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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PERSPECTIVAS ATUAIS Por: Lazaro Carlos Diirr da Silva Orientadora Mônica Ferreira de Melo Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

PERSPECTIVAS ATUAIS

Por: Lazaro Carlos Diirr da Silva

Orientadora

Mônica Ferreira de Melo

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

PERSPECTIVAS ATUAIS

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Penal e Processo Penal. Por: Lazaro Carlos Diirr da Silva .

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AGRADECIMENTOS

Em especial a Deus. Onipotente,

Onipresente e Onisciente, que me deu

forças, saúde e sabedoria para que eu

concluísse mais uma etapa de minha vida;

Ao corpo docente do Instituo A Vez do

Mestre;

A professora Mônica Ferreira de Melo,

pelas dicas, pela orientação, por ter sido

tão atenciosa e paciente ao corrigir esta

monografia.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho acadêmico a

minha mãe, por seu companheirismo e

amizade.

Também aquelas pessoas do meu

trabalho, do vínculo de amizades e na

vida acadêmica.

Ao meu filho Miguel, eternamente

amado e querido.

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RESUMO

A presente monografia tem por objetivo a análise jurídica do direito ao

aborto de fetos anencéfalos, definindo seus fundamentos e controvérsias. Num

primeiro momento, abordaremos o crime do aborto, seu conceito, sua natureza

e definição. Paralelamente, Tratando-se de um tema permeado de muita

polêmica, decidimos neste trabalho, demonstrar através de uma pesquisa

jurisprudencial, em que quantidade e circunstâncias, os pedidos de excludente

de crime também em casos de fetos anencéfalo, tem chegado ao tribunal do

Estado do Rio de Janeiro, assim como aos nossos tribunais superiores.

Concomitantemente, abordaremos obras de autores renomados na área do

direito penal, aspectos relevantes na área do direito constitucional, além de

artigos publicados em periódicos e na internet. Ao final, faremos uma breve

análise da posição da Igreja Católica, enquanto entidade política, cuja opinião

tem peso relevante na construção da nossa história. Nossa intenção é moldar o

panorama do modo como este problemática tem sido discutida e em que base

tem se constituído as decisões dos nossos tribunais e nossa meta é esclarecer

as dimensões, a complexidade e os impasses surgidos da análise de casos

reais.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada destina-se a apoiar e embasar o trabalho em

questão, através de um suporte teórico, bem como as vivências adquiridas no

decorrer da realização deste trabalho. Os instrumentos de pesquisas que

levam ao problema proposto foi através de leitura de livros, jornais, revistas e

pesquisa bibliográfica.

A fim de obter um embasamento teórico condizente com o tema em

questão, buscou-se nas principais Universidades da cidade do Rio de Janeiro

um aparato bibliográfico, logo, foram feitas visitas nas seguintes bibliotecas:

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro Universitário Moacyr Sreder

Bastos e na Universidade Estácio de Sá.

O trabalho foi realizado através de teóricos como: Cassar, Cavalieri,

Neto, dentre outros. A partir dos teóricos utilizados no trabalho, verificou-se a

contribuição de cada um para a fundamentação dos capítulos, uma vez que

todos eles foram contundentes em suas apreciações.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................08

CAPITULO I- DO DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE O ABORTO.......10

CAPITULO II- ANENCEFALIA E O FETO ANENCÉFALO- CONCEITO E

PARTICULARIDADES.....................................................................................22

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE MORTE ENCEFÁLICA

NOS PORTADORES DE ANENCEFALIA ......................................................33

CONCLUSÃO ..................................................................................................41

BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................44

ÍNDICE.............................................................................................................45

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INTRODUÇÃO

Por mais que se queira negar, é inevitável a conclusão segundo a qual

a sociedade hoje é justamente o produto do que o vaso contingente

populacional assimila dos meios de comunicação.

Os institutos jurídicos da família, considerando essencial para a

sociedade pelo constituinte (art. 226, Caput, CONSTITUIÇÂO FEDERAL/88),

permanece incólume às mudanças sociais, em que pese vir sendo

constantemente assediado por idéias que auto intitulam arautos da “nova

moralidade”.

Infelizmente, alguns interesses de índole exclusivamente privada são

lançados sobre a sociedade, procurando alterar princípios naturais do ser

humano. Todavia, aparentemente tais colocações são desprovidas de um

mínimo ético de raciocínio.

O Direito Natural não pode jamais ser olvidado. É anterior á própria

noção do Estado, o que significa que as mudanças sociais de relevância

devem ser levadas em conta pelo legislador, bem como pelo intérprete e

aplicador da norma jurídica, sem o abandono da ética jurídica.

A ciência jurídica deve acompanhar as mudanças sociais de relevância

e proceder à necessária regulação da evolução social, preservando-se a

natureza das coisas.

No afã da criação de novas teorias, o cientista muitas vezes se

esquece da preservação do bem comum, que somente existirá em sua

plenitude e a igualdade reais predominarem em todos os campos do saber.

Quando o jurista concede liberdade, mas tolhe a qualidade de oportunidades,

ou vice-versa, está violando um princípio do Direito Natural e não atendendo as

autênticas necessidades humanas.

Entre as práticas verificadas em sociedade, depara-se o jurista com o

aborto. Há aqueles que de modo extremo defendem a prática abortiva,

enquanto que outros, de igual forma, a criticam. A melhor análise jurídica,

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porém, é aquela que procura atender aos princípios gerais do Direito. O Direito

existe para servir o homem e buscar a pacificação social, não para que o

homem se torne dele um escravo, sem qualquer motivo justo.

O que leva a gestante a abortar? Homem nenhum pode, ante a

ausência de experiência própria razoavelmente explicar. Apenas as mulheres

que iniciam uma gestação podem com fidelidade responder, pouco importando

a variada gama de motivos. O que leva as pessoas a auxiliarem a mulher a

prática abortiva? Qual a situação do nascituro diante do aborto? Tem ele o

direito à vida?

Sem exaurir tão polemica questão, a presente monografia visa colocar

breves anotações a respeito desse importante tema. Afinal, não se pode

menosprezar as conseqüências de práticas abortivas sobre a vida da gestante

e do ser em formação, submetendo-se aquela, em inúmeros casos, a

tratamentos anti-higiênicos e que podem lhe causar graves danos à saúde.

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, no Brasil são praticados 3

a 7% dos abortos efetuados em todo o mundo.

Assim sendo, serão tecidas algumas considerações sobre os

antecedentes históricos e a análise médico-legal do tema, para finalmente

estabelecer os ensinos dos direitos da personalidade sobre a relação gestante-

nascituro.

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CAPITULO I- DO DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE O

ABORTO

O aborto tem se constituído um dos temas mais polêmicos apresentados

à filosofia jurídica na atualidade. A discussão pelo direito ou não de optar pela

interrupção da gravidez, sempre foi alvo de inflamadas discussões ao longo

dos anos, seja para o seu consentimento ou negação.

Em linhas gerais, observamos já no início do nosso estudo, que a

decisão de interromper com a continuidade de uma gestação, tem sido exposta

pelos meios de comunicação, grupos feministas e por alguns doutrinadores do

direito, como uma das formas da mulher desfrutar maior autonomia sobre sua

vida sexual e reprodutiva.

Etimologicamente, a palavra aborto vem do latim “abortus”, cujo

significado relaciona-se à privação do nascimento. Entretanto, para outros

estudiosos, a derivação da palavra vem do latim “aboriri” e significa separar do

lugar adequado.

Assim, podemos citar:

“O aborto é a supressão da vida do embrião humano antes do nascimento, podendo ser espontâneo ou provocado. Dentre todos os crimes que o ser humano pode praticar contra a vida, o aborto provocado ou induzido, aquele que acontece pela intervenção especial do ser humano, apresenta características que o tornam particularmente grave e abjurável. É matar um futuro adulto antes do nascimento. Fala-se de futurus homo no sentido que hoje se poderia dizer futuro adulto ou futuro cidadão. A expressão mais conhecida de Tertuliano (160-220), homicídio antecipado, significa que a destruição de nascituro equivale ao assassinato prematuro de um cidadão”. (BENTO, 2008, P.141).

Há mais de dois milênios, Aristóteles apregoava que a prática abortiva , enquanto abortamento por motivo demográfico, dever-se-ia praticar. Outrossim, como grande estudioso da medicina antiga, Hipócrates pesquisou o quadro clínico do

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aborto, além de estender sua preocupação ao tratamento e métodos para induzi-lo. (MARQUES, 1971, p.146)

Com o avanço das pesquisas, embora à época não dispusessem de

métodos que determinassem com exatidão o princípio da vida, Aristóteles,

junto a outros pesquisadores, imaginaram que a humanização do feto apenas

efetivava-se em 40 dias após a fecundação, considerando o homem e 80 dias,

em se tratando de uma mulher. A “posteriori”, com a invenção do microscópio

óptico, as descobertas aproximaram-se da realidade e atingiu resultados ainda

melhores pouco antes da Segunda Guerra Mundial, com o aprimoramento e

invenção do microscópio eletrônico, quando os cientistas avançaram

brilhantemente no âmbito da biologia molecular e celular. Os estudos

elucidaram aos embriologistas e geneticistas que o bebê pré-nascido desde o

ato da concepção constitui-se no zigoto um conjunto estruturado celular,

biologicamente humano.

