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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPEG FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS FRANCISCO ALEXSANDRO DA SILVA A APRENDIZAGEM DE FILOSOFIA A PARTIR DO CUIDADO DE SI FOUCAULTIANO MOSSORÓ - RN 2015

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO - PROPEG

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

FRANCISCO ALEXSANDRO DA SILVA

A APRENDIZAGEM DE FILOSOFIA A PARTIR DO CUIDADO DE SI

FOUCAULTIANO

MOSSORÓ - RN

2015

FRANCISCO ALEXSANDRO DA SILVA

A APRENDIZAGEM DE FILOSOFIA A PARTIR DO CUIDADO DE SI

FOUCAULTIANO

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Ciências

Sociais e Humanas – PPGCISH, da

Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte – UERN, como requisito para a obtenção

do título de Mestre em Ciências Sociais e

Humanas, área de concentração: Sujeitos,

Saberes e Práticas Cotidianas, linha de

pesquisa: Cotidiano, Identidades e

Subjetividades.

Orientador: Prof.º Dr. Marcos de Camargo Von

Zuben

MOSSORÓ - RN

2015

V S586a Silva, Francisco Alexsandro da.

A aprendizagem de filosofia a partir do cuidado de si

foucaultiano. / Francisco Alexsandro da Silva.- Mossoró - RN,

2015.

87 p.

Orientador(a): Prof.º Dr. Marcos de Camargo Von Zuben

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais e Humanas).

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais e Humanas

1. Filosofia - Aprendizagem. 2. Experiências de si. 3. Cuidado

de si. I. Von Zuben, Marcos de Camargo. II. Universidade do

Estado do Rio Grande do Norte. III.Título.

UERN/BC CDD 107

Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Bibliotecária: Jocelania Marinho Maia de Oliveira CRB 15 / 319

À Severina Moura e José Lino (In Memoriam),

que sem nenhuma erudição e formação

pedagógica, como verdadeiros “mestres

ignorantes”, me ensinaram sobre o mais

importante conhecimento, qual seja, viver,

ajudando-me na construção da estética de

minha existência.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que mesmo não estando presentes no plano existencial humano se

encontram em minhas memórias, em minha força de vontade e em minha saudade;

Às minhas irmãs Ana Paula e Ana Queila, que acreditam em mim e estão sempre

prontas a me defenderem e me ajudarem diante das adversidades;

Em especial ao Prof. Dr. Marcos de Camargo Von Zuben, que não desistiu de mim, e

que neste tempo se tornou mais que um orientador, mas um amigo. Meus agradecimentos por

ter aberto várias vezes a porta de sua casa para riscarmos esse texto até melhorá-lo, chegando

ao esgotamento mental em tentar extrair algo mais e, finalmente, como terapia, relaxar a mente

e o corpo fazendo um carinho na cadela Branquinha. Obrigado pela orientação e pelos cafés;

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH), da

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), o qual me possibilitou realizar esta

pesquisa;

Aos meus colegas de turma, que no riso e na lágrima me ajudaram, desde uma simples

palavra de apoio até as broncas mais sérias. Em especial a Eliene Cristina Fernandes, que

sempre se demonstrou solícita para dirimir minhas dúvidas e ajudar em meus artigos e

dissertação; a Demóstenes Dantas, que sempre me inspirou dando apoio espiritual; a Geilson

Fernandes, que me alertava sobre os prazos e o cuidado em concluir minha pesquisa; e a Ramon

Rebouças, que sempre intercedeu por mim em suas oblações;

À Maria Cristina da Rocha Barreto, que além de ser uma ótima professora e amiga se

tornou minha segunda orientadora, ensinando-me sobre os procedimentos da pesquisa em

campo. Obrigado por constituir parte fundamental deste trabalho e pela participação na Banca

Examinadora;

À Banca Examinadora desta dissertação, em especial à Prof.ª Dra. Cristiane Maria

Marinho, que a distância guiava-me para uma melhor escrita e fundamentação teórica. Obrigado

por me indicar “O Mestre Ignorante”, do Ranciere;

Quero agradecer, também, aqueles sem os quais não chegaria a esta escrita, aos meus

mestres por suas ricas contribuições, Prof.ª Dra. Karlla Christine Araújo Souza, Prof.º Dr. Jean

Henrique Costa e Prof.ª Dra. Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes. Obrigado por

contribuírem em minha formação;

Aos secretários do PPGCISH, Renato Figueiredo e Felipe Silva, desculpa por tê-los

perturbado tanto e obrigado por tornarem as papeladas burocráticas bem mais fáceis para nós;

Ao meu amigo Atson Paulo, que insistiu em dizer que eu deveria fazer a inscrição do

mestrado e que iria passar na seleção. Obrigado por me indicar a leitura do livro vermelho que

estava há anos empoeirado em minha estante e por me ajudar desde o projeto de pesquisa até a

entrada em sua aula e usar seus alunos como experiência científico-pedagógica;

A todos os meus amigos que entenderam meus momentos de “quarentena”, dissertando

ou estudando para o mestrado. Perdoem-me pelas vezes que não saí com vocês para tomar

cerveja ou não os recebi em minha casa para jogarmos futebol, em especial aos meus amigos

do Bar do Gato, que de alunos passaram a verdadeiros irmãos. Obrigado por acreditarem em

mim e me apoiarem em tudo;

Aos meus colegas de profissão, que nos intervalos ao falarem de educação e de

aprendizagem não imaginavam que estavam a me ajudar. Em especial aos meus amigos do

Colégio Mater Christi e da Escola Estadual Moreira Dias;

Quero agradecer, também, a Dona Maria Auxiliadora Tenório Pinto de Azevedo, por

todo apoio dado a minha prática filosófica em sua escola, pela abertura que tenho em tentar

trazer uma aprendizagem de Filosofia para o Colégio Mater Christi. Obrigado Ciro Tenório de

Azevedo pelo apoio, desde às xerox e impressões até as cobranças para concluir minha

pesquisa;

Quero agradecer a todos os meus alunos! Vocês me inspiram! Vocês me ensinam

muito! Obrigado às famílias CESA, Educandário, Moreira Dias, Motivação, Metta e Vírus

Cursinho, bem como a todas as Instituições de Ensino que já lecionei e aos alunos que passaram

por minha vida;

Aos meus amigos Rodolfo Brasil e João Batista (meu bolsista PIBID) pelas traduções

de meus resumos para a língua estrangeira. Como meta, prometo concluir meu curso de idiomas

próximo ano. Obrigado por tudo!

A Milene Lima e a Débora Praxedes, que em meio a tanta correria de encerramento de

semestre se dispuseram a corrigir os “erros do meu português ruim”. Muito obrigado!

Quero agradecer aos alunos das séries que participaram desta pesquisa, em especial

aos alunos das terceiras séries do Colégio Mater Christi e da Escola Estadual Abel Freire

Coelho. Sem a disposição de vocês eu não teria conseguido. Suas falas ficarão marcadas em

minha prática pedagógica.

Finalmente, quero agradecer a Matheus Vinícius, por suportar meus estresses e

defeitos durante esse último triênio. Obrigado por ter participado, nestes anos, de tantas vitórias

e conquistas.

“When we grew up and went to school

There were certain teachers who would

Hurt the children in any way they could

By pouring their derision

Upon anything we did

And exposing every weakness

However carefully hidden by the kids

But in the town it was well known

When they got home at night, their fat and

Psychopathic wives would thrash them

Within inches of their lives.

We don't need no education

We dont need no thought control

No dark sarcasm in the classroom

Teachers leave them kids alone

Hey! Teachers! Leave them kids alone!

All in all it's just another brick in the wall.

All in all you're just another brick in the wall.

"Wrong, Guess again!

If you don't eat yer meat, you can't have any pudding.

How can you have any pudding if you don't eat yer meat?

You! Yes, you behind the bikesheds, stand still laddie!"

Roger Waters

RESUMO

A disciplina Filosofia passou a constituir o quadro curricular do Ensino Médio no Brasil como

matéria obrigatória a partir do ano de 2008. Diante disto, questões são levantadas a respeito da

aprendizagem de Filosofia, dentre as quais o alcance e o significado dessa aprendizagem para

os alunos do Ensino Médio. Buscando contribuir para uma melhor compreensão sobre a

aprendizagem filosófica, a presente pesquisa busca investigar a dimensão dessa aprendizagem

no que toca à experiência de si, ou às experiências propiciadas pela Filosofia nas relações dos

sujeitos consigo mesmos. A noção de experiência de si é tomada com referência ao conceito

foucaultiano de Cuidado de Si e às contribuições de Larrosa (1994) para pensá-lo no campo

educacional. Investigou-se a aprendizagem filosófica entre alunos de duas escolas, uma pública

e outra privada (Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho e Colégio Mater Christi,

respectivamente), na cidade de Mossoró (RN), procurando observar em que medida a Filosofia

contribuiu para uma experiência de si diferenciada ou para novas experiências de si. Para o

desenvolvimento da pesquisa considerou-se como ponto de partida a escola, como um espaço

de exercício de uma tecnologia disciplinar e a experiência de si como um exercício de

resistência dentro desse espaço. Na tentativa de compreender de que modo a Filosofia pode

servir como linha de fuga e resistência aos mecanismos e ferramentas que sustentam o que

Foucault compreende como biopoder, fora feito um questionário e um roteiro de entrevistas

realizadas com os alunos das instituições supracitadas. Como resultado, observou-se duas

modalidades de experiência de si propiciadas pela Filosofia, relativas a novos modos de se auto

perceber e se auto julgar.

Palavras-Chave: Filosofia. Aprendizagem. Experiências de si. Cuidado de si.

ABSTRACT

Philosophy became a mandatory subject in Brazilian high school curriculums from 2008 on.

Taking this into account, some questions concerning the learning of philosophy arise, among

which are the scope and dimension of its teaching to high school students. Aiming at enhancing

a better comprehension of the learning of philosophy, this work seeks to investigate its role as

far as the experience of the self, or the ones provided by philosophy in one's relations with

oneself, are concerned. The notion of "Experience of the Self" is taken as a reference from the

foulcaultian concept of "Care of the Self" and from Larrosa's (1994) contributions to think it in

the educational realm. The philosophical learning of students of two schools, public and private

(Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho and Colégio Mater Christi, respectively), in the

city of Mossoró (RN), was examined, focusing on investigating the degree in which philosophy

had contributed to a distinctive experience of the self, or even new ones. For a starting point, in

order to develop this investigation, the school was taken as a space where a disciplinary

technology is exerted and experience of the self is a resource of resistance. In attempting to

comprehend how philosophy can serve as means of resistance and a vanishing point from the

mechanisms that sustain what Foucault understands as biopower, a questionnaire was made and

a series of interviews was carried out with the students of the aforementioned schools. Two

types of experience of the self, provided by philosophy, related to new ways of perceiving and

judging oneself, were obtained as a result.

Keywords: Philosophy. Learning. Experience of the self. Care of the self.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10

2. CUIDADO DE SI E EDUCAÇÃO: ASPECTOS TEÓRICOS ................. 14

2.1. O CUIDADO DE SI NA TRAJETÓRIA FILOSÓFICA DE UM

PROFESSOR DO ENSINO MÉDIO............................................................... 14

2.2. UM INGRESSO ÁRDUO NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO ........... 18

2.3. PARA UMA ANÁLISE DA APRENDIZAGEM CONTEMPORÂNEA ....... 23

3. DISCIPLINA, CUIDADO DE SI, RESISTÊNCIA E

APRENDIZAGEM........................................................................................ 28

3.1.

QUESTIONAMENTOS PRELIMINARES SOBRE A NORMATIVIDADE

DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E

SEUS OBJETIVOS ........................................................................................ 28

3.2. MICHEL FOUCAULT, SABER, PODER E EDUCAÇÃO ............................ 31

3.3. A DISCIPLINA (ESCOLAR): DISPOSITIVO POLÍTICO PEDAGÓGICO

DO BIOPODER .............................................................................................. 34

3.4. O DESPERTAR FILOSÓFICO PARA O “CUIDADO DE SI” ..................... 42

3.5. CUIDADO DE SI E RESISTÊNCIA ............................................................. 45

4. EXPERIÊNCIA DE SI E APRENDIZAGEM FILOSÓFICA .................. 49

4.1. ASPECTOS METODOLÓGICOS PARA A ENTRADA EM CAMPO ........ 49

4.2. A PESQUISA NA SALA DE AULA .............................................................. 53

4.3. ANÁLISE DOS RESULTADOS .................................................................... 58

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 76

6. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 78

ANEXOS ........................................................................................................ 82

ANEXO I – QUESTIONÁRIO

ANEXO II – ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS

10

1. INTRODUÇÃO

Em virtude da obrigatoriedade do ensino de Filosofia na grade curricular do Ensino

Médio brasileiro, a partir de 2008, e com vistas aos objetivos determinados pela Lei de

Diretrizes e Bases (LBD) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) que regem a

educação básica nacional e almejam formar uma determinada concepção de sujeito, nos

deparamos com os seguintes problemas: 1º) De que forma a concepção de Filosofia exposta nas

normas legais pressupõe o cuidado com a formação e transformação da subjetividade do

estudante?; 2º) O que esse cuidado de si implica em termos de transformações nas relações do

sujeito consigo mesmo e com a alteridade a partir análise de Foucault sobre o assunto?; e 3º)

Se no decurso da relação de aprendizagem da Filosofia pelo aluno o mesmo observa em si

alguma transformação na sua relação com as dimensões constitutivas de si – sua corporeidade,

sexualidade, alteridade etc. – como este sujeito representa para si tais transformações

relacionais consigo e com outro?

Diante dessas indagações, delimitamos os seguintes objetivos de nossa pesquisa:

compreender as possíveis transformações no ser do sujeito/aluno propiciadas pela

aprendizagem da Filosofia; analisar se e como o cuidado com a subjetividade pode alterar as

relações do aluno com suas dimensões intelectuais, corporais e emocionais; observar se e como

o Cuidado de Si pode transformar as relações do sujeito/aluno com sua dimensão social, mais

especificamente a questão da alteridade; e investigar como os sujeitos/alunos representam para

si mesmos suas relações com a Filosofia e as possíveis mudanças ocasionadas desta relação.

Nesse viés, o desenvolvimento de uma dissertação exige o levantamento bibliográfico

do que já foi escrito sobre o tema a ser investigado. Ciente disto, nossa revisão de literatura

demonstrou que muito já fora escrito sobre o tema que envolve Foucault e o ensino de

Filosofia1. Encontramos, por exemplo, inúmeros artigos, dissertações e teses que versam sobre

o ensino de Filosofia com postulados e ênfase no pensamento de Foucault. Nesse material é

possível observar as seguintes abordagens: o ensino ministrado como instrumento de resistência

1 Estes estudos se voltam para investigações diversas sobre a abordagem foucaultiana na educação: abordando

diversas perspectivas, Kohan (2008) aborda a problemática cuidado de si, a partir da atitude socrática, e quando

discute a experiência de si como exercício espiritual texto escrito em coautoria com Wozniak (2011); outros textos

voltaram-se para a prática docente como possibilidade de um ensino de Filosofia diferenciado, como é o caso de

Gelamo (2009); ou, ainda, o ensino de Filosofia como experiência na atualidade Brocanelli, (2010); Gallo (2010)

e Veiga-Neto (2011) discutem a educação com base no pensamento de Foucault sob uma perspectiva das normas

que regulamentam o ensino de Filosofia no Brasil e sobre sua prática; Fischer (2001) trabalha a educação a partir

da análise do discurso; Ribeiro (2011) fala da (im)possibilidade do ensino de Filosofia na escola ante a crise da

modernidade; Cardoso (2011) trata do disciplinamento corporal e as relações de poder na escola; Valeirão (2009)

analisa e discute a práxis educacional no pensamento foucaltiano; e Alves (2009) traz uma discussão sobre

educação e formação do sujeito em Foucault.

11

ao conceito de biopoder; as ferramentas de disciplinamento na construção de certo padrão

normatizador de sujeito pós-moderno; críticas, das mais variadas, ao conceito de formação do

sujeito na modernidade; entre outros temas comuns. Contudo, mesmo nos valendo de alguns

destes temas para melhor compreensão de onde queremos chegar com o nosso trabalho, alguns

autores foram de importância singular nesta empreitada.

Entretanto, diferentemente dessas pesquisas, o presente trabalho busca dar progressão

a estas, na medida em que investiga o tema do cuidado de si em experiências de aprendizagens

filosóficas em aulas de Filosofia no Ensino Médio. De modo geral, alguns textos referenciados

fazem comparações entre o que é exigido pelos documentos que regem a educação brasileira e

seu alcance real, outros discutem teoricamente os conceitos de Foucault na educação e há,

ainda, aqueles que analisam metodologias do ensino de Filosofia, dentre outras abordagens.

Nossa pesquisa não teve como meta fazer uma comparação entre seus objetivos e os

documentos que norteiam a educação, e muito menos propor mais um modelo de prática

pedagógica a ser seguido no campo do ensino. A meta da presente pesquisa busca averiguar se

a aprendizagem de Filosofia altera as modalidades de experiências de si do sujeito de

aprendizagem. Aqui delimitamos nossa escrita.

A hipótese do presente trabalho consiste em investigar se a aprendizagem de Filosofia

que está sendo propiciada em algumas salas de aula do Ensino Médio em Mossoró (RN)

confirma a possibilidade de transformação do ser mesmo do sujeito/aluno, ou seja, se as

experiências que foram transformadas em currículo obrigatório têm como base um ensino que

impulsione o aluno a um cuidado de si e a construção de uma estética da sua própria existência.

Diversamente de estudos que focam no ensino, nos objetivos postos pelo ensino de

Filosofia ou sobre o melhor modo de ensinar, esta pesquisa se foca na aprendizagem e, em

especial, na experiência de si, buscando esclarecer se nas mais variadas possibilidades e/ou

impossibilidades daquela aprendizagem há alguma transformação nos alunos como sujeitos de

suas construções estético-existenciais, tendo como base algumas experiências de aprendizagens

em Filosofia.

O retorno da disciplina de Filosofia foi pensado de forma que ela pudesse suprir

possíveis fragilidades deixadas pelas demais Ciências Humanas para a constituição de um

sujeito ético e político. A priori, seus temas deveriam permear as outras áreas do saber

humanístico de forma transdisciplinar. Neste sentido – embora hoje a disciplina tenha ganhado

sua autonomia curricular – elegemos como referencial teórico os escritos do filósofo Michel

Foucault por considerá-lo um pensador interdisciplinar e/ou transdisciplinar por excelência.

12

Além do uso de suas obras escritas, resolvemos usar também os cursos ministrados no Còllege

de France, gravados em áudio e posteriormente transcritos.

Nossa principal fonte teórica corresponde a este curso que culminou na escrita d’A

Hermenêutica do Sujeito (1981-1982). O centro de interesse em Foucault será a análise do

conceito do Cuidado de Si e sua relação com a Filosofia e, ainda, a forma como este Cuidado

de Si põe em questão todas as dimensões do sujeito, inclusive enquanto ser social. No entanto,

não usamos Foucault de forma restrita a Hermenêutica. Outros textos foram utilizados, quais

sejam: História da Sexualidade 3: O Cuidado de Si, que tem como enfoque a relação do cuidado

de si com a corporeidade e a passionalidade; e nas obras O Governo de Si e dos Outros e A

Coragem da Verdade a análise se centrará nas relações do Cuidado de Si com o eu político.

Os textos Microfísica do Poder e Vigiar e Punir, também do autor supracitado, nos

deu um aparato para as críticas proferidas por ele sobre o conceito de biopoder em sua

modalidade disciplinar no espaço das instituições de sequestro como, por exemplo, a escola

permeando as relações pedagógicas contemporâneas.

Para uma melhor fundamentação da escrita, além dos textos do Michel Foucault, nos

valemos de outros autores que se utilizam desses conceitos para pensar a educação como, por

exemplos, Kohan (2003, 2010, 2011 e 2012), Gallo (2010), Veiga-Netto (2011) e Larrosa

(1994). Este autores foram úteis para pensar noções de disciplina, experiência de si e da

Filosofia como resistência no âmbito educacional. De Foucault tomamos como referência

principal as primeiras aulas do Collège de France, no início dos anos 1980, que resultaram na

obra Hermenêutica do Sujeito.

Um dos mais expoentes nomes no campo pedagógico do ensino de Filosofia no Brasil

é o professor Walter Omar Kohan. Ele também entrou em nosso referencial teórico devido a

sua contribuição para o problema da experiência do ensino-aprendizagem da Filosofia. Dentre

seus escritos nos valemos do texto Filosofia: o paradoxo ensinar e aprender (2009), e Sócrates

e a Filosofia (2011). Usou-se também os principais documentos normatizadores nomeadamente

LDB (1996) e PCN´s (1999), além do guia Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Vol.

3. Ciências Humanas e suas tecnologias (2006), do qual extraímos a concepção explicitada da

formação do sujeito pelo aparato normativo.

No que tange aos instrumentos que nos ensinou sobre pesquisar cientificamente em

campo merece destaque os nomes de M.M. Gergen e N.K. Gergen (2006), Roberto DaMatta

(1978) e Gilberto Velho (2004). O texto Tecnologias do Eu (1994), de Jorge Larrosa, foi de

extrema valia na nossa entrada em campo, utilizando-o como guia para uma análise e

construção do que realmente queríamos entender dos alunos, auxiliando-nos na elaboração das

13

perguntas para os questionários e entrevistas, bem como fundamentando uma melhor

compreensão do que foi expressado pelos estudantes. Foi um guia tanto em conteúdo quanto na

forma da pesquisa2.

Municiado com os respectivos referenciais, partimos para uma análise crítica do real

e atual cenário do ensino-aprendizagem nas nossas escolas antes de adentrarmos no capítulo

que apresenta o aporte teórico de nossa pesquisa. Esperamos ela venha provocar alguma forma

de inquietação no ser do sujeito dos atores que fazem a educação e a aprendizagem em nosso

país, e consiga, mesmo que de forma discreta ou singular, provocar algum movimento e reflexão

para pensarmos uma aprendizagem para a vida, a qual vá além do que já temos, que ouse e

provoque nos sujeitos um pensar sobre si mesmos.

2 Os aspectos metodológicos serão tratados detalhadamente no Capítulo 4.

14

2. CUIDADO DE SI E EDUCAÇÃO: APORTES TEÓRICOS

Neste capítulo partimos da experiência do ensino-aprendizagem do autor como

excurso que o levou à problemática desta pesquisa. Em seguida, apresentamos uma pequena

historiografia das entradas e saídas da Filosofia como disciplina obrigatória no currículo do

ensino brasileiro e os dilemas que nortearam sua última inclusão curricular. E finalmente

tecemos algumas críticas sobre a real situação do ensino e da aprendizagem na

contemporaneidade.

2.1. O CUIDADO DE SI NA TRAJETÓRIA FILOSÓFICA DE UM PROFESSOR DE

ENSINO MÉDIO

Nos últimos anos de vida o filósofo francês Michel Foucault dissertou e discutiu o

problema da subjetivação. O presente trabalho tem como foco entender a possibilidade do

resgate deste problema à luz da aprendizagem de Filosofia nas salas de aula do Ensino Médio.

Entendemos ser necessária uma apresentação pessoal sobre o processo de produção da escrita

desta dissertação, principalmente no que diz respeito ao elo entre a prática docente em sala de

aula na disciplina de Filosofia e a construção da subjetividade, assim como no desenvolvimento

de um cuidado de si a partir da descoberta deste conceito e de seu autor.

É do conhecimento de todo estudante da obra foucaultiana que o autor não via

necessidade de uma definição ou até mesmo de um formato sistemático de seus ditos e escritos.

Como bem entendemos seu aforismo “não me pergunte quem eu sou, não me peça para

continuar o mesmo” é relevante tamanha apresentação, haja vista que a temática abordada é

voltada para o autor em um processo de ruminação não apenas filosófica sobre o ato de lecionar,

como também para a construção de uma estética da existência. A partir daí inicia-se o percurso

da gênese desta pesquisa e a apresentação do autor que veio se tornar o escopo teórico.

No ano de 2006, ano de ingresso junto à Faculdade de Filosofia, demos início às

atividades enquanto docente. Desde o primeiro dia de sala de aula percebemos que a docência

era, de fato, o que queríamos. Na primeira aula uma questão começou a nos inquietar: qual seria

o real sentido de ensinar Filosofia no Ensino Médio e qual a metodologia ou didática adequada

para um ensino pleno no alcance do filosofar? Por todos os quatro anos de Curso e passando

por inúmeras metodologias e formas de ensino a questão continuava presente no fazer

pedagógico. No Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) a monografia foi voltada para este

tema.

15

De um apego pela Filosofia clássica nos debruçamos sobre a maiêutica socrática,

acreditando ser ela a melhor e mais sublime proposta metodológico-didático-pedagógica que

trabalha a relação ensino/aprendizagem. Com a aprovação nas disciplinas constantes no quadro

curricular e no TCC o Diploma na graduação em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio

Grande do Norte (UERN) fora obtido. Ao retornamos a rotina de sala de aula, embasados no

que pensávamos acreditar e municiados com as ferramentas e artimanhas da linguagem

socrática-platônica, percebíamos que algo continuava a inquietar. Era justamente essa pretensa

proposta de buscar ou de afirmar um método para se ensinar Filosofia.

Estudos e leituras foram retomados sobre a história do ensino da disciplina Filosofia,

os documentos legais que regulamentam a educação nacional e, principalmente, os ditames que

tornaram o ingresso obrigatório da disciplina a partir do ano de 2008. Foram observados os

objetivos presentes nas normas da LDBEN e dos PCN's, se os estudantes secundaristas se

sentiam tocados pelo ensino de Filosofia, se algo fazia sentido para eles e, ainda, se através

desses instrumentos seria possível uma transformação na vida daqueles.

