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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS NA FILOSOFIA POLÍTICA DE HEGEL: DA DIALÉTICA ENTRE SENHOR E ESCRAVO AO DIREITO INTERNACIONAL FERNANDA JOOS BLANCK Itajaí, junho de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS NA FILOSOFIA POLÍTICA DE HEGEL: DA DIALÉTICA ENTRE SENHOR E ESCRAVO AO

DIREITO INTERNACIONAL

FERNANDA JOOS BLANCK

Itajaí, junho de 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS NA FILOSOFIA POLÍTICA DE HEGEL: DA DIALÉTICA ENTRE SENHOR E ESCRAVO AO

DIREITO INTERNACIONAL

FERNANDA JOOS BLANCK

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador: Professor MSc. Josemar Sidinei Soares

Itajaí, junho de 2009

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AGRADECIMENTO

Aos meus pais, Egon Blanck e Elisabeth Joos Blanck, que sempre deram o máximo valor à

formação acadêmica e profissional;

À minha irmã Aline Joos Blanck, por sua amizade e companheirismo;

Ao Professor Josemar Sidinei Soares, orientador deste e de tantos outros trabalhos,

verdadeiro Mestre, por incentivar o desenvolvimento pessoal de seus alunos;

À Dra. Aulia Esper, pelos valorosos conselhos que me fizeram enxergar para além da linha

do horizonte;

À Professora Maria da Graça Mello Ferracioli, pelo exemplo de professora, pessoa e mulher;

À Professora Karine de Souza Silva, pela oportunidade de estágio e aprimoramento

intelectual;

Aos amigos do Grupo Paidéia, e, em especial, Bruna Adriano, Tarcísio Meneghetti,

Tiago Mendonça, Renan Bernardes e Matheus Branco, pela amizade que

potencializa o que há de melhor em todos nós.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles que buscam o melhor de si.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2009

Fernanda Joos Blanck Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Fernanda Joos

Blanck, sob o título “O reconhecimento dos Estados soberanos na filosofia

política de Hegel: da dialética entre senhor e escravo ao Direito

Internacional”, foi submetida em ____ de junho de 2009 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Josemar Sidinei Soares

e ________________________________, e aprovada com a nota ______.

Itajaí, junho de 2009

Professor MSc. Josemar Sidinei Soares Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FE Fenomenologia do Espírito

FD Filosofia do Direito

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas

à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

CONSCIÊNCIA-DE-SI – “A consciência de si é essencialmente consciência

prática, consciência de uma superação do saber do Outro”.1

DIALÉTICA - “É o método segundo o qual, como no saber, o conceito se

desenvolve a partir de si mesmo e é apenas um avançar e um trazer à

tona imanentes suas determinações, avanço que não ocorre pela

afirmação de que haveria diferentes relações, logo, pela aplicação do

universal a uma tal matéria tomada do exterior”.2

VIDA – “A vida é um vir-a-ser circular que se reflete em si; sua reflexão

verdadeira, porém, é seu vir-a-ser para si, ou ainda “a emergência da

consciência-de-si” cujo desenvolvimento reproduz, sob nova forma, o

desenvolvimento da vida”.3

DESEJO – “[...] o desejo contém mais do que parece numa primeira

abordagem. Ao confundir-se inicialmente com o apetite sensível,

enquanto se refere aos diversos objetos concretos do mundo, traz consigo

um sentido infinitamente mais extenso. [...] o desejo é, em sua essência,

outra coisa que não aquilo que, imediatamente, parece ser”.4

CONSTITUIÇÃO – “A constituição política é, num primeiro momento, a

organização do Estado e o processo da sua vida orgânica que se 1 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Tradução de Silvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999, p. 160. 2 ROSENFIELD, Denis L. Hegel. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005. p. 69. 3 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Tradução de Sílvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 26.166-167. 4 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Tradução de Silvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999, p. 175.

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relaciona consigo mesma; [...] num segundo momento, a constituição

política é o Estado enquanto individualidade [...]”.5

ESTADO - “[...] esse é então uma organização de poder em que as formas

objetivas da liberdade (não coisas, mas normas e instituições) se

encontram e se realizam com a liberdade subjetiva”.6

SOBERANIA – “[...] constitui o momento da idealidade das esferas e das

funções particulares próprio na situação legal, constitucional [...]”.7

DIREITO INTERNACIONAL – “O direito internacional é um direito universal

que deve valer em si e para si entre os Estados”.8

GUERRA – “A guerra, tal como é apresentada no fim da Filosofia do Direito,

tornou-se a expressão conceitual de um novo fato histórico, a

concretização política da substância ética”.9

5 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cicero. Milano: Rusconi Libri, 1996. p. 459. 6 SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel. São Paulo: Loyola, 1996. p. 387. 7 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cicero. Milano: Rusconi Libri, 1996, p. 475. 8 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cicero. Milano: Rusconi Libri, 1996, p. 555. 9 ROSENFIELD, Denis. Política e liberdade em Hegel. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 264.

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................... 1 

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 2 

CAPÍTULO 1 ......................................................................................... 5 

DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO: LUTA PELO RECONHECIMENTO ............................................................................ 5 1.1 CONSCIÊNCIA E CONSCIÊNCIA-DE-SI .......................................................... 5 1.2 ENFRENTAMENTO E RECONHECIMENTO DAS CONSCIÊNCIAS-DE-SI DESEJANTES .......................................................................................................... 14 

CAPÍTULO 2 ....................................................................................... 28 

A SOBERANIA ESTATAL ..................................................................... 28 2.1 O ESTADO ....................................................................................................... 28 2.2 A CONSTITUIÇÃO .......................................................................................... 32 2.3 A SOBERANIA INTERNA ................................................................................. 35 2.4 A SOBERANIA EXTERNA ................................................................................. 39 

CAPÍTULO 3 ....................................................................................... 45 

O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS ....................... 45 3.1 O DIREITO INTERNACIONAL .......................................................................... 45 3.2 O RECONHECIMENTO DE UM ESTADO SOBERANO ..................................... 46 

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 56 

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................. 58 

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RESUMO

A presente Monografia tem como objeto de estudo o

reconhecimento dos Estados soberanos na filosofia política de Hegel, com

uma abordagem a partir da lógica da dialética do Senhor e do Escravo,

exposta por Hegel no Capítulo IV da Fenomenologia do Espírito,

conduzida na realidade do reconhecimento no plano do Direito

Internacional. A monografia é composta por três capítulos, sendo

abordado no primeiro, como embasamento para a realização do

presente trabalho, a definição de consciência e consciência-de-si e,

principalmente, a Dialética do Senhor e do Escravo. No segundo capítulo

é apresentada a lógica interna e externa do Estado na filosofia política de

Hegel, expressada pela Constituição, soberania interna e externa. Após o

embasamento apresentado nos dois primeiros capítulos da monografia,

essenciais à confecção do terceiro capítulo, apresenta-se a concepção

hegeliana de direito internacional e os pressupostos para o

reconhecimento dos Estados soberanos no cenário internacional, com

ênfase no reconhecimento recíproco de suas individualidades e também

na resolução de suas diferenças pela guerra, momento em que a unidade

substancial estatal é posta à prova.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o reconhecimento dos

Estados soberanos na filosofia política de Hegel.

O seu objetivo é analisar o reconhecimento recíproco dos Estados

na filosofia política de Hegel, a partir da Dialética do Senhor e do Escravo.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da Dialética do

Senhor e do Escravo: a luta pelo reconhecimento. Inicialmente apresenta-

se a proposta de Hegel com a obra Fenomenologia do Espírito, e

essencialmente, a primeira parte, acerca Consciência e Consciência-de-

si, para depois adentrar o enfrentamento e reconhecimento das

consciências-de-si desejantes.

No Capítulo 2, tratando de apresentar o organismo estatal, a

concepção hegeliana de Estado, sua tripartição interna, a começar pela

sua realidade imediata, a Constituição, sua forma ideal de governo, a

monarquia constitucional, e, por fim, a estrutura da soberania interna e

externa.

No Capítulo 3, tratando de discorrer sobre o direito internacional,

que, para Hegel é o reconhecimento recíproco entre Estados soberanos.

Em outras palavras, verifica-se no contexto internacional a mesma

dialética exposta na Fenomenologia do Espírito, de uma luta pelo

reconhecimento. Ao final, são expostos os pressupostos para o

reconhecimento dos Estados.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações

Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre

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o reconhecimento dos Estados soberanos e das implicações internacionais

resultantes desta relação.

No início da pesquisa formulou-se o seguinte problema: Existe uma

relação entre a luta pelo reconhecimento dos Estados soberanos no

cenário do direito internacional com a luta por independência entre

senhor e escravo na Fenomenologia do Espírito?

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

O Estado seria para Hegel o fim último absoluto, realidade da

vida ética, personificado na figura do monarca, tendo,

portanto, a sua realidade interna, expressada e garantida

pela Constituição e, externa, na sua relação com os

demais Estados.

O reconhecimento dos Estados soberanos seria baseado na

reciprocidade, de modo que enquanto um Estado

reconhece, também é reconhecido.

Há uma relação entre a luta por independência na dialética

entre senhor e escravo na Fenomenologia do Espírito e a

luta pela soberania estatal externa frente aos demais

Estados na Filosofia do Direito.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Para a confecção da presente monografia foram utilizadas diversas

obras em língua estrangeira, sendo que as traduções das mesmas, feitas

ao longo do texto, são de inteira responsabilidade da autora do trabalho.

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Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do

Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO: LUTA PELO RECONHECIMENTO

1.1 CONSCIÊNCIA E CONSCIÊNCIA-DE-SI

A consciência-de-si (Selbstbewuβtsein) é tratada por Hegel na IV

parte da Obra Fenomenologia do Espírito (FE). Nesta obra, Hegel procura

demonstrar o caminho percorrido pela consciência, o caminho da

experiência da consciência, do seu saber mais imediato até a culminação

no Saber Absoluto, isto é, no saber Filosófico.10

Portanto, um dos objetivos principais de Hegel na Fenomenologia do

Espírito é relacionado ao problema do conhecimento. A particularidade

da obra de Hegel segundo Robert Pippin é o fato de que ele relaciona a

problemática do conhecimento com questões éticas, ou seja,

correlaciona a ética com a cognição.11

A tarefa de Hegel é conduzir o indivíduo singular ao saber, para

tanto, toma-o de modo universal, seu escopo é “retirar os homens do

afundamento no sensível, no vulgar e no singular, e dirigir seu olhar para as

10 “Hegel quer nos conduzir do saber empírico ao saber filosófico, da certeza sensível ao saber absoluto, indo verdadeiramente “às próprias coisas”, considerando a consciência tal como ela se oferece diretamente. Assim essa Fenomenologia se apresenta verdadeiramente como uma história da alma [...]”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. Tradução de Sílvio Rosa Filho. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 26. 11 “A formula ‘relação de um em relação a outro’ aparece por todo o idealismo hegeliano e é certamente relevante no sentido em que Hegel coloca o problema de uma justificável reconhecimento de outro ser humano, ou o problema geral de uma objetivo fundamento da vida ética”. PIPPIN, Robert B. Hegel’s Idealism: the satisfaction of self-consciousness. Cambridge University Press.

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estrelas; [...]”.12 Em outras palavras, busca elevar o espírito da experiência

do sensível do ‘aqui’ e ‘agora’ para o verdadeiro saber.

[...] o caminho da alma, que percorre a série de suas figuras como estações que lhe são preestabelecidas por sua natureza, para que se possa purificar rumo ao espírito, e através dessa experiência completa de si mesma alcançar o conhecimento do que ele é em si mesma.13

Essa experiência da consciência acontece principalmente no

mundo, na Vida, pois abrange todos os campos da experiência da

consciência, seja ético, jurídico, moral, conforme explica Hyppolite

[...] o que a consciência faz aqui não é somente a experiência teorética, o saber do objeto; mas toda a experiência. Trata-se de considerar a vida da consciência tanto ao conhecer o mundo como objeto de ciência quanto ao conhecer-se a si mesma como vida [...]. 14

No entanto, esse percurso de formação da consciência não é

apenas um processo cognitivo, mas também existencial, uma vez que

Hegel tem diante de si uma tarefa pedagógica, de condução da

consciência mais simples até o seu ponto mais alto no plano da Vida15.

