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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CAMPO DE BATALHA, LUGAR DE MEMÓRIA I VOLUME Victor Portugal Valente dos Santos MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL Setembro de 2010

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

CAMPO DE BATALHA, LUGAR DE MEMÓRIA

I VOLUME

Victor Portugal Valente dos Santos

MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

Setembro de 2010

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISSERTAÇÃO

CAMPO DE BATALHA, LUGAR DE MEMÓRIA

Orientada por

Prof. Doutor Pedro Ferreira Gomes Barbosa

Prof. Doutor Leonel Fadigas

Victor Portugal Valente dos Santos

MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL

Setembro de 2010

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RESUMO

O património cultural imaterial conjugado com o material e o natural ganha

mais importância, levando a comunidade a um melhor exercício na produção,

preservação e recriação destes patrimónios numa participação valorativa da diversidade

cultural e criativa do desempenho humano.

A guerra, fenómeno doloroso e dramático, que altera as relações humanas, pela

sua natureza transcendente, faz a diferença entre viver e morrer, é tema apropriado para

evocar o passado e a memória histórica em polifacetada perspectiva colectiva.

Referimos assim “Campo de Batalha, lugar de memória” para salientar a relação

biunívoca que os une e conforma.

Conjugámos, no início de modo distinto, os conceitos “guerra” e “património”

para mostrar que estão fortemente ligados numa postura que deverá ser fortalecida e

salientada. Procurámos a génese, a evolução na comunidade e reflectir nas acções que

condicionam o fenómeno, com particular relevo para o território, cenário do confronto.

Considerámos a guerra como solução comunitária na protecção do património recebido

que pretende legar à geração seguinte, consubstanciado na concretização do campo de

batalha como lugar de memória.

Procurámos a génese, a evolução patrimonial e a protecção face ao vandalismo.

Referimos o evoluir da prática museológica por o Homem ser considerado integrado na

natureza. Reflectimos no património e sua sustentabilidade pelo turismo cultural.

Evidenciámos a utilidade do centro de interpretação (características, objectivos e

desempenho), sua situação em Portugal e tirámos conclusões das respostas autárquicas

recebidas. A análise das respostas permitiu conclusões interessantes.

Terminámos com algumas propostas para os campos onde se realizaram

confrontos inolvidáveis em defesa de um Ideal colectivo.

PALAVRAS - CHAVE

Aljubarrota; Campo de batalha; Memória; Património Militar; Centro de Interpretação

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SUMMARY

The immaterial cultural heritage, combined with the material and natural ones,

acquires more relevance, leading the community to better results in the production,

conservation and recreation of those heritages, through a evaluative participation in the

cultural diversity and creative of human performance.

The war, painful and dramatic phenomenon, changes the human relations by its

transcendent nature, making the diference between live and death, is therefore

appropriate theme to evoke the past, historical memory in multifaceted collective

perspective. We refer ”Campo de Batalha, lugar de memória” to emphasize that two-

way relationship, that unites and conforms both.

We have combined, at first in a different perspective, the terms “war” and

“heritage” to show they clasely linked in a posture that shoud be strengthened and

empasized. We also have searched the genesis, the evolution on the community and to

reflect on the actions that affect the phenomenon, with a particular focus on the

territory, physical space and scene or confrontation.

War is in this way considered has a comunitary solution for heritage protection,

wich one wants to bequeath to the next generation, embodied in the battlefield as a place

of memory.

We searched the origin, evolution and heritage protection against vandalism.

We consider the museological intervention as a mechanism of the Man integration in

the Nature. We analised our heritage and its ustainability through the use of cultural

tourism.

Refer to the weight or military heritage in the military experience, shared with

those who have never been to the armed service of the collective wellbeing.

We showed the usefulness of the Interpretation Centers (characteristics,

objectives and performance), theirs situation in Portugal and we drew conclusions from

the responses received from the local governments.

Finally, we advances some proposals to the fields where unforgettable

confrontations took place in defense of a collective Ideal.

KEYWORDS

Aljubarrota; Battlefield; Memory; Military patrimony; Interpretation Centre

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AGRADECIMENTOS

A consideração e respeito da memória nacional pela utilização adequada dos

campos de batalha existentes em Território Nacional é pertinente mas está condicionada

por múltiplos factores que se devem conjugar nas dimensões do ontem, hoje e amanhã.

A comemoração desta lembrança necessita de um empenhamento consciente e

dinâmico das populações residentes, infelizmente pouco participativas pelo descuidado

apoio que localmente têm sido votadas, agravado por serem pouco conhecedoras do

passado local, regional e nacional, o que tem agravado o esquecimento de nalguns

sítios.

O presente estudo complementado com propostas, procura estabelecer uma

“solução de compromisso” entre uma multiplicidade de saberes, em escala apropriada

(história, museologia e património) integrada na respectiva área regional, planeamento

urbano e turismo cultural), só possível com a ajuda dos professores dos seminários do

Mestrado História Regional e Local.

É importante referir a participação dos agentes de ensino na realização deste

propósito - que sem eles seria naturalmente bastante mais difícil senão impossível – e

salientar as solidariedades inesquecíveis que é justo distinguir.

A execução do trabalho, para alem de investigação, análise e registo de

significativo universo de valores, que não sendo de natureza metodológica ou científica,

importa reflectir e salientar o desempenho de variados factores.

Alguns nomes estão no alicerce desta demanda de investigação e de conhecimento que é

justo referir, a quem devo o despertar do interesse pessoal pela temática “Campo de

batalha, Lugar de memória “:

- Ao Prof. Doutor Pedro Ferreira Gomes Barbosa, Professor Associado com Agregação

da Faculdade de Letras de Lisboa, coordenador do Mestrado História Regional e Local,

pelo incentivo amigo e úteis sugestões, o meu grato obrigado;

- Ao Prof. Doutor Arquitecto Leonel Fadigas, Professor Associado da Faculdade de

Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, pela permanente disponibilidade,

sugestão criativa e orientação que enquadrou a investigação num conteúdo estruturado e

apelativo, o meu obrigado;

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- Ao Dr. António Nabais, presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM)

e técnico superior do Instituto Português de Museus, pela partilha amiga e pronta dos

conhecimentos nas áreas, museológica e museográfica, o meu grato e sentido obrigado;

- Ao Prof. Doutor João Gouveia Monteiro, Professor Associado com Agregação da

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, responsável pelo despertar do meu

interesse pelo universo medieval e também por me ter iniciado nas “manhas” da guerra

medieval no curso de História Medieval Militar, na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra, que tive o privilégio de frequentar no ao lectivo 1999-2000, o

meu bem-haja;

- Ao Engenheiro António de Almeida Monteiro, ilustre batalhence apaixonado pela terra

onde nasceu, que desde jovem estuda atentamente, com quem continuo a aprender na

partilha de longas conversas e na visita a locais relacionados com a batalha de

Aljubarrota, o meu grato bem-haja pela disponibilidade e múltiplas provas de amizade;

- À Dr.ª Maria da Conceição Colaço, Técnica Superior do Museu José Malhoa, em

Caldas da Rainha, pelo companheirismo amigo e disponibilidade pronta na ajuda da

pesquisa, o meu muito grato obrigado;

- Ao Mestre Carlos Alberto Santos Mendes, Presidente da Associação Terras Quentes

de Macedo de Cavaleiros, o meu agradecimento pela disponibilidade manifestada pelos

úteis e oportunos conselhos;

- Aos colegas do Mestrado com quem partilhei desilusões, saberes e experiências, o

meu reconhecimento pelo companheirismo;

- Aos Amigos que de perto acompanharam as minhas preocupações, trabalhos, dúvidas

e alegrias, o meu obrigado;

- E por fim, os últimos são os primeiros, à Família, em particular a minha mulher,

companheira amiga, sempre disponível, preciosa pela confiança, apoio incondicional,

incentivo, paciência e disponibilidade na revisão do texto. Pronta a minorar na vivência

familiar quotidiana qualquer indisponibilidade da minha parte, o meu sentido e muito

grato reconhecimento. BEM HAJAS.

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ÍNDICE

Capítulo I – A GUERRA. CAMPO DE BATALHA, LUGAR DE MEMÓRIA

1. A guerra através do tempo - 15

2. Reflexões sobre a guerra - 18

3. A guerra e o património - 26

4. A importância do terreno na conduta e desfecho dos confrontos armados - 31

5. Campo de batalha, lugar de memória - 38

6. O estado da arte - 44

Capítulo II – O PATRIMÓNIO

1. Património - 45

1.1 Vandalismo - 48

1.2 Evolução do conceito museológico - 54

2. Património militar - 61

3. Património e centro de interpretação (reflexão) - 65

3.1 A interpretação (metodologia da interpretação) - 66

3.2 Qual a extensão do património a considerar? - 69

3.3 Conservação para quem? Porquê? - “

3.4 Conservação e gestão do património - “

3.5 Consequências da nova leitura do território.

Valorização do território - 70

3.6. Relação entre património e turismo cultural - 71

4. Os centros de interpretação em Portugal. Análise das repostas autárquicas - 76

Capítulo III – A PATRIMONIALIZAÇÃO DA GUERRA.UM CASO DE ESTUDO

1. Campos de batalha em território português - 79

2. O campo de S. Jorge, onde se travou a batalha de Aljubarrota - 88

2.1. Panorama sociopolítico na Europa e em Portugal no século XIV - “

2.2. Conduta e desfecho da batalha de Aljubarrota em função do terreno - 92

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Capítulo IV – A MUSEALIZAÇÃO DA GUERRA

1. Comemorar a guerra -109

2. O Campo e Museu Militar de S. Jorge. Estatuto patrimonial (Períodos) -113

2.1. O período de 1393 a 1986 - “

2.2. O período de 1986 a 2003 -125

3. A Fundação Batalha de Aljubarrota (documentos iniciais) -131

4. Um exemplo peninsular. Nota histórica da batalha em La Albuera. -132

Preparação, conduta e desfecho do confronto

4.1.O centro de interpretação de La Albuera. -138

Apropriação e revitalização da memória

5. Reflexões comparativas. -140

Capitulo V – PROPOSTAS E CONCLUSÕES

1.Proposta para gestão integrada para campo de batalha -152

2.Outras propostas relativas ao campo onde se travou a batalha de Aljubarrota -153

3.Conclusões -166

VI –BIBLIOGRAFIA

1.Específica -170

2.Enquadrante -175

3.Geral -179

VII – ANEXOS (Pasta II)

1. Documentos, recortes de jornais relativos ao Museu e Campo Militar de S. Jorge

2. Documentos de implementação da Fundação Batalha de Aljubarrota

3. Legislação aplicável ao tema

4. Resposta das Autarquias ao questionário sobre centros de interpretação

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ÍNDICE DE IMAGENS

Fig.ª 1 - Teatro de Operações da Campanha de Aljubarrota. O autor; - 94

Fig.ª 2 - Castelo de Porto de Mós. O autor; - 95

Fig.ª 3 - Caminhos do vale do rio Lena. O autor; - 98

Fig.ª 4 - Caminho da fuga do rei de Castela de S. Jorge a Santarém. O autor; -105

Fig.ª 5 - Ermida de S. Jorge no Campo Militar de S. Jorge. Porto de Mós, p. 66 -114

Fig.ª 6 - Implantação do Campo Militar de S. Jorge em mapa cadastral. O autor; -123

Fig.ª 7 - Sinalização da vanguarda e fossos portugueses. - “

Fig.ª 8 - Museu Militar de S. Jorge (vista exterior). Porto de Mós, p. 70 -124

Fig.ª 9 - Sinalização da reguarda portuguesa. Porto de Mós, p. 71 - “

Fig.ª 10 - Museu Militar de S. Jorge (rés do chão). Porto de Mós, p.107 - “

Fig.ª11 - Museu Militar de S. Jorge (1º andar). Porto de Mós, p. 69 - “

Fig.ª12 – Baixo-relevo de Abel Xavier. O autor; - “

Fig.ª 13 - Eixo penetração castelhana no dispositivo português. Porto de Mós, p.107 - “

Fig.ª 14 – Museu Militar e S. Jorge (vão interior). O autor -125

Fig.ª 15 - Reposição do casamento de D. João I. Porto de Mós, p.107 -129

Fig.ª 16; 17; 18- Exposição trajes medievais “Omnia Vincit Amore”.Folheto - “

Fig.ª 19 – Panorâmica do campo de batalha de La Albuera.

Ayuntamento« da La Albuera -132

Fig.ª 20 - Dispositivo das forças em confronto no início da batalha de La Albuera.

Idem -135

Fig.ª 21 - Circuito da visita ao campo de batalha de S. Jorge. O autor - 158

Fig.ª 22 - Rede dos campos de batalha da Independência (1383-1385) -167

Fig.ª 23 – Mappa Topographico de “A Serra do Rio-Maior athe Leiria, 1796. - “

Mapoteca do Instituto Geográfico Cadastral

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende ser de “pesquisa continuada” e “compilação” das

actividades realizadas nas diversas etapas que exerci funções como Director do Museu e

Campo militar de S. Jorge.

De “pesquisa continuada” na procura de resposta às questões, que muitas vezes

formulei no desempenho apaixonante que desenvolvi nesta actividade.

De “compilação” tornando-o um documento aberto pois nele se encontram as

etapas do trabalho que realizei no Museu Militar. E posso afirmá-lo “deu resultado

positivo e benéfico para muitos que nos eram o prazer e a honra da sua visita, que

passaram a ser agradável presença habitual.”

Ao atingir a idade da reserva conforme à graduação militar, fui convidado e

colocado como director do Museu Militar de Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1997.

Verifiquei que a qualificação académica de que dispunha na altura não era suficiente

para desempenhar de modo profícuo a função recebida pelo que procurei ultrapassar

rapidamente a incomodidade da situação.

Assumi então o compromisso pessoal de iniciar, com a brevidade possível, o

estudo do passado histórico do património à minha guarda, designadamente o recheio

do museu militar, o campo onde ocorreu a batalha Real, chamada de Aljubarrota, em

conjunto com o notável desempenho de D. João I e do Condestável D. Nuno de Álvares

Pereira na vertente guerreira e religiosa.

Organizei e redefini o desempenho do museu como órgão museológico militar

disponível à vinda de visitantes, para rapidamente deixar de ser uma casa fechada e

pouco utilizada, na concretização efectiva do objectivo a que se destinava.

Investiguei os livros de história que fui encontrando em bibliotecas e alfarrabistas,

relativos às I e II dinastias de Portugal, referidos na bibliografia desta dissertação.

O desempenho foi facilitado pelo honroso convite do Prof. Doutor João Manuel

Filipe de Gouveia Monteiro, Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade

de Coimbra, regente da disciplina História Militar em Portugal, para frequentar o

referido curso de pós graduação, naquela faculdade no ano lectivo 1999-2000.

(MONTEIRO, Declaração, 14 Agosto de 1999)

No cumprimento das funções para que fui nomeado, no período 1997-2004,

procurei apetrechar o museu com o equipamento necessário a um desempenho eficiente

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(museológico, museográfico, informático, secretariado, comunicações, documentação,

proposta de novo quadro orgânico de pessoal e alargamento das instalações) para fazer

face ao número crescente de visitantes anuais, particularmente do universo estudantil,

de vários graus de ensino, que eram acompanhados por professores, num total de cerca

de 1000/ano de 128 estabelecimentos de ensino.

(Nota n.º18, Museu Militar de Aljubarrota, 28 de Janeiro de 1999).

No Museu Militar de Aljubarrota antevia-se com entusiasmo a vinda a Portugal

de muitos visitantes nacionais e estrangeiros na altura da realização da Exposição

Internacional em Lisboa – “EXPO 98” que exigia preparação adequada.

Enriqueci o conhecimento com outros saberes de natureza museográfica e

museológica, pela visita, pessoalmente suportada, a vários museus militares estrangeiros

(Espanha, França, Bélgica), pela participação activa e empenhada em vários encontros

dos Serviços Educativos dos Museus, em eventos nacionais e internacionais da

Associação Portuguesa de Museologia (APOM) em inúmeras conversas com o seu

presidente Dr. António Maia Nabais.

Fiz repetidas diligências para envolver em parceria a população residente no

desempenho do equipamento museológico que dirigia, mediante uma insistente e atenta

participação pessoal nos festejos locais.

Organizei inúmeras palestras a entidades autárquicas e professores nos

estabelecimentos de ensino do Conselho de Leiria para uma realização conjunta de

cerimónias evocativas relacionadas com o ensino da história de Portugal, conforme aos

programas escolares, para tornar essa aprendizagem mais participada e apelativa. Esta

actividade conduziu ao envolvimento de muitas escolas do distrito de Leiria que se foi

alargando a outras mais distantes (Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Guimarães, Évora,

etc.).

Estabeleci as melhores relações com o Governo Civil do Distrito de Leiria e

inúmeras autarquias (Alcobaça, Batalha, Bombarral, Caldas da Rainha, Fronteira,

Leiria, Lisboa, Macedo de Cavaleiros. Óbidos, Ourém, Pombal, etc.) em paralelo com

contactos académicos com a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a quem

fiquei reconhecido e bastante ligado.

O desempenho desta actividade foi enriquecido pelo conhecimento pessoal e

contacto frequente com vários historiadores com quem muito aprendi, designadamente

o General Manuel Themudo Barata, o Prof. Doutor João Gouveia Monteiro, o Prof.

Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, o Prof. Doutor Pedro Gomes Barbosa e o Prof.

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Doutor José Hermano Saraiva. Deu resultados positivos, comprovados posteriormente,

benéficos para os habitantes das povoações vizinhas e muitos visitantes nacionais e

estrangeiros.

O conhecimento próximo com historiadores - que relatam o passado - e com

museólogos - que ensinam a transmitir e partilhar estes saberes - reforçado com a

experiência de vida pessoal e profissional levou-me a concluir que o património, na

maioria dos casos como “recurso não renovável” deve ser objecto de particular atenção

e cuidadosa preservação.

A natureza do trabalho desenvolvido enquanto Director do Museu Militar de

S.Jorge foi de grande importância. S. Jorge e toda a sua envolvência, despertou-me o

interesse em frequentar o Mestrado de História Regional e Local e foi motivação

constante na pesquisa efectuada que deu origem a este modesto trabalho.

O projecto, algo ambicioso, nasceu e desenvolveu-se no desempenho em S.

Jorge e procura tomar corpo face à oportunidade do tempo de reforma. Incentivou-me a

aprofundar o estudo desta matéria por considerar relevante a inter-relação “ Campo de

batalha, lugar de memória” dando motivo para a escolha do título adequado a este

trabalho.

O presente estudo e investigação iniciada incentivou-me a evidenciar a

importância do passado histórico, particularmente no desempenho do povo que fomos,

tendo em conta a recente inclusão de Portugal na Europa.

País pequeno de reduzida massa crítica, face à grandeza de outros, tem que

defender a perenidade da sua existência quase milenar e contribuir para que a nação

conheça a excelência do seu passado colectivo.

O objectivo deverá também ser alcançado pela apropriação e revitalização dos

campos de batalha, onde a grei jogou a vida em defesa da liberdade e do futuro, locais

de memória que devem ser tratados com sensibilidade respeitosa, em adequadas escalas

nacional e europeia.

Vamos procurar de modo adequado e sensato tratar os campos de batalha em

território nacional, numa perspectiva individual, entendidos como lugar de memória e

revisitados numa vertente multidisciplinar do património cultural. Devem ser

apresentados numa proposta generalista, de gestão integrada e participada, que respeite

os princípios base sem prejuízo da possível adaptação do local escolhido, pois cada

campo tem características individuais que o distinguem dos outros.

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A relação sentimental com o local, nascida na juventude, participada nos

acampamentos em S. Jorge, reforçada pelo desempenho profissional foi interiorizada e

consolidada na década que dirigi o Museu Militar de S. Jorge, reforçada entretanto pela

relação de amizade que foi surgindo com os residentes locais.

Estas múltiplas causas determinaram que a dissertação que apresento, para além

de uma manifestação de respeito e amor pelo passado colectivo, seja uma atitude

desinteressada e descomprometida de uma cidadania que pretendo activa e consciente.

Organizei o trabalho em cinco capítulos, designadamente:

I- A Guerra. Campo de batalha, lugar de memória: procurei apresentar o

fenómeno “Guerra”, sua evolução e importância do terreno na actividade bélica,

relacionando-o com o património exposto na interacção do campo de batalha como

lugar da memória.

II- Património: conceito generalista apoiado na evolução do conceito

museológico, em referência ao património militar. Abordagem pluridisciplinar deste

património relacionada com interpretação, turismo cultural e desempenho dos centros

de interpretação em Portugal.

III- Patrimonização da Guerra: os campos de batalha em território português.

S. Jorge e a batalha de Aljubarrota.

IV - A musealização da guerra: comemorar a guerra. O Campo e Museu Militar

de S. Jorge nos diferentes períodos museológicos.

Princípios orientadores da Fundação Batalha de Aljubarrota.

Centro de Interpretação de La Albuera, na Andaluzia espanhola. Reflexões

comparativas.

V – Conclusões e Propostas: certos que cada campo de batalha é em essência um

lugar de memória com entidade única (natural, histórica e evocativa) procurámos

salientar o seu significado, importância e oportunidade ao serviço esclarecido do

colectivo.

Para isso apresentamos a proposta de uma gestão integrada para campos de

batalha e outras relativas ao campo onde se travou a batalha de Aljubarrota, que poderão

servir de inspiração noutros campos.

VI – Bibliografia. As obras que foram sendo consultadas são apresentadas nos

grupos: Específico; Enquadrante e Geral

VII – Anexos;

1. Documentos, recortes de jornais do Museu e Campo Militar de S. Jorge.

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2. Documentos da implementação da Fundação Batalha de Aljubarrota.

3. Legislação aplicável ao tema.

4. Respostas das Autarquias ao questionário sobre centros de interpretação.

O trabalho, dado por concluído, deixa contudo algumas interrogações e

inquietações, às quais não consegui obter resposta esclarecedora em tempo oportuno.

Contrariado, abandonei algumas pistas, temporalmente inviáveis, por alongarem

demasiado a continuação da pesquisa.

A terminar gostaria de manifestar sentimentos pessoais. Diria que me sinto feliz

pelo muito que aprendi, satisfeito por pensar ter contribuído, embora modestamente, a

garantir a salvaguarda da memória nacional nas três dimensões do tempo e sobretudo

humilde por sentir ter ainda muito a aprender, mas pronto a recomeçar com entusiasmo.

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Capítulo I - A GUERRA. CAMPO DE BATALHA, LUGAR DE MEMÓRIA

1. A Guerra através do tempo

O Homem cedo sentiu necessidade de se agrupar em obediência a razões de

ordem genética, sexual ou segurança, reconhecendo cedo que sozinho era incapaz de

sobreviver. Começou por se reunir em bandos, depois aglutinou-se em comunidades

alargadas de indivíduos que se sentiam unidos por vínculos de sangue, afecto ou outra

afinidade. Mais tarde constituiu-se em entidades sociais mais vastas, conseguindo pela

cooperação, sobreviver e multiplicar-se. Ao tornar-se sedentário passou a considerar

precioso o território, a fêmea, a comida e os bens essenciais à sobrevivência, que

protegeu e defendeu a todo o custo do apetite de alguns que não se sentiam identificados

com o grupo. Surgiu assim a sociedade humana como a conhecemos, que corporiza o

universo das relações do Homem com o Homem, do Homem com as coisas e do

Homem com o Sobrenatural.

Do grupo à tribo e desta à cidade chegou à Nação, conceito do século XIX,

condicionado quase sempre por evoluções sociais conjugadas por vezes com

circunstâncias políticas. Pode ser definida como uma entidade social superior de

dimensões suficientes para ser ou tornar-se autónoma. É formada por agrupamentos

sucessivos de famílias, aglutinadas em conjuntos de características comuns, muitos de

natureza histórica, que dão aos homens que lhe pertencem a consciência de serem uma

profunda e rigorosa comunidade. É um conceito complexo e rico, de muitas facetas,

sobretudo de ordem ética e moral, que evidencia uma vincada comunhão de

sentimentos, inteligências e vontades. Constitui vasto universo moral e psicológico que

emerge do passado pelas tradições, se afirma no presente pelas necessidades e se

projecta no futuro por aspirações.

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A Nação é assim entendida como vontade de viver em conjunto, reforçada por

forte sentimento de unidade, solidariedade e partilha, apesar de alguns interesses

anómalos poderem dar origem a lutas internas ou a conflitos, de grandes dimensões,

exteriores à própria Nação. (SANTOS, 1986)

A guerra, fenómeno social intenso, complexo e doloroso, vem acompanhando o

Homem na sua já longa caminhada pelo tempo. A sua eclosão provocou quase sempre

grandes e dramáticas consequências, levando a importantes alterações comportamentais.

Segundo alguns autores o vocábulo teve origem no grito gutural de combate “werra”,

talvez de origem germânica, donde derivou em várias línguas o termo guerra, definido

como “conflito armado em que cada contendor procura submeter o antagonista à sua

vontade” (Enciclopédia Luso-Brasileira).

A redução ou contenção deste fenómeno social foi uma invenção do Homem,

uma descoberta extraordinária, um enorme esforço da humanidade para reduzir ao

mínimo os custos causados, em vidas e fazendas. A resolução dos conflitos surgidos no

seu seio para os quais, esgotadas as soluções pacíficas, só seria possível quando se

utilizasse em solução final o recurso à violência. Procurou-se com afinco disciplinar a

violência e conter o seu uso, mas como toda a forma histórica a guerra está sujeita a

uma evolução inexorável. O momento da descoberta significou um importante

progresso, pois ao reduzirem-se os danos materiais e a perda de vidas humanas, chegou-

se ao exemplar limite da guerra entre israelitas e filisteus, em que a morte de um ditou o

vencedor, poupando a vida aos restantes guerreiros. (GASSET, 1902-1925).

O tempo trouxe o momento da superação pela alteração progressiva dos

parâmetros civilizacionais e por se ter distorcido a finalidade que presidira a esta

invenção. A forma histórica tornou-se anacrónica, indesejada ou mesmo inaceitável,

dada a dimensão aterradora de mortes e estragos que os meios bélicos,

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progressivamente desenvolvidos, descobertos e utilizados eram capazes de provocar.

Face a este dramático cenário, esboçado na I Guerra Mundial e agravado na II Guerra

Mundial com as mais negras ameaças produzidas no decurso da Guerra Fria, a

Sociedade Internacional preocupada e temerosa procurou fazer regressar a guerra ao seu

objectivo inicial de alcançar a Paz, apontado por Aristóteles em seu tempo. Paz que não

pode ser sinónimo de “oco entre duas guerras “, nem da vitória incondicional do mais

forte, mas de “tranquilidade na ordem” na célebre e esclarecida definição de Santo

Agostinho.

“a paz de todas as coisas é a tranquilidade da ordem. A ordem é a disposição dos seres iguais

e desiguais que distribui a cada um os seus lugares” (A cidade de Deus, III volume, p.1915)

Nos tempos actuais nasceu então uma nova forma de resolver conflitos,

designada por “Operações de Paz”, implementada pela intervenção imparcial de forças

militares multinacionais - em princípio não utilizadas em operações ofensivas - em regra

colocadas no terreno após acordo prévio dos contendores. Em conformidade foram

definidos e implementados três tipos de Operações de Paz:

- Manutenção de Paz “Peace Keeping”, a mais comum, bastante utilizada pela

Organização das Nações Unidas nas suas quatro categorias (Observação; Força de

Interposição; Supervisão das Linhas Limite e Pacificação Interna);

- Imposição de Paz “Peace Enforcement”, utilizada pela Organização do Tratado

do Atlântico Norte na acção desenvolvida contra a República da Sérvia.

- Consolidação da Paz “Peace Bulding”, a praticar e a desenvolver após

terminado o conflito internacional.

(BARATA, palestra na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)

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Face ao panorama apresentado, interrogamo-nos da possibilidade de realizar e

organizar o património da guerra nos seus segmentos espaço-temporais. Em caso

afirmativo, em que apaixonadamente acreditamos, resta saber “onde”, “como” e “qual”

deverá ser implementada a metodologia a seguir. No âmbito do nosso conhecimento e

sensibilidade propomos apresentar ao longo deste trabalho uma contribuição,

certamente modesta, para as questões formuladas.

2. Reflexões sobre a guerra

O fenómeno da guerra, desde tempos recuados, foi quase sempre estudado com

base no conhecimento de campanhas passadas, analisadas à luz da evolução técnica dos

componentes considerados na época. O acontecimento já tinha sido considerado como

fenómeno social de grande importância, mas só nos últimos tempos, talvez consequente

da evolução científica de saberes relativos ao comportamento das sociedades, surgiu a

“Polemologia”, (ciência que procura definir a guerra como fenómeno - entre pessoas,

etnias, religiões, interesses de sociedades, etc.) através do estudo objectivo e científico.

Para melhor entendimento conceptual recordam-se as definições “das manhas da

guerra” proferidas por Clausewitz em 1832, relativas a:

- “Estratégia”, combinação dos vários combates realizados no terreno com vista

à concretização do último objectivo da guerra, vencer o confronto, pela subordinação do

adversário à nossa vontade.

Importa referir que já no século XIV, 1385, o conceito fora utilizado em fins de Maio,

pelo rei de Castela quando invadiu Portugal pela fronteira do Alentejo para vir pôr cerco

à fortaleza de Elvas, que contava tomar em quinze dias. A acção tinha sido concertada

com outro corpo guerreiro comandado por D. João Rodrigues de Castañeda que invadiu

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Portugal pela Beira Alta por Almeida, ao mesmo tempo que uma poderosa esquadra

castelhana obstruía o Tejo junto à foz, próximo de Lisboa.

-“ Táctica”, condução das acções bélicas no terreno no sentido de ensinar a

dispor, manter e fazer actuar a tropa nas diferentes situações de campanha.

D. Nuno Álvares Pereira curiosamente, muitos séculos antes, praticou a mesma

noção ao escolher a posição da força portuguesa no extremo setentrional do planalto de

Aljubarrota, onde enfrentou com êxito o poderoso exército castelhano.

O mesmo estudioso respeitado pelo conhecimento em acções bélicas, considerou

simultaneamente a guerra como:

-“Ciência”, enquanto se baseia em saber experimentado, adquirido no estudo de

campanhas passadas;

- “Arte”, porque o sucesso da acção bélica depende da aplicação atenta do saber

para obter bons resultados práticos, sobretudo quando aliada ao engenho (local onde é

utilizada, momento e entrosamento adequado com outros componentes), possível com

informação adequada e atempada. (CLAUSEWITZ, 1832).

O planeamento e execução de toda a acção bélica necessitam de informações

relativas a:

-“Inimigo”, (composição, efectivo, armamento, disciplina, instrução, incentivo e

personalidade do Comandante. Camões dizia que “fraco rei torna fraca gente forte”.

“Do justo e duro Pedro nasce o brando, (Vede da natureza o desconcerto!) remisso, e sem cuidado

algum, Fernando, que todo o Reino pôs em muito aperto: que vindo o Castelhano, desvastando

as terras sem defesa, esteve perto de destruir-se o Reino totalmente; que um fraco Rei faz fraca

a forte gente”. (Lusiadas, Canto III – 138).

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-“Terreno”, (pode condicionar, dificultar ou até impedir, a movimentação das

forças e regular a utilização de importantes sistemas de armas);

- “Tempo ou condições meteorológicas”, (podem dificultar, impedir o comando

ou mesmo anular o controlo das forças no terreno assim como a utilização de

determinado equipamento).

O conhecimento destes factores actualmente designados por “Elementos

Essenciais de Informação” continua a preocupar os diversos níveis da cadeia do

comando empenhados em operações bélicas, na medida que condicionam a decisão e o

desempenho das forças em cada escalão.

Os previsíveis contendores, na eminência de um conflito, procuram conhecer

com antecipação as condições do adversário, para cada um deles poder neutralizar os

pontos fortes do antagonista e tentar rentabilizar os pontos mais fracos a seu favor.

Analisam e comparam as forças em presença, numa acção designada por “Potencial

Relativo de Combate” que engloba os meios quantificáveis (efectivo, armamento,

equipamento) e outros, calculados em conformidade com um coeficiente apropriado

(disciplina, instrução, espírito de corpo etc.).

A força moral, não quantificável, é considerada de grande importância

(determinação e vontade de combater) pois tem enorme importância no desempenho das

forças em combate no teatro de operações, conforme exemplificam alguns teatros de

guerra, designadamente na Indochina, entre as forças norte vietnamitas e americanas.

(MILITAR, 2000).

Na perspectiva actual, define-se genericamente campo de batalha como local do

confronto, espaço físico, quase decisivo, onde se travou ou se irá travar o combate

coordenado, preparado, entre as forças armadas antagonistas, uma de ataque e a outra de

defesa, com o objectivo de uma delas obter a retirada da outra e alcançar assim a vitória.

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O estudo da guerra no tempo actual continua contudo a ser um assunto adiado,

por estudar, mal explicado, talvez porque a noção de “história militar” contínua a ser

entendida por alguns como assunto exclusivo dos militares, onde qualquer incursão

exterior é por norma mal aceite, o que torna o assunto bastante redutor. Para ultrapassar

esta dificuldade consideramos necessário considerá-lo num conceito mais alargado, ao

nível da estratégia nacional, no sentido de orientar o seu estudo e implementação,

relacionados com outros saberes (História e Património) da sociedade a que pertence. A

abordagem à investigação da conduta e actividade militares deveriam em nosso

entender, ser centradas no conceito nacional, para não ficar limitada apenas a actos

heróicos singulares, distantes ou a aspectos tácticos isolados, só entendíveis, valorizados

e apreciados, quando integrados em cenários alargados.

A relação da história militar com o passado da Nação é ainda recente, devido

talvez por ter sido considerada “maldita” durante décadas, por alguns académicos

defensores da escola francesa, fazedores de opinião, preocupados aparentemente com

uma postura intelectual por vezes preconceituosa, vagamente reféns do lastro

ideológico que pesou sobre esta temática. (ARONS, 1955).

Falar com empenho e regularidade de batalhas ou guerras, dos autores

intervenientes nos confrontos (oficiais, sargentos e praças), da motivação ética que os

orienta e obriga à consecução de imperativos nacionais, dos sistemas de armas

utilizados (fortalezas, sistemas de armas e bombas), do solitário e por vezes inglório

sofrimento suportado, da generosa doação da própria vida em defesa de uma causa

superior, em nome da grei, era considerada atitude decadente, ultrapassada, no mínimo

de mau gosto e sobretudo pouco credível, própria da curiosidade mórbida de ridículos

relatores de factos sem muita importância.

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Esta atitude contudo foi alterada pela ampliação dos múltiplos interesses

implicados com o fenómeno bélico, pelo desenvolvimento de uma vertente científica

utilizada por historiadores arredados de preconceitos sem motivo, mas atentos a este

fenómeno pela mediatização surgida nos últimos conflitos.

Todas as alterações evidenciam a importância de condicionantes culturais e

morais, próprias das sociedades modernas, “devendo a guerra ser entendida como parte

inerente da história social e como tal estudada” (MESTRE, p.178)

A acção bélica, privilegiada pelos meios mediáticos, passou a ser notícia

obrigatória, e como tal analisada e estudada com paixão pelos diversos públicos

interessados, devido ao consequente aumento da influência da opinião pública de toda a

Nação na condução do conflito. Compreende-se assim que a história militar, pela

natureza e importância, não deva ser considerada isoladamente em relação a outros

ramos da história e do passado colectivo, como exclusivo espaço militar de onde

estariam arredados todos os outros factores, designadamente os universitários, sociais,

culturais e políticos.

O interesse por esta actividade diz respeito a todos os cidadãos, devendo por isso

ser objecto de análise atenta, para ser atempadamente entendida pela sociedade a que

pertence e que a dirige, mediante a manifestação da estratégia nacional.

O entendimento da política de defesa, componente importante da estratégia

nacional, obriga à referência, ainda que ligeira, aos seus vários patamares de

importância crescente. Está fortemente relacionado com outros factores, internos e

externos, conjugados no universo internacional a que pertence, nas relações interactivas

de força entre as nações intervenientes, da previsível evolução da situação e dos

objectivos possíveis dos vários participantes.

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A passagem para etapas seguintes só é possível depois de encontrada resposta

adequada às questões apontadas, o que nem sempre é fácil ou atempado. A política de

defesa no imediato, estabelece uma listagem de objectivos concretos nos cenários

previsíveis, sublinhando-se que um dos seus objectivos mais importantes é garantir a

unidade nacional e a estabilidade do regime.

O cenário para cada objectivo prevê com antecipação potenciais inimigos e

prováveis aliados que possam condicionar ou definir o sistema de alianças, previstos na

correspondente política de defesa.

O patamar seguinte cuida da articulação da política de defesa face à quantidade e

qualidade, conformes à estrutura das forças a considerar, assim como dos meios a obter

(armamento, suporte logístico, treino, etc.) o que obriga a uma ideia bastante clara dos

cenários previsíveis, dos objectivos a conquistar e da atitude antecipada de hipotéticos

inimigos e aliados.

O apoio externo é essencial para adequar a politica de defesa existente à situação

criada ou definir nova política.

Outro aspecto prioritário a considerar é a mobilização de recursos, humanos e

financeiros, para obter e guarnecer os necessários conjuntos de forças.

No Portugal contemporâneo este tema foi muito questionado, sendo definidos

três grupos funcionais que disputavam entre si os recursos da Nação:

- Conjunto voltado para o espaço atlântico português para controlo da zona

balizada por Açores, Madeira, Cabo Verde e litoral europeu português. (1898-1908;

1930-1935);

- Equipa para a defesa de Portugal continental europeu. (1808-1820; 1935-

1941);

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- Conjunto voltado para o império, especialmente África. (1875-1898; 1961-

1974).

O patamar mais elevado implementará a aplicação concreta da política de

defesa, que evidenciará as dificuldades da teoria face à realidade. Terá então lugar o

estudo das campanhas e batalhas realizadas no passado e das decisões tácticas

utilizadas.

Conclui-se assim que contrariamente ao generalizado conceito praticado, a

história militar não começa com o estudo dos confrontos armados do passado nem se

resume apenas a aspectos técnicos. Deverá ser realizada no sentido inverso do

geralmente entendido como correcto, isto é, a investigação tem início muito antes, nos

diferentes níveis de articulação da política de defesa que clarifica o entendimento da

evolução concreta de uma dada batalha ou campanha e o correspondente significado na

estratégia nacional da época. (TELO, s.d.).

De um modo geral, em reflexão mais abrangente relativa às tendências mais

evidentes do fenómeno “a razão da força” pode-se, um pouco simplisticamente,

aglutinar as modificações em diferentes patamares:

- O estudo da guerra face, à sua especificidade como notável fenómeno

institucional, convida e privilegia a reposição material, descrição e análise. Tem

particular relevo a forma e o ritmo de recrutamento, a evolução orgânica da instituição

militar, a prática das tácticas utilizadas, o desempenho efectivo dos sistemas de armas

accionados, a acção, o percurso, a escola dos sucessivos comandantes militares e ainda a

definição da formação militar implementada nos diferentes graus (oficiais, sargentos e

praças), etc. Seria interessante que o estudo fosse conduzido em articulação com a

História, enquanto passado colectivo, por regra o mais abrangente possível, com grande

autonomia científica com particular destaque para o desempenho da historiografia

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académica que de imediato talvez pudesse abordar o tema de modo mais original, amplo

e construtivo, designadamente o desempenho dos militares face à importância factual da

definição, composição e participação nos órgãos do poder.

Mas continuam ignorados, talvez por isso mal entendidos, sendo desconhecido o

ritmo da vida castrense (hábitos, comportamentos, motivações), a expressão da

religiosidade e cultura próprias, a atitude face aos instantes mais significativos e

decisivos de vida e morte, o desempenho do profissional da guerra, a consideração

organizada da psicologia e ética associadas, o drama individual e de grupo

desencadeado por sentimentos de glória, exaltação, medo e traição.

- Considerar a guerra como tema estimulante ao entendimento e consciência do

homem enquanto animal eminentemente social, face ao comportamento individual

expresso na organização colectiva. Seria interessante e oportuno considerar esta acção

objecto de reflexão intelectual com personalidade própria, numa perspectiva

multidisciplinar de outros saberes como a antropologia, biologia, ética, filosofia,

história do direito (canónico, penal, público), psicologia social, sociologia política e

teologia.

Em reflexão final talvez possamos concluir que o desconhecimento ou talvez a

abordagem preconceituosa e parcelar do estranho e longínquo universo castrense,

consiga explicar o distanciamento suspeito e malicioso que parece existir entre as

sociedades, civil e militar, que afinal são de uma mesma Nação que ao longo de quase

um milénio definiu o seu território e defendeu a independência nacional a golpes de

espada.

Acredita-se que o estreitamento da convivência entre os historiadores, militares e

civis, poderá resolver definitiva e satisfatoriamente a situação. (BEBIANO, 1992).

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3. A Guerra e o Património

O colectivo tem consciência da importância do património como legado

aglutinador do passado face ao futuro que se quer comum e partilhado. Para manter esta

identidade tem como objectivo a sua defesa por todos e por cada um.

A descodificação das marcas recebidas obriga a parar no espaço e no tempo para

encontrar o testemunho, que em momento próprio e modo adequado será transmitida a

gerações vindouras. A sabedoria, a capacidade e a vontade são indispensáveis para

defender e conservar à disponibilidade de todos os naturais e residentes no território.

O património não é só material, territorial, é também e sobretudo imaterial,

cultural e linguístico. Mais que afirmação de vontade, engenho e arte, é sobretudo o

elemento aglutinador que eterniza o passado, que consolida a vontade de o legar a novas

gerações, permanecendo no tempo a viagem conjunta e a vontade de continuar a viver

em comum.

“ Património Cultural Imaterial, são as práticas, representações, expressões,

conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objectos, arquefactos e lugares

culturais que lhe estão associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os

indivíduos reconhecem como parte integrante do seu património cultural. Este património

cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado

pela comunidades e grupos em função do seu ambiente, da sua interacção com a natureza

e com a sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo

assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”.

(Convenção para a salvaguardado PatrimónioCultural Imaterial, 32.ª sessão da UNESCO

realizada em Paris a 17 de Outubro de 3003).

A comunidade deve por isso estar atenta ao seu património de modo a evitar ou

resolver possíveis ameaças, internas e externas, designadamente: a vontade de

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interromper a conservação ou danificar o legado recebido, não cuidar da erosão

temporal do património que testemunha o seu tempo, desgaste da memória e

apagamento da vontade que impedem resposta atenta e oportuna à omissão e ao

desapego cultural.

A decisão firme e determinada de garantir a transmissão do legado a gerações

vindouras, deu motivo à obrigação moral de garantir a salvaguarda do património a todo

o custo e salientou a necessidade de precisar a sua defesa em múltiplas vertentes,

obrigando a abordagem e implementação mais precisas e exigentes, que iremos procurar

referir:

- “Sentido da Defesa”, expressa a vontade de cada povo em garantir a sua

individualidade, conforme a época e as condições motivadas por variados agentes. Os

factores que incorporam este vértice (Dever; Poder; Saber e Querer) estão interligados e

têm a mesma importância. Estão contudo subordinados ao Querer de governantes e

governados que constitui a expressão legal do Dever da Defesa, exigido e todos e a cada

cidadão, tendo em consideração os recursos disponíveis, necessários à execução das

tarefas consideradas necessárias e urgentes.

- “Dever da Defesa”´, está relacionado com a convicção íntima, pessoal e

colectiva, dos cidadãos.

Em Portugal a defesa do bem comum resultou da origem da nacionalidade,

popularmente participada em acções guerreiras, obrigação consagrada em muitos forais

coevos que procuram regular este dever geral pela participação no serviço da hoste,

fossado e apelido, face à condição social e capacidade económica de cada um, dando

origem a uma obrigação pessoal e geral. É um indício curioso da precocidade política de

Portugal, pois só em fins do séc. XVIII este preceito foi consagrado na Europa pela

Revolução Francesa.

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A consciência da existência e importância do património da Nação, pelo qual

vale a pena viver e morrer, consubstancia o dever da defesa.

