetivo do legislador

ao editar a Lei Seca foi diminuir esses índices alarmantes.

A presente pesquisa iniciou com uma breve introdução sobre a teoria do

crime, abordando-se o conceito formal, material e analítico. Para esse último, e

considerada pela doutrina como a definição mais adequada, crime é um fato típico

e antijurídico, sendo ainda culpável para parte da doutrina. A partir da

decomposição do fato típico, demonstrou-se que seus elementos formadores são:

conduta humana, resultado, nexo causal e tipicidade.

Observa-se que, para caracterização do crime previsto no art. 306, objeto

deste estudo, o tipo penal descrito, exige-se 6 (seis) decigramas de álcool por litro

de sangue, que equivalem a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos

pulmões, no sangue do condutor; sem essa concentração etílica não haverá

crime.

Como demonstrado no segundo capítulo, o legislador inovou ao

estabelecer tolerância zero para configuração da infração administrativa.

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A simples influência de álcool já caracteriza a infração e sujeita o

motorista infrator às sanções administrativas que são aplicadas pelo Estado com

base no poder de polícia.

Verificou-se, ainda, que a diferença entre o crime de embriaguez ao

volante e a infração administrativa está na concentração de álcool encontrada no

sangue do condutor. Abaixo de 6 decigramas de álcool no sangue é infração e,

acima desse índice, crime.

Como visto, há controvérsias em relação à sua constitucionalidade, pois

há uma corrente doutrinária que acredita que ela fere alguns dos direitos

constitucionais, como o de não produzir prova contra si mesmo.

O legislador não instituiu a sua obrigatoriedade, podendo haver recusa

por parte do condutor de veículos automotores. O motorista pode recusar

submeter-se aos testes de alcoolemia, tendo em vista que todos os cidadãos

brasileiros, por força do art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,

não são obrigados a se autoincriminar, ou seja, não são obrigados a ceder seu

corpo ou parte dele para fazer prova contra eles mesmos. Entretanto, se essa for

sua opção, diante da suspeita de embriaguez, pelo agente de trânsito, incidirá nas

penas de infração administrativa, presumindo-se a influência de álcool.

Apenas o indivíduo voluntário à provação do próprio corpo sujeitar-se-á

ao processo criminal.

Ao contrário da infração administrativa, para a configuração do crime

impõe-se a concentração etílica, tipificada em lei. Também, observou-se que o

crime deixou de ser de perigo concreto para tornar-se de perigo abstrato, ou seja,

não necessita mais de expor a dano potencial a incolumidade de outrem, basta a

concentração de álcool no sangue, determinada pela Lei, para caracterizar o

crime.

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Quando o delito previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, for

praticado não sob a influência de álcool, mas de qualquer outra substância

psicoativa que determine dependência, não se exige concentração mínima,

estando o delito caracterizado qualquer que seja o grau de influência.

Foi visto que o objetivo maior da Lei é proteger o bem supremo que é a

vida, pois ela está ameaçada pelos condutores de veículo automotor que insistem

em dirigir embriagados, colocando-a em risco. Em razão disso, o legislador

buscou limitar a liberdade daqueles que bebem antes de dirigir para resguardar o

bem comum.

Para o mundo jornalístico, houve uma acentuada diminuição no índice de

acidentes de trânsito face à conscientização dos condutores de veículos

automotores frente a campanha ―não beber se for dirigir‖, além da economia

obtida após sua vigência com os tratamentos de saúde.

A nova lei está sendo ―vendida‖ midiaticamente como mais dura, mas não

é. Nisso reside um grande equívoco informativo, bobagens inoculadas que iludem

o imaginário popular brasileiro.

A moderna Criminologia mostra que é a fiscalização e a punição certa

que conduzem as pessoas à mudança de hábitos. A conscientização só acontece

quando há percepção de que a regra é ―pra valer‖. A eficácia da nova Lei Seca vai

durar o tempo que durar a fiscalização. Não se pode esquecer de que há falta de

estrutura para a beneficência da fiscalização, uma vez que nem todas, ou melhor,

uma minoria de viaturas possui bafômetro, e que a intenção do legislador foi a de

endurecer o Código de Trânsito contra todos os motoristas bêbados - que são

responsáveis pelas milhares de mortes por ano no Brasil. Mas uma coisa é o que

o legislador pretende fazer e outra, muito distinta, é o que ele escreve nas leis. A

técnica legislativa no nosso país é extremamente deficiente.

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Depara-se, então, com a questão fundamental que se coloca em

discussão, ao trazer os julgados colacionados no Tribunal de Justiça de Santa

Catarina.

Pelo exposto, certifica-se que os condutores que estão sendo

processados ou mesmo que já tenham sido condenadas pelo delito do art. 306,

cometido até o dia 19.06.08, desde que tenham sido surpreendidos com menos

de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue, ou que não se submeteram aos

testes de dosagem etílica, acham-se ―anistiadas‖ - por sua vez, anistia penal é a

anistia que extingue a punição penal para determinados fatos criminosos.

Consiste na decisão do Estado de não punir as pessoas já condenadas ou que

podem vir a ser condenadas por certos atos praticados, tipificados penalmente.

Em outras palavras: o que antes era delito se transformou em infração

administrativa. Nenhuma consequência penal pode subsistir para esses

motoristas; o que se sabe é que a lei veio beneficiar milhares de motoristas

embriagados que foram condenados ou que estão sendo processados pelos

delitos que cometeram.

Na verdade, a Lei Seca não beneficiou somente os que cometeram delito

até o dia 19.06.08. Ela é, também, extremamente favorável aos que vão delinquir

daqui para frente. Como já discutido, as únicas formas de se comprovar a taxa de

dosagem alcoólica são exame de sangue e bafômetro. A esses dois meios de

prova, o motorista suspeito não está obrigado a se submeter, porque ninguém é

obrigado a ceder seu corpo para fazer prova contra si mesmo.

É certo que nenhum outro meio consegue definir com precisão a

quantidade de álcool no sangue. Logo, se o motorista recusa um dos exames, só

responderá administrativamente por essa recusa e, nesse caso, ficará

praticamente impossível ao poder público comprovar o nível de dosagem

alcoólica no motorista.

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Diante de tal quadro, as investigações criminais em andamento, os

processos penais em curso, ou os que foram condenados com base em prova

testemunhal, ainda na vigência da antiga lei, todavia, onde não se fez prova

técnica ou, onde, ainda que feita, não se apurou presença de concentração de

álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, configurado

pelo novel diploma, estão fadadas ao insucesso, e devem ser absolvidos por falta

de certeza da materialidade do delito.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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outubro de 2009.

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BRASIL. Lei nº11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ‗institui o Código de Trânsito Brasileiro‘, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm>. Acesso em: 06 de maio de 2009.

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BRASIL. Medida provisória. Proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em

rodovias federais e acresce dispositivo à Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 21 de janeiro de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Mpv/415.htm>. Acesso em 15 de setembro de 2009.

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DOTTI, Renê Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. Volume 1: arts.1º a 120 do CP. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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ANEXOS

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ANEXO A - Apelação Criminal n. 2007.012824-4, de 30/01/2009 – Brusque.

Relator: Des. Solon d'Eça Neves.

Apelação Criminal n. 2007.012824-4, de Brusque

Relator: Des. Solon d'Eça Neves

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

- EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS

IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA -

RECURSO PROVIDO.

Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda

modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro,

que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor

alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de

sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova

testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime

ali previsto.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.

2007.012824-4, da comarca de Brusque (Vara Criminal e da Infância e

Juventude), em que é apelante Gilmar Hilleshein, e apelada a Justiça, por seu

Promotor:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, dar

provimento ao recurso para absolver o apelante em virtude da falta de

materialidade do delito. Custas legais.

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RELATÓRIO

Na comarca de Brusque, o representante do Ministério Público ofereceu

denúncia contra Gilmar Hilleshein, dando-o como incurso nas sanções do art. 306

da Lei n. 9.503/97, pelos fatos assim descritos na exordial acusatória:

Na madrugada do dia 13-3-2005, por volta da 1h, o denunciado Gilmar

Hilleshein conduzia pela Rua Inácio Walendowsky, 1º de Maio, neste município, o

veículo Ford/Corcel II, placas LZQ 4118, quando veio a colidir contra um portão.

Logo após a colisão, os policiais militares que atenderam a ocorrência

constataram que o denunciado Gilmar Hilleshein encontrava-se em nítido estado

de embriaguez.

Portanto, o denunciado conduzia o veículo automotor, em via pública, sob

a influência do álcool, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

Concluída a instrução criminal, o Magistrado julgou procedente a

denúncia para condenar o réu Gilmar Hilleshein ao cumprimento da pena de 6

(seis) meses de detenção, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, e suspensão

de habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 2 (dois) meses, por

infração ao art. 306 da Lei n. 9.503/97.

Por preencher os requisitos do art. 44 do CP, o réu teve a pena privativa

de liberdade substituída por uma prestação pecuniária estabelecida no valor de

R$ 600,00 (seiscentos reais) em favor da APAE daquela Comarca.

Irresignado com o teor do decisum, o réu, por intermédio de seu defensor,

interpôs recurso de apelação. Objetiva, em síntese, a reforma da sentença para

se ver absolvido, porquanto alega que foi equivocada a adoção do procedimento

da Lei n. 10.259/01, o que ensejaria a anulação do feito. Alternativamente, pleiteia

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a absolvição, pois comprovou nos autos ser portador de labirintite. Por fim,

assevera que inexistem nos autos provas seguras para uma condenação,

sobretudo o teste de alcoolemia.

Contra-arrazoado o apelo, os autos ascenderam a esta superior instância

e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Dr. Vilmar

José Loef, opinou pelo seu não conhecimento.

Esta Câmara não conheceu da apelação sob o argumento da

intempestividade.

Ato contínuo, a defesa interpôs revisão criminal que foi deferida, tendo a

Seção Criminal deliberado pela necessidade do conhecimento da apelação.

VOTO

O recurso merece provimento.

Inicialmente, vale registrar que o tipo penal ora em apreço foi alterado

com a publicação da recente Lei n. 11.705/2008, a qual acabou por assim

estabelecer a nova redação do art. 306 do CTB:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com

concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)

decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou

proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência

entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime

tipificado neste artigo".

Nesse ínterim, vale consignar igualmente a antiga redação:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de

álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a

incolumidade de outrem.

A edição da nova lei que alterou o tipo penal em exame, acabou por

trazer, de um lado, uma agravação da conduta, pois o crime, que era de perigo

concreto, passou a ser de perigo abstrato, bastando o fato de dirigir embriagado

com a concentração estipulada para caracterizá-lo.

Contudo, vale registrar que a modificação legislativa passou a incluir no

tipo a obrigatoriedade do exame de alcoolemia, sem o qual fica descaracterizada

a conduta.

Percebe-se, assim, que, muito embora seja a nova norma aparentemente

prejudicial aos agentes quanto às elementares, mostra-se mais benéfica quando

exige o teste específico da concentração de álcool.

Assim sendo, imperativa a obediência aos art. 5, XL, da Constituição da

República; art. 2º, parágrafo único, do Código Penal; art. 9º da Convenção

Interamericana de Direito Humanos e artigo XI, 2, da Declaração Universal dos

Direitos do Humanos, que garantem a retroatividade da norma benéfica.

Por conseguinte, em decorrência da aludida modificação no tipo penal,

considerando que não houve a realização do popular teste do "bafômetro", não há

materialidade do delito.

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Dessa feita, maneira outra não há senão absolver o apelante, pelo que

ficam prejudicados os demais pedidos defensivos.

DECISÃO

Ante o exposto, à unanimidade, dá-se provimento ao recurso para

absolver o apelante, nos termo do art. 386, II, do Código de Processo Penal.

O julgamento, realizado no dia 9 de dezembro de 2008, foi presidido pelo

Exmo. Sr. Des. Souza Varella, com voto, e dele também participou o Exmo. Sr.

Des. Claudio Valdyr Helfenstein. Funcionou como representante do Ministério

Público o Exmo. Sr. Dr. Demétrio Constantino Serratine.

Florianópolis, 11 de dezembro de 2008.

Solon d'Eça Neves

Relator

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ANEXO B - Apelação Criminal n. 2008.073958-3, de 20/10/2009 – Chapecó.

Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas.

Apelação Criminal n. 2008. 073958-3, de Chapecó

Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÂNSITO (ARTS. 306 E 309,

AMBOS DA LEI N. 9.503/97 C/C ART. 331 DO CP, EM CONCURSO MATERIAL).

SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). ALTERAÇÃO NO

TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08. APLICAÇÃO DE OFÍCIO.

EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE.

NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. RETROATIVIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DE

EXAME TÉCNICO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO POR

DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS E AUTO DE CONSTATAÇÃO DE

EMBRIAGUEZ. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. ABSOLVIÇÃO.

Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do

Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar -

etilômetro -, conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a

comprovação da materialidade do delito, não podendo ser suprido por prova

testemunhal.

DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO (ART. 309

DO CTB). PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E

AUTORIA EVIDENTES PELA CONFISSÃO JUDICIAL E PELOS DEPOIMENTOS

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DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA. PERIGO CONCRETO DE

DANO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DESACATO (ART. 331 DO CP). AGENTE QUE PROFERE PALAVRAS

OFENSIVAS A POLICIAIS. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. AUTORIA

E MATERIALIDADE COMPROVADAS PELA CONFISSÃO DO ACUSADO E

PELAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELAS VÍTIMAS. SENTENÇA

CONDENATÓRIA MANTIDA.

DOSIMETRIA. PLEITO DE MINORAÇÃO DA PENA EM FACE DA

CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE FIXADA NO

MÍNIMO LEGAL. OBSERVÂNCIA À SÚMULA 231 DO STJ. INADMISSIBILIDADE

DE REDUÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL NA SEGUNDA FASE. POSTERIOR

ADEQUAÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA ABSOLVIÇÃO DO APELANTE EM UM

DOS CRIMES.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.

2008.073958-3, da comarca de Chapecó, em que é apelante Vilmar César

Pinheiro e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime,

conhecer do recurso e dar-lhe provimento em parte. Custas legais.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público da Comarca de Chapecó/SC

ofereceu denúncia contra Vilmar César Pinheiro pela prática dos delitos definidos

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nos arts. 306 e 309 da Lei n. 9.503/97, em concurso material com o art. 331 do

Código Penal, assim descritos na inicial acusatória:

No dia 13 de outubro de 2007, por volta das 23 horas, uma viatura da

Polícia Militar de Chapecó, foi acionada, para atender à uma ocorrência, que se

registrava na rua Galvão nº 10, no bairro Cristo Rei, Chapecó, pois um automóvel,

tinha derrubado um muro da residência lá situada, quebrando o hidrômetro da

água e, só parando no pátio da casa.

Quando aportaram ao local, os agentes oficiais, verificaram que, o

veículo, se tratava de um Opala (Chevrolet), placas LZC-9572, que era pilotado

pelo denunciado VILMAR CESAR PINHEIRO, o qual, apresentava-se em visível

estado de embriaguez pois, mal conseguia pronunciar alguma palavra.

O acusado, recusou-se a efetuar o teste de bafômetro mas, por todas as

evidências e, pelo seu próprio comportamento, elaborou-se o auto de constatação

de ebriez (fls. 06), podendo-se afirmar que ele, dirigia veículo automotor, por via

pública, sob o efeito de álcool ou substância análoga, colocando em risco a

incolumidade alheia, tanto que, proporcionou o acidente já referido.

O acusado, também, dirigia o mencionado automotor, sem estar

habilitado para tanto pois não tinha carteira de motorista.

Depois que recebeu voz de prisão, o infrator, ainda dirigiu-se aos Policiais

Militares, com as seguintes expressões: '...vagabundos; sem vergonha; que não

eram homens e, iria pegar a família deles...", desacatando e humilhando os

funcionários públicos, que lá se encontravam, apenas no cumprimento de seu

dever legal.

Encerrada a instrução, o magistrado julgou procedente a denúncia para

condenar o acusado à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, em

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regime inicial aberto, e à suspensão por 2 (dois) meses da habilitação para dirigir

veículo automotor (caso o réu tenha conseguido tirar carteira de motorista após os

fato). Ao final, substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas

de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, em duas

entidades credenciadas junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à

razão de 02 horas diárias de serviço pelo tempo da pena aplicada, por infração ao

disposto nos arts. 306 e 309, da Lei 9.503/97, e art. 331, do Código Penal, c/c art.

69 do Código Penal. (fls. 90/104).

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (fls. 129/138),

objetivando sua absolvição e, sucessivamente, seja a pena reduzida para aquém

do mínimo legal, haja vista ser réu confesso, e em observância ao princípio da

ofensividade e lesividade. Por fim, caso mantida a condenação, requer a redução

das horas de serviço fixadas na substituição da pena privativa.

Em contrarrazões, requereu o apelado a manutenção da sentença

condenatória (fls. 139/ 145).

Ascenderam os autos e, nesta instância, manifestou-se a douta

Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Vilmar José Loef, pelo

conhecimento e improvimento do recurso (fls. 150/155).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório necessário.

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por Vilmar César Pinheiro contra

sentença que o condenou ao cumprimento de duas penas restritivas de direito,

consistente na prestação de serviços à comunidade, em duas entidades

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credenciadas junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 02

horas diárias de serviço pelo tempo da pena aplicada, como substituição da pena

privativa de liberdade fixada em 01 ano e 06 meses de detenção, em regime

inicial aberto, e à suspensão por 02 meses da habilitação para dirigir automotor,

por infração ao disposto nos arts. 306 e 309 da Lei 9.503/97, e art. 331 do Código

Penal, c/c art. 69 do mesmo diploma legal.

Pretende o apelante, em síntese, seja absolvido e, sucessivamente, seja

a pena reduzida para aquém do mínimo legal, ou ainda, seja reduzida as horas de

serviço fixadas na substituição da pena privativa.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e

passa-se à análise do seu objeto.

1 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB)

Vê-se que o sentenciante condenou o ora apelante pelo crime previsto no

art. 306 da Lei n. 9.503/97 com base no auto de constatação de embriaguez

lavrado durante a ocorrência, bem como pelos depoimentos dos policiais.

Contudo, tais meios probatórios, de acordo com a nova legislação vigente, não

podem servir de fundamento para caracterizar o estado de embriaguez.

Com a edição da Lei n. 11.705/08 houve substancial modificação no tipo

penal supracitado, sendo que para a configuração do delito de embriaguez ao

volante, faz-se necessário averiguar a existência de concentração de álcool no

sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei. É a redação do

dispositivo:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com

concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)

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decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência:

(...)

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência

entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime

tipificado neste artigo.

Posto isso, vê-se que a realização de prova técnica (exame de

alcoolemia) passou a ser imprescindível para caracterizar a materialidade do

delito, inviabilizando a prova testemunhal, que antes era considerada suficiente

para a condenação do condutor do veículo.

Sobre o tema, Renato Marcão explica:

A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do

art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador

passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306,

caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro

acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a

justificar a imposição de pena criminal.

Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que

exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.

O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante;

Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306,

Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista

Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p.

88).

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Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime

de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor

do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma

segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva.

Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida

substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite

imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a

constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe

seja imposto por meras alegações testemunhais, deve ela retroagir aos crimes

praticados antes de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008,

em obediência ao art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único,

do Código Penal.

É o posicionamento adotado por esta Corte:

MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA

ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE,

APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI

N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE

CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE

ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR

QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA

PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE

DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL

(NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE

DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO

ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR

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PROVA TESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO.

(AC n. 2008.030284-3, de Campos Novos, rel. Des. Substituto Tulio Pinheiro, j.

29/07/08)

"Com o advento da Lei n. 11.705/08, necessária a realização de exame

para se verificar com precisão se a concentração de álcool no sangue do

motorista é igual ou superior a 6 (seis) decigramas". (AC n. 2008.010810-4, de

São Joaquim, rel. Des. Subst. Victor Ferreira, j. 21/10/08)

Dessa forma, aplicando-se a nova lei ao caso sob análise, modifica-se a

sentença que condenou o apelante com base nas únicas provas colacionadas aos

autos, quais sejam, auto de constatação e depoimentos testemunhais, haja vista

não haver o dito exame técnico necessário para auferir se a conduta delitiva

praticada enquadra-se na nova redação do art. 306 do CTB.

Desta Primeira Câmara Criminal, extrai-se:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

- EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS

IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA -

RECURSO PROVIDO.

Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda

modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro,

que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor

alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de

sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova

testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime

ali previsto. (AC n. 2007.012824-4, de Brusque, rel.Des. Solon d'Eça Neves, j.

11/12/08)

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Ainda deste Tribunal:

Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6

(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo

descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n.

11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com

fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (AC n. 2008.044859-6,

de Caçador, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 21/10/08)

Verificado que as autoridades policiais não realizaram exame de sangue

no condutor do veículo nem mesmo procederam ao teste em aparelho de ar

alveolar pulmonar - etilômetro -, popularmente denominado de "bafômetro",

inexiste, pois, a materialidade delitiva descrita na denúncia.

Por fim, diante da ausência de prova técnica capaz de confirmar com

exatidão a concentração de álcool existente no sangue do apelante, impõe-se a

absolvição desse da imputação do crime de embriaguez ao volante, nos moldes

do art. 386, II, do Código de Processo Penal.

Dá-se provimento ao recurso no ponto.

2 DO CRIME DE DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SEM

HABILITAÇÃO (ART. 309 DO CTB)

A conduta praticada pelo apelante, além de configurar infração

administrativa, nos moldes do art. 162, inciso I, da Lei n. 9.503/97, também está

prevista como crime no art. 309 da mesma Lei, nota-se:

Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para

Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de

dano:

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Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

A materialidade do delito é evidente pelo auto de prisão em flagrante (fls.

02/04), e a autoria facilmente verificada pela confissão do apelante que, em juízo,

confirmou que não possuía carteira de habilitação na época dos fatos (fls. 49/50).

Fortalecendo os dizeres do condutor do veículo, tem-se o depoimento do

policial militar Ederlei João Giotto (fl. 63): " [...] o réu também não tinha habilitação

para guiar veículos [...]".

Sobre o tema, colhe-se os julgados desta Corte:

[...] A confissão judicial, quando fortalecida pelos demais elementos de

convicção, dentre eles a declaração do policial condutor, bem como o documento

expedido pelo departamento de trânsito, constitui elemento apto a demonstrar, de

forma inequívoca, a materialidade e autoria do delito, de modo a justificar a

imposição do decreto condenatório. [...] (AC n. 2009.003922-8, de São José do

Cedro, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 28/04/09)

CRIME DE TRÂNSITO. DIRIGIR SEM HABILITAÇÃO. ART. 309 DA LEI

N. 9.503/97. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E

AUTORIA COMPROVADAS. CONFISSÃO JUDICIAL. DEPOIMENTOS DE

POLICIAIS MILITARES FIRMES E COERENTES. CONJUNTO PROBATÓRIO

FIRME PARA EMBASAR O DECRETO CONDENATÓRIO. (AC n. 2008.001092-

6, de Palhoça, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 22/10/08)

Oportuno ressaltar a observação exposta pelo sentenciante (fl. 96) de que

"não se está diante de caso de extravio ou cassação de CNH, mas de total

desídia do denunciado em conduzir veículo sem sequer haver realizado exames e

testes necessários para a concessão da CNH".

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Assim, plenamente verificada a prática do crime previsto no tipo penal,

pois além de conduzir o veículo sem estar habilitado para tanto, sua conduta

revelou-se, efetivamente, perigosa, visto ter "adentrado no pátio da residência,

depois de destruir parte do muro e grade que cercam o imóvel, bem como destruir

o hidrômetro" (fls. 02/03).

ARNALDO RIZZARDO leciona:

Dirigir um veículo sem estar devidamente habilitado enquadra-se na

prática de um ato expressamente proibido pela lei, com ampla aptidão de causar

perigo e prejuízo não apenas ao trânsito, como à incolumidade física e patrimonial

de terceiros. É que se trata o veículo de um instrumento de perigo, devendo ser

manuseado ou acionado apenas por aqueles que se encontram em condições

pessoais e técnicas aptas para tanto (Comentários ao Código Brasileiro de

Trânsito, Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 472).

Diante das provas analisadas, não há que se falar em absolvição,

devendo ser mantida integralmente a sentença no ponto.

3 DO CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CP)

O apelante também foi condenado pela prática da conduta descrita no art.

331 do CP, verbis:

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em

razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

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Quanto à materialidade do delito de desacato, verifica-se que está

consubstanciado no boletim de ocorrência de fls. 05/06 e nos testemunhos dos

policiais que atenderam a ocorrência.