Dessa forma, quando um espermatozóide consegue fecundar um óvulo,

surge um novo indivíduo com vida nova e pessoal. Vale esclarecer que,

espermatozóide não tem a mesma significação de esperma, como muitos

acreditam erroneamente. A fecundação do óvulo se dá através da inserção do

espermatozóide, porém, o homem pode ejacular esperma, sem conter

necessariamente, o espermatozóide.

Assim, podemos citar:

Historicamente, constava no Direito Penal dos hebreus a permissão para matar o feto, uma vez constatado perigo à vida da genitora, onde havia incidência em partos muito complicados e trabalhosos. Em contrapartida, na Grécia, o aborto era praticado em larga escala, com a aquiescência dos grandes pensadores da época, os quais justificavam a necessidade. Ainda, temos Platão que, defendia a obrigatoriedade para aquelas mulheres que concebessem depois dos 40 anos de idade. Quanto ao posicionamento dos romanos, estes fundamentavam a imputabilidade, baseados em que o feto no útero materno, tratava-se das vísceras, esse posicionamento perdurou por largo período” (BENTO, 2008, p.141).

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O feto, contrariamente ao que pensavam os romanos, respondem a

estímulos, registra sentimentos na memória do ser que está se formando, além

de sentir dor. Fundamentados nesses conhecimentos, a antiga concepção de

apenas na primeira respiração a alma inserir-se no corpo do homem decaiu.

Assim, podemos citar:

“Na Síria, aplicava-se a pena de morte àqueles que praticavam as manobras abortivas em mulheres que ainda não possuíam filhos. Incidindo, também, pena proporcional a mulheres que se submetiam ao aborto sem a anuência do marido. A repressão a esta, consistia na empalação, resultando na morte da mesma. Paralelamente a essa idéia, nos primórdios de Roma, a figura do pai no círculo familiar refletia a suma importância do “pater familiae”, o chefe da família. O destino de seus descendentes diretos lhe cabia, assim como daqueles que deveriam ou não nascer. Inclusive, se sua mulher abortasse sem o seu consentimento poderia ser punida severamente, comportando também o castigo com a morte”. (MARQUES, 1971, p. 146)

Com o passar dos tempos, a República romana entendeu o aborto como

um ato imoral. Apesar disto, a sua execução tomou proporções alarmantes

entre as mulheres, pois nesse período, existia uma grande preocupação com

a aparência física no meio social, cuja vaidade foi herdada da época do

império. Conseqüentemente, o aborto tornou-se crime.

De acordo com o autor Marques (1971) podemos citar que:

“Em razão disso, a Lei Cornélia, previu àquelas mulheres que consentissem com o aborto, a aplicação da pena de morte, bem como a aplicação de pena menor aos que realizavam, no caso em que a gestante não viesse a falecer em virtude do crime” (MARQUES, 1971, p. 146)

Corroborando a corrente daqueles favoráveis ao aborto, manifestava-se

Sócrates, na declaração do livre arbítrio da interrupção da gravidez.

Certamente esta problemática que não se esgota só no direito, encontra

nuances e dificuldades práticas, sejam de ordem moral, religiosa, médica,

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política, e filosófica, da qual uma resposta adequada não se fará sem

incansáveis debates e estudos acerca do tema.

A lei penal brasileira considera o aborto doloso um crime, está tipificado

na parte especial do CP do art. 124 ao 127 deste documento, o art. 128 cuida

dos casos de excludente da punibilidade, que acontece nos casos de gravidez

proveniente de estupro e de risco de morte eminente para a gestante, o

chamado aborto necessário.

Entretanto, a dinâmica das relações sociais que se renovam com o

passar do tempo, trazem à luz do direito fato inéditos e colocam sob o seu jugo

novas situações a serem tuteladas. Neste ponto encontramos a razão para a

escolha do tema desta monografia. Já não são raras as ações postuladas aos

nossos tribunais superiores, que têm solicitado a despenalização do crime do

aborto também nos casos de gravidez de fetos anencéfalos.

No decorrer deste trabalho apresentaremos detalhadamente o conceito

de anencefalia, assim como questões concernentes ao seu diagnóstico e

detecção, assuntos que consideramos relevantes para o debate que

construiremos a seguir.

Entretanto, de antemão podemos num primeiro momento afirmar que, a

anencefalia constitui-se numa anormalidade congênita do feto, que se

configura numa malformação do sistema nervoso central. Em decorrência

desta malformação, o anencéfalo carece de grande parte do sistema nervoso

central. Contudo por preservar o tronco encefálico, ou parte dele, mantém

algumas funções vegetativas. Segundo a Professora Carolina Alves de Souza

Lima, autora do livro intitulado Aborto e Anencefalia, a deficiência em questão

incapacita o feto para as funções relacionadas à consciência, a capacidade de

percepção, cognição, comunicação, afetividade e de emotividade. Entretanto

mesmo assim a ciência médica reconhece que ele é um ser humano vivo.

Todavia, uma vida intrauterina destinada á morte, ao passo que um

corpo gerado sem cérebro, não teria condições de sobreviver fora do abrigo e

proteção do ventre materno. Além disso, todo o conhecimento da medicina não

teria condições de oferecer tratamento ou solução para o problema.

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Dentre os fundamentos para o direito de cessar esta triste

eventualidade, seria no intuito de prevenir as possíveis conseqüências de

natureza física, emocional ou psicológica, para a gestante que se sentisse

obrigada a levar até o final uma gravidez fadada a morte da criança. Seria um

modo de dar dignidade à mulher, criando para esta a faculdade de interromper

a gestação, e não ser criminalizada por isso.

Tratando-se de um tema permeado de muita polêmica, decidimos neste

trabalho, demonstrar através de uma pesquisa jurisprudencial, em que

quantidade e circunstâncias, os pedidos de excludente de crime também em

casos de fetos anencéfalo, tem chegado ao tribunal do Estado do Rio de

Janeiro, assim como aos nossos tribunais superiores.

Concomitantemente, abordaremos obras de autores renomados na área

do direito penal, aspectos relevantes na área do direito constitucional, além de

artigos publicados em periódicos e na internet. Ao final, faremos uma breve

análise da posição da Igreja Católica, enquanto entidade política, cuja opinião

tem peso relevante na construção da nossa história.

Nossa intenção é moldar o panorama do modo como este problemática

tem sido discutida e em que base tem se constituído as decisões dos nossos

tribunais e nossa meta é esclarecer as dimensões, a complexidade e os

impasses surgidos da análise de casos reais.

1. 1 Alguns Dados Sobre a Realidade do Aborto no Brasil e no Mundo

Excetuando apenas duas situações na qual o aborto é lícito, que são em

caso de estupro e de risco de vida para a gestante, o aborto é proibido no

Brasil. Vale ressaltar, que apesar destes casos de excludente, na realidade os

hospitais de um modo geral não estão preparados para atender a estas

mulheres que se enquadram numa dessas situações.

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Durante a preparação desta pesquisa, observamos que é elevado o

número de abortos provocados anualmente. As pesquisas públicas apontam

que, no âmbito mundial, cerca de cento e cinqüenta mil mulheres morrem

anualmente em decorrência da prática de abortos clandestinos, incompletos.

O renomado Prof. Luiz Antônio Bento demonstra que “no Brasil a média

de morte materna é de cento e cinqüenta e seis mulheres para cada cem mil

nascimentos. O aborto é considerado uma das principais causas de

mortalidade materna”.

Assim, podemos citar que:

“Cerca de sessenta por cento dos leitos de ginecologia no Brasil são ocupados por mulheres com seqüelas de aborto. O número de abortos é grande, porém não há dados estatísticos claros, por causa da clandestinidade com que é praticado”. (BENTO, 2008, p. 114).

Um estudo publicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS),

revelou que cerca de quarenta e cinco milhões de abortos são realizados

anualmente. Entre esses abortos, em média vinte milhões são realizados em

condições inseguras e ilegais, causando a morte de mais de setenta mil

mulheres por ano. Segundo este mesmo estudo, é nos países do Terceiro

mundo que ocorrem cinqüenta porcento dos abortos realizados no mundo.

Ainda de acordo com o estudo da OMS, pôde-se observar que mulheres

com boas condições econômicas e sociais procuram clínicas particulares,

enquanto as mulheres pobres recorrem a aborteiras, chás, agulhas de crochê,

tubos de canetas, remédios abortivos, vendidos clandestinamente, dentre

outros modos agressivos, que muitas vezes, traz como conseqüências

infecções e até mesmo risco de morte.

