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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA JOGOS DE ESTÍMULOS DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS: FERRAMENTAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NO ENSINO SUPERIOR Por: Ana Vanessa Silva Santos Orientador Prof. Mônica Ferreira de Mello Rio de Janeiro 2012 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

JOGOS DE ESTÍMULOS DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS:

FERRAMENTAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

NO ENSINO SUPERIOR

Por: Ana Vanessa Silva Santos

Orientador

Prof. Mônica Ferreira de Mello

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

JOGOS DE ESTÍMULOS DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS:

FERRAMENTAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

NO ENSINO SUPERIOR

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Docência do Ensino

Superior.

Por: Ana Vanessa Silva Santos.

3

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Isa Maria dos Santos,

pelo eterno carinho e apoio

incondicional, e aos meus colegas de

turma, que tanto me inspiraram e me

transformaram numa pessoa melhor ao

longo deste curso de especialização.

4

DEDICATÓRIA

Ofereço afetuosamente esta pesquisa

àqueles que se dedicam com paixão à

arte de educar, especialmente minha

mãe, Isa Maria dos Santos.

5

RESUMO

Este estudo apresenta como os jogos podem servir de estímulos para o

desenvolvimento das inteligências múltiplas no discente do ensino superior. Os

jogos são geralmente utilizados nos ensinos fundamental e médio nas

disciplinas de artes e educação física, mas também podem ser ferramentas

eficazes para o processo ensino-aprendizagem no indivíduo adulto. A pesquisa

aborda que não existe apenas uma inteligência única e geral, mas inteligências

múltiplas, relacionadas a habilidades específicas, como aptidões linguística,

lógico-matemática e musical, por exemplo. Discute-se também o papel do

lúdico nas atividades humanísticas e sua possível relação com a construção e

aprimoramento de competências profissionais, concluindo que, além da

aprendizagem significativa de habilidades, os jogos também possibilitam o

autoconhecimento, a autoestima, o respeito pelo próximo, segurança e os

vínculos afetivos, elementos importantes na formação do indivíduo e no

despertar das inteligências.

6

METODOLOGIA

Este estudo foi inicialmente motivado pela observação do despertar dos

vínculos afetivos em alunos do curso de Docência do Ensino Superior da AVM

Faculdade Integrada – Universidade Cândido Mendes, cujo início se deu em

agosto de 2011 e término em agosto de 2012, a partir de jogos teatrais da

disciplina Dinâmica de Grupo, ministrada pelo professor Gustavo Vasconcelos

e de atividades lúdicas relacionadas aos estímulos das múltiplas inteligências e

neuroplasticidade na disciplina Fundamentos Biológicos da Educação, guiada

pela professora Marta Relvas. Ao longo de todo o curso, os efeitos desses

jogos foram visíveis na transformação dos alunos que se sentem indivíduos

melhores através do criar e produzir coletivo. Os constantes comentários

conduziram esse estudo à pesquisa bibliográfica e webgráfica para a tomada

de conclusões.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - O JOGO 10

CAPÍTULO II - AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS 20

CAPÍTULO III - JOGOS NO ENSINO SUPERIOR 30

CONCLUSÃO 40

BIBLIOGRAFIA 41

ANEXOS 43

ÍNDICE 44

8

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende abordar a importância da aplicação de jogos de

múltiplas inteligências no ensino superior, demonstrando como o jogo pode

servir de catalisador de desenvolvimento de habilidades, conduzindo a

aprendizagens significativas, gerando adultos mais seguros, com maior

autoestima, aprimorando o autoconhecimento e o senso crítico.

Geralmente, os jogos de estímulos das múltiplas inteligências são

voltados para crianças e adolescentes, sendo raramente trabalhadas no ensino

andragógico, prevalecendo como atividade extracurricular. Alguns destes

jogos, que serão exemplificados mais adiante, são vistos em determinados

cursos superiores, tais como administração, artes e educação com as

denominações: dinâmica de grupo, jogos teatrais, jogos de negócios,

exercícios de psicomotricidade, exercícios de sensibilização e exercícios de

expressão corporal, entre outros. São práticas de grande reforço no

entendimento de teorias e conceitos, na associação de ideias, na abordagem

interdisciplinar, na construção de vínculos afetivos, na discussão coletiva, no

desenvolvimento cognitivo e na descoberta de aptidões. É comum que essas

aptidões sejam sufocadas pelo hábito nivelador de grande parte das escolas,

não levando em conta os vários potenciais de cada um, e que poderiam de

certa forma ser reconquistadas na fase adulta.

O que este trabalho pretende mostrar é como o jogo pode tornar eficaz

o processo ensino-aprendizagem de cursos de ensino superior comumente

mais teóricos ao introduzir seus alunos no universo lúdico, incentivando

competências classificadas por Howard Gardner (1993) como inteligências

linguística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésico-corporal,

naturalista, intrapessoal e interpessoal.

Comparando nossas inteligências a janelas, elas abrem aos poucos ao

longo do nosso crescimento e se fecham por volta dos 72 anos. Embora

9

nossas inteligências possam ser desenvolvidas através de múltiplos estímulos

na fase adulta, “perdemos o brilho” na puberdade, segundo Celso Antunes

(1999). Por que geralmente não se dá continuidade a esses estímulos de

alimento das inteligências no indivíduo adulto e por que não aproveitar os jogos

no ensino superior para dominar áreas até então estagnadas, que o indivíduo

acreditava não possuir aptidão?

No estudo que se segue, desenvolveremos o conceito de jogo e sua

aplicabilidade no primeiro capítulo, veremos que o ser humano não é dotado de

apenas uma inteligência, mas inteligências múltiplas e quais as suas

dimensões ou competências na segunda parte, e, por fim, no último capítulo,

como o lúdico pode ser inserido no contexto da eficácia no ensino-

aprendizagem andragógico.

10

CAPÍTULO I

JOGO

É pertinente começarmos esse estudo pelo conceito de jogo, buscando

entender sua essência e sua função em nossa sociedade, especialmente sua

relação com o desenvolvimento cognitivo, com o intuito de reunirmos

características que sirvam de base para percebermos como o jogo pode servir

de ferramenta no ensino-aprendizagem em cursos de nível superior.

Talvez a relação que fazemos do jogo com o brincar e o brincar com o

infantil distancie o jogo do indivíduo adulto e de atividades consideradas

“sérias”, como a formação profissional no ensino superior. O amar e o brincar,

segundo Humberto R. Maturana e Gerda Verden-Zöller (2004), são

fundamentos esquecidos do humano porque vivemos sem questionar. Os

adultos perdem o bem-estar de viver, criando dificuldade para si mesmo, ao

perder a capacidade de brincar. Essa perda se dá quando os adultos

mergulham em preocupações com o futuro e o passado, se afastando uns dos

outros. A exigência da vida moderna de instrumentalizar as relações

interpessoais afastam as crianças da atenção dos pais, de tal maneira que elas

não são vistas, tocadas ou ouvidas, e em boa parte do tempo, tanto no

ambiente familiar como na escola, reprimidas com a intenção de terem seu

comportamento controlado. São crianças que crescem sem consciência social,

autoconsciência, respeito próprio, respeito pelo outro e auto aceitação,

elementos tão importantes na construção de uma subjetividade mais

equilibrada.

Maturana e Verden-Zöller ousam a arriscar numa teoria da construção

de um indivíduo que não tem corpo, visto que se comporta de forma vazia,

alienada, conectado à instrumentalização cotidiana – principalmente

tecnologias da sociedade contemporâneas, tais como internet e televisão, que

provocam um visível enclausuramento que fabrica mais do que o indivíduo: o

individual. Francisco Ortega (2000) define essa fuga na interioridade como um

11

caminho sem saída que conduz à autodestruição narcisista. Um exemplo sobre

essa individualização é a frequência da dificuldade de pedir uma informação a

um motorista de ônibus que se encerra no seu universo do mp3, arredio a

qualquer possível interlocutor, e que desconhece as ruas pelas quais passa

diversas vezes todos os dias devido a vivência maquinal e autocentrada.

Essa alienação do ser gera um ciclo vicioso, que pode ser quebrado

através da descoberta do afeto dentro do brincar, propiciando outras

descobertas dentro do sujeito. Se o adulto esquece o prazer da troca afetiva,

por que não trazer o jogo para um constante despertar do eu e de suas

potencialidades na faculdade, expandindo a esfera de atuação do jogo, tão

limitado aos cursos de artes e educação física?