Do boletim de ocorrência (fls. 05/06) extrai-se "[...] que no local o autor

falou para os policiais que iam se encontrar, que ia matar os policiais, chamou de

vagabundo, sem vergonha, que não eram homens, que ia pegar a família dos

policiais, mulher e filhos".

A autoria, da mesma forma, é indiscutível, haja vista o próprio apelante ter

afirmado como verdadeira a imputação que lhe foi atribuída, bem como ter

mencionado, em seu interrogatório, que "xingou uma Policial na Delegacia" (fl.

50).

Em juízo, o policial Vanderlei Antonio Souza Dorneles mencionou que "[...]

o acusado inclusive 'falou um monte de besteira' para os policiais;[...]". (fl. 62)

Corroborando com o desacato praticado pelo apelante, tem-se o

testemunho de Ederlei João Giotto, o qual disse que o reú "[...] ao ser detido

acabou xingando os policiais, dizendo que não eram homens e que sabia onde

eles moravam. [...]". (fl. 63)

Há que se ressaltar que as declarações dos policiais têm forte valor

probante, já que inexiste qualquer razão de ódio ou exclusão de responsabilidade

a inspirá-la. Nesse sentido, é o entendimento de Júlio Fabbrini Mirabete:

(...) não se pode contestar, em princípio, a validade dos depoimentos dos

policiais, pois o exercício da função não desmerece, nem torna suspeito seu

titular, presumindo-se em princípio que digam a verdade, como qualquer

testemunha (...). (Curso de Processo Penal, 16° ed, São Paulo: Atlas, 2004, p.

332).

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Ademais, no que tange ao referido crime, sabe-se que detém previsão

legal somente a figura dolosa, ou seja, exige-se do agente a vontade livre e

consciente de humilhar, desprestigiar ou menosprezar o funcionário público,

quando esteja ele exercendo as suas funções, situação esta verificada no caso

sob análise.

O doutrinador Rogério Greco leciona sobre o crime de desacato:

O núcleo desacatar deve ser entendido no sentido de faltar como devido

respeito, afrontar, menosprezar, menoscabar, desprezar, profanar. Conforme

esclarece Hungria "a ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato

que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário.

É a grosseira falta de acatamento, podendo constituir em palavras injuriosas,

difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos

obscenos, gritos agudos, etc. (Código penal comentado, 2ª ed., 2009, p. 792/793)

Desta feita, pelos depoimentos acima transcritos, resta caracterizado o

crime de desacato, conforme vem entendendo este Tribunal de Justiça:

(...) DESACATO - AGENTE QUE, NO MOMENTO DA PRISÃO EM

FLAGRANTE, PROFERE PALAVRAS COM A INTENÇÃO DE DESRESPEITAR

POLICIAIS MILITARES NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO - PLEITO ABSOLUTÓRIO

- NÃO ACOLHIMENTO - DEPOIMENTOS COERENTES E UNÍSSONOS DOS

SERVIDORES QUE AUTORIZAM A CONDENAÇÃO. (..) (AC n. 2008.080530-1,

de Porto União, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 22/04/09)

(...) DESACATO. IMPROPÉRIOS PROFERIDOS PELA RÉ, CONTRA OS

AGENTES PÚBLICOS, QUE INDICAM O COMETIMENTO DO DELITO CONTRA

A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL. MANTENÇA DA CONDENAÇÃO. (AC n.

2008.077163-9, de Correia Pinto, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 17/02/09)

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Desta feita, configurado está o crime do art. 331 do CP, restando

arredado o pleito de absolvição.

4 DA DOSIMETRIA DA PENA

Por fim, merece reparo a dosimetria da pena, em razão do apelante ter

sido absolvido do crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).

Primeiramente, quanto ao pedido de minoração da pena aquém do

mínimo legal em razão da confissão, tal pleito não merece acolhimento, tendo em

vista que o togado singular fixou todas as reprimendas no mínimo.

Denota-se que embora a confissão não tenha interferido no cálculo da

pena, haja vista a Súmula n. 231 do STJ, a qual impossibilita a redução da pena

na segunda fase abaixo do mínimo legal, ela foi reconhecida pelo magistrado.

Preceitua a citada Súmula: "A incidência da circunstância atenuante não

pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Nesse sentido, tem-se os julgados:

[...] PRETENDIDA REDUÇÃO DA PENA EM VIRTUDE DA CONFISSÃO

ESPONTÂNEA. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. INTELIGÊNCIA DA

SÚMULA 231 DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE DIMINUIÇÃO DA REPRIMENDA

ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL, NA SEGUNDA FASE. [...] (AC n. 2009.002699-1,

de Araranguá, rel. Des. Torres Marques, j. 29/06/09)

DOSIMETRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE.

PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO

ESPONTÂNEA RECONHECIDA, MAS NÃO APLICADA, CORRETAMENTE,

PELO JUÍZO A QUO. INADMISSIBILIDADE DE REDUÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO

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LEGAL NA SEGUNDA FASE. (AC n. 2009.006264-3, de Chapecó, rel. Des.

Alexandre d'Ivanenko, j. 09/06/09)

[...]Não há falar-se em aplicação da atenuante da confissão espontânea

quando a pena-base for imposta em seu mínimo legal, em respeito a Súmula 231

do STJ, porquanto esta impede a fixação da reprimenda aquém dos limites

mínimos (AC n. 2007.064625-4, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 26/05/08).

Desta feita, mantém-se as penas impostas na sentença, com ressalva

quanto ao delito de embriaguez ao volante, visto ter sido dado provimento em

parte ao presente recurso, absolvendo o apelante de tal condenação.

Assim, resta apenas a condenação pelos crimes de direção de veículo

automotor sem habilitação (art. 309 do CTB), a qual restou fixada em 6 (seis)

meses de detenção, e o de desacato (art. 331 do CP), fixada também em 6 (seis)

meses de detenção, em concurso material (art. 69 do CP), totalizando em 1 (um)

ano de detenção.

Diante da adequação da reprimenda, substituo a privativa de liberdade

por uma restritiva de direito, nos termos do art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP,

consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública

credenciada junto ao Juízo das Execuções Penais da Comarca, à razão de 01

(uma) hora diária de serviço pelo tempo da pena aplicada, conforme art. 43, IV,

também do CP.

DECISÃO

Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à

unanimidade de votos, resolveu conhecer do recurso e dar-lhe provimento em

parte para, aplicando a Lei n. 11.705/08, decretar a absolvição do apelante quanto

ao crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, nos termos do art. 386, II, do Código de

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Processo Penal e, consequentemente, adequar a pena aplicada para manter

somente as condenações pelos crimes do art. 309 da Lei n. 9.503/97 e art. 331 do

Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP), finalizando a reprimenda em

1 (um) ano de detenção, substituindo-a por 1 (uma) restritiva de direito, nos

termos do art. 44, § 2º, 1ª parte, do CP, consistente na prestação de serviços à

comunidade ou a entidade pública credenciada junto ao Juízo das Execuções

Penais da Comarca, à razão de 01 (uma) hora diária de serviço pelo tempo da

pena aplicada, conforme art. 43, IV, também do CP.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des.

Newton Varella Júnior e Carlos Alberto Civinski.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr.

Procurador Humberto Francisco Scharf Vieira.

Florianópolis, 15 de setembro de 2009.

Marli Mosimann Vargas PRESIDENTE E RELATORA

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ANEXO C - Apelação Criminal n. 2009.040788-5, de 20/10/2009 – Blumenau.

Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva

Apelação Criminal n. 2009.040788-5, de Blumenau

Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva

APELAÇÃO CRIMINAL - CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB

EFEITO DE ÁLCOOL (CTB, ART. 306) - ALTERAÇÕES DA LEI N. 11.705/2008 -

VALOR TAXATIVO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - NOVATIO LEGIS IN

MELLIUS - RETROATIVIDADE IMPOSTA - (CF, ART. 5º, INC. XL E CP, ART. 2º,

PAR. UN.) - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ POR

MEIO DIVERSO DO PRECONIZADO NO TIPO PENAL - ABSOLVIÇÃO QUE SE

IMPÕE.

I - Com o advento da Lei n. 11.705/2008, o artigo 306 do Código de

Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca da comprovação de no mínimo 0,6g

(zero vírgula seis decigramas) de álcool por litro de sangue para se atestar a

embriaguez do condutor de veículo automotor. Nesse diapasão, pressupõe-se

que o novo diploma legal constitui norma mais benéfica, ao passo que, na antiga

redação do preceptivo legal em comento, não constavam dados objetivos para a

aferição do estado etílico ao volante, bastando, para tanto, que o motorista

apresentasse qualquer quantidade de álcool no sangue. Não restam dúvidas,

destarte, que a lei superveniente se reputa como novatio legis in mellius neste

ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer aqueles que se submeteram

ao exame de alcoolemia e apresentaram concentração alcóolica menor à agora

necessária para configuração do crime ou, ainda, aos que não fizeram o teste,

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mas contra os quais foram imputados a infração em destaque, na vigência da

norma pretérita (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º, parágrafo único).

II - O novel diploma legal em estudo também alterou o método de aferição

do grau de embriaguez do condutor, acabando por estabelecer que tal

procedimento passará a se limitar à utilização do bafômetro ou exame de sangue,

de modo a inviabilizar qualquer outro meio lícito de comprovação. Tal

entendimento fundamenta-se na tese de que, primeiro, por fixar um valor certo de

concentração alcóolica no sangue para fins de apuração da infração em tela, tem-

se que tal resultado somente poderá ser obtido por intermédio dos aludidos

meios, os quais podem aferir a presença da substância, bem como sua dosagem

na corrente sanguínea; segundo porque o art. 227, §2º, do CTB, que previa a

possibilidade de variação nos meios de provas, também passou por alterações, a

fim de que as declarações dos agentes de trânsito e outros elementos

comprobatórios somente se prestem à apuração da responsabilidade

administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (multa e

suspensão da habilitação), não se lhes admitindo como fundamento para a

condenação pela conduta descrita no art. 306 do CTB.

EMENDATIO LIBELLI (CPP, ART. 383) - VIABILIDADE -

DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 306 DO CTB PARA

CONTRAVENÇÃO PENAL (DEC. LEI N. 3.688/1941)- DIREÇÃO PERIGOSA DE

VEÍCULO EM VIA PÚBLICA (ART. 34) - INFRAÇÃO DE PERIGO ABSTRATO -

POSSIBILIDADE DE CONSTATAR A EMBRIAGUEZ POR OUTROS MEIOS DE

PROVA - PROVIDÊNCIA EX OFFICIO - TRANSCURSO DO LAPSO

PRESCRICIONAL DA PENA IN ABSTRATO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO

PUNITIVA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (CP, ART. 107, IV).

I - É possível a aplicação do instituto da emendatio libelli (CPP, art. 383)

em grau recursal, mormente se o réu defendeu-se genericamente dos fatos

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narrados na exordial acusatória, de sorte a não implicar em contrariedade à

Súmula 453 do Excelso Pretório, que trata apenas do art. 384 do Código de

Processo Penal (mutatio libelli).

II - Desse modo, ainda que se ateste, de plano, a ausência de justa causa

para deflagração da ação penal pela prática do crime definido no art. 306 do CTB,

em virtude da manifesta falta de materialidade, é de se convir que a conduta

narrada pelo membro do Parquet poderá ser enquadrada na contravenção penal

prevista no art. 34 (direção perigosa de veículo na via pública), razão pela qual

em se utilizando do expediente da emendatio libelli, sobretudo em prol da

economia processual, a providência mais adequada consistiria na revogação da

sentença, a fim de que se remetessem os autos ao Juizado Especial Criminal, a

teor dos arts. 60 e 61 da Lei n. 9.099/95.

III - Todavia, em decorrência da redefinição do fato criminoso tributado ao

réu, torna-se imperativo, o reconhecimento ex oficio do instituto da prescrição da

pretensão punitiva com base pena in abstrato (CP, art. 109, VI), a fim de se

decretar a extinção da punibilidade do réu.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.

2009.040788-5, da comarca de Blumenau(1ª Vara Criminal), em que é apelante A

Justiça, Por Seu Promotor, e apelado Douglas Willbert:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, negar

provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP,

desclassificar o tipo penal indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a

contravenção prevista no art. 34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência,

decretar a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva

(CP, art. 107, IV). Custas legais.