- “Poder de Defesa”, é a aptidão para determinar e executar a defesa de acordo

com a vontade de um centro de decisão em conformidade com a capacidade dos

recursos disponibilizados para executar as tarefas consideradas necessárias e

prioritárias. Resulta da realidade efectiva da Força Disponível e da capacidade do

Centro de Poder Político em implementar a sua aplicação, tendo em consideração que a

eficiência depende da capacidade deste centro na sua preparação. A aplicação deste

poder decorre do Poder Político que tem a capacidade legal para dirigir a Unidade

Política.

A título de exemplo podemos recorrer à crise de 1383-1385 quando se constituiu

um centro de decisão em torno do Mestre de Avis ao aceitar ser “defensor e regedor do

reino”, situação defendida pelo talento oratório de João das Regras, consolidada pela

presença decidida e dissuasora de D. Nuno e companheiros, aquando da realização das

cortes em Coimbra para a escolha do rei de Portugal.

- “Saber de Defesa”, procura e utiliza informações, conhecimentos e saberes na

execução das acções adequadas à rentabilização dos meios disponíveis. Está por isso

sempre presente na cadeia organizacional das acções a executar (concepção, execução,

utilização) e na tecnologia disponível, patente na estratégia e na táctica utilizadas.

O saber, em particular o saber fazer, integra o Património Nacional conforme

evidencia o passado histórico colectivo.

O Condado Portucalense tinha como limite sul um curso de água que

sucessivamente se foi empurrado para sul (Douro, Mondego, Tejo) até à costa marítima

do Reino dos Algarves. Mas era preciso continuar a reconquista, realizada e modo

independente, demarcada de outros reinos, igualmente cristãos e ibéricos.

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A ameaça muçulmana aconselhava postura atenta para o aproveitamento

possível de falhas ou fraquezas do invasor na caminhada das forças lusitanas em

direcção ao sul. Utilizava-se por isso os fossados que, não proporcionando evidentes

ganhos territoriais, estavam de acordo com a logística das forças portuguesas e serviam

o seu prestígio enquanto incrementavam o enfraquecimento do ocupante islâmico.

A posse do território a sul do Tejo era necessária para impedir a sua conquista

pelo reino de Leão e evidenciar ao Papa a vontade autonómica portuguesa, obrigando a

significativas mudanças estratégica e táctica configuradas no reforço dos fossados com

operações que garantissem efectivos ganhos territoriais, evidentes na conquista

progressiva dos castelos na região Entre Tejo Odiana.

O saber de defesa, a nível táctico, foi bem ilustrado pela acção do Condestável

do Reino, D. Nuno Álvares Pereira, na batalha de Atoleiros “… e dessa pouca gemte

que tiinha, conçertou suas batalhas da venguarda, e rresguarda, e alas direita e ezquerda;

e fez comçertar os beesteiros e home s de pee pellas alas, onde emtendeo que melhor

estariam pera bem pellejar “. (LOPES, I volume, capítulo XCV).

O condestável de Portugal procurou com a força disposta deste modo: concentrar

os meios de que dispunha (utilizar o princípio da massa), proteger a força portuguesa,

resistir ao ímpeto do assalto castelhano e desgastar o invasor bastante mais poderoso.

- “Querer da Defesa”, é uma decisão colectiva que se fundamenta no poder e no

saber da defesa. Este factor é sem dúvida o de maior valia no Sentido da Defesa, na

medida que se não existir vontade, individual e colectiva, de combater não será possível

aplicar a Força, sendo nulo o seu efeito.

Tomemos novamente como exemplo a crise de 1383-1385 na organização do

aparelho bélico em Portugal, lenta e difícil, porque os portugueses estavam divididos na

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opção a tomar, se Portugal com o Mestre de Avis ou com Castela de D. Juan que

parecia dar garantias de maior segurança.

O tratado de Salvaterra de Magos, a 21 de Abril de 1383, agravado pela morte de

D. Fernando, a 22 de Outubro do mesmo ano, marcou um período que exigia aos

portugueses a garantia de assegurarem o seu futuro como nação distinta. O

compromisso provocou uma situação confusa ao dividir as gentes do reino de Portugal

em duas partes. Apesar de se sentir a diferença entre os vizinhos ibéricos, evidente na

necessidade de se acautelar e defender o que era de cada um - os conceitos morais de

Nação e Pátria ainda não tinham existência formal - e por isso não eram claros nem

estavam assimilados pelos espíritos da época.

Para uma facção a dinastia garantia a conveniente expressão histórica expressa

na legitimidade real, julgada conforme o tratado de Salvaterra de Magos e de acordo

com as regras em vigor, estava do lado de D. Beatriz.

Para outros, o sentido da independência era mais forte e ganhava força, pois

Portugal era um conjunto das pessoas, a Nação, que tinha individualidade e vontade

própria.

A crise de 1383-1385 iniciou um período longo de confrontos com Castela,

tendo Portugal saído vencedor das batalhas de Atoleiros, Trancoso, Aljubarrota e

Valverde, ficando finalmente consolidada a independência com a assinatura de paz com

Castela a 1411.

D. Duarte, na segunda metade do século XV, em “Leal Conselheiro”, deu forma

e conteúdo àqueles conceitos, tão caros na história dos povos “…da terra, da

compleição, do leite e viandas, da criação, dos parentes, da Nação, das doenças e

acontecimentos, ocasião…”. Enfim o homem e a sua circunstância. Este rei ao longo de

20 anos deixou alguns testemunhos – “Leal Conselheiro”; “Ensinança de Bem Cavalgar

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a Toda a Sela” e o “Livro da Cartucha” - que merecem leitura atenta porquanto retratam

a memória, o carácter vivencial e a mentalidade que retratam com surpreendente

fidelidade a realidade da época no reino de Portugal.

A organização do aparelho bélico em Portugal na crise de 1383 -1385 foi lenta e

difícil porque os portugueses estavam divididos na opção a tomar, se Portugal com o

Mestre de Avis, se Castela com o rei D. Juan que parecia garantir maior segurança aos

seus seguidores. D. Nuno incansável no reunir vontades, agregar esforços, dissipar

pessimismos e levantar esperanças teve um desempenho decisivo, consolidado pela

vitória em Atoleiros da hoste de Portugal contra uma força de Castela, muito superior

em número, armamento e senhores de bandeira. (BARRENTO, 1995).

4. A importância do terreno na conduta e desfecho dos confrontos armados

Para ajudar o entendimento da conduta de forças em campanha procuraremos

referir, com alguma brevidade, conceitos gerais ligados à conduta das forças em

operações, pois o seu aprofundamento está arredado do propósito desta dissertação.

Sun Tzu, experiente guerreiro chinês, anterior a Cristo, já considerava o terreno

onde se situavam as forças beligerantes, o elemento mais importante na guerra, pelo

condicionamento no desempenho, designadamente na utilização de meios, conduta no

confronto e desfecho do afrontamento armado.

O aperfeiçoamento dos sistemas de armas e equipamentos veio acrescentar

importância ao terreno que continuou a merecer aos comandos das forças envolvidas, o

estudo oportuno e atento, na determinação rápida das vantagens e desvantagens que o

terreno podia oferecer à manobra e à vida das tropas, pois tinha influência decisiva no

aproveitamento, natureza e quantidade dos sistemas de armas a utilizar. O campo de

batalha moderno tem, entre outras, determinadas características, que importa referir:

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- “Intensidade”, capacidade desconhecida em provocar perdas nos combatentes e

nos sistemas de armas, em períodos de tempo cada vez mais curtos;

- “Complexidade”, resulta da enorme e diversificada panóplia de equipamento

sofisticado que aumenta a multiplicidade dos dados e elementos que estabelecem

relações intrincadas e influenciadoras no desfecho da batalha;

- “Amplitude”, crescente pelo aumento do alcance e da letalidade dos novos

sistemas de armas;

- “Mobilidade”, o aumento de equipamentos blindados, mecanizados, aéreos

facilitam a concentração e a dispersão rápida das forças em acção.

Conforme se trate de uma acção ofensiva ou duma acção defensiva, assim o

terreno deve satisfazer condições particulares, distintas em cada caso. É estudado à luz

da missão recebida na procura da conquista da vitória, em prejuízo do inimigo, sendo

considerado em todos os seus aspectos militares designadamente:

- Observação e Campos de tiro (para observar e utilizar as armas com

eficiência);

- Cobertos e Abrigos (evita ser visto e dão abrigo);

- Obstáculos (dão protecção, impedem, canalizam ou retardam o movimento do

Inimigo.);

- Pontos Importantes (proporcionam significativa vantagem para quem os

conquistar ou mantiver a sua posse). Dão supremacia táctica aos seus ocupantes;

- Eixos de Aproximação (percurso com condições, adequado ao escalão da força

em movimento).

Na apreciação de previsível situação de confronto cada comandante deve

identificar e avaliar o terreno com valor táctico, que materialize o cumprimento da

missão, chamado terreno decisivo, que quando perdido deverá ser reconquistado.

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Os acidentes e formas do terreno não têm valor absoluto, mas podem determinar

vantagens ou inconvenientes decisivos em função da missão recebida. Assim um

terreno:

- ligeiramente acidentado é favorável ao avanço do atacante, pois permite-lhe

avançar sob protecção de vistas e dos fogos directos do inimigo instalado;

- ondulado e medianamente coberto com vegetação, favorece o desempenho de

carros de combate, sucessores da cavalaria pesada medieval;

- com ondulações curtas, paralelas à Orla Anterior da Zona de Contacto, onde as

forças antagónicas estão em contacto, possibilita uma rápida mudança do fogo e das

forças empenhadas na acção;

- pantanoso, marcado por ravina profundas ou bem florestado facilita a defesa

enquanto dificulta o desempenho do atacante. (situação particularmente utilizada na

época medieval);

A compartimentação do terreno (zona definida pelo relevo onde é possível

observar e executar o tiro directo) determina a escolha do armamento e condiciona a

visão dos beligerantes. As cristas militares (áreas de inflexão em vertentes convexas

permitem ver e atingir a base da elevação) merecem atenção pois podem contribuir para

a economia de forças e condicionar circunstâncias e objectivos.

O terreno continua a merecer aos beligerantes atenção particular e cuidada na

medida que orienta o respectivo comando na manobra a executar, na direcção do

esforço principal, no ritmo das operações e na repartição das zonas de acção.

A utilização adequada confere vantagens significativas à força utilizadora: dar maiores

possibilidades de observação, proporcionar oportunidades favoráveis à utilização das

armas a empregar, proteger da observação e fogos inimigos, contribuindo para melhor

segurança da força combatente, oferecer eixos de aproximação (caminhos a percorrer no

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sentido do In.) favoráveis e adequados ao escalão das forças em operações, ajudar a

obter o efeito da massa pela aplicação do princípio da economia de forças (economizar

forças num local para ter supremacia de meios noutro); permitir estabelecer e utilizar

linhas de comunicações (áreas utilizadas pelos órgãos logísticos) essenciais à manobra e

respectivo apoio e forçar o oponente a actuar em zonas que não lhe sejam favoráveis.

As acções ofensivas são decisivas nos conflitos armados. A finalidade destas

acções é destruir o inimigo pela aplicação de meios de modo violento e localizado.

Podemos considerar, em essência, dois tipos de acção ofensiva entre beligerantes:

-“Combate de encontro”, verifica-se quando as forças oponentes se deslocam,

animadas do mesmo espírito ofensivo, ao encontro da oponente. Para evitar esta

situação, inesperada, monta-se um dispositivo adequado de segurança, semelhante ao

utilizado na marcha para o ataque. Sublinha-se que deste modo nenhum dos

antagonistas aproveita convenientemente o terreno em seu proveito.

-“Combate coordenado”, quando o terreno materializa um objectivo decisivo ao

cumprimento da missão (domínio de um espaço dominante, passagem decisiva,

desfiladeiro, cruzamento de vias de comunicação, etc.) as forças envolvidas procuram

conquistar ou manter esse objectivo com um ataque coordenado realizado por uma

grande unidade (brigada, divisão) ” que dispõe de uma organização equilibrada de

elementos de comando e de apoio que lhe permite conduzir acções independentes, de

envergadura e prolongadas “. (MILITAR, 2000).

Uma força na situação de “contacto imediato” com o adversário, deverá estar

atenta e pronta a executar acções de: “reconhecimento” (para obter informações acerca

do Inimigo, tempo ou condições meteorológicas e características da área de operações),

“segurança” (para proteger e conservar o poder de combate da própria força ou de

forças amigas), “utilização das reservas” (garantem flexibilidade, oportunidade e

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capacidade de realizar novas acções). Destinam-se a fazer face à incerteza da atitude do

adversário, para garantir a segurança da própria força, deter ou destruir os contra

ataques inimigos, reforçar as unidades no esforço para manter o ímpeto do acção,

garantir vitórias expeditas e explorar o sucesso (perseguição e destruição do inimigo em

retirada).

O “Combate Principal”, materializa no terreno a acção da força em cumprimento

da missão. A acção exige a coesão dos comandos subordinados que devem ser

auxiliados pelo apoio sincronizado, de combate e serviços, com as próprias acções de

combate;

A movimentação dos exércitos foi sempre considerada como situação de

inferioridade, importante mas difícil, porque os caminhos escolhidos condicionam

segurança, comodidade e velocidade da força em trânsito. Em relação ao local escolhido

para confronto os itinerários podem ser considerados de: aproximação (utilizados antes

do confronto), conduta (para escolha e exploração do melhor aproveitamento táctico do

terreno durante o confronto), rompimento do contacto, retardamento ou fuga do local

(terminado o confronto).

O aparecimento de exércitos mais numerosos e melhor apetrechados, com

maiores sujeições técnicas, tornou-os dependentes de uma estrutura logística pesada

mas capaz de garantir o apoio em quantidade e oportunidade. Esta necessidade conduziu

em 1837, ao conceito de Logística que pela importância e complexidade foi considerada

componente essencial da ciência da guerra, que originou novos conceitos espaciais

como: “Zona de Comunicações”, localiza-se à rectaguarda das forças terrestres em

operações. Compreende o território necessário ao apoio logístico das forças em

combate) e “Linha de Comunicações” (percurso utilizado pelo aparelho logístico para

fazer chegar atempadamente às unidades da frente o apoio logístico necessário).

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Conclui-se a importância do terreno no desempenho e no resultado do confronto

que obriga a uma escolha cuidadosa do local onde se deverá travar a batalha decisiva.

Neste contexto o campo de batalha escolhido está relacionado com alargada

zona circundante que iremos, no sentido centrípeto, procurar referir de modo resumido:

-“Teatro de Guerra”, conjunto de regiões (terrestres, aéreas ou navais), onde se

poderá verificar o confronto das forças dos Estados em hostilidades;

-“Teatro de operações”, parte do Teatro de Guerra onde operam forças capazes

de intervirem em tempo oportuno, em qualquer acção que nele tenha lugar. Atendendo à

natureza das forças interventoras o Teatro de Operações classifica-se em terrestre, aéreo

ou naval.

O Comando da força que irá actuar em determinado “Teatro de Guerra

Terrestre” deverá ter o conhecimento perfeito dos aspectos que possam interessar à

condução das operações, à manutenção e à comodidade das tropas.

O estudo do terreno, nas suas múltiplas vertentes continua a ser essencial,

(orografia, hidrografia, clima, flora, vias de comunicação de toda a espécie para

deslocamento e reabastecimento das suas forças, assim como os aspectos agrícolas e

industriais com vista à condução das operações). Os limites preferíveis são obstáculos

naturais (costas marítimas, margens de grandes rios, altas cadeias de montanhas, etc.);

-“Zona de Operações”, tem significado quase idêntico ao Teatro de Operações,

porque é uma grande fracção do Teatro de Operações. Pode classificar-se em função de

objectivos geográficos (passagens obrigatórias, desfiladeiros, pontes, vaus, cruzamento

de vias de comunicação; grandes acidentes orográficos; cursos de água importantes,

portos fluviais e marítimos; linhas fortificadas; centrais produtoras de energia, barragens

hidroeléctricas, etc.).

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O conceito espacial de guerra tem contudo evoluído com o tempo. Desde sempre

e particularmente na Idade Média, a primeira preocupação do comandante era a escolha

do terreno adequado à acção, tendo em consideração: “local elevado”(se possível na

proximidade de um rio ou de outro obstáculo natural para dificultar a progressão ao

adversário), “sol e vento pelas costas” (evitava dificuldades de visão provocada por

receber o pó no rosto, levantado pelo Cavalaria, carroças de apoio logístico etc, tirar

partido das irregularidades do terreno pela dificuldade que podiam causar ou mesmo

impedir a utilização dos cavalos, conforme aconteceu ao exército castelhano no planalto

de Aljubarrota na 1.ª posição portuguesa virada a norte.

A escolha da área de afrontamento (campo de batalha) era condicionada por

variados factores: itinerário de marcha dos contendores, necessidade de manter livre a

linha de abastecimento e comunicações, dificuldades logísticas, atítude do adversário

(organizado / desorganizado; determinado / temeroso).

Conhecido historiador caracterizou a guerra medieval pelo receio da batalha

campal, que arriscava tudo em pouco tempo pois os efectivos em presença não

garantiam a vitória e pelo “reflexo obsidicional” expresso na tendência de fuga para a

protecção das muralhas. (CONTAMINE). Outro historiador apologista do mesmo

conceito definia o castelo “como o melhor amigo do governador medieval

“(VERBRUGGEN). O ideal era vencer o adversário pela fome, sede, doença ou guerra

guerreada. (MONTEIRO, 2001)

Pelo exposto somos de opinião que a consideração do desempenho das forças no

local do afrontamento (campo de batalha) não deve ser considerada em separado dos

factores influenciadores designadamente o terreno envolvente, para evitar um

entendimento insuficiente ou mesmo deficiente da conduta dos beligerantes na batalha.

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Recorda-se que a guerra não é apenas um mero acto bélico mas um verdadeiro

instrumento politico que continua, em último caso, a acção política por outros meios.

5.Campo de batalha, lugar de memória

O lugar onde em tempos se travou um confronto violento entre grupos armados,

mais tarde designado por “campo de batalha” localiza-se normalmente em área agreste,

abandonada, sem utilização nem préstimo (lugar ermo, inóspito, perdido no nada) que

Robert Smithson1 designou por “zona entrópica” (estado de desordem de um sistema).

Ao iniciar o trabalho em lugar semelhante ao descrito é usual encontrar um potencial

épico, dramático ou mesmo urbano que surpreende por inesperado. O campo, quase

sempre com aspecto de paisagem campestre, de aspecto descuidado, é olhado de modo

distraído por quem passa apressado.

A designação “lugar de memória” diz respeito tanto a objectos concretos do

património real (lugares geográficos) como a abstractos do património irreal (conceitos,

símbolos, memórias). No entanto para se tornarem lugares de memória é necessário um

programa de apropriação e revitalização da memória associadas a estes objectos,

reinvestindo-as colectivamente, porque conforme o autor a memória não vale tanto por

aquilo que é, mas antes por aquilo que se faz dela” (NORA, 1984-1992).

A entropia de um lugar ou região é sinónimo de destruição sem sentido, de um

património aparentemente sem futuro, negligenciado de modo incompreensível quando

se verifica um interesse crescente na sociedade actual pelo interior desactivado,

habitado por populações carenciadas condenadas ao exílio, de sobrevivência garantida

por ocasionais e fugazes estratégias político-económicas que dificilmente as irá

recuperar. É um lugar onde ocorreu uma tragédia colectiva de intensa e dolorosa

memória que continua amargurado e esquecido.

Muitos dos campos onde se travaram batalhas, que aprendemos de modo

distante, permanecem nebulosamente na nossa memória, identificados apenas por nome

e às vezes também pela data.

Portugal, país de pequena área e de reduzida massa crítica, ao entrar na Europa

obrigou os seus cidadãos a uma prática consciente de cidadania com base no seu

1 [Desenvolveu o conceito “site sculture”, escultura como parte de determinado lugar e não como objecto

que se pode levar para outro lugar (1939-1973)]

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brilhante e longo passado colectivo consubstanciado talvez na concepção, promoção e

realização de um projecto nacional que estabeleça uma rede de campos de batalha,

palcos de conflitos decisivos onde o colectivo de antanho morreu e lutou para decidir o

futuro da Nação, que hoje é obrigação de todos nós.

A sinalização, prévia, deve estar assente em dados históricos e estudos

científicos, fiáveis, pois será interessante fazer o registo gráfico (fotografia ou desenho)

do estado actual do “continuum histórico”, pois a paisagem vai variando por acção

antrópica, climatérica e humana.

Num primeiro passo seria preciso libertar estes espaços dum esquecimento

imerecido e aviltante para os transfigurar em paisagens propiciadoras, evocadoras de

memórias revisitadas de regresso ao passado, convertendo-os em espaços de cultura e

comunhão em reforço da identidade de todos nós.

Teria que ser, naturalmente, um projecto sensato, multidisciplinar resultante de

uma trama harmoniosa de variados factores e saberes em que se salientaria o binário

“paisagem e memória”, de modo sustentado, possível quando convenientemente

considerados, cada um per si, entre outros, nas vertentes: necessidade de um projecto

paisagístico sistemático e coerente; aplicação imaginativa de diversos saberes

(arquitectura, ecologia, urbanística, enriquecidos e apresentados por espectáculos multi-

média); sensatez, sensibilidade e capacidade técnica que façam a ponte de modo

estruturado entre a memória à natureza.

Seria também necessárias acções de identificação e caracterização do cenário de cada

campo, situadas em seu tempo, no respeito à ecologia e cultura da paisagem. Ajudaria a

entender o funcionamento do território, evidente nas inter-acções e consideração básica

da planificação espacial, na gestão dos recursos naturais e consequente desenvolvimento

desejável.

Os complexos processos físicos do clima, da dinâmica geomorfológica, do ciclo

de vida vegetal e dos movimentos cíclicos da vida animal foram deixando vestígios,

formas e estruturas na paisagem, enriquecedores da informação paisagística. O território

é consequente de redes naturais (bacias hidrográficas e cadeias orográficas) e artificiais

feitas pelo homem (vias de comunicação de diverso tipo, etc.).

Os campos de batalha consequentes dos próprios afrontamentos bélicos, são

sítios com determinadas características (geográficas, morfológicas, ecológicas) que não

se resumem a uma única situação porque englobam partes de outros (elevações,

depressões, parte do curso fluvial, agregados urbanos, etc.). São lugares onde se deu

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uma explosão de energia que, em seu tempo, desencadeou a projecção no lugar, dando

origem a monumentos simultaneamente naturais e artificiais, que implicam a projecção

da memória e da cultura sobre o território para o que necessitam dum cenário de

lembrança capaz de evocar e transmitir essa descarga energética em termos

paisagísticos.

Os campos de batalha considerados num mesmo tempo histórico e com

objectivos semelhantes, poderiam ser enquadrados no suporte da respectiva rede de

modo a evitar a desarticulação entre eles e a possibilitar que a proposta apresentada

fosse credível, mais forte e apresentável. O Projecto da rede teria de ser pensado como

sistema articulado, coerente e verosímil à escala adequada ao universo da actuação

bélica em Território Nacional, considerado o limite máximo e mínimo dos elementos do

conjunto.

Cada campo deve proporcionar o seu “olhar especial” evidenciando o importante

e esbatendo o acessório, evocando o imprescindível e omitindo o supérfulo,

hierarquizado e com profundidade. Não se pretende uma abstracção teórica, mas um

lugar enriquecido pela relação biunívoca entre lugar e memória. Seria um lugar

diferenciado, encaixado em paisagens características “da nossa terra”, actores centrais

dos episódios memoráveis, como as batalhas, caracterizadas pela razão de ser, conduta e

desfecho. A rede, sistema e construção intelectual, permitiria ajudar a apresentar e

implementar uma estratégia, pois ajudaria a compor o olhar ao incluir o ensinamento,

fruto da experiência no contexto da paisagem, dando origem à configuração de um

estilo justificado pela explicação do binário memória paisagem sem o recurso a

artificialidades ou discursos empolados que não trazem nada de novo.

O lugar de memória diz respeito tanto a objectos concretos do património real

(lugares geográficos) como a abstractos do património irreal (conceitos, símbolos,

memórias) numa perspectiva colectiva.

No entanto para se tornar lugar de memória é necessário um programa de apropriação e

revitalização da memória associada a estes objectos, reinvestida colectivamente, porque

conforme o autor, a memória não vale tanto por aquilo que é, mas antes por aquilo que

se faz dela. (NORA, Entre memória e história, 1984-1992).

Os conceitos apresentados, ricos em significado, podem e devem, em nosso

entender, estar intimamente relacionados na procura de um enriquecimento comum.

O Campo de batalha, lugar onde os combatentes manifestaram extraordinária

coragem física, valentia, força moral e determinação indo, quando necessário ao

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sacrifício da própria vida, em defesa da vontade colectiva é um lugar mágico, perene, de

comunhão que liga o passado ao presente e este ao futuro, transcendente na sua

qualidade e significado, que evoca a vontade de ousar talhar o próprio destino.

É referência que contempla a auto estima colectiva e permite à Nação ousar perspectivar

o futuro.

Considera-se oportuno referir, embora com brevidade, a situação em Portugal

sobre o tema da memória imaterial e questionar os cidadãos ex-combatentes, a Nação

em armas, como têm sido tratados pelas entidades responsáveis, isto é, pelo próprio

Estado.

Perguntaria em particular à classe política, representante oficial do Estado, como tem

honrado os compromissos morais da sua responsabilidade, remuneratórios, de apoio

social e sanitário, devidos a quem o Estado mandou arriscar a vida e que hoje manifesta

sequelas, evidentes ou disfarçadas por vergonha, pela execução deste acto considerado

na altura imperativo nacional e de honra.

As nações modernas praticam um tratamento de reconhecimento, privilegiado,

concedido aos cidadãos que combateram pela respectiva Pátria, sufragado por leis

normalmente votadas por unanimidade e escrupulosamente respeitadas.

No Portugal de hoje os talhões dos Combatentes, existentes nos vários

cemitérios públicos, encontram-se na generalidade pouco cuidados, denunciando

incompreensível abandono e esquecimento do que lhe deu origem.

O mesmo parece acontecer na maioria dos monumentos municipais aos mortos da

guerra do Ultramar que também vão ficando esquecidos, abandonados e maltratados.

Em talhões de cemitérios distantes nas antigas províncias ultramarinas portuguesas as

campas de quem morreu por Portugal, parecem estar abandonadas, esquecidas ou

profanadas.

A Liga dos Combatentes com ânimo e persistência tem resolvido a situação com

êxito, assim como a transferência de algumas ossadas para o chão pátrio.

A situação, quase universal a nível nacional, é incompreensível e moralmente

injusta. Estima-se que nos treze anos da guerra em África tenham participado

directamente cerca de um milhão de cidadãos, que com família, pais e avós, tenha

atingido mais de seis milhões de portugueses na angústia de perder um ente querido

nessa guerra tão distante, sem haver qualquer atitude nacional de respeito por este

sacrifício mais tarde considerado inglório e esquecido.

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É confrangedor e insuportavelmente arbitrário assistir ao estado de esquecimento

e degradação, iníquos, a que se chegou em Portugal, enquanto noutros países além

fronteiras, se pratica um respeito grato por quem lutou, sofreu e até deu a vida pela

Pátria.

A única excepção que conhecemos a esta situação moralmente condenável do

aparelho político e do Estado Português verificou-se após a I Guerra Mundial (1914-

1918), onde honrando Portugal o Corpo Expedicionário do Exército Português lutou em

França, cerca de 18 meses, contra o formidável exército alemão. Portugal tinha enviado

55.000 homens para a Flandres, onde morreram 10.000 e arruinaram a saúde cerca de

20.000 homens.

Na altura os políticos portugueses dignificaram-se ao reconhecerem o sacrifício

dos que bateram pela Pátria ao considerarem, numa decisão política muito difícil na

época, medidas de apoio social suplementares diferentes dos outros cidadãos

portugueses além duma recepção impar por todo o Governo da Nação em ambiente de

Grande Festividade Nacional.

Esta esperançosa atitude inicial, apenas prometedora, não impediu que a situação de

vida dos combatentes, com o tempo, se tenha tornado insustentável devido ao abandono

e esquecimento a que foram votados, expressos num comportamento desonroso,

irresponsável, injusto e cruel de quem tinha responsabilidade de a cumprir e fazer

cumprir.

O Governo como pessoa de bem tem o dever de implementar as medidas

prometidas, necessárias para prover às vítimas da guerra, protecção, apoio moral e

suporte material, numa atitude de reconhecimento, justiça e humanidade, que

infelizmente não aconteceu nem acontece e em alguns casos é tardia ou mesmo

inexistente.

Desprovidos de todo o auxílio legal, sem beneficiarem de assistência condigna,

foram ignorados por quem tinha a obrigação moral e legal de cuidar deles. A situação

naturalmente aumentou grandemente a necessidade dos combatentes regressados a

Portugal se unirem, mantendo entre eles os mesmos sentimentos de fraternidade e

solidariedade que os animaram na guerra.

Surgiu assim a Liga dos Combatentes da Grande Guerra que, a 16 de Outubro de

1926, realizou a 1ª reunião da sua Direcção Geral de cuja acta, destacamos:

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“…em razão das injustiças feitas aos que na Grande Guerra combateram

especialmente aos mutilados e estropiados, e ainda devido ao desprezo a que foram

votados pelos Poderes Constituídos, os quaes não só não tomaram na devida conta, mas

até propositadamente esqueciam as justas reclamações de muitos, que após terem

cumprido o seu dever, cumprido conjuntamente com o juramento que antes haviam feito

de darem o seu sangue pela Pátria, se viam abandonados e na miséria com grave

prejuízo para o patriotismo, disciplina e moral do povo português.”

(A Guerra, revista n.º1, Liga dos Combatentes)

A Liga dos Combatentes da Grande Guerra, a 16 de Dezembro de 1975, tomou a

designação de Liga dos Combatentes, alargando a sua acção a quem serviu nas ilhas

adjacentes e no Ultramar, necessitados também de ajuda idêntica.

Os únicos lugares de excepção neste cenário moral de pesadelo são:

- O Panteão Nacional do soldado desconhecido na Sala do Capítulo do Mosteiro de

Nossa Senhora da Vitória na Batalha com guarda de honra e onde se celebra anualmente

o dia do Combatente (9 de Abril);

- O monumento do Bom Sucesso -Torre de Belém, com aspecto cuidado e limpo, talvez

por estar bastante visível e ser o local onde se realizam cerimónias públicas anuais de

recordação a quem honrou o seu Juramento de Bandeira no Aniversário do Armistício e

no dia da Liga dos Combatentes (14 de Novembro).

Em alguns países estrangeiros a sociedade civil participa há muitos anos,

voluntária e activamente, em cerimónias realizadas em locais apropriados de evocação

pública e oficial de combatentes que deram a vida ou se distinguiram em acções de

destemor no combate em defesa da Pátria, cujo exemplo merece atenção,

designadamente:

- Espanha “Associacion de los Hombres de Frontera”;

- EUA “National Honor Guard Association”;

- Itália “Istituto Nazionale per la gardia D´Onore alle Reali Tombe del Pantheon”

- Reino Unido”The Legion of Fronteirsmen”.

A proposta da trasladação de Turim para Lisboa do corpo da D. Maria Pia de

Sabóia desencadeou em Portugal a vontade de se constituir uma Real Associação de

Guardas de Honra dos Castelos, Panteões e Monumentos Nacionais cujos estatutos

estão em estudo. A medida, interessante em nossa opinião, merece reflexão, pois

poderia envolver a sociedade civil e o povo anónimo na evocação do património

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nacional imaterial, com a vantagem da sua implementação poder ser mais fácil e rápida

que pelas vias oficiais.

Os deficientes da guerra do Ultramar, alguns profundos, por iniciativa própria,

procuraram em princípios de 1974 criar a Associação dos Deficientes das Forças

Armadas com a justificação que a Liga dos Combatentes não tinha sabido acautelar os

direitos dos designados inválidos da Primeira Guerra Mundial. Procuraram garantir o

melhor tratamento possível, atempado adequado às deficiências sofridas da guerra de

África, assim como disporem de perspectivas de reintegração social.

Os primeiros Estatutos, elaborados pelos sócios, datam de Maio de 1974 e a

escriturada da constituição da Associação é e 13 de Setembro do mesmo ano. Desde

então o texto fundamental teve quatro revisões aprovadas em Assembleias Gerais

Nacionais, tendo sido a versão em vigor publicada em Diário da República n.º247, de

25 de Outubro de 1995.

6. O estado da arte

A procura para investigação de obras que estabelecessem uma relação entre

“Campo de batalha” entendido como lugar de memória, na perspectiva disciplinar do

património cultural, levou-nos à pesquisa com o sistema “Porbase”, nas bibliotecas

nacionais. Utilizámos as palavras-chave: Campo de Batalha, Lugar de Memória; Centro

de Interpretação Batalha de Aljubarrota; Campo Militar de S. Jorge e Museu Militar de

S. Jorge. Os 3 primeiros não têm qualquer referência bibliográfica e as restantes

entradas apresentam referências que vão da ficção à historiografia. Com o motor de

busca Google encontrámos em “Campos de Batalha” e “Lugares de memória” 1300000

e 22000000, respectivamente.

Na procura em livreiros nacionais e estrangeiros, espanhóis em particular, fomos

encontrar a obra Museologia Crítica de Juan Santacana Mestre e Francesc Herández

Cardona, publicada por Ediciones Trea, A.L. de Gijón (Astúrias) que veio enriquecer o

tema procurado.

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Capitulo II -O PATRIMÓNIO

1. Património.

Cada geração, mesmo involuntariamente, lega memória e saberes às gerações

seguintes, na esperança que estas a considerem também sua. É na vertente plural,

testemunho de identidade e memória comunitária, que reside a sua mais valia.

Surgiu assim o conceito de Património definido como “o que tem qualidade para a vida

cultural e física do homem, para a existência e afirmação das diferentes comunidades,

desde a vicinal e paroquial, à concelhia, à regional, até à nacional e internacional “

(ALMEIDA, 1993).

A vivência deste sentir poderá ser conseguida com programação adequada,

apelativa, que convide os participantes a entenderem e a aceitarem o património como

um necessário elo de ligação inter-geracional, privilegiando a família como agente

preferencial nesta passagem do testemunho cultural.

É importante promover o conhecimento através do acesso a sítios e

monumentos, pelo incitamento à participação activa, na descoberta da herança como

reforço do sentimento de identidade nacional, da memória colectiva e da afirmação do

património comum, cuja riqueza reside no conhecimento desta diversidade.

As várias gerações – avós, filhos e netos – têm assim a possibilidade de usufruírem o

Património através da vivência directa das experiências partilhadas em momentos de

convívio, prazer e lazer, visitando e identificando-se com monumentos e lugares

evocadores do passado colectivo.

A celebração da solidariedade, nacional e internacional, pela diversidade cultural

aproxima os povos entre si e estes da envolvência natural que os cerca e onde vivem.

É uma reapropriação partilhada dos indícios culturais do antanho, definida como

património e uma realidade viva que só tem significado quando relacionada

sentimentalmente com pessoas e comunidades.

(MOURÃO, Jornadas europeias do património, 2006).

O Património na dupla valência, material ou imaterial, é um elo inter-geracional

importante, como mensageiro de cultura e saberes. Tem um significado conceptual

mutável porque evolui com o passar do tempo, acrescentando significativo valor

plurifacetado, ao saber e à vivência social.

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A actual lei-base do património (107/2001) define no artigo 2.º os conceitos e

âmbito do património cultural, que pela importância transcrevemos:

“ Integram o património cultural os bens que, sendo testemunhos com valor de

civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto

de especial protecção e valorização designadamente a língua portuguesa, fundamento

da soberania nacional, histórico, paleontologia, arquitectónico, documental, artístico,

científico, social, industrial ou técnico. Dos bens que interam a originalidade, raridade,

singularidade ou exemplaridade, ainda a lei mais longe ao considerar, como bem

patrimonial a conservar, aqueles bens imateriais que constituerm parcelas estruturantes

da identidade e da memória colectivas portuguesas” .

Falar de património cultural de Portugal leva ao regresso a D. João V, 1721,

quando promulgou o Alvará Régio que legislava a protecção patrimonial dos bens

culturais. (ALMEIDA, Revista Conimbriga, volume 5,pp. 104-105).

O documento inovador, muito completo, definia e regulava, entre outras coisas,

a conservação do património, a proibição e penalização da sua destruição, abrangendo

“todos” os prevaricadores, independentemente do seu estatuto social, num pesado

quadro legal. Uma das inovações foi considerar todos os vestígios do passado […]

pertença do património nacional, pois o interesse da sua conservação era do empenho

genérico da Nação porque entendidos como elementos integrantes da história da mesma

Nação. (MENDES, pp. 70-73).

A sociedade actual, caracterizada por rápido desenvolvimento técnico-científico,

agrava uma exagerada valorização do materialismo, provoca algum apagamento da

memória, incentiva profunda desumanização do homem, motivando um precoce

desenraizamento afectivo, social e cultural. O consumismo, o egoísmo irresponsável e a

desarmonia, agravados por vaidade e ambição desmedida, originam comportamento

anómalo, marcado por alguma ausência de valores éticos, em que quase tudo existe para

obedecer e servir inconfessados interesses pessoais. O Homem parece estar perdido de

raízes, passado e sentimentos. É urgente estabelecer e reforçar laços afectivos entre as

pessoas ou entre pessoas e lugares. É preciso que cada geração se localize no tempo e

tenha motivação forte para considerar o Património também seu, em prática consciente

e partilhada de cidadania, permitindo a cada um estabelecer vínculos reais, pessoais e

perenes com o passado, no contexto natural onde vive e labuta. Esta opção levará à

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prática de uma gestão integrada que passará pela conservação da natureza, de paisagens

e territórios, no respeito pela natureza a que o Homem pertence.

Está associada, naturalmente, a outras disciplinas - que se ocupam da existência,

evolução e comportamento das sociedades humanas - para que resulte uma acção

integrada e equilibrada do Homem no seu território.

“A relação interactiva do tempo vivido, perpetuado pela memória, constitui a essência

do momento e a gestão do património. É um factor importante do desenvolvimento

cultural, na medida que o património se fundamenta na cultura”.

(CHOAY, A alegoria do património, 1970).

O património, para sobreviver e evoluir necessita do enquadramento de um

estatuto jurídico-administrativo, estabelecido e preservado por regulamentação jurídica

estatal. Assim será possível garantir um eficiente desempenho de apoio atempado e de

qualidade do turismo em determinado contexto, balizado pelo respeito da verdade

natural, histórica e social. (PINHEIRO).

É “factor de identidade”, caracterizado por implementar e desenvolver vivências

sociais no contexto do dia a dia, é testemunho histórico e marco civilizacional. Tem

valor de identidade e memória que tem evoluído em conceito e alargado o seu campo de

acção, manifestando o seu empenhamento em sucessiva documentação internacional e

nacional.

É considerado por estudiosos como “ conjunto de bens que uma geração sente

obrigação de transmitir à seguinte porque pensa que esses bens são um talismã que

permite à sociedade (local, regional e nacional) entender o tempo em três dimensões

(LENIAUD, 1992).

Verifica-se uma relação muito próxima entre património, identidade cultural e

turismo, que se considera conveniente salientar e implementar na medida que pode

garantir a auto sustentabilidade dos projectos que envolvam o património.

“A recuperação dos valores culturais de um povo (memória, história e tradição) não se

justifica apenas por razões de ordem turística, pois quando mal utilizados, sem cuidado,

podem sofrer degradação natural ou involuntariamente provocada. A utilização correcta

é contrária a situações apressadas, mal entendidas, voluntariosas, deficientemente

tratadas em manifestações tradicionais, fruto da ignorância, de mau gosto, de cupidez ou

de uma errada interpretação da realização de movimentações turísticas”.

(BRITO, Patrimónios e Identidades, 2006).

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O Homem ao ser considerado elemento participante da vida e da valorização

cultural da paisagem, gerou em Portugal (1976) uma renovação legislativa do

património consubstanciada em quatro objectivos (recreio; conservação da natureza;

protecção da paisagem e promoção das povoações rurais) dando inicio a um ambicioso

projecto de adaptar as actividades humanas à nova situação. Procurou-se concentrar o

esforço na valorização das paisagens pela protecção e valorização de actividades

tradicionais, seu suporte principal.

Para integrar a situação e tornar inteligível a função do homem no cenário

envolvente surgiu a gestão integrada, necessária à conservação da natureza e paisagens,

amiga da existência, comportamento e evolução da comunidade humana, no sentido que

o passado deveria ser revivido numa perspectiva de futuro.

Reflectir sobre património tornou-se em grande medida repensar com maior

profundidade a paisagem envolvente, a natureza. O conceito de património, surgido

após a II Guerra Mundial, passou a incluir tudo o que era anterior à geração da mesma,

incluindo os conceitos existentes na altura. O respeito pela veracidade da história e da

memória, reforça o valor do património porquanto salienta a importância do saber fazer

e do valor cultural herdados. A autenticidade é a pedra de toque do conceito de

património e símbolo incontornável do seu merecimento.

(PESSOA, Reflexões sobre a ecomoseologia, 2001).

A veracidade aumenta a valia porque reforça a importância do saber e do valor

cultural herdados de gerações anteriores. É a pedra de toque do conceito de património e

símbolo da sua mais-valia (RODRIGUES, 1996)

1.1. Vandalismo

O património é no sentir contemporâneo, um importante “factor de identidade”,

caracterizado por implementar e desenvolver vivências sociais no contexto diário, sendo

um testemunho histórico e marco civilizacional a respeitar.

Reforçado com o valor da identidade e da memória tem evoluído e alargado o campo de

acção, manifestando-se este importante empenhamento na documentação internacional

e nacional. Tudo o que atenta contra o sistema de bens culturais de um povo ou nação, é

por norma um acto de vandalismo. O vocábulo foi aplicado pela primeira vez pelo

abade Gregório no contexto das destruições promovidas pela Revolução Francesa. O

exército republicano de Napoleão ao praticar actos de destruição e mutilação gratuita

em bens públicos e privados em França, à semelhança do que praticou no mosteiro de

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Nossa Senhora da Vitória na Batalha em Portugal, aquando das invasões francesas, deu

origem a uma atenção especial de protecção às marcas do passado.

O termo vandalismo, que é dele que se trata, surgiu em 1793 e designava todos

os actos que danavam bens móveis ou imóveis, a natureza envolvente, documentos e

realizações artísticas, entendidas recentemente como modificações não autorizadas nem

desejadas.

Não é possível abordar a protecção do património sem a relacionar com o

vandalismo, faces contrárias da mesma moeda, que ao longo do tempo têm interagido.

A necessidade de proteger o património foi despoletada pela prática de acções que o

maltratavam e por isso considera-se necessário, oportuno e pedagógico revisitar este

binário acção-reação.

Henry Grégoire, abade de Blois, deputado e humanista célebre francês

popularizou o termo, 1794, ao utilizá-lo num relatório que apresentou à Convenção

(Assembleia Nacional de França, que proclamou a 1.ª República, 1792-1795), para

designar e denunciar a prática depredadora). A partir desta data a intervenção tornou-se

mais activa na política de protecção do património, desconhecida no Antigo Regime.

Emergia na necessidade de defender a herança herdada das gerações anteriores

justificada pelo comportamento de bárbaros e escravos, ignorantes e avessos ao

conhecimento, que destruíam insensatamente os monumentos de arte, enquanto os

homens livres, cultos e amantes do Saber, os apreciavam e conservavam.

A noção de vandalismo teve origem no bando germânico dos Vândalos, que em

445, saqueou Roma e destruiu ou mutilou o que não conseguiu levar consigo.

O abade Gregório preocupado com a maldade desta situação anotou no seu

diário “Criei a palavra para acabar com este deplorável assunto “. Procurava o termo

apropriado para circunscrever o assunto e denunciar a destruição insensata, gratuita, de

monumentos nacionais praticada por revolucionários sem motivo nem critério. Os

bizantinos aliás já utilizavam há muito o termo “iconoclastas” para designar os

destruidores de imagens ou de estatuetas religiosas.