No subcapítulo que se segue, em uma tentativa de conceituação de

jogo, veremos que ele é uma atividade que serve como meio de fomento para

novas formas de subjetivação, positivas e construtivas, funcionando como

auxiliar de uma maior conscientização do próprio eu, de descobrimento de

habilidades do sujeito-jogador – ou mesmo daquele que, de fora, assiste ao

jogo e o analisa de forma crítica –, e de formação de relações sociais mais

equilibradas.

1.1 – Jogo: origens e funções

1.1.1 – Teorias para uma conceituação de jogo

A palavra “jogo” tem origem latina e provém de “jocu”, que significa

“gracejo”. Ela é definida por Celso Pedro Luft (1999), em seu dicionário, como

“... balanço, oscilação; passatempo, brinquedo, divertimento, esporte; manha,

astúcia; combinações artísticas (de movimentos, coloridos etc.); manejo de um

instrumento” (p.407).

João Paulo Monteiro (2004), tradutor do livro Homo Ludens, do

professor e historiador neerlandês Johan Huizinga, lembra em nota na obra

12

referida que nas principais línguas europeias “spielen, to play, jouer, jugar

significam tanto jogar quanto brincar” (p.4).

Como foi mencionando antes, é importante destacar que o jogar, ou

brincar, e o prazer que o ato proporciona não impede que este aconteça com

seriedade. O entusiasmo e o arrebatamento são inerentes ao jogo e não

descaracterizam efeitos positivos para a cognição advindos da sua prática. A

satisfação no jogo consiste de sua própria realização. Satisfação e realização

essas que se dão como um complemento que embelezam a vida.

Na continuidade da descrição de conceitos de jogo, Huizinga cita

teorias discutidas por H. Zondervan (1928) e F. Buytendijk (1932):

“Umas definem as origens e fundamento do jogo em

termos de descarga da energia vital superabundante,

outras como satisfação de um certo ‘instinto de imitação’,

ou ainda simplesmente como uma ‘necessidade’ de

distensão. Segundo uma teoria, o jogo constitui uma

preparação do jovem para as tarefas que mais tarde a

vida dele exigirá, segundo outra, trata-se de um exercício

de autocontrole indispensável ao indivíduo. Outras veem

o princípio do jogo como um impulso inato para exercer

uma certa faculdade, ou como desejo de dominar ou

competir.” (HUIZINGA, 2004, P.4).

Celso Antunes (2010) coloca o jogo, em seu sentido etimológico, como

um divertimento, brincadeira, passatempo sujeito a regras que devem ser

observadas enquanto se joga, esclarecendo que, em seu manual de jogos de

estímulos das múltiplas inteligências, emprega a palavra “jogo” como “um

estímulo ao crescimento, como uma astúcia em direção ao desenvolvimento

cognitivo e aos desafios do viver, e não como uma competição entre pessoas

ou grupos que implica em vitória ou derrota” (p.11). Assim, demarca a função

de jogo como auxiliar na educação e na formação do indivíduo.

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Huizinga disserta de forma bastante minuciosa sobre a natureza e o

significado do jogo como fenômeno cultural, concluindo as seguintes

características formais nas quais podemos tomar por base no prosseguimento

da pesquisa:

a) o jogo é uma atividade livre. Livre no sentido de que é uma atividade

voluntária. Sujeito a ordens, não há jogo. É importante deixar claro que ordens

aqui não significam regras, as quais são um fator muito importante ao jogo.

Todo jogo possui regras que determinam aquilo que é válido dentro do mundo

circunscrito do jogo. A desobediência das regras implica o abalo desse mundo.

O jogo é livre porque não há imposição de necessidade física ou dever moral,

não é uma tarefa, mas prática para momentos de ócio, ou seja, exterior à vida

habitual. As crianças e os animais, por exemplo, brincam porque gostam de

brincar, não há obrigação e nisso reside a liberdade;

b) é uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material,

com o qual não se pode obter lucro;

c) é praticada dentro de limites espaciais (arena, mesa de jogo, círculo

mágico, o templo, o palco, a tela, o tribunal) e temporais próprios;

d) segue uma certa ordem (relacionada às formas ordenadas

pertencentes à estética, aos efeitos da beleza tão fascinantes no jogo: ritmo e

harmonia, tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução, união

e desunião);

e) opera segundo certas regras;

f) promove a formação de grupos sociais.

1.1. 2 – O papel do jogo na educação

Sem anular a ideia da função educadora do jogo, mencionada

anteriormente na proposta de estímulos das múltiplas inteligências de Antunes,

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Johan Huizinga (2004), por sua vez, coloca dois aspectos fundamentais na

função do jogo: uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma

coisa. E completa: “estas duas funções podem também por vezes confundir-se,

de tal modo que o jogo passe a representar uma luta, ou, então, se torne uma

luta para melhor representação de alguma coisa” (p.17). Não poderíamos

deixar de relacionar aqui o ato de representar com o fingir ser algo diferente da

realidade habitual, o brincar, o faz-de-conta, o teatro.

O jogo é para Huizinga o mesmo que o teatro para o diretor teatral e

dramaturgo Augusto Boal (2002): a primeira invenção humana, que possibilita e

promove todas as outras invenções e todas as outras descobertas. Para ele, “o

teatro nasce quando o ser humano descobre que pode observar-se a si

mesmo: ver-se em ação. Descobre que pode ver-se no ato de ver – ver-se em

situação” (p.27). No seu trabalho com a utilização do teatro como forma de

autoconhecimento e ferramenta terapêutica em hospitais psiquiátricos, Boal

afirmava que o ator (e paciente) ao ver-se, percebe o que é, descobre o que

não é, e imagina o que pode vir a ser. O mesmo pode-se dizer de uma criança

que finge ser um príncipe ou uma bruxa, transformando-se a tal ponto que

quase chega a acreditar que é o personagem representado, sem perder a

consciência de sua realidade habitual. Afinal, dentro do jogo, as leis e

costumes da vida cotidiana perdem validade, há uma suspensão temporária da

vida social normal, ao mesmo tempo em que ali acontece uma representação

do real, que é tomada com seriedade e na qual, através do distanciamento

entre a realidade habitual e a realidade representada, é possível encontrar

respostas. Respostas estas que estão relacionadas ao próprio indivíduo e à

sua relação com outros indivíduos. Huizinga confirma, dizendo que “Mais do

que realidade falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é

imaginação, no sentido original do termo” (p.17).

Podemos concluir daí que a imaginação e a criatividade no faz-de-

conta não fazem parte apenas do teatro e da brincadeira infantil. Numa

disciplina de jogos de negócios de um curso de gestão em cultura, por

exemplo, alunos simulam uma apresentação de projeto cultural a uma empresa

patrocinadora. Trata-se de um jogo, de teatro, é uma forma de ver-se,

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perceber-se, reconhecer suas potencialidades, seus limites e possibilidades de

ultrapassá-los.

A teatro-educadora Ingrid Koudela (1984) acredita que o ensino de

teatro nas escolas tem por objetivo a livre expressão da imaginação criativa e

não apenas a preparação do espetáculo. O teatro forma indivíduos e, segundo

ela, através do movimento da Escola Nova, houve a possibilidade de

reformulação dos programas escolares, tornando mais eficaz o trabalho

docente, já que propiciou uma diversificação das atividades escolares com a

introdução da educação física, trabalhos manuais, música e canto, cinema e

teatro. O professor não ensinava teatro, ele fornecia um ambiente propiciador

de iniciativas, orientando a criança a libertar a criatividade. Ela afirma que:

“Identificamos no sistema de jogos teatrais a possibilidade

de trabalhar com o significado do gesto. O processo se

fundamenta no jogo e na ação improvisada. O que

diferencia o método é a sequência gradual de problemas

solucionados, que levam não apenas à liberação da ação

lúdica, mas também a decodificação da estrutura da

linguagem” (KOUDELA, 1984, p. 45).

Ela propõe aos seus alunos reflexões sobre o próprio jogo, que aqui é

forma de comunicação tanto para quem atua como para quem vê. Tanto o

jogador no palco quanto a plateia fazem uma avaliação objetiva do que é

representado, assumindo papéis ativos, pois são integrantes de um grupo

envolvido na solução de um problema. O jogo, também para Boal (1998), trata

“da expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens.

Os jogos são um diálogo, exigem um interlocutor, são extroversão” (p.87).