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RELATÓRIO

Na comarca de Blumenau, o Ministério Público, por seu promotor de

justiça, ofereceu denúncia em face de Douglas Willbert, pela prática do crime de

conduzir veículo automotor sob efeito de álcool (Lei n. 9.503/1997, art. 306),

conforme narra a exordial acusatória:

Na data de 12 de março de 2006, por volta das 05:45 horas, o

denunciado, sob efeito de bebida alcoólica, conduzia a motocicleta placa MGY-

7680, de Blumenau SC, pela rua Dr. Luiz de Freitas Melro, nesta, de modo a

expor a perido a segurança alheia. Na altura do nº411 da referida rua o

denunciado, transitando com passageiros sem capacete chamou a atenção da

guarda municipal que encontrava-se no local, que abordando-o constatou que

encontrava-se em visível estado de embriaguez, fato esse confirmado pelo forte

odor de bebida alcoólica além do modo agressivo que se expressava.

Recebida a peça acusatória em 1-7-2006 (fl. 35) e citado o réu (fl. 49),

este foi interrogado (fls. 52/54), após o que ofereceu defesa prévia (fl. 55).

Realizada a audiência (fl. 78), fora inquirida uma testemunha da acusação

(fls. 79/80).

O representante do Ministério Público apresentou suas alegações finais

(fls. 95/97), pugnando a condenação do réu. Em ato contínuo, o acusado

protocolizou suas derradeiras assertivas (fls. 103/109), pleiteando a decretação

da prescrição virtual e, alternativamente, absolvição.

Conclusos os autos (fls. 110/114), o Juiz de Direito Rafael Germer Condé

julgou improcedente a denúncia e, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, absolveu o

réu Douglas Willbert das sanções do art. 306 do CTB.

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Irresignado, o membro do Ministério Público interpôs recurso de apelação

(fls. 116/123) aduzindo existirem nos autos elementos comprobatórios da prática

delitiva apontada na denúncia, ainda que ausentes provas periciais, notadamente

os exames periciais de sangue ou bafômetro.

Frisou que, havendo recusa do motorista em realizar o teste de

alcoolemia, mostra-se perfeitamente viável a aplicação do disposto no art. 167 do

CPP, de modo que a prova testemunhal pode suprir a perícia.

Pleiteou, ao final, a reforma da sentença, no sentido de que Douglas

Willbert fosse condenado pela prática do crime previsto no art. 306 do CTB.

Após as contrarrazões (fls. 130/135), ascenderam os autos a esta egrégia

corte.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr.

Demétrio Constantino Serratine (fls. 142/144), manifestou-se pelo desprovimento

do recurso.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do

feito.

De início, verifica-se que a irresignição recursal cinge-se à possibilidade

de se comprovar a concentração de álcool por litro de sangue exigida pelo tipo

penal, vale dizer, igual ou superior a 6 (seis) decigramas (Lei n. 9.503/97, art.

306), através de outros meios de prova e não tão-somente por meio do teste do

bafômetro.

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Todavia, em que pese a aludida insurgência, cabe destacar que o

desprovimento do recurso é medida de rigor.

Isso porque, analisando os autos, denota-se a ausência do necessário

exame de teor alcoólico que atestasse a presença da concentração da substância

em seu organismo do apelante.

Nesse contexto, a imprescindibilidade do aludido laudo de alcoolemia

dera-se em face da significativa alteração do art. 306 do Código de Trânsito

Brasileiro, promovida pela Lei n. 11.705/2008, em vigor no país desde 20-6-2008,

trazendo aspectos de "novatio legis in mellius" e de "novatio legis in pejus".

Para tornar mais visível as modificações operadas pela recente Lei n.

11.705/2008, imperioso transcrever as disposições contidas no art. 306 da Lei n.

9.503/97, observando-se a antiga e a atual redação, respectivamente:

(Lei n. 9.503/97) Art. 306. Conduzir veiculo automotor, na via pública, sob

influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial

a incolumidade de outrem.

(Lei n. 11.705/2008) Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública,

estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6

(seis) decigramas, ou sob influência de qualquer outra substância pscioativa que

determine dependência.

Assim, como característica prejudicial ao réu, a nova redação passou a

exigir, como comprovação do crime de embriaguez ao volante, não mais que o

agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, bastando, para tanto,

que conduza veículo automotor, na via pública, com concentração alcóolica por

litro de sangue igual ou superior a 0,6 (seis decigramas), ou que esteja alterado

por uso de qualquer outra substância psicoativa que possa causar dependência.

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Dessa forma, tem-se que não mais desponta como requisito essencial a

direção ou a exposição de outros ao risco causado pela direção de condutor

fisicamente ou psicologicamente alterado pelo uso de substâncias alcóolicas ou

entorpecentes, perfectibilizando-se o delito tão-somente com a mera conduta em

dirigir embriagado, com concentração aferida através do aparelho de dosagem

alcoólica, ou sob influência de qualquer outro tipo de elemento que cause

dependência.

No entanto, ressalta-se novamente que, com o advento da Lei n.

11.705/2008, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro passou a dispor acerca

da comprovação de no mínimo 0,6g (zero vírgula seis gramas) de álcool por litro

de sangue para se atestar a embriaguez do condutor de veículo automotor.

Nesse diapasão, pressupõe-se que o novo diploma legal constitui-se

norma mais benéfica, ao passo que, na antiga redação do preceptivo legal em

comento, não constava dados objetivos para a aferição da embriaguez no volante,

bastando, para tanto, que o motorista apresentasse qualquer quantidade de álcool

no sangue. Não restam dúvidas, destarte, que a lei superveniente se reputa como

novatio legis in mellius neste ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer

aqueles que se submeteram ao exame de alcoolemia e apresentaram

concentração alcóolica menor à agora necessária para configuração do crime ou,

ainda, aos que não fizeram o teste, contra os quais foram imputados a infração

em destaque, na vigência da norma pretérita (CF/88, art. 5º, XL e CP, art. 2º,

parágrafo único).

Ademais, o novel diploma legal em estudo também procedeu alterações

no pertinente ao método de aferição do grau de embriaguez do condutor,

acabando por estabelecer que tal procedimento passará a se limitar à utilização

do bafômetro ou exame de sangue, inviabilizando-se qualquer outro meio lícito de

comprovação.

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Tal entendimento fundamenta-se na tese de que, primeiro, por fixar um

valor certo de concentração alcóolica no sangue para fins de apuração da

infração em tela, tem-se que tal resultado somente poderá ser obtido por

intermédio dos aludidos meios, uma vez que apenas esses é que podem precisar

o valor da presença da substância; segundo porque o art. 227, §2º, do CTB, que

previa a possibilidade de variação nos meios de provas, também passou por

alterações, a fim de que as declarações dos agentes de trânsito e outros

elementos comprobatórios somente se prestem à apuração da responsabilidade

administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro (multa e

suspensão da habilitação), não se lhes admitindo como fundamento para a

condenação pela conduta descrita no atual art. 306 da Lei n. 11.705/2008.

Nesse sentido, colhe-se dos ensinamento de Eduardo Luz Santos

Cabette:

A nova lei não mudou a redação do "caput" nem do § 1ºdo artigo 277,

CTB, de forma que os testes para aferição da alcoolemia ou efeito de substâncias

psicoativas permanecem os mesmos (exame de sangue, exames clínicos,

etilômetro, constatação pelo senso comum do agente de trânsito etc.).

Porém, o antigo § 2º, do artigo 277, CTB, foi cindido em dois novos

parágrafos (§§ 2º e 3º). O atual § 2ºaperfeiçoa a redação do anterior, reiterando

com melhor técnica a determinação de que a infração do artigo 165, CTB, poderá

ser caracterizada pelos agentes de trânsito por todos os meios legais de prova em

direito admitidos, "acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor

apresentados pelo condutor". Isso eqüivale a liberar, para fins administrativos, a

forma de comprovação da embriaguez ou efeito de substância psicoativa,

desatrelando a prova de uma única modalidade imprescindível que poderia ser a

prova pericial. Na verdade tal providência legislativa já havia sido levada a efeito

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pela Lei 11.275/06, que incluiu o anterior § 2º, no artigo 277, CTB, hoje

ligeiramente modificado.

Quando se afirma que as ligeiras modificações do § 2º, do artigo 277,

CTB, propiciaram a manutenção do sistema anterior, apenas aprimorando a

técnica da redação, refere-se ao fato de que a nova conformação do dispositivo

deixa muito mais claro que seu campo de incidência é estritamente administrativo,

não devendo extrapolar para a seara penal, com vistas ao artigo 306, CTB. Isso

porque na nova redação o legislador diz expressamente que é "a infração do

artigo 165, CTB", (administrativa), que pode ser comprovada por outros meios

legais de prova. No que tange à parte criminal segue imprescindível a prova

pericial ou ao menos a documentação formal do teste do etilômetro, a qual

poderia ser equiparada à primeira, não se podendo olvidar o disposto no artigo

158, CPP.

[...]

Mais uma mudança de relevo operou-se pela Lei 11.705/08. Trata-se da

nova redação dada ao artigo 306, CTB, que tipifica o crime de embriaguez ao

volante.

A partir de agora a lei estabelece como crime a simples conduta de

conduzir veículo automotor, na via pública, em duas situações:

a)Estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou

superior a 6 decigramas;

b)Estando sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência.

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Embora o legislador não tenha alterado a pena prevista para o crime em

destaque, percebe-se que forma levadas a efeito alterações profundas que

inclusive mudam a natureza do tipo penal.

A redação anterior do dispositivo também mencionava a condução de

"veículo automotor, na via pública". Nesse ponto não houve mudança. A definição

de "veículo automotor" segue sendo encontrável no Anexo I, intitulado "Dos

conceitos e das definições". Também o palco da conduta deve ser as "vias

públicas", de modo que se a direção embriagada se passa em local particular,

sem sequer acesso ao público, não se configura a infração.

Uma primeira alteração de monta se processa na situação de embriaguez

por álcool. Antes a lei incriminava a direção "sob influência de álcool", sem

delimitar um grau específico de concentração de álcool no sangue.

Agora, quando da ebriedade por álcool, exige a lei, para que o crime se

perfaça, a comprovação de ao menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue.

Anteriormente a esta mudança, quando a lei mencionava a fórmula mais

aberta da "influência de álcool", conformou-se o debate doutrinário, havendo dois

posicionamentos básicos:

a)Um pensamento de que a embriaguez somente seria caracterizada com

a comprovação da concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue,

embora o artigo 306, CTB, não a aventasse. Tal raciocínio baseava-se em uma

interpretação sistemática do CTB, fazendo uma correlação entre sua parte penal

e sua parte administrativa. Na época se correlacionava o artigo 306, CTB, com o

artigo 276, CTB, o qual estabelecia aquela concentração para a caracterização da

infração administrativa. Afinal, se tal parâmetro não fosse adotado, estar-se-ia

criando uma anomalia legal, vez que a infração meramente administrativa

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somente se configuraria com um grau de exigência maior, enquanto que a

infração penal ocorreria mesmo com níveis menores de alcoolemia, ao passo que

o natural é que o Direito Penal atinja infrações mais graves, deixando para o

campo administrativo as menores.

b)Outra corrente apregoava que em face do silêncio do tipo penal acerca

de qualquer concentração, a análise deveria ser casuística, devendo-se aferir se a

quantidade de álcool ingerida pelo infrator teria provocado alteração em seu

sistema nervoso, de modo a reduzir suas funções motoras e perceptivas,

ocasionando perigo na condução de veículos automotores.

Este segundo entendimento prevaleceu na doutrina. Inclusive, na

literatura internacional, encontra-se Pavón defendendo esta tese quanto à

interpretação da lei espanhola, que também mencionava "influência" de álcool,

sem definir uma determinada concentração etílica. Para a autora a fixação de

uma certa taxa à revelia da lei não encontra sustentação.

Não obstante, o quadro se modifica drasticamente após a Lei 11.705/08,

pois que, no caso do álcool, não faz mais menção à simples "influência" como

outrora. Exige agora a lei, para a comprovação da ebriedade, a constatação de

uma determinada concentração de álcool por litro de sangue (0,6 g/l).

Hoje não resta dúvida de que somente a comprovação da referida

concentração por meio de exames periciais e testes legalmente previstos

ensejará a responsabilização criminal.

