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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI LUZIA MARIA CABREIRA TORTURA: da legalidade à ilegalidade consentida em pleno século XXI Florianópolis 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

LUZIA MARIA CABREIRA

TORTURA:

da legalidade à ilegalidade consentida em pleno século XXI

Florianópolis

2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

LUZIA MARIA CABREIRA

TORTURA:

da legalidade à ilegalidade consentida em pleno século XXI

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Orientador: Prof. Dr. Francisco Bissoli Filho

Florianópolis

2010

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Cabreira, Luzia Maria. Tortura: da legalidade à ilegalidade consentida em pleno século XXI / Luzia Maria Cabreira, 2010. Monografia (Especialização) – Universidade do Vale do Itajaí, 2010. Orientação: Prof. Dr. Francisco Bissoli Filho, EPAMPSC. 1. Direito Penal. 2. Tortura. 3. Criminologia. I. Título.

CDU: 34

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual

Penal e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Florianópolis, 01 de março de 2010

Luzia Maria Cabreira

Aluna

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LUZIA MARIA CABREIRA

TORTURA:

da legalidade à ilegalidade consentida em pleno século XXI

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela aluna

Luzia Maria Cabreira, sob o título Tortura: da legalidade à ilegalidade consentida

em pleno século XXI, foi submetida, em 24 de fevereiro de 2010, à avaliação pelo

Professor Orientador e pela Coordenação do Curso de Especialização em Direito

Penal e Processual Penal, e aprovada.

Florianópolis, 01 de março de 2010

Professor Doutor Francisco Bissoli Filho

Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina

Orientador

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsica

Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal

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DEDICATÓRIA

In memoriam, ao meu pai Adayr Cabreira. À minha mãe, Ana Rosa Cabreira. Ao meu companheiro Milton Pomar e meus filhos, Vitor Ventura Cabreira Pomar e Artur Estevam Cabreira Pomar. À advogada que conheci adolescente, uma mulher especial, chamada Rosangela de Souza (Lelê), que me fez ver que eu sempre estaria do lado de cá, do lado do enclausurado, do trabalhador, do explorado e, como nesta monografia, do torturado, que é o lugar que temos que tomar se quisermos realizar mudanças.

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AGRADECIMENTO

Ao Professor Orientador Doutor Francisco Bissoli Filho, por sua presteza e agilidade no auxílio sobre o andamento e normatização desta Monografia de Conclusão de Curso. Aos amigos que trocaram muitas ideias comigo a respeito do tema. À Nira, pela ajuda nos momentos finais. À minha família, pela paciência em me tolerar na construção deste trabalho, e em especial ao meu marido e companheiro, pelo incentivo e solidariedade.

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Ele guarda um segredo na mente

Que dele arrancar tentaram.

Dele quebraram os dentes,

Dele os olhos vezaram.

Era um homem ainda a viver.

Um homem, pobre coitado!

Mas do íntimo do seu ser

O segredo não foi revelado.

(Marie Noel)

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RESUMO O presente trabalho tem o condão de discutir a problemática da tortura, que, desde a antiguidade até hoje, permanece na sociedade, ora de forma legítima, como parte da instrução processual e como castigo, ora de forma ilegítima, nos recontidos das prisões, vindo a público em momentos mais críticos, como as ditaduras militares, ou permanecendo no silencioso cotidiano do sistema prisional. Para tanto, fez-se necessário um caminhar pelos pensamentos criminológicos da antiguidade, da Idade Média, da Pré e Pós Modernidade, das Escolas Clássica e Positivista e da nova Criminologia Crítica, com a teoria da reação social, bem como da formação do sistema prisional e seus modelos, chegando, enfim, à problemática da tortura no Brasil. Palavras-chave: Criminologia. Crítica. Tortura. Cárcere. Prisão.

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ABSTRACT This work has the power to discuss the issue of torture, which, from ancient times till today, remains in society, sometimes legitimately, as part of legal discovery and punishment, sometimes illegitimately, recounted in prison, coming the public in the most critical moments, such as military dictatorships, or remaining silent on the daily prison system. Therefore, it was necessary to walk through a criminological thought of antiquity, the Middle Ages, the Pre and Post Modernity, and Classical School Positivist and the new Critical Criminology, with the theory of social reaction and the formation of the prison system and their models, arriving, finally, the problem of torture in Brazil. Keywords : Criminology. Critical. Torture. Jail. Prison.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 11

2 ESCORÇO HISTÓRICO DAS IDÉIAS PENAIS E CRIMINOLÓGICAS ................................................................................................................. 13

2.1 A PRÉ-MODERNIDADE ...................................................................................... 14

2.2 A MODERNIDADE E A ESCOLA CLÁSSICA ..................................................... 16

2.3 A PÓS-MODERNIDADE ..................................................................................... 18

2.3.1 O período científico e a Escola Positiva ....................................................... 19

2.3.2 O paradigma etiológico em Criminologia ..................................................... 20

2.3.3 A mudança de paradigma em Criminologia ................................................. 21

2.3.4 A Criminologia Crítica .................................................................................... 22

3 A REAÇÃO SOCIAL ............................................................................ 25

3.1 A VINGANÇA COMO PRINCIPAL INSTRUMENTO DE REAÇÃO SOCIAL NA

ANTIGUIDADE .......................................................................................................... 25

3.1.1 Os períodos da vingança ............................................................................... 26

3.1.2 As limitações à vingança ............................................................................... 27

3.2 O SUPLÍCIO COMO INSTRUMENTO DE REAÇÃO SOCIAL DA IDADE MÉDIA

.................................................................................................................................. 28

3.3 A PRISÃO COMO INSTRUMENTO DE REAÇÃO SOCIAL DA IDADE

MODERNA ................................................................................................................ 29

3.3.1 O surgimento da prisão ................................................................................. 30

3.3.2 Os sistemas de execução da privação da liberdade ................................... 32

3.3.2.1 O sistema da Filadélfia .................................................................................. 34

3.3.2.2 O sistema de Auburn ..................................................................................... 35

3.3.2.3 O sistema progressivo ................................................................................... 36

4 A TORTURA NAS PRISÕES BRASILEIRAS ..................................... 41

4.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE A TORTURA ....................................... 42

4.2 ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE A TORTURA .................................................. 47

4.2.1 A tortura na Antiguidade ............................................................................... 48

4.2.2 A tortura na Idade Média ................................................................................ 49

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4.2.3 A tortura na Modernidade .............................................................................. 51

4.2.4 A tortura na Pós-modernidade ...................................................................... 53

4.3 A TORTURA NO BRASIL .................................................................................... 54

4.3.1 Aspectos históricos sobre a tortura no Brasil ............................................. 54

4.3.2 A lei antitortura brasileira .............................................................................. 56

4.3.3 A tortura durante as ditaduras militares ...................................................... 57

4.3.4 A tortura nos presídios brasileiros ............................................................... 61

4.4 A TENTATIVA DE LEGITIMAÇÃO DA TORTURA .............................................. 64

5 CONCLUSÃO ....................................................................................... 69

REFERÊNCIAS ....................................................................................... 73

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a tortura como uma forma

de violência que avança durante os séculos, ao longo da História, nas guerras de

conquista, fazendo parte de costumes, sendo, depois, realizada por ordem de

governantes e pela Igreja Católica, com o Direito Canônico, na Inquisição, entrando

no sistema penal e, após, para a ilegalidade, mas permanecendo dentro do sistema

penitenciário e nas delegacias.

Retorna à luz novamente, durante as ditaduras militares, e novamente cai

na escuridão, mas não na extinção. A tortura nunca terminou nem nunca esteve

longe das delegacias e dos cárceres. Ao contrário, ela se institucionalizou e

continua, em pleno Século XXI, como parte de nosso sistema policial (militar e civil)

e penal, estando, nas delegacias e nos presídios, presente na vida dos suspeitos,

dos acusados e dos apenados.

Indagando-se acerca da existência de tortura e de outras formas de

violência, tanto nas guerras como dentro das delegacias e prisões, realiza-se a

presente monografia a partir das hipóteses de que a sociedade admite a violência e,

também, a tortura, em face das questões relacionadas à segurança pública, bem

como do descumprimento, por parte do Estado e, especialmente, dos seus

servidores, dos direitos fundamentais do ser humano.

Para tanto, principia-se o Capítulo Escorço Histórico das Idéias Penais e Criminológicas com um esboço histórico das idéias criminológicas, ou seja,

apresentando-se as formas de punição na Idade Antiga, na Idade Média, Moderna e

na Idade Contemporânea, com especial enfoque para as Escolas Clássica e Positiva

e, no que diz respeito a esta, para o surgimento do paradigma etiológico.

Aborda-se, também, a mudança de paradigma em criminologia com o

surgimento do paradigma da reação social e da criminologia crítica nas décadas de

60 e 70 do século XX.

No Capítulo A Reação Social, trata-se sobretudo do surgimento das

prisões, uma vez que o foco do trabalho está direcionado para a tortura nas prisões

brasileiras.

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Já no Capítulo A tortura nas prisões brasileiras, trata-se da

problemática da tortura no Brasil, tanto durante a ditadura militar, no período entre

1964 e 1985, como as que ainda ocorrem dentro do sistema prisional.

O presente relato de pesquisa se encerra com conclusões acerca dos

pontos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre a tortura.

Quanto à Metodologia empregada, foi utilizado o método dedutivo,

através do qual, partindo-se de ideias gerais, chega-se à conclusão específica sobre

a existência da tortura nas delegacias e prisões brasileiras.

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2 ESCORÇO HISTÓRICO DAS IDÉIAS PENAIS E CRIMINOLÓGICAS

Na Idade Antiga, a criminalização se dava em função de uma crença, pois

quando uma pessoa cometia um ato contra outra era como estar infringido uma lei

divina, era o mesmo que atentar contra os deuses. Portanto, os castigos se davam

no campo da vingança entre pessoas ou entre familiares.

Com o surgimento da organização social feudal, que era monarquista,

confunde-se o poder do rei com o poder divino. O rei e o senhor feudal tinham o

poder de penalizar não só aqueles que cometiam atos contra a majestade, mas

qualquer ato que atentasse contra a ordem social.

A monarquia tinha o poder de legislar, criando regras que ela mesma

aplicava. O monarca era o legislador, juiz, polícia e carcereiro. Neste período, os

castigos físicos estavam implícitos nas condenações, eram rotina, aplicados de

forma legalizada pelo poder do rei. A tortura para a busca da verdade era utilizada

de forma legal, fazendo parte da instrução processual, e os suplícios faziam parte da

pena.

Com o surgimento da Escola Clássica, vinda no arcabouço do Iluminismo,

emergiu a necessidade da racionalização do poder de punir, dando mais segurança

à instrução processual. Busca essa Escola no crime o campo de estudo para a

criminologia.

Diferentemente, surge, no século XIX, a Escola Positiva, que muda o foco

do crime para o criminoso, elegendo este como objeto de estudo.

Entretanto, no dizer de Barata (2002, p.41),

[...] tanto a escola clássica quanto as escolas positivistas realizaram um modelo de ciência penal integrada, ou seja, um modelo no qual ciência jurídica e concepção geral do homem e da sociedade, estão estreitamente ligadas. Ainda que suas respectivas concepções do homem e da sociedade sejam profundamente diferentes, em ambos os casos nos encontramos, salvo exceções, em presença da afirmação de uma ideologia da defesa social, como nó teórico e político fundamental do sistema científico.

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Em meados do século XX, por sua vez, há o surgimento da teoria da

reação social ou do etiquetamento, nascida dentro da Escola de Chicago, que

propiciou o nascimento da criminologia crítica. Esta escola não busca no delinquente

os motivos da criminalidade e nem no meio em que ele vive, mas sim na própria

sociedade, que define quem é criminoso.

2.1 A PRÉ-MODERNIDADE

A pré-modernidade é o período da história que antecede a modernidade.

Importa, para o presente trabalho, sobretudo o período da Idade Média, que é a

época que ocorreu aproximadamente do ano 476 até 1453 d.C..

Nesse período, o sistema econômico era o feudalismo e, segundo Costa

(2004, p.43),

No modo de produção feudal, a relação entre o senhor feudal e o servo, baseava-se na ausência de direitos legais e políticos por parte destes últimos. A posse da terra pelo servo sem o correspondente direito de propriedade e o seu status político de subordinação geraram um sistema de dominação e controle social dos servos pelos proprietários de terras.

A monarquia era quem detinha o poder de Estado. A pena de prisão,

como forma de castigo ao criminoso, ainda não existia. Os condenados não eram

punidos com um determinado período de prisão, dias, meses ou anos.

No dizer de Bitencourt (1993, p. 18), “durante todo o período da Idade

Média, a idéia de pena privativa de liberdade não aparece. Há, neste período, um

claro predomínio do direito germânico”. A pena de prisão era algo extremamente

excepcional e era para casos em que não cabia pena de morte.

A privação da liberdade, no período medieval, não tinha o caráter que

conhecemos hoje de penalização. Ela tinha um caráter custodial, em que os

delinquentes ficavam presos apenas à espera de serem executados. As execuções

eram públicas, verdadeiros espetáculos para intimidar a população. Por isso, eram

também (sempre) das formas mais bárbaras possíveis, incluindo desde a queima de

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partes do corpo até a dos seres vivos inteiros; braços e pernas arrancadas

(esquartejamento) por tração utilizando cavalos; e de várias outras maneiras, de

modo que a criatividade das penas se superava em atrocidades.

Verifica-se, portanto, que durante todo esse longo período da História

recente, também se torturava para se punir, como uma forma adicional de castigo.

A morte não era o suficiente, era necessário que o acusado expiasse sua culpa pelo

sofrimento físico. Registre-se que os suplícios públicos dos condenados à morte,

realizados nas principais praças das cidades, em geral constituíam-se em atividades

que as multidões apreciavam, o que, inegavelmente, contribuía para a sua

aceitação enquanto parte integrante das punições.

As penas neste período, segundo Bitencourt (1993, p. 18), estavam sob o

comando dos governantes, que as aplicavam a seu bel-prazer, deixando a pena de

prisão somente para casos em que a pena de morte era severa demais.

Segundo Verri (1992, p. 82), a crueldade nos interrogatórios para a

instrução processual com aplicação de métodos de Tortura, levava o custodiado,

para livrar-se da dor, a confessar atos que não havia praticado. A tortura tinha o

condão de ser o principal instrumento de prova contra o acusado, uma vez que este,

não resistindo à tamanha dor, autoincriminava-se, buscando assim a fuga do

suplício.

Chama a atenção, nesse período, a sofisticação da Tortura, com a

construção de inúmeros instrumentos e equipamentos para infligir dores crescentes

às pessoas a ela submetidas, com esmagamento de membros, perfuração de

órgãos, laceração de tecidos.

Havia, por exemplo, a roda de despedaçamento, onde o réu era

amarrado em volta de uma roda que era girada sobre brasas incandescentes, de

modo que o réu praticamente morria assado.

Já o açoite de ferro era composto por um cabo de ferro com uma

corrente, contendo na ponta uma bola de ferro coberta por diversas estruturas

pontiagudas. O mais usado o pêndulo, onde o réu era pendurado com as mãos

amarradas nas costas e erguido do chão.