Pode-se dizer que essa proposta caminha ao lado do papel da escola

progressista libertadora, que coloca professores e alunos numa relação

horizontal, educando uns aos outros mediados pelo mundo, visando atingir

uma transformação social através de tomada de consciência da realidade em

que vivem. O jogo teatral, para a teatro-educadora e o diretor teatral, são as

ferramentas de transformação social.

16

Ainda sobre a relação entre jogo teatral e a escola progressista, e

buscando um foco maior no indivíduo adulto, embora não necessariamente no

ensino superior, podemos destacar o Teatro do Oprimido, que é um conjunto

de métodos teatrais criado por Boal (1931-2009) a partir de propostas

pedagógicas do educador Paulo Freire. Nele, é proposto o diálogo na busca de

soluções de conflitos reais, investigando situações de opressão, nas quais são

observados o desequilíbrio de poder e a ausência de igualdade no acesso a

recursos e a oportunidades.

Boal definiu o espectador do Teatro do Oprimido como espect-ator,

pois este participa da ação, convidado a subir no palco, trazendo alternativas

éticas para enfrentar seu opressor. O artista do Teatro do Oprimido é qualquer

pessoa interessada em reinventar sua realidade, sem distinções cultural,

étnica, de estudo e/ou de talentos individuais e de condição social. Ele sai ou

tenta sair da condição alienada de mero espectador para o exercício criativo de

sua própria arte.

Este fazer teatral tem por objetivo final realizar ações sociais concretas

e continuadas num determinado grupo ou comunidade que se encontra numa

situação de opressão. Sendo assim, o Teatro do Oprimido é adotado

democraticamente não apenas por artistas teatrais, mas também por

psicólogos, pedagogos, grupos de sem-terra, de índios, da saúde mental, de

estudantes, grupos de mulheres que sofrem ou sofreram algum tipo de abuso,

grupos que lutam por direitos trabalhistas, entre outros.

Os jogos usados nessa fórmula de transformação social também são

muito usados por psicomotricistas como técnicas de sensibilização e interação

de grupo, pois são divididos em cinco categorias relacionadas aos nossos

sentidos:

a) Sentir tudo que se toca;

b) Escutar tudo o que se ouve;

17

c) Ver tudo que se olha;

d) Ativando os vários sentidos, e

e) A memória dos sentidos.

Na mesma direção de Maturana e Verden-Zöller (2004) e Ortega

(2000), que propõem uma reflexão sobre o abandono do afeto nas relações

humanas, Boal propõe aqui um resgate através do despertar da sensibilidade

através do jogo:

“Na batalha do corpo contra o mundo, os sentidos sofrem,

e começamos a sentir muito pouco daquilo que tocamos,

a escutar muito pouco daquilo que ouvimos, a ver muito

pouco daquilo que olhamos. Escutamos, sentimos e

vemos segundo nossa especialidade. Os corpos se

adaptam ao trabalho que devem realizar. Esta adaptação,

por sua vez, leva à atrofia e à hipertrofia. Para que o

corpo seja capaz de emitir e receber todas as mensagens

possíveis, é preciso que seja re-harmonizado”.

Os jogos desenvolvidos por Celso Antunes (2010) vão além da

potencialização dos sentidos ao considerar e explorar as diversas

especialidades de inteligência classificadas por Howard Gardner (1993):

a) Inteligência lógico-matemática, que é a capacidade de realizar

operações numéricas, desenvolver raciocínios dedutivos, construir cadeias

causais, lidar com números e outros símbolos matemáticos;

b) Inteligência linguística, que é a habilidade de aprender idiomas e

de usar a fala e a escrita para atingir objetivos;

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c) Inteligência espacial, que está relacionada à habilidade de

reconhecer e manipular situações que envolvam apreensões visuais, como

mapas, gráficos, plantas;

d) Inteligência físico-cinestésica ou cinestésico-corporal e a

motricidade, que é o potencial para usar o corpo com o fim de resolver

problemas ou fabricar produtos, se manifesta na linguagem gestual e mímica;

e) Inteligências pessoais, que pode ser interpessoal, quando há a

capacidade de entender as intenções e os desejos dos outros e de se

relacionar bem com a sociedade, e pode ser intrapessoal, quando o sujeito tem

inclinação para se conhecer e usar o entendimento de si mesmo para alcançar

certos fins;

f) Inteligência musical, que é a aptidão para tocar, apreciar e

compor padrões musicais;

g) Inteligência naturalista ou biológica, que trata do reconhecimento

e classificação das espécies da natureza, compreensão do ambiente e

paisagem natural;

h) Inteligência existencial, que abrange a reflexão sobre questões

fundamentais da vida humana, e que não consta no manual de jogos de

estímulos de Antunes, talvez porque tenha sido incluída posteriormente na lista

de inteligências de Gardner.

Apesar de Antunes ter desenvolvido o manual de jogos de estímulos

das múltiplas inteligências pensando em crianças, desde a vida pré-natal até a

adolescência, ele afirma estar convicto de que o desenvolvimento da

inteligência humana não termina nessa faixa etária, crescendo por toda a vida,

principalmente para pessoas que acreditam no poder de seu cérebro e sabem

construir suas próprias motivações.

Para ele, o jogo é a ferramenta mais eficiente para estímulo das

inteligências, pois o espaço do jogo permite que tanto a criança quanto o adulto

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realizem tudo o que desejam. Concordando com Koudela, Huizinga e Boal,

Antunes afirma que:

“Quando entretido em um jogo, o indivíduo é quem quer

ser, ordena o que quer ordenar, decide sem restrições.

Graças a ele, pode obter a satisfação simbólica do desejo

de ser grande, do anseio em ser livre. Socialmente, o jogo

impõe o controle dos impulsos, a aceitação das regras

mas sem que se aliene a elas, posto que são as mesmas

estabelecidas pelos que jogam e não impostas por

qualquer estrutura alienante. Brincando com sua

espacialidade, a criança se envolve na fantasia e constrói

um atalho entre o mundo inconsciente, onde desejaria

viver, e o mundo real, onde precisa conviver”. (ANTUNES,

2010, p.17).

No capítulo que se segue, veremos como se dá o despertar da

inteligência no processo de aprendizagem e sua relação com a afetividade para

nos aprofundarmos depois nas inteligências múltiplas.

20

CAPÍTULO II

AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

“Todos os indivíduos têm potencial para ser criativos, mas

só serão se quiserem” – Howard Gardner

No capítulo sobre Jogos, dissertamos sobre origens, conceitos e

aplicações do jogo, e a relação da atividade lúdica com o desenvolvimento de

habilidades e com a construção de vínculos afetivos. Neste capítulo,

abordaremos a aprendizagem no indivíduo adulto, como funciona a memória,

quais as formas de inteligência e maneiras para desenvolvê-la, com o intuito de

reunir informações sobre o funcionamento do cérebro de um indivíduo adulto e

fazer pontes construtivas com os jogos para estímulos de múltiplas

inteligências.

2.1 – A aprendizagem

2.1.1 – Definição e características

A aprendizagem se dá pela criação de novas memórias, e é definida na

obra “Neurociência e Educação” pela própria autora e bióloga Marta Relvas

(2010) como uma “modificação biológica na comunicação entre os neurônios,

formando uma rede de interligações que podem ser evocadas e retomadas...”

(p. 35). Já a memória é “a faculdade de reter ou readquirir ideias, imagens,

expressões e conhecimento” (p. 39). Ela é a reprodução mental das

experiências, está relacionada à capacidade de repetir acertos e evitar erros.

Podemos destacar, resumidamente, as seguintes características da

aprendizagem, definidas por Relvas (2010):

a) “é um fenômeno extremamente complexo, envolvendo aspectos

cognitivos, emocionais, orgânicos, psicológicos, sociais e culturais” (p.91);

21

b) é um processo que transforma qualitativamente a estrutura mental

daquele que aprende através da alteração de conduta do indivíduo, que por

sua vez, é adquirida pela experiência, pela observação e pela prática motivada;

c) as informações podem ser absorvidas por meio de técnicas de ensino

ou até pela simples aquisição de hábitos;

d) o ato ou a vontade de aprender é uma característica essencial do

psiquismo humano, que busca novos métodos, visando à melhoria da própria

aprendizagem, ou seja, é autopoiético (do grego “auto” significa “próprio” e

“poiesis” é criação, termo usado na década de 70 pelos biólogos Francisco

Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade de seres vivos de

produzirem a si próprios);

e) há aprendizados considerados naturais (aprender a falar e a andar,

por exemplo) e aqueles obtidos através do meio social e temporal. O psicólogo

Vygotsky possui uma abordagem sociointeracionista a respeito do

desenvolvimento individual na aprendizagem, ele defendia que:

“características tipicamente humanas (...) não são

transmitidas por hereditariedade nem são adquiridas

passivamente graças às pressões do ambiente externo.