12 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 29. 13 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 74. 14 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 26. 15 “[...] vemos por que o texto da Fenomenologia sobre a consciência de si começa por nos apresentar uma filosofia geral da Vida, que é em si o que a consciência de si vai ser para si. Aqui, a passagem do em-si ao para-si não será somente uma passagem de uma forma a outra, sem mudança de natureza. A tomada de consciência da vida universal pelo homem é uma reflexão criadora”.

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Destarte, a proposta de Hegel com a obra Fenomenologia do

Espírito é uma proposta de formação (Bildung) do indivíduo, elevá-lo da

sua singularidade à humanidade de seu tempo em cada passagem das

figuras do espírito que se suprassumem nas figuras precedentes.

Esse aprimoramento do indivíduo não diz respeito somente a ele,

mas também a sociedade em geral, como bem esclarece Hyppolite

Mas essa cultura não é somente aquela do indivíduo, e não interessa apenas a ele; além disso, é um momento essencial do Todo, do Absoluto. Com efeito, se o Absoluto é sujeito e não somente substância, ele é a sua própria reflexão em si mesmo, seu vir-a-ser consciente de si como consciência do espírito, de modo que, quando a consciência progride de experiência em experiência, e assim estende seu horizonte, o indivíduo se eleva à humanidade, mas ao mesmo tempo a humanidade se torna consciente de si mesma.16

Justamente pela sua natureza, a consciência não é estática, está,

pelo contrário, sempre em movimento. Sua força motriz é que cada

experiência vivida a leva adiante, a busca incessante de experiências que

a leva a verdades que, ao longo do caminho, acabam se tornando

ilusórias. No entanto, destaca Hegel, nesse processo de negação das

verdades anteriores, a consciência encontra sempre uma nova verdade,

um novo saber.

Deste modo, a negação encontrada pela consciência é sempre

uma negação determinada, pois constitui um novo saber. A consciência,

portanto, experimenta-se no movimento da negação das verdades

HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p162. 16 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 58.

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anteriormente encontradas. Hyppolite esclarece o sentido especial

atribuído por Hegel à palavra experiência

No curso de seu desenvolvimento, a consciência não perde somente aquilo que, do ponto de vista teorético, tomava como verdade; perde ainda sua própria visão da vida e do ser, sua intuição do mundo. A experiência não conduz somente ao saber no sentido restrito do termo, mas à concepção da existência.17

A negatividade da experiência da consciência, na sucessão

constante de novas verdades, remete ao papel desempenhado pelo

termo Aufheben18 na filosofia hegeliana. É, ao mesmo tempo, um

conservar, negar e guardar o conhecimento (experiência) anterior num

plano mais evoluído.

Enquanto que um conhecimento imediato é negado, descobre-se

sucessivamente um novo saber, em um processo constante até que a

consciência corresponda finalmente ao seu conceito19 (Begriff).

17 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 29. 18 “Termo exemplar, segundo Hegel, do gênio especulativo da íngua alemã, no qual ele reúne intimamente dois significados opostos, para conservar [aufbewaren], revogar ou suprimir [hinwegräumen]. [...] A Identidade da conservação e da supressão faz, certos, que conservar qualquer coisa é, da preservação da corrupção, o suprimir como se suprime, o colocar negando sua negação, mas a Aufhebung significa sim a negação uma vez que ela coloca a supressão que ela mantém. O que não pode ser negado é que, como já é em si mesmo negada, limitada, determinada, por isso não pode ser por si próprio, por si mesmo. Essa autonegação originária é seu caráter dialético [...]”. BOURGEOIS, Bernard. Le vocabulaire de Hegel. Paris: Ellipses, 2000. p. 13. 19 O termo conceito significa para Hegel: “Se a filosofia hegeliana, que expõe o ser como o todo, pode ser apresentada como a filosofia do conceito, então o todo como conceito dele mesmo, o que não o reduz à concepção corrente de geral abstração de conteúdos sensíveis, que, lhes revelaria o real. BOURGEOIS, Bernard. Le vocabulaire de Hegel, p. 16.

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A consciência tem essa característica de transcendência, ir sempre

além dela mesma. Em busca da sua correspondência com o seu

conceito.20

Para Hegel, o saber é inquieto em si mesmo, precisa superar-se

constantemente, isto é, existencialmente não se aquieta até que, além de

si mesma, a consciência encontre a correspondência entre o conceito e o

objeto.21

Destarte, ao iniciar seu percurso de formação (Bildung) a

consciência tinha o objeto (Gegenstand) como um Outro, algo além dela

mesma.

Inicia-se este processo com o saber mais simples, o da certeza

sensível (sinnliche Gewiβheit), aquele saber que, a princípio, parece ser o

mais verdadeiro, o mais rico, pois toma o objeto do modo como ele se

apresenta, em sua total plenitude. Só exprime o que o objeto é, nada

além dessa verdade. A certeza sensível apenas conhece a Coisa, no Aqui

e Agora universais. Qualquer qualidade dada ao objeto supõe uma

mediação, que não é característica deste saber imediato.22

Tal fase progride a um saber mais elevado, o qual percebe o objeto,

a coisa de infinitas qualidades.

20 “Ora, toda consciência comum é também consciência transcendental, toda consciência transcendental é também, necessariamente comum; a primeira não se realiza senão na segunda. Isto quer dizer que a consciência comum supera-se a si mesma, transcendendo-se e torna-se consciência transcendental. o movimento de se transcender, de ir além de si, é característico da consciência”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 32. 21 O caminho da Fenomenologia do Espírito é em direção ao encontro do saber e a da verdade. “O ser está absolutamente mediatizado; é conteúdo substancial que também, imediatamente. é propriedade do Eu; tem a forma do Si, ou seja, é o conceito”. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 47. 22 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 85.

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A certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza sensível quer captar o isto, a percepção, ao contrário, toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio geral, assim também são universais seus momentos, que nela se distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal.23

Enquanto que a certeza sensível permanece no isto, na sua simples

imediatez, a percepção (Wahrnemung) tem como fundamento o

universal.

A certeza sensível somente indica o objeto, a percepção vai mais

além, o percebe. Dá ao objeto qualidades, temos então a perspectiva do

também, o objeto é branco, quadrado, salgado, mas ao mesmo tempo

exclui outras possibilidades, não é azul, nem doce, na figura da

percepção temos a negação, a diferença.24

A superação da percepção pelo entendimento se dá pela

superação da coisa, que para o entendimento passa a ser a força, a lei.

No jogo da forças, que é o objeto para o entendimento, ocorre a

passagem de um momento para o outro, a força como movimento das

diferenças.

O entendimento eleva-se da substância à causa, da coisa à força. De início, tudo é uma força para o entendimento, mas a força não é outra coisa senão o conceito, o

23 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 95. 24 Enquanto ele (o objeto) tem certas propriedades, como branco, largo, redondo, são, ao mesmo tempo, excluídas outras, de ser azul, quadrado, etc. Hegel explica que “Esse meio universal abstrato, que pode chamar-se coisidade em geral ou pura essência, não é outra coisa que o aqui e agora como se mostrou, a saber: como um conjunto simples de muitos. Mas os muitos são, por sua vez, em sua determinidade, simplesmente universais”. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 97.

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pensamento do mundo sensível, ou a reflexão desse mundo em si mesmo [...].25

O entendimento (Verstand) é o reino da aparência, do fenômeno.

Ainda aqui, a consciência só se sabe Em si. A consciência só toma

conhecimento de si mesma em seu processo de formação enquanto

consciência-de-si, seu saber não é mais somente em si, mas também para

si.

Obedecendo a sua lógica interna de desenvolvimento, a

consciência não pode se contentar com esse saber inicial que ela busca

em um Outro, mas sim descobrir sua verdade em si mesma, é necessário

tornar-se consciência-de-si, conforme a explicação de Hyppolite

A consciência não pode permanecer nessa certeza; deve descobrir sua verdade e para tanto é preciso que, em lugar de se dirigir ao objeto, se dirija a si mesma; é preciso que busque a verdade de sua certeza, ou seja, que se torne consciência de si, consciência de seu próprio saber em vez de ser consciência do objeto.26

Por isso Hegel denomina o capítulo da consciência-de-si como a

‘verdade da certeza de si mesmo’. Isso porque nas figuras anteriores, a

certeza não coincidia com a verdade. Ela era somente Em si, ou seja, para

um Outro e não para ela mesma. Surge agora nessa relação, explica

Hegel, “[...] uma certeza igual á sua verdade, já que a certeza é para si

mesma seu objeto, e a consciência é para si mesma o verdadeiro”.27

25 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 133. 26 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 82. 27 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 135.

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Portanto, pela primeira vez a verdade da consciência corresponde

ao seu conceito,28 pois a consciência descobriu que na sua relação com

o objeto, quem estava por trás dele, não era nada além dela mesma.

Com a consciência-de-si, nos diz Hegel, entramos na terra pátria da

verdade.29

Neste capítulo, Hegel nos mostra o surgimento e a transformação da

consciência-de-si, nos seus momentos, no seu desenvolvimento na Vida,

sua divisão em duas consciências: A e B, a busca e a luta pela satisfação

dos desejos (Begierde), o enfrentamento das consciências e a luta das

mesmas no confronto face a face com a morte e o reconhecimento

mútuo das consciências que se experimentam. Aquilo que para a

consciência foi experimentado nas figuras precedentes, na certeza

sensível, na percepção e no entendimento são suprassumidos, isto é,

negados, guardados e conservados, nos momentos da consciência-de-si.

Como consciência-de-si ela tem diante de si agora dois objetos,

aquele inicial já conhecido das figuras precedentes e, um segundo, o

desejo que a impulsiona, a faz sair de si mesma, desejo que é, na verdade,

de si mesma. Essa reflexão, o sair de si mesma, caracteriza o objeto como

algo vivo. Explica Hegel

28 É importante salientar que quando Hegel fala da correspondência entre conceito e objeto, usa o verbo entesprechen, que significa exatamente corresponder e não igualdade, de pura identidade. Sobre este ponto, Verene explica: “O termo entsprechen preserva a noção de falar e adiciona o prefixo ent. […] Os dois, o objeto e o conceito, atinge uma correspondência. Ele não diz que se tornam idênticos, únicos, mergulham em uma unidade, manifestam princípios comuns, ou existem através de um elemento comum. Eles alcançam um estágio no qual eles são o mesmo, parecidos, proporcionais”. VERENE, Donald Phillip. Hegel’s recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit. Albany: State University of New York Press, p. 17 29 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 135.

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O que a consciência-de-si diferencia de si como essente não tem apenas, enquanto é posto como essente, o modo da certeza sensível e da percepção, mas é também Ser refletido sobre si; o objeto do desejo imediato é um ser vivo.30

Hyppolite ressalta que ao adentrar na consciência-de-si, a

consciência faz parte do curso da Vida

[...] vemos por que o texto da Fenomenologia sobre a consciência de si começa por nos apresentar uma filosofia geral da Vida, que é em si o que a consciência de si vai ser para si. Aqui, a passagem do em-si ao para-si não será somente passagem de uma forma a outra, sem mudança de natureza. A tomada de consciência da vida universal pelo homem é uma reflexão criadora.31

A consciência-de-si tem esse caráter reflexivo, pois ela faz esse

movimento de sair de si mesma à procura da satisfação de seu desejo e

retorna a si, ela não se finitiza no objeto, suprassume-o, supera-o. O desejo

é apenas um dos momentos da consciência-de-si.

A condição da consciência-de-si é a existência de outras consciências-de-si; o desejo não pode se pôr no ser, atingir uma verdade, e não pode permanecer no estágio subjetivo da certeza, sem que a vida se manifeste como um outro desejo. O desejo deve referir-se ao desejo e, como tal,

30 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 137. 31 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 162.

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encontrar-se no ser, deve encontrar-se e ser encontrado, aparecer-se como um outro e aparecer a um outro.32

Ao satisfazer seu desejo e retornar a si, a consciência-de-si retorna

ao seu Eu na Vida, essa reflexão é o seu desdobramento que a levará em

busca do reconhecimento através da luta com outra consciência-de-si,

uma luta de vida ou morte.