Iniciávamos uma mudança no foco da questão. A casca de outorgador de métodos

eficazes para o ensino de Filosofia havia caído. Já não sabíamos mais quais métodos usar em

sala de aula, muito menos se eram eficazes. Houvera um deslocamento do ensino de Filosofia

para a aprendizagem de Filosofia. Não víamos mais necessidade de apresentar propostas

redentoras, humanísticas e salvacionistas para o referido ensino. O foco estava no ser do sujeito

do aluno, na sua aprendizagem. Logo, questionamentos emergiam: será que o contato com o

filosofar seria capaz de transformar o ser do sujeito dos estudantes? Será que os objetivos

postulados pelo Ministério da Educação encontram fundamentação teórica que consolidem uma

prática filosófica? Se sim, até que ponto esta ação poderia levar o sujeito da aprendizagem a

uma preocupação com a construção de sua existência e um cuidado de si?

Novas questões, novos problemas e novas inquietações para dilemas antigos, mas

dessa vez formulados sob outra perspectiva: a ausência de uma fundamentação teórica. Foi

quando nos sugeriram conferir os últimos escritos de Foucault. Não recordamos deste, se por

falta de trato com a disciplina ensinada na faculdade ou se pelo docente lecionador, mas que

Foucault era algo indigerível, cuja recordação partia de uma leitura intragável de A Ordem do

Discurso. Logo, nos fora indicado a leitura da obra A Hermenêutica do Sujeito, cujo livro

encontrava-se empoeirado na estante do nosso quarto e lá ficara por anos, desconsiderando-o

como objeto de leitura futura. Afinal, geralmente não valorizamos o que facilmente ganhamos,

e ele nos fora presenteado em um concurso de arte para um I Simpósio sobre o Ensino de

Filosofia da UERN. Quem diria, de “livro de fazer volume” ele se tornou o alicerce para a nossa

16

dissertação de mestrado. Estava tudo ali. Tudo o que nos inquietara há anos. Tudo o que

precisávamos para introduzir nossa incansável busca.

Como um iniciantes na obra de Foucault, lemos o máximo possível do referencial

teórico tentando não perder o rigor teórico que sustentaria a pesquisa, mas ao mesmo tempo

almejando inserir um foco prático na construção das ideias que afloravam. Dessa feita, o

encanto pela escrita foucaultiana tornou a caminhada mais prazerosa. E desse encontro de coisas

esperadas e até mesmo inesperadas nos deparamos com a interrogação de Foucault (2014, p.

13-14) quanto a proposta a respeito do exercício do filosofar. A saber:

Mas o que é filosofar hoje em dia – quero dizer, a atividade filosófica – senão o

trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento? Senão consistir em tentar

saber de que maneira e até onde seria possível pensar diferentemente em vez de

legitimar o que já se sabe?

A partir daí, sem a pretensão de legitimar nada, mas tentando pensar diferente do que

já se tinha como legitimado, e pensando foucaultianamente, atendemos a uma preocupação

maior: criar o entendimento sobre determinantes e condicionantes processos históricos que

acabam por delinear a construção do pensamento e da ação no cotidiano. Ou seja, o que

podemos entender como uma tarefa da Filosofia. Veyne (1985, p. 07) comenta isto ao dizer:

De modo algum, [Foucault] pretendeu apontar uma solução verdadeira ou definitiva;

posto que a humanidade se desloca sem parar, sendo também que alguma solução

atual revela logo que ela carrega seus perigos, toda solução é tão imperfeita, e isso

será sempre assim: um filósofo é aquele que, para cada nova atualidade, diagnostica

o novo perigo, e mostra uma nova saída.

Diello (2009, p. 19) segue o mesmo percurso que Veyne (1985), corroborando com o

pensamento ao destacar:

(...) vale sublinhar que a perspectiva de delinear o conjunto de pensamento do autor,

pode soar como a tentativa de outorgar-lhe uma unidade que o próprio Foucault, em

vida, não propôs e, certamente, não retrucaria esse feito, […] vale sublinhar aqui, que

a “dessacralização” da obra e do autor insere-se em sua concepção de que os

elementos de seu pensamento se constituem em “caixas de ferramentas” das quais

poderíamos disponibilizar na medida em que necessitarmos e quisermos, sem que ele

nos venha cobrar em que as usamos.

Percebemos com essa abertura uma forma de trabalhar mais livremente e manter um

diálogo construtivo com o referencial teórico. Como lembra Pol-Droit (2006, p. 33), “Foucault

conseguiu não ser o mestre de seus próprios livros, o guardião do sentido único de sua obra,

17

aquele que dita sua lei aos leitores dizendo-lhes: 'eis o que eu quis dizer, vocês não têm o direito

de compreender de outro modo’”. Não pretendemos, com isso, dar um significado além do que

o autor permitiu ou apresentou, mas mostrar positivamente a possibilidade de construção e

transformação das subjetividades a partir da aprendizagem do filosofar como prática do cuidado

de si.

Uma leitura acelerada de Foucault nos fará ter uma percepção equivocada de sua obra.

Alguns exegetas apressados reverberam que os escritos de Foucault têm como objeto principal

versar sobre o saber e o poder. Chegam até a dizer que ele só viera ter curiosidade e interesse

pelas questões do sujeito apenas nos seus últimos anos de vida, quando escreveu História da

Sexualidade, Volume I. Em algumas de suas falas, e entre essas na entrevista concedida a

Dreyfus e Rabinow (2013), ele explicita uma visão reducionista e mal interpretada, pois desde

muito tempo estudava e escrevia sobre a temática do sujeito, das técnicas de si, do cuidado de

si, do governo de si, entre outros subtemas que envolve a construção das subjetividades.

Deleuze (2006) é enfático e apologético ao tentar desconstruir essa má interpretação ao dizer,

na ordem cronológica, que o saber e o poder aparecem antes das questões sobre o sujeito, porque

a subjetividade apareceria em um dado momento do pensamento foucaultiano, e este momento

corresponde as duas bases postas: o saber e o poder.

Não é mais o domínio das regras codificadas do saber (relação entre formas) e muito

menos o das regras coercitivas do poder (relação da força com outras forças), são

regras de algum modo facultativas (relação a si): o melhor será aquele que exercer um

poder sobre si mesmo. […]. É isso a subjetivação: dar uma curvatura a linha, fazer

com que ela retorne sobre si mesma ou que a força afete a si mesma. Teremos, então,

os meios de viver o que de outra maneira séria invisível. O que Foucault diz é que

podemos evitar a morte e a loucura se fizermos da existência um modo, uma arte. É

idiota dizer que Foucault descobre ou reintroduz o sujeito oculto depois de o ter

negado. Não há sujeito, mas uma produção de subjetividade: a subjetividade deve ser

produzida, quando chega o momento, justamente por que não há sujeito. E o momento

chega quando transpomos as etapas do saber e do poder. São essas etapas que nos

forçam a colocar a nova questão, não se podia colocá-la antes. A subjetividade não é

de modo algum uma formação de saber ou uma função de poder que Foucault não

teria visto anteriormente; a subjetivação é uma operação artista que se distingue do

saber e do poder, e não tem lugar no interior deles (DELEUZE, 2006, p. 41).

Não se trata de uma locação ontológica para se determinar onde está o sujeito, uma

vez que não há sujeito, mas subjetivação. Não corresponde a uma busca por uma verdade

profunda a fim de se tornar um ensejo meramente ontológico. Trata-se, antes de tudo, de discutir

as possibilidades de construção das mais diversas formas de subjetividades, entendendo com

isso o filosofar como ferramenta das técnicas de si, ou, ante uma aproximação de Foucault com

Nietzsche, se tratar da estética da vida como um fazer artístico.

18

E nesse ato de filosofar como um fazer artístico vislumbramos a possibilidade de uma

dissertação que adentrasse junto à prática pedagógica, focando no conceito de Cuidado de Si

foucaultiano a partir de um ensino de Filosofia. Assim, resolvermos iniciar pelo retorno da

disciplina no Ensino Médio brasileiro, de forma obrigatória, e prosseguir até o contato em sala

de aula com os reais objetos desta pesquisa, qual seja, os alunos como sujeitos passíveis de

construção, formação e transformação deles mesmos com o auxílio do filosofar.

2.2. UM INGRESSO ÁRDUO NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO

Há tempos e por inúmeras tentativas cogitava-se o retorno da disciplina Filosofia ao

Ensino Médio como componente curricular obrigatório. Simultaneamente, os dilemas daqueles

que cursavam licenciatura em Filosofia no Brasil se expressavam em reuniões de associações

responsáveis pela discussão da introdução do ensino de Filosofia como, por exemplos, a

ANPOF (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia), colóquios, congressos e tantos

outros eventos universitários. Os dilemas principais eram: para qual fim existiam cursos de

licenciatura em Filosofia, uma vez que a disciplina era vinculada ao currículo nacional apenas

como componente optativo? Quais as demandas, em números e estatísticas, do contingente de

formados em licenciatura em Filosofia e qual a necessidade de professores, caso a disciplina se

tornasse obrigatória? E depois de inclusa no corpo de matérias do Ensino Médio quais assuntos,

temas e conteúdos seriam abordados? Quais métodos, objetivos e didáticas valeriam para o

ensino de Filosofia? Essa questões ainda são dilemas e estão em aberto os diálogos apresentados

para a sua inclusão.

Em 2008 a Filosofia se tornou uma disciplina obrigatória nos currículos brasileiros do

Ensino Médio. De imediato, foram suscitadas velhas questões que antes transitavam apenas no

meio acadêmico, mas não nos espaços pedagógicos das escolas. A questão relativa quanto a

maneira de como aquela disciplina seria abordada indica que há múltiplas maneiras na sua

abordagem e no debate histórico acerca de seu ensino e é possível identificar duas posições

básicas, supostamente, antagônicas: a visão kantiana centrada no ensino de Filosofia como

atividade especulativa, não necessariamente submetida ao conhecimento historiográfico do

saber filosófico; e a concepção hegeliana da impossibilidade de ensinar Filosofia sem remeter

à história dos debates filosóficos.

Por um lado, um dos perigos de privilegiar a concepção do ensino de Filosofia centrada

na história da Filosofia é a curta distância para que aquele ensino seja transformado na simples

transmissão de informações sobre filósofos, pensamentos frequentemente descontextualizados

19

de seus respectivos debates, das obras e dos contextos de sua criação, reduzindo, desta maneira,

a Filosofia ao seu caráter meramente cognitivo e informativo. Por outro lado, há riscos inerentes

de uma visão estreita da concepção kantiana de ensino de Filosofia que ao tentar focar-se nos

problemas e temáticas pode incorrer em uma análise simplista galgada no senso comum por

parte dos atores do processo ensino-aprendizagem.

Além de uma mera possibilidade futura, há indícios de que a Filosofia na modernidade

foi reduzida a seus aspectos cognitivos, instrumentais e informacionais. Foucault nomeou essa

transformação histórica da concepção da Filosofia3 em suas relações com o sujeito de

“momento cartesiano” (2006, p. 18). Nele, a relação entre a Filosofia e a vida se desfaz, pois

não há mais a necessidade de viver uma vida filosófica para se alcançar a verdade, concebida

agora em termos puramente cognitivos e sem qualquer caráter ético, desaparecendo a existência

filosófica das preocupações da Filosofia. Já não é mais necessário integrar a teoria filosófica

com alguma prática de vida4. Em resumo, pode-se dizer que a sabedoria deixa de ser a finalidade

da Filosofia.

Desde a origem da Filosofia, e até hoje mesmo a despeito de tudo, o Ocidente sempre

admitiu que a Filosofia não é dissociável de uma existência filosófica. Que a prática

filosófica deve sempre ser mais ou menos uma espécie de exercício de vida. É nisso

que a Filosofia se distingue da ciência, ao mesmo tempo em que coloca com

estardalhaço, em seu princípio, que filosofar não é simplesmente uma forma de

discurso, mas uma modalidade de vida. A Filosofia ocidental – e essa foi sua história

e talvez seu destino – eliminou progressivamente, ou pelo menos negligenciou e

manteve sob tutela, cada vez mais estrita o problema da vida em seu vínculo essencial

com a prática do dizer-a-verdade. (FOUCAULT, 2011, p. 206).

Para Michel Foucault (2006), em contraposição ao “momento cartesiano”, a Filosofia

- em sua origem helênica, embora concebida como uma atividade intelectual - pressupunha para

seu exercício uma série de transformações em aspectos não intelectivos do sujeito, uma relação

de mudança com o ser do sujeito, isto é, com seus aspectos corporais, passionais e sociais.

Foucault nomeia esta dimensão ou pressuposto da Filosofia de espiritualidade, cujo princípio é

o cuidado de si (epiméleia heautoû). Segundo sua análise, a Filosofia teria como finalidade

verificar em que condições o sujeito pode ter acesso a verdade, e a espiritualidade constituiria

3 A filosofia é definida por Foucault em A Hermenêutica do Sujeito, como o estudo das condições do sujeito à

verdade (2006, p. 19). Trata-se de uma mudança nas relações do sujeito com a verdade, sendo a filosofia o elemento

mediador. 4 Para Foucault, a era moderna das relações do sujeito com a verdade transformou tanto a concepção dos termos

quanto a relação entre ambos: “o sujeito, antes incapaz de verdade sem antes realizar uma conversão, torna-se

capaz da verdade por si mesmo, mas a verdade perdeu seu poder eudemonístico e redentor e foi reduzido ao caráter

cognitivo-instrumental.” (2006, p. 24)

20

o conjunto de práticas de si e de transformações, ou conversões, que o sujeito precisaria realizar

para ser capaz de verdade (cf. FOUCAULT, 2006, p. 03 – 24). No “‘momento cartesiano’ o

‘Conhecimento de Si’ ganha centralidade, enquanto o ‘Cuidado de si’ é apagado e

marginalizado” (cf. FOUCAULT, 2006, p. 18-19).

A redução da Filosofia aos seus aspectos cognitivos não é apenas uma possibilidade

no ensino de Filosofia, mas um ponto de partida da situação histórica da Filosofia na

modernidade. No entanto, apesar desse ponto de partida histórico reducionista, a relação entre

o ensino de Filosofia e o ser do sujeito de aprendizagem (o aluno) é passível de problematização.

A Filosofia, assim como outras disciplinas, deve, segundo as normas legais da educação

brasileira, nomeadamente a LBD e PCNs (2002), não somente tornar o educando apto ao

mercado de trabalho, mas também auxiliar na formação do sujeito político ideal de uma

Democracia Constitucional. Em outros termos, a Filosofia é convocada de volta aos currículos

brasileiros com o objetivo fundamental de auxiliar na formação de determinado ideal de sujeito

político e, portanto, não pode ser ensinada de forma meramente informacional, mas

estabelecendo relação com o caráter sócio-político do aluno.

À luz dessas considerações, pensamos em uma problemática de aprendizagem de

Filosofia que possa abarcar conceitos além da simples preparação para o exercício da cidadania,

como preconizado nos PCN´s e outros dispositivos que pregam o ser cidadão como o baluarte

maior do filosofar. Destacamos as implicações que a referida proposta educativa tem na

construção, formação e transformação do ser do sujeito do aluno com ênfase em aspectos éticos

do ensino. Ora, o que se entende por cidadania no que diz respeito aos objetivos da disciplina

Filosofia, segundo os regimentos do MEC? Seria este conceito verdadeiramente filosófico ou

apenas uma adequação do indivíduo nos limites de normalidade, legado pela Modernidade? Os

documentos citados carregam ainda o conceito de que o ensino de Filosofia tem como objetivo

criar cidadãos críticos. Problematizamos também este conceito. O que se entende por crítica?

A que dimensões essa palavra nos remete? É preciso ver criticamente o que se entende por

crítica ou por formação de um sujeito crítico, pois é tênue a possibilidade de se estabelecer

padrões normatizantes de sujeitos críticos ou não críticos, sãos ou doentes, inteligentes ou

ignorantes. E o ensino de Filosofia não pode cair neste engodo.

Tendo em conta a necessidade de se esboçar alguma correlação entre conhecimento

de Filosofia e uma concepção de cidadania presente na legislação vigente, podemos

tomar como ponto de partida o explicitado como cidadania nos documentos das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Assim, o Artigo 2 da

Resolução CEB n° 3, de 26 de junho de 1998, reporta-nos aos valores apresentados

na Lei n° 9,394, a saber: I. os fundamentos ao interesse social, aos direitos e deveres

21

dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II. os que fortaleçam

os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca

(SANTOS NETO, 2006, p. 24-25).

Aqui encontramos um problema concernente ao que os órgãos responsáveis pelo

ensino no Brasil compreendem por cidadão. Criam-se meta, objetivo e objeto de estudo da

Filosofia a partir de um viés humanista, sem ao menos questionar a validade ou até mesmo a

veracidade desse viés. Quem, depois de ter passado pelo Ensino Médio brasileiro, merece ser

reconhecido como cidadão? De forma resistente e não como um simples instrumento de uma

educação sequestradora, como a Filosofia poderia delimitar isso? O que é cidadão, segundo o

MEC? Como a Filosofia torna alguém mais ou menos cidadão? Onde está esse ideal de sujeito

político democrático?

Foucault, por exemplo, critica a noção historiográfica difundida acerca do interesse

pela subjetividade no mundo helênico, qual seja, a de que o interesse pelo sujeito surgiu,

forçosamente, com o esfacelamento da Polis grega no período helenístico. Se o cidadão grego

tinha um poder direto sobre o destino da Polis, no período helenístico ele foi confrontado com

um ambiente cosmopolita em que pouco podia atuar e modificar, que estava acima de seus

poderes da ação política, assim como o mundo contemporâneo em muito ultrapassa nossos

poderes de influência. Esse cidadão grego, agora politicamente impotente e deslocado em um

mundo cosmopolita, volta-se para dentro de si, introverte-se e enuncia que mais vale vencer a

si mesmo que ao mundo. O cuidado de si, como Foucault o pensa, não é introversão e não está

dissociado das relações sócio-políticas, pelo contrário, tem uma dimensão política fortíssima.

Implica, também, no cuidado do outro.

Interpreta-se, frequentemente, a importância assumida pelo tema do retorno a si ou da

atenção que é preciso prestar a si mesmo, no pensamento helenístico e romano, como

alternativa que propunha para a atividade cívica e para as responsabilidades políticas.

É verdade que se encontra em certas correntes filosóficas o conselho de afastar-se dos

negócios públicos, das perturbações e paixões que elas suscitam. Mas não é nessa

escolha entre participação e abstenção que reside a principal linha de demarcação; e

não é por oposição à vida ativa que a cultura do si propõe seus próprios valores e suas

práticas. Ela procura muito mais definir o princípio de uma relação consigo que

permitirá fixar as formas e as condições nas quais uma ação política, uma participação

nos encargos de poder, o exercício de uma função serão possíveis ou impossíveis,

aceitáveis ou necessários (FOUCAULT, 1985, p. 93).

Quando Foucault coloca a questão do cuidado de si ele não o separa da dimensão

política intrínseca, associando, portanto, ética e política. Nesse sentido, é possível pensar a

relação da aprendizagem de Filosofia como “cuidado de si”, o qual não se reduz ao caráter

instrumental do sujeito político que as normas legais almejam formar. O que não significa que

22

essa ênfase no caráter político que a lei estabelece deva excluir o cuidado com outras dimensões

do sujeito. Trata-se de um relacionamento entre a Filosofia e todas as dimensões do sujeito.

Vemos, claramente, que o ideal humanista do renascimento e do iluminismo perdura através

das normas que regem a educação brasileira, mas não é isso que encontramos em Foucault. Ele

propõe que o cuidado de si é algo que vai além. Vejamos como o papel da Filosofia se torna

restrito a um ideal de sujeito, preso a um conjunto de fatores que a educação almeja alcançar,

tornando-se um aparelho do Estado para a construção de determinados sujeitos:

Outro objetivo geral do Ensino Médio constante na legislação e de interesse para os

objetivos dessa disciplina é a proposição de “aprimoramento do educando como

pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia

intelectual e do pensamento crítico” (Lei n° 9,394/96, Artigo 36. Inciso III). Embora

se trate de uma ideia vaga, o aprimoramento como pessoa humana indica a intenção

que não corresponda apenas à necessidade técnica voltada a atender interesses

imediatos, como por exemplo do mercado de trabalho. Tratar-se-ia antes de um tipo

de formação que incluía a constituição do sujeito como produto de um processo, e

esse processo como um instrumento para o aprimoramento do jovem aluno. (SANTOS

NETO, 2006, p. 28-29)

Torna-se curioso como parcialmente os documentos legais se contradizem. Ora

pregam um ensino de Filosofia livre, ora o aprisiona em conceitos técnico-instrumentais,

indicando-o como parte de um processo de aprimoramento do aluno, sem apontar em que

sentido está posto esse “aprimorar”. Este aprimorar diz respeito a quais aspectos do ser do

aluno? Está posto apenas em uma dimensão epistemológica ou devemos entender como um

aprimoramento nos campos da ética e da política? Esse processo de aprimoramento,

fundamentado em uma pretensa ideia da disciplina de Filosofia como redentora de um sujeito

específico indica alguma possibilidade de compreender o sujeito consigo mesmo ou até mesmo

na dimensão do seu corpo? Os questionamentos levantados, se compararmos aos objetivos

propostos nos documentos do MEC com o conceito foucaultiano de “cuidado de si” se torna

interessante, pois o próprio conceito de cuidado de si surge na obra foucaultiana no âmbito de

uma reflexão sobre a sexualidade, os prazeres e o corpo. Em outros termos, o cuidado de si,

além da dimensão política, envolve também uma dimensão corporal.

Dessa feita, abordaremos a seguir a forma como o ensino de Filosofia é pensado

institucionalmente (nos PCN´s, na LDB) em toda sua ideia de formação do cidadão democrático

e partícipe da vida política e no sentido abrangente de formação humana, com o cuidado de si

pensado em sua relação com o outro, tomando como base o conceito de cuidado de si exposto

nas obras do filósofo Michel Foucault, nomeadamente A História da sexualidade, Volume III:

23

O cuidado de Si”, “Hermenêutica do Sujeito”, “O Governo de Si e dos Outros” e “A Coragem

da Verdade”.

2.3. PARA UMA ANÁLISE DA APRENDIZAGEM CONTEMPORÂNEA

Inúmeros são os aparatos que fomentam a importância que tem a educação como, por

exemplos, os meios de comunicação, livros, discursos políticos, organizações governamentais

e não-governamentais, especialistas, educadores e, atualmente, plataformas digitais na internet.

Investimentos são feitos tanto na melhoria da infraestrutura quanto na qualificação dos atores

humanos que fazem o universo ensino-aprendizagem, bem como em recursos tecnológicos de

alta qualidade. Constroem-se modelos educacionais, imitam-se outros tantos projetos

pedagógicos objetivando tentar melhorar a educação, porém na maioria dos espaços

educacionais, desde a mais tenra idade até as paredes da academia, os inúmeros modelos e

propostas pedagógicas são tantos quanto são várias as realidades sociais: de escolas para pobres

a escolas para ricos; do ensino técnico-profissionalizante às escolas-fazendas; das escolas

públicas às escolas privadas. Nessa realidade, o objetivo maior é a quantificação do maior

número de estudantes possível.

Essa quantificação do processo educativo também está presente nos documentos legais

que regem a educação em nosso país, pois está prescrito que um dos objetivos da educação é

formar para o mercado de trabalho. A Resolução N.º 2, de 30 de janeiro de 2012, a respeito das

definições das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, no Título I, Objeto e

Referencial, Capítulo 2, Referencial legal e conceitual, Artigo 4º, inciso II indica: a preparação

básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar aprendendo, de modo a ser

capaz de se adaptar a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores5.

A partir daí é possível constatar que na maior parte das escolas que compõem a rede

particular de ensino os fins propostos com a alcunha de excelência em ensino-aprendizagem

esbarram no fator quantitativo, qual seja, a quantidade de egressos no ensino superior ou em

cursos reconhecidos. O sujeito-aluno transforma-se em um número, um outdoor para

marketing. Todavia, esbarramos em um questionamento importante: Até que ponto o ensino nas

escolas ajuda no desenvolvimento dos alunos enquanto indivíduo e também ser coletivo?

Esse paradigma quantitativo educativo se tornou possível com a ascensão do sistema

político-econômico que perdura no ocidente denominado capitalismo. Nele é proposta e

5 Resolução CNE/CEB 2/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de janeiro de 2012, Seção 1, p. 20.

24

vendida uma ideia de qualidade de vida, de objetivo existencial, de ser bem-sucedido, de ter

êxito diante da sociedade, de ser um vencedor, em modelos que devem servir para uma melhor

sociedade. Neste sentido, como fica o ensino e a aprendizagem da Filosofia? Existe

possibilidade para uma outra forma de aprender? É possível uma aprendizagem cujo objetivo é

a construção do ser do sujeito por ele mesmo? Será que o conjunto dos conteúdos que são

ensinados na escola são verdadeiramente importantes para os sujeitos que lá estão inseridos? O

que é ensinado, discutido nas aulas de Filosofia e o mais importante, aprendido, faz dela uma

matéria estática, inerte, ou provoca nos alunos um movimento que os leve a refletirem e

pensarem em suas vidas? Será que as aulas de Filosofia não deveria buscar outro

desenvolvimento no aluno além do desenvolvimento curricular? Será que ela se transformou

em uma mera reprodução de uma razão instrumental? Se assim for, seu valor cai na mera

reprodutibilidade técnica dos conhecimentos. Filosofar não pode cair na simples atividade de

decorar conceitos de filósofos clássicos e aplicá-los em um exame. É preciso uma aprendizagem

que provoque no aluno uma inquietação com o mundo, que sirva para a sua estética de vida,

dando-lhe a liberdade artística de pensar e criar seu próprio eu.