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A Mostra de Instrumentos de Tortura da Idade Média, ocorrida em 2009,

na Casa de Cultura Italiana, em Florianópolis, é prova cabal da indústria que havia

com essa finalidade.

2.2 A MODERNIDADE E A ESCOLA CLÁSSICA

Na Idade Moderna, a Tortura, a aflição física e o suplício do condenado

deixam de ser um espetáculo público, passando, aos poucos, para dentro dos

castelos e masmorras.

No dizer de Foucault (1996, p. 15),

A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. [...] é a própria condenação que marcará o delinquente, com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é como uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor ao condenado;

Mas as crueldades e a tortura continuam fazendo parte da instrução

processual, deixando os suplícios somente o campo teatral, com a execução em

público, passando para as coxias, não sendo mais realizado em praça pública.

Buscam-se formas de encobrir a face da morte: os enforcamentos são

realizados com capuz, cria-se a guilhotina para tornar a morte um ato mais rápido e

sem muita dor.

O movimento iluminista, que surgiu no século XIX, teve forte influência no

direito penal e, principalmente, na forma de cumprimento das penas. Lutando por

uma humanização do sistema prisional, a obra de Beccaria (Dos Delitos e das

Penas) lançada em 1764, foi um marco para o Direito Penal e para a Escola

Clássica.

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Surgida simultaneamente na Itália, Alemanha e França, a Escola Penal

Clássica se caracterizava pelo método especulativo, racionalista, lógico, abstrato,

dedutivo; por um sistema dogmático, baseado sobre conceitos racionalistas;

imputabilidade baseada no livre arbítrio e na culpabilidade moral; o delito como ente

jurídico e a pena como um mal e um meio de tutela jurídica.

Para Andrade (1997, p. 47),

[...] o que caracteriza a chamada Escola Clássica é, acima de tudo, uma unidade metodológica e ideológica. Ideológica porque ela tem como postulado que os direitos dos homens devem ser protegidos das arbitrariedades das instituições vigentes e da corrupção que estas estavam impregnadas. A Escola Clássica “empreenderá uma vigorosa racionalização do poder punitivo em nome, precisamente, da necessidade de garantir o individuo contra toda intervenção estatal arbitrária”. Ante ao fato de que os castigos, torturas e prisões eram feitos ao total arbítrio do poder estatal. Sem regras claras, positivadas. Metodologicamente porque ela vai condicionar a sua produção jusfilosófica ao método racionalista, lógico-abstrato ou dedutivo de análise de seu objeto. Devendo legitimar-se através de uma exatidão matemática e de uma concatenação lógica racional.

Diante de todas as atrocidades perpetradas pelo Estado no cumprimento

de penas, ao longo de centenas de anos, infringindo tortura como instrumento de

instrução processual e a morte da forma mais desumana possível, foi que uma

grande quantidade de intelectuais e serventuários da justiça, tais como magistrados

e filósofos, iniciaram a manifestação por mudanças.

Um dos mais proeminentes trabalhos realizados na época foi a obra Dei

Delitti e Delle Pene (Dos Delitos e Das Penas), de Cesar Bonesana, o Marquês de

Beccaria, seguidor de Rousseau e Montesquieu, publicada em 1764, em Milão. A

obra é um pequeno livro que se tornou o símbolo da reação ao desumano

panorama penal vigente naquela época. É a Beccaria que se atribui a criação da

ideia utilitarista e o movimento de renovação do Direito Penal na época, e que deu

origem à Escola Clássica da qual fizeram parte Carmignani, Carrara, Feuerbach,

Filangieri, Pessina, Romagnosi.

Entre as principais ideias sustentadas por Beccaria, estão:

1) os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela

de sua liberdade e direitos. Por essa razão, não se podem aplicar penas que atinjam

direitos não cedidos, como acontece no caso da pena de morte e das sanções

cruéis;

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2) só as leis podem fixar as penas, não se permitindo ao juiz interpretá-

las ou aplicar sanções arbitrariamente; e

3) as leis devem ser conhecidas pelo povo, redigidas com clareza para

que possam ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos.

Em sua obra, Beccaria (1993, p.61) também sustenta que:

Não é o rigor do suplicio que previne o crime com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado e essa severidade inflexível que só é uma virtude no juiz quando as leis são brandas. A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplicio terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade.

Essas manifestações e escritos surgem dentro do movimento iluminista,

sendo que, no direito penal, vão desaguar na fundação da Escola Clássica.

Para Andrade (1997, p. 47),

[...] a problemática que comum e central que preside aos seus momentos fundacionais e atravessa o seu desenvolvimento é a problemática dos limites - e justificativa – do poder de punir face a liberdade individual.

É necessário proteger os direitos fundamentais ante as atrocidades do

Estado, preponderando uma forte racionalização do direito de punir.

2.3 A PÓS-MODERNIDADE

A pós-modernidade se inicia com a Revolução Francesa (1789), no final

do Século XVIII, e vem até os dias atuais. Nesse período, com o avanço do sistema

capitalista e, em consequência, o aumento da pobreza, surge a necessidade de

contenção da população pobre e uma crítica à Escola Clássica, que não teria dado

conta de diminuir a criminalidade em ascensão.

A Revolução Industrial, apesar de trazer muitos avanços tecnológicos,

produz, também, muita exploração e pobreza. Expulsos das áreas rurais, centenas

de milhares de camponeses vão para as cidades, na tentativa de sobreviver no

mundo em transformação. A miséria toma conta da Europa.

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Muitos relatos do período dão conta das condições de vida nas cidades, e

do trabalho infantil nas novas fábricas. Doenças endêmicas e epidêmicas, frio e

fome passam a fazer parte do cotidiano dessas pessoas. É nesse período que

surgem as casas de trabalhos forçados, que misturam trabalhadores, prostitutas e

criminosos, os quais passam a conviver e serem explorados juntos. Em tempos de

desemprego elevado, instituem-se leis de vadiagem. ‘Pobre’ torna-se sinônimo de

‘criminoso’, algo que segue até os dias atuais.

Surge então um novo movimento dentro das discussões criminológicas

penalistas, que vai dar inicio à Escola Positiva, trazendo para o centro das atenções

o criminoso como objeto de estudo, tanto física como psicologicamente.

2.3.1 O período científico e a Escola Positiva

Com a obra de César Lombroso, O Homem Delinqüente, publicada em

1876, iniciam-se os passos para o surgimento de uma nova escola, a Escola

Positiva, que teve, como maior expoente, Enrico Ferri, com as obras Sociologia

Criminal e Princípios de Direito Criminal, além de Rafael Garófalo, com a obra

Estudos Criminalistas.

Diferentemente da Escola Clássica, que objetivava o delito e o livre

arbítrio, a Escola Positiva tem o homem como o centro do fato criminoso. É ele que

deve ser estudado, tornando-se objeto dos estudos de Lombroso, Garófalo e Ferri.

É a personalidade do criminoso que deve também ser analisada, além de seus

aspectos físicos. Tem a tese do criminoso nato: a causa do crime é encontrada no

próprio criminoso.

No dizer de Bissoli Filho (1998, p. 42),

Ao contrário do classicismo, o positivismo viu no homem criminoso protagonista de suas investigações, tendo-o como um ser anômalo, do qual depreendeu os estigmas da criminalidade. Até então o individuo, tido apenas como detentor do livre arbítrio, não tinha merecido a devida atenção das Escolas Criminais. Assim, o positivismo criminológico deteve-se mais nos estudos a cerda do homem criminoso, precisamente nas teorias da tipologia e da periculosidade criminal.

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A Escola Positiva se caracterizava pelos seguintes pressupostos: método

experimental, positivo, indutivo; responsabilidade social derivada do determinismo;

periculosidade do delinquente; o crime como fenômeno natural e social produzido

pelo homem; pena não como castigo, mas como defesa social; negação do livre

arbítrio ou liberdade social.

A diferença fundamental entre as duas escolas encontrava-se no método:

para a Escola Clássica era dedutivo de lógica abstrata e era experimental para a

Escola Positiva.

A Escola Positiva pretende colocar a ciência a serviço da criminologia,

buscando as causas e o combate da criminalidade, almejando fazer da criminologia

uma ciência.

2.3.2 O paradigma etiológico em Criminologia

Segundo Andrade (1995, p.24), a Antropologia de Lombroso e a

Sociologia Criminal de Ferri são as duas matrizes fundamentais na construção do

paradigma etiológico de Criminologia e que tentam ainda conferir-lhe o status de

ciência:

Na base deste paradigma a Criminologia (por isto mesmo positivista) é definida como uma Ciência causal explicativa da criminalidade; ou seja, que tendo por objeto a criminalidade concebida como um fenômeno natural, causalmente determinado, assume a tarefa de explicar as suas causa segundo o método cientifico ou experimental e o auxilio das estatísticas criminais oficiais e de prever os remédios para combatê-la. Ela indaga fundamentalmente, o que o homem (criminoso) faz e porque o faz. (ANDRADE, 1995, p. 24)

O paradigma etiológico, que busca descobrir as causas da criminalidade

no criminoso por meio do método experimental, de estatísticas criminais e de

estudos científicos, objetiva demonstrar que o crime está presente em determinadas

pessoas, que são propensas a delinquir.

Lombroso (2001, p. 22), com a sua tese do criminoso nato, na qual a

causa do crime é identificada no próprio criminoso, quer seja no determinismo

biológico (anatômico-fisiológico), quer seja no psicológico, tentou comprovar sua

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tese por meio de estudos realizados em criminosos confinados em hospitais

psiquiátricos e nas prisões. Buscou no atavismo a base para a estrutura corporal do

criminoso, que se aproximava ao selvagem, e acrescentou ainda a epilepsia e a

loucura moral como causas da criminalidade.

Ferri, por sua vez, ampliando a tipificação realizada por Lombroso, inclui

mais duas causas do crime: o ambiente telúrico (onde vive o criminoso) e o

ambiente social. Já Destarte, segundo Andrade (1997, p. 67), estabeleceu uma

separação “cientifica” entre o mundo dos bons e o mundo dos maus, onde o direito

penal justificava a pena como uma defesa social.

Por fim, Garófalo, que cunhou o termo Criminologia, classificou os

criminosos levando em consideração causas psíquicas e morais dos indivíduos que

tendem à criminalidade, nos seguintes termos: os assassinos são egoístas, falta-

lhes senso moral, não são influenciados pelo meio social e geralmente possuem

anomalias anatômicas; os violentos ou energéticos possuem senso moral, mas

falta-lhes sentimento de compaixão; os ladrões neurastênicos também possuem

senso moral, o que lhes falta é instinto de probidade, podendo tal falta ser

hereditária ou atávica.

E, no dizer de Andrade (apud BARATA, 1983, p. 154),

O pressuposto de que parte a Criminologia etiológica (...) é que existe um meio natural de comportamentos e indivíduos que possuem uma qualidade que os distingue de todos os outros comportamentos e de todos os outros indivíduos: esse meio natural seria a criminalidade e está tão profundamente enraizado no senso comum, que uma concepção que dele se afaste corre o risco de, a todo momento, passar por uma renuncia a combater situações e ações socialmente negativas.

2.3.3 A mudança de paradigma em Criminologia

A Criminologia desenvolvida com base no paradigma da reação social

desconstruiu o paradigma etiológico, que orientou a criminologia positivista.

Este novo paradigma, que surgiu na década de 60 do século XIX, tem

como tese central, segundo Andrade (2003, p.41),

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[...] a de que os desvios e a criminalidade não são uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica pré-constituída à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social, isto é, de processos formais e informais de definição.

Portanto, o paradigma da reação social desloca o foco do estudo do

criminoso, do meio e do fato crime, para a reação social ante o crime e o criminoso,

analisando que a reação social resulta no etiquetamento dos sujeitos como

criminosos.

Porém, uma questão de suma importância, que também é analisada

pelos teóricos do novo paradigma, é o fato da reação de poder econômico existente

na sociedade capitalista levar a uma desigualdade, tanto econômica quanto,

também, na criminalização dos sujeitos.

Portanto, sujeitos oriundos das classes menos favorecidas estão sujeitos

a serem facilmente pegos pela rede do sistema penal, até mesmo porque, com a

institucionalização do paradigma etiológico, este trouxe em seu bojo a

esteriotipização de quem é o provável sujeito que tem propensões a delinquir. Tal

estigmatização está fortemente enraizada, tanto no senso comum quanto nas

instituições do sistema penal.

Assim, diante de toda a desigualdade social existente, é a classe menos

favorecida da sociedade que é mais facilmente criminalizada.

2.3.4 A Criminologia Crítica

Como já mencionado, a Escola Positiva construiu o paradigma da defesa

social, contrapondo-se à Escola Clássica, no resgate da defesa da sociedade. A

Escola Positiva fazia criticas à Escola Clássica e, como nos dizeres de Andrade

(1997, p.61),

A defesa dos Direitos Humanos, protagonizada pelo classicismo, era denunciada como individualismo exacerbado, pelo consequente esquecimento da defesa da sociedade. A Escola Positivista assumia então a tarefa de resgatar o “social” e os direitos da sociedade.

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Essa Escola busca no indivíduo e em seu comportamento os motivos de

sua criminalidade. Tal paradigma persiste até os dias atuais.

Mas, um novo paradigma vem sendo construído, desde meados do

século vinte, através de novos estudos sobre criminologia. Surge a Criminologia

Crítica, que vem trazer à luz um novo paradigma em Direito Penal, demonstrando

que o crime não é um problema de um grupo de pessoas com desvios de

personalidade ou com predisposição a serem criminosos.

Tampouco é um problema da sociedade, mas sim, um fenômeno natural

dentro de toda sociedade, tendo ainda uma função de desenvolvimento social,

somente tornando-se problema quando ultrapassa este limite natural.

A criminologia crítica vem questionar o paradigma construído pela Escola

Positiva, que deslocou o foco do Estado e de sua funcionalidade, levando o estudo

da criminologia para a pessoa do criminoso.

Na esteira da construção deste novo paradigma, surge a negação à

teoria da defesa social. A partir da década de 60 do século vinte, surge o paradigma

da reação social (labelling aproach) ou etiquetamento, em que há uma rotulação,

um enquadramento do indivíduo como criminoso, através dos mecanismos do

Estado.

Agora, não é a sociedade que deve ser defendida do criminoso, mas é

esta sociedade que determina quem é criminoso.

O etiquetamento do indivíduo inicia com a criminalização primária através

do Legislativo que, na aprovação de lei, criminaliza determinadas condutas, dando o

pontapé inicial para o etiquetamento social. Segue-se com a criminalização

secundária, que é produzida pelas agências de poder que compõem o sistema

penal, iniciando pela polícia, passando pela denúncia do Ministério Público e

terminando com a sentença penal condenatória, buscando, assim, etiquetar, trazer

para a rede do sistema penal membros das classes menos favorecidas e de

movimentos sociais.

Segundo Baratta (2002, p. 165), o Direito Penal apresentaria uma

tendência a

[...] privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos

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típicos de indivíduos a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas.

A Criminologia Crítica traz, na construção deste novo paradigma, uma

visão marxista em que, na sociedade capitalista, onde uma classe social é

subalternizada economicamente por outra, esta se utiliza dos mecanismos de poder

para criminalizar as condutas daquela e manter um controle social sobre os menos

favorecidos.