1.2 ENFRENTAMENTO E RECONHECIMENTO DAS CONSCIÊNCIAS-DE-SI

DESEJANTES

A passagem mais comentada de toda a Fenomenologia do Espírito,

a dialética do senhor e do escravo, é uma parábola que representa o

confronto entre uma consciência de si independente e outra

dependente. Neste ponto, Hegel adentra na experiência direta da

autoconsciência, de modo que ela participe deste processo em primeira

pessoa. O resultado concreto dessa experiência é a duplicação da

consciência de si em duas figuras que se caracterizam pela desigualdade

e pela ausência de reciprocidade.33

Hegel enfatiza que a consciência-de-si só é consciência-de-si

enquanto o for para uma outra consciência, enquanto for reconhecida

como tal.34 Assim sendo, o movimento do reconhecimento está

intrinsecamente ligado à natureza infinita da consciência-de-si, pois

32 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 178. 33 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel. Milano: GUERINI, 1999. p. 171. 34 HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, p. 142.

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ambas reconhecem ao reconhecer-se, ou seja, é um movimento

recíproco, que acontece no plano da Vida. 35

A consciência de si, que é Desejo, só chega à sua verdade ao encontrar outra consciência de si, vivente como ela. Os três momentos – o das duas consciências de si postas no elemento da exterioridade [...] dão lugar a uma dialética que conduz da luta pelo reconhecimento até a oposição entre o Senhor e o Escravo, e daí até a liberdade.36

A dialética humana se fundamenta na necessidade de

reconhecimento, pelos outros e por si mesmo. O homem busca a si mesmo

nessa relação, busca conhecer-se e ser conhecido. Em outras palavras, é

condição da experiência humana o fato de reconhecer-se, de travar a

luta, de colocar sua vida em jogo.

Os homens não têm, como os animais, somente o desejo de perseverar em seu ser, o ser-aí ao modo das coisas; têm o imperioso desejo de se fazerem reconhecer como consciência de si, como elevados acima da vida puramente animal, e essa paixão, para se fazer reconhecer, exige, por seu turno, o reconhecimento da outra consciência de si.37

Hegel utiliza-se da parábola do Senhor e do Escravo como uma

metáfora para apresentar o processo de reconhecimento mútuo das

consciências-de-si desejantes. Ele procura estabelecer que a possibilidade

35 “A experiência traduz o fato da emergência da consciência de si no meio da vida”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 180. 36 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 171. 37 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 184.

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de autodeterminação, de ser uma pessoa, requer o recíproco

reconhecimento das duas consciências.38

Tendo em vista o simbolismo que representa na sua filosofia como

um todo, a parábola da Dialética do Senhor e do Escravo é considerada

por muitos comentadores de Hegel um dos trechos mais importantes da

obra Fenomenologia do Espírito.39

O processo de reconhecimento existe pela própria natureza infinita

da consciência de si, o qual se dá na seguinte forma: a consciência-de-si

sai de si mesma em busca do Outro40, ela precisa suprassumir esse Ser-

Outro, porém, na verdade, ela vê a si mesma nesse Ser-Outro.

Esse é o suprassumir do primeiro sentido duplo, e por isso mesmo, um segundo sentido duplo: primeiro, deve proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim vir-a-ser a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a suprassumir a si mesma, pois ela mesma é esse Outro.41

Então, após sair de si mesma e suprassumir a outra consciência-de-si,

ela retorna si mesma. Esse movimento praticado pelas consciências não é

38 PIPPIN, Robert B. Hegel’s Idealim: the satisfactions of self-consciousness, p. 154. 39 Verene entende que essa parte é a mais memorável de toda a Fenomenolgia do Espírito. “Uma vez lida, impossível de ser esquecida. É uma vívida imagem que se espalha em todas as direções e permite que o leitor relembre suas próprias lutas pela sobrevivência”. Essa metáfora empregada por Hegel influenciou outros pensadores, cita o autor, entre eles a teoria de Marx, principalmente no tocante á relação do trabalho, e também interessou à psicologia, em relação do papel do medo do confronto de uma consciência com a outra. VERENE, Donald Phillip. Hegel’s Recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit. p. 59. 40 Esse outro apontado por Hegel é a Vida em sentido universal. “[...] é o elemento da diferença e da subtancialidade das diferenças”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 182. 41 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 143

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um agir individual42, pois enquanto uma o faz, a outra também deve

necessariamente fazê-lo. Pois é exatamente o que afirma Hegel: “Eles se

reconhecem como reconhecendo-se reciprocamente”.43

O processo do reconhecimento das consciências de si manifesta a

desigualdade existente entre elas, pois ambas se encontram nos extremos,

uma que reconhece e outra que é reconhecida.44

A princípio, as consciências-de-si estão somente para si mesmas, só

tem certeza da sua verdade. Desse modo, no encontro com outra

consciência, cada uma é independente no seu agir na Vida. Porém, para

serem realmente consciências de si, em si e para si45, precisam ser

reconhecidas na outra, sair de si mesmas.

Esse reconhecimento é, na verdade, um enfrentamento, uma busca

pela morte da outra para que seu desejo seja satisfeito.46 É necessário

42 A esse respeito, explica Pippin: “[...] autorelação em relação a qualquer outro, então mesmo a forma mais imediata dessa autorelação ou autosentimento deve ser uma autorelação genuína, que o desejo por uma objeto deva ser um desejo por mim, prosseguido de modo autoconsciente. Ele argumenta que essa condição não pode ser cumprida no modelo de um sujeito solitário respondendo impulsivamente a um forte desejo contingente. Nesses termos, iria “afundar” na vida, não conduzindo sua vida”. PIPPIN, Robert B. Hegel’s Idealim: the satisfactions of self-consciousness, p. 157. 43 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 144. 44 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 144. 45 Em si e para si no pensamento deHegel significa: “O terceiro momento do processo do todo que constituti, então, a reconciliação do em si e do para si, o ser em si e para si realizador em ato [...] a unidade em si da forma idêntica à si [...] Por exemplo, o homem, que em si é livre mesmo na condição de escravo, se libera no querer de traduzir exteriormente seu livre-arbítrio puramente formal, antes de fazê-lo a forma mesma da afirmação de si, do conteúdo em si da liberdade, a atualização subjetiva da autodeterminação objetiva, sozinho, é verdadeiramente, o saber do todo”. BOURGEOIS, Bernard. Le vocabulaire de Hegel, p. 26. 46 “Os homens não têm, como os animais, somente o desejo de perseverar em seu ser, o ser-aí ao modo das coisas; têm o imperioso desejo de se fazerem reconhecer como consciência-de-si, como elevados acima da vida puramente animal, e essa paixão, para se fazer reconhecer, exige, por seu turno, o reconhecimento da outra consciência de si”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 184.

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arriscar-se par obter a satisfação de seu desejo, conforme Hegel: “a

relação das duas consciências-de-si é determinada de tal modo que elas

se provam a si mesmas e uma a outra através de uma luta de vida ou

morte”.47

A consciência-de-si é marcada pelo desejo, ela deseja o desejo do

outro.

O objeto individual do desejo, fruto que vou colher, não é um objeto posto em sua independência; também se pode dizer que, enquanto objeto do desejo, é e não é; é, mas em breve não será mais; sua verdade é a de ser consumido, negado, para que, por meio dessa negação do outro, a consciência de si se assemelhe a si mesma.48

Esse desejo não pode ser apenas um desejo natural, é preciso,

segundo Kojéve que o mesmo “se dirija a um objeto não-natural, algo que

ultrapasse a realidade dada. Ora, a única coisa que ultrapassa o real

dado é o próprio desejo”49.

A consciência-de-si de fato é desejo, mas em realidade deseja a si

mesma, e para satisfazer-se, isto é, alcançar seu desejo, é preciso

encontrar uma outra consciência-de-si.

A dialética teleológica da Fenomenologia explicita, progressivamente, todos os horizontes desse desejo que é a essência da consciência-de-si. O desejo se refere aos

47 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 145. 48 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 175. 49 KOJEVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2002, p. 12.

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objetos do mundo; depois, a um objeto mais próximo de si mesmo, a Vida; enfim, a uma outra consciência-de-si, é o próprio desejo que se procura no outro, o desejo do reconhecimento do homem pelo homem.50

Portanto, quando se encontram, as duas consciências-de-si se

provam a si mesmas e uma a outra numa luta de vida ou morte.51 Essa luta

é travada pela busca da verdade de si mesmas, pela sua verdadeira

liberdade.

A consciência de si eleva-se acima da vida, e o idealismo não é somente uma certeza, experimenta-se ainda, ou antes, assevera-se no risco da vida animal. [...] A vocação espiritual do homem manifesta-se já nessa luta de todos contra todos, pois tal luta não é somente uma luta pela vida, é uma luta para ser reconhecido, [...].52

Ao colocar sua vida em risco, uma das consciências se eleva acima

da vida animal, uma vez que considera a Vida e a pura consciência de si

como lhe sendo absolutamente necessárias, liberta-se das amarras da

vida natural.

Nessa disputa, torna-se Escravo a consciência que, perante a morte,

teve medo e voltou atrás e torna-se Senhor aquela que enfrentou a morte

e não teve medo de perder sua vida.

Muitos intérpretes do texto hegeliano se detiveram em expressões e

pensamentos isolados, de modo que não captaram a essência de seu

pensamento, cujo resultado é a distorção do conteúdo entendido pelo

50 KOJEVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel, p. 12. 51 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 145. 52 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 184.

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filósofo alemão. Sergio Landucci destaca que muitos estudiosos

consideraram a relação laborial entre o senhor e o escravo somente a

partir de uma visão negativa, de que o trabalho humano é um trabalho

escravocrata, em suma, por uma série de desvantagens, na verdade,

uma leitura atenta do texto de Hegel sugere justamente o contrário.53 Do

mesmo modo entende Vinci, o qual adverte que apesar de muitos

intérpretes terem se fixado na relação de trabalho entre o senhor e o

escravo, não se deve perder de vista que o escopo de Hegel com essa

passagem da Fenomenologia do Espírito é acompanhar o

desenvolvimento do movimento da consciência de si.54

Este confronto entre a consciência de si e vida representa o

momento de ruptura, em que a consciência consegue superar as

exigências da vida natural e animal:

Nessas páginas, Hegel delineia as linhas essenciais da antropogênese: o acesso ao mundo humano, o superamento da dimensão da naturalidade, da vida biológica e animal, encontra-se ligado à capacidade de não sofrer a lei do desejo, superando o “atrito com aquilo que é imediatamente dado” e se empenhando em uma atividade elaborativa e tranformativa que produz uma realidade dotada pela “impressão” humana.55

53 “Da escravidão, ele não sublinha as desvantagens, mas sim somente as vantagens, para o desenvolvimento da consciência, na figura em questão. Não porque ele pensava que não haviam desvantagens: não somente existem segundo Hegel, mas derivam próprio da desigualdade do ‘reconhecimento’, [...] porque isso implicaria essencialmente a reciprocidade”. LANDUCCI, Sergio. Hegel: la coscienza e la storia. Approssimazione alla ‘Fenomenologia dello spirito’. Firenze: La Nouva Italia, 1976. p. 75. 54 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 176. “[...] a passagem da consciência de si da singularidade à universalidade e o superamento, através do reconhecimento do outro, da referência exclusiva a si”. 55 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 177.

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Para a consciência, a morte é um momento necessário, um

momento de elevação, em outras palavras, é o começo de uma nova

vida da consciência.56 Na verdade, o medo da morte é o medo da

impossibilidade da satisfação de seu desejo.

O indivíduo que não arriscou a vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas não alcançou a verdade desse reconhecimento como uma consciência-de-si independente.57

Assim, de um lado temos o senhor, independente, liberto e, de outro,

o escravo, consciência dependente à vida, presa na coisidade.

[...] uma, a consciência independente para a qual o ser-para-si é a essência; outra, a consciência dependente para a qual a essência é a vida, ou o ser para um Outro. Uma é o senhor, outra é o escravo.58

A consciência senhoril, que não se submeteu à escravidão da vida,

é a figura dominante na relação com o escravo.

[...] na autoconsciência é o momento que se conhece como a si mesmo eterno, como pura identidade. Não quer

56 “Enquanto a morte é na natureza uma negação exterior, o espírito traz a morte nele próprio e a ela confere um sentido positivo. Toda a Fenomenologia será uma meditação sobre essa morte de que a consciência é portadora e que, longe de ser exclusivamente negativa, o fim do nada abstrato, é pelo contrário uma Aufhebung, uma ascensão”. HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 34. 57 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 146. 58 HEGEL, G. W. Fenomenologia do Espírito, p. 147.