Com as repentinas mudanças dos paradigmas na atualidade o próprio conhecimento

está sofrendo transformações. Os sistemas educativos pouco têm apresentado mudanças

significativas. Reside aqui um problema apresentado por Foucault, na realidade um problema

bem profundo: a disciplina. Ela e todos os aparatos disciplinares corroboram com a

quantificação. As escolas normais tomaram como objetivo aquilo que é medível, quantificável

e passível de observação. Elas buscam a criação de um modelo disciplinar para se chegar aos

seus objetivos quantitativos, criam regras e a denominam de qualificações6, quer seja um valor

numérico ou um conceito, quer uma aprovação daqueles que são considerados melhores ou uma

reprovação para os considerados inferiores, sempre seguindo uma ótica de

comparação/competição. Comparação de aprendizagem, logo, comparação de subjetividades,

de sujeitos, deixando-nos um dilema: se cada indivíduo é singular, único, então qual a régua

que deve ser usada para medi-los? Seria um número suficiente para definir o ser das pessoas?

A qualidade dos seres? O ser mesmo do sujeito alheio? Foucault (2012a, p. 164-165) diz:

O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o

olhar hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que

lhe é específico, o exame. O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue

pelo jogo do olhar: um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos

de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles

6 Abordaremos com mais detalhes e embasamento teórico a noção de disciplina em Foucault no terceiro capítulo.

25

sobre quem se aplicam. […] um saber novo sobre o homem, através de técnicas para

sujeitá-lo e processos para utilizá-lo.

Na mesma obra ele prossegue sua análise sobre o disciplinamento ao falar da escola,

dizendo:

Do mesmo modo, a escola se torna uma espécie de aparelho de exame ininterrupto

que acompanha em todo o seu comprimento a operação do ensino. Tratar-se-á cada

vez menos daquelas justas em que os alunos defrontavam forças e cada vez mais de

uma comparação perpétua de cada um com todos, que permite ao mesmo tempo medir

e sancionar. […] O exame supõe um mecanismo que liga um certo tipo de formação

de saber a uma certa forma de exercício de poder. O exame inverte a economia da

visibilidade no exercício de poder. […] O exame faz também a individualidade entrar

num campo documentário [...] O exame que coloca os indivíduos num campo de

vigilância os situa igualmente numa rede de anotações escritas. […] a constituição do

indivíduo como objeto descritível, analisável, não contudo para reduzi-lo a traços

'específicos', como fazem os naturalistas a respeito dos seres vivos; mas para mantê-

lo em seus traços singulares, em sua evolução particular, em suas aptidões ou

capacidades próprias, sob o controle de um saber permanente. (FOUCAULT, 2012a,

p. 178, 179; 181, 182)

É perceptível a contradição posta nos objetos e objetivos da educação nacional, bem

como sua prática. Na teoria encontramos leis e parâmetros que pregam uma educação a partir

de um desenvolvimento humano, galgada em valores humanos como solidariedade, igualdade,

liberdade, cooperação, paz e felicidade. Entretanto, a realidade é bem diferente. Chega a ser

paradoxal, já que os espaços de aprendizagem trabalham como conteúdos ditos ideais, mas não

como princípio, uma vez que no sistema capitalista a competição é que separa os sujeitos entre

os normais e os anormais, entre os bem-sucedidos e os fracassados. Esses conteúdos são

trabalhados, batidos e vividos como sinônimo de vitória. A aprendizagem converte-se em

processo de reprodução simbólica, tornando a escola não como espaço de formação, mas

semelhante a uma prisão ou, como disse Foucault, um espaço onde se desenvolve uma nova

microfísica do poder:

A disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço. Para

isso, utiliza diversas técnicas. 1) A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação

de um local heterogêneo a todos os outros e fechados em si mesmo. Local protegido

da monotonia disciplinar. Houve o grande 'encercamento' dos vagabundos e dos

miseráveis; houve outros mais discretos, mas insidiosos e eficientes. Colégios: o

modelo do convento se impõe pouco a pouco; o internato aparece como o regime de

educação senão o mais frequente, pelo menos o mais perfeito. (FOUCAULT, 2012a,

p. 137)

Com o advento da Revolução Científica do Século XVII e a Revolução Industrial a

crença na infalibilidade da ciência legará a essa relação ensino/aprendizagem um caráter

26

positivista e instrumental, em que a máxima principal será maiores resultados possíveis com o

menor esforço e investimento, com regras e postulados científicos bem definidos, com resposta

necessária para os trabalhadores e oportunidade ímpar para os industriais. Estes foram os

responsáveis pelo investimento inicial na educação pública, a fim de se ter mão de obra

qualificada e inteligente. E em que se transformaram as salas de aula? Em uma ferramenta útil

para formar sujeitos para o mercado de trabalho. Logo, um instrumento repetitivo de

subjetivação e produção cultural.

Pode-se comparar a metodologia do espaço escolar com uma linha de montagem

industrial, uma esteira de séries e módulos que precisam ser conquistados e ultrapassados sem

pular nenhuma etapa, e também a separação destes “produtos” por graus “qualitativos”. Nessa

realidade, os indivíduos são levados a buscar os louros, pois os prêmios prometidos são dados

aos melhores. Precisam ser os vencedores. Não se pode perder de modo algum ou fracassar. E

se a criança não alcança os objetivos que lhe são determinados um conjunto de punições lhe

espera. Foucault (2012a, p. 172-173) diz:

A disciplina traz consigo uma maneira específica de punir, e que é apenas um modelo

reduzido do tribunal. O que pertence à penalidade disciplinar é a inobservância, tudo

o que está inadequado à regra, tudo o que se afasta dela, os desvios. […] O castigo

disciplinar tem a função de reduzir os desvios. Deve, portanto, ser essencialmente

corretivo. A punição disciplinar é, pelo menos por uma boa parte, isomorfa à própria

obrigação [...]. Castigar é exercitar. […] A punição, na disciplina, não passa de um

elemento de um sistema duplo: gratificação-sanção.

Uma crença medieval que ainda perpetua é a de que o aluno é um ser vazio a ser

preenchido, podendo-se, neste percurso, formá-lo, reformá-lo e moldá-lo conforme for

necessário, com medidas impostas por outrem de acordo com precisões externas. E assim,

semelhante a um rato de laboratório, socializamos os indivíduos a partir de um ideal de ser

humano que buscamos criar. E nessa perspectiva de disciplina a educação atual se propõe a

ensinar mais pelo medo do que por quaisquer outros métodos.

A relação ensino-aprendizagem é mais um mecanismo de controle e de manipulação

ética do que uma possibilidade de construção dos sujeitos por eles mesmos. Ensinamos por

condicionamentos, estímulo pergunta/resposta correta, logo, prêmios. Qual consequência

vemos de um percurso educacional que está fincado desde a modernidade na sociedade

ocidental? Uma educação meramente positivista, instrumental e normatizadora.

Os dilemas desta pesquisa aguçam-se ao se refletir sobre a educação e a aprendizagem

contemporânea. Resolvemos encerrar este primeiro diálogo com essa crítica sobre o

engessamento da aprendizagem contemporânea. De forma retórica nos questionamos: como

27

pode o aluno ser provocado por uma reflexão que o conduza a uma aprendizagem filosófica

estando ele inserido em um sistema normatizador e disciplinador? Seria a Filosofia capaz de

trazer resistência? É possível uma aprendizagem de Filosofia que se contraponha ao corpo

educacional instituído, ou seja, currículos, parâmetros, didáticas e metodologias? Algumas

dessas perguntas estão distribuídas no desenvolvimento deste trabalho e buscaremos apresentar

possíveis respostas.

No terceiro capítulo retomaremos a temática dos questionamentos sobre o ingresso da

Filosofia no currículo do Ensino Médio das escolas no Brasil e apresentaremos um

deslocamento da problemática saber/poder de Foucault para o campo educacional. Em seguida,

discutiremos a disciplina escolar como ferramenta político-pedagógica para a manutenção do

biopoder e a possibilidade da aprendizagem da Filosofia como resistência. Logo após falaremos

sobre o conceito foucaultiano do Cuidado de Si como possibilidade de construção e

transformação dos sujeitos por eles mesmos. E finalmente mostraremos os pontos de fuga e

resistência ao ensino normativo e a construção do sujeito a partir da experiência de si como

tecnologias do eu discutidas por Foucault e estudadas, questionadas e interpretadas por Larrosa

(1994) do ponto de vista da aprendizagem filosófica.

Na quarta parte do trabalho apresentaremos a metodologia proposta em nosso estudo,

bem como os resultados e análises do desempenho em campo realizado a partir de uma pesquisa

e um roteiro de entrevista para se averiguar em que medida a aprendizagem de Filosofia provoca

uma relação diferente no ser do sujeito-aluno, quer consigo mesmo, quer com o outro.

28

3. DISCIPLINA, CUIDADO DE SI, RESISTÊNCIA E APRENDIZAGEM

Neste capítulo tratar-se-á da aprendizagem de Filosofia a partir dos elementos legais

que regem a educação básica no Brasil, com a implantação da obrigatoriedade da matéria no

Ensino Médio a partir de 2008. Em seguida, apresentamos os conceitos de disciplina, cuidado

de si e resistência em Foucault transpostos para o campo educacional com o fim de melhor

entendermos a relação saber/poder e subjetividade. Mostramos a disciplina escolar como um

dispositivo de constituição do biopoder e a Filosofia como possibilidade de resistência a esse

poder a partir da noção de cuidado de si. Posteriormente, falar-se-á sobre o Cuidado de Si como

possibilidade de construção dos sujeitos por eles mesmos. E finalmente, retomamos a discussão

da Filosofia como linha de fuga e resistência ao ensino normativo, de acordo com as

experiências de si, respaldado na contribuição de Larrosa (1994) quando escreve sobre as

tecnologias do eu e a educação.

3.1. QUESTIONAMENTOS PRELIMINARES SOBRE A NORMATIVIDADE DA

DISCIPLINA DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO E SEUS OBJETIVOS.

A disciplina Filosofia tem sua história no ensino brasileiro marcada por inclusão e

exclusão nos currículos que regem a educação nacional. No início do Regime Republicano, a

disciplina saiu da exclusão e foi posta, por pouco tempo, como componente curricular. Passou

uma década sendo ministrada, mas novamente saiu dos componentes curriculares no ano de

1911. Outra medida educacional, chamada reforma Rivadávia Corrêa, excluiu-a dos currículos.

Quatro anos depois ela retorna em caráter optativo, e apenas em 1925 como matéria obrigatória.

No primeiro governo Vargas (1930 a 1945) a educação no Brasil passou por algumas

outras tantas reformas, entre elas medidas que mantinham a Filosofia no currículo escolar, mas

ministrada mais em caráter de caracterização histórica e enciclopedista do que propriamente

filosófica.

Durante a mais recente tentativa de retorno da Filosofia ao currículo do Ensino Médio,

inúmeras justificativas foram levantadas para mostrar o seu valor. As principais justificativas

foram: dita potência da Filosofia no auxílio do desenvolvimento de uma consciência crítica nos

alunos; e a filosofia como um elo de interdisciplinaridade entre as demais ciências. Gallo

(2012b) redarguida essas justificativas entendendo que elas trazem problemas passíveis de

discussão, como, por exemplo, o fato da Filosofia ser justificada por uma responsabilidade de

29

desenvolver nos estudantes, alheio a ela mesma, o que lhe confere um caráter instrumental. Por

outro lado, ele indaga:

Em ambos os casos, a justificação para o ensino de filosofia confere a esta disciplina

um papel que não é e não pode ser exclusivamente dela. Isto é, se desejamos uma

educação que forme a criticidade dos jovens, a filosofia pode ser um dos elementos

desta formação, mas certamente não é e não pode ser o único. A criticidade não é

exclusiva da filosofia e não pode ser creditada exclusivamente a ela. Ou as demais

disciplinas também são formadoras da consciência crítica ou esta formação é

impossível. E o mesmo raciocínio é válido para a interdisciplinaridade. (GALLO,

2010b, p. 160).

Com a Lei n° 5.692, a disciplina Filosofia é retirada das salas de aulas no Brasil por

mais de três décadas, decorrente do golpe militar de 1964, e sua total exclusão em 1971. O

ensino brasileiro, durante o regime de exceção, tornou-se técnico e instrumentalizado por

excelência. Diante de um regime totalitário, o melhor que os governantes podiam fazer era

inibir o povo de um pensamento crítico e politizado. A partir de 1985, com o fim do regime

ditatorial, mais uma vez a disciplina retorna aos currículos em caráter optativo. O governo

federal pleiteou uma obrigatoriedade para a Filosofia na grade curricular do Ensino Médio no

ano de 2006, segundo o Parecer n° 38/2006, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)

aprovado em sete de julho e homologado pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, no dia

onze de agosto do referido ano7.

Com o parecer da Lei 11.684 das Leis de Diretrizes e Bases que regem a educação

nacional, sancionadas em junho de 2008, a disciplina de Filosofia passou a ser componente

curricular obrigatório no Ensino Médio. Na realidade, há muito se pensava no retorno da

disciplina, com algumas propostas levantadas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso

(1994-2002) e durante o governo Lula (2003-2010).

O que se conseguiu com esta última sanção foi uma considerável modificação na

LDBEN 9.394/96, em que a Lei 9424/96 propunha que disciplina citada fosse contemplada de

forma transversal, levando o educando apenas a adquirir “domínio dos conhecimentos

necessários ao exercício da cidadania”8. Aquela Lei já havia sofrido mudanças anteriormente,

7 Os conteúdos históricos e as datas sobre as entradas e saídas da disciplina Filosofia na grade curricular do ensino

brasileiro são baseadas nas pesquisas da professora MAAMARI, Adriana Mattar. De volta à Escola: A Filosofia

retorna ao currículo escolar do Ensino Médio como disciplina obrigatória. In: Discutindo Filosofia. São Paulo:

Escala Educacional, Ano 1, n° 05, ISSN 1808-8961-05, 2006. p. 23. E nos artigos publicados: RODRIGUES, Zita

Ana Lago. O ensino da Filosofia no Brasil no contexto das políticas educacionais contemporâneas em suas

determinações legais e paradigmáticas. In: Educar em Revista, nº 46. Curitiba: Editora UFPR, 2012. p. 69-82.

GALLO, Sílvio; ASPIS, Renata Lima. Ensino de filosofia e cidadania nas “sociedades de controle”: resistência e

linhas de fuga. In: Pro-Posições, v. 21. n. 1 (61), p. 89-105. Campinas: Edições Unicamp, 2010a. 8 BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 9.394/96. Brasília, DF: MEC, 1996.

30

com o DCNEM, apresentado pela portaria do CNE/CEB de 1998, reiteradas as observações da

LDBEN, com as seguintes palavras sobre a necessidade do ensino de Filosofia: ser “coerente

com princípios estéticos, políticos e éticos [abrangendo] a Estética da Sensibilidade, a Política

da Igualdade e a Ética da Identidade”9.

Nos deparamos, aqui, com questões filosóficas sobre os próprios focos a que as

instituições legisladoras do ensino tentaram dar como objetivos do ensino de Filosofia. Os

referidos documentos apresentam essas três perspectivas, no entanto não aprofundam e muito

menos explicitam o que se quer dizer por Estética da Sensibilidade, Política da Igualdade e

Ética da Identidade. No nosso entender, a legislação responsável pela educação aposta em

conceitos sem ao menos estabelecer um sentido dessas mudanças na lei em aproximação aos

reais conceitos.

Essas questões podem ser acrescidas a outras tantas quando analisamos o Artigo 35,

inciso III, da mesma LDBEN 9.394/96, e encontramos algumas das tarefas da disciplina

Filosofia, qual seja: o “aprimoramento do educando como pessoa humana [...] a formação ética

e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, tarefas que certamente

a Filosofia facilitaria no aluno do Ensino Médio”10. Nesse sentido, em que medida este

aprimoramento do educando acontece a partir das aulas de Filosofia? Antes de tudo devemos

nos perguntar: tem a Filosofia a capacidade de transformar o ser do sujeito? Ou anteriormente

a todas essas indagações há espaço nos objetivos propostos pelo MEC para trabalhar filosofia

com respaldo na experiência de si?

Para fazer uso de mais um dos documentos legais que tentaram dar importância e

inclusão à Filosofia no Ensino Médio recorremos ao terceiro argumento apresentado pelo

deputado Roque Zimmermann na PL 3.178/97, quando fala da capacidade da filosofia como

auxílio no desenvolvimento humano:

O reconhecimento do status de disciplina à Filosofia e à Sociologia é o

reconhecimento de seu estatuto epistemológico, próprio a estas duas ciências –

Filosofia e Sociologia, importantes e fundamentais para o desenvolvimento humano.

Constituí-las como disciplinas na arquitetura curricular do Ensino Médio nas escolas

brasileiras significa muito mais do que reforçar compartimentações, mas reconhecer

seu status epistemológico e sua relevância histórica para a formação da capacidade

crítico-reflexiva e da ampliação da capacidade da construção da cidadania do alunado

que acessa esse nível de escolarização formal. (ZIMMERMANN, 2001).

9 ______. MEC/CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. DCNEM-CEB/CNE. Brasília, DF:

MEC, 1998a. 10 BRASIL. Op. cit. 1996.

31

Foucault, de algum modo, põe em questão esses objetivos humanistas e positivistas da

aprendizagem da filosofia, fazendo desse modo um deslocamento deles a partir da noção de

experiências de si. O que é colocado pelas normas que regem a Filosofia no Ensino Médio

encontra limitações e insuficiências na prática filosófica, notadamente aos aspectos que

correspondem a nossa pesquisa, ou seja, a experiência de si. Além disso, essas normas precisam

ser consideradas a partir de uma perspectiva disciplinar que atravessa as práticas pedagógicas

da escola.

3.2. MICHEL FOUCAULT, SABER, PODER E EDUCAÇÃO

Michel Foucault foi um pensador cuja obra filosófica perpassava por inúmeras áreas

do conhecimento humano de forma transversal. Além da Filosofia, seus escritos são usados e

abarcam temas relevantes à psicanálise e psicologia, à história, sociologia, ao estudo do direito

etc.. No entanto, é perceptível que o objetivo principal de seus estudos é o sujeito.

Foucault não escreveu propriamente sobre educação. No entanto, ele tangencia temas

educacionais como, por exemplo, em Vigiar e Punir (2012a), o qual fala da disciplina escolar

como agente de disciplinarização e domesticação, tema que abordaremos mais adiante na

possibilidade de um ensino de Filosofia como forma de resistência. Ele escreve ainda sobre

educação grega em seu curso de 1981-1982, que resultou na compilação gráfica de A

Hermenêutica do Sujeito (2006). Tendo o sujeito como conceito-chave de sua pesquisa,

podemos fazer um deslocamento conceitual, acreditando ser também o objeto central da

educação.

Entretanto, é necessário fazer algumas ressalvas. Enquanto na educação moderna o

sujeito é algo pronto, algo já dado que pode e precisa ser educado e lapidado, em Foucault o

sujeito se apresenta como parte de uma construção histórica. Ele critica esse conceito fechado

de sujeito nascido na modernidade, o qual fomos levados a crer que sempre existiu, da mesma

forma e com as mesmas características. Encontramos sua crítica a história linear com as

seguintes palavras:

A história contínua é o correlato indispensável à função fundadora do sujeito: a

garantia de que tudo que lhe escapou poderá ser devolvido; a certeza de que o tempo

nada dispersará sem reconstituí-lo em uma unidade recomposta; a promessa de que o

sujeito poderá, um dia – sob a forma da consciência histórica –, se apropriar,

novamente, de todas essas coisas mantidas à distância pela diferença, restaurar seu

domínio sobre elas e encontrar o que se pode chamar sua morada. Fazer da análise

história o discurso do contínuo e fazer da consciência humana o sujeito originário de

todo o dever e de toda prática são as duas faces de um mesmo sistema de pensamento.

32

O tempo é aí concebido em termos de totalização, onde as revoluções jamais passam

de tomadas de consciência. (FOUCAULT, 1987, p. 14-15).

Foucault coloca em questão a ideia de sujeito compreendida pela modernidade e o

pensa como algo criado relativo a um dado momento histórico. Outras formas de sujeito são

criadas a cada momento, de variadas maneiras, diante dos inúmeros tipos de saberes. O sujeito

nada mais é que um ser na história que surge em um momento e que se constitui historicamente.

Portanto, o sujeito não é um ser fixo. É, antes de tudo, um ser passível de mudanças e

transformações. Logo, se existem diferentes formas históricas de sujeitos há diferentes formas

históricas da educação daqueles.

Por inferência, percebemos nessa construção do sujeito ou de sujeitos, de acordo com

o pensamento foucaultiano, o rompimento com toda e qualquer forma de dualismo escolástico,

onde outrora tínhamos o aluno passivo, ser cognoscente, assemelhado a um recipiente pronto a

receber todas as verdades de seus mestres, e o professor, dono da verdade e do saber, prestes a

exercer sua função: criar um tipo de sujeito pronto e regulado, disciplinado e dócil, segundo a

ótica do biopoder, conceito foucaultiano que será abordado posteriormente.

Para Foucault, não existe “o aluno” ou “o professor”. O que de fato existe é um

processo de subjetivação, construção e fabricação do sujeito. Para isto existem técnicas,

processos de criação e formação deste sujeito como, por exemplo, a educação. Essa construção

é histórica, e a educação não é o único elemento construtor ou formador do sujeito. Ele se

constrói a partir de outras inúmeras relações dentro de sua existência, e não com base em um

ideal de homem, pensador, autônomo legado pelo pensamento iluminista. Na realidade,

Foucault tece críticas a esse ideal de homem, de sujeito.

Para melhor entendermos essa construção, precisamos recorrer aos conceitos de Saber

e Poder na obra de Foucault. Uma de suas primeiras abordagens foi sobre o saber,

principalmente no que toca às mais variadas formas de produção dos saberes, e como os sujeitos

os produziriam e ainda produzem. Estas abordagens estão além da preocupação moderna sobre

o conhecimento. Enquanto na Modernidade o importante era o acúmulo de conhecimentos para

Foucault o mais importante é entender como o conhecimento pode interferir na construção dos

sujeitos. Em cada época, a cada momento histórico, determinados tipos de saberes são

construídos, são possíveis, como está escrito em As Palavras e as Coisas (1966). Logo, não

está em foco para Foucault a importância dada sobre os conhecimentos, mas a relação

saber/poder na construção das subjetividades.

33

Em Foucault, a relação saber/poder se insere nos estudos mais propriamente

genealógicos, ainda que também esteja presente a perspectiva arqueológica como uma

arqueologia das ciências e uma genealogia do saber/poder. Nesta genealogia, uma das questões

centrais pode ser apresentada do seguinte modo: de que forma ou quais elementos, em um dado

contexto histórico, são responsáveis para que pensemos de certa maneira e não de outra? Que

tipo de ciência é possível neste período histórico? Como esses elementos se modificam?

Ponderando sobre a ciência da educação e a concepção do saber questiona-se este como uma

construção a partir de determinados elementos, aos quais ele chama de elementos da verdade.

A verdade é apresentada por Foucault como construção histórica, uma invenção que

depende de todo um conjunto de forças, que não há relação de causalidade entre poder e saber,

mas uma relação em rede, um jogo em que ambos se constituem reciprocamente na história.

Cabe outro conceito importante no estudo do pensamento do referido filósofo, o conceito de

jogos da verdade, em que se inquire como a verdade é produzida e percebida. O poder produz

saber e saber produz ora mecanismos de manutenção ora novas relações de poder, como forma

de resistência ao poder instituído.

Quanto a este ponto cabe relembrar a influência que Nietzsche teve no que tange à

construção do sujeito no pensamento sobre subjetivação na obra foucaultiana. Nietzsche, autor

de Verdade e Mentira no Sentido Extramoral (2005), traz toda esta inquietação no que diz

respeito à capacidade humana de conhecer algo como verdade. Seu ceticismo não apenas faz

uma crítica, mas ironiza o engano humano de acreditar em uma verdade absoluta ou em um

conjunto de conhecimentos que foram tomados como verdade e perpassado de geração em

geração, de forma que não apenas acabou por criar uma modulação na construção dos sujeitos,

mas determinou um arcabouço ético-moral que rege a ferro a maioria dos homens. Nietzsche

(2005, p. 53) diz:

Não há nada tão desprezível e mesquinho na natureza que, com um pequeno sopro

daquela força do conhecimento, não transbordasse logo como um odre; e como todo

transportador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens,

o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em

mira sobre seu agir e pensar. É notável que o intelecto seja capaz disso, justamente

ele, que foi concedido apenas como meio auxiliar aos mais infelizes, delicados e

perecíveis dos seres, para afirmá-los um minuto de sua existência [...]. Aquela altivez

associada ao conhecer e sentir, nuvem de cegueira pousada sobre os olhos e

sentimentos dos homens, engana-os, pois, sobre o valor da existência, ao trazer em si

a mais lisonjeira das estimativas de valor sobre o próprio conhecer. Seu efeito mais

geral é engano – mas mesmo os efeitos mais particulares trazem em si algo do mesmo

caráter.

34

Ainda na mesma obra, encontramos o autor questionando o que é verdade e aludindo

a ideia de que a verdade, por ser construída, se torna apenas metáforas. Metáforas estas que

incorrem em um jogo de dados dos conceitos:

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias,

antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas

poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um

povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu

que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que

perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como

moeda. (NIETZSCHE, 2005, p. 57)

É difícil separar os efeitos de saber e os efeitos de poder. Quanto ao ensino de Filosofia,

torna-se ainda mais complicado tentar separar estes dois aspectos, uma vez que ela não é um

saber de conteúdo e muito menos um simples corpo de saber, ou um sistema. Não é apenas uma

lista de conteúdos sobre a história do conhecimento ou nomes de filósofos e escolas filosóficas.

De certo modo é pensar de outra maneira as possibilidades de sermos o que somos, pensarmos

sobre o que temos como verdade, questionar as próprias relações de poderes e de saberes. É

inquirir-se sobre si e sobre seu próprio pensamento. Pensa-se que através da resistência é

possível fazer uma prática da aprendizagem de Filosofia dentro da ótica disciplinar, que é o

alicerce da educação contemporânea.