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3 A REAÇÃO SOCIAL

O propósito deste capítulo é abordar os principais aspectos relacionados

com a reação social na Antiguidade, no Medievo, na Modernidade e na Pós-

Modernidade.

Durante a Antiguidade, a reação social se deu pela vingança de homem

contra homem, da família contra a família do criminoso e do Estado contra o

criminoso. Temos a vingança do sangue, a divina, a coletiva e a pública. Porém,

com o desenvolvimento da sociedade e o fortalecimento do Estado, estas vinganças

foram sendo limitadas e, até mesmo, deixando de ser aplicadas aleatoriamente

pelos ofendidos.

Na Idade Média, a reação da sociedade se deu com os suplícios em que

o corpo do criminoso era torturado para que a verdade fosse colhida para o

processo e, logo após, era supliciado em praça pública, não somente para expiar

seu crime, pagando assim pelos seus atos, como também para criar intimidação na

população, mostrando que o crime era punido da forma mais cruel possível.

Chegamos à Idade Moderna, onde a pena deixa de ser aplicada como

uma forma de tortura e passa a ser substituída pela pena de prisão, que é o

instrumento hegemônico de reação social da atualidade.

3.1 A VINGANÇA COMO PRINCIPAL INSTRUMENTO DE REAÇÃO SOCIAL NA

ANTIGUIDADE

Neste período, a vingança foi a forma de pena aplicada aos infratores,

tanto no campo pessoal ou familiar, como ainda dentro do próprio grupo social. A

vingança, portanto, marca os primórdios da humanidade, especialmente os primeiros

agrupamentos humanos.

Segundo Bissoli (1998, p. 139),

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Nos tempos mais antigos, era apenas considerada uma reação aos atos que atentassem contra os interesses sociais do grupo ou de membros deste, concretizada pela vindita ou vingança de sangue, significado assim a reparação para com a entidade ofendida (vingança privada).

A vingança tanto era exercida mediante a expulsão da paz ou através da

vingança de sangue.

A expulsão da paz social ocorria quando a sociedade começou a se

organizar em famílias, sendo o ofensor mandado embora e despojado de todos os

pertences, tais como seus bens e armas. Já a vingança de sangue, por sua vez,

dava-se quando um indivíduo de uma família cometia a ofensa ao membro de outra

e, assim, a família inteira era dizimada.

3.1.1 Os períodos da vingança

A vingança foi adquirindo conotações diferentes no transcorrer das

épocas, sendo, por isso, dividida em individual, divina ou coletiva.

A vingança individual foi praticada nos tempos mais remotos e consistia

na prática de ofensa ao agressor pelo indivíduo que sofreu a ofensa, para evitar a

impunidade pela falta de uma autoridade.

Já a vingança divina começou a ser praticada quando os fenômenos que

causavam mal às sociedades primitivas passaram a ser concebidos como uma

reação do céu ou dos deuses, ou seja, que eram esses que ocasionavam as secas,

as chuvas em demasia e as doenças que matavam grande quantidade de pessoas.

Sendo assim, a coletividade levava a punir os infratores, para agradar as entidades

divinas.

O direito e a religião, nesse período, confundiam-se, de modo que a

religião era o próprio direito.

A vingança coletiva ou pública era aquela praticada pelo grupo social em

proteção do indivíduo, realizando sua vingança contra o ofensor, sem nenhum

controle, podendo chegar a consequências ilimitadas.

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Com o desenvolvimento da sociedade e a consolidação de um Estado, a

pena não mais devia estar vinculada à religião, de modo que o Estado, fortalecido,

chamou para si o direito de punir e retirou das famílias a possibilidade de vingança.

Sendo assim, agora, a prática da vingança passou a ser uma incumbência da

coletividade ou do Estado.

Não se tem precisão desta mudança do privado para o público, mas, em

Roma, no término da monarquia, sabe-se que era o Estado que punia os crimes de

morte.

3.1.2 As limitações à vingança

As limitações à vingança apareceram no período neolítico, saindo-se da

reação ilimitada para a reação limitada, sobretudo com o surgimento da lei de talião,

em que se impunha “olho por olho e dente por dente”, de modo que o mal feito era

castigado com o mesmo mal. Assim, se o ofensor cortou a mão de outro, teria a

dele também cortada. A morte era usada para os crimes de homicídio e a castração

para os crimes contra os costumes.

No entanto, outras formas de limitação à vingança se fizeram necessárias

diante da necessidade dentro do grupo social de homens aptos a fazerem suas

tarefas de caça e de defesa do grupo. Sendo assim, penas de composição dos

conflitos foram construídas, como:

A penace, que era composta de uma pena pecuniária em que, o que

sofreu injúria, recebia as custas do injuriador, sendo esta pena determinada por uma

autoridade que não era judiciária.

A wergeld era para quando ocorria morte ou lesões corporais e o valor

devia ser pago à vitima ou aos seus herdeiros (BISSOLI apud RUSCHE e

KIRCHHEIMER, 1998, p. 139).

A busse era o valor que o infrator pagava ao ofendido ou à sua família,

para que não ocorresse a vingança (BISSOLI apud FERRI, 1998, p. 140) e a

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Friedgeld ou Fredus, onde ocorria a compra da paz e se compunha de um

pagamento ao chefe tribal, ao tribunal, ao soberano ou ao Estado.

3.2 O SUPLÍCIO COMO INSTRUMENTO DE REAÇÃO SOCIAL DA IDADE MÉDIA

A Idade Média ou Medievo, para os historiadores, é dividida em dois

períodos: a) a Alta Idade Média, que vai do século V ao século X e foi quando se

consolidou o poder da Igreja Católica, formaram-se os feudos e as relações de

suserania e vassalagem; b) a Baixa Idade Média, período que vai do século X ao

século XV e foi quando ocorreu o processo de decadência das instituições feudais e

a inicialização do sistema capitalista.

Na Idade Média, o poder do monarca era compreendido como um poder

divino, razão pela qual crimes de lesa à majestade eram vistos como crimes contra

os deuses.

A pena era composta também por cruéis torturas que, além de buscar a

verdade para instrução processual, serviam também como forma de castigo. Tal

assertiva é verificada na sentença que condenou Damiens, como bem demonstra

Foucault (1996, p.11), em Vigiar e Punir:

Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris (aonde devia ser) levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; (em seguida), na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.

E quanto à funcionalidade da Tortura e do suplicio para a instrução e

castigo, Foucault (1996, p.41) esclarece:

A tortura judiciária, no século XVIII, funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o

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ritual que impõe a punição. O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade. E do mesmo modo que a presunção é solidariamente um elemento de inquérito e um fragmento de culpa, o sofrimento regulado da tortura é ao mesmo tempo uma medida para punir e um ato de instrução.

Portanto, neste período, a pena passava do corpo do apenado, tentando

também atingir seu espírito, uma vez que aquele nem era levado a sepultamento.

A tortura-pena, que existiu durante a Idade Média, tinha, no espetáculo

público, a sua tentativa de criar nas pessoas a intimidação para que não viessem a

delinquir. O corpo do apenado era exposto ao público, sendo terrivelmente

castigado na frente de todos.

É no final do século XVIII e início do século XIX que o suplício começa a

desaparecer, pois não é mais o sofrimento visível que servirá como estímulo para

que outros não cometam crimes, mas sim a certeza da punição, como observa

Foucault (1996, p. 15):

A certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício.

Será a publicidade da condenação que irá marcar o criminoso, mas não a

exposição da sentença que, no dizer de Foucault, o judiciário vai se afastando do

cumprimento da execução da pena como se fosse vergonhoso fazê-lo.

3.3 A PRISÃO COMO INSTRUMENTO DE REAÇÃO SOCIAL DA IDADE

MODERNA

Os povos primitivos não utilizavam a prisão como instrumento, nem para

a guarda do infrator e nem como forma de castigo. As primeiras prisões surgiram

nos castelos dos reis, nas muralhas que cercavam as cidades e nos templos, onde

os presos eram confinados e passavam diversas privações de água, comida e

iluminação.

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Esse instrumento de privação da liberdade era mais utilizado como uma

prevenção, para que não ocorresse a fuga do infrator, e não como pena, de modo

que, como esclarece Bitencourt (1993, p. 14), “até fins do século XVIII, a prisão

serviu somente aos fins de contenção e guarda de réus para preservá-los

fisicamente até o momento de serem julgados ou executados”.

Bitencourt (1993, p. 4) também se referia à prisão como a antessala dos

suplícios, onde a Tortura era utilizada para descobrir a verdade.

Conforme a sociedade foi se desenvolvendo, a problemática da prisão foi

se modificando. Em alguns momentos, com propostas extremamente desumanas, e,

em outros, com propostas mais preocupadas com o bem-estar dos detentos. A

prisão como castigo, para Foucault (p. 208), surgiu extremamente ligada e em

profundidade com o próprio desenvolvimento da sociedade, seus costumes e seu

progresso das ideias.

Ela também tem como papel uma transformação dos indivíduos, na

obediência, na domesticação para o trabalho, para a exploração por um sistema que

traz em seu ventre esta nova forma de penalização dos indivíduos que ousam

delinquir.

3.3.1 O surgimento da prisão

Ao analisar a obra Cárcere e Fábrica, de Melossi e Pavarini, é possível

perceber que a instituição da prisão, como o instrumento de punição atualmente

conhecido, o qual, no dizer popular, é um lugar onde há somente “os três P”

(pobres, putas e pretos), está relacionada com o surgimento do sistema capitalista,

ou melhor, com a dominação da classe proletária pela classe detentora dos meios

de produção.

Com o processo de dissolução do mundo feudal e o surgimento do

Capitalismo, uma nova forma de organização da Economia e da Sociedade, uma

gigantesca massa de trabalhadores foi levada à miséria, de modo que camponeses

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e artesãos que sobreviviam de seu trabalho no mundo feudal agora tinham que

adaptar-se à nova forma de organização.

Expulsos do campo, os camponeses migravam para as cidades em

busca de trabalho, enquanto os artesãos, já sem poder competir com a produção

industrial que se iniciava na Europa, em virtude da qual tinham seus produtos

encarecidos e sem condições de comercialização, visualizavam nas cidades uma

oportunidade de trabalho.

Nos dizeres de Melossi e Pavarini (2006, p. 34),

Os campos, mas, sobretudo as cidades, que já representavam, com o desenvolvimento da atividade econômica e, em particular, do comércio, um pólo de atração notável, começaram a povoar-se com milhares de trabalhadores expropriados, convertidos em mendigos, vagabundos, às vezes bandidos, porém, em geral, uma multidão de desempregados.

O primeiro motivo para o aumento demográfico que teve início na Europa

foi a diminuição da taxa de mortalidade, que se afastou razoavelmente da taxa de

natalidade. Segundo Freitas (2002, p. 21),

Na Inglaterra a taxa de natalidade permanece quase constante em 37 por mil, enquanto a taxa de mortalidade, que era de 35 por mil em meados do século XVIII, decresce para 20 por mil na metade do século seguinte.

O segundo motivo, para Freitas (2002, p. 22), está na coisificação da

força de trabalho, pois os camponeses, que eram cultivadores diretos, agora

vendiam sua mão-de-obra, migravam para as cidades e se instalavam próximo às

fábricas, que normalmente estavam em torno da cidade.

Com a introdução da estrada de ferro e a construção de estradas e de

canais para navegação, aumenta a mobilidade das pessoas, o que contribui

decisivamente para o grande aumento da concentração populacional nas cidades e

a consequente degradação da condição de vida desses migrantes.

Diante de tal fenômeno, proliferou por toda a Europa uma leva de

desempregados e, em consequência, como resposta do Estado, uma legislação

brutal contra a mendicância e a vagabundagem. Mas, com o tempo, verificou-se que

matar “criminosos” e “vadios” não fazia sentido, e sim recuperá-los através do

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trabalho, uma vez que este, não sendo remunerado, traria mais lucro e

desenvolvimento para o sistema capitalista nascente.

Criaram-se, portanto, segundo Melossi e Pavarini (2006, p. 37-38), as

casas de correção, que deviam fornecer trabalho ou obrigar a trabalhar aqueles que

não quisessem. O trabalho forçado assume, então, o papel de regulação do trabalho

livre, mantendo os salários mais baixos.

3.3.2 Os sistemas de execução da privação da liberdade

Um inglês que tentou humanizar as penas, John Howard (1720 – 1796),

viajou a Portugal em 1775 para ajudar as vítimas de um terremoto. Foi preso pelos

berberiscos, ficando confinado, primeiramente, no castelo de Brest e, em seguida,

na prisão de Morlaix. Após ser solto, tornou-se um grande estudioso do sistema

penitenciário na Europa, devotando sua vida a essa problemática e, de certa forma,

morrendo por ela, na medida em que foi contaminado por um problema de saúde

comum nas prisões da época (“febre carcerária”).

Howard idealizou um sistema baseado no isolamento celular, com

higiene, alimentação e reforma moral através da religião. Conseguiu, depois de

muita luta e seguidas propostas à Câmara dos Comuns, realizar a construção de

dois estabelecimentos prisionais segundo sua idealização. Howard foi xerife de

Bedford e alcaide do condado de Bedford, tendo assim muito contato com a

situação drástica em que se encontrava o sistema prisional. Fez pesquisas in loco,

viajou muito e conheceu diversas penitenciárias na Europa.

Quando ele conheceu as prisões, o sistema capitalista já não necessitava

mais destas como fonte de trabalho, de modo que então elas tinham somente o

objetivo de serem instrumentos de controle e prevenção pela intimidação. Ele,

porém, não aceitava que as prisões fossem ambientes utilizados somente para

armazenamento de pessoas e que o sofrimento desumano fizesse parte do

cumprimento da pena.

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Howard deu grande importância ao trabalho do preso como forma de

ressocialização e reabilitação. Acreditava que o trabalho tinha o poder de

transformação humana. Ele tinha uma forte formação religiosa e supunha que a

religião no sistema carcerário era um bom instrumento de moralização.

Por isso, era adepto do sistema de isolamento, pois o mesmo faria com

que os presos refletissem sobre os seus atos com o suporte religioso. O isolamento

noturno, para ele, era um ponto crucial, pois também acreditava que, se os presos

dormissem isolados, isso seria uma forma de controle para que não ocorresse

promiscuidade.

Ainda como meio de controle, Howard propunha três formas de

classificação dos presos para que não ocorressem influências entre diferentes tipos

de criminosos e pelo respeito à idade e sexo. Assim, os indivíduos eram

classificados da seguinte maneira: presos que estavam ainda sendo processados,

os condenados e os devedores. Ele também instituiu a separação entre a prisão de

homens e mulheres; os jovens também não ficavam presos com os mais velhos.

Outro ponto relevante para Howard era a questão dos carcereiros, que

ele acreditava serem de fundamental importância para que não ocorressem

atrocidades e desmando dentro do sistema. Para isso, eram necessárias pessoas

íntegras e mais humanizadas.

Com relação à questão legislativa, Howard conseguiu acabar com o

direito de carceragem, que consistia em um pagamento efetuado pelo preso ao

dono do estabelecimento prisional. Este pagamento ficou por conta do Estado.

Jeremy Benthan (1748-1832) foi o idealizador do panóptico, que era

composto por um tipo de prisão celular, formado por uma torre no centro de uma

radial com celas contendo duas janelas: uma de frente para a torre e outra atrás, e o

vigilante da torre poderia ver todos os presos devido à luz que penetrava em toda a

cela.