É importante perceber que a questão do motorista sob efeito de álcool

tem distinto tratamento no âmbito administrativo e no penal. Na seara

administrativa o legislador é mais rigoroso. Impõe a "tolerância zero", dispondo

que qualquer concentração de álcool enseja a infração ao artigo 165, CTB pelo

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motorista (vide art. 276, CTB e art. 1º do Decreto 6488/08). Eventuais margens de

tolerância e os casos especiais em que sejam admitidas estão por ser definidas

pelo Contran e pelo Ministério da Saúde, sendo que, provisoriamente, acata-se

uma margem de tolerância para todos os casos da ordem de 0,2g/l (vide art. 1º,

§§ 1º a 3º, do Decreto 6488/08).

Já no campo penal somente configura crime a conduta daquele que dirige

sob efeito de álcool, mas com a concentração de 0,6 g/l de sangue ou mais.

Portanto, na atualidade, não bastará a mera constatação da "influência de

álcool", nem mesmo da embriaguez do condutor por outros meios de prova ou até

mesmo pelo exame pericial médico - legal clínico. Isso porque em nenhum desses

procedimentos é possível aferir o grau de concentração de álcool no sangue,

imprescindível para a caracterização da infração em destaque na atual

conformação legal.

Para a comprovação de infração ao artigo 306, CTB, devido ao álcool,

mister se faz atualmente o exame químico - toxicológico de sangue e/ou o teste

por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), ou seja, exames e testes que

determinam com segurança a taxa de alcoolemia, cujas respectivas equivalências

estão definidas no artigo 2º, I e II, do Decreto 6488/08, nos termos do artigo 306,

Parágrafo Único, CTB.

É interessante notar que o discurso de rigor do legislador, embora bem

aplicado na seara administrativa, não seguiu a mesma senda no âmbito criminal.

Afinal de contas, a partir da alteração legal, na verdade, por direção sob efeito de

álcool, só é preso em flagrante e, principalmente, condenado, quem quiser!

(Primeiras impressões sobre as inovações do código brasileiro de trânsito.

Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=11452&p=2. Acesso

em: 19-8-2008)

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No mesmo norte, extrai-se do escólio de Renato Marcão:

Observada a nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro,

fica claro em relação à embriaguez ao volante que só haverá processo e eventual

condenação se houver prova técnica (bafômetro, por exemplo), indicando a

presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6

(seis) decigramas. A prova testemunhal isolada não é suficiente.

Nesse sentido, a nova redação do art. 306 é mais benéfica que a redação

anterior em relação ao réu que responde criminalmente pela conduta em

comento, pois cria obstáculo à configuração do ilícito, estabelecendo elementar

antes não prevista.

Por força do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do

parágrafo único do art. 2º do Código Penal, a lei posterior benéfica deve retroagir

em favor do réu.

Diante de tal quadro, as investigações criminais em andamento

relacionadas com o delito de embriaguez ao volante os processos penais em

curso, onde não se fez prova técnica ou, onde, ainda que feita, não se apurou

presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6

(seis) decigramas, estão fadadas ao insucesso.

Os inquéritos policiais onde não se produziu referida prova não poderão

resultar em ação penal; as ações penais em curso, sob tais condições, não

poderão ensejar condenação. (Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e

teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997

(Código de Trânsito Brasileiro). Disponível em: http://jus2.uol.Com.br/

doutrina/texto.asp?id=11454. Acesso em: 19-8-2008)

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E por fim, elenca-se excerto de entrevista concedida à Carta Forense pelo

professor Fernando Capez, na qual afasta, inclusive, a utilização do bafômetro:

O critério foi infeliz e compromete toda a eficácia da norma. Se não

houver modificações, a médio prazo, a lei tornar-se-á lamentavelmente, ineficaz.

O propósito do legislador foi digno de encômio, mas a técnica jurídica empregada

foi inadequada. Explico: No momento em que o nível de alcoolemia (6 decigramas

de álcool por litro de sangue) foi inserido como elementar do tipo incriminador,

tornou-se imprescindível a comprovação cabal dessa dosagem sob pena de

atipicidade da conduta. O nível de álcool, por se tratar de medida técnica,

necessita de demonstração pericial. Em outras palavras, não se consegue extrair

o nível de alcoolemia mandando o agente "fazer o quatro" ou "dar uma

andandinha" ou ainda "falar 33 no consultório médico". A Lei fala em 6

decigramas de álcool por litro de sangue, tornando-se imprescindível, perdoem-

me a redundância, o exame de sangue. Não ha como substituir essa prova, nem

mesmo pelo etilômetro, vulgarmente denominado bafômetro. É certo que o art.

277, caput, fala da possibilidade desse e de outros meios de aferição da prova,

assim como o Decreto n. 6.488/2008 fala na equivalência entre os distintos testes

de alcoolemia, todavia, como o tipo incriminador fala em álcool no sangue, a

prova mais segura se dará por esse meio. [...] O certo é que a prova testemunhal

será incapaz de suprir o exame de corpo de delito e qualquer outro exame

pericial, que não meça diretamente a concentração de álcool por litro de sangue,

tornando dúbia a presença da elementar de natureza objetiva, imprescindível para

a configuração do fato típico. O problema é que ninguém está obrigado a fazer

prova contra si mesmo e sem a colaboração do condutor supostamente

embriagado, será impossível a afirmação de que praticou tal crime. O tipo, desde

o seu nascimento, já se encontra marcado para morrer. O melhor a fazer é

substituir o nível de alcoolemia como elementar do tipo pela mera expressão sob

influência de álcool ou substância de efeitos análogos.

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[...]

Nos termos do art. 43, inciso I, do CPP "a denúncia deve ser rejeitada

quando o fato narrado não constituir infração penal". Sem a prova pericial, a

denúncia não pode descrever o nível de alcoolemia e sem isso evidentemente

não há crime. (Carta forense, agosto de 2008, p. 12/13)

Dessa forma, por todos os motivos expostos, verifica-se que a lei, ao

consagrar como elementar do tipo insculpido no art. 306 do CTB medida objetiva

para aferição da embriaguez, acabou por afastar a possibilidade de comprovação

do delito (responsabilização criminal por embriaguez ao volante) por outros meios

que não o aparelho de bafômetro ou o exame de sangue, por serem os únicos

capazes de oferecer tal valor. Ademais, como acima ressaltado, o dispositivo que

previa esta possibilidade também foi alterado pela Lei n. 11.705/2008, passando a

se referir apenas ao art. 165, que trata da sanção administrativa a ser imposta ao

condutor embriagado.

Assim sendo, em que pese o legislador objetivar tratar com maior rigor a

prática da direção de veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer outra

substância que cause dependência, acabou por criar situação mais benéfica ao

agente.

A propósito, colhe-se do recente posicionamento desta corte de justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESUAL PENAL. RECURSO DA DEFESA.

SUSTENTADA NULIDADE DO PROCESSO AO ARGUMENTO DE QUE A

SITUAÇÃO FLAGRANCIAL FOI INOCORRENTE. INVIABILIDADE. FLAGRANTE

PRÓPRIO CARACTERIZADO. EVENTUAIS VÍCIOS DO

FLAGRANTE/INQUÉRITO QUE, ADEMAIS, NÃO CONTAMINAM A AÇÃO

PENAL. PROEMIAL AFASTADA.

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MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA

ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE,

APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI

N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE

CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE

ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR

QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA

PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE

DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL

(NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE

DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO

ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR

PROVA TESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO.

(Ap. Crim. n. 2008.030284-3, de Campos Novos, Rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em

29-7-2008).

Nesta alheta, todos os motoristas que, ainda na vigência da antiga lei,

foram condenados com base em prova testemunhal, todavia, não se submeteram

ao teste de alcoolemia ou não atingiram o patamar exigido para a configuração do

crime pelo novel diploma, devem ser absolvidos por falta de certeza da

materialidade do delito.

In casu, faz-se imperativo consignar que muito embora o fato tenha

ocorrido em 12-3-2006, ou seja, em data bem anterior à inovação normativa em

comento, demanda a aplicação da atual redação do art. 306 do CTB, uma vez

que, não obstante preconizar aspecto mais gravoso ao agente em razão de

excluir a exigência de exposição da incolumidade a dano potencial, mostrou-se

mais benéfico ao determinar o índice mínimo de concentração de álcool no

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sangue do condutor, por meio de exames físico-químicos, como forma de

comprovação da responsabilidade criminal por embriaguez ao volante.

Desse modo, na hipótese ora apreciada, verifica-se que não houve a

comprovação do índice alcoólico referido, tendo o apelante se recusado a

submeter-se ao etilômetro, valendo-se da prerrogativa constitucional prevista no

art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.

Destarte, muito embora exista nos autos o boletim de ocorrência (fls. 7/8),

assim como os depoimentos do agente de trânsito fls. 79/80) afirmando a recusa

do apelado em realizar o teste de bafômetro, assim como que o apelado se

encontrava em estado de embriaguez, não há como inferir a dosagem da

substância no sangue do agente, em razão da inexistência do exame de

alcoolemia, condição necessária para a responsabilização pelo crime previsto no

art. 306 da Lei n. 11.705/2008.

Desta forma, em remanescendo dúvida a respeito da materialidade

delitiva quanto ao crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, em

razão de que o teor de 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue no

organismo do acusado não pode ser comprovado por simples prova testemunhal

e/ou documental, esta última diversa do preconizado do referido dispositivo, deve

ser mantida a absolvição do apelante, nos termos do art. 386, II, do Código de

Processo Penal.

Todavia, embora não subsista o fundamento que sustenta a condenação

a quo, a decisão merece reforma por outro motivo, cuja decretação, de ofício, é

medida de rigor.

Isso porque, revela-se possível, in casu, a desclassificação da conduta do

apelado, mediante o instituto processual da emendatio libelli (CPP, art. 383, §2º),

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para o tipo penal previsto no art. 34 da Lei de Contravenções Penais (Dec. Lei n.

3.688/1941), em razão da existência nos autos de elementos probatórios que

autorizariam, em tese, a sua condenação pela aludida contravenção, o que

tornaria inviável, assim, sua absolvição (CPP, art. 386, VII) e, por consequência,

deve a sentença combatida ser cassada, neste ponto, a fim de que os autos

sejam remetidos ao juízo competente (Lei n. 9099/95, art. 60 c/cart. 61) para sua

posterior deliberação.

Inicialmente, é cediço ser possível a aplicação do instituto da emendatio

libelli (CPP, art. 383) em grau recursal, ainda que se trate de recurso contra

sentença de absolvição sumária (CPP, art. 397), de sorte a não implicar em

contrariedade à Súmula 453 do Excelso Pretório, que trata apenas do art. 384 do

Código de Processo Penal (mutatio libelli).

Acerca do tema, colhe-se precedente orientação do Superior Tribunal de

Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DUPLICATA

SIMULADA. DENÚNCIA. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DO

FATO. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. APLICAÇÃO DO ART. 383 DO

CPP. CRIME PRÓPRIO. CO-AUTORIA. POSSIBILIDADE. APONTADA

VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE

APRECIAÇÃO NA VIA ELEITA.

I - Não cabe o exame de violação à dispositivo constitucional em sede de

recurso especial, conquanto se admite apenas a apreciação de questões

referentes à interpretação de normas infraconstitucionais (Precedentes).

II - O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e

não da capitulação jurídica dada na denúncia.

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III - Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto pela

sentença, quanto em segundo grau, via emendatio libelli (Precedentes).

IV - O delito de duplicata simulada (art. 172 do CP) exige que o agente

emita duplicata que não corresponda à efetiva transação comercial e, por se tratar

de crime próprio ou especial, admite co-autoria ou participação (Precedente).

Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido (REsp n. 975962/CE,

rel. Min. Felix Fischer, j. em 19-2-2009). (grifou-se).

Nessa linha de raciocínio, a partir da análise do aludido parecer, verifica-

se que este delineia a viabilidade de desclassificação da conduta pelo qual o

apelado restou denunciado, vale dizer, do crime previsto no (revogado) art. 306

do CTB, para a contravenção prevista no art. 34 do Dec.Lei n. 3.688/1994, esta

último a saber:

Art. 34. Dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas

públicas, pondo em perigo a segurança alheia:

Pena - prisão simples, de quinze das a três meses, ou multa.

Desse modo, a desclassificação do crime de embriaguez no volante,

previsto no art. 306 do CTB, para a referida contravenção possibilitará a

comprovação, por meio de outros meios de prova, mormente a testemunhal, do

estado de embriaguez do apelado na data dos fatos, já que este não realizou o

teste do bafômetro (fl. 10), o que inviabilizou o processamento do feito pela

suposta prática do crime previsto no art. 306 do CTB.