Neste ponto, pensamos a instituição escolar como um padrão do que é educação,

ensino e aprendizagem na atualidade sob a ótica da disciplina apenas como uma ferramenta de

conformação do sujeito ou vê-la estratégia de resistência e de transformação do ser do sujeito.

Compreendemos como postura que mais se aproxima dos conceitos que defendemos a proposta

de entender a aprendizagem como uma tentativa de fuga de uma educação conteudística, cuja

educação é guiada por um simples acúmulo de conhecimentos sobre determinada temática.

Conteúdos estes que têm como objetivos a regulação dos sujeitos conforme o biopoder.

Sabendo que a escola é um espaço de atuação do saber/poder normatizador da

disciplina, o ponto seguinte deste capítulo detalha o conceito foucaultiano de disciplina e

apresenta a possibilidade da aprendizagem de Filosofia como atividade de resistência.

3.3. A DISCIPLINA (ESCOLAR): DISPOSITIVO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO

BIOPODER

Dentre as várias instituições sociais que têm como incumbência a formação do sujeito

na modernidade, à escola é atribuída a tarefa de esclarecer e emancipar o ser humano.

35

Entretanto, esta é apenas parte de um discurso humanista. A escola mostra-se muito mais como

um espaço de disciplinamento, cumpre a função de formação da subjetividade do aluno através

de mecanismos de normatização dos comportamentos e das práticas educacionais.

Para problematizar esta temática, nos valemos do pensamento de Foucault na terceira

parte do texto Vigiar e Punir (2012a), cujo título é Disciplina, mais precisamente os capítulos

I. Os corpos dóceis, e o capítulo II. Os recursos para o bom adestramento. Ainda recorremos a

algumas passagens do texto Microfísica do Poder (2012b), além de intercalar com outros

autores para fundamentar nossa discussão a respeito da escola como máquina disciplinar.

O sujeito nada mais é que uma simples invenção moderna, consequência das mais

variadas formas de produção dos saberes e das relações de poderes. Para esta análise

genealógica da constituição histórica em que se encontram as imbricações das relações de

Saber/Poder, a obra Vigiar e Punir se apresenta como fundamento introdutório para o

entendimento da formação das instituições disciplinares, principalmente na concepção

filosófica da Modernidade quanto à criação do sujeito, de forma histórica. As mais diversas

práticas e discursos usados pelas instituições sociais durante os séculos XVII a XIX, como, por

exemplos, as clínicas (hospital), os quartéis, a fábrica e as instituições de ensino (escola) são

alvos de análise e crítica de Foucault. Usando-o como deslocamento conceitual, nos interessa

apenas as instituições de ensino, qual seja: a escola. Buscamos entender o funcionamento desta

enquanto espaço disciplinar a partir das referências ao pensamento foucaultiano.

A educação não foi especificamente um campo de investigação para a pesquisa e

produção científica de Foucault. Suas análises das demais instituições sociais, principalmente

as clínicas, hospitais e os sistemas carcerários, permitem pensar o papel da escola na construção

dos sujeitos, na fabricação de subjetividades e na manutenção dos poderes. Semelhante à

clínica, aos hospitais e aos cárceres, a escola é vista por Foucault como um espaço de análise

onde se pode questionar até que ponto ela aparece como instituição de sequestro na produção

dos sujeitos e até mesmo na manutenção do poder.

Foucault (2012a) deixa claro que antes do século XIX o homem não existia enquanto

objeto de conhecimento, sendo ele apenas o resultado da configuração do saber da Idade

Moderna e, consequentemente, um efeito do poder disciplinador. É óbvio que essa ideia de

homem não seria possível de ser concebida sem o auxílio de mecanismos de disciplinarização,

entre eles a formação escolar, cujo local se articulam os poderes e saberes na formação do

indivíduo. Sobre a construção histórica do saber ou dos saberes, o pensamento de Foucault se

aproxima daquilo que Charaudeau (2006, p. 43) escreveu no que intitulou de Natureza do

Saber:

36

O saber não tem natureza, visto que é o resultado de uma construção humana através

do exercício da linguagem. A atividade de construção consiste em tornar o mundo

inteligível, categorizando-o segundo um certo número de parâmetros cuja combinação

é bastante complexa. A estruturação do saber depende da maneira como se orienta o

olhar do homem: voltado para o mundo, o olhar tende a descrever esse mundo em

categorias de conhecimento; (...). Simultaneamente, o saber se estrutura segundo a

escolha da atividade discursiva à qual se entrega o homem para dar conta do mundo:

ele pode decidir descrevê-lo, contá-lo ou explica-lo, e nisso tanto pode aderir a seu

dizer quanto a tomar distância para com o dizer.

Foucault pensa o poder diferentemente da concepção que a sociedade moderna

conceituou. Para o filósofo, o poder emana de uma determinada proposição e passa a ser

propriedade de alguns, ora representado pela figura do rei, ora pelo Estado. Sua análise não

centra o poder no Estado, mas o desloca ao atribuir uma série de relações de forças dispersas e

espalhadas em inúmeras dimensões sociais. Por não estar fixo em nenhum local específico da

estrutura da sociedade passa a funcionar como dispositivos de uma rede da qual ninguém

escapa. Ele mesmo afirma que o poder, em si, não existe:

O poder não existe. (...) A ideia de que existe, em um determinado lugar, ou emanado

de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseada em uma análise

enganosa que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos.

Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou

menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. (FOUCAULT, 2012b, p. 369).

A escola, como um espaço no qual o poder disciplinador forma um tipo específico de

sujeito, é passível de problematização. Para Foucault o poder está permeado em toda e qualquer

relação social:

Não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um

indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras;

mas ter bem presente que o poder – desde que não seja considerado de muito longe –

não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente

e aqueles que não possuem e lhes são submetidos. O poder deve ser analisado como

algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está

localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, (...). O poder funciona e se

exerce em rede. Nas suas malhas, os indivíduos não só circulam, mas estão sempre

em uma posição de exercer esse poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte

ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. (FOUCAULT, 2012b, p.

284).

Podemos falar em possibilidade de resistência a um tipo específico de poder. Assim,

longe de nossa pretensão afirmar a possibilidade de aprendizagem de Filosofia como um escape

de todo o tipo de relação de poder, uma vez que ele está presente em todas as relações, circula

pelas relações, não está fora e muito menos se acrescenta às relações. Não existe algo intrínseco

37

ou substantivo que se chama poder ou que existe per si de forma independente. Por isso não se

trata de apresentar a Filosofia como libertadora das relações de poder. Sobre isso Foucault

(2008, p. 4) escreve:

O poder não se funda em si mesmo e não se dá a partir de si mesmo. Se preferirem,

simplificando, não haveria relações de produção mais – ao lado, acima, vindo a

posteriori modificá-las, torná-las mais consistentes, mais coerentes, mais estáveis –

mecanismos de poder. Não haveria, por exemplo, relações de tipo familiar que

tivessem, a mais, mecanismos de poder, não haveria relações sexuais que tivessem, a

mais, ao lado, acima, mecanismos de poder. Os mecanismos de poder são parte

intrínseca de todas essas relações, são circularmente o efeito e a causa delas.

Como as relações de poder estão estruturadas em um leque de possibilidades e

relacionamentos, atravessando vários aparelhos e instituições, os pontos de fuga e de resistência

também se configuram de forma diversa e espalhada, perfazendo as estruturas sociais e

conjunturas dos indivíduos. Aqui são postas duas dimensões das tecnologias do biopoder que

aparecem na modernidade: a disciplina, que incide sobre o indivíduo, corpo individual; e a

biopolítica, que incide sobre o corpo-espécie que Foucault (2008) nomeia de população.

Foucault nos apresenta o que chamou de poder pastoral, que foi o veículo pedagógico

para as primeiras práticas nas instituições de ensino, haja vista que as primeiras instituições de

ensino no Ocidente tiveram vínculos com a formação religiosa cristã, cujo poder, por sua vez,

acabou influenciando as diretrizes do poder disciplinador. Usando as palavras de Foucault sobre

este momento de transição vemos que muito do poder pastoral serviu de influência e será,

posteriormente, absorvido pela sociedade disciplinar:

(...) transpuseram à educação uma parte das técnicas espirituais – e não só à educação

dos clérigos, mas à dos magistrados e comerciantes: o tema da perfeição, em direção

à qual o mestre exemplar conduz, torna-se entre eles o de um aperfeiçoamento

autoritário dos alunos pelo professor; os exercícios cada vez mais rigorosos propostos

pela vida ascética tornam-se tarefas de complexidade crescente, que marcam a

aquisição progressiva do saber e do bom comportamento (...). Sob sua forma mística

e ascética, o exercício era uma maneira de ordenar o tempo aqui de baixo para a

conquista da salvação. Vai, pouco a pouco, na história do Ocidente, inverter o sentido,

guardando algumas características: serve para economizar o tempo da vida, para

acumulá-lo de uma maneira útil, e para exercer o poder sobre os homens por meio do

tempo assim arrumado. (FOUCAULT, 2012a., p. 155-156).

Na modernidade, muda-se a forma de atuação da força ou da violência nas ações,

embora sequer a força e a violência sejam totalmente suprimidas. Antes, o poder soberano

delimitava a vida dos súditos. A figura do rei decidia sobre as vidas dos servos. Agora, o

biopoder, através de toda a sua maquinaria, atua sobre os corpos de tal modo que utiliza a

38

disciplina para moldar e adestrar as pessoas, tornando-as seres dóceis. Outra característica diz

respeito as mais variadas maneiras de disciplinamentos as quais os corpos passam a ser

submetidos. Nesse sistema, a disciplina se torna um importante mecanismo para a ação do poder

e garante sua eficiência. Todo um conjunto de técnicas, formas de coerção e regras

institucionalizadas são empregadas a fim de se ter um controle sobre o indivíduo, o sujeito.

Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de

poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao

corpo — ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se

torna hábil ou cujas forças se multiplicam. O grande livro do Homem-máquina foi

escrito simultaneamente em dois registros: no anátomo-metafísico, cujas primeiras

páginas haviam sido escritas por Descartes e que os médicos, os filósofos

continuaram; o outro, técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos

militares, escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar

ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois tratava-se ora de

submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação: corpo útil, corpo

inteligível. E, entretanto, de um ao outro, pontos de cruzamento. “O Homem-

máquina” de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma

teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de “docilidade” que

une ao corpo analisável o corpo manipulável. É dócil um corpo que pode ser

submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado.

(FOUCAULT, 2012a., p. 132.)

Este controle age de forma minuciosa sobre o corpo do sujeito por meio de inúmeros

exercícios de domínio dos seguintes campos: domínio do tempo, do espaço, dos gestos e das

demais ações do ser disciplinado. Nessa ótica, qual o objetivo de todo este aparato de

manutenção da disciplina? Segundo Foucault, estas práticas têm o objetivo de produzir corpos

submissos, dóceis, e por se tornarem dóceis por meio do exercício passam a ter utilidade.

No entanto, para que tal empreendimento fosse levado a sério, foi necessário o

surgimento do que conhecemos por instituições disciplinares, que durante a passagem do século

XVIII para o XIX assumiram a configuração de espaços nos quais se utilizam todos os métodos

de controle minucioso sobre o corpo dos indivíduos. Desse modo, a escola passa a ser um dos

veículos disciplinares de maior eficácia. Sobre os corpos, o tempo e os sujeitos. Nas palavras

de Moura, (2010, p. 57): “A escola disciplinar desenvolve, então, uma engrenagem e um

mecanismo constante de controle quase completo do tempo, no qual aos alunos mais velhos são

confiadas as tarefas de fiscalização, controle e, por último, ensino”. Esta engrenagem espalha-

se para os demais níveis da sociedade. Mecanicamente se trata de toda uma maquinaria de

moldar, adestrar o comportamento do aluno, enquadrar o ser de sujeito, do aprendiz, em

posturas tidas como corretas e louváveis. Este sucesso se fundamenta no que o filósofo francês

chamou de recursos para o bom adestramento, título do capítulo II da terceira parte da obra

39

Vigiar e Punir (2012a). Recursos estes configurados em apenas três importantes ferramentas: o

olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame.

Nas sociedades disciplinares, a punição ganha um status de efeito natural, da não

conformidade das ações dos indivíduos com o que é estabelecido como normal. Logo, aqueles

que não se enquadram nos padrões estabelecidos são tratados como desviantes, anormais.

Assim como são estabelecidos mecanismos de premiação para aqueles comportamentos

adequados às normas, ao mesmo tempo são estabelecidas punições para os que não se

conformam a ela. Deste modo, o poder disciplinar opera como um poder de mensurar,

diferenciar, medir as pessoas, os indivíduos. Este cânon permite qualificar, quantificar e

hierarquizar as capacidades dos sujeitos da aprendizagem. Criam-se padrões de conduta que

implicam em um postulado ético e moral nos quais os indivíduos são situados dentro de uma

normatividade, criando, por sua vez, um mecanismo de exclusão e diferenciação. Aquele que

não se enquadra no que se compreende como normal não receberá nenhuma forma de

congratulação, sendo submetido às punições, seja a repetência ou sua permanência em camadas

econômicas inferiores. Sobre a evolução do sistema disciplinar Moura (2010, p. 59) escreve:

Com a evolução do sistema disciplinar, seja na escola ou na prisão, a punição tornou-

se menos física e mais moral, elaborando sistemas comparativos entre aqueles que

obedecem à norma e os que dela se afastam, os anormais. No interior de uma

sociedade “normalizada”, o exame constitui-se em um mecanismo de controle que

permite qualificar, classificar e punir. É por meio dessa prática inédita na história das

estratégias de poder, que se torna possível uma visibilidade capaz de diferenciar e

sancionar os indivíduos.

Consequentemente, um fator criado a partir dessa noção de disciplinarização remete

ao que Foucault chamou de panopticon, a saber, o olhar da vigilância, o olhar do qual ninguém

consegue escapar. O olhar passa a ser o fiscalizador, o guia, o norteador do processo disciplinar.

O olhar do colega de sala, do professor, do coordenador, do diretor, enfim, o olhar disciplinar

da escola. Como mecanismo de controle, a escola tem a função de observar, contar e detalhar

todas as ações de seus alunos. Incorre em um método de documentação do indivíduo, fazendo

surgir novas práticas discursivas sobre o mesmo construídas a partir do conhecimento da

individualidade, da consciência e do comportamento dos alunos. Apenas mantendo o aluno sob

um olhar vigilante poderia-se contabilizar seus méritos, seu desenvolvimento e registrar suas

atividades e exercícios para classificá-lo, rotulá-lo e moldá-lo. O ensino passou a ser uma

constante prática de um processo de fiscalização e vigilância. Como o panopticon, o espaço

escolar coloca o sujeito em um estado de permanente vigilância.

Para a efetivação e o sucesso deste mecanismo de poder é preciso dividir os

40

conhecimentos em graus ou séries e classificar os alunos de acordo com a capacidade cognitiva

de cada um, de acordo com a normatividade apregoada pelos regimentos legais da educação.

Para que se possa concluir se o sujeito está ou não apto a “evoluir” para o próximo nível de

conhecimento, tendo em vista um conjunto de aparatos pedagógicos para se classificar os

normais, é possível, também, classificar os desviantes e anormais. Não mais serão empregados

os suplícios e castigos de outrora, mas uma nova forma de punição será ativada, pois o poder

normalizador tem de mostrar a esses desviantes que eles não podem fugir à regra, à

normalidade. As punições não têm como objetivo recuperar os desviantes e muito menos curá-

los, mas acentuar a diferença que existe entre eles e os demais.

Tendo em vista as proposições disciplinares, podemos relacionar a escola com a

política? Sem dúvida, pois as instituições de ensino acabam por se constituir em um grande

observatório político, um maquinário de poder que permite não apenas o conhecimento, mas

também o controle de seus adeptos por meio dos trâmites legais e institucionais que regem a

escola. Ela é uma das instituições mais fortes na formação do sujeito. Formando-os e tornando-

os aptos para determinadas funções na sociedade.

E qual seria, então, o mais eficaz instrumento na disciplinarização do aluno? Segundo

Foucault, o sistema de exame constitui o principal instrumento disciplinar, regulamentando

quem está apto a avançar para os conhecimentos seguintes e quem ainda não está. Ligado à

formação de saber e ao exercício de poder, o exame ajuda no processo de comparação, descrição

de grupos, caracterização de fatos coletivos, estimativa de desvios dos indivíduos entre si.

O exame, segundo Foucault (2012a), tem uma abrangência maior do que apenas um

questionário avaliativo ou um sistema de notas classificatórias. Através dele as relações de

poder e saber se mesclam perfeitamente, instituindo o poder disciplinador. Parafraseando o

filósofo, as técnicas de exame combinam a hierarquia que vigia e as sanções que dão o caráter

normativo (FOUCAULT, 2012a). O exame é uma ferramenta muito forte, pois vai além de

sancionar. Ele também atesta a eficiência e o alcance das tecnologias que o poder pode atingir

em um campo específico do saber. Temos, como exemplo, algumas técnicas de registros criadas

no exército que foram ampliadas ou modificadas e usadas nos hospitais e estabelecimentos de

ensino, como bem escreve Foucault (2012a, p. 181):

O exame que coloca os indivíduos num campo de vigilância situa-os igualmente numa

rede de anotações escritas; (...). Um “poder de escrita” é constituído como uma peça

essencial nas engrenagens da disciplina. Em muitos pontos, modela-se pelos métodos

tradicionais da documentação administrativa. Mas com técnicas particulares e

inovações importantes. Umas se referem aos métodos de identificação, de

assimilação, ou de descrição. Era esse o problema do exército, onde urgia encontrar

41

os desertores, evitar as convocações repetidas, corrigir as listas fictícias apresentadas

pelos oficiais, conhecer os serviços e o valor de cada um, estabelecer com segurança

o balanço dos desaparecidos e mortos. Era esse o problema dos hospitais, onde era

preciso reconhecer os doentes, expulsar os simuladores, acompanhar a evolução das

doenças, verificar a eficácia dos tratamentos, descobrir os casos análogos e os

começos de epidemias. Era o problema dos estabelecimentos de ensino, onde era

forçoso caracterizar a aptidão de cada um, situar seu nível e capacidades, indicar a

utilização eventual que se pode fazer dele.

O resultado do exame na sociedade disciplinar se constitui em um arquivo minucioso

que classifica, numera, rege os dias e até mesmo os corpos dos indivíduos. Estes caem em um

mapeamento-registro de acúmulo documental, se transformam em um simples objeto passível

de descrição e análise na sociedade disciplinar. Em um número, em um outdoor, quer da

indústria, quer da política enquanto governo. E o aluno se transforma em estatística.

Como um medidor que regula o nível de sujeição, domínio, adestramento e

domesticação do indivíduo, o exame ultrapassa a sala de aula por meio de uma rotina de tarefas

para casa, com um contínuo processo avaliativo, regularizado e medido por trabalhos,

exercícios, deveres e diários que sustentam seu comportamento. Deste modo, este poder acaba

por se tornar ainda mais invisível, uma vez que está inerente à individualidade do sujeito, e

somente ele pode ou não dar conta de suas “obrigações” e ascender ou não no nível de saber

proposto pelos parâmetros educacionais. Neste campo de vigilância, todas as suas atividades

empregadas são fiscalizadas, mapeadas e registradas, visto como efeito e objeto de poder e

saber. E assim, todo esse aparelhamento das práticas disciplinares dessa tecnologia de

dominação se reproduz.

Sabemos do papel que instituições, chamadas por Foucault de instituições de sequestro

– a prisão, a escola, o hospital, a fábrica – têm no processo de disciplinarização da sociedade e

de atuação sobre os sujeitos. Conforme Foucault (2005, p. 115-116):

Estas instituições - pedagógicas, médicas, penais ou industriais tem a propriedade

muito curiosa de implicarem no controle, a responsabilidade sob a totalidade, ou a

quase totalidade do tempo dos indivíduos: são, portanto, instituições que, de certa, se

encarregam de toda a dimensão temporal da vida dos indivíduos.

Situada a escola como espaço disciplinar e a prática da Filosofia inserida nesse espaço,

trata-se agora de pensar em que medida a experiência de si pode se constituir como um espaço

de resistência a esse poder normatizador. No próximo tópico discutiremos a noção de cuidado

de si e, posteriormente, o papel da resistência que ele pode ocupar no âmbito das aulas de

Filosofia.

42

3.4. O DESPERTAR FILOSÓFICO PARA O “CUIDADO DE SI”

Para uma melhor compreensão do papel de resistência que pode caber ao cuidado de

si na aprendizagem filosófica é necessária uma discussão preliminar deste conceito no âmbito

do pensamento foucaultiano, haja vista partir de uma linha de tempo histórica. Desta feita,

volta-se para o pensamento clássico da Filosofia grega Antiga e em Sócrates o conceito de

“cuidado de si” explicado por ele, entendendo-o como o cultivo de si. Cultivo este que deveria

se dar tanto na mente e no espírito quanto no corpo. Depois desta apresentação, Foucault parte

para uma discussão do cuidado de si no que ele identificou como sendo o apogeu do papel deste

preceito, período que corresponde à Filosofia helenística e à Filosofia nos anos áureos da Roma

Imperial. Finalmente, ele explica a interpretação dada pelo cristianismo primitivo sobre o

conceito do cuidado de si. E após toda essa apresentação adentra na aula que marcará a última

fase de suas palestras e escritos.

Em sua aula ministrada no dia 06 de janeiro de 1982, no Collège de France, Foucault

abordou o tema do Cuidado de Si partindo de algumas interpretações e da relação entre esta

máxima e o conselho délfico do conhece-te a ti mesmo. Sócrates serve como auxiliar a Foucault

a pensar a estética da existência, visto que o pensador grego inverte a pedagogia tradicional de

Atenas, em que o conhecimento era apenas uma transmissão de saber, propondo nova

abordagem sobre o ensinar Filosofia.

Foucault se vale de sua interpretação sobre a obra Apologia de Sócrates,

especificamente em três passagens: na 29d, quando Sócrates está diante de sua condenação e é

questionado sobre ter ou não vergonha da pena a que se encontra, indagando que jamais haveria

de se envergonhar de uma tarefa à qual diz que lhe foi dada pelos deuses, qual seja, a de

despertar os atenienses para se ocuparem consigo mesmo; na passagem 30c, quando os próprios

atenienses perderam com a morte do pai da maiêutica, pois dificilmente se levantaria, naquela

sociedade, outro sábio que se preocupasse com esta função pedagógica, filosófica: de despertar

os outros para o cuidado de si; e a última passagem, 36b, na qual Sócrates fala de sua função

de mestre do cuidado de si como uma função sacrificial, porque ao despertar os outros para o

cuidado de si poderia algumas vezes incorrer no erro de se esquecer de cuidar de si.

O conceito de Cuidado de Si, infelizmente, perdeu espaço no decorrer da história e a

Filosofia ocidental foi lentamente substituída por um longo período pela noção de gnôthi

seautón, do conhece-te a ti mesmo. A Filosofia como experiência e transformação do sujeito foi

dando espaço ao conhecimento puro e simples, cedendo lugar ao acúmulo de conhecimentos

como dimensão do sujeito que sabe, do sujeito que conhece. No entanto, o princípio de

43

epimèleia heautou não se extinguiu. Continuou a operar em todos os instantes históricos, desde

a cultura grega, o ascetismo cristão e o desenvolvimento da Filosofia helênica e romana.

Foucault diz que o cuidado de si não é apenas uma condição para a Filosofia, mas um norte

para toda a virtude racional do ser humano, todo o imbricar ratio, onde ele:

Não é meramente como condição de acesso à vida filosófica, no sentido estrito e pleno

do termo, que é preciso cuidar de si mesmo. [...] este princípio de precisar ocupar-se

consigo mesmo tornou-se, de modo geral, o princípio de toda conduta racional, em

toda forma de vida ativa que pretendesse, efetivamente, obedecer ao princípio da

racionalidade moral. (FOUCAULT, 2006, p. 12).

Em que consiste esta noção de epimèleia heautou? Ao contrário do que alguns

erroneamente interpretam, esse cuidar de si não pode ser confundido com uma espécie de

narcisismo. Ele é uma atitude para consigo, ao mesmo tempo em que deve ser uma atitude para

com os outros e uma extensão ainda maior: uma atitude para com o mundo.

O cuidar de si é uma forma de atenção, de olhar convertido do exterior, dos outros, do

mundo, para um olhar íntimo e introspectivo, um olhar para si mesmo. Este olhar necessita de

exercícios e meditações que Foucault denominou de ações e práticas de áskesis. Este conceito

tem uma forte ligação com o conceito de verdade. Ao abordar a temática da verdade, Foucault

apresenta três características desta prática de espiritualidade, do conhecer a si mesmo para

cuidar de si mesmo: 1°) Ele postula que a verdade jamais é dada pelo pleno direito do sujeito,

mas adquirida a um preço que põe em jogo o ser mesmo do sujeito; 2°) A relação entre eros e

áskesis, cujas modalidades são as que o sujeito deve ser transformado para torna-se sujeito

capaz da verdade e; 3°) Aborda o retorno da verdade sobre o sujeito e pondera:

Em suma, na verdade e no acesso à verdade, há alguma coisa que completa o próprio

sujeito, que completa o ser mesmo do sujeito e que o transfigura. Resumindo, acho

que podemos dizer o seguinte: para a espiritualidade, um ato de conhecimento, em si

mesmo e por si mesmo, jamais conseguirá dar acesso à verdade se não fosse separado,

acompanhado, duplicado, consumado por certa transformação do sujeito, não do

indivíduo, mas do próprio sujeito no seu ser de sujeito. (FOUCAULT, 2006. p. 21).