A realidade mostra que no Brasil, vinte e cinco porcento das famílias são

mantidas por mulheres, logo, há um grande número de mulheres sozinhas,

sem companheiro, com os filhos para criar. Cotidianamente é a verdade vista

nas periferias das grandes cidades e nos lugares pobres no meio rural. E muito

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provavelmente esta seja uma das causas do ocorrência das diversas métodos

abortivos, mencionados anteriormente, como reposta ao desamparo e até

mesmo desespero com que essas mulheres pobres se sentem.

Neste ponto, levantamos uma questão para iniciar nosso debate, a

manifestação contra ou a favor do aborto requer compreender com clareza

quando se inicia uma vida humana. Sendo assim, perguntamos: que é na

realidade o aborto?

Lembramos que nosso objetivo aqui não é de se fazer um profundo

estudo sobre crime de aborto, porém entendemos que para os limites deste

trabalho, faz-se necessário que sejam feitas algumas considerações sobre o

tema.

A palavra aborto vem do latim abortus e significa expulsar

prematuramente do útero feminino o nascituro, viável ou não, o que é a

privação de nascimento , porque vem de ab, que quer dizer privação, e ortus,

nascimento. É matar um futuro adulto antes do seu nascimento. Fala-se de

futurus homo no sentido que hoje se poderia dizer futuro adulto ou futuro

cidadão. A expressão mais conhecida de Tertuliano (160-220), homicídio

antecipado, significa que a destruição de nascituro equivale ao assassinato

prematuro de um cidadão. As diferenças entre o feto e o ser humano adulto

são vistas no interior de uma concepção da vida humana que reconhece

diversas etapas da infância a velhice.

O aborto é uma supressão da vida do embrião humano antes do

nascimento, podendo ser espontâneo ou provocado.

Dentre todos os crimes que o ser humano pode praticar contra a vida, o

aborto provocado, certamente apresenta características que o tornam

particularmente grave e abjurável, tanto que encontrou no direito positivo uma

norma que o criminaliza. Constitui-se na interrupção, ou seja, na morte

deliberada e direta, independentemente da forma como venha a se realizar, de

um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao

nascimento.

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Contudo, é notório a percepção de que sua gravidade vai-se

obscurecendo progressivamente em muitas consciências. A aceitação do

aborto na mentalidade, nos costumes e na própria lei é sinal eloqüente de uma

perigosa crise do senso moral, problemática esta já citada inclusive pelo

ilustríssimo Martins (2005, p. 84) “de um modo geral esta crise do senso moral,

torna o homem cada vez mais incapaz de distinguir entre o bem e o mal,

mesmo quando se está em jogo o direito fundamental à vida.” Diante desta

grave situação, impõe-se a urgência em se criar mecanismos que atendam e

ao mesmo tempo, nos faça compreender as modernas requisições que a

sociedade atual nos impõe, e em nosso caso, tema deste trabalho, também o

aborto nos casos de fetos anencéfalos.

1.2 Considerações Acerca do Aspecto Legal do Aborto no Brasil

Dentre as constituições do Brasil, a CF/88, é a que protege a maior

gama de direitos fundamentais, além de estabelecer que a tutela desses

direitos constitui um dos alicerces do nosso Estado Democrático de Direito.

Os direitos fundamentais entende-se como aqueles direitos garantidos

por um ordenamento jurídico positivo, geralmente com nível constitucional e

que gozam de uma tutela reforçada. Apresentam um sentido específico e

preciso, uma vez que representam o conjunto de direitos reconhecidos por uma

ordem jurídica positiva e necessariamente democrática.

Constituem como os direitos relacionados à liberdade, à igualdade, à

fraternidade e à dignidade da pessoa humana e que protege o ser humano em

todas as suas dimensões. Os direitos da liberdade resguardam aqueles ligados

à individualidade do homem e a este como ser político. Os direitos da

igualdade resguardam direitos que protegem o ser humano como ser social. Já

os direitos da fraternidade garantem aqueles direitos que protegem o ser

humano como espécie humana. Todos esses direitos são fundamentais no que

tange à dignidade da pessoa humana.

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Observamos que a CF/ 88, está repleta de dispositivos que comprovam

a importância dada pelo constituinte à tutela dos direitos fundamentais. E

portanto, destinada na direção da maior proteção e tutela desses direitos, o

ordenamento jurídico brasileiro revela-se aberto ao Direito Internacional dos

Direitos Humanos, ao permitir a incorporação de outros direitos ao sistema

jurídico nacional, por meio de tratados de proteção dos direitos humanos.

É o que preceitua o § 2º do artigo 5º da CF/88, ao estabelecer que “os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Tal

dispositivo confirma ser o ordenamento jurídico nacional num sistema aberto à

proteção desses direitos, uma vez que admite a incorporação de outros

direitos, por meio de tratados de proteção dos direitos humanos, tratados estes

que serão mencionados posteriormente neste trabalho.

No momento, a tentativa de trazer a reflexão dos direitos fundamentais

garantidos primordialmente na CF/88 e também por intermédio dos tratados

internacionais, conforme mencionado no parágrafo anterior, à luz desta

modesta análise, justifica-se no fato de que os direitos fundamentais devem ser

compreendidos de forma integral. E que o direito à dignidade da pessoa

humana e que protege o ser humano em todas as suas dimensões, constituirão

um das bases da reflexão sobre o aborto também relacionado ao feto

anencéfalo.

Portanto, se por um lado os direitos fundamentais devem ser tutelados,

por outro faz-se necessário restringir esses mesmos direitos quando em

situação de conflito com outros direitos igualmente fundamentais, como no

tema desta monografia, o conflito entre o direito à vida intra-uterina do

anencéfalo versus o direito à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva da

mulher.

É notório que a vida é o bem jurídico mais importante a ser resguardado.

Somente a partir da existência da vida é que o individuo passa a ser titular de

todos os outros direitos, uma vez que a vida é a fonte primária para a

titularidade de direitos. Está tutelada no artigo 5º da CF/88, onde se lê: todos

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são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a invioabilidade do direito à

vida.

Ressaltamos que ao declarar sagrado o direito a vida, a CF/88 não faz

diferenciação entre a vida intra e extra-uterina, e não confere valor maior a vida

extra-uterina em relação a intra-uterina como faz a legislação infra

constitucional,em particular a legislação penal.

A CF/88 igualmente não distingue a proteção à vida humana, iniciada na

fecundação, seja ela natural ou artificial, assim como não diferencia as

consecutivas etapas embrionárias. A defesa da vida, consagrada

constitucionalmente, abarca todas as formas de manifestação da existência

humana com potencial para a formação, o desenvolvimento e o posterior

nascimento.

A vida constitui num direito de todo ser humano, conforme preleciona

o artigo 5º da Lei maior. A universalidade, uma das características dos direitos

humanos, indica que todo e qualquer ser humano é titular do direito à vida, não

influindo se aquele possui limitações físicas ou psíquicas.

O Brasil assinou tratados internacionais de proteção aos direitos

humanos que tutelam a vida. Dentre eles, a Declaração Universal dos Direitos

do Homem, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

O ordenamento jurídico constitucional brasileiro protege o direito à vida

como um direito fundamental. Entretanto, cabe à legislação infraconstitucional

regulamentar essa proteção, sempre com respeito à própria Constituição, uma

vez que não é o papel desta regulamentar o exercícios de direitos.

Particularmente relacionado ao aborto, podemos afirmar que excetuando

duas exceções, o aborto doloso no Brasil constitui crime. Pode ser provocado

pela gestante ou com seu consentimento. O CP Brasileiro, Decreto Lei n. 2848,

de 7 de dezembro de 1940, dispõe do artigo 124 ao 127 sobre esta matéria. O

artigo 128 cuida dos casos de excludente da punibilidade, que acontece nos

casos de gravidez proveniente de estupro e de risco de morte eminente para a

gestante, o chamado aborto necessário. Porém , nosso código penal não

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define claramente o aborto, segundo o Greco (2007), nosso documento usa

apenas a expressão provocar aborto, ficando a cargo da doutrina e da

jurisprudência o esclarecimento dessa expressão.

Deste modo, nas palavras de Anibal, (1984, p. 43), provocar aborto “é

interromper o processo fisiológico da gestação”, com a conseqüente morte do

feto, admitindo-se muitas vezes o aborto ou como a expulsão prematura do

feto, ou como a interrupção do processo de gestação. Mas nem um nem outro

desse fato bastará isoladamente para caracterizá-lo.

Assim, podemos citar:

“A incidência das discussões que giram em torno da revogação da criminalização do aborto, deve-se ao fato de que embora proibido pela lei penal, a sua realização é freqüente e constante, e como explanamos anteriormente, em condições adversas, que por muitas vezes colocam em risco a vida da gestante” (GRECO, 2007, p.237).