São, outrossim, resultado da interação entre indivíduo e

meio sociocultural” (RELVAS, 2009, p.118);

f) o humano necessita de estímulos externos e internos (motivação,

necessidade) para o aprendizado. Mais adiante, veremos os aspectos

motivacionais da aprendizagem, assunto de relevante importância no

entendimento do jogo como ferramenta de estímulo à produção intelectual;

g) “o ato de aprender é um ‘ato de plasticidade cerebral’, modulado por

fatores intrínsecos (genéticos) e extrínsecos (experiências)” (p.92).

22

Algumas dessas características serão desenvolvidas nos subcapítulos a

seguir.

2.1.2 – Plasticidade cerebral

Sobre o último tópico das características da aprendizagem, temos a

Plasticidade Cerebral, definida por Relvas (2007) como a “capacidade

adaptativa do sistema nervoso central e sua habilidade para modificar sua

organização estrutural própria e funcionamento” (p.32) em resposta à

experiência e a estímulos repetidos. A neuroplasticidade pode ocorrer ao longo

da vida dos neurônios, promovendo o desenvolvimento do cérebro, ou a partir

do nascimento de novos neurônios, ou ainda na autoreparação nos tecidos

após lesão cerebral e, por fim, como resposta a novos estímulos: desafios,

novas experiências e aprendizagem. A partir desses estímulos, o cérebro se

reorganiza, expandindo as duas conexões neurais e modificando capacidades,

ampliando-as e fixando-as na memória do indivíduo. Portanto, são as novas

experiências que criam condições favoráveis para o surgimento de

determinadas competências, como as descritas por Gardner: linguística, lógico-

matemática, espacial, naturalista ou biológica, musical etc.

“Experiências revelam que situações desafiadoras e

ambientes ‘complexos’, agradáveis e divertidos fornecem

capacidade extra de que o cérebro precisa para

reconfigurar-se. Essa plasticidade dispara um mecanismo

pelo qual o cérebro se remodela para aprender a sentir-se

melhor, ou pode ser induzido a se auto reparar quando

estimulado”. (RELVAS, 2010, p. 33)

Segundo Relvas (2010), o cérebro tem capacidade ilimitada de

aprendizagem, pode renovar a si mesmo, responde eficazmente à atividade

física e ao treino mental, podendo manter-se ágil durante toda a vida. De

acordo com ela, encontrando o caminho para o estímulo certo para o

desenvolvimento do ser humano, que, em sua opinião, passa pelo campo

23

afetivo e emocional, é possível superar o que se chama de deficiência para

considerar eficiências.

Relvas ressalta que:

“Cerca de 80% do nosso dia é ocupado por rotinas que,

apesar de terem a vantagem de reduzir o esforço

intelectual, escondem um efeito perverso: limitam o

cérebro. Para contrariar essa tendência, é necessário

praticar exercícios ‘cerebrais’ que fazem as pessoas

pensarem somente no que estão fazendo, concentrando-

se na tarefa”. (RELVAS, 2010, p. 34)

Ainda segundo a bióloga, atividades que exijam desempenho

cardiovascular, como a prática de esportes, melhoram a memória e a

capacidade de raciocínio, combatem o estresse, doenças como a depressão e

auxiliam na fabricação contínua de neurônios. Podemos concluir, portanto, que

educação e jogo formam uma boa parceria.

2.1.3 – Motivação para a aprendizagem

Voltando às características listadas anteriormente sobre a

aprendizagem, o penúltimo tópico trata da motivação como fator

desencadeador do processo de aprendizagem, que se dá no interior do sujeito

e nas suas relações de troca. O interesse do estudante é essencial para que

ele tenha motivos de ação para apropriar-se do conhecimento. O psicólogo

americano Abraham Maslow estudou fatores que contribuem para a formação

da pessoa e sua aprendizagem e definiu, em ordem crescente de hierarquia, as

seguintes necessidades:

a) Fisiologia: relacionada às necessidades básicas, como fome, sede,

sono, sexo, excreção, abrigo, respiração.

24

b) Segurança: do corpo, do emprego, de recursos, da família, da

moralidade, da saúde, da propriedade.

c) Amor/ Relacionamento: amizade, família, necessidade sexual.

d) Estima: autoestima, confiança, conquista, respeito dos outros,

respeito aos outros.

e) Realização Pessoal: moralidade, criatividade, espontaneidade,

solução de problemas, ausência de preconceito, aceitação dos fatos.

As formas, expressões, intensidade e manifestações dessas

necessidades variam de pessoa para pessoa. Quando uma necessidade de

nível mais baixo é atendida, ela deixa de ser motivadora, dando oportunidade

para que uma necessidade de nível mais elevado possa se desenvolver.

“Qualquer frustração ou possibilidade de insatisfação de

certa necessidade passa a ser considerada uma ameaça

psicológica, provocando reações gerais de emergência no

comportamento humano. Essas reações de emergência

alteram significativamente o comportamento, assim como o

grau de motivação do indivíduo para realizar tarefas que

não estejam relacionadas com a eliminação dessa

frustração.” (RELVAS, 2010, p. 94)

O aprendiz adulto, mais que a criança, sofre influência e pressões do

ambiente e da sociedade. Mudanças de comportamento de interesse e

motivação são indicadores da existência de dificuldades ou problemas externos

ao processo de aprendizagem e devem ser observados pelo educador.

Relvas (2010) sugere que o professor desperte no aluno o desejo em:

aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a ser,

através atividades combinadas que desenvolvam as habilidades naturalista

(conduzindo experiências de ciências), linguística (criando projetos de leitura e

25

escrita), musical (reescrevendo letras de músicas para ensinar conceito),

lógico-matemática (usando jogos de estratégias), cinestésico (proporcionando

atividades de movimentos), espacial (desenhando mapas e labirintos),

intrapessoal (permitindo o trabalho no ritmo de cada um), interpessoal

(utilizando aprendizagem cooperativa).

Relvas (2010) explica em seu livro que pesquisas dos últimos dez anos

têm apresentado um quadro positivo a respeito dos jogos como estímulo de

desenvolvimento intelectual. Ela afirma que o cérebro exibe crescimento de

conexões neuronais e, de acordo com pesquisa em comportamento biológico,

acredita-se que a memória implica mudanças estruturais nos circuitos neurais,

mesmo que sem evidências experimentais para comprovação.

“Em experiências realizadas com ratos, demonstraram que os

animais que foram criados em um ambiente enriquecedor, com

uma gaiola cheia de brinquedos e dispositivos, como bolas,

rodas, escadas, rampas etc., desenvolviam um córtex cerebral

significativamente mais espesso do que aqueles criados em um

ambiente mais limitado, sem os brinquedos ou vivendo

isolados.” (p.97)

Apesar dessa experiência ter sido realizada em ratos e não em

humanos, “sabe-se que as tarefas de ativação mental são acompanhadas por

muitas mudanças, tais como: mudanças no metabolismo cerebral, aumento do

fluxo e temperatura do sangue etc.” (p.99) e que uma pessoa num ambiente

sensorialmente estimulador, com cores, músicas, sensações cinestésicas,

variedade de interação com outras pessoas das mais variadas idades,

exercícios corporais e mentais, pode ter impacto sobre sua capacidade

cognitiva e de memória futura, desde que esses estímulos não sejam

excessivos. Ela narra outro estudo interessante, abordando a teoria da

estimulação cerebral, feito com freiras católicas de um convento no norte dos

Estados Unidos, escolhidas por apresentarem uma longevidade maior que a

população local. Várias passavam dos cem anos e as que viveram mais e

mostravam uma melhor saúde mental eram quase sempre aquelas que

26

praticavam atividades, tais como: pintura, ensino e palavras cruzadas, que

exigiam um constante “exercício mental”. E, ao observarem os exames post

mortem dos cérebros doados pelas freiras falecidas, os estudiosos perceberam

que alguns que estavam com melhores condições mentais em virtude da rica

estimulação, apresentavam sinais da doença de Alzheimer, que provoca

profunda perda de memória temporal e a de curta duração, deterioração do

comportamento e da personalidade.