Seguindo essa linha de raciocínio, imperioso ressaltar que a contravenção

penal de direção perigosa de veículo em via pública, a qual se encontra inserida

no capítulo referente à defesa da incolumidade pública, é considerada como de

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perigo abstrato, ou seja, prescinde de ocorrência de efetivo perigo a determinada

pessoa, bastando, tão-somente a possibilidade de risco à segurança alheia.

No ponto, Guilherme de Souza Nucci assevera que o crime de perigo

abstrato é aquele em que "a probalidade de ocorrência de dano está presumida

no tipo penal" (Manual de direito penal, 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007, p. 172).

Desse modo, a doutrina é firme em considerar a contravenção penal em

foco como de perigo abstrato, senão vejamos.

Victor E. Rios Gonçalves, manifestando-se a respeito do tema, ensina :

Apesar de divergências, prevalece o entendimento de que a contravenção

em tela é de perigo abstrato ou presumido (Contravenções penais, 8 ed., São

Paulo: Damásio de Jesus, 2004, p. 55). (grifou-se).

No mesmo sentido é a posição de Damásio de Jesus:

De acordo com a orientação prevalente, a contravenção do art. 34 é de

perigo, prescindindo de dano material ou pessoal. (Lei das contravenções penais

anotada, 10 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 116).

Em decorrência de tal circunstância, o simples fato de o motorista

encontrar-se embriagado e dirigindo veículo automotor mostra-se hábil para

caracaterizar a contravenção em voga, conforme orientação deste Tribunal:

Contravenção penal - Direção perigosa de veículo em via pública - Agente

em visível estado de embriaguez - Perigo presumido - Inteligência do art. 34, da

LCP - Infração caracterizada - Condenaçãomantida. (Ap.Crim. n. 33.962, de Porto

União, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. em 5-12-1995). (grifou-se).

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Do corpo do referido acórdão, extrai-se excerto da fundamentação:

De fato, como bem salientou o ilustre Procurador de Justiça, em seu bem-

lançado parecer, com relação à argumentação da verificação de perigo in

concreto para que se reconheça o tipo legal infringido, alegada pelo apelante tem-

se que, para a configuração da contravenção em estudo basta a mera conduta

que traduza perigo à incolumidade pública, sem a necessidade da ocorrência de

perigo concreto. O perigo é presumido, ante a ocorrência do fato em local público

(dirigir em estado de embriaguez), não havendo necessidade da ocorrência de

dano efetivo.

Damásio E. de Jesus, na obra Lei das Contravenções Penais Anotadas

(Ed. Saraiva, 1993, pág. 34), anota:

"O simples fato de o agente dirigir veículo em estado de ebriez tipifica a

conduta descrita no art. 34 da LCP prescindido-se de perigo concreto. Trata-se de

infração de perigo abstrato: JTACrim.SP, 26:333, 28:312, 29:158, 40:144 e 259,

66:401 e 453, 67:268, 69:487, 71:388, 72:216, 73:268 e 392, 75:380".

[...]

Acrescenta-se acórdão da lavra do eminente Des. Tycho Brahe, na

Apelação Criminaln.quando sustenta.

"Inobstante a existência de acórdão, em tudo e por tudo respeitáveis,

afirmando que só a embriaguez, por si só, não tipifica a contravenção elencada no

artigo 34 da lei específica (RT 416 270; 429/430), trazidos à colação pelo

apelante, a Câmara, data venia, entende que 'É genérico o perigo a que se refere

o artigo 34 da Lei das Contravenções; e quem em estado de ebriedade guia

automóvel, desenganadamente arrisca a alheia segurança, por não ter perfeita

consciência do seu agir, não possuir convenientes freios inibitórios, o que é

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fundamental para a boa condução de veículo motorizado, tem seus reflexos

retardados' (Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, vol. 21, pág.

110)". (grifou-se e destacou-se).

Em caso semelhante, essa Corte de Justiça já decidiu:

DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO. CONTRAVENÇÃO PENAL.

ARTIGO 34 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. CONFIRMAÇÃO DO

DECRETO CONDENATÓRIO.

A direção de veículo em estado de embriagues (sic), independentemente

do dano efetivo, por envolver um perigo real e palpável para os destinatários da

via pública, constitui a contravenção de que trata o artigo 34 da LPC. (Ap.Crim. n.

33.132, de Braço do Norte, rel. Des. Napoleão Amarante, j. em 20-6-1995).

(grifou-se).

E ainda:

Contravenção Penal. Direção perigosa de veículo na via pública.

Sentença confirmada.

Agente que dirige veículo em via pública em estado de embriaguez, já

tipifica a conduta, porquanto o perigo é genérico (incolumidade pública), não

exigindo a lei, para sua configuração que da conduta do agente resulte perigo

direto e iminente a uma pessoa ou grupo de pessoas. Inteligência do art. 34 da

Lei das Contravenções Penais. (Ap.Crim. n. 28.066, de Itajaí, rel. Des. Solon

d'Eça Neves, j. Em 6-4-1992).

Nesse contexto, narra a exordial acusatória que "na data de 12 de março

de 2006, por volta das 05:45 horas, o denunciado, sob efeito de bebida alcoólica,

conduzia a motocicleta placa MGY-7680, de Blumenau SC, pela rua Dr. Luiz de

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Freitas Melro, nesta, de modo a expor a perido a segurança alheia". (fl. 2) (grifou-

se).(grifou-se).

Desse modo, de acordo com a fundamentação alhures transcrita, verifica-

se ser viávela possibilidade de o apelado vir a ser, em tese, condenado pela

aludida contravenção, haja vista a eventualidade de se aferir seu estado de

embriaguez por outros meios lícitos de prova sem a utilização do bafômetro ou

exame de sangue, como determina o art. 306 do CTB.

Ademais, apenas a título argumentativo, poder-se-ia pressupor que o

crime definido no art. 306, revogou, ainda que parcial e implicitamente, a

contravenção (art. 34), porse tratarem da mesma matéria.

Entretanto, vale frisar que não há falar-se, no caso, em revogação, uma

vez que, além de aludido crime tratar-se de normal especial e a contravenção de

norma de caráter geral, cuidam os institutos de bem jurídicos diversos, vale dizer,

aquele, em seu art. 306, é considerado de perigo concreto enquanto esta, no art.

34, é reputada como de perigo abstrato.

Acerca do tema em apreço, leciona Arnaldo Rizzarto:

O tipo penal consiste na exposição da incolumidade de outrem a dano

potencial, ou que se coloque em risco a segurança de outra pessoa. De modo

que, trafegando em via pública, sem transeunte algum naquele local e horário, ou

sem passageiros, não expõe ninguém a perigo de dano potencial. Não afasta,

porém, a viabilidade da contravenção penal de direção perigosa. (Comentários ao

código de trânsito brasileiro, 4 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.

641). (grifou-se).

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O Superior Tribunal de Justiça também já consolidou o entendimento de

que o crime de embriaguez ao volante (art. 306) é considerado como delito de

perigo concreto:

PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO CONCRETO.

DEMONSTRAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA. INOCORRÊNCIA.

O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97,

por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração

da potencialidade lesiva.

In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão

pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente.

Recurso provido, absolvendo-se o réu-recorrente. (REsp n. 515526, rel.

Min. Felix Fischer, j. em 2-12-2003). (grifou-se).

Desse modo operada a aludida desclassificação, verifica-se que o

máximo da pena privativa de liberdade cominada a contravenção do art. 34 da Lei

de Contravenções Penais, é de 3 (três) meses de prisão simples.

Nesse norte, levando-se em consideração os prazos prescricionais

abstratamente previstos nos incisos do art. 109, do CP, a prescrição punitiva do

referido delito seria alcançada em 2 (dois) anos (CP, art. 109, VI) a contar do dia

em que o suposto crime se consumou (CP, art. 111, I), ou seja, em 12-3-2006.

Assim, tendo transcorrido mais de 3 (três) anos do possível cometimento

da aludida infração penal, impõe-se também, ao réu, o reconhecimento da

extinção da punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva.

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Dessa forma, transcorrido o prazo prescricional abstratamente previsto no

inciso VI, do art. 109, do CP, deve ser decretada, de ofício, a extinção da

punibilidade do apelado em relação a desclassificação adrede operada.

À vista do exposto, o voto é no sentido de negar provimento ao recurso e,

de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP, desclassificar o tipo penal

indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a contravenção prevista no art.

34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência, decretar a extinção da

punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva (CP, art. 107, IV).

DECISÃO

Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, negar

provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do §2º do art. 383 do CPP,

desclassificar o tipo penal indicado na peça de denúncia (CTB, art. 306) para a

contravenção prevista no art. 34 do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por conseqüência,

decretar a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva

(CP, art. 107, IV).

Participaram do julgamento, em 22 de setembro de 2009, os Exmos. Srs.

Desembargadores Sérgio Paladino (Presidente) e Tulio Pinheiro.

Florianópolis, 30 de setembro de 2009.

Salete Silva Sommariva

RELATORA

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ANEXO D - Habeas Corpus n. 2008.058052-6, de 06/11/2008 – Balneário

Camboriu. Relator: Des. Sérgio Paladino.

Habeas Corpus n. 2008.058052-6, de Balneário Camboriú

Relator: Des. Sérgio Paladino

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PRETENDIDO TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DO TESTE DO BAFÔMETRO. PROVAS TESTEMUNHAIS. DELITO PERPETRADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 11.705/2008, QUE EXIGE A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O VEÍCULO COM SEIS OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI PENAL NO TEMPO MAIS BENÉFICA, NESTE PONTO, AO PACIENTE. RETROATIVIDADE QUE SE IMPÕE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM ANDAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

A lei posterior que de alguma forma beneficia o réu deve incidir,

imediatamente, nos processos em andamento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.

2008.058052-6, da comarca de Balneário Camboriú (2ª Vara Criminal), em que é

impetrante e paciente Gênesis Naoe de Oliveira:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, à unanimidade, conceder a

ordem para trancar o inquérito policial. Sem custas.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado, em causa

própria, por Gênesis Naoe de Oliveira contra decisão do Dr. Juiz de Direito da 2ª

Vara Criminal da comarca de Balneário Camboriú, que determinou a expedição

de carta precatória à comarca da Capital, com vistas à realização da audiência de

transação penal a ser proposta pelo representante do Ministério Público, nos

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autos n. 005.08.005478-6, a que responde por infração, em tese, ao art. 306 da

Lei n. 9.503/97.

Objetiva o trancamento do inquérito policial ao argumento de que está

sofrendo constrangimento ilegal em face da ausência de justa causa para o

respectivo prosseguimento, enfatizando que, embora o delito tenha sido, em tese,

perpetrado antes da edição da Lei n. 11.705/08, a novel legislação condicionou a

responsabilização criminal à comprovação de que o agente esteja conduzindo o

veículo com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu

organismo, independentemente de haver exposto a dano potencial a

incolumidade pública.

Portanto, sendo a lei posterior mais benéfica do que a revogada, que não

exigia a demonstração de qualquer índice de teor alcoólico no sangue, deve

retroagir à data dos fatos, por força do preceito inscrito no art. 2º, parágrafo único,

do Código Penal.

Colacionou alguns julgados, dentre os quais um recente desta Câmara,

requerendo, por isso, a concessão da medida liminar para trancar o procedimento

investigativo (fls. 02/11).

A petição inicial veio instruída com documentos (fls. 12/112).

Indeferida a liminar (fl. 114) e prestadas as informações (fls. 118/119),

manifestou-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Dr.

Humberto Francisco Scharf Vieira, pela concessão da ordem (fls. 122/125).

VOTO

Impõe-se a concessão da ordem.

Com efeito, extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante no

dia 3 de abril do corrente pela perpetração, em tese, do delito definido no art. 306

da Lei n. 9.503/97, em virtude de se haver envolvido em acidente de trânsito,

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constatando os policiais militares que atenderam à ocorrência que ele estava em

visível estado de embriaguez, tendo se recusado a realizar o teste do bafômetro.

A Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008 alterou o art. 306, do Código de

Trânsito Brasileiro, condicionando a caracterização do delito à comprovação, por

meio de exames físicos-químicos, de que o agente esteja conduzindo o veículo

com seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue em seu organismo,

independemente de ter exposto a dano potencial a incolumidade pública.