Ao contrário do modelo anteriormente existente, no qual o preso ficava na

escuridão, esse modelo proposto por Benthan permitia total visibilidade, tornando-se

o detento ator em um teatro solitário.

No dizer de Foucault (1996, p. 177),

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Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegure o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente, em seus efeitos, mesmo se é descontinua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce.

Embora o Panóptico tenha sido aprovado na Inglaterra, somente em

1800, nos Estados Unidos, é que foi construída a primeira penitenciária panóptica.

Além dessas tentativas de utilização diversificada da instituição prisional,

os estudiosos distinguem os seguintes modelos de prisão:

3.3.2.1 O sistema da Filadélfia

Foi criado em 1681, por Guilhermo Penn, um “quaquer”, na Colônia de

Pensilvânia. Foi ele o inspirador da lei naquele estado, que restringiu a pena de

morte somente para os crimes de homicídio e ainda substituiu as penas corporais e

mutiladoras por penas privativas de liberdade. Penn morreu, mas suas idéias não.

Sociedades de “quaquers”, que objetivavam a reforma das prisões,

influenciaram para que, em 1790, fosse construída uma prisão onde ocorreria o

isolamento celular, oração e abstinência de bebidas e o total silêncio e reclusão,

sem trabalho ou visitas, de modo que podia ocorrer somente a leitura da Bíblia. A

intenção era que o total isolamento fizesse o aprisionado refletir sobre sua vida,

seus erros, e assim se ressocializar.

No dizer de Foucault (1996, p. 213),

Não é, portanto, um respeito superior pela lei ou apenas o receio da punição que vai agir sobre o detento, mas o próprio trabalho de sua consciência. Antes uma submissão profunda que um treinamento superficial; uma mudança de –moralidade – e não de atitude. Na prisão pensilvaniana, as únicas operações da correção são a consciência e a arquitetura muda contra a qual ela esbarra.

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Outra característica era a apresentação do aprisionado ao público para

servir como exemplo. Este sistema predominou na Inglaterra, Alemanha e Bélgica.

A construção deste sistema baseou-se nas ideias de Beccaria, Howard e Benthan.

Como salienta Bitencourt (1993, p. 62),

O sistema filadélfico, em suas idéias fundamentais, não se encontra desvinculado das experiências promovidas na Europa, a partir do Século XVI. Segue as linhas fundamentais que os estabelecimentos holandeses e ingleses adotaram. Também apanhou parte das idéias de Beccaria, Howard e Benthan, assim como os conceitos religiosos aplicados pelo Direito Canônico.

Este sistema apresentou-se caro demais, devido ao isolamento celular.

Além do mais, recebeu críticas por constituir-se em uma forma de tortura, pelo

isolamento e o silêncio absolutos, causando loucura e morte por suicídio nos

aprisionados. Para Foucault (1996, p. 212), “a solidão é a condição primeira para a

submissão total”.

3.3.2.2 O sistema de Auburn

No ano de 1816, foi autorizada a construção da prisão de Auburn,

surgindo assim o sistema auburniano, baseado no silêncio absoluto, propondo o

isolamento noturno com a convivência e trabalho diurnos, sendo que somente

poderiam conversar com os guardas mediante autorização deles próprios, mas com

tom de voz baixo. A predominância desse sistema se deu nos Estados Unidos.

Uma das pessoas mais influentes na definição de sistema auburniano foi

o capitão Elan Lynds, que foi diretor da prisão de Auburn em 1821. Esse militar não

acreditava na ressocialização dos prisioneiros, mas sim na submissão e na

obediência, de modo que mantinha um rigor carcerário com muita segurança.

No dizer de Bitencourt (1993, p. 71),

O sistema auburniano não tinha uma orientação definida para a reforma do delinqüente, predominando a preocupação de conseguir a obediência do recluso, a manutenção da segurança no centro penal e a finalidade utilitária consistente na exploração da mão-de-obra carcerária.

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Os prisioneiros de Auburn eram divididos em três categorias: para

prisioneiros de mais idade e que eram reincidentes, o isolamento era total; para

aqueles que não eram totalmente incorrigíveis, o isolamento se dava somente

durante três dias na semana e podiam trabalhar; para aqueles que podiam ser

corrigidos, ficavam isolados somente durante a noite e durante o dia podiam

trabalhar em comum.

Este modelo, segundo Foucault (1996, p. 213), que permitia ao

condenado um convívio durante o dia, embora não pudesse se comunicar com

outros presos, mantendo assim uma prevenção moral, tinha o condão de criar no

preso o hábito pela atividade útil e resignada.

O trabalho no sistema auburniano era usado como um agente de

transformação para a reforma do preso. Entretanto, os sindicatos iniciaram a se

manifestar contra o trabalho no cárcere, uma vez que o custo dentro do cárcere era

menor e isso geraria diminuição salarial para os trabalhadores livres, além do que,

caso os presos fossem treinados em uma profissão, depois de cumprida a pena

poderiam ir para dentro das fábricas, onde trabalhariam lado a lado com os demais

trabalhadores. (BITENCOURT, 1993, p. 74).

Mas, para Foucault (1996, p. 216), o trabalho forçado e as regras rígidas

de silêncio absoluto almejavam o adestramento do preso, tornando-o um homem

obediente, que se submeterá às ordens e, no final, será um indivíduo mecanizado,

que funcionará segundo as regras do sistema industrial.

3.3.2.3 O sistema progressivo

A busca da pena de prisão como um sistema que realize a recuperação,

a reabilitação do recluso, levou a um avanço gradual da pena de prisão, deixando-

se os modelos filadelficos e auburnianos por um sistema progressivo, inicialmente

na Espanha, mas tomando toda a Europa logo após a primeira guerra mundial.

Neste regime, o condenado podia progredir, através de uma boa conduta,

indo de uma situação de maior rigor para uma menos rigorosa, possibilitando ainda

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ao recluso seu retorno à sociedade de forma gradual através do regime condicional.

Este sistema foi um avanço enorme para o sistema de prisões.

O sistema progressivo abrange, em si, o sistema de Montesinos, o

sistema progressivo inglês e o sistema progressivo irlandês.

O sistema de Montesinos recebeu essa designação em face do seu

precursor, Coronel Manoel Montesinos y Molina, que, em 1834, almejava um

sistema prisional mais humanizado, uma vez que tinha vasta experiência neste

campo, pois ele mesmo já havia cumprido um encarceramento severo em um

arsenal militar em Tolon, na França.

Montesinos, um homem de ideias mais humanizadoras, conseguiu

concretizá-las quando se tornou diretor do presídio de San Augustin, em Valencia,

na Espanha. O número baixo de evasões surpreendeu a todos, apesar de ser

considerado um estabelecimento de segurança mínima.

Montesinos valorizava muito as relações humanas e não aceitava, em

sua administração, violações aos presos que lhes causassem desonra ou infâmias.

Criou regras internas, que seriam hoje o que chamamos de regimento interno.

Acreditava que as punições dentro do sistema carcerário não podiam ficar ao livre

arbítrio de seus controladores.

Montesinos também investia muito na questão do trabalho dentro do

sistema, argumentando que o trabalho modifica o homem, criando nele novos

valores e novas práticas. A prisão de Valencia se tornou referência na época, pois

seu nível de reincidência chegou a 1%. Os trabalhos realizados lá eram de boa

qualidade, até começarem a ocorrer manifestações dos artesãos livres,

incomodados com a concorrência do trabalho de boa qualidade realizado no

cárcere. Suas reivindicações foram acolhidas pelo Governo, que deixou de valorizar

o trabalho no cárcere, levando-o a perder qualidade. Insatisfeito, Montesinos se

demite em 1854.

Segundo Bitencourt (1993, p. 90),

O trabalho penitenciário enfrenta a triste sina de ter que ser ineficiente, marginal e improdutivo, com evidente desvinculação do meio social. Embora se fale na missão ressocializadora da pena, a própria sociedade pressiona para que a realidade penitenciária seja somente um meio de isolamento, onde as possibilidades de se

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conseguir uma autêntica reintegração social são praticamente inexistentes.

Montesinos era contrário ao regime celular em uma época que este

estava em ascensão. Ele foi ainda o precursor da concessão de licenças de saídas

aos presos, que as conquistavam por vários motivos. Já naquela época, ele

considerava que a formação dentro do sistema de grupos não muito homogêneos

ajudaria na transformação positiva dos condenados.

Estabeleceu ainda uma prática, dentro do presídio, que foi precursora do

regime aberto, pois a vigilância era mínima e a porta podia ser destrancada por

quem quisesse sair. Contudo, as fugas eram irrisórias.

Segundo Bitencourt (1993, p. 89),

Montesinos tinha a firme convicção de que a prisão deveria buscar a recuperação do recluso. A função do presídio era devolver à sociedade homens honrados e cidadãos trabalhadores. Não acreditava que o presídio devesse servir somente para modificar o recluso.

O sistema progressivo inglês, ou mark system (ou ainda sistema de

vales), surgiu em 1840, na Ilha Norfolk, na Austrália, desenvolvida pelo então

Governador, o capitão Alexander Maconochie, sendo ampliado para as prisões

inglesas. Funcionava com um sistema de vales, em que o bom comportamento era

recompensado e reduzia a pena, que não mais seria computada somente com

relação ao crime, mas também às atitudes do condenado.

O tempo da pena era cumprido em três períodos:

1) período da prova, com isolamento celular completo diurno e noturno,

sendo que o condenado podia ter trabalho duro e comida escassa; também tinha o

objetivo de fazer o apenado refletir sobre seus atos;

2) período com isolamento celular noturno e trabalho comum durante o

dia, com absoluto silêncio; este período era formado por classes, em que o

condenado, conforme seu empenho ia mudando de classe, até estar apto para o

terceiro período;

3) período de liberdade condicional, onde o condenado recebia uma

liberdade limitada e devia obedecer a determinadas regras; depois, se apto, poderia

ter sua liberdade completa, sem restrições.

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Segundo Bitencourt (1993, p. 83), Moconochie foi bem sucedido, e a

disciplina e a organização ressurgiram, inserindo na população carcerária o hábito

do trabalho, acabando com motins e situações sangrentas.

Tal sistema deu origem ao sistema de remissão de penas pelo trabalho,

regime aberto e a condicional que conhecemos hoje.

Por fim, o sistema progressivo irlandês, que foi instituído na Irlanda, em

1853, tendo como precursor Walter Crofton, diretor das prisões na Irlanda, que,

adotando o sistema progressivo inglês, resolveu aperfeiçoá-lo, pois desejava

preparar melhor o apenado para a vida em sociedade.

Crofton acresceu, portanto, mais um período: o de preparação à vida

livre, uma prisão intermediária, que ficava entre o regime fechado e o condicional. O

prisioneiro era transferido para uma prisão intermediária, sem uniforme, na qual

poderia conversar com a população livre, sair em uma determinada distância e

executar trabalhos externos nos campos.

O sistema progressivo irlandês deu origem ao regime semi-aberto.

Depois, vinha a liberdade condicional nos mesmos moldes do sistema Inglês.

Este sistema teve sua eficácia questionada, conforme pode-se ver

abaixo, no dizer de Bitencourt (1993, p. 86):

Apesar da difusão e do predomínio que o sistema progressivo alcançou, nas últimas décadas (especialmente a partir do Congresso de Berlim em 1933) sua efetividade tem sido questionada e sofreu modificações substanciais. Por exemplo, na ordenança alemã de 22/07/1940, prescindiu-se deste regime de execução penal. Também na Suécia foi abandonado, especialmente a partir da Lei de Execução Penal, de 21/12/1945, embora sem suprimir o conceito de progressividade no tratamento dos reclusos. Também na Dinamarca, a partir de 1947, o regime progressivo foi simplificado e recebeu maior flexibilidade.

Aproveitando-se o último período do sistema de vales, que seria a

liberdade condicional, surge, na Suíça, a prisão semi-aberta: uma prisão localizada

na zona rural, em que os prisioneiros viviam em uma fazenda trabalhando como

colonos, ao ar livre, com remuneração e baixa vigilância.

Com o passar dos anos, verificou-se o fracasso da prisão fechada na

questão da regeneração do condenado, o que estimulou o surgimento de novas

penas menos rigorosas para os delitos de menor potencial ofensivo, tais como:

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suspensão condicional da pena (sursis); penas alternativas que consistem em

pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade; penas no regime

aberto, em que o sentenciado trabalha durante o dia e recolhe-se a um albergue

durante a noite, tendo, portanto, uma vida quase normal.

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4 A TORTURA NAS PRISÕES BRASILEIRAS

Este capítulo tem como objetivo fazer uma abordagem da tortura, suas

várias definições, estudar esta violência institucionalizada na busca de saber

quando se iniciou seu uso e porquê, apesar de tão antiga, talvez tão antiga quanto o

homem, ela persiste nas diversas sociedades existentes.

Passando pela legalidade, pelas praças da Europa, pela inquisição

amparada pelo direito canônico e, por fim, caindo na ilegalidade. Muito usada

durante a Idade Média como forma de obter confissões e também durante os

suplícios para a expiação dos pecados.

Durante as ditaduras militares, mesmo sendo ilegal, o Estado a utilizou

como forma rotineira de interrogatório, submeteu os inimigos do regime a várias

formas cruéis de tortura e mesmo de eliminação. Seu uso não foi privilégio da

ditadura brasileira, mas de todas as da América Latina, para ficarmos somente

neste âmbito.

No Brasil, em pleno século XIX, ela é uma ferramenta essencial que a

polícia segue utilizando, fazendo parte das diversas formas de violência policial.

Demonstramos que não é somente a polícia quem a pratica, mas pessoas em

cargos públicos, como carcereiros do sistema penitenciário que, por deterem certo

poder, submetem outros a tal ato.

A tortura antes e depois da ditadura militar foi e continua sendo utilizada

em pessoas da classe pobre. Essa é uma constatação evidente, mas que, apesar

de termos conhecimento, nada fazemos para alterar tal realidade.

O último censo nacional do sistema carcerário foi feito em 1997 e

revelava, naquela época, o seguinte perfil do preso no Brasil: com relação à cor da

população carcerária, estão divididos em 48% de brancos, 30% de mulatos e 17%

de negros.

No sistema carcerário do Estado de São Paulo, em 1996, 44% dos

presos não tinham profissão definida no momento da prisão e 42% estavam

desempregados. Com relação ao grau de escolaridade, a situação também é

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reveladora: 7% de analfabetos, 15% alfabetizados e 60% com o ensino primário

incompleto (CARVALHO FILHO, 2002 p. 58-59).

4.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE A TORTURA

A tortura acompanha o desenvolvimento da sociedade, em alguns

momentos na legalidade, servindo não somente como forma de obtenção de uma

confissão para a instrução processual, como, também, como forma de punição do

delinquente e expiação de seus pecados.

Ela se diferenciava dos suplícios, uma vez que é aplicada ainda no inicio

ou durante o processo, para que o acusado confesse o crime do qual está sendo

acusado. Já os suplícios faziam parte da pena aplicada, não sendo este o momento

para obter uma confissão, mas sim, agora, para expiar o mal que supostamente

havia feito.