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fazer-se determinar por coisa nenhuma, de nenhum objeto de sua vida. Enquanto identidade absoluta consigo mesmo, com esta infinita indeterminação, reivindica a si o direito sobre a infinidade. Quer limitar-se a ao seu puro ser-para-si, em uma pura independência. Não entende que com isso não obteve nada, porque assim não pode realizar-se. Ele bloqueia a realização que é necessária para a autoconsservação, e não gostaria de permanecer sufocada como um morto Eu = Eu. E é desse modo que entra em luta contra uma outra parte de sua autoconsciência.59

O escravo, ao escolher a vida, rejeita a consciência de si, prefere a

escravidão ao reconhecimento, a vida natural ao desenvolvimento do

espírito. Ou seja, o escravo permanece no plano da vida natural, ele

rejeita tornar-se consciência de si ao agarrar-se firmemente à sua vida, no

confrontar frente a frente com outra consciência. No fundo, o escravo é

mais dependente da vida do que do senhor, pois ao colocar sua vida em

perigo, teve medo e recuou.60

O escravo permanece dependente do senhor porque ele não

conseguiu se libertar como consciência de si independente ao temer a

morte, negação da vida. O senhor é reconhecido como consciência de si

porque o escravo o vê como tal. No confronto, o escravo teve seu desejo

refreado.

59 “[...] na autoconsciência é o momento que se conhece como o a si mesmo eterno, como pura identidade. Não quer se deixar determinar por nenhuma coisa, por nenhum objeto da vida. Enquanto identidade absoluta a si mesmo, com esta infinita indeterminação, reivindica o direito à sua infinitude. Quer se limitar ao seu puro ser para-si, em uma pura independência não entende que com ela não obtém nada, pois não pode realizar-se ele bloca a realização que é necessária para a autoconservação e que não deveria permanecer sufocada em um morto Eu =Eu. E é assim que entra em luta contra a outra parte de sua autoconsciência”. LUDWIG, Ralf. Fenomenologia dello spirito: guida e commento. Tradução de Elettra Stimilli. Milão: Garzanti, 1988, p. 84. 60 , Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p. 188.

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A relação entre o senhor e o escravo é baseada na unilateralidade

e desigualdade entre as partes, pela dominação de uma consciência em

relação à outra. Para que a dialética seja recíproca é preciso

primeiramente que ocorra a autonegação do senhor e o ser negado do

servo. Isto é, enquanto que o senhor não se coloque em confronto com

um outro igual, não é capaz de se negar, nem de encontrar a si mesmo.61

Isto é, a consciência do escravo é insuficiente, não representa

reciprocidade para a consciência independente do senhor.

À medida que a consciência senhorial enfrenta o dilema da perda

da sua essência, por não se espelhar em uma alteridade à altura da sua, a

consciência servil caminha rumo à sua independência. No movimento da

sua independência, sublinha Vinci, o trabalho é a expressão do medo da

morte enfrentado anteriormente.62 Destarte, o trabalho do escravo é o

meio pelo qual ele alcança a essência da consciência de si. É a

superação do desejo, que não lhe permitia ser independente.

[...] o desejo é intimamente constituído pela “pura negação do objeto”, por uma constante estímulo à apropriação daquilo que é independente que mira ao exclusivo referimento a si. O trabalho, ao contrário, aparece como um formar [...] O trabalho, superando a dimensão do desejo, vai além de uma relação com um real fundado sobre a destruição e sobre o consumo imediato, mas realiza uma transformação. Por suas características, o trabalho é a expressão efetual daquela dinâmica própria da

61 “O servo, enquanto objeto do qual o senhor deve encontrar a verdade da certeza de si mesmo, revela-se inadequado ao conceito de consciência independente, ao ser para si. Esta não correspondência faz com que o senhor não realize a si mesmo e que a sua essência se torne “o inverso daquilo que a senhoria mesma deve ser”. VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 178. 62 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p.179.

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subjetividade, pela qual se faz objetiva e se encontra na alteridade, reconhecendo-a como igual a si.63

O trabalho permite a superação do objeto, a consciência escrava

torna-se independente em relação ao objeto, ou seja, a atividade laboral

é a via de saída que consente à consciência sair de si mesma e que lhe

permite conhecer a si mesma.

Assim, o escravo trabalha a coisa na natureza, ele a transforma com

o seu labor e, ao mesmo tempo, é o mediador entre o senhor e a coisa

trabalhada. O senhor torna-se obsoleto nessa relação, pois precisa do

escravo como mediador entre ele e a vida. O trabalho, portanto, explica

Rauch é a forma com que o escravo se torna consciência de si

A forma que ele dá as coisas ao trabalhá-las, sendo exteriorizadas por ele, não é nada mais que ele mesmo – por esta forma, também, é o seu puro ser-para-si, o qual (como exteriorizado) assim se torna a verdade para ele. Essa redescoberta de si mesmo se torna o seu próprio senso de si precisamente no trabalho [...].64

É através do trabalho que o escravo conquista seu reconhecimento

com a outra consciência de si, pois o trabalho é a intuição da

independência de si mesma. É pelo trabalho que o escravo conquista sua

liberdade, pela sua capacidade de transformação do mundo.65

63 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p.180. 64 RAUCH, Leo. SHERMAN, David. Phenomenology of self-consciousness: text and commentary. New York: State University New York, 1999, p. 27 65 Nesse sentido, também entende Verene, “A solução para o servo é trabalhar (Arbeit). A realidade do servo é autodefinida na atividade laborativa. A experiência do medo mostrou-lhe que ele está além do mestre. Ele precisa agora ser astuto em relação ao mestre e prosseguir com seu trabalho [...] A

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O medo e o serviço não seriam suficientes para elevar a consciência de si do escravo à verdadeira independência, mas é o trabalho que transforma a servidão em maestria. [...] Só podia transformar o mundo e torná-lo, assim adequado ao desejo humano. Mas precisamente nessa operação que parece inessencial o escravo torna-se capaz de dar a seu ser-para-si a subsistência e a permanência do ser-em-si; o escravo forma-se a si mesmo não somente ao formar as coisas, mas também imprime no ser essa forma que é a da consciência de si, e assim o que encontra em sua obra é ele mesmo.66

Todavia, o trabalho, sozinho não é capaz de preencher o caminho

da consciência de si. Na relação entre o senhor e o escravo o trabalho

encontra também seus limites.

[...] Hegel, de fato, evidencia que a negatividade do trabalho não é a “negatividade em si” pela qual, a consciência que se limita a isso corre o risco de adquirir somente “um vão sentido próprio” que se apresenta como “obstinação”, uma liberdade “conservada fixa ainda na escravidão”, uma “habilidade que tem poder sobre qualquer coisa de singular”. Deste modo, fica evidenciado que no trabalho a atividade é sempre determinada, voltada a qualquer coisa de singular e, portanto, origem de uma negatividade que não alcança a se universalizar, assim

solução do servo para seu problema está na sua própria realidade. Ele arriscou a sua individualidade na luta com o mestre, ele percebeu a insignificância e a irrealidade da posição do mestre e viu um modo de sobreviver no trabalho”. VERENE, Donald Phillip. Hegel’s Recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit, p. 68. 66 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito, p 190-191.

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que no seu nível de consciência, “toma parte ainda, em si, ao ser determinado”.67

É a conjugação do medo, serviço e trabalho que possibilitam a

independência da consciência servil. Na sua condição, o escravo realiza-

se a si próprio. Ao servir, a consciência se libera do domínio do desejo, o

homem natural se liberta dos impulsos dos instintos, do arbítrio irracional de

sua consciência natural. O escravo, ao servir o senhor, exercita o seu

autocontrole, seu domínio interior. A dialética se desenvolve, saindo da

dominação e da servidão, e caminhando para a libertação do escravo,

para uma verdadeira liberdade, baseada no medo, no serviço e no

trabalho.

Ao discorrer sobre o trabalho do escravo, Hegel o considera como

contributo ao desenvolvimento da consciência.68

O trabalho liberaria o escravo, ou seria o princípio da sua liberação, no sentido de que no trabalho ele teria consciência de si e, portanto, mais ou menos explicitamente, também na sua necessidade de modificar a sua condição; nas figuras que logo seguirão, a começar pelo Estoicismo, haveria a primeira noção de consciência da liberdade, essência do homem, e, portanto, da igualdade entre os homens, etc., e o escravo seria, então, verdadeiro portador de todo o seguimento do movimento

67 VINCI, Paolo. Coscienza infelice e anima bella: commentario della Fenomenologia dello Spirito di Hegel, p. 182. 68 Landucci explica a esse respeito: “[...] quando Hegel considera tematicamente o trabalho (do servo), considera-o independentemente do seu ser laborial servil, mas somente enquanto atividade de objetivação do Si, como tal positiva (em sentido axiológico), [...] em realidade, reivindica-o expressamente, [...] como contribuição essencial à educação da consciência”. LANDUCCI, Sergio. Hegel: la coscienza e la storia. Approssimazione alla ‘Fenomenologia dello spirito’, p. 85.

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fenomenológico, ou, mais concretamente, o protagonista da sucessiva história do espírito humano.69

A superioridade inicial do senhor era representada por uma

consciência de si abstrata e imediata, o escravo é a mediação, quando

esta for efetuada, o escravo é libertado da servidão a princípio escolhida.

A parábola da dominação e servidão conclui que o senhor era na

verdade, mais escravo que o próprio escravo, e este, senhor do outro.

Restabelece-se, portanto, a desigualdade entre as consciências de si.

A relação entre o senhor e o escravo resulta da luta pelo

reconhecimento. Está na essência do homem lutar pela vida, por ser

reconhecido. Não é um confronto qualquer, mas o momento de provar a

autonomia de sua consciência, de sua independência.

69 LANDUCCI, Sergio. Hegel: la coscienza e la storia. Approssimazione alla ‘Fenomenologia dello spirito’, p. 91.

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CAPÍTULO 2

A SOBERANIA ESTATAL

2.1 O ESTADO

Na obra Filosofia do Direito (FD), Hegel apresenta a sua concepção

de Estado, apontando-o como a realidade da idéia ética.70

O Estado é a figura que atingiu o mais alto grau de organização

social na estrutura do pensamento político hegeliano, é a expressão da

vida política, manifesta em dois níveis: o primeiro imediato, pelo modo de

ser, pensar e de viver de seus cidadãos, pela cultura, tradições, costumes,

história e, o segundo, mediatizado, caracterizado pela consciência dos

cidadãos de fazer parte da unidade estatal, isto é, pela consciência

política de pertencer a uma mesma organização institucional.

No § 258 da Filosofia do Direito, Hegel apresenta suas críticas à

concepção de Estado expostas por outros pensadores71 e,

70 Ao afirmar que o Estado é a realidade da idéia ética, Hegel quer dizer que o Estado, na estrutura da Filosofia do Direito, é a culminação da vida ética do indivíduo, onde ele encontra a sua liberdade substancial. 71 Destaca-se a crítica feita à concepção de Rousseau a respeito do Estado exposta na obra ‘Do Contrato Social’. Emanuele Cafagna entende que não se pode compreender a teoria política hegeliano do Estado sem confrontá-la com Rousseau, uma vez que “[...] Rousseau não é somente um autor de obras de filosofia que fizeram época, mas, sobretudo, no seu nome está concentrada toda a época que culminou na Revolução e as esperanças e desilusões das quais tem como objeto a políitca”. CAGAFNA, Emanuele. La liberta nel mondo: etica e scienza dello Stato nei “Lineamenti di filosofia del diritto” di Hegel. Bologna: Società editrice il Mulino, 1998, p. 227. No que diz respeito à concepção de Rousseau, primeiramente, Hegel reconhece e concorda com a colocação roussoniana de que o princípio do Estado é a vontade, porém, aponta que Rousseau a tomou somente na forma determinada da vontade singular, nem considerou a vontade universal como o racional em si e para si, somente como vontade comum. Para Hegel, a idéia da união dos indivíduos para formar um

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fundamentalmente, expõe a sua teoria. O primeiro ponto a ser destacado

é a diferenciação entre Estado e sociedade civil72. Enquanto que na

sociedade civil os interesses dos indivíduos encontram todos os meios

adequados para a sua máxima satisfação, no Estado, em contrapartida, a

primazia é dada aos interesses públicos, universais. Destarte, o papel de

cada uma das instituições é distinto: na sociedade civil o indivíduo busca

os seus interesses, a satisfação dos seus desejos; já no Estado, tais interesses

não encontram proteção e amparo. Por esta razão, Hegel atribui a

segurança da propriedade privada e a dos indivíduos à esfera da

sociedade civil, pois o contrário representaria a redução do fim do Estado

aos interesses particulares.