Do outro lado, aqueles que defendem a vida, preconizam que o direito a defesa

da vida, precisa ser feito, seja ela de que tamanho for, posto que se trata de

uma dádiva de Deus- o milagre da vida. Além do que, a vida em qualquer

tempo deve ser protegida.

1.3 Perspectivas e Desafios

Certamente um dos maiores desafios do mundo jurídico, será dar

reposta para esta demanda social, atualmente ilícita , contudo freqüente em

nosso meio que é o aborto.

É sabido, que todo ser humano possui o mesmo valor perante Deus e

por isso é impossível medir os seres humanos de modo diferente: importantes

e sem importância, perfeitos ou imperfeitos, nascidos e por nascer etc. Não é

possível pensar na vida humana, e num juízo de valoração, conceber uma ou

outra, seja por qual motivo for, e classificá-las numa escala de valores.

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Existem muitos desafios a serem respondidos, antes que se decida pela

descriminalização, tendência visível em nossa realidade brasileira, e uma

realidade concreta em alguns países europeus. Dentre esses desafios, que

merecem serem trazidos para o enriquecimento da nossa reflexão, podemos

citar: o fato de que a criança no ventre materno, não ser um injusto agressor,

contra o qual seja legítimo defender-se; outro fator a ser considerado baseia-se

na realidade de que a mulher deve possuir autonomia sobre seu corpo, porém

esse direito não incide sobre a vida de um outro. Assassiná-lo será, sempre um

crime, pois a vida precisa ser protegida em todas e em quaisquer

circunstâncias, independentemente de quanto tempo e de como está existindo.

Certamente urge a necessidade de se combater essa problemática de

forma inteligente, denunciando a sua origem e sua causa, encontrando quem

deseja e por qual motivo entende que o aborto seja legalizado. Posto que, o

perigo de se ter uma legislação favorável ao aborto, pode acabar difundindo a

idéia na maioria, de que se é permitido por lei, é também moralmente bom.

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CAPITULO II- ANENCEFALIA E O FETO ANENCÉFALO-

CONCEITO E PARTICULARIDADES

A anencefalia constitui-se numa anormalidade congênita do feto, que se

configura numa malformação do sistema nervoso central. Em decorrência

desta malformação, o anencéfalo carece de grande parte do sistema nervoso

central. Contudo por preservar o tronco encefálico, ou parte dele, mantém

algumas funções vegetativas. Em princípio, a deficiência em questão

incapacitaria o feto para as funções relacionadas à consciência, a capacidade

de percepção, cognição, comunicação, afetividade e de emotividade.

Entretanto mesmo assim a ciência médica reconhece que ele é um ser humano

vivo.

Assim, podemos citar:

“Em nossos estudos podemos compreender que a anencefalia consiste basicamente em malformação rara do tubo neural acontecida entre o décimo sexto e o vigésimo sexto dia de gestação, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária. Esta é a malformação fetal mais freqüentemente relatada pela medicina.” (LIMA, 2009, p.79).

Ao contrário do que o termo possa sugerir, a anencefalia não caracteriza

somente casos de ausência total do encéfalo, mas sobretudo casos onde

observa-se graus variados de danos encefálicos. A dificuldade de uma

definição exata do termo "baseia-se sobre o fato de que a anencefalia não é

uma má-formação do tipo 'tudo ou nada', ou seja, não está ausente ou

presente, mas trata-se de uma má-formação que passa, sem solução de

continuidade, de quadros menos graves a quadros de indubitável anencefalia.

Onde conclui-se que uma classificação rigorosa é, portanto quase que

impossível.

Observamos que na prática, a palavra "anencefalia" geralmente é

utilizada para caracterizar uma má-formação fetal do cérebro. Nestes casos, o

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bebê pode apresentar algumas partes do tronco cerebral funcionando,

garantindo algumas funções vitais do organismo.

No caso do feto anencéfalo, constitui-se uma patologia letal. Posto que

bebês com anencefalia possuem expectativa de vida muito curta, embora não

se possa estabelecer com precisão o tempo de vida extra-uterina que terão. A

anomalia pode ser diagnosticada, com certa precisão, a partir das doze

semanas de gestação, através de um exame de ultrassonografia, quando já é

possível a visualização do segmento cefálico fetal. De modo geral, os ultra-

sonografistas preferem repetir o exame em uma ou duas semanas para

confirmação diagnóstica.

Neste ínterim, podemos citar que:

“O risco de incidência aumenta cinco porcento a cada gravidez subseqüente. Inclusive, mães diabéticas têm seis vezes mais probabilidade de gerar filhos com este problema. Há também maior incidência de casos de anencefalia em mães muito jovens ou nas de idade avançada.” (LIMA, 2009, p.79).

Nos últimos anos, com os avanços tecnológicos que permitem exames

precisos para este tipo de malformação fetal, juízes têm dado autorizações

para que as mulheres com gravidez de fetos anencéfalos pudessem efetuar a

interrupção da mesma. Estas decisões são comumente alvos de protestos de

grupos religiosos e laicos contrários ao aborto, matéria do presente estudo.

Observamos, inclusive, a existência de movimentos formados por pais

que passaram pela situação de ter um filho anencéfalo, e que buscam

aconselhar outros pais na mesma situação a não abortarem, através de

depoimentos de superação do sofrimento. Esses casos em particular,

trouxeram a nossa análise um peso ainda maior, pois demonstram um outro

modo de enfrentar a realidade da gestação dos fetos anencéfalos,

enriquecendo-nos com uma outra perspectiva de análise.

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Trouxemos então para nosso estudo, o caso singular, veiculado pelos

meios de comunicação recentemente, conhecido como o Caso Marcela. Além

dela, outros casos semelhantes nos fizeram repensar sobre o quanto ainda

precisamos analisar esses fatos com responsabilidade e cautela.

O caso Marcela merece destaque pois se constitui num fato inédito no

que tange ao tempo de sobrevida de uma criança portadora desta anomalia. O

caso ocorreu no Município de Patrocínio Paulista onde esta criança

diagnosticada como anencéfala viveu por um ano, oito meses e doze dias após

o nascimento. A menina, batizada de Marcela de Jesus, nasceu no dia vinte de

novembro de dois mil e seis e morreu no dia trinta e um de julho de dois mil e

oito. Marcela não tinha o córtex cerebral, apenas o tronco cerebral, responsável

pela respiração e pelos batimentos cardíacos. A menina faleceu em

consequência de uma pneumonia aspirativa.

O caso gerou divergências: alguns especialistas, baseados na

deficiência de uma definição exata do termo "anencefalia", levantaram a

hipótese de que a menina na verdade sofria de uma malformação do crânio

encefalocele, associada a um desenvolvimento reduzido do cérebro conhecido

como microcefalia. Outros afirmam que o que houve, na verdade, foi uma

forma "não clássica" de anencefalia, como a pediatra da menina, Márcia Beani

Barcellos, profissional que mais acompanhou o caso. Segundo Márcia, a

sobrevivência surpreendente de Marcela foi "um exemplo de que um

diagnóstico não é nada definitivo".

Em entrevista concedida quando a criança ainda estava viva, a pediatra

afirmou ainda que a discrepância não era só em relação ao diagnóstico intra-

uterino, mas aos prognósticos geralmente feitos: "Ela não pode ser comparada

com uma criança com morte cerebral, que não tem sentimentos. A Marcela não

vive em estado vegetativo. Como ela processa isso, é um mistério!"

O valor da vida de um ente humano, como Marcela, não se mede pela

expectativa de duração, nem pela presença ou ausência de um órgão (como o

cérebro), nem pelo funcionamento ou não dos sentidos, nem sequer pela

possibilidade ou não de consciência. Quando éramos uma única célula

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(chamada ovo ou zigoto), nenhum órgão sensorial existia. O cérebro só

começaria a emitir ondas na sexta semana de vida. No entanto, nossa vida já

era inviolável, mesmo naquele estágio unicelular- completou a médica que a

acompanhou.

Na matéria citada a mãe de Marcela relata ainda que a menina reagia ao

seu toque, agarrando com sua mãozinha, os dedos da mãe, se assustava com

o som de alguma coisa caindo, reagia à luz dos refletores trazidos pelos

fotógrafos, gritava de dor quando sentia cólica, ficava triste, fazia beiço,

chorava. Continua no relato de Marcela , que a reação mais impressionante da

menina era o sorriso. Chegando a dar gargalhadas quando a mãe lhe fazia

cócegas.

Neste ponto questionamos se é possível um anencéfalo ter consciência.

Encontramos para tal indagação a seguinte resposta: devido a um fenômeno

chamado neuroplasticidade, os neurônios são capazes de assumir funções de

células vizinhas que foram lesadas.