Mesmo que no momento de suplicio o réu viesse a dizer mil vezes que

não havia realizado o crime, isto não mais valia como prova. Isso é contraditório,

uma vez que quando torturado, para livrar-se do sofrimento, o réu dizia ser o

culpado, mas na hora da execução dos suplícios negava a realização do crime.

Como argumenta Verri (1992, p. 84), “se os doutores considerassem a

tortura como um meio para obter a verdade, prescreveria que se mantivesse e se

considerasse como certo o que diz um torturado entre os suplícios.”

Mas, na realidade, segundo Verri (1992, p. 84), para que o depoimento

fosse ratificado, o torturado devia fazê-lo depois de certo tempo e distante de

qualquer dor ou instrumento de tortura. Então, torturar não alcança,

necessariamente, o fim a que se propõe de descobrir a verdade.

O que pode ser entendido como tortura?

Para Verri (1992, p. 70), ela não era uma pena atribuída ao condenado

através de uma sentença, mas sim a pretensa busca da verdade através de

tormentos.

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A Associação Médica Mundial, em assembléia na data de 10/10/1975

(apud RUIZ-MATEOS, 1978, p. 124), assim definiu tortura:

A imposição deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por parte de uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens de qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar informações, confessar, ou por outra razão qualquer.

Já para De Plácido e Silva (1991, p.389),

Tortura é tida na mesma significação de tormento. É o sofrimento, ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais. A Tortura, outrora, era o meio judicial de que se usava na intenção de obter confissões. É ato desumano, que não se coaduna com as idéias da era presente, sendo atentatório à dignidade humana.

Mattoso (1986, p. 28), por sua vez, afirma que a “tortura pode ser definida

como todo sofrimento a que uma pessoa é submetida por outra, desde que de

propósito da segunda e contra a vontade da primeira”.

A Convenção da ONU sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis,

desumanos, ou degradantes, de 10.12.84, traz, em seu artigo 1º, a definição de

tortura como:

Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimento agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência.

Ampliando sua definição, a tortura ocorre quando há duas pessoas

envolvidas, o torturador e o torturado. O torturador tem o domínio físico da vítima.

Além da dor física, deve haver o componente mental, psicológico e deve haver o

interesse do torturador de destruir a personalidade do torturado e cercear a sua

vontade (BORGES, 2004, p. 22).

Com relação à busca da verdade, a tortura não seria eficiente, uma vez

que pessoas fortes e determinadas decidem nada dizer que as incrimine, enquanto

pessoas mais frágeis não conseguem resistir por muito tempo, se autoincriminando,

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confessado delitos que, na realidade, não cometeram. Mas o fazem para fugir da

dor, portanto a tortura tanto pode resultar em nada como em mentiras.

Para Verri (1992, p. 81),

Um assassino de estrada, acostumado a uma vida dura e selvagem, de constituição robusta e calejado para os horrores, é submetido à tortura, e, com ânimo decidido, fica revolvendo no espírito o extremo suplício de morte que padecerá se ceder à dor do momento reflete que o sofrimento daquela dor lhe auferirá a vida e que se ceder à impaciência, irá para o patíbulo; dotado de músculos vigorosos, cala-se e torna baldada a tortura. Um pobre cidadão, acostumado a uma vida mais branda, que não está habituado aos horrores, é, por uma suspeita, submetido à tortura; todas as fibras sensíveis se abalam, um violentíssimo tremor o invade à simples visão dos apetrechos; evite-se o mal iminente que pesa de maneira insuportável e se afaste o mal a uma maior distância – é o que lhe sugere a angústia extrema em que se encontra -, e então se acusa de um crime que não cometeu. Tais são e devem ser os efeitos da dor sobre os dois homens diferentes. Com isso parece conclusivamente demonstrado que a tortura não constitui um meio para descobrir a verdade.

O mesmo pode-se dizer das pessoas torturadas por razões políticas, que

têm objetivos ideológicos e/ou políticos muito fortes, e que resistem à tortura para

não entregarem seus companheiros, ou toda uma estratégia de luta. Nesses casos,

a tortura policial e/ou militar visava obter informações que levassem à descoberta de

outras pessoas do mesmo grupo, na iminência de ações armadas ou para

desestruturar essa organização.

A tortura é apenas mais uma das violências perpetradas pela polícia, pois,

no dizer de Costa (2004, p. 14), pode-se descrever mais tipos de violência realizada

pelas polícias civil e militar, dentre as quais:

a) abuso da força letal, ou seja, a autorização para que a Polícia mate

vem com o pressuposto de que deve ser usada somente em casos

extremos, quando a vida do policial ou de terceiro está correndo risco.

Não é o que se tem visto constantemente no Brasil e tampouco é preciso

sair de casa, bastando ligar a televisão para se ver favelas sendo

invadidas e pessoas da comunidade aparecerem mortas com a desculpa

de que fazem parte do tráfico;

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b) as mortes sob custódia, que podem ocorrer tanto na tortura como no

momento da prisão, mas também há aquelas realizadas para queima de

arquivo ou como forma de punição. O sequestro do ônibus 174, Central –

Gávea, da empresa Amigos Unidos, no dia 12 de junho de 2000, às

14h20, que ficou detido no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro,

por quase 5 horas, sob a mira de um revólver, por Sandro Barbosa do

Nascimento, vítima da Chacina da Candelária, é um dos exemplos mais

contundentes, pois ele foi morto praticamente na frente das câmeras de

televisão;

c) uso injustificado da violência no momento da detenção, quando o

preso não oferece resistência ou já está sob controle e mesmo assim

socos e ponta pés são desferidos.

Camargo (2009) refere-se a um dossiê elaborado por diversas entidades

ligadas ao combate à violência no país, que revela que a Polícia do Estado de São

Paulo pratica a pena de morte. Porém, as conclusões do dossiê garantem que esta

situação não é somente no estado de São Paulo. O estudo foi denominado Mapa do

Extermínio: execuções extrajudiciais e mortes pela omissão do estado de São Paulo.

As vítimas dessa pena de morte extrajudicial são, em sua maioria, jovens entre 15 e

24 anos de idade, moradores das periferias de grandes cidades, afrodescendentes e

pobres.

O dossiê analisa dados de 2000 a 2009, o que corresponde ao período de

três gestões de governadores do estado de São Paulo: Mario Covas (PSDB,

1999/2001), Geraldo Alckmin (PSDB, 2001/2006) e o atual governador, José Serra

(a partir de janeiro de 2007).

Informações da Uniform Crime Reports e NY Law Enforcement Agency,

em 2002, mostram que 12 civis e dois agentes de polícia foram mortos em ações

policiais em Nova York, enquanto que, naquele ano, segundo dados da Secretaria

de Segurança do estado de São Paulo, 610 civis e 59 policiais foram mortos em

ações da polícia na capital paulista.

Existem inúmeros casos de massacres cometidos por policiais criminosos,

que atuam “queimando arquivos” ou vingando-se. Um dos mais impressionantes e

antigos é o dos “Onze de Acari”, ocorrido no dia 26 de julho de 1990, com o

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desaparecimento de onze pessoas, sendo três meninas e oito rapazes, dos quais

oito eram menores de idade, na faixa média de 16 a 17 anos, sendo que uma das

meninas tinha apenas 13 anos.

Os "Onze de Acari", como ficaram conhecidos, desapareceram em Magé

(RJ), num sítio pertencente à avó de um deles. Eram, em sua maioria, moradores da

favela de Acari, ou de suas proximidades. Nunca mais foram encontrados, nem seus

corpos identificados.

A Anistia Internacional relatou, em 1994, que os sequestradores haviam

sido identificados pelo setor de inteligência da Polícia Militar como sendo policiais

militares do 9º Batalhão da Polícia Militar em Rocha Miranda, estado do Rio de

Janeiro, e como detetives do Departamento de Roubo de Carga, da 39ª Delegacia

de Pavuna, Rio de Janeiro. A investigação indicava que os policiais militares

envolvidos vinham extorquindo algumas das vítimas antes do sequestro. Segundo

denúncias feitas na época do caso, alguns desses policiais seriam integrantes de um

grupo de extermínio denominado “Cavalos Corredores”.

Os corpos dos onze ainda não foram localizados, apesar de várias

tentativas fracassadas por parte das mães e das autoridades públicas. De acordo

com informações recebidas pela Anistia Internacional, as buscas feitas pelas

autoridades em possíveis locais de enterro foram negligentes e destrutivas,

possivelmente resultando em danos permanentes aos locais. Passados vinte anos

de seu desaparecimento, tudo o que os familiares conseguiram ouvir da polícia é

que “sem corpo, não há crime”. Edméia Euzébio, uma das mães, foi assassinada,

em 15 de janeiro de 1993, quando saía de um presídio, onde havia tentado obter

informações sobre o caso.

Diante da falta de vontade do Estado brasileiro em investigar e

responsabilizar os culpados, identificados pela P-2 (Inteligência) da própria PM há 16

anos, o caso dos “Onze de Acari” foi apresentado, formalmente, à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, para que seja apreciado pela Organização dos

Estados Americanos (OEA).

Coincidindo com os vinte anos dessa tragédia, haverá no Rio de Janeiro,

nos dias 24 e 25 de julho de 2010, o 1º Encontro Nacional de Vítimas e Familiares

de Vítimas da Violência do Estado, reunindo casos de vários estados (RJ, SP, BA,

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MG, ES). O evento será promovido pela Rede Contra a Violência

(www.redecontraviolencia.org).

O controle violento de manifestações públicas se dá em passeatas,

greves, protestos, nos quais ocorre o poder do Estado por meio do aparato policial,

que intervém politicamente.

Esse controle violento também se dá quando acontecem motins no

sistema prisional que, na sua maioria, ocorrem pela falta de estrutura, de condições

dignas para os presos que, rebelados, são em muitos casos executados

sumariamente, como no caso da penitenciária Carandiru, em São Paulo (SP), em

1992, quando foram assassinados 111 detentos.

Os massacres também são realizados nas ocupações de terras feitas pelo

movimento dos trabalhadores sem-terra, como em 17 de abril de 1996, quando

policiais militares promoveram o Massacre de Eldorado de Carajás, no qual 19

trabalhadores rurais foram mortos e até hoje nada foi feito no sentido de penalização

dos culpados.

Também há as operações policiais nas comunidades periféricas, que são

feitas de forma violenta, muitas vezes sem mandados judiciais e em horários que

violam o repouso noturno, mas como são realizadas em comunidades carentes se

tornam rotineiras.

Como forma de intimidação e vingança, muitos policiais buscam fazer

justiça pelas próprias mãos, às vezes por ideologia e às vezes por dinheiro. Criam

grupos paramilitares, esquadrões da morte, grupos de “justiceiros”.

4.2 ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE A TORTURA

A tortura é uma instituição que perpassa a História da Humanidade,

estando presente desde o inicio da civilização, ocorrendo com maior frequência e

intensidade em determinados períodos históricos, quase sempre de concentração

de poder na pessoa de um homem ou nos Estados totalitários. A tortura já esteve na

legalidade por alguns séculos, sendo aplicada às classes menos favorecidas.

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No dizer de Verri (1993, p. 90), a origem de uma invenção tão feroz

ultrapassa os limites da erudição e é provável que a tortura seja tão antiga quão

antigo é o sentimento do homem de dominar despoticamente outro homem, assim

como quão antigo é o caso de que nem sempre poder vem acompanhado pela luzes

e pela virtude e quão antigo é o instinto, no homem armado de força prepotente, de

estender suas ações segundo a medida antes do poderio do que da razão.

Segundo Borges (apud GONZAGA, 2004, p. 18 e p. 32), o texto mais

antigo de tortura que se tem notícia consta de fragmentos egípcios relativos a

profanadores de túmulos, em que aparece consignado que enquanto se investigava,

os suspeitos eram golpeados com bastões nos pés e nas mãos.

4.2.1 A tortura na Antiguidade

Os povos antigos já conheciam a tortura, penas terríveis como a

empalação, a fogueira e amputações, as quais, segundo Borges (2004, p. 41), eram

previstas no Código de Amurabi, que foi adotado na Babilônia do Século XVIII a. C..

Também o Direito Chinês e o Persa previam a prática horrenda da tortura.

Na antiga Grécia, a justiça era feita através da contenda, em que

qualquer pessoa podia acusar outra de um crime e este teria à sua volta amigos e

familiares que fariam a sua defesa. Caso fosse condenado, passaria parte de seus

bens para o acusador e outra parte para os juízes. Isso obviamente resultou em que

pessoas mal intencionadas levassem à contenda outros de posse para usufruir de

seus bens.

Borges (2004, p. 43) ressalta que:

Na Grécia, a tortura apenas era aplicada aos escravos e aos estrangeiros (metecos). Como os escravos não prestavam juramento, sua confissão só merecia crédito se obtida mediante tortura. Na democracia ateniense, ao cidadão era conferido o direito de acusar e julgar, fazendo-se publicamente o julgamento e em público aplicando-se a tortura eventualmente imposta.

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A tortura, em Roma, segundo Borges (2004, p. 46), prevaleceu durante a

Monarquia e a República. Sendo adotado o sistema acusatório, ela era aplicada aos

escravos e aos estrangeiros que cometiam qualquer delito e para os homens livres

somente quando fosse delito de crimen majestatis. No Alto Império, a instrução era

feita por juízes na forma escrita e secreta, mas o debate era público e oral. Não

obstante, no Baixo Império, a tortura era aplicada indistintamente para todos os

delitos.

Chegou-se ao ponto de impor a tortura até mesmo para as testemunhas.

Justiniano equiparou aos escravos as pessoas de condição econômica mais baixa.

Borges (2004, p. 47), resumindo, afirma que a tortura era aplicada dependendo da

posição econômica do réu, de modo que, “em Roma, Constantino estabeleceu a

equiparação das pessoas livres, mas de baixa condição econômica, aos escravos,

sujeitou-os à tortura, independente da natureza do crime praticado”.

Os escravos eram os mais supliciados, podendo ser torturados em

qualquer caso como acusado ou como testemunha.

Para Borges (2004, p. 59),

A tortura propriamente dita guardava raízes na Grécia e, depois nos primórdios de Roma. Os germânicos, contudo, permitiam a tortura do escravo quando no papel de acusado, preponderando aí o fim de se proteger os interesses do proprietário do escravo, propriedade valiosa, não o interesse humanitário de se proteger a pessoa do escravo.

4.2.2 A tortura na Idade Média

Adentrando a Idade Média, a tortura continuou a ser aplicada de forma

legal como fonte de castigo compondo a pena. Nesse período, a tortura fez parte do

ato de punir, de castigar, não só infligindo dores atrozes, como destruindo a

possibilidade de morte digna do acusado.

A tortura servia, ainda, para produzir provas contra o acusado, uma vez

que este, não resistindo à dor, se autoincriminava, buscando, assim, fugir do

suplício.

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Era realizada de forma pública, como um grande espetáculo, servindo,

ainda, para intimidar a população, que era convidada a assistir aos tormentos

impostos aos condenados.

Segundo Foucault (1987, p. 41),

A tortura judiciária, no século XVIII, funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o ritual que impõe a punição. O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade. E do mesmo modo que a presunção é solidariamente um elemento de inquérito e um fragmento de culpa, o sofrimento regulado da tortura é ao mesmo tempo uma medida para punir e um ato de instrução.