Como a novel lei contém norma de direito material mais benéfica, visto

que a legislação anterior não exigia a demonstração de qualquer índice de teor

alcoólico no sangue, deve retroagir à data dos fatos, uma vez que se trata de

evidente novatio legis in mellius, nos termos do parágrafo único do art. 2º do

Código Penal.

A respeito, assentou esta Câmara, em precedente pesquisado pelo Dr.

Procurador de Justiça:

Omissis.

MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE, APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL (NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR PROVATESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO (APR n. 2008.030284-3, de Campos Novos, rel. Des. Tulio Pinheiro).

DECISÃO

Ante o exposto, concedeu-se a ordem para trancar o inquérito policial.

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Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores,

os Exmos. Srs. Des. Irineu João da Silva e Tulio Pinheiro, emitindo parecer pela

douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira.

Florianópolis, 21 de outubro de 2008.

Sérgio Paladino

PRESIDENTE E Relator

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ANEXO E - Habeas Corpus n. 2009.021970-9, de 29/06/2009 – Capital.

Relatora: Des. Marli Mosimann Vargas.

Habeas Corpus n. 2009.021970-9, da Capital

Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas

HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIMES DE

TRÂNSITO.

ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO DELITO DE

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97) - ACOLHIMENTO -

TESTE DE BAFÔMETRO NÃO REALIZADO - IMPOSSIBILIDADE DE

COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O

ADVENTO DA LEI N. 11.705/08 - EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA

DE ÁLCOOL NO SANGUE - IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO -

WRIT CONCEDIDO NO PONTO.

Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do

Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar -

etilômetro - conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a

comprovação da materialidade do delito, sendo que sua ausência configura falta

de justa causa para o prosseguimento da ação penal.

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DA LEI N. 9.503/97 - TESE

ARREDADA - CURSO DA AÇÃO PENAL MANTIDO.

ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.

2009.021970-9, da Comarca da Capital, em que é impetrante Frederico Zanotelli

dos Santos, sendo paciente Marcelo Moraes Machado:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime,

conceder em parte a ordem.

RELATÓRIO

Cuida-se de ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado

pelo advogado Frederico Zanotelli dos Santos, em favor de Marcelo Moraes

Machado, denunciado pela prática das condutas delituosas descritas nos arts.

305 e 306 da Lei n. 9.503/97.

O impetrante requer o trancamento da ação penal por falta de justa

causa, argumentando, em síntese, a inconstitucionalidade do art. 305 do Código

de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97) e a atipicidade da conduta prevista no art.

306 do referido diploma legal.

Aduz que o art. 305 da Lei n. 9.503/97 ofende o art. 1º, III, e art. 5º, LXIII e

LXVII, ambos da Constituição Federal.

No tocante ao crime disposto no art. 306 da Lei n. 9.503/97, menciona

não ter sido realizado o chamado "teste de bafômetro" e nem exame de sangue

para auferir a concentração alcoólica e atestar a suposta embriaguez do paciente.

Cita a inovação da Lei n. 11.705/08.

Desta feita, pugna pela concessão da ordem em caráter definitivo,

culminando no trancamento da ação penal.

Indeferida a liminar (fls. 30/31) e prestadas as informações (fls. 36/37), foi

proferido parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça opinando pela concessão

parcial do writ, para trancar o procedimento penal em trâmite apenas com relação

ao delito previsto no art. 306 do CTB (fls. 40/43).

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É o relatório.

VOTO

A ordem deve ser concedida em parte.

Extrai-se dos autos (fls. 11/12) que o paciente foi denunciado pela prática,

em tese, dos delitos previstos nos arts. 305 e 306 Lei n. 9.503/97.

Pretende o impetrante obstar o curso da ação penal, argumentando, em

síntese, a insuficiência de provas da materialidade do delito tipificado no art. 306

da Lei de Trânsito e a inconstitucionalidade do art. 305 da mesma lei.

De início, cumpre salientar que o pedido de trancamento da ação é

medida excepcional, somente sendo admitida quando a mera exposição dos fatos

evidencia a ilegalidade, ou quando se imputa ao paciente fato atípico, ou, ainda,

quando ausente qualquer fundamento no inquérito para embasar a acusação.

Sobre o tema, Guilherme de Souza Nucci ensina:

Excepcionalidade do trancamento: o deferimento de habeas corpus para

trancar a ação penal (ou investigação policial) é medida excepcional. Somente

deve o juiz ou tribunal conceder a ordem quando manifestamente indevida a

investigação ou ajuizamento da ação. A falta de tipicidade, por exemplo, é fonte

de trancamento. Verifica-se na jurisprudência STJ: "o trancamento da ação penal

pela via estreita de habeas corpus é medida de exceção. Só admissível quando

emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração

probatória, a inexistência de autoria por parte do indiciado ou a atipicidade da

conduta (Código de Processo Penal Comentado, 7. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2008, p.1022).

Passa-se a análise dos temas.

1. DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N.

9.503/97)

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Extrai-se os fatos narrados na peça acusatória (fls. 11/12):

No dia 20 de agosto de 2007, por volta das 00:30 horas, o denunciado

Marcelo Moraes Machado, conduzindo o veículo Fiat Pálio, de placa MAZ 6551,

pela Rua do Pedregal, Tapera, nesta Capital, sob influência de álcool,

imprudentemente e sem observar as regras mínimas de direção, colidiu contra o

veículo VW Gol, de placa MAC 1355.

Ato contínuo, o denunciado, no intuito de fugir a sua responsabilidade

penal e civil que lhe seria atribuída, evadiu-se do local do acidente, tendo sido

encontrado por policiais militares no bairro Tapera e, ao ser submetido ao exame

de bafômetro, o mesmo se recusou em fazê-lo, tendo o auto de constatação de

sinais de embriaguez concluído que Marcelo Moraes Machado encontrava-se sob

a influência de álcool (fls. 16).

Conforme ressaltado pelo representante do Ministério Público, o acusado

deixou de proceder ao teste de bafômetro, havendo somente o auto de

constatação de embriaguez como fundamento para a deflagração da ação penal.

Contudo, com a nova legislação vigente, tal documento é insuficiente para

a configuração do crime de embriaguez ao volante.

Com a edição da Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008 houve substancial

modificação no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que passou a vigorar

com a seguinte redação:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com

concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)

decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência:

(...)

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Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência

entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime

tipificado neste artigo.

Vê-se que diante do novo diploma legal, para a configuração do delito de

embriaguez ao volante, faz-se necessário averiguar a existência de concentração

de álcool no sangue que ultrapasse o limite mínimo estabelecido na lei.

A realização de prova técnica (exame de alcoolemia) passou a ser

imprescindível para caracterizar a materialidade do delito, inviabilizando qualquer

outro meio de prova.

Sobre o tema, Renato Marcão explica:

A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao caput do

art. 306 do CTB e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O legislador

passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306,

caput, do CTB, é conduta que, por si, independentemente de qualquer outro

acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a

justificar a imposição de pena criminal.

Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que

exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem.

O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido" (Embriaguez ao Volante;

Exames de Alcoolemia e Teste do Bafômetro: Uma Análise do Novo Artigo 306,

Caput, da Lei nº 9.503, de 23.09.1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Revista

Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, v. 24, jun./jul. 2008. p.

88).

Apesar da norma parecer prejudicial, haja vista agora tratar-se de crime

de perigo abstrato e não mais concreto, sendo determinante o fato de o condutor

do veículo dirigir com certa medida de álcool no sangue, também trouxe uma

segurança aqueles que supostamente possam ter praticado a conduta delitiva.

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Atualmente, exige-se teste específico para analisar a concentração da referida

substância, pois se deve auferir com precisão se o agente excedeu o limite

imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

Com isso, tendo a lei nova o intuito de beneficiar o réu, já que essencial a

constatação de um índice mínimo de alcoolemia, não permitindo que o crime lhe

seja imposto por meras alegações, deve ela retroagir aos crimes praticados antes

de 20/06/2008, data da entrada em vigor da Lei n. 11.715/2008, em obediência ao

art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.

É o posicionamento adotado por esta Corte:

MÉRITO. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. POSSIBILIDADE. DELITO QUE, APESAR DE TER SIDO PERPETRADO ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI N. 11.705/2008, EXIGE AGORA A COMPROVAÇÃO DE QUE O AGENTE CONDUZIA O AUTOMOTOR COM 06 (SEIS) OU MAIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE EM SEU ORGANISMO. LEI POSTERIOR QUE NESTE PONTO FOI MAIS BENÉFICA AO RÉU DO QUE A NORMA PRETÉRITA, QUE NÃO EXIGIA A DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER ÍNDICE DE ALCOOLEMIA. EXEGESE DO ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO PENAL (NOVATIO LEGIS IN MELLIUS). DÚVIDA QUANTO À MATERIALIDADE DELITIVA, HAJA VISTA A RECUSA DO APELANTE EM SUBMETER-SE AO ETILÔMETRO. TEOR ALCOÓLICO QUE NÃO PODE SER COMPROVADO POR PROVA TESTEMUNHAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. APELO PROVIDO. (AC n. 2008.030284-3, de Campos Novos, rel. Des. Substituto Tulio Pinheiro, j. 29/07/08)

"Com o advento da Lei n. 11.705/08, necessária a realização de exame

para se verificar com precisão se a concentração de álcool no sangue do

motorista é igual ou superior a 6 (seis) decigramas". (AC n. 2008.010810-4, de

São Joaquim, rel. Des. Subst. Victor Ferreira, j. 21/10/08)

Em razão disso, é certo que para a configuração do delito de embriaguez

ao volante descrito na denúncia não basta que o agente esteja dirigindo sob o

efeito do álcool, sendo indispensável verificar se a dosagem alcoólica é igual ou

superior a 6 (seis) decigramas, pois, se assim for constatado, possível é o

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oferecimento da denúncia nos moldes em que foi proposta, como incurso no art.

306 do CTB.

Contudo, in casu, a exordial acusatória relata a ausência da referida prova

técnica, haja vista o ora paciente ter se negado a realizar, situação está que

descaracteriza a infração penal, conforme entendendo desta egrégia Corte de

Justiça, nota-se:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

- EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ALTERAÇÃO LEGISLATIVA - NOVATIO LEGIS

IN MELLIUS - AUSÊNCIA DA MATERIALIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA -

RECURSO PROVIDO.

Com a alteração legislativa ocorrida pela Lei n. 11.705/08, houve profunda

modificação no tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro,

que ao estabelecer que a condução de veículos com concentração de teor

alcoólico deva ser igual ou superior a seis (seis) decigramas de álcool por litro de

sangue, afastou a possibilidade de comprovação do estado etílico por prova

testemunhal, exigindo a prova técnica de alcoolemia para a configuração do crime

ali previsto. (AC n. 2007.012824-4, de Brusque, rel.Des. Solon d'Eça Neves, j.

11/12/08)

Ausente tal constatação, falta justa causa para a deflagração da ação

penal, visto que, com o advento da Lei n. 11.705/2008, a conduta descrita é

carente de materialidade.

Conclui-se, por conseguinte, que a prova eventualmente produzida

durante a instrução processual não levaria a outro resultado senão a absolvição

do acusado.

É o julgado desta Corte:

Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6

(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo

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descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n.

11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com

fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (AC n. 2008.044859-6,

de Caçador, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 21/10/08)

Desta feita, diante da essencialidade de exame de sangue no condutor do

veículo ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar - etilômetro - popularmente

denominado de "bafômetro", única forma capaz de aferir a materialidade delitiva

descrita na denúncia, concede-se a ordem para o trancamento da ação penal no

que se refere ao delito de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).

2. DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DA LEI N.

9.503/97

Outro ponto suscitado neste writ, a fim de que seja concedido o

trancamento da ação penal, está na inconstitucionalidade do art. 305 do Código

de Trânsito, sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova contra

si.

Sem razão.

O fato do paciente, condutor do veículo, ter se afastado do local do

acidente de trânsito, não significa, evidentemente, estar corroborando para a

caracterização de sua culpa, haja vista que tal instituto somente será analisado na

fase judicial e em observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Vale reproduzir as palavras do Desembargador Solon d'Eça Neves no

julgamento da apelação criminal n. 2005.025725-8, in verbis:

"Uma coisa é se furtar da responsabilidade, e outra é a produção de prova

contra si. Não se pode crer que ao evadir-se do local do crime o acusado estaria

buscando não produzir provas eu seu desfavor, pois ao acatarmos tal tese,

estaríamos podados a incentivar, sobremaneira, que todos têm direito e devem

fugir do local, após o cometimento, diga-se de quaisquer crimes".