Assim, podemos citar que :

“No anencéfalo, o córtex cerebral está ausente, mas está presente o tronco cerebral e o cerebelo. Referindo-se ao anencéfalo, assim se pronuncia o citado Comitê de Bioética: ... a neuroplasticidade do tronco poderia ser suficiente para garantir ao anencéfalo, pelo menos, nas formas menos graves, uma certa primitiva possibilidade de consciência.” E prossegue com esta importante conclusão: Deveria, portanto, ser rejeitado o argumento de que o anencéfalo, enquanto privado dos hemisférios cerebrais, não está em condições, por definição, de ter consciência e provar sofrimentos.”(MOORE, 2002, p.39).

Ainda pertinente a problemática conceitual e também diagnóstica do

conceito de anencefalia.Devido a complexidade de seu desenvolvimento

embriológico, não é incomum seu desenvolvimento anormal na espécie

humana. As malformações do sistema nervoso central- centro propulsor e

coordenador de todas as manifestações vitais, quais sejam, as intelectivas, as

sensitivas e as vegetativas- geram inúmeras doenças. A anencefalia configura

uma das malformações do encéfalo.

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Segundo estudos epidemiológicos, a malformação está relacionada à

vários fatores de natureza genética e/ ou ambiental, tais como localização

geográfica, sexo, etnia, raça, época do ano, classe social e histórico familiar.

Trata-se de uma doença relativamente comum, mas que vem decaindo nas

ultimas décadas de cinco para dois a cada dez mil habitantes nascidos vivos. É

mais freqüente no sexo feminino, sendo a proporcionalidade de duas a quatro

vezes anencéfalos que nascem com vida, sobreviverem geralmente poucas

horas ou dias após o parto, há alguns registros de sobrevivência durante

meses. Nos casos de sobrevivência após o parto, o prognóstico é certo. Há

progressiva deterioração do organismo, até seu perecimento. Por ser um

quadro irreversível, a manutenção da vida extra-uterina de crianças nascidas

com anencefalia é praticamente impossível.

2.1 O Aborto dos Casos de Anencefalia

A doutora e mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica, da

cidade de São Paulo, Lima (2009,, p. 78), aborda em sua obra intitulada Aborto

e Anencefalia, que existe uma tendência para os defensores do aborto, nos

casos de gestação diagnosticada de feto anencéfalo, em considerar a sua

despenalização pelo fato de conceber que o feto, neste caso, pode ser

considerado um natimorto, devido a ausência do órgão principal, responsável

pela manutenção de todo seu organismo.

Segundo a autora, as ciências médicas e biológicas sempre enfrentaram

a questão da determinação do inicio e do termino da vida humana. Com

relação à morte, seu conceito seria também controverso nas ciências médicas.

No entanto, para determinar-se o momento da morte é preciso antes defini-la.

A realidade empírica demonstra e as ciências médicas comprovam que a morte

não é, em geral, fenômeno instantâneo, mas um processo lento que se alonga

no tempo. Ela decorre em etapas, por isso, em um espaço determinado de

tempo. Não é, em geral, a parada total e instantânea de vida, mas um

fenômeno lento e progressivo.

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Assim, podemos citar que:

“A vida equivale a um complexo conjunto de fenômenos bioquímicos que seguem leis fixas e cujo normal funcionamento se traduz num equilíbrio biológico e físico-químico e numa constância de valores orgânicos. Quando a morte se produz, aquelas leis deixam de se cumprir e o corpo humano fica em estado inerte, sofrendo as influencias de ordem física, química e microbiana do meio ambiente e inclusive de seu próprio meio interno. Porem nem todos os tecidos e sistemas orgânicos, nem todas as células, perdem suas propriedades vitais no momento em que a vida se extingue do organismo como um todo. Há graus de vida e há graus de morte; há morte total e morte parcial, que precede sempre aquela, por estar o corpo constituído por sistemas de resistência vital diferente. Porém de qualquer jeito, um das partes morrem antes e outras depois, finalmente todo o organismo consome suas reservas vitais e a morte total, definitiva, irreversível instaura-se nele.” (LIMA, 2009, p.72).

A reflexão citada acima constitui uma explicação importante pois alguns

defensores do aborto em caso de fetos anencéfalos, constroem sua tese

baseados no entendimento de que o feto anômalo, poderia ser considerado um

ser morto, posto que não possui cérebro.

Nesses casos, a diagnóstico da morte estaria pautado na mesma

compreensão em que é concebida a chamada a morte encefálica. Explicando

melhor, como nos casos em que a morte encefálica é detectada, nos casos de

pacientes que sobrevivem por intermédio de aparelhagem médica, esses tais

doutrinadores, igualmente entendem que no caso dos fetos anencefalos, a

morte encefálica poderia ser também decretada, agora não por um motivo

acidental ou qualquer que seja, e sim pela ausência de massa cerebral. O

corpo assim teria suas funções vitais conservadas enquanto presente no ventre

materno, mas destinada à morte uma vez fora do ambiente intra-uterino.

Há que considerar, no entanto, que nos casos dos fetos anencéfalos, tal

conclusão poderia levar-nos a conclusões preciptadas. Compreender de

antemão que o feto portador de anencefalia possui morte cerebral, pode ao

mesmo tempo nos levar a ter uma atitude arriscada e irresponsável. Pois a

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anomalia aqui tratada, como mencionamos em passagens anteriores, não se

faz de maneira simplista e eficiente, por muitos motivos.

Vale lembrar que a anencefalia é um conceito que define, como

mencionamos neste trabalho, anomalias do cérebro, é necessário avaliar a

dimensão dessa anomalia. E esta análise fica limitada pois ainda não dispomos

de um mecanismo eficaz, capaz de averiguar com eficiência o grau da lesão

cerebral do feto.

Sem contar que a realidade brasileira, dá um contorno diferenciado

dentro desta análise, posto que além da inexistência de tecnologia médica

capaz de realizar o diagnóstico com precisão, ainda contamos com serviços de

saúde precários e sem qualidade, onde grande parte da população ainda

permanece sem acesso.

A própria Resolução 1480/97 do Conselho Federal de Medicina,

reconhece que não há consenso quanto à aplicação dos critérios atuais para

diagnosticar a morte encefálica em crianças menores de sete dias e

prematuros, o que incide em quase todos os casos de anencefalia, devido a

brevidade da sobrevivência dos portadores dessa malformação. Observa-se

que a discussão parece ser ainda mais ampla, porque não há consenso entre

os autores na área das ciências medicas quanto aos critérios para diagnosticar-

se a morte de crianças de maneira geral.

As divergências referem-se fundamentalmente ao tempo necessário de

observação das crianças, para determinar a irreversibilidade do processo e a

necessidade de aplicarem-se ou não os testes de confirmação da morte

encefálica.

Por outro lado, diante do disposto na Resolução 1480/97, alguns

doutrinadores, na seara jurídica, vêm defendendo o entendimento de que a

eleição da morte encefálica como momento da morte humana representa que o

anencefalo é um ser morto. Tal entendimento dá-se porque a malformação

neurológica faz com que o anencefalo não apresente grande parte do encéfalo.

No entanto, de acordo com as palavras da Lima (2009), de modo ambíguo e

contraditório, o Conselho Federal de Medicina na Resolução 1.752/ 04, que

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cuida da autorização ética do uso de órgãos e tecidos de anencefalos para

transplante, mediante autorização prévia dos pais, considera o anencefalo um

natimorto cerebral.

A autora mencionada no parágrafo anterior, destaca o posicionamento

de alguns doutrinadores que entendem não ter o anencefalo vida. Segundo

Prado (2008), apesar do aborto eugênico não ser agasalhado pela legislação

penal brasileira, o aborto do anencefalo merece especial destaque, para o

Prado, em situações como essa, o feto não pode ser considerado tecnicamente

vivo, o que significa que não existe vida humana intrauterina a ser tutelada. Em

outras palavras, é justamente a inexistência de vida o que permite fundamentar

a falta de dolo ou culpa, bem como conseqüente falta de um resultado típico.

O argumento da inexistência de vida humana é equivocado, pois o

anecefalo, segundo seu entendimento, tem vida. A relevância da discussão

quanto a permissão legal para interromper-se a gestação do anencefalo só

existe e faz-se essencial porque se trata de um ser vivo. Caso ele fosse um ser

morto, não caberia indagar se houve ou não crime de aborto e não haveria

nenhuma questão ética a ser levantada.

Segundo entendimento predominante das ciências médicas, a vida

humana inicia-se na concepção. A partir desse momento já existe vida, e todos

os componentes fundamentais para o desenvolvimento de um novo ser

humano estão presentes. Nos primeiros dias de vida, não há , notoriamente,

órgãos ou sistemas formados, mas há inúmeras divisões celulares. Existe

portanto vida humana. A anencefalia, uma das malformações do sistema

nervoso central, só vai ocorrer, como já foi mencionado neste trabalho, em

torno do vigésimo quinto dia após a fecundação.