Ainda na Idade Média, ante as críticas que a Igreja católica vinha

sofrendo sobre seus dogmas, nos quais se apoiava a doutrina cristã, os que a

contestavam eram chamados de hereges.

Segundo Borges (2004, p. 75),

A heresia constituía, assim, o maior perigo para a sociedade absoluta, a Igreja não podia transigir com qualquer contestação. Esse fundamentalismo se irradiava para os membros da igreja e seus fiéis, chegando às raias da intolerância. Os inimigos da verdade e da reta doutrina (ortodoxia), hereges reais ou presumidos tinham que ser perseguidos a todo custo.

Portanto, o Papa Paulo III, em 1542, criou uma das mais importantes

Congregações, a do Santo Ofício, que restauraria a Inquisição Romana.

Tribunais de Inquisição foram criados em diversos países, como Portugal,

Itália, Espanha, estes tribunais eram compostos de um inquisidor, assistentes, um

conselheiro espiritual, guardas e um escrivão (BORGES, 204, p. 69).

A delação era incentivada, acarretando, assim, várias situações nas quais

a vingança era o motor da delação. A tortura era realizada de forma legalizada pela

própria Igreja. Foi assim que, na Idade Média, com a Igreja Católica e o Direito

Canônico e com a criação dos tribunais de inquisição, a tortura teve seu apogeu.

O manual dos inquisidores escrito por um inquisidor, Nicolau Eymerich,

revisto mais tarde por Francisco Pena, (1993, 208-209), assim dispõe sete regras

para a realização da tortura:

1. Tortura-se o acusado que vacilar nas respostas, afirmando ora uma coisa ora outra, sempre negando os argumentos mais fortes da acusação. Nestes casos, presume-se que esconde a verdade e que,

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pressionando pelo interrogatório, entra em contradição. Se negar uma vez, depois confessar e se arrepender, não será visto como “vacilante” e sim como herege penitente, sendo condenado.

2. O suspeito que só tem uma testemunha contra ele é torturado, realmente um boato e um depoimento constituem, junto, uma semi-prova, o que não causará espanto a quem sabe que um único depoimento já vale como um indicio. Dir-se-ia testis unus, testis nullus? Isto vale para a condenação, mas não para a presunção. Portanto, uma única acusação é o suficiente. Entretanto, convenhamos, o depoimento de uma única pessoa não tem a mesma força que um julgamento civil.

3. O suspeito contra quem se conseguiu reunir um ou vários indícios graves deve ser torturado. Suspeita e indícios são suficientes. Quanto aos padres, basta a suspeita (porém, só os padres caluniados são torturados). Neste caso, as condições em que tal ocorre são em grade número.

4. Vai para a tortura quem tiver um único depoimento contra si em matéria de heresia e contra quem, além disso, houver indícios veementes ou violentos.

5. Será torturado aquele contra quem pesarem vários indícios veementes ou violentos, mesmo se não se dispuser de nenhuma testemunha de acusação.

6. Com muito mais razão, será torturado à semelhança do caso anterior, quem tiver, além de tudo, contra si, o depoimento de uma testemunha.

7. Quem tiver apenas uma difamação, ou uma única testemunha, ou ainda, um único indício, não será torturado: cada uma dessas condições, isoladamente, não basta para justificar a tortura.

Pela influência que a igreja católica exercia junto ao poder, o sistema

inquisitório passou do Direito Canônico para legislações leigas, indo do século XIII

ao XVIII. A tortura entrou para o direito canônico com a edição da bula papal ad

extirpanda, de Inocêncio IV, no ano de 1252.

4.2.3 A tortura na Modernidade

Também, na Modernidade, mais precisamente nos séculos XVII e XVIII,

torturava-se para punir, pois a tortura era uma forma de castigo, uma vez que a

morte não era o suficiente, sendo necessário que o acusado expiasse sua culpa

pelo sofrimento físico.

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No entanto, naquele período, duas obras foram de grande importância

para o inicio do declínio da legalidade da tortura: Dos Delitos e das Penas (1764),

de Cesare Beccaria, e Observações sobre a Tortura (1770), de Pietro Verri.

Ainda no século XVIII, sob a influência da obra de Beccaria, surge a

preocupação de se acabar com os suplícios públicos. A morte devia ser rápida e o

mais indolor possível. Como exemplo, inventa-se, na França, a guilhotina, com o

intuito de reduzir a dor infligida ao acusado e apressar a execução, dado o aumento

da quantidade de condenados à morte, com os julgamentos durante a Revolução

Francesa.

Em compensação, na Espanha, utilizou-se o garrote vil até o final da

ditadura de Franco, em 1975. Esse método causava intenso sofrimento à pessoa

que estava sendo morta.

É no início do século XIX que a tortura deixa o seu lado de espetáculo

público para ficar restrita somente aos porões e às masmorras, de onde nunca

deixou de existir. Ali ela continuou sendo intensamente praticada, com a dupla

finalidade de obtenção de informações e de punição adicional. Outrossim, a sua

existência nunca deixou de ser sabida, porque era interessante para servir de

intimidação antecipada aos possíveis interrogados.

Segundo Foucault (1987, p. 17), o público não participará mais como

observador na aplicação das penas:

Desaparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição física: o corpo supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva.

Deixando de ser espetáculo, a tortura se enclausura nos porões das

prisões, presídios e cadeias, saindo do campo de visão do público. Portanto, pode-

se dizer que o declínio da tortura começou com a publicação da obra “Dos Delitos e

Das Penas”, que sustenta a tese da ineficácia e da injustiça dessa prática aflitiva,

influenciando assim vários países a modificarem sua legislação penal.

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4.2.4 A tortura na Pós-modernidade

Internacionalmente, a condenação de penas cruéis e aberrantes e a

proteção aos direito humanos aparecem na Declaração dos Direitos do Homem da

Virgínia, EUA, em 1776. Depois, somente em 1787, na 1ª Constituição do país, o

artigo 7º prevê a proibição de aplicação de penas cruéis. Quase 80 anos depois,

durante a Guerra Civil nos EUA, soldados afroamericanos nortistas, capturados por

forças sulistas, foram torturados e muitos deles assassinados. Coincidentemente,

quase metade dos combates da Guerra Civil ocorreu no estado da Virgínia.

Neste mesmo período, na França revolucionária, em 26 de agosto de

1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão dispõe que "o rigor no

tratamento das penas deve ser seriamente reprimido", reproduzindo-se a mesma

idéia na Constituição Francesa de 1791.

Entretanto, passaram-se quase 200 anos entre essas duas iniciativas,

norte-americana e francesa, contra a tortura e a assinatura, pela maioria das nações,

da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, com

uma condenação formal a maus tratos de qualquer espécie e em quaisquer

situações.

Durante esse longo período, ocorreram dezenas de conflitos armados de

grandes proporções e as duas guerras mundiais, episódios nos quais a tortura foi

utilizada em proporções inéditas até então.

Essa banalização da tortura pelos militares, em escala ainda maior na

Segunda Guerra Mundial, certamente foi decisiva tanto para a elaboração da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, logo após o seu término, como, alguns

anos depois, durante a epidemia de ditaduras militares na América Latina, nas

décadas de 60 e 70, para a sua utilização contra civis por eles considerados

“inimigos internos”.

A Convenção de Genebra, de 1919, proíbe o uso de Tortura em

prisioneiros de guerra, mas esta continua sendo largamente utilizada.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o texto mais importante

no combate à tortura, porque gerou uma série de pactos e convenções e possibilitou

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o reconhecimento da tortura como delito previsto no Direito Internacional Positivo,

impondo-se aos Estados a obrigação de reprimi-la e, também, impingir sanções aos

violadores da norma. São exemplos: a Convenção Européia de Direitos Humanos

(04/11/1950); o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (12/1966) e a

Convenção Americana de Direitos Humanos (11/1969 - Pacto San José da Costa

Rica).

Em 1975, a ONU aprovou uma declaração sobre a proteção de todas as

pessoas contra a tortura e outros tratos e penas cruéis, desumanas ou degradantes,

com a seguinte definição:

Todo ato pelo qual um funcionário público, ou outra pessoa por ele instigada, inflija intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, sejam físicos ou mentais, com o fim de obter dela, ou de um terceiro, informação ou confissão, de castigá-la por um ato que haja cometido ou se suspeite que cometeu, ou de intimidar essa pessoa ou outra”. Na mesma declaração a tortura era considerada como: “uma forma agravante e deliberada de tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante.

Há, ainda, a Convenção da ONU de 1984 contra a Tortura e outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção

Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura – 1985, da OEA.

4.3 A TORTURA NO BRASIL

Neste país, a tortura foi e ainda é uma realidade, por vezes mascarada e

em outros tantos momentos desvelada.

4.3.1 Aspectos históricos sobre a tortura no Brasil

No Brasil, a Constituição de 1824 aboliu os açoites, a tortura, a marca de

ferro quente e todas as demais penas cruéis. Mesmo assim, os escravos

continuaram a ser supliciados, assim como todas as pessoas pobres, condenadas

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ou não. A tortura foi abolida formalmente, mas continuou existindo nas práticas

policiais e militares, nas delegacias, quartéis e prisões, atravessando impunemente

o Império e a recém-criada República.

Durante o Estado Novo, já no Século XX, a tortura teve sua abrangência

ampliada na ditadura Vargas, incluindo entre as suas vítimas os presos políticos do

regime. Desse período é famoso o episódio no qual o advogado Heráclito Sobral

Pinto utilizou o Código de Proteção dos Animais para a defesa do seu cliente Luís

Carlos Prestes, seviciado e preso pela polícia política, sob a chefia de Filinto Muller.

Durante a ditadura militar, iniciada em 1964, a tortura foi aplicada,

também, a opositores políticos, e não apenas a criminosos comuns. A tortura de

militantes políticos, estudantes e intelectuais pela polícia e serviço secreto das

Forças Armadas mobilizou a opinião pública nacional e internacional contra essa

prática, extinta para presos políticos com a Anistia, em 1979.

A busca da verdade na instrução processual foi ineficaz em relação aos

atos e eventos da tortura e da violência, influenciando assim, vários países a

modificarem sua legislação penal.

Nesses dois momentos da História do Brasil - Estado Novo, de Vargas, e

Ditadura Militar, iniciada em 1964, a Tortura foi explicitamente aplicada aos ditos

inimigos do regime e, mais tarde, denunciada ao público nacional e internacional por

meio de notas e organismos de direitos humanos. A violência contra jovens,

estudantes e intelectuais comoveu e comove, até hoje, a opinião pública.

Passados esses dois momentos, a tortura volta para seu reduto inicial, ou

seja, as prisões e os atos de violência voltam a fazer parte do cotidiano dos

criminalizados. Seja no momento da prisão, durante ou depois, quando apenado,

adentra o sistema para cumpri-la, ele é novamente sentenciado pelos carcereiros

que instigam, com a conivência das autoridades, os antigos presos a maltratarem,

violentarem, agredirem ou até mesmo levarem à morte, ou ainda quando são os

próprios funcionários públicos os carcereiros que aplicam surras e humilhações.

Verifica-se, assim, que a tortura, com o passar dos tempos, foi

conceituada de várias formas. A imagem que vem à cabeça é a do pau-de-arara,

do afogamento e do eletrochoque. Porém, na prática, a tortura pode se dar até pela

falta de espaço, como celas que não comportam nem um terço do número de

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presos que as ocupam, ou, ainda, por meio de violências sexuais e doenças fatais

que impregnam nosso sistema penal.

Cumpre ressaltar que o Brasil está entre os países signatários da

declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada a 10 de dezembro de 1948

pela Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), que diz, em seu artigo V, que

ninguém será submetido à tortura nem à tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante.

O Brasil também ratificou, tornando-se signatário, somente em 28 de

setembro de 1989, o texto da Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, adotada pela ONU em 1984.

4.3.2 A lei antitortura brasileira

Foi insculpida na Constituição Federal de 1988, a condenação à prática

da tortura, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da

Costa Rica), compondo o artigo 5o, inciso XLIII, que faz da tortura crime inafiançável

e assemelhado aos hediondos.

Mas o crime de tortura somente foi tipificado na Lei no 9.455, de 7 de abril

de 1997, que assim define como crime de tortura: constranger alguém com emprego

de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim

de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; para

provocar ação ou omissão de natureza criminosa; em razão de discriminação racial

ou religiosa; submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego

de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de

aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Essas condutas são

penalizadas com reclusão (inicialmente em regime fechado), de dois a oito anos.

O projeto da Lei 9.455/97 foi aprovado no dia 3 de abril pelo Congresso

Nacional e foi sancionada no dia 7 de abril de 1997, ou seja, sete dias depois que foi

feita a denúncia, pelo Jornal Nacional em 31 de março de 1997, sobre as torturas na

Favela Naval em Diadema. Foi, também, no dia 3 de abril que a Comissão de

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Constituição e Justiça da Câmara aprovou a proposta de emenda constitucional que

federalizava os crimes contra os direitos humanos

O caso da Favela Naval se deu que na madrugada do dia 7 de março de

1997, imagens feitas por um cinegrafista amador flagraram dez PM’s do 24º

Batalhão da PM de Diadema-SP que abordaram um gol que passava pela favela

para roubar os ocupantes do veículo, como os três homens não tinham dinheiro,

iniciou-se uma seção de tortura que acabou resultando mais tarde na morte, de um

conferente, a tiros.

4.3.3 A tortura durante as ditaduras militares

A ditadura militar na Argentina (1976-83) foi a que produziu mais vítimas

em todo o continente, cerca de 30 mil mortos e desaparecidos, e uma quantidade

muito maior, incalculável, de pessoas torturadas. Esses dados constam do

levantamento “Nunca Más”, programa coordenado por Adolfo Pérez Esquivel, que

chegou a ganhar o Prêmio Nobel da Paz por esse trabalho.

Quatro características próprias diferenciam a utilização da Tortura na

Argentina, durante essa ditadura militar: a) a quantidade de pessoas atingidas,

dezenas de milhares, no curto espaço de tempo que durou o regime; b) a utilização

de instalações militares nas grandes cidades, inclusive na capital Buenos Aires,

como centros de tortura em escala “industrial”; c) a diversidade das pessoas

atingidas, de estudantes secundaristas a profissionais liberais, ativistas políticos,

operários, militares, religiosos, jornalistas etc.; e d) os torturadores sequestraram e

adotaram os filhos e filhas recém-nascidos das suas vítimas fatais, levados com

elas para os centros de tortura.

Essa característica da Tortura na Argentina levou à criação, em 1977, de

um grupo de avós (alcunhadas pejorativamente pelos militares na época “Las Locas

de La Plaza de Maio”) de filhas e filhos “desaparecidos” após detenção pelas forças

de segurança, que buscavam resgatar também seus netos e netas. Elas

identificaram 500 crianças desaparecidas com seus pais, detidos nessas condições.

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Somente alguns anos depois é que souberam das adoções, pelos próprios militares,

como é mostrado no filme argentino “História Oficial”.

O caso da médica Silvia Quintela é exemplar: sequestrada em 1978 pelos

militares, quando estava grávida de quatro meses, nunca mais apareceu. A criança,

um menino, foi adotada por um militar. Abel Madariaga, seu marido, conseguiu

escapar da prisão e exilou-se na Suécia e no México. Após o final da ditadura, em

1983, voltou à Argentina e, desde então, trabalhava com as Avós da Praça de Maio

na busca do seu filho e de outros filhos de desaparecidos.