Nesse sentido, o Estado, como realidade da idéia ética, é o fim

último absoluto, que prevalece no confronto com interesses particulares

de seus membros. De fato, enquanto unidade substancial que possibilita a

efetivação da liberdade no mundo torna-se um dever para o indivíduo

fazer parte dele, pois “[...] a lei, a moral, o Estado – e só eles – são a

satisfação e a realidade positiva da liberdade”.73 Como realização da

Estado através de um contrato baseado no arbítrio dos pactuantes não é fundamento para o Estado ético. 72 Hegel considera a sociedade civil como um estado exterior, próprio do entendimento, isto porque as relações dos indivíduos são baseados numa “conexão social de exterioridade”, ou seja, numa dependência recíproca entre os indivíduos. Cada indivíduo se encontra empenhado na procura da satisfação de suas carências, necessidades, desejos. Assim sendo, a sociedade civil se transforma num certo tipo de universalidade que se realiza através do interesse egoísta de cada um, mas cujo processo de efetuação passa necessariamente pela ação recíproca de todos, criando um sistema de dependência universal. Portanto, “[...] a sociedade civil, por si mesma, não pode realizar a unidade dos indivíduos senão analiticamente, num aglomerado de pontos iguais formalmente, mas que no jogo dos interesses diversos se tornam desiguais, só se igualando formalmente na dependência das classes uma da outra”. SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Hegel, p. 382. 73 HEGEL, G. W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história. Introdução de Robert S. Hartmann. Tradução de Beatriz Sidou. 2 ed. São Paulo: Centauro, 2001, p. 88.

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liberdade, o Estado é o fim absoluto.74 O indivíduo tem o seu valor, a sua

liberdade, a sua realidade espiritual por ser membro do Estado.

Assim sendo, Hegel destaca que o indivíduo somente tem

objetividade na condição de cidadão, seu destino não é seguir uma vida

desgarrada, dominada pela satisfação de seus desejos, mas sim voltada à

universalidade, de modo que “cada satisfação, atividade, modo de

comportamento tenha como ponto de partida e resultado este elemento

substancial e universalmente válido”.75 Trata-se de uma união dos

indivíduos, membros da totalidade estatal, que tem o escopo comum de

conduzir sua vida pautada em preceitos éticos. O sentimento de

pertencer ao Estado implica um querer e um saber, a consciência de fazer

parte de um propósito maior, universal. No Estado, a universalidade e a

singularidade não estão contrapostas, isto é, a particularidade se

encontra preservada na universalidade.76 A estrutura estatal permite a

objetivação da liberdade, a sua exteriorização e, ainda, a liberdade

74 Como fim imanente dos indivíduos, no Estado os cidadãos cumprem as leis éticas, na unidade entre os interesses particulares e os universais, possibilita a verdadeira reciprocidade entre direitos e deveres. Somente no Estado ocorre essa correspondência real, conforme assinala Hegel (1998, p. 36): “[...] os indivíduos têm deveres para com ele na medida em que, ao mesmo tempo, têm direitos em face dele”. HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. Tradução de Vincenzo Cícero. Milano: Rusconi Libri, 1996, p. 417. Hegel diz que o dever para o indivíduo é algo substancial, enquanto que o seu direito é o ser-aí em geral do dever substancial. Todavia, no Estado ambos estão ligados em uma relação única, uma vez que essa obrigação se torna a liberdade particular do indivíduo. Deveres e direitos têm, no Estado, uma igualdade de conteúdo, pois estão baseados na liberdade pessoal dos indivíduos 75 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 419. 76 ‘Vivendo no Estado, o homem percebe a vida universal como algo que não é simplesmente uma idéia ou um ideal, mas uma efetividade já presente [...] Universal realizado, o Estado faz com que todo o universal, o universal inteiro, beneficie-se do seu ser, e, por ser assim o ser do universal, mesmo em seu sentido ou conteúdo não-político, ele pode, num sentido amplo do termo, designar toda a esfera que ele faz existir”. BOURGEOIS, Bernard. Hegel: os atos do espírito. Tradução de Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 117.

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subjetiva também encontra espaço, pois é na consciência de pertencer

ao Estado, de perseguir seus fins comuns que o indivíduo é liberto.77

Ora, a liberdade concreta consiste no fato de que a singularidade pessoal e os seus interesses particulares, por um lado, tem o seu desenvolvimento completo e o reconhecimento do seu direito por si (no sistema da família e da sociedade civil); [...] com o seu saber e querer reconhecem o universal: precisamente, o reconhecem como o seu próprio espírito substancial, e são ativos em vista deste como em vista do seu fim último.78

Para Hegel, o princípio dos Estados modernos implica na harmonia

entre o universal e o interesse particular, não é um Estado tirano que

sufoca a individualidade de seus membros. Ao contrário, a particularidade

é mediatizada, desvanece o arbítrio, a escolha individual própria da

sociedade civil, sendo suplantada pelo fim universal.

Portanto, a articulação do organismo79 estatal, capaz de manter a

unidade ética, divide-se em três momentos: 1) como realidade imediata,

isto é, a Constituição, que abarca todo o direito interno; 2) a relação do

Estado com outros Estados, regrados pelo direito internacional e 3) a idéia

77 “O indivíduo, de fato, está mergulhado numa rede de relações reconhecidas como sendo o resultado da sua própria ação, e em virtude desse reconhecimento interior não sente o dever e o Estado como limites exteriores, mas encontra neles a sua libertação”. TOMBA, Massimiliano. Poder e constituição em Hegel. In: O poder: história da filosofia política moderna. Tradução de Andréa Ciacchi, Líssia da Cruz e Silva e Giuseppe Tossi. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 307. 78 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 429. 79 “O Estado como organismo seria, portanto, percorrido por conflitos, nos quais a unidade se decompõe e se recompõe e, nesse processo, a unidade se reestrutura sempre como totalidade compreendida pelos seus elementos singulares”. RODESCHINI, Silvia. Costituzione e popolo: lo Stato moderno nella filosofia della storia di Hegel (1818-1831). Roma: Editrice Romana, 2005. p. 75.

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universal como gênero em relação aos demais Estados, na história do

mundo.80

2.2 A CONSTITUIÇÃO

A existência imediata do Estado é verificada através de seu

funcionamento interno, organizacional, pautada na Constituição, que

Hegel delineia a partir do § 260 até o § 329 da Filosofia do Direito.

O organismo estatal tem seu fundamento em uma Constituição

política, ou seja, é através dela que o Estado conquista vida e realidade.81

Em um primeiro momento, a Constituição, explica Hegel, é a vida

orgânica do Estado organizada para dentro de si, nos assuntos de internos

e, em um segundo momento, é o Estado como individualidade, o que o

diferencia externamente, na relação com os demais Estados.82 A

Constituição é racional, de modo que o Estado se diferencia e se

determina segundo a natureza do conceito. Isso significa que os poderes,

na sua idealidade, constituem um Todo individual, uma vez que cada um

contém em si também o outro.83 Hegel entende o princípio da divisão dos

poderes como uma unidade, não unilateral, limitador em relação ao

outro. Entender cada poder como absolutamente autônomo, traria como

conseqüência cisão, hostilidade que abalaria o equilíbrio do organismo

político. Entre os três poderes há uma interdependência, cujo resultado se

configura na soberania interna, existe, portanto, uma estrutura institucional

que une os interesses da sociedade civil aos da unidade política estatal.84

80 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, § 259, p. 425. 81 HEGEL, G. W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história. 82 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 459. 83 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 461. 84 CAGAFNA, Emanuele. La liberta nel mondo: etica e scienza dello Stato nei “Lineamenti di filosofia del diritto” di Hegel, p. 420.

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O Estado, para Hegel, é uma totalidade orgânica articulada

incompatível com a divisão dos poderes de tal modo independentes que

possam prejudicar a estabilidade política interna. Tal posição não

pressupõe a supressão da pluralidade de poderes, mantém-se a

tripartição, porém um dos poderes predomina sobre o outro no intuito de

preservar o Estado.85

Logo, o Estado político é composto por três poderes: 1) o poder

legislativo, responsável pela determinação do universal; 2) o poder

governativo, cuja competência é a esfera privada e 3) o poder soberano,

representado pela monarquia constitucional86, no qual estão contidos os

demais, em uma unidade individual.87

Então, a monarquia constitucional é a unidade das três formas de

poder clássicas (monarquia, aristocracia e democracia): “O monarca é

Uno, com o poder governativo entram em jogo Alguns, com o poder

legislativo intervém os Muitos em geral”.88 Através da monarquia

constitucional, aperfeiçoada pela história universal, é possível a efetivação

da vida ética.

Diante disso, Hegel levanta a questão de quem deve fazer a

Constituição. Trata-se da problemática da origem do poder político. A

história de hoje é o produto de formas de organização política anteriores,

85 “A constituição do Estado hegeliano articula entre si os três grandes poderes: a determinação legisladora das regras universais do agir comunitário, a aplicação governamental dessas regras às situações particulares, poderes relacionados ao conteúdo desse agir, eo poder principesco da decisão, sempre singular, relacionado à forma de todo agir, inclusive o legislador e o governamental”. BOURGEOIS, Bernard. Hegel: os atos do espírito. Tradução de Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 154-155. 86 André Lécrivain observa que na época de Hegel, a monarquia constitucional era a forma mais evoluída de instituição política. “A República revolucionária faliu e terminou por engendrar o terror com o império napoleônico”. LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’ethicité: commentaire de la troisième partie des’Principes de la Philosophie du Droit’. Paris: Vrin, 2001. p. 119. 87 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 465. 88 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 465.

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de modo que fazer uma Constituição quer dizer modificar a precedente.

Hegel não a considera como ‘feita’, mas “[...] é Essente pura e

simplesmente em si e para si, a qual é considerada como entidade divina,

[...] superior à esfera das coisas que são ‘feitas’”.89 Tal posicionamento é

compreensível pelo fato de que a Constituição de um povo é a expressão

das maneiras de ser, sentir, pensar que os caracteriza, herança de seu

passado. Por conseguinte, a Constituição de um determinado povo

depende de seu grau de desenvolvimento social e histórico, é a

consciência dos indivíduos que determina a Constituição. Ademais, um

povo inexiste sem Constituição, é apenas um aglomerado de pessoas.90

Diz Hegel

[...] o Estado, enquanto espírito de um povo, é ao mesmo tempo a lei que compenetra todas as suas relações, é o ethos e a consciência dos próprios indivíduos, eis que então a Constituição de um determinado povo depende, em geral, da modalidade e da formação da consciência de si do povo. É na consciência de si que reside a Liberdade subjetiva do povo, e, portanto, a realidade da Constituição.91

Hegel conclui que cada povo tem a Constituição adequada ao seu

nível de consciência política. Por ser a expressão de um determinado

modo de ser histórico e social de um povo, não é de modo algum um

89 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 470-471. 90 Robert Pippin explica que uma coletividade somente pode ser considerada povo com a sua Constituição, por ser a expressão da consciência dos direitos, de seu modo de viver, ou seja, trata-se da identidade daquele povo. PIPPIN, Robert; HÖFFE, Otfried. Hegel on Ethics and Politics. Translated by Nicholas Walker. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 273. 91 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 471.

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conjunto de normas escritas imutáveis. O seu desenvolvimento

acompanha o devir histórico de cada povo.92

2.3 A SOBERANIA INTERNA

A soberania estatal é de um lado, ao interno, aos assuntos de

competência interna, e, de outro, para o exterior, nas suas relações com

os demais Estados. A primeira hipótese está prevista no § 278 da Filosofia

do Direito. Daí se extrai que o princípio da soberania está intimamente

ligado à personalidade do Estado, o qual é determinado pela

interdependência dos seus elementos constitutivos, “A determinação

fundamental do Estado político é a unidade substancial como idealidade

dos momentos estatais”.93 Os poderes e as funções estatais não são

autônomos por si, não existem sem o Estado, ou seja, existem por estarem

inseridos na idéia94 do Todo, de modo que tem seu fundamento na

unidade dialética estatal, e enquanto tal, os mesmos constituem a

soberania do Estado.