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É a ementa do julgado supracitado:

APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINARES - NULIDADE DA SENTENÇA

ANTE A OCORRÊNCIA DO CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DA

SUPRESSÃO DA FASE PROCESSUAL PRECONIZADA NO ART. 499 DO CPP -

ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DO CTB - TESES

AFASTADAS.(...)

Ninguém tem a obrigação de fazer prova contra si, mas a espécie delitiva

atacada tutela a administração da justiça no sentido de evitar-se que o causador

do evento danoso tente eximir-se de sua responsabilidade criminal e civil. (AC n.

2005.025728-8, da Capital, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 22/11/05)

No mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

RECURSO CRIME. DELITO DE TRÂNSITO. ARTIGO 305 DA LEI Nº

9.503/97. TIPICIDADE E SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA

CONDENATÓRIA MANTIDA. 1 - Réu que, após colidir em veículo estacionado,

foge do local, sendo identificado somente em razão de ter a vítima anotado a

placa de seu carro. 2- Evidenciada a intenção do réu de eximir-se de eventual

responsabilidade civil ou penal, impositiva a condenação. 3- O objeto jurídico do

delito é a administração da justiça, logo, não há falar em inconstitucionalidade do

dispositivo legal. Outrossim, a eficácia da fuga não é elementar do tipo penal.

Recurso Desprovido. (RCr 71001779842; São Luiz Gonzaga; Turma Recursal

Criminal; Relª Desª Cristina Pereira Gonzales; j. 29/09/08)

Denota-se, pois, que o art. 305 da Lei n. 9.503/97, não tem por objeto

incriminar a pessoa envolvida no evento danoso, mas sim garantir que aquela não

se exima de suas responsabilidades, as quais serão averiguadas nas esferas

judiciais competentes.

Desta forma, arredada a alegada inconstitucionalidade, não havendo

qualquer irregularidade na peça acusatória quanto ao delito previsto no art. 305

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da Lei n. 9.503/97, assim como elementos que revelem, de plano, a

insubsistência dos fatos narrados na denúncia enquanto ilícito penal, não há

como se obstar o curso da ação penal proposta contra o paciente.

Destarte, deve ser mantido o curso normal do processo-crime instaurado.

Fixo os honorários assistenciais em 15 URH's, de acordo com a Lei

Complementar Estadual n. 155/97.

Diante do exposto, concede-se a ordem em parte.

DECISÃO

Nos termos do voto da relatora, esta Primeira Câmara Criminal, à

unanimidade de votos, decidiu conceder a ordem em parte tão-somente para

trancar a ação penal n. 023.07.121523-1 no tocante ao crime do art. 306 da Lei n.

9.503/97.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Carlos

Alberto Civinski e o Exmo. Sr. Des. Luiz Fernando Boller .

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou a Exmo. Sr.

Procurador Paulo Roberto Speck.

Florianópolis, 26 de maio de 2009.

Marli Mosimann Vargas

PRESIDENTE E RELATORA

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ANEXO F - Habeas Corpus n. 2009.043506-6, de 15/09/2009 – Capital.

Relator: Des. Newton Varella Júnior.

Habeas Corpus n. 2009.043506-6, da Capital

Relator: Des. Newton Varella Júnior

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE DENUNCIADO POR CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997). FATO OCORRIDO ANTES DO ADVENTO DA LEI N. 11.705/2008, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO TIPO PENAL, EXIGINDO A PRESENÇA DE CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. RETROATIVIDADE APLICADA (ART. 5º, XL, DA CF, E ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP). AUSÊNCIA DE EXAME ESPECÍFICO A CONSTATAR O GRAU DE ALCOOLEMIA NO SANGUE DO AGENTE. IMPOSSIBILDIADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE. LAUDO CLÍNICO ATESTANDO O ESTADO DE EMBRIAGUEZ E CONFISSÃO DO RÉU QUE NÃO SUPREM A PROVA TÉCNICA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ORDEM CONCEDIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n.

2009.043506-6, da comarca da Capital (3ª Vara Criminal), em que é impetrante

Iara Lúcia de Souza, e paciente Eduardo Luiz Barbosa:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime,

conceder a ordem, determinando-se o trancamento da ação penal.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus impetrado por Iara Lúcia de Souza em favor

de Eduardo Luiz Barbosa, objetivando o trancamento da ação penal n.

023.08.012910-5, da 3ª Vara Criminal da comarca da Capital, em que é imputada

ao paciente a prática do crime descrito no art. 306 da Lei n. 9.503/1997 (Código

de Trânsito Brasileiro).

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Alega que o constrangimento ilegal se dá pelo fato de não constar dos

autos o exame técnico específico atestando a concentração no sangue do

acusado acerca do teor alcoólico exigido pela nova redação do art. 306, dada pela

Lei n. 11.705/2008, aplicável aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, por

ser norma mais benéfica ao réu.

Aduz, ademais, que não há comprovação de que o paciente tenha

causado concretamente qualquer perigo de dano na condução do veículo.

Prestadas as informações pela autoridade apontada como coatora, a

douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem.

VOTO

Importa destacar, antes de tudo, que o trancamento da ação penal via

habeas corpus somente é admitido em situações excepcionalíssimas, assim

consideradas nos casos em que emergir dos autos elementos suficientes a se

concluir, de forma inequívoca, pela atipicidade da conduta, pela extinção da

punibilidade ou pela inocência do acusado, por exemplo.

Narra a denúncia (fls. 17/18) que, no dia 16.2.2008, por volta das 23h, o

paciente vinha conduzindo em via pública o veículo GM/Kadett, em alta

velocidade, e, ao ser abordado por policiais militares em uma blitz, estes

constataram estar o acusado em visível estado de embriaguez, embora tenha se

negado ao teste de alcoolemia.

Assim, restou denunciado, em 26.5.2008, pela prática do crime descrito

no seguinte dispositivo da Lei n. 9.503/1997 - Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de

álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a

incolumidade de outrem:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou

proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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De acordo com a lição de Damásio E. de Jesus, a conduta típica deste

delito "consiste em conduzir veículo, sob a influência de substância inebriante, de

forma anormal, expondo assim a segurança alheia a indeterminado perigo de

dano (perigo coletivo)" (Crimes de trânsito. Anotações à parte criminal do código

de trânsito, Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. 3. ed. São Paulo: Saraiva,

1999. p. 147).

Ocorre que em 20.6.2008, como é sabido, adveio a Lei n. 11.705, que

alterou a redação do caput do art. 306 do CTB, para os seguintes termos:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com

concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)

decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou

proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Nota-se, pois, que duas foram as alterações substanciais implementadas

pela referida lei para a configuração do delito.

Uma trata-se da prescindibilidade de dano potencial à incolumidade

pública, anteriormente exigida.

A outra refere-se à necessidade de comprovação da concentração de, no

mínimo, 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue do condutor.

Acerca desta última, tem-se que a norma anterior considerava crime a

direção "sob influência de álcool", sem delimitar o grau específico de

concentração da substância no sangue, e a nova disposição prevê

expressamente o mínimo exigido para a caracterização da infração, tornando-se

necessário, diante do princípio da legalidade, que se proceda ao teste específico

para se aferir com precisão se a concentração de álcool por litro de sangue do

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motorista excedeu o limite imposto pela lei, qual seja, quantidade igual ou superior

a 6 (seis) decigramas.

Diante disso, constata-se que a nova legislação vem a ser mais benéfica

ao réu, uma vez que a realização de prova técnica específica para averiguação do

índice mínimo de alcoolemia no sangue do agente passou a ser essencial para a

comprovação da materialidade do delito, não bastando a mera constatação de

que o condutor do veículo estaria sob influência de álcool, que antes era

suficiente para configuração do crime.

Consequentemente, é de se reconhecer a incidência no presente caso da

atual norma prevista no art. 306 do CTB, com a redação que lhe deu a Lei n.

11.705/2008, porquanto a Constituição da República, em seu art. 5º, XL, prevê

expressamente que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", não

dispondo diferente o Código Penal:

Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de

considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da

sentença condenatória.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o

agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença

condenatória transitada em julgado. (sem grifo)

Verifica-se, na situação em análise, que o exame químico, seja o

toxicológico de sangue, seja o teste por aparelho de ar alveolar pulmonar

(etilômetro, mais conhecido como "bafômetro"), não restou realizado, tendo sido

efetuado tão-somente o exame clínico (Laudo Pericial à fl. 37), atestando o estado

de embriaguez do réu, porém não determinando o grau de concentração de álcool

no seu sangue, de modo a não possibilitar a conclusão de que houve a prática do

delito em questão.

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É certo que os agentes policiais afirmaram que o paciente estava, no

momento dos fatos, em visível estado de embriaguez, e que o próprio confessou

no seu interrogatório em Juízo (fl. 47) "que havia feito o uso de aproximadamente

cinco cervejas".

Porém, tais provas não se mostram aptas a suprir a prova técnica, pois a

concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue

do motorista é elementar do tipo penal, de modo que, ausente a comprovação

precisa deste limite imposto pela lei, não há como se aferir a materialidade do

crime.

Nesse sentido é a jurisprudência que vem sendo firmada por este Egrégio

Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TRÂNSITO - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - AUSÊNCIA DE PROVA TÉCNICA DA CONCENTRAÇÃO IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE - ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO INSERIDO PELA LEI N. 11.705/2008 - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - ILÍCITO PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR - RETROATIVIDADE EM BENEFÍCIO DO RÉU - IMPRESCINDIBILIDADE DO EXAME DE SANGUE OU DO ETILÔMETRO - TEOR ALCOÓLICO NÃO DEMONSTRADO - RECUSA DO AGENTE - EXERCÍCIO DA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO - MATERIALIDADE DELITIVA NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO IMPERATIVA - RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Ausente prova técnica atestando a concentração igual ou superior a 6

(seis) decigramas de álcool por litro de sangue, inserida como elementar do tipo

descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela novel Lei n.

11.705/2008, é de se absolver o réu ante a falta de prova da materialidade, com

fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal (Apelação Criminal n.

2008.076414-6, de Caçador. Relator: Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. Julgada

em 10.2.2009).

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Assim, diante da impossibilidade de se comprovar a materialidade do

delito no atual estágio do processo, revela-se a ausência de justa causa para a

continuidade da ação penal, motivo pelo qual é de ser concedida a ordem.

Colhe-se:

HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - CRIMES DE TRÂNSITO.

ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO AO DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI N. 9.503/97) - ACOLHIMENTO - TESTE DE BAFÔMETRO NÃO REALIZADO - IMPOSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - ALTERAÇÃO NO TIPO PENAL COM O ADVENTO DA LEI N. 11.705/08 - EXIGÊNCIA DE CONCENTRAÇÃO MÍNIMA DE ÁLCOOL NO SANGUE - IMPRESCINDIBILIDADE DE EXAME TÉCNICO - WRIT CONCEDIDO NO PONTO.

Diante da vigência da Lei n. 11.705/08, que alterou o texto do art. 306 do

Código de Trânsito Brasileiro, o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar -

etilômetro - conhecido como "bafômetro", faz-se imprescindível para a

comprovação da materialidade do delito, sendo que sua ausência configura falta

de justa causa para o prosseguimento da ação penal (Habeas Corpus n.

2009.021970-9, da Capital. Relatora: Desembargadora Marli Mosimann Vargas.

Julgado em 26.5.2009).

Também:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE EMBRIAGUEZ NA DIREÇÃO DE

VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 306 DO CTB). [...]

CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO, PARA TRANCAR A

AÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 11.705/08, QUE EXIGE A

COMPROVAÇÃO DE 6 (SEIS) DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE

SANGUE DO CONDUTOR PARA A COMPROVAÇÃO DO ILÍCITO. AUSÊNCIA

DE EXAME PERICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR A MATERIALIDADE.

RETROATIVIDADE DA LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA (ART. 2º,

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PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP) (Apelação Criminal n. 2009.001038-3, de

Videira. Relator: Des. Torres Marques. Julgada em 24.3.2009).

Destarte, voto no sentido de ser concedida a ordem.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decide conceder a ordem, determinando-se o

trancamento da ação penal.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa.

Marli Mosimann Vargas, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rodrigo

Collaço. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr.

Dr. Anselmo Agostinho da Silva.

Florianópolis, 1º de setembro de 2009.

Newton Varella Júnior

Relator