Para Abel Madariaga, seu drama terminou em fevereiro de 2010, quando

foi confirmado por exame de DNA, que o jovem Alejandro Gallo, de 32 anos, é na

verdade seu filho Francisco Madariaga Quintela. Para as Avós, o neto desaparecido

de número 101.

Durante as ditaduras militares na América do Sul, nas décadas de

1960/70, a Tortura foi de tal forma massificada, que necessitou ser ensinada, em

cursos formais, aos militares que desconheciam essas técnicas modernas de

interrogatório de “inimigos internos”.

A ditadura militar, que teve início em 1964, apoiada pelos Estados

Unidos, com término somente em 1985, fez com que, nesse período, em face do

Decreto-Lei 667, de 02 de julho de 1969, todas as forças policiais ficassem sob o

controle militar.

Em 1970, os militares criaram uma instituição híbrida policial-militar de

âmbito nacional, chamada Destacamento de Operações de Informações - Centro de

Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão de inteligência e repressão. Os

policias do DOI-COD tiveram adestramento feito por policiais americanos,

atualizando-os sobre novos métodos de Tortura.

Em 1996, o Departamento de Defesa americano, por meio da Escola das

Américas, trouxe a público um texto, um verdadeiro manual, intitulado Como

manejar fontes, em que anunciava que, desde 1946, quando iniciaram suas

atividades em uma base americana no Canal do Panamá, até 1984, quando esta

base passou para o Forte Benning, na Geórgia, passaram por treinamento mais de

60 mil oficiais das forças armadas e das policias da América Latina, que aprendiam

como prender e como forçar um suspeito a confessar (BORGES, 2004, p. 111).

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Veio a público ainda o Manual do Interrogatório, divulgado pelo Centro de

Informações do Exército (CIE), que detalha como deve ser feito um interrogatório,

tipos de prisioneiros e suas personalidades, bem como o uso de violência.

Assim descreve esse Manual:

O interrogatório é uma arte e não uma ciência. Não pode ser resumido a uma série de regras que garantam, a priori, o sucesso. O interrogatório é um confronto de personalidade. Pode começar como um conflito, mas, se for bem sucedido, terminará como uma associação. O fator que decide o resultado de um interrogatório é a habilidade com que o interrogador domina o individuo, estabelecendo tal ascendência que ele se torne um cooperador submisso. Uma agência de contra-informação não é um Tribunal da Justiça. Ela existe para obter informações sobre as possibilidades, métodos e intenções de grupos hostis ou subversivos, a fim de proteger o Estado contra seus ataques. Disso se conclui que objetivo de um interrogatório de subversivos não é fornecer dados para a Justiça Criminal processá-los; seu objetivo real é obter o máximo possível de informações. Para conseguir isto será necessário, freqüentemente, recorrer a métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência. É assaz importante que isso seja muito bem entendido por todos aqueles que lidam com o problema, para que o interrogador não venha a ser inquietado para observar as regras estritas do direito (SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÃO, 1971, p. 17).

Durante a ditadura militar (1964-85), diversas pessoas foram

investigadas, presas e torturadas, entre as quais artistas, estudantes, intelectuais,

lideres comunitários e operários. A polícia secreta chegava até elas através de

investigação e também por delação, que muitas vezes servia como forma de

vingança.

Segundo o projeto “Brasil Nunca Mais”, a tortura foi aplicada

indiscriminadamente, não importando idade, sexo, condição física ou psicológica em

que o acusado se encontrava. O número de pessoas que realizaram denúncias foi

de 1843 e cada uma delas foi submetida a diferentes tipos de tortura (BRASIL

NUNCA MAIS, 1985, p. 16-17).

E mais:

[...] os relatos trazem consigo a convicção inabalável que é a aplicação da tortura havia sido deliberadamente determinada e adotada, fazendo parte essencial do aparelho de repressão montado pelo regime militar.

Decorre dos testemunhos a certeza de que o uso da tortura contra opositores políticos é parte integrante dos regimes calcados na

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Doutrina de Segurança Nacional. (BRASIL NUNCA MAIS, 1985, p. 17).

Neste período, ideologicamente, criou-se a doutrina da Segurança

Nacional e em nome dela, na busca de “salvar” o país do inimigo interno e externo,

vários direitos coletivos e individuais foram atingidos. O Golpe de 1964 institui um

regime autoritário e militar em que vários generais sucederam-se no comando.

Sucessivos atos institucionais aumentaram o poder formal dos militares

no comando do país, cassando direitos constitucionais e políticos de milhares de

pessoas, que assim perdiam seus empregos, inclusive nas próprias Forças

Armadas, sob a vaga acusação de atos subversivos. Foram cassados assim

centenas de professores universitários, servidores públicos, parlamentares,

prefeitos, governadores e profissionais liberais, e uma grande quantidade deles saiu

do País no período, justamente por receio de ser preso e Torturado.

A decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968,

instaurou o período mais violento da repressão política, desencadeando uma onda

de prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas com

envolvimento político contrário ao regime militar.

Nessa época, a tortura pelos militares contra todos os quais

consideravam inimigos (apresentados por eles à população como “terroristas”), era

tratada nos meios de comunicação abertamente, como podemos ver nestes

fragmentos de uma matéria escrita na revista Veja em 1969.

Os argumentos dos torturadores soam racionais, lógicos. "Em nossa opinião, há duas coisas básicas quando se considera a questão das torturas. A primeira é que nós estamos em guerra - uma guerra contra a subversão - e que essas pessoas (isto é, os torturados) são os inimigos. Se eles subirem ao poder, não se falará em torturas ou prisões para nós, mas se falará na nossa morte, com quatro balas nas costas", teria dito a Peter Kramer, correspondente no Rio da revista semanal de informação americana "Newsweek", "alto oficial dos serviços de inteligência brasileiros". "A outra coisa”, teria continuado o oficial, "é que uma pessoa com uma ideologia não dá informação de presente." O oficial citado por "Newsweek" pode ser um personagem-simbolo e suas eventuais palavras poderiam representar o pensamento generalizado dos que defendem as torturas contra os presos políticos. Talvez com boa intenção democrática, e também com um excessivo zelo pelas idéias com que definem democracia, eles parecem dizer: "É melhor dar pancadas neste cidadão e obrigá-lo a confessar onde estão os outros terroristas, para evitar que eles matem pessoas inocentes".

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Ao fazer um balanço da atuação repressiva da Ditadura Militar brasileira,

em seu livro “Combate nas Trevas”, o historiador e ex-integrante do Partido

Comunista (PCB), Jacob Gorender, estima ter havido um total de 50 mil pessoas

com passagem na Polícia por questões políticas; 20 mil submetidas à tortura pelos

órgãos de repressão; 144 desaparecidas, centenas baleadas, 8 mil acusadas, 11 mil

indiciados, 130 banidos do Brasil e 780 com direitos políticos suspensos por 10

anos (BORGES, 2004).

4.3.4 A tortura nos presídios brasileiros

Todo o esforço de denúncia da tortura realizada nas décadas de 60 e 70

do Século XX deve ter resultado em alguma redução momentânea da sua utilização

também nas pessoas acusadas de delitos diversos, os chamados presos comuns,

mas não produziu efeitos duradouros para eles, porque a sua prática continua

impune, continuando tais acusados a serem espancados, dependurados no pau-de-

arara, afogados, levando choques, violentados e submetidos a várias outras formas

de suplícios.

A tortura no Brasil é uma herança do período escravagista e da ditadura

militar que, por 20 anos, dominou este país, sendo, pois, a tortura uma prática

legalizada dentro do sistema. Além do mais, com o final da ditadura militar, nenhum

dos torturados foi levado a julgamento, ficando a impunidade impregnada no sistema

carcerário.

O sistema prisional brasileiro encontra-se em situação caótica.

Superlotação, motins, maus tratos, assassinatos, reincidência elevada, falta de

assistência médica, jurídica e tortura, de diferentes formas, praticada tanto por

funcionários públicos encarregados de zelar pela integridade física dos presos, como

pelos próprios presos, em situações de disputa de poder, por vingança, ou até por

instigação dos carcereiros contra presos recém-chegados, acusados ou condenados

por determinados crimes.

Constata-se que apenas integrantes da classe social de baixa renda

encontram-se encarcerados e sofrem tortura e maus tratos. Quem possui elevada

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condição de vida, curso universitário e é bem relacionado na sociedade consegue,

salvo raríssimas exceções, livrar-se da prisão e, principalmente, dos maus tratos e

tortura.

A jornada desses presos de baixa renda inicia com a sua detenção sob

violência física e emocional, passa por interrogatórios nas delegacias nos quais é

frequente a utilização de tradicionais métodos de tortura, mas não acaba quando

chegam às prisões, porque o sistema carcerário é um espaço de violência.

O senso comum é de que preso deve purgar pelos seus pecados:

apanhar, passar frio e fome, sofrer o máximo possível. Não basta, para a população,

que os presos sejam privados da liberdade; ela incorpora a noção de que o castigo

físico faz parte do risco de ser criminoso. Por isso, haveria certa aceitação da tortura

pelo sistema policial-prisional, seria este o “preço” a ser pago pelo criminoso.

Somente quando ocorre um “exagero”, ou um “acidente”, e o preso morre

nas mãos da polícia ou na penitenciária, aí a tortura é criticada pela imprensa,

políticos, entidades como a OAB. Na verdade, a crítica é somente à tortura

excessiva, à morte de um detido ou preso, por funcionários públicos nas

dependências do Estado. A tortura como rotina segue sendo uma ilegalidade

consentida, em pleno Século XXI.

Em matéria publicada na revista Carta Capital, em 25 de março de 2009,

depreende-se:

Corrêa foi acusado de deter ilegalmente e torturar, à base de chutes, pauladas, socos e eletro choques, a empregada doméstica Ivone da Cruz, em 21 de março de 2001, nas dependências da Superintendência da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Ivone, então com 39 anos, trabalhava na casa de uma mulher identificada apenas como Ocacilda, também conhecida pelo apelido de “Vó Chininha”, avó da mulher do delegado, Rejane Bergonsi. Presente durante um assalto à casa da patroa, Ivone acabou apontada como suspeita de cumplicidade com os criminosos, embora nenhuma prova ou evidência tenha sido levantada contra ela até hoje. Corrêa era, então, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF em terras gaúchas. (FORTES, 2009, p. 20)

E, em matéria publicada na Folha Online também temos mais um

exemplo de que a Tortura persiste, apesar de sua ilegalidade.

Segundo a reportagem de "O Dia", os integrantes da equipe foram espancados e submetidos a uma sessão de choques elétricos e

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sufocamento com saco plástico pelos milicianos durante sete horas e meia.

Os três foram capturados em 14 de maio, diz o diário. Eles moravam numa casa alugada na favela desde 1º de maio. Segundo o jornal, a equipe pretendia fazer uma reportagem sobre a vida dos moradores em comunidades dominadas por milícias. O diário não revelou a identidade dos funcionários. (GOVERNO, 2008)

Colhe-se, ainda, de matéria publicada no Diário Catarinense (Edição de

02 de novembro de 2009):

Um dia após a divulgação de imagens de tortura na penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, surge uma nova denúncia: em janeiro do ano passado, um preso teria morrido dentro da unidade. A família recorreu à corregedoria da Secretaria de Segurança Pública, e um laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) teria indicado espancamento. — Quem bateu nele foram os agentes prisionais, né. Espancaram ele até a morte. Quebraram o pescoço e teve traumatismo craniano. Nos braços estava cheio de hematomas, no corpo inteiro — conta o pai da vítima. (MARQUES, 2009)

A Anistia Internacional (2001, p. 5) chegou a várias conclusões com

relação à Tortura no Brasil, “que no Brasil de hoje, tortura e maus-tratos deixaram

de ser armas de repressão política e se transformaram as ferramentas essenciais

da rotina policial diária”, ou seja a nossa polícia não é treinada para a investigação,

ela usa o atalho da força bruta.

No inicio do século 21, a prática de tortura e de forma cruéis desumanas e degradantes de tratamento, no Brasil permanece difundida e sistemática. Os representantes da Anistia Internacional estão constantemente obtendo provas desse fato, seja durante visitas periódicas ao pais, seja por intermédio do testemunho de vítima ou grupos de direito humanos. Tais provas, na realidade, indicam o uso repetido e calculado de tortura ou maus tratos em muitas das delegacias policiais e centros de detenção de todos os 26 estados do país, bem como no Distrito Federal, não como política oficial, mas como método consagrado de policiamento ou controle nas instituições correcionais (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, p. 5).

Para ilustração, vejamos um caso relatado pela Anistia Internacional, que

demonstra o fracasso da policia em interrogatórios com tortura:

Alexandre foi preso em 12 de janeiro de 2001, no município de Bom Jardim, Estado de Minas Gerais, sob a acusação de estupro da própria filha de um ano de idade, que fora hospitalizada segundo consta, por apresentar sangramento na região genital. Alexandre foi levado à delegacia de Bom Jardim onde, segundo as informações,

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negou o estupro da filha. Consta que então foi algemado por policiais civis, que passaram a golpeá-lo nas solas dos pés, com um pau envolto em fita adesiva, além de lhe aplicar eletrochoques na nuca. Alexandre declarou também que os policiais lhe disseram que a tortura não cessaria até o momento que ele assinasse uma confissão. Alexandre assinou a confissão, embora alegue que não lhe foi dada oportunidade de ler o texto. Em 17 de janeiro de 2001, Alexandre foi posto em liberdade após ter sido constatado por novos exames médicos que a causa do sangramento e inchaço dos órgão genitais de sua filha era a presença de um tumor. A corregedoria de Minas Gerais abriu inquérito sobre o incidente e seis integrantes da Policia Civil foram indiciado como suspeitos.

A Anistia Internacional (2001, p. 11) levanta algumas questões

preocupantes como:

O uso sistemático de tortura e maus-tratos no momento em que é efetuada a prisão, e durante o interrogatório de suspeitos para a obtenção de confissões, informações ou para extorquir dinheiro.

Condições cruéis, desumanas ou degradantes de detenção em delegacias policiais, centros de detenção e prisões. Pouca ou nenhuma monitoração externa, independente e efetiva dos locais de detenção.

Impunidade generalizada para os perpetradores da tortura, agravada por omissão sistemática na aplicação da Lei de tortura. Fracasso institucional da justiça criminal, em nível estadual, para assegurar a implementação da lei de tortura.

Fracasso do governo federal para garantir a plena implementação da lei de tortura por meio da provisão da determinação política e do apoio necessário, o que inclui a monitoração do usos da tortura e a introdução de salvaguardas contra as falhas do sistema de justiça criminal.

4.4 A TENTATIVA DE LEGITIMAÇÃO DA TORTURA

Com o discurso do aumento da criminalidade, criando uma insegurança

generalizada, a questão da segurança pública é hoje o principal tema para a

população, o mais presente na imprensa. Todos são bombardeados com

informações sobre violência diariamente. As crianças convivem com situações muito

violentas em videogames, jogos de computador e filmes na TV, nos quais persistem

o estereótipo do bandido e as torturas como método de obtenção de informações.