A luta contra o vandalismo em defesa do património, manifestou-se

decisivamente em França desde 1795, quando o organismo responsável foi dotado dos

meios necessários para enfrentar com êxito este fenómeno anti-social e Alexandre

Lenoir foi encarregado da protecção dos monumentos, dando entretanto por terminado o

inventário dos castelos franceses.

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Pouco depois, em 1830, teve início um vasto movimento de restauro do património e

criada, sete anos depois, a Comissão dos monumentos históricos para prosseguir de

modo sistematizado o trabalho iniciado.

O conde de Montalembert, para salientar a necessidade e importância da

protecção do património, curiosamente ameaçado na altura, pelas regras de arte

entretanto estabelecidas, definiu uma nova categoria de destruidores que designou por

maus restauradores ou vândalos atentos.

Victor Hugo, alertado por um relatório do inspector-geral dos monumentos

históricos redigiu, em 1832, um texto indignado, que intitulou “guerra aos

demolidores”.

O conceito da protecção do património alastrou-se entretanto por vários países

europeus.

-Na Grã Bretanha criaram-se sociedades de sábios, preocupados com o estudo,

protecção e descrição de monumentos e marcas do passado: Society of Antiquaries of

London (1707); Society of Antiquaries of Scotland (1780); Royal Society of

Antiquaries of Ireland (1849);

- Na Áustria o Imperador Francisco José I, em 1850, assinou o decreto que

criava a Comissão de Estudo e Protecção de Monumentos Históricos.

- A França por sua vez fundou a Sociedade para a Protecção da Paisagem e

Estética (1901). O desenvolvimento da ecologia e da protecção do ambiente levou à

designação e registo dos lugares naturais ameaçados por poluição e urbanismo

selvagem. Os lugares naturais foram classificados para serem protegidos dos malefícios

do vandalismo ecológico.

O conceito da destruição do património desenvolveu-se na evolução da

mentalidade e o vocábulo enriqueceu o seu significado. Uma lei de 1906 proibiu a

exportação de objectos culturais classificados, pretexto para uma certa justificação

nacionalista. A multiplicação de sociedades privadas e de associações locais destinadas

a proteger o património local, talvez por deficiente actuação das autoridades que o

deviam proteger, testemunharam no território francês a evidência do perigo que

ameaçava as obras do passado, que pretendiam salvaguardar.

Os estragos causados pela guerra, em particular por bombardeamentos que

afectaram monumentos únicos, foram também considerados actos de vandalismo assim

como as destruições realizadas por razões de ordem pública (demolição de monumentos

antigos para construir novos no seu lugar) tornaram-se também actos de vandalismo aos

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olhos da opinião pública. As instalações industriais, consideradas património, passaram

a ser protegidas. A lei começou a responsabilizar e a obrigar os promotores ou

responsáveis pelas ameaças ao território na execução de escavações arqueológicas de

prevenção.

No Reino Unido, uma organização não governamental “ Rescue” fundada em

1971, solicita ao governo a execução organizada de escavações preventivas.

Noutros países, em particular nos Estados Unidos da América, nem os trabalhos

conjuntos de arqueólogos e etnólogos escapam à investida do vandalismo.

É opinião geral que o vandalismo não acontece nos países ricos. Contudo o mal

que faz é sentido de várias maneiras, por ser provocado pela acção do tempo que

encobre e anula o restauro, quando se deixa de ter capacidade de cuidar dos

monumentos históricos ou se sacrifica por imperativos do desenvolvimento.

Nasser por exemplo ao mandar construir uma nova barragem do Nilo, ameaçou

a existência do templo de Ramsès II em Abou Simbel e do santuário de Isis em Philaé.

A Unesco, influenciada por esta situação culturalmente desastrosa propôs em

1972 uma convenção para proteger o património, mundial, cultural e natural, e garantir

protecção aos lugares considerados Património da Humanidade, inscritos na lista do

património mundial. Face à proposta apresentada a opinião pública internacional

mobilizou-se contra a ameaça do vandalismo insuportável de Abou Simbel.

Alguns autores consideram os diferentes tipos de vandalismo conforme a motivação dos

autores (Intolerância, cupidez, ignorância, vergonha, etc.). A distinção permite

classificar como vandalismo actos que em seu tempo tiveram classificação diferente.

As várias entidades internacionais (Unesco; Conselho da Europa; ICOM) e os

diversos Ministérios da Cultura nacionais, têm vindo a realizar reuniões administrativas

e científicas para tipificar e qualificar o Património na sua dupla valência como valor de

identidade, memória e qualidade de vida face à tendência para se classificar um pouco

de tudo designada por alguns como complexo de Noé” (ALMEIDA, 1993).

Os principais documentos a nível internacional, Convenções Europeias, têm sido

produzidos pelo Conselho da Europa:

- Paris, (1954), Convenção cultural europeia;

- Londres (1969). Protecção do património arqueológico;

- Granada (1985). Protecção do património arquitectónico europeu;

- La Valeta (1992). Revisão da convenção de Londres;

- Convenção europeia da paisagem (2000).

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Pela Unesco:

- Haia (1954). Protecção dos bens culturais em caso de conflito armado;

- Paris (1972). Protecção do património mundial cultural e natural;

-Paris (2003). Convenção para a salvaguarda do Património Cultural Imaterial;

Por Cartas (internacionais europeias que procuram definir princípios e

comportamentos):

-Atenas (1931). Princípios orientadores da conservação e restauro de edifícios antigos;

-Veneza (1964). Conservação e restauro de monumentos e sítios;

- Amesterdão (1975). Património arquitectónico;

- ICOM (1976). Turismo cultural;

- Florença (1981). Jardins históricos;

- Washington (1987). Salvaguarda das cidades históricas;

- Lausanne (1990). Protecção e gestão do património arqueológico;

-Vila Vigoni (1984). Conservação dos bens culturais eclesiásticos;

- Declaração de Segeste (1995). Salvaguarda, valorização e uso de espectáculos antigos;

- Florença (2000). Paisagem;

- Faro (2008). Cultura e património. Conservação integrada.

Procuramos considerar com alguma profundidade a orientação inovadora com

legislação destinada a dar enquadramento legal e administrativo, posteriormente

precisada e esclarecida a nível nacional por cada estado membro e respectivo Ministério

da Cultura. Alem dos referidos foram consultados os documentos a seguir indicados,

respigadas as alíneas aplicáveis ao trabalho:

-Lei n.º11/87, 7 de Abril, Lei de bases do ambiente

Art.º4 a)” …desenvolvimento económico e social auto-sustentado” ;

i)”…a promoção da participação das populações na formulação”;

Art.º5.º 1-b)”…a alimentação, a habitação, a saúde, a educação, os transportes e a

ocupação dos tempos livres “ ;

2-definição de “ambiente, ordenamento do território, paisagem, continuum

naturale, qualidade do ambiente e conservação da natureza “;

Art.º19.ºa)”…a protecção e valorização das paisagens que, caracterizadas pelas

actividades seculares do homem…”;

c) “…estratégia de desenvolvimento que empenhe as populações na

defesa…”;

Art.20º 1- referência, sem definição, a património natural e construído;

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2- “…em cooperação com as autarquias e com as associações locais de

defesa do património e associações locais de defesa do ambiente…”;

- Decreto do Presidente da República n.º5/91 (Rectifica a carta de Granada, 1985,

Salvaguarda do património arquitectónico da Europa).

Art.1.º Definição do património arquitectónico:

Os monumentos: 1. Os conjuntos arquitectónicos; 2. Os sítios;

- Decreto Regulador n.º 18/99, de 27 de Agosto

(alterado pelo Decreto Regulamentador n.º 17, de 10 de Outubro)

- Decreto-Lei n.º270/99 (Regulamento dos trabalhos arquitectónicos);

- Lei n.107/2001 (Lei de bases do património cultural);

Art.º 2.º 1- “… integram o património cultural todos os bens que, sendo

testemunhos como valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural

relevante, devem ser objecto de especial protecção e valorização”;

2-“a língua portuguesa, enquanto fundamento da soberania nacional,

é um elemento essencial do património cultural português”;

3-“O interesse cultural relevante, designadamente histórico,

paleontológico, arqueológico, arquitectónico, linguístico, documental, artístico,

etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património

cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade,

raridade, singularidade ou exemplaridade…”;

4-“…integram igualmente o património nacional aqueles bens

imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva

portuguesas”;

7-“ O ensino, valorização, defesa da língua portuguesa e suas

variedades regionais no território nacional, bem como a sua difusão internacional”;

8-“A cultura tradicional popular ocupa um lugar de relevo na política

do Estado e das Regiões Autónomas sobre a protecção e valorização do património

cultural e constitui objecto de legislação própria ”.

Art.º 6.º Princípios gerais da politica do património cultural (Inventariação;

Planeamento; Coordenação; Eficiência; Inspecção; Prevenção; Informação; Equidade;

Responsabilidade);

Art.º 15 1- Categorias de bens “os bens imóveis podem pertencer ás categorias

de monumento, conjunto ou sítio e os imóveis (património áudio-visual, bibliográfico,

fonográfico e fotográfico”;

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Art.º 72- Disposições gerais;

Art.º 74- Conceito e âmbito do património arqueológico e paleontológico;

Art.º79-Ordenamento do território e obras

Art.º91.º 1-“… integram o património cultural as realidades que, tendo ou não

tendo suporte em coisas móveis ou imóveis, representam testemunhos etnográficos ou

antropológicos com valor e civilização ou e cultura com significado para a entidade e

memória colectivas”;

2-“…Especial atenção devem merecer as expressões orais de

transmissão cultural os modos tradicionais de fazer, nomeadamente as técnicas

tradicionais de construção e fabrico e modos de preparar os alimentos”;

- Decreton.º4/2005 (Rectificação da convenção europeia da paisagem, Florença, 2000)

Art.º1.º Definições (Paisagem; Politica da paisagem; Objectivo da qualidade

paisagistica; Protecção da Paisagem; Gestão da paisagem; Ordenamento da paisagem);

- Lei n.º47/2004 (Lei quadro dos museus portugueses)

- Código de ética para museus, 2004, (ICOM);

- Decreto Regulamentar n.º34/2007;

- Resolução da Assembleia da República n.º44/2008 (Congresso de Faro).

- Decreto Legislativo Regional n.º19/2010 A

Capitulo IV. Artigo 31.º Ecotecas;

Artigo 32.º.Centros de Interpretação ambiental

1.2. Evolução do conceito museológico

O interesse que a memória tem provocado nos historiadores resultou, segundo

Patrick Hutton, da historiografia francesa,” história das mentalidades (1970)”.

Obras mais recentes ao referirem a relação entre história e memória levaram alguns a

reflectir sobre o conceito de memória e a revisitar a teoria de Maurice Halbwachs que

em 1925 tinha elaborado um trabalho acerca da memória colectiva.

Pierre Nora e Michael Pollak, ao retomarem o dialogo daquele pensador, escreveram

obras de referência, respectivamente “ Lugares de memória” e “Memória,

Esquecimento, Silêncio e Memória e Identidade Social”.

O sociólogo Maurice Halbwaches relacionou a memória com o espaço ao afirmar que a

estabilidade do espaço podia constituir-se uma âncora da memória (1990, p.143).

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A memória individual também designada por “ intuição sensível” era construída

a partir do grupo, sendo apenas um ponto de vista sobre a memória colectiva, que devia

ser analisado tendo em atenção o lugar ocupado pelo sujeito dentro do grupo e das

relações mantidas com outros meios.

(HALBWACHS, 2004, A memória colectiva, p.55)

A memória individual não está isolada pois toma como referência pontos

externos ao sujeito. Apoia-se no “passado vivido” que permite a organização de uma

narrativa mais viva e natural do passado do sujeito, mais quando o passado é apreendido

pela história escrita. (Idem, idem, p.75).

“ a história começa somente do ponto de vista onde acaba a tradição, momento em

que se apaga ou simplesmente se decompõe a memória social. Enquanto uma

lembrança subsiste, é inútil fixa-la por escrito” (Idem, p. 85)

Pierre Nora ao reflectir sobre “lugares e memória” concluiu que o período

posterior aos anos 70, do século XX, pode ser definido como “momento-memória”,

origem da memória colectiva numa perspectiva de história nacional.

É oportuno recordar a diferença que encontrou entre memória e história, que

ajuda a distinguir os museus “lugares de memória” dos museus de história.

Memória e história não dizem a mesma coisa e por isso resultará interessante reavivar as

divergências que as separam, que iremos apenas referir.

A memória é:

- vida, recontada ou reinventada por grupos sociais, em evolução permanente, aberta à

discussão entre recordação e ausência de memória, alheia às transformações em seu

redor, vulnerável a esquecimentos longos e a súbitas retomas;

- fenómeno presente e actual, apesar de ser uma relação ultrapassada com o eterno

sempre presente;

- afectiva e mágica, não se instalando por isso em originalidades confortáveis;

- sustentada por evocações delicadas, localizadas ou globais, particulares ou gerais,

sensível à transmissão da lembrança, aos alvos que se destina, corroendo algum crédito

à história;

- lembrança ligada ao sagrado que desacredita a história, sempre banal;

- absoluta, despontando do concreto, espaço, façanha, objecto ou imagem;

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- cimento que identifica cada grupo, dando origem a recordações em número igual aos

grupos constituídos, capazes de se multiplicarem ou dividirem, a nível individual ou

colectivo;

A história é:

- reconstrução ou representação, sempre problemática e incompleta, do passado;

- uma representação intelectual profana que necessita de análise e discurso crítico;

- pertença de todos, sobretudo da entidade que lhe deu vocação universal;

- ter aceso apenas ao relativo;

- extensão de continuidades temporais, e evoluções e da lembrança de coisas;

Muitos museus considerados de história, são museus de memória, de grupos

locais ou regionais, que exaltam o particular para salientar o irredutível e autêntico da

região a que pertencem.

O verdadeiro museu de história deve aproveitar a experiência vivida na amostra

das forças em presença, na rotura, na continuidade e na excepção à regra. Respeita um

certo distanciamento crítico, necessário e prudente, evita o ressurgimento do passado,

optando pela reconstrução do tempo ido. Surge assim o constrangimento entre a emoção

(gerada pela proximidade) e o discernimento fundamentado que exige um certo

distanciamento apoiado em determinado grau de generalização.

A memória fragmentada, sem vocação unificadora, é talvez a característica mais

saliente do museu “pós-moderno”, que anuncia a substituição da função educativa pelo

engrandecimento identitário da comunidade onde se situa.

(THANASSEKOS,1999, Revision d l´histoire).

A cedência para determinados grupos, reforça a socialização da comunidade local, pelo

reforço da identidade e coesão. A memória afirma-se em prejuízo da história,

inquietando especialistas com “a era do vazio”, em vigor nos museus onde têm primazia

o conteúdo e a prática do consumo cultural.

Alguns museus têm procurado, até à caricatura, fazer passar a mensagem ou

defender uma ideologia sem se preocuparem com os “desvios” em museus pós-

modernos. Cederam à tentação, renunciaram à explicação do exposto por palavras,

arredadas da exposição, substituídas por imagens de momento tipo flash, música

emotiva de intervenção e objectos de significado polivalente, as armas por exemplo

como símbolo de poder de fetiche ou maravilha técnica, esquecendo que o excesso

distrai e enfraquece a descodificação da mensagem.

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Os museus são equipamentos caros sustentados por sistemas dispendiosos, o que

explica a implementação de alguns por associações privadas, que se defendem com uma

actividade comercial de natureza mercenária, onde tudo parece poder entrar para

assegurar a garantia do capital empatado. A política comercial é orientada sem pudor

para uma clientela consumidora, alvo de um marketing agressivo e bem concebido que

procura integrar o espaço museológico num pacote turístico num discutível conceito

entre cidadão e consumista (MARCOT, Les musées d´histoire pour l´ avenir, 1998)

“Os museus são instituições de carácter permanente abertas ao público, sem fim lucrativo,

criadas para o interesse geral da comunidade e do seu desenvolvimento, que reúnem,

adquirem, ordenam, conservam, estudam, divulgam e expõem para fins de investigação,

educação, fruição e promoção científica e cultural, conjuntos e colecções de bens móveis

de valor cultural que constituem testemunhos da actividade do homem e do seu meio

ambiente “. (ICOM, 1997)

O aparecimento do museu aberto ao público, consequência da revolução

francesa de 1789, accionado pela proposta do abade Gregoire, em 1794, permitiu

acompanhar o percurso da construção do conhecimento através de objectos,

instrumentos e maquinarias que entretanto se foram tornando obsoletas.

(BRITO, Patrimónios e identidades, 2006)

No início os museus eram considerados instituições destinadas a minorias

intelectuais, pouco mais que armazéns soturnos onde se depositava grande quantidade

de peças, misturadas entre si e apresentadas sem lógica num sentido pretensamente

decorativo, quando deveriam ser fontes vivas de cultura, testemunhos evidentes das

civilizações, usos e êxitos das sociedades humanas, local de memória sacralizada. A

utilização do museu, com o tempo, democratizou-se, assumindo-se como instrumento

de cultura e recreio, dirigido a camadas sucessivamente alargadas de público. Além de

comunicar e interpretar tem como função primeira a preservação do património.

(PESSOA, Reflexões sobre ecomuseologia, 2001).

No século XX (décadas de cinquenta e sessenta) gerou-se um movimento de

renovação do conceito museológico e da mensagem museográfica.

Terminada a II Guerra Mundial o museu deixou de estar circunscrito pelas paredes,

espraiou-se pela natureza, panorama envolvente onde se integra o homem.

A nova museologia passou a considerar necessário conservar a natureza pela

preservação das paisagens que para serem conservadas era preciso amparar e valorizar

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as actividades tradicionais, respeitadoras, responsáveis pelo património paisagístico

existente e pelos ambientes próprios que ainda persistem.

O entendimento original, implementado por Geòrge Henry Riviére no museu de

História de Rennes, explicitava uma alteração significativa no posicionamento do

homem face ao meio ambiente, na medida que deixava de ser um observador exterior ao

acontecimento para assumir a dupla função de observador observado.

O museu assumiu assim o papel de um objecto patrimonial num desempenho resultante

da ingerência biunívoca entre memória e história, enriquecido em simultâneo pela

crescente auto-valorização e progressivo alargamento do conceito de património

cultural. A valoração conduziu à consideração da conservação como necessidade

central, de importância indiscutível, num cenário contemporâneo, cujo entendimento e

prática germinaram com o renascimento italiano face à descoberta do conceito valor da

rememoração. Apareceram então, naturalmente, novas realizações museológicas que de

modo breve iremos procurar caracterizar:

1º) Parque Nacional

Apareceu primeiro nos EUA no parque Yellowstone, criado em 1872, imitado

depois no início do séc. XX em África e na Europa. Em vastas extensões de território

sob administração estatal procurou-se preservar espécies animais e vegetais em risco de

extinção, ameaçadas em regiões inabitadas, previsíveis santuários da natureza, onde o

homem não estava incluído.

O progresso científico, mais tarde, veio demonstrar que o homem devia fazer parte do

projecto, na medida que era um elo fundamental nos sistemas naturais, devendo por isso

ser responsabilizado pela própria sobrevivência.

2.º) Museu de ar livre

Originário dos países escandinavos, consistia na reconstrução de “aldeias

características” pela transferência de casas tradicionais, que dispersas noutros lugares

sobreviviam em aglomerados habitacionais já alterados (fornos, moinhos, oficinas

artesanais, etc.);

3.º) Parque natural

Na Alemanha, em princípios da década de trinta do séc. XX, procurou-se

salvaguardar os aspectos mais significativos das paisagens rurais, onde ainda era

respeitado o equilíbrio entre a acção do homem e a natureza, pela protecção pontual dos

aspectos ainda espontâneos da flora e da fauna.

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4.º) Ecomuseu (Decreto legislativo regional n.º19/2010ª, ecotecas)

George Henry Riviére, em 1946, idealizou o conceito museológico que Hugues

de Varine designou mais tarde por ecomuseu.

Segundo ele era como um espelho no qual os residentes se revêem para descobrir a

própria imagem, na procura de uma explicação do território a que eles e as populações

que os antecederam estão ligados, numa perspectiva temporal ou em termos de

continuidade de gerações. É o retrato que mostram a visitantes para serem melhor

entendidos, assim como o seu passado, identidade, costumes e actividade no sentido de

inspirar respeito e respeito. É a expressão de uma identidade e de uma dinâmica

próprias, que consiste num processo dinâmico que a comunidade preserva, interpreta e

gere o próprio património na procura de uma vida melhor com um desenvolvimento

sustentável. Procurou relacionar o homem com o território onde vive e labuta,

devidamente caracterizado numa investigação da realidade cultural apoiada na

interdisciplinaridade e envolvimento da população residente para promoção do meio

que o cerca. (noção museológica que revela a natureza e a evolução do homem no

território onde vive).

Até ao momento o fenómeno da vida na terra e as actividades que lhe diziam

respeito eram considerados objectos da observação do homem, numa postura de

observador exterior e não como actor interveniente.

O avanço da técnica tornou evidente que o homem não era apenas um observador

distante e indiferente aos fenómenos vitais que o cercavam, muitas vezes desencadeados

por ele próprio. Pelo contrário devia integrar-se nos próprios fenómenos na condição

simultânea de observador observado, clarificando assim a sua participação na natureza.

O equipamento destina-se em primeiro lugar à população local para que esta reconheça

os valores do meio ambiente onde vive, da cultura que pratica e desse modo possa

orgulhar-se das raízes que a unem a um passado por vezes difícil, de exploração e de

pobreza ou pelo contrário de realização e grandeza.

Visa relatar o discurso histórico da região e salientar a animação cultural dos residentes,

levando-os a participar voluntariamente na redescoberta dos valores da cultura que lhes

pertence. Não tem definição acabada pois a amplitude das acções a desenvolver no

apoio a este conceito é limitada pela capacidade de realização que os meios disponíveis

consentirem. Varia, conforme o entendimento de George Henry Riviére, com a

dinâmica do ecosistema, em função da vontade e performance do agregado humano

integrado, na medida que é um espelho onde a população se contempla e se reconhece,

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onde procura o entendimento do território a que está ligada, juntamente com o colectivo

que a procedeu na ou continuidade descontinua das gerações.

O parque natural e o ecomuseu estão interligados, sendo este a expressão

museológica daquele. O projecto do 1.º ecomuseu em Portugal, implementado na Serra

da Estrela em 1979/1980. (NABAIS, “nunca funcionou devidamente como ecomuseu”)

5º) Economuseu

É um museu vivo, extensão do ecomuseu, que procura rentabilizar uma empresa

com interesse cultural (p.e. uma fiação de tear ou um moinho). É mais uma tentativa

para criar um projecto auto sustentado, gerando receitas a partir do património de uma

região, povoação ou empreendimento, pela preservação e valorização, sérias e sensatas,

para evitar soluções populares de veracidade duvidosa.

6º) Centro de Interpretação

Freeman Tilden apresentou e definiu esta noção no Canadá, 1976, quando

procurava uma oportunidade de valorização no desenvolvimento local para entidades

com interesses patrimoniais, integradas numa política concertada de arranjo cultural do

território onde foram iniciadas e estão instaladas. Utilizou uma metodologia de

aproximação reconstruída numa base referencial que incluía a inovação, face a desafios

actuais e futuros. Conforme o seu conceito é um processo de comunicação que procura

transmitir ao visitante o valor e significado dos aspectos privilegiados de patrimónios e

culturas no seu meio natural, por experiências sensíveis com objectos, ferramentas,

paisagens e lugares. O propósito da interpretação é estimular no visitante a vontade de

ampliar o horizonte do seu interesse e vontade de saber, ajudando-o a entender que a

existência deste património lhe diz directamente respeito. Procura responder ao desafio

da utilização do potencial do património no previsível desenvolvimento económico e

turístico. Necessita para isso de definir conceitos de valorização adequados em

simultâneo com a definição das condições técnicas de fiabilidade assegurada, para

proteger, conservar e valorar, funcionado no espaço adequado como lugar de

representação do território. A programação neste lugar de síntese deve procurar

responder à inquietação dos residentes, que melhor se apropriam do espaço envolvente,

enquanto em aproximações diferentes ajudam os visitantes na descoberta e compreensão

da região ou da comunidade humana residente. Esta novidade museológica terá por

missão dar a conhecer outra leitura, inovadora, do território a conhecer, que poderá

constituir ferramenta alavancadora da prosperidade e bem-estar local, na medida que

com novas micro empresas podem ser criadas oportunidades e empregos, por oferta de

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serviços a visitantes, com vantagens evidentes para o bem-estar social e económico dos

residentes. Desenvolve-se pela confirmação da legitimidade histórica seguida da

concepção de um programa de desenvolvimento científico suportado por estruturas

qualificadas, atentas à realidade local que com antecipação procurará encontrar

respostas atempadas e adequadas às necessidades do futuro (SCIPION, Le centre

d´interprétacion au couer d´un processus de valorasisation - la lettre de l´OCIM n.º 61

de 1999).

Deduz-se que o Centro de Interpretação é um lugar de representação do

território, envolvido, com a participação dos residentes, num processo de valorização

local, que procura dar resposta a públicos atentos e interessados, apoiado por uma

gestão optimizada na criação de oportunidades, perspectivando o património na

conquista de novos horizontes.

Deve ser espaço de: apresentação do território pela redistribuição de lugares em rede;

estudo e pesquisa de novos horizontes, dispondo para tal dum centro de documentação

bem apetrechado; processo de aprendizagem de questões sociais para criar uma

identidade cultural; novos desafios sociais e económicos do tecido social local;

concepção de um turismo controlado para um desenvolvimento económico duradouro;

procura de processos funcionais de organização para optimizar serviços ao público e

contribuir para a personalização e bem-estar económico auto-sustentado de residentes

pela criação de novos serviços e mais empregos.

2. Património militar

O Património militar, como os outros, divide-se em material e imaterial. O

património material, por sua vez, subdivide-se em: “imóvel”que inclui a diversidade de

edifícios militares, de comando (quartéis generais), acomodação de tropas

(aquartelamentos), edificações e artefactos com desempenho táctico importante

(fortificações), instalações logísticas (hospitais, depósitos, armazéns, paióis, etc.), e

“móvel” que engloba os sistemas de armas individuais e colectivos, munições,

transportes gerais e especiais de todo o tipo, equipamentos, uniformes, plataformas de

sistemas de armas e de transmissões, etc. .

O património cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu ambiente, de

sua interacção com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e

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continuidade, contribuindo assim para promover o respeito pela diversidade cultural e a

criatividade humana “ (ICOM, 2006).

Este património, em nossa opinião, consubstancia-se no ”saber fazer”, que caracteriza e

distingue a função castrense de outras profissões, na especificidade do ideal de servir o

colectivo mesmo com o risco da própria vida, bem expresso na cerimónia pública do

juramento de bandeira.

É composto por conceitos, condutas livremente aceites, rituais, compromissos de honra

e comportamentos éticos, etc., em essência a capacidade de cumprir uma missão sem a

discutir no convencimento que obedece a uma ordem que o pode prejudicar até à perca

da própria vida.

Em Portugal o património militar material está inventariado e é tratado na

Direcção de Infra Estruturas do Exército /Engenharia e o património militar imaterial

diz respeito à Direcção de História e Cultura Militar.

Para melhor entendimento do património imaterial iremos procurar referir no

essencial a origem e o fundamento da instituição militar.

Na antiga Grécia como em Roma a prestação do serviço “nas hostes” era obrigatória,

como passou a ser na Europa, a partir do séc. XVIII, bem expressa com a instituição do

exército permanente, instituído por Carlos VII.

A revolução francesa posteriormente generalizou e aperfeiçoou a instituição militar,

distinguindo entre si os exércitos, os diversos corpos, e os serviços pelo uniforme que

espelhava o espírito de corpo baseado na disciplina. A “lei de Jourdan”, em 1798,

implementou em França a prestação do serviço obrigatório, que possibilitou a Napoleão

inúmeras vitórias militares. A decisão foi imitada, de imediato, na Prússia e em toda a

Europa, no decurso do séc. XX, para garantir a defesa de cada Nação e cultivar o

sentimento da nacionalidade.

O exército renasceu assim da ideia de serviço da Nação para defesa, segurança,

garantia do viver em paz interna e externa, penhor do progresso e do bem comum

nacional. Para o Estado é, por excelência, o melhor servidor público, que não faz greve

nem reclama de difíceis condições de trabalho, a quem deve subordinação e obediência;

Para a Pátria, terra dos antepassados “terra patrum”, é a garantia da perenidade da

personalidade da Nação, da manutenção da paz no quotidiano, no desempenho da defesa

do património material e imaterial, no presente e futuro como o foi no passado.

Os deveres do militar para com a Pátria são conhecer, amar, servir e defender.

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O comportamento de quem serve nas Forças Armadas é determinado pelas

virtudes militares que orientam a conduta e a postura pessoal de cada um relativamente

à instituição militar a que pertence e à sociedade onde está inserido.

As virtudes militares, em listagem explicativa e despretensiosa, são:

“abnegação”( renúncia moral e material com sacrifício de proveito pessoal); “bravura”

(qualidade de quem é intrépido e valente); “camaradagem” (convivência amigável entre

militares); “coragem” (ascendência da vontade firme e enérgica sobre o instinto do

medo); “decoro” (maneira correcta de bem proceder no meio militar e civil); “força de

vontade” (sentimento de perseverança e energia); “honra”( manifestada na execução

honrada dos actos praticados); “iniciativa” (praticar actos que requeiram solução

imediata); “moralidade” (prática de actos em conformidade com os princípios da

moral); “pontualidade” (cumprimento dos deveres na hora devida) e “presteza” (ser

ligeiro sem ser precipitado).

Considera-se oportuno referir com mais detalhe, pelo seu significado e

oportunidade, outras virtudes militares:

-“Patriotismo”, ideia nobre e elevada pela qual cada cidadão se consagra ao amor e

engrandecimento da Pátria. Napoleão afirmava com frequência que “o amor da Pátria

era a primeira virtude do homem civilizado”. O militar deve ter um conhecimento

profundo da sua terra, das suas gentes e sobretudo da história da Nação, porque

ninguém ama nem defende o que não conhece.

Os antigos diziam que os soldados tinham dois “dias grandes”: o primeiro, quando em

juramento voluntário e público, contraiam para com a Pátria o dever mais nobilitante da

sua vida castrense, jurar defender a bandeira, símbolo nacional que representa o

património material e imaterial de todos nós.

O outro “grande dia” era o do primeiro combate em que no cumprimento do juramento

de hora defendiam a bandeira da acção do inimigo.

A importância, o significado e a vivência da cerimónia deste compromisso

solene justifica uma referência um pouco mais detalhada. Em data escolhida com

antecedência, após terminada a instrução básica militar, na presença de familiares

orgulhosos, o contingente entrado na mesma incorporação, enquadrado pelos

comandantes da cadeia de comando, estacionado em formatura na parada de honra da

unidade militar, face à Bandeira Nacional, de braço direito estendido na sua direcção,

proclamam bem alto, com voz emocionada e embargada pela solenidade do acto o seu

juramento:

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“Juro ser fiel à minha Pátria, estar pronto a lutar e a dar a vida por ela.

Juro defender a bandeira até à última gota de sangue, respeitar as leis,

observar a disciplina militar, obedecer aos meus chefes e

honrar as tradições gloriosas do Exército Português.”

No período revolucionário de 1974-1975 esta cerimónia foi adulterada, por uma única

vez, com objectivos supostamente político-partidários. O acto não foi repetido, não teve

história e perdeu-se na poeira do tempo.

- “Sentimento de Honra e de Dever”. Proceder com honra é cumprir os compromissos

assumidos, mesmo à custa dos maiores sacrifícios. É ser leal, justo, firme sincero e

correcto nas suas opiniões. É ter carácter, respeitar os direitos alheios e as disposições

legais. É, em suma, cumprir;

-“ Lealdade e nobreza de carácter”. A lealdade é a verdade do sentimento. É impossível

ser desleal sem mentir à consciência e sem ludibriar a confiança alheia;

- “Disciplina”, Conjunto de regras e princípios que têm por fim assegurar o

cumprimento do dever, quer a ordem resulte da vontade colectiva, quer provenha de

uma vontade individual. É a solidariedade no serviço criada entre todos os membros do

exército. Implica necessariamente a existência de um certo número de regras ou

determinações a cumprir e a existência de alguém que fiscalize e oriente o cumprimento

dessas normas. É por vezes erradamente confundida com subordinação, que consiste na

obediência cega de uns membros na relação com os outros.

- “Espírito de missão”, É uma reminiscência da prática da cavalaria Templária, que

baseada num conceito religioso se traduzia no cumprimento da missão recebida, sem

discussão, no convencimento que obedecia a uma ordem que podia implicar a perda da

própria vida, única atitude correcta possível.

O retrato que iremos com brevidade recordar, definidor do comportamento do

militar, talvez tenha tido origem na Idade Média.

O Concílio de Clermont, em 1095, determinou que toda a pessoa de nascimento, ao

atingir os 17 anos, devia jurar solenemente perante um bispo “defender até ao fim os

oprimidos, as viúvas e os órfãos e que as mulheres de nobre nascimento, deviam

merecer cuidado especial”. O cavaleiro, no princípio, preocupava-se quase só com as

“manhas da guerra”, enriquecido depois com a defesa do evangelho e dos fracos, dando

origem a nova e depurada concepção de cavaleiro que procurava respeitar as virtudes da

cavalaria, consideradas em três prioridades: “primárias”, de natureza guerreira

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(coragem, lealdade, generosidade); “secundárias”, religiosas (fidelidade à Igreja,

obediência, castidade) e “terciárias”, de natureza social (cortesia, humildade,

beneficência).

A cavalaria insistia também na verdade, confiança, fidelidade, respeito da

palavra dada e aos compromissos assumidos, cujo incumprimento era dificilmente

desculpável.

É curioso que em época tão confusa em preceitos morais, a cavalaria tenha contribuído

de modo tão meritório para a formação de novo estilo de vida castrense. (MILITAR,

Deontologia, 1980)

3. Património e Centro de Interpretação (reflexão)

A gestão do património é factor de grande importância no desenvolvimento

cultural por se fundamentar na cultura e por isso vem sendo considerado,

progressivamente, “ pedra de toque” nos projectos de desenvolvimento local.

O património ao adquirir a qualidade de inter-agir entre pessoas e comunidades,

fica sujeito à constante alteração da sua valência, podendo por isso ser considerado

factor de identidade; testemunho da história; realidade sociológica e marco

civilizacional.

“Património histórico designa um conjunto de objectos que congregam a sua

pertença comum ao passado “. (CHOAY, A Alegoria do património, 1970)

É adequado e sensato envolver, com programação apelativa, os elementos de

gerações diferentes, privilegiando particularmente a família na transmissão da herança

cultural evidente pela promoção do acesso a monumentos e sítios. O facto deverá

constituir uma participação consciente e activa na descoberta da herança comum,

reforço da memória colectiva, de identidade cultural e afirmação do património de

todos, cuja riqueza reside na diversidade. É uma festa de solidariedade em diálogo pela

diversidade cultural numa reapropriação partilhada dos vestígios culturais do antanho,

pois o património é uma ponte entre gerações, legado transmitido, mensageiro da

cultura e por isso portador do tempo. Cada geração, mesmo involuntariamente, lega a

descendentes como herança, a experiência cultural, expressa nos saberes adquiridos pela

experiência vivida.

É necessário e urgente reforçar os laços temporais e afectivos entre pessoas e

entre pessoas e lugares. É imperioso que cada geração tenha motivação forte para

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considerar o património também seu, em prática partilhada de cidadania, para que cada

um possa estabelecer e reforçar vínculos reais, pessoais, perenes com o passado.

Os tempos actuais estão dominados por pragmatismo em desfavor de valores e

ideais éticos. A consideração dos resultados é medida pela obtenção do maior valor

pessoal e nunca orientada pelo respeito dos direitos da outra parte. A venda de ideias é

propícia, por norma ilícita, para engrandecimento pessoal e compra de benesses a

qualquer preço.

A Família, neste cenário, merece atenção especial pela função aglutinadora que

desempenha no processo da transmissão cultural e moral. O reconhecimento da

importância da identidade familiar, mais vincada face à herança cultural local, permitirá

a cada um identificar-se com a herança cultural e reforçar o sentimento de apego ao

património de todos.

O significado da herança da memória dos que nos antecederam, é transmitido a

novas gerações pelo centro de interpretação, agente impulsionador indispensável a este

propósito.

O espaço existente e disponível, apesar de indefinido e de natureza variada, é

importante. Talvez por isso está sujeito a interesses antagónicos (ecológicos,

geográficos, históricos, etnográficos) e procurado por organizações com vocação

patrimonial, que lhe reconhecem oportunidades potenciadoras de valorização local, em

parceria com os próprios residentes.

Os projectos procuram estimular o desenvolvimento local (estável, social, económico,

auto sustentado pela industria do turismo), apoiados no património existente ou

disponível, o que leva à eclosão de novas actividades socioeconómicas, que exigem a

respectiva optimização, valorização e gestão para atrair, acolher e fidelizar públicos

interessados.

A amplitude, complexidade e relevo do tema obrigam a consideração, minuciosa

e prudente, de alguns factores que, com modéstia, procuraremos abordar.

3.1 A Interpretação (metodologia de aproximação)

O património para ser conscientemente aceite e respeitado terá forçosamente que

ser interpretado para ser entendido. A sua leitura e compreensão nasceu com a

interpretação ambiental nos parques americanos, em finais da década de cinquenta do

século passado (1957), para sensibilizar visitantes a ajudar a respeitar a natureza.

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Freeman Tilden, pioneiro da nova técnica, concebeu a interpretação como

modelo de comunicação em prática educativa, que em síntese definia do seguinte modo:

“através da interpretação a compreensão, através da compreensão a apreciação e através

da apreciação a protecção “.

Procurava estimular no visitante a vontade de ampliar o horizonte de interesses e

saberes e ajudá-lo a entender as grandes verdades que em regra estão por detrás dos

factos.

O Centro de Interpretação utiliza linguagem audiovisual, recente inovação,

imaginativa, plurifacetada, que procura dar resposta a novos desafios, face à realidade

actual. A interpretação, considerada como “processo de comunicação que procura

transmitir ao visitante o significado e o valor dos aspectos privilegiados do património

cultural e natural através de experiências sensíveis (objectos, ferramentas, lugares e

paisagens).” (SCIPION, obra referida 1999)

Para o visitante interpretar é receber, “sentir e identificar-se com o lugar”,

acrescentar valor pessoal à experiência vivida, e ficar ligado sentimentalmente ao lugar

visitado. O conjunto dos caminhos a interpretar no terreno é importante no processo da

aprendizagem, por dar segurança e conforto ao visitante.

A abordagem de conteúdos “in situ” é um processo produtivo atraente para visitantes e

comunicadores, pois estabelece a ponte com a realidade anterior, facilita o entendimento

da vivência sentida em acontecimentos ocorridos no local, particularmente notados em

confrontos bélicos que ajudam a aproximação à realidade envolvente. (sentir a

incomodidade do terreno, o pó, os raios do sol, o calor, o cansaço, etc.).

A interpretação caracteriza-se por uma envolvente inclusão informal, estímulo

da curiosidade, apelo à reflexão e a comparações, interacções, analogias com

experiências reais. É indispensável à transmissão de conhecimento e de saberes pois

permite descodificar o passado. O desempenho é orientado para: estimular a curiosidade

do visitante tendo em consideração a sua experiência; comunicar de modo acessível e

agradável utilizando diferentes processos da partilha de saberes; envolver a comunidade

local em parcerias sensatas e produtivas e considerar com atenção o atendimento do

visitante com instalações adequadas, serviços, curiosidade e segurança.

Para alcançar os objectivos a que se propõe, deverá: facilitar o conhecimento do lugar

(história, identidade, memória) e impulsionar o interesse do visitante; satisfazer as

necessidades intelectuais e comodidade dos visitantes; descodificar, atenta e

sensatamente, a história documental, saberes e memórias; gerir adequadamente os

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conteúdos destinados ao uso cultural, social e turístico; relacionar o património à

museologia em novos modelos da partilha do saber fazer; realçar a necessidade de uma

conservação atenta e oportuna do património visitado (natural, cultural, histórico).

A interpretação obedece a métodos de planeamento que comportam alguns itens:

eleição dos objectivos; estabelecimento de adequado inventário interpretativo para

relacionar e desenvolver, por etapas, os assuntos escolhidos; estudo, implementação e

desenvolvimento de um plano de actuação, gradual e contínuo; revisão, testagem e

adequação, frequentes, do plano implementado; previsão da utilização de meios que

ajudem o entendimento do visitante (mapas com roteiros, placas e painéis

interpretativos, textos de informação, etc.); identificação e desenvolvimento dos meios

de apoio adequados (serviços); desempenho esclarecido, profissional e atento do

apresentador (animado, criativo, educado, oportuno e apaixonado pelo desempenho

correcto da função). (Idem)

O centro de interpretação é uma ferramenta de mediação, inteligente e sensível,

que apela à imaginação, com a ajuda de técnicas de apresentação audiovisual, para fazer

entender ao visitante que a existência e a salvaguarda do património visitado também

lhe diz respeito.

O objecto enriquecido no seu significado, adquire novas valências, face ao

museu tradicional, onde é apresentado e conservado pelo valor intrínseco e dimensão

estética.

A interpretação praticada pode incluir a apresentação de objectos desaparecidos

ou indisponíveis, a que acrescenta o testemunho oficinal, interactivo, global,

enriquecido por mudanças sensoriais (orais/visuais).

A experiência, gratificante e apelativa, é conseguida pela adaptação do ritmo ao

conteúdo das mensagens, constituindo uma vivência gratificante para o visitante,

aproveitada por Georges-Henri Riviére na implementação do écomuseu.

O Centro de Interpretação deverá assim funcionar como espaço de acolhimento,

consulta, investigação e comunicação. Deverá, quando possível, recorrer a documentos

gráficos, multimédia, percursos pedestres, visitas guiadas, para dinamizar a divulgação

científica, cultural, turística e fomentar a transmissão do conhecimento junto de

públicos diferentes para a protecção patrimonial e identidade cultural.

em particular relevância na vertente social na medida que pratica e promove a inclusão,

evitando activamente a exclusão.

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3.2 Qual a extensão do património a considerar?

A noção alargada de património tem valorizado as actividades locais, pela

capacidade de apoiar um número significativo de projectos interessantes, acrescida pela

vantagem de necessitar de uma intervenção mínima na sua conservação.

Os novos espaços a valorizar são múltiplos e variados:

- Naturais (reservatórios, reservas naturais, espaços protegidos…);

- Sítios (agro-pastoris, hortas, matas, pomares, pousios agrícolas…);

- Oficinas de artistas e saberes (renda, padaria, cordoaria, mercearia…);

- Colecções invulgares (temáticas, bibliotecárias …);

- Lugares proto-industriais (forjas, fornos a calor, estaleiros, vidraria, cantaria …);

- Espaços industriais (metalurgias, portos, caminhos de ferro, minas…);

- Zonas de actividade em transformação (portos de pesca, desportos…). Etc.

Inferimos que o património cultural é uma realidade dinâmica englobante do

património construído, da memória perpetuada por tradições e criação contemporânea.

3.3 Conservação para Quem? Porquê?

A etapa “em redoma” iniciada e praticada nas últimas décadas, foi caracterizada

por excessiva aplicação de medidas de protecção que provocou efeitos negativos ao

congelar o objecto e o lugar.

O estudo, a pesquisa e a recolha de dados (técnicos, etimológicos e históricos)

confiados a especialistas competentes, melhoraram bastante a organização e o

conhecimento do património, levando à adopção de medidas mais convenientes

(protecção e restauro).

Em etapa posterior, os responsáveis para garantir a sustentabilidade do projecto

começaram a preocupar-se com o alargamento do público, acolhimento e gestão dos

espaços disponíveis, levando-os a questionar: conservar para quem e com que

objectivo?