Relacionamos anteriormente o jogo com o brincar e o brincar com a

construção de vínculos afetivos, entre outros benefícios para o

desenvolvimento pessoal. Afinal, qual a importância do afeto no estímulo das

inteligências? Todas as áreas cerebrais estão envolvidas no processo de

aprendizagem, inclusive a emoção. Possuímos duas formas de inteligência que

completam o ser humano em sua essência, a emocional, responsável por

reações instintivas e rápidas, e a racional, que conduz à racionalização de uma

atitude a ser tomada diante de uma situação e define a melhor solução possível

dentro dos limites do nosso conhecimento. A memória também pode ser

dividida em duas, a emocional e a racional. Razão e emoção devem ser vistas

e trabalhadas em sala de aula como complementares, assim a aprendizagem

se torna mais eficiente, verdadeira, impregnada. Para que um evento seja

guardado na memória, a bióloga sugere que as várias informações sejam

associadas, criando um mapa mental, por exemplo, no qual se relacionaria

sons, imagens e sentimentos.

2.1.4 - Características dos adultos na aprendizagem

É importante relacionar tendências de comportamento de indivíduos

adultos como aprendizes e suas consequências para aprendizagem, que

diferem, e muito, das crianças. A recepção de uma proposta lúdica na

aprendizagem andragógica, portanto, também é diferente em relação à

pedagógica por conta dessas características:

a) Adultos possuem uma razoável quantidade de experiências: ou seja,

podem ser instigados a trocar ideias a partir de suas vivências, podem trazer à

27

tona seus talentos e compartilhá-las, através de jogos ou simplesmente através

de grupos de discussão, tornando a aula mais interativa. Jogos de estímulos às

inteligências interpessoal e intrapessoal seriam eficientes;

b) O corpo dos adultos é relativamente maior que o das crianças e está

sujeito a maiores pressões e estímulos gravitacionais: pouco ou muito conforto

afetam na aprendizagem de adultos. Neste exemplo, seria interessante a

aplicação de jogos de inteligência físico-cinestésica com o intuito de aprimorar

a capacidade motora e expressão e conscientização corporal;

c) Adultos possuem conjuntos de hábitos fortemente sedimentados e

tendem a ter bem definidas suas estruturas emocionais, como valores, atitudes

e tendências: hábitos e gostos devem ser considerados e aproveitados como

recursos de aprendizagem, tal qual o primeiro tópico, utilizando, por exemplo,

jogos de inteligências pessoais, ou mesmo as existenciais, trazendo questões

filosóficas, espirituais e humanistas para serem discutidas. O jogo também

permite participação e engajamento, respeitando diferenças;

d) Adultos em geral possuem coisas tangíveis a perder: adultos

costumam responder bem às oportunidades de desenvolvimento, tem

direcionamento próprio e responsabilidade no seu processo de aprendizagem.

A atividade lúdica, por ser geralmente voltada para a criança, poderia ser vista

como uma estratégia de ensino-aprendizagem “ridícula” pelo aprendiz adulto.

No entanto, o que se nota é o mergulho no jogo, inclusive pelos mais

introvertidos, e geralmente com mais seriedade do que a criança, que tende a

quebrar regras, a inventar outras regras, a dispersar e encerrar o jogo antes de

seu término.

e) Adultos têm que tomar decisões e resolver problemas: uma

aprendizagem centralizada em problemas pode ser efetiva, como jogos de

inteligência lógico-matemática ou jogos teatrais, como o do Teatro do Oprimido,

de Augusto Boal, mencionado anteriormente, que propõe a encenação de

conflitos cujas sugestões de solução são propostas pelos espectadores.

28

f) Adultos são cada vez mais pressionados por um grande número de

opções: aprender a decidir é uma aptidão importante e o jogo, como

representação da realidade, pode auxiliar na autoconfiança e desenvolvimento

da capacidade de decisão. Um exemplo pode ser a simulação de uma situação

na qual o indivíduo deve fazer a escolha mais adequada. Dinâmicas de grupo e

jogos de negócios - como são chamadas algumas disciplinas em cursos que

apostam na prática lúdica como uma simulação de uma situação real - são

bastante eficientes, e jogos de estímulos às competências lógico-matemáticas,

espaciais, físico-cinestésicos, pessoais e existenciais também podem

contribuir.

g) Adultos tendem a ter comportamento em grupo consistente com a

sua própria necessidade: eles costumam adotar aquele comportamento que faz

com que sua necessidade seja atendida. Esse comportamento individual pode

ser útil ao grupo e deve ser cultivado. Num jogo, essa característica fica bem

evidente e os talentos individuais podem ser enfatizados.

h) Adultos tendem a ter bem desenvolvidos seus filtros seletivos de

estímulos, ou seja, a maioria dos adultos ouve aquilo que deseja ouvir: para

atravessar esses filtros, tornando o ensino mais eficaz, é interessante atingir

mais de um sistema sensorial, ampliando assim os estímulos e tornando mais

acessível o desinteressante ou o desagradável. Muitos dos jogos propostos por

Antunes (2010) são multidisciplinares e envolvem mais de um estímulo

sensorial;

i) Adultos na sociedade moderna têm um receio íntimo de fracassar e

ser substituído: a situação de aprendizagem através da prática lúdica pode dar

oportunidades de desenvolver autoconfiança e novas aptidões.

2.2 - Inteligências múltiplas para uma nova educação

Howard Gardner teve por influência os estudos de Robert Sternberg,

que contemplavam as variações dos conceitos de inteligência em diferentes

29

culturas. A partir daí, conceituou a inteligência como a competência para

resolver problemas e para produzir aquilo que é visto com valor em

determinado contexto social e histórico. Observando o trabalho dos gênios,

concluiu que bem poucos deles são gênios em todas as áreas, e que existem

talentos diferenciados para atividades específicas. O compositor Wolfgang

Amadeus Mozart, por exemplo, tinha incontestável aptidão musical, mas talvez

não tivesse o mesmo talento na dimensão naturalista ou biológica, assim como

o físico Albert Einstein tinha habilidade lógico-matemática, mas poderia não ter

competência físico-cinestésica. Embora essas habilidades (ou aptidões,

competências, capacidades, talentos) sejam classificadas de forma

independente, raramente funcionam sozinhas. O funcionamento dessa

interdisciplinaridade é bem explicado por Relvas:

“A plasticidade é importante na aprendizagem, pois áreas

do cérebro que são destinadas a uma função específica

podem assumir outras funções quando necessárias, além

da interdisciplinaridade cerebral, quando o conhecimento

de uma área é aproveitado em outra área. Por exemplo: o

ritmo que é desenvolvido por uma música é aproveitado

na leitura, na escrita e nos conceitos matemáticos”.

(RELVAS, 2010, p. 35)

As inteligências múltiplas podem ser desenvolvidas de acordo com a

educação recebida e as oportunidades encontradas. Cada pessoa nasce com

vasta capacidade de talentos e a educação deve considerar os vários

potenciais de cada um. Há formas de ensino que consideram uma visão

holística e/ou sistêmica de assuntos, com foco transdisciplinar e/ou

interdisciplinar. No primeiro foco, o sistema não é cunhado em disciplinas ou

em áreas de saber, é reflexivo, aborda uma questão da forma mais complexa

possível, já que sua abrangência é ilimitada, livre, como a medicina oriental,

por exemplo, ou a Escola da Vida, idealizada pelo filósofo Alain de Botton. No

segundo, assuntos são relacionados entre si, criando associação entre temas.

Um exemplo é a prova do Enem, no qual uma questão pode misturar biologia e

química. Aqui, a proposta é a inserção de jogos, que abordaremos a seguir.

30

CAPÍTULO III

JOGOS NO ENSINO SUPERIOR

“O saber que não vem da experiência não é

realmente saber” - Lev Vygotsky

3.1 – Jogos no ensino superior: enfoque sistêmico

Começamos nosso estudo falando sobre o amar e o brincar como

fundamentos esquecidos do humano, segundo Humberto R. Maturana e Gerda

Verden-Zöller (2004), e, a partir das teorias e experiências da bióloga Marta

Relvas e do dramaturgo Augusto Boal, entre outros, entendemos como a

prática lúdica pode ser eficiente na educação tanto de crianças e adultos. No

caso dos adultos, a proposta aqui não é o retorno à infância, mas o uso do jogo

para ter contato com sua realidade de forma mais íntegra, enfatizando suas

habilidades, desenvolvendo competências, permitindo a vivência de prazeres

sensoriais, do prazer do conhecimento, utilizando exercícios mentais que

auxiliem na saúde física e mental, auxiliando no autoconhecimento e

reforçando a autoestima, respeitando seu tempo e as diferenças de identidades

no seu convívio social, que vai além do ambiente de trabalho, afinal o

aprendizado não se limita à “decoreba de informações”, mas se define como

uma transformação do próprio indivíduo na sua interação social.