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Um desenho animado da Disney, com uma estória dos três porquinhos e

do Lobo Mau, tem cenas inacreditáveis, ainda mais levando-se em conta que o seu

público-alvo são crianças pequenas: o lobo preso, amarrado a uma cadeira, sendo

torturado pelo “Prático”, um dos três porquinhos, que faz as perguntas e, ao não

obter as respostas desejadas, submete sucessivamente o interrogado a pancadas

com um instrumento, até ele não aguentar mais e falar.

O medo do outro está presente constantemente: é o medo do assalto, do

sequestro, da bala perdida e de ser morto. A vigilância privada é um dos setores

que mais cresce no mercado brasileiro. O discurso também vai no sentido de mais

policiais, mais presídios, mais armamentos, pois travamos uma guerra interna

contra o crime.

Programas de televisão especializados na cobertura de crimes violentos transformaram-se no esteio da programação do horário nobre de vários canais, ao mesmo tempo que as reportagens da imprensa escrita também passavam a tirar proveito do medo que assaltantes e ladrões inspiram à população (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001).

A miséria passou a ser sinônimo de criminalidade, o que aumenta o fosso

existente entre as classes sociais, levando aqueles que possuem bens materiais a

protegerem-se em carros blindados e segurança pessoal. Os espaços de diversão

são completamente diferenciados. O contato entre as classes sociais praticamente

restringe-se às situações profissionais, como o juiz que vê o integrante de outra

classe somente em audiência, ou a sua empregada doméstica; o médico que

atende pelo SUS; o promotor em audiência; o banqueiro seu motorista e sua

empregada doméstica. O outro, o desconhecido, o que não faz parte de seu meio

social, causa-lhes medo, tornando-se indiferentes a ele.

Mas será que miséria é, realmente, sinônimo de criminalidade?

Segundo Costa (2004, p. 124),

Os estudos mostram que não há necessariamente uma relação de causalidade entre o crescimento da violência, e a miséria na década de 1980. Ana Maria Peliano e outros apontam que o “mapa da fome” não coincide com o da violência. Ou seja, os mais de 30 milhões de brasileiros que diariamente enfrentam a fome não habitam necessariamente as áreas mais afetadas pela violência. Enquanto o crescimento da violência é um fenômeno principalmente urbano, a fome incide tanto sobre a população urbana quanto sobre a rural.

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Neste momento o objeto de estudo da escola clássica está presente, o

livre arbítrio, o senso comum acredita que o criminoso o é por que quer, porque

assim decidiu, e, portanto, deve sofrer as consequência de seus atos, deve sofrer

na cadeia, deve apanhar, pode ser violentado ou infectado, terá assim o que

merece.

No dizer de Costa (2004, p. 36),

Algumas autoridades políticas e policiais, jornalista e mesmo a população em geral têm aceitado a idéia de que há uma tensão entre a manutenção da ordem e o exercício democrático do poder por parte das policias. O aumento das taxas de violência urbana acabaria por forçar, de algum modo em “endurecimento” das policias na “luta contra o crime”, o que acarretaria o uso mais freqüente da força para realizar o controle social. Em outras palavras, atribuem a variação na intensidade e no uso da força na atividade policial à necessidade de controle social.

A aceitação da violência pela sociedade não é apenas no apoio eleitoral e

no financiamento de grupos de extermínio, sendo a mídia uma das mais influentes

nesta cultura da violência policial.

Segundo Costa (2004, p. 128), quando a polícia invade favelas e mata

gente inocente, a comunidade se reúne para protestar, mas a mídia mostra isso

como se fosse uma estratégia do narcotráfico.

Uma pesquisa realizada pela CPDOC/FGV e Iser, 1997, no Rio de

Janeiro, mostrou que o uso de métodos violentos para confissão de suspeitos, é

para 4,1% sempre justificável; para 52,1% é injustificável; para 40,4% é justificável

em alguns casos e 3,4% não sabe ou não respondeu.

Em suma, segundo Rocalli (2005, p. 60), “a população quer segurança,

quer ver o criminoso atrás das grades e ponto. Não quer saber o que acontece no

interior das cadeias”, a menos que haja um massacre dos presos pela polícia, como

os que ocorreram em Porto Velho, em Presidente Prudente e no Carandiru, em São

Paulo, com centenas de mortos, quando o assunto ocupa o noticiário por alguns

dias.

E, no dizer de Bitencourt (1993, p. 89), “[...] em muitos setores sociais,

encontra-se muito enraizado o conceito de que a prisão é um lugar onde se deve

propiciar o sofrimento e a mortificação do delinqüente”.

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O sistema carcerário contrariando o discurso e sua principal função, que

seria a de ressocialização do apenado torna-se um espaço gerador de violência,

onde o pensamento maniqueísta, da luta do “bem contra o mal” incorporado pelo

senso comum é colocado em prática.

Andrade (2003, p. 20) afirma que,

[...] no senso comum, existem os homens de bem e os homens maus, sendo os primeiros os artífices dos sadios valores e da boa vida que os segundos, em alarmante expansão, estariam impedindo de viver. A função declarada do sistema penal seria a de controlar a totalidade das condutas dos homens maus (a criminalidade) para garantir a boa vida dos homens bons (a cidadania).

Outra questão que deve ser suscitada é o valor que é dado à confissão

no nosso sistema de justiça criminal. Ela está prevista nos artigos 197 a 200 do

Código de Processo Penal Brasileiro, e já foi considerada a prova mais importante.

Não há dúvidas que essa condição contribui para que os agentes de segurança

busquem obter rapidamente a confissão dos suspeitos, lançando mão do

expediente criminoso da Tortura.

Mas essa importância da confissão deixou de ser verdadeira justamente

por causa da utilização da tortura para obtê-la, havendo até quem defenda por isso

a sua total eliminação enquanto prova. São tantos e notórios os casos de confissões

feitas nas delegacias e desmentidas em juízo, sob a alegação de que foram obtidas

sob tortura, que se tornaram rotina tais situações. E, igualmente, as confissões

obtidas de maneira ilegal pela Polícia, para encontrar culpados de casos de grande

repercussão pública, solucionando-os falsamente às custas de acordos coercitivos

com suspeitos. Como os julgamentos demoram, quando finalmente ocorrerem o

assunto terá “esfriado”; entretanto, nem sempre o desmentido dos acusados em

juízo livra-os de uma condenação por crimes que não cometeram.

Apesar de garantido ao acusado o direito de permanecer calado, no

artigo 5º da Constituição de 1988, o seu silêncio é interpretado pela autoridade

policial como uma afronta inaceitável, e confissão de culpa. Por isso, merecedor de

todas as formas de agressões, que sejam capazes de fazê-lo falar o que fez e o que

sabe a respeito do caso, ou na linguagem policial, “cantar”.

No dizer de Mir (2004, p. 237), a tortura realizada pela policia busca três

objetivos:

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[...] primeiro, conseguir rapidamente informação com o propósito de efetuar outras detenções e desbaratar possíveis atividades criminosas. Segundo, quebrar a resistência do prisioneiro, anulando-o em sua condição de ser humano. Por último, castigá-lo como vingança pelo desafio à ordem e aos costumes estabelecidos. Especificamente a propriedade privada.

Outra problemática que contribui para que as polícias violem os direitos

humanos é a forma como elas funcionam como instituição. A questão da violência

policial não deve ser levada no plano do indivíduo, isto é, do mau policial, pois isso

seria simplificar toda uma cadeia de poder e organização do Estado em relação à

segurança pública. O policial faz parte de uma instituição e é esta instituição que

deve sofrer mudanças que levem à erradicação da violação dos direitos humanos. A

polícia é somente um instrumento de execução do poder do Estado e é ele que

deve criar mecanismos de controle sobre a violência policial.

Faz-se necessário, ainda, dizer que o fato de haver no Brasil, ainda hoje,

polícias militares estaduais, passados 25 anos do final da Ditadura de 1964,

confirma o domínio da mentalidade repressiva de caráter militar.

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5 CONCLUSÃO

A violência sempre esteve presente nas relações sociais. Fez e faz parte

da preocupação de pensadores deste século e dos anteriores, por motivos

diferentes, em alguns mais humanitários e estruturados em mudanças sociais em

prol de uma sociedade mais humana e mais justa. Para outros, como conveniência

a uma exploração de uma classe sobre outra, e na contenção de uma miséria fruto

desta exploração.

As formas de encarceramento encontram-se relacionadas com a

manutenção do poder, usando-se até nossos dias atuais a prisão como contenção

de pessoas oriundas de classes menos afortunadas. O Estado sempre esteve

presente, ora legitimando, ora não legitimando o uso da violência, mas sempre está

com ela, como medida a ser tomada quando o poder de quem o controla estiver

ameaçado, como aconteceu nas ditaduras militares no Século XX e nas que ainda

persistem em pleno século XXI.

Portanto, nessa pequena caminhada pela história da tortura, pode-se

concluir que essa prática teve seu inicio amparada na legalidade, fazendo até

mesmo parte da pena como os suplícios e sempre vinculada às classes menos

favorecidas; entrou na ilegalidade, mas graças à impunidade de que desfruta até

hoje, continua sendo exercida contra presos comuns que pertencem à classe pobre.

Somente atingiu a classe média no Brasil por questões políticas, durante as

ditaduras da Era Vargas e do regime militar, voltando, em seguida, até a atualidade,

a atingir detentos da classe pobre e persistindo até hoje dentro do sistema policial-

carcerário.

Centenas de milhares de pessoas no Brasil, suspeitas, acusadas,

condenadas, foram, são e serão vítimas da tortura, praticada por servidores públicos

municipais, estaduais e federais, adeptos dessa prática tão comum quanto impune.

Essa situação é tão escandalosamente pública e impune, que permite pensar até

que ponto a tortura está incorporada na cultura do povo brasileiro. Pode-se

depreender do noticiário cotidiano que ela continua presente nas ruas, delegacias,

quartéis e presídios. Sua prática nunca é admitida formalmente, mesmo quando as

evidências são gritantes, como os três detidos em delegacias paulistas que

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apareceram mortos em janeiro de 2010, todos coincidentemente dados como

“suicídio” pela polícia.

Esse é um aspecto interessante da questão: a tortura é tão frequente e

disseminada em todo o País, graças à impunidade dos torturadores e de quem os

acoberta, mas, apesar disso, ninguém assume que tortura, e quando acusado, nega

sempre. É como se houvesse um limiar não-escrito, um acordo tácito, raramente

quebrado, entre torturadores e seus superiores hierárquicos, civis e militares, e o

Judiciário. Afinal, não fosse assim, haveria inúmeros casos de denúncias de torturas

– por policiais, civis e militares, militares das Forças Armadas, guardas

penitenciários, e monitores das antigas Febem – Fundação Estadual do Bem Estar

do Menor, sendo julgados todos os dias, com grande quantidade de condenações

divulgadas pela imprensa.

A mídia é conivente com essa situação. Também ela se omite da tortura

rotineira, digamos assim. A imprensa sabe que todos os dias há milhares de

pessoas sendo torturadas em presídios do País. Mas isso não é notícia, está

incorporado ao cotidiano. Somente quando há uma morte escandalosa, é que a

imprensa dá alguma atenção, como no caso do chinês, detido e violentamente

torturado pela polícia no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, quando ia

embarcar para o Exterior com mais dólares do que o permitido pela legislação.

Passados 25 anos do fim da Ditadura Militar no Brasil, quando as torturas

de presos políticos escandalizaram o País, chamando a atenção da Anistia

Internacional (e até do presidente dos EUA, Jimmy Carter, que em 1977 pediu

providências ao general-presidente Ernesto Geisel), e em plena Era da Inteligência

e da Comunicação virtuais, como explicar que as polícias ainda recorram a práticas

medievais para obter informações de suspeitos? E por que nas antigas Febem e

nas modernas penitenciárias ainda se tenta manter a ordem castigando brutalmente

os internos e os presos?

Como entender e justificar a prática de tortura, disseminada

nacionalmente, cotidiana e impune, no Brasil de plenitude democrática, imprensa e

Judiciário livres, Ministério Público atuante, quase dez milhões de jovens nas

universidades, seis centrais sindicais e milhares de sindicatos, organizações não-

governamentais de defesa do Meio Ambiente, do Mico-Leão Dourado, etc., etc....?

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Esse dilema extrapola a questão policial, avança no drama das

delegacias e prisões superlotadas (sempre!), nas quais a grande maioria das

pessoas ali mantidas em condições sub-humanas são jovens entre 18 e 29 anos, de

baixa escolaridade e renda (CARVALHO FILHO, 2002, p. 58).

O governo federal, a partir de 2003, adotou políticas sociais voltadas para

essa faixa da população, como o Programa Fome Zero e o Bolsa-Família. Por que

não enfrentou radicalmente a questão da Tortura e dos maus-tratos nas delegacias

e penitenciárias?

Urge a necessidade da discussão da tortura como uma prática vinculada

ao poder não só de um tirano, de um Estado, como de uma determinada classe

social sobre outra, e a estereótipos desenvolvidos ao longo da história do sistema

penal e a formas de violências construídas e aceitas pelo senso comum. Este

trabalho buscou demonstrar que dentro do pensamento das escolas que buscaram

uma solução para a criminalidade, seja encarceirando, com ou sem trabalho dentro

do sistema, foi sempre uma determinada classe social a clientela do sistema penal,

visão esta demonstrada pela Criminologia Crítica, que também vem construir o novo

paradigma da reação social, mostrando que é a sociedade quem diz quem é o

criminoso.

As idéias criminológicas surgidas com a escola clássica, que buscava

modificar o sistema punitivo criando regras sólidas, nas quais a justiça não ficasse

ao arbítrio de um soberano, diante de uma situação em que a violência na forma

mais bárbara imperava na punição dos delinquentes, e que as pessoas pudessem

ter seus direitos garantidos frente às arbitrariedades perpetradas pelo Estado. Esta

escola teve um papel fundamental para a mudança das formas de instrução

processual e punição.

Enquanto a escola positivista, visado à proteção da sociedade criou o

paradigma etiológico, que teve no infrator a resposta para a criminalidade construir

estereótipos que sobrevivem até hoje em nossa sociedade, delineando que cara

tem o criminoso. Percebemos que sempre, em esmagadora maioria, foi uma

determinada classe social quem foi e é clientela do sistema penal, ou seja, os

escravos em determinado momento histórico, os estrangeiros, os trabalhadores, as

prostitutas, enfim os pobres. E para que houvesse uma forma de contenção, a

punição era, no passado, a morte, o degredo, o suplício, as amputações, os

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trabalhos forçados, as Gales e o confisco dos bens. Passou em outro momento a

ter, como forma hegemônica de contenção, as prisões que por serem destinadas

também àquela classe menos favorecida, virou um ambiente de violência e

degradação. Portanto, também é a clientela da tortura, da violência policial, das

violações de direitos humanos. Quais seriam as soluções para se contrapor a tais

violações? Educação em Direitos humanos para policias nas academias, para a

população nas escolas, um controle sobre a mídia com relação a programas que

somente contribuem para as violações em direitos humanos, o direito a voto para os

presos, pois, assim, políticos e partidos dariam mais atenção às condições

degradantes do sistema, punição aos torturadores do regime militar para ajudar a

desconstruir a sensação de impunidade.

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