3.4 Conservação e gestão do património

A conservação, a valorização e a animação, no início do processo tratadas“cada

uma per si”, deram origem a que apenas o público pudesse apreciar o resultado final da

apresentação.

A valorização do espólio procura contrabalançar os exigentes ónus da entidade

museológica que regista novos encargos, como a conservação do espólio disponível.

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A procura, conquista e fidelização de visitantes, progressivamente importantes,

podem permitir encontrar uma solução auto-sustentada, pela concepção de um espaço

de acolhimento agradável, que deverá apresentar algumas condições: recepção animada

e interpretação apelativa do território; condições de estudo e pesquisa, que obrigam ao

estabelecimento de um centro de documentação disponível à consulta dos visitantes;

apoio à vertente científica, conforme a especificidade patrimonial; oferta, oportuna e

eficiente, de serviços a visitantes e residentes; suporte económico, auto-financiado, na

gestão do quotidiano; criação de associações dos amigos de diversos museus e apoio de

grupos escolares e de crianças em tempos livres.

Estas exigências pressupõem o exercício de funções múltiplas, difíceis de

harmonizar, que obrigam a rever condutas individuais em proveito do êxito global, para

optimizar a organização da oferta patrimonial e implementar os serviços para melhor

capacidade de resposta.

3.5 Consequências da nova leitura do território. Valorização do território

O Centro de Interpretação permite explorar numerosas possibilidades de

inovação na valorização local. Os objectivos a que se propõe são ambiciosos,

necessitando de algum tempo, médio a longo prazo, para se desenvolverem,

designadamente: definir um espaço com um objecto considerado património de todos;

criar um local de síntese com base em questionários feitos à comunidade local e/ou

regional; transmitir e praticar o conceito que a experiência é a alavanca do

conhecimento e favorecer a prática da aprendizagem lúdica.

A valorização do território começa a ser entendida pelas entidades interessadas

em utilizar e defender com seriedade a “identidade do território” como motor do

desenvolvimento local (social, económico e turístico). Para isso devem estar disponíveis

a reagruparem-se em torno de projectos comuns, definindo com antecedência os

conceitos de valorização adequados precisando de condições técnicas fiáveis, para

proteger, conservar e valorar o património.

O inventário à escala local, importante e indispensável, identifica com precisão

os recursos patrimoniais disponíveis (naturais, culturais, históricos, industriais, etc.) e

permite a selecção hierarquizada do potencial.

Salienta o seu valor na compreensão do território e na criação de centros de interesse,

implantados em locais propiciadores de novas demandas que permitam a visitantes uma

melhor apreciação e a satisfação da sua curiosidade.

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A implementação dos centros de interpretação, lugares de síntese, deve estar respeitar o

sentimento dos residentes, que melhor se identificam e apropriam do espaço envolvente

e que em aproximações diferentes ajudam os visitantes a descobrir e a entender o

território e as comunidades humanas que nele vivem.

A importância da representação do território, cenário onde se desenrola a acção,

depende de adequada articulação entre a leitura e o entendimento do património nas

suas múltiplas facetas (estética, etnologia, história, simbologia, sociologia, urbanismo e

envolvimento territorial, etc. apoiadas na imprescindível auto sustentabilidade).

A valorização da descoberta dos novos espaços é tarefa árdua e complexa, pelo

entrecruzar de múltiplos e diferentes interesses, por estar relacionada com a dimensão

dos projectos, respectivo valor simbólico e expectativa do desenvolvimento previsível.

A definição de um sistema de valorização adequado, imprescindível, visa estabelecer

uma leitura sinóptica do território, por vezes difícil pelos entendimentos diferentes a que

está sujeita.

A leitura resumida de um território necessita de aproximações diferentes mas

simultâneas. Para uns o enraizamento e o interesse devem manifestar-se em lugares de

excepção, símbolos representativos de um feito colectivo, para outros é prioritário

requalificar o “saber fazer” de uma sociedade em transformação evidente numa

arquitectura adaptável a novas realidades em defesa do valor do seu exemplo.

É prudente e necessário definir antecipadamente a gestão adequada à fiabilidade

técnico-económica do projecto, na certeza que é insuficiente estabelecer um plano de

conservação para chegar a uma gestão qualificada do património.

É aconselhável incluir no projecto, concertadamente, residentes locais qualificados, que

possam “fazer a ponte” com o tecido social da comunidade, por estarem naturalmente

relacionados com agentes locais (associações, entidades várias, profissionais do

turismo, etc.).

O objectivo é envolver tudo, de modo pacífico, propiciando uma reflexão global,

na prática do conceito endógeno, como aglutinador local e regional de pessoas e bens.

3.6 Relação entre património e turismo cultural

A génese do turismo confunde-se nas mais diversas formas com a história das

civilizações. Foi de certo modo uma realidade presente, na Grécia antiga (edificação de

equipamentos de lazer, recreio e desporto tais como circos, teatros e anfiteatros) à

romanização (saunas, corridas, arenas e espectáculos).

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A oferta de equipamentos e infra-estruturas de lazer aconteceu noutros locais e épocas

também remotas, como na civilização maya.

Em tempos recentes a actividade estabeleceu ligação entre cultura e turismo. Foi

iniciada quando os mais endinheirados, começaram a viajar para visitar e contemplar o

património edificado por gregos e romanos.

A história do turismo actual, que procuraremos relatar, está associada e

congregada em torno de três realidades que apareceram entre os séculos XVIII e XX:

- a realização de uma ”viagem pelo mundo”, condição indispensável à formação de

cavalheiros distintos, absolutamente necessária à admissão na corte (séc. XVIII);

- a criação de um pacote turístico inventado por Thomas Cook, implementado a 5 de

Julho de 1841, com uma primeira viagem comercial de comboio para um grupo de 570

pessoas, entre Leicester e Loughborough (séc. XIX);

O conceito de “turismo de massas”, iniciado na década de 50, desenvolvido

exponencialmente nas décadas de 60 e 70, deu origem ao incremento da aviação

comercial com a criação de viagens pré-contratadas, que desencadearam uma explosiva

indústria de turismo presente em toda a cadeia de serviços (séc. XX).

Em Portugal a actividade do turismo, inicialmente inexistente evolui em três

fases: a mais remota que deve ter surgido no séc. XIII com o “livre direito de viajar”,

resultante da exigência real para que o povo, ou quem tivesse condições para tal,

albergasse e alimentasse gratuitamente, o rei com o séquito, grandes senhores, grupos

armados, e outros viajantes que se deslocassem pelo reino.

A situação foi entretanto alterada a partir dos séculos XIV e XV com a

oficialização das hospedarias e concessão de direitos a estalajadeiros para as protegerem

e retirarem benefícios da sua exploração.

No início do séc. XX, surgiu a 2ª fase caracterizada pela implantação de

incipientes organizações governamentais que deram origem a um período eufórico de

rápido crescimento turístico.

O lançamento nacional, da Sociedade de Propaganda e da Repartição de Turismo, a

nível local, não impediu a letargia do arranque. Só com o crescimento do turismo de

massas a nível internacional o sector surge no cenário dos maiores destinos mundiais,

pelo incremento de massas turísticas para o Algarve, decorrente da construção do

aeroporto de Faro em 1965.

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A noção de cultura começou a servir de pretexto para viajar no tempo, alargando o

conceito que passou a envolver todos, de tomar conhecimento com os “ modos humanos

de ser e fazer “.

Todos os povos têm cultura própria, definida como “conjunto de toda a produção

e do saber fazer humano de cada sociedade nas suas formas de expressão e modos de

vida “ (Sustentabilidade sociocultural, 2006)

Os antropólogos, a partir da década de 60 do séc. XX, iniciaram o estudo desta parceria,

passando o turismo a ser considerado alternativa para o desenvolvimento global.

A actividade contudo, ao ser implementada de modo impreparado, causou dano

significativo no património cultural, devido a fragilidades locais (défice de recursos

humanos especializados), expressa em visitas descontroladas, no desrespeito pela

identidade da cultura visitada e pela imposição de padrões culturais estranhos, altamente

lesivos nas pequenas comunidades.

A necessidade de ultrapassar a situação agravada por impreparação do visitante

deu origem à implementação de acções concertadas entre turismo e cultura. Tornou-se

necessário criar e garantir o respeito pelo património cultural, identidade cultural e

memória, da comunidade visitada.

A opção pelo desenvolvimento turístico deve garantir e harmonizar a

conservação do património ao uso quotidiano dos bens culturais na valorização das

identidades culturais locais, como factor de apoio e fortalecimento cultural em função

da promoção do seu valor económico. Neste pressuposto algumas iniciativas de

revitalização de práticas culturais antigas, têm avivado o sentir, auto-estima, orgulho e

bem-estar comunitário face à sua identidade cultural.

A simbiose entre cultura e turismo tem por base as pessoas interessadas em

conhecer culturas diferentes e dá ao turismo a possibilidade do servir como ferramenta

de valorização, preservação e conservação da identidade cultural, do património,

suportados pela promoção económica dos bens culturais, dando origem a variados tipos

de turismo em conformidade com a vontade dos visitantes.

Surgiu então o conceito “turismo cultural”, intimamente relacionado com o nível

económico, educacional e cultural, como somatório de actividades turísticas da vivência

do universo do património histórico-cultural e eventos culturais, com a valorização

promocional dos bens materiais e imateriais da cultura.

A fruição desta noção está naturalmente relacionada com o interesse do turista

em reviver o património histórico-cultural e determinados eventos culturais,

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preservando a identidade visitada. Reviver implica procurar conhecer (aprender e

entender o objecto da visita) e sujeitar-se a experiências participadas, contemplativas, de

entretenimento, que ocorrem em função do objecto da visita.

Considera-se como actividade turística a realizada em apoio do turismo cultural

como planeamento, transporte, recepção, instalação, alimentação, entretenimento,

eventos, recreação e actividade complementar.

O turismo cívico, próximo do cultural, é praticado na visita a monumentos,

comemoração de acontecimentos, observação e participação que evocam a memória de

determinado evento ou personagem relevante. Os objectos visitados, neste caso,

diferenciam-se dos demais pelo seu carácter cívico por norma referente ao colectivo

nacional. Os eventos obedecem normalmente a programações estatais, em que símbolos

e datas são celebrados pelos cidadãos. (feriados nacionais, evocação de uma batalha

importante, etc.).

O turismo ao utilizar os eventos culturais prevê e defende a respectiva

valorização, promoção, manutenção e perenidade da sua dinâmica, como símbolos de

recordação identitária.

“Memórias são recordações organizadas numa lógica subjectiva que selecciona e

articula elementos que nem sempre correspondem a factos concretos, objectivos e

materiais “ (MEIHY, 2008, Manual da história oral,)

O estudo do mercado permite ao profissional de turismo definir o perfil de cada

tipo de turista, preferências e necessidades, para poder satisfazer atempadamente o

solicitado. É importante saber as actividades preferenciais do visitante para organizar e

programar a viagem.

Pesquisas realizadas por entidades interessadas definiram dois tipos de turistas

tipificados do seguinte modo: um com empenho específico na cultura procura

aprofundar pela compreensão do saber fazer dos povos visitados, deslocando-se

propositadamente com essa finalidade; outro com interesse ocasional na cultura, com

outra motivação que o atraiu a este destino, estabelecendo ligação com a cultura como

opção de lazer. Visita acidentalmente alguns eventos culturais, embora não tenha sido o

motivo prioritário da viagem. É importante para fins de promoção e estruturação do

produto turístico.

Quanto mais rica for a diversidade de opções e actividades, maior será o leque

da oferta de produtos diferenciados, estimulando a permanência do visitante e

incentivando a visita nos períodos baixos da temporada.

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Os principais atractivos deste tipo de turismo são múltiplos, designadamente: o

património construído; espaços e instituições culturais (museus, casas e cultura, etc.);

locais históricos; campos de batalha numa perspectiva de lugar de memória;

mercados/festas tradicionais (artesanato e produtos tradicionais); saberes e fazeres

(danças, cantares, trabalhos manuais, outras actividades campesinas); gastronomia

típica, prova de vinhos; eventos programados (feiras, realizações artísticas, culturais,

ruralidade, etc.).

A comunidade residente tem um desempenho central na valorização dos valores

locais (história, identidade e memória), principalmente na revelação de aspectos inéditos

ainda não registados na história oficial. A vivência, valorizada pelo turismo, enriquece o

saber do visitante enquanto reforça o sentimento de pertença local. Os moradores mais

antigos têm conhecimentos, informações, memórias, do passado, personagens e

acontecimentos do quotidiano local, nem sempre visíveis ou conhecidos pela

generalidade comunitária. O turista cultural valoriza a cultura em toda a sua extensão,

complexidade e particularidade na procura de signos que representam a identidade local

e a memória colectiva.

Os governos em tempo de crise global, como a que vivemos, terão certamente

menos verbas a disponibilizar à cultura motivando que no futuro o turismo tenha valor

acrescido pois poderá assegurar a necessária autosustentação dos projectos culturais. É

condição imprescindível ao implemento de novos empreendimentos.

A recuperação de valores culturais baseados na tradição e história de um povo

não se justifica apenas por razões turísticas. É contrária a situações fáceis, mal

entendidas, apresentadas por vezes em manifestações populares, fruto da ignorância, do

oportunismo e da errada interpretação de mercenárias movimentações turísticas.

Os operadores turísticos devem procurar orientar-se pela autenticidade da

actividade e saberes dos actores-residentes. Em fase posterior seria interessante

procurarem estabelecer com o público um relacionamento multimodal, directo e prático,

conscientes que muitos dos constrangimentos iniciais são fruto da prática de linguagens

diferentes que provocam acentuado défice de comunicação.

“…O Património cultural é um valor e um recurso que tanto serve o

desenvolvimento humano em geral como concretiza um modelo local de

desenvolvimento económico assente na conservação dos recursos, com respeito pela

dignidade da pessoa humana “. (Convenção de Faro, 2009)

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O centro de interpretação é essencialmente um lugar de representação do

território com as suas gentes, apresentado num processo de valorização, numa procura

determinada e séria de dar resposta a múltiplos e atentos públicos, face a novas

incógnitas, no respeito do registo historiográfico e da memória oral. Deve por isso ter

um desempenho orientado no sentido de valorizar a didáctica sobre a espectacularidade.

É um apelativo equipamento museológico de interpretação e consulta que exerce o seu

mister num respeito exigente pela verdade histórica, cultural e social. Complementa e

enriquece o museu tradicional com projectos de nova experimentação relativos às raízes

locais enquanto procura dar resposta a desafios económicos e sociais pela contribuição

de novos serviços e mais emprego. Contribui para a personalização e bem-estar local, na

medida que entende, relata e explica o passado, necessitando para isso do envolvimento

activo e entusiástico das estruturas sociais, culturais e económicas locais.

Para ter êxito deve funcionar como espaço multidisciplinar (acolhimento,

consulta e comunicação biunívoca) com o recurso aos modernos meios multimédia,

percursos pedestres e visitas guiadas, para dinamizar a divulgação científica, cultural,

turística. É um equipamento indispensável ao fomento do conhecimento interpretativo

junto de variados públicos, incrementando em simultâneo a protecção patrimonial e a

identidade cultural. Não é um fim em si mesmo, mas um modo de comunicar, que faz a

ponte entre a vivência, passada ou actual, de locais com o público visitante. Apoia-se na

história local, renova códigos de leitura para clarificar o significado contemporâneo, em

resposta a novos modos de diálogo e representação, entre o território, residentes e tudo o

que se entenda conveniente envolver. Não é fruto do acaso pois inicia antecipadamente

um processo de valorização que obriga numerosos parceiros a um trabalho concertado.

Resulta de cuidadas escolhas estratégicas e opiniões reflectidas para implementar e

desenvolver o projecto no terreno. A decisão obriga a considerar antecipadamente

algumas interrogações: Que públicos acolher? Que instrumentos utilizar? Como

conjugar a descoberta com a necessidade de descanso? Como inscrever o projecto num

processo de valorização inserido numa dinâmica social?

4. O Centro de Interpretação em Portugal. Análise das respostas autárquicas.

No intuito de conseguir o levantamento da totalidade dos centros de

interpretação a funcionar em Portugal e respectiva legislação de suporte, procurámos

resposta nos organismos centrais de cultura e património, mas devido a dificuldades de

comunicação procurámos contactar, via Internet, as Autarquias de Portugal (309).

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Em finais de 2008, início de 2009, enviámos mensagens electrónicas às

Autarquias nacionais e ao Ayuntamento de La Albuera (Andaluzia Espanhola), com o

seguinte teor:

Para efeitos de elaboração de uma dissertação subordinada ao tema “Campos de

Batalha, Lugares de memória” do Mestrado em História Regional e Local na Faculdade

de Letras da Universidade de Lisboa, dirijo-me a V. Ex.ª no sentido de facultar a

seguinte informação:

1. A Câmara que superiormente dirige dispõe de centro de interpretação?

2. Se já dispõe de centro de interpretação ou está em vias de implementar este

dispositivo cultural, que critérios, princípios ou eventualmente legislação, considera

subjacentes a este processo?

Atendendo que se encontra esgotado o tempo destinado à recepção das respostas

camarárias considerou-se oportuno iniciar a análise da informação prestada, cujo

resumo se encontra em Anexos (4.).

A análise das respostas recebidas deu-nos conhecimento do número de:

- entidades consultadas -311

- entidades que responderam por e-mail e/ou telefone - 80

- entidades que não deram resposta (ñr) -231

- autarquias que não dispunham de centro de interpretação (ñt) - 50

- autarquias que não consideraram legislação suporte dos centros de

interpretação (ñl) - 28

- autarquias que responderam cabalmente às perguntas (r) - 3

Pelas respostas e considerações recebidas concluímos:

A legislação suporte aos Centros de Interpretação, considerada com interesse e referida

por algumas autarquias foi a seguinte:

- Lei n.º169/99 de 18 de Setembro (art.º 64º, n.º2, alíneas h e m) com alterações

introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro;

- Lei de Bases do Património Cultural (Lei n.º107/2001 de 8 de Setembro) Art.º2;

- Lei-Quadro dos Museus Portugueses (Lei n.º47/2004 de 14 de Agosto);

- Código de ética para museus (elaborado pelo ICOM);

- Decreto regulamentar n.º34/2007, de 29 de Março (art.º 2º, pontos n.ºs 2 e 3, alínea e);

- Resolução aprovada em A.R. (n.º47/2008, de 12 de Setembro);

- Cumprimento de critérios de rigor histórico, objectividade, orientação pedagógica

inerentes ao discurso expositivo, vector importante do projecto de apresentação;

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- existência de entendimentos e tratamentos diferentes do conceito Centro de

Interpretação, bem expressos na diversidade das designações utilizadas (Centro Virtual

de Interpretação; Centro de Monitorização e Interpretação; Centro de Interpretação ou

Espaço Museu; Núcleos Museológicos com idênticas características do Centro de

Interpretação; Núcleos museológicos, etc.) ;

- utilização de diferentes linguagens é consequente de não haver um conceito universal

de Centro de Interpretação, ao contrário do que acontece com a definição de museu, do

ICOM, (International Council of Museums), vertido na Lei-Quadro dos museus

portugueses (Lei n.º 47/2004). A tipologia de Centro de Interpretação não está sujeita,

aparentemente, a uma legislação específica o que parece motivar entendimentos e

tratamentos diferentes, sob o ponto de vista museológico e museográfico.

- a quase totalidade dos centos de interpretação em funcionamento parece não

considerar um centro de documentação adequado ao desempenho na área dos museus ou

afim. Questiona-se assim se este equipamento é museológico, para interpretar com

seriedade o passado histórico face à realidade actual, ou tem apenas uma perspectiva

imaginada e irreal na procura de proporcionar diversão a quem assiste?

A situação no mínimo curiosa, talvez lesiva da seriedade histórica, foi

confirmada por especialistas que “particularmente” garantiram a inexistência de

legislação oficial dos centros de interpretação, o que dava origem a situações

prejudiciais ao saber cultural.

Outros confirmaram “anonimamente” serem raros os responsáveis autárquicos e

operadores deste tipo de equipamento com correctos conhecimentos técnicos e

legislativos nas vertentes patrimonial e cultural.

A ausência de conhecimento adequado, contudo não tem impedido o

aproveitamento da oportunidade governamental, na vertente científica, pela

disponibilidade de verbas, para dar visibilidade à respectiva autarquia, conforme deram

a entender.

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Capitulo III-A PATRIMONIALIZAÇÃO DA GUERRA

1. Os campos de batalha em território português

Existem terreiros que devem ser valorizados por provadamente terem sido

utilizados no passado como campos de batalhas e poderem servir no tempo actual, como

lugares de memória. São locais importantes pois deram origem e identificam Portugal

como o país que somos devendo por isso, ser ponderados num estudo bem apoiado no

esclarecimento prévio de três pontos, que iremos abordar com algum pormenor.

Seria interessante levantar algumas questões sobre este tema, designadamente:

- qual a génese, como se desenvolveu, condicionou e definiu a actividade

guerreira na Península Ibérica, particularmente em Portugal?

- quais os confrontos armados travados em território nacional, tendo em

consideração a opinião de alguns historiadores medievalistas?

- qual a situação actual dos campos de batalha em vias de classificação,

considerada pelo Instituto de Gestão do Património Arqueológico e Arquitectonico?

Ao abordar a primeira questão, concluímos que a história militar portuguesa de

formação cristã deve ter-se iniciado, a 868, quando as forças cristãs vindas do norte da

península Ibérica ocuparam a linha defensiva apoiada no rio Douro.

A história militar, que convém ter em consideração é, pela sua especificidade, o

retrato completo e fiel de determinado período, na medida que considera em simultâneo

factores variados, tais como: a força considerada em si mesma no teatro onde actuou

(composição, organização, cadeia de comando, armamento, técnicas de combate, apoio

logístico, dispositivo utilizado em função do objectivo a conquistar); o cenário

geográfico, palco previsível onde a força actuou, considerou com especial relevância o

sistema viário – antigo e actual (pontes) - em articulação com os sistemas de defesa

implantados no terreno condicionados pela proximidade da fronteira.

A situação pressupunha uma actividade bélica permanente, balizada por

expedições guerreiras difíceis ao campo antagonista, na compartimentação do terreno

determinante do melhor desempenho dos grupos armados;

-A importância da composição de uma força combatente, releva o interesse em

conhecer a sua relação com a estrutura social de determinado grupo étnico, composição

e natureza da cadeia de comando?

- A consideração da relação da força beligerante com a envolvente social local.

Qual a implantação no meio onde actuou, que apoio dispensou à população do teatro de

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operações e que hipotética ligação teria estabelecido com os simpatizantes das forças

antagónicas?

O reinado de Afonso III das Astúrias (866-910) imprimiu importante alteração à

política de retoma, assente numa formulação ideológica que legitimava e impelia à

reconquista do território ocupado pelo invasor meridional, como obrigação religiosa e

postura de estado. Surgiu então o conceito de fronteira flutuante, por consolidar, com a

subsequente guerra de fronteira.

D. Afonso VI, em finais do séc. XI, após reunificar Leão e Castela alargou os

domínios do seu reino a ocidente e no centro da Península Ibérica, dando início à posse

definitiva da reconquista cristã. Nascia a monarquia medieval peninsular, bem

implantada no território que iria procurar controlar.

A conquista de Toledo, a 1085, definiu o apogeu do período, marcado pela vinda

de guerreiros francos que com as suas modificações no armamento e a prática de novas

técnicas de combate, melhoraram a conduta e o resultado do desempenho guerreiro.

O conceito de fronteira móvel, pouco “agarrada ao terreno”, surgiu naturalmente

pois a profundidade do terreno envolvido era determinada pela distância que separava as

praças inimigas cuja missão era definir, controlar e defender o espaço envolvente.

A situação deu origem nas regiões raianas ao aparecimento e desenvolvimento

dum espírito insatisfeito, empreendedor, aguerrido e experimentado em constantes

acções bélicas.

O território português foi-se alargando por um avanço territorial faseado na

conquista e posse do terreno a norte dos cursos de água mais importantes, obstáculos

naturais que balizavam, ritmavam e asseguravam o avanço para sul - Douro no séc. IX,

Mondego no séc. XI e Tejo no séc. XII - para algum tempo depois, quando consolidado,

prosseguir até à costa marítima meridional do reino dos Algarves.

Nos novos territórios o rei ou alguém em seu nome estabelecia comunidades

cuja função principal era garantir a posse da mesma e fazer a guerra à gente do sul. Para

Portugal era imperioso continuar a reconquista, de modo autonómico, demarcada de

outros reinos, também cristãos e ibéricos.

A ameaça africana aconselhava aos cristãos postura atenta e prudente no

aproveitamento de fraquezas momentâneas do ocupante islâmico.

A hostilidade fronteiriça, primeiro entre muçulmanos e cristãos e depois entre os

cristãos ibéricos, manifestava-se em diversas acções bélicas, que iremos referir

conforme o desempenho dos guerreiros da época.

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Eram variadas as causas para realizar a empresa da guerra, que por norma

provocava o saque, a devastação e o aprisionamento das pouco acauteladas populações

anónimas.

Os modos de fazer a guerra, referidas por cronistas ou medievalistas (LOPES;

SILVA, António) eram diversas e utilizadas de modo conjugado num todo interligado.

Um historiador português caracterizou de modo lapidar o panorama bélico da época, “A

guerra era essencialmente local. As batalhas campais, posto que disputadas e

sanguinolentas quando ocorriam, davam-se raramente. Defesas e cometimentos de

castelos, eis o que se repetia, a bem dizer, diariamente; porque em cada montanha,

quase em cada outeiro, surgia uma fortaleza, às vezes uma simples torre, cuja conquista

importava a sujeição do território circunvizinho e que eram sustentadas com tanta

firmeza pelos que as defendiam como combatidas em pertinácia pelos que as

assaltavam, Assim a arte da guerra consistia principalmente no sistema ofensivo ou

defensivo dos assédios. (HERCULANO, livro II, p.478)

A designação da mesma acção bélica variava com frequência - muitas vezes

devido ao escalão das forças utilizadas - podendo ter nomes diversos, alguns dos quais

iremos referir:

- “Algara, razia, devastação, ou assolação”, correria de uma força de cavaleiros

que invadia a terra de outrem ou entrava em povoação inimiga para destruir ou saquear

o que fosse possível capturar e aprisionar pessoas. A acção era iniciada a partir de um

acampamento próximo, que servia de base de ataque temporária, onde por norma era

recolhido o saque capturado (SILVA, 1980, Novo dicionário da língua portuguesa,).

- “Entrada”, incursão em território inimigo, efectuada por uma força comandada

por um nobre local ou pela hoste real para ocupar, fazer prisioneiros, capturar gado ou

saquear populações (LOPES, II volume, capítulo XX).

- “Cavalgada”, também designada por entrada, pois a diferença entre elas residia

no escalão das forças envolvidas. “…E a primeira realizada juntou Álvaro Coitado e o

alcaide do Alandroal, Pedro Rodrigues, sendo eles 45 de cavalo e 200 homens de pé e o

seu objectivo compreendia a apropriação de gado, tendo no final sido repartida a presa,

tomando os capitaãs sua dereita parte, e a cada h m dos outros o que lhe hi montava; e o

quinto que era dado a Álvaro Coitado…” (LOPES, I volume, capítulo XLVII)

- “Fossado”: consistia numa expedição de maior envergadura onde participavam

cavaleiros e peões em número significativo. Destinava-se à procura, captura de recursos

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(recolha com transporte do saque) e destruição do que não podia ser transportado.

Dispunha de alguma organização patente na divisão do contingente em corpos distintos:

- Vanguarda, composta por batedores (almocademes e almogávares), comandada

pelo respectivo adaíl;

- A meio da força, transportavam-se as bagagens acompanhadas pelos

participantes não combatentes que tinham um desempenho essencialmente logístico;

- Rectaguarda ou azaga, fechava e protegia o terminal da força, sendo

considerado o lugar mais exposto à acção inimiga. Na retirada invertia-se a posição dos

extremos, para obter mais segurança,

As algaras e fossados, de natureza transitória, eram as acções guerreiras mais

utilizadas pelas comunidades raianas, pois serviam para obter parte significativa dos

proventos. Eram expedições sazonais, depredatórias, utilizadas para saquear, espoliar e

devastar, realizadas em períodos que o terreno garantia rápida movimentação e as

colheitas estavam feitas, pois a mobilidade e a rapidez eram de capital importância para

o êxito da campanha. O fossado podia ter o propósito antecipado de exercer uma acção

de presúria (conquista à mão armada) se as condições o permitissem. Esta designação

podia referir qualquer acção efectuada por um grupo armado que com carácter

permanente ia ocupar território contíguo ao termo de uma povoação ou local fortificado.

A acção, de natureza ofensiva, era provocada por motivos demográficos ou para ocupar

um espaço vazio, abandonado ou desguarnecido pelo antagonista. Resultava eficaz

quando o aparelho defensivo inimigo era obrigado a recuar, quando se conquistada uma

fortaleza ou se construía nova posição fortificada para garantir a posse do novo terreno.

A utilização da hoste era considerada na penetração ao território inimigo com

fins preventivos ou punitivos. Tinha como objectivo antecipar-se à acção do adversário

que procurava afrontar em batalha campal importante para abortar uma possível

expedição bélica ao território cristão. (BARBOSA, 2008)

- “Escaramuça”: pequena peleja entre forças antagonistas. Consistia numa

investida comandada por cavaleiro (Pêro Rodrigues no Redondo) para desalojar o

inimigo da posição que ocupava ou praticar combates de encontro ocasionais ou

intencionais, como os utilizados nos cercos pelos sitiados para guerrear as forças do

arraial que os envolvia (LOPES, I volume, capítulo XCVI)

- “Combato” ou combate: era uma escaramuça em maior escala. “…e foi alli

gramde emvolta de pelleja, de guisa que descaramça se começou de fazer combato…”

(Idem, capítulo CLXVII).

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- “Cilada”: emboscada de gente armada a força inimiga estacionada ou em

movimento. Era em regra feita de surpresa por forças de efectivo menor, para obter

vantagem inicial, no sentido de surpreender pelo imprevisto forças inimigas de efectivo

maior.

O êxito da acção estava relacionado com a utilização adequada ao terreno “colocam-se

na cumeada…”. O acatamento de silêncio absoluto, no deslocamento e espera era muito

importante, pois a alerta implicava corredura, (fuga e perseguição). “… e acordarom

que aquella sse lamçassem em çellada (…) em hu pinhal aazarado pera ello; (…) que

soubesse as horas (…) o mais emcubertos que poderom…” (Idem, capítulo CII).

- “Correr terra”: englobava muitas das as acções referidas. Caracterizava-se pelo

ataque a determinado lugar para saquear, obter mantimentos e capturar presas diversas.

D. Nuno era da opinião que tinha vantagens, que os cercos não tinham.

(Idem, capítulo XXVIII).

- “Desafio”, verificámos que existiam dois entendimentos deste conceito:

Convite do comandante de uma das forças ao comandante da força adversária para fazer

peleja ou batalha, em dia e local a combinar.

Desafio de “correr pontas“, a cavalo, a pé, armados de facha ou espada. Era

conforme à tradição mais pura da justa medieval de cariz galante.

(LOPES, II volume, capítulo CXII).

- “Batalha”: maior que a escaramuça ou combate era rara na Europa medieval

por ser normalmente decisiva em curto espaço de tempo. O facto punha cautelas ao

comando das forças envolvidas por decidir num só momento o desfecho da contenda

que podia ser longa e difícil. Na idade Média as batalhas não eram frequentes pois os

meios de defesa tinham nítida vantagem sobre os de ataque. A guerra era

essencialmente de defesa, de desgaste, assente na protecção oferecida pelas

fortificações. As próprias populações ajudavam o senhor a proteger e fortificar,

alargando sucessivamente o perímetro amuralhado na aceitação da possibilidade de

ocupação dos arrabaldes.

Os portugueses com parcos meios e reduzidos efectivos, preferiam praticar a

postura defensiva combinada com contra ataques. Procuravam a primeira vantagem ao

escolher o local do confronto (com a excepção da batalha de Valverde).

Na luta privilegiavam a aplicação da “batalha de pé terra”, que obrigava a apear o

reduzido efectivo dos homens de armas para dar preferência ao poder de fogo dos

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besteiros e arqueiros sobre a cavalaria inimiga, complementado por piqueiros e homens

de pé, que com compridas lanças suportavam o aterrador primeiro embate.

(Idem, capítulo XLI).

- “Guerra guerreada”, contrapunha-se à peleja e à batalha sendo utilizada por os

que sem meios procuravam o desforço ou a defesa. Era feita de escaramuças, combates

parciais e investidas seguidas de fugas, num bate e foge desmotivante para a força mais

forte que não conseguia destroçar o antagonista. Tinha por objectivo causar baixas,

estragos, cansaço, provocar efeito psicológico (insegurança), e dispersão de meios. “…

a primeira se poeria batalha a seus imigos ouu se usaria da guerra guerreada…”.

(Idem, capítulo XXIX).

O desempenho da actual guerra de guerrilhas, motivado pelas mesmas causas,

provoca, no tempo actual, efeitos semelhantes.

- “Cerco, assédio, bloqueio”, pelas razões apontadas é um dos aspectos mais

importantes na caracterização da guerra no período milenar da Idade Média. Era uma

acção bélica montada e accionada em torno de um local fortificado onde o adversário se

encontrava refugiado. Os guerreiros eram dispostos em redor da posição ocupada pelo

inimigo, em regra um castelo, para evitar a entrada de reforços e a saída com fuga do

adversário refugiado. Quem assaltava o castelo procurava destruir as muralhas que

impediam a entrada com “artefíçios de combater” designados por máquinas e engenhos

de cerco (aríete, cavas ou minas, bastida, catapulta, bombarda, trabuco, queima de

portas). (LOPES, I volume, capítulo LI).

- “Castelo”, até finais do século XV a guerra era em grande parte desenvolvida

em torno desta formidável arma de guerra, que a partir do século XIII dispunha de uma

técnica sofisticada de construção. A sua importância levou um historiador a escrever

que “o castelo era uma das mais significativas inovações que a Idade Média introduziu

na paisagem portuguesa, pois é de todas as construções medievais aquela cuja análise se

torna mais fecunda para a compreensão de um território “ (BARROCA, 1990, Do

castelo da Reconquista ao castelo Românico, p. 89).

Procurámos em seguida visitar as batalhas travadas em território nacional tendo

em consideração o respectivo tempo e a opinião de alguns historiadores medievalistas:

Séc. XII

- 1128 (24Jun.); Batalha de S. Mamede, travada perto do castelo de Guimarães,

onde D. Afonso Henriques afrontou com êxito sua mãe D. Teresa de Castela e Leão;

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- 1139 (2Jul.); Batalha de Ourique, em Campo de Ourique (?). (Deu origem à

ordenação de Gualdim Pais);

- 1147; Cerco e conquista de Santarém;

- 1147; Cerco e conquista de Lisboa aos mouros (lenda de Martim Moniz).

- 1147; Cerco e conquista de Almada;

- 1147; Cerco e conquista de Palmela;

- 1162; Cerco e conquista de Beja;

- 1165; Cerco e conquista de Évora;

- 1167; Cerco e conquista de Reguengos de Monsarás;

Séc. XIII

- 1217; Cerco e conquista de Alcácer do Sal;

- 1230; Cerco e conquista de Juromenha (CM Alandroal);

- 1232; Cerco e conquista de Serpa;

- 1132; Cerco de conquista de Moura;

- 1234; Cerco e conquista de Aljustrel;

- 1238; Cerco e conquista de Mértola;

- 1239; Cerco e conquista de Cancela (CM Tavira);

- 1139; Cerco e conquista de Tavira;

- 1139; Cerco e conquista de Alvor. (CM Portimão);

- 1249; Cerco e conquista de Faro;

- 1249; Cerco e conquista de Albureira;

- 1249; Cerco e conquista de Silves;

Séc. XIV

- 1384/1385; Cerco sem sucesso a Lisboa pelos castelhanos;

- 1384 (6Abr.); Batalha de Atoleiros (CM Fronteira);

- 1384 ( Jun.); Batalha de Trancoso;

- 385 (14Ago); Batalha de Aljubarrota (S. Jorge). (CM Porto de Mós);

Séc. XV

- 1449 (20Mai.); Batalha de Alfarrobeira (CM Vila Franca de Xira);

Séc. XVI

- 1580 (25Ago); Batalha de Alcântara (Perda da independência). (CM Lisboa);

- 1581 (25Jul); Batalha da Salga (CM Angra do Heroísmo);

- 1582 (26Jul.); Batalha naval de Vila Franca (S. Miguel).

Séc. XVII

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- 1644 (26Mai); Batalha do Montijo (CM Elvas);

- 1659 (14Jan.); Batalha das Linhas de Elvas;

- 1663 (08Jun.); Batalha do Ameixial (CM Elvas);

- 1664 (07Jul); Batalha de Castelo Rodrigo (CM Guarda);

- 1665 (17Jun.); Batalha de Montes Claros. (CM Borba);

Séc. XIX

- 1808 (19Ago); Batalha da Roliça. (CM Bombarral);

- 1808 (21Ago); Batalha do Vimeiro. (CM Lourinhã);

- 1810 (27Set); Batalha do Buçaco. (CM Mealhada);

- 1810 ( ); Batalha das Linhas de Torres Vedras .(várias Autarquias);

- 1811 (11Mar); Batalha da Redinha.(CM Pombal);

- 1811 (03Abr); Batalha do Sabugal;

- 1832/3 (Jul/Ago); Cerco do Porto;

- 1833 (05Jul); Batalha do Cabo de S. Vicente. (CM Vila do Bispo);

- 1833 (11Nov); Batalha da Praia da Vitória;

- 1834 ( Jan); Batalha de Pernes. (CM Santarém);

- 1834 (18Fev); Batalha de Almoster. (CM Santarém);

- 1834 (16Mai); Batalha de Asseiceira. (CM de Rio Maior);

Resumo: Cercos=22; Batalhas terrestres=21; Batalhas navais=4

Na primeira metade do séc. XIV os meios defensivos, altas e robustas muralhas,

cercadas de largos e fundos fossos de fortalezas e burgos, tinham clara vantagem sobre

os meios ofensivos que ainda não dispunham de engenhos fiáveis, capazes de derrubar

com eficiência as protecções oponentes.

“Contamine”, historiador medievalista francês, especialista da guerra e nobreza

em finais da Idade Média, retratou bem a situação quando referiu que a estratégia

militar medieval obedecia a dois princípios básicos: temor da batalha campal, que

arriscava tudo em pouco tempo e reflexo obsidicional, tendência de fuga para a

protecção das muralhas.

“Verbruggen,” outro historiador, completou a situação quando garantiu que o

castelo era o melhor amigo do governante medieval.

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Compreende-se assim que o conflito generalizado (batalha campal) fosse

prudentemente evitado. O ideal era subjugar o oponente pela fome, sede, sede e pela

guerra guerreada.

(MONTEIRO, 1998, A guerra em Portugal nos finais da Idade Média).

Tomando em consideração a praticabilidade, seriedade e evocação da memória,

pela positiva, a ter em atenção em cada caso, o projecto a apresentar, em nosso entender

devia considerar as batalhas sublinhadas: batalha de S. Mamede; batalha de Ourique

(onde foi travada?); batalhas Atoleiros, Trancoso e Aljubarrota (G. Independência);

batalha de Alfarrobeira (lugar ocupado por uma instalação industrial); batalhas Montijo,

Linhas de Elvas, Ameixial, Castelo Rodrigo e Montes Claros (G. Restauração);

batalhas: Roliça, Vimeiro, Buçaco, Linhas de Torres Vedras, Redinha e Sabugal (G.

Peninsular);

Os campos de batalha em vias de classificação, segundo o Instituto de Gestão do

Património Arquitectónico e Arqueológico (Quadro I)

Designação Distrito Concelho Freguesia Situação

Actual

Categoria Protecção

Terreiro da batalha de Trancoso Guarda Trancoso Trancoso

(S. Pedro)

Em vias de

Classificação

Em vias de

classificação

(Homologado - MN

Monumento Nacional)

Terreiro da batalha de Atoleiros Portalegre Fronteira Fronteira “ Em vias de

classificação

(com despacho de

abertura)

Campo Militar de Aljubarrota, núcleo1,

correspondente à 1ª posição do

Exército Português

Leiria Batalha Batalha “ Em vias de

classificação (com

despacho de abertura)

Campo Militar de Aljubarrota, núcleo 2,

correspondente à 2ª posição do Exército

Português

Leiria Porto de Mós Calvaria

de Cima

“ Em vias de

classificação

(Homologado – MN

Monumento Nacional)

Terreiro da batalha das Linhas de Elvas Portalegre Elvas Alcáçovas “ Em vias de

classificação (com

despacho de abertura)

Terreiro da batalha do Ameixial Évora Estremoz Santa

Vitória do

Ameixial

“ “

Terreiro da batalha de Montes Claros Évora Borba Rio de

Moinhos

“ “

(IGESPAR, 2009)

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2. O campo de S. Jorge onde se travou a batalha de Aljubarrota

O objecto deste trabalho é o tratamento do tema “campo de batalha, lugar de

memória”, numa perspectiva museográfica e museológica, do terreno onde ocorreu a

batalha de Aljubarrota, singular pelas invulgares garantias da disposição e conduta das

forças em confronto, designada em documentos medievos portugueses por batalha Real,

que deste modo procurava realçar a importância desta vitória, de consequências tão

grandes para o reino de Portugal e salientar o comando de ambas as forças ter sido

exercido “in situ” pelos respectivos soberanos, facto muito raro na época.

O confronto, na vertente histórica, tem sido relatado em inúmeros textos, pois no tempo

do cronista de Fernão Lopes já existiam cerca de nove descrições da batalha.

(VEIGA, 1930, De Estremoz a Aljubarrota).

2.1. Panorama sócio-político na Europa e em Portugal no século XIV

Vamos apresentar o panorama medievo, europeu e de Portugal, para definir as

causas e o possível cenário da batalha de Aljubarrota, de modo a permitir uma fácil e

rápida compreensão dos antecedentes, terreno do confronto e conduta das forças

antagonistas.

Apresentamos o Quadro I, em“fita do tempo”, que pede apresentação algo

pormenorizada. Está organizado em quatro colunas, apresentando a primeira a data e o

dia da semana onde são referidos alguns comportamentos das forças oponentes. As

seguintes mencionam com algum detalhe a conduta e eventos mais significativos

(deslocamentos, paragens, actividades, etc.) do exército de Castela (coluna 2), do

exército de Portugal (coluna 3) e da hoste de D. Nuno (coluna 4)., até à junção à hoste

Real em Tomar.

Procurámos apresentar, com o pormenor possível, a actividade conjugada das três

forças, no tempo e no espaço, assim como referir com alguma minúcia a conduta

numerada constante no mesmo quadro, acompanhada por notas e figuras explicativas.

A Europa ocidental teve um período de vincado crescimento, progresso e de

bem-estar no séc. XIII e início do séc. XIV, que permitiu um aprofundamento

sistematizado do pensamento e da cultura, patente na construção de torres altaneiras das

catedrais góticas, símbolo de poder e abastança, no aumento das áreas cultivadas, no

crescimento urbano, na intensificação das relações comerciais e no acrescentamento da

população. A situação contudo, entre 1300 e 1400, piorou dramaticamente devido a uma

crise múltipla (económica, social e política) sucessivamente agravada por diversos

factores.

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O séc. XIV interrompeu o bem-estar construído laboriosamente ao longo dos

séculos anteriores, com particular prejuízo na harmonia entre pessoas, cidades e países,

provocando uma situação de vincado mal-estar e de particular agitação na sociedade

europeia. O aparecimento de alterações tão dramáticas levou Henri Pirenne2 a

considerar este tempo baliza do final da expansão da economia medieval.

Fora da cidade o espaço rural europeu espelhava uma sociedade marcadamente

agrícola com `servos da gleba ´, impedidos de irem viver para as cidades, onde já havia

`mesteres´ em excesso, fugidos à arbitrariedade e injustiça dos senhores rurais.