Através do jogo, o aprendizado pode ter um enfoque globalizador,

centrado na resolução de problemas reais, em vez de fragmentado com a

transmissão de conteúdos prontos. O psicólogo Luiz Lilienthal, em entrevista

para a revista Psique, 2012, p. 7-11, sobre a Gestalt-terapia, diz que

normalmente as pessoas se aliviam de angústias quando conseguem integrar.

À medida que o indivíduo é um e não pedaços que se formam, ele se sente

muito mais forte, se sente com mais possibilidades de estar no mundo e lidar

com ele. Ao ser perguntado se, no seu método terapêutico, não há análise e

sim integração, Lilienthal responde:

31

“Importante relembrar o sentido da palavra análise.

Etimologicamente a palavra quer dizer dividir as partes em

componentes. Se eu for estudar um tijolo, por exemplo,

preciso dividi-lo ao meio. Pego a metade e divido e assim

por diante até ter uma minúscula partícula na ponta do

dedo. Posso pegar isso e colocá-la no microscópio ou fazer

alguma análise química. Só que se eu não prestei atenção,

talvez eu tenha perdido as informações mais importantes

que eu tinha sobre este tijolo que são a forma e a função

do objeto.” (Revista Psique, 2012, p. 9)

Algumas escolas já seguem uma tendência sistêmica, interdisciplinar,

como a Escola da Vida (The School of Life), idealizada pelo filósofo suíço Alain

de Botton, que propõe aulas interativas, que pedem a contribuição do aprendiz,

gerando um sentimento de que todos estão aprendendo juntos. Ele acredita

que uma educação com coesão de saberes é necessária e afirma em

entrevista para a revista Vida Simples:

“Todos nascemos com um desejo inato de juntar

conhecimento, mais do que isso, conhecimento sobre nós

mesmos. O que mata essa fome é a maneira tradicional

pela qual as escolas e as universidades ensinam as

pessoas. A maioria das escolas ensina coisas inúteis e

deixa de ensinar o mais importante: autoconfiança, como

lidar com os relacionamentos e pensamento estratégico.”

(Revista Simples, 2012, p. 30)

O programa da escola conta com disciplinas como literatura,

psicanálise, teatro, pintura, história, teoria política e fotografia, e podem

acontecer num jantar, por exemplo. Botton acredita que esses assuntos ajudam

a entender nossa condição, tornando os problemas menos isolados. É

educação e é terapia. Assim também é o jogo, usado no programa televisivo

“Supernanny” do SBT como uma forma de estabelecer um bom convívio entre

pais e filhos. O programa é apresentado pela pedagoga argentina Cris Poli e

32

mostra basicamente a inserção da disciplina no cotidiano de crianças tidas

como problemáticas pelos pais. O interessante do programa é que as

mudanças começam nos adultos, estes sim abalados emocionalmente, por

motivos vários, para organizar a vida em família. Através de jogos realizados

com os adultos, Cris Poli, auxilia na conscientização dos problemas, no resgate

da autoestima, na redescoberta do afeto, na reestruturação familiar e depois

coloca a utilização dos jogos entre os pais e as crianças, mas no contexto do

resgate de laços afetivos entre eles. É um trabalho muito interessante e que

reforça nosso entendimento do jogo como algo maior que mero lazer infantil e

destituído do pensar. Aliás, nem todo jogo é um material pedagógico. Antunes

(2010) explica que o que separa um jogo pedagógico de um outro de caráter

apenas lúdico é que:

“jogos ou brinquedos pedagógicos são

desenvolvidos com a intenção explícita de provocar

uma aprendizagem significativa, estimular a

construção de um novo conhecimento e,

principalmente, despertar o desenvolvimento de uma

habilidade operatória.” (ANTUNES, 2010, P.39)

Para Antunes (2010), existem dois aspectos cruciais no emprego dos

jogos como instrumento de aprendizagem significativa. O primeiro é que o jogo

distante de uma cuidadosa e planejada programação é tão ineficaz quanto um

exercício aeróbio para quem pretende ganhar mobilidade física, e o segundo

aspecto é que uma grande quantidade de jogos reunidos num manual só tem

validade quando rigorosamente selecionados e subordinados à aprendizagem

que se tem em mente como meta. O que importa não é a quantidade de jogos

aplicados, mas a qualidade com que são pesquisados, selecionados e

aplicados. As etapas devem ser nítidas e acompanhar o progresso dos alunos.

Ele sugere também que quatro elementos estejam condicionados à aplicação

dos jogos: a capacidade de se constituir em um fator de autoestima do aluno, e

para isso os jogos devem ser desafios intrigantes e estimulantes; condições

psicológicas favoráveis, ou seja, o jogo deve ser uma “ferramenta de combate

à apatia, um instrumento de inserção e desafios grupais” (p.41); condições

33

ambientais, que tem a ver com a conveniência do ambiente para o sucesso no

uso dos jogos; e fundamentos técnicos. Neste caso, Antunes (2010) coloca que

o jogo não deve ser aplicado caso não haja certeza de sua integral

consecução, que é importante que o jogo não seja interrompido e que o aluno

seja estimulado a encontrar seu próprio caminho.

Nos subcapítulos subsequentes, exemplos de jogos extraídos do livro

de Celso Antunes, “Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências”,

foram selecionados e adaptados para nos aprofundarmos na ideia da utilização

do jogo como ferramenta de ensino-aprendizagem andragógica. Através dos

exemplos, o enfoque sistêmico, de abrangência de saberes, de assuntos

relacionados, fica mais evidente. Antunes (2010) não separa os jogos segundo

faixas etárias e não se preocupa em agrupá-los segundo as habilidades

operatórias que propiciam, o que não quer dizer que os jogos estejam distantes

de classificação, eles estão separados segundo a inteligência que mais

explicitamente estimula, reconhecendo que uma inteligência não é estimulada

isoladamente, e tomando como referência algumas linhas de estimulação,

conforme esquema abaixo, lembrando que algumas não são aplicáveis ao

ensino superior, como alfabetização, por exemplo:

a) Inteligência Linguística: vocabulário, fluência verbal, gramática,

alfabetização, memória verbal;

b) Inteligência Lógico-matemática: conceituação, sistemas de

numeração, operação e conjunto, instrumentos de medida, pensamento lógico;

c) Inteligência Espacial: lateralidade, orientação espacial, orientação

temporal, criatividade, alfabetização cartográfica.

d) Inteligência Musical: percepção auditiva, discriminação de ruídos,

compreensão de sons, discriminação de sons, estrutura rítmica.

34

e) Inteligência Cinestésica-corporal: motricidade e coordenação

manual, coordenação viso-motora e tátil, percepção de formas, percepção de

peso e tamanhos, paladar e audição.

f) Inteligência Naturalista: curiosidade, exploração, descoberta,

interação, aventuras.

g) Inteligência Pictórica: reconhecimento de objetos, reconhecimento

de cores, reconhecimento de formas e tamanhos, percepção de fundo,

percepção viso-motora.

h) Inteligência Pessoal: percepção corporal, autoconhecimento e

relacionamento social, administração de emoções, ética e empatia,

automotivação e comunicação interpessoal.

A utilização de jogos no ensino superior não precisaria estar limitada

aos estímulos às múltiplas inteligências, jogos teatrais podem ser utilizados

com o intuito de auxiliar numa preparação profissional, por exemplo. O Arco-Íris

do Desejo, de Augusto Boal, que se trata de teatro-terapia, pode ser útil tanto

numa sala de aula de psiquiatria quanto para auxiliar um estudante de letras a

enfrentar seu medo de público ou um estudante de engenharia que procrastina

o término do curso há anos a descobrir os elementos que o travam no seu

caminho. Jogos relacionados a dinâmicas de grupo são eficientes em

simulações de situações reais, funcionam como uma forma do estudante

colocar em prática a teoria.

3.1.1 - Inteligência Linguística

O jogo nº 11, do manual de Antunes (2010), chamado Diálogo Confuso,

exige da habilidade da memória verbal e estimula a criatividade e a fluência. Os

alunos são divididos em duplas, que ficam frente a frente. O debate é

cronometrado. O professor determina dois assuntos no debate, um para cada

aluno. Iniciada a marcação do tempo, que deve durar de 20 a 30 segundos,

cada participante deve desenvolver seu argumento, entremeando-o de

35

perguntas feitas ao oponente. Devem falar ao mesmo tempo e o objetivo de

cada aluno é manter a linha de raciocínio de seu tema, atrapalhando o colega.