92 “[...] a constituição de um povo é feita da mesma matéria e do mesmo espírito de sua arte e filosofia ou, pelo menos, de sua inventividade, seus pensamentos e sua cultura geral – para não se mencionar as outras influências exteriores do clima, de seus vizinhos e de sua posição no mundo. [...] A constituição não apenas está intimamente ligada e depende das outras forças espirituais, mas a determinação de toda a individualidade espiritual, incluindo as suas forças, é apenas um momento na história do conjunto, com o seu rumo predeterminado. É isso que proporciona a mais elevada aprovação à constituição e que estabelece a sua necvessidade”. HEGEL, G. W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história, p. 97. 93 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 471. 94 O idealismo da soberania significa que as partes do todo, não são apenas partes, mas momentos orgânicos que conjuntamente, representam o todo. “O idealismo que constitui a soberania é aquela mesma determinação segundo a qual, no organismo animal, as chamadas partes orgânicas não são efetivamente partes, mas sim membros, momentos orgânicos, enquanto que, ao invés, o seu isolamento e a sua existência por si é a doença”. HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. p. 473.

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As funções do Estado, por constituírem a sua soberania, não

dependem dos indivíduos que as exercem, portanto, as mesmas não são

propriedade privada, ao contrário, tem a sua legitimidade e efetividade

condicionada à idealidade estatal.95 É justamente a natureza racional do

Estado que determina o funcionamento das instituições e não os

indivíduos que o compõem. 96 Não é a pessoa que determina o cargo que

ocupa, pois Hegel no § 277 sublinha que a atividade não se confunde

com a personalidade imediata e nem é por ela influenciada, mesmo

porque, é segundo qualidades universais e objetivas que ela exerce

aquela função. Exatamente pelo fato de que as funções e atividades

estatais serem momentos essenciais do Estado, não poderiam ser

confundidas com os indivíduos que delas se ocupam, considerando que a

soberania é, para Hegel, o caráter distintivo do Estado moderno, em

contraposição à monarquia feudal, na qual os poderes e funções estatais

não se distinguiam da sociedade civil.97

Ainda, a soberania não pode ser confundida coma tirania, pois se

trata de um poder que contém em si a destruição da idéia de soberania,

porque se funda na ausência de leis, em uma arbitrariedade vazia, na

qual as leis são substituídas pela vontade particular. Já a idéia de

soberania comporta o exercício de um poder legítimo e legal, que busca

realizar acima de tudo, o bem estar do Estado. Hegel assim define a

soberania:

95 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto. p. 473. 96 LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’ethicité: commentaire de la troisième partie des’Principes de la Philosophie du Droit’, p. 123. 97 Hegel critica a monarquia feudal por haver uma dispersão e descentralização dos poderes, bem como pelo sistema de privilégios que vinculava a função ou atividade à pessoa. Tratava-se, para o filósofo alemão, de uma privatização dos interesses do Estado, que, muitas vezes, tornavam-se incompatíveis com a sua própria soberania. “Na antiga monarquia feudal, certamente o Estado era soberano ao exterior, mas, internamente, não somente o monarca não era soberano, mas também o Estado”. HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 473.

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A soberania, ao contrário, constitui o momento da idealidade das esferas e das funções particulares na situação legal, constitucional: a soberania faz com que cada esfera não seja uma entidade independente, autônoma nos próprios fins e modos de operar, [...] mas que cada esfera, nos seus fins e modo de operar, seja determinada e dependente do fim do Todo – fim que, em geral e com uma expressão muito indefinida, é chamado de bem estar do Estado.98

Destarte, a noção de soberania pressupõe a conexão dos

elementos particulares para que os mesmos ascendam à universalidade,

ou seja, que os interesses privados e particulares sejam substituídos pelos

públicos e universais. Esta idealidade se manifesta em duas situações: na

paz e em tempos conflituosos. Nos tempos de paz, as esferas e funções

particulares são conduzidas de modo a encontrar sua satisfação, e no seu

egoísmo, acabam contribuindo para a conservação do Todo. Na

segunda hipótese, quando o Estado se encontra em guerra, todos se

subordinam aos interesses públicos e à sua salvação, trata-se de uma

situação de emergência que demanda sacrifícios no intuito de

salvaguardar a soberania estatal.

Inicialmente, a soberania, na sua idealidade, é universal. Enquanto

tal, “existe unicamente como a subjetividade certa de si mesma, e como

autodeterminação abstrata”99, porém, a sua existência efetiva se

encontra na pessoa do monarca, o príncipe. Deste modo, a

personalidade do Estado somente é real enquanto é uma pessoa, mas

não uma pessoa em geral, mas o monarca.100 A personificação do Estado

98 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 475. 99 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 475. 100 A personalidade do Estado, na época moderna, coincide com a pessoa do monarca, ou seja, com um indivíduo particular. A esse respeito, Emanuele Cafagna ensina: “Tal coincidência da personalidade do Estado com a pessoa do monarca não transcreve uma preferência em conformidade a um poder de um Estado sobre o outro, como se propõe com a antiga tripartição das constituições.

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na figura do príncipe importa que este assuma a responsabilidade, que

quando decide com um “Eu quero”101, torna aquela deliberação efetiva,

é a expressão da vontade de todo o povo. O príncipe decide pelo Estado

e por todos, é a decisão política suprema, que acarreta sobre si

responsabilidades infinitas.102

Contudo, é importante sublinhar que a definição de soberania não

se resume ao indivíduo que personifica o Estado, mas, principalmente, é a

unidade das suas articulações, da sociedade civil com suas instituições,

das múltiplas determinações em relação do todo. A soberania é “[...] um

dispositivo conceitual que dá razão à unidade dos elementos do corpo

político, da existência mesma de um corpo político”.103

Ainda, em contraposição à soberania do monarca, Hegel apresenta

a soberania popular como sendo aquela em que não existe um príncipe,

é a massa disforme do ‘povo’ que toma as decisões pelo Estado. Para

Hegel, nessa forma de soberania nem há que se falar em Estado, pois este

inexiste.104 Hegel entende que a soberania popular significa a divisão,

cisão em oposições internas insuperáveis que lutam pelo poder, sem

resguardar os interesses públicos.

Ressalta-se que, para Hegel, a forma de governo ideal é a

monarquia constitucional. O príncipe é a personalidade do Estado, pela

A afirmação de que a personalidade do Estado moderno se dá inteiramente na ‘pessoa’ do monarca é a transcrição institucional do fato de que o mundo dos modernos afirma a completa imanência da sua liberdade, confiando-a aos instrumentos mundanos da política e à aquela forma historicamente determinada que é o Estado. CAGAFNA, Emanuele. La libertà nel mondo: etica e scienza dello Stato nei “Lineamenti di filosofia del diritto” di Hegel, p. 398-399. 101 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 477. 102 “O todo estatal presta-se objetivamente à sua encarnação numa única vontade singular; todas as vontades singulares afirmam subjetivamente o Estado como um todo, como o todo delas”. BOURGEOIS, Bernard. Hegel: os atos do espírito, p. 154. 103 RODESCHINI, Silvia. Costituzione e popolo: lo Stato moderno nella filosofia della storia di Hegel (1818-1831), p. 50. 104 HEGEL G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 479.

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sua subjetividade exprime a última decisão da vontade. O governante

também é uma figura desejante, porém ele não está sujeito somente a

seu arbítrio, e sim vinculado à Constituição racional e suas leis, ou seja,

com o seu querer dá realidade efetiva às ações do Estado.

O poder soberano é, então, a totalidade dos outros poderes:

contém a universalidade da Constituição; a deliberação, na relação dos

particulares com o universal e o momento da decisão, momento último de

autodeterminação, que como esclarece Hegel, é o princípio que

distingue o poder soberano dos demais.105

Com efeito, o príncipe manifesta a tríplice determinação da

universalidade, particularidade e singularidade, esta última representada

pela sua decisão, resultado da Aufhebung das duas primeiras.106

Assim sendo, o monarca zela pela Constituição, pelas leis, porque a

posição do príncipe é servir o Estado, suas decisões devem estar em

conformidade à racionalidade do Estado.107

2.4 A SOBERANIA EXTERNA

O Estado tem a sua individualidade personificada na figura do

monarca. No seu interior, o Estado possui toda uma estrutura funcional,

baseada na Constituição política que subsiste como necessidade à

105 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 471. 106 LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’Éthicité: commentaire de la troisième partie des “Príncipes de la Philosophie du Droit”, p. 122. 107 A respeito da concepção hegeliana de estado racional, Lécrivain ensina: “[...] o Estado racional e objetivo é aquele no qual se reconciliam e se unifica a subjetividade das vontades particulares e aquela que se exprime politicamente na decisão refletida e racional do Príncipe”. LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’Ethicité: commentaire de la troisiéme partie des “Príncipes de la Philosophie du Droit”, p. 150.

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manutenção da ordem interna. A partir do § 321, Hegel trata da soberania

para o exterior, ou seja, o Estado em relação à comunidade internacional.

Nesse sentido, Hegel considera a individualidade do Estado como

ser para si exclusivo, na relação com outros Estados, cada um aparece na

posição de autônomo.108 Como essa autonomia é a própria existência

empírica histórica estatal, constitui, por isso mesmo, a primeira liberdade e

honra suprema do povo.

A independência dos outros Estados é conteúdo próprio da

Soberania Estatal, de modo que a sua individualidade já é uma condição

para a existência da guerra, tendo em vista que a preservação da

autonomia interna está intimamente ligada à liberdade e honra do povo.

Em caso de guerra, diz Hegel, a preservação da totalidade é

hierarquicamente mais importante que coisas singulares ou particulares,

como a vida, a propriedade privada, valores estes que podem ser

sacrificados a fim de salvaguardar um bem maior - a independência.

Os indivíduos têm, portanto, o dever de conservar a individualidade

do Estado das ameaças exteriores, através da prestação do serviço militar,

mesmo que para tanto, tenham que sacrificar sua própria vida.

[...] o dever de conservar esta individualidade substancial – a independência e soberania do Estado – mediante a exposição ao perigo e o sacrifício da sua propriedade e vida, e sem dúvida também das suas opiniões e de tudo aquilo que pertence ao âmbito da vida.109

O fundamento do dever do indivíduo singular em conservar a

autonomia estatal está no sentimento político de reconhecimento do

108 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 541. 109 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 543.

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Estado.110 Consequentemente, o Estado não pode ser confundido com a

sociedade civil, que dá primazia aos interesses dos indivíduos, sobretudo à

sua vida e a propriedade privada. Está em jogo a preservação da

unidade estatal, da liberdade dos cidadãos. A autoconsciência de um

povo é construída através desse processo de colocar em um segundo

plano a própria particularidade em razão do Todo.

Neste ponto está presente o momento ético da guerra111, que em si

não é vista por Hegel como um mal absoluto, mas apenas o resultado das

acidentalidades exteriores que tem o seu fundamento em uma

circunstância histórica qualquer, a qual pode ser a paixão dos

governantes ou de um determinado povo.112

Hegel demonstra a necessidade da guerra para a realização

histórica da liberdade.

A guerra tem um significado superior [...] a saúde ética dos povos é mantida na sua indiferença contra o consolidar-se das determinações finitas e como o movimento dos ventos preserva o mar da podridão, o qual seria reduzido a uma calmaria duradoura, assim a guerra preserva os povos da

110 LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’Éthicité: commentaire de la troisième partie des “Príncipes de la Philosophie du Droit”, p. 152. 111 “O valor ético da guerra se deve ao fato de ela ser, em relação à tranqüilidade burguesa, como o necessário em relação ao contingente, ou como a essência em relação á aparência. [...] A guerra é a grave lembrança da verdade fundamental da ética hegeliana do Estado: a existência da unidade política é a condição de todas as determinações éticas relativas. Ela ilustra a subordinação real e lógica, empírica e especulativa, do finito ao infinito, do contingente ao necessário, do particular ao universal. Inculcando no indivíduo a consciência de sua própria finitude, lembrando-o imperiosamente das condições ético-políticas universais de seu ser pessoal e social particular [...]”. KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Tradução de Carolina Huang. Barueri: Manole, 2006. p. 166-167. 112 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 543.