Surgiu assim um desequilíbrio insuportável entre o valor dos salários e o custo de vida,

espelhado gravemente no mundo rural, que levou os mais pobres a procurar refugio nas

cidades e com isso provocar graves períodos de fome.

A situação foi entretanto agravada pela guerra dos 100 anos, que lesou com

particular ferocidade o rural mais desprotegido, dependente do dono da terra, que por

sua vez para subsistir foi também obrigado a aumentar as rendas.

O trabalhador rural que pouco antes tinha a condição de “homem livre” voltou a

estar ameaçado pela dura ameaça da servidão.

O empresário agrícola passou, sem piedade, a retirar da terra o que melhor

vendia e exportava, com algum prejuízo do rendeiro, surgindo neste cenário como

principais beneficiadas as culturas da vinha e da oliveira.

A situação urbana apresentava também um aspecto pouco agradável onde o

desenvolvimento, comercial e industrial, extremavam as posições entre os novos e

poderosos burgueses, detentores do capital, face a uma multidão crescente de artífices

assalariados, vítimas inocentes da perturbação social da época.

A luta dos preços provocou luta desapiedada entre os diversos mercados

europeus, originando conflitos graves entre empregados e empregadores,

particularmente duros na década de oitenta, devido ao aparecimento agressivo do

campesinato na luta política.

Em termos globais esta mudança social afectou os universos envolvidos (senhorial,

urbano e rural) caracterizando a vivência urbana do séc. XIV com a formação de bandos

rivais em luta desapiedada, empenhados em tumultos frequentes pelo domínio do poder

autárquico.

2 Célebre historiador belga autor da Tese de Pirenne, relativa às origens da Idade Média.

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O panorama, preocupante pelas condições sociais retratadas, foi sendo agravado

por diversos factores, alguns dos quais iremos nomear:

- “A Guerra dos 100 Anos (1337 – 1453) ”: provocada por uma questão dinástica entre

a Inglaterra e a França devido à pretensão de Eduardo III, rei de Inglaterra, em ocupar o

trono da França por a sua mãe ser irmã de Carlos IV. A França, por sua vez defendia

que a coroa não poderia ser herdada por linhagem feminina;

- “Surtos da peste negra na Europa (1348 e 1360)”: reduziu dramaticamente o

panorama demográfico, até 2/3 do efectivo anterior, da população europeia com

evidentes reflexos na actividade do universo laboral da época;

- “Grande Cisma do Ocidente (1378 – 1417 )”: provocado pela instalação do papa

Clemente VII em Avinhão e pelo papa Urbano VI em Roma., que evidenciava grave

divórcio no seio da Igreja católica. O facto deu origem a enorme confusão nos espíritos

que dividiu a cristandade em dois mundos antagónicos, privando a Europa da principal

força aglutinadora que até aí a tinha orientado e consolidado;

- “Abertura de Universidades laicas”: retirou a exclusividade do ensino à igreja,

enfraqueceu-a ainda mais, não contribuindo esta novidade para pacificar e esclarecer os

espíritos na vertente religiosa.

Portugal, país pequeno, distante e periférico dos centros de decisão europeus,

sentiu as alterações verificadas além fronteiras, reflectidas na conduta da gente do reino.

Esta premissa ajuda a entender o desenvolvimento e consequências do tratado de

Salvaterra de Magos, 2 de Abril de 1383, desencadeadas pela morte de D. Fernando, a

22 de Outubro de 1383, que motivou um período de grande violência social,

configurada na crise de 1383-1385, que revelava linhas de fractura na coesão do reino.

A revolução desencadeada pela sucessão de D. Fernando desenvolveu-se em fases

sucessivas:

- A morte do Conde Andeiro impunha-se com urgência, que rápida e ardilosamente

Álvaro Pais procurou disfarçar com uma oportuna intervenção popular, transformando a

conspiração palaciana numa insurreição pública dos mesteirais de Lisboa.

-O confronto alastrou-se a todo o reino onde “os povos miúdos”, em oposição aos

grados (alcaides e homens bons), tomaram claro partido pela revolução dos

aparentemente mais fortes, enquanto aqueles iam conquistando castelos e expulsando os

notáveis, mesmo quando clamavam estarem pelo partido do mestre. (DAMIÂO).

- A revolta, vinda dos centros urbanos, alastrou com rapidez ao campo onde a “raia

miúda das vinhas” desempenhou papel importante e decisivo no acontecimento.

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- O reino estava profundamente dividido, pois enquanto a norte, onde a autoridade

senhorial era mais forte, se aceitava sem grande oposição o tratado de Salvaterra de

Magos, a sul, no Alentejo e Algarve, quase na totalidade, se assumiu decididamente o

partido do Mestre e uma oposição declarada ao cumprimento de tal tratado.

A vitória que garantiu a independência de Portugal, duramente conquistada no

campo de S. Jorge, foi de imediato reconhecida como vitória colectiva de toda a Nação,

face a uma enorme ameaça exterior.

Assumiu também o significativo reforço de um “juízo de Deus”, em que a

justiça divina manifestava a garantia da vitória a quem tinha a razão por si, legitimava

irrefutavelmente o reconhecimento do mérito do mestre de Avis e da justiça da causa

pela qual lutaram as forças que o apoiavam.

D. João I de Portugal, o vencedor real de Aljubarrota, ao assumir e exercer desde

logo o poder como chefe de uma Nação que se auto-descobrira, em momento crucial e

de grande perigo, conduziu ao estabelecimento de uma sociedade revigorada que

permitiu à nação portuguesa iniciar uma nova etapa face ao futuro no percurso da sua

existência colectiva (SARAIVA, 1988, 1385 Início. A crise geral III,).

Deslocamentos e altos das forças adversárias na batalha de Aljubarrota, de 8 de Julho a

17 de Agosto de 1385- (Quadro II)

DATA/SEMª

EXÉRCITO DE CASTELA

EXERCITO DE PORTUGAL

HOSTE DE D. NUNO

08Jul-sáb Almeida;Pinhel;Trancoso (Mondego,

linha infiltração)

Abrantes (base irradiação de

futura contra ofensiva) Estremoz

21Jul-6.ªf Celorico da Beira (doença e testamento reais)

“ “

26Jul-4.ªf “ 17 decepados (Arronches) “ “

30Jul-dom “ “ (Martim Afonso de Melo vai

chamar D. Nuno)

31Jul-2ºf “ “ (Martim A. Melo chega

Estremoz cerca do meio dia)

“ – Avis: 37 km

01Ago-3ªf “ -Fornos: 22km (margem direita rio

Mondego)

“ - Ponte de Sor: 26 km

02Ago-4ªf Fornos-Mangualde: 24 km “ P.de Sor-Bemposta:

18km

O3Ago-5ªf Mangualde- Oliveira do Conde:

28 km “ Bemposta-Abrantes

Hortas: 14 km

04Ago-gªf A OliveiradoConde-Mortágua: 26km “ Abrantes

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05Ago-sáb Mortágua-Mealhada:29 km “ “

06Ago-dom Mealhada-Coimbra: 20 km “ “

07Ago-2ªf A Coimbra: acampa S. Clara, Antanhol,

Taveiro “ Tomar (Parlam. D.

Nuno vai a D. Juan)

08Ago-3ªf “ (Raids Soure, Aveiro, Montemor-o-

Velho (1) “ –Tomar: 30 km. D. João I reúne-se a D. Nuno

09Ago-4ªf A Coimbra-Soure: 27km (Chega parlam.

D. Nuno)

Tomar (1ºalardo conjunto)

10Ago-5ªf A Soure-Pombal: 20km (Chega parlam. D.

João I)

“ (2ºalardoconjunto) Sai parlamentário real G. A. Peixoto

e chega parlamentário de D. Nuno

11Ago-6ªf A

A

Pombal: (alardo visto por G. A.Peixoto) “ (chega parlam. real)–Ourém: 18km (2)

12Ago-sáb A Pombal-Leiria: 27km Ourém(alardo)-PortodeMós: 28km (3)

13Ago-dom Vinda refor. castelhanos (4) P. de Mós-Porto da Cevada (recon. 7km Leiria) (5)

14Ago-2ºf A -Madrugada ao 1/2 dia: (6)

- Do 1/2diaàs17H30: (8)

-Das17H30 às 18H30 (10)

- Das 18H30 às 19H00 (12)

Porto de Mós-Porto da Cevada(local escolhido) (7)

Mudança da força portuguesa para S. Jorge (9)

Reacção da reguarda (D. JoãoI ) (11)

Exploração do sucesso (13)

15/16Ago Espera advers. (72H00) em S. Jorge (14)

2.2.Conduta e desfecho da batalha de Aljubarrota em função do terreno

O percurso de invasão de Castela (1), longamente pensado e decidido com

antecipação por D. Juan, procurava apaziguar os conselheiros que se opunham à

vontade real de realizar esta campanha bélica. O rei queria vingar as baixas sofridas

aquando do insucesso da invasão do ano anterior a Portugal, causadas pela rebeldia dos

portugueses e pela mortífera peste que no cerco a Lisboa tinha dizimado muita gente

grada da nobreza castelhana.

Para marcar o seu azedume vingativo, para além do saque que garantia o

sustento do enorme exército que comandava, deu ordens por diversas vezes desde

Trancoso, onde mandou arrasar a ermida de S. Marcos, testemunha da última derrota

castelhana, assim como a crueldade de ordenar sem motivo decepar as mãos a homens,

mulheres e a gente não adulta, em alguns acrescida com a amputação da língua, se

falavam o que não deviam. “…E portamto usava de sobeja crueldade, quue pouco em

sua homrra acresemtava..” (LOPES, Crónica de D. João I, II volume, capítulo XXVIII).

O objectivo estratégico da força invasora era tomar Lisboa com passagem por

Santarém, praça-forte em mão castelhana, que garantia importantes facilidades

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logísticas acrescidas com uma aproximação, fácil e cómoda, à capital do reino por terra

e pelo rio Tejo. O rei de Castela, contudo, não optou pelo caminho mais directo por

Bobadela e Figueiró dos Vinhos, antigo caminho de Santarém, decidindo-se pelas

regiões seguras, amenas e férteis, da Beira Litoral, de logística mais fácil e abundante.

A força portuguesa entretanto em acompanhamento atento à progressão do

invasor (2) (3), deslocou-se de Abrantes para Tomar na procura de condições para se

opor com êxito aos itinerários penetrantes que passavam por Figueiró e Ceissa, de

possível utilização castelhana.

O rei de Castela, depois de Coimbra rejeitou os caminhos de Ansião, Miranda do

Corvo, Anços e optou continuar por Soure. A força castelhana ao definir o seu

deslocamento entre Soure e Pombal, levou o comando da força portuguesa a partir para

Porto de Mós, base da futura acção, por ter “comandamento” sobre o itinerário que

ligava Canoeira a Santarém e dispor de condições em Cruz da Légua para barrar os

eixos de aproximação àquela praça-forte em mãos castelhanas.

A reduzida hoste portuguesa, “concertadas as suas batalhas”, devidamente

ordenada em conformidade com as disposições tomadas nos alardos de Tomar iniciou a

marcha para cumprir a promessa tomada em Guimarães de “atalhar o passo” ao

castelhano invasor. Seguiu para oeste, em caminho secundário usado por viajantes da

época, ao encontro da via romana que ligava Bracara Augusta a Olisipo, por

Carregueiros; Chão de Maçãs; Sabacheira; Santa Maria de Seiça (onde D. Nuno rezou à

Virgem Maria); Ourém; Atouguia das Cabras (junto do pequeno afluente da ribeira de

Seiça, cerca de 2km a oeste do pico isolado em cujo vértice se erguia a altaneira vila

amuralhada de Ourém) que foi escolhida para estabelecer o arraial daquele dia, 11 de

Agosto, onde ao fim do dia se verificou um facto inesperado. Um corso espantado, na

fuga foi refugiar-se na tenda de D. João I, entretanto levantada, onde foi morto. O

sucesso a todos animou que viram no facto bom presságio por igual sorte que estaria

reservada ao rei castelhano (LOPES, idem, idem, capítulo XXXII).

Na manhã seguinte, subiram pela estrada de Vales e mataram a sede numa fonte

muito antiga que encontraram no caminho.

Continuaram por um caminho que passava junto da Cova a Iria, onde os cavalos

ajoelharam, conforme a lenda que ainda é recordada pelos residentes mais idosos da

região.

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Subiram para Moita do Martinho, passaram junto a Portela das Cruzes, Demó,

Boisseiros, calçada romana, Alqueidão da Serra e “…foy toda a hoste allojar a Porto de

Moos” (Idem).

Figª 1

Legenda:

Localidades

Castelos comprometidos com Castela

Outros castelos

Vias de comunicação

Itinerário da invasão de Castela

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Figª 2

Chegados a esta terra aproveitamos para referir uma particularidade, talvez

singular, que notámos na muralha do castelo senhorial de Porto de Mós, possivelmente

provocada pela reduzida área do outeiro de 148 m de altura onde está encavalitado. A

defesa eficaz contra os atacantes que após vencerem a difícil subida chegavam junto às

muralhas, obrigava os defensores a utilizar projécteis de toda a espécie (setas, virotas,

pedras, azeite a ferver, etc.), que lançavam do cimo das muralhas, em densa chuva

mergulhante, que conforme nossa opinião, obrigava à utilização de ameias horizontais,

ao contrário de outros castelos que as têm verticais, conforme registo no desenho que

apresentamos.

O caminho utilizado no reconhecimento para os lados de Leiria, de Porto de Mós

a Porto da Cevada: Ponte do cavaleiro (que não utilizaram); Quinta de St.ª Luzia;

Carrasqueira; Stº Amaro; Brancas; Catraia das Brancas; Mourato; travessia do rio Lena;

Adrões; Porto da Cevada (lugar alto próximo do entroncamento do caminho que vinha

do ribeiro da Vale da Mata com a estrada medieval), designado também por caminho de

D. Nuno pelos moradores mais idosos.

O local onde o exército castelhano recebeu o reforço vindo do sul, (4) poderá

indiciar que o itinerário de invasão utilizado teria sido decidido com muita antecedência

e prudência para chegar com rapidez a Lisboa. A chegada concertada e em boa ordem

deste reforço importante ao exército invasor, não foi obra do acaso nem decisão de

última hora. O comando castelhano instalado em arraial a sul de Leiria, na várzea de

Olhavas, do dia 12 à madrugada de 14 de Agosto, recebeu os reforços enviados pelas

praças comprometidas com Castela (Sintra, Alenquer, Santarém, Óbidos, Torres Novas,

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Torres Vedras) e ainda da armada surta no Tejo, chegada em meados de Abril desse

ano.

A chegada da hoste portuguesa a Porto de Mós deve ter sido quase simultânea

com o descanso dos castelhanos em bivaque, montado a sul de Leiria (5). A

desproporção das forças aconselhava o comando português conhecer sem demora o

terreno que as separava para se acautelar dos acontecimentos que se avizinhavam.

Nun´Álvares na manhã de 3 de Agosto, muito cedo, após a missa, com 100

cavaleiros saiu de Porto de Mós, baptizada pelo épico Camões de “Vila Forte”, para

irem reconhecer o terreno para os lados de Leiria. “ depois de misas, foy o Comde per

mamdado del Rey comtra Leyria, com cento de cavalo …”.

(Idem,idem,capítulo XXXII).

Como não temos conhecimento de fontes históricas fidedignas que precisem os

percursos relacionados com a batalha de Aljubarrota, “e subiraõ per hu s cabeços altos

se poderiaõ ver a gemte del Rey de Castela como vinha. E por quue a ver não poderaõ,

tornouse ao arraial e diseo a el Rey…” (Idem).

Procurámos com insistência e algum temor recolher as indicações possíveis, por

tradição oral, junto dos residentes locais mais idosos, interessados neste tipo de

questões. Recordamos de novo um historiador português, cujas palavras nos confortam

da incerteza da veracidade das informações que recebemos “ noveleiro pode ser mais

verdadeiro do que o historiador; porque está mais habituado a recompor o coração do

que é morto pelo coração do que vive, o génio do povo que passou pelo do povo que

passa […] valem mais e contam mais verdades que boa meia dúzia de historiadores… A

história da alma do homem deduzida logicamente da soma das suas acções

incontestáveis não pode falhar… como mentem e se contradizem os documentos”

(HERCULANO, Prefácio, p. XXIV).

As informações relativas a esta etapa foram-nos amavelmente transmitidas por

Almeida Monteiro, que as recolheu há bastante tempo junto do centenário, amigo e

vizinho, António Palaio, entretanto falecido. Contou-lhe que no reinado do senhor D.

Carlos assistira, ainda menino, quando vivia com o pai, feitor da Quinta Nova, à

reconstituição comemorativa da marcha de reconhecimento da hoste portuguesa de D.

Carlos assistira, ainda menino, quando vivia com o pai, feitor da Quinta Nova, à

reconstituição comemorativa da marcha de reconhecimento da hoste portuguesa de D.

Nuno na madrugada de 13 de Agosto de 1385, acompanhada por muitos populares dos

arredores.

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Saídos do castelo e Porto de Mós desceram pela íngreme encosta poente para o

rio Lena, para antes de chegarem à Ponte do Cavaleiro inflectiram para norte seguindo,

cerca de 100m, o traçado da actual estrada de alcatrão que vai para a Batalha. Tomaram

o “caminho de fazenda” para Fonte do Oleiro onde teria existido a capela de Santo

Estêvão, passaram por Ponte da Lage, atravessaram o Ribeiro de Alcanadas em Ponte

do Coito, continuaram algumas centenas de metros pela actual estrada de Alcanadas,

foram pelo caminho antigo para a Quinta do Pinheiro, entraram no povoado até

passarem em frente da capela. Atravessaram a antiga estrada nacional 1 em Freiria,

seguiram um caminho bem balizado por majestosas oliveiras centenárias, transpuseram

o rio Lena em A do Marceneiro, foram a Cancelas, subiram a meia encosta até

Mouratos, cruzaram a estrada da Quinta do Sobrado, voltaram a subir para poente a

encosta do ribeiro da Senhora até Adrões, passaram por Quinta Nova, desceram ao

Ribeiro do Vale da Mata, subiram por uma pendente forte, voltaram a atravessar a

antiga estrada nacional 1 para Porto da Cevada, perto do cruzamento com a antiga

estrada real.

Findo o reconhecimento e satisfeitos com as condições do local escolhido para

se oporem com êxito ao avanço castelhano, os portugueses regressaram a Porto de Mós

onde pernoitaram.

Julgamos oportuno referir dois factos aparentemente distantes que, em nosso

entender, podem ajudar a entender alguns episódios que continuam pouco esclarecidos:

- D. João I, em Guimarães, ao saber a notícia da vitória portuguesa em Trancoso ficou

com admiração pelos valentes fidalgos beirões vencedores e manifestou grande vontade

de os ter a seu lado quando travasse a batalha decisiva. Enviou-lhes para isso, recados e

cartas para virem ao encontro da hoste real em arraial em Abrantes, a que eles

responderam tarde, com desculpas e evasivas. Alguns nobres, sabedores dos factos,

desiludidos e agastados com este comportamento enganoso, o leal João Fernandes

Pacheco com Egas Coelho, acompanhados por setenta lanças e cem homens de pé,

decidiram aceitar o convite real. Vieram o mais rápido que puderam, em marcha

forçada. Ao chegar a Porto de Mós perguntaram por El rei D. João I e quando souberam

que tinha partido para afrontar o invasor, procuraram saber do caminho mais rápido para

se irem juntar a El rei.

Do castelo desceram apressadamente ao rio Lena que galgaram na Ponte do Cavaleiro,

para subirem a Castanheiro e Tojal, passaram junto, a montante, da Fonte de Vales e

foram assomar junto da vanguarda de D. João em Serrada da Bispa.

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Figª 3

Legenda: 1. Ponte do Cavaleiro, 2. Ponte Freixa, 3. Via Romana, 4. Ponte Coito,

5. Capela Santo Estêvão (?)

O aparecimento, súbito e inesperado, apesar de avistados pela extremidade da ala direita

castelhana, impediu qualquer estorvo ou encontro desagradável. “… e subido por h ua

ladeira que aly se faz, supitamente asomou em cima no capo, acerca da pomta da ala

direita da batalha dos castelaoõs…” .(LOPES, II volume, capítulo XXXIX).

O encontro, tão directo e aparentemente fácil, merece alguma reflexão, pois o

reconhecimento do terreno, referido antes, para os lados de Leiria, parece poder induzir

que D. Nuno face à fortaleza do terreno da 1ª posição, virada a norte, de evidente

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abordagem difícil para Castela, teria antecipadamente previsto e preparado uma posição

de alternativa em S. Jorge, 2km a sul, o que poderá explicar o elevado número de

obstáculos artificiais a sul da 2ª posição, fossos, covas de lobo e abatizes (quantas?).

O entendimento do elevado número de obstáculos artificiais é possível ao

recordar o apoio prestado por Frei João Ornelas, abade de Alcobaça, que enviou a Porto

de Mós, mantimentos acompanhados por um contingente de 1 000 homens recrutados

no vasto couto do mosteiro de Alcobaça. (Idem, capítulo XLV; SANTOS, 1731).

Conforme o cronista as “avançadas” castelhanas (6 do quadroII), vindas dos

lados de Leiria, em progressão cautelosa e lenta chegaram pelo meio-dia, “acêrca dos

portugueses”, que avistaram a 500m, devidamente instalados nos esporões setentrionais

do planalto de Aljubarrota. Face à aspereza evidente do ataque frontal à posição

ocupada pelos portugueses, que impedia Castela de utilizar a cavalaria, sua arma

principal, agravada pelo sol estar de frente, o rei de Castela, cerca do meio-dia, ordenou

o torneamento pelo lado do mar da posição ocupada, em procura de terreno favorável ao

seu desígnio.

A força portuguesa voltou a fazer o percurso Porto de Mós a Porto da Cevada

para ocupar a posição escolhida de véspera (7). “…Ellos os (os portugueses) se pusieron

aquel dia desde la mañana en una plaza fuerte (no terreno) entre dos arroyos (da

Calvaria e do Carqueijal) de fondo cada uno diez o doce brazas y quando nuestra gente

aí llegó y vieron que no los podian acometer por alli, hubiemos todo de rodear para

venir a ellos por otra parte que nos pareció mais llano…” (SANDOVAL, 1872).

A Crónica do Condestabre (capítulo LI) apresentou outra razão “…elrey de

Castella nom quis vijr a batalha da parte de Leiria como vinha. E como elrey e o

Condestabre tijhham concertada; e esto pollo poo e vento que lhes dava nos rostos; e

passouse d´aljubarrota; e desta parte veeo polla qual rrazam foy forçado a elrey e ao

Cõndestabre mudarem s suas batalhas tornado os rrostros contra Aljubarrota; donde os

castellões já vinham…”.

O rei de Castela, face à dificuldade de abordagem à posição ocupada pelos

portugueses iniciou, cerca do meio-dia, pelo lado do mar, um movimento torneante por

uma linha de alturas, distante cerca de 1km do local onde estavam os portugueses. A

marcha passou por Jardoeira, Casal do Relvas e Calvaria, onde fizeram um alto,

conforme relato de Fernão Lopes “passando a hoste (castelhana) d´aquella guisa,

começaram de se deter um bom espaço além deles e ali seguraram e estiveram

quedos…”(LOPES, II volume, capítulo XXXIII).

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Pêro Lopes de Ayala, cronista e chanceler do Rei de Castela refere também a ida

junto ao local onde estavam os portugueses de cinco parlamentários, Diogo Fernandes,

marechal de Castela; Pedro Álvares Pereira, irmão do condestável de Portugal com mais

dois cavaleiros, para demoverem D. Nuno do propósito de defender Portugal, e passar

para o lado de Castela, oferecendo para isso muitas honrarias. Aproveitaram a

oportunidade para se aperceberem do modo como estavam colocados e da disposição

dos portugueses.

No regresso os parlamentares deram conta ao rei do reconhecimento feito e em

reunião no Conselho dos principais chefes perante o rei, (8) (9), com base em alguns

factos (o dia estar avançado; as tropas estarem fatigadas pelo calor e não terem tomado

qualquer refeição; estar longe uma parte importante de besteiros e homens de pé; o

terreno dos portugueses dificultar o ataque castelhano, etc.) manifestaram o parecer do

ataque não devia ser feito naquele dia (SANDOVAL, carta que D. Juan enviou às

cidade de Múrcia). A opinião, não unânime, dificultou anda mais a decisão pelo carácter

irresoluto do rei agravado pelo estado febril em que se encontrava: “… Rey Don Juan

estaba en el campo échado e acostado a um cabalero, y um doliente que apenas podia

hablar…” (AYALA).

A indefinição do momento permitiu agrupar algumas forças na esplanada de

Chão da Feira - Carqueijal e facilitou o ataque por iniciativa de chefes subordinados,

que sem autorização real, atacaram a “horas de véspera” (5H30) a 2.ª posição da força

portuguesa, virada a sul, distante meia légua da primeira, que entretanto por razão da

movimentação castelhana tinha sido organizada e instalada em S. Jorge.

O terreno com um declive geral constante descia de sul, lado castelhano, para o

planalto onde estavam os portugueses que apresentava duas pequenas depressões,

correndo uma para o ribeiro do Carqueijal, a leste, e outra para uma linha de água, a

oeste, que corria para o ribeiro da Calvaria. Entre as origens destas depressões, numa

faixa orientada no sentido sul-norte, com cerca de 350m de largura, está a actual ermida

de S. Jorge, construída mais tarde no pequeno cabeço onde D. Nuno ergueu a sua

bandeira e fez frente ao invasor.

O cronista de Portugal talvez se referisse a esta faixa de terreno quando escreveu

“…Alij não avya milhoria de campo que os portugueses tivess escolhido, n montes n

valles que torvass seus Imigos, como algu s, mal escrevendo em seus livros, querem

contar, cá toda era campina igual, sem nenhuu estorvo dambalas partes…” (LOPES, II

volume, capítulo XXXVIII).

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O combate iniciou-se com o confronto prévio entre ginetes castelhanos armados

de dardos a afrontar os besteiros portugueses que lançavam virotas. A cavalaria depois

para fazer face à situação foi obrigada a desmontar para continuar o assalto a pé.

A importância dos caminhos foi sublinhada pelo cronista quando referiu “… Rey

de Portugal que a pos primeiro e esperou a praça, o quoal em hu campo chaõ cuberto

de verdes hurzes no meo da estrada por homde os castelaõs aviaõ de pasar e vir,

hordenou desa pouca gente …´ (lanço da antiga via romana que ligava Leiria a

Alenquer) por onde os castellões haviam de vir…” (Idem, Capítulo XXXVII).

A primeira linha táctica castelhana (10), depois da marcha de assalto à 2.ª

posição defensiva portuguesa, iniciou um contacto violento, intenso, contra o inimigo

que o esperava, em particular na pequena elevação onde D. Nuno e a sua hoste

batalhavam corajosamente. O ímpeto do ataque invasor rompeu o dispositivo português,

criando uma situação de grande perigo para as cores de Portugal. Para afrontar a hoste

castelhana, vinda do sul, a força portuguesa instalou-se num local abraçado pelas

ribeiras da Calvaria a norte, dos Madeiros a oeste e dos Vales a este, que permitiu

colocar o máximo da força defensora no eixo de ataque do invasor.

O dispositivo da força portuguesa, talvez orientado pela estrada que passava no

local, dispôs-se do seguinte modo:

- “Vanguarda” na frente, sob o comando de D. Nuno, composta por 600 lanças

disposta em duas filas, reforçadas com 50 peões, frontal, onde conforme Froissard “se

travou o melhor da peleja” Nos extremos situavam-se duas “Alas” com a ponta exterior

avançada em relação à vanguarda. A ala dos Namorados a nascente, comandada pelos

Vasconcelos (Mem Rodrigues e Rui Mendes) dispunha de 200 lanças, 200 besteiros e

650 peões, num total de 1100. A outra ala a poente, comandada por Antão Vasquez e

João de Montferrat, tinha por sua vez 200 lanças (100 inglesas), 100 arqueiros, 100

besteiros, 750 peões, num total de 1150;

- “ Reguarda”, como reserva, distante a norte, cerca de 220m, comandada por D.

João I, era constituída por 700 lanças dispostas em duas filas, reforçada com uma de

peões. Dispunha de segurança lateral, separada, constituída por duas guardas de flanco,

postadas na orla do planalto (crista militar), cada uma delas formada por uma linha de

lanças e besteiros, alternados, “forrada” por 2 linhas de peões;

- “ Carriagem”, 150m atrás, desatrelada servia de barricada com duas filas de

peões e besteiros que a defendiam dos cavaleiros inimigos.

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Fernão Lopes, por sua vez, calculou o efectivo do exército castelhano “30.000

para mais” e posteriormente Sandoval contabilizou o efectivo do exército castelhano em

44.000, sendo 32.000 não combatentes.

O exército castelhano, distante cerca de 800m do local onde estavam os

portugueses, junto do Carqueijal, começaram a ordenar-se em 2 grandes ases, dispostos

conforme se indica:

- Primeira linha, com 1.600 lanças, dispostas em dois escalões, tinha uma frente

de 750m (o máximo que o terreno ali permitia).

As Alas, de 700 lanças cada, comandadas pelos mestres de Alcântara (a poente) e de

Calatrava (a nascente);

- A Segunda batalha, em reserva, 150m atrás, era maior que a Vanguarda e

dispunha de 3.000 cavaleiros em 3 linhas de 2 fileiras;

Após a chegada da testa do trem foram colocados em posição 16 bombardas,

adiantadas 100m à primeira linha, espaçadas entre si cerca de 20m, defendidas por

destacamentos de besteiros. Iniciaram o fogo com rapidez, cerca das 18H15.

Os cavaleiros entrados na posição defensiva (11), (12), (13), (14) foram

rapidamente detidos, envolvidos e anulados pela reguarda comandada por D. João I

enquanto, aproveitando uma breve pausa no ataque do invasor, numa demonstração

invulgar de vontade, coragem e disciplina consegue fechar a brecha por onde tinha

entrado o atacante. Entretanto a retaguarda era atacada sem sucesso pela cavalaria

ligeira castelhana.

A bandeira de Castela entretanto, ao ser derrubada, causou enorme perturbação à

força castelhana levando-a a recuar e depois a fugir desordenadamente, perseguida de

perto pela cavalaria portuguesa até junto da tenda do rei de Castela.

A vontade de vencer dos portugueses foi tão grande que provocou o pânico na

hoste adversária, confundindo e desmoralizando as forças que ainda não tinham entrado

em combate.

“…El-Rey de Castella, ouulhando a batalla e vendo que a ffortuna de todo em

todo era fauoravell aos portugueses, de guisa que sua bamdeira era já abatida…”

(LOPES, II volume, capítulo XLII), procurou doente e dorido, montado num cavalo que

naquele não tinha sido montado, acompanhado pelo séquito possível, ir refugiar-se

rapidamente a Santarém.

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O poderoso exército de Castela ao saber que o seu rei tinha fugido para se

refugiar em Santarém, partiu apressadamente do campo de batalha onde abandonou

numerosos mortos, feridos e uma enorme quantidade de despojos.

Face à situação o comando português teve bastante dificuldade em impedir que a

perseguição ultrapassasse a tenda de D. Juan devido aos vivos protestos dos cavaleiros

ingleses que queriam engordar o saque capturado. A decisão, oportuna e prudente,

procurava impedir a saída deste local, favorável às tropas que lutavam por D. João I,

pois o adversário apesar de desorientado e em fuga era ainda bastante poderoso. Acresce

que havia na época um costume, muito respeitado, que recomendava à facção que não

tivesse fugido, para ser considerada vencedora, que esperasse 72H00 no local do

confronto, pelo retorno do adversário.

A fuga do rei de Castela foi difícil “…e porque naõ sabiaõ ho caminho amdavaõ

de h a parte pêra há outra. E a gemte da terra, que o outro dia acodio muita, faziaõ em

eles gramde matamça…” (Idem, capítulo XLIV). Valeu a disponibilidade de um guia,

fidalgo castelhano, designado por “Llama” (SYLVA, 1732) que orientou a fuga por

caminho diferente do mais utilizado. Julgamos que este castelhano, da guarnição de

Santarém, teria por missão reconhecer os caminhos que iam dar àquela importante praça

ao serviço de Castela.

O caminho da Corredoura foi evitado por dificuldades da subida e pela suspeita

vizinhança do castelo de Porto de Mós que podia causar desagradável e perigoso

encontro. Continuaram à desfilada pela escura estrada medieval (Pedreiras; Casal

Boieiro; Chiqueda, onde junto ao rio as forças em fuga foram severamente punidas pela

milícia do Abade João Ornelas, senhor do mosteiro e terras de Alcobaça. (LOPES, II

volume, capítulo XLIV).

Seguiram por Molianos; Arrimal; Capela de vale de Ventos; Portela do Pereiro;

Mendiga; Mosteiros; Alcanede; Tremes; Cabeça Gorda; Romeira e Santarém onde

chegaram quase de madrugada.

Na fuga precipitada foi morto o fidalgo português Vasco Martins de Melo que

tinha prometido prender o rei de Castela ou no mínimo “pôr-lhe a mão em cima”.

(Idem, capítulo XLIV).

D. Juan, sentindo-se ainda inseguro, mandou de mediato aparelhar transporte

fluvial, para nessa mesma noite continuar a fuga para ir abrigar-se na esquadra

castelhana surta no Tejo, em frente de Lisboa, seguindo logo para Sevilha.

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O percurso parece ter sido utilizado com alguma frequência conforme indiciam

alguns factos históricos que aproveitamos a oportunidade para referir:

- No tempo de D. Afonso Henriques, a praça de Santarém estava ocupada por

gente do Andaluz que dali partia para levar a devastação e a morte ao coração do reino

de Portugal.

A situação levou o rei a pensar seriamente num estratagema para conquistar a

referida praça, apesar de temer a solidez, a inacessibilidade do castelo, a numerosa e

aguerrida guarnição que a defendia.

Para isso mandou pessoa da sua confiança, Mem Ramires, reconhecer o local,

que no regresso garantiu a empresa ser possível, mesmo fácil. Seria necessário então

interromper por três dias a trégua que mantinha com os sarracenos, para o que mandou

um certo Martim Mohab e depois fingiu que partia de Coimbra para ir atacar Santarém.

A coberto da noite o rei, com um grupo de cavaleiros e homens de armas, deslocou-se

cautelosamente para Ourém (na altura Abdegas), para evitar ser detectado pelos

esculcas sarracenos que vigiavam o caminho que saía de Coimbra. Deslocou-se depois

para sudoeste pela Atouguia das Cabras direito à calçada romana de Alqueidão da Serra,

Porto de Mós, Corredoura e Carvalhos (Pedreiras) onde discretamente tomou o caminho

mais tarde chamado de Estrada Real Antiga. Seguiu depois para Molianos, subiu a serra

dos Alardos (hoje Candieiros), Arrimal, Alcanede e procurou refugio na mata da Abrã

onde, conforme tradição oral, prepararam escadas de madeira para escalar as altas

muralhas de Santarém (GALVÃO, 1934, capítullo xxxj. e capittulo xxxij)..

O antigo pároco da Benedita, Padre Tiago Tomás Delgado, entretanto falecido,

confidenciou a Almeida Monteiro, estudioso da batalha Real, o que havia lido num

velho e amarelado manuscrito que tinha encontrado, cautelosamente arrecadado, na

peanha de uma imagem de Nossa Senhora da antiga capela da Quinta de Vale de ventos.

O documento referia que o missionário, São Francisco Xavier, jesuíta destacado para as

Índias Orientais, antes de iniciar aquela viagem tinha a obrigação de se despedir de El-

rei Dom João Terceiro, a residir na Corte em Almeirim.

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Figª 4

Para cumprir o seu desígnio, vindo do mar aportou ao porto da Pederneira,

dirigindo-se de seguida ao mosteiro de Alcobaça para procurar saber do caminho para

Santarém. Por um caminho a meia encosta do lado do mar chegou a Molianos e foi ficar

na Quinta de Vale de Ventos onde viviam monges do mosteiro de Alcobaça, aí

missionou e deixou no confessionário créditos de absolvição especial que o documento

encontrado atestava.

Verificamos noutros exemplos que é referido de modo diferente um caminho

que teria existido desde o princípio da nacionalidade portuguesa designado por real,

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antigo ou medieval. Foi sendo melhorado ao longo do tempo com elementares pontes

ou barcas de passagem a par de inúmeras catraias ou vendas levantadas quase sempre

próximo de chafarizes que apoiavam os viajantes nos gados e carruagens. Mais tarde um

outro mapa (Mappa topographico do Quartel em Leiria de 16 de Abril de 1796),

documento importante que apresentava o traçado da Estrada Real Antiga e o traçado da

“Nova Estrada Real de Rio Maior até Coimbra”, ajuda a entender a movimentação de

pessoas e haveres na zona envolvente ao local onde se travou a batalha real.

O roteiro terrestre de Portugal de 1763 do Padre João Baptista de Castro refere

lugares e distâncias, que no caso presente considerámos apenas a sul de Leiria, de

Lisboa ao Porto, que iremos referir: de Candieiros a Molianos (2 léguas); a Venda dos

Carvalhos (2 léguas); a S.Jorge (1légua); a Cortiça (1 légua); a Leiria (1 légua).

Uma légua correspondia à distância percorrida numa hora de caminho, a passo cheio e

ordinário, que dariam 3.000 passos num total de 6.199m.

A batalha de Aljubarrota tem particularidades que a distinguem de outros

confrontos coevos, por casos que importa referir e esclarecer:

- O efectivo da hoste portuguesa foi estimado em menos de 10.000 (FROISSARD), em

cerca de 6.500 (LOPES) e o efectivo do exército castelhano calculado “ 30000 para

mais” (LOPES) e 44000, dos quais 32000 eram não combatentes. (SANDOVAL).

Recordamos que D. Fernando, em 1383, tinha reunido cerca de 12.000

combatentes, dos quais 2.000 eram ingleses, donde talvez possamos concluir que o

reino de Portugal, em situação estabilizada, teria capacidade de mobilizar cerca de

11.000 homens.

A situação em 1385, marcada pela divisão da nobreza portuguesa acrescida da

guarnição de cerca de 4.000 homens nas praças afectas a Castela, tornaria muito difícil

reunir um efectivo da ordem de 6.500.

Os cronistas são unânimes em reconhecer a desproporção das baixas

inversamente proporcionais aos efectivos das forças em confronto.

O resgate dos prisioneiros, pratica corrente na época que garantia bons

proventos, não foi observado nesta batalha, talvez pela desproporção das forças não

garantir a detenção dos cavaleiros aprisionados que lutavam por Castela. Constituíam

significativa força, passível de ser recuperada, que possivelmente podia servir de

incentivo a novos ataques do exército invasor.

O cronista Froissard precisa que do lado castelhano pereceram no campo de

batalha 4.500 homens, 5.500 após o confronto - por acção de populares, das três

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companhias de milícia do abade de Alcobaça, na ponte de Chiqueda - e feito 6.500

prisioneiros.

Só números desta grandeza justificam a decisão de D. Juan de Castela em

respeitar o luto nacional durante dois anos (CERCALES, 1775).

A participação inglesa na batalha real continua a merecer, em nosso entender,

alguma interrogação pois o seu efectivo varia conforme o relator da peleja. Fernão

Lopes e Froissard referem 200 participantes, elevando depois este para 500.

A crónica do anónimo monge de Westminster contudo menciona claramente que

D. João de Portugal foi auxiliado na batalha por 700 ingleses, todavia na chancelaria

inglesa não existe documentação que confirme este número.

A carta particular do cónego de Lisboa, Gonçalo Domingos, ao abade de

Alcobaça Frei João Ornelas, a 3 de Abril de 1385, refere o desembarque de combatentes

ingleses em Lisboa (200 homens de armas e 200 arqueiros) e em Setúbal (45 homens de

armas e 45 arqueiros) diferindo do número referido por Fernão Lopes mas nada

acrescentando à sua possível participação na batalha em S. Jorge (Revista Portuguesa

de História, Tomo X, FLUC, 1962).

Considerando que:

- O efectivo dos 700 ingleses traria enormes dificuldades de direcção ao comando

português conforme exemplos coevos, que referem os ingleses terem necessidade de

comando musculado, só aceite quando o mesmo fosse inglês;

- A frente de um combatente ser cerca de 0,90m e o intervalo entre fileiras 1,80m.

O campo onde se desenrolou a contenda, planalto rodeado por declives pronunciados de

12 braças (Carta que D. Juan enviou à cidade de Múrcia, 29 e Agosto de 1385)) , com a

vanguarda portuguesa encaixada entre duas linhas de água, distantes entre si no ponto

mais próximo, cerca de 350m, aparentemente não comportava tanta gente.

Julgamos necessário rever e aprofundar este assunto, o que tencionamos fazer quando

nos for possível.

Dois dos melhores cronistas monásticos ingleses ao evidenciar a vitória

manifestamente portuguesa e o comando também português parecem, em nosso

entender, confirmar a razoabilidade desta dúvida (RUSSELL, 1955).

Julgamos que a consideração da importância do terreno na conduta e desfecho

da batalha de Aljubarrota foi assunto que parece nunca ter merecido a atenção de

cronistas, historiadores e estudiosos, conforme indicia o desabafo de um ilustre

alcobacence de há cem anos que transcrevemos:

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“ Eu creio até que se tem descripto a batalha d´Aljubarrota sem ao menos se

conhecer vagamente o terreno que se descreve” (NATIVIDADE, p.5).

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Capitulo IV -A MUSEALIZAÇÃO DA GUERRA

1. Comemorar a guerra

A Europa procurou, da paz romana ao final da guerra-fria, salvaguardar a sua

identidade apesar de ter sido palco de inúmeras guerras europeias e algumas mundiais,

das quais tem piedosamente conservado a memória identitária nos seus campos de

batalha, campos de honra, em lembrança dos heróis e mártires tombados em defesa de

um ideal.

A França, pais de referência, que de certo modo tem liderado manifestações

desta natureza, assinalou a sua paisagem com marcas visíveis e intangíveis, que as

gerações actuais têm assumido a responsabilidade de conservar.

O património imaterial dos feitos de guerra foi-se cristalizando na paisagem e

consolidando no espírito dos cidadãos em cerimónias nacionais. A recordação dos feitos

de guerra foi-se transformando no culto da sua própria memória, eternizada através do

monumento histórico, testemunha do passado comum, que tanto pode servir de união

como tornar perene a diferença das vontades.

Os conflitos marcaram e condicionaram a história de cada povo, que procurou

evocá-los numa expressão monumental evolutiva no tempo, mais evidente e perceptível

de transmitir o passado a gerações vindouras. A lembrança agita-se indecisa na

consciência de protagonistas e descendentes constituindo um património afectivo

imaterial muito querido e importante na coesão e auto-estima da Nação.

Os Césares da antiga Roma assinalavam as vitórias com arcos de triunfo, na

Idade Média comemoravam-se estes sucessos com instituições piedosas como a do

Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, Portugal, evocativa da batalha Real

(14.VIII.1385) e do Escorial, em Espanha, para recordar a batalha de San Quintin

(10.VIII.1557).

No período clássico balizava-se a entrada das cidades e cidadelas conquistadas

com discretas pirâmides (Luís XIV) ou como Napoleão que ao mandar construir o arco

do triunfo, no lugar mais elevado de Paris, e na coluna na praça Vandôme reatou a

tradição da evocação da memória, transformando-a numa decisão política determinante.

A comemoração da vitória, influenciada pelo romantismo, foi evoluindo para a

veneração dos heróis e mortos tombados na defesa de um ideal, conforme mostra a

igreja da Madalena como templo dedicado à glória do povo em armas.

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Estes lugares, reconhecidos como altares da pátria, continuam a servir de cenário ao

reconhecimento solene e respeitado do patriotismo.

O exército de conscrição, de carácter universal, intensificou o culto dos heróis.

Os primeiros monumentos aos mortos de 1870 foram o prenúncio da generalização

deste propósito na guerra 1914-1918. Cada comunidade queria dispor de cidades,

instituições e famílias ligadas por laços de sangue a placas ou lugares comemorativos

ligados à memória do herói caído no campo da honra.