Para se ter acesso a verdade é imprescindível a prática da espiritualidade. No entanto,

esta prática perdeu seu caráter de importância no que Foucault chamou de momento cartesiano.

Com o cartesianismo da modernidade, o método, a racionalidade científica se tornou única

condição para o conhecimento para a verdade. Neste momento foi requalificado, do ponto de

vista filosófico, o “conhece-te ti mesmo” e desqualificado o “cuida-te de ti mesmo”. A

indubitabilidade (século XVII) passou a ser entendida como evidência da existência própria do

44

sujeito no princípio do acesso ao ser (conhecimento de si mesmo).

O filósofo explana como o cuidado de si foi perdendo sua primazia, dando lugar ao

conhecer-se. Foucault analisa historicamente esse apagamento da epimèleia heautou

observando em que medida a teologia “aristotélico-tomista” fez prevalecer o caráter

cognoscente do sujeito, aderindo a uma fé universal na qual encontrava em um ser superior sua

ponte de realização existencial, seu modelo de perfeição. As velhas práticas de espiritualidade

e saberes foram se perdendo, dando lugar a outras práticas. O homem, através da áskesis, não

mais buscava em si essa experiência de conhecer-se e cuidar-se. Com esse ideal de perfeição

fixado na figura de um ser divino, o homem se submetia a um outro tipo de ascese, castigos,

disciplinas, flagelos sobre seu corpo, rituais envoltos a rezas, mantras e orações eram tidos

como instrumentos capazes de elevar a alma dos sujeitos.

Foucault trata sobre os três momentos áureos do Cuidado de Si. A saber: o momento

socrático-platônico, no qual deu surgimento a epimèleia heautou na reflexão filosófica; o

momento idade de ouro da cultura de si, correspondente aos dois primeiros séculos da nossa

era e; o momento arraigado à passagem do século IV ao V, período da ascese filosófica pagã

para o ascetismo cristão.

No primeiro momento, Foucault observa que o cuidado de si não era um preceito

filosófico no sentido restrito ou conceitual do termo, mas um princípio corriqueiro, cotidiano

da cultura helênica. Este princípio está a um contexto de privilégio político, econômico e social,

como ele descreve usando as palavras de Plutarco:

Plutarco retoma uma palavra que teria sido de Alexândrides, um lacedemônio, um

espartano, a quem um dia se teria perguntado: mas afinal, vós, espartanos, sóis um

tanto estranhos; tendes muitas terras e vossos territórios são imensos ou, pelo menos,

muito importantes; por que não os cultivas vós mesmos; por que os confiais a hilotas?

E Alexândrides teria respondido: simplesmente para podermos nos ocupar com nós

mesmos. Entendamos, quando o espartano diz – temos que nos ocupar com nós

mesmos e, por consequência, não temos que cultivar nossas terras –, é evidente que

não se trata, absolutamente, [de Filosofia]. Sendo pessoas para as quais a Filosofia, o

intelectualismo, etc., não eram valores muito positivos, tratava-se, para elas, da

afirmação de uma forma de existência ligada a um privilégio... (FOUCAULT, 2006.

p. 42).

A educação que o jovem Alcibíades recebeu é passível de crítica por parte de Sócrates,

pois nenhum mestre se aproximou do discípulo com o objetivo de apresentar-lhe o cuidado de

si. Todos os que se apresentaram como educador do belo jovem o fez por motivos interesseiros.

Nenhum se preocupou em mostrar-lhe que se o mesmo almejava um dia ocupar cargos políticos

se pretendia administrar a cidade. Era necessário, anteriormente, ter cuidado de si mesmo.

45

Sócrates apresenta ao jovem o conceito de noûn prósekhe, de aplicar seu espírito sobre si

mesmo, reiterando o conselho do gnôthi seautón (conhecer-se) com o fim de buscar a plenitude

da prática do epiméleia seautoû, do cuidado de si. Ou seja, mostra a Alcibíades que para ter

acesso a política precisava ele lançar-se sobre si mesmo, aplicar seu espírito a uma análise e

entendimento sobre si, buscar conhecer-se, e assim tomar cuidado de si para só então se ocupar

com a administração e cuidado da cidade e exercer o cuidado com o outro.

Essa sublime tarefa do mestre é apresentada e mediada por quatro observações sobre

o cuidado de si: 1°) O cuidar de si mantém um vínculo com o exercício de poder; 2°) No caso

específico de Alcibíades, o cuidado de si está apenas para mostrar-lhe a insuficiência da

educação que recebeu, voltada para o eros e sem ao menos introduzir neste o conceito de

conhece-te a ti mesmo, que dirá do “cuida de ti mesmo”; 3°) Alcibíades já se encontrava com

cinquenta anos e o tempo que lhe restava era apenas de tentar reparar o período perdido de sua

educação alheia ao cuidado de si e; 4°) Por esse motivo, o cuidado de si é uma atividade, e

como meio para a construção do ser do sujeito autônomo e crítico ela deve ser desempenhada

com afinco e urgência.

3.5. CUIDADO DE SI E RESISTÊNCIA

Sistematizar o pensamento de um filósofo pode incorrer no risco de reduzir suas ideias.

É conhecido, por parte daqueles que estudam o mínimo do pensamento foucaultiano, a célebre

divisão e sistematização, senão de seu pensamento, pelo menos o que tange aos seus escritos, a

saber, o Foucault Arqueológico, o Foucault Genealógico e o Foucault em sua última fase, qual

seja, a fase Ética. O professor Alfredo Veiga-Neto (2011) tangencia uma outra perspectiva

foucaultiana a partir da análise e das contribuições que podemos absorver dos escritos do

filósofo francês com base no sujeito da educação como: o Ser-Saber, o Ser-Poder e o Ser-

Consigo. Dissecaremos aqui o que ele traz em seu livro Foucault e a Educação para melhor

elucidar nossa ideia de Filosofia como ensino resistente.

É do conhecimento de todos que não existe um método foucaultiano. No entanto,

contextualizando a noção de sujeito moderno, encontramos diretrizes que nos guiam em

entender as construções e desconstruções que Foucault fez sobre a educação. A priori, pode-se

dizer que a educação é uma das mais fortes ferramentas na construção dos sujeitos. Podemos

dizer, ainda, que o próprio Foucault fez uma longa exploração deste tema na relação entre

conformação, submissão dos sujeitos e transgressão, um ir além dos objetos constitutivos do

Saber/Poder, uma transcendência daquilo que lhes conforma, que lhes rouba sua subjetividade.

46

Entretanto, ele não deseja descrever uma proposta educativa. O que ele almeja é tentar entender

como, a partir do que se convencionou chamar de modernidade, as práticas de construção dos

sujeitos vêm operando.

Como dito anteriormente, não devemos ter a ousadia de engessar a Filosofia e o

cuidado de si a um molde, mas pensá-los como uma perspectiva, entendendo-os continuar a

enveredar na crítica foucaultiana à racionalidade moderna. Não como uma crítica

transcendente, mas uma crítica arqueológica e genealógica, uma crítica da crítica, ou como o

filósofo intitulava, uma hipercrítica. Nas palavras do professor Veiga-Neto (2011, p. 25), a

“hipercrítica está sempre em movimento; não em busca de um ponto de fuga que seria núcleo

da Verdade e com base no qual fosse possível traçar a perspectiva das perspectivas, mas que

simplesmente se desloca sem descanso, sobre ela mesma e sobre nós”.

Diferentemente dos postulados cartesianos e das contribuições iluministas, o racional

em Foucault não é compreendido como um a priori, ou uma atitude-limite, mas como um ethos,

ou uma postura filosófica galgada no cotidiano e que necessita sempre de uma reativação

permanente, objeto da reflexão e ao mesmo tempo da transgressão. Como objeto de auxílio em

nossa pesquisa, o trabalho de Veiga-Neto (2011) foi importante para o entendimento do que ele

chamou de domínios foucaultianos. Semelhante ao autor da Hermenêutica do Sujeito (1996),

não nos interessa em nossa busca o dilema kantiano do quem somos nós?, mas como chegamos

a ser o que somos?. Essa indagação é um dos nortes principais desta pesquisa.

Segundo os estudos de Veiga-Neto (2011), o primeiro domínio foucaultiano é o que

corresponde ao Ser-Saber, cujo conceito foi bem explorado como primeiro domínio da

ontologia foucaultina nas obras As Palavras e as Coisas e A Arqueologia do Saber. Neste

último, o enfoque se dá com base na percepção que gera diversos modos de saber, atrelado a

certos tipos de conhecimento, o qual se encontra muito aquém de um mero conhecimento

sistematizado. Levando em consideração que na Modernidade nos tornamos sujeitos de

conhecimento assujeitados ao conhecimento acabamos por perder a aura da Filosofia que nos

tornava produtores de saberes, construtores de nossa própria vida, do nosso existir. O sujeito

moderno se transformou em apenas um simples produto do conhecimento sistematizado. É

neste ponto que se insere a noção de arqueologia em Foucault, ou seja, um cavar vertical, um

descer até as regiões mais profundas da produção de conhecimento e saberes, das práticas

discursivas. Veiga-Neto (2011, pp 45, 47-48) escreve:

Uma arqueologia dos sistemas de procedimentos ordenados que têm por fim produzir,

distribuir, fazer circular e regular enunciados e 'se ocupa em isolar o nível das práticas

discursivas e formular as regras de produção e transformação dessas práticas' […]. a

47

arqueologia não 'trata de interpretar o discurso por fazer através dele uma história do

referente', senão que, entendendo o discurso como 'um conjunto de enunciados que

se apoia em um mesmo sistema de formação, o qual é entendido, sempre, como

contingente e, por isso, variável. […]. A análise arqueológica busca, também, as

articulações entre as práticas discursivas e toda a outra ordem de coisas que se pode

chamar de práticas não discursivas, tais como as condições econômicas, sociais,

políticas, culturais etc.

O segundo domínio foucaultiano é o Ser-Poder. O texto-chave do pensamento de

Foucault sobre este tema é que ele denominou de seu primeiro livro, cuja obra inaugura a

conhecida fase genealógica, referenciando-se a Vigiar e Punir. Nela, Michel Foucault tenta ir

em busca da compreensão correspondente aos processos nos quais os indivíduos são

submetidos a uma transformação de sujeitos, resultado direto dos mecanismos de objetivação

que capturam e classificam os indivíduos e que, por sua vez, ocorrem dentro do que conhecemos

por redes de poderes, como já descrito no tópico 3.2 desta dissertação. O poder em sua

característica mais peculiar e enquanto elemento que tem a capacidade de explicar como são

produzidos os diversos tipos de saberes. Em defesa da Sociedade, Foucault (1999, p. 14) se

preocupa com esse problema da relação saber/poder de forma que comenta sobre o que nomeou

de insurreição dos saberes:

Não tanto contra os conteúdos, os métodos e os conceitos de uma ciência, mas de uma

insurreição sobretudo e acima de tudo contra os efeitos centralizadores de poder que

são vinculados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado

no interior de uma sociedade como a nossa. E se essa institucionalização do discurso

científico toma corpo numa universidade ou, de um modo geral, num aparelho

pedagógico, […]? No fundo pouco importa. É exatamente contra os efeitos de poder

próprios de um discurso considerado científico que a genealogia deve travar o combate.

Entendendo por poder uma ação sobre as mais diversas formas de ações, Foucault

descreve a estrutura arquitetônica mais proveitosa para a aquisição de um corpo dócil, da

formação de um indivíduo submisso, sujeitado aos padrões estabelecidos de

normalidade/anormalidade, qual seja, o panópticon, que em sua posição central carrega cinco

princípios, como descreveu Veiga-Neto (20011, p 66-67):

(…) além de colocar em funcionamento aqueles dois princípios fundamentais da

vigilância – a sua posição central e a sua invisibilidade –, a máquina panóptica ativa

outros mais: o princípio da totalidade – pois ninguém deve escapar à sua ação –; o

princípio da minúcia – pois ela observa os mínimos detalhes –; o princípio da

saturação – pois, pelo menos virtual ou potencial, ela não descansa (e não dá

descanso...) –; o princípio da individualização – pois ela segmenta uma massa

humana, até então informe, em unidades individuais, alcançáveis, descritíveis e

controláveis; o princípio da economia – pois com pouco investimento obtém-se muito

resultado.

48

Todavia, no plano particular o poder caía sobre os indivíduos, e no plano coletivo

recaía sobre a sociedade estatal. Como o poder soberano carregava um déficit em relação ao

poder pastoral, a solução foi o surgimento do poder disciplinar, e a escola como uma das mais

brilhantes instituições de sequestro, com um papel bem desempenhado. Ainda tomando as

palavras de Veiga-Neto (2011, p. 70-71):

É mais do que óbvio o papel que a escola desempenhou nas transformações que

levaram a sociedade de soberania para a sociedade estatal. Não é demais insistir que,

mais do que qualquer outra instituição, a escola encarregou-se de operar as

individualizações disciplinares, engendrando novas subjetividades e, com isso,

cumpriu um papel decisivo na constituição da sociedade moderna. A escola “foi sendo

concebida e montada como a grande – e (mais recentemente) a mais ampla e universal

– máquina capaz de fazer, dos corpos, o objeto de poder disciplinar; e assim, torná-

los dóceis”; além do mais, a escola é, depois da família (mas, muitas vezes, antes

dessa), a instituição de sequestro pela qual todos passam (ou deveriam passar...) o

maior tempo de suas vidas, no período da infância e da juventude. Na medida em que

a permanência na escola é diária e se estende ao longo de vários anos, os efeitos desse

processo disciplinar de subjetivação são notáveis.

Afirmar que a disciplina forma, fabrica e constrói corpos dóceis não é o mesmo que

dizer que ela somente cria corpos obedientes. Há também no espaço disciplinar momentos de

resistências. É neste espaço de possibilidade de fuga que entendemos o espaço da Filosofia.

Uma aprendizagem resistente. Uma aprendizagem de contra disciplina.

O terceiro domínio foucaultiano, que corresponde ao Ser-Consigo, está posto no

cuidado de si, abordado neste capítulo. Apresentada a noção de cuidado de si, trata-se de

questionar em que medida essa experiência pode representar ou significar uma experiência de

resistência. Anteriormente falamos que a Filosofia está inserida em um espaço de poder

normatizador, o qual aparece de inúmeras maneiras. Logo, também são várias as possibilidades

de resistência. Se não a houvesse não haveria poder, pois para Foucault (1988) resistência e

poder são dois lados de uma mesma moeda. Resistir ao poder é uma ação que parte de dentro

do próprio dispositivo de poder. Assim, pretende-se observar de que maneira a aprendizagem

filosófica nos espaços aqui estudados pode se constituir, de algum modo, como espaço de

resistência dentro da estrutura disciplinar da escola.

49

4. EXPERIÊNCIA DE SI E A APRENDIZAGEM FILOSÓFICA

Neste capítulo abordaremos os aspectos metodológicos a partir das referências teóricas

e a apresentação e análise dos resultados da pesquisa. Tomaremos como referência, quanto aos

aspectos teóricos, Larrosa (1994), que descreve as principais modalidades de experiências de

si, as quais serão pensadas neste trabalho relacionando-as ao âmbito educacional.

4.1. ASPECTOS METODOLÓGICOS PARA A ENTRADA EM CAMPO

A partir da leitura de Larrosa (1994) fundamentamos nosso estudo através de uma

pesquisa qualitativa. Ferramenta chave na antropologia e na sociologia, a pesquisa qualitativa

ganhou espaço nas Ciências Humanas a partir da segunda metade do século XX em uma

tentativa de superar a dicotomia antagônica entre o positivismo-lógico e o interpretativismo.

Nesse contexto, tentaremos ir além da forma tradicional de entender o fazer científico

que advoga a realidade como objetiva. Cismamos no paradigma de entendê-la como objeto de

uma subjetividade criada dentro de limites de tempo e espaço a partir de uma construção dada

de saberes e de sujeitos responsáveis por transmitir tais conhecimentos e fomentar a

possibilidade de outras subjetividades, haja vista ser Michel Foucault o nosso referencial teórico

maior.

Indo além da indução pregada pelo positivismo-lógico e também das possibilidades de

interpretação tidas como verdadeiras, defendidas pelo interpretativismo, sustentamos a pesquisa

qualitativa como instrumento nuclear, uma vez que ela nos permite manter um diálogo próximo

dos objetivos que traçamos na presente pesquisa, ou seja, a perspectiva qualitativa compreende

a realidade como subjetiva e múltipla, construída e modificada a partir das relações

interpessoais. Nesse ínterim, a figura do pesquisador interage com o objeto e com o sujeito

pesquisado, visando lhe dar voz e criar um entrelaçamento de ideias como uma rede de

significados.

Embora nossa visão de mundo e valores pessoais façam parte deste jogo, nosso esforço

maior será minimizar ao máximo nossa interferência na pesquisa para que não se desvirtue o

estudo. Entendemos por dar vozes a função de traduzir, interpretar, explanar o que for coletado

e transmitido por nosso objeto de pesquisa. Ao levar em conta que este processo se configura

como uma dialética indutiva é preciso ainda cuidar para não cair no erro da generalização,

podendo ela perder força para a descoberta e a linguagem padronizada libertar-se e evoluir para

novas possibilidades narrativas, buscando integrar em um esquema de múltiplas vozes

50

(GERGEN e GERGEN, 2006).

A pesquisa qualitativa presente em nosso trabalho está dividida em três fases: 1ª fase)

teórico-intelectual, em que os objetos e sujeitos da pesquisa são ainda diagramas, desenhos e

textos, dentro de uma perspectiva em perfeita simetria e equilíbrio, ordem e rigor do aparato

apenas no campo da teoria, das ideias. No que se propõem em nossa pesquisa são os conteúdos

e objetivos dos ditames legais da educação brasileira sobre o ensino de Filosofia dialogando

com os auxílios dados por Foucault em sua última fase, e em textos de outros filósofos e

comentaristas a respeito do ensino de Filosofia, da educação filosófica e da construção da

subjetividade. Conteúdo que está presente no primeiro capítulo desta dissertação; 2ª fase)

período prático, “trata-se daquela semana que todos cuja pesquisa implicou uma mudança

drástica (...), quando a nossa preocupação muda subitamente das teorias mais universais para

os problemas mais banalmente concretos” (DAMATTA, 1978, p. 24). Momento este que

correspondeu a nossa entrada em campo, no qual foram coletados dados, documentos,

entrevistas e observações; e 3ª fase) pessoal ou existencial, quando tivemos uma visão de

conjunto sobre tudo o que foi pesquisado e externamos as lições aprendidas, integrando e

sintetizando “a biografia com a teoria, a prática com o ofício”. (cf. DAMATTA, 1978, p. 25)11

As duas últimas fases correspondem as mais árduas, devido a complexidade que

envolve a pesquisa que trabalhe com a subjetividade, pois não é sempre que a teoria equivalerá

à realidade dos resultados colhidos em campo. Por se tratar de uma pesquisa cujo objeto é o ser

humano, os resultados se configurarão como os mais variados e variáveis possíveis. Ainda

citando DaMatta (1978, p. 27) sobre o seu olhar para a antropologia como uma ciência que

estabelece pontes encontramos as seguintes palavras:

Talvez mais do que qualquer outra matéria devotada ao estudo do Homem, a

Antropologia é aquela onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois

universos (ou subuniversos) de significação, e tal ponte ou mediação é realizada com

um mínimo de aparato institucional ou de instrumentos de mediação. Vale dizer, de

modo artesanal e paciente, dependendo essencialmente de humores, temperamentos,

fobias e todos os outros ingredientes das pessoas e do contato humano.

Nesse texto, o autor nos mostra como o etnólogo pode desenvolver um trabalho

profícuo dentro de seu mundo, ou de sua sociedade, encontrando-se imerso em um universo de

conteúdos e realidades muito próximas de sua vivência, podendo, ao mesmo tempo, manter

11Conferir DAMATTA, Roberto. O Ofício do Etnólogo, ou como ter Anthropological Blues. Neste texto o autor

aborda a pesquisa qualitativa, fundamental na antropologia social com uma abordagem voltada para o cuidado que

se tem que tomar ao entrar em campo, pois estaremos diretamente confrontando dois mundos, o nosso como

pesquisador e o objeto a ser pesquisado.

51

uma relação de estranhamento face ao que nos apresenta tão familiar. O autor nos fala sobre o

transformar do exótico em familiar e o familiar em exótico.

Gilberto Velho (2004) foi outro antropólogo que nos auxiliou a entender o método da

pesquisa qualitativa e para o amadurecimento de nossa prática. Em “Observando o familiar”,

encontramos o alívio necessário para o que mais temíamos. Como fomos ensinados, a partir da

modernidade, em meio a uma educação cientificista, somos levados a entender como ciência

pura aquela com maior rigor quantitativo. Uma grande preocupação no decorrer da execução

do projeto e da pesquisa foi a possibilidade de criação de laços com os sujeitos/alunos que iriam

fazer parte dela. Este receio foi relativizado diante dos conceitos e conselhos dados pelos

etnólogos sobre o distanciamento com o fim de conferir maior objetividade aos resultados.

Velho (2004) nos fala sobre duas distâncias: a distância social e a distância psicológica.

De acordo com o autor, “o fato de dois indivíduos pertencerem a mesma sociedade não significa

que estejam mais próximos do que se fossem de sociedades diferentes, porém aproximados por

preferências, gostos, idiossincrasias” (VELHO, 2004, p. 125). Disserta ainda sobre “o que vem

de fora” como “o estranho”. Este tema nos orientou sobre a própria possibilidade de

distanciamento dada em uma sociedade comum, ou igual, como é o caso de nossa pesquisa.

Outrossim, ele ainda argumenta que,

(...) o conhecimento de situações ou indivíduos é construído a partir de um sistema de

interações cultural e historicamente definido. Embora aceite a ideia de que os

repertórios humanos são limitados, suas combinações são suficientemente variáveis

para criar surpresas e abrir abismos, por mais familiares que indivíduos e situações

possam parecer. Nesse sentido, um certo ceticismo pode ser saudável. Parece-me que

Clifford Geertz ao enfatizar a natureza de interpretação do trabalho antropológico

chama atenção de que o processo de conhecimento da vida social sempre implica um

grau de subjetividade e que, portanto, tem um caráter aproximativo e não definitivo.

(VELHO, 2004, p. 129).

Como a pesquisa se desenvolveu no universo escolar, algumas precauções iniciais

foram tomadas para tentar manter este distanciamento mínimo necessário.

Duas escolas da cidade de Mossoró (RN) foram escolhidas para a realização da

pesquisa. Como nosso foco era o ensino de Filosofia como possibilidade do cuidado de si,

expresso em Foucault (2006) como elemento chave para o filosofar, e nossa questão imediata a

relação do aluno com a Filosofia e as consequências desta interação, buscamos por facilidade

de entrada em campo as seguintes escolas: o Colégio Mater Christi, escola da rede privada, e a

Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho, escola da rede pública.

Alguns aspectos favoreceram a escolha destas escolas. A facilidade de entrada em

52

campo foi um deles. Primeiro por conhecer a realidade vivenciada em cada uma delas, tanto em

termos administrativos e docentes quanto em termos discentes. Como afirma DaMatta (1978),

buscamos transformar essa familiaridade em um estranhamento e apresentar esse exótico como

familiar. O segundo motivo está relacionado aos docentes. Os que lecionam a disciplina

Filosofia, em ambas as escolas, fizeram/fazem parte do nosso círculo de convívio acadêmico e

não restringiriam nossas observações nas suas aulas e sequer trariam algum empecilho no

decorrer da pesquisa, além de que também fomos docente-objeto de algumas turmas

pesquisadas.

O Colégio Mater Christi é uma escola tradicional da rede privada de Mossoró (RN)

com prática pedagógica contemporânea voltada para o mercado de trabalho e para o êxito

pessoal diante da realidade dos vestibulares e do ENEM, cujo público é constituído em sua

maior parte por pessoas das classes mais favorecidas da sociedade mossoroense. A instituição

é bem estruturada, com material didático diferenciado e recursos diversos. Seu alunado, fruto

das classes mais abastadas, frequenta as melhores formas de lazer da cidade. Alguns viajam em

férias para outras realidades culturalmente diferentes da nossa e fazem parte de um indicador

de leitura tido como bom, aprendendo a ler desde cedo.

Em contrapartida, a Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho é uma instituição

de ensino da rede pública, cujo alunado, em sua maioria, não pertence às classes mais

favorecidas. É uma escola típica da realidade que faz parte da esfera pública de ensino no Brasil.

Uma realidade que envolve inúmeros problemas como, por exemplos, falta de professores, de

aspectos estruturais, o que dificulta o ambiente de estudo, entre outros fatores. No entanto, ela

tem um aparato administrativo que faz com que seu ensino, embora deficiente, seja um dos

mais procurados do ensino público, haja vista a qualidade de seus professores e gestores e um

histórico em termos qualitativos na cidade. Embora sua estrutura careça de qualidade, a escola

dispõe de um espaço amplo, alguns recursos são repassados pelo governo, porém insuficientes

diante da demanda, livros didáticos de boa qualidade, das mais renomadas editoras e autores

brasileiros, ponto positivo. Estabelecer um diálogo entre estas duas realidades foi um motivador

para alicerçar a pesquisa.

Cortejando os objetivos inicialmente propostos em nossa pesquisa, indagamos quais

os impactos que o ensino de Filosofia poderia causar nos alunos de Ensino Médio.

Anteriormente, coube nos perguntar se este ensino teria de fato causado algum impacto na vida

dos alunos. Caso a resposta fosse positiva nos questionamos se haveria diferença dos impactos

causados na realidade da escola pública para a escola particular e, ainda, como esses impactos

atuaram no entendimento do aluno consigo mesmo.

53

Sendo essas indagações fruto de um dilema mais importante para nossa pesquisa,

busca-se entender até que ponto a Filosofia é ensinada como mera transmissão de conhecimento

ou se não, como ela tem sido trabalhada e desenvolvida nas escolas como elo norteador que une

o saber com a vida prática. Foram essas indagações que nortearam o eixo prático desta pesquisa.