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podridão que seriam reduzidos em uma paz duradoura ou mesmo perpétua.113

Destarte, a guerra á a forma extrema de manifestação da

soberania do Estado.114 De fato, a guerra é crucial no aprofundamento da

consciência, da unidade e liberdade de um determinado povo. No plano

político, trata-se da luta pelo reconhecimento, em que as forças armadas

dos Estados se enfrentam para garantir a liberdade de seu povo.115

O enfrentamento na guerra desponta, segundo Hegel, na

consolidação da força interior de alguns Estados, que em um momento

crítico, conseguem superar o medo da morte em prol da liberdade. Por

outro lado, outros povos, que não se empenharam na manutenção da

sua independência interna foram subjugados por outros, ao temer mais a

morte do que a possibilidade de perder a sua liberdade.

Com isso Hegel quer demonstrar que a guerra também comporta

um caráter ético, pois não deixa que um povo se finitize nos assuntos de

ordem particular em detrimento da totalidade superior estatal.

Por esta razão, o serviço militar é considerado uma obrigação

universal, que tem como objetivo preservar a existência histórica do

113 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 545. 114 Jean-Ftançois Kervégan salienta que Hegel não deve ser interpretado como um belicista, mas que “[...] ele se limita a levar em consideração as condições e conseqüências da soberania e da essencial igualdade de direito dos Estados. Esse direito se baseia, para cada um deles, em sua “sabedoria particular” e reside na afirmação de sua “existência concreta”, portanto de seu poder”. A partir de então, a guerra é o único meio,portanto o meio justo, de decidir entre as reivindicações igualmente fundamentadas que são “verdadeiros direitos”. KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade, p. 164-165. 115 LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’Éthicité: commentaire de la troisième partie des “Príncipes de la Philosophie du Droit”, p. 153.

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Estado. Para tanto, Hegel sustenta a necessidade de se manter um

exército permanente.116

Quando se trata de guerra, a mesma pode ser de dois tipos:

primeiramente pode se tratar de um confronto de defesa, pela

manutenção da independência. A fim de atingir este escopo, todos os

cidadãos são chamados para defender o Estado.117 Ainda, pode ser uma

guerra de conquista, na medida em que internamente o Estado é uma

potência que ultrapassa os limites fronteiriços para conquistar o outro.

Pela sua importância na conservação da integridade estatal, Hegel

entende o valor militar como sendo uma virtude formal.118 E a validade

desse valor está na persecução do fim último absoluto, isto é, a soberania

estatal, que importa na “obediência integral e abandono total das

próprias opiniões e dos próprios raciocínios - comporta, em suma, na

ausência do próprio espírito [...]”119, ou seja, o valor militar implica no

sacrifício da realidade pessoal em nome da liberdade.

Esse sacrifício por si só não pressupõe nenhum valor, pois até mesmo

um bandido, assassino, arriscaria sua vida.120 Mas é o fim dessa ação que

dá todo o significado ao fato de colocar a própria vida em risco. A

116 Lécrivain explica que essa colocação de Hegel advém do contexto histórico vivido pelo filósofo: “Hegel sublinha a necessidade de recorrer a um permanente exército a partir da especialização das tarefas que prolongam por si mesmas a idéia de divisão do trabalho. Aflora aqui a idéia de um exército profissionalmente dotado de meios que requerem aptidões e uma formação particular [..]”. LÉCRIVAIN, André. Hegel et L’Éthicité: commentaire de la troisième partie des “Príncipes de la Philosophie du Droit”, p. 153. 117 “Esse dever é um dever universal que convoca todos os cidadãos a defender o Estado quando ele é ameaçado como tal, a saber, em sua independência, em sua individualidade, [..]”. BOURGEOIS, Bernard. O pensamento político de Hegel. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999. p. 137. 118 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 547. 119 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 549. 120 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 549.

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coragem de não temer a morte tem seu valor pelo escopo da ação, a

qual é acima de tudo, a independência do Estado.121

No contexto internacional, têm-se atuantes vontades soberanas que

são, cada uma, independentes e autônomas em relação às outras. Não

existe um poder supranacional acima da soberania estatal. Desse modo,

os acordos, contratos, comércio entre os Estados são resolvidos através da

deliberação de cada Estado, sendo que, quando não acertados

pacificamente, são decididos pela guerra.

Em outras palavras, as relações entre Estados soberanos seguem a

mesma lógica da Dialética do Senhor e do Escravo, isto é, da luta pelo

reconhecimento.

121 No entanto, Hegel ressalta que as guerras modernas conferiram ao valor militar um aspecto mecânico, com a invenção da arma de fogo que substituiu a coragem individual por uma figura abstrata.

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CAPÍTULO 3

O RECONHECIMENTO DOS ESTADOS SOBERANOS

3.1 O DIREITO INTERNACIONAL

A base do direito internacional na filosofia política de Hegel é a

relação entre os Estados autônomos. Todavia, esse relacionamento se

funda na forma do dever ser122, pois, nesse contexto, trata-se da atuação

de “diferentes vontades soberanas”.123

Situar o direito internacional no âmbito do dever ser significa que o

respeito às suas regras depende unicamente da vontade de cada Estado.

Não existe um poder supranacional que conduza e regule as relações

entre os Estados, apenas as vontades independentes imperam.

Consequentemente, uma infração ou desavença grave implica em

guerra.124 Essencialmente, quando um Estado está em relação com outro,

além dos seus interesses políticos, avalia as determinações do outro, enfim,

são equilibradas as necessidades e as contingências dessa relação.

Então, Hegel enquadra o direito internacional na esfera do dever

ser, em um contexto que cada Estado segue somente as decisões que 122 “Não se trata de um dever-ser moral, pois este não pode fundar a relação jurídica entre os Estados, nem de um dever-ser jurídico supondo obrigatoriamente pata as partes contratantes, mas de um “dever-ser conceitual” que indica o caminho a ser seguido neste processo de reconhecimento mútuo entre Estados, uma vez que, através dele, o processo de condensação do conceito do Estado em vários Estados pode ser gerado”. ROSENFIELD, Denis. Política e liberdade em Hegel, p. 265. 123 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 553. 124 “Trata-se aqui de uma constatação que de forma alguma equivale a fazer da guerra um fim, nem mesmo um meio desejável. [...] ele se limita a levar em consideração as condições e conseqüências da soberania e da essencial igualdade de direito dos Estados”. KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade, p. 164.

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melhor defendam seus interesses. Nesta linha, segue sua crítica à Paz

Perpétua125 de Immanuel Kant, que propõe uma liga de nações

reconhecida por todos os Estados, com poderes para resolver toda e

qualquer controvérsia entre os Estados, de modo a evitar o conflito

armado.126 Kant acreditava na possibilidade de uma situação de paz que

duraria para sempre. A base da liga das nações de Kant é a concórdia

entre os Estados, que, ao seu passo, é fundada por aspectos morais ou

religiosos, que não são outra coisa que a vontade soberana de cada país.

Hegel é cético em relação à efetividade de uma liga de nações, pois as

decisões emanadas sempre serão afetadas pela acidentalidade.

Também, do ponto de vista hegeliano, a guerra não pode ser evitada,

pois quando as vias diplomáticas se mostram insuficientes, é preciso

recorrer à via bélica para defender a integridade do organismo estatal.

Em suma, o direito internacional para Hegel não é mais nada que o

reconhecimento recíproco entre Estados soberanos. De fato, trata-se

novamente da dialética do reconhecimento, que possui seus fundamento

exposto na Fenomenologia do Espírito.

3.2 O RECONHECIMENTO DE UM ESTADO SOBERANO

O Estado é a potência absoluta da vida ética, como manifestação

da vontade do indivíduo. Cada Estado, em relação ao outro, é

soberanamente autônomo. Portanto, um Estado deve ser soberano e

autônomo também para um outro, ou seja, deve ser reconhecido como

tal.127

125 KANT, Immanuel. À Paz perpétua. Tradução de Marco A. Zingano. São Paulo: L & PM Editores, 1989. 126 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557. 127 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 553.

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Contudo, a exigência desse reconhecimento é abstrata, pois um

Estado que tem uma Constituição, um governante, existe historicamente.

Mas o reconhecimento de um Estado por outro, ao contrário, baseia-se

exclusivamente na sua vontade. Não é suficiente que um Estado se

proclame autônomo e independente para sê-lo. É preciso que os demais

o assim reconheçam. Rosenfield sublinha que não se trata de um

procedimento meramente formal, mas sim um processo de efetivação da

liberdade.

O surgimento conceitual do Estado efetua-se nas lutas e conflitos que caracterizam as relações entre diferentes individualidades. A existência política de cada Estado, consagrada por um ato de mútuo reconhecimento, é a culminação do movimento de figuração da Idéia de liberdade, logo, de seu processo de condensação em vários povos.128

A legitimidade de um Estado deve ser analisada por dois ângulos:

primeiramente voltada ao seu interior, aos assuntos políticos internos e,

também para o exterior, por meio do reconhecimento da sua soberania

pelos outros Estados.

A legitimidade de um Estado – e mais precisamente, na medida em que o Estado é direcionado para o exterior, a legitimidade de seu poder soberano – é, de um lado, uma relação direcionada totalmente ao interno (um Estado não deve se intrometer nos assuntos internos de outro Estado); por outro lado, essa deve também ser essencialmente

128 ROSENFIELD, Denis. Política e liberdade em Hegel, p. 265.

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completada pelo reconhecimento por parte dos outros Estados.129

A respeito da legitimidade, Hegel sublinha que o reconhecimento

da legitimidade de um Estado por outro é feita externamente, pois para o

seu interior, cada Estado resolve seus problemas por si. Nenhum outro

Estado tem a prerrogativa de se imiscuir nos assuntos políticos internos de

outro Estado. Permitir a interferência de um Estado nos assuntos internos de

outro implicaria no desrespeito à sua autonomia política.

O reconhecimento da soberania de um Estado por outro garante

que, no cenário internacional, a sua autonomia e independência sejam

respeitadas. Refere-se, portanto, a um duplo reconhecimento: enquanto

que um Estado é reconhecido, reconhece os outros e respeita a sua

autonomia. Nesse reconhecimento, está em jogo toda a ordem interna do

Estado. Por este motivo, é um problema o reconhecimento jurídico

internacional de uma comunidade de indivíduos, sem vínculos políticos,

que não comportam em si os elementos para a individualização do

Estado, como, por exemplo, os povos nômades. O reconhecimento desses

povos não é efetivado pela ausência das características específicas de

um Estado, são somente um aglomerado de pessoas que compartilham

uma unidade étnica, lingüística, cultural. Portanto, somente os Estados

independentes são sujeitos no direito internacional, capazes de serem

reconhecidos, firmar tratados e entrar em guerra.

Pode-se dizer que as relações entre os Estados unicamente se

realizam por meio do arbítrio de cada parte, determinam-se através dos

contratos130.

129 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 553. 130 Ressalta-se que os contratos em âmbito internacional diferem daqueles do direito abstrato. Isso porque os Estados possuem uma capacidade de autosubsistência muito maior que os indivíduos singulares, que precisam

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O direito internacional é um direito universal, ou seja, tem validade

em si e para si entre os Estados.131 Os contratos internacionais , seque tem

conteúdo obrigacional para os Estados devem, segundo Hegel, ser

respeitados.132 Contudo, como a relação dos Estados é governada pelo

princípio da soberania, cada Estado atua segundo sua vontade, não é

determinado por nenhuma vontade alheia à sua. Nesse sentido, os

Estados estão, uns em relação aos outros, no estado de natureza.133

Assim sendo, a determinação universal de que os contratos entre os

Estados devem ser respeitados permanece no âmbito do dever ser. Não

existe um poder supranacional que obrigue aos Estados obedecer as

normas contidas no tratado.

Por esta razão, quando as vontades particulares não chegam a um

acordo favorável, quando a controvérsia se torna insolúvel, foram

exauridas todas as vias amigáveis, a solução só pode ser encontrada por

meio da guerra.134

Em outras palavras, a guerra é o meio próprio para resolver as

controvérsias entre os Estados. Basicamente a eclosão da guerra se dá por

dois motivos: pela ruptura de um tratado ou pela ofensa à honra e à

dignidade de um Estado, isto é, de sua soberania e independência.

encontrar a satisfação de seus desejos na multiplicidade das relações na sociedade civil. A esse respeito, esclarece Cafagna: “Mas enquanto o direito abstrato tem a vontade geral realizada pelo Estado e pelas instituições civis de modo que as leis se tornam positivas, nas relações entre os Estados, nas quais nenhuma vonatde geral, os tratados podem ser respeitados, mas também podem não sê-lo [...]”.CAGAFNA, Emanuele. La libertà nel mondo: etica e scienza dello Stato nei “Lineamenti di filosofia del diritto” di Hegel, p. 435. 131 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 555. 132 Rosenfield explica que os contratos derivam de uma necessidade conceitual, pelo que cada Estado deve reconhecer o outro como igual e livre. ROSENFIELD, Denis. Política e liberdade em Hegel, p. 265. 133 Todavia, conforme ensina Rosenfield, não se trata de um estado de natureza em que os Estados mantenham uma posição arbitrária de uns em relação aos outros. ROSENFIELD, Denis. Política e liberdade em Hegel, p. 266. 134 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557.