O cariz patriótico cedia por vezes, lugar ao político como no monumento aos

“mortos pela França” que passou a “mortos pela paz” (Lille-en-Flandres).

A atrocidade dos confrontos provocou incontáveis mortos, muitos nunca encontrados,

dando origem à chama no túmulo do soldado desconhecido no arco do triunfo,

monumento emblemático que materializa e perpetua a memória imaterial da Pátria,

santuário nacional, local de excelência onde a república recebe o preito das maiores

autoridades do Estado e dos grandes do mundo.

Pátria etimologicamente significa a terra dos antepassados, ”terra patrum”, sendo

no sentido real objecto de amor da Nação e de devoção na consciência colectiva. É o

prolongamento da própria família, por isso objecto de um sentimento sagrado e nobre,

autentico culto a que se dá o nome de Patriotismo.

O fenómeno comemorativo tem lugar em múltiplos monumentos que ocupam os

campos de batalha europeus, de simples placas a gigantescos campos de mortos com

ossário.

A reconciliação do após guerra levou à procura de novos lugares de referência

orientados para a paz, tolerância e reconciliação entre os povos, expressos no memorial

de Caen.

A recordação tem na prática várias motivações, sendo por isso portadora de diferentes

culturas da memória dos lugares de guerra.

Os conflitos foram e continuam a ser feitos marcantes no passado colectivo dos povos e

a comemoração de actos heróicos tem servido para reforçar a solidariedade nacional ou

juntar as partes antes desavindas.

Quando os participantes ou testemunhas de antigos conflitos começarem a faltar

ou a catástrofe do “11 de Setembro” se tornar uma dramática referência mundial, será

talvez necessário reflectir maduramente acerca de algumas questões deste tema: que

sentido deverá ser dado à evocação dos confrontos e quais os aspectos patrimoniais a

considerar?

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Que parte deverá ser respeitada entre o dever da memória e os ritos de comemoração? A

que nível (regional, nacional, europeu ou mundial) deverá ser sinalizado o património

comemorativo? Como deverá ser reconhecido e assumido o património comum?

Artistas e arquitectos procuram desesperadamente, tacteando, o esboço

arquitectónico para comemorar o “terreno zero” onde se situavam as torres gémeas,

destruídas na catástrofe do “11 de Setembro”, enquanto outros querem fazer desaparecer

os vestígios do atentado com uma cerimónia hinduísta de purificação do lugar, para

afugentar o horror e reencontrar a serenidade, patentes no esquema pensado de dois

espelhos de água implantados nos alicerces dos edifícios derrubados, um muro com a

inscrição do nome das vítimas sobre o qual cairá uma cortina de água em cascata a

simbolizar a fragilidade da vida.

O arquitecto norueguês Kjetil Thorsen, de 53 anos, ficou responsável pela construção

do “National September 11 Memorial Museum & Pavilion” com que procura evocar de

modo original o clamor silenciado da catástrofe no terreno zero em Nova Iorque, dando

vida e significado novos à zona onde se situavam as torres gémeas destruídas em 11 de

Setembro de 2001, no respeito pelo lugar e pela tragédia

A complexidade do assunto, miscelânea de sentimentos cruzados entre si ou

retoma de temas dolorosos, por vezes polémicos, exige uma orientação deontológica

enquanto se reflecte com sensatez sobre a “memória dos lugares”, oportuna por sermos

a primeira geração que não sofreu a guerra no seu território e talvez a última a ter o

encargo de terminar a reparação dos danos de guerra nos monumentos da época.

Os primeiros estaleiros europeus (1986) repararam com zelo os estragos da

guerra de 1914-1918 que danificaram um número significativo de monumentos.

Procuraram consertar, conservando, as cicatrizes dos combates conforme testemunha a

reconstrução cuidadosa em Arrás.

A conservação contudo não é pacífica pois continua a ser motivo de apaixonada troca de

argumentos que variam conforme a memória dos lugares e a sensibilidade dos

participantes, sendo contudo conclusão generalizada que não se deve impedir a memória

dolorosa, embora correndo o risco que a emoção leve a sacralizar amplos espaços,

impedindo a renovação e o lugar no futuro a que têm direito.

Após alguma ponderação considera-se que as regras de deontologia a respeitar

poderiam ser: todo o lugar tem direito ao futuro e a memória não poderá residir no local

quando é necessário cumprir o futuro (muro de Berlim).

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A memória dos lugares da guerra diz respeito aos actuais monumentos comemorativos,

com o risco da sua sacralização os poder tornar intocáveis;

Consideramos necessária e oportuna uma reflexão em conjunto das entidades

intervenientes (Ministério de Defesa; Ministério da Cultura, Liga dos Antigos

Combatentes e as entidades mais representativas da sociedade civil).

Não fazer nada e temerosamente deixar degradar os monumentos seria em nosso

entender uma péssima solução, muito pior que fazer uma escolha pouco feliz ou não

cuidar das edificações mais significantes.

O caso é diferente quando se trata de necrópoles, pois o carinho que os países,

antigos beligerantes, que cuidam destes cemitérios é uma manifestação de respeito que

causa admiração universal. É necessário considerar antecipadamente o tamanho da

tarefa e o encargo dos serviços que oneram a conservação das grandes necrópoles

militares.

Os campos de batalha dos conflitos bélicos medievais, de área reduzida, são por

norma os mais simples de identificar, com razoável precisão, pelo testemunho histórico

(crónicas, outros registos e quando possível a memória oral) e de definir no terreno.

Os confrontos posteriores, mais difíceis de circunscrever devido ao tamanho

crescente das áreas envolvidas, exigem igual seriedade no tratamento devendo por isso

serem confirmados por todos os meios disponíveis (registos, vestígios, memórias, etc.).

Todos os lugares onde se travaram conflitos podem ser incluídos nos lugares de

memória dos povos envolvidos e por isso são passíveis de serem classificados, na escala

devida, como património nacional, europeu ou mundial.

Há contudo necessidade de uma política paisagista, séria e profissional, que terá

de incluir planos de gestão, a longo prazo, dos vastos espaços dos campos de batalha,

objecto da cobiça atenta de impacientes construtores que se orientam apenas pelo lucro

fácil e imediato. Ao lado, talvez em segunda prioridade, estão os edifícios ou obras

militares, reconhecidos pela arquitectura própria, por terem tido um desempenho

histórico notável ou por possuírem características técnicas invulgares.

O encargo é, em nossa opinião, um louvável investimento, pois será o preço a

pagar pela valorização de territórios marcados pela memória da guerra, em garantia e

reforço da conservação da auto-estima nacional.

Resta perguntar para que serve a lembrança dos conflitos senão para dar mais força à

promessa que fazemos a nós mesmos “Nunca mais”!

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Estes monumentos, evocadores do passado colectivo, podem começar por serem

lugares de reunião, convívio e memória, onde se deverão reforçar as solidariedades

reencontradas a considerar num futuro próximo, como primeiro patamar da

concretização de um património comum europeu a ter em conta.

(PONCELET, s. d., Memoires de Guerre).

2. Museu e Campo Militar de S: Jorge. Estatuto patrimonial (Períodos).

O Museu e o Campo Militar de S. Jorge foram utilizados, ao longo do tempo, em

modelos diferentes de gestão do património com lógicas de acção apoiadas em filosofias

museológicas próprias de cada época, suportadas por bases legais, nacionais e

internacionais. Iremos procurar referir e caracterizar, embora de modo despojado, os

tempos que neste campo considerámos museologicamente distintos:

- período de 1393-1986;

- período de 1986-2003;

- período de 2003 a 2102 (sob a égide da Fundação Batalha de Aljubarrota).

2.1. O período de 1393 a 1986

É definido pela edificação da ermida de S. Jorge, mandada fazer por D. Nuno

Álvares Pereira, e inauguração do Museu Militar da batalha de Aljubarrota a 14 de

Agosto de 1986, mandado erigir pelo Estado Maior do Exército.

Neste tempo as manifestações comemorativas da batalha Real, foram realizadas,

de modo espontâneo e popular pelos residentes locais e vizinhos de regiões limítrofes.

O intervalo, algo dilatado, foi sendo marcado por alterações, que cautelosamente

procuraremos referir, ocorridas ao longo do tempo.

A ermida de S. Jorge pela importância do seu testemunho histórico patente na

edificação, confirmada muitas vezes por cronistas e historiadores é, para além do seu

valor documental uma ajuda imprescindível ao entendimento da conduta das forças

portuguesas e castelhanas que se enfrentaram naquele campo na batalha de Aljubarrota.

Merece por isso ser referida em apontamento mais dilatado, para se conhecer melhor e

poder apreciar os sucessivos desempenhos que teve ao longo da história de Portugal.

A escolha do local para construir a ermida mereceu diversa referência cronista.

D. Nuno Álvares Pereira, em agradecimento à Virgem Maria mandou construir,

sete anos pós o confronto em S. Jorge, uma ermida no local onde tinha arvorado o seu

estandarte, numa pequena elevação que facilitava a defesa “…E o Conde se foi ao

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campo domde fora a batalha, e mandou hi edificar h a egreija a homra de Santa Maria e

de San Jorge, em aquele lugar domde estivera sua bandeira o dia daquela vitoria

…”(LOPES, II volume, capítulo CXXXVII).

Fig ª 5

“… E o primeiro lugar homde começarão de pelejar foi junto cõ a bamdeira do

Condestabre, homde ora está huûa pequena igreija de São Jorge que depois mandou

fazer…” (Idem, capítulo XLI).

De seguida D. Nuno fez a chamada dos artífices necessários à construção do

templo, referida em documento escrito, “…passou a Porto de Mós, onde chamados os

oficiais e os mestres mais peritos daqueles contornos, os levou a edificar um templo no

lugar onde arvorou a sua bandeira na batalha de Aljubarrota” (TEIXEIRA, p.568).

Procedeu-se depois ao lançamento da primeira pedra., também registado, “… No

ano de 1430 aos 23 dias de Agosto se lançou a primeira pedra desta Ermida e foi bento

tudo pelo Prior da Igreja de São Pedro da Vila de Porto de Mós, q então era por a

provisão do bispo de Lisboa D. João, o q tudo consta de papeis q estão no cartório da

dita Igreja de São Pedro…” (SILVA, p.748).

“ …Na estrada meya legoa além da vila da Batalha, está h..ua Ermida da

Invocação de S. Jorge com seo Ermitão a q se dá de ordinária hun moyo de trigo, o qual

tem cuidado da Igreja, e de ter sempre agoa para os passageiros. No dia do Santo vão

em procissão a ela os moradores de Porto de Mós, Aljubarrota e Batalha, com todo o

clero, religiosos e cameras destas vilas a cantar missa com sermão.

... … … … … ... … … … ……. … …. … … … … … … … … … … … … … … …

“…Os Duques de Bragança tiverão sempre grande cuidado de q não faltassem

os clérigos de Porto de Mós, e seo distrito, assim no dia santo como nos da Assumpção

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da Senhora, em cujo dia sae a procissão de Nossa Senhora, e no de Santiago, em q se

faz outra q sai de São João, e nestes dias há só missa rezada, o dia de São Jorge sae

procissão da Igreja de S. Pedro.

… … … … … … … … … … … … … … … … … .. … … … … … … … … … ...

“…A capela Mor desta Ermida he de abóbada, o Altar Mor tem a imagem da

Senhora de vulto, nos dous colaterais, em hum está a imagem de vulto de São Jorge a

cavalo, e no outro uma cruz de pão…” (COUSEIRO, 1657)

A data de 1430 pertencia à era de César que vigorou em Portugal até 1460, ano

em que passou a contar pela era de Cristo. Havendo entre elas uma diferença de 38

anos, para menos, conclui-se que a bênção da primeira pedra da ermida foi no ano de

1392.

As festividades religiosas foram sendo realizadas pelos séculos fora, mas o

Padre Louro acrescentou que “…desde 1834 que não se fazem as procissões de que fala

o texto, nem o ermitão recebe os ordinários, nem o Governo cura de tão glorioso

monumento…” (Idem).

D. Nuno passou a cuidar do templo, como relata Frei Agostinho de Santa Maria

“…Deixou o Condestável a esta casa um moio de trigo para o Ermitão, e umas terras

que rendem quarenta mil reis pela, obrigação de ter aquela casa com limpesa e aceio: o

trigo se paga no Almoxarifado de Leiria, e ainda que esta Igreja é anexa à Matriz De

Porto a Ermitonia é do padroado real, e Elrey o que a prove…” (Frei CRUZ, p.300).

A ermida foi descrita, em 1872, por um historiador “español”:

“…Es de piedra, y consta del cuerpo de la iglesia com techumbre de madera, y

de la capilla mayor em boveda ogival, que forma por el exterior un torreon almenado;

mide por dentro aproximadamente como 19 metros de longitude y 13 de latitude; en el

altar mayor tiene colocada de bulto à Nuestre Señora de la Vitoria, que se cree sea la

miesma de la fundacion; y en los altares que se hallan en el cuorpo de la iglesia se ven,

en el de la isquierda un grupo de mármol ordinario, de escultura grosera, que representa

à San Jorge a caballo, en actitud de matar con la lanza al dragon infernal que está à sus

piés, y que tiene todo el carácter para inferir sea el primitivo; y en el otro un santo, que

me dijeron era Santo Domingo, conecidamente moderno, que sin duda reemplazó à la

cruz sencilla de madera que el codice antes citado expressa se puzo en el. Por afuera,

para cobrir la entrada, se concebe hube um portico, y sobre la esquierda de la puerta hay

una gran piedra en forma de altar que debia servir para celebrar misa el dia del

aniversário à la multitude de gente que acudia alli como en romaria, puez iban en

procesion desde Portro de Mõz con el clero parroquial, y desde el Monotério de Batalha

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con la comunidade; predicabase sermón patriotico en el pulpito também exterior, del

que aun está à la derecha la losa circular que servia de base, y los escalones para subir

al sacerdote; y se pasaban el resto del dia en regocito campestre; inmediata à ese

pulpito está empotrada en el muro la lápida conmemorativa de que va echa mencion…”

(SANDOVAL, p.269).

O teor do texto foi confirmado mais tarde: “…obstante a sua porta moderna, o

pequeno edifício conserva, com os gigantes, as gárgulas cimeiras e a inscrição da

entrada, o aspecto gótico.

À entrada deparam-se logo duas colunas góticas com pia baptismal, segurando o coro.

A capela-mor tem no fecho da abóbada artesoada o pelicano de D. João II, o que pode

indiciar algum restauro dessa época. No altar da esquerda, naturalmente desarrumada do

seu primitivo poiso, vê-se uma estátua equestre, de pedra, de S. Jorge, calcando e

enfiando a lança pela guela do dragão, a qual deve ser primitiva.

No exterior, além da inscrição alusiva à fundação da ermida, vê-se um nicho

com uma quarta sempre cheia de água, para matar a sede a caminhantes, e que ali se tem

mantido, segundo a tradição, desde o século XV, por voto do Condestável e a cargo da

mesma família, que de geração em geração a enche e renova (LEAL, p.269).

Alguns professores da Faculdade de Letras de Coimbra, em 1939, referiram

“ vêem de longe as modificações introduzidas no traçado primitivo da capela.

Realmente a abóbada da abside, parece ser do tempo de D. João II, a julgar pelo

pelicano que a coroa. Depois o coro, o próprio pórtico e muito recentemente a

alpendrada à fachada principal, vieram pejar e desfigurar a estrutura inicial do pequeno

templo…” (CORREIA, Virgilio, GIRÂO, Amorim, SOARES, Trocato, Excursões no

centro de Portugal).

A lápide que se encontra na frontaria da ermida, em caracteres góticos reza

assim:

ERA: DE MIL: E QUATRO CENT´

E TRINTA: E HUU: ANOS: NUNAL

UARES: P (ER) EIRA: CONDE: ESTAB´

MANDOU: FAZER: ESTA: CAP

EELA: A ONRA: DA UIRG : MARIA: POR

QUE: EN O: DIA: QUE: SE: FEZ: AQI: A BA

TALHA QUE: ELREY: DE PORTUGAL: OUVE: C : EL REY

DE CASTELA: ESTEVE: EN: ESTELOGAR: A BANDEI

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RA: DO: DITO: CONDE: ESTABRE

Considerada por alguns, menos verdadeira, a lápide foi conscienciosamente

estudada por um ilustre académico e epigrafista medieval que a considerou autêntica e

digna de crédito. (SOUSA, volume LXX ) .

Relacionado com a ermida situa-se um pouco a sul, à borda da antiga estrada

real, um denominado “cruzeiro das procissões” que a tradição local diz recordar o

célebre combate entre D. João I de Portugal e o “ardido” cavaleiro castelhano D. Álvaro

de Sandoval.

”… e elle [D. João I] reçebeo o gollpe e travou por ella a tyrou tão rijo que lha levou

das mãos e fezeo ajoellar dambos joelhos e foy lloguo levantando muito asynha per

ho nobre martym gonçalvez de macedo homem fidalgo que bem servia ell Rey em

estes trabalhos e quoando allvaro gonçallvez (Sandoval) alçou a facha para lha dar,

ell Rey esperou o golpe e tornoulha a tomar per aquella gysa e quoando lhe quisera

utra vez dar jazia jaa morto pelos que erm presentes que o mays apresa fazer não

poderão porque cada hum tynha asaz ver em sy…” (Manuscrito n.º 11 038, BNL)

Na ermida de S. Jorge foram acontecendo ao longo do tempo, cerimónias de

grande significado nacional, como marco importante que evoca a independência de

Portugal, que iremos referir de modo sucinto:

- A primeira, talvez a de maior significado por ter dado início a esta prática, ficou ligada

à morte de D. João I, falecido em Lisboa no castelo da Alcáçova, a 14 de Agosto de

1433, no dia em que completava 77 anos de idade, 44 que tinha vencido a batalha de

Aljubarrota e 18 que tinha partido de Lisboa para ir conquistar Ceuta.

Logo se preparou o cortejo fúnebre que o levaria para o mosteiro de Santa Maria da

Vitória na Batalha, onde seria sepultado conforme vontade expressa em testamento. O

corpo real foi entretanto exposto na Sé de Lisboa, num estrado alto em frente ao altar de

S. Vicente. Após solenes cerimónias fúnebres, com a presença de toda a cleresia,

nobreza e muita gente simples, que acompanhou os actos litúrgicos com sentimento de

muito pesar, saiu para o mosteiro de Odivelas onde se realizaram cerimónias de igual

importância.

O mesmo foi acontecendo em Vila Franca e Alcoentre. O acompanhamento do

corpo real, com grande pompa, levou muita gente, sobretudo a de maior importância, a

participar no cortejo. Em todos os lugares onde o corpo pernoitou foi recebido com

solenidade e vigiado pelos nobres mais ilustres do reino, celebrando-se sempre missa

pontifical no dia seguinte. No último dia de viagem a comitiva pernoitou no mosteiro de

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Alcobaça, ficando de guarda seu filho, conde de Barcelos, acompanhado por outros

fidalgos. Foi celebrada apenas “missa rezada” porque a cerimónia com maior pompa

estava reservada ao mosteiro da Batalha, para onde logo partiram. (PINA, Crónica de

El-Rey D. Duarte, capítulo V).

No mesmo dia foi realizada uma cerimónia importante na ermida de S. Jorge,

pois o corpo de D. João I antes de ser sepultado no mosteiro de Santa Maria da Vitória,

foi recebido na ermida de S. Jorge, com grande aparato, por numerosos cavaleiros com

seus cavalos muito bem aparelhados que ali o esperavam e daí seguiram em muito boa

ordenança “…até o mosteiro, acompanhados de muita gente: porque muitas pessoas que

para isso foram chamadas, e assim os procuradores das cidades e villas, e alcaides do

reino, [que] não poderam por seus impedimentos ir a Lisboa, e vierem alli” (Idem).

- O significado e a importância da ermida de S. Jorge levam a acreditar, que os restos

mortais de D. Duarte, falecido nos paços do convento em Tomar, a 9 de Setembro de

1438, com 47 anos de idade, também tenham passado por este templo. À semelhança do

pai foi sepultado no mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, conforme

detalhadamente nos relata Ruy de Pina; “ foi o corpo d´El-rei logo mettido em uma

tumba, e com ochas e cruzes, e religiosos e clérigos, e com outra nobre companhia

levado a sepultar no mosteiro da Batalha, onde foi sepultado junto do altar mor”.

- Acerca de D. Afonso V, não foi possível recolher elementos que provem ter sido

efectuada cerimónia ou concentração apropriada na ermida de S. Jorge. Julgamos

possível contudo terem-se realizado cerimónias, tendo em conta o significado da ermida

para a dinastia de Avis e o respeito que merecia a memória de D. Nuno como guerreiro

de eleição e religioso exemplar.

- Os relatos que dispomos da morte do Príncipe D. Afonso, filho herdeiro de D. João II

(CHRISTOVAL, Ferreira, Vida e Hechos del Príncipe Perfeito Dom Juan Rey de

Portugal; RESENDE, Garcia de, Vida e Feytos del Rey Dom Joam Segundo) vitimado

por um acidente junto ao rio Tejo, em Santarém, a 12 de Julho de 1491, sabemos que a

ermida de S. Jorge foi escolhida pelos nobres do reino para receberem D. João II e

mostrar quanto sentiam pela perda do ilustre herdeiro do tono de Portugal.

Os nobres do reino, que em grande número assistiram à cerimónia, mostravam enorme

desgosto pela perda do único herdeiro do trono de Portugal, que pouco antes tinha

casado com a Princesa D. Isabel, filha dos reis de Espanha.

Garcia de Resende conta que a 25 de Agosto o rei acompanhado por demais

individualidades partiram para a Batalha onde se fez o enterro do Príncipe e que não

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estavam presentes muitas figuras importantes de Castela devido à peste que alastrava

em Portugal.

O facto foi narrado por um cronista espanhol que relatou os acontecimentos de

modo idêntico a Garcia de Resende. Refere a presença de muita gente importante de

ambos os reinos que acompanhavam o funeral do Príncipe, descrevendo assim a

cerimónia na ermida de S. Jorge:

“llegò el Rey dia de San Bartolomeo a una ermida de San Jorge, de donde se descobre la insigne

fabrica del Monasterio: la Ermida estava todo cubierta de um estandarte negro, em que avia una

Cruz com as insígnias de la passiõ de Christo nuesso Señor: la distancia que ay desde la Ermida

hasta el Convento ocupavan muchas vanderas negras; y porque no huviesse cosa que no diesse

indício de sentimiénto y dolor, cubrieron tambien de paños negros los arboles que ay por aquel

camino, y el Convento (maquina prodigiosa) dento y fuera, paredes, techo e suelo estava da mesma

manera” (CHRISTOVAL, Ferreira e Sampayo, Vida e Hechos del Principe Perfeito Don Juan Rey e

Portugal).

O corpo do príncipe acompanhado por extenso cortejo, foi recebido com grandes

manifestações de tristeza e dor. Nunca se tinha visto tão grande manifestação de luto e

pranto.

-D. João II devia ter tido forte ligação à ermida de S. Jorge conforme parece indiciar o

fecho da abóbada da capela-mor, decorada com o pelicano real.

Outro acontecimento que reafirma a importância da ermida de S. Jorge está ligado ao

funeral de D. João II, falecido em Alvor a 25 de Outubro de 1495, com 45 anos de

idade. Sepultado na Sé de Silves, foi transladado com grande solenidade, por vontade de

D. Manuel I, em Outubro de 1499, para o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, que se

fez acompanhar por “todolos Grandes de seus Reynos, Arcebispos, e Bispos, e Cleresia”

(RESENDE).

O cortejo fúnebre trouxe os restos mortais reais do Algarve à Batalha, passou por Porto

de Mós e pela ermida de S. Jorge, onde era aguardado por D. Manuel I, acompanhado

pelo Mestre de Santiago, duque de Coimbra, duque de Bragança e outros grandes

senhores, que o acompanharam depois até ao mosteiro de Santa Maria da Vitória.

O cortejo fúnebre ouviu missa celebrada elo Bispo de Tanger nas igrejas das

localidades por onde passava. Alcanede, única localidade citada pelo cronista onde

refere:

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”…[n]a noite eu o santo corpo chegou a Alcanede, que foy h~ua sesta feyra a vinte dias do mês

de Outubro do dio ano de noenta e nove, el Rey foi dormir a Rio mayor, e ao sábado foi jantar a

Alcobaça, e dally se foy a guardar o corpo a S, Jorge da Vitória, o qual trouxeram polla serra da

Mendiga, e polla serra ventosa, e sobre o porto de Mos se chegaram a Igreja de San Jorge, onde

el Rey o estava aguardando, e com elle o mestre de Santiago, e Davis, Duque de Coimbra, e o

Duque de Bragança, e o senhor dom Álvaro, e outros muytos senhores, a assi foy com o santo

Corpo ate o mosteiro da Batalha” (RESENDE, Garcia de, obra citada).

- D. Manuel I, ao deixar de utilizar o Mosteiro de Santa Maria da Vitória como Panteão

Real, mandando edificar o Mosteiro de Santa Maria de Belém ou o dos Jerónimos para

esse efeito, pode ter motivado que a ermida de S. Jorge tenha deixado de participar em

cerimónias semelhantes às relatadas por cronistas.

Não temos conhecimento de fontes históricas que refiram cerimónias realizadas nos

cerca de 400 anos posteriores aos factos relatados, mas acreditamos que o desempenho

na ermida se tenha mantido, devido, o seu fundador, ao longo deste tempo ter sido

sempre considerado santo.

Em finais do séc. XIX a comemoração da batalha de Aljubarrota, designada por

populares de “14 de Agosto”, iniciava-se naquele dia, muito cedo, anunciada por uma

alvorada festiva marcada pelo ribombar de inúmeras salvas de foguetes e morteiros. Os

alunos de fato domingueiro chegavam a S. Jorge, acompanhados pelos respectivos

mestres das escolas primárias mais próximas (Batalha, Calvaria, S. Jorge e Porto de

Mós) a quem se iam juntando alegres grupos de populares, muitos residentes na zona e

vizinhos.

As autoridades dos concelhos da Batalha e Porto de Mós e elementos da

guarnição militar de Leiria, à hora aprazada, juntavam-se aos populares presentes junto

à ermida de S. Jorge para em conjunto festejarem a memória do confronto naquele

campo e glorificarem a figura de D. Nuno Álvares Pereira e companheiros por terem

infligido pesada derrota ao exército castelhano invasor, assegurando assim a

independência de Portugal.

Iam depois em romagem ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha,

onde assistiam à santa homilia e prestavam homenagem a D. João I na capela do

Fundador.

Verificámos, conversando com os residentes mais idosos, que a efeméride marcada por

singelas cerimónias, era evocada no dia próprio, nunca esquecido por moradores,

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autarcas dos dois concelhos e demais autoridades, que assim foram garantindo a

perenidade do acontecimento.

O Corpo Nacional de Escutas, a 1926, acampou pela primeira vez no campo de

S. Jorge e participou activamente na lembrança da batalha de Aljubarrota, conforme

atesta uma placa fixada à entrada do museu militar, entretanto desaparecida.

A eficiência e o aprumo do desempenho dos escuteiros deram origem a um novo tempo

de comemoração, marcado pela participação maciça da juventude, que a partir desta

data passou a colaborar significativamente no evento dando-lhe uma maior projecção a

nível nacional.

O Ministério da Educação Nacional, a 1936, criou a Mocidade Portuguesa,

organização juvenil que tinha por missão principal a formação da juventude inspirada

num ideal patriótico expresso na bandeira de D. João I e na figura exemplar de D. Nuno

Álvares Pereira, como patrono.

As sucessivas comemorações do “4 de Agosto”, a partir de 1937, passaram a ser

motivo de romagem de muitos jovens ao campo de S. Jorge, onde acampavam,

confraternizavam e participavam com entusiasmo na evocação da batalha Real ou de

outros factos históricos. À noite, iluminados pela luz da chama da mocidade, irmanados

no mesmo ideal, cantavam em coro, representavam cenas medievas e declamavam

poemas épicos.

Inúmeras marchas de camaradagem, marcadas pela ocupação simbólica de

castelos ou visitas a lugares que haviam desempenhado papéis de relevo no passado

histórico nacional passaram, por norma, a ter o início ou o fecho no campo de S. Jorge.

Os jovens depressa verificaram com desencanto que a ermida de S. Jorge, assim

como o terreno envolvente, na posse de particulares, apresentavam um aspecto

lamentável de abandono e esquecimento.

Para garantir a sobrevivência deste símbolo, memória de um feito tão ilustre,

elementos da milícia da Mocidade Portuguesa, em 1953, adquiriram por subscrição a

primeira parcela de 50m de largura em redor da ermida de S. Jorge.

A Junta Nacional da Educação pouco depois adquiriu uma zona de protecção

que englobava terrenos a sul, numa extensão de 150m e elaborou um anteprojecto para a

urbanização do local, destinado à construção de uma esplanada para ser utilizada pelo

escalão da milícia da Mocidade Portuguesa.

A ermida de S. Jorge, símbolo do confronto heróico que tinha confirmado a

nossa identidade colectiva, apresentava uma degradação bem testemunhada pela

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Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Junho de 1965, onde se pode

avaliar como foi recuperada pelas obras de restauro realizadas em 1940 e 1965.

(Boletim n.º20).

Ao se iniciarem os trabalhos de regularização surgiram os primeiros vestígios históricos

do confronto luso-castelhano ali travado, que levaram à suspensão imediata das obras.

A Comissão de História Militar iniciou então os seus estudos e trabalhos sob a

orientação do arqueólogo, Ten. Coronel Afonso do Paço, que puseram a descoberto

numerosos fossos e covas de lobo em terrenos mais a sul. Face a estes achados e para

dar continuidade aos trabalhos daquela organização juvenil realizou-se, a 1958, uma

reunião ministerial em S. Jorge, em que ficou decidido suspender de imediato o plano

de urbanização a sul da ermida, cujos terrenos passaram para a tutela Ministério do

Exército, ficando reservados a estudos e trabalhos de investigação da Comissão de

História Militar.

O Ministério das Obras Públicas organizou então novo projecto de urbanização

para norte da ermida, em terreno adquirido por aquela organização juvenil em 1959. Era

delimitado a sul pelo caminho que continua a ligar a antiga estrada nº1, passava junto da

histórica fonte dos Vales e seguia com destino ao Tojal.

Foi neste terreno que se construiu a esplanada destinada a cerimónias ao ar livre,

tendo como motivo evocativo o supedâneo de pedra, baixo-relevo sobre a batalha de

Aljubarrota, do escultor Raul Xavier, renascido de um gesso da exposição do mundo

português da sala Aljubarrota, cuja maquete está patente no museu Bordalo Pinheiro em

Caldas da Rainha.

O Ministério do Exército adquiriu por sua vez o pinhal do lado norte que trocou

pelos terrenos a sul da ermida dando origem que passasse a ser utilizado pela juventude

na realização de acampamentos e cerimónias evocativas.

O governo central pelo decreto n.º43071, de 14 de Julho de 1960, integrou os

concelhos da Batalha e de Porto de Mós nas comemorações da batalha de Aljubarrota,

estabelecendo para ambos o dia 14 de Agosto como feriado municipal, que Porto de

Mós posteriormente alterou para 29 de Julho.

A revolução de Abril de 1974 ao extinguir a Mocidade Portuguesa, determinou a

transferência dos terrenos que pertenciam àquela organização para o Ministério do

Exército, dando origem ao Campo Militar de S. Jorge, de extensão considerável, cerca

de 10 hectares, que ficou na dependência da Direcção do Serviço de História Militar, do

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Estado-maior do Exército. O campo, atravessado por duas estradas no sentido este-oeste

era inicialmente constituído por quatro parcelas:

A) A mais meridional apresentava numerosas covas de lobo, protegidas por coberturas

de tijolo de burro e dispunha de uma casa degradada que servia de habitação ao guarda

do campo;

Figª 6 Figª 7

B) Separada por um caminho rural em desuso, apresentava a capela de S. Jorge, a

marcação dos fossos descobertos por Afonso do Paço e dois conjuntos de pilares que

configuravam o posicionamento aproximado da Vanguarda de D. Nuno e da Ala dos

Namorados.

Frente à ermida, a poente, situa-se o terreno onde Helena Catarino, em 1999, dirigiu

escavações arqueológicas que puseram a descoberto várias covas de lobo e o tramo de

um fosso, que evidenciaram a necessidade de pesquisar o terreno naquele lado;

C) Plantada de oliveiras, relvada, estava limitada a sul pela estrada camarária, antes

referida, que da antiga estrada nacional nº1, passava junto da Fonte dos Vales e seguia

para a povoação do Tojal.

Apresentava a edificação do Museu Militar - infelizmente na área do confronto -

aproximadamente na área da Reguarda, que dispunha de um pequeno parque de

estacionamento e de um grupo de colunatas, em configuração idêntica à parcela

anterior, para posicionar a reguarda de D. João I.

Num espaço que servia de charneira entre a ermida e o museu estava implantado

um baixo-relevo de grande beleza e dignidade de Raul Xavier que naturalmente era

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utilizado pelos professores para explicar aos alunos, face ao terreno, o que teria

acontecido no decorrer da batalha de Aljubarrota;

Figª 8 Figª 9

Figª 10 Figª 11

Figª 12 Figª 13

D) A Serrada da Bispa, setentrional, de maior dimensão, reflorestada com pinhal novo,

procurava salvaguardar o local onde teria estacionado a carriagem da hoste portuguesa

onde heroicamente durante o confronto os portugueses defenderam a rectaguarda do

dispositivo português das arremetidas dos ginetes sob o comando do Mestre de

Alcântara;

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E) Estreita faixa de terreno, de pequena área, adquirida posteriormente pelo Exército,

disposta no sentido poente - nascente, que procurava relacionar a ermida com a estrada

nacional que liga Alcobaça à Batalha;

Figª 14

2.2. O período de 1986 a 2003

O Museu Militar de Aljubarrota foi criado pelo despacho n.º 66/86 de 7 de

Agosto do Estado-maior do Exército, cuja missão e atribuições, aprovadas pelo

despacho de 7 de Junho de 1993, da mesma entidade, eram as seguintes:

-Missão: Promover a valorização, enriquecimento e exposição do património histórico-

militar à sua guarda.

-Atribuições: guardar, inventariar e conservar o património atribuído; divulgar os

valores culturais resultantes da investigação e estudos ligados à História Militar,

promovidos ou realizados na sua área; colaborar, conforme autorizado ou determinado,

em cerimónias e manifestações de interesse histórico-militar ou com relevante

significado histórico-cultural.

A inauguração do Museu Militar de Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1986, teve a

assistência de altas individualidades nacionais que manifestaram muito agrado pelo que

visitaram, conforme refere o livro de honra do museu. (Anexo 1)

Apesar do interesse manifestado pela entidade militar para que a zona

envolvente ao museu e ermida apresentasse em permanência um aspecto cuidado, limpo

e do compromisso assumido pela autarquia de Porto de Mós aquando da inauguração

deste equipamento museológico relativamente à jardinagem, limpeza e arranjo do local,

a partir de certo momento o mesmo começou a apresentar aspecto pouco cuidado,

inadequado à sua qualidade histórica e propicio à utilização em actividades marginais.

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Apenas em vésperas da efeméride da batalha de Aljubarrota merecia alguma

atenção autárquica que se resumia ao corte do mato e a uma limpeza apressada. Para

ultrapassar esta situação a direcção do museu, apesar da exiguidade dos meios que

dispunha procurou manter a dignidade do campo.

As comemorações da batalha de Aljubarrota, após 1974, deixaram

aparentemente de merecer o interesse que antes despertavam nos diferentes estratos

sociais. As cerimónias ficaram limitadas à presença de autoridades militares, políticas e

religiosas, que ali se deslocavam para pronunciarem os seus discursos aos militares em

parada, na presença muito reduzida das populações locais e dos jovens das escolas mais

próximas. (Jornal Portomosense, 2 Novembro de 1988)

O museu militar, preconizado pelo General Manuel Themudo Barata enquanto

director do Serviço Histórico Militar, obedeceu ao projecto arquitectónico e

museográfico do Cor. Eng. Francisco Sousa Lobo, que foi considerado exemplar pelos

visitantes e entendidos na matéria, na medida que conseguiu harmonizar factores

diversos (topográficos, históricos e museológicos, entre outros) que expressavam as

variadas preocupações da equipa que instalou o museu.

Eram evidentes no rigor, na sensibilidade da implantação e no arranjo das volumetrias,

exterior e interior, que procuraram envolver harmoniosamente todos os factores de

modo a facilitar uma consulta apelativa aos vários níveis, do básico ao universitário.

Era um pequeno museu monográfico que pretendia tratar com dignidade a época

1369-1415, em que se inscrevia como ponto alto a batalha de Aljubarrota, travada no

local e imediações. Instalado num imóvel, projectado para o efeito, com o aspecto de

um castelo medievo, era constituído por dois amplos pisos, ligados por escada, elevador

para deficientes e encimado por um torreão, para observação do terreno do confronto.

As características espaciais interiores estavam de acordo com a narrativa

histórica e sublinhavam de forma particularmente feliz a informação exposta, de tal

modo que os visitantes, na quase totalidade da área do ensino, lhe reconheciam grande

valor pedagógico na medida que permitia a leitura do exposto a diferentes níveis.

A exposição do património distribuía-se em quatro partes sequenciais que

correspondiam:

- A. Caracterização da Baixa Idade Média

Módulo 1, Painel da estrutura modelar;

Módulo 2, Grupos portugueses em conflito;

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Módulo 3, A Europa no séc. XIV – divisão politica, cisma, guerra dos cem anos,

rotas comerciais, universidades, lutas de classes, peste;

Módulo 4, Portugal no séc. XIV;

-B. Crise 1383-1385

Módulo 6, Politica fernandina. A muralha de Lisboa;

Módulo 7, Posição politica dos alcaides;

Módulo 8, Cronologia da revolução de 1383;

Módulo 9, Nomeação do Mestre de Avis como regedor e Defensor do Reino;

Módulo 10, O rei de Castela invade Portugal;

Módulo 11, O cerco de Lisboa em Maio de 1384;

Módulo 12, Aclamação do Mestre de Avis como rei de Portugal (06 de Abril de

1385);

- C. A batalha de Aljubarrota

Módulo 13, Organização militar, recrutamento;

Módulo 14, Armamento da época;

Módulo 15, Técnicas de combate;

Módulo 16, Batalhas medievais mais importantes;

Módulo 17, Batalha de Aljubarrota (quadro eléctrico animado);

-D. Consequências da Vitória

Módulo 18, Campanhas militares de consolidação;

Módulo 19, Casamento de D. João I com D. Filipa;

Módulo 20, Mosteiro da Batalha;

Módulo 21, Acordo de paz com Castela;

Módulo 22, Diaporama;

Módulos 23 e 24, Consequências da batalha de Aljubarrota que criou condições

politicas de paz, independência, unidade e identidade dos portugueses para que a grande

epopeia dos descobrimentos pudesse desenvolver-se; o suporte, adequado, era

constituído por documentos iconográficos e réplicas de peças antigas, agrupados em

módulos, ricos em conteúdo, bem elaborados e apelativos.

No período o Museu Militar desempenhou entre 1997 e 2002 uma função

museográfica distinta, face ao desempenho anterior e posterior, da qual destacamos:

- divulgação e promoção, com aparente êxito, da actividade deste equipamento

museográfico, junto a diferentes órgãos de comunicação social, residentes, professores e

alunos das escolas do concelho e distrito de Leiria.(Idem, 2 de Outubro de 2004)

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- definição topográfica do limite do campo militar de S. Jorge pela Direcção dos

Serviços de Engenharia, a pedido do director do museu. (Nota n.º222, EME, de 6 de

Março de2002)

- participação frequente, em parceria, com entidades estranhas ao órgão militar, na

realização em diversos eventos e actividades.

1997

-Reposição da batalha de Aljubarrota no Campo Militar de S. Jorge, por cerca de 600

alunos das escolas do concelho de Porto de Mós;

1999

- Assinatura do protocolo com diversas entidades (Governo Civil do distrito de Leiria,

Câmaras Municipais da Batalha e de Porto de Mós; Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra e Comissão de Turismo de Leiria e Fátima) para angariação

de fundos destinados a trabalhos de arqueologia no Campo Militar de S. Jorge,

orientados e realizados pela Prof. Doutora Helena Catarino;

- I Encontro com a História com a Comissão Escolar da Escola das Pedreiras (desfile

histórico e cerimónia do casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre, almoço

medieval e visita acompanhada ao museu). Teve muito êxito pela participação invulgar

de toda a aldeia e de muitos lugares vizinhos;

Figª 15

2000

- Realização no museu do XXV Encontro Nacional dos Serviços Educativos;

- Em actividade dos serviços educativos, implementação em parceria do projecto “A

sala do baú “ com as escolas do concelho de Porto de Mós. As famílias dos alunos,

dirigidas pelas professoras em conjunto com o museu militar, executaram fatos

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129

medievais que doaram ao museu na condição deste os guardar e supervisionar o seu

empréstimo a outras escolas, aquando da visita ao museu ou actividade relacionada;

2001

- Apresentação de “Aljubarrota Revisitada” numa cerimónia muito concorrida, pela

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra no Museu Militar de Aljubarrota;

- Representação figurativa da juventude de S. Jorge e Porto de Mós na comemoração do

aniversário da batalha Real;

- Exposição animada de música e cantares medievais por jovens vestidos com trajes da

época. O evento denominado “Omnia vincit Amore” foi realizado em parceria com a

autarquia de Porto de Mós e uma organização galega de América Sotto, com assinalável

êxito pela novidade e pela numerosa assistência juvenil do Distrito de Leiria.

Figª 16 Figª 17 Figª 18

Documentos que foram marcando a passagem do Campo e Museu Militar de S.

Jorge para a Fundação Batalha de Aljubarrota:

- Em Maio de 2001 o General Chefe do Estado-maior do Exército mandou apresentar no

Instituto Português do Património Arquitectónico uma proposta de classificação do

Campo Militar de S Jorge;

- Em 12 de Junho de 2001 o Vice-presidente do Instituto Português do Património

Arquitectónico despachou a abertura da instrução da proposta de classificação do

Campo Militar de S. Jorge subscrita pelo general Chefe do Estado-Maior do Exército;

- Em 15 de Março de 2002 foi constituída notarialmente a escritura da constituição da

Fundação Batalha de Aljubarrota por iniciativa de António de Sommer Champalimaud

(17.º Cartório Notarial de Lisboa)

- Em 21 de Março de 2002 o Presidente do Instituto Português do Património

Arquitectónico mandou publicitar nos órgãos de comunicação social o anúncio de

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publicação de edital relativo à eventual classificação da área envolvente ao Campo

Militar de S. Jorge;

- Em 2002, foi apresentado o texto da requalificação e valorização patrimonial do

Campo Militar de S. Jorge (PEREIRA, Paulo);

- Em 24 de Abril de 2002 o Vice-Presidente do Instituto Português do Património

Arquitectónico aprovou a ampliação e remodelação do Museu Militar de S. Jorge

(Parecer/informação n.º 301);

- Em 19 de Julho de 2002 foi feita a divulgação do parecer de classificação do Campo

Militar de S. Jorge (FONTES, Luis, arqueólogo);

- Em 26 de Setembro de 2002 o General Chefe o Estado-maior do Exército mandou

apresentar no Instituto Português do Património Arquitectónico um aditamento à

proposta de classificação da área envolvente ao Campo Militar de S. Jorge,

acompanhado do parecer de dois historiadores.

(MORENO, Humberto; BARROCA, Mário);

- Em 23 de Outubro de 2002 foi alterado o contrato da constituição da Fundação

Batalha de Aljubarrota (17.º Cartório Notarial de Lisboa);

- Em 24 de Outubro de 2002 o Instituto Português do Património Arquitectónico

procedeu à abertura da proposta da classificação do Campo Militar de S. Jorge que teve

despacho favorável do Ministro da Cultura;

- Em 15 de Novembro de 2002 o Ministério da Defesa permitiu que a Fundação Batalha

de Aljubarrota procedesse à ampliação e remodelação das instalações do Museu Militar

de S. Jorge;

- Em 22 de Novembro de 2002 o Ministério da Administração Interna reconheceu a

Fundação batalha de Aljubarrota.