Ganha ponto um dos oponentes ou os dois, caso não tenham perdido a linha

de raciocínio ao final do tempo.

Outro jogo que também se adequa ao ensino superior é o nº 22,

denominado Bate Papo, exigindo habilidade da fluência verbal e estimula

também o vocabulário e o raciocínio espacial. Antunes (2010) sugere a

utilização de peças de cozinha, ferramentas, mobílias e figuras recortadas de

revistas. A tarefa é criar situações que envolvam a citação dos objetos

presentes através de dramatizações. É uma ideia interessante para uma turma

de futuros publicitários, por exemplo, que podem criar personagens e formar

diálogos, estimulando a criatividade em torno da promoção de um objeto.

Adequado também seria para aspirantes a serem jornalistas investigativos ou

advogados criminais, analisando uma cena onde aconteceu um crime, enfim a

imaginação dos alunos é ilimitada, é só colocar a proposta. Próxima desta

atividade, temos o Teatro Jornal, de Augusto Boal, que consiste em escolher

uma matéria de jornal e encenar à sua maneira o que está descrito no

periódico.

3.1.2 - Inteligência Lógico-matemática

O jogo nº 90, chamado de Brincadeiras com a fita métrica, tem a ver

com a percepção de distâncias lineares e estimula também a noção de espaço

e distância. Nele, o aluno deve explorar a capacidade de medição da sala de

aula, do tamanho de seu passo e de objetos através de uma fita métrica de

plástico ou de madeira ou por meio de improvisos com barbantes. Numa

adaptação para o ensino superior, seria interessante aumentar o nível de

complexidade. Para um aluno de engenharia naval, por exemplo, medir em

metros cúbicos a capacidade de armazenamento de um determinado navio.

Sair da sala de aula, levando a um ambiente favorável a esta prática também

aprimora o jogo; no caso acima, o porto seria ideal.

36

No jogo nº 91, chamado Brincando com fotos, exige da noção de

medida linear e representação em escala, estimulando a noção e aplicação de

escalas, podendo ser utilizadas por estudantes de arquitetura, engenharia,

publicidade, artes, economia etc. Antunes (2010) sugere que os alunos tragam

fotos de revistas ou de familiares e propõe que se faça o contorno do corpo de

um aluno em tamanho natural e sua reprodução em folhas de cadernos, e

depois dessa experiência, trabalhar com as fotos, relacionando o tamanho real

que a mesma representa e as avaliações prováveis de escala presente.

3.1.3 - Inteligência Espacial

O jogo nº 101, chamado de Ampulheta, exigindo a habilidade de

conceituação do tempo e estimulando a noção de formas, propõe que seja

confeccionado uma ampulheta através duas garrafas plásticas, um papel-

cartão resistente com um círculo pequeno. As garrafas são cortadas no sentido

horizontal e unidas pelos gargalos, colocando entre elas o cartão perfurado. A

ampulheta é usada para marcar o tempo enquanto os alunos estão

desenvolvendo outras atividades. A noção de tempo na realização do trabalho

é importante em quase todas as profissões. Um professor, ao preparar uma

aula, precisa encaixar o conteúdo a ser explanado num determinado período

de tempo. Um médico, numa cirurgia de risco, às vezes precisa agir com

rapidez em alguns procedimentos. Estilistas possuem prazo de entrega de uma

coleção, enfim, o jogo pode ter várias utilidades.

Desenvolvendo a habilidade da criatividade e abrangendo a inteligência

pictórica, temos o jogo nº 137, chamado Modelando, que estimula a destreza

manual e a sensibilidade tátil. Para essa atividade, é necessário jornal picado e

um balde com água. O jornal picado, depois de muitas horas na água,

transforma-se em uma pasta para modelagens de formas de relevo, maquetes

e outras configurações, que podem ser fruto de trabalho e pesquisa de

estudantes de geologia, geografia, publicidade, cenografia, moda, arquitetura,

engenharia, economia, oceanografia, agronomia, enfim qualquer curso no qual

a construção de maquetes e moldes seja útil ou que a destreza manual seja

exigida, como a cirurgia plástica, por exemplo.

37

3.1.4 - Inteligência Musical

O filme do som, nome do jogo nº 144, é proposto para a habilidade de

percepção auditiva e estimula a identificação de ritmo. Com oito a dez

embalagens de filmes de fotografia, são colocados no seu interior: pregos,

pedrinhas, grampos, botões etc. Cada embalagem possui uma letra ou um

número e os alunos devem adivinhar, individualmente ou em dupla, os

conteúdos apenas pelo uso do recurso auditivo. Outras etapas desse jogo

podem ser criadas, dando utilidade a estas embalagens, que agora são

instrumentos sonoros. Uma sugestão pode ser a continuação do jogo, unindo-o

ao nº 153, chamado de Encenasom, para a habilidade de estrutura rítmica,

estimulando a atenção e a expressão corporal. Nele, instrumentos musicais

simples são improvisados para servirem de sonoplastia de uma história trazida

pelo professor. Palavras do texto são associadas à emissão de sons. Por

exemplo, ao falar “bosque”, um pandeiro é brandido, ao dizer “chuva”, um som

de chocalho responde. São exercícios interessantes para estudantes de

cinema e teatro, mas por que não serem atividades de sensibilização,

descontração e de união de grupo num curso de contabilidade?

3.1.5 - Inteligência Cinestésica-corporal

Antunes (2010) propõe com o jogo nº 188 o desenvolvimento da

coordenação motora através de modelagem com massa ou argila, atividade

similar ao de nº137 da inteligência espacial, mencionado anteriormente. Ainda

para a coordenação motora, sugere a confecção de fantoches no jogo nº 190

para a realização de dramatizações, estimulando também a criatividade e a

fluência verbal. Para a coordenação manual, o jogo nº 197, chamado de

Progressão, estimulando a sensibilidade tátil, coloca uma quantidade grande

de objetos diferentes que serão tocados pelos alunos com olhos vendados, que

devem observar o tamanho, a textura, as diferenças entre um objeto e outro.

Seria interessante acrescentar os outros sentidos na experiência: o objeto

produz som? Tem cheiro? Tem sabor? Qual a temperatura? O paladar é

destacado no jogo nº 244, chamado de O castelo dos mil gostos, no qual o

38

professor cria uma história, envolvendo um passeio dos alunos e, ao longo do

mesmo, faz os alunos experimentarem porções pequenas de diferentes

produtos. São citados por Antunes (2010): bala, açúcar, açúcar mascavo,

baunilha, canela, orégano, sal, mel, alecrim, hortelã.

3.1.6 - Inteligência Naturalista

Para estimular a curiosidade, a atenção e a pesquisa, o jogo nº 250,

chamado de Coleções naturais, sugere que os alunos façam coleções de

rochas, minerais, folhas, conchas, cogumelos ou outros produtos, e devem ser

orientados a como classificá-los, como planejar mostruários e que referências

bibliográficas podem ser utilizadas para identificar as peças encontradas.

Alunos de museologia e arqueologia podem se divertir com a atividade, que

também pode ser adaptada para outras áreas de atuação.

No jogo nº 252, chamado de Explorando a natureza, também de

estímulo à curiosidade, à atenção e à pesquisa, convida os alunos a fazerem

um passeio programado e a descobrirem e relatarem elementos da natureza.

Passeios são sempre interessantes, mesmo que não sejam na natureza.

Museus, centros históricos, hospitais, enfim, instituições relacionadas ao futuro

campo de trabalho podem ser fruto de debates e pesquisas. O uso da natureza

na educação pode ser simplesmente sair da sala de aula para realização de

discussões num ambiente diferenciado e que traga outras possibilidades,

trazidas pelo professor e/ou descobertas pelos alunos.

Desenvolvendo a habilidade de partilhar e estimulando o

relacionamento pessoal, o jogo nº 272, chamado de Partilhando, propõe que o

aluno partilhe atividades de estimulação à inteligência naturalista através de

confecção de um mural com histórias coletivas ou observações sobre a

natureza, construção de poemas coletivos, histórias ilustradas e interativas.

O jogo nº 276, chamado de Descobrindo a natureza, para a habilidade

de exploração e descobertas, estimulando a motricidade e a atenção, leva o

aluno a praticar experiências que aprofundam os conhecimentos científicos

39

através de lupa, termômetro e instrumentos meteorológicos, como barômetro e

altímetro.