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No entanto, Hegel suscita o problema da verificação e valoração

das ofensas consideráveis como infrações capazes de levar a um conflito

armado, consideradas a multiplicidade das relações estatais.135

A honra e a dignidade estão presentes em cada ação do Estado,

mas Hegel dá diretrizes para a interpretação das situações causadoras de

conflitos.

O Estado, ao invés, enquanto entidade espiritual em geral, não pode se limitar a querer meramente considerar a realidade da ofensa. Como causa de contrastes, um tanto, se adiciona a representação de tal ofensa como perigo histórico por parte de um outro Estado, e esta representação consiste também em levar em consideração este e aquele aspecto com maior ou menor probabilidade, ao supor as intenções, etc.136

De fato, deve-se evocar uma boa razão para iniciar uma guerra,

mesmo quando se trata de um conflito preventivo, cujo escopo é prevenir

danos futuros.

Porém, a guerra é o último recurso, apenas viável quando as

diferenças entre os Estados se tornarem insuperáveis.

No plano internacional, a relação entre os Estados é baseada nas

vontades particulares, sendo que a validade dos tratados está em

conformidade com essas vontades. Neste ponto, é importante destacar o

que é essa vontade particular, que, nas palavras de Hegel, é “[...] segundo

o seu conteúdo, é em geral o bem-estar do Todo”.137

Tal afirmação denota que a política exterior de um Estado é

determinada pela satisfação de seus interesses, do interesse do organismo 135 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557. 136 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557. 137 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557.

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estatal, que busca o bem-estar do seu povo, objetivo este que deve ser a

“[...] lei suprema no comportamento de um Estado em relação aos outros

[...]”.138

O Estado procura alcançar o bem-estar do Todo, o qual, de acordo

com Hegel é

O bem-estar substancial do Estado é o bem-estar de um Estado particular no seu interesse determinado, na sua situação determinada e nas circunstâncias externas igualmente peculiares, além das relações particulares vinculadas aos tratados.139

O fim do Estado no seu relacionamento com os outros é o bem-

estar, do mesmo modo, na guerra, o princípio de justiça é o bem-estar,

que deve ser defendido quando ofendido ou ameaçado na sua

“particularidade determinada”140. Isso porque o conceito de bem-estar

está diretamente ligado à individualidade daquele Estado.141

A discussão sobre o bem-estar como dever do soberano e do

governo suscita a questão da dualidade entre moral e política, bem como

a necessidade da adequação da segunda à primeira.142 A esse respeito,

138 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557. 139 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 557. 140 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 559. 141 “O “bem-estar” dos Estados não pode ser confundido com um simples “bem-estar” econômico, pois isto equivaleria a conceber o Estado como um “Estado do carecimento e do entendimento”. Deve-se tomar o “bem-estar” do Estado no sentido de um “bem-estar” substancial que perfaz em si a integração de suas determinações econômicas, sociais, morais, culturais e políticas, ou seja, éticas. Trata-se da consciência que cada povo tem do que constitui o seu “bem-estar” substancial”. , Denis. Política e liberdade em Hegel, p. 266. 142 A esse respeito, elucida Jean-François Kérvegan: “A condenação da guerra e da política pelos filantropos e pelos moralizadores ignora que, em matéria de relações entre Estados, cada um é juiz da sua própria causa. A guerra não deve ser apreendida do ponto de vista moral (quem tem razão?), mas de um ponto de

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Hegel destaca a diferença entre o bem-estar do Estado e aquele do

indivíduo. O bem-estar do Estado tem uma existência concreta, não se

baseia em preceitos morais, mas reais, nas suas ações e nos seus

comportamentos.143

A deflagração de uma guerra não modifica o vínculo que une os

Estados através do reconhecimento. Ou seja, a ausência do direito, a

irrupção da violência não é motivo para o rompimento da relação de

reciprocidade do reconhecimento da autonomia estatal. Esse vínculo

entre os Estados é, portanto, mantido em tempos de guerra.144

Então, a guerra, na medida em que é o meio para a salvaguarda

da liberdade, é apenas transitória e mesmo enquanto a belicosidade não

cessa, nesse período alguns preceitos devem ser garantidos, tais como:

respeito aos embaixadores, pessoas e seus bens. Busca-se, ao final, a

resolução dos conflitos, a paz: “A guerra implica a determinação jurídico-

internacional que, nela, seja conservada a possibilidade da paz”.145

Destarte, a guerra deve ser conduzida de modo a não causar danos

desnecessários às instituições internas, vida, propriedade dos cidadãos

daquele Estado, isso porque a guerra não é um estado de pura e

declarada violência, contém em si já a necessidade de restabelecer a

paz. Esse procedimento de respeito em relação ao outro se funda nos

vista político: como decidir entre reivindicações opostas e de mesmo valor?”. KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade, p. 163. 143 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 559. 144 “[...] a guerra mantém um vínculo entre os Estados, [...] e sendo política continuada por outros meios, como escreverá um discípulo de Hegel, Clausewitz, ela não pode a rigor ser total, respeitando, portanto, como sua condição mesma de possibilidade, os princípios elementares da relação inter-humana e interestatal, tais como os determina em cada época a ética comum às nações que se confrontam”. BOURGEOIS, Bernard. O pensamento político de Hegel, p. 139. 145 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 561.

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costumes das nações, que constituem “a universalidade interna da

conduta, uma universalidade que se conserva em todas as relações”.146

No jogo das relações entre os estados entram em cena as

dimensões particulares, os interesses, paixões, os fins das partes.

3.2.1 A luta pelo reconhecimento: da dialética entre senhor e

escravo na Fenomenologia do Espírito à Filosofia do Direito

Toda a dialética da guerra exposta por Hegel na Filosofia do Direito

é também a do reconhecimento. Em uma guerra, a autonomia dos

Estados é posta à prova, em uma situação em que “se efetua o

reconhecimento recíproco das livres individualidades dos povos [...]”.147

Estados que se colocam frente a frente são portadores de uma

individualidade concreta, ou seja, quando os Estados se enfrentam, a

ameaça é dirigida a essa individualidade, não aos indivíduos singulares

que fazem parte daquela unidade. Logo, não é o conjunto dos interesses

particulares dos indivíduos que é defendida, mas a unidade política, a

soberania estatal.148

Quando uma guerra é declarada, todos os cidadãos são chamados

a defender o Todo, a salvaguardar a liberdade. A vida do singular é

exposta ao perigo pela defesa do universal, o preço do reconhecimento é

o risco da vida.

É a relação da dialética do Senhor e do Escravo na história, de

Estados que se enfrentam com o fim de garantir a liberdade,

146 HEGEL, G. W. F. Lineamenti di Filosofia del Diritto, p. 561. 147 HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. Tradução de Paulo Meneses. São Paulo: Loyola, 1995, p. 320. 148 CAGAFNA, Emanuele. La libertà nel mondo: etica e scienza dello Stato nei “Lineamenti di filosofia del diritto” di Hegel, p. 421.

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independência e autonomia. Ou seja, as bases da guerra na vida política

também podem ser encontradas na Dialética do senhor e do escravo –

pelo fato de que a consciência arrisca a sua vida para preservar algo

maior e além dela – a liberdade. Na guerra, o propósito é sobreviver, a fim

de preservar o sistema ético do Estado e não a de encontrar uma morte

honorável.149

Na perspectiva dos Estados soberanos, aplica-se a mesma dialética

das consciências que se enfrentam, tem a necessidade imperiosa de ser

reconhecidos, de figurarem no plano internacional como sujeitos

independentes e autônomos, a individualidade soberana tanto interna

quanto externamente. Para garantir essa posição, o Todo é colocado em

risco, através da guerra, seja para se defender, seja para conquistar.

Na perspectiva individual, a dialética do reconhecimento faz parte

da condição humana, das experiências do indivíduo, que busca sempre a

satisfação do seu desejo, e também do desejo de ser

reconhecido.150Nesse sentido, os Estados, nas sua relações, tem os mesmo

escopo dos indivíduos, qual seja, lutar, com todos os seus recursos, pelo

reconhecimento,tradução de sua liberdade.

Portanto, quando os indivíduos são convocados para defender seu

Estado, colocam a liberdade, acima do plano da vida natural, pois, de

outro modo, não haveria vida digna em um Estado sem liberdade.151 O

medo da morte é superado, uma vez que está em jogo a unidade ética

estatal, na qual o indivíduo se encontra inserido. Perder essa liberdade

149 VERENE, Donald Phillip. Hegel’s Recollection: a study of images in the Phenomenology of Spirit, 59. 150 HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel, p. 184. 151 “[...] a essência do Estado como unidade ética infinita à qual os indivíduos devem sacrificar seus bens e sua vida, para se realizarem em sua verdade como membros do Estado, isto é, como participantes da razão real, esse sacrifício, sendo, portanto, seu dever substancial”. BOURGEOIS, Bernard. O pensamento político de Hegel, p. 137.

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significaria o mesmo que ser escravo na vida, pois o Estado e seus

membros perderiam seu maior bem, sua independência e autonomia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do reconhecimento dos Estados soberanos na filosofia

política de Hegel demonstra que, essencialmente, sua estrutura segue a

lógica da dialética do Senhor e do escravo, texto célebre da obra

hegeliana. Para uma melhor compreensão do tema discutido na presente

monografia, a mesma foi dividida em três Capítulos.

No Capítulo 1 foi apresentado o escopo pedagógico de Hegel com

a obra Fenomenologia do Espírito, qual seja, de levar à consciência do seu

saber sensível ao saber absoluto. Iniciou-se com esta perspectiva a fim de

apresentar o contexto do pensamento de Hegel.

Ainda, no mesmo capítulo, tratou-se da consciência e consciência-

de-si, e, principalmente, da dialética entre senhor e escravo, da sua luta

de vida ou morte pelo reconhecimento de sua condição de consciência-

de-si.

No Capítulo 2 discorreu-se sobre o Estado, expressão da vida

política, momento em que o indivíduo encontra sua liberdade substancial,

isto é, vivencia-a de maneira plena.

No Capítulo 3 tratou-se da problemática que envolve esta pesquisa,

do reconhecimento dos Estados soberanos no direito internacional na

filosofia política de hegel, sob a ótica da luta ´pelo reconhecimento

apresentada na dialética do senhor e do escravo.

Por fim, passa-se a revisar as três hipóteses levantadas no início da

pesquisa, em conformidade com os resultados alcançados:

Hipótese 1: O Estado seria para Hegel o fim último absoluto,

realidade da vida ética, personificado na figura do

monarca, tendo, portanto, a sua realidade interna,

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expressada e garantida pela Constituição e, externa, na

sua relação com os demais Estados.

Análise: A pesquisa demonstrou que a hipótese é verdadeira, pois o

Estado hegeliano é a expressão da vida ética, objetivação da liberdade

substancial, estruturado em uma Constituição política, que articula em si

os três poderes.

Hipótese 2: O reconhecimento dos Estados soberanos seria

baseado na reciprocidade, de modo que enquanto um

Estado reconhece, também é reconhecido.

Análise: A segunda hipótese também foi confirmada, uma vez que

pesquisa demonstrou que, de fato, trata-se de um duplo reconhecimento:

ambas as partes reconhecem e são reconhecidas como organismos

soberanos e independentes.

Hipótese 3: Há uma relação entre a luta por independência

na dialética entre senhor e escravo na Fenomenologia do

Espírito e a luta pela soberania estatal externa frente aos

demais Estados na Filosofia do Direito.

Análise: Através da apreciação do trabalho em seu conjunto, a

terceira hipótese foi confirmada, tendo em vista que a mesma dialética

exposta na Fenomenologia do Espírito, a saber, o embate entre duas

consciências-de-si desejantes, também poderia ser aplicada no cenário

do direito internacional, no que diz respeito ao reconhecimento dos

Estados soberanos na filosofia política de Hegel.

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