(Diário da República, II Série, 16 de Dezembro de 2002);

- Em 26 de Setembro de 2002 o Chefe do Estado-maior do Exército procedeu a um

aditamento à proposta de classificação da área envolvente ao Campo Militar de S. Jorge,

com dois anexos relativos à justificação histórica e cientifica com parecer de dois

historiadores (MORENO, Humberto: BARROCA, Mário);

- Em 27 de Setembro de 2002 o Ministério da Cultura atribuiu à Fundação Batalha de

Aljubarrota o estatuto de Superior Interesse Cultural;

- Em 15 de Novembro de 2002 o Ministro da Defesa Nacional declarou a permissão à

Fundação batalha de Aljubarrota para proceder à ampliação e remodelação do Museu

Militar de S. Jorge;

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- Em 22 de Novembro de 2002, foi publicado o Despacho do Ministério da

Administração Interna que reconhecia a Fundação batalha de Aljubarrota (Diário da

República, II Serie, de 16 de Dezembro de 2002);

- Em 29 de Agosto de 2003 foi concedido à Fundação Batalha de Aljubarrota o estatuto

de Utilidade Pública (Idem, de 29 de Agosto de 2003);

- Em 14 de Agosto de 2003 foi assinado pelo Ministério da Defesa Nacional e Fundação

Batalha de Aljubarrota o protocolo de cooperação para remodelação e ampliação do

Museu Militar de S. Jorge.

3. Fundação Batalha de Aljubarrota. (Documentos iniciais)

A Fundação Batalha de Aljubarrota substituiu-se, sem qualquer justificação e à

revelia da Liga dos Amigos do Museu Militar de S. Jorge, o que levou à saída de alguns

dos elementos desta Liga.

- Em 29 de Maio de 2003 Luís Adão da Fonseca apresentou o projecto de valorização

do Campo Militar de S. Jorge;

- Em 02 de Junho de 2003 o Presidente do Instituto Português do Património

Arquitectónico mandou publicitar nos órgãos de comunicação social o anúncio de

publicação e edital (homologação de zona especial de protecção incluindo uma zona

non aedificandi);

- Em 6 de Maio de 2004, Resolução do Conselho de Ministros n.º 64/2004 (desafectar

do domínio público militar e integrar no domínio privado do Estado o prédio militar nº.

2/Porto de Mós designado campo de Aljubarrota (Diário da República n.º119, I Série,

de 21 de Maio de 2004);

- Em 16 de Julho de 2004, Despacho conjunto n.º457/2004 (Idem, II Série, de 29 de

Julho);

- Em 29 de Ju2004 foi assinado o despacho conjunto n.º457/2004 que afectava por 99

anos o campo Militar de S. Jorge à Fundação Batalha de Aljubarrota (Idem)

- Em 7 de Dezembro de 2004, foi assinado o Despacho n.º 3947/2005 (Idem, 23 de

Fevereiro de 2005);

- Em 23 de Fevereiro de 2005, saiu o Regulamento de gestão do campo de Aljubarrota

(Idem).

- Em 16 de Julho de 2005, foi assinado o despacho conjunto do Ministro de Estado e

das Finanças e do Ministro de Estado e da Defesa Nacional, n.º 3947/2005, que

determinou a reafectação, por 99 anos, à Fundação Batalha de Aljubarrota do prédio

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militar n.º2/ Porto de Mós com vista à remodelação e ampliação do museu militar de S.

Jorge e sua transformação em Centro de Interpretação da batalha de Aljubarrota.

(Diário da República n.º117, II Série, de 29 de Julho de 2005).

- Em 11 de Outubro de 2008, foi inaugurado na presença de Sua Excelência o Sr.

Presidente da República e de altas individualidades do Estado o Centro de Interpretação

da Batalha de Aljubarrota.

4. Um exemplo peninsular. Nota histórica da batalha de La Albuera.

Preparação, conduta e desfecho do confronto

Figª 19

De modo despojado mas atento, para respeitar o essencial ao entendimento deste

sangrento confronto armado iremos procurar relatar os factos mais significativos.

Na campanha das invasões francesas a Portugal, a proximidade do mar permitiu à força

inglesa um reabastecimento naval adequado, oportuno e fácil, enquanto a força francesa

se esgotava com canseiras e enfermidades, o que poderá ter condicionado o desfecho

dos muitos confrontos armados efectuados no período.

O general francês “Massena” após ter sido detido, a 4 de Março de 1811, em

Linhas de Torres, Portugal, pelas forças anglo-portuguesas comandadas pelo general

inglês Wellington, recuou para Santarém e de imediato deu início à preparação da

viagem de retorno a Espanha por “Ciudad Rodrigo”. Passados 5 dias da morte do

general espanhol `Rafael Menacho´ no comando da defesa de Badajoz, os franceses

conquistaram finalmente a praça que tinha procurado resistir à crescente pressão

francesa vinda de Sevilha.

As forças aliadas que vieram cercar Badajoz, tiveram conhecimento na noite de

12 de Maio de 1811, que o marechal francês “Soult” à frente de um poderoso exército

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se encontrava na altura em “Lerena” e que avançava pelo caminho de “Guadalcanal,”

para ir socorrer a guarnição francesa cercada em Badajoz.

Parte do quarto corpo da força francesa, vinda de Córdoba, comandada pelo

general “Godinet,” sedeada em Constantina, reunira-se em “Fuente de Cantos”com a

cavalaria de “Latour-Maubourg” e recolhido a força do general “Maranzon,” que

vigiava a movimentação do general espanhol “Bellesteros.” O exército de “Soult,” em

vez de se dirigir directamente para Badajoz, ao perseguir “Penne-Villemur” (cavalaria)

desviou-se para a direita e ocupou, a 14 de Maio, “Villafranca de los Barros” e

“Almendralejo”, para no dia seguinte marchar em força para“Villalba”e “Santa Maria.”

O atraso das forças aliadas, providencial para os franceses, permitiu-lhes reunirem-se

em Albuera, pois até à noite de 15 não tinham chegado as tropas de Blake e Bellesteros.

Face à iminência do confronto, os generais das forças aliadas reuniram-se a 13

de Maio em “Valverde de Leganés” para definir o plano de operações. O acordo com

Wellington estabelecia que o comando supremo das forças aliadas devia pertencer ao

general mais graduado e de maior antiguidade, que correspondia ao general espanhol

Castaños, mas este renunciou a esta honra em proveito de quem comandasse o maior

contingente de tropas, que era o general inglês Beresford. Este ao saber na tarde do dia

14, da aproximação da força comandada por Soult, levantou o cerco para o ir esperar, no

dia 15, junto de Albuera, deixando contudo um efectivo reduzido a controlar as saídas e

entradas de Badajoz. Entretanto o general “Castaños” vindo pelo caminho de “Talavera”

chegava a `La Albuera´ com três batalhões.

As forças aliadas tinham supremacia em infantaria, sendo constituídas por

30.000 infantes, dos quais 14.630 eram espanhóis; 3.500 cavalos, dos quais apenas

1.800 intervieram na batalha devido a atraso de 1.700 ingleses e portugueses que só

chegaram ao campo de batalha no dia seguinte. Tinham o apoio da artilharia composta

por 32 peças.

Soult por sua vez dispunha de 20.000 infantes, mais experientes que os do

opositor, 3.200 cavalos e 40 bocas de fogo, dispunham de mais cavalaria e do apoio de

mais peças de artilharia.

As forças oponentes enfrentaram-se em cruenta batalha, a 16 de Maio de 1811,

no campo de batalha de La Albuera, escolhido por “Wellington.”

A reunião dos comandantes aliados ao não ter sido efectuada até à noite de 15,

impediu por falta de tempo, cavar trincheiras, preparar abrigos e levantar obstáculos no

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campo de batalha, situação agravada por os soldados estarem esgotados pelas longas e

duras marchas. Beresford, na madrugada do dia 16, desdobrou e instalou a sua força de

37.000 homens, dos quais 10.000 eram portugueses e 10.000 ingleses, nas linhas de

alturas, que de La Albuera se estendiam para sul, separadas pelas ribeiras de

“Valdesevilha” e “Chicapierna”, de onde dominavam o caminho que vinha de Sevilha,

que lhes ficava em frente.

O dispositivo das forças do exército aliado tinha a ala esquerda e o centro à

rectaguarda da povoação e a ala direita, que começava na ribeira de `La Albuera´,

continuava por “las Viñas”, “Somada”, estendendo-se até ao casario de la Gragera, local

que desde então ficou conhecido por “las Baterias”, devido à instalação das peças de

artilharia no local, orientadas para “Capela”.

A intenção de “Beresford” era atacar as forças francesas quando tentassem

apoderar-se de duas pontes, uma perto da aldeia, junto da junção dos cursos de água

Chicapierna, “Nogales”e outra mais a sul. A ordem de ataque, dada em momento

oportuno, para a sua cavalaria se lançar do alto das elevações onde estava reunida e ir

desbaratar o grosso do exército francês nas colinas “Prado”e “Dehesa”, durante a

transposição para chegar à aldeia. Tinha previsto também uma possível retirada por

“Valverde de Leganés” com destino a Portugal. Era o momento das forças oponentes se

enfrentarem em cruenta batalha.

Soult, para dificultar a reunião do exército aliado, procurou chegar a tempo de

evitar que a força vinda do sul, comandada por “Blake,” que se deslocava em itinerário

paralelo ao eixo da sua força, pudesse juntar-se ao resto da força aliada, interceptando-a

entre “Almendral” e La Albuera. Ordenou, para isso, ao general “Godinot” que da

actual estrada de Sevilha, fingisse atacar La Albuera com a sua brigada reforçada com

cinco esquadrões de cavalaria.

Ele próprio procurou aproveitar a oportunidade para comandar pessoalmente a maior

parte da sua força num ataque oblíquo do sul para surpreender o dispositivo imaginado

e comandado por Beresfort. Refira-se que a cavalaria francesa ao atacar o flanco aliado,

cortava em Valverde a retirada das forças aliadas para Portugal, podendo empurra-las

depois até Badajoz.

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Figª 20

Beresford, próximo da povoação de La Albuera, escolheu posições na linha de

alturas que se estende no sentido norte-sul, a oriente do curso de água Albuera, instalou

as unidades mais adiantadas (1º escalão) a sul, a reserva um pouco a norte do povoado e

esperou os franceses.

Por diversas vezes, assim como Castaños, mudou a posição das unidades da

frente para poderem deter com vantagem o ataque francês.

Soult, comandava menos gente, mas dispunha de tropa mais experimentada e

aguerrida, além de supremacia em cavalaria e artilharia. Durante a longa batalha de sete

horas, as forças francesas, após um ataque de diversão à ponte que atravessa o rio

Albuera, por três vezes atacaram de frente para logo num movimento torneante

ameaçarem o flanco direito do dispositivo aliado, ocupado por forças espanholas.

A madrugada de 16 de Maio de 1811 nasceu radiosa, mas cedo começaram a

formar-se espessas nuvens que pronunciavam chuva eminente. Os homens depois de

uma noite intranquila de grande desconforto, levantaram-se rígidos, gelados e comeram

apressadamente o pouco que traziam com eles.

O ataque francês, a norte, teve início cerca das oito horas em direcção à ponte do

rio Albuera, que deu o nome à povoação mais próxima. Foi apenas um ataque

secundário, manobra de diversão do ataque principal, desferido a partir de um outeiro

arborizado à rectaguarda do qual 15.000 soldados franceses se tinham reunido

silenciosamente durante a noite. A finta deu resultado no início porque desviou a

atenção do comandante do exército aliado, do local onde a cavalaria francesa, reforçada

com lanceiros polacos e caçadores franceses, descia de um outeiro arborizado para ir

atacar as posições aliadas, enquanto a infantaria francesa subia a encosta dos morros

para atacar o flanco direito do dispositivo aliado guarnecido com forças espanholas.

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As forças aliadas aguentaram com firmeza o ataque inimigo e preparam-se de

imediato, rodando, para enfrentar o ataque principal francês, frontal, que atacava em

colunas, experimentada formação habitual, precedido de atiradores que procuravam

enfraquecer o dispositivo defensivo do adversário instalado.

A primeira fila da coluna francesa constituída por tamborileiros, marcava com

força e firmeza a cadência de marcha da infantaria azul, que com as compridas

baionetas desembainhadas e bandeiras ao vento, gritava a plenos pulmões “viva o

imperador” para amedrontar o adversário.

A força espanhola, apesar de sujeita a intenso fogo de artilharia (metralha,

granadas de obus, bombas, etc.) e aos tiros certeiros da infantaria francesa de apoio,

deteve o atacante. Sofreu contudo baixas significativas, designadamente de dois

batalhões Irlanda e duas divisões da guarda civil, que espelham o heroísmo do seu

desempenho. Caídos no cumprimento da missão sem terem cedido um palmo de terra,

em renhida luta que durou cerca de uma hora, sofreram cerca de 30% de baixas (615

mortos, 2026 feridos), manteve-se firme nas suas posições e deteve o avanço do ataque

francês. A brigada inglesa do general “Steward,” para suster a infantaria francesa,

avançou rapidamente por um vale pouco profundo, subiu as encostas e foi instalar-se

nas cristas das elevações, face ao ataque francês.

Entretanto a chuva que tinha começado cedo rapidamente se transformou em

bátegas fortes e contínuas, que fria nortada transformava em granizo, empapou e

inutilizou a quase totalidade dos cartuchos, afectando seriamente a operacionalidade da

brigada. Pouco depois ouviu-se um estrondo, provocado pelas patas de centenas de

cavalos que impetuosamente atacavam à carga, que parecia vir de dentro da terra que

aterrorizou os soldados de infantaria, sobretudo os que estavam isolados. Entre a névoa

surgiam fantasmagoricamente os temíveis lanceiros seguidos dos caçadores franceses

que atacaram sem quartel a força inglesa, desnorteada pela confusão provocada pela

tormenta e impedida de disparar por ter os cartuchos molhados. Em poucos minutos

foram mortos 1200 combatentes do exército aliado e aniquilados três Regimentos.

Os atacantes voltaram depois a sua atenção para a rectaguarda espanhola e em

pequenos grupos dirigiram-se para a povoação onde um dos cavaleiros enfrentou o

general Beresford que saiu vencedor do confronto.

Os espanhóis, no cimo dos morros, resistiam com dificuldade, onde o tiroteio

continuava intenso. Apesar de sofrerem pesadas baixas continuavam a opor-se

tenazmente a numeroso grupo atacante de cerca de 8.000 franceses. Entretanto três

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batalhões ingleses avançaram rapidamente para garantir a posse da posição e socorrer as

forças espanholas que tinham perdido cerca de 30% dos seus 2.000 homens.

Os ingleses, avançando em colunas de três faziam repetidas descargas sobre a

cavalaria francesa e polaca. Foram contudo duramente castigados porque dispostos

numa linha de 1.900 homens, formados a dois, fizeram frente a cerca de 8.000 franceses

e apesar de sofrerem elevado número de baixas também não recuaram um palmo de

terreno. A luta no cimo dos outeiros atingiu tal intensidade, que os ribeiros engrossados

pela chuva que caía com abundância, tingiram-se de vermelho com o sangue derramado

na luta. O momento, de grande indecisão e desespero, levou o general inglês Beresford

a mandar recuar o seu exército, c a oportuna entrada em combate da 4ª divisão, em

reserva, permitiu que 5.000 soldados da infantaria inglesa e portuguesa, apoiados por

artilharia amiga, atravessassem o vale para irem impetuosamente atacar o inimigo, com

a coragem que o desespero dá, para protegerem os flancos da cavalaria inglesa e

espanhola.

A reserva francesa procurou, inutilmente, deter a arrancada aliada e continuar a

luta com a participação da esgotada e desorientada multidão das forças napoleónicas

dispersas, mas os seus esforços só aumentavam a confusão.

Dos 5.000 soldados da reserva aliada, empenhada no início do ataque, apenas

1.800 chegaram ilesos à colina conquistada, donde instalados disparavam contínuas e

certeiras descargas mortais sobre os pelotões franceses que por não terem espaço

suficiente para ali se defenderem tiveram que retirar para outras posições.

Debaixo de contínua chuva forte, a batalha terminou sete horas depois de ter

começado e os soldados dos exércitos antagonistas de tão exaustos caíram e dormiram

no local onde se encontravam. Os confrontos continuaram por mais dois dias e

“Beresford,” em face das baixas sofridas, ainda temeu a eventualidade de novo ataque

francês, até à chegada do reforço de nova brigada inglesa.

Soult, em 18 de Maio, a coberto da noite retirou pelas colinas com o seu exército

para sul, em direcção a Solana de los Barros e Almendralejo. Abandonou sem remorso

visivel, 2.000 mortos e mais de 4.000 feridos no campo de batalha ao cuidado das forças

aliadas, que terminado o confronto os levaram para a povoação de Valverde, onde

foram tratados de ferimentos horríveis.

O resumo dos efectivos das forças em confronto e as respectivas baixas ilustra a

magnitude da batalha que ficou na história como uma das mais sangrentas desta época.

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As forças aliadas comandadas por Beresford com um efectivo de cerca de

30.000 homens, sofreram cerca de 14.000 baixas das quais 4.159 inglesas, 1.368

espanholas e 389 portuguesas.

O exército francês comandado por Soult formado por 25.000 soldados veteranos

de outras batalhas sofreu cerca de 8.000 baixas (CIENFUEGOS).

4.1. O Centro de interpretação de La Albuera. Apropriação e revitalização

da memória.

Em várias visitas verificámos que o projecto foi progressivamente implementado

com sensibilidade, atenção e respeito pela veracidade histórica, adequados ao campo de

batalha e à história local.

É sensato, eficiente, economicamente viável e procura contemplar as várias

vertentes expressas por Freeman Tilden (La interpretacion de nuestro património) no

seu conceito de centro de interpretação, que salientamos algumas:

- Definição dum espaço, comprovadamente considerado por todos como património

comum;

- Contribuição significativa para personalizar o tecido social local, impulsionar o seu

bem-estar social e económico, de modo auto-sustentado, pela criação de micro empresas

que proporcionam mais serviço e mais emprego.

A apropriação e revitalização de memória em Albuera foram construídas de

modo progressivo e cuidadosamente organizado, dando oportunidade a todos os factores

intervenientes, num trabalho duro mas apaixonado da recuperação da memória na

realidade histórica do passado local e regional, que liga os três tipos de tempo, que

iremos referir:

- O antigo museu da batalha de La Albuera foi substituído por um moderno centro de

interpretação, adaptado à edificação existente, espaço que criou muitas expectativas e

com grande simbolismo, em torno do qual se foi organizando o projecto que procura

definir o antes e depois, numa feliz aliança da função pedagógica com o entretenimento

para conseguir uma transmissão de saberes apelativa e participada.

- Apresenta painéis informativos, de grande qualidade estética e grande rigor histórico,

que partilham a história do séc. XIX nas diferentes vertentes (politica, sociológica e

sobretudo humana, local e regional).

- Uma maqueta de dimensões generosas, ponto alto da visita, ilustra com pormenor o

terreno e esclarece a actuação das forças que se enfrentaram junto da aldeia. Utiliza na

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apresentação meios audio-visuais, simples e fiáveis, de operar e conservar. Projecta

vídeos adequadamente sonorizados, proporcionando imagens esclarecedoras e

oportunas que ajudam a entender o decorrer da batalha e manifestam os sentimentos dos

homens e mulheres que sofreram na própria carne os horrores da guerra.

- Várias vitrinas salientam a memória do passado com o testemunho mudo do

sofrimento dos que viviam e transitaram por La Albuera.

A diferença entre o anterior conceito museológico (estático) e o actual centro de

interpretação é significativa pois a dinâmica que este criou numa renovada actividade

entusiástica e apaixonada, transformou-o num museu vivo pela participação voluntária

de residentes locais e das aldeias em redor.

O terreno onde se travou a batalha de “La Albuera,” que ficou na história pela

crueldade e derramamento de sangue, foi considerado e tratado como elemento

precioso, de mais valia, que dá autenticidade a todo o resto, pois o cerne da verdade

acontecida é o terreno onde se deu o confronto. O campo de batalha, bem sinalizado nos

locais onde ocorreram as actividades mais salientes, (“Ponton del rio

Albuera”;”Memorial en el cerro de las baterias”, “obelisco mirador de las baterias” e

“Obelisco en el parque Wellington”) é um elemento precioso onde os alunos orientados

pelos professores põem em prática a teoria, estabelecem diálogo e reflectem acerca do

passado comum.

A visita ajuda os visitantes a ler e a entender a importância do terreno, ao

passear nos circuitos estabelecidos, percorridos em seu tempo pelas forças

intervenientes no confronto, que os mestres aproveitam para visitar e apresentar em aula

sobre a natureza circundante, chamando a atenção para o movimentado do terreno, à

flora e fauna que vão encontrando.

O calendário ao longo do ano, vai accionando variadas manifestações culturais,

preparadas antecipadamente com muito entusiasmo, por todo os intervenientes. O ponto

alto é o dia da celebração do aniversário da batalha, 16 de Maio.

O evento ganha força pela participação comunitária nos actos institucionais sublinhada

pela participação de representantes, militares ou diplomatas, dos países que participam

no confronto. Representações de vários países (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra,

Polónia e Portugal) içam as respectivas bandeiras nacionais e pronunciam palavras

relativas ao acto numa praça emoldurada com muitos populares locais e vizinhos.

Assiste-se depois a um desfile militar pelas ruas principais das unidades

sucessoras das que tomaram parte na batalha e do povo residente que se manifesta

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alegremente na rua em ranchos folclóricos de cantares e danças. As outras ruas, num

espectáculo de luz, cor e alegria são utilizadas como locais de convívio com feiras de

lembranças, manifestações culturais, restaurantes e diversão.

A recreação histórica da batalha de La Albuera, vem a seguir, com a participação

de muitos populares, fardados, ataviados e armados, conforme os regimentos da época,

que procuram recriar os momentos mais decisivos do confronto. Na noite do dia

seguinte é apresentada uma peça de teatro, espectáculo mágico de luz e som, que

rememora o passado atroz do povoado rural que involuntariamente o destino converteu

em vítima da história. O espectáculo procura apresentar este povoado como palco de

algo mais universal, a Europa do século XIX em guerra, traída e vendida pela ambição

desmedida de Napoleão. Ao som do rufo de tambores quatro cavaleiros fazem a entrada

em cena em representação do apocalipse (a fome, a peste, a guerra e a morte). A

mensagem transmitida procura concluir que tudo pode morrer menos a esperança, que a

guerra não é a solução de dificuldades de convivência entre os povos. O espectáculo,

pela sua natureza identifica-se totalmente com os residentes da zona, constituindo um

fecho inolvidável que dignifica, apaixona e comove quem assiste.

6. Reflexões comparativas

Vários documentos oficiais permitiram-nos orientar, com serenidade e firmeza,

numa perspectiva de inclusão, a reflexão que pretendemos realizar acerca do modo

como foram considerados e realizados os conceitos museológicos antes apresentados, na

esperança talvez um pouco ingénua de poderemos ajudar na melhoria do que foi feito ou

a considerar em futuros projectos. Como exemplo referiremos:

- Certidão notarial da constituição de Fundação Batalha de Aljubarrota, de 15 de Março

de 2002, alterada em 23 de Outubro de 2002 no mesmo 17.º cartório notarial de Lisboa

que considera a Fundação Batalha de Aljubarrota:

- [Artigo Primeiro] “…uma instituição particular, sem fins lucrativos…”,

- [Artigo Terceiro] “… tem por fim promover, requalificar e preservar, do ponto de vista

patrimonial, cultural e social, o campo militar onde decorreu a batalha de Aljubarrota,

no século XIV, procurando reconstruir, em Museu aberto, o campo e as circunstâncias

em que decorreu a batalha, com o objectivo de divulgar aos portugueses e aos turistas

que nos visitam aquele importante acontecimento da história de Portugal “,

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- [Artigo Quarto 2] “…Os imóveis adquiridos pela Fundação… e apenas

poderão ser utilizados com o fim de reconstruir as condições naturais e paisagísticas

existentes no local em 14 de Agosto de 1385…”.

O programa-base do Centro Interpretativo do Campo da Batalha de Aljubarrota

(Versão 2 do programa base, Setembro de 2002) considera:

- “reformulação e actualização dos conteúdos do Museu Militar de Aljubarrota”(págª4).

- “…o sistema de quadriculagem do terreno, as técnicas de decapagem e a forma como

os arqueólogos encontram hoje as covas de lobo…Núcleo de arqueologia” (pág. 19).

- “Conservação das Covas de Lobo 3.8.3” (pág.ª27);

- Protocolo de cooperação para a remodelação e ampliação do museu militar de S. Jorge

e sua transformação em centro de interpretação da batalha de Aljubarrota, de 14 de

Agosto de 2003, que considera a “disponibilidade da Fundação Batalha de Aljubarrota

para contribuir para a valorização do Museu Militar”. (6; pág.ª2);

Nos primeiros contactos muito antes de começar a implementação oficial do

projecto deve-se referir que o início foi injustificadamente turbulento, pouco adequado à

convivência e ao entendimento, simples e directo, dos residentes na aldeia.

Deu-se início, sem explicação ou apresentação, prévias, a aquisições sem critério

visível, de habitações dispersas, a preços por vezes acima dos praticados no mercado

local, entremeadas por decisões a anular compromissos assumidos pouco tempo antes.

Foi criada, sem necessidade, uma situação de suspeição e mau estar, pouco clara, que os

habitantes não entenderem e consideraram lesiva dos seus legítimos interesses, quando

não viam correspondidas as expectativas que entretanto lhes haviam sido criadas,

sentindo-se assim prejudicados sem razão.

Reagiram opondo-se desde logo à implantação do projecto, criando um relacionamento

difícil, agressivo, marcado por frequentes atitudes de afrontamento entre o elemento da

Fundação Batalha de Aljubarrota, face aos órgãos autárquicos e residentes, que

chegaram a motivar tentativas de confronto físico por parte destes últimos ao elemento

da fundação.

A situação, ignorada pelo causador, foi agravada pelo seu comportamento distraído, que

revelava desatenção pela opinião alheia local, assim como algum desconhecimento de

aspectos relevantes da conduta e desfecho da batalha, que segundo a opinião de muitos,

levaram a exigências incomportáveis e insensatas em termos de espaço.

A situação, claramente inamistosa, levou o representante distrital do Governo e

ministros em visita a S. Jorge a aconselharem a pratica de um comportamento de

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sensatez e bom senso nas exigências apresentadas, face ao justificado interesse dos

habitantes, residentes no local há gerações.

O património herdado, material e imaterial, pouco considerado ou simplesmente

esquecido, parece ter sido olhado como coisa velha de pouco interesse, particularmente

o terreno, património de importância indiscutível, particularmente o terreno do

confronto armado e envolventes, conforme tentaremos demonstrar:

- O campo de batalha, não foi considerado nos devidos parâmetros (topográfico,

histórico, militar, social), assim como foi omissa a área circundante, com particular

desatenção pelas vias ou caminhos que condicionaram (antes, durante e depois do

confronto) o desempenho das forças antagonistas e que seguramente poderiam constituir

importantes percursos pedagógicos:

- Caminho de aproximação da força castelhana, pela estrada velha, de Leiria a S. Jorge

com bivaque nas imediações de Machados ou Colmeias - onde recebeu o reforço vindo

de Torres Vedras, Alenquer, Óbidos, esquadra no Tejo - Jardoeira, Carqueijal, Chão da

Feira. Consideramos interessante a utilização motorizada deste percurso, devidamente

balizado, a partir de Maçados ou Colmeias, até S. Jorge;

- Estrada real de Alcobaça a Leiria, cujo troço local corre na direcção sul-norte, ao

longo do interior da aldeia de S. Jorge, adequada para mostrar o avanço e dispositivo

das forças castelhanas na parte final do ataque à posição defensiva portuguesa virada a

sul.

A utilização adequada desta via teria a enorme vantagem de criar um sentimento de

pertença a residentes, levando à participação de toda a aldeia como palco privilegiado

nas cerimónias de evocação da batalha.

A actividade comemorativa poderia ser facilmente concretizada através da implantação

de um circuito de visita, apresentado atempadamente à Fundação Batalha de

Aljubarrota, conforme à movimentação dos participantes na batalha e registada em

documentos históricos.

Poderia reunir S. Jorge e Batalha na celebração do evento, assinalava em local próprio a

posição das várias forças do dispositivo ofensivo castelhano e do dispositivo defensivo

português;

- Caminho de D. Nuno, etapa Tomar - Porto de Mós, utilizado pela força portuguesa na

sua deslocação por Seissa, Ourém, Atouguia das Cabras (arraial), Cova da Iria, Moita

do Martinho, Portela das cruzes, Demó, Boisseiros, S. Mamede e Alqueidão para

“tolher o passo” à força invasora em terreno conveniente, antecipadamente escolhido.

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- Etapa do reconhecimento de D. Nuno, (Porto de Mós a Porto da Cevada) para os lados

de Leiria, ao longo do rio Lena, da Ponte do Cavaleiro (romana) passando à frente da

igreja das Brancas, Freiria, rodar para a esquerda e subir a encosta até ao cabeço da

Ponte da Cevada.

A natureza do percurso justifica e reforça a parceria da autarquia de Porto de Mós com a

autarquia da Batalha na sensibilização das respectivas juventudes escolares acerca do

passado histórico local;

- Caminho dos cavaleiros beirões atrasados:

Chegados a Porto de Mós procuraram sem tardança apresentarem-se a D. João I,

que entretanto tinha partido com as suas forças para o local escolhido para afrontar o

exército invasor.

Conhecido o caminho para encontrarem o rei de Portugal, desceram ao rio Lena que

transpuseram na Ponte do Cavaleiro, subiram a encosta até Tojal e passaram a montante

da Fonte de Vales, injustificadamente ignorada pela Fundação Batalha de Aljubarrota,

quando foi citada por Fernão Lopes (capítulo XXXIX) ao referir o percurso dos beirões

retardatários saídos de Porto de Mós ao encontro de D. João I que se encontrava na

Serrada da Bispa a comandar a vanguarda.

O episódio merece reflexão atenta pois poderá induzir que D. Nuno face à fortaleza da

1ª posição, Porto da Cevada, (virada a norte) de abordagem muito difícil para Castela,

teria antecipadamente previsto e preparado uma posição de alternativa em S. Jorge com

a implantação de elevado número de obstáculos artificiais a sul da 2º posição, possível

com a ajuda da gente enviada pelo alcaide de Alcobaça, conforme dá a entender Fernão

Lopes (capítulo XLV) e precisada por Frei Manoel dos Santos.

(Alcobaça Ilustrada, p.213).

A consideração do facto talvez explique a execução das numerosas “escavações”

relacionadas com a batalha de Aljubarrota, localizadas junto do dispositivo português

virado a sul, que têm sido objecto de opiniões diferentes de inúmeros historiadores.

A implantação de obstáculos artificiais não foi tida em conta, (fossos, valas,

covas de lobo) em reforço dos naturais, que em conjunto condicionaram fortemente o

desfecho do confronto armado. Continuam ignorados, muitos por descobrir, quase todos

por conservar, preparar museologicamente para mostrar a visitantes e esclarecer as

gerações vindouras da importância do desempenho que tiveram no confronto, malgrado

o aviso de Afonso de Paço, Helena Catarina, João Gouveia Monteiro e do recente

parecer (19 de Julho de 2002) do arqueólogo Luís F. de Oliveira Fontes, que referiam a

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necessidade de prosseguirem os trabalhos de prospecção a poente da ermida de S. Jorge.

(Aljubarrota Revisitada)

A ermida de S. Jorge está classificada como Monumento Nacional (Decreto de

16 de Junho de 1910). O Estado ciente desta qualidade tem procurado proteger com um

perímetro de protecção publicado por Portaria em 1954 (Diário do Governo, n.º170, 2.º

Série, 21 de Julho de 1954).

Para garantir maior segurança o perímetro tem sido sucessivamente alargado

pelas portarias de 1961 (Diário do Governo, 2.ª Série, n.º111, de 10 de Maio) e 1977

(Diário da República, n.º708/77, de 17 de Novembro);

Verificaram-se também outros lapsos de difícil explicação que temos de referir:

- A não consideração do cruzeiro implantado próximo no centro do campo de batalha,

ao lado da estrada, que assinala o momento em que o desfecho da batalha esteve por um

fio, do lado de Castela, quando D. João I ajoelhou por força do golpe desferido pelo

cavaleiro castelhano Sandoval salvo “in extremis”, pelo valoroso cavaleiro português

Martim Gonçalves de Macedo, sepultado no interior do mosteiro de Alcobaça à entrada

da capela do Fundador, em paga de tão valente acção. O episódio definiu para sempre a

sorte da batalha e estranha-se o seu apagamento na memória colectiva.

O esquecimento da “cova” localizada a cerca de 30m a sul da ermida, onde se

encontravam enterrados 2.874 ossos, correspondentes a 414 combatentes mortos na

batalha, situada a cerca de três dezenas de metros a sul da ermida, certamente para

ficarem em chão sagrado deste templo. Estes guerreiros desconhecidos “caídos no

campo da honra”, eram em passado recente evocados pelos ínculas, em cerimónia

singela mas significante, que desconhecia nacionalidades e animosidades antigas. Em

tempos ainda recentes, no dia das comemorações do aniversário da batalha de

Aljubarrota, no “14 de Agosto”, os habitantes em sentida cerimónia piedosa, iam

depositar flores no local onde estiveram sepultados.

O evento, significativo, foi ignorado, apesar da importância da memória

histórica que evoca. Além de assegurar o envolvimento dos residentes na celebração de

acontecimentos do passado colectivo, neste caso sobretudo local, dá-lhes um sentido de

pertença que os nobilitaria os naturais, levando-os a associarem-se com entusiasmo à

recuperação histórica de S. Jorge e seu resguardo.

Todos ganharíamos com a recuperação romanceada do evento que ficaria mais

próximo do entendimento sentimental de residentes, conforme acertadamente refere

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Herculano “o novelleiro pode ser mais verídico que o historiador” (Panorama, n.º120,

1840)

- A substituição no terreiro frontal à ermida, do empedrado em calçada à portuguesa

adornado com o plantio de oliveiras, por relva pouco cuidada, não trouxe nada de novo

e empobreceu imerecidamente o local. A ermida de S. Jorge pela sua importância

histórica merece um tratamento diferenciado, para melhor, pois é ela que sustenta a

efeméride da batalha Real e define certezas pouco usuais neste tipo de actividades.

A Fundação Batalha de Aljubarrota, para esclarecer a situação que estava um

pouco conturbada, realizou no edifício camarário, em Maio de 2006, uma apresentação

do seu projecto para S. Jorge, a alguns elementos autárquicos, que constava de 4 pontos:

- Em III propunha-se desenvolver em S. Jorge algumas iniciativas, em parceria com

aquela entidade, designadamente a redefinição das duas vias rodoviárias que

atravessavam o campo militar de S. Jorge no sentido Este-Oeste (uma de natureza

camarária, que saía da antiga estrada nacional n.º1, passava junto da fonte dos Vales,

seguindo para Tojal e outra, rural, em desuso). Procurava, acertadamente, individualizar

o campo onde ocorrera a batalha Real, para realizar uma recuperação global

(paisagística, histórica, arqueológica) que permitiria um melhor entendimento,

multidisciplinar, do confronto. Contudo este propósito foi injustificadamente

abandonado, ficando o campo segmentado. Foi pena!

- Caminhos a considerar, relacionados com a batalha de Aljubarrota, que deveriam ser

devidamente assinalados de modo a constituírem esclarecedores percursos históricos

realizados por viatura ou a pé, que também ficaram esquecidos:

Percurso da invasão castelhana ( parte final): Leiria; Santo Antão; Calvarias e S.

Jorge;

Caminho de D. Nuno (I etapa): Tomar; Carregueiros; Chão de maçãs;

Sabacheira; Seiça; Ourém; Atouguia (das cabras); subida pela estrada de Vales de

Fátima; Cova da Iria; S. Mamede; Moita do Martinho; Portela das Cruzes; Demó;

Boiçeiros; (calçada romana); Alqueidão da Serra e Porto de Mós;

Caminho de D. Nuno (II etapa): Porto de Mós; (vale do rio Lena): Brancas;

Catraia das Brancas; Mourato; Adrões; Porto da Cevada;

Caminho dos beirões retardatários de Porto de Mós a Serrada da Bispa: descida

para o rio, transposição do rio Lena pela ponte do Cavaleiro; Castanheiro; Tojal de

Cima; Tojal de Baixo; Fonte dos Vales (a montante); Serrada da Bispa;

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Caminho da fuga do rei de Castela de S. Jorge a Santarém: pela estrada medieval

por Pedreiras; Casal Boieiro; Molianos; capela do Vale de Ventos; Mendiga; Alcanede;

Cabeça Gorda; Romeira e Santarém;

- Levantamento da marcação das posições defensivas portuguesas (vanguarda, alas,

reguarda) e de parte da organização defensiva luso-inglesa dos fossos em redor da

ermida de S. Jorge dificulta a leitura do terreno, a visualização espacial do desenrolar do

confronto (distâncias tácticas, alcances das armas utilizadas) e por consequência o

entendimento do confronto armado qe ali teve lugar.

A alteração não considerou o compromisso assumido de transmitir a gerações mais

novas a passagem explicada do testemunho histórico e aparentemente não respeitou o

trabalho de eminentes historiadores e arqueólogos.

- O terreno da instalação do trem ou da carriagem portuguesa, a norte, que também teve

desempenho saliente na batalha aquando do ataque à rectaguarda das forças portuguesas

pela força comandada pelo Mestre de Alcântara, também não foi considerado. Foi

construído no local um parque de merendas e engenhos medievais, divorciado da

realidade histórica, decorado com algumas réplicas, discutíveis, de armas e mecanismos

bélicos e sem relação com o confronto.

- A escavação exposta no interior do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota,

por datar e explicar, oficiosamente considerada como posição defensiva portuguesa

utilizada na batalha de Aljubarrota., causa perplexidade pela falta de sustentabilidade

bélico-histórica.

Recorda-se que num confronto bélico os obstáculos são em regra construídos dentro do

alcance das armas do defensor para canalizar ou retardar o deslocamento do atacante de

modo a possibilitar o maior número de baixas e impedir ou dificultar a melhor

abordagem ao objectivo a conquistar. D. Nuno na batalha Real instalou o seu posto de

comando no cimo de pequena elevação que lhe permitia o controlo táctico do terreno

para sul. Em 1965 após terminadas as obras de restauro da ermida, iniciadas em 1940, a

Comissão de História Militar deu inicio a estudos relativos à batalha de Aljubarrota,

pondo a descoberto os “fossos” e “covas de lobo” que seriam coevas do confronto. A

descoberta, como sabemos, levou à reserva destes terrenos para estudos e trabalhos de

investigação da referida comissão. Para salvaguardar o património arqueológico

enterrado, a cuidar posteriormente, a comissão militar propôs a seu tempo criar a

esplanada planeada com o depósito de terras até ao nível da cota mais alta.

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A Fundação Batalha de Aljubarrota parece ter abandonado a promessa pública

de realizar os trabalhos arqueológicos necessários ao esclarecimento da batalha de

Aljubarrota pelo retorno do terreno ao aspecto que teria durante a batalha. O trabalho

seria realizado numa ambiciosa campanha arqueológica, que entretanto ficou

inexplicavelmente por realizar. Esqueceu-se a dimensão histórica, incontornável, do

campo onde se travou a batalha de Aljubarrota e que devido à ermida de S. Jorge, é um

dos poucos campos de batalha medievais onde é possível casar o conhecimento exacto

do sítio do confronto com as marcas materiais relacionadas com ele, que felizmente a

arqueologia tem vindo a revelar. A decisão é insensata porque no início do projecto a

vertente arqueológica era considerada estruturante pela evidente importância do terreno

na explicação do confronto.

É oportuno sublinhar que a importância histórica do projecto reside no terreno e

não no edifício de tamanho faraónico mandado construir. Deu-se assim por terminado o

magnifico e necessário projecto arqueológico previsto no início, ficando por esclarecer

muitas das dúvidas que ainda apoquentam historiadores e arqueólogos.

- O deslocamento, desnecessário e inexplicável, do baixo-relevo de Abel Xavier,

que procurava evocar no local onde teria ocorrido, o momento mais difícil e decisivo

para as forças portuguesas que combatiam na batalha de Aljubarrota, aquando da rotura

do dispositivo defensivo luso-inglês por forças que combatiam por Castela, seguido de

imediato “restabelecimento da frente”. Fazia a ligação espacial entre a ermida de S.

Jorge - outeiro onde D. Nuno arvorara a sua bandeira e instalara o posto de comando –

com a reguarda de D. João I. Foi deportado para outro lugar, apagado e sem história,

escondido pelo enorme edifício do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota.

O local, central do campo da batalha, era naturalmente aproveitado por

professores para reunir e sentar os alunos nos degraus da base do monumento, para

explicar do modo mais fácil e compreensível o que ali tinha acontecido. Fica deste

modo difícil de atingir o compromisso público assumido de estudar, dignificar, defender

e transmitir a vindouros esta memória tão significativa quão importante da memória

nacional.

-A apresentação do conteúdo museológico é exígua pois não considerou factores

indispensáveis ao entendimento completo do acontecimento que foi a batalha de

Aljubarrota, designadamente a caracterização da Baixa Idade Média, a crise de 1383-

1385, a batalha de Aljubarrota (preparação, conduta das forças antagonistas, desfecho) e

consequências da vitória

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- O espectáculo audiovisual apresentado manifesta evidente qualidade artística, mas

peca pela aparente preocupação de apenas recrear, alheio a preocupações didácticas e

sobretudo à verdade histórica, pois parecem faltar objectivos bem definidos.

Apresenta uma “realidade artificial”, descontextualizada, em muitos aspectos diferente

do que aconteceu nos campos de S. Jorge a 14 de Agosto de 1385, porque não teve em

conta o respeito pela memória do património material e imaterial expresso no registo

escrito de cronistas, historiadores e da recordação oral do povo anónimo. A

apresentação não tem, aparentemente, um projecto expositivo apelativo e concertado,

pois parece não sido adequadamente complementada com o antes - panorama social e

politico da Europa e Portugal de então - e o depois – marcado pelos horizontes rasgados

virados ao futuro pela vitória em S. Jorge, patentes no mosteiro de Nossa Senhora da

Vitória na Batalha, que ficaram por utilizar neste novo equipamento.

A evocação e a explicação deste acontecimento tão significativo, constituem

compromissos prioritários e incontornáveis, assumidos face a gerações mais novas de

uma batalha tão importantes para a Nação portuguesa mereciam, em nosso modesto

entender, ser tratadas mais assumidamente com respeito e sobretudo verdade, pois foi

um assunto de vida e morte, que teve consequências determinantes no colectivo

nacional e planetário.

Julgamos que o entendimento do confronto passa pelo conhecimento directo do terreno

e da vivência possível das condições físicas experimentadas na altura, designadamente o

desconforto das condições meteorológicas, a sede, o peso do armamento, etc.

Consideramos negativa a utilização de artifício excessivo, por ser distante da realidade,

retirar autenticidade e provocar ruído que dificulta a descodificação da mensagem que

se pretende transmitir.

Temos pena que o tecido social local (memória imaterial) não tenha sido

auscultado, pois o povo anónimo, na sua singeleza e sabedoria, continua a ser um agente

insubstituível na perenidade da memória local, regional e nacional, particularmente

neste acontecimento onde teve um desempenho de capital importância.

Julgamos que o suporte económico também não foi devidamente salvaguardado,

por não se ter considerado o turismo como alavanca da auto-sustentabilidade de

projectos culturais (sobretudo em tempos de crise financeira e de valores) com

consequências no bem-estar, social e económico, de residentes.