O nosso referencial teórico esteve presente em todas as fases da pesquisa, desde os

primeiros momentos de reflexões estritamente teóricas até a entrada em campo. Percebe-se que

o pensamento de Foucault, como base teórica para esse estudo, esteve presente em todo o corpo

textual, enquanto outros autores ou estão alocados na parte teórica ou apenas na parte de campo.

Entre estes referenciais, tomamos Larrosa (1994) como fundamentação teórico-prática, uma

vez que em seu texto Tecnologias do Eu e Educação encontramos as modalidades de

experiências de si que podem ser percebidas na educação. Estas modalidades auxiliaram quanto

aos objetivos e interesses desta pesquisa. O texto nos auxiliou na coordenação e organização

das perguntas dos questionários e no roteiro das entrevistas para análise. A partir de Foucault,

Larrosa (1994, p. 36) analisou o conceito de tecnologias do eu considerando as práticas

pedagógicas, “aquelas nas quais se produz ou se transforma a experiência que as pessoas têm

de si mesmas”.

Segundo o autor, o cuidado de si na educação pode ser considerado a partir de cinco

“dimensões que constituem os dispositivos pedagógicos de produção e mediação da experiência

de si” (Idem, 1994, p. 21). A saber: 1) a estrutura ótica, o Ver-se, como o sujeito da educação se

vê, se compreende; 2) a estrutura da linguagem, o expressar-se, como esse mesmo sujeito

exterioriza os estados subjetivos de seu ser, como ele se expressa; 3) a estrutura da memória, o

Narrar-se, como o sujeito se narra; 4) a estrutura da moral ou da ética, o Julgar-se, como o

sujeito, depois de ter feito uma análise ótica de si, uma exteriorização do seu ser, está apto a

julgar-se, a emitir julgamentos do que constitui ou forma/transforma seu ser de sujeito e; 5) A

estrutura do poder, o dominar-se, que se refere as ações que o indivíduo efetua sobre si mesmo.

No âmbito desta pesquisa, essas modalidades de experiências são tomadas como as

dimensões a serem observadas na aprendizagem filosófica dos estudantes, tanto para a

orientação dos instrumentos de pesquisa quanto para a categoria de análises.

4.2. A PESQUISA NA SALA DE AULA

Foram estabelecidas três etapas fundamentais do trabalho. A primeira diz respeito ao

momento exploratório do ambiente da pesquisa, quando foram estabelecidos os contatos com

as escolas e com os alunos, e teve como objetivo preparar estes para as atividades da pesquisa

54

que iriam participar. A segunda etapa consistiu na aplicação de questionários aos alunos,

indicados a partir da percepção de seus professores quanto a uma experiência filosófica

significativa, com o intuito de aprofundar e detalhar as questões pertinentes à questão

pesquisada. A partir dos resultados obtidos fora realizado a terceira etapa: as entrevistas de

maior profundidade com os alunos selecionados, as quais foram gravadas para um registro mais

preciso das respostas.

A entrada em campo trouxe problemas relacionados ao número de turmas e alunos

participantes. Inicialmente, pensou-se em realizar a pesquisa com todos os alunos do Ensino

Médio do turno matutino de ambas as escolas. No entanto, devido ao grande contingente de

alunos, isto dificultaria a realização da pesquisa em tempo hábil para a execução de um trabalho

de mestrado, resolvendo-se restringir o número de pesquisados.

A Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho, por exemplo, cumula nove turmas da

primeira série, cada uma com aproximadamente 35 alunos, além das cinco turmas da 2ª série e

as quatro turmas de 3ª série. O Colégio Mater Christi, por sua vez, conta com aproximadamente

35 alunos por turma, sendo um total de 12 turmas, quatro de cada série do Ensino Médio.

Percebendo a dimensão do universo da pesquisa (em torno de 1.000 alunos do Ensino

Médio nos dois Colégios), optamos para estabelecimento da amostra os alunos das turmas da

3ª série. Entendemos que estes possuem algum tempo de experiência com a aprendizagem

filosófica e poderiam apresentar mais e melhores condições de observar o aspecto que é objeto

principal desta pesquisa: a experiência de si na aprendizagem filosófica.

Coincidentemente, as duas escolas contavam com quatro turmas de terceira série no

turno da manhã, cada uma com número semelhante de alunos, variando de 20 a 35 alunos. Ao

todo a amostra contemplou 189 alunos, sendo 83 do Colégio Mater Christi e 106 da Escola

Estadual Professor Abel Freire Coelho.

O primeiro momento se deu como observação exploratória, visando estabelecer uma

interação com os alunos participantes com o fim a criar o ambiente propício para a sua

realização. Nossa entrada em campo se deu a convite pelo professor Atson Paulo, da Escola

Estadual Professor Abel Freire Coelho, para assistir algumas aulas nas quatro turmas. No

Colégio Mater Christi, essa fase não se fez necessária pois se tratavam de quatro turmas

acompanhadas pelo próprio pesquisador há três anos e atual professor da disciplina.

A observação já vinha sendo feita há algum tempo, a partir de um conjunto de

observações ao longo de nossa atuação enquanto docente e que ensejou o problema para a

construção desta dissertação. Tanto como docente quanto em aulas ministradas por outros

professores, era perceptível as provocações que a Filosofia despertava nos alunos. No entanto,

55

o que queríamos saber é se tais inquietações ficavam apenas restritas ao espaço do debate de

ideias, crenças e conhecimentos instrumentais ou se representavam algo mais na vida dos

alunos, levando-os a uma mudança mais significativa na relação que tinham consigo mesmos.

Após essa etapa inicial, partiu-se para o segundo momento: a aplicação de 189 (cento

e oitenta e nove) questionários que constou de 7 (sete) perguntas, sendo 6 (seis) de múltipla

escolha e uma dissertativa (ANEXO I). Na terceira fase da pesquisa foram realizadas as

entrevistas feitas com 14 (quatorze) alunos selecionados, sendo 8 (oito) do Colégio Mater

Christi e 6 (seis) da Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho. Optou-se por selecionar dois

alunos das 4 (quatro) salas de cada escola, perfazendo um total de 16 (dezesseis) alunos

entrevistados. Não foram selecionados alunos de uma das turmas da escola da rede pública em

razão de distanciamento e desinteressados destes em relação a pesquisa.

As seis primeiras perguntas do questionário eram perguntas fechadas que visavam

obter informações sobre o grau e a qualidade do envolvimento desses alunos com a

aprendizagem filosófica. A sétima pergunta levava o aluno a considerar o aspecto principal

desta pesquisa: a experiência de si nas aulas de Filosofia. O questionário aplicado nos ajudou

na escolha dos alunos que seriam entrevistados, e esta última pergunta em especial.

As perguntas fechadas diziam respeito a quanto tempo eles estudavam Filosofia, onde

começaram a estudá-la, se a achavam importante para o currículo das escolas, se estudavam-na

além dos conteúdos trabalhados em sala de aula, e ainda se houve algum conteúdo que mais os

marcaram. Em caso afirmativo, sobre qual tema versava esse conteúdo. A última questão pedia

para dissertarem sobre a possibilidade da Filosofia como transformação das subjetividades.

Embora a dimensão quantitativa da pesquisa não seja a principal em nosso estudo, alguns

números nos serviram para algumas constatações no âmbito da pesquisa.

A pesquisa foi realizada com os alunos do Colégio Mater Christi nos dias 07 e 08 de

agosto de 2015, totalizando 83 questionários respondidos, e na Escola Estadual Professor Abel

Coelho respondidos nos dias 05 e 17 de agosto de 2015, totalizando 106 questionários. Por se

tratar de turmas de terceiras séries a totalidade dos alunos questionados afirmou ter contato com

a Filosofia há mais de três anos. Alguns, inclusive, tiveram contato com o filosofar há mais de

quatro anos.

Diversidade nas respostas e discrepâncias entre as duas realidades, a esfera pública do

ensino e a esfera privada marcaram nossa atenção no que toca aos dados quantitativos no

primeiro momento. Quarenta e cinco alunos do Colégio Mater Christi começaram a estudar

Filosofia ainda no ensino fundamental, enquanto que apenas 8 alunos da Escola Estadual

Professor Abel Coelho tiveram essa oportunidade.

56

A desarmonia atingiu um percentual de 54,21% dos alunos da escola privada que

tiveram acesso ao filosofar já no ensino fundamental, enquanto que na escola pública esse

número foi de 7,54%. Observou-se que esse grupo de alunos, diferentemente dos demais,

demonstraram maior habilidade de expressão na questão dissertativa, coordenando melhor suas

ideias. Percebeu-se que o tempo de atividade filosófica constituiu um importante diferencial no

modo como eles lidam e relatam suas experiências com a Filosofia. Os que tiveram mais tempo

com a prática filosófica demonstraram mais possibilidade de fazer uma relação entre a Filosofia

e a vida.

Em outros alunos percebemos dificuldades de expressão e comunicação ou até mesmo

desinteresse pela pesquisa. É interessante notar que em suas respostas eles afirmaram que

tiveram contato tardio com o filosofar, e alguns outros entendem a Filosofia como algo que não

faz muito sentido e não lhes desperta o interesse.

A Filosofia enquanto disciplina não é de caráter obrigatório no Ensino Fundamental.

Muitos alunos acabam por ter como primeiro contato as aulas ministradas no Ensino Médio.

Diferentemente no Colégio Mater Christi, a matéria é desenvolvida desde o primeiro ano do

Ensino Fundamental I. Quando perguntamos, na segunda questão, sobre como se deu esse

primeiro contato com a Filosofia, muitos responderam que no Ensino Fundamental, outros no

Ensino Médio. Ainda que em pequeno número, seis alunos, no total dos questionários, nos

surpreenderam ao afirmar que obtiveram esses conhecimentos de cunho filosófico fora do

ambiente escolar, quer por meio da internet e canais virtuais, quer por intermédio da família e

incentivo à leitura de alguma obra de cunho filosófico.

O terceiro questionamento foi sobre a importância da Filosofia no currículo do Ensino

Médio brasileiro. Novamente dados discrepantes acentuaram a diferença do ensino público para

o ensino privado. Enquanto 78 alunos (73,58%), provenientes de escola pública, percebiam a

importância da disciplina na construção dos sujeitos, 28 alunos (26,42%) consideraram a

disciplina sem importância ou tratavam-na como um conhecimento indiferente para as suas

formações enquanto sujeitos. Apresentando de forma mais detalhada, 10 alunos percebem a

Filosofia como sem importância e 18 a consideram indiferente. Já no tocante aos alunos

inerentes à escola privada apenas três alunos disseram que para eles era indiferente a presença

da disciplina no currículo da educação brasileira. Os demais acreditam que a Filosofia é

importante para o currículo como auxílio na formação do indivíduo.

Questionou-se, ainda, sobre a frequência em que eles buscavam estudar e ler sobre

Filosofia, além dos conteúdos ministrados em sala de aula, assuntos filosóficos além daqueles

que estavam inseridos na grade curricular da escola. Um cumulativo de 7 (8,43%) alunos do

57

Colégio Mater Christi disseram que sempre buscavam estudar outros conteúdos além dos que

estavam no currículo, 22 (26,50%) geralmente leem além dos conteúdos das aulas, 38 (45,78%)

busca, as vezes, transcender o conteúdo escolar, 10 (12,04%) raramente ler algo fora dos

conteúdos da disciplina, e finalmente 6 alunos (7,22%) nunca buscam estudá-la além do espaço

educacional institucional.

Na Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho os dados são os seguintes: 5 (4,7%)

alunos sempre leem e estudam a Filosofia além do ambiente escolar, 13 (12,26%) geralmente

buscam aprender mais de Filosofia muros além-escola, 37 alunos (34,90%) afirmaram buscar,

as vezes, algo mais além das aulas ministradas, 35 (33,01%) raramente estudam Filosofia em

casa ou em ambientes fora da escola, e 15 (14,15%) nunca buscam de forma alguma estudar

conteúdos e temáticas filosóficas além das aulas da escola. Um aluno não respondeu a essa

pergunta.

O quinto questionamento indagava se algum conteúdo apresentado nas aulas de

Filosofia teria marcado a vida dos alunos. Em ambas as instituições as respostas foram

afirmativas, sendo 79 (95,18%) alunos do Colégio Mater Christi e 81 (76,61%) alunos da Escola

Estadual Professor Abel Freire Coelho. Em contrapartida, as respostas negativas foram

expressas em um contingente pequeno, sendo apenas 4 alunos (4,82%) da rede privada. Na rede

pública o número de alunos que não se sentiram impulsionados por nenhum conteúdo de cunho

filosófico chegou a um total de 25 indivíduos, perfazendo 23, 59% dos questionados.

A sexta questão remetia sobre qual tema de Filosofia mais chamou a atenção dos

jovens, no qual foram indicadas cinco áreas do conhecimento filosófico: Metafísica/Ontologia,

Ética, Filosofia da Ciência ou Teoria do Conhecimento; Política e Estética ou Filosofia da Arte.

Nessa questão foi dada ao aluno a possibilidade de marcar mais de uma temática. Dos temas

indicados, o mais citado pelos alunos do Colégio Mater Christi foi Ética (57 pessoas), seguido

Metafísica/Ontologia e Política, com 54 e 41 citações, respectivamente. A área de Filosofia da

Ciência ou Teoria do Conhecimento ficou em 4º lugar, com 34 aparições, e finalmente Estética,

com apenas 6 citações. Dentre todos os alunos participantes da pesquisa, diante dos temas e,

ainda, da possibilidade de escolher mais de um, 14 vezes apareceu marcado a opção “Outro”,

que incluímos para que os alunos respondessem caso o tema que mais tenha interessado em sua

aprendizagem não fosse contemplado nas áreas que escolhemos.

Na Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho os temas ficaram dispostos da

seguinte forma: semelhante ao colégio particular, os alunos da escola pública também optaram

pela Ética como a mais interessante e que contribui para suas vidas, aparecendo em primeiro

lugar com 66 citações. O segundo foi o mesmo escolhido pelos estudantes do Colégio Mater

58

Christi, qual seja, Metafísica/Ontologia, com 33 votos. Em terceiro lugar a Filosofia da Ciência

ou Teoria do Conhecimento, com 26 escolhas, destoando, assim, as escolas, haja vista que os

alunos da rede privada preferiam como terceiro o tema Política. Escolhida como quarta opção

aparece Estética, com 22 escolhas, bem próximo do tema Política, com 21 predileções. O

mesmo número ao do colégio particular esteve presente no quesito sugerido pelos respondentes

como “Outro”.

Consideramos a última pergunta do questionário a mais importante, pois ela ultrapassa

esses dados iniciais que coletamos, dados os quais tinham um enfoque quantitativo. A referida

questão se destaca por ter sido a única pergunta aberta. Escolhemos trabalhá-la de forma

dissertativa porque nela o aluno poderia desenvolver seu pensamento sobre a experiência

filosófica relacionada diretamente com a sua vida e com os outros. Tanto que ela foi o

questionamento base para a triagem daqueles escolhidos para a terceira fase da pesquisa. Pela

sua importância ela será comentada no tópico a seguir, que trata da análise das entrevistas.

Do total dos questionários, 138 alunos efetivamente responderam a sétima questão,

possibilitando-nos a realização de alguma análise no que tange aos objetivos desta pesquisa. Os

51 (cinquenta e um) alunos restantes não responderam, ou quando responderam o fizeram de

modo muito restrito, por razões diversas, sem trazer elemento algum para análise.

4.3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

A terceira etapa de nossa pesquisa consistiu em entrevistas com os 14 alunos

selecionados a partir da triagem dos questionários. Foram escolhidos para a entrevista dois

alunos de cada sala, de ambas as escolas, com perguntas abertas baseadas em um roteiro

construído sobre os temas abordados no questionário da segunda fase da pesquisa. E

selecionados os alunos que demonstraram proximidade com a aprendizagem da Filosofia e

externaram em suas respostas um papel significativo da disciplina em suas vidas, contribuindo

mais significativamente para a pesquisa.

Como ressaltamos no início deste capítulo, a fundamentação teórica teve como base

Larrosa (1994), resgatando seu pensamento precisamente teórico, não no contexto acadêmico,

mas “um gênero de pensamento e de escrita que pretende questionar e reorientar as formas

dominantes de pensar e de escrever em um campo determinado” (LARROSA, 1994, p. 35).

Suas análises sobre a Filosofia e a educação contribuem para pensar os problemas desta

pesquisa, quando seu pensamento é relacionado como um jogo de dois baralhos, como um

“baralho da estratégia analítica, aqui a obra de Foucault, e com o baralho das convenções, dos

59

interesses e das possibilidades de um campo de estudo, a educação, neste caso.” (LARROSA,

1994, p. 35-36)

Suas considerações apresentam uma aproximação entre Filosofia e educação a partir

da noção de cuidado de si, aquilo que ele vai destacar, seguindo Foucault, como experiências

de si no campo educacional. Larrosa (1994, p. 36) descreve seu trabalho como uma tentativa de

“(...) mostrar a lógica geral dos dispositivos pedagógicos que constroem e medeiam a relação

do sujeito consigo mesmo, como se fosse uma gramática suscetível de múltiplas realizações”.

Essa aproximação entre experiência de si e educação é o ponto principal de nossa investigação,

na qual a noção dos dispositivos pedagógicos nos permite pensar essa relação, acreditando que

o fazer pedagógico se encontrava preso a uma crença fortemente alicerçada em um conceito e

em uma ideia de homem e, consequentemente, em uma vaga noção de realização humana, uma

realização pessoal, em um estereótipo de sujeitos a serem formados, construídos segundo um

padrão. E tudo isso ocultado pela própria prática pedagógica quanto a sua operação constitutiva

como produtora de pessoas.

A primeira e a segunda perguntas questionavam há quanto tempo os alunos estudavam

Filosofia e como teria sido esse primeiro contato com esta forma de saber. Quanto ao primeiro

contato com a Filosofia, merece destaque a fala de alguns alunos, como no caso de S.N. (aluno

da 3ª série A, Colégio Mater Christi), o qual relatou que seu primeiro contato com a disciplina

foi nas aulas do 6º ano do Ensino Fundamental II, em uma escola católica, com um professor

seminarista. Ele destacou a importância desse mestre ao dizer que este explorava aspectos

reflexivos dos alunos e mesmo em questões de cunho religioso buscava sempre se manter

neutro, respeitando os diversos credos dos demais. Outros entrevistados falaram em seus

primeiros contatos com o filosofar, resgatando aspectos religiosos, como no caso de M.L. (aluna

da 3ª série C, do Colégio Mater Christi), que iniciou seus estudos na disciplina de Filosofia

ainda na alfabetização, o que corresponde a doze anos de contato com essa forma de

conhecimento. Ela disse que as aulas nas séries menores tinham características religiosas, pois

ensinavam princípios, valores e regras de convivências com o próximo. Por sua vez, M.M.

(aluno da 3ª série Órion, Colégio Mater Christi) disse que na escola onde antes estudava a

Filosofia estava vinculada à religião, o que em sua percepção não se aproximava do ensino de

valores, ética ou cidadania, mas correspondia a uma aprendizagem alienante, considerando uma

forma de catequização.

Ainda sobre esse tema, o primeiro contato com a Filosofia e sua relação com o ensino

religioso merecem destaques as contribuições de dois alunos cristãos católicos, R,L e S.L.

(alunos da 3ª série B, E.E. Prof.º Abel Freire Coelho), quando exporam, a princípio, que temiam

60

as aulas de Filosofia, preconceituando a matéria, e acreditando que o objetivo dos

professores/filósofos era pregar a não existência de Deus. Para S.L. foi um choque a primeira

aula, ao discutir a existência ou não de Deus, já que anteriormente não tinha contato com a

Filosofia, mas com o ensino religioso, onde aprendeu que Deus era uma verdade inquestionável.

Com o tempo, os dois perceberam que existiam vários filósofos cristãos, outros tantos ateus, e

que aquele não era o objeto da Filosofia. R.L. disse que passou a gostar das abordagens das

aulas de Filosofia, pois mesmo que não queira, ela mexe com a cabeça do aluno, sendo

complatado por S.L., ao afirmar que é uma matéria que sempre planta a semente da dúvida.

Alguns alunos que tiveram contato com a Filosofia apenas no Ensino Médio ressaltam

predisposição a gostar das aulas, pois os conteúdos, por serem de Ciências Humanas, se

assemelham aos conteúdos de História. Este foi o caso de L.G. (aluno da 3ª série B, Colégio

Mater Christi), que disse: achei que era uma matéria nova, não era uma matéria de você

precisar decorar... era uma matéria que mais poderia te ajudar, que você poderia viver ela. Do

mesmo modo G.S. (aluno da 3ª série A, da Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho)

passou a gostar da disciplina, pois já gostava das Ciências Humanas. A aluna A.B (aluna da 3ª

série C, Colégio Mater Christi) disse que veio de uma escola religiosa, onde não havia Filosofia.

Depois do primeiro contato com as aulas se apaixonaram por essa forma de saber. Em suas

palavras: Pra mim foi uma matéria que estudo, que fiquei logo apaixonada. Gostei muito de

tudo. Pronto, eu passei a ler livros que continham algum contexto filosófico. Sempre fiquei

buscando assistir alguma série, qualquer coisa que tivesse um pouco mais do pensar, que

fizesse questionar, me chamava a atenção.

Outra aluna do Colégio Mater Christi, G.L. (da 3ª série Órion), disse que a partir da

Filosofia minha mente se abriu realmente para o mundo, além do aluno M.L., da E. E. Prof.º

Abel Freire Coelho, que disse ter se despertado para a Filosofia a partir de canais e páginas

da internet. Outros dois alunos nos chamaram a atenção por terem seus primeiros contatos com

a Filosofia fora da sala de aula. L.G. (da 3ª série A, da E.E. Prof. Abel Freire Coelho) nos relatou

que foi convidado a uma palestra, cujo tema era Ética, proferida por uma professora formada

em Filosofia. Ao perceber a importância naquele diálogo, principalmente por suscitar o

questionamento das coisas, amadureceu seu interesse pelo filosofar. Já R.B. (aluno da 3ª série

A, Colégio Mater Christi) nos surpreendeu ao dizer que através de um jogo virtual,

nomeadamente Assassin's Creed, que se passa em um contexto Iluminista, o levou a estudar o

pensamento moderno para solucionar alguns problemas no jogo, o que levou até o pensamento

do filósofo Jean-Jacques Rousseau e o despertou para a leitura. Criado em um lar cristão,

começou a estudar religiões, buscou entender a sua espiritualidade tanto em livros quanto em

61

canais na internet que fomentavam a reflexão e o debate, conhecendo as obras de Nietzsche.

Em sua fala, ele diz: Comecei a me orientar mais sobre religião. Eu não tinha problema nenhum

em ser ateu. Mas eu queria achar um respaldo para poder seguir. Aí eu decidi ser budista...

sigo as ideias budistas por que eu acho interessante. Eu quero levar isso para minha vida. Tem

mantras, faço meditação... isso me ajudou melhorar muito como pessoa. A ser mais sensível,

conversar com as pessoas, dialogar... a Filosofia me ajudou muito, eu cresci muito com a

Filosofia.

As perguntas seguintes diziam respeito ao que eles achavam das aulas de Filosofia, se

a consideravam importante para o currículo do Ensino Médio, sendo solicitados a justificarem

suas respostas. Todos os alunos entrevistados afirmaram que a Filosofia era uma matéria

importante para o Ensino Médio. A contribuição do aluno S.N. (3ª série A, do Colégio Mater

Christi) evocou sua importância, com a seguintes palavras: Acho importante para o Ensino

Médio, por que nele nos preparamos para o vestibular e em meio a tantas aulas de exatas, e

conteúdos, conteúdos e conteúdos, a gente consegue, a partir da Filosofia dar um 'break' nisso

tudo. E ser um momento até para relaxar. Por que você discutir sobre algo é o que todo mundo

quer. Você está em uma aula de matemática, aí quando chega a aula de Filosofia, todo mundo

diz: 'ah, que massa! Agora a gente vai discutir sobre uma coisa que a gente, realmente, está

vivendo; sobre alguma coisa que a gente realmente se identifica. Algo que faz parte da nossa

vida'. As vezes a gente estuda um assunto em matemática que não é colocado em prática em

nossas vidas, mas a Filosofia é! Qualquer assunto de Filosofia que você estude é colocado em

prática.

É interessante perceber na fala do aluno uma aproximação do que Foucault explicita

nas primeiras aulas no Collège de France, como abordado no capítulo Disciplina, Cuidado de

si, Resistência e Aprendizagem desta dissertação. Não faz sentido um contato com a Filosofia

sem que esta provoque alguma reflexão e prática (ação) na vida das pessoas. E o aluno, em

questão, não percebe somente isso, como também tece uma crítica das demais disciplinas

ensinadas de maneira instrumental. Por sua vez, R.B. (aluno da 3ª série A, Colégio Mater

Christi), da mesma sala que o aluno anterior, expôs o que entendia como importância na

Filosofia, ao dizer: a Filosofia é muito importante para desenvolver a questão da sensibilidade

nas pessoas. As pessoas, elas são muito ignorantes... devem procurar esse sentimento de

filosofar mesmo. E apresentou o que considera como falha e indicou o que entende como

solução: Acho que ela, no currículo, seria muito mais rentável se ela fosse aliada a outras

matérias que motivassem cultura, tipo, música e arte. Se ela fosse junta com essas áreas, ela

seria muito mais enriquecedora para o próprio aluno, em relação a chamar a atenção dele.