No que concerne à Resolução 1.752/ 04 do Conselho Federal de

Medicina, que iguala o anencefalo ao natimorto cerebral, e segundo a Drª

Carolina Lima, conclui-se que o seu teor afronta os fundamentos da medicina

quanto ao conceito de vida humana. A anencefalia configura malformação letal,

o anencéfalo, contudo, tem vida e não pode ser equiparado ao natimorto.

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2.2 Da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade do ser humano diz respeito a sua autoridade como ser

racional, que merece respeito, zelo, tratamento igualitário e justo. A dignidade

nasce com a pessoa, é inerente à sua essência, entretanto a dignidade não

compreende apenas o respeito ao ser humano em si, mas também, a suas

ações, imagem, consciência, intimidade, liberdade e direitos fundamentais. A

dignidade do ser humano como direito foi sendo construída no decorrer da

história e hoje tem valor supremo assegurado na Declaração dos Direitos do

Homem e na Constituição Pátria como um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito.

Destarte, podemos citar:

“No plano jurídico, a valorização da idéia de dignidade humana ganhou forma com os movimentos constitucionalistas. Contudo, a dignidade da pessoa humana somente foi tratada como relevante na Declaração de Direitos da Virgínia e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que culminou na Revolução Francesa. Só na Declaração Universal das Nações Unidas de 1948 passou a ser consagrada como mandamento constitucional e reconhecida pela maioria das constituições. No Brasil, a dignidade da pessoa humana foi reconhecida e consagrada como princípio fundamental na CF/88.” (SILVA, 2008, p.52).

Apesar de se viverem ainda discriminações, perseguições racistas e

outros atos atentatórios à dignidade da pessoa humana, no passado a situação

era pior, porque o direito legitimava os atos de atrocidade praticados contra o

homem, como tortura, escravidão e pena de morte. Felizmente o ideal jurídico

evoluiu, e o princípio da dignidade da pessoa humana foi erigido à norma das

normas e encontra-se positivamente assegurado.

Na Constituição brasileira, o princípio da dignidade da pessoa humana

constituiu seu primeiro fundamento, uma vez que é ele que dá a direção para

que o equilíbrio seja buscado e alcançado. Rizatto Nunes (2002, p.26) defende

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“ o princípio da dignidade da pessoa humana como o primeiro fundamento

constitucional brasileiro.”

Com a evolução humana a dignidade se ampliou, possibilitando o

exercício de direitos e garantias. O indivíduo como ser juridicamente protegido

em sua dignidade pode violar a dignidade alheia, razão pela qual a função

jurisdicional se apresenta como essencial para dirimir possíveis conflitos

advindos de violação à dignidade da pessoa humana, seja por parte do poder

público, seja do próprio particular em suas relações sociais.

É inquestionável que o princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana no Estado Democrático de Direito é de suma importância e é novo

para o cidadão brasileiro. O legislador constitucional não o definiu

positivamente, mas implicitamente, ao enumerar um rol de direitos e garantias

individuais.

De acordo com Miranda (1998), a Constituição da República

Federativa do Brasil tem como um dos seus princípios fundamentais a

dignidade da pessoa humana, a qual revela o mais primário de todos os

direitos, na garantia e proteção da própria pessoa como um último recurso,

quando a garantia de todos os outros direitos fundamentais se revela

excepcionalmente ineficaz, proclamando a pessoa como fim e fundamento do

direito.

Os direitos e garantias fundamentais instituídos no art. 5º da CF/88

têm como fonte ética a dignidade da pessoa humana como forma de proteção

e desenvolvimento da pessoa.

Em face do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,

pode-se dizer que a pessoa é o bem supremo da ordem jurídica, o seu

fundamento e seu fim. Sendo possível concluir que o Estado existe em função

das pessoas e não o contrário, a pessoa é o sujeito do direito e nunca o seu

objeto.

De acordo com Santos (1999, p. 93), “não há valor que supere o valor

da pessoa humana. É nesse sentimento de valor que se fundamenta o direito

da personalidade como projeção da personalidade humana.” Com os direitos

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da personalidade, quer-se fazer referência a um conjunto de bens que são tão

próprios do indivíduo, que chegam a se confundir com ele mesmo e constituem

as manifestações da personalidade do próprio sujeito.

Os direitos da personalidade designam direitos privados fundamentais,

os quais devem ser respeitados como o conteúdo mínimo para a existência da

pessoa humana, impondo limites à atuação do Estado e dos demais

particulares; contudo, tal conceituação não é suficiente para determinar

especificamente quais direitos são ou não da personalidade, sem que exista

uma tipificação, uma vez que a posição de Messineo é de que os direitos da

personalidade só se operam por força de lei.

Os direitos da personalidade vêm tradicionalmente definidos como

direitos essenciais do ser humano, os quais funcionam como o conteúdo

mínimo necessário e imprescindível da personalidade humana. A justificativa

teórica para atribuir o caráter de direitos inatos aos direitos da personalidade

volta-se à circunstância de se tratar de direitos essenciais, naturais à pessoa

humana que remetem a sua existência ao mesmo momento e ao mesmo fato

da existência da própria pessoa.

Assim, podem-se definir os direitos da personalidade como categoria

especial de direitos subjetivos que, fundados na dignidade da pessoa humana,

garantem o gozo e o respeito ao seu próprio ser, em todas as suas

manifestações espirituais ou físicas.

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CAPÍTULO III - APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE MORTE

ENCEFÁLICA NOS PORTADORES DE ANENCEFALIA

Estabelecido o conceito de morte encefálica e os critérios para sua

detecção, indaga-se se tais critérios podem ser aplicados no diagnóstico de

morte de bebês anencéfalos.

As ciências médicas reconhecem, assim como a própria Resolução

1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, que não há consenso quanto à

aplicação dos critérios atuais para diagnosticar a morte encefálica em crianças

menores de sete dias e prematuros, o que incide em quase todos os casos de

anencefalia, devido à brevidade da sobrevivência dos portadores dessa mal

formação. Observa-se que a discussão parece ser ainda mais ampla, porque

não há consenso entre os autores na área das ciências médicas quanto aos

critérios para diagnosticar-se a morte de crianças de maneira geral.

As divergências referem-se fundamentalmente ao tempo necessário

de observação das crianças, para determinar a irreversibilida de do processo e

a necessidade de aplicarem-se ou não os testes de confirmação da morte

encefálica.

Assim, não há atualmente consenso quanto aos critérios para

diagnosticar-se a morte de crianças, especialmente os prematuros e os

menores de sete dias. Quanto aos critérios para diagnosticar-se a morte de

bebê anencéfalo, não há posição clara e precisa sobre o assunto por parte dos

estudiosos das ciências médicas. A questão é ainda mais controversa, porque

há o entendimento, defendido por alguns doutrinadores, tanto na área jurídica

quanto médica, de que o anencéfalo é um natimorto. Entretanto, se entenderse

que ele é natimorto, não há que se comprovar sua morte, uma vez que ele já

está morto.

Por isso, ao lado da discussão quanto aos critérios para o diagnóstico

da morte encefálica em crianças e em especial em crianças menores de sete

dias e prematuros, e que engloba a grande maioria dos casos de anencefalia,

surge outra discussão tanto no âmbito médico quanto jurídico.

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No entanto, diante do disposto na Resolução 1.480/97, alguns

doutrinadores, na seara jurídica, vêm defendendo o entendimento de que a

eleição da morte encefálica como momento da morte humana representa que o

anencéfalo é um ser morto. Tal entendimento dá-se porque a malformação

neurológica faz com que o anencéfalo não apresente grande parte do encéfalo.

Ele apresenta, como já exposto neste capítulo, o tronco encefálico, ou parte

dele, responsável pelas funções vegetativas vitais. Para fortalecer esse

posicionamento, no nosso entender equivocado, a Resolução 1.752/04,

também do Conselho Federal de Medicina, considera o anencéfalo um

natimorto cerebra.

Deste modo, podemos citar:

“Não havendo vida, na hipótese, tal qual ela pode ser entendida, sendo tal fato atestado por pareceres clínicos, realizada a conduta interruptiva da gestação, não é possível que o sujeito logre atingir o bem jurídico protegido em questão, com o que, cuida-se de fato materialmente atípico. Não é possível caracterizar-se o aborto, porque este é um dispositivo jurídico que se inscreve no capítulo dos delitos dolosos contra a vida. A vida é o bem jurídico protegido pelo aborto. Se onde há cessação da atividade cerebral não há vida, não há objeto jurídico. Não havendo objeto não há proteção jurídica justificada. Como tal, não pode existir responsabilidade penal.”(BUSATO, 2005, p. 386).

“Embora em ambos os casos aborto e anencefalia - se possa cogitar de interrupção do processo gestacional, é induvidoso que faltam à anencefalia os elementos que denunciam o tipo de aborto, sobretudo, o reconhecimento prévio da existência de vida humana intra-uterina. Trata-se, portanto, de caso de pura atipia”. (FRANCO, 2005, p.416).