O distanciamento encapotado que verificamos existir entre os vários

participantes neste projecto poderá, em nossa opinião, potenciar em caso de

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agravamento, situações de afrontamento difíceis de resolver, que poderão extremar

posições e dar origem a actos de vandalismo no equipamento exposto ou na recusa

surda de não participar em eventos a realizar, além e dificultar uma participação

entusiástica pelos residentes que se sentem excluídos do projecto.

A dádiva generosa e exemplar de António de Sommer Champalimaud merecia,

em nosso entender, utilização atenta na vertente mais patriótica em conformidade com

os objectivos expostos no documento que criou a fundação. A oferta deste ilustre

benemérito possibilitou os capitais necessários e suficientes para concretizar a vontade

expressa na escritura lavrada no décimo sétimo cartório notarial de Lisboa, a 15 de

Março de 2002:

“ promover, requalificar e preservar, do ponto de vista patrimonial, cultural e social, o

campo onde decorreu a Batalha de Aljubarrota, no século XIV, procurando reconstituir,

em Museu aberto, o campo e as circunstâncias em que decorreu a batalha, com o

objectivo de divulgar aos portugueses e aos turistas que nos visitam aquele importante

acontecimento da história de Portugal “ (Artigo Terceiro).

Faltou o procurar saber, o talento de ouvir e a humildade de aprender sem

preconceito com os outros, aparentemente humildes.

Não aconteceu o golpe de asa e a capacidade para realizar a missão com

sensibilidade, imaginação, preocupação didáctica e conceito de bem Servir, que a todos

diz respeito. Conclui-se com desencanto ter sido uma oportunidade perdida, infeliz para

o todo nacional. Pensamos ser ainda tempo de

“ reencontrar o sentido perdido da História, o respeito pelo Futuro, que nos levará a

Novas Descobertas, às Índias espirituais de que Pessoa foi arauto. Mais que o regresso do

Encoberto, importa que volte aquilo que com ele foi a crença num Destino Transparente

Comum, o espírito imperial da Cruzada, uma Ideia Nacional” (TORRES, p.116)

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Capítulo V- PR0P0STAS E CONCLUSÕES

1. Gestão integrada para campos de batalha

Ao abordar o tema proposto julgamos oportuno revisitar conceitos já referidos e

esclarecer alguns pontos.

- O homem e o meio natural

O Homem foi no início considerado como factor alheio ao funcionamento da

natureza e por isso considerado apenas como observador exterior.

A tecnologia científica, mais tarde, veio contrariar esta perspectiva pois tornou evidente

que o Homem pela importância e consequências do seu desempenho, interfere no

funcionamento da Natureza. É um agente influente que desencadeia inúmeros

fenómenos vitais, nem sempre pela melhor razão, devendo por isso ser considerado

elemento integrante e decisivo na cadeia dos fenómenos naturais, na dupla condição de

observador - observado, o que clarifica a sua participação no meio ambiente e o auto

responsabiliza pela sua “performance”.

- O Património. O que é? Para que serve? Como se salvaguarda?

O Património pode ser definido com o conjunto de bens, materiais e imateriais,

que cada geração sente a obrigação moral de salvaguardar e transmitir à que a continua.

É um vector de enorme importância que garante a transmissão do sentimento da

identidade comunitária, particularmente reforçado pela memória e pelo saber fazer. O

seu significado conceptual, mutável com o tempo, vai acrescentando valor ao

sentimento da vivência comunitária. É essencialmente constituído por identidade e

autenticidade, valores em conjunto.

É essencialmente constituído por identidade e autenticidade, valores

fundamentais sempre presentes na consideração do património construído, cuja função

foi amplamente debatida e esclarecida em documentos que procuram regular os modos

de intervir no património, como provam alguns documentos - cartas de Génova (1992);

Gubbio (1960 e 1990); Megaride (1994) e Nara (1999) – entre outros.

Verificámos que o conceito de Património é denso, plurifacetado, exigente num

tratamento cuidado, simultâneo ou faseado, nas suas múltiplas vertentes (culturais,

ecológicas, económicas, etc.).

A resposta a esta realidade complexa poderá ser encontrada numa intervenção

eclética ou “gestão integrada” enquanto sistema adaptado, de suporte, à gestão de uma

diversidade de ferramentas que considera inúmeros factores mutáveis e os faz convergir

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numa boa gestão. Para isso agrega, interliga, trata e complementa as informações

disponíveis.

- O campo de batalha: O que é? Como utilizar? Como se salvaguarda?

O campo de batalha é por norma o espaço físico onde se deu um confronto,

coordenado e decisivo, entre forças antagonistas, normalmente uma no ataque e outra na

defesa, com o objectivo de uma delas obter a retirada da outra e alcançar a vitória. O seu

valor resulta do facto de ser um testemunho material, perene, da identidade que reforça

o património imaterial, a memória comunitária.

Este lugar proporciona uma acção interactiva entre as valências, material e

imaterial, presente ainda hoje e vai sendo enriquecida pela memória social. É pertença

indiscutível do conjunto dos bens que cada geração mais respeita, protege e sente

obrigação moral de transmitir à seguinte na tentativa de estender o evento às três

dimensões do tempo.

Cada campo tem características próprias, naturais e históricas, distintas de

outros, que lhe dão identidade própria e por isso condicionam a sua evocação. Contudo

pode ser integrado em rede com outros da mesma época e objectivo semelhante.

O facto condiciona e proporciona a apresentação de uma proposta de gestão integrada,

individual para cada campo de batalha, que por razões evidentes não poderá ser

universal nem taxativa.

O terreno é considerado um espaço de características muito particulares,

dramático, épico, onde a vida desnudada foi posta face ao próprio aniquilamento, onde

numa explosão de energia muitos defenderam um Ideal à custa da própria vida. É em

essência um lugar de memória, que para ser exponenciado necessita de um programa

sério de apropriação e revitalização da lembrança do passado.

O programa de apresentação, associado ao confronto bélico, deve propiciar o seu

reinvestimento na comunidade, pois a memória não é importante pelo seu conteúdo mas

pela utilização que se faz dela. Deverá haver uma preocupação permanente de respeitar

a verdade conforme aos dados históricos fiáveis complementados por pesquisas e

estudos científicos.

A dimensão da área onde se deu o confronto varia em conformidade com os efectivos

das forças beligerantes e o tipo do armamento utilizado. A definição e sinalização deste

espaço, são mais fáceis nos campos da época medieval por terem dimensão mais

modesta.

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1. Proposta de gestão integrada para campo de batalha

A sugestão que primeiro apresentamos, pelas razões apontadas, deverá ser

generalista e tratar os aspectos considerados comuns à generalidade dos campos onde

foram travados confrontos bélicos, que com parcimónia procuraremos referir:

- No sentido de respeitar a identidade do espaço a reformular, julgamos aconselhável

iniciar o processo com um registo gráfico (desenho, fotografia) ou em vídeo, do campo

a estudar, para servir de testemunho do aspecto anterior;

- O campo de batalha, objecto da proposta, deverá ser tratado com sensibilidade e

sensatez, em escala apropriada, no respeito intransigente da verdade registada - material

e imaterial – tendo em atenção as características do terreno onde se situa, sem prejuízo

da actividade, presente e futura, do agregado social que aí habita e labuta.

Deverá constituir um cenário de lembrança, espaço de cultura, comunhão e

reforço da identidade, a todos os níveis, capaz de evocar e transmitir o acontecimento,

último para muitos combatentes. A sua qualidade estabelecerá naturalmente uma

relação biunívoca, natural, envolvente, entre lugar e memória, de modo a ser entendida

por residentes e visitantes. Será prioritário procurar abranger desde o início, em

parceria, residentes e naturais, para obter uma adesão activa e consciente expressa numa

participação voluntária apelativa, pela implementação de soluções de compromisso

alargadas no tempo que melhorem as características locais pela prosperidade do seu

desempenho económico.

O projecto, auto sustentado, deverá ser trabalhado com respeito, sensatez,

simplicidade, imaginação numa perspectiva que evidencie o importante e esbata o

acessório do acontecimento - para salientar o essencial e elidir o supérfluo - no sentido

de facilitar a descodificação, sobretudo às gerações mais jovens ou menos preparadas.

- No terreno do confronto considerado dever-se-á procurar definir ou salientar a vertente

física, fulcral, que condicionou a conduta e o desfecho da batalha, designadamente os

caminhos, bem sinalizados, visionados de miradouros bem colocados em conformidade

com a conduta das forças oponentes, que tiveram desempenho significativo antes,

durante e depois do confronto. Deverá por isso ser protegido de quaisquer alterações,

designadamente novas edificações.

- O entendimento do desempenho do terreno, factor essencial neste tipo de acção,

poderá ser melhorado pela representação virtual do local no seu tempo. A obtenção

desta “ìmagem virtual” poderá ser conseguida com fiabilidade, economia, rapidez e

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reduzido incómodo para residentes, pelo recurso a adequadas maquetas ou a tecnologia

audiovisual (3D), com provas tão espectaculares dadas no cinema.

Deve ser multidisciplinar, na procura de harmonizar os factores envolvidos,

designadamente a necessidade do projecto paisagístico ser coerente, sistematizado,

aplicar com imaginação e de modo concertado os diversos saberes inter-relacionados

(ecologia, urbanística, arquitectura, técnica de presentação audiovisual, etc.)

2. Outras propostas relativas ao campo onde se travou a batalha de Aljubarrota

Ao referir o campo de S. Jorge vamos considerar a sua localização no centro de

Pais, próximo do mar, para apresentar propostas concretas, conformes ao desenrolar da

batalha, passíveis de servirem de inspiração para outros campos.

- A Associação Empresarial da Região de Leiria caracterizou esta região e apresentou

em parceria com alguns actores sócio-económicos “uma estratégia para o

desenvolvimento do turismo da Região de Leiria”. Considerou:

. O factor praia/mar, no panorama geral, tinha peso excessivo e condicionava o

desempenho de outras potencialidades, que pecam por continuarem a não oferecer

ofertas credíveis, organizadas e apelativas.

. O turismo religioso tem tido desempenho importante a nível local, regional, nacional e

internacional, que se espelha particularmente na Batalha que é visitada por cerca de 1,5

milhão de visitantes e peregrinos por ano.

A canonização do Beato Nuno de Santa Maria, em Roma, a 26 de Abril de 2009, poderá

relançar o interesse público, no distrito de Leiria, em particular na Batalha e em S.

Jorge.

. O Património histórico (mosteiros; castelos; vias romanas e medievais) não tem sido

considerado em conjunto (total ou parcial), de modo interactivo, nem conjugado com

eventos de reposição histórica, enriquecidos com ementas gastronómicas próprias, em

actividades atractivas para as populações, local e estudantil, no desempenho de funções

didácticas e apelativas, à semelhança do realizado em outros municípios.

. A estratégia considerada, designada “colar de pérolas”, pondera sete factores:

Religião; Praia/mar; Desporto; Termas; Ambiente (Parque natural das serras d´ Aire e

Candeeiros); Gastronomia regional; Cultura; Património (mosteiros; igrejas; castelos) e

a realização de eventos históricos/culturais relacionados com o património material e

imaterial da região.

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- As considerações apresentadas não obstaculizam um desejável relacionamento,

frequente e profícuo, com Universidades (nacionais e internacionais). Seria desejável a

constituição de um Centro de História Militar Medieval, que reuniria periodicamente

com medievalistas (nacionais e estrangeiros) e teria contactos frequentes com a

Associação de Professores de História para definir os eventos medievais mais

significativos, a representar a nível regional ou mesmo nacional, (em rotatividade, com

a parceria dos vários municípios intervenientes no confronto histórico) em sintonia com

os programas escolares para tornar a aprendizagem do nosso passado colectivo

participado e apelativo ao universo estudantil.

Face ao exposto, à evidência do património no Concelho de S. Jorge (vias

romana e medieval, ermida de S. Jorge, escavações efectuadas no campo de batalha,

estudos realizados, testemunhos escritos e orais), propomos actividades à escala

concelhia, distrital e nacional, que iremos referir:

A) Roteiro de visita ao campo onde se travou a Batalha Real (Batalha - S. Jorge)

B) Sugestão turística no espaço rural de S. Jorge para evitar a desertificação local.

C) Itinerários que podem ter condicionado a conduta e desfecho da Batalha Real.

D) Rede de campo de batalha, percurso cultural do período da independência (1383-

1385).

E) Templos votivos mandados erigir ou reconstruir por D. Nuno (percurso cultural).

A) Roteiro de visita ao campo onde se travou a Batalha Real (Batalha -S. Jorge)

A proposta, tem em consideração o património existente, arqueológico e histórico

(vias romanas/medievais, ermida de S. Jorge, fossos e covas de lobo postas a

descoberto) e o Decreto-lei nº249 /2000, 13 de Outubro, que regula e condiciona a

utilização legal de comboios turísticos rodoviários, nas estradas nacionais, que julgamos

poderem constituir vertentes estruturantes desta actividade;

Conforme cronistas coevos, registos em monumentos e estudos interdisciplinares

a Batalha de Aljubarrota, travada entre forças portuguesas reforçadas com inglesas, face

a forças castelhanas reforçadas com francesas, teve lugar a 14 de Agosto de 1385, num

campo posteriormente designado por S. Jorge.

As forças portuguesas começaram por tomar posição a meia encosta no esporão

setentrional da cumeeira de Aljubarrota, imediatamente a sul da Ribeira da Calvaria,

designada (1ª posição).

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O local escolhido, virado a norte, era excelente porque sendo, mais elevado, tinha

comandamento sobre o terreno a norte, de onde vinha o invasor, facilitando o controlo e

desempenho da força portuguesa, enquanto dificultava a Castela a utilização da sua

arma principal, a cavalaria.

O rei castelhano apercebendo-se da dificuldade do ataque à posição portuguesa,

agravada por o sol estar de frente, evitou o contacto, seguiu por um caminho medieval

utilizado no Inverno, rodeou a posição pelo lado do mar, na procura de terreno mais

favorável à sua vontade de atacar as forças portuguesas.

A movimentação levou o condestável português a mudar ordeiramente a hoste

para dois quilómetros a sul (S. Jorge), num planalto defendido a oriente e ocidente por

ribeiras que garantiam a protecção dos lados e permitiam dispor mais forças na frente do

exército invasor.

A posição do novo dispositivo (2.ª posição) foi posteriormente confirmada por

uma equipa da Comissão de História Militar com base na localização da ermida de S.

Jorge, erigida no pequeno outeiro, onde D. Nuno montara o comando e desfraldara a sua

bandeira durante o confronto, no alcance das armas mais potentes (arco e besta) e nas

movimentações guerreiras em uso na época, definiu o dispositivo defensivo da força

luso-inglesa, confirmado posteriormente pelas escavações de Afonso do Paço e Helena

Catarino.

O conhecimento e a reutilização das vias coevas conformes ao seu tempo, ainda

possível em alguns troços dos caminhos, que davam acesso ao campo onde foi travada a

batalha Real são condição importante ao entendimento do confronto e necessário à

transmissão a gerações mais novas.

As portarias publicadas 3 (destinadas a impedir o crescimento desregrado de

edificações e arruamentos em determinada área) definiam de modo mais abrangente

uma área de protecção, de construção condicionada à ermida de S. Jorge, que incluía

uma faixa de terreno a oeste da via em construção (IC2).

A preocupação foi entretanto ignorada por quem competia cumprir e fazê-la cumprir,

pois no início dos anos 70 começou a ser utilizado o novo traçado e foram iniciadas

construções, aparentemente sem controlo, na área supostamente interdita.

3 Diário do Governo, 2ª Série, nº170, 21 de Julho de 1954,do Ministério da Educação Nacional;

Idem, 2ª Série, nº111, 10 de Maio de 1961 da Direcção do Ensino Superior e das Belas Artes;

Portaria publicada no Diário da República, nº 708/77, de 17 e Novembro, do Ministério da Educação e

Investigação Científica.

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Reconhecimento recente à faixa de terreno a oeste da IC2 permitiram-nos verificar que

a construção é densa a partir da cota 130, concluindo-se que a sua dimensão deve ter

provocado enormes e irreparáveis danos arqueológicos.

O conhecimento e a reutilização das vias conformes ao seu tempo, que davam

acesso ao local onde se travou a Batalha Real é condição importante ao entendimento do

confronto e necessário à transmissão a gerações mais novas. (Mappa Topographico,

1793).

Considerámos por isso necessário definir estações, pontos no terreno que

permitem “ver e sentir” o seu valor defensivo que marcaram momentos, factos ou fases

determinantes na conduta e desfecho do confronto. Considerámos as seguintes estações:

1 – Inicio do percurso, no parque de estacionamento junto do Mosteiro da Batalha, onde

possam ser adquiridos bilhetes para a visita a S. Jorge, em “comboio rodoviário”.

2 – Junto do encontro norte, ponte da Boutaca, sinalizado de modo a ver-se da estação

3. Sugere-se, na perspectiva da força castelhana, a comparação de cotas entre estas

estações, salientando-se o acesso íngreme a esta última estação, impraticável a cavalos,

e a consequente dificuldade de D. Juan de Castela em utilizar a sua cavalaria no ataque

à posição portuguesa.

3 – A 1.ª posição portuguesa, virada a norte, localizada na crista militar (dobra saliente

da encosta), do esporão a sul da ponte da Boutaca, deverá estar balizada com sinalética

visível da estação anterior. Sugerimos, na perspectiva da força portuguesa, referência ao

posicionamento das forças oponentes, salientando-se o inteligente aproveitamento do

terreno, a consequente facilidade do desempenho e a possibilidade de fácil recuo para

reorganizar em nova posição de detenção. A Fundação Batalha de Aljubarrota construiu

no local um edifício cuja finalidade desconhecemos em concreto.

4 - Centro de Interpretação Batalha de Aljubarrota;

5 - Ermida de S. Jorge;

6 - Vanguarda e Alas portuguesas;

7 - Reguarda portuguesa;

8 - Carriagem (trem) português;

9 - Escavações (fossos, covas de lobo);

10 - Cruzeiro de procissão (afrontamento D. João I x Sandoval);

11 - Bombardas (trons) castelhanos;

12 - Vanguarda castelhana;

13 - 2.ª linhas castelhanas;

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14 - Ginetes castelhanos (em espera).

A necessidade de conhecer o terreno para entender o fenómeno bélico; os

caminhos coevos ainda existentes e as limitações de circulação impostas pelo Decreto

Lei 249/2000; levaram à consideração do percurso que apresentamos inserido no mapa

da zona:

Figª 21

Em conformidade considerámos o seguinte percurso a utilizar entre a Batalha e

S. Jorge: Mosteiro; Ponte da Boutaca; 1.ª posição portuguesa; retorno ao Mosteiro; via

N.º 365; Rotundas (2); caminho rural ao lado da Ribeira da Mata; Tojal de Baixo;

caminho rural que ladeia por leste o Campo Militar de S. Jorge; Centro de Interpretação

da Fundação Batalha de Aljubarrota (parque de estacionamento).

No regresso utiliza-se, em sentido inverso, o mesmo itinerário.

Tem as vantagens de ser curto (3km), intermunicipal (que poderá facilitar o

suporte europeu) e permitir avaliar o valor defensivo do terreno particularmente na 1.ª

posição portuguesa apoiada no Vale de Madeiros (a poente) e Vale da Mata (a

nascente).

O parque de estacionamento da Fundação permitirá adequado controlo da

circulação dos comboios rodoviários, melhoria na segurança no transporte dos utentes,

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confirmar no terreno a informação recebida e fazer um passeio pedonal orientado para

as estações a sul.

Os locais deverão estar sinalizados com marcas adequadas, dispostas ao longo da

estrada medieval, eixo de S. Jorge, em convite aos residentes a participar nos eventos

históricos e a visitantes a entender a batalha `in situ´.

É um percurso agradável, pouco poluído, de fácil contacto com a natureza, que evita

zonas edificadas.

Apresenta as desvantagens de não acatar o Decreto-lei 249/2000 em todo o percurso

(junto das rotundas), as vias rurais necessitarem de ser sinalizadas e necessitarem de

pequena rectificação do traçado e melhoramento de piso.

B) Sugestão turística para o espaço rural de S. Jorge para evitar a desertificação local

A riqueza multidisciplinar das áreas envolventes, pouco distantes de S. Jorge

(Leiria 12 km; Batalha 2km; Porto de Mós 5km; Alcobaça 18km; Parque Natural Serra

de Aires e Candeeiros 7km), poderá constituir vantagem apreciável para o tipo de

turismo em epígrafe.

O Turismo em geral, é uma importante actividade de lazer com um alto índice de

emprego por capital investido, que deu origem à indústria que mais cresce no mundo

(20% conforme a Organização Mundial de Turismo). Cria emprego para gente de

diferentes níveis educacionais e culturais, pois relaciona-se com muitos outros sectores

(recepção, restauração, alojamento, limpeza, guias, artesanato, etc.);

O Turismo da Natureza, em particular, é constituído por áreas restritas de

mercado que oferecem novas oportunidades de negócio, exigentes por estarem

alicerçadas num acolhimento personalizado. Por serem em pequena escala terem a

vantagem de necessitar de investimento limitado, exigindo contudo, características

pessoais (empatia) para um atento e qualificado desempenho.

Está próximo das pessoas e por isso traz, naturalmente, significativos benefícios

locais (cria oportunidades de desenvolvimento, incentiva a diversificação da economia

ao criar emprego em micro e pequenos negócios, fixa a população local; contribui para

a conservação do património cultural e natural e simultaneamente diminui a

sazonalidade da procura turística).

Tem personalidade própria por aproximar o homem à natureza, em inúmeros

percursos pedestres por serras e bosques no notável espaço natural desenhado no corpo

calcário da paisagem majestosa das serras de Aire e Candeeiros, próprio para

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montanhismo e prática de desportos radicais (ver a flora, sentir o aroma campesino, ver

bosques e serras, observar e ouvir os pássaros, visitar a estrada romana de Alqueidão da

Serra, admirar o trilho das pegadas dos dinossáurios saurópodes e deleitar-se com as

inúmeras grutas ornamentadas com estalactites e estalagmites);

A Conferência Mundial do Meio Ambiente realizada em Estocolmo em 1972,

estabeleceu regras que relacionam o homem com o meio ambiente que lhe dá sustento

físico e lhe oferece oportunidade de crescimento dando origem ao “Ecovimento”

(conceito novo que procura conjugar o desenvolvimento sustentado e o respeito pelo

ecologicamente correcto). Surgiu depois o “Ecoturismo”, motivação para ver e usufruir

ecossistemas em seu estado natural, despoluídos e em companhia da população genuína;

S. Jorge tem excepcionais condições para servir de base para a rota de mosteiros

(Batalha: Alcobaça); castelos (Leiria; Porto de Mós; Ourém; Pombal; Tomar); vinho e

gastronomia;

A lei portuguesa contempla sete modalidades de Turismo no Espaço Rural

(Turismo de habitação; Rural; Agro-turismo; de Aldeia; Casa de campo; Campismo e

Hotéis). Pelo exposto, com algum conhecimento local, atrevemo-nos a apresentar uma

singela reflexão subordinada ao tema em epígrafe. O modelo a montar deverá ser

inteligente, sensível e adequado ao modo de vida local, considerado na sua

especificidade, mantendo os objectivos de um desenvolvimento auto-sustentável.

Seria a antítese do turismo de massas, orientado para um mercado que aprecie

actividades de lazer em contacto com a natureza e turismo cultural. Referimos casas de

turismo de pequenas dimensões, semelhantes às locais, inseridas na aldeia. A ideia não

é nova pois julgamos estar a ser implementada com êxito no Baixo Guadiana, na vila de

Mértola (orientada por Cláudio Torres) e em 14 aldeias com forte identidade cultural

(Rede Europeia de Turismo de Aldeia), onde foram criados percursos pedestres em

torno do tema considerado “âncora do projecto”. Sugeríamos que a âncora do projecto

de S. Jorge fosse “Turismo da Memória”.

C) Caminhos que podem ter condicionado a conduta e desfecho da Batalha Real

Desde sempre na actividade bélica do homem, em particular na Idade Média, a

movimentação de grupos armados foi importante mas difícil, porque a movimentação

era fortemente condicionada pelos caminhos escolhidos que influenciavam a segurança,

a velocidade e a comodidade do contingente em trânsito. O comportamento das forças

intervenientes na Batalha Real deve ter sido também condicionado “antes” (itinerários

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de aproximação), “durante” (possibilidades de escolha do melhor aproveitamento

táctico do terreno) e “depois” (itinerários de rompimento de contacto ou de fuga) do

confronto.

Referimos novamente que a conduta no local do afrontamento não deverá ser

considerada isoladamente destes factores influenciadores, para evitar a ocorrência do

risco de um entendimento insuficiente da batalha.

- Antiga estrada real (estrada medieval)

Teria servido de alternativa litoral à via romana e o incremento do seu tráfego

deveu-se possivelmente à utilização árabe. Um pouco a sul de S, Jorge passaria por

Tagarro; Serra dos Candeeiros (sopé); Molianos; Pedreiras; Chão da Feira; S. Jorge

(para norte por dentro do casario, até passar à frente da ermida de S. Jorge; cruza a E1

(no posto abastecimento da Repsol).

Afastava-se para poente; passava pela serração de madeiras (traseiras); casal da

Amieira (troço de 100m); casal Nogueira; descia à cocheira do Delgado; viveiro da

Direcção de Estradas e Porto da Cevada (entroncamento com o caminho para Adrões);

descia ao vau da ribeira da Calvaria (onde em princípios do séc. XIX foi construída a

ponte Boutaca) chamada assim porque teria sido construída num terreno daquele

construtor do mosteiro de Santa Maria da Vitória; subia o Vale da Forca até à ermida de

Santa Maria Madalena (cemitério da Batalha), onde cruzava com o “caminho do peixe”,

que servia o comércio do sal das salinas das Brancas.

Seguia para norte, por dentro do casario da Jardoeira, até à IC2 (que vai para

Maceira); ia em linha recta até passar pela rectaguarda da actual capela de Santo Antão

(pequeno troço a poente da actual fábrica de cerâmica); Paredões; cruza a IC2; descia ao

rio Lena.

- Itinerário de invasão do exército castelhano até ao local da Batalha Real em S. Jorge:

D. Juan de Castela, após ter realizado o Conselho Real em Cuidad Rodrigo

tomou a decisão de serenar o ânimo dos conselheiros de opiniões antagónicas, manter

uns em calma expectativa acerca da atitude táctica que iria assumir e suster os

portugueses pelo desconhecimento dos seus objectivos.

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Após atravessar a fronteira e passar por Almeida. Pinhel, Trancoso (onde destruiu a

ermida de S. Marcos e praticou sevicias contra a população), fez um alto em Celorico da

Beira para fazer testamento, temendo a doença e as consequências da sua atitude.

O objectivo estratégico era conquistar Lisboa, com passagem por Santarém,

“conquistada Lisboa, Portugal estava conquistado” e vingar o insucesso do último

cerco.

Para conseguir adeptos à sua decisão procurou convencer a variada gente do seu

numeroso exército que a campanha em Portugal “seria uma campanha em terra já

conquistada, apenas com a eventualidade de alguma escaramuça”. A passagem por

Santarém, ponto forte em poder de Castela, era importante pelas facilidades logísticas e

de aproximação à capital que proporcionava ao invasor.

No recomeço da marcha evitou o caminho mais directo por Bobadela-Figueiró

dos Vinhos por apresentar terreno de progressão difícil e reabastecimento duvidoso.

Vagarosamente foi andando para sul ao longo da margem direita do Mondego, em

etapas diárias de 20 quilómetros intervaladas com dias de descanso, (em média 1 em 3)

tendo chegado a 7 de Agosto a Coimbra, que não atacou.

O efectivo enorme, a reduzida velocidade de marcha e a duração do dia obrigavam ao

deslocamento em duas fracções (Ayala referiu, dois marechais castelhanos).

O deslocamento tipo “marcha de papagaio”, em que a fracção dianteira só reiniciava a

marcha depois de alcançada pela traseira.

Ingloriamente “…por tanto husaua de sobeja crueldade, que pouco em sua homra

acrescentava” mandou praticar inúmeras sevícias aos habitantes dos campos de Soure,

Montemor e Aveiro “decepar mãos e amputar línguas a quem encontrava, homem ou

mulher, velho ou novo” (LOPES, II volume, capitulo XXVIII).

A partir de Coimbra, rejeitou os itinerários de Miranda do Corvo e Ansião,

seguindo por Soure (Idem). O itinerário devia ter sido escolhido com antecedência para

permitir que os contingentes das praças da Estremadura (Óbidos e Alenquer) e da

armada castelhana ancorada no Tejo se juntassem em boa ordem em Leiria ao exército

invasor. O arraial castelhano estendia-se da Várzea das Olhalvas, a Machados e talvez

Colmeias, onde permaneceu de 12 à madrugada de 14 de Agosto (Idem).

Entretanto a força portuguesa tinha-se posicionado em Tomar para barrar os

eixos de aproximação de Figueiró e do cruzamento de Ceissa. Quando o movimento do

invasor se definiu para Soure, Pombal e Leiria, a hoste portuguesa procurou chegar

depressa a Porto de Mós para “cortar o passo” ao exército castelhano, necessitando para

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isso de estar em terreno mais elevado que o caminho directo de Canoeira para Santarém

donde podia barrar os caminhos mais afastados de acesso àquela cidade.

D. Nuno aproveitou este descanso para reconhecer o terreno para os lados de

Leiria e D. João I para passar revista à 1ª posição portuguesa virada a norte, arengar a

lembrar os juramentos feitos para retemperar possíveis divergências e armar cavaleiros

quem o desejasse e merecesse.

- “Caminho de D. Nuno” (etapa de Tomar a Porto de Mós):

As hostes depois de, em conjunto, terem ouvido missa na capela de São

Lourenço, nas margens do Nabão e realizado o alardo em Tomar prepararam-se para

iniciar a marcha.

D. João I e D. Nuno Álvares Pereira para honrarem o compromisso assumido na

Irmandade de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, “concertaram as suas

batalhas”, distribuíram os combatentes conforme as suas aptidões e capacidades,

destinando-lhes os capitães mais convenientes.

A hoste portuguesa, a 11 de Agosto, sexta-feira, pôs-se em marcha pelo caminho

que ligava Tomar à via romana Olissipo - Bracara Augusta, tomando depois um

caminho curto e discreto que evitava o encontro com possíveis esculcas castelhanas que

passava por Santa Maria de Seiça, Ourém, Atougia das cabras, Cova da Iria, Moita do

Martinho Alqueidão e Porto de Mós.

- Itinerário de reconhecimento (Porto de Mós - Porta da Cevada) - 1ªposição portuguesa:

O vale do rio Lena, que liga Porto de Mós ao lugar onde foi construído o

mosteiro de Nossa Senhora da Vitória, Batalha, apresenta ainda hoje condições que

podem ter sido aproveitadas pelas forças envolvidas na Batalha Real, neste caso as

portuguesas.

Baseados em atenta observação da morfologia do terreno, no estudo cuidado de cartas

antigas4 e na memória dos moradores mais idosos, que com emoção recordaram relatos

antigos de pais e avós, procurámos descobrir os possíveis percursos utilizados.

A tarefa, aparentemente impossível, foi facilitada pelo costume muito antigo de balizar

os caminhos com oliveiras, restando ainda algumas delas, agora centenárias.

4 Mapa General del Reyno de Portugal. Madrid. Anõ de 1778;

Mappa topográphico. Levantado em M.DCC.XCI;

Carte Militaire des principales routes du Portugal. 1808 e cartas militares de 1942 Esc-1:25 000

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Assim foi possível revisitar a etapa do reconhecimento do terreno, para os lados

de Leiria, percorrida pela hoste do Condestável de Portugal de Porto de Mós a Porto da

Cevada.

A informação deste percurso foi-nos também relatada por Almeida Monteiro,

ouvida há muito tempo de um seu amigo, o centenário Alfredo Palaio (falecido). Contou

que “no reinado do Sr. D. Carlos, assistira ainda menino, em casa do pai, feitor da

Quinta Nova, à reposição da marcha para conhecimento da terra da hoste portuguesa

comandada por D. Nuno, na madrugada de 14 de Agosto de 1385, que na altura da

figuração foi acompanhada por muitos populares.”

O percurso da etapa desenvolvia-se genericamente do lado nascente do leito do

rio Lena na falda das elevações mais próximas e terá sido:

. Do castelo de Porto de Mós desceram a encosta poente para o rio Lena, até à Ponte do

Cavaleiro que não utilizaram pois inflectiram para norte, seguiram pela actual estrada

(cerca de 660m), que segue para a Batalha;

. Saíram da estrada, pela direita, tomaram o caminho de fazenda que passa por Anaia, e

Quinta de Santa Luzia, até uma bifurcação; (indo pelo caminho da direita, para norte,

até “Ribeira da Freixa”, distante cerca de 200 m, transposta na ponte “Freixa”,

sinalizada por oliveiras seculares mas coberta por mato crescido. Uma observação

expedita permitiu concluir (?) que seria romana e estaria parcialmente arruinada.

Regressaram pelo mesmo caminho à bifurcação e seguiram pela direita para norte);

. Logo a seguir numa descida, antes da Ribeira da Freixa, encontra-se um troço de uma

antiga via romana soterrada, conforme indicação dum residente;

. Continuaram por “Lameiros” até à Ribeira das Alcanadas, atravessada pela ponte

“Coito” que por estar em idêntica situação à anterior, mereceu igual “tratamento”,

concluindo-se que seria romana (?) e estaria razoavelmente conservada;

. Seguiram pelo mesmo caminho, que passa junto da pequena capela de Santo Estêvão

(reconstruída), facilmente reconhecível por ter ao lado uma pedra vertical, laje fúnebre

romana (?) e seguiram até passar pela frente da igreja das Brancas até Freiria;

. Junto de duas oliveiras centenárias desceram ao Rio Lena que vadearam em “A do

Merceeiro”, seguiram para Cancelas e subiram a meia encosta até Mouratos; cruzaram a

estrada da Quinta do Sobrado, subiram pela encosta do ribeiro da Senhora “aos

Adrões”, (marcado por velhas oliveiras) até à Quinta Nova;

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. Desceram o vale da ribeira da Mata; atravessaram o actual IC2 e finalmente subiram

por atrevida pendente ao cabeço “ Porto da Cevada”, perto do local onde passava a

estrada medieval, conforme vontade do Condestável em a abordar de supetão.

- Caminho dos beirões retardatários Porto de Mós – S. Jorge:

D. João I ao saber em Guimarães a notícia da vitória portuguesa em Trancoso

ficou com admiração pelos valentes fidalgos beirões vencedores e manifestou grande

vontade de os ter a seu lado quando travasse a batalha decisiva. Enviou-lhes, para isso,

recados e cartas para virem ao encontro da hoste real, em arraial em Abrantes, a que

responderam com desculpas e evasivas.

Desiludidos e agastados com este comportamento enganoso, o leal João

Fernandes Pacheco com Egas Coelho, acompanhados por setenta lanças e cem homens

de pé, decidiram aceitar o pedido real. Vieram o mais rápido que puderam, em marcha

forçada, e ao chegar a Porto de Mós (nos Lusíadas chamada “Vila Forte” - Canto VIII,

Est. XVI) foram informados do melhor e mais rápido caminho para se juntarem à hoste

real.

Do castelo desceram apressadamente ao rio Lena que atravessaram na Ponte do

Cavaleiro. Subiram de seguida a Castanheiro, Tojal de Baixo, passaram junto à fonte

dos Vales, indo assomar próximo da reguarda portuguesa.

O aparecimento foi tão súbito e inesperado, que apesar de avistados pela

extremidade da ala direita castelhana não sofreram estorvo nem encontro desagradável,

tendo chegado logo junto de El-rei D. João I de Portugal que na Serrada da Bispa, S.

Jorge, comandava a Reguarda da força portuguesa.

(LOPES, II volume, capítulo XXXIX).

O encontro, “tão directo e aparentemente simples” merece alguma reflexão, pois

o reconhecimento do terreno, para os lados de Leiria, iniciado em Porto de Mós tinha

terminado em Porto da Cevada, próximo do local onde a hoste portuguesa se instalaria,

a sul da ponte da Boutaca. O facto pode induzir que D. Nuno face à fortaleza do terreno

da 1ª posição (virada a norte), de abordagem muito difícil para Castela, teria

antecipadamente previsto e preparado, a posição de alternativa em S. Jorge, 2 km a sul,

o que poderá explicar o elevado número de obstáculos artificiais a sul da 2ª posição

(fossos, covas de lobo e abatizes em número indeterminado). Esta possibilidade já foi

expressa por um historiador (MONTEIRO).

- Caminho da fuga de D. Juan de Castela (S. Jorge – Santarém – Lisboa):

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“El-Rey de Castella, ouulhamdo a batalha e uendo que a ffortuna de todo em

todo era fauoravell aos portugueses “ (LOPES, II volume, capítulo XLII) procurou

doente e dorido, montado num cavalo que naquele dia não tinha sido montado,

acompanhado pelo séquito possível, refugiar-se em Santarém.

Valeu-lhe a disponibilidade de um guia, fidalgo castelhano, designado por antonomasia

“Llama”, (SYLVA, 1732) talvez da guarnição de Santarém, que orientou a fuga por um

percurso diferente do costumado. O caminho que passava por Corredoura foi evitado

pela dificuldade da subida e pela suspeita vizinhança do castelo de porto de Mós que

podia causar desagradável e perigoso encontro. Continuaram “à desfilada” pela estrada

medieval até Molianos e em Portela do Pereiro tomaram um caminho que os levou a

Santarém onde chegaram por volta da meia-noite.

Na fuga precipitada foi morto Vasco Martins de Melo, fidalgo português que tinha

prometido prender o rei de Castela ou no mínimo “pôr-lhe a mão em cima” (Idem,

capítulo XLII).

O rei fugitivo, inquieto, sentindo-se ainda inseguro, mandou de imediato aparelhar

transporte fluvial, para ainda nessa noite continuar a fuga para ir abrigar-se na esquadra

castelhana surta no Tejo, próxima de Lisboa, que seguiu de imediato para Sevilha.

- Apresentamos a terminar, à escala nacional, o percurso cultural da independência,

1383 a 1385, materializado pela rede de campos de batalha do mesmo período:

Trancoso, Lisboa e Atoleiros.

- Podemos também considerar, na vertente religiosa, as capelas votivas mandadas

construir ou recuperar por D. Nuno Álvares Pereira (igreja de Santa Maria do Assuma,

distante duas léguas de Monforte, onde D. Nuno foi descalço em romagem rezar depois

da batalha de Atoleiros; capela de Santa Maria de Seiça, onde D. Nuno rezou antes e

depois da batalha de Aljubarrota; capela iniciada por D. Fernando a Nossa Senhora dos

Milagres, Estremoz; capela a Nossa Senhora da Conceição, em Vila Viçosa; ermida a

Nossa Senhora da Vitória (ermida de S. Jorge), em S. Jorge; em Sousel, Portel,

Monsarás, Mourão, Évora e Camarate (próximo de Lisboa) mandou construir outros

templos à Virgem Maria e finalmente no monte do Carmo fundou o Convento de Nossa

Senhora do Vencimento, em Lisboa.

Estamos certos que a implantação de alguns dos propósitos referidos, além de

democratizar o conhecimento e o entendimento do passado, talvez possam servir de

exemplo e inspiração nesta hora difícil e recordar que o destino de todos nós depende

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essencialmente da nossa capacidade de em conjunto sermos capazes de colocar o

colectivo acima do interesse individual.

Figª 22

Figª 23

3. Conclusões

A democratização do acesso à cultura despertou o interesse de conhecer e

entender os mecanismos que condicionam a realidade presente consequente do

desempenho no passado.

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Utensílios e conceitos patrimoniais antigos, revisitados, reaparecem naturalmente, mas

devido a novo entendimento tomam protagonismo inusitado e despertam um interesse

inesperado, que se designa por “patrimónios emergentes”.

O homem preocupou-se sempre com a segurança de pessoas e bens que lhe são

afectos, levando-o a precaver-se da acção potencialmente belicosa de outros homens,

como confirmam as inúmeras fortificações que matizam a paisagem (castelos, muralhas,

etc.) que evidenciam a prática de conceitos de defesa e de controlo do espaço

envolvente.

A acção bélica continua a desempenhar um papel saliente na sociedade,

condicionando-a muitas vezes e determinando o futuro de povos e culturas.

O património relacionado com a guerra é múltiplo, factor importante da história social,

merecedor por isso do interesse, estudo e reflexão comunitária.

Reflectir sobre a guerra não é fácil nem cómodo pois o fenómeno envolve factores

múltiplos, em particular o sentimental, o ético, o histórico e por vezes o distanciamento

temporal.

Será oportuno questionar e repensar se faz sentido criar museus da guerra?

Quem defende a musealização da guerra é alvo da crítica dos que preferem ocultar a

evidência dos conflitos e numa postura de avestruz ignorar as consequências da guerra

na história dos povos, com o argumento que os museus militares estimulam o belicismo

e correspondente violência, mas não é possível entender o presente sem conhecer o

passado.

Cada uma das opções gera problemas que tornam a apresentação museológica da

história da guerra, do património bélico e da memória inerente, um assunto de difícil

solução.

A interacção do homem com o “seu” território continua a ser condicionada pela

utilização das armas que deu origem a um desempenho cada vez mais tecnológico e

uma conduta adequada à melhor “performance” face ao terreno, condicionante da

actividade posterior dos residentes.

Uma perspectiva racional e sensata poderia considerar com pedagogia, o

desempenho bélico e a sua circunstância, ao apreciar com seriedade o material utilizado

em visitas guiadas aos campos onde se deram os confrontos, que em seu tempo definiu

o futuro das nações, a fortificações que desempenharam com êxito a defesa espacial e

ao armamento que decidiu a superioridade do vencedor.

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A museografia complementada com acções afins permitiria visionar os lugares e

rejuvenescer a memória de importantes factos passados ao visitar os lugares onde

ocorreram.

O centro de interpretação poderia explicar com êxito o confronto inserido no contexto

social do seu tempo acompanhado pela reconstituição possível dos meios utilizados.

É opinião partilhada por muitos que a promoção destes espaços e feitos além de

concorrer para um melhor conhecimento do passado poderá ajudar a cicatrizar feridas

profundas de dolorosos conflitos. É neste sentido que a musealização da guerra poderá

ser importante contributo para a “cultura da paz”, conforme exemplifica a sociedade

europeia que foi capaz de superar os terríveis dramas do século XX.

Os inimigos de ontem tornaram-se aliados e parceiros na actual Europa.

A partir deste século (anos setenta) a museografia tem procurado implantar a

dinâmica favorável a uma apresentação “não militar”, de caris didáctico, do património

da guerra.

O Reino Unido, neste sentido, tem alterado radicalmente os museus nacionais

pela substituição do habitual discurso grandiloquente sobre a glória da Pátria – valor,

sacrifício, heroicidade – por textos relativos a causas, contextos, mentalidades,

consequências, viver quotidiano dos combatentes e tecnologias. Procura mostrar a

guerra numa perspectiva multidisciplinar (histórica, social, científica, etc.) em

abordagem directa e educativa adaptada a assunto desta natureza.

Como serão os museus que no futuro tratem o desempenho bélico? Continuarão

a existir museus temáticos que referirão com ênfase a vertente tecnológica do

equipamento utilizado? Qual o destino dos museus que evocam acontecimentos bélicos

do passado, que causaram inúmeros sacrifícios dolorosos, invalidez e morte? O assunto

é muito sensível pois exige sensibilidade, sensatez, delicadeza e ponderação, a medida

que envolve aspectos éticos que devem justificar os sacrifícios feitos. É justo recordar

que os militares são cidadãos de pleno direito com responsabilidades próprias que

decorrem da especificidade da função castrense.

Seria conveniente considerar uma comissão para ponderar o tema no respeito das

sensibilidades envolvidas (militar, académica, museológica, etc.)

Procurámos defender a pertinência da gestão integrada do património assente

numa relação harmoniosa do Homem com a Natureza; no respeito pela definição de

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Património (utilização e salvaguarda) considerada em campo de batalha apresentada em

proposta genérica e outras adequadas ao campo de S. Jorge, que talvez possam ser

inovadoras.

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VI. BIBLIOGRAFIA

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