62

(R.B., aluno da 3ª série A, Colégio Mater Christi)

Por mais distante que o pesquisador tente ficar de seu objeto de estudo é impossível

não ficar contente com certos resultados. Sobre a importância da Filosofia, foi um resultado que

nos trouxe orgulho ouvir o porquê dos alunos pensarem assim. Este resultado é interessante

porque alguns dos entrevistados perceberam que estão inseridos em um contexto que inverte a

ordem das coisas, dos valores, dos sentimentos, como é o caso do sistema capitalista, que

privilegia a razão instrumental em detrimento de qualquer Filosofia e sabedoria para vida. A

esse respeito D.V. (aluno da 3ª série B, do Colégio Mater Christi) afirma: Eu acho importante,

embora a pressão que a família exerce sobre a gente, de fazer um vestibular para medicina,

direito, engenharia, etc., acabe por não vê importância na Filosofia, e tem aluno que, por esse

motivo, também não a acha importante. Mas, por mais que eles não achem necessária a

Filosofia para eles, em questão de currículo, mas é uma coisa essencial, é preciso para

aprendermos a viver em sociedade.

Essa frase final do aluno nos trouxe um resultado passível de uma reflexão mais atenta.

Tanto os alunos das entrevistas quanto a maioria dos demais alunos que passaram pelo

questionário perceberam a importância da Filosofia como base para uma aprendizagem de uma

construção social coletiva. Muitos afirmaram serem os conteúdos discutidos em sala de aula

fundamentais na formação de sujeitos mais humanos, éticos e cooperativos, e menos

preconceituosos, individualistas e isolados. Vemos, assim, a questão da alteridade, do pensar no

outro e como o outro.

No Brasil, atualmente as aulas de Filosofia são ministradas uma vez por semana,

correspondendo a 1 hora/aula semanal (45 a 50 minutos). A maioria dos alunos percebe ser

pouco o tempo destinado ao ensino do filosofar para um melhor desempenho e desenrolar das

aulas. L.G. (da 3ª série A, da E.E. Prof. Abel Freire Coelho) disse: deveriam aumentar as aulas

de Filosofia, e ser ministradas desde a primeira série do ensino fundamental. Já a aluna G.L.

(3ª série Órion, do Colégio Mater Christi) afirmou: acho importante para o currículo do Ensino

Médio e deveria ser muito mais valorizada por nos fazer questionar o cotidiano. A aluna M.L.

(3ª série C, do Colégio Mater Christi) disse gostar de Filosofia por provocar a reflexão sobre

diversas coisas, concordando que o tempo destinado a disciplina é muito reduzido. Em suas

palavras, e em tom crítico, ela disse: eu não gosto dessa coisa de priorizar uma área do

conhecimento em detrimento de outra área. Eu tenho seis aulas de Matemática por semana, e

só uma de Filosofia?!”.

Da E. E. Prof.º Abel Freire Coelho o aluno L.G. reiterou: Filosofia é muito importante

para o currículo. Mas acho muito pouco só uma aula de Filosofia. É muito conteúdo só para

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uma aula. As aulas sempre ficam pela metade. Vai passando o bimestre e o professor não tem

nem tempo de concluir os assuntos”. Por sua vez, seu colega de sala, G.S. (aluno da 3ª série A,

da Escola Estadual Abel Freire Coelho), concordando com sua opinião, falou: Uma aula por

semana é muito pouco, acho que deveriam ser ao menos duas aulas por semana. É uma das

poucas aulas que o aluno para e presta a atenção, e fica vendo se aquilo é realmente. O

professor de história fala um fato e você arquiva aquilo. Já o professor de Filosofia não, você

pensa: nossa! Interessante! Eu posso levar isso para minha vida.

O aluno R.L. (da 3ª série B, da E.E. Prof. Abel Freire Coelho) disse que para a turma

dele apenas uma aula de Filosofia por semana até poderia ser interessante, mas algo tornava

essa única aula um problema em relação às demais salas. A explicação decorreu da seguinte

forma: Para gente é embaçado. É apenas uma aula por semana, dia de segunda-feira e é a

última aula. Não falo nem em ter mais aulas, mas deveria ser em outro horário. Pois além de

ser uma segunda-feira, passamos por quatro aulas que nos deixam exaustos mentalmente, aí

quando chega a aula de Filosofia não dá para pensar direito.

Outros alunos opinaram sobre essas questões, externando de forma enfática o porquê,

não apenas por acharem Filosofia importante, mas também por gostarem dela. A.B. (aluna da

3ª série C do Colégio Mater Christi) disse: Eu adoro as aulas de Filosofia, acho muito

interessante. Por que acho necessária para a formação de uma boa sociedade, para que a

pessoa desenvolva seu próprio pensamento crítico, desenvolva discussões. Acho que ela deve

permanecer eternamente no currículo do Ensino Médio brasileiro, e deve começar desde

pequeno. É muito importante para a formação das pessoas, pelo fato de fazer você questionar.

É interessante perceber que os alunos, de um modo geral, compreendem que a

Filosofia é, por excelência, a “ciência dos porquês”, e não estuda somente conceitos, mas tem

como base questionar a realidade a nossa volta.

A aluna G.L. por sua vez, acha a disciplina legal e seu argumento para isto é que a

partir da Filosofia a gente abrange o pensar. Ele expressou ser alguém de “mente fechada”,

mas que a partir do contato com a Filosofia passou a questionar o seu cotidiano. É importante

ressaltar que a construção dos sujeitos, entre outros fatores, está intimamente ligada ao contexto

social, cultural e econômico do indivíduo. Sobre esta perspectiva, o aluno D.V. (da 3ª série B

do Colégio Mater Christi) argumentou: Você tem muita coisa formada em você por causa da

família, mas quando você começa a estudar os pensamentos filosóficos, aí você vê que nem

tudo é do jeito que você sempre pensou. Você começa a embaralhar sua mente, pensar diferente

dos outros. Isso é bom para você, mas ao mesmo tempo vai te trazer problemas, pois não é todo

mundo que quer pensar igual a você, e para piorar, querem que você pense igual a todo mundo.

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Podemos perceber na fala do aluno uma luta entre o que é coercitivo na formação do

sujeito, valores, crenças, ideias, principalmente por parte da família e a resistência a essa forma

de coerção a partir do filosofar. É claro que não são todos os alunos participantes da pesquisa

que enxergam dessa forma, com uma relação mais estreita com a Filosofia para a construção de

suas subjetividades. A maioria dos alunos que negaram a importância da Filosofia em suas vidas

demonstraram ter uma percepção de mundo limitada, com respostas sem nexo ou, na maioria

das vezes, nada conseguia dissertar, seja contra ou a favor das aulas de Filosofia.

Diferentemente daqueles que demonstraram ter uma relação mais próxima a Filosofia, com

visão de mundo mais elaborada, autônoma e expressiva.

Ainda sobre a importância da Filosofia e sua presença no currículo nacional, o aluno

M.M (da 3ª série Órion, Mater Christi) disse: Acho muito legal, é a única matéria que você

pensa sobre as outras matérias, você pensa sobre a vida, você pensa em coisas bem simples

que você tem como verdade, mas pode não ser. Discute questões que são bem básicas, mas que

devem ser discutidas para se descobri a verdade. É uma coisa bem profunda. Acho importante

e interessante, embora muita gente não leve a sério. Ajuda as pessoas a pensarem de forma

mais racional. As pessoas pensam que é viagem, mas é uma coisa que faz parte da vida delas.

Pensar faz parte da vida delas. E Filosofia é a arte de pensar sobre as coisas. Tem Filosofia

em tudo, na matemática, na física, em tudo.

Já o aluno L.G. (da 3ª série A, da E.E. Prof. Abel Freire Coelho) diz que as discussões

em sala não cessam quando a aula termina. Geralmente elas continuam até em casa, ao estudar

e buscar mais conhecimento de outros modos, como expresso em suas palavras: As aulas de

Filosofia são muito interessantes, por que elas instigam a pessoa, eu chego em casa e fico me

questionando se aquele meu ponto de vista está certo ou errado. Geralmente eu não assisto só

as aulas daqui, da grade curricular, chego em casa e busco me atualizar sobre os conteúdos,

pensando sobre a aula.

Cada entrevistado apresentou a importância da Filosofia a seu modo. Uns remetiam a

construção de conceitos, como foi o caso do aluno M.L., da E. E. Prof.º Abel Freire Coelho, ao

proferir: quando se trata de conceitos, Filosofia em geral, seja política, seja de ciência ou

economia, as pessoas geralmente não têm nenhuma noção desses conceitos. E com a Filosofia

ajuda a ter uma ideia. Outros a fomentação do debate, e ainda outros a construção do sujeito e

ao desenvolvimento do pensamento crítico. O aluno R.L. (3ª série B da E. E. Prof.º Abel Freire

Coelho) disse: É importante! … é interessante, pois uma dúvida que você tem leva a outra e

depois a outra, e assim vai. Você sai de sua zona de conforto. A Filosofia te puxa como se

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quisesse dizer: 'venha aqui, vamos saber como outras pessoas pensam'. E o estudante G.S. (da

3ª série B, da E. E. Prof.º Abel Freire Coelho) argumentou: Filosofia é aquela aula que você

para, respira e diz: agora eu vou estudar Filosofia. É diferente das outras. Por que é uma aula

de tudo. Você não sabe o que o professor vai falar. Ele pode chegar e falar sobre qualquer

assunto e meter a Filosofia no meio. Não tem aquele currículo certo da biologia e das outras

matérias.

S.L. (aluno da 3ª série B, da E. E. Prof.º Abel Freire Coelho) valoriza o fato da Filosofia

trabalhar com o questionamento das coisas e acha interessante essa postura crítica. Segundo

ele: Se um cara fala alguma coisa na TV, se você tem algum embasamento na Filosofia, você

vai procurar saber se aquilo é verdade. Se algum cientista te falar alguma coisa, você vai lá e

questiona, se algum religioso te fala uma coisa, você vai lá e questiona. Você procurar saber

se o que estão de falando é a verdade mesmo, você procurar a verdade mesmo. Não viver num

mundo ilusório, tipo Matrix.

Percebeu-se que quando a Filosofia se apresenta como uma ponte ao universo do

aluno, o que é discutido nas aulas pode ser transposto para o seu cotidiano, mas o aluno se

debruça e se interessa sobre ela. M.L. (aluno da E.E. Prof.º Abel Freire Coelho) tem uma

predileção por Filosofia política e diz: também faz com que os alunos pensem, reflitam sobre o

que foi dado em sala de aula. E, de certa forma, ele coloca Filosofia no dia a dia. Por sua vez,

um aspecto interessante sobre a figura do mestre foi externado pelo aluno L.W. (aluno da 3ª

série, da Escola Abel Coelho) ao falar: Gosto do fato do professor ser neutro, ele se apresenta

como neutro para que a gente possa pensar e chegue a nossas próprias conclusões. Ele faz a

gente refletir e pensar sobre aquilo”. E reitera o que acredita ser a principal ação da Filosofia:

Ela ajuda, principalmente, o estudante a pensar. As outras matérias, você aprende uma coisa,

e é aquilo. Em Filosofia não. Você pensa, e você mesmo tira sua conclusão sobre aquilo, até

você achar algo que entende como certo. Ajuda a compreender as outras pessoas, o mundo que

você vive, e aceitar outras pessoas que tem ideias diferentes.

Com a obrigatoriedade do ensino de Filosofia a partir de 2008 ampliou-se o mercado

editorial, principalmente com a inclusão da Filosofia no PNLD, a partir de 2010. Além disso,

surgiram também revistas, séries, canais em redes sociais, matérias, reportagens e quadros

jornalísticos que versam sobre temas filosóficos, bem como a presença de filósofos em

programas de televisão participando de conversas sobre temas polêmicos e de interesse público.

Assim, vários jovens puderam ter acesso a conteúdos filosóficos diversos.

Quando questionados sobre o estudo da Filosofia além dos conteúdos discutidos em

sala de aula e se eles liam Filosofia além dos materiais didáticos da escola, e ainda se liam,

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quais seriam esses materiais. As respostas foram divididas em três categorias: os que

responderam com taxativos “não!”, os que leem artigos e conteúdos filosóficos na internet, e

os que costumam ler livros de filósofos clássicos e/ou contemporâneos.

Os que disseram não ler se expressaram com os exemplos: Não costumo ler além do

que é cobrado na escola. Só leio o conteúdo da escola mesmo. (D.V., aluno da 3ª série B, do

Colégio Mater Christi); Não costumo ler os conteúdos além dos conteúdos do livro da escola

(L.G., aluno da 3ª série B, do Colégio Mater Christi); Não muito, na realidade não costumo ler

além dos conteúdos cobrados para as provas. (G.L., aluno da 3ª série Órion, do Colégio Mater

Christi); Não leio nada fora da escola. Leio sobre mitologia, mas não busco textos filosóficos,

(S.L., aluno da 3ª série B, da Escola Abel Freire Coelho).

Aqueles que costumam ler artigos na internet expressaram: Eu leio, assim, não livros,

mas leio textos na internet com trechos e explicações filosóficas. (G.S., aluno da 3ª série A, da

Escola Abel Freire Coelho); outro aluno da mesma escola disse: Eu leio mais artigos do

Universo Racionalista e de outros sites na internet. (L.W., aluno da 3ª série C, da Escola Abel

Freire Coelho); e o aluno R.L. (3ª série B, E. E. Prof.º Abel Freire Coelho) explicou mais sobre

sua leitura através das redes sociais, dizendo: Eu não procuro ler. A gente acaba lendo através

das redes sociais. Quando tem alguma coisa que me chama a atenção, eu vou lá e leio. Do ano

passado até esse ano, eu pensava em estudar Filosofia, fazer a Faculdade de Filosofia, só que

eu percebi que sou muito ruim para ler. Tenho uma preguiça demais para ler. Eu gosto de

buscar na internet frases de filósofos e busco entender, mesmo que você não entenda

perfeitamente o que significa, mas você sempre tira algo de proveitoso daquilo.

Os demais alunos que afirmaram ler além dos conteúdos cobrados em sala, e que

demonstraram uma leitura mais acadêmica, apresentaram seus autores e conteúdos preferidos,

ou ainda, passaram a ver de maneira mais aguçada e crítica o mundo a sua volta. R.B, do

Colégio Mater Christi, disse que gostava de ler Nietzsche e Freud. Citou alguns títulos, como

“Admirável Mundo Novo”, “O Mundo de Sofia”, “A Revolução dos Bichos” e “1984”. Disse,

ainda, gostar de ler sobre regimes totalitários, além das próprias Filosofias do budismo, para

enriquecer a sua alma. A aluna M.L. (3 série C, do Colégio Mater Christi) disse: Eu gosto. Eu

tenho uma coleção chamada “Filosofia para leigos”, eu gosto muito, aí vem falando várias

coisas, como 'A Guerra', 'O Amor', 'A Felicidade', essas coisas assim. Como meu irmão faz

ciências sociais, ele me indica vários livros. Aí as vezes os livros que ele indica, que é da

faculdade dele, eu acabo lendo antes dele. Tipo, ele lê o capítulo para prova e eu leio para me

divertir.

Dois alunos da Escola Estadual Prof.º Abel Freire Coelho relataram: Leio. Comecei a

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ler, mas ainda não terminei o livro 'Breve História da Filosofia', não lembro agora o nome do

autor, (L.G., aluno da 3ª série A); “Sim, eu leio! Eu tinha até baixado um livro no computador,

chamado Filosofia Política, de um filósofo argentino, chamado Mario Bunger. Que é

considerado um dos maiores filósofos da atualidade”(M.L., aluno da 3ª série C). No decorrer

da entrevista, este aluno demonstrou uma sensibilidade com causas e lutas sociais, por ter uma

afinidade com conteúdo de Filosofia Política. De fato, ele marcou no questionário esta área

como sendo aquela que ele mais gosta de ler. M.M. (3ª série A, do Colégio Mater Christi) disse

que sua leitura não estava apenas condicionada aos livros, mas: na verdade as coisas que eu

gosto mais de ler são revistas em quadrinhos e revistas científicas. Eu leio a Superinteressante,

eu sou assinante, e uma vez veio uma edição que trouxe uma matéria “onze segredos do

universo”, em formato de livro. E esse livrinho é muito bom. Ele traz questões como: se Deus

existe; de onde nós viemos e para onde vamos? E são onze questões como essas. Então eu leio

sobre Filosofia, às vezes, eu acho muito legal. Também eu vejo em filmes, filmes bem filosóficos,

como Matrix, Interestelar, esses filmes que trazem questões além de científicas, filosóficas. Eu

gosto. Acho legal.

Percebemos um déficit de leitura que acreditamos não ser algo particular da área da

Filosofia, mas um legado histórico-cultural da falta de leitura por parte dos brasileiros. Não

vivemos em um país com indicadores alto de um povo que ler, que possui uma cultura livresca.

Resgatamos a pergunta “Houve algum conteúdo de Filosofia que mais te marcou? Se

sim, qual e por quê?”, que permeou quase toda a entrevista, quer de forma direta, quer de forma

indireta, e acrescentamos outras duas: “Você já teve alguma aula de Filosofia que fizesse com

que você se identificasse com o conteúdo/ideia? Se sim, qual era o assunto da aula e por quê

você se identificou?”, e, “Você acha que as ideias de algum filósofo ou até mesmo as aulas de

Filosofia, no geral, mudou alguma coisa na forma que você encara a vida ou sua relação com

as pessoas? Se sim, o que e como?” para tentar entender em que medida os alunos percebiam

alguma forma de mudança no ser do sujeito, a partir do contato com a Filosofia.

Consideramos esse momento como central na pesquisa, já que se trata da análise da

resposta dissertativa do questionário e o item final do roteiro das entrevistas, os quais abordam

diretamente o problema da experiência de si na aprendizagem filosófica. O aluno S.N. (3ª série

A do Colégio Mater Christi) disse que a aula mais marcante foi de lógica. Segundo ele, a

Filosofia ajudava a gente a pensar de forma organizada. E relatou uma analogia proferida por

um dos seus professores: […] E também teve uma historinha, que eu gosto muito, que é: o

mundo ele tem um guarda-chuva, e esse guarda-chuva tem vários furinhos, e o sol não penetra

completamente... e a partir da Filosofia, a gente consegue ir abrindo esses furos e pensar além

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do que o mundo tampa e além do que o mundo encobre da gente. A gente consegue ir muito

mais além. E uma das coisas que eu acho interessante, é a gente poder ir além daquilo que a

gente vive. É como se você tivesse um horizonte bem amplo, e você pudesse ir além do

horizonte. Você pudesse pensar além do que você está vendo e do que você imagina, e do que

você acha que existe. A Filosofia leva pra esse lado e é aí que ela trabalha na amplitude do seu

conhecimento, na amplitude do seu pensamento. Ele ainda relatou que mudou sua forma de

encarar o mundo a partir da reflexão sobre uma frase atribuída a Sócrates, e que a Filosofia

ajudou na questão da alteridade: Acho que todo mundo conhece essa frase, que é aquela 'só sei

que nada sei', de Sócrates. Sempre eu fui muito estudioso. Desde pequeno era tido como

'inteligentezinho', eu achava que eu era o centro do mundo, eu achava que eu sabia de tudo, eu

era até meio arrogante. Quando você se acha muito inteligente, você passa a ter arrogância.

Aí quando você estuda Filosofia e vê uma frase como essa, de um cara tão esplendoroso como

o Sócrates, [...] mexeu comigo, pois me fez ver que eu também não sei de tudo. Eu também

tenho que aprender muito ainda. Eu sei, mas também sei que tenho o que aprender. Acho que

mudou a minha forma de me ver, em relação a sociedade, por que eu pensava que eu sabia de

tudo, que eu tinha conhecimento de tudo [...] Eu tinha que aprender a não deixar a minha

inteligência barrar a inteligência das pessoas. Muitas vezes acontecia isso [...] Mesmo que

uma pessoa não tenha cultura, mesmo que ela não tenha nada, você consegue tirar alguma

coisa boa daquela pessoa. Nem que seja uma lição a partir dos erros. A partir do conhecimento

filosófico que você tenha da vida, do que é viver, do que é viver em conjunto, do que é viver em

sociedade com as pessoas.

Alguns alunos afirmaram a possibilidade de mudança no ser do sujeito a partir da

Filosofia, embora não todos conseguissem identificar, precisamente, um filósofo ou uma

ideia/conceito específico que lhes tenha possibilitado uma mudança na relação consigo mesmo.

No entanto, outros apontam qual filósofo, ideia, frase ou texto lhes ajudaram a entender o

mundo de uma outra maneira, com um outro olhar, como foi o caso de R.B., ao dizer: Nietzsche

me ajudou, na própria teoria do eterno retorno, a ser uma pessoa mais tranquila. E o próprio

budismo também. Nessa questão da vida ser complicada, eu tenho que fazer algo, mas eu não

posso mais me conformar e querer mudar aquilo. O aluno disse ainda que percebia uma estreita

relação entre o pensamento do filósofo Nietzsche e a religião/Filosofia budista, e que por

influência dessas suas leituras afirmou: Eu posso aceitar as coisas como são. […] Eu procuro

manter um equilíbrio. Eu não vou me estressar por causa dos problemas corriqueiros da vida.

Finalmente ele nos apresentou uma de suas reflexões filosóficas sobre a liberdade: Certa vez eu

estava lendo sobre o marco civil, da internet, aí fiquei filosofando sobre a frase 'quem vigia os

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vigilantes?'. E me questionei sobre liberdade e totalitarismo. Certa vez vi uma imagem que

remetia a Michel Foucault. Era tipo um farol cercado de várias celas. E o farol estava apontado

para um canto, como se fosse girar. A ideia era de um Estado vigilante. Mas quem vigiaria a

pessoa que está lá em cima? (R.B., aluno da 3ª série A, do Colégio Mater Christi).

Percebeu-se, através do diálogo com os alunos, que os temas que estavam mais em

evidência carregam um teor polêmico. Assuntos relacionados a Ética e Metafísica/Ontologia

aparecerem como principais escolhas dos jovens. Subtemas como aborto, união homoafetiva,

eutanásia, pena de morte, Deus, religião e liberdade foram eixos motivadores para o debate em

ambas as escolas. Observa-se que são temas com viés existencial, e que de algum modo

implicam uma possibilidade de transformação de suas subjetividades, ressaltando a importância

da ética para os alunos, na experiência de si e seu papel na aprendizagem filosófica.

Nos questionários, percebemos que os assuntos das aulas de Filosofia que os alunos

mais gostavam correspondiam às seguintes áreas: Ética, Política, Metafísica e Ciência. Nas

entrevistas, momento em que eles podiam explanar melhor qual assunto ou conteúdo mais os

mobilizavam, algumas falas nos chamaram a atenção e por isso foram classificadas por assuntos

que tiveram maior incidência, quais sejam: filósofos que mais se repetiram nas falas dos alunos;

a questão da relação Filosofia e Religião; a questão da alteridade, tanto em relação a própria

questão religiosa quanto sobre o tema da sexualidade.

No que tange a Ética, o nome de Jean-Paul Sartre e o existencialismo se apresentaram

repetidas vezes. Citamos dois depoimentos que falaram de Sartre e o Existencialismo e que

levaram os alunos a uma reflexão sobre suas atitudes e responsabilidades éticas. O primeiro

aluno disse: O assunto que eu achei melhor foi sobre o humanismo no existencialismo de Sartre.

Foi ali que eu comecei a mudar minhas “convicções” sobre religião, família, essas coisas. E

pensar mais sobre o que eu posso fazer por mim mesmo e pelos outros, e como passei a me

preocupar com as responsabilidades que eu tenho, tanto sobre minhas atitudes boas, quanto

por minhas atitudes ruins. Não colocar sobre ninguém as responsabilidades de meus atos. Ela

é apenas minha. (D.V., aluno da 3ª série B, do Colégio Mater Christi). Quanto ao segundo aluno

ele expressa: Esse ano eu tive uma aula que me marcou. Foi a aula sobre o existencialismo de

Jean-Paul Sartre. Muitos assuntos discutidos nas aulas de Filosofia têm haver com coisas que

acontecem na minha vida. Eu nunca fui uma pessoa de bater de frente com as ideias das

pessoas. Nunca fui uma adolescente “rebelde”. No entanto, eu comecei a olhar diferente para

sociedade. Principalmente a religião. (A.B., aluno da 3ª série C, do Colégio Mater Christi)

Dando prosseguimento aos relatos de experiências dos alunos com a Filosofia,

percebemos, ainda, uma aproximação tênue entre Filosofia e Religião. Tênue porque esta

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relação se apresenta, em primeiro momento, como um estranhamento por parte dos alunos e

tem por base o preconceito, associando-se o filosofar com a perda da crença religiosa, ou que

esse seria seu objetivo. Alguns alunos relataram que tinham essa ideia preconcebida, mas que

com o tempo mudaram suas opiniões, não suas crenças. Outros, no entanto, mudaram de

opinião, pois não passaram a ver a possibilidade da Filosofia indagar sobre as crenças, quer

cotidianas, quer religiosas, como algo negativo. E, consequentemente, mudaram de fé.

Separamos quatro respostas dos alunos que colaboraram para melhor entendermos o que se

passou com suas espiritualidades depois que passaram a estudar Filosofia.

Alguns depoimentos sobre o que se discutira ou apresentara acima são apresentados:

Uma aula onde descobri que nem todos os filósofos eram ateus. Aí eu percebi: poxa, eu tinha

uma ideia errada sobre isso. Lógico que tem filósofo que é ateu, mas tem outros que acreditam

na existência de um certo Deus. Mas, em geral, todas as aulas de Filosofia marcam por que

você sai com um pensamento diferente. […] Quando se estuda Filosofia a pessoa passa a ter

um pensamento diferente do mundo, do meio em que você vive. Antes eu não queria nem ouvir

falar em Filosofia. Pois a Filosofia vai me dizer coisas que eu não vou aceitar, mas não, depois

eu percebi que era preconceito meu. Filosofia e religião andam lado a lado. Tudo tem Filosofia.

Eu era dogmático. Religioso. E não queria acreditar em nada além de minha religião. Depois

da Filosofia não, eu mudei. Passei a questionar as coisas. (R.L., aluno da 3ª série B, da Escola

Abel Freire Coelho). O aluno S.L. (3ª série B, da E. E. Prof.º Abel Freire Coelho) relata: Me

ensinou a questionar tudo o que é imposto. Antes, eu só aceitava o que era da minha crença.

Eu não conseguia olhar para o lado. Eu não aceitava. Era minha opinião e pronto. Aí veio a

Filosofia, que me ensinou a ouvir. A ouvir as opiniões das pessoas. Que alguém pode ter uma

opinião e até te convença. Na opinião de M.L. aluno da 3ª série C, do Colégio Mater Christi):

A aula de Filosofia que mais me marcou foi no nono (9ºano), quando eu entrei para o grupo

católico Shalom, a gente estava discutindo gênero, sexualidade, essas coisas assim. E batia de

frente com o que eu pensava e aprendia no grupo. Na escola teve um caso de duas garotas que

estavam ficando e foram proibidas de ficarem, e até de andarem de mãos dadas. Isso ficou

batendo muito na minha cabeças, aí eu fui procurar a respeito. Eu acreditava em Deus, mas

nunca tinha pesquisado a respeito. Ai quando eu comecei a pesquisar, vinha gente martelando

contra. E eu queria estar forte para defender o que eu acreditava. Sendo que no dia seguinte,

nas aulas, eu já não acreditava mais do mesmo jeito. (risos). Diziam: a igreja fez as cruzadas,

a inquisição. E aí eu dizia: não, a igreja não fez só coisas ruins não. Ela criou os bancos, as

universidades, tinha lá o “negócio” das freiras que criou os hospitais, etc. Ai depois você vai

ver assim as coisas, ai meu Deus do céu, aquelas torturas, etc... A Filosofia mudou muita coisa

71

na minha forma de enxergar o mundo. […] A Filosofia muda nossas vidas por que a gente

começa a perguntar: será que isso é verdade? Começa se questionar a respeito das coisas, e

não só isso, a gente pensa: como eu posso aplicar isso na minha vida? (). Já G.S. (aluno da 3ª

série da E. E. Prof.º Abel Freire Coelho) aborda o papel do professor quanto ao ensino de

Filosoai, ao dizer: Uma aula onde o professor expôs como a Filosofia superou muitas crenças

da religião. A questão do heliocentrismo, que foi como um golpe na Igreja. A Filosofia

influencia muito em nossas vidas a Filosofia. Por que a todo momento você está pensando,

você está instigando seu conhecimento. Cada vez mais você quer saber, você quer se informar.

É perceptível que a Filosofia serve de base para o questionamento do cotidiano,

fazendo com que os alunos reflitam sobre o mundo ao seu redor, resgatando questões polêmicas,

ou até mesmo questões simples, porém sob uma perspectiva filosófica. Isso acarreta em um

pensar que os tira do lugar comum, da zona de conforto e que mexa com o seu ser de sujeito.

Suas falas atentaram para essa conclusão.

A aluna M.L., do Colégio Mater Christi, expõe suas questões sobre religião e Filosofia

e também sobre a questão da alteridade, a partir de uma análise sobre a sexualidade. Mesmo

não questionados de forma direta sobre o tema da sexualidade, os demais alunos também se

pronunciaram a respeito dele, a partir da alteridade, do respeito pelo outro enquanto ser

diferente. Vejamos a fala do aluno D.V. (3ª série B do Colégio Mater Cristi), no qual deixa claro

que essa foi uma das principais mudanças no seu ser de sujeito, acarretada pela reflexão

filosófica: A Filosofia me ajudou a mudar, principalmente em relação ao preconceito com

pessoas de sexualidades diferente da minha. A gente tem preconceitos que a gente acha que

não tem. E com o tempo, alguns pensamentos filosóficos foram me ensinando que eu não

preciso ter isso. Que não é algo necessário, e que eu posso não ter. E eu faço o que posso para

não ter esse preconceito. Por isso foi mudado meu modo de olhar as outras pessoas.

A fala da aluna A.B. (3ª série C do Colégio Mater Christi) enfoca a questão do

relativismo da verdade. Segundo ela, após o contato com o filosofar passou a questionar os seus

pensamentos, crenças e ideias como sendo únicos e exclusivamente verdadeiros, expresso em:

A Filosofia mudou muito a minha vida. A questão de tolerância, de respeitar o gosto das

pessoas. Entre elas, a tolerância sexual. Me ajudou a pensar que nem todo mundo pensa da

minha forma. E também, que a minha forma de pensar seja a única correta. Foi a partir das

aulas de Filosofia que eu passei a me questionar sobre isso. Quem eu penso que sou para achar

que as minhas ideias e crenças são as corretas? Passei a aguçar isso depois das aulas de

Filosofia. Antes eu não pensava assim. Até pensei em cursar Filosofia, mas minha mãe disse

que eu não iria fazer, senão eu iria ficar doida.

72

Por sua vez, o aluno M.M. (aluno da 3ª série Órion, do Colégio Mater Christi) fez uma

comparação entre o pensamento que ele tinha sobre as pessoas, provenientes de preconceitos

herdados pela coercitividade, a partir das opiniões de outrem, em especial, da família, e como

a Filosofia lhe ensinou a perceber as pessoas de maneira diferente, na busca de extinguir esses

adestramentos do olhar o outro: Sim, eu acho que ajudou, assim, não só entender a vida melhor,

de um jeito mais justo, como também desmistificou mais as imagens das pessoas. Não é aquela

coisa, você cresceu e sua mãe disse: “ah, é isso!”; e seu pai disse: “ah, é isso também!”. Então

você passa a ver o mundo daquele jeito. Mas ao estudar Filosofia, você começa a ver as coisas

de uma forma mais aberta, da forma que ela realmente é. E não pela visão das outras pessoas.

E sim, pela sua própria visão. Então, isso para mim, mudou muito. Tipo, aquela pessoa não é

aquilo por que minha mãe falou, e sim por que eu conclui que ela é aquilo. Por que eu pensei,

eu raciocinei para chegar aquela visão.

Filosofia da Ciência, Teoria do Conhecimento e questões existenciais também

marcaram as entrevistas. Filmes e séries de ficção científica, teorias, e/ou até mesmo revistas

científicas foram apontadas pelos entrevistados como aparatos para um olhar diferenciado sobre

a vida. Entre produções cinematográficas, o filme Matrix é um dos primeiros que vem à mente

dos alunos, os quais rememoram o conceito platônico do mundo das ideias, ou até mesmo

relembram as contribuições filosóficas do cartesianismo. Vejamos alguns depoimentos: Não

teve, assim, um filósofo que me marcou. Mas ideias sim. Como por exemplo aquela aula sobre

a realidade, que o professor explicou sobre o filme Matrix. Eu sempre gostei daquele filme,

quando eu era pequeno sempre gostava dos filmes de ação, mais das partes de ação. Mas a

Filosofia me fez ver um outro contexto no filme, tanto que assisti os três filmes de novo. Gostei

muito da metafísica de Platão. (L.G., aluno da 3ª série B, do Colégio Mater Christi); Um

assunto que me marcou nas aulas de Filosofia foi quando o professor questionou nossa própria

existência. “Será que tudo o que estamos vivendo não é apenas um sonho?” Até hoje isso me

marca muito. A Filosofia me tirou do lugar comum. Depois dela eu passei a questionar o meu

cotidiano. (G.L., aluno da 3ª série Órion, do Colégio Mater Christi); Aulas que me marcaram:

existencialismo e o mito da caverna, de Platão. Eu gosto muito desse tema, em específico, eu

gosto de pensar sobre o que é a realidade. Meus filmes preferidos são sobre isso, tipo, Matrix,

A Origem, etc. Eu gosto muito desse tema. Também vários outros temas me marcam, mas eu

acho que esse, assim, me marcou bem. A questão do René Descartes, da questão dos sentidos.

Eu acho muito legal. (M.M., aluno da 3ª série A, do Colégio Mater Christi).

Torna-se instigante ver a empolgação deles quando descrevem as aulas e os conteúdos

que mais lhes marcaram. Alguns relataram como não conseguiam parar de falar, durante dias,

73

sobre temas abordados em sala de aula, como apresentavam os temas a outras pessoas, à família,

e alguns descreveram a reação proveniente desse tocar filosófico em suas vidas: Eu me

identifico mais com os conteúdos de Filosofia das Ciência e Teoria do Conhecimento. Teve uma

aula sobre o cosmos que eu me identifiquei muito com a visão daquilo tudo. Foi muito marcante

para mim. Eu cheguei em casa, comecei a comentar com minha mãe. Na escola não parava de

falar sobre esse tema, falei por umas duas semanas. O que acho mais interessante é que a

maioria das pessoas estavam com a mente fechada, por terem uma visão religiosa. E a Filosofia

chegou assim como um tsunami, envolveu todo mundo, e que as pessoas podiam pensar

diferente da Igreja. (L.G., aluno da 3ª série A, da Escola Abel Freire Coelho)

Outro aluno disse: Eu saí meio louco de uma aula, nem sei como consegui chegar em

casa. Vimos um vídeo, acho que era do filme Efeito Borboleta, onde uma coisa pode determinar

várias outras. Fiquei falando comigo mesmo: e se eu não subisse nessa moto agora? E se eu

subir, o que pode acontecer? Tipo a história de Édipo. Essa questão do destino. Meu pai me

deu até uma bronca, ele disse: ‘tá bom já! Vamos voltar para realidade?!’. (S.L., aluno da 3ª

série B, da Escola Abel Freire Coelho)

O aluno L.W. (da 3ª série C, Escola Estadual Prof.º Abel Freire Coelho) disse que

Metafísica era a área da Filosofia que mais o cativava. O mais interessante é que embora vários

alunos demonstrem suas preferências de conteúdos e ideias filosóficas percebemos que

independente do conteúdo em si a questão do ser consigo e a questão da alteridade o ser com o

outro esteve presente em todas as falas, sobre as mais variadas discussões temáticas. Alguns

pensaram a religião do outro a partir do conhecimento de ética; outros pensaram a questão do

corpo, da sexualidade, a partir de discussões políticas; outros pensaram o outro a partir de

discussões estéticas; e o L.W. pensou a alteridade a partir da metafísica. Em suas palavras: Uma

aula que me marcou, foi no primeiro ano, quando o professor falou sobre metafísica. Eu aprendi

que no mundo não havia apenas a minha visão, o meu ponto de vista. Mas existiam muitas

ideias, muitas crenças, teorias. A metafísica me fez ver o mundo diferente. Eu mudei algumas

ideias. Pois antes eu não aceitava a visão das pessoas. Eu me fechava para as opiniões das

pessoas. Como por exemplo na política. Eu sou de direita. E eu tinha vários preconceitos com

a esquerda, achava a esquerda carregada de ideias sombrias. Mas quando comecei a estudar

Filosofia, eu percebi que estava me fundamentando em preconceitos.

Larrosa (1994) coloca que a experiência de si contemporânea se dá como referência às

normas. Buscamos ver se era possível uma ativação de uma experiência filosófica diferenciada

nas aulas de Filosofia e quais das modalidades de experiência de si se destacavam. Dentre as

modalidades da tecnologia do eu percebemos, na fala dos alunos, que duas se destacaram: o

74

ver-se e o julgar-se. Na questão da experiência de si, na questão do ser do sujeito, a maneira

como os alunos se veem e se julgam apareceu com mais evidência na aprendizagem filosófica.

Lógico que essas modalidades estão conectadas, a maneira como a percebemos,

consequentemente, se relaciona como nos julgamos.

A questão da alteridade que citamos no tópico anterior permeia, também, esta

experiência do ver e do julgar. Ela teve um papel importante que deslocou o aluno nessa

experiência de si. Notadamente, isso se reveste de uma importância maior pelo fato de serem

adolescentes, pois a alteridade faz com que eles quebrem um elemento muito comum na

adolescência, que é o egocentrismo presente nessa fase da vida. Percebemos em suas falas que

eles se relativizam e alteram o modo de se ver e se julgar. Em algumas falas percebemos

claramente essa relativização como, por exemplo, nas falas dos alunos M.M., e R.L., quando

dizem: Sim, eu acho que ajudou, assim, não só entender a vida melhor, de um jeito mais justo,

como também desmistificou mais as imagens das pessoas. Não é aquela coisa, você cresceu e

sua mãe disse: “ah, é isso!”; e seu pai disse: “ah, é isso também!”. Então você passa a ver o

mundo daquele jeito. Mas ao estudar Filosofia, você começa a ver as coisas de uma forma mais

aberta, da forma que ela realmente é. E não pela visão das outras pessoas. E sim, pela sua

própria visão. Então, isso para mim, mudou muito. (M.M., aluno da 3ª série Órion, do Colégio

Mater Christi) e; É importante! … é interessante, pois uma dúvida que você tem leva a outra e

depois a outra, e assim vai. Você sai de sua zona de conforto. A Filosofia te puxa como se

quisesse dizer: 'venha aqui, vamos saber como outras pessoas pensam. (R.L., aluno da 3ª série

B, da Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho).

Por sua vez, o aluno S.N. (3ª série Órion do Colégio Mater Christi) falou algo referente

a mudança na forma como ele se via, a partir da prática filosófica, quando refletiu sobre a

máxima socrática “Só sei que nada sei”. Ele disse: Sempre eu fui muito estudioso. Desde

pequeno era tido como 'inteligentezinho', eu achava que eu era o centro do mundo, eu achava

que eu sabia de tudo, eu era até meio arrogante. Quando você se acha muito inteligente, você

passa a ter arrogância. Aí quando você estuda Filosofia e vê uma frase como essa, de um cara

tão esplendoroso como o Sócrates, [...] mexeu comigo, pois me fez ver que eu também não sei

de tudo. Eu também tenho que aprender muito ainda. Eu sei, mas também sei que tenho o que

aprender. Acho que mudou a minha forma de me ver, em relação a sociedade, por que eu

pensava que eu sabia de tudo, que eu tinha conhecimento de tudo.

Houve um deslocamento do ver-se, o qual estava ligado a certa estrutura de

saber/poder de um modo de vida, a algumas coisas que estavam ligadas a certo aparato da

própria estrutura disciplinar. É neste quesito que está focada nossa pesquisa, verificar a

75

possibilidade de uma experiência de si diferenciada. Como a alteridade perpassa tanto a questão

do ver-se como do julgar-se ela provocou uma mudança na forma como eles se viam e como

eles julgavam. O ver-se e o julgar-se convergem e se dão em um campo de problema que tem a

ver com experiências dos jovens como, por exemplos, a família, a religião, a sexualidade, a

verdade. Escolhemos uma fala específica para cada exemplo desses, anteriormente citados:

Você tem muita coisa formada em você por causa da família, mas quando você começa a

estudar os pensamentos filosóficos, aí você vê que nem tudo é do jeito que você sempre pensou.

Você começa a embaralhar sua mente, pensar diferente dos outros. Isso é bom para você, mas

ao mesmo tempo vai te trazer problemas, pois não é todo mundo que quer pensar igual a você,

e para piorar, querem que você pense igual a todo mundo. (D.V. aluno da 3ª série B, do Colégio

Mater Christi); A Filosofia mudou, principalmente, a minha visão religiosa. Essa questão da

coerção. Você ser influenciado pelos país a fazer tudo em sua vida. E a partir disto eu fui

questionando até mesmo a minha própria religião. Tanto que eu mudei de uns tempos para cá.

A partir desse conhecimento da Filosofia, de eu me tornar mais questionadora quanto a isso,

eu mudei. Minha fé é a mesma, o que mudou foi a minha forma de questionar, como: sobre o

que eu estava fazendo ali dentro? (da igreja), será que é isso mesmo o que quero para a minha

vida? (G.L., aluno da 3ª série Órion, do Colégio Mater Christi) e; Sem dúvida alguma, eu penso

que a Filosofia pode transformar a vida das pessoas. Principalmente na parte de religião. Eu

vi que muita gente na sala passou a ter uma visão mais crítica da religião. Começou a pensar

mais, e não deixar que tudo o que as pessoas falavam fossem verdade para elas. Aquela questão

da verdade pela autoridade, eles começaram a questionar sobre a verdade. (L.G., aluno da 3ª

série A, da Escola Abel Freire Coelho).

Observa-se que a mudança na maneira que os alunos se viam implicou em um certo

julgamento diferenciado de si mesmos, reforçando a ligação entre ver-se e o julgar-se. As

demais modalidades de experiências de si descritas por Larrosa (1994), o expressar-se, o narrar-

se e o dominar-se não apareceram de modo a propiciar alguma análise significativa a respeito.

Ficou evidente que as escolhas metodológicas e os próprios instrumentos da pesquisa

favoreceram a observação das dimensões do ver-se e do julgar-se.

As análises empreendidas até aqui nos indicaram, no que toca a questão principal da

pesquisa, que a aprendizagem de Filosofia realizada nas turmas estudadas apresentou a ativação

de mudanças na relação dos alunos com eles mesmos, notadamente no modo de ver-se e julgar-

se. Percebemos, também, que essas mudanças se deram, por um lado, mediadas por uma maior

percepção da alteridade, e por outro, pelo interesse em temáticas com forte apelo existencial.

76

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O foco da presente pesquisa foi analisar em que medida o cuidado de si, como

conceituado por Foucault, aparece como possibilidade na aprendizagem de Filosofia no Ensino

Médio brasileiro. Buscamos entender como o fazer filosófico pode ocorrer dentro de um espaço

de construção das subjetividades, espaço este de disciplina, qual seja, o espaço escolar, o qual

medeia as relações dos sujeitos consigo mesmos e passível de críticas pelo fato de servir como

manutenção do biopoder.

Consoante às explanações ora citadas, esta pesquisa apontou a aprendizagem filosófica

como uma possibilidade de resistência, e não como ferramenta político-pedagógica para uma

transmissão de conhecimentos galgados em uma razão instrumental.

Com o ingresso da Filosofia no Ensino Médio em 2008, o órgão responsável pela

regimentação legal do ensino nacional, nomeadamente Ministério da Educação, tratou de criar

documentos contendo justificativas e objetivos para o fazer filosófico na educação básica. A

grosso modo, as justificativas apontadas e os objetivos levantados conferem àquela disciplina

o papel de tornar críticos os alunos e prepará-los para a cidadania, embora outros objetivos

estejam colocados.

A pesquisa evidenciou que os documentos da educação nacional que regem o ensino

de Filosofia situam-se no âmbito da normatividade e não contemplam a dimensão da

experiência de si, quando, por exemplo, é preconizado o caráter crítico da Filosofia em relação

ao mundo, cuja noção de criticidade parece girar em torno de um senso comum acadêmico,

didático e pedagógico. Fala-se que a ela cabe o papel de despertar a criticidade do aluno, mas

na prática parece que não se sabe explicitar o que vem a ser esse caráter crítico da Filosofia.

Pensa-se que a disciplina desenvolve esse caráter. No entanto, esse fazer crítico integra o que

Foucault chamou de momento cartesiano da filosofia, em que prevalece a dimensão cognitiva

da filosofia, deixando obscurecida a dimensão da experiência de si. Neste sentido, a presente

investigação contribuiu para mostrar a possibilidade da experiência de si na aprendizagem

filosófica, e ao mesmo tempo destacar a sua importância para a constituição do ser do sujeito.

Dentre os estudos que se dedicam ao ensino e a aprendizagem de filosofia, este

trabalho contribuiu para investigar a relação entre a experiência de si e a educação não apenas

no plano teórico, mas também como investigação empírica de uma experiência efetiva do fazer

filosófico no Ensino Médio.

A ausência de estudos da mesma natureza e também as dificuldades inerentes ao

próprio objeto de pesquisa, como a difícil investigação da experiência de si, estabeleceram

77

limites a este trabalho. Entretanto, permitiu observar a presença dessa importante dimensão do

sujeito na aprendizagem filosófica a partir do qual novos e aprofundados estudos precisarão ser

realizados para uma melhor compreensão da temática abordada.

No que concerne mais especificamente a análise das cinco modalidades de experiência

de si, observou-se uma limitação decorrente das circunstâncias da pesquisa e pelos instrumentos

utilizados na coleta de informações. Para a investigação das dimensões do expressar-se, do

narrar-se e do dominar-se exigir-se-ia um outro tempo e outros instrumentos para uma melhor

análise e compreensão dessas dimensões. Os resultados se limitaram a colocar em evidência na

aprendizagem de Filosofia as modalidades do ver-se e do julgar-se, que não dão conta, per si,

da complexidade do tema em razão de que aquelas modalidades devem ser pensadas em suas

relações, compondo um conjunto constitutivo da experiência de si. Não obstante, todas essas

limitações foram constatadas ao final desta pesquisa, observando-se que o fazer filosófico nas

aulas possibilitou mudanças no modo como os alunos se viam e se julgavam, realçando o

potencial da aprendizagem filosófica enquanto possibilidade de resistência aos dispositivos

normativos do espaço disciplinar da escola.

Ante às considerações expressas, no início da dissertação procurou-se mostrar as

motivações desta pesquisa na experiência de ensino do autor deste trabalho, tornadas objetos

de pesquisa. Neste final, cabe mencionar que não apenas o ver-se e julgar-se, por parte dos

alunos, constituem domínios da experiência de si, pois a relação experiência de si e educação

também possibilitou uma ressignificação na forma como nos vemos e nos julgamos. Cada vez

que a normatividade era posta a prática pedagógica nos inquietava para que não fosse dado

espaço com fim a colocar em evidência à cognitividade cartesiana em detrimento do cuidado

de si. Novos elementos pedagógicos e novas questões surgem como reflexão do fazer filosófico

enquanto caráter docente. Quem sabe estas questões continuarão a nos inquietar, propiciando

outras pesquisas?

78

6. REFERÊNCIAS

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82

ANEXOS

83

ANEXO I – QUESTIONÁRIO

Governo do Estado do Rio Grande do Norte

Secretaria de Estado da Educação e da Cultura - SEEC UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPEG

Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais - FAFIC Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas - PPGCISH

BR 110, Km 46 – Rua Prof. Antônio Campos, s/n – Bairro Costa e Silva

CEP: 59-625-620 – Mossoró (RN) - Fone: (84) 3312-2128

Home Page: http://propeg.uern.br/ppgcish E-mail: [email protected]

APRESENTAÇÃO DA PESQUISA: O que almejamos em nossa pesquisa é buscar entender

se o ensino de Filosofia que está sendo ministrado em algumas salas de aula do Ensino Médio

em nossa cidade confirma a possibilidade de transformação do ser mesmo do sujeito/aluno. Se

as referidas experiências têm como base um ensino que impulsione o alunado a um cuidado de

si, à construção de uma estética de sua própria existência. Nossos objetivos são: compreender

as possíveis transformações no ser do sujeito/aluno propiciadas pela aprendizagem da disciplina

Filosofia; analisar se e como o cuidado consigo pode alterar as relações do sujeito/aluno com

suas dimensões intelectuais, corporais e emocionais e; observar se e como essa aprendizagem

da Filosofia pode transformar as relações do sujeito/aluno com sua dimensão político-social.

QUESTIONÁRIO PROPOSTO SOBRE EXPERIÊNCIA DE SI E APRENDIZAGEM

FILOSÓFICA

ESCOLA: ______________________________________________ SÉRIE: ____________

NOME: __________________________________________________________________

1. Há quanto tempo você estuda Filosofia?

( ) 1 ano

( ) 2 anos

( ) 3 anos

( ) 4 anos ou mais

2. Onde você começou a estudar Filosofia?

( ) Na escola, no Ensino Fundamental

( ) Na escola, no Ensino Médio

( ) Fora do ambiente escolar, antes mesmo de estudá-la como matéria

3. Você acha importante a Filosofia no currículo do Ensino Médio brasileiro?

( ) Sim

( ) Não

( ) Indiferente

4. Você estuda Filosofia além dos conteúdos discutidos em sala de aula?

( ) Sempre

( ) Geralmente

( ) As vezes

( ) Raramente

( ) Nunca

84

5. Houve algum conteúdo de Filosofia que mais te marcou?

( ) Sim

( ) Não

6. Sobre qual tema foi o conteúdo de Filosofia que chamou sua atenção?

( ) Metafísica/Ontologia

( ) Ética

( ) Filosofia da Ciência ou Teoria do Conhecimento

( ) Política

( ) Estética ou Filosofia da Arte

( ) Outro

7. Você acha que as ideias de algum filósofo ou até mesmo as aulas de Filosofia no geral mudou

alguma coisa na forma que você encara a vida ou sua relação com as pessoas? Se sim, explique

como e porque isso ocorreu?

( ) SIM

( ) NÃO

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ANEXO II – ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS

Governo do Estado do Rio Grande do Norte

Secretaria de Estado da Educação e da Cultura - SEEC

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - UERN Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPEG

Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais - FAFIC

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas - PPGCISH BR 110, Km 46 – Rua Prof. Antônio Campos, s/n – Bairro Costa e Silva

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ROTEIRO DE ENTREVISTA SOBRE EXPERIÊNCIA DE SI E APRENDIZAGEM

FILOSÓFICA

1. Por favor, poderia dizer seu nome, escola e série que estuda?

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2. Como foi o seu primeiro contato com a Filosofia?

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3. Há quanto tempo você estuda Filosofia?

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4. Você já teve alguma aula de Filosofia que lhe marcou, que fizesse com que você se

identificasse com o conteúdo/ideia? O que por exemplo?

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5. O que você acha das aulas de Filosofia?

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6. Você acha importante a Filosofia no currículo do Ensino Médio brasileiro? Por que?

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7. Você lê coisas de Filosofia além daquilo que é discutido em sala de aula? Lê o que, por

exemplo?

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8. Você acha que as ideias de algum filósofo ou até mesmo coisas discutidas nas aulas de

Filosofia no geral mudou a forma que você encara a vida ou sua relação com as pessoas? Se

sim, explique como isso ocorreu.

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