O argumento da inexistência de vida humana é, no nosso entender,

equivocado, pois, como demonstrado no presente capítulo, o anencéfalo tem

vida, segundo demonstram as ciências médicas. Ademais, a relevância da

discussão quanto à permissão legal para interromper-se a gestação do

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anencéfalo só existe e faz-se essencial porque se trata de ser humano vivo.

Caso ele fosse um ser morto, não caberia indagar se houve ou não crime de

aborto e não haveria nenhuma questão ética a ser levantada. Segundo nossa

legislação, nenhuma mulher é obrigada a permanecer com um concepto morto

em seu ventre.

Apesar da ausência de quase todo o encéfalo, o anencéfalo é um ser

vivo. A presença do tronco encefálico permite que as funções vegetativas

sejam preservadas. Segundo Maria Auxiliadora Minahim, é a presença dessas

funções, ou de algumas delas, que marca a diferença entre morte encefálica e

anencefalia. Um ser desprovido de encéfalo, com certeza, não poderia

sobreviver ou mesmo existir. No entanto, não é o caso do anencéfalo. Ele

sobrevive por curto período de tempo, na maioria dos casos, porque preserva o

tronco encefálico ou parte dele.

Ademais, argumentar que a ausência de parte do encéfalo equivale à

ausência de vida humana é totalmente incoerente.

3.1 O Ponto De Vista da Igreja Católica

Sem querer diminuir em nada o testemunho que o cristão deve dar a

favor de toda vida, uma exigência ética suprema de verdade impõe um esforço

de avaliação correta da posição oficial da Igreja.

A posição da Igreja Católica sobre o aborto revela-se como um

serviço incondicional à vida. Ela estabelece critérios objetivos de proteção à

vida, considerando a fecundação como momento decisivo. Desse modo, a

valorização da vida do feto independe de considerações ligadas a conflitos de

valores, gostos, costumes, manipulações e arbitrariedades que possam

ameaçar a vida na ausência desses critérios objetivos. Estabelece, também,

uma firme barreira teórica de proteção para todas as vidas que se podem ver

ameaçadas, evitando a erosão do princípio de respeito pela vida.

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O Código de Direito Canônico, 1398, § 1º, diz que o aborteiro é

excomungado e que o aborto provocado é uma tomada de posição.

A encíclica Evangelium vitae reforça ainda mais, dizendo que,

mesmo quando diante dessa verdade permanecer alguma irredutível dúvida, o

valor em jogo é tal que, sob o perfil moral, bastaria a simples probabilidade de

encontrar-se em presença de uma pessoa para se justificar a mais categórica

proibição de qualquer intervenção tendente a eliminar o embrião humano.

De tal modo, podemos citar:

“Por isso mesmo, independentemente dos debates científicos e mesmo das afirmações filosóficas com os quais o Magistério não se empenhou expressamente, a Igreja sempre ensinou - e ensina - que tem de ser garantido ao fruto da geração humana, desde o primeiro instante da sua existência, o respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano na sua totalidade e unidade corporal e espiritual: "O ser humano deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e primeiro de todos, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida.” (MARQUES, 1971, p.151).

A Bíblia apresenta um conjunto de ensinamentos que representa um

"sim" decidido em favor da vida, do ser humano, mas que não pode ser

considerado como uma norma taxativa e, sim, um marco de inspiração ou de

referência. Os bispos espanhóis recolheram esse conjunto de ensinamentos no

seguinte texto:

Deus é o único Senhor da vida e da morte. Salvo no caso extremo da

legítima defesa, o ser humano não pode atentar contra a vida humana. O

Antigo Testamento expressa essa mesma idéia de diversas formas: a vida,

tanto a própria como a alheia, é um dom de Deus que o ser humano deve

respeitar e cuidar, sem poder dispor dela, o "Deus Vivo" criou o ser humano à

sua imagem e semelhança (. Gêneses 1,27). Deus, um Deus de vivos e não de

mortos (Marcos 12,27), quer que o ser humano viva. Por isso, com a proibição

do homicídio (Gêneses 9,5-6; Êxodo 20,13), protege a vida do ser humano.

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O Novo Testamento opta pela vida do ser humano, manifestando sua

predileção pelas vidas mais marginalizadas e menos significativas e

resgatando-as para a verdadeira vida. Com isso, revelou-se, inequivocamente,

o valor da vida de todo ser humano, independentemente de suas qualidades e

de sua utilidade social. O direito à vida é inerente à própria vida, como um valor

em si, intangível, que deve ser respeitado e salvaguardado. O Novo

Testamento faz referência à vida pré-natal de Cristo e de João Batista em

termos semelhantes à vida de um ser já nascido.

Assim, podemos citar:

“Ora, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: "Bendito és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite? Pois, quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria em meu ventre.” (LUCAS 1, 14 E MATHEUS 1, 18).

O interesse desse texto reside no fato de que, posteriormente, iria

apoiar a reflexão da Igreja sobre o apreço à vida intra-uterina. O rico

ensinamento neotestamentário em favor dos mais pobres e indefesos constitui

um marco de referência que pode inspirar uma moral exigente na questão do

aborto.

Na Bíblia, a vida é vista como dom de Deus, que prolonga de modo

contínuo o fato da concepção. Por isso mesmo a Igreja não abre mão da sua

posição: Deus é o autor da vida. A vida é um dom que Deus deu ao ser

humano, mas dela o ser humano não é dono.

Vale ressaltar, também, que a Igreja repele o aborto em qualquer

situação. Quando a Igreja transmite certas normas que, em determinados

casos, podem exigir heroísmo, ela o faz com a convicção de que essas normas

provêm de Deus. Ela sabe que o próprio Deus, que transmite essas normas,

está pronto a conceder toda a ajuda necessária para que elas sejam

cumpridas.

A liturgia também prestou sua colaboração para a tradição cristã em

torno do aborto. A festa da concepção de Cristo ou Anunciação de Maria, nove

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meses antes do Natal, e a festa da concepção de Maria, nove meses antes de

sua Natividade, ambas celebradas no Oriente desde o século VII, acima de

qualquer significado imediato, contribuíram de certa forma para atribuir um

caráter sagrado a toda vida humana desde a concepção.

3.2 Aspectos Relevantes

Todo ser humano possui o mesmo valor perante Deus e por isso é

impossível medir os seres humanos de modo diferente importantes e sem

importância, nascidos e por nascer etc. Não dá para olhar para uma vida

humana como tendo maior valor do que outra. A criança no ventre da mãe não

é injusto agressor, contra o qual seja legítimo defender-se.

Alguns dados estão aí, são assustadores. Milhões de inocentes são

executados sem direito à vida, são mortos sem nenhum crime, sem nenhum

mal. Seu crime: terem sido gerados.

É verdade que a mulher pode alegar que o corpo é seu e faz dele o

que bem quiser, mas esse direito não incide sobre a vida de um outro.

Assassiná-lo será, sempre, um crime. Matar um ser humano é sinal de

desvalorização da vida, pois a vida humana precisa ser protegida em todas e

em quaisquer circunstâncias, independentemente de quanto tempo e de como

está existindo.

O aborto deve ser considerado uma questão de omissão ou hipocrisia

moral coletiva que causa a morte e o sofrimento de milhares de mães que o

provocam em condições miseráveis.

Matar um ser humano é sinal de desvalorização da vida. Pois a vida

humana precisa ser protegida independentemente de há quanto tempo está

existindo.

Ressalta-se que as mulheres não abortam sozinhas, mas o homem

que abandona uma mulher grávida está abortando antes mesmo que ela.

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Ê necessário combater o aborto de forma inteligente, denunciando a

sua origem e as suas causas. Quem quer e por que quer que o aborto seja

legalizado? A própria legislação do aborto acabaria por conferir-lhe, na

consciência dos mais simples, a conotação de honestidade: se é permitido por

lei, é moralmente bom.

De tal modo, podemos citar:

“Criar uma mentalidade ou encontrar uma solução para eliminar as causas do problema. Fazer os esforços possíveis. Metas para procurar eliminar as causas: uma política familiar corajosa. O problema é da sociedade e não só da família. Educação para a prevenção de uma gravidez não desejada. Tentar superar a mentalidade inaceitável da nossa sociedade, de modo particular a cultura sexual, que quer separar o uso genital da procriação. Consultórios familiares, onde se orientem os casais. Centros para acolher a vida. Ajudar as gestantes. Instituições que apóiam as mães, os filhos e os casais. Não confundir perspectiva legal com enfoque moral. Não são os políticos que vão dizer o que é bom ou mau; não são eles que vão legislar sobre a vida. Esclarecer a relação entre aborto e contracepção (manter uma paternidade responsável, Humanae vitae). Não lançar pedras sobre as mães que julgam não ter condições para criar um filho indesejado se a sociedade que integramos não tem previsto realizar obras assistenciais de ajuda a essas mães ou de recolhimento dos filhos que ninguém quer”. (MARQUES, 1971, p.152).