3.1.7 - Inteligência Pictórica

O jogo Brainstorming - letras, nº 288 do manual de Antunes (2010),

propõe o desenvolvimento da memória e fluência verbais. O professor escreve

na lousa uma letra ou uma sílaba e num determinado espaço de tempo, os

alunos devem escrever o maior número de palavras possíveis, iniciando com a

letra ou com a sílaba apresentada.

O jogo nº 300, chamado Festa na aldeia, para a habilidade de

reconhecimento de cores e formas, tem a ver com a confecção de artefatos

indígenas, tomando o cuidado de utilizar modelos a partir de livros e

enciclopédias. Para Antunes (2010), a atividade é interessante para tirar a ideia

de que as comunidades indígenas são iguais, aprofundando conhecimentos e

operacionalizando conceitos. Prática ideal para historiadores, para estudantes

de moda, de letras, entre outros.

O jogo Vaso de flores, nº 302, também está relacionado ao

reconhecimento de cores, formas e tamanhos, e às estimulações da

sensibilidade tátil e da inteligência naturalista. Nele, o aluno é convidado à

confecção de diferentes tipos de flor, que também podem ser pesquisados em

livros e enciclopédias. Atividade interessante para admiradores de botânica e

agronomia, e para aqueles que precisam desenvolver habilidades manuais.

O jogo nº 306 trabalha a experiência, a identificação de tamanhos,

noções de equilíbrio e de ciências naturais, ao reunir lâmpadas pequenas,

como as de enfeite natalino, uma pilha, fio elétrico e fita crepe, para realizar

uma experiência elétrica, que é o nome da atividade. Conceitos de ciências e

estudos sociais podem ser desenvolvidos pelo professor, gerando debates.

O jogo Cientista das cores, nº 317, propõe o uso de café, açúcar,

farinha, chocolate e outros para inventar cores a partir de diferentes misturas.

40

As habilidades trabalhadas aqui são a percepção e reconhecimento de cores,

atenção e acuidade visual, que seriam interessantes tanto para estudantes de

química quanto artistas plásticos. A arte pode ser útil em áreas incomuns a ela,

como o jogo nº 318, que estimula a percepção de fundo, sugerindo um teatro

de sombras, feito com uma lanterna, com o uso das mãos e objetos. Esse jogo

pode ser realizado em cursos que desejem trabalhar a criatividade através de

dramatizações.

3.1.8 - Inteligência Pessoal

O jogo nº 322 para desenvolvimento do autoconhecimento, do

relacionamento social e a legitimação dos estados emocionais, propõe estudos

de caso de situações familiares e escolares que despertem diferentes estados

de emoção.

No nº 328, chamado de sinais de trânsito, com o objetivo de auxiliar na

administração de emoções e estimular a observação e o autoconhecimento,

requer que haja um mural montado na sala de aula, com o retrato de cada um

dos alunos e abaixo o seu nome. Círculos verdes, amarelos e vermelhos ficam

dispostos numa caixa ao lado do mural. Os alunos são convidados a

perceberem seus estados de emoção e a identificarem através dos círculos:

verde = ótimo, feliz, entusiasmado; amarelo = apatia, indiferença, conformismo;

vermelho = aborrecido, chateado, inseguro. O aluno tem ampla liberdade para

falar ou não do seu estado emocional.

O nº 333, também aplicável ao ensino superior, propõe questionários

para o autoconhecimento emocional e estimulação interpessoal. Há perguntas

como: Como você reage quando vê um amigo ou um adulto perder a calma e

tornar-se agressivo? Em situações muito tensas, quais costumam ser suas

reações? Em quais situações vive estados de medo? Qual a diferença entre

alegria e felicidade, em sua opinião?

41

CONCLUSÃO

Os jogos para a estimulação das múltiplas inteligências como

ferramenta de ensino-aprendizagem, apesar de serem aplicadas com mais

frequência no ensino infantil, podem ser eficientes no ensino superior, desde

que bem selecionadas ou criadas ou adaptadas, conforme o caso, e aplicadas

com objetivos bem determinados, respeitando o tempo do aluno no seu

desenvolvimento individual. Para isso, o entendimento do processo de

aprendizagem e de tendências comportamentais na fase adulta torna-se fator

determinante no sucesso da inserção de atividades lúdicas no ensino superior.

É importante considerar que não há uma inteligência única, mas

múltiplas inteligências, ou seja, não há um indivíduo mais inteligente que outro

e sim indivíduos com habilidades diferentes, que podem ter essas

competências enfatizadas ou outras, mais deficientes, estimuladas e

desenvolvidas. E, já que não há inteligência única, também não há

personalidade única, identidade única, identificações únicas, trazendo desafios

ao professor, que deve entender o ensino-aprendizagem, seja ele pedagógico

ou andragógico, como processo, como devir, plural e complexo, que provoca

diferentes reações na sua produção e recepção, e que tais características não

significam impossibilidade de organização e planejamento, mas que estes

devam ter margens de transformação de acordo com as necessidades. Alguns

alunos se adequam mais a determinadas propostas do que outros, portanto, é

necessário pensar em como abranger o trabalho e integrar todos. A utilização

de jogos que considerem que há toda essa complexidade no ser humano pode

ser uma alternativa eficaz na abrangência do trabalho de planejamento e

atuação andragógicos.

Os benefícios do uso de jogos em indivíduos na fase adulta em

preparação para o mercado de trabalho são vários, como pudemos atestar

através desta pesquisa, tais como maior autoestima, autoconhecimento, maior

autoconfiança; desenvolvimento do senso crítico e da percepção sensorial; o

resgate da curiosidade, da exploração e da aventura; aumento dos vínculos

42

afetivos; noções de ritmo, musicalidade, espaço e tempo; conscientização

corporal; respeito às diferenças nos relacionamentos interpessoais; fluência

verbal; experiências de raciocínio lógico; exercícios mentais que combatam a

demência e doenças como o mal de Alzheimer; e o domínio de áreas até então

estagnadas, que o indivíduo acreditava não possuir aptidão.

Sua aplicação pode trazer uma nova perspectiva para as

universidades, numa proposta que coloca o estudante num ambiente de

aprendizado de enfoque sistêmico, já que há uma coesão de saberes, as

disciplinas podem estar associadas entre si e mais de uma inteligência é

estimulada.

43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

BOAL, Augusto. Jogos para Atores e Não-Atores. Rio de Janeiro: Civilização

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de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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1998.

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fundamentos esquecidos do humano do patriarcado à democracia. São Paulo:

Palas Athena, 2004.

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humanos na sala de aula. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2010.

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São Paulo: Editora Abril, 2012.

SAVAGLIA, Fernando. Em busca da integração. Revista Psique, ano VI, nº 74.

São Paulo: Editora Escala, 2012.

44

WEBGRAFIA

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FERRARI, Márcio. Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no

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pedagogica/jean-piaget-428139.shtml> data de acesso: 15/08/2012.

FERRARI, Márcio. Pedagogia: Lev Vygotsky. <URL:

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STEFANI, Ingrit. Reflexões sobre Pedagogia Progressista. <URL:

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progressista/18875/#ixzz23jCq68AW> data de acesso: 16/08/2012.

<URL: http://blog.metodo.srv.br/category/empreendedorismo/andragogia> data

de acesso: 16/10/2008.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

O JOGO 10

1.1 – Jogo: origens e funções 11

1.1.1 – Teorias para uma conceituação do jogo 11

1.1.2 – O papel do jogo na educação 13

CAPÍTULO II

AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS 20

2.1 – A aprendizagem 20

2.1.1 – Definição e características 20

2.1.2 – Plasticidade cerebral 22

2.1.3 – Motivação para a aprendizagem 23

2.1.4 – Características dos adultos na aprendizagem 26

2.2 – Inteligências múltiplas para uma nova educação 28

CAPÍTULO III

JOGOS NO ENSINO SUPERIOR 30

3.1 – Jogos no ensino superior: enfoque sistêmico 30

3.1.1 – Inteligência linguística 34

3.1.2 – Inteligência lógico-matemática 35

3.1.3 – Inteligência espacial 36

3.1.4 – Inteligência musical 37

46

3.1.5 – Inteligência cinestésico-corporal 37

3.1.6 – Inteligência naturalista 38

3.1.7 – Inteligência pictórica 39

3.1.8 – Inteligência pessoal 40

CONCLUSÃO 41

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43

WEBGRAFIA 44

ÍNDICE 45