É preciso, ainda, trabalhar para tudo aquilo que pode ajudar as

famílias, as mães, as crianças.

3.3 O Aborto Nos Casos de Anencefalia à Luz dos Fundamentos e dos

Princípios da Bioética

Os avanços tecnológicos na área da medicina fetal permitem realizar

diagnósticos muito seguros sobre a formação do produto da concepção e a

detecção de inúmeras doenças. O diagnóstico pré-natal, na atualidade, abarca

uma gama muito grande de procedimentos médicos com diversas finalidades.

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Possibilita a melhor proteção da vida e da saúde, tanto da gestante quanto do

concepto, ao detectar doenças e má- formações fetais. A partir do diagnóstico,

é possível, por meio desde procedimentos mais simples até de práticas

cirúrgicas, resolver ou remediar muitas dessas situações. Para auxiliar no

diagnóstico, os modernos aparelhos de ultrassonografia possibilitam resolução

precisa quanto à existência de malfonnações fetais.

A anencefalia pode ser diagnosticada no início da gestação, por meio

dos exames pré-natais, particularmente pelos exames de ultrassonografia.

Caso não diagnosticada no início da gestação, ou caso haja alguma dúvida

quanto ao diagnóstico, este pode ser feito com absoluta certeza, entre o

período da vigésima semana à vigésima segunda semana, por meio dos atuais

aparelhos de ultrassonografia. Por isso, o argumento de que poderia haver erro

de diagnóstico é muito pouco provável, diante dos avanços na área da

medicina fetal. No entanto, apesar de todos os avanços da ciência médica e da

tecnologia a ela relacionada, ainda não há recursos médicos para reverter

determinados quadros clínicos, como nos casos da anencefalia. Nestes, a

medicina não possui nenhum procedimento ou tratamento que possa reverter

tal situação. O anencéfalo está fadado a uma vida vegetativa por breve período

de tempo até a morte.

Destarte, podemos citar:

“Essa realidade completamente nova faz surgir nova realidade jurídica, na qual se discute a colisão de bens constitucionalmente tutelados: de um lado, há o direito da gestante à saúde física, psíquica e social e o direito à liberdade de escolha, quanto a continuar ou não a gestação e, de outro, há o direito à vida intra-uterina do anencéfalo solução jurídica dessa colisão de direitos encontra resposta na interpretação da CF/88, por meio da análise dos princípios constitucionais de interpretação e da aplicação dos direitos fundamentais, assim como no Direito Penal e nos fundamentos e princípios da bioética.” (LIMA, 2009, p.79).

Os princípios fundamentais da bioética foram regulamentados no

âmbito internacional, por meio da Declaração Universal sobre Bioética e

Direitos Humanos, adotada por aclamação em 19.10.2005, pela 33s Sessão da

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Conferência Geral da Unesco. O preâmbulo da declaração preceitua que as

questões éticas, suscitadas pelos rápidos avanços na ciência, e suas

aplicações tecnológicas devem ser examinadas com o devido respeito à

dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos. No âmbito nacional, o

Conselho Nacional de Saúde editou a Resolução 196, em 10.10.1996, e

acolheu os princípios da bioética, ao aprovar as diretrizes e as normas

regulamentadoras de pesquisas que envolvem os seres humanos.

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CONCLUSÃO

Objetivamos ao longo deste presente trabalho, apresentar algumas das

principais discussões acerca da possibilidade ou não do aborto de fetos

anencéfalos. Num primeiro momento, relembramos questões pertinentes ao

crime do aborto, suas bases teóricas e seus fundamentos, em seguida

traçamos em linhas gerais como tem sido discutido também a questão do

aborto, entendendo que a reflexão seria necessária, como enriquecimento da

nossa análise.

Contudo, vale ressaltar que o Código Penal não faz menção em tempo

algum ao aborto anencefálico. De tal modo, o curso contrário argumenta

precisamente nesta ausência de disposição normativa para o caso de

anencefalia, conclamando inclusive o princípio da reserva legal, tocando na

tese de que para poder realizar o aborto nos casos de anencefalia, deveria

haver autorização legislativa.

Desta forma, fica presente o fato de que não há castigo do aborto

exclusivamente nos casos em que a gravidez decorrer de estupro ou quando

se tratar de um aborto provocado para salvar a vida da mãe.

Os direitos do nascituro são resguardados desde a concepção. Pode-se

unir também nessa visão sobre a legislação, os princípios constitucionais

relativos à vida e à sua defesa, juntamente com o princípio da dignidade da

pessoa humana, para assim construir uma defesa em favor da vida,

independente do tempo que esta possa durar – nos casos de anencefalia, por

exemplo. Nesse viés explicitado é correto entender que a vida e sua valoração,

superam qualquer perspectiva de expurgação ser pensada nos casos de aborto

anencefálico.

Ainda assim, os direitos do nascituro (daquele que está para nascer) são

respaldados conforme o já citado artigo 2º do Código Civil. Deste modo, sabe-

se que existe uma prerrogativa legislativa acerca preocupação com a

possibilidade de o nascituro ter direitos.

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Algumas decisões de juízes têm aprovado abortos de fetos que tenham

graves anomalias, inviabilizando, sua vida futura. Seriam crianças que

fatalmente faleceriam logo ao nascer ou pouco tempo depois. Deste modo,

baseando-se no fato de que algumas mães, descobrindo tal fato, não se

acomodam com a gestação de um ser inteiramente inexeqüível, abrevia-se a

aflição e aprova-se o aborto. O juiz evoca, por vezes, a tese da inexigibilidade

de procedimento diverso, por vezes a própria explanação da norma penal que

resguarda a ‘vida humana’ e não a falsa essência, já que o feto só está ‘vivo’

por conta do organismo materno que o apóia.

Diante do exposto, nasce a controvérsia, ou seja, a abrangência jurídica

do direito a vida legitima a morte, dado o curto espaço de tempo da essência

humana. Por certo que não. Se o passadio normativo do tema abriga a vida,

desde a concepção, por certo e dedução lógica que o direito a vida não se

pode adequar pelo tempo, seja ele qual for, de uma sobrevida visível. Constitui,

conseqüentemente, e em edificação estritamente jurídica, que o direito a vida e

atemporal, vale dizer, não se avalia pelo tempo de constância da essência

humana. O feto no estado intra-uterino e ser humano, não é coisa.

A corrente que se dispõe a favor do aborto nos casos de anencefalia,

fundamenta-se no Código Penal – semelhante à corrente – só que para tecer

uma crítica, aventando que o Direito deve seguir a sociedade e sua evolução.

De tal modo, pelo fato do Código Penal ser apostilado da década 40 do século

XX, fica inexeqüível aventar a anencefalia ajustando nó Código Penal, haja

vista, que na época inexistia a probabilidade tecnológica de coligar a

anencefalia, por meio de exames, durante a gravidez.

Alguns autores revelam-se a sua anuência com a expectativa ser

resolução do aborto anencefálico. A acuidade de se considerar o Direito de

acordo com o evolver da sociedade, abrangendo que a Ciência Jurídica,

sempre deve andar evolutivamente junto com a sociedade. Logo, pelo viés da

explanação, mesmo não havendo legislação concernente ao aborto

anencefálico, pode-se ajuizar por meio dos princípios, dentre eles o da

liberdade da gestante escolher de quer ter o parto antecipado ou não.

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Assim sendo, verificou-se que a temática incita questionamentos

dúbios,contudo, o mesmo deve ser percebido juntamente com os avanços

tecnológicos contemporâneos.

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BIBLIOGRAFIA

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BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal: Parte Especial (dos crimes contra a pessoa). 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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FRANCO, Alberto Silva. Breves Considerações Médicas, Bioéticas, Jurídico-Penais. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTOS 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPITULO I- DO DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE O ABORTO 10

1. 1 Alguns Dados Sobre a Realidade do Aborto no Brasil e no Mundo 14 1.2 Considerações Acerca do Aspecto Legal do Aborto no Brasil 17 1.3 Perspectivas e Desafios 20

CAPITULO II- ANENCEFALIA E O FETO ANENCÉFALO- CONCEITO E

PARTICULARIDADES 22

2.1 O Aborto dos Casos de Anencefalia 26 2.2 Da Dignidade da Pessoa Humana 29

CAPÍTULO III - APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE MORTE ENCEFÁLICA

NOS PORTADORES DE ANENCEFALIA 33

3.1 O Ponto De Vista da Igreja Católica 35 3.2 Aspectos Relevantes 38 3.3 O Aborto Nos Casos de Anencefalia à Luz dos Fundamentos e dos Princípios da Bioética 39

CONCLUSÃO 41

BIBLIOGRAFIA 44

ÍNDICE 45

FOLHA DE AVALIAÇÃO 47

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – INSTITUTO A

VEZ DO MESTRE – PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

Título da Monografia: ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO PERSPECTIVAS ATUAIS

Autora: Lazaro Carlos Diirr da